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i JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (4.º TRIMESTRE DE 2015) Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) – à semelhança do que fazemos em relação às decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e do Tribunal de Contas –, relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional. TAX & BUSINESS A presente Informação Fiscal é relativa ao 4.º Trimestre de 2015. A presente Informação destina-se a ser distribuída entre Clientes e Colegas e a informação nela contida é prestada de forma geral e abstracta. Não deve servir de base para qualquer tomada de decisão sem assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto. O conteúdo desta Informação não pode ser reproduzido, no seu todo ou em parte, sem a expressa autorização do editor. Caso deseje obter esclarecimentos adicionais sobre este assunto contacte [email protected]. 01 *** Esta Informação é enviada nos termos dos artigos 22.º e 23.º do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro, relativa ao envio de correio electrónico não solicitado. Caso pretenda ser removido da nossa base de dados e evitar futuras comunicações semelhantes, por favor envie um email com “Remover” para o endereço email [email protected]. Best Lawyers - "Tax Lawyer of the Year" 2014 Legal 500 – Band 1 Tax “Portuguese Law Firm” 2013 International Tax Review –"Best European Newcomer" (shortlisted) 2013 Chambers & Partners – Band 1 “RFF Leading Individual “ 2013 Who´s Who Legal – “RFF Corporate Tax Adviser of the Year” 2013 IBFD – Tax Correspondents Portugal, Angola and Mozambique www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 1. Número do processo: C-66/14 Nome: Finanzamt Linz contra Bundesfinanzgericht, Außenstelle Linz Data: Acórdão de 6 de Outubro de 2015 Assunto: Liberdade de estabelecimento – Tributação dos grupos de sociedades – Aquisição de uma participação no capital de uma filial – Limitação às participações em sociedades residentes Factos A IFN Beteiligungs GmbH (doravante, abreviadamente designada por “IFN”) detinha, entre outras, uma participação de 99,71% do capital social da IFN‑Holding AG (doravante, abreviadamente designada por “IFN‑Holding”) que, por sua vez, deteve 100% do capital social da CEE Holding GmbH (“CEE”). Em 2005, a CEE havia adquirido 100% do capital social da HSF s.r.o. Slowakei (“HSF”), sociedade com sede na Eslováquia. No âmbito das declarações de imposto da CEE e da IFN-Holding para os anos de 2006 a 2010, amortizou-se o valor comercial da HSF, correspondente ao montante de 1/15 da metade do preço de compra (isto é, 5,5 milhões de euros). Contudo, as sociedades em apreço verificaram que a Lei relativa ao imposto sobre as sociedades vigente na Áustria determina que a amortização do valor comercial das sociedades se aplica tão-somente a sociedades residentes na Áustria (HSF é residente na Eslováquia). Neste contexto, entendem as sociedades envolvidas que a limitação prevista na Lei relativa ao imposto sobre as sociedades viola a liberdade de estabelecimento, nos termos do disposto nos artigos 49.º e 54.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), sendo, consequentemente, contrária ao Direito da União Europeia (“UE”). No âmbito do litígio nacional em que se discutiu o reconhecimento das amortizações do valor comercial da HSF, foram submetidas ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) as seguintes questões prejudiciais: www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 02 (i) as disposições sobre ajudas de estado (artigo 107.º e 108.º do TFUE) opõem-se à legislação de um Estado-Membro que, no âmbito da tributação do grupo de sociedades, permite a uma sociedade-mãe, em caso de aquisição de uma participação numa sociedade residente que se torna membro desse grupo, proceder à amortização do goodwill dessa sociedade até ao limite de 50% do preço de compra da participação, mas que proíbe a mesma operação em caso de aquisição de uma participação numa sociedade não residente, com sede noutro Estado-Membro? (ii) as disposições sobre a princípio da liberdade de estabelecimento (artigo 49.º e 54.º do TFUE) opõem-se à legislação de um Estado-Membro que, no âmbito da tributação do grupo de sociedades, permite a uma sociedade-mãe, em caso de aquisição de participação numa sociedade residente que se torna membro desse grupo, proceder à amortização do goodwill dessa sociedade até ao limite de 50% do preço de compra da participação, mas que proíbe a mesma operação em caso de aquisição de uma participação numa sociedade não residente, com sede noutro Estado-Membro? Apreciação do Tribunal Relativamente à primeira questão, o TJUE considera que a mesma não é admissível, na medida que não tem relação com o objecto principal. Quanto à segunda questão, o TJUE refere, em primeiro lugar, que as disposições do TFUE relativas à liberdade de estabelecimento se destinam a assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, mas também se opõem a que o Estado‑Membro de origem limite o estabelecimento noutro Estado‑Membro de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação, em especial por intermédio de uma filial. A liberdade de estabelecimento é restringida sempre que uma sociedade residente que detém uma filial noutro Estado‑Membro sofre uma diferença de tratamento fiscal desvantajosa, em relação a uma sociedade residente que detém uma filial no primeiro Estado‑Membro. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 03 Nestes termos, a legislação em causa é susceptível de criar uma vantagem fiscal para uma sociedade‑mãe que adquire uma participação numa sociedade residente, sempre que o valor comercial desta última é positivo. Tal diferença de tratamento só poderá ser admitida se respeitar a situações que não sejam objectivamente comparáveis ou se justificada por uma razão imperiosa de interesse geral. Neste contexto, o carácter comparável de uma situação transfronteiriça com uma situação interna deve ser examinado tendo em conta o objectivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa. Ora, a intenção do legislador austríaco foi criar um estímulo fiscal à constituição de grupos de sociedades, assegurando uma igualdade de tratamento entre a compra de activos de exploração e a compra de participações na sociedade que possui a exploração. Considerando o propósito do legislador austríaco, e uma vez que, por força da legislação em causa, um grupo de sociedades pode ser constituído por sociedades quer residentes quer não residentes, verifica-se que, por um lado, a situação de uma sociedade‑mãe que queira constituir esse grupo com uma filial residente e, por outro, a situação de uma sociedade‑mãe residente que queira constituir um grupo de sociedades com uma filial não residente são objectivamente comparáveis, visto que uma e outra procuram beneficiar das vantagens decorrentes desse regime. A justificação da diferença de tratamento fiscal em causa apenas pode proceder por razões imperiosas de interesse geral, devendo ser, também, apta a garantir a realização de tal objectivo, não extravasando o limite do necessário para o alcançar. A Áustria considera que a diferença de tratamento, instituída pela legislação como a que está em causa no processo principal, é justificada quer pelo princípio da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros; quer pela necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal. Contudo, no que se refere à repartição equilibrada do poder de tributação, refere o TJUE que a norma em análise opera independentemente da circunstância em que a sociedade na qual a participação é adquirida, realiza lucros ou sofre perdas, pelo que não respeita ao www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 04 exercício do poder de tributação referente a lucros e perdas da sociedade, nem, consequentemente, à repartição de um poder de tributação entre os Estados Membros. Já relativamente à coerência do sistema fiscal, entende o TJUE que não se pode considerar que existe um nexo directo entre a referida vantagem fiscal e o encargo fiscal em apreço, que consiste na imputação fiscal à sociedade‑mãe de um lucro realizado pela sociedade na qual a participação é adquirida, mesmo admitindo que esta última realiza, em quaisquer circunstâncias, lucros e não perdas. O facto de ser possível proceder à tributação da mais-valia em caso de cessão da participação não constitui uma consideração de coerência fiscal susceptível de justificar a recusa da referida vantagem fiscal no presente caso. Decisão Em face do exposto, o TJUE entendeu que o Direito da União, e, em particular, o princípio da liberdade de estabelecimento se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, que, no âmbito de uma tributação de um grupo de sociedades, permite a uma sociedade‑mãe, em caso de aquisição de participação numa sociedade residente que se torna membro desse grupo, proceder à amortização do valor comercial da empresa até ao limite de 50% do preço de compra da participação, mas proíbe essa amortização em caso de aquisição de uma participação numa sociedade não residente. Considera o TJUE que a legislação austríaca em causa cria uma diferença de tratamento entre situações objectivamente comparáveis, que não são justificadas por razões imperiosas de interesse geral. Implicações no direito português A presente Decisão auxilia na interpretação do princípio da liberdade de estabelecimento, clarificando os mecanismos que colocam entraves inadmissíveis a este princípio, em particular ao nível do regime de tributação dos Grupos de Sociedade. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 05 2. Número dos processos: C-264/14 Nome: Nome: Skatteverket contra David Hedqvist Data: Acórdão de 22 de Outubro de 2015 Assunto: Isenção de IVA nas operações de câmbio da divisa virtual “bitcoin” em divisas tradicionais Factos David Hedqvist (doravante, abreviadamente designado por “D. Hedqvist”), cidadão sueco, pretende prestar serviços que consistem no câmbio de divisas tradicionais pela divisa virtual “bitcoin”, e vice-versa, procurando levar a cabo as suas operações de forma electrónica, recorrendo ao sítio da sua sociedade na internet. D. Hedqvist pretende, através da sua sociedade, comprar unidades da divisa virtual “bitcoin” directamente a particulares e empresas, ou através de uma plataforma de câmbio internacional, revendendo ou armazenando, posteriormente, tais unidades. A actividade operada por D. Hedqvist incide apenas na compra e venda “bitcoin”, em troca de divisas internacionais, como a coroa sueca, ou vice-versa, não se reportando ao pagamento através desta mesma divisa. O preço praticado pela sociedade em causa aferese por via do preço vigente numa plataforma de câmbio específica, a que acresce uma determinada percentagem. O lucro da sociedade traduzir-se-á na diferença entre o preço de compra e o preço de venda. Em termos sucintos, a “bitcoin” é uma divisa virtual utilizada para os pagamentos na internet entre particulares, bem como em determinadas lojas, que a aceitam. Tal divisa não tem um emissor único, sendo directamente criada numa rede através de um algoritmo especial. O sistema “bitcoin” autoriza a posse e a transferência anónimas de montante de “bitcoin” dentro da rede, por utilizadores que tenham endereços “bitcoin”. Um endereço “bitcoin” pode ser comparado a um número de conta bancária. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 06 D. Hedqvist solicitou um parecer prévio à comissão de direito fiscal sueca, procurando saber se devia ser pago IVA na compra e venda de unidades de “bitcoin”. A Comissão pronunciou-se sobre a questão, concluindo que D. Hedqvist prestará um serviço de câmbios oneroso. Contudo, o sistema “bitcoin” não se incluiria nos meios de pagamento sujeitos a IVA, na medida em que constitui um meio de pagamento utilizado de forma análoga aos meios de pagamento com valor liberatório, pelo que as operações que D. Hedqvist projecta fazer deveriam estar isentas de IVA. O Skatteverket (“Autoridade Fiscal da Suécia”), ao não concordar com o entendimento prévio da comissão, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo sueco alegando que o serviço em causa não se encontra isento de IVA. No seguimento do presente litígio, o Supremo Tribunal Administrativo da Suécia, submeteu ao TJUE, as seguintes questões prejudiciais: (i) as operações que apresentem a forma de câmbio de divisas virtuais por divisas tradicionais, e vice-versa, efectuadas, mediante uma contraprestação, devem ser entendidas como prestações de serviços efectuadas a título oneroso, relativamente ao papel que o prestador de serviços desenvolve no cálculo das taxas de câmbio? (ii) em caso de resposta afirmativa à questão anterior, devem considerar-se tais operações de câmbio isentas de IVA, mediante o entendimento de que este apenas incide sobre os meios de pagamento “papel-moeda” e “moeda”? Apreciação do Tribunal O TJUE entende que as operações de câmbio de divisas tradicionais por divisas virtuais “bitcoin” (e vice-versa) constituem prestações de serviços efectuadas a título oneroso, na acepção da Directiva IVA, pois têm como única finalidade servir como meio de pagamento, além de que não cabem no conceito de “entrega de bens”, nem podem ser qualificadas como “bem corpóreo”. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 07 Adicionalmente, e no que respeita ao carácter oneroso da prestação de serviços, entende o TJUE que se verifica o nexo directo entre o serviço prestado por D. Hedqvist e o contravalor efectivo que este recebe pelo serviço prestado ao beneficiário. De facto, o pagamento das operações em causa, que consistem no câmbio de divisas internacionais por unidades da divisa virtual “bitcoin”, corresponde à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes. Em suma, o TJUE considerou que as operações que D. Hedqvist procura desenvolver se tratam de prestações de serviços efectuadas a título oneroso. No que concerne à possibilidade de a sociedade em referência beneficiar da referida isenção de IVA, o TJUE procedeu a uma tentativa de enquadramento das operações em apreço nas isenções previstas na Directiva IVA. Quanto à isenção existente no âmbito de operações relacionadas com “depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio”, o Tribunal concluiu que, tratando-se a divisa virtual “bitcoin” de um meio de pagamento contratual, não pode assim ser equiparada a uma “conta corrente”, “depósito de fundos”, “pagamento” ou “transferência”, não podendo igualmente ser enquadrada como “créditos”, “cheques” e “outros efeitos de comércio”, visto que esta constitui um meio de pagamento directo entre os operadores que a aceitam. Por outro lado, relativamente à isenção da Directa IVA sobre operações relativas a “divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório”, importa recordar que as isenções previstas na presente Directiva destinam-se, nomeadamente, a mitigar as dificuldades inerentes à determinação do valor tributável, assim como do montante do IVA dedutível, que surgem no âmbito da tributação das operações financeiras. Ora, as operações relativas a divisas tradicionais, ou seja, diversas das moedas com valor liberatório num ou mais países, constituem operações financeiras, desde que tenham sido aceites pelas partes numa transacção como meio de pagamento alternativo aos meios com valor liberatório e não tenham uma finalidade que seja a de servir de meio de pagamento. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 08 Contudo, tal interpretação no sentido de que só incide sobre as operações relativas às divisas tradicionais equivaleria a privar tal isenção de uma parte dos seus efeitos. Neste sentido, considera o TJUE que a isenção prevista na Directiva IVA incide também sobre prestações de serviços como aquela que está em causa no processo principal. Por último, e relativamente à isenção respeitante a “acções, participações em sociedades ou em associações e obrigações”, tais como, títulos que conferem um direito de propriedade sobre pessoas colectivas, e os “demais títulos”, que se deve considerar que têm natureza comparável à dos títulos especificamente mencionados na isenção em referência (cfr. artigo 135.º, n.º 1, alínea f) da Directiva IVA), entende o TJUE que a divisa virtual “bitcoin” não se encontra abrangida, considerando que tal divisa não constitui um título que confere um direito de propriedade sobre pessoas colectivas, nem um título de natureza comparável. Decisão O TJUE conclui que as operações de câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual “bitcoin”, e vice-versa, efectuadas mediante o pagamento de uma quantia que corresponde à margem constituída pela diferença entre o preço pelo qual o operador compra as divisas e o preço que as vende aos seus clientes, devem integrar o conceito de “prestações de serviços efectuadas a título oneroso”. O TJUE considera ainda que tais operações estão isentas de IVA por força da disposição sobre as operações relativas a “divisas, papel-moeda e moeda com valor liberatório” (cfr. artigo 135.º, n.º 1, alínea e), da Directiva IVA). Implicações no direito português A presente decisão auxilia na interpretação das normas do Código do IVA, que transpõe a Directa IVA em análise, designadamente ao nível das isenções concedidas para as prestações de serviços que tenham por objecto transmissão de divisas, em concreto, o artigo 9.º, número 27.º, alíneas c), d) e e) do Código do IVA. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 09 3. Número dos processos: C-277/14 Nome: PPUH Stehcemp sp. J. Florian Stefanek, Janina Stefanek, Jaroslae Stefanek contra Dyrektor Izby Skarbowej w Łodzi Data: Acórdão de 22 de Outubro de 2015 Assunto: Direito a dedução do IVA na compra de bens a uma entidade considerada inexistente Factos A PPUH Stehcemp (doravante abreviadamente designada por “PPUH”) efectuou, durante o ano de 2004, várias compras de combustível “diesel”, que veio a utilizar no âmbito da sua actividade económica. As facturas respeitantes a estas compras foram emitidas pela Finnet sp. z o.o. (doravante designada por “Finnet”). A PPUH efectuou a dedução do IVA pago pelo combustível adquirido. A Administração Fiscal da Polónia, no âmbito de uma inspecção tributária, negou o direito de deduzir o IVA, fundamentando tal decisão no facto de a emissão das facturas ter sido efectuada por um operador inexistente. A referida decisão foi confirmada pelo Dyrektor Izby Skarbowej w Łodzi (“Director da Direcção de Finanças de Łodzi”, Polónia). Com efeito, a consideração da Finnet como operadora inexistente advinha do facto de esta não estar registada para efeitos de IVA, para além de não entregar a correspondente declaração fiscal, não pagar os impostos devidos, entre outros. A PPUH interpôs recurso para o Tribunal Administrativo de Lódz contra a decisão do Director da Direcção de Finanças de Łodzi, recurso esse que não teve sucesso. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 10 Posteriormente, no âmbito do presente litígio, o Supremo Tribunal Administrativo submeteu ao TJUE as seguintes questões prejudiciais: (i) deve a Sexta Directiva ser interpretada no sentido de que actos praticados, em que nem o sujeito passivo nem a autoridade tributária têm a capacidade de determinar a identidade do fornecedor efectivo de bens, constituem uma entrega de bens? (ii) caso a primeira questão obtenha resposta afirmativa, devem as disposições da Sexta Directiva relativas ao direito à dedução do IVA, ser interpretadas no sentido de que se opõem a disposições nacionais que não permitem ao sujeito passivo deduzir o imposto pago a montante, em virtude de a factura ter sido emitida por uma pessoa que não é a que efectivamente realizou a entrega dos bens, não sendo possível determinar a identidade do fornecedor efectivo dos bens? Apreciação do Tribunal Relativamente às questões submetidas, o TJUE considera que o cerne da questão reside exactamente em saber se as disposições da Sexta Directiva devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que recusa aos sujeitos passivos o direito de deduzir o IVA ou pago relativamente a bens que lhes foram entregues, pelo facto de a factura ter sido emitida por um operador inexistente. Entende o TJUE que, tal como resulta da jurisprudência anteriormente proferida, o direito de dedução é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, por norma, sofrer limitações, e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efectuadas a montante. O TJUE elenca as condições materiais para a constituição do direito à dedução, quais sejam: (i) o interessado deverá ser um sujeito passivo no sentido da Sexta Directiva; (ii) os bens e serviços invocados para exercer a dedução devem ser utilizados por este sujeito no âmbito das suas próprias operações tributadas, e (iii) esses bens ou serviços deverão ter sido entregues ou prestados por outro sujeito passivo. Relativamente às obrigações formais, o sujeito passivo deve ser detentor de uma factura emitida em conformidade com os requisitos determinados na Sexta Directiva. Em concreto, no processo principal em causa, apesar de a PPUH cumprir os requisitos www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 11 exigidos para o exercício do direito à dedução, a Finnet, muito embora esteja inscrita no registo comercial, é considerada, em face da regulamentação nacional, um operador inexistente à data das entregas de combustível. Por outro lado, o TJUE salienta o facto de o critério da existência do fornecedor dos bens, ou do seu direito de emitir facturas, não se afigurar como condição necessária exigida pelas normas aplicáveis da mencionada Directiva. Com efeito, prevê a Sexta Directiva que o fornecedor deverá configurar, na sua acepção, o conceito de sujeito passivo. Considerando o exposto, reitera o TJUE que os critérios exigidos pela regulamentação nacional não podem ser contrários aos requisitos constantes na Sexta Directiva IVA. Ora, no entender do TJUE, a Finnet, e a actividade económica por ela exercida, não parecem excluídas da sujeição de IVA concedida ao abrigo da Sexta Directiva, não sendo este entendimento fragilizado pelo estado do imóvel onde está situada a sede social da Finnet, que não permitiria o desenvolvimento de nenhuma actividade económica, ou pela impossibilidade de contactar a Finnet ou a pessoa inscrita como seu director no registo comercial. Para além disso, a Sexta Directiva não exige que a qualidade de sujeito passivo dependa de uma autorização ou licença concedida pela Administração para o seu exercício de uma actividade económica. Assim, o TJUE sustenta que um eventual incumprimento pelo fornecedor de bens da obrigação de declaração do início de actividade tributável não põe em causa o direito a dedução do destinatário da entrega dos bens no respeitante ao IVA pago por estes. Note-se que relativamente às entregas de combustível em causa, as restantes condições materiais do direito de dedução estavam cumpridas. Com efeito, e considerando o conceito de “entrega de bens” nos termos da Sexta Directiva, o TJUE assinala que esta se refere a qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que atribui a outra parte o poder de dispor dele, enquanto www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 12 proprietário desse bem. A PPUH pagou efectivamente o IVA e apesar de o fornecedor dos bens, a Finnet, poder não ter pago o IVA devido, tal não deve colocar em risco o direito de sujeito passivo de deduzir o IVA pago por ele. Contudo, o pedido de decisão prejudicial indica, na sequência das circunstâncias do caso sub judice, a suspeição de que as operações em causa possam não ter sido efectuadas pela Finnet, mas por outro operador não identificável. Na sequência de tal suspeita, o TJUE, reiterando o combate à fraude como um dos principais objectivos da Sexta Directiva, afirma que, no caso de as autoridades nacionais conseguirem provar essa mesma fraude, através de elementos objectivos, cabe-lhes negar o direito à dedução de IVA. Decisão Conclui o TJUE que as disposições da Sexta Directiva devem ser interpretadas no sentido de que são incompatíveis com uma regulamentação nacional, tal como aquela que está em causa no processo, que recuse a um sujeito passivo o direito de deduzir o IVA devido ou pago respeitante a bens que tenham sido entregues, com fundamento no facto de a factura ter sido emitida por um operador que deva ser considerado inexistente e de não ser possível a determinação do efectivo fornecedor de bens, tendo em conta os critérios previstos nessa regulamentação. Este entendimento é, contudo, excepcionado no caso de se provar, através de elementos objectivos, e sem serem exigidas ao sujeito passivo critérios que não lhe competem, que este último sabia ou tinha obrigação de saber, que a entrega dos referidos bens estava envolvida num sistema fraudulento em sede de IVA, o que, neste caso cumpre ao Supremo Tribunal Administrativo, verificar. Implicações no direito português 13 O presente Acórdão contribuiu para auxiliar na interpretação das matérias relativas à dedução do IVA, esclarecendo o seu alcance e, bem assim, os limites dentro dos quais aquele não poderá ser limitado pelas regulamentações nacionais ao sujeito passivo. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 4.. Número do processo: C-595/13 Nome: Staatssecretaris van Financien contra Fiscale Eenheid X NV cs Data: Acórdão de 9 de Dezembro de 2015 Assunto: Isenção de IVA nas operações de gestão de fundos comuns de investimento Factos Fiscale Eenheid X NV cs (doravante abreviadamente designada por “X NV”) é uma sociedade, sujeito passivo de IVA, que integra a Beheer NV. Durante o ano de 1996, a Beheer NV celebrou contratos de prestação de serviços de diversos tipos com três sociedades sediadas nos Países Baixos, as quais não faziam parte de X NV, e foram constituídas por vários fundos de pensões. A actividade das referidas sociedades consiste na angariação de detentores de participações ou de certificados de participação, na compra e venda de bens imóveis e na respectiva exploração. Tais sociedades não possuem qualquer trabalhador, e os seus accionistas exigem resultados sob a forma de pagamento de dividendos. A Beheer NV, através da celebração de contratos a título oneroso, fica vinculada a serviços de natureza diversificada, os quais são desempenhados por si ou por terceiros por sua conta e responsabilidade. Do elenco dos serviços prestados, são exemplo a gestão do património das sociedades mandantes, a prossecução de todas as actividades de natureza executiva a que as sociedades mandantes estejam obrigadas por força de disposições legais, estatutárias, regulamentares ou de decisões administrativas, bem como a realização dos relatórios financeiros. Para cada uma das tarefas, a Beheer NV obtém uma remuneração que se traduz em 8% da renda anual teórica dos bens imóveis pertencentes ao património da sociedade em questão. A X NV não liquidou IVA sobre as remunerações recebidas dessas três sociedades, tendo considerado que as prestações efectuadas, por si ou através de terceiros sob sua responsabilidade, estariam isentas, ao abrigo da isenção prevista na Sexta Directiva IVA para operações de gestão de fundos comuns de investimento. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 14 Contudo, o Inspector da Autoridade Tributária nacional dos Países Baixos, não concordando com tal posição, notificou a X NV de um aviso de liquidação adicional de IVA relativamente ao exercício de 1996. Nesse seguimento, a X NV apresentou reclamação, conseguindo lograr a redução do montante da liquidação adicional. Em consequência deste litígio, foram submetidas ao TJUE, as seguintes questões prejudiciais: (i) o capital reunido por uma sociedade criada por mais de um investidor unicamente com a finalidade de investir em bens imóveis pode ser considerado um fundo comum de investimento, ao abrigo da Sexta Directiva? (ii) caso a primeira pergunta obtenha resposta afirmativa, o conceito de “gestão” [cfr. disposto no artigo 13.º, B, alínea d) do ponto 6 da Sexta Directiva] abrange a exploração efectiva dos imóveis da sociedade, os quais foram confiados por esta a um terceiro? Apreciação do Tribunal No respeitante à primeira questão, relativa ao conceito de “fundo comum de investimento”, o TJUE considera que as isenções previstas na Sexta Directiva, que se referem às operações de “gestão de fundos comuns de investimento”, constituem conceitos autónomos do Direito da União, os quais, devem, por norma, ter uma definição comum, excepto quando seja o próprio legislador a possibilitar que sejam os EstadosMembros a definir determinados termos de uma isenção. Ora, a isenção em causa é exactamente um dos casos em que os Estados-Membros têm liberdade para definir o conceito de “fundo comum de investimento”, tendo como limite a proibição de afectar os termos de isenção utilizados pelo legislador da União, e respeitar os objectivos prosseguidos pela Sexta Directiva e o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. O objectivo da isenção das operações ligadas à gestão de fundos de investimento é facilitar aos investidores o investimento em títulos através de organismos de investimento, excluindo os custos de IVA, e assegurando assim a neutralidade do sistema comum de IVA. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 15 Neste âmbito, é entendimento do TJUE que são considerados fundos comuns de investimento, e isentos de IVA, os investimentos abrangidos pela Directiva que regula os Organismos de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários (“OICVM”), ou que, têm características semelhantes a estes e efectuam as mesmas operações, ou que, pelo menos, têm características de tal forma comparáveis que se encontram numa relação de concorrências com os organismos de investimento colectivo. Ora, segundo o TJUE, as sociedades em causa no processo principal não podem ser consideradas um organismo de investimento colectivo, na acepção da Directiva OICVM, na medida em que se trata de um investimento exclusivamente composto por bens imóveis. Contudo, como referiu a advogada-geral, a isenção de IVA em causa é aplicável a organismos de investimento sujeitos a uma supervisão específica por parte do EstadoMembro (algo que no caso concreto é desconhecido pelo TJUE, que entende por sua entende que tal apreciação incumbe ao Tribunal Supremo dos Países Baixos). Sem prejuízo do exposto, entende ainda o TJUE que, para efeitos da mencionada apreciação, é ainda necessário que as sociedades em causa apresentem outras características necessárias para que possam ser qualificadas como fundos comuns de investimento, susceptíveis de beneficiar da isenção de IVA em causa. Em face do exposto, considera-se que as sociedades em causa podem configurar fundos comuns de investimento, uma vez que o capital é detido por diversos investidores, que assumem o risco da gestão dos activos presentes nas correspondentes sociedades, com o objectivo de comprar, possuir, gerir e vender bens imóveis, de forma a obter lucro, que irá ser distribuído pelos titulares das participações sociais detidas, sob a forma de dividendos. Já entendeu o TJUE, em jurisprudência anterior, que os fundos de pensões de empresas podem ser considerados fundos comuns de investimento, uma vez que são financiados pelos beneficiários das pensões pagas, que os fundos acumulados são investidos segundo os princípios da repartição do risco e que o risco dos investimentos é suportado pelos beneficiários. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 16 Assim, desde que os investimentos (em valores mobiliários ou em bens imóveis) estejam sujeitos a uma supervisão específica por parte do Estado em causa, há concorrência directa entre tais formas de investimentos, pelo que, segundo o princípio da neutralidade fiscal, as prestações de serviço que estejam em concorrência entre si não podem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA. Com efeito, a isenção de IVA em causa deve ser interpretada no sentido de que as sociedade de investimento como as que estão em causa no processo principal, nas quais o capital é reunido por vários investidores que suportam o risco associado à gestão de activos nela reunidos com vista à compra, à posse, à gestão e à venda de bens imóveis para a obtenção de lucro, que será distribuído pelos titulares de partes sociais sob a forma de dividendo, e do qual também beneficiarão devido ao aumento do valor da sua participação, devem ser consideradas fundos comuns de investimento, na condição de o EstadoMembro em causa submeter essas sociedades a uma supervisão estatal específica. Relativamente à segunda questão remetida ao TJUE, o Tribunal considera fulcral determinar se a gestão, nos termos da Sexta Directiva, atende apenas à compra e à venda dos bens imóveis em causa ou à sua efectiva exploração. O Tribunal refere que a actividade específica de um fundo comum de investimento consiste no investimento colectivo de capitais obtidos incluindo, no caso de um fundo composto por bens imóveis, actividades relativas à escolha, compra e venda de bens imóveis, tarefas de administração e contabilidade. Não obstante, considera que a exploração efectiva de imóveis não é específica da exploração de um fundo comum de investimento na medida em que ultrapassa as diversas actividades relacionadas com o investimento colectivo dos capitais obtidos. A exploração efectiva de bens imóveis destinando-se a preservar e aumentar o património investido não é um objectivo exclusivo da actividade de um fundo comum de investimento, mas transversal a todo o tipo de investimentos. Considerando o exposto, o TJUE considera que o conceito de “gestão” presente na da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de não incluir a exploração efectiva dos bens imóveis de um fundo comum de investimento. www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected] 17 Decisão O TJUE decide no sentido de que as sociedades de investimento como aquelas que estão em discussão no processo principal, em que o capital é reunido por vários investidores, que suportam o risco associado à gestão dos activos nela reunidos, tendo em vista a compra, a posse, a gestão e venda de bens imóveis para a obtenção de lucro, que será distribuído pelos titulares de partes sociais sob a forma de dividendo, devem ser considerados fundos de investimento na acepção da Sexta Directiva, na condição de o Estado-Membro em causa submeter essas sociedades a uma supervisão específica por parte do Estado. Quanto ao conceito de gestão, presente na Sexta Directiva deve ser alvo de uma interpretação que exclua a exploração efectiva dos bens imóveis de um fundo comum de investimento. Implicações no direito português A decisão em análise contribui para a interpretação das normas do Código do IVA que consagram isenções e, concretamente, para a interpretação da norma que prevê a isenção aplicável à administração ou gestão de fundos de investimento, designadamente o artigo 9.º, número 27.º, alíneas g) do Código do IVA. Lisboa, 8 de Fevereiro de 2016. Rogério M. Fernandes Ferreira Marta Machado de Almeida Rita Arcanjo Medalho Pedro Miguel Callapez Tiago Fonte Gonçalves 18 www.rffadvogados.pt Praça Marquês de Pombal, 16 – 5º (Recepção)/6º 1250-163 Lisboa • Portugal T: +351 215 915 220 • F: +351 215 915 244 [email protected]