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Vera Lucia Marques da Silva Denise Chrysóstomo de Moura Juncá Organização Território, Vulnerabilidades e Saúde Campos dos Goytacazes, RJ FBPN/FMC 2012 FUNDAÇÃO BENEDITO PEREIRA NUNES Presidente - Almir Jesus do Nascimento FACULDADE DE MEDICINA DE CAMPOS Diretor Geral - Dr. Nélio Artiles Freitas Vice-Diretora - Drª Maria das Graças Sepulveda Campos e Campos Diretor Acadêmico - Dr. Paulo Gustavo Araújo Diretor Administrativo - Luiz Fernando da Silva Prado Diretor de Recursos Humanos - Wainer Teixeira de Castro Coordenador de Graduação em Medicina - Drª Maria das Graças Sepúlveda Campos e Campos Coordenador de Graduação em Farmácia - Prof. Carlos Eduardo Faria Ferreira Coordenador da Pós-Graduação e Extensão - Dr. Abdalla Dib Chacur Coordenador de Internato e de Estágios - Dr. Márcio Sidney Pessanha de Souza Coordenadora de Pesquisa - Drª Regina Célia de Campos Souza Fernandes Coordenadora de Extensão - Drª Vera Lúcia Marques da Silva Coordenador de Egressos - Dr. Gilson Gomes da Silva Lino Coordenação Gráfica e Projeto Gráfico: Wellington Cordeiro Revisão Gramatical: Selma Solange Bibliotecária: Maria Cristina M. Lima Fotografias de Capa: Wellington Cordeiro Impressão: Wall Print Tiragem: 1.000 exemplares Distribuição: Gratuita e Dirigida FACULDADE DE MEDICINA DE CAMPOS Av. Alberto Torres, 217 - Centro - Campos dos Goytacazes - RJ - CEP: 28035-580 - Tel/Fax: (22) 2101-2929 S67 7a T327 Território, vulnerabilidades e saúde / Vera Lucia Marques da Silva, Denise Chrysóstomo de Moura Juncá, organização. — Campos dos Goytacazes, RJ: FBPN / FMC, 2012. 104 p. ; il. color ; 26 cm Inclui Bibliografia. 1. Saúde pública – Custodópolis (Campos dos Goytacazes, RJ). 2. Inquéritos epidemiológicos Custodópolis (Campos dos Goytacazes, RJ). 3. Saúde da população urbana - Custodópolis (Campos dos Goytacazes, RJ). 4. Indicadores ambientais – Custodópolis (Campos dos Goytacazes, RJ). I. Silva, Vera Lucia Marques. II. Juncá, Denise Chrysóstomo de Moura. CDD 362.1098153 Ficha catalográfica preparada na Biblioteca da Faculdade de Medicina de Campos 2 EQUIPE PARTICIPANTE DO PROJETO CIDADE DE PALHA: 2008/2011 COORDENAÇÃO GERAL DO PROJETO Denise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF FASE 1: DIAGNÓSTICO PRELIMINAR – 2008/2009 RESPONSÁVEIS PELO LEVANTAMENTO DOCUMENTAL Carla Iolanda Sant ´Ana Ferreira - Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF Jaqueline Crespo Torres - Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF Paula Emely Cabral Torres – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF RESPONSÁVEIS PELO TREINAMENTO DA EQUIPE Carlos Antônio de Souza Moraes - Docente - GRIPES/UFF Edilamar Viana da Silva - Assistente Social - GRIPES/UFF Verônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF PESQUISADORES DE CAMPO Ana Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFF Danielle Felix Gomes da Silva - Assistente Social - GRIPES/UFF Ellen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFF Josemara Henrique da Silva Pessanha - Assistente Social – GRIPES/UFF Katarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFF Rosana Sá Cruz Ribeiro – Acadêmica de Serviço Social/UFF Suélen Azevedo Ramos - Assistente Social COLABORADORES Celma Cristina Morais de Oliveira Batista – Professora – GRIPES/UFF Ilzimar Amorim Louzada Moraes – Enfermeira – GRIPES/UFF Maria Elisa Pereira Alves – Assistente Social Mariá de Oliveira Otal – Assistente Social Natália Ribeiro dos Santos – Acadêmica de Enfermagem da Universidade Estácio de Sá Sylvio Rogério Ribeiro da Costa – Bacharel em Comunicação Social – GRIPES/UFF Vanessa Pessanha Menezes Gomes – Assistente Social EQUIPE PARTICIPANTE DO PROJETO CIDADE DE PALHA: 2008/2011 COORDENAÇÃO GERAL DO PROJETO Denise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF FASE 2: INQUÉRITO POPULACIONAL – 2009/2011 COORDENADORES DAS INSTITUIÇÕES PARCEIRAS Christovam Cardoso – Docente – UNIVERSO Denise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF Érik Schunk Vasconcellos – Docente - FMC Katarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFF Regina Coeli Martins Paes de Aquino – Docente - IFF Teresa Claudina de O. Cunha – Assistente Social - IFF Vera Lucia Marques da Silva – Docente - FMC RESPONSÁVEIS PELO TREINAMENTO DA EQUIPE Ana Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFF Carlos Antônio de S. Moraes - Docente - GRIPES/UFF Denise Chrysóstomo de Moura Juncá – Docente - GRIPES/UFF Ellen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFF Katarine Sá dos Santos – Docente - GRIPES/UFF Verônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF COORDENAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO – Setor 1 Ana Paula Pessanha Cordeiro – Assistente Social - GRIPES/UFF Ellen Christel Gomes Moraes – Assistente Social - GRIPES/UFF Verônica Gonçalves Azeredo - Docente - GRIPES/UFF COORDENAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO – Setor 2 Carlos Antonio de S. Moraes – Docente - GRIPES/UFF Marilene Parente Gonçalves – Assistente Social - GRIPES/UFF Roberta Coutinho – Assistente Social - GRIPES/UFF EQUIPE DE APOIO OPERACIONAL 1 Gerlaine J. de Souza – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF Igor Leal Pena – Enfermeiro - FMC Josemara Henrique da S. Pessanha - Assistente Social – GRIPES/UFF Leyza Helena de Souza Barreto - Assistente Social - GRIPES/UFF Paula Emely C. Torres – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/UFF EQUIPE DE APOIO OPERACIONAL 2 Aline da Silva Viana Jorge – Acadêmica de Serviço Social - GRIPES/ UFF Luana Pessanha Martins – Assistente Social – GRIPES/UFF Maria Inês Terra Petrucci – Assistente Social - FMC Silvânia Maria da Silva – Acadêmica - GRIPES/UFF ACADÊMICOS DE SERVIÇO SOCIAL - UFF Aline da Silva Viana Jorge Carla da Silva Santos Dayana Sales Ribeiro Gerlaine Jesus de Souza Harissa Morgan Marques Ivone dos Santos Magaldi Jeovânia Bolelli Guimarães Tavares Joelma Cândido Bastos Késia da Silva Tosta Leonela Lima Sanches Leyza Helena de Souza Barreto Luana Fernandes dos Santos Melina Martins Vazquez Natalia Meritello da Luz Paloma Bastos Paola Barros de Faria Fonseca Paula Emely Cabral Torres Silvânia Maria da Silva Simone do S. F. Sales Ribeiro Vivian Abreu de Souza Rangel ACADÊMICOS DE MEDICINA - FMC Adilea Lopes da Silveira Aline Alves Barbosa Ana Elisa Batista Aguiar Bruna Barreto Falcão Juliana Siqueira Pessanha Laura Ramos Silva Lucas Rangel de Souza Azevedo Maria de Fátima Miranda de Abreu Mayra Rodrigues Chaves Sant’anna Raquel Siqueira de Menezes Rayane Barreto Povoa Raphael Freitas Jaber de Oliveira Sara Fonseca Lucas Sarah Santos Nascimento ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM - UNIVERSO Clarissa de Santana Silva Juliana Gomes Barreto Keila Cristina da Silva Lucélia Alves Paixão Laura Paes Farias Lamônica Lorenna Anequim Maithê dos Santos Araujo Márcio Pereira Micheli Joseane Rafaella Castellar dos Santos Corrêa Thatiane Costa Ribeiro Silva Thiago de Paula G. Rebel ACADÊMICOS DE ARQUITETURA E URBANISMO - IFF Fabrício Pinto Escáfura Isadora Marques de Souza Oliveira Júlia Lima Araújo Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho Raphael Mesquita de Aguiar Sumário Custodópolis e os primordios da medicina social e Preventiva na Faculdade de Medicina de Campos ------ 06 Editorial --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 08 Prefácio --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 10 Apresentação --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 12 Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania ------------------------------------------------- 14 Do diagnóstico preliminar ao inquérito populacional: movimentos de investigação-ação em um território vulnerável ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 32 Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares ---------------------------------------------------------- 44 O lugar: entre lembranças do passado e vivências do presente ----------------------------------------------------- 49 Moradia: lugar de apropriações e práticas ------------------------------------------------------------------------------ 54 A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis -------------------------------------------------------------- 65 Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famílias em Custodópolis ----------------------------------- 74 Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade ----- 88 Uma cidadania esperada: e agora, o que fazer? ----------------------------------------------------------------------- 97 Este Livro é dedicado aos moradores do Bairro de Custodópolis. 1 Custodópolis e os primordios da medicina social e preventiva na Faculdade de Medicina de Campos Prof. José Rodrigues Coura1 Em uma noite no início de outubro de 1967, quando eu estudava no escritório do meu apartamento, situado na Praia de Botafogo 520/702, no Rio de Janeiro, por volta das 10 horas da noite, sôa a campainha da porta da sala de estar contígua ao escritório. Estranhei aquela visita a essa hora da noite, e na ponta dos pés fui ver quem tocava a campainha. Olhei pelo visor e vi três cavalheiros de estatura média, bem vestidos, usando gravatas, um deles de face avermelhada e cabelos totalmente brancos, o outro um pouco mais alto e semi-calvo, aparentando uns 40-50 anos de idade e o terceiro moreno, de cabelos escuros, aparentando uns 30 e poucos anos. Como eu havia escondido na minha casa alguns alunos fugidos da repressão do regime militar da época, por questão humanitária, embora não participasse de suas ideologias, pensei que os cavalheiros fossem agentes do SNI ou do DOI-CODI, que viessem me interpelar ou até me prender por ter dado abrigo a comunistas. Para me certificar perguntei sem abrir a porta: “o que desejam?”. Os visitantes me responderam em uníssono: “somos professores da Faculdade de Medicina de Campos e gostaríamos de falar com o senhor”. Abri a porta e os convidei para sentar em um sofá perto da janela que dava vista para o Cristo Redentor iluminado. Os visitantes me pediram desculpas pela hora da visita e me explicaram que estavam vindo de uma entrevista com o então Ministro da Educação Raymundo Moniz de Aragão, e se apresentaram: Geraldo Venâncio (o de cabelos brancos), Décio Azevedo(o semi-calvo) e Oswaldo Cardoso de Melo (o mais jovem). O Dr. Geraldo Venâncio, que me parecia o líder do grupo, foi direto ao assunto: sabemos que o senhor é Professor Titular de Doenças Infecciosas e Chefe do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal Fluminense. Estamos fundando uma Faculdade de Medicina em Campos, tendo a Fundação Benedito Pereira Nunes como mantenedora e somente está nos faltando um Professor de Medicina Preventiva para inaugurá-la nos próximos dias. Viemos convidá-lo para esse cargo. Respondi: eu não sou Professor de Medicina Preventiva e sim de Doenças Infecciosas. Por acaso, como a minha disciplina está dentro do Departamento de Medicina Preventiva sou o seu Chefe por ser o único Titular do Departamento. Diante dessa resposta, os professores Décio Azevedo e Oswaldo Cardoso de Melo argumentaram: o curso será iniciado em março do próximo ano (1968) e até lá o senhor pode organizar um programa de Medicina Preventiva e indicar assistentes especializados que nós nomearemos. A determinação e necessidade dos professores me convencerem e três dias depois eu lhes enviei o meu curriculum-vitae e uma carta de aceitação do cargo, o que lhes permitiu completar o quadro de professores da nova faculdade, que foi inaugurada em 14 de outubro de 1967 com a minha presença, tendo como o seu primeiro Diretor o honorável Dr. Oswaldo Luiz Cardoso de Melo, pai do jovem Oswaldo da Costa Cardoso de Melo, Professor de Oftalmologia e hoje ex-Diretor daquela Faculdade, meu amigo e colega da Academia Nacional de Medicina desde 2005, quando tomou posse como Membro Honorário. O Prof. Oswaldo Luiz Cardoso de Melo foi diretor da FMC de 1967 a 1968, quando faleceu, sendo substituído na Direção da Faculdade pelo Prof. Ewert Paes da Cunha, Diretor de 1968 a 1973, em cuja gestão a FMC formou a sua 1ª turma de medicina em 1972 e foi reconhecida pelo Decreto nº 71814 de 07/02/ 1973. A Organização do Programa da Disciplina De outubro de 1967 a fevereiro de 1968 trabalhamos intensamente para formulação de um programa moderno de Medicina Social e Preventiva na nova Faculdade de Medicina em Campos. Conseguimos com a direção e congregação daquela faculdade que a disciplina fosse desdobrada na 1ª, 2ª e 3ª séries do curso médico, fato inédito no Brasil, em uma mesma disciplina inserir o seu ensino em três anos seriados. No 1º ano os alunos deveriam apresentar seminários sobre “Antropologia Médico Social” e acompanhar, do ponto de vista social, familiares de uma “favela plana” denominada “Cidade de Palha” na margem esquerda do outro lado do Rio Paraíba do Sul, em relação ao centro de Campos, ou seja, o atual bairro, onde hoje se localiza o Centro de Saúde Escola de Custodópolis. No 2º ano os estudantes tinham aulas teóricas de Epidemiologia e faziam relatórios sobre as ocorrências de doenças nas famílias por eles acompanhadas, e no 3º anos tinham aula de Saúde Pública e Medicina Ocupacional e faziam relatórios dos cuidados desenvolvidos com a população pelos serviços de saúde do município, que com frequência não tinham as condições para atender os doentes adequadamente. Encaminhávamos os pacientes para a Santa Casa de Misericórdia, que na maioria das vezes não podia atender todos os pacientes por falta de vaga. Doutor em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil (1965), Pesquisador Titular. Chefe de Laboratório da Fundação Oswaldo Cruz , Brasil 1 6 O Corpo Docente e as Atividades Didáticas da Disciplina O corpo docente da disciplina de Medicina Social e Preventiva era composto por mim, como Professor Titular da Disciplina, pelo Dr. Ayrton da Rocha Claussen, Professor Adjunto, meu colaborador na Faculdade de Medicina da UFF e em Campos, o médico Maurício Pereira, meu ex-residente na UFF, nomeado Professor Auxiliar na Faculdade de Medicina de Campos e sua esposa enfermeira que monitoravam os alunos no trabalho de campo, ambos residentes naquela cidade. As turmas eram compostas de 64 alunos. Nas 6as feiras durante todo o dia o Prof. Ayrton Claussen preparava com grupos de 8 alunos os 8 seminários de Antropologia Médico-Social a serem apresentados pelos alunos e discutidos por mim e pelo Prof. Ayrton no sábado, de 08:00 às 12:00 na parte da manhã e 14:00 às 18:00 na parte da tarde, todas as semanas durante o 1º ano do curso. Uma vez por semana, de manhã ou à tarde, de 2ª a 5ª feira, uma turma de 8 alunos acompanhados pelo Dr. Mauricio e sua esposa visitavam a população das 6 residências acompanhadas pelos respectivos grupos de alunos, que faziam um breve relatório sobre as ocorrências sociais, epidemiológicas e de saúde/doença, calendário vacinal etc, ocorrido semana a semana. Com isso havia um acompanhamento contínuo da comunidade durante todo o ano durante os três primeiros anos do curso. As aulas teóricas de Epidemiologia, Saúde Pública e Medicina Ocupacional eram dadas as 6ªs feiras pelo Dr. Ayrton Claussen e aos sábados por mim, respectivamente para os alunos do 2º ano (Epidemiologia) e do 3º ano (Saúde Pública e Medicina Ocupacional). Organização da Infraestrutura para atenção primária na “Cidade de Palha” Inicialmente conseguimos com a Prefeitura de Campos ou com o Departamento de Endemias Rurais (DENERu) não me lembro bem, por meio do Dr. Olimpio da Silva Pinto ex-Diretor do DENERu e meu amigo pessoal, um local para instalar um posto de saúde para atenção primária à população de Custodópolis, acompanhada pelos nossos alunos. Inicialmente o posto de saúde era atendido pelo Dr. Mauricio e a enfermeira, sua esposa. Posteriormente conseguimos que a Escola de Serviço Social colocasse alunos estagiários no posto e depois conseguimos a instalação de consultório odontológico da Escola de Odontologia com alunos e supervisores para atenção dentária e logo depois da Faculdade de Direito para orientação da população em suas questões trabalhistas. Consideramos uma excelente integração social para o tipo de trabalho que desenvolvíamos. Ao mesmo tempo esse local servia de treinamento para além dos estudantes de Medicina, outros de Serviço Social, Odontologia e Direito, condição pouco comum de ser encontrada no Brasil. Por meio do Dr. Olimpio da Silva Pinto ex-Diretor do DENERu, conseguimos um guarda sanitário, que numerou as casas da “Cidade de Palha”, cujas famílias eram atendidas pelos estudantes. Esse guarda era um senhor muito atencioso, conhecia todas as famílias de Custodópolis e embora um pouco surdo era muito afável e ajudava muito os estudantes em seu trabalho na abordagem das família, os quais (estudantes) o apelidaram de “JIM DA SELVA” pelo uniforme e tipo de chapéu “inglês” que ele usava. Durante anos, depois que deixei à Faculdade de Medicina de Campos em 1971, o JIM DA SELVA me escrevia lamentando a minha ausência, a quem eu respondia com cordialidade. Observações e conclusões do trabalho realizado Esse trabalho foi um desafio e um aprendizado na minha vida de médico e Professor de Medicina e até mesmo uma aula de cidadania. Colocar estudantes de Medicina, Serviço Social, Odontologia e Direito em contato com uma comunidade carente e despertar neles o sentido de solidariedade humana foi para mim a mais gratificante de todas as atividades e títulos recebidos até agora. Formar profissionais de alto nível, muitos dos quais são ou foram importantes médicos e professores de medicina, prefeitos, vereadores e deputados foi um dos maiores privilégios da minha vida como Professor. Por outro lado ter a honra de ser homenageado por pessoas do nível dos Professores Oswaldo Cardoso de Melo, Nelio Artiles Freitas e Vera Lucia Marques da Silva, muito me engrandece com o meu nome no atual Centro de Saúde Escola de Custodópolis. Prof. José Rodrigues Coura 7 2 Editorial Dr. Nelio Artiles Freitas1 Em 2005 quando iniciamos a gestão da Faculdade de Medicina de Campos tínhamos um grande desafio pela frente que era além de manter a tradição de nossa escola em ser uma Instituição de Ensino Superior - IES que busca um ensino de qualidade, também inserirmos o perfil de humanismo em todas as ações seja na área pedagógica seja de inclusão e de ações sociais, focados na formação de um profissional de saúde diferenciado . E foi assim que a FMC passou a imprimir um perfil diferente do padrão das escolas da área de saúde deste país, instituindo a arte em nosso calendário oficial anual com mostras de cinema, exposições, festivais de músicas, saraus entre outras ações, sem deixar de manter as atividades de cunho científico e pedagógico de qualidade. Transformamos o trote vexatório em uma recepção agradável objetivando sempre a ética nas relações entre os alunos, docentes e colaboradores. Nesta perspectiva miramos o nosso Centro de Saúde Escola em Custodópolis de uma forma também diferente, onde além da assistência na atenção básica, buscássemos uma melhoria da qualidade de vida daquela população tão carente e que manteve sempre uma expectativa positiva de uma escola de ensino superior presente por lá, há tantos anos. Imbuídos nesta filosofia humanista, convidei a Prof Vera Marques para ser a nossa coordenadora técnica, passando a desenvolver um e x c e l e n t e t r a b a l h o n a o rg a n i z a ç ã o d a q u e l e C e n t r o , tornando um notável cenário para o processo ensino e aprendizagem e produção científica. Mas além da reestruturação organizacional investimos em melhorias da área física, ampliando e humanizando o espaço com pinturas, forrações, climatização entre outras ações. A presença de outras IES de forma pontual em algumas pesquisas, nos fez sonhar em compartilhar com a maioria das IES de nossa cidade, àquele cenário sem nos atentar para que em um início não muito distante, o Prof. José Rodrigues Coura na década de 70 , iniciava ações semelhante na implantação do então Centro de Saúde Universitário com a presença de outras IES. Porém o que foi implantado adormeceu e passamos a participar naquela localidade como um Centro de Saúde Escola, apenas com atendimento de seqüelas da sociedade, recebendo uma diversidade de patologias oriundas algumas vezes da miséria e da pobreza. Um cenário de demonstração para alunos aprenderem e exercitarem, oferecendo à comunidade um pouco de alívio e soluções paliativas para sofrimentos crônicos. Sem dúvida uma bênção para àquela comunidade, mas muito longe do que realmente deveríamos ou poderíamos fazer. Várias reuniões foram realizadas para construção de programações conjuntas com a aproximação de diversas escolas de ensino superior de Campos. Além de compor um cenário ideal para o processo de ensino e aprendizagem, a idéia era promover uma melhoria na qualidade de vida para cerca de 10 mil pessoas daquele bairro. Unir o ensino médico e farmacêutico da Fmc com a fisioterapia, enfermagem, psicologia, educação física, arquitetura, direito, pedagogia, artes visuais, serviço social entre outros das demais escolas seria um grande desafio. Na visão holística do conceito de saúde, a idéia seria transformar àquele bairro em um local diferente para viver, apesar das carências sociais e econômicas daquelas famílias. Inspirado então no livro “Aprendiz de mim – um Bairro que virou Escola” do escritor Rubem Alves este novo projeto interinstitucional foi denominado Programa Bairro Saudável em uma reunião histórica no anfiteatro da Fmc com direito a emocionantes posicionamentos e lágrimas na maioria dos presentes. Olhos marejados e corações em um mesmo acelerado compasso, para começar uma longa viagem, onde o caminho seria a atração e o destino, este ainda desconhecido, porém belo e aparentemente não tão distante. Um sonho compartilhado não teria chance de dar errado. A profª Vera Marques passou então a reger como uma exímia maestrina uma linda peça onde os atores buscavam uma harmonia de ações em prol de todos. Uniflu, Fafic, FOC, IFF, Uenf, UFF, FMC, Estácio, Universo e Ucam com: oficinas de artes plásticas, dinâmica artística para idosos, dança, teatro, circo, pesquisas e trabalhos de prevenção em parasitoses e Aids, orientações sobre fitoterapia e uso de medicamentos, cursos profissionalizantes, atendimento médico e odontológico, projetos de criação de novos espaços, caminhadas, campanha anti-tabagista, entre outras atividades, é um pequeno exemplo da beleza de nosso caminho. Interesses comuns, acima de competição, de mercado, buscando Mestre em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Prof Titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias e Diretor da Faculdade de Medicina de Campos 1 8 unicamente criação de um novo tempo e espaço, de via dupla, onde quem ensina aprende e quem aprende está ensinando também, tomou corpo e força. Tal foi o destaque que houve um reflexo nacional quando a Fmc foi agraciada com o prêmio nacional de gestão educacional de 2010 na categoria de responsabilidade social. Construir um novo planeta, um novo continente, um novo país, uma nova cidade, um novo bairro e fazer de um destes cenários algo belo, onde a educação faça parte de cada ação poderia ser um sonho. Como diz o Pequeno Príncipe: “O deserto é belo, porque em algum lugar ele esconde uma fonte”, Um local belo, onde todos trabalhem por, para e na educação. Onde se busca a saúde em seu significado mais amplo. Saúde física como conseqüência de uma saúde social, ambiental, emocional, espiritual e da alma. Neste contexto é que está implantado o Programa Bairro Saudável. Este livro é um produto da materialização de um sonho coletivo de tornar um espaço de ensino que tem na atenção primária seu principal foco, em uma área de ação multiprofissional e interinstitucional com o objetivo de promover saúde global para todos que ali participam, sejam moradores sejam funcionários, alunos e docentes. E neste ápice da produção deste livro, além da presença importante e inconteste do Prof José Rodrigues Coura neste processo, que já havia plantado uma semente especial, fertilizada com amor e sonhos, fazendo após tantos anos, germinar um lindo projeto de extensão da Fmc, traduzindo a filosofia de toda a comunidade acadêmica de trazer ética e humanismo nas relações pessoais e principalmente de formar e transformar pessoas que farão um futuro melhor. Bairro Saudável é um projeto sem um único dono, que é movido pelo idealismo e pela visão de um novo tempo. “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” Fernando Pessoa 9 3 Prefácio Carlos Antonio de Souza Moraes1 “O que não está em nenhum lugar, não existe”. Esta celebre frase de Aristóteles denota a extrema relevância do espaço para a análise da realidade social e, portanto, ele não pode ser considerado um mero reflexo ou palco das ações humanas. O espaço se reproduz na totalidade social, na medida em que essas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas. É possível ressaltar que estas transformações históricas ocorridas nas últimas três décadas alteraram a face do capitalismo e de nossas sociedades na América Latina. Neste período, houve avanço na tentativa de internacionalizar produção e mercados, o que contribuiu para aprofundar o desenvolvimento desigual entre as nações e, em seus interiores, entre classes e grupos. A “mundialização do capital” repercute incisivamente nas políticas públicas (em seus processos de focalização, desfinanciamento, descentralização...), nos processos de inserção dos trabalhadores nos mercados de trabalho, nas relações e condições de trabalho, bem como, nas condições de vida e nas expressões políticas e culturais dos distintos segmentos de trabalhadores. Este cenário, avesso aos direitos, radicaliza as desigualdades e associa cidadania a consumo, mundo do dinheiro e posse de mercadorias. Além disso, há investida ideológica do capital e do Estado para “cooptação dos trabalhadores”, buscando tornálos parceiros. Mas, ao mesmo tempo, um conjunto de resistências e lutas diárias é construído pela sociedade, através de reivindicações que envolvem o cenário rural, urbano, as relações de gênero, questões étnico-raciais, relações com o meio ambiente, dentre outros... Estas manifestações têm por base a precarização das condições de vida, o aumento das vulnerabilidades e a busca da dignidade e respeito humanos. Sobreviver em espaços marcados por desigualdades, rebeldia e conformismo se torna desafio para múltiplos sujeitos sociais no contexto brasileiro. Sujeitos que são responsabilizados exclusivamente por suas precárias condições de vida, além de viverem os dilemas do desemprego, através da redução dos postos de trabalho ou, terem seus trabalhos intensificados ou ainda, vivenciarem a clandestinidade e invisibilidade do trabalho informal e precário. Além disso, estes sujeitos observam a crescente criminalização de suas lutas sociais, bem como, da “questão social”. Percebe-se desta forma, a banalização do ser, a partir da indiferença diante de suas necessidades e de seus direitos. Indiferença perante o destino de trabalhadores submetidos a uma pobreza histórica e, portanto, tornam-se subjugados e desprezados diante de sua disfuncionalidade para o capital2. No contexto destas transformações sociais, sujeitos singulares e coletivos, influenciam e são influenciados pelo espaço vivido. Nele criam estratégias particulares de condução de sua própria vida, no seu lar, local de trabalho, na rua, comunidade, pontos de encontro... Estas transformações que geram desigualdades, também determinam socialmente o processo de adoecimento da população. A esse respeito, estudos desenvolvidos, sobretudo a partir de 1970, começam a indicar que o caráter histórico da doença é conferido no processo que ocorre na coletividade humana, ou seja, a natureza social da doença deve ser verificada na forma de adoecimento e morte dos grupos humanos (NUNES, 2000). Para esta compreensão, o conceito de formação social apresenta grande relevância. É possível perceber que estas transformações nas concepções em torno de saúde - doença são fundamentais para ampliação de espaço de análise e intervenção nesta realidade. Ou seja, é preciso compreender que o processo de adoecimento é fruto de múltiplos fatores históricos e estruturais e devem ser pensados na interseção de aspectos não apenas sociais, mas também biológicos, econômicos, culturais, políticos. Para compreensão destes fatores e seus vínculos com as condições de saúde da população, o conceito de desigualdade social é fundamental. Para maioria dos autores, ele incorpora uma repartição desigual que se produz no processo social, ou seja, o acesso a bens e serviços e a um nível de saúde mais elevado da população é determinado veementemente pela posição que os sujeitos ocupam na organização social (BARATA, 2006). Assim, as desigualdades sociais em saúde são as diferenças produzidas pela inserção social dos indivíduos e que estão relacionadas com a repartição do poder e da propriedade (IDEM, 2006). Ao adotar a corrente politizada e/ou sócio - histórica das desigualdades em saúde, entendemos que saúde é um produto social e determinadas organizações podem ser mais sadias que outras. Trabalhar com esta vertente, que tem como base o conceito de reprodução social, significa romper com a concepção linear de causalidade e negar possibilidades de identificar "cadeias de causaefeito entre características ou indicadores sociais e problemas de Doutorando em Serviço Social pela PUC/SP; Mestre em Políticas Sociais pela UENF; Bacharel em Serviço Social pela UFF; Professor do Departamento de Serviço Social de Campos/ Universidade Federal Fluminense; Membro do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Cotidiano e Saúde (GRIPES). 2 A abordagem referente as transformações atuais da sociedade capitalista tem por base A discussão de Marilda Villela Iamamoto no Livro “Serviço Social em tempos de Capital Fetiche...”, 2010. 1 10 saúde, bem como entre indicadores de desigualdades sociais e saúde" (BARATA, 2006, P. 471). Com base neste referencial, um trabalho de pesquisa empírico pode ser dividido em dois grupos: os que privilegiam a estrutura de classes, trabalhando com o conceito de classe social e os que privilegiam condições de vida e trabalham com o conceito de espaço social. De qualquer modo, a unidade espaço - população tem a possibilidade de ser uma unidade onde operam os processos determinantes, onde se expressam os problemas de saúde e se desenvolvem as ações ou respostas sociais a estes problemas. Diante do apresentado, é preciso sinalizar que a categoria condições de vida não deve ser entendida em sua relação com a saúde numa perspectiva linear de causa e efeito. Defendemos que a saúde deva ser concebida numa perspectiva sócio-histórica e, portanto, coletiva. Mediada por aspectos materiais, sociais, culturais, políticos, econômicos e pela realidade vivida pelos sujeitos através de suas relações cotidianas, ou seja, pelas trajetórias históricas individuais dos sujeitos que se relacionam coletivamente e, portanto, influenciam e são influenciados no/ pelo grupo e espaço em que vivem. Além disso, o texto que o leitor tem em mãos, é resultado de estudos que insistem na compreensão da saúde em uma perspectiva ampliada. A tentativa de conhecer um espaço/território específico foi um grande desafio deste grupo de pesquisadores, que se comprometeu a identificar mediações do processo saúde doença. Para tanto, o grupo assumiu outro e, talvez, o maior desafio, que foi o de construir este estudo de forma interdisciplinar e interinstitucional, articulando as dimensões quantitativas e qualitativas de pesquisa ao longo de seu processo. E se o trabalho de pesquisa se constrói "artesanalmente", há aqui uma experiência de aproximação sucessiva deste espaço/território específico e de seus sujeitos, o que contribuiu para conhecer algumas de suas histórias, as experiências compartilhadas pelos moradores através do estímulo a tantas memórias. Essa aproximação inicial foi fundamental na resposta a um montante de questões de quem tem "curiosidade" e quer saber. Portanto, através desta aproximação inicial construiu-se um resultado provisório que sinalizou mais indagações que respostas, o que foi expressivo para construção e desenvolvimento do inquérito populacional - fase posterior da pesquisa. Aproximações, encontros, caminhadas pela Comunidade, identificação de informantes-chave, observações e aplicação de formulários foram fundamentais para ir além do "absolutamente óbvio" no intuito de compreender o "surpreendentemente oculto" nas condições de vida da população. Para tal foi e sempre será necessário, nos tempos atuais, repensar estratégias que valorizem e fortaleçam seus princípios. E se "(...) Não basta que o pensamento procure realizar-se; a realidade deve igualmente compelir ao pensamento" (MARX, 2005, p. 152), há aqui dados capazes de se fazer pensar, construídos com a paixão que se alimenta da crítica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARATA, R. B. Desigualdades sociais e saúde. IN: CAMPOS, G. W. de S.; MINAYO, M. C. S. ET ALL. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009. Cap 14, p. 457 - 468. IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: Capital financeiro, trabalho e questão social. 2 ed. - São Paulo: Cortez, 2008. MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo:Boitempo, 2005. NUNES, E. D. A doença como processo social. In: CANESQUI, A. M. (ORG), Ciências Sociais e Saúde para Ensino Médico. SP: Hucitec/Fapesp, 2000. Cap11 (p.217-2290). 11 4 Apresentação Vera Lucia Marques da Silva1 Apresentar um trabalho coletivo, resultado de um grupo de pesquisa de Instituições de Ensino Superior integradas ao ‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’ foi uma tarefa prazerosa, mas, ao mesmo tempo, de muita responsabilidade. Embora fizesse parte do grupo de pesquisa e tenha escrito um artigo, impus-me a leitura de todos os outros artigos como se fosse de fora. Isso reafirmou-me a dimensão da importância deste trabalho. À apresentação deste trabalho coletivo, coube-me a do texto escrito pelo Dr. José Rodrigues Coura, somando-se, portanto, maior prazer e responsabilidade. Primeiramente, um breve currículo deste grande pesquisador brasileiro, nascido no sertão da Paraíba, que será mais bem conferido pelo seu brilhante Currículo Lattes e de fácil acesso por todos. Cabe ressaltar os mais de 200 trabalhos e os 4 livros publicados. Além de grande pesquisador da doença de Chagas, da esquistossomose e de doenças parasitárias na Amazônia Brasileira, sempre se dedicou ao ensino médico e à carreira universitária. É neste contexto que se dá a sua relação com a Faculdade de Medicina de Campos, como ele mesmo relata. Assim, não poderíamos deixar de relatar o seu ineditismo caracterizado pela inserção dos alunos da medicina, já no primeiro ano, numa comunidade, - Custodópolis, também chamada de “Cidade de Palha” - e pelo projeto de interdisciplinaridade e interinstitucionalidade ao envolver a Escola de Serviço Social, a Escola de Odontologia e a Faculdade de Direito. Sem sabermos deste primórdio, o Programa Bairro Saudável tem sido uma tentativa do resgate da interdisciplinaridade e interinstitucionalidade. Para mim, particularmente, por me dedicar ao campo da Saúde Coletiva, cabe destacar o nome da disciplina sob a responsabilidade do Dr. José Rodrigues Coura como professor da Faculdade de Medicina de Campos (FMC), nos idos dos anos 60: “Medicina Social e Preventiva”. A partir do entendimento de que a Saúde Coletiva tem suas raízes nos projetos preventivistas e da medicina social, ela é um campo de tríplice dimensão: como corrente de pensamento, como movimento social e como prática teórica. Como corrente de pensamento, em termos cronológicos, nos anos 50 se instaura a medicina preventivista, que se reforça a partir dos anos 70 pela medicina social e que vai se estruturando, a partir dos anos 80 até a atualidade, como campo da saúde coletiva. Se no campo do conhecimento, a saúde coletiva passa a incorporar alguns conceitos sociológicos, antropológicos, demográficos, epidemiológicos e ecológicos, no plano político-ideológico ela passa a consolidar a chamada ‘medicina comunitária’ e seus desdobramentos nos programas extra-muros. Às expensas desta cronologia mais atual, sabe-se que a medicina nasce como ‘medicina social’ na segunda metade do século XIX, sendo a expressão cunhada na França em 1848. Ou seja, a medicina como campo de conhecimento sempre relacionou a saúde com as condições de vida das populações. Condições de vida nos seus diversos aspectos, como os anteriormente citados (sociológicos, antropológicos, demográficos, epidemiológicos, ecológicos, políticos e ideológico). Mas, se houve um tempo de aprofundamento da medicina biologicista, a retomada de idéias sobre a Medicina Social foi objeto de documento da OPS, de 1974, quando esse organismo assume que o objeto da medicina social deve ser entendido como “o campo de práticas e conhecimentos relacionados com a saúde como sua preocupação principal e estudar a sociedade, analisar as formas correntes de interpretação dos problemas de saúde e da prática médica” (OPS, 1976). Nesta questão, temos a certeza de estarmos concretizando este ideário nas ações realizadas no CSEC, além de estarmos realizando ações de assistência curativa. Recuperando a história, encontramos que em trabalho escrito em 1973, o Prof. Guilherme Rodrigues da Silva afirmou que “... alguns departamentos de Medicina Preventiva passaram a adotar, tendencialmente, uma posição potencialmente mais inovadora, uma posição de crítica construtiva da realidade médicosocial e da prática da medicina, fundamentada bem mais no modelo de medicina social do que no modelo original de Medicina Preventiva” (SILVA, 1973). Ao lermos o relato do Prof. Coura, temos a certeza de que a disciplina por ele implantada na FMC tinha uma posição como a afirmada acima pelo Prof. Guilherme Rodrigues da Silva. E, temos, mais uma vez, a certeza de que a homenagem a ser prestada ao Dr. José Rodrigues Coura, dando o seu nome ao CSEC, é por reconhecer que, além de inovar enquanto professor da medicina preventiva da FMC, ele inovou ao inserir os alunos na realidade da ‘Cidade de Palha’. O nosso papel, atual, tem sido, junto à Direção da FMC, manter esse ideário no CSEC e no Programa Bairro Saudável. E, neste sentido, gostaríamos de destacar o conceito de Medicina Social adotado por Arouca: “como o estudo da dinámica do processo saúde-doença nas populações, suas relações com a estrutura de atenção médica, bem como das relações de ambas com o sistema social global, visando à transformação destas relações para a obtenção dentro dos conhecimentos atuais, de níveis máximos possíveis de saúde e bem-estar das populações” (AROUCA, 1975). Em relação à identidade do grupo de pesquisadores que redundou nesta publicação, esta foi dada pela proposta de dar continuidade a uma pesquisa anterior, desenvolvida pela UFF, que teve como objeto o bairro de Custodópolis. A pesquisa anterior precisava ser aprofundada em algumas dimensões. O 1 Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013) 12 convite para a execução deste projeto foi feito para todas as oito Instituições parceiras do ‘Programa Bairro Saudável’, com participação de quatro: Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF), Universidade Salgado Filho (UNIVERSO) e Faculdade de Medicina de Campos (FMC). A coordenação do projeto ficou sob a responsabilidade Departamento de Serviço Social de Campos/Universidade Federal Fluminense, através do GRIPES (Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde). As diretrizes norteadoras do Programa Bairro Saudável foram consideradas no desenvolvimento do projeto de pesquisa, principalmente as que se referem à metodologia, pesquisa-ação, e à interdisciplinaridade, com o esforço de congruência dos diversos olhares sobre o objeto. Portanto, não é um trabalho do serviço social com a arquitetura, com a enfermagem e com a medicina. É um trabalho que se refere a um conjunto de profissionais dessas áreas que fizeram um esforço ao olhar o objeto considerado e ao analisar os resultados encontrados. Outro ponto relevante que demarca a identidade dos autores é o fato de todos terem uma atuação, em algum momento, no Programa Bairro Saudável. Se, por um lado, essa condição os aproxima do objeto pesquisado, por outro, exigiu de cada um dos integrantes um esforço nas análises dos resultados encontrados. No primeiro artigo, ‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’, Vera Marques desenvolve uma apresentação do Programa Bairro Saudável, suas dimensões (antecedentes, inserções, objetivos, conceitos norteadores, método de pesquisa, resultados alcançados após 03 anos de implantação) e os projetos que foram executados desde o início de sua implantação, em 2008, até dezembro de 2011. Ainda, neste artigo, são apresentadas as lições aprendidas no decorrer da execução do projeto, que servirão de reflexões para outros que tenham proposta semelhante. No segundo artigo, ‘Do diagnóstico preliminar ao inquérito populacional: movimentos de investigação em um território vulnerável’, Denise Juncá nos apresenta a estruturação dos passos que foram dados para que fosse construído um diagnóstico socioambiental de Custodópolis. Faz uma análise do grande desafio posto, pois, como a própria autora cita, uma comunidade configurase como um “objeto de estudo indisciplinado”. A metodologia é minuciosamente detalhada, configurando-se, portanto, um artigo norteador para outras pesquisas a serem desenvolvidas com a dimensão desta. O desafio da interdisciplinaridade e da interinstitucionalidade é claramente descrito e analisado, com exposição das dificuldades ocorridas no decorrer do processo. No artigo ‘O Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares’, de Verônica Gonçalves, os significados e experiências ganham destaque. São conceitos implicados no processo saúde-doença, ou seja, na construção de um bairro tanto no aspecto de sua vulnerabilidade como no aspecto de torná-lo mais saudável. A memória do território Custodópolis é resgatada numa escrita feita por todos que participaram da pesquisa. Uma lição que fica para todos nós: o resgate da memória de um território nos coloca a dimensão, para o bem e para o mal, do sujeito que somos da história e se nós assim a fizemos, nós assim poderemos mudá-la. No quarto artigo,’O lugar: entre lembranças do passado e vivências do pesente’,Verônica Gonçalves Azeredo aborda o conceito de território em suas diversas dimensões. Uma delas diz respeito à importância da reconstrução do passado, no qual os sentidos coletivos do passado se contrapõem às vivências da individualidade. A degradação de valores e a decadência das experiências públicas são outros aspectos analisados., além das experiências com a violência e com as diversas formas de sociação. Em ‘Moradia: lugar de apropriações e práticas’ de Isadora Marques de Souza Oliveira, Júlia Lima Araújo, Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho, Raphael Mesquita de Aguiar, Regina Coeli Martins Paes de Aquino e Verônica Gonçalves Azeredo, é nos apresentada a dimensão do que seja uma moradia como objeto sinalizador e mediador de relações culturais, sociais e econômicas. O artigo vai mais além, pois descreve suscintamente as condições de habitação dos moradores de Custodópolis, estuda o caso de uma moradia e propõe soluções possíveis de serem realizadas para torná-la saudável. O artigo ‘A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis’, de Katarine de Sá Santos, Késia Silva Tosta e Paula Emely Torres, aborda a questão de que ‘o que reflete os resultados das ações humanas é o produto das relações sociais concretas que se dão no espaçotempo de determinado território’. Assim, o território como correlação de forças políticas e relações de poder presente na sociedade civil é nos apresentado, colocando-nos, mais uma vez, como responsáveis pelo que nós construimos e pela forma que nós vivemos, como a segregação espacial que tanto caracteriza o nosso país. Os desafios de moradia nesses nichos de segregação espacial são descritos e analisados, merecendo reflexões de todos nós. ‘Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famílias em Custodópolis’, Adilea Lopes da Silveria, Christovam Luiz Machado Cardoso, Denise Chrysóstomo de Moura Juncá, Ivone dos Santos Magaldi e Késia da Silva Tosta apresentam um retrato das condições de saúde e de doença das famílias de Custodópolis numa abordagem que relaciona as condições de moradia, de empregabilidade, de grau de estudo com a ocorrência das doenças mais comuns na comunidade. O artigo ‘Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com)viver em comunidade’, de Carlos Antonio de Souza Moraes aborda o conceito empoderamento e ao mesmo tempo o coloca frente a frente à realidade apreendida no trabalho de campo. A pobreza, por si só, é um estado de desempoderamento, como o artigo nos aponta. Mas, se por um lado nos coloca frente a quase um obstáculo (a pobreza é), por outro lado nos coloca frente a uma possibilidade (é um estado), como faz o artigo ao apresentar estratégias práticas para o desenvolvimento de empoderamento numa comunidade. O artigo final ‘Uma cidadania esperada: e agora, o que fazer?’, de Christovam Cardoso, Denise Chrysóstomo de Moura Juncá e Verônica Gonçalves Azeredo apresenta as possibilidades, diante das vulnerabilidades detectadas, de avançar para a construção de um bairro saudável em Custodópolis. Muito há de ser feito. A afirmação do compromisso entre instituições e atores envolvidos tem sido mantida por uns. Para outros, segundo os próprios autores, esse compromisso precisa ser reafirmado. 13 5 Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania Vera Lucia Marques da Silva 1 1-Introdução Este artigo tem como proposta a apresentação do ‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’ (PBS), entendo-o como norteador, a partir das suas diretrizes básicas, para os projetos de ensino-pesquisa-extensão das oito Instituições de Ensino Superior que o compõem. Serão apresentadas as diversas dimensões do PBS (antecedentes, inserções, objetivos, conceitos norteadores, método de pesquisa, resultados alcançados e lições aprendidas após 03 anos de implantação) e os projetos que foram desenvolvidos desde o início de sua implantação, em 2008, até dezembro de 2011. Um dos projetos é o que gerou a presente publicação, tendo sido elaborado e executado por quatro instituições: Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Federal Fluminense de Educação (IFF), Universidade Salgado Filho (UNIVERSO) e Faculdade de Medicina de Campos (FMC). A partir do entendimento de que alguns projetos envolvem intervenções, com consequências, em graus diferentes na comunidade, o tema ‘vigilância’ é abordado numa breve análise. Considerando que grande parte dos projetos de ensino-pesquisa-extensão se realizou na estrutura física do Centro de Saúde Escola de Custodópolis, justifica-se a apresentação desta unidade nas suas dimensões históricas e de atenção à saúde. 2- Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania 2.1-Antecedentes e inserções: município de Campos dos Goytacazes, bairro de Custodópolis e Centro de Saúde Escola de Custodópolis. O município de Campos dos Goytacazes, localizado no norte do Estado do Rio de Janeiro, tem uma história marcada pela produção sucro-alcooleira e, mais recentemente, pela exploração do petróleo, o que pode ser evidenciado pela vultosa injeção de recursos financeiros na região, provenientes dos royalties (Pessanha; Silva Neto, 2004). Atualmente, a história será provavelmente remarcada com a implantação do distrito industrial do Porto do Açu, no município vizinho de São João da Barra, devido à projeção de um crescimento explosivo, com esperadas repercussões no entorno. Diferentes expressões de pobreza caracterizam a história desse município, embora com melhorias em todos os índices de desenvolvimento humano na última década (Campos dos Goytacazes, Perfil 2005: 77). Mesmo com essas melhorias, pesquisas realizadas, também, na última década, demonstraram nichos de desigualdades (Marques da Silva, 2003), que são diluídos quando se analisam somente dados referentes à área total geográfica do município. Na pesquisa realizada por Marques da Silva (2003), analisando a efetividade do Programa Saúde da Família (PSF) no decorrer de 03 anos de sua implantação (1999-2000) foram evidenciadas desigualdades sociais e desigualdades em saúde, em graus consideráveis, ao comparar as áreas cobertas com as áreas não cobertas pelo PSF. Uma das taxas analisadas na pesquisa foi a Taxa de Mortalidade Infantil (TMI). A TMI na área coberta pelo PSF era igual ou muito próxima àquela observada em alguns países pobres da África, apresentando valores de 59,33 para 1000 nascidos vivos.2 De acordo com o CIDE dos Municípios (CIDE 3 , 2005), Campos dos Goytacazes é a sétima cidade melhor colocada como a menos carente do estado, verificando-se, portanto, que mudanças têm ocorrido, destacando-se, entre outras, a construção de unidades habitacionais, a ampliação da rede de atendimento à saúde e à educação, além da implantação de novos programas sociais. Entretanto, mesmo diante de tais iniciativas e com uma população estimada em 442.363 habitantes (IBGE, 2010), o município atende a mais de 20 mil famílias através de programas de transferência de renda 3 . Partindo-se do pressuposto que tais famílias são compostas por, em média, 03 a 04 pessoas, tais dados levam a admitir que cerca de um terço da população do município enquadra-se na categoria de pobre ou extremamente pobre. Isto pode significar também que muitos programas e ações não têm produzido mudanças favoráveis no perfil desta população. Sua porta de entrada e de saída apresenta, provavelmente, a mesma cara e, “portanto, mantém a pobreza no mesmo lugar: os sujeitos continuam pobres de direitos” (Juncá, 2007: 72). Alguns exemplos deste quadro são encontrados em recentes publicações como o “Diagnóstico das condições sócio-econômicas da infância e juventude de Campos dos Goytacazes” 5 (2006), ou mesmo, na pesquisa “Perfil sócio-econômico das famílias de baixa renda de Campos dos Goytacazes” 6 (2007-2008). Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013). 2 As áreas escolhidas para serem cobertas pelo Programa Saúde da Família são as consideradas mais vulneráveis. 3 Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro. 4 Estimativa obtida junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Promoção Social em 2006. 5 Diagnóstico elaborado pelo NETRAD/UFF – Núcleo de Estudos em Trabalho, Cidadania e Desenvolvimento, sob a coordenação do Prof. Dr. José Luis Vianna da Cruz. 6 Projeto concluído, fruto de uma parceria da Universidade Federal Fluminense com a Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, tendo na coordenação da produção de dados os seguintes professores vinculados ao GRIPES (Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde): Profª Drª Denise Chrysóstomo de Moura Juncá e Profº Dr. Ronney Muniz Rosa. 1 14 Nas áreas rurais e nos bairros periféricos este retrato mostrou-se mais agravado. Adicionado à condição de desigualdade social e de saúde, constatou-se uma inércia social de longo tempo, demonstrada por ausência de investimentos em infra-estrutura básica (Marques da Silva, 2003). Estas condições geraram reações em algumas comunidades, como em Custodópolis. É o bairro mais antigo de Guarus. Localiza-se a uma distância de sete kilômetros do centro de Campos e é delimitado pelos parques ‘Nova Campos’, ‘São Domingos’, ‘Bonsucesso’, ‘Novo Mundo’ e ‘Presidente Vargas’ (vide mapa abaixo). Mapa 1: Campos dos Goytacazes/RJ, 2005 Fonte: Cidade de palha: diagnóstico preliminar. Campos dos Goytacazes, 2008. No final da década de 1960, as lideranças de Custodópolis se mobilizaram após vivenciarem por longo tempo problemas referentes à ausência de abastecimento de água e à inadequada localização de fossas rudimentares ao lado de poços caseiros. Algumas faculdades da região se articularam ao movimento comunitário e implantaram o Centro Social Comunitário, posteriormente denominado Centro Social Universitário, em parceria com o MUDES – Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social. Nesta mesma época (1970), foi implantado o “projeto-piloto assistencial integrado, com a participação de universitários de diversas especialidades” 7 , que procurava responder às demandas referentes aos serviços médicos, odontológicos e sociais. 7 8 9 Mais recentemente, em 1999, outras mudanças ocorreram. O Centro Social Universitário se reestruturou como Centro de Saúde Escola de Custodópolis (CSEC), uma unidade de atenção à saúde da Faculdade de Medicina de Campos 8 . Desde então, o Centro de Saúde Escola de Custodópolis tem passado por diversas transformações. Após sua reestruturação, em 1999, a Faculdade de Medicina de Campos implantou a disciplina “Cuidados Básicos de Saúde” (CBS), cujo objetivo principal era a inserção precoce dos alunos na comunidade. A partir de 2002, a disciplina CBS foi incorporada ao eixo “Fundamentos Humanísticos Biopsicossociais Aplicados à Saúde” (FHBS). Esse eixo teve como uma das estratégias de ensino-aprendizagem a prática “Ação Cuidadora da Família”, que mantinha, como um dos principais objetivos, a inserção precoce dos alunos na comunidade, mas com a incorporação dos fundamentos humanísticos a essa prática. A estratégia “Ação Cuidadora da Família” envolveu uma instituição privada de domínio público (Faculdade de Medicina de Campos com seus docentes), uma instituição pública de serviço de saúde (Secretaria Municipal de Saúde com profissionais das 03 Equipes Saúde da Família) e a comunidade de Custodópolis. Esta estratégia possibilitou uma experiência na relação ensino-serviçocomunidade que foi fundamental como proto-idéia para a construção do Programa Bairro Saudável, já que alguns profissionais de saúde que fizeram parte desta estratégia continuaram a atuar na unidade CSEC. A partir de 2006, o CSEC ampliou sua reestruturação física e número de profissionais e colaboradores administrativos 9 . A indicação de uma Direção Clínica redundou na reestruturação do projeto pedagógico anterior, ampliando-o, principalmente a partir do reconhecimento de que a população de Custodópolis demandava outras necessidades além das de assistência médica, em que pese a excelência de atendimento que era realizado por médicos docente-assistenciais da Faculdade de Medicina de Campos e por profissionais de saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Campos. Inicialmente, o projeto pedagógico foi composto por duas diretrizes e quatro conceitos. Essas diretrizes e conceitos são atualmente mantidos, sendo a eles adicionados outros a serem apresentados adiante nesse artigo. A primeira diretriz centrava-se na melhoria da qualidade da assistência à saúde a ser prestada aos moradores do bairro e a segunda enfatizava a vocação desta unidade como um ambiente privilegiado do processo de ensino-aprendizagem para os diferentes profissionais da saúde e áreas correlatas. Em relação às diretrizes, o CSEC passou a se constituir como um espaço de prática para os alunos de graduação dos cursos de Farmácia e de Medicina da Faculdade de Medicina de Campos estendendo-se, também, para os cursos de pós-graduação em Saúde da Família e Fundação MUDES (http://www.mudes.org.br/home/institucional/default.asp?ID=93&P=27) Faculdade de Medicina de Campos na gestão do Drº Jair Araújo. Faculdade de Medicina de Campos na gestão do Drº Nélio Artiles. 15 Gerontologia e Geriatria desta mesma faculdade. À melhoria da qualidade de assistência associaram-se diversas ações de intervenção em uma abordagem de saúde coletiva, destacando às das áreas de Saúde Integral da Criança, da Mulher, do Adulto, do Idoso e Saúde Mental. Um dos conceitos norteadores tem sido o ‘CAPITAL SOCIAL’, entendendo que a parceria ensino-serviço-comunidade é uma das estratégias que possibilitam o desenvolvimento do mesmo. De acordo com Putnam (1996), o Capital Social é definido como bem público, envolvendo a confiança e a disponibilidade de normas e sistemas que facilitam as ações cooperativas entre os atores sociais. Como capital, tende a aumentar com o uso e a se esgotar com a não utilização. Os estoques de capital social, como confiança, normas e sistemas de participação, tendem a ser cumulativos e a reforçar-se mutuamente. Segundo o autor, as instituições formais podem possibilitar a mudança da prática política e o desenvolvimento do capital social. Este é entendido como um bem público cada vez mais necessário nas sociedades complexas, onde as vantagens do oportunismo, da trapaça e da transgressão tendem cada vez mais a aumentarem, à medida que prossegue o desenvolvimento econômico. A criação de capital social não é fácil, mas será cada vez mais fundamental para fazer a democracia funcionar. A proposta do CSEC tem sido, desde então, criar uma relação de respeito e confiança, envolvendo os profissionais e colaboradores entre si e entre eles e a comunidade. É uma tarefa difícil que envolve desde ações menores, como o uso racional de papéis e a não utilização de copos descartáveis, até a discussão de conflitos de relacionamentos humanos e o limite da solicitação indiscriminada de medicamentos e exames pelos pacientes. Outro conceito norteador, associado ao anterior, é o de ‘RESPONSABILIDADE SOCIAL’. Temos, cada vez mais, a convicção de que a participação dos estudantes e professores da universidade no trabalho coletivo a saúde propicia uma formação de profissional mais envolvido com a política de saúde do país e consequentemente uma maior responsabilidade social. Este também é o entendimento de O’Dwyer e Pastrana (2000), segundo os quais o ensino médico não pode estar dissociado do contexto social, pois do contrário estará formando profissional descolado da realidade e distante das necessidades e dos anseios da população. Ou seja, a escola médica deve favorecer o desenvolvimento do compromisso social, procurando atender às necessidades da sociedade em termos de saúde e de tratamento dos problemas. Neste contexto, cabe destacar que uma das diretrizes do Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina – PROMED foi incentivar a utilização de cenários reais para o processo ensino-aprendizagem e a abertura dos serviços universitários às necessidades do SUS, implicando, portanto, possibilitar maior compromisso social das escolas médicas. Esta tem sido uma tarefa difícil, pois o peso hegemônico do ensino hospitalar, a dimensão do capital simbólico e financeiro do valor das especialidades, a valorização da transmissão do conhecimento teórico desarticulado da realidade da práxis, entre outros, ainda contribuem para a desvalorização do ensino na realidade da prática ambulatorial e comunitária, principalmente quando essa realidade implica uma distância social, cultural e econômica entre profissionais e pacientes. Todas as ações de assistência à saúde e do processo ensinoaprendizagem foram norteados, e continuam sendo, por dois outros conceitos incorporados na estruturação pedagógica do CSEC, quais sejam o da INTERDISCIPLINARIDADE e o de EDUCAÇÃO PERMANENTE. O conceito de Educação Permanente será apresentado a seguir. A Interdisciplinaridade é norteadora do PBS a partir de que ‘colabora para promover saltos qualitativos que reconfiguram as áreas de conhecimento e propõe muitas outras possibilidades que podem definir novos campos científicos’ (Janine, 2008). Esta afirmação, entre outras, foi um estímulo para a formação das equipes interdisciplinares que atuam nas ações de intervenção na unidade e para a busca de outros campos de conhecimentos e saberes, busca esta que redundou na idéia de construção do PBS. A interdisciplinaridade é um desafio que, quando, pelo menos, um pouco vencida, redunda em publicações como esta: uma visão de um pequeno microcosmo social, mas, visto numa complexidade do mundo real, visto por pesquisadores de múltiplos saberes e conhecimentos e com a participação dos sujeitos pesquisados, levando em consideração a utilização da metodologia pesquisa-ação. Atualmente, principalmente após a construção do projeto ‘Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania’ (PBS), a incorporação de suas diretrizes norteadoras e o compromisso de alcançar as metas programadas, o CSEC, como a materialidade estruturante do PBS, consolida-se, cada vez mais, como um espaço de excelência na assistência à saúde e nas atividades de ensino-pesquisaextensão, o que envolve produção de conhecimentos e reflexão constante de sua práxis. Esse artigo é uma possibilidade de reflexão dessa práxis e, ao mesmo tempo, do compromisso com a sua publicização. 2.2- A história mais recente Como a própria denominação sugere, o 'Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania' tem como objetivo principal transformar um bairro vulnerável - o bairro de Custodópolis em um bairro saudável, através de redes inter-institucionais, interdisciplinares e de sujeitos cidadãos. A constituição do conceito e do Programa tem uma história a ser descrita. História decorrente do encontro de atores com convergência de idéias num determinado momento. Atores provenientes do CSEC e das Instituições Parceiras. E, principalmente, dos atores que constituíram o PBS em sua fase inicial e da Direção da Faculdade de Medicina pelo apoio constitucional. Considerando essa história, os profissionais de saúde do CSEC, após anos de atuação e de experiência, constataram que somente as ações desenvolvidas de assistência médica nesta unidade não estavam cobrindo satisfatoriamente as necessidades da comunidade de Custodópolis, bairro localizado no distrito de Guarus, no qual a unidade está instalada. Neste sentido, a idéia de Saúde, numa visão ampliada, e a de Saúde Coletiva foram os primeiros conceitos que marcaram a trajetória do processo de construção do PBS. Essas idéias continuam atuais, sendo incentivadoras de projetos, como o de alfabetização de adultos (Mova Brasil, em parceria com a Petrobrás e o Instituto Paulo 16 Freire e iniciado em março de 2012) e o de Juventude Saudável (iniciado em março de 2012), a ser desenvolvido por três alunos do Projeto Bolsa Trabalho-CSEC. Essas ações sofrem algumas críticas, devido a uma concepção ortodoxa e, ainda arraigada de que uma unidade de saúde deveria apenas se ater ao atendimento de doença, sendo esta apenas de cunho biológico, e não desenvolver ações e atividades de promoção da saúde em âmbitos mais alargados e consoantes com o conceito de determinação social do processo saúde-doença, como se verá mais adiante. Diversos fatores convergiram para a construção do PBS, destacando-se, entre outros: constatação de uma realidade social que demandava outras ações, além das de cunho somente médicoassistencial, como já exposto anteriormente; legitimização do potencial do CSEC que cada vez mais se fortalecia como espaço de ensino-pesquisa-extensão; apoio institucional e efetivo da Direção da FMC; convergência de idéias e contribuições efetivas dos atores representativos das diversas instituições. Justificou-se, assim, o PBS, que objetivou consolidar a ampliação e atuação do CSEC, elaborar um modelo de prática que congregasse os esforços de diferentes instituições de ensino e aperfeiçoar e aprofundar conhecimentos e ações para a melhoria da qualidade de vida da população residente no bairro de Custodópolis e seu entorno. Teve-se como pressuposto o de que tal articulação entre as instituições do ensino superior reforçaria a relevância social e científica da proposta, considerando os impactos que poderia produzir não só no espaço acadêmico, investindo na sintonia entre ensino, pesquisa e extensão, como também na própria experiência a ser vivenciada com a comunidade, através da implementação de esforços para sua passagem de bairro vulnerável para bairro saudável. O PBS constituiu-se, portanto, como um programa interinstitucional e interdisciplinar, integrando diversos projetos de ensino-pesquisa-extensão das 08 Instituições de Ensino Superior: Faculdade de Medicina de Campos (FMC), Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Federal Fluminense (IFF), Universidade Cândido Mendes (UCAM), Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), Universidade Estácio de Sá (UNESA), Faculdade de Filosofia de Campos (FAFIC) e Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). O organograma compôs-se de um Coordenador Geral (no momento com um representante da Faculdade de Medicina de Campos), e do Grupo Gestor (formado por um Titular e por um Suplente representando cada instituição parceira). No decorrer de 2007, foram realizadas diversas reuniões com as representações do Grupo Gestor, nas quais se construiu o projeto do PBS e o documento - Termo de Cooperação TécnicoCientífico - que instituiu as parcerias institucionais. No documento, assinado em 08 de junho de 2009, com a presença dos Dirigentes das Instituições Parceiras e representantes que formam o Grupo Gestor, destaca-se no parágrafo único: O Programa Bairro Saudável será desenvolvido mediante projetos de ensino, pesquisa e extensão, que deverão ser norteados pela busca e exercício da cidadania, visando à melhoria da qualidade de vida da população local. Uma das cláusulas é a respeito de que os projetos deverão ser somente executados após passarem por uma apresentação para todos os componentes do grupo gestor, no sentido de serem analisados quanto à pertinência em relação aos preceitos e conceitos norteadores do Programa, como também de serem publicizados e avaliados em relação às questões éticas das pesquisas. Desde então, alguns projetos apresentados e executados integraram-se no tripé ensino-pesquisaextensão e outros se situaram em um ou dois dos três componentes, respeitando a vocação de cada Instituição. A exigência que tem sido feita é a de que os projetos sejam balizados pelo compromisso assumido no Termo de Cooperação Técnico-Científico e pelos objetivos, metas, resultados esperados e conceitos norteadores, como descritos a seguir. Estas dimensões serão apresentadas de forma sistematizada, como as são no Projeto. Em relação ao método, sugere-se o de 'pesquisa-ação' sempre que a abordagem do objeto assim o permitir. 3- Objetivos, metas, resultados esperados e conceitos norteadores 3.1- Objetivos Geral: Desencadear um processo de transformação de um bairro vulnerável em um bairro saudável na comunidade de Custodópolis, através da criação de um modelo de prática, pautado na interação serviçocomunidade-instituições de ensino superior. Específicos: · Fortalecer e expandir as condições de atuação do CSEC. · Implementar um cenário multidisciplinar de ensino, pesquisa e extensão. · Realizar um estudo sócio-ambiental da comunidade de Custodópolis. · Fortalecer a responsabilidade social no processo de formação profissional. · Estimular o processo de empoderamento e controle social na comunidade de Custodópolis. 3.2- Metas · Estruturação do pólo interinstitucional e interdisciplinar no CSEC · Construção de um diagnóstico sócio-ambiental participativo. · Elaboração e implantação de planos de ações interdisciplinares. · Consolidação do Pólo na lógica de “Educação Permanente”. · Instrumentalização das lideranças comunitárias. 3.3- Resultados esperados · Constituição progressiva de um bairro saudável. · Consolidação do CSEC como Pólo Interinstitucional, Interdisciplinar e de Educação Permanente. · Criação de um banco de dados. · Apropriação pela comunidade do conhecimento produzido e sua habilitação para processar uma atualização permanente do Banco de Dados. · Produção e publicização de textos científicos. 17 · Viabilização da Residência Interdisciplinar em Atenção Básica à Saúde, no CSEC. · Consolidação das linhas de pesquisa existentes e criação de outras. · Colaboração técnico-científica com redes brasileiras que atuam na Atenção Básica. 3.4- Conceitos norteadores Os conceitos são considerados balizadores dos projetos a serem desenvolvidos. O que diz respeito ao reconhecimento da importância da educação para a autoformação e para a constituição da cidadania (Morin, 2001) é o de EDUCAÇÃO PERMANENTE. Este é um conceito que tem, cada vez mais, se solidificado, principalmente após os anos 80, quando a OPAS (Organização Pan Americana de Saúde) estabeleceu uma distinção conceitual entre Educação Continuada e Educação Permanente. O Ministério da Saúde incorporou este desafio, instituindo a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento dos trabalhadores para o setor, através da Portaria nº198/GM/MS de 13 de fevereiro de 2004. Este conceito enfoca a importância da reflexão coletiva da equipe de trabalho a partir dos problemas reais encontrados na prática cotidiana. Isso significa assumir a educação na práxis, pela práxis e para a práxis, admitindo-se que os problemas se situam além da racionalidade técnica e estão imersos em redes complexas interpessoais, interinstitucionais e políticas. Como Ceccin (2005: 976) afirma: “a Educação Permanente em Saúde constitui estratégia fundamental às transformações do trabalho no setor para que venha a ser lugar de atuação crítica, reflexiva, propositiva, compromissada e tecnicamente competente”. A Educação Permanente remete, assim, à discussão da aprendizagem significativa, à organização e gestão do trabalho em saúde, propiciando a construção de novas práticas e novos saberes profissionais, elaborando-se estratégias mais efetivas de ação. Está em oposição da prática educacional que Paulo Freire (1987) denominou de ‘Educação Bancária’ em que os alunos são depósitos nos quais os professores jogam informações que devem ser memorizadas e arquivadas. Ou seja, a Educação Permanente constitui-se como uma educação articulada à realidade e as necessidades do grupo social. Outro conceito é o de ATENÇÃO BÁSICA, compreendo-o com “um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde” (Política Nacional de Atenção Básica, 2006: 10). Seu desenvolvimento deve se processar através de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, valorizando o trabalho em equipe, a delimitação de territórios de ação, a singularidade dos sujeitos, e, orientando-se pelos princípios “da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social” (ibid.). Dentro de tal concepção, a SAÚDE, como expressão de um direito de cidadania, é entendida como “produção social, processo dinâmico e em permanente transformação” (Meirelles; Erdmann, 2006: 70). Isto significa romper com a setorialização da realidade, tanto no âmbito do conhecimento, quanto da ação, privilegiando olhares e ações interdisciplinares direcionados à qualidade de vida de sujeitos que são protagonistas de seu cotidiano. Portanto, os conceitos de INTERSETORIALIDADE e de VIGILÂNCIA À SAÚDE se impõem nesta visão de saúde e, consequentemente, também, como norteadores para a transformação de um ‘bairro vulnerável’ em um ‘bairro saudável’. De acordo com Mendes, (1999), a Vigilância à Saúde é uma forma de resposta social organizada aos problemas de saúde, referenciados pelo conceito positivo de saúde e pelo paradigma da produção social da saúde. O conceito positivo da saúde envolve, por sua vez, uma concepção do processo saúde-doença mais vinculado à qualidade de vida de uma população, sendo, portanto, um produto social, ou seja, uma aproximação positiva. Por sua vez, o paradigma da produção social da saúde é uma proposta de rompimento com o paradigma flexneriano, este apoiado predominantemente no setor biologicista. Desta forma, o paradigma proposto, além de dar conta de um estado de saúde em permanente transformação (e não uma visão estanque de saúde ou doença), permite a ruptura com a ideia de um setor exclusivamente biologicista, erigindoo como produto social resultante de fatos econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos. A prática da Vigilância à Saúde parte do reconhecimento de um território, identificando os problemas existentes para, a partir daí, atuar sobre eles com ações organizadas intersetorialmente. Desta forma, a intersetorialidade exige a ação de distintos setores, implicando tomar problemas concretos, de gentes concretas, em territórios concretos. Reconhece-se esta proposta, avançando-a no sentido de que a ela seja incorporada excelência no atendimento à saúde biológica. Ambos os conceitos possuem uma dimensão além da atuação de um programa como o PBS ou de uma unidade de saúde como o CSEC. Sabê-los, no entanto, tem representado um passo importante para cobrar suas execuções em outras instâncias, principalmente às relacionadas ao poder público. A PROMOÇÃO DA SAÚDE, uma das dimensões da Vigilância à Saúde, tem sido valorizada neste contexto. É uma dimensão que comporta uma atuação sobre os determinantes da saúde, considerando, paralelamente, um conjunto de valores que abrangem uma revalorização da vida e uma qualificação dos modos de vida em um determinado contexto, assumindo-se suas dimensões sociais, culturais, econômicas e políticas. Para sua operacionalização, os conceitos discutidos anteriormente de intersetorialidade e interdisciplinaridade deverão ser incorporados para a melhoria da vulnerabilidade de um bairro. Após um ano de implantação do Programa Bairro Saudável, consideramos que as intervenções a serem realizadas no Bairro de Custodópolis deverão ser norteadas pelo modelo explicativo mais adequado em relação às determinações do processo saúde-doença, e da PROMOÇÃO DA SAÚDE, que é o da proposta de Dahlgren & Whitehead (1991). Este modelo, que incorpora de uma forma sistematizada alguns dos conceitos anteriores e o de PARTICIPAÇÃO, está sendo o norteador do Projeto Família Saudável. O conceito EMPODERAMENTO, a ser discutido mais 18 profundamente em outro artigo, está implicado, de uma maneira resumida, no mecanismo através do qual as pessoas, organizações e comunidades tomam controle de seus próprios assuntos e de sua própria vida, desenvolvendo uma consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir. A partir de tais considerações é possível, então, apontarmos para a discussão em torno da expressão CIDADE SAUDÁVEL, aproximando-a da proposta de BAIRRO SAUDÁVEL assumida neste projeto. Mendes (1996) considera que o tema sinaliza “um projeto estruturante do campo da saúde”, onde diferentes atores, ou seja, o governo, as organizações da sociedade civil e organizações não governamentais articulam uma “gestão social” direcionada para transformar a cidade em um espaço de “produção social da saúde”. Em termos operacionais, tal perspectiva implica o compromisso dos cidadãos e organizações locais na direção de um processo contínuo de melhoria das condições de saúde e bem estar dos habitantes – melhoria contínua e não ponto de chegada. O que se assume aqui é a saúde em sua positividade, articulada à geração de processos participativos, sociais e institucionais, na direção de políticas públicas saudáveis, removendo determinações ambientais, socioeconômicas e culturais associadas às enfermidades. Trata-se de uma opção que implica a postura permanente de trabalhar as políticas de forma integrada, admitindo-se as inter-relações existentes entre saúde, educação, habitação, saneamento, transporte, lazer e tantos outros aspectos, que compõem a vida dos sujeitos inseridos em determinados territórios. Mais uma vez, assumimos o desafio de estarmos sendo norteados por esses conceitos, sabendo-os como imagem objetivo para a busca da transformação de um bairro vulnerável em um bairro saudável, numa condição não puramente econômica que, embora importante, não representa a única variável de qualificação de um território na condição desejada. 4- Projetos implantados Considerando os três anos do PBS, vários projetos das Instituições parceiras foram implantados. Nem todos os projetos objetivaram o desenvolvimento de ensino-pesquisa-extensão. Alguns são essencialmente de pesquisa, outros de extensão e outros de ensino. . Os projetos de ensino-extensão foram incorporados, na sua maior parte, como estágios de prática para os alunos das diversas instituições parceiras. Estes projetos contribuíram e têm contribuído para fortalecer e expandir as condições de atuação do CSEC e para que esta unidade se consolide como um cenário multidisciplinar de extensão. Os projetos e os respectivos estágios realizados até o momento foram os decorrentes das seguintes instituições envolvendo as categorias profissionais abaixo descritas: 1- Diversos estágios foram realizados até o momento: enfermagem (UNIVERSO), fisioterapia (UNESA), serviço social (UFF), farmácia (FMC), movimento corporal e artístico (FAFIC), saúde coletiva (FMC), saúde da mulher, da criança, do homem, do idoso (FMC, saúde da família e saúde mental (FMC). Os projetos de pesquisa já executados pelas Instituições parceiras foram: 1- Significarte: tecendo significados por meio da arte, ciência e tecnologia. Integrantes: Vânia Machado Seabra Puglia, Tássia Silva Nunes Pereira, Jéssica Luiza da Silva Oliveira, Raquel de Lima e Cirne Vieira, Antônio Carlos da Silva Souza. Objetivo: O Projeto SignificARTE, dentro de uma perspectiva inter e transdisciplinar e no âmbito de um programa extensionista, junto a crianças e adolescentes em situação de risco social, busca por meio das potencialidades da sustentabilidade incorporar às situações reais de ensino e aprendizagem de forma interativa e lúdica. Ancorada num ambiente artístico-cultural de aprendizagem, conceitos da sustentabilidade são aplicados, experimentados estabelecendo-se a relação do sujeito com o objeto de aprendizagem. Metodologia: Utilizase como proposta metodológica a pedagogia de projetos, que busca por meio da interação e da construção coletiva e cooperativa, numa perspectiva inter e transdisciplinar, uma estratégia de inter-relação, integração dos atores envolvidos a construção e reconstrução de saberes e conhecimentos. Todo esse processo exige uma nova abordagem teórica, centrada na valorização do conhecimento que signifique “aprender a buscar o saber” - novas formas de aprender fundamentadas muito mais nos sentidos, sentimentos, valores e emoções. Resultados e Discussão: A proposta de utilização da arte-educação como instrumento de ação/intervenção tem contribuído para a quebra de paradigmas, rompendo com a padronização. Tem possibilitado a criação de espaços de comunicação, de expressão das pessoas. Instrumento de representação da realidade, e, principalmente de transformação de “seus mundos”. O projeto teve como resultados positivos o envolvimento de 25 (vinte e cinco) crianças e adolescentes, podendo-se observar a participação dos mesmos nas oficinas temáticas sobre sustentabilidade. Conclusões: Os resultados indicam que é possível implementar um projeto social, embora possam ocorrer uma série de dificuldades, tais como infraestrutura física e tecnológica disponibilizada pela instituição, instabilidade na frequência das crianças e adolescentes nas oficinas (em função do momento político por exemplo algumas crianças e ou adolescentes estão faltando para “trabalhar” na campanha política). Foram encontradas as seguintes possibilidades pedagógicas: rodas de conversas no início e final das oficinas; aproveitamento de situações concretas surgidas nas oficinas para discutir valores; procedimentos que valorizam a participação ativa na resolução de conflitos. Os resultados deste estudo permitem apontar para a expectativa de que haja possibilidades de um programa mais efetivo e eficaz no âmbito de um projeto social. 2- Conceitos e percepções da terceira idade sobre DST e AIDS Integrantes: João Carlos de Aquino Almeida e colaboradores. Objetivo: Estabelecer uma relação dialógica com os grupos investigados, captar seus conceitos e percepções sobre sexualidade, reprodução e desenvolvimento embrionário e, a partir daí, desenvolver 19 materiais e metodologias relacionados ao desenvolvimento desse tema em cenários formais e não-formais de ensino-aprendizagem, de modo a: a) Registrar os conceitos e percepções de indivíduos da terceira idade sobre os temas investigados, com o auxílio de uma equipe multidisciplinar; b) Discutir propostas de ensino a fim de se detectar a significância dos temas para os sujeitos da pesquisa; c) Produzir material didático significativo e preciso; d) Desenvolver metodologias apropriadas de ensino-aprendizagem; e) Obter um ganho real no processo de ensino-aprendizagem, avaliado pelos indicadores criados no desenvolvimento do Projeto. Método: trabalho investigativo, mediante a aplicação de questionários, realização de entrevistas, palestra e debates com o grupo de terceira idade. Fases do projeto: a) Realização de reuniões com os próprios sujeitos da pesquisa, a fim de se explicar os objetivos do projeto e de se obter autorização para participação, mediante preenchimento de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), e termo de autorização para uso da imagem, quando for o caso; b) Aplicação de questionários; c) Realização de entrevistas, debates e mesasredondas, em diferentes momentos e com diferentes atores envolvidos (membros da terceira idade, líderes comunitários, equipe); d) Criação de material didático; e) Avaliação do material didático pelos participantes; f) Criação de kits didáticos; g) Criação e aplicação de aulas e outras estratégias visando o processo de ensino-aprendizado; h) Avaliação da fixação de conceitos; i) Avaliação dos participantes sobre o projeto 3-Prevalência da Doença Renal Crônica e fatores de risco associados nos idosos do Programa Idoso Saudável, Campos dos Goytacazes-RJ. Integrantes: João Carlos Borromeu Piraciaba, Vera Lucia Marques da Silva, Tamires Teixeira Piraciaba, Amanda Freire de Almeida, Laila Crespo Lamônica, Monique do Vale da Silveira, Renata de Almeida França, Maria Clara Teixeira Piraciaba, Laisse Marins Defanti, Rachel Siqueira de Menezes. Objetivo: Avaliar prevalência e grau de lesão renal em idosos participantes do Grupo Idoso Saudável, RJ, associando-os aos fatores de risco. Método: estudo observacional transversal, com amostra não-probabilística de conveniência composta por 57 idosos, de ambos os sexos. O grau de função renal foi quantificado pela fórmula de Cockcroft-Gault e estadiado segundo os critérios do National Kidney Foudation. Resultados: Dos 58 idosos investigados, 31% encontraram-se no estágio I da DRC; 25,8% em estágio II; 34,5% em estágio III; 5,1% em estágio IV; 1,7% em estágio V. No estágio I encontrou-se 66,7% obesos, 72,2% HAS e 38,9% DM. No estágio II: 33,3% são obesos, 73,3% possuem HAS e 26,7% possuem DM. No estágio III: 15% são obesos, 90% possuem HAS e 40% possuem DM. No estágio IV: 66,7% possuem HAS, neste estágio não foram observados idosos com DM e/ou obesidade. No estágio V: 100% possuem DM e HAS, porém não foram observados obesos. CONCLUSÃO Detectou-se 25,8% dos idosos em estágio II e 34,5% em estágio III da DRC, sendo a HAS o fator de risco associado mais encontrado. Torna-se fundamental, portanto, a detecção precoce e o controle dos fatores de risco associados à DRC, além da identificação precoce nas alterações na Taxa de Filtração Glomerular em idosos, a fim de instituírem-se medidas preventivas capazes de impedir e/ou reduzir o avanço da DRC, como programas de controle de fatores de risco modificáveis. 4-Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idoso sobre os fatores determinantes da capacidade funcional Integrante: Raphael Freitas Jaber de Oliveira, Vera Lucia Marques da Silva Objetivo: Avaliar a efetividade das ações do grupo interdisciplinar que atua sobre os idosos. Método: Entrevistas livres com 60 idosos pertencentes ao GIS e 60 idosos não pertencentes ao GIS do bairro de Custodópolis utilizando as escalas de Katz, Lawton e Tinetti e a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa. Para análise comparativa utilizamos o software EpiInfo. Resultado: Em relação ao perfil dos idosos da comunidade: os idosos do GIS apresentaram idade média mais elevada; o sexo feminino representou a maioria nas amostras; a análise do perfil socioeconômico demonstrou, predominantemente, baixa escolaridade, atividade laboral de intensa exigência física e, economicamente, beneficiários de um salário mínimo proveniente da aposentadoria. Em relação à avaliação funcional: a análise comparativa dos fatores de risco de há um ano e sete meses atrás e da atualidade dos idosos do GIS demonstrou diminuição nos percentuais de obesidade, etilismo e tabagismo, representados por queda de, respectivamente, 25%, 16,7 e 8,4%. O perfil patológico dos idosos do GIS ilustrou uma transição com queda de pelo menos 3,4% em todas as patologias, destacando-se hipertensão arterial, diabetes melito tipo 2 e depressão, com valores de 21,6%, 15% e 11,7%, respectivamente. Nos idosos pertencentes ao GIS, a avaliação das atividades de vida diária, atividades instrumentais de vida diária e habilidades de equilíbrio e caminhada demonstrou melhora, respectivamente, de 20,0%, 18,4% e 8,3% em comparação ao outro grupo. Diante destas alterações, 71,6% dos idosos participantes do GIS referem ótimo estado de saúde. Conclusão: Conclui-se que, apesar das vulnerabilidades sociais, ambientais e econômicas, características do bairro de Custodópolis, o GIS pôde intervir nesta realidade, oferecendo à população idosa a prática regular de atividade física, educação em saúde, aferição da pressão arterial, medição da glicemia e aconselhamento nutricional, que proporcionaram prognóstico positivo para a saúde dos idosos, que se concretizaram na melhora da capacidade funcional. 5- Perfil e avaliação soroepidemiológica da toxoplasmose em idosos no programa da terceira idade do Centro de Saúde Escola de Custodópolis, em Campos dos Goytacazes, RJ. Integrantes: Meire Cardoso da Mota Bastos, Monique do Vale da Silveira, Nathália Mota de Faria Gomes, Dr. Ricardo Guerra Peixe, Dra. Annelise Wilken de Abreu, Doença infectocontagiosa causada pelo Toxoplasma gondii, em geral, assintomática em 10 a 20% dos imunocompetentes. As manifestações clínicas decorrem de sua reativação em imunocomprometidos. O idoso em decorrência de mudança no sistema imunológico pode desenvolver doenças infectocontagiosas (Netto, 1996). Dados recentes revelam a alta prevalência da toxoplasmose na cidade de Campos dos Goytacazes comprovando que a idade é um importante fator de risco para esta doença, 20 e ainda o uso de água não filtrada e/ou de poços, e a presença de gatos no domicílio. Objetivo: Estudar, mediante análise soroepidemiológica, a toxoplasmose nos idosos atendidos pelo Programa da Terceira Idade do Centro de Saúde Escola de Custodópolis (CSEC), no Município de Campos dos GoytacazesRJ, visando contribuir para um melhor entendimento da doença nesta população. Método: Estudo observacional transversal, realizado em 2009 com amostra não probabilística. Foram avaliados 52 idosos, ambos os sexos, atendidos no CSEC. A variável principal, ter toxoplasmose, foi avaliada através da presença da imunoglobulina G (IgG) específica no sangue periférico. Os fatores de risco foram avaliados por entrevista com uso do protocolo de pesquisa contendo as seguintes variáveis: sexo, idade, tipo de residência, prática de jardinagem e exposição a animais, à água e aos alimentos. A análise dos dados foi estatística. Resultados: A amostra era formada por 9,62% de homens e 90,38% de mulheres, idade média de 67,63. Dos 52 idosos analisados, 92,31% eram IgG positivo para Toxoplasmose. Dos fatores de risco associados, 100% dos idosos moravam em casa; 78,85% mexiam em jardins; 78,85% possuíam animais; 44,23% bebiam água não filtrada; 19,23% consumiam carne de boi e/ou de galinha mal passadas; 59,62% consumiam legumes e/ ou verduras cruas. Conclusão: A prevalência de toxoplasmose foi bem alta nesta população, em acordo com Bahia de Oliveira et al. (2002) que mostrou que aos 40 anos 80% da população local apresentou toxoplasmose. A mudança no sistema imunológico observada no geronte levanta a possibilidade de reativação da toxoplasmose nesta faixa etária. Os dados observados permitirão ainda um melhor acompanhamento prospectivo dos idosos e o delineamento de estratégias de saúde pública. 6-Cidade de Palha: re-conhecendo o território de Custodópolis/ Campos dos Goytacazes/RJ. Integrantes: Denise Chrysóstomo de Moura Juncá, Katarine Sá Santos, Verônica Gonçalves Azeredo, Carlos Antônio de Souza Moraes, Marilene Parente Gonçalves, Ana Paula Pessanha Cordeiro, Ellen Christel Gomes Moraes, Josemara Henrique da Silva Pessanha, Celma Cristina Morais de Oliveira Batista, Paula Emely Cabral Torres, Aline da Silva Viana Jorge, Késia da Silva Tosta, Vera Lucia Marques da Silva, Igor Leal Pena, Christovam Cardoso, Regina Coeli Martins Paes de Aquino, além de aproximadamente 50 acadêmicos da UFF, IFF, FMC e UNIVERSO. O projeto Cidade de Palha, inserido no PBS, consiste em uma experiência interdisciplinar e interinstitucional, envolvendo docentes e discentes do ensino superior das áreas de serviço social, medicina, enfermagem e arquitetura e urbanismo. Trata-se de uma proposta de pesquisa e extensão que busca responder às seguintes questões: Como se desenham as vulnerabilidades socioeconômicas, ambientais e civis existentes em Custodópolis e que influências elas exercem no sentido de dificultar sua constituição como um bairro saudável? Objetivo: Construir um diagnóstico sócio-ambiental do bairro, disponibilizando subsídios para a implementação de estratégias direcionadas à promoção de melhorias na saúde (Meirelles; Erdmann, 2006) de seus moradores, investindo-se no exercício da cidadania deliberativa (Tenório, 2006). Método: A primeira fase do projeto (2008) fundamentou-se no desenvolvimento de uma pesquisa-ação, articulada à história oral e análise documental, culminando com a elaboração de um diagnóstico preliminar da comunidade, disponibilizado tanto a própria comunidade, quanto as instituições parceiras do PBS. Em seguida (2009 e 2010), foi realizado um inquérito populacional, cuja importância como canal de informações é reconhecida, principalmente, no campo da saúde (Viacava, Dachs; Travassos, 2006), uma vez que se constitui como fonte primária de dados e propicia a construção de indicadores capazes de instrumentalizarem estudos epidemiológicos, sinalizando parâmetros para o planejamento de ações. Buscava-se, portanto, um aprofundamento das discussões sobre o território (Santos, 2007) investigado, focalizando o cotidiano das famílias e observando-se as indicações de Busso (2002, p.12), sobre as principais dimensões da vulnerabilidade, ou seja, de habitat, de capital humano, econômica, de proteção social e de capital social. Atingiram-se mais de 50% das famílias residentes no território pesquisado e, ainda em 2010, foi iniciada a tabulação, análise e interpretação dos dados, bem como a elaboração do relatório, concluído em 2011. Resultado: O diagnóstico apontou uma paisagem caracterizada por um “processo de descidadanização” (Kovarik, 2003), pondo em destaque situações e contextos onde três elementos se combinam: a existência de riscos, a incapacidade de reação, além de dificuldades de adaptação face à materialidade do risco (Moser, 1998). Conclusão parcial: Com um olhar voltado para o passado e com um presente permeado por contradições, Custodópolis vivencia um confronto entre o cenário real e o desejado, com vulnerabilidades em várias dimensões, desenhando modos de vida que precisam ser redimensionados pela via de empoderamento (Stromquist, 1997). 7-Prevalência de Anemia e estadiamentos da Doença Renal Crônica em idosos portadores de Diabetes Mellitus e pertencentes ao Programa Idoso Saudável, Campos-RJ. Integrantes: Meire Cardoso da Mota Bastos, Monique do Vale da Silveira, Nathália Mota de Faria Gomes, Annelise Maria de Oliveira Wilken de Abreu. Objetivo: estimar a prevalência de anemia em idosos portadores de DM do Programa Idoso Saudável, correlacionando o comprometimento do DM com o estágio da DRC, estabelecido pelo National Kidney Fondation (NKF). Método: O delineamento foi transversal, com amostra não-probabilística de conveniência, observando 57 idosos = 60 anos, de ambos os sexos, em estudo realizado em 2009. A anemia foi avaliada através da hemoglobina (Hb), parâmetro mais utilizado como indicativo das consequências fisiopatológicas da anemia (WHO, 2001). Foram considerados portadores de anemia aqueles com índices de Hb = 14,5g/ dL. Resultados: a prevalência de anemia em pacientes com DM situouse em 36,8%, com variação dos níveis de Hb entre 11,6 e 14,3g/dL. Dos idosos com anemia e DM, 30% foram classificados em estágio I da DRC, 40% em estágio II, 25% em estágio III, 5% em estágio IV e nenhum em estágio V. Dos idosos apenas com anemia, 36,8% foram classificados em estágio I da DRC, 38,6% em estágio II, 21,1% em estágio III, 3,6% 21 em estágio IV e nenhum em estágio V. Dos idosos com DRC e anemia, 43,6% possuem história familiar de DM (HFamDM), sendo que destes 45,8% possuem DM enquanto 54,2% não a apresentam. Dos idosos com HFamDM e DM, 18,2% encontram-se em estágio I, 45,5% em estágio II, 36,6% em estágio III e nenhum em estágio IV e V. Já os idosos com HFaDM mas sem DM foram classificados: 46,2% em estágio I, 30,8% em estágio II, 15,4% em estágio III, 7,7% em estágio IV e nenhum em estágio V. Portanto, 96,6% dos idosos apresentavam anemia; 36,5% além da anemia apresentavam DM, dos quais 30% foram classificados em estágio I da DRC, 40% em estágio II, 25% em estágio III e 5% em estágio IV; daqueles com anemia e HFamDM 54,2% não apresentavam DM por isso, devem ser acompanhados preventivamente. 8-Avaliar para educar e prevenir: a participação dos alunos numa pesquisa comunitária e focada na saúde do idoso Integrantes: Nathália Mota de Faria Gomes, Meire Cardoso da Mota Bastos, Leonardo Alvim Silva Machado, Isabela Oliveira Alves de Souza, Amanda Ferreira Barcelos, Milena de Oliveira Junqueira, Renata Magliano Marins, Igor Leal Pena, Nélio Artiles Freitas, Vera Lucia Marques da Silva. Desde a segunda metade do século XX, vem ocorrendo um aumento da expectativa de vida na população mundial. Estima-se que até 2050 os idosos corresponderão a 19% dos brasileiros. Torna-se fundamental, portanto, detecção precoce das doenças nessa faixa etária e conhecimento dos profissionais de saúde a respeito das mesmas. Objeto da intervenção: Inserção dos alunos da Faculdade de Medicina de Campos, sob orientação do professor, na pesquisa Rastreamento da prevalência da doença renal crônica num grupo de idosos do Centro de Saúde Escola de Custodópolis (CSEC), Campos dos Goytacazes-RJ. Pesquisa inserida no Programa Bairro Saudável, desenvolvido por 08 instituições de ensino superior, inclusive por esta faculdade. Objetivos: Oportunizar contato dos alunos com a comunidade, especificamente com os idosos; realização de ações educativas em relação à DRC; avaliar dano e grau da função renal; estabelecer o perfil e os fatores de risco deste grupo; favorecer a melhoria da situação de saúde deste grupo. Descrição da metodologia: Inicialmente, realizada exposição dos objetivos da pesquisa pelos alunos ao grupo de idosos, solicitando consentimento e esclarecendo os benefícios da mesma. A segunda etapa constou de aplicação do questionário já validado e realização do exame físico. A terceira etapa é a de realização de exames laboratoriais. Conclusão e recomendações: A estratégia de uma pesquisa inserida numa comunidade e, especificamente, num grupo de idosos, traz benefícios tanto para o grupo em questão quanto para os alunos, seja no sentido de maior humanização da profissão, seja na ampliação do conhecimento e na sua disseminação para todos os envolvidos. Considerando o objetivo de proporcionar a melhoria da qualidade de vida dessa população, conforme rezam as diretrizes do Plano Internacional de Madrid, atualmente incorporado pelo governo brasileiro, urge, pelo menos, a implantação de duas estratégias fundamentais, como a experiência relatada: o contato dos futuros profissionais de saúde com essa faixa etária e a detecção precoce das doenças na mesma. 9-Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mental na atenção básica e de ensino para alunos de medicina Integrantes: Roberto Carvalho Alves Filho, Bianca Bruno Bárbara, Dirlei da Silva Rosa, Regina Ribeiro Rangel, Tânia Lúcia Viana da Cruz Terra, Nélio Artiles Freitas, André Borges Gomes, Cláudio Rodrigues Teixeira, Vera Lucia Marques da Silva. Esta experiência, Grupo de Recepção, fruto de um trabalho em andamento no Centro de Saúde Escola de Custodópolis - Unidade Básica de Saúde ligada à Faculdade de Medicina de Campos – tem como focos principais e concomitantes a assistência à comunidade daquele entorno e formação acadêmica. Iniciou-se em 2006, dirigida aos portadores de transtornos psíquicos e conduzida por equipe interdisciplinar composta por dois médicos psiquiatras, assistente social, dois psicólogos, musicoterapeuta e terapeuta ocupacional. É um espaço de ensino-aprendizagem para alunos do 5° ano da referida faculdade, como parte das atividades do internato em Saúde Coletiva. Este projeto faz parte do Programa Bairro Saudável. Objeto de intervenção: Questões de saúde mental na atenção básica e na formação dos alunos do curso de medicina. Objetivos: Cuidados iniciais e encaminhamentos dos portadores de transtornos psíquicos e dependentes químicos, possibilitando subjetivação das questões de saúde; ênfase de tais questões como parte essencial na formação geral dos futuros médicos; interlocução entre equipe de saúde mental e demais profissionais da atenção básica, e os dispositivos comunitários. Metodologia: Atendimentos semanais em grupo, com média de seis pacientes, duração de 1h e 30min, coordenados por profissionais de saúde mental, seguidos por discussões teórico-práticas com os alunos. Análise crítica: Comprovaram-se benefícios para os pacientes, principalmente considerando as dificuldades encontradas na rede municipal. Em relação aos alunos, a experiência mostra que suas resistências traduzem a estranheza de tais questões, sugerindo uma formação inicial de cunho organicista. Porém, esta experiência tenta desestabilizar e ampliar sua visão sobre o paciente e sobre a clínica a ser feita com este. Conclusão: Constitui-se em espaço de atendimento valioso para a atenção comunitária, uma vez que é consonante com as atuais diretrizes de atenção em saúde mental, numa visão de saúde coletiva. Recomendações: Esta estratégia é viável para a ampliação do cuidado em saúde mental e para a inclusão de reflexões que ultrapassem a dualidade corpo-mente, tanto na formação dos futuros médicos, como para a clientela atendida. 10-Papel da Liga Acadêmica de nefrologia na prevenção da doença renal crônica Integrantes: Tamires Teixeira Piraciaba, Amanda Freire de Almeida, Laila Crespo Lamônica, Monique do Vale da Silveira, Renata de Almeida França, Maria Clara Teixeira Piraciaba, Laisse Marins Defanti, Rachel Siqueira de Menezes, João Carlos Borromeu Piraciaba, Vera Lucia Marques da Silva. A doença renal crônica (DRC) é um grande problema de saúde pública. O gasto com diálise e transplante no Brasil é de cerca R$1,4 bilhões/ ano. Detecção precoce reduz o sofrimento dos pacientes e os custos 22 financeiros. Portadores de hipertensão arterial (HA) e de diabetes mellitus têm maior probabilidade de desenvolverem a doença. Objeto de intervenção: Participação de jovens universitários em pesquisa e extensão na área de nefrologia e saúde pública. Objetivos: Relatar a experiência da Liga Acadêmica de Nefrologia (LANefro) da Faculdade de Medicina de Campos (FMC) em Campos dos Goytacazes/RJ, na prevenção da DRC. As Ligas objetivam prevenção de doenças e promoção da saúde através de campanhas preventivas e mutirões; desenvolvimento de atividades educativas na comunidade e ampliar o aprendizado e oportunizar a práticas destes ensinamentos em prol da comunidade, com projetos de ensino, pesquisa e extensão. Metodologia: A LANefro é uma entidade acadêmica,civil e sem fins lucrativos,formada por estudantes da FMC.Objetiva criar oportunidades de trabalhos científicos e sociais sob a tutoria de um docente.Há reuniões semanais teóricas e participação em campanhas preventivas, pois Ligas não devem ser apenas um grupo de estudo sobre determinado tema. Resultados: A Liga participou da campanha “PREVINA-SE” no Dia Mundial do Rim de 2009. Aferiu-se a pressão arterial e a glicemia capilar de cerca de 500 pessoas. Esta Campanha é feita pela Sociedade Brasileira de Nefrologia, que disponibiliza panfletos didáticos. Participou do Dia Mundial da Hipertensão Arterial com a Liga de Cardiologia. Foram atendidas cerca de 100 pessoas num parque da cidade. As pessoas receberam orientação sobre a HA. A Liga também age na comunidade de Custodópolis realizando campanhas de prevenção e medindo a função renal de idosos. Análise crítica e conclusão: O desenvolvimento de qualquer ação de intervenção social no controle da DRC é de importante impacto na saúde pública, devido às consequências epidemiológicas negativas da doença e seu alto custo. A participação das Ligas nas ações preventivas, norteadas pelo senso de transformação social, permite que jovens desenvolvam o exercício da cidadania. Recomendações: A ação das Ligas é uma estratégia com enorme potencial para a melhoria continuada da nefrologia e da saúde da população. 11-Uma experiência multidisciplinar no grupo de idosos. Integrantes: Igor Leal Pena, Luis Fabiano Cabral Rios, Dione Baptista do Amaral Sardinha, Giselle Cereja de Alencar, Ruth Paes, Gabriella Sarruf Abreu, Vera Lucia Marques da Silva Em 2006, foi implantado no Centro de Saúde Escola de Custodópolis (CSEC) no grupo Idoso Saudável, coordenado por uma equipe multidisciplinar composta de enfermeiro, geriatra, gerontologo, assistente social, fisioterapeuta e arteterapeuta. Este projeto, inserido no Programa Bairro Saudável, de cunho interinstitucional e interdisciplinar, é desenvolvido pela Faculdade de Medicina de Campos em parceria com 08 instituições de ensino superior do município, no qual se desenvolvem ações de ensino, pesquisa e extensão, além das ações de intervenções próprias de uma unidade de saúde. Esta experiência de 2 anos tem sido fruto de análises pela equipe no sentido de avaliar os alcances e limites desta estratégia inserida no campo da saúde coletiva. Objeto de intervenção: Melhoria da saúde integral dos idosos da comunidade de Custodópolis e enfrentamento da práxis da interdisciplinaridade. Objetivo: Promover saúde física, mental e social das pessoas idosas lançando mão das possibilidades existentes no CSEC; refletir sobre os desafios da interdisciplinaridade. Metodologia: Desenvolvimento de ações de promoção, prevenção, curativas e de reabilitação semanalmente junto ao grupo de idosos; reuniões mensais da equipe para reflexão, avaliação e planejamento das ações. Análise crítica e conclusões: A avaliação desta estratégia de 2 anos aponta aquisição da compreensão do processo saúde doença numa visão de saúde coletiva, tanto pelos profissionais envolvidos como pelos idosos e, consequentemente para estes, maior adesão aos procedimentos terapêuticos, aquisição de hábitos alimentares mais saudáveis, entre outros. Tem sido um espaço de reflexão do processo de envelhecimento tanto para os profissionais como para idosos. Recomendações: A práxis da interdisciplinaridade é uma estratégia possível, necessária e fundamental para a reflexão sobre a possível melhoria da qualidade de vida dos envolvidos. No caso especifico, para os idosos e os diversos profissionais. 12-Fitoterapia popular e patrimônio cultural imaterial sobre plantas medicinais. Integrantes: Zerrenner, D. R.; Lemos, G.C.S.; Sandra Machado Ribeiro Vohryzek; Vera Lucia Marques da Silva. Graduanda/IC; Curso de Farmácia - FMC - Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil ([email protected]) O reconhecimento das terapias tradicionais pela OMS na década de 80 contribuiu para o estabelecimento da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos – PNPMF, incentivando a inserção do setor de plantas medicinais e fitoterápicos no Sistema Único de Saúde - SUS. No Brasil, é comum a falta de consenso entre nomes populares e certas espécies medicinais, atribuindo-se à possíveis falhas na transmissão oral do conhecimento para novas gerações ou às novas influências culturais na sociedade moderna. Objetivo: Este trabalho visa avaliar o reconhecimento de diferentes espécies de plantas medicinais por usuários do Centro de Saúde Escola de Custodópolis da Faculdade de Medicina de Campos, em Campos dos Goytacazes, RJ, por meio da apresentação de fotografias de espécies conhecidas polularmente como quebra-pedra, pata-de-vaca e arnica. Resultados: Entre os oitenta e sete participantes solicitados que indicassem as referidas espécies em fotografias, prevaleceram Euphorbia prostrata, Bauhinia variegata e Eupatorium maximillane que não constam da literatura como plantas medicinais em relação àquelas que constam majoritariamente (P. niruri, B. forficata e S. microglossa). Este conhecimento é de tradição familiar de origem local (82%) e agrícola (30%), predominando entre usuários femininos (93%), viúvas (44%), com mais de 70 anos (44%), e escolaridade primária (47%) e que apesar da maioria ter acesso ao medicamento convencional ou “de farmácia” (76%) mantêm o uso do remédio caseiro por diversas motivações subjetivas, destacando-se a tradição familiar (63%), sendo o chá a única forma de uso citada. Conclusão: Os resultados indicam a importância do registro etnobotânico fidedignino sobre plantas medicinais para o resgate e a preservação do patrimônio cultural imaterial relativo às plantas medicinais. 13- Plano Diretor Urbano Sustentável 23 Integrantes: Claudio Francisco Correa Valadares (Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo – UNIFLU –CAMPUS II); Yves Henrique (Supervisor do Escritório Modelo – EMAUUNIFLU-CAMPUS II); Lidia Maria Tavares Martins (Professora da Disciplina de Projeto urbano II). A concepção urbanística contemporânea deve contemplar uma visão holística sobre as cidades, colocando-se como parâmetro alternativo e inovador para novas ideias e concepções atendendo aos princípios constitucionais. Agregar valor e iniciativas dinâmicas deve ser o objetivo destas ideias, no que concerne à revitalização urbana, visando atender aos direitos sociais constitucionais que são: “A educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e a criança e a assistência aos desamparados.” Capítulo 2, dos direitos sociais e Art. 6º, da Constituição Brasileira. A cidade moderna em sua urbanidade deve objetivar alcançar os parâmetros da “Sustentabilidade” que visam: “suprir as necessidades de geração presentes sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas” estruturando-se em três pilares: racionalização de recursos (econômico), coleta de resíduos (ambiental) e qualidade de vida (social). Relatório de Brundtland (1987). Entendemos que deve-se visar a realização de propostas para uma política voltada a um processo dinâmico de revitalização dos espaços urbanos da cidade, particularmente os “bairros”, planejando ações eficazes direcionadas ao bem estar, a saúde o lazer, a acessibilidade e mobilidade da população residente, bem como, o desenvolvimento humano de forma inteligente e sustentável, não admitindo mais soluções descompromissadas propostas pelo órgão publico que não contemplam a boa espacialidade, mobilidade ou com a qualidade de vida, mas, sim, se ter um olhar mais amplo que venha a abrigar um planejamento estratégico, para atender as demandas e necessidades dos moradores dos bairros. É neste cenário que se instalam as ações do programa “Bairro Saudável”, promovido pela Faculdade de Medicina de Campos, que através do Centro Escola de Custodópolis, CSEC, visa no fortalecimento e à expansão das condições de sua atuação e se estende através de parcerias com organizações e várias instituições de ensino superior, todos compromissados com o processo da “Cidadania”. O Centro Universitário, UNIFLU se incorpora a este “Modelo, através do Curso de Arquitetura e Urbanismo, demandando ações no campo do ensino, pesquisa e extensão, sediados pelo Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo EMAU/UNIFLU, ambiente este que abriga discentes, na condição de Estagio Supervisionado, aderindo a esta importante proposta, no campo da saúde e inclusão Social. Esta abordagem se direciona ao “Bairro” como foco principal, haja vista alguns experimentos já realizados em cidades metropolitanas e de porte médio com sucesso, a exemplo dos programas “Favela Bairro, Rio Cidade, e no nosso município, a implementação do Bairro Legal”, todos apoiados em conceitos do moderno urbanismo apropriando as potencialidades, os conflitos da população residente e atendendo às prioridades detectadas, visando viabilizar os anseios e necessidades. O que se pretende neste contexto é promover previamente uma análise ampla do “Bairro”, diagnosticando suas potencialidades, conflitos e prioridades, fornecendo sugestões técnicas e elementos que resultem em uma ação estratégica pontual, através de uma experiência “piloto” para um novo “Modelo de Concepção Urbana Sustentável, revitalizando o ambiente, atendendo às necessidades apontadas e somadas a outras diversas ações e obter-se então de fato um “Bairro Saudável”, podendo ser esta experiência, um marco para outras demandas da cidade. Plano de Ação para o desenvolvimento do Plano Diretor Sustentável: 1)Reconhecimento da área em estudo visando o Diagnóstico Urbano: Potencialidades, Conflitos e Prioridades; 2)Apropriação do limite, para as propostas de intervenções gerais e pontuais; 3)Apresentação da Proposta preliminar de Intervenção Urbana, ambientalmente, saudável, acessível e sustentável; 4)Análise das demandas apontadas visando à elaboração do Plano Diretor Sustentável; (Edificações, Contexto urbano, Paisagismo, Acessibilidade, Mobilidade Urbana e outros); 5)Cronograma 2011 para elaboração das diversas atividades; 6) Concepção e Desenvolvimento das atividades correlatas; 7) Avaliação e Apresentação Final. 5- Resultados alcançados Após dois anos de implantação do PBS, alguns resultados já foram alcançados, tanto em relação ao projeto global do PBS como aos dos diversos projetos das Instituições parceiras. Enfoque maior será dado, a partir deste parágrafo, em relação aos resultados do projeto global do PBS. Os resultados dos outros projetos que foram propostos pelas Instituições parceiras foram descritos anteriormente. Em relação aos resultados do projeto que originou esta publicação, eles serão apresentados nos artigos seguintes. Os resultados apresentados neste artigo serão enfocados numa dimensão de avaliação construtiva, a partir do entendimento de que esta possibilita um olhar mais apurado dos alcances e limites atingidos até o momento presente, o que, possibilitará, por sua vez, novo planejamento a partir de julho de 2013, com a posse de uma nova coordenação geral e grupo gestor. A análise dos resultados alcançados levou em consideração os objetivos, metas e resultados esperados do projeto global do PBS, como descrito no item 03 do presente artigo. Em relação ao objetivo geral - transformação de um bairro vulnerável em um bairro saudável na comunidade de Custodópolis, através da criação de um modelo de prática, pautado na interação serviçocomunidade-instituições de ensino superior - reconhece-se que este envolve um processo lento, contínuo, tecido no dia a dia e, portanto, desafiante. Isto significa que, sem perder a possibilidade de seu alcance, dever-se-á avaliar os objetivos específicos, um a cada um, para que os ganhos obtidos destes últimos direcionem e impulsionem para o alcance do objetivo geral. Considera-se que este – o objetivo geral - é uma utopia, no sentido de Santos (2001), ou seja, aquela que é entendida como a ‘exploração, através da imaginação, de novas possibilidades humanas e novas formas de vontade, e a oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor por que vale a pena lutar e a que a humanidade tem direito... a utopia requer, portanto, um conhecimento da realidade profundo e abrangente como meio de evitar que o radicalismo da imaginação colida com o seu 24 realismo’ (Santos, 2001: 332). Os objetivos específicos de fortalecer e expandir as condições de atuação do CSEC, implementar um cenário multidisciplinar de ensino, pesquisa e extensão, realizar um estudo sócio-ambiental da comunidade de Custodópolis e fortalecer a responsabilidade social no processo de formação profissional foram alcançados num grau considerável no decorrer dos três anos de implantação do PBS. Destaca-se, entre outros, o investimento feito pela Faculdade de Medicina de Campos na reforma da estrutura física, aquisição de insumos básicos e aumento do número de docente-assistenciais e profissionais colaboradores no CSEC. Alguns dados comprovam o alcance dos objetivos específicos. Na tabela 1, verifica-se o aumento do número de consultas de 1.844 em 2006 para 8.402 em 2011. Cabe considerar que as consultas envolvem uma assistência docente-assistencial, implicando, portanto, menor número para cada profissional e uma lógica de atendimento de excelência por ser feita com o objetivo de ensinoaprendizagem. Embora não haja a preocupação com o número de consultas e sim, com a resolutividade das mesmas, este aumento reflete um aumento de acessibilidade para a demanda que era reprimida e para diferentes referências de especialidades. A tabela 2 apresenta algumas consultas que devem ser destacadas, pois eram necessidades mais demandadas da população do bairro de Custodópolis, como psiquiatria, pré-natal, preventivo, teste rápido de HIV e o programa de saúde mental. Este último programa prioriza transtornos mentais e dependência química, tendo havido um aumento crescente da demanda. TABELA 1: Consultas totais realizadas 2006 ....................................... 1.844 2007 ....................................... 3.245 2008 ....................................... 4.740 2009 ....................................... 6.337 2010 ....................................... 6.537 2011 ....................................... 8.402 TABELA 2: Consultas parciais destacadas em 2009 Programa da Mulher Consultas ginecológicas: 1658 Consultas de pré-natal: 576 Preventivo: 399 coletas Teste rápido de HIV: 14 testes (de 21 a 30 de dezembro) Programa de Saúde Mental: Grupo de recepção: 558 atendimentos + Psiquiatria (atendimentos individuais) = TABELA 3: Consultas parciais destacadas em 2010 Programa da Mulher Consultas ginecológicas: 975 Consultas de pré-natal: 169 Preventivo: 320 coletas Teste rápido de HIV: 191 testes Programa de Saúde Mental: Grupo de recepção + Psiquiatria (atendimentos individuais) = 732 TABELA 4: Consultas parciais destacadas em 2011 Programa da Mulher Consultas ginecológicas: 1149 Consultas de pré-natal: 563 Preventivo: 366 coletas Teste rápido de HIV: 62 testes Colocação de DIU: 10 no CSEC e 12 encaminhadas Programa de Saúde Mental: Grupo de recepção + Psiquiatria (atendimentos individuais) = 671 Em relação ao cenário multidisciplinar, priorizou-se diversificar as categorias profissionais na atuação diária no CSEC, com destaque para Enfermeiros, Assistentes Sociais, Psicólogos, Terapeuta Ocupacional, Farmacêuticos, Professor de ensino fundamental, Arquitetos. Associados a estes, os técnicos administrativos têm atuado oferecendo soluções para muitos dos problemas encontrados, além das suas atuações específicas, por se sentirem, cada vez mais, fazendo parte da equipe de atenção à saúde. Esta convivência diária, com troca de saberes, tem sido estimulada e reconhecida como um processo de educação permanente pelos que integram a equipe de profissionais de saúde e colaboradores do CSEC. O aumento do número de docente-assistenciais, no decorrer de 2010/11, possibilitou expandir os programas assistenciais. Atualmente, a assistência concentra-se nos Programas de Atenção Integral à Mulher, Atenção Integral à Criança, Atenção integral ao Idoso, Atenção Integral ao Adulto, Atenção à Saúde do Homem e Atenção Integral aos portadores de Transtornos Mentais. Todos os programas são realizados por uma equipe com pelo menos um médico e um enfermeiro responsável e com ações dinâmicas de educação em saúde voltadas para grupos específicos. Os médicos do 2º ano de residência médica têm fortalecido a integralidade na assistência, atuando no primeiro atendimento de todos os pacientes com demanda de atenção em medicina geral. Essa mesma dinâmica tem sido a realizada pelos médicos que atuam no Projeto Família Saudável, a partir do entendimento deste como uma porta de entrada de excelência, embora com manutenção de um atendimento longitudinal, para as 300 famílias cadastradas até o momento. Há limites em relação ao objetivo de ‘estimular o processo de empoderamento e controle social na comunidade de Custodópolis’ com as ações realizadas até o momento. Acredita-se, pela experiência realizada no decorrer de pouco tempo, que este objetivo poderia ser alcançado através de um projeto já construído e não implantado até o momento, o do Conselho Local de Saúde. Algumas ações educativas estão sendo realizadas neste sentido na sala de espera, todas as segundas feiras, com Educação em Saúde enfatizando temas como Direitos da Gestante, da Mulher Trabalhadora, do Idoso, entre outros. Embora insuficientes para enfrentar problemas mais complexos, estas ações educativas têm contribuído para conscientização sobre diversas questões que, até então, eram desconhecidas para os usuários do Centro de Saúde Escola de Custodópolis. Em relação à produção e publicização de textos científicos, destacam-se alguns trabalhos de pesquisa realizados, no decorrer de 25 2009, por professores, alunos e pesquisadores das instituições parceiras que compõem o PBS, sendo que todos foram publicados nos anais do Congresso de Saúde Coletiva realizado em Recife no ano de 2009 e apresentados em posters no 1º Fórum Interdisciplinar em Saúde Coletiva realizado em 2009. Anais - Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idoso sobre os fatores determinantes da capacidade funcional. In: VII Congresso de Clínica Médica do Estado do Rio de Janeiro e do IV Congresso de Medicina de Urgência – 2010, Rio de Janeiro. Revista do Congresso 2010. - Avaliar para educar e prevenir: a participação dos alunos numa pesquisa comunitária e focada na saúde do idoso In: IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – 2009, Recife. CD de anais do Saúde Coletiva 2009. - Cidade de Palha: vulnerabilidade e saúde no território de Custodópolis/Campos dos Goytacazes/RJ In: IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, 2009, Recife. CD de anais do Saúde Coletiva 2009. - Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mental na atenção básica e de ensino para alunos de medicina In: IX Congresso em Saúde Coletiva, 2009, Recife. Cd de anais do Saúde Coletiva 2009. - Papel da Liga Acadêmica de nefrologia na prevenção da doença renal crônica. In: IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – 2009, 2009, Recife. CD de anais do Saúde Coletiva 2009. - Uma experiência multidisciplinar no grupo de idosos In: IX Congresso de Saúde Coletiva, 2009, Recife. Cd de anais do Saúde Coletiva 2009. Posters - Impacto de um grupo interdisciplinar de atenção à saúde do idoso sobre os fatores determinantes da capacidade funcional. In: VII Congresso de Clínica Médica do Estado do Rio de Janeiro e IV Congresso de Medicina de Urgência - A visão dos conselheiros municipais de saúde sobre sua função dentro do conselho. IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. - Centro de Saúde Escola de Custodópolis: organograma. Iº Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucional de Educadores do Ensino Superior. - Cidade de Palha: estudo sobre vulnerabilidade e saúde no território de Custodópolis/Campos dos Goytacazes. IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. - Conselho Local de Saúde de Custodópolis: limites e possibilidades na efetivação da participação social. Iº Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucional de Educadores do Ensino Superior. - Grupo de recepção: uma estratégia de cuidado em saúde mental na atenção básica e de ensino para alunos de medicina. Iº Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucional de Educadores do Ensino. - Papel da Liga de Nefrologia na prevenção da Doença Renal Crônica. Iº Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucional de Educadores do Ensino Superior. - Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania. Iº Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva e IIº Encontro Interinstitucional de Educadores do Ensino Superior. Mais recentemente, foi publicado um artigo referente ao Projeto Família Saudável: ‘Os determinantes sociais da saúde e o projeto Família Saudável: possibilidades e limites’ (Marques da Silva, V. L.), pela revista Vértice, volume 13, série 2 (p.61-72). Esta valorização da produção acadêmica, pelos alunos, professores e pesquisadores envolvidos no PBS, demonstra que este pode ser um caminho para que um projeto pautado na interação serviçocomunidade-instituições seja reconhecido como espaço possível de produção científica, além de suas funções mais reconhecidas como atendimento à comunidade. Uma das ações efetivas do PBS, realizada em conjunto com as instituições parceiras, foi o 1º Fórum Interinstitucional em Saúde Coletiva – 1º FISC em novembro de 2009. Este evento contou com a participação de alunos, professores, funcionários e membros da comunidade de Custodópolis atendidos pelos diversos serviços prestados pelo CSEC. Foram 68 participantes no primeiro dia, 80 no segundo dia e 107 no terceiro dia. Alguns resultados esperados estão ainda a serem alcançados por dependerem de diversos fatores e decisões institucionais. Deverão estar aqui registrados como propostas para um futuro próximo. São eles: criação de um banco de dados; apropriação pela comunidade do conhecimento produzido e sua habilitação para processar uma atualização permanente do Banco de Dados; viabilização da Residência Interdisciplinar em Atenção Básica à Saúde, no CSEC; consolidação das linhas de pesquisa existentes e criação de outras; colaboração técnicocientífica com redes brasileiras que atuam na Atenção Básica. 6- Projetos a serem implantados 6.1- Conselho Local de Saúde de Custodópolis - CLSC O projeto “CONSELHO LOCAL DE SAÚDE DE CUSTODÓPOLIS: análise das possibilidades da participação e melhoria de qualidade de vida da população” é uma proposta de implantação, acompanhamento e avaliação do CLSC, enquanto mecanismo de “participação” social, que se propõe a contribuir para a 26 descentralização da política local de saúde e a ampliação do conceito de saúde através da organização comunitária. O interesse em realizar esse projeto nasceu da vivência proporcionada pelas reuniões comunitárias coordenadas pelo grupo de pesquisadores da UFF, no decorrer do ano de 2008, como parte de sua proposta de ação junto ao “Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania”. Através deste trabalho embrionário da UFF, foi possível constatar nas falas dos atores comunitários a necessidade e o desejo de criação de um instrumento de participação organizada, capaz de fortalecer os interesses comuns no processo de enfrentamento das vulnerabilidades vivenciadas em busca de uma vida saudável. A finalidade do projeto é avaliar a contribuição do Conselho Local de Saúde de Custodópolis para ampliação do conceito de “saúde”, com vistas à melhoria de qualidade de vida da comunidade; efetivação do controle social da política de saúde; construção do processo de “empoderamento” e avanço e garantia do processo de “democratização” em curso. Esta proposta, ainda a ser implantada, é norteada por Paulo Freire (1987) quando argumenta que nenhuma educação é neutra e que, conscientes ou não disso, os pesquisadores e educadores, ao desenvolverem suas atividades, contribuem, em maior ou menor grau, para a libertação dos indivíduos ou para sua domesticação. Daí a necessidade de uma pesquisa-ação, onde a definição e execução participativa de projetos envolvam a comunidade e esta possa beneficiar-se dos resultados dos estudos. Neste sentido, o Projeto “Conselho Local de Saúde” (CLS) visa contribuir para a promoção da PARTICIPAÇÃO SOCIAL, outro conceito norteador do PBS, a partir do entendimento da necessária base de apoio político às ações sobre os determinantes sociais de saúde e para o EMPODERAMENTO da população do bairro de Custodópolis. Esperase que, através do CLS, a população poderá participar das decisões relativas à sua saúde e bem estar e, por meio dos seus representantes, poderá fortalecer os mecanismos de gestão participativa, principalmente o Conselho Municipal de Saúde. 7- Projeto Família Saudável - PFS Esse projeto foi elaborado objetivando consolidar o PBS em um território mais definido. Para isso, buscou-se o redimensionamento do PBS num projeto piloto, o que proporciona uma avaliação mais rigorosa. O PFS já está na fase de execução, tendo finalizado a primeira fase, à de implantação, iniciada em junho de 2010, no qual foram cadastradas 350 famílias. Dessa forma, é uma estratégia interdisciplinar que visa trabalhar com o princípio de Vigilância à Saúde (Mendes, 1996) em território definido no bairro de Custodópolis e com prioridade às famílias adscritas, objetivando enfrentar e resolver os problemas identificados. O planejamento do território abrange as ruas Júlio Armond, Patrício Menezes, Poeta Marinho, Júlio Armond e Travessa Nossa Senhora da Conceição, cobrindo, neste quadrilátero, em torno de 600 famílias. Este território é divido em 02 micro-áreas, cada uma com em torno de 300 famílias e na responsabilidade de um enfermeiro, um Agente Cuidador da Saúde (ACS), um médico e outros profissionais, conforme o surgimento da necessidade e da parceria das diversas instituições parceiras. A micro-área 01 é composta pelas ruas Carlos Bruno e Poeta Marinho e a micro-área 02 pelas ruas Júlio Armond e Patrício Menezes. Foto 1: Bairro de Custodópolis, Campos dos Goytacazes/RJ Fonte: Google Maps/2010 27 A primeira fase de implantação do PFS cadastrou as famílias e identificou os riscos biológicos, sociais e culturais. Nesse primeiro momento, fez-se necessário conhecer a comunidade e buscar estreitar relações de confiança e de solidariedade. Somente após este primeiro momento, têm-se buscado estratégias que visem envolver a comunidade em ações coletivas para a melhoria de suas condições de saúde e bem-estar. É um desafio, pois os profissionais envolvidos atuam predominantemente nos riscos biológicos pela própria formação profissional. Na primeira fase, os riscos biológicos representaram uma maior demanda e uma urgência nas intervenções. Neste sentido, os riscos biológicos foram priorizados, sem desconsiderar os outros riscos citados. Assim, estar-se-ão realizando ações que estariam no primeiro nível de intervenção sobre os determinantes do processo saúde-doença. Além do cadastramento das famílias, as visitas domiciliares realizadas semanalmente, e norteadas pelas noções de cuidado, vínculo, responsabilidade e seguimento a longo tempo, têm sido uma estratégia importante para a consolidação do PFS, além dos seus objetivos principais. Estas visitas domiciliares têm sido feitas pelos Agentes Cuidadores da Saúde, com supervisão dos Enfermeiros de cada micro-área, acompanhando os casos mais graves, detectando os casos de não adesão ao tratamento, entre outras questões que têm surgido. Considerando de maio de 2010 a dezembro de 2011: Em relação à micro-área 01: - Total de famílias cadastradas: 131 famílias (475 pessoas), sendo 47% do sexo masculino e 53% do sexo feminino. Do total, 51% estão na faixa de 19 a 60 anos e 12% acima de 61 anos. - Patologias, considerando o total de número de pessoas: 6% portadores de diabetes, 18% portadores de hipertensão, 2% casos de alcoolismo, 2% de gestantes menores de 18 anos e 1% maiores de 18 anos, 01 acamado. Em relação à micro-área 02: - Total de famílias cadastradas: 162 famílias (561 pessoas), sendo 46% do sexo masculino e 54% do sexo feminino. Do total, 55% estão na faixa de 19 a 60 anos e 10% acima de 61 anos. - Patologias de adultos, considerando o total de número de pessoas: 6% portadores de diabetes, 18% portadores de hipertensão, 0% de gestantes menores de 18 anos e 0,5% maiores de 18 anos, 04 portadores de hanseníase, 01 portador de tuberculose e 07 portadores de doenças mentais. O Projeto Família Saudável (PFS) foi construído com os mesmos pilares do Programa Saúde da Família, um programa federal, que atualmente é denominado Estratégia Saúde da Família. No PFS, entretanto, o marcador teórico é o baseado na proposta de Dahlgren & Whitehead (1991), considerando-a a mais adequada para a explicação das determinações do processo saúde-doença e com as propostas mais sistematizadas em relação às intervenções a serem realizadas. Figura 1: Quadro de Dahlgren & Whitehead (1991) Fonte: Carvalho; BUss, 2008 Esta proposta tem sido a norteadora da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde do Brasil, criada em março de 2006, entendendo-a que as intervenções sobre os Determinantes Sociais da Saúde deveriam objetivar a promoção da equidade em saúde e contemplarem os diversos níveis assinalados no modelo. Neste sentido, as intervenções devem incidir sobre os determinantes ‘proximais’ vinculados aos comportamentos individuais, não prescindindo dos ‘intermediários’, relacionados às condições de vida e trabalho e dos determinantes ‘distais’, referentes à macroestrutura econômica e cultural (Carvalho, A. I., Buss, P. M., 2008). Em relação aos determinantes distais, estes são dependentes de políticas diversas, como as descritas abaixo: - Políticas macroeconômicas e de mercado de trabalho, de proteção ambiental e de promoção de uma cultura de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentável, reduzindo desigualdades sociais e econômicas, violências, degradação ambiental e seus efeitos sobre a sociedade; - Políticas que assegurem a melhoria das condições de vida da população, garantindo a todos o acesso à água limpa, ao esgoto, habitação adequada, aos ambientes de trabalho saudáveis, serviço de saúde e à de educação de qualidade, superando abordagens setoriais fragmentadas e promovendo uma ação planejada e integrada dos diversos níveis da administração pública; - Políticas que favoreçam ações de promoção da saúde, buscando estreitar relações de solidariedade e confiança, construir redes de apoio e fortalecer a organização e a participação das pessoas e das comunidades em ações coletivas para melhoria de suas condições de saúde e bem-estar, especialmente dos grupos mais vulneráveis; - Políticas que favoreçam mudanças de comportamento para a redução de riscos e para o aumento da qualidade de vida mediante programas educativos, comunicação social, acesso facilitado a alimentos saudáveis, criação de espaços públicos para a prática de esportes e exercícios físicos, bem como proibição à propaganda do tabaco e do 28 álcool em todas as suas formas. Considerando as políticas propostas, sabemos que elas funcionarão como uma imagem-objetivo e mesmo como uma utopia, no sentido descrito acima (Santos, 2001), mas, principalmente como uma imagem que nos tira da zona de conforto e de certa ingenuidade para as ações presentes e futuras. É preciso, portanto, registrá-las, embora, saber-se-á que o Projeto Família Saudável, em análise, poderá contribuir apenas nos processos mais locais. Assim, embora não seja o objetivo do PFS elaborar e executar as políticas descritas acima, e por sabê-las como decorrentes de decisões governamentais federais, a apresentação destas políticas neste trabalho objetiva, também, publicizá-las, entendendo que elas são às que intervêm sobre os determinantes distais e que algumas somente são possíveis de serem incorporadas pelo processo de empoderamento da comunidade a ser trabalhado no programa. A sistematização do modelo proposto (Dahlgren & Whitehead, 1991) considera que o enfrentamento das causas, das determinações econômicas e das sociais mais gerais dos processos saúde-enfermidade, envolveria ações não apenas no sistema de atenção à saúde, com mudanças nos modelos assistenciais e ampliação da autonomia dos sujeitos, mas também intervenções nas condições socioeconômicas, ambientais e culturais por meio de políticas públicas intersetoriais. E, sobretudo, em políticas de desenvolvimento, voltadas para a distribuição mais equânime dos recursos socialmente produzidos, subordinando a economia ao bemestar-social (Carvalho, A. I., Buss, P. M., 2008). Além disso, para que as intervenções nos diversos níveis sejam viáveis, efetivas e sustentáveis, elas deveriam estar fundamentadas em três pilares básicos: a intersetorialidade, a participação social e as evidências científicas. O PFS tem buscado estes três pilares a partir do envolvimento da comunidade, com reuniões para construir projetos em comum. Já está em execução o ‘Projeto Juventude Saudável’, desenvolvido por 03 alunos do Projeto Bolsa Trabalho-CSEC com 15 adolescentes do bairro, na faixa etária de 15 a 18 anos. É um projeto que busca capacitar os adolescentes em ações relacionadas ao meio ambiente, ética, cidadania, como arborização, coleta do lixo seletivo, acessibilidade, identificação das ruas, incentivo às hortas domésticas. Outro projeto em curso é o ‘Mova Brasil’, um projeto de alfabetização de adultos. Ambos os projetos são executados na estrutura física do CSES, o que, esperase, poderá consolidar a unidade como um lócus de saúde e não apenas de doença. Acredita-se, também, que estes dois últimos projetos possam desenvolver o empoderamento na população do bairro, tornando-o menos vulnerável. 8- Lições aprendidas Um Projeto – Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania – com um objetivo da dimensão do mesmo transformar um bairro vulnerável em um bairro saudável – exige, ao mesmo tempo, certa dose de paixão misturada com certa dose de pragmatismo. Uma paixão que, no caso, tem sido impulsionada pela imagem-objetivo de uma utopia (Santos, 2001). Um pragmatismo marcado pela necessidade de revisão constante das etapas planejadas, principalmente considerando que o aparecimento de alguns resultados mais concretos exigiria um tempo de longa duração, o que pode levar à desmotivação do grupo envolvido que, no caso, são o grupo gestor do PBS e a Direção Clínica do CSEC. Neste sentido, uma lição aprendida é à que a contribuição voluntária e pessoal tem limites. Isso significa que o comprometimento das Instituições parceiras com seus representantes e profissionais, inclusive com garantia do tempo de dedicação ao programa, é um dos fatores importantes para o sucesso do programa. Outra lição é à que sem o envolvimento da comunidade o programa não consegue avançar. Assim, se por um lado a comunidade obstaculiza algumas ações – questionando-as e, às vezes, desvalorizando algumas por ter demandas mais urgentes em relação às outras - por outro lado essa mesma comunidade impulsiona outras ações. Devido ao fato do CSEC estar realizando ações de atenção à saúde na comunidade há 30 anos, com ações mais intensas há 10 anos, a implantação dos projetos foi normalmente facilitada e aceita pela comunidade, com poucas resistências. Alguns desafios diários têm emergido: encontrar os parceiros certos, pois a colaboração é um trabalho árduo, difícil; aprender a gerenciar a manutenção do PBS, devido mudanças frequentes, desistências, não comprometimento e às inúmeras linhas de pesquisa, ensino extensão; manter energia necessária no dia a dia, pois os resultados esperados levam mais tempo do que o planejado; pensar fora dos padrões e com criatividade, o que tem sido um desafio diário; desafiar as normas e, ao mesmo tempo buscar prudência nas propostas. Um desafio fica à espreita ao implantar um Programa com a dimensão de objetivar o envolvimento da comunidade, mantendo a condição de tê-la como sujeito de seus direitos. Este desafio diz respeito ao não entendimento, muitas vezes, dos setores políticos partidários que demarcam o território numa dimensão diametralmente oposta à pretendida pelo PBS, o que já gerou - e tem gerado - conflitos na relação ética-técnica-política, com todos os constrangimentos e, muitas vezes, efeitos não esperados, decorrentes da mesma. Ou seja, os conflitos decorrentes das lógicas de racionalidades diferentes entre o campo técnico e o político são desafios que precisam ser enfrentados pelas instituições correspondentes para o êxito de um projeto da dimensão do Programa Bairro Saudável. É uma questão que ultrapassa a dimensão de análise deste artigo e diz respeito à cultura política do país. Devido ao fato do PBS incorporar ações de intervenção sobre os diversos aspectos da saúde e projetos de ensino – pesquisa- extensão, outras questões devem ser consideradas. Uma primeira diz respeito à tríade ensino/pesquisa/extensão. Esforços deverão ser feitos para que os projetos a se incorporem cada vez em seu conjunto, pois muitos dos projetos que foram elaborados para o PBS são, na maioria das vezes, dedicados a um só elemento da tríade. A meta a ser alcançada, visando o êxito do PBS, é à de que ao ser realizada uma pesquisa, que esta seja fruto de uma extensão e que seus resultados possam realimentar o ensino para que este não se petrifique; da mesma forma, ao ser realizada uma extensão, que esta possa gerar pesquisa que retroalimente o ensino; por outro lado, o ensino deverá ter sempre uma dimensão de extensão além dos muros da faculdade e, ao mesmo tempo, ser articulado às pesquisas como momentos de reflexão 29 crítica e de produção de novos saberes. Outra questão a ser considerada, diz respeito à vigilância constante quando se desenvolve projetos que, como o Projeto Família Saudável (PFS), tem ações de intervenção sobre os sujeitos. A vigilância constante, além das questões éticas, parte do reconhecimento de que nas ações de intervenção estão, também, ações de controle social sobre uma comunidade, sobre os sujeitos, submetendo-os numa relação de poder, como analisado por Michel Foucault (1987). Reconhecer o controle social possível e implicado nas ações de intervenção já é o primeiro passo, mas não é o suficiente. Razão pela qual, recorremos a Campos (2010), quando este aponta a possibilidade do desenvolvimento de produção de valores úteis nas ações de intervenção, ao lado da produção do controle social. Para este autor, a prática clínica e de saúde coletiva produz, além de controle social, algum tipo de valor de uso. Como valor de uso, a prática clínica e a de saúde coletiva tenderiam a atender a algum tipo de necessidade social das pessoas. Cabe considerar que a interdisciplinaridade – um dos conceitos norteadores do Programa Bairro Saudável - tem sido um marcador importante e necessário para a manutenção da vigilância em questão. Em nosso entendimento, a interdisciplinaridade, principalmente em relação ao núcleo das ciências biológicas com o das ciências humanas, é uma possibilidade de proporcionar a abertura dos diversos profissionais para os universos existenciais, sociais, culturais e simbólicos dos usuários, permitindo o enriquecimento mútuo nas ações interprofissionais. Além do mais, acreditamos, também, que a interdisciplinaridade possa proporcionar reflexões e, portanto, limites ao processo de medicalização social que as ações de intervenção realizadas numa atenção básica possam engendrar. Nesse sentido, a nova proximidade e interação pelo acompanhamento longitudinal (ao longo do tempo), permitida pelo Projeto Família Saudável junto às famílias assistidas no território adscrito, comporta duas dimensões que devem ser consideradas: pode ser uma possibilidade para a reorientação da medicalização e a reconstrução da autonomia dos sujeitos a serem atendidos no projeto, mas, também, e facilmente, pode constituir-se em uma nova força medicalizadora poderosa, com todos os efeitos perversos. Entendemos medicalização como ‘um processo de expansão progressiva do campo de intervenção da biomedicina através da redefinição de experiências e comportamentos humanos como se fossem problemas médicos’ (Tesser, 2010). Nesta perspectiva, o Projeto Família Saudável pode se constituir em um local privilegiado de vivência dos próprios profissionais, onde eles podem reforçar sua formação prévia com tendência a medicalização excessiva ou aprender a se questionar e construir um profissionalismo menos medicalizado no cotidiano do seu trabalho. A construção de uma prática em saúde norteada pela dimensão menos medicalizante no dia a dia dos serviços é um desafio a ser considerado, necessitando, portanto, de uma vigilância constante, como nas palavras de Campos: “Um paradoxo, todo conhecimento e toda prática social sempre misturará a produção de valores úteis com controle social. O desafio estaria em reconhecer essa dualidade e lidar com ela no cotidiano, mediante diferentes formas e maneiras para combinar as polaridades desse paradoxo” (Campos, 2010: 116). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADRIANO, J.R. et.al. A construção de cidades saudáveis: uma estratégia viável para a melhoria da qualidade de vida. 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Programas de Promoção da Saúde com base na intervenção territorial, também denominados de Programas de Desenvolvimento Local Integrado Sustentável e Promoção da Saúde (Bodstein & Zancan, 2002) 2 ou Comunidades Saudáveis, representam a resposta do campo da Saúde Pública a uma tendência universal de buscar a integração dos diversos setores do conhecimento e da intervenção social, e aplicá-los a territórios específicos, no nível local, onde se dá o potencial máximo de interação entre governo, cidadãos e sociedade civil (Becker, 2003)3 . Exemplos característicos são programas como a Agenda 21 e o Habitat (Buss & Ferreira, 1998)4 , e o movimento internacional Cidades Saudáveis (Tsouros, 1995 5 ; Ouellet et al., 1994 6 ;Westphal, 2000 7 ). (BECKER et.al., 2004, p. 656) Integrado a tal tendência o PROGRAMA BAIRRO SAUDÁVEL: TECENDO REDES, CONSTRUINDO CIDADANIA8 elegeu a localidade de Custodópolis/Campos dos Goytacazes/RJ como cenário de sua intervenção, desencadeando, a partir de dezembro de 2007, sob a coordenação da Faculdade de Medicina de Campos - FMC, um processo de discussão sobre a possível dinâmica a ser implementada. Logo algumas propostas foram iniciadas pelos representantes das instituições que o compunham, verificando-se, ao mesmo tempo, um consenso sobre a necessidade de se construir uma maior aproximação com a vida da comunidade, seus problemas, necessidades e expectativas. Considerava-se, neste momento, a importância da realização de um diagnóstico, visando conhecer o território escolhido em maior profundidade, problematizando as principais dimensões de sua realidade social. (BECKER et.al., 2004). Coube, então, ao Departamento de Serviço Social de Campos/Universidade Federal Fluminense, através do GRIPES – Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – a coordenação de tal etapa, a partir de março de 2008, ocasião em que se passou a debater e definir a estruturação dos passos a serem dados para a construção de um diagnóstico socioambiental de Custodópolis. De início, já sabíamos que estávamos diante de um grande desafio. Afinal, uma comunidade configura-se como um “objeto de estudo indisciplinado” 9 (SEVALHO; CASTIEL, 1998, p.48), uma vez que: 1 Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF. 2 Bodstein R & Zancan L 2002. 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O movimento Cidades / Comunidades Saudáveis: um compromisso com a qualidade de vida. Ciência e Saúde Coletiva 5(1):39-51. 8 O Programa Bairro Saudável é coordenado pela Faculdade de Medicina de Campos. Seu objetivo é promover melhorias no bairro de Custodópolis, através de ações interdisciplinares e interinstitucionais, tendo como ponto de referência o CSEC – Centro de Saúde Escola de Custodópolis. Tal proposta inclui a configuração desta unidade como um importante cenário de ensino-aprendizagem para as diferentes áreas de formação no campo da saúde, tanto no âmbito da graduação, quanto da pós-graduação. São parceiras as seguintes instituições: FMC - Faculdade de Medicina de Campos, UFF - Universidade Federal Fluminense, UENF - Universidade Estadual do Norte-Fluminense, FAFIC - Faculdade de Filosofia de Campos, UNESA - Universidade Estácio de Sá, IFF - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, UCAM – Universidade Cândido Mendes, UNIVERSO – Universidade Salgado de Oliveira. 9 Esta expressão foi utilizada, originalmente, pelos autores em relação ao adoecer humano. 32 Mesmo sobre um substrato feito de moradias, ruazinhas, valas, esgotos, lixões, escolas municipais, postos de saúde, templos de culto religioso, bandidos e policiais, médicos e professores de escola, grupos de música afro ou funk, a comunidade diferencia-se do seu substrato, porque é feita nas relações sociais, nas relações de interdependência que vão se estabelecendo e modificando entre todas suas dimensões. Uma comunidade emerge da dinâmica cultural. Não é sempre que ela ‘está ai’. (WONG UM, 2002, p. 91) Entendíamos que “comunidade, assim como cultura, amor, nação, sujeito, espírito e outras palavras de forte presença no cotidiano e no imaginário das pessoas, possuem múltiplos significados.” (WONG UM, 2002, p.41) e que “a vida no lugar não se desenrola segundo encontros formalmente agendados” (WHITE, 2005, p. 295). Era preciso ultrapassar a compreensão idealizada de comum-unidade, ao mesmo tempo, em que cabia não apenas construir um conhecimento “sobre”, mas sim um conhecimento “com”, investindo na integração entre os diferentes atores envolvidos no processo. Considerávamos, portanto, que não seria suficiente delimitarmos uma área geográfica, a partir de referências formais pré-estabelecidas, e aplicarmos alguns instrumentos de coleta de dados, para elaborarmos um diagnóstico. Precisávamos fazer escolhas criteriosas que nos possibilitassem construir um retrato vivo daquela comunidade, resgatando sua história em movimento, através de um olhar atento e uma escuta apurada que nos introduzisse em seu cotidiano, circulando no universo do dito e do não dito, entendendo que a lógica de re-conhecer Custodópolis exigia a adoção da postura de “ver a sociedade como objeto e experimentála como sujeito” (GEERTZ, 2001, p. 45). Para tanto, a alternativa escolhida envolveu, a princípio, o entrosamento com o Centro de Saúde Escola de Custodópolis - CSEC – instituição gerenciada pela FMC e referência de atendimento à saúde na comunidade. Paralelamente, ocorreram visitas semanais ao bairro, com realização de entrevistas livres e observação participante. Foi uma fase exploratória inicial, que nos forneceu os primeiros elementos para começarmos a desenhar nosso projeto de investigação. Nossa intenção, neste momento, era sistematizar alguns passos, preservando, contudo, sua flexibilidade, admitindo que poderíamos introduzir alterações em nosso planejamento, de acordo com as necessidades identificadas no decorrer do processo. Nascia, assim, o projeto CIDADE DE PALHA (antiga denominação do bairro de Custodópolis) direcionando-se para a realização de uma investigação-ação, objetivando traçar um diagnóstico sócio-ambiental da comunidade, levando em conta o lugar e sua história, as características sócio-econômicas e culturais do “território usado” (SANTOS apud SEABRA; CARVALHO; LEITE, 2000); a movimentação de seus atores, os vínculos existentes e potenciais; além das condições para desencadear e fortalecer uma dinâmica de empoderamento (WALLERSTEIN, 1992). Sua importância encontrava-se na construção do alicerce de informações em torno do qual se fundamentaria o Programa Bairro Saudável e sua relevância estava relacionada à perspectiva de valorizar a versão dos sujeitos sobre seu contexto de vida, ultrapassando percepções que tratam de modo homogêneo as comunidades conhecidas como periféricas e pobres e, consequentemente, trabalham com propostas padronizadas. Vale esclarecer que o termo “diagnóstico” foi adotado visando facilitar a comunicação entre as diferentes áreas profissionais envolvidas no Programa Bairro Saudável. Seu entendimento, contudo, ultrapassava qualquer visão fechada que poderia isolar ou paralisar uma dada realidade no tempo e espaço. Ao contrário, o que se pretendia era explorar os movimentos e contradições de um cenário, procurando problematizálos e relacioná-los à realidade mais ampla onde se inseriam. O desenvolvimento de tal proposta se apoiava, sobretudo, na metodologia da pesquisa-ação, reconhecendo que o eixo pesquisareducar caracterizava um exercício dinâmico e contínuo para todos os que nele se encontravam envolvidos. Delineava-se uma possibilidade de o olhar teórico dialogar com a prática, exercitando a indissociabilidade entre ideia e experiência, palavra e vivência (FREIRE, 1996), permitindo também o aprofundamento da consciência crítica. Vale ainda destacar que, assumindo a perspectiva quantiqualitativa, suas estratégias recorreram às recomendações da técnica da Triangulação de Métodos, reforçando a importância de se produzir “a unidade sintética do múltiplo e do uno” (MINAYO, 2007, p. 365), lembrando, ainda, que intencionávamos que o produto a ser alcançado não se limitasse a um somatório de resultados disciplinares. Como destaca Minayo (Id. p. 372): “nesta proposta, independentemente da área específica de cada um, todos recebem o influxo da interfertilização de saberes que, em certa medida, durante o processo de produção do conhecimento, rompem barreiras epistemológicas, teóricas e práticas”. Desta forma, à pesquisa-ação, escolhida como metodologia fundamental que desencaderia o conhecimento e estratégias pretendidos, associamos, também, outros importantes passos, articulando observação participante, pesquisa documental e entrevistas abertas, valorizando a história oral e salientando o papel desta última de “[...] conectar a vida aos tempos [...]” (PORTELLI, 2001, p.15). Nesse sentido seria possível problematizar o lugar do sujeito na construção da história individual e coletiva, consagrada na experiência social, a partir de seu modo de vida. Com base em tais escolhas, no CSEC a equipe10 entrevistou alguns profissionais, conheceu as instalações e levantou informações sobre a rotina de atendimento e o sistema de documentação utilizado. A Nesta fase, a equipe era composta, apenas, por membros do GRIPES/UFF: 4 docentes, 8 assistentes sociais, 1 enfermeira, 1 bacharel em comunicação social e 4 acadêmicos de serviço social, além de 1 assistente social e uma acadêmica de enfermagem, moradoras do bairro. Para o desenvolvimento do projeto houve o treinamento da equipe, ao mesmo tempo em que se realizaram grupos de estudos temáticos para fundamentar as discussões e ações em andamento. 10 33 proposta era resgatar sua história, alcançando a dinâmica atual da assistência prestada. Já em relação à comunidade, foram realizados os seguintes movimentos: § Reconhecimento da área geográfica, percorrendo-se as ruas do bairro e registrando-se através de fotos e abordagens, algumas características deste cenário; § Consultas a documentos e profissionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e a membros da Federação das Associações de Moradores e Amigos de Campos - FAMAC, à procura de informações que propiciassem uma delimitação e dados mais precisos sobre a área em estudo; § Levantamento de documentos diversos sobre a história da comunidade, identificando-se a existência de atas de reuniões, discursos, fotografias, panfletos, textos mimeografados, relatórios, reportagens publicadas nos meios de comunicação da região, além de inúmeros Trabalhos de Conclusão de Curso de Serviço Social, apresentados à UFF, no período compreendido entre 1966 e 1979. § Visitas técnicas priorizando locais como: escolas, creches, estabelecimentos comerciais, igrejas, associação de moradores, Grêmio Esportivo, Grupo Recreativo Escola de Samba União da Esperança, além das áreas ocupadas por alguns programas sociais como: Saúde da Família, Espaço do Trabalho, Meninos do Amanhã e Centro de Referência de Assistência Social – CRAS; § Entrevistas livres com lideranças, moradores mais antigos e técnicos e/ou representantes das instituições e programas visitados; § Entrevistas semi-estruturadas com os responsáveis por alguns estabelecimentos comerciais. Nesta fase preliminar do Projeto Cidade de Palha, levantamos informações sobre o bairro e, acima de tudo, procuramos andar por suas ruas, para nos familiarizarmos com o desenho daquele cenário, identificar pontos mais relevantes a serem investigados, ao mesmo tempo em que, conversávamos com alguns moradores, nos apresentando e respondendo às dúvidas que nossa presença suscitava, além de distribuirmos um folder sobre a proposta que estávamos construindo, convidando-os a participarem da mesma. Considerávamos que era importante “passar algum tempo de contaminação” com o local (BRANDÃO, 2007, p.13), construindo uma entrada gradual no campo, fugindo das características de um trabalho invasor em que as pessoas se sentem de repente visitadas por um sujeito que mal chegou ao lugar, saltou do carro e começou a aplicar um questionário [...] Isso é muito ruim. Toca-se apenas o verniz e toca-se num verniz em que as pessoas se defendem até quando podem da invasão de que se sentem vítimas (id. p.14). Esclarecendo que não éramos “o pessoal do combate à dengue” e que não estávamos distribuindo “santinhos” de algum político, como alguns pensavam ao nos ver andando pelas ruas, logo, fomos apresentados à praça que tanto valorizavam e agora constituía um lugar indefinido em função de uma reforma que nunca acabava. Identificamos a presença de várias igrejas, o que nos remetia, provavelmente, ao convívio de diferentes crenças religiosas. Pudemos ver a “água suja”, objeto de tantas reclamações, que formava um extenso corredor e, livremente, corria pelas ruas, fruto da inexistência de um sistema de saneamento ambiental adequado. Estivemos atentos nos momentos de travessia pelas vias públicas, face ao intenso tráfego de veículos e barulhentas motocicletas. Vimos crianças e adolescentes voltando das escolas, soltando pipa ou jogando bola em terrenos baldios. Conhecemos o campo de futebol e a sede da União da Esperança, escola de samba nascida há mais de 50 anos na comunidade. Conhecemos, também, vários dos antigos moradores, bem como ouvimos referências aos já falecidos, sendo possível identificar que alguns de seus filhos ainda residiam em Custodópolis e eram comerciantes “de tradição”. Ingressamos, assim, em um circuito onde uns nos levavam à outras tantas pessoas e lugares, investindo na construção de um processo de interação com a comunidade, processo este que, sem dúvida, exigia um tempo de maturação, e que nos levava a adotar a lógica ensinada por WHITE (2005, p. 303): “Vá devagar, Bill, com essa coisa de ‘quem’, ‘o quê’, ‘por quê’, ‘quando’, ‘onde’. Você pergunta essas coisas e as pessoas se fecharão em copas. Se te aceitam, basta que você fique por perto, e saberá as respostas a longo prazo, sem nem mesmo ter que fazer as perguntas.” Muitos foram os dados coletados nesta fase e entre os mais significativos estavam os que nos remeteram à história do bairro e os que nos permitiram entender o desenho de Custodópolis. Vale lembrar que, para o IBGE (Censo Demográfico, 2000) o bairro pertence à área denominada como Zona Norte e só é visto em conjunto com outros vizinhos, ou seja: Parque Novo Mundo (setores 34, 35, 36, 37, 38 e 39), Parque Bandeirantes (setores 69, 70, 71 e 72) e Parque São Domingos (setores 73, 74 e 75). Tal classificação se fundamenta na Lei 6.305, de 27 de dezembro de 1996, que institui a divisão geográfica da cidade de Campos dos Goytacazes, delimitando e denominando os bairros, de acordo com a Lei Orgânica Municipal. Entretanto, consultando alguns mapas dos bairros do município foi possível verificar que, o material produzido neste início de século (Almanaque de Campos, 2007 e 2008 e Perfil, 2005) já passou a incluir o Parque Custodópolis. Outras fontes de informação consultadas foram o Código de Endereçamento Postal – CEP - e a Federação das Associações de Moradores de Campos - FAMAC. De acordo com o primeiro, Custodópolis é formado por 20 ruas, a saber: 34 1. Avenida Santa Rosa 2. Estrada Nogueira 3. Praça José Dias Nogueira 4. Rua Romualdo Peixoto 5. Rua Poeta Marinho 6. Rua Pedro Cardoso 7. Rua Patrício Menezes 8. Rua Mário Bárbara Sobrinho 9. Rua Júlio Armond 10. Rua Hipólito Sardinha 11. Rua Alcides Vieira Maciel 12. Rua Altino Campos 13. Rua Ary Ribeiro Vaz 14. Rua Carlos Bruno 15. Rua Doutor Custódio Siqueira 16. Rua Godofredo de Carvalho 17. Rua Adolfo Porto 18. Travessa Projetada A 19. Travessa Projetada B 20. Travessa Projetada C esse miolo (ruas Júlia Armond, Patrício Menezes, Hipólito Sardinha e Carlos Bruno). Pra lá é Santa Rosa, Morro de Fátima... Custodópolis é pequeno mesmo. Vai até ali a baixada. Já a FAMAC dispõe de um registro que identifica as ruas que compõem um bairro, em função da organização das associações de moradores existentes no município. Para ela, Custodópolis é constituído pelas seguintes ruas: 1. Avenida Santa Rosa 2. Praça José Dias Nogueira (ou Praça 8 de dezembro) 3. Rua Romualdo Peixoto 4. Rua Poeta Marinho 5. Rua Pedro Cardoso 6. Rua Patrício Menezes 7. Rua Júlio Armond 8. Rua Hipólito Sardinha 9. Rua Carlos Bruno 10. Rua Adolfo Porto 11. Rua Jácio de Alvarenga 12. Rua Irmã Djanira de Moraes (Rua do Beco ou Proletário) 13. Rua Operário Valdir Manhães (Travessa N. S. da Conceição) 14. Rua Alfredo Rodrigues 15. Rua Valdarino (continuação da Travessa N.S. da Conceição) Com tais referências verificamos que várias eram as possibilidades de identificação do bairro. Entretanto, parecia haver um consenso entre os moradores mais antigos, expresso, tanto através de seus depoimentos, quanto do mapa elaborado, por iniciativa de um deles. Só tem 3 ruas aqui: Júlio Armond, Poeta Marinho e Patrício Menezes. A Carlos Bruno já é (Parque) Novo Mundo. Custodópolis é esse pedaço aqui. É só Mapa 1: Mapa do bairro desenhado por um morador Fonte: Arquivo GRIPES Diante de tantas possibilidades para se entender o espaço ocupado por Custodópolis, a equipe do projeto Cidade de Palha optou por considerar a classificação do IBGE e do Almanaque 2008, para acesso a indicadores estatísticos oficiais que pudessem auxiliar a configuração de um retrato, mais geral, do cenário onde Custodópolis estava inserido. Entretanto, para a realização da pesquisa de campo, com a seleção das famílias a serem investigadas, foi priorizada a versão dos moradores, por considerarmos que, o que importava não era o “território em si mesmo”, mas o “território usado”, aquele que era “o chão mais a identidade”, como destaca Milton Santos (2007). Em entrevista à Seabra, Carvalho e Leite (2000, p.22) o autor, ainda, destaca: “O território em si, para mim, não é um conceito. Ele só se torna um conceito utilizável para a análise social quando o consideramos a partir de seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam”. Chegamos, assim, à configuração de Custodópolis através de três ruas paralelas: Júlio Armond (e seu prolongamento na Av. Santa Rosa), Patrício Menezes e Poeta Marinho, todas compreendidas nos trechos situados entre as Ruas Hipólito Sardinha e Romualdo Peixoto. Tais ruas englobam ainda, as seguintes transversais: Adolfo Porto, José Dias Nogueira, Travessa N.S. da Conceição (e sua continuação 35 Valdarino), Pedro Cardoso e Rua C. Reconhecendo o território a ser investigado, identificando e travando os primeiros contatos com nossos possíveis interlocutores, desenhamos o fio condutor da pesquisa e sua matriz de análise, recorrendo, sobretudo, aos eixos gerais definidos pelo Programa Bairro Saudável11 . Simultaneamente, planejamos os passos seguintes do Projeto Cidade de Palha, selecionando as estratégias consideradas como mais adequadas para a construção do diagnóstico socioambiental pretendido. 2. AVANÇANDO UM POUCO MAIS: NOVAS ENTREVISTAS E OBSERVAÇÕES, O MAPA FALANTE E O INQUÉRITO POPULACIONAL Os movimentos, até então, empreendidos no território de Custodópolis nos permitiram avançar na sistematização do diagnóstico sócio-ambiental iniciado, considerando 2 fases. A primeira, denominada por nós de Fase operacional 1 e realizada no período de agosto a dezembro de 2008, implicava a elaboração de um Diagnóstico Rápido Participativo, com levantamento de dados, através de um envolvimento da comunidade. Com tal fase poderíamos dispor de uma leitura preliminar da realidade, que sinalizaria algumas ações prioritárias a serem desenvolvidas pelos demais parceiros do Programa Bairro Saudável. Já a segunda, Fase operacional 2, prevista e executada no ano de 2009, abrangia a construção de um perfil sócio-econômicocultural das famílias moradoras no território de Custodópolis, recorrendo-se à realização de um inquérito populacional. Seria o momento de se investir em dados mais quantitativos, articulando, possivelmente, indicadores de interesse de outras áreas profissionais atuantes no programa. A fase operacional 1 comportou os seguintes passos: a. Realização de entrevistas com moradores mais antigos e lideranças; b. Construção de um mapeamento do território, identificando tanto a ocupação domiciliar, quanto a existência de iniciativas, ações e equipamentos sociais; c. Realização da observação participante de acordo com o mapeamento elaborado; d. Realização de encontros para detalhamento da operacionalização do projeto, envolvendo representantes da comunidade; e. Realização de Oficinas Comunitárias, recorrendo a técnicas como o Mapa Falante (identificação e discussão de necessidades, expectativas, representações prévias e possíveis enfrentamentos); f. Formulação de uma agenda com as demandas identificadas e prioridades pactuadas; g. Produção de relatórios parciais. 11 Neste momento foi fundamental a participação de uma assistente social e uma acadêmica de enfermagem, moradoras do bairro. Entrosando-se à equipe do GRIPES, elas circulavam conosco na comunidade, nos indicavam informantes chaves relacionados à história de Custodópolis, mantinham contatos preliminares como os mesmos e agendavam entrevistas, que nos possibilitaram colher depoimentos como: Até onde eu conheci era tudo palha. As casas tinha o teto de palha e as parece de entulho, botava o bambu e jogava barro. Era perigoso pra pegar fogo. A água era de cacimba, puxava com corda. Ainda tem casa com poço. Era tudo mato, só tinha uns trilhos (caminhos) onde a gente passava. Tinha 7 anos quando vim pra Custodópolis. Era mais ou menos 1950 e estavam loteando. Aqui era canavial mesmo, com carro de boi passando, com boiada passando. Minha avó já morava aqui antes e não tinha rua, tinha que romper os caminhos, corta aqui, corta ali, no meio do canavial. Era assim: um caminho, uma casa... Começamos a estreitar os laços com a comunidade, passando a conhecer, mais profundamente, seu cotidiano. Movimentos do ontem e do hoje se misturavam, identificando diferentes cenários e situações, não só através de suas falas, mas também, de fotos, objetos e documentos que guardavam como lembranças ou coletavam junto a vizinhos e amigos. Eram verdadeiras relíquias, exibidas com orgulho para nós. Foi assim com um quadro antigo que retratava a ocasião em que um morador (agora com mais de 80 anos), era jovem e até “recebeu convite até pra fazer um filme. Mas depois não deu em nada”, ou mesmo, com muitas fotos da União da Esperança, ilustrando os desfiles carnavalescos dos quais vinha participando, há mais de 50 anos, bem como alguns prêmios recebidos. Tomamos conhecimento, também, de momentos em que uma enchente alagou todo o campo de futebol, além de registros de mobilizações da comunidade, realizando doações, face às necessidades daqueles considerados como mais carentes. Não menos importante foi a construção da igreja católica, documentada através de fotos das diversas fases de sua obra, expressando uma grande conquista dos moradores. Nesta etapa, chamou nossa atenção a estrutura e o movimento do comércio do bairro, motivando a circulação de moradores de áreas vizinhas e identificamos, ainda, um importante canal de comunicação existente: o serviço de alto-falante que funcionava em um açougue. Junto aos avisos de nascimentos, mortes e eventos locais de destaque, tal serviço, também, passou a divulgar quem éramos e o que pretendíamos com o projeto Cidade de Palha, além de convidar os demais moradores que se interessassem em participar. Referimo-nos aos conceitos de educação permanente, saúde, promoção da saúde, cidade saudável e empoderamento, já trabalhados no artigo anterior. 36 Cada fala e cada canto da comunidade nos revelava a vitalidade daquele cenário, o amor pelo bairro, o apego a uma história... Mas, também, havia sérios problemas a serem enfrentados. Estávamos diante de uma paisagem caracterizada, sobretudo, por situações de desemprego e/ou ocupações informais; baixo nível de escolaridade; precárias condições de saneamento ambiental; falta de segurança pública; ausência de oportunidades de lazer; limitações na saúde, identificando-se queixas referentes a problemas cardíacos, dermatológicos, verminose, escabiose, hipertensão, diabetes, depressão e crianças com baixo peso; vulnerabilidades familiares associadas a fatores como gravidez na adolescência, dependência química, violência e abuso sexual; interferências político partidárias no cotidiano da população, com prática de ações de cunho assistencialista, promovendo atendimentos em âmbito pessoal e contribuindo para o enfraquecimento de mobilização de interesses coletivos. A exploração preliminar realizada indicava, portanto, que com um olhar voltado para o passado e com um presente permeado por contradições, a comunidade de Custodópolis, vivenciava um confronto entre o cenário real e o desejado. Para sistematizar os dados obtidos até então, a equipe do GRIPES elaborou um documento denominado Cidade de Palha: Diagnóstico Preliminar e um material audio-visual, em julho de 2008, considerando os seguintes aspectos: Foto 1: O bairro que temos Fonte: Arquivo GRIPES 12 a. Localização: um bairro e muitas classificações b. Explorando o território: o lugar e suas tramas c. População, ocupação e renda d. Educação, cultura e religião e. Esporte, lazer e segurança f. Saúde e saneamento ambiental g. Programas sociais e organização comunitária Tanto o documento escrito, quanto o material audio-visual foram disponibilizados e debatidos junto aos parceiros do Programa Bairro Saudável e junto à comunidade, envolvendo, sobretudo, o grupo de idosos vinculado ao CSEC e uma escola local. Tais momentos propiciaram o aprofundamento das discussões sobre o cotidiano da comunidade em reuniões e oficinas que passaram a acontecer com a participação de alguns moradores. Articulando conhecimento e ação, estes encontros logo se desdobraram na construção de um mapa falante contrapondo “o bairro que temos” (composto por fotos da localidade) ao “bairro que queremos” (ilustrado com imagens retiradas de revistas), gerando, também, a elaboração de um abaixo assinado, dirigido ao poder público municipal, com as principais reivindicações da comunidade. 12 Foto 2: O bairro que queremos Fonte: Arquivo GRIPES Estas reuniões deram origem ao processo de organização de um Conselho Local de Saúde, em andamento na comunidade. 37 Dando continuidade ao aprofundamento do diagnóstico socioambiental a equipe do GRIPES, paralelamente, começou a organizar a fase seguinte de sua proposta inicial, ou seja, a realização de um inquérito populacional. Neste momento (final de 2008 e início de 2009), considerando outras iniciativas que já vinham ocorrendo através das instituições parceiras, em Custodópolis, e a possibilidade de construirmos, em conjunto, um único instrumento para coleta de dados quantitativos complementares ao diagnóstico, foi discutida a possibilidade de organizarmos uma equipe ampliada, com a participação sistemática de outras áreas profissionais. Como consequência de tal discussão houve o entrosamento de representantes dos cursos de serviço social (UFF), medicina (FMC), enfermagem (UNIVERSO) e arquitetura e urbanismo (IFF), que iniciaram o planejamento do inquérito populacional, analisando sua possível dinâmica e os instrumentos de coleta de dados a serem utilizados. Reconhecíamos como Viacava, Dachs e Travassos (2006), a importância de recorrermos à realização de um inquérito populacional, tendo em vista o conjunto de informações que poderia propiciar, notadamente, por estarmos inseridos no campo da saúde, campo este, entendido em seu sentido ampliado. Ao se constituir como fonte primária de dados que não podem ser obtidos de outras maneiras, tal inquérito, provavelmente, fomentaria a construção de indicadores capazes de instrumentalizarem estudos epidemiológicos, sinalizando parâmetros para o planejamento de ações em saúde13 . Uma pergunta passou a guiar nossa investigação: Como se desenhavam as vulnerabilidades socioeconômicas, ambientais e civis existentes no território de Custodópolis e que influências elas exerciam no sentido de impedir e/ou dificultar sua constituição como um bairro saudável? O que estava, portanto, em análise era o eixo vulnerabilidade-bairro saudável, apontando para as seguintes hipóteses: 1- O território de Custodópolis era marcado por diferentes expressões de vulnerabilidade, que extrapolavam o âmbito individual e alcançavam o espaço coletivo, comportando variáveis sociais, econômicas, ambientais e civis. 2- Como consequência do processo de vulnerabilidade em curso, instalava-se um contexto que bloqueava o exercício da cidadania deliberativa (TENÓRIO, 2006) e comprometia o investimento na qualidade de vida da população. Desta forma, aos eixos analíticos adotados no Programa Bairro Saudável, associávamos os conceitos de vulnerabilidade e território. Recorrendo à Milton Santos, (2007, p. 12) entendíamos o território não apenas como: o conjunto de sistemas de coisas 13 superpostas: o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. Tratava-se, sobretudo, de destacar que: O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência (p.14) Aproximando tais referências à realidade de Custodópolis interessava-nos problematizar as contradições que transitavam neste cenário, retomando sua história, modo de vida e os possíveis processos de vulnerabilidade em curso, além da postura dos sujeitos face aos mesmos. Se era correto dizer que estávamos diante de um território marcado por vulnerabilidades, como estas se expressavam? Era possível afirmar que elas estavam associadas, sobretudo, ao cotidiano de pobreza dos indivíduos, ao contexto de precariedades decorrentes da baixa escolaridade e da falta de trabalho e renda das famílias? Ou precisávamos ampliar nossa análise alcançando o espaço coletivo, abarcando dimensões socioeconômicas, ambientais e civis? Quando falávamos em vulnerabilidade estávamos nos referindo ao “processo de descidadanização” abordado por (KOVARIK, 2003) e a situações e contextos onde 3 elementos se combinavam: a existência de riscos, a incapacidade de reação, além de dificuldades de adaptação face à materialidade do risco (MOSER, 1998). A questão não se limitava a rendas monetárias ou linhas de pobreza, admitindo, também, uma visão mais ampla sobre condições de vida, onde dialogavam elementos de ordem social, econômica, cultural, ambiental, civil, dentre outros, considerando recursos e estratégias das famílias e comunidades. Isto significava dizer que iríamos observar as indicações de Busso (2002, p.12), ao focalizar as 5 dimensões da vulnerabilidade tidas como mais relevantes: a) de habitat: condições habitacionais e ambientais, tipo de moradia, saneamento, infraestrutura urbana, equipamentos, riscos de origem ambiental; b) de capital humano: anos de escolaridade, alfabetização, assistência escolar, saúde, desnutrição, ausência de capacidade, experiência de trabalho; c) econômica: inserção de trabalho e renda; d) de proteção social: cotização a sistema de aposentadoria, cobertura de seguros sociais e outros; Sobre o significado e a importância da realização de inquéritos domiciliares consultar Viacava (2002), Barros (2008), Viacava; Travasso; Dachs (2006), Carvalho (2006). 38 e) de capital social: participação política, associativismo, inserção em redes de apoio. No âmbito da discussão da vulnerabilidade cabia, assim, considerar o investimento na superação dos fatores limitantes que impediam a construção de melhores condições de vida, ou seja, era importante lembrar do “manejo social do risco” (SOJO, 2001), tendo em vista suas implicações para a política social. Estas foram as principais referências analíticas consideradas pela equipe, para o aprofundamento do diagnóstico, compondo momentos de estudo e debate que envolveram alunos, docentes e técnicos atuantes no projeto, durante todo o tempo de execução do mesmo. Além disso, com uma equipe, agora ampliada14 e, face às características específicas desta fase, era preciso investir em novos treinamentos, para se garantir a qualidade do trabalho a ser desenvolvido. Desta forma, cada participante recebeu um manual com orientações referentes ao trabalho de campo e foram promovidos alguns encontros para se discutir o próprio projeto, suas concepções e objetivos; a postura no campo de pesquisa, além das indicações a serem consideradas, com base no pré-teste realizado sobre o instrumento de coleta de dados; a dinâmica de pesquisa a ser adotada, com duplas de acadêmicos de áreas diferentes; o cuidado com o preenchimento dos formulários, a importância do registro de observações no diário de campo... O formulário elaborado era composto por 87 questões, distribuídas em 6 sessões, ou seja: identificação do entrevistado (9 questões); habitat: moradia e entorno (33 questões); capital humano (24 questões); perfil econômico (8 questões); proteção social (7 questões) e capital social (6 questões). Embora longo, era de fácil e rápida aplicação, uma vez que envolvia, sobretudo, questões objetivas. Observações complementares, quando necessárias, eram registradas no diário de campo, instrumento que se revelou um importante aliado dos pesquisadores, permitindo preservar falas que traduziam opiniões, valores, sentimentos e experiências de vida dos moradores de Custodópolis. Uniformizada e devidamente identificada, através do uso de crachás, durante os meses de agosto a dezembro de 2009, a equipe percorreu o território definido como Custodópolis, atuando em duplas compostas por acadêmicos das diferentes áreas participantes do projeto. A expectativa era abordar em torno de 500 famílias, o que se estimava corresponder à totalidade do grupo residente na área. Tal número, contudo, foi ampliado para 658, uma vez que se identificou, durante as visitas às moradias que algumas delas não faziam face às ruas e, por isso, ficavam encobertas, não sendo, até então, percebidas. Posteriormente, em abril de 2010, retornamos ao campo, na tentativa de complementar as entrevistas, face à dificuldade de acesso anterior a algumas famílias. Foto 3: Parte do treinamento da equipe Fonte: Arquivo GRIPES Foto 4: Parte do treinamento da equipe Fonte: Arquivo GRIPES Foto 5: Alguns membros da equipe Fonte: Arquivo GRIPES 14 Nesta fase a equipe era composta por 6 coordenadores gerais, representando as instituições envolvidas; 4 coordenadores de campo, divididos por 2 setores na comunidade; 2 equipes de apoio operacional como 9 componentes; e 2 técnicos colaboradores, além de 43 acadêmicos pesquisadores de campo: 13 de serviço social (UFF), 13 de medicina (FMC), 13 de enfermagem (UNIVERSO) e 4 de arquitetura e urbanismo (IFF). 39 Foto 6: Acadêmicos de arquitetura e serviço social na pesquisa de campo Fonte: Arquivo GRIPES Com a intenção de atingirmos a um maior número possível de famílias, alternamos a realização do trabalho de campo nos turnos da manhã e tarde, bem como nos dias úteis e finais de semana. Além disso, adotamos o critério de realizar duas visitas a cada casa, além de recorrermos ao uso de um folder, deixado nos locais, informando que tínhamos estado naquela residência e que o formulário poderia ser respondido no próprio CSEC, em alguns plantões, previamente, agendados, caso fosse de interesse do morador. Com isso, a equipe conseguiu atingir 333 moradias, o que correspondeu a 50,6% do total identificado. O grupo não pesquisado englobou 9,1% que se recusaram a participar do inquérito, e 40,3% referentes à outras situações como: casas, aparentemente, abandonadas e aquelas onde não encontramos moradores, apesar das duas tentativas realizadas. Ao longo deste processo, a equipe investiu, também, na produção científica, construindo textos e participando de eventos, como por exemplo: 1. 2. 3. 4. Palestra proferida por docentes da UFF, em Campos, sobre o tema Interinstitucionalidade e Interdisciplinaridade: desafios à sua operacionalização, em maio de 2009. Minicurso, ministrado por docente da UFF, em junho de 2009, no ESR/UFF, enfocando o tema Pesquisa interdisciplinar: a experiência de Custodópolis, dentro da programação do Congresso Fluminense de Iniciação Científica e Tecnológica. Palestras proferidas por docentes da UFF, na UENF, em julho de 2009, enfocando o tema Pesquisa interdisciplinar: a experiência de Custodópolis, dentro da programação do Curso Conhecer para prevenir: atualização em saúde 2009. Palestra proferida por docentes da UFF, em agosto de 2009, no município de Pádua, abordando o tema Cidade de Palha: projeto de pesquisa e extensão, dentro da programação: II Seminário Norte-Noroeste de Extensão. 5. Palestra “Cidade de Palha: re-conhecendo o território de Custodópolis”, realizada por docente da UFF, em debate promovido em setembro de 2009, nos seminários do Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais do Centro de Ciências do Homem, da UENF. 6. Palestra proferida por docente da UFF, no Museu Olavo Cardoso (Programação Direitos Humanos na Primavera dos Museus), em setembro de 2009, sobre o tema: Vulnerabilidade e cidadania em bairros periféricos, apresentando a experiência do projeto. 7. Participação da bolsista Paula Emely Cabral Torres (serviço social – UFF) e dos alunos Aline da Silva Viana Jorge (serviço social – UFF), Juliana Gomes Barreto (enfermagem UNIVERSO), Lucas Rangel de Souza (medicina – FMC) e Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho (arquitetura e urbanismo – IFF), na XIV Semana de Extensão da UFF (Niterói), em outubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha: trajetórias de um saber fazer no território de Custodópolis”. 8. Participação da bolsista Paula Emely Cabral Torres (serviço social – UFF) e dos alunos Aline da Silva Viana Jorge (serviço social – UFF), Juliana Gomes Barreto (enfermagem UNIVERSO), Lucas Rangel de Souza (medicina – FMC) e Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho (arquitetura e urbanismo – IFF), na I Mostra de Extensão IFF – UENF - UFF, em outubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha: trajetórias de um saber fazer no território de Custodópolis”. O trabalho apresentado foi premiado como melhor poster da UFF no evento. 9. Participação da bolsista (PIBIC) Gerlaine Jesus de Souza, no XIX Seminário de Iniciação Científica e Prêmio UFF Vasconcellos Torres de Ciência e Tecnologia, da UFF, em outubro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha: inquérito populacional em bairro vulnerável”. 10. Apresentação do trabalho (categoria banner) “Cidade de Palha: vulnerabilidade e saúde no território de Custodópolis/Campos dos Goytacazes”, por docente da UFF, no IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em novembro de 2009, Olinda/ Pernambuco. 11. Realização do I FISC - I Fórum Interdisciplinar em Saúde Coletiva, em novembro de 2009, em parceria com a Faculdade de Medicina de Campos e apoio das demais instituições que participam do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania. 12. Participação dos alunos Márcio Pereira, Thiago Rebel, Laura Lamônica, Lorena Guimarães e Keila Pessanha (enfermagem – UNIVERSO); Silvânia Silva, Ivone Magaldi e Joelma Bastos (serviço social - UFF); Adilea Silveira e Rafael de Oliveira (medicina – FMC): Rafael Mesquita e Júlia Lima (arquitetura e urbanismo – IFF), no I FISC – I Fórum Interdisciplinar em Saúde Coletiva, em novembro de 2009, apresentando o trabalho “Cidade de Palha: inquérito populacional em bairro vulnerável”. 40 13. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – “Por onde ando... aonde vou: um estudo sobre itinerários terapêuticos”, de autoria de Aline da Silva Viana Jorge, apresentado ao Departamento de Serviço Social de Campos/UFF, em 2010. 14. Participação dos alunos Adiléa Lopes da Silveira (FMC), Júlia Lima de Araújo (IFF), Késia Silva Tosta (UFF) e Paula Emely Cabral Torres (UFF), na II Mostra de Extensão IFF – UENF - UFF, em outubro de 2010, apresentando o trabalho “Cidade de Palha: trajetórias de um saber fazer no território de Custodópolis”. O trabalho foi premiado como melhor poster da UFF no evento. 15. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – Entre o ontem e o hoje: uma análise da urbanização na trajetória da Cidade de Palha a Custodópolis, de autoria de Paula Emely Cabral Torres, apresentado ao Departamento de Serviço Social de Campos/UFF, em julho de 2011. 16. Participação da bolsista de extensão Késia Silva Tosta na XV Semana de Extensão da UFF, em outubro de 2011, apresentando o trabalho “Inquérito populacional em território vulnerável”, sob forma de comunicação oral, em Niterói, em novembro de 2010. Foram autores do trabalho: Adiléa Lopes da Silveira (FMC), Júlia Lima de Araújo (IFF), Késia Silva Tosta (UFF), Paula Emely Cabral Torres (UFF), Denise Chrysóstomo de Moura Juncá (UFF), Verônica Gonçalves Azeredo (UFF), Carlos Antonio de Souza Moraes (UFF), Katarine de Sá Santos (UFF) e Aline da Silva Viana Jorge (UFF). 17. Participação da bolsista de iniciação científica Paula Emely Cabral Torres no XX Seminário de Iniciação Científica, apresentando o trabalho “Inquérito populacional em território vulnerável”, sob forma de comunicação oral, em Niterói, em novembro de 2010. 18. Participação da bolsista de extensão Késia Silva Tosta (UFF), da bolsista de iniciação científica Paula Emely Cabral Torres (UFF) e da docente Katarine de Sá Santos (UFF) na V Semana Acadêmica do Curso de Serviço Social, apresentando o projeto “Cidade de Palha: reconhecendo o território de Custodópolis”, em Campos dos Goytacazes, em novembro de 2010. 19. Participação de docentes e bolsistas da UFF no 4º Seminário de Pesquisa do ESR/UFF, apresentando o trabalho Da Cidade de Palha à Custodópolis: trajetórias de vulnerabilidade e cidadania, em março de 2011. 20. Elaboração do Trabalho Final de Curso – TFC – “Entre o ontem e o hoje: uma análise da urbanização na trajetória da ‘Cidade de Palha’ a Custodópolis”, da autoria de Paula Emely Cabral Torres, apresentado ao Departamento de Serviço Social de Campos, em julho de 2011. 15 21. Qualificação do projeto “Famílias nas Terras de Custódio: itinerários de proteção social“, da autoria de Verônica Gonçalves Azeredo para o Doutorado em Política Social na UFF a partir da linha de pesquisa: sujeitos sociais e proteção social, em agosto de 2011. 22. Participação de docente da UFF no Seminário do LEUS – Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais – vinculado à PUC/RJ, proferindo conferência sobre Cidade de Palha: movimentos de investigação-ação em território vulnerável, em agosto de 2011. 23. Participação da bolsista Késia Silva Tosta (UFF) na III Mostra de Extensão IFF – UENF – UFF, apresentando o trabalho Cidade de Palha: estudo socioambiental no território de Custodópolis, em outubro de 2011. O projeto foi premiado como melhor apresentação de banner da UFF. Tais momentos propiciaram a realização de avaliações e sistematizações parciais do projeto, além de reforçarem a dinâmica adotada, valorizando o entrosamento ensino-pesquisa-extensão, que estávamos conseguindo exercitar. Entretanto, foi, somente, após a tabulação final e análise dos dados coletados 15 , associando as questões do formulário aplicado, aos registros processados no diário de campo, que se passou a dispor de um amplo conjunto de informações a serem discutidos em maior profundidade, tanto com as instituições parceiras do Programa Bairro Saudável, quanto com a própria comunidade. 3. Os Desafios de uma experiência interinstitucional e interdisciplinar “Interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, apenas vive-se e exerce-se.” (VILELA; MENDES, 2003, p. 527) – esta foi a lógica que orientou a experiência que vivenciamos, configurando um desafio de ultrapassar o discurso e alcançar a prática, considerando uma dupla perspectiva: a institucional e a disciplinar. Incorporando os eixos norteadores do Programa Bairro Saudável, de um lado, queríamos exercitar a interdisciplinaridade na produção do conhecimento, considerando que a mesma “fundase no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, una e diversa” (FRIGOTTO, 1995, p.27), além de reconhecermos a natureza intersubjetiva de sua apreensão. De outro, entendíamos que, com tal perspectiva, o conhecimento produzido poderia gerar ações mais sintonizadas com o perfil do território estudado, preservando-se, simultaneamente, as especificidades de cada campo do saber e a abertura na direção de um fazer coletivo (GOMES; DESLANDES, 1994, p. 111). Estávamos, portanto, diante da possibilidade de uma prática exigente, que impunha sensibilidade, determinação, abertura ao novo e flexibilidade. Serviço social, medicina, enfermagem, arquitetura e urbanismo buscavam dialogar, construindo uma Tal análise encontra-se registrada nos demais artigos desta publicação. 41 relação marcada pela necessidade de transcender o conhecimento e a prática fragmentada, postulando uma nova síntese do saber-fazer. Nossa preocupação era fugir do discurso que acaba por banalizar a interdisciplinaridade, reconhecendo, ainda, que mais importante que defini-la era refletir sobre as atitudes que se constituem como interdisciplinares: atitude de humildade diante dos limites do saber próprio e do próprio saber [...]; a atitude de espera diante do já estabelecido para que a dúvida apareça e o novo germine; a atitude de deslumbramento ante a possibilidade de superar outros desafios; a atitude de respeito ao olhar o velho como novo, ao olhar o outro e reconhecê-lo, reconhecendo-se; a atitude de cooperação que conduz às parcerias, às trocas, aos encontros, mais das pessoas que das disciplinas, que propiciam as transformações, razão de ser da interdisciplinaridade.” (TRINDADE, 2008, p.73) Tratava-se, de uma tarefa que ficava ainda mais complexa por associar instituições de ensino superior com trajetórias, projetos acadêmicos e rotinas técnico-administrativas diferenciadas. Tais diferenças, contudo, não impediram que as mesmas aderissem a um programa, inédito na região, que intencionava investir, tanto na qualidade do espaço de formação profissional, quanto no empreendimento de estudos e ações capazes de desencadearem um processo de transformação no território de Custodópolis: de bairro vulnerável, para bairro saudável. Na fase inicial do detalhamento do inquérito já foi possível experimentar a importância de associar distintas formas de olhar e pensar uma realidade, uma vez que cada movimento foi construído, em conjunto, pelo grupo de coordenadores composto por um representante de cada instituição parceira. Várias discussões ocorreram, levando-nos a reconhecer a importância do caráter complementar de cada fala, contribuindo para o aperfeiçoamento da proposta, a elaboração dos instrumentos para coleta de dados, o mapeamento de sua operacionalização... O treinamento dos acadêmicos que iriam atuar como pesquisadores de campo, também, foi bastante produtivo. Sua dinâmica envolveu dramatizações, leituras orientadas e debates, procurando propiciar um entrosamento do grupo e o necessário nivelamento para a garantia da qualidade de um trabalho deste porte. Entretanto, já nesta fase, foram sinalizadas as primeiras dificuldades englobando questões de diferentes naturezas, como por exemplo, a necessidade, tanto do grupo de docentes coordenadores, quanto dos alunos, em conciliar horários para as reuniões de estudo e trabalho de campo, em conjunto, além das atividades de acompanhamento sistemático e avaliação do desenvolvimento deste último. A pouca ou nenhuma experiência anterior, de alguns, com projetos desta natureza acentuava, ainda mais, tal problema exigindo uma atenção permanente da coordenação geral, tanto no que se refere à rotina adotada na pesquisa, quanto aos primeiros resultados que começaram a ser produzidos. Além disso, havia o fato de que, embora a maioria dos discentes demonstrasse identificação com a proposta e interesse em participar, ativamente, da mesma, o que de fato ocorreu, alguns sinalizavam estar cumprindo uma exigência acadêmica, mantendo-se no campo durante um período mínimo e de forma não contínua, o que exigia sua substituição e novos treinamentos. No âmbito da coordenação geral, as limitações também aconteceram, fragilizando, em alguns momentos, a execução do processo de acompanhamento e avaliação previstos. Na verdade, vivenciávamos dificuldades que podem ser comuns na operacionalização de qualquer pesquisa, mas que pareciam mais acentuadas, talvez, em decorrência de se tratar de uma proposta interdisciplinar e interinstitucional. Cada passo precisou, assim, ser acompanhado de forma atenta e cuidadosa, pela coordenação geral e pelos assistentes sociais coordenadores de campo, considerando, sobretudo, os critérios para definição das duplas de alunos para a realização da pesquisa; as orientações contínuas sobre a coleta dos dados quantitativos, processando-se as devidas revisões nos formulários, quando necessário; e a análise preliminar dos registros qualitativos no diário de campo, sinalizando-se as principais categorias de interesse do projeto. Não há como negar as inúmeras dificuldades vividas pela equipe, quer no âmbito de sua organização e dinâmica interna, quer no próprio campo, enfrentando-se problemas operacionais de diversas ordens. Foram barreiras nem sempre fáceis de romper e outras que, ainda, precisarão ser superadas, na continuidade do projeto. Os primeiros resultados de nossa experiência nos deixam, porém, uma certeza: uma proposta de trabalho interdisciplinar e interinstitucional tem incontestável valor. Entretanto, é preciso assumila como uma prática dinâmica e processual, algo a ser exercitado cotidianamente, analisando-se suas complexidades e possibilidades, ultrapassando-se limites institucionais e pessoais, com persistência, responsabilidade e compromisso efetivo de todos, não se perdendo de vista que seu foco central encontra-se no território pesquisado, na comunidade composta por sujeitos que lhe dão vida. Destacamos como Saupe et, al. (2005, p.532 ) que “não existem fundamentos prescritivos para a prática interdisciplinar; é na vivência, nos acertos e erros e na identificação das dificuldades que se constrói um cotidiano de equipe.” Para os autores, “a condição primeira da prática interdisciplinar se encontra nas atitudes dos membros da equipe”, uma vez que ela “encerra a competência-mãe, nutridora, que oferece as condições dos desdobramentos das habilidades e conhecimentos.” (Id.) Eles ainda esclarecem que o bloco de categorias relacionadas com atitudes incluem: “respeito à disciplina do outro, respeito ao outro, tolerância, aceitação de sugestões, respeito às limitações, respeito às competências, comprometimento com o sistema, ouvir, reflexão, humildade, mudança, respeito às diferenças, ética, autoridade, empatia.” (Id.) 42 Concordando com tais indicações defendemos, assim, que não basta nos identificarmos com os princípios de uma prática interdisciplinar ou, apenas, defendermos sua lógica, seus objetivos e vantagens. É preciso vivê-la a cada dia, como algo em construção, com avanços e recuos. Neste sentido, temos a certeza, que o exercício pretendido, através de nosso projeto, apenas começou. REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS BARROS, M.B.de A. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, 11 (supl 1), p. 6-19. 2008 BECKER, D. et. al. 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Do contato com o bairro e com as narrativas de seus moradores (através da observação participante e de entrevista com antigos moradores)2 , foi possível traçar o percurso que configurou o lugar. Trata-se de deslocamentos que deu origem à Cidade de Palha e que posteriormente, sob as terras loteadas de Custódio, ao bairro-Custodópolis, situado no município de Campos dos Goytacazes/ RJ. Supostamente entre as décadas de 20 a 30 do século passado, o espaço foi pouco a pouco sendo apropriado 3 . Um lugar, inicialmente identificado como ponto de encontro de cortadores de cana, que se reuniam à espera de caminhões que os levassem para as lavouras das usinas canavieiras da região de campos dos Goytacazes. Logo seu Policarpo e seu José trataram de montar uma vendinha para atender aquela demanda. Mais tarde seu Zezé colocou um açougue. E assim, alguns trabalhadores, que moravam em áreas afastadas ou aqueles, que não tendo onde morar, acomodaramse no entorno daquele lugar. “Pegavam um pedacinho e ficavam” e construíram suas casas em meio ao improviso. Utilizavam barro, bambu, folhas de palmeira ou sapé. “As casa tinham palha no lugar de telha”. Vista do alto parecia uma “Cidade de Palha”. “Puxando pela memória” foram desenhando o lugar que existia “naqueles tempos”: “Cheguei a ver muito brejo, lagoa e foi acabando com o canavial. O resto era tudo mato. Lá na baixada era tudo água. Na Cidade de Palha era mais alto”. Na narrativa de uma moradora de 83 anos, lembranças e histórias: “Minha mãe me teve num barraco ali perto de onde hoje é a delegacia. Tinha as casinhas de palha e uma vendinha”. Sendo a memória parte do lugar e responsável pelo armazenamento coletivo de determinados saberes, é ela que fornece identidade ao local. (PAULA; MARANDOLA,2009,p.6). Nesse sentido, as narrativas recuperam o tempo em que a Cidade de Palha era “cercada por canaviais onde boa parte os moradores tiravam seu sustento” (G.R.E.S. União da Esperança,2008). Ao resgatarem a memória coletiva do lugar, os mais velhos se deixaram levar por percursos individuais, familiares e comunitários. Através de seus “mapas mentais afetivos” (ECKERT,2002,p.8) destacaram os circuitos de pertencimento e as mudanças na territorialidade do lugar: “Quando vim era tudo mato. Esse negócio de calçamento das ruas é coisa nova, num tinha nem luz. Depois veio a luz, a primeira casa que teve rádio foi a de meu pai. Os vizinhos vinham todos para ouvir as novelas, que naquele tempo era pelo rádio”. “As cercas (das casas) eram de gaiolinhas (tipo de planta) [...] Não existia móveis, as camas eram de pau”. “Para ir à cidade, ia de pé, não tinha ônibus. De noite só via grilo e a luz era de lamparina”. “[...] A maioria era fogão à lenha e a gente tinha um à querosene. A gente era muito conhecido, porque meu pai era seu Vadinho do querosene –ele vendia querosene. A luz só veio lá para 1960.” Pessoa de referência do lugar, Custódio Siqueira, era um médico de posses e prestígio. “Era dono de tudo”, proprietário de terras na comunidade que resolveu transformá-las em lotes vendidos “baratinho”, “com pagamento facilitado”. “Era um homem muito bom. Ele andava Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social/UFRJ, Assistente Social/UFF, Prof. Adjunta do Curso de Serviço Social- ESR/UFF e pesquisadora do GRIPES. 2 Todas as observações e depoimentos de moradores que constam no corpo deste artigo, são produtos do trabalho da equipe de pesquisadores do GRIPES. 3 Parte deste artigo, referente a história do lugar, foi publicada originalmente na Revista CAMINHOS DE GEOGRAFIA, v.12,n.37, março de 2011. 1 44 sempre com Seu Alcebíades que era pessoa de sua confiança. Ele era quem media os terrenos e vendia. Dava assim 5 mil reis, 10 mil réis de entrada e ficava pagando. Dr. Custódio era uma pessoa muito simples. Ia na casa das pessoas, tomava cafezinho. Se alguém falava pra ele: esse mês não tive dinheiro pra dar ao senhor, ele falava assim: fica quieto, depois você me dá”. (GRIPES, 2008, p.10) Logo, as áreas loteadas ficaram conhecidas como “Terras de Custódio”. Ligado à política, Dr. Custódio morreu na Praça de São Salvador em cima de um coreto, discursando para ser prefeito. ”No seu enterro tinha muito pretinho, eram todos afilhados dele” (GRIPES,208,p.10).4 Pouco a pouco a comunidade foi se alargando e as terras que eram de Custódio, passaram a ser também de Hipólito Sardinha, José Dias Nogueira, Sr. Nicodemos, Vicente, Zé Laurindo e tantos outros, que ao se apropriarem do lugar, construíram um estilo de vida que se tornou motivo de orgulho para antigos moradores. Hipólito Sardinha era dono de uma padaria e do Cine Teatro 5 Primor, o primeiro de Guarus . Na lembrança dos mais velhos, “ele queria alegrar o povo [...],trazia artistas,show de música e colaborava com o teatro amador”. Já, José Dias Nogueira, conhecido como Zezé Simão, foi homenageado tornando-se nome de rua. Lembrado por suas características públicas e espírito de liderança, foi responsável por “plantar as primeiras árvores da praça, organizar a comunidade na luta pela água encanada, mobilizou ajuda às famílias atingidas pela enchente de 1966”. E, 1962 foi candidato a vereador, mas não conseguiu se eleger. E houve quem questionasse: “Afinal, como pode um homem de tamanco ser eleito?”. Dinâmico por natureza, foi também o fundador e técnico do primeiro time de futebol local, batizado como Esporte Club Come Gato, cuja origem do nome se justifica pelas comemorações, ao final das partidas, onde bebiam e comiam “churrasco de gato” por ele oferecido. Tinha também o Senhor Nicodemos, graças a ele a alegria da criançada estava garantida nos domingos, pois “muitos se desdobravam pra ganhar umas moedinhas pra alugar suas bicicletas”. Quando o assunto é diversão, logo veio à lembrança a figura de Vicente, responsável pela Quadrilha Caipira e Zé Laurindo, pela Folia de Reis. Não faltava também fado, jongo e capoeira. Tinha circo, tourada e gente de longe para assistir. “nas touradas as pessoas colocavam cadeiras em volta, às vezes o touro escapulia e era aquela confusão”. As pessoas procuravam sempre um jeito de se divertir, seja “nos bailes nas casas, nos matinês da pracinha e do cinema ou no concurso de rainha do Grêmio”. Além é claro, da festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição. Festa mais esperada do ano, 4 5 cujos festejos anunciados com fogos, duravam uma semana. Uma programação que incluía jongo, corrida rústica, cavalhada e muitas barraquinhas. A rua da raia, atualmente batizada como Poeta Marinho, era o cenário das famosas corridas de cavalo. Entretenimento era o que não faltava, tudo se transformava em motivo para diversão, era comum a vizinhança se reunir nas noites de lua e as crianças brincarem na rua. “Não tinha luz e nem medo, porque não tinha perigo”. “Cada um puxava sua luz da pracinha (...) depois vieram os postes de madeira”. Na memória dos antigos moradores, a pobreza não impedia de fazer desse local, um lugar alegre e movimentado. Da Cidade de Palha, as Terras de Custódio deram origem ao bairro mais antigo de Guarus: Custodópolis. O nome não poderia ser outro, uma homenagem ao Dr. Custódio Siqueira, dono das terras loteadas. A Praça José Dias é referencia local. No seu entorno, numa mistura de comércios e serviços, Custodópolis se desenha. Com um “comércio forte”, os moradores garantem que “a pessoa sai a qualquer hora e encontra o que quiser”. Tem “supermercado, farmácias, açougues, bares, sorveterias, Lan Hause, hortifruti, depósito de bebidas, lojas de fotos, roupas, brinquedos, artigos para o lar, material elétrico e ferragens, locadora de DVDs, posto de combustível, consultório odontológico, brechó de roupas usadas, sapateiro...” (GRIPES,2008,p.37) No entanto, o cartão postal da praça é a igreja de Nossa Senhora da Conceição, que juntamente com a Igreja Batista, localizada em rua paralela, são as referências religiosas mais antigas. Mas a vida religiosa do bairro é intensa, há também o Grupo Espírita, a Igreja da Renovação, a Comunidade do Amor de Deus, Assembléia de Deus. Destas expressões religiosas, a Igreja Batista se destaca por sua “prática de distribuição de alimentos, remédios, passagens e pequenas reformas nas casas dos mais carentes” (ibidem,2008,p.44). Na memória dos católicos, a nostalgia dos festejos de São Jorge e da padroeira Nossa Senhora da Conceição. Uma festa que durava uma semana e movimentava a comunidade com “muitas barraquinhas, jongo, corridas rústicas, cavalhada, parque”. Havia uma combinação entre entretenimento e celebração com as novenas e procissão. “Hoje só tem procissão. Passa pelas ruas aquela filhinha curta, fraca”, porque o padre diz que “não pode fazer festa profana”. Valores e tradição se defrontam com um tempo em que festa na rua deve ser evitada por causa da violência. “É muita bebedeira e muita droga”. (ibidem,2008,p.5) A saudade de antigos moradores identificados como “pessoas boas que traziam alegria para o povo daquele lugar”, alimenta o imaginário e se expressa na narrativa dos que contam sobre um tempo que se tornou enredo: “Os amigos ilustres da verde e rosa e a Cidade de Palha no Jubileu de Ouro”, no carnaval de 2008 do G.R.E.S. União da Esperança (fundada em 1958). Através da “escola de samba”, uma das principais referências do bairro, Custodópolis é contada e cantada: “Com o progresso, os canaviais foram dando lugar ao bairro e com ele a Cidade de Palha Sobre a morte de Custódio Siqueira ver referência contida no livro Campos depois do Centenário, de autoria de Waldir P. de Carvalho . GUARUS é o 1 distrito da Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ e anteriormente era conhecido como Guarulhos (origem indígena). 45 passou a se chamar Custodópolis. Terra do futebol, carnaval, Cine Teatro Primor, o primeiro cinema de Guarus [...] A quadrilha caipira do Vicente, a folia de reis do Zé Laurindo, o time Come Gato que tinha como líder e técnico José Dias Nogueira. O fado, o jongo, a capoeira”. Sempre fazendo referência ao jongo, os antigos moradores, não destacaram a figura da mais famosa jongueira: Maria Anita, cujo terreiro se localizava em Custodópolis. “Primeira mulher, carroceira, a andar com roupas masculinas em seu trabalho de frete. Marcou enquanto viveu, em caráter festivo, a tradição trazida pelos escravos de Angola e Moçambique. Nos anos 70 do século passado, foi campeã no festival de folclore promovido pelo SESC/Campos, tornando-se notícia nos meios de comunicação local como preciosa referência às manifestações da cultura de raiz (SOARES, 2004,p.101). “O jongo verdadeiro, baseia-se no tambor de Maria Anita até altas madrugadas. Era todo recheado de desafios e revanches [...]. As cantigas são melodias simples, despojadas, curtas e repetidas, passadas por tradição oral, contendo versos característicos de antigas estórias”. (FOLHA DA MANHÃ apud Soares, 2004,p.100/101) Citada por Osório Peixoto Silva em seu artigo “Terreiro que Canta galo não pode cantar galinha”, no jornal A Notícia, de 27 de junho de 1976 -Tia Maria Anita como assim era chamada, era,“ uma mulata pesadona, cheia de simpatia e jongueira desde o batismo”. Em seu texto, descreve a fala dessa mulher ”batedora de jongo”, numa referencia ao seu terreiro: “ Todos que vadiam aqui são trabalhadores. Não temos nenhum encostado e malandro. É tudo cortador de cana, homens e mulheres. O jongo é nossa única vadiação. Quando chega sábado, lá pra `as 10 horas da noite, a gente bate os tambores, chamando a turma. Eles chegam de mansinho, e em pouco a brincadeira está formada. Dentro do maior respeito[...] Meus brancos que quiserem brincar podem chegar. È só respeitar nossa brincadeira, não tocar nas nossas filhas e não puxar briga. O resto é jongo puro. E duvido que alguém fique por mais de meia hora sem cair na brincadeira, porque jongo é pegador”. Com seu falecimento, “sua filha Maria Creuza, apelidada Mariinha, cortadora de cana e mãe de 12 filhos sustentou por algum tempo a tradição da mãe”. Ao falecer, os registros históricos, recortes de jornais, fotografias, troféus e instrumentos tiveram destino ignorado. Somente os que viveram e ouviram as estórias podem contar o tempo em que se valorizava a raça e a intenção de preservar a memória dos antepassados, naquilo que o jongo evocava. (SOARES, 2004, p.102) O bairro tem sua trajetória marcada por uma vitalidade cultural que vem do terreiro de jongo, das procissões e quadrilhas, dos shows e comícios e de estórias como a do “homem de capa preta”, figura estranha que era vista circulando no local. Entre os mitos que alimentavam o imaginário local, a “mula sem cabeça” foi lembrada: “Era uma espécie de mula que no lugar da cabeça tinha uma labareda, gerando medo entre os moradores e impedindo que saíssem de suas casas depois das 18 horas. Ela aparecia nas noites de lua cheia e um sino anunciava a sua chegada” (GRIPES, 2008, p.14). Curiosa foi a lembrança de um morador sobre o “ônibus de luz vermelha”. Ele garantiu que um parente próximo tinha sido uma de suas vítimas. “O ônibus vinha do bairro de Santa Rosa e o motorista era falecido, por isso, todos os passageiros que conduzia eram levados para o cemitério” (ibidem,p,14). Entre mito e realidade, o cotidiano de Custodópolis foi desenhado a trajetória de um bairro conhecido e reconhecido como “um lugar de tradição”. Suas histórias sempre foram matéria-prima para os enredos do G.R.E.S.. União da Esperança que há 52 anos é presença na comunidade. Muito freqüentado por antigos moradores, seus ensaios animavam os meses que antecediam o carnaval. Um dos motivos de orgulho do bairro, também cantado pela União da Esperança, é o futebol. De time Come Gato, tornou-se Grêmio em 1974. Legalizado, participa da liga Campista de Desportos e desde então, promove regularmente jogos e tem uma escolinha de futebol que atende a crianças do local. No campo da atuação comunitária, a Associação de moradores, tem registro garantido na memória do bairro. As décadas de 1960 e 1970 foi um período fértil de envolvimento comunitário, em busca de melhorias para o local. O bairro era atingido, periodicamente, por enchentes. Isso agravava a situação sanitária, dada a proximidade entre as fossas rudimentares e os poços de onde retiravam a água para o consumo. (Carneiro et.al.1968, p.8). Essa realidade associada à ausência de abastecimento de água levou lideranças do bairro a se articularem a representantes de entidades assistenciais, algumas faculdades da cidade e políticos do município. Alguns moradores de Custodópolis tinham acesso aos dirigentes de entidades assistenciais e políticos da região. Dentre os moradores, havia os que se ocupavam da condição de “cabos eleitorais”. Ligados por interesses diversos, mas voltados para a melhoria da comunidade, os moradores passaram a se reunir em encontros semanais, no Cine Teatro Primor. Em uma dessas reuniões regadas a palestras, abaixo-assinado e 46 lanche, sempre oferecido pelo Sr. Hipólito Sardinha que cedia a local e era dono de padaria, foi travada a luta por uma caixa d’ água. Conseguiram inicialmente a construção de alguns poços artesianos, mas “logo depois, chegou a CEDAE”. (GRIPES, 2008, p.15) Reconhecidamente carente e com demandas variadas, a comunidade em 1965 passa a contar com o apoio da Associação Monsenhor Severino, que por sua vez convida Nilza Simão (responsável pela Escola de Serviço Social) para coordenar o trabalho na comunidade. Dessa parceria, formou-se um “núcleo básico” (estratégia de fortalecimento de organização comunitária), que contou com o engajamento de acadêmicos de Serviço Social. Dentre as ações, em 1966 iniciou-se a construção de uma sede para o Centro Social, nesse período, novas parcerias foram formadas com a adesão da Faculdade de Medicina de Campos, Faculdade de Odontologia e de Direito (Peçanha,1976) A pobreza, em suas múltiplas faces, desenhava um quadro de problemas e necessidades que tinha urgência para ser enfrentado. Mas, para eleger as ações prioritárias, identificou-se a importância de realização de um Estudo Sócio-Econômico da Comunidade6 que permitisse uma maior aproximação com a realidade local. Realizado por acadêmicos de serviço social e com a colaboração de lideranças do bairro, o estudo apontou para a existência de uma população estimada em torno de 4.000 pessoas, sendo a maioria da raça negra7 (Carneiro et. al,1968). Os homens, em sua maioria eram cortadores de cana ou trabalhadores nas lavouras das usinas da região. Mas havia também os que se ocupavam das funções de pedreiro, carroceiro, padeiros, barbeiros, sapateiros, pintores, eletricistas, pescadores e mecânicos. Atuando como empregadas domésticas, cozinheiras e lavadeiras nas residências da cidade, as mulheres dividiam seu tempo entre os cuidados de sua família e de sua casa. Numa época em que se começava a trabalhar desde a infância, as crianças praticavam o comércio ambulante (GRIPES, 2008, p.18). A realidade do desemprego, a ausência de qualificação profissional, rendimentos instáveis relacionados a trabalhos temporários, compunham o perfil sócio-econômico da comunidade. A falta de escolas era uma queixa e uma ameaça ao futuro das crianças que ali viviam. As condições de saúde refletiam a precariedade das condições de vida, tendo destaque os problemas de verminose e desnutrição. As moradias eram o retrato da precariedade do modo de vida e trabalho de seus moradores, sendo comum o aluguel de quartos em casas que eram divididas em cômodos. O Diagnóstico apontou que 40% das habitações eram de “tipo barracões”, 52% de adobe ou taipa e 97% não possuíam instalações sanitárias (Carneiro et.al.1968, p.8). O entorno residencial era composto por um cenário insalubre de esgoto a céu aberto agravado pela constância das enchentes, lixos nas ruas e pela falta de cuidados de higiene. Os recursos que Custodópolis já dispunha neste período, eram: padaria, armazém de secos e molhados, barbearia, farmácia, açougue, fábrica de goiabada e sandália (id.). A praça ganhou calçamento e um abrigo para passageiros. E os serviços de um Posto Telefônico e da Agência de Correios e Telégrafos, eram as mais recentes aquisições (Barros,1966,p.31). Uma das preocupações dos moradores e motivo de queixas era a falta de policiamento. (Carneiro op.cit.p.24) Com base nos dados desse Diagnóstico e das demandas apresentadas nas reuniões comunitárias, foram estruturadas algumas frentes de trabalho nas áreas da saúde, educação, orientação jurídica, trabalho e renda. Cada profissional responsável por uma dessas áreas era acompanhado por um “morador líder”, que realizava um trabalho voluntário. Do contato com a comunidade foi possível identificar um número significativo de costureiras no bairro. Isso motivou a implantação de um grupo de corte costura e gerou cursos de bordado, tapeçaria, tricô, crochê e pintura. O artesanato se desenvolveu expandindo-se para atividades em cerâmica, confecção de flores, tapetes, colchas, almofadas. Em 1965, o grupo organizou um bazar, cuja renda foi investida na aquisição de novos materiais. Essa iniciativa também deu origem ao Club de Mães, que se reunia em torno de comemorações de datas festivas e de temas como: “vida familiar, hábitos de higiene, verminose, aborto apresentados em forma de palestras” (GRIPES, 2008,p.18). Outras iniciativas, como alfabetização de adultos e orientação jurídica, sobretudo quanto a encaminhamentos de documentos pessoais, somavam-se ao atendimento ambulatorial. Este se defrontava com a impossibilidade das famílias de adquirir a medicação, devido à baixa ou inexistência de rendimento mensal. Essa situação levou a comunidade a organizar “shows às segundas-feiras no Cine Teatro Primor, cuja renda era revertida no aviamento de receitas médicas” (Carneiro, óp.cit.p.24) No início da década de 1970 o Centro Comunitário se transformou em Centro Social Universitário –CSU,passando a contar com assessoria da Fundação MUDES8 e de instituições como a LBA e Fundação Leão XIII. O trabalho de organização comunitária em Custodópolis teve dois momentos: antes e depois do MUDES. Essa foi à opinião de uma Assistente Social que participou do trabalho desde o início: “Tudo passou a ser remunerado [...]. Foi a desgraça do trabalho. Entrou dinheiro, a comunidade se afastou” (GRIPES,2008,p.21). O trabalho voluntário cede lugar ao remunerado e o atendimento, antes gratuito passou a custar (dois cruzeiros). Este era o valor fixado da mensalidade para terem acesso aos serviços prestados. A partir de então o envolvimento da população com o CSU limitava-se ao atendimento do problema apresentado. Essa trajetória, expressa no depoimento de alguns entrevistados, apontou para o fato de que aos poucos as parcerias que mantinham o funcionamento do CSU foram rompidas, ficando limitado a ações no 6 A organização desse estudo contou com a participação de lideranças comunitárias e seu conteúdo foi abordado em vários Trabalhos de Conclusão de Curso da época. Ver, por exemplo Barros(1996), Carneiro, Peixoto, Reis e Cordeiro (1968), Cordeiro (1969), Santos (1971) e Viana (1976). 7 Sobre esse assunto, Soares refere-se a “Custodópolis com o lugar de maior concentração de negros do município de Campos dos Goytacazes”. (Soares,2004,p.100) 8 MUDES- Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social. 47 campo da saúde. Não foi possível precisar por quanto tempo o CSU contou com a assessoria da Fundação MUDES. Em 1999 o CSU é reestruturado e batizado como CSECCentro de Saúde Escola de Custodópolis, funcionando como uma Unidade de Atenção Básica de Saúde, uma parceria entre a Faculdade de Medicina de Campos e o Poder Público Municipal. Atualmente, construiu novas parcerias com instituições de Ensino Superior na Região tornando-se um ambiente privilegiado para o processo de ensino-aprendizagem de diferentes profissionais de saúde. O CSEC funciona de segunda a sexta feira, das 7 às 18 horas e seu atendimento abrange outros bairros de Guarus. As consultas são agendadas para evitar filas e as especialidades mais procuradas são: Clínica médica, pediatria, cardiologia e ginecologia. Dos atendimentos prestados destacam-se os casos de escabiose, hipertensão, diabetes, vacina em atraso, crianças de baixo peso, gravidez na adolescência, curativos (por motivos de acidente de moto, brigas, facadas), dependência química, ansiedade e abuso sexual (gerando quadros que são assistidos no grupo de saúde mental). (GRIPES, 2008,p.27) Em funcionamento, o Grupo de Idosos, é o projeto com mais participantes, podendo ser considerado um dos núcleos de maior sociabilidade na comunidade, além dos grupos religiosos. Entre elogios e queixas, o CSEC é uma referência para a comunidade, Mas há quem diga que não vai a médico e “só toma remédio de mato” (ibidem,p.55). Contudo, essa não é a opinião da maioria, que assim como nos tempos do antigo Centro Comunitário e do CSU, continuam tendo como principal dificuldade a aquisição dos medicamentos, dada a precariedade da situação sócio-econômica e da falta de compromisso da Secretaria de Saúde do município no repasse da medicação. Como todo bairro, Custodópolis não é apenas um espaço geográfico. Para os antigos moradores, herdeiros das lembranças e/ ou nostálgicos das vivências do passado, é um lugar rico em histórias e significados, habitado também pela memória. Crenças e valores moldaram um estilo de vida dos que lá chegaram e viveram. Enraizados sentiam-se motivados a participarem da vida do lugar, confiantes de que as lideranças locais eram “pessoas boas” que buscavam melhorias para a comunidade. Mas aos poucos isso foi se perdendo, porque “os troncos foram morrendo. Não tem ninguém para continuar” (ibidem,p.14). CARNEIRO, Hilaine Gonçalves; CORDEIRO,Regina Sobrosa;PEIXOTO, Irene; REIS, Celma Pessanha dos. “Custodópolis e a implantação dos processos”. Campos dos Goytacazes, 1968. Trabalho de Finalização de Curso (Graduação em Serviço Social)- Escola de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense, 1968. CARVALHO, W. P. Campos depois do centenário. Campos: Damadá Artes Gráficas e Editora,1991. DE PAULA, Luiz Tiago; MARANDOLA JR, Eduardo. Memória e Experiência no Estudo da Vulnerabilidade do Lugar. Em HTTP:// egal2009.easyplanners.info- ENCUENTRO DE...2009. Acesso em 21/07/2010. ECKERT, Cornélia. A Cultura do Medo e as Tensões do Viver a Cidade: Narrativa e Trajetória de Velhos Moradores de Porto Alegre. Revista ILUMINURAS- Publicação do Banco de Imagens e Efeitos Visuais. NUPECS/PPGAS/IFCH e ILEA/ UFRGS,v.3,n.6,2002. GRIPES. CIDADE DE PALHA. Diagnóstico Preliminar. Campos dos Goytacazes, julho de 2008, mimeo, 68 páginas. PEÇANHA, Márcia Elizabeth Oliveira. O Serviço Social como fator de desenvolvimento. Campos dos Goytacazes, 1976. Trabalho final de Curso (Graduação em Serviço Social)- Departamento de Serviço Social de Campos, Universidade Federal Fluminense, 1976. SILVA, Osório Peixoto. “Terreiro que canta galo, não pode cantar galinha”. A NOTÍCIA. Campos dos Goytacazes, 27 de junho, 1976. SOARES, Orávio de Campo. Muata Calombo: Consciência e destruição- O olhar da imprensa sobre a cultura popular da região açucareira de Campos dos Goytacazes.Campos dos Goytacazes,RJ: Editora Fafic,2004. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Maria Tereza Aguiar Ribeiro. A comunidade de Custodópolis se organiza através do Serviço Social. Campos dos Goytacazes, 1966. Trabalho de Finalização de Curso (Graduação em Serviço Social)- Escola de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense, 1966. 48 8 O Lugar: entre lembranças do passado e vivências do presente1 . Verônica Gonçalves Azeredo2 “O homem, mesmo entrincheirado em seus lugares, se dá a conhecer”. (Hannah Arendt,1987,p.212) Custodópolis fincou raízes sob territorialidade rural e neste “lugar” construiu estilos de vida sob os quais produziu valores e crenças que desenharam os traços originários de sua identidade. Para resgatar o “fio da meada” da identidade, a memória é fundamental, enquanto elemento constituinte do sentimento, individual e/ou coletivo, na medida em que a identidade se constrói em referência aos “outros”. Assim, a memória implica experiências geográficas do espaço mais imediato. Nesse sentido, o lugar é “carregado de significados, incorpora diferentes escalas espaciais e relações sociais: diz respeito à casa, à rua, ao bairro, à cidade, à família e às relações de amizade” (DE PAULA; MARANDOLA JR, 2009, p.4) Como espaço da memória, o lugar, não se restringe a um local. Seu significado é apreendido pelas experiências dos que o habitam, material e simbolicamente. Através dessas experiências são construídas as formas de sociabilidade, mediadas por conflitos de valores em disputa. É no terreno dessa discussão, que Michael Pollak afirma ser a identidade “referenciada por critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se produz por meio da negociação direta com os outros” (POLLAK,1992,p.5). Nessa relação intersubjetiva, os indivíduos vão construindo sua familiaridade e seus estranhamentos com o lugar, criando ritmos próprios a partir de um dado território. No campo da geografia, o aporte fenomenológico, vem permitindo avanços no resgate da categoria “lugar”, oferecendo subsídios parra a compreensão da interseção entre indivíduo-território-lugar (HOLZER, 1997)3 Tão caro a Geografia, o conceito de território vem sendo re-significado. A velha questão entre a relação do espaço (geografia) e das pessoas (demografia) vem sendo equacionada partindo do pressuposto de que se trata de uma via de mão dupla: assim como os “lugares mudam as pessoas, as pessoas mudam os lugares” (MARANDOLA JR,2006). Na visão de Rogério Haesbaert, a utilização da categoria território permite “priorizar a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como produto da apropriação e valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido” (HAESBAERT,2006,p.40) Sob o enfoque da dimensão vivida, a Geografia tem dedicado ao território, reflexões, como a de Claude Raffestin, um dos primeiros a abordar a diferenciação entre as categorias Espaço e Território, ao afirmar que o espaço é um substrato preexistente ao território. Essa noção permite ampliar a compreensão das formas de poder e, portanto, das formas de territorialização (RAFFESSTIN apud SAQUET,2007,p.2). Na visão de Robert Sack “o espaço e o território não estão separados, um está no outro. O espaço é indispensável para a apropriação e produção do território”. Também contribui ao considerar que territorializar é controlar e/ou restringir acessos e ações (SACK apud SAQUET, 2007,83). Para Bonnnemaison (2002, p.126), “enquanto o espaço tende a homogeneidade, o território indica as idéias de heterogeneidade, de etnia e de identidade cultural”. Essas concepções se assentam nos estudos voltados à Geografia Humanista e Cultural, cujas matrizes permitem a compreensão de dinâmicas que humanizam o espaço (CLAVAL,1999;MACHADO,1997). Diferentes são as leituras acerca da categoria território. No entanto, o que está na base teórico-metodológica destes estudos e, sugerido em suas diversas denominações, é a vivência dos indivíduos, as noções de apropriação simbólica, representação social, subjetividade e vínculo. O que funda estes territórios é a interação diária entre as pessoas e das relações destas com o espaço; e deste ponto deriva a relevância da subjetividade, da intersubjetividade, do conhecimento experimental e intuitivo dos indivíduos que passam a ser meios de compreensão destes territórios. Cabe denominar esse fenômeno como território vivido, pois é a vivência que matricía estes territórios (PAULA, 2009,p12). Parte deste artigo foi publicado originalmente na Revista CAMINHOS DE GEOGRAFIA, v.12, n. 37, março de 2011 Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social/UFRJ, Assistente Social/UFF, Prof.Adjunta do Curso de Serviço Social-ESR/UFF e pesquisadora do GRIPES. 3 Sobre esse assunto consultar: HOLZER, Werther. Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem e lugar, território e meio ambiente. Território, Rio de Janeiro, ano II, n.3, jul./dez.1997. 1 2 49 Sob essa perspectiva, ao reconstruir os fatos do passado de Custodópolis, o que se pretende é “entender como as experiências espaciais se revelam a partir da memória, dos vestígios, em que palpita o mundo vivido” (HOLZER,2005,p.25). Portanto, a memória e historicidade são categorias chaves para identificar os itinerários de sociabilidade e apreender os padrões de comportamento dos sujeitos sociais, que se conhecem e mantém relações de troca. Tais relações não são necessariamente lineares, estabelecida entre “iguais” e compartilhadas sobre os mesmos códigos, como na memória dos antigos moradores, herdeiros das lembranças e/ou nostálgicos das vivências da Cidade de Palha e das Terras de Custódio. Ao resgatarem a memória coletiva de Custodópolis, os antigos moradores referem-se ao presente com um sentimento de esvaziamento dos sentidos coletivos e ao buscarem um lugar ao qual pertencer, encontram dificuldades de orientarem-se, nos dias de hoje, por estarem presos às ações e às emoções enraizadas em experiências passadas. Na atualidade, o que vivenciam são os efeitos “da personalidade individualista que desintegra as relações, fragmenta os sentidos, impondo aos sujeitos uma ideologia da intimidade” (SENNET,1988,p.22). Custodópolis reflete a degradação de valores (ritualizados em códigos de conduta) e a decadência das experiências públicas. De um lugar de “tradição”, representado por sua singularidade, tornou-se, com o movimento de acomodação da cidade, mais uma periferia e apesar da distinção com relação a outros lugares, incorpora as características definidoras da construção social desses espaços. Do passado, reminiscências remetem a um conjunto de situações sócio-espaciais de convivência, onde foi possível experimentar sentimentos de segurança, confiança, gratidão, partilhar valores, entretenimentos e contentamentos. Um sentimento de ser cuidado, porque “havia muitas pessoas boas que traziam alegria para o povo”, numa referência ao espírito de liderança de antigos moradores que se preocupavam com o lugar. O fato é que, em toda forma de convívio, há partilha e disputa, essa é a base da convivência social e das relações de poder. Para Arendt, “o poder passa a existir entre os homens quando agem juntos, e desaparece no instante em que eles se dispersam” (1987,p.212). Nesse sentido, a referida autora, aponta para o modo como é aflorada a condição humana da pluralidade, moldada sob a lógica do poder. Essa é a base da tensão que alimenta a vida e as relações comunitárias. Em os estabelecidos e os Outsiders, Elias e Scotson (2000) mostram uma comunidade dividida. De um lado antigos moradores e do outro, os que chegaram depois, considerados estrangeiros e que não partilhavam os valores e os modos de vida vigentes. Segregados, os estrangeiros experimentaram uma rejeição que atravessou gerações, preservada e alimentada por “fofocas”. Para os estabelecidos (que se julgavam responsáveis pela socialização das regras de normalidade) essa foi a estratégia adotada. Apesar das diferenças, com relação às formas de socialização em Custodópolis, esta elucidação aponta para o fato de que padrões de conduta são construções sociais, podendo produzir comportamentos normalizantes os desviantes. Para Becker (2008) as práticas desviantes também têm suas próprias regras e seus conceitos de normalidade. O comportamento desviante faz parte de um sistema de relações e interações constitutivo da dinâmica social de determinado lugar. No caso de Custodópolis, essa é uma evidência que se expressa, por exemplo, na possibilidade ou não de frequentar os ensaios da Escola de Samba União da Esperança, que na ocasião do Inquérito, era dirigida por uma mulher, que afirmava ser “difícil estar à frente de uma escola de samba, pois existe preconceito dos homens e inveja das mulheres”. Na memória dos antigos moradores, a saudade de um tempo de interações em que os ensaios eram programa de família. “Antes era só família, a diretoria saía pra pegar as moças em casa e depois ia levar”. A que tipo de família se refere? Quem frequenta a quadra hoje em dia? Para além das mudanças na constituição familiar, o que se coloca frente à diversidade dos estilos de vida, é o processo de segregação e autosegregação, motivado por valores disputados. Simmel ao referir-se a noção de sociação, revela que são os “interesses e necessidades específicas que fazem com que os homens se unam em associações econômicas, em irmandade de sangue, em sociedades religiosas, em quadrilhas de bandidos (...). Os sociados sentem que a formação de uma sociedade como tal é um valor, são impelidos para essa forma de existência (...). É através da forma que constituem uma unidade. (Simmel,1983,p.168/169) Em seus processos de interações sociais, os moradores se referem a um local condutor de atos de sociação – a praça. Lembram que era um lugar “ajeitadinho, com banco de alvenaria e ponto de ônibus com tapagem de telha colonial e uma caixa d´água” (GRIPES,2008,p49). A praça sempre foi palco de reivindicações. No passado com a luta pela água e recentemente com a manifestação em favor do término de uma reforma que tinha como prazo 120 dias para sua conclusão e que acabou se estendendo em torno de aproximadamente dois anos. Com isso, a praça tornou-se assunto em jornal da cidade em março de 2008. No novo desenho da praça, os quiosques ganham destaque, tornando-se motivo de insatisfação de muitos moradores, que acreditam que o local deveria ser um espaço “com brinquedos para as crianças e não, de bares”. Há relatos de que alguns moradores lutaram para não ter quiosques, mas não foram atendidos. Não mais representado como lócus de fortalecimento das relações de vizinhança, como no passado – um lugar para “tomar fresca e jogar conversa fora”. Hoje, sobretudo à noite, a praça é apontada como lugar de drogadição, intensificando estranhamentos e distanciamentos entre aqueles que não partilham deste modo de viver e conviver. Essas pessoas evitam circular no local em determinados horários, “ameaçadas pelo medo e pelo perigo. No entanto, a realidade tem mostrado que apesar das evidências materiais e simbólicas, o medo nem sempre se alimenta de fatos concretos. O sentimento do perigo constante, da violência praticada, do risco que podem ser vítimas, são fatos difíceis de mensurar. A construção social do medo e a “estética do medo” (ECKERT, 2002), tão bem representada por cercas de todas as ordens, confirmam o sentimento de 50 insegurança. A fronteira entre legalidade e ilegalidade existe e está bem demarcada, e os moradores aprendem a lidar com ambos os lados. Para Telles e Hirata (2007, p.25), é uma questão de “sobreviver na adversidade, (...) saber transitar entre fronteiras diversas, se deter quando é preciso, avançar quando é possível, fazer bom uso da palavra certa no momento certo, se calar quando é o caso”. Mito ou realidade, o fato é que o medo alimenta-se de determinadas condições, como no episódio da morte em frente à delegacia do bairro, demonstrando a impotência dos policiais, conforme relato de um morador. Além da violência escancarada, tal circunstância aponta para a falta de qualidade dos serviços prestados. A delegacia se ocupa de registrar e investigar alguma ocorrência, mas não atende a nenhum chamado ou denúncia: “Tem uma delegacia logo ali, mas só atende quem chega”. “Eles só chegam na gente quando você diz que vai matar”. Os comerciantes do local também manifestaram seu descrédito com relação à polícia. Os assaltos que sofrem não são mais registrados, sob a justificativa de “que não resolve”. Lembram do tempo em que foi mantido um policiamento regular na praça e isso impunha respeito. Frente à realidade da violência e o descaso com suas práticas, os moradores acabam adotando uma atitude blasé4 , na medida em que a insegurança e incerteza, “dilapida os laços de lealdade, confiança, comprometimento, integridade e ajuda mútua, em outras palavras “corrói o caráter’” (FRIDMAN, 2007, p.22). O lugar onde se vive, facilita ou não o acesso a serviços como segurança, saúde, educação, entre outros, que se, de baixa qualidade ou inexistente, produz uma dinâmica que condiciona situações de vulnerabilidade e segregação. Ligados, esses conceitos permitem analisar o efeito do lugar sobre o comportamento das pessoas ou vice-versa. O estudo de Galster e Killen (1995) contribui nesse sentido ao apontar para a existência da “geografia de oportunidades”, cujo enfoque é a distribuição de serviços num dado espaço e a qualidade dos mesmos, o que acaba por incidir em comportamentos variados que ampliam ou reduzem as condições vulneráveis das pessoas e do lugar. Nesse sentido, os jovens tem sido motivo de preocupação, conforme depoimento em entrevista: “o bairro não oferece nada para os jovens. Ou ele se converte na igreja e participa de suas atividades ou não tem nada para fazer”. (GRIPES, 2008, p.49) Esperam a chegada do sábado, para transformarem a avenida principal do bairro numa pista com “pegas” de motos e freqüentarem “um tal de baile funk que está acabando com a juventude”, promovido pelo “Club di Roma”. Moradores registraram que nestas ocasiões sempre ocorrem brincas e já teve até mortes. Por essa razão, há períodos em que os bailes deixam de acontecer. Mas na opinião dos entrevistados, não são os moradores de Custodópolis que promovem essa desordem (chegando a praticarem assaltos nos estabelecimentos comerciais), “são pessoas de outros bairros e do Rio de Janeiro”. Demonstram que não gostam de abordar esse assunto. De um lado, por medo e do outro, pela necessidade de preservar a imagem do bairro. Entretanto, há aqueles que identificam as fronteiras entre a legalidade e ilegalidade no cotidiano da comunidade. “Aqui a baixada é de X e o Beco é de Y e já ouvi dizer, que aqui tem a boca com o melhor pó de Campos. Dia e noite tem gente chegando pra comprar droga. Onde nem imagina, tem ponto de droga” “Os problemas acontecem quando as duas facções estão em briga. Eles dividem os espaços de cada um. Você pode ver os muros que são pichados, dizendo de quem é aquele pedaço. Tem até as áreas onde eles podem circular. Um não pode entrar na área que o outro comanda. E isso não é só aqui dentro do bairro. Por exemplo, se o Parque Prazeres for de um lado, o outro não pode entrar. Agora está calmo porque os grupos se aliaram”. Mapeado por zonas de tensão, o cotidiano da comunidade se expressa em relatos (GRIPES, 2008, p.50): “Época boa era quando eu era jovem. Hoje não tem tranquilidade” “Aqui era tranquilo. Agora sai, é assalto, ouve tiros” “Tenho vontade de sair do bairro por causa da violência”. “A gente fica ali na igreja correndo o risco [...] Domingo até mataram um no bar do outro lado”. “Aqui estão assaltando até de dia” A maior preocupação é com os filhos e netos. “Tem criança de 10 anos vendendo droga, com arma na cintura”. “Hoje morre uma criança e amanhã já tem outro no lugar”. 4 Atitude Blasé: é uma atitude de reserva e distanciamento frente aos acontecimentos quotidianos. Uma espécie de anestesia e que para SIMMEL, trata-se da “incapacidade de reação a novos estímulos com energias adequadas (...) A essência da atitude blasé encontra-se na indiferença perante as distinções entre as coisas (...) não são percepcionadas como significantes”. (VELHO apud SIMMEL, 1987,35) 51 “Quando o meu filho era pequeno as crianças dos vizinhos brincavam com ele lá em casa. Hoje ele está com 16 anos e não tem quase ninguém vivo daquela época”. Para os mais antigos, a violência instalada tornou-se uma realidade difícil de conviver: “Há 60 anos tinha um crime, chocava. Hoje estão matando como matam mosquito. È muito crime e 90% é droga. Na minha rua tem um ponto. O pessoal desce tudo para comprar”. (GRIPES, 2008,p. 51) Inseguro e desprotegido é o cotidiano desses moradores. São homens que enfrentam a realidade do desemprego, do trabalho desprotegido e de pouca remuneração, de expedientes de sobrevivência e práticas ilícitas. É por essa via transversal que o tráfico de drogas aparece como alternativa para alguns. Para Telles e Hirata (2007, p.5), é no agenciamento prático da vida cotidiana que os trabalhadores transitam entre o legal, o informal e o ilícito, “sem que por isso cheguem a se engajar em ‘carreiras delinqüentes’”. As mulheres, em sua maioria, se dedicam a atividades domésticas, seja em suas casas ou nas casas dos “outros”. O fato é que a pobreza sempre existiu, tanto no passado como no presente e, é possível identificá-la, nas habitações precárias, na falta de saneamento básico, na alimentação insuficiente, no baixo nível de escolaridade, nos comprometimentos de saúde, sobretudo com o “índice elevado de gravidez na adolescência, dependência química e violência (inclusive sob a forma de abuso sexual). (GRIPES, 2008, p.27) Herdeiros da pobreza tornam-se alvo dos poucos programas sociais existentes no bairro. Contam com o Espaço de Trabalho II e o CRAS que funcionam numa mesma sede e oferecem cursos de geração de renda, manicure, cabeleireiro, culinária e artesanato. A relação entre o interesse e necessidade dos cursos não é necessariamente convergente, depende do perfil dos profissionais contratados e disponibilizados pela prefeitura local. Esses cursos destinam-se prioritariamente aos integrantes do Programa de Renda Mínima. O CRAS 5 , além de cursos, realiza encaminhamentos para a rede municipal e desenvolve o Projeto Ser Mulher, voltado para temáticas como casamento, saúde, direitos da mulher, família e maternidade. No passado, a falta de escolas era uma das maiores preocupações. Hoje o bairro conta com creches e escolas da rede municipal, estadual e particular. Contudo, a realidade ainda aponta para a existência de analfabetismo e ausência de cursos noturnos e supletivos. Apesar da existência da Associação de Moradores, ao contrário do passado, hoje, lideranças não são identificadas. O 5 espírito público cedeu de vez, lugar às relações político-partidárias e eleitoreiras. Mas em tempos de aparente indiferença, o espírito comunitário se manifesta, certamente incorporado pela memória de um antigo morador (nome de praça), pai do dono do açougue, que instalou um serviço de alto-falante em seu estabelecimento e ali anuncia seus produtos, dá avisos de “nascimentos, mortes, missas, comunica perdas de documentos. “Para o povo é tudo de graça, mas para os políticos, tem preço” (GRIPES, 2008, p.46) O que não parece ter preço é o futebol, de time Come Gato - o Grêmio promove jogos regularmente, tem uma escolinha de futebol que atende as crianças do local e funciona como uma espécie de entidade filantrópica, “por prestar ajuda material e ceder seu espaço para festas, reuniões, velórios, campanha de vacinação”. Ao percorrer as ruas do bairro, os moradores seguem seus desenhos irregulares, convivem com um tráfico intenso de veículos, precária pavimentação e calçadas ocupadas, negando a prioridade aos pedestres. Driblam a água que “desce de uma rua e volta por outra”, a retratar a falta de saneamento, sentem o mau cheiro do lixo acumulado, encontram animais que transitam livremente, arriscam-se com a falta de iluminação de algumas áreas. Para Da Matta a “rua é antes de tudo uma categoria sociológica que designa mais que simplesmente um espaço geográfico. È uma entidade moral, esfera de ação social, domínio cultural capaz de despertar emoções, reações, onde predominam a desconfiança e a insegurança. Essa percepção do espaço é o reflexo do isolamento e da individualização. (1997). O cenário desenhado é para os moradores mais preocupados, “uma vergonha” e se por um lado culpam o descaso do poder público, por outro, sabem que os próprios moradores também contribuem para o agravamento de tais condições. Sob essas perspectivas, Custodópolis apresenta visíveis consequências de um lugar periférico, que como tantos outros, limitam seus moradores ao acesso de oportunidades de infra-estrutura, trabalho e políticas públicas. Convive com a memória de um bairro tradicional, do ponto de vista cultural e, a atual degradação material e simbólica, manifesta na representação preconceituosa em torno dos habitantes desse espaço. É comum ao conjunto da sociedade, o recurso a uma visão esteriotipada de determinados grupos a quem desejam mapear diferenças. É nesse sentido que Júnior ressalta que “o esteriótipo pretende dizer a verdade do outro em poucas linhas e desenhar seu perfil em poucos traços, retirando dele qualquer contradição. (...) Constitui e institui uma forma de ver e dizer o outro, tornandoo realidade, à medida que é subjetivado” (JÚNIOR, 2007, p.13). Desse modo, é no cotidiano, enquanto elemento intrínseco que se constrói e re-constrói a noção de território. Essa indissociabilidade entre o território e o os sujeitos que dele se apropriam é o caracteriza a noção de “espaço de vida e espaço vivido” (GUY Di Méo apud KOGA, 2003, p.36), cuja concepção se fundamenta no lugar onde os homens desenvolvem as práticas cotidianas e o modo como esse lugar é reconstruído mentalmente CRAS- Centro de Referência de Assistência Social encontra-se em funcionamento em Custodópolis. 52 pelos sujeitos ou representado pelo seu imaginário. (Ibidem, 2003, p.36) Inspirado na geografia social francesa e nos trabalhos de Di Méo, Milton Santos (2000, p.22), afirma que a categoria território permite uma visão do cotidiano vivido pelos moradores de um lugar. “O território em si, para mim não é um conceito. Ele só se torna um conceito utilizável para análise social quando o considerarmos a partir do seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam”. No intuito de aproximar ainda mais do território de vida e do território vivido de Custódopolis, a realização do Inquérito Populacional se colocou como alternativa. Através dele, foi possível identificar e mapear elementos que compõem a materialidade da vida e que por sua vez, envolve dimensões e manifestações de aprendizagens sócio-espaciais, expressas nas experiências de vida dos sujeitos que moram nesse lugar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987. BECKER,Howard S. Ousiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed.,2008. BONNEMAISON, Joel. Viagem em torno do território. In: CORREA, Roberto L. e ROSENDAHL, Zeny. Geografia cultural: um século (3). Rio de Janeiro: Eduerj,2002,p.83-132. CLAVAL, Paul. O território na transição da pós-modernidade. Geographia, Rio de Janeiro, ano 1, n.2,p.7-26,1999. DAMATTA, R. A casa & a rua. Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco,1997. 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Portanto, pensada sob a concepção de território, é definida como “unidade totalizante de regras sociais, de funções utilitárias, lugar de apropriações e práticas, onde se podem inscrever dinâmicas de confluência entre pessoas, lugares e processos psicológicos” (SALVADO, 2004, p.12). Portanto, enquanto “espaço vivido”, a moradia é objeto sinalizador e mediador de relações culturais, sociais e econômicas. Sendo Custodópolis um bairro localizado na periferia da cidade, as condições ali materializadas, apontam para a fragilidade econômica e social de seus moradores associada à inconstância de seus rendimentos. Isso é visivelmente percebido nas condições de moradia do local. Trata-se de “habitações precárias”, que segundo Sampaio (2003), é a situação de todo domicílio “sem condições de segurança, com risco de desmoronamento, de inundação, de incêndio devido às ligações elétricas precárias, além do perigo de contrair moléstias infecciosas decorrentes do acúmulo de lixo e de condições insatisfatórias de higiene”. (SAMPAIO,2003,p.1) Esses argumentos indicam que a estrutura física da moradia implica em processos socioculturais que dão origem à sua construção. É desse modo, que Higuchi (2003) destaca a impossibilidade de separar os aspectos materiais dos não materiais, “pois um está contido no outro” (HIGUCHI,2003,p.52) Para melhor conhecer o lugar, a aproximação com as formas de apropriação dos moradores com suas moradias é essencial. Por essa razão, a realização do Inquérito de Base Populacional, possibilitou identificar que a maioria dos moradores do bairro mora em casas (95,5%), alguns habitam em cômodos (3,6%) e há os que residem em apartamentos (0,9%). O uso predominante do solo urbano é o “residencial”. A tipologia habitacional mais comum é a casa térrea, geminada (sem recuos laterais) e sem recuos frontais, com taxa de ocupação do “lote” em torno de 80%. A ocorrência dos demais usos, como comercial e serviços, é pouco expressiva, sendo encontrados com freqüência em conjunto com o uso residencial, caracterizando o uso misto das edificações. (Cordeiro, Szücs, p.64, 2003) Na construção das paredes o material predominante é alvenaria com reboco4 (81,4%), seguido de alvenaria sem reboco (17,4%). Alguns (0,6%) utilizam reboco ou alvenaria com reboco nas paredes e os outros (0.6%) não responderam. E ao contrário do passado, a palha não é mais utilizada. Embora, em sua origem, o bairro já tenha sido conhecido como “Cidade de Palha”, numa referência a esse tipo de material, predominante nas construções da época. Estudantes do 7º período do Curso de Arquitetura e Urbanismo do IFF e pesquisadores do Inquérito de Base Populacional em Custodópolis. Doutora e Mestre em Engenharia e Ciência dos Pateriais/UENF, Arquiteta/UFRJ, Profª. Titular e Coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal de Educação- campus: Campos e líder do Núcleo de Pesquisas Aplicadas a Arquitetura e Construção Civil do IFF. 3 Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social pela UFRJ, Assistente Social pela UFF, Profª. Adjunta do Curso de Serviço Social do ESR/UFF e pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde- GRIPES/UFF. 4 Reboco – Revestimento feito com argamassa fina, podendo receber pintura diretamente ou ser recoberto com massa corrida. 1 2 54 Os telhados são em sua maioria (52%) de telhas de amianto (popularmente conhecida pelos entrevistados como Eternit), seguido de laje de concreto, representando 33% do material utilizado na cobertura. A telha de barro, no modelo colonial, indica o percentual de 12,9% dos casos. Outra opção referente ao material utilizado (2,1%) é “telha francesa” (de barro) e a mistura entre amianto/Eternit e laje. O material mais utilizado no piso é a cerâmica/piso frio (65,8%), depois o cimento (30,0%), seguido de madeira (2,1%). Há casas sem piso (1,2%) e outras (0,9%) cujos pisos são de vermelhão e cimento, retalho de piso, taco ou granito. As casas que possuem mais de cinco cômodos representam um percentual de 39.4%, sendo 23,1% referente a cinco, (21,6%) a quatro, (10,5%) a três, (3,3%) é o percentual equivalente a dois cômodos e (1,5%) a apenas um. Já (0,6%) indica os que não responderam a essa questão. A maioria das casas possui banheiro entre os cômodos (93,1%), há moradias onde o banheiro se localiza na parte externa, no quintal (3,6%), mas tem casas sem banheiro (2,4%) e aquelas (0,6%) que não os tem, porém os moradores utilizam o banheiro da casa da frente ou o banheiro na casa da filha. E (0,3%) equivale ao percentual dos que não responderam. Quanto à situação da moradia, a maioria (55,6%) respondeu que a casa é própria e já paga ou própria de algum membro da família (24,6%), há aquelas que embora na condição de “própria” ainda está sendo paga (1,5%). Os casos de aluguel representam (8,1%) e na situação de casa “cedida”, o percentual é de 5,1%. Além dessas condições, (4,5%) apontam para moradias herdadas e em inventário e há casos como a de uma moradora que comprou a casa de “meia” com sua cunhada. O percentual de (0,6%) representa os que não responderam. O desejo de realizar mudança na casa foi expresso em (76,9%) das entrevistas e 23,1% indica o percentual de moradores que não possui tal interesse. Dentre os que gostariam de fazer mudança, a reforma geral (48,8%) é a mais cobiçada, alguns projetam uma pequena reforma (28,1%) e outros desejam aumentar o número de cômodos (13,3%), seguido de 9,8% cuja expectativa é variada e vai desde terminar a construção, dividir a casa com o filho, construir um terraço, mudar a telha, colocar laje, trocar o piso, reformar o banheiro, construir cômodos no alto (por causa da enchente), fazer a fachada, aumentar o quintal e até construir uma nova casa. Foi possível mapear no interior das casas, os bens existentes: telefone fixo (42,3%), telefone celular (82,5%), geladeira (95,2%), fogão à gás(97,6%) freezer (14,4%) microondas (17,1%), filtro de água(55,8%), rádio (76,8%), aparelho de som (54,9%), DVD( 70,8%), TV (97,6%) rádio(76,9%), computador (22,2%), computador com internet(17,4%), máquina de lavar (61,5% ), TV (97,6%), antena parabólica(16,8%).Além de outros bens que representam o percentual de 11,4% e indicam a aquisição de bens variados tais como: tanquinho, TV por assinatura, máquina de costura, ventilador, cafeteira, ferro elétrico, liquidificador, ar condicionado, espremedor de frutas e batedeira. Na ocasião das entrevistas, os pesquisadores se autodisciplinaram a observar e anotar em seus Diários de Campo, fatos que mereceram destaque do ponto de vista material e/ ou simbólico. Ao observarem as condições de habitação, destacaram o desejo de uma das moradoras em “trocar o piso e pintar a casa. Observando-se que nas paredes não há reboco e o chão é de cimento”. Há notas sobre uma “casa bastante prejudicada estruturalmente, com rachaduras profundas, goteira no teto, falta de iluminação e calor excessivo em decorrência da falta de ventilação e da telha de amianto”. Numa das moradias visitadas, havia uma mulher grávida de 8 meses morando em precárias condições: “infiltração nas paredes, goteiras, fiação aparente, obra inacabada no terreno e entulho, causando em decorrência das chuvas, acúmulo de água nos buracos existentes na obra e o aparecimento e proliferação de ratos.” A evidência da precariedade, além de visivelmente observável, mereceu registro nos diários dos pesquisadores: “contato com uma moradora que reside no bairro desde quando era conhecido como Cidade de Palha. Sua casa possui dois cômodos e não tem banheiro. Utiliza o banheiro da filha (no mesmo quintal) para algumas necessidades e balde para outras. Sua casa foi interditada pela defesa civil e aguarda providências”. “Precária é esta residência. São apenas dois cômodos num terreno onde vivem seis famílias. Quando chove tem goteira e alaga tudo, deixando um lameiro no quintal. Relata o desconforto com as brigas dos próprios moradores no quintal, além do terreno servir de passagem/ fuga de traficantes em período de brigas de facções”. “Apesar de ter juntado dinheiro para colocar laje, no quarto da frente, a moradora revela que teve que aplicar o recurso no tratamento de saúde do marido que tem problema de coluna”. “O quintal tem muito lixo, cachorro, galinha. A entrevistada apresenta manchas na pele e diz beber água de torneira”. “A casa não tem reboco, o sistema elétrico exposto, umidade aparente, banheiro no quintal, condições precárias de saneamento e a falta de higiene é evidente”. “Os terrenos das casas são muito pequenos e não sobra espaço para fazer fossas decentes. Eu fico prejudicada porque 55 trabalho com bolos e doces (...). Essa lama aí tem vinte e tantos anos, eu mesma já fiz denúncias, mas os políticos não ligam para o saneamento da rua. Eu e minha vizinha gastamos muitas vassouras, limpando as calçadas e a rua.” “Mesmo morando em condições precárias e sendo vítima constante das enchentes, a moradora disse que não quer sair do bairro. Na última enchente eu perdi muitos móveis, agora que estou conseguindo comprar alguma coisa para dentro de casa”. “Mora num terreno com mais quatro casas de familiares. Sua casa é pequena e o excesso de móveis a deixa ainda mais apertada”. Considerando que o conceito de Habitação Saudável5 , diz respeito à ”noção de pertencimento ao território e da inclusão dentro de um amplo contexto urbano, dando visibilidade ao pleno exercício de fruir, usufruir e construir um espaço com qualidade saudável/habitável” (COHEN, 2007, p.194), pode-se afirmar que as habitações em Custodópolis não conjugam qualidade em termos de construção e entorno, condições adequadas de habitabilidade urbana e da unidade habitacional, ambiência, semiologia do espaço construído e a construtibilidade”(Ibidem, 2007, p.196). 6 No bairro há o predomínio de autoconstruções , cuja racionalidade dos espaços é determinada por imperativos econômicos que resultam na redução excessiva das dimensões dos cômodos ou a ausência deles, assim como na falta de revestimentos necessários. Tal evidência manifesta-se como prejuízo para saúde e/ou segurança dos moradores. Refletir sobre tais condições de moradia supõe considerar que Diversos fatores de ordem histórica, social, demográfica, psicológica, política, econômica, ética e estética se inter-relacionam na ação de morar. Portanto, é, ao longo da ocupação das unidades, que percebemos se os espaços das habitações têm sido capazes de atender minimamente às necessidades dos moradores. (PENZIM, 2001, p. 33). Com o objetivo de assessorar as famílias, através de orientação técnica, a efetuar reparos de baixo custo em suas residências, pesquisadores/estudantes de Arquitetura e Urbanismo do IFF, foram nas casas que tiveram sua visita autorizada7 . Do contato com os moradores e as moradias foi possível constatar múltiplas carências e dentre elas, a de informação quanto às condições de habitabilidade e ambiência. Apoiados em conceitos humanizadores (KOLWALTOWSKI; PINA,2001), (PINA;PRADO,2004) e (BARROS,2008) que consideram as necessidades psicossociais e ambientais dos moradores, duas categorias mereceram destaque por parte dos pesquisadores: senso de urbanidade e senso de habitabilidade. Raquel Barros chama a atenção para que num projeto de habitação, o senso de urbanidade vise proporcionar: vivacidade urbana, combate à segregação social e à dificuldade de locomoção; percepção do sentido de lugar em sintonia com o entorno a partir da conformação e da articulação dos espaços externos; funções psicológicas de orientação e identificação (BARROS,2008,p.85). Nesse sentido, o senso de urbanidade supõe inclusão territorial e pertencimento a um espaço saudável. Desse modo, Bonduki afirma que o conceito de habitabilidade urbana. Parte de pressuposto de que a habitação seria entendida em seu sentido macro, conjugando-se ao direito à cidade, ou seja, de estar inserida na malha urbana, baseada em sua relação com a rede de infra-estrutura e a possibilidade de acesso aos equipamentos públicos. Esse conceito diz respeito à questão do pertencimento ao território e da inclusão dentro de um amplo contexto urbano. Por meio do desenvolvimento deste conceito, também poderia se dar visibilidade ao pleno exercício de fruir, usufruir e construir um espaço com qualidade de saudável/ habitável (BONDUKI, 2002 apud COHEN, 2004, p.27-28) Em sua tese sobre Habitação Coletiva, Raquel Barros (2008, p.90) refere-se ao senso de habitabilidade, como sinônimo de Habitação Saudável: conceito relacionado “ao território geográfico e social onde a habitação assenta os materiais usados para sua construção, a segurança e a qualidade dos materiais combinados, o processo construtivo, a composição espacial, a qualidade de acabamentos, o contexto global do entorno (comunicações, energia, vizinhança) e a educação em saúde ambiental de seus moradores sobre estilos e condições de vida saudável”. (COHEN;PERUCCI,2003). 6 Autoconstruções – Método de produção de moradias para a população de baixa renda utilizando a mão-de-obra da própria população local 7 Na ocasião do Inquérito de Base Populacional, perguntava-se aos entrevistados se desejavam receber à visita de estudantes de arquitetura para prestar aconselhamentos e sugerir pequenas reformas, visando melhores condições de habitabilidade. 5 56 “atendimento as necessidades básicas de conforto ambiental que preencha as necessidades de refúgio, isolamento, convivência, ordem e variedade.” Portanto, qualidade de vida é a palavra-chave definidora do conceito de Habitabilidade da Unidade Habitacional, que diz respeito: Ao conjunto de aspectos que interfeririam na qualidade de vida na comunidade de moradores, bem como na satisfação de suas necessida-des físicas, psicológicas e socioculturais. Por meio desse conceito poder-se-ia visualizar as questões como a de confortos ambientais: luminoso, térmico, acústico e táctil: segurança do usuário e salubridade domiciliar e do seu entorno, que seriam as mesmas questões envolvidas na fruição, usufruição e construção do espaço arquitetural. (BONDUKI, 2002 p.194) Para a realização do Estudo de Caso, realizado pelos estudantes/pesquisadores de arquitetura, foi eleita, uma residência de Custodópolis como objeto de intervenção, cuja visita técnica possibilitou a elaboração de uma proposta que, ao apontar para precariedade das condições habitacionais, desenhou possíveis melhorias, realizáveis com baixo custo, cujo resultado possa atender as necessidades de uso, convívio e proteção. nas habitações em Custodópolis, porém especificamente esta residência, reúne um conjunto de características negativas que foram objeto deste estudo. Falta de iluminação e ventilação natural Foto 1: Área interna de uma residência em Custodópolis Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010 Cobertura degradada O Caso: Localizada na Rua Júlio Armond, a casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro, entre os cômodos, encontra-se situada junto à de outros membros da família, em um único logradouro, impondo aos seus moradores uma convivência estreita. Moradora entrevistada e proprietária, P.N.P possui 39 anos, tem como condição civil o estado de solteira, convive com os filhos, possui ensino fundamental incompleto, profissão do lar, renda de menos de um salário mínimo e recebe benefícios (Cheque-cidadão e Bolsa família), compondo uma renda familiar em torno de R$ 300,00. Essa habitação foi escolhida para estudo, devido ao fato de abrigar em um único e reduzido espaço mais de cinco pessoas, entre elas crianças na faixa etária de 0 a 15 anos. A residência possui uma aparência já bastante deteriorada, pelo pouco tempo de construção. Apresenta também graves problemas de higiene (entulho que abriga insetos e roedores; mofo; poeira; entre outros). É importante ressaltar que esta é uma realidade comum Foto 2: Área interna de uma residência em Custodópolis Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010 57 Beiral Insuficiente Foto 5: Área externa de uma residência em Custodópolis Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010 Falta de Revestimento impermeabilizante Cortina de material permeável Foto 4: Área interna de uma residência em Custodópolis Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010 As construções não possuem afastamentos apropriados, dificultando abertura de vãos, incidência da radiação solar e a circulação do ar, ocasionando doenças respiratórias entre outros problemas. Fiação aparente dificultando a circulação Fotos 3 e 3.2: Área interna de uma residência em Custodópolis Fonte: Raphael Mesquita de Aguiar, 2010 Ao adentrar no terreno, percebe-se que o poder aquisitivo dos moradores diminui, refletindo em suas habitações. Esta casa especificamente, não possui reboco em sua fachada, o que gera a deterioração dos materiais ali empregados. 58 Segundo o conceito de habitação saudável, a habitação é considerada como um agente da saúde de seus moradores e relaciona-se com o território geográfico e social onde se assenta os materiais usados para sua construção, a segurança e qualidade dos elementos combinados, o processo construtivo, a composição espacial, a qualidade dos acabamentos, o contexto global do entorno (comunicações, energia, vizinhança) e a educação em saúde e ambiente de seus moradores sobre estilo e condições de vida saudável. Do ponto de vista do ambiente, como determinante da saúde, a habitação se constitui em um espaço de construção e desenvolvimento da saúde da família. (AZEREDO, COTTA, SCHOTT, MAIA, MARQUES. 2007 p. 744) A partir dessa reflexão, é possível constatar que grande parte das doenças apresentadas pelos moradores dessa comunidade decorre do estado de má conservação das residências e de outros problemas constatados pelos pesquisadores como: possuir único acesso e este ser pela cozinha, janela do banheiro com abertura acima do fogão, ausência de piso cerâmico, telhas quebradas ocasionando vazamentos e deixando os moradores expostos a intempéries, fiação elétrica aparente obstruindo a passagem e pondo em risco a segurança, falta de iluminação e ventilação suficiente, principalmente nos quartos, má distribuição do layout, se tornando desconfortável do ponto de vista ergonômico. Para Carmo e Prado (1999), a ventilação pode ser entendida pelas pessoas como uma movimentação do ar internamente na edificação ou pela entrada do ar do ambiente externo para o ambiente interno. Desse modo, a ventilação é interpretada como uma combinação de processos que não são apenas consequências da entrada do ar externo, mas sim não saída do ar contaminado da região interna da edificação, processos esses que podem envolver a introdução do ar externo, mistura e condicionamento do ar interno em todas as regiões da edificação e a retirada de uma parte desse ar interno. Pode ser deteriorada a qualidade do ar interno, quando uma ou mais partes desse processo forem inadequadas. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO Com isso, uma das principais recomendações para se ter mínima salubridade 8 é a incidência de luz solar e ventilação natural, porém esses foram os primeiros problemas detectados devido à quantidade de construções num mesmo terreno. Outra problemática foi a falta de revestimentos impermeáveis nas áreas frias, como banheiro e cozinha, gerando problemas de infiltração, mofo, rachaduras, machas escuras nas paredes, além do aumento da concentração de umidade no local. Além do aspecto estético que os fungos apresentam, deve-se considerar o aparecimento de problemas respiratórios nas pessoas que residem em locais com a presença dos mesmos. Os bolores causados por fungos filamentosos são classificados como fungos alergênicos, que contribuem para aparição de doenças como asma e rinite em pessoas que têm a tendência a este tipo de disfunção respiratória. (Shirakawa et al. 1995 p. 408). P.N.P relatou no inquérito populacional morar em uma casa própria com paredes de alvenaria sem reboco, com telha de amianto (Eternit) predominante na cobertura, piso de cimento (ausência de revestimento). Quando interrogada se gostaria de fazer alguma reforma em sua moradia, respondeu que gostaria de uma reforma geral, apesar de não ter condições financeiras para tal. Tendo em vista as observações supracitadas, foi elaborada uma proposta de projeto arquitetônico tentando amenizar os problemas relatados com a utilização de poucos recursos financeiros. As principais soluções encontradas seriam: revestir e pintar as paredes externas e internas, aumento dos vãos de ventilação, inversão do local da cozinha com a sala, proporcionando melhor acesso, conforto e circulação. Verificou-se a necessidade de criação de um prisma para ventilação que poderia ser usado como área de serviço e receberia a janela do banheiro, revestimento cerâmico no piso da casa, abertura zenital 9 no quarto e uso de telha de vidro proporcionando melhor iluminação e ventilação, troca das telhas de amianto pelas telhas de Fibrocimento10 , isolamento da fiação elétrica, alteração do layout melhorando a ergonomia. Todas essas propostas estão indicadas nas plantas a seguir. Salubridade – É o conceito relacionado a uma situação ou condição que não afeta, ao menos de forma potencial, a saúde das pessoas ali presentes. Abertura Zenital – É uma abertura localizada na cobertura de uma edificação. 10 Fibrocimento – Material que resulta da união do cimento comum com fibras de qualquer natureza. 8 9 59 ANTES Planta 1: Planta baixa da residência antes da proposta de intervenção, 2010. Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques de Souza Oliveira, Julia Lima Araújo, Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho, Raphael Mesquita Aguiar e Regina Coeli Martins Paes de Aquino, 2010. 11 PROPOSTA DA PLANTA Planta 2: Proposta de intervenção da planta baixa da residência, 2010. Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques de Souza Oliveira, Julia Lima Araújo, Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho, Raphael Mesquita Aguiar e Regina Coeli Martins Paes de Aquino, 2010. 11 Prisma de ventilação e iluminação – Vão livre ao longo de toda a altura de um prédio ou casa, destinado a prover de ventilação e iluminação as unidades habitacionais ou os cômodos que se comunicam com ele. 60 PROPOSTA DA FAXADA Planta 3: Proposta de intervenção da faxada da residência, 2010. Fonte: Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques de Souza Oliveira, Julia Lima Araújo, Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho, Raphael Mesquita Aguiar e Regina Coeli Martins Paes de Aquino, 2010. 12 Argamassa – Mistura de materiais inertes (areia) com materiais aglomerantes (cimento e/ou cal) e água, usada para unir ou revestir pedras, tijolos ou blocos que formas conjuntos de alvenaria. 61 Além das plantas acima e do layout, a equipe o IFF e l a b o r o u o quadro a b a i x o , u t i l i z a n d o o “ M a n u a l d e Conservação Preventiva da Edificação” (KLUPPEL, SANTANA, 2005,p.104). Quadro 1: Identificação dos problemas encontrados e as soluções propostas para a residência em estudo, 2010. Fonte: Fonte: Equipe do Projeto: Isadora Marques de Souza Oliveira, Julia Lima Araújo, Juliana Peixoto Rufino Gazem de Carvalho, Raphael Mesquita Aguiar e Regina Coeli Martins Paes de Aquino, 2010. 62 Os pesquisadores do IFF, em visita as moradias de Custodópolis, identificaram um elevado nível de vulnerabilidades sócio-ambientais. De modo que a estrutura física das casas, aliada a precariedade do entorno, não cumprem as condições básicas de habitabilidade e ambiência. Isso porque entendem que: Morar é uma condição indispensável à sobrevivência do homem. Antes de tudo, a principal função da habitação é abrigar o homem das manifestações climáticas (sol, chuva, ventos, nevascas etc.), e dar-lhe condições de renovar sua força de trabalho pelo repouso físico e mental diário. A casa também reflete as tradições culturais, hábitos e práticas de seus usuários, traduzidos pelo cotidiano doméstico vivenciado em seu interior. (...) Porém, a realidade da habitação popular brasileira não atende satisfatoriamente a essas funções. (CORDEIRO; SZÜCS, 2003, p.66) Conforme Certeau (1998, p.204), refletindo o dia a dia, “o nível de renda e as ambições sociais de seus ocupantes”, as moradias tem vida, e “só se tornam casas, pelo fato de se estar vivendo nela” (HIGUCHI, 2003, p53). O que a torna singular, são as histórias de vida de seus moradores, conformadas em seus usos e práticas. Singular enquanto lócus de vivências e refletindo a multifacetada arquitetura popular brasileira, a casa de alvenaria, é sonho de todos, e sua construção é a representação material e simbólica do “progresso”, comparada a construções de madeira, palha, materiais aproveitados, dentre outras possibilidades. Sua construção demanda um conjunto de variáveis. Inicialmente o acesso ao terreno: comprado, ocupado ou cedido, dependendo da condição do sujeito que o ocupa. Sobre ele, erguese a morada. Em Custodópolis, pôde-se observar que é comum um mesmo logradouro ser dividido por várias famílias, possuindo ou não, mais de uma edificação e, apesar da maioria residir em casa de mais de cinco cômodos, isso não é sinônimo de conforto, seja pelo elevado número de habitantes ou pelas precárias condições de habitabilidade. Tais condições foram identificadas na ausência de reboco que causa umidade e gera infiltrações, produzindo problemas na estrutura da obra e nas condições de saúde. Nos telhados, há predominância do amianto (material cancerígeno)13 , que apresenta alto índice de absorção do calor e sua fabricação e comercialização tem uso proibido ou restrito em 52 países14 . No entanto, apesar dessas considerações negativas, trata- se de um recurso bastante utilizado nas construções populares, devido ao baixo custo, acessibilidade e fácil construtibilidade. Outro material bastante utilizado nas unidades habitacionais em Custodópolis é a “laje de concreto”, que por não receber a impermeabilização necessária, não é apropriada e também causa infiltrações. Pode-se concluir que o material mais indicado é telha de barro, que conforme dados apresentados, variou entre o modelo colonial e francês. No entanto, o custo elevado, restringiu sua utilização. Observou-se que o piso cerâmico é predominante e mesmo quem não o possui, demonstrou nas entrevistas, a consciência de que esta é uma etapa importante no processo de construção. A precariedade das condições sanitárias, expressa na falta de banheiro no interior das residências é motivo de incômodo por parte dos moradores, que por sua vez, não ignoram o fato de ser uma prioridade, ainda não operacionalizada, por falta de recursos financeiros para a aquisição de materiais e execução da obra. Entretanto, os pesquisadores observaram que em geral, os moradores tendem a privilegiar os bens existentes no domicílio, do que a reforma ou construção das casas, mesmo que estas estejam em condições de risco ambiental e social. Apesar disso, a maioria dos moradores entrevistados, demonstrou o desejo de realizar mudanças na casa, sendo a reforma geral a voz predominante. Contudo, o percentual de 23,1%, ilustraram a condição dos que não tem interesse em reformas. Nesse caso, podese observar que em geral, esta é a situação dos que vivem em casas alugadas ou cedidas. Portanto, não ter posse legal, limita as ações sobre o espaço, não apenas em atos materiais, mas também cognitivos. Disso resulta, a falta de investimento, porque agir e sentir não estão em sintonia (MOURÃO; CAVALCANTI, 2006, p145). É pela apropriação que o morador sente que de alguma forma está ligado à moradia. É nessa relação de pertencimento e apropriação que a identidade do morador e da moradia vai sendo construída. Trata-se de um processo quase sempre lento, visto que, conforme já citado, a casa de alvenaria em geral autoconstruída, é normalmente feita em estágios. O desenho são obras realizadas devagar e projetos inacabados, a depender da disponibilidade de materiais e da vontade dos moradores. A influência do aspecto psicológico do morador ganha relevância naquilo que a arquitetura classifica como “patologias da construção”15 . Desse modo, a construção ou continuidade da casa de alvenaria pode ser adiada por vários anos, por motivos diversos: problemas de saúde, família numerosa, desemprego, baixo rendimento, situação de posse indefinida, dentre outras razões. Os dados revelaram que, dado o perfil dos moradores, num curto espaço de tempo, não se consegue construir, reformar ou concluir a obra por completo. Por isso, a aparência do bairro é de um lugar sempre 13 Cf: Cientistas descobrem como amianto causa câncer, esse é o titulo da notícia do Diário de Saúde de 02/07/2010. O perigo é com a degradação do amianto, que ao soltar fragmentos microscópicos no ar, há risco de inalação. (WWW.diariodesaúde.com.br -acesso em 13/09/2010) 14 No Brasil a Lei Federal 9.055 de 1 de junho de 1995, autoriza o uso controlado do amianto branco, da variedade crisolita, do grupo dos minerais das serpentinas. Esse tema tem gerado desde então disputas jurídicas entre empresas e o Ministério Público.(WWW.diariodesaúde.com.br – acesso em 13/09/2010) 15 Patologias da construção – Sintomas ou defeitos que ocorrem nas edificações. 63 em construção independente do tempo de moradia de seus habitantes. Essa realidade reflete as condições das moradias populares, objeto de ausência e/ou ineficácia das políticas habitacionais e do planejamento urbano no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEREDO,C. M,;COTTA R M M; SCHOTT, M. Avaliação das condições de habitação e saneamento: A Importância da Visita Domiciliar no Contexto do Programa Saúde da Família. 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Desta forma, a discussão a ser realizada aqui, fala de um lugar específico sendo esse o “lugar” em que se vive e que traduz uma realidade que envolve o território, visto como espaço físicogeográfico, político, cultural e, sobretudo, de construção de relações sociais que se constituem no movimento da vida cotidiana das comunidades. Segundo Cazollato (2005, p. 79), o que reflete os resultados das ações humanas é o produto das relações sociais concretas que se dão no espaço-tempo de determinado território. Neste sentido, o processo de ocupação de dado espaço social envolve diferentes fatores, e o mais importante a demanda por um teto, que possibilite aos sujeitos sociais criar raízes e produzir história. No momento que faz referência ao conceito de território, Milton Santos (2002, p.84) considera que este não é “apenas um conjunto de formas naturais, mas sim um conjunto de sistemas naturais e artificiais”. Isto significa que o espaço territorial compreende além do chão onde serão construídos os prédios das moradias, uma arquitetura que congrega aspectos culturais simbólicos, herança histórica e realidades jurídicas, sociais, econômicas, políticas, representativas daquela determinada comunidade. Esse ponto de análise, demonstra que se deve problematizar as organizações e reorganizações que se dão no respectivo território, bem como a correlação de forças políticas e as relações de poder presente na sociedade civil 4 , pois cada realidade possuirá características específicas e, muitas vezes, diferenciadas. Por essa razão não se pode deixar de lado o reconhecimento de que a urbanização brasileira ocorreu de forma fragmentada e desigual, e esta compreensão permite o delineamento de um caminho para o entendimento dos bairros periféricos, que em sua maioria são fundados a partir de uma realidade excludente, que empurrou as populações destes espaços “economicamente carentes”, para as áreas mais afastadas da parte central das cidades. Sobre esta questão Villaça (1998) aponta para o fato de que a segregação é produzida pelas classes dominantes, e reflete de forma acentuada as diferenças de classe, na medida em que a localização da moradia ganha uma dimensão social, passando a simbolizar o status econômico dos moradores de determinado lugar. Ainda com referência a segregação espacial, Corrêa (2002, p. 73) comenta que a periferia da cidade, vista como o local da população de baixo status social, ratifica em um momento posterior, este papel, ou seja, “o de ‘locus’ de corrente migratórias da zona rural ou de pequenas cidades, ou mesmo de grupos provenientes de antigos núcleos periféricos”. Percebe-se, que no caso dos moradores de Custodópolis, a concentração naquela área do Parque Guarús, envolveu o fato de ter sido o bairro, anteriormente, um canavial onde muitos dos futuros moradores trabalharam no corte da cana. Com a decadência da cultura do açúcar na região, essas famílias tiveram que procurar um lugar para erguer suas moradias, o que fez surgir a “Cidade de Palha”, nome original do bairro de Custodópolis5 . A situação dos moradores e da ocupação do território, já revela que se concentrou no espaço de loteamento da terra do Dr. Custódio Siqueira, antigo dono dos terrenos que deram origem ao bairro, trabalhadores de baixa renda, remanescentes em sua maioria, da lavoura da cana-de-açúcar e que por ali fizeram suas casas de palha, se instalando em estado de vulnerabilidade. A questão da vulnerabilidade social, diz respeito aos riscos que envolvem as famílias, que de acordo com a CEPAL (2002, p.1) “está diretamente ligada a incapacidade de resposta frete à contingência (...) e a uma inabilidade de adaptar-se ao novo cenário pela materialização do risco”, como vem revelar os dados da presente pesquisa. Uma comunidade que emerge a partir da contradição posta pelo capitalismo, historicamente condicionou aos trabalhadores manuais o status de “inferiores” na escala das funções exercidas na complexa divisão do trabalho do modo de produção capitalista, 1 Assistente social, Professora do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades – UCAM/Campos, membro do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF. 2 Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista de extensão à época da pesquisa. 3 Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista do PIBIC à época da pesquisa. 4 Devemos realizar um destaque sobre sociedade civil, pois este conceito torna-se importante para a discussão que travamos, tendo em vista, que será neste espaço que estarão os tensionamentos e disputas políticas contraditórias. Sobre esta questão ver Coutinho (1999). 5 Esta questão foi tratada no artigo Território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares, desta revista. 65 portanto, conseqüentemente se torna um espaço onde imperam as formas de exclusão comuns ao sistema econômico vigente. Nesse contexto, no qual o bairro foi erguido, o espaço ocupado é efetivamente o lugar sob o qual será erguida a moradia, com todo aparato sócio-econômico-político que envolve a cultura de determinado território. Sobre isto, Santos (2005, p. 32) comenta: A redistribuição dos papéis realizados a cada novo momento do modo de produção e da formação social, depende da distribuição quantitativa e qualitativa das infra-estruturas e de outros atributos do espaço. O espaço construído e a distribuição da população, por exemplo, não tem um papel neutro na vida e na evolução das formas econômicas e sociais. O espaço reproduz a totalidade social na medida em que essas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas. Com base na questão apresentada acima, compreende-se o território como o lugar da dinâmica social, incluindo nestes termos, não apenas as moradias e as pessoas que ali moram, mas o conjunto das formas preexistentes e existentes, que na dialética concreta do cotidiano vão movimentando as histórias de vida dos moradores do bairro de Custodópolis. Isto quer dizer, que a partir deste movimento, se constrói uma dinâmica social atravessada por estas particularidades e singularismos locais. As análises referentes ao território levam conceito de “urbanismo”, que segundo Harvey (1980, p. 192) é decorrente do trabalho excedente, na medida em que o modelo de urbanismo acrítico, que é organizador da cidade capitalista “muito mais que se manifestar enquanto causa criadora desse produto social excedente, aparece como um artifício facilitador e justificador de sua produção”. Logo, não é fora da lógica capitalista, que o bairro de Custodópolis é entendido neste estudo, visto que seus moradores se concentram naquelas terras do Parque Guarús, pelo processo que resulta da exploração do trabalho6 , produzindo uma população “excluída” e subalternizada, que não consegue encontrar nesta lógica, condições para sua reprodução a partir de padrões considerados adequados, incluindo aí a questão da moradia. Temos aí, portanto a necessidade de pensar a realidade a partir de sua objetividade concreta, pois será apenas a partir deste movimento teórico-prático, é que conseguiremos compreender as múltiplas determinações existentes nesta realidade, e enfrentá-las politicamente. As relações que ocorrem no cotidiano dos centros urbanos, refletem em seu interior, as relações existentes entre o modo de 6 produção capitalista e a cidade, mediadas pelo mercado de troca, como sinaliza Harvey (1980, p. 44) “este processo produtivo marcado por contradições, envolve a circulação de riquezas, bem como os instrumentos que direcionam sua distribuição e os sujeitos, que como atores que circulam neste cenário, se movimentam, desde a etapa inicial do processo de produção”. Refletir sobre este tema, a partir de uma análise crítica sobre a cidade e suas contradições que se apresentam cotidianamente em seu entorno, significa constatar que o mercado de troca e seus valores provocam exclusão, não-inclusão, determinando formas diferenciadas de acesso das populações dentro do mesmo espaço social. Percebe-se que neste jogo interno de trocas, o mercado, ao utilizar sua racionalidade, gera relações que são excludentes e, que ao negarem condições materiais de vida ideais, a determinados segmentos sociais acabam por reproduzir as desigualdades que estão em sua base produtiva. Este processo, por si só desigual e intencional, faz com que um número significativo de pessoas vivencie, de forma distinta, o acesso aos produtos que preenchem as necessidades humanas essenciais. Este processo estimula a produção da escassez na medida em que justifica as ausências criadas pelo mercado de troca, banalizando as privações. Por outro aspecto, se observada a partir da lógica do indivíduo, que em decorrência da situação material de vida, se vê privado do mínimo necessário a uma existência digna, a produção e reprodução de bens e serviços, deixa de ser algo abstrato, para concretizar-se na fome, na falta de habitação, nas condições de precariedade na vida e no trabalho e, sobretudo, na ausência de perspectivas. O movimento dinâmico de continuidade e descontinuidade da produção focada numa economia de trocas, aponta para as realidades que atravessam o momento contemporâneo das famílias que vivem no entorno das cidades, de grande e médio porte. A questão habitacional em Custodópolis A partir das questões mais gerais apresentadas, doravante problematizaremos a realidade da questão da moradia e entorno em Custodópolis, tendo como referência o instrumento utilizado para a realização da pesquisa que foram entrevistados moradores deste território. As questões tratadas neste item, referem-se a problemáticas que se encontram no campo da infra-estrutura do entorno, como questões relacionadas a enchente e alguns serviços prestados, como a coleta de lixo e o transporte coletivo. Os dados apresentados a seguir, possibilitarão a visualização de alguns resultados do processo de urbanização do bairro, contemplando dados sobre a infra-estrutura urbana, transportes, rede de saneamento, serviços públicos e riscos urbanos apresentados em Custodópolis. A dinâmica social de Custodópolis, pensada como movimento, possível pelo processo de divisão do trabalho, é estabelecida a partir da organização espacial, que pode ser visualizada no fato de que 45% dos entrevistados sempre moraram em Custodópolis e 55% migraram para o bairro. No entanto, 45,4% moram no local há mais de 20 anos, 11,5% Sobre esta questão ver o Capital . Marx (2001). 66 no período entre 16 a 20 anos, 12,6% entre 11 a 15 anos, 10,9% de 6 a 10 anos e os novos moradores, que habitam esse espaço no período de 1 a 5 anos representando 14,7% e aqueles que chegaram a menos de um ano, com 3,8%, seja pela criação de novas formas para atender novas funções, seja pela alteração funcional das formas já existentes. Antes de morarem em Custodópolis alguns dos entrevistados residiram em outros estados, como: Espírito Santo e Brasília-DF. No Rio há os que já moraram em Angra dos Reis, no Méier, em Niterói, Cabo Frio, São Francisco do Itabapoana e São João da Barra. Também vieram de alguns distritos de Campos dos Goytacazes: Dores de Macabu, Travessão, Morro do Coco, Sapucaia, em localidades da baixada campista (Tócos, Saturnino Braga, Baixa Grande) e de Guarus (Parque Guarus, Jardim Carioca, Santa Helena). Migraram desses lugares para Custodópolis por motivos diversos, sendo que 23,5% em razão de casamento, 6% para escapar do valor do aluguel onde moravam, 4,4% para morar com parentes em razão do desemprego, 2,7% por conta da proximidade com o trabalho, 3,8% por possibilidade de trabalho, 30,6% por motivo de questões familiares diversas, 11,5% por possibilidade de acesso à casa própria e 15,8% por motivos não declarados. Neste sentido, Milton Santos afirma que a cada momento da divisão do trabalho, os indivíduos redistribuem-se, através de suas funções novas e renovadas, no conjunto de formas preexistentes ou novas; a esse processo pode chamar-se de geografização da sociedade (SANTOS, 2005). Vindo para Custodópolis, os entrevistados avaliaram as mudanças nas condições de sua moradia. Para 25,1% não houve mudança, 20,8% revelaram que antes moravam melhor e 53,0% afirmam que a moradia em Custodópolis é melhor. Dessa forma, a dinâmica dos sujeitos sociais apresenta uma função, segundo Harvey, no desenvolvimento do modo de integração do mercado de troca. Ela funciona como um lugar de disposição de produto excedente (HARVEY, 1980, p. 195), por isso, pode ser interpretada parcialmente, como um campo destinado a produzir demanda efetiva, sendo um palco onde os atores têm sempre novas necessidades. Ao serem perguntados se gostariam de morar em outro bairro, 64,6% responderam que não, e 35,1% que sim. Dos que responderam sim, justificaram seus motivos: 6,2% por problemas de transporte, 16,6% por falta de oportunidade de emprego, 21,2% pela violência, 4,6% devido a falta de escolas, 14,1% pelo alagamento das ruas no período das chuvas, 12% refere-se a dificuldade de assistência a saúde, e 25,3% por outros motivos que no geral se resumem a questões relacionadas a família e questões gerais do bairro, o que nos leva a compreender a contradição inerente ao próprio sistema de produção, onde não é possível concentrar a riqueza sem produzir a sua própria negação. A maioria dos entrevistados (76,9%) gostaria de realizar algum tipo de mudança na casa onde mora, mas 23,1% demonstraram estar satisfeitos com a mesma. Entre os que desejam a mudança, 48,8% planejam uma reforma geral, 28,1% intencionam realizar pequenas reformas, 13,3% desejam aumentar o número de cômodos e 9,8% aspiram outros tipos de mudança na casa. Quando se aborda a questão da organização da sociedade de classes, a lógica da modernidade aponta para a manutenção dos espaços marginais. Isso porque estes espaços, não recebem a devida importância do Estado por se localizarem nos limites ou nas margens do tecido urbano, ou porque são espaços residuais ou reduzidos, mas independente do seu tamanho e localização, são espaços do ponto de vista urbano e social, não-regulares, nos quais as condições “naturais” de vida são “infranaturais”, ou estão aquém do que uma sociedade concreta pode considerar “normal” (ROBIRA, 2005). A consequência deste afastamento do Estado na organização de serviços públicos, será uma precarização das condições de vida dos morados deste território, que além de habitarem moradias muitas vezes precárias, não poderão contar com serviços públicos essenciais e de qualidade. Os espaços marginais conforme a mesma autora, constituem os territórios-reserva onde se produz a acumulação da escassez, “social e economicamente, os espaços marginais também estão fora do sistema regular de produção, consumo e formação. Seus habitantes constituem a reserva de mão-de-obra metropolitana, portanto o subemprego e o desemprego são situações dominantes” (ROBIRA, 2005, p.17). Esses espaços marginais, ao perpetuarem as carências sociais e culturais, assim como as de emprego, garantem o processo de acumulação do capital. Este é responsável por manter exclusões e reinventar não-inclusões, por sustentar-se numa prática que continuamente nega a vida. Sem pertença, política e social, não há humanidade. A exclusão resulta antes de tudo numa expulsão da própria condição humana. Fora da pertença nada de humano existe. Não há humanidade sem comunidade. A experiência da exclusão não é transitória, nem resulta de uma suspensão momentânea ou sobressalto acidental. A exclusão é condição definitiva de um ser atirado pra um lugar exterior à vida comum. Porque o eu se define na relação com os outros num espaço comum, a exclusão torna alguém estrangeiro de si mesmo. Os homens lixo são também o produto da arquitetura da exclusão. Onde não se entende o urbanismo como desenho do espaço público, mas como sistema policial de controle, vigilância, repressão e marginalização (MOURA, 1996, p.16) Os espaços que foram colocados à margem da dinâmica de planejamento, representa o outro lado da lógica da produção e acumulação de riqueza. Eles atuam como elemento integrante do modo de produção, alimentando sua própria dinâmica de produção e reprodução, pois são “obrigados”, pela divisão social do trabalho, a permanecerem na precariedade. A escassez que representam, garante os processos de acumulação desigual. 67 Aprofundando a discussão acerca do modelo de urbanização ocorrido no Brasil, verifica-se que este resultou em cidades marcadas pela fragmentação do espaço e pela exclusão social e territorial. A partir desta perspectiva, quando se fala em urbanizar não se pode esquecer da realidade local, de modo que tal processo proporcione: uma cidade com equilíbrio nas relações sociais; com um desenvolvimento econômico que respeite o meio ambiente; e uma boa qualidade de vida para a população. Conforme Canuto (2008), a concepção de urbanizar não se separa, e nem pode, do que é cidadania. Uma população tem sua cidadania esvaziada de sua dimensão política, quando se encontra em condições praticamente desumanas, vivendo em subempregos, nas ruas, em submoradias. Do latim civitate, cidadania provém de cidade e indica ligação com o Estado. Significa a condição da pessoa que se encontra no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política, podendo votar e ser votado. (...) Cidadania é participação na vida do Estado e pressupõe cidadãos, cujos direitos civis e políticos são protegidos e defendidos pelo Estado, encarregado, também, da implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. O cidadão pleno titulariza direitos civis, políticos e sociais; os civis são os fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade; políticos significam a participação do cidadão no governo, podendo votar e ser votado, e sociais são o direito à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, como prevê o artigo 6º da CF de 1988. (CANUTO, 2008: 220) uma mesma cidade mostram-se diferenciadas, a presença/ausência dos serviços públicos se faz sentir e a qualidade destes mesmos serviços apresentam-se desiguais. Desta forma, o direito a ter direito é expresso ou negado, abnegado ou reivindicado a partir de lugares concretos: o morar, o estudar, o trabalhar, o divertirse, o viver saudavelmente, o transitar, o opinar, o participar. (KOGA, 2003, p. 33). Se a cidade, o território deve ser o lugar do exercício da cidadania, o processo de urbanização não pode admitir que um aglomerado de pessoas que não tem uma vida digna seja enquadrado no significado de urbanizado. Canuto (2008) também explicita que uma vida digna, sugere o acesso a tudo o que uma cidade pode proporcionar. Dessa forma, quando a urbanização resulta em favelas, cortiços, submoradias, ou até mesmo em falta de moradias, não realiza o seu significado pleno, pois não dá ao ser humano as condições de exercer a completa cidadania e viver dignamente. No âmbito das condições de moradia, um aspecto importante a ser considerado em Custodópolis é a questão do lixo e do saneamento ambiental. Neste sentido, dentre os entrevistados, 98,2% informaram que o lixo é coletado diretamente na rua, enquanto 1,8% apontaram tal processo através de caçambas. Quando questionados sobre o sistema de esgoto verificamos que 56,5% utiliza fossa séptica, 24,3% recorrem a fossa rudimentar, 14,4% dos entrevistados utilizam rede pública, 2,4% escoam o esgoto direto para o rio/lagoa/valão, 1,2% vala a céu aberto e 0,9% usam de outros meios. Cabe destacar que não existe rede pública de esgoto no bairro, e sim uma ligação irregular que leva o esgoto de algumas casas para uma vala. Desse modo, 14,4% dos moradores pesquisados que responderam rede pública, desconhecem o que é este sistema, confundindo-o com ligação irregular7 . Em relação ao calçamento das ruas o gráfico a seguir permite observar este dado: Ao relacionar-se cidadania com território verifica-se que: O território também representa o chão do exercício da cidadania, pois cidadania significa vida ativa no território, onde se concretizam as relações de vizinhança e solidariedade, as relações de poder. É no território que as desigualdades sociais tornam-se evidentes entre os cidadãos, as condições de vida entre moradores de Gráfico 1: Existência de Calçamento na Rua Fonte: Inquérito Populacional 2009/2010 7 Segundo as informações coletadas, em Custodópolis, os moradores construíram um sistema clandestino de esgoto, com manilhas que passam no subsolo do bairro e levam os dejetos de algumas casas para um “valão” existente no bairro vizinho. 68 Ao serem indagados a respeito da rede pública de abastecimento de água, 89,8% dos moradores informaram que a utilizam, sendo que 8,7% usam poço, 0,3% nascente e 1,2% servese de outros meios. O gráfico a seguir permite a visualização de tais dados. Fonte: Inquérito Populacional 2009/2010 Com relação a água, verificou-se que 49,6% bebem água mineral, 25,2% recorrem a filtros antes da ingestão, 19,5% não realizam nenhum tipo de tratamento, 2,7% fervem a mesma, e os demais (3,0%) usam outras alternativas como a cloração. No que se refere o transporte coletivo foi informado por 100% dos entrevistados que este existe. Desses 81,7% disseram que o tal serviço atende totalmente as necessidades da sua família, enquanto 18,3% afirmaram que não. Ressalta-se também que destes 18,3%, 68,8% informam que essa insatisfação decorre da insuficiência de horários, 6,6% por causa da distância da sua casa em relação ao ponto de ônibus, 6,6% falam da necessidade de recorrer a mais de um ônibus para chegar a escola/trabalho, 14,7% por outros motivos e 3,3% não responderam. Dentre os transportes o mais usado pelas famílias, o que se destaca é o ônibus, informado como o principal meio de locomoção por 56,8% dos entrevistados, seguido pelas vans/ lotações (20,7%), o carro (14,1%), moto (3,6%), bicicleta (3,6%) e outros meios (1,2%). Um aspecto também lembrado em relação às condições de vida no bairro, foram os momentos das fortes chuvas. Embora 34,5% não identifiquem tal fato como problema, 46,0% a reconheceram, atingindo tanto o bairro, quanto sua rua, enquanto 15,9% afirmaram ter este problema no bairro, mas não na sua rua, e 3,6% identificaram outros itens, como infiltrações em casa. Cabe ressalvar que dos 65,5% que responderam haver algum tipo de problema no bairro, e/ou na rua, os aspectos destacados foram: os alagamentos nas ruas (31,4%); o transbordo das fossas (20,1%); as goteiras e/ou infiltração nas casas (14,5%); o lixo e sujeiras nas ruas (14,3%); a dificuldade de entrar e sair de casa (14,2%); e enfatizaram outros problemas (5,5%). No que se refere aos riscos no local onde moram, 47,1% dos entrevistados disseram que os mesmos não existem, 52,6% afirmam que há e 0,3% não responderam. Destes 52,6% que afirmaram haver riscos, 28,8% destacam as drogas, 28% a violência, 13,2% enchente, 12% doenças por falta de saneamento, 9,9% acidentes de trânsito e 8,1% citaram outros riscos relacionados a assistência a saúde e problemas estruturais da casa onde moram. Diante de todos estes aspectos, os entrevistados foram questionados em relação a satisfação com o local em que vivem. Suas respostas evidenciaram que 21,6% dizem não estar satisfeitos, contrapondo-se a 78,1% que se manifestaram de modo favorável, cabendo ressaltar que 0,3% não responderam. Verifica-se que as conseqüências geradas pelo crescimento territorial, sem planejamento no bairro, causaram sérios problemas, principalmente no que se refere a estrutura urbana. Esta população sofre por não ser servida adequadamente no que tange ao saneamento básico, uma vez que, conforme o Artigo 60 da lei nº. 7.972 de 10/12/07 – Plano Diretor de Campos dos Goytacazes –, considera-se saneamento básico o conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de: I – Abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações predicais e respectivos instrumentos de medicação. II – Esgotamento Sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações predicais até o seu lançamento final; III – Limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico, hospitalar e industrial além do lixo originário da vacinação e limpeza de logradores e vias públicas. IV – Drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infra-estruturas e, instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. Correlacionando as concepções destes conjuntos de serviços, com os dados obtidos no inquérito, apresentados anteriormente, verificou-se diversas questões que merecem uma análise mais detalhada. 69 Os desafios da moradia e o seu entorno em Custodópolis No âmbito da “Limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos” verificou-se que há uma coleta de lixo efetiva no bairro, porém estes resíduos não possuem local adequado de armazenamento anterior a realização de sua coleta, pois 98,2% dos entrevistados informaram que estes ficam acumulados diretamente na rua. Esse dado vem a se confirmar na visualização obtida no percorrer pelo bairro, na medida em que se observa uma grande variedade de resíduos acumulado nas ruas e em alguns terrenos, além do elevado índice de esgoto a céu aberto, o que pode ocasionar doenças a esta população. A ausência de um “Esgotamento sanitário” é algo destacado pelos entrevistados, pois não há uma rede pública de esgoto no bairro, que pode ser verificado nas seguintes falas: de água, esgoto sanitário, drenagem urbana e gestão de resíduos sólidos/lixo); a maior participação dos responsáveis pelos impactos no pagamento dos custos das soluções; controle social da gestão da drenagem urbana; e, a adoção de inovações ambientais na definição das soluções.” (MORAIS, 2009, p. 41) Pode-se visualizar os problemas decorrentes da falta de um esgotamento sanitário no território de Custodópolis, a partir das seguintes fotos: “As fossas transbordam quando chove e alaga todo o quintal.” “Um mês atrás duas fossas transbordaram, fiquei ilhada, fora o cheiro horrível, já teve caso aqui de morrer três crianças da mesma família por falta de saneamento básico, parece que foi doença de rato.” “Alaga a rua e mesmo com o sistema de manilha, alaga tudo. Vem toda a água da pracinha.” “A falta de esgoto é a pior coisa do bairro. Tive que fazer uma fossa para escoar o esgoto. Se deus não ajudar a água invade a casa.” Foto 1: Esgoto no território de Custodópolis Fonte: Arquivo GRIPES Os problemas resultantes da falta de uma rede de esgoto no bairro também produzem diversos problemas decorrentes das chuvas, essa realidade é verificada à medida que 65,5% dos entrevistados informaram haver problemas no bairro, e/ou rua, decorrentes deste fator. Destes problemas, destacaram-se o alagamento das ruas (31,4%) e o transbordo das fossas (20,1%), ou seja, questões que se apresentam não pela chuva em si, mais pela ausência de um escoamento das águas destas chuvas, ou melhor, da ausência de drenagem urbana, conforme nos mostra Morais (2009). Este mesmo autor, recorrendo a Tucci, afirmar que “inundações são conseqüências do aumento das áreas impermeáveis e da canalização dos rios”, sendo a resolução destes problemas algo possível a partir de medidas já apontadas pelo Ministério das Cidades brasileiro, que são a adoção de políticas públicas que integrem as quatro pontas das ações do saneamento ambiental (abastecimento Foto 2: Lixo/entulho no território de Custodópolis Fonte: Arquivo GRIPES 70 Verifica-se que esta realidade “além do efeito visual negativo, torna-se propício à disseminação de doenças, multiplicação dos animais nocivos como rato, animais peçonhentos e outros aspectos degradantes, do ponto de vista da saúde pública e do meio ambiente.” (ALVES, 2004, p. 759). Já com relação ao “Abastecimento de água potável”, observa-se que este ocorre de modo considerável na medida em que 89,8% dos entrevistados afirmam possuir abastecimento de água através da rede pública, porém não podemos deixar de destacar, que 10,2% dos moradores do bairro não possuem este tipo de abastecimento e não tem como verificar se a água consumida nestes casos, está em conformidade com os padrões de potabilidade para água para consumo humano. Embora 80,5% dos entrevistados consumam água que passaram por algum tipo de tratamento, verifica-se um alto índice de pessoas que consomem água direto da torneira, dessa forma, estes indivíduos e suas famílias estão expostos a uma possível contaminação, pois não se sabe se a água consumida está dentro dos padrões de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde, conforme nos apresenta Domingos (2008). Em relação aos meios de transporte, os coletivos são os mais utilizados pelos entrevistados (56,8% Ônibus e 20,7% vans/ lotação) sendo este resultado algo já apontado por Vasconcellos (2000) quando ele afirma que Apesar da relevância aparentemente crescente do automóvel, os países em desenvolvimento podem ser aparentemente classificados em um primeiro momento ou como países não motorizados (especialmente a África) ou como países que dependem basicamente de meios motorizados, principalmente o transporte público. Quanto ao transporte coletivo motorizado, o meio mais utilizado é indiscutivelmente o ônibus (e suas variações), independentemente da região. (VASCONCELLOS, 2000, p.20-21) Ainda com relação ao transporte, foi verificado que 18,3% não estão satisfeitos com o atendimento, tendo como principal motivo a insuficiência de horários, apontado por 68,8% destes. Verifica-se a partir de Leal (2002), que as empresas determinam a organização do horário e a quantidade de ônibus disponível e que “os ônibus atuam com um grau de autonomia que parece indicar que a regulação existe apenas para a preservação dos mercados” (LEAL 2002, p.33), dessa forma, o transporte “público” acaba por atuar em favor dos lucros dos empresários, obedecendo a lei do mercado, ficando aquém do atendimento de qualidade as 8 necessidades da população que o utiliza. Campos dos Goytacazes foi a primeira cidade da América Latina a receber o serviço público municipal de iluminação elétrica em 1863, inaugurado por D. Pedro II8 , que era realizada por uma termelétrica a vapor. Em consonância com este marco histórico, constatou-se que 98,8% dos entrevistados possuem iluminação elétrica em casa e 97,3% afirmam que existe iluminação pública na sua rua. Entende-se por Iluminação Pública “o serviço que tem por objetivo prover de luz, no período noturno ou nos escurecimentos diurnos ocasionais, os logradouros públicos, inclusive aqueles que necessitem de iluminação permanente no período diurno (Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel n.º 456/2000)”. (SILVA, 2006, p.1). O mesmo autor aponta “dentro de um mesmo município podem ser verificadas localidades urbanas onde ainda não existe iluminação pública, o que pode inclusive sinalizar a falta de outros pontos na infra-estrutura básica de água, saneamento, pavimentação etc.” (SILVA, 2006 p. 3), apesar dessa afirmação o que vemos em Custodópolis é uma situação diferente na proporção que não há uma rede de saneamento no bairro, porém há iluminação pública, um considerável serviço de abastecimento de água e pavimentação. Com relação ao último, foi apontado, por 97,3% dos entrevistados, que há calçamento em sua rua. Por último, analisam-se os riscos urbanos informados em que 52,6% dos entrevistados, entende o risco enquanto “uma criação social, mediada pela capacidade de apreensão que cada grupo humano desenvolve sobre ele.” (Zanirato et al, 2007 apud Ribeiro, 2010, p. 3), cabe ressaltar que por risco urbano compreende-se aqueles decorrentes dos uso e da ocupação do solo urbano (CORTEZ, 2003). Dos riscos apresentados pelos entrevistados destacam-se, respectivamente, as drogas (28,8%), a violência (28%). Pode-se verificar que os dois primeiros riscos apontados estão correlacionados e tem como plano de fundo determinante, o sistema capitalista, algo já apontado por Costa (1999) quando ela afirma que a violência presente na realidade brasileira articula-se com os efeitos perversos do processo de mercantilização capitalista levado ao extremo, que destrói qualquer valor ou norma social não relacionando com a ideologia do lucro fácil e da busca da satisfação imediata do desejo de consumir. Os jovens integrantes das gangues matam e roubam, conforme testemunhas de seus crimes, para ostentar carros, motos e roupas. (COSTA, 1999, p. 5) As falas (depoimentos de entrevistados) a seguir, vêm a reafirmar essa realidade de violência e drogas. Informações obtidas em http://www.mundi.com.br/wiki-campos-dos-goytacazes-2709477.html em 19/11/2010. 71 “Hoje não existe mais festa por causa da violência”. O único perigo do bairro é “levar bala perdida” “O risco que tem aqui é quando a bandidagem começa a dar tiro por ai.” “Com relação as drogas... “é melhor fingir que não vê”. Não se pode deixar de destacar o elevado percentual de entrevistados que afirma não vê risco no bairro (47,1%), dessa forma concorda-se com Ribeiro, quando ao parafrasear Beck, afirma que a sociedade contemporânea cria riscos e parece acostumar-se a eles. A naturalização dos riscos deve ser combatida. Do mesmo modo que a transformação do risco em uma mercadoria, como o fazem as companhias de seguro. Assumir essas visões representa, ao mesmo tempo, adotar o risco como algo inevitável e natural, quando na verdade os riscos são criados socialmente nas áreas urbanas e, principalmente, que a garantia de estar “livre” deles ocorre na esfera privada e apenas a quem pode pagar pela “proteção”. Essa visão mercantil dos riscos tem que ser alterada. (RIBEIRO, 2010, p. 2) Pode-se inferir ainda, mediante os dados apresentados, que Custodópolis é uma “cidade informal”, uma vez que este território se apresenta esquecido, segregado e marcado por desigualdades e pobreza, quando entendemos como Sirkis (2003, p. 19) que tal expressão significa “a cidade das favelas, loteamentos clandestinos e similares”. Já Grostein (2001) refere-se ao mesmo espaço, a partir da expressão “cidade clandestina ou cidade irregular”, entendida como aquela em que ocorre, de forma abusiva, o crescimento urbano sem controle, próprio da cidade industrial metropolitana, compreendendo os bairros relegados pela cidade dos pobres e dos excluídos, a cidade sem infra-estrutura e serviços suficientes, a cidade ilegal, ainda que legítima. Estas cidades informais são unidades dentro das cidades, nas quais raramente chegam investimentos públicos, obrigando seus moradores a conviverem com a falta de saneamento básico, coleta de lixo e, em muitos casos, com os riscos de desabamento ou inundação. É importante destacar que o fenômeno da expansão urbana ilegal ao da exclusão social pode ser encontrado “em todas as cidades brasileiras, em maior ou menor escala” (SIRKIS, 2003, p. 220). A reflexão realizada até aqui, permite-nos compreender que Custodópolis articula-se com uma dinâmica societária de exclusão, em que os indivíduos que habitam este território, não têm a sua disposição serviços públicos de qualidade, o que transforma este território atravessado por vulnerabilidades que fragilizam a sua existência e dificulta a emancipação e o exercício de sua dignidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, João Batista et al. Disgnóstico ambiental de ruas e bairros da cidade de Teixeira, PB. Rev. Árvore [online]. 2004, vol.28, n.5, pp. 755-764. ISSN 0100-6762. BUSSO, G. Vulnerabilidad sociodemografica en Nicarágua: um desafio para el crecimiento econômico y la reducción de la pobreza. Santiago de Chile: CEPAL, 2002. CANUTO, Eliza Maria Alves. O direito à moradia urbana como um dos pressupostos para a efetivação da dignidade da pessoa humana. Uberlândia/MG: UFU, 2008. Cazollato, José Donizete. 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São Paulo: Boitempo, 2003. 73 11 Na saúde e na doença: um retrato do cotidiano das famílias em Custodópolis Adilea Lopes da Silveria1 Christovam Luiz Machado Cardoso2 Denise Chrysóstomo de Moura Juncá3 Ivone dos Santos Magaldi4 Késia da Silva Tosta5 1. Laços e nós: composição e algumas características das famílias pesquisadas População residente, núcleo de pessoas que moram em um mesmo domicílio, com ou sem laços de parentesco, sobrevivendo com a renda de um ou mais de seus membros e compartilhando normas de convivência comuns - esta foi a concepção de família adotada no Inquérito Populacional realizado no bairro de Custodópolis/Campos dos Goytacazes/RJ, observando as referências citadas nos censos realizados pelo IBGE. Pai, mãe, filhos e enteados, pais e sogros, netos, sobrinhos, agregados; jovens e idosos, estudantes e trabalhadores - quantas pessoas compunham as famílias residentes no território de Custodópolis? Que características apresentavam? Que situações de vulnerabilidade estavam presentes em seu cotidiano? Que capacidade de respostas revelavam frente à tais situações? Estas eram algumas de nossas indagações e o retrato que nos interessava construir não podia ignorar o perfil do próprio município onde o bairro de Custodópolis estava inserido. Com uma população que já ultrapassa os 440.000 habitantes (Censo, 2010) e uma receita orçamentária que gira em torno de R$2.000.000.000,0066 , Campos ainda apresenta IDH-M (0,752) abaixo da média, tanto do Estado (0,807), quanto do país (0,766), comportando 19,7% dos moradores entre a linha da indigência e da pobreza e 10,7% abaixo da linha da indigência7 . São moradores que se espalham, indistintamente, pelo município, pois como salientam destacam Najar, Baptista e Andrade (2008, p. 135) A pobreza urbana não se distribui de forma homogênea e uniforme no espaço intra-urbano, da mesma forma que também não se concentra em alguma área contígua definida, ou seja, a segregação social no espaço não é “perfeita”. Nem todos os assentamentos identificados como de baixa renda são ocupados apenas por pobres e nem todos os pobres ocupam áreas tidas como carentes. Essa constatação imediata para qualquer observador da metrópole reflete, ao mesmo tempo, algumas das dificuldades clássicas para se definir, caracterizar e localizar a pobreza urbana e questões não triviais no nível da formulação de políticas públicas compensatórias. Em Custodópolis, histórias contadas e vividas expressavam marcas variadas de uma vulnerabilidade que atravessava os tempos8 e chegava aos dias atuais, atingindo o cotidiano de quase todas as famílias. Nestas histórias foi possível identificar (CARNEIRO et.al. 1968, p. 8), por exemplo, que na década de 1960 era comum o aluguel de quartos em casas que eram divididas em cômodos, configurando um cenário onde 40% das habitações eram de “tipo barracões”, 52% de adobe ou taipa e 97% não dispunham de instalações sanitárias. Nos dias atuais, 95,5% residiam em casas, em espaços compostos, em sua maioria por 4 a 5 ou até mesmo mais de 5 cômodos (gráfico 1), onde distribuíam-se, sobretudo, de 3 a 4 pessoas (gráfico 2), observando um perfil que vigora na região norte fluminense, onde a média é de 3,69 habitante/domicílio (Perfil 2005). Acadêmica de Medicina da FMC (à época da realização da pesquisa) Enfermeiro CCIH – HGG; Professor FAETEC - Campos dos Goytacazes. Gestor e professor de Graduação em Enfermagem - UNIVERSO - Campos dos Goytacazes. Mestre em Comunicação Social pela UFRJ. 3 Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF. 4 Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos (à época da realização da pesquisa) 5 Acadêmica de Serviço Social/UFF-Campos – Bolsista de extensão (à época da realização da pesquisa) 6 Disponível em http://www.transparencia.campos.rj.gov.br/orcamento.php.Acesso em 11 de outubro de 2011. 7 Disponível em: http://www.cidac.campos.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=129&Itemid=73. Acesso em 11 de outubro de 2011. 8 Ver artigo: O território de Custodópolis: mapeando memórias e lugares, publicado neste livro. 1 2 74 Gráfico 1: Número de cômodos nos domicílios Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010 Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010 Gráfico 2: Número de pessoas por domicílio Foto 1: Moradia em Custodópolis Fonte: Acervo do GRIPES Fonte : Inquérito Populacional - 2009/2010 Já em relação à condição de ocupação destes domicílios verificou-se que, enquanto a média das casas próprias em Campos era de 79,4% (Perfil 2005), em Custodópolis, tal percentual atingia 57,1%. Construídas com alvenaria e com o devido reboco (81,4%), cobertas com telhas de Eternit (52%) ou laje de concreto (33%) e pisos de cerâmica (65,8%), tais moradias, supostamente, apresentariam condições favoráveis de habitabilidade. Entretanto, não foi possível deixar de considerar a qualidade do material usado, as construções e/ou reformas inacabadas, as infiltrações, a umidade, a ventilação nem sempre adequada, os ratos, galinhas, cães e porcos que circulavam, livremente, no meio de entulhos existentes em seus quintais e outros tantos fatores, já abordados9 e ilustrados pelas fotos que se seguem, apontando para graves problemas e identificando que, sem dúvida, a habitação era um campo vulnerável em seu cotidiano. 9 Foto 2: Moradia em Custodópolis Fonte: Acervo do GRIPES Ao serem solicitados a identificarem a pessoa responsável por tais casas 50,8% indicaram serem os próprios entrevistados, o que remetia a uma provável predominância da chefia feminina das famílias, tendo em vista o sexo da maioria dos pesquisados. Esta situação apresentava sintonia com a encontrada no país e, mesmo, em nosso município, embora se observando percentuais mais elevados em Custodópolis. De acordo com o documento Perfil 2005 (2006), em 1991, 22,1% das famílias de Campos tinham mulheres em sua chefia, crescendo este percentual para 27,2% em 2000. A explicação para tal crescimento encontrava-se associada à fatores socioeconômicos e demográficos, levando-se em conta elementos como: o aumento da Ver os artigos A questão habitacional e seu entorno em Custodópolis e Moradia: lugar de apropriações e práticas 75 participação feminina no mercado de trabalho e o envelhecimento da população fluminense que “acaba tendo mais mulheres que homens e mais mulheres viúvas.” (Id., p. 59). Em Custodópolis, verificava-se, porém, um número expressivo de entrevistados que se diziam “do lar” (tabela 1), quanto o tema era profissão, informando, ainda, uma escolaridade que em 55,6% dos casos abrangia o ensino fundamental incompleto, ou seja, não revelavam, aparentemente, alguma qualificação mais específica para acesso ao mercado de trabalho. Além disso, 39,9% se encontravam desempregados. Cabia, assim, questionar se, neste território, seria possível estabelecer uma relação direta entre chefia feminina das famílias e participação da mulher no mercado de trabalho. Outros fatores, certamente, determinariam tal quadro, mas não foram objeto deste estudo. Tabela 2: Profissão dos responsáveis excluindo-se os entrevistados. ESPECIFICAÇÃO Nº % Atividades relacionadas à construção civil Atividades relacionadas ao comércio Atividades técnicas diversas Serviços relacionados à mecânica de veículos Motoristas Serviços domésticos Segurança e vigilância Duas profissões simultâneas Aposentados Outros TOTAL 42 17 16 14 14 11 07 06 04 33 164 49,5 10,4 9,8 8,5 8,5 6,7 4,3 3,6 2,4 20,1 100 Fonte: Inquérito Populacional - 2009/2010 Tabela 1: Profissão dos entrevistados. ESPECIFICAÇÃO Do lar Serviços domésticos10 Atividades auxiliares diversas11 Atividades relacionadas ao comércio12 Atividades técnicas diversas13 Costureiras Aposentados Professores/orientadores Sem profissão Atividades relacionadas à construção civil14 Duas profissões simultâneas15 Segurança e vigilância Cuidados pessoais e estética16 Outros17 Total Nº 97 51 28 26 15 13 12 12 11 10 09 08 08 33 333 % 29,2 15,3 8,4 7,8 4,5 3,9 3,6 3,6 3,3 3,0 2,7 2,4 2,4 9,9 100 Fonte: Inquérito Populacional - 2009/2010 Outros responsáveis pelas famílias também foram identificados salientando, sobretudo, companheiros ou esposos, embora, também aparecessem respostas que destacavam a mãe, o pai, um avô/avó, ou até mesmo, um ex-marido, namorado, irmão, filho... A profissão destes responsáveis nos remeteu aos dados apresentados na tabela 2, com grandes diferenças em relação à tabela 1 em que se evidenciava um número maior de mulheres. Na década de 1960, os homens trabalhavam, predominantemente, no corte da cana ou na limpeza das lavouras pertencentes às usinas da região. Entretanto, registrava-se, também, a presença de alguns pedreiros, carroceiros, padeiros, barbeiros, sapateiros, pintores, eletricistas, pescadores e mecânicos. Já as mulheres dedicavam-se ao trabalho doméstico, atuando como cozinheiras e lavadeiras nas residências da cidade. As crianças, por sua vez, eram vendedoras ambulantes e, assim, supostamente, davam sua contribuição ao orçamento familiar (CARNEIRO, et. al, 1968). No cenário atual, a área da construção civil se destacava, comportando, sobretudo, pedreiros. No comércio encontravam-se balconistas e vendedores diversos, enquanto que, entre os técnicos se registrou áreas como enfermagem, odontologia, química, petróleo, laboratório. Motoristas também foram citados, seguidos de ocupações relacionadas aos serviços domésticos, como faxineiros, empregados diaristas e mensalistas. Com percentuais menores apareceram o campo de segurança e vigilância, os que exerciam duas profissões simultaneamente, os que não especificaram sua ocupação, indicando, apenas, que já se encontravam aposentados. Várias outras ocupações foram, ainda, referidas, como por exemplo: porteiros, costureiros, trocadores de ônibus, agricultores, carroceiros, cabeleireiros, inspetores de alunos, garçons, varredores de rua... Quando a questão era sua atual situação no mercado de trabalho, foi possível identificar diferenças entre os entrevistados 10 Empregada mensalista, diarista, lavadeira, faxineira, cozinheira... Auxiliar administrativo, auxiliar de serviços gerais ou escolares, auxiliar de enfermagem, auxiliar de creche.escolares. 12 Vendedores, balconistas, caixa, revendedores de produtos diversos. 13 Mecânico, marmorista, técnico de enfermagem, contador, eletricista, telecomunicações, farmácia, analista de alimentos, destilador, laboratorista, digitador, soldador. 14 Pedreiro, pintor, calceteiro 15 Funcionário público e cozinheiro, decoradora e artesã, motorista e pintor de automóveis, aposentado e merendeira, do lar e manicure, artesã e auxiliar de consultório odontológico, costureira e cabeleireira, costureira e salgadeira, garçon e cozinheiro. 16 Cabeleireiro, barbeiro, manicure 17 Acompanhantes de idosos, jogador de futebol, gari, jornaleiro,motorista, garçon, taxista,merendeira, agente comunitário, camareira, estudantes, lavradores, engenheiro civil, pedadogo, enfermeiro... 11 76 Gráfico 3: Situação do entrevistado Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010 Gráfico 4: Situação dos demais chefes de no mercado de trabalho família no mercado de trabalho Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010 Entre os primeiros o desemprego era acentuado, indicando a ausência de renda individual e a relação com o mundo dos biscates. Já no que se refere aos demais responsáveis identificou-se um percentual considerável de assalariados com vínculo à Previdência Social (37,8%), embora fosse, também, expressivo o índice de desempregados (17%) e o grupo composto por aqueles que eram autônomos sem Previdência (10,4%) ou autônomos com Previdência Social (6,1%). Os demais se distribuíam entre os que não tinham ocupação fora de casa, os assalariados sem Previdência Social e alguns empregadores, cabendo lembrar, ainda, que 54,7% das famílias tinham, entre seus membros, algum adulto sem ocupação remunerada. Além disso, a própria casa era usada como local de obtenção de alguma renda por 21% dos entrevistados referindo-se a oficinas mecânicas, serralherias, fliperama, aluguel de artigos para festas, lavagem de roupas, aulas particulares para crianças, atividades como cabeleireiros ou manicures... A grande maioria (53,5%), contudo, envolvia a confecção e/ou venda de roupas, artesanatos, doces e salgados, sorvetes, quentinhas, produtos de beleza... É válido registrar, de acordo com Barros (1966) que já na década de 1960 identificamos referências à existência de grupos de corte e costura, aproveitando a identificação de um número significativo de costureiras no bairro, além dos cursos de bordado, tapeçaria, tricô, crochê e pintura. Em 1965, alguns destes grupos, organizaram um bazar, tendo por objetivo a ampliação das possibilidades de realização dos trabalhos artesanais, investindo-se as rendas obtidas na aquisição do material necessário. Trabalhos artesanais e comércio pareciam, assim, se destacar em sua história, sendo que nesta época Custodópolis já dispunha de padaria, açougue, armazém de secos e molhados, barbearia, farmácia e fábricas de goiabada e sandálias. Comemorava o calçamento recente da praça e a construção de um abrigo para passageiros. Contava com um Posto Telefônico e uma Agência de Correios e Telégrafos que, entretanto, apresentavam “possibilidades mínimas de funcionamento” (Id., p.31). Hoje os moradores reconheciam que os tempos eram outros. O bairro tinha crescido, especialmente, no âmbito do comércio, considerado como “uma referência em Guarus”. Suas falas identificavam que “a pessoa sai a qualquer hora e encontra o que quiser.” Isto era motivo de orgulho para eles, apesar de verbalizarem que tal fato também acarretava críticas. Se na Cidade de Palha os moradores tinham origens e costumes que os aproximavam e estreitavam os vínculos entre as pessoas e os lugares, Custodópolis abrigava não só gente “de tradição” e “pessoas boas que queriam ajudar”. 77 Havia, também, “estranhos”, gente que vivia ali há pouco tempo ou, ainda, aqueles que “tiram a oportunidade de trabalho” dos filhos das antigas famílias. Eles “chegam ficam o dia todo dentro de suas lojas e só saem para ir embora.” Face a um mercado de trabalho nem sempre favorável, os rendimentos mensais das famílias distribuíam-se em diversas faixas como demonstra o gráfico 5, embora os valores entre 1 e 2 salários mínimos tenham se destacado. Gráfico 5 : Rendimento mensal das famílias Fonte:Inquérito Populacional - 2009/2010 Tais dados remetiam, contudo, a uma realidade melhor do que a encontrada na década de 1960, quando o rendimento mensal das famílias era mais baixo e instável, comprometendo suas condições de vida e gerando algumas iniciativas na localidade: “vários shows foram realizados no Cine Primor, às segundas-feiras, cuja renda era revertida no aviamento de receitas médicas.” (CARNEIRO, op. cit. p. 24) Atualmente, mesmo com limitações, a forma de utilização de tais rendimentos remetia, sobretudo, à alimentação, uma vez, que para 63,4% das famílias, os maiores gastos encontravam-se nesta área, especificando que sua base era o arroz e feijão, produtos citados como os mais consumidos, embora havendo lugar, também, para café, açúcar, macarrão, leite, além de alguns legumes e em menor escala as frutas. Esta é uma tendência nacional, uma vez que, com recursos limitados, a alimentação é a prioridade no contexto da pobreza no país. Segundo estimativas do IBGE18 , entre as famílias brasileiras que recebem até dois salários mínimos, os gastos nesta área chegam a atingir 27,8% de suas despesas totais. Também em relação ao tipo de alimentos identificou-se semelhanças, uma vez que a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-200919 registrou, como alimentos mais consumidos, o arroz (84,0%), feijão (72,8%) e café (79,0%). Em Custodópolis foram, ainda, citados, gastos com água/ luz/gás (18,6%), medicamentos (11,1%), e outros (3,9%) abrangendo aluguéis, roupas, planos de saúde, pensão de filhos, colégios particulares, cursos profissionalizantes, despesas escolares, prestações referentes a produtos adquiridos e construção da casa própria. Algumas outras características, também foram identificadas entre as famílias pesquisadas, como indica a tabela 3. ESPECIFICAÇÃO % Membros de 0 a 15 anos --------------------------------- 49,5 Idosos ------------------------------------------------------- 33,3 Pessoas com deficiência --------------------------------- 15,6 Membros analfabetos ----------------------------------- 16,2 Adultos cursando Ensino Superior ------------------- 13,8 Crianças fora de creches ------------------------------- 14,1 Crianças/adolescentes fora da escola ----------------- 5,4 Gestantes com menos de 18 anos ---------------------- 3,0 Verificava-se, assim, uma presença significativa de crianças e adolescentes, bem como de idosos e pessoas com alguma deficiência, Neste último caso o destaque encontrava-se em problemas físicos/ motores tanto congênitos, quanto decorrentes de acidentes e seqüelas de AVE (Acidente Vascular Encefálico). Com índices menores, houve também registro de deficiências mentais, visuais e auditivas. Em relação às crianças e adolescentes havia uma preocupação: como ocupá-los, face à extinção de alguns programas sociais que antes, exerciam esta função e trabalhavam, principalmente, com esportes? A ociosidade aparecia como um convite para seu ingresso no cenário das drogas, pois como uma mãe ressaltou: “Quando meu filho era pequeno as crianças dos vizinhos brincavam com ele lá em casa. Hoje ele tá com 16 anos e não tem mais quase ninguém vivo daquela época.” Entre os idosos a depressão, antes tão presente, vinha sendo enfrentada através das atividades que desenvolviam nos grupos de terceira idade. Já em relação à questão da deficiência, havia sobretudo, o problema de transporte para locomovê-los, para acesso à assistência de que necessitavam. O motivo do índice de analfabetos (“analfabetos de pai e mãe”, como um afirmou) não foi especificado, mas podia estar relacionado a vários fatores, dentre os quais, o que se destaca no seguinte depoimento: “num sei ler. Minha mãe nem pôde me botar na escola. Era longe e tinha perigo soltar uma criança de 6, 7 anos pra andar tudo isso”. Atualmente, porém, era pequeno o número de crianças fora das escolas e/ou das creches, bem como já apareciam moradores inseridos no ensino superior, apesar de registrarmos depoimentos como: “a gente não tem oportunidade para isso.” Suas falas, também, não deixavam de registrar algumas críticas, considerando, principalmente, que tais escolas “não estão dando conta” das necessidades do bairro, 18 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares:2002-2003: Primeiros resultados: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. 276 p. 19 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares:2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. 150 p. 78 estendendo suas queixas à falta de cursos noturnos e supletivos. Além disso, embora estas escolas tivessem alunos residentes no bairro pesquisado, nem todas se localizavam no espaço considerado como Custodópolis. Por este motivo, ouvimos vários relatos sobre as dificuldades que vivenciavam para que seus filhos e/ou netos pudessem freqüentá-las, citando as distâncias e gastos com transportes, bem como: O circo era sempre. O lugar ficava movimentado. Era a atração (depoimento de morador, registrado em diário de campo). São Jorge, a quadrilha [...] Num faltava alegria [...] A festa durava uma semana. Tinha praça, botava barraquinha, vinha parque.”. Chegando aos dias atuais, porém, poucas opções foram listadas, predominando as atividades relacionadas à religião (38,2%), embora com restrições: “hoje só tem procissão. Passa pelas ruas aquela filinha curta, fraca.” Alguns atribuíam tais mudanças ao padre que disse que “não pode fazer festa profana.” Outros, contudo, retomavam, mais uma vez, um problema que aparecia com freqüência nos relatos colhidos: “hoje não existe mais festa de rua por causa da violência. É muita bebedeira e muita droga. Onde você não imagina tem um pontinho de droga.” As comemorações em casas de familiares ou amigos foram, também, lembradas (20,7%), enquanto as demais respostas, relativas ao lazer, se apresentaram de forma diversificada, incluindo passeios diversos (cinema, praias, shopping, pequenas viagens, ida a pizzarias), esportes, bailes, dentre outros. Houve ainda os que disseram que apenas viam televisão em casa ou que não participavam de nenhuma atividade. As festas na quadra da Escola de Samba, tão valorizadas em sua história, foram pouco citadas (1,5%), além de serem objeto de algumas críticas, em relação aos dias atuais. Vários relatos apontaram para o fato de que “todo domingo tem programação na quadra. Tem pagode.” Moradores de bairros vizinhos, também, compareciam. Entretanto, para alguns, “as famílias não participam muito. Na fundação era família. A diretoria saía pra pegar as moças em casa e depois ia levar.” Hoje, porém, este já não era um lugar frequentado “pelas famílias”, A Praça José Dias Nogueira, antes um local de convivência, ainda estava em obras, no período de realização da pesquisa e tornouse um lugar onde “fica muita molecada.” Mesmo sonhando com o término da reforma, não deixavam de afirmar que, por enquanto, “aquela praça ali é um escândalo. Aquilo não existe, não é praça!” Instalada em um local que foi doado por uma antiga moradora, a praça foi lembrada com um lugar que era “ajeitadinho”, com banco de alvenaria, ponto de ônibus com “tapagem de telha colonial” e uma antiga caixa d´água. Sua desejada reforma só trouxe queixas dos mais variados tipos. Segundo uma moradora, houve alteração do espaço e a rua que separa sua residência da praça foi diminuída. Com isso, os quiosques em construção, “estão quase dentro da minha casa.” As mudanças em andamento não eram as desejadas pelos moradores. Eles gostariam, por exemplo, de brinquedos para as crianças e não de quiosques que supõem que serão ocupados por bares, gerando ainda mais problemas para o bairro. Alguns informaram que a população lutou por isso, mas “o grupo de S. (vereador local) venceu.” Uma grande placa anunciava a obra e seu custo, bem como o prazo para sua conclusão. Na prática, contudo, não sabiam precisar há quanto tempo já conviviam com tal situação, embora se referissem a um período entre um e dois anos. Na análise de uma moradora de 83 anos, a situação era a seguinte: Grande destaque mereciam as festas religiosas: “Festa nossa era a procissão de Nossa Senhora da Conceição, a festa de A praça tá tudo cavacado. Eles começaram a cavacar e nada. Eles derrubaram, O ensino aqui é muito ruim, principalmente nas matérias básicas (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Os professores faltam muito e no fim do ano dão um trabalho para os alunos. Esse aluno nunca vai conseguir passar bem em um concurso público (depoimento de morador, registrado em diário de camp). Em relação ao lazer, seu passado era repleto de histórias: Tinha um cinema de nome Cine Primor [...] Tinha uma tela grande e passava lá. Os dizeres eu não sei contar. Era de seu Hipólito que era também o dono da padaria. Tinha uns filmes antigo. Ele queria alegrar o povo [...] Trazia artistas, show de música (depoimento de morador, registrado em diário de campo). A Rua Poeta Marinho era chamada de Rua da Raia porque tinha corrida de cavalo (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Dia de domingo era dia de alugar bicicleta [...] A gente se desdobrava durante a semana pra ganhar umas moedinhas pra alugar as bicicletas (depoimento de morador, registrado em diário de campo). 79 rebentaram tudo e tá tudo no chão. Os políticos não querem nada. Só roubam a nação. Eu num gosto de novela, mas as notícias eu gosto de ouvir. É isso que tá aí e se vem alguém querendo melhorar eles mata. Num viu aquele Celso, mataram ele. Na época de Zezé não era assim. Agora só vê corrupção. A praça tá abandonada, a cidade de Campos também. O lugar é lugar de gente humilde. Aparece gente pra perguntar o que precisa só na época de política. Eu penso assim: se dentro da cidade eles tão cavando e deixa tudo daquele jeito que está, que me diz aqui, então, que só tem pobre?” Um entrevistado declarou que o bairro “não oferece nada para os jovens. Ou ele se converte na Igreja e participa das atividades dela, ou não tem nada pra fazer.” Face a tal quadro, o que se via, atualmente, eram pessoas envolvidas em “pegas” com suas motos, aos sábados, na avenida principal do bairro, e “um tal de baile funk, que tá acabando com a juventude”, promovido pelo “Clube di Roma.” Nestas ocasiões sempre ocorriam brigas e até mortes. Houve períodos em que esses bailes deixaram de acontecer, mas quando retornaram, verificou-se um aumento da violência, além de assaltos nos estabelecimentos comerciais (sic). A conclusão a que alguns chegaram é que: “hoje não pode ter festa.” E o problema encontrava-se “nos bandidos.” Mas eles não eram moradores de Custodópolis: “são pessoas de outros bairros e do Rio de Janeiro.” Muitos problemas enfrentados pelo bairro retomavam à questão da violência. Para alguns, isso não chegava a se constituir como problema, já que “tem drogas, mas não ataca a gente não”, ou como registrou um pesquisador: “os rapazes que estão envolvidos com drogas respeitavam sua família e ele tem certeza que ‘nunca mexerão’ com eles, já que eles são pessoas tranqüilas”. Houve que dissesse: “em boca fechada não entra mosca”, ou “quem evita riscos é a boa convivência”. Entretanto, para a maioria, assaltos, assassinatos, tráfico de drogas e “o risco de levar uma bala perdida” passaram a compor o cotidiano de Custodópolis, impedindo a existência d e a u l a s n o t u r n a s , l i m i t a n d o a s a t i v i d a d e s d e l a z e r, provocando problemas de saúde, gerando estigmas que se espalhavam, indistintamente, entre todos os que residiam na localidade... Varios foram os relatos que abordaram tal situação: Época boa era quando eu era jovem. Hoje não tem tranquilidade (depoimento de morador, registrado em diário de campo). No primeiro dia que vim pra Custodópolis, roubaram as coisas que ainda estavam na varanda (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Tem criança de 10 anos vendendo droga, com arma na cintura (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Hoje morre um (referindo-se a alguma criança) e amanhã já tem outro no lugar (depoimento de morador, registrado em diário de campo). A gente fica ali na igreja correndo risco [...] Domingo até mataram um no bar do outro lado (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Aqui era tranqüilo. Agora sai, é assaltado, ouve tiros (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Às vezes não pode nem ficar na frente da casa (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Há 60 anos quando tinha um crime, chocava. Hoje ta matando como mata mosquito. É muito crime. 90% é droga. Na minha rua tem um ponto. O pessoal desce tudo pra comprar e bandido mata bandido (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Estão matando gente em frente da delegacia (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Uma fala comum indicava que várias mortes aconteciam “por engano.” Pessoas que teriam sido “confundidas” e mortas, no lugar de outras: “tem muito jovem morrendo por causa das drogas e tem uns morrendo por engano.” Alguns moradores pareciam não gostar de abordar este assunto. De um lado podia estar o medo, de outro, a necessidade de preservar a imagem do bairro, negando que o problema fosse de sua comunidade: “Vem gente de fora, né?”. Entretanto, encontramos, também, os que deixaram claro o que vinha acontecendo: 80 Os problemas acontecem quando as 2 facções estão em briga. Eles dividem os espaços de cada um. Você pode ver os muros que são pichados, dizendo de quem, é aquele pedaço. Tem até as áreas onde eles podem circular. Um não pode entrar na área que o outro comanda. E isso não é só aqui dentro do bairro. Por exemplo, se o Parque P. for de um lado, o outro não pode entrar. Agora está calmo porque os grupos se aliaram (depoimento de morador, registrado em diário de campo). A ação da polícia foi alvo de muitas críticas. Os moradores reclamavam da falta de policiamento nas ruas, acreditando que só assim recuperariam a tranquilidade do bairro. Para justificar sua opinião se referiram a um policiamento ostensivo que ocorreu, por interferência de um político, em frente da casa de uma moradora, na época em que ela teve uma filha assassinada. Neste período, não aconteceu nenhum problema na área. O mesmo se aplica à época em que era mantido um policiamento regular na praça, havendo “mais respeito.” O bairro conta com uma delegacia da polícia civil. Mas, segundo alguns moradores, ela apenas registrava alguma ocorrência, mas não atendia a nenhum chamado ou denúncia: Tem uma delegacia logo ali, mas só atende quem chega (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Eles só chegam na gente quando você diz que vai matar (depoimento de morador, registrado em diário de campo). O descrédito dos moradores em relação à atuação da polícia se estendia, também, aos comerciantes. Eles não registravam os assaltos que sofriam, porque afirmavam que “não resolve”. A alternativa que encontraram foi recorrer à vigilância particular, mas isso só era possível para alguns, em função dos custos. Apegados ao modo de vida da sua origem, e repetindo, a todo momento, que este “é um bairro de tradição”, os moradores sinalizaram os valores que norteavam seu cotidiano: o trabalho (ou pelo menos, a procura dele); a necessidade de ter uma ocupação e não ficar “à toa nas ruas”; a vida em família; a escola; a convivência sem brigas; o reconhecimento e a gratidão em relação aos que os ajudaram... Em suas análises, o progresso não trouxe só coisas boas. 20 Antigamente, Custodópolis vivia as limitações por ser identificada como área rural, mas tinha um cotidiano que expressava uma grande vitalidade sócio-cultural. Hoje, esta mesma área era chamada de periferia, bairro carente, e pior, carregava o estigma de localidade perigosa, afetando sua auto-estima. Ao longo dos anos, sua identidade original foi se perdendo, deixando em seu lugar algo que não aprovavam e os igualavam a tantas outras localidades. O passado ainda tão presente, era um fato inquestionável e, um certo conservadorismo, de alguma forma, era preservado, também sob influências de suas crenças religiosas. Entretanto, os dias atuais abriam um espaço para a presença de estranhos e a inexistência e/ou fragilidade de vínculos que valorizavam e já experimentaram: “quando era garoto conhecia todo mundo. Hoje já não conheço mais. É muita gente de fora e aglomera tudo na pracinha.” Dos tempos de ontem, preservaram um meio de comunicação: o serviço de alto-falante, que funciona em um ponto comercial de propriedade de um dos filhos de um antigo morador, que também dá nome à Praça. Tratava-se de um “serviço de utilidade pública”, como o denominava seu proprietário. Ali ele fazia propaganda do açougue, anunciava nascimentos, mortes e missas, comunicava perdas de documentos e divulgava notícias que julgava de interesse da comunidade. Fazia, porém, questão e dizer que “num cobro nada”, só de políticos. Diante de tal quadro, ao retomarmos as indagações iniciais sobre as características das famílias de Custodópolis, era possível afirmar que o que a pesquisa realizada sinalizava era um quadro de vulnerabilidades que acompanhava a história do bairro e outras tantas que foram surgindo ao longo dos anos. Vulnerabilidades do lugar e das pessoas se entrelaçavam, não havendo como negar “a existência de riscos, a incapacidade de reação, e as dificuldades de adaptação frente à materialidade do risco” (BUSSO, 2002). Rendas monetárias estavam em jogo, mas também, dimensões sociais, culturais, ambientais, civis... Estávamos, assim, diante de uma vulnerabilidade multidimensional, talvez agravada pela fragilidade das ações das políticas públicas no território de Custodópolis, bem como do esmorecimento dos recursos e estratégias das próprias famílias para enfrentarem tal realidade20 , fruto do que experienciavam em sua história recente. No campo da saúde, a vulnerabilidade também estava presente, expressando-se através de uma combinação de algumas variáveis. 2. Saúde e itinerários terapêuticos: velhos problemas, novas saídas? Ao se percorrer o bairro de Custodópolis, vários aspectos logo chamavam a atenção: o tráfego intenso de veículos, o barulho das motocicletas, o desenho irregular das ruas, a precária pavimentação, o lixo que se acumulava em alguns terrenos, as áreas mais vulneráveis a alagamento. O problema maior, contudo, era a ausência de um sistema de esgotamento sanitário e, como consequência, era vísivel a “água suja que corre na rua”, ficando ainda pior nos períodos de chuva. O descontentamento dos moradores era claro, bem como as preocupações com o que tal situação podia acarretar para sua saúde: Ver o artigo Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade, publicado neste livro. 81 A água escorre direto na rua. É água de fossa misturada com a água que vem do shopping e do açougue. Eles lavam lá e fica escorrendo direto (depoimento de morador, registrado em diário de campo). O descuido do poder público é total. O bairro não tem limpeza na rua, num tem esgoto. É tudo fossa (depoimento de morador, registrado em diário de campo). A gente passa e vê as larvas. É muito perigoso para as crianças (depoimento de morador, registrado em diário de campo). impedindo o escoamento das águas. Apesar de reconhecerem que a situação enfrentada “é uma vergonha”, ouvimos relatos que apontaram que, eram os próprios moradores que contribuíam para seu agravamento: “eles reclamam, mas também aproveitam e jogam a água deles [...] alaga tudo na rua.” Na verdade, estávamos diante de um ambiente, visivelmente, não saudável, trazendo implicações na constituição do perfil de saúde dos moradores (gráfico 6). Neste perfil o que se verificou foi que apenas 13,8% dos entrevistados consideravam sua saúde como ótima. A classificação boa foi atribuída por 34,5% deles, enquanto 40% registraram a opção regular e 11,7 % a ruim. Quando o tema se estendeu às famílias (gráfico 7) os percentuais se assemelharam: 11,7% informaram que a mesma era ótima, 44,5% boa, 32,1% regular e 6% ruim e 5,7% não responderam. Gráfico 6: Saúde do entrevistado Quando chove muito, tem que ver como fica a rua. Fica como se fosse rio. Entra pra fossa, entra pra casa. Os vizinhos reclamam do mau cheiro. Nós temos de botar talba na rua pra passar (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Um mês atrás duas fossas transbordaram, fiquei ilhada, fora o cheiro horrível. Já teve caso aqui de morrer 3 crianças da mesma família, por falta de saneamento básico, parece que foi doença de rato (depoimento de morador, registrado em diário de campo). A frente da casa (o muro) é feito de resto de entulho e há muito lixo no terreno onde as crianças ficam brincando descalças, no meio do barro e do lixo juntamente com os cachorros (registro de um pesquisador no diário de campo). Vários destes problemas acompanhavam o bairro desde o início de sua formação e com o passar dos anos só tinham piorado, principalmente, considerando algumas particularidades do espaço geográfico atual. Era o caso, por exemplo, de algumas áreas mais inclinadas, de outras mais baixas, dos trechos sem saída, ou ainda, das ruas que “foram interrompidas”. Ruas que receberam a construção de algumas casas, ao longo de seu trajeto, e depois prosseguiram. Além disso, havia os quintais que eram ocupados por oficinas mecânicas e/ou “ferros-velhos”, invadindo as calçadas e ruas e Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010 Gráfico 7: Saúde da família Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010 82 Esta classificação provavelmente estava relacionada a algumas situações relatadas, onde se identificou, por exemplo, casos de internação hospitalar nos últimos 6 meses em 18,6% das famílias e o registro de óbitos em 6,6% delas, em relação ao último ano. Tais óbitos abrangeram principalmente casos de enfarte (22,7%), neoplasias (18,2%) e derrames (13,6%), além de homicídios (4,6%) e diversas outras causas como: anemias, “problemas nos rins”, “problemas no fígado”, e outros não identificados. É válido registrar, ainda, que 63,6% destes óbitos se referiram à indivíduos na faixa de 18 à 60 anos, 22,7% à idosos com mais de 60 anos e 13,6% à jovens menores de 18 anos. Além disso, 28,5% das famílias identificaram a ocorrência de alguma doença em pelo menos um de seus membros no momento de realização da pesquisa. Houve quem fizesse referência apenas a alguns sintomas, sem saber precisar bem o diagnóstico, enquanto outros nomearam as doenças e suas implicações: Parece que o coração vai sair (depoimento de morador, registrado em diário de campo). d. e. f. g. h. coluna” não especificados, além de artroses, osteoporoses, quebradura do fêmur, hérnia de disco, ostiomelite, artrite, gota, reumatismo; Mentais, com destaque para a depressão, seguida de “problemas de nervos” e esquizofrenia; Neurológicas, com predominância de AVC, além de “tumor na cabeça”, “problema neurológico” não especificado, cefaléia, Parkinson, eplepsia; Respiratórias/pulmonares, havendo referência à bronquite, gripe e tuberculose; Renais, com relatos de cálculo renal e “problemas renais”; Outras, onde foram enfatizados o alcoolismo e colesterol alto, além de diverticulite, labirintite, dores abdominais, pancreatite, glaucoma, problema de audição, anemia, erisipela, rinites, alergias, neoplasias e desnutrição... Gráfico 8: Doenças atuais identificadas na família A entrevistada relatou que seu tio tem crise de epilepsia [...] ‘quando isso acontece afeta os nervos dele e ele fica agressivo, já esfaqueou minha avó e chuta minha mãe’ (registro de pesquisador em diário de campo). Logo no começo de nossa abordagem, ele (o morador) brincou ao conceituar sua casa como “unidade de terapia intensiva” [...] logo ele explicou dizendo que na residência havia um cadeirante portador de doença mental, uma idosa de 93 anos com suspeita de neoplasia, crianças com problemas respiratórios (bronquite), dentre outros problemas de saúde (registro de pesquisador em diário de campo). A partir de seus relatos, os principais grupos de doenças identificados foram (gráfico 8): a. b. c. Cardiovasculares, com predominância de hipertensão com 48 casos em 58 entrevistados, além de referências à arritmia cardíaca, enfarte, sopro no coração, cardiopatia, cirurgia vascular, aneurisma abdominal, trombose; Endocrinológicas, com a totalidade dos registros se referindo a diabetes; Osteoarticulares, identificando-se “problemas de Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010 É importante registrar que vários relatos apontaram para a presença de mais de uma doença em uma mesma ou várias pessoas de uma família, em uma combinação, por exemplo, de Diabetes, hipertensão e problemas de coração (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Eu sei conviver com minha doença, sou diabética e hipertensa (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Um filho meu de 41 anos teve AVC, tem outras duas com diabetes e o caçula quase morreu uma vez porque bebe, eu que corri 83 atrás de remédios para ele. Não agüento andar muito porque meu coração é grande, eu fumava, já parei de fumar. Tem uns três meses que a minha filha foi fazer operação a laser de rim, não adiantou nada. Meus filhos todo tem problemas de rim, eu já urinei sangue, tive infecção, porque fazia os pasteis com a barriga quente e vivia lavando roupa. Um filho meu novinho teve problema de pulmão que pegou de um cunhado meu que morava na época aqui também, aí os dois estavam com manchas no pulmão (depoimento de morador, registrado em diário de campo). A preocupação com a saúde, foi uma fala em destaque, associada à recusa ao tabagismo (66,4%), além da adoção de algumas medidas para evitar doenças, como ilustra o gráfico 9. Gráfico 9: Medidas adotadas para prevenir doenças Fonte: Inquérito populacional, 2009/2010 Entretanto, a prática de tais medidas nos pareceu bastante questionável, considerando as vulnerabilidades presentes em seu cotidiano, inclusive as condições de acesso à assistência à saúde que ocorria, na maioria dos casos (62,8%), pela via dos serviços de emergência ou a busca de uma consulta médica em serviços ambulatoriais (21,9%), esta última, nem sempre conseguida em curto espaço de tempo. Além disso, 8,4% se auto-medicavam observando a seguinte lógica: nos primeiros sintomas procuravam resolver a situação com algum remédio que tinham em casa. Caso considerassem que tais sintomas estavam se agravando procuravam, então, um hospital. Os demais recorriam a alternativas que iam desde o “não fazer nada, porque o problema some com o tempo”, até procurar uma rezadeira, orar e usar ervas e remédios caseiros. A falta de ambulância para atendimento, em casos de emergência, foi bastante lembrada, bem como a dificuldade de acesso a alguns tratamentos médicos (consultas especializadas e exames), esta última reconhecida por 50,2% dos entrevistados: Sempre tem dificuldade, mas a gente consegue (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Marcar médico é fácil, mas quando somos encaminhados para um especialista, temos muita dificuldade (depoimento de morador, registrado em diário de campo). Vários foram os relatos que indicaram a insatisfação dos moradores de Custodópolis em relação à interrupção do Programa de Saúde da Família - PSF – amplamente, valorizado no período que funcionava, em decorrência dos serviços que prestavam à comunidade e da qualidade atribuída à atuação da equipe existente. O Hospital Geral de Guarus – HGG – foi o local mais citado (55%), quando se tratava de buscar assistência à saúde, no momento de realização da pesquisa, além do PU de Guarus, reforçando a questão de que a porta de entrada para tal assistência ainda não se encontrava nos serviços que compõem a chamada atenção básica. Serviços de pronto socorro e emergências hospitalares se constituíam como locais de preferência para um primeiro atendimento, sob a justificativa da garantia de conseguirem a consulta, além de evitarem um tempo maior de espera, que certamente, ocorreria nas unidades básicas de saúde. Esta foi uma questão também abordada por Jorge (2010), ao realizar uma pesquisa sobre itinerários terapêuticos no território de Custodópolis. Seu estudo analisou 3 moradores, através de entrevistas em profundidade, alcançando resultados semelhantes ao diagnosticado no inquérito realizado (id. p. 66, passim): Quando descobri a doença, vivia jogada no chão, era uma dor de cabeça que não me largava, minha pressão sempre variando, um dia alta, outro dia baixa [...] ai um dia minha pressão subiu muito, ela me tombou dentro de casa [...] meu esposo me socorreu e me levaram para o HGG (Hospital Geral de Guarus). Cheguei lá o médico fez o exame e disse que o meu problema era neurológico (entrevistada DRS). Ao acordar sem falar e sem mover, me levaram para o HGG, aí no começo acharam que era sistema nervoso, aí passaram para o cardiologista e fiz todos os exames, depois me passaram para o 84 tentativa de solução de seus problemas de saúde. Uns atribuem facilidades aos seus itinerários, outros não. Alguns recorreram à emergência como “porta de entrada”, outros ao sistema particular, e tem os que optaram pela marcação de consulta e encaminhamento para outros médicos, entre outros fatores [...] Os caminhos percorridos dependem da gravidade e urgência da doença, das condições econômicas das famílias, do bom atendimento e diagnóstico médico, entre outros fatores. neurologista, aí foi que fiz uma tomografia que deu AVC (entrevistada NCA) Tudo que eu fiz e faço é particular, só o HGG que não foi. Acho que por isso não tive dificuldade, até por causa da urgência [...] talvez se não fosse pelo particular e esperasse pelo SUS (Sistema único de Saúde) até hoje talvez eu nem teria feito os exames ainda (entrevistada NCA) A autora ainda acrescenta (id., p. 81): Nunca mais voltei ao médico e estou tomando o primeiro remédio que me receitou quando fiquei no HGG há um ano (entrevistada NCA) Essas reflexões nos levam a entender que é necessário romper com os modelos tradicionais de muitas instituições de atendimento à saúde, formulando políticas estratégicas que tenham como objetivo principal a legitimação dos direitos dos usuários que recorrem ao sistema de saúde, onde estão vivenciando a precariedade no atendimento, a demora no diagnóstico, as idas e vindas sem soluções, e utilizando a emergência como “porta de entrada”, visto que só por este caminho que conseguem um atendimento mais rápido. Oliveira e Scochi 21 (2002) ponderam que, esta procura nos atendimentos de urgência acaba gerando uma superlotação, e que, a alternativa para a diminuição da sobrecarga nestes pronto-socorros seria o atendimento eficiente nas unidades básicas de saúde. É visto que há muito que se avançar para estes usuários sejam percebidos como cidadãos de direito [...]. Descobriram que eu estava com hérnia de disco e um desvio que tenho na coluna de nascença... e o problema da trombose é que abriu duas úlceras na minha perna devido a queimadura e descobriram a trombose... a depressão também descobriram por eu ter cometido o auto-extermínio (entrevistada TM) Eu agora no momento estou precisando muito ir ao médico, mas tenho que levantar muito cedo para marcar médico. Esse negócio de falar na televisão vai ao postinho mais próximo é maior dificuldade... muitas vezes eu peguei dinheiro com agiota para pagar a consulta social. Então é muito difícil!... você imagina uma pessoa com crise de hérnia de disco ter que esperar a boa vontade dos médicos para atender... aí fica como coisa que a gente está mendigando, aí fica como se agente tivesse pedindo esmola nesses postos (entrevistada TM) Face aos dados coletados, de acordo com a análise de Jorge (id, p. 79) [...] em um mesmo território e em meio aos problemas de saúde, cada morador escolhe por percorrer um caminho na 21 Neste contexto é importante lembrar que não estamos nos referindo à saúde como apenas ausência de doenças, mas sim com um estado e um processo, associado à qualidade de vida e, portanto, envolvendo dimensões sociais, culturais, econômicas, ambientais e políticas dos indivíduos, em sua relação com o território onde se movimentam. Destaca-se aqui, a necessidade de fortalecimento da comunidade, como ponto capaz de desencadear as almejadas melhorias na direção da constituição de um bairro saudável. 3. Algumas respostas e novas perguntas Quem são as famílias residentes em Custodópolis? Que perfil apresentam? Que vulnerabilidades se desenham em seu cotidiano? Que respostas vinham formulando frente a tais vulnerabilidades? Estas foram OLIVEIRA, M.L.F.: SCOCHI, M.J. Determinantes da utilização dos serviços de urgência/emergência em Maringá (PR). Revista Ciência, Cuidado e Saúde, 85 nossas indagações iniciais de nossa pesquisa, remetendo-nos a um quadro onde, ficou evidente que as famílias pesquisadas enfrentam vulnerabilidades acentuadas, face à combinação de variáveis como renda insuficiente, ocupações instáveis, escolaridade limitada, condições desfavoráveis de habitação e infraestrutura ambiental, além de limitações no âmbito da saúde e acesso à assistência à mesma, dentre outras. Sujeitos e território apresentam fragilidades históricas e com múltiplas dimensões, remetendo a uma cidadania cujo exercício tem sido bloqueado. Entretanto, em meio a tal quadro identificou-se, também, que algumas mudanças favoráveis já vinham ocorrendo no território de Custodópolis, uma vez que nele têm circulado indivíduos e grupos que já tentaram e conseguiram mobilizar a comunidade na direção de sua organização 22 , buscando a superação a realidade que vivenciam. Foram tentativas que renderam frutos e deixando marcas de uma vida ativa. Entretanto, outros problemas surgiram e tais iniciativas se diluíram com o tempo, precisando ser retomadas pois, como afirmam Braga e Mello23 , (2009, p.3), no âmbito da distribuição dos investimentos em infra-estrutura, a tendência é uma configuração de acordo com a relação entre os vários agentes produtores e consumidores da cidade [...] Dessa forma a localização dos grupos sociais nas cidades, seu poder político de pressão, seu poder econômico, o contexto político e as relações do mercado imobiliário apresentam-se como alguns dos fatores que influenciam a distribuição dos equipamentos comunitários. De acordo com o estudo realizado por Torres (2011), o fortalecimento da comunidade é o meio mais eficaz para a constituição de Custodópolis como um bairro saudável. Sua análise lembra que seu poder econômico é baixo e que, uma alternativa pode ser pela via do poder político, como forma de enfrentamento das vulnerabilidades encontradas. A questão é fortalecer e avançar na compreensão crítica sobre a realidade, desenvolver a autoconfiança nos indivíduos e empreender estratégias políticas conscientes e contínuas, acionando o poder público. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, M. B. de A. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo: UNICAMP, n. 11 (supl 1), p. 6-19. 2008. BARROS, Maria Tereza Aguiar Ribeiro. A comunidade de Custodópolis se organiza através do Serviço Social. Campos dos Goytacazes, 1966. Trabalho de Finalização de Curso (Graduação em Serviço Social)- Escola de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense, 1966. BRAGA, r.; MELLO, C.C.D de. Vulnerabilidade social e localização de equipamentos comunitários urbanos: uma avaliiação da distribuição dos equipamentos de saúde na cidade de Rio Claro/SP/ Brasil. Disponível em: <http://egal2009.easyplanners.info/area05/ 5100_Canuto_Dias_de_Mello_Camila.pdf>. BECKER, D. et. al. 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Ver o artigo Caminhos do empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em comunidade, publicado neste livro. BRAGA, r.; MELLO, C.C.D de. Vulnerabilidade social e localização de equipamentos comunitários urbanos: uma avaliiação da distribuição dos equipamentos de saúde na cidade de Rio Claro/SP/Brasil. Disponível em: <http://egal2009.easyplanners.info/area05/5100_Canuto_Dias_de_Mello_Camila.pdf>Maringá, v.1, n. 1, p. 123-128, 1. set. 2002. 22 23 86 OLIVEIRA, M.L.F.: SCOCHI, M.J. Determinantes da utilização dos serviços de urgência/emergência em Maringá (PR). Revista Ciência, Cuidado e Saúde, Maringá, v.1, n. 1, p. 123-128, 1. set. 2002 PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES. Campos dos Goytacazes: perfil 2005. 2006, 184 p. SANTOS, A. M. dos. Medicina preventiva e Serviço Social. Campos dos Goytacazes,1971. Trabalho de Finalização de Curso (Graduação em Serviço Social)- Escola de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense, 1971. 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Os inquéritos domiciliares e o Sistema Nacional de Informações em Saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro: ABRASCO, v.11, n.4, p. 863-868, 2006. 87 12 Caminhos do Empoderamento: redefinindo sons, coros e instrumentos do (com) viver em Comunidade Carlos Antonio de Souza Moraes1 I- INTRODUÇÃO A partir das discussões desenvolvidas nos artigos anteriores, as considerações ora apresentadas, pretendem sob uma perspectiva analítica, trabalhar as seguintes questões: Como podemos pensar a questão do empoderamento? Qual é sua relação com o desenvolvimento alternativo? Qual o sentido e conteúdo desta categoria conceitual? As sociedades locais podem/ conseguem gerar suas próprias iniciativas? Que implicações esta discussão produz para a comunidade de Custodópolis? O objetivo é discutir estas indagações com a intenção de tecer reflexões acerca de um território específico (Custodópolis). No entanto, é necessário ressaltar que por mais que estas análises sejam desenvolvidas a partir de uma dada comunidade, elas se fundamentam em uma perspectiva não localista que tem por base a necessária interação entre o local e o global. Desta forma, a partir de revisão de literatura e pesquisa de campo, registra-se a relevância de problematizar o conceito de empoderamento, analisando e redefinindo suas possibilidades em um dado território. Por outro lado, vale ressaltar que este engenhoso conceito não é um fim em si mesmo, porém, enquanto instrumento base para o desenvolvimento local, deve ser assumido na perspectiva de construir a unidade na diferença. Diante deste desafio, a proposta se vincula a problematizar com o leitor um conjunto de sons, coros e instrumentos do processo de empoderamento em comunidade. II- DO “PODER” AO EMPODERAR: ESTRATÉGIAS TEÓRICAS O momento atual é composto por um cenário de novos temas, problemas e conceitos ou até mesmo de ressignificação dos mesmos, frutos de um processo de globalização que vem instituindo novas relações internacionais nos planos econômico, político, social, cultural e tecnológico (FIORI, 1998; SCHERER, 1997 apud GONDIM, 2002, p. 02). Todas as transformações atuais produzem impactos às sociedades, capazes de demarcarem a reinvenção de seus territórios. Nesta lógica, pensar o desenvolvimento local é compreender que ele se apresenta enquanto uma das alternativas necessárias na contemporaneidade. Para refletir acerca de tal desenvolvimento, um dos aspectos que necessitamos compreender é o empoderamento. Neste caso, recorremos inicialmente à análise gramatical. De acordo com a gramática da língua portuguesa, empoderamento é uma palavra formada por derivação parassintética. Isso quer dizer que tem como base/radical a palavra “poder” e que tem como afixo “em”, prefixo “e” e sufixo “mento”. Além disso, são sinalizadas várias acepções cabíveis à palavra empoderamento, como: ter a faculdade ou possibilidade de; ser capaz de, estar em condições de, ter domínio ou controle sobre, dentre outros (HOUSAISS, 2001). Independente das acepções adotadas, o “poder” deve ser analisado não apenas em seu valor gramatical, mas também como um conceito repleto de significados e interpretações e que se torna “(...) a questão essencial da noção e da abordagem de empoderamento” (ROMANO, 2002, p. 11), cabendo compreender suas principais definições e componentes. Desta forma, Foucault (1978) ressalta que o poder é relacional e sua existência depende de seu uso, sendo constituído por uma rede de relações sociais entre pessoas que possuem certa liberdade. As relações não existiriam sem poder, neste caso, a própria resistência é uma forma de poder. As interpretações de Gallichio (2002) acerca da obra de Foucault o levam a afirmar que o poder se constrói e funciona a partir de outros poderes. Existe uma conexão direta entre as relações de poder e as familiares, sexuais, produtivas, que se entrelaçam tornando-se condicionantes e condicionados no processo de empoderamento. Por outro lado, o relatório do Banco Mundial (2002) ressalta mudanças nas relações de poder e sua diluição nos seguintes elementos: “acesso à informação, inclusão e participação, prestação de contas e capacidade organizacional local”. Essa diluição também se refere/define as áreas em que podem ser aplicados os princípios do empoderamento: “acesso a serviços básicos, promoção da governança local, promoção da governança nacional, desenvolvimento de mercados em favor dos pobres, acesso à justiça e ajuda legal” (Grifos nossos). No entanto, a bibliografia consultada ainda sinaliza que o poder (suas relações, situações de dominação) deve ser o foco no trabalho de empoderamento. Esta afirmação nos indica que independente do nível, do território, da dimensão e dos objetivos, Doutorando em Serviço Social – PUC/SP; Mestre em Políticas Sociais – UENF; Bacharel em Serviço Social – UFF; Professor assistente do Departamento de Serviço Social de Campos/Universidade Federal Fluminense; Membro pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES. E-mail/contato: [email protected] 1 88 compreender a dinâmica do poder se torna fundamental desde a construção do diagnóstico inicial, na construção conjunta da estratégia de ação, no planejamento das ações, nos trabalhos de revisões e na avaliação final (ROMANO, 2002). Analisar as relações de poder e situações de dominação implica tecer uma série de discussões com base em reflexões, que considerem os seguintes aspectos (ROMANO, 2002): * O espaço social em que se manifestam as relações de poder; * Os tipos de exercício de poder e das relações estabelecidas; * Forma de poder predominante nestas relações; * Recursos existentes; * Campo em que estas relações se delimitam; * Atores envolvidos; * Dominantes, aliados e dominados nas relações de dominação; * Atores e sua compreensão da situação analisada; * Formas de dominação e reprodução; * Formas de resistência; * Possibilidades de mudanças; * Possibilidades de monitoramento e avaliação acerca de permanências e mudanças. Percebemos, assim, que nas estratégias de empoderamento a compreensão acerca do poder é essencial, visto que exerce papel dominante na determinação de mudanças necessárias à vida dos sujeitos. A esse respeito, Oakley e Clayton (2003) ressaltam que o poder é base da riqueza, enquanto o desempoderamento é a base da pobreza. O reconhecimento do poder como peça chave na busca da efetiva mudança social, tem sido avivado no processo de empoderamento como esforço em afrontar grandes desequilíbrios de poder e promover apoio aos que não o possuem para se tornarem empoderados. Desta forma, as estratégias teóricas adotadas na construção do poder dentro do processo de empoderamento envolvem dimensões operacionais circunscritas a capacidade pessoal de conduzir possibilidades de ação; aumento de relações efetivas com outras organizações; ampliação do acesso aos recursos. Pensar o poder neste contexto é acreditar na construção do conhecimento, aumento da conscientização e capacidade crítica entre oprimidos e vulneráveis. Poder envolve “fazer”, “ser capaz de”, sentir-se com mais capacidade e no controle ativo de suas ações. Isto é, compreender e operacionalizar a noção de poder é, ao mesmo tempo, processar possibilidades de empoderamento. Mas, o que vem a ser empoderamento? II.I- EMPODERAMENTO: PROBLEMATIZAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS A abordagem de empoderamento não pode ser neutra nem ter aversão aos conflitos e a seus desdobramentos. O desdobramento dos conflitos significa que o processo de mudança, uma vez deslanchado permeia e se infiltra em outras dimensões vividas pelas pessoas e grupos sociais (ROMANO, 2002, p.11). A referência anterior é de fundamental relevância no debate atual acerca do empoderamento, visto que ao se generalizar o uso de tal abordagem (sobretudo através de governos e agências multilaterais) temse objetivado despolitizar seu processo de mudança, tecnizar os conflitos, tentando domesticá-los. “Com essa pasteurização do empoderamento, temse procurado eliminar seu caráter de fermento social” (Idem, 2002, p.11). Quando falamos em empoderamento chamamos a atenção para os termos contágio, troca, participação, reivindicação, lutas, inovação criativa. Acreditar nesta perspectiva é compreender que nos constituímos, enquanto sujeitos, sobretudo, a partir das relações que estabelecemos (familiares, grupais, comunitárias), da forma que processamos, construímos, sentimos e pensamos estas relações. Ou seja, a forma que nos movemos, atuamos e andamos nossa vida e nosso trabalho é o que sobremaneira constitui o nosso ser (de modo histórico, objetivo e subjetivo). Desta maneira, a partir do momento que passamos a compreender o processo no qual estamos inseridos, somos críticos a eles, questionamos regras e nos colocamos aptos a enfrentar as adversidades, buscando eliminar relações de dominação que sustentam a pobreza, privativa de liberdades, estamos desenvolvendo processos de empoderamento, isto é, empoderamento envolve o combate a ordem naturalizada ou institucionalizada da dominação para construir relações mais justas e equitativas. Ao compreender estas dimensões, devemos considerar que agentes de mudanças externos são necessários como catalizadores iniciais, porém, para que se desenvolva tal processo é preciso que as pessoas e suas organizações mudem-se a si mesmas. Políticas, ações, agentes externos podem impulsionar, criar ambientes favoráveis às mudanças (ou não), mas a mudança deve ser interna, em cada sujeito, em cada grupo, a fim de ser projetada, discutida e impulsionada através de leituras, análises e reivindicações coletivas em busca da superação de suas fragilidades. Neste caso, deve-se considerar que, ao longo deste livro, foram analisadas as manifestações das vulnerabilidades construídas no território de Custodópolis (objeto de análise deste documento). Sejam aquelas vinculadas à moradia, saneamento básico, saúde, educação, dentre outras. Sabemos que o conhecimento destas questões é de extrema relevância para o processamento do poder daqueles que não o detêm e, consequentemente, da busca do empoderar-se. No entanto, nossas análises teóricas e empíricas nos projetam às seguintes indagações: Como contribuir para construção da chamada mudança interna em cada sujeito e/ou grupo? Quais os mecanismos de mobilização da população? Refletir acerca destas questões em um dado território envolve não apenas pensar nos limites e possibilidades do empoderamento hoje, mas em sua própria construção histórica, já que nosso entendimento é de que através da reconstrução do passado se projeta o conhecimento e a possibilidade de novas abordagens no momento atual. Neste sentido, identificamos que o termo empoderamento 89 passou por mudanças substantivas de significados nas últimas três décadas do século XX no contexto do desenvolvimento, não sendo trabalhado com muito cuidado. Para Corwall (2000, p. 74), os discursos do desenvolvimento alternativo dos anos 1970 consideravam o empoderamento como o processo em que as pessoas se envolviam na luta para aumento de controle sobre recursos e instituições. Costa (2000) também faz referência ao surgimento do conceito. Ressalta que iniciou-se com os movimentos civis nos Estados Unidos na década de 1970, através da bandeira do poder negro, objetivando valorização da raça e conquista plena da cidadania. Conceito que também começou a ser trabalhado pelas feministas neste período, buscando reduzir a posição de subordinação da mulher. Atualmente, as definições acerca de empoderamento são diversas. Para Romano (2002, p.17) o termo se circunscreve a abordagem e processo. Abordagem “que coloca as pessoas e o poder no centro dos processos de desenvolvimento”. Processo em que “as pessoas, as organizações, as comunidades assumem o controle de seus próprios assuntos, de suas próprias vidas e tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir”. O autor ainda acrescenta que, através deste processo, as pessoas podem tentar superar suas misérias, construindo e escolhendo novas opções e possivelmente se beneficiando delas. Neste caso, defendemos que estas novas opções estão longe de desresponsabilizar o serviço público, a gestão municipal, estadual ou federal. Ao contrário, envolve reivindicar por necessidades que são vivenciadas no cotidiano dos atores sociais e que, por vezes, estes não se manifestam por falta de orientação, naturalização ou por estarem desacreditados de possíveis mudanças às suas realidades. Pensar estas mudanças, segundo Romano (2002), desencadeia um processo relacional e conflituoso. Relacional por envolver vínculos com outros atores. E conflituoso na medida em que é a busca de mudanças nas relações existentes (tanto da posição individual quanto grupal de poder) que acabam gerando conflitos. Villacorta e Rodrigues (2002) ressaltam que empoderamento é um processo que procura colocar no centro, as pessoas excluídas dos processos de desenvolvimento e poder. Situar estas pessoas no centro dos processos é, para os autores, colocar as instituições econômicas (Mercados) e políticas (Estado) a serviço destes grupos. Conforme demarcado anteriormente, neste processo, o sujeito vulnerabilizado deve ser o protagonista de sua própria história. No entanto, o que se observa é que o seu envolvimento com demandas coletivas tem se reduzido com o passar dos tempos. Nossa hipótese é de que o próprio sistema dissemina valores (individualistas) que alteram a relação entre os cidadãos, tornando-os mais introspectivos e submetidos à construção quase que exclusivamente do “eu”. Entretanto, se compreende que esse “eu” não se constrói isoladamente, é na relação, troca, reciprocidade que se processam novas possibilidades. Sendo assim, o processo de empoderamento se desenvolve ao construir a participação coletiva na busca pelo poder e, para tanto, deve romper valores egoístas que vem se construindo entre os homens. Em Custodópolis, o rompimento deve ser pensado a partir de estratégias que considerem o cenário desenhado em seu território, seja relacionado às mazelas existentes na Comunidade; a necessidade de o trabalho ativo da associação de moradores; as influências políticas propagadas no bairro; os serviços públicos existentes; a relação da Comunidade com o Município, do Município com o Estado e com o País. Neste caso, deve haver um envolvimento dos moradores do bairro com objetivo de resgatar os aspectos históricos e atuais de Custodópolis, a fim de mobilizá-los para construção de um mapa que busque o desenvolvimento e a qualidade de vida destes atores, considerando ainda como fundamental a responsabilização do setor público e da própria população. Ao se referirem ao desenvolvimento Villacorta e Rodrigues (2002) partem da perspectiva de que a situação de pobreza e dominação enfrentada por milhares de pessoas no Brasil e no mundo se torna impedimento ao mesmo. Desta maneira, colocam a necessidade de redistribuição do poder, e mesmo que isso seja conflitivo, gera lucros para sociedade. Além disso, este processo, que pode ser facilitado através de ações estimulantes e acesso, envolve controle sobre si mesmo e sobre os meios necessários para sua existência. Sendo assim, é um processo interno (relacionado à auto-estima, autopercepção) e externo (controle e influência sobre o seu entorno). Desta maneira, cabe aos moradores do bairro de Custodópolis desenvolverem um olhar apurado acerca de seu contexto, realizando um “estranhamento” de questões que, ao longo dos tempos, vem sendo naturalizadas e não tratadas com sua devida importância. A identificação e reflexão acerca das mesmas é o primeiro passo, ou seja, não basta identificar as fragilidades da Comunidade, mas estarem coletivamente motivados à inovação criativa. Isto significa que sua avaliação e a reivindicação de alternativas capazes de solucionar tais questões são “ingredientes” necessários no processo de empoderamento. Neste sentido, pensar em empoderamento envolve, pelas vias democráticas, construir e ampliar as capacidades destacadas por Villacorta e Rodrigues (2002, p.47) de: * Assumir o controle de seus próprios assuntos; * Produzir, criar, gerar novas alternativas; * Mobilizar suas energias para o respeito a seus direitos; * Mudar as relações de poder; * Obter controle sobre os recursos (físicos, humanos e financeiros) e também sobre a ideologia (crenças, valores e atitudes); * Poder discernir como escolher; * Levar a cabo suas próprias opções. A abordagem de Marta Antunes (2002, p.97) se relaciona à anterior ao considerar o empoderamento “como estímulo e motor do processo de desenvolvimento e superação das pobrezas”. No entanto, 90 deve-se compreender que para isso, as pessoas, organizações e comunidades devem ter controle de seus próprios assuntos (no sentido de dominá-los), de suas vidas e destino com o objetivo de produzir, criar e gerir. Ou seja, pensar em empoderamento inclui considerar componentes cognitivos, psicológicos, sociais, políticos e econômicos (COSTA, 2000). Já para Gita Sen (1997) empoderamento é o processo de ganhar poder tanto para controlar recursos externos como para o aumento da auto-estima e da capacidade interna. Ainda acrescenta que a mudança deve ocorrer tanto em relação aos recursos externos e a percepção das pessoas acerca destes ambientes, quanto na consciência das pessoas, que precisam controlar suas vidas e estarem motivadas e atentas na busca pelo poder, já que são elas que empoderam a si mesmas. A discussão acerca desta categoria evidencia que é um conceito, que direta ou indiretamente, está inserido no debate ideológico do desenvolvimento. Villacorta e Rodriguez (2002) em “Metodologias e ferramentas para implementar estratégias de empoderamento” o vinculam ao estímulo ao desenvolvimento sustentável, entendendo este último como busca, não apenas de gerar riqueza, mas bem-estar, não sendo reduzido ao econômico, pois além deste inclui diversas dimensões ou esferas da vida humana, como política, social, econômica, cultural, ambiental, dentre outros, se tornando um fenômeno multidimensional. Enrique Gallichio (2002) faz uma análise da discussão do empoderamento na América Latina. Conclui que um objetivo de fundo é a geração de políticas nacionais de desenvolvimento local, que só é possível se o nível central for consciente da importância das diferenças, diversidades e singularidades nos processos de desenvolvimento, gerando reformas descentralizadoras e propiciando, através de marcos legais, o desenvolvimento das diferenças. No entanto, estes processos geram incertezas na medida em que passam a expressar uma cultura local, quando antes era global, propiciando um ceticismo em relação às capacidades de desenvolvimento das sociedades locais. Identificamos, ao longo da literatura analisada, que o empoderamento é um conceito – chave na abordagem do desenvolvimento alternativo. Segundo Friedman (1996) os autores do desenvolvimento alternativo defendem os direitos humanos universais e os direitos particulares dos cidadãos (sobretudo as pessoas sem voz e poder) em determinadas comunidades políticas. Este modelo envolve o processo de empoderamento, cujo objetivo, a longo prazo, é reequilibrar a estrutura de poder na sociedade, em que o Estado esteja mais sujeito a prestar contas, a sociedade civil gerir seus próprios assuntos e o mercado ser mais responsável. O objetivo é, portanto, transformar a totalidade da sociedade através da ação política aos níveis nacional e internacional, havendo assim, um salto de qualidade do local para o global. Democracia participativa, igualdade de gêneros, crescimento econômico, são fundamentais para as mudanças nas estratégias nacionais propagadas pelo desenvolvimento alternativo. A questão a ser debatida é que o Estado (forte e democrático), neste processo, objetiva, sobretudo, a instauração de políticas, encaminhando para as instâncias locais e para o povo a gestão de seus próprios problemas. Atuar nesta perspectiva pode trazer implicações drásticas ao contexto local (e até mesmo nacional e global) e aos sujeitos envolvidos. Além da ação local se encontrar fortemente restrita a forças econômicas e estruturas globais, o Estado pode relegar (como já vem acontecendo) à sociedade funções, atribuições e deveres que são seus, não garantindo políticas universais, possibilitando serviços públicos de pouca qualidade e para poucos. Diante disso, nossas análises partem para as seguintes reflexões: não seria o empoderamento um processo pelo qual os cidadãos deveriam se tornar conscientes e co-responsabilizados por suas realidades a ponto de reivindicar de maneira crítica, junto ao poder público, aquilo que lhe é de direito? Ao poder público não caberia responder tais reivindicações com políticas públicas garantidoras de tais direitos? As avaliações que desenvolvemos partem do pressuposto de que os atores do processo de empoderamento se tornam protagonistas quando compreendem suas histórias, identificam suas realidades e objetivam, coletivamente, melhorias a ela. Para tanto, devem reavivar o inconformismo e a altivez; fortalecer a resistência e a participação social; estruturar a rebeldia em busca de reivindicações conscientes e de qualidade. Assim, é necessário que se organizem, reivindiquem e apresentem ao poder público democrático, alternativas capazes de contribuírem para superação de suas vulnerabilidades, colaborando para a construção de políticas públicas também democráticas. Neste caso, estas ações, dos atores e poder público, também contribuirão para o desenvolvimento local. Diante do exposto, o que se verifica é que compreender conceitualmente o empoderamento envolve articulações sistemáticas com dados/informações do real. Desta forma, viemos abordando indiretamente eixos tais como: participação, informação e identidade, que são elementos relevantes na construção do processo de empoderamento e que, por isso, os analisaremos a seguir com base em dados pesquisados em Custodópolis redefinindo as possibilidades do (com) viver em comunidade. III- ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO PROCESSO DE EMPODERAMENTO: O CASO DE CUSTODÓPOLIS Ao longo deste artigo viemos trabalhando com autores que abordam diferentes perspectivas em relação ao empoderamento. Identificamos e registramos a relevância de alguns de seus elementos, bem como, discutimos suas definições e relações com o desenvolvimento local. Concordando ou discordando de abordagens que envolvem este conceito denso e repleto de significados, afirmamos, a partir da bibliografia consultada e das análises desenvolvidas, sua importância no processo de combate a pobreza. Nestes casos, a pobreza é 91 Um estado de desempoderamento e de privação que apresenta várias dimensões e se manifesta de forma diferenciada de pessoa para pessoa, de família para família e de comunidade para comunidade; e para superar as pobrezas é necessário enfrentar suas várias dimensões, percorrendo os caminhos individuais e coletivos de empoderamento (ANTUNES, 2002, p.110). Tal superação, além da transformação das relações de poder existentes, se torna meio e fim do empoderamento. “Meio” na construção de um futuro possível, palpável com a possibilidade de recuperar as esperanças da população e mobilizá-la para luta por seus direitos. “Fim” já que o poder está na essência da definição e superação da pobreza. Um fator de grande relevância é o monitoramento dos processos de empoderamento, no sentido de garantir que não se reproduza dominação que caracterize pobreza e/ou situações de vulnerabilidade. Neste caso, este conceito é fundamental, visto que as estratégias de combate e superação da pobreza estão relacionadas a um processo político, em que seus atores, a partir da articulação de temas comuns, sejam capazes de alterar as correlações de força em diferentes níveis (macro, micro, etc.). Uma estratégia de combate a pobreza que privilegie o empoderamento deve ser capaz de enfrentar sua natureza multidimensional, colocando ainda, as pessoas que vivem esta realidade no centro da questão. Isto significa que empoderamento das pessoas vivendo situações de vulnerabilidade e/ou pobreza é um processo que se constrói na busca de acesso e controle sobre si e sobre os meios necessários a sua existência (ANTUNES; ROMANO, 2002). O que se verifica é que as visões, aspirações e prioridades das pessoas e grupos desempoderados estão no centro dos processos de empoderamento. Compreende-se assim que a participação destes sujeitos se torna de extrema relevância num contexto de pobreza e busca de sua superação. De acordo com Lorio (2002) a participação é um elemento constitutivo das estratégias de empoderamento. Experiências por todo mundo tem mostrado que processos de participação possibilitam processos de empoderamento, fortalecendo práticas de desenvolvimento que contemplam as pessoas que vivem na pobreza. Se empoderamento é considerado para alguns autores como um fim em si mesmo, participação é um meio para atingir fins, que pode ser ou não o empoderamento de pessoas excluídas e vivendo da pobreza. No entanto, como já sinalizamos, por diversos fatores o ato de participar de causas e interesses coletivos vem se tornando mais frágil a partir de valores individualistas disseminados pela sociedade capitalista. Esse processo ampliado afeta sujeitos em distintos territórios. Em Custodópolis isso não é muito diferente. Identificamos que 66,7% dos moradores da Comunidade não participam de nenhum grupo social. Dos 33,3% que participam, suas atividades coletivas estão restritas a: 74,2% grupo religioso, 13,4% grupo da terceira idade; 3,3% associação de moradores; 0,8% cooperativa; 0,8% escola de samba; 7,5% outros. Esses dados permitem observar que o fator religioso é o que sobremaneira motiva os moradores a participarem de ações conjuntas. Neste ponto, vale ressaltar que inicialmente as diferentes igrejas presentes no cenário de Custodópolis eram a Batista e a Católica. Entretanto, “Atualmente, existem várias outras expressões da religiosidade local e na interpretação de uma moradora: ‘cada um tem um terreno e faz a sua igreja em torno dele mesmo’.” (DIAGNÓSTICO PRELIMINAR, 2008, p.44). Independente da religião, de uma forma ou de outra se observa a presença e a influência destas igrejas na Comunidade pesquisada. A Igreja Batista, por exemplo, realizava, no período de trabalho de campo, um trabalho social prestando auxílios emergenciais (doação de alimentos, remédios, passagens e pequenas reformas em casa) à população considerada mais carente. A origem das verbas, para tais auxílios, vinculava-se a moradores de outros bairros, já que os de Custodópolis são considerados pobres. As lembranças em torno da Igreja Católica relacionavam as festividades, como a de Nossa Senhora da Conceição (padroeira do bairro). No entanto, as comemorações que, no passado, duravam uma semana e eram compostas por várias atividades, resumem-se na atualidade, a uma procissão. Por outro lado, os 20% restantes compõem atividades que caracterizam mais diretamente processos participativos que podem ser mobilizadores ao desenvolvimento de estratégias de empoderamento. Há, assim, um número considerável de moradores na Comunidade de Custodópolis que já desenvolvem ações coletivas e que podem ser estimulados à participação de maneira crítica e propositiva. Além disso, se participação é a busca da população por seus direitos a partir de decisões que afetam sua vida cotidiana, promovendo espaço democrático para controle social, diagnosticamos a possibilidade concreta de seu processamento na medida em que 55,3% dos moradores do bairro expressaram que gostariam de participar de algum grupo para buscar melhorias para o mesmo. Essas informações corroboram para a possibilidade de se criar estratégias consubstanciadas pela literatura, que entendem o “empoderamento como participação”, já que esse vínculo é o que emerge de maneira mais forte a partir de algumas experiências no mundo. Desta forma, a inferência desenvolvida é que no contexto ora analisado, uma das primeiras possibilidades em relação ao processo de empoderamento pode estar relacionada à mobilização dos atores que se demonstram pré-dispostos à participação em causas coletivas. Um dado relevante e que contribui para tal 92 inferência refere-se ao fato de que no dia 02 de novembro de 2009 o jornal Folha da Manhã registrou que na noite anterior os moradores de Custodópolis fizeram uma manifestação fechando a rua Júlio Armond. Através de fogo, pedras e pneus procuraram chamar a atenção para o problema dos veículos que circulam em alta velocidade, causando acidentes, como relata a reportagem ao lado. Compreendemos que todo este processo não é simples. Impedimentos e obstáculos são desenhados em cada ação, seja através de tal mobilização para participação, da discussão de estratégias coletivas, da busca de objetivos comuns, da organização e sinfonia do próprio grupo, ao articular seus “sons, coros e instrumentos” necessários ao desenvolvimento local. No entanto, a literatura aponta que muitos destes obstáculos e impedimentos podem ser superados pelos participantes com a ajuda de “facilitador/as”. Todos estes atores (facilitadores e participantes) devem estar atentos a multidimensionalidade que produz e reproduz a pobreza, não subestimando a complexidade das estruturas do poder local, que podem ser ocultadas por discursos democráticos e participativos. Assim, os processos participativos não podem ser superficiais e reduzidos a meras consultas. É necessário discutir, opinar, controlar, ouvir, avaliar... No entanto, isso não será possível se as pessoas não tiverem acesso à informação de qualidade, capaz de propiciar a identificação mais aprofundada de suas realidades e a análise de possíveis saídas perante suas vulnerabilidades, saídas da condição de “beneficiário” para ser um agente ativo do processo (LORIO, 2002). Isto é, se 52,6% dos moradores de Custodópolis acreditam que cabe aos políticos prover melhorias para o bairro, eles também devem compreender que essas mudanças não podem acontecer de “cima para baixo”, sem conhecimento, participação e reivindicação da própria comunidade. Por outro lado, 18,0% acreditam que tais mudanças devem ser promovidas pelos próprios moradores; 15,3% pela associação de moradores e 14,1% por outros (Prefeitura e grupo de apoio à Comunidade). O que se verifica a partir destes dados é a necessidade de relativizar, para tanto, a informação é indispensável. Ao referirmos ao termo “relativizar” partimos do pressuposto de que o empoderamento envolve uma relação direta com o indivíduo, que por sua vez deve ter “consciência crítica” (FREIRE, 1974) para que possa expandir seus horizontes e não serem conformados com sua própria sorte. É isso que os possibilitarão a potencialização de sua participação com vistas à garantia de seus direitos e ampliação dos mesmos, via política pública. Nesta lógica, é necessário pensar em estratégias de informação é não restringi-las ao contexto local e sua dinâmica de pobreza, mas também considerá-las em relação aos níveis regionais e globais, entendendo o conhecimento como elemento do contexto social e ligado a diferentes posições de poder. Esta informação/conhecimento possibilitarão, dentre outros, a construção e percepção acerca da identidade local, que para Gallichio (2002) é construída a partir das dimensões da história e do território. História enquanto memória viva, que se reconhece no Figura 1: Manifestação na rua em Custodópolis. Fonte: Jornal Folha da Manhã, 02/11/2009. 93 passado e representa continuidade e ruptura com o mesmo, o presente e o projeto. Território enquanto lugar habitado pelo grupo e que constrói sua consciência. De acordo com Gallicho (2002), a identidade é constituída numa relação passado- presente- projeto, processo que se produz dentro de um sistema de relações, em que há idéia de unidade e diferença; existência de limites que permitem intercâmbios seletivos com os outros, além de rememorar ao que viveu, adequando aos novos contextos. Desta forma, compreendemos a identidade em sujeitos coletivos enquanto uma relação de continuidade e ruptura, através da troca dos que estão dentro e da diferenciação dos que estão de fora. Assim, a identidade também se apresenta enquanto elemento – chave da condição de empoderamento, proporcionando o exercício das liberdades individual e do grupo de maneira mais coesa, crítica e propositiva. No entanto, esta “troca” e exercícios de liberdades em grupo de maneira coesa devem ser construídos de forma mais aprofundada em Custodópolis, visto que os próprios moradores sentem dificuldades em identificar (quando identificam) líderes em seu bairro. Destes atores, 69,1% acreditam não haver líder na comunidade, enquanto 30,9% destacam, sobretudo, a presidente da associação de moradores e alguns políticos que, de uma maneira ou de outra, criaram vínculos com o bairro. Apesar de ainda ressaltarem que “a associação de moradores é responsável por buscar melhoria no bairro, mas não vê a associação do bairro funcionar” (informações do diário de campo). Diante do exposto, avaliamos que o poder, a participação, a informação e a identidade se apresentam enquanto eixos fundamentais às análises e operacionalização de processos de empoderamento. Nossa abordagem particularizou determinada Comunidade, buscando compreender suas singularidades, a fim de analisar possibilidades na construção de tal processo em longo prazo. No entanto, as inferências desenvolvidas colaboram para que se possam re-pensar o “(com) viver em Comunidade”, além disso, defendemos sumariamente que as sociedades locais podem conseguir gerar suas próprias iniciativas, desde que estejam organizadas, articuladas a partir destes e de outros elementos (na busca de seus direitos junto ao poder público) que também serão analisados a seguir. empoderamento, possuem grandes possibilidades de influenciar o estabelecimento de políticas públicas que considerem seus interesses, além de ser possível empreender iniciativas que propiciem os processos almejados; * A implementação de estratégias em espaço nacional carece de particularidades locais. No entanto, a partir de setores populacionais amplos (mulheres, infância e adolescência, etc.) se podem aprovar marcos jurídicos que defendam seus direitos civis e a alocação de recursos que os privilegiem; * Uma proposta de empoderamento genuína deve possuir articulação entre local-global, apesar de situarem em um destes espaços. As tipificações desenhadas pelos autores anteriormente são de extrema relevância na medida em que muitos questionamentos são elaborados no que tange ao local como dimensão de análise. Isto porque sabemos que se por um lado, o contexto local é fortemente influenciado e até avassalado pelas consequências da globalização, por outro, há sinais de que ele pode se apresentar enquanto alternativa a estes males, se tornando uma resposta, uma reação a este estado de coisas. Na busca de construção do empoderamento, “O desafio passa, então, pela capacidade dos atores em utilizar os recursos que passam, e ficam, em seu âmbito territorial, para melhorar as condições de vida dos habitantes” (GALLICHIO, 2002, p. 78). Neste caso, as estratégias desenvolvidas devem ser orientadas, segundo Villacorta e Rodrigues (2002, p. 54) em duas direções: “a. O incremento das capacidades internas; b. A criação de condições a sua volta que favoreçam os processos de empoderamento”. Acerca da primeira direção, os autores pontuam quatro eixos de ação para fortalecer os grupos sociais em desvantagem, são eles: 1O fortalecimento de suas organizações; 2- A criação de novos conhecimentos e habilidades; 3- O fortalecimento de sua auto-estima e valores e; 4- A construção de vínculos e alianças com outros setores. Considerar estas dimensões é compreender que, além de uma dimensão pessoal, o empoderamento possui (para alguns autores) dimensão organizacional; que seu processo não pode passar por cima da criação de conhecimentos e habilidades; que a mudança na autoestima dos participantes de projetos tem se tornado um importante efeito desencadeador de outras transformações positivas nas relações familiares e comunitárias; Além do mais, as alianças são fundamentais no fortalecimento dos setores pobres, capazes de influir para que suas propostas sejam levadas em conta. V- CONSIDERAÇÕES FINAIS IV- EMPODERAMENTO: ESTRATÉGIAS PRÁTICAS A proposta de empoderamento pode ser desenvolvida a partir de cinco espaços sociais de ação, a saber: a família, a comunidade, o município ou a região, o País e o global. Com base em Villacorta e Rodrigues (2002) vemos que: * No contexto familiar as estratégias devem ser orientadas à equidade de gêneros, ao acesso a moradia, emprego, saneamento, água, educação, saúde, dentre outros; * Em nível local e regional, os grupos, em processo de As discussões, ora apresentadas, foram fruto de um trabalho de pesquisa desenvolvido em uma Comunidade há mais de dois anos. Como vimos nos artigos iniciais deste livro, tal pesquisa está embasada em eixos teóricos capazes de problematizar e até, contribuir para construção de propostas a tal localidade, sem desconsiderar os outros contextos. Empoderamento é um destes eixos. Entretanto, neste momento, vale ressaltar que, apesar da relevância da categoria e de suas discussões, o que procuramos fazer foram algumas aproximações da mesma, de maneira inicial, compreendendo, que tais análises podem ser aprofundadas, revistas e discutidas a partir de novas aproximações da 94 realidade e do próprio conceito. O desafio de discutir esta proposta se desenvolveu por acreditarmos na necessidade de se refletir acerca da categoria (limites, possibilidades), através de aproximações iniciais, com o objetivo de conhecer e identificar seus principais elementos, analisando-os a partir de dados concretos. Diante disso, a abordagem desenvolvida neste artigo fez uma alusão ao empoderamento e seus possíveis caminhos. Isso quer dizer que todos os elementos do empoderamento trabalhados durante nossas análises podem ser neste momento, instrumentos fundamentais à construção destes sons e coros das comunidades, proporcionando uma sinfonia entre a identificação daquilo que se vive, com o que se deseja construir para “superação” da pobreza (em sua multidimensionalidade). Ou seja, ao compreender e processar tais elementos se torna possível redefinir possibilidades do viver em comunidade. Obviamente, compreendemos o processo de empoderamento como algo dinâmico, bem como, a elaboração de um sistema de monitoramento adequado. No entanto, a partir de fundamentação teórica, viemos trabalhando com os seguintes elementos/dimensões: Por outro lado, cabem alguns esclarecimentos finais. Nossa abordagem compreende os homens como sujeitos da história e que sua Fluxograma 1: Dimensões do/para o empoderamento. Fonte: do autor, 2012. 95 situação de pobreza e/ou vulnerabilidade é fruto de um sistema desigual em sua essência. Para tanto, identificamos inicialmente o empoderamento como uma categoria capaz de contribuir na superação de tais desigualdades, enquanto instrumento mobilizador da participação, orientação e reivindicação dos sujeitos por seus direitos. Assim, entendemos que o empoderamento envolve o combate a ordem naturalizada ou institucionalizada da dominação para construir relações mais justas e equitativas e que isso só é possível, a partir do momento em que os sujeitos conhecem sua realidade, percebem a necessidade da mudança, se fortalecem coletivamente e reivindicam junto ao poder público seus direitos. No caso do serviço social (profissão de formação do autor do capítulo), não colocamos em pauta qual seu objeto de intervenção, como Machado (2008) o faz, visto que ainda compreendemos as expressões da questão social como objeto do serviço social. No entanto, o empoderamento pode se apresentar enquanto estratégia de trabalho a tais manifestações, no sentido de fortalecimento dos sujeitos na busca pela garantia de seus direitos sociais. Obviamente, não desconsideramos as particularidades de cada situação, nem mesmo entendemos que o empoderamento seja a solução a todas as demandas apresentadas, pelo contrário, estamos registrando a necessidade de estudar esta categoria e se apropriar daquilo que pode ser trabalhado pelo serviço social em consonância com seu projeto profissional. Ou seja, este momento particular de estudo e análises se apresenta como um convite ao debate, na necessidade de não “fechar os olhos” a novas possibilidades, em que nossa defesa se torna exclusivamente no sentido de aprofundamento teórico e de posicionamentos que venham somar a esta aproximação inicial acerca de tal categoria, que no contexto em questão, demonstra grande relevância. Relevância por contribuir para as abordagens acerca de desenvolvimento (dos sujeitos e das comunidades), participação social, organização e reivindicação coletiva, identidade de classe, trabalho em comunidade, ou seja, possibilidades de iniciativas críticas destes sujeitos junto ao poder público. Isto é, estamos falando em um processo, a longo prazo, que pode contribuir para que sujeitos não sejam só pessoas, mas sobretudo, cidadãos e, por isso, não sentimos um tom utilitário e/ou conservador ao se trabalhar e operacionalizar estas concepções compreendendo aí, a necessidade de se pensar o serviço social. Neste caso, a contribuição que este capítulo apresenta está em compreender, a partir dos dados pesquisados, que muitos destes “sons, coros e instrumentos” que se referem aos caminhos do empoderamento, podem redefinir o (com) viver em Custodópolis e que, para tanto, o primeiro passo está na mobilização da comunidade, através de facilitador (es), para que esta reivindique e lute por seus objetivos junto ao poder público. Mais do que respostas, estas considerações finais trazem propostas, que podem ou não contribuir para mudanças efetivas em nossa forma de pensar, ver, e agir perante determinadas realidades, refletindo para além de “fórmulas” ditas “certas” mas que, na prática, podem ainda trazer muitas incertezas... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Marta. O caminho do empoderamento: articulando as noções de desenvolvimento, pobreza e empoderamento. In: Empoderamento e direitos no combate à pobreza. Rio de Janeiro: ActionAid Brasil, 2002. COSTA, A.A. 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Que “capacidade de resposta” (MARANDOLA JR; HOGAN, 2006) foi possível identificar na comunidade? O tema é amplo e ainda precisa ser muito explorado. Entretanto, os dados levantados indicam que há uma grave vulnerabilidade em curso na comunidade estudada. Vulnerabilidade que tem história, que apresenta várias faces e dinâmicas, que atinge pessoas, grupos e o próprio lugar, articulando particularidades regionais a questões que se estendem ao cenário nacional, evidenciando que são complexos os entraves a serem vencidos. Citando Wisner5 , Marandola Jr. e Hogan (id.) consideram que muitos dos elementos que compõem a vulnerabilidade não estão dissociados da “vida normal”, do cotidiano das pessoas. Para os autores, estilos de vida, atitudes, condutas e valores que podem fazer parte de uma família, cultura, região ou outras esferas coletivas nas quais a pessoa está inserida, ligam-se a perspectivas pessoais, percepções e à própria experiência no aumento da segurança, tanto no campo existencial como na dimensão objetiva da vulnerabilidade. (id.p.35) Desta forma, é importante romper com concepções que restringem o conceito de vulnerabilidade a campos específicos, entendendo-o em uma perspectiva interdisciplinar. Esta foi a ótica adotada na pesquisa realizada, sendo possível constatar que dimensões sociais, econômicas, ambientais, civis se combinam na composição do quadro encontrado. É certo que alguns avanços foram observados, notadamente, em termos de escolaridade, ocupação e rendimentos. Verificou-se maior valorização e condições de acesso ao ensino formal, inclusive sendo identificados estudantes universitários. O trabalho, embora ainda incluindo biscates ou ocupações que exigiam baixa qualificação, diversificava-se, não se restringindo à lavoura de antes. Em relação ao acesso a bens de consumo foi identificada a presença de uma grande variedade de produtos. Com tal perfil, Custodópolis apresentava características que vinham sendo identificadas através das PNADs (IBGE), no restante da população brasileira, principalmente na última década, no que se refere a mudanças no padrão de consumo, registrando-se, sobretudo, maior acesso à telefonia, à informática e a outros bens domésticos. Esta era uma questão, também, focalizada por pesquisadores do CEBRAP, Torres, Bichir e Carpim (2006), que referiam-se à complexidade dos padrões recentes da pobreza urbana e questionavam se o país não estaria diante de uma pobreza diferente, listando fatores como: as transformações estruturais que vem ocorrendo, o papel das políticas sociais, a mudança no tamanho das famílias, a transformação do papel da mulher e a maior oferta de crédito. Retratando uma tendência nacional (IBGE), também em Custodópolis, identificou-se o crescimento da chefia feminina das famílias e uma grande preocupação destas mães era inserir seus filhos nas escolas e programas sociais, retirando-os das ruas, que tantos riscos representava. As casinhas de palha deram lugar a moradias de alvenaria. Suas condições, contudo, nem sempre eram as melhores, o mesmo acontecendo com a infraestrutura ambiental. Neste ponto, a ausência de uma rede de esgoto configurou-se como o maior problema. Ao seu lado estava a questão da falta de segurança. A violência, associada ao tráfico de drogas assustava uma parcela expressiva da população, levando-a a pensar em se mudar do bairro. A maioria, contudo, revelava um grande vínculo ao território onde nascera e continuava a viver, acabando por relativizar tais riscos. 1 Enfermeiro CCIH – HGG; Professor FAETEC - Campos dos Goytacazes. Gestor e professor de Graduação em Enfermagem - UNIVERSO - Campos dos Goytacazes. Mestre em Comunicação Social pela UFRJ. 2 Assistente social, Professora Associada do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – Universidade Federal Fluminense, Doutora em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde – GRIPES/UFF. 3 Médica, Professora da Faculdade de Medicina de Campos, Pós Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Coordenadora do Programa Bairro Saudável: tecendo redes, construindo cidadania (gestão 2009-2013). 4 Doutoranda em Política Social/UFF, Mestre em Serviço Social pela UFRJ, Assistente Social pela UFF, Profª. Adjunta do Curso de Serviço Social do ESR/UFF e pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde- GRIPES/UFF. 5 WISNER, B.; BLAIKIE, P.M.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability, and disasters. 2. ed. London: Routledge, 2004. 471p. 97 Fragilidades apareciam também na saúde, com altos índices, sobretudo de doenças como diabetes e hipertensão. A maior alternativa de assistência encontrava-se em serviços de pronto socorro que, a exemplo do que também acontecia no resto do país, funcionava como porta de entrada ao atendimento médico, já que as condições de acesso aos serviços ambulatoriais não correspondiam à demanda existente. A proteção social ainda atingia um número limitado de famílias, sendo a rede de parentesco seu principal suporte. Seu poder de reação e articulação, tão expressivos no passado, se diluíram no tempo, uma vez que, de um lado, a comunidade acolhia muitos “estranhos”, e não apenas aquelas “pessoas de bem que queriam ajudar”; de outro, os laços que, tradicionalmente, mantinham com políticos ou entidades assistenciais foram rompidos ou enfraquecidos, dando lugar ao descrédito, ao desânimo, à dificuldade de reação face às vulnerabilidades que vinham se acentuando. Um outro fator agravante podia ser citado: o orgulho de morar em Custodópolis era comprometido por um grande constrangimento que alguns sentiam, pois carregavam o estigma de serem identificados como moradores de uma área de risco. O desenho traçado remetia à consideração de que: A capacidade de responder ao perigo dependerá da quantidade e qualidade de recursos (ou ativos) sociais, ambientais, culturais e econômicos que cada lugar possui. A memória, a história e as experiências são instâncias fundamentais para coesão social do grupo, e seu fortalecimento diante do perigo. Diante de tal quadro, uma possível saída poderia ocorrer, através da revitalização dos sujeitos, do resgate da auto-estima, para que se tornassem capazes de construir respostas às vulnerabilidades que compunham seu território. Considera-se, assim, como ManziniCovre (2003, p. 10) que há necessidade de “preparo”, de produção de subjetividade promissora, e os direitos e deveres, ou seja, o conteúdo do exercício da cidadania depende de enfrentamento político contínuo: “só existe cidadania se houver a prática da reivindicação”. Trata-se, assim, do que enfatizavam Marandola Jr e Hogan (op.cit, p.40): A capacidade e habilidade de converter oportunidades em ativos passam pelo empowerment e pelos entitlements, que podem ocorrer por meio de processos verticais (de cima para baixo) ou horizontais (redes sociais, participação, laços comunitários solidários, inventividade pessoal). Os entitlements podem ser tanto objeto de políticas públicas quanto uma forma que a própria população encontra para lidar com seus próprios riscos, diminuindo sua vulnerabilidade. Neste ponto, cabe lembrar a dialética possível implicada no conceito de vulnerabilidade, como abordam Vignoli, Filgueira e Arriagada, citados por Castro e Abramovay (2004, p. 3), “referindo-se tanto ao negativo, ou seja, a obstáculos para as comunidades, famílias e indivíduos — riscos —, quanto ao positivo, considerando possibilidades, ou a importância de se identificar ‘recursos mobilizáveis nas estratégias das comunidades, famílias e Indivíduos’ (Vignoli 2001: 58)”. Com isso, se a pesquisa realizada permitiu a obtenção de respostas às perguntas traçadas, não há como negar que outras tantas indagações surgiram, associadas, sobretudo, à implementação de ações, de acordo com a proposta do Programa Bairro Saudável. Que caminhos seguir? Que sujeitos mobilizar? As igrejas, os grupos da terceira idade e a associação de moradores seriam alternativas viáveis? Que limites e possibilidades transitavam no cotidiano de uma experiência interdisciplinar? O trabalho só começou e muito há ainda para se discutir e avançar. Algumas indicações, contudo, já podem ser esboçadas nas áreas: a) Sócio-ambiental b) Sócio-Educativa c) Cultural d) Econômica a) Área Sócio-Ambiental: ações voltadas para o enfrentamento dos riscos à saúde e ambiental, causados pelo esgoto a céu-aberto e lixos em terrenos baldios. SUGESTÕES: - Capacitação de educadores, monitores e alunos em educação ambiental nas escolas do bairro; - Implementação de oficinas de práticas ambientais: plantio de mudas em terrenos baldios (áreas degradadas); - Realização de cursos de jardinagem: atuação residencial, predial e em áreas públicas; - Produção de mini-documentário com participação dos moradores, sobre as condições ambientais (ênfase em saneamento), juntamente com abaixo assinado da comunidade para ser entregue à PMCG, como demanda do bairro e busca de enfrentamento das condições sanitárias. b) Área Sócio-Educativa: ações voltadas para práticas educativas e de qualificação profissional. SUGESTÕES: - Realização de Curso para educação de adultos; - Implementação de atividades extra-curriculares no contra-turno formal (reforço, melhoria e aproveitamento escolar). Além dos conteúdos formais curriculares, as ações devem ser dirigidas, através de jogos de matemática, pesquisa em internet, orientação para pesquisas escolares roda de leituras. 98 - Organização de uma Biblioteca: Espaço destinado a empréstimo de livros, oficinas de redação, leitura, contação de histórias, saraus de poesias, etc. - Implantação de um projeto que poderia ser denominado “Mala de leitura”, envolvendo: leitura itinerante em espaços abertos da comunidade, como por exemplo, a praças; - Parceria com o Campo de futebol, para realização de atividades esportivas e recreativas. c) Área Cultural: práticas que resgatem a riqueza de bens imateriais da localidade, por meio da tradição oral e de encontros intergeracionais que possibilitem o diálogo entre saberes e fazeres do ontem e do hoje. SUGESTÕES: - Oficina de Memória: Resgate através de mestres da tradição oral de antigas práticas comunitárias: jongo, corridas rústicas, bailes nas casas, quadrilha/dança jardineira. Memória das histórias e casos locais, cantigas de roda, receitas tradicionais, história dos espaços e personagens do bairro, articulando essas antigas práticas ao contexto atual. As ações poderiam ser reeditadas, homenageando antigos espaços e personagens. - Cine Teatro Primor: sala com equipamento audiovisual e projeção digital. Exibição de sessões gratuitas (filmes alternativos, documentários). Sala de teatro: curso de teatro. Matinê na pracinha. - Jongo da Tia Maria Anita: regate da tradição do jongo. Apresentações culturais. - Quadrilha Caipira do Vicente: apresentações - Folia de Reis do Zé Laurindo: apresentações - Circuito ciclístico Nicodemos - Memória Esportiva: “Come-Gato”: exposições... - Roda e Cantigas na Praça - Exposição de fotos antigas da comunidade (personagens). - Produção de mini-documentário com antigos moradores, transmissores da tradição oral comunitária. Objetivo: reconstrução contínua da identidade local. - Contação de histórias: “Mula sem cabeça”, “ônibus da luz vermelha”, “Negrinho levado” e outras histórias da memória do bairro e do folclore campista. - Produção de um livro com essas histórias e com a memória da comunidade. d) Área Econômica: Capacitação de artesãos local identificados com confecção de produtos em tecido de identidade folclórica. Tecidos em chita, juta e variações rústicas, que expressem a tradição carnavalesca do bairro e a identidade rural de campos nas expressões da mana chica. SUGESTÕES: - Capacitação dos artesãos: Oficina de Reciclagem de Tecido (bordados, apliques, patchwork, customização. Produtos: acessórios (pulseiras, colares, fivelas, etc); Objetos de decoração (almofadas, toalhas, cortinas, etc ) e utilitários (porta-trecos,aventais, etc) - Oficina de trabalho colaborativo, gestão de negócios, tendências de mercado e design. - Produção: local União da Esperança - Comercialização: loja local, loja virtual. - Curso de jardinagem - Curso de serviços na área da construção- parceria com empresas do ramo da construção. (engenharia). Estas, dentre outras ações só serão possíveis se a proposta interinstitucional e interdisciplinar do Programa “Bairro Saudável: tecendo Redes e Construindo Cidadania”, for reafirmada em seu compromisso entre instituições e atores envolvidos. O Diagnóstico sócio-ambiental, realizado através do Inquérito Populacional, é produto desse esforço coletivo de aproximação com o bairro. Mapeadas suas condições, o perfil desenhado apontou para um quadro de vulnerabilidades, que por sua vez, demandam esforços em diferentes campos de ação. 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