DIREITO E BIOÉTICA EM FOCO Uma Análise
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DIREITO E BIOÉTICA EM FOCO Uma Análise
1 2 DIREITO E BIOÉTICA EM FOCO Uma Análise Multidisciplinar 3 CAPA: http://pixabay.com/static/uploads/photo/2013/07/18/10/55/microbiology163470_640.jpg 4 Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves (Organizadora) DIREITO E BIOÉTICA EM FOCO Uma Análise Multidisciplinar Autores: Agatha Yuri Sonohara - Allana Marieli Mazaro Zarelli Andressa Satie Ito Fujiwara - Caio Fábio Camargo Dayze Camila Peres - Elian Sobreira - Fernanda Andrade Ré Fernanda Caraçato Vettorazzo - Fernanda Trevisan Giovana Primon - Gislaine Kremer do Couto Helber Ribeiro Araújo - Jéssica Rodrigues Cardoso Karoliny Pavesi - Kríssley Ribeiro dos Santos Lais Caroline Moreira - Leliane Krauspenhar Maiana Kelmer Araújo - Mariuci Roberta Barrreto da Costa Paula Barbosa Biasão - Patrícia Bastos Rafael Walsh Crestani - Ricardo Baccaro Simara Cristina de Souza Molina - Simone Cristina de Sá Soeli Alves Brito - Veridiane Merlos Sob a Orientação da: Profa. Ms. Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves II Edição Editora Vivens O Conhecimento a serviço da Vida! Maringá – PR 2014 5 Copyright 2014 by Humanitas Vivens Ltda EDITORES: Daniela Valentini José Francisco de Assis Dias CONSELHO EDITORIAL: Prof. Dr. Daniel Eduardo dos Santos [UNICESUMAR] Prof. Dr. José Beluci Caporalini [UEM-Maringá] Prof. Dra. Lorella Congiunti [PUU-Roma] REVISÃO ORTOGRÁFICA: Prof. Antonio Eduardo Gabriel CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Rogerio Dimas Grejanim Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) D598 Direito e bioética em foco: uma análise multidisciplinar / Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves, organizadora. -2 ed. Maringá, PR : Vivens, 2014. 161p. ISBN 978-85-8401-021-9 Disponível em: www.vens.com.br 1. Direito – Bioética. 2. Eutanásia – Direito. 3. Pedofilia. 4. Aborto. CDD-DIR 4.ed. 341.27 Ivani Baptista –Bibliotecária CRB-9/331 Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qual quer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida! Rua Sebastião Alves, nº 232-B – Jardim Paris III Maringá – PR – CEP: 87083-450; Fone: (44) 3046-4667 http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected] 6 Sumário Prefácio .................................................................................11 CAPÍTULO I: ANÁLISE SOBRE A DISCUSSÃO ACERCA DA EUTANÁSIA..................................................12 1 Introdução......................................................................... 14 2 Bioética.............................................................................14 2.1 Origem e Conceito de Bioética..................................... 14 2.2 Princípios da Bioética.................................................. 16 2.2.1 Princípio da Autonomia....................................... 17 2.2.2 Princípio da Beneficência ....................................19 2.2.3 Princípio da não-maleficência...............................19 2.2.4 Princípio da Justiça..............................................20 3 Considerações históricas.....................................................21 4 Eutanásia no Brasil.............................................................24 5 Eutanásia, Mistanásia, Distanásia e Ortotanásia...................26 6 Países que permitem a prática da Eutanásia.........................28 7 Eutanásia, Religião e divergências.......................................32 7.1 Religião Católica..........................................................32 7.2 Religião Judaica............................................................34 7.3 Religião Islâmica..........................................................34 7.4 Religião Hindu..............................................................35 7.5 Religião Budista...........................................................35 7.6 Religiões Novas............................................................36 7.7 Instituições defensoras da Eutanásia..............................36 8 Conclusão...........................................................................37 9 Referências.........................................................................39 CAPÍTULO II: COBAIAS HUMANAS..........................................................41 1 Introdução...........................................................................42 2 Breve histórico da Bioética.................................................42 3 Bioética: conceito e princípios............................................44 4 Conceito de Cobaias Humanas.............................................46 7 5 As Cobaias Humanas: sua análise frente aos princípios bioéticos e da dignidade 48 da pessoa humana............................................................. 6 Termo de consentimento informado e protocolo de pesquisa............................................................. 51 7 Conclusão............................................................................59 8 Referências.........................................................................61 CAPÍTULO III: ABORTO ANENCEFÁLICO.................................................63 1 Introdução..........................................................................64 2 Aborto................................................................................64 2.1 Aspectos históricos...................................................... 66 3 Países que autorizam o aborto de anencéfalos...................... 69 4 Princípios Constitucionais relacionados ao tema .................. 71 4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana...................... 71 4.2 Princípio da Harmonização dos bens jurídicos .............. 72 5 Anencefalia........................................................................ 73 5.1 Conceito de feto anencefálico...................................... 73 5.2 Prognósticos................................................................ 74 5.3 Prevenção.................................................................... 76 6 Aborto por anencefalia....................................................... 77 6.1 Prós e contras do aborto anencefálico........................... 77 7 Como têm decidido os juízes no caso do aborto anencefálico............................................................ 87 7.1 ADPF 54.......................................................................90 8 Conclusão...........................................................................91 9 Referências.........................................................................92 CAPÍTULO IV: PEDOFILIA NA INTERNET: UM CRIME CARENTE DE PUNIÇÃO.................................97 1 Introdução..........................................................................99 2 Conceitos...........................................................................100 3 Panorama histórico da pedofilia..........................................103 4 Pedofilia na Internet...........................................................109 5 Bioética e Biodireito relacionado com a pedofilia ................114 8 120 6 Pedofilia na legislação brasileira......................................... 122 6.1 Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia............ 125 7 Conclusão........................................................................... 126 8 Referências......................................................................... CAPÍTULO V: 133 PEDOFILIA: OS DOIS LADOS DO TRAUMA.................... 134 1 Introdução......................................................................... 134 2 Pedofilia............................................................................ 134 2.1 Conceitos e considerações gerais.................................. 136 2.2 Soluções da Medicina................................................... 138 3 Pedófilo.............................................................................. 138 3.1 Os abusadores usuais..................................................... 139 3.2 Transtornos.................................................................. 142 3.3 Justificativas................................................................. 146 4 Vítimas.............................................................................. 146 4.1 Quem são as vítimas..................................................... 149 4.2 Tipos de abusos............................................................ 150 4.3 Consequências nas vítimas dos pedófilos...................... 5 Enfoque contemporâneo sobre a pedofilia 151 e o que a lei traz sobre o assunto............................................. 155 6 Conclusão........................................................................... 156 7 Referências...................................................... ................... 9 10 PREFÁCIO É possível que se questione ao ler o índice desta obra o porque tratamos de temas tão diferenciados em um único livro. Contudo, apesar de diferentes, todos os assuntos tratados são de igual importância quando se fala em dignidade da pessoa humana. Tendo como base o estudo deste assunto, desenvolve se na Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus Maringá, mais especificamente na disciplina intitulada Filosofia Jurídica, o estudo de vários temas ligados ao Direito e a Bioética, tendo-se como enfoque principal a análise da dignidade da pessoa humana, protegida pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1°, inciso III. Cabe ressaltar que o estudo de tema tão relevante a seara jurídica é de suma importância face aos vários acontecimentos que tem violado esse direito, buscando -se demonstrar nesta que, apesar das situações tratadas serem muito diferenciadas, sempre tem em comum a violação a este princípio básico a todo ser humano. Ressalta-se ainda a importância de cada tema em sua singularidade, posto que cada um dos assuntos, traz em si várias controvérsias que inquietam e preocupam os operadores do Direito e, porque não dizer, a sociedade como um todo, posto que todos são de grande relevância e interesse social. Não deixando de tratar da Bioética, destaca-se que a mesma é aqui trazida, posto que esta, mesmo que inicialmente tenha sido criada para analisar as questões referentes ao equilíbrio e a preservação das relações humanas com o ecossistema e tudo que o envolve, foi tomando contornos voltados ao estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, quando estas se voltam a realizar essa análise sob a ótica dos valores e princípios morais 1, acrescentando que, seus estudiosos, cada vez mais, tem estendido sua análise a temas que envolvam o bem estar e 1 Encyclopedia of bioethics, New York, Macmillan Ed. Reich, 1995, v. 1. 11 o futuro da humanidade, preocupando-se dessa forma, com a qualidade de vida destes, o que está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana. Como se acredita que a discussão pode despertar mudanças, traz-se uma singela colaboração acerca dos temas aqui tratados, realizada por estudantes de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus Maringá, os quais, sendo despertados ao interesse pelo estudo dos temas em questão, buscaram refletir sobre as necessidades atuais de mudanças legislativas e sociais, para que realmente se implemente o principio da dignidade da pessoa humana. 12 CAPÍTULO I: ANÁLISE SOBRE A DISCUSSÃO ACERCA DA EUTANÁSIA Allana Marieli Mazaro Zarelli Andressa Satie Ito Fujiwara Dayze Camila Peres Fernanda Trevisan Lais Caroline Moreira Ricardo Baccaro 2 Resumo A presente pesquisa tem como fim analisar a prática da eutanásia, fazendo um paralelo entre os conceitos de distanásia, mistanásia e ortotanásia, traçando para tanto um parâmetro histórico acerca da evolução do entendimento da primeira e abordando-a em conjunto com os princípios da bioética, os quais são denominados de princípio da autonomia, da beneficência, da não-maleficência e da justiça. Buscar-se-á, ainda, versar sobre os diversos vieses religiosos acerca do tema e, também, sobre o posicionamento legal em diferentes lugares que aderem ou não a tal prática. Palavras-chave: Eutanásia. Bioética. Dignidade da pessoa humana. 2 Acadêmicos do quinto período do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Maringá. 13 1 INTRODUÇÃO Levando em consideração a base principiológica que envolve a bioética e os preceitos constantes no ordenamento jurídico pátrio, percebe-se uma grande discussão no tocante a prática da eutanásia como ato legal ou não, questionando ainda o fato de esta ser considerada uma conduta ética e se está ou não preservando a dignidade daquele que é sujeito passivo de tal prática. Na antiguidade, a prática da eutanásia era considerada algo natural e era aplicada com o intuito de eliminar aqueles que para eles eram tidos como “desnecessário”, posto que tanto os idosos como as crianças que nasciam com problemas genéticos não contribuíam para o desenvolvimento das cidades, podendo também ser precursores de prole defeituosa. Dessa forma, nesse período nem se cogitava analisar os direitos daquelas pessoas. Atualmente, com a evolução da sociedade, da ciência e dos valores éticos e morais, este tema passou a ser muito discutido, justamente, porque o princípio que prepondera é o da dignidade da pessoa humana. Em alguns países esta prática é tolerada, todavia, não é legalizada. Enquanto que no Brasil, por exemplo, o entendimento é taxativo no sentido da inaplicabilidade da eutanásia, sendo aquele que a pratica responsabilizado por homicídio qualificado. 2 BIOÉTICA Este tópico propõe-se a resgatar, por meio da revisão bibliográfica, a origem, o conceito e os princípios da bioética. 2.1 ORIGEM E CONCEITO DE BIOÉTICA A palavra bioética foi utilizada pela primeira vem em 1927, em um artigo publicado no periódico alemão Kosmos, por Fritz Jahr, que a caracterizou como “o reconhecimento de 14 obrigações éticas, não apenas em relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos”. Mas, foi somente em 1970, que Van Rensselaer Potter a descreveu como a “ciência da sobrevivência”, visando com o seu estudo estabelecer uma interface entre as ciências e as humanidades 3. A expressão bioética, de origem grega (bios, vida, e ethos, ética), é formada pela junção de “bio”, que significa o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, enquanto “ética” representa o conhecimento dos valores humanos 4. O conteúdo do que hoje se entende como bioética vem sendo desenvolvido desde as primeiras décadas do século XX, uma vez que os princípios da bioética, como a beneficência e não-maleficência buscam sua fonte em Hipócrates, refletindo também o repúdio aos abusos cometidos por profissionais da saúde durante a Segunda Guerra Mundial 5. Mas, devem-se ao oncologista americano Van Renseelaer Potter as primeiras noções de bioética 6, posto que este a entendia como uma combinação de conhecimento científico e filosófico, o que posteriormente denominou de “bioética global”, com o qual tinha a pretensão de que se tornasse um conhecimento voltado a estabelecer os padrões éticos necessários à própria subsistência do homem e não apenas um ramo da ética aplicada à medicina. Dessa forma, em 1998, afirmou: A teoria original da bioética era a intuição da sobrevivência da espécie humana, numa forma decente e sustentável de civilização, exigindo o desenvolvimento e manutenção de um sistema de ética. Tal sistema [...] é a 3 GOLDIM, José Roberto. Bioética: origens e complexidade. Revista HCPA, v. 26, n. 2, p. 86-92, 2006. p. 86. 4 PESSINI, Leo. Bioética: das origens à prospecção de alguns desafios contemporâneos. O Mundo da Saúde, v. 29, n. 3, p. 305-324, jul./set. 2005. p. 308. 5 FROEHLICH, Charles Andrade. Bioética e direitos além de “humanos”: um enfoque filosófico jurídico contemporâneo. Revista Brasileira de Bioética, v. 2, n. 1, p. 87-106, 2006. p. 90. 6 Ibid. 15 bioética global, fundamentada em instituições e reflexões fundamentadas no conhecimento empírico proveniente de todas as ciências, em especial, porém, do conhecimento biológico. [...] Na atualidade, este sistema ético proposto segue sendo o núcleo da bioética, ponte com sua extensão para a bioética global, o que exigiu o encontro da ética médica com a ética do meio ambiente para preservar a sobrevivência humana 7. Explica Heloísa Helena Barboza que após Potter ter colocado em circulação como uma nova disciplina, esse termo se difundiu rapidamente, adquirindo o significado específico e científico de nova dimensão da pesquisa no campo dos estudos acadêmicos, surgindo, em menos de uma década, como disciplina autônoma na Universidade Católica do Sagrado Coração, em Roma, assim como institutos dedicados a sua investigação 8. 2.2 PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA O aparecimento da bioética concretiza a aspiração secular de estabelecimento de uma ética global para as ciências biomédicas e da promoção de uma racionalidade abrangente voltada para a criação de uma consciência ambiental 9. Os princípios da bioética foram estabelecidos a partir da criação pelo Congresso dos Estados Unidos, de uma Comissão Nacional que se encarregou de identificar os princípios éticos básicos que deveriam guiar a investigação em seres humanos 7 PESSINI, Leo. Bioética: das origens à prospecção de alguns desafios contemporâneos. O Mundo da Saúde, Op. cit., 2005. p. 309. 8 BARBOZA, Heloísa Helena. Princípios da bioética e do biodireito. Revista de Bioética e Ética Médica publicada pelo Conselho Federal de Medicina, v. 8, n. 2, p. 209-216, 2000. p. 209-210. 9 HECK, José. Principialismo bioético: a posição de R. Dworkin sobre aborto e eutanásia. Ethic@, v. 6, n. 2, p. 217-237, dez. 2007. p. 218. 16 realizado pelas ciências do comportamento e pela Biomedicina. Os trabalhos tiveram início em 1974 e, quatro anos depois, foi publicado o Relatório Belmonte, contendo três princípios: a) da autonomia ou do respeito às pessoas por suas opiniões e escolhas, segundo valores e crenças pessoais; b) da beneficência, que se traduz na obrigação de não causar dano e de extremar os benefícios e minimizar os riscos; c) o da justiça ou imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, não podendo uma pessoa ser tratada de maneira distinta de outra, salvo haja entre ambas alguma diferença relevante 10. A esta proposta, Beauchamp e James Childress acrescentaram, em 1979, o princípio da não maleficência, segundo o qual não se deve causar mal a outro 11. 2.2.1 Princípio da autonomia O princípio bioético da autonomia da bioética foi desenvolvido de forma diferente da noção kantiana de autonomia, ressaltando o livre-arbítrio como expressão da capacidade humana adquirida para deliberar e exercer escolha de ações e separar a congruência estabelecida por Kant entre moralidade e autonomia 12. Na abordagem da bioética, uma conduta deve ser vista como autônoma quando é submetida ao consentimento livre, ou seja, autonomia consiste em discernir acerca de seu próprio bem e tomar decisões isentas de paternalismo, amparadas pelo consentimento informado. Em outras palavras, a autonomia principialista limita-se a incorporar na bioética o direito moral do paciente de tomar suas próprias decisões, mesmo que com isto o indivíduo neutralize orientações benéficas prescritas pelo médico 13. O princípio da autonomia tem por base os pressupostos de que a sociedade democrática e a igualdade de condiç ões 10 BARBOZA, Heloísa Helena. Op. cit., 2000. p. 211. DINIZ, Débora; GUILHEMM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002. p. 38. 12 HECK, José. Op. cit., 2007. p. 219. 13 Id 11 17 entre os indivíduos constituem pré-requisitos para a coexistência das diferentes morais. Assim, a existência da noção moral de respeito à autonomia significa que a autodeterminação do agente moral só pode ser considerada se não ocasionar danos ou sofrimentos a outros indivíduos 14. Por outro lado, é indispensável diferenciar a autonomia do respeito à autonomia dos indivíduos. As pessoas que são consideradas dependentes e/ou vulneráveis, como por exemplo, as crianças, os deficientes mentais, os idosos e pacientes dentro de uma hierarquia rígida e de estruturas fechadas dos serviços de saúde, devem ter sua integridade e desejos protegidos, embora não sejam capazes de exercer plenamente a autonomia 15. Em consequência, tornou-se imprescindível encontrar uma solução eticamente aceitável para que os indivíduos social e fisicamente vulneráveis fossem respeitados em suas escolhas morais. No entanto, apenas uma tênue linha separa a proteção da autoridade, uma vez que em nome dessa proteção de vulneráveis é possível justificar o silenciamento de certas opções discordantes, por exemplo. Assim, a incapacidade, temporária ou permanente, justificava a sobreposição entre autoridade médica e autoridade ética. A saída formal encontrada foi a introdução de consentimento infor mado para que se pudesse garantir os interesses e a proteção dos pacientes em situação de pesquisa e de atendimento clínico 16. Mas, ainda assim, o consentimento livre e esclarecido para ter validade requeria que o indivíduo demonstrasse competência para decidir, domínio de informações detalhadas a respeito do seu caso e das diferentes possibilidades terapêuticas a ele relacionadas, capacidade para compreender as informações recebidas para que tivessem condições de embasar o processo de tomada de decisões e oportunidade de escolher livre e voluntariamente a opção mais adequada ao seu caso, sem submeter-se à coerção de outras pessoas ou 14 DINIZ, Débora; GUILHEMM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002. p. 45. 15 Ibid. 2002, p. 46. 16 Ibid. 2002, p. 47. 18 instituições. Assim, tem-se que os pré-requisitos que validam um consentimento livre e esclarecido não são para todos, atingindo apenas uma reduzida parcela de indivíduos que se enquadram como socialmente privilegiados 17. 2.2.2 Princípio da beneficência A beneficência encontra-se associada a excelência profissional desde a medicina praticada na Grécia Antiga, estando expressa no Juramento de Hipócrates: “Usarei o tratamento para ajudar os doentes, de acordo com minha habilidade e julgamento e nunca o utilizarei para prejudicá los” 18. Este princípio significa, em termos práticos, que se tem a obrigação moral de agir para o benefício do outro, obrigando o profissional de saúde a ir além da não-maleficência, ou seja, de não causar danos intencionalmente, e exige que ele contribua para o bem-estar dos pacientes, promovendo ações para prevenir e remover o mal que se configura como a doe nça e incapacidade, e para fazer o bem entendido como saúde física, emocional e mental 19. 2.2.3 Princípio da não-maleficência Este princípio configura-se como herdeiro da tradição deontológica hipocrática e se associa à máxima “acima de tudo, não cause danos” 20. Este preceito, “mais conhecido em sua versão para o latim, primum non nocere”, é utilizado como uma exigência moral da profissão médica. Portanto, trata -se de um dever profissional que, se não cumprido, coloca o profissional de saúde em uma situação de má-prática ou 17 DINIZ, Débora; GUILHEMM, Dirce. Op. cit., 2002, p. 47. LOCH, Jussara de Azambuja. Princípios da bioética. Disponível em: <http://www.pucrs.br/ bioetica/conr/joao/principiosdebioetica.pdf> . Acesso em: 3 mar. 2010. p. 3. 19 Id. 20 DINIZ, Débora; GUILHEMM, Dirce. Op. cit., 2002, p. 49. 18 19 prática negligente da medicina ou demais profissões das áreas da saúde 21. O princípio adquire relevância pelo fato de que, muitas vezes, o risco de causar danos é inseparável de uma ação ou procedimento que é moralmente indicado. Deve-se observar que no exercício da medicina este é um fato comum, considerando que quase toda intervenção diagnóstica ou terapêutica envolve algum risco de dano, mas, do ponto de vista ético, este dano se justifica se o benefício esperado com o resultado do exame ou do método terapêutico empregado for maior que o risco da doença 22. 2.2.4 Princípio da justiça Diferentemente dos princípios mencionados anteriormente, o princípio da justiça está associado, preferencialmente, com as relações entre os grupos sociais, preocupando-se com a eqüidade na distribuição de bens e recursos considerados comuns, como uma tentativa de igualar as oportunidades de acesso a estes bens 23. Esta teoria dos quatro princípios, segundo Volnei Garrafa, apesar de sua reconhecida praticidade e utilidade para a análise de situações clínicas e em pesquisa, é ainda insuficiente para se realizar uma análise contextualizada de conflitos que exijam flexibilidade para uma determinada adequação cultural, assim como para enfrentar problemas bioéticos persistentes encontrados por grande parte da população de países com índices de exclusão social como o Brasil e outros da América Latina e Caribe 24. 21 LOCH, Jussara de Azambuja. op. cit. p. 2. Id. 23 Ibid., p. 5. 24 GARRAFA, Volnei. De uma bioética de princípios a uma bioética interventiva, crítica e socialmente comprometida. Revista Argentina de Cirurgia Cardiovascular, 2005. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br>. Acesso em: 3 mar. 2010. p. 7. 22 20 3 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS Na Grécia Antiga, já se discutia a questão da Eutanásia englobando valores sociais, religiosos e culturais. A partir desta discussão surgiram correntes de pensadores que adotaram uma posição a favor da eutanásia, bem como uma corrente contrariando esta linha de pensamento. Alguns estudiosos como Platão, Sócrates, Epicuro, por exemplo, entendiam que o sofrimento como conseqüência de uma doença dolorosa era uma justificativa ao suicídio. Esse pensamento era convergente ao entendimento de Thomas Morus, na obra “Utopia”, na qual apoiava o homicídio dos idosos, dos incuráveis e dos enfermos com a finalidade de conscientizar os educadores a transmitir a ideia de suicídio a essa categoria de pessoas. Esses pensadores entendiam que aquelas pessoas que se mostrassem infrutíferas a sociedade deveriam autodestruir-se 25. Em contrapartida, outros filósofos, tais como Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, mostravam-se contrários a idéia do suicídio. Observa-se isso, quando Hipócrates disse em seu juramento que não daria qualquer droga fatal a uma pessoa e não sugeriria o uso de qualquer uma daquele tip o. Com isso, a escola hipocrática já se posicionava contra o que atualmente, são denominados eutanásia e suicídio assistido 26. A prática da eutanásia foi muito usual anteriormente, entre vários povos e sob diversas modalidades, dentre eles, na Índia, havia o costume de se atirar as pessoas doentes ao Rio Ganges. Enquanto que em Esparta, a prática se configurava por meio do arremesso de crianças, menos saudáveis, de cima do monte “Taigeto”. A justificativa utilizada pelos espartanos era o fato de evitar que tais crianças sofressem e se tornassem um “problema” aos respectivos familiares e também ao 25 BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e responsabilidade médica . 2. ed. rev. au. Atual. São Paulo: Direito, 2000. p. 44. 26 GOLDIM, José Roberto. Bioética. Disponível em:<http://www.bioetica.ufrgs.b r/euthist.htm> Acesso em: 1 de mar. de 2010. 21 Estado. 27 Para eles o homicídio não era tido como crime, desde que o praticasse em honra aos deuses. Enquanto que, a eliminação dos idosos, pedido muitas vezes por eles mesmos, era uma atitude de piedade filial 28. Ao passo que os romanos não eram tão rudes, com relação àqueles que eram condenados à crucificação, estes recebiam uma bebida que acarretava em sono profundo, eliminando, assim, as dores dos castigos. 29 Na realidade, as pessoas tidas como inúteis, doentes e velhas não contribuíam em nada, tanto para a sociedade quanto para os olhos da divindade. De forma análoga a eutanásia era praticada pelos Celtas, os quais além de matarem as crianças com problemas genéticos eliminavam também os idosos por reputá-los desnecessários a sociedade 30. A partir disso, sedimentou-se a idéia de que a prática da eutanásia fosse aplicada nos casos de dores insuportáveis, doenças incuráveis, ônus econômico e pesares sociais resultantes de moléstia, sendo, portanto, nesses casos, plenamente aceita. A questão da eutanásia foi muito discutida no decorrer da história, mas o seu auge ocorreu em 1895, na Prússia, durante um debate sobre o plano nacional de saúde, em que foi decidido que o Estado fomentasse meios para a prática da eutanásia às pessoas que não tinham condições de solicitá -la. 31 Na Europa, em meados do século XX, a eutanásia foi discutida relacionada com a eugenia, entendendo-se esta como o conjunto de métodos que visam melhorar o patrimônio genético de grupos humanos. 32 Por isto, o objetivo da eutanásia eugênica seria preservar a raça humana dos problemas biológicos, levando em consideração que o 27 BIZATTO, op. cit., 2000, p. 43. Ibid.,2000, p.51. 29 BIZATTO, op. cit., 2000, p.50. 30 Ibid.,2000, p.46 31 GOLDIM, José Roberto. Bioética. op., cit. 32 DICIONÁRIO priberam da língua portuguesa. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=eugenia > Acesso em: 1 mar. de 2010. 28 22 suprimento dos seres mórbidos incuráveis iria propor mais paz social minimizando a miséria e o desespero de lares deformados. 33 Nestes casos, a eutanásia justificava-se por reputar um instrumento de “higienização social”, com o objetivo aperfeiçoar uma determinada “raça”, desprendendo da idéia de suprir a vida por compaixão ou piedade. 34 Em 1931, na Inglaterra, foi proposta uma lei para a legalização da eutanásia voluntária, a qual foi discutida por cinco anos, mas foi rejeitada pela Câmara dos Lordes. Tal proposta foi utilizada como base para o modelo holandês. 35 Em 1934, o Uruguai implantou a possibilidade da prática da eutanásia em seu Código Penal, utilizando o tipo penal “homicídio piedoso”. Esse fato, possivelmente, deu início a regulamentação nacional sobre o assunto. 36 Em, 1956, a posição da Igreja Católica mostrou -se de maneira antagônica a realização da eutanásia, uma vez que esta feria as leis divinas. Todavia, em 1957, o Papa Pio XII se conformou com a possibilidade da abreviação da vida como efeito secundário a utilização de drogas para atenuar o sofrimento as pessoas que sofriam com dores insuportáveis, por exemplo. Com isto, surgiu o Princípio do Duplo Efeito, cuja intenção era aliviar a dor, todavia, o efeito, sem nexo causal, poderia ser a morte do paciente. 37 Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução contrária a eutanásia 38. No Brasil, em 1996, o Senado Federal iniciou uma proposta permitindo a prática de procedimentos para a realização da eutanásia, contudo esse projeto (Lei 125/96) demonstrou-se infrutífero. 39 33 34 35 36 37 38 39 GOLDIM, José Roberto. Bioética. op.,cit. Id. Id. GOLDIM, José Roberto. Bioética. Op. cit. Id. Id. Id.. 23 4 EUTANÁSIA NO BRASIL Para que se entenda melhor o posicionamento do Direito Brasileiro em relação à eutanásia, é necessário criar um parâmetro desta com os Direitos Fundamentais do homem. A Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” 40 Os direitos fundamentais têm como escopo uma convivência social, digna e livre de privações, ou seja, tem a finalidade de assegurar prerrogativas importantes e fundamentais entre todos os seres humanos. O Brasil adota a linha de pensamento a qual defende que o direito à vida é um direito supremo e inviolável, inerente à pessoa humana e que ninguém pode se privar dele. Portanto, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro e seus princípios, a eutanásia é configurada como a antecipação do contraposto da vida, a morte, e isso se caracteriza como um ato ilícito e inconstitucional. Diante desse contexto, a eutanásia é considerada como crime de homicídio, para o ordenamento jurídico. Porém, gera muita discussão e controvérsias observando correntes em relação à religião, à sociedade e a opiniões médicas. A eutanásia, além de configurar ilícito penal, contraria também os princípios médicos éticos. O Código de Ética Médica resguarda que o médico deve atuar sempre em benefício do paciente, contudo, há que se falar no que realmente seria esse beneficio, em relação à estado vegetativo e coma irreversível, por exemplo. Há grande discussão em face do que seria melhor para aquele, para atenuar o sofrimento do mesmo e dos familiares, visto que essa situação poderá ser por tempo indeterminado e sem a mínima perspectiva de progresso. 40 PRESIDÊNCIA da república federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.presidencia.gov.br/legislacao/ > Acesso em: 22 de mar. 2010 24 Há um projeto de lei elaborado desde 1995, que está tramitando no Senado Federal, tendo como critério “a morte sem dor”, a qual é conhecida como lei 125/96. Esse é o único projeto de lei acerca do assunto, o qual prevê que o próprio paciente com sofrimento físico ou psíquico, pode solicitar o desligamento dos aparelhos. Se por algum motivo o paciente for considerado impedido de realizar a solicitação, essa função ficaria à cargo da família, ou seja, a mesma teria que autorizar o desligamento dos aparelhos. Para que isso aconteça, é necessária a autorização de uma comissão envolvendo cinco médicos, sendo dois deles especialistas no problema do paciente. Essa junta médica tem o encargo de atestar a inutilidade do sofrimento do doente, caso a mesma não seja revelada, não se teria a autorização. A grande falha desse projeto é referente a algumas lacunas que propiciou em relação ao tempo que o paciente tem para tomar sua decisão, o critério para escolha do médico responsável, entre outros aspectos. Além deste projeto de lei, está tramitando o anteprojeto de Lei que altera os dispositivos do Código Penal e promove outras providências, legislando sobre a questão da eutanásia em dois itens do artigo 121. Supostamente, esse dispositivo ficaria da seguinte forma: Homicídio Art. 121. Matar alguém: Pena - Reclusão, de seis a vinte anos. ... Eutanásia Parágrafo 3 o . Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena - Reclusão, de três a seis anos. Exclusão de Ilicitude Parágrafo 4 o . Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a 25 morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. 41 No entanto, no início desse ano, foi eticamente liberado para os médicos a prática da ortotanásia, a qual permite que os profissionais evitem tratamentos desnecessários, já que o paciente está em estado terminal, se utilizando de cuidados paliativos, os quais reduzem o sofrimento do doente. 42 A inclusão da redação dessa prática no Código de Ética Médica, foi bastante cuidadosa para que a ortotanásia não seja confundida com nenhuma outra prática. 43 5 EUTANÁSIA, MISTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA Eutanásia é uma palavra que vem do grego, tendo como tradução “boa” morte ou até mesmo morte “feliz”. No entanto eutanásia atualmente significa produção e aceleração intencional da morte 44. Na discussão sobre eutanásia, geralmente o que une as pessoas é a preocupação de defender a dignidade da vida humana em sua fase terminal. Um fator que complica o debate sobre a prática ou não da eutanásia é a confusão terminológica que, muitas vezes, não deixa claro aquilo que se condena aquilo e aquilo que se aprova, pois muitos tratam eutanásia, 41 GOLDIM, José Roberto. Eutanásia no Brasil. Disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanbra.htm. Acesso e m: 22 de mar. 2010. 42 Disponível em: http://jc.uol.com.br/canal/cotidiano/saude/noticia/2010/04/12/novo codigo-de-etica-medica-libera-ortotanasia-218995.php. Acesso em: 31 de maio, 2010. 43 Disponível em: http://routenews.com.br/index/?p=1777. Acesso em: 31 de maio, 2010. 44 HOLLAND, Stephen. Bioética: Enfoque Filosófico. São Paulo: Loyola. 2009.p 120. 26 distanásia, mistanásia e ortotanásia como se fossem o mesmo procedimento e tivessem a mesma finalidade 45. Inaceitável é que se confunda mistanásia com eutanásia, pois temos que entender eutanásia como um método que tem como finalidade proporcionar o fim da dor com a morte prematura do portador de doença terminal, diferente da prática da mistanásia que consiste na ceifa da vida para fins soci ais e mesquinhos. Portanto enquanto a primeira tem como grande preocupação acabar com a dor e o sofrimento através da morte, segundo seus defensores, a segunda também conhecida, erroneamente, como eutanásia social tem em vista eliminar o sobre peso do sistema de saúde com a eliminação precoce, cruel, de doentes, deficientes, vítimas de erro médico que não correm risco de vida, mas apenas necessitam de cuidados paliativos, sendo ela uma categoria que demonstra com lealdade o fenômeno da maldade humana. 46 Tratando-se da distanásia não há uma preocupação restrita a morte, mas com todas as conseqüências que acompanham a mesma, como as fortes dores sem o sofrimento psíquico e espiritual. A diferença existente entre distanásia e eutanásia é que enquanto a distanásia se dedica a prolongar o máximo à quantidade de vida humana, combatendo a morte como o grande e último inimigo, já a eutanásia elimina a vida como o único modo de acabar como sofrimento do doente. Portanto, tem-se dois métodos distintos de enfrentar o momento morte, um pecando ao ceifar a vida antes do tempo e o outro usando todos os métodos terapêuticos para evitar o alcance do descanso, esquecendo, no entanto, que prolongar a vida torna-se inútil e sacrificante para o próprio ser humano. A última vertente que liga com o evento morte, procurando lidar da melhor maneira com as suas conseqüências é a ortotanásia que diferente das demais vertentes dispensa a medicina predominantemente curativa para dedicar-se a promoção do bem estar do doente crônico e 45 PESSINI, Leo. Eutanásia: Por que abreviar a vida? São Paulo: Centro Universitário São Camilo. 2004.p 201. 46 Ibid., 2004.p 210 et seq. 27 terminal, desenvolvendo a arte de bem morrer, que não adere à política da mistanásia, mas não se deixa envolver nas questões obscuras tanto da eutanásia como da distanásia. A prática da ortotanásia integra o conhecimento científico com a habilidade técnica e a sensibilidade ética, deixando a perspectiva de morte como uma doença a ser curada e passando a lidar com ela como algo que faz parte da vida, passando a trabalhar a distinção entre curar e cuidar, mantendo a vida, mas também permitindo que a pessoa morra quando a hora chegou, permitindo ao paciente e suas familiares enfrentarem a morte da melhor maneira possível. 47 Na ortotanásia 48 respeita-se a autonomia do paciente terminal respeitando seu direito de saber, o direito de não se ver abandonado, o direito de ter seu sofrimento e sua dor amenizados através de tratamentos paliativos, e o direito de não ser tratado como objeto tendo sua vida encurtada ou prolongada segundo a consciência e conveniência de suas familiares e da equipe médica. Desta maneira a ortotanás ia nada mais é que proporcionar ao doente uma morte tranqüila, cercada de amor e carinho 49. 6 PAÍSES QUE EUTANÁSIA PERMITEM A PRÁTICA DA Somente alguns países permitem a prática da eutanásia sem considerá-la como crime, são eles: a Holanda, alguns estados dos Estados Unidos da América e a Colômbia. Na Holanda a eutanásia é legalizada. Essa questão da eutanásia vem sendo debatida desde a década de 1970, ganhando destaque em 1973 com o caso conhecido como Postma, onde uma médica geral, Dra. Geertruida Postma, foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe, com uma dose 47 PESSINI, Leo. Eutanásia: Por que abreviar a vida? Op. cit., 2004, p 218 et seq. 48 GODIM, José Roberto. Eutanásia. Disponível em: < HTTP://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasia.htm >. Acesso em: 22 mar. 2010 49 PESSINI, Leo. Eutanásia: Por que abreviar a vida? Op. cit., 2004.p 224 et seq. 28 letal de morfina. Foi em 1990 que o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica Holandesa (RDMA) concordaram em um procedimento de notificação de eutanásia, onde, o médico ficaria imune de ser acusado, apesar de ter realizado um ato ilegal. Os cinco critérios estabelecidos pela Corte de Rotterdam, em 1981, para a ajuda à morte não penalizável, por um médico, são os seguintes: 1) A solicitação para morrer deve ser uma decisão voluntária feita por um paciente informado; 2) A solicitação deve ser bem considerada por uma pessoa que tenha uma compreensão clara e correta de sua condição e de outras possibilidades. A pessoa deve ser capaz de ponderar estas opções, e deve ter feito tal pondera ção; 3) O desejo de morrer deve ter alguma duração; 4) Deve haver sofrimento físico ou mental que seja inaceitável ou insuportável; 5) A consultoria com um colega é obrigatória. 50 O acordo entre o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica da Holanda, estabelece 3 elementos para notificação: I) O médico que realizar a eutanásia ou suicídio assistido não deve dar um atestado de óbito por morte natural. Ele deve informar a autoridade médica local utilizando um extenso questionário; II) A autoridade médica local relatará a morte ao promotor do distrito; III) O promotor do distrito decidirá se haverá ou não acusação contra o médico. 51 Se o médico seguir as 5 recomendações o promotor não fará a acusação. Em 11 de abril de 2001, por 46 votos a favor e 28 contra, o Senado aprovou a lei que permitirá aos médicos abreviar a vida de doentes terminais. Do lado de fora do parlamento, com sede em Haia, 50 GOLDIM, José Roberto. Eutanásia na Holanda. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanhol.htm >. Acesso em: 01 de mar.2010. 51 Id. 29 cerca de 10 mil manifestantes protestaram contra a aprovação da lei, que já havia passado pela Câmara dos Deputados em novembro de 2000. Eles cantavam hinos religiosos e liam passagens da Bíblia. Apesar dos protestos, pesquisas indicam que cerca de 90% dos holandeses apóiam a eutanásia. A nova legislação, que deverá entrar em vigor em meados do ano, formalizará uma prática que já vinha sendo adotada há décadas em hospitais holandeses. Os médicos terão que obedecer regras rigorosas para praticar a eutanásia. O caso também deve ser submetido ao controle de comissões regionais encarregadas de fiscalizar se os requisitos foram cumpridos. As comissões serão integradas por um médico, um jurista e um especialista em ética. Os menores de idade, entre 12 e 16 anos, também poderão recorrer à eutanásia, desde que tenham o consentimento de seus pais. Segundo a nova lei, a prática só poderá ser realizada por médicos que acompanhem de perto, e há muito tempo, a saúde de seus pacientes. A nova lei também permite que pacientes deixem um pedido por escrito. Isso dará aos médicos o direito de usar seus próprios critérios quando seus pacientes não puderem mais decidir por eles mesmos por conta de doenças. O texto da lei foi aprovado oficialmente dia 11 de abril de 2001, mas, na prática, a eutanásia já era tolerada sob condições especiais desde 1997. A eutanásia será permitida na Holanda se forem cumpridos os seguintes requisitos: Quando o paciente tiver uma doença incurável e estiver com dores insuportáveis; o paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morrer; depois que um segundo médico tiver emitido sua opinião sobre o caso. 52 Na Colômbia somente é permitida a prática da Eutanásia em casos de doentes terminais e com o consentimento prévio do envolvido. A noticia acerca da matéria foi publicada no jornal “A Folha de São Paulo” em 22.05.97, ressaltando que mesmo sendo permitida a eutanásia, ainda não esta legalizada a sua prática. 53 52 GOLDIM, José Roberto. Holanda legaliza a eutanásia . Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/eut2001.htm>. Acesso em: 22 mar. 2010 53 CARNEIRO, Antonio Soares et al. Eutanásia e distanásia, a problemática da bioética. Disponível em: 30 Nos Estados Unidos, o Estado de Oregon é o único que permite a prática da eutanásia, ou seja é permitido que o médico receite uma dose letal de drogas a pedido do paciente com doença terminal. Entretanto, este medicamento em nenhuma hipótese, poderá ser aplicado pelo médico, sendo que a expectativa de vida do paciente tem que ser inferior a seis meses. Isso porque em 1994 foi elaborado um plebiscito, no qual a eutanásia foi aprovado, porem somente em 1996 é que houve a sua regulamentação. 54 No território do norte da Austrália, por um curto período de tempo, (1 de julho de 1996 a 24 de março de 1997), foi legalizada, a prática da Eutanásia. 55 Além desses países e estados citados, é importante registrar que a Bélgica em 28 de maio de 2002 promulgou sua lei da eutanásia. Segunda esta lei, o médico que executa uma eutanásia não está praticando um ato ilegal se tiver assegurado que (...) o paciente é adulto ou menor emancipado e tem plena capacidade e consciência na época de seu pedido; o pedido é feito voluntariamente, é ponderado e reiterado e não resulta de pressão externa; o paciente se encontra numa condição médica irremediável e se queixa de sofrimento físico ou mental constante e insuportável que n ão pode ser minorado e que resulta de uma condição acidental ou patológica grave e incurável. 56 Ademais, não há legislação que apóie ou aceite a eutanásia nos demais países, senda a prática proibida na <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1862&p=2 >. Acesso em: 22 mar. 2010. 54 Id. 55 ROBERTI, Maura. Eutanásia e Direito penal. Disponível em: <http://www.ibap.org/defensoriapublica/penal/doutrina/mr eutanasia.htm>. acesso em: 18 mar. 2010. 56 PESSINI, Leo. Eutanásia: Por que abreviar a vida? Op. cit., 2004, p.125. 31 maioria deles. 7 EUTANÁSIA, RELIGIÃO E DIVERGÊNCIAS A morte não é um mero evento técnico-científico, sendo por tido um acontecimento, moral e religioso. As diferentes visões da morte nos dão uma compreensão e também apontam para comportamentos e compromissos, posto que reside neste pluralismo as controvérsias em torno da morte e do processo do morrer. Diferentes comunidades morais, religiões ou culturas têm diferentes critérios da morte, diferentes visões do que constitui uma boa vida, e estes referenciais influenciam na forma como a morte é compreendida e vivida. Como pode-se notar, o mundo é irrigado por diversas religiões, que pregam as suas normas e princípios em relação a morte. 57 7.1 RELIGIÃO CATÓLICA A posição da Igreja Católica em relação à eutanásia têm sido expressa, mostrando-se desde os primórdios com o surgimento dos dez mandamentos "não matarás", e com os pronunciamentos feitos diretamente por Papas, como na situação a seguir do Papa Pio XII, em 1956: Toda forma de eutanásia direta, isto é, a subministração de narcóticos para provocarem ou causarem a morte, é ilícita porque se pretende dispor diretamente da vida. Um dos princípios fundamentais da moral natural e cristã é que o homem não é senhor e proprietário, mas apenas usufrutuário de disposição direta que visa à abreviação da vida como fim e como meio. Nas hipóteses que vou considerar, trata -se 57 PESSINI, Léo. A Eutanásia na Visão das Grandes Religiões Mundiais. Disponível em: <http://boards4.melodysoft.com/app?ID=vetuycorresponsales&msg=2&D OC=21>. Acesso em: 26 abr. 2010. 32 unicamente de evitar ao paciente dores insuportáveis, por exemplo, no caso de câncer inoperável ou doenças semelhantes. Se entre o narcótico e a abreviação da vida não existe nenhum nexo causal direto, e se ao contrário a administração de narcóticos ocasiona dois efeitos distintos: de um lado aliviando as dores e de outro abreviando a vida, serão lícitos. Precisamos, porém, verificar se entre os dois efeitos há uma proporção razoável, e se as vantagens de um compensam as desvantagens do outro. Precisamos, também, primeiramente verificar se o estado atual da ciência não permite obter o mesmo resultado com o uso de outros meios, não podendo ultrapassar, no uso dos narcóticos, os limites do que for estritamente necessário. 58 O Papa Paulo VI, também se mostra contra a pratica da eutanásia como pode-se notar pela frase utilizada por ele: “A vida humana deve ser absolutamente respeitada: como no aborto, eutanásia e homicídio.” 59 Segundo o Padre Paulo Dione Quintão, Pároco da Igreja Nossa Senhora da Piedade, na concepção da Igreja, o Estado não pode atribuir o direito de legalizar a eutanásia, porque como prega a igreja a vida é um bem que prevalece sobre o poder. A eutanásia é um crime contra a vida humana e a lei divina. 60 Pode-se observar,portanto que a posição da Igreja Católica é de que o dever de um médico é tratar do paciente, 58 CARNEIRO, Antonio Soares Carneiro et al. Eutanásia e Distanásia. A problemática da Bioética. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1862&p=3 > .Acesso: 26 abr. 2010. 59 Id. 60 QUINTÃO. Paulo Dione.A Igreja Católica x Eutanásia .2009. Disponível em: <http://jornale.com.br/wicca/?p=338> . Acesso em: 20 abr. 2010. 33 aliviando a dor e o sofrimento e acima de tudo respeitando sua dignidade como pessoa humana. 61 7.2 RELIGIÃO JUDAICA Na visão do judaísmo, o homem não é dono de si, nem mesmo do seu próprio corpo, ele pertence a Deus. A vida é considerada um dom de valor infinito e indivisível, onde o direito de morrer não é reconhecido. 62 A tradição legal hebraica é contrária à eutanásia. O médico é como um instrumento de Deus, assim não cabe a ele decidir entre a vida e a morte. A morte não é apenas um evento cientifico, mas é uma questão ética e legal, da mesma forma que a fixação do tempo do óbito é questão moral e teológico. Porem a uma diferença entre o prolongamento da vida do paciente, que é obrigatório, e o prolongamento da agonia, que não o é. Assim, se o estado da pessoa for terminal, o medico não é obrigado a prolongar a vida em sofrimento, mais também não pode ter o seu fim apresado, mes mo quando isto evitaria a dor. O argumento freqüentemente utilizado é que o moribundo é, de qualquer maneira, uma pessoa viva, e deve ser tratado com a mesma consideração de qualquer outra pessoa viva.mesmo diante de uma pessoa com muita dor, sofrimento e solicitando o fim de tudo isso, o medico ou qualquer outro que agir dessa maneira é considerado assassino. 63 7.3 RELIGIÃO ISLÂMICA É ilícita a eutanásia, para a unanimidade das quatro grandes escolas islâmicas, respectivamente fundadas por Abou Hassifa, Malek, Chaffei e Ahmed Ibm Handibal. Que 61 CARNEIRO, Op. cit. CARNEIRO, Op. cit. 63 PESSINI, Léo. A Eutanásia na Visão das Grandes Religiões Mundiais. Op. cit. 62 34 consideram como função dos médicos a melhoria da vida e não o trajeto da morte, mesmo quando solicitada. 64 7.4 RELIGIÃO HINDU A Escritura Hindu não faz nenhuma referência expressa à eutanásia, contudo pode-se extrair de seus textos a proibição da eutanásia, pois seus ensinamentos pregam que a alma deve sustentar todos os prazeres e dores do corpo em que reside, embora na índia antiga tenha ocorrido a aplicação de medicamentos para cessar a dor de pessoas com doenças incuráveis. 65 7.5 RELIGIÃO BUDISTA A nossa personalidade, para o budismo, deriva da interação de cinco atividades: a atividade corporal, as sensações, as percepções, a vontade e a consciência. De todas, a vontade é a mais importante, porquanto representa a capacidade de escolha, de orientar a consciência: a morte de alguém, assim, ocorre quando alguém não mais possa exercer uma vontade consciente, quando seu encéfalo perdeu definitivamente a capacidade de viver, quando o último traço de atividade elétrica o abandonou. 66 O sofrimento tem grande importância no pensamento de Buda: as Quatro Verdades Nobres para obter a Iluminação são sua verdadeira causa. A eutanásia ativa e a passiva podem ser aplicadas em numerosos casos, admitindo o budismo que a vida vegetativa seja abreviada ou facilitada. Assunto atual e inerente a condição de ser humano na medida em que o direito a vida, ou a morte, se põe sob a ótica de bens indisponíveis. 67 64 65 66 67 Id. CARNEIRO, Antonio Soares Carneiro et al.. Op. cit. CARNEIRO, Antonio Soares Carneiro et al.. Op. cit. Id. 35 7.6 RELIGIÕES NOVAS Na Igreja Adventista do Sétimo Dia em um consenso informal, coloca-se a favor da eutanásia passiva (deixar morrer), mas em relação a eutanásia ativa é contra qualquer prática que levaria uma pessoa a morte. 68 A Igreja Batista defende o direito do indivíduo tomar providencias e decisões em relação a medidas que prolonguem a vida, porém a eutanásia é vista como uma violação da santidade da vida humana. 69 Para os Testemunhas de Jeová quando a morte é inevitável, esta igreja, não exige que sejam utilizados meios onerosos para prolongar o processo de morrer, mais prov ocar a morte em qualquer situação é considerado assassinato. 70 As Igrejas Luteranas aprovam a descontinuação de medicamentos extraordinários ou heróicos que prolongam a vida, e permitem a administração de medicamentos contra a dor, mesmo que estes ofereçam risco a vida. Porem a eutanásia é sinônimo de morte piedosa, que envolve suicídio ou assassinato, e é contrária à Lei de Deus. 71 7.7 INSTITUIÇÕES DEFENSORAS DA EUTANÁSIA A Organização não-governamental (ONG) Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), é oriunda da Igreja Católica e formada por militantes feministas cristãs. Em 2008, ano em que a campanha da fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) falou sobre a eutanásia e o aborto, esta ONG elaborou um manifesto, questionando: “É pos sível afirmar a defesa da vida e condenar as pessoas a sofrer indefinidamente num leito de morte, condenando o acesso 68 Conselho Executivo da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia.Assistência aos Moribundo 1992. Disponível em: < http://www.adventistas.org.pt/Artigos.asp?ID=31> Acesso em: 20 abr. 2010. 69 CARNEIRO, Antonio Soares Carneiro et al.. Op. cit. 70 Id. 71 CARNEIRO, Antonio Soares Carneiro et al.. Op. cit.. 36 livre e consentido a uma morte digna, pelo recurso à eutanásia?”. 72 8 CONCLUSÃO Diante do exposto acima se observa que a questão da eutanásia encontra-se fundamentada em vários princípios importantes, haja vista que o que prepondera é o princípio da dignidade humana, o qual visa garantir o direito à vida e o direito de permanecer vivo. Partindo dessa premissa a eutanásia, que em suma é a abreviação da vida, torna-se uma retaliação ao referido princípio, sendo incoerente com a vida em sociedade. Fazendo um retrocesso observa-se que no tempo em que tal prática era usual, tendo como justificativa a enfermidade dos indivíduos considerados infrutíferos à sociedade, tais princípios se quer eram levados em consideração. Analisando essa questão no contexto do ordenamento brasileiro, esta conduta é reprovável, uma vez que aquele que antecede a morte de outrem é reputado como assassino. Embora, muitas pessoas entendam que em casos excepcionais, para aliviar o sofrimento do paciente, seja cabível a abreviação da vida, tal fato não é legalizado. Diante das opiniões abordadas de diversas religiões e ordenamento jurídico de diferentes países, percebe -se que a maioria das religiões tradicionais demonstram uma postura totalmente contrária à prática da eutanásia, com exceção da Religião Budista que admite sua prática para abreviação da vida. Ao passo que as religiões contemporâneas estão aceitando a prática da ortotanásia no sentido de aceitar a prática de atos que passam a trabalhar a distinção entre curar e cuidar, entre manter a vida quando é leal ao ser humano e permitir que a pessoa morra quando sua hora chegou, 72 VEJA.Eutanásia.2009.Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/eutanasia/ morte-pacientes-etica-religiao-ortotanasia.shtml>. Acesso em: 21 abr. 2010. 37 permitindo ao paciente e a aqueles que o cercam enfrentar a morte com certa tranqüilidade. Já que preponderando todas as vertentes religiosas, sociais, políticas e legais conclui-se que a eutanásia, apesar de condenada pela sociedade, é vista ainda como uma possibilidade, mesmo que remota, para aqueles em sofrimento extremo. Com o progresso da medicina, a eutanásia como mero alivio de sofrimento, não pode ser admissível, já que existem métodos eficazes para promover o fim de uma vida digna sem ser necessária a abreviação da mesma. Destarte, destaca-se que assim como o ordenamento se reflete , entende-se, pois que a prática da abreviação da vida ou melhor dizendo antecipação da morte é reputada como uma conduta inadmissível, tendo em vista que tal atitude diverge dos valores morais, éticos e dos princípios valorados pela sociedade brasileira. Ademais, o Estado não pode atribuir o direito de legalizar a eutanásia, porque como prega a igreja, a vida é um bem que prevalece sobre o poder. Ademais, no caso concreto deve se atentar ao princípio da dignididade humana e ao princípio da autonomia, uma vez que a autonomia principialista limita-se a incorporar na bioética o direito moral do paciente de tomar suas próprias decisões, mesmo que com isto o indivíduo neutralize orientações benéficas prescritas pelo médico, isso significa que a autodeterminação do agente moral só pode ser considerada se não ocasionar danos ou sofrimentos a outros indivíduos, pois ninguém tem o direito de antecipar a morte de outrem. 38 9 REFERÊNCIAS BARBOZA, Heloísa Helena. Princípios da bioética e do biodireito. Revista de Bioética e Ética Médica publicada pelo Conselho Federal de Medicina, v. 8, n. 2, p. 209-216, 2000. BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e responsabilidade médica. 2. ed. São Paulo: Direito, 2000. p. 43-52. 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Acesso em: 21 abr. 2010. 40 CAPÍTULO II: COBAIAS HUMANAS Elian Sobreira Giovana Primon Karoliny Pavesi Paula Barbosa Biasão Patrícia Bastos Veridiane Merlos 73 RESUMO Esse artigo abrange assuntos relacionados às grandes mudanças ocorridas nas áreas sociais, científicas e políticas referentes à experimentos feitos em seres humanos, neste ato chamados de cobaias humanas, focado na vulnerabilidade de países em desenvolvimento e nos abusos cometidos com pessoas das camadas inferiores da população mundial. Cita a importância do surgimento da bioética, que traz uma nova imagem da ética médico-científica, seu histórico, seu conceito e os princípios relacionados ao uso de seres humanos em pesquisas, além de seus direitos e garantias frente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Por fim, apresenta se o conceito de cobaias humanas, sua legalidade de acordo com o consentimento informado e o protocolo de pesquisa, apontando os documentos necessários para tal e exemplificando com um caso ocorrido na sociedade. Palavras-chave: Cobaias Humanas – Bioética – Princípios – Consentimento Informado. 73 Acadêmicas do 5º período do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Maringá. 41 1 INTRODUÇÃO Nas ciências biomédicas, a observação e o experimento são os canais fundamentais para o conhecimento. Com a evolução da ciência e da tecnologia biomédica surgiram novos conflitos na sociedade, fazendo com que a população se confrontasse com novos problemas éticos, principalmente no que tange ao objeto de estudo do presente artigo: as cobaias humanas. A sociedade recebeu bem todo o processo científico que foi iniciado nos laboratórios, os quais, para serem clinicamente úteis, precisam ser testados em seres humanos. Apesar de serem experimentos cuidadosos, tais pesquisas acarretam algum grau de risco para os participantes, o qual se justifica pela contribuição que o resultado trará ao conhecimento humano ou ao prolongamento da vida. Após a Segunda Guerra Mundial, com os experimentos insensatos realizados por médicos nazistas, houve a necessidade de se regulamentar esse campo, surgindo, assim, o "Código de Nuremberg" (1946), um documento para limitar as experimentações médicas em seres humanos. Desde então, a sociedade vem tentando se adaptar ao progresso nas ciências biomédicas, buscando um equilíbrio, entre a pesquisa biomédica e o beneficio para seus participantes e a sociedade. Tais questões serão abordadas com maior clareza no deco rrer deste artigo, assim como o histórico da bioética, seu conceito e seus princípios, o conceito de cobaias humanas, as cobaias humanas frente aos princípios bioéticos e da dignidade da pessoa humana, além da utilização do termo de consentimento informado e do protocolo de pesquisa, trazendo por fim uma exemplificação por meio de um caso concreto. 2 BREVE HISTÓRICO DA BIOÉTICA A nova realidade tem demonstrado que grandes mudanças vêm ocorrendo na área social, científica e política, acompanhadas das outras matérias em si, de forma que uma 42 onda ética avança sobre os países 74, buscando estabelecer uma convivência menos conflituosa entre as nações, entre a ciência e a sociedade. A ética tem sido colocada em posição privilegiada, no qual abre vários caminhos em meio à esta construção sociocultural e na reconquista da saúde, de modo que faz parte integrante da formação humanística dos profissionais da saúde em suas decisões 75. A Bioética tem por volta de trinta anos de sucesso, tendo inicio na década de 60, iniciada pelos pioneiros Van Resselaer Potter, oncololista norte-americano, da Universidade de Wisconsin e Andre Hellegers, pesquisador do Instituto Kennedy de Bioética em Washington, nos célebres acontecimentos relacionados ao inicio da hemodiálise nos Estados Unidos. Na década de 70, existem opiniões discordantes e complementares 76, afirmando que seu nascimento foi com a promulgação do Código de Nuremberg (1948), após a Segunda Guerra Mundial, o qual seria a certidão de nascimento da bioética, porém a base sólid a continua sendo a iniciada com Potter. Cabe acrescentar que a Bioética se estabeleceu nos Estados Unidos na década de 70, na Europa na década de 80, no inicio dos anos 90 na Ásia e em meados da década de 90 nos outros países em desenvolvimento 77. Nasceu nos meios de pesquisa, em laboratórios experimentais, com cientistas se perguntando sobre a viabilidade ética de determinados procedimentos tecnocientíficos. 74 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. 2 .São Paulo: Moderna, 1997. p.6. 75 SPINSANTI, Sandro. Ética Biomédica. Trad. Benôni Lemos. rev. vol. 2. São Paulo: Paulinas, 1990. p. 8. 76 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. PESSINI, Leo. Problemas atuais de Bioética. 5. rev. e amp. São Paulo: Loyola, 2000. p. 11. 77 Ibidem. 43 3 BIOÉTICA: CONCEITO E PRINCÍPIOS Foi inicialmente definida por Van Rensselder Potter como sendo uma ciência da sobrevivência humana, promovendo e defendendo a dignidade humana dentro das possíveis qualidades de vida. Trata-se de um novo estudo, de uma nova reflexão, de um nova perfil de pesquisa, em evolução acelerada, em processo constante de descob erta de novos métodos e em afrontamento contínuo com problemas inesperados. A bioética seria uma resposta da ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde, ocupando -se não só aos problemas éticos, mas também aos problemas provocados pelas tecnociencias biomédicas e alusivos ao início da vida humana. Já nos dias atuais, a discussão está em torno de seu estatuto estudado profundamente, qual sua abrangência, sua fundamentação e seus princípios. Ao se falar nestes, a bioética se pauta em quatr o princípios básicos 78 enaltecedores da pessoa humana, estando eles consignados no Belmont Report, publicado em 1978 pela Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisa Biomédica e Comportamental, constituída pelo governo norte-americano. Tais princípios refletem a racionalização dos valores e das necessidades individuais da pessoa humana: Pelo princípio da autonomia, o profissional da saúde deve respeitar a vontade do paciente ou seu representante, levando em conta seus valores morais e crenças religiosas, isto é, em certa medida. Já o princípio da beneficência 79, requer o atendimento por parte do médico ou do geneticista às partes envolvidas nas práticas biomédicas ou médicas para que promovam o bem estar, evitando, na medida do possível, qu aisquer danos. Só poderá ser usado o tratamento para o bem do enfermo, 78 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito . 2. aum. e atual.São Paulo: Saraiva, 2002, p. 14. 79 Ibid, 2002, p. 15 . 44 segundo a sua capacidade e justiça, de modo a não fazer o mal ou praticar a injustiça. O princípio da não-maleficência 80 é um desdobramento do da beneficência, o qual prega a obrigação de não acarretar dano intencional e deriva da máxima da ética médica. O princípio da justiça 81 presa que todo cuidado e todo sistema de saúde sejam justos, ou seja, deve haver imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios referente à pratica médica pelos profissionais de saúde. Tais princípios foram sendo aprimorados e outros mais atuais foram agregados, de acordo com Christian de Paul Barchifontaine e Léo Pessini 82. O princípio da defesa da vida física, como o próprio nome já diz, refere-se ao respeito pela vida, isto é, respeito à vida promovendo sua defesa e promoção, de modo que representa o primeiro imperativo ético do homem para consigo mesmo e para com os outros. O princípio da liberdade e da responsabilidade prega que a vida deve ser condição indispensável para o exercício da liberdade, no qual há uma necessidade da colaboração do paciente, dentro de sua autonomia, exercer a sua responsabilidade, dando ou não seu consentimento, sempre indispensável. O princípio da totalidade ou princípio terapêutico rege toda liceidade e obrigatoriedade da terapia médica e cirúrgica, levando-se em conta não apenas a integridade física do paciente, mas também seu valor pessoal integral, ou seja, espiritual e moral da pessoa. De acordo com os princípios da sociabilidade e da subsidiariedade, o primeiro compromete cada pessoa a realizar a si mesma na participação da realização do bem dos próprios semelhantes, enquanto o segundo está ligado ao primeiro, porém impele a comunidade a ajudar os mais necessitados e a garantir as livres iniciativas. 80 Ibid., 2002, p. 16. Id. 82 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. PESSINI, Leo. op. cit., 2000, p. 43. 81 45 O paradigma da “ética dos princípios” 83 é o mais empregado para resolver os problemas de justiça, da qual a modernidade se mostra mais sensível, ajudando enormemente na solução dos problemas-fronteira das novas tecnologias biomédicas que pressupõe experiências, intuição e sensibilidade moral. 4 CONCEITO DE COBAIAS HUMANAS Pode-se dizer que foi através de pesquisas feitas no mundo animal e vegetal, incluindo seres humanos que o mundo teve a chave para o desenvolvimento da maioria dos remédios e outros produtos importantes que trazem tantos benefícios à humanidade 84. O termo “pesquisa” significa neste meio, uma classe de atividades que têm por objetivo desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável, que por sua vez, cons iste em teorias, princípios ou relações, ou ainda, no acúmulo de informações sobre os quais estão baseados 85. A pesquisa em si inclui estudos médicos e comportamentais relacionados à saúde humana, buscando entender o progresso na assistência médica e na pre venção de doenças, além de trazer uma compreensão dos processos fisiológicos e patológicos, o que em algum momento exigirá maiores pesquisas, desta vez envolvendo seres humanos. 86 A experimentação em humanos é uma prática muito antiga que ajudou muito o desenvolver da medicina na sociedade, sendo muito utilizada até os dias atuais. Abdicar das experimentações humanas pode acarretar ricos incalculáveis, pois nem sempre o que funciona in vitro, funcionará como o esperado in vivo 87. Para se por em prática 83 DINIZ, op. cit., 2002, p. 17. OLIVEIRA, op. cit., 1997. p.88. 85 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. PESSINI, Leo. op. cit., 2000. p. 139. 86 . BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. PESSINI, Leo. op. cit., 2000, p. 140. 87 OLIVEIRA, op. cit., 1997. p.89. 84 46 as diversas maneiras de se trabalhar com pesquisas em seres humanos, é necessário que haja um prévio planejamento de caráter social, educacional e técnico, de forma que se proporcione uma busca de alternativas ao padrão de pesquisa convencional 88. Nos dias atuais, embora haja muitas pesquisas em diversas áreas do conhecimento aplicado, há uma falta de maior segurança no que se trata de matéria de metodologia, onde os países em desenvolvimento acabam sendo alvo destinado a tais pesquisas. Estimativas mundiais revelam que pelo menos um quarto da população em tais países sobrevive com menos de um dólar ao dia 89. No Brasil, vinte por cento da população vivem em extrema pobreza, havendo uma maior probabilidade de essas pessoas serem incluídas em pesquisas de ensaio clínico, genéticas ou não. Em qualquer país, incluindo o Brasil, a inclusão de qualquer pessoa em projetos de pesquisa depende de uma consulta esclarecedora seguida de aceitação livre, consciente e autônoma, permitida através de um documento específico, denominado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Através do Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) 90, o pesquisador deve informar para o sujeito de pesquisa sobre o direito de escolha, os possíveis desconfortos, os riscos e benefícios à pesquisa e todas as informações pertinentes à pesquisa. É através da CONEP que há o ato ilícito do pagamento, portanto o sujeito não poderá pagar para que participe da pesquisa. “No entanto, poderá haver ressarcimento de despesas 88 BARTILOTTI, Márcia Mirra Barone et al. A ética na saúde.São Paulo: Thomson Pioneira, 2002, p. 40. 89 GARRAFA, Volnei. PESSINI, Leo. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola, 2006. p.323. 90 ARTIGO de Opinião/opinion article. Ética e pesquisa médica: princípios, diretrizes e regulamentações. Revista da Sociedade Brasileira de medicina Tropical, São Paulo, jul-ago, 2005. p. 346 47 ou de interrupção de ganhos advindos do trabalho. Estas questões têm que estar claramente delineadas.” 91 Para a maioria das famílias pobres, a percepção de estar doente e o limiar da decisão de procurar ajuda de um médico diferem, fundamentalmente, daquelas entre os que possuem uma posição social melhor. Assim, quando atingem o nível cultural de percepção de estar doente, a busca por tratamento médico inclui muitas barreiras a serem enfrentadas, desde recurso para o transporte até reserva financeira para a compra dos remédios 92. Nesta situação, quando o paciente consegue atendimento médico que lhe proporcione além de acompanhamento médico, exames laboratoriais regulares e gratuitos, além de remédios de graça, ainda que só por um tempo, a racionalidade do paciente submete-se pelas facilidades oferecidas, onde qualquer explicação adicional torna-se irrelevante 93. Assim, de modo geral, qualquer oferta que no momento lhe facilite sua sobrevivência, tem prioridade absoluta de aceitação, de modo que para o paciente pobre, necessidades vitais não podem esperar e, para o médico-pesquisador, o conflito ético é óbvio, pois nele o princípio da beneficência adquire um sentido truncado, e o princípio da justiça torna -se ampliado. 5 AS COBAIAS HUMANAS: SUA ANÁLISE FRENTE AOS PRINCÍPIOS BIOÉTICOS E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Com os progressos da ciência e tecnologia biomédicas e sua aplicação na prática da medicina, várias inquietações na população fazem com que a sociedade se confronte com vários problemas éticos, assim vários documentos e diret rizes foram criados para proteger a integridade dessas pessoas. 94 91 92 93 94 ARTIGO de Opinião/opinion article. op. cit., 2005, p. 346. GARRAFA, op. cit., 2006, p. 325. Ibid., 2006, p. 32. GARRAFA, op. cit., 2006, p. 142. 48 O primeiro documento internacional foi o Código de Nuremberg, promulgado em 1947, seguido da Declaração de Helsinque em 1964 e, em seguida para conferir força legal e moral à Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1966 o artigo 7 do Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos declara que “Ninguém será submetido a tortura ou a tratamento ou punição cruel, desumana e ou degradante. Em particular ninguém será submetido sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas”. 95 Em 1982 a publicação da Proposta de diretrizes internacionais para pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos foi um desdobramento lógico da Declaração de Helsinque, o propósito dessas diretrizes era que toda pesquisa envolvendo seres humanos deve ser conduzida frente aos princípios éticos básicos 96, sendo três: Princípio da Autonomia que requer o respeito sobre as escolhas pessoais dos pacientes ou dos seus representantes por sua capacidade de autodeterminação. Princípio da Beneficência refere–se à obrigação ética de maximizar os benefícios e minimizar danos ou prejuízos, isto é, os riscos da pesquisa devem ser razoáveis à luz dos benefícios esperados. Alguns autores defendem um desdobramento deste, sendo o Princípio da não-maleficência, por conter a obrigação de não acarretar dano intencional e derivar da máxima da ética médica: primum non nocere. Princípio da Justiça, refere-se à obrigação ética de tratar cada pessoa de acordo com o que é moralmente certo e adequado, de dar a cada pessoa o que lhe é devido, sendo ma expressão da justiça distributiva. Diante do exposto, os bioeticistas além dos princípios éticos básicos devem ter como paradigma o respeito à dignidade da pessoa humana 97, que por sua vez é fundamento do Estado Democrático de Direito, estando cravado no artigo 95 96 97 Ibid., 2006, p. 141. Ibid., 2006, p. 142. DINIZ, op. cit., 2002, p. 17. 49 1°, III, da Constituição Federal de 1988, sendo o cerne de todo ordenamento jurídico 98. A pessoa humana e sua dignidade prevaleceram sobre qualquer tipo de avanço científico e tecnológico, de modo que a bioética e o biodireito não poderão admitir conduta que reduza à pessoa humana a condição de coisa, logo, nem tudo o que é cientificamente possível é moral e juridicamente admissível 99. Pode-se dizer que todos esses princípios, inclusive o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana impõe limites à moderna medicina, reconhecendo que o respeito ao ser humano em todas as suas fases evolutivas só é alcançado se estiver atento a dignidade humana. Ao reconhecer e respeitar a dignidade humana, a bioética e o biodireito passam a ter um sentido humanista 100, estabelecendo um vínculo com a justiça, sendo que se em alguma lugar houver qualquer ato que não assegure a dignidade humana, este deverá ser repudiado e punido, por contrariar as exigências ético-jurídicas dos direitos humanos. Pode-se dizer que todos os seres humanos, os aplicadores do direito e em especial os médicos, os biólogos, os geneticistas e os bioeticistas devem intensificar sua luta em favor do respeito à dignidade humana para que haja efetividade dos direitos humanos, pois a consciência destes é uma grande conquista da humanidade, por ser o único caminho para uma era de justiça, solidariedade e respeito pela liberdade e dignidade de todos os seres humanos. A bioética e o biodireito estão inseridos nessa conquista, sendo instrumentos valiosos para recuperação dos valores humanos 101. 98 DINIZ, op. cit., 2002, p. 17. Ibid., 2002, p. 19. 100 Id. 101 Ibid., 2002, p. 20. 99 50 6 TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO E PROTOCOLO DE PESQUISA Para a evolução da sociedade é necessário que as técnicas médicas se aperfeiçoem, para isso necessário a pesquisa. Desse modo, elas se iniciam com a construção de uma hipótese, sendo posteriormente testadas em laboratórios, mais especificamente com técnicas in vitro, passando – se para testes em animais finalizando com o teste em seres humanos sendo este, portanto, indispensável para que se saiba exatamente os resultados do item pesquisado 102. O Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS) publicou já em 1982, uma proposta de diretrizes internacionais para pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos, as quais foram distribuídas para o Ministério da Saúde dos países, conselhos de pesquisa médica, faculdades de medicina, organização -não governamentais, companhias farmacêuticas e revistas médicas 103. Mesmo com as diretrizes apresentadas, a necessidade de realizar testes de vacinas e medicamentos trouxe a luz novas questões éticas que não haviam sido previstas quando o Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas publicou aquelas diretrizes. Sendo assim, em 1993, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas, revisaram as Diretrizes visando bem–estar aos participantes desse tipo de pesquisas, publicando novos parâmetros éticos internacionais para as pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos. Contudo, mesmo assim certas áreas de pesquisa, como a pesquisa genética humana, a pesquisa em fetos e embriões e a pesquisa em tecidos fetais, não receberam atenção especial nessas diretrizes o que tem gerado diversos problemas, posto que esses estão evoluindo rapidamente gerando controvérsias em muitos aspectos. 102 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. PESSINI, Leo. op. cit., 2000, p. 137-138. 103 Id. 51 De acordo com os autores anteriormente citados essa nova diretriz é composta por uma declaração de Princípios Éticos Gerais, um preâmbulo e 15 diretrizes, onde determinase que para iniciar uma pesquisa, faz-se necessário o protocolo de pesquisa e o termo de consentimento informado 104. O protocolo de pesquisa é o conjunto de documentos que o pesquisador prepara como parte do processo de elaboração de seu projeto de pesquisa, onde organiza a proposta de trabalho o que permite que o Comitê de Ética desempenhe seu papel de controle social, posto que tem a seu dispor um texto e um conjunto de documentos claros, organizados e avaliáveis. Apesar de burocrático esse procedimento é legitimado quando está a serviço da cientificidade e da eticidade da pesquisa. Cada pesquisa deve ser formulada num protocolo de pesquisa e submetida a um Comitê de Ética. Não importa o nível da pesquisa podendo variar desde trabalhos de conclus ão de graduação até pesquisas em seres humanos de interesse acadêmico ou operacional. Todas estas requerem a elaboração de um protocolo de pesquisa, como medida de proteção para os seres humanos. Para se fazer um protocolo de pesquisa, é necessário seguir alguns itens indispensáveis, os quais são: Primeiramente, a folha de rosto que deve conter a identificação do projeto, identificação do pesquisador responsável, da instituição onde se realizará o projeto, do patrocinador e do Comitê de Ética responsável pela avaliação do protocolo, incluindo ainda o termo de compromisso do pesquisador e da instituição em cumprir a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (esse termo de compromisso é essencial para compor o banco de dados dos projetos); Em segundo lugar apresenta-se o Projeto de Pesquisa, o qual deve ser feito em língua portuguesa descrevendo propósitos e hipóteses a serem testadas, e apresentando antecedentes científicos e dados que justifiquem a pesquisa. E 104 Ibid, 2000, p. 139. 52 através disso que será feita a avaliação da proposta pelos membros do Comitê de Ética. O Projeto de Pesquisa deverá conter descrição detalhada do projeto (material e métodos, casuística, resultados esperados, bibliografia), análise crítica de riscos e benefícios, cronograma, explicitação das responsabilidades do pesquisador, da instituição, do promotor e do patrocinador, explicitação dos critérios de suspender ou encerrar a pesquisa, local e detalhamento das instalações de onde se realizará cada etapa da pesquisa, demonstrativo da existência de infraestrutura necessária ao desenvolvimento da pesquisa e para atender eventuais problemas dela resultantes, orçamento financeiro detalhado (recursos, fontes e destinação, forma e valor da remuneração do pesquisador) a apresentação do orçamento permite transparência e justiça no uso de recursos, explicitação de acordo preexistente quanto à propriedade das informações geradas, declaração da existência de seguros, declaração de que os resultados serão tornados públicos, declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados coletados 105. Além das descrições já detalhadas, no Projeto de Pesquisa será necessário algumas informações relativas ao sujeito da pesquisa, tais como: caracterizar a população alvo (tamanho da amostra, faixa etária, sexo, e outras características necessárias), expor as razões para a utilização de grupos vulneráveis, descrever os métodos que afetem diretamente os sujeitos da pesquisa, identificar as fontes de materiais de pesquisa (registros, dados), descrever planos de recrutamento, fornecer critérios de inclusão e de exclusão, descrever medidas de proteção ou minimização de riscos, apresentar previsão de ressarcimento de gastos aos sujeitos da pesquisa (esta importância não deve ser de tal monta que possa interferir na autonomia da decisão do indivíduo ou seu responsável em participar da pesquisa). 105 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. PESSINI, Leo. op. cit., 2000. p. 143-148. 53 Das descrições dos sujeitos ainda será necessário apresentar qualificação dos pesquisadores com o Curriculum vitae do pesquisador responsável e demais participantes. O terceiro e último item é o Termo de Consentimento Informado. Este representa uma manifestação voluntária e expressa da autonomia da vontade de uma pessoa, a qual deve ser capaz e estar ciente do processo informativo e deliberativo visando à aceitação de tratamento específico ou experimentação, sabendo a natureza do mesmo, das suas conseqüências e dos seus riscos 106. É de suma importância a fundamentação ética da pesquisa nesse documento, posto que o mesmo é um dever legal do médico que deve apresentá -lo o mesmo de forma minuciosa para evitar maiores discussões acerca do fato de ter sido ou não consentido e explicado e se esta foi de modo suficiente ou não. O exercício do consentimento informado efetiva-se após a junção da autonomia, capacidade, voluntariedade, informação, esclarecimento (onde o médico clínico ou cirurgião deve indicar as vantagens e os inconvenientes, ou os riscos do tratamento ou da intervenção) e o próprio consentimento. Entre os elementos de validade do consentimento informado talvez a informação seja um dos mais importantes, e por isso deve ser clara, objetiva e em linguagem compatível com o entendimento individual de cada paciente 107. A capacidade esta ligada com a voluntariedade, sendo que a primeira é para entender e decidir, não tem uma dependência direta com a idade da pessoa. A voluntariedade é a possibilidade que a pessoa tem de tomar decisões sem ser constrangida ou até mesmo coagida para que decida se irá ou não participar da pesquisa. Esta situação coercitiva pode estar presente em grupos onde existe uma clara dependência hierárquica, como em militares, funcionários, membros de organizações religiosas, estudantes, ou com outros tipos de 106 SAUNDERS, Jr WL. Principles of health care ethics. New York: John Wiley & Sons, 1994. p. 457 -70. 107 DICKENS BM, Cook RJ. Dimensions of informed consent to treatment. Int J Gyneacol Obstet. 2004, p. 309 -14. 54 vulnerabilidade, tipo a verificada em pacientes, comunidades carentes e presidiários 108. A autonomia é utilizada quando o indivíduo pode perguntar e obter respostas às suas dúvidas, dando a autorização com base na sua vontade individual. O consentimento propriamente dito ocorre quando o participante ou paciente toma a decisão por uma das alternativas apresentadas (aderindo ou não a participar da pesquisa). A assinatura do Termo de Consentimento é a última etapa do processo, quando a pessoa documenta a sua autorização para a realização dos procedimentos propostos. Assim sendo, o consentimento informado é um elemento necessário ao atual exercício da medicina, posto que é um direito de saber do paciente e um dever de explanação do médico. O termo permite que uma pessoa possa tomar decisões sobre os procedimentos propostos a ela, através de um documento assinado, consentindo ao médico/pesquisador a realização de determinado procedimento, após o recebimento das informações pertinentes. A informação deve ser a mais minuciosa possível, com linguagem acessível e informação adequada ao indivíduo, o qual deve estar ciente da finalidade e do método da pesquisa, sua duração, benefícios esperados e possíveis riscos, além dos tratamentos alternativos, do grau de confidencialidade quanto ao anonimato, e da responsabilidade do pesquisador. Ademais deverá ser propiciado ao individuo que esta de “cobaia” a possibilidade de terapia gratuita no caso de danos ou resultados negativos, tipo de compensação, ainda, a liberdade de deixar a pesquisa 109. Ressalta-se que se for necessário o uso de alguma imagem do participante, deverá ser requisitado a sua autorização. 108 GOLDIM, José Roberto. Simpósio sobre ética : o consentimento informado numa perspectiva além da autonomia. Porto Alegre: Revista Amrigs, 2000. p. 110. 109 Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS), World Health Organization (WHO). International ethical guidelines for biomedical research involving human subjects. Genebra: CIOMS, OMS. 1993. 55 Contudo mesmo com todos esses requisitos ainda não se pode ter a certeza de que está realmente completo, posto que para ser realmente ético, o protocolo deverá conter o máximo de informações, de modo a permitir decisão livre de coerção. A forma de apresentar esse consentimento é variável, podendo ser oral ou escrito, sendo o mais importante levar em consideração a diversidade dos indivíduos, quanto ao grau de entendimento, para se ter certeza de que todas as informações contidas naquele documento foram absorvidas pelas pessoas. Cabe ressaltar que todos esses itens acima mencionados ainda passam por uma aprovação de um Comitê de Ética, pois eles fazem parte de uma lista de diretrizes, no total de 15, que devem ser cumpridas, estando o Comitê de Ética enquadrando na diretriz de número 14. Dentro dessas 15 diretrizes, há algumas específicas, como em caso de pesquisas envolvendo pessoas com distúrbios comportamentais ou mentais, crianças e prisioneiros. Nesses casos, deve-se observar alguns requisitos: - Segundo a diretriz 5, que é a que trata da pesquisa envolvendo crianças, elas só podem ser envolvidas em pesquisa se não puder desenvolve-las em adultos e se as informações que serão coletadas vão ser relevantes as necessidades infantis, devendo para tanto, buscar o consentimento livre e informado dos pais e da própria criança (cada uma segundo a sua capacidade); - Assim como em crianças, as pesquisas não poderão ser desenvolvidas em pessoas com distúrbios mentais e comportamentais, de acordo com o disposto na diretriz 6, se elas puderem ser desenvolvidas em pessoas sem esses distúrbios, sendo também aqui necessário o consentimento livre e informado obtido de cada um de acordo com a sua capacidade mental, destacando-se no tocante essas pessoas, necessariamente deverá haver benefícios para os mesmos com essa pesquisa; - Em prisioneiros, de acordo com a diretriz 7, os que possuem doenças graves ou em risco de adquiri-las, não devem ter arbitrariamente negado seu acesso a drogas, vacinas ou 56 outros agentes em investigação que mostrem promessa de benefício terapêutico ou preventivo; - Na diretriz 11 que as gestantes não devem participar de pesquisas não clínicas (é aquela desenvolvida em pacientes ou outros participantes, ou com dados relativos a eles, apenas para contribuir para o conhecimento generalizável), a não ser que elas representem riscos mínimos para seus fetos, e que tenham o cunho de obter novos conhecimentos sobre a gravidez ou lactação. - De acordo com a diretriz 13, os participantes que sofreram danos físicos resultantes de sua participação, terão que ter direito a assistência financeira ou de qualquer outro tipo que precisar, podendo ser temporária ou permanente. Essa é uma das principais regras da norma ética aplicado ao profissional da medicina, sendo garantido ao paciente o direito de decidir em relação ao que lhe é colocado como forma de tratamento e respeitando a sua capacidade de autodeterminação. O termo de Consentimento não existe apenas para a experimentação de pesquisas médicas nas pessoas, enquadradas como “cobaias humanas”, mas existe para muitos tipos de tratamento hospitalares, nos quais os procedimentos de autorização serão praticamente os mesmos. Dessa forma permite-se que o paciente possa tomar decisões sobre os tratamentos e procedimentos propostos de forma consciente e com total segurança da decisão tomada. Para isso, o médico assistente ou cirurgião-dentista deve fornecer ao seu paciente todas as orientações pertinentes. Cabe acrescentar que além das diretrizes gerais e específicas já notadas, na última é determinado o país que irá patrocinar a pesquisa devendo submeter o protocolo de pesquisa a revisão ética e científica, de acordo com os padrões do seu país de origem, enquanto o país hospedeiro é onde a pesquisa irá ser realizada, deverá verificar se ela atende as suas próprias exigências ético-legais. No Brasil, o Conselho Nacional de Saúde tem diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, que estão na Resolução 196/96 e no Código de Ética 57 Médica 4 . Tais regramentos, quando realizadas pesquisas em seres humanos, deverão ser respeitados. Contudo, na prática, nem sempre todos os seus requisitos são necessariamente preenchidos, e muitas pessoas, desconhecendo essas informações complementares, se submetem a situações ilegais e constrangedoras. Podemos citar como explicativo, os testes de medicamentos e esterilização forçados praticados em países pobres, a partir de alguns fatos levantados sobre a utilização de cobaias humanas em experimentos e incursões da indústria farmacêutica dos Estados Unidos, pela América Latina e em outras partes do mundo. Qualquer iniciativa que necessita de seres humanos para pesquisas científicas e medicamentos incorre em graves infrações aos direitos universais da pessoa humana, e somente se mantém por interesses econômicos escusos. Conforme relatado por Sonia Shah, em 1998, as pesquisas realizadas com seres humanos nos países de terceiro mundo, de forma irregular, não são conhecidas nem no próprio país. O relatório do Conselho Nacional de Segurança dos EUA relata - 110A assistência para o controle populacional deve ser empregada principalmente nos países em desenvolvimento de maior e mais rápido crescimento onde os EUA têm interesses políticos e estratégicos especiais. A forma como são empregados os testes não tem nenhuma importância para os Estados Unidos, apenas interessa o resultado a ser alcançado. O relatório dos EUA fala claramente que é preciso criar um controle populacional no Brasil e em outros países em desenvolvimento, para isso fomentou a criação nestes países de fundações, com o objetivo de assistir e medicar mulheres pobres, mas com o verdadeiro intuito de esterilizá -las sem sua autorização. Um exemplo deste caso é a Associação Bem Estar Familiar (BEMFAM), implantada no Brasil e mantida principalmente com doações americana, cuja única função é a 110 http://www.providaanapolis.org.br/kissinger.htm 58 esterilização de mulheres entre 15 e 49 anos. O processo utilizado é muito simples, o medicamento é aplicado na veia como um anticoncepcional, mas lentamente a paciente vai ficando estéril. Procedimento similar foi realizado no Peru com maios de 320 mil camponesas, na década de 80. O medicamento mais utilizado é o Deprovera, fabricado pelo laboratório Norplante, que foi motivo de vários escândalos nas décadas de 70/80 por provocar câncer e esterilização de mulheres. Na Europa, este medicamento não pode mais ser comercializado, em virtude da comprovação de danos irreversíveis à saúde da mulher. Como exemplo, temos o caso de Wilson, um jovem mecânico, que ao se propor voluntário em um experimento com uma nova droga para a evolução das pesquisas da leucemia, acabou ficando 16 dias em coma e teve parte da sua mão amputada 111. Quando pessoas são vistas como simples cobaias, coloca-se em risco o respeito e a própria liberdade do ser humano, que são direitos inalienáveis, em nome da falsa pesquisa, da ambição e da ganância das grandes corporações. 7 CONCLUSÃO Após a realização deste trabalho chegou -se à conclusão de que devido as grandes mudanças que têm ocorrido na sociedade com relação na área social, científica e política, uma onda ética avança sobre os países, buscando estabelecer uma convivência menos conflituosa entre as nações, entre a ciência e a sociedade. A grande problemática ocorrida na sociedade se deu com o término da Segunda Guerra Mundial, a qual revelou ao mundo a matança de milhares de seres humanos na Alemanha, os quais foram sacrificados e serviram de cobaias para experimentos científicos, que deram origem ao Código de Nuremberg em 1948. 111 Revista Super Interessante, Edição 278, Maio de 2010. 59 Isto ocorreu em vista da necessidade de aplicar os conhecimentos obtidos em pesquisas científicas para obter a aplicabilidade desses resultados científicos em seres humanos. Assim, surge a Bioética, que antes de tornar-se uma disciplina na década de l980, já era um movimento que tentava responder aos conflitos éticos relacionados com o avanço tecnológico no campo da biomedicina. Sendo assim, ela é um pólo de luta pelos direitos humanos e tem como objetivo regulamentar, promover e defender a dignidade humana dentro das possíveis qualidade s de vida, delegando responsabilidade e poder à sociedade para direcionar o caminho que interessa para si e para as gerações futuras, relacionando as manipulações genéticas, aos temas do direito reprodutivo, dentre outras questões relativas à Saúde Pública, as Cobaias Humanas, que foi o tema do presente estudo. Surge então uma questão, por que usar pessoas para entender doenças e testar remédios cujos efeitos nem se conhecem ou tem ciência de que são seguros? Apesar de cada vez mais avançada, nossa tecnologia ainda não é suficiente, por isso, usam-se, além de animais, pessoas, pois os testes existentes ainda são incapazes de dizer com precisão como agirá uma droga no corpo humano. Dessa forma, somente sabe- se um remédio tem eficácia ou não e quais seus efeitos colaterais, depois de testá-lo em centenas de animais e seres humanos. E aí está o grande problema, garantir saúde a essas pessoas. Sendo assim, é de fundamental importância à participação de cobaias humanas no desenvolvimento de pesquisas, desde que respeitados os direitos dispostos pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), entre eles: decidir se quer participar; receber informações sobre os objetivos, métodos e riscos da pesquisa e dos tratamentos alternativos; manter sua privacidade e anon imato; abandonar a pesquisa quando quiser; tratamento gratuito caso surjam complicações de saúde por causa da pesquisa; receber o melhor tratamento já existente para sua doença ou o novo tratamento em teste, que deve ter potencial para se tornar o 60 melhor existente; comunicar-se facilmente com os pesquisadores; receber informações que surgirem no estudo, como problemas ocorridos com outros voluntários; indenização, caso a pesquisa cause alguma dano; exclusividade nas informações que prestar e nas amostras retiradas de seu corpo e depois de terminada a pesquisa, continuar recebendo o tratamento em pesquisa que tiver experimentado, se o considerar benéfico. 7 REFERÊNCIAS ARTIGO de Opinião/opinion article. Ética e pesquisa médica: princípios, diretrizes e regulamentações. Revista da Sociedade Brasileira de medicina Tropical, São Paulo, jul-ago, 2005. ASSOCIAÇÃO MÉDICA MUNDIAL. 18° Assembléia Médica Mundial. Helsinki, Finlândia, 1964. Acessado em 12/04/2010 em http://www.ghente.org/doc_juridicos/helsinki.htm BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de e Léo Pessini. Problemas atuais de Bioética. 5. rev. amp. São Paulo: Loyola, 2000. BARTILOTTI, Márcia Mirra Barone et al. A ética na saúde. São Paulo: Thomson Pioneira, 2002, BRASIL. Resolução n° 1.246 de 08 de janeiro de 1988. Dispõe sobre o Código de ética Médica. Diário Oficial. República Federativa do Brasil, Brasília. 26 Jan 1988, seção 1. BRASIL. Resolução n.º 196, de 09 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial. República Federativa do Brasil, Brasília. CLOTET, Joaquim. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2003. Código de Ética Médica. Available From URL: http: //www.cfm.org.br. Council for International Organizations of Medical Scien ces (CIOMS), World Health Organization (WHO). 61 International ethical guidelines for biomedical research involving human subjects. Genebra: CIOMS, OMS. 1993. Dickens BM, Cook RJ. Dimensions of informed consent to treatment. Int J Gyneacol Obstet. 2004. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. aum. e atual.São Paulo: Saraiva, 2002. Emanuel EJ. Crouch RA, Arras JD, Grady C. Ethical and regulatory aspects of clinical research. The Johns Hopkins University Press, Baltimore, 2004. GARRAFA, Volnei. PESSINI, Leo. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola, 2006. GOLDIM, José Roberto. Simpósio sobre ética: o consentimento informado numa perspectiva além da autonomia. Porto Alegre: Revista Amrigs, 2000 HOSNE, WS. A regulamentação de pesquisa com seres humanos como instrumentos de controle social . In: Fortes PAC, Zoboli ELCP (eds) Bioética e Saúde Pública, Edições Loyala, São Paulo. 2003. http://www.providaanapolis.org.br/kissinger.htm OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. 2 ed.São Paulo: Moderna, 1997. Revista Super Interessante, Edição 278, Maio de 2010. SAUNDERS, Jr WL. Principles of health care ethics. New York: John Wiley & Sons, 1994. SHAH, Sonia. As Cobaias Humanas - Os testes de Medicamentos no 3º Mundo. São Paulo: Caleidoscópio, 2008. SPINSANTI, Sandro. Ética Biomédica. Traduzida por Benôni Lemos, rev. vol. 2. São Paulo: Paulinas, 1990. 62 CAPÍTULO III: ABORTO ANENCEFÁLICO Agatha Yuri Sonohara Fernanda Andrade Ré Fernanda Caraçato Vettorazzo Leliane Krauspenhar Maiana Kelmer Araújo Mariuci Roberta Barrreto da Costa 112 RESUMO O presente artigo visa analisar brevemente o tema aborto anencefálico, analisando desde os fatores que podem gerar uma gravidez de feto anencefálico até a apresentação de opiniões divergentes acerca da possibilidade de se permitir ou não, em lei, o aborto nesses casos. Tratarse-á ainda, de seus prognósticos, de como realizar a prevenção para se evitar a formação de fetos anencéfalos pelo tratamento com Ácido Fólico, e casos reais. Palavras-chave: Aborto, Constitucionais, Anencefalia, Anencefalia. 112 Legalização, Ácido Fólico, Princípios Aborto por Acadêmicas do 5º período do curso de Direito d a Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Maringá. 63 1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo descrever e passar conhecimento sobre aborto de fetos anencéfalos, sob a ótica do ordenamento jurídico, tomando como partida os conceitos de aborto, anencefalia e aborto por anencefalia, adentrando ainda, estas questões relacionadas aos princípios constitucionais, alem de relacionar essas questões em países que autorizam o aborto, os prós e contra do aborto anencefálico e o posicionamento de magistrados em relação ao tema. O aborto de anencéfalo é um tema muito discutido no Brasil, pelo fato de divergentes opiniões sobre o assunto serem formadas por várias áreas de estudos, como as religiões, os tribunais, a medicina. A lei brasileira autoriza apenas dois tipos de aborto, o aborto necessário e o aborto sentimental, fazendo assim com que os outros tipos de aborto sejam considerados crime, portanto, não permitidos no País. O relacionado tema ofende vários princípios disposto s na Constituição Federal de 1988, sendo o principal, o Princípio da Dignidade Humana, que defende o direito a vida, independente dos fatores físicos e psíquicos do feto, gerando discussões a cerca da dignidade deste e da gestante. Todas essas questões serão devidamente ponderadas ao longo deste estudo, levando dúvidas sobre a legalização do aborto anencefálico no Brasil. 2 ABORTO O aborto é um delito de conceito uniforme entre os doutrinadores, pois a grande maioria entende que, é um ato provocado pela própria mãe ou terceiro que interrompe a gravidez, causando morte do feto, independente de sua expulsão. Isso devido ao fato de que o embrião em formação poderá ser destruído pelo próprio organismo da mãe. Portanto, para a consumação delitiva é necessário que haja a morte do produto da concepção, mesmo sendo ela posterior as condutas abortivas, como pode ocorrer que o feto não tenha óbito dentro do organismo da mãe, mas fora, sendo 64 que a causas que causou sua morte foram as condutas praticadas para o fim de abortar. Tem –se assim que “o aborto é a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da concepção)” 113, sendo este um conceito básico e direto do que é o aborto. Porém pode ser conceituado de forma mais completa, como sendo: Aborto a interrupção da gravidez, com a conseqüente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intra-uterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode ocorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno em virtude de um processo de autólise, ou então pode suceder que ele sofra processo de mumificação ou maceração, de modo que continue no útero materno. 114 Para tipificar a prática do crime de aborto a lei não diz qual é o período de gestação que o feto tem que estar, ou seja, este pode estar em qualquer período de sua formação, poden do estar no primeiro mês ou no último, que em ambos os casos vão ser aborto. Desde que, ressaltando, a mort e do feto seja causada pelas práticas realizadas para obter resultado morte deste. Este crime fere a vida humana e encontra-se tipificado no Código Penal Brasileiro, estando junto com o crime de homicídio, como exemplo, por ser crime contra a vida. Este Código traz cinco artigos, sendo o artigo 124 até o artigo 128, os que relatam os possíveis agentes ativos, que pode ser a própria mãe ou terceiro, que poderá provocar o aborto com o consentimento ou sem esse, sendo que quando praticado por terceiro este pode ser responsabilizado pela forma qualificada , 113 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v.2. p. 151. 114 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p.108. 65 quando resultar lesão grave ou morte da mãe, e ainda traz as possibilidades de aborto legal. Concluindo assim que “o aborto é o crime consistente na dolosa interrupção, vedada pela lei, da vida intra -uterina normal, em qualquer de suas fases evolutivas, haja ou não expulsão do produto da concepção do ventre materno.” 115 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS O aborto foi muito praticado entre os povos, principalmente entre gregos e romanos, pois estes acreditavam que o feto era parte integrante da mãe, integrando o seu corpo, podendo assim, dispor. Como o passar de alguns anos o aborto foi considerado, quando praticado por mulher casada uma ofensa o marido, ferindo o direito de ser pai e dar continuidade a família. Quando praticado por mulher solteira, esta prática era liberada. A reprovação ao ato de abortar foi dada com o surgimento do cristianismo, de modo que: O aborto surgiu pela primeira vez na Constitutio Bamberguensis de 1507 e na Constitutio Criminalis Carolina de 1532, que distinguiam entra a morte do feto animado e inanimado, punindo a primeira com a pena capital e a segunda com um castigo aplicado segundo o arbítrio dos peritos versados em direito.” 116 Aqui, neste período o aborto foi igualado ao homicídio. No século XVIII, foi abolida a pena capital, substituindo-a pela pena de prisão ou multa. Em pleno século XXI, há duas situações, tendo em vista aqueles tem como idéia a continuidade do aborto como crime, punindo rigorosamente a pessoa que pratica, principalmente a mãe, e aqueles que são 115 DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do direito. 2. ed. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 41. 116 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., 2002. p. 36. 66 a favor do aborto, com fundamento na vontade da mãe de ter um filho, podendo ela escolher o destino de uma vida. São várias as espécies de aborto de acordo com o disposto na legislação penal: A) Auto-aborto: está previsto no artigo 124, primeira parte, “provocar aborto em si mesma”. Tratando-se, portanto de crime especial, podendo ser praticado apenas pela mãe. “É a própria mãe que quem executa a ação material do crime, ou seja, ela própria emprega os meios ou manobras abortivas em si mesma.” 117 Assim, é um delito que a própria mãe, dolosamente, e sozinha comete. B) Aborto consentido: aquele em que terceiro pratica, mas que a mãe permite que o faça. “No caso a gestante não pratica aborto em si mesma, mas consente que o agente o realize”. 118 Esse terceiro que pratica o aborto vai responder pelo artigo 124, segunda parte do Código Penal. C) Aborto provocado por terceiro: disposto nos artigos 125 e 126 do Código Penal, cujo primeiro está relacionado com o aborto sem o consentimento da gestante, e o segundo do aborto com o consentimento da gestante. “Em se tratando de aborto provocado sem o consentimento da gestante, o agente emprega a força física, a ameaça ou a fraude para a realização das manobras abortivas.” 119 Neste tipo não só o feto é vítima, mas a mãe também. E no aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante é aquele que a mãe autoriza que aquele realize condutas com a finalidade de abortar. Mas este consentimento tem que ser válido, isto é, a grávida tem que ter discernimento mental, não podendo ela ser menor de quatorze anos de idade, alienada ou débil, e se o consentimento foi obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. 117 CAPEZ, Fernando. Op. cit., 2004. p. 115. FABBRINI, Renato N. MIRABETE, Julio Fabbr ini. Manual de Direito Penal: parte especial. 25. ed. ver. e atual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 65. 119 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7. ed. atual e ampli.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2. p. 112. 118 67 D) Aborto qualificado pelo resultado: quando em razão das condutas abortivas a mãe sofre lesão corporal grave ou a morte, sendo em ambos os casos as penas aumentadas. “É evidente que o resultado mais grave (lesão corporal grave ou morte), condição de maior punibilidade, não deve ter sido querido, nem mesmo eventualmente, pelo agente, pois nesses casos deverá ele responder pelos crimes de lesão corporal grave ou homicídio, e concurso com o aborto.” 120 E) Aborto necessário: pode ocorrer em duas possibilidades. A primeira quando a vida da grávida esta em risco, e a segunda quando a gravidez foi resultado de estupro. “Em síntese, parte-se de uma esquema de regra-exceção: a regra é a punição do aborto; a exceção, permitir o aborto em determinadas hipóteses expressamente previstas (indicações), além das eximentes comuns de responsabilidade disciplinadas pelo Código Penal.” 121 É um tipo permitido pela lei, dando mais importância para as vontades da gestantes do que a vida humana, que está sendo formada. F) Aborto sentimental: que também pode ser chamado de humanitário e ético, é aquele realizado por médico, quando a gravidez foi resultado de estupro, sendo assim um aborto legal, como está disposto no artigo 128, inciso II, do Código Penal Brasileiro. Sendo que para a realização desta prática o estupro precisa ser provado e ter o consentimento expresso da vontade da gestante, não precisando de autorização judicial. G) Aborto econômico: é aquele praticado geralmente em famílias numerosas e com dificuldades financeiras, sendo que o nascimento de mais uma pessoa nesta família acarretaria maiores crises econômicas. Esta conduta não é permitida pela legislação nacional. H) Aborto eugenésico: este "permite o aborto quando existam riscos fundados de que o embrião ou o feto sejam portadores de graves anomalias ou o feto sejam portadores de graves anomalias genéticas de qualquer natureza ou de outros 120 FABBRINI, Renato N. MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. 2008, p. 67. 121 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., 2008, p.114. 68 defeitos físicos ou psíquicos decorrentes da gravidez”. 122 Para a legislação atual esta prática é considerada crime, embora o Poder Judiciário tem autorizado a prática quando houver prova legítima de que o feto fora do útero materno não tiver meios de sobreviver. 3 PAÍSES QUE AUTORIZAM O ABORTO DE ANECÉFALOS Enquanto o Brasil discute a permissão para o aborto de fetos anencéfalos, quase metade dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecem a interrupção da gravidez nesses casos como um direito da mulher. O levantamento, realizado pela professora Débora Diniz da Universidade de Brasília, revela que das 192 nações, 94 permitem o aborto de fetos com ausência parcial ou total do cérebro, ressaltando ainda que a pesquisa indica uma tendência mundial na permissão desse tipo de aborto.123 É o caso de Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Canadá, África do Sul, França e de mais 87 países, inclusive democráticos e majoritariamente católicos, como México, Portugal e Itália. A América Latina fica isolada no mapa de legislações favoráveis a interrupção da gestação de anencéfalos, posto que nesta apenas a Guiana e a Colômbia reconhecem esse direito.124 Para Débora Diniz, o Brasil ainda não autoriza esse tipo de aborto porque a influência católica está atrelada à estrutura legal do país. “Muito embora a população portuguesa se declare majoritariamente católica, essa moral não está imbricada na estrutura de poder como acontece no Brasil”, afirma Débora, que desenvolveu a pesquisa pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero 122 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., 2008, p. 117. METADE DOS PAÍSES AUTORIZAM ABORTO DE ANENCÉFALOS. Disponível em<http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/ metade-dospaises-autorizam-aborto-de-anencefalos>. Acesso em: 11 de junho de 2010. 124 Id. 123 69 (Anis), organização não-governamental dedicada à pesquisa em Bioética. 125 Caso a autorização de aborto de fetos anencéfalos siga um fluxo contínuo nas legislações internacionais, o Brasil pode despontar, ainda este ano, como um dos únicos países latinoamericano a reconhecer esse direito em função de uma ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que se arrasta desde 2004 no Supremo Tribunal Federal, sob forte embate entre religiosos e movimentos sociais. Recentemente, a AdvocaciaGeral da União (AGU) concedeu parecer favorável ao Supremo Tribunal Federal para o caso, o que expressa a posição oficial do governo brasileiro na matéria. O relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, deve levar ainda neste semestre seu voto sobre aborto de fetos anencéfalos. 126 Um dos motivos de o Brasil não autorizar o aborto de anencéfalos pode ser explicado pelo surgimento “tardio” de movimentos sociais defensores da causa, posto que em comparação a outros países, a mobilização feminista no Brasil é jovem, iniciando-se por volta dos anos 70, enquanto outras localidades já existe há mais tempo.127 Por um lado, o constitucionalista Ronaldo Poletti, professor da Faculdade de Direito da UnB, dá outra explicação para o fenômeno, afirmando que no país, além de criminal, o aborto também está em matéria constitucional e em legislações do Direito Civil., surgindo em função disso a argumentação jurídica contrária.128 Como assevera o professor, nos direitos fundamentais, a Constituição estabelece o direito à vida, e no código civil brasileiro, 125 Id. 126 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em:< http://www.stf.jus.br >. DJ 02/08/2004 PP-00064 RTJ VOL-00200-03 PP01399. 127 Como afirma a professora Soraya Fleisher, do Departamento de Antropologia da UnB: “Aqui começou após a ditadura, por volta dos anos 70. Na Europa e nos Estados Unidos, essa luta já dura décadas”. Referencia disponível em: METADE DOS PAÍSES AUTORIZAM ABORTO DE ANENCÉFALOS. Op. cit. 128 METADE DOS PAÍSES AUTORIZAM ABORTO DE ANENCÉFALOS. Op. cit. 70 diz que os direitos do nascituro são protegidos desde a concepção, ensejando muitas discussões a cerca do tema. O direito à vida, no entanto, não pode ser atribuído ao caso de fetos anencéfalos, defende Luís Roberto Barroso129, advogado que representa a ação da CNTS. De acordo com ele, o aborto pressupõe a potencialidade de vida do feto, o que não ocorre nesses casos.130 Por outro lado, o Presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Humberto Leal Vieira contesta o argumento do advogado, afirmando que o bebê anencéfalo tem vida e que, fazer o aborto nesse caso é antecipar a morte de um ser humano.131 No mesmo sentido, Cláudio Bernardo Pedrosa de Freitas, médico e professor da Faculdade de Medicina da UnB, diz que o nãonascido não deve ser discriminado, uma vez que mesmo dentro do útero materno, já pertence à comunidade dos seres humanos. Segundo ele, o argumento de que o aborto de anencéfalos deve ser um direito da mulher é distorcivo, uma vez que o feto e ela são dois indivíduos diferentes.132 4 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO TEMA 4.1 PRINCÍPIO HUMANA DA CONSTITUCIONAIS DIGNIDADE DA PESSOA O direito à vida é a fonte primária de todos os outros bens jurídicos e em seu conteúdo está presente o direito à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da “Há certeza médica de que ele irá morrer ou no útero ou muito pouco tempo após o parto. Além disso, jamais chegará a ter vida cerebral”, explica. “ Como o critério para definir a morte no direito brasileiro é a morte encefálica, o feto anencéfalo, tragicamente, não chega a ser uma vida”. Referencia disponível em : METADE DOS PAÍSES AUTORIZAM ABORTO DE ANENCÉFALOS. Op. cit. 130 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op. cit. 131 METADE DOS PAÍSES AUTORIZAM ABORTO DE ANENCÉFALOS. Op. cit. 132 METADE DOS PAÍSES AUTORIZAM ABORTO DE ANENCÉFALOS. Op. cit. 129 71 República Federativa do Brasil, que se expressa por meio das condições econômicas, sociais e culturais dignas de existência. Segundo Alexandre de Moraes o Princípio da dignidade humana se conceitua da seguinte forma: A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. 133 A dignidade da pessoa humana, valor fundamental e expressão do direito à vida, estaria sendo violada quando da submissão da gestante a sofrimento prolongado, durante toda a gestação, ocasionado pela certeza de que esta se desenvolvendo em seu ventre ser que natural e inevitavelmente morrerá logo após o parto. 4.2 PRINCÍPIO DA HARMONIZAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS O Princípio da Harmonização impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos, quando verificado conflito ou concorrência entre eles, de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros. Fundamenta-se na idéia de igualdade de valor dos bens constitucionais que, no caso de conflito, impede como solução, a aniquilação de uns pela 133 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 128. 72 aplicação de outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre esses dispositivos. Assim, no caso de feto anencefálico, há duas normas aparentemente conflitantes, ou seja, os tipos pen ais que punem o aborto e a dignidade da pessoa humana tratada na Carta Magna. Em outras palavras, há a gestante, a qual teoricamente deverá levar a gravidez até o final, suportando toda a dor e sofrimento que este estado lhe causara com a inevitável morte do feto que esta gerando, o que fere sua dignidade, e de outro lado, a vida intrauterina protegida especificamente nos arts. 124 e 126 do Código Penal, e também no caput do art. 5º da CF/88 e no art. 2º do CC/02. 134 5 ANENCEFALIA 5.1 CONCEITO DE FETO ANENCEFÁLICO Conforme Santos 135, os defeitos do fechamento do tubo neural (DFTN) são malformações que ocorrem na fase inicial do desenvolvimento fetal, entre a terceira e a quinta semana de gestação, envolvendo a estrutura primitiva que dará origem ao cérebro e à medula espinhal, tendo sido constatado que os casos de anencefalia e espinha bífida respondem por cerca de 90% de todos os casos de defeitos do tubo neural, enquanto os casos restantes (10%) consistem principalmente em encefalocele 136. Ou seja, os defeitos do fechamento do tubo 134 LOUREIRO, Ythalo Frota. Princípios da hierarquia e da disciplina aplicados às instituições militares: uma abordagem hermenêutica. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 470, 20 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5867>. Acesso em: 04 out. 2010. 135 SANTOS, Leonor Maria Pacheco. PEREIRA, Michelle Zanon. Efeito da Fortificação com ácido fólico na redução dos defeitos do tubo neural. Cadernos de Saúde Pública. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102 311X2007000100003&lang=pt>. Acesso em: 19 de maio de 2010. 136 Encefalocele é um defeito congênito do osso do crânio e da dura -máter com hérnia extracranial de qualquer estrutura intracraniana. Pode ser encontrada com uma variação geográfica e com diferentes oc orrências. A 73 neural (DFTN) são malformações congênitas freqüentes que ocorrem devido a uma falha no fechamento adequado do tubo neural embrionário 137. Quando o feto sofre de anencefalia há ausência completa ou parcial do cérebro e do crânio. E a es pinha bífida é um defeito de fechamento ósseo posterior da coluna vertebral 138. A gestação de feto anencefálico em geral resulta em aborto e os que nascem vivos morrem poucas horas, ou dias, após o parto 139. 5.2 PROGNÓSTICOS As causas dos defeitos do tubo neural 140 não são completamente conhecidas, mas as evidencias indicam que, pelo menos em parte, se devem à nutrição deficiente, particularmente de ácido fólico, por causas genéticas ou uso de drogas. Certos medicamentos (como alguns usados para controlar convulsões) podem também causar defeitos de tubo neural 141. Outros fatores de risco maternos para esta anomalia dura-máter é uma membrana constituída por tecido conjuntivo denso. MINOTTO, Ivanete et al. Basal encephalocele associated with mornig glory syndrome: case report. Arquivos de Neuro-Psiquiatria. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?s cript=sci_arttext&pid=S0004282X2007000600013&lang=pt>. Acesso em: 09 de junho de 2010. 137 AGUIAR, Marcos J. B. et al. Defeito de fechamento do tubo neural e fatores associados em recém-nascidos vivos e natimortos. Jornal de Pediatria. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021 75572003000200007&lang=pt >. Acesso em: 19 de maio de 2010. 138 Id. 139 SANTOS. Leonor Maria Pacheco. PEREIRA. Michelle Zanon. Op. cit.. 140 Os defeitos do fechamento do tubo neural (DFTN) são malformaçõ es congênitas resultantes do fechamento incorreto ou incompleto do tubo neural entre a terceira e quarta semana do desenvolvimento embrionário e englobam a anencefalia, encefalocele e espinha bífida. PACHECO. Sâmya Silva. et al. Efeito da fortificação ali mentar com ácido fólico na prevenção de defeitos do tubo neural. Revista de Saúde Pública. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex t&pid=S003489102009000400001&lang=pt>. Acesso em 21 de maio de 2010. 141 Ibidem 74 é ter diabetes mellitus 142, uso de ácido valpróico 143 durante a gestação, obesidade materna, hipertemia 144, dieta inadequada, hemodiluição fisiológica gestacional e influências 145 hormonais , entre outros. Devido à gravidade dos DFTN e sua alta morbimortalidade, tornam-se muito importantes o aconselhamento genético, a suplementação dietética com ácido fólico e o diagnóstico pré-natal das malformações do tubo neural 146. A ultra-sonografia é a modalidade primeira de avaliação do feto de imagem por causa de sua ampla disponibilidade. Pode ser determinado o tamanho da placenta e do feto, os nascimentos múltiplos, as anormalidades da forma da placenta e as apresentações anormais 147. Este pode ser feito através do ultra-som durante a gestação e dosagem de alfa-feto proteína, no líquido amniótico, cujos valores estarão 142 Diabetes mellitus gestacional (DMG) é definido como qualquer nível de intolerância a carboidratos, resultando em hiperglicemia de gravidade variável, com início ou diagnóstic o durante a gestação. Sua fisiopatologia é explicada pela elevação de hormônios contra -reguladores da insulina, pelo estresse fisiológico imposto pela gravidez e a fatores predeterminantes (genéticos ou ambientais). MIRANDA PAC, Reis R. Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Diabetes mellitus gestacional. Revista da Associação Médica Brasileira. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104 42302008000600006&lang=pt>. Acesso em: 05 de junho de 2010. 143 O ácido valpróico representa uma das principais drogas no tratamento da epilepsia, sendo eficaz tanto para crises generalizadas como parciais. Além disto, vem tendo crescente utilização em outras afecções, principalmente transtornos psiquiátricos. TURCATO. Marlene d e Fátima. et al. Hiperamonemia secundária ao uso terapêutico de ácido valpróico: relato de caso. Arquivos de Nero-Psiquiatria. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004 282X2005000200034&lang=pt >. Acesso em: 05 de jun ho de 2010. 144 PACHECO. Sâmya Silva. et al. Efeito da fortificação alimentar com ácido fólico na prevenção de defeitos do tubo neural. Revista de Saúde Pública. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034 89102009000400001&lang=pt>. Acesso em 21 de maio de 2010. 145 SANTOS. Leonor Maria Pacheco. PEREIRA. Michelle Zanon. Op. cit. 146 AGUIAR. Marcos J. B. et al. Op. cit. 147 MOORE. Keith L. Embriologia Básica. 5 ed., Ed Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2000. p.103. 75 aumentados, através da amniocentese, entre a 14ª e 16ª semanas de gestação 148. 5.3 PREVENÇÃO O ácido fólico é o mais importante fator de risco para os defeitos do tubo neural identificado até hoje 149, apesar do seu mecanismo de autuação ainda ser pouco compreendido 150. Há estudos que comprovam a redução, em torno de 50% a 70%, na ocorrência de tais defeitos congênitos, após a suplementação a ocorrência de tais defeitos congênitos periconcepcional deste nutriente, várias organizações de saúde passaram a recomendar a sua utilização 151. O ácido fólico tem um papel fundamental no processo da multiplicação celular, sendo, portanto, imprescindível durante a gravidez. O folato interfere com o aumento dos eritócitos, o alargamento do útero e o crescimento da placenta e do feto. O ácido fólico é requisito para o crescimento normal, na fase reprodutiva (gestação e lactação) e n a formação de anticorpos 152. O Institute of Medicine of the National Academies, nos Estados Unidos estabeleceu a dose de 0,4 mg/dia para mulheres adultas não gestantes e 0,6 mg/dia para gestantes. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em sua publicação mais recente elevou as recomendações nutricionais de ingestão diária de ácido fólico conforme o proposto pelo Institute of Medicine of the National Academies 153. Para garantir a ampla cobertura da estratégia de suplementação de ácido fólico à população de gestantes de 40 países instituíram a medida da fortificação de alimentos consumidos em larga escala com ácido fólico para a prevenção da ocorrência de DFTN. Em pesquisa realizada em 45 estados 148 149 150 151 152 153 Op. cit. SANTOS. Leonor Maria Pacheco. PEREIRA. Michelle Zanon. Op. cit. PACHECO. Sâmya Silva. et al. Op. cit. Id. SANTOS. Leonor Maria Pacheco. PEREIRA. Michelle Zanon. Op. cit. PACHECO. Sâmya Silva. et al. Op. cit. 76 dos Estados Unidos, incluindo ainda a capital estadunidense, ou seja, a cidade de Washington constatou -se redução de 19% na ocorrência de defeitos de fechamento do tubo neural após a implantação dessa medida 154. 6 ABORTO POR ANENCEFALIA 6.1 PRÓS E ANENCEFÁLICO CONTRAS DO ABORTO Antes de posicionar-se a favor ou contra o aborto de fetos anencéfalos, devem-se analisar os pontos positivos e negativos dessa prática, sendo esta muito discutida no meio social, posto que envolve questões filosóficas, morais, éticas, religiosas, científicas e inclusive jurídicas, dificultando assim a tomada de uma postura a respeito do tema. Em face do disposto, apresentar-se-ão alguns posicionamentos a seguir. 154 Id. O que é o ácido fólico? O ácido fólico, também conhecido como vitamina B9 ou vitamina M, é uma vitamina hidrossolúvel pertencente ao complexo B necessária para a formação de proteínas estrutura is e hemoglobinas. Ela tem como benefícios ser efetivo no tratamento de certas anemias, mantém os espermatozóides saudáveis, é indispensável para uma gravidez saudável, reduz o risco de mal de Alzheimer, evita certos tipos de doenças e derrames e pode ajud ar a controlar a hipertensão. Esse componente pode ser encontrado em vísceras de animais, verduras de folhas verdes, legumes, frutos secos, grãos integrais, leveduras de cerveja e no cogumelo shitake. Contudo, o mesmo se perde nos alimentos conservados em temperatura ambiente e durante o cozimento. Ao contrário de outras vitaminas hidrossolúveis, é armazenado no fígado e sua ingestão diária não é necessária. Sua insuficiência nos seres humanos é muito rara. No Brasil, há uma lei que determina que a farinha de trigo seja enriquecida com ferro e ácido fólico (e produtos derivados, como pão) para diminuir a ocorrência de anemia principalmente em crianças. Ademais, o mesmo é distribuído para as gestantes nos postos de saúde da rede pública. Se a mulher tem ácido fólico suficiente durante gravidez, essa vitamina pode prevenir defeitos de nascença no cérebro e na coluna vertebral do bebê, como a espinha bífida, posto que o mesmo é importantíssimo para a formação do tubo neural do feto. Wikipédia, a enciclopédia liv re. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/anencefalia. Acesso em: 11 de maio de 2010. 77 Para os adeptos da teoria que o feto anencéfalo equipara-se a morte cerebral, a acrania, apesar de permitir algumas atividades motoras, não pode ser considerado como uma deformação qualquer onde continuava a existir um feto com vida, posto que para estes: Anencefalia, ou ausência de cérebro, equivale à morte cerebral, situação que permite não só o desligamento de aparelhos médicos, como a própria doação de órgãos. Não se trata, neste caso, de interrupção de vida por defeito de formação, ou para prevenirem sofrimentos, refere-se o caso à interrupção da gravidez de concepto sem vida. 155 Tal pensamento apesar de parecer correto apresenta um pequeno erro, mas que gera uma terrível conseqüência, posto que a Lei 9.434/97 (Lei de Doação de Órgãos) instituiu o conceito legal de morte em seu artigo 3º como sendo a ausência de atividade encefálica: “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverão ser precedidos de diagnóstico de morte encefálica [...]” 156 (grifou-se). Seguindo nesse raciocínio, os critérios para a constatação de morte encefálica foram definidos pela Portaria 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina: “Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.” 157 (grifou-se). 155 REZENDE, Poliana Guimarães. Anencefalia: estudo sobre a legalização do aborto e a doação de órgãos . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2119, 20 abr. 2009. Dispo nível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12651>. Acesso em: 27 mar. 2010. 156 Ibidem. (grifou-se). 157 RESOLUÇÃO CFM nº 1.480/97. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/1480_1997.htm>. Acesso em: 03de junho de 2010. 78 Ainda em seu art. 6º dispõe que: Os exames complementares a serem observados para constatação de morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca: a) ausência de atividade elétrica cerebral ou, b) ausência de atividade metabólica cerebral ou, c) ausência de perfusão sangüínea cerebral. 158 Agora com uma visão profissional do assunto tem -se como anencefalia, pelos doutores Carlos Gherardi e Isabel Kurlat: Anencefalia é uma das alterações na formação do cérebro, resultante da falha nos estágios iniciais do desenvolvimento embrionário do mecanismo de fechamento do tubo neural chamado de indução dorsal. A gravidade na anencefalia é caracterizada pela falta de ossos cranianos (frontal, occipital e parietal), do hemisfério e do córtex cerebral. O tronco cerebral e a medula espinhal são frequentemente conservados embora em defeitos em anencefalia seja acompanhado pelo fechamento da coluna vertebral . [...]. Em anencefalia, a ausência de estruturas cerebrais (hemisférios e córtex) com a simples presença do tronco cerebral, causado pela ausência de todas as funções superiores do sistema nervoso central, que para com a existência da consciência e da cognição que envolve a vida relacionamento, comunicação, afeto, emoção com a preservação apenas, e as funções motoras dependentes da medula espinhal. [...]. Anencefalia é o equivalente do PVS em crianças e em ambos os casos 158 Id. 79 não satisfaçam as condições de morte cerebral por falta de prejuízo para o sistema de ativação reticular do tronco cerebral. 159 (tradução livre) Por fim, Eduardo Gomes de Queiroz constata que: O feto anencefálico possui atividade motora supra-espinal, uma vez que, apesar de não possuir o cérebro, possui tronco cerebral, de maneira que há a preservação das funções vegetativas que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e as dependentes da medula espinal. 160 (grifo do autor) Assim, o feto anencefálico possui atividade encefálica, não estando incluso nos termos dos artigos 4º e 6º da portaria 1.480/97. O feto não está morto quando nasce e mesmo diante do fato de que ele viverá apenas alguns minutos, horas, dias (muito raramente passam de um ano 161), é fato que nasce vivo, 159 QUEIROZ, Eduardo Gomes de. Abortamento de feto anencefálico e a inexigibilidade de conduta diversa. A influência das circunstâncias concomitantes no comportamento humano. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 943, 2006. (grifo do autor). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7770>. Acesso em: 03 jun. 2010. 160 Id. 161 Marcela de Jesus Ferreira, filha de Dionísio Justino Ferreira e Cacilda Galante Ferreira nasceu no dia 20 de novembro de 2006, em Patrocínio Paulista, interior de São Paulo, no hospital Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio Paulista. Respirava normalmente, quase não dependendo do concentrador de oxigênio, muito risonha. CID PEREIRA. Anencéfalos. Disponível em: < http://www.anencefalos.com.br/RelacaoAnencefalos.html>. Acesso em: 02de junho. 2010. O bebê anencéfalo, superou as expectativas dos médicos porque deveria viver algumas horas e sobreviveu por um ano, oito meses e doze dias, e veio a falecer no dia 1º de agosto de 2008. Disponível em: <http://www.tudoagora.com.br/noticia/4667/Com -1-ano-e-8-mesesmorre-menina-sem-cerebro.html>. 80 sendo objeto de proteção do direito. Viverá pouco tempo, da mesma maneira que vive um paciente em estado terminal, mas ainda assim, no Brasil não se permite a eutanásia. Para aqueles que consideram que deve haver a possibilidade de se fazer o aborto quando constatado a anencefalia, aquele seria terapêutico, porque teria a função de salvar a vida da mãe. Contudo para muitos a denomin ação “terapêutico” tem sido muito banalizada, usando -a como se tivesse qualquer relação simples com saúde, posto que a gravidez de feto anencéfalo pode ou não ser de risco como qualquer gravidez de feto ‘normal’, sendo certo que as complicações poderão ser diminuídas com um bom acompanhamento do pré-natal, não sendo as complicações, portanto, colocadas como risco a vida da mãe. 162 Sobre isso diz o prof. Humberto Vieira, que a gestação de feto anencéfalo não trás risco algum a mãe: Além dos riscos normais de uma gravidez de feto sem anomalias. Essa é uma afirmação de ginecologistas, de associações médicas e de especialistas. Pelo contrário, todo aborto traz seqüelas físicas e psicológicas para a mulher. Afirma o Dr. Dernival da Silva Brandão, Especialista em Ginecologia, ginecoobstetra, laureado pela Academia Fluminense de Medicina: O polidrâmnio é uma intercorrência em várias patologias da gestação e o tratamento preconizado é a amniocentese a retirada do excesso de líquido, amniótico, procedimento rotineiramente realizado com os devidos cuidados. A hipertensão arterial é uma intercorrência muito comum em obstetrícia. A doença hipertensiva específica da gestação (DHEG) não é exclusiva da anencefalia, tem tratamento próprio como muitas outras intercorrências obstétricas. Vasculopatia periférica de estase é outra intercorrência 162 REZENDE, Poliana Guimarães. Op., cit., 2009. 81 que pode ocorrer em qualquer gestação, com certa freqüência, e tem tratamento preconizado. As dificuldades obstétricas e complicações no desfecho do parto de anencéfalos de termo podem ocorrer, não são de grande monta e como em qualquer dificuldade pode-se optar pela cesariana, sem maiores problemas. 163 Outra linha de pensamento próxima a essa é de que no caso não ocorreria o aborto, mas sim a interrupção antecipada do parto. Esta utiliza-se de palavras que trazem eufemismo ao tema para que essa prática não seja vista de maneira rui m, como uma interrupção da vida. Diante do exposto Sérgio Habib esclarece: A supressão da vida do feto que apresenta anencefalia é, não se pode negar abort amento e não antecipação de parto. Na figura do abortamento, interrompe-se a gravidez, atingindo-se o ser em sua fase embrionária ou fetal. Na aceleração de parto, o que significa interferir no processo de gestação, o ser nasce com vida, isto é, vem ao mun do exterior com capacidade de viver, isto é, de ter vida extra-uterina. 164 Segundo os adeptos da idéia de que a gestante deve ter autonomia reprodutiva ou liberdade de escolha, defende -se o exercício do direito à liberdade, que é garantia constitucional, posto que limita a liberdade e autonomia da vontade, impor a mulher que carregue por nove meses um feto que sabe que não 163 VIEIRA, Humberto. Presidente da Associação Pró-Vida e PróFamília comenta decisão judicial no Brasil que permite aborto em caso de anencefalia fetal. Disponível em: <http://www.portaldafamilia.org.br/scnews/news039.shtml >. Acesso em: 03de junho 2010. 164 HABIB, Sérgio. Aborto por anencefalia e a cassação da liminar do Ministro Marco Aurélio. Revista Jurídica Consulex, v. 8, nº 188, Nov. 2004. p. 7-10. p. 9 82 sobreviverá. Tal corrente pretende garantir a autonomia das pessoas para deliberar sobre suas próprias vidas. 165 No entanto, muitos doutrinadores defendem que essa liberdade deve ser exercida de modo que não atinja os direitos de terceiros, pois o feto é um ser individualizado, com carga genética própria. Sendo que na gravidez o agente ativo é o feto, e o passivo é a mãe: Numa demonstração de vigor fisiológico interrompe o ciclo menstrual de sua mãe, desenvolve uma placenta e um envoltório protetor com o líquido amniótico, não constituindo essas, portanto, parcelas do organismo materno. Determina, unilateralmente, a data de seu nasciment o, sente dor, pressão externa, frio e percebe som e luz. 166 Ainda, o direito de liberdade concedido à gestante é anterior a concepção, ela pode decidir por ficar ou não grávida, pois após a concepção o direito fundamental preservado é a vida. 167 Dessa forma, a doutrinadora Maria Helena Diniz questiona como poderia a gestante “reivindicar o direito de dispor do que não é seu? Pois a mulher pode ser tida como dona do próprio corpo, mas não da sua vida e muito menos da do nascituro”. 168 Com isso, para a corrente contrária a prática do aborto de uma forma geral, aceitá-lo seria uma violência a um ser humano indefeso, em favor de outro mais forte. Por outro lado, Sérgio Habib trás que se o nascimento do feto trouxer sofrimento para a gestante (assim por ela considerado), o Estado não tem o direito de impor-lhe tal 165 166 167 168 REZENDE, Poliana Guimarães. Op. cit. 2009. DINIZ, Maria Helena. Op. cit., 2002 , p. 57. REZENDE, Poliana Guimarães. Op. cit., 2009. DINIZ, Maria Helena. Op. cit. , 2002, p. 59. 83 sofrimento, porque estará sendo algoz, inquisidor, insensível e moralista. 169 Ainda, trata de uma incongruência que diz existir no Direito brasileiro: [...] Aqueles que dizem que são contra o abortamento em casos de anencefalia, em nome da vida, na verdade, defendem que esses fetos possam morrer [...] o Direito Pátrio permite o abortamento quando a gravidez resultar de estupro e não permite quando se trata de anencéfalo. Na primeira hipótese, a interrupção da gravidez se dará em relação a um ser com todas as condições de vida, legitimada por uma gestação não desejada. Na segunda hipótese, mesmo que a gravidez não seja desejada, obriga-se a mulher a dar à luz a um ser despessoado, sem caracteres humanos, sem a mínima condição de sobreviver, mas se faz isso em nome da vida. 170 Trata-se de dois direitos fundamentais inerentes a todo ser humano, o direito à vida, e o direito à liberdade. Mas diante de tal circunstância qual deve prevalecer? Uma pergunta que se encontra em discussão, sem uma resposta concreta. Há ainda quem alegue que não se pode exigir que a mulher persista numa gravidez em que o feto não sobreviverá causando-lhe dor, angústia e frustração, posto que isto importa à violação de ambas as vertentes de sua dignidade humana, sendo evidentes os danos psicológicos e morais, como a ameaça a sua integridade física. Assim, “parte da doutrina e jurisprudência tem classificado o aborto de anencéfalo como caso de inexigibilidade de conduta diversa, dada a evidente 169 170 HABIB, Sérgio. Op cit., 2004, p. 8. Id. 84 angústia da mãe e, no que tange ao médico, ao fato de que não se pode abster de ampará-la”. 171 Apesar de todos esses argumentos que acatam o aborto anencefálico, existe ainda uma parcela da população que não aceita esse fato, que luta pelo direito inerente e indisponível que é a vida humana, tanto intra como extra-uterina. Têm-se ainda dados que mostram o abalo psicológico de mulheres que abortaram em relação a outras que não optaram por essa prática. Em uma pesquisa - relatada por Wilma Lúcia Castro Diniz Cardoso - realizada com 239 universitárias, de idade entre 18 a 23 anos, encontraram-se quinze casos de abortamento (não especificamente de fetos anencéfalos), então se relacionou estes com outros quinze de mulheres que não realizaram aborto. Foi aplicado a elas três tipos de testes psicológicos: no “Z-Test” evidenciou-se a depressão, foram 15 casos do grupo que realizou o aborto, contra 5 do grupo que não o fez; teste “Karen Machover” a psicossomatização ficou evidente em 13 casos do grupo que abortou, contra 2 do outro grupo; além desses sinais de condição psicológica, outros foram constatados, como: imaturidade sexual, desequilíbrio emocional, egocentrismo, auto-estima rebaixada, tristeza, flutuações de humor, introversão, entre outras. 172 Além dessas conseqüências há também os riscos para a saúde física da gestante, muitas delas não sabem dos perigos a que se submetem, pois não têm e não procuram ter uma orientação a esse respeito, entre os riscos do aborto poderá ocorrer: infecção crônica e traumatismo, que resultam em obstruções nas trompas; problemas no útero causados por hemorragia, infecção ou endometriose, podendo acarretar a sua perda, a esterilidade ou até a morte; incompetência istmocervical, dificultando uma nova gravidez; grave infecção vaginal; morte por embolia (se o líquido amniótico, pedaços de tecidos e coágulos entrarem em seu aparelho circulatório ou pulmões, ocasionando o efeito letal); aderência da placenta à 171 REZENDE, Poliana Guimarães. Op. cit., 2009. CARDOSO, Wilma Lúcia Castro Diniz. Abortamento Provocado: aspectos psicológicos. Caesura: revista crítica de ciências sociais e humanas. Canoas, n. 1, julho/dezembro, 1992. p. 77 -80. 172 85 parede do útero; surgimento de pólipos; tétano; anemia; irregularidade nos períodos menstruais, acompan hados de fortes cólicas; processos cancerígenos; inflamação nos ovários; entre outros. 173 As conseqüências físicas podem ocorrer em qualquer tipo de aborto, pois os meios utilizados para a sua realização são os mesmos. Já o psicológico não se sabe ao certo dizer, pois como exposto a cima, a pesquisa foi realizada com mulheres que realizaram o aborto de fetos normais, não especificamente de anencéfalos. Sendo que, por saber que o bebê nascerá e logo morrerá talvez as conseqüências psicológicas sejam diferentes e menos graves, mas provavelmente ainda existirão, posto que enquanto está grávida, a mãe tem uma interação muito grande com o feto, para aqueles que são contrários a interrupção da gravidez, com base em pesquisas com mulheres que fizeram o abortamento de forma geral como a citada, os danos psicológicos causados pela gravidez ainda são menores do que aqueles causados pelo abortamento, o qual já se viu, deixa sequelas tanto físicas quanto psicológicas, o que com a vivência da gravidez, nascimento e morte, há possibilidade de ser trabalhado psicologicamente, restando a mãe lembranças boas de seu filho o que a auxilia a lidar com o luto, da mesma forma como quando falece um parente, tem seu momento doloroso, mas depois restarão lembranças doces de sua passagem. Por outro lado, deve-se também esclarecer que só realmente quem vive uma situação como essa, de estar gestando um feto anencéfalo é que pode dizer como se sente. “O feto adquire valor a partir do amor e do interesse que a mãe e as pessoas mais próximas lhe dispensam.” 174 Opina-se, portanto, que o Estado deveria deixar a critério da mãe se enfrentará a gravidez para ver o seu bebê nascer, sabendo que ele não resistirá por muito tempo ou preferirá acabar com toda a expectativa e esperança de um nascimento, optando pelo aborto. 173 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., 2002, p. 65. AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. O aborto sob a perspectiva da bioética. Revista dos Tribunais. v.807, janeiro 2003, p. 473 -485. p. 481. 174 86 7 COMO TÊM DECIDIDO OS JUÍZES NO CASO DO ABORTO ANENCEFÁLICO Há muito tempo vem repercutindo a problemática no âmbito jurídico e suscitando questionamentos éticos na sociedade brasileira sobre a interrupção voluntária de gravidez de feto anencefálico. Mesmo o aborto sendo proibido no Brasil e constituindo crime, assim previsto nos artigos 124 e 126 do Código Penal, nos últimos anos surgiram várias autorizações de aborto para esses casos. O primeiro caso de autorização judicial para a prática de interrupção de feto anencefálico ocorreu em 1991, no Mato Grosso do Sul. Os profissionais de saúde, por intermédio da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), aliada ao Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gêneros, propôs em 17 de junho de 2004, uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54, (ADPF 54), na qual na petição inicial aponta-se os dispositivos que prevêem o crime de aborto com o consentimento da gestante e suas excludentes de ilicitude como violadores dos seguintes preceitos fundamentais da Constituição da República do Brasil: dignidade da pessoa humana; princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade; e o direito à saúde. 175 Em 1º de Julho de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello, concedeu liminar 176, autorizando que mulheres grávidas de fetos anencefálicos fizessem a interrupção da gravidez, sem que médicos obtivessem a autorização da justiça para a realização de tal procedimento. Tal decisão permaneceu 175 ALBUQUERQUE, Aline. SupremoTribunal Federal do Brasil e o aborto do anencéfalo. Revista de Bioética, v. 13, nº 13, 2005. P. 79 -92. 176 A LIMINAR DO MINISTRO MARCO AURÉLIO QUE PERMITIU O ABORTO DE FETOS ANENCEFÁLICOS. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 413, 24 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=605>. Acesso em: 25 maio 2010. 87 vigente por muito tempo, pois em Outubro do mesmo ano o STF cassou a liminar. Os magistrados, em sua grande maioria, têm autorizado a interrupção da gravidez, invocando para tanto a excludente da culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa, ou mesmo a atipicidade da conduta, quando não equiparam ao aborto necessário e desde que observados os seguintes pressupostos: a) Somente as anomalias que inviabilizarem a vida extra-uterina poderão motivar a autorização; b) Deve à anomalia estar devidamente atestada por perícia médica; c) E que haja prova do dano psicológico da gestante. 177 Em Goiás, no dia 9/9/2009, o juiz Silvio José Rabuske, que é titular da primeira vara Criminal de Aparecida de Goiânia, concedeu liminar em favor de uma dona de casa e de seu companheiro, autorizando a interrupção da gravidez. Na época, a dona de casa estava grávida de sete meses e protocolou seu pedido no final de agosto, depois de saber que o feto apresentava anencefalia. Além da chance de vida da criança ser mínima, a continuidade da gestação poderia gerar danos à saúde da mãe. Mesmo que o caso em questão não se enquadre nas situações em que o aborto é previsto legalmente, ou seja, não é resultante de estupro nem oferece risco à vida da gestante, o juiz levou em conta que obrigar a dona de casa a continuar gerando feto anencefálico afronta substancialmente o Principio da Dignidade Humana. Segundo o magistrado citado: O s inconvenientes inerentes a este tipo de gravidez afetam não só a mãe 177 BEZERRA, Marcelle Andrízia. Aborto anencefálico e o ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Direito. v. 12, nº 15, 2009. Disponível em: <http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/viewFile/901/62 8>. Acesso em: 24 de maio 2010. 88 desesperançosa, como também o pai, que, da mesma forma, postula a autorização para o parto antecipado, as famílias envolvidas e todos aqueles que esperam o nascimento de uma criança com vida, o que, comprovadamente, não vai ocorrer. 178 Em outra decisão, mas agora no TJ/RS, uma liminar também foi concedida para que os médicos que acompanhavam a mãe pudessem fazer a interrupção da gravidez. Neste caso o Desembargador Marcel Esquivel Hoppe afirma: A mulher, em casos de gravidez de anencéfalos, não carrega a vida, mas a morte, por inviabilidade do feto como pessoa O anencéfalo, conforme conceito do Conselho Federal de Medicina é um natimorto e, como a Lei dos transplantes autoriza a extração dos órgãos de pessoas com morte encefálica inexistir possibilidade de vida, não haveria diferença jurídica com o feto anencéfalo que comprovadamente é incompatível com a vida pós-parto. 179 Há também aqueles que negam a liminar, versando sobre aspectos religiosos, pessoais ou pelo fato de não haver previsão legal no Ordenamento Jurídico. Em geral os processos brasileiros que negaram os pedidos de autorização de aborto por anomalia fetal incompatível com a vida amparam-se em três argumentos: a) O aborto voluntário no Brasil é crime e os permissivos legais do Código Penal não conhecem a 178 LIMINAR AUTORIZA ABORTO DE FETO ANENCÉFALO. Disponível em:< http://www.tjgo.jus.br/bw/?p=18969 >. Acesso em: 08 de junho de 2010. 179 Id. 89 anomalia fetal incompatível com a vida como excludente de penalidade; b) O reconhecimento do status moral do feto humano como pessoa e, conseqüentemente, a inalienabilidade do direito à vida; c) A classificação do aborto por anomalia fetal incompatível com a vida uma forma de Aborto Eugênio. 180 Religiosos, como o Padre Luiz Antonio Bento, da Comissão de Bioética da CNBB, defende o início da vida na concepção e o direito à dignidade humana do feto anencéfalo. Argumenta-se que “a criança, mesmo com anencefalia, não perde a sua dignidade, é um ser humano, é como se fosse um paciente que precisa de cuidados,” acrescentando ainda que, sobre a previsão dos cientistas de que crianças que sofrem dessa doença têm uma expectativa mínima de vida, o padre salientou que “não significa que ela deva ser assassinada antes do tempo”. 181 7.1 ADPF 54 A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 182, de autoria do advogado Luis Roberto Barroso, foi proposta em 17/06/2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, visando exatamente abreviar o processo de autorização para a antecipação de parto de feto anencefálico. O pedido é para que seja declarada a inconstitucionalidade com eficácia erga omnes e efeitos 180 DINIZ, Débora. Aborto Anencefálico e o Ordenamento Brasileiro . Disponível em: <http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/viewFile/901/62 8>. Acesso em: 25 de maio 2010. 181 LIMINAR AUTORIZA ABORTO DE FETO ANENCÉFALO. Op. cit. 182 ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=TP&docID=33909 1>. Acesso em: 7 de junho 2010. 90 vinculantes da interpretação dos dispositivos do CP como impeditivos da antecipação do parto nesses casos, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo -se o direito subjetivo da gestante de se submeter a tal procedimento sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer forma de permissão especifica do Estado. 183 Os argumentos defendidos na ADPF 54 são: a) A permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida; b) A antecipação do parto neste caso não concretiza aborto, uma vez que a morte deve ser resultado direto dos meios abortivos e a morte do anencefálico é decorrente da má-formação congênita, sendo certa e inevitável ainda que decorridos dos nove meses de gestação. 184 8 CONCLUSÃO De acordo com o exposto e sustentado nos itens anteriores resultam as seguintes conclusões: a anencefalia pode ser detectada de modo precoce, em virtude do desenvolvimento tecnológico das ciências biomédicas e no exame pré-natal. A anencefalia é em altíssimo percentual, incompatível com os estágios mais avançados da vida intra-uterina e de total incompatibilidade com a vida extra-uterina. Não se aplica à anencefalia o critério da morte cerebral ou encefálica porque o feto anencéfalo não dispõe do equipamento cerebral necessário a dar suporte a esse critério. 183 BEZERRA, Marcelle Andrízia. Aborto anencefálico e o ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Direito. v. 12, nº 15, 2009. Disponível em: <http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/viewFile/901/62 8>. Acesso em: 24 de maio 2010. 184 Id. 91 O anencéfalo constitui um projeto embriológico falido, não sendo um processo de vida, mas um processo de morte, contudo não tem como considerá-lo tecnicamente vivo, pois ele é carente de toda capacidade biológica para concretização de uma vida humana viável. Outro ponto relevante apresentado neste artigo é a utilização do ácido fólico antes e durante a gravidez, reduzindo assim o número de grávidas com estes problemas de fetos anencéfalos. O ácido fólico tem um papel fundamental no processo de multiplicação celular, sendo assim recomendado pelas organizações de saúde. Destarte, fica evidente que o grande dilema acerca do assunto em pauta é a diferenciação médica e jurídica em relação aos conceitos de aborto por anencefalia, fazendo referência a incapacidade do ordenamento jurídico em acompanhar as mudanças na sociedade e os avanços científicos. Ressalta-se que o Código Penal Brasileiro é de 1940 e no decorrer das décadas é possível perceber que ocorreram mudanças na sociedade e nos pensamentos, fato em que se torna oportuno levantar tal discussão, pois já existem discussões e jurisprudências no sentido de dar tutela a casos específicos, e assim acompanhar os avanços da medicina atual, pois o direito não pode ser inerte e sim adequar-se a realidade. 9 REFERÊNCIAS AGUIAR, Marcos J. B. et al. Defeito de fechamento do tubo neural e fatores associados em recém-nascidos vivos e natimortos. Jornal de Pediatria. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S0021-75572003000200007&lang=pt >. Acesso em: 19 de maio de 2010. ALBUQUERQUE, Aline. Supremo Tribunal Federal do Brasil e o aborto do anencéfalo. Revista de Bioética, v. 13, nº 13, 2005. P. 79-92. A LIMINAR DO MINISTRO MARCO AURÉLIO QUE PERMITIU O ABORTO DE FETOS 92 ANENCEFÁLICOS. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 413, 24 ago. 2004. 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Palavras-chave: Pedofilia. Internet. Crianças. Legislação. 185 Acadêmicos do 8º período do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Maringá. 97 Pirulito, carrinho, boneca, foto com a cara suja de chocolate. Isso lembra criança. Prostituição infantil, foto de meninos e meninas nus em posições eróticas ou fazendo sexo com adultos e outras crianças. Isso é crime. A questão é que esse crime é difícil de ser punido quando o cenário é a Internet 186. Os sites de conteúdo pornográfico são os que têm o maior público na web, e neles estão incluídos os sites onde se cometem crimes sexuais contra crianças. A web facilita a prática do crime de pedofilia, já que é um espaço onde pessoas das mais diversas nacionalidades trocam informações sem que haja uma legislação específica em vigor para regulamentar essas trocas. Assim, acabam prevalecendo as leis específicas de cada nação, o que gera conflito e impunidade 187. REVISTA Terceiro Setor. Pedofilia na Internet – um crime grotesco, de autores quase invisíveis. Disponível em: <http://www.denunciar.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/Noticia200101191 93123>. Acesso em: 2 jul. 2008. 187 Ibidem. 186 98 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por objetivo externar um problema que persiste em existir desde os primórdios da humanidade e que ao invés de ser dilacerado do mundo contemporâneo, vem expandindo com muita veemência. Este problema utiliza -se de meios ilícitos, escusos e se beneficiam das facilid ades tecnológicas e dos meios de comunicações, os quais os tornam cada vez mais fortes. Mas este vilão não se vale somente dos meios de comunicação ou tecnológicos para se perpetuar no seio social, mas também da confiança da vítima e de seus familiares. Esses são os pedófilos que, geralmente, possuem estreita consangüinidade com a vítima, e na maioria das vezes são pessoas do meio familiar. A pedofilia, do ponto de vista da ciência é tida como uma doença, pois o pedófilo sente atração ou desejos sexuais por indivíduos com idade até treze anos. Este mal se encontra presente em todos os níveis sociais, dos ateus aos religiosos, deixando um rastro de espanto e horror por seu caminho. Atualmente, a pedofilia esta saindo da obscuridade e dos padrões conservadores da sociedade, abrindo espaço para que se possa buscar o esclarecimento e a solução para este problema que até então era um tabu. O caso de abusos sexuais com crianças causa repulsa pela forma violenta aplicada contra seres tão indefesos e frágeis que muitas vezes são mortas com alto requinte de crueldade. O que traz mais indignação é a impunidade dos autores, que, por ineficácia na aplicação das normas ou por influência financeira do réu, continuam livres para praticar novos atos. O Brasil vem apresentando significativo progresso no combate a pedofilia, como tratados assinados com países estrangeiros, os quais buscam a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes elencados no artigo 227 da CF/88, que busca a proteção total à criança e ao adolescent e; na abertura de site de relacionamento para a apreciação da justiça, na facilitação da investigação dos casos de pedofilia pela Internet; e ainda, com o disposto no ECA (Estatuto da 99 Criança e do Adolescente), que reza nos seus artigos 240 e 241-E a proibição de divulgação e publicação de imagens pornográficas que envolvam infantes, além disso nos arts. 244 A e 244-B que estipulam como crime a exposição da criança ou adolescente a prostituição ou a exploração sexual, e a corrupção e indução de menor quanto aos meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo, respectivamente. Tudo isso é uma tentativa de combater o lucrativo mercado da pornografia infantil, pois por existir lacunas na lei é que se possibilita a posse desses materiais, tornando as medidas de combate tão difíceis devido aos meios ardilosos e das pessoas que se envolvem nesses crimes. Contudo, em março/2008 foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito com o escopo de apurar esses crimes que estão se proliferando rapidamente na rede mundial de computadores. Por meio desta já se originou duas Leis (Leis 11.829/2008 e 12.015/2009) que modificam artigos que previam crimes sexuais contra criança. E também houve diversas diligências, prisões e processos instaurados, no entanto, esta ainda não teve suas atividades finalizadas. 2 CONCEITOS A pedofilia possui diversos conceitos conforme a área de estudo. Contudo, no presente trabalho, será abordado o conceito usual para a psiquiatria e para o direito (medicina legal), sendo necessária, em um primeiro momento, a análise etimológica da palavra. Tal termo tem origem greco-latina, sendo esta junção do vocábulo “filo” (oriundo do grego philo, phílos) – amigo, e de “pedo” (do latim científico paedo, proveniente do grego paido, de pâis, paidós) – criança; ou seja, o significado de pedofilia é aquele que gosta de crianças 188. Devido a isto, surgem questionamentos sobre o uso correto da expressão, como 188 FURLANETO NETO, Mário. Pedofilia: das bases etimológicas, médico-legal e psiquiátrica aos reflexo s no direito penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 12, n. 145, p. 6 -7, dez. 2004. 100 identificador de um ilícito cometido contra crianças, ao dizer que: Pedofilia é a “qualidade ou sentimento de quem é pedófilo”, e este adjetivo designa a pessoa que “gosta de crianças”. Assim, todo pai, toda mãe, os avós, os tios e quantos mais gostem de crianças são pedófilos, mas não são criminosos. Porém, o substantivo pedofilia e o adjetivo pedófilo, por uso irregular dos meios de comunicação, vêm se tornando costumeiros na acepção de infrações penais contra crianças, particularmente, ligadas a questões de sexo e outros abusos nessa área 189. Todavia, com uma interpretação menos literal da expressão, conclui-se, a existência de diversas palavras finalizadas com o prefixo filia, que a etimologia, atribui relação à atração sexual, amiúde compulsiva e doentia, estando pedofilia inclusa nestas 190. Portanto, o ato de gostar, sentir afeição por crianças, não é ilícito, tornando-se assim, somente, no caso de exceder, transgredir os limites plausíveis de comportamentos. Neste instante, estende-se o assunto aos conceitos do direito (medicina legal) e da psiquiatria 191. Para o direito, pedofilia seria uma perversão sexual que se mostra como uma preferência erótica por crianças, podendo envolver desde atos obscenos até o exercício de manifestações libidinosas, ocasionando sérios comprometimentos psíquicos e morais para quem a pratica 192. A Organização Mundial da Saúde (OMS), na Classificação Internacional de Doenças (CID-10, item F65.4), 189 MORAES, Bismael B. Pedofilia não é crime. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 12, n. 143, p. 3, out. 2004. 190 ALMEIDA, Marco Aurélio C. de. Sobre o significado de pedofilia . Disponível em: http://www.ibccrim.org.br. Acesso em: 25 abr. 2005. 191 FURLANETO NETO, Mário, Op. cit. p. 6 -7. 192 Id. 101 conceitua tal doença como: “preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou não” 193. No entanto, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4 th edition (DIM-IV), feito pela Associação de Psiquiatras Americanos, estabelece três requisitos para considerar alguém pedófilo, sendo eles 194: - apresentar, por no mínimo, seis meses impetuosa atração ou atitudes sexuais relacionadas a indivíduos com no máximo treze anos de idade; - esta atração, atitude ou desejo devem provocar estresse, anormalidades intra e/ou interpessoais, ou se concretizarem; - por último, este necessita possuir no mínimo dezesseis anos de idade, e ser ao menos cinco anos mais velho que a vítima (excluem-se os relacionamentos entre adolescentes entrando na puberdade com pessoas entre dezessete e vinte anos, uma vez que o envolvimento entre adolescentes e jovens não é visto como pedofilia). Uma observação faz-se necessária, a definição da idade de limite entre a infância e a adolescência, modifica -se em casos individuais, entre os países e os aspectos analisados 195. A pedofilia é uma espécie do gênero parafilia. No que se refere ao direito esta espécie é a mais usual, entretanto, observa-se a presença de mais de uma parafilia, em regra, nos indivíduos, sendo dominante no sexo masculino 196. A pedofilia pode apresentar-se como: exclusiva (atração somente por infantes), e não-exclusiva (além da atração por infantes, este tem também por adultos). Via de regra, esta surge na adolescência, diversificando conforme o estresse psicossocial, contudo, de forma ampla, é crônica 197. 193 PEDOFILIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org./wiki/Pedofilia>. Acesso em: 24 abr. 2008. 194 Id. 195 Id. 196 FURLANETO NETO, Mário, Op. cit. p. 6 -7. 197 Id. 102 3 PANORAMA HISTÓRICO DA PEDOFILIA A pedofilia se demonstra por meio de condutas e comportamentos manifestados por uma espécie de transgressão sexual, na qual alguns adultos passam a manifestar desejo sexual em relação a crianças na pré-puberdade. Etimologicamente a palavra pedofilia causa certa confusão em relação a seu entendimento. Segundo o dicionário, “o pedófilo é aquele que é amigo de criança”. Mas o que será tratado é o que a pedofilia representa para a sociedade no decorrer da história da humanidade 198. Esta transgressão sexual não é uma prática contemporânea, ela acompanha a sociedade ao longo dos séculos, tendo sido esse impulso sexual codificado como um tabu que reprime esta ação considerada inadmissível em relação às regras impostas pelo seio social. A pedofilia ao longo de sua história, nunca estabeleceu preconceitos sócio culturais, pois ela esta disseminada por todos os meios sociais, ou seja, pode ser encontrado junto a pessoas abastadas, pobres, religiosos ou não 199. Para o ponto de vista histórico, a prática da pedofilia está intimamente relacionada com o incesto e, o siste ma de parentesco. O lugar da criança foi estabelecido, em tempos passados, por sua incorporação a um sistema de parentesco baseado na proibição do incesto, princípio que constitui a base da ordem da cultura. A proibição de relações sexuais entre pessoas com uma estreita consangüinidade ou da mesma “classe”, no sentido antropológico estrutural, forma a identidade da criança dentro de uma estrutura rigorosamente codificada – e assim, pode-se dizer, representar o começo de um 198 DUNAIGRE, Patrice. O ato pedófilo na história da sexualidade humana. In: Inocência em perigo: abuso sexual de crianças, pornografia infantil e pedofilia na internet. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p . 9. 199 Ibid., p. 9-15. 103 direito de criança 200. status social específico da A codificação de regras, isto é, a formulação de tabus, passou a ter o escopo de reprimir as transgressões incestuosas, ou seja, fez nascer um fato social absoluto, que ritualiza normas muito severas, com fim de disciplinar a relação e ntre indivíduo para com o grupo social em que está inserido. Estes conjuntos de proibição têm a função de impedir a repetição de atos declarados pela sociedade como proibidos e antiéticos. Nesta perspectiva, o sistema de parentesco exerce relevante contribuição, no que diz respeito à preservação do tabu do incesto como uma lei que não pode ser transgredida 201. A pedofilia sob o ponto de vista contemporâneo, deixa de ser um tema apenas inserido na obscuridade, aos porões de uma sociedade conservadora, passando a ser analisado com maior afinco por parte dos entes sociais. Isto foi possível, principalmente após a expansão da modernidade, com a massificação da mídia, posto que os veículos de comunicação passaram a debater, com freqüência, sobre este problema que esta cravado no coração da sociedade desde os primórdios da humanidade 202. A partir da codificação de tabus, e a conseqüente proibição do incesto, do fortalecimento do sistema de parentesco, e principalmente com a modernização da mídia que possibilitou um freqüente debate sobre a prática de pedofilia, se fez possível dentro de sociedade colocar a criança como centro do debate social 203. A criança torna-se “naturalmente” o foco de qualquer análise das questões no debate social, incluindo não apenas a crise na autoridade dos pais, a transmissão de conhecimento, famílias reconstituídas, 200 201 202 203 Ibid., p.10. Ibid., p. 10-12. DUNAIGRE, Patrice. Op. cit., p. 9 -12. Ibid., p. 12. 104 “novos casais”, temores em torno de técnicas de procriação assistida por médicos, reconhecimento da homossexualidade como elemento social aceito e direito ao aborto, mas também a possibilidade das crianças terem acesso a educação sexual e à informação sobre a propagação da AIDS. Estas questões que, fazendo da criança seu foco central, exacerbam os debates que afetam especificamente as crianças 204. Com o impulso da modernidade, passaram a surgir dúvidas de como se figura a pessoa que pratica atos de pedofilia, ou seja, o pedófilo. Por essa pessoa ser uma espécie de catalisador do medo social, surge sempre à incerteza a respeito de quem ou de que exatamente se está falando. É certo, que com o intenso debate sobre a pedofilia e da pessoa de quem a pratica fez surgir o entendimento que o pedófilo pode estar presente em todo o meio social. “Diz que o pedófilo seria do tipo que não tem namorada, podendo estar oculto no instrutor dos escoteiros ou no professor de educação física.” 205 Contudo constatou-se que na verdade, o pedófilo e a pedofilia sempre existiram em todo tipo de sociedade, sendo esta transgressão, no decorrer da história, tolerada ou ignorada pela maioria dos países e de suas respectivas legislações. Por outro lado, a história da sociedade humana, permite que sejam catalogados alguns períodos em que relação sexual entre adultos e crianças eram considerados normais 206. Tivemos os efebos do amor grego, de vocação homossexual, e as tolerâncias sumeriana e judaica, onde há permissão para o casamento de homens adultos com meninas. Isto, sem levarmos em conta nossas ninfetas e lolitas, bem mais modernas, 204 Ibid., p. 12-13. CRUZ, Anselmo Firmo de Oliveira. Pedofilia: até onde está o crime? Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 29 jun. 2002. 206 Id. 205 105 estereotipadas pela literatura na obra do russo Vladimir Nabakov, em meados do século passado 207. Como já foi dito, a prática de pedofilia está presente em todo meio social, e a classe religiosa não foge a esta regra. A Igreja Católica, por exemplo, durante a sua longa história se manteve inerte em relação às constantes acusações e, os sucessivos escândalos que envolvem supostos padres “abusadores” de crianças e adolescentes. Porém, a partir de múltiplas denúncias por parte da sociedade e da mídia, fez com que essa Instituição se posicionasse e, combatesse este fantasma que assombra os corredores do Vaticano 208. O intenso debate sobre a pedofilia, fez com que a comunidade internacional, intensificasse o combate a esta transgressão sexual, com a aprovação de tratados internacionais, sobre direitos da criança. Em 1989, a ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou a criação da Convenção Internacional sobre direitos da criança. A qual expressa em seu artigo 1º a imposição aos Estados de medidas de proteção a infância e a adolescência do abuso, ameaça ou lesão a sua integridade sexual 209. O combate à prática da pedofilia não ficou restrito a essa ação, e sua qualificação como crime, tendo sido o tema recepcionado também pela ciência. A Organização Mundial de Saúde passou a catalogar a pedofilia como uma doença, um transtorno mental e comportamental 210. O Brasil, no decorrer de sua história não ficou isento de práticas de pedofilia, por parte de abusadores de crianças e adolescentes. O caso mais famoso de abuso sexual contra criança foi o da menina Araceli, que no dia 18 de maio de 207 CRUZ, Anselmo Firmo de Oliveira. Op. cit.. FERRARI, Dalka Chaves de Almeida. Pedofilia: uma das faces da violência sexual contra a criança. Revista Brasileira de Psicodrama , São Paulo, v. 12, n. 2, p. 59 -84, 2004. 209 PEDOFILIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org./wiki/Pedofilia>. Acesso em: 24 abr. 2008. 210 Id. 208 106 1973, na cidade de Vitória, Espírito Santo, foi espancada, estuprada e morta por dois homens. A autoria deste crime foi atribuída a Brito Micheline e Paulo Constarteen Helal, ambos de famílias abastadas. Eles foram julgados e absolvidos, não por não serem culpados, mas sim pela forte influência que possuíam no Estado 211. O caso Araceli até hoje é uma ferida que nunca cicatrizou por completo, pois o assunto ainda desperta revolta, medo e incredulidade na cidade de Vitória. Este triste acontecimento fez surgir no Brasil, o Dia Naciona l de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, cuja data é 18 de maio, dia em que a menina desapareceu 212. 211 ARGEMIRO, Pedro. Araceli: símbolo da violência. Disponível em: <http://orbita.starmedia.com/~dossiepedofilia/abusomain.htm>. Acesso em: 26 abr. 2008. 212 CASO ARACELI – Dante de Brito Michelini e Paulo Constanteen Helal, costumavam se divertir rondando colégios na cidade de Vitória no Espírito Santo, provavelmente em busca de alguma vítima. Apostando na impunidade que o dinheiro de suas famílias poderia comprar, Dantinho e Paulinho Helal, como eram chamados, elaboravam festas para promover orgias, regadas a LSD, cocaína e álcool, onde drogavam e violentavam crianças e adolescentes do sexo feminino. Araceli Cabrera Crespo, uma menina de apenas oito anos, que vivia com o pai Gabriel Sanches Crespo, com a mãe Lola e com o irmão Carlinhos, fazia parte de uma família simples do porto de Vitória. Ela estudava perto de sua casa e mantinha uma rotina dificilmente quebrada (saia de escola e ia para um ponto de ônibus ali perto, para voltar para casa), até o dia 18 de maio de 1973, em que Araceli saiu mais cedo da escola, a mando de Lola – sua mãe, e foi levar um envelope no Edifício Apoio, no centro de Vitória. A menina não sabia, mas o envelope continha drogas e seria entregue em um dos apartamentos onde Paulinho Helal e Dantinho se drogavam. Alguns dias depois, o corpo da menina foi encontrado em um terreno baldio, localizado atrás do Hospital Menino Jesus, na praia Comprida. Araceli havia sido espancada, estuprada, drogada e morta; sua vagina, seu peito e sua barriga tinham marcas de dentes; seu queixo foi deslocado com um golpe; e finalmente o seu rosto, principalmente, foi desfigurado com ácido. O superintendente da polícia civil do Espírito Santo, Gilberto Barros Faria, dois meses, aproximadamente, após o trágico acontecimento, anunciou que no dia seguinte revelaria os nomes dos criminosos. Porém, 107 O ordenamento jurídico brasileiro, não tipifica nenhuma espécie de crime, intitulado pedofilia, sendo considerado crime pela legislação nacional, apenas os atos e as conseqüências praticadas pelos pedófilos. 213 Portanto, estes podem ser enquadrados pela prática de estupro de vulnerável, satisfação da lascívia mediante presença de criança e adolescente e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (previstas, respectivamente, no Código Penal em seus artigos 217-A, 218, 218-A e 218-B, sendo que estes foram criados pela Lei 12.015/2009 que modificou o Capítulo II do CP), definidos, simultaneamente, como: ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos; induzir alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem; praticar na presença de menor de 14 anos; ou induzir a presenciar conjunção carnal ou ato libidinoso, afim de satisfazer a lascívia própria ou de outrem; e submeter, induzir ou atrair a prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone. 214 depois de um encontro com Dante Michelini, pai de Dantinho, Barros Faria, mudou de opinião, apontando como assassino um senhor negro que tinha problema mental, que perambulava pela Praia do Suá. Desse fato em diante começou a escalada de medo e suborno, pelo menos treze pessoas morreram de formas misteriosas por se envolverem com o assunto. Dantinho e Paulinho Helal chegaram a serem presos no ano de 1977, mas foram liberados aproximadamente dois meses depois. Em 1980, foram julgados e condenados, porém a sentença foi anulada. No ano de 1991, em novo julgamento os réus foram absolvidos. O crime já prescreveu, mas o caso Araceli é uma ferida que nunca cicatrizou completamente. Mexer no assunto em Vitória ainda desperta medo, revolta e incredulidade (ARGEMIRO, Pedro., op. cit.) 213 PEDOFILIA. Disponível em: <http://www.mscontraapedofilia.ufms.br/índex.php?inside=1&comp=&sh ow=62>. Acesso em: 24 abr. 2008. 214 PINHEIRO, Lucas Corrêa Abrantes. Breves reflexões sobre a Lei nº 12.015/2009. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13358>. Acesso em: 10 abr. 2010. 108 Portanto, mesmo o Brasil não tendo uma norma penal que tipifique a palavra pedofilia, há no país, como já foi dito, algumas normas que incriminam os atos e conseqüências praticadas pelos pedófilos. Além das condutas anteriormente especificadas, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem por escopo a proteção do menor tipifica outras que visam o bem estar das crianças e adolescentes. Todavia, mesmo com tais dispositivos, há a necessidade de uma norma específica para agilizar o processo de investigação e denúncia dos pedófilos, principalmente, na internet onde se torna ainda mais difícil a punição a estes criminosos. 215 4 PEDOFILIA NA INTERNET Com o avanço da tecnologia, a Internet tornou -se um dos principais meios de informação e comunicação existente na sociedade, atraindo cada vez mais a atenção dos infantes, no entanto, seus protetores não conseguem acompanhar esse avanço, 216 surgindo assim, um novo grupo de criminosos, denominados “cibercriminosos”. Tais indivíduos trouxeram para a rede mundial de computadores um ato repugnante, mas já praticado na comunidade, a pedofilia via internet 217. Segundo Sandro D’Amato Nogueira: “A Internet está sendo utilizada pelos pedófilos para realizarem suas fantasias sexuais, trocarem e comercializarem fotos, filmes, cd -rom, entre outros” 218. Todavia, neste ambiente a luta contra a pedofilia torna se ainda mais árdua devido à disparidade entre o virtual e o 215 PEDOFILIA. op. cit. COMO proteger nossas crianças. Disponível em: <http://www.pedofilia-nao.inf.br/pedofilia.html>. Acesso em: 26 abr. 2008. 217 SILVA, Anna Paula Costa e. Pedofilia na Internet – inocência roubada virtualmente. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/16/38/1638>. Acesso em: 1 jul. 2008. 218 NOGUEIRA, Sandro D’Amato. Pedofilia e o tráfico de menores pela internet: o lado negro da web. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 29 set. 2001. 216 109 real, porém, as conversas que os praticantes desse crime têm em salas de bate papo passaram a ser ilegais com a edição da Lei 12015 de 7 de agosto de 2009. 219 Ademais, quem pratica estes atos, ainda consideram-se injustiçados quando igualados a delinqüentes violentos, ou senão, acusam as vítimas de instigarem o ato sexual com suas brincadeiras 220. Os infantes estão em constante perigo, real e imediato, de sofrer assédio por meio da internet, ou ainda, de serem seqüestrados para contracenar em filmes, que usarão suas dores, angústias e sofrimento pelo abuso sexual do qual est ão sendo vítimas, abuso este que muitos adultos não agüentariam passar, como diversão para determinados grupos. Isso ocorre devido à existência de “Clubes de Pedofilia”, onde pedófilos do mundo se unem, para mais facilmente ter acesso a fotos ou vídeos mostrando pornografia infantil. Além desse tipo de serviço, tais clubes oferecem ainda, formas de obter crianças para a prática de abuso sexual, turismo sexual, ou então, agilizar o tráfico de menores, sendo estes os responsáveis pelo desaparecimento de cria nças em todo o mundo. 221 A pedofilia na rede mundial de computadores é um acontecimento grave e complexo que demanda uma ação de toda a sociedade para solucioná-la. Especialmente a de autoridades brasileiras, visto que para fazer uma oposição forte contra estes abusos, é necessário paciência, vontade e determinação, pois as redes de pedofilia disseminam seu teor lesivo pela internet, mudando de site em site. A Senadora Patrícia Saboya do Ceará afirma que, os abusadores estão 219 PINHEIRO, op. cit. MAXIMIANO, Ana. Pedofilia na internet: números no Brasil são assustadores. Disponível em: <http://diganaoaerotizacaoinfantil.com/2007/08/11/pedofilia -na-internetnumeros-no-brasil-são-assustadores/>. Acesso em: 2 jul. 2008. 221 MIRANDA, Anderson; MIRANDA, Roseane. Campanha Nacional de combate à pedofilia na Internet. Disponível em: <http://www.censura.com.br>. Acesso em: 2 jul. 2008. 220 110 procurando tornar tal crime banal, sendo o resultado desses atos que: 222 Imagens e mensagens de violência e sexo pedagogicamente não recomendadas às faixas etárias mais baixas chegam às crianças e adolescentes descontextualizadas e em qualquer horário. Muitas vezes fora de casa, longe do olhar e da orientação dos pais e movidos pela curiosidade natural à idade, eles acessam sites, lêem e-mails, alimentam perfis no Orkut, recebem e enviam fotografias, inclusive deles mesmos 223. A rede mundial de computadores, atualmente, já é vista como a maior responsável pelo comércio, divulgação e exploração sexual de infantes pelo mundo 224. Este é um ramo de lucros exorbitantes, planejado por organizações, que possuem home pages acessíveis o tempo todo aos seus clientes, e estes, por sua vez, são os grandes i ncentivadores a continuidade dos trabalhos. O material para manter esses sites é obtido através de crianças que são iludidas ou forçadas a praticar sexo, e as imagens, podem ainda ser capturadas sem que as vítimas percebam. Após isso, o conteúdo é distribu ído, trocado ou vendido na rede. E as fotos são utilizadas também como forma de forçar a criança a consentir com novas fotos, através de chantagem. 225 A pedofilia, antes da proliferação da Internet, era dificultada devido a maiores empecilhos em obter o mate rial capaz de satisfazer seus desejos. Contudo, isso se tornou mais rápido com a internet, uma vez que através dessa, o contato do pedófilo com o infante é simplificado pelo fato de ele ter o 222 SABOYA, Patrícia. Opinião: Pedofilia na Internet. Disponível em: <http://www.denunciar.org.br/twiki/Bin/view/SaferNet/Noticia200608122 02510>. Acesso em: 2 jul. 2008. 223 Id. 224 NOGUEIRA, Sandro D’Amato, Op. cit. 225 SABOYA, Patrícia, Op. cit. 111 poder de se esconder através de uma personalidade e linguagem falsa, mais condizente com a da vítima. 226 Em função disto os pais, professores e familiares devem dar orientações às crianças e estar atentos para possíveis investidas desses criminosos, inclusive acompanhando e monitorando as ações das crianças na frente de um computador. Alguns procedimentos por parte dos responsáveis podem ser feitos para evitar tal assédio, tais como: manter uma boa relação com a criança para que esta lhe mantenha informada sobre os sites que entra e as amizades que mantém nesse meio; deixar o computador em um local comum onde ela não esteja sozinha na utilização; averiguar o e-mail da criança, quando possível; ou seja, desenvolver um ambiente seguro para estes utilizarem a internet e as informarem sobre os riscos que correm, até mesmo explicando lhes sobre o que é pedofilia e o mal causado por pessoas más intencionadas neste espaço. 227 Os meios mais empregados pelos pedófilos para ter acesso às vítimas são: os mensageiros instantâneos (programas pelos quais é possível comunicar-se por meio de texto ou voz, de maneira rápida e individual), chat (ambiente onde se conversa com pessoas desconhecidas), blog ou fotolog (um diário virtual), e-mail (correio eletrônico) e redes de relacionamento (ambiente destinado a reunião de pessoas com interesses em comum). 228 A Associação Italiana de Defesa da Infância fez uma pesquisa e descobriu que o Brasil está no quarto lugar na lista de sites relacionados à pornografia infantil 229, isto demonstra a 226 CAMPANHA MS contra a pedofilia. Pedofilia na Internet. Disponível em: <http://www.mscontraapedofilia.ufms.br/index.php?inside=1&tp=3&com p=&show=64>. Acesso em: 2 jul. 2008. 227 CAMPANHA MS contra a pedofilia. Pedofilia na Internet, Op. cit. 228 Id. 229 CAMPANHA MS contra a pedofilia. Dados alarmantes. Disponível em: <http://www.mscontraapedofilia.ufms.br/index.php?inside=1&tp=3&com p=&show=66>. Acesso em: 2 jul. 2008. 112 ausência de uma punição rígida, comprometendo o combate a esse crime 230. Portanto, revela-se importantíssimo a mudança na legislação penal existente que regula tal ato e a elaboração de uma lei sobre crimes cibernéticos, para desse modo, agilizar e tornar mais eficaz o trabalho da justiça, e assim as investigações poderiam alcançar todos os responsáveis pelo delito, posto que com a tipificação penal adequada os provedores seriam punidos como co-autores do crime 231. É fundamental destacar que a penalidade alcance a todos os envolvidos e os que tornam esse delito possível. 232 Enfim, é imprescindível a existência de uma nova lei que possa dominar essa liberdade sem limites no ciberespaço, fazendo, dessa forma, com que a distância entre a sociedade e o direito torne se menor 233. Contudo, a edição da Lei 12015 de 2008, originada na CPI da pedofilia, veio a contribuir para a punição das práticas de crimes sexuais praticadas contra menores. Com a aprovação desta e com as modificações trazidas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as autoridades policiais e o judiciário passaram a possuir melhores meios de confrontar a ocorrência desse delito na rede mundial de computadores 234; porém, devido a dinâmica tecnológica poderá surgir novos problemas, pois há dificuldade da legislação em acompanhar os avanços ocorridos na tecnologia empenhada para tornar esse crime possível. 235 SILVA, Anna Paula Costa e. Pedofilia na Internet – inocência roubada virtualmente. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/16/38/1638>. Acesso em: 1 jul. 2008. 231 SILVA, Anna Paula Costa e. Op. cit. 232 SABOYA, Patrícia. Opinião: Pedofilia na Internet. Disponível em: <http://www.denunciar.org.br/twiki/Bin/view/SaferNet/Noticia200608122 02510>. Acesso em: 2 jul. 2008. 233 SILVA, Anna Paula Costa e, Op. Cit. 234 CPI já elaborou leis e firmou acordos inéditos. Disponível em: < http://www.magnomalta.com/site/index.php?option=com_content&task=v iew&id=994&Itemid=39>. Acesso em: 10 abr. 2010. 235 SABOYA, Patrícia. Op. cit. 230 113 Entretanto, as dificuldades não se limitam a este impasse, haja vista que outro empecilho é a territorialidade, pois para haver punição é necessário descobrir de onde se origina o crime 236, e neste aspecto, “o que mais preocupa são os sites chamados ‘ponto.com’, já que seu domínio está registrado no órgão oficial internacional da Internet, sem associação a nenhum país de origem, o que dificulta a ação da policia” 237. Enfim, além da necessidade de lei específica para regular o assunto, será fundamental o investimento em agentes treinados e especializados, que deverão ter um profundo conhecimento em informática, com equipamentos da melhor qualidade e tecnologia avançada, para que seja possível o rastreamento e localização de maneira rápida. Ou seja, demanda-se tempo, recurso e pessoal capacitado, para que tenha a capacidade de realizar um trabalho investigativo rígido 238. 5 BIOÉTICA E BIODIREITO COM A PEDOFILIA RELACIONADO Partindo de fatos como o crescente avanço da biologia molecular e da biotecnologia aplicada à medicina, das denúncias dos abusos efetuados pela experimentação biomédica em seres humanos e das declarações das instituições religiosas sobre temas relativamente importantes para a humanidade, nasceu a bioética, que busca o sentido ético das novas biotecnologias. Ela se ocupa do que é bom ou correto e do que é mau ou incorreto no agir humano. 239 NOGUEIRA, Sandro D’Amato. Op. cit. REVISTA Terceiro Setor. Pedofilia na Internet – um crime grotesco, de autores quase invisíveis. Disponível em: <http://www.denunciar.org.br/twiki/bin/v iew/SaferNet/Noticia200101191 93123>. Acesso em: 2 jul. 2008. 238 NOGUEIRA, Sandro D’Amato. Op. cit. 239 CLOTET, Joaquim. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p. 103-106. 236 237 114 (...) com a bioética busca-se um consenso, ainda que transitório, para determinadas questões polêmicas discutidas pelos tradicionalistas e pelos vanguardistas. No centro da discussão está o ser humano, a vida, a saúde. Com esta integração objetiva se o equilíbrio, embora cada caso possa comportar uma solução. 240 A bioética possui um caráter reflexivo, pois as novas questões relacionadas a saúde, a vida e as novas biotecnologias, vem carregadas de dúvidas que devem ser solucionadas através do estudo conjunto de diversas ciências. Devendo, contudo, respeitar a dignidade da pessoa humana, ou seja, em cada situação vivenciada, o bioeticista deve buscar soluções mais justas e adequadas para os problemas, praticando sempre o respeito ao ser humano. 241 Os avanços científicos, portanto, devem estar pautados nos limites éticos para que os seres humanos não passem a ser meras mercadorias para os estudos avançados das ciências e tecnologias, devendo, os biocientistas, respeitarem a vida e a dignidade da pessoa humana. 242 O homem, porém, vem se tornando um objeto diante de uma espécie de comércio, que foge dos padrões convencionais, pois, neste o que está sendo comercializado é o corpo humano, onde se obtém elevadíssimos lucros, colocando a disposição das pessoas interessadas em obter órgãos para fins libidinosos. 243 E, quando uma criança e/ou adolescente é abusado sexualmente, está sendo ferido um de seus direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal (artigo 1º, III), que é a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, a prática de atos pedófilos devem ser punidos, independentemente de quem seja o abusador, ou qual o meio 240 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética: temas atuais e seus aspectos jurídicos. Brasília: Consulex, 2006. p. 32. 241 Ibid., p. 17-19. 242 IACOMINI, Vanessa. Biodireitos X Direitos humanos. O Estado do Paraná, Curitiba, 6 jul. 2008. Direito e Justiça, caderno p. 4. 243 CLOTET, Joaquim. Op. cit., p. 197 -199. 115 utilizado por este para chegar à finalidade precípua de abusar de um infante. 244 Estudos apontam que a maioria dos casos de abuso sexual denunciados ocorre entre pessoas próximas e com vínculo de confiança que não foi respeitado. Atualmente, a mídia tem trazido à tona os casos de abuso sexual que extrapolam as relações familiares, como as denúncias contra padres e médicos. Considerando que a principal violência deste tipo de abuso sexual é justamente a perversão das funções institucionais na relação, e esta é cabível tanto nas relações familiares como nas relações profissionais. Foram denominadas “incesto polimorfo” as situações de abuso sexual extra familiares ocorridas em relações nas quais a assimetria de funções é utilizada, consciente ou inconscientemente, para este fim. Entendemos que o que torna o indivíduo humano e ético é justamente lidar com as pulsões e os desejos presentes em todos, confrontando-os com a realidade. A impossibilidade de ser ético pode ser conseqüência de uma falha na estruturação mental do indivíduo, que não percebe a importância do respeito às funções sociais. 245 Os infantes que são expostos a atos libidinosos, podem vir a sofrer transtornos psicológicos, passando a se considerar inferior as demais crianças e/ ou adolescentes. Esta situação fará com, que eles passem para a fase adulta frustrados e até 244 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Pedofilia: Atentado contra a dignidade da criança. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n. 187, ano VIII, p. 17, 31 out. 2004. 245 COHEN, Cláudio; GOBBETTI, Gisele J. Bioética e incesto polimorfo. In: GARRAFA, Volnei (org); PESSINI, Leo (org). VI Congres so Mundial de Bioética. Brasília: Loyola, 2003. p. 517. 116 mesmo com transtornos sexuais, o que os fará praticar atos tão cruéis quanto os que sofreram. 246 O pedófilo, por sua vez, é aquele que sofre de uma parafilia, que pode ter sido causada por atos li bidinosos a que foram expostos na infância. Porém, isso não é um fator preponderante, tendo em vista que há muitos pedófilos que nunca sofreram abuso algum. Neste sentido, afirma a psicóloga e professora adjunta do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Leila Ribeiro: O adulto que tem atração sexual por crianças não necessariamente viveu um situação de envolvimento sexual com um adulto na criança. Sendo assim, o que leva um adulto a ter este desejo deve ser buscado não só em sua história, mas também no contento social, familiar ou individual em que ele vive e na relação que mantém com a criança, pois ambos estão envolvidos. 247 O pedófilo, portanto, por sentirem-se inseguros com mulheres adultas, praticam atos sexuais e adolescentes, geralmente para provarem a sua potencia sexual. 248 o ministério da justiça registra, por ano, cerca de 50 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. A associação brasileira multiprofissional de proteção a infância e adolescência (ABRAPIA) afirma que, a cada hora, no país, sete crianças ou adolescentes sofrem abuso sexual. Diante dos números, a “castração química” passa a ser discutida como uma possível solução para o problema. O tratamento a base de 246 CLOTET, Joaquim. Op. Cit. P. 129 -130. AGÊNCIA Notisa de Jornalismo Científico. Pedofilia: monstro ou doente? Revista Ciência e vida: Psique, São Paulo, ano III, n. 27, p. 32 39, data da publicação. 248 Vieira, Tereza Rodrigues. Bioética: temas atuais e seus aspectos jurídicos. Brasília: Consulex, 2006. p. 59 -61. 247 117 hormônios femininos que levariam à diminuição do desejo sexual em pessoas com histórico de pedofilia, hoje muito discutido na Europa, especialmente na Itália, onde é uma alternativa à prisão ou desconto da pena, começa a ser alvo de polêmica no Brasil. 249 A castração química, portanto, é uma forma temporária de inibição do desejo sexual, sendo assim, têm efeitos reversíveis. Este tratamento pode ser usado para ajudar os pedófilos que querem se livrar desse mal, do qual não conseguirão sozinhos, ou até mesmo como medida de punição aos indivíduos que cometeram crimes sexuais contra infantes. 250 Há um projeto sendo analisado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado que prevê este tipo de castração química para pedófilos condenados pela justiça, mas a aplicação só poderia ser feita mediante anuência do criminoso, sendo indicado apenas nos casos em que o médico dissesse que não existe outra opção. Em troca ele teria redução de um terço da pena. 251Posição esta que entra em choque com o entendimento da OAB: (...) A nossa posição é contrária, apesar de reconhecermos a gravidade desse ilícito penal que envolve a pedofilia, envolve pessoas inocentes, indefesas, que são vítimas desse crime. Apesar desse quadro, nós entendemos que o melhor tratamento jurídico e o tratamento punitivo não é o da castração 249 CASTRAÇÂO química em pedófilos gera polêmicas entre especialistas. Disponível em: http://diganaoaerotizacaoinfantil wordpress.com/2008/04/08/castracao -quimica-de-pedofilos-gerapolemica-entre-especialista/...31/07. Acesso em: 4 ago. 2008. 250 Id. 251 Vai dar o que falar: projeto de castração de pedófilos. Disponível em: < http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL1550885 -16022,00VAI+DAR+O+QUE+FALAR+PROJETO+DE+CASTRACAO+DE+PEDO FILOS.html>. Acesso em: 10 abr. 2010. 118 química. Nós estamos num estágio do direito muito mais avançado e o que mais a sociedade reclama é a efetividade da justiça, a certeza da pena. Muito mais importante do que ficarmos editando novas leis, prevendo novos tipos penais, novas modalidades de punição, é importante que tenhamos a certeza de que aquele infrator será efetivamente punido”, defende Alberto de Paula Machado, vice-presidente da OAB 252. A contrario sensu, o Senador Gerson Camata, autor do projeto defende que: O principal argumento de defesa é, primeiro: ele foi apresentado em 2007. Se já tivesse sido aprovado, quantas crianças não teriam passado por essa humilhação? Quantos pedófilos já teriam sido recuperados? Entretanto, não foram. Eu tirei o projeto de uma lei francesa, que tem em vigor na Inglaterra e também na Itália que são democracias berço dos direitos humanos no mundo. Depois que apresentei meu projeto, ele foi aprovado no Canadá, aprovado na República Tcheca por plebiscito, inclusive aquele que é reincidente é castração cirúrgica. Depois na província de Barcelona e em oito estados norte-americanos. Esses países que respeitam os direitos humanos, todos tem esse tipo de punição para recuperar o pedófilo (...) 253 Com a presença crescente de novos temas, como a “castração química” se faz necessário a regulamentação de normas morais, para que não haja excesso no uso das novas biociências. 254 O campo que regula estes novos temas é o 252 253 254 Id. Vai dar o que falar: projeto de c astração de pedófilos. Op. cit... IACOMINI, Vanessa. Op. cit., p. 4. 119 biodireito que é o estudo sistemático das novas biociências e tem a vida como objeto principal. 255 O direito, portanto, possui uma posição primordial na contribuição com a bioética, pois, enquanto esta examina as possibilidades, as respostas morais para os questionamentos, o direito, quando for o caso, faz a tradução dos temas examinados para as normas jurídicas, por serem estas gerais e de obrigatório cumprimento. 256 6 PEDOFILIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Até meados de 1989, não havia em nenhum Estado, legislação que visasse à proteção de crianças e adolescentes. Porém, com o transcorrer do tempo isso foi modificado através da aprovação de vários tratados internacionais, assim como, a aprovação pela ONU, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças e dos Adolescentes, em que impõem aos Estados a elaboração de leis para a proteção destes contra qualquer espécie de lesão sexual. 257 A lei brasileira, no entanto, apesar de ter adotado na Constituição em seu art. 227, a proteção integral da criança e do adolescente 258, não possui em sua legislação, o tipo penal “pedofilia” 259, tendo os operadores do direito, na ocorrência deste tipo de crime, enquadrá-lo nos tipos penais descritos nos artigos 217 (estupro de vulnerável), 218 (indução), 218 -A (satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente), e 218-B (favorecimento da prostituição ou outra 255 VIEIRA, Tereza Rodrigues. O chamado biodireito. Revista Jurídica Consulex, Brasília, n. 197, ano IX, p. 14, 31 mar. 2005. 256 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética: temas atuais e seus as pectos jurídicos. Op. cit., p. 29-32. 257 PEDOFILIA. Disponível em: http://www.mscontrapedofilia.usms.br . Acesso em: 15 jun. 2008. 258 BARBOSA, Hélia. Abuso e exploração sexual de crianças: origens, causas, prevenção e atendimento no Brasil. In: Inocência em perigo: abuso sexual de crianças, pornografia infantil e pedofilia na internet, Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p. 24 -41. 259 JESUS, Damásio Evangelista de. Pedofilia na legislação brasileira. Revista jurídica Consulex. Brasília, ano XI, n. 240, p. 28 -29, 15 jan. 2007. 120 forma de exploração sexual de vulnerável), contudo, anteriormente a 2009 aplicava-se os artigos: 213 (estupro) e 214 (atentado violento ao pudor), que foram, revogados pela Lei 12.015/2009 260. Procurando adaptar suas leis para amparar de maneira mais coerente as crianças e os adolescentes, vítimas de abuso sexual, o Brasil elaborou o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (lei nº 8069/90) - que em seus artigos 240 a 241-E, incriminam qualquer exposição do menor a prática de atos sexuais ou pornografia envolvendo infantes, por exemplo, fotografias, vídeos ou qualquer outro registro; além destes, os artigos 244-A e 244-B, imputam como crime a submissão ou corrupção do menor a praticar a prostituição ou exploração sexual 261. A redação dos artigos 240, §§ 1º e 2º, inciso I e II e artigo 241 foi determinada pela Lei 11.829/2008, sendo que esta, ainda, acrescentou o inciso III do § 2º do artigo 241, 241 A a 241-E; e o artigo 244-B foi acrescentado ao Estatuto pela Lei 12.015/2009. Pois anteriormente a estas Leis o estatuto incriminava, somente, a divulgação e publicação de fotografias ou imagens pornográficas, bem como, o sexo explícito envolvendo infantes, artigos 240 e 241 262. Todavia, com o avanço da informática, o “mercado pedófilo” se tornou ainda mais avassalador. Pois com a facilidade de informações rápidas de negociação de produtos pela web, e ainda a possibilidade de atrair crianças e adolescentes através de sites de bate papo, com o direito inclusive a bloqueio de suas páginas - o que dificulta ainda mais a ação policial no combate a pedofilia - tem o comércio desta natureza se transformado em uma ação cada vez mais lucrativa e devastadora. 263 260 PINHEIRO. op. cit. Id. 262 Id. 263 Revista brasileira de psicodrama. Disponível em: http://www.febrap.org.br/produtos/revista/revista_atual.php. >. Acesso em: 2 jul. 2008. 261 121 Portanto, ainda há muito que fazer para acabar com a pedofilia no Brasil, ou ao menos amenizar a atuação destes criminosos, através da atribuição de penas aos mesmos, e é com esse intuito que o Congresso Nacional está trabalhando. 264 6.1 COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA PEDOFILIA O terrível cenário de abuso sexual sofrido por crianças e adolescentes foi agravado com o avanço da internet, pois este é o meio mais rápido e “seguro” para esses criminosos cibernéticos atraírem suas vítimas 265. Para tentar combater esses crimes, foram criados sites como o Safernet, que fiscaliza crimes na rede mundial de computadores. 266 A internet se tornou o meio mais atraente para a prática de crimes de pedofilia, porque, além de ser um espaço onde pessoas de várias nacionalidades trocam informações, não há legislação vigente que regulamente essa espécie de crime, tornando os atos praticados pela web, impunes 267. Por esses motivos, todo ano são expostas milhares de crianças indefesas a abusos sexuais que nem mesmo um adulto suportaria 268. Além do mais, no dia 04 de março de 2008, através do requerimento de nº 200, foi criada pelo Senado, tendo por Presidente da Comissão o Senador Magno Malta, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com o objetivo de 264 BRASIL, Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/>. Acesso em: 2 jul. 2008. 265 MIRANDA, Anderson; MIRANDA, Roseane. Campanha Nacional de combate à pedofilia na Internet. Disponível em: <http://www.censura.com. br>. Acesso em: 2 jul. 2008. 266 MAIA, Felipe. CPI aprova quebra de sigilo de 18 mil páginas no Orkut. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u418514.shtml>. Acesso em: 2 jul. 2008. 267 REVISTA Terceiro Setor. Pedofilia na Internet – um crime grotesco, de autores quase invisíveis. Disponível em: <http://www.denunciar.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/Noticia200101191 93123>. Acesso em: 2 jul. 2008. 268 MIRANDA, Anderson; MIRANDA, Rosane. Op. Cit. 122 apurar fatos relacionados à utilização da Internet para prática de ilícitos contra crianças e adolescentes, assim como, a relação deste com o crime organizado. Desde que esta CPI foi instalada, houve grandes avanços no combate à pedofilia na Internet, tendo os Senadores, inclusive conseguido uma autorização judicial para que várias páginas do site de relacionamentos “Orkut” fossem abertas. 269 Segundo a ONG Safernet: O site de relacionamentos é utilizado por pedófilos porque permite compartilhar fotos de pornografia infantil sem serem identificados por outros usuários e pelas autoridades – uma vez que as fotos são protegidas por um sistema de privacidade do Orkut onde os usuários podem “trancar” seu álbum e a página de recados, deixando o acesso restrito a amigos adicionados no perfil 270. Assim sendo, foi garantido à empresa Google a imunidade civil e criminal, nos casos em que houver erro no envio de provas, ou ainda, no caso de serem enviadas as autoridades judiciais informações falsas (salvo comprovada má-fé), Para que esta assinasse um termo de responsabilidade com o Ministério Público. 271 No dia 02 de julho de 2008, o Google Brasil assin ou junto ao Ministério Público Federal, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), se comprometendo a controlar o sistema, com o objetivo de combater a pedofilia na internet. De acordo com o TAC, o Google deverá desenvolver tecnologia eficiente para filtrar e impedir a publicação de pornografia infantil no 269 BRASIL, Senado Federal. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/ Acesso em: 2 jul. 2008 270 GUERREIRO, Gabriela. CPI da Pedofilia recebe em DVDs perfis “lacrados” do Orkut. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u39651 2.shtml>. Acesso em: 2 jul. 2008. 271 MAIA, Felipe. Op. Cit. 123 site de relacionamentos Orkut. Além de ter como obrigação, a retirada de conteúdos ilícitos de comunidades virtuais, a preservação de dados necessários para a identificação dos autores e conteúdos, e a distribuição de cartilhas que versem sobre como usar a internet com segurança. Se a empresa descumprir qualquer cláusula do acordo estará sujeita ao pagamento de uma multa diária de vinte e cinco mil reais 272. A Safernet, somente no primeiro semestre de 2008, recebeu em média 92,8% a mais de denúncias com relação ao mesmo período de 2007. Este aumento tão significativo nas denúncias colaborou para que a CPI da pedofilia aprovasse um projeto, onde exigia a quebra do sigilo de mais de 18 mil páginas diferentes do Orkut 273. Devido a isto, “O google encaminhou a CPI da pedofilia sete DVD’s com os dados referentes a 3.261 álbuns privados do Orkut que podem reunir conteúdos e imagens de pornografia infantil” 274. Os referidos álbuns tiveram o sigilo quebrado e foram analisados por técnicos do Senado, peritos da Polícia Federal e integrantes do Ministério Público Federal. 275 Por meio dos trabalhos da CPI, obteve-se a aprovação das Leis 11.829/2008 e 12.015/2009, anteriormente explicitadas: Foi gerado na CPI o texto da Lei 11.829/08, que aumentou de seis para oito anos a pena máxima de crimes de pornografia infantil na internet. A lei é considerada pelo presidente da ONG Safernet Brasil, Thiago Tavares, uma das mais avançadas do mundo. Além de aumentar a punição, tornou crime comprar, manter ou divulgar material pornográfico. 272 GIRALDI, Renata. Google e Ministério Público assinam acordo para combater a pedofilia no Orkut. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u418420.shtml>. Acesso em: 2 jul. 2008. 273 MAIA, Felipe. Op. Cit. 274 GUERREIRO, Gabriela. Op. Cit. 275 Id. 124 Já a Lei 12.015/08, originada na CPI, fixa punições maiores para crimes sexuais como pedofilia, assédio sexual contra menores e estupro seguido de morte. A pena para qualquer crime sexual que resulte em gravidez terá aumento de 50%. A nova lei considera crime todo ato libidinoso contra menores de 14 anos e portadores de deficiência. Estuprar jovens entre 14 e 18 anos passou a valer até 12 anos de reclusão. O estupro seguido de morte, hoje punido com até 25 anos de prisão, passou para até 30 anos. 276 Apesar do grande progresso no combate a pedofilia, ainda há muito que fazer, pois apesar de a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança , já darem uma base jurídica para que haja punição quando houver violação da lei, “o desafio seguinte, provavelmente mais complexo, será atualizar a legislação na mesma velocidade permitida pela tecnologia usada por esses criminosos cibernéticos”. 277 7 CONCLUSÃO A pedofilia é um distúrbio na conduta humana, que é expressada pelo desejo compulsivo de um adulto por uma criança ou um adolescente. Esta pode ter caráter tanto heterossexual, quanto homossexual. A internet tem sido um ambiente extremamente favorável à proliferação da pedofilia, pois os pedófilos utilizam-se desse meio de comunicação em massa, para trocar ou vender imagens pornográficas envolvendo infantes. Tais criminosos, também, utilizam a internet para atrair crianças e 276 CPI já elaborou leis e firmou acordos inéditos. Disponível em: < http://www.magnomalta.com/site/index.php?option=com_content&task=v iew&id=994&Itemid=39>. Acesso em: 10 abr. 2010. 277 SABOYA, Patrícia. Op. Cit. 125 adolescentes, com o intuito de chegar ao fim libidinoso de abusar sexualmente deles. O Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº. 8.069/90), em seus artigos 240 a 241-E, 244-A e 244-B, incriminam qualquer exposição de imagens pornográficas ou atos sexuais envolvendo infantes. Contudo, na legislação brasileira não há tipificação penal específica para os crimes de pedofilia, tendo os operadores do Direito, na ocorrência de tais casos, que recorrerem aos princípios da hermenêutica. Para tentar combater os crimes de pedofilia, especialmente na internet, foram criados vários sites de investigação, que buscam fiscalizar os crimes de pedofilia na rede mundial de computadores, como é o caso da safernet.com. Também, foi instalado uma Comissão Parlamentar de Inquérito da pedofilia, que conseguiu a aprovação de leis que protegem as crianças e os adolescentes e, punem os criminosos que abusarem destes. Contudo, é necessário que os pais não abandonem seus filhos em frente a um computador, e explique a eles o que é correto e o que é errado entre pessoas de faixas etárias diferentes, pois uma criança bem informada não dará espaço para abusos. Está em discussão uma possível solução para os casos de pedofilia, a Castração Química, ou seja, um tratamento a base de hormônios femininos que levariam à diminuição do desejo sexual. Este tratamento poderia ser utilizado para ajudar aqueles que quisessem se livrar do distúrbio que possuem, e que muitas vezes os fazem sofrer. 8 REFERÊNCIAS AGÊNCIA Senado. CPI sugere projeto de lei que criminaliza pedofilia na internet. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult12 4u413448.shtml>. Acesso em: 2 jul. 2008. ______. 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Vítimas. 278 Acadêmicos do 8º período do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Maringá 133 1 INTRODUÇÃO A sociedade deve ser estudada para que se possa acompanhar seu desenvolvimento e modificações, e garantir o aperfeiçoamento das leis partindo desses estudos. Tendo em vista essa necessidade de entender o todo para resolver os problemas, chega-se a conclusão que só após entender a mente do pedófilo, ou os transtornos causados em seu organismo, é que se pode partir para a tentativa de solucionar este problema, que afeta cada vez mais a sociedade. Para facilitar o desenvolvimento deste artigo, procurou se entender a vida do pedófilo desde a infância, seus traumas psicológicos, físicos e dramas que enfrentou após a descoberta de seu desvio de conduta e, até as justificativas encontradas, algumas que partiram de uma convicção de estarem praticando um ato bom e, outras, usadas como subterfúgios para encobrir sua culpa e evitar maiores sofrimentos no tocante aos seus atos. Com a pesquisa, tem-se a intenção de delinear uma breve análise do perfil do pedófilo, a fim de definir o que vem a provocar esses distúrbios para que a lei possa criar normas para tratar e evitar a incidência dos mesmos. Ademais, diante da grande mobilização da sociedade no sentido de evitar que esses atos venham a se repetir, foi instaurada uma CPI da pedofilia a qual, buscar-se-á também realizar a análise neste artigo. 2 PEDOFILIA 2.1 CONCEITO E CONSIDERAÇÕES GERAIS Considerada como uma perversão, a pedofilia é basicamente a atração de adultos por crianças pré -púberes, ou seja, crianças com idade inferior a 12 anos. Segundo estatísticas realizadas sobre o tema pedofilia, a maior parte dos agressores são homens. Os pedófilos, na maioria das vezes, são pessoas conhecidas das vítimas e até mesmo dos pais da criança, podendo ser um vizinho, um amigo, ou até 134 mesmo um parente, onde, grande parte dos casos conhecidos e relatados são de abusadores da própria família, inclusive o pai da criança (nesses casos é considerado como incesto) 279. Com relação ao perfil psicológico do pedófilo, via de regra, ele possui dupla personalidade; se constitui, basicamente de homens adultos entre trinta e setenta ano s, casados, os quais podem até ter filhos e ainda estar, de certa forma, “acima de qualquer suspeita”, ou seja, ao contrário do que muitos pensam, nem sempre são homossexuais. Portanto, um comportamento um pouco estranho se comparado à personalidade de uma pessoa normal. Mas é claro que nada justifica um ato de tamanha crueldade diante da sociedade, sendo um crime inadmissível 280. Outra característica interessante e repugnante dessas pessoas, é que embora muitos acreditem que não estão fazendo mal para a criança, querem garantir que a vítima não irá contar para os seus pais ou para quem quer que seja, tentando, em alguns momentos, molestar ou comprar as crianças dando -lhes, doces e brinquedos ou dinheiro 281. O abuso, na maior parte das vezes, perdura até que a vítima consiga se libertar deles ao atingir sua fase adulta, mas mesmo assim lhes trazem muitos danos os quais causarão conseqüências psicológicas sérias, quase que irreversíveis, podendo causar ilusão à criança no sentido de que ela pode confundir a realidade com o que é mera ficção psicológica 282. 279 VIAGEM A UMA MENTE DOENTE. Disponível em: <http://wwwto.blogs.sapo.pt/45150.html> Acesso em: 16 ago 2008. 280 MIRACELLY, Karenine. Agressor é lobo em pele de cordeiro . Disponível em: <http://www.folhadaregiao.com.br/hotsites/abusose xual/reportagem6.htm l> Acesso em: 16 ago 2008. 281 COSTA, Fernando Gomes da. Abuso sexual infantil (pedofilia) . Disponível em: <http://www.violencia.online.pt/script s/cv.dll?sec=crianca&pass=abuso_s exual> Acesso em: 16 ago 2008. 282 PEQUIN, Bernadete. Cordeiro ou lobo? Disponível em: <http://www.brasilcontraapedofilia.org/2008/06/01/cord eiro-ou-lobo/> Acesso em: 16 ago 2008. 135 A pedofilia em si é uma anomalia da sexualidade do indivíduo, e de acordo com o CID 10, é caracterizada como transtorno, um desvio psicológico, onde a preferência sexual do indivíduo se desvirtua do caminho natural, passando a sentir interesse por crianças que podem ser tanto do sexo masculino quanto feminino 283. Portanto, o portador do transtorno da pedofilia é considerado um doente e não um criminoso passível de pena 284. 2.2 SOLUÇÕES DA MEDICINA A medicina legal tem estudado uma forma de inibir a atuação desses doentes, que é a chamada castração química, que consiste em um tratamento com uso de inibidores de libido, para o qual seria aplicado nos pedófilos, injeções de antiandrógeno, que têm a função de inibir a pro dução de testosterona nos testículos do indivíduo, o que causaria a perda da agressividade, e conseqüentemente diminuiriam os ataques sexuais 285. Embora os estudos ainda estejam em andamento, há profissionais que admitem que já fizeram uso desses métodos, como é o caso do professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC (Grande São Paulo), e doutor da USP, Danilo Baltieri, que chegou a declarar ao jornal “Estado do Paraná”, que em casos de consentimento por escrito da família, ele fazia uso de tratamentos com hormônios, e o procedia sob o seguinte argumento:“Tenho de fazer isso para 283 ROLIM, Marcos. Pedofilia: até onde está o crime? Disponível em: <http://www.rolim.com.br/2002/modules.php?name=News&file=print&s i d=234> Acesso em: 16 ago 2008. 284 FELD, Eduardo. Pedofilia: crime, pecado e doença . Disponível em: <http://www.amb.com.br/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=1021 > Acesso em: 16 ago 2008. 285 CASTRAÇÃO QUÍMICA É TEMA DE PESQUISA E PROJETO DE LEI. Disponível em: <http://www.maracaju.news.com.br/SAUDE/view.htm?id=98860&ca_id= 25> Acesso em: 16 ago 2008. 136 evitar que os pacientes voltem a fazer sexo com crianças” 286. Essa decisão resultou em muitas criticas e discussões sobre esse tipo de procedimento, tendo em vista que o mesm o ainda não possui uma regulamentação legal 287. As soluções apresentadas pela medicina e sua efetiva aplicação em outros paises, como a França, impulsionou o deputado federal, Mendonça Prado, a apresentação de um projeto de lei que abarcasse esses métodos, no qual fazia uso dos seguintes argumentos para a defesa do mesmo 288: Entendo que esse crime hediondo, deve ser repelido e punido com toda a energia do direito. Assim, gostaria de modernizar a penalidade, objetivando rechaçar categoricamente o delito. Estuprador é um cafajeste, canalha, que deve ser punido sem clemência 289. Porém, seu ímpeto de renovação do ordenamento não chegou muito longe, sendo barrado pela consultoria jurídica da Câmara dos Deputados, tendo em vista a colisão com as normas constitucionais que impedem a instituição de pena cruel no país 290. A pedofilia, ainda é algo que intriga os ramos da Medicina, da Psicologia e do Direito, pois não se chega a um resultado preciso e concreto para tratar o problema em razão da complexidade da mente de um doente como o pedófilo 291. 286 PEDOFILIA: CASTRAÇÃO QUÍMICA COMO SOLUÇÃO. Disponível em: <http://palavrassussurradas.wordpress.com/2008/04/02/pedofilia castracao-quimica-como-solucao/> Acesso em 16 ago 2008. 287 PEDOFILIA: CASTRAÇÃO QUÍMICA COMO SOLUÇÃO. Op. cit. 288 MENDONÇA PRADO PROPÕE CASDATRAÇÃO QUÍMICA PARA ESTUPRADORES NO BRASIL. Disponível em: <http://brasilcontraapedofilia.wordpress.com/2007/09/11/mendonca-prado-propoecastracao-quimica-para-estupradores-no-brasil/> Acesso em 16 ago 2008. 289 Id. 290 Id. 291 Id. 137 3 PEDÓFILO 3.1 OS ABUSADORES USUAIS Médicos e psicólogos afirmam que não é possível reconhecer um pedófilo no meio da multidão, posto que, geralmente, são pessoas que estão sempre em convívio com as crianças. Os abusadores, podem ser quaisquer pessoas, as quais tenham a possibilidade de ter um contato maior com as crianças, sem despertar maiores desconfianças, podendo ser médicos, professores, babás, colegas de escolas, amigos da família e vizinhos 292. Segundo pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), a partir de dados recolhidos no IML entre os anos de 1994 a 2004, revelou-se que o próprio pai é responsável por 45% dos casos e, o padrasto, o responsável, por 6% dos abusos; e quando os abusadores são do exterior da família, em 65% dos casos o abuso é cometido por uma pessoa conhecida daquela 293. Normalmente, as vítimas são abusadas por um longo período de tempo, e só denunciam a pessoa envolvida quando já são adultas. O jornal The Irish Times, em 1993, trouxe diversas matérias sobre chamado Kilkenny Incest Case, o caso em que o pai morava com sua filha em uma fazenda e a violentou durante 16 anos – dos 11 aos 26 anos – o que resultou na gravidez de um filho com seu próprio pai, e na perda da visão de um olho decorrente de agressões praticadas pelo mesmo 294. Em São Paulo, há relatos de um caso em que o pai confessou ter engravidado a própria filha de apenas 13 anos, 292 ABUSO SEXUAL MITOS E REALIDADE. Disponível em: <htt\p://www.observatoriodainfancia.com.br/> Acesso em: 16 ago 2008. 293 ABUSO SEXUAL: PAI É O PRINCIPAL AGRESSOR DE MENORES NO SEIO DA FAMÍLIA. Disponível em: <http://quiosque.aeiou.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ae.stories/10 039>. Acesso em 16 ago 2008. 294 LANDINI, Tatiana Savoia . Horror, honra e direitos. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde -11012006194947/> Acesso em: 16 ago 2008. p. 170. 138 tendo sido o mesmo preso pela Polícia Militar após esta ter recebido a denúncia da mãe 295. No tocante aos clientes das produções de filmes e fotos de crianças sendo violentadas, os maiores índices estão entre os solteiros, com mais ou menos 40 anos, os quais, geralmente são profissionais liberais 296. Os homossexuais também têm um destaque muito grande nos abusos e buscam a normatização legal de suas atitudes, participando de organizações mundiais com esse fim. No entanto, se faz necessário deixar claro que essas ligações afetivas entre pedofilia e homossexualismo não são conseqüentes, ou seja, nem todo homossexual é pedófilo ou vice-versa, apesar dessas práticas estarem, por várias vezes, intimamente ligadas 297. 3.2 TRANSTORNOS Os pedófilos podem apresentar transtorno de personalidade, de conduta, orgânicos ou psicóticos 298. Os transtornos de personalidade decorrem de uma falha provocada durante o desenvolvimento da sexualidade dos pedófilos, que mesmo depois de adultos, buscam o prazer na figura ingênua e passiva de uma criança, sem conseguir se satisfazer com um indivíduo que não possua essas características 299. Sua sexualidade é caracterizada como infantil e desenvolvida, na 295 HOMEM CONFESSA NA TEVÊ TER ENGRAVIDADO FILHA DE 13 ANOS. Disponível em: <www.oglobo.com> Acesso em: 16 ago 2008. 296 CAMPANHA MS CONTRA A PEDOFILIA. Disponível em: <http://www.mscontraapedofilia.ufms.br/> Acesso em: 16 ago 2008. 297 YOURK, Frank; KNIGHT, Robert H. Comportamento homossexual & pedofilia. Disponível em: <http://br.geocities.com/amigosdafamiliabr/co mportamento.doc> Acesso em: 16 ago 2008. 298 BARBOSA, Hélia. Perspectiva familiar, social e econômica . Disponível em: <http://www.cedeca.org.br/PDF/perspectiva_familiar_heli a_barbosa.pdf> Acesso em: 16 ago 2008. 299 FONTES, Leandro. Crime sem castigo. Cartacapital. Ano XIV. n. 488. 26 mar 2008. 139 maioria das vezes, como jogos infantis, sem necessariamente ocorrer o ato sexual com penetração 300. Há vários estudos que apontam que crianças que sofreram abusos, quando adultos, passaram a ser abusadores, devido a sua sexualidade e fantasias sexuais terem sido desenvolvidas precocemente; ficam, assim, presas a prática sexual infantil, mesmo após atingirem a vida adulta 301. Há vários fatores ligados ao relacionamento do pedófilo, que no decorrer de sua vida tornam-se determinantes no seu desvio de conduta, como a dificuldade de relacionamento social e interpessoal, a impulsividade, dificuldades acadêmicas, violência na família, bullying na escola (que seriam atos de violência física ou psíquica com intuito de agredir ou intimidar o indivíduo) 302. Crianças que viveram em um ambiente familiar sem estrutura, promíscuo, e que foram vítimas de violência e autoritarismo, também podem se tornar futuros abusadores, por não saberem a forma adequada de tratar as pessoas, não conseguindo discernir o certo do errado 303. Alguns homens buscam a realização dos seus desejos em crianças, por não conseguirem ter um relacionamento adequado com adultos, com os quais se sentem inibidos, inseguros na relação sexual ou até frustrados e, em decorrência desses fatores, acabam por encontrar nas crianças a confiança, pelo poder de controle que exercem sobre elas, pelo medo provocado ou pela própria vergonha de se manifestarem e reclamarem de suas atitudes 304. Essas características são dos pedófilos abusadores. Contudo, há uma outra categoria de pedófilos, conhecidos como molestadores, os quais são perversos, tem total consciência do mal que causam as suas vítimas, se utilizam de instrumentos de tortura, violência e a inten sidade 300 ABUSO SEXUAL MITOS E REALIDADE, op. cit. Id. 302 MONSTRO OU DOENTE? Psique ciência&vida. p. 37. 303 Ibid., p. 35. 304 FELIPE, Jane. Afinal quem é mesmo pedófilo? Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n26/30391.pdf > Acesso em 17 ago 2008. 301 140 de suas agressões tendem a aumentar e ter uma freqüência cada vez maior e, em geral, não se arrependem de suas atitudes. Cabe ressaltar que, os abusadores em função das suas atitudes, desencadeiam problemas de depressão, alcoolismo, sofrimento e debilidade no âmbito social. Por outro lado os molestadores, não possuem qualquer remorso e suas condutas podem ser despertadas por alcoolismo, drogas, situações de estresse, sensação de abandono, rejeição, retardo mental, entre outros 305. Alguns indivíduos possuem desejos incontroláveis, fantasias e manifestações incomuns que são geralmente acompanhadas de outros transtornos como: a) travestismo fetichista (heterosexual que para obter maior satisfação sexual vestem roupas femininas durante suas relações); b) fetichismo (uso de objetos inanimados durante a relação sexual); c) voyerismo (observação de pessoas despindo-se ou em relação sexual sem o consentimento, seguido de masturbação); d) exibicionismo (heterosexual que expõe sua genitália à estranhos); e) sadomasoquismo (a realização sexual diante de sofrimento, dor ou humilhação sua ou da vítima); f) zoofilia (atração por animais); g) necrofilia (atração por cadáveres); e frotteorismo (tocar ou esfregar-se em uma pessoa sem seu consentimento) 306. Dentre várias possibilidades estão as diferenças nos próprios organismos dos pedófilos. Para alguns estudiosos da área médica, o nível elevado de hormônios masculinos androgênicos, seriam os responsáveis pelo aumento da agressividade, como a testosterona; para outros, a menor 305 306 MONSTRO OU DOENTE. op. cit. p. 35. Ibid., p. 37. 141 quantidade de substância branca no cérebro acarretaria a desconexão de algumas partes cerebrais que se relacionam com a sexualidade, impossibilitando o discernimento entre objetos apropriados ou não 307. Segundo relatos de um neurologista da Universidade de Virginia, um homem de 40 anos, após desenvolver um tumor cerebral, apresentou obsessão por crianças e somente após a retirada do mesmo é que esse distúrbio comportamental desapareceu 308. Para Antonio de Pádua Serafim, os estímulos externos, são responsáveis pelos estímulos cerebrais, sendo assim, o cérebro só se desenvolve nas partes estimuladas no decorrer da vida 309. Muitas são as tentativas de encontrar os transtornos que causam esse tipo de atitude, tão lastimável, porém, nenhuma delas pode ser tida como precisa. 3.3 JUSTIFICATIVAS A história de violência sexual contra crianças está longe de ser um mal do século XXI. Analisando os costumes de povos antigos como os Incas, vê-se que estes primavam pela raça pura, e por meio de casamentos entre irmãos mantiveram seus costumes por 14 gerações 310; entre os gregos e romanos era como comum à prática sexual com crianças e, ainda, a utilização pelos “marquesans” na Polinésia, de crianças em rituais sexuais, demonstra que, nem sempre, o incesto ou abuso sexual, na história da humanidade, foi visto como um ultraje ao pudor 311. 307 Ibid., p. 38. VIEIRA, Tereza Rodrigues. Pedofilia atentado contra a dignidade da criança. Revista Jurídica Consulex. Ano VIII. n. 187. 31 out 2004. 309 MONSTRO OU DOENTE. op. cit. p. 37. 310 VIEIRA, Tereza Rodrigues. op. cit. 311 CAPELETTO, Raquel Emília. Pedofilia no Brasil – doença ou crime. 2005. p. 8. 308 142 Para os habitantes da ilha de Pitcairn, a prática de sexo com crianças é considerado um fato natural, inerente aos costumes sem ter nenhuma relação com violência 312. Baseados em fatos históricos e culturais, foi que muitas organizações, visando à legitimação da pedofilia, foram criadas no mundo todo, estando dentre elas o grupo “Enclave Kring” criado em 1950 pelo neozelandês Frits Bernard; outras organizações, também de origem neozelandesa, são os grupos MARTIJM e NVSH. Há ainda o grupo dinamarquês DPA, o inglês PIE, o americano NAMBLA e o alemão KRUMME 13 313 , todos defensores de que haja permissão legal para a prática da pedofilia. Essas organizações são formadas por ativistas homossexuais que caminham o mundo defendendo suas idéias, defendendo a abolição de idades estipuladas em lei para a prática do sexo e que as crianças devem ter o direito de escolherem se desejam entrar em uma relação sexual precoce e aprender com esses relacionamentos e, ainda, que o incesto é a melhor maneira para essa iniciação, pois a criança se sentiria mais confortável, na relação com os pais 314. O Instituto Internacional dos Homofílicos (organização homossexual que produz biografias homossexuais e materiais eróticos) em 1982, apoiou a idade de consenso para o início da sexualidade, sendo para as meninas na primeira menstruação e, meninos, na primeira ejaculação 315. Os defensores da pedofilia justificam que a não liberação é fruto de constrangimento sofrido por cria nças vindas de uma sociedade patriarcal. Para eles, isso não passa de opressão, afirmando que as crianças são ensinadas mentiras destrutivas a respeito de sexo e que elas merecem expressar o que desejam, pois as mesmas são naturalmente sexuais, sendo a defesa desses direitos a mais alta prova de amor. Dessa 312 VIEIRA, Tereza Rodrigues. op. cit. PEDOFILIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedofilia > Acesso em: 17 ago 2008. 314 PEDOFILIA. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedofilia > Acesso em: 17 ago 2008. 315 YOURK, Frank; KNIGHT, Robert H. op. cit. 313 143 forma, a pedofilia não deve ser vista como um desvio sexual, mas como uma orientação; alegam que as crianças desejam isso, que pedem por que tem curiosidade, que isso não é um desejo só do adulto. Essas pessoas acreditam que eles estão sendo muito melhores para as crianças que os pais, e que os mesmos deveriam ficar tranqüilos nos casos de atração sexual, o qual não estaria produzindo nenhum dano 316. Para os defensores, não cabe a sociedade definir o que a criança deve desejar, dizendo que a erotização está evidente, em propagandas, músicas e programas de televisão, e que as crianças já procuram ser desejadas imitando cantores e atrizes que são símbolos sexuais (procurando parecem com elas), e porque não se falar em intimidade, amizade, respeito, admiração, carinho, atenção, compartilhamento, paixão e amor nessas relações 317. Fora do contexto dos homossexuais, o incesto para alguns pais é encarado como algo normal, que o pai, por ser o chefe da família, tem direito sobre as “crias” como se fossem suas propriedades 318. Outros colocam a culpa toda nas crianças, dizem que elas que provocam, ou ainda, que elas gostam, que eles não estão fazendo mal algum a elas. Esse tipo de argumento é utilizado, muitas vezes, como subterfúgio para diminuir a culpa que eles mesmos sentem após a prática. Nesse sentido, relata-se a história de um pedófilo. A seguir: A juventude precisa discutir mais sobre pedofilia, escreveu Brian Oliver, Ph.D em Criminologia e Justiça Penal pela Universidade de Missouri, em seu artigo “Pensamentos para combater a pedofilia em 316 SEVERO, Julio. Padres, pedofilia e homossexualismo : a verdade que ainda não saiu do armário. Disponível em <juliosevero.blogspot.com/2006/04/padres -pedofilia-ehomossexualismo.html> Acesso em: 17 ago 2008. 317 LOPES, Denílson. Amando garotos: pedofilia e a intolerância contemporânea. Disponível em: <http://www.paroutudo.com/colunas/denilson/041208_denilson_amandog arotos_22.htm> Acesso em 17 ago 2008. 318 FELIPE, Jane. op. cit. p. 211. 144 adolescentes não criminosos”, endereçado ao editor da revista Archives of Sexual Behavior, em 2005. No texto Oliver diz não saber por que virou pedófilo. Entre as possíveis causas, estão baixa auto-estima, bullying na escola (atos de violência física ou psicológicas intencionais e repetitivos praticado por um grupo ou indivíduo, com o objetivo de intimidar ou agredir outro, incapaz de se defender) e o fato de quase não ter amigos. “Comecei a me masturbar freqüentemente como mecanismo de fuga. Fantasiava pensando em um garoto de 6 anos que morava na rua atrás da minha. Não estou certo porque minhas fantasias era ligadas a ele, mas acredito que era por ser a pessoa menos ameaçadora que eu conhecia. Apesar de eu ter 12 anos, não tinha a menor noção de que havia qualquer coisa errada em me sentir atraído sexualmente por um menino. A masturbação fazia bem, era tudo que importava”, escreve. Com o desenrolar da puberdade o problema se agravou e fez com que Brian Oliver suspeitasse que era gay. Aos 15, percebeu que era diferente de outros homossexuais. “Eu me sentia sexualmente atraído por meninos bem mais jovens que eu. Depois de verificar que meu comportamento enquadrava-se em um termo utilizado em um livro do ensino médio, percebi que, de fato, era um pedófilo”, lembra. Depois da constatação Oliver ficou aflito por não conseguir mais por fim às fantasias. “Queria desesperadamente ajuda, porém não tinha idéia de onde ir para conseguir auxílio”, conta. Procurou a professora de educação sexual da escola – o que não ajudou muito. “A reação inicial dela foi de total atordoamento. Assim como a maioria dos adultos da época (1986), ela não sabia o que 145 fazer com a ‘confissão’. Recomendou a minha mãe que eu passasse a freqüentar a Growing American Youth, que oferece suporte a adolescentes gays e lésbicas, porém esta orientação não me ensinou como poderia viver sem molestar crianças”, diz. Entretanto, a parte mais efetiva do tratamento, segundo Oliver, foi a criação de empatia pelas vítimas e a compreensão da dor que havia causado. Para ele, o adolescente de hoje tem mais chances de se recuperar devido à Internet e a maior abertura sexual, mas ainda é necessário investir em informação. “Existem centenas de panfletos e livros disponíveis que falam sobre vício em drogas, alcoolismo, divórcio, depressão, orientação sexual, porém não há praticamente fontes para quem luta contra a pedofilia. Tê-las disponíveis daria a estes jovens a certeza de que não são ruins por terem pensamentos sexuais não-apropriados, que o contato sexual com as crianças não é legal, que há ajuda disponível e que não é bom manter o problema em segredo” 319. Como se pode notar no depoimento retro, os argumentos dos pedófilos nem sempre são direcionados a permissão da prática, mas também a criação de meios e tratamentos adequados aos que lutam contra ela. 4 VÍTIMAS 4.1 QUEM SÃO AS VÍTIMAS As vítimas são as crianças entre 0 e 18 anos, porém as mais atingidas são as meninas 320. Hoje em dia, o número de 319 MONSTRO OU DOENTE. op. cit. p. 39. SALTER, Anna. O que é a pedofilia. Disponível <http://agostinhocosta.blogspot.com/2007/11/o -que-pedofilia.html> Acesso em 17 ago 2008. 320 146 em: meninos agredidos também cresceu muito e a faixa etária atingida pelos pedófilos também diminuiu, havendo possíveis casos de bebês de 30 dias que se tornaram alvos de pedófilos 321. Segundo os dados do Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância de Campinas, SP, afirma-se acerca da matéria que: Estimam que, 1251 crianças atendidas no Instituto Médico Legal de Campinas, foram vítimas de abuso sexual 67,3% entre 7 e 14 anos; 31,7% entre 2 e 7 anos e 1% abaixo de 2 anos de idade; 14,4% dos adolescentes atendidos no Serviço de Assistência Integral a Adolescência (SAIA) de São Paulo demonstraram ter sido alvo de vitimização sexual; estudo no ABC paulista registrou que 90% das gestações em jovens com até 14 anos foram fruto de incesto, sendo o autor na sua maioria o pai, o tio ou o padastro. Em cada 100 denúncias de maus -tratos contra a criança e o adolescente feitas à ABRAPIA, 9 são de abuso sexual. A vítima é do sexo feminino em 80% dos casos, sendo que 49% tem entre 2 e 5 anos e 33% entre 6 e 10 anos. Pesquisas nos EUA indicam que: 1 criança é sexualmente abusada a cada 4 segundos. 1 em cada 3 garotas e 1 em cada 4 garotos são abusados sexualmente antes dos 18 anos. 90% das vítimas são abusadas por pessoas que elas conhecem, confiam e amam. Somente 1 em 4 garotas e 1 em cada 100 garotos tem o abuso sexual sofrido denunciado. 321 GOMES, Vagner. CPI da Pedofilia determina prisão de dois suspeitos. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sp/mat/2008/06/12/cpi_da_pedofilia_determina _prisao_de_dois_suspeitos-546780396.asp> Acesso em: 17 ago 2008. 147 50% das vítimas se tornam abusadores. Durante uma vida, um pedófilo ativo em média abusa de 260 crianças ou adolescentes. Apesar das diferenças sexuais e econômicas, da maior ou menor sensibilização, informação e mobilização da sociedade para o tema (e para denunciar), na maior ou menor eficiência e eficácia das ações governamentais e não governamentais, visando a proteção das vítimas e a punição dos agressores, é possível afirmar que a situação no Brasil não difere das outras sociedades ocidentais. Outras pesquisas feitas nos EUA demonstram que 1% da população infanto-juvenil americana é vítima de violência doméstica todos os anos e que cerca de 10% das denúncias correspondem a abuso sexual, por analogia, podemos afirmar que: no Brasil, 165 crianças ou adolescentes sofrem abuso sexual por dia ou 7 a cada hora 322. As crianças que sofrem o abuso geralmente têm medo de denunciar seus abusadores, podem sentir culpa ou vergonha entre outros fatores que levam a criança a não denunciar, até mesmo porque, quando acontece dentro de casa, por incrível que pareça, a família, muitas vezes, duvida da criança, e não acredita tendo que chegar ao ponto de ver o que ocorre para acreditar 323. Alguns depoimentos das vítimas: O banho me faz sentir mais aliviada, tenho nojo toda vez que me lembro do que aconteceu. (A. 17 anos). Por que foi comigo que aconteceu isso? Minha mãe sabia e não fez nada para me proteger, chegou até a me bater quando eu 322 323 ABUSO SEXUAL MITOS E REALIDADE, op. cit. Id. 148 disse o que ele fazia comigo. Me sinto muito sozinha. (A. 17 anos). Mamãe, eu tenho uma coisa nojenta para te falar. O papai mandou eu pegar no piru dele. (C. 4 anos). Meu pai é um doente. É como se ele fosse dependente de drogas. Ele abusou da minha irmã e vai continuar abusando de outras. (P. 18 anos, irmão de uma menina abusada sexualmente pelo pai) 324. Em face dessa descrença da família é que, em boa parte dos casos, as vítimas acabam sendo abusadas por um longo período de tempo, somente vindo a relatar tais atos, quando já se encontram na vida adulta e com grandes traumas que as perseguirão pela vida toda. 4.2 TIPOS DE ABUSOS Atualmente existem diversos casos em que o sinônimo do abuso sexual cometido com crianças é a pedofilia, dentre esses casos, os mais comuns são a nível familiar, comunitário e internacional. Cabe ressaltar que o abuso pode ser definido como uma situação em que uma criança ou adolescente é usado para: Gratificação sexual de um adulto ou mesmo de um adolescente mais velho, baseada em uma situação de poder, que inclui desde carícias, manipulação da genitália, mama, ânus, o voyeurismo, o exibicionismo, e até o ato sexual (com ou sem penetração, com ou sem violência) 325. 324 Id. KOSHIMA, Karin. Violência sexual contra crianças e adolescentes: Danos Secundários, Caminhos.br, Disponível em <http://www.caminhos.ufms.br/publicacoes/view.htm?a=1133>. Acesso em 04 set .2008. p. 3. 325 149 Diante do exposto, constata-se que são varias as maneiras de agressões utilizadas contras as crianças, não sendo necessário a conjunção canal para que seja considerado um ato de pedofilia. 4.3 CONSEQÜÊNCIAS PEDÓFILOS NAS VÍTIMAS DOS Indubitavelmente, existem conseqüências nas vítimas de pedofilia que perduram ao longo de suas vidas. Seqüelas que podem ser vistas pelas atitudes das vítimas, já que uma vez não foram tratadas. A maioria das seqüelas é psicológica, assim, os prejuízos físicos conseqüentes do abuso sexual, são muito raros. O que se deve considerar é que cada tipo de conseqüência sucede do tipo de abuso sofrido, bem como da intensidade deste e também da personalidade de cada vítima 326. Pelos fatores psicológicos, a criança que sofreu abuso poderá desenvolver transtornos como: dificuldades de socialização, dificuldade de aprendizagem 327, aversão ao sexo oposto, sentimentos de traição, desconfiança, sensação de vergonha, culpa, auto-desvalorização e baixa auto-estima 328. Porém a Dr. Olga Tessari afirma que se a criança for acompanhada psicologicamente, terá condições de ter uma vida social e sexual normal; ela diz que a criança pode ir superando o trauma e se desvinculando das lembranças do passado 329. 326 CONSEQÜÊNCIAS PSICOFÍSICAS DO ABUSO SEXUAL NA CRIANÇA. Disponível em: <http://luxuriante.wordpress.com/2008/02/14/blogagem -coletiva-contraa-pedofilia/> Acesso em: 15 set 2008. 327 Cf. BERTOLINO, Pedro. A pedofilia e suas conseqüências. Disponível em: <http://existencialismosartreano.blogspot.com/2008/ 08/pedofilia-esuas-conseqncias.html> Acesso em: 15 set 2008. 328 Cf. CONSEQÜÊNCIAS PSICOFÍSICAS DO ABUSO SEXUAL NA CRIANÇA. op. cit. 329 Cf. PEDOFILIA AGRIDE SER HUMANO. Disponível em: <http://ajudaemocional.tripod.com/rep/id103.html > Acesso em: 15 set 2008. 150 5 ENFOQUE CONTEMPORÂNEO SOBRE PEDOFILIA E O QUE A LEI TRAZ SOBRE O ASSUNTO As estatísticas mostram que, só do começo do ano de 2008 até o presente momento, constatou-se 30 mil novos casos de pedofilia 330. O que a lei diz sobre esses casos é que seria um estupro (art. 213 do Código Penal) ou atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal) e, no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dispõe que é crime a divulgação de fotos pornográficas de crianças, cabendo por analogia, as mesmas sansões, para exposição das mesmas na internet. Entretanto, a maioria dos agressores ou aqueles que comercializam materiais de pornografia infantil, acabam por não serem presos, pelo fato de haver uma lacuna no ordenamento jurídico que não considera a pedofilia um crime, (como pode ser visto nas tabelas abaixo). Leis que protegem a criança e o adolescente: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Art. 277. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. 330 Cf. CPI. Jornal hoje. Disponível em: <http://video.globo.com/Videos/Player/Notic ias/0,,GIM850834-7823CHAMADA+JORNAL+HOJE,00.html> Acesso em 17 ago 2008. 151 Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cinematográfica, atividade fotográfica ou qualquer outro meio visual, utilizando-se de criança ou adolescente em cena pornográfica de sexo explícito ou vexatória. (Mudanças introduzidas em 2003 pela Lei nº 10.764). Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. Art. 244-A. A submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual. (Artigo acrescentado pela Lei nº 9.975/00. Lei nº 8.072 de 25 de Julho de 1990 Dispõe sobre crimes hediondos Art. 1º São considerados hediondos crimes V – estupro 152 os Código Penal Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida. (Redação determinada pela lei nº 9.318 de Dezembro de 1996). Porém, segundo o Dr. Michael de Andrade (Presidente da Comissão de Direito Eletrônico da OAB-MS), a pedofilia já está inserida no rol de crimes hediondos, por isso alguns abusadores tentam se esquivar de seus desejos para não serem presos, porque, como sabemos, os próprios presos abominam esse tipo de conduta e fariam a “justiça dos internos” 331. Pesquisas também mostram que, o Brasil, está em primeiro lugar no ranking dos países com maior índice de pornografia infantil na internet. Por este motivo, é que se há de considerar que o Brasil não possui estrutura, ainda, para o combate a pedofilia e a investigação de pornografia infantil pela internet. Segundo a advogada Ana Maria Rota, o portal que pretendia combater esses crimes pela internet, após três meses, teve de ser fechado por falta de compromisso do governo que não manteve os 160 mil reais anuais para o funcionamento 332. Dentro do círculo de pornografia na internet, o site de relacionamentos ORKUT lidera com 90% de denúncias feitas ao Safernet (ONG que promove e defende os direitos humanos na internet brasileira) e, destas, 39,65% são de pornografia infantil. Calcula-se que, mais de 40 mil imagens de crianças e 331 PROJETOS CONTRA PEDOFILIA NA INTERNET E CÓDIGO PARA “LAN HOUSES” SÃO ENTREGUES À CÂMARA DA C APITAL PELA CODE-OAB/MS. Disponível em: <http://brasilcontraapedofilia.wordpress.com/2007/09/06/projetos -contrapedofilia-na-internet-e-codigo-para-%E2%80%9Clanhouses%E2%80%9D-sao-entregues-a-camara-da-capital-pela-codeoabms/> Acesso em: 17 ago 2008. 332 PEDOFILIA NA INTERNET NO BRASIL. Disponível em: <http://www.safernet.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/Noticia2006030820 5944> Acesso em: 17 ago 2008. 153 pedófilos foram divulgadas desde o começo deste ano, no site 333. Devido ao número crescente de abusos de crianças, em 2008, o Congresso instalou uma CPI, cujo presidente é o Senador Magno Malta, que procura investigar os abusadores e crime organizado (redes de pedofilia na internet). Também com essa CPI, busca-se preencher a lacuna deixada pelas leis com uma pena mais severa para os abusadores e a tipificação de pedofilia como crime e, ainda, buscar junto a Polícia Federal e Ministério Público a investigação já realizada para combater a pedofilia no país 334. A CPI acatou ao pedido do Ministério Público de São Paulo, para quebrar o sigilo de mais de 3 mil álbuns do site ORKUT, para a investigação de pedófilos na rede. O site também deverá desenvolver novas tecnologias para filtrar a postagem de pornografia infantil e deverá comunicar as autoridades competentes quando estas forem encontradas 335. Pelo poder de investigação da CPI, foram presos: Márcio Aurélio Toledo (pai de santo que mantinha uma rede de pedofilia na internet e tinha uma sala de bate-papo com o nome de “incesto” no site da UOL), o qual é apontado como mentor de uma rede de pedofilia; em conjunto com ele foram presos David Melero Junior e Valter José Ferreira 336; Lidiane do Nascimento Foo (acusada de chefiar a suposta rede de 333 ORKUT LIDERA DENÚNCIAS RECEBIDAS POR ONG. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u20485.shtml > Acesso em: 17 ago 2008. 334 NACIONAL: CPI DA PEDOFILIA COMEÇOU MAL, CRITICA ESPECIALISTA. Disponível em: <http://www.diariopopular.com.br/30_03_08/p34%20e%2035.html > Acesso em: 17 ago 2008. 335 ROCHA, Murilo; LOPES, Flávia. CPI da pedofilia exige quebra de sigilo em álbuns do Orkut. Disponível em: < http://www.safernet.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/Noticia200804100615 09> Acesso em: 17 ago 2008. 336 CPI DA PEDOFILIA PRENDE DOIS SUSPEITOS DE PARTICIPAR DE REDE. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/clipping/junho 2008/cpi-da-pedofilia-prende-dois-suspeitos-de-participar-de-rede/> Acesso em 16 set 2008. 154 pedofilia em Roraima), Givanildo Santos Castro (marido de Lidiane) e Bárbara do Nascimento Foo (irmã de Lidiane) e esposa de Raimundo Ferreira Gomes (major da Polícia Militar que também participava da rede); Luciano Alves de Queiroz (ex-procurador), Jackson Ferreira (empresário), Hebron Silva Vilhena (funcionário do TRE) 337. Todos os esforços giram em torno da não divulgação desses materiais na Internet, procurando suprimir todas as tentativas que venham fazer apologia a pedofilia. 6 CONCLUSÃO Em análise de um contesto histórico e social, chega -se a um quadro cada vez mais preocupante, tendo em vista o crescente aumento de casos de pedofilia em todo o mundo e poucos meios eficazes para resolver os problemas causados por eles. Enquanto se faz CPIs para procurar os criadores de redes de pedofilia, se tem esquecido das vítimas que depois de abusadas não possuem apoio social para voltarem a viver tranquilamente. Os pedófilos são os filhos de uma sociedade capitalista, que deixa para traz os valores sociais e, investem em uma área altamente rentável financeiramente, para delas se beneficiarem. As estatísticas são alarmantes, e o mais triste é saber que elas não englobam nem a metade dos casos, pois a maioria das vítimas, fica presa em seus sentimentos de vergonha e descrença na justiça feita pelo nosso país. Há vários estudos na área de pedofilia, é verdade, porém a grande verdade é que na maioria das vezes esses estudos não são colocados em prática, pois na ânsia de criar leis para satisfazer o clamor social, aplicam as mesmas penas para situações tão singulares. 337 ALICIADORA CONFIRMA ESQUEMA E CONFRONTA OS DEMAIS ACUSADOS. Disponível em: <http://www.magnomalta.com/site/index.php?option=com_content&t ask= view&id=154&Itemid=1> Acesso em 16 set 2008. 155 A busca de soluções, em massa, dos problemas trazidos pela pedofilia, tornam-se cada vez mais ineficazes, e por sua vez, aumenta o sofrimento das vítimas e também de seus agressores, que não tem um apoio psicológico necessário para o tratamento de transtornos e, nem clínico se o mais indicado. Os legisladores se esquecem de que os envolvidos são seres humanos, e como tais complexos demais para serem analisados superficialmente, que aqueles que não se preocupam em entender realmente o funcionamento da sociedade, jamais alcançarão seus anseios e estarão fadados ao fracasso. 7 REFERÊNCIAS ABUSO SEXUAL MITOS E REALIDADE. Disponível em: <http://www.observatoriodainfancia.com.br/> Acesso em: 16 ago 2008. ABUSO SEXUAL: PAI É O PRINCIPAL AGRESSOR DE MENORES NO SEIO DA FAMÍLIA. Disponível em: <http://quiosque.aeiou.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=a e.stories/10039>. Acesso em 16 ago 2008. ALICIADORA CONFIRMA ESQUEMA E CONFRONTA OS DEMAIS ACUSADOS. Disponível em: <http://www.magnomalta.com/site/index.php?option=com_con tent&task=view&id=154&Itemid=1> Acesso em 16 set 2008. BARBOSA, Hélia. Perspectiva familiar, social e econômica. Disponível em: <http://www.cedeca.org.br/PDF/perspectiva_familiar_helia_ba rbosa.pdf> Acesso em: 16 ago 2008. BERTOLINO, Pedro. 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Tem experiência na área da Bioética e do Direito, com ênfase em Direito de Família e Sucessões, Biodireito, Direitos Difusos, Filosofia Jurídica, Ética na Advocacia, Sociologia e Antropologia Jurídica, Ciência Política e Teoria Geral do Direito. 2003 – 2005: Mestrado em Direito; Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil. Título: O Direito à vida e o direito de um viver melhor um conflito de direitos fundamentais, Ano de Obtenção: 2005. Orientador: Wanderlei de Paula Barreto. Bolsista da: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Palavras-chave: vida humana; embriões excedentes; células-tronco; qualidade de vida; direito à vida. Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito / Subárea: Direito Privado / Especialidade: Direito Civil. 161 Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito / Subárea: Direito Privado / Especialidade: Biodireito. Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito / Subárea: Direito Público. Setores de atividade: Educação superior. 2006 – 2007: Especialização em Bioética. na Universidade Estadual de Londrina, UEL, Brasil. Título: Uma visão bioética das pesquisas com célulastronco. Orientador: Dr. Lourenço Zancanaro. 2000 – 2000: Especialização em Direito Tributário. (Carga Horária: 440h); no Instituto de Ciências Sociais do Paraná - IBEJ Cursos Jurídicos Ltda. 1999 – 1999: Especialização em Direito. (Carga Horária: 882h); na Escola da Magistratura do Paraná Coordenadoria de Maringá. 1998 – 1998: Especialização em Direito. (Carga Horária: 640h); na Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Paraná. 1994 – 1998: Graduação em Bacharelado em Direito; na Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil. PUBLICOU TAMBÉM: Direito à Vida e Direito a Viver Melhor, Um Conflito de Direitos Fundamentais, Humanitas Vivens: Sarandi (PR), 2010, 438 p. ISBN: 978-85-61837-23-5 162 163 164