Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da
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Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da
THIAGO GAUDÊNCIO SIEBERT FREIRES Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação: um estudo dos conceitos de representação documentária, mediação e comunicação científica Departamento de Biblioteconomia e Documentação Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo Dezembro de 2007 THIAGO GAUDÊNCIO SIEBERT FREIRES Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação: um estudo dos conceitos de representação documentária, mediação e comunicação científica Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Biblioteconomia Orientadora: Profª Drª Marilda Lopes Ginez de Lara São Paulo Dezembro de 2007 AUTORIZO A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO, CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA. AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL DESTE TRABALHO PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, POR QUALQUER MEIO, CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, DESDE QUE, POSTERIORMENTE, A FONTE SEJA CITADA E COMUNICADA. Contato E-mail: [email protected] Catalogação na publicação elaborada pelo próprio autor FREIRES, Thiago Gaudêncio Siebert Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação: um estudo dos conceitos de representação documentária, mediação e comunicação científica / Thiago Gaudêncio Siebert Freires; Marilda Lopes Ginez de Lara (Orientadora). São Paulo, 2007. 202 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Biblioteconomia) Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo. 1. Ciência da Informação - epistemologia. 2. Biblioteconomia - epistemologia. 3. Ciências da Comunicação - epistemologia. 4. Representação documentária. 5. Mediação. 6. Comunicação científica. I. Autor. II. Título. III. Orientadora. Para você, o leitor que desvenda, descobre e dá novos significados a estas palavras. AGRADECIMENTOS Um especial agradecimento para minha família, meu pai, Vagner, meu tio Anésio, meu irmão, Davi, minha tia Sônia, minha avó Hélia, e, principalmente, minha mãe, Cristina, que, embora pareça ser tão diferente de mim, me ajudou a ser o que sou. A cada dia percebo melhor a importância de vocês na minha vida. À Marilda, por compreender meu ritmo de trabalho, por desconsiderar meus sumiços e por continuar comigo na orientação da pesquisa. Foi importante contar contigo, tinha certeza que te escolher como orientadora seria essencial. Aos meus professores, que facilitaram meu aprendizado e me fizeram gostar a cada dia mais da idéia de ser bibliotecário. Todos foram importantes demais!!! Em especial, para Plácida, da Unesp, onde cursei o meu primeiro ano de faculdade, pela discursividade impactante e arrebatadora. José Augusto, também da Unesp, por conta da inteligência e das aulas epistemológicas. Asa, por ser tão legal, estar presente na vida dos alunos, e, pela fascinante capacidade de falar por mais de três horas sobre o mesmo assunto e não se perder. Johanna, pela carreira brilhante e pela delicadeza. Milanesi, por provocar e instigar a reflexão sobre o papel do profissional da informação na sociedade. Daisy, pelo carinho e atenção nas etapas iniciais da pesquisa. Teixeira Coelho, pela clareza e pela proposição de outros pontos de vista. Anna Maria, pela presença na escolha dos rumos do trabalho de conclusão de curso. Vania, por suas sugestões na delimitação do tema do trabalho. Fernando, pela ponte entre o universo profissional e o mundo acadêmico. Maria Christina, por conta da excelência e correção das suas aulas. Nair, pela atenção e parceria. Regina, pelo apoio também nos projetos extra-acadêmicos. Aos meus melhores amigos, tão importantes e especiais, amo todos vocês!!! À Viviane, a irmã mais nova que eu escolhi e que quero sempre por perto. Carolina, pela alegria constante e pela amizade tão forte. Fernanda, pelas reflexões que me trouxe a partir da firme defesa da sua opinião. Vanessa, seu sorriso é uma das lembranças mais bonitas desse período. Luciana, sempre presente, parceira em múltiplas atividades, companhia mais do que agradável. Ana, pelos seus ideiais de vida e pelos abraços apertados. Miriam, pela prestatividade. Dani, um exemplo de dedicação e de determinação, a quem desejo muita sorte nos seus planos. Ellen, pela atenção, pelo carinho e pela capacidade de juntar bastante gente ao seu redor. Rapha, por estar junto na hora de descobrir mais coisas sobre o mundo. Gisele, pela pessoa que é. Mônica, pelas nossas conversas e pela amizade incondicional apesar da distância. Às inteligentes Fernanda e Julietti, pelas nossas discussões acadêmicas, que, de maneiras distintas, foram determinantes para a realização desta pesquisa. Aos companheiros de representação discente, organização de eventos e movimento estudantil, por acreditar na união das pessoas e no debate de idéias. Aos colegas de todas as salas pelas quais passei, que também contribuíram para minha formação. Pessoal da Unesp, a melhor classe de toda a história, seria demais se eu continuasse junto com vocês. Todas as turmas com quem cursei disciplinas na USP, foram quatro anos especiais. Às pessoas que me orientaram em meus estágios e projetos profissionais. Obrigado, professora Maura (CEDHUM/Unesp), Solange, Miriam e Eliana (SciELO), professora Regina (Projeto Alavanca), e, Bira e Eliene (Instituto Unibanco). Aos meus maravilhosos alunos no Projeto Alavanca, com quem aprendi muitas coisas. Em breve, a nossa biblioteca comunitária estará pronta pra funcionar e realizar os sonhos de muitas pessoas. Obrigado Melina, Tiago, Viviane e Isis, pela revisão do texto. Preciso congratular também os corajosos cientistas que propuseram a seção de agradecimentos nas pesquisas acadêmicas e possibilitaram outros tantos agradecimentos. Acima de tudo, a ciência é feita por pessoas, e, sobretudo, pela cooperação entre as pessoas. “Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior” Fernando Anitelli e Maíra Viana O Teatro Mágico “A fronteira entre a comunicação e a informação é cada vez mais tênue e a sua relação desenrola-se num jogo contínuo de mundos correspondentes que se alimentam o tempo todo: uma boa informação dá vida à comunicação”. Olga Tavares* “A biblioteca é por definição o espaço das contradições e com possibilidades de ser um espaço de produção. Se o público encontra as contradições será estimulado a resolvê-las”. Luis Milanesi** “Em outras palavras: entre o homem e a realidade, entre o sujeito e o objeto, há uma ‘cerca’, há uma ‘força’ que o impele a perceber essa realidade de um determinado modo. E a raiz dessa força é a palavra”. Maria Baccega+ “Os resultados da pesquisa não pertencem ao cientista, mas à humanidade. Constituem produto da colaboração social e como tal devem ser partilhados com todos, sem privilegiar segmentos ou pessoas”. Maria das Graças Targino* “Mesmo a interdisciplinaridade, muitas vezes repetida discursivamente e quase nunca atestada, começa a ser melhor situada como estratégia de abertura e, ao mesmo tempo, de sedimentação do campo, mais do que palavra ornamental e sem eficácia na afirmação da identidade acadêmica e científica da Ciência da Informação”. Regina Marteleto e Marilda Lara++ Consultar lista de referências. Ordenar para desordenar: centros de cultura e bibliotecas públicas. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 251. + Palavra e discurso: literatura e história. São Paulo: Ática, 1995. p. 28. ++ Sobre o Workshop... Anais do Workshop em Ciência da Informação: políticas e estratégias de pesquisa e ensino na pós-graduação, realizado em Niterói/RJ, no período de 11 a 12 de novembro de 2004. * ** RESUMO Discute as relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação, a partir dos conceitos de representação documentária, mediação e comunicação científica. Analisa os percursos de construção e consolidação, a história, a natureza interdisciplinar e os objetos de estudo de cada campo do conhecimento. Identifica a aproximação entre as disciplinas sob as perspectivas da relação histórica, da relação local (na França), da relação institucional, da relação comparativa, da relação intermediada pela cultura, da relação intermediada pela Lingüística, da relação com as tecnologias de produção e reprodução da informação, e, da relação interdisciplinar. Aponta o caráter comunicacional da Ciência da Informação e o caráter informacional das Ciências da Comunicação. PALAVRAS-CHAVE Ciência da Informação - epistemologia; Biblioteconomia - epistemologia; Ciências da Comunicação - epistemologia; representação documentária; mediação; comunicação científica. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1. Mapa interdisciplinar da CI, por Lena Vania R. Pinheiro ................................62 Figura 2. Mapa interdisciplinar da CI, por Yves François Le Coadic................................64 Figura 3. Modelo matemático da comunicação de C. Shannon e W. Weaver.................84 Figura 4. Modelo de fluxo comunicacional de Melvin De Fleur .....................................85 Figura 5. Modelo comunicacional de José Marques de Melo.........................................134 Figura 6. O ciclo da informação, por Yves François Le Coadic .....................................152 Figura 7. Sistema de recuperação da informação, por F. Wilfrid Lancaster ..................154 Figura 8. Modelo de comunicação científica de Garvey e Griffith ................................173 Figura 9. Modelo de comunicação científica a partir da influência do modelo matemático da comunicação ......................................................................................... 177 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABECOM - Associação Brasileira de Escolas de Comunicação ABEPEC - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação ABI - Associação Brasileira de Imprensa ADBS - Association des Profissionnels de L’information et de la Documentation ADI - American Documentation Institute ALA - American Library Association ANCIB - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação e Biblioteconomia ASIST - American Society for Information Science and Technology ASLIB - Association for Information Management CC - Colon Classification CCCS - Centre of Contemporary Cultural Studies CCN - Catálogo Nacional de Publicações Seriadas CDD - Classificação Decimal de Dewey CDU - Classificação Decimal Universal CECMAS - Centre d'Études de Communication de Masse CI - Ciência da Informação CIESPAL - Centro de Internacional Estudios Superiores de Comunicación para América Latina CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação COSATI - Committee on Scientific and Technical Information DCC - Dewey Decimal Classification EBLIDA - European Bureau of Library, Information and Documentation Associations ECA/USP - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECO/UFRJ - Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro ELACOM - Escola Latino-Americana de Comunicação FABICO/UFRGS - Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul FID - Federação Internacional de Documentação IBBD - Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia ICINFORM - Instituto de Ciências da Informação IFLA - International Federation of Library Associations and Institutions IIB - Instituto Internacional de Bibliografia IIS - Institute of Information Scientists INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação IUPAC - International Union on Pure and Applied Chemistry LC - Library of Congress NATIS - National Information Systems NOMIC - Nova ordem mundial da informação e da comunicação SFSIC - Societé Française des Sciences de L’information et la Communication SRI - Sistemas de Recuperação da Informação UFOD - Union Française des Organismes de Documentation UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UnB - Universidade de Brasília UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNISIST - Acrônimo para representar o estudo de viabilidade do sistema universal de sistemas de informação SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................................14 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................17 1.1 JUSTIFICATIVAS.................................................................................................. 19 1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 20 1.3 OBJETIVOS......................................................................................................... 24 2 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO...........................................................................25 2.1 PERCURSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO ........................... 25 2.2 CORRENTES EPISTEMOLÓGICAS ........................................................................... 41 2.3 A NATUREZA INTERDISCIPLINAR......................................................................... 52 2.4 O OBJETO DE ESTUDO ......................................................................................... 66 3 CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO......................................................................73 3.1 PERCURSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO ........................... 73 3.2 CORRENTES EPISTEMOLÓGICAS ........................................................................... 78 3.2.1 Estudo do organismo social...................................................................... 79 3.2.2 Escola de Chicago .................................................................................... 80 3.2.3 Mass communication research................................................................. 81 3.2.4 Teoria da informação ............................................................................... 83 3.2.5 Colégio invisível ...................................................................................... 86 3.2.6 Escola de Frankfurt .................................................................................. 88 3.2.7 Estruturalismo.......................................................................................... 90 3.2.8 Sociedade do espetáculo........................................................................... 93 3.2.9 Cultural studies ........................................................................................ 94 3.2.10 Economia política da comunicação.......................................................... 97 3.2.11 Sociologia interpretativa ........................................................................ 100 3.2.12 Etnografia das audiências....................................................................... 103 3.2.13 Escola Latino-Americana de Comunicação ........................................... 106 3.2.14 Estudos brasileiros ................................................................................. 109 3.2.15 Estudos das redes de comunicação......................................................... 115 3.3 A NATUREZA INTERDISCIPLINAR....................................................................... 122 3.4 O OBJETO DE ESTUDO ....................................................................................... 130 4 RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO ..................................................................................................133 4.1 REPRESENTAÇÃO DOCUMENTÁRIA .................................................................... 151 4.2 MEDIAÇÃO ...................................................................................................... 160 4.3 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA .............................................................................. 169 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................182 6 REFERÊNCIAS...............................................................................................185 7 BIBLIOGRAFIA TEMÁTICA ..........................................................................193 7.1 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ............................................................................... 193 7.2 CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO ........................................................................... 195 7.3 INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO ........................................................................ 196 7.4 REPRESENTAÇÃO DOCUMENTÁRIA .................................................................... 197 7.5 MEDIAÇÃO ...................................................................................................... 198 7.6 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA .............................................................................. 198 7.7 ESTUDOS DISCIPLINARES................................................................................... 198 7.8 METODOLOGIA DA PESQUISA............................................................................ 199 8 ÍNDICE ONOMÁSTICO .................................................................................200 8.1 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ............................................................................... 200 8.2 CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO ........................................................................... 201 14 Apresentação Um projeto pessoal, uma empreitada profissional ou uma pesquisa científica, são desencadeados, sobretudo, por motivos e por contextos. Na delimitação do tema do nosso trabalho, o contexto é o curso de graduação em Biblioteconomia, que tem como ponto final esta monografia, e, a sua inserção na unidade de ensino, na universidade e no campo científico-profissional. Nesse cenário encontramos inúmeras motivações para a pesquisa, e elas serão explicadas a seguir. A inserção do curso de Biblioteconomia na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) é constantemente questionada por colegas e professores das demais carreiras da unidade. As respostas para essa indagação não parecem ser tão simples, tampouco são trabalhadas com ênfase nas disciplinas que compõem a estrutura curricular do curso de graduação. Durante este período, a questão da relação do curso de Biblioteconomia e do programa de pós-graduação em Ciência da Informação com a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) foi pontualmente discutida, mas, não foi satisfatoriamente respondida. E exemplos factuais desse debate pouco explorado não faltaram. Todos os anos, no âmbito da disciplina Biblioteca e Sociedade, o professor Luís Milanesi propõe uma atividade a partir da singela pergunta: “O bibliotecário é um comunicador?”. Na nossa jornada em busca da resposta nenhum texto ou trabalho convincente sobre o tema foi encontrado, pelo contrário, a dúvida ganhou proporções maiores. No ano de 2005, as comunidades dos cursos de Biblioteconomia e Editoração da ECA, ministrados em departamentos diferentes, se reuniram para discutir projetos de cooperação e integração entre as áreas. Até o presente momento, esta aproximação resultou no oferecimento de vagas exclusivas em determinadas disciplinas de graduação, 15 ainda assim de modo desigual, com uma abertura maior por parte do Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Em 2006, a área de concentração em Ciência da Informação encerrou um período de 34 anos de vinculação institucional direta com o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP, e se constituiu em um programa de pósgraduação autônomo. Ainda nessa temporada do curso de graduação foi possível observar outros exemplos da premência de maior diálogo, integração e comunicação no âmbito da Escola de Comunicações e Artes. Nada mais simbólico para disciplinas que têm como objetos de estudo os significados, os discursos, a informação e a comunicação. O clima de isolamento e desconexão se manifestava, e ainda se manifesta, persistentemente, nas pessoas, nos cursos, nos departamentos e em muitas instâncias. Como resultado da insatisfação com o problema surgiram desde iniciativas formais, como as conversações e propostas de alunos para a formação de comissões e grupos de discussões, até propostas institucionais como a de reformulação da estrutura do ensino na graduação, sob a liderança da diretoria da ECA/USP. Com o objetivo de contribuir para o debate das relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação, sugerimos a inclusão do tema na programação da I Semana de Biblioteconomia da ECA/USP, evento organizado em 2005 pelos alunos do curso. As participações e discussões foram proveitosas, e, outra vez, instigaram ainda mais o aprofundamento dos estudos deste tema. Ao observar a produção científica das duas áreas é possível notar que o discurso sobre as imbricações entre estes campos do conhecimento geralmente permanece implícito ou indireto. A ligação entre Ciências da Comunicação e Ciência da Informação, no entanto, nos parece tão forte e estreita que merece maior destaque no cenário do conhecimento acadêmico. 16 Como uma motivação periférica para o desenvolvimento da nossa pesquisa, podemos citar a vontade de aproximar os estudos da graduação à pesquisa da pósgraduação. Não apenas para suprir uma carência de base científica da formação profissional, mas, sobretudo, para fomentar a discussão epistemológica e para apontar a sua importância ainda no âmbito dos cursos de graduação. Nesse sentido, a partir da construção coletiva de conhecimento, proveniente de todas as discussões destacadas anteriormente, delimitou-se uma percepção da relevância de abordar cientificamente o tema deste trabalho. A incursão inicial ao debate sobre as relações entre os campos do conhecimento da informação e da comunicação instigou a vontade de delimitar um problema e estudar as formas de desenvolver, trabalhar, destrinchar, e, porque não, minimamente responder esta questão. 17 1 Introdução Etimologicamente, a palavra informação tem origem no verbo latino informare, que corresponde à ação de criar idéias ou noções, ou ainda, ao processo de dar forma a algo. No entanto, desde o surgimento da expressão, até os dias de hoje, um longo percurso multiplicou os significados do termo, sobretudo a partir dos valores e das funções que a informação conquistou no cotidiano das sociedades. A informação ganhou relevância social ao se tornar elemento indispensável para a cidadania e um direito de toda pessoa. Através desta modalidade de conhecimento o sujeito pode conquistar a independência e a liberdade que lhe permitirão uma atuação social mais consciente. O conceito de informação está ainda relacionado com a educação, a formação e o desenvolvimento da pessoa em um processo de aprendizagem, no qual é o insumo básico, em toda e qualquer modalidade de transmissão de valores, tradições e costumes. Da mesma forma, a partir uma perspectiva cultural, a informação cumpre o papel de materializar valores, princípios, normas, condutas e características de determinado grupo e/ou indivíduo. E, principalmente, cabe à informação a função de comunicar tais expressões da cultura, ao mesmo tempo possibilitando e promovendo as relações sociais entre estes grupos e indivíduos. Em outro sentido, a informação tornou-se tão importante que despertou atenção como capital de um negócio com grande potencial de expansão. Sob o viés econômico, a informação transformou-se em mercadoria globalizada, pressuposto fundamental para o sistema de produção de bens e serviços. Esses aspectos do conceito de informação não são sistemas fechados e isolados, pelo contrário, denotam relações estreitas. Tampouco se esgotam os valores que podem ser atribuídos à informação hoje, ontem e amanhã, afinal, ela é um objeto social cuja 18 transformação é inerente, isso sem mencionar a subjetividade que o ato de dar algum valor incorpora. No âmbito das ciências, por exemplo, os valores atribuídos ao conceito de informação ganharam outras abordagens, a partir das inúmeras significações que o termo tem assumido na sociedade. Dentre os principais campos do conhecimento preocupados com o estudo da informação estão a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação. A Ciência da Informação é a área do conhecimento que se ocupa com a seleção, preparação e disseminação da informação, para públicos determinados conforme características e necessidades especiais. Apenas essas poucas palavras trazem à tona inúmeras questões relacionadas à informação. Além dos aspectos gerais da informação, na Ciência da Informação existem considerações específicas acerca da representação, da adequação ao público, da utilização e do registro, por exemplo. A Comunicação também é um campo de estudos relacionado com a informação, entretanto, em comparação com a Ciência da Informação, a sua visão é mais ampla, onde o enfoque é o processo comunicacional. Nesse âmbito, os aspectos mais destacados são o formato, o estilo, a tecnologia e os canais de divulgação da informação. Entretanto, com a atual tendência de aumento de geração de informação por inúmeros e variados meios de comunicação estabelece-se uma aproximação entre os conceitos de informação e comunicação. Em princípio, o que eram simplesmente o produto e o processo passam a influenciar-se com uma enorme força. E isso se reflete no universo científico, onde campos como a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação revelam-se complementares no objetivo de compreender esse fenômeno social: o processo de comunicação da informação. Nesse sentido, as aproximações entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação podem suscitar o aperfeiçoamento das reflexões acerca das representações 19 da informação e da comunicação na sociedade, a partir do pressuposto do diálogo e do compartilhamento entre teorias e metodologias de ambas as disciplinas. 1.1 Justificativas Nas últimas décadas, o universo científico passou por intensas transformações, sobretudo no sentido de aproximar os estudos de campos até então considerados distantes. E essas modificações, por sua vez, tiveram impacto na conformação de cada ciência. Nesse contexto, nos pareceu interessante investigar como uma área interdisciplinar em sua gênese - a Ciência da Informação - tem lidado com essa tendência de aproximação científica, em particular com um campo também naturalmente interdisciplinar - as Ciências da Comunicação. A relação entre as duas áreas poderia ser pesquisada de várias maneiras como, por exemplo, através de uma análise das mudanças no posicionamento das disciplinas nas tabelas das áreas do conhecimento das agências de fomento à pesquisa, ou por meio de um estudo dos vínculos dos cursos de graduação e pós-graduação em Biblioteconomia e Ciência da Informação com escolas de Comunicação, analisando-se, também, suas estruturas curriculares e bibliografia. No entanto, os principais elos da ligação interdisciplinar entre Ciência da Informação e Comunicação parecem ser os conceitos compartilhados entre os dois campos. A investigação dos pólos de aproximação e de distanciamento entre os conceitos de cada área, inclusive a partir da diversidade de abordagens dentro de cada campo, pode contribuir para constatar (ou não) as conexões entre elas. 20 1.2 Procedimentos metodológicos Os procedimentos metodológicos utilizados para responder às indagações dos problemas e para alcançar os objetivos da pesquisa foram essencialmente teóricos, a partir de uma análise qualitativa da literatura da Ciência da Informação e da Comunicação. O nosso pressuposto teórico é a epistemologia histórica, “que busca elucidar a produção de teorias e dos conceitos científicos a partir de uma análise da própria história das ciências, de suas resoluções e das ‘démarches’ do espírito científico” (JAPIAUSSU, Hilton citado por PINHEIRO, 1999, p. 155). Deste modo, no desenvolvimento do trabalho, percorremos as seguintes etapas: Orientação preliminar O objeto da pesquisa, as aproximações de conceitos da Ciência da Informação com as Ciências da Comunicação, foi analisado sob os pontos de vista dos dois campos do conhecimento. Para abordar efetivamente os aspectos dessas áreas, principalmente, a partir das relações estabelecidas entre elas, ocorreram orientações preliminares para delimitar o foco do estudo. É importante frisar que a colocação dessa atividade como uma etapa não eliminou o trabalho contínuo e presente de orientação da pesquisa. Levantamento bibliográfico O levantamento bibliográfico foi uma etapa indispensável para o trabalho, afinal, nos possibilitou verificar qual é o estado da arte do tema em que desenvolvemos nossas considerações, e mais, indicar qual a posição da pesquisa que se inicia nesse panorama. Embora provavelmente existam abordagens do assunto em literatura estrangeira, restringimo-nos inicialmente a pesquisar a literatura nacional, conveniente e abundante 21 para a execução do trabalho, visando ressaltar as particularidades que marcam as relações entre as duas áreas no Brasil. No entanto, posteriormente, foram utilizadas fontes de informação de origem de outros países, em sua maioria já traduzidas para o português. As fontes de informação utilizadas no levantamento bibliográfico foram consultadas sob a perspectiva dos conceitos abordados na pesquisa, a partir da elaboração das seguintes estratégias de busca: a) Ciência da Informação e Ciências da Comunicação A pesquisa foi efetuada no banco de dados bibliográficos Dedalus, do Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo - SIBi/USP, através das estratégias de busca “ciencia and informacao” e “comunicacao”. Outros textos foram indicados pela orientadora do trabalho e por outros professores. b) Relação entre informação e comunicação A partir da estratégia de busca - “informacao and comunicacao” - foram consultados os arquivos eletrônicos de 16 revistas científicas em Ciência da Informação e de 20 títulos de periódicos em Comunicação, listados no Portal Livre!, do Centro de Informações Nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CIN/CNEN. Além disso, oportunamente, outros textos foram localizados a partir da primeira estratégia de busca. c) Representação documentária, mediação e comunicação científica Os conceitos foram pesquisados na base de indexação de periódicos Library and Information Science Abstracts - LISA, na Biblioteca de Referência Eletrônica Electronic Reference Library - ERL, e, através da ferramenta Google Acadêmico, com o auxílio das 22 estratégias de busca “representacao and documentaria”, “mediacao”, e, “comunicacao and cientifica”. Além disso, oportunamente, outros textos foram localizados a partir das duas estratégias de busca anteriores. Seleção dos recursos informacionais É uma etapa essencialmente atrelada à anterior, complementando-a. A seleção consistiu na consulta do material levantado com a finalidade de analisar a sua pertinência para a pesquisa, fornecendo elementos adicionais àqueles encontrados nas referências bibliográficas e nos títulos dos documentos. Leitura O cerne da pesquisa foi a leitura, processo cognitivo de compreensão do texto que fomenta o surgimento de novos textos a partir do instigamento de idéias e da formulação de outras relações. Especificamente neste trabalho foram relacionados dois conjuntos teóricos bastante delimitados, os campos científicos - a Comunicação e a Ciência da Informação e os conceitos - representação documentária, mediação e comunicação científica. Coube à leitura fornecer subsídios para conectar essas dimensões, de modo que a pesquisa conseguisse alcançar seus objetivos. Essa etapa foi um momento de absorção e aproveitamento das idéias que se interligam com o tema, algo que é imprescindível para a sustentação da pesquisa e para a criação de outras idéias que se juntem e contribuam para o referencial de um campo de estudos. 23 Anotação e síntese da leitura O fichamento foi uma etapa essencial, tanto para garantir a segurança no desenvolvimento do texto, quanto para maximizar o aproveitamento da leitura. Metodologicamente, os textos foram lidos em duas fases, a primeira para identificação dos conceitos e idéias e a segunda para a sistematização dos conteúdos, a partir das necessidades específicas da fundamentação da pesquisa. Desenvolvimento do texto O texto da pesquisa é a consolidação das etapas anteriores, que se somam ao principal componente do trabalho, a opinião do pesquisador sobre o assunto tratado. É aqui que se revela como refletimos sobre os conceitos e os apropriamos para os objetivos visados pela pesquisa. Como um processo, um trabalho científico requer um entrosamento entre as suas fases, que também precisam ser desenvolvidas satisfatoriamente. Por isso, se o caminho percorrido antes do desenvolvimento do texto foi bem planejado e executado, não há o que temer. A expressão própria deve ser pensada como uma modalidade de contribuição à coletividade, sobretudo na academia, onde essa característica é mais acentuada por causa da formalização e da sensação de materialização da ciência, do campo científico. Digitação, normalização e revisão do texto A digitação e normalização são etapas operacionais, cuja finalidade é adequar o trabalho às normas e padrões vigentes para a formatação de uma pesquisa científica. Já a revisão foi um momento especialmente dedicado à reflexão e ao questionamento da adequação do texto elaborado, com o objetivo de promover modificações para o seu aperfeiçoamento. 24 A consecução destas etapas foi intermediada com a ação da orientação da pesquisa, um vetor transversal que possibilitou a participação, a discussão e o questionamento do percurso do trabalho científico. 1.3 Objetivos Geral Investigar as relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação. Específicos Analisar os conceitos de representação documentária, mediação e comunicação científica da literatura de Ciência da Informação; Verificar a correlação dos conceitos estudados com a pesquisa em Comunicação; Identificar os pólos de aproximação interdisciplinar entre as duas áreas. 25 2 Ciência da Informação 2.1 Percurso histórico de construção do campo científico A Ciência da Informação surgiu no período pós Segunda Guerra Mundial, a partir da insatisfação dos setores industriais dos Estados Unidos e da Europa. Os empresários dos países envolvidos no conflito mundial mantinham negócios num contexto econômico em franca recuperação, mas não se contentavam com os índices de produtividade e inovação apresentados pelas empresas. “Então, alguns cientistas qualificados se deslocaram para a área de pesquisa e desenvolvimento ou de produção com o intuito de estabelecer um serviço de informação ativo para seus colegas” (OLIVEIRA, 2005, p. 14). As atividades destes grupos de cientistas tomaram maiores proporções e apontaram para a necessidade de uma formação profissional complementar especializada, fomentada pelo desenvolvimento da pesquisa acadêmica e aplicada. Tal formalização é evidente na criação de associações de pesquisa e de entidades de classe, como o Institute of Information Scientists (IIS), considerado um marco inicial na história dá área do conhecimento, criado em 1958, no Reino Unido (OLIVEIRA, 2005, p. 14). Segundo Maria Eugênia A. Andrade e Marlene de Oliveira (2005, p. 45), a diferença da pesquisa em âmbito acadêmico consiste em que “a atividade científica é caracterizada como o compartilhamento de teorias entre pessoas, de modo a possibilitar a geração de novos conhecimentos”, de modo organizado, cooperativo e integrado. Outros fatores também determinaram o desenvolvimento da Ciência da Informação, entre eles, o surgimento de novas tecnologias, com destaque para o microfilme e para o computador, e, a “necessidade social, histórica, cultural e política do 26 registro e transmissão dos conhecimentos e informações, produto do processo de desenvolvimento da Ciência e Tecnologia” (PINHEIRO, 2002, p. 72). No entanto, segundo alguns autores, a história da Ciência da Informação está relacionada primeiramente a “influências marcantes de duas disciplinas, que contribuíram não só para sua gênese, mas, também, para seu desenvolvimento: a Documentação, que trouxe novas conceituações; e a Recuperação da Informação, que viabilizou o surgimento de sistemas automatizados de recuperação de informações” (OLIVEIRA, 2005, p. 10). A contribuição da Documentação consistiu, principalmente, na ampliação do conceito de documento, até então resumido aos livros, para qualquer modalidade de registro do conhecimento, o que também “ampliou o campo de atuação dos profissionais da área ao ultrapassar os limites do espaço da biblioteca e agregar novas práticas de organização e novos serviços de documentação” (OLIVEIRA, 2005, p. 10). A Documentação surgiu a partir da Bibliografia, disciplina cuja origem remonta à Idade Antiga, na Inglaterra. Pouco mais tarde, na metade do século XVI, o suíço Johann Tritheim foi responsável pela primeira tentativa de preparação de uma bibliografia universal. No fim deste mesmo século, na Europa, as bibliografias eram produzidas constantemente, o que levou “os estudiosos [a] sentirem necessidade de sistematizarem este grande volume de índices catalográficos e bibliográficos. Surgiram então muitas bibliografias comerciais, precursoras das bibliografias nacionais, mas pouco adequadas aos estudiosos” (SHERA, Jesse H. e EGAN, Margaret E. citados por ORTEGA, 2004). No bojo da Revolução Industrial, no fim do século XIX, sob a liderança de Paul Otlet e Henry La Fontaine, a Bibliografia se consolida e se transforma em Documentação. A partir da idéia de “promover um levantamento bibliográfico universal”, os pesquisadores criaram o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB), atualmente denominado Federação Internacional de Documentação (FID), para coordenar as atividades de controle bibliográfico universal, e, a Classificação Decimal 27 Universal (CDU), com o objetivo de adotar um mesmo sistema nocional para a indexação de documentos (OLIVEIRA, 2005, p. 10). O século XIX também foi o cenário de outros avanços na criação de instrumentos de controle e gestão da informação, principalmente, cânones e regras universais de descrição bibliográfica. Anthony Panizzi publicou Ninety-One Cataloguing Rules, obra fundamental para a catalogação durante várias gerações. Charles Jewett “[...] propôs a criação de um centro nacional de bibliografia e documentação a partir de um catálogo coletivo do acervo das bibliotecas públicas” dos Estados Unidos. Melvil Dewey publicou a Dewey Decimal Classification (DCC), ou Classificação Decimal de Dewey (CDD), primeiro sistema de classificação bibliográfica adotado universalmente. Charles Ammi Cutter publicou Rules for a Dictionary Catalog, que, “além do código de catalogação incluía uma declaração sobre os objetivos do catálogo” (SHERA, Jesse H. e EGAN, Margaret E., e, FAYET-SCRIBE, Sylvie e CANET, Cyril citados por ORTEGA, 2004). Em 1899, pesquisas sobre catalogação foram publicadas na obra Instruktionen für die Alphabetischen Kataloge der Preussischen Bibliotheken. Mais tarde, em 1901, a Library of Congress (LC), a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, promoveu uma ação de “[...] organização bibliográfica em bibliotecas com o sistema de distribuição de fichas catalográficas impressas e padronizadas” (SHERA, Jesse H. e EGAN, Margaret E., e, FAYET-SCRIBE, Sylvie, CANET, Cyril citados por ORTEGA, 2004). Já no século XX, Murilo Bastos Cunha* aponta mais alguns pioneiros da Ciência da Informação: a) Samuel Clemente Bradford, presidente da FID e autor do livro Documentation, publicado em 1948; CUNHA, Murilo Bastos. Ciência da Informação 2. Mensagem eletrônica enviada à lista Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em 4 de julho de 2007. * 28 b) Suzanne Briet, fundadora da Union Française des Organismes de Documentation (UFOD) e autora de Qu'est-ce que la documentation, publicado em 1951; c) Paul Otlet, que, além da luta pelo controle bibliográfico universal, publicou o Traite de la Documentation, em 1934; d) Shiyali Ramamrita Ranganathan, cujos postulados, regras e princípios são impressionantes e se encontram sintetizados nas cinco leis da Biblioteconomia e na Colon Classification (CC), publicada em 1933; e) Jesse H. Shera, professor e diretor da School of Library Science da Western Reserve University e da obra clássica The foundations of education for librarianship, publicada em 1972. O termo Documentação foi adotado principalmente na França e na Índia. Nos Estados Unidos tal designação não chegou a se consolidar, assim como no Brasil, cuja influência da escola norte-americana foi preponderante, a partir do vínculo de professores deste país com a criação do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD), hoje chamado Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) (PINHEIRO, 2002, p. 65-66). A contribuição da Recuperação da Informação consistiu na proposição da utilização de “quaisquer sistemas, técnicas ou máquinas empregados para o desempenho da operação” de descrição e de busca de informações. O termo de identificação do campo foi cunhado pelo estudioso Calvin N. Mooers. Outro pioneiro essencial para a área foi Vannevar Bush, que, antes mesmo do surgimento do computador pessoal, em estudos incipientes, “chegou a propor uma máquina com capacidade de ‘associar idéias’, que duplicaria os ‘processos mentais artificialmente’” (OLIVEIRA, 2005, p. 12). A Recuperação da Informação foi uma disciplina proposta na década de 40, criada apenas um pouco antes da época em que surgiu a Ciência da Informação. A área beneficiou-se e estimulou-se com o crescimento da ciência e da tecnologia e com a 29 conseqüente explosão informacional relacionada a este movimento (OLIVEIRA, 2005, p. 12). Dessa maneira, “o termo recuperação da informação - RI - é possivelmente um dos termos mais importantes no campo conhecido como CI. Uma questão crítica é, portanto, saber por que e em que sentido a RI usa o termo informação. A RI pode ser vista tanto como um campo de estudo quanto como uma entre as muitas tradições de pesquisa relacionadas ao armazenamento e recuperação de informação” (CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 179). Para F. Wilfrid Lancaster, “um sistema de recuperação de informação não informa (isto é, muda o conhecimento sobre algo) ao usuário sobre o assunto de sua investigação. Ele meramente informa sobre a existência (ou não) e a localização dos documentos relacionados ao seu pedido” (LANCASTER, F. Wilfrid citado por VAN RIJSBERGEN, C. J. citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 180). Tal paradigma da Recuperação da Informação seria problematizado nos trabalhos de especialistas da área, mas discussão persistiu (e ainda persiste) mais tarde nas pesquisas da Ciência da Informação. A principal questão levantada tratava da necessidade de diferenciar os conceitos de fato, informação e documento (CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 180-184). A tendência de atrelar a disciplina à recuperação dos fatos consiste em considerar que a Recuperação da Informação deveria atender à necessidade informacional de obter acesso às opiniões contidas nos documentos. Entretanto, “[...] ocorre que nem a pessoa que solicita a informação, nem quem a entrega deveria ignorar a confiabilidade dos dados e esquecer sobre o contexto geral em que os dados são obtidos. [...] Além do mais, várias investigações de alguma propriedade têm levado, freqüentemente, a diferentes resultados que não podem ser comparados e avaliados separadamente da informação sobre sua origem. Um fato empírico sempre tem uma história e, talvez, um futuro não muito certo. A história e o futuro podem ser conhecidos somente através da informação 30 de documentos particulares, isto é, através da recuperação de documentos” (SPANGHANSSEN, Hennning citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 184). Na tentativa de dissociar recuperação de informação e recuperação de documentos, Bertram C. Brookes propôs que “se a teoria de recuperação de informação fosse chamada de teoria de recuperação de documentos, a anomalia desapareceria. E a teoria de recuperação de documentos estaria no lugar como um componente da biblioteconomia, que está do mesmo modo relacionada a documentos” (BROOKES, Bertram C. citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 181). Porém, como mostra a própria distinção entre informação e fato, a Recuperação da Informação não se preocupa exclusivamente com a recuperação de documentos. Por isso, é mais adequado destacar as variações concernentes ao objeto da disciplina, ao invés de minimizar as diferenças advindas de determinadas orientações de pesquisa e trabalho (CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 182). A Biblioteconomia foi outra disciplina preponderante para o desenvolvimento da Ciência da Informação. Os estudos da área acompanharam o surgimento das primeiras bibliotecas, ainda no terceiro milênio a.C., e perpassaram muitos momentos históricos. No entanto, “o termo ‘biblioteconomia’ foi usado pela primeira vez somente em 1839 na obra intitulada ‘Bibliothéconomie: instructions sur l’arrangement, la conservation e l’administration des bibliothèques’, publicada pelo livreiro e bibliógrafo LéopoldAuguste-Constantin Hesse. Mas foi efetivamente no século XIX que as técnicas e práticas dos bibliotecários começam a ser sistematizadas” (LAHARY, Dominique citada por ORTEGA, 2004). Para Le Coadic, a Biblioteconomia atualmente responde aos problemas de gestão dos acervos de livros (formação, catalogação, desenvolvimento, classificação e conservação), de gestão da própria biblioteca como serviço organizado (regulamento, pessoal, contabilidade, local, infra-estrutura), e, de gestão dos leitores e dos usuários (acesso à informação, consulta, empréstimo) (LE COADIC, 2000, p. 12-13). 31 O núcleo temático da Biblioteconomia tradicionalmente envolveu as metodologias de gestão de acervos e de bibliotecas, mas, durante o Iluminismo, “o movimento de criação e disseminação das bibliotecas públicas” “levou os bibliotecários a desviar suas atenções dos processos de análise e representação das unidades do conhecimento registrado” para as perspectivas educacionais de cada cidadão. “Em especial na Inglaterra e nos Estados Unidos [...], a biblioteca pública era considerada uma agência educacional das massas e da democratização da cultura”, o que demandou do bibliotecário outras capacidades e incluiu outros assuntos na agenda de pesquisas da área (ORTEGA, 2004). O “modelo estadunidense de biblioteca pública” teve especial participação na conformação da área no Brasil, o que “trouxe benefícios, dentre os quais, a renovação dos processos técnicos e administrativos, a melhoria e diversificação dos serviços, como no caso do empréstimo domiciliar, maior liberdade nas relações com o público e a compreensão sobre o papel da biblioteca para a educação e recreação da população em geral e como estímulo às pesquisas especializadas”. Porém, “processos e instrumentos (como a CDU e o catálogo dicionário, que foram substituídos pela CDD e pelo catálogo dicionário) foram deixados de lado, sem considerar a especificidade das coleções e dos usuários” (ORTEGA, 2004). Por fim, Lena V. R. Pinheiro aponta uma outra contribuição na constituição da Ciência da Informação, ao destacar o conceito de informação científica de A. I. Mikhailov, A. I. Chernyi e R. S. Gilyaresvskii. Segunda a autora, “fica claro que eles estavam se referindo à Ciência da Informação: ‘nova disciplina científica que estuda a estrutura e propriedades da informação científica, bem como as regularidades das atividades de informação científica, sua teoria, história, métodos e organização’” (MIKHAILOV, A. I., CHERNYI, A. I. e GILYARESVSKII, R. S. citados por PINHEIRO, 2002, p. 67). 32 A partir destas variadas matrizes teóricas, a Ciência da Informação surgiu com o objetivo básico e preliminar de “reunir, organizar e tornar acessível o conhecimento cultural, científico e tecnológico produzido em todo mundo” (OLIVEIRA, 2005, p. 13). Harold Borko definiu a Ciência da Informação como uma disciplina que “investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam seu fluxo e os meios de processamento para otimizar sua acessibilidade e utilização. Relaciona-se com o corpo de conhecimento relativo à produção, coleta, organização, armazenagem, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e utilização da informação” (BORKO, Harold citado por OLIVEIRA, 2005, p. 16). Para Tefko Saracevic, a Ciência da Informação é “um campo dedicado às questões científicas e à prática profissional, voltadas para os problemas da efetiva comunicação do conhecimento e de registros de conhecimento entre seres humanos, no contexto social, institucional ou individual do uso e das necessidades de informação” (SARACEVIC, Tefko citado por OLIVEIRA, 2005, p. 16). Segundo Le Coadic, “a ciência da informação, preocupada em esclarecer um problema social concreto, o da informação, e voltada para o ser social que procura informação, situa-se no campo das ciências sociais (das ciências do homem e da sociedade), que são o meio principal de acesso a uma compreensão do social e do cultural” (LE COADIC, 2000, p. 19). Na perspectiva de Aldo Barreto*, “o objeto interno da ciência da informação, do seu estudo, do ensino e da pesquisa se relaciona, na atualidade, unicamente, [com] a apropriação e compreensão da tecnologia da informação”. Dessa maneira, em síntese, cabe ao campo: 1- “Registrar, organizar e distribuir, unicamente, a informação de conteúdo delimitado pela tecnologia da informação”; BARRETO, Aldo de Albuquerque. Novos objetivos da Ciência da Informação. Mensagem eletrônica enviada à lista Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em 19 de abril 2007. * 33 2- “Conhecer e mediar o processo de produção, distribuição e consumo da informação nas mídias atuais da TI”; 3- “Facilitar a ação de integração social, através das redes eletrônicas, fortalecendo a participação cidadã em comunidades eletrônicas”; 4- “Promover a fluência digital como uma forma de educação para operar novos instrumentos de acesso e interatuação com a informação”; 5- "Estimular o desenvolvimento e competência para operar o software e a informação livre”; 6- “Promover ambientes informacionais abertos nos quais o usuário possa, de maneira consciente e responsável, alterar os estoques de informação gerando nova qualidade informacional para toda a sociedade”; 7- “Promover a formação, o respeito e a integridade dos ambientes colaborativos, dentro das regras firmadas por seus integrantes”. Em uma visão mais recente da área, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) afirma que “Ciência da Informação designa o campo mais amplo, de propósitos investigativos e analíticos, interdisciplinar por natureza, que tem por objetivo o estudo dos fenômenos ligados à produção, organização, difusão e utilização de informações em todos os campos do saber”. Como uma grande área do conhecimento, a Ciência da Informação abriga disciplinas como a Biblioteconomia, a Arquivologia e a Museologia (CNPq citado por OLIVEIRA, 2005, p. 17). A discussão dos limites e das características de distinção entre a Ciência da Informação e a Biblioteconomia é justamente um assunto em destaque na literatura da área, ou das duas áreas, conforme o ponto de vista. Trata-se de um dos critérios decisivos na conformação das correntes epistemológicas da Ciência da Informação. A imbricada história da Ciência da Informação, em virtude das suas interfaces com as disciplinas antecessoras, pode ser considerada o primeiro recorte epistemológico da área. De acordo com Ortega (2004) “parte da relação entre Biblioteconomia e Ciência 34 da Informação é decorrência da continuidade da oposição entre Biblioteconomia e Documentação. Afinal, se a Documentação surgiu de uma cisão da Biblioteconomia e impulsionou a formação da Ciência da Informação, seria coerente considerar as duas últimas como divergentes. Apesar de ser verificável relativa divergência, ela só não é maior pois a Biblioteconomia assimilou algumas técnicas da Documentação, sendo por isso definida atualmente como uma grande área nomeada ‘Biblioteconomia e Documentação’”. Na visão de Francis L. Miska, o paradigma da Biblioteconomia “consiste em um grupo de idéias relacionadas com a biblioteca, então considerada como uma instituição social”, que “existe, principalmente, para tornar possível o uso, por um dado público, de suas coleções de documentos” (MISKA, Francis L. citado por OLIVEIRA, 2005, p. 22). Em contraposição, “o paradigma da Ciência da Informação compõe-se de um grupo de idéias relativas ao processo que envolve o movimento da informação em um sistema de comunicação humana”. Trata-se de um modelo de sistema de informação com origem em um contexto mais geral, que é a teoria matemática da comunicação (OLIVEIRA, 2005, p. 23 e p. 24). Também no sentido de distinção entre as áreas, Lena V. R. Pinheiro (2002, p. 63) aponta para o reconhecimento exclusivo da Ciência da Informação “[...] não a considerando, portanto, prolongamento ou dimensão maior da Biblioteconomia, conforme defendido por alguns autores”. Michael Buckland observa que “a disputa sobre Ciência da Informação e Biblioteconomia poderia ter ocasionado uma grande mudança se tivesse ocorrido uma retomada das primeiras posições dos documentalistas europeus e dos estudos e propostas dos pioneiros estadunidenses que atuaram em fins do século XIX. Considera que as pesquisas e aplicações em Ciência da Informação dos Estados Unidos do pós Segunda Guerra realizadas por engenheiros, foram caras e ineficazes, mas que poderiam ter sido produtivas se não tivesse havido uma separação institucionalizada e atitudinal entre 35 engenheiros e bibliotecários. Pesquisadores e profissionais da Ciência da Informação eram percebidos por muitos bibliotecários como uma espécie de ameaça até o final dos anos 70, quando o debate sobre Ciência da Informação versus Biblioteconomia dispersou em segmentos diferentes aquilo que era uma ênfase construtiva sobre teoria, modelos e serviços” (BUCKLAND, Michael citado por ORTEGA, 2004). No entanto, segundo Marlene de Oliveira (2005, p. 26), a “unidade de análise da Biblioteconomia não é mais somente o livro, mas também a informação; e suas atividades, agora automatizadas, ultrapassam o espaço da biblioteca”. Dessa forma, o paradigma da Ciência da Informação “tem influenciado profundamente o campo da Biblioteconomia, [...] suprindo a área com um conjunto completamente novo de termos com os quais os participantes caracterizaram suas atividades” (OLIVEIRA, 2005, p. 24). Dessa forma, a tendência de construção coletiva entre as três disciplinas é preponderante, sobretudo se considerarmos o núcleo comum de pesquisa no processo de circulação da informação. Além disso, apesar das distinções, outras aproximações são notáveis. “A Biblioteconomia assimilou algumas técnicas da Documentação, sendo por isso definida atualmente como uma grande área nomeada ‘Biblioteconomia e Documentação’”, por exemplo. A Documentação, por sua vez, forneceu subsídios à “conteúdos essenciais para a composição da Ciência da Informação por considerar, respectivamente, a natureza lógico-semântica da estruturação do conteúdo dos documentos e os requisitos tecnológicos para a sua produção, organização e disseminação” (ORTEGA, 2004). Nessa perspectiva, “[...] a crescente tendência de usar o termo informação em instituições de biblioteconomia e documentação está relacionada principalmente a: 1) um crescente interesse em aplicações computacionais (ou de tecnologias da informação) e 2) uma influência teórica, indireta da teoria da informação (SHANNON e WEAVER, 1972) e o paradigma do processamento da informação nas ciências cognitivas” (HJORLAND, Birger citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 177). 36 Outro aspecto importante nessa discussão é que “a literatura produzida na Ciência da Informação e na Biblioteconomia não expressa conflitos existentes na comunidade profissional ou científica, apesar da formação nessas duas áreas ser oferecida em diferentes níveis”, no caso brasileiro, em nível de graduação e pósgraduação, respectivamente (OLIVEIRA, 2005, p. 26). No entanto, é notável que a percepção do “a-historicismo (supostamente devido a uma origem remota não reconhecida)” da área a as “constantes dissidências de grupos profissionais e campos de estudos” resultaram “[...] em uma atual e urgente necessidade de construção de identidades para a área e para os profissionais envolvidos nesta trajetória”. Um resgate cuja função é estabelecer a especificidade do campo, a partir da sua história, principalmente (ORTEGA, 2004). Aldo de Albuquerque Barreto* complementa a tendência de contemporizar as diferenças entre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação ao afirmar que, no caso brasileiro, a CI foi construída como uma extensão das duas áreas precedentes. Mesmo em âmbito internacional, “somos, portanto, capazes de traçar uma linha de desenvolvimento das bibliotecas especializadas, passando pela documentação, até a CI tanto no Reino Unido quanto nos EUA” (WILLIAMS, Robert V. e RAYWARD, W. Boid citados por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 177). Essa tendência de continuação do legado de pesquisas pela Ciência da Informação aponta para uma questão fundamental para a consolidação do campo científico: a preocupação excessiva com o tecnicismo. Isso porque, como alertam Nair Kobashi, Johanna Smit e Maria de Fátima Tálamo, “a Biblioteconomia entrou atomista no século XX, realizando de um ponto de vista genérico e substancialista uma série de atividades técnicas. Apenas nomeia o já produzido e não desenvolve um objeto específico: vem sempre a reboque das várias disciplinas produtoras do conhecimento. Imagina-se aBARRETO, Aldo de Albuquerque. Ciência da Informação 2. Mensagem eletrônica enviada à lista Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em 4 de julho de 2007. * 37 histórica, não reconhece as relações sociais e o contexto de circulação daquilo que preserva e nomeia” (KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001). Como vimos anteriormente, segundo Oliveira, um dos marcos iniciais da formalização da Ciência da Informação é a fundação do Institute of Information Scientists. Entretanto, outros autores observam que a área foi oficializada na Conferência dos Especialistas em Ciência da Informação, sediada no Georgia Institute of Technology, realizada em 1962, “quando foi formulada a primeira definição formal de CI” (SHERA, Jesse H. e CLEVELAND, Donald B. citados pro BRAGA, 1995 e FOSKETT, Douglas J. citado por PINHEIRO, 2002, p. 74-75). É interessante notar que a criação da Ciência da Informação não é um acontecimento isolado, pelo contrário, constitui parte de um movimento científico condizente com as necessidades informacionais da época. Isto porque em 1962 também surgem a Informática e a Sociologia da Ciência, outras disciplinas fundamentais no âmbito dos estudos da informação (PINHEIRO, 2002, p. 78). A relação com a tecnologia é notável ainda antes da formalização da Informática e da Ciência da Informação como áreas do conhecimento. Nas décadas de 40 e 50 surgem três frentes de estudos tecnológicos sobre a informação, “[...] cujas influencias vão se fazer sentir na Ciência da Informação, em maior ou menor grau”. Trata-se da Cibernética, da teoria da matemática da informação, sobre as quais falaremos no capítulo dedicado às Ciências da Comunicação, e, a teoria geral dos sistemas (TGS), cujos conceitos como meio ambiente, retroalimentação e inter-relação foram bastante aproveitados (PINHEIRO, 2002, p. 73-74). Com o decorrer do tempo, “para o desenvolvimento das atividades científicas, torna-se necessária uma infra-estrutura mínima composta por elementos básicos”, como “instituições de ensino e pesquisa fortes, recursos humanos qualificados, e, canais de comunicação e intercâmbio científico” (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 46). 38 No Brasil, “a história da Ciência da Informação passa, necessariamente, pela história” do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). O IBICT foi pioneiro na realização de pesquisas bibliográficas indispensáveis ao controle bibliográfico, através de produtos como o Catálogo Nacional de Publicações Seriadas (CCN), e, “[...] atuou como centro irradiador de novos conhecimentos tanto para o Brasil quanto para outros países da América Latina”, a partir dos cursos de capacitação e especialização ao trabalho com a literatura científica e técnica (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 46 e 47). A qualificação de recursos humanos brasileiros em Ciência da Informação ocorre principalmente em dois momentos, durante os cursos regulares de graduação e de pósgraduação em Biblioteconomia, Gestão da Informação ou Ciência da Informação. O ensino em pós-graduação, no entanto, é mais influente na conformação do campo científico, uma vez que é o nível de formação de aprofundamento dos estudos e das pesquisas. Nesse sentido, como sinalizador de tendência já observada em nossa discussão sobre a nomenclatura da área, “é interessante notar que, na década de 1990, os cursos já existentes na área de Biblioteconomia optaram pela mudança de nome para Ciência da Informação” (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 54). Entre os principais canais de intercâmbio científico estão as sociedades científicas, que, a partir do século XX, se firmaram como pólos de promoção de eventos científicos e de publicação de periódicos e documentos de divulgação da pesquisa (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 49). Além da Federação Internacional de Documentação (FID) e do Institute of Information Scientists (IIS), citados anteriormente, é possível destacar mais algumas instituições e associações científicas e/ou profissionais do campo da Ciência da Informação, entre elas: 39 [1] American Documentation Institute (ADI), que foi fundado a partir do advento das novas tecnologias de reprodução de documentos, principalmente o microfilme; [2] American Library Association (ALA), que, em sua primeira conferência, em 1876, já discutia a necessidade de realizar esforços cooperativos; [3] International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA); [4] Association des Documentalistes et Bibliothécaries Specialisés, atualmente denominada Association des Profissionnels de L’information et de la Documentation (ADBS), na França; [5] American Society for Information Science and Technology (ASIST); [6] Special Libraries and Information Bureaux, hoje denominada Association for Information Management (ASLIB), na Grã-Bretanha; [7] European Bureau of Library, Information and Documentation Associations (EBLIDA) (PINHEIRO, 2002, p. 68-69; ORTEGA, 2004; LE COADIC, 2000, p. 23). A principal associação científica brasileira é a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação e Biblioteconomia (ANCIB), fundada em 1989, “com o objetivo, entre outros, de promover o desenvolvimento da pesquisa, o intercâmbio e a cooperação entre seus associados, a sistematização e a divulgação dos conhecimentos gerados pela comunidade de pesquisadores” (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 49). O cenário da publicação acadêmica em Ciência da Informação no Brasil é extremamente relacionado com os cursos de pós-graduação da área, pois é decisiva “a participação de professores/pesquisadores nos conselhos editoriais e na produção de artigos que veiculam as idéias e pesquisas de seus docentes e discentes”. Essa vinculação consiste também em uma característica essencial para a consistência e a manutenção das revistas (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 53). 40 No âmbito mundial, as primeiras revistas em Ciência da Informação surgiram ainda na época de crescimento da Documentação. Na Grã-Bretanha, o Journal of Documentation (1945), nos Estados Unidos, a American Documentation (1950), e, na Rússia, o Nachrichten für Dokumentation (1950) (PINHEIRO, 2002, p. 78). Até os dias de hoje o número de veículos de comunicação científica da área cresceu consideravelmente. Além das revistas do núcleo geral da Ciência da Informação, existem periódicos especializados em sub-campos como informação eletrônica, em Biblioteconomia e Documentação, em estudos da cultura, em ciências sociais (LE COADIC, 2000, p. 117-118). Especificamente na França, por exemplo, “a totalidade dos títulos e revistas publicadas não é suficiente para dar visibilidade à produção científica” local. Viviane Couzinet explica que a lacuna de publicações tem sido preenchida pela prática profissional, que, no entanto, fica limitada aos aspectos técnicos e aplicados (COUZINET, 2004, p. 34). Ainda na esteira da consolidação do campo, a contribuição dos eventos científicos não pode ser desconsiderada. Lena V. R. Pinheiro enfatiza a importância de quatro deles em especial: [1] Conferência de Informação Científica da Royal Society (1948); [2] Conferência da International Union on Pure and Applied Chemistry (IUPAC), sobre documentação especializada em Química Aplicada (1955); [3] Conferência Internacional de Informação Científica (1958), realizada pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos; [4] Conferência dos Especialistas em Ciência da Informação (1961-1962), sediada no Georgia Institute of Technology, quando se estabeleceu a primeira definição formal para Ciência da Informação (FOSKETT, Douglas J. citado por PINHEIRO, 2002, p. 7475). 41 Outro impulso à Ciência da Informação partiu das instâncias de formulação das políticas públicas, notadamente o governo e as cúpulas mundiais. Nos Estados Unidos, na década de 60, “muitas pesquisas de informação recebem financiamento de órgãos federais e atividades de informação importantes têm a chancela do Estado”, como o Committee on Scientific and Technical Information (COSATI). A UNESCO incentivou iniciativas de implantação de centros e sistemas de informação nos países do terceiro mundo, através de Sistemas Nacionais de Informação (NATIS, sigla para National Information Systems) vinculados a uma central cooperativa denominada Sistema Mundial de Informação Científica e Tecnológica (UNISIST, acrônimo para representar o estudo de viabilidade do sistema) (PINHEIRO, 2002, p. 79-80). Para Le Coadic, o principal desafio da Ciência da Informação, a se consolidar décadas após o seu surgimento, seria a condição de acompanhar as revoluções científicas deste período. Entre estas transformações estão o paradigma do trabalho coletivo, a dinamização do fluxo da informação, a mudança do foco dos serviços de informação para os seus usuários, e, a revolução eletrônica (LE COADIC, 2000, p. 109-111). Em seu histórico de aproximadamente 40 anos de existência, a Ciência da Informação construiu uma trajetória de estudos e pesquisas que refletem tendências e abordagens peculiares ao campo, a partir da conexão com diversas disciplinas antecessoras. Tais discussões, por sua vez, para fins de estudo e de análise da área, podem ser classificadas em grupos comuns de interesse, denominado correntes epistemológicas. 2.2 Correntes epistemológicas As correntes epistemológicas da Ciência da Informação não podem ser facilmente identificadas, tampouco podem ser consideradas pontos pacíficos entre os pesquisadores da sua comunidade acadêmica. A recente história da área, em comparação 42 com outros campos do conhecimento, não permitiu a consolidação de modelos, teorias e conceitos, pelo contrário, favoreceu (e ainda favorece) um ambiente de experimentações e tentativas de explicação dos fenômenos informacionais. Em uma primeira versão, “os relatos da literatura inglesa da década de 60 e mesmo de boa parte da década de 70 mostram uma ciência da informação atrelada à teoria matemática da comunicação; empolgada com a nascente automação de sistemas de recuperação da informação e de bases de dados; voltada para os problemas da semântica, visando à representação da informação; preocupada com os primeiros estudos de relevância e medidas de desempenho e avaliação de SRIs [sistemas de recuperação da informação]; envolvida com leis e teorias bibliométricas para explanar o comportamento e a estrutura da literatura; realizando estudos para entender a dinâmica dos processos de comunicação e o comportamento de usuários” (BRAGA, 1995). “A implantação, na década de 80, dos sistemas de microcomputação, especialmente nos Estados Unidos, direcionou grande parte das pesquisas para a automação e processos a ela associados: inteligência artificial, hipertextos, bases de conhecimento, sistemas especialistas etc” (BRAGA, 1995). Mais tarde, a Ciência da Informação vai se dedicar também ao estudo do caos e da complexidade, ao participar de um saudável movimento de conexão com o fluxo geral de todas as ciências. “A complexidade é o limite do caos - a fronteira, segundo vários autores, entre ordem e caos. Sistemas complexos exibem uma grande quantidade de componentes independentes interagindo uns com os outros de inúmeras formas” (BRAGA, 1995). Eliany Alvarenga de Araújo aborda o desenvolvimento destes temas de pesquisa em Ciência da Informação através da definição de correntes epistemológicas ou de visões científicas, que consistem em “referenciais teóricos que apóiam as abordagens utilizadas” nos estudos do campo do conhecimento (ARAÚJO, 2002 p. 19). 43 A primeira corrente epistemológica é denominada visão sistêmica, na qual “a função da informação é garantir a estabilidade dos sistemas”, e, “a finalidade do sistema é atingir um nível ótimo de performance nos processos de comunicação, fazendo com que uma informação emitida por um sujeito x chegue até um sujeito y com um mínimo de tempo e de perda de energia” (ARAÚJO, 2002, p. 20). No contexto da visão sistêmica estão as seguintes abordagens: [1] centrada na mensagem - com base na teoria matemática da comunicação, foi largamente empregada na Ciência da Informação; [2] pragmática - a partir “do pressuposto de que a informação é um elemento que auxilia o sujeito a tomar uma decisão, centrando-se na influência da mensagem no receptor”; [3] estruturalista - considera que “toda estrutura do mundo, percebida ou não, constitui uma informação”; [4] centrada no significado - oriunda da Lingüística, analisa a predominância do valor sintático, semântico ou pragmático da informação; [5] centrada no processo - “considera que a informação não é um dos componentes do processo comunicacional, mas, ela seria o próprio processo [...] que ocorre na mente humana quando um problema é dado”; [6] cognitivista - a partir da constatação de que o conhecimento é um fenômeno subjetivo, tem como função “estudar o aspecto objetivo do processo de comunicação: os processos cognitivos do emissor e do receptor ao produzirem informação” (ARAÚJO, 2002, p. 20-22). A segunda corrente epistemológica definida por Araújo é denominada visão crítica, “[...] que parte do pressuposto de que a informação é um fenômeno social, pois ela é gerada, organizada, disseminada e utilizada por sujeitos que estão inseridos num determinado contexto social. Assim, a informação possui dimensões políticas, econômicas, culturais e históricas, que devem ser analisadas, para que se possa 44 compreender o fenômeno informacional de forma mais completa” (ARAÚJO, 2002, p. 22). A principal abordagem desse modelo é a teoria crítica, proposta por Jürgen Habermas, cujo ponto de partida é a constatação de que “o fenômeno informacional é um produto das relações sociais, seja para criar condições de diálogo entre os cidadãos (agir comunicativo), entre as instituições científicas e políticas” (ARAÚJO, 2002, p. 23). Finalmente, a terceira vertente teórica da Ciência da Informação da proposta conceitual de Araújo é denominada visão pós-moderna, na qual a informação perde o estatuto de “elemento que garante o equilíbrio dos sistemas ou que modifica os contextos sociais” e é entendida como “elemento que apenas mediatiza, tanto os processos de apreensão do real, como as próprias relações sociais” (ARAÚJO, 2002, p. 26). A autora se baseia nas pesquisas de Jean-François Lyotard para analisar a função da informação no contexto da pós-modernidade. Além da destinação mediatizadora, a informação “[...] adquire características de mercadoria, pois se torna indispensável à força produtiva, [...] fica submetida às leis de mercado e ganha valor de troca” (ARAÚJO, 2002, p. 26). Viviane Couzinet, a partir os estudos de Jean-Paul Metger, indica três orientações epistemológicas da Ciência da Informação: “o estudo dos ‘objetos portadores do saber’; ‘as práticas humanas e sociais em matéria de elaboração, compartilhamento do saber, do acesso à informação’ e ‘a formalização e o cálculo’ ligado à tecnologia digital e à pesquisa da matematização” (METZGER, Jean-Paul citado por COUZINET, 2004, p. 26). Le Coadic propõe a análise de um campo científico a partir de cinco aspectos: conceitos, métodos, leis, modelos e teorias. Eles apresentam a característica comum de resultar da própria produção da área, mas apresentam variações significativas quanto ao nível profundidade e de consolidação das abordagens. 45 O primeiro nível é o dos conceitos, cuja função é estabelecer formulações explícitas para fundamentar as discussões teóricas de uma disciplina. “Os conceitos científicos e técnicos são conceitos unívocos que tornam os conhecimentos científicos e técnicos em conhecimentos objetos ou tendentes à objetividade”, que diferem dos conceitos lingüísticos que são naturalmente ambíguos (LE COADIC, 2000, p. 55). Le Coadic cita inúmeros conceitos científicos importantes para a Ciência da Informação. Freqüência de publicação de um periódico, sistema de gerenciamento de bases de dados, citação (e referência), fator de impacto, e, hipertexto podem ser classificados como aspectos da comunicação científica. As noções de sintagma, índice e classificação se relacionam com o campo do tratamento da informação. Relevância, revoção, precisão e obsolescência podem ser consideradas características da informação e do processo de recuperação da informação. Os conceitos de necessidade de informação, interação, atitude e espera revelam a faceta psicológica do processo de uso da informação (LE COADIC, 2000, p. 56-63). Também é possível destacar conceitos técnicos como referência bibliográfica, catálogo, formato bibliográfico, tesauro e ontologia (LE COADIC, 2000, p. 63-64). Rafael Capurro e Birger Hjorland ressaltam que “a literatura de CI é caracterizada pelo caos conceitual. Este caos conceitual advém de uma variedade de problemas na literatura conceitual da CI: citação a-crítica de definições anteriores, fusão de teoria e prática, afirmações obsessivas de status científico, uma visão estreita da tecnologia, descaso pela literatura sem o rótulo de ciência ou tecnologia, analogias inadequadas, definições circulares e multiplicidade de noções vagas, contraditórias e, às vezes, bizarras quanto à natureza do termo informação” (SCHRADER, A. M. citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 154). Sobre a ausência de reflexão própria e contextualizada dos conceitos concernentes ao campo, Kobashi, Smit e Tálamo apontam que “[...] na ausência de um assentamento conceitual ou na presença de ambivalências semânticas, que poderiam 46 supostamente estabelecer condições de criação, tem-se um impasse ou retardamento teórico, que compromete a área como um todo” (KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001). No segundo aspecto da proposta de Le Coadic, os métodos são os princípios científicos que refletem as características da condução do trabalho de pesquisa de uma área, cujo objetivo é formalizar os objetivos dos estudos, a partir do pressuposto que o método exerce determinada influência no processo científico. O autor aponta que os métodos empregados na pesquisa em Ciência da Informação consistem basicamente em princípios de análise dos documentos e da informação. São eles a catalogação, a indexação, a análise de co-citações, a análise de termos associados, a reformulação (elaboração de resumos) e a infometria (LE COADIC, 2000, p. 64). A catalogação visa descrever através de metadados as informações de origem do documento. A indexação “consiste em selecionar, num documento textual, certas palavras-chave consideradas como as mais representativas do conteúdo desse documento”. À análise de co-citações cabe analisar “a freqüência de citações recebidas por um artigo”, para determinar o quão ele é importante em dado contexto científico. A análise de termos associados denota a relevância de uma palavra-chave para o seu setor de pesquisa. A elaboração de resumos é o processo de condensação do texto em uma estrutura sumária. E, por fim, a infometria é a análise aperfeiçoada das atividades de informação científica e técnica, através da formulação de índices estatísticos e matemáticos (LE COADIC, 2000, p. 64-65). Quanto aos métodos de pesquisa propriamente ditos, Le Coadic (2000, p. 67) menciona o questionário, a entrevista e a observação, todos de origem sociológica e psicológica. No entanto, o autor não aprofunda a análise destes métodos, o que suscita a dúvida se eles se referem de fato aos modos de condução da pesquisa em Ciência da Informação ou se eles se aplicam a análises específicas do campo, como os estudos de usuário e de comunidade, por exemplo. 47 De forma explícita, Maria Yêda F. S. de F. Gomes constata “a predominância da pesquisa empírica com predomínio das abordagens quantitativas e dos estudos exploratórios, sendo o levantamento e os estudos de caso os procedimentos metodológicos mais empregados nas dissertações e teses analisadas. O questionário e a entrevista foram os instrumentos de coleta de dados mais utilizados” (GOMES, 2006). Segundo Viviane Couzinet, a metodologia da pesquisa no campo informacional pode ser classificada em três grupos. O trabalho exploratório é feito por meio de leituras e entrevistas, além de pesquisas sociológicas ou econômicas. “Para estudar os conhecimentos registrados, nós buscamos suporte nas análises de conteúdo, análises semióticas ou análises documentárias”. Finalmente, “os métodos quantitativos são utilizados na elaboração de modelos de observação, ou mesmo na elaboração de novas ferramentas de acesso à informação” (COUZINET, 2004, p. 28). Divergências à parte, o ponto comum de todas as propostas de organização das correntes epistemológicas da Ciência da Informação é a indicação da falta de atenção à metodologia da pesquisa. “A pesquisa da área parece unidirecionada no uso de métodos empíricos, o que sugere unidirecionamento nos pressupostos teóricos e formulações de problemas. [...] No entanto, a discussão metodológica e a análise dos fundamentos da disciplina são ambas pré-requisitos para o uso mais diversificado de estratégias de pesquisa e uma articulação mais abrangente dos problemas de pesquisa” (JÄRVELIN, Kalervo e VAKKARI, Pertti citados por BRAGA, 1995). Dessa forma, a ausência da discussão metodológica se configura como um importante problema a ser resolvido pela comunidade acadêmica da área, sobretudo, no bojo da trajetória de consolidação da Ciência da Informação. A resolução da questão não é simples e apenas o trabalho científico aplicado aos aspectos epistemo-metodológicos pode esgotar o debate sobre estes tópicos tão cruciais ao campo do conhecimento, ainda que seja para contrapor a idéia da insuficiência do debate e apontar para outros caminhos. 48 Retomando a proposta de Le Coadic, o terceiro plano do amadurecimento de determinada disciplina são as leis científicas. As leis podem ser consideradas “[...] relações quantitativas relativamente constantes e exprimíveis como funções matemáticas que estabelecem relações universais e necessárias entre o aparecimento de um fenômeno e as condições que o fazem surgir” (LE COADIC, 2000. p. 67). No âmbito da Ciência da Informação, o autor identifica duas tendências: as leis bibliométricas, cuja função geral é observar o comportamento social de uso da informação, e, as leis epidemiológicas, cujo prospecto é “fazer uma analogia formal entre o curso das epidemias e a difusão oral das informações numa população de cientistas” (LE COADIC, 2000, p. 70). A maior relevância, na visão de Le Coadic, no entanto, é observada nas leis bibliométricas, destacadamente a lei de Bradford, a lei de Lotka e a lei de Zipf. A lei proposta por Samuel Clement Bradford “permite localizar a informação relevante na massa das referências disponíveis”, a partir da observação da ocorrência de certa regularidade na correlação entre o artigo científico relevante e a publicação periódica importante. Bradford verificou a existência de três tipos de periódicos: especializado, pouco especializado e não especializado, em referência a um núcleo científico. Quanto maior a especialização, maior a relevância do artigo para o periódico, e, conseqüentemente, para o campo científico. A formulação matemática da lei de Bradford pondera que 20% dos periódicos contêm 80% dos artigos relevantes (LE COADIC, 2000, p. 69). Outras ramificações baseadas da proporção 20/80 ou 80/20 já haviam sido formuladas por pesquisadores de áreas incipientes ao campo da informação. Entre elas, a dimensão de que 80% dos usuários concentram o uso em 20% do acervo dos serviços de informação, e, a lei de Lotka, cujo pressuposto é que 20% dos autores publicam 80% dos artigos. 49 Alfred James Lotka propôs a sua lei a partir da consideração das desigualdades dos níveis de produtividade dos cientistas. Entre os fatores intervenientes neste cenário estão a natureza da área científica, a formação do pesquisador, os meios de comunicação científica disponíveis, e, a concorrência com os pares (LE COADIC, 2000, p. 29-31). A lei de George Kingsley Zipf, originalmente formulada no contexto da Lingüística, aponta para a proporcionalidade entre a posição da palavra e a ordem decrescente de freqüência desta mesma palavra no texto. Em termos matemáticos, “a palavra que estiver em décimo lugar aparecerá no texto com freqüência dez vezes menor do que a palavra que se encontra em primeiro lugar” (LE COADIC, 2000, p. 69-70). Tal abordagem é bastante instrumental para o contexto dos serviços de recuperação da informação, sobretudo no processo de indexação dos registros documentários. À luz da lei de Zipf é possível, por exemplo, determinar métodos de indexação automática de textos, e, analisar a correlação desta modalidade de indexação com o processo tradicional de representação de conteúdo. O penúltimo estágio de desenvolvimento teórico de uma ciência, segundo a proposta de Le Coadic, é o da modelização, ou seja, a constituição de modelos científicos. A partir de McQuail e Windahl, o autor observa que “[...] um modelo permite interpretar um conjunto de fenômenos por meio de uma estrutura da qual mostra os principais elementos e as relações existentes entre eles” (McQUAIL, D. e WINDAHL, S. citados por LE COADIC, 2000, p. 71). Os primeiros modelos da Ciência da Informação foram os modelos empregados nas Ciências da Comunicação, cuja análise se concentrava na transmissão de sinais, na comunicação interpessoal, na audiência e na recepção. A evolução do foco de análise destes modelos será nosso objeto de estudo no capítulo sobre o campo da Comunicação (LE COADIC, 2000, p. 72-73). 50 Entretanto, as pesquisas em Ciência da Informação também construíram, discutiram e consolidaram modelos específicos, que teorizam os processos de recuperação da informação. O modelo booleano identifica as relações de dependência entre os operadores booleanos e, que une os componentes de uma expressão, e ou, que une termos sinônimos ou parassinônimos na formulação de estratégias de busca. O modelo vetorial considera que o conjunto dos atributos textuais ou paratextuais (tópicos da representação da informação) “permite resolver as operações de recuperação ao efetuar cálculos de similaridade entre o documento e a consulta”. O modelo probabilístico é bastante complexo porque se apóia na noção de relevância, a partir da definição do usuário da informação. Por fim, os modelos lingüísticos promovem relações e associações entre os componentes lexicais, sintáticos e semânticos da informação (LE COADIC, 2000, p. 73-74). Sobre a consolidação da modelização, Le Coadic frisa que os modelos “permanecem válidos enquanto não são refutados pela experiência”. Portanto, cabe ao campo do conhecimento manter constante atenção acerca do uso de modelos inadequados para o estudo do conjunto de fenômenos correlacionados (LE COADIC, 2000, p. 71). A fase final da explicação de Le Coadic para o estatuto científico das disciplinas é o nível de formulação de teorias. Trata-se do aperfeiçoamento da epistemologia da ciência através de sofisticados sistemas explicativos. Assim, as teorias consistem em um avanço em direção à consolidação de uma ciência, pois conduzem à interpretação e à discussão de todo o conjunto de dado campo do conhecimento, principalmente por conjugar os demais princípios científicos (conceitos, métodos leis e modelos). Segundo Le Coadic, “a ciência da informação não possui ainda, lamentavelmente, uma teoria ou conjunto de teorias” próprias e específicas. Isso porque, “em matéria de informação, a prática sempre precedeu a teoria. A teoria corre atrás dos fatos para 51 compreendê-los”. A falta de teorias da área foi compensada com a utilização de abordagens de outros campos científicos, com destaque para as Ciências da Comunicação. Esta relação entre os dois campos será objeto de estudo na próxima seção, e, principalmente, no penúltimo capítulo deste trabalho (LE COADIC, 2000, p. 73). Dessa forma, a crítica à insuficiência metodológica pode ser ampliada para os demais aspectos da produção da Ciência da Informação. De acordo com Yêda Gomes, “numa revisão da literatura em biblioteconomia e ciência da informação no Brasil podese constatar o reduzido número de trabalhos que têm como objeto de análise o conhecimento produzido nessas áreas” (GOMES, 2006). “Tem sido assinalada a ausência, na área, de um corpo de fundamentos teóricos que possam delinear o seu horizonte científico, e ainda se encontra em construção a epistemologia da Ciência da Informação ou a investigação dos conhecimentos que o permeiam” (PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro e LOUREIRO, José Mauro Matheus citados por KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001). Segundo Johanna W. Smit, Eduardo W. Dias e Rosalí F. de Souza, "a análise das áreas de concentração e respectivas linhas de pesquisa é reveladora de uma visão pragmática da área, freqüentemente voltada à solução de problemas da atividade profissional e menos voltada para a consolidação conceitual e epistemológica da própria área" (SMIT, Johanna W.; DIAS, Eduardo W. e SOUZA, Rosalí F. de citados por GOMES, 2006). Le Coadic complementa ao afirmar que “[...], sob a demanda premente da tecnologia da informação e das máquinas de comunicação, a preocupação dominante dos cientistas foi a utilidade, a eficácia, o prático e a prática, e muito pouco o teórico, a teoria”. Para o autor, mais emblemática é a falta de ligação entre os dois planos (LE COADIC, 2000, p. 19). 52 2.3 A natureza interdisciplinar A interdisciplinaridade é um tema constante nas pesquisas da ciência moderna, tanto no âmbito interno de cada de disciplina quanto na produção bibliográfica da Sociologia das Ciências, cujo objeto de estudo é o conjunto das áreas do conhecimento. No entanto, a constância da discussão conceitual não parece ter consolidado uma única visão sobre o assunto. E mais, em determinados contextos, como o do processo de ensino e aprendizagem, “a interdisciplinaridade aparece tão só como uma ‘palavra vaga e imprecisa’ cujo sentido está ainda por descobrir ou inventar” (POMBO, 1994, p. 9). Os conceitos científicos empregados para designar a interdisciplinaridade invariavelmente divergem. Olga Pombo traz as definições de três importantes autores sobre o tema. Para Jean Luc Marion, a interdisciplinaridade é a “co-operação de várias disciplinas no exame de um mesmo objecto”. Já conforme Piaget, ela é o “intercâmbio mútuo e integração recíproca entre várias disciplinas (... tendo) como resultado um enriquecimento recíproco”. No ponto de vista de Palmade é a “integração interna e conceptual que rompe a estrutura de cada disciplina para construir uma axiomática nova e comum a todas elas, com o fim de dar uma visão unitária de um sector do saber” (LUC MARION, Jean; PIAGET, Jean e PALMADE, Guy citados por POMBO, 1994, p. 10). A oscilação terminológica dos estudos disciplinares fica ainda maior com a discussão de conceitos congêneres como transdisciplinaridade, multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade. Todos “[...] têm em comum o facto de designarem diferentes modos de relação e articulação entre disciplinas”, e, é justamente o nível de aproximação que os torna noções sensivelmente distintas (POMBO, 1994, p. 11). As definições de multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade são mais convergentes em comparação com os outros dois conceitos dos estudos disciplinares. Georges Gusdorf as considera diretamente equivalentes, e, mesmo nas pesquisas que mantém os dois conceitos, a distinção entre eles é mínima. Segundo Arthur Asa Berger, 53 a multidisciplinaridade consiste na “justaposição de disciplinas diversas, às vezes sem relação aparente entre elas”, enquanto a pluridisciplinaridade preconiza a “justaposição entre disciplinas mais ou menos próximas nos seus campos de conhecimentos” (BERGER, Arthur A. citado por POMBO, 1994, p. 11). O conceito de transdiciplinaridade considera a aproximação disciplinar em um patamar superior, que “não só atingiria as interacções ou reciprocidades entre investigações especializadas, mas também situaria estas relações no interior de um sistema total, sem fronteiras estáveis entre as disciplinas” (PIAGET, Jean citado por POMBO, 1994, p. 11). Olga Pombo estabelece a noção de interdisciplinaridade como o ponto intermediário desse conjunto de conceitos, “no qual a pluridisciplinaridade seria o pólo mínimo da integração disciplinar, a transdisciplinaridade o pólo máximo e a interdisciplinaridade o conjunto das múltiplas variações possíveis entre os dois extremos” (POMBO, 1994, p. 10-11). Em complemento, Japiassu pondera que a interdisciplinaridade “se afirma como reflexão epistemológica sobre a divisão do saber em disciplinas para extrair suas relações de interdependência e de conexões recíprocas”. O objetivo ideal da imbricação entre os campos é “descobrir as leis estruturais de sua constituição e funcionamento - o seu denominador comum” (JAPIASSU, Hilton citado por PINHEIRO, 1999, p. 159). A Ciência da Informação, enquanto campo do conhecimento criado na sociedade moderna, se construiu à luz de aproximações disciplinares. Aproximação no âmbito da continuação do legado de pesquisas, como vimos anteriormente a partir da ligação da área com a Biblioteconomia, a Documentação e a Recuperação da Informação. E aproximações interdisciplinares no sentido estrito, em virtude do estabelecimento de relações de troca de conceitos e teorias, como vimos no bojo das correntes epistemológicas da área e como especificaremos detalhadamente a seguir. 54 Segundo Marlene de Oliveira, “a participação de outros campos do conhecimento na Ciência da Informação permanece em função da complexidade dos problemas a serem equacionados pela área, o que exige a contribuição de diferentes profissionais e/ou pesquisadores” (OLIVEIRA, 2005, p. 20). A intensa relação com outros campos do conhecimento aponta que é impossível dissociar a Ciência da Informação da sua natureza interdisciplinar. Como observa Le Coadic, “os problemas de que trata cruzam as fronteiras históricas das disciplinas tradicionais, e o recurso a várias disciplinas parece evidente” (LE COADIC, 2000, p. 20). A literatura especializada da Ciência da Informação identifica diversas disciplinas relacionadas, e também aponta diferentes níveis de interdisciplinaridade, mesmo quando trata da aproximação com uma única disciplina. Além disso, é necessário diferenciar a interdisciplinaridade, relação contínua e generalizável de conceitos e teorias, da aplicação, uso contextual e pontual do conhecimento de outro domínio científico (PINHEIRO, 1999, p. 176). Kobashi e Tálamo lembram que “a interdisciplinaridade proposta distancia-se, portanto, da dissolução da Ciência da Informação em campos conexos, tais como a Teoria da informação, as Ciências da Comunicação, as Ciências cognitivas, a Teoria de Sistemas. Ao contrário, propõe-se um percurso que adote simultaneamente a abertura e o fechamento disciplinares, reconhecendo os campos com os quais estabelece relações preferenciais e solidárias” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 18). Entre os estudos com maior aprofundamento e discussão da natureza interdisciplinar da Ciência da Informação estão os trabalhos de Yves-François Le Coadic (2002) e Lena Vânia Ribeiro Pinheiro (1999). A partir destes dois textos estabelecemos os principais campos de conhecimento compartilhado com a Ciência da Informação: Psicologia, Ciências Sociais, Sociologia das Ciências, Ciência Cognitiva, Informática e/ou Ciências da Computação, Terminologia, Lingüística, e, Ciências da Comunicação. 55 O fundador da Lingüística foi o suíço Ferdinand de Saussure, a partir de três cursos ministrados na Universidade de Genebra, no início do século XX. Segundo o autor, “a língua é um sistema organizado de signos que exprimem idéias; representa o aspecto codificado da linguagem. A lingüística tem por tarefa estudar as regras desse sistema organizado por meio das quais ele produz sentido” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 86). O cerne da relação da Ciência da Informação com a Lingüística é o campo da representação da informação. O paradigma lingüístico é essencial para a questão da informação, uma vez que se refere “[...] à apreensão do significado, quando um esquema de conceitos estruturados é assimilado pela mente do receptor que pode ajustar o esquema já existente em sua mente para incorporar dados novos” (FOSKETT, Douglas J. citado por PINHEIRO, 1999, p. 163-164). A aproximação entre as duas áreas é análoga à relação entre a Lingüística e as Ciências da Comunicação, cuja análise será foco do próximo capítulo deste trabalho. Por conta dos princípios fundamentais para os dois campos, a Lingüística pode ser considerada o principal elo entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação, relação a ser analisada no quarto capítulo do nosso estudo. Vinculada à Lingüística, a Semiótica, área sobre a qual também falaremos no capítulo 3, apresenta contribuições ao campo da Ciência Informação, sobretudo ao fomentar as atividades de análise conceitual do processo de representação e de recuperação da informação. Tradicionalmente o campo é dividido em três núcleos temáticos: pragmático, semântico e sintático. O pragmatismo semiótico está presente, por exemplo, nos pressupostos de elaboração de resumos documentários, visto que este “é um trabalho de condensação que deve ser inteligível e conter o essencial”. A vertente semântica da Semiótica se manifesta na Ciência da Informação por conta do papel decisivo do valor dos sinais lingüísticos “na criação e análise de linguagens e sistemas de recuperação da 56 informação”. Já os estudos sintáticos favorecem o estabelecimento e o arranjo dos vínculos entre um signo e outro, ou, no âmbito dos serviços de informação, entre assuntos e documentos, e vice-versa (MIKHAILOV, A. I. citado por PINHEIRO, 1999, p. 162). Outra disciplina da esfera da análise dos discursos e das palavras é a Terminologia, “área interdisciplinar que dá suporte a várias disciplinas no estudo dos conceitos e sua representação em linguagens de especialidade”. O objetivo da Terminologia é fornecer “metodologia para a descrição, ordenamento e transferência do conhecimento, indicando princípios que regem a compilação, formação dos termos, estruturação de campos conceituais, uso e administração de terminologias” (LARA, 2004, p. 234 e p. 235). A contribuição deste campo à Ciência da Informação consiste na “modelagem do conceito e dos sistemas de conceitos, além de referências concretas para a interpretação dos termos por meio dos glossários e dicionários terminológicos, que são seus produtos”. Tal fornecimento de arcabouço teórico assume fundamental importância no processo de construção e de desenvolvimento das linguagens documentárias, no âmbito da Lingüística Documentária, subdomínio da CI (LARA, 2004, p. 233). Marilda L. G. de Lara reitera a idéia ao firmar que “recorrer à terminologia, nesse caso, significa operar com termos, não palavras, opção que permite restaurar as referências de sistemas de significação particulares às áreas do conhecimento” (LARA, 1997, p. 77). A interface da Psicologia com a Ciência da Informação pode ser analisada a partir de um ponto de vista geral e sob uma perspectiva específica. Na visão geral, a Psicologia é essencial para o entendimento dos fenômenos de comunicação interpessoal, inerentes ao processo de mediação da informação que ocorre no plano dos serviços de referência. No âmbito específico, a relação ocorre a partir de três sub-campos: Psicologia do Trabalho, Psicologia da Engenharia e Psicolingüística. 57 A aproximação disciplinar com a Psicologia do Trabalho se dá através do aproveitamento dos estudos de aumento de eficiência do trabalho, de racionalização de habilidades, e, das técnicas de seleção e treinamento de pessoal. Em contrapartida, as análises destes tópicos no âmbito da Ciência da Informação consistem em contribuições ao campo da Psicologia do Trabalho (MIKHAILOV, A. I. citado por PINHEIRO, 1999, p. 162). A Psicologia da Engenharia “[...] abrange complexos estudos de sistemas homemmáquina, a aplicação do conhecimento ao comportamento humano para a concepção de sistemas e seus componentes, com o propósito de obter o máximo de eficiência com o mínimo de esforço para sua operação e serviço”. Dessa forma, a Psicologia da Engenharia se configura como importante campo de análises dos processos e dos sistemas de recuperação da informação (CHATARIS citado por MIKHAILOV, A. I. citado por PINHEIRO, 1999, p. 163). A relação da Ciência da Informação com a Psicolingüística incide na reflexão do caráter psicológico do processo de transferência da informação. Isso porque o objeto de estudo da área é “a natureza do discurso, a organização hierárquica do comportamento verbal, mecanismos do discurso e da percepção, problemas de semântica e de motivação verbal e não-verbal, bem como tarefas práticas envolvidas na comunicação de massa e no discurso da cultura” (LEONTIEV, Dmitri A. citado por MIKHAILOV, A. I. citado por PINHEIRO, 1999, p. 163). O estudo da informação também é uma questão natural para a Informática e/ou Ciências da Computação, que, como vimos anteriormente, surgiu em 1962, no mesmo ano de criação da Ciência Informação. Ângela S. Fernandes e outros autores, a partir dos estudos de Philippe Breton, resgatam três sentidos para o conceito de informação da Informática. A primeira vertente de pesquisas consistia em analisar a forma e o sentido intrínsecos à informação. No segundo momento, os estudos indicaram a necessidade de codificação da informação 58 a partir de duas operações “[...] a primeira, consistia na transformação de cada letra do alfabeto em uma simples combinação de dois símbolos e a segunda operação, consistia em fazer como que o texto correspondesse a cada símbolo”. A terceira tendência foi a das pesquisas sobre os algoritmos, o “conjunto completo de regras que permitem a resolução de um problema determinado” através de uma máquina (BRETON, Philippe citado por FERNANDES, 2005, p. 33-36). Desse modo, “aspectos da Ciência da Computação não relacionados ao início da evolução da Ciência da Informação apresentam componente informacional significativo, associado à representação da informação, sua organização intelectual e ligações, busca e recuperação da informação, qualidade, valor e uso da informação” (SARACEVIC, Tefko citado por PINHEIRO, 1999, p. 172). Na era das tecnologias da informação e da comunicação, décadas mais tarde, a relação entre estes dois campos culminará em um estreitamento, quando “o homem passa a ser encarado como um processador e agregador de informação”. A partir do uso de ferramentas híbridas como o computador, se amplia a capacidade de processamento da informação, o que, conseqüentemente, facilita o fluxo de produção da informação (FERNANDES, 2005, p. 26). Da mesma forma que a Lingüística, a Informática também exerce o papel de ligação entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação. Assim, atualmente, informação, tecnologia e comunicação são conceitos estreitamente conectados, o que denota que as três áreas do conhecimento se inter-relacionam profundamente. Nesse contexto, conforme Aldo Barreto*, “a CI coordenará e induzirá o desenvolvimento de uma infra-estrutura de possibilidades democráticas e sem barreiras para se exercer a opinião pessoal. Esta habilidade de enunciar diretamente sobre os conteúdos em rede será a mais importante entre as futuras fontes de informação, através da realimentação, retorno e avaliação da comunidade de cada usuário”. Embora as BARRETO, Aldo de Albuquerque. Novos objetivos da Ciência da Informação. Mensagem eletrônica enviada à lista Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em 19 abr. 2007. * 59 questões do cérebro sejam debatidas desde a Antiguidade, é apenas nas duas últimas décadas do século XX que se constituiu um campo específico para este objeto de estudo. A Ciência Cognitiva também nasceu interdisciplinar por natureza, ao conjugar análises físicas, biológicas, psicológicas, filosóficas, entre outras, do processamento cognitivo humano (SARACEVIC, Tefko citado por PINHEIRO, 1999, p. 172). A influência da Ciência Cognitiva na Ciência da Informação emerge na contribuição enquanto fonte de “estruturas teóricas para cognição, na qual a informação é o fenômeno que desempenha o mais importante papel” (SARACEVIC, Tefko citado por PINHEIRO, 1999, p. 172). Na análise dos aspectos interdisciplinares, é indispensável ressaltar que a Ciência da Informação é, antes de tudo, uma ciência social. Tal consideração parece óbvia, mas precisa ser reafirmada, sobretudo no bojo da discussão interdisciplinar da área. Historicamente, os primórdios da área estão mais relacionados à computação e à recuperação automática da informação do que aos estudos da sociedade. É apenas na década de 70, quando a figura do usuário do serviço de informação ganha papel fundamental, que “[...] as ciências humanas e sociais passam a contribuir também, com seus métodos e práticas, para a composição dessa ciência emergente” (CARDOSO, Ana Maria Pereira citada por ARAÚJO, 2003, p. 22). As Ciências Sociais cresceram e se consolidaram no decorrer do século XX, impulsionadas pelo crescimento da sua comunidade acadêmica e pelo incremento da sua produção científica. Entre tantas possibilidades de organização epistemológica do campo, Carlos A. A. Araújo (2003) propõe a análise dessa trajetória a partir de três momentos históricos. O primeiro estágio histórico é denominado Sociologia Funcionalista, cuja contribuição fundamental partiu de Augusto Comte, que “propôs a realização de estudos sobre a sociedade com o máximo de objetividade, em busca de leis universais que regessem o comportamento da vida social em toda parte” (ARAÚJO, 2003, p. 22-23). 60 Para Cláudio Paiva, “o funcionalismo mostra-se etnocêntrico e moralista, ou seja, prescreve um modelo de como ‘as coisas devem ser’, sem aceitar as dinâmicas transformações que ocorrem no mundo vivido; parte de uma visão de mundo fechada e narcisista, deduzindo que a sociedade e a cultura podem ser explicadas a partir de um único paradigma científico” (PAIVA, 2002, p. 175). A segunda fase dos estudos sociais, a Sociologia Crítica, é fundamentada nas pesquisas de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e de Karl Marx. Nessa abordagem, os paradigmas funcionalistas são profundamente questionados, por conta da desconsideração da constante transformação da sociedade e da tentativa de estratificar as mudanças dos grupos sociais. Algumas correntes epistemológicas dessa vertente serão abordadas no capítulo 3 deste trabalho, sobre as Ciências da Comunicação (ARAÚJO, 2003, p. 23). O terceiro momento histórico das Ciências Sociais tem como precursores Max Weber e Georg Simmel, e, pode ser caracterizado como Sociologia Interpretativa. A principal mudança consiste no advento do conceito de ação social, que é a ação do indivíduo dotada de significado para ele. Dessa forma, ao invés o ato consciente toma o lugar do sujeito inexoravelmente alienado e preso ao sistema social (ARAÚJO, 2003, p. 23-24). Na interface com a Ciência da Informação, Araújo também aponta diferenças conforme o estágio histórico da pesquisa social. No primeiro e no segundo níveis, o debate social ficara isolado em sub-campos da CI, em linhas de pesquisa como ação cultural, informação e cidadania, e, combate à exclusão informacional. “É, apenas com a aproximação junto ao ‘terceiro ramo’ das ciências sociais, isto é, aos enfoques microssociológicos e interpretativos, que a ciência da informação vai conhecer uma reformulação mais profunda de seus pressupostos, que vai alterar sobretudo o significado do que é entendido como ‘informação’” (ARAÚJO, 2003, p. 25). 61 Os vínculos com as Ciências Sociais são evidentes, no entanto, conforme observa Pinheiro, a Ciência da Informação apresenta um isolamento em relação às Ciências Sociais, sobretudo por conta de não formular contribuições efetivas para este campo do conhecimento (SMALL, Henry e SMITH, Linda citados por PINHEIRO, 1999, p. 170). Ainda entre as Ciências Sociais, a Sociologia das Ciências é outra área com interesses disciplinares compatíveis com o campo da Ciência da Informação. O seu objeto de estudo pode ser “[...] representado por tópicos inter-relacionados: os impactos da ciência na sociedade e vice-versa, a estrutura social, o processo de produção do conhecimento científico, os aspectos sociais das áreas específicas, [...], e naturalmente o comportamento dos cientistas como integrantes da comunidade científica”. A relevância destes assuntos para a CI consiste em fornecer, principalmente, “[...] estudos que discutem o comportamento da comunidade científica, e mais especificamente as normas comportamentais, as quais influenciam a produção científica” (ZUCKERMAN, H. citado por TARGINO, 2000, p. 14). Além das relações com estes campos, é possível ressaltar mais algumas aproximações da Ciência da Informação com outras três áreas do conhecimento. A Administração cooperou principalmente com modelos, métodos e sistemas de gestão dos serviços de informação em todos os seus âmbitos (recursos humanos, físicos, materiais). A Matemática e a Lógica Matemática apresentam insumos para “a análise de sistemas, algoritmização de operação de armazenagem da informação, recuperação e disseminação, métodos matemáticos, medida de eficiência dos sistemas de informação e compatibilidade”. E a Estatística fornece ferramentas essenciais para a construção de modelos, tanto para a CI quanto para todas as ciências sociais (MERTA, Augustin; KITAGAWA, Takashi citados por PINHEIRO, 1999, p. 165). A análise de Lena Vânia Ribeiro Pinheiro (1999, p. 174) acerca da interdisciplinaridade da Ciência da Informação resultou em um modelo gráfico (figura 1), no qual a autora relaciona as interdisciplinas aos sub-campos da Ciência da Informação. 62 Figura 1. Mapa interdisciplinar da Ciência da Informação, por Lena Vania R. Pinheiro A Biblioteconomia, por exemplo, figura simultaneamente enquanto um subcampo e como uma área interdisciplinar, conforme a necessidade teórica da CI. Isto porque alguns sub-campos da Ciência da Informação (Representação da Informação; Sistemas de Recuperação da Informação; Redes e Sistemas de Informação; Automação; 63 Administração de Sistemas de Informação; Informação, Cultura e Sociedade) também são sub-campos da Biblioteconomia. A configuração interdisciplinar da autora contempla todas as áreas do conhecimento estudadas com detalhes anteriormente, e inclui disciplinas como a Economia, a Antropologia, a Filosofia, a Arquivologia, a Museologia, o Jornalismo Científico, e, a Filosofia, a Sociologia e a História da Ciência. O estudo análise da interdisciplinaridade da Ciência da Informação de YvesFrançois Le Coadic (2002, p. 22) também pode ser expresso em um modelo gráfico (figura 2), no qual o autor relaciona as interdisciplinas aos conceitos, métodos, leis, modelos e teorias da CI, conforme analisamos no tópico anterior deste trabalho. 64 Figura 2. Mapa interdisciplinar da Ciência da Informação, por Yves François Le Coadic Em comparação com a apresentação gráfica de Lena V. R. Pinheiro, a proposta de Le Coadic se apresenta como um modelo mais elaborado da análise interdisciplinar, uma 65 vez que indica os temas da Ciência da Informação a partir da perspectiva da contribuição dos outros campos do conhecimento. Dessa maneira, por exemplo, à Lingüística corresponde a elaboração da representação da informação (paratexto), à Lógica, à Estatística e à Matemática correspondem os processos poissonianos e booleanos inerentes à recuperação da informação, e, à Psicologia e à Ciência Cognitiva correspondem os comportamentos do indivíduo na comunicação. Além dos campos do conhecimento discutidos com exaustão anteriormente, Le Coadic sugere interfaces da Ciência da Informação com disciplinas como a Economia, o Direito, a Política, a Etnologia, a História, a Eletrônica, a Telecomunicações, o Jornalismo, a Epistemologia e a Filosofia. Sob outra perspectiva, é possível exemplificar (e comprovar) as conexões interdisciplinares por meio da análise da produção científica do campo do conhecimento. Gilda Braga cita o levantamento dos temas dos Special Interest Group da American Society for Information Science como uma amostra desta variação disciplinar. Entre alguns dos recortes possíveis da Ciência da Informação estão: pesquisa em classificação, educação, grandes redes de computação, informação científica e tecnológica, questões internacionais da informação, processamento automático da linguagem (BRAGA, 1995). A natureza interdisciplinar da Ciência da Informação é constantemente questionada pela comunidade acadêmica da área. A partir da criação de três novos cursos de pós-graduação, em agosto de 2007, o debate* voltou à tona, com a participação de Johanna W. Smit, Aldo de Albuquerque Barreto, Maria de Fátima G. M. Tálamo e SMIT, Johanna W.; BARRETO, Aldo de Albuquerque; TÁLAMO. Maria de Fátima G. M. e GUIMARÃES, José Augusto Chaves. Propostas multidisciplinares. Mensagens eletrônicas enviadas à lista Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em agosto de 2007. * 66 José Augusto Chaves Guimarães, importantes nomes no âmbito da epistemologia do campo. Dois dos novos cursos recém-criados, sob a responsabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), se caracterizam como multidisciplinares. Essa configuração levantou a discussão sobre a abrangência disciplinar da CI, sobretudo por conta de uma preocupação com o abandono do vínculo institucional com a área, cujo alicerce científico ainda se encontra em discussão. Segundo os pesquisadores, ao se definirem multidisciplinares, os cursos estariam, principalmente, desconsiderando o legado da Ciência da Informação. Teorias, métodos, instrumentos e outros princípios científicos são fundamentais na análise da interdisciplinaridade, no entanto, o foco central das aproximações disciplinares da Ciência da Informação é o conceito de informação, o objeto de estudo do campo. 2.4 O objeto de estudo O objeto de estudo de uma ciência “não surge como algo dado na própria natureza dos fenômenos que observa. O ‘como se olha’ é uma construção voluntária e intencional de uma maneira de olhar. Além disso, a definição de objeto é muito mais influente na delimitação do campo dos fenômenos do que o inverso” (FERNANDES, 1995, p. 26). Dessa maneira, o objeto de estudo se caracteriza como um recorte epistemológico no universo da realidade, da sociedade e do conhecimento. Trata-se do parâmetro mais básico, junto com o campo dos fenômenos, de delimitação de uma ciência (FERNANDES, 1995, p. 25). 67 A discussão sobre o objeto da Ciência da Informação pode ser definida, contraditoriamente, pela indefinição. Existem algumas explicações e conceituações diferentes’ acerca dos objetos de estudos da área. A primeira e principal vertente define que o objeto da área é a própria informação. Nessa abordagem, “a informação é um fenômeno tão amplo que abrange todos os aspectos da vida em sociedade, pode ser abordado por diversas óticas, seja a comunicacional, a filosófica, a semiológica, a sociológica, a pragmática e outras” (OLIVEIRA, 2005, p. 19-20). A partir desta perspectiva interdisciplinar, “a noção de informação tem sido usada para caracterizar uma medida de organização física (ou sua diminuição, na entropia), um padrão de comunicação entre fonte e receptor, uma forma de controle e feedback, a probabilidade de uma mensagem ser transmitida por um canal de comunicação, o conteúdo de um estado cognitivo, o significado de uma forma lingüística ou a redução de uma incerteza” (BOGDAN, Radu J. citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 160). Além da multiplicidade de significados disciplinares, “a informação é, de fato, um dos elementos básicos para a inteligibilidade dos processos sejam eles naturais ou culturais. Por isso mesmo, enfrenta-se dificuldade crescente para abordá-la nocionalmente. Sabemos que, dependendo do contexto, haverá uma variação conceitual acentuada, cujos efeitos de sentido, não raro, induzem significados fracamente discriminatórios que distorcem o entendimento das principais questões em jogo. Ao lado da complexidade da informação instala-se a extrema fragilidade do termo. Ambas acabam sendo o grande desafio a ser superado por uma organização mais coerente de estudo a ela dedicados” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 9). Para Oliveira, no campo específico, ou seja, “[...] na ótica da Ciência da Informação, o objeto ‘informação’ é uma representação. Como é uma representação do 68 conhecimento, que já é uma representação do real, ela se torna uma representação de representação” (OLIVEIRA, 2005, p. 18). Fernandes e outros caracterizam a informação como “uma abstração informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria lógica ou matemática), que está na mente de alguém, representando algo significativo para essa pessoa” (FERNANDES, 2005, p. 28). Le Coadic complementa, ao observar que a informação “é um significado transmitido a um ser consciente por meio de uma mensagem inscrita em um suporte espacial-temporal: impresso, sinal elétrico, onda sonora, etc. Inscrição feita graças a um sistema de signos (a linguagem), signo este que é um elemento da linguagem que associa um significante a um significado” (LE COADIC, 2000, p. 4). Para Bruno Latour, “a informação não é um signo, e sim uma relação estabelecida em dois lugares, o primeiro que se torna uma periferia e o segundo, que se torna um centro, sob a condição que entre os dois circule um veículo que denominamos muitas vezes forma, mas que para insistir em seu aspecto material, eu chamo de inscrição” (LATOUR, Bruno citado por FERNANDES, 2005, p. 29). Lena V. R. Pinheiro observa a vasta e complexa capilaridade da informação, cuja ocorrência se dá em variados espaços e processos, seja “[...] num diálogo entre cientistas, em comunicação informal, numa inovação para o setor produtivo, em patente, numa fotografia ou objeto, no registro magnético de uma base de dados ou numa biblioteca virtual ou repositório, na Internet” (PINHEIRO, 2002, p. 63). Segundo Eliany A. de Araújo, a informação pode ser compreendida “como prática social de um sujeito cognitivo-social que desenvolve ações de atribuição e comunicação de sentido que, por sua vez, pode provocar transformações nas estruturas (tanto individuais, como sociais), pois geram novos estados de conhecimento” (ARAÚJO, 2002, p. 18-19). 69 A informação também pode ser interpretada como fenômeno de organização do pensamento, que conjuga “um estímulo externo, uma reordenação mental (classificação) e uma designação (ainda que articulada apenas em nível de identificação de algo que não o havia sido anteriormente)” (BRAGA, 1995). Também nesse sentido, “quando reconhecida como inscrição organizada, a informação é vista como resultado de uma ‘construção institucional e intencional que tem nos valores simbólicos e funcionais a condição para a construção do sentido e para circular socialmente, desencadeando processos de conhecimento’” (LARA, M. L. G. de citada por LARA, 2007, p. 3). Além de organizar o pensamento, a informação possui um potencial de conformação cultural do indivíduo. Para Richard Saul Wurman, a partir do princípio de que a informação é internalizada através de uma leitura do mundo, “somos o que lemos. Tanto em nossa vida profissional quanto pessoal, somos julgados pela informação que utilizamos. A informação que ingerimos molda nossa personalidade, contribui para as idéias que formulamos e dá cor à nossa visão de mundo” (WURMAN, Richard Saul citado por TARGINO, 2000, p. 7). Sob uma visão da informação a partir dos seus resultados, ela “[...] é um recurso para a ação política do sujeito social que transforma estruturas mentais e sociais, pois possibilita aos sujeitos sociais a criação de novos estados de conhecimento, nos quais se dá uma consciência de si e do mundo” (ARAÚJO, 2002, p. 32). Independentemente da delimitação do conceito, a informação é o elemento central do fenômeno informacional. Trata-se de “[...] um processo constantemente reconstruído pelo sujeito do conhecimento, a partir de uma determinada realidade social e de significativos pessoais. Informar-se, portanto, não é um processo finalizado quando o sujeito do conhecimento recebe/usa a informação. Tal processo é algo aberto/inacabado e, como tal, sempre propício a reestruturações; caso contrário não poderíamos criar 70 novas informações, uma vez que, as informações já existentes representariam a realidade de forma completa e satisfatória” (ARAÚJO, 2002, p. 19). A discussão sobre o conceito de informação não pode desconsiderar a delimitação de dois conceitos correlatos: dado e conhecimento. A partir da definição da Informática, “dado é a representação convencional, codificada, de uma informação em uma forma que permita submetê-la a processamento eletrônico”. Conhecimento é o conjunto de estados representados por uma estrutura de conceitos interligados por suas relações, que conformam a nossa imagem do mundo (LE COADIC, 2000, p. 8-9). Dessa forma, por exemplo, a definição de dado, válida para a Informática, pode não o ser necessariamente válida para a CI, uma vez que o dado já pode implicar o resultado de um recorte, como no caso da informação estatística. Trata-se de verificar em que dimensão se discute o dado. A segunda definição de objeto de estudo da CI é “a comunicação ou os meios de transmissão da informação”. Em outras palavras, o processo de geração, transferência, uso e reuso da informação (FERNANDES, 1995, p. 26). Nesse sentido, Bertram C. Brookes define a informação como um artefato de produção de efeitos, cuja influência incide na passagem de um estado de conhecimento para outro estado de conhecimento. Para exemplificar o processo, o autor propõe uma equação do processo de informação, denominada equação da Ciência da Informação, expressa da seguinte forma: K(S)+ K = K(S+S) Onde: I é a informação I K(S) é o atual estado de conhecimento K é o conhecimento extraído da informação K(S+S) é o novo estado de conhecimento (BROOKES, Bertam C. citado por OLIVEIRA, 2005, p. 18). 71 Também em acordo com esta visão, Nicholas J. Belkin observa que a “informação é uma mensagem propositadamente estruturada por um gerador e resultante da decisão deste de comunicar determinado aspecto de seu estado de conhecimento, isolando-o e modificando-o conforme sua intenção. Essa estrutura comunicável vai compor o corpo de conhecimentos a que receptores em potencial têm acesso, e que ao reconhecerem uma anomalia em seu estado de conhecimento, convertem-na numa estrutura comunicável (a pergunta), usando-a para recuperar do corpo de conhecimentos o que é apropriado para solucionar a anomalia, decidindo se está suficientemente resolvida - incerteza reduzida ou eliminada” (BELKIN, Nicholas J. citado por TARGINO, 2000, p. 7). Em sentido correlato, numa explicação da informação como um processo, está o paradigma central da Ciência da Informação, segundo Gilda M. Braga. Conforme a autora, este é um “contexto básico, porque há, na área, uma aceitação quase tácita de que informação implica processo de comunicação: um emissor, um receptor, um canal - em sua descrição mais sumária” (BRAGA, 1995). Para Le Coadic, a CI “tem por objeto o estudo das propriedades gerais da informação (natureza, gênese, efeitos), e a análise de seus processos de construção, comunicação e uso” (LE COADIC, 2000, p. 25). Outra explicação para o objeto de estudo da Ciência da Informação é a gestão da informação. Segundo Couzinet, o foco do campo “está centrado na construção e no compartilhamento de conhecimentos em contextos sociais e culturais variados, nas empresas, nas universidades, na pesquisa etc” (COUZINET, 2004, p. 25). Na mesma linha, Fernandes (1995, p. 29) aponta que “[...] o objeto de estudo da CI é a ‘gestão institucional dos saberes’, enfim, as ações exercidas pelas instituições (e não por pessoas) modernas sobre o fluxo do saber produzidos pela sociedade e seus reflexos sobre esta última”. Tal gestão dos saberes se tornou necessária porque, com a modernidade, ocorre uma separação do conhecimento anteriormente reunido, limitado e organizado. Por 72 exemplo, “[...] separam-se o ‘fazer’ do ‘saber-fazer’, o conhecimento religioso do filosófico e do científico”, além disso, a própria ciência se especializa, assim como as profissões, com a onda de divisão do trabalho (FERNANDES, 1995, p. 27). Conforme Rafael Capurro e Birger Hjorland, “[...] o foco dos profissionais da informação (distintos dos outros grupos de profissionais a que estão servindo) implica uma abordagem sociológica e epistemológica para a geração, coleta, organização, interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso da informação. Os cientistas da informação – pela própria natureza de seu campo – devem trabalhar de cima para baixo, ou seja, do campo geral do conhecimento e suas fontes de informação para o específico, enquanto os especialistas do domínio devem trabalhar de baixo para cima, do específico para o geral” (CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 187). Para Kobashi e Tálamo (2003, p. 19) “compete, portanto, à Ciência da Informação estabelecer os princípios e as práticas relacionadas à produção da informação, sua distribuição e formas de acesso. Ela responde também por parte da operação de troca, pois etapa se concretiza apenas com a intervenção da moeda de conversão do usuário”. As duas primeiras vertentes de delimitação do objeto da CI, a da informação e a da comunicação, são diferentes, mas não completamente divergentes. No quarto capítulo do nosso trabalho tal relação será melhor explicitada. Mesmo a terceira vertente, parece convergir com as explicações anteriores em alguns pontos. 73 3 Ciências da Comunicação 3.1 Percurso histórico de construção do campo científico As Ciências da Comunicação surgiram no contexto das sociedades modernas, como um dos pilares da organização social e coletiva da democracia. Com o objetivo geral de analisar as relações entre as pessoas e os meios de comunicação, tais disciplinas apresentam um desenvolvimento científico intenso e profícuo, que constitui um olhar peculiar para entender as transformações da sociedade. A história da pesquisa em comunicação, antes da sua institucionalização enquanto campo do conhecimento científico autônomo, pode ser observada a partir de três principais eixos: a retórica grega, o enciclopedismo francês e a ciência social (MELO, 1977, p. 38-42). A primeira fase é fundamentada nos estudos da retórica de Aristóteles, que surgem em meados do século III a.C. Caracterizada “por uma natureza nitidamente filosófica ou psicológica”, a retórica aristotélica abordava o processo de transmissão de informações, sobretudo pela ótica da persuasão e da influência de um interlocutor em seu meio social (MELO, 1977, p. 38). No século XVIII, os enciclopedistas avançam na discussão acerca da necessidade de comunicação humana. Este é o marco da segunda fase da área antes da sua consolidação. Bacon concebe uma “ciência de comunicar” e D’Alembert aprimora tal concepção com a sugestão de uma “arte de transmitir ou comunicar pensamentos” (MELO, 1977, p. 39). O terceiro eixo histórico da área, datado no século XIX, é marcado pela ampliação do seu objeto de estudo, com o surgimento de pesquisas sobre a comunicação coletiva e a imprensa. No âmbito das ciências sociais, “estudiosos como Gabriel Tarde, Max Weber, Alfredo Nicéforo, Alexis de Toquevile e James Bryce [...] sentiram a 74 necessidade de estudá-la [a influência da imprensa] como fenômeno característico de uma sociedade em transição” (MELO, 1977, p. 40). Os estudos destes três momentos históricos estavam diretamente voltados para o processo da comunicação, no entanto, outras ciências sempre se preocuparam (a ainda se preocupam) indiretamente com a questão da comunicação. São áreas que também contribuíram para a constituição das Ciências da Comunicação. A Biologia funda a noção de comunicação enquanto atividade sensorial e nervosa, e, a Pedagogia ressalta a relação da transmissão de informações com o processo de aprendizado. A História considera a comunicação fator essencial para o estabelecimento dos “princípios de cooperação e coexistência”, a Sociologia entende a comunicação como “elemento desencadeador e delimitador da interação social” e a Antropologia analisa a função de “elemento formador da cultura” da cultura. A Psicologia identifica a comunicação com a necessidade humana de influenciar - afetar com intenção - e com o processo de modelagem do comportamento dos indivíduos (MELO, 1977, p. 14-25). Além da ciência, a filosofia foi outra matriz de subsídios teóricos à Comunicação. O Transcendentalismo baseia-se na concepção de que a verdadeira comunicação enseja “uma comunidade metafísica específica, formada pelo eu transcendental ou pela mente universal, de que fazem parte ou de que participam as mentes individuais”. O Naturalismo explica o processo de comunicação a partir da realidade comum a todos e da estrutura física e intelectual análoga das pessoas. Já o Marxismo identifica a Comunicação, juntamente com o Trabalho e o Pensamento, “entre os fatores básicos da evolução social” (MELO, 1977, p. 26-29). Segundo Bernard Miége, “o pensamento comunicacional constitui-se, portanto, ao mesmo tempo, como contribuição de teóricos (geralmente rompendo com suas disciplinas ou escolas de origem) e com a sistematização de concepções que dependem diretamente da atividade profissional e social” (MIÉGE, Bernard citado por MELO, 2003, p. 37). 75 Além das contribuições teóricas, também é possível identificar acontecimentos e movimentos que, de alguma forma, colaboraram para a consolidação dos estudos comunicacionais. Entre estes aspectos estão: o movimento renascentista italiano; o desenvolvimento da atividade econômica na Europa; as viagens marítimas e o alargamento dos mercados nos séculos XV e XVI; o surgimento da sociedade burguesa; o fortalecimento do humanismo; o aparecimento da escrita, e, mais tarde, a invenção da impressão tipográfica; a urbanização, a industrialização e a sociedade de massas; o desenvolvimento de vias de comunicação terrestres e marítimas (FERIN, 2002, p. 1518). Sob outra perspectiva histórica, Pierre Lévy* aponta a evolução dos estudos da comunicação a partir dos instrumentos simbólicos utilizados universalmente para a comunicação entre as pessoas. Dessa forma, existiram cinco estágios de comunicação simbólica: a oralidade (memória oral), a escrita (signos ideográficos), o alfabeto (universalização e digitalização da escrita), os meios de comunicação de massa (informação e democracia) e o ciberespaço (capacidade de ação autônoma). A partir do século XX, a concorrência entre os meios de comunicação, a intensificação da propaganda comercial (valorização no meio empresarial), a repercussão da propaganda política nazista (valorização nas esferas de governo), e, a profissionalização da formação de pessoas em nível universitário (valorização no meio acadêmico), entre outros fatores, contribuíram para o estabelecimento de um campo autônomo do conhecimento, denominado Ciências da Comunicação ou Ciências da Informação (MELO, 1977, p. 42). Com base nos estudos de Pierre Bourdieu, na afirmação das ciências a partir do seu reconhecimento social, Maria Immacolata Vassallo de Lopes define como campo acadêmico da comunicação “um conjunto de instituições de nível superior destinado ao estudo e ao ensino de comunicação e onde se produz a teoria, a pesquisa e a formação LÉVY, Pierre. Web semântica: o futuro da comunicação e da colaboração no ciberespaço. 2º Simpósio de Comunicação, Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM). S. Paulo, 17 de ago. de 2007. * 76 universitária das profissões de comunicação”. Desse modo, a autora aponta três esferas (sub-campos) de atuação do comunicador: científico, educativo e profissional (LOPES, 2000, p. 48). A variação terminológica em torno da definição do nome da área foi um ponto de constante discussão nas décadas de 60 e 70. “O uso do termo ciências da comunicação é característico dos norte-americanos e de grupos científicos por aqueles influenciados. Enquanto, ciências da informação é utilizado principalmente por instituições francesas, além de organismos internacionais como a UNESCO” (MELO, 1977, p. 55). No Brasil, consolidou-se a denominação Ciência(s) da Comunicação, ou apenas Comunicação, de forma abreviada. A distinção entre o termo no singular e no plural tem sido objeto de discussão na área. Na visão de Eliseo Verón, “o plural ciências, freqüentemente utilizado, expressa indiretamente a complexidade de tal campo. Não dizemos ciência da comunicação nem comunicologia, porque não se trata de uma disciplina, mas de um cruzamento de múltiplas problemáticas correspondentes a disciplinas tradicionalmente diferenciadas. As ciências da comunicação constituem hoje em dia um nó transdisciplinar, no campo das ciências brandas, comparável ao nó das ciências cognitivas, no território das ciências duras” (VERÓN, Eliseo citado por SANTAELLA, 2001, p. 5). Ao mesmo tempo em que o campo da Comunicação revela singularidades, ao alcançar um conjunto sustentável de pesquisas e ao se estabelecer com autonomia científica, a diversidade de disciplinas integradas à área aponta para a pluralidade, inclusive na denominação. Jornalismo, Editoração, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda, Entretenimento e Metodologia da Pesquisa são algumas das facetas desta diversidade de objetivos das Ciências da Comunicação (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 156-169). O Jornalismo é o “processo de produção de mensagens culturais relativas a fatos, idéias e situações atuais, interpretados à luz do interesse coletivo e transmitidos 77 periodicamente à sociedade, com o objetivo de difundir conhecimentos e orientar a opinião pública, no sentido de promover o bem comum” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 156). À Editoração cabe “pôr à disposição do consumidor o produto codificado da idéia do agente cultural elaborador da comunicação”, através da industrialização e da comercialização de bens e serviços como os livros, os discos, os filmes e os sítios da internet (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 156). O campo das Relações Públicas gerencia “o intercâmbio de mensagens culturais mantido deliberada e permanentemente entre uma instituição pública, governamental ou privada, e pessoas ou grupos que a ela estejam ligadas direta ou indiretamente, com vistas a [...] obtenção de benefícios à comunidade” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 161). Publicidade e Propaganda é a área cujo objetivo é a “promoção de procedimentos os mais adequados à divulgação de idéias ou ao estabelecimento de relações de ordem econômica entre indivíduos ou grupos capazes de oferecer bens, produtos e serviços”. Enquanto a Propaganda se destina à difusão de idéias e conceitos, a Publicidade se ocupa com a divulgação de mensagens de vendas (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 164). Ao campo do Entretenimento “se dedicam agentes especializados na produção (idealização, planejamento, realização, execução e emissão) de mensagens destinadas ao preenchimento do lazer individual e coletivo, especialmente no campo do imaginário” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 169). A atividade de Metodologia da Pesquisa tem a finalidade de “investigar motivações, desempenhos e efeitos do processo comunicacional”, através de instrumentos como a pesquisa de opinião, a pesquisa de mercado, a aferição de índices de leitura e compreensão das mensagens, o estudo morfológico e a análise de conteúdo (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 166-168). 78 A despeito da proposta de Beltrão e Quirino, é de se ressaltar um viés de organização do campo do conhecimento a partir das mídias, e não dos processos e dos objetos que poderiam unificá-las, conforme se vê hoje em muitos programas de pósgraduação, como por exemplo, o da ECA/USP. Existe também o vetor da Epistemologia das Ciências da Comunicação, espaço dedicado à discussão e à reflexão interna da ciência, do seu objeto e dos seus objetivos. Nesse sentido, deveria se destacar uma preocupação constante com as metodologias da pesquisa na comunicação. Para Maria I. Vassallo de Lopes “[...] a reflexão metodológica não só é importante como necessária para criar uma atitude consciente e crítica por parte do investigador quanto às operações que realiza ao longo da investigação”, No entanto, “no percurso da pesquisa as ‘questões de método’ não têm sido preocupação dos pesquisadores de Comunicação, a ponto de não sentirem necessidade de seu estudo” (LOPES, 2004, p. 20 e p. 32). Além do debate sobre as bases históricas e sobre a nomenclatura da área, as Ciências da Comunicação desenvolveram teorias, modelos e metodologias, entre outros resultados científicos, que também são elementos fundamentais para entendê-la e estudá-la. São as denominadas correntes epistemológicas e os seus respectivos objetos de estudo. 3.2 Correntes epistemológicas O percurso de pesquisa das Ciências da Comunicação foi delineado através de linhas de organização do pensamento acadêmico, denominadas correntes epistemológicas, que representam as tendências e os grupos de interesse da área. Em aproximadamente cem anos de estudos, muitas vertentes científicas surgiram, desapareceram, foram resgatas e rediscutidas. 79 Tal debate gerou um grande número de textos, livros, artigos e outros documentos, no entanto, em virtude da natureza deste trabalho e do tempo disponível para a execução desta pesquisa, buscaremos empreender uma abordagem básica do desenvolvimento do conhecimento científico do campo, a partir da perspectiva da consolidação histórica e da garantia literária (ocorrência das correntes epistemológicas na literatura introdutória da área). Embora Maria I. Vassallo de Lopes (2004, p. 27) afirme que a Comunicação “[...] já tem história suficiente que proíbe que ela seja reduzida a uma seqüência linear de teorias”, não é possível dispensar uma análise detalhada das correntes epistemológicas da área. Essa observação nos parece ainda mais relevante se considerarmos que esta pesquisa não se insere diretamente no campo comunicacional, e sim procura estabelecer relações entre a área e a Ciência da Informação. 3.2.1 Estudo do organismo social No século XIX, período de “invenção dos sistemas técnicos básicos da comunicação e do princípio do livre comércio”, “o pensamento da sociedade como organismo, como conjunto de órgãos desincumbindo-se de funções determinadas, inspira as primeiras concepções de uma ‘ciência da comunicação”. Deste modo, a primeira corrente epistemológica das Ciências da Comunicação pode ser denominada estudo do organismo social (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 13). Neste paradigma pode ser incluída a pesquisa econômica, apoiada nas questões da industrialização e da mercantilização, que indica como “[...] a divisão do trabalho e os meios de comunicação (vias fluviais, marítimas e terrestres) rimam com opulência e crescimento” (SMITH, Adam citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 14). Também fazem parte desta corrente os modelos de biologização do social, que se baseavam na concepção da história “articulada em etapas, sem desvios nem retornos, 80 sem regressão, comandada por uma idéia de progresso linear”, na qual são sistemas de comunicação são agentes essenciais de promoção do desenvolvimento (MATTELART, Armand citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 18-19). O agrupamento da sociedade em massas suscita o estudo do comportamento individual no contexto coletivo, e conceitos como influência, sugestão e sugestibilidade são bastante discutidos nas pesquisas comunicacionais. A primeira abordagem desta tendência, denominada psicologia social, foi liderada por Gabriel Tarde e George Simmel, tem como objeto de pesquisa o processo “das trocas, das relações e ações recíprocas entre indivíduos”. A segunda concepção, a sociologia positiva, proposta por Émile Durkheim, “define seu objeto a partir do ‘instituído’ e das ‘estruturas’, tais como o Estado, a família, as classes, as Igrejas, as corporações e os grupos de interesse” (JAVEU, C. e QUÉRÉ, Louis citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 26). 3.2.2 Escola de Chicago No início do século XX, com a escola de Chicago, a partir de questões como a imigração, a cidade se transforma em “laboratório social”, “com seus signos de desorganização, de marginalidade, de aculturação, de assimilação” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 30-31). Uma das linhas de pesquisa desta corrente epistemológica foi a ecologia humana, comandada por Robert Ezra Park e E. W. Burgess, que “estuda os processos pelos quais a ‘balança biótica’ e o ‘equilíbrio social’ mantêm-se uma vez conquistados, assim como aqueles pelos quais, desde que um ou outro se ache perturbado, se opera a transição de uma ordem relativamente estável a outra” (PARK, Robert Ezra citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 32-33). Outra contribuição à escola de Chicago foi levantada por Charles S. Pierce, que mais tarde fundaria a Semiótica. Método empírico que não considera as abstrações, 81 desconfia das verdades universais, e, prefere adotar uma visão concreta dos objetos, o pragmatismo parece contar um paradoxo em seu próprio escopo, pois “continua sendo de uma abstração terrível” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 33). A discussão entre a diversidade e a homogeneidade do comportamento individual também foi uma preocupação dos pesquisadores de Chicago, através de uma abordagem etnográfica de análise da comunicação. “Se existe comunicação é em virtude das diversidades individuais. E se o indivíduo está submetido às forças da homogeneidade ele é capaz de se subtrair a ela” (DEWEY, John citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 36). 3.2.3 Mass communication research Em meados da década de 40, constituiu-se mais uma corrente epistemológica das Ciências da Comunicação, denominada mass communication research, a partir dos estudos de cinco pesquisadores: Lasswell, Lazarsfeld, Merton, Lewin e Hovland. As pesquisas de Harold D. Lasswell dotam “a sociologia funcionalista da mídia de um quadro conceitual, que, até então, alinhava apenas uma série de estudos de caráter monográfico. Traduzidos em setores de pesquisa, resultam daí, respectivamente: ‘análise do controle’, ‘análise do conteúdo’, ‘análise das mídias e dos suportes’, ‘análise da audiência’ e ‘análise dos efeitos’” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 40). Segundo Laswell, o processo de comunicação cumpre três funções principais na sociedade: “a) a vigilância do meio, revelando tudo o que poderia ameaçar ou afetar o sistema de valores de uma comunidade ou das partes que a compõem; b) o estabelecimento de relações entre os componentes da sociedade para produzir uma resposta ao meio; c) a transmissão da herança social” (LASSWELL, Harold D. citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 41). 82 O autor também foi responsável por elaborar um dos primeiros modelos teóricos, conhecido como modelo de Lasswell. Ali “[...] são identificados os sectores potenciais de investigação em Comunicação: os emissores (Quem diz?), as mensagens (O quê), os suportes tecnológicos (Através de que canal?), as audiências (A quem?) e os efeitos (com que efeitos?)” (FERIN, 2002, p. 29). Paul F. Lazarsfeld formulou um projeto de metodologia empírica que incluía máquinas encarregadas de registrar as reações do ouvinte de rádio em termos de aprovação, aversão ou indiferença a determinado conteúdo. Tal método de pesquisa “junto à mesma amostragem de pessoas (panel) sobre os efeitos da mídia indica uma vontade de formalização matemática dos fatos sociais” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 44). O autor assume o papel de administrador, “preocupado em aperfeiçoar instrumentos de avaliação úteis, operatórios, para os controladores da mídia por ele considerados neutros. Contra a ‘pesquisa crítica’, reivindica a ‘pesquisa administrativa’” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 41). O terceiro importante pesquisador da mass communication research foi Robert K. Merton, que, “preocupado em preservar a prioridade de um programa de pesquisa operacional [...] propõe acumular uma série de ‘teorias de médio alcance’, ‘teorias intermediárias entre as hipóteses menores, que brotam a cada dia no trabalho cotidiano de pesquisa, e as vastas especulações, que partem de um esquema-mestre conceitual, do qual se espera extrair grande número de regularidades do comportamento social acessíveis ao observador” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 46-47). No início dos anos 50, o modelo de efeitos diretos da mídia na sociedade perde força. Isto a partir do surgimento do conceito de grupo primário, que se baseia “[...] no fluxo de comunicação como um processo em duas etapas, no qual o papel dos ‘líderes de opinião’ se revela decisivo. É a teoria do two-stepflow. No primeiro degrau estão as pessoas relativamente bem informadas, porque diretamente expostas à mídia; no 83 segundo, há aquelas que freqüentam menos a mídia e dependem dos outros para obter informação” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 48). O pesquisador Kurt Lewin se destaca por analisar tal fenômeno, e “ao longo dessas experiências, ganha contornos mais precisos a noção de gatekeeper, ou controlador do fluxo de informação, função que garante o ‘formador de opinião’ informal” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 52-53). O último dos grandes representantes da mass communication research foi Carl Hovland, “conhecido especialmente por seus estudos experimentais sobre a persuasão, durante a Segunda Guerra Mundial”. Trata-se de “pesquisas sobre os meios de aumentar a eficácia da persuasão de massa, por meio de experiências que faziam variar a ‘imagem do comunicador’, a natureza do conteúdo e a contextualização da audiência” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 54). Um dos poucos dissidentes da corrente foi o sociólogo C. Wright Mills, “considerado um dos iniciadores dos american cultural studies, num período histórico em que se formam as bases de dos cultural studies britânicos”, a partir dos anos 50. O pesquisador “mostra-se aberto às contribuições de um marxismo crítico. Suas análises restabelecem a conexão entre a problemática da cultura e a do poder, entre a subordinação e a ideologia, relacionando as experiências pessoais vividas na realidade cotidiana às questões coletivas cristalizadas nas estruturas sociais” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 55-56). 3.2.4 Teoria da informação Na década de 40, o matemático Claude Shannon propõe a existência de um “sistema geral de comunicação”, modelo teórico fundador da corrente epistemológica denominada teoria da informação ou teoria da comunicação ou teoria matemática da informação. O problema da comunicação consiste, segundo o autor, em “reproduzir em 84 um ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, uma mensagem selecionada em outro ponto”. O objetivo é “delinear o quadro matemático no interior do qual é possível quantificar o custo de uma mensagem, de uma comunicação entre dois pólos [emissor e receptor] desse sistema” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 58-59). Inicialmente aplicada ao contexto das máquinas e dos computadores, a teoria da informação foi transformada em objeto de estudo das Ciências da Comunicação. O modelo de Shannon foi finalizado e aprimorado pelo também matemático Warren Weaver. “Com esse modelo, transferiu-se, nas ciências humanas que o adotaram, o pressuposto da neutralidade das instâncias ‘emissora’ e ‘receptora’. A fonte, ponto de partida da comunicação, dá forma à mensagem que, transformada em ‘informação’ pelo emissor que o codifica, é recebida no outro extremo da cadeia” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 60). fonte mensagem transmissor sinal canal sinal receptor mensagem destinatário ruído Figura 3. Modelo matemático da comunicação de Claude Shannon e Warren Weaver Extraída de PIMENTEL, Mariano Gomes; ANDRADE, Leila Cristina Vasconcelos de. Educação a distância: mecanismos para classificação e análise. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2000/texto 16.doc>. Acesso em: 14 jul. 2007. Também nos anos 40, Norbert Wiener lançou as bases da Cibernética, campo científico baseado no conceito de entropia, definida como a “tendência que tem a natureza a destruir o ordenado e precipitar a degradação biológica e a desordem social”. A área apresenta uma visão extremamente progressista, fundada na livre circulação da informação, que, “[...] é por definição incompatível com o embargo ou com a prática do segredo, com as desigualdades de acesso à informação e sua transformação em mercadoria” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 66). 85 A Cibernética é a disciplina que mais implicações diretamente acarretará ao estudo das Ciências da Comunicação, na medida em que, na sua acepção mais lata, toma como objeto a informação e os fenômenos da comunicação na natureza, no homem, na sociedade. A contribuição da área também no desenvolvimento de conceitos como “feedback, controle da informação, output e input nos sistemas” (WIENER, Norbert citado por FERIN, 2002, p. 72). Além do diálogo com a Cibernética, “o modelo sistêmico tem outras repercussões [...] permite ao americano Melvin L. De Fleur, por exemplo, tornar mais complexo o esquema linear de Shannon, evidenciando o papel desempenhado pela ‘retroalimentação’ (feedback) no ‘sistema social’” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 64). Figura 4. Modelo de fluxo comunicacional de Melvin De Fleur Extraída de LEITE, Fernando César Lima. Gestão do conhecimento científico no contexto acadêmico: proposta de um modelo conceitual. 2006. Dissertação (mestrado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Departamento de Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília. Brasília, 2006. p. 65. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/ tde_busca/ arquivo.php?codArquivo=79>. Acesso em: 24 nov. 2007. 86 O estudo do processo de formação das decisões políticas foi a primeira aplicação do sistema geral de comunicação nas pesquisas comunicacionais. “A política é concebida como sistema de entradas e saídas (input-output, ação-retroação) formado por interações com seu meio e que responde adaptando-se melhor ou pior a ele” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 62-63). A teoria da informação repercutiu inclusive na criação de áreas de pesquisa. Abraham Moles, matemático e engenheiro francês, inspirado também pela Cibernética, cria a Ecologia da Comunicação, por ele definida como a “ciência da interação entre espécies diferentes no interior de um dado campo” (MOLES, Abraham citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 64-65). Outra contribuição de Moles consistiu no estudo da interface entre os campos da cultura e da comunicação, no sentido de ampliar os fatores de construção das culturas e na aquisição de conhecimentos. Para o autor, a cultura só “‘assumiu uma importância real a partir do dia em que os meios de comunicação a transformaram uma característica da sociedade - e também uma alavanca desta’”. E todas as indústrias culturais, entre elas a imprensa, a televisão, as bibliotecas e os centros de documentação, conformaram uma nova noção de cultura na modernidade, a cultura-mosaico, a partir da multiplicação das instituições de socialização e da diversificação das fontes de informação (MOLES, Abraham citado por FERIN, 2002, p. 131). 3.2.5 Colégio invisível A corrente epistemológica, no entanto, sofreu algumas objeções, entre elas as análises do chamado colégio invisível, formado na década de 50 por pesquisadores da escola de Palo Alto (São Francisco - Estados Unidos). Este grupo defendia que a comunicação deveria ser estudada pelas ciências humanas a partir de um modelo próprio. A teoria da informação consistia em um esquema limitado para contemplar 87 pesquisa comunicacional, pois “a essência da comunicação reside em processos relacionais e interacionais (os elementos contam menos que as relações que se instauram entre eles)” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 67). O colégio invisível reuniu “antropólogos, psicólogos, terapeutas que se propuseram analisar os comportamentos humanos na perspectiva interactiva dos sistemas de relações em que indivíduos se encontram inseridos”. Nesse contexto, “toda mensagem comporta dois níveis de significação, ou seja, a informação e a relação que existe entre os interlocutores” (FERIN, 2002, p. 26 e p. 27). Segundo um dos principais estudiosos da corrente epistemológica, George Bateson, “a interacção realizar-se-ia ‘como um sistema adaptativo em que o indivíduo alterna papéis complementares de participação (transmissão) e observação (recepção)’”. O autor cunhou o conceito metacomunicação para “distinguir entre as mensagens que constituem uma comunicação e a comunicação que se processa sobre a comunicação” (LITTLEJOHN, S. citado por FERIN, 2002, p. 95). Complementarmente, os estudos de Paul Watzlawick apontam “que cada ser humano tende a considerar a sua realidade construída, a realidade real, não distinguindo a realidade de primeira ordem, perfeitamente objectiva e fenomenal, e a realidade de segunda ordem, vinculada à interpretação construída pelos sujeitos” (FERIN, 2002, p. 97). Mais tarde, o grupo de Filadélfia, liderado por Ray Birdwhistell, irá retomar as bases científicas do colégio invisível. Através da criação de uma nova disciplina, a Cinética, os pesquisadores deste grupo estudam “[...] a comunicação pelo corpo, na medida em que esta revela um comportamento altamente codificado, apreendido no interior de uma cultura particular, utilizando multicanais e ligado a contextos de espaço e tempo” (FERIN, 2002, p. 97). Também na direção de ampliação do espectro dos estudos comunicacionais, Edward T. Hall propõe a criação da Proxémica, cujo objeto de estudo é a percepção e o 88 uso do espaço pelo homem. Para o autor, “a cultura surge como um conjunto de códigos inerentes à concepção social do tempo, à organização do espaço de interacção e à mudança social” (FERIN, 2002, p. 97-98). 3.2.6 Escola de Frankfurt Em 1923, alguns intelectuais alemães fundaram o Institut für Socialforschung (Instituto de Pesquisa Social), filiado à Universidade de Frankfurt, cujos estudos construiriam a corrente epistemológica escola de Frankfurt. Durante a tomada de poder de Hitler, os pesquisadores foram exilados e se transferiram para centros de estudos em Londres, Paris, Genebra e Columbia, onde, na Universidade de Columbia, vislumbraram “uma convergência entre a teoria européia e o empirismo americano” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 75). O núcleo dos estudos de Frankfurt é o conceito de indústria cultural, proposto por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, a partir do “pensamento político marxista sobre a cultura, e os desdobramentos que nele imbricam”. Eles “analisam a produção industrial dos bens culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria” a partir de características como serialização, padronização e divisão do trabalho, que selam “a degradação do papel filosófico-existencial da cultura” (FERIN, 2002, p. 40 e MATTELART e MATTELART, 2000, p. 77-78). A indústria cultural “não é uma ‘cultura surgindo espontaneamente das próprias massas’, uma espécie de forma contemporânea da arte popular, mas sim uma ‘integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores’ onde [...] ‘o consumidor não é rei [...], mas seu objeto’”. Dessa maneira, com a sociedade da indústria cultural promove uma democratização do acesso aos bens culturais, mas não contempla a produção de manifestações culturais (ADORNO, T. W. citado por FERIN, 2002, p. 107). 89 Outro importante pesquisador da escola de Frankfurt, radicado em Paris, Walter Benjamin discordava dos companheiros de Instituto, por considerar que os conceitos de cultura e arte deveriam ser repensados a partir do princípio da reprodução e não simplesmente a partir da relação das tecnologias com a derrocada dos paradigmas culturais e artísticos. Para ele, “com certeza, o modo industrial de produção da cultura corre o risco da padronização com fins de rentabilidade econômica e controle social. Nem por isso a crítica legítima da indústria cultural deixa de estar estreitamente ligada à nostalgia de uma experiência cultural independente da técnica” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 79). A crítica de Benjamin se fundamenta na concepção de cultura de Frankfurt, na qual “existiriam formas superiores de cultura - como a pintura, o teatro, o cinema e a literatura - e funções superiores de cultura, inerentes ao ritual e ao sagrado”. Trata-se do “conceito de ‘obra de arte’, não reprodutível, possuidora de aura, valor cultural e autenticidade” (BENJAMIN, Walter citado por FERIN, 2002, p. 108). No campo da Sociologia, mas também com estudos voltados ao fenômeno comunicacional, Herbert Marcuse exerceu críticas às novas formas de dominação política, fundamentadas no discurso midiático. Segundo suas pesquisas, “[...] sob a aparência de um mundo cada vez mais modelado pela tecnologia e pela ciência, manifesta-se a irracionalidade de um modelo de organização da sociedade que subjuga o indivíduo, em vez de libertá-lo” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 81). A escola de Frankfurt dispensara mais atenção aos estudos filosóficos e sociológicos até o surgimento das pesquisas históricas de Jürgen Habermas. O autor provocou uma mudança no conceito de opinião pública, que passou a ser caracterizada como “espaço de mediação entre Estado e sociedade que permite a discussão pública em um reconhecimento comum da força da razão e a riqueza da troca de argumentos entre indivíduos, confrontos de idéias e de opiniões esclarecidas”. No atual cenário das 90 Ciências da Comunicação, tal formulação teórica é essencial para área de Publicidade, por exemplo (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 82). A partir desta concepção de espaço de mediação, Habermas desenvolve os conceitos “situação comunicacional ideal” e teoria do agir comunicativo. O autor “propõe ainda a distinção ‘entre o agir orientado para a compreensão que se desenvolve, mediante a linguagem, na base de acordos racionalmente motivados acerca de exigências específicas de validade, e o agir orientado para o sucesso, no qual estão incluídas as formas do agir instrumental, ou agir de tipo técnico, não social e as do agir estratégico, de tipo social’” (FERIN, 2002, p. 61). 3.2.7 Estruturalismo A partir da década de 40, as pesquisas comunicacionais convergem para o estruturalismo, corrente epistemológica extremamente abrangente e interdisciplinar, que “estende as hipóteses de uma escola lingüística a outras disciplinas das ciências humanas”, como, por exemplo, a Antropologia, a História, a Literatura, a Psicanálise e as Ciências da Comunicação (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 86). Os estruturalistas “fundamentam a sua metodologia na busca da estrutura, isto é, na procura das relações constantes entre os diversos elementos, assim como na identificação da dinâmica criada entre a dimensão sincrónica e a dimensão diacrónica”. Esta estrutura pode ser entendida como a sociedade, um organismo “[...] que dita regras à constituição das formas culturais, tanto como às da ordem social” (CRESPI, F. citado por FERIN, 2002, p. 41). O fundador da Lingüística, Ferdinand de Saussure, sonhara com “uma ciência geral de todas as linguagens (faladas ou não), de todos os signos sociais”. No entanto, apenas após algumas décadas, em meados dos anos 50, coube a Roland Barthes fixar as grandes linhas deste projeto, a partir da Semiologia. “A semiologia tem por objeto todo o 91 sistema de signos, qualquer que sejam seus limites: as imagens, os gestos, os sons melódicos, os objetos e os complexos dessas substâncias que encontramos em ritos, protocolos ou espetáculos constituem, se não ‘linguagem’, ao menos sistemas de significação”. Barthes “[...] pretendia captar, através da análise semiológica, as mistificações ideológicas, isto é a produção social de significações, que estavam subjacentes à cultura de massa” (BARTHES, Roland citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 86-87, e, FERIN, 2002, p. 55). O primeiro lingüista a utilizar o termo estrutura foi Roman Jakobson, a partir da fundamentação de algumas regras de funcionamento da linguagem. Segundo ele, o esquema do processo comunicacional apresenta seis elementos que correspondem, respectivamente, a seis funções: “[1] o ‘emissor’ determina a função expressiva; [2] o destinatário, a função conativa (que só pode se definir de maneira tautológica: função da linguagem à medida que essa visa ao destinatário); [3] a mensagem, a função poética (que engloba todas as grandes figuras da retórica); [4] o contexto determina a função referencial; [5] o contato, a função fática, que tende a verificar se a escuta do destinatário efetivamente se estabeleceu; [6] o código, a função metalingüística, que incide sobre a linguagem tomada como objeto (por meio dele, emissor ou destinatário verificam se utilizam o mesmo léxico, a mesma gramática)” (JAKOBSON, Roman citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 88-89). A proposta de Jakobson “[...] reforçou a concepção de comunicação enquanto processo linear, reduzindo os contextos aos referentes imediatos do acto comunicativo e impossibilitando, deste modo, uma abordagem mais lata em função da sociedade e da cultura” (FERIN, 2002, p. 54). O estruturalismo ganhou força no âmbito da Comunicação a partir de estudos conduzidos em inúmeras instituições de diferentes lugares do mundo. Na França, em 1960, é criado o Centre d'Études de Communication de Masse (CECMAS) da Ecole Pratique des Hautes Etudes. Entre os principais pesquisadores do 92 CECMAS estavam Roland Barthes, cujo trabalho foi baseado na Lingüística, e, Georges Friedman, que buscou “se dedicar aos problemas da civilização tecnicista, a seus ‘fenômenos de massa’: produção e consumo de massa; audiência de massa; surgimento do tempo do não-trabalho; generalização do lazer”. Outro nome de destaque foi Edgar Morin, cujas pesquisas, desde o início da década de 70, “orientaram-se cada vez mais para a cibernética, a teoria dos sistemas e as ciências cognitivas” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 91-93). Morin define cultura de massas como “um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projecções e de identificações específicas”, que dialoga com as variáveis culturais da complexa pluralidade das sociedades. Diferentemente de culturas como a escolar e a nacional, a cultura de massas caracteriza-se “por estar associada ao consumo, ao prazer e ao desejo, não se impondo por qualquer forma de coacção aparente, mas por vontade pessoal expressa” (MORIN, Edgar citado por FERIN, p. 132 e p. 133). Também nos anos 60, na Itália, surge o Instituto A-Gemelli, cujos pesquisadores, entre eles Umberto Eco, “[...] empenhar-se-ão de maneira mais constante do que os semiólogos franceses nas pesquisas sistemáticas sobre os fenômenos da comunicação e da cultura de massa” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 92). Como afirma Isabel Ferin, “os estudos lingüísticos contribuem com muitos dos conceitos e teorias utilizados hoje para a compreensão dos fenómenos da comunicação e da cultura - tanto numa perspectiva teórica, como operatória e de senso comum”. Tratase de uma estreita relação científica, que conduz, entre outras atividades, “à interpretação dos códigos verbais e visuais, à compreensão das mensagens, à análise de conteúdos e dos discursos” (FERIN, 2002, p. 52). Além do paradigma lingüístico, outra vertente do estruturalismo comunicacional foi a releitura dos textos do Marxismo, principalmente sob a liderança do filósofo Louis Althusser. Nos seus estudos os “aparelhos significantes (escola, Igreja, mídia, família etc.) 93 têm por função assegurar, garantir e perpetuar o monopólio da violência simbólica, que se exerce sob o manto de uma legitimidade pretensamente natural” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 93-96). Tal imposição simbólica dos poderes institucionais também foi objeto de estudo do sociólogo Pierre Bourdieu. “Suas análises das atitudes e práticas culturais se baseiam na noção de habitus, termo que designa sistema estável de disposições a perceber e agir, que contribui para reproduzir uma ordem social estabelecida, em suas desigualdades”. Assim, cabe à cultura exercer o papel de “campo de lutas entre grupos, com o objectivo de manter determinados privilégios distintivos” (BOURDIEU, Pierre citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 96, e, FERIN, 2002, p. 47). Outro ponto de discussão desta questão é o estabelecimento da nova ordem mundial, denominada sociedade do espetáculo e da abundância, e a relação dos diferentes países e regiões com este novo modelo de organização social. 3.2.8 Sociedade do espetáculo Os estudos de Guy Debord indicaram que “a sociedade portadora do espetáculo não domina as regiões subdesenvolvidas apenas por sua hegemonia econômica. Ela as domina como sociedade do espetáculo”. Para o autor, “os indicadores destas alterações encontram-se na preferência concedida à imagem, à cópia, à representação e à aparência, em detrimento, respectivamente, da coisa, do original, da realidade e do ser” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 94 e FERIN, 2002, p. 110). O conceito de controle social ganha contornos midiáticos com as teses de Michel Foucault. “O modelo de organização em ‘panóptico’, utopia de uma sociedade, serve nessa perspectiva para caracterizar o modo de controle exercido pelo dispositivo televisual: um modo de organizar o espaço, controlar o tempo, vigiar continuamente o 94 indivíduo e assegurar a produção positiva de comportamentos” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 98). Em 1970, Wolfgang Enzensberger inclui o papel da classe política nas reflexões sobre a comunicação. Segundo ele, nem mesmo a visão moderna da nova esquerda, categoria de políticos radicados na Europa, “reduziu o desenvolvimento da mídia a um simples conceito - o da manipulação” (ENZENBERGER, Wolfgang citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 99). Em diálogo direto com a obra de Enzensberger, Jean Baudrillard aprofunda e radicaliza as análises do papel da mídia na conformação das relações e do extrato social. “Toda a arquitetura atual dos meios de comunicação de massa funda-se nessa última definição: eles são o que proíbe para sempre a resposta, o que torna impossível todo o processo de troca (a não ser sob a forma de simulação de resposta, ela própria integrada ao processo de emissão, o que não muda nada quanto à uniteralidade da comunicação). Nisso consiste sua verdadeira abstração [em] que se baseia o sistema de controle social e de poder”. Na visão do pesquisador, “na sociedade ocidental o consumo é um modo activo de relação - não apenas com objetos, mas com a coletividade e com o mundo - um modo de actividade sistemática e de resposta global no qual se funda todo o sistema cultural” (BAUDRILLARD, Jean citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 100-101, e, FERIN, 2002, p. 110). 3.2.9 Cultural studies A transição entre as décadas de 60 e 70 é o momento de constituição de mais uma corrente epistemológica das Ciências da Comunicação, denominada cultural studies. A origem distante desta tendência foi o conjunto de pesquisas do crítico literário Frank Raymond Leavis, baseadas na “análise textual, na pesquisa do sentido e dos valores socioculturais” da literatura (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 100-101). 95 A trajetória de pesquisa dos cultural studies pode ser agrupada em três principais períodos. Nos anos 50 e 60, ao “enfatizar as práticas cotidianas como formas de resistência ao capitalismo industrial”, e, a partir do caráter ideológico da cultura, “predominaram os estudos sobre as relações e análise de classe”. “Nos anos 60, e em função dos desenvolvimentos da Lingüística e da Semiótica, o Centro [...] vira-se para a análise dos discursos”. Na transição para a década de 70, a corrente “incorpora, por diferentes vias, a perspectiva antropológica e sociológica do Interacionismo da Escola de Chicago e a noção de hegemonia advinda de Gramsci” (FERIN, 2002, p. 137-138). Precisamente a partir de 1964, a corrente epistemológica ganha mais força, com a criação do Centre of Contemporary Cultural Studies (CCCS), vinculado à Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Se anteriormente a pesquisa comunicacional era dependente dos estudos de pesquisadores isolados, com o estruturalismo e com os cultural studies, o percurso das Ciências da Comunicação se desenvolve a partir de centros de estudos em nível acadêmico, com a participação de inúmeros cientistas, o que denota a formação de uma intensa rede de comunicação científica (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 100-101). Raymond Williams é considerado um dos pioneiros dos cultural studies, em primeiro lugar por definir que “a cultura é um processo global por meio do qual as significações são social e historicamente construídas” e também pela distinção entre cultura e outras práticas sociais. A principal crítica a estas idéias vem de outro pioneiro da área, Edward P. Thompson, que abandona o uso do termo cultura no singular, “ao passo que o trabalho dos historiadores revela tratar-se de culturas no plural, e que a história é feita de lutas, tensões e conflitos entre culturas e modo de vida, conflitos intimamente ligados às culturas e formações de classe”. O terceiro pioneiro foi Richard Hoggart, cuja obra “é ao mesmo tempo um elogio das formas tradicionais das comunidades da classe operária de onde ele saiu, que resistem à cultura comercial e uma 96 crítica severa às expressões dessa cultura” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 104106). A base conceitual desta corrente foi formada por múltiplas influências, no entanto, duas tendências podem ser claramente identificadas. A primeira é a influência do interacionismo social da escola de Chicago, a partir da preocupação de “analisar valores e significações vividas, maneiras pelas quais as culturas dos diferentes grupos se comportam diante da cultura dominante, ‘definições’ que dão os atores sobre sua própria ‘situação’”. Em segundo lugar, os cultural studies dialogam com a “tradição etnográfica britânica que renovou a maneira de fazer história social, a saber, a partir ‘de baixo’, criando ateliês de história oral, associando-se aos trabalhos das feministas sobre as mulheres” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 106-107). Justamente na relação entre as classes sociais surge outra referência, o conceito de hegemonia do filósofo italiano Antonio Gramsci. “A hegemonia é a capacidade de um grupo social assumir a direção intelectual e moral sobre a sociedade, sua capacidade de construir em torno de seu projeto um novo sistema de alianças sociais, um novo ‘bloco histórico”. Com isto, o autor traz “ao primeiro plano a questão da sociedade civil como distinta do Estado” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 108). No entanto, Gramsci ressalta que apesar da “cultura hegemônica exercer um papel coercitivo e dominador, sempre no limite do seu equilíbrio, por outro lado, as culturas populares apresentam ‘uma espessura e uma presença sociocultural específicas’ aliadas a uma ‘capacidade de resistência, adaptação e modificação das relações que mantêm com a cultura hegemônica’” (LOPES, M. I. V. de e GRAMSCI, Antonio citados por FERIN, 2002, p. 109). Além das pesquisas de Birmingham, os cultural studies também foram desenvolvidos por estudiosos de outras origens. Charlotte Brundson e David Morley, por exemplo, fazem um estudo sobre a correlação entre os programas de humor da televisão e as representações de gênero, de classe social e de grupos étnicos. Já Stuart Hall avança 97 na pesquisa crítica sobre os meios de comunicação de massa, analisando sobretudo o seu papel ideológico (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 109-111). Hall também aponta para uma distinção entre a concepção estruturalista e a visão estrutural da cultura. Segundo o autor, “enquanto a concepção estruturalista dá ênfase aos traços estruturais internos das formas simbólicas”, a visão estrutural da cultura tem como objetivo “o estudo das acções, objectos e expressões significativas em contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados”. Esta diferenciação é um exemplo da interligação dos cultural studies com “conceitos e metodologias advindas do estruturalismo” (THOMPSON, J. B. citado por FERIN, 2002, p. 44 e p. 111). 3.2.10 Economia política da comunicação Em meados da década de 60, a reflexão acerca do “desequilíbrio dos fluxos de informação e de produtos culturais” continua vigente em outra corrente epistemológica, denominada economia política da comunicação. Diferentemente do estruturalismo e dos cultural studies¸ a economia política rompe com as teses marxistas, sobretudo a partir da adoção da idéia das indústrias culturais. “A passagem do singular ao plural revela o abandono de uma visão demasiada genérica dos sistemas de comunicação. No momento em que as políticas governamentais de democratização cultural e a idéia de serviço e monopólio públicos são confrontadas com a lógica comercial num mercado em vias de internacionalização, trata-se de penetrar na complexidade dessas diversas indústrias para tentar compreender o processo crescente de valorização das atividades culturais pelo capital” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 113). Herbert Schiller defendeu e introduziu nesse debate o importante conceito de imperialismo cultural. Trata-se do “conjunto de processos pelos quais uma sociedade é introduzida no sistema moderno mundial, e a maneira pela qual sua camada dirigente é levada, por fascínio, pressão, força ou corrupção, a moldar as instituições sociais que 98 correspondam aos valores e estruturas do centro dominante do sistema, ou ainda para lhes servir de promotor dos mesmos” (SCHILLER, Herbert citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 113). Nesse período, a América Latina apresenta um desenvolvimento intenso dos meios de comunicação e dos estudos dos seus impactos sociais. A principal contribuição científica dos latino-americanos à economia política da comunicação é a criação da teoria da dependência, que, entre outros aspectos, aborda a “a margem de manobra e o grau de autonomia creditados a cada nação em relação às determinações do sistemamundo”. Outro viés de pesquisa é a comunicação popular, a partir de trabalhos como o de Paulo Freire no Brasil (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 118-119). “Sustentado pelo movimento dos países não-alinhados, o debate sobre os desequilíbrios de fluxos e trocas [da informação] atinge a comunidade internacional como um todo nos anos 70, década da ‘nova ordem mundial da informação e da comunicação’ (NOMIC)”. E a principal mudança ocorre também no âmbito das pesquisas científicas, que, ganham contornos regionais e locais, em virtude da necessidade de “representações de desenvolvimento formuladas por aqueles que se faziam sujeito do próprio desenvolvimento” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 120-121). Já na segunda metade da década de 70, pesquisadores franceses retomam a discussão sobre as indústrias culturais, e de maneira bastante incisiva. Um grupo de estudos liderado por Bernard Miège aponta a diversidade de interesses dos inúmeros setores das indústrias culturais, “nas modalidades de organização do trabalho, na caracterização dos próprios produtos e de seu conteúdo, nos modos de institucionalização das diversas indústrias culturais (serviço público, relação público/privado etc.), no grau de concentração horizontal e vertical das empresas de produção e distribuição, ou ainda na maneira pela qual os consumidores ou usuários se 99 apropriam de produtos e serviços” (MIÈGE, Bernard citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 122-123). A partir de uma perspectiva mais tecnológica, Patrice Flichy “dedica-se a compreender essa ‘cultura de onda’, esse continuum de emissões - no qual cada elemento conta menos em si mesmo do que pelo conjunto da programação oferecida que caracteriza a economia audiovisual” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 123). A repercussão da economia política da comunicação atingiu patamares internacionais. Na França, a corrente “pretendia suprir as carências da semiologia da primeira geração, atenta antes de mais nada aos discursos como conjuntos de unidades fechadas sobre si mesmas e que contêm os princípios de sua construção”. Na GrãBretanha ocorreu “uma polêmica aberta com a corrente dos cultural studies, acusada de privilegiar de maneira isolada o nível ideológico”. Também são fortes e destacados os pólos de pesquisa da corrente epistemológica no Canadá e na Espanha (GARNHAM, Nicholas citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 123). Em um destes estudos, o canadense Dallas Smythe, especialista em televisão, “irritara-se com os malefícios das teorias que só a viam como lugar de produção de estratégias discursivas, de ideologia. Smythe defendia a idéia contrária, de que a televisão é, antes de mais nada, em qualquer contexto que seja, uma ‘produtora de audiências vendáveis aos publicitários’”. “O pesquisador britânico Nicholas Garnham rebatia, dizendo que essa posição deixava de levar em conta a dimensão política e cultural da televisão, que lhe constitui tanto quanto sua lógica econômica” (GARNHAM, Nicholas citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 124-125). Justamente as novas tecnologias da informação e da comunicação e os meios de comunicação eletrônica, como a televisão, suscitam uma nova discussão dentro da economia política. Marshall McLuhan, por exemplo, propõe o conceito de aldeia global para explicar a força da mídia na conformação da organização da ordem mundial, poder advindo principalmente da sua capacidade de impulsionar o progresso. A partir deste 100 momento histórico, “o imperativo técnico comanda a transformação social” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 125-128). A única fragilidade dos estudos de McLuhan parece ser a ausência de uma relação complementar entre a aldeia global e as identidades locais. Apesar disso, o autor se destaca no campo da Comunicação por colocar “pela primeira vez os media no centro do desenvolvimento cultural e social” e por evidenciar “que as mudanças sociais e culturais não podem se explicar sem referência ao contexto sociológico em que se inserem” (FERIN, 2002, p. 130). 3.2.11 Sociologia interpretativa As correntes epistemológicas das Ciências da Comunicação, com algumas exceções, como a escola de Chicago, geralmente se destacaram por uma abordagem estrutural e universalista (macro) da questão comunicacional. No entanto, ainda na década de 60, surgiram “metodologias que consagravam outras unidades de análise, a pessoa, o grupo, as relações intersubjetivas na experiência da vida cotidiana”, através da discussão “sobre o risco de reificar os fatos sociais, sobre o papel do ator em relação ao sistema e o grau de autonomia das audiências diante do dispositivo de comunicação”. Trata-se de uma nova corrente epistemológica, denominada sociologia interpretativa, fundamentada em modelos como o interacionismo simbólico e a etnometodologia (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 131). A etnometodologia, segundo Harold Garfinkel, “analisa as atividades do dia-a-dia como sendo métodos dos membros [de um grupo] para tornar essas mesmas atividades visíveis-racionais-e-relatáveis (no sentido de que se pode dar conta delas) - para-finspráticos, ou seja, observáveis e descritíveis”. “O fato social não mais está dado, portanto. É o resultado da atividade dos atores para conferir sentido à sua prática cotidiana. O 101 esquema da comunicação substitui o da ação” (GARFINKEL, Harold citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 133; p. 134). Dessa forma, ganham importância estudos como o de Harvey Sacks, concernente à análise da conversação. “Lugar privilegiado das trocas simbólicas, a conversa é abordada como uma ação, não mais para o estudo da língua, mas como prática lingüística, para que se compreenda como os locutores constroem as operações dessa forma predominante de interação social e se desvendem os procedimentos e as expectativas pelos quais essa interação se produz e é compreendida” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 134). O modelo etnometodológico também sofreu influências do sociólogo austríaco Alfred Schütz, a partir da utilização do conceito de estoques do conhecimento. “Esses estoques de saber disponíveis no cotidiano e no ‘mundo da vida’ são distribuídos de maneira diferencial, criando uma diversidade de conhecimento na ação e na interação, conforme o indivíduo, os grupos, as gerações e os sexos” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 135). Outra contribuição parte do sociólogo britânico Anthony Giddens, que “propõe uma ‘teoria da estruturação’ que incorpore a reflexão etnometodológica sobre a ‘consciência prática’ e as metodologias de ação e permita pensar a imbricação entre práticas e estrutura, ação e instituição, as relações concretas entre práticas e coerções externas, entre indivíduo e totalidade social, entre micro e macro” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 138-139). Com o filósofo John L. Austin, “a etnometodologia é influenciada pela teoria dos atos da fala, que reabilita à condição de ator do discurso o sujeito excluído dos jogos dos signos”. Nesta abordagem, “a linguagem não é somente descritiva; é também ‘performativa’, isto é, voltada para a realização de alguma coisa. Pode-se afirmar que sua verdadeira função é formativa” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 140). 102 Também a partir desta visão de desmistificação da linguagem, Ludwig Wittgenstein “dedica-se a compreender as regras do saber comum, esse saber que ‘conhece a regra’, que conhece o How to go on, ou seja, a capacidade do saber prático que possui o usuário para realizar as rotinas da vida social”. Segundo o autor, “a linguagem não mais é descritiva em suas estruturas formais, mas no uso prático que dela se faz na vida cotidiana” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 140-141). A inclusão das questões da linguagem e da fala na agenda das Ciências da Comunicação suscitou inúmeras propostas de teorias e explicações, sobretudo formulações de organização das disciplinas relacionadas à área. Entre estas propostas, Aaron Victor Cicourel sugere “uma vasta aliança entre a sociologia, a antropologia, a lingüística e a filosofia, em torno de uma ‘antropossociologia’”. No entanto, Cicourel ressalta algumas barreiras a serem superadas para o estabelecimento da nova área, principalmente a correlação entre a “análise limitada a atos da fala bastante concretos”, originária da Lingüística, e, a “análise de situações de interação complexas”, proveniente da Sociologia (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 141). A síntese mais conhecida desta discussão é a sociologia crítica do agir comunicativo, de Jürgen Habermas. Segundo esta teoria, “ação e interação não mais são vistas unicamente como produção de efeitos, mas analisadas como associadas a tramas simbólicas e contextos lingüísticos”. Além da ação racional e instrumental, o autor preconiza que existem outros modos de ação e de relação com o mundo: “a ação objetiva e cognitiva que se impõe dizer a verdade, a ação intersubjetiva que visa à correção moral da ação, a ação expressiva que supõe a sinceridade” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 142-143). O outro modelo científico sob a égide da sociologia interpretativa, o interacionismo simbólico, se detém com maior atenção à “natureza simbólica da vida social”. Em 1969, Herbert Sacks funda as três premissas fundamentais deste modelo: “[1] os seres humanos agem em relação às coisas com base nas significações que elas têm para 103 eles”, “[2] a significação dessas coisas deriva ou surge da interação social de um indivíduo com outros atores”, e, “[3] essas significações são utilizadas em, e modificadas por meio de, um processo de interpretação realizado pelo indivíduo em sua relação com as coisas que ele encontra” (BLUMER, Herbert citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 135). Nesse sentido, Erving Goffman afirma que o indivíduo “tende a encenar papéis sociais em conformidade com normas estabelecidas na sociedade e em função de padrões culturalmente definidos, o que transforma os processos de comunicação interpessoal e as práticas culturais em elementos por excelência de manutenção da cena social” (FERIN, 2002, p. 79-80). O interacionismo simbólico “desenvolve a idéia de que o indivíduo é tanto um produto social e cultural como uma força ativa de criação de formas culturais”. E, para completar, de acordo com George Herbert Mead, “a pessoa age então socialmente, através de um processo complexo e indissociável que envolve a reflexão sobre o si mesmo, a interiorização do papel do Outro”. Na mesma linha de pensamento, Herbert Blumer focaliza “as acções e interacções de grupo sublinhando o papel individual nestes contextos e propondo a distinção de conceitos como massa, multidão e opinião em função da noção de ‘meio’ em que se realizam as interacções” (FERIN, 2002, p. 81 e 82). 3.2.12 Etnografia das audiências Com a sociologia interpretativa a pesquisa em Ciências da Comunicação inicia uma trajetória de valorização do indivíduo enquanto sujeito ativo no processo comunicacional. Porém, tal tendência se consolida de fato com a corrente epistemológica denominada etnografia das audiências, cujos estudos convergem para o papel do público dos meios de comunicação de massa. 104 Para Mikhail Bakhtin, “a linguagem é o campo de tensões e interesses conflituais. As avaliações de um discurso e as respostas individuais a um enunciado estão longe de ser uniformes. Encontram-se em constante transformação, de acordo com a história e a evolução da subjetividade” Isto porque a linguagem está atrelada “em redes de relações sociais inscritas em sistemas políticos, econômicos e ideológicos”, que dialogam com as questões do sujeito usuário dos signos e dos significados (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 145-146). A primeira ocorrência científica da etnografia das audiências é o trabalho de Hans Robert Jauss sobre a estética da influência e da recepção. O autor “compreende por ‘influência’ a parte que cabe ao texto na definição da leitura e de sua consumação por parte do leitor, receptor, público, ‘parceiro’ indispensável da obra literária. Por ‘recepção’ compreende as ‘sucessivas concretizações de uma obra’, a relação entre texto e leitor, a liberar em cada época o potencial semântico-artístico da obra e inscrevê-lo na tradição literária” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 146). Nesta mesma linha, Jean Paul Sartre indica o “esforço conjugado entre o autor e o leitor, que fará surgir esse objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito” (SARTRE, Jean Paul citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 146-147). Para Umberto Eco, “o artista producente sabe que a estrutura, com seu objeto, uma mensagem, não pode ignorar que trabalha para um receptor. Sabe que esse receptor interpretará o objeto-mensagem perfilando todas as suas ambigüidades, mas não se sente por isso menos responsável por essa cadeia de comunicação” (ECO, Umberto citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 147). O autor desenvolve também o conceito de obra aberta, “um conceito que permite atribuir a uma obra um indeterminado número de interpretações, através da improbabilidade das suas mensagens”. Originalmente formulado para os estudos da arte e da literatura, o conceito se expandiu para os meios de comunicação de massa, com a função de analisar os valores estéticos e narrativos, o espaço, o tempo e a relação de cada 105 meio com o seu fruidor. Tal análise das narrativas e dos gêneros comunicacionais aponta a dupla função das pesquisas do autor, que, ao mesmo tempo, é teórico e prático, ao contribuir tanto com o campo científico e quanto com a esfera profissional da Comunicação (FERIN, 2002, p. 134 e 135). No âmbito dos estudos dos meios de comunicação eletrônica, o trabalho de David Morley “destaca o lugar ocupado pela televisão nas atividades de lazer dos diversos membros da família, as leituras particulares, a distribuição desigual do poder de decisão na escolha dos programas, os horários, os diferentes comportamentos de recepção” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 148). O estudo das influências da televisão foi uma das principais forças da etnografia das audiências. Através de pesquisas conduzidas pelo próprio Morley, em conjunto com Janice Radway e Laura Mulvey, entre outros, constituiu-se uma tendência de estudos feministas da comunicação. “A reflexão sobre as interações texto/contexto/público feminino volta-se rapidamente para o estudo dos gêneros que a televisão destina de modo particular a essa categoria de audiência”, com atenção especial à novela (MATTELART, Michèle citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 149). Em uma reflexão epistemológica sobre a pesquisa das audiências, Clifford Geertz indica que “a análise dos sistemas simbólicos não é pois uma ‘ciência experimental em busca de leis, mas uma ciência interpretativa em busca de significações’, e é preciso aceitar a condição intrinsecamente fragmentária e incompleta da análise cultural” (GEERTZ, Clifford citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 150). A Sociologia também apresenta pesquisas sobre a influência e a recepção dos meios de comunicação, principalmente, a partir dos estudos da teoria uses and gratifications. Segundo esta vertente, à mídia cabe “o papel de ‘mestre-de-cerimônias’ ou ainda de um quadro de avisos no qual viriam a se inscrever os problemas que devem constituir o objeto de debate em uma sociedade”. Não existe, portanto, uma transferência direta e imediata das questões pautadas pelos meios de comunicação para a 106 vida cotidiana das pessoas. Pelo contrário, “a ‘seletividade’ dos receptores constitui obstáculo” indispensável para adesão do público às mensagens midiáticas (KATZ, Elihu citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 150-151). Outro fator da eficiência da influência dos meios de comunicação é a proximidade da pessoa com o assunto, fato, idéia ou tema discutido pela mídia. “A experiência direta, imediata e pessoal de um problema torna-o suficientemente saliente e significativo, a ponto de atenuar, em segundo plano, a influência cognitiva da mídia” (ZUCKER, H. citado por WOLF, 2005, p. 155-156). Embora discreta, pois não devidamente divulgada e propagada, a grande contribuição da etnografia das audiências foi discutir o poder institucional dos meios de comunicação de massa, através da valorização dos processos de escolha e de coparticipação dos receptores da informação. Questões como concorrência entre empresas e entre diferentes mídias, comércio desigual, e, hegemonia cultural, entre outras, cedem espaço aos estudos do consumidor e do público dos meios de comunicação (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 152-153). 3.2.13 Escola Latino-Americana de Comunicação No início da década de 60, pela primeira vez, é possível identificar uma corrente epistemológica das Ciências da Comunicação na América Latina. Os estudos anteriores eram conduzidos isoladamente e apontavam para direções não consistentes entre si. A pesquisa baseava-se nas inúmeras questões levantadas pela produção internacional, sem correlacionar-se estreitamente com a realidade local. A Escola Latino-Americana de Comunicação (ELACOM) aponta para um viés de crescimento da área no âmbito regional. “As primeiras pesquisas de comunicação na América Latina surgem em ambientes tipicamente profissionais”, em trabalhos como estudos da opinião pública, análises de audiência da mídia, e, pesquisas de persuasão dos 107 consumidores, além de abordagens relacionadas ao jornalismo político e eleitoral (MELO, 2003, p. 41, 68 e 69). No começo dos anos 70, a UNESCO ofereceu o principal impulso para fortalecer uma comunidade acadêmica regional na área, através da criação de programas de investigação sobre informação e comunicação. Na visão dessa organização, a comunicação consistia em especial fator de desenvolvimento social e econômico, além de preponderante para a democratização, uma vez que, na época, os países latinoamericanos encontravam-se sob a égide de ditaduras militares. A produção científica refletiu esse contexto com “pesquisas funcionalistas descritivas sobre políticas de informação e comunicação nacionais e internacionais” (LOPES, M. I. V. de citada por FERIN, 2002, p. 141). A ELACOM apresenta intensa produção científica nas décadas seguintes, sobretudo com reflexões sobre as especificidades da comunicação na sociedade latinoamericana, e, nos anos 80, se consolida como uma verdadeira comunidade acadêmica, inclusive com projeção internacional (MELO, 2003, p. 41-42). Nesse período, as Ciências da Comunicação ganham espaço também nas universidades e institutos de pesquisa, como o importante Centro de Internacional Estudios Superiores de Comunicación para América Latina (CIESPAL), vinculado a UNESCO, criado em 1959 no Equador (MELO, 2003, p. 70). Os marcos teóricos desse fortalecimento institucional foram os estudos do pesquisador boliviano Luis Ramiro Beltrán, consultor da UNESCO para a América Latina, as pesquisas de Daniel Lerner e Wilbur Schramm, sobre as desigualdades da comunicação internacional, e, outros trabalhos também financiados pela UNESCO, como o Relatório McBride e as pesquisas de Armand e Michèle Mattelart (FERIN, 2002, p. 142). Tematicamente, as vertentes e abordagens da pesquisa latino-americana são variadas. “Confluem em seus marcos teóricos dois paradigmas dominantes: a teologia da 108 libertação e a denúncia do imperialismo cultural”, mas “também estão presentes, porém com menor impacto intelectual, as metodologias herdadas do funcionalismo norteamericano”. A escola de Frankfurt, no entanto, “é a corrente que mais fascina os cientistas latino-americanos da comunicação” (MELO, 2003, p. 71-72). Outra matriz conceitual da corrente é a obra de Gramsci, a partir da qual as investigações latino-americanas “tendem a conferir à cultura popular o papel de cultura de resistência, levando, posteriormente, ao desenvolvimento de novas concepções sobre os efeitos dos media na sociedade” (FERIN, 2002, p. 111). A expressão dos problemas comunicacionais latino-americanos encontra espaço e se desenvolve com destaque na obra de dois pesquisadores, Nestor García Canclini, responsável pelo conceito de culturas híbridas, e, Jesus Martín-Barbero, que reformulou o conceito de mediação (FERIN, 2002, p. 144). No conceito de Nestor García Canclini, as culturas híbridas “[...] resultam de muitos fatores concorrentes, de caráter histórico e social, inerentes à formação dos diversos países [da América Latina], nomeadamente as peculiaridades derivadas de colonizações ibéricas, dos cruzamentos entre indígenas e grandes contingentes de imigrantes advindos da África, da Europa, e, mais recentemente, da Ásia”. Tal hibridez foi potencializada a partir do processo de industrialização destes países, quando também houve um crescimento no acesso aos produtos culturais e aos modelos de trabalho estrangeiros. O sistema político então vigente na América Latina eram as ditaduras militares, que, contraditoriamente, com o objetivo de defender as culturas nacionais, “[...] criaram condições para o surgimento de empresas e produtos alternativos de natureza híbrida, em oposição aos de inspiração norte-americana” (FERIN, 2002, p. 144). Jesus Martin-Barbero analisa o processo de mediação a partir da cultura popular das periferias urbanas, formadas por camponeses e imigrantes. O autor investiga “a articulação existente entre os processos de produção dos media e as suas rotinas de 109 utilização no contexto familiar, comunitário e nacional”, isto porque “as mediações implicam um processo no qual o discurso narrativo dos media se adapta à tradição narrativa popular do mito e do melodrama, e as audiências aprendem a reconhecer a sua identidade cultural coletiva nesse mesmo discurso” (FERIN, 2002, p. 145-146). 3.2.14 Estudos brasileiros A pesquisa em Comunicação no Brasil surgiu por volta do fim do século XIX, no entanto, o campo se institucionalizou a partir da década de 40. Para analisar esta história, José Marques de Mello propõe a organização da área em cinco fases: 1desbravamento (1873-1922); 2- pioneirismo (1923-1946); 3- fortalecimento (1947-1963); 4- consolidação (1964-1977); 5- institucionalização (1978-1997). Para abranger os estudos contemporâneos podemos acrescentar mais uma fase à proposta do autor: 6crescimento (1997-2007) (MELO, 2003, p. 144). No estágio de desbravamento, prevalecem os estudos liderados por “intelectuais que se valem da imprensa para disseminar idéias e conhecimentos”. Alfredo de Carvalho é o principal responsável pelo “primeiro projeto de ‘pesquisa integrada’ realizada no Brasil, repertoriando informações sobre toda a imprensa do país”, no fim do século XIX e no início do século XX. O autor continua o trabalho de pesquisa de José Higino Duarte Pereira, cujo objeto de estudo foi a tipografia pernambucana, fundada a partir da invasão holandesa (MELO, 2003, p. 145 e p. 149). Tratava-se de um inventário de documentos, jornais, gazetas e livros publicados no Brasil deste período. Cabe ressaltar que outras iniciativas similares já tinham sido empreendidas por outros pesquisadores localizadamente. Em todas elas “estamos, ainda, no território restrito do ensaísmo, produzindo conhecimento oriundo da análise documental, mesmo assim ancorado em fontes secundárias” (MELO, 2003, p. 151). 110 A fase seguinte é marcada pelo pioneirismo e “acena em direção ao empirismo, apesar de persistir uma certa hegemonia ensaística” Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho “escreve o primeiro tratado do jornalismo brasileiro, fazendo generalizações e extrapolações que foram se confirmando com o passar dos anos. Nesse sentido é um estudo que nasceu clássico” (MELO, 2003, p. 152). Outras pesquisas floresceram em campos como a Fotografia, o Cinema, as Artes Plásticas, e, principalmente, a Publicidade. Nesta área, surgem as primeiras pesquisas de mercado, além de estudos sobre os fundamentos psicológicos dos anúncios. São análises específicas da Publicidade que se relacionam com todo o campo comunicacional (MELO, 2003, p. 153). O pioneirismo também se projetou no âmbito do ensino da Comunicação. Por um lado, os pesquisadores lutavam pela criação de escolas de Jornalismo, o que iria se concretizar no início da década de 40. Por outro, “a modernização e a multiplicação das empresas do ramo apontavam em direção ao esgotamento do modelo caracterizado pelo treinamento de recursos humanos dentro das próprias redações” (MELO, 2003, p. 154). Em 1946, o jornalista Carlos Rizzini publicou o “primeiro tratado de história da mídia impressa, resultado de uma pesquisa erudita e bem documentada”. A obra foi prontamente legitimada pela incipiente comunidade acadêmica da Comunicação, à qual o autor se juntou mais tarde (MELO, 2003, p. 155). O período de fortalecimento das Ciências da Comunicação foi liderado pelas universidades. No âmbito acadêmico, “profissionais guindados à condição de professores sistematizam conhecimentos empíricos e os transmitem às novas gerações de jornalistas ou os convertem em livros, monografias, apostilas, ampliando a sua circulação no espaço e no tempo” (MELO, 2003, p. 156). A principal característica desta fase foi a tentativa de ampliar a “rede institucional dedicada ao ensino da comunicação”. Surgem iniciativas de criação de escolas de Propaganda, Relações Públicas e Cinema, mas, “até o início da década de 60 o 111 Jornalismo permaneceria como o único setor comunicacional legitimado pela universidade brasileira”. Em 1963, Pompeu de Souza criou a Faculdade de Comunicação de Massa na Universidade de Brasília, a primeira instituição de ensino a articular os estudos de Jornalismo, Publicidade, Cinema e Rádio-Televisão (MELO, 2003, p. 157 e p. 158). No mesmo ano, sob a responsabilidade de Luiz Beltrão, surge o Instituto de Ciências da Informação (ICINFORM), em convênio com a Universidade Católica de Pernambuco. Considerado o “primeiro centro brasileiro de pesquisa na área”, o ICINFORM nasce “com a finalidade de desenvolver pesquisas, realizar cursos e manter publicações acadêmicas” (MELO, 2003, p. 158). Fora dos muros acadêmicos, o mercado cultural do país vivia um período de desenvolvimento autônomo, no bojo do início da modernização da sociedade brasileira. O pano de fundo foi a “divisão entre as órbitas de atuação do Estado e das empresas privadas na esfera da cultura”. A indústria cultural se impôs como produtora da comunicação mantida pela publicidade (televisão, rádio e cinema) e ao poder público coube a função manter as atividades cuja sobrevivência dependia dos subsídios governamentais (preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, música, dança, arte erudita) (LOPES, 2000, p. 52-53). A fase de consolidação das Ciências da Comunicação revelou a ampliação pelo interesse no conhecimento científico e técnico, a partir da criação de cursos de pósgraduação e do surgimento de publicações especializadas. Além das universidades e centros de pesquisa, as empresas do ramo começaram a se interessar em produzir e divulgar estudos empíricos e reflexões críticas sobre a comunicação de massa. “Sua meta é a qualificação profissional, possibilitando o acesso das novas gerações a estudos e pesquisas capazes de orientá-las a trilhar novos caminhos na complexa engrenagem midiática” (MELO, 2003, p. 160-161). 112 Embora tenha surgido uma certa preocupação teórica, a real intenção do mercado cultural era movimentar a sua própria cadeia de produção, através do aperfeiçoamento das ferramentas de acompanhamento e de resposta do público, por exemplo. Trata-se, portanto, da geração de conhecimentos técnicos aplicáveis preponderantemente ao cenário das empresas de comunicação. No início dos anos 70 foram criados os primeiros programas brasileiros de mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ambos “se destinavam a formar docentes/pesquisadores para o sistema universitário, acolhendo jovens professores de todo o país que ali buscaram sedimentação acadêmica para atuar nos inúmeros cursos de graduação em comunicação social que proliferaram em todas as regiões brasileiras” (MELO, 2003, p. 164). O terceiro curso de mestrado da área no Brasil foi oferecido pela Universidade de Brasília (UnB), sob a denominação Comunicação para o Desenvolvimento. Ao contrário dos programas da ECA/USP e da UFRJ, cujo enfoque era a formação de um corpo docente em Ciências da Comunicação, o objetivo do mestrado da UnB era formar “especialistas para exercer funções técnicas específicas em comunicação, além de capacitá-los em metodologia da pesquisa” (UnB citado por MELO, 2003, p. 164-165). Os programas de pós-graduação foram o principal vetor de configuração do perfil dos comunicólogos brasileiros. Além dos egressos dos cursos de graduação em Comunicação Social, “alguns são profissionais da área que fizeram estudos pósgraduados e outros são pesquisadores oriundos de áreas afins que se interessam pelos fenômenos comunicacionais” (MELO, 2003, p. 165). No estágio de institucionalização, a “massa crítica de comunicólogos ‘ilhados’ dentro dos campi” sentiu “a necessidade de intercomunicar-se e intercambiar experiências”. A principal via de integração foram as tentativas de organizar eventos com representantes das instituições pesquisa e ensino da Comunicação de todo o país. 113 No entanto, o insucesso das primeiras empreitadas “[...] esboçou a fisionomia da nossa emergente comunidade acadêmica: frágil, conflituosa, fragmentada”. O I Encontro de Professores de Comunicação, realizado em 1967 na UnB, por exemplo, só contou com a presença dos pesquisadores da própria instituição e da ECA/USP (MELO, 2003, p. 166 e p. 167). Em 1970, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) promoveu no Rio de Janeiro o I Congresso Brasileiro de Comunicação. O evento reuniu estudiosos de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza, que até então constituíam os principais núcleos de pesquisa comunicacional no Brasil (MELO, 2003, p. 168). A aproximação proporcionada pelos encontros da comunidade acadêmica de todo o Brasil fomentou iniciativas de constituição de instituições e associações de classe. Em 1972, surgiu a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação (ABEPEC), que se dissolveu em 1985, por conta da dificuldade de conciliar os interesses de toda a cadeia de agentes da Comunicação. Em 1977, foi criada a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM). Em 1984, foi fundada a Associação Brasileira de Escolas de Comunicação (ABECOM). E, em 1990, Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS) (MELO, 2003, p. 169 e p. 171). Paralelamente ao estabelecimento formal do campo científico ocorreu um “grande despertar” para a reflexão “sobre o se estava e como se estava pesquisando” em Comunicação no Brasil. A principal razão desse amadurecimento foi a “crítica epistemológica aos paradigmas científicos” do funcionalismo, da Escola de Frankfurt e do estruturalismo. Como proposta alternativa se consolidou uma tendência de “priorização de certos temas de estudo como as novas tecnologias de comunicação, as políticas de comunicação e as formas populares de comunicação” (LOPES, 2000, p. 50). 114 A institucionalização configurou “uma comunidade acadêmica multifacetada que inclui desde os produtores de conhecimento sobre os processos midiáticos aos analistas de discursos e aos pesquisadores dos entornos e mediações culturais que marcam o perfil dos fenômenos da reprodução simbólica na sociedade”. O desafio para o período subseqüente da Comunicação foi o fortalecimento do campo e o combate à diluição dos seus objetos de estudo (LOPES, M. I. V. de citada por MELO, 2003, p. 173). A partir do fim dos anos 90, as Ciências da Comunicação no Brasil podem ser determinadas como uma área em franco crescimento. Como indicador desse processo, é possível analisar os indicadores bibliométricos do campo. Maria I. Vassallo de Lopes divide o universo dos estudos comunicacionais brasileiros em cinco períodos (até 1959, 1960-1969, 1970-1979, 1980-1989, e, 19901995) e pondera que aproximadamente 40% da documentação científica da área foi produzida apenas nos seis primeiros anos da década de 90 (LOPES, 2002, p. 57). Em uma análise temática das dissertações e teses de todos os programas de pósgraduação em Comunicação do Brasil, entre os anos de 1992 e 1996, Ida Stumpf e Sérgio Capparelli apontam a produção de 754 trabalhos, número expressivamente maior do que o total de 496 pesquisas concluídas em toda a década de 80. Os autores indicam ainda uma tendência de diversificação dos assuntos pesquisados no campo, com destaque para uma abertura disciplinar aos estudos sobre Semiótica, Literatura, Educação e Cultura (STUMPF e CAPPARELLI, 2000, p. 246 e p. 249). No plano temático, a globalização se consolidou como “um novo paradigma epistemológico para as ciências sociais” e como “uma nova dimensão da cultura que complementa, combina e altera a cultura nacional e a local”. Com isto, a Comunicação retoma a discussão acerca da diversidade e da heterogeneidade cultural, entre outros fatores (IANNI, Octavio e ORTIZ, Renato citados por LOPES, 2002, p. 55). O impacto da globalização na comunicação é capitaneado pela desnacionalização” do mercado de bens culturais brasileiros. Primeiro com da entrada 115 de grupos estrangeiros no processo de produção de conteúdos, por meio de parcerias com a indústria nacional de entretenimento. E, principalmente, pela crescente veiculação de conteúdo internacional nos meios de comunicação de massa (LOPES, 2002, p. 55). Segundo Maria I. Vassallo de Lopes, “todas essas mudanças desafiam a pesquisa impondo revisão e elaboração de novas categorias de análise”. A partir da preocupação simultânea com a globalização é possível perceber uma aproximação entre a esfera acadêmica e a indústria da Comunicação. Além do entendimento do fenômeno da sociedade global, a convergência temática exigiu também uma reflexão sobre a autonomia destes dois universos frente ao outro (LOPES, 2002, p. 55). Outro movimento que parece ocorrer no fim do período de crescimento, no fim dos anos 90, é o alinhamento entre a produção científica nacional e internacional, a partir da corrente epistemológica dos estudos das redes de comunicação. 3.2.15 Estudos das redes de comunicação De volta ao âmbito mundial, a última corrente epistemológica das Ciências da Comunicação é denominada estudos das redes de comunicação. A partir dos anos 80, “a sociedade é definida em termos de comunicação, que é definida em termos de redes”, ou seja, a comunicação é o fio condutor de qualquer relação social, através de complexos sistemas de interação entre pessoas, grupos, instituições etc (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 157). Os estudos das redes de comunicação têm início com Everett Rogers, a partir de uma revisão do difusionismo, modelo científico criticado pela falta de ligação entre os sujeitos e pela ausência de conexão com o contexto. Tal paradigma foi substituído “pela ‘análise da rede de comunicação’ (communication network analysis). A rede compõe-se 116 de indivíduos conectados entre si por fluxos estruturados de comunicação” (ROGERS, Everett citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 157). Outro contraponto ao difusionismo surgiu com Bruno Latour e Michel Callon, sob o nome de modelo da “tradução” ou da construção sociotécnica. “‘Traduzir’ é unir em rede elementos heterogêneos; pela tradução são captados e articulados elementos heterogêneos num sistema de interdependência”. Desse modo, a tradução ultrapassa as relações entre homens e envolve as relações com a natureza e com objetos técnicos (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 157). As ciências cognitivas também contribuíram para a pesquisa das redes de comunicação, sobretudo a partir do conceito de inteligência artificial (IA). “No centro da hipótese cognitivista, está a noção de representação. Ela induz uma maneira de compreender o funcionamento do cérebro como dispositivo de tratamento da informação, que reage de maneira seletiva ao meio, à informação proveniente do mundo exterior. A IA pensa a organização como um sistema aberto em constante interação com esse meio, com inputs e outputs” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 162-163). Em oposição à noção da informação como um sistema aberto, os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco J. Varela desenvolveram a idéia de sistema autopoiético (dos radicais gregos autos - “si mesmo” - e poiein - “produzir”). Assim, a informação “não é preestabelecida como ordem intrínseca, mas como ordem que emerge das próprias atividades cognitivas. O específico de nossa atividade cognitiva é o fazer emergir, ‘criador de um mundo’” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 163-164). No plano macroeconômico dos sistemas de comunicação, os conceitos de dependência e imperialismo cultural são suplantados pelas questões relacionadas à formação das grandes redes comerciais e privadas da informação. A primeira diferença é velocidade com que as próprias empresas e corporações organizam o mercado dos meios de comunicação de massa. Além disso, “o modelo empresarial de comunicação foi promovido à tecnologia de administração das relações 117 sociais, impondo-se como único modo ‘eficaz’ para estabelecer o vínculo com os diversos componentes da sociedade” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 167). O processo de mercantilização da comunicação é marcado pela transnacionalização e pela desterritorialização das organizações dedicadas à informação, isto porque a capilaridade tecnológica possibilita conexões entre regiões isoladas geograficamente. Dessa forma, poucas empresas tendem a ganhar muito poder, pois conseguem liderar a produção de informação em escala mundial. As corporações também se fortalecem porque se transformam “em produtores de teorias e doutrinas, confundem o campo conceitual da comunicação na era mundialização” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 167). O crescimento da indústria da comunicação tem impacto direto na quantidade (e na qualidade) de informação produzida, o que suscita inúmeras problematizações e teorizações. Jean-François Lyotard propõe uma discussão “a respeito do estatuto do saber e sobre os processos que afetam o modo de pensar, de ensinar e de tratar a informação, na era da digitalização do signo e da nova aliança entre som, imagem e texto” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 176-178). Segundo Pierre Lévy, as redes de comunicação também possibilitam uma nova ordem da comunicação, “graças às ‘infovias’ da era pós-mídia, que se tornam o suporte de uma derradeira utopia da comunicação, a da ‘democracia em tempo real’” (LÉVY, Pierre citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 178). O psicanalista Félix Guatari acredita que “as máquinas tecnológicas de informação e comunicação, da informática à robótica, passando pela mídia, operam ‘no centro da subjetividade humana, não só em suas memórias, em sua inteligência, mas também em sua sensibilidade, em seus afetos e em seu inconsciente’” (GUATARI, Félix citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 180). 118 Sobre a influência da comunicação em rede na vida das pessoas, Paul Virilio destaca a relação do processo comunicacional com a questão do tempo na sociedade moderna. Para o autor, “é a aceleração das mudanças sofridas por ela [a tecnologia] que motiva um pensamento situado sob o signo de uma ‘dromologia’ (de dromos, velocidade)” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 180). Jean Baudrillard “vê nas escaladas tecnológicas e no aumento de sua sofisticação, tanto em dimensão planetária, como na intimidade doméstica, o avanço de um sistema de controle que é exaltado em nossa ‘fantasia de comunicação’: a compulsão geral por existir em todas as telas e no interior de todos os programas” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 182). A interligação entre o poder da comunicação e as formas de organização social foi a principal questão abordada pelos estudos das redes, no entanto, ainda na década de 50, o canadense Harold Adams Innis já falava sobre o assunto. Segundo Innis, “o poder é uma questão de controle do espaço e do tempo. Os sistemas de comunicação moldam a organização social porque estruturam relações temporais e espaciais” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 177). Na transição entre os séculos XX e XXI, os estudos das redes convergem para um efervescente momento científico, a partir das pesquisas sobre o impacto das novas tecnologias da informação e da comunicação e sobre as questões do processo comunicacional na internet. A era da internet é “um período histórico caracterizado por uma revolução tecnológica centrada nas tecnologias digitais de informação e comunicação, concomitante, mas não causadora, com a emergência de uma estrutura social em rede. Isto ocorre em todos os âmbitos da atividade humana” (CUNHA, 2003). O conceito de comunicação em redes foi retomado e revitalizado por Manuel Castells. Segundo o pesquisador, “a formação de redes (conjunto de nós interconectados) ganhou vida nova e foi energizada pela internet. Flexíveis e adaptáveis, as redes se proliferam em todos os domínios da economia e da sociedade, desbancando corporações 119 verticalmente organizadas e burocracias centralizadas e superando-as em desempenho” (CUNHA, 2003). O estudo das redes digitais resgata também a questão da comunicação enquanto fluxo/processo/sistema, idéia originalmente formulada pelos pesquisadores da teoria matemática da informação. No entanto, ao invés de um fluxo linear, a era digital preconiza um processamento contínuo da informação, a partir da “inserção do conceito de agregação - a atividade de formatação da informação conforme as características do meio e do seu público-alvo” (SAAD, 2003, p. 60). A flexibilidade da plataforma tecnológica é uma das explicações para o sucesso da rede mundial de computadores, porém, é necessário destacar também a sua capacidade de sintetizar diversas linguagens comunicacionais. A internet é o meio de comunicação de massa no qual texto, imagem, som e outras linguagens de expressão do homem convergem de forma harmônica, com infinitas possibilidades de combinação e ressignificação (CUNHA, 2003). O princípio fundamental da mídia digital é o conceito da hipermídia, cujo objetivo é possibilitar o acesso randômico às informações de qualquer natureza e linguagem. Tal ferramenta enseja uma “tridimensionalidade da informação associada a recursos comunicacionais” e facilita “como [as] mensagens podem ser construídas nesse novo cenário de não-linearidade, em que começo, meio e fim ficam sob o controle do usuário” (SAAD, 2003, p. 70-71). A capacidade de convergência de linguagens da internet tem provocado algum impacto nas mídias tradicionais, principalmente a partir da facilidade de personalização dos conteúdos e da democratização do papel de emissor da informação. No primeiro caso, “os meios, acostumados a falar para as grandes massas, a informar as grandes audiências, encaram um paradoxo: a demanda por uma informação individual”. Por fim, é possível citar a febre dos blogs, “uma iniciativa que começou associada aos diários íntimos, hoje ganha uma perspectiva de espaço para narração de informações antes 120 restritas ao jornalismo”, com apropriação pelo próprio Jornalismo, com o surgimento de páginas de profissionais vinculados ou não aos jornais tradicionais (CUNHA, 2003). Entretanto, o crescimento da internet não implica necessariamente na extinção do rádio, da televisão, do cinema ou de qualquer outro campo comunicacional. Como aponta Roger Fidler, na era digital, os meios de comunicação tradicionais passam por um processo de midiamorfose, que consiste em um estágio de adaptação e evolução às transformações dos novos tempos, a partir do princípio de co-existência entre as diversas formas de comunicação humana (SAAD, 2003, p. 55-56). As transformações também têm ocorrido nas funções e elementos do fluxo comunicacional, mas, “independente da força da alavanca tecnológica, o processo de comunicação e seus valores intrínsecos não dispensam a existência de emissores, receptores, mensagens e seus impactos no ambiente” (SAAD, 2003, p. 57). Ainda na esfera do comportamento humano, Muniz Sodré* aponta para a temporalidade fluída que caracteriza as sociedades contemporâneas, nas quais trabalho, lazer e educação podem ocorrer simultaneamente. Temporalidade que afeta diretamente princípios centrais da Comunicação. Nesse contexto, o conceito de acontecimento, um dos paradigmas do Jornalismo, perde o seu valor, afinal, um clique no computador pode substituir a formulação de uma pauta ou de uma política editorial. As Relações Públicas, por sua vez, dispensam a atenção especial exclusiva aos meios de comunicação e ampliam o foco de atuação para toda a sociedade civil organizada. Nos dois casos, cada indivíduo aumenta o impacto do seu papel de comunicador em potencial, através da capacidade de atingir um número maior de pessoas e de interagir de inúmeras formas com elas, o que tende a consolidar a força da sua mensagem. SODRÉ, Muniz. Epistemologia da Comunicação. Aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. S. P;, 29 de mar. de 2007. * 121 A real transformação da mídia digital, de acordo com Derrick de Kerckhove**, ocorreu com o estabelecimento da web 2.0, a partir do início deste século, quando se consolida a configuração de uma inteligência hipertextual de uso e produção da informação. Em primeiro lugar, as possibilidades de interação em rede crescem infinitamente, com a criação de ferramentas colaborativas. Outra mudança é a habilidade dos indivíduos em selecionar o que é informação relevante para si, independentemente das fontes da mensagem, sejam elas jornalísticas, documentárias, individuais, coletivas etc. E, os textos e os contextos perdem bastante espaço para as etiquetas e rótulos, a partir de uma redução considerável dos significados e de um movimento de total fragmentação do conteúdo. O estudo das correntes epistemológicas das Ciências da Comunicação se revela um caminho indispensável para entender os fatores e os atores da história deste campo do conhecimento. Tal missão adquire maior relevância se consideramos, que, atualmente, “[...] os meios de comunicação de massas constituem, ao mesmo tempo, um setor industrial de máxima relevância, um universo simbólico que é objeto de consumo em grande escala, um investimento tecnológico em contínua expansão, uma experiência individual cotidiana, um terreno de conflito político, um sistema de mediação cultural e de agregação social, uma maneira de passar o tempo etc” (WOLF, 2005, p. ix). KERCKHOVE, Derrick de. Brain frames, digital technologies and intelligence connected. Palestra promovida pelo Centro de Pesquisa da Opinião Pública (Cepop-Átopos) da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 9 de novembro de 2007. ** 122 3.3 A natureza interdisciplinar Segundo Olga Pombo, a interdisciplinaridade visa a integração dos saberes e implica “[...] algum tipo de trabalho de colaboração entre duas ou mais disciplinas” (POMBO, 1994, p. 8). A Comunicação é “um campo vocacionado para a interdisciplinaridade, na medida que seus objetos específicos são produtos cujo conteúdo está enraizado no território das demais disciplinas que constituem o universo científico” (MELO, 2003, p. 60). Para Isabel Ferin, “se é consensualmente aceito que as Ciências da Comunicação devem ter como referentes os paradigmas vigentes nas Ciências Sociais e Humanas, não é menos consensual que a sua tarefa se encontra extremamente dificultada pela necessidade de recorrer a conceitos advindos de disciplinas constituídas” (FERIN, 2002, p. 31). Um dos exemplos de incorporação interdisciplinar é a validação metodológica. Os estudos da Comunicação, em seu princípio, e mesmo atualmente, utilizavam “métodos empregados nas pesquisas das ciências sociais, como a observação, a experimentação e a comparação”. O objetivo era garantir legitimidade ao campo comunicacional, a partir de métodos e práticas de pesquisas consolidadas cientificamente (MELO, 1977, p. 45-47). No nível institucional, outro ponto de observação da interdisciplinaridade, as principais áreas de conexão com as Ciências da Comunicação são a Lingüística, a Filosofia, a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia Social (FERIN, 2002, p. 31). O paradigma essencial da Lingüística, proposto por Ferdinand de Saussure, é também fundamental para a Comunicação. Trata-se da “compreensão da palavra como fenômeno de interacção significante, na medida que a elege como fator primordial de comunicação” (FERIN, 2002, p. 52). 123 A contribuição da pesquisa no campo da linguagem aos estudos comunicacionais se estendeu por todo o percurso posterior à fundação da disciplina. Isso porque, essencialmente, “as relações humanas, sejam elas quais forem, expressam-se pelos signos e pelos símbolos”, que, por sua vez, são ampliados e ordenados a partir de inúmeras combinações (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 44). Os códigos lógicos, artísticos, estéticos e sociais são o principal produto dessa rede de relações lingüísticas, e, assim como os signos e símbolos, se modificam constantemente. Com o auxílio da ciência aplicada, da tecnologia e das fontes de energia, tais elementos fomentaram o surgimento dos modernos meios de comunicação de massa (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 52). Também no campo das ciências da linguagem, a Semiótica, por meio de Roland Barthes, estuda “a produção social de significações” e “as mistificações ideológicas” da cultura. O mesmo pesquisador foi responsável por estabelecer uma ponte com as Ciências da Comunicação e iniciou uma série de pesquisas sobre a “como fala mítica se apresenta nas suas diversas manifestações”, por exemplo, no cinema, na fotografia e no cotidiano urbano (FERIN, 2002, p. 55). De forma ainda mais específica, os estudos da Pragmática Lingüística ressaltam a importância da “relação dos signos com os seus utilizadores”. Ludwig Wittgenstein propôs um “paralelismo completo entre o mundo dos factos reais e as estruturas da linguagem”, uma “concepção que se encontra presente em muitas das análises sobre os media, tanto na perspectiva da produção como da recepção”. Através da teoria dos atos lingüísticos, John Langshaw Austin e John Searle apontaram a relação das atitudes humanas com seu respectivo contexto lingüístico e situacional, a partir de um objetivo e de uma intenção, voluntária ou não (FERIN, 2002, p. 58 e BITTI, P. R. e ZANI, B. citados por FERIN, 2002, p. 58 e p. 59). A relação das Ciências da Comunicação com a Filosofia ocorre em um nível deliberadamente especulativo, em comparação com as outras áreas relacionadas aos 124 estudos comunicacionais. Por conta da natureza ensaística da pesquisa filosófica, são conceitos mais abstratos e menos delimitados cientificamente (MELO, 1977, p. 26). Entre as questões filosóficas estão a percepção humana e inata sobre a qual a comunicação age metafisicamente, a indicação da preparação física natural do ser humano para se comunicar, e, a sucessão histórica da herança social através da fala (MELO, 1977, p. 27-29). A contribuição da Sociologia para o campo da Comunicação consiste, principalmente, na oferta de conceitos, que, foram renovados e operacionalizados pela pesquisa comunicacional. A noção de socialização, “processo pelo qual são transmitidas crenças, valores, normas e atitudes aos novos membros da sociedade”, é o primeiro conceito operacional transferido para as Ciências da Comunicação (FERIN, 2002, p. 63). Isabel Ferin observa que existe uma socialização primária, que ocorre na primeira infância, quando “o indivíduo desenvolve inter-relações pessoais com a família e os grupos de proximidade, incorporando normas e estruturando a sua personalidade”, e, uma socialização secundária, quando “o indivíduo confronta-se como os sistemas e subsistemas sociais, assimilando e reorganizando as experiências particulares, em contextos sociais e culturais mais latos” (FERIN, 2002, p. 64). Em tese, a interferência dos meios de comunicação de massa incidiria apenas no momento da socialização secundária do sujeito, no entanto, cada vez mais, veículos como a televisão “tende[m] a sobrepor-se a todas as outras instâncias socializadoras, em virtude de assumir, logo na pequena infância, um papel central de regulador de sanções e estímulos positivos e negativos, veiculando normas e padrões de comportamento” (FERIN, 2002, p. 64). Nesse sentido, a Comunicação se aproxima de outra ciência social, a Educação. José Marques de Melo apresenta a visão de John Dewey, que considera que a Educação “[...] consiste primariamente na transmissão por meio da comunicação. A comunicação é 125 o processo da participação da experiência para que se torne patrimônio comum. Ela modifica a disposição mental das duas partes associadas” (DEWEY, John citado por MELO, 1977, p. 18). De volta aos laços com a Sociologia, “as múltiplas dimensões da vida em sociedade levam a constantes encenações do papel social pelos indivíduos e grupos, perante si mesmos e os outros, originando inúmeros jogos e construções da realidade, ao mesmo tempo que obrigam os actores sociais a assumir, num curto espaço de tempo e em variados cenários, uma multiplicidade de papéis e identidades”. A definição de papéis sociais é importante para a indústria da comunicação porque suscita a sua capacidade de adaptação e inserção em variados contextos (FERIN, 2002, p. 65). Dessa forma, na perspectiva de relação com o outro, o conceito de grupo é fundamental. “O grupo é um dos elementos centrais da vida em sociedade, caracterizando-se pela interdependência entre os seus membros e o reconhecimento recíproco” (FERIN, 2002, p. 66). A Sociologia, e, na nossa visão interdisciplinar, a Comunicação, vinculam os grupos ao conceito de classe proposto por Marx. A classe social “é formada pelo conjunto de indivíduos que ocupam a mesma posição no processo de produção”. Atualmente este princípio é essencial para analisar as relações de consumo e venda, objetos de estudos comunicacionais da Publicidade (FERIN, 2002, p. 67). Os papéis, os grupos e as classes sociais convergem para a noção de estatuto, fundada por Max Weber. Para o autor, o estatuto representa “a hierarquia das representações, positivas e negativas, de prestígio e honra” que são naturais na sociedade. Dessa maneira, Weber pondera que os conflitos sociais das culturas democráticas e igualitárias podem ser definidos mais como uma luta em busca de estatuto para um indivíduo ou para um grupo do que um conflito de classe (FERIN, 2002, p. 67). 126 Todos os conceitos sociológicos anteriormente citados, por sua vez, se fundamentam nas questões de poder e ideologia, que exerceriam “[...] um enorme peso interpretativo sobre os fenômenos e processos da Comunicação” (FERIN, 2002, p. 70). Segundo Weber, “o poder constitui a capacidade de fazer triunfar no interior de uma relação social a sua própria vontade, sendo necessário para tal superar as resistências ou interesses que se lhe opõem”, seja através da persuasão ou por meio da coerção. Niklas Luhmann complementa que o poder “[...] implica a existência de pessoas em ambos os lados da relação de comunicação, imbuídas de vontade e possuidoras de liberdade”, com o objetivo de distribuir oportunidades e construir consensos (FERIN, 2002, p. 68 e 69). À ideologia, na visão de Marx, cabe a função de refletir “a consciência e a racionalização que a classe dominante faz da realidade a partir da sua posição de classe e dos seus interesses” de manutenção do estatuto e do poder (ROCHER, G. citado por FERIN, 2002, p. 70). Finalmente, para estruturar tantos conceitos, a pesquisa em Sociologia chega à formulação da noção de sistema, “um conjunto de objetos ou entidades que se interrelacionam de forma a constituir um todo único”. Trata-se de um vetor complexo, controlado, auto-regulado, subdivido, e, de certa forma, equilibrado, do qual as Ciências da Comunicação não pode lançar mão para entender os seus processos e fenômenos (LITTLEJOHN, S. citado por FERIN, 2002, p. 71). A Antropologia, cuja preocupação central é “estudar o homem numa perspectiva global”, é mais um campo do conhecimento de interação disciplinar com a Comunicação. Por meio de subdisciplinas como a antropologia cultural e antropologia social, se “pretende entender e explicar a diversidade da conduta humana, mediante o estudo comparativo das relações e dos processos sociais no maior número possível de sociedades”. O entendimento da faceta humana será preponderante, por exemplo, para os estudos de audiência e da recepção de conteúdos (FERIN, 2002, p. 83 e 84). 127 Outra contribuição da pesquisa antropológica, em conjunto com outras áreas como a Lingüística, a Filosofia e a Psicologia, é a delimitação do conceito de identidade. Primeiramente, a partir da distinção entre a dimensão pessoal e a dimensão social. A identidade pessoal é uma “elaboração interna consciente ou inconsciente, sobre as experiências vividas e refletidas constituintes da imagem que o indivíduo tem de si mesmo”. Já a identidade social “corresponde à imagem construída pelo indivíduo para os outros, através das interacções sociais”. Também é possível falar em identidade cultural, “em função das relações entre grupos sociais, seja na dimensão interpessoal, mediada, mediatizada ou ainda a nível local ou global” (FERIN, 2002, p. 88 e 89). A questão da identidade suscita a discussão acerca do conceito de representações sociais, “as formas como os grupos, e os indivíduos dentro dos grupos tendem a olhar e a descrever os outros e a si mesmos”. Em conseqüência, estas representações são compartilhadas e fomentam outras formulações sociais, muito mais enraizadas, denominadas estereótipos (FERIN, 2002, p. 89 e 90). Mais um campo de aproximação curricular com a Comunicação é a Psicologia, “ciência que visa estudar o homem na sua dimensão intrapessoal e interpessoal, buscando modelos teóricos complexos capazes de propor leis e explicar fatos” (FERIN, 2002, p. 84). Especificamente, “os estudos sobre mudanças de atitude têm influenciado diretamente a reflexão sobre a propaganda e as audiências” e “os trabalhos sobre influência social e consenso em decisões em grupo (Kurt Lewin) e os estudos sobre a motivação (Festinger)” incidem sobre as análises da produção e dos efeitos dos media (FERIN, 2002, p. 85). É possível identificar ainda relações com outras disciplinas cuja própria constituição também foi marcada pela interdisciplinaridade, como a Análise do Discurso. Patrick Charaudeau estendeu a “noção de discurso ao conjunto dos processos de enunciação”, o que inclui os fenômenos resultantes da interação entre o sujeito e a 128 mídia, por exemplo, “informação objectiva, democracia, deliberação social, denúncia do mal e da mentira, explicação dos fatos e descoberta da verdade”. Mesmo na análise do discurso tradicional, em nível individual ou grupal é possível observar relação com a Comunicação. Teun A. Van Dijk aponta que “grande parte do nosso conhecimento social e político, e muitas das crenças existentes hoje sobre o mundo [que refletem no discurso dos sujeitos], derivam das leituras da imprensa ou da visualização dos telejornais” (CHARAUDEU, Patrick e VAN DIJK, Teun A. citados por FERIN, 2002, p. 56 e 57), Além do nível metodológico e do plano institucional, a interdisciplinaridade pode ser analisada a partir da perspectiva da atuação do profissional da Comunicação. A área é fundamentada nas construções e nos discursos, que, por sua vez, possuem temas, assuntos e especificidades tão diversificadas que não podem ser abordadas por completo e que não integram os currículos de formação do aluno. Nesse sentido, invariavelmente, o comunicador necessita se especializar, ao complementar os seus estudos iniciais, seja de maneira formal ou informal. Hugo Levisolo propõe a classificação do currículo do comunicador em três conjuntos: 1- formação cultural, 2- formação básica do campo disciplinar e 3- formação técnica (LEVISOLO, 2002, p. 132-133). O conjunto da formação cultural “abrange disciplinas de outros campos, como filosofia, sociologia, psicologia, psicologia social, economia, história, lingüística e estatística, entre outras, e tem por intenção criar uma base de conhecimentos considerados necessários ou significativos para operar com o campo dos fenômenos comunicacionais” (LEVISOLO, 2002, p. 132). O segundo grupo de disciplinas “orienta-se a transmitir conhecimentos sobre dimensões ou problemas da comunicação”, o que é efetuado por meio da “aplicação dos conceitos e instrumentos desenvolvidos em campos disciplinares mais tradicionais”, 129 muitos dos quais já são estudados na ênfase de formação cultural (LEVISOLO, 2002, p. 132). A abordagem da formação técnica consiste em ministrar conteúdos aplicáveis à “realização de uma atividade ou função a ser realizada no seio da produção de comunicações nos meios de comunicação ou nas empresas”. Trata-se da faceta profissionalizante do campo comunicacional, que dá continuidade à formação que anteriormente ficava sob a responsabilidade dos próprios meios de comunicação. A diferença da formação no âmbito acadêmico é o “maior rigor no processo de seleção de procedimentos e técnicas eficientes, usando recursos padronizados de metodologias de pesquisa para seu controle” (LEVISOLO, 2002, p. 133). Nos dois primeiros conjuntos, formação cultural e formação básica, a interdisciplinaridade ocorre através da relação da Comunicação com os variados campos do conhecimento citados anteriormente. No nível da formação técnica, a interdisciplinaridade se implementa de modo invariável e imensurável, isto porque é neste espectro que se localiza a necessidade de especialização do comunicador. Nessa esfera de formação, o profissional da Comunicação se depara com o discurso especializado de cada campo ou de cada assunto com o qual trabalha, o que exige uma transversalidade temática, cuja materialização pode ser um curso de especialização, a autoformação, outro curso de graduação, por exemplo. Dessa forma, ressalta-se a “compreensão das Ciências da Comunicação como uma área multidisciplinar de estudos em constituição, a partir de recortes disciplinares teóricos e metodológicos” (FERIN, 2002, p. 30). A necessidade de recorrer aos recursos teóricos de outras disciplinas é um movimento natural para um campo do conhecimento moderno, como é o caso da Comunicação. E é justificado por causa do encadeamento entre a história e a ciência, ambas produções do homem e da sociedade. Não foi possível, tampouco seria desejável, ignorar o passado das demais ciências sociais. 130 3.4 O objeto de estudo O objeto de estudo das Ciências da Comunicação são os “[...] fenômenos associados aos processos de produção, transferência e efeitos de sistemas de símbolos e sinais” (BERGER, C. R. e CHAFFEE, S. H. citados por FERIN, 2002, p. 24). A definição do conceito de comunicação não é tarefa simples, isso porque este é um fenômeno extremamente complexo, diversificado e contextual. No entanto, é possível afirmar que todos os conceitos de comunicação têm “como denominador comum os processos de troca, recepção, partilha de conteúdos e significações” (LITTLEJOHN, S. citado por FERIN, 2002, p. 23). Segundo José Marques de Melo, “o objeto central do processo da Comunicação é a informação, transmitida por um comunicador a um receptor, utilizando um canal e um sistema de códigos específicos, e, posteriormente, recuperada para a transmissão de novas informações” (MELO, 1977, p. 32). Na visão de Luiz Beltrão e Newton de Oliveira Quirino, a natureza do processo comunicacional é o “intercâmbio de elementos simbólicos mediante o qual os seres humanos exprimem idéias, sentimentos e informações, visando a estabelecer relações e somar experiências”. No entanto, os autores diferenciam a comunicação oral da comunicação de massa, compreendida como “o processo industrializado de produção e distribuição oportuna de mensagens culturais em códigos de acesso e domínio coletivo, por meio de veículos mecânicos [...], visando informá-la, educá-la, entretê-la ou persuadi-la” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 56 e 57). Para Décio Pignatari, “[...] a comunicação não é apenas a resposta, mas a relação estabelecida pela transmissão de estímulos e pela provocação de respostas. O estudo dos signos, das regras que o regem e de suas relações com os usuários ou intérpretes forma o cerne do problema da comunicação” (PIGNATARI, 1981, p. 16). 131 Dessa maneira, “entende-se o conteúdo deste processo como mensagem. Mais do que dados, esta mensagem insere-se em um contexto, é transformada pelo e transforma o leitor. Unidade básica à produção de conhecimento, a informação estabelece-se como mensagem no fluxo comunicacional” (BRAMBILLA, 2004). Mauro Wolf lembra que os meios de comunicação de modernos são considerados “[...] como parte de um único sistema de comunicação cada vez mais integrado e complexo, que pode ser analisado em seus diversos aspectos (conteúdos veiculados, modalidade de transmissão das mensagens, nível de eficácia, formas de produção) apenas mediante uma abordagem multidisciplinar” (PORRO, R. e LIVOLSI, M. citados por WOLF, 2003, p. xiv). Neste mesmo sentido, Maria I. Vassallo de Lopes destaca “[...] a centralidade da comunicação para o próprio modo organizativo da sociedade contemporânea, isto é, em que a comunicação passa a operar ao nível das lógicas internas de funcionamento do sistema social” (LOPES, 2004, p. 17). Para Isabel Ferin, a comunicação “compreende todos os fenômenos de interacção efetivados de forma presencial ou mediados por instituições, inclusive pelos media”. Com base em formulação de J. B. Thompson, a autora propõe o estudo da comunicação a partir de três dimensões: interpessoal, mediada e mediatizada (FERIN, 2002, p. 24). A comunicação interpessoal é realizada diretamente entre dois ou mais sujeitos, na qual “são fundamentais os mecanismos não verbais e verbais, determinados pelos contextos culturais e de socialização, vividos pelos indivíduos desde o momento do seu nascimento” (FERIN, 2002, p. 26). Na segunda dimensão, “a comunicação mediada assenta nos processos de socialização primários e secundários que, ao transmitirem comportamentos, informações, hábitos e atitudes, criam condições de vida em sociedade”. As instituições de socialização são, por exemplo, a escola, a família, a igreja e a mídia tradicional (rádio, ltelevisão, jornal, cinema etc). Ganham importância as questões das linguagens (das 132 pessoas e dos meios de comunicação) e as tentativas de aproximação entre as esferas de produção e consumo da informação (FERIN, 2002, p. 27). Finalmente, a comunicação mediatizada “se realiza através dos media, dos novos media e das indústrias culturais e de conteúdo”. A diferença para a dimensão anterior consiste na ampliação, em escala global, da natureza mediadora dos meios de comunicação de massa. Este conceito, no entanto, ainda não foi completamente incorporado pela comunidade acadêmica da Comunicação, isto porque ele é “[...] bastante complexo, na medida que em cada um dos segmentos constituintes encontra ‘ressonâncias’ de todos os outros segmentos” (FERIN, 2002, p. 27-28). Muniz Sodré* reafirma esta abordagem, mas pondera que o objeto de estudo da Comunicação pode ser observado a partir de duas perspectivas distintas. Numa análise tradicional, que também pode ser denominada ontológica ou informacional, a área estuda o processo de transmissão de mensagens de um ponto a outro. Já sob um ponto de vista moderno, o foco de análise da Comunicação é a mediatização, ou seja, o funcionamento articulado entre as instituições de mediação da sociedade cada vez mais organizada e profissionalizada. SODRÉ, Muniz. Epistemologia da Comunicação. Aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 29 de março de 2007. * 133 4 Relações entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação As relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação podem ser denotadas a partir de variados aspectos. Isso porque a própria história de ambos os campos do conhecimento é caracterizada pela diversidade, sobretudo porque as áreas têm como princípios fundamentais a interdisciplinaridade e a associação com esferas aplicadas da informação e do conhecimento. No decorrer deste trabalho alguns sinais desta aproximação já puderam ser identificados, no entanto, além de identificar, é necessário ressignificar, atualizar e discutir constantemente as ligações entre as duas áreas. Além de contribuir para o debate epistemológico de cada campo, a discussão das relações entre CI e Ciências da Comunicação pode favorecer o florescimento de um entendimento da co-existência e do compartilhamento de informações. A primeira modalidade de interconexão entre Ciências da Comunicação e Ciência da Informação, no Brasil, pode ser denominada relação histórica. Nesse plano, as relações entre os campos consistem em aproximações determinadas pelo percurso histórico das disciplinas e das ciências em geral. Na década de 60, a discussão do campo da Comunicação acerca do nome da área do conhecimento, a partir da alternativa de utilização do termo Ciências da Informação, suscitou a inclusão dos estudos da Documentação (uma das áreas de pesquisas precursoras da atual Ciência da Informação) no rol das disciplinas de sua abrangência. José Marques de Melo propôs uma classificação das Ciências da Comunicação em três grandes grupos: Ciências da Informação Individual ou Grupal (Lingüística, Educação, Folkcomunicação), Ciências da Informação Coletiva (Jornalismo, Propaganda, Lazer), e, Ciências Fontes de Informação (Documentação, Estatística e Cibernética) (MELO, 1977, p. 53). 134 Além da inserção do grupo de ciências da gestão da informação na classificação das Ciências da Comunicação, a proposta de José Marques de Melo considera a recuperação da informação um elemento preponderante e essencial no processo de comunicação. Segundo o autor, “o estágio da recuperação compreende o reaproveitamento de uma informação transmitida, seja em sua forma original, seja em outra forma que por sua vez, vai atuar como fonte para a transmissão de novas informações” (MELO, 1977, p. 32). CANAL M2 M1 1. ESTÁGIO COMUNICADOR M5 FONTE RECEPTOR M3 2. ESTÁGIO CANAL RECUPERADOR M4 1. ESTÁGIO - TRANSMISSÃO 2. ESTÁGIO - RECUPERAÇÃO M1. MENSAGEM CODIFICADA M2. MENSAGEM DIFUNDIDA M3. MENSAGEM TRANSMITIDA M4. MENSAGEM RECUPERADA M5. MENSAGEM REAPROVEITADA Figura 5. Modelo comunicacional de José Marques de Melo 135 O modelo proposto por Melo difere do tradicional modelo matemático da informação, e das adaptações correspondentes, por explicitar a importância da fase de recuperação da informação para a revitalização e continuidade do processo comunicacional. No entanto, mesmo nas demais propostas de explicação do fluxo da comunicação, a função da recuperação está presente, desempenhada pelo conceito de feedback ou retroalimentação. Outra ocorrência de composição única, mas não uniformizante, entre Comunicação e Informação é a proposta de Cláudio Cardoso de Paiva. “Trata-se de uma experiência que se realiza em contato com os vários campos da ação pragmática (trabalho, vida, sociedade). Deste modo, é compreensível que o feixe de reflexões teóricas sobre a informação e a comunicação dificilmente se deixe apreender nos limites de um campo homogêneo; as chamadas ‘Ciências da Informação e da Comunicação’ se definem antes enquanto um domínio do conhecimento que abrange diferentes enfoques” (PAIVA, 2002, p. 167). Segundo Luiz Beltrão e Newton Quirino, a concepção de José Marques de Melo determina que a recuperação da informação “[...] está na raiz do próprio conceito de comunicação”. No caso das organizações jornalísticas, por exemplo, as instituições promotoras da recuperação da informação, nomeadamente arquivos e serviços de documentação, possuem a função de colocar à disposição “[...] os antecedentes das situações ocorridas que se devem transformar em notícia” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 75). Para Stumpf e Weber reforçam a idéia, ao afirmar que “[...] a rapidez, a quantidade e os diferentes formatos de material midiático, essencial à produção do conhecimento na comunicação, necessitam de armazenamento, recuperação e acessibilidade” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 131-132). Dessa maneira, é possível destacar a aproximação histórica entre os campos da Informação e da Comunicação também a partir da premência de desenvolver a pesquisa 136 do processo comunicacional em consonância com o pressuposto da importância da recuperação da informação. Ainda na interface entre os fazeres de cada área, Le Coadic destaca que os serviços informacionais, “sob o efeito destas três categorias de mudanças - culturais, econômicas e tecnológicas - tornaram-se multimídias de massa, como seus colegas da imprensa escrita e audiovisual”. Isso porque, a partir dos serviços disponibilizados na internet, o campo da Informação amplia e maximiza o seu público em potencial (LE COADIC, 2000, p. 18). As aproximações históricas entre os campos são evidentes, no entanto, a relação entre Comunicação e Informação deve ser observada enquanto fenômeno localizado no período histórico mencionado. Tal conjunção não se desenvolveu posteriormente, pelo contrário, a Ciência da Informação se desvinculou dos estudos comunicacionais, em busca de crescimento, amadurecimento e autonomia. A junção do campo da Informação ao campo da Comunicação, ou vice-versa, é característica da relação local entre as duas áreas do conhecimento. Em um plano geral, é conveniente falar em relações locais, no plural, uma vez que em distintos países o panorama de ligação entre os campos é diferente, e mesmo a conformação de cada campo apresenta variações. No âmbito do nosso trabalho, é utilizado o termo relação local, no singular, por conta do enfoque especial, a título de exemplo, dado ao desenvolvimento das duas áreas na França. A citação do caso francês é extremamente compatível com os objetivos do nosso trabalho, uma vez que a Ciência da Informação francesa, em sua designação comum no Brasil, “[...] apresenta na verdade a particularidade de estar ligada à pesquisa em Ciências da Comunicação [também em sua denominação corrente brasileira]. Essa associação, pouco comum na Europa e no mundo, na verdade influencia seu próprio desenvolvimento” (COUZINET, 2004, p. 21). 137 Na França, as Ciências da Informação foram institucionalizadas em 1975, com a criação da 52ª Seção do Comitê Consultivo das Universidades, órgão responsável pela gestão da carreira dos professores-pesquisadores do país. Em outra esfera de pesquisas, essencialmente no campo da Biblioteconomia, estavam os estudos da École Nacionale de Chartes (COUZINET, 2004, p. 22). Antes disso, durante os anos 60, pesquisadores dos temas leitura, leitores, documentação, história do livro, mídias, cultura, entre outros, buscavam se aproximar e se comunicar, “a fim de serem reconhecidos pela comunidade científica francesa”. Também em 1975, eles criaram um comitê de estudos, que, em 1977, se transformou na Societé Française des Sciences de L’information et la Communication (SFSIC) (TÉTU, Jean-François citado por COUZINET, 2002, p. 23). No entanto, Viviane Couzinet aponta que “ainda que, no plano institucional, informação e comunicação estejam associadas, é bem possível identificar dois campos distintos”. Os pesquisadores são atrelados ao campo das Ciências da Informação, compatível com a junção da Ciência da Informação e das Ciências da Comunicação brasileiras, e, os profissionais da informação são designados no âmbito da Documentação, ou Ciências da Informação - Documentação (COUZINET, 2002, p. 23). Nesse sentido, a relação local francesa entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação, conforme a denominação brasileira, se configura preponderantemente no plano institucional, embora neste grau de aproximação seja possível ocorrer variadas trocas e simbioses científicas. Viviane Couzinet destaca que a proximidade entre os campos incide principalmente na utilização de métodos de pesquisa comuns e compartilhados (COUZINET, 2002, p. 27). A partir das análises histórica e local é possível delimitar o tipo de relação institucional entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação. As relações institucionais revelam laços formais entre os organismos de ensino, pesquisa e extensão 138 dos dois campos, o que inclui cursos de graduação, programas de pós-graduação, associações técnico-científicas, por exemplo. Em nível de graduação, segundo Ida Stumpf e Maria Helena Weber, “[...] não foram questionados os fundamentos da união dessas duas áreas do conhecimento e em poucas universidades se manteve”. Entre as instituições em que persistem vínculos formais estão a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FABICO/UFRGS) (STUMPF e WEBER, 2003, p. 128). As autoras complementam que “nas universidades que decidiram pela junção dos cursos de Comunicação e Biblioteconomia, isso foi considerado estratégia política, servindo aos governos militares para neutralizar a voz dos ‘políticos e atuantes’ comunicadores pela convivência com os ‘passivos’ bibliotecários” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 128). A escassez de literatura especializada na discussão acerca da junção entre as carreiras das Ciências da Comunicação e da Ciência da Informação, através do correspondente curso de graduação em Biblioteconomia e Documentação, nos parece apontar para certa insuficiência de preocupação da comunidade científica dos campos em questionar tais contatos e aproximações. No entanto, a ênfase no debate das relações entre as áreas é mais freqüente no nível da pós-graduação. Historicamente, foram os programas de pós-graduação os organismos de principal contato entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação, embora os laços venham se extinguindo sucessivamente. Hoje, o único programa de pós-graduação em que a interface entre as duas áreas persiste é o Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ANCIB, 2007). 139 Entre os anos de 1983 a 2003, os cursos de mestrado e doutorado do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) eram diretamente vinculados ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Cabe lembrar que o curso de pós-graduação do IBICT foi pioneiro e fundamental para o desenvolvimento da área no Brasil (PPGCI/UFF, 2007). Da mesma forma, no período de 1972 a 2005, a área da Ciência da Informação esteve sob a designação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Na longa trajetória de vivência compartilhada, o grau de vinculação e o nome do programa sofreram diversas modificações. A instituição foi a primeira e a única a oferecer titulação em doutorado durante 12 anos, o que lhe confere grande responsabilidade no aprofundamento dos estudos em Ciência da Informação no Brasil (PPG-CI/ECA/USP, 2007). Aldo de Albuquerque Barreto* não concorda com a vinculação entre os campos, ao afirmar que “a ciência da informação e a comunicação não têm a mesma história, o mesmo desenvolvimento, nem igual operacionalização de seus atos e teorias. Seu objeto é diferente”. Segundo o autor*, a diferença consiste nos objetivos das duas áreas do conhecimento. Enquanto “a comunicação transfere mensagens para atingir um maior público comum, com a intenção de propagar idéias, moldar e influenciar a opinião do ‘público’ ou entreter”, a “Ciência da Informação comemora o seu gerador, nomeia seu autor. Estuda com carinhoso afinco o seu receptor e as suas necessidades de informação e faz dele um perfil, que pode ser somente um indivíduo ou um grupo com coesão de interesses informacionais específicos”. Em complemento, Maria de Fátima G. M. Tálamo observa que as Ciências da Comunicação estudam o “conjunto dos meios que atingem um público amplo, BARRETO, Aldo de Albuquerque. Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí. E-mail enviado à lista CInforme em 24 out. 2006. * 140 diversificado e não individualizado (efeitos de uniformização das mensagens, de modelização e de manipulação do público, visto como destinatário passivo e acrítico)”. Já para a CI “o ator social não é passivo, é potencial produtor de conhecimento/informação; [e as] variáveis do processo encontram-se em relação solidária: domínio de atuação (documento e seus conteúdos) X usuário como ator social” (TÁLAMO, 2005, p. 5-7 e 17). Nesse sentido, Ida Stumpf e Maria H. Weber apontam que “a grande diferença entre os dois campos de conhecimento parece residir no caráter persuasivo da comunicação. [...] Trata-se, em essência da manipulação de informações” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 131). No contexto das novas tecnologias da informação e da comunicação, é necessário questionar tal vantagem de individualização e da personalização do atendimento como qualidade exclusiva dos serviços de informação, pois esta tendência já encontra correspondência nos meios de comunicação de massa. Além disso, embora existam diferenças entre os objetos de estudos da CI e das Ciências da Comunicação, conforme foi observado na trajetória de desenvolvimento de cada disciplina, a essência de ambos os campos é o processo de comunicação da informação. Desse modo, a questão da vinculação institucional dos cursos de pós-graduação nos parece naturalmente fundamentada, afinal, os laços existentes entre as duas áreas se colocam mais fortes e sólidos do que as diferenças persistentes. Tal aproximação ganha ainda mais sentido se, comparativamente, analisarmos a relação da Ciência da Informação com qualquer outro campo do conhecimento. As três modalidades de aproximação até aqui discutidas (relação histórica, relação local e relação institucional) dão margem a uma interpretação da Ciência da Informação e das Ciências da Comunicação por meio da relação comparativa entre as disciplinas, um viés de análise mais especulativo. Com base na literatura científica da outra área é possível observar orientações de pesquisa, sem desconsiderar, evidentemente, a preocupação em verificar a pertinência 141 destas questões ao próprio campo específico. Isso porque a história de cada área pode iluminar caminhos de pesquisa ainda não explorados pela outra, ainda que a transferência de modelos não seja simples e direta. A comparação histórica entre os dois campos aponta que apenas recentemente a Ciência da Informação passou a se dedicar ao auto-questionamento metodológico, um dos principais fundamentos de qualquer ciência. Ainda que os estudos em Comunicação reclamem a falta de atenção a esta vertente, este campo ao menos inclui a reflexão metodológica em sua agenda de discussões há mais tempo. Por outro lado, a pesquisa em Ciências da Comunicação praticamente não desenvolve estudos através dos modelos científicos da Ciência da Informação. São escassos os trabalhos comunicacionais relacionados a análises de citação (bibliometria e infometria), que, assim como as reflexões metodológicas, também são importantes instrumentos de avaliação do estado da arte de um campo do conhecimento. Nesse sentido, Olga Tavares pondera que “as fundamentações teóricas de ambas, informação e comunicação, quando estudadas em conjunto, precisam tornar-se mais consistentes e melhor definidas, no sentido de as colocarem sob o estatuto da ciência para que se chegue a resultados mais objetivos e precisos” (TAVARES, 2002, p. 146). A comparação no âmbito temático aponta que as Ciências da Comunicação têm se dedicado “aos estudos de audiência, persuasão, indústria cultural, identidades culturais e, mais recentemente, à revisão de seus conceitos implicada pelas novas tecnologias”. Já a Ciência da Informação tem se preocupado “com a organização, o crescimento e a distribuição do conhecimento documentado, a relação entre sistemas de registro e recuperação e seus usuários, além de uma constante revisão do próprio conceito de informação, dada a abrangência de tal campo” (BRAMBILLA, 2004). Outro critério passível de comparação é o crescimento da produção informacional nas esferas de intervenção de cada campo. A explosão quantitativa da informação foi gerada, e ao mesmo tempo afetou, “três instituições eminentemente 142 modernas: o sistema produtivo capitalista, o Estado e os serviços de utilidade pública e a Ciência” (FERNANDES, 1995, p. 27). Segundo Meadows, “todos os meios de comunicação de massa têm ampliado a produção de informação nas últimas décadas (mais páginas nos jornais e mais canais de rádio e televisão). No entanto, a produção de pesquisas [científicas] aumentou com rapidez ainda maior, de modo que o problema da seleção não se tornou mais fácil” (MEADOWS, 1999, p. 151). No bojo da comparação entre os campos é possível identificar tendências de deslocamento da Ciência da Informação para os estudos das questões comunicacionais. “A informação, que antes era tida como estoque a ser preservado e tinha seus estudos calcados unicamente nas formas de registro segundo os parâmetros do conhecimento científico, é tomada agora no seu sentido dinâmico. Nele os processo de circulação assumem importância social, determinando que a distribuição e o acesso à informação sejam tratados como questões sócio-político-econômicas, de natureza pública, portanto. A informação não se apresenta mais como uma questão individual, é um problema social” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 11). Tal orientação da pesquisa em CI, no entanto, pode ser considerada um movimento natural, em sintonia com as transformações dos valores sociais da informação. Isso porque, “por outro lado, a qualificação da informação pela etimologia da palavra, a associa objetivamente ao coletivo. Verifica-se, por essa via, que a sua importância encontra-se relacionada ao fato de a mesma promover modos de organização social que vão além de noções espaciais e territoriais: a agregação dos indivíduos, assim como a segregação entre eles, faz-se pela informação, sua circulação, distribuição e consumo” (KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001). Le Coadic (2000, p. 12-13 e p. 16) propõe ainda outra vertente de comparação, por meio da análise das tradições profissionais dos campos, a partir da Biblioteconomia e do Jornalismo. Cabe ressaltar que estas duas áreas são os principais contextos de pesquisa 143 da literatura especializada em Ciência da Informação e Ciências da Comunicação, respectivamente. Tal ocorrência suscita inclusive um questionamento acerca do privilégio e da concentração das análises em domínios que refletem apenas parcelas de cada campo científico. Em síntese, portanto, em uma visão limitada, a Biblioteconomia está para a “arte de organizar bibliotecas” como o Jornalismo está para a “arte de organizar um jornal, uma rede de rádio ou televisão”. O Jornalismo responde aos problemas de coleta (e não coleção) de informações com o objetivo de produzir documentos, sejam eles audiovisuais ou textuais. À Biblioteconomia concerne a gestão de acervos de documentos, através das práticas de formação, desenvolvimento, classificação, catalogação e conservação, por exemplo. A convergência entre as duas áreas consiste na atenção ao público, seja ele o usuário/cliente/leitor dos serviços informacionais ou o receptor/leitor/ouvinte/ telespectador dos meios de comunicação de massa (LE COADIC, 2000, p. 12-13 e p. 16). Sob outra perspectiva, a ligação entre Ciências da Comunicação e Ciência da Informação pode ser designada em termos de uma relação intermediada pela cultura. A cultura é um dos campos de conexão das interfaces entre as duas disciplinas, afinal, as instituições de mediação das duas áreas têm o objetivo correlato de produzir e transmitir as formas e os conteúdos simbólicos das culturas e das sociedades. Atualmente, as culturas podem ser compreendidas “[...] como formas de apropriação de sentidos presentes em mensagens de natureza diversa. Estas mensagens emergem a todo o momento actualizadas, como forma de afirmação de uma identidade, sendo indissociáveis dos contextos em que se inserem, das instituições de mediação a que se vinculam, assim como dos valores, das formas de espiritualidade e criação humana” (FERIN, 2002, p. 10). Entre os meios de comunicação da memória cultural das sociedades estão os acervos das bibliotecas, arquivos e museus, cuja atividade é orientada pelas discussões do campo da Ciência da Informação. A aproximação com as Ciências da Comunicação 144 consiste na consideração de que “estes acervos vão constituir as potenciais referências do segmento que formata conteúdos simbólicos adequados a hipotéticos receptores, os quais exercem sua capacidade de descodificação de mensagens, negociando-as em função das suas heranças culturais e das suas vivências quotidianas” (FERIN, 2002, p. 28). Com o advento dos meios de comunicação de massa, constitui-se o conceito de cultura de massa, que “[...] decorre da coexistência e das tensões das sociedades policulturais modernas, onde estão presentes diversas culturas, determinantes e determinadas por interacções múltiplas (pessoais, familiares, escolares, nacionais, religiosas, políticas, promovidas pelos media...)” (FERIN, 2002, p. 125). Dessa maneira, “a indústria cultural, estruturada a partir da exploração sistemática de um desejo consumista da cultura, padronizou o conteúdo informativo das mensagens, simplificando os processos cognitivos e abrindo, ao mesmo tempo, um amplo leque de opções de informação para um público ávido e carente que, até pouco antes, estava à margem dos circuitos do saber” (ODDONE, 1998, p. 5). O conceito de cultura apresenta determinada transversalidade ao se relacionar com a CI e as Ciências da Comunicação. Isabel Ferin indica pontos de conexão entre cultura e comunicação, nos quais podemos incluir o campo da informação. Dessa maneira, “ambas se encontram no âmago da actividade humana; podem ser formalizadas através de códigos e tecnologias; são simultaneamente individualizadas e partilhadas por um grande número de pessoas; estão sujeitas a rituais de aprendizagem inerentes a hábitos, costumes, inovações e rupturas” (FERIN, 2002, p. 48). Nesse sentido, CI e Ciências da Comunicação podem ser considerados campos de estudos dos significados. Na interface entre as áreas, “a problemática da informação, na Ciência da informação, aproxima-a do campo teórico da Teoria da Comunicação, precisamente porque ambas operam com o sentido. Pode-se afirmar, nessa perspectiva, que a informação documentada é objeto material da Ciência da Informação, enquanto os 145 processos de sua estruturação para o fluxo e a recepção são seu objeto formal” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 10). Também na esfera dos campos promotores da aproximação entre Comunicação e Informação, é possível destacar a relação intermediada pela Lingüística. Como vimos anteriormente nos históricos das áreas, os estudos lingüísticos fundamentam os princípios científicos de ambas as disciplinas. A linguagem é o conjunto de estruturas minimamente necessário para a construção da informação e para a sua posterior comunicação. Dessa maneira, “em toda comunicação há implícita uma informação porque não se pode prescindir de uma carga cognitiva no menor gesto comunicativo que seja” (TAVARES, 2002, p. 140). Ana Maria Brambilla fala em subordinação dos campos comunicacional e informacional à linguagem, uma vez que a informação passa necessariamente pela mediação da linguagem. Além disso, “enquanto sistema, a linguagem torna a memória coletiva algo inteligível, registrável e transmissível, a transforma, portanto, em informação” (McGARRY, Kevin citado por BRAMBILLA, 2004). A Lingüística foi essencial para a ampliação da definição dos conceitos de comunicação e informação, originalmente atrelados às tecnologias, aos meios e aos suportes, como exemplifica a teoria matemática da comunicação. Os estudos lingüísticos, em conjunto com as pesquisas semânticas e semióticas, acrescentaram os conceitos de fluxos de idéias e de mensagens cheias de significado aos temas de trabalho da CI e das Ciências da Comunicação (OLIVEIRA, 2005, p. 24-25). Em síntese, “colocando em discussão os códigos, os signos, as formas simbólicas, as cadeias de significação, os modos de produção de sentido, os estudos de linguagem nos permitem compreender as montagens e desmontagens dos significados formalizados pelos meios de informação e de comunicação” (PAIVA, 2002, p. 191). Dessa maneira, é possível dizer que as duas disciplinas prescindem (e continuarão a prescindir) necessariamente da Lingüística. E, atualmente, os dois campos de estudos 146 também incluem suas questões e discussões na pesquisa lingüística. As convergências são tão grandes a ponto de tornar extremamente complicado identificar os limites de uma área em relação às outras. Até porque, as imbricações lingüísticas são determinantes na proposição de variações nas designações de comunicação e de informação. Como observam Rafael Capurro e Birger Hjorland, “o fato de que o conceito de comunicação de conhecimento tem sido designado pela palavra informação parece, a primeira vista, um acontecimento lingüístico” (CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 149). A interface da Ciência da Informação com as Ciências da Comunicação pode ser analisada também a partir da estreita relação com as tecnologias de produção e reprodução da informação. Em princípio, à Ciência da Informação coube a gestão do conhecimento previamente produzido. Ainda que com o objetivo de facilitar a produção da informação pelo leitor, esse paradigma ainda estava essencialmente atrelado à inexistência do papel de produtor no âmbito dos serviços de informação. Esse panorama nos parece explicar a insuficiência de uma relação imediata da informação com o processo de comunicação. Também em uma visão tradicional, a natureza dos meios de comunicação de massa era “o processo industrializado de produção e distribuição oportuna de mensagens culturais em códigos de acesso e domínio coletivo, por meio de veículos mecânicos (elétricos/eletrônicos), aos vastos públicos que constituem a massa social, visando a informá-la, educá-la, entretê-la ou persuadi-la” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 57). No entanto, como exemplifica Ivete Pieruccini, “a invenção dos suportes de inscrição das representações, concedendo-lhes possibilidades de circulação para além do âmbito imediato dos produtores, instituiu um novo paradigma de mediação, não mais exclusivamente natural, dependente do aparato biológico dos sujeitos” (PIERUCCINI, 2004, p. 31). 147 Ainda Pierucinni observa que “o novo quadro de desenvolvimento de tecnologias, portanto, não significa tão somente a concorrência de novos meios de transporte de informação à distância. Trata-se do estabelecimento de uma nova ordem história mundial, de novas concepções, modos e recursos de configuração da sociedade e da informação” (PIERUCCINI, 2004, p. 32). Nas palavras de Edgar Morin, trata-se do processo de “tecnologização” da informação e da comunicação, onde “a esfera de informação encontra-se de tal forma tecnologizada, não sendo incomum confundir os meios das mediações”. Para solucionar tal problema, cabe às ciências “[...] não somente uma posição epistemológica que incorpore a tecnologia como meio, e não como fim, poderá livrar-nos da submissão à tecnoesfera” (MORIN, Edgar citado por KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 16). Segundo Ronald Day, “a facilidade com que as tecnologias de informação convergem para as tecnologias da comunicação, e vice-versa - por exemplo, no caso da Internet que é entendida como meio, tanto de comunicação quanto de informação sugere que a tentativa de definir a diferença 'real' entre ambos os termos é menos importante do que a de acompanhar sua congruência história na teoria e na prática” (DAY, Ronald E. citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 188). Dessa maneira, “a obsolescência de conceitos envolvendo as mídias e o direcionamento para uma personalização cada vez maior de conteúdos são dois fatores que começam a se desenhar no atual horizonte, envolvendo as áreas da comunicação, informação e tecnologia. Isto ocorre por intermédio das possibilidades tecnológicas acessíveis e também amigáveis, onde comunicação e informação misturam-se no processo, tornando muitas vezes nebulosas as fronteiras, especialmente no que diz respeito às diferentes utilizações das tecnologias e ainda sobre quem produz os conteúdos que circulam cada vez mais sem controle” (CUNHA, 2003). Os novos usos das tecnologias cumprem, assim, o papel de unir os paradigmas da Ciência da Informação e das Ciências da Comunicação, por meio da indistinção entre 148 funções de emissão e recepção de mensagens. Os meios de comunicação e os serviços de informação passam a operar como espaços privilegiados de facilitação e de fruição da informação, em uma conformação que consiste pura e simplesmente no processo de comunicação. Outra modalidade de vinculação entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação pode ser denominada como relação interdisciplinar. Como vimos anteriormente, a interdisciplinaridade é um dos estágios de aproximação entre as ciências, o que a aponta como uma das principais perspectivas de análise das relações entre campos do conhecimento. A base de compartilhamento interdisciplinar das áreas pode ser observada sob dois prismas. “Num universo amplo, ambas dão suporte a outros campos do saber”, por conta da transversalidade natural das ciências que tratam da linguagem e do discurso. Em uma abordagem específica, “tanto a uma quanto a outra cabem visões tecnológicas, educacionais e/ou sociológicas” (TAVARES, 20002, p. 147). A interdisciplinaridade pode ocorrer em diversos níveis e planos, mas, segundo Le Coadic, as principais formas de relação interdisciplinar são aquelas explícitas pelas aproximações entre conceitos, métodos, leis, modelos e teorias (LE COADIC, 2000, p. 55). No bojo da discussão entre os laços interdisciplinares, uma das principais facetas de análise é a relação entre conceitos da CI e das Ciências da Comunicação. Aos conceitos cabe delimitar precisamente a abrangência do significado de um termo para determinado campo do conhecimento. Dessa forma, o estudo dos conceitos nos permite encontrar consistentes aproximações entre as duas disciplinas. Sobre a importância dos conceitos, a partir dos seus usos interdisciplinares possíveis, Olga Tavares indica que “em nível epistemológico, o excesso de conceitos escolhidos sem uma reflexão crítica e relacional tem contribuído para a apresentação de trabalhos equivocados. Não se pode é, sob a justificativa da interdisciplinaridade, fazer uso de 149 determinados fundamentos teórico-metodológicos indiscriminadamente, sem um exame prévio da delimitação do objeto a que se propõe investigar” (TAVARES, 2002, p. 146). Em todas as ciências, os conceitos traduzem “proposições acerca de observações devem ser expressas na linguagem de alguma teoria. Conseqüentemente, discute-se que as proposições e os conceitos que nelas figuram serão tão precisos e informativos quanto a teoria em cuja linguagem se apóiam seja precisa e informativa” (CHALMERS, Alan Francis citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 152). Entre os principais conceitos para os dois campos está a noção de informação. “Ainda que informação, para cada uma das áreas, tenha particularidades fundamentais, ambas partilham de um conjunto de concepções que pode ser traduzir informação por um quase-sinônimo do termo fato, um reforço do que já se conhece, a liberdade de escolha ao selecionar uma mensagem, a matéria-prima da qual se extrai o conhecimento, aquilo que é permutado com o exterior e não apenas recebido passivamente, definida em termos de seus efeitos no receptor ou ainda algo que reduz a incerteza em determinada situação” (McGARRY, Kelvin citado por BRAMBILLA, 2004). Daniel Bougnoux ressalta que “os conceitos de informação e comunicação são inversamente relacionados. A comunicação está relacionada à previsibilidade e à redundância, enquanto a informação, com o novo e o imprevisto. Não há informação pura ou informação em si (isto é, a informação está sempre relacionada a algum tipo de redundância ou ruído). Informar (aos outros ou a si mesmo) significa selecionar e avaliar. Este conceito é particularmente relevante no campo do jornalismo ou mídia de massa, mas, obviamente, também em CI” (BOUGNOUX, Daniel citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 173). Segundo Paiva, “a informação enquanto vetor de comunicabilidade, desta maneira, inscreve-se como uma faculdade de permuta, de troca e de mutualidade, implicando no ritual de aproximação de um espírito ‘comum’” (PAIVA, 2002, p. 171). 150 Na perspectiva da Ciência da Informação, a disciplina “preocupa-se com a pesquisa científica e a prática profissional relativas à comunicação, necessidades e uso da informação em contextos sociais, institucionais e individuais. Informação e comunicação são as palavras-chave de sua proposição” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 13). Capurro e Hjorland apontam que “quando usamos o termos informação em CI, deveríamos ter sempre em mente que informação é o que é informativo para uma determinada pessoa. O que é informativo depende das necessidades interpretativas e habilidades do indivíduo (embora estas sejam freqüentemente compartilhadas com membros de uma mesma comunidade de discurso)” (CAPURRO E HJORLAND, 2007, p. 154-155). Nesse sentido, parece legítima e enriquecedora a intenção de ampliar a discussão da Ciência da Informação para os processos e os fenômenos de geração, comunicação e uso da informação. E, de modo operacional, a interface com as Ciências da Comunicação pode contribuir para o entendimento deste caráter comunicacional da Ciência da Informação, e, porque não, para um certo esclarecimento do caráter informacional do campo da Comunicação. No nosso trabalho, selecionamos o estudo das relações conceituais entre Comunicação e Informação a partir dos conceitos representação documentária, mediação e comunicação científica. A escolha destes três exemplos considerou a relevância dos conceitos para o campo da Ciência da Informação, e a correlação com as Ciências da Comunicação. 151 4.1 Representação documentária Os serviços de informação, prestados por pessoas ou por instituições, são a principal modalidade de prática e de aplicação dos estudos da Ciência da Informação. Com o objetivo de favorecer o acesso à informação, os serviços de informação desenvolvem atividades e processos que envolvem os fenômenos de construção, comunicação e uso da informação (LE COADIC, 2000, p. 25). O processo de construção da informação envolve, basicamente, “a aplicação do raciocínio ao corpo de conhecimentos acumulados ao longo do tempo e armazenados nas bibliotecas e centros documentação”. Relaciona-se, portanto, à necessidade de circulação (comunicação) e à utilização (uso) anterior da informação (LE COADIC, 2000, p. 26). O papel da comunicação da informação consiste em promover e assegurar o intercâmbio dos trabalhos, das pesquisas e de qualquer outro tipo de informação entre as pessoas potencialmente interessadas. Trata-se da função de mediação entre o estágio inicial (construção) e o estágio final (uso) do processo de transferência da informação (LE COADIC, 2000, p. 31). Finalmente, “usar informação é trabalhar com a matéria informação para obter um efeito que satisfaça a uma necessidade de informação”. Dessa maneira, o uso da informação envolve o estoque de conhecimento do assunto (construção) e a identificação da informação pertinente nesta massa informacional (comunicação) (LE COADIC, 2000, p. 38). O trinômio construção, comunicação e uso é uma proposta de modelização social do processo de transferência da informação, cujo objetivo é explicar os fenômenos relacionados ao ciclo informacional de modo harmônico e interacional (LE COADIC, 2000, p. 10). 152 Comunicação Construção Uso Figura 6. O ciclo da informação, por Yves François Le Coadic Para identificar as relações da Ciência da Informação com as Ciências da Comunicação, e assim manter o foco do nosso trabalho, privilegiaremos a análise da etapa de comunicação da informação, com atenção especial aos processos de representação da informação. A representação da informação é uma das atividades mais tradicionais dos centros e serviços informacionais. Entre os seus objetivos estão o controle bibliográfico e documentário, a gestão das coleções e dos acervos, e, principalmente a representação temática da informação. Para tanto, a Ciência da Informação desenvolveu inúmeros métodos de análise da informação. A catalogação visa “escolher como palavras que servirão de entradas no catálogo as que descrevam a origem do documento: nomes de autores, editores, lugar, data, língua de publicação, título do documento”. A análise de co-citações consiste em verificar a co-ocorrência das menções entre trabalhos de uma mesma área de atuação. À análise de termos associados cabe verificar “as palavras-chave [que] indicam quais são os assuntos relevantes em determinado setor de pesquisa em dado momento”. Também podem ser citados o processo de reformulação de textos (resumos), a análise quantitativa da informação (infometria) e a indexação (LE COADIC, 2000, p. 64-67). A indexação consiste na seleção de assuntos representativos do conteúdo de um texto. Dessa forma, a indexação também é denominada representação temática, 153 representação de conteúdo, ou ainda, representação documentária, termo preferido em nosso estudo. F. Wilfrid Lancaster propõe a visualização do fluxo da representação documentária através de um modelo, preparado especialmente para explicar as funções detalhadas dos sistemas de recuperação da informação (SRI) (figura 7). É importante ressaltar que, na proposta do autor, este sistema está inserido no cenário de um ciclo de transferência da informação. Para Lancaster, o processo de indexação envolve dois passos distintos: a análise conceitual propriamente dita e a tradução da análise conceitual para determinado vocabulário. A análise conceitual consiste em reconhecer os assuntos dos quais o texto trata, a partir da capacidade de uso do usuário do sistema de informação. Já á tradução abrange relacionar os assuntos selecionados na análise conceitual aos códigos de representação documentária utilizados no sistema de informação (LANCASTER, 1979, p. 9). A partir dos anos 90, em proposta de Antonio Garcia Gutiérrez, os estudos sobre a representação do conteúdo da informação convergiram para a Lingüística Documentária, um subdomínio da Ciência da Informação. Este ramo da CI “preocupa-se com os problemas decorrentes dos processos simbólicos do tratamento e da recuperação da informação, buscando pesquisar soluções que diminuam a distância entre os estoques e o uso da informação a partir dos estudos das estruturas simbólicas da documentação, das questões lingüísticas de mediação entre produtores e consumidores da informação e da ligação entre os processos documentários e a construção e verbalização da informação” (LARA, 2007, p. 4). 154 Figura 7. Sistema de recuperação da informação, por F. Wilfrid Lancaster Nesse sentido, “entende-se como representação documentária o produto resultante de um processo de análise e síntese do conteúdo dos textos. A síntese documentária, por sua vez, pode transformar-se numa outra representação quando intemediada por uma Linguagem Documentária”. A primeira relação deste processo com o 155 campo das Ciências da Comunicação consiste em que, “enquanto representação, estes produtos instauram situações de comunicação ‘documentária’” (LARA, 1997, p. 74). Maria Salet Ferreira Novellino, no entanto, problematiza o caráter comunicacional do conceito de representação documentária, ao afirmar que “este é um processo isolado do contexto no qual a transferência da informação se insere; a ela é dada uma autonomia cuja conseqüência é a sua alienação do processo total de comunicação da informação” (NOVELLINO, 1998, p. 137). Segundo a autora, tal visão desconsidera a questão do significado e do contexto da informação, uma vez que “o significado da informação não é estabelecido previamente por quem organiza, mas vai sendo estabelecido durante o processo de comunicação, havendo um sentido partilhado de valor, considerando-se, não apenas a essência ou o conteúdo da informação, mas, também, seus contextos de produção e os possíveis contextos de uso” (NOVELLINO, 1998, p. 138). Em seu questionamento, Novellino identifica duas visões distintas do processo de representação da informação, uma de concepção representacionista ou referencial e outra de concepção comunicacional. A primeira está fundamentada nos estudos da filosofia da linguagem tradicional, segundo a qual “[...] a linguagem é essencialmente individual e a sua função comunicativa é considerada secundária”. A segunda se baseia na filosofia da linguagem ordinária, que “considera não apenas regras para garantir a inteligibilidade de enunciados, mas leva em conta os contextos de produção, comunicação e uso da informação” (NOVELLINO, 1998, p. 140). Entretanto, a concepção comunicacional da representação da informação, conforme a proposta de Novellino, envolve uma forte capacidade de intervenção no domínio a ser representado, a partir da identificação minuciosa das redes de relações entre assuntos e contextos. Para adotar esta orientação, seria necessário um intenso trabalho documentário, o que pode extrapolar as exigências de tempo e recursos 156 humanos dos serviços de informação. De qualquer maneira, a questão levantada pela autora é extremamente relevante, por isso, merece ser discutida e considerada. Além disso, a própria abordagem do conceito de representação revela proximidade com o campo comunicacional, a partir da concepção de signo de Charles S. Pierce. Para o autor, representar “significa ‘estar em lugar de, isto é, estar numa relação com um outro que, para certos propósitos, é considerado por alguma mente como se fosse o outro’” (PIERCE, Charles S. citado por LARA, 1997, p. 73). A representação documentária é viabilizada a partir de sistemas de significação compartilhados. Isso porque “muito embora se possa construir sistemas de significação independentemente da possibilidade de eles serem utilizados em processos de comunicação, não pode existir os processos de comunicação sem que exista um sistema de significação” (LARA, 1997, p. 74). Dessa forma, não é possível falar em comunicação documentária sem a vinculação a um sistema de significação, seja ele o da linguagem natural, o da linguagem especializada ou o da linguagem documentária. As linguagens documentárias são instrumentos de uma das modalidades de representação documentária. Além delas, é possível representar o conteúdo do documento por meio da condensação intensiva do texto. Nesse último caso, “o produto documentário obtido situa-se entre a generalização e a individualização, expressando a tensão entre estes dois pólos” Trata-se do caso dos resumos, cujo objetivo é garantir aquilo que é comum, ao mesmo tempo em que deve destacar aquilo que é particular no texto (LARA, 1993, p. 73). Uma linguagem documentária é um código comutador que “tem como função a normalização das unidades significantes ou conceituais presentes no texto original, a partir de elementos que constituem, de alguma forma, uma condensação de áreas de assunto” (LARA, 1993, p. 73). 157 Mais uma vez, Novellino aponta limitações nessa abordagem e sugere as linguagens de transferência da informação como instrumentos com maior capacidade de comunicação da informação, por “[...] agregar ao termo o sentido que é dado pela conjuntura na qual ele se insere: o texto e o contexto de produção do texto” (NOVELLINO, 1998, p. 139). No caso das linguagens documentárias, por razões pragmáticas, cabe ao próprio termo efetuar a relação com o contexto de produção do texto representado, ainda que tal contextualização não atenda completamente as necessidades de representação da informação. Diante disto, “o trabalho de representação documentária de textos envolve questões de comunicação e de significação que se sobrepõem às do próprio texto-objeto: trabalha-se sobre representações que são, por sua vez, objeto de novas representações”. É necessário conciliar ainda o processo de representação da informação com os variados sistemas de significação inerentes a cada pessoa (LARA, 1997, p. 75). Em um paralelo entre CI e Ciências da Comunicação, a intervenção da representação da informação se relaciona diretamente com a noção de ruído dos modelos dos processos comunicacionais. Isso porque a inserção de outra representação no fluxo de comunicação da informação pode atrapalhar o desenvolvimento da transmissão das mensagens. No entanto, pelo contrário, “a função básica das atividades de representação de conteúdos é sua disseminação, oferecendo, através de produtos condensados, indicações para que o usuário possa ter acesso a porções selecionadas de documentos relativos a assuntos específicos” (LARA, 1997, p. 75). A identificação positiva dos ruídos também é recorrente na literatura das Ciências da Comunicação. Segundo Paiva, “invertendo os termos da Teoria (tradicional) da Informação, onde o ‘ruído’ emperra a comunicação telefônica, uma perspectiva 158 compreensiva concebe o ‘ruído’ positivamente como um vetor de evolução das formas de participação social” (PAIVA, 2002, p. 180). O princípio da seleção é outro paradigma da Ciência da Informação. O ato de selecionar é necessário para determinar desde os recursos informacionais relevantes para o público, as fontes de informação pertinentes nos resultados de uma busca, até as perguntas a serem elaboradas em uma entrevista com o usuário, por exemplo. Gabriel Cohn observa que este processo de seleção “[...] não se iguala aos critérios comunicacionais. Ao passo que a comunicação é da ordem da circulação, o processo informacional determina o modo como os conteúdos entram ou não nesta circulação” (COHN, Gabriel citado por BRAMBILLA, 2004). “A seleção do que é informativo ou não na constituição dos sistemas de informação não é tarefa simples, pois os domínios e áreas de atividade diferem quanto aos aspectos que os unem: alguns domínios ‘têm alto grau de consenso e critérios de relevância explícitos’, outros ‘têm paradigmas diferentes, conflitantes’” (CAPURRO, Rafael e HJORLAND, Birger citados por LARA, 2007). Da mesma forma, o universo de informações é definitivamente maior do que o alcance de qualquer indivíduo, o que faz o tratamento da informação por serviços especializados despontar como uma solução extremamente adequada para o problema. E, nesse espectro, a representação documentária é um dos elementos mais importantes. Em mais uma possibilidade de comparação com o campo das Ciências da Comunicação, Marilda Lopes Ginez de Lara aponta que “realmente, a atividade de representação tem sido desenvolvida marcadamente centrada no emissor, desconsiderando, ou minimizando, os problemas relativos à comunicação. Esse modelo não enfrenta convenientemente o fato de que a transferência da informação se realizada na mediada em que táticas e estratégias de distribuição considerem o espaço social onde ela se realiza” (LARA, 1999, p. 191). 159 Ao apontar a desconsideração com o contexto social do uso informacional, tal afirmação questiona o cerne dos estudos da Ciência da Informação, a questão do usuário da informação. Dessa maneira, para efetivar a comunicação documentária, a representação documentária precisa aprofundar os estudos das questões relacionadas à apropriação da informação. Nesse ponto, as pesquisas em Ciências da Comunicação e Ciência da Informação parecem denotar uma fantástica capacidade de convergência. Embora as áreas executem seus estudos a partir de questões diferentes, em virtude da natureza de cada campo, a apropriação está presente em ambos os processos de comunicação da informação. Independentemente da fonte, o indivíduo necessita executar um processamento cognitivo da informação, e, nesse ponto, os paradigmas comunicacional e informacional podem encontrar inúmeras imbricações. Segundo Lara e Tálamo, “a inclusão da recepção nos fluxos sociais da informação ainda tem de ser mais profundamente estudada, já que o tratamento que tradicionalmente marca a atividade documentária é muito vinculado às estruturas de codificação da informação, ignorando que o acesso e o uso da informação têm como ator o sujeito real, territorializado” (LARA, Marilda Lopes Ginez de e TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira citadas por LARA, 2007, p. 7-8). Na nossa perspectiva de identificação de níveis de aproximação entre Ciências da Comunicação e Ciência da Informação, a tendência da CI de incluir a questão da recepção em sua agenda, através da Lingüística Documentária, suscita outro questionamento. Torna-se imprescindível analisar as diferenças e as semelhanças entre os efeitos das mensagens documentárias e dos conteúdos comunicacionais. Se um dos pressupostos da Comunicação é a mensagem persuasiva, teoricamente a informação produzida nesta esfera teria maior impacto na recepção do indivíduo. Entretanto, tal afirmação não parece adequada e precisa ser comprovada, uma vez que a informação veiculada pelos serviços informacionais também possui grande capacidade 160 de modificar as estruturas cognitivas do sujeito. Além do que, a menção aos critérios de escolha e organização da Ciência da Informação denota uma preocupação com questão da seletividade, o que pode favorecer um maior potencial de aproveitamento da informação, por exemplo. Entre os resultados já alcançados pela Lingüística Documentária nos estudos da apropriação da informação estão a identificação “[...] das referências mais compartilhadas, das variações designacionais e conceituais, das formas de uso dos termos, bem como dos modos como se organizam as áreas e respondem, nem sempre de forma homogênea, pelos partidos epistemológicos adotados” (LARA, 2007, p. 5). Em suma, a representação documentária tem como principal característica a mediação entre os contextos de geração e utilização da informação. Tal função mediadora já enseja em si fenômenos comunicacionais. No entanto, existem outros aspectos do campo da Informação relacionados ao conceito de mediação, como será visto a seguir. 4.2 Mediação Os processos de mediação da Ciência da Informação são extremamente amplos e variados, cuja abrangência contempla a representação documentária, como abordamos na seção anterior, a ação cultural e educacional do profissional da informação, a atividade de auxílio ao usuário na localização da informação, a natureza mediadora dos serviços culturais, entre outros fenômenos. Dessa maneira, dentre os termos selecionados para o nosso trabalho, o conceito de mediação é a noção que apresenta o maior número de variações de significados. Além disso, muitas vezes, o conceito não aparece explicitamente na literatura especializada da área, embora possa ser encontrado na forma de correspondentes. Cabe ressaltar também, 161 que este é o único dentre os conceitos estudados que emprega a designação direta adotada nas Ciências da Comunicação. Em um plano geral, o próprio objeto da Ciência da Informação pode ser considerado um exemplo de mediação, pois “na Informação há um processo de permanente mediação entre a informação gerada pelos registros sobre a realidade e a dos sujeitos que a elas terão acesso. Nesses procedimentos são construídas memórias culturais, políticas, científicas, econômicas e poéticas” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 132). Stumpf e Weber observam o mesmo fenômeno na área da Comunicação, onde “o processo de mediação é sua própria essência, identificável nos movimentos contínuos de apreensão e representação da realidade disponibilizada por meio de mídias, linguagens e técnicas jornalísticas, publicitárias e promocionais” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 132). Sobre as características da Ciência da Informação, Maria Aparecida Moura aponta que, “embora nosso trabalho incida em grande medida sob as informações materialmente suportadas (aquelas sustentadas organicamente por ferramentas, objetos, processos e manifestações culturais, sociais e organizacionais), nossa ação requer uma interação mais dinâmica com os processos informacionais, e por que não dizer, comunicacionais”. E, principalmente, “o exercício da mediação exige o entendimento da perspectiva comunicacional envolvida” (MOURA, 2005, p. 18 e p. 19). Ivete Pieruccini identifica duas vertentes para o conceito de mediação nos serviços de informação. “Numa concepção passiva (tecnicista, ‘neutra’) de mediação o mediador teria como função a simples transferência da informação; um canal entre os dois pólos, Ao contrário, numa concepção dinâmica, participativa, interativa de mediação, a ação tenderia a intervir entre os dois pólos, definindo e/ou alterando as relações entre eles” (PIERUCCINI, 1998, p. 64). Já no campo da Comunicação, o significado mais corrente para mediação é o de “elos intermediários’ entre o estímulo inicial e a resposta, gerando ‘ao mesmo tempo as 162 respostas aos estímulos que os precedem e, por sua vez, estímulos para os elos que seguem’” (DUBOIS, Jean citado por SIGNATES, 1998, p. 38). Luiz Signates observa que o conceito de mediação, no campo da Comunicação, apresenta aproximações com as noções de intermediação, filtro e intervenção, no entanto, é necessário apurar as definições e os limites de cada termo, para evitar usos indevidos do conceito. Intermediação é a proposta de religar a realidade separada em categorias preexistentes e independentes, em uma visão atrelada ao pensamento positivista. O conceito é constantemente utilizado para designar a “‘função’ das instituições de comunicação como intermediários entre grupos e instituições sociais ou mesmo entre racionalidades distintas”. Signates discorda do uso do termo, pois o verdadeiro papel dos meios de comunicação de massa não é o de um agente externo que necessariamente precisa intervir no processo (SIGNATES, 1998, p. 40). O autor também afirma que “mediação não é tampouco ‘filtro’. [...] Como parece evidente, a idéia de filtragem remete especificamente à seleção de conteúdos e pressupõe um enfoque condutivista ou informacional da comunicação” (SIGNATES, 1998, p. 40-41). Nas próprias palavras de Signates é possível notar que, ao contrário da Comunicação, na Ciência da Informação os conceitos de filtro e mediação não apresentam grandes distinções. Isso porque, como vimos anteriormente, a questão da seleção é paradigmática para os serviços de informação. No entanto, a noção de filtro da Ciência da Informação apresenta um viés de facilitação de acesso, a partir da identificação das necessidades do usuário da informação, o que não pode ser interpretado negativamente, como uma ação indiscriminada e arbitrária de escolhas. Nesse sentido, “sob a denominação ‘mediação’ impõe-se a abordagem dos fluxos de informação com a pretensão de viabilizar contínuas relações entre circulação da in- 163 formação e produção do conhecimento”. No entanto, tal ação não valida a “idéia de que a presença do mediador neutralizará imperfeições do sistema de informação e de que este exerce apenas uma função patrimonialista” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 20). Na continuação da sua proposta de diferenciação dos conceitos comunicacionais relacionados à concepção de mediação, Luiz Signates distancia o termo do conceito de intervenção, que consiste em “um ato de censura ou de modificação de um fragmento de informação”, que provoca “interferências no processo de significação” (SIGNATES, 1998, p. 41). Também diferentemente da Comunicação, a Ciência da Informação considera a mediação a partir da prerrogativa de intervenção em uma relação. A partir da visão de Lev S. Vygostki, a mediação em CI “[...] atua nos processo de significação do universo concreto e, neste sentido, a humanização dos sujeitos é ‘processo’ de reconstituição social do que foi adquirido e acumulado pela espécie” (PINO, Angel citada por PIERUCCINI, 1998, p. 64). A intervenção da Ciência da Informação é uma proposta de facilitação do acesso à informação, com base no pressuposto de que a alteração dos significados também pode ser positiva. Para tanto, os serviços de informação se cercam de todos os cuidados na identificação do contexto de produção e uso da informação, além das características dos agentes da comunidade discursiva envolvida neste contexto. Embora a CI possa incluir as noções de filtro e intervenção em seu conceito de informação, a partir do ponto de vista de interpretação dos conceitos é possível identificar um alinhamento com as diferenciações propostas por Luiz Signates. Isso porque, por mais que ocorram intervenções e seleções, a decisão de uso da informação é dada ao usuário, não existe imposição ou arbitrariedade. O limite de atuação dos serviços de informação é a criação e manutenção do ambiente de apropriação da informação.* FUJINO, Asa. Discussão do conceito de mediação. Aula da disciplina Informação, Ciência e Tecnologia, ministrada no Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (CBD/ECA/USP). São Paulo, 5 de abril de 2006. * 164 Pierre Lévy acrescenta outros dois conceitos nessa discussão. “A noção de interface pode estender-se ainda para além do domínio dos artefatos. [...] Tudo aquilo que é tradução, transformação, passagem, é da ordem da interface”. Por outro lado, com a rápida ligação entre emissor e receptor, “as instituições e profissões fragilizadas pela desintermediação e o crescimento da transparência só poderão sobreviver e prosperar [...] efetuando sua migração de competências para a organização da inteligência coletiva e do auxílio à navegação” (LÉVY, Pierre citado por ODDONE, 1998, p. 6-7, grifos nossos). Sob outra perspectiva do conceito no campo da Ciência da Informação, segundo Ivete Pieruccini, a mediação “não depende exclusivamente da ação humana direta”, pois toda “a relação homem-mundo é uma relação mediada por símbolos, por instrumentos, por outros homens” (PIERUCCINI, 1998, p. 64). Dessa maneira, outro ponto de ligação entre os conceitos de mediação da Ciência da Informação e das Ciências da Comunicação é o conceito de informação. À informação cabe o papel de estrutura portadora de significados, que, nesse cenário, sem minimizar as outras acepções do conceito, é uma das construções que possibilita a relação homemmundo. E, como vimos anteriormente, necessariamente a informação está relacionada ao paradigma da linguagem. “Nesse sentido, é por meio da linguagem que ocorre o processo de incorporação progressiva (da criança) à comunidade humana, forma unívoca de internalização da cultura que torna o indivíduo social, humanizado”. E, mais tarde, nos demais estágios de desenvolvimento do sujeito, a linguagem continua a exercer o papel de ressignificar a sua relação com o mundo (PIERUCCINI, 1998, p. 67). Aqui reside a importância da representação documentária como instrumento de comunicação da informação, cuja função é facilitar as trocas informações entre os autores e os receptores da informação. Isso porque “não é suficiente unicamente, que a mensagem esteja intencionalmente dirigida ao acesso, mas que a mensagem atinja as 165 geografias semânticas do receptor, compatíveis com a sua compreensão e aceitação” (BARRETO, Aldo de Albuquerque citado por TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002). De volta à esfera das múltiplas formas de mediação do homem em sua relação com o mundo, Pieruccini identifica mais uma modalidade de aproximação entre CI e Ciências da Comunicação, por meio do caráter institucional enquanto serviços culturais. Isso porque “os serviços culturais passam a ter importante papel de mediação das novas relações com o mundo, em contextos contemporâneos, quando formas de relação ‘espontânea’ com a cultura são cada vez mais substituídas por forma intermediadas por organizações como museus, bibliotecas, meios de comunicação de massa, entre outros” (PIERUCCINI, 1998, p. 64). Nesse sentido, no campo das Ciências da Comunicação, a partir de Jesus MartinBarbero, “a mediação é, assim, definida como processo pelo qual os meios de comunicação adquirem materialidade institucional e espessura cultural, abordagem que supera os estudos sobre estrutura econômica e conteúdo ideológico” (MARTINBARBERO, Jesus citado por SIGNATES, 1998, p. 43). Régis Debray chega a propor uma disciplina, a Midiologia, para estudar a mediação, entendida como “o conjunto dinâmico dos procedimentos e corpos intermédios que se interpõem entre uma produção de signos e uma produção de acontecimentos” (DEBRAY, Régis citado por ODDONE, 1998, p. 6-7). Ainda na discussão do conceito de mediação nas Ciências da Comunicação, mas em interface direta com o campo da Ciência da Informação, Guillermo Orozco Gómez aponta a diversidade de fontes de mediação da sociedade: “cultura, política, economia, classe social, gênero, idade, etnicidade, os meios, as condições situacionais e contextuais, as instituições e os movimentos sociais” (OROZCO GÓMES, Guillermo citado por SIGNATES, 1998, p. 44). 166 No caso dos serviços de informação, o seu papel, na sociedade atual, é “[...] propiciar a interface de treinamento entre o usuário e as ferramentas da metainformação, e tornar-se ponto focal de uma comunidade (real e virtual) de conhecimento, centro cultural e ponto de referência para encontros de comunidades de cibernautas” (ALLEN, Mathew e RETZLAFF, Lothar citados por TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002). Além de todas as fontes de mediação, a própria “consciência humana é fruto de mediações, atribuindo à atividade mental (memória e pensamento), às relações sociais (sociabilidade) e às tecnologias (instrumentos) a responsabilidade pela organização da ‘nossa sensibilidade aos estímulos, nossa percepção e memória deles, e nossas reações a eles’” (RATNER, Carl citado por PIERUCCINI, 1998, p. 66). Mesmo com a generalização do caráter de mediação do mundo, os estudos da Comunicação apontam a perspectiva da mediação da atuação profissional, no que também revelam sintonia com a pesquisa em mediação na Ciência da Informação. Segundo Daniel Bougnoux, “o mediador é o homem do meio: intermediário ou pontifex entre duas extremidades, mostra-se sensível às circunstâncias, às oportunidades ambientes” (BOUGNOUX, Daniel citado por ODDONE, 1998, p. 6). Jiron Matui, pesquisador do campo da Pedagogia, identifica “[...] os mediadores do conhecimento por sua ação no sentido de favorecer a interação entre sujeito e objeto do conhecimento e de facilitar a apreensão pelo indivíduo dos objetos físicos inseridos, histórica e culturalmente, no contexto da rica rede de relações simbólicas que permeia o social” (MATUI, Jiron citado por ODDONE, 1998, p. 7). Para Kira Tarapanoff, Emir Suaiden e Cecília Oliveira, “o fluxo da informação entre os estoques ou espaços de informação e os usuários é tarefa de profissionais que devem qualificar este acesso em termos das competências para assimilação da informação, como sendo uma condição, que deve ter o receptor da informação acessada; 167 elaborar a informação para seu uso, seu desenvolvimento pessoal e dos seus espaços de convivência” (TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002). Ao falar do profissional da informação, Nanci Oddone considera que “muito mais relevante é o papel que lhe está reservado nos processos de comunicação e transferência da informação e de mediação na construção do conhecimento”. “Seria seu papel identificar e atender as necessidades informacionais de seus usuários imediatos e potenciais, procurando estabelecer uma dinâmica entre os repositórios estáticos do conhecimento que se encontram sob sua responsabilidade e as questões vivas dos indivíduos na busca de novas informações e conhecimentos” (ODDONE, 1998, p. 2). O exercício do papel de mediador é conveniente em todas as esferas de atuação profissional, sobretudo, a partir das novas tecnologias da comunicação. Assim, “é necessário que o profissional da informação atue como um mediador entre o mundo digital e a capacidade real de entendimento do receptor da informação, garantindo a efetiva comunicação e a satisfação da necessidade informacional do usuário dessa tecnologia” (TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002). Na esfera dos serviços de informação social e cultural, como as bibliotecas públicas e comunitárias, “[...] cabe ao profissional da informação um papel de mediador da informação, onde ao mesmo tempo ele utiliza novas tecnologias alicerçadas ao desenvolvimento social, ou seja, ele desenvolve um papel fundamental para acabar com a exclusão digital e a falta de acesso á informação” (TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002). Em outro plano, dos serviços de informação em negócios, “numa economia baseada na informação e no conhecimento o centro informacional e o profissional a informação devem fazer a transição de: centro de custo para centro de valor agregado; oferta de serviços para oferta de informações em resposta a necessidades específicas; provedores de informação para parceiros na geração do conhecimento” (RYSKE, E. e SEBASTIAN, T. citados por TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002). 168 Por fim, a habilidade de mediação do bibliotecário também é exigida no contexto científico e tecnológico, no qual a sua atividade de interação com autores, editores, avaliadores, agências de fomento e universidades, por exemplo, pode potencializar os processos de geração, transferência e uso da informação. O ponto em comum entre estas esferas é o objetivo de capacitar o indivíduo para “[...] encontrar, avaliar e usar a informação eficazmente para resolver problemas ou tomar decisões. Uma pessoa alfabetizada em informação é aquela que reconhece a necessidade da informação; organiza-a para uma aplicação prática; integra a nova informação a um corpo de conhecimento existente; usa a informação para solução de problemas e aprende a aprender” (LENOX, Mary F. citada por TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002). Seja no plano social, educacional, científico, tecnológico, administrativo, ou em qualquer outra esfera, a mediação também deve ser observada enquanto processo prático do serviço de referência das unidades de informação. A referência consiste na situação comunicacional de interação direta entre o profissional e o usuário, cujo objetivo é auxiliar e potencializar o resultado das buscas da informação. Dessa maneira, conforme Nanci Oddone, nos “parece claro que, como conceito, a idéia de mediação permanece íntegra sob todos os ângulos através dos quais é observada e, de forma inequívoca, poderá trazer uma grande contribuição ao estudo do perfil profissional do bibliotecário do futuro, enquanto agente interfaciador no processo de transferência da informação e de construção do conhecimento” (ODDONE, 1998, p. 9). Diante da multiplicidade de constatações e de intervenções no contexto das sociedades contemporâneas, a mediação consiste na função precípua dos serviços de informação. Entre os principais espaços de manifestação do caráter mediador da CI está o contexto da comunicação científica, que será visto e analisado a seguir. 169 4.3 Comunicação científica A ciência é uma modalidade de produção, transferência, uso e discussão da informação, cujo objetivo é explicar, sistematizar e averiguar ilimitado número de fenômenos da realidade e da sociedade. Dessa forma, a partir das suas características, das suas propriedades e dos seus princípios, é possível indicar que a ciência é prática provisória, controlada, e, comunicável. A primeira das propriedades da ciência é o estudo dos fenômenos por meio da aplicação rigorosa de uma metodologia de pesquisa, que consiste em um conjunto de regras definidas, controladas e compartilhadas por uma comunidade de pesquisadores (MUELLER, 2000, p. 21). Maria das Graças Targino destaca que “[...] vale dizer que a ciência avança não como resultado de um processo cumulativo de uma positividade de idéias, mas pela negação de hipóteses e teorias, cuja rejeição aproxima o homem da verdade, ainda que provisória e mutável, por ser histórica, e portanto, redefinível a qualquer momento” (TARGINO, 2000, p. 2). O caráter provisório é justamente o segundo aspecto delimitador do universo científico. A ciência é, antes de tudo, “uma instituição social, dinâmica, contínua, cumulativa”. Tal carência de um nível de permanência está relacionada à natureza da sociedade, dos objetos e dos indivíduos que a ciência pesquisa, pelos quais ela é construída, e, com os quais ela interage (TARGINO, 2000, p. 2). Por fim, a terceira característica da ciência é a comunicabilidade. O papel fundamental da comunicação reside na sua capacidade de imprimir níveis de confiabilidade aos resultados dos estudos científicos. Trata-se do processo de divulgação e de avaliação do conteúdo das pesquisas acadêmicas pelo conjunto de pessoas 170 envolvidas com determinada área, disciplina, grupo ou linha de atuação (MUELLER, 2000, p. 21). No mesmo sentido, Le Coadic observa que “a ‘comunicabilidade’ é a característica principal da produção científica, pois permitirá o reconhecimento do cientista pelos pares e lhe garantirá sucesso na comunidade científica” (LE COADIC, 2000, p. 33). Dessa forma, a primeira aproximação do conceito de comunicação científica com o campo das Ciências da Comunicação consiste na adoção da própria designação do conceito de comunicação, enquanto conjunto dos fenômenos e dos processos de interação entre dois ou mais sujeitos. O correspondente material e formal da comunicação científica é o documento científico, que, ao explicitar e compartilhar as idéias de uma ou mais pessoas, “[...] permite expor o trabalho dos pesquisadores ao julgamento constante de seus pares, em busca do consenso que confere à confiabilidade” (MUELLER, 2000, p. 22). A principal classe de documentos científicos surgiu no século XVI, como produto da comunicação entre os membros de sociedades de pesquisa da Europa. Em Londres, os membros da Royal Society, constituída no ano de 1662, trocavam constantes correspondências, “com o objetivo de discutir questões filosóficas e acompanhar os progressos ocorridos no mundo”. Na França, a sociedade Sçavans, que contava com a mesma produção de cartas, formulou uma apresentação formal destes documentos. O Journal de Sçavans, lançado em 1665, “tem boas razões para ser chamado a primeira revista em sentido moderno”. No mesmo ano, a Royal Society cria o seu próprio título de periódico, o Philosophical Transactions (MEADOWS, 1999, p. 5-6). Além do impulso institucional das sociedades de estudos, outro facilitador do advento da revista científica foi o surgimento da imprensa. “A capacidade de multiplicar os exemplares de um livro [ou qualquer outro tipo de documento] representou um passo importante rumo a uma difusão melhor e mais rápida das pesquisas”. E, ao mesmo 171 tempo, “[...] começaram a ser produzidas folhas noticiosas, de caráter oficial ou não-oficial, que descreviam acontecimentos de particular interesse” (MEADOWS, 1999, p. 4). Mais uma vez, portanto, os objetos de estudo da Ciência da Informação e das Ciências da Comunicação se cruzaram e se relacionaram, por conta do compartilhamento das benesses da evolução da tipografia. Assim, a revolucionária tecnologia de reprodução da impressão se consolidou como o principal motor da comunicação científica e da comunicação de massas. Para alcançar a legitimação da ciência, os conceitos, as metodologias, as teorias, os princípios, os resultados, as ferramentas, e, qualquer outro aspecto inerente ao fazer científico, precisam ser coletivizados e discutidos por um grupo delimitado de estudiosos. Cabe ao processo de comunicação operacionalizar o compartilhamento dessas informações. Nesse sentido, é possível observar outro viés de aproximação entre os campos da informação e da comunicação. A formalização da comunicação científica está para a Ciência da Informação como o surgimento dos meios de comunicação de massa está para as Ciências da Comunicação. Nos dois casos, ocorreu uma institucionalização do processo comunicacional, com a participação de agentes de mediação, em sua maior parte profissionais. No âmbito dos modelos acadêmicos de análise da comunicação de massa, surgiu o conceito de gatekeeping, para analisar a função de determinadas pessoas-chave na disseminação, comprovação ou distorção da mensagem veiculada pela mídia (SHOEMAKER, Pamela J. citada por MEADOWS, 1999, p. 148). Os primeiros estudos sobre o gatekeeping foram desenvolvidos na década de 50 por David Manning White, a partir de princípios de Kurt Lewin. O objetivo foi “[...] definir onde, em quais pontos do aparato, a ação de filtro é exercida explícita e institucionalmente”. O papel do gatekeeper está relacionado à função “[...] de seleção 172 como processo ordenado hierarquicamente e ligado a uma rede complexa de feedback” (WOLF, 2005, p. 185-186). A abordagem do conceito de gatekeeper difundiu-se rapidamente nas pesquisas da Ciência da Informação, no entanto, “esse modelos sociológicos são úteis para concentrarmos nossa análise em aspectos específicos da transferência da informação, mas não podem ser aplicados de modo muito amplo” (MEADOWS, 1999, p. 148). Além da função de gatekeeper, existem outros facilitadores e organizadores do fluxo de transferência da informação científica. “O primeiro desses grupos é formado pelas editoras. Sua atribuição é receber as obras dos autores, organizá-las de forma que seja aceitável pelos leitores, e em seguida divulgar os resultados. O segundo grupo consiste em bibliotecários e pessoal da informação, que codificam e armazenam o material oriundo das editoras de modo a torná-los acessíveis aos leitores” (MEADOWS, 1999, p. 127). Dessa maneira, é possível notar a relação de continuidade entre as atividades exercidas pelo pessoal do campo da Comunicação e da área da Informação, a partir do fluxo da comunicação científica. O fluxo da comunicação científica “é um conceito que pretende representar o caminho percorrido pela pesquisa, desde que nasce uma idéia na mente de um pesquisador, passa pelo ponto mais alto que é a publicação formal dos resultados, geralmente em um artigo científico, e continua até que a informação sobre essa informação possa ser recuperada na literatura secundária ou apareça em citações em outros trabalhos” (MUELLER, 2000, p. 27-28). O modelo mais famoso de fluxo da comunicação científica é o de W. D. Garvey e B. C. Griffith, em uma proposta formulada a partir de um estudo sobre o comportamento de pesquisadores da Psicologia (MUELLER, 2000, p. 28). 173 Figura 8. Modelo de comunicação científica de Garvey e Griffith Extraída de LEITE, Fernando César Lima. Gestão do conhecimento científico no contexto acadêmico: proposta de um modelo conceitual. 2006. Dissertação (mestrado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Departamento de Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília. Brasília, 2006. p. 65. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/ tde_busca/arquivo.php?codArquivo=79>. Acesso em: 24 nov. 2007. Suzana Mueller lembra que “nesse modelo é fácil perceber que a informação flui por muitos canais e que diferentes tipos de documentos são produzidos, cujas características variam conforme o estágio da pesquisa e tipo de público a que se destina e o objetivo de quem a comunica” (MUELLER, 2000, p. 30). No bojo da discussão do modelo de Garvey e Griffith, os canais de comunicação científica tradicionalmente podem ser classificados como formais e informais. Entretanto, a partir da revolução tecnológica contemporânea, é fundamental considerar também a função dos canais eletrônicos, cujo espaço no campo da comunicação da ciência cresce cotidianamente. Os canais formais costumam tornar a informação “disponível por longos períodos de tempos para um público amplo”. O paradigma é a comunicação escrita, transmitida 174 através de documentos como livros e periódicos, que constituem o formato tradicional e mais comum de transmissão da informação (MEADOWS, 1999, p. 7 e p. 116). Em contraposição, a comunicação científica informal “é em geral efêmera, sendo posta à disposição apenas de um público delimitado”, a partir do paradigma da oralidade. As principais características dos canais informais são “retroalimentação imediata, informação adaptada ao receptor, implicações explicitadas, e conhecimento prático transmitido junto com conhecimento conceitual” (MEADOWS, 1999, p. 7, 116 e 137). A caracterização dos canais da comunicação científica em formal e informal aponta para uma correspondência com o binômio comunicação mediada e interpessoal, conforme proposta de Isabel Ferin. A comunicação informal e interpessoal tem como princípio o contato direto entre os indivíduos, geralmente com interação simultânea entre emissor e receptor, autor e leitor. Já a comunicação formal e mediada inclui necessariamente processos de mediação e de socialização, através do trabalho dos responsáveis pelos serviços de informação e pelos meios de comunicação (FERIN, 2002, p. 26-27). O formato canal eletrônico da comunicação científica se caracteriza pela hibridez dos modelos formal e informal. “A princípio, como os formais, atinge um público potencialmente amplo e mais ainda, a seleção de canal e do conteúdo é de responsabilidade do pesquisador. Só que, tal como o informal, permite acesso a informações recentes e dá respostas imediatas aos autores, apesar de apresentar volume de redundância, às vezes significativo, e não passar pelo crivo da comunidade científica, salvo cuidados recentes concernentes à editoração eletrônica de periódicos” (TARGINO, 2000, p. 23). A apresentação do processo de comunicação em formato de fluxo ou contínuo é mais um exemplo de relação entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação. Trata-se de uma clara vinculação ao modelo matemático da informação de Shannon e 175 Weaver, constantemente adotado para explicar os fenômenos da comunicação de massas. De acordo com Araújo, “embora [a teoria matemática da informação] não possa explicitar as dimensões psicossociais e sociológicas da informação, em razão de seu estatuto físico, ela tem sido largamente utilizada na Ciência da Informação” (ARAÚJO, 2002, p. 20). Ida Stumpf e Maria Weber apontam que “esse paradigma passou a vigorar como explicativo dos problemas relacionados à Comunicação e à Informação, independente do tipo de mensagem veiculada, quer de natureza científica, tecnológica, artística, afetivas, quer de outra ordem” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 124). Segundo Marlene de Oliveira, a relação com o paradigma da teoria matemática da comunicação “não permitiu considerar os aspectos cognitivos da informação e nem o desejo do usuário como componentes que alteram significativamente o processo de recuperação da informação dentro de um sistema” (OLIVEIRA, 2005, p. 25). Para Capurro e Hjorland, propostas como a teoria matemática da comunicação “não são necessariamente adequadas para a biblioteconomia, documentação e comunicação científica. Um sério risco surge uma vez que conceitos e teorias relacionados à teoria da informação tendem a reduzir o estudo da comunicação documentária à ciência da computação e à ciência cognitiva, retirando, assim, a base do campo em suas prerrogativas” (HJORLAND, Birger citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 177-178). Em uma crítica ainda mais veemente ao modelo matemático, Le Coadic afirma que “[...] a analogia da transmissão de um sinal elétrico conseguiu bloquear os progressos concernentes à comunicação das informações e contribuir para reunir fenômenos irredutíveis sob uma mesma bandeira enganosa, como ainda vemos hoje em dia”. Tal empreendimento afeta negativamente tanto a Ciência da Informação quanto o campo da Comunicação (LE COADIC, 2000, p. 11). 176 Por outro lado, a teoria matemática da comunicação contribuiu para atrair “a atenção para a necessidade de se definir claramente o caráter da informação com que os profissionais da área se preocupavam”, uma vez que estabeleceu um complexo processo de transferência da informação (OLIVEIRA, 2005, p. 13). Além disso, o modelo de Shannon e Weaver “[...] cria conceitos, tais como ruído, entropia e redundância, importantes para os sistemas de recuperação da informação, mesmo que, diferentemente da Ciência da Informação, não considere os aspectos semânticos ou até mesmo influencias da informação” (PINHEIRO, 2002, p.73-74). No sentido contrário, de contribuição a partir da pesquisa em Ciência da Informação, os estudos da comunicação científica consolidaram a idéia de informação como medida de incerteza ou de entropia, cuja influência e utilização extrapolaram para outras áreas do conhecimento, principalmente para o campo das Ciências da Comunicação (WIENER, Norbert citado por FERIN, 2002, p. 19-20). Embora os modelos possam ser criticados por esquematizar as relações entres os elementos do fluxo comunicação e por desconsiderar os desvirtuamentos do processamento normal da informação, eles exercem a importante função de explicar de modo generalizável os fenômenos, sejam eles comunicacionais ou não. Sem dúvida é necessário detalhar a abordagem em níveis conceituais e acadêmicos, mas os modelos são um ponto de partida para a análise científica. Desse modo, nos parece válida a tentativa de propor um modelo que permita visualizar a relação entre os dois modelos, com o objetivo de denotar, a partir dos mesmos princípios originais, a ligação entre os dois campos do conhecimento, e, conseqüentemente, entre os seus objetos de estudo. 177 Canais Destinatário Fonte Canais Figura 9. Modelo de comunicação científica a partir da influência do modelo matemático da comunicação Em síntese, “na primeira etapa, os cientistas produzem informação; na segunda, inserem essa informação num ou em vários dos canais de comunicação que se acham disponíveis”. Na última etapa, “quem deseja conhecer as pesquisas procura recuperar informações pertinentes em um desses canais” (MEADOWS, 1999, p. 209). Nesse modelo conjugado, as noções de mensagem, ruído, transmissor e receptor não aparecem diretamente, mas também constituem o processo, pois estão relacionadas aos conceitos dos canais de comunicação científica. As noções de transmissor e receptor se referem aos meios tecnológicos empregados para executar a comunicação, nesse contexto elas correspondem aos formatos documentários, como os livros ou os periódicos. A questão do ruído é inerente ao próprio ato de comunicar, a partir da premissa da falta de controle sob a interpretação 178 dos significados. E, principalmente, os canais consistem em veículos de informações (mensagens). Nesse sentido, “ao conceber comunicação enquanto processo, norteado pelo princípio básico do diálogo, entende-se o conteúdo deste processo como mensagem. Mais do que dados, esta mensagem insere-se em um contexto, é transformada pelo e transforma o leitor. Unidade básica à produção de conhecimento, a informação estabelece-se como mensagem no fluxo comunicacional” (BRAMBILLA, 2004). “É esta idéia de circulação contida na assertiva transcrita que se denomina comunicação. Esta permite a troca de informações, donde se conclui que enquanto a informação é um produto, uma substância, uma matéria, a comunicação é um ato, um mecanismo, é o processo de intermediação que permite o intercâmbio de idéias entre os indivíduos. A comunicação é um fenômeno natural e intrínseco ao homem, variando de acordo com as características dos grupos nos quais e entre os quais se efetiva” (TARGINO, 2000, p. 10). Mais tarde, com o aprimoramento das discussões acerca do modelo matemático da comunicação, a informação supera o paradigma do objeto e se firma também como um processo (BRAMBILLA, 2004). Segundo Tálamo, na verdade, a afirmação da informação como processo está na própria concepção da Ciência da Informação, uma vez que “comunicação e uso são conceitos solidários, de modo que supera-se a idéia dos SI [serviços de informação] como ‘vitrines’ e ‘estoques’ para a [noção de agentes promotores] de ‘ativação de ordem para o uso’” (TÁLAMO, 2005, p. 4). No âmbito da comunicação científica, essa modificação fica clara e evidente, embora as naturezas do processo comunicacional geral e do correspondente científico sejam distintas. Segundo Gabriel Cohn, “a informação não diz respeito à transmissão de conteúdos. Seu domínio é o da seleção daquilo que terá valor significativo e que, com 179 base nesse valor, comporá o campo dos conteúdos aptos a integrarem a comunicação” (COHN, Gabriel citado por BRAMBILLA, 2004). Embora o modelo matemático da comunicação prevaleça enquanto representação do fluxo de transferência da informação científica, existem outras propostas de organização do processo comunicacional da ciência. Segundo o modelo da difusão, “quando se produz uma nova informação, ela será colhida rapidamente pelos pesquisadores que têm mais interesse imediato, depois, mais e mais lentamente, pelos que têm interesses de pesquisa cada vez mais divergentes” (MEADOWS, 1999, p. 147). No modelo epidemiológico, existem “três grupos equivalentes: os que têm informação sobre um tema científico e podem compartilhá-la; os que têm informação, mas não estão disponíveis (por exemplo, por causa de mudança de local ou de interesse de pesquisa); e os que ainda têm de receber a informação” (MEADOWS, 1999, p. 147). Outra modalidade de conciliação entre Ciências da Comunicação e Ciência da Informação consiste na inserção das questões da ciência na pauta dos meios de comunicação. Os tradicionais veículos de comunicação da ciência, os documentos científicos, passam a ser utilizados pelos profissionais da comunicação como fonte de informação para a execução das suas atividades. Tal conjugação de esforços possui forte impacto na sociedade, isso porque, estes são os dois mais importantes espaços de produção e uso da informação coletiva e compartilhada. No entanto, persistem diferenças de objetivos de cada núcleo produtor da informação. Se a ciência se concentra analítica e profundamente em um problema, a mídia apresenta como prioridade máxima a pertinência imediata do assunto para a vida do público em geral. Dessa maneira, o foco midiático inviabiliza a veiculação de temas mais especializados e é mais fácil comunicar os resultados das pesquisas em ciências de 180 observação, como a Botânica, a Astronomia e a Arqueologia, em comparação com as ciências experimentais, como a Física e a Química (MEADOWS, 1999, p. 70-71). Além disso, “os princípios de seleção que se aplicam à mídia são não apenas diferentes dos adotados pelos cientistas, mas podem realmente contradizê-los. Por exemplo, a mídia tem particular interesse quando as coisas dão errado ou por idéias altamente especulativas. Nada disso goza de alto preço entre os cientistas” (MEADOWS, 1999, p. 203). Outro formato de apresentação da ciência nos meios de comunicação é a abordagem extensiva e especial dos temas científicos. Por exemplo, é comum, no rádio e na televisão, a oferta de produtos, programas e até canais inteiramente dedicados ao universo da ciência. Paralelamente, as peças de divulgação e publicidade passaram a se preocupar com a base científica das informações a serem veiculadas. E, os profissionais de Relações Públicas, cada vez mais recorrem ao conhecimento científico para consolidar a imagem das organizações e das instituições (MEADOWS, 1999, p. 150). Por fim, a transformação essencial dos laços entre Ciências da Comunicação e Ciência da Informação, tanto no contexto do conceito de comunicação científica, quanto no contexto da comunicação em geral, é a revolução da tecnologia da informação. Tal mudança “está tornando indistintas as diferenças anteriormente estabelecidas, como, por exemplo, entre comunicação de massa e comunicação pessoal”. Por um lado, o computador pode ser utilizado como equipamento de recepção simultânea de serviços de variados meios de comunicação. Por outro, ele se transforma em uma potente ferramenta de auxílio, facilitação e democratização da produção da informação (MEADOWS, 1999, p. 160). E o papel da ciência nesse contexto de revolução é inegável. Para Capurro e Hjorland, “o conceito moderno de informação como comunicação de conhecimento, não está relacionado apenas à visão secular de mensagens e mensageiros, mas inclui também uma visão moderna de conhecimento empírico compartilhado por uma 181 comunidade (científica). A pós-modernidade abre este conceito para todos os tipos de mensagens, particularmente na perspectiva de um ambiente digital. Talvez possamos chamar uma ciência da comunicação do conhecimento (melhor: mensagem) de ciência da informação ou angeletics” (CAPURRO, Rafael citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 173). Se, por um lado “as ‘infovias’ apresentam um novo modelo bem-sucedido de produção”, por outro, a nova ordem informacional traz “uma angústia existencial de uma espécie de vazio do saber, ou a ‘pobreza de informações substanciosas em conteúdo em face da enorme quantidade de informações insignificantes difundidas’” (AUN, Marta Pinheiro e ARRUDA, Maria da Conceição Calmon citadas por LASTRES, Helena M. M. citada por TAVARES, 2002, p. 148). Assim, “considerando o caráter relacional da comunicação, dependente de um conteúdo definido segundo algumas concepções, por informação, é possível entender que informação está inserida na comunicação”. E, em contrapartida, “ao entender que toda a informação, para ser válida, deve ser passível de intercâmbio, pode-se afirmar que a comunicação faz parte da informação” (BRAMBILLA, 2004). 182 5 Considerações finais As relações entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação têm sido construídas (e reconstruídas) paulatinamente, e, desde o surgimento de cada campo, o entrelaçamento entre as áreas demonstra inúmeros graus de variações. Nesse percurso evolutivo, se consolidaram variadas modalidades de aproximações disciplinares, entre elas aquelas identificadas neste trabalho: relação histórica, relação local (na França), relação institucional, relação comparativa, relação intermediada pela cultura, relação intermediada pela Lingüística, relação com as tecnologias de produção e reprodução da informação, e, relação interdisciplinar. Por conta do escopo desta pesquisa, nos limitamos a analisar com mais atenção a relação da Ciência da Informação com as Ciências da Comunicação no nível da integração disciplinar (interdisciplinaridade). Em outro recorte do estudo, a abordagem das contribuições interdiscipinares se concentrou na análise de conceitos cuja base teórica é minimamente compartilhada. O conceito de representação documentária enseja um caráter comunicacional imprescindível. Sem a função comunicacional, a representação de conteúdos não se realiza. Isto porque a representação está condicionada a um processo de significação por parte do usuário dos serviços de informação. A mediação é um conceito amplamente compartilhado entre os dois campos. Por conta desse uso direto e constante, existe uma multiplicidade de significados para o termo, seja no âmbito de cada disciplina, seja nas comparações entre CI e Ciências da Comunicação. Mesmo nas diferentes abordagens, é possível observar que existe um núcleo comum centrado na ação de intermediação dos processos de geração, transferência e uso da informação. O conceito de comunicação científica apresenta claras aproximações com os modelos tradicionais das Ciências da Comunicação, em virtude da sua natureza 183 processual e sistêmica. Além disso, progressivamente, os meios de comunicação de massa e a ciência vislumbram um estreitamento em suas relações, o que pode aproximar ainda mais a reflexão teórica acerca da comunicação de massa e da comunicação científica. O princípio geral compartilhado entre as duas disciplinas é a função de comunicação da informação. Na Ciência da Informação, o foco de atenção recai sobre a gestão do fluxo de geração, transferência e uso da informação, principalmente, em âmbitos documentários, Nas Ciências da Comunicação, o objeto nuclear é a veiculação em massa de mensagens por meio de dispositivos tecnológicos ao maior número possível de pessoas. Por conta destas diferenças, claramente delimitadas, poderíamos falar em comunicações no plural, entretanto, a partir do objetivo central do nosso trabalho, mais do que divergências parecem existir e aflorar estreitos laços de cooperação. Dessa maneira, é necessário atribuir maior relevância aos estudos da Ciência da Informação no processo de construção do conhecimento, sobretudo, ao comemorar o poder comunicacional dos serviços informacionais. Tal natureza comunicacional do campo da Informação não parece tão clara na literatura científica, seja da própria área, ou ainda na esfera dos estudos da Comunicação. As transformações sociais provenientes dos serviços de informação parecem mais silenciosas do que a revolução dos meios de comunicação de massa, no entanto, é impossível desconsiderar o papel da Ciência da Informação no estabelecimento de uma nova ordem comunicacional. Comparativamente, cada vez mais é possível afirmar que as duas mudanças sociais são equivalentes. Como exemplo, podemos citar o franco desenvolvimento das ciências nos século XX, baseado, principalmente, na possibilidade de comunicação das informações, paradigma social estabelecido com sucesso pela Ciência da Informação. 184 Os serviços de informação foram pioneiros no sentido de democratizar o papel social de autor/produtor da informação. A partir da natureza científica, os serviços de informação se consolidaram como a principal arena, canal de comunicação, dos cientistas. Mais tarde, o conceito de cidadão produtor da própria informação se espalharia por outros tipos de serviços de informação, sobretudo as bibliotecas públicas e escolares. Mas, infelizmente, nestes espaços a autonomia do sujeito ainda não tem sido praticada plenamente. Além disso, o vínculo das Ciências da Comunicação e da Ciência da Informação com as tecnologias de produção e reprodução de informações é indiscutível. O que diferenciava um campo do outro, até o surgimento da internet, era o uso que se fazia destas ferramentas de comunicação. No atual contexto da sociedade, diminuem as barreiras entre o que é informacional e o que é comunicacional, a partir do pressuposto da democratização da produção da informação. Por um lado, o usuário dos serviços de informação, já autônomo e produtor de conhecimento, consegue multiplicar o alcance das suas mensagens. Por outro, o receptor dos meios de comunicação, até então pouco participativo, ganha o poder de diálogo direto e de intervenção na outra ponta do processo de produção das mensagens. 185 6 Referências ANDRADE, Maria Eugênia Albino; OLIVEIRA, Marlene de. A Ciência da Informação no Brasil. In: OLIVEIRA, Marlene de (Coord.). Ciência da Informação e Biblioteconomia: novos conteúdos e espaços de atuação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. cap. 3. p. 45-60. (Coleção Didática). ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. A Ciência da Informação como uma ciência social. Ciência da Informação, v. 32, n. 3, p. 21-27, set./dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ci/v32n3/19020.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2007. ARAÚJO, Eliany Alvarenga de. O fenômeno informacional na Ciência da Informação. In: CASTRO, César Augusto (Org.). Ciência da Informação e Biblioteconomia: múltiplos discursos. São Luís: EDFAMA; EDUFMA, 2002. cap. 1. p. 12-34. 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Como toda categorização, a designação dos textos nos assuntos está subordinada a um critério de escolha, que, nesse caso, consiste na identificação da matriz temática de cada fonte de informação. 7.1 Ciência da Informação ANDRADE, Maria Eugênia Albino; OLIVEIRA, Marlene de. A Ciência da Informação no Brasil. In: OLIVEIRA, Marlene de (Coord.). Ciência da Informação e Biblioteconomia: novos conteúdos e espaços de atuação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. cap. 3. p. 45-60. (Coleção Didática). ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. A Ciência da Informação como uma ciência social. Ciência da Informação, v. 32, n. 3, p. 21-27, set./dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ci/v32n3/19020.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2007. ARAÚJO, Eliany Alvarenga de. O fenômeno informacional na Ciência da Informação. In: CASTRO, César Augusto (Org.). Ciência da Informação e Biblioteconomia: múltiplos discursos. São Luís: EDFAMA; EDUFMA, 2002. cap. 1. p. 12-34. 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Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Coleção Leitura e Crítica). 7.3 Informação e comunicação BRAMBILLA, Ana Maria. Comunicação e informação: diálogos possíveis. Trabalho de conclusão da disciplina Teorias da comunicação e da informação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, jul. 2004. Disponível em: <http://ambrambilla.blaz.com.br/teorias_info_com.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2007. MOURA, Maria Aparecida. Informação: objeto interdisciplinar - estudos disciplinares: desafios. Palestra (apresentação visual). In: SEMANA DE BIBLIOTECONOMIA DA ECA/USP, 1., 24 de agosto de 2005, São Paulo. 22 lâminas. STUMPF, Ida Regina; WEBER, Maria Helena. Comunicação e Informação: conflitos e divergências. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. (Org.). Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, 2003. p. 121-134. (Coleção Comunicação Contemporânea, 1). 197 TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira. Ciência da Informação e Comunicação na sociedade contemporânea. Palestra (apresentação visual). In: SEMANA DE BIBLIOTECONOMIA DA ECA/USP, 1., 24 de agosto de 2005, São Paulo. 22 lâminas. TAVARES, Olga. Comunicação e informação: caminhos de conexão. In: AQUINO, Mirian de Albuquerque. O campo da Ciência da Informação: gênese, conexões e especificidades. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002. p. 137-151. 7.4 Representação documentária LANCASTER, F. Wilfrid. The functions of information retrieval systems. In: ____. Information retrieval systems. 2. ed. New York: Willy Interscience, 1979. cap. 1, p. 1-14. LARA, Marilda Lopes Ginez de. Linguagens documentárias: instrumentos de mediação e comunicação. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 26, n. 1/2, p. 72-80, jan./jun. 1993. LARA, Marilda Lopes Ginez de. Representações documentárias e comunicação. 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(Coleção Aprender). TARGINO, Maria das Graças. Comunicação científica: uma revisão de seus elementos básicos. Informação e Sociedade: Estudos, v. 10 , n. 2, p. 37-85, 2000. Disponível em: <http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/viewFile/326/248>. Acesso em: 09 jun. 2007. 7.7 Estudos disciplinares POMBO, Olga. Interdisciplinaridade: conceito, problemas e perspectivas. In: POMBO, Olga; LEVY, Teresa; GUIMARÃES, Henrique M. A interdisciplinaridade: reflexão e experiência. 199 Lisboa: Texto, 1994. cap. 1. p. 8-14. Disponível em: <http://www.educ.fcul. pt/docentes/opombo/mathesis/interdisciplinaridade.pdf>. Acesso em 27 ago. 2007. 7.8 Metodologia da pesquisa CINTRA, Anna Maria Marques. Preliminares a um percurso de pesquisa. Texto de apoio ao desenvolvimento do projeto de pesquisa da disciplina Introdução à Pesquisa em Ciência da Informação, do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo: s. l., 2005. cap. 1. CINTRA, Anna Maria Marques. O projeto: um balizador para a pesquisa. São Paulo: s. l., 2005. cap. 2. CINTRA, Anna Maria Marques. Sobre leitura. São Paulo: s. l., 2005. cap. 3. CINTRA, Anna Maria Marques. Sobre métodos. São Paulo: s. l., 2005. cap. 4. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1991. (Estudos, 85). UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Sistema Integrado de Bibliotecas. Grupo DiTeses. Diretrizes para apresentação de teses e dissertações da USP: documento eletrônico e impresso. São Paulo: SIBi-USP, 2004. (Cadernos de Estudos, 9). Disponível em: <http://www.teses.usp.br/info/diretrizesfinal.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2007. 200 8 Índice onomástico A partir da relevância do papel de cada autor na discussão e construção do conhecimento científico, o objetivo da inclusão do índice onomástico é facilitar a identificação dos conceitos e idéias desenvolvidos pelos pesquisadores da Ciência da Informação e das Ciências da Comunicação. 8.1 Ciência da Informação B Borko, Harold ..................................... 32 Bradford, Samuel Clemente.......... 27, 48 Breton, Philippe .................................. 57 Briet, Suzanne ..................................... 28 Brookes, Bertram C. ...................... 30, 70 Buckland, Michael .............................. 34 Bush, Vannevar ................................... 28 L La Fontaine, Henry ............................. 26 Lotka, Alfred James ............................ 49 C Chernyi, A. I. ...................................... 31 Cutter, Charles Ammi ........................ 27 O Otlet, Paul ..................................... 26, 28 D Dewey, Melvil ..................................... 27 G Gilyaresvskii, R. S. .............................. 31 M Mikhailov, A. I. ................................... 31 Miska, Francis L. ................................. 34 Mooers, Calvin N. ............................... 28 P Panizzi, Anthony ................................ 27 R Ranganathan, Shiyali Ramamrita ...... 28 H Hesse, Léopold-Auguste-C. ................ 30 S Saracevic, Tefko .................................. 32 Shera, Jesse H. ..................................... 28 J Jewett, Charles .................................... 27 T Tritheim, Johann ................................ 26 Z Zipf, George Kingsley ……................. 49 201 8.2 Ciências da Comunicação A F Adorno, Theodor W. ..........................88 Althusser, Louis ..................................92 Austin, John L. .................................. 101 Austin, John Langshaw ..................... 123 Festinger, Leon..................................127 Fidler, Roger......................................120 Flichy, Patrice .................................... 99 Foucault, Michel ................................ 93 Friedman, Georges ............................. 92 B Bakhtin, Mikhail............................... 104 Barbosa Lima Sobrinho, A. J. ............ 110 Barthes, Roland..................... 90, 92, 123 Bateson, George ..................................87 Baudrillard, Jean ......................... 94, 118 Beltrán, Luis Ramiro ......................... 107 Beltrão, Luiz...................................... 111 Benjamin, Walter................................89 Birdwhistell, Ray ................................87 Blumer, Herbert................................ 103 Bordieu, Pierre....................................93 Brundson, Charlotte............................96 Burgess, E. W. .....................................80 C G Garfinkel, Harold ..............................100 Garnham, Nicholas............................. 99 Geertz, Clifford .................................105 Giddens, Anthony .............................101 Goffman, Erving ................................103 Gramsci, Antonio ............................... 96 Guatari, Félix.....................................117 H Habermas, Jürgen ........................89, 102 Hall, Edward T. .................................. 87 Hall, Stuart ......................................... 96 Hoggart, Richard ................................ 95 Horkheimer, Max............................... 88 Callon, Michel................................... 116 Canclini, Nestor García..................... 108 Carvalho, Alfredo de......................... 109 Charaudeau, Patrick.......................... 127 Cicourel, Aaron Victor ..................... 102 Innis, Harold Adams .........................118 D Jakobson, Roman................................ 91 Jauss, Hans Robert.............................104 De Fleur, Melvin L..............................85 Debord, Guy........................................93 Dewey, John...................................... 124 Durkheim, Émile ................................80 E Eco, Umberto .............................. 92, 104 Enzensberger, Wolfgang.....................94 I J L Lasswell, Harold D. ............................ 81 Latour, Bruno ....................................116 Lazarsfeld, Paul F. .............................. 82 Leavis, Frank Raymond...................... 94 Lerner, Daniel ...................................107 Lévy, Pierre ...............................117, 164 202 Lewin, Kurt............................... 127, 171 Luhmann, Niklas............................... 126 Lyotard, Jean-François ...................... 117 M Marcuse, Herbert ................................89 Martin-Barbero, Jesus ............... 108, 165 Marx.................................................. 125 Mattelart, Armand ............................ 107 Mattelart, Michèle ............................ 107 Maturana, Humberto ........................ 116 McLuhan, Marshall.............................99 Mead, George Herbert ...................... 103 Miège, Bernard....................................98 Moles, Abraham..................................86 Morin, Edgar .......................................92 Morley, David ............................. 96, 105 Mulvey, Laura................................... 105 O Orozco Gómez, Guillermo ................ 166 P Park, Robert Ezra................................80 Pereira, José Higino Duarte .............. 109 Pierce, Charles S. ........................ 80, 156 R Radway, Janice.................................. 105 Rizzini, Carlos ................................... 110 Rogers, Everett.................................. 115 S Sacks, Harvey ....................................101 Sacks, Herbert ...................................102 Sartre, Jean Paul ................................104 Saussure, Ferdinand de..........55, 90, 122 Schiller, Herbert................................. 97 Schramm, Wilbur..............................107 Schütz, Alfred....................................101 Searle, John........................................123 Shannon, Claude .........................83, 174 Simmel, George .................................. 80 Smythe, Dallas.................................... 99 Souza, Pompeu de .............................111 T Tarde, Gabriel..................................... 80 Thompson, Edward P. ........................ 95 V Van Dijk, Teun A. .............................128 Varela, Francisco J.............................116 Virilio, Paul .......................................118 W Watzlawick, Paul ............................... 87 Weaver, Warren..........................84, 175 Weber, Max.......................................125 White, David Manning .....................171 Wiener, Norbert................................. 84 Williams, Raymond............................ 95 Wittgenstein, Ludwig................102, 123