Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da

Transcrição

Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da
THIAGO GAUDÊNCIO SIEBERT FREIRES
Relações entre a Ciência da Informação e
as Ciências da Comunicação: um estudo
dos conceitos de representação
documentária, mediação e
comunicação científica
Departamento de Biblioteconomia e Documentação
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
Dezembro de 2007
THIAGO GAUDÊNCIO SIEBERT FREIRES
Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da
Comunicação: um estudo dos conceitos de representação
documentária, mediação e comunicação científica
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao
Departamento de Biblioteconomia e Documentação
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo como requisito parcial para a obtenção
do título de Bacharel em Biblioteconomia
Orientadora: Profª Drª Marilda Lopes Ginez de Lara
São Paulo
Dezembro de 2007
AUTORIZO A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER
MEIO, CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA.
AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL DESTE TRABALHO PARA FINS DE ESTUDO
E PESQUISA, POR QUALQUER MEIO, CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, DESDE
QUE, POSTERIORMENTE, A FONTE SEJA CITADA E COMUNICADA.
Contato
E-mail: [email protected]
Catalogação na publicação elaborada pelo próprio autor
FREIRES, Thiago Gaudêncio Siebert
Relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação: um
estudo dos conceitos de representação documentária, mediação e comunicação
científica / Thiago Gaudêncio Siebert Freires; Marilda Lopes Ginez de Lara
(Orientadora). São Paulo, 2007.
202 p.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Biblioteconomia) Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Escola de Comunicações e Artes.
Universidade de São Paulo.
1. Ciência da Informação - epistemologia. 2. Biblioteconomia - epistemologia.
3. Ciências da Comunicação - epistemologia. 4. Representação documentária. 5.
Mediação. 6. Comunicação científica. I. Autor. II. Título. III. Orientadora.
Para você, o leitor que desvenda,
descobre e dá novos significados a estas
palavras.
AGRADECIMENTOS
Um especial agradecimento para minha família, meu pai, Vagner, meu tio
Anésio, meu irmão, Davi, minha tia Sônia, minha avó Hélia, e, principalmente, minha
mãe, Cristina, que, embora pareça ser tão diferente de mim, me ajudou a ser o que sou.
A cada dia percebo melhor a importância de vocês na minha vida.
À Marilda, por compreender meu ritmo de trabalho, por desconsiderar meus
sumiços e por continuar comigo na orientação da pesquisa. Foi importante contar
contigo, tinha certeza que te escolher como orientadora seria essencial.
Aos meus professores, que facilitaram meu aprendizado e me fizeram gostar a
cada dia mais da idéia de ser bibliotecário. Todos foram importantes demais!!! Em
especial, para Plácida, da Unesp, onde cursei o meu primeiro ano de faculdade, pela
discursividade impactante e arrebatadora. José Augusto, também da Unesp, por conta da
inteligência e das aulas epistemológicas. Asa, por ser tão legal, estar presente na vida dos
alunos, e, pela fascinante capacidade de falar por mais de três horas sobre o mesmo
assunto e não se perder. Johanna, pela carreira brilhante e pela delicadeza. Milanesi, por
provocar e instigar a reflexão sobre o papel do profissional da informação na sociedade.
Daisy, pelo carinho e atenção nas etapas iniciais da pesquisa. Teixeira Coelho, pela
clareza e pela proposição de outros pontos de vista. Anna Maria, pela presença na
escolha dos rumos do trabalho de conclusão de curso. Vania, por suas sugestões na
delimitação do tema do trabalho. Fernando, pela ponte entre o universo profissional e o
mundo acadêmico. Maria Christina, por conta da excelência e correção das suas aulas.
Nair, pela atenção e parceria. Regina, pelo apoio também nos projetos extra-acadêmicos.
Aos meus melhores amigos, tão importantes e especiais, amo todos vocês!!! À
Viviane, a irmã mais nova que eu escolhi e que quero sempre por perto. Carolina, pela
alegria constante e pela amizade tão forte. Fernanda, pelas reflexões que me trouxe a
partir da firme defesa da sua opinião. Vanessa, seu sorriso é uma das lembranças mais
bonitas desse período. Luciana, sempre presente, parceira em múltiplas atividades,
companhia mais do que agradável. Ana, pelos seus ideiais de vida e pelos abraços
apertados. Miriam, pela prestatividade. Dani, um exemplo de dedicação e de
determinação, a quem desejo muita sorte nos seus planos. Ellen, pela atenção, pelo
carinho e pela capacidade de juntar bastante gente ao seu redor. Rapha, por estar junto
na hora de descobrir mais coisas sobre o mundo. Gisele, pela pessoa que é. Mônica, pelas
nossas conversas e pela amizade incondicional apesar da distância.
Às inteligentes Fernanda e Julietti, pelas nossas discussões acadêmicas, que, de
maneiras distintas, foram determinantes para a realização desta pesquisa.
Aos companheiros de representação discente, organização de eventos e
movimento estudantil, por acreditar na união das pessoas e no debate de idéias.
Aos colegas de todas as salas pelas quais passei, que também contribuíram para
minha formação. Pessoal da Unesp, a melhor classe de toda a história, seria demais se eu
continuasse junto com vocês. Todas as turmas com quem cursei disciplinas na USP,
foram quatro anos especiais.
Às pessoas que me orientaram em meus estágios e projetos profissionais.
Obrigado, professora Maura (CEDHUM/Unesp), Solange, Miriam e Eliana (SciELO),
professora Regina (Projeto Alavanca), e, Bira e Eliene (Instituto Unibanco).
Aos meus maravilhosos alunos no Projeto Alavanca, com quem aprendi muitas
coisas. Em breve, a nossa biblioteca comunitária estará pronta pra funcionar e realizar os
sonhos de muitas pessoas.
Obrigado Melina, Tiago, Viviane e Isis, pela revisão do texto.
Preciso congratular também os corajosos cientistas que propuseram a seção de
agradecimentos nas pesquisas acadêmicas e possibilitaram outros tantos agradecimentos.
Acima de tudo, a ciência é feita por pessoas, e, sobretudo, pela cooperação entre as
pessoas.
“Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior”
Fernando Anitelli e Maíra Viana
O Teatro Mágico
“A fronteira entre a comunicação e a informação é cada vez
mais tênue e a sua relação desenrola-se num jogo contínuo
de mundos correspondentes que se alimentam o tempo
todo: uma boa informação dá vida à comunicação”.
Olga Tavares*
“A biblioteca é por definição o espaço das contradições e com
possibilidades de ser um espaço de produção. Se o público
encontra as contradições será estimulado a resolvê-las”.
Luis Milanesi**
“Em outras palavras: entre o homem e a realidade, entre o
sujeito e o objeto, há uma ‘cerca’, há uma ‘força’ que o
impele a perceber essa realidade de um determinado modo.
E a raiz dessa força é a palavra”.
Maria Baccega+
“Os resultados da pesquisa não pertencem ao cientista, mas
à humanidade. Constituem produto da colaboração social e
como tal devem ser partilhados com todos, sem privilegiar
segmentos ou pessoas”.
Maria das Graças Targino*
“Mesmo a interdisciplinaridade, muitas vezes repetida
discursivamente e quase nunca atestada, começa a ser
melhor situada como estratégia de abertura e, ao mesmo
tempo, de sedimentação do campo, mais do que palavra
ornamental e sem eficácia na afirmação da identidade
acadêmica e científica da Ciência da Informação”.
Regina Marteleto e Marilda Lara++
Consultar lista de referências.
Ordenar para desordenar: centros de cultura e bibliotecas públicas. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 251.
+
Palavra e discurso: literatura e história. São Paulo: Ática, 1995. p. 28.
++
Sobre o Workshop... Anais do Workshop em Ciência da Informação: políticas e estratégias de pesquisa e
ensino na pós-graduação, realizado em Niterói/RJ, no período de 11 a 12 de novembro de 2004.
*
**
RESUMO
Discute as relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação, a partir
dos conceitos de representação documentária, mediação e comunicação científica.
Analisa os percursos de construção e consolidação, a história, a natureza interdisciplinar
e os objetos de estudo de cada campo do conhecimento. Identifica a aproximação entre
as disciplinas sob as perspectivas da relação histórica, da relação local (na França), da
relação institucional, da relação comparativa, da relação intermediada pela cultura, da
relação intermediada pela Lingüística, da relação com as tecnologias de produção e
reprodução da informação, e, da relação interdisciplinar. Aponta o caráter
comunicacional da Ciência da Informação e o caráter informacional das Ciências da
Comunicação.
PALAVRAS-CHAVE
Ciência da Informação - epistemologia; Biblioteconomia - epistemologia; Ciências da
Comunicação - epistemologia; representação documentária; mediação; comunicação
científica.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Mapa interdisciplinar da CI, por Lena Vania R. Pinheiro ................................62
Figura 2. Mapa interdisciplinar da CI, por Yves François Le Coadic................................64
Figura 3. Modelo matemático da comunicação de C. Shannon e W. Weaver.................84
Figura 4. Modelo de fluxo comunicacional de Melvin De Fleur .....................................85
Figura 5. Modelo comunicacional de José Marques de Melo.........................................134
Figura 6. O ciclo da informação, por Yves François Le Coadic .....................................152
Figura 7. Sistema de recuperação da informação, por F. Wilfrid Lancaster ..................154
Figura 8. Modelo de comunicação científica de Garvey e Griffith ................................173
Figura 9. Modelo de comunicação científica a partir da influência do modelo
matemático da comunicação ......................................................................................... 177
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABECOM - Associação Brasileira de Escolas de Comunicação
ABEPEC - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação
ABI - Associação Brasileira de Imprensa
ADBS - Association des Profissionnels de L’information et de la Documentation
ADI - American Documentation Institute
ALA - American Library Association
ANCIB - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação e
Biblioteconomia
ASIST - American Society for Information Science and Technology
ASLIB - Association for Information Management
CC - Colon Classification
CCCS - Centre of Contemporary Cultural Studies
CCN - Catálogo Nacional de Publicações Seriadas
CDD - Classificação Decimal de Dewey
CDU - Classificação Decimal Universal
CECMAS - Centre d'Études de Communication de Masse
CI - Ciência da Informação
CIESPAL - Centro de Internacional Estudios Superiores de Comunicación para América
Latina
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
COSATI - Committee on Scientific and Technical Information
DCC - Dewey Decimal Classification
EBLIDA - European Bureau of Library, Information and Documentation Associations
ECA/USP - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
ECO/UFRJ - Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
ELACOM - Escola Latino-Americana de Comunicação
FABICO/UFRGS - Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
FID - Federação Internacional de Documentação
IBBD - Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação
IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
ICINFORM - Instituto de Ciências da Informação
IFLA - International Federation of Library Associations and Institutions
IIB - Instituto Internacional de Bibliografia
IIS - Institute of Information Scientists
INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
IUPAC - International Union on Pure and Applied Chemistry
LC - Library of Congress
NATIS - National Information Systems
NOMIC - Nova ordem mundial da informação e da comunicação
SFSIC - Societé Française des Sciences de L’information et la Communication
SRI - Sistemas de Recuperação da Informação
UFOD - Union Française des Organismes de Documentation
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UnB - Universidade de Brasília
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNISIST - Acrônimo para representar o estudo de viabilidade do sistema universal de
sistemas de informação
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................14
1
INTRODUÇÃO ................................................................................................17
1.1
JUSTIFICATIVAS.................................................................................................. 19
1.2
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 20
1.3
OBJETIVOS......................................................................................................... 24
2
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO...........................................................................25
2.1
PERCURSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO ........................... 25
2.2
CORRENTES EPISTEMOLÓGICAS ........................................................................... 41
2.3
A NATUREZA INTERDISCIPLINAR......................................................................... 52
2.4
O OBJETO DE ESTUDO ......................................................................................... 66
3
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO......................................................................73
3.1
PERCURSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO ........................... 73
3.2
CORRENTES EPISTEMOLÓGICAS ........................................................................... 78
3.2.1
Estudo do organismo social...................................................................... 79
3.2.2
Escola de Chicago .................................................................................... 80
3.2.3
Mass communication research................................................................. 81
3.2.4
Teoria da informação ............................................................................... 83
3.2.5
Colégio invisível ...................................................................................... 86
3.2.6
Escola de Frankfurt .................................................................................. 88
3.2.7
Estruturalismo.......................................................................................... 90
3.2.8
Sociedade do espetáculo........................................................................... 93
3.2.9
Cultural studies ........................................................................................ 94
3.2.10 Economia política da comunicação.......................................................... 97
3.2.11 Sociologia interpretativa ........................................................................ 100
3.2.12 Etnografia das audiências....................................................................... 103
3.2.13 Escola Latino-Americana de Comunicação ........................................... 106
3.2.14 Estudos brasileiros ................................................................................. 109
3.2.15 Estudos das redes de comunicação......................................................... 115
3.3
A NATUREZA INTERDISCIPLINAR....................................................................... 122
3.4
O OBJETO DE ESTUDO ....................................................................................... 130
4
RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO ..................................................................................................133
4.1
REPRESENTAÇÃO DOCUMENTÁRIA .................................................................... 151
4.2
MEDIAÇÃO ...................................................................................................... 160
4.3
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA .............................................................................. 169
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................182
6
REFERÊNCIAS...............................................................................................185
7
BIBLIOGRAFIA TEMÁTICA ..........................................................................193
7.1
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ............................................................................... 193
7.2
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO ........................................................................... 195
7.3
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO ........................................................................ 196
7.4
REPRESENTAÇÃO DOCUMENTÁRIA .................................................................... 197
7.5
MEDIAÇÃO ...................................................................................................... 198
7.6
COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA .............................................................................. 198
7.7
ESTUDOS DISCIPLINARES................................................................................... 198
7.8
METODOLOGIA DA PESQUISA............................................................................ 199
8
ÍNDICE ONOMÁSTICO .................................................................................200
8.1
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ............................................................................... 200
8.2
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO ........................................................................... 201
14
Apresentação
Um projeto pessoal, uma empreitada profissional ou uma pesquisa científica, são
desencadeados, sobretudo, por motivos e por contextos. Na delimitação do tema do
nosso trabalho, o contexto é o curso de graduação em Biblioteconomia, que tem como
ponto final esta monografia, e, a sua inserção na unidade de ensino, na universidade e
no campo científico-profissional. Nesse cenário encontramos inúmeras motivações para
a pesquisa, e elas serão explicadas a seguir.
A inserção do curso de Biblioteconomia na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA/USP) é constantemente questionada por colegas e
professores das demais carreiras da unidade. As respostas para essa indagação não
parecem ser tão simples, tampouco são trabalhadas com ênfase nas disciplinas que
compõem a estrutura curricular do curso de graduação.
Durante este período, a questão da relação do curso de Biblioteconomia e do
programa de pós-graduação em Ciência da Informação com a Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) foi pontualmente discutida, mas, não foi
satisfatoriamente respondida. E exemplos factuais desse debate pouco explorado não
faltaram.
Todos os anos, no âmbito da disciplina Biblioteca e Sociedade, o professor Luís
Milanesi propõe uma atividade a partir da singela pergunta: “O bibliotecário é um
comunicador?”. Na nossa jornada em busca da resposta nenhum texto ou trabalho
convincente sobre o tema foi encontrado, pelo contrário, a dúvida ganhou proporções
maiores.
No ano de 2005, as comunidades dos cursos de Biblioteconomia e Editoração da
ECA, ministrados em departamentos diferentes, se reuniram para discutir projetos de
cooperação e integração entre as áreas. Até o presente momento, esta aproximação
resultou no oferecimento de vagas exclusivas em determinadas disciplinas de graduação,
15
ainda assim de modo desigual, com uma abertura maior por parte do Departamento de
Biblioteconomia e Documentação.
Em 2006, a área de concentração em Ciência da Informação encerrou um período
de 34 anos de vinculação institucional direta com o Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação da ECA/USP, e se constituiu em um programa de pósgraduação autônomo.
Ainda nessa temporada do curso de graduação foi possível observar outros
exemplos da premência de maior diálogo, integração e comunicação no âmbito da Escola
de Comunicações e Artes. Nada mais simbólico para disciplinas que têm como objetos de
estudo os significados, os discursos, a informação e a comunicação.
O clima de isolamento e desconexão se manifestava, e ainda se manifesta,
persistentemente, nas pessoas, nos cursos, nos departamentos e em muitas instâncias.
Como resultado da insatisfação com o problema surgiram desde iniciativas formais,
como as conversações e propostas de alunos para a formação de comissões e grupos de
discussões, até propostas institucionais como a de reformulação da estrutura do ensino
na graduação, sob a liderança da diretoria da ECA/USP.
Com o objetivo de contribuir para o debate das relações entre a Ciência da
Informação e as Ciências da Comunicação, sugerimos a inclusão do tema na
programação da I Semana de Biblioteconomia da ECA/USP, evento organizado em 2005
pelos alunos do curso. As participações e discussões foram proveitosas, e, outra vez,
instigaram ainda mais o aprofundamento dos estudos deste tema.
Ao observar a produção científica das duas áreas é possível notar que o discurso
sobre as imbricações entre estes campos do conhecimento geralmente permanece
implícito ou indireto. A ligação entre Ciências da Comunicação e Ciência da
Informação, no entanto, nos parece tão forte e estreita que merece maior destaque no
cenário do conhecimento acadêmico.
16
Como uma motivação periférica para o desenvolvimento da nossa pesquisa,
podemos citar a vontade de aproximar os estudos da graduação à pesquisa da pósgraduação. Não apenas para suprir uma carência de base científica da formação
profissional, mas, sobretudo, para fomentar a discussão epistemológica e para apontar a
sua importância ainda no âmbito dos cursos de graduação.
Nesse sentido, a partir da construção coletiva de conhecimento, proveniente de
todas as discussões destacadas anteriormente, delimitou-se uma percepção da relevância
de abordar cientificamente o tema deste trabalho. A incursão inicial ao debate sobre as
relações entre os campos do conhecimento da informação e da comunicação instigou a
vontade de delimitar um problema e estudar as formas de desenvolver, trabalhar,
destrinchar, e, porque não, minimamente responder esta questão.
17
1
Introdução
Etimologicamente, a palavra informação tem origem no verbo latino informare,
que corresponde à ação de criar idéias ou noções, ou ainda, ao processo de dar forma a
algo. No entanto, desde o surgimento da expressão, até os dias de hoje, um longo
percurso multiplicou os significados do termo, sobretudo a partir dos valores e das
funções que a informação conquistou no cotidiano das sociedades.
A informação ganhou relevância social ao se tornar elemento indispensável para
a cidadania e um direito de toda pessoa. Através desta modalidade de conhecimento o
sujeito pode conquistar a independência e a liberdade que lhe permitirão uma atuação
social mais consciente.
O conceito de informação está ainda relacionado com a educação, a formação e o
desenvolvimento da pessoa em um processo de aprendizagem, no qual é o insumo
básico, em toda e qualquer modalidade de transmissão de valores, tradições e costumes.
Da mesma forma, a partir uma perspectiva cultural, a informação cumpre o papel
de materializar valores, princípios, normas, condutas e características de determinado
grupo e/ou indivíduo. E, principalmente, cabe à informação a função de comunicar tais
expressões da cultura, ao mesmo tempo possibilitando e promovendo as relações sociais
entre estes grupos e indivíduos.
Em outro sentido, a informação tornou-se tão importante que despertou atenção
como capital de um negócio com grande potencial de expansão. Sob o viés econômico, a
informação transformou-se em mercadoria globalizada, pressuposto fundamental para o
sistema de produção de bens e serviços.
Esses aspectos do conceito de informação não são sistemas fechados e isolados,
pelo contrário, denotam relações estreitas. Tampouco se esgotam os valores que podem
ser atribuídos à informação hoje, ontem e amanhã, afinal, ela é um objeto social cuja
18
transformação é inerente, isso sem mencionar a subjetividade que o ato de dar algum
valor incorpora.
No âmbito das ciências, por exemplo, os valores atribuídos ao conceito de
informação ganharam outras abordagens, a partir das inúmeras significações que o
termo tem assumido na sociedade. Dentre os principais campos do conhecimento
preocupados com o estudo da informação estão a Ciência da Informação e as Ciências da
Comunicação.
A Ciência da Informação é a área do conhecimento que se ocupa com a seleção,
preparação e disseminação da informação, para públicos determinados conforme
características e necessidades especiais. Apenas essas poucas palavras trazem à tona
inúmeras questões relacionadas à informação. Além dos aspectos gerais da informação,
na Ciência da Informação existem considerações específicas acerca da representação, da
adequação ao público, da utilização e do registro, por exemplo.
A Comunicação também é um campo de estudos relacionado com a informação,
entretanto, em comparação com a Ciência da Informação, a sua visão é mais ampla, onde
o enfoque é o processo comunicacional. Nesse âmbito, os aspectos mais destacados são o
formato, o estilo, a tecnologia e os canais de divulgação da informação.
Entretanto, com a atual tendência de aumento de geração de informação por
inúmeros e variados meios de comunicação estabelece-se uma aproximação entre os
conceitos de informação e comunicação. Em princípio, o que eram simplesmente o
produto e o processo passam a influenciar-se com uma enorme força. E isso se reflete no
universo científico, onde campos como a Ciência da Informação e as Ciências da
Comunicação revelam-se complementares no objetivo de compreender esse fenômeno
social: o processo de comunicação da informação.
Nesse sentido, as aproximações entre Ciência da Informação e Ciências da
Comunicação podem suscitar o aperfeiçoamento das reflexões acerca das representações
19
da informação e da comunicação na sociedade, a partir do pressuposto do diálogo e do
compartilhamento entre teorias e metodologias de ambas as disciplinas.
1.1
Justificativas
Nas últimas décadas, o universo científico passou por intensas transformações,
sobretudo no sentido de aproximar os estudos de campos até então considerados
distantes. E essas modificações, por sua vez, tiveram impacto na conformação de cada
ciência.
Nesse
contexto,
nos
pareceu
interessante
investigar
como uma área
interdisciplinar em sua gênese - a Ciência da Informação - tem lidado com essa
tendência de aproximação científica, em particular com um campo também
naturalmente interdisciplinar - as Ciências da Comunicação.
A relação entre as duas áreas poderia ser pesquisada de várias maneiras como, por
exemplo, através de uma análise das mudanças no posicionamento das disciplinas nas
tabelas das áreas do conhecimento das agências de fomento à pesquisa, ou por meio de
um estudo dos vínculos dos cursos de graduação e pós-graduação em Biblioteconomia e
Ciência da Informação com escolas de Comunicação, analisando-se, também, suas
estruturas curriculares e bibliografia.
No entanto, os principais elos da ligação interdisciplinar entre Ciência da
Informação e Comunicação parecem ser os conceitos compartilhados entre os dois
campos. A investigação dos pólos de aproximação e de distanciamento entre os conceitos
de cada área, inclusive a partir da diversidade de abordagens dentro de cada campo,
pode contribuir para constatar (ou não) as conexões entre elas.
20
1.2
Procedimentos metodológicos
Os procedimentos metodológicos utilizados para responder às indagações dos
problemas e para alcançar os objetivos da pesquisa foram essencialmente teóricos, a
partir de uma análise qualitativa da literatura da Ciência da Informação e da
Comunicação.
O nosso pressuposto teórico é a epistemologia histórica, “que busca elucidar a
produção de teorias e dos conceitos científicos a partir de uma análise da própria história
das ciências, de suas resoluções e das ‘démarches’ do espírito científico” (JAPIAUSSU,
Hilton citado por PINHEIRO, 1999, p. 155).
Deste modo, no desenvolvimento do trabalho, percorremos as seguintes etapas:

Orientação preliminar
O objeto da pesquisa, as aproximações de conceitos da Ciência da Informação
com as Ciências da Comunicação, foi analisado sob os pontos de vista dos dois campos
do conhecimento. Para abordar efetivamente os aspectos dessas áreas, principalmente, a
partir das relações estabelecidas entre elas, ocorreram orientações preliminares para
delimitar o foco do estudo. É importante frisar que a colocação dessa atividade como
uma etapa não eliminou o trabalho contínuo e presente de orientação da pesquisa.

Levantamento bibliográfico
O levantamento bibliográfico foi uma etapa indispensável para o trabalho, afinal,
nos possibilitou verificar qual é o estado da arte do tema em que desenvolvemos nossas
considerações, e mais, indicar qual a posição da pesquisa que se inicia nesse panorama.
Embora provavelmente existam abordagens do assunto em literatura estrangeira,
restringimo-nos inicialmente a pesquisar a literatura nacional, conveniente e abundante
21
para a execução do trabalho, visando ressaltar as particularidades que marcam as
relações entre as duas áreas no Brasil. No entanto, posteriormente, foram utilizadas
fontes de informação de origem de outros países, em sua maioria já traduzidas para o
português.
As fontes de informação utilizadas no levantamento bibliográfico foram
consultadas sob a perspectiva dos conceitos abordados na pesquisa, a partir da
elaboração das seguintes estratégias de busca:
a) Ciência da Informação e Ciências da Comunicação
A pesquisa foi efetuada no banco de dados bibliográficos Dedalus, do Sistema
Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo - SIBi/USP, através das
estratégias de busca “ciencia and informacao” e “comunicacao”.
Outros textos foram indicados pela orientadora do trabalho e por outros
professores.
b) Relação entre informação e comunicação
A partir da estratégia de busca - “informacao and comunicacao” - foram
consultados os arquivos eletrônicos de 16 revistas científicas em Ciência da Informação
e de 20 títulos de periódicos em Comunicação, listados no Portal Livre!, do Centro de
Informações Nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CIN/CNEN.
Além disso, oportunamente, outros textos foram localizados a partir da primeira
estratégia de busca.
c) Representação documentária, mediação e comunicação científica
Os conceitos foram pesquisados na base de indexação de periódicos Library and
Information Science Abstracts - LISA, na Biblioteca de Referência Eletrônica Electronic
Reference Library - ERL, e, através da ferramenta Google Acadêmico, com o auxílio das
22
estratégias de busca “representacao and documentaria”, “mediacao”, e, “comunicacao
and cientifica”.
Além disso, oportunamente, outros textos foram localizados a partir das duas
estratégias de busca anteriores.

Seleção dos recursos informacionais
É uma etapa essencialmente atrelada à anterior, complementando-a. A seleção
consistiu na consulta do material levantado com a finalidade de analisar a sua
pertinência para a pesquisa, fornecendo elementos adicionais àqueles encontrados nas
referências bibliográficas e nos títulos dos documentos.

Leitura
O cerne da pesquisa foi a leitura, processo cognitivo de compreensão do texto
que fomenta o surgimento de novos textos a partir do instigamento de idéias e da
formulação de outras relações.
Especificamente neste trabalho foram relacionados dois conjuntos teóricos
bastante delimitados, os campos científicos - a Comunicação e a Ciência da Informação e os conceitos - representação documentária, mediação e comunicação científica.
Coube à leitura fornecer subsídios para conectar essas dimensões, de modo que a
pesquisa conseguisse alcançar seus objetivos.
Essa etapa foi um momento de absorção e aproveitamento das idéias que se
interligam com o tema, algo que é imprescindível para a sustentação da pesquisa e para a
criação de outras idéias que se juntem e contribuam para o referencial de um campo de
estudos.
23

Anotação e síntese da leitura
O fichamento foi uma etapa essencial, tanto para garantir a segurança no
desenvolvimento do texto, quanto para maximizar o aproveitamento da leitura.
Metodologicamente, os textos foram lidos em duas fases, a primeira para identificação
dos conceitos e idéias e a segunda para a sistematização dos conteúdos, a partir das
necessidades específicas da fundamentação da pesquisa.

Desenvolvimento do texto
O texto da pesquisa é a consolidação das etapas anteriores, que se somam ao
principal componente do trabalho, a opinião do pesquisador sobre o assunto tratado. É
aqui que se revela como refletimos sobre os conceitos e os apropriamos para os objetivos
visados pela pesquisa.
Como um processo, um trabalho científico requer um entrosamento entre as suas
fases, que também precisam ser desenvolvidas satisfatoriamente. Por isso, se o caminho
percorrido antes do desenvolvimento do texto foi bem planejado e executado, não há o
que temer.
A expressão própria deve ser pensada como uma modalidade de contribuição à
coletividade, sobretudo na academia, onde essa característica é mais acentuada por causa
da formalização e da sensação de materialização da ciência, do campo científico.

Digitação, normalização e revisão do texto
A digitação e normalização são etapas operacionais, cuja finalidade é adequar o
trabalho às normas e padrões vigentes para a formatação de uma pesquisa científica. Já a
revisão foi um momento especialmente dedicado à reflexão e ao questionamento da
adequação do texto elaborado, com o objetivo de promover modificações para o seu
aperfeiçoamento.
24
A consecução destas etapas foi intermediada com a ação da orientação da
pesquisa, um vetor transversal que possibilitou a participação, a discussão e o
questionamento do percurso do trabalho científico.
1.3
Objetivos
Geral
Investigar as relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação.
Específicos

Analisar os conceitos de representação documentária, mediação e comunicação
científica da literatura de Ciência da Informação;

Verificar a correlação dos conceitos estudados com a pesquisa em Comunicação;

Identificar os pólos de aproximação interdisciplinar entre as duas áreas.
25
2
Ciência da Informação
2.1
Percurso histórico de construção do campo científico
A Ciência da Informação surgiu no período pós Segunda Guerra Mundial, a
partir da insatisfação dos setores industriais dos Estados Unidos e da Europa. Os
empresários dos países envolvidos no conflito mundial mantinham negócios num
contexto econômico em franca recuperação, mas não se contentavam com os índices de
produtividade e inovação apresentados pelas empresas. “Então, alguns cientistas
qualificados se deslocaram para a área de pesquisa e desenvolvimento ou de produção
com o intuito de estabelecer um serviço de informação ativo para seus colegas”
(OLIVEIRA, 2005, p. 14).
As atividades destes grupos de cientistas tomaram maiores proporções e
apontaram para a necessidade de uma formação profissional complementar
especializada, fomentada pelo desenvolvimento da pesquisa acadêmica e aplicada. Tal
formalização é evidente na criação de associações de pesquisa e de entidades de classe,
como o Institute of Information Scientists (IIS), considerado um marco inicial na
história dá área do conhecimento, criado em 1958, no Reino Unido (OLIVEIRA, 2005,
p. 14).
Segundo Maria Eugênia A. Andrade e Marlene de Oliveira (2005, p. 45), a
diferença da pesquisa em âmbito acadêmico consiste em que “a atividade científica é
caracterizada como o compartilhamento de teorias entre pessoas, de modo a possibilitar
a geração de novos conhecimentos”, de modo organizado, cooperativo e integrado.
Outros fatores também determinaram o desenvolvimento da Ciência da
Informação, entre eles, o surgimento de novas tecnologias, com destaque para o
microfilme e para o computador, e, a “necessidade social, histórica, cultural e política do
26
registro e transmissão dos conhecimentos e informações, produto do processo de
desenvolvimento da Ciência e Tecnologia” (PINHEIRO, 2002, p. 72).
No entanto, segundo alguns autores, a história da Ciência da Informação está
relacionada primeiramente a “influências marcantes de duas disciplinas, que
contribuíram não só para sua gênese, mas, também, para seu desenvolvimento: a
Documentação, que trouxe novas conceituações; e a Recuperação da Informação, que
viabilizou o surgimento de sistemas automatizados de recuperação de informações”
(OLIVEIRA, 2005, p. 10).
A contribuição da Documentação consistiu, principalmente, na ampliação do
conceito de documento, até então resumido aos livros, para qualquer modalidade de
registro do conhecimento, o que também “ampliou o campo de atuação dos profissionais
da área ao ultrapassar os limites do espaço da biblioteca e agregar novas práticas de
organização e novos serviços de documentação” (OLIVEIRA, 2005, p. 10).
A Documentação surgiu a partir da Bibliografia, disciplina cuja origem remonta à
Idade Antiga, na Inglaterra. Pouco mais tarde, na metade do século XVI, o suíço Johann
Tritheim foi responsável pela primeira tentativa de preparação de uma bibliografia
universal. No fim deste mesmo século, na Europa, as bibliografias eram produzidas
constantemente, o que levou “os estudiosos [a] sentirem necessidade de sistematizarem
este grande volume de índices catalográficos e bibliográficos. Surgiram então muitas
bibliografias comerciais, precursoras das bibliografias nacionais, mas pouco adequadas
aos estudiosos” (SHERA, Jesse H. e EGAN, Margaret E. citados por ORTEGA, 2004).
No bojo da Revolução Industrial, no fim do século XIX, sob a liderança de Paul
Otlet e Henry La Fontaine, a Bibliografia se consolida e se transforma em
Documentação. A partir da idéia de “promover um levantamento bibliográfico
universal”, os pesquisadores criaram o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB),
atualmente denominado Federação Internacional de Documentação (FID), para
coordenar as atividades de controle bibliográfico universal, e, a Classificação Decimal
27
Universal (CDU), com o objetivo de adotar um mesmo sistema nocional para a
indexação de documentos (OLIVEIRA, 2005, p. 10).
O século XIX também foi o cenário de outros avanços na criação de instrumentos
de controle e gestão da informação, principalmente, cânones e regras universais de
descrição bibliográfica.
Anthony Panizzi publicou Ninety-One Cataloguing Rules, obra fundamental
para a catalogação durante várias gerações. Charles Jewett “[...] propôs a criação de um
centro nacional de bibliografia e documentação a partir de um catálogo coletivo do
acervo das bibliotecas públicas” dos Estados Unidos. Melvil Dewey publicou a Dewey
Decimal Classification (DCC), ou Classificação Decimal de Dewey (CDD), primeiro
sistema de classificação bibliográfica adotado universalmente. Charles Ammi Cutter
publicou Rules for a Dictionary Catalog, que, “além do código de catalogação incluía
uma declaração sobre os objetivos do catálogo” (SHERA, Jesse H. e EGAN, Margaret E.,
e, FAYET-SCRIBE, Sylvie e CANET, Cyril citados por ORTEGA, 2004).
Em 1899, pesquisas sobre catalogação foram publicadas na obra Instruktionen für
die Alphabetischen Kataloge der Preussischen Bibliotheken. Mais tarde, em 1901, a
Library of Congress (LC), a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, promoveu uma
ação de “[...] organização bibliográfica em bibliotecas com o sistema de distribuição de
fichas catalográficas impressas e padronizadas” (SHERA, Jesse H. e EGAN, Margaret E.,
e, FAYET-SCRIBE, Sylvie, CANET, Cyril citados por ORTEGA, 2004).
Já no século XX, Murilo Bastos Cunha* aponta mais alguns pioneiros da Ciência
da Informação:
a) Samuel Clemente Bradford, presidente da FID e autor do livro
Documentation, publicado em 1948;
CUNHA, Murilo Bastos. Ciência da Informação 2. Mensagem eletrônica enviada à lista
Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em 4 de julho de 2007.
*
28
b) Suzanne Briet, fundadora da Union Française des Organismes de
Documentation (UFOD) e autora de Qu'est-ce que la documentation, publicado em
1951;
c) Paul Otlet, que, além da luta pelo controle bibliográfico universal, publicou o
Traite de la Documentation, em 1934;
d) Shiyali Ramamrita Ranganathan, cujos postulados, regras e princípios são
impressionantes e se encontram sintetizados nas cinco leis da Biblioteconomia e na
Colon Classification (CC), publicada em 1933;
e) Jesse H. Shera, professor e diretor da School of Library Science da Western
Reserve University e da obra clássica The foundations of education for librarianship,
publicada em 1972.
O termo Documentação foi adotado principalmente na França e na Índia. Nos
Estados Unidos tal designação não chegou a se consolidar, assim como no Brasil, cuja
influência da escola norte-americana foi preponderante, a partir do vínculo de
professores deste país com a criação do Instituto Brasileiro de Bibliografia e
Documentação (IBBD), hoje chamado Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia (IBICT) (PINHEIRO, 2002, p. 65-66).
A contribuição da Recuperação da Informação consistiu na proposição da
utilização de “quaisquer sistemas, técnicas ou máquinas empregados para o desempenho
da operação” de descrição e de busca de informações. O termo de identificação do
campo foi cunhado pelo estudioso Calvin N. Mooers. Outro pioneiro essencial para a
área foi Vannevar Bush, que, antes mesmo do surgimento do computador pessoal, em
estudos incipientes, “chegou a propor uma máquina com capacidade de ‘associar idéias’,
que duplicaria os ‘processos mentais artificialmente’” (OLIVEIRA, 2005, p. 12).
A Recuperação da Informação foi uma disciplina proposta na década de 40,
criada apenas um pouco antes da época em que surgiu a Ciência da Informação. A área
beneficiou-se e estimulou-se com o crescimento da ciência e da tecnologia e com a
29
conseqüente explosão informacional relacionada a este movimento (OLIVEIRA, 2005, p.
12).
Dessa maneira, “o termo recuperação da informação - RI - é possivelmente um
dos termos mais importantes no campo conhecido como CI. Uma questão crítica é,
portanto, saber por que e em que sentido a RI usa o termo informação. A RI pode ser
vista tanto como um campo de estudo quanto como uma entre as muitas tradições de
pesquisa relacionadas ao armazenamento e recuperação de informação” (CAPURRO e
HJORLAND, 2007, p. 179).
Para F. Wilfrid Lancaster, “um sistema de recuperação de informação não
informa (isto é, muda o conhecimento sobre algo) ao usuário sobre o assunto de sua
investigação. Ele meramente informa sobre a existência (ou não) e a localização dos
documentos relacionados ao seu pedido” (LANCASTER, F. Wilfrid citado por VAN
RIJSBERGEN, C. J. citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 180).
Tal paradigma da Recuperação da Informação seria problematizado nos trabalhos
de especialistas da área, mas discussão persistiu (e ainda persiste) mais tarde nas
pesquisas da Ciência da Informação. A principal questão levantada tratava da
necessidade de diferenciar os conceitos de fato, informação e documento (CAPURRO e
HJORLAND, 2007, p. 180-184).
A tendência de atrelar a disciplina à recuperação dos fatos consiste em considerar
que a Recuperação da Informação deveria atender à necessidade informacional de obter
acesso às opiniões contidas nos documentos. Entretanto, “[...] ocorre que nem a pessoa
que solicita a informação, nem quem a entrega deveria ignorar a confiabilidade dos
dados e esquecer sobre o contexto geral em que os dados são obtidos. [...] Além do mais,
várias investigações de alguma propriedade têm levado, freqüentemente, a diferentes
resultados que não podem ser comparados e avaliados separadamente da informação
sobre sua origem. Um fato empírico sempre tem uma história e, talvez, um futuro não
muito certo. A história e o futuro podem ser conhecidos somente através da informação
30
de documentos particulares, isto é, através da recuperação de documentos” (SPANGHANSSEN, Hennning citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 184).
Na tentativa de dissociar recuperação de informação e recuperação de
documentos, Bertram C. Brookes propôs que “se a teoria de recuperação de informação
fosse chamada de teoria de recuperação de documentos, a anomalia desapareceria. E a
teoria de recuperação de documentos estaria no lugar como um componente da
biblioteconomia, que está do mesmo modo relacionada a documentos” (BROOKES,
Bertram C. citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 181).
Porém, como mostra a própria distinção entre informação e fato, a Recuperação
da Informação não se preocupa exclusivamente com a recuperação de documentos. Por
isso, é mais adequado destacar as variações concernentes ao objeto da disciplina, ao invés
de minimizar as diferenças advindas de determinadas orientações de pesquisa e trabalho
(CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 182).
A Biblioteconomia foi outra disciplina preponderante para o desenvolvimento da
Ciência da Informação. Os estudos da área acompanharam o surgimento das primeiras
bibliotecas, ainda no terceiro milênio a.C., e perpassaram muitos momentos históricos.
No entanto, “o termo ‘biblioteconomia’ foi usado pela primeira vez somente em 1839 na
obra intitulada ‘Bibliothéconomie: instructions sur l’arrangement, la conservation e
l’administration des bibliothèques’, publicada pelo livreiro e bibliógrafo LéopoldAuguste-Constantin Hesse. Mas foi efetivamente no século XIX que as técnicas e
práticas dos bibliotecários começam a ser sistematizadas” (LAHARY, Dominique citada
por ORTEGA, 2004).
Para Le Coadic, a Biblioteconomia atualmente responde aos problemas de gestão
dos acervos de livros (formação, catalogação, desenvolvimento, classificação e
conservação), de gestão da própria biblioteca como serviço organizado (regulamento,
pessoal, contabilidade, local, infra-estrutura), e, de gestão dos leitores e dos usuários
(acesso à informação, consulta, empréstimo) (LE COADIC, 2000, p. 12-13).
31
O
núcleo
temático
da
Biblioteconomia
tradicionalmente
envolveu
as
metodologias de gestão de acervos e de bibliotecas, mas, durante o Iluminismo, “o
movimento de criação e disseminação das bibliotecas públicas” “levou os bibliotecários a
desviar suas atenções dos processos de análise e representação das unidades do
conhecimento registrado” para as perspectivas educacionais de cada cidadão. “Em
especial na Inglaterra e nos Estados Unidos [...], a biblioteca pública era considerada
uma agência educacional das massas e da democratização da cultura”, o que demandou
do bibliotecário outras capacidades e incluiu outros assuntos na agenda de pesquisas da
área (ORTEGA, 2004).
O “modelo estadunidense de biblioteca pública” teve especial participação na
conformação da área no Brasil, o que “trouxe benefícios, dentre os quais, a renovação
dos processos técnicos e administrativos, a melhoria e diversificação dos serviços, como
no caso do empréstimo domiciliar, maior liberdade nas relações com o público e a
compreensão sobre o papel da biblioteca para a educação e recreação da população em
geral e como estímulo às pesquisas especializadas”. Porém, “processos e instrumentos
(como a CDU e o catálogo dicionário, que foram substituídos pela CDD e pelo catálogo
dicionário) foram deixados de lado, sem considerar a especificidade das coleções e dos
usuários” (ORTEGA, 2004).
Por fim, Lena V. R. Pinheiro aponta uma outra contribuição na constituição da
Ciência da Informação, ao destacar o conceito de informação científica de A. I.
Mikhailov, A. I. Chernyi e R. S. Gilyaresvskii. Segunda a autora, “fica claro que eles
estavam se referindo à Ciência da Informação: ‘nova disciplina científica que estuda a
estrutura e propriedades da informação científica, bem como as regularidades das
atividades de informação científica, sua teoria, história, métodos e organização’”
(MIKHAILOV, A. I., CHERNYI, A. I. e GILYARESVSKII, R. S. citados por PINHEIRO,
2002, p. 67).
32
A partir destas variadas matrizes teóricas, a Ciência da Informação surgiu com o
objetivo básico e preliminar de “reunir, organizar e tornar acessível o conhecimento
cultural, científico e tecnológico produzido em todo mundo” (OLIVEIRA, 2005, p. 13).
Harold Borko definiu a Ciência da Informação como uma disciplina que
“investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam
seu fluxo e os meios de processamento para otimizar sua acessibilidade e utilização.
Relaciona-se com o corpo de conhecimento relativo à produção, coleta, organização,
armazenagem, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e utilização da
informação” (BORKO, Harold citado por OLIVEIRA, 2005, p. 16).
Para Tefko Saracevic, a Ciência da Informação é “um campo dedicado às questões
científicas e à prática profissional, voltadas para os problemas da efetiva comunicação do
conhecimento e de registros de conhecimento entre seres humanos, no contexto social,
institucional ou individual do uso e das necessidades de informação” (SARACEVIC,
Tefko citado por OLIVEIRA, 2005, p. 16).
Segundo Le Coadic, “a ciência da informação, preocupada em esclarecer um
problema social concreto, o da informação, e voltada para o ser social que procura
informação, situa-se no campo das ciências sociais (das ciências do homem e da
sociedade), que são o meio principal de acesso a uma compreensão do social e do
cultural” (LE COADIC, 2000, p. 19).
Na perspectiva de Aldo Barreto*, “o objeto interno da ciência da informação, do
seu estudo, do ensino e da pesquisa se relaciona, na atualidade, unicamente, [com] a
apropriação e compreensão da tecnologia da informação”. Dessa maneira, em síntese,
cabe ao campo:
1- “Registrar, organizar e distribuir, unicamente, a informação de conteúdo
delimitado pela tecnologia da informação”;
BARRETO, Aldo de Albuquerque. Novos objetivos da Ciência da Informação. Mensagem eletrônica
enviada à lista Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em 19 de abril 2007.
*
33
2- “Conhecer e mediar o processo de produção, distribuição e consumo da
informação nas mídias atuais da TI”;
3- “Facilitar a ação de integração social, através das redes eletrônicas,
fortalecendo a participação cidadã em comunidades eletrônicas”;
4- “Promover a fluência digital como uma forma de educação para operar novos
instrumentos de acesso e interatuação com a informação”;
5- "Estimular o desenvolvimento e competência para operar o software e a
informação livre”;
6- “Promover ambientes informacionais abertos nos quais o usuário possa, de
maneira consciente e responsável, alterar os estoques de informação gerando nova
qualidade informacional para toda a sociedade”;
7- “Promover a formação, o respeito e a integridade dos ambientes colaborativos,
dentro das regras firmadas por seus integrantes”.
Em uma visão mais recente da área, o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) afirma que “Ciência da Informação designa o campo
mais amplo, de propósitos investigativos e analíticos, interdisciplinar por natureza, que
tem por objetivo o estudo dos fenômenos ligados à produção, organização, difusão e
utilização de informações em todos os campos do saber”. Como uma grande área do
conhecimento, a Ciência da Informação abriga disciplinas como a Biblioteconomia, a
Arquivologia e a Museologia (CNPq citado por OLIVEIRA, 2005, p. 17).
A discussão dos limites e das características de distinção entre a Ciência da
Informação e a Biblioteconomia é justamente um assunto em destaque na literatura da
área, ou das duas áreas, conforme o ponto de vista. Trata-se de um dos critérios decisivos
na conformação das correntes epistemológicas da Ciência da Informação.
A imbricada história da Ciência da Informação, em virtude das suas interfaces
com as disciplinas antecessoras, pode ser considerada o primeiro recorte epistemológico
da área. De acordo com Ortega (2004) “parte da relação entre Biblioteconomia e Ciência
34
da Informação é decorrência da continuidade da oposição entre Biblioteconomia e
Documentação. Afinal, se a Documentação surgiu de uma cisão da Biblioteconomia e
impulsionou a formação da Ciência da Informação, seria coerente considerar as duas
últimas como divergentes. Apesar de ser verificável relativa divergência, ela só não é
maior pois a Biblioteconomia assimilou algumas técnicas da Documentação, sendo por
isso definida atualmente como uma grande área nomeada ‘Biblioteconomia e
Documentação’”.
Na visão de Francis L. Miska, o paradigma da Biblioteconomia “consiste em um
grupo de idéias relacionadas com a biblioteca, então considerada como uma instituição
social”, que “existe, principalmente, para tornar possível o uso, por um dado público, de
suas coleções de documentos” (MISKA, Francis L. citado por OLIVEIRA, 2005, p. 22).
Em contraposição, “o paradigma da Ciência da Informação compõe-se de um
grupo de idéias relativas ao processo que envolve o movimento da informação em um
sistema de comunicação humana”. Trata-se de um modelo de sistema de informação
com origem em um contexto mais geral, que é a teoria matemática da comunicação
(OLIVEIRA, 2005, p. 23 e p. 24).
Também no sentido de distinção entre as áreas, Lena V. R. Pinheiro (2002, p. 63)
aponta para o reconhecimento exclusivo da Ciência da Informação “[...] não a
considerando, portanto, prolongamento ou dimensão maior da Biblioteconomia,
conforme defendido por alguns autores”.
Michael Buckland observa que “a disputa sobre Ciência da Informação e
Biblioteconomia poderia ter ocasionado uma grande mudança se tivesse ocorrido uma
retomada das primeiras posições dos documentalistas europeus e dos estudos e propostas
dos pioneiros estadunidenses que atuaram em fins do século XIX. Considera que as
pesquisas e aplicações em Ciência da Informação dos Estados Unidos do pós Segunda
Guerra realizadas por engenheiros, foram caras e ineficazes, mas que poderiam ter sido
produtivas se não tivesse havido uma separação institucionalizada e atitudinal entre
35
engenheiros e bibliotecários. Pesquisadores e profissionais da Ciência da Informação
eram percebidos por muitos bibliotecários como uma espécie de ameaça até o final dos
anos 70, quando o debate sobre Ciência da Informação versus Biblioteconomia dispersou
em segmentos diferentes aquilo que era uma ênfase construtiva sobre teoria, modelos e
serviços” (BUCKLAND, Michael citado por ORTEGA, 2004).
No entanto, segundo Marlene de Oliveira (2005, p. 26), a “unidade de análise da
Biblioteconomia não é mais somente o livro, mas também a informação; e suas
atividades, agora automatizadas, ultrapassam o espaço da biblioteca”. Dessa forma, o
paradigma da Ciência da Informação “tem influenciado profundamente o campo da
Biblioteconomia, [...] suprindo a área com um conjunto completamente novo de termos
com os quais os participantes caracterizaram suas atividades” (OLIVEIRA, 2005, p. 24).
Dessa forma, a tendência de construção coletiva entre as três disciplinas é
preponderante, sobretudo se considerarmos o núcleo comum de pesquisa no processo de
circulação da informação. Além disso, apesar das distinções, outras aproximações são
notáveis. “A Biblioteconomia assimilou algumas técnicas da Documentação, sendo por
isso definida atualmente como uma grande área nomeada ‘Biblioteconomia e
Documentação’”, por exemplo. A Documentação, por sua vez, forneceu subsídios à
“conteúdos essenciais para a composição da Ciência da Informação por considerar,
respectivamente, a natureza lógico-semântica da estruturação do conteúdo dos
documentos e os requisitos tecnológicos para a sua produção, organização e
disseminação” (ORTEGA, 2004).
Nessa perspectiva, “[...] a crescente tendência de usar o termo informação em
instituições de biblioteconomia e documentação está relacionada principalmente a: 1)
um crescente interesse em aplicações computacionais (ou de tecnologias da informação)
e 2) uma influência teórica, indireta da teoria da informação (SHANNON e WEAVER,
1972) e o paradigma do processamento da informação nas ciências cognitivas”
(HJORLAND, Birger citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 177).
36
Outro aspecto importante nessa discussão é que “a literatura produzida na
Ciência da Informação e na Biblioteconomia não expressa conflitos existentes na
comunidade profissional ou científica, apesar da formação nessas duas áreas ser
oferecida em diferentes níveis”, no caso brasileiro, em nível de graduação e pósgraduação, respectivamente (OLIVEIRA, 2005, p. 26).
No entanto, é notável que a percepção do “a-historicismo (supostamente devido a
uma origem remota não reconhecida)” da área a as “constantes dissidências de grupos
profissionais e campos de estudos” resultaram “[...] em uma atual e urgente necessidade
de construção de identidades para a área e para os profissionais envolvidos nesta
trajetória”. Um resgate cuja função é estabelecer a especificidade do campo, a partir da
sua história, principalmente (ORTEGA, 2004).
Aldo de Albuquerque Barreto* complementa a tendência de contemporizar as
diferenças entre Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação ao afirmar
que, no caso brasileiro, a CI foi construída como uma extensão das duas áreas
precedentes.
Mesmo em âmbito internacional, “somos, portanto, capazes de traçar uma linha
de desenvolvimento das bibliotecas especializadas, passando pela documentação, até a
CI tanto no Reino Unido quanto nos EUA” (WILLIAMS, Robert V. e RAYWARD, W.
Boid citados por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 177).
Essa tendência de continuação do legado de pesquisas pela Ciência da Informação
aponta para uma questão fundamental para a consolidação do campo científico: a
preocupação excessiva com o tecnicismo. Isso porque, como alertam Nair Kobashi,
Johanna Smit e Maria de Fátima Tálamo, “a Biblioteconomia entrou atomista no século
XX, realizando de um ponto de vista genérico e substancialista uma série de atividades
técnicas. Apenas nomeia o já produzido e não desenvolve um objeto específico: vem
sempre a reboque das várias disciplinas produtoras do conhecimento. Imagina-se aBARRETO, Aldo de Albuquerque. Ciência da Informação 2. Mensagem eletrônica enviada à lista
Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em 4 de julho de 2007.
*
37
histórica, não reconhece as relações sociais e o contexto de circulação daquilo que
preserva e nomeia” (KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001).
Como vimos anteriormente, segundo Oliveira, um dos marcos iniciais da
formalização da Ciência da Informação é a fundação do Institute of Information
Scientists. Entretanto, outros autores observam que a área foi oficializada na
Conferência dos Especialistas em Ciência da Informação, sediada no Georgia Institute of
Technology, realizada em 1962, “quando foi formulada a primeira definição formal de
CI” (SHERA, Jesse H. e CLEVELAND, Donald B. citados pro BRAGA, 1995 e FOSKETT,
Douglas J. citado por PINHEIRO, 2002, p. 74-75).
É interessante notar que a criação da Ciência da Informação não é um
acontecimento isolado, pelo contrário, constitui parte de um movimento científico
condizente com as necessidades informacionais da época. Isto porque em 1962 também
surgem a Informática e a Sociologia da Ciência, outras disciplinas fundamentais no
âmbito dos estudos da informação (PINHEIRO, 2002, p. 78).
A relação com a tecnologia é notável ainda antes da formalização da Informática
e da Ciência da Informação como áreas do conhecimento. Nas décadas de 40 e 50
surgem três frentes de estudos tecnológicos sobre a informação, “[...] cujas influencias
vão se fazer sentir na Ciência da Informação, em maior ou menor grau”. Trata-se da
Cibernética, da teoria da matemática da informação, sobre as quais falaremos no capítulo
dedicado às Ciências da Comunicação, e, a teoria geral dos sistemas (TGS), cujos
conceitos como meio ambiente, retroalimentação e inter-relação foram bastante
aproveitados (PINHEIRO, 2002, p. 73-74).
Com o decorrer do tempo, “para o desenvolvimento das atividades científicas,
torna-se necessária uma infra-estrutura mínima composta por elementos básicos”, como
“instituições de ensino e pesquisa fortes, recursos humanos qualificados, e, canais de
comunicação e intercâmbio científico” (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 46).
38
No Brasil, “a história da Ciência da Informação passa, necessariamente, pela
história” do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). O
IBICT foi pioneiro na realização de pesquisas bibliográficas indispensáveis ao controle
bibliográfico, através de produtos como o Catálogo Nacional de Publicações Seriadas
(CCN), e, “[...] atuou como centro irradiador de novos conhecimentos tanto para o Brasil
quanto para outros países da América Latina”, a partir dos cursos de capacitação e
especialização ao trabalho com a literatura científica e técnica (ANDRADE e
OLIVEIRA, 2005, p. 46 e 47).
A qualificação de recursos humanos brasileiros em Ciência da Informação ocorre
principalmente em dois momentos, durante os cursos regulares de graduação e de pósgraduação em Biblioteconomia, Gestão da Informação ou Ciência da Informação.
O ensino em pós-graduação, no entanto, é mais influente na conformação do
campo científico, uma vez que é o nível de formação de aprofundamento dos estudos e
das pesquisas. Nesse sentido, como sinalizador de tendência já observada em nossa
discussão sobre a nomenclatura da área, “é interessante notar que, na década de 1990, os
cursos já existentes na área de Biblioteconomia optaram pela mudança de nome para
Ciência da Informação” (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 54).
Entre os principais canais de intercâmbio científico estão as sociedades
científicas, que, a partir do século XX, se firmaram como pólos de promoção de eventos
científicos e de publicação de periódicos e documentos de divulgação da pesquisa
(ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 49).
Além da Federação Internacional de Documentação (FID) e do Institute of
Information Scientists (IIS), citados anteriormente, é possível destacar mais algumas
instituições e associações científicas e/ou profissionais do campo da Ciência da
Informação, entre elas:
39
[1] American Documentation Institute (ADI), que foi fundado a partir do
advento das novas tecnologias de reprodução de documentos, principalmente o
microfilme;
[2] American Library Association (ALA), que, em sua primeira conferência, em
1876, já discutia a necessidade de realizar esforços cooperativos;
[3] International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA);
[4] Association des Documentalistes et Bibliothécaries Specialisés, atualmente
denominada Association des Profissionnels de L’information et de la Documentation
(ADBS), na França;
[5] American Society for Information Science and Technology (ASIST);
[6] Special Libraries and Information Bureaux, hoje denominada Association for
Information Management (ASLIB), na Grã-Bretanha;
[7] European Bureau of Library, Information and Documentation Associations
(EBLIDA) (PINHEIRO, 2002, p. 68-69; ORTEGA, 2004; LE COADIC, 2000, p. 23).
A principal associação científica brasileira é a Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Ciência da Informação e Biblioteconomia (ANCIB), fundada em
1989, “com o objetivo, entre outros, de promover o desenvolvimento da pesquisa, o
intercâmbio e a cooperação entre seus associados, a sistematização e a divulgação dos
conhecimentos gerados pela comunidade de pesquisadores” (ANDRADE e OLIVEIRA,
2005, p. 49).
O cenário da publicação acadêmica em Ciência da Informação no Brasil é
extremamente relacionado com os cursos de pós-graduação da área, pois é decisiva “a
participação de professores/pesquisadores nos conselhos editoriais e na produção de
artigos que veiculam as idéias e pesquisas de seus docentes e discentes”. Essa vinculação
consiste também em uma característica essencial para a consistência e a manutenção das
revistas (ANDRADE e OLIVEIRA, 2005, p. 53).
40
No âmbito mundial, as primeiras revistas em Ciência da Informação surgiram
ainda na época de crescimento da Documentação. Na Grã-Bretanha, o Journal of
Documentation (1945), nos Estados Unidos, a American Documentation (1950), e, na
Rússia, o Nachrichten für Dokumentation (1950) (PINHEIRO, 2002, p. 78).
Até os dias de hoje o número de veículos de comunicação científica da área
cresceu consideravelmente. Além das revistas do núcleo geral da Ciência da Informação,
existem periódicos especializados em sub-campos como informação eletrônica, em
Biblioteconomia e Documentação, em estudos da cultura, em ciências sociais (LE
COADIC, 2000, p. 117-118).
Especificamente na França, por exemplo, “a totalidade dos títulos e revistas
publicadas não é suficiente para dar visibilidade à produção científica” local. Viviane
Couzinet explica que a lacuna de publicações tem sido preenchida pela prática
profissional, que, no entanto, fica limitada aos aspectos técnicos e aplicados
(COUZINET, 2004, p. 34).
Ainda na esteira da consolidação do campo, a contribuição dos eventos
científicos não pode ser desconsiderada. Lena V. R. Pinheiro enfatiza a importância de
quatro deles em especial:
[1] Conferência de Informação Científica da Royal Society (1948);
[2] Conferência da International Union on Pure and Applied Chemistry
(IUPAC), sobre documentação especializada em Química Aplicada (1955);
[3] Conferência Internacional de Informação Científica (1958), realizada pela
Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos;
[4] Conferência dos Especialistas em Ciência da Informação (1961-1962), sediada
no Georgia Institute of Technology, quando se estabeleceu a primeira definição formal
para Ciência da Informação (FOSKETT, Douglas J. citado por PINHEIRO, 2002, p. 7475).
41
Outro impulso à Ciência da Informação partiu das instâncias de formulação das
políticas públicas, notadamente o governo e as cúpulas mundiais. Nos Estados Unidos,
na década de 60, “muitas pesquisas de informação recebem financiamento de órgãos
federais e atividades de informação importantes têm a chancela do Estado”, como o
Committee on Scientific and Technical Information (COSATI). A UNESCO incentivou
iniciativas de implantação de centros e sistemas de informação nos países do terceiro
mundo, através de Sistemas Nacionais de Informação (NATIS, sigla para National
Information Systems) vinculados a uma central cooperativa denominada Sistema
Mundial de Informação Científica e Tecnológica (UNISIST, acrônimo para representar o
estudo de viabilidade do sistema) (PINHEIRO, 2002, p. 79-80).
Para Le Coadic, o principal desafio da Ciência da Informação, a se consolidar
décadas após o seu surgimento, seria a condição de acompanhar as revoluções científicas
deste período. Entre estas transformações estão o paradigma do trabalho coletivo, a
dinamização do fluxo da informação, a mudança do foco dos serviços de informação
para os seus usuários, e, a revolução eletrônica (LE COADIC, 2000, p. 109-111).
Em seu histórico de aproximadamente 40 anos de existência, a Ciência da
Informação construiu uma trajetória de estudos e pesquisas que refletem tendências e
abordagens peculiares ao campo, a partir da conexão com diversas disciplinas
antecessoras. Tais discussões, por sua vez, para fins de estudo e de análise da área, podem
ser classificadas em grupos comuns de interesse, denominado correntes epistemológicas.
2.2
Correntes epistemológicas
As correntes epistemológicas da Ciência da Informação não podem ser
facilmente identificadas, tampouco podem ser consideradas pontos pacíficos entre os
pesquisadores da sua comunidade acadêmica. A recente história da área, em comparação
42
com outros campos do conhecimento, não permitiu a consolidação de modelos, teorias e
conceitos, pelo contrário, favoreceu (e ainda favorece) um ambiente de experimentações
e tentativas de explicação dos fenômenos informacionais.
Em uma primeira versão, “os relatos da literatura inglesa da década de 60 e
mesmo de boa parte da década de 70 mostram uma ciência da informação atrelada à
teoria matemática da comunicação; empolgada com a nascente automação de sistemas
de recuperação da informação e de bases de dados; voltada para os problemas da
semântica, visando à representação da informação; preocupada com os primeiros estudos
de relevância e medidas de desempenho e avaliação de SRIs [sistemas de recuperação da
informação]; envolvida com leis e teorias bibliométricas para explanar o comportamento
e a estrutura da literatura; realizando estudos para entender a dinâmica dos processos de
comunicação e o comportamento de usuários” (BRAGA, 1995).
“A implantação, na década de 80, dos sistemas de microcomputação,
especialmente nos Estados Unidos, direcionou grande parte das pesquisas para a
automação e processos a ela associados: inteligência artificial, hipertextos, bases de
conhecimento, sistemas especialistas etc” (BRAGA, 1995).
Mais tarde, a Ciência da Informação vai se dedicar também ao estudo do caos e
da complexidade, ao participar de um saudável movimento de conexão com o fluxo
geral de todas as ciências. “A complexidade é o limite do caos - a fronteira, segundo
vários autores, entre ordem e caos. Sistemas complexos exibem uma grande quantidade
de componentes independentes interagindo uns com os outros de inúmeras formas”
(BRAGA, 1995).
Eliany Alvarenga de Araújo aborda o desenvolvimento destes temas de pesquisa
em Ciência da Informação através da definição de correntes epistemológicas ou de
visões científicas, que consistem em “referenciais teóricos que apóiam as abordagens
utilizadas” nos estudos do campo do conhecimento (ARAÚJO, 2002 p. 19).
43
A primeira corrente epistemológica é denominada visão sistêmica, na qual “a
função da informação é garantir a estabilidade dos sistemas”, e, “a finalidade do sistema é
atingir um nível ótimo de performance nos processos de comunicação, fazendo com que
uma informação emitida por um sujeito x chegue até um sujeito y com um mínimo de
tempo e de perda de energia” (ARAÚJO, 2002, p. 20).
No contexto da visão sistêmica estão as seguintes abordagens:
[1] centrada na mensagem - com base na teoria matemática da comunicação, foi
largamente empregada na Ciência da Informação;
[2] pragmática - a partir “do pressuposto de que a informação é um elemento que
auxilia o sujeito a tomar uma decisão, centrando-se na influência da mensagem no
receptor”;
[3] estruturalista - considera que “toda estrutura do mundo, percebida ou não,
constitui uma informação”;
[4] centrada no significado - oriunda da Lingüística, analisa a predominância do
valor sintático, semântico ou pragmático da informação;
[5] centrada no processo - “considera que a informação não é um dos
componentes do processo comunicacional, mas, ela seria o próprio processo [...] que
ocorre na mente humana quando um problema é dado”;
[6] cognitivista - a partir da constatação de que o conhecimento é um fenômeno
subjetivo, tem como função “estudar o aspecto objetivo do processo de comunicação: os
processos cognitivos do emissor e do receptor ao produzirem informação” (ARAÚJO,
2002, p. 20-22).
A segunda corrente epistemológica definida por Araújo é denominada visão
crítica, “[...] que parte do pressuposto de que a informação é um fenômeno social, pois
ela é gerada, organizada, disseminada e utilizada por sujeitos que estão inseridos num
determinado contexto social. Assim, a informação possui dimensões políticas,
econômicas, culturais e históricas, que devem ser analisadas, para que se possa
44
compreender o fenômeno informacional de forma mais completa” (ARAÚJO, 2002, p.
22).
A principal abordagem desse modelo é a teoria crítica, proposta por Jürgen
Habermas, cujo ponto de partida é a constatação de que “o fenômeno informacional é
um produto das relações sociais, seja para criar condições de diálogo entre os cidadãos
(agir comunicativo), entre as instituições científicas e políticas” (ARAÚJO, 2002, p. 23).
Finalmente, a terceira vertente teórica da Ciência da Informação da proposta
conceitual de Araújo é denominada visão pós-moderna, na qual a informação perde o
estatuto de “elemento que garante o equilíbrio dos sistemas ou que modifica os
contextos sociais” e é entendida como “elemento que apenas mediatiza, tanto os
processos de apreensão do real, como as próprias relações sociais” (ARAÚJO, 2002, p.
26).
A autora se baseia nas pesquisas de Jean-François Lyotard para analisar a função
da informação no contexto da pós-modernidade. Além da destinação mediatizadora, a
informação “[...] adquire características de mercadoria, pois se torna indispensável à
força produtiva, [...] fica submetida às leis de mercado e ganha valor de troca”
(ARAÚJO, 2002, p. 26).
Viviane Couzinet, a partir os estudos de Jean-Paul Metger, indica três
orientações epistemológicas da Ciência da Informação: “o estudo dos ‘objetos portadores
do saber’; ‘as práticas humanas e sociais em matéria de elaboração, compartilhamento do
saber, do acesso à informação’ e ‘a formalização e o cálculo’ ligado à tecnologia digital e
à pesquisa da matematização” (METZGER, Jean-Paul citado por COUZINET, 2004, p.
26).
Le Coadic propõe a análise de um campo científico a partir de cinco aspectos:
conceitos, métodos, leis, modelos e teorias. Eles apresentam a característica comum de
resultar da própria produção da área, mas apresentam variações significativas quanto ao
nível profundidade e de consolidação das abordagens.
45
O primeiro nível é o dos conceitos, cuja função é estabelecer formulações
explícitas para fundamentar as discussões teóricas de uma disciplina. “Os conceitos
científicos e técnicos são conceitos unívocos que tornam os conhecimentos científicos e
técnicos em conhecimentos objetos ou tendentes à objetividade”, que diferem dos
conceitos lingüísticos que são naturalmente ambíguos (LE COADIC, 2000, p. 55).
Le Coadic cita inúmeros conceitos científicos importantes para a Ciência da
Informação. Freqüência de publicação de um periódico, sistema de gerenciamento de
bases de dados, citação (e referência), fator de impacto, e, hipertexto podem ser
classificados como aspectos da comunicação científica. As noções de sintagma, índice e
classificação se relacionam com o campo do tratamento da informação. Relevância,
revoção, precisão e obsolescência podem ser consideradas características da informação
e do processo de recuperação da informação. Os conceitos de necessidade de
informação, interação, atitude e espera revelam a faceta psicológica do processo de uso
da informação (LE COADIC, 2000, p. 56-63).
Também é possível destacar conceitos técnicos como referência bibliográfica,
catálogo, formato bibliográfico, tesauro e ontologia (LE COADIC, 2000, p. 63-64).
Rafael Capurro e Birger Hjorland ressaltam que “a literatura de CI é caracterizada
pelo caos conceitual. Este caos conceitual advém de uma variedade de problemas na
literatura conceitual da CI: citação a-crítica de definições anteriores, fusão de teoria e
prática, afirmações obsessivas de status científico, uma visão estreita da tecnologia,
descaso pela literatura sem o rótulo de ciência ou tecnologia, analogias inadequadas,
definições circulares e multiplicidade de noções vagas, contraditórias e, às vezes,
bizarras quanto à natureza do termo informação” (SCHRADER, A. M. citado por
CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 154).
Sobre a ausência de reflexão própria e contextualizada dos conceitos
concernentes ao campo, Kobashi, Smit e Tálamo apontam que “[...] na ausência de um
assentamento conceitual ou na presença de ambivalências semânticas, que poderiam
46
supostamente estabelecer condições de criação, tem-se um impasse ou retardamento
teórico, que compromete a área como um todo” (KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001).
No segundo aspecto da proposta de Le Coadic, os métodos são os princípios
científicos que refletem as características da condução do trabalho de pesquisa de uma
área, cujo objetivo é formalizar os objetivos dos estudos, a partir do pressuposto que o
método exerce determinada influência no processo científico.
O autor aponta que os métodos empregados na pesquisa em Ciência da
Informação consistem basicamente em princípios de análise dos documentos e da
informação. São eles a catalogação, a indexação, a análise de co-citações, a análise de
termos associados, a reformulação (elaboração de resumos) e a infometria (LE COADIC,
2000, p. 64).
A catalogação visa descrever através de metadados as informações de origem do
documento. A indexação “consiste em selecionar, num documento textual, certas
palavras-chave consideradas como as mais representativas do conteúdo desse
documento”. À análise de co-citações cabe analisar “a freqüência de citações recebidas
por um artigo”, para determinar o quão ele é importante em dado contexto científico. A
análise de termos associados denota a relevância de uma palavra-chave para o seu setor
de pesquisa. A elaboração de resumos é o processo de condensação do texto em uma
estrutura sumária. E, por fim, a infometria é a análise aperfeiçoada das atividades de
informação científica e técnica, através da formulação de índices estatísticos e
matemáticos (LE COADIC, 2000, p. 64-65).
Quanto aos métodos de pesquisa propriamente ditos, Le Coadic (2000, p. 67)
menciona o questionário, a entrevista e a observação, todos de origem sociológica e
psicológica. No entanto, o autor não aprofunda a análise destes métodos, o que suscita a
dúvida se eles se referem de fato aos modos de condução da pesquisa em Ciência da
Informação ou se eles se aplicam a análises específicas do campo, como os estudos de
usuário e de comunidade, por exemplo.
47
De forma explícita, Maria Yêda F. S. de F. Gomes constata “a predominância da
pesquisa empírica com predomínio das abordagens quantitativas e dos estudos
exploratórios, sendo o levantamento e os estudos de caso os procedimentos
metodológicos mais empregados nas dissertações e teses analisadas. O questionário e a
entrevista foram os instrumentos de coleta de dados mais utilizados” (GOMES, 2006).
Segundo Viviane Couzinet, a metodologia da pesquisa no campo informacional
pode ser classificada em três grupos. O trabalho exploratório é feito por meio de leituras
e entrevistas, além de pesquisas sociológicas ou econômicas. “Para estudar os
conhecimentos registrados, nós buscamos suporte nas análises de conteúdo, análises
semióticas ou análises documentárias”. Finalmente, “os métodos quantitativos são
utilizados na elaboração de modelos de observação, ou mesmo na elaboração de novas
ferramentas de acesso à informação” (COUZINET, 2004, p. 28).
Divergências à parte, o ponto comum de todas as propostas de organização das
correntes epistemológicas da Ciência da Informação é a indicação da falta de atenção à
metodologia da pesquisa. “A pesquisa da área parece unidirecionada no uso de métodos
empíricos, o que sugere unidirecionamento nos pressupostos teóricos e formulações de
problemas. [...] No entanto, a discussão metodológica e a análise dos fundamentos da
disciplina são ambas pré-requisitos para o uso mais diversificado de estratégias de
pesquisa e uma articulação mais abrangente dos problemas de pesquisa” (JÄRVELIN,
Kalervo e VAKKARI, Pertti citados por BRAGA, 1995).
Dessa forma, a ausência da discussão metodológica se configura como um
importante problema a ser resolvido pela comunidade acadêmica da área, sobretudo, no
bojo da trajetória de consolidação da Ciência da Informação. A resolução da questão não
é simples e apenas o trabalho científico aplicado aos aspectos epistemo-metodológicos
pode esgotar o debate sobre estes tópicos tão cruciais ao campo do conhecimento, ainda
que seja para contrapor a idéia da insuficiência do debate e apontar para outros
caminhos.
48
Retomando a proposta de Le Coadic, o terceiro plano do amadurecimento de
determinada disciplina são as leis científicas. As leis podem ser consideradas “[...]
relações
quantitativas
relativamente
constantes
e
exprimíveis
como
funções
matemáticas que estabelecem relações universais e necessárias entre o aparecimento de
um fenômeno e as condições que o fazem surgir” (LE COADIC, 2000. p. 67).
No âmbito da Ciência da Informação, o autor identifica duas tendências: as leis
bibliométricas, cuja função geral é observar o comportamento social de uso da
informação, e, as leis epidemiológicas, cujo prospecto é “fazer uma analogia formal entre
o curso das epidemias e a difusão oral das informações numa população de cientistas”
(LE COADIC, 2000, p. 70).
A maior relevância, na visão de Le Coadic, no entanto, é observada nas leis
bibliométricas, destacadamente a lei de Bradford, a lei de Lotka e a lei de Zipf.
A lei proposta por Samuel Clement Bradford “permite localizar a informação
relevante na massa das referências disponíveis”, a partir da observação da ocorrência de
certa regularidade na correlação entre o artigo científico relevante e a publicação
periódica importante. Bradford verificou a existência de três tipos de periódicos:
especializado, pouco especializado e não especializado, em referência a um núcleo
científico. Quanto maior a especialização, maior a relevância do artigo para o periódico,
e, conseqüentemente, para o campo científico. A formulação matemática da lei de
Bradford pondera que 20% dos periódicos contêm 80% dos artigos relevantes (LE
COADIC, 2000, p. 69).
Outras ramificações baseadas da proporção 20/80 ou 80/20 já haviam sido
formuladas por pesquisadores de áreas incipientes ao campo da informação. Entre elas, a
dimensão de que 80% dos usuários concentram o uso em 20% do acervo dos serviços de
informação, e, a lei de Lotka, cujo pressuposto é que 20% dos autores publicam 80% dos
artigos.
49
Alfred James Lotka propôs a sua lei a partir da consideração das desigualdades dos
níveis de produtividade dos cientistas. Entre os fatores intervenientes neste cenário
estão a natureza da área científica, a formação do pesquisador, os meios de comunicação
científica disponíveis, e, a concorrência com os pares (LE COADIC, 2000, p. 29-31).
A lei de George Kingsley Zipf, originalmente formulada no contexto da
Lingüística, aponta para a proporcionalidade entre a posição da palavra e a ordem
decrescente de freqüência desta mesma palavra no texto. Em termos matemáticos, “a
palavra que estiver em décimo lugar aparecerá no texto com freqüência dez vezes menor
do que a palavra que se encontra em primeiro lugar” (LE COADIC, 2000, p. 69-70).
Tal abordagem é bastante instrumental para o contexto dos serviços de
recuperação da informação, sobretudo no processo de indexação dos registros
documentários. À luz da lei de Zipf é possível, por exemplo, determinar métodos de
indexação automática de textos, e, analisar a correlação desta modalidade de indexação
com o processo tradicional de representação de conteúdo.
O penúltimo estágio de desenvolvimento teórico de uma ciência, segundo a
proposta de Le Coadic, é o da modelização, ou seja, a constituição de modelos
científicos. A partir de McQuail e Windahl, o autor observa que “[...] um modelo
permite interpretar um conjunto de fenômenos por meio de uma estrutura da qual
mostra os principais elementos e as relações existentes entre eles” (McQUAIL, D. e
WINDAHL, S. citados por LE COADIC, 2000, p. 71).
Os primeiros modelos da Ciência da Informação foram os modelos empregados
nas Ciências da Comunicação, cuja análise se concentrava na transmissão de sinais, na
comunicação interpessoal, na audiência e na recepção. A evolução do foco de análise
destes modelos será nosso objeto de estudo no capítulo sobre o campo da Comunicação
(LE COADIC, 2000, p. 72-73).
50
Entretanto, as pesquisas em Ciência da Informação também construíram,
discutiram e consolidaram modelos específicos, que teorizam os processos de
recuperação da informação.
O modelo booleano identifica as relações de dependência entre os operadores
booleanos e, que une os componentes de uma expressão, e ou, que une termos
sinônimos ou parassinônimos na formulação de estratégias de busca. O modelo vetorial
considera que o conjunto dos atributos textuais ou paratextuais (tópicos da
representação da informação) “permite resolver as operações de recuperação ao efetuar
cálculos de similaridade entre o documento e a consulta”. O modelo probabilístico é
bastante complexo porque se apóia na noção de relevância, a partir da definição do
usuário da informação. Por fim, os modelos lingüísticos promovem relações e
associações entre os componentes lexicais, sintáticos e semânticos da informação (LE
COADIC, 2000, p. 73-74).
Sobre a consolidação da modelização, Le Coadic frisa que os modelos
“permanecem válidos enquanto não são refutados pela experiência”. Portanto, cabe ao
campo do conhecimento manter constante atenção acerca do uso de modelos
inadequados para o estudo do conjunto de fenômenos correlacionados (LE COADIC,
2000, p. 71).
A fase final da explicação de Le Coadic para o estatuto científico das disciplinas é
o nível de formulação de teorias. Trata-se do aperfeiçoamento da epistemologia da
ciência através de sofisticados sistemas explicativos. Assim, as teorias consistem em um
avanço em direção à consolidação de uma ciência, pois conduzem à interpretação e à
discussão de todo o conjunto de dado campo do conhecimento, principalmente por
conjugar os demais princípios científicos (conceitos, métodos leis e modelos).
Segundo Le Coadic, “a ciência da informação não possui ainda, lamentavelmente,
uma teoria ou conjunto de teorias” próprias e específicas. Isso porque, “em matéria de
informação, a prática sempre precedeu a teoria. A teoria corre atrás dos fatos para
51
compreendê-los”. A falta de teorias da área foi compensada com a utilização de
abordagens de outros campos científicos, com destaque para as Ciências da
Comunicação. Esta relação entre os dois campos será objeto de estudo na próxima seção,
e, principalmente, no penúltimo capítulo deste trabalho (LE COADIC, 2000, p. 73).
Dessa forma, a crítica à insuficiência metodológica pode ser ampliada para os
demais aspectos da produção da Ciência da Informação. De acordo com Yêda Gomes,
“numa revisão da literatura em biblioteconomia e ciência da informação no Brasil podese constatar o reduzido número de trabalhos que têm como objeto de análise o
conhecimento produzido nessas áreas” (GOMES, 2006).
“Tem sido assinalada a ausência, na área, de um corpo de fundamentos teóricos
que possam delinear o seu horizonte científico, e ainda se encontra em construção a
epistemologia da Ciência da Informação ou a investigação dos conhecimentos que o
permeiam” (PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro e LOUREIRO, José Mauro Matheus citados
por KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001).
Segundo Johanna W. Smit, Eduardo W. Dias e Rosalí F. de Souza, "a análise das
áreas de concentração e respectivas linhas de pesquisa é reveladora de uma visão
pragmática da área, freqüentemente voltada à solução de problemas da atividade
profissional e menos voltada para a consolidação conceitual e epistemológica da própria
área" (SMIT, Johanna W.; DIAS, Eduardo W. e SOUZA, Rosalí F. de citados por
GOMES, 2006).
Le Coadic complementa ao afirmar que “[...], sob a demanda premente da
tecnologia da informação e das máquinas de comunicação, a preocupação dominante dos
cientistas foi a utilidade, a eficácia, o prático e a prática, e muito pouco o teórico, a
teoria”. Para o autor, mais emblemática é a falta de ligação entre os dois planos (LE
COADIC, 2000, p. 19).
52
2.3
A natureza interdisciplinar
A interdisciplinaridade é um tema constante nas pesquisas da ciência moderna,
tanto no âmbito interno de cada de disciplina quanto na produção bibliográfica da
Sociologia das Ciências, cujo objeto de estudo é o conjunto das áreas do conhecimento.
No entanto, a constância da discussão conceitual não parece ter consolidado uma
única visão sobre o assunto. E mais, em determinados contextos, como o do processo de
ensino e aprendizagem, “a interdisciplinaridade aparece tão só como uma ‘palavra vaga e
imprecisa’ cujo sentido está ainda por descobrir ou inventar” (POMBO, 1994, p. 9).
Os conceitos científicos empregados para designar a interdisciplinaridade
invariavelmente divergem. Olga Pombo traz as definições de três importantes autores
sobre o tema. Para Jean Luc Marion, a interdisciplinaridade é a “co-operação de várias
disciplinas no exame de um mesmo objecto”. Já conforme Piaget, ela é o “intercâmbio
mútuo e integração recíproca entre várias disciplinas (... tendo) como resultado um
enriquecimento recíproco”. No ponto de vista de Palmade é a “integração interna e
conceptual que rompe a estrutura de cada disciplina para construir uma axiomática nova
e comum a todas elas, com o fim de dar uma visão unitária de um sector do saber” (LUC
MARION, Jean; PIAGET, Jean e PALMADE, Guy citados por POMBO, 1994, p. 10).
A oscilação terminológica dos estudos disciplinares fica ainda maior com a
discussão de conceitos congêneres como transdisciplinaridade, multidisciplinaridade e
pluridisciplinaridade. Todos “[...] têm em comum o facto de designarem diferentes
modos de relação e articulação entre disciplinas”, e, é justamente o nível de aproximação
que os torna noções sensivelmente distintas (POMBO, 1994, p. 11).
As definições de multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade são mais
convergentes em comparação com os outros dois conceitos dos estudos disciplinares.
Georges Gusdorf as considera diretamente equivalentes, e, mesmo nas pesquisas que
mantém os dois conceitos, a distinção entre eles é mínima. Segundo Arthur Asa Berger,
53
a multidisciplinaridade consiste na “justaposição de disciplinas diversas, às vezes sem
relação aparente entre elas”, enquanto a pluridisciplinaridade preconiza a “justaposição
entre disciplinas mais ou menos próximas nos seus campos de conhecimentos”
(BERGER, Arthur A. citado por POMBO, 1994, p. 11).
O conceito de transdiciplinaridade considera a aproximação disciplinar em um
patamar superior, que “não só atingiria as interacções ou reciprocidades entre
investigações especializadas, mas também situaria estas relações no interior de um
sistema total, sem fronteiras estáveis entre as disciplinas” (PIAGET, Jean citado por
POMBO, 1994, p. 11).
Olga Pombo estabelece a noção de interdisciplinaridade como o ponto
intermediário desse conjunto de conceitos, “no qual a pluridisciplinaridade seria o pólo
mínimo da integração disciplinar, a transdisciplinaridade o pólo máximo e a
interdisciplinaridade o conjunto das múltiplas variações possíveis entre os dois
extremos” (POMBO, 1994, p. 10-11).
Em complemento, Japiassu pondera que a interdisciplinaridade “se afirma como
reflexão epistemológica sobre a divisão do saber em disciplinas para extrair suas relações
de interdependência e de conexões recíprocas”. O objetivo ideal da imbricação entre os
campos é “descobrir as leis estruturais de sua constituição e funcionamento - o seu
denominador comum” (JAPIASSU, Hilton citado por PINHEIRO, 1999, p. 159).
A Ciência da Informação, enquanto campo do conhecimento criado na sociedade
moderna, se construiu à luz de aproximações disciplinares. Aproximação no âmbito da
continuação do legado de pesquisas, como vimos anteriormente a partir da ligação da
área com a Biblioteconomia, a Documentação e a Recuperação da Informação. E
aproximações interdisciplinares no sentido estrito, em virtude do estabelecimento de
relações de troca de conceitos e teorias, como vimos no bojo das correntes
epistemológicas da área e como especificaremos detalhadamente a seguir.
54
Segundo Marlene de Oliveira, “a participação de outros campos do conhecimento
na Ciência da Informação permanece em função da complexidade dos problemas a
serem equacionados pela área, o que exige a contribuição de diferentes profissionais e/ou
pesquisadores” (OLIVEIRA, 2005, p. 20).
A intensa relação com outros campos do conhecimento aponta que é impossível
dissociar a Ciência da Informação da sua natureza interdisciplinar. Como observa Le
Coadic, “os problemas de que trata cruzam as fronteiras históricas das disciplinas
tradicionais, e o recurso a várias disciplinas parece evidente” (LE COADIC, 2000, p. 20).
A literatura especializada da Ciência da Informação identifica diversas disciplinas
relacionadas, e também aponta diferentes níveis de interdisciplinaridade, mesmo
quando trata da aproximação com uma única disciplina. Além disso, é necessário
diferenciar a interdisciplinaridade, relação contínua e generalizável de conceitos e
teorias, da aplicação, uso contextual e pontual do conhecimento de outro domínio
científico (PINHEIRO, 1999, p. 176).
Kobashi e Tálamo lembram que “a interdisciplinaridade proposta distancia-se,
portanto, da dissolução da Ciência da Informação em campos conexos, tais como a
Teoria da informação, as Ciências da Comunicação, as Ciências cognitivas, a Teoria de
Sistemas. Ao contrário, propõe-se um percurso que adote simultaneamente a abertura e
o fechamento disciplinares, reconhecendo os campos com os quais estabelece relações
preferenciais e solidárias” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 18).
Entre os estudos com maior aprofundamento e discussão da natureza
interdisciplinar da Ciência da Informação estão os trabalhos de Yves-François Le Coadic
(2002) e Lena Vânia Ribeiro Pinheiro (1999). A partir destes dois textos estabelecemos
os principais campos de conhecimento compartilhado com a Ciência da Informação:
Psicologia, Ciências Sociais, Sociologia das Ciências, Ciência Cognitiva, Informática e/ou
Ciências da Computação, Terminologia, Lingüística, e, Ciências da Comunicação.
55
O fundador da Lingüística foi o suíço Ferdinand de Saussure, a partir de três
cursos ministrados na Universidade de Genebra, no início do século XX. Segundo o
autor, “a língua é um sistema organizado de signos que exprimem idéias; representa o
aspecto codificado da linguagem. A lingüística tem por tarefa estudar as regras desse
sistema organizado por meio das quais ele produz sentido” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 86).
O cerne da relação da Ciência da Informação com a Lingüística é o campo da
representação da informação. O paradigma lingüístico é essencial para a questão da
informação, uma vez que se refere “[...] à apreensão do significado, quando um esquema
de conceitos estruturados é assimilado pela mente do receptor que pode ajustar o
esquema já existente em sua mente para incorporar dados novos” (FOSKETT, Douglas J.
citado por PINHEIRO, 1999, p. 163-164).
A aproximação entre as duas áreas é análoga à relação entre a Lingüística e as
Ciências da Comunicação, cuja análise será foco do próximo capítulo deste trabalho. Por
conta dos princípios fundamentais para os dois campos, a Lingüística pode ser
considerada o principal elo entre a Ciência da Informação e as Ciências da
Comunicação, relação a ser analisada no quarto capítulo do nosso estudo.
Vinculada à Lingüística, a Semiótica, área sobre a qual também falaremos no
capítulo 3, apresenta contribuições ao campo da Ciência Informação, sobretudo ao
fomentar as atividades de análise conceitual do processo de representação e de
recuperação da informação.
Tradicionalmente o campo é dividido em três núcleos temáticos: pragmático,
semântico e sintático. O pragmatismo semiótico está presente, por exemplo, nos
pressupostos de elaboração de resumos documentários, visto que este “é um trabalho de
condensação que deve ser inteligível e conter o essencial”. A vertente semântica da
Semiótica se manifesta na Ciência da Informação por conta do papel decisivo do valor
dos sinais lingüísticos “na criação e análise de linguagens e sistemas de recuperação da
56
informação”. Já os estudos sintáticos favorecem o estabelecimento e o arranjo dos
vínculos entre um signo e outro, ou, no âmbito dos serviços de informação, entre
assuntos e documentos, e vice-versa (MIKHAILOV, A. I. citado por PINHEIRO, 1999,
p. 162).
Outra disciplina da esfera da análise dos discursos e das palavras é a
Terminologia, “área interdisciplinar que dá suporte a várias disciplinas no estudo dos
conceitos e sua representação em linguagens de especialidade”. O objetivo da
Terminologia é fornecer “metodologia para a descrição, ordenamento e transferência do
conhecimento, indicando princípios que regem a compilação, formação dos termos,
estruturação de campos conceituais, uso e administração de terminologias” (LARA,
2004, p. 234 e p. 235).
A contribuição deste campo à Ciência da Informação consiste na “modelagem do
conceito e dos sistemas de conceitos, além de referências concretas para a interpretação
dos termos por meio dos glossários e dicionários terminológicos, que são seus produtos”.
Tal fornecimento de arcabouço teórico assume fundamental importância no processo de
construção e de desenvolvimento das linguagens documentárias, no âmbito da
Lingüística Documentária, subdomínio da CI (LARA, 2004, p. 233).
Marilda L. G. de Lara reitera a idéia ao firmar que “recorrer à terminologia, nesse
caso, significa operar com termos, não palavras, opção que permite restaurar as
referências de sistemas de significação particulares às áreas do conhecimento” (LARA,
1997, p. 77).
A interface da Psicologia com a Ciência da Informação pode ser analisada a partir
de um ponto de vista geral e sob uma perspectiva específica. Na visão geral, a Psicologia
é essencial para o entendimento dos fenômenos de comunicação interpessoal, inerentes
ao processo de mediação da informação que ocorre no plano dos serviços de referência.
No âmbito específico, a relação ocorre a partir de três sub-campos: Psicologia do
Trabalho, Psicologia da Engenharia e Psicolingüística.
57
A aproximação disciplinar com a Psicologia do Trabalho se dá através do
aproveitamento dos estudos de aumento de eficiência do trabalho, de racionalização de
habilidades, e, das técnicas de seleção e treinamento de pessoal. Em contrapartida, as
análises destes tópicos no âmbito da Ciência da Informação consistem em contribuições
ao campo da Psicologia do Trabalho (MIKHAILOV, A. I. citado por PINHEIRO, 1999, p.
162).
A Psicologia da Engenharia “[...] abrange complexos estudos de sistemas homemmáquina, a aplicação do conhecimento ao comportamento humano para a concepção de
sistemas e seus componentes, com o propósito de obter o máximo de eficiência com o
mínimo de esforço para sua operação e serviço”. Dessa forma, a Psicologia da
Engenharia se configura como importante campo de análises dos processos e dos
sistemas de recuperação da informação (CHATARIS citado por MIKHAILOV, A. I.
citado por PINHEIRO, 1999, p. 163).
A relação da Ciência da Informação com a Psicolingüística incide na reflexão do
caráter psicológico do processo de transferência da informação. Isso porque o objeto de
estudo da área é “a natureza do discurso, a organização hierárquica do comportamento
verbal, mecanismos do discurso e da percepção, problemas de semântica e de motivação
verbal e não-verbal, bem como tarefas práticas envolvidas na comunicação de massa e
no discurso da cultura” (LEONTIEV, Dmitri A. citado por MIKHAILOV, A. I. citado por
PINHEIRO, 1999, p. 163).
O estudo da informação também é uma questão natural para a Informática e/ou
Ciências da Computação, que, como vimos anteriormente, surgiu em 1962, no mesmo
ano de criação da Ciência Informação.
Ângela S. Fernandes e outros autores, a partir dos estudos de Philippe Breton,
resgatam três sentidos para o conceito de informação da Informática. A primeira
vertente de pesquisas consistia em analisar a forma e o sentido intrínsecos à informação.
No segundo momento, os estudos indicaram a necessidade de codificação da informação
58
a partir de duas operações “[...] a primeira, consistia na transformação de cada letra do
alfabeto em uma simples combinação de dois símbolos e a segunda operação, consistia
em fazer como que o texto correspondesse a cada símbolo”. A terceira tendência foi a
das pesquisas sobre os algoritmos, o “conjunto completo de regras que permitem a
resolução de um problema determinado” através de uma máquina (BRETON, Philippe
citado por FERNANDES, 2005, p. 33-36).
Desse modo, “aspectos da Ciência da Computação não relacionados ao início da
evolução da Ciência da Informação apresentam componente informacional significativo,
associado à representação da informação, sua organização intelectual e ligações, busca e
recuperação da informação, qualidade, valor e uso da informação” (SARACEVIC, Tefko
citado por PINHEIRO, 1999, p. 172).
Na era das tecnologias da informação e da comunicação, décadas mais tarde, a
relação entre estes dois campos culminará em um estreitamento, quando “o homem
passa a ser encarado como um processador e agregador de informação”. A partir do uso
de ferramentas híbridas como o computador, se amplia a capacidade de processamento
da informação, o que, conseqüentemente, facilita o fluxo de produção da informação
(FERNANDES, 2005, p. 26).
Da mesma forma que a Lingüística, a Informática também exerce o papel de
ligação entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação. Assim, atualmente,
informação, tecnologia e comunicação são conceitos estreitamente conectados, o que
denota que as três áreas do conhecimento se inter-relacionam profundamente.
Nesse contexto, conforme Aldo Barreto*, “a CI coordenará e induzirá o
desenvolvimento de uma infra-estrutura de possibilidades democráticas e sem barreiras
para se exercer a opinião pessoal. Esta habilidade de enunciar diretamente sobre os
conteúdos em rede será a mais importante entre as futuras fontes de informação, através
da realimentação, retorno e avaliação da comunidade de cada usuário”. Embora as
BARRETO, Aldo de Albuquerque. Novos objetivos da Ciência da Informação. Mensagem eletrônica
enviada à lista Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em 19 abr. 2007.
*
59
questões do cérebro sejam debatidas desde a Antiguidade, é apenas nas duas últimas
décadas do século XX que se constituiu um campo específico para este objeto de estudo.
A Ciência Cognitiva também nasceu interdisciplinar por natureza, ao conjugar análises
físicas, biológicas, psicológicas, filosóficas, entre outras, do processamento cognitivo
humano (SARACEVIC, Tefko citado por PINHEIRO, 1999, p. 172).
A influência da Ciência Cognitiva na Ciência da Informação emerge na
contribuição enquanto fonte de “estruturas teóricas para cognição, na qual a informação
é o fenômeno que desempenha o mais importante papel” (SARACEVIC, Tefko citado
por PINHEIRO, 1999, p. 172).
Na análise dos aspectos interdisciplinares, é indispensável ressaltar que a Ciência
da Informação é, antes de tudo, uma ciência social. Tal consideração parece óbvia, mas
precisa ser reafirmada, sobretudo no bojo da discussão interdisciplinar da área.
Historicamente, os primórdios da área estão mais relacionados à computação e à
recuperação automática da informação do que aos estudos da sociedade. É apenas na
década de 70, quando a figura do usuário do serviço de informação ganha papel
fundamental, que “[...] as ciências humanas e sociais passam a contribuir também, com
seus métodos e práticas, para a composição dessa ciência emergente” (CARDOSO, Ana
Maria Pereira citada por ARAÚJO, 2003, p. 22).
As Ciências Sociais cresceram e se consolidaram no decorrer do século XX,
impulsionadas pelo crescimento da sua comunidade acadêmica e pelo incremento da sua
produção científica. Entre tantas possibilidades de organização epistemológica do
campo, Carlos A. A. Araújo (2003) propõe a análise dessa trajetória a partir de três
momentos históricos.
O primeiro estágio histórico é denominado Sociologia Funcionalista, cuja
contribuição fundamental partiu de Augusto Comte, que “propôs a realização de estudos
sobre a sociedade com o máximo de objetividade, em busca de leis universais que
regessem o comportamento da vida social em toda parte” (ARAÚJO, 2003, p. 22-23).
60
Para Cláudio Paiva, “o funcionalismo mostra-se etnocêntrico e moralista, ou seja,
prescreve um modelo de como ‘as coisas devem ser’, sem aceitar as dinâmicas
transformações que ocorrem no mundo vivido; parte de uma visão de mundo fechada e
narcisista, deduzindo que a sociedade e a cultura podem ser explicadas a partir de um
único paradigma científico” (PAIVA, 2002, p. 175).
A segunda fase dos estudos sociais, a Sociologia Crítica, é fundamentada nas
pesquisas de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e de Karl Marx. Nessa abordagem, os
paradigmas
funcionalistas
são
profundamente
questionados,
por
conta
da
desconsideração da constante transformação da sociedade e da tentativa de estratificar as
mudanças dos grupos sociais. Algumas correntes epistemológicas dessa vertente serão
abordadas no capítulo 3 deste trabalho, sobre as Ciências da Comunicação (ARAÚJO,
2003, p. 23).
O terceiro momento histórico das Ciências Sociais tem como precursores Max
Weber e Georg Simmel, e, pode ser caracterizado como Sociologia Interpretativa. A
principal mudança consiste no advento do conceito de ação social, que é a ação do
indivíduo dotada de significado para ele. Dessa forma, ao invés o ato consciente toma o
lugar do sujeito inexoravelmente alienado e preso ao sistema social (ARAÚJO, 2003, p.
23-24).
Na interface com a Ciência da Informação, Araújo também aponta diferenças
conforme o estágio histórico da pesquisa social. No primeiro e no segundo níveis, o
debate social ficara isolado em sub-campos da CI, em linhas de pesquisa como ação
cultural, informação e cidadania, e, combate à exclusão informacional. “É, apenas com a
aproximação junto ao ‘terceiro ramo’ das ciências sociais, isto é, aos enfoques
microssociológicos e interpretativos, que a ciência da informação vai conhecer uma
reformulação mais profunda de seus pressupostos, que vai alterar sobretudo o significado
do que é entendido como ‘informação’” (ARAÚJO, 2003, p. 25).
61
Os vínculos com as Ciências Sociais são evidentes, no entanto, conforme observa
Pinheiro, a Ciência da Informação apresenta um isolamento em relação às Ciências
Sociais, sobretudo por conta de não formular contribuições efetivas para este campo do
conhecimento (SMALL, Henry e SMITH, Linda citados por PINHEIRO, 1999, p. 170).
Ainda entre as Ciências Sociais, a Sociologia das Ciências é outra área com
interesses disciplinares compatíveis com o campo da Ciência da Informação. O seu
objeto de estudo pode ser “[...] representado por tópicos inter-relacionados: os impactos
da ciência na sociedade e vice-versa, a estrutura social, o processo de produção do
conhecimento científico, os aspectos sociais das áreas específicas, [...], e naturalmente o
comportamento dos cientistas como integrantes da comunidade científica”. A relevância
destes assuntos para a CI consiste em fornecer, principalmente, “[...] estudos que
discutem o comportamento da comunidade científica, e mais especificamente as normas
comportamentais, as quais influenciam a produção científica” (ZUCKERMAN, H. citado
por TARGINO, 2000, p. 14). Além das relações com estes campos, é possível ressaltar
mais algumas aproximações da Ciência da Informação com outras três áreas do
conhecimento. A Administração cooperou principalmente com modelos, métodos e
sistemas de gestão dos serviços de informação em todos os seus âmbitos (recursos
humanos, físicos, materiais). A Matemática e a Lógica Matemática apresentam insumos
para “a análise de sistemas, algoritmização de operação de armazenagem da informação,
recuperação e disseminação, métodos matemáticos, medida de eficiência dos sistemas de
informação e compatibilidade”. E a Estatística fornece ferramentas essenciais para a
construção de modelos, tanto para a CI quanto para todas as ciências sociais (MERTA,
Augustin; KITAGAWA, Takashi citados por PINHEIRO, 1999, p. 165).
A análise de Lena Vânia Ribeiro Pinheiro (1999, p. 174) acerca da
interdisciplinaridade da Ciência da Informação resultou em um modelo gráfico (figura
1), no qual a autora relaciona as interdisciplinas aos sub-campos da Ciência da
Informação.
62
Figura 1. Mapa interdisciplinar da Ciência da Informação, por Lena Vania R. Pinheiro
A Biblioteconomia, por exemplo, figura simultaneamente enquanto um subcampo e como uma área interdisciplinar, conforme a necessidade teórica da CI. Isto
porque alguns sub-campos da Ciência da Informação (Representação da Informação;
Sistemas de Recuperação da Informação; Redes e Sistemas de Informação; Automação;
63
Administração de Sistemas de Informação; Informação, Cultura e Sociedade) também
são sub-campos da Biblioteconomia.
A configuração interdisciplinar da autora contempla todas as áreas do
conhecimento estudadas com detalhes anteriormente, e inclui disciplinas como a
Economia, a Antropologia, a Filosofia, a Arquivologia, a Museologia, o Jornalismo
Científico, e, a Filosofia, a Sociologia e a História da Ciência.
O estudo análise da interdisciplinaridade da Ciência da Informação de YvesFrançois Le Coadic (2002, p. 22) também pode ser expresso em um modelo gráfico
(figura 2), no qual o autor relaciona as interdisciplinas aos conceitos, métodos, leis,
modelos e teorias da CI, conforme analisamos no tópico anterior deste trabalho.
64
Figura 2. Mapa interdisciplinar da Ciência da Informação, por Yves François Le Coadic
Em comparação com a apresentação gráfica de Lena V. R. Pinheiro, a proposta de
Le Coadic se apresenta como um modelo mais elaborado da análise interdisciplinar, uma
65
vez que indica os temas da Ciência da Informação a partir da perspectiva da
contribuição dos outros campos do conhecimento.
Dessa maneira, por exemplo, à Lingüística corresponde a elaboração da
representação da informação (paratexto), à Lógica, à Estatística e à Matemática
correspondem os processos poissonianos e booleanos inerentes à recuperação da
informação, e, à Psicologia e à Ciência Cognitiva correspondem os comportamentos do
indivíduo na comunicação.
Além dos campos do conhecimento discutidos com exaustão anteriormente, Le
Coadic sugere interfaces da Ciência da Informação com disciplinas como a Economia, o
Direito, a Política, a Etnologia, a História, a Eletrônica, a Telecomunicações, o
Jornalismo, a Epistemologia e a Filosofia.
Sob outra perspectiva, é possível exemplificar (e comprovar) as conexões
interdisciplinares por meio da análise da produção científica do campo do
conhecimento.
Gilda Braga cita o levantamento dos temas dos Special Interest Group da
American Society for Information Science como uma amostra desta variação disciplinar.
Entre alguns dos recortes possíveis da Ciência da Informação estão: pesquisa em
classificação, educação, grandes redes de computação, informação científica e
tecnológica, questões internacionais da informação, processamento automático da
linguagem (BRAGA, 1995).
A natureza interdisciplinar da Ciência da Informação é constantemente
questionada pela comunidade acadêmica da área. A partir da criação de três novos
cursos de pós-graduação, em agosto de 2007, o debate* voltou à tona, com a participação
de Johanna W. Smit, Aldo de Albuquerque Barreto, Maria de Fátima G. M. Tálamo e
SMIT, Johanna W.; BARRETO, Aldo de Albuquerque; TÁLAMO. Maria de Fátima G. M. e
GUIMARÃES, José Augusto Chaves. Propostas multidisciplinares. Mensagens eletrônicas enviadas à lista
Listadeinformaçãoecrônicassobreinformaçãoeconhecimento em agosto de 2007.
*
66
José Augusto Chaves Guimarães, importantes nomes no âmbito da epistemologia do
campo.
Dois dos novos cursos recém-criados, sob a responsabilidade da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), se caracterizam
como multidisciplinares. Essa configuração levantou a discussão sobre a abrangência
disciplinar da CI, sobretudo por conta de uma preocupação com o abandono do vínculo
institucional com a área, cujo alicerce científico ainda se encontra em discussão.
Segundo os pesquisadores, ao se definirem multidisciplinares, os cursos estariam,
principalmente, desconsiderando o legado da Ciência da Informação.
Teorias, métodos, instrumentos e outros princípios científicos são fundamentais
na análise da interdisciplinaridade, no entanto, o foco central das aproximações
disciplinares da Ciência da Informação é o conceito de informação, o objeto de estudo
do campo.
2.4
O objeto de estudo
O objeto de estudo de uma ciência “não surge como algo dado na própria
natureza dos fenômenos que observa. O ‘como se olha’ é uma construção voluntária e
intencional de uma maneira de olhar. Além disso, a definição de objeto é muito mais
influente na delimitação do campo dos fenômenos do que o inverso” (FERNANDES,
1995, p. 26).
Dessa maneira, o objeto de estudo se caracteriza como um recorte epistemológico
no universo da realidade, da sociedade e do conhecimento. Trata-se do parâmetro mais
básico, junto com o campo dos fenômenos, de delimitação de uma ciência
(FERNANDES, 1995, p. 25).
67
A discussão sobre o objeto da Ciência da Informação pode ser definida,
contraditoriamente, pela indefinição. Existem algumas explicações e conceituações
diferentes’ acerca dos objetos de estudos da área.
A primeira e principal vertente define que o objeto da área é a própria
informação. Nessa abordagem, “a informação é um fenômeno tão amplo que abrange
todos os aspectos da vida em sociedade, pode ser abordado por diversas óticas, seja a
comunicacional, a filosófica, a semiológica, a sociológica, a pragmática e outras”
(OLIVEIRA, 2005, p. 19-20).
A partir desta perspectiva interdisciplinar, “a noção de informação tem sido
usada para caracterizar uma medida de organização física (ou sua diminuição, na
entropia), um padrão de comunicação entre fonte e receptor, uma forma de controle e
feedback, a probabilidade de uma mensagem ser transmitida por um canal de
comunicação, o conteúdo de um estado cognitivo, o significado de uma forma lingüística
ou a redução de uma incerteza” (BOGDAN, Radu J. citado por CAPURRO e
HJORLAND, 2007, p. 160).
Além da multiplicidade de significados disciplinares, “a informação é, de fato, um
dos elementos básicos para a inteligibilidade dos processos sejam eles naturais ou
culturais. Por isso mesmo, enfrenta-se dificuldade crescente para abordá-la
nocionalmente. Sabemos que, dependendo do contexto, haverá uma variação conceitual
acentuada, cujos efeitos de sentido, não raro, induzem significados fracamente
discriminatórios que distorcem o entendimento das principais questões em jogo. Ao lado
da complexidade da informação instala-se a extrema fragilidade do termo. Ambas
acabam sendo o grande desafio a ser superado por uma organização mais coerente de
estudo a ela dedicados” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 9).
Para Oliveira, no campo específico, ou seja, “[...] na ótica da Ciência da
Informação, o objeto ‘informação’ é uma representação. Como é uma representação do
68
conhecimento, que já é uma representação do real, ela se torna uma representação de
representação” (OLIVEIRA, 2005, p. 18).
Fernandes e outros caracterizam a informação como “uma abstração informal
(isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria lógica ou matemática), que está
na mente de alguém, representando algo significativo para essa pessoa” (FERNANDES,
2005, p. 28).
Le Coadic complementa, ao observar que a informação “é um significado
transmitido a um ser consciente por meio de uma mensagem inscrita em um suporte
espacial-temporal: impresso, sinal elétrico, onda sonora, etc. Inscrição feita graças a um
sistema de signos (a linguagem), signo este que é um elemento da linguagem que associa
um significante a um significado” (LE COADIC, 2000, p. 4).
Para Bruno Latour, “a informação não é um signo, e sim uma relação estabelecida
em dois lugares, o primeiro que se torna uma periferia e o segundo, que se torna um
centro, sob a condição que entre os dois circule um veículo que denominamos muitas
vezes forma, mas que para insistir em seu aspecto material, eu chamo de inscrição”
(LATOUR, Bruno citado por FERNANDES, 2005, p. 29).
Lena V. R. Pinheiro observa a vasta e complexa capilaridade da informação, cuja
ocorrência se dá em variados espaços e processos, seja “[...] num diálogo entre cientistas,
em comunicação informal, numa inovação para o setor produtivo, em patente, numa
fotografia ou objeto, no registro magnético de uma base de dados ou numa biblioteca
virtual ou repositório, na Internet” (PINHEIRO, 2002, p. 63).
Segundo Eliany A. de Araújo, a informação pode ser compreendida “como prática
social de um sujeito cognitivo-social que desenvolve ações de atribuição e comunicação
de sentido que, por sua vez, pode provocar transformações nas estruturas (tanto
individuais, como sociais), pois geram novos estados de conhecimento” (ARAÚJO, 2002,
p. 18-19).
69
A informação também pode ser interpretada como fenômeno de organização do
pensamento, que conjuga “um estímulo externo, uma reordenação mental (classificação)
e uma designação (ainda que articulada apenas em nível de identificação de algo que não
o havia sido anteriormente)” (BRAGA, 1995).
Também nesse sentido, “quando reconhecida como inscrição organizada, a
informação é vista como resultado de uma ‘construção institucional e intencional que
tem nos valores simbólicos e funcionais a condição para a construção do sentido e para
circular socialmente, desencadeando processos de conhecimento’” (LARA, M. L. G. de
citada por LARA, 2007, p. 3).
Além de organizar o pensamento, a informação possui um potencial de
conformação cultural do indivíduo. Para Richard Saul Wurman, a partir do princípio de
que a informação é internalizada através de uma leitura do mundo, “somos o que lemos.
Tanto em nossa vida profissional quanto pessoal, somos julgados pela informação que
utilizamos. A informação que ingerimos molda nossa personalidade, contribui para as
idéias que formulamos e dá cor à nossa visão de mundo” (WURMAN, Richard Saul
citado por TARGINO, 2000, p. 7).
Sob uma visão da informação a partir dos seus resultados, ela “[...] é um recurso
para a ação política do sujeito social que transforma estruturas mentais e sociais, pois
possibilita aos sujeitos sociais a criação de novos estados de conhecimento, nos quais se
dá uma consciência de si e do mundo” (ARAÚJO, 2002, p. 32).
Independentemente da delimitação do conceito, a informação é o elemento
central do fenômeno informacional. Trata-se de “[...] um processo constantemente reconstruído pelo sujeito do conhecimento, a partir de uma determinada realidade social e
de significativos pessoais. Informar-se, portanto, não é um processo finalizado quando o
sujeito do conhecimento recebe/usa a informação. Tal processo é algo aberto/inacabado
e, como tal, sempre propício a reestruturações; caso contrário não poderíamos criar
70
novas informações, uma vez que, as informações já existentes representariam a realidade
de forma completa e satisfatória” (ARAÚJO, 2002, p. 19).
A discussão sobre o conceito de informação não pode desconsiderar a delimitação
de dois conceitos correlatos: dado e conhecimento. A partir da definição da Informática,
“dado é a representação convencional, codificada, de uma informação em uma forma
que permita submetê-la a processamento eletrônico”. Conhecimento é o conjunto de
estados representados por uma estrutura de conceitos interligados por suas relações, que
conformam a nossa imagem do mundo (LE COADIC, 2000, p. 8-9).
Dessa forma, por exemplo, a definição de dado, válida para a Informática, pode
não o ser necessariamente válida para a CI, uma vez que o dado já pode implicar o
resultado de um recorte, como no caso da informação estatística. Trata-se de verificar
em que dimensão se discute o dado.
A segunda definição de objeto de estudo da CI é “a comunicação ou os meios de
transmissão da informação”. Em outras palavras, o processo de geração, transferência,
uso e reuso da informação (FERNANDES, 1995, p. 26).
Nesse sentido, Bertram C. Brookes define a informação como um artefato de
produção de efeitos, cuja influência incide na passagem de um estado de conhecimento
para outro estado de conhecimento. Para exemplificar o processo, o autor propõe uma
equação do processo de informação, denominada equação da Ciência da Informação,
expressa da seguinte forma:
K(S)+ K = K(S+S)
Onde:
I é a informação
I
K(S) é o atual estado de conhecimento
K é o conhecimento extraído da informação
K(S+S) é o novo estado de conhecimento
(BROOKES, Bertam C. citado por OLIVEIRA, 2005, p. 18).
71
Também em acordo com esta visão, Nicholas J. Belkin observa que a “informação
é uma mensagem propositadamente estruturada por um gerador e resultante da decisão
deste de comunicar determinado aspecto de seu estado de conhecimento, isolando-o e
modificando-o conforme sua intenção. Essa estrutura comunicável vai compor o corpo
de conhecimentos a que receptores em potencial têm acesso, e que ao reconhecerem
uma anomalia em seu estado de conhecimento, convertem-na numa estrutura
comunicável (a pergunta), usando-a para recuperar do corpo de conhecimentos o que é
apropriado para solucionar a anomalia, decidindo se está suficientemente resolvida - incerteza reduzida ou eliminada” (BELKIN, Nicholas J. citado por TARGINO, 2000, p. 7).
Em sentido correlato, numa explicação da informação como um processo, está o
paradigma central da Ciência da Informação, segundo Gilda M. Braga. Conforme a
autora, este é um “contexto básico, porque há, na área, uma aceitação quase tácita de que
informação implica processo de comunicação: um emissor, um receptor, um canal - em
sua descrição mais sumária” (BRAGA, 1995).
Para Le Coadic, a CI “tem por objeto o estudo das propriedades gerais da
informação (natureza, gênese, efeitos), e a análise de seus processos de construção,
comunicação e uso” (LE COADIC, 2000, p. 25).
Outra explicação para o objeto de estudo da Ciência da Informação é a gestão da
informação. Segundo Couzinet, o foco do campo “está centrado na construção e no
compartilhamento de conhecimentos em contextos sociais e culturais variados, nas
empresas, nas universidades, na pesquisa etc” (COUZINET, 2004, p. 25).
Na mesma linha, Fernandes (1995, p. 29) aponta que “[...] o objeto de estudo da
CI é a ‘gestão institucional dos saberes’, enfim, as ações exercidas pelas instituições (e
não por pessoas) modernas sobre o fluxo do saber produzidos pela sociedade e seus
reflexos sobre esta última”.
Tal gestão dos saberes se tornou necessária porque, com a modernidade, ocorre
uma separação do conhecimento anteriormente reunido, limitado e organizado. Por
72
exemplo, “[...] separam-se o ‘fazer’ do ‘saber-fazer’, o conhecimento religioso do
filosófico e do científico”, além disso, a própria ciência se especializa, assim como as
profissões, com a onda de divisão do trabalho (FERNANDES, 1995, p. 27).
Conforme Rafael Capurro e Birger Hjorland, “[...] o foco dos profissionais da
informação (distintos dos outros grupos de profissionais a que estão servindo) implica
uma abordagem sociológica e epistemológica para a geração, coleta, organização,
interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso da
informação. Os cientistas da informação – pela própria natureza de seu campo – devem
trabalhar de cima para baixo, ou seja, do campo geral do conhecimento e suas fontes de
informação para o específico, enquanto os especialistas do domínio devem trabalhar de
baixo para cima, do específico para o geral” (CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 187).
Para Kobashi e Tálamo (2003, p. 19) “compete, portanto, à Ciência da Informação
estabelecer os princípios e as práticas relacionadas à produção da informação, sua
distribuição e formas de acesso. Ela responde também por parte da operação de troca,
pois etapa se concretiza apenas com a intervenção da moeda de conversão do usuário”.
As duas primeiras vertentes de delimitação do objeto da CI, a da informação e a
da comunicação, são diferentes, mas não completamente divergentes. No quarto
capítulo do nosso trabalho tal relação será melhor explicitada. Mesmo a terceira
vertente, parece convergir com as explicações anteriores em alguns pontos.
73
3
Ciências da Comunicação
3.1
Percurso histórico de construção do campo científico
As Ciências da Comunicação surgiram no contexto das sociedades modernas,
como um dos pilares da organização social e coletiva da democracia. Com o objetivo
geral de analisar as relações entre as pessoas e os meios de comunicação, tais disciplinas
apresentam um desenvolvimento científico intenso e profícuo, que constitui um olhar
peculiar para entender as transformações da sociedade.
A história da pesquisa em comunicação, antes da sua institucionalização
enquanto campo do conhecimento científico autônomo, pode ser observada a partir de
três principais eixos: a retórica grega, o enciclopedismo francês e a ciência social
(MELO, 1977, p. 38-42).
A primeira fase é fundamentada nos estudos da retórica de Aristóteles, que
surgem em meados do século III a.C. Caracterizada “por uma natureza nitidamente
filosófica ou psicológica”, a retórica aristotélica abordava o processo de transmissão de
informações, sobretudo pela ótica da persuasão e da influência de um interlocutor em
seu meio social (MELO, 1977, p. 38).
No século XVIII, os enciclopedistas avançam na discussão acerca da necessidade
de comunicação humana. Este é o marco da segunda fase da área antes da sua
consolidação. Bacon concebe uma “ciência de comunicar” e D’Alembert aprimora tal
concepção com a sugestão de uma “arte de transmitir ou comunicar pensamentos”
(MELO, 1977, p. 39).
O terceiro eixo histórico da área, datado no século XIX, é marcado pela
ampliação do seu objeto de estudo, com o surgimento de pesquisas sobre a comunicação
coletiva e a imprensa. No âmbito das ciências sociais, “estudiosos como Gabriel Tarde,
Max Weber, Alfredo Nicéforo, Alexis de Toquevile e James Bryce [...] sentiram a
74
necessidade de estudá-la [a influência da imprensa] como fenômeno característico de
uma sociedade em transição” (MELO, 1977, p. 40).
Os estudos destes três momentos históricos estavam diretamente voltados para o
processo da comunicação, no entanto, outras ciências sempre se preocuparam (a ainda se
preocupam) indiretamente com a questão da comunicação. São áreas que também
contribuíram para a constituição das Ciências da Comunicação. A Biologia funda a
noção de comunicação enquanto atividade sensorial e nervosa, e, a Pedagogia ressalta a
relação da transmissão de informações com o processo de aprendizado. A História
considera a comunicação fator essencial para o estabelecimento dos “princípios de
cooperação e coexistência”, a Sociologia entende a comunicação como “elemento
desencadeador e delimitador da interação social” e a Antropologia analisa a função de
“elemento formador da cultura” da cultura. A Psicologia identifica a comunicação com a
necessidade humana de influenciar - afetar com intenção - e com o processo de
modelagem do comportamento dos indivíduos (MELO, 1977, p. 14-25).
Além da ciência, a filosofia foi outra matriz de subsídios teóricos à Comunicação.
O Transcendentalismo baseia-se na concepção de que a verdadeira comunicação enseja
“uma comunidade metafísica específica, formada pelo eu transcendental ou pela mente
universal, de que fazem parte ou de que participam as mentes individuais”. O
Naturalismo explica o processo de comunicação a partir da realidade comum a todos e
da estrutura física e intelectual análoga das pessoas. Já o Marxismo identifica a
Comunicação, juntamente com o Trabalho e o Pensamento, “entre os fatores básicos da
evolução social” (MELO, 1977, p. 26-29).
Segundo Bernard Miége, “o pensamento comunicacional constitui-se, portanto,
ao mesmo tempo, como contribuição de teóricos (geralmente rompendo com suas
disciplinas ou escolas de origem) e com a sistematização de concepções que dependem
diretamente da atividade profissional e social” (MIÉGE, Bernard citado por MELO,
2003, p. 37).
75
Além das contribuições teóricas, também é possível identificar acontecimentos e
movimentos que, de alguma forma, colaboraram para a consolidação dos estudos
comunicacionais. Entre estes aspectos estão: o movimento renascentista italiano; o
desenvolvimento da atividade econômica na Europa; as viagens marítimas e o
alargamento dos mercados nos séculos XV e XVI; o surgimento da sociedade burguesa; o
fortalecimento do humanismo; o aparecimento da escrita, e, mais tarde, a invenção da
impressão tipográfica; a urbanização, a industrialização e a sociedade de massas; o
desenvolvimento de vias de comunicação terrestres e marítimas (FERIN, 2002, p. 1518).
Sob outra perspectiva histórica, Pierre Lévy* aponta a evolução dos estudos da
comunicação a partir dos instrumentos simbólicos utilizados universalmente para a
comunicação entre as pessoas. Dessa forma, existiram cinco estágios de comunicação
simbólica: a oralidade (memória oral), a escrita (signos ideográficos), o alfabeto
(universalização e digitalização da escrita), os meios de comunicação de massa
(informação e democracia) e o ciberespaço (capacidade de ação autônoma).
A partir do século XX, a concorrência entre os meios de comunicação, a
intensificação da propaganda comercial (valorização no meio empresarial), a repercussão
da propaganda política nazista (valorização nas esferas de governo), e, a
profissionalização da formação de pessoas em nível universitário (valorização no meio
acadêmico), entre outros fatores, contribuíram para o estabelecimento de um campo
autônomo do conhecimento, denominado Ciências da Comunicação ou Ciências da
Informação (MELO, 1977, p. 42).
Com base nos estudos de Pierre Bourdieu, na afirmação das ciências a partir do
seu reconhecimento social, Maria Immacolata Vassallo de Lopes define como campo
acadêmico da comunicação “um conjunto de instituições de nível superior destinado ao
estudo e ao ensino de comunicação e onde se produz a teoria, a pesquisa e a formação
LÉVY, Pierre. Web semântica: o futuro da comunicação e da colaboração no ciberespaço. 2º Simpósio de
Comunicação, Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM). S. Paulo, 17 de ago. de 2007.
*
76
universitária das profissões de comunicação”. Desse modo, a autora aponta três esferas
(sub-campos) de atuação do comunicador: científico, educativo e profissional (LOPES,
2000, p. 48).
A variação terminológica em torno da definição do nome da área foi um ponto de
constante discussão nas décadas de 60 e 70. “O uso do termo ciências da comunicação é
característico dos norte-americanos e de grupos científicos por aqueles influenciados.
Enquanto, ciências da informação é utilizado principalmente por instituições francesas,
além de organismos internacionais como a UNESCO” (MELO, 1977, p. 55). No Brasil,
consolidou-se a denominação Ciência(s) da Comunicação, ou apenas Comunicação, de
forma abreviada.
A distinção entre o termo no singular e no plural tem sido objeto de discussão na
área. Na visão de Eliseo Verón, “o plural ciências, freqüentemente utilizado, expressa
indiretamente a complexidade de tal campo. Não dizemos ciência da comunicação nem
comunicologia, porque não se trata de uma disciplina, mas de um cruzamento de
múltiplas problemáticas correspondentes a disciplinas tradicionalmente diferenciadas.
As ciências da comunicação constituem hoje em dia um nó transdisciplinar, no campo
das ciências brandas, comparável ao nó das ciências cognitivas, no território das ciências
duras” (VERÓN, Eliseo citado por SANTAELLA, 2001, p. 5).
Ao mesmo tempo em que o campo da Comunicação revela singularidades, ao
alcançar um conjunto sustentável de pesquisas e ao se estabelecer com autonomia
científica, a diversidade de disciplinas integradas à área aponta para a pluralidade,
inclusive na denominação. Jornalismo, Editoração, Relações Públicas, Publicidade e
Propaganda, Entretenimento e Metodologia da Pesquisa são algumas das facetas desta
diversidade de objetivos das Ciências da Comunicação (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p.
156-169).
O Jornalismo é o “processo de produção de mensagens culturais relativas a fatos,
idéias e situações atuais, interpretados à luz do interesse coletivo e transmitidos
77
periodicamente à sociedade, com o objetivo de difundir conhecimentos e orientar a
opinião pública, no sentido de promover o bem comum” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986,
p. 156).
À Editoração cabe “pôr à disposição do consumidor o produto codificado da idéia
do agente cultural elaborador da comunicação”, através da industrialização e da
comercialização de bens e serviços como os livros, os discos, os filmes e os sítios da
internet (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 156).
O campo das Relações Públicas gerencia “o intercâmbio de mensagens culturais
mantido deliberada e permanentemente entre uma instituição pública, governamental
ou privada, e pessoas ou grupos que a ela estejam ligadas direta ou indiretamente, com
vistas a [...] obtenção de benefícios à comunidade” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p.
161).
Publicidade e Propaganda é a área cujo objetivo é a “promoção de procedimentos
os mais adequados à divulgação de idéias ou ao estabelecimento de relações de ordem
econômica entre indivíduos ou grupos capazes de oferecer bens, produtos e serviços”.
Enquanto a Propaganda se destina à difusão de idéias e conceitos, a Publicidade se ocupa
com a divulgação de mensagens de vendas (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 164).
Ao campo do Entretenimento “se dedicam agentes especializados na produção
(idealização, planejamento, realização, execução e emissão) de mensagens destinadas ao
preenchimento do lazer individual e coletivo, especialmente no campo do imaginário”
(BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 169).
A atividade de Metodologia da Pesquisa tem a finalidade de “investigar
motivações, desempenhos e efeitos do processo comunicacional”, através de
instrumentos como a pesquisa de opinião, a pesquisa de mercado, a aferição de índices
de leitura e compreensão das mensagens, o estudo morfológico e a análise de conteúdo
(BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 166-168).
78
A despeito da proposta de Beltrão e Quirino, é de se ressaltar um viés de
organização do campo do conhecimento a partir das mídias, e não dos processos e dos
objetos que poderiam unificá-las, conforme se vê hoje em muitos programas de pósgraduação, como por exemplo, o da ECA/USP.
Existe também o vetor da Epistemologia das Ciências da Comunicação, espaço
dedicado à discussão e à reflexão interna da ciência, do seu objeto e dos seus objetivos.
Nesse sentido, deveria se destacar uma preocupação constante com as metodologias da
pesquisa na comunicação. Para Maria I. Vassallo de Lopes “[...] a reflexão metodológica
não só é importante como necessária para criar uma atitude consciente e crítica por
parte do investigador quanto às operações que realiza ao longo da investigação”, No
entanto, “no percurso da pesquisa as ‘questões de método’ não têm sido preocupação dos
pesquisadores de Comunicação, a ponto de não sentirem necessidade de seu estudo”
(LOPES, 2004, p. 20 e p. 32).
Além do debate sobre as bases históricas e sobre a nomenclatura da área, as
Ciências da Comunicação desenvolveram teorias, modelos e metodologias, entre outros
resultados científicos, que também são elementos fundamentais para entendê-la e
estudá-la. São as denominadas correntes epistemológicas e os seus respectivos objetos de
estudo.
3.2
Correntes epistemológicas
O percurso de pesquisa das Ciências da Comunicação foi delineado através de
linhas
de
organização
do
pensamento
acadêmico,
denominadas
correntes
epistemológicas, que representam as tendências e os grupos de interesse da área. Em
aproximadamente cem anos de estudos, muitas vertentes científicas surgiram,
desapareceram, foram resgatas e rediscutidas.
79
Tal debate gerou um grande número de textos, livros, artigos e outros
documentos, no entanto, em virtude da natureza deste trabalho e do tempo disponível
para a execução desta pesquisa, buscaremos empreender uma abordagem básica do
desenvolvimento do conhecimento científico do campo, a partir da perspectiva da
consolidação histórica e da garantia literária (ocorrência das correntes epistemológicas
na literatura introdutória da área).
Embora Maria I. Vassallo de Lopes (2004, p. 27) afirme que a Comunicação “[...]
já tem história suficiente que proíbe que ela seja reduzida a uma seqüência linear de
teorias”, não é possível dispensar uma análise detalhada das correntes epistemológicas da
área. Essa observação nos parece ainda mais relevante se considerarmos que esta
pesquisa não se insere diretamente no campo comunicacional, e sim procura estabelecer
relações entre a área e a Ciência da Informação.
3.2.1 Estudo do organismo social
No século XIX, período de “invenção dos sistemas técnicos básicos da
comunicação e do princípio do livre comércio”, “o pensamento da sociedade como
organismo, como conjunto de órgãos desincumbindo-se de funções determinadas,
inspira as primeiras concepções de uma ‘ciência da comunicação”. Deste modo, a
primeira corrente epistemológica das Ciências da Comunicação pode ser denominada
estudo do organismo social (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 13).
Neste paradigma pode ser incluída a pesquisa econômica, apoiada nas questões da
industrialização e da mercantilização, que indica como “[...] a divisão do trabalho e os
meios de comunicação (vias fluviais, marítimas e terrestres) rimam com opulência e
crescimento” (SMITH, Adam citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 14).
Também fazem parte desta corrente os modelos de biologização do social, que se
baseavam na concepção da história “articulada em etapas, sem desvios nem retornos,
80
sem regressão, comandada por uma idéia de progresso linear”, na qual são sistemas de
comunicação são agentes essenciais de promoção do desenvolvimento (MATTELART,
Armand citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 18-19).
O agrupamento da sociedade em massas suscita o estudo do comportamento
individual no contexto coletivo, e conceitos como influência, sugestão e sugestibilidade
são bastante discutidos nas pesquisas comunicacionais. A primeira abordagem desta
tendência, denominada psicologia social, foi liderada por Gabriel Tarde e George
Simmel, tem como objeto de pesquisa o processo “das trocas, das relações e ações
recíprocas entre indivíduos”. A segunda concepção, a sociologia positiva, proposta por
Émile Durkheim, “define seu objeto a partir do ‘instituído’ e das ‘estruturas’, tais como o
Estado, a família, as classes, as Igrejas, as corporações e os grupos de interesse” (JAVEU,
C. e QUÉRÉ, Louis citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 26).
3.2.2 Escola de Chicago
No início do século XX, com a escola de Chicago, a partir de questões como a
imigração, a cidade se transforma em “laboratório social”, “com seus signos de
desorganização, de marginalidade, de aculturação, de assimilação” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 30-31).
Uma das linhas de pesquisa desta corrente epistemológica foi a ecologia humana,
comandada por Robert Ezra Park e E. W. Burgess, que “estuda os processos pelos quais a
‘balança biótica’ e o ‘equilíbrio social’ mantêm-se uma vez conquistados, assim como
aqueles pelos quais, desde que um ou outro se ache perturbado, se opera a transição de
uma ordem relativamente estável a outra” (PARK, Robert Ezra citado por MATTELART
e MATTELART, 2000, p. 32-33).
Outra contribuição à escola de Chicago foi levantada por Charles S. Pierce, que
mais tarde fundaria a Semiótica. Método empírico que não considera as abstrações,
81
desconfia das verdades universais, e, prefere adotar uma visão concreta dos objetos, o
pragmatismo parece contar um paradoxo em seu próprio escopo, pois “continua sendo
de uma abstração terrível” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 33).
A discussão entre a diversidade e a homogeneidade do comportamento
individual também foi uma preocupação dos pesquisadores de Chicago, através de uma
abordagem etnográfica de análise da comunicação. “Se existe comunicação é em virtude
das diversidades individuais. E se o indivíduo está submetido às forças da
homogeneidade ele é capaz de se subtrair a ela” (DEWEY, John citado por
MATTELART e MATTELART, 2000, p. 36).
3.2.3 Mass communication research
Em meados da década de 40, constituiu-se mais uma corrente epistemológica das
Ciências da Comunicação, denominada mass communication research, a partir dos
estudos de cinco pesquisadores: Lasswell, Lazarsfeld, Merton, Lewin e Hovland.
As pesquisas de Harold D. Lasswell dotam “a sociologia funcionalista da mídia de
um quadro conceitual, que, até então, alinhava apenas uma série de estudos de caráter
monográfico. Traduzidos em setores de pesquisa, resultam daí, respectivamente: ‘análise
do controle’, ‘análise do conteúdo’, ‘análise das mídias e dos suportes’, ‘análise da
audiência’ e ‘análise dos efeitos’” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 40).
Segundo Laswell, o processo de comunicação cumpre três funções principais na
sociedade: “a) a vigilância do meio, revelando tudo o que poderia ameaçar ou afetar o
sistema de valores de uma comunidade ou das partes que a compõem; b) o
estabelecimento de relações entre os componentes da sociedade para produzir uma
resposta ao meio; c) a transmissão da herança social” (LASSWELL, Harold D. citado por
MATTELART e MATTELART, 2000, p. 41).
82
O autor também foi responsável por elaborar um dos primeiros modelos teóricos,
conhecido como modelo de Lasswell. Ali “[...] são identificados os sectores potenciais de
investigação em Comunicação: os emissores (Quem diz?), as mensagens (O quê), os
suportes tecnológicos (Através de que canal?), as audiências (A quem?) e os efeitos (com
que efeitos?)” (FERIN, 2002, p. 29).
Paul F. Lazarsfeld formulou um projeto de metodologia empírica que incluía
máquinas encarregadas de registrar as reações do ouvinte de rádio em termos de
aprovação, aversão ou indiferença a determinado conteúdo. Tal método de pesquisa
“junto à mesma amostragem de pessoas (panel) sobre os efeitos da mídia indica uma
vontade de formalização matemática dos fatos sociais” (MATTELART e MATTELART,
2000, p. 44). O autor assume o papel de administrador, “preocupado em aperfeiçoar
instrumentos de avaliação úteis, operatórios, para os controladores da mídia por ele
considerados neutros. Contra a ‘pesquisa crítica’, reivindica a ‘pesquisa administrativa’”
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 41).
O terceiro importante pesquisador da mass communication research foi Robert
K. Merton, que, “preocupado em preservar a prioridade de um programa de pesquisa
operacional [...] propõe acumular uma série de ‘teorias de médio alcance’, ‘teorias
intermediárias entre as hipóteses menores, que brotam a cada dia no trabalho cotidiano
de pesquisa, e as vastas especulações, que partem de um esquema-mestre conceitual, do
qual se espera extrair grande número de regularidades do comportamento social
acessíveis ao observador” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 46-47).
No início dos anos 50, o modelo de efeitos diretos da mídia na sociedade perde
força. Isto a partir do surgimento do conceito de grupo primário, que se baseia “[...] no
fluxo de comunicação como um processo em duas etapas, no qual o papel dos ‘líderes de
opinião’ se revela decisivo. É a teoria do two-stepflow. No primeiro degrau estão as
pessoas relativamente bem informadas, porque diretamente expostas à mídia; no
83
segundo, há aquelas que freqüentam menos a mídia e dependem dos outros para obter
informação” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 48).
O pesquisador Kurt Lewin se destaca por analisar tal fenômeno, e “ao longo
dessas experiências, ganha contornos mais precisos a noção de gatekeeper, ou
controlador do fluxo de informação, função que garante o ‘formador de opinião’
informal” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 52-53).
O último dos grandes representantes da mass communication research foi Carl
Hovland, “conhecido especialmente por seus estudos experimentais sobre a persuasão,
durante a Segunda Guerra Mundial”. Trata-se de “pesquisas sobre os meios de aumentar
a eficácia da persuasão de massa, por meio de experiências que faziam variar a ‘imagem
do comunicador’, a natureza do conteúdo e a contextualização da audiência”
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 54).
Um dos poucos dissidentes da corrente foi o sociólogo C. Wright Mills,
“considerado um dos iniciadores dos american cultural studies, num período histórico
em que se formam as bases de dos cultural studies britânicos”, a partir dos anos 50. O
pesquisador “mostra-se aberto às contribuições de um marxismo crítico. Suas análises
restabelecem a conexão entre a problemática da cultura e a do poder, entre a
subordinação e a ideologia, relacionando as experiências pessoais vividas na realidade
cotidiana às questões coletivas cristalizadas nas estruturas sociais” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 55-56).
3.2.4 Teoria da informação
Na década de 40, o matemático Claude Shannon propõe a existência de um
“sistema geral de comunicação”, modelo teórico fundador da corrente epistemológica
denominada teoria da informação ou teoria da comunicação ou teoria matemática da
informação. O problema da comunicação consiste, segundo o autor, em “reproduzir em
84
um ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, uma mensagem selecionada em
outro ponto”. O objetivo é “delinear o quadro matemático no interior do qual é possível
quantificar o custo de uma mensagem, de uma comunicação entre dois pólos [emissor e
receptor] desse sistema” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 58-59).
Inicialmente aplicada ao contexto das máquinas e dos computadores, a teoria da
informação foi transformada em objeto de estudo das Ciências da Comunicação. O
modelo de Shannon foi finalizado e aprimorado pelo também matemático Warren
Weaver. “Com esse modelo, transferiu-se, nas ciências humanas que o adotaram, o
pressuposto da neutralidade das instâncias ‘emissora’ e ‘receptora’. A fonte, ponto de
partida da comunicação, dá forma à mensagem que, transformada em ‘informação’ pelo
emissor que o codifica, é recebida no outro extremo da cadeia” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 60).
fonte
mensagem
transmissor
sinal
canal
sinal
receptor
mensagem
destinatário
ruído
Figura 3. Modelo matemático da comunicação de Claude Shannon e Warren Weaver
Extraída de PIMENTEL, Mariano Gomes; ANDRADE, Leila Cristina
Vasconcelos de. Educação a distância: mecanismos para classificação e
análise. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2000/texto
16.doc>. Acesso em: 14 jul. 2007.
Também nos anos 40, Norbert Wiener lançou as bases da Cibernética, campo
científico baseado no conceito de entropia, definida como a “tendência que tem a
natureza a destruir o ordenado e precipitar a degradação biológica e a desordem social”.
A área apresenta uma visão extremamente progressista, fundada na livre circulação da
informação, que, “[...] é por definição incompatível com o embargo ou com a prática do
segredo, com as desigualdades de acesso à informação e sua transformação em
mercadoria” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 66).
85
A Cibernética é a disciplina que mais implicações diretamente acarretará ao
estudo das Ciências da Comunicação, na medida em que, na sua acepção mais lata, toma
como objeto a informação e os fenômenos da comunicação na natureza, no homem, na
sociedade. A contribuição da área também no desenvolvimento de conceitos como
“feedback, controle da informação, output e input nos sistemas” (WIENER, Norbert
citado por FERIN, 2002, p. 72).
Além do diálogo com a Cibernética, “o modelo sistêmico tem outras repercussões
[...] permite ao americano Melvin L. De Fleur, por exemplo, tornar mais complexo o
esquema
linear
de
Shannon,
evidenciando
o
papel
desempenhado
pela
‘retroalimentação’ (feedback) no ‘sistema social’” (MATTELART e MATTELART, 2000,
p. 64).
Figura 4. Modelo de fluxo comunicacional de Melvin De Fleur
Extraída de LEITE, Fernando César Lima. Gestão do conhecimento
científico no contexto acadêmico: proposta de um modelo conceitual.
2006. Dissertação (mestrado em Ciência da Informação) - Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação do Departamento de Ciência
da Informação e Documentação, Universidade de Brasília. Brasília,
2006. p. 65. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/
tde_busca/ arquivo.php?codArquivo=79>. Acesso em: 24 nov. 2007.
86
O estudo do processo de formação das decisões políticas foi a primeira aplicação
do sistema geral de comunicação nas pesquisas comunicacionais. “A política é concebida
como sistema de entradas e saídas (input-output, ação-retroação) formado por interações
com seu meio e que responde adaptando-se melhor ou pior a ele” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 62-63).
A teoria da informação repercutiu inclusive na criação de áreas de pesquisa.
Abraham Moles, matemático e engenheiro francês, inspirado também pela Cibernética,
cria a Ecologia da Comunicação, por ele definida como a “ciência da interação entre
espécies diferentes no interior de um dado campo” (MOLES, Abraham citado por
MATTELART e MATTELART, 2000, p. 64-65).
Outra contribuição de Moles consistiu no estudo da interface entre os campos da
cultura e da comunicação, no sentido de ampliar os fatores de construção das culturas e
na aquisição de conhecimentos. Para o autor, a cultura só “‘assumiu uma importância
real a partir do dia em que os meios de comunicação a transformaram uma característica
da sociedade - e também uma alavanca desta’”. E todas as indústrias culturais, entre elas
a imprensa, a televisão, as bibliotecas e os centros de documentação, conformaram uma
nova noção de cultura na modernidade, a cultura-mosaico, a partir da multiplicação das
instituições de socialização e da diversificação das fontes de informação (MOLES,
Abraham citado por FERIN, 2002, p. 131).
3.2.5 Colégio invisível
A corrente epistemológica, no entanto, sofreu algumas objeções, entre elas as
análises do chamado colégio invisível, formado na década de 50 por pesquisadores da
escola de Palo Alto (São Francisco - Estados Unidos). Este grupo defendia que a
comunicação deveria ser estudada pelas ciências humanas a partir de um modelo
próprio. A teoria da informação consistia em um esquema limitado para contemplar
87
pesquisa comunicacional, pois “a essência da comunicação reside em processos
relacionais e interacionais (os elementos contam menos que as relações que se instauram
entre eles)” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 67).
O colégio invisível reuniu “antropólogos, psicólogos, terapeutas que se
propuseram analisar os comportamentos humanos na perspectiva interactiva dos
sistemas de relações em que indivíduos se encontram inseridos”. Nesse contexto, “toda
mensagem comporta dois níveis de significação, ou seja, a informação e a relação que
existe entre os interlocutores” (FERIN, 2002, p. 26 e p. 27).
Segundo um dos principais estudiosos da corrente epistemológica, George
Bateson, “a interacção realizar-se-ia ‘como um sistema adaptativo em que o indivíduo
alterna papéis complementares de participação (transmissão) e observação (recepção)’”.
O autor cunhou o conceito metacomunicação para “distinguir entre as mensagens que
constituem uma comunicação e a comunicação que se processa sobre a comunicação”
(LITTLEJOHN, S. citado por FERIN, 2002, p. 95).
Complementarmente, os estudos de Paul Watzlawick apontam “que cada ser
humano tende a considerar a sua realidade construída, a realidade real, não distinguindo
a realidade de primeira ordem, perfeitamente objectiva e fenomenal, e a realidade de
segunda ordem, vinculada à interpretação construída pelos sujeitos” (FERIN, 2002, p.
97).
Mais tarde, o grupo de Filadélfia, liderado por Ray Birdwhistell, irá retomar as
bases científicas do colégio invisível. Através da criação de uma nova disciplina, a
Cinética, os pesquisadores deste grupo estudam “[...] a comunicação pelo corpo, na
medida em que esta revela um comportamento altamente codificado, apreendido no
interior de uma cultura particular, utilizando multicanais e ligado a contextos de espaço
e tempo” (FERIN, 2002, p. 97).
Também na direção de ampliação do espectro dos estudos comunicacionais,
Edward T. Hall propõe a criação da Proxémica, cujo objeto de estudo é a percepção e o
88
uso do espaço pelo homem. Para o autor, “a cultura surge como um conjunto de códigos
inerentes à concepção social do tempo, à organização do espaço de interacção e à
mudança social” (FERIN, 2002, p. 97-98).
3.2.6 Escola de Frankfurt
Em 1923, alguns intelectuais alemães fundaram o Institut für Socialforschung
(Instituto de Pesquisa Social), filiado à Universidade de Frankfurt, cujos estudos
construiriam a corrente epistemológica escola de Frankfurt. Durante a tomada de poder
de Hitler, os pesquisadores foram exilados e se transferiram para centros de estudos em
Londres, Paris, Genebra e Columbia, onde, na Universidade de Columbia, vislumbraram
“uma convergência entre a teoria européia e o empirismo americano” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 75).
O núcleo dos estudos de Frankfurt é o conceito de indústria cultural, proposto
por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, a partir do “pensamento político marxista
sobre a cultura, e os desdobramentos que nele imbricam”. Eles “analisam a produção
industrial dos bens culturais como movimento global de produção da cultura como
mercadoria” a partir de características como serialização, padronização e divisão do
trabalho, que selam “a degradação do papel filosófico-existencial da cultura” (FERIN,
2002, p. 40 e MATTELART e MATTELART, 2000, p. 77-78).
A indústria cultural “não é uma ‘cultura surgindo espontaneamente das próprias
massas’, uma espécie de forma contemporânea da arte popular, mas sim uma ‘integração
deliberada, a partir do alto, de seus consumidores’ onde [...] ‘o consumidor não é rei [...],
mas seu objeto’”. Dessa maneira, com a sociedade da indústria cultural promove uma
democratização do acesso aos bens culturais, mas não contempla a produção de
manifestações culturais (ADORNO, T. W. citado por FERIN, 2002, p. 107).
89
Outro importante pesquisador da escola de Frankfurt, radicado em Paris, Walter
Benjamin discordava dos companheiros de Instituto, por considerar que os conceitos de
cultura e arte deveriam ser repensados a partir do princípio da reprodução e não
simplesmente a partir da relação das tecnologias com a derrocada dos paradigmas
culturais e artísticos. Para ele, “com certeza, o modo industrial de produção da cultura
corre o risco da padronização com fins de rentabilidade econômica e controle social.
Nem por isso a crítica legítima da indústria cultural deixa de estar estreitamente ligada à
nostalgia de uma experiência cultural independente da técnica” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 79).
A crítica de Benjamin se fundamenta na concepção de cultura de Frankfurt, na
qual “existiriam formas superiores de cultura - como a pintura, o teatro, o cinema e a
literatura - e funções superiores de cultura, inerentes ao ritual e ao sagrado”. Trata-se do
“conceito de ‘obra de arte’, não reprodutível, possuidora de aura, valor cultural e
autenticidade” (BENJAMIN, Walter citado por FERIN, 2002, p. 108).
No campo da Sociologia, mas também com estudos voltados ao fenômeno
comunicacional, Herbert Marcuse exerceu críticas às novas formas de dominação
política, fundamentadas no discurso midiático. Segundo suas pesquisas, “[...] sob a
aparência de um mundo cada vez mais modelado pela tecnologia e pela ciência,
manifesta-se a irracionalidade de um modelo de organização da sociedade que subjuga o
indivíduo, em vez de libertá-lo” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 81).
A escola de Frankfurt dispensara mais atenção aos estudos filosóficos e
sociológicos até o surgimento das pesquisas históricas de Jürgen Habermas. O autor
provocou uma mudança no conceito de opinião pública, que passou a ser caracterizada
como “espaço de mediação entre Estado e sociedade que permite a discussão pública em
um reconhecimento comum da força da razão e a riqueza da troca de argumentos entre
indivíduos, confrontos de idéias e de opiniões esclarecidas”. No atual cenário das
90
Ciências da Comunicação, tal formulação teórica é essencial para área de Publicidade,
por exemplo (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 82).
A partir desta concepção de espaço de mediação, Habermas desenvolve os
conceitos “situação comunicacional ideal” e teoria do agir comunicativo. O autor
“propõe ainda a distinção ‘entre o agir orientado para a compreensão que se desenvolve,
mediante a linguagem, na base de acordos racionalmente motivados acerca de exigências
específicas de validade, e o agir orientado para o sucesso, no qual estão incluídas as
formas do agir instrumental, ou agir de tipo técnico, não social e as do agir estratégico,
de tipo social’” (FERIN, 2002, p. 61).
3.2.7 Estruturalismo
A partir da década de 40, as pesquisas comunicacionais convergem para o
estruturalismo, corrente epistemológica extremamente abrangente e interdisciplinar,
que “estende as hipóteses de uma escola lingüística a outras disciplinas das ciências
humanas”, como, por exemplo, a Antropologia, a História, a Literatura, a Psicanálise e as
Ciências da Comunicação (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 86).
Os estruturalistas “fundamentam a sua metodologia na busca da estrutura, isto é,
na procura das relações constantes entre os diversos elementos, assim como na
identificação da dinâmica criada entre a dimensão sincrónica e a dimensão diacrónica”.
Esta estrutura pode ser entendida como a sociedade, um organismo “[...] que dita regras
à constituição das formas culturais, tanto como às da ordem social” (CRESPI, F. citado
por FERIN, 2002, p. 41).
O fundador da Lingüística, Ferdinand de Saussure, sonhara com “uma ciência
geral de todas as linguagens (faladas ou não), de todos os signos sociais”. No entanto,
apenas após algumas décadas, em meados dos anos 50, coube a Roland Barthes fixar as
grandes linhas deste projeto, a partir da Semiologia. “A semiologia tem por objeto todo o
91
sistema de signos, qualquer que sejam seus limites: as imagens, os gestos, os sons
melódicos, os objetos e os complexos dessas substâncias que encontramos em ritos,
protocolos ou espetáculos constituem, se não ‘linguagem’, ao menos sistemas de
significação”. Barthes “[...] pretendia captar, através da análise semiológica, as
mistificações ideológicas, isto é a produção social de significações, que estavam
subjacentes à cultura de massa” (BARTHES, Roland citado por MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 86-87, e, FERIN, 2002, p. 55).
O primeiro lingüista a utilizar o termo estrutura foi Roman Jakobson, a partir da
fundamentação de algumas regras de funcionamento da linguagem. Segundo ele, o
esquema do processo comunicacional apresenta seis elementos que correspondem,
respectivamente, a seis funções: “[1] o ‘emissor’ determina a função expressiva; [2] o
destinatário, a função conativa (que só pode se definir de maneira tautológica: função da
linguagem à medida que essa visa ao destinatário); [3] a mensagem, a função poética
(que engloba todas as grandes figuras da retórica); [4] o contexto determina a função
referencial; [5] o contato, a função fática, que tende a verificar se a escuta do
destinatário efetivamente se estabeleceu; [6] o código, a função metalingüística, que
incide sobre a linguagem tomada como objeto (por meio dele, emissor ou destinatário
verificam se utilizam o mesmo léxico, a mesma gramática)” (JAKOBSON, Roman citado
por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 88-89).
A proposta de Jakobson “[...] reforçou a concepção de comunicação enquanto
processo linear, reduzindo os contextos aos referentes imediatos do acto comunicativo e
impossibilitando, deste modo, uma abordagem mais lata em função da sociedade e da
cultura” (FERIN, 2002, p. 54).
O estruturalismo ganhou força no âmbito da Comunicação a partir de estudos
conduzidos em inúmeras instituições de diferentes lugares do mundo.
Na França, em 1960, é criado o Centre d'Études de Communication de Masse
(CECMAS) da Ecole Pratique des Hautes Etudes. Entre os principais pesquisadores do
92
CECMAS estavam Roland Barthes, cujo trabalho foi baseado na Lingüística, e, Georges
Friedman, que buscou “se dedicar aos problemas da civilização tecnicista, a seus
‘fenômenos de massa’: produção e consumo de massa; audiência de massa; surgimento
do tempo do não-trabalho; generalização do lazer”. Outro nome de destaque foi Edgar
Morin, cujas pesquisas, desde o início da década de 70, “orientaram-se cada vez mais
para a cibernética, a teoria dos sistemas e as ciências cognitivas” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 91-93).
Morin define cultura de massas como “um corpo de símbolos, mitos e imagens
concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projecções e de
identificações específicas”, que dialoga com as variáveis culturais da complexa
pluralidade das sociedades. Diferentemente de culturas como a escolar e a nacional, a
cultura de massas caracteriza-se “por estar associada ao consumo, ao prazer e ao desejo,
não se impondo por qualquer forma de coacção aparente, mas por vontade pessoal
expressa” (MORIN, Edgar citado por FERIN, p. 132 e p. 133).
Também nos anos 60, na Itália, surge o Instituto A-Gemelli, cujos pesquisadores,
entre eles Umberto Eco, “[...] empenhar-se-ão de maneira mais constante do que os
semiólogos franceses nas pesquisas sistemáticas sobre os fenômenos da comunicação e da
cultura de massa” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 92).
Como afirma Isabel Ferin, “os estudos lingüísticos contribuem com muitos dos
conceitos e teorias utilizados hoje para a compreensão dos fenómenos da comunicação e
da cultura - tanto numa perspectiva teórica, como operatória e de senso comum”. Tratase de uma estreita relação científica, que conduz, entre outras atividades, “à
interpretação dos códigos verbais e visuais, à compreensão das mensagens, à análise de
conteúdos e dos discursos” (FERIN, 2002, p. 52).
Além do paradigma lingüístico, outra vertente do estruturalismo comunicacional
foi a releitura dos textos do Marxismo, principalmente sob a liderança do filósofo Louis
Althusser. Nos seus estudos os “aparelhos significantes (escola, Igreja, mídia, família etc.)
93
têm por função assegurar, garantir e perpetuar o monopólio da violência simbólica, que
se exerce sob o manto de uma legitimidade pretensamente natural” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 93-96).
Tal imposição simbólica dos poderes institucionais também foi objeto de estudo
do sociólogo Pierre Bourdieu. “Suas análises das atitudes e práticas culturais se baseiam
na noção de habitus, termo que designa sistema estável de disposições a perceber e agir,
que contribui para reproduzir uma ordem social estabelecida, em suas desigualdades”.
Assim, cabe à cultura exercer o papel de “campo de lutas entre grupos, com o objectivo
de manter determinados privilégios distintivos” (BOURDIEU, Pierre citado por
MATTELART e MATTELART, 2000, p. 96, e, FERIN, 2002, p. 47).
Outro ponto de discussão desta questão é o estabelecimento da nova ordem
mundial, denominada sociedade do espetáculo e da abundância, e a relação dos
diferentes países e regiões com este novo modelo de organização social.
3.2.8 Sociedade do espetáculo
Os estudos de Guy Debord indicaram que “a sociedade portadora do espetáculo
não domina as regiões subdesenvolvidas apenas por sua hegemonia econômica. Ela as
domina como sociedade do espetáculo”. Para o autor, “os indicadores destas alterações
encontram-se na preferência concedida à imagem, à cópia, à representação e à
aparência, em detrimento, respectivamente, da coisa, do original, da realidade e do ser”
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 94 e FERIN, 2002, p. 110).
O conceito de controle social ganha contornos midiáticos com as teses de Michel
Foucault. “O modelo de organização em ‘panóptico’, utopia de uma sociedade, serve
nessa perspectiva para caracterizar o modo de controle exercido pelo dispositivo
televisual: um modo de organizar o espaço, controlar o tempo, vigiar continuamente o
94
indivíduo e assegurar a produção positiva de comportamentos” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 98).
Em 1970, Wolfgang Enzensberger inclui o papel da classe política nas reflexões
sobre a comunicação. Segundo ele, nem mesmo a visão moderna da nova esquerda,
categoria de políticos radicados na Europa, “reduziu o desenvolvimento da mídia a um
simples conceito - o da manipulação” (ENZENBERGER, Wolfgang citado por
MATTELART e MATTELART, 2000, p. 99).
Em diálogo direto com a obra de Enzensberger, Jean Baudrillard aprofunda e
radicaliza as análises do papel da mídia na conformação das relações e do extrato social.
“Toda a arquitetura atual dos meios de comunicação de massa funda-se nessa última
definição: eles são o que proíbe para sempre a resposta, o que torna impossível todo o
processo de troca (a não ser sob a forma de simulação de resposta, ela própria integrada
ao processo de emissão, o que não muda nada quanto à uniteralidade da comunicação).
Nisso consiste sua verdadeira abstração [em] que se baseia o sistema de controle social e
de poder”. Na visão do pesquisador, “na sociedade ocidental o consumo é um modo
activo de relação - não apenas com objetos, mas com a coletividade e com o mundo - um
modo de actividade sistemática e de resposta global no qual se funda todo o sistema
cultural” (BAUDRILLARD, Jean citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p.
100-101, e, FERIN, 2002, p. 110).
3.2.9 Cultural studies
A transição entre as décadas de 60 e 70 é o momento de constituição de mais
uma corrente epistemológica das Ciências da Comunicação, denominada cultural
studies. A origem distante desta tendência foi o conjunto de pesquisas do crítico literário
Frank Raymond Leavis, baseadas na “análise textual, na pesquisa do sentido e dos
valores socioculturais” da literatura (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 100-101).
95
A trajetória de pesquisa dos cultural studies pode ser agrupada em três principais
períodos. Nos anos 50 e 60, ao “enfatizar as práticas cotidianas como formas de
resistência ao capitalismo industrial”, e, a partir do caráter ideológico da cultura,
“predominaram os estudos sobre as relações e análise de classe”. “Nos anos 60, e em
função dos desenvolvimentos da Lingüística e da Semiótica, o Centro [...] vira-se para a
análise dos discursos”. Na transição para a década de 70, a corrente “incorpora, por
diferentes vias, a perspectiva antropológica e sociológica do Interacionismo da Escola de
Chicago e a noção de hegemonia advinda de Gramsci” (FERIN, 2002, p. 137-138).
Precisamente a partir de 1964, a corrente epistemológica ganha mais força, com a
criação do Centre of Contemporary Cultural Studies (CCCS), vinculado à Universidade
de Birmingham, na Inglaterra. Se anteriormente a pesquisa comunicacional era
dependente dos estudos de pesquisadores isolados, com o estruturalismo e com os
cultural studies, o percurso das Ciências da Comunicação se desenvolve a partir de
centros de estudos em nível acadêmico, com a participação de inúmeros cientistas, o que
denota a formação de uma intensa rede de comunicação científica (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 100-101).
Raymond Williams é considerado um dos pioneiros dos cultural studies, em
primeiro lugar por definir que “a cultura é um processo global por meio do qual as
significações são social e historicamente construídas” e também pela distinção entre
cultura e outras práticas sociais. A principal crítica a estas idéias vem de outro pioneiro
da área, Edward P. Thompson, que abandona o uso do termo cultura no singular, “ao
passo que o trabalho dos historiadores revela tratar-se de culturas no plural, e que a
história é feita de lutas, tensões e conflitos entre culturas e modo de vida, conflitos
intimamente ligados às culturas e formações de classe”. O terceiro pioneiro foi Richard
Hoggart, cuja obra “é ao mesmo tempo um elogio das formas tradicionais das
comunidades da classe operária de onde ele saiu, que resistem à cultura comercial e uma
96
crítica severa às expressões dessa cultura” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 104106).
A base conceitual desta corrente foi formada por múltiplas influências, no
entanto, duas tendências podem ser claramente identificadas. A primeira é a influência
do interacionismo social da escola de Chicago, a partir da preocupação de “analisar
valores e significações vividas, maneiras pelas quais as culturas dos diferentes grupos se
comportam diante da cultura dominante, ‘definições’ que dão os atores sobre sua própria
‘situação’”. Em segundo lugar, os cultural studies dialogam com a “tradição etnográfica
britânica que renovou a maneira de fazer história social, a saber, a partir ‘de baixo’,
criando ateliês de história oral, associando-se aos trabalhos das feministas sobre as
mulheres” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 106-107).
Justamente na relação entre as classes sociais surge outra referência, o conceito
de hegemonia do filósofo italiano Antonio Gramsci. “A hegemonia é a capacidade de um
grupo social assumir a direção intelectual e moral sobre a sociedade, sua capacidade de
construir em torno de seu projeto um novo sistema de alianças sociais, um novo ‘bloco
histórico”. Com isto, o autor traz “ao primeiro plano a questão da sociedade civil como
distinta do Estado” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 108).
No entanto, Gramsci ressalta que apesar da “cultura hegemônica exercer um
papel coercitivo e dominador, sempre no limite do seu equilíbrio, por outro lado, as
culturas populares apresentam ‘uma espessura e uma presença sociocultural específicas’
aliadas a uma ‘capacidade de resistência, adaptação e modificação das relações que
mantêm com a cultura hegemônica’” (LOPES, M. I. V. de e GRAMSCI, Antonio citados
por FERIN, 2002, p. 109).
Além das pesquisas de Birmingham, os cultural studies também foram
desenvolvidos por estudiosos de outras origens. Charlotte Brundson e David Morley, por
exemplo, fazem um estudo sobre a correlação entre os programas de humor da televisão
e as representações de gênero, de classe social e de grupos étnicos. Já Stuart Hall avança
97
na pesquisa crítica sobre os meios de comunicação de massa, analisando sobretudo o seu
papel ideológico (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 109-111).
Hall também aponta para uma distinção entre a concepção estruturalista e a visão
estrutural da cultura. Segundo o autor, “enquanto a concepção estruturalista dá ênfase
aos traços estruturais internos das formas simbólicas”, a visão estrutural da cultura tem
como objetivo “o estudo das acções, objectos e expressões significativas em contextos e
processos historicamente específicos e socialmente estruturados”. Esta diferenciação é
um exemplo da interligação dos cultural studies com “conceitos e metodologias advindas
do estruturalismo” (THOMPSON, J. B. citado por FERIN, 2002, p. 44 e p. 111).
3.2.10 Economia política da comunicação
Em meados da década de 60, a reflexão acerca do “desequilíbrio dos fluxos de
informação e de produtos culturais” continua vigente em outra corrente epistemológica,
denominada economia política da comunicação. Diferentemente do estruturalismo e dos
cultural studies¸ a economia política rompe com as teses marxistas, sobretudo a partir da
adoção da idéia das indústrias culturais. “A passagem do singular ao plural revela o
abandono de uma visão demasiada genérica dos sistemas de comunicação. No momento
em que as políticas governamentais de democratização cultural e a idéia de serviço e
monopólio públicos são confrontadas com a lógica comercial num mercado em vias de
internacionalização, trata-se de penetrar na complexidade dessas diversas indústrias para
tentar compreender o processo crescente de valorização das atividades culturais pelo
capital” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 113).
Herbert Schiller defendeu e introduziu nesse debate o importante conceito de
imperialismo cultural. Trata-se do “conjunto de processos pelos quais uma sociedade é
introduzida no sistema moderno mundial, e a maneira pela qual sua camada dirigente é
levada, por fascínio, pressão, força ou corrupção, a moldar as instituições sociais que
98
correspondam aos valores e estruturas do centro dominante do sistema, ou ainda para
lhes servir de promotor dos mesmos” (SCHILLER, Herbert citado por MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 113).
Nesse período, a América Latina apresenta um desenvolvimento intenso dos
meios de comunicação e dos estudos dos seus impactos sociais. A principal contribuição
científica dos latino-americanos à economia política da comunicação é a criação da
teoria da dependência, que, entre outros aspectos, aborda a “a margem de manobra e o
grau de autonomia creditados a cada nação em relação às determinações do sistemamundo”. Outro viés de pesquisa é a comunicação popular, a partir de trabalhos como o
de Paulo Freire no Brasil (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 118-119).
“Sustentado pelo movimento dos países não-alinhados, o debate sobre os
desequilíbrios de fluxos e trocas [da informação] atinge a comunidade internacional
como um todo nos anos 70, década da ‘nova ordem mundial da informação e da
comunicação’ (NOMIC)”. E a principal mudança ocorre também no âmbito das
pesquisas científicas, que, ganham contornos regionais e locais, em virtude da
necessidade de “representações de desenvolvimento formuladas por aqueles que se
faziam sujeito do próprio desenvolvimento” (MATTELART e MATTELART, 2000, p.
120-121).
Já na segunda metade da década de 70, pesquisadores franceses retomam a
discussão sobre as indústrias culturais, e de maneira bastante incisiva.
Um grupo de estudos liderado por Bernard Miège aponta a diversidade de
interesses dos inúmeros setores das indústrias culturais, “nas modalidades de
organização do trabalho, na caracterização dos próprios produtos e de seu conteúdo, nos
modos de institucionalização das diversas indústrias culturais (serviço público, relação
público/privado etc.), no grau de concentração horizontal e vertical das empresas de
produção e distribuição, ou ainda na maneira pela qual os consumidores ou usuários se
99
apropriam de produtos e serviços” (MIÈGE, Bernard citado por MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 122-123).
A partir de uma perspectiva mais tecnológica, Patrice Flichy “dedica-se a
compreender essa ‘cultura de onda’, esse continuum de emissões - no qual cada
elemento conta menos em si mesmo do que pelo conjunto da programação oferecida que caracteriza a economia audiovisual” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 123).
A repercussão da economia política da comunicação atingiu patamares
internacionais. Na França, a corrente “pretendia suprir as carências da semiologia da
primeira geração, atenta antes de mais nada aos discursos como conjuntos de unidades
fechadas sobre si mesmas e que contêm os princípios de sua construção”. Na GrãBretanha ocorreu “uma polêmica aberta com a corrente dos cultural studies, acusada de
privilegiar de maneira isolada o nível ideológico”. Também são fortes e destacados os
pólos de pesquisa da corrente epistemológica no Canadá e na Espanha (GARNHAM,
Nicholas citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 123).
Em um destes estudos, o canadense Dallas Smythe, especialista em televisão,
“irritara-se com os malefícios das teorias que só a viam como lugar de produção de
estratégias discursivas, de ideologia. Smythe defendia a idéia contrária, de que a
televisão é, antes de mais nada, em qualquer contexto que seja, uma ‘produtora de
audiências vendáveis aos publicitários’”. “O pesquisador britânico Nicholas Garnham
rebatia, dizendo que essa posição deixava de levar em conta a dimensão política e
cultural da televisão, que lhe constitui tanto quanto sua lógica econômica” (GARNHAM,
Nicholas citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 124-125).
Justamente as novas tecnologias da informação e da comunicação e os meios de
comunicação eletrônica, como a televisão, suscitam uma nova discussão dentro da
economia política. Marshall McLuhan, por exemplo, propõe o conceito de aldeia global
para explicar a força da mídia na conformação da organização da ordem mundial, poder
advindo principalmente da sua capacidade de impulsionar o progresso. A partir deste
100
momento histórico, “o imperativo técnico comanda a transformação social”
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 125-128).
A única fragilidade dos estudos de McLuhan parece ser a ausência de uma relação
complementar entre a aldeia global e as identidades locais. Apesar disso, o autor se
destaca no campo da Comunicação por colocar “pela primeira vez os media no centro do
desenvolvimento cultural e social” e por evidenciar “que as mudanças sociais e culturais
não podem se explicar sem referência ao contexto sociológico em que se inserem”
(FERIN, 2002, p. 130).
3.2.11 Sociologia interpretativa
As correntes epistemológicas das Ciências da Comunicação, com algumas
exceções, como a escola de Chicago, geralmente se destacaram por uma abordagem
estrutural e universalista (macro) da questão comunicacional. No entanto, ainda na
década de 60, surgiram “metodologias que consagravam outras unidades de análise, a
pessoa, o grupo, as relações intersubjetivas na experiência da vida cotidiana”, através da
discussão “sobre o risco de reificar os fatos sociais, sobre o papel do ator em relação ao
sistema e o grau de autonomia das audiências diante do dispositivo de comunicação”.
Trata-se de uma nova corrente epistemológica, denominada sociologia interpretativa,
fundamentada em modelos como o interacionismo simbólico e a etnometodologia
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 131).
A etnometodologia, segundo Harold Garfinkel, “analisa as atividades do dia-a-dia
como sendo métodos dos membros [de um grupo] para tornar essas mesmas atividades
visíveis-racionais-e-relatáveis (no sentido de que se pode dar conta delas) - para-finspráticos, ou seja, observáveis e descritíveis”. “O fato social não mais está dado, portanto.
É o resultado da atividade dos atores para conferir sentido à sua prática cotidiana. O
101
esquema da comunicação substitui o da ação” (GARFINKEL, Harold citado por
MATTELART e MATTELART, 2000, p. 133; p. 134).
Dessa forma, ganham importância estudos como o de Harvey Sacks, concernente
à análise da conversação. “Lugar privilegiado das trocas simbólicas, a conversa é
abordada como uma ação, não mais para o estudo da língua, mas como prática
lingüística, para que se compreenda como os locutores constroem as operações dessa
forma predominante de interação social e se desvendem os procedimentos e as
expectativas pelos quais essa interação se produz e é compreendida” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 134).
O modelo etnometodológico também sofreu influências do sociólogo austríaco
Alfred Schütz, a partir da utilização do conceito de estoques do conhecimento. “Esses
estoques de saber disponíveis no cotidiano e no ‘mundo da vida’ são distribuídos de
maneira diferencial, criando uma diversidade de conhecimento na ação e na interação,
conforme o indivíduo, os grupos, as gerações e os sexos” (MATTELART e MATTELART,
2000, p. 135).
Outra contribuição parte do sociólogo britânico Anthony Giddens, que “propõe
uma ‘teoria da estruturação’ que incorpore a reflexão etnometodológica sobre a
‘consciência prática’ e as metodologias de ação e permita pensar a imbricação entre
práticas e estrutura, ação e instituição, as relações concretas entre práticas e coerções
externas, entre indivíduo e totalidade social, entre micro e macro” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 138-139).
Com o filósofo John L. Austin, “a etnometodologia é influenciada pela teoria dos
atos da fala, que reabilita à condição de ator do discurso o sujeito excluído dos jogos dos
signos”. Nesta abordagem, “a linguagem não é somente descritiva; é também
‘performativa’, isto é, voltada para a realização de alguma coisa. Pode-se afirmar que sua
verdadeira função é formativa” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 140).
102
Também a partir desta visão de desmistificação da linguagem, Ludwig
Wittgenstein “dedica-se a compreender as regras do saber comum, esse saber que
‘conhece a regra’, que conhece o How to go on, ou seja, a capacidade do saber prático
que possui o usuário para realizar as rotinas da vida social”. Segundo o autor, “a
linguagem não mais é descritiva em suas estruturas formais, mas no uso prático que dela
se faz na vida cotidiana” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 140-141).
A inclusão das questões da linguagem e da fala na agenda das Ciências da
Comunicação suscitou inúmeras propostas de teorias e explicações, sobretudo
formulações de organização das disciplinas relacionadas à área. Entre estas propostas,
Aaron Victor Cicourel sugere “uma vasta aliança entre a sociologia, a antropologia, a
lingüística e a filosofia, em torno de uma ‘antropossociologia’”. No entanto, Cicourel
ressalta algumas barreiras a serem superadas para o estabelecimento da nova área,
principalmente a correlação entre a “análise limitada a atos da fala bastante concretos”,
originária da Lingüística, e, a “análise de situações de interação complexas”, proveniente
da Sociologia (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 141).
A síntese mais conhecida desta discussão é a sociologia crítica do agir
comunicativo, de Jürgen Habermas. Segundo esta teoria, “ação e interação não mais são
vistas unicamente como produção de efeitos, mas analisadas como associadas a tramas
simbólicas e contextos lingüísticos”. Além da ação racional e instrumental, o autor
preconiza que existem outros modos de ação e de relação com o mundo: “a ação objetiva
e cognitiva que se impõe dizer a verdade, a ação intersubjetiva que visa à correção moral
da ação, a ação expressiva que supõe a sinceridade” (MATTELART e MATTELART,
2000, p. 142-143).
O outro modelo científico sob a égide da sociologia interpretativa, o
interacionismo simbólico, se detém com maior atenção à “natureza simbólica da vida
social”. Em 1969, Herbert Sacks funda as três premissas fundamentais deste modelo: “[1]
os seres humanos agem em relação às coisas com base nas significações que elas têm para
103
eles”, “[2] a significação dessas coisas deriva ou surge da interação social de um
indivíduo com outros atores”, e, “[3] essas significações são utilizadas em, e modificadas
por meio de, um processo de interpretação realizado pelo indivíduo em sua relação com
as coisas que ele encontra” (BLUMER, Herbert citado por MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 135).
Nesse sentido, Erving Goffman afirma que o indivíduo “tende a encenar papéis
sociais em conformidade com normas estabelecidas na sociedade e em função de padrões
culturalmente definidos, o que transforma os processos de comunicação interpessoal e as
práticas culturais em elementos por excelência de manutenção da cena social” (FERIN,
2002, p. 79-80).
O interacionismo simbólico “desenvolve a idéia de que o indivíduo é tanto um
produto social e cultural como uma força ativa de criação de formas culturais”. E, para
completar, de acordo com George Herbert Mead, “a pessoa age então socialmente,
através de um processo complexo e indissociável que envolve a reflexão sobre o si
mesmo, a interiorização do papel do Outro”. Na mesma linha de pensamento, Herbert
Blumer focaliza “as acções e interacções de grupo sublinhando o papel individual nestes
contextos e propondo a distinção de conceitos como massa, multidão e opinião em
função da noção de ‘meio’ em que se realizam as interacções” (FERIN, 2002, p. 81 e 82).
3.2.12 Etnografia das audiências
Com a sociologia interpretativa a pesquisa em Ciências da Comunicação inicia
uma trajetória de valorização do indivíduo enquanto sujeito ativo no processo
comunicacional. Porém, tal tendência se consolida de fato com a corrente
epistemológica denominada etnografia das audiências, cujos estudos convergem para o
papel do público dos meios de comunicação de massa.
104
Para Mikhail Bakhtin, “a linguagem é o campo de tensões e interesses conflituais.
As avaliações de um discurso e as respostas individuais a um enunciado estão longe de
ser uniformes. Encontram-se em constante transformação, de acordo com a história e a
evolução da subjetividade” Isto porque a linguagem está atrelada “em redes de relações
sociais inscritas em sistemas políticos, econômicos e ideológicos”, que dialogam com as
questões do sujeito usuário dos signos e dos significados (MATTELART e MATTELART,
2000, p. 145-146).
A primeira ocorrência científica da etnografia das audiências é o trabalho de
Hans Robert Jauss sobre a estética da influência e da recepção. O autor “compreende por
‘influência’ a parte que cabe ao texto na definição da leitura e de sua consumação por
parte do leitor, receptor, público, ‘parceiro’ indispensável da obra literária. Por
‘recepção’ compreende as ‘sucessivas concretizações de uma obra’, a relação entre texto e
leitor, a liberar em cada época o potencial semântico-artístico da obra e inscrevê-lo na
tradição literária” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 146).
Nesta mesma linha, Jean Paul Sartre indica o “esforço conjugado entre o autor e o
leitor, que fará surgir esse objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito”
(SARTRE, Jean Paul citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 146-147).
Para Umberto Eco, “o artista producente sabe que a estrutura, com seu objeto,
uma mensagem, não pode ignorar que trabalha para um receptor. Sabe que esse receptor
interpretará o objeto-mensagem perfilando todas as suas ambigüidades, mas não se sente
por isso menos responsável por essa cadeia de comunicação” (ECO, Umberto citado por
MATTELART e MATTELART, 2000, p. 147).
O autor desenvolve também o conceito de obra aberta, “um conceito que permite
atribuir a uma obra um indeterminado número de interpretações, através da
improbabilidade das suas mensagens”. Originalmente formulado para os estudos da arte
e da literatura, o conceito se expandiu para os meios de comunicação de massa, com a
função de analisar os valores estéticos e narrativos, o espaço, o tempo e a relação de cada
105
meio com o seu fruidor. Tal análise das narrativas e dos gêneros comunicacionais aponta
a dupla função das pesquisas do autor, que, ao mesmo tempo, é teórico e prático, ao
contribuir tanto com o campo científico e quanto com a esfera profissional da
Comunicação (FERIN, 2002, p. 134 e 135).
No âmbito dos estudos dos meios de comunicação eletrônica, o trabalho de David
Morley “destaca o lugar ocupado pela televisão nas atividades de lazer dos diversos
membros da família, as leituras particulares, a distribuição desigual do poder de decisão
na escolha dos programas, os horários, os diferentes comportamentos de recepção”
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 148).
O estudo das influências da televisão foi uma das principais forças da etnografia
das audiências. Através de pesquisas conduzidas pelo próprio Morley, em conjunto com
Janice Radway e Laura Mulvey, entre outros, constituiu-se uma tendência de estudos
feministas da comunicação. “A reflexão sobre as interações texto/contexto/público
feminino volta-se rapidamente para o estudo dos gêneros que a televisão destina de
modo particular a essa categoria de audiência”, com atenção especial à novela
(MATTELART, Michèle citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 149).
Em uma reflexão epistemológica sobre a pesquisa das audiências, Clifford Geertz
indica que “a análise dos sistemas simbólicos não é pois uma ‘ciência experimental em
busca de leis, mas uma ciência interpretativa em busca de significações’, e é preciso
aceitar a condição intrinsecamente fragmentária e incompleta da análise cultural”
(GEERTZ, Clifford citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 150).
A Sociologia também apresenta pesquisas sobre a influência e a recepção dos
meios de comunicação, principalmente, a partir dos estudos da teoria uses and
gratifications. Segundo esta vertente, à mídia cabe “o papel de ‘mestre-de-cerimônias’ ou
ainda de um quadro de avisos no qual viriam a se inscrever os problemas que devem
constituir o objeto de debate em uma sociedade”. Não existe, portanto, uma
transferência direta e imediata das questões pautadas pelos meios de comunicação para a
106
vida cotidiana das pessoas. Pelo contrário, “a ‘seletividade’ dos receptores constitui
obstáculo” indispensável para adesão do público às mensagens midiáticas (KATZ, Elihu
citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 150-151).
Outro fator da eficiência da influência dos meios de comunicação é a
proximidade da pessoa com o assunto, fato, idéia ou tema discutido pela mídia. “A
experiência direta, imediata e pessoal de um problema torna-o suficientemente saliente
e significativo, a ponto de atenuar, em segundo plano, a influência cognitiva da mídia”
(ZUCKER, H. citado por WOLF, 2005, p. 155-156).
Embora discreta, pois não devidamente divulgada e propagada, a grande
contribuição da etnografia das audiências foi discutir o poder institucional dos meios de
comunicação de massa, através da valorização dos processos de escolha e de coparticipação dos receptores da informação. Questões como concorrência entre empresas
e entre diferentes mídias, comércio desigual, e, hegemonia cultural, entre outras, cedem
espaço aos estudos do consumidor e do público dos meios de comunicação
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 152-153).
3.2.13 Escola Latino-Americana de Comunicação
No início da década de 60, pela primeira vez, é possível identificar uma corrente
epistemológica das Ciências da Comunicação na América Latina. Os estudos anteriores
eram conduzidos isoladamente e apontavam para direções não consistentes entre si. A
pesquisa baseava-se nas inúmeras questões levantadas pela produção internacional, sem
correlacionar-se estreitamente com a realidade local.
A Escola Latino-Americana de Comunicação (ELACOM) aponta para um viés de
crescimento da área no âmbito regional. “As primeiras pesquisas de comunicação na
América Latina surgem em ambientes tipicamente profissionais”, em trabalhos como
estudos da opinião pública, análises de audiência da mídia, e, pesquisas de persuasão dos
107
consumidores, além de abordagens relacionadas ao jornalismo político e eleitoral
(MELO, 2003, p. 41, 68 e 69).
No começo dos anos 70, a UNESCO ofereceu o principal impulso para fortalecer
uma comunidade acadêmica regional na área, através da criação de programas de
investigação sobre informação e comunicação. Na visão dessa organização, a
comunicação consistia em especial fator de desenvolvimento social e econômico, além
de preponderante para a democratização, uma vez que, na época, os países latinoamericanos encontravam-se sob a égide de ditaduras militares. A produção científica
refletiu esse contexto com “pesquisas funcionalistas descritivas sobre políticas de
informação e comunicação nacionais e internacionais” (LOPES, M. I. V. de citada por
FERIN, 2002, p. 141).
A ELACOM apresenta intensa produção científica nas décadas seguintes,
sobretudo com reflexões sobre as especificidades da comunicação na sociedade latinoamericana, e, nos anos 80, se consolida como uma verdadeira comunidade acadêmica,
inclusive com projeção internacional (MELO, 2003, p. 41-42).
Nesse período, as Ciências da Comunicação ganham espaço também nas
universidades e institutos de pesquisa, como o importante Centro de Internacional
Estudios Superiores de Comunicación para América Latina (CIESPAL), vinculado a
UNESCO, criado em 1959 no Equador (MELO, 2003, p. 70).
Os marcos teóricos desse fortalecimento institucional foram os estudos do
pesquisador boliviano Luis Ramiro Beltrán, consultor da UNESCO para a América
Latina, as pesquisas de Daniel Lerner e Wilbur Schramm, sobre as desigualdades da
comunicação internacional, e, outros trabalhos também financiados pela UNESCO,
como o Relatório McBride e as pesquisas de Armand e Michèle Mattelart (FERIN, 2002,
p. 142).
Tematicamente, as vertentes e abordagens da pesquisa latino-americana são
variadas. “Confluem em seus marcos teóricos dois paradigmas dominantes: a teologia da
108
libertação e a denúncia do imperialismo cultural”, mas “também estão presentes, porém
com menor impacto intelectual, as metodologias herdadas do funcionalismo norteamericano”. A escola de Frankfurt, no entanto, “é a corrente que mais fascina os
cientistas latino-americanos da comunicação” (MELO, 2003, p. 71-72).
Outra matriz conceitual da corrente é a obra de Gramsci, a partir da qual as
investigações latino-americanas “tendem a conferir à cultura popular o papel de cultura
de resistência, levando, posteriormente, ao desenvolvimento de novas concepções sobre
os efeitos dos media na sociedade” (FERIN, 2002, p. 111).
A expressão dos problemas comunicacionais latino-americanos encontra espaço e
se desenvolve com destaque na obra de dois pesquisadores, Nestor García Canclini,
responsável pelo conceito de culturas híbridas, e, Jesus Martín-Barbero, que reformulou
o conceito de mediação (FERIN, 2002, p. 144).
No conceito de Nestor García Canclini, as culturas híbridas “[...] resultam de
muitos fatores concorrentes, de caráter histórico e social, inerentes à formação dos
diversos países [da América Latina], nomeadamente as peculiaridades derivadas de
colonizações ibéricas, dos cruzamentos entre indígenas e grandes contingentes de
imigrantes advindos da África, da Europa, e, mais recentemente, da Ásia”. Tal hibridez
foi potencializada a partir do processo de industrialização destes países, quando também
houve um crescimento no acesso aos produtos culturais e aos modelos de trabalho
estrangeiros. O sistema político então vigente na América Latina eram as ditaduras
militares, que, contraditoriamente, com o objetivo de defender as culturas nacionais,
“[...] criaram condições para o surgimento de empresas e produtos alternativos de
natureza híbrida, em oposição aos de inspiração norte-americana” (FERIN, 2002, p.
144).
Jesus Martin-Barbero analisa o processo de mediação a partir da cultura popular
das periferias urbanas, formadas por camponeses e imigrantes. O autor investiga “a
articulação existente entre os processos de produção dos media e as suas rotinas de
109
utilização no contexto familiar, comunitário e nacional”, isto porque “as mediações
implicam um processo no qual o discurso narrativo dos media se adapta à tradição
narrativa popular do mito e do melodrama, e as audiências aprendem a reconhecer a sua
identidade cultural coletiva nesse mesmo discurso” (FERIN, 2002, p. 145-146).
3.2.14 Estudos brasileiros
A pesquisa em Comunicação no Brasil surgiu por volta do fim do século XIX, no
entanto, o campo se institucionalizou a partir da década de 40. Para analisar esta
história, José Marques de Mello propõe a organização da área em cinco fases: 1desbravamento (1873-1922); 2- pioneirismo (1923-1946); 3- fortalecimento (1947-1963);
4- consolidação (1964-1977); 5- institucionalização (1978-1997). Para abranger os
estudos contemporâneos podemos acrescentar mais uma fase à proposta do autor: 6crescimento (1997-2007) (MELO, 2003, p. 144).
No estágio de desbravamento, prevalecem os estudos liderados por “intelectuais
que se valem da imprensa para disseminar idéias e conhecimentos”. Alfredo de Carvalho
é o principal responsável pelo “primeiro projeto de ‘pesquisa integrada’ realizada no
Brasil, repertoriando informações sobre toda a imprensa do país”, no fim do século XIX e
no início do século XX. O autor continua o trabalho de pesquisa de José Higino Duarte
Pereira, cujo objeto de estudo foi a tipografia pernambucana, fundada a partir da invasão
holandesa (MELO, 2003, p. 145 e p. 149).
Tratava-se de um inventário de documentos, jornais, gazetas e livros publicados
no Brasil deste período. Cabe ressaltar que outras iniciativas similares já tinham sido
empreendidas por outros pesquisadores localizadamente. Em todas elas “estamos, ainda,
no território restrito do ensaísmo, produzindo conhecimento oriundo da análise
documental, mesmo assim ancorado em fontes secundárias” (MELO, 2003, p. 151).
110
A fase seguinte é marcada pelo pioneirismo e “acena em direção ao empirismo,
apesar de persistir uma certa hegemonia ensaística” Alexandre José Barbosa Lima
Sobrinho “escreve o primeiro tratado do jornalismo brasileiro, fazendo generalizações e
extrapolações que foram se confirmando com o passar dos anos. Nesse sentido é um
estudo que nasceu clássico” (MELO, 2003, p. 152).
Outras pesquisas floresceram em campos como a Fotografia, o Cinema, as Artes
Plásticas, e, principalmente, a Publicidade. Nesta área, surgem as primeiras pesquisas de
mercado, além de estudos sobre os fundamentos psicológicos dos anúncios. São análises
específicas da Publicidade que se relacionam com todo o campo comunicacional
(MELO, 2003, p. 153).
O pioneirismo também se projetou no âmbito do ensino da Comunicação. Por
um lado, os pesquisadores lutavam pela criação de escolas de Jornalismo, o que iria se
concretizar no início da década de 40. Por outro, “a modernização e a multiplicação das
empresas do ramo apontavam em direção ao esgotamento do modelo caracterizado pelo
treinamento de recursos humanos dentro das próprias redações” (MELO, 2003, p. 154).
Em 1946, o jornalista Carlos Rizzini publicou o “primeiro tratado de história da
mídia impressa, resultado de uma pesquisa erudita e bem documentada”. A obra foi
prontamente legitimada pela incipiente comunidade acadêmica da Comunicação, à qual
o autor se juntou mais tarde (MELO, 2003, p. 155).
O período de fortalecimento das Ciências da Comunicação foi liderado pelas
universidades. No âmbito acadêmico, “profissionais guindados à condição de professores
sistematizam conhecimentos empíricos e os transmitem às novas gerações de jornalistas
ou os convertem em livros, monografias, apostilas, ampliando a sua circulação no espaço
e no tempo” (MELO, 2003, p. 156).
A principal característica desta fase foi a tentativa de ampliar a “rede
institucional dedicada ao ensino da comunicação”. Surgem iniciativas de criação de
escolas de Propaganda, Relações Públicas e Cinema, mas, “até o início da década de 60 o
111
Jornalismo permaneceria como o único setor comunicacional legitimado pela
universidade brasileira”. Em 1963, Pompeu de Souza criou a Faculdade de Comunicação
de Massa na Universidade de Brasília, a primeira instituição de ensino a articular os
estudos de Jornalismo, Publicidade, Cinema e Rádio-Televisão (MELO, 2003, p. 157 e p.
158).
No mesmo ano, sob a responsabilidade de Luiz Beltrão, surge o Instituto de
Ciências da Informação (ICINFORM), em convênio com a Universidade Católica de
Pernambuco. Considerado o “primeiro centro brasileiro de pesquisa na área”, o
ICINFORM nasce “com a finalidade de desenvolver pesquisas, realizar cursos e manter
publicações acadêmicas” (MELO, 2003, p. 158).
Fora dos muros acadêmicos, o mercado cultural do país vivia um período de
desenvolvimento autônomo, no bojo do início da modernização da sociedade brasileira.
O pano de fundo foi a “divisão entre as órbitas de atuação do Estado e das empresas
privadas na esfera da cultura”. A indústria cultural se impôs como produtora da
comunicação mantida pela publicidade (televisão, rádio e cinema) e ao poder público
coube a função manter as atividades cuja sobrevivência dependia dos subsídios
governamentais (preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, música,
dança, arte erudita) (LOPES, 2000, p. 52-53).
A fase de consolidação das Ciências da Comunicação revelou a ampliação pelo
interesse no conhecimento científico e técnico, a partir da criação de cursos de pósgraduação e do surgimento de publicações especializadas.
Além das universidades e centros de pesquisa, as empresas do ramo começaram a
se interessar em produzir e divulgar estudos empíricos e reflexões críticas sobre a
comunicação de massa. “Sua meta é a qualificação profissional, possibilitando o acesso
das novas gerações a estudos e pesquisas capazes de orientá-las a trilhar novos caminhos
na complexa engrenagem midiática” (MELO, 2003, p. 160-161).
112
Embora tenha surgido uma certa preocupação teórica, a real intenção do
mercado cultural era movimentar a sua própria cadeia de produção, através do
aperfeiçoamento das ferramentas de acompanhamento e de resposta do público, por
exemplo. Trata-se, portanto, da geração de conhecimentos técnicos aplicáveis
preponderantemente ao cenário das empresas de comunicação.
No início dos anos 70 foram criados os primeiros programas brasileiros de
mestrado em Ciências da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA/USP) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Ambos “se destinavam a formar docentes/pesquisadores para o sistema
universitário, acolhendo jovens professores de todo o país que ali buscaram
sedimentação acadêmica para atuar nos inúmeros cursos de graduação em comunicação
social que proliferaram em todas as regiões brasileiras” (MELO, 2003, p. 164).
O terceiro curso de mestrado da área no Brasil foi oferecido pela Universidade de
Brasília (UnB), sob a denominação Comunicação para o Desenvolvimento. Ao contrário
dos programas da ECA/USP e da UFRJ, cujo enfoque era a formação de um corpo
docente em Ciências da Comunicação, o objetivo do mestrado da UnB era formar
“especialistas para exercer funções técnicas específicas em comunicação, além de
capacitá-los em metodologia da pesquisa” (UnB citado por MELO, 2003, p. 164-165).
Os programas de pós-graduação foram o principal vetor de configuração do perfil
dos comunicólogos brasileiros. Além dos egressos dos cursos de graduação em
Comunicação Social, “alguns são profissionais da área que fizeram estudos pósgraduados e outros são pesquisadores oriundos de áreas afins que se interessam pelos
fenômenos comunicacionais” (MELO, 2003, p. 165).
No estágio de institucionalização, a “massa crítica de comunicólogos ‘ilhados’
dentro dos campi” sentiu “a necessidade de intercomunicar-se e intercambiar
experiências”. A principal via de integração foram as tentativas de organizar eventos
com representantes das instituições pesquisa e ensino da Comunicação de todo o país.
113
No entanto, o insucesso das primeiras empreitadas “[...] esboçou a fisionomia da
nossa emergente comunidade acadêmica: frágil, conflituosa, fragmentada”. O I Encontro
de Professores de Comunicação, realizado em 1967 na UnB, por exemplo, só contou com
a presença dos pesquisadores da própria instituição e da ECA/USP (MELO, 2003, p. 166
e p. 167).
Em 1970, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) promoveu no Rio de Janeiro
o I Congresso Brasileiro de Comunicação. O evento reuniu estudiosos de São Paulo, Rio
de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza, que até então
constituíam os principais núcleos de pesquisa comunicacional no Brasil (MELO, 2003, p.
168).
A aproximação proporcionada pelos encontros da comunidade acadêmica de todo
o Brasil fomentou iniciativas de constituição de instituições e associações de classe. Em
1972, surgiu a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação (ABEPEC),
que se dissolveu em 1985, por conta da dificuldade de conciliar os interesses de toda a
cadeia de agentes da Comunicação. Em 1977, foi criada a Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM). Em 1984, foi fundada a Associação
Brasileira de Escolas de Comunicação (ABECOM). E, em 1990, Associação Nacional dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS) (MELO, 2003, p. 169 e p.
171).
Paralelamente ao estabelecimento formal do campo científico ocorreu um
“grande despertar” para a reflexão “sobre o se estava e como se estava pesquisando” em
Comunicação no Brasil. A principal razão desse amadurecimento foi a “crítica
epistemológica aos paradigmas científicos” do funcionalismo, da Escola de Frankfurt e
do estruturalismo. Como proposta alternativa se consolidou uma tendência de
“priorização de certos temas de estudo como as novas tecnologias de comunicação, as
políticas de comunicação e as formas populares de comunicação” (LOPES, 2000, p. 50).
114
A institucionalização configurou “uma comunidade acadêmica multifacetada que
inclui desde os produtores de conhecimento sobre os processos midiáticos aos analistas
de discursos e aos pesquisadores dos entornos e mediações culturais que marcam o perfil
dos fenômenos da reprodução simbólica na sociedade”. O desafio para o período
subseqüente da Comunicação foi o fortalecimento do campo e o combate à diluição dos
seus objetos de estudo (LOPES, M. I. V. de citada por MELO, 2003, p. 173).
A partir do fim dos anos 90, as Ciências da Comunicação no Brasil podem ser
determinadas como uma área em franco crescimento. Como indicador desse processo, é
possível analisar os indicadores bibliométricos do campo.
Maria I. Vassallo de Lopes divide o universo dos estudos comunicacionais
brasileiros em cinco períodos (até 1959, 1960-1969, 1970-1979, 1980-1989, e, 19901995) e pondera que aproximadamente 40% da documentação científica da área foi
produzida apenas nos seis primeiros anos da década de 90 (LOPES, 2002, p. 57).
Em uma análise temática das dissertações e teses de todos os programas de pósgraduação em Comunicação do Brasil, entre os anos de 1992 e 1996, Ida Stumpf e Sérgio
Capparelli apontam a produção de 754 trabalhos, número expressivamente maior do que
o total de 496 pesquisas concluídas em toda a década de 80. Os autores indicam ainda
uma tendência de diversificação dos assuntos pesquisados no campo, com destaque para
uma abertura disciplinar aos estudos sobre Semiótica, Literatura, Educação e Cultura
(STUMPF e CAPPARELLI, 2000, p. 246 e p. 249).
No plano temático, a globalização se consolidou como “um novo paradigma
epistemológico para as ciências sociais” e como “uma nova dimensão da cultura que
complementa, combina e altera a cultura nacional e a local”. Com isto, a Comunicação
retoma a discussão acerca da diversidade e da heterogeneidade cultural, entre outros
fatores (IANNI, Octavio e ORTIZ, Renato citados por LOPES, 2002, p. 55).
O
impacto
da
globalização
na
comunicação
é
capitaneado
pela
desnacionalização” do mercado de bens culturais brasileiros. Primeiro com da entrada
115
de grupos estrangeiros no processo de produção de conteúdos, por meio de parcerias
com a indústria nacional de entretenimento. E, principalmente, pela crescente
veiculação de conteúdo internacional nos meios de comunicação de massa (LOPES,
2002, p. 55).
Segundo Maria I. Vassallo de Lopes, “todas essas mudanças desafiam a pesquisa
impondo revisão e elaboração de novas categorias de análise”. A partir da preocupação
simultânea com a globalização é possível perceber uma aproximação entre a esfera
acadêmica e a indústria da Comunicação. Além do entendimento do fenômeno da
sociedade global, a convergência temática exigiu também uma reflexão sobre a
autonomia destes dois universos frente ao outro (LOPES, 2002, p. 55).
Outro movimento que parece ocorrer no fim do período de crescimento, no fim
dos anos 90, é o alinhamento entre a produção científica nacional e internacional, a
partir da corrente epistemológica dos estudos das redes de comunicação.
3.2.15 Estudos das redes de comunicação
De volta ao âmbito mundial, a última corrente epistemológica das Ciências da
Comunicação é denominada estudos das redes de comunicação. A partir dos anos 80, “a
sociedade é definida em termos de comunicação, que é definida em termos de redes”, ou
seja, a comunicação é o fio condutor de qualquer relação social, através de complexos
sistemas de interação entre pessoas, grupos, instituições etc (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 157).
Os estudos das redes de comunicação têm início com Everett Rogers, a partir de
uma revisão do difusionismo, modelo científico criticado pela falta de ligação entre os
sujeitos e pela ausência de conexão com o contexto. Tal paradigma foi substituído “pela
‘análise da rede de comunicação’ (communication network analysis). A rede compõe-se
116
de indivíduos conectados entre si por fluxos estruturados de comunicação” (ROGERS,
Everett citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 157).
Outro contraponto ao difusionismo surgiu com Bruno Latour e Michel Callon,
sob o nome de modelo da “tradução” ou da construção sociotécnica. “‘Traduzir’ é unir
em rede elementos heterogêneos; pela tradução são captados e articulados elementos
heterogêneos num sistema de interdependência”. Desse modo, a tradução ultrapassa as
relações entre homens e envolve as relações com a natureza e com objetos técnicos
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 157).
As ciências cognitivas também contribuíram para a pesquisa das redes de
comunicação, sobretudo a partir do conceito de inteligência artificial (IA). “No centro
da hipótese cognitivista, está a noção de representação. Ela induz uma maneira de
compreender o funcionamento do cérebro como dispositivo de tratamento da
informação, que reage de maneira seletiva ao meio, à informação proveniente do mundo
exterior. A IA pensa a organização como um sistema aberto em constante interação com
esse meio, com inputs e outputs” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 162-163).
Em oposição à noção da informação como um sistema aberto, os biólogos
chilenos Humberto Maturana e Francisco J. Varela desenvolveram a idéia de sistema
autopoiético (dos radicais gregos autos - “si mesmo” - e poiein - “produzir”). Assim, a
informação “não é preestabelecida como ordem intrínseca, mas como ordem que emerge
das próprias atividades cognitivas. O específico de nossa atividade cognitiva é o fazer
emergir, ‘criador de um mundo’” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 163-164).
No plano macroeconômico dos sistemas de comunicação, os conceitos de
dependência e imperialismo cultural são suplantados pelas questões relacionadas à
formação das grandes redes comerciais e privadas da informação.
A primeira diferença é velocidade com que as próprias empresas e corporações
organizam o mercado dos meios de comunicação de massa. Além disso, “o modelo
empresarial de comunicação foi promovido à tecnologia de administração das relações
117
sociais, impondo-se como único modo ‘eficaz’ para estabelecer o vínculo com os diversos
componentes da sociedade” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 167).
O
processo
de
mercantilização
da
comunicação
é
marcado
pela
transnacionalização e pela desterritorialização das organizações dedicadas à informação,
isto porque a capilaridade tecnológica possibilita conexões entre regiões isoladas
geograficamente. Dessa forma, poucas empresas tendem a ganhar muito poder, pois
conseguem liderar a produção de informação em escala mundial. As corporações
também se fortalecem porque se transformam “em produtores de teorias e doutrinas,
confundem o campo conceitual da comunicação na era mundialização” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 167).
O crescimento da indústria da comunicação tem impacto direto na quantidade (e
na qualidade) de informação produzida, o que suscita inúmeras problematizações e
teorizações.
Jean-François Lyotard propõe uma discussão “a respeito do estatuto do saber e
sobre os processos que afetam o modo de pensar, de ensinar e de tratar a informação, na
era da digitalização do signo e da nova aliança entre som, imagem e texto”
(MATTELART e MATTELART, 2000, p. 176-178).
Segundo Pierre Lévy, as redes de comunicação também possibilitam uma nova
ordem da comunicação, “graças às ‘infovias’ da era pós-mídia, que se tornam o suporte
de uma derradeira utopia da comunicação, a da ‘democracia em tempo real’” (LÉVY,
Pierre citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 178).
O psicanalista Félix Guatari acredita que “as máquinas tecnológicas de
informação e comunicação, da informática à robótica, passando pela mídia, operam ‘no
centro da subjetividade humana, não só em suas memórias, em sua inteligência, mas
também em sua sensibilidade, em seus afetos e em seu inconsciente’” (GUATARI, Félix
citado por MATTELART e MATTELART, 2000, p. 180).
118
Sobre a influência da comunicação em rede na vida das pessoas, Paul Virilio
destaca a relação do processo comunicacional com a questão do tempo na sociedade
moderna. Para o autor, “é a aceleração das mudanças sofridas por ela [a tecnologia] que
motiva um pensamento situado sob o signo de uma ‘dromologia’ (de dromos,
velocidade)” (MATTELART e MATTELART, 2000, p. 180).
Jean Baudrillard “vê nas escaladas tecnológicas e no aumento de sua sofisticação,
tanto em dimensão planetária, como na intimidade doméstica, o avanço de um sistema
de controle que é exaltado em nossa ‘fantasia de comunicação’: a compulsão geral por
existir em todas as telas e no interior de todos os programas” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 182).
A interligação entre o poder da comunicação e as formas de organização social
foi a principal questão abordada pelos estudos das redes, no entanto, ainda na década de
50, o canadense Harold Adams Innis já falava sobre o assunto. Segundo Innis, “o poder é
uma questão de controle do espaço e do tempo. Os sistemas de comunicação moldam a
organização social porque estruturam relações temporais e espaciais” (MATTELART e
MATTELART, 2000, p. 177).
Na transição entre os séculos XX e XXI, os estudos das redes convergem para um
efervescente momento científico, a partir das pesquisas sobre o impacto das novas
tecnologias da informação e da comunicação e sobre as questões do processo
comunicacional na internet. A era da internet é “um período histórico caracterizado por
uma revolução tecnológica centrada nas tecnologias digitais de informação e
comunicação, concomitante, mas não causadora, com a emergência de uma estrutura
social em rede. Isto ocorre em todos os âmbitos da atividade humana” (CUNHA, 2003).
O conceito de comunicação em redes foi retomado e revitalizado por Manuel
Castells. Segundo o pesquisador, “a formação de redes (conjunto de nós interconectados)
ganhou vida nova e foi energizada pela internet. Flexíveis e adaptáveis, as redes se
proliferam em todos os domínios da economia e da sociedade, desbancando corporações
119
verticalmente organizadas e burocracias centralizadas e superando-as em desempenho”
(CUNHA, 2003).
O estudo das redes digitais resgata também a questão da comunicação enquanto
fluxo/processo/sistema, idéia originalmente formulada pelos pesquisadores da teoria
matemática da informação. No entanto, ao invés de um fluxo linear, a era digital
preconiza um processamento contínuo da informação, a partir da “inserção do conceito
de agregação - a atividade de formatação da informação conforme as características do
meio e do seu público-alvo” (SAAD, 2003, p. 60).
A flexibilidade da plataforma tecnológica é uma das explicações para o sucesso da
rede mundial de computadores, porém, é necessário destacar também a sua capacidade
de sintetizar diversas linguagens comunicacionais. A internet é o meio de comunicação
de massa no qual texto, imagem, som e outras linguagens de expressão do homem
convergem de forma harmônica, com infinitas possibilidades de combinação e
ressignificação (CUNHA, 2003).
O princípio fundamental da mídia digital é o conceito da hipermídia, cujo
objetivo é possibilitar o acesso randômico às informações de qualquer natureza e
linguagem. Tal ferramenta enseja uma “tridimensionalidade da informação associada a
recursos comunicacionais” e facilita “como [as] mensagens podem ser construídas nesse
novo cenário de não-linearidade, em que começo, meio e fim ficam sob o controle do
usuário” (SAAD, 2003, p. 70-71).
A capacidade de convergência de linguagens da internet tem provocado algum
impacto nas mídias tradicionais, principalmente a partir da facilidade de personalização
dos conteúdos e da democratização do papel de emissor da informação. No primeiro
caso, “os meios, acostumados a falar para as grandes massas, a informar as grandes
audiências, encaram um paradoxo: a demanda por uma informação individual”. Por fim,
é possível citar a febre dos blogs, “uma iniciativa que começou associada aos diários
íntimos, hoje ganha uma perspectiva de espaço para narração de informações antes
120
restritas ao jornalismo”, com apropriação pelo próprio Jornalismo, com o surgimento de
páginas de profissionais vinculados ou não aos jornais tradicionais (CUNHA, 2003).
Entretanto, o crescimento da internet não implica necessariamente na extinção
do rádio, da televisão, do cinema ou de qualquer outro campo comunicacional. Como
aponta Roger Fidler, na era digital, os meios de comunicação tradicionais passam por um
processo de midiamorfose, que consiste em um estágio de adaptação e evolução às
transformações dos novos tempos, a partir do princípio de co-existência entre as diversas
formas de comunicação humana (SAAD, 2003, p. 55-56).
As transformações também têm ocorrido nas funções e elementos do fluxo
comunicacional, mas, “independente da força da alavanca tecnológica, o processo de
comunicação e seus valores intrínsecos não dispensam a existência de emissores,
receptores, mensagens e seus impactos no ambiente” (SAAD, 2003, p. 57).
Ainda na esfera do comportamento humano, Muniz Sodré* aponta para a
temporalidade fluída que caracteriza as sociedades contemporâneas, nas quais trabalho,
lazer e educação podem ocorrer simultaneamente. Temporalidade que afeta diretamente
princípios centrais da Comunicação.
Nesse contexto, o conceito de acontecimento, um dos paradigmas do Jornalismo,
perde o seu valor, afinal, um clique no computador pode substituir a formulação de uma
pauta ou de uma política editorial. As Relações Públicas, por sua vez, dispensam a
atenção especial exclusiva aos meios de comunicação e ampliam o foco de atuação para
toda a sociedade civil organizada. Nos dois casos, cada indivíduo aumenta o impacto do
seu papel de comunicador em potencial, através da capacidade de atingir um número
maior de pessoas e de interagir de inúmeras formas com elas, o que tende a consolidar a
força da sua mensagem.
SODRÉ, Muniz. Epistemologia da Comunicação. Aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. S. P;, 29 de mar. de 2007.
*
121
A real transformação da mídia digital, de acordo com Derrick de Kerckhove**,
ocorreu com o estabelecimento da web 2.0, a partir do início deste século, quando se
consolida a configuração de uma inteligência hipertextual de uso e produção da
informação. Em primeiro lugar, as possibilidades de interação em rede crescem
infinitamente, com a criação de ferramentas colaborativas. Outra mudança é a
habilidade dos indivíduos em selecionar o que é informação relevante para si,
independentemente das fontes da mensagem, sejam elas jornalísticas, documentárias,
individuais, coletivas etc. E, os textos e os contextos perdem bastante espaço para as
etiquetas e rótulos, a partir de uma redução considerável dos significados e de um
movimento de total fragmentação do conteúdo.
O estudo das correntes epistemológicas das Ciências da Comunicação se revela
um caminho indispensável para entender os fatores e os atores da história deste campo
do conhecimento. Tal missão adquire maior relevância se consideramos, que,
atualmente, “[...] os meios de comunicação de massas constituem, ao mesmo tempo, um
setor industrial de máxima relevância, um universo simbólico que é objeto de consumo
em grande escala, um investimento tecnológico em contínua expansão, uma experiência
individual cotidiana, um terreno de conflito político, um sistema de mediação cultural e
de agregação social, uma maneira de passar o tempo etc” (WOLF, 2005, p. ix).
KERCKHOVE, Derrick de. Brain frames, digital technologies and intelligence connected. Palestra
promovida pelo Centro de Pesquisa da Opinião Pública (Cepop-Átopos) da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 9 de novembro de 2007.
**
122
3.3
A natureza interdisciplinar
Segundo Olga Pombo, a interdisciplinaridade visa a integração dos saberes e
implica “[...] algum tipo de trabalho de colaboração entre duas ou mais disciplinas”
(POMBO, 1994, p. 8).
A Comunicação é “um campo vocacionado para a interdisciplinaridade, na
medida que seus objetos específicos são produtos cujo conteúdo está enraizado no
território das demais disciplinas que constituem o universo científico” (MELO, 2003, p.
60).
Para Isabel Ferin, “se é consensualmente aceito que as Ciências da Comunicação
devem ter como referentes os paradigmas vigentes nas Ciências Sociais e Humanas, não
é menos consensual que a sua tarefa se encontra extremamente dificultada pela
necessidade de recorrer a conceitos advindos de disciplinas constituídas” (FERIN, 2002,
p. 31).
Um dos exemplos de incorporação interdisciplinar é a validação metodológica.
Os estudos da Comunicação, em seu princípio, e mesmo atualmente, utilizavam
“métodos empregados nas pesquisas das ciências sociais, como a observação, a
experimentação e a comparação”. O objetivo era garantir legitimidade ao campo
comunicacional,
a
partir
de
métodos
e
práticas de pesquisas consolidadas
cientificamente (MELO, 1977, p. 45-47).
No nível institucional, outro ponto de observação da interdisciplinaridade, as
principais áreas de conexão com as Ciências da Comunicação são a Lingüística, a
Filosofia, a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia Social (FERIN, 2002, p. 31).
O paradigma essencial da Lingüística, proposto por Ferdinand de Saussure, é
também fundamental para a Comunicação. Trata-se da “compreensão da palavra como
fenômeno de interacção significante, na medida que a elege como fator primordial de
comunicação” (FERIN, 2002, p. 52).
123
A contribuição da pesquisa no campo da linguagem aos estudos comunicacionais
se estendeu por todo o percurso posterior à fundação da disciplina. Isso porque,
essencialmente, “as relações humanas, sejam elas quais forem, expressam-se pelos signos
e pelos símbolos”, que, por sua vez, são ampliados e ordenados a partir de inúmeras
combinações (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 44).
Os códigos lógicos, artísticos, estéticos e sociais são o principal produto dessa rede
de relações lingüísticas, e, assim como os signos e símbolos, se modificam
constantemente. Com o auxílio da ciência aplicada, da tecnologia e das fontes de
energia, tais elementos fomentaram o surgimento dos modernos meios de comunicação
de massa (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 52).
Também no campo das ciências da linguagem, a Semiótica, por meio de Roland
Barthes, estuda “a produção social de significações” e “as mistificações ideológicas” da
cultura. O mesmo pesquisador foi responsável por estabelecer uma ponte com as
Ciências da Comunicação e iniciou uma série de pesquisas sobre a “como fala mítica se
apresenta nas suas diversas manifestações”, por exemplo, no cinema, na fotografia e no
cotidiano urbano (FERIN, 2002, p. 55).
De forma ainda mais específica, os estudos da Pragmática Lingüística ressaltam a
importância da “relação dos signos com os seus utilizadores”. Ludwig Wittgenstein
propôs um “paralelismo completo entre o mundo dos factos reais e as estruturas da
linguagem”, uma “concepção que se encontra presente em muitas das análises sobre os
media, tanto na perspectiva da produção como da recepção”. Através da teoria dos atos
lingüísticos, John Langshaw Austin e John Searle apontaram a relação das atitudes
humanas com seu respectivo contexto lingüístico e situacional, a partir de um objetivo e
de uma intenção, voluntária ou não (FERIN, 2002, p. 58 e BITTI, P. R. e ZANI, B.
citados por FERIN, 2002, p. 58 e p. 59).
A relação das Ciências da Comunicação com a Filosofia ocorre em um nível
deliberadamente especulativo, em comparação com as outras áreas relacionadas aos
124
estudos comunicacionais. Por conta da natureza ensaística da pesquisa filosófica, são
conceitos mais abstratos e menos delimitados cientificamente (MELO, 1977, p. 26).
Entre as questões filosóficas estão a percepção humana e inata sobre a qual a
comunicação age metafisicamente, a indicação da preparação física natural do ser
humano para se comunicar, e, a sucessão histórica da herança social através da fala
(MELO, 1977, p. 27-29).
A contribuição da Sociologia para o campo da Comunicação consiste,
principalmente, na oferta de conceitos, que, foram renovados e operacionalizados pela
pesquisa comunicacional.
A noção de socialização, “processo pelo qual são transmitidas crenças, valores,
normas e atitudes aos novos membros da sociedade”, é o primeiro conceito operacional
transferido para as Ciências da Comunicação (FERIN, 2002, p. 63).
Isabel Ferin observa que existe uma socialização primária, que ocorre na primeira
infância, quando “o indivíduo desenvolve inter-relações pessoais com a família e os
grupos de proximidade, incorporando normas e estruturando a sua personalidade”, e,
uma socialização secundária, quando “o indivíduo confronta-se como os sistemas e
subsistemas sociais, assimilando e reorganizando as experiências particulares, em
contextos sociais e culturais mais latos” (FERIN, 2002, p. 64).
Em tese, a interferência dos meios de comunicação de massa incidiria apenas no
momento da socialização secundária do sujeito, no entanto, cada vez mais, veículos
como a televisão “tende[m] a sobrepor-se a todas as outras instâncias socializadoras, em
virtude de assumir, logo na pequena infância, um papel central de regulador de sanções
e estímulos positivos e negativos, veiculando normas e padrões de comportamento”
(FERIN, 2002, p. 64).
Nesse sentido, a Comunicação se aproxima de outra ciência social, a Educação.
José Marques de Melo apresenta a visão de John Dewey, que considera que a Educação
“[...] consiste primariamente na transmissão por meio da comunicação. A comunicação é
125
o processo da participação da experiência para que se torne patrimônio comum. Ela
modifica a disposição mental das duas partes associadas” (DEWEY, John citado por
MELO, 1977, p. 18).
De volta aos laços com a Sociologia, “as múltiplas dimensões da vida em
sociedade levam a constantes encenações do papel social pelos indivíduos e grupos,
perante si mesmos e os outros, originando inúmeros jogos e construções da realidade, ao
mesmo tempo que obrigam os actores sociais a assumir, num curto espaço de tempo e
em variados cenários, uma multiplicidade de papéis e identidades”. A definição de
papéis sociais é importante para a indústria da comunicação porque suscita a sua
capacidade de adaptação e inserção em variados contextos (FERIN, 2002, p. 65).
Dessa forma, na perspectiva de relação com o outro, o conceito de grupo é
fundamental. “O grupo é um dos elementos centrais da vida em sociedade,
caracterizando-se pela interdependência entre os seus membros e o reconhecimento
recíproco” (FERIN, 2002, p. 66).
A Sociologia, e, na nossa visão interdisciplinar, a Comunicação, vinculam os
grupos ao conceito de classe proposto por Marx. A classe social “é formada pelo conjunto
de indivíduos que ocupam a mesma posição no processo de produção”. Atualmente este
princípio é essencial para analisar as relações de consumo e venda, objetos de estudos
comunicacionais da Publicidade (FERIN, 2002, p. 67).
Os papéis, os grupos e as classes sociais convergem para a noção de estatuto,
fundada por Max Weber. Para o autor, o estatuto representa “a hierarquia das
representações, positivas e negativas, de prestígio e honra” que são naturais na
sociedade. Dessa maneira, Weber pondera que os conflitos sociais das culturas
democráticas e igualitárias podem ser definidos mais como uma luta em busca de
estatuto para um indivíduo ou para um grupo do que um conflito de classe (FERIN,
2002, p. 67).
126
Todos os conceitos sociológicos anteriormente citados, por sua vez, se
fundamentam nas questões de poder e ideologia, que exerceriam “[...] um enorme peso
interpretativo sobre os fenômenos e processos da Comunicação” (FERIN, 2002, p. 70).
Segundo Weber, “o poder constitui a capacidade de fazer triunfar no interior de
uma relação social a sua própria vontade, sendo necessário para tal superar as
resistências ou interesses que se lhe opõem”, seja através da persuasão ou por meio da
coerção. Niklas Luhmann complementa que o poder “[...] implica a existência de pessoas
em ambos os lados da relação de comunicação, imbuídas de vontade e possuidoras de
liberdade”, com o objetivo de distribuir oportunidades e construir consensos (FERIN,
2002, p. 68 e 69).
À ideologia, na visão de Marx, cabe a função de refletir “a consciência e a
racionalização que a classe dominante faz da realidade a partir da sua posição de classe e
dos seus interesses” de manutenção do estatuto e do poder (ROCHER, G. citado por
FERIN, 2002, p. 70).
Finalmente, para estruturar tantos conceitos, a pesquisa em Sociologia chega à
formulação da noção de sistema, “um conjunto de objetos ou entidades que se interrelacionam de forma a constituir um todo único”. Trata-se de um vetor complexo,
controlado, auto-regulado, subdivido, e, de certa forma, equilibrado, do qual as Ciências
da Comunicação não pode lançar mão para entender os seus processos e fenômenos
(LITTLEJOHN, S. citado por FERIN, 2002, p. 71).
A Antropologia, cuja preocupação central é “estudar o homem numa perspectiva
global”, é mais um campo do conhecimento de interação disciplinar com a
Comunicação. Por meio de subdisciplinas como a antropologia cultural e antropologia
social, se “pretende entender e explicar a diversidade da conduta humana, mediante o
estudo comparativo das relações e dos processos sociais no maior número possível de
sociedades”. O entendimento da faceta humana será preponderante, por exemplo, para
os estudos de audiência e da recepção de conteúdos (FERIN, 2002, p. 83 e 84).
127
Outra contribuição da pesquisa antropológica, em conjunto com outras áreas
como a Lingüística, a Filosofia e a Psicologia, é a delimitação do conceito de identidade.
Primeiramente, a partir da distinção entre a dimensão pessoal e a dimensão social. A
identidade pessoal é uma “elaboração interna consciente ou inconsciente, sobre as
experiências vividas e refletidas constituintes da imagem que o indivíduo tem de si
mesmo”. Já a identidade social “corresponde à imagem construída pelo indivíduo para os
outros, através das interacções sociais”. Também é possível falar em identidade cultural,
“em função das relações entre grupos sociais, seja na dimensão interpessoal, mediada,
mediatizada ou ainda a nível local ou global” (FERIN, 2002, p. 88 e 89).
A questão da identidade suscita a discussão acerca do conceito de representações
sociais, “as formas como os grupos, e os indivíduos dentro dos grupos tendem a olhar e a
descrever os outros e a si mesmos”. Em conseqüência, estas representações são
compartilhadas e fomentam outras formulações sociais, muito mais enraizadas,
denominadas estereótipos (FERIN, 2002, p. 89 e 90).
Mais um campo de aproximação curricular com a Comunicação é a Psicologia,
“ciência que visa estudar o homem na sua dimensão intrapessoal e interpessoal,
buscando modelos teóricos complexos capazes de propor leis e explicar fatos” (FERIN,
2002, p. 84).
Especificamente, “os estudos sobre mudanças de atitude têm influenciado
diretamente a reflexão sobre a propaganda e as audiências” e “os trabalhos sobre
influência social e consenso em decisões em grupo (Kurt Lewin) e os estudos sobre a
motivação (Festinger)” incidem sobre as análises da produção e dos efeitos dos media
(FERIN, 2002, p. 85).
É possível identificar ainda relações com outras disciplinas cuja própria
constituição também foi marcada pela interdisciplinaridade, como a Análise do
Discurso. Patrick Charaudeau estendeu a “noção de discurso ao conjunto dos processos
de enunciação”, o que inclui os fenômenos resultantes da interação entre o sujeito e a
128
mídia, por exemplo, “informação objectiva, democracia, deliberação social, denúncia do
mal e da mentira, explicação dos fatos e descoberta da verdade”. Mesmo na análise do
discurso tradicional, em nível individual ou grupal é possível observar relação com a
Comunicação. Teun A. Van Dijk aponta que “grande parte do nosso conhecimento
social e político, e muitas das crenças existentes hoje sobre o mundo [que refletem no
discurso dos sujeitos], derivam das leituras da imprensa ou da visualização dos
telejornais” (CHARAUDEU, Patrick e VAN DIJK, Teun A. citados por FERIN, 2002, p.
56 e 57),
Além do nível metodológico e do plano institucional, a interdisciplinaridade
pode ser analisada a partir da perspectiva da atuação do profissional da Comunicação. A
área é fundamentada nas construções e nos discursos, que, por sua vez, possuem temas,
assuntos e especificidades tão diversificadas que não podem ser abordadas por completo
e que não integram os currículos de formação do aluno. Nesse sentido, invariavelmente,
o comunicador necessita se especializar, ao complementar os seus estudos iniciais, seja
de maneira formal ou informal.
Hugo Levisolo propõe a classificação do currículo do comunicador em três
conjuntos: 1- formação cultural, 2- formação básica do campo disciplinar e 3- formação
técnica (LEVISOLO, 2002, p. 132-133).
O conjunto da formação cultural “abrange disciplinas de outros campos, como
filosofia, sociologia, psicologia, psicologia social, economia, história, lingüística e
estatística, entre outras, e tem por intenção criar uma base de conhecimentos
considerados necessários ou significativos para operar com o campo dos fenômenos
comunicacionais” (LEVISOLO, 2002, p. 132).
O segundo grupo de disciplinas “orienta-se a transmitir conhecimentos sobre
dimensões ou problemas da comunicação”, o que é efetuado por meio da “aplicação dos
conceitos e instrumentos desenvolvidos em campos disciplinares mais tradicionais”,
129
muitos dos quais já são estudados na ênfase de formação cultural (LEVISOLO, 2002, p.
132).
A abordagem da formação técnica consiste em ministrar conteúdos aplicáveis à
“realização de uma atividade ou função a ser realizada no seio da produção de
comunicações nos meios de comunicação ou nas empresas”. Trata-se da faceta
profissionalizante do campo comunicacional, que dá continuidade à formação que
anteriormente ficava sob a responsabilidade dos próprios meios de comunicação. A
diferença da formação no âmbito acadêmico é o “maior rigor no processo de seleção de
procedimentos e técnicas eficientes, usando recursos padronizados de metodologias de
pesquisa para seu controle” (LEVISOLO, 2002, p. 133).
Nos dois primeiros conjuntos, formação cultural e formação básica, a
interdisciplinaridade ocorre através da relação da Comunicação com os variados campos
do conhecimento citados anteriormente. No nível da formação técnica, a
interdisciplinaridade se implementa de modo invariável e imensurável, isto porque é
neste espectro que se localiza a necessidade de especialização do comunicador.
Nessa esfera de formação, o profissional da Comunicação se depara com o
discurso especializado de cada campo ou de cada assunto com o qual trabalha, o que
exige uma transversalidade temática, cuja materialização pode ser um curso de
especialização, a autoformação, outro curso de graduação, por exemplo.
Dessa forma, ressalta-se a “compreensão das Ciências da Comunicação como uma
área multidisciplinar de estudos em constituição, a partir de recortes disciplinares
teóricos e metodológicos” (FERIN, 2002, p. 30).
A necessidade de recorrer aos recursos teóricos de outras disciplinas é um
movimento natural para um campo do conhecimento moderno, como é o caso da
Comunicação. E é justificado por causa do encadeamento entre a história e a ciência,
ambas produções do homem e da sociedade. Não foi possível, tampouco seria desejável,
ignorar o passado das demais ciências sociais.
130
3.4
O objeto de estudo
O objeto de estudo das Ciências da Comunicação são os “[...] fenômenos
associados aos processos de produção, transferência e efeitos de sistemas de símbolos e
sinais” (BERGER, C. R. e CHAFFEE, S. H. citados por FERIN, 2002, p. 24).
A definição do conceito de comunicação não é tarefa simples, isso porque este é
um fenômeno extremamente complexo, diversificado e contextual. No entanto, é
possível afirmar que todos os conceitos de comunicação têm “como denominador
comum os processos de troca, recepção, partilha de conteúdos e significações”
(LITTLEJOHN, S. citado por FERIN, 2002, p. 23).
Segundo José Marques de Melo, “o objeto central do processo da Comunicação é
a informação, transmitida por um comunicador a um receptor, utilizando um canal e um
sistema de códigos específicos, e, posteriormente, recuperada para a transmissão de
novas informações” (MELO, 1977, p. 32).
Na visão de Luiz Beltrão e Newton de Oliveira Quirino, a natureza do processo
comunicacional é o “intercâmbio de elementos simbólicos mediante o qual os seres
humanos exprimem idéias, sentimentos e informações, visando a estabelecer relações e
somar experiências”. No entanto, os autores diferenciam a comunicação oral da
comunicação de massa, compreendida como “o processo industrializado de produção e
distribuição oportuna de mensagens culturais em códigos de acesso e domínio coletivo,
por meio de veículos mecânicos [...], visando informá-la, educá-la, entretê-la ou
persuadi-la” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 56 e 57).
Para Décio Pignatari, “[...] a comunicação não é apenas a resposta, mas a relação
estabelecida pela transmissão de estímulos e pela provocação de respostas. O estudo dos
signos, das regras que o regem e de suas relações com os usuários ou intérpretes forma o
cerne do problema da comunicação” (PIGNATARI, 1981, p. 16).
131
Dessa maneira, “entende-se o conteúdo deste processo como mensagem. Mais do
que dados, esta mensagem insere-se em um contexto, é transformada pelo e transforma
o leitor. Unidade básica à produção de conhecimento, a informação estabelece-se como
mensagem no fluxo comunicacional” (BRAMBILLA, 2004).
Mauro Wolf lembra que os meios de comunicação de modernos são considerados
“[...] como parte de um único sistema de comunicação cada vez mais integrado e
complexo, que pode ser analisado em seus diversos aspectos (conteúdos veiculados,
modalidade de transmissão das mensagens, nível de eficácia, formas de produção) apenas
mediante uma abordagem multidisciplinar” (PORRO, R. e LIVOLSI, M. citados por
WOLF, 2003, p. xiv).
Neste mesmo sentido, Maria I. Vassallo de Lopes destaca “[...] a centralidade da
comunicação para o próprio modo organizativo da sociedade contemporânea, isto é, em
que a comunicação passa a operar ao nível das lógicas internas de funcionamento do
sistema social” (LOPES, 2004, p. 17).
Para Isabel Ferin, a comunicação “compreende todos os fenômenos de interacção
efetivados de forma presencial ou mediados por instituições, inclusive pelos media”.
Com base em formulação de J. B. Thompson, a autora propõe o estudo da comunicação a
partir de três dimensões: interpessoal, mediada e mediatizada (FERIN, 2002, p. 24).
A comunicação interpessoal é realizada diretamente entre dois ou mais sujeitos,
na qual “são fundamentais os mecanismos não verbais e verbais, determinados pelos
contextos culturais e de socialização, vividos pelos indivíduos desde o momento do seu
nascimento” (FERIN, 2002, p. 26).
Na segunda dimensão, “a comunicação mediada assenta nos processos de
socialização
primários
e
secundários
que,
ao
transmitirem
comportamentos,
informações, hábitos e atitudes, criam condições de vida em sociedade”. As instituições
de socialização são, por exemplo, a escola, a família, a igreja e a mídia tradicional (rádio,
ltelevisão, jornal, cinema etc). Ganham importância as questões das linguagens (das
132
pessoas e dos meios de comunicação) e as tentativas de aproximação entre as esferas de
produção e consumo da informação (FERIN, 2002, p. 27).
Finalmente, a comunicação mediatizada “se realiza através dos media, dos novos
media e das indústrias culturais e de conteúdo”. A diferença para a dimensão anterior
consiste na ampliação, em escala global, da natureza mediadora dos meios de
comunicação de massa. Este conceito, no entanto, ainda não foi completamente
incorporado pela comunidade acadêmica da Comunicação, isto porque ele é “[...]
bastante complexo, na medida que em cada um dos segmentos constituintes encontra
‘ressonâncias’ de todos os outros segmentos” (FERIN, 2002, p. 27-28).
Muniz Sodré* reafirma esta abordagem, mas pondera que o objeto de estudo da
Comunicação pode ser observado a partir de duas perspectivas distintas. Numa análise
tradicional, que também pode ser denominada ontológica ou informacional, a área
estuda o processo de transmissão de mensagens de um ponto a outro. Já sob um ponto de
vista moderno, o foco de análise da Comunicação é a mediatização, ou seja, o
funcionamento articulado entre as instituições de mediação da sociedade cada vez mais
organizada e profissionalizada.
SODRÉ, Muniz. Epistemologia da Comunicação. Aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 29 de março
de 2007.
*
133
4
Relações entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação
As relações entre a Ciência da Informação e as Ciências da Comunicação podem
ser denotadas a partir de variados aspectos. Isso porque a própria história de ambos os
campos do conhecimento é caracterizada pela diversidade, sobretudo porque as áreas
têm como princípios fundamentais a interdisciplinaridade e a associação com esferas
aplicadas da informação e do conhecimento.
No decorrer deste trabalho alguns sinais desta aproximação já puderam ser
identificados, no entanto, além de identificar, é necessário ressignificar, atualizar e
discutir constantemente as ligações entre as duas áreas. Além de contribuir para o
debate epistemológico de cada campo, a discussão das relações entre CI e Ciências da
Comunicação pode favorecer o florescimento de um entendimento da co-existência e do
compartilhamento de informações.
A primeira modalidade de interconexão entre Ciências da Comunicação e
Ciência da Informação, no Brasil, pode ser denominada relação histórica. Nesse plano, as
relações entre os campos consistem em aproximações determinadas pelo percurso
histórico das disciplinas e das ciências em geral.
Na década de 60, a discussão do campo da Comunicação acerca do nome da área
do conhecimento, a partir da alternativa de utilização do termo Ciências da Informação,
suscitou a inclusão dos estudos da Documentação (uma das áreas de pesquisas
precursoras da atual Ciência da Informação) no rol das disciplinas de sua abrangência.
José Marques de Melo propôs uma classificação das Ciências da Comunicação em
três grandes grupos: Ciências da Informação Individual ou Grupal (Lingüística,
Educação, Folkcomunicação), Ciências da Informação Coletiva (Jornalismo, Propaganda,
Lazer), e, Ciências Fontes de Informação (Documentação, Estatística e Cibernética)
(MELO, 1977, p. 53).
134
Além da inserção do grupo de ciências da gestão da informação na classificação
das Ciências da Comunicação, a proposta de José Marques de Melo considera a
recuperação da informação um elemento preponderante e essencial no processo de
comunicação.
Segundo
o
autor,
“o
estágio
da
recuperação
compreende
o
reaproveitamento de uma informação transmitida, seja em sua forma original, seja em
outra forma que por sua vez, vai atuar como fonte para a transmissão de novas
informações” (MELO, 1977, p. 32).
CANAL
M2
M1
1. ESTÁGIO
COMUNICADOR
M5
FONTE
RECEPTOR
M3
2. ESTÁGIO
CANAL
RECUPERADOR
M4
1. ESTÁGIO - TRANSMISSÃO
2. ESTÁGIO - RECUPERAÇÃO
M1. MENSAGEM CODIFICADA
M2. MENSAGEM DIFUNDIDA
M3. MENSAGEM TRANSMITIDA
M4. MENSAGEM RECUPERADA
M5. MENSAGEM REAPROVEITADA
Figura 5. Modelo comunicacional de José Marques de Melo
135
O modelo proposto por Melo difere do tradicional modelo matemático da
informação, e das adaptações correspondentes, por explicitar a importância da fase de
recuperação da informação para a revitalização e continuidade do processo
comunicacional. No entanto, mesmo nas demais propostas de explicação do fluxo da
comunicação, a função da recuperação está presente, desempenhada pelo conceito de
feedback ou retroalimentação.
Outra ocorrência de composição única, mas não uniformizante, entre
Comunicação e Informação é a proposta de Cláudio Cardoso de Paiva. “Trata-se de uma
experiência que se realiza em contato com os vários campos da ação pragmática
(trabalho, vida, sociedade). Deste modo, é compreensível que o feixe de reflexões
teóricas sobre a informação e a comunicação dificilmente se deixe apreender nos limites
de um campo homogêneo; as chamadas ‘Ciências da Informação e da Comunicação’ se
definem antes enquanto um domínio do conhecimento que abrange diferentes
enfoques” (PAIVA, 2002, p. 167).
Segundo Luiz Beltrão e Newton Quirino, a concepção de José Marques de Melo
determina que a recuperação da informação “[...] está na raiz do próprio conceito de
comunicação”. No caso das organizações jornalísticas, por exemplo, as instituições
promotoras da recuperação da informação, nomeadamente arquivos e serviços de
documentação, possuem a função de colocar à disposição “[...] os antecedentes das
situações ocorridas que se devem transformar em notícia” (BELTRÃO e QUIRINO,
1986, p. 75).
Para Stumpf e Weber reforçam a idéia, ao afirmar que “[...] a rapidez, a
quantidade e os diferentes formatos de material midiático, essencial à produção do
conhecimento na comunicação, necessitam de armazenamento, recuperação e
acessibilidade” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 131-132).
Dessa maneira, é possível destacar a aproximação histórica entre os campos da
Informação e da Comunicação também a partir da premência de desenvolver a pesquisa
136
do processo comunicacional em consonância com o pressuposto da importância da
recuperação da informação.
Ainda na interface entre os fazeres de cada área, Le Coadic destaca que os
serviços informacionais, “sob o efeito destas três categorias de mudanças - culturais,
econômicas e tecnológicas - tornaram-se multimídias de massa, como seus colegas da
imprensa escrita e audiovisual”. Isso porque, a partir dos serviços disponibilizados na
internet, o campo da Informação amplia e maximiza o seu público em potencial (LE
COADIC, 2000, p. 18).
As aproximações históricas entre os campos são evidentes, no entanto, a relação
entre Comunicação e Informação deve ser observada enquanto fenômeno localizado no
período histórico mencionado. Tal conjunção não se desenvolveu posteriormente, pelo
contrário, a Ciência da Informação se desvinculou dos estudos comunicacionais, em
busca de crescimento, amadurecimento e autonomia.
A junção do campo da Informação ao campo da Comunicação, ou vice-versa, é
característica da relação local entre as duas áreas do conhecimento. Em um plano geral,
é conveniente falar em relações locais, no plural, uma vez que em distintos países o
panorama de ligação entre os campos é diferente, e mesmo a conformação de cada
campo apresenta variações. No âmbito do nosso trabalho, é utilizado o termo relação
local, no singular, por conta do enfoque especial, a título de exemplo, dado ao
desenvolvimento das duas áreas na França.
A citação do caso francês é extremamente compatível com os objetivos do nosso
trabalho, uma vez que a Ciência da Informação francesa, em sua designação comum no
Brasil, “[...] apresenta na verdade a particularidade de estar ligada à pesquisa em Ciências
da Comunicação [também em sua denominação corrente brasileira]. Essa associação,
pouco comum na Europa e no mundo, na verdade influencia seu próprio
desenvolvimento” (COUZINET, 2004, p. 21).
137
Na França, as Ciências da Informação foram institucionalizadas em 1975, com a
criação da 52ª Seção do Comitê Consultivo das Universidades, órgão responsável pela
gestão da carreira dos professores-pesquisadores do país. Em outra esfera de pesquisas,
essencialmente no campo da Biblioteconomia, estavam os estudos da École Nacionale de
Chartes (COUZINET, 2004, p. 22).
Antes disso, durante os anos 60, pesquisadores dos temas leitura, leitores,
documentação, história do livro, mídias, cultura, entre outros, buscavam se aproximar e
se comunicar, “a fim de serem reconhecidos pela comunidade científica francesa”.
Também em 1975, eles criaram um comitê de estudos, que, em 1977, se transformou na
Societé Française des Sciences de L’information et la Communication (SFSIC) (TÉTU,
Jean-François citado por COUZINET, 2002, p. 23).
No entanto, Viviane Couzinet aponta que “ainda que, no plano institucional,
informação e comunicação estejam associadas, é bem possível identificar dois campos
distintos”. Os pesquisadores são atrelados ao campo das Ciências da Informação,
compatível com a junção da Ciência da Informação e das Ciências da Comunicação
brasileiras, e, os profissionais da informação são designados no âmbito da
Documentação, ou Ciências da Informação - Documentação (COUZINET, 2002, p. 23).
Nesse sentido, a relação local francesa entre Ciência da Informação e Ciências da
Comunicação, conforme a denominação brasileira, se configura preponderantemente no
plano institucional, embora neste grau de aproximação seja possível ocorrer variadas
trocas e simbioses científicas. Viviane Couzinet destaca que a proximidade entre os
campos incide principalmente na utilização de métodos de pesquisa comuns e
compartilhados (COUZINET, 2002, p. 27).
A partir das análises histórica e local é possível delimitar o tipo de relação
institucional entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação. As relações
institucionais revelam laços formais entre os organismos de ensino, pesquisa e extensão
138
dos dois campos, o que inclui cursos de graduação, programas de pós-graduação,
associações técnico-científicas, por exemplo.
Em nível de graduação, segundo Ida Stumpf e Maria Helena Weber, “[...] não
foram questionados os fundamentos da união dessas duas áreas do conhecimento e em
poucas universidades se manteve”. Entre as instituições em que persistem vínculos
formais estão a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA/USP) e a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (FABICO/UFRGS) (STUMPF e WEBER, 2003, p. 128).
As autoras complementam que “nas universidades que decidiram pela junção dos
cursos de Comunicação e Biblioteconomia, isso foi considerado estratégia política,
servindo aos governos militares para neutralizar a voz dos ‘políticos e atuantes’
comunicadores pela convivência com os ‘passivos’ bibliotecários” (STUMPF e WEBER,
2003, p. 128).
A escassez de literatura especializada na discussão acerca da junção entre as
carreiras das Ciências da Comunicação e da Ciência da Informação, através do
correspondente curso de graduação em Biblioteconomia e Documentação, nos parece
apontar para certa insuficiência de preocupação da comunidade científica dos campos
em questionar tais contatos e aproximações.
No entanto, a ênfase no debate das relações entre as áreas é mais freqüente no
nível da pós-graduação. Historicamente, foram os programas de pós-graduação os
organismos de principal contato entre Ciência da Informação e Ciências da
Comunicação, embora os laços venham se extinguindo sucessivamente.
Hoje, o único programa de pós-graduação em que a interface entre as duas áreas
persiste é o Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Faculdade de
Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(ANCIB, 2007).
139
Entre os anos de 1983 a 2003, os cursos de mestrado e doutorado do Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) eram diretamente vinculados
ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Cabe lembrar que o curso de pós-graduação do IBICT foi
pioneiro e fundamental para o desenvolvimento da área no Brasil (PPGCI/UFF, 2007).
Da mesma forma, no período de 1972 a 2005, a área da Ciência da Informação
esteve sob a designação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Na longa
trajetória de vivência compartilhada, o grau de vinculação e o nome do programa
sofreram diversas modificações. A instituição foi a primeira e a única a oferecer titulação
em doutorado durante 12 anos, o que lhe confere grande responsabilidade no
aprofundamento dos estudos em Ciência da Informação no Brasil (PPG-CI/ECA/USP,
2007).
Aldo de Albuquerque Barreto* não concorda com a vinculação entre os campos,
ao afirmar que “a ciência da informação e a comunicação não têm a mesma história, o
mesmo desenvolvimento, nem igual operacionalização de seus atos e teorias. Seu objeto
é diferente”.
Segundo o autor*, a diferença consiste nos objetivos das duas áreas do
conhecimento. Enquanto “a comunicação transfere mensagens para atingir um maior
público comum, com a intenção de propagar idéias, moldar e influenciar a opinião do
‘público’ ou entreter”, a “Ciência da Informação comemora o seu gerador, nomeia seu
autor. Estuda com carinhoso afinco o seu receptor e as suas necessidades de informação
e faz dele um perfil, que pode ser somente um indivíduo ou um grupo com coesão de
interesses informacionais específicos”.
Em complemento, Maria de Fátima G. M. Tálamo observa que as Ciências da
Comunicação estudam o “conjunto dos meios que atingem um público amplo,
BARRETO, Aldo de Albuquerque. Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí. E-mail enviado à lista
CInforme em 24 out. 2006.
*
140
diversificado e não individualizado (efeitos de uniformização das mensagens, de
modelização e de manipulação do público, visto como destinatário passivo e acrítico)”. Já
para a CI “o ator social não é passivo, é potencial produtor de conhecimento/informação;
[e as] variáveis do processo encontram-se em relação solidária: domínio de atuação (documento e seus conteúdos) X usuário como ator social” (TÁLAMO, 2005, p. 5-7 e 17).
Nesse sentido, Ida Stumpf e Maria H. Weber apontam que “a grande diferença
entre os dois campos de conhecimento parece residir no caráter persuasivo da
comunicação. [...] Trata-se, em essência da manipulação de informações” (STUMPF e
WEBER, 2003, p. 131).
No contexto das novas tecnologias da informação e da comunicação, é necessário
questionar tal vantagem de individualização e da personalização do atendimento como
qualidade exclusiva dos serviços de informação, pois esta tendência já encontra
correspondência nos meios de comunicação de massa. Além disso, embora existam
diferenças entre os objetos de estudos da CI e das Ciências da Comunicação, conforme
foi observado na trajetória de desenvolvimento de cada disciplina, a essência de ambos
os campos é o processo de comunicação da informação.
Desse modo, a questão da vinculação institucional dos cursos de pós-graduação
nos parece naturalmente fundamentada, afinal, os laços existentes entre as duas áreas se
colocam mais fortes e sólidos do que as diferenças persistentes. Tal aproximação ganha
ainda mais sentido se, comparativamente, analisarmos a relação da Ciência da
Informação com qualquer outro campo do conhecimento.
As três modalidades de aproximação até aqui discutidas (relação histórica, relação
local e relação institucional) dão margem a uma interpretação da Ciência da Informação
e das Ciências da Comunicação por meio da relação comparativa entre as disciplinas, um
viés de análise mais especulativo.
Com base na literatura científica da outra área é possível observar orientações de
pesquisa, sem desconsiderar, evidentemente, a preocupação em verificar a pertinência
141
destas questões ao próprio campo específico. Isso porque a história de cada área pode
iluminar caminhos de pesquisa ainda não explorados pela outra, ainda que a
transferência de modelos não seja simples e direta.
A comparação histórica entre os dois campos aponta que apenas recentemente a
Ciência da Informação passou a se dedicar ao auto-questionamento metodológico, um
dos principais fundamentos de qualquer ciência. Ainda que os estudos em Comunicação
reclamem a falta de atenção a esta vertente, este campo ao menos inclui a reflexão
metodológica em sua agenda de discussões há mais tempo.
Por outro lado, a pesquisa em Ciências da Comunicação praticamente não
desenvolve estudos através dos modelos científicos da Ciência da Informação. São
escassos os trabalhos comunicacionais relacionados a análises de citação (bibliometria e
infometria), que, assim como as reflexões metodológicas, também são importantes
instrumentos de avaliação do estado da arte de um campo do conhecimento.
Nesse sentido, Olga Tavares pondera que “as fundamentações teóricas de ambas,
informação e comunicação, quando estudadas em conjunto, precisam tornar-se mais
consistentes e melhor definidas, no sentido de as colocarem sob o estatuto da ciência
para que se chegue a resultados mais objetivos e precisos” (TAVARES, 2002, p. 146).
A comparação no âmbito temático aponta que as Ciências da Comunicação têm
se dedicado “aos estudos de audiência, persuasão, indústria cultural, identidades
culturais e, mais recentemente, à revisão de seus conceitos implicada pelas novas
tecnologias”. Já a Ciência da Informação tem se preocupado “com a organização, o
crescimento e a distribuição do conhecimento documentado, a relação entre sistemas de
registro e recuperação e seus usuários, além de uma constante revisão do próprio
conceito de informação, dada a abrangência de tal campo” (BRAMBILLA, 2004).
Outro critério passível de comparação é o crescimento da produção
informacional nas esferas de intervenção de cada campo. A explosão quantitativa da
informação foi gerada, e ao mesmo tempo afetou, “três instituições eminentemente
142
modernas: o sistema produtivo capitalista, o Estado e os serviços de utilidade pública e a
Ciência” (FERNANDES, 1995, p. 27).
Segundo Meadows, “todos os meios de comunicação de massa têm ampliado a
produção de informação nas últimas décadas (mais páginas nos jornais e mais canais de
rádio e televisão). No entanto, a produção de pesquisas [científicas] aumentou com
rapidez ainda maior, de modo que o problema da seleção não se tornou mais fácil”
(MEADOWS, 1999, p. 151).
No bojo da comparação entre os campos é possível identificar tendências de
deslocamento da Ciência da Informação para os estudos das questões comunicacionais.
“A informação, que antes era tida como estoque a ser preservado e tinha seus estudos
calcados unicamente nas formas de registro segundo os parâmetros do conhecimento
científico, é tomada agora no seu sentido dinâmico. Nele os processo de circulação
assumem importância social, determinando que a distribuição e o acesso à informação
sejam tratados como questões sócio-político-econômicas, de natureza pública, portanto.
A informação não se apresenta mais como uma questão individual, é um problema
social” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 11).
Tal orientação da pesquisa em CI, no entanto, pode ser considerada um
movimento natural, em sintonia com as transformações dos valores sociais da
informação. Isso porque, “por outro lado, a qualificação da informação pela etimologia
da palavra, a associa objetivamente ao coletivo. Verifica-se, por essa via, que a sua
importância encontra-se relacionada ao fato de a mesma promover modos de
organização social que vão além de noções espaciais e territoriais: a agregação dos
indivíduos, assim como a segregação entre eles, faz-se pela informação, sua circulação,
distribuição e consumo” (KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001).
Le Coadic (2000, p. 12-13 e p. 16) propõe ainda outra vertente de comparação,
por meio da análise das tradições profissionais dos campos, a partir da Biblioteconomia e
do Jornalismo. Cabe ressaltar que estas duas áreas são os principais contextos de pesquisa
143
da literatura especializada em Ciência da Informação e Ciências da Comunicação,
respectivamente. Tal ocorrência suscita inclusive um questionamento acerca do
privilégio e da concentração das análises em domínios que refletem apenas parcelas de
cada campo científico.
Em síntese, portanto, em uma visão limitada, a Biblioteconomia está para a “arte
de organizar bibliotecas” como o Jornalismo está para a “arte de organizar um jornal,
uma rede de rádio ou televisão”. O Jornalismo responde aos problemas de coleta (e não
coleção) de informações com o objetivo de produzir documentos, sejam eles audiovisuais
ou textuais. À Biblioteconomia concerne a gestão de acervos de documentos, através das
práticas de formação, desenvolvimento, classificação, catalogação e conservação, por
exemplo. A convergência entre as duas áreas consiste na atenção ao público, seja ele o
usuário/cliente/leitor dos serviços informacionais ou o receptor/leitor/ouvinte/
telespectador dos meios de comunicação de massa (LE COADIC, 2000, p. 12-13 e p. 16).
Sob outra perspectiva, a ligação entre Ciências da Comunicação e Ciência da
Informação pode ser designada em termos de uma relação intermediada pela cultura. A
cultura é um dos campos de conexão das interfaces entre as duas disciplinas, afinal, as
instituições de mediação das duas áreas têm o objetivo correlato de produzir e transmitir
as formas e os conteúdos simbólicos das culturas e das sociedades.
Atualmente, as culturas podem ser compreendidas “[...] como formas de
apropriação de sentidos presentes em mensagens de natureza diversa. Estas mensagens
emergem a todo o momento actualizadas, como forma de afirmação de uma identidade,
sendo indissociáveis dos contextos em que se inserem, das instituições de mediação a
que se vinculam, assim como dos valores, das formas de espiritualidade e criação
humana” (FERIN, 2002, p. 10).
Entre os meios de comunicação da memória cultural das sociedades estão os
acervos das bibliotecas, arquivos e museus, cuja atividade é orientada pelas discussões do
campo da Ciência da Informação. A aproximação com as Ciências da Comunicação
144
consiste na consideração de que “estes acervos vão constituir as potenciais referências do
segmento que formata conteúdos simbólicos adequados a hipotéticos receptores, os quais
exercem sua capacidade de descodificação de mensagens, negociando-as em função das
suas heranças culturais e das suas vivências quotidianas” (FERIN, 2002, p. 28).
Com o advento dos meios de comunicação de massa, constitui-se o conceito de
cultura de massa, que “[...] decorre da coexistência e das tensões das sociedades
policulturais modernas, onde estão presentes diversas culturas, determinantes e
determinadas por interacções múltiplas (pessoais, familiares, escolares, nacionais,
religiosas, políticas, promovidas pelos media...)” (FERIN, 2002, p. 125).
Dessa maneira, “a indústria cultural, estruturada a partir da exploração
sistemática de um desejo consumista da cultura, padronizou o conteúdo informativo das
mensagens, simplificando os processos cognitivos e abrindo, ao mesmo tempo, um
amplo leque de opções de informação para um público ávido e carente que, até pouco
antes, estava à margem dos circuitos do saber” (ODDONE, 1998, p. 5).
O conceito de cultura apresenta determinada transversalidade ao se relacionar
com a CI e as Ciências da Comunicação. Isabel Ferin indica pontos de conexão entre
cultura e comunicação, nos quais podemos incluir o campo da informação. Dessa
maneira, “ambas se encontram no âmago da actividade humana; podem ser formalizadas
através de códigos e tecnologias; são simultaneamente individualizadas e partilhadas por
um grande número de pessoas; estão sujeitas a rituais de aprendizagem inerentes a
hábitos, costumes, inovações e rupturas” (FERIN, 2002, p. 48).
Nesse sentido, CI e Ciências da Comunicação podem ser considerados campos de
estudos dos significados. Na interface entre as áreas, “a problemática da informação, na
Ciência da informação, aproxima-a do campo teórico da Teoria da Comunicação,
precisamente porque ambas operam com o sentido. Pode-se afirmar, nessa perspectiva,
que a informação documentada é objeto material da Ciência da Informação, enquanto os
145
processos de sua estruturação para o fluxo e a recepção são seu objeto formal”
(KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 10).
Também na esfera dos campos promotores da aproximação entre Comunicação e
Informação, é possível destacar a relação intermediada pela Lingüística. Como vimos
anteriormente nos históricos das áreas, os estudos lingüísticos fundamentam os
princípios científicos de ambas as disciplinas.
A linguagem é o conjunto de estruturas minimamente necessário para a
construção da informação e para a sua posterior comunicação. Dessa maneira, “em toda
comunicação há implícita uma informação porque não se pode prescindir de uma carga
cognitiva no menor gesto comunicativo que seja” (TAVARES, 2002, p. 140).
Ana Maria Brambilla fala em subordinação dos campos comunicacional e
informacional à linguagem, uma vez que a informação passa necessariamente pela
mediação da linguagem. Além disso, “enquanto sistema, a linguagem torna a memória
coletiva algo inteligível, registrável e transmissível, a transforma, portanto, em
informação” (McGARRY, Kevin citado por BRAMBILLA, 2004).
A Lingüística foi essencial para a ampliação da definição dos conceitos de
comunicação e informação, originalmente atrelados às tecnologias, aos meios e aos
suportes, como exemplifica a teoria matemática da comunicação. Os estudos
lingüísticos, em conjunto com as pesquisas semânticas e semióticas, acrescentaram os
conceitos de fluxos de idéias e de mensagens cheias de significado aos temas de trabalho
da CI e das Ciências da Comunicação (OLIVEIRA, 2005, p. 24-25).
Em síntese, “colocando em discussão os códigos, os signos, as formas simbólicas,
as cadeias de significação, os modos de produção de sentido, os estudos de linguagem nos
permitem compreender as montagens e desmontagens dos significados formalizados
pelos meios de informação e de comunicação” (PAIVA, 2002, p. 191).
Dessa maneira, é possível dizer que as duas disciplinas prescindem (e continuarão
a prescindir) necessariamente da Lingüística. E, atualmente, os dois campos de estudos
146
também incluem suas questões e discussões na pesquisa lingüística. As convergências são
tão grandes a ponto de tornar extremamente complicado identificar os limites de uma
área em relação às outras.
Até porque, as imbricações lingüísticas são determinantes na proposição de
variações nas designações de comunicação e de informação. Como observam Rafael
Capurro e Birger Hjorland, “o fato de que o conceito de comunicação de conhecimento
tem sido designado pela palavra informação parece, a primeira vista, um acontecimento
lingüístico” (CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 149).
A interface da Ciência da Informação com as Ciências da Comunicação pode ser
analisada também a partir da estreita relação com as tecnologias de produção e
reprodução da informação.
Em princípio, à Ciência da Informação coube a gestão do conhecimento
previamente produzido. Ainda que com o objetivo de facilitar a produção da informação
pelo leitor, esse paradigma ainda estava essencialmente atrelado à inexistência do papel
de produtor no âmbito dos serviços de informação. Esse panorama nos parece explicar a
insuficiência de uma relação imediata da informação com o processo de comunicação.
Também em uma visão tradicional, a natureza dos meios de comunicação de
massa era “o processo industrializado de produção e distribuição oportuna de mensagens
culturais em códigos de acesso e domínio coletivo, por meio de veículos mecânicos
(elétricos/eletrônicos), aos vastos públicos que constituem a massa social, visando a
informá-la, educá-la, entretê-la ou persuadi-la” (BELTRÃO e QUIRINO, 1986, p. 57).
No entanto, como exemplifica Ivete Pieruccini, “a invenção dos suportes de
inscrição das representações, concedendo-lhes possibilidades de circulação para além do
âmbito imediato dos produtores, instituiu um novo paradigma de mediação, não mais
exclusivamente natural, dependente do aparato biológico dos sujeitos” (PIERUCCINI,
2004, p. 31).
147
Ainda Pierucinni observa que “o novo quadro de desenvolvimento de
tecnologias, portanto, não significa tão somente a concorrência de novos meios de
transporte de informação à distância. Trata-se do estabelecimento de uma nova ordem
história mundial, de novas concepções, modos e recursos de configuração da sociedade e
da informação” (PIERUCCINI, 2004, p. 32).
Nas palavras de Edgar Morin, trata-se do processo de “tecnologização” da
informação e da comunicação, onde “a esfera de informação encontra-se de tal forma
tecnologizada, não sendo incomum confundir os meios das mediações”. Para solucionar
tal problema, cabe às ciências “[...] não somente uma posição epistemológica que
incorpore a tecnologia como meio, e não como fim, poderá livrar-nos da submissão à
tecnoesfera” (MORIN, Edgar citado por KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 16).
Segundo Ronald Day, “a facilidade com que as tecnologias de informação
convergem para as tecnologias da comunicação, e vice-versa - por exemplo, no caso da
Internet que é entendida como meio, tanto de comunicação quanto de informação sugere que a tentativa de definir a diferença 'real' entre ambos os termos é menos
importante do que a de acompanhar sua congruência história na teoria e na prática”
(DAY, Ronald E. citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 188).
Dessa maneira, “a obsolescência de conceitos envolvendo as mídias e o
direcionamento para uma personalização cada vez maior de conteúdos são dois fatores
que começam a se desenhar no atual horizonte, envolvendo as áreas da comunicação,
informação e tecnologia. Isto ocorre por intermédio das possibilidades tecnológicas
acessíveis e também amigáveis, onde comunicação e informação misturam-se no
processo, tornando muitas vezes nebulosas as fronteiras, especialmente no que diz
respeito às diferentes utilizações das tecnologias e ainda sobre quem produz os
conteúdos que circulam cada vez mais sem controle” (CUNHA, 2003).
Os novos usos das tecnologias cumprem, assim, o papel de unir os paradigmas da
Ciência da Informação e das Ciências da Comunicação, por meio da indistinção entre
148
funções de emissão e recepção de mensagens. Os meios de comunicação e os serviços de
informação passam a operar como espaços privilegiados de facilitação e de fruição da
informação, em uma conformação que consiste pura e simplesmente no processo de
comunicação.
Outra modalidade de vinculação entre Ciência da Informação e Ciências da
Comunicação pode ser denominada como relação interdisciplinar. Como vimos
anteriormente, a interdisciplinaridade é um dos estágios de aproximação entre as
ciências, o que a aponta como uma das principais perspectivas de análise das relações
entre campos do conhecimento.
A base de compartilhamento interdisciplinar das áreas pode ser observada sob
dois prismas. “Num universo amplo, ambas dão suporte a outros campos do saber”, por
conta da transversalidade natural das ciências que tratam da linguagem e do discurso.
Em uma abordagem específica, “tanto a uma quanto a outra cabem visões tecnológicas,
educacionais e/ou sociológicas” (TAVARES, 20002, p. 147).
A interdisciplinaridade pode ocorrer em diversos níveis e planos, mas, segundo
Le Coadic, as principais formas de relação interdisciplinar são aquelas explícitas pelas
aproximações entre conceitos, métodos, leis, modelos e teorias (LE COADIC, 2000, p.
55).
No bojo da discussão entre os laços interdisciplinares, uma das principais facetas
de análise é a relação entre conceitos da CI e das Ciências da Comunicação. Aos
conceitos cabe delimitar precisamente a abrangência do significado de um termo para
determinado campo do conhecimento. Dessa forma, o estudo dos conceitos nos permite
encontrar consistentes aproximações entre as duas disciplinas.
Sobre a importância dos conceitos, a partir dos seus usos interdisciplinares possíveis, Olga Tavares indica que “em nível epistemológico, o excesso de conceitos escolhidos sem uma reflexão crítica e relacional tem contribuído para a apresentação de trabalhos equivocados. Não se pode é, sob a justificativa da interdisciplinaridade, fazer uso de
149
determinados fundamentos teórico-metodológicos indiscriminadamente, sem um exame
prévio da delimitação do objeto a que se propõe investigar” (TAVARES, 2002, p. 146).
Em todas as ciências, os conceitos traduzem “proposições acerca de observações
devem ser expressas na linguagem de alguma teoria. Conseqüentemente, discute-se que
as proposições e os conceitos que nelas figuram serão tão precisos e informativos quanto
a teoria em cuja linguagem se apóiam seja precisa e informativa” (CHALMERS, Alan
Francis citado por CAPURRO e HJORLAND, 2007, p. 152).
Entre os principais conceitos para os dois campos está a noção de informação.
“Ainda que informação, para cada uma das áreas, tenha particularidades fundamentais,
ambas partilham de um conjunto de concepções que pode ser traduzir informação por
um quase-sinônimo do termo fato, um reforço do que já se conhece, a liberdade de
escolha ao selecionar uma mensagem, a matéria-prima da qual se extrai o conhecimento,
aquilo que é permutado com o exterior e não apenas recebido passivamente, definida em
termos de seus efeitos no receptor ou ainda algo que reduz a incerteza em determinada
situação” (McGARRY, Kelvin citado por BRAMBILLA, 2004).
Daniel Bougnoux ressalta que “os conceitos de informação e comunicação são
inversamente relacionados. A comunicação está relacionada à previsibilidade e à
redundância, enquanto a informação, com o novo e o imprevisto. Não há informação
pura ou informação em si (isto é, a informação está sempre relacionada a algum tipo de
redundância ou ruído). Informar (aos outros ou a si mesmo) significa selecionar e
avaliar. Este conceito é particularmente relevante no campo do jornalismo ou mídia de
massa, mas, obviamente, também em CI” (BOUGNOUX, Daniel citado por CAPURRO e
HJORLAND, 2007, p. 173).
Segundo Paiva, “a informação enquanto vetor de comunicabilidade, desta
maneira, inscreve-se como uma faculdade de permuta, de troca e de mutualidade,
implicando no ritual de aproximação de um espírito ‘comum’” (PAIVA, 2002, p. 171).
150
Na perspectiva da Ciência da Informação, a disciplina “preocupa-se com a
pesquisa científica e a prática profissional relativas à comunicação, necessidades e uso da
informação em contextos sociais, institucionais e individuais. Informação e comunicação
são as palavras-chave de sua proposição” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 13).
Capurro e Hjorland apontam que “quando usamos o termos informação em CI,
deveríamos ter sempre em mente que informação é o que é informativo para uma
determinada pessoa. O que é informativo depende das necessidades interpretativas e
habilidades do indivíduo (embora estas sejam freqüentemente compartilhadas com
membros de uma mesma comunidade de discurso)” (CAPURRO E HJORLAND, 2007, p.
154-155).
Nesse sentido, parece legítima e enriquecedora a intenção de ampliar a discussão
da Ciência da Informação para os processos e os fenômenos de geração, comunicação e
uso da informação. E, de modo operacional, a interface com as Ciências da Comunicação
pode contribuir para o entendimento deste caráter comunicacional da Ciência da
Informação, e, porque não, para um certo esclarecimento do caráter informacional do
campo da Comunicação.
No nosso trabalho, selecionamos o estudo das relações conceituais entre
Comunicação e Informação a partir dos conceitos representação documentária,
mediação e comunicação científica. A escolha destes três exemplos considerou a
relevância dos conceitos para o campo da Ciência da Informação, e a correlação com as
Ciências da Comunicação.
151
4.1
Representação documentária
Os serviços de informação, prestados por pessoas ou por instituições, são a
principal modalidade de prática e de aplicação dos estudos da Ciência da Informação.
Com o objetivo de favorecer o acesso à informação, os serviços de informação
desenvolvem atividades e processos que envolvem os fenômenos de construção,
comunicação e uso da informação (LE COADIC, 2000, p. 25).
O processo de construção da informação envolve, basicamente, “a aplicação do
raciocínio ao corpo de conhecimentos acumulados ao longo do tempo e armazenados
nas bibliotecas e centros documentação”. Relaciona-se, portanto, à necessidade de
circulação (comunicação) e à utilização (uso) anterior da informação (LE COADIC,
2000, p. 26).
O papel da comunicação da informação consiste em promover e assegurar o
intercâmbio dos trabalhos, das pesquisas e de qualquer outro tipo de informação entre as
pessoas potencialmente interessadas. Trata-se da função de mediação entre o estágio
inicial (construção) e o estágio final (uso) do processo de transferência da informação
(LE COADIC, 2000, p. 31).
Finalmente, “usar informação é trabalhar com a matéria informação para obter
um efeito que satisfaça a uma necessidade de informação”. Dessa maneira, o uso da
informação envolve o estoque de conhecimento do assunto (construção) e a
identificação da informação pertinente nesta massa informacional (comunicação) (LE
COADIC, 2000, p. 38).
O trinômio construção, comunicação e uso é uma proposta de modelização social
do processo de transferência da informação, cujo objetivo é explicar os fenômenos
relacionados ao ciclo informacional de modo harmônico e interacional (LE COADIC,
2000, p. 10).
152
Comunicação
Construção
Uso
Figura 6. O ciclo da informação, por Yves François Le Coadic
Para identificar as relações da Ciência da Informação com as Ciências da
Comunicação, e assim manter o foco do nosso trabalho, privilegiaremos a análise da
etapa de comunicação da informação, com atenção especial aos processos de
representação da informação.
A representação da informação é uma das atividades mais tradicionais dos
centros e serviços informacionais. Entre os seus objetivos estão o controle bibliográfico e
documentário, a gestão das coleções e dos acervos, e, principalmente a representação
temática da informação. Para tanto, a Ciência da Informação desenvolveu inúmeros
métodos de análise da informação.
A catalogação visa “escolher como palavras que servirão de entradas no catálogo
as que descrevam a origem do documento: nomes de autores, editores, lugar, data,
língua de publicação, título do documento”. A análise de co-citações consiste em
verificar a co-ocorrência das menções entre trabalhos de uma mesma área de atuação. À
análise de termos associados cabe verificar “as palavras-chave [que] indicam quais são os
assuntos relevantes em determinado setor de pesquisa em dado momento”. Também
podem ser citados o processo de reformulação de textos (resumos), a análise quantitativa
da informação (infometria) e a indexação (LE COADIC, 2000, p. 64-67).
A indexação consiste na seleção de assuntos representativos do conteúdo de um
texto. Dessa forma, a indexação também é denominada representação temática,
153
representação de conteúdo, ou ainda, representação documentária, termo preferido em
nosso estudo.
F. Wilfrid Lancaster propõe a visualização do fluxo da representação
documentária através de um modelo, preparado especialmente para explicar as funções
detalhadas dos sistemas de recuperação da informação (SRI) (figura 7). É importante
ressaltar que, na proposta do autor, este sistema está inserido no cenário de um ciclo de
transferência da informação.
Para Lancaster, o processo de indexação envolve dois passos distintos: a análise
conceitual propriamente dita e a tradução da análise conceitual para determinado
vocabulário. A análise conceitual consiste em reconhecer os assuntos dos quais o texto
trata, a partir da capacidade de uso do usuário do sistema de informação. Já á tradução
abrange relacionar os assuntos selecionados na análise conceitual aos códigos de
representação documentária utilizados no sistema de informação (LANCASTER, 1979,
p. 9).
A partir dos anos 90, em proposta de Antonio Garcia Gutiérrez, os estudos sobre
a representação do conteúdo da informação convergiram para a Lingüística
Documentária, um subdomínio da Ciência da Informação. Este ramo da CI “preocupa-se
com os problemas decorrentes dos processos simbólicos do tratamento e da recuperação
da informação, buscando pesquisar soluções que diminuam a distância entre os estoques
e o uso da informação a partir dos estudos das estruturas simbólicas da documentação,
das questões lingüísticas de mediação entre produtores e consumidores da informação e
da ligação entre os processos documentários e a construção e verbalização da
informação” (LARA, 2007, p. 4).
154
Figura 7. Sistema de recuperação da informação, por F. Wilfrid Lancaster
Nesse sentido, “entende-se como representação documentária o produto
resultante de um processo de análise e síntese do conteúdo dos textos. A síntese
documentária, por sua vez, pode transformar-se numa outra representação quando intemediada por uma Linguagem Documentária”. A primeira relação deste processo com o
155
campo das Ciências da Comunicação consiste em que, “enquanto representação, estes
produtos instauram situações de comunicação ‘documentária’” (LARA, 1997, p. 74).
Maria
Salet
Ferreira
Novellino,
no
entanto,
problematiza
o
caráter
comunicacional do conceito de representação documentária, ao afirmar que “este é um
processo isolado do contexto no qual a transferência da informação se insere; a ela é
dada uma autonomia cuja conseqüência é a sua alienação do processo total de
comunicação da informação” (NOVELLINO, 1998, p. 137).
Segundo a autora, tal visão desconsidera a questão do significado e do contexto da
informação, uma vez que “o significado da informação não é estabelecido previamente
por quem organiza, mas vai sendo estabelecido durante o processo de comunicação,
havendo um sentido partilhado de valor, considerando-se, não apenas a essência ou o
conteúdo da informação, mas, também, seus contextos de produção e os possíveis
contextos de uso” (NOVELLINO, 1998, p. 138).
Em seu questionamento, Novellino identifica duas visões distintas do processo de
representação da informação, uma de concepção representacionista ou referencial e
outra de concepção comunicacional. A primeira está fundamentada nos estudos da
filosofia da linguagem tradicional, segundo a qual “[...] a linguagem é essencialmente
individual e a sua função comunicativa é considerada secundária”. A segunda se baseia
na filosofia da linguagem ordinária, que “considera não apenas regras para garantir a
inteligibilidade de enunciados, mas leva em conta os contextos de produção,
comunicação e uso da informação” (NOVELLINO, 1998, p. 140).
Entretanto, a concepção comunicacional da representação da informação,
conforme a proposta de Novellino, envolve uma forte capacidade de intervenção no
domínio a ser representado, a partir da identificação minuciosa das redes de relações
entre assuntos e contextos. Para adotar esta orientação, seria necessário um intenso
trabalho documentário, o que pode extrapolar as exigências de tempo e recursos
156
humanos dos serviços de informação. De qualquer maneira, a questão levantada pela
autora é extremamente relevante, por isso, merece ser discutida e considerada.
Além disso, a própria abordagem do conceito de representação revela
proximidade com o campo comunicacional, a partir da concepção de signo de Charles S.
Pierce. Para o autor, representar “significa ‘estar em lugar de, isto é, estar numa relação
com um outro que, para certos propósitos, é considerado por alguma mente como se
fosse o outro’” (PIERCE, Charles S. citado por LARA, 1997, p. 73).
A representação documentária é viabilizada a partir de sistemas de significação
compartilhados. Isso porque “muito embora se possa construir sistemas de significação
independentemente da possibilidade de eles serem utilizados em processos de
comunicação, não pode existir os processos de comunicação sem que exista um sistema
de significação” (LARA, 1997, p. 74).
Dessa forma, não é possível falar em comunicação documentária sem a
vinculação a um sistema de significação, seja ele o da linguagem natural, o da linguagem
especializada ou o da linguagem documentária.
As linguagens documentárias são instrumentos de uma das modalidades de
representação documentária. Além delas, é possível representar o conteúdo do
documento por meio da condensação intensiva do texto. Nesse último caso, “o produto
documentário obtido situa-se entre a generalização e a individualização, expressando a
tensão entre estes dois pólos” Trata-se do caso dos resumos, cujo objetivo é garantir
aquilo que é comum, ao mesmo tempo em que deve destacar aquilo que é particular no
texto (LARA, 1993, p. 73).
Uma linguagem documentária é um código comutador que “tem como função a
normalização das unidades significantes ou conceituais presentes no texto original, a
partir de elementos que constituem, de alguma forma, uma condensação de áreas de
assunto” (LARA, 1993, p. 73).
157
Mais uma vez, Novellino aponta limitações nessa abordagem e sugere as
linguagens de transferência da informação como instrumentos com maior capacidade de
comunicação da informação, por “[...] agregar ao termo o sentido que é dado pela
conjuntura na qual ele se insere: o texto e o contexto de produção do texto”
(NOVELLINO, 1998, p. 139).
No caso das linguagens documentárias, por razões pragmáticas, cabe ao próprio
termo efetuar a relação com o contexto de produção do texto representado, ainda que tal
contextualização não atenda completamente as necessidades de representação da
informação.
Diante disto, “o trabalho de representação documentária de textos envolve
questões de comunicação e de significação que se sobrepõem às do próprio texto-objeto:
trabalha-se sobre representações que são, por sua vez, objeto de novas representações”. É
necessário conciliar ainda o processo de representação da informação com os variados
sistemas de significação inerentes a cada pessoa (LARA, 1997, p. 75).
Em um paralelo entre CI e Ciências da Comunicação, a intervenção da
representação da informação se relaciona diretamente com a noção de ruído dos
modelos dos processos comunicacionais. Isso porque a inserção de outra representação
no fluxo de comunicação da informação pode atrapalhar o desenvolvimento da
transmissão das mensagens.
No entanto, pelo contrário, “a função básica das atividades de representação de
conteúdos é sua disseminação, oferecendo, através de produtos condensados, indicações
para que o usuário possa ter acesso a porções selecionadas de documentos relativos a
assuntos específicos” (LARA, 1997, p. 75).
A identificação positiva dos ruídos também é recorrente na literatura das
Ciências da Comunicação. Segundo Paiva, “invertendo os termos da Teoria (tradicional)
da Informação, onde o ‘ruído’ emperra a comunicação telefônica, uma perspectiva
158
compreensiva concebe o ‘ruído’ positivamente como um vetor de evolução das formas
de participação social” (PAIVA, 2002, p. 180).
O princípio da seleção é outro paradigma da Ciência da Informação. O ato de
selecionar é necessário para determinar desde os recursos informacionais relevantes para
o público, as fontes de informação pertinentes nos resultados de uma busca, até as
perguntas a serem elaboradas em uma entrevista com o usuário, por exemplo.
Gabriel Cohn observa que este processo de seleção “[...] não se iguala aos critérios
comunicacionais. Ao passo que a comunicação é da ordem da circulação, o processo
informacional determina o modo como os conteúdos entram ou não nesta circulação”
(COHN, Gabriel citado por BRAMBILLA, 2004).
“A seleção do que é informativo ou não na constituição dos sistemas de
informação não é tarefa simples, pois os domínios e áreas de atividade diferem quanto
aos aspectos que os unem: alguns domínios ‘têm alto grau de consenso e critérios de
relevância explícitos’, outros ‘têm paradigmas diferentes, conflitantes’” (CAPURRO,
Rafael e HJORLAND, Birger citados por LARA, 2007).
Da mesma forma, o universo de informações é definitivamente maior do que o
alcance de qualquer indivíduo, o que faz o tratamento da informação por serviços
especializados despontar como uma solução extremamente adequada para o problema.
E, nesse espectro, a representação documentária é um dos elementos mais importantes.
Em mais uma possibilidade de comparação com o campo das Ciências da
Comunicação, Marilda Lopes Ginez de Lara aponta que “realmente, a atividade de
representação
tem
sido
desenvolvida
marcadamente
centrada
no
emissor,
desconsiderando, ou minimizando, os problemas relativos à comunicação. Esse modelo
não enfrenta convenientemente o fato de que a transferência da informação se realizada
na mediada em que táticas e estratégias de distribuição considerem o espaço social onde
ela se realiza” (LARA, 1999, p. 191).
159
Ao apontar a desconsideração com o contexto social do uso informacional, tal
afirmação questiona o cerne dos estudos da Ciência da Informação, a questão do usuário
da informação. Dessa maneira, para efetivar a comunicação documentária, a
representação documentária precisa aprofundar os estudos das questões relacionadas à
apropriação da informação.
Nesse ponto, as pesquisas em Ciências da Comunicação e Ciência da Informação
parecem denotar uma fantástica capacidade de convergência. Embora as áreas executem
seus estudos a partir de questões diferentes, em virtude da natureza de cada campo, a
apropriação está presente em ambos os processos de comunicação da informação.
Independentemente da fonte, o indivíduo necessita executar um processamento
cognitivo da informação, e, nesse ponto, os paradigmas comunicacional e informacional
podem encontrar inúmeras imbricações.
Segundo Lara e Tálamo, “a inclusão da recepção nos fluxos sociais da informação
ainda tem de ser mais profundamente estudada, já que o tratamento que
tradicionalmente marca a atividade documentária é muito vinculado às estruturas de
codificação da informação, ignorando que o acesso e o uso da informação têm como ator
o sujeito real, territorializado” (LARA, Marilda Lopes Ginez de e TÁLAMO, Maria de
Fátima Gonçalves Moreira citadas por LARA, 2007, p. 7-8).
Na nossa perspectiva de identificação de níveis de aproximação entre Ciências da
Comunicação e Ciência da Informação, a tendência da CI de incluir a questão da
recepção em sua agenda, através da Lingüística Documentária, suscita outro
questionamento. Torna-se imprescindível analisar as diferenças e as semelhanças entre
os efeitos das mensagens documentárias e dos conteúdos comunicacionais.
Se um dos pressupostos da Comunicação é a mensagem persuasiva, teoricamente
a informação produzida nesta esfera teria maior impacto na recepção do indivíduo.
Entretanto, tal afirmação não parece adequada e precisa ser comprovada, uma vez que a
informação veiculada pelos serviços informacionais também possui grande capacidade
160
de modificar as estruturas cognitivas do sujeito. Além do que, a menção aos critérios de
escolha e organização da Ciência da Informação denota uma preocupação com questão
da seletividade, o que pode favorecer um maior potencial de aproveitamento da
informação, por exemplo.
Entre os resultados já alcançados pela Lingüística Documentária nos estudos da
apropriação da informação estão a identificação “[...] das referências mais
compartilhadas, das variações designacionais e conceituais, das formas de uso dos
termos, bem como dos modos como se organizam as áreas e respondem, nem sempre de
forma homogênea, pelos partidos epistemológicos adotados” (LARA, 2007, p. 5).
Em suma, a representação documentária tem como principal característica a
mediação entre os contextos de geração e utilização da informação. Tal função
mediadora já enseja em si fenômenos comunicacionais. No entanto, existem outros
aspectos do campo da Informação relacionados ao conceito de mediação, como será visto
a seguir.
4.2
Mediação
Os processos de mediação da Ciência da Informação são extremamente amplos e
variados, cuja abrangência contempla a representação documentária, como abordamos
na seção anterior, a ação cultural e educacional do profissional da informação, a
atividade de auxílio ao usuário na localização da informação, a natureza mediadora dos
serviços culturais, entre outros fenômenos.
Dessa maneira, dentre os termos selecionados para o nosso trabalho, o conceito
de mediação é a noção que apresenta o maior número de variações de significados. Além
disso, muitas vezes, o conceito não aparece explicitamente na literatura especializada da
área, embora possa ser encontrado na forma de correspondentes. Cabe ressaltar também,
161
que este é o único dentre os conceitos estudados que emprega a designação direta
adotada nas Ciências da Comunicação.
Em um plano geral, o próprio objeto da Ciência da Informação pode ser
considerado um exemplo de mediação, pois “na Informação há um processo de
permanente mediação entre a informação gerada pelos registros sobre a realidade e a dos
sujeitos que a elas terão acesso. Nesses procedimentos são construídas memórias culturais, políticas, científicas, econômicas e poéticas” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 132).
Stumpf e Weber observam o mesmo fenômeno na área da Comunicação, onde “o
processo de mediação é sua própria essência, identificável nos movimentos contínuos de
apreensão e representação da realidade disponibilizada por meio de mídias, linguagens e
técnicas jornalísticas, publicitárias e promocionais” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 132).
Sobre as características da Ciência da Informação, Maria Aparecida Moura aponta
que, “embora nosso trabalho incida em grande medida sob as informações
materialmente suportadas (aquelas sustentadas organicamente por ferramentas, objetos,
processos e manifestações culturais, sociais e organizacionais), nossa ação requer uma
interação mais dinâmica com os processos informacionais, e por que não dizer,
comunicacionais”. E, principalmente, “o exercício da mediação exige o entendimento da
perspectiva comunicacional envolvida” (MOURA, 2005, p. 18 e p. 19).
Ivete Pieruccini identifica duas vertentes para o conceito de mediação nos
serviços de informação. “Numa concepção passiva (tecnicista, ‘neutra’) de mediação o
mediador teria como função a simples transferência da informação; um canal entre os
dois pólos, Ao contrário, numa concepção dinâmica, participativa, interativa de
mediação, a ação tenderia a intervir entre os dois pólos, definindo e/ou alterando as
relações entre eles” (PIERUCCINI, 1998, p. 64).
Já no campo da Comunicação, o significado mais corrente para mediação é o de
“elos intermediários’ entre o estímulo inicial e a resposta, gerando ‘ao mesmo tempo as
162
respostas aos estímulos que os precedem e, por sua vez, estímulos para os elos que
seguem’” (DUBOIS, Jean citado por SIGNATES, 1998, p. 38).
Luiz Signates observa que o conceito de mediação, no campo da Comunicação,
apresenta aproximações com as noções de intermediação, filtro e intervenção, no
entanto, é necessário apurar as definições e os limites de cada termo, para evitar usos
indevidos do conceito.
Intermediação é a proposta de religar a realidade separada em categorias
preexistentes e independentes, em uma visão atrelada ao pensamento positivista. O
conceito é constantemente utilizado para designar a “‘função’ das instituições de
comunicação como intermediários entre grupos e instituições sociais ou mesmo entre
racionalidades distintas”. Signates discorda do uso do termo, pois o verdadeiro papel dos
meios de comunicação de massa não é o de um agente externo que necessariamente
precisa intervir no processo (SIGNATES, 1998, p. 40).
O autor também afirma que “mediação não é tampouco ‘filtro’. [...] Como parece
evidente, a idéia de filtragem remete especificamente à seleção de conteúdos e
pressupõe um enfoque condutivista ou informacional da comunicação” (SIGNATES,
1998, p. 40-41).
Nas próprias palavras de Signates é possível notar que, ao contrário da
Comunicação, na Ciência da Informação os conceitos de filtro e mediação não
apresentam grandes distinções. Isso porque, como vimos anteriormente, a questão da
seleção é paradigmática para os serviços de informação.
No entanto, a noção de filtro da Ciência da Informação apresenta um viés de
facilitação de acesso, a partir da identificação das necessidades do usuário da informação,
o que não pode ser interpretado negativamente, como uma ação indiscriminada e
arbitrária de escolhas.
Nesse sentido, “sob a denominação ‘mediação’ impõe-se a abordagem dos fluxos
de informação com a pretensão de viabilizar contínuas relações entre circulação da in-
163
formação e produção do conhecimento”. No entanto, tal ação não valida a “idéia de que
a presença do mediador neutralizará imperfeições do sistema de informação e de que
este exerce apenas uma função patrimonialista” (KOBASHI e TÁLAMO, 2003, p. 20).
Na continuação da sua proposta de diferenciação dos conceitos comunicacionais
relacionados à concepção de mediação, Luiz Signates distancia o termo do conceito de
intervenção, que consiste em “um ato de censura ou de modificação de um fragmento de
informação”, que provoca “interferências no processo de significação” (SIGNATES,
1998, p. 41).
Também diferentemente da Comunicação, a Ciência da Informação considera a
mediação a partir da prerrogativa de intervenção em uma relação. A partir da visão de
Lev S. Vygostki, a mediação em CI “[...] atua nos processo de significação do universo
concreto e, neste sentido, a humanização dos sujeitos é ‘processo’ de reconstituição
social do que foi adquirido e acumulado pela espécie” (PINO, Angel citada por
PIERUCCINI, 1998, p. 64).
A intervenção da Ciência da Informação é uma proposta de facilitação do acesso
à informação, com base no pressuposto de que a alteração dos significados também pode
ser positiva. Para tanto, os serviços de informação se cercam de todos os cuidados na
identificação do contexto de produção e uso da informação, além das características dos
agentes da comunidade discursiva envolvida neste contexto.
Embora a CI possa incluir as noções de filtro e intervenção em seu conceito de
informação, a partir do ponto de vista de interpretação dos conceitos é possível
identificar um alinhamento com as diferenciações propostas por Luiz Signates. Isso
porque, por mais que ocorram intervenções e seleções, a decisão de uso da informação é
dada ao usuário, não existe imposição ou arbitrariedade. O limite de atuação dos serviços
de informação é a criação e manutenção do ambiente de apropriação da informação.*
FUJINO, Asa. Discussão do conceito de mediação. Aula da disciplina Informação, Ciência e Tecnologia,
ministrada no Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (CBD/ECA/USP). São Paulo, 5 de abril de 2006.
*
164
Pierre Lévy acrescenta outros dois conceitos nessa discussão. “A noção de
interface pode estender-se ainda para além do domínio dos artefatos. [...] Tudo aquilo
que é tradução, transformação, passagem, é da ordem da interface”. Por outro lado, com
a rápida ligação entre emissor e receptor, “as instituições e profissões fragilizadas pela
desintermediação e o crescimento da transparência só poderão sobreviver e prosperar
[...] efetuando sua migração de competências para a organização da inteligência coletiva
e do auxílio à navegação” (LÉVY, Pierre citado por ODDONE, 1998, p. 6-7, grifos
nossos).
Sob outra perspectiva do conceito no campo da Ciência da Informação, segundo
Ivete Pieruccini, a mediação “não depende exclusivamente da ação humana direta”, pois
toda “a relação homem-mundo é uma relação mediada por símbolos, por instrumentos,
por outros homens” (PIERUCCINI, 1998, p. 64).
Dessa maneira, outro ponto de ligação entre os conceitos de mediação da Ciência
da Informação e das Ciências da Comunicação é o conceito de informação. À informação
cabe o papel de estrutura portadora de significados, que, nesse cenário, sem minimizar
as outras acepções do conceito, é uma das construções que possibilita a relação homemmundo.
E, como vimos anteriormente, necessariamente a informação está relacionada ao
paradigma da linguagem. “Nesse sentido, é por meio da linguagem que ocorre o processo
de incorporação progressiva (da criança) à comunidade humana, forma unívoca de
internalização da cultura que torna o indivíduo social, humanizado”. E, mais tarde, nos
demais estágios de desenvolvimento do sujeito, a linguagem continua a exercer o papel
de ressignificar a sua relação com o mundo (PIERUCCINI, 1998, p. 67).
Aqui reside a importância da representação documentária como instrumento de
comunicação da informação, cuja função é facilitar as trocas informações entre os
autores e os receptores da informação. Isso porque “não é suficiente unicamente, que a
mensagem esteja intencionalmente dirigida ao acesso, mas que a mensagem atinja as
165
geografias semânticas do receptor, compatíveis com a sua compreensão e aceitação”
(BARRETO, Aldo de Albuquerque citado por TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA,
2002).
De volta à esfera das múltiplas formas de mediação do homem em sua relação
com o mundo, Pieruccini identifica mais uma modalidade de aproximação entre CI e
Ciências da Comunicação, por meio do caráter institucional enquanto serviços culturais.
Isso porque “os serviços culturais passam a ter importante papel de mediação das novas
relações com o mundo, em contextos contemporâneos, quando formas de relação
‘espontânea’ com a cultura são cada vez mais substituídas por forma intermediadas por
organizações como museus, bibliotecas, meios de comunicação de massa, entre outros”
(PIERUCCINI, 1998, p. 64).
Nesse sentido, no campo das Ciências da Comunicação, a partir de Jesus MartinBarbero, “a mediação é, assim, definida como processo pelo qual os meios de
comunicação adquirem materialidade institucional e espessura cultural, abordagem que
supera os estudos sobre estrutura econômica e conteúdo ideológico” (MARTINBARBERO, Jesus citado por SIGNATES, 1998, p. 43).
Régis Debray chega a propor uma disciplina, a Midiologia, para estudar a
mediação, entendida como “o conjunto dinâmico dos procedimentos e corpos
intermédios que se interpõem entre uma produção de signos e uma produção de
acontecimentos” (DEBRAY, Régis citado por ODDONE, 1998, p. 6-7).
Ainda na discussão do conceito de mediação nas Ciências da Comunicação, mas
em interface direta com o campo da Ciência da Informação, Guillermo Orozco Gómez
aponta a diversidade de fontes de mediação da sociedade: “cultura, política, economia,
classe social, gênero, idade, etnicidade, os meios, as condições situacionais e contextuais,
as instituições e os movimentos sociais” (OROZCO GÓMES, Guillermo citado por
SIGNATES, 1998, p. 44).
166
No caso dos serviços de informação, o seu papel, na sociedade atual, é “[...]
propiciar a interface de treinamento entre o usuário e as ferramentas da metainformação, e tornar-se ponto focal de uma comunidade (real e virtual) de
conhecimento, centro cultural e ponto de referência para encontros de comunidades de
cibernautas” (ALLEN, Mathew e RETZLAFF, Lothar citados por TARAPANOFF,
SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002).
Além de todas as fontes de mediação, a própria “consciência humana é fruto de
mediações, atribuindo à atividade mental (memória e pensamento), às relações sociais
(sociabilidade) e às tecnologias (instrumentos) a responsabilidade pela organização da
‘nossa sensibilidade aos estímulos, nossa percepção e memória deles, e nossas reações a
eles’” (RATNER, Carl citado por PIERUCCINI, 1998, p. 66).
Mesmo com a generalização do caráter de mediação do mundo, os estudos da
Comunicação apontam a perspectiva da mediação da atuação profissional, no que
também revelam sintonia com a pesquisa em mediação na Ciência da Informação.
Segundo Daniel Bougnoux, “o mediador é o homem do meio: intermediário ou pontifex
entre duas extremidades, mostra-se sensível às circunstâncias, às oportunidades
ambientes” (BOUGNOUX, Daniel citado por ODDONE, 1998, p. 6).
Jiron Matui, pesquisador do campo da Pedagogia, identifica “[...] os mediadores
do conhecimento por sua ação no sentido de favorecer a interação entre sujeito e objeto
do conhecimento e de facilitar a apreensão pelo indivíduo dos objetos físicos inseridos,
histórica e culturalmente, no contexto da rica rede de relações simbólicas que permeia o
social” (MATUI, Jiron citado por ODDONE, 1998, p. 7).
Para Kira Tarapanoff, Emir Suaiden e Cecília Oliveira, “o fluxo da informação
entre os estoques ou espaços de informação e os usuários é tarefa de profissionais que
devem qualificar este acesso em termos das competências para assimilação da
informação, como sendo uma condição, que deve ter o receptor da informação acessada;
167
elaborar a informação para seu uso, seu desenvolvimento pessoal e dos seus espaços de
convivência” (TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002).
Ao falar do profissional da informação, Nanci Oddone considera que “muito mais
relevante é o papel que lhe está reservado nos processos de comunicação e transferência
da informação e de mediação na construção do conhecimento”. “Seria seu papel
identificar e atender as necessidades informacionais de seus usuários imediatos e
potenciais, procurando estabelecer uma dinâmica entre os repositórios estáticos do
conhecimento que se encontram sob sua responsabilidade e as questões vivas dos
indivíduos na busca de novas informações e conhecimentos” (ODDONE, 1998, p. 2).
O exercício do papel de mediador é conveniente em todas as esferas de atuação
profissional, sobretudo, a partir das novas tecnologias da comunicação. Assim, “é
necessário que o profissional da informação atue como um mediador entre o mundo
digital e a capacidade real de entendimento do receptor da informação, garantindo a
efetiva comunicação e a satisfação da necessidade informacional do usuário dessa
tecnologia” (TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002).
Na esfera dos serviços de informação social e cultural, como as bibliotecas
públicas e comunitárias, “[...] cabe ao profissional da informação um papel de mediador
da informação, onde ao mesmo tempo ele utiliza novas tecnologias alicerçadas ao
desenvolvimento social, ou seja, ele desenvolve um papel fundamental para acabar com
a exclusão digital e a falta de acesso á informação” (TARAPANOFF, SUAIDEN e
OLIVEIRA, 2002).
Em outro plano, dos serviços de informação em negócios, “numa economia
baseada na informação e no conhecimento o centro informacional e o profissional a
informação devem fazer a transição de: centro de custo para centro de valor agregado;
oferta de serviços para oferta de informações em resposta a necessidades específicas;
provedores de informação para parceiros na geração do conhecimento” (RYSKE, E. e
SEBASTIAN, T. citados por TARAPANOFF, SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002).
168
Por fim, a habilidade de mediação do bibliotecário também é exigida no contexto
científico e tecnológico, no qual a sua atividade de interação com autores, editores,
avaliadores, agências de fomento e universidades, por exemplo, pode potencializar os
processos de geração, transferência e uso da informação.
O ponto em comum entre estas esferas é o objetivo de capacitar o indivíduo para
“[...] encontrar, avaliar e usar a informação eficazmente para resolver problemas ou
tomar decisões. Uma pessoa alfabetizada em informação é aquela que reconhece a
necessidade da informação; organiza-a para uma aplicação prática; integra a nova
informação a um corpo de conhecimento existente; usa a informação para solução de
problemas e aprende a aprender” (LENOX, Mary F. citada por TARAPANOFF,
SUAIDEN e OLIVEIRA, 2002).
Seja no plano social, educacional, científico, tecnológico, administrativo, ou em
qualquer outra esfera, a mediação também deve ser observada enquanto processo prático
do serviço de referência das unidades de informação. A referência consiste na situação
comunicacional de interação direta entre o profissional e o usuário, cujo objetivo é
auxiliar e potencializar o resultado das buscas da informação.
Dessa maneira, conforme Nanci Oddone, nos “parece claro que, como conceito, a
idéia de mediação permanece íntegra sob todos os ângulos através dos quais é observada
e, de forma inequívoca, poderá trazer uma grande contribuição ao estudo do perfil
profissional do bibliotecário do futuro, enquanto agente interfaciador no processo de
transferência da informação e de construção do conhecimento” (ODDONE, 1998, p. 9).
Diante da multiplicidade de constatações e de intervenções no contexto das
sociedades contemporâneas, a mediação consiste na função precípua dos serviços de
informação. Entre os principais espaços de manifestação do caráter mediador da CI está
o contexto da comunicação científica, que será visto e analisado a seguir.
169
4.3
Comunicação científica
A ciência é uma modalidade de produção, transferência, uso e discussão da
informação, cujo objetivo é explicar, sistematizar e averiguar ilimitado número de
fenômenos da realidade e da sociedade. Dessa forma, a partir das suas características, das
suas propriedades e dos seus princípios, é possível indicar que a ciência é prática
provisória, controlada, e, comunicável.
A primeira das propriedades da ciência é o estudo dos fenômenos por meio da
aplicação rigorosa de uma metodologia de pesquisa, que consiste em um conjunto de
regras definidas, controladas e compartilhadas por uma comunidade de pesquisadores
(MUELLER, 2000, p. 21).
Maria das Graças Targino destaca que “[...] vale dizer que a ciência avança não
como resultado de um processo cumulativo de uma positividade de idéias, mas pela
negação de hipóteses e teorias, cuja rejeição aproxima o homem da verdade, ainda que
provisória e mutável, por ser histórica, e portanto, redefinível a qualquer momento”
(TARGINO, 2000, p. 2).
O caráter provisório é justamente o segundo aspecto delimitador do universo
científico. A ciência é, antes de tudo, “uma instituição social, dinâmica, contínua,
cumulativa”. Tal carência de um nível de permanência está relacionada à natureza da
sociedade, dos objetos e dos indivíduos que a ciência pesquisa, pelos quais ela é
construída, e, com os quais ela interage (TARGINO, 2000, p. 2).
Por fim, a terceira característica da ciência é a comunicabilidade. O papel
fundamental da comunicação reside na sua capacidade de imprimir níveis de
confiabilidade aos resultados dos estudos científicos. Trata-se do processo de divulgação
e de avaliação do conteúdo das pesquisas acadêmicas pelo conjunto de pessoas
170
envolvidas com determinada área, disciplina, grupo ou linha de atuação (MUELLER,
2000, p. 21).
No mesmo sentido, Le Coadic observa que “a ‘comunicabilidade’ é a característica
principal da produção científica, pois permitirá o reconhecimento do cientista pelos
pares e lhe garantirá sucesso na comunidade científica” (LE COADIC, 2000, p. 33).
Dessa forma, a primeira aproximação do conceito de comunicação científica com
o campo das Ciências da Comunicação consiste na adoção da própria designação do
conceito de comunicação, enquanto conjunto dos fenômenos e dos processos de
interação entre dois ou mais sujeitos.
O correspondente material e formal da comunicação científica é o documento
científico, que, ao explicitar e compartilhar as idéias de uma ou mais pessoas, “[...]
permite expor o trabalho dos pesquisadores ao julgamento constante de seus pares, em
busca do consenso que confere à confiabilidade” (MUELLER, 2000, p. 22).
A principal classe de documentos científicos surgiu no século XVI, como produto
da comunicação entre os membros de sociedades de pesquisa da Europa. Em Londres, os
membros da Royal Society, constituída no ano de 1662, trocavam constantes
correspondências, “com o objetivo de discutir questões filosóficas e acompanhar os
progressos ocorridos no mundo”. Na França, a sociedade Sçavans, que contava com a
mesma produção de cartas, formulou uma apresentação formal destes documentos. O
Journal de Sçavans, lançado em 1665, “tem boas razões para ser chamado a primeira
revista em sentido moderno”. No mesmo ano, a Royal Society cria o seu próprio título
de periódico, o Philosophical Transactions (MEADOWS, 1999, p. 5-6).
Além do impulso institucional das sociedades de estudos, outro facilitador do
advento da revista científica foi o surgimento da imprensa. “A capacidade de multiplicar
os exemplares de um livro [ou qualquer outro tipo de documento] representou um passo
importante rumo a uma difusão melhor e mais rápida das pesquisas”. E, ao mesmo
171
tempo, “[...] começaram a ser produzidas folhas noticiosas, de caráter oficial ou não-oficial, que descreviam acontecimentos de particular interesse” (MEADOWS, 1999, p. 4).
Mais uma vez, portanto, os objetos de estudo da Ciência da Informação e das
Ciências
da
Comunicação
se
cruzaram
e
se
relacionaram,
por
conta
do
compartilhamento das benesses da evolução da tipografia. Assim, a revolucionária
tecnologia de reprodução da impressão se consolidou como o principal motor da
comunicação científica e da comunicação de massas.
Para alcançar a legitimação da ciência, os conceitos, as metodologias, as teorias,
os princípios, os resultados, as ferramentas, e, qualquer outro aspecto inerente ao fazer
científico, precisam ser coletivizados e discutidos por um grupo delimitado de
estudiosos. Cabe ao processo de comunicação operacionalizar o compartilhamento
dessas informações.
Nesse sentido, é possível observar outro viés de aproximação entre os campos da
informação e da comunicação. A formalização da comunicação científica está para a
Ciência da Informação como o surgimento dos meios de comunicação de massa está para
as Ciências da Comunicação. Nos dois casos, ocorreu uma institucionalização do
processo comunicacional, com a participação de agentes de mediação, em sua maior
parte profissionais.
No âmbito dos modelos acadêmicos de análise da comunicação de massa, surgiu o
conceito de gatekeeping, para analisar a função de determinadas pessoas-chave na
disseminação, comprovação ou distorção da mensagem veiculada pela mídia
(SHOEMAKER, Pamela J. citada por MEADOWS, 1999, p. 148).
Os primeiros estudos sobre o gatekeeping foram desenvolvidos na década de 50
por David Manning White, a partir de princípios de Kurt Lewin. O objetivo foi “[...]
definir onde, em quais pontos do aparato, a ação de filtro é exercida explícita e
institucionalmente”. O papel do gatekeeper está relacionado à função “[...] de seleção
172
como processo ordenado hierarquicamente e ligado a uma rede complexa de feedback”
(WOLF, 2005, p. 185-186).
A abordagem do conceito de gatekeeper difundiu-se rapidamente nas pesquisas
da Ciência da Informação, no entanto, “esse modelos sociológicos são úteis para
concentrarmos nossa análise em aspectos específicos da transferência da informação,
mas não podem ser aplicados de modo muito amplo” (MEADOWS, 1999, p. 148).
Além da função de gatekeeper, existem outros facilitadores e organizadores do
fluxo de transferência da informação científica. “O primeiro desses grupos é formado
pelas editoras. Sua atribuição é receber as obras dos autores, organizá-las de forma que
seja aceitável pelos leitores, e em seguida divulgar os resultados. O segundo grupo
consiste em bibliotecários e pessoal da informação, que codificam e armazenam o
material oriundo das editoras de modo a torná-los acessíveis aos leitores” (MEADOWS,
1999, p. 127).
Dessa maneira, é possível notar a relação de continuidade entre as atividades
exercidas pelo pessoal do campo da Comunicação e da área da Informação, a partir do
fluxo da comunicação científica.
O fluxo da comunicação científica “é um conceito que pretende representar o
caminho percorrido pela pesquisa, desde que nasce uma idéia na mente de um
pesquisador, passa pelo ponto mais alto que é a publicação formal dos resultados,
geralmente em um artigo científico, e continua até que a informação sobre essa
informação possa ser recuperada na literatura secundária ou apareça em citações em
outros trabalhos” (MUELLER, 2000, p. 27-28).
O modelo mais famoso de fluxo da comunicação científica é o de W. D. Garvey e
B. C. Griffith, em uma proposta formulada a partir de um estudo sobre o
comportamento de pesquisadores da Psicologia (MUELLER, 2000, p. 28).
173
Figura 8. Modelo de comunicação científica de Garvey e Griffith
Extraída de LEITE, Fernando César Lima. Gestão do conhecimento
científico no contexto acadêmico: proposta de um modelo conceitual.
2006. Dissertação (mestrado em Ciência da Informação) - Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação do Departamento de Ciência
da Informação e Documentação, Universidade de Brasília. Brasília,
2006. p. 65. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/
tde_busca/arquivo.php?codArquivo=79>. Acesso em: 24 nov. 2007.
Suzana Mueller lembra que “nesse modelo é fácil perceber que a informação flui
por muitos canais e que diferentes tipos de documentos são produzidos, cujas
características variam conforme o estágio da pesquisa e tipo de público a que se destina e
o objetivo de quem a comunica” (MUELLER, 2000, p. 30).
No bojo da discussão do modelo de Garvey e Griffith, os canais de comunicação
científica tradicionalmente podem ser classificados como formais e informais.
Entretanto, a partir da revolução tecnológica contemporânea, é fundamental considerar
também a função dos canais eletrônicos, cujo espaço no campo da comunicação da
ciência cresce cotidianamente.
Os canais formais costumam tornar a informação “disponível por longos períodos
de tempos para um público amplo”. O paradigma é a comunicação escrita, transmitida
174
através de documentos como livros e periódicos, que constituem o formato tradicional e
mais comum de transmissão da informação (MEADOWS, 1999, p. 7 e p. 116).
Em contraposição, a comunicação científica informal “é em geral efêmera, sendo
posta à disposição apenas de um público delimitado”, a partir do paradigma da oralidade.
As principais características dos canais informais são “retroalimentação imediata,
informação adaptada ao receptor, implicações explicitadas, e conhecimento prático
transmitido junto com conhecimento conceitual” (MEADOWS, 1999, p. 7, 116 e 137).
A caracterização dos canais da comunicação científica em formal e informal
aponta para uma correspondência com o binômio comunicação mediada e interpessoal,
conforme proposta de Isabel Ferin. A comunicação informal e interpessoal tem como
princípio o contato direto entre os indivíduos, geralmente com interação simultânea
entre emissor e receptor, autor e leitor. Já a comunicação formal e mediada inclui
necessariamente processos de mediação e de socialização, através do trabalho dos
responsáveis pelos serviços de informação e pelos meios de comunicação (FERIN, 2002,
p. 26-27).
O formato canal eletrônico da comunicação científica se caracteriza pela hibridez
dos modelos formal e informal. “A princípio, como os formais, atinge um público
potencialmente amplo e mais ainda, a seleção de canal e do conteúdo é de
responsabilidade do pesquisador. Só que, tal como o informal, permite acesso a
informações recentes e dá respostas imediatas aos autores, apesar de apresentar volume
de redundância, às vezes significativo, e não passar pelo crivo da comunidade científica,
salvo cuidados recentes concernentes à editoração eletrônica de periódicos” (TARGINO,
2000, p. 23).
A apresentação do processo de comunicação em formato de fluxo ou contínuo é
mais um exemplo de relação entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação.
Trata-se de uma clara vinculação ao modelo matemático da informação de Shannon e
175
Weaver, constantemente adotado para explicar os fenômenos da comunicação de
massas.
De acordo com Araújo, “embora [a teoria matemática da informação] não possa
explicitar as dimensões psicossociais e sociológicas da informação, em razão de seu
estatuto físico, ela tem sido largamente utilizada na Ciência da Informação” (ARAÚJO,
2002, p. 20).
Ida Stumpf e Maria Weber apontam que “esse paradigma passou a vigorar como
explicativo dos problemas relacionados à Comunicação e à Informação, independente do
tipo de mensagem veiculada, quer de natureza científica, tecnológica, artística, afetivas,
quer de outra ordem” (STUMPF e WEBER, 2003, p. 124).
Segundo Marlene de Oliveira, a relação com o paradigma da teoria matemática
da comunicação “não permitiu considerar os aspectos cognitivos da informação e nem o
desejo do usuário como componentes que alteram significativamente o processo de
recuperação da informação dentro de um sistema” (OLIVEIRA, 2005, p. 25).
Para Capurro e Hjorland, propostas como a teoria matemática da comunicação
“não são necessariamente adequadas para a biblioteconomia, documentação e
comunicação científica. Um sério risco surge uma vez que conceitos e teorias
relacionados à teoria da informação tendem a reduzir o estudo da comunicação
documentária à ciência da computação e à ciência cognitiva, retirando, assim, a base do
campo em suas prerrogativas” (HJORLAND, Birger citado por CAPURRO e
HJORLAND, 2007, p. 177-178).
Em uma crítica ainda mais veemente ao modelo matemático, Le Coadic afirma
que “[...] a analogia da transmissão de um sinal elétrico conseguiu bloquear os progressos
concernentes à comunicação das informações e contribuir para reunir fenômenos
irredutíveis sob uma mesma bandeira enganosa, como ainda vemos hoje em dia”. Tal
empreendimento afeta negativamente tanto a Ciência da Informação quanto o campo da
Comunicação (LE COADIC, 2000, p. 11).
176
Por outro lado, a teoria matemática da comunicação contribuiu para atrair “a
atenção para a necessidade de se definir claramente o caráter da informação com que os
profissionais da área se preocupavam”, uma vez que estabeleceu um complexo processo
de transferência da informação (OLIVEIRA, 2005, p. 13).
Além disso, o modelo de Shannon e Weaver “[...] cria conceitos, tais como ruído,
entropia e redundância, importantes para os sistemas de recuperação da informação,
mesmo que, diferentemente da Ciência da Informação, não considere os aspectos
semânticos ou até mesmo influencias da informação” (PINHEIRO, 2002, p.73-74).
No sentido contrário, de contribuição a partir da pesquisa em Ciência da
Informação, os estudos da comunicação científica consolidaram a idéia de informação
como medida de incerteza ou de entropia, cuja influência e utilização extrapolaram para
outras áreas do conhecimento, principalmente para o campo das Ciências da
Comunicação (WIENER, Norbert citado por FERIN, 2002, p. 19-20).
Embora os modelos possam ser criticados por esquematizar as relações entres os
elementos do fluxo comunicação e por desconsiderar os desvirtuamentos do
processamento normal da informação, eles exercem a importante função de explicar de
modo generalizável os fenômenos, sejam eles comunicacionais ou não. Sem dúvida é
necessário detalhar a abordagem em níveis conceituais e acadêmicos, mas os modelos
são um ponto de partida para a análise científica.
Desse modo, nos parece válida a tentativa de propor um modelo que permita
visualizar a relação entre os dois modelos, com o objetivo de denotar, a partir dos
mesmos princípios originais, a ligação entre os dois campos do conhecimento, e,
conseqüentemente, entre os seus objetos de estudo.
177
Canais
Destinatário
Fonte
Canais
Figura 9. Modelo de comunicação científica a partir da influência do modelo
matemático da comunicação
Em síntese, “na primeira etapa, os cientistas produzem informação; na segunda,
inserem essa informação num ou em vários dos canais de comunicação que se acham
disponíveis”. Na última etapa, “quem deseja conhecer as pesquisas procura recuperar
informações pertinentes em um desses canais” (MEADOWS, 1999, p. 209).
Nesse modelo conjugado, as noções de mensagem, ruído, transmissor e receptor
não aparecem diretamente, mas também constituem o processo, pois estão relacionadas
aos conceitos dos canais de comunicação científica.
As noções de transmissor e receptor se referem aos meios tecnológicos
empregados para executar a comunicação, nesse contexto elas correspondem aos
formatos documentários, como os livros ou os periódicos. A questão do ruído é inerente
ao próprio ato de comunicar, a partir da premissa da falta de controle sob a interpretação
178
dos significados. E, principalmente, os canais consistem em veículos de informações
(mensagens).
Nesse sentido, “ao conceber comunicação enquanto processo, norteado pelo
princípio básico do diálogo, entende-se o conteúdo deste processo como mensagem.
Mais do que dados, esta mensagem insere-se em um contexto, é transformada pelo e
transforma o leitor. Unidade básica à produção de conhecimento, a informação
estabelece-se como mensagem no fluxo comunicacional” (BRAMBILLA, 2004).
“É esta idéia de circulação contida na assertiva transcrita que se denomina
comunicação. Esta permite a troca de informações, donde se conclui que enquanto a
informação é um produto, uma substância, uma matéria, a comunicação é um ato, um
mecanismo, é o processo de intermediação que permite o intercâmbio de idéias entre os
indivíduos. A comunicação é um fenômeno natural e intrínseco ao homem, variando de
acordo com as características dos grupos nos quais e entre os quais se efetiva”
(TARGINO, 2000, p. 10).
Mais tarde, com o aprimoramento das discussões acerca do modelo matemático
da comunicação, a informação supera o paradigma do objeto e se firma também como
um processo (BRAMBILLA, 2004).
Segundo Tálamo, na verdade, a afirmação da informação como processo está na
própria concepção da Ciência da Informação, uma vez que “comunicação e uso são
conceitos solidários, de modo que supera-se a idéia dos SI [serviços de informação] como
‘vitrines’ e ‘estoques’ para a [noção de agentes promotores] de ‘ativação de ordem para o
uso’” (TÁLAMO, 2005, p. 4).
No âmbito da comunicação científica, essa modificação fica clara e evidente,
embora as naturezas do processo comunicacional geral e do correspondente científico
sejam distintas. Segundo Gabriel Cohn, “a informação não diz respeito à transmissão de
conteúdos. Seu domínio é o da seleção daquilo que terá valor significativo e que, com
179
base nesse valor, comporá o campo dos conteúdos aptos a integrarem a comunicação”
(COHN, Gabriel citado por BRAMBILLA, 2004).
Embora o modelo matemático da comunicação prevaleça enquanto representação
do fluxo de transferência da informação científica, existem outras propostas de
organização do processo comunicacional da ciência.
Segundo o modelo da difusão, “quando se produz uma nova informação, ela será
colhida rapidamente pelos pesquisadores que têm mais interesse imediato, depois, mais e
mais lentamente, pelos que têm interesses de pesquisa cada vez mais divergentes”
(MEADOWS, 1999, p. 147).
No modelo epidemiológico, existem “três grupos equivalentes: os que têm
informação sobre um tema científico e podem compartilhá-la; os que têm informação,
mas não estão disponíveis (por exemplo, por causa de mudança de local ou de interesse
de pesquisa); e os que ainda têm de receber a informação” (MEADOWS, 1999, p. 147).
Outra modalidade de conciliação entre Ciências da Comunicação e Ciência da
Informação consiste na inserção das questões da ciência na pauta dos meios de
comunicação. Os tradicionais veículos de comunicação da ciência, os documentos
científicos, passam a ser utilizados pelos profissionais da comunicação como fonte de
informação para a execução das suas atividades. Tal conjugação de esforços possui forte
impacto na sociedade, isso porque, estes são os dois mais importantes espaços de
produção e uso da informação coletiva e compartilhada.
No entanto, persistem diferenças de objetivos de cada núcleo produtor da
informação. Se a ciência se concentra analítica e profundamente em um problema, a
mídia apresenta como prioridade máxima a pertinência imediata do assunto para a vida
do público em geral.
Dessa maneira, o foco midiático inviabiliza a veiculação de temas mais
especializados e é mais fácil comunicar os resultados das pesquisas em ciências de
180
observação, como a Botânica, a Astronomia e a Arqueologia, em comparação com as
ciências experimentais, como a Física e a Química (MEADOWS, 1999, p. 70-71).
Além disso, “os princípios de seleção que se aplicam à mídia são não apenas
diferentes dos adotados pelos cientistas, mas podem realmente contradizê-los. Por
exemplo, a mídia tem particular interesse quando as coisas dão errado ou por idéias
altamente especulativas. Nada disso goza de alto preço entre os cientistas” (MEADOWS,
1999, p. 203).
Outro formato de apresentação da ciência nos meios de comunicação é a
abordagem extensiva e especial dos temas científicos. Por exemplo, é comum, no rádio e
na televisão, a oferta de produtos, programas e até canais inteiramente dedicados ao
universo da ciência. Paralelamente, as peças de divulgação e publicidade passaram a se
preocupar com a base científica das informações a serem veiculadas. E, os profissionais
de Relações Públicas, cada vez mais recorrem ao conhecimento científico para
consolidar a imagem das organizações e das instituições (MEADOWS, 1999, p. 150).
Por fim, a transformação essencial dos laços entre Ciências da Comunicação e
Ciência da Informação, tanto no contexto do conceito de comunicação científica, quanto
no contexto da comunicação em geral, é a revolução da tecnologia da informação.
Tal
mudança
“está
tornando
indistintas
as
diferenças
anteriormente
estabelecidas, como, por exemplo, entre comunicação de massa e comunicação pessoal”.
Por um lado, o computador pode ser utilizado como equipamento de recepção
simultânea de serviços de variados meios de comunicação. Por outro, ele se transforma
em uma potente ferramenta de auxílio, facilitação e democratização da produção da
informação (MEADOWS, 1999, p. 160).
E o papel da ciência nesse contexto de revolução é inegável. Para Capurro e
Hjorland, “o conceito moderno de informação como comunicação de conhecimento,
não está relacionado apenas à visão secular de mensagens e mensageiros, mas inclui
também uma visão moderna de conhecimento empírico compartilhado por uma
181
comunidade (científica). A pós-modernidade abre este conceito para todos os tipos de
mensagens, particularmente na perspectiva de um ambiente digital. Talvez possamos
chamar uma ciência da comunicação do conhecimento (melhor: mensagem) de ciência
da informação ou angeletics” (CAPURRO, Rafael citado por CAPURRO e HJORLAND,
2007, p. 173).
Se, por um lado “as ‘infovias’ apresentam um novo modelo bem-sucedido de
produção”, por outro, a nova ordem informacional traz “uma angústia existencial de
uma espécie de vazio do saber, ou a ‘pobreza de informações substanciosas em conteúdo
em face da enorme quantidade de informações insignificantes difundidas’” (AUN, Marta
Pinheiro e ARRUDA, Maria da Conceição Calmon citadas por LASTRES, Helena M. M.
citada por TAVARES, 2002, p. 148).
Assim, “considerando o caráter relacional da comunicação, dependente de um
conteúdo definido segundo algumas concepções, por informação, é possível entender
que informação está inserida na comunicação”. E, em contrapartida, “ao entender que
toda a informação, para ser válida, deve ser passível de intercâmbio, pode-se afirmar que
a comunicação faz parte da informação” (BRAMBILLA, 2004).
182
5
Considerações finais
As relações entre Ciência da Informação e Ciências da Comunicação têm sido
construídas (e reconstruídas) paulatinamente, e, desde o surgimento de cada campo, o
entrelaçamento entre as áreas demonstra inúmeros graus de variações.
Nesse percurso evolutivo, se consolidaram variadas modalidades de aproximações
disciplinares, entre elas aquelas identificadas neste trabalho: relação histórica, relação
local (na França), relação institucional, relação comparativa, relação intermediada pela
cultura, relação intermediada pela Lingüística, relação com as tecnologias de produção e
reprodução da informação, e, relação interdisciplinar.
Por conta do escopo desta pesquisa, nos limitamos a analisar com mais atenção a
relação da Ciência da Informação com as Ciências da Comunicação no nível da
integração disciplinar (interdisciplinaridade). Em outro recorte do estudo, a abordagem
das contribuições interdiscipinares se concentrou na análise de conceitos cuja base
teórica é minimamente compartilhada.
O conceito de representação documentária enseja um caráter comunicacional
imprescindível. Sem a função comunicacional, a representação de conteúdos não se
realiza. Isto porque a representação está condicionada a um processo de significação por
parte do usuário dos serviços de informação.
A mediação é um conceito amplamente compartilhado entre os dois campos. Por
conta desse uso direto e constante, existe uma multiplicidade de significados para o
termo, seja no âmbito de cada disciplina, seja nas comparações entre CI e Ciências da
Comunicação. Mesmo nas diferentes abordagens, é possível observar que existe um
núcleo comum centrado na ação de intermediação dos processos de geração,
transferência e uso da informação.
O conceito de comunicação científica apresenta claras aproximações com os
modelos tradicionais das Ciências da Comunicação, em virtude da sua natureza
183
processual e sistêmica. Além disso, progressivamente, os meios de comunicação de
massa e a ciência vislumbram um estreitamento em suas relações, o que pode aproximar
ainda mais a reflexão teórica acerca da comunicação de massa e da comunicação
científica.
O princípio geral compartilhado entre as duas disciplinas é a função de
comunicação da informação. Na Ciência da Informação, o foco de atenção recai sobre a
gestão do fluxo de geração, transferência e uso da informação, principalmente, em
âmbitos documentários, Nas Ciências da Comunicação, o objeto nuclear é a veiculação
em massa de mensagens por meio de dispositivos tecnológicos ao maior número possível
de pessoas.
Por conta destas diferenças, claramente delimitadas, poderíamos falar em
comunicações no plural, entretanto, a partir do objetivo central do nosso trabalho, mais
do que divergências parecem existir e aflorar estreitos laços de cooperação.
Dessa maneira, é necessário atribuir maior relevância aos estudos da Ciência da
Informação no processo de construção do conhecimento, sobretudo, ao comemorar o
poder comunicacional dos serviços informacionais.
Tal natureza comunicacional do campo da Informação não parece tão clara na
literatura científica, seja da própria área, ou ainda na esfera dos estudos da
Comunicação.
As transformações sociais provenientes dos serviços de informação parecem mais
silenciosas do que a revolução dos meios de comunicação de massa, no entanto, é
impossível desconsiderar o papel da Ciência da Informação no estabelecimento de uma
nova ordem comunicacional. Comparativamente, cada vez mais é possível afirmar que
as duas mudanças sociais são equivalentes.
Como exemplo, podemos citar o franco desenvolvimento das ciências nos século
XX, baseado, principalmente, na possibilidade de comunicação das informações,
paradigma social estabelecido com sucesso pela Ciência da Informação.
184
Os serviços de informação foram pioneiros no sentido de democratizar o papel
social de autor/produtor da informação. A partir da natureza científica, os serviços de
informação se consolidaram como a principal arena, canal de comunicação, dos
cientistas.
Mais tarde, o conceito de cidadão produtor da própria informação se espalharia
por outros tipos de serviços de informação, sobretudo as bibliotecas públicas e escolares.
Mas, infelizmente, nestes espaços a autonomia do sujeito ainda não tem sido praticada
plenamente.
Além disso, o vínculo das Ciências da Comunicação e da Ciência da Informação
com as tecnologias de produção e reprodução de informações é indiscutível. O que
diferenciava um campo do outro, até o surgimento da internet, era o uso que se fazia
destas ferramentas de comunicação.
No atual contexto da sociedade, diminuem as barreiras entre o que é
informacional e o que é comunicacional, a partir do pressuposto da democratização da
produção da informação. Por um lado, o usuário dos serviços de informação, já
autônomo e produtor de conhecimento, consegue multiplicar o alcance das suas
mensagens. Por outro, o receptor dos meios de comunicação, até então pouco
participativo, ganha o poder de diálogo direto e de intervenção na outra ponta do
processo de produção das mensagens.
185
6
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oportunidades para profissionais da informação. DataGramaZero - Revista de Ciência da
Informação, v. 3, n. 5, out. 2002. Disponível em: <http://www.dgz.org.br/out02/
Art_04.htm>. Acesso em: 09 jun. 2007.
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TAVARES, Olga. Comunicação e informação: caminhos de conexão. In: AQUINO,
Mirian de Albuquerque. O campo da Ciência da Informação: gênese, conexões e
especificidades. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002. p. 137-151.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
(Coleção Leitura e Crítica).
193
7
Bibliografia temática
Em virtude da diversidade dos núcleos temáticos do trabalho, a bibliografia temática
tem o objetivo de facilitar a consulta às fontes de informação utilizadas em nossa
pesquisa. Como toda categorização, a designação dos textos nos assuntos está
subordinada a um critério de escolha, que, nesse caso, consiste na identificação da
matriz temática de cada fonte de informação.
7.1
Ciência da Informação
ANDRADE, Maria Eugênia Albino; OLIVEIRA, Marlene de. A Ciência da Informação no Brasil.
In: OLIVEIRA, Marlene de (Coord.). Ciência da Informação e Biblioteconomia: novos
conteúdos e espaços de atuação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. cap. 3. p. 45-60. (Coleção
Didática).
ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. A Ciência da Informação como uma ciência social. Ciência da
Informação, v. 32, n. 3, p. 21-27, set./dez. 2003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ci/v32n3/19020.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2007.
ARAÚJO, Eliany Alvarenga de. O fenômeno informacional na Ciência da Informação. In:
CASTRO, César Augusto (Org.). Ciência da Informação e Biblioteconomia: múltiplos discursos.
São Luís: EDFAMA; EDUFMA, 2002. cap. 1. p. 12-34.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO (ANCIB). Cursos de pós-graduação. Disponível em: <http://marula.
ibict.br/ancib//index.php?option=com_content&task=category&sectionid=5&id=9&Itemid=28>.
Acesso em: 26 nov. 2007.
BRAGA, Gilda Maria. Informação, ciência da informação: breves reflexões em três tempos.
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archive/00000144/>. Acesso em: 22 jul. 2007.
CAPURRO, Rafael; HJORLAND, Birger. O conceito de informação. Perspectivas em Ciência da
Informação, v. 12, n. 1, p. 148-207, jan./abr. 2007. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-99362007000100012&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso
em: 29 nov. 2007.
COUZINET, Viviane. Olhar crítico sobre as Ciências da Informação na França. In: WORKSHOP
EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS DE PESQUISA E ENSINO
194
NA PÓS-GRADUAÇÃO, Niterói/RJ, 11 a 12 de novembro de 2004. Anais... Niterói: ANCIB;
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Elmira. Informação e tecnologia: conceitos e recortes. Brasília: Departamento de Ciência da
Informação e de Documentação/Universidade de Brasília, 2005. cap. 1. p. 22-42. (Comunicação
da informação digital, 1).
FERNANDES, Geni Chaves. O objeto de estudo da Ciência da Informação. INFORMARE Caderno do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, v. 1, n. 1, p. 25-30, jan./jun.
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GOMES, Maria Yêda Falcão Soares de Filgueiras. Tendências atuais da produção científica em
Biblioteconomia e Ciência da Informação no Brasil. DataGramaZero - Revista de Ciência da
Informação, v. 7, n. 3, jun. 2006. Disponível em: <http://www.dgz.org.br/jun06/F_I_art.htm>.
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KOBASHI, Nair Yumiko; SMIT, Johanna W.; TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira. A
função da terminologia na construção do objeto da Ciência da Informação. Datagramazero Revista em Ciência da Informação, v. 2, n. 2, abr. 2001. Disponível em:
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fenômeno e objeto de estudo da sociedade contemporânea. Transinformação, v. 15, n. 3 (edição
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edu.br/transinfo/include/getdoc.php?id=139&article=43&mode=pdf>. Acesso em: 03 dez. 2007.
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Ciência da Informação e Biblioteconomia: novos conteúdos e espaços de atuação. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2005. cap. 1. p. 9-28. (Coleção Didática).
ORTEGA, Cristina Dotta. Relações históricas entre Biblioteconomia, Documentação e Ciência
da Informação. DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação, v. 5, n. 5, out. 2004.
Disponível em: <http://www.dgz.org.br/out04/F_I_art.htm>. Acesso em: 22 jul. 2007.
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remotas e recentes. In: ______. (Org.). Ciência da Informação, Ciências Sociais e
interdisciplinaridade. Brasília / Rio de Janeiro: IBICT/DEP/DDI, 1999. p. 155-182. Também
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nova área. In: AQUINO, Mirian de Albuquerque. O campo da Ciência da Informação: gênese,
conexões e especificidades. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002. p. 61-86.
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FEDERAL FLUMINENSE (PPGCI/UFF). Histórico do PPGCI. Disponível em:
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incubadora.fapesp.br/portal/informacao/org-ci/apresentacao-hist/>. Acesso em: 26 nov. 2007.
7.2
Ciências da Comunicação
BELTRÃO, Luiz; QUIRINO, Newton de Oliveira. Subsídios para uma teoria da comunicação de
massa. 2. ed. São Paulo: Summus, 1986. (Novas buscas em Comunicação, 13).
CUNHA, Magda. Possibilidades tecnológicas apontam para mudanças em conceitos da
Comunicação. Razón y Palabra, v. 11, n. 53, out./nov. 2003. Disponível em: <http://
www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n53/mcunha.html>. Acesso em: 09 jun. 2007.
FERIN, Isabel. Comunicação e culturas do quotidiano. Portugal: Quimera, 2002. (O que é).
LEVISOLO, Hugo. “Epistemologia prática” no campo da Comunicação. Contracampo, v. 7, p.
125-140, 2002. Disponível em: <http://revcom2.portcom.intercom.org.br/
index.php/contracampo/article/view/21/20>. Acesso em 08 nov. 2007.
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Brasil. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; BUONANNO, Milly (Org.). Comunicação no
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disciplinar. Revista USP, n. 48, p. 46-57, dez. 2000/fev. 2001.
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MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das teorias da comunicação. 3. ed. São
Paulo: Loyola, 2000.
196
MELO, José Marques de. Comunicação Social: teoria e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1977. p. 9-79.
Parte 1 - Teoria. (Meios de Comunicação Social, 1).
MELO, José Marques de. História do pensamento comunicacional: cenários e personagens. São
Paulo: Paulus, 2003. (Coleção Comunicação).
PAIVA, Cláudio Cardoso de. O campo híbrido da informação e da comunicação. In: AQUINO,
Mirian de Albuquerque. O campo da Ciência da Informação: gênese, conexões e especificidades.
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SAAD, Beth. Estratégias para a mídia digital: internet, informação e comunicação. São Paulo:
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241-250, jan,/dez. 2000.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Coleção
Leitura e Crítica).
7.3
Informação e comunicação
BRAMBILLA, Ana Maria. Comunicação e informação: diálogos possíveis. Trabalho de conclusão
da disciplina Teorias da comunicação e da informação do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Informação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, jul. 2004. Disponível em:
<http://ambrambilla.blaz.com.br/teorias_info_com.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2007.
MOURA, Maria Aparecida. Informação: objeto interdisciplinar - estudos disciplinares: desafios.
Palestra (apresentação visual). In: SEMANA DE BIBLIOTECONOMIA DA ECA/USP, 1., 24 de
agosto de 2005, São Paulo. 22 lâminas.
STUMPF, Ida Regina; WEBER, Maria Helena. Comunicação e Informação: conflitos e
divergências. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. (Org.). Epistemologia da Comunicação.
São Paulo: Loyola, 2003. p. 121-134. (Coleção Comunicação Contemporânea, 1).
197
TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira. Ciência da Informação e Comunicação na
sociedade
contemporânea. Palestra (apresentação visual). In: SEMANA DE
BIBLIOTECONOMIA DA ECA/USP, 1., 24 de agosto de 2005, São Paulo. 22 lâminas.
TAVARES, Olga. Comunicação e informação: caminhos de conexão. In: AQUINO, Mirian de
Albuquerque. O campo da Ciência da Informação: gênese, conexões e especificidades. João
Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2002. p. 137-151.
7.4
Representação documentária
LANCASTER, F. Wilfrid. The functions of information retrieval systems. In: ____. Information
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LARA, Marilda Lopes Ginez de. Representações documentárias e comunicação. Revista
Comunicações & Artes, v. 20, n. 32, p. 73-79, 1997.
LARA, Marilda Lopes Ginez de. Representação e linguagens documentárias: bases teóricometodológicas. 1999. Tese (doutorado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.
LARA, Marilda Lopes Ginez de. Linguagem documentária e terminologia. Transinformação, v.
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LARA, Marilda Lopes Ginez de. Informação, informatividade e lingüística documentária:
paralelos com as reflexões de Hjorland e Capurro. In: VIII ENCONTRO NACIONAL DE
PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO (ENANCIB). Salvador, 28 a 31 de outubro de
2007. p. 1-10. Disponível em: <http://www.enancib.ppgci.ufba.br/ artigos/GT2--185.pdf>.
Acesso em 28 nov. 2007.
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. A linguagem como meio de representação ou de
comunicação da informação. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 3, n. 2,
p. 137-146, jul./dez. 1998.
198
7.5
Mediação
ODDONE, Nanci. O profissional da informação e a mediação de processos cognitivos: a nova
face de um antigo personagem. Informação & Sociedade: Estudos, v. 8, n. 1, p. 1-11, 1998.
Disponível em: <http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/425/ 346>. Acesso em:
28 nov. 2007.
PIERUCCINI, Ivete. Mediação: perspectivas de um conceito. In: ______. Estação Memória:
lembrar como projeto. Contribuições ao estudo da mediação cultural. 1998. Dissertação
(mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo. São Paulo, 1998. p. 64-68.
PIERUCCINI, Ivete. A informação e os dispositivos: mediação e mediatização. In: ______. A
ordem informacional dialógica: estudo sobre a busca de informação em Educação. 2004. Tese
(doutorado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo. São Paulo, 2004. p. 30-37.
SIGNATES, Luiz. Estudo sobre o conceito de mediação. Novos Olhares: Revista de Estudos sobre
Práticas de Recepção a Produtos Midiáticos, v. 1, n. 2, p. 37-49, 1998.
TARAPANOFF, Kira; SUAIDEN, Emir; OLIVEIRA, Cecília Leite. Funções sociais e
oportunidades para profissionais da informação. DataGramaZero - Revista de Ciência da
Informação, v. 3, n. 5, out. 2002. Disponível em: <http://www.dgz.org.br/out02/ Art_04.htm>.
Acesso em: 09 jun. 2007.
7.6
Comunicação científica
MEADOWS, A. J. A comunicação científica. Brasília: Briquet de Lemos, 1999.
MUELLER, Suzana Pinheiro Machado. A ciência, o sistema de comunicação científica e a
literatura científica. In: CAMPELLO, Bernardette Santos; CENDÓN, Beatriz Valadares;
KREMER, Jeannette Marguerite (Org.). Fontes de informação para pesquisadores e profissionais.
Belo Horizonte: UFMG, 2000. cap. 1. p. 21-34. (Coleção Aprender).
TARGINO, Maria das Graças. Comunicação científica: uma revisão de seus elementos básicos.
Informação e Sociedade: Estudos, v. 10 , n. 2, p. 37-85, 2000. Disponível em:
<http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/viewFile/326/248>. Acesso em: 09 jun. 2007.
7.7
Estudos disciplinares
POMBO, Olga. Interdisciplinaridade: conceito, problemas e perspectivas. In: POMBO, Olga;
LEVY, Teresa; GUIMARÃES, Henrique M. A interdisciplinaridade: reflexão e experiência.
199
Lisboa: Texto, 1994. cap. 1. p. 8-14. Disponível em: <http://www.educ.fcul.
pt/docentes/opombo/mathesis/interdisciplinaridade.pdf>. Acesso em 27 ago. 2007.
7.8
Metodologia da pesquisa
CINTRA, Anna Maria Marques. Preliminares a um percurso de pesquisa. Texto de apoio ao
desenvolvimento do projeto de pesquisa da disciplina Introdução à Pesquisa em Ciência da
Informação, do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo: s. l., 2005. cap. 1.
CINTRA, Anna Maria Marques. O projeto: um balizador para a pesquisa. São Paulo: s. l., 2005.
cap. 2.
CINTRA, Anna Maria Marques. Sobre leitura. São Paulo: s. l., 2005. cap. 3.
CINTRA, Anna Maria Marques. Sobre métodos. São Paulo: s. l., 2005. cap. 4.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1991. (Estudos, 85).
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Sistema Integrado de Bibliotecas. Grupo DiTeses. Diretrizes
para apresentação de teses e dissertações da USP: documento eletrônico e impresso. São Paulo:
SIBi-USP, 2004. (Cadernos de Estudos, 9). Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/info/diretrizesfinal.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2007.
200
8
Índice onomástico
A partir da relevância do papel de cada autor na discussão e construção do
conhecimento científico, o objetivo da inclusão do índice onomástico é facilitar a
identificação dos conceitos e idéias desenvolvidos pelos pesquisadores da Ciência da
Informação e das Ciências da Comunicação.
8.1
Ciência da Informação
B
Borko, Harold ..................................... 32
Bradford, Samuel Clemente.......... 27, 48
Breton, Philippe .................................. 57
Briet, Suzanne ..................................... 28
Brookes, Bertram C. ...................... 30, 70
Buckland, Michael .............................. 34
Bush, Vannevar ................................... 28
L
La Fontaine, Henry ............................. 26
Lotka, Alfred James ............................ 49
C
Chernyi, A. I. ...................................... 31
Cutter, Charles Ammi ........................ 27
O
Otlet, Paul ..................................... 26, 28
D
Dewey, Melvil ..................................... 27
G
Gilyaresvskii, R. S. .............................. 31
M
Mikhailov, A. I. ................................... 31
Miska, Francis L. ................................. 34
Mooers, Calvin N. ............................... 28
P
Panizzi, Anthony ................................ 27
R
Ranganathan, Shiyali Ramamrita ...... 28
H
Hesse, Léopold-Auguste-C. ................ 30
S
Saracevic, Tefko .................................. 32
Shera, Jesse H. ..................................... 28
J
Jewett, Charles .................................... 27
T
Tritheim, Johann ................................ 26
Z
Zipf, George Kingsley ……................. 49
201
8.2
Ciências da Comunicação
A
F
Adorno, Theodor W. ..........................88
Althusser, Louis ..................................92
Austin, John L. .................................. 101
Austin, John Langshaw ..................... 123
Festinger, Leon..................................127
Fidler, Roger......................................120
Flichy, Patrice .................................... 99
Foucault, Michel ................................ 93
Friedman, Georges ............................. 92
B
Bakhtin, Mikhail............................... 104
Barbosa Lima Sobrinho, A. J. ............ 110
Barthes, Roland..................... 90, 92, 123
Bateson, George ..................................87
Baudrillard, Jean ......................... 94, 118
Beltrán, Luis Ramiro ......................... 107
Beltrão, Luiz...................................... 111
Benjamin, Walter................................89
Birdwhistell, Ray ................................87
Blumer, Herbert................................ 103
Bordieu, Pierre....................................93
Brundson, Charlotte............................96
Burgess, E. W. .....................................80
C
G
Garfinkel, Harold ..............................100
Garnham, Nicholas............................. 99
Geertz, Clifford .................................105
Giddens, Anthony .............................101
Goffman, Erving ................................103
Gramsci, Antonio ............................... 96
Guatari, Félix.....................................117
H
Habermas, Jürgen ........................89, 102
Hall, Edward T. .................................. 87
Hall, Stuart ......................................... 96
Hoggart, Richard ................................ 95
Horkheimer, Max............................... 88
Callon, Michel................................... 116
Canclini, Nestor García..................... 108
Carvalho, Alfredo de......................... 109
Charaudeau, Patrick.......................... 127
Cicourel, Aaron Victor ..................... 102
Innis, Harold Adams .........................118
D
Jakobson, Roman................................ 91
Jauss, Hans Robert.............................104
De Fleur, Melvin L..............................85
Debord, Guy........................................93
Dewey, John...................................... 124
Durkheim, Émile ................................80
E
Eco, Umberto .............................. 92, 104
Enzensberger, Wolfgang.....................94
I
J
L
Lasswell, Harold D. ............................ 81
Latour, Bruno ....................................116
Lazarsfeld, Paul F. .............................. 82
Leavis, Frank Raymond...................... 94
Lerner, Daniel ...................................107
Lévy, Pierre ...............................117, 164
202
Lewin, Kurt............................... 127, 171
Luhmann, Niklas............................... 126
Lyotard, Jean-François ...................... 117
M
Marcuse, Herbert ................................89
Martin-Barbero, Jesus ............... 108, 165
Marx.................................................. 125
Mattelart, Armand ............................ 107
Mattelart, Michèle ............................ 107
Maturana, Humberto ........................ 116
McLuhan, Marshall.............................99
Mead, George Herbert ...................... 103
Miège, Bernard....................................98
Moles, Abraham..................................86
Morin, Edgar .......................................92
Morley, David ............................. 96, 105
Mulvey, Laura................................... 105
O
Orozco Gómez, Guillermo ................ 166
P
Park, Robert Ezra................................80
Pereira, José Higino Duarte .............. 109
Pierce, Charles S. ........................ 80, 156
R
Radway, Janice.................................. 105
Rizzini, Carlos ................................... 110
Rogers, Everett.................................. 115
S
Sacks, Harvey ....................................101
Sacks, Herbert ...................................102
Sartre, Jean Paul ................................104
Saussure, Ferdinand de..........55, 90, 122
Schiller, Herbert................................. 97
Schramm, Wilbur..............................107
Schütz, Alfred....................................101
Searle, John........................................123
Shannon, Claude .........................83, 174
Simmel, George .................................. 80
Smythe, Dallas.................................... 99
Souza, Pompeu de .............................111
T
Tarde, Gabriel..................................... 80
Thompson, Edward P. ........................ 95
V
Van Dijk, Teun A. .............................128
Varela, Francisco J.............................116
Virilio, Paul .......................................118
W
Watzlawick, Paul ............................... 87
Weaver, Warren..........................84, 175
Weber, Max.......................................125
White, David Manning .....................171
Wiener, Norbert................................. 84
Williams, Raymond............................ 95
Wittgenstein, Ludwig................102, 123