PROJETO SIMULTÂNEO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS
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PROJETO SIMULTÂNEO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS
MÁRCIO MINTO FABRICIO PROJETO SIMULTÂNEO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS Tese apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Doutor em Engenharia São Paulo 2002 MÁRCIO MINTO FABRICIO PROJETO SIMULTÂNEO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS Tese apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Doutor em Engenharia Área de Concentração: Engenharia de Construção Civil e Urbana Orientador: Professor Livre-Docente Silvio Burrattino Melhado São Paulo 2002 i Aos meus país Cantídio e Thereza e a meu irmão Tárcio, pelo suporte e carinho durante os anos de estudo. ii Agradecimentos Ao Silvio que com uma orientação segura e competente se tornou um amigo e parceiro de trabalho. Aos membros da banca de qualificação, Dr. Paulo R. Andery e Dr. Celso C. Novaes e ao colega da EESC-USP professor Azael R. Camargo pela leitura atenciosa da qualificação e pelas importantes críticas, sugestões e suprimento de referências bibliográficas. A Adriano G. Vivancos por me abrigar ocasionalmente em sua casa, pela leitura e revisão da qualificação e pela parceria em diversos trabalhos. Às empresas que permitiram a realização dos estudos de caso: Companhia Habitacional de Desenvolvimento Habitacional e Urbano –, DWG arquitetura e sistemas, Líder Engenharia, Projecon Projetos, Racional Engenharia, Rossi Residencial. E aos profissionais destas empresas que me atenderam nas entrevistas e visitas: Arq. Lucy Yagura, Arq. Rita Cristina Ferreira, Eng. Antônio Rodrigues Martins, Eng. Frederico Martineli, Arq. Patrícia Valadares, Enga. Giani, Eng. Márcio Grossman, Eng. Roberto Gennaro, dentro outros. À Maria Angélica Covelo Silva que me possibilitou acompanhar o curso de capacitação em gestão da qualidade para empresas de projeto do Núcleo de Gestão e Inovação (NGI) durante os anos de 1998-1999. A Alexandre Petersen que me emprestou seu escritório para redação desse trabalho e teve paciência em conviver com pilhas de teses, livros e artigos espalhados pela sala. Ao amigo e anfitrião Marcelo G. Nogueira pela acolhida em sua casa em Campinas, parada intermediária de muitas jornadas a São Paulo. A Júlio e Edson, colegas de república durante a minha estada em São Paulo. Aos colegas da pós-graduação no PCC, Fred Borges, Maria Júlia Mesquita, Leonardo Masseto, Leonardo Grilo, Josaphat Baía, pela parceria em diversos trabalhos e publicações. Ao Guilherme e ao Luiz Otávio, pelas caronas e companhia nas viagens do interior para São Paulo. Aos colegas professores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, em especial a Ricardo Martucci, Admir Basso, Manoel R. Alves, David Sperling, Joubert José Lancha, parceiros em disciplinas de graduação que souberam compreender minhas eventuais ausências para desenvolver a tese e a minha colega de sala Profa. Rosana M. Caran. iii Aos colegas professores, bolsistas e ex-bolsistas do grupo de pesquisa ARCHTEC, pela convivência e pelo rico ambiente de trabalho. Ao professor Francisco F. Cardoso pelos ensinamentos durante sua disciplina de pós. Aos professores Luiz Sérgio Franco, Ubiraci Espinelli Lemes de Souza, Hermes Fajersztajn, e Jonas Silvestre Medeiros meus supervisores de estágios PAE (Programa de Aperfeiçoamento de Ensino) durante os quais pude aprender o que é ser professor, a Mércia Barros e aos demais professores do GEPE-TGP pela qualidade do ambiente acadêmico e de pesquisa. À Professora da Universidade Federal de Santa Maria, Margaret S. Jobim, pelos comentários e sugestões bibliográficas. À Fátima Regina pela atenção e auxílio com as questões institucionais e operacionais do programa de pós-graduação. À Dulce Picolli pela ajuda nas correções de português. À Adriana Romanini pela revisão do inglês do Abstract. À arquiteta Patrícia Schultz pela ajuda na formatação da lista de bibliografias. À Elena Luiza P. Gonçalves, funcionária da biblioteca da Escola de Engenharia de São Carlos, pela revisão da formatação da lista de bibliografias. Aos funcionários do departamento de arquitetura e urbanismo da EESC-USP, Antonio João Tessarin, Fátima Maria N.L.L. Mininel, Sérgio Celestini, Marcelo Celestini, Paulo Borges e Lucinda B. Torres pelos inumeros prestimos. À Vanessa Montoro Taborianski, Rubenio Simas, Eliane Taniguchi, Ana Lucia Souza, Luciana Leonel, Eduardo Fontenelle, Palmyra Reis, Yêda Vieira Povoas, Maurício Keiji, Artemária C. Andrade, Sérgio E. Zordan, Rolando R. Vilato, Cynara T. Bono, André Wakamatsu, Sofia Zegarra, Claudia, e demais colegas contemporâneos do programa de pós-graduação. À Arlete M. Francisco pelo desvelo e por me incentivar a ingressar no programa de doutorado. À Adriana Becker pelo carinho e pela ajuda na encadernação e envio da qualificação. Aos amigos Patrícia Piquet, Alexandre e Adriana Damberg pelo companherismo na comemoração da qualificação. Aos amigos, Alessandra, Augusto Celso e Josefa, Fernando, Cristina e Luiza, Danila Alencar, Dório e Maria, Fabiano Volpini, Geni Joioso, Gilberto e Valeria , Josiane e Ana Cláudia Bueno, Marcela e Rogério, Mirela Godoy, Mirian e Ana C., Nélida, Nina Rosa Costa, Renata e Guido, Rogério DeLucca, Sandra Oda por me escutarem falando sobre a tese e as dificuldades do trabalho e pelo apoio. iv Aos parentes que me incentivaram: Florentina, Eugenio, Anísia, João, Tiana, Toninho e Janete, José e Áurea, Rubens e Dina, Rogério e Patrícia, Ana L. e Beto, Marcelo e Cristina, Ricardo e Rita, Igor, Egle, Matheus, Ana Clara, João Pedro, Rau, Maria Eduarda, Marcela, Cristian, Thiago, Lucas e Bruna. Aos meus alunos do curso de graduação em arquitetura e urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos pelo muito que pude aprender com eles. Ao curso de graduação em engenharia civil da Universidade Federal de São Carlos pela formação e por me despertar para o problema da gestão na indústria da construção. À USP em especial à Escola Politécnica e à Escola de Engenharia de São Carlos pela oportunidade de participar de seus quadros como aluno e funcionário. Ao laboratório de Midimagem do departamento de arquitetura e urbanismo da EESC-USP e aos técnicos Paulo V. Ceneviva e José Eduardo Zanardi pelo auxílio na impressão da tese e preparação da apresentação. Ao CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa pela bolsa concedida para realização do trabalho. v PROJETO SIMULTÂNEO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS (Tese de doutorado apresentada à Escola Politécnica da USP) Márcio Minto Fabricio São Paulo, 2002 RESUMO O trabalho apresenta uma reflexão sobre a gestão de projetos na construção de edifícios, desenvolve o conceito de Projeto Simultâneo e propõe diretrizes para sua aplicação. Para desenvolver a pesquisa foram realizados estudos bibliográficos sobre a realidade contemporânea da construção de edifícios brasileira e sobre a 'Engenharia Simultânea' no desenvolvimento de produtos nas indústrias tecnologicamente de ponta. Também foram feitos estudos de caso, envolvendo diversas empresas de construção com atuação em diferentes mercados (incorporação-construção, promoção pública, obras sob encomenda), visando caracterizar o processo de projeto de edifícios. Como resultado são apresentados: uma análise da pertinência e das dificuldades para introdução de práticas baseadas na Engenharia Simultânea na gestão de projetos de edifícios; a formulação do conceito de Projeto Simultâneo como uma adaptação ao setor de metodologias mais evoluídas para a gestão de projetos; são feitas análises das tendências de modernização na gestão dos projetos em diferentes estudos de caso e das dificuldades para caracterização de um Projeto Simultâneo nos diferentes tipos de empreendimento considerados. Por fim, são desenvolvidas e apresentadas diretrizes para aplicação do Projeto Simultâneo como forma de melhorar o desempenho do processo de projeto e a qualidade ao longo do ciclo de vida dos edifícios. Palavras-chaves: projeto simultâneo, engenharia simultânea, processo de projeto, gestão da qualidade, construção de edifícios. vi CONCURRENT DESIGN IN BUILDING CONSTRUCTION (Phd. thesis presented at Escola Politécnica – USP) Márcio Minto Fabricio São Paulo, 2002 ABSTRACT This thesis presents a reflection on the design management in building construction, develops a concept of concurrent design and suggests guidelines for its application. In order to develop this research, bibliography studies on the current situation of building construction in Brazil and on ‘Concurrent Engineering’ were conducted. Case studies involving several building companies acting in different markets (real estate development, public housing, building under request), aiming to describe the process of building design were also carried out. As a result, we present: an analysis of the importance of and the difficulties in introducing practices based on Concurrent Engineering in the building design management field; the formulation of the Concurrent Design concept as an adaptation of state-of-the-art methodologies in design management; the analysis of the modernizing tendencies in design management through different case studies and the difficulties in characterizing a Concurrent Design in the different kinds of projects taken into consideration. Finally, the guidelines for the application of Concurrent Design are developed and presented as a way to improve the performance of design process and the quality along the life cycle of buildings. Key words: concurrent design, concurrent engineering, design process, quality management, building construction. vii CONCEPTION CONCURRANTE DANS LES BÂTIMENTS (These de doctorat présentée à l École Polytechnique de l’USP) Márcio Minto Fabricio São Paulo, 2002 RÉSUMÉ Ce travail présente une réflexion sur la gestion du processus de conception dans le Bâtiment, développe le concept de conception concourante et propose des orientations pour sa mise en œuvre. Des études bibliographiques et études de cas ont été réalisées pour développer la recherche. Les premiers concernent la réalité contemporaine de la construction de bâtiments au Brésil et l’approche de l’ingénierie concourante pour le développement de produits dans les industries de pointe. Les études de cas, comprenant diverses entreprises de construction présentes sur différents marchés (promotion privée, maîtrise d’ouvrage publique, des ouvrages à la commande), ont envisagé de caractériser le processus de conception des bâtiments. Les résultats sont: une analyse de la pertinence et des difficultés pour la mise en œuvre de pratiques basées sur l’ingénierie concourante dans la gestion de projets de bâtiment, ainsi que la présentation du concept de Conception Concourante comme une adaptation au secteur de méthodologies plus évoluées pour la gestion du processus de conception, fondées sur l’analyse des tendances de modernisation pour la gestion de projet et sur l’examen des difficultés pour la caractérisation d’une conception concourante dans les différents genres de projets considérés. En dernier lieu sont aussi formulées et proposées des directives pour la mise en œuvre de la conception concourante comme un moyen d’améliorer le développement du processus de conception et la qualité au long de la production et de l’utilisation des bâtiments. Mots-clés: bâtiments, ingénierie concourante, conception concourante, processus de conception, management de la qualité. viii SUMÁRIO RESUMO ..................................................................................................... V ABSTRACT................................................................................................. VI RÉSUMÉ ................................................................................................... VII SUMÁRIO ................................................................................................. VIII LISTA DE FIGURAS ................................................................................. XIII LISTA DE GRÁFICOS .............................................................................. XVI LISTA DE TABELAS ................................................................................ XVII LISTA DE QUADROS ............................................................................. XVIII LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..................................................... XIX 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................1 1.1 Apresentação ......................................................................................1 1.2 Problemática da tese...........................................................................3 1.3 Objetivos .............................................................................................7 1.4 Metodologia.........................................................................................8 1.4.1 Considerações metodológicas....................................................... 8 1.4.2 Estruturação da pesquisa .............................................................. 8 1.4.3 Montagem e instrumentação da pesquisa ..................................... 9 1.4.4 Etapas da pesquisa ..................................................................... 13 1.5 1.5.1 Estrutura do trabalho .........................................................................15 Estruturação dos capítulos e elementos de redação do trabalho 16 2 TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS E COMPETITIVIDADE NA INDÚSTRIA DE CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS ........................................18 2.1 Globalização na indústria nacional ....................................................21 ix 2.2 A construção na economia nacional ..................................................26 2.3 Evidências da globalização na economia da construção ...................31 2.4 Globalização e os serviços de projeto e engenharia..........................34 2.5 Fatores internos de modernização do setor de construção................36 2.6 Conclusões .......................................................................................41 3 O EMPREENDIMENTO DE CONSTRUÇÃO E A IMPORTÂNCIA DO PROJETO...................................................................................................45 3.1 O empreendimento............................................................................45 3.1.1 A dimensão fundiária do empreendimento .................................. 49 3.1.2 O mercado e a dimensão financeira............................................ 51 3.1.3 A dimensão de uso e manutenção .............................................. 53 3.1.4 O promotor e a montagem da operação...................................... 55 3.1.5 A execução e seus agentes......................................................... 56 3.1.6 Fornecedores de materiais e componentes ................................ 63 3.1.7 Os usuários ................................................................................. 66 3.1.8 Projetistas e consultores ............................................................. 67 3.2 A importância da concepção e do projeto no empreendimento..........69 3.3 Conclusões .......................................................................................73 4 DESENVOLVIMENTO DE PRODUTO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS..................................................................................................74 4.1 Desenvolvimento e projeto de empreendimentos de edifícios ...........74 4.2 O processo de projeto do empreendimento .......................................76 4.2.1 Concepção do programa ............................................................. 79 4.2.2 Projeto do produto ....................................................................... 83 4.2.3 Projeto para produção ................................................................. 87 4.3 Etapas e seqüência do processo de projeto ......................................89 4.4 O processo de projeto, normas e legislações ....................................94 x 4.5 Conclusões .......................................................................................96 5 ANÁLISE DO PROCESSO DE PROJETO NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO ..........................................................................................98 5.1 Desenvolvimento histórico do processo de projeto ............................99 5.2 Definição e abrangência do projeto ................................................. 113 5.3 O projeto como processo intelectual................................................ 117 5.3.1 5.4 A criação e o desenvolvimento intelectual do projeto.................122 O projeto como um processo social................................................. 126 5.4.1 As dimensões do projeto na construção de edifícios..................130 5.4.2 Integração contratual dos projetos .............................................140 5.5 5.5.1 5.6 A qualidade no processo de projeto ................................................143 Deficiências na gestão do projeto...............................................149 Conclusões ..................................................................................... 151 6 ENGENHARIA SIMULTÂNEA: NOVO PARADIGMA DE GESTÃO DE PROJETOS .............................................................................................. 153 6.1 Introdução .......................................................................................153 6.2 Origens e conceitos......................................................................... 155 6.3 Elementos da ES............................................................................. 158 6.3.1 Valorização do projeto................................................................160 6.3.2 Seqüência das atividades de projeto..........................................160 6.3.3 Times multidisciplinares de projeto.............................................162 6.3.4 Estrutura organizacional e interatividade nas equipes de projeto.... ...................................................................................................163 6.3.5 Tecnologia da informação ..........................................................165 6.3.6 Coordenação de projetos ...........................................................166 6.3.7 Satisfação do cliente ..................................................................166 6.3.8 Metas e objetivos da ES .............................................................167 xi 6.4 Vantagens da ES sobre o desenvolvimento seqüencial de produtos167 6.5 Conclusões ..................................................................................... 172 7 PROJETO SIMULTÂNEO DE EMPREENDIMENTOS DE EDIFÍCIOS ..... ........................................................................................................ 174 7.1 Referências ..................................................................................... 174 7.2 Aplicação da ES na construção de edifícios .................................... 176 7.3 Equipe e organização do projeto ..................................................... 182 7.4 Fatores de competitividade e gestão do projeto .............................. 185 7.4.1 Redução dos prazos de projeto..................................................188 7.4.2 Introdução de inovações ............................................................189 7.4.3 Qualidade e atendimento aos clientes........................................197 7.4.4 Integração entre sistemas de gestão da qualidade no âmbito dos empreendimentos .......................................................................................199 7.4.5 7.5 Construtibilidade.........................................................................201 Definição de Projeto Simultâneo na construção de edifícios............ 202 7.6 Diretrizes para implementação do projeto simultâneo no processo de projeto de edifícios.................................................................................... 205 7.6.1 Transformações culturais ...........................................................206 7.6.2 Transformações organizacionais................................................213 7.6.3 Transformações tecnológicas.....................................................217 7.7 Interfaces do processo de projeto.................................................... 226 7.7.1 Interface com o cliente (i1) .........................................................230 7.7.2 Coordenação de projetos (i2) .....................................................232 7.7.3 Projeto para Produção (i3)..........................................................243 7.8 Planejamento do processo de projeto.............................................. 255 8 PROJETO SIMULTÂNEO EM DIFERENTES EMPREENDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO: ESTUDOS DE CASO..................................................... 261 8.1 Critérios de seleção das empresas.................................................. 261 xii 8.2 Apresentação dos estudos de caso................................................. 265 8.2.1 Construção-incorporação ...........................................................265 8.2.2 Obras sob encomenda ...............................................................276 8.2.3 Obras públicas............................................................................279 8.3 Casos estudados e a filosofia de Projeto Simultâneo ...................... 287 8.4 Conclusões ..................................................................................... 293 9 CONCLUSÕES .................................................................................. 296 9.1 Desenvolvimento histórico do processo de projeto .......................... 296 9.2 Projeto Simultâneo .......................................................................... 297 9.3 Estudos de Caso ............................................................................. 299 9.4 Constatações .................................................................................. 302 9.5 Pesquisas complementares............................................................. 303 ANEXO A: ROTEIRO DE ENTREVISTA DE ESTUDO DE CASO ... 304 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 307 xiii LISTA DE FIGURAS Figura 1. Etapas de Pesquisa ...................................................................... 14 Figura 2. Principais etapas de um empreendimento de construção ............ 48 Figura 3. Os principais participantes de um empreendimento de construção .................................................................................................... 49 Figura 4. Macrocomplexos da economia, grandes cadeias e principais produtos do Macrocomplexo Construção Civil............................ 65 Figura 5. Principais áreas de conhecimento e serviços de apoio ao desenvolvimento de empreendimentos de construção de edifícios .................................................................................................... 68 Figura 6. Origem de patologias e mau funcionamento das edificações....... 70 Figura 7. Evolução da responsabilidade sobre a qualidade dos produtos na indústria japonesa ....................................................................... 71 Figura 8. Capacidade de influenciar o custo final de um empreendimento de edifício ao longo de suas fases................................................... 72 Figura 9. Relação situação de maior “investimento” na fase de projetos X práticas convencionais................................................................ 72 Figura 10. Processo de desenvolvimento tradicional de empreendimentos de construção ............................................................................. 78 Figura 11. Etapas de concepção do empreendimento de construção ......... 79 Figura 12. ‘Organograma’ genérico da equipe tradicional de projeto........... 84 Figura 13. Esquema genérico de um processo seqüencial de desenvolvimento do projeto de edifícios – participação dos agentes ao longo do processo. ................................................... 86 Figura 14. Fluxo resumido das etapas de projeto ........................................ 91 Figura 15. Etapas e seqüência de projeto ................................................... 93 Figura 16. Foto da cúpula da catedral Santa Maria del Fiore em Florença 106 Figura 17. Processo sócio-técnico de projeto .............................................117 xiv Figura 18. Processo intelectual de projeto..................................................118 Figura 19. Habilidades intelectuais ao longo do projeto..............................120 Figura 20. Espiral de projeto .......................................................................127 Figura 21. Dimensões de Concepção do empreendimento de edifício.......131 Figura 22. Integração seqüencial das dimensões do empreendimento ......140 Figura 23. O processo de projeto segundo a ótica da gestão da qualidade ...................................................................................................148 Figura 24. Engenharia Seqüencial X Engenharia Simultânea ....................161 Figura 25. Representação esquemática das interações entre os principais participantes de uma equipe multidisciplinar genérica de ES ....162 Figura 26. Representação de uma estrutura organizacional funcionalhierárquica .................................................................................164 Figura 27. Estrutura matricial genérica .......................................................165 Figura 28. Comparação do desenvolvimento de produto em Engenharia Seqüencial e em ES...................................................................168 Figura 29. Distribuição no tempo das atividades de desenvolvimento de novos produtos na indústria automobilística americana, européia e japonesa ....................................................................................170 Figura 30. Características do empreendimento em várias indústrias .........179 Figura 31. Ciclo da qualidade na construção: (a) as implicações do projeto no ciclo da qualidade; (b) agentes e etapas a serem considerados no desenvolvimento da qualidade durante o projeto..................200 Figura 32. Eixos de transformações para implantação do Projeto Simultâneo ...................................................................................................205 Figura 33. Convergência dos esforços de projeto.......................................214 Figura 34. Linhas de comunicação no projeto ao longo do ciclo de vida do empreendimento ........................................................................223 Figura 35. Interfaces do processo de desenvolvimento de produto na construção de edifícios ..............................................................229 Figura 36. Equipe multidisciplinar de projeto ..............................................236 Figura 37. Relação projeto do produto, projeto para produção e procedimentos de execução. .....................................................248 xv Figura 38. O processo de projeto de edificações: da “caixa preta” à “caixa transparente”..............................................................................256 Figura 39. Possibilidades de relação entre duas tarefas de projeto............258 Figura 40. Modelo genérico para organização do processo de projeto de forma integrada e simultânea.....................................................260 Figura 41. Tipos de empreendimento de construção considerados segundo o agente da promoção ..................................................................263 Figura 42. Processo de desenvolvimento e tomada de decisão de um novo negócio (empresa A2)................................................................271 Figura 43. Processo de desenvolvimento de novos empreendimentos (segundo empresa C1) ..............................................................284 Figura 44. Organização e fluxo de informações dos projetos nos casos estudados ..................................................................................290 xvi LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Exportações mundiais e comparação da taxa de variação do PIB e das exportações mundiais na década de noventa ...................... 22 Gráfico 2. Evolução do comércio exterior brasileiro (1950-1999). ............... 24 Gráfico 3. Evolução dos investimentos diretos estrangeiros na economia de países em desenvolvimento selecionados.................................. 25 Gráfico 4. Evolução da participação relativa da construção civil no PIB brasileiro ..................................................................................... 27 Gráfico 5. Índice de encadeamento por setor em 1995 (Trevisan Consultores, 1998)...................................................................... 28 Gráfico 6. População ocupada na construção civil e participação relativa do setor na população ocupada brasileira ....................................... 29 Gráfico 7. Participação relativa de setores selecionados na captação de investimentos externos diretos em 1999..................................... 33 Gráfico 8. Produção habitacional no país e financiamentos habitacionais concedidos pelo SFH em períodos selecionados ....................... 37 Gráfico 9. Evolução dos empreendimentos concedidos pelo SFH .............. 38 xvii LISTA DE TABELAS Tabela 1. Remuneração média em diferentes indústrias em São Paulo ..... 30 Tabela 2. Participação relativa (em %) da indústria da construção civil na pauta de importações brasileiras de 1991 a 1997 ...................... 30 Tabela 3. Número e importância econômica de empresas de construção com participação estrangeira no capital ............................................. 31 Tabela 4. Fluxo de investimentos estrangeiros diretos em dólares americanos por setores selecionados (1996 a 2000) ................. 32 Tabela 5. Número de empresas de construção civil no país por tamanho (número de empregados)............................................................ 56 Tabela 6.Vantagens obtidas por empresas norte-americanas que implantaram programas de ES - Schneider (1995) apud Takahashi (1996).........................................................................................171 Tabela 7. Exemplos de vantagens obtidas por meio da Engenharia Simultânea na gestão do processo de projeto de novos produtos industriais...................................................................................172 Tabela 8. Tipos de contratantes dos serviços empresa A3 ........................274 Tabela 9. Momento do empreendimento em que são contratados os serviços da empresa A3...........................................................................274 Tabela 10. Aproveitamento da compatibilização e do projeto para produção pelas construtoras......................................................................274 xviii LISTA DE QUADROS Quadro 1. Principais serviços e atividades do processo de projeto de empreendimentos de edificações ............................................... 76 Quadro 2. Componentes da qualidade do projeto ......................................147 Quadro 3. Características e conceitos de Engenharia Simultânea segundo vários autores ............................................................................159 Quadro 4. Síntese das principais discrepâncias entre o ambiente de projeto na construção de edifícios e na indústria de manufaturados em série ...........................................................................................181 Quadro 5. Novas Formas de Racionalização da Produção – NFRP identificadas na construção de edifícios por Cardoso (1996).....187 Quadro 6. Correntes de modernização empresarial e operacional e as parcerias com os fornecedores..................................................209 Quadro 7. Vantagens e desvantagens do uso de extranets na coordenação de projetos .................................................................................225 Quadro 8. Atividades presentes na coordenação de projeto .....................234 Quadro 9 Vantagens e desvantagens conforme o perfil do coordenador de projetos ......................................................................................238 Quadro 10. Potenciais projetistas para produção, vantagens e limitações.253 Quadro 11. Serviços de projetos potencialmente contratados pela empresa A2 em função de cada empreendimento ...................................272 xix LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT ABECE AsBEA ANTAC BCB BNH CB-25 CBIC CDHU CEF CIB CII CONDEPHAAT EPUSP ES FGV GEP-TGP GEMAP IAB IBGE IE INMETRO ISO PBQP-H PCA PCC PIB PS QUALIHAB SCPD SECOVI-SP SFH SGQ Sinaenco Sinduscon-SP Associação Brasileira de Normas Técnicas Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído Banco Central do Brasil Banco Nacional da Habitação Comitê Brasileiro da Qualidade da ABNT Câmara Brasileira da Indústria da Construção Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo Caixa Econômica Federal International Council for Research and Innovation in Building and Construction Construction Industry Institute Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Antropológico Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Engenharia Simultânea Fundação Getúlio Vargas Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Tecnologia e Gestão da Produção na Construção Civil Groupe de Réflexion sur le Management de Projets Instituto dos Arquitetos do Brasil Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto de Engenharia Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial International Organization for Standardization Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat Plan Construcion et Architecture Departamento de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Produto Interno Bruto Projeto Simultâneo Programa da Qualidade na Construção Habitacional do Estado de São Paulo Society of Concurrent Product Development Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Edifícios em Condomínios Residenciais e Comerciais do Estado de São Paulo Sistema Financeiro da Habitação Sistema de Gestão da Qualidade Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo 1 1 INTRODUÇÃO 1.1 APRESENTAÇÃO A indústria de maneira geral (incluindo o setor de construção) passa por um momento de intenso dinamismo e competição. No cerne deste processo, as crescentes exigências dos agentes sociais e a instabilidade dos mercados demandam, das empresas, novas competências ligadas aos modos de produção e ao atendimento aos clientes e usuários. O acirramento da concorrência e a globalização econômica têm colocado o cliente no centro das estratégias empresariais e do processo econômico. Além disso, as pessoas, as ONGs (Organizações Não Governamentais) e os governos têm ampliado a pressão pela sustentabilidade dos processos industriais e pela qualidade e durabilidade dos produtos, impondo novas restrições e exigências de desempenho para os processos produtivos e para os produtos. Para responder ao crescimento da concorrência, a indústria contemporânea cada vez mais se confronta com as necessidades de ampliar a produtividade, reduzir custos e, sobretudo, melhorar o atendimento aos clientes e a qualidade dos produtos, ao mesmo tempo em que reduz os impactos ambientais dos produtos e processos. Além disso, a velocidade das transformações tecnológicas, sociais e econômicas tem obrigado as empresas a se manterem flexíveis e ágeis frente a novos desafios. O antigo paradigma de produção em massa (taylorista-fordista) é substituído pelas premissas da produção enxuta (Ohno, 1988; Womack et al., 1990) e por novos métodos de gestão da produção mais adaptáveis às escalas de produção e às mudanças de mercado. Num contexto de incremento das exigências frente aos produtos e aos processos, as empresas têm buscado novos métodos, mais ágeis e mais competentes, para desenvolver produtos e serviços que respondam às crescentes exigências e mudanças do mercado e da sociedade. 2 A capacidade competitiva das empresas, em muitas indústrias, surge fundamentalmente da sua capacidade de desenvolver novos produtos que atendam às demandas dos clientes, e o desenvolvimento de produtos situa-se na interface entre a empresa e o mercado (Toledo, 1993, p. 139). Várias empresas, em especial aquelas que produzem produtos complexos ligados às indústrias automobilística, aeroespacial, micro-eletrônica, etc., têm conseguido ampliar e agilizar sua capacidade de amadurecer novas tecnologias e transformá-los em novos produtos de qualidade, por meio da implantação e da utilização do processo de Engenharia Simultânea (ES) nas fases de concepção e desenvolvimento de produto. A realização de projetos utilizando ES parte da premissa de que os produtos devem ser desenvolvidos considerando-se precocemente (durante a concepção e o projeto) o seu ciclo de vida e as demandas dos clientes internos (trabalhadores e fornecedores envolvidos no processo de produção) e externos (compradores, usuários e pessoas atingidas indiretamente pelo produto)1. Na construção, os ciclos de vida dos empreendimentos são bastante longos (da ordem de décadas) e compreendem diversas fases, que vão da montagem das operações (concepção e promoção do empreendimento) ao descarte (demolição) ou reabilitação (recuperação das condições de uso) das edificações, passando pelas fases de projeto, construção, uso e manutenção. Durante essas diversas fases atuam ou estão envolvidos no empreendimento diversos agentes independentes, com diferentes papéis e objetivos junto ao empreendimento. Essa complexidade temporal e de intervenientes envolvidos no empreendimento traz dificuldades e limitações características para o preceito básico da ES de integrar na concepção do produto todos os agentes envolvidos ao longo do ciclo de vida. Apesar disso, na construção as etapas iniciais do empreendimento (programa e projeto) são também as que apresentam as maiores oportunidades de intervenção e agregação de valor ao empreendimento. 1 A caracterização pormenorizada da Engenharia Simultânea é desenvolvida no capítulo 6. 3 Dessa forma, os processos de concepção e projeto são estratégicos para a qualidade do edifício ao longo do seu ciclo de vida. E a busca de novos métodos e processos que possam considerar precocemente a totalidade das questões envolvidas no projeto é de extrema relevância para o sucesso dos empreendimentos e para o progresso do setor de construção. 1.2 PROBLEMÁTICA DA TESE Engajados na investigação e no fomento às transformações sócio-técnicas que atingem a indústria de construção civil brasileira, uma série de trabalhos desenvolvidos por professores, pós-graduandos e pesquisadores vinculados ao Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Tecnologia e Gestão e Processos (GEPE: TGP) do departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (PCC-EPUSP) tem procurado caracterizar as mudanças recentes nesta indústria e subsidiar o processo de transformação com modernas e racionalizadas técnicas construtivas e novas práticas de gestão e metodologias organizacionais. Esta tese em particular vincula-se à linha de pesquisa do GEPE:TGP de gestão da produção na construção, enfocando, particularmente, a gestão do processo de concepção e projeto do empreendimento. Imbuído das premissas de pesquisa do GEPE:TGP e da problemática de modelos organizacionais adaptados às características da indústria de construção de edifícios, o trabalho de tese proposto assume, como objeto de pesquisa, o processo de projeto de novos empreendimentos de construção de edifícios e os agentes envolvidos neste processo. O trabalho segue na linha de pesquisas recentes do GEPE:TGP que abordam a qualidade e a coordenação de projetos - Melhado (1994), Novaes (1996), Baía (1998), Melhado (2001), apontando a necessidade de uma maior articulação entre os projetos e propondo modelos de gestão do projeto voltados à coordenação entre especialidades e à integração projeto - produção. 4 Partindo do entendimento de Melhado (1994) de que a qualidade e coordenação dos projetos não dependem somente dos projetistas, mas exigem uma valorização do projeto e o engajamento de outros agentes do empreendimento e da convicção de que, apesar da existência de metodologias de coordenação de projeto bem desenvolvidas, que acabam não se concretizando plenamente nas práticas projetuais do setor, a motivação inicial do trabalho era investigar os gargalos na coordenação de projetos e, particularmente, as limitações da relação entre os principais agentes do projeto (empreendedor, projetistas e construtores), como fonte importante das deficiências de coordenação e qualidade do projeto. Como caminho para o progresso na gestão do processo de projeto foi considerada, inicialmente, a necessidade de parcerias entre empreendedor, projetistas e construtores, visando criar equipes mais perenes de projeto que pudessem investir na integração entre projetistas de diferentes especialidades, incluindo a de projetos para produção, de forma a melhorar continuamente a colaboração intra-equipe, à medida que os profissionais envolvidos fossem conhecendo as realidades e as necessidades dos outros e ganhando confiança e traquejo no trabalho em equipe. Com o prosseguimento da pesquisa foi constatado que a questão crucial a ser tratada não é somente a relação entre os agentes do projeto, mas também a forma de integração destes agentes e o modelo de colaboração vigente. Ou seja, o que está em discussão é o paradigma de desenvolvimento de produtos na construção de edifícios. Na construção, o processo de produção se articula em torno de empreendimentos individuais e relativamente únicos e o setor é bastante complexo e heterogêneo, sendo importante considerar diferentes tipos de empreendimentos, pois o papel e a atuação dos agentes variam significativamente de um empreendimento para outro (no capítulo 8 são apresentados e justificados a tipificação de empreendimentos adotada no trabalho e os critérios para formulação destes tipos) e as possibilidades de cooperação e parceria são distintas conforme a tipologia e o arranjo particular de cada empreendimento. O trabalho assume como ponto central de investigação as possibilidades e os modelos de colaboração entre os agentes do projeto, partindo da premissa defendida 5 por Jouini; Midler (1996) Jouini; Midler (2000) e Melhado (1999) de que a concepção do negócio e do programa de necessidades, a concepção arquitetônica e técnica do produto e o projeto da produção são diferentes olhares sobre a mesma questão, conceber e desenvolver novos empreendimentos de edifícios. Portanto, mais do que tratar de modelos e metodologias de coordenação entre especialidades de projeto, nesta tese, propõe-se avançar a investigação na direção da integração entre distintas interfaces e agentes relacionados ao processo de projeto, considerando diferentes tipos de empreendimentos. Dessa maneira, o trabalho investiga a fronteira entre o processo de projeto e o processo do empreendimento e, ao invés de abordar exclusivamente os procedimentos necessários para coordenar projetos de especialidades de produto, explora (i) o que é preciso num determinado tipo de empreendimento de construção de edifício para que os agentes envolvidos colaborem entre si durante a concepção e o projeto? Mais do que isso, (ii) quais são as premissas que devem nortear essa colaboração? Para responder à questão (i), diante dos conflitos e reclamações mútuas entre os vários agentes do projeto (Fabricio et al., 1999a), ficou clara a necessidade de investigar a organização do processo de concepção e projeto, o papel e o poder de barganha dos agentes envolvidos, os “gargalos” no processo e as correspondentes limitações na sua gestão, além das possíveis alterações organizacionais e culturais que permitam gerenciar as contradições implícitas ao processo de projetos do setor fragmentado em diferentes agentes, com formações e objetivos distintos. Já a segunda questão é mais ampla e possibilita diferentes abordagens. Como caminho para respondê-la, considerou-se que as experiências de gestão de projeto de outras indústrias poderiam servir como referência de partida para modernização do processo de projeto no setor. Assumiu-se que a concepção e projeto de um novo empreendimento de construção é um processo análogo ao desenvolvimento de um novo produto na indústria de transformação, conforme argumentam Jobim et al. (2000); Bobroff (1998). 6 A partir dessa analogia surge a indagação de como se dá o processo de concepção de novos produtos na indústria manufatureira de ponta, quais são as metodologias de ‘projeto’ aplicadas em outros setores e qual sua utilidade na atividade de construção de edifícios. Assim, a formulação da problemática da tese se completou com os questionamentos sobre: (iii) Como as empresas de outros setores industriais mais dinâmicos desenvolvem seus produtos? E (iv) como se coloca o projeto do edifício frente às práticas mais modernas de desenvolvimento de produto? A principal referência encontrada para responder à pergunta (iii) diz respeito à prática da Engenharia Simultânea empregada em vários setores industriais como forma de ampliar a eficiência do processo de projeto, reduzindo prazos e custos de projeto e melhorando a qualidade dos produtos gerados. A Engenharia Simultânea, conforme o que foi discutido no capítulo 6, tem como uma das principais características a colaboração precoce e concorrente entre os projetistas do produto, projetistas da produção, fornecedores e clientes, no desenvolvimento de novos produtos. Dessa maneira, no estudo da gestão dos projetos e dos agentes do desenvolvimento e concepção do empreendimento de construção, a Engenharia Simultânea foi tomada como uma alternativa de modernização. Em contraponto, o questionamento (iv) demanda a consideração das características próprias do setor que não permitem apropriações diretas de práticas de gestão de outras indústrias e demanda a investigação da pertinência e das adaptações necessárias para que a Engenharia Simultânea possa ser aplicada no desenvolvimento de empreendimentos de edifícios. Assim, as referências externas ao setor devem ser relativizadas com as análises e conhecimentos acumulados nas pesquisas sobre o setor de construção e pela realização de estudos de caso envolvendo empreendimentos de edifícios e seus principais agentes, de forma a considerar as práticas setoriais e as suas dinâmicas de desenvolvimento. 7 1.3 OBJETIVOS O presente trabalho tem como objetivo principal identificar a possibilidade e propor diretrizes para o estabelecimento de práticas de ‘Projeto Simultâneo’2, derivadas da Engenharia Simultânea, no desenvolvimento de novos empreendimentos de construção de edifícios. A hipótese central que norteia o desenvolvimento da pesquisa é que: As premissas da Engenharia Simultânea para o desenvolvimento de novos produtos e serviços são válidas para modernizar as práticas de gestão de projetos no setor de construção de edifícios; com base nestas premissas e na análise das características do processo de produção e do processo de projeto próprios da construção de edifícios pode-se postular um novo paradigma de “Projeto Simultâneo” para gestão do processo de projeto de empreendimentos de edifícios. Partindo dessa formulação inicial, pode-se identificar uma série de etapas parciais de desenvolvimento do trabalho a serem cumpridas a fim de demonstrar e refinar a hipótese lançada: • A premissa de colaboração intensa e precoce entre os agentes do projeto, implícita na Engenharia Simultânea, pode ser buscada no setor por meio do estabelecimento de parcerias entre os agentes do empreendimento; • A implantação do Projeto Simultâneo no setor passa por alterações na estrutura organizacional dos empreendimentos, na cultura das empresas e profissionais envolvidos e pela intensificação da utilização das novas tecnologias da informática e telecomunicações; • Diferentes tipos de empreendimentos de edifícios (empreendimentos de construção-incorporação, sob encomenda e obras públicas)3 têm potencialidades 2 Sobre o termo “Projeto Simultâneo” ver item 6.5. 3 A caracterização dos tipos de empreendimento e a justificativa da escolha estão no item 8. 8 e dificuldades próprias para estabelecimento do desenvolvimento simultâneo de projetos. 1.4 METODOLOGIA 1.4.1 Considerações metodológicas O objeto da pesquisa é a gestão do processo de projeto de novos empreendimentos e as relações entre promotores, projetistas e construtores. Trata-se de uma pesquisa que demanda uma abordagem sócio-técnica da concepção do empreendimento e da realização dos projetos, envolvendo não só os conhecimentos técnicos de cada agente, mas, principalmente, as relações organizacionais e as tecnologias que incidem sobre o processo de produção do projeto e do empreendimento de edifícios. A abordagem sócio-técnica que norteia a pesquisa implicou o tratamento de dois conjuntos de temas, relativos: aos conhecimentos técnicos e tecnológicos, incluindo a base científica e sistematização do saber empírico, envolvidos nos projetos e nos processos produtivos e, principalmente, aos critérios de natureza social, econômica, jurídica e cultural que pautam as inter-relações entre os diversos agentes envolvidos no processo de produção de edifícios. A complexidade do tratamento das relações organizacionais obrigou, ainda, uma abordagem multidisciplinar do tema, envolvendo, além dos conhecimentos provenientes da engenharia, a busca de conceitos e interpretações complementares de outras áreas, como arquitetura, administração, psicologia, etc. 1.4.2 Estruturação da pesquisa Diante das ponderações anteriores, a metodologia de pesquisa foi estruturada a partir de dois vetores de investigação fenomenológica que buscam caracterizar: a 9 construção de edifícios e o processo de gestão de projeto do empreendimento (vetor 1); e os novos paradigmas de gestão de projetos na indústria em geral (vetor 2). O primeiro vetor é desenvolvido por meio do estudo da literatura de gestão na construção e de dados empíricos, obtidos em estudos de caso realizados com entrevistas e visitas aos agentes envolvidos na concepção e na coordenação de projeto de diferentes tipos de empreendimentos de edifícios. Este primeiro vetor de investigação tem como objeto identificar as transformações em curso na gestão do processo de produção de edifício e as novas demandas para gestão do projeto do edifício. O segundo vetor, baseado em uma extensa revisão bibliográfica, investiga o paradigma de gestão do processo de concepção e desenvolvimento de novos produtos na indústria contemporânea e tem como “mote” a busca de referências para a modernização do projeto de empreendimentos de edifícios. Da soma desses dois vetores de investigação, a tese se desenvolve pelo confronto da gestão de projeto em diferentes tipos de empreendimentos de construção de edifícios (vetor 1), face às transformações em curso nas práticas de gestão em vários setores industriais (vetor 2), analisando a aplicabilidade dessas novas práticas de projeto, baseadas na Engenharia Simultânea, na concepção e desenvolvimento de projetos de edifícios, e propondo adaptações e diretrizes que permitam sua utilização em diferentes tipos de empreendimento de construção (resultando no vetor 3). 1.4.3 Montagem e instrumentação da pesquisa A seleção de bibliografia a respeito da gestão do processo de projeto na construção teve como critério privilegiar os títulos e pesquisas nacionais dado que a cultura e o ambiente que suporta a organização dos processos de projeto e a articulação dos agentes envolvidos são muito particulares de um contexto produtivo e da realidade nacional, principalmente num setor pouco globalizado como a construção de edifícios (ver discussão no capítulo 2). Assim, o uso de bibliografia estrangeira a respeito dos modelos de gestão deve ser muito bem contextualizado na cultura de 10 origem do trabalho, o que demanda um conhecimento mínimo desta cultura e das práticas do setor de construção no país de origem. Apesar destes limites, vários trabalhos estrangeiros foram considerados. Trabalhos de origem francesa foram muitas vezes tomados como contraponto de modelo de gestão no setor, o que foi possível uma vez que o orientador da pesquisa tinha grande conhecimento da realidade daquele país e podia balizar e ajudar a contextualizar as referências. Em outros campos de investigação de caráter mais técnico e histórico (que aparecem particularmente no capítulo 5), nos quais a realidade cultural e organizacional não é tão determinante, foram utilizadas trabalhos de diferentes origens, principalmente em língua inglesa e francesa. No capítulo 6, que trata da Engenharia Simultânea, também foram consideradas bibliografias de diferentes origens, uma vez que este paradigma de desenvolvimento de produtos tem origem no exterior e em outros setores mais globalizados. Para desenvolver a revisão bibliográfica foram realizadas pesquisas e seleção de materiais nos acervos das seguintes bibliotecas: da Escola Politécnica da USP; da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (São Paulo); da Escola de Engenharia da USP São Carlos; da Faculdade de Economia e Administração da USP; da Universidade Federal de São Carlos-SP (UFSCar). Referências bibliográficas também foram buscadas em anais de congressos e revistas disponíveis na Internet nas bases de revistas disponíveis em «www.periodicos.capes.gov.br». Outras bases de dados em CD-ROM também foram consultadas: ICONDA referências e resumos de artigos, teses, etc., na área de Construção Civil; IBICT – que contém o Catálogo Coletivo Nacional de publicações seriadas referente a 750 bibliotecas brasileiras, faz referência a teses e dissertações defendidas no Brasil e no exterior por brasileiros, e contém dados sobre congressos, simpósios e demais eventos realizados no Brasil, nas áreas de ciências e tecnologia; DISSERTATION ABSTRACTS - contém resumo das dissertações e teses de mais de mil instituições de ensino e pesquisa americanas; UNIBIBLI - catálogo coletivo de livros e teses 11 existentes no Sistema de Bibliotecas das três universidades estaduais paulistas (USP, UNICAMP, UNESP). Para montagem da pesquisa de campo proposta, algumas considerações de caráter metodológico e prático foram realizadas. Primeiramente, foi preciso considerar que no processo de projeto de edifícios participam ou têm interesse indireto os vários agentes envolvidos no empreendimento que podem ser responsáveis por uma ou mais das seguintes funções: o empreendedor do negócio, o incorporador do terreno, o agente financeiro, o poder público por meio das regulamentações financeiras e de ocupação do solo, os diversos projetistas e consultores contratados, a construtora responsável pela obra, os subempreiteiros de serviços e mão-de-obra, os fornecedores de materiais e equipamentos e finalmente os clientes e usuários dos edifícios. A pesquisa de campo desenvolvida busca levar em conta a multiplicidade de agentes envolvidos e a variabilidade existente na configuração dos empreendimentos de construção que são montados por diferentes agentes e cumprem diferentes objetivos. Contudo, dar conta do mapeamento e da investigação do papel de todos os agentes envolvidos nos empreendimentos seria uma tarefa muito complexa que levaria a poucas conclusões claras. Assim, optou-se por restringir a investigação ao principal agente responsável pela integração dos projetos e, em alguns casos consultar outros agentes envolvidos no processo de projeto. Esta opção foi feita por se considerar o coordenador de projetos o agente privilegiado no que tange à relação e à integração dos profissionais envolvidos no projeto. Nos diferentes casos estudados (capítulo 8) a coordenação era assumida por distintos agentes, ora pelo promotor, ora pelo arquiteto da obra, ora por um projetista ou gerenciador contratado especialmente para realizar a tarefa de coordenação. Com relação aos usuários, diante da heterogeneidade deles e da dificuldade e amplitude do trabalho necessário para estabelecer pesquisas de campo que permitissem capturar, de forma consistente, seu ponto de vista acerca do processo de projeto, optou-se, neste trabalho, por abordar os interesses do usuário via fontes secundárias, por meio de revisão bibliográfica. A exceção fica por conta dos 12 empreendimentos em que o usuário se confunde com o empreendedor e que foram estudados nas pesquisas de campo. A outra dificuldade metodológica diz respeito à heterogeneidade de cada empreendimento de construção. Como esclarece Bobroff (1998), cada obra apresenta características singulares. Além disso, as hipóteses e objetivos da pesquisa (item 1.3) apresentam um viés por demais explorativo, para serem tratados com métodos quantitativos e estatísticos. Dessa forma, descartou-se a pretensão de qualquer tipo de generalização dos dados e resultados do estudo de campo e optou-se pela realização de pesquisas de caráter qualitativo, junto a um número reduzido de casos que se mostrassem interessantes. Assim, apesar da impossibilidade da generalização dos resultados, para cobrir diferentes realidades e situações de empreendimento e buscando obter uma perspectiva comparada, consideraram-se, na pesquisa, três “tipos” diferentes de empreendimentos que contemplam as principais intervenções que ocorrem no mercado de construção formal de edifícios. A tipificação de empreendimentos se pautou pelas características e abrangência da atuação do empreendedor na montagem e desenvolvimento do empreendimento. Assim, foram elencados inicialmente os seguintes tipos de empreendimentos: promoção independente, incorporação-construção, obras sob encomenda, definidos de forma detalhada no capítulo 8. Dessa forma os dados empíricos foram colhidos fundamentalmente por meio de estudos de caso junto a coordenadores de projeto de diferentes tipos de empreendimentos. É importante salientar que na formatação da investigação de campo foi descartada qualquer ambição de realização de pesquisa-ação, com intervenção do pesquisador nas práticas das empresas estudadas, por considerar que, diante da complexidade e ineditismo da problemática tratada, seria mais seguro e correto a realização de uma primeira investigação baseada em levantamentos e na caracterização fenomenológica das práticas de gestão de projetos e inovações em curso neste campo, deixando para 13 futuros trabalhos a missão de desenvolver pesquisas que proponham e avaliem mudanças dirigidas no processo de projeto de empresas. Para condução da pesquisa de campo foi montado um roteiro semi-estruturado de entrevista, contendo os temas-chaves para discussão destinados à investigação dos principais agentes de diferentes tipos de empreendimento e, a partir do primeiro levantamento de informações, outros dados foram conseguidos com entrevistas junto aos agentes, acompanhamento de reuniões de coordenação e visitas às obras. A opção pela realização de entrevistas semi-estruturadas (ver roteiro no anexo A) deu-se em função da orientação desta modalidade de pesquisa para realização de investigações qualitativas, em que se busca explorar a ocorrência e as possibilidades de um fenômeno ou prática sem se importar com a quantificação do fenômeno e com a extrapolação dos resultados para um universo maior de situações. Por fim, a seleção dos empreendimentos e das empresas pesquisadas foi realizada com base em informações prévias sobre elas e o interesse que tais informações suscitavam em termos de inovação nos processos de gestão. Por questões práticas, foram consideradas também a proximidade geográfica dos empreendimentos e das empresas selecionadas, a disponibilidade e a presteza destas empresas em fornecer informações e participarem de entrevistas. 1.4.4 Etapas da pesquisa A partir das considerações metodológicas anteriores estabeleceu-se um planejamento para realização do trabalho, com as seguintes etapas, desenvolvidas de forma interativa: • delimitação téorico-conceitual da pesquisa, envolvendo a seleção e estudo da bibliografia disponível para caracterizar os modelos de gestão do processo de projeto disponíveis e as particularidades e restrições próprias ao processo de projeto no setor da construção; 14 • delimitação de um roteiro de pesquisa de campo, com o estabelecimento dos critérios para a seleção dos objetos de estudo de campo (seleção de empresas, obras e escritórios de projetos), dos pontos a serem “observados” e do desenvolvimento do instrumental de pesquisa em campo - questionários de entrevistas, critérios de análise de projetos, roteiros de visitas a construtoras, escritórios de projetos e obras, seleção e formatação de indicadores, etc.; • realização de pesquisa em empresas responsáveis pela coordenação de projetos em três tipos distintos de empreendimentos (ver capítulo 8), objetivando identificar os caminhos de modernização que vêm sendo percorridos por estas empresas e caracterizar as dificuldades reais de relacionamento entre estes agentes e as potencialidades da prática do Projeto Simultâneo; • com base no repertório teórico adquirido e nos dados obtidos em campo, buscouse desenvolver e comprovar a hipótese inicial (ver item 1.3), traçando um panorama do processo de projeto em diferentes tipos de empreendimentos e propondo caminhos de mudança para transformação das práticas de projeto do setor em práticas de colaboração simultânea; Por fim, a tese foi redigida de forma a apresentar a pesquisa, seus resultados, limites e conclusões. CONHECIMENTO PRÉVIO DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA PROCESSO INTERATIVO • HIPÓTESE / CONJECTURAS REVISÃO TEÓRICA INVESTIGAÇÃO DE CAMPO CONSOLIDAÇÃO OU REFUTAÇÃO REDAÇÃO DA TESE Figura 1. Etapas de Pesquisa 15 1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO Além do primeiro capítulo, que apresenta a problemática e a metodologia da tese, o trabalho é desenvolvido em outros sete capítulos, mais o capítulo de conclusões. O segundo capítulo – Transformações econômicas e competitividade na indústria de construção de edifícios – desenvolve um panorama das principais pressões econômicas e competitivas enfrentadas pelo país e particularmente pelo setor da construção. O Terceiro – O empreendimento de construção e a importância do projeto – investiga as características e especificidade dos empreendimentos de construção de edifícios e destaca o papel do projeto ao longo das diferentes fases de vida do empreendimento. O quarto – Desenvolvimento de produto na construção de edifícios – tem como objetivo caracterizar o processo de concepção e desenvolvimento de um novo empreendimento de edificação e destacar a multiplicidade de agentes envolvidos. O capítulo cinco – Análise do processo de projeto na indústria da construção – traz uma reflexão sobre o desenvolvimento do processo de projeto e sua conceituação no ambiente da construção de edifícios. Também é desenvolvida uma análise do projeto, enquanto processo intelectual e social, e das limitações da organização atual do processo de projeto de empreendimentos de construção de edifícios. O sexto capítulo – Engenharia Simultânea: novo paradigma de gestão de projeto – consiste em uma pesquisa bibliográfica que investiga os novos paradigmas de desenvolvimento de produto na indústria em geral e suas principais características e resultados. O sétimo capítulo – Projeto Simultâneo na construção de edifícios - subsidiado pelos capítulos anteriores, investiga a aplicabilidade dos princípios da Engenharia Simultânea nos diferentes empreendimentos de construção e apresenta diretrizes e alterações na gestão do processo de projeto do setor visando viabilizar a colaboração e o desenvolvimento simultâneo dos projetos de empreendimentos de edifícios. 16 No oitavo capítulo – Projeto Simultâneo em diferentes empreendimentos de construção: estudos de caso – são apresentados os estudos de caso e os principais elementos empíricos colhidos na pesquisa, bem como são feitas análises das possibilidades e limitações do desenvolvimento simultâneo e integrado dos projetos nos diferentes tipos de empreendimentos pesquisados. Este capítulo tem o caráter de completar e aprofundar, empiricamente, investigações desenvolvidas anteriormente, e, ao final, optou-se por colocá-lo após o capítulo sete, quando conceitos e raciocínios que orientaram a investigação nos estudos de caso já tivessem sido discutidos em capítulos anteriores. Contudo, pode ser interessante ao leitor intercalar a leitura do capítulo oito com a dos capítulos quatro, cinco e sete. O nono e último capítulo – Conclusões – traz os principais resultados da pesquisa, apontando as principais características, benefícios e dificuldades da aplicação do Projeto Simultâneo na gestão do processo de projeto dos edifícios e identificando estudos e ações complementares para desenvolver o tema. 1.5.1 Estruturação dos capítulos e elementos de redação do trabalho Inicialmente aos capítulos dois, três, quatro, cinco e oito é apresentado um preâmbulo, destacado no texto em itálico, sobre a problemática que será abordada no decorrer do capítulo e a metodologia utilizada. Finalizando cada capítulo, é apresentada uma pequena compilação dos assuntos tratados e das conclusões obtidas. Ao longo do texto são introduzidos elementos de apoio, como figuras, gráficos, quadros e tabelas. Nos gráficos e tabelas são apresentadas relações quantitativas sobre determinado aspecto estudado. Os quadros trazem sínteses de conceitos e informações na forma de textos. As figuras trazem esquemas e ilustrações que complementam os raciocínios desenvolvidos ao longo do trabalho. A configuração da página (tamanho, margens, recuos, etc.), a formatação do texto (fonte, espaçamentos, etc.) e a forma de apresentação das referências bibliográficas seguem as “Diretrizes para apresentação de dissertações e teses” do Serviço de Bibliotecas da Escola Politécnica da USP (USP, 2001). 17 18 2 TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS E COMPETITIVIDADE NA INDÚSTRIA DE CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS As transformações produtivas nos modelos de gestão, em geral, guardam uma estreita coerência com as necessidades competitivas e com as exigências do mercado e da sociedade em geral. Assim, a pesquisa da introdução de novas filosofias de gestão nos processos de produção ou em parte destes passa pelo entendimento das tendências e desafios competitivos e suas implicações nos modelos de gestão. Este capítulo analisa as dinâmicas de transformação na economia e nas empresas do setor de construção numa perspectiva comparada face às indústrias de produtos seriados. O contraponto com as indústrias de manufatura se justifica uma vez que a filosofia de gestão do processo de projeto proposta é derivada de práticas desenvolvidas e consolidadas nestas indústrias. Na economia nacional o desafio contemporâneo das empresas (e da sociedade) é a crescente abertura econômica e a inserção do país no processo de globalização de capitais e do comércio. No setor de construção de edifícios, diferentes pesquisadores e profissionais destacam a ampliação da concorrência e a valorização do papel dos clientes (Picchi, 1993; Melhado, 1994; Souza, 1997b; dentre outros). Alguns trabalhos e entidades chegam a vincular as transformações no setor da construção ao processo de globalização. De fato, de qualquer ponto de vista que se enfoque a indústria nacional (econômico, financeiro, tecnológico, geográfico, do mercado consumidor, do emprego de recursos humanos, etc.) é possível identificar nítidas repercussões associadas ao processo de globalização. Diante dessa nova realidade, somos levados a crer que a competição em toda a economia e a organização da produção em amplos setores industriais se dão, ou se darão, de forma transnacional e que, para sermos competitivos, é preciso ter uma estratégia global e considerar a concorrência das empresas externas. 19 Entretanto, a influência da globalização não se dá, necessariamente, de maneira homogênea e linear nos vários setores da economia. As especificidades e características próprias de cada setor têm um importante papel na configuração das empresas e na delimitação do papel da globalização, nessas empresas e no setor como um todo. Assim, mesmo que a globalização se faça presente de maneira inequívoca nas dinâmicas sociais e principalmente econômicas do Brasil contemporâneo, permanece o questionamento: qual é o impacto desse processo em diferentes setores econômicos? Neste capítulo, a tese defendida é que o setor de construção, em especial o da construção de edifícios, é marcado por características próprias e as conseqüências econômicas diretas da inserção brasileira na globalização, como a entrada de produtos importados, a instalação de novos concorrentes transnacionais e o ingresso de investimentos não são preponderantes nas dinâmicas de modernização da atividade de construção de edifícios stricto sensu e relativamente modestas na cadeia de fornecedores da construção. Por outro lado, percebe-se que as transformações estruturais internas da economia brasileira e as mudanças culturais e organizacionais na indústria e nos agentes econômicos nacionais, provocadas, ao menos em parte, pela globalização, têm contaminado o setor de construção, que sofre um processo inédito de modernização e transformação organizacional na sua atividade produtiva. Com o propósito de avançar na reflexão sobre os impactos diretos e indiretos da globalização no setor de construção de edifícios e na sua cadeia produtiva, o presente trabalho coloca em perspectiva o papel que a abertura econômica e as modernizações tecnológicas, associadas às mudanças culturais no mercado consumidor, exercem na indústria da construção brasileira. Para considerar os impactos atuais e as perspectivas futuras do processo de globalização na construção nacional de edifícios, o trabalho se norteia pela busca de 20 fatos e explicações para responder, mesmo que preliminarmente, a três questões básicas formuladas: • Qual o impacto direto da globalização na atividade de construção de edifícios stricto sensu e quais as perspetivas da entrada de novos competidores externos no mercado nacional? • Como a globalização ocorre na cadeia de fornecedores de projeto e quais os desdobramentos potenciais na atividade de construção? • Quais as influências indiretas da globalização para a construção nacional e sua cadeia produtiva? Para responder às duas primeiras questões, foi considerado que as principais evidências da globalização em qualquer setor econômico são: • o aumento significativo da entrada de produtos estrangeiros – concorrência com importados; • o crescimento de investimentos externos na economia destinados à aquisição de empresas nacionais, à implantação de novas instalações no país ou, ainda, à modernização das unidades estrangeiras instaladas no território nacional. Foram ponderados, relativamente a outros setores econômicos, os ingressos de importados e de investimentos estrangeiros na construção e em sua cadeia fornecedora, bem como as potencialidades ou barreiras para a entrada de produtos, investimentos e empresas na construção nacional. A terceira questão foi investigada de forma mais prospectiva, por meio da análise das mudanças internas na economia do país e seus desdobramentos, e das contaminações na atividade de construção, nas estratégias das empresas que atuam nesta atividade e na sua cadeia de fornecedores. 21 2.1 GLOBALIZAÇÃO NA INDÚSTRIA NACIONAL Com o final da guerra fria, ganhou força a idéia de que o mundo é um todo único e razoavelmente interconectado. Mais do que um conceito abstrato, uma série de iniciativas e acontecimentos reforçam a perspectiva de um planeta com interesses compartilhados e transnacionais. Em todas as áreas, articulações entre pessoas, empresas e organizações de diferentes países abrem caminho para um inédito e surpreendente processo de GLOBALIZAÇÃO. Com repercussões de amplo espectro na vida humana, envolvendo a política, a cultura, a ciência, etc., o processo de globalização tem seus primeiros e mais significativos impactos nos campos da economia e finanças, com a integração de mercados e a transferência de investimentos em tempo real. Numa escala sem precedentes, cresce a circulação de mercadorias, investimentos e pessoas entre os povos e são estreitados os laços e dependências entre as nações. No campo político, a consolidação de acordos e regras de comércio no âmbito da Organização Mundial do Comércio - OMC, e a formação de blocos econômicos regionais (Comunidade Econômica Européia - CEE, Mercado Comum do Sul Mercosul, Acordo de Livre Comércio da América do Norte - NAFTA, Área de Livre Comércio das Américas - ALCA, etc.) abrem caminhos e regulamentações para a livre circulação de mercadorias e dos meios de produção entre países. No campo do comércio entre nações, os últimos dez anos representaram um grande incremento, com taxas de crescimento das exportações mundiais bastante superiores ao crescimento do PIB global, como demonstra o gráfico 1. Com base no novo processo político e econômico de globalização e com o auxílio das novas tecnologias de informática, as estratégias de investimentos e de produção das grandes empresas são cada vez mais orientadas pela perspetiva de atendimento do ‘mercado global’ e organizadas de maneira dispersa no planeta, de forma a aproveitar as oportunidades particulares de cada país ou região. 22 19,7 7.000,0 6.000,0 9,9 3,4 3,4 2,6 2.000,0 0,0 -2,4 -1,1 1.000,0 -5,0 1990 1991 1992 1993 4.000,0 3.000,0 3,8 4,1 4,8 4,1 3,6 3,7 2,3 2,0 5,0 3,0 1,8 6,0 10,0 Exp o r taçõ es (US$ B i l h õ es) 5.000,0 13,9 15,0 13,9 20,0 2,6 Taxa d e var i ação an u al (em %) 25,0 1994 Variação das Exportações mundiais 1995 1996 1997 1998 Variação do PIB mundial 0,0 1999 2000 (*) Exportações Mundiais Fontes: Exportações brasileiras: SISCOMEX e CACEX; Importações brasileiras: SISCOMEX e MF/SRF. Exportação e PIB mundial: International Financial Statistics (FMI) e World Economic Outlook - April, 2000 (FMI) apud (MDIC, 2000) Gráfico 1. Exportações mundiais e comparação da taxa de variação do PIB e das exportações mundiais na década de noventa Com isso, não só o comércio transnacional cresce, mas também os investimentos são, cada vez mais, orientados por uma ótica global. Concomitantemente à idéia de um ‘produto global’, que pode ser vendido em diferentes mercados nacionais, surge a perspectiva de ‘fábrica global’, com a montagem de cadeias produtivas transnacionais, articulando a produção de mercadorias com matérias-primas e componentes produzidos em diferentes países (Ianni, 1995). “Na base da internacionalização do capital estão a formação, o desenvolvimento e a diversificação do que se pode denominar ‘fábrica global’. O mundo transformou-se na prática em uma imensa e complexa fábrica, que se desenvolve conjugadamente com o que pode ser denominado ‘shopping center global’. Intensificou-se e generalizou-se o processo de dispersão geográfica da produção, ou das forças produtivas, compreendendo o capital, a tecnologia, a força de trabalho, a divisão do trabalho social, o planejamento e o mercado. (...) A fábrica global pode ser simultaneamente realidade e metáfora. Expressa não só a reprodução ampliada do capital em escala global, compreendendo a generalização 23 das forças produtivas, mas também a globalização das relações de produção.” (Ianni, 1995). No Brasil, a globalização ganhou fôlego com a abertura e com a estabilização econômica dos anos 90. As reduções de barreiras e tarifas de importação facilitaram a entrada de produtos estrangeiros no mercado consumidor nacional e desencadeou um vigoroso choque de competitividade, expondo a indústria nacional a concorrentes maiores e mais capitalizados, com produtos mais modernos, de nível tecnológico superior e sujeitos a condições tributárias e de regulação vantajosas. Por outro lado, a estabilização monetária conseguida com o Plano Real freou a escalada inflacionária e estabeleceu limites para a lógica da ciranda financeira, tornando o mercado consumidor brasileiro mais atraente e previsível. Com a gradativa redução das possibilidades de ganhos espetaculares nos mercados financeiros, as empresas puderam reorientar a busca de rentabilidade, migrando da gestão financeira dos negócios para a gestão da produção (Barros, 1996; Cardoso, 1996). De modo geral e simplificado, os principais efeitos diretos da globalização na economia brasileira são expressos pelo crescimento do comércio exterior brasileiro e pela proliferação de investimentos estrangeiros na economia nacional. Com relação ao comércio exterior, a participação brasileira tem se mostrado modesta, representando em torno de 1% do comércio mundial. Em 1999, por exemplo, as exportações brasileiras corresponderam a 0,87% das exportações mundiais e as importações a 0,88% (gráfico 2). Além disso, a contribuição das exportações brasileiras na formação do PIB do país revela uma participação entre 6 e 10%, ao longo da década de 90, que pode ser considerada pequena, quando comparada a países exportadores, como os tigres asiáticos, nos quais as exportações são responsáveis pela geração de cerca de 30% do seu PIB. Após a abertura da economia nos anos noventa, enquanto as exportações brasileiras cresciam num ritmo significativamente inferior ao do comércio global, as taxas de 24 crescimento das importações ficavam mais próximas das taxas mundiais (MDIC, 2000). Assim, o país vem apresentando crescimento nas suas exportações, mas aumentos ainda maiores das importações, invertendo o fluxo da balança comercial que, a partir de 1995, passou a ser deficitária (gráfico 2). Uma das razões apontadas para esse desequilíbrio no comércio exterior foi a sobrevalorização do câmbio; no entanto, superadas a crise russa de 1998 e a desvalorização do real em janeiro de 1999, o país continua a apresentar déficit comercial em 2000, sendo os vilões a queda dos preços internacionais das commodities exportadas pelo Brasil e, ao mesmo tempo, a alta dos preços de produtos importantes na pauta de importações brasileiras, como o petróleo; outra causa importante é que o grande crescimento de importantes setores econômicos, como o de telecomunicações e o automobilístico, demanda uma maior importação de 25 70 20 60 15 50 10 40 5 30 0 20 -5 10 Saldo Com er cial Expor tação 1998 1996 1994 1992 1990 1988 1986 1984 1982 1980 1978 1976 1974 1972 1970 1968 1966 1964 1962 1960 1958 1956 1954 1952 1950 -10 Exp o r taçõ es / Imp o r taçõ es (US$ B i l h õ es FOB ) Sal d o Co mer ci al (US$ b i l h õ es FOB ) componentes não produzidos no país. 0 Im por tação Fontes: Exportações brasileiras: SISCOMEX e CACEX; Importações brasileiras: SISCOMEX e MF/SRF. (MDIC, 2000) Gráfico 2. Evolução do comércio exterior brasileiro (1950-1999). No ano de 2001 a economia brasileira volta a enfrentar turbulências externas, a crise Argentina e o desaquecimento da economia americana, e internas, o racionamento de energia e a moeda nacional que se desvaloriza acentuadamente frente ao dólar. 25 Com a desvalorização e alterações nos preços internacionais, queda do preço do petróleo e alguma valorização das commodites agrícolas exportadas pelo Brasil, o país volta a apresentar superávit na balança comercial e para 2002 as previsões de superávit no comércio exterior variam de quatro a cinco bilhões de dólares. Se, pelos indicadores da balança comercial, o país vem encontrando dificuldades em se adaptar ao processo de globalização e à redução de tarifas aduaneiras, no campo dos investimentos diretos estrangeiros, tem conseguido ótimos resultados, alcançando o segundo posto na captação de investimentos entre os países em desenvolvimento, atrás apenas da China (gráfico 3). Durante a segunda metade da década de noventa, o Brasil apresentou uma forte evolução na captação de investimentos diretos estrangeiros, que passaram de cinco e meio bilhões de dólares em 1995 para 31,4 bilhões em 1999 (UNCTAD, 2000). No ano de 2000, segundo dados do Banco Central do Brasil (INVESTIMENTO, 2001), o ingresso total de investimentos estrangeiros diretos no país repete a boa performance de 1999, ligeiramente superior, no valor de 33,3 bilhões de dólares. Já Fl u xo d e i n vesti men to s d i r eto s (US$ B i l h õ es) para o ano de 2001 o fluxo de investimentos fica em torno de 23 bilhões. 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1985-1995 (média anual) 1996 Brasil 1997 Argentina 1998 Mexico 1999 China Fonte: World Investment Report 2000 - (UNCTAD,2000) Gráfico 3. Evolução dos investimentos diretos estrangeiros na economia de países em desenvolvimento selecionados De maneira geral, tais investimentos têm sido orientados para a implantação ou aquisição de indústrias e serviços destinados ao atendimento do mercado interno do país e do Mercosul. Embora os excedentes de produção das indústrias, gerados por 26 esses novos investimentos, sejam destinados para exportação, a importação de componentes de alto valor agregado para produção de produtos como carros, eletroeletrônicos, etc. tem permanecido elevada e dificulta a obtenção de superávites no comércio exterior brasileiro. Além disso, tais investimentos têm provocado um processo de desnacionalização de inúmeras empresas, ao mesmo tempo em que viabilizam uma considerável modernização tecnológica em alguns setores industriais e de serviços. Por fim, a entrada do país na globalização, ao mesmo tempo em que abre espaço para a vinda de importantes investimentos transnacionais, também vincula os mercados nacionais mais estreitamente aos acontecimentos e instabilidades externas. Outros fenômenos típicos do modelo vigente de globalização, como a desestatização, a fusão de empresas e a desconcentração regional da indústria, também surgem com força no país. 2.2 A CONSTRUÇÃO NA ECONOMIA NACIONAL A Construção Civil constitui um importante setor para a economia nacional, sendo responsável direto por parcela significativa e crescente do Produto Interno Bruto – PIB (gráfico 4). No ano de 1999, a indústria da construção civil respondeu por 10,26% do PIB, enquanto a agropecuária teve participação de 8,42%, a indústria extrativa e de transformação respondeu por 23,69% e todos os serviços, inclusive financeiros, corresponderam a 62,80% do PIB4. Embora os dados desagregados sobre a participação dos subsetores da construção civil na economia nacional sejam precários, dados do Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) provenientes da Pesquisa de Atividade Econômica Paulista (PAEP) 4 A estimativa da participação relativa da construção no PIB nacional foi elaborada com dados do IBGE. A estimativa foi realizada considerando-se os dados da participação da construção nas atividades econômicas, da qual foi descontado o Dummy financeiro para compor o valor adicionado a preços básicos do setor, o qual, somado aos impostos sobre produtos, compõe o PIB. Critério idêntico foi adotado por Picchi (1993) e Trevisan Consultores (1998) e critério semelhante pode ser encontrado em Farah (1992). 27 de 1996 indicam que neste estado a indústria de transformação participou com 93,1% do valor adicionado pela indústria, enquanto a indústria da construção respondeu por 6,9%5 divididos da seguinte forma, 3,1% pelas atividades de construção pesada, 2,6% pela construção de edificações e, 1,2% pelas empresas de instalações e acabamentos, que em geral participam como subempreiteiras das empresas de construção de edifícios (Brisolla et al. 2001). 10,26% 10,00% 9,52% 9,15% 8,26% 7,63% 7,12% 6,90% 5,30% 6,70% 5,40% 6% 6,20% 9% 9,22% 12% 3% 0% 1970 1975 1980 1985 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Fontes: 1970 – 1979: Anuário Estatístico do Brasil – (IBGE , 1990) 1980 – 1990: Anuário Estatístico do Brasil – (IBGE , 1991) 1991 – 1998: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Departamento de Contas Nacionais (IBGE, 2000) Gráfico 4. Evolução da participação relativa da construção civil no PIB brasileiro De fato, a construção de edificações tem uma participação expressiva na composição do valor adicionado na construção. Além da participação direta no PIB, a construção civil demanda, a montante, diversos insumos, gerando riquezas em uma longa e complexa cadeia de fornecedores. A jusante da indústria da construção, outras riquezas são geradas nos serviços de comercialização, manutenção e exploração das construções, especialmente no setor imobiliário. 5 A baixa participação relativa da indústria da construção paulista quando comparada à participação brasileira pode ser explicada pelo fato de São Paulo ser um estado intensamente industrializado (pelas indústrias de manufaturas), o que minimiza a expressividade das atividades de construção na indústria deste estado. 28 Segundo o trabalho da Trevisan Consultores (1997), a construção civil pode ser considerada um setor tipo “locomotiva”, uma vez que demanda, para trás na cadeia produtiva, inúmeros insumos e serviços. Utilizando dados de 1995, a Trevisan Consultores (1998) aponta a construção como o quarto setor da economia nacional em termos de encadeamento de negócios, ou seja, de geração de riquezas a montante e a jusante da atividade do setor (gráfico 5). Nesse mesmo ano, o setor gerou negócios para seus fornecedores (encadeamento para trás) da ordem de quarenta e oito bilhões de reais; e, para frente, o setor gerou Ín d i ce d e en cad eamen to (R$ B i l h õ es) pouco mais de cinco bilhões em negócios. 70 60 50 40 30 20 10 Encadeamento Para Trás pr es as Se rv .E m en to Al im rte po Tr an s s s o R ef .P et am er v. F st r on C ró le íl i as o uç ã ér ci o om C Ag ro p ec . S A dm .P úb li c a 0 Encadeamento Para Frente Fonte: (Trevisan Consultores, 1998) Gráfico 5. Índice de encadeamento por setor em 1995 (Trevisan Consultores, 1998) Em outro estudo que utiliza a metodologia “Matriz Insumo – Produto” a Fundação Getúlio Vargas, a pedido da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC/FGV, s.d.), constata que o macrossetor da construção, envolvendo, além das atividades da indústria da construção strito sensu, as atividades industriais associadas à construção (fornecedores de matérias-primas, componentes e equipamentos) e os serviços de apoio (projetos, atividades imobiliárias, etc.), foi responsável por 14,04% do PIB brasileiro em 1998 e estima para os anos de 1999 e 2000 uma participação de 13,12 e 12,50. 29 Refletindo sua relevância na formação do PIB, a construção civil tem um importante papel na geração de empregos diretos, sendo responsável por pouco mais de seis por 6,40% 3,90 6,24% 6,12% 6,07% 3,30 5,60% 5,80% 5,60% 3,52 3,55 3,45 3,40 3,67 5,77% 5,82% 3,50 5,40% 3,43 3,68 3,60 6,20% 6,00% 5,89% 5,95% 3,63 3,70 3,48 3,80 5,20% 3,20 3,10 Participação da construção na população ocupada brasileira 4,00 3,94 População ocupada na construção (milhões de pessoas) cento da população ocupada no país em 1998 (gráfico 6). 5,00% 1990 1991 1992 1993 População ocupada na construção civil 1994 1995 1996 1997 1998 Participação relativa no total da população ocupada brasileira Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Departamento de Contas Nacionais (IBGE, 2000) Gráfico 6. População ocupada na construção civil e participação relativa do setor na população ocupada brasileira O setor se destaca como atividade intensiva em mão-de-obra, demandando muitos empregos de baixa qualificação, que atendem às camadas menos instruídas e mais carentes da sociedade. Na tabela 1 são apresentados dados sobre a remuneração média em diversos segmentos da indústria de transformação e de construção paulista. Além disso, o setor ocupa uma posição estratégica na geração de empregos, uma vez que a criação de um posto de trabalho na construção demanda reduzidos investimentos, quando comparada à criação de emprego nas indústrias mais intensivas em capital. Outra característica importante do setor da construção é que a grande maioria das matérias-primas e dos insumos demandados são disponíveis e produzidos no país, o que faz com que a atividade econômica gerada no setor tenha pouco impacto nas importações brasileiras. Algumas exceções são representadas por insumos petroquímicos utilizados na fabricação de tintas, PVC, etc., que não são produzidos 30 no Brasil ou que, como derivados de petróleo, têm seus preços atrelados à cotação internacional. Remuneração (R$)* índice Média da Indústria de transformação (paulista) 641,5 100 • • • • • 3.354,0 2.477,2 1.415.1 1.550,0 1.722,6 561.5 414.7 236.9 259.5 288.4 356.9 626.8 310.6 217.8 55.6 104,9 52,0 36,5 Veículos automotores** Petróleo e combustível Eletrônicos e equipamentos de comunicação Outros equipamentos de transporte Produtos químicos Média da indústria da construção (paulista) • • • Construção pesada Construção de edificações Instalações e acabamentos (*) Média do conjunto de remunerações pagas em reais por empresa do setor industrial durante o ano de 1996 (**) inclusive fabricação de carrocerias e reboques Fonte: SEADE - PAEP 1996 apud Brisolla et al. (2001) Tabela 1. Remuneração média em diferentes indústrias em São Paulo Conforme destaca Brisolla et al. (2001), observa-se uma pequena inserção da construção civil na economia global, que indica uma atuação voltada para dentro também na relação com os fornecedores (tabela 2). 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Bens intermediários e matérias-primas 0,03 0,05 0,16 0,11 0,10 0,70 1,10 Bens de capital 0,25 0,37 1,06 0,35 0,22 - - Fonte: SECEX-MICT apud Brisolla et al. (2001) Tabela 2. Participação relativa (em %) da indústria da construção civil na pauta de importações brasileiras de 1991 a 1997 De fato, o baixo valor agregado da maioria dos insumos da construção e a alta relação massa / valor desses insumos fazem os custos do transporte no setor serem bastante significativos na composição do preço final e desestimulam o comércio internacional de vários dos insumos da constução como, por exemplo, do cimento. Dadas as características dos insumos da construção e o fato de estes serem predominantemente produzidos no país e, em determinados casos, regionalmente, o crescimento da atividade produtiva da construção, ao mesmo tempo em que contribui significativamente para o crescimento nacional, com a geração de infra-estrutura e de 31 novas habitações e locais de trabalho, além da criação de postos de trabalho, não causa pressões significativas na balança comercial do país, sendo um setor estratégico para as políticas públicas de geração de empregos e de riqueza. 2.3 EVIDÊNCIAS DA GLOBALIZAÇÃO NA ECONOMIA DA CONSTRUÇÃO Na construção de edifícios stricto sensu, ou seja, na atividade de manipulação e montagem de insumos a fim de produzir edifícios, pode-se considerar que os impactos diretos da globalização são bastante restritos. Como a construção é essencialmente uma atividade produtiva que está “atrelada” ao terreno (o produto é imóvel), a concorrência externa só pode se dar com a entrada de empresas estrangeiras no mercado nacional. Apesar da existência de algumas filiais de empresas estrangeiras no Brasil, o número de construtoras de edifícios presentes e sua participação no mercado são bastante limitados, quando comparados com o número de empresas de construção que atuam no país e com o montante de negócios realizados pelas empresas nacionais. De fato, dados da Fundação SEADE (PAEP, 1996) relativos às empresas de construção paulista mostram que apenas 43 delas tinham participação estrangeira no seu capital, sendo quinze delas de construção de edifícios (tabela 3). Quantidade de empresas Participação no total de empresas do segmento (em %) Participação relativa no valor adicionado no segmento (em %) Construção pesada 7 0,4 1,8 Edificações 15 0,4 1,5 Instalações e acabamentos 20 0,9 0,4 Indústria da Construção (total) 43 0,6 1,5 Fonte: SEADE - PAEP 1996 apud Brisolla et al. (2001) Tabela 3. Número e importância econômica de empresas de construção com participação estrangeira no capital A presença de empresas estrangeiras de construção de edifícios é pequena e concentrada em nichos de mercado, como: montagem industrial; construção de hotéis; construção de grandes prédios corporativos; parques de diversão. Além disso, 32 muitas das obras que têm participação de construtoras estrangeiras são promovidas por empresas transnacionais, que estão construindo unidades fabris, escritórios e outras instalações no país, ou são obras com aporte significativo de investimentos estrangeiros no seu financiamento. Dessa forma, a atuação de construtoras estrangeiras permanece muito vinculada a parcerias prévias (entre matrizes) das construtoras com empresas e investidores que estão constituindo novos negócios no Brasil e, mesmo nesses casos, a falta de conhecimento das peculiaridades da construção local inibe uma participação mais importante no mercado de construção nacional. Com relação à captação de investimentos estrangeiros, a construção de edifícios desempenha um papel modesto, frente aos setores mais dinâmicos na atração de recursos. Na ausência de informações desagregadas sobre o ingresso de investimentos externos, especificamente na construção de edifícios, podem ser tomados como um primeiro referencial os dados do Banco Central Brasileiro considerando a construção civil e o ingresso de recursos destinados para atividades imobiliárias (tabela 4). Total p/ setor 1996 Telecomunicações e correios 1997 1998 1999 2000 1996-2000 22.701,38 611,2 831,3 2564,96 7.797,13 10896,79 Serviços prestados a empresas 2.015,9 5.350,8 6217,48 3327 814,72 17.725,90 Eletricidade, gás e água quente 1.626,4 3.554,4 2201,57 2.969,55 2972,19 13.324,11 Fabricação automobilística 286,1 222,7 1.060,06 1.830,96 960,67 4.360,49 Intermediação financeira (bancos) 379,5 1.596,2 5916,48 1.676,89 6.352,21 15.921,28 Comércio atacado e intermediários 207 690,6 1089,14 1.549,83 886,35 4.422,92 Fabricação de produtos químicos 221,6 368,2 354,97 1.271,79 1.117,97 3.334,53 Fabr. produtos alimentícios e bebidas 185,9 322,9 133,14 1239,4 975,03 2.856,37 Comércio varejo e reparos de objetos 406 84,9 1108,57 1.113,8 660,08 3.373,35 Construção - 53,1 171,39 293,8 12,01 530,30 82,9 40,4 25,72 83,61 20,88 253,51 Outras atividades 3.621,50 4.763,50 5.502,52 8.060,24 7.662,10 29.609,86 Total 9.644,00 17.879,00 26.346,00 31.214,00 33.331,00 118.414,00 Atividades imobiliárias Fonte: Banco Central do Brasil (INVESTIMENTO, 2001) Tabela 4. Fluxo de investimentos estrangeiros diretos em dólares americanos por setores selecionados (1996 a 2000) 33 Se olharmos para os dados do fluxo de capitais externos destinados à realização de investimentos diretos na construção civil e nas atividades imobiliárias, observa-se um significativo acréscimo de 1996 a 1999. Enquanto que, em 1996, o fluxo de investimentos estrangeiros para construção foi zero e para as atividades imobiliárias foram destinados 82, 9 milhões de dólares, em 1999, o fluxo de investimentos saltou para 293,8 e 83,61 milhões, respectivamente, na construção e nas atividades imobiliárias. Em 2000 o ingresso de capital externo para financiar a construção sofre uma abrupta queda é fica na casa dos 12,01 milhões de dólares, correspondendo a apenas 0,04% dos investimentos que deram entrada no país. A mesma tendência se verifica de forma mais moderada nos investimentos destinados a atividades imobiliárias que somam 20,8 milhões ou 0,07% do total em 2000. Assim, quando se considera o ingresso de investimentos em relação a outros setores, mesmo no bom ano de 1999, observa-se uma participação bastante modesta (gráfico 7). Intermediação financeira (bancos) 6% Construção 1,07% Atividades imobiliárias 0,30% Fabricação e montagem veículos 7% OUTROS 35% Eletricidade, gás água quente 11% Serviços prestados a empresas 12% Telecomunicações e correios 28% Gráfico 7. Participação relativa de setores selecionados na captação de investimentos externos diretos em 1999 Tomando como exemplo o ano de 1999, no qual a construção obteve o maior volume de captações de investimentos externos, dentro do período investigado, percebe-se 34 que ela respondeu por aproximadamente6 1,07% dos investimentos diretos estrangeiros, e as atividades imobiliárias responderam por cerca de 0,3%, o que pode ser considerado pouco, quando comparado ao peso da construção civil no PIB, que é da ordem de 10%, e quando comparado a outros setores de maior atratividade, como ilustra o gráfico 7. Isso fica claro ao se comparar a participação relativa dos cinco setores de maior captação de investimentos diretos externos, no ano de 1999, com a captação da construção e das atividades imobiliárias, que estão abaixo da décima posição no ranking de investimento estrangeiro por setor. Por outro lado, também é preciso considerar os efeitos indiretos da entrada de investimentos. Dentre os setores de maior atratividade, destacam-se, entre outras, as atividades de telecomunicações e energia, cuja expansão demanda importantes investimentos na construção ou ampliação de infra-estrutura, o que gera, indiretamente, investimentos nas atividades de construção civil. Assim, embora seja difícil de quantificar, alguma parte dos investimentos de outros setores é canalizada para os serviços de construção e reformas de prédios e de infra-estrutura. Mesmo com esse parênteses, pode-se afirmar que o papel do investimento estrangeiro direto tem uma relevância limitada no setor. 2.4 GLOBALIZAÇÃO E OS SERVIÇOS DE PROJETO E ENGENHARIA Recentemente, com a abertura de mercados, na esteira da globalização econômica, o segmento nacional de projetos começa, ainda que de forma tímida, a sofrer a concorrência estrangeira, principalmente em nichos de mercado ligados a instalações industriais e a grandes empreendimentos comerciais e de lazer, como sede de empresas, hotéis e parques de diversão. Nestes segmentos, grandes escritórios internacionais vêm expondo as limitações técnicas e principalmente organizacionais dos escritórios nacionais, que vêm perdendo tais mercados para concorrentes mais ágeis e com uma estratégia de marketing agressiva, voltada ao atendimento aos clientes. 6 Como os dados disponibilizados pelo Banco Central do Brasil (BCB, 2000) identificam por empresa apenas os investimentos cujo montante seja igual ou maior a US$10 milhões de dólares por ano, uma pequena parte dos ingressos não está associada ao setor econômico que recebeu o investimento e não foi considerada neste levantamento de participação relativa. 35 Segundo declara o arquiteto Edison Musa à revista Construção (1997): “O que mais nos preocupa é que eles (os escritórios estrangeiros) trabalhem pela metade do preço e consigam oferecer um bom atendimento ao cliente. Um escritório norte-americano pode apresentar vários conceitos de projeto com cinco ou seis perspectivas coloridas e, às vezes, até maquetes.” Embora, como evidencia o depoimento anterior, exista por parte de grandes e médios escritórios de projetos brasileiros um crescente temor quanto à possibilidade de entrada no mercado nacional de concorrentes estrangeiros, as evidências atuais mostram uma participação muito limitada de escritórios estrangeiros no país, e restrita a alguns nichos de mercado, especialmente em projetos de edifícios comerciais e industriais. Por sua vez, a conquista de mercados estrangeiros por escritórios brasileiros de projeto e engenharia de edifícios é também bastante limitada e não aparece como uma estratégia dos escritórios nacionais, que orientam sua atuação para o mercado doméstico, na grande maioria, concentrando-se na sua cidade ou região. Uma maior internacionalização dos escritórios e empresas de projeto e engenharia esbarra na existência de uma série de condicionantes regionais da atividade de construção de edifícios, tais como as diferentes condições climáticas e de tipologias construtivas de cada país, as normas técnicas nacionais, as práticas construtivas próprias, etc. No Brasil, a carência de normas técnicas e de códigos de construção atualizados, que registrem as evoluções dos últimos quinze anos, torna ainda mais difícil a compreensão das “regras do jogo”. Assim, se a internacionalização da atividade de projeto e engenharia de edificações demanda um trabalho prévio de unificação de normas e requisitos construtivos entre nações, no caso brasileiro há ainda que se superar a deficiência própria acumulada de documentação. Essa aproximação de requisitos e regulamentações pode ser percebida mais intensamente em mercados comuns mais maduros como a União Européia, onde os países membros já possuíam suas tradições e cultura técnica registradas e se tem feito um trabalho de aproximação e unificação das práticas e normas nacionais (Bazin, 1998). 36 No Mercosul, embora se possa prever o crescimento do intercâmbio dentro da indústria de construção entre os países do bloco7, os resultados da integração ainda não se refletem consideravelmente na convergência das normas e regulamentações para as atividades de construção e projetos. 2.5 FATORES INTERNOS CONSTRUÇÃO DE MODERNIZAÇÃO DO SETOR DE Se os impactos diretos da globalização são limitados, devido à própria estrutura industrial da construção, por outro lado, as recentes mudanças econômicas e culturais, atreladas em parte ao processo de globalização, influenciam significativamente as transformações internas do setor e o engajamento das empresas de construção na modernização de seus produtos e processos. A primeira das alterações importantes na construção de edifícios está relacionada à crise econômica, que atingiu o país na década de oitenta e início dos anos noventa. Como os edifícios têm alto valor, demandando investimentos significativos, com longos prazos de maturação, e exigem linhas de financiamento apropriadas, a crise teve conseqüências dramáticas reduzindo a atividade do setor (Farah, 1992; Cardoso, 1996b; Barros, 1996). Ao mesmo tempo em que a crise desestimulou a poupança e a mobilização dos recursos dos investidores privados e dos próprios usuários em negócios de longo prazo, ela afetou a principal fonte de financiamentos habitacionais do país, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), levando ao fechamento do Banco Nacional da Habitação (BNH), em 1986. A relevância que os financiamentos do BNH assumiram no setor nas décadas de 70 e 80 pode ser ilustrada pelo gráfico 8 que, por meio de dados extraídos de Melo (1988), correlaciona a evolução da produção de unidades habitacionais no país com o 7 Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. 37 número de financiamentos concedidos, em quatro diferentes períodos da existência do BNH. 6 5 ,6 5 ,1 (Milhões de Unidades) Número de habitações 5 4 3 2 ,5 2 ,3 2 ,1 2 1 ,5 1 0 ,5 0 ,2 0 1 9 6 4 -7 0 1 9 7 1 -7 8 1 9 7 9 -8 3 To ta l d e unid a d e s c o ns truíd a s no p a ís 1 9 8 4 -8 6 Unid a d e s F ina nc ia d a s p e lo S F H Fonte dos dados: IBGE e BNH apud Melo (1988) Gráfico 8. Produção habitacional no país e financiamentos habitacionais concedidos pelo SFH em períodos selecionados A análise do gráfico anterior mostra a expressiva ampliação no número de financiamentos habitacionais de 1964 até 83 e a contribuição significativa para o crescimento da produção de habitações no país nesse período. Os anos de 84 a 86 foram marcados pela crise do sistema de financiamento que, associada à crise econômica, levou a uma grande redução na produção formal de habitações no Brasil. Conforme ressalta Farah (1992), a acentuada queda dos investimentos governamentais em habitação, que em 1987 representaram menos da metade do que foi aplicado em 1980, levou a significativas retrações no setor formal de produção habitacional e à transferência de parte da produção para o mercado informal, contribuindo para a favelização das grandes cidades. Embora tenha havido períodos de retomada nos investimentos habitacionais, por meio do SFH e do SFI (Sistema Financeiro Imobiliário), o número de financiamentos concedidos para produção de novas unidades é bastante inferior ao concedido no auge do sistema, no início da década de oitenta (gráfico 9). Por outro lado, novas modalidades de empréstimos, como financiamento de habitações usadas e de “cesta de material”, deslocam parte dos recursos, da produção formal de novas habitações para a produção informal e para o mercado de imóveis 38 usados. Com isso, do ponto de vista dos financiamentos públicos, apesar de momentos de recuperação na década de noventa, a disponibilidade permanece substancialmente aquém do que se registrou no passado. 1100 1000 Financiamentos Concedidos (em Milhares de unidades) 900 800 700 600 500 400 300 200 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 0 Até 1973 100 Fontes: Dados do FGTS: até 1973, média dos relatórios do BNH; 1974-1990: dados de relatórios da Abecip, apresentados nas CPIs do FGTS e do SFH; 1991-1997: dados obtidos junto à CEF (Geafu/Gecap) e à Sepurb. Dados do SBPE: relatórios do BC Citado em Os Caminhos do Mal-Estar Social: Habitação e Urbanismo no Brasil, Henry Cherkezian e Gabriel Bolaffi, 1998 apud Trevisan Consultores (1998) Gráfico 9. Evolução dos empreendimentos concedidos pelo SFH Diante das restrições da demanda e da escassez de financiamentos públicos, o mercado tornou-se mais seletivo e exigente, obrigando as empresas a estabelecerem mecanismos próprios de financiamento (ou com recursos privados) e a diminuírem os preços e custos dos novos empreendimentos, como forma de viabilizar a entrada de seus produtos no mercado. A comercialização dos empreendimentos teve que ser agilizada, sob pena de uma maior incidência dos altos custos financeiros na imobilização de capitais, e a parcela do empreendimento destinada ao pagamento da renda fundiária (compra do terreno) teve que ser reduzida, como forma de baixar os preços de comercialização das novas unidades. A estratégia de redução de custos se dá, conforme Farah (1992), por meio de dois mecanismos. O primeiro consiste na utilização de insumos baratos e de baixa qualidade e na precarização das relações trabalhistas. O segundo mecanismo é a 39 busca de aumentos da produtividade e a ampliação da qualidade, como forma de baixar os custos de produção e melhorar a competitividade da empresa no mercado. Com o passar do tempo e de outros acontecimentos que serão discutidos a seguir, a estratégia de melhoria da produtividade e de gestão da qualidade tem se mostrado mais dirigida à sobrevivência e ao crescimento das empresas do setor, coincidindo com o segundo mecanismo apresentado por Farah. Outra grande transformação, relacionada com os efeitos indiretos da globalização e do choque de competitividade vivido pelo país nos anos noventa, é representada pelo aumento da conscientização dos consumidores e pelas crescentes exigências dos clientes frente à qualidade dos produtos. A ampliação das exigências e das cobranças dos consumidores vem ocorrendo em todos os setores da economia e já afeta a construção de edificações, pressionando as empresas rumo à adoção de alternativas organizacionais e construtivas que privilegiem as aspirações de qualidade dos clientes. Quanto a esse aspecto, destacamse o Código de Defesa do Consumidor de 1991, a maior conscientização da sociedade e a conseqüente ampliação dos direitos e das exigências em relação à qualidade dos produtos e serviços. A partir destas transformações nas lógicas de mercado, pôde-se verificar uma crescente valorização da gestão da qualidade na construção, como variável de competitividade das empresas (Picchi, 1993; Cardoso, 1996; Souza, 1997b). Nessa mesma direção, no setor público, as crescentes pressões da sociedade exigindo transparência e maior eficiência nos gastos públicos têm mudado a forma de relacionamento entre as empresas do setor e o Estado, contribuindo para a valorização da eficiência e da qualidade das obras. Como destaca Vargas (1992), a democratização do país impôs um crescente combate às relações clientelistas nos contratos e financiamentos governamentais e “(...) a política industrial, privilegiando o aumento da competitividade das empresas, a abertura do nosso mercado e a integração econômica latino-americana - Mercosul - 40 consolidam a nova postura liberalizante e induzem ao desmantelamento de monopólios, cartéis e protecionismo às empresas nacionais”. Para completar o quadro das mudanças econômicas e institucionais que atingem o setor da construção, a estabilização monetária trazida pelo Plano Real tem contribuído para o restabelecimento dos preços relativos na economia e pressionado o setor a adequar os seus custos de produção à realidade de mercado. Como enfatizam Centro de Tecnologia de Edificações - CTE (1994) e Lima Jr. (1995), as empresas do setor são obrigadas a alterar a antiga equação de composição de preços dos empreendimentos, compostos com a soma dos custos de produção acrescidos do lucro “desejado”, por um patamar de preço estabelecido pela concorrência, imputando às empresas a necessidade de serem suficientemente eficientes para poderem participar do mercado, ou seja, serem capazes de produzir a um custo que lhes permita praticar o preço de mercado e ainda obter níveis de rentabilidade e de risco aceitáveis. “Pela primeira vez, o setor se mostrava, em especial para os mercados da promoçãoconstrução imobiliária privada e da habitação social, realmente concorrencial. Esse novo contexto enfatizava os limites das lógicas de eficácia comercial e/ou financeiras, que valorizavam até então essencialmente as dimensões não-produtivas das empresas de construção.” (Cardoso, 1993) Diante da maior concorrência, a principal estratégia adotada pelas empresas de construção líderes centrou-se em alterações na gestão dos seus processos. De fato, como destaca Farah (1992), a escassez de recursos inviabilizava a mobilização pesada dos recursos demandados para uma mudança radical da base técnica e da tecnologia construtiva tradicional. Ganharam força as estratégias de modernização centradas nas mudanças tecnológicas incrementais, na racionalização da produção e na introdução de modelos de gestão mais eficientes. 41 Na primeira metade dos anos noventa, algumas empresas iniciaram a implantação de programas de gestão da qualidade8 como forma de ampliar a sua competitividade. Na segunda metade, com a valorização da certificação da qualidade ISO 9001 e ISO 9002 pelo mercado e com a introdução dos programas setoriais da qualidade (Qualihab e PBQP-H), a estratégia da gestão da qualidade ganhou volume no universo das construtoras de edifícios. Tais sistemas de gestão têm como “mote” a padronização, o controle e a melhoria contínua dos processos da empresa, por meio da formalização e estabilização de procedimentos de contratação, compras, produção, treinamento, controles, ensaios, solução de problemas, etc. A partir da gestão da qualidade, as empresas construtoras têm conseguido ampliar o seu domínio técnico sobre seus processos de trabalho em canteiro e incrementar os controles sobre a compra, recebimento, ensaios, armazenamento e utilização dos materiais e componentes construtivos nos canteiros de obras. Valorizaram-se a seleção e avaliação dos fornecedores de materiais e serviços e o treinamento dos funcionários. Além disso, são desenvolvidas ações visando à análise crítica das oportunidades de negócio e dos contratos assumidos, tornando as empresas de construção mais aptas a enfrentar os desafios diretos e indiretos da globalização. 2.6 CONCLUSÕES A indústria de construção de edifícios vem passando, nas duas últimas décadas, por um importante e complexo processo de transformação pelas condições econômicas do país e pela própria estrutura competitiva do setor. Tais mudanças apontam para o incremento da competitividade entre empresas e para a valorização do papel do cliente como foco dos empreendimentos de edificações. 8 Pode-se destacar, como uma das primeiras ações rumo à gestão da qualidade em empresas de construção, o sistema da construtora ENCOL, que serviu de estudo de caso para a tese de doutorado de Flávio Picchi (1993). A primeira construtora brasileira a certificar seu processo de construção de edifícios foi a Lacerda Chaves Construtora e Incorporadora Ltda., da cidade de Ribeirão Preto-SP, que obteve o certificado ISO 9002 em 1997. 42 Em parte, essas transformações estão ligadas ao contexto econômico brasileiro, que vem sofrendo profundas mudanças em virtude da abertura econômica e da estabilização da moeda, impondo às indústrias brasileiras, ou instaladas no país, um vigoroso processo de reestruturação produtiva visando a atender às novas condições competitivas do mercado nacional e global. Essa reestruturação pode ser observada na maioria dos setores industriais que, embora apresentem dificuldades e peculiaridades próprias, enfrentam a mesma necessidade genérica: ampliar a produtividade e a competitividade frente às demandas dos clientes. Embora sejam fruto de dinâmicas de mudança distintas e, em determinados pontos, interconectadas, o fato é que tanto a indústria de transformação como a indústria de construção brasileira encontram-se num contexto de busca por maiores patamares de eficiência produtiva, de qualidade de produtos e de agilidade na adaptação às mudanças de mercado. Na construção, as dinâmicas de mudança, embora atreladas às macroalterações advindas da globalização, surgem muito mais a partir dos desdobramentos e alterações na economia e na estrutura produtiva do país, do que como efeitos diretos da concorrência com empresas e produtos estrangeiros. De fato, a atividade central da indústria - construção e comercialização de edifícios permanece essencialmente dominada por empresas de capital nacional, utiliza mãode-obra brasileira, os insumos materiais são, na sua quase totalidade, produzidos no país e a tecnologia agregada no processo construtivo é razoavelmente dominada pelas empresas nacionais. Além disso, nos casos em que se pode identificar a incorporação de métodos construtivos importados, como, por exemplo, as paredes de gesso acartonado, eles foram rapidamente “aculturados” face às práticas tecnológicas e de gestão da construção brasileira e, assim que se atingiu uma escala de mercado compatível, a produção dos insumos foi nacionalizada. Portanto, pode-se concluir que as dinâmicas de mudança na construção de edifícios são ditadas, preponderantemente, por alterações internas. A escassez de 43 financiamentos habitacionais no final da década de 80 e início da de 90, as pressões por maior transparência nos contratos públicos e as alterações nas condições trabalhistas e disponibilidade de mão-de-obra contribuíram decisivamente para o aumento da competição no setor (Farah, 1992; Cardoso, 1996; Souza, 1997b). Diante das profundas mudanças na conjuntura setorial, as empresas construtoras vêm sendo pressionadas a alterarem seus processos de produção, no sentido de cortar custos e de adequarem os produtos ofertados à realidade das condições de mercado. Tais rearranjos nas lógicas de posicionamento das empresas frente ao mercado acabaram deslocando o foco da busca de competitividade das atividades imobiliárias para a necessidade de ganhar eficiência produtiva, desencadeando um processo de alterações organizacionais e tecnológicas nas construtoras. Em diversas construtoras, verifica-se a implantação de novos sistemas de gestão e certificação da qualidade que garantem melhorias nos seus processos e maior competitividade frente às mudanças internas do mercado de edificações. De fato, por maior que seja o montante de recursos externos investidos em uma economia, do ponto de vista quantitativo, eles sempre vão representar uma fração do montante necessário para sustentar um processo abrangente de desenvolvimento em uma economia de porte grande ou médio que já possua um parque industrial importante (Singer, 1996). Além disso, o ingresso de empresas e capitais estrangeiros sempre será orientado, majoritariamente, para setores específicos em que as empresas externas apresentem maior competitividade e melhores taxas de rentabilidade. Entretanto, o impacto da abertura econômica e do processo de globalização deve ser visto, também, do ponto de vista das alterações qualitativas que provoca. “A contribuição qualitativa da inversão industrial externa para o progresso tecnológico ou administrativo será sem dúvida mais importante, para países como o Brasil (...), do que sua contribuição propriamente econômica.” (Singer, 1996) 44 Assim, embora os impactos diretos da globalização no setor de construção possam ser considerados marginais, quando comparados aos constatados em outros setores, a influência indireta, atrelada à reestruturação econômica e do mercado nacional, tem importantes repercussões no setor de construção, contribuindo decisivamente para sua modernização, impondo um novo patamar de competitividade entre as empresas, com alterações sem precedentes nos processos de gestão da produção e atendimento aos clientes das empresas construtoras e das demais empresas da cadeia produtiva da construção. 45 3 O EMPREENDIMENTO DE IMPORTÂNCIA DO PROJETO CONSTRUÇÃO E A Neste capítulo busca-se caracterizar o processo produtivo do empreendimento de construção formal de edifícios e o desafio que este representa em termos de desenvolvimento de um produto. Tal caracterização é importante para analisar o “porquê” e “o como” são articulados os processos produtivos e, ligados a estes, os processos de projeto dos edifícios (abordados no próximo capítulo). Metodologicamente, o desenvolvimento deste capítulo pautou-se pela análise de dados e informações secundárias e pela consolidação e síntese de conceitos e interpretações disponíveis nas referências bibliográficas estudadas. 3.1 O EMPREENDIMENTO Os edifícios, produtos gerados pela indústria de construção imobiliária, são sem dúvida caracterizados por sua singularidade. O grande tamanho, o elevado valor, a longa vida útil, a importância social e econômica, a variabilidade do mercado consumidor, a inserção urbana e cultural das edificações conferem a estes produtos um caráter único e particular dentro das estruturas produtivas e de consumo da sociedade. Para Bobroff (1993) cada empreendimento de construção é único e singular. Segundo Tahon (1997), o edifício é um objeto complexo pela mutiplicidade de técnicas, de agentes e de pontos de vistas envolvidos na sua concepção e realização, implicando a não existência de dois empreendimentos de construção idênticos. Conforme destaca Silva (1996) os produtos gerados na indústria de construção de edifícios são bens de consumo duráveis que se destinam ao uso (moradia, comércio, local de fabricação de bens, etc.) e ao investimento. Contrariamente às indústrias de produção seriada, os negócios e os empreendimentos gerados na construção são organizados segundo ciclos de produção relativamente únicos e não repetitivos que estão vinculados a determinado local (terreno) onde se dará a construção e se estabelecerá o produto edifício. 46 Com isto, os processos produtivos das empresas do setor são organizados segundo ciclos intermitentes em que a unidade de produção é o empreendimento. A demanda por edificações se mostra altamente variável e complexa, influenciada por questões conjunturais, pela disponibilidade de financiamento, etc., marcando um mercado altamente variável em relação ao volume de produção. Pelo lado qualitativo, as dinâmicas sociais e a rapidez das mudanças no comportamento, usos e costumes das pessoas têm exigido constantes adaptações do espaço construído para atender a novas necessidades e hábitos de moradia, de trabalho, de lazer, etc. Para Agopyan (2001), na construção de edifícios, cada produto pode representar uma realidade distinta, com exigências funcionais, prazos e processos específicos. Assim, a variabilidade na construção se expressa na demanda (quantidades), nos produtos e nos modos de realização. A complexidade de cada produto e de cada processo de produção de edifício faz com que alguns autores se refiram à construção como uma indústria de protótipos, organizada para produção de produtos únicos e diferenciados (Amorim, 1996). A singularidade de uma indústria de protótipos exige a articulação de processos produtivos específicos nos quais a unidade básica da atividade produtiva são os empreendimentos imobiliários. Assim, o processo de produção do setor de construção está centrado nos empreendimentos individuais para os quais convergem os materiais e componentes industrializados e os serviços subcontratados. Os empreendimentos imobiliários apresentam, ainda, uma grande duração temporal (meses ou anos), mas se configuram de forma temporária na medida em que o Sistema de Produção é montado para dar conta da construção de um determinado produto e se desfaz após o término deste. Além disso, o empreendimento é bastante dinâmico e sua organização e seus intervenientes vão se transformando significativamente ao longo de sua execução. 47 Conforme observa Bobroff (1998) esta organização faz crer que o processo produtivo do setor é organizado por empreendimentos, entretanto as práticas setoriais demostram uma clara dualidade em que a montagem do negócio e a concepção do produto (atividades de promoção e projeto) são desenvolvidas de forma particular e orientadas a cada empreendimento, enquanto na obra as soluções construtivas tendem a ser padronizadas e repetitivas. Amorim (1996) ressalta que para dar conta da montagem de empreendimentos únicos e temporários e da variabilidade do mercado de edificações, a indústria brasileira da construção de edifícios se organiza por meio do parcelamento das atividades produtivas do empreendimento em um grande número de agentes de forma a manter a flexibilidade frente às transformações nos ciclos produtivos e a ratear os riscos de produção. De acordo com Melhado (1999), os empreendimentos de construção são organizados em quatro fases principais: a montagem da operação; o projeto; a execução e a entrega; o uso, operação e manutenção do edifício. Estas fases são desenvolvidas de forma hierárquica e fragmentadas, envolvendo a participação encadeada de diferentes agentes do processo de produção do edifício (figura 2). Como Processo de Produção compreende-se: “o conjunto das etapas físicas, organizadas de forma coerente no tempo, que dizem respeito à construção de uma obra; essas etapas concentram-se sobre a execução, mas vão desde os estudos comerciais, até a utilização da obra, e são asseguradas por diferentes agentes” (Cardoso, 1996). Ligado ao processo de produção, Cardoso identifica que cada empresa mobiliza um “Sistema de Produção” que contempla as operações de gestão, os projetos e estudos necessários para viabilização da produção do empreendimento. O “Sistema de Produção” é definido como: “o modo de articulação entre um sistema de operações físicas de produção (inserido em suas dimensões técnico-sociais) e um sistema de operações de gestão, de condução, controle e avaliação dos resultados (inserido em suas dimensões técnico-organizacionais)” (Cardoso, 1996). 48 Empreendimento de edifício Processo de Produção Montagem da operação Projetos Execução Uso e manutenção Promotor Projetistas Empresa Construtora Fornecedores de materiais Empr. Subcontratadas Cliente Usuário Adaptação da figura de Barros (1996) desenvolvida a partir de Cardoso (1996) Figura 2. Principais etapas de um empreendimento de construção Os principais agentes num empreendimento de edifício típico, de acordo com Melhado; Violani (1992), são: o empreendedor (responsável pela geração do produto); os projetistas (que atuam na concepção e formalização do produto); o construtor (responsável pela fabricação do produto) e o usuário (que assume a utilização e manutenção do produto) (figura 3). Ligados a estes quatro agentes principais têm-se os investidores e agentes financeiros (que disponibilizam os recursos necessários para financiar o empreendimento), os fornecedores de materiais e componentes, os subempreiteiros da obra, etc. 49 Conforme, Melhado; Violani (1992). Figura 3. Os principais participantes de um empreendimento de construção Em síntese, por todos os ângulos que se aborde, a construção de edifícios se constitui em uma modalidade própria e complexa de organização produtiva e o seu completo entendimento exige uma visão das diferentes dimensões que compõem o empreendimento. Para analisar a complexidade dos empreendimentos de construção de edifícios e da sua interlocução com o processo de projeto, a análise que se faz a seguir aborda diferentes dimensões do empreendimento, os agentes participantes e as relações envolvidas, buscando explicitar os condicionantes do projeto e mapear as suas principais implicações para os empreendimentos. 3.1.1 A dimensão fundiária do empreendimento Na construção de edifícios a atividade produtiva se organiza em torno do empreendimento imobiliário e está vinculada ao sítio de construção, às condições da infra-estrutura urbana e às limitações e exigências regulamentares para construção. As atividades imobiliárias presentes na construção desempenham um importante papel nas estratégias e na rentabilidade do setor, sendo apontadas por diversos autores (Ascher; Lacoste, 1972; Vargas, 1979; Lipietz, 1982) como um dos principais fatores inibidores da modernização e industrialização (“fordista”) do setor. Diferentemente de outros produtos, o edifício é constituído não só dos atributos fabricados, mas também do terreno no qual está implantado, ou seja, o preço e a 50 qualidade do empreendimento imobiliário estão sobremaneira vinculados à localização do imóvel (padrão sócio-econômico do entorno) e às condições da infraestrutura e equipamentos urbanos disponíveis nas proximidades (pavimentação; redes de água, luz, telefone; escolas; hospitais; estabelecimentos comerciais; etc.). Diante da dependência fundiária na atividade de construção, parte substancial dos custos advém do negócio imobiliário - o chamado tributo fundiário - Lipietz (1982). Assim, a importância do terreno urbano e das atividades de incorporação (atividades não produtivas) é relativamente expressiva quando comparada com a atividade de construção (execução) propriamente dita. Dessa forma, como adverte Bobroff (1993), as edificações não são simples produtos manufaturados; são commodities num ambiente especifico, requerendo uma arbitragem externa e social que leve em consideração a propriedade, a organização espacial urbana e os interesses políticos e coletivos dos cidadãos. O produto edifício é marcado por um forte caráter social interagindo com o meio ambiente urbano e com a qualidade de vida das pessoas. A habitação especificamente é uma necessidade básica para a proteção e para a qualidade de vida do ser humano. Por outro lado, o ambiente urbano e seus múltiplos edifícios representam a infraestrutura social onde acontece o emprego, o comércio, o atendimento público aos cidadãos, enfim, onde acontece parte importante das relações humanas contemporâneas. Dessa forma, os edifícios fazem parte da identidade cultural de cada povo ou nação. De fato, cada país tem tradições e tipologias construtivas próprias, representando valores estéticos, sociais e funcionais específicos. Mesmo que em determinados nichos de mercado, como os edifícios de escritórios de grandes empresas, seja possível identificar uma certa homogeneidade arquitetônica transnacional, muitas particularidades construtivas e formais locais são introduzidas nos projetos. Por exemplo, os novos complexos de escritórios construídos nas grandes cidades brasileiras têm uma clara identificação estética com o modelo de grandes torres com fachada de vidro utilizado nas sedes corporativas dos países 51 desenvolvidos; porém, apenas para citar um importante diferencial, enquanto as grandes torres americanas têm estrutura metálica, no Brasil, a opção mais freqüente é o concreto armado, seguindo a tradição e a cultura construtiva nacional. Do ponto de vista da produção, a dependência fundiária significa que a cada novo produto seja necessário um novo terreno, exigindo que o aparato produtivo (instalações de canteiro, máquinas, ferramentas, trabalhadores, etc.) seja deslocado e adaptado às características do novo empreendimento e do novo terreno. Por outro lado, a concepção e a construção de edifícios exigem uma adequação do produto às características topográficas, geológicas e climáticas próprias de cada terreno e às particularidades da legislação de uso e ocupação do solo de cada cidade. De forma simplificada cada empreendimento de edificação equivale, em termos gerais, ao desenvolvimento de um novo produto na indústria de transformação, uma vez que cada empreendimento exige um novo terreno, um novo projeto e a montagem de uma novo sistema de produção. Com isso, surgem sérias limitações para a padronização e para a ampliação das escalas de produção, inibindo a expansão (externamente à região de atuação) e o crescimento das empresas de construção e dificultando a entrada de empresas estrangeiras que não estão acostumadas às condições e práticas de cada país ou mesmo de cada região (Fabricio; Melhado, 2000). 3.1.2 O mercado e a dimensão financeira Na indústria de construção o mercado e as demandas sociais são extremamente variáveis em função de uma série de características de origem econômica, cultural e conjuntural. Ao longo do tempo as necessidades de edificações (principalmente habitacionais) brasileiras têm sofrido rápidas redefinições, seja pelo incremento na demanda por moradias em função do crescimento populacional; seja, principalmente, pelo rápido deslocamento, a partir da década de 60, de populações rurais para o perímetro 52 urbano. Assim, a taxa de urbanização da população passa de 47% do total em 1960 para 81% em 2000 - IBGE9, ganhando relevância não só a questão do estoque de moradias, mas também a necessidade de uma rede de infra-estrutura urbana para que esta moradia se configure como habitação em plenas condições de higiene e habitabilidade. Esta crescente urbanização é acompanhada pelo aumento de mais de 34 milhões de unidades no estoque de moradias urbanas no período de 1940 a 2000, segundo o IBGE, enquanto na zona rural o aumento do estoque de moradia é bem menos acentuado (da ordem de pouco mais de quinhentas mil novas casas). De fato, somente o déficit habitacional de 6.656.526 unidades, conforme estimativa da Fundação João Pinheiro de 2000 (FJP, 2000)10, representa uma enorme demanda potencial para ser atendida pelo setor. Ocorre devido ao elevado custo das edificações e os padrões de renda, e as condições de crédito brasileiras excluem boa parte dessa necessidade do mercado formal de edificações. Apesar de potencialmente grande, alguns dados, como a venda de cimento no varejo, apontam para o fato de que mais de cinqüenta por cento da produção habitacional e de pequenas edificações ocorrerem à margem do mercado formal por meio de iniciativas de auto-empreendimento. Além disso, a quantidade de demanda – solvável – de edificações é extremamente variável, influenciada pela conjuntura econômica e pela disponibilidade de crédito. Esta variabilidade na demanda, conforme enfatiza Fabricio (1996), impõe ao processo produtivo de edificações a necessidade de constantes adaptações do volume de produção para se adaptar ao mercado. 9 Dados do tópico “Habitação e Saneamento” do IBGE, acessado via Internet pelo endereço “http://www.ibge.gov.br” - 26/06/96. Apesar de dados oficiais do IBGE, os índices de urbanização devem ser observados com cuidado, pois o critério de classificação adotado pelo censo considera todo morador de cidade ou distrito como população urbana, mesmo nos casos de micromunicípios rurais com aglomerados populacionais reduzidos, com menos de 10 mil habitantes. 10 Disponível para consulta no site: << http://www.pbqp-h.gov.br/deficit2000/ >> acessado em 28/02/2002. 53 Sendo um produto de alto valor agregado, o imóvel tem um preço elevado, relativamente às disponibilidades de recursos da maioria dos clientes potenciais, implicando importantes restrições à aquisição de imóveis com pagamento à vista ou em reduzido número de prestações. Com isso, os negócios no setor necessitam de financiamentos de longo prazo para serem viabilizados. Com a necessidade de financiamentos de longa duração, quer para a produção, quer para permitir a aquisição do produto, os custos financeiros são bastante significativos e a existência de linhas de crédito adequadas - com baixas taxas e longos prazos desempenham um papel preponderante na atividade do setor de construção imobiliária. A construção de edifícios é um setor econômico particularmente influenciado pela conjuntura econômica uma vez que em momentos de crise as famílias e as empresas tendem a postergar investimentos que envolvam grandes montantes de recursos e financiamentos de longo prazo. Assim, a demanda quantitativa por novos empreendimentos é extremamente variável e, particularmente no Brasil contemporâneo, marcada por fortes oscilações, atreladas à conjuntura econômica, à disponibilidade de financiamentos e a outros fatores externos. Dessa forma, as empresas do setor, conforme evidenciam os estudos de caso de Rosseto (2000), são compelidas a mudarem freqüentemente sua estratégia de negócios e seu nicho de mercado de forma a se manterem atuantes e competitivas. 3.1.3 A dimensão de uso e manutenção Na construção, os ciclos de vida dos empreendimentos de edifícios são bastante longos (da ordem de décadas) e compreendem diversas fases, que vão da montagem das operações (concepção e promoção do empreendimento) ao descarte (demolição) ou reabilitação (recuperação das condições de uso) das edificações, passando pelas fases de projeto, construção, uso e manutenção. 54 As crescentes pressões econômicas e ambientais têm levado as pessoas e os governos a se preocuparem, cada vez mais, com a qualidade e a sustentabilidade dos produtos desde a sua produção até a sua disposição final na natureza. Na construção de edifícios esta preocupação se desdobra em três eixos de atuação. O primeiro deles se relaciona à capacidade dos edifícios em se adaptarem a novos costumes e usos. No mundo ocidental contemporâneo a sociedade é cada vez mais dinâmica, com composição, hábitos, utensílios mais efêmeros. Num horizonte de 40 anos (de 1960 a 2000) a taxa média de fertilidade feminina brasileira caiu de 6,3 filhos para 2,2; a expectativa de vida passou de 52 anos para 68,6 anos (IBGE, 2002)11. Além disso, a média de moradores por domicílio brasileiro vem caindo regularmente: entre os dois últimos censos realizados pelo IBGE a ocupação média por domicílio ocupado passa de 4,15 pessoas para 3,75 (Jornal do Brasil, 09/05/2001). Assim, as necessidades e facilidades que devem ser atendidas por um edifício sofrem profundas transformações neste período, principalmente no tocante à necessidade de instalações. Se considerarmos que os edifícios são projetados com uma expectativa de vida de várias décadas, fica clara a necessidade de eles sofrerem adaptações ao longo de sua vida útil e quanto mais flexíveis e aptos a reformas e mudanças tanto melhor. Outro ponto de destaque se relaciona à adequação bioclimática dos edifícios e aos gastos de energia. Num momento em que a crise de escassez de energia elétrica, devido à falta de chuvas e investimento em usinas e centrais de produção, atinge boa parte do país, a busca de edifícios eficientes quanto ao consumo de energia ganha relevância. 11 Dados dos censos demográficos obtidos em <www.ibge.gov.br>> acessado em 04/01/2002. 55 O outro eixo de sustentabilidade do edifício se relaciona com a durabilidade dos materiais e as necessidades de manutenção, ou seja, devem considerar as diferentes fases de uso, operação, manutenção e recuperação. Conforme esclarece Silva (1996), as opções tecnológicas e construtivas adotadas em uma edificação devem ser analisadas não só do ponto de vista do custo de construção, mas considerando toda a vida útil da edificação. A vida útil pode ser expressa em termos físicos, relacionada à durabilidade e ao desempenho dos elementos da edificação e, em termos econômicos, relacionada ao período em que o investimento para o uso e a manutenção do edifício é menor que o investimento necessário para demolição e construção de uma nova edificação (John, 1988 e ASTM, 1992 apud Silva, 1996). Dessa forma, o custo durante o ciclo de vida de um empreendimento é composto pelos recursos necessários para compra do terreno, execução do empreendimento (envolvendo, conforme o caso, despesas de marketing e comercialização), operação e manutenção da edificação e demolição ou requalificação da mesma. 3.1.4 O promotor e a montagem da operação A materialização do empreendimento começa pela iniciativa de um ou vários promotores que assumem o papel de montar e gerenciar uma nova obra de construção. O papel dos promotores é articular os agentes e recursos necessários para desenvolver o empreendimento. O promotor deve organizar os esforços de vários interessados, tais como proprietários de terrenos, construtores e adquirentes, os quais, isoladamente, não atingiriam o objetivo por falta de recursos ou prática (González, 1998). O promotor deve ser capaz de prospectar novas demandas ou oportunidades de negócio, incorporar a terra ao empreendimento, definir as caraterísticas do empreendimento por meio da formulação do programa de necessidades, selecionar e 56 contratar os projetistas para desenvolverem o produto, promover a venda do edifício, selecionar uma construtora e materializar o empreendimento. Assim, o promotor é quem toma as decisões de primeira hierarquia sobre o empreendimento (Lima Jr., 1995). No tocante à concepção do empreendimento, os promotores são responsáveis por um duplo papel. Eles devem formular o negócio e traduzi-lo em um programa de necessidades que subsidie o trabalho subseqüente dos projetistas. Também cabe aos promotores a seleção e contratação do arquiteto (no Brasil), dos engenheiros, e do coordenador de projetos. Dessa forma, o promotor tem um papel preponderante na montagem da equipe e, direta ou indiretamente, na coordenação de projetos. 3.1.5 A execução e seus agentes No empreendimento as construtoras são responsáveis pela organização e desenvolvimento das obras que vão transformar os projetos e planos em edifícios reais. A atividade de construção de edifícios é bastante pulverizada e desconcentrada, com a atuação de milhares de pequenas empresas construtoras e empreiteiras presentes em todo o território brasileiro. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS de 1997 fornecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego atuavam na construção civil em todo o país, pouco menos de oitenta e sete mil empresas (ver Tabela 5). Número de empresas Participação em relação no total Até 19 empregados 76.465 88,0% De 20 a 99 empregados 8.349 9,6% De 100 a 499 empregados 1.868 2,2% Mais de 500 empregados 194 0,2% 86.876 100% Total Fonte: RAIS, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 2000) Tabela 5. Número de empresas de construção civil no país por tamanho (número de empregados). 57 Além da predominância de pequenas e médias empresas, conforme se observa na tabela 5, a tecnologia empregada no setor é tida como socialmente difundida e a formação e entrada no mercado de novas pequenas empresas são relativamente fáceis (Farah, 1992). Diante da ausência de barreiras para a formação de novas empresas e de estruturas empresariais e regulamentares frágeis, o mercado fica exposto a distorções e a estratégias predatórias como a utilização de insumos de baixa qualidade e a burla da legislação trabalhista como forma de reduzir custos. Com isso, a formação de novas empresas de curta longevidade, principalmente no ramo das subempreiteiras, ainda é utilizada no setor para resolver pendências legais. No setor nenhuma empresa ou grupo de empresas consegue influenciar significativamente no mercado e assumir um papel hegemônico. As margens e a rentabilidade são bastante variáveis e os riscos são grandes. Neste ambiente, como observa Zegarra et al. (2000), a maioria das empresas é compelida a adotar uma estratégia de redução de custos para competir. Do ponto de vista da inovação tecnológica o pequeno porte das construtoras limita as possibilidades de desenvolvimento e pesquisa e coloca a indústria de materiais e componentes de construção como agente central do processo de modernização tecnológica no setor. O processo produtivo da construção pode ser caracterizado como manufatureiro12 na medida em que, segundo Vargas (1979), por um lado, a separação entre concepção do produto (a cargo de arquitetos e engenheiros), execução (realizada pelos operários) e o parcelamento do trabalho em especialidades (pedreiros, carpinteiros, eletricistas, encanadores, etc.) são características incompatíveis com o artesanato; por outro, a presença marginal de máquinas, a transmissão informal dos conhecimentos de ofício e o limitado controle das construtoras sobre o processo de trabalho não permitiram a configuração de um processo industrial. 12 O caracter manufatureiro da construção é esmiuçado, dentre outros, nos seguintes trabalhos: Vargas (1979); Ferro (1982); Farah (1992). 58 Enquanto a manufatura de bens de consumo caminhou em direção a um maior parcelamento e especialização do trabalho e posterior mecanização e organização em linhas de produção - o que implicou a manutenção de um grande número de empregados e máquinas dedicados às tarefas especializadas e, conseqüentemente, demandou investimentos de capital que só grandes empresas, com vastos mercados consumidores, puderam assumir -, a construção manteve-se como um processo produtivo nitidamente manufatureiro e intensivo em mão-de-obra. Do ponto de vista seqüencial, o processo tradicional de construção desenvolve-se como uma sucessão de etapas que se inicia pela preparação do terreno e pela montagem do canteiro e prolonga-se até os acabamentos finais da edificação num encadeamento que, segundo Farah (1992), envolve atividades bastante diversificadas e com características e propósitos distintos que podem ser agrupados em três tipos básicos: • a preparação de materiais básicos para produção, como concreto, argamassas de revestimentos, etc. e a adequação de materiais e componentes às necessidades do processo - por exemplo a quebra de tijolos para a execução da alvenaria, o corte das barras de aço da armação de vigas, pilares, etc.13; • a construção propriamente, em que são executadas as fundações (escavação, armação da fundação, concretagem, cura, etc.), a estrutura (preparação da armadura, montagem das formas, concretagem, etc.), a alvenaria (assentamento dos tijolos, aplicação de revestimentos, etc.), instalações, acabamentos, etc.; • por fim, existe no processo produtivo uma gama de atividades que tem a função de dar suporte à atividade de construção como transporte, montagem de formas, etc. 13 Em relação ao preparo de materiais pode-se identificar uma crescente migração destas atividades do canteiro de obra para fornecedores especializados, como demonstram os casos do concreto usinado, massa de revestimento pré-misturada, etc. Além disso, algumas empresas criaram unidades centrais de preparação de determinados materiais como corte e dobra da armação, por exemplo. 59 Na manufatura a montagem deveria ser seqüencial e composta de tarefas independentes. Entretanto, no processo construtivo tradicional, deficiências de projeto e a falta de racionalização fazem com que diferentes serviços sejam interdependentes e necessitem de uma execução conjunta. Por exemplo, entre a montagem das formas e da armação e a concretagem da laje é necessária a intervenção dos eletricistas para posicionar as caixas de passagens das instalações. A interdependência de tarefas acarreta uma perda de produtividade e complica o planejamento da obra. Outra característica peculiar da manufatura da construção refere-se à necessidade de preparações ou transformações de alguns materiais e componentes de construção na obra. Assim, somado às atividades de “montagem” - tipicamente manufatureira -, vai se agregar “um processo de produção de insumos dirigido a um produto singular - seja um elemento singular (uma parede, por exemplo), seja um conjunto de partes semelhantes de uma edificação singular (formas para lajes, por exemplo)” (Farah, 1992). A manufatura da construção apresenta ainda outras características próprias. Como destaca Ferro (1982), trata-se de um processo no qual o local de produção (canteiro) muda a cada novo produto, enquanto o edifício (produto) é fixo. Além disso, a sazonalidade das etapas no processo produtivo impõe adequações tanto na configuração do canteiro (layout) como na quantidade e nos tipos de trabalhos necessários, levando à criação e ao desmantelamento das equipes de produção conforme cada estágio da obra. Para responder à variabilidade na quantidade e no tipo de trabalho demandado em cada fase do empreendimento, as construtoras utilizam-se, de forma bastante intensa, da subcontratação de empreiteiros especializados na execução de determinado tipo de serviço, mobilizando e desmobilizando esses subempreeiteiros conforme as necessidades da obra. Assim, no processo construtivo a utilização intensiva de mão-de-obra é viabilizada por um estratégia agressiva de subcontratação de serviços fazendo com que parte significativa da produção seja delegada a terceiros. 60 Conforme destaca Farah (1992), a maioria das subcontratações está relacionada a estratégias de externalização de riscos, redução de custos trabalhistas e visa manter a empresa flexível às oscilações de mercado. Como a demanda por edificações é extremamente variável, a subcontratação de empreiteiros permite às empresas de construção adaptarem facilmente sua estrutura produtiva à demanda. As empresas subempreiteiras se caracterizam por serem microorganizações, especializadas na execução de um tipo de serviço de construção. As estruturas administrativas e contáveis das subempreiteiras de obra são bastante informais e modestas. Tais empresas, não raramente, pertencem a um operário (oficial) que participa do trabalho e, conforme o caso, contrata serventes e outros oficiais para viabilizar o serviço. Na esmagadora maioria dos casos, a empresa subcontratada é especializada em fornecer serviços de execução de um ou alguns tipos de serviço (alvenaria, pintura, gesso, revestimento, hidráulica, etc.), mas não tem qualquer participação na compra do material utilizado e na elaboração dos projetos destes serviços. Em alguns nichos tecnológicos é possível verificar, embora de forma marginal, a subcontratação como forma de buscar parceiros tecnologicamente especializados que conhecem e dominam uma parte ou subsistema da obra. Este é o caso, por exemplo, de algumas empresas de impermeabilização que fornecem, além da mão-de-obra, o material usado e, em alguns casos, a própria solução tecnológica (projeto) da impermeabilização. De fato, conforme a análise de Silva et al. (1998), o surgimento de empresas especializadas que fornecem serviços, materiais e soluções (projetos) para os subsistemas do edifício representa uma alternativa de agregação de conhecimento e tecnologia para o processo produtivo no setor. Até recentemente, o processo construtivo tradicional vem sendo marcado por um precário domínio técnico das construtoras sobre suas atividades produtivas. Esta precariedade é dada pela ausência de um conhecimento formal sobre as técnicas 61 construtivas (não existência de normas e procedimentos de execução) e sobre as seqüências de atividades de um serviço e seus respectivos tempos de duração. Como desdobramento da falta de domínio técnico sobre o processo e da ausência de projetos orientados para a produção, as empresas do setor não estabelecem procedimentos de controle sobre a qualidade, e a produtividade no canteiro fica sujeita a uma grande variabilidade de obra para obra e dependente das decisões tomadas em canteiro e do saber prático dos operários. Contudo, diferentemente das corporações de ofício da Idade Média, a formação não está inserida como característica determinante das relações sociais e hierárquicas do processo de trabalho. Ao contrário, “(...) via de regra, para o ajudante, o processo de qualificação é demorado, incerto e carregado de frustrações. Ele não foi admitido na obra, lembra-lhe o mestre, para se formar, mas sim para fazer serviços ‘braçais’” (Morice, 1992). Dessa forma, segundo o mesmo autor, a qualificação de alguns serventes vai surgir das contradições do processo construtivo, que levam os operários a participar de inúmeras atividades distintas, e assim, com curiosidade e dedicação, eles podem ir se aproximando dos ofícios específicos e, por conta própria, adquirindo o domínio sobre as técnicas de trabalho de determinado ofício e as ferramentas necessárias para sua prática. Este descompromisso com a qualificação e a formação de novos operários, intensificado pela absorção de enormes contigentes de trabalhadores de outros setores (em especial trabalhadores rurais) nas décadas de 60 e 70 e pela alta rotatividade no emprego, vai repercutir num processo brutal de desqualificação da mão-de-obra do setor e carência de operários habilitados para execução dos serviços mais qualificados. Recentemente, com a adoção de sistema de gestão e certificação da qualidade, muitas empresas construtoras e prestadoras de serviços de construção têm padronizado e formalizado seus processos produtivos, ampliando sensivelmente o seu domínio técnico sobre os processos produtivos. 62 Para garantir a operacionalização dos procedimentos padronizados, essas empresas são obrigadas a promover treinamentos formais dos operários e estabelecer parâmetros e mecanismos de controle dos serviços executados. Assim, com quase cem anos de atraso, em relação à indústria de manufatura, a construção civil brasileira tenta complementar o seu ciclo de taylorização somando a separação entre a concepção e a execução, a definição precisa dos procedimentos de trabalho, substituindo assim a qualificação de ofício dos operários por procedimentos padronizados e treinamentos formais. O processo de treinamento dos operários, na maioria dos casos, restringe-se ao treinamento no próprio canteiro (learning by doing) para realização de tarefas simples e não pressupõe nenhum mecanismo de formação e qualificação formal dos operários do setor. Trata-se basicamente de preparar os operários para tarefas repetitivas dentro de um roteiro pré-determinado sem uma visão geral sobre o processo produtivo e com limitados conhecimentos formais e abstratos do significado dos projetos. Por outro lado, no canteiro de obras a presença de máquinas e equipamentos permanece marginal, marcado um setor intensivo em mão-de-obra, muito embora, nos últimos anos, tenha crescido a utilização de equipamentos e ferramentas motorizadas (gruas, betoneiras, furadeiras, serras elétricas, etc.). Uma particularidade significativa da construção é que o funcionamento dos equipamentos permanece vinculado ao trabalho operário e, ao contrário da linha de produção fordista, não determina as atividades e o ritmo de serviço. Diferente da linha de produção em que a velocidade da passagem de peças e o ciclo das máquinas são pré-programados pela gerência de produção, na construção os equipamentos mais sofisticados são ferramentas motorizadas de uso individual e determinado pelo operário. Dessa forma, a mão-de-obra e o trabalho manual continuam a comandar e ditar o ritmo dos processos. 63 Com isso, permanece atual a colocação de Vargas (1984) de que a produtividade e a qualidade na construção é, em relação a outras indústrias, “(...) muito mais sensível e dependente do ‘braço operário’ e de seu saber difundido na estrutura dos ofícios14”. 3.1.6 Fornecedores de materiais e componentes Diante da complexidade dos edifícios, são necessários para sua construção diversos materiais, componentes e equipamentos, produzidos em diferentes segmentos industriais com escalas e complexidades industriais e tecnológicas discretas. Na figura 4, estão identificadas as principais cadeias de produtos que abastecem a construção civil. Segundo Martucci (1990), estes inúmeros insumos (materiais, componentes e equipamentos) podem ser divididos segundo dois processos distintos: extração e/ou transformação de recursos naturais, e produção de substâncias químicas, materiais sintéticos e equipamentos. Em geral, os processos de extração e transformação de recursos naturais são realizados por uma grande quantidade de pequenas e médias empresas com abrangências a mercados regionais. Os produtos gerados são marcados por processos de extração e manipulação pouco elaborados e com níveis tecnológicos limitados. São exemplos as empresas de extração de areia, pedras, saibros, madeiras cerradas e a fabricação de produtos como telhas cerâmicas, lajotas, tijolos, etc. As exceções a esta regra são a extração e transformação de cimento, aglomerados de madeira e outros que, apesar de serem materiais naturais, são produzidos por poucas e grandes empresas com alta capacidade de investimentos e com forte poder de atuação no mercado nacional. 14 Sobre as diferenças e conseqüências entre uma estruturação da produção nos moldes da indústria de massa - de acordo com os paradigmas tayloristas/fordistas -, e a produção de acordo com a manufatura da construção, ver Fabricio (1996). 64 Por outro lado, os processos de produção de substâncias e materiais sintéticos e de equipamentos são gerados predominantemente por grandes empresas nacionais e multinacionais que atuam no mercado nacional e em alguns casos externos. Os produtos são altamente elaborados por processos industriais bastante complexos e com tecnologia relativamente avançada. São exemplos a produção de tintas e impermeabilizantes, aditivos químicos, aço, alumínio, metais, etc. (SINDUSCONSP, 1997). No caso dos equipamentos pesados, além de eles serem produzidos por grandes empresas, seus fabricantes estão voltados para o atendimento a uma infinidade de outras indústrias e, muitas vezes, não apresentam uma preocupação de desenvolver produtos específicos para a construção, que fica obrigada a adaptar equipamentos originariamente destinados a outras atividades. Assim, diante da fragilidade das empresas de construção de edifícios (em geral pequenas e médias empresas – ver item 2.1.5) frente às grandes empresas de produção de materiais sintéticos e equipamentos, as inovações nestes insumos, como destaca Vargas (1984), surgem muito mais das conveniências e estratégias dos fabricantes do que das necessidades de seus usuários. Entretanto, “embora o centro dinâmico do processo de mudança esteja situado, em boa parte dos casos, na indústria de materiais e componentes, as inovações não devem ser vistas como mera imposição dos fabricantes, como algo estranho à lógica do processo de construção. Pelo contrário, as ‘necessidades’ da atividade de construção é que definem, em última instância, a viabilidade de determinada inovação” (Farah, 1992). 65 MACROCOMPLEXOS/ GRANDES CADEIAS DO MACROCOMPLEXO CONSTRUÇÃO PRINCIPAIS COMPLEXOS CIVIL PRODUTOS • • • • pranchas esquadrias aglomerados compensados • • • • • • azulejos telhas tijolos manilhas ladrilhos louça sanitária • • • • • • • calcáreo mármore amianto granito areia pedra gesso Cimento • • • • cimento concreto blocos artefatos Insumos Químicos* • • • • tubos* conexões* aditivos* asfalto* Insumos Metálicos • • • • estruturas serralheria perfis * vergalhões* Madeira Cerâmica e Cal Extração e beneficiamento de minerais nãometálicos Construção Civil Construção de Edifícios Macrocomplexo Químico Macrocomplexo Metalmecânico Macrocomplexo Eletroeletrónico b Insumos Elétricos** Ferramentas de produção** • • • • * Fios ** Interruptores** Dijuntores** Chuveiros** • Ferramentas** • Equipamentos** Dados, conforme Prochinik (1986), figura adaptada de Picchi (1993); Colenci Jr. & Guerrini (1998). Observações: (*) Produzido fora do Macrocomplexo da Construção Civil. (**) Cadeias, materiais e componentes produzidos fora do Macrocomplexo da Construção Civil, acrescidas pelo autor. Figura 4. Macrocomplexos da economia, grandes cadeias e principais produtos do Macrocomplexo Construção Civil 66 Além disso, segundo Barros (1996), com a abertura recente para importações de máquinas e equipamentos, começam a ser usados no subsetor uma série de novos equipamentos e ferramentas de origem estrangeira tais como: nível laser, réguas com bolhas de nível, desempenadeira para arremates de cantos, etc. Apesar da recente abertura e da melhoria das condições de concorrência com a chegada dos insumos internacionais, a existência de “cartéis” de produtores em determinados segmentos de materiais de construção e equipamentos significa, ainda, um considerável obstáculo para o desenvolvimento do setor. 3.1.7 Os usuários Os clientes finais e os usuários das edificações compõem uma população extremamente heterogênea em relação às necessidades funcionais e ambientais do ambiente construído, às disponibilidades financeiras e às próprias aspirações de cada usuário. Além disso, no desenvolvimento dos empreendimentos, muitas vezes, os usuários efetivos ainda não estão definidos (com exceção das obras sob encomenda), obrigando que o empreendimento seja montado considerando um usuário hipotético, representado por um segmento de mercado ou de população. Com o Código de Defesa do Consumidor em vigor desde 1991 e com a maior conscientização da sociedade civil brasileira para seus direitos, os clientes e usuários têm ganhado importância na indústria nacional e em particular na construção. Assim, o foco de inúmeras empresas de promoção e construção de edifícios tem sido dirigido para o atendimento das necessidades dos clientes e usuários e para a melhoria da qualidade dos produtos, como forma de se manterem competitivas no mercado. 67 3.1.8 Projetistas e consultores A maioria dos projetos e uma grande parte dos serviços de engenharia são desenvolvidas por profissionais e empresas contratadas para prestar consultoria ou desenvolver o projeto de determinada especialidade. Face à descontinuidade dos ciclos de produção e da preponderância de pequenas e médias empresas construtoras, a manutenção de equipes de projetos e de determinados serviços de engenharia representa investimentos com os quais a maioria das empresas não pode e não se interessa em arcar. Caracteriza-se assim um setor independente constituído por uma infinidade de prestadores de serviços (projetistas e consultores) atuando como fornecedores externos às empresas de promoção e construção. Estes fornecedores dão suporte à concepção e planejamento do edifício e seu processo de produção. Na condição de serviços externos pode-se enquadrar todo tipo de projeto, planejamento e serviço de consultoria prestado por profissionais especializados em geral, engenheiros e arquitetos. O segmento de projetos de arquitetura e engenharia é composto por um grande número de empresas, prestando uma variada gama de serviços. Em sua grande maioria, elas empregam, de acordo com PSQ (1997), até quinze funcionários, sendo comum a formação de pequenos escritórios, compostos por diversos sócios com formação e especialização complementares, objetivando dividir custos e compartilhar a realização de várias especialidades de serviços num mesmo empreendimento, bem como a existência de profissionais atuando como autônomos. As atividades desenvolvidas nessas empresas requerem a atuação, preponderantemente, de profissionais com formação universitária e de técnicos especializados, cuja formação acadêmica requer pesados investimentos e tempo significativo de estudos. Os custos desta formação são assumidos, quer pelo Estado, por meio das universidades e escolas técnicas públicas e gratuitas, quer pelos próprios 68 profissionais ou suas famílias, no caso dos cursos oferecidos por instituições privadas. Já às empresas de projeto cabe o papel, tradicionalmente secundário, de financiar cursos de formação complementar e de reciclagem de conhecimento (Silva; Fabricio, 1997). ÁREAS DE CONHECIMENTO ENVOLVIDAS NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS Arquitetura • • • • • • • Projeto arquitetônico Coordenação de projetos Paisagismo Conforto térmico Projeto acústico Luminotécnica Urbanismo Eng. Civil • • • • • • Projeto de fundações Estruturas Hidráulica Projetos para produção Projeto de canteiro Orçamentos Eng. Elétrica Construção Civil PRINCIPAIS SERVIÇOS • Projeto de elétrica Construção de Edifícios Eng. de Produção Eng. Ambiental Informática Economia • Planejamento e controle de obra • Gestão de recursos humanos • Gestão da qualidade • Gestão e controle de impacto ambiental • Processamento de dados • Simulações • Comunicações eletrônicas • Análises econômico– financeiras dos empreendimentos Figura adaptada de Colenci Jr. & Guerrini (1998) Figura 5. Principais áreas de conhecimento e serviços de apoio ao desenvolvimento de empreendimentos de construção de edifícios 69 Na realidade, os escritórios de projeto carecem, em parte devido ao seu pequeno porte, de um know how próprio, não dispondo de documentações formais de procedimentos, controles, etc. sobre os serviços que executam. Trata-se de um setor no qual o domínio técnico sobre o trabalho é de responsabilidade individual de cada profissional e as empresas cumprem um papel muito mais legal e comercial do que o de detentoras de uma tecnologia. Apesar de envolver profissionais com formação relativamente sofisticada e cara, existe atuando no setor um grande contigente de engenheiros, arquitetos e técnicos ao qual é acrescentado, a cada ano, um expressivo número de profissionais recémformados, provocando uma acirrada competição. Tal disputa é intensificada, ainda, pela ausência de barreiras para formação de novas empresas, na medida em que a sua constituição não demanda grandes investimentos em equipamentos e instalações e não requer autorizações ou concessões especiais, além da necessidade de seus responsáveis possuírem registro profissional adequado. 3.2 A IMPORTÂNCIA EMPREENDIMENTO DA CONCEPÇÃO E DO PROJETO NO A concepção e o projeto, na construção e em outros setores, são de fundamental importância para a qualidade e a sustentabilidade do produto e para a eficiência dos processos. Segundo Franco; Agopyan (1993) “... é nesta fase que se tomam as decisões que trazem maior repercussão nos custos, velocidade e qualidade dos empreendimentos”. A importância da concepção e do projeto é ilustrada por diversos indicadores. Por exemplo, segundo a pesquisa de Motteu; Cnudde (1989) apud Melhado (1994) na Bélgica, o projeto e a concepção são apontados como responsáveis por 46% dos problemas patológicos nas edificações. Em Abrantes apud Maciel; Melhado (1995) os projetos são apontados como responsáveis por 58% das patologias nos edifícios (ver figura 6). 70 Em outra pesquisa, dos suecos Hammarlund; Josephson (1992), o projeto aparece como principal causa das falhas de funcionamento das edificações, sendo a origem de 51% dos problemas. MATERIAIS 15% USO 8% EXECUÇÃO RÁPIDA 5% OUTROS 4% EXECUÇÃO 22% CONCEPÇÃO E PROJETOS 46% Dados de Motteu; Cnudde (1989) EQUIMENTOS 2% OUTROS 11% Fatia 5 0% OUTROS 4% CONSTRUÇAO 25% CONCEPÇÃO E PROJETOS 58% Dados de Abrantes apud Maciel; Melhado (1995) Figura 6. Origem de patologias e mau funcionamento das edificações Já do ponto de vista oposto - da geração da qualidade, Merli (1993) destaca que na indústria seriada japonesa (líder em qualidade nas décadas de 1970 e 1980), o projeto assumiu um papel fundamental para o desenvolvimento da qualidade nos produtos (figura 7). 71 100% Contribuição para qualidade da inspeção Contribuição para qualidade do controle de processo 50% Contribuição para qualidade do projeto 1945 1950 1960 1970 1980 1990 Conforme Merli (1993) Figura 7. Evolução da responsabilidade sobre a qualidade dos produtos na indústria japonesa Também, quanto aos custos totais da construção, Gobin (1993), CII (1987) e Hammarlund; Josephson (1992) apontam que a capacidade de neles influenciar é muito maior nas fases de estudo de viabilidade e de projeto que nas outras etapas do empreendimento, conforme ilustra a figura 8. Apesar dessa importância para os custos, para a qualidade e para o desenvolvimento do empreendimento em geral, os projetos de edificações brasileiras, na maioria das vezes, são desenvolvidos por escritórios que não pertencem ao organograma da empresa construtora, ou seja, são empresas subcontratadas para prestarem serviços à construtora. Com isso, muitas vezes, o projeto é contratado segundo critérios de preço do serviço, sem levar em conta questões como a qualidade e a integração entre os diversos projetos, e entre projetos e o sistema de produção da empresa. 72 Figura 8. Capacidade de influenciar o custo final de um empreendimento de edifício ao longo de suas fases Assim, o projeto é percebido (ainda) por muitas empresas como um custo, quando na verdade, como destaca Melhado (1994), devia ser entendido como um investimento cujos retornos se darão na maior eficiência de sua produção e na melhor qualidade dos produtos gerados. Para Barros; Melhado (1993) apud Melhado (1994), os gastos com a realização da concepção e dos projetos deveriam ser compreendidos como investimentos cujo retorno se dá, de forma bastante vantajosa, ao longo da produção. A figura 9 ilustra o potencial de redução de custos e de prazos de obra que podem ser conseguidos com um maior investimento em projetos. de acordo com Barros; Melhado (1993) apud Melhado (1994) Figura 9. Relação situação de maior “investimento” na fase de projetos X práticas convencionais 73 3.3 CONCLUSÕES O setor de construção confronta-se com um processo de produção complexo, ligado à natureza e às características do empreendimento de construção, à sua organização e ao seu modo de gestão. Os diferentes agentes envolvidos no empreendimento apresentam uma atuação fragmentada e interesses próprios, às vezes divergentes, quanto às características e objetivos do empreendimento. Cada novo empreendimento de construção exige uma formulação e projeto próprio à medida que “não existe duas construções idênticas” (Bobroff, 1998). Com isso, a concepção e projeto devem, a cada empreendimento, mobilizar múltiplas técnicas e agentes para concepção e desenvolvimento do empreendimento. O processo de projeto é a etapa mais estratégica do empreendimento com relação aos gastos de produção e a agregação de qualidade ao produto. 74 4 DESENVOLVIMENTO DE PRODUTO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS No capítulo anterior foi estudada a organização e as principais características dos empreendimentos de construção de edifícios, bem como o papel dos projetos. Partindo das características e desafios postos na atividade de construção de edifícios, o presente capítulo busca caracterizar o processo de desenvolvimento e a concepção dos empreendimentos e analisar como a complexidade e fragmentação do processo de produção destes é incorporada no processo de projeto. Para realizar este trabalho, utilizam-se informações de campo, coletadas de forma não sistematizada em diversas construtoras, junto a projetistas e uma série de elementos disponíveis na bibliografia estudada. A dificuldade deste capítulo reside na heterogeneidade de cada empreendimento de construção e na diversidade de arranjos e variantes que existem nas práticas de organização tanto do processo de produção como do processo de projeto. Assim, não se pretende apresentar um modelo absolutamente exato que cubra todas as práticas de projeto encontradas no setor, mas sim uma configuração genérica que aponte as principais características e possibilite investigar as dificuldades deste modelo tradicional face à necessidade de maior colaboração no processo de projeto. 4.1 DESENVOLVIMENTO E PROJETO DE EMPREENDIMENTOS DE EDIFÍCIOS Tradicionalmente, a concepção de novos empreendimentos de construção é associada aos projetos de arquitetura e engenharia que representam o desenvolvimento espacial e tecnológico dos edifícios. Entretanto, em um empreendimento de construção, diversas atividades com caráter de concepção, seleção de alternativas e desenvolvimento de idéias são exercidas em outras fases do empreendimento, por outros agentes do processo de produção. 75 A montante do projeto, a contratação dos projetistas e a montagem do programa de necessidades do produto envolvem uma série de decisões e formulações que representam uma atividade fundamental na concepção do empreendimento, desenvolvida principalmente pelo empreendedor, ocasionalmente com a participação do arquiteto. Na outra ponta, na realização dos edifícios, uma série de decisões e detalhamentos são desenvolvidos de forma a permitir a tradução e complementação das especificações dos projetos de produto em soluções construtivas. Nos empreendimentos de construção nacionais a maioria dos projetos não trazem detalhes e especificações suficientes para subsidiar seu processo de construção e as obras são obrigadas a desenvolverem soluções de forma improvisada, colocando os engenheiros e mestre de obras como agentes responsáveis por decisões que complementem os projetos e permitam a execução da obra (Picchi, 1993). Dessa forma, a concepção do empreendimento está disseminada em diferentes fases e é exercida por diferentes agentes com formações, vivências e interesses distintos. Neste trabalho foi considerado que o Processo de Projeto envolve todas as decisões e formulações que visam subsidiar a criação e a produção de um empreendimento, indo da montagem da operação imobiliária, passando pela formulação do programa de necessidades e do projeto do produto até o desenvolvimento da produção, o projeto “as built” e a avaliação da satisfação dos usuários com o produto. Por esse critério, o processo de projeto engloba não só os projetos de especialidades de produto, mas também a formulação de um negócio, a seleção de um terreno, o desenvolvimento de um programa de necessidades, bem como o detalhamento dos métodos construtivos em projetos para produção e no planejamento da obra. E os agentes da concepção e do projeto do empreendimento são os projetistas de arquitetura e engenharia e todos aqueles que tomam decisões relativas à montagem, concepção e planejamento do empreendimento. 76 Dessa forma, o processo de desenvolvimento e projeto deve ser abordado com abrangência compatível à complexidade dos empreendimentos de construção com suas múltiplas dimensões, agentes e interesses. Principais Serviços e Atividades do Processo de Projeto • Concepção do negócio e desenvolvimento do programa, que envolve a tomada de decisão de lançar um novo empreendimento, a seleção de um terreno, a concepção econômica e financeira do empreendimento e a formulação das características e especificações que o produto deve apresentar; • Projetos do produto, que compreendem a concepção e o detalhamento do produto edificação por meio dos projetos de arquitetura, paisagismo, acústica, luminotécnica, geotecnia, estruturas, instalações elétricas, hidráulicas, de comunicação, sistemas de ventilação e ar condicionado, etc.; • Orçamentação, que abarca o levantamento dos custos da obra e do empreendimento; • Projetos para produção, responsáveis pela seleção da tecnológica construtiva para a realização de determinada parte ou subsistemas da obra, envolve a definição de procedimentos e seqüências de trabalho, bem como dos recursos materiais necessários, maquinas, ferramentas e materiais e componentes necessários; • Planejamento de obra, responsável pela definição e acompanhamento do cronograma das etapas de obra e pelo fluxo de caixa do empreendimento, afim de cumprir os prazos da obra; • Projeto “as built”, responsável pelo acompanhamento da obra e atualização dos projetos para representar verdadeiramente o que foi construído; • Serviços associados, acompanhamento de obra pelos projetistas, acompanhamento de problemas de uso e assistência técnica e realização de análises pós-ocupação de forma a avaliar o resultado dos projetos e subsidiar novos empreendimentos. Quadro 1. Principais serviços e atividades do processo de projeto de empreendimentos de edificações 4.2 O PROCESSO DE PROJETO DO EMPREENDIMENTO Ao longo do processo de projeto, vários projetistas, consultores e agentes do empreendimento são mobilizados para contribuir no projeto. Cada agente participa com os seus interesses e conhecimentos de forma a desenvolver uma parte das decisões e formulações projetuais. 77 Estas decisões são condicionadas por cronogramas, legislações e normas, disponibilidades econômicas e financeiras, possibilidades tecnológicas e construtivas, etc. No processo de projeto verificam-se diferentes interfaces entre os principais envolvidos, e diferentes compatibilizações são necessárias para garantir a coerência entre as decisões e projetos. “... Um edifício é um objeto complexo pela multiplicidade de técnicas envolvidas e dos pontos de vista aos quais são ligadas sua concepção e sua realização. A condução de uma operação de construção necessita de uma subdivisão, segundo diferentes fases (concepção, preparação...), diferentes escalas de intervenção (parte da obra ou a construção em sua totalidade), e de pontos de vistas particulares (instalações térmicas, madeiramento...). Assim, as soluções correspondentes para estas diferentes facetas do problema engendram conflitos que a solução global que é elaborada deve responder” (Tahon, 1997). Ao longo do tempo as decisões e a integração entre as interfaces, como ressalta Tahon (1997), sempre podem ser aprimoradas, mas a necessidade de respeitar contratos, cronogramas e orçamentos determinam uma data para o término do projeto. A figura 10, adaptada da ilustração proposta por Gobin (1993), sintetiza o encadeamento do processo de desenvolvimento dos empreendimentos tradicionais de construção de edifício15. No início de cada uma das principais etapas de desenvolvimento do empreendimento, as possibilidades de intervenção são amplas e conforme vão amadurecendo ocorre um afunilamento até a solução final adotada que é o ponto de partida para a etapa seguinte. Dessa forma, cada etapa está condicionada pelas soluções e pela atuação da etapa anterior e a possibilidade de revisão das decisões tomadas anteriormente são remotas e, em geral, implicam retrabalhos. 15 Embora o autor esteja analisando a realidade francesa, considera-se o raciocínio válido para os empreendimentos brasileiros. 78 Ao raciocínio de Gobin acrescentamos o fato de agentes importantes, como os fornecedores e os subempreeiteiros, não serem considerados adequadamente no processo de projeto de muitos empreendimentos, embora desempenhem um papel importante no processo de produção. Influência indireta e não sistematizada Mercado potencial ou cliente contratante PROGRAMAÇÃO PROJETO Fornecedores CONSTRUÇÃO (construtora) Subempreiteiros Usuário Adaptado de Gobin (1993) Figura 10. Processo de desenvolvimento tradicional de empreendimentos de construção Os empreendimentos de construção partem de uma demanda de mercado mais ou menos conhecida e culminam com a entrega do edifício para ser utilizado, operado e mantido pelos usuários. Segundo a análise de Gobin (1993), o processo se desenvolve em três fases. Primeiramente, o empreendedor se propõe a promover um novo produto partindo de sua experiência e da demanda verificada no mercado para desenvolver um programa que é colocado a um arquiteto que em geral identificará falhas no programa e proporá a reabertura do funil de forma a incluir suas próprias ambições. Por fim, a construtora tende a identificar falhas nos projetos, principalmente no tocante à construtibilidade levando à nova reabertura do funil que representa o processo de amadurecimento do projeto. 79 Também para Jouini; Midler (2000), o projeto e desenvolvimento de novos empreendimentos de construção ocorrem de forma fragmentada em três grandes etapas: a concepção do negócio - expressa na formulação do programa de necessidades; o projeto do produto edifício - traduzido nos projetos de arquitetura e de engenharia; e uma terceira fase em que se projeta a execução da obra. Para ilustrar como estas três etapas principais se articulam e as principais decisões e formulações para o desenvolvimento de empreendimentos na França, os autores propuseram a figura abaixo que foi adaptada às realidades e terminologias brasileiras. Controles Normativos Concepção do empreendimento Concepção da execução Concepção arquitetônica e técnica Programação Construção Decisões de negócio Seleção da equipe de projeto Atribuições projetuais e técnicas Entrega da obra Adaptado de Jouini; Midler (2000) Figura 11. Etapas de concepção do empreendimento de construção 4.2.1 Concepção do programa O programa de necessidades de um empreendimento de construção é definido na norma Brasileira NBR 13531 como a “etapa destinada à determinação das exigências de caráter prescritivo ou de desempenho (necessidades e expectativas dos usuários) a serem satisfeitas pela edificação a ser concebida” (ABNT, 1995). 80 Segundo Kamara et al. (2001), o programa deve elucidar e apresentar os requisitos dos clientes e usuários para o projeto, sendo o ponto de partida para o desenvolvimento das soluções funcionais e construtivas do empreendimento. Opinião semelhante é defendida por Novaes (1996), com base em Motteu; Cnudde (1989) e Haal; Fletcher (1989), para quem é por meio do programa que o cliente explicita suas necessidades, suas possibilidades financeiras e suas requisições face ao empreendimento. Para Jiao; Tseng (1999), a programação e a concepção conceitual de um produto focado no atendimento das necessidades dos clientes são longas e tediosas, sendo pautadas pelo processo de tentativa e erro que envolve requerimentos vagos e nebulosos que dificultam a gestão deste processo. Além disso, na maioria dos casos, os requisitos são negociáveis e conflitantes entre si, e trocas são freqüentemente necessárias, sendo fundamental a capacidade de gerir os conflitos. Acoplada ao programa e às necessidades dos clientes e usuários está a formulação de um negócio com determinados objetivos do promotor que empreende o edifício. O promotor, partindo da identificação de uma demanda potencial ou de uma necessidade particular própria ou de um cliente contratante, toma a decisão de iniciar o empreendimento, monta o negócio, considerando as disponibilidades e restrições dos investidores e dos agentes financeiros, e inicia a formulação de um programa para o empreendimento. Em ambos os casos a decisão de empreender na construção passa pela questão fundiária, uma vez que as demandas dos usuários estão em parte relacionadas com a localização e o meio ambiente urbano, e a seleção do terreno faz parte das decisões do negócio e caracteriza uma especificação básica para o projeto de empreendimentos imobiliários. O programa do empreendimento deve estabelecer as metas de negócio e requisitos para os projetos. Em geral três tipos de requisitos são tratados no programa: 81 • Metas de negócio, referentes ao segmento de mercado ou demanda-alvo, seleção fundiária, custos do empreendimento, condições de financiamento, dependendo do tipo de empreendimento, velocidade de venda e rentabilidade desejada, etc.; • Requisitos funcionais, espaciais e operacionais que norteiem o desenvolvimento de produto; • Requisitos de caráter construtivo como prazos, qualidade da obra, custos de construção, etc. Estes requisitos são, evidentemente, mutuamente dependentes e hierarquizados. Assim, por exemplo, a viabilidade econômica dada por um custo alvo do empreendimento condiciona o custo de construção; as características do produto devem ser condizentes com o segmento de mercado e a localização do empreendimento, etc. Para responder à formulação destes requisitos, Kamara et al. (2001) sugerem que o processo de desenvolvimento do programa envolve dois estágios, similares aos estágios propostos em Kelly et al. (1992): • Programa estratégico ou inicial: que desenvolve os parâmetros e objetivos-chave, como orçamento global, especificações gerais do empreendimento além da seleção fundiária; • Programa funcional: que consiste na especificação completa dos requisitos funcionais, operacionais e construtivos para desenvolvimento do projeto, traduzindo as metas do programa estratégico em requisitos para projeto. Akin; Flanagan (1995) apud Green; Simister (1999) propõem ainda um terceiro estágio, anterior, de investigação das necessidades e cultura dos clientes a fim de obter parâmetros que norteiem as definições estratégicas do programa. Na maioria dos casos, o desenvolvimento de programa ainda se baseia fortemente nas informações fornecidas por corretores de imóveis e nas soluções consagradas em empreendimentos passados. Embora exista hoje uma grande competência 82 profissional na realização de estudos de pós-ocupação (Ornstein, 1992), raramente esta competência é mobilizada para estudar os empreendimentos de uma empresa promotora e retroalimentar o seu processo de desenvolvimento do programa e do projeto. A formulação do programa de necessidades é efetivada pelo trabalho de um ou mais arquitetos junto ao promotor que pode ser público ou privado (Novaes, 1996). Mas, em geral, o arquiteto só é mobilizado para participar da elaboração do programa funcional. Nos empreendimentos privados, para auxiliar na formulação do programa estratégico do empreendimento, o promotor contrata ou mesmo solicita a colaboração do arquiteto “no risco” (os honorários do profissional só serão pagos caso o empreendimento seja lançado), para realização dos estudos de viabilidade e da investigação das possibilidades construtivas face às restrições legais e às características do terreno. Mas, como observa Green; Simister (1999), a identificação das necessidades dos clientes e das oportunidades de negócio por meio do programa dependem menos da habilidade de conceber soluções de projeto e mais da capacidade de compreender os clientes e tomar decisões estratégicas. Assim, é necessário contar com a experiência prática dos arquitetos e promotores para desenvolver o programa já que as formações acadêmicas e formais do setor não privilegiam este tipo de conteúdo. Tomada a decisão de dar prosseguimento a uma das alternativas estudadas, passa-se para o desenvolvimento do programa funcional. Nesta etapa, o desenvolvimento dos requisitos de projeto é bastante variável sendo realizado com maior ou menor profundidade e detalhamento e segundo diferentes metodologias próprias a cada promotor. Em algumas empresas é possível encontrar normas internas de projeto que subsidiam o projeto com requisitos funcionais e construtivos padronizados; em outros casos, os requisitos de projeto são desenvolvidos pelo promotor especificamente para o empreendimento e, não raramente, o programa funcional permanece vago e estabelece poucos critérios para os projetos de produto e da produção. 83 Nos empreendimentos públicos as decisões relativas à montagem estratégica do empreendimento são tomadas pelo órgão público e por equipes internas de projeto e, muitas vezes, são influenciadas por pressões e critérios políticos. O desenvolvimento do programa funcional segue, em geral, manuais padronizados e são detalhamentos preparados para compor os editais de concorrência e contratação dos projetos. Em ambos os casos, a definição do programa ocorre de forma pouco sistemática e relativamente independente das demais fases do processo de projeto, marcando a primeira cisão no processo entre a atuação do promotor e a dos projetististas. Neste primeiro momento do processo de projeto o promotor tem um papel claramente de concepção relacionado à seleção do terreno, criação, montagem e proposição de um programa, atividade para a qual, em geral, conta com o auxílio do arquiteto. Também cabe ao promotor a seleção e contratação dos projetistas que vão desenvolver os projetos do produto e os projetos para produção. De fato, na construção brasileira a seleção dos projetistas de arquitetura e engenharia é feita, na maioria dos casos, pelo promotor do empreendimento. Entretanto, este modelo não é rígido e nem tampouco universal. É possível encontrar no Brasil alguns casos em que a seleção e contratação dos projetistas é responsabilidade do arquiteto ou do coordenador de projetos do empreendimento. Em outros países, como por exemplo, França e Inglaterra, o promotor seleciona e contrata o arquiteto que tem a responsabilidade pela seleção e contratação dos consultores de engenharia. Como destacam Fruet; Formoso (1993); Silva (1996); Fabricio; Melhado (1998a), a maioria dos projetistas que participam dos empreendimentos de construção é terceirizada, com vínculo de prestadores de serviço frente aos promotores. 4.2.2 Projeto do produto As equipes de projeto do edifício são compostas por diferentes projetistas contratados pelo promotor para atuarem no desenvolvimento de um determinado 84 empreendimento. Em geral, a mobilização dos projetistas ocorre de forma gradual à medida que o empreendimento avança. Primeiramente é contratado o arquiteto que efetivamente concebe o produto que posteriormente será complementado pelos projetos de especialidades. Muitas vezes, a concepção arquitetônica é terminada sem nenhuma participação dos demais projetistas, salvo algumas consultas ao projetista de estruturas que costuma entrar no processo de projeto antes das demais especialidades de engenharia. Promotor Normas e Regulamentos Usuário Arquiteto Engenheiro de Estruturas Engenheiro de Inst. Hidráulicas Engenheiro Eletricista Outros Projetistas Orçamentista Linha de subordinação (organograma) Linha de subordinação informal (organograma) Adaptado de Melhado (1994) Linha de subordinação regulatória Linha de influência por retroalimentação Figura 12. ‘Organograma’ genérico da equipe tradicional de projeto Em diversos trabalhos como os de Castells; Heineck (2001), Fruet; Formoso (1993), Jobim et al. (1999) percebe-se uma tendência em subdividir a elaboração do projeto do produto em duas etapas separadas e independentes, sendo a primeira desempenhada por escritórios de arquitetura e mais voltada à concepção e à formulação, e a segunda relacionada ao desenvolvimento tecnológico das opções selecionadas, exercida pela engenharia da empresa construtora ou por escritórios independentes. Assim, para Castells; Heineck (2001), a primeira etapa concentra-se na elaboração qualitativa e a segunda é prioritariamente voltada ao desenvolvimento quantitativo. 85 A primazia do arquiteto no processo de projeto é, conforme observa Melhado (1997), respaldada também nas normas técnicas em vigor, bem como pelos textos institucionais que tratam do assunto e que consideram o projeto de arquitetura como o responsável pelas indicações a serem seguidas pelos projetos de estruturas e instalações. Assim, é comum que uma etapa de projeto de determinada especialidade dependa, para ser iniciada, do término de uma etapa de diferente especialidade, cujo grau de aprofundamento e maturação das decisões é equivalente ao da etapa (da outra especialidade) que se inicia. Por exemplo, o início do anteprojeto de estruturas e fundações tem como pré-requisito o anteprojeto de arquitetura terminado ou quase terminado. Percebe-se, assim, que a fase de concepção do edifício ocorre de forma separada do desenvolvimento do projeto, ou seja, a atuação do arquiteto ocorre previamente e com reduzida interação com os demais projetistas e com o pessoal da obra. De fato, na indústria de construção brasileira, muitas vezes, somente após a etapa de lançamento do empreendimento no mercado, é feita a contratação dos demais projetistas que irão participar do desenvolvimento do projeto. Dessa forma, o arranjo institucional e as práticas vigentes de processo de projeto podem ser classificados como altamente hierarquizados e são desenvolvidos de maneira seqüencial, com a equipe de projeto se modificando ao longo do processo de projeto, pela mobilização e desmobilização dos projetistas das diferentes especialidades (figura 13). O processo seqüencial em uso possibilita que apenas o projetista de arquitetura tome contado direto com a programação do empreendimento. Os demais projetistas partem do projeto ou anteprojeto de arquitetura e das soluções adotadas nesta disciplina para desenvolver soluções técnicas que “complementem” o projeto de arquitetura. Assim, o programa é apresentado para os projetistas de engenharia com desenhos e soluções de projeto previamente adotados no projeto arquitetônico. 86 PROGRAMA CONCEPÇÃO DESENVOLVIMENTO DETALHAMENTO PROMOÇÃO ARQUITETURA ESTRUTURAS SISTEMAS PREDIAIS PROJET. P/ PRODUÇÃO* * Quando há Proj. Legal Lançamento virtual equipe de projeto Fluxo do processo de projeto Atuação intensa Atuação difusa de acordo com Fabricio; Melhado (2001) Figura 13. Esquema genérico de um processo seqüencial de desenvolvimento do projeto de edifícios – participação dos agentes ao longo do processo. Embora seja mais forte com relação ao projeto de arquitetura, é possível verificar, ao longo de todo o processo de projeto, uma hierarquização em que os projetistas a jusante do processo tomem contato com o programa e com os projetos a montante por meio de soluções projetuais desenvolvidas e não por meio dos problemas tratados. Kamara et al. (2001) destacam que este contato indireto de muitos projetistas com o programa repercute em soluções que, provavelmente, não satisfaçam plenamente as necessidades dos clientes, limitando a possibilidade de diversos projetistas com o problema original, uma vez que eles partem de soluções previamente definidas e não de um elenco de necessidades. Neste processo fragmentado e seqüencial, a possibilidade de colaboração entre projetistas é bastante reduzida e problemática e a proposição de modificações por um projetista de determinada especialidade implica a revisão de projetos já mais amadurecidos de outras especialidades, significando enormes retrabalhos ou até mesmo o abandono de projetos inteiros. De fato, conforme o projeto é desenvolvido e detalhado, a liberdade de proposição de soluções e mudanças diminui (Melhado, 1994) e, num processo em que os projetistas são mobilizados seqüencialmente, a possibilidade de intervenção dos projetistas a montante, na concepção das soluções, é reduzida. 87 Prevalece no processo de projeto uma visão cartesiana de que o todo é a soma de partes independentes. Isso é predominante na configuração dos processos de projeto tradicionais nos quais se busca otimizar o todo a partir da otimização, em separado, das partes – o que não é a verdade na maioria dos casos. Conforme salienta Melhado (2001), sem o intercâmbio intenso de informações entre os agentes durante a elaboração do projeto, este acaba ficando: “mal definido, mal especificado e mal resolvido” levando a um acréscimo de custo e de tempo de execução. 4.2.3 Projeto para produção Uma segunda cisão importante no processo de desenvolvimento de produto na construção ocorre entre a etapa do projeto do produto e a construção do edifício. Sem preocupação com o Sistema de Produção da construtora, os projetos do produto restringem-se, normalmente, a fornecer informações sobre o produto (forma, dimensões, etc.) sem entrar em detalhes de como e em qual seqüência produzir; além de, muitas vezes, como destaca Franco (1992), não possuem um nível de detalhamento e integração adequados, que esclareçam todas as características e interfaces do produto. Também para Farah (1992), a tendência na construção tradicional é tratar os projetos como responsáveis pelas indicações da forma e das características tecnológicas do edifício e não de sua produção. Para a autora, o projeto é visto como um projeto de produto sem indicações de como produzi-lo e, muitas vezes, não caracteriza completamente o produto, deixando para a etapa de obra a definição de características do produto e a seleção de materiais ou componentes a serem utilizados. Em síntese, os processos de projeto mais tradicionais acabam sendo orientados para a definição do produto sem considerar adequadamente a forma e as implicações quanto à produção das soluções adotadas. Além disso, é comum que as especificações e detalhamentos de produto sejam incompletas, falhas e incompatíveis e acabem tendo 88 que ser modificadas ou resolvidas durante a obra, quando a equipe de produção decide “amadoristicamente” sobre características e especificações do edifício não previstas em projeto. A participação das construtoras, subempreiteiros, fornecedores de materiais e usuários na elaboração dos projetos é, na maioria dos casos, bastante limitada. Conforme exposto em Fabricio et al. (1999b), a própria organização seqüencial do empreendimento dificulta a intervenção da construtora e do usuário no processo de projeto, já que estes agentes são mobilizados posteriormente à fase de concepção do produto. Por outro lado, como destaca Maciel (1997), a influência do promotor é potencialmente significativa ao longo de todo o processo. De fato, mesmo o promotor, apesar de influente, participa dos projetos de forma difusa, com uma missão de gerenciamento e, às vezes, de validação de uma ou outra solução de projeto mas, ao contrário da etapa de programação, não desempenha nenhum papel de concepção no projeto do produto e do processo. A falta de projetos executivos detalhados e de uma participação das construtoras e subempreiteiros durante o momento do processo de projeto leva decisões referentes aos métodos e seqüências de construção para o canteiro, quando engenheiros de obras, mestres e oficiais acabam desenvolvendo sem tempo e sem condições adequados como se dará a obra (Picchi, 1993). A este respeito Nan; Tatum (1989) apud Barros (1996) fizeram o seguinte diagnóstico: “Enquanto na indústria seriada, o projeto do produto (‘product design’) está se tornando uma parte conjunta do gerenciamento da produção; na construção, a função projeto do produto é normalmente separada da produção”. Entretanto, se o diagnóstico permanece válido para a maioria dos empreendimentos de construção brasileiros, a situação atual aponta para um engajamento paulatino das empresas de construção e promoção na elaboração de projetos para produção de suas 89 obras, especialmente nos mercados mais dinâmicos e competitivos como o da cidade de São Paulo. A partir dos anos 1990 vários trabalhos de pesquisa têm analisado teoricamente a necessidade e a configuração dos “projetos para produção” como ferramenta de planejamento da construção dos subsistemas da obra e como transposição entre o projeto do produto e a obra (Martucci, 1990; Melhado, 1994; Franco; Agopyan, 1995; Melhado; Fabricio, 1998; Aquino; Melhado, 2001; Kamei; Franco, 2001), e vêm desenvolvendo tecnologia e metodologias para aplicação de tais projetos (Franco, 1992; Souza, 1996; Maciel, 1997; Souza, 1997a). Nessa mesma época, diversas empresas de construção e promoção de edifícios começaram a desenvolver e demandar projetos para produção para alguns subsistemas de suas obras e hoje já é possível verificar um crescimento na utilização desses projetos, ao menos nas empresas “líderes” em São Paulo. Acompanhado a demanda por projeto para produção, surge uma série de empresas de projetos paulistanas especializadas nesse tipo de serviço. Na maioria dos empreendimentos que têm projetos para produção, a sua realização ocorre posteriormente aos projetos do produto, o que inibe a interatividade com as soluções técnicas adotadas nos projetos de produto. Conforme destacam Maciel; Melhado (1995), embora os projetos para produção possam ser realizados posteriormente à definição do produto, esta prática seqüencial limita seu potencial de influência na qualidade do processo de projeto e na racionalização da obra. 4.3 ETAPAS E SEQÜÊNCIA DO PROCESSO DE PROJETO As referências normativas e bibliografias que tratam do projeto na construção de edificações apresentam diferentes subdivisões e etapas para o desenvolvimento do projeto. As diferenças estão na nomenclatura utilizada, no número de subetapas do processo de projeto e mesmo na abrangência deste processo. 90 Na NBR 13531 “Elaboração de projetos de edificações - Atividades técnicas” (ABNT, 2000), o projeto de edificações aparece subdividido nas seguintes etapas: Levantamento, Programa de Necessidades, Estudo de Viabilidade, Estudo Preliminar, Anteprojeto ou pré-executivo, Projeto Legal, Projeto Básico (opcional) e, Projeto para Execução. Complementarmente, a NBR13532 “Elaboração de projetos de edificações – Arquitetura” estabelece fases correlatas para elaboração de projeto arquitetônico. Buscando estabelecer uma orientação para atuação profissional das empresas de projeto de arquitetura, a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA, 2000) desenvolveu o “Manual de Contratação dos Serviços de Arquitetura e Urbanismo”. Neste manual são apresentadas e descritas as seguintes “etapas e fases do projeto de arquitetura”: (i) levantamento de dados; (ii) estudo preliminar; (iii) anteprojeto; (iv) projeto legal; (v) projeto executivo, subdividido em pré-executivo, projeto básico, projeto de execução, detalhes de execução; (vi) caderno de especificações; (vi) compatibilização / coordenação / gerenciamento dos projetos; (vii) assistência à execução da obra; (viii) serviços adicionais (opcional). Com objetivo de subsidiar a implantação de sistemas de gestão da qualidade em empresas de projeto, as empresas de consultoria paulistas Centro de Tecnologia de Edificações – CTE e Núcleo Gestão da Inovação – NGi desenvolveram, a partir de 1997, o “Programa de Gestão da Qualidade no Desenvolvimento de Projeto na Construção Civil” e por meio da ação cooperativa envolvendo as próprias empresas de consultoria, entidades de classe e empresas de projeto16 foi proposto um “fluxo de atividades para o processo de projeto” (figura 14), caracterizando as subetapas deste processo, os responsáveis por cada atividade e as relações de precedência entre as etapas do projeto17. 16 Participam desse programa 06 (seis) escritórios de projeto de arquitetura, 04 (quatro) de projeto estrutural, 02 (dois) de projeto de sistemas prediais e 10 (dez) empresas construtoras e incorporadoras, totalizando 22 participantes. Esse grupo discutiu o fluxo de atividades do processo de projeto, identificando quais os principais aspectos que afetam a sua qualidade e eficiência e seus marcos mais importantes. 17 O fluxo, os conteúdos detalhados e os responsáveis de cada fase estão descritos em CTE (1997) e Baía (1998). 91 Lançamento do empreendimento projeto legal Entrega final do projeto Concepção do produto anteprojeto Planejamento de empreendimento Pré-requisito: Planejamento estratégico Desenvolvimento do produto pré-executivo executivo e detalhamento projeto de produção FASE I FASE II FASE III FASE IV Entregas parciais de projeto FASE V Coleta de dados e desenvolvimento do projeto “as built” FASE VI Obra Acompanhamento técnico dos projetistas durante obra Entrega das unidades aos proprietários Avaliação da satisfação do cliente final Avaliação pós-ocupação FASE VII Retroalimentação Fluxo geral de fases do desenvolvimento de projeto conforme (CTE, 1997) Figura 14. Fluxo resumido das etapas de projeto A primeira fase do fluxo (fase I) consiste no planejamento de empreendimentos e visa, dentre outros, constatar a viabilidade de um produto definido a partir das necessidades de mercado. A fase II, denominada de concepção do produto, destina-se à caracterização inicial do produto quanto a: ambientes, processos construtivos, formas e geometria. Na fase III, ocorre o desenvolvimento dos projetos do produto com a participação de todas as especialidades de projeto e com cinco estágios (níveis de amadurecimento) de desenvolvimento: anteprojeto; projeto legal; projeto préexecutivo; projeto executivo; e projeto para produção. A etapa IV denota a entrega do projeto. Na fase V são desenvolvidos os projetos “as built”; a fase VI engloba o acompanhamento do projeto na obra e, finalmente, na fase VII, é feita uma avaliação pós-ocupação do produto. Durante o período de setembro de 1998 a abril de 1999 pudemos acompanhar os trabalhos de desenvolvimento e implantação dessa metodologia nas empresas de projeto participantes das turmas 2 e 3 do “Programa de Gestão da Qualidade no 92 Desenvolvimento de Projeto na Construção Civil”. Nesse estudo de campo18 percebeu-se uma forte influência de questões comerciais e contratuais na subdivisão do processo de projeto. Uma das preocupações dos projetistas participantes da elaboração do modelo foi a de organizar as etapas do processo de projeto com ênfase na caracterização dos marcos de entregas parciais do projeto, além de definir uma gama de serviços associados ao projeto, de forma a facilitar a negociação do preço x serviços oferecidos e estabelecer momentos intermediários de recebimento pelo serviço de projeto. Mesmo no manual da AsBEA pode-se perceber uma clara preocupação com os direitos autorais e a remuneração do projeto e de suas etapas. Jobim et al. (1999) e Tzortzopoulos (1999), também visando à implantação de sistema de gestão da qualidade em empresas de projeto, desenvolvem uma subdivisão deste processo em etapas e relacionam cada etapa com os agentes responsáveis principais e co-responsáveis. Tzortzopoulos (1999) propõe as seguintes etapas para o processo de projeto: (i) Planejamento e concepção do empreendimento, (ii) Estudo preliminar, (iii) Anteprojeto, (iv) Projeto legal, (v) Acompanhamento da obra, (vi) Acompanhamento do uso. Já Jobim et al. (1999) acrescentam uma etapa de validação do processo antes da obra e colocam a entrega do produto, os manuais do proprietário e demais informações aos clientes, como uma etapa formal do processo de projeto que, segundo estes autores, contém as seguintes etapas: (i) Definição do tipo de empreendimento, Estudo preliminar, (iii) Anteprojeto (iv) Projeto arquitetônico, (v) Projetos complementares, (vi) Validação dos projetos, (v) Alterações do projeto durante a produção, (vi) Entrega do imóvel, (vii) Avaliação durante o uso. 18 O estudo de campo consistiu no acompanhamento de dois grupos de empresas de projeto engajados em cursos de treinamento e implantação de sistemas de gestão da qualidade. Tais cursos foram fomentados por ações cooperativas envolvendo diversas entidades representativas do setor como, IAB - SP, AsBEA - SP, SINAENCO e, foram ministrados pela empresa de consultoria NGi - Núcleo de Gestão da Inovação dentro do “Programa de Gestão da Qualidade no Desenvolvimento de Projeto na Construção Civil”. 93 Apesar de algumas diferenças, os modelos de CTE (1997), Jobim et al. (1999) e Tzortzopoulos (1999) trazem uma abordagem semelhante do processo de projeto no que se refere às subetapas de projeto e às responsabilidades ao longo do processo. Com relação à NBR13531, os modelos propostos pela AsBEA (2000), CTE (1997), Jobim et al. (1999) e Tzortzopoulos (1999) estendem a abrangência do processo de projeto até o acompanhamento e avaliação do uso do edifício. Outro ponto comum que estas subdivisões do processo de projeto têm é o fato de apresentarem diversas etapas e subetapas hierarquizadas e uma rígida organização seqüencial destas etapas. Melhado et al. (1996) desenvolvem a proposta de Melhado (1994) e propõem uma subdivisão para o processo de projeto voltada à participação e coordenação de esforços dos quatro principais agentes de um empreendimento de construção e incorporação de edifício (figura 15). BRIEF ING CONSULTORES DE TECNOLOGIA E OUTROS PROJETISTAS (PARTICIPAÇÃO FORMAL) ESTUDO PRELIMINAR DE ARQUITETURA ANTEPROJETO MULTIDISCIPLINAR PROJ ETO DE ARQUITETURA EDIF.. . URB. PAIS. PROJ ETO DE SISTEMAS PREDIAIS PROJ ETO PARA PRODUÇÃO PROJ ETO DE ESTRUTURAS APRO VAÇÃO LEGAL DO PROJ ETO QUALIDADE SUPRIMENTOS CUSTOS DETALHAMENTO PRODUTO (EDIFÍCIO) PROCESSO DE PRODUÇÃO PRODUÇÃO EM CANTEIRO RETRO-ALIMENTAÇÃO ASSISTÊNCIA TÉCNICA de acordo com MELHADO et al. (1996) Figura 15. Etapas e seqüência de projeto 94 4.4 O PROCESSO DE PROJETO, NORMAS E LEGISLAÇÕES Ao longo do desenvolvimento dos projetos e planejamento dos empreendimentos, diversas decisões e formulações são tomadas, e muitas delas são subordinadas a normas e regulações e estão sujeitas à aprovação de diferentes órgãos públicos e empresas concessionárias19. Essas normas e regulamentações têm o papel de estabelecer parâmetros técnicos, sociais e políticos de segurança e controle sobre a atividade produtiva do setor de forma a garantir minimamente a qualidade dos produtos, regular o uso do solo urbano e controlar os impactos ambientais dos empreendimentos. As restrições legais e normativas mais importantes são os planos diretores das cidades e as regras de zoneamento, uso e ocupação do solo que estabelecem critérios para a ocupação de cada zona urbana (usos permitidos, gabaritos, recuos, etc.); os códigos sanitários e de obras que estabelecem requisitos mínimos de habitabilidade, higiene e construção para os diferentes tipos de edifícios; e, para edificações a partir de um certo porte, as normas de combate e prevenção de incêndios, fiscalizadas pelo corpo de bombeiros. Para algumas áreas tombadas como patrimônio histórico e cultural o desenvolvimento de empreendimentos fica condicionado ainda aos critérios de intervenção dos órgãos de proteção histórico-culturais como o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Antropológico (CONDEPHAAT). Além dos itens anteriores o respeito às normas técnicas de materiais e processos é compulsório nas obras públicas e recomendado nas edificações em geral. 19 Em Tibério (2001) é apresentado um estudo de caso que relata todos os itens regulamentares, normativos e institucionais que devem ser considerados em um empreendimento de construção habitacional na cidade de São Paulo, bem como relaciona todos órgãos e empresas que devem ser consultados ou interferem nas decisões de projetos. 95 No Brasil, as normas técnicas que versam sobre a atividade de construção de edifícios são desenvolvidas e mantidas pelo Comitê Brasileiro da Construção (CB-2) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)20. As normas têm a função de estabelecer as características e exigências mínimas para os materiais e componentes de construção e as “boas práticas” nos processos de construção e projeto. As normas representam nos projetos não só uma obrigação ou recomendação, conforme o caso, mas, em tese, consensos sobre o estado da arte das disciplinas e processos de projeto e parâmetros de desempenho acordados por representantes dos agentes interessados. Na prática, muitas recomendações normativas são desconsideradas pelos projetistas, seja porque são ultrapassadas, muitas normas são antigas e não sofreram atualizações, seja porque o projetista discorda das suas recomendações ou mesmo as desconheça. Por outro lado, a normalização brasileira para construção é negligente em vários aspectos, com carência de normas que tratem aspectos importantes do projeto e da construção dos edifícios. Além das normas brasileiras uma série de normas e procedimentos de concessionárias de serviços públicos acaba interferindo significativamente no detalhamento dos projetos. Essas normas estabelecem critérios e padrões para interligações entre as novas edificações e as redes públicas de serviço como água, esgoto, eletricidade, telefonia, gás, etc. (Tibério, 2001). Por fim, o Código de Defesa do Consumidor, que entrou em vigência em 1991, estabelecendo de forma mais clara e rigorosa uma série de diretos dos consumidos e responsabilidades dos produtores e vendedores sobre os produtos e serviços de modo geral, tem ganhado cada vez mais importância no setor que sofre as pressões de cidadãos mais conscientes sobre seus diretos e de obrigações comerciais e amplia as responsabilidades dos agentes do empreendimento. 20 Informações básicas sobre a ABNT, o CB-2, o sistema de normas técnicas brasileiras e o processo de formulação e atualização de normas podem ser obtidas no site: « www.abnt.org.br » visitado em 08/01/2002 96 4.5 CONCLUSÕES O empreendimento de construção é caracterizado pela sua complexidade e singularidade, contemplando múltiplas dimensões e a participação de diferentes agentes com formações, atuações e objetivos próprios. Além disso, incide sobre a atividade de construção uma série de normas técnicas, regulamentos e posturas de obra que impõe aos projetos uma série de exigências de ocupação do solo e de desempenho da edificação e sujeita o empreendimento a uma série de aprovações e controles por diferentes órgãos. O processo de desenvolvimento e projeto (do programa, dos projetos arquitetônicos, de engenharia de produto e para produção) se dá a partir da sucessão de diferentes etapas em níveis crescentes de detalhamento de forma que a liberdade de decisões entre alternativas vai sendo substituída pelo amadurecimento e desenvolvimento das soluções adotadas. No nível de desenvolvimento do empreendimento, o projeto caminha da programação para o projeto do produto e, recentemente, em alguns empreendimentos, vai até o projeto para produção. No nível mais restrito do desenvolvimento de produto o projeto caminha da arquitetura para os projetos de engenharia e, mesmo nestes, pode-se perceber uma certa hierarquização. Como resultado, coabitam em um empreendimento de construção três esferas de desenvolvimento, as da operação imobiliária, do projeto do produto e da construção, desenvolvidas quase que independentemente. Durante o processo de desenvolvimento e projeto cinco principais dimensões do empreendimento devem ser desenvolvidas e articuladas. São elas: a fundiária, a financeira, a funcionalidade e uso do edifício, a arquitetônica e técnica, a definição da produção do edifício. Para responder pelas etapas e funções de projeto são mobilizados diferentes agentes, envolvendo o promotor (responsável pela concepção do negócio e do programa), os projetistas de produto (engenheiros e arquitetos) e os agentes que concebem o processo de construção que podem ser projetistas especializados em projeto para 97 produção ou engenheiros e mestres de obras que desempenham esta função por falta de um melhor equacionamento do processo de projeto. Portanto, interfere no processo uma série de interesses e diferentes interpretações que são desenvolvidas, deslocando, muitas vezes, o foco do atendimento das necessidades dos usuários. E, como ressalta Gobin (1993), globalmente cada agente parte da sua própria lógica, para propor seu produto, e o cliente obterá a soma destas intervenções particulares e muitas vezes conflitantes. 98 5 ANÁLISE DO PROCESSO DE PROJETO NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO O projeto pode ser visto como uma habilidade intelectual humana que opera por meio da criatividade, das técnicas e dos conhecimentos na busca de soluções para problemas e desafios. Também pode ser percebido como um processo social que envolve diferentes agentes que intervêm no desenvolvimento de empreendimentos circunscritos por limitações temporais, regulamentares, econômicas, etc. Desvendar os mistérios do projeto dentro dos empreendimentos de construção é mais do que uma questão de definição, é investigar seu significado, sua abrangência, seus agentes e suas implicações. Compreender o funcionamento do processo de projeto é colocar duas linhas de questionamento: (i) Como funciona esse processo intelectual de resolução de problemas? Quais habilidades são necessárias para desempenhá-lo? (ii) Como diferentes agentes e projetistas desempenham o ato de projetar? Qual o papel do ambiente institucional e normativo nas práticas de projetos? Quais paradigmas norteiam a integração dos agentes e dos projetos? A seguir, passa-se a investigar, com base na literatura e estudos de campo, o processo de projeto e, principalmente, sua condução dentro de coletivos sócio-produtivos que ampliam o problema da criação para um coletivo multidisciplinar e vincula o processo de projeto às exigências, restrições e características ambientais de um dado processo produtivo, no caso específico, dos empreendimentos de edifícios. É importante ressaltar que este trabalho dá ênfase ao estudo da organização e gestão do processo de projeto. Entretanto, como esta organização delimita um processo intelectual e criativo, foi necessário traçar um quadro de referência, mesmo que sintético e exploratório, de como ocorre o processo intelectual uma vez que é ele que condiciona o processo social desenvolvido, embora este não seja o objetivo principal do trabalho. 99 5.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PROCESSO DE PROJETO A construção é sem dúvida uma das atividades humanas mais antigas e importantes para o progresso das civilizações. As edificações ao longo do desenvolvimento humano foram utilizadas para transformar a natureza de forma a atender aos propósitos humanos referentes a abrigo, locomoção, produção, diversão e outros. As primeiras técnicas construtivas surgem da observação da natureza e da imitação de suas estruturas para responder às necessidades humanas de abrigo, locomoção, etc. Para Gama (1986) a técnica aplicada à construção é uma atividade quase tão antiga quanto a humanidade e seu desenvolvimento está relacionado com a observação da natureza e com o aprendizado empírico durante a prática de construir. Como técnica pode-se entender um: “...conjunto de regras práticas para fazer coisas determinadas, envolvendo a habilidade do executor, e transmitidas, verbalmente, pelo exemplo, no uso das mãos, dos instrumentos e ferramentas e das máquinas” (Gama, 1986). As regras práticas, as habilidades e a transmissão dos conhecimentos incluídos na definição de técnica representam capacidades humanas importantes que estão associadas à interpretação e reinterpretação da natureza e das coisas. De fato, as técnicas não são simples procedimentos derivados do desenvolvimento das civilizações humanas, elas também são sujeitos desse desenvolvimento e configuram processos intelectuais e manuais que permitiram moldar conscientemente o mundo natural. O surgimento das primeiras civilizações da antigüidade histórica se relaciona com uma série de transformações técnicas que permitiram à humanidade desenvolver estruturas sociais e econômicas perenes e complexas. Por volta de 10 mil anos atrás, surgiram os primeiros agrupamentos humanos perenes, e o homem paulatinamente passa de coletor de alimentos e caçador a agricultor e criador de animais. 100 Em uma cultura nômade o homem é obrigado a carregar tudo consigo e a quantidade e tamanho dos utensílios são limitados, desestimulando o progresso técnico. Desta forma até o homem criar comunidades estáveis, o centro da vida diária era a sobrevivência e as únicas ambições possíveis era seguir a tradição das gerações passadas e sobreviver. As técnicas agrícolas e pecuárias levam à fixação dos agrupamentos humanos da préhistória em sítios perenes e dão início à dominação e transformação da natureza pelo homem. Posteriormente, a linguagem escrita (séc. IV a.C.) constitui uma habilidade intelectual e motora - uma técnica - decisiva para o progresso da humanidade, permitindo a acumulação e transmissão mais precisa de grandes quantidades de informações e conhecimentos, marcando o surgimento da história com a possibilidade de registros precisos dos fatos. A maior complexidade social e produtiva trouxe consigo a necessidade de espaços construídos mais elaborados e duradouros. Nas sociedades agrícolas as estruturas nômades de assentamento humano, aldeias, ocas, palhoças, cabanas, choupanas, etc., dão lugar aos vilarejos e povoados e às habitações de pedra, adobe, tijolos, etc., marcando um claro propósito de fixação, durabilidade, ocupação e transformação do espaço natural. A locomoção dos nômades sem destino preciso dá lugar à ligação por estradas e caminhos entre pontos e comunidades geograficamente determinados; o extrativismo e a adaptação do homem às condições ambientais são trocados pela modelagem da natureza, com barragens, canais, etc., incrementando os condicionantes naturais do desempenho agrícola e produtivo das sociedades. A construção ao lado da escrita e da agricultura estão relacionadas ao mesmo contexto de fixação do homem ao terreno e de surgimento das primeiras civilizações históricas, desencadeando um grande progresso social e técnico para a humanidade. 101 Por meio da construção de casas, silos, estradas, pontes, teatros, templos, barragens, etc., a humanidade desde a antigüidade vem moldando a natureza de forma a incrementar sua atuação econômica, social e cultural. As edificações, mais do que fornecer espaços construídos, sempre significaram uma linguagem usada pelo homem para expressar seus feitos, suas conquistas, suas crenças. Sendo assim, não é por acaso que as primeiras cidades, a agricultura e a escrita surgiram na mesma época. A agricultura em contraposição ao extrativismo, a forma de moradia nas cidades (perene) em oposição ao deslocamento constante (os nômades) representam uma lógica de memorização, de continuidade, de desenvolvimento que refletem e induzem às lógicas pelas quais o homem começava a estruturar seu pensamento: a escrita (Fabricio, 1995). "...a grande construção feita de milhares de blocos marca a constituição de uma nova relação homem/natureza, mediada pela primeira vez por uma estrutura racional e abstrata. É evidente o paralelismo que existe entre a possibilidade de empilhar tijolos, definindo formas geométricas, e agrupar letras, formando palavras para representar sons e idéias. Deste modo, construir cidades significa também uma forma de escrita. [...] Na cidade-escrita, habitar ganha uma dimensão completamente nova, uma vez que se fixa uma memória que, ao contrário da lembrança, não se dissipa com a morte. Não são somente os textos que a cidade produz e contém (documentos, ordens, inventários) que fixam esta memória, a própria arquitetura urbana cumpre também este papel... O desenho das ruas e das casas, das praças e dos templos, além de conter a experiência daqueles que os construíram, denota o seu mundo. É por isto que as formas e tipologias arquitetônicas, desde quando se definiram enquanto hábitat permanente, podem ser lidas e decifradas, como se lê e decifra um texto" (Rolnik, 1979). 102 Com o passar do tempo, a manipulação dos materiais naturais pelo homem vai permitindo o acúmulo de conhecimento e habilidades num processo de aprendizagem empírico durante o trabalho21. De forma prática a humanidade conseguiu grandes evoluções na capacidade de construir propiciando a construção de complexas e grandiosas obras de edifícios e de infra-estrutura. Durante a antigüidade clássica, Marcus Vitruvius Pollio – Vitrúvio (I Séc. a.C.) elabora o seu tratado "De Architectura"22 em dez capítulos que abordam a formação do “arquiteto”, os requisitos mecânicos e estruturais de habitabilidade e estéticas das edificações e as características “projetuais” e construtivas, geometria, propriedade dos materiais, etc. O texto vitruviano teve influência nas construções do império romano e, principalmente, foi retomado no renascimento, quando teve várias edições e representou um modelo para os tratados sobre arquitetura de Alberti a Palladio. O trabalho de Vitrúvio lança as bases para um tratamento teórico e formal da atividade de construção que até então era realizada de forma prática, com os conhecimentos construtivos sendo transmitidos oralmente e por exemplos – edificações existentes. Outra significativa inflexão na capacidade construtiva humana ocorre com o desenvolvimento científico a partir do renascimento e sua posterior associação às técnicas e ao trabalho durante a revolução industrial, marcando o surgimento da tecnologia. A tecnologia pode ser caracterizada pelo emprego da ciência moderna às técnicas e meios de produção. 21 Na construção de edifícios a transmissão das técnicas construtivas por meio de estruturas de ofício entre mestres e aprendizes e do aprender praticando é milenar e perdura até os dias de hoje na formação informal da maioria dos operários de construção brasileiros (Farah, 1992; Morice, 1988). 22 O tratado "De Architectura" e mais informações sobre a vida e obra de Vitrúvio podem ser encontrados no web-site sobre arquitetura « www.vitruvio.ch/arc/testi/dearchitectura.htm » acessado em 05/01/2002 103 Segundo Gama (1986), a tecnologia vai se constituir a partir do século XVII num contexto histórico preciso, relacionado ao surgimento da ciência moderna, à revolução industrial, ao desenvolvimento do capitalismo com a divisão social do trabalho e à transmissão formal do conhecimento. Esse último autor define tecnologia como: “...estudo e conhecimento científico das operações técnicas ou da técnica. Compreende o estudo sistemático dos instrumentos, das ferramentas e das máquinas empregadas nos diversos ramos da técnica, dos gestos e dos tempos de trabalho e dos custos, dos materiais e da energia empregada” (Gama, 1986). A tecnologia pressupõe um desenvolvimento intelectual e abstrato prévio à execução, por meio da mediação pelas leis e conhecimentos científicos. Na técnica, o planejamento é associado à experiência prática, o pensar e o fazer são exercidos pelos indivíduos de forma experimental e empírica e faz parte de uma mesma essência - saber fazer. Na tecnologia, o pensar é relacionado ao conhecimento formal e abstrato da ciência e posteriormente é associado às técnicas de produção. O pensar e o fazer são dissociados e exigem habilidades distintas. Com a tecnologia, a execução é subordinada às soluções previamente desenvolvidas. Trata-se agora de saber fazer aquilo que foi projetado anteriormente e, na maioria dos casos, por outros indivíduos. Surge, pois a divisão social do trabalho com o trabalho intelectual sendo dissociado das atividades físicas. A forma de pensar a obra não é mais a experiência prática atrelada ao trabalho manual; é a elaboração abstrata e esquemática, mediada pelo conhecimento formal e científico. O emprego da tecnologia na atividade construtiva pressupõe um estudo, desenvolvimento e planejamento detalhado e minucioso das formas, materiais, comportamentos físicos, etc. O método pelo qual se dá este planejamento e se aplica a tecnologia é o projeto. 104 Sem dúvida, qualquer construção humana envolve algum tipo de pensamento abstrato e planejamento sobre suas características e seu modo de construção. Dessa forma, o “projeto” pode ser considerado tão antigo quanto a história das construções. Conforme observa Cross (1999), a habilidade para o projeto é uma parte da inteligência humana, e esta habilidade é natural e disseminada na maioria da população humana, sendo expressa desde os primórdios da humanidade por meio das construções vernaculares e dos desenhos rupestres. Contudo, essa habilidade de planejar o produto e a sua execução se processa segundo diferentes estratégias ao longo da história e nas diferentes obras. Distintas formas de meditação e de mediação do pensamento de projeto vêm sendo experimentadas e utilizadas pelos construtores e projetistas. A história das civilizações fornece inúmeros exemplos da capacidade humana para realizar projetos e modificar conscientemente a natureza. A forma e o ambiente que suportam esta capacidade e os paradigmas que norteiam o ato de projetar são bastante variáveis ao longo dos tempos e nas diferentes sociedades. A cultura e as disponibilidades materiais e econômicas têm significativos impactos nas práticas e formas organizacionais do processo de projeto. A técnica construtiva23, desde cedo na história, está associada a um projeto que se pratica antes e durante a obra. A habilidade técnico-motora de construir tem, sem dúvida, um componente intelectual associado. Contudo, este raciocínio não se dissocia das capacidades motoras e operativas. Trata-se de um saber que tem origem e se expressa por meio do fazer ou, como diz Carvalho Jr. (1994), trata-se de um saber fazer. O projeto como prática de planejamento desvinculada do fazer, mediado por desenhos e abstrações, tem origem no renascimento italiano24, passa pela revolução 23 Técnica Construtiva é definida como “...um conjunto de operações empregadas por um particular ofício para produzir parte de uma construção” (Sabbatini, 1989). 24 Como Renascimento designa-se o poderoso movimento artístico e literário que surgiu na Itália dos séculos XV (Quattrocento) e XVI (Cinquecento), irradiando-se depois para a Europa ao norte dos Alpes, promovendo em toda parte um pronunciado florescimento da arquitetura, escultura, pintura e das artes decorativas, da literatura e da música e um novo enfoque da política (Nova Encyclopaedia Britannica do Brasil. - NOVA, 2000) 105 industrial25 quando o emprego consciente da tecnologia se difunde e se consolida no século vinte com a utilização generalizada da tecnologia e do projeto na atividade de construção. O conceito moderno de projeto de edifício está sem dúvida relacionado à tecnologia. Conforme coloca Martucci (1990) é nos projetos que a tecnologia construtiva26 é definida e desenvolvida. Para o autor, a tecnologia é incorporada nas construções nos projetos e é materializada nos processos de trabalho por meio das técnicas construtivas. No século XV as bases do projeto como elemento abstrato de estudo do comportamento estrutural, desenvolvimento de espaços e de métodos construtivos são utilizadas por Brunelleschi no paradigmático projeto da cúpula da catedral de Santa Maria del Fiore em Florença27. “A ruptura trazida pela Renascença não é só teórica. Ao mesmo tempo em que se redescobre Vitrúvio, afirma-se de fato uma nova figura de arquiteto-humanista da qual um Filippo Brunelleschi (1377-1446) constitui uma das primeiras encarnações. O autor da cúpula da catedral de Florença se pensa de fato como um intelectual fudamentalmente diferente dos outros agentes da produção do edifício” (Picon, 1993). 25 Em sentido restrito, a expressão "revolução industrial" aplica-se às transformações econômicas e técnicas ocorridas na GrãBretanha, entre o século XVIII e o XIX, com o surgimento da grande indústria moderna. Em sentido amplo, refere-se à fase do desenvolvimento industrial que corresponde à passagem da oficina artesanal ou da manufatura para a fábrica. No plano econômico geral, esse processo se fez acompanhar da transformação do capitalismo comercial, que se iniciara no Renascimento, no capitalismo industrial (Nova Encyclopaedia Britannica do Brasil - NOVA., 2000). 26 Tecnologia Construtiva pode ser caracterizada como: “...um conjunto sistematizado de conhecimentos científicos e empíricos, pertinentes a um modo especifíco de se construir um edifício (ou uma sua parte) e empregados na criação, produção e difusão deste modo de construir” (Sabbatini, 1989). 27 A catedral de Santa Maria del Fiore teve seu desenho original desenvolvido e a supervisão a construção de suas fundações sob responsabilidade de Arnolfo di Cambio, por volta de 1226. A partir daí sua construção foi se desenvolvendo por etapas. Entre 1366 e 1367, Neri de Fioravante termina as paredes da nave e das alas iniciadas em 1296. Em 1418, para completar a obra com a construção da cúpula, nessa época já prevista, mas sem se saber como se daria sua construção, a Opera del Duomo promove um concurso (para um modelo da cúpula principal), vencido por Brunelleschi porque esse foi capaz de propor uma cúpula e um método construtivo que reduzia a necessidade de andaimes e cimbramentos, reduzindo os custos da obra. A cúpula foi terminada com sucesso em 1436 com exceção do lanternim que foi edificado pelos sucessores de Brunelleschi. Outras informações sobre Brunelleschi e fotos e ilustrações sobre suas obras arquitetônicas podem ser obtidas em «www.vitruvio.ch/arc/masters/brunelleschi.htm», acessado em 16/02/2002. 106 De fato, ao vencer o concurso para projetar a cobertura da catedral, propondo a construção de uma imensa cúpula de 42m de vão quase sem a utilização de cimbramentos, Brunelleschi lança mão de uma notável compreensão qualitativa do funcionamento estrutural de sua cúpula e, como sugerem inúmeras evidências, detém uma espantosa compreensão quantitativa do comportamento da estrutura da cúpula (Carvalho Jr., 1994). Figura 16. Foto da cúpula da catedral Santa Maria del Fiore em Florença28 O feito de Brunelleschi representa, ao mesmo tempo, um momento revolucionário para a arquitetura, marcando o início do renascimento e uma conquista do engenho renascentista à medida que desenvolve novos métodos de desenvolver e construir estruturas (Gille, 1964). Uma característica importante do projeto da cúpula de Brunelleschi é a utilização sistemática de esboços e desenhos como forma de explorar as possibilidades construtivas e apresentar as soluções desenvolvidas por meio de representações figuradas. Os desenhos como ferramenta de composição espacial e estética da obra antes de sua execução, denotam uma clara intenção artística de projeto. Por outro lado, os 28 Foto copiada de « www.vitruvio.ch/» acessado em 05/01/2002 107 desenhos e maquetes utilizados para ampliar a compreensão do comportamento estrutural e da forma de construir a cúpula, representam a antevisão da utilização da ciência como método de projeto. Assim, o projeto da cúpula de Brunelleschi associa arte e técnica numa nova forma de composição de espaços. Para as metodologias de projeto, os desenhos e esboços de Brunelleschi são precursores de uma nova forma de pensar a obra, alicerçada no conhecimento e no planejamento. Eles também denotam a gênese da separação entre criação e execução, estabelecendo uma nova forma de saber abstrato e, relativamente, desvinculado das práticas operárias. Para Angelil (1989) apud Carvalho Jr. (1994), com Brunelleschi, a construção que se baseava numa prática empírica, talvez, pela primeira vez, se dá pela fusão entre o técnico e o científico, entre o trabalho e a teoria. Conforme destaca Cross (1999), desenhos e esboços têm sido usados para projetar objetos muito antes do renascimento, mas é nesse período que ocorre um crescimento importante dos desenhos como artifício de concepção de objetos mais complexos. É também a partir do renascimento que o conhecimento técnico e científico avançam e lançam as bases da engenharia. “A época não se destaca propriamente pelas grandes construções materiais, mas pelo extraordinário alargamento dos horizontes culturais e científicos. No Renascimento a engenharia ganhou seu caráter sistemático e sua base científica” (NOVA, 2000). No século XVII vários desenvolvimentos matemáticos e físicos são apropriados para utilizações de engenharia. São vários os avanços desse período, dentre eles: a obra de Bonaventura Cavalieri sobre geometria e trigonometria; a geometria analítica por Descartes (1637); a lei de elasticidade dos corpos de Robert Hooke (1653-1703); a descoberta do cálculo das probabilidades por Pascal e Pierre de Fermat (1601-1665); o cálculo diferencial e integral, por Newton e Leibniz (NOVA, 2000). Assim, são vários exemplos renascentistas, elucidativos da transformação na maneira de pensar cientificamente a produção de objetos e da utilização de desenhos como ferramenta de pensamento artístico e técnico; são dados nos projetos de máquinas de 108 Leonardo da Vinci que não só representam como será a máquina, por meio de desenhos, mas exploram seu funcionamento e a maneira como elas serão construídas (Cross, 1999). Em seu trabalho, Tzonis (1992) discute como os esboços e desenhos foram utilizados no processo cognitivo de Leonardo da Vinci para o projeto de uma fortificação e mostra como o desenho pode ajudar o projetista a considerar muitos aspectos do projeto, por meio de plantas, elevações, detalhes, linhas de trajetória, etc. Da Vinci também é um dos principais pioneiros da “engenharia científica”, tendo, por exemplo, feito estudos pioneiros de análise estrutural, tentando utilizar noções elementares da estática para a avaliação das forças e reações internas de um vigamento, assunto abordado por outro gênio renascentista, Galileu Galilei, que estudou, também, a resistência dos materiais e a flexão das vigas. Portanto, é no renascimento que surgem as primeiras experiências do que hoje chamamos de projeto e inicia-se o uso sistemático do desenho como principal ferramenta de pensar e representar o projeto. Ao curso do século XVIII se dá uma série de reflexões e experiências sobre o conceito moderno de estrutura e sistema estrutural, caracterizada pela “canalização de esforços” e pela performance estrutural colocando o problema em termos de cálculos que permitam verificar as hipóteses de concepção. Uma das primeiras aplicações do cálculo infinitesimal no problema das estruturas é desenvolvida pelo engenheiro militar e físico Charles-Augustin Coulomb que revoluciona o cálculo de abóbadas e cúpulas em um ensaio apresentado em 1773 (Picon, 1993). Nos anos de 1740 engenheiros, como Boscovitch e Poleni tentam aplicar, com relativo êxito, métodos de cálculo à concepção da estabilidade do domo da igreja de São Pedro em Roma. No final do século é testada na obra da igreja Santa Genoveva na França por Jacques-Germain Soufflot uma série de teorias de cálculo (Picon, 1993). De fato, no século XVIII, com a revolução industrial e o surgimento da tecnologia, o método de projetar de forma abstrata e antecipada em relação à obra começa a 109 incorporar o saber científico como forma de resolver problemas e vencer desafios estruturais e construtivos. Aos desenhos de concepção (do renascimento) são incorporados cálculos, textos, etc. alicerçados em conhecimentos científicos formais, e o projeto começa a ser a forma tecnológica de estudo e desenvolvimento dos produtos e sua execução. Um importante marco histórico para o surgimento do projeto como atividade profissional, consciente e formal é o surgimento das escolas de engenharia nos séculos XVIII e XIX, como a “École Nacionale de Ponts et Chaussées” (primeira escola de engenharia do mundo, criada em 1747) e outras como a “Ecole des Mines” (1783) e a “Ecole Polytechnique” (1794)29na França, a Escola Politécnica em Coimbra, Portugal (1837), o “Politecnico di Torino” na Itália (1859), etc. No Brasil, as escolas de engenharia têm origem militar com a antiga “Real Academia de Artilharia, Fortificações e Desenho” criada ainda no Brasil colônia (1792) e que mais tarde se tornaria a Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874), voltada exclusivamente para o ensino civil. Posteriormente, várias outras importantes escolas de engenharia são criadas no país: Escola de Minas de Ouro Preto (1876), Escola Politécnica de São Paulo (1893), Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896), A Escola Politécnica da Bahia (1897), etc. No século XIX, a arquitetura e a engenharia começam a ser reconhecidas como atividades profissionais, formais e regulamentadas que exigem arquitetos e engenheiros habilitados. Por meio das instituições de ensino e das ordens e conselhos profissionais, consolidase o estudo das técnicas associado aos conceitos e propriedades científicas – representando um tratamento tecnológico dos problemas da produção –, mas também se institucionaliza a escola como locus da formação dos detentores do saber tecnológico e projetual. 29 Um breve histórico sobre esta escola pode ser encontrado em <<http://www.polytechnique.fr/infoEcole/historique/brevehistoire.html#deb>> acessado em 02/01/2002 110 Com as escolas de engenharia consolida-se também o ideário cartesiano30 de abordar os problemas por meio de sua divisão e a subdivisão em partes especificas e isoladas de forma a permitir um tratamento aprofundado das questões envolvidas e a posterior composição dessas partes – o todo é a soma das partes (“Discurso sobre o método”, Descartes, 1637). Assim, a engenharia coloca uma perspectiva tecnológica e mais coletiva (multidisciplinar) para o tratamento dos problemas de concepção de novos objetos. “Engenheiros se definem menos e menos como artistas servindo um príncipe, ao modo do engenheiro-arquiteto da Renascença e da época clássica. Eles se consideram responsáveis por uma forma mais coletiva de progresso; e (...) defendem como utilidade pública e prosperidade” (Picon, 1996). Para Alexander (1960) apud Louridas (1999), numa visão histórica o projeto pode ser distinguido entre o projeto sem projetistas profissionais e os projetos de projetistas com uma educação formal para projetar. Ou, entre o projeto vernacular e o projeto por meio de desenhos e métodos. No primeiro caso o projeto seria praticado de forma inconsciente (unselfconscious design) e apresentam duas características básicas: os projetistas seguem “normas” ditadas pela tradição (às vezes de centenas de anos) e freqüentemente incorporam características místicas e rituais; e o projeto é direto, ele responde a problemas imediatos e vivenciados pelo “projetista” que em geral cria e participa da execução da criação. No segundo, o projeto feito por projetistas é um ato consciente (selfconscious design) e institucionalizado. Os projetistas necessitam de qualificações formais conseguidas, em geral, em escolas. Muitas vezes essa qualificação é condição para que o projetista integre uma corporação profissional e possa exercer determinadas atividades de projeto. 30 A expressão "cartesiano" tem origem a partir do nome, latinizado: Renatus Cartesius, do filosofo Francês René Descartes (1596-1650) e denota um seguidor, uma idéia, ou conceito deste filosofo. 111 Com o passar do tempo os conhecimentos tecnológicos foram desenvolvidos e especializados. No século dezenove e na primeira metade do século vinte surgem e se disseminam diversas novas tecnologias que são incorporadas aos edifícios, principalmente na área de estruturas e nas instalações. São exemplos as estruturas independentes de ferro e aço no século XIX e de concreto que surgem no século XIX, mas se difundem durante o século XX, a energia e a luz elétrica31 entre o final do século XIX e o começo do XX, o elevador (a vapor - 1857, elétrico - 1887), condicionamento termo-mecânico das edificações, a disseminação e o aprimoramento das redes de água e esgoto tratados e, mais recentemente, redes lógicas e serviços inteligentes modificam substancialmente o funcionamento e as exigências das edificações. Outras inovações nos materiais, componentes e equipamentos de construção como o concreto protendido (séc. XX), os tubos de PVC, etc. revolucionam as obras e as possibilidades construtivas. Segundo Picon (1993), a disseminação das estruturas metálicas no século XIX estimula os arquitetos e engenheiros a desenvolverem trabalhos de experimentação, testes e normalização em amplitudes sem precedentes na história. Com a revolução da indústria e as novas necessidades e escalas produtivas, surgem iniciativas de elaboração de normas técnicas que estabelecem parâmetros e padrões universais para determinado produto ou serviço de forma a benecifiar a cooperação e o intercâmbio de produtos e serviços32. Em 1839 Sir Joseph Withworth estabelece uma padronização para rosca de parafuso, em 1873 surgem as primeiras normas para chapas e fios, em 1875 se dá a conveção do metro (unidade de medida) em Paris, em 1877 é editada norma sobra espeficiacções e ensaios de cimento Portland. Posteriormente, já no século XX, são fundados os organismos certificadores com a incumbência de estabelecer e controlar a normalização técnica. Em 1901 é fundada a British Engineering Standards Comitte na Inglaterra, o Bereau of Standards nos EUA 31 32 A primeira lâmpada elétrica incandescente foi inventada pelo americano Thomas Alva Edison em 1879. Definição de normalização: “Processo de formulação e aplicação de regras para um tratamento ordenado de uma atividade específica, para o benefício e cooperação de todos os interessados e em particular para obtenção de economia global ótima, levando na devida conta condições funcionais e requisitos de segurança”. (Valentin, 1997) 112 e no Japão edita-se a primeira norma. No Brasil, a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) data de 1940 (Valentin, 1997). De fato, com a revolução industrial, a sociedade humana torna-se mais complexa e passa por um intenso processo de divisão social do trabalho que vai se refletir nos projetos, primeiramente, pela cisão entre projetar e construir (projetista – operário) e, numa segunda etapa, pela separação entre arquitetura e engenharia. “Nos velhos tempos, nas construções mais remotas, projetar e construir um edifício representava uma única tarefa. Com o tempo, com a evolução da técnica e os novos programas que a sociedade moderna instituiu, as construções tornaram-se mais complexas e surgiram o arquiteto e o engenheiro. O primeiro, projetando edifícios; e o segundo, os meios de construí-los”(Niemeyer, 1986 apud Melhado, 2001). Para dar conta de uma complexidade crescente das demandas e possibilidades tecnológicas e construtivas dos edifícios, o processo de projeto incorpora inúmeros consultores especializados em diferentes subsistemas e processos que compõem o empreendimento. O processo de projeto tem incrementado seu caráter coletivo envolvendo diferentes especialistas e contemplando objetivos projetuais distintos. Assim, conforme o edifício se torna funcional, estética e tecnologicamente mais complexo, são necessários mais profissionais especializados para tratar todas as questões envolvidas. E a mobilização e articulação destes saberes e profissionais remetem ao modelo cartesiano de fracionamento de um problema em problemas menores. Os estudos de Descartes inegavelmente significaram uma relevante contribuição para o método científico e para a filosofia moderna, rompendo com a escolástica medieval, e tiveram importantes rebatimentos nas práticas intelectuais, inclusive no processo de projeto, orientando a análise de problemas demasiados complexos de forma metodológica e fragmentada. Apesar da importante contribuição, são amplas as limitações de seu método nas ciências e na filosofia contemporânea, embora o processo de projeto seqüencial, ainda em voga, guarde uma clara orientação cartesiana. 113 Como destaca Louridas (1999) a transição do projeto não-consciente para o autoconsciente é o resultado de extensivas mudanças sociais e tecnológicas que marcam a crescente complexidade da sociedade humana, dos seus problemas e da evolução tecnológica que permite fazer face aos novos problemas. Dessa forma, o projeto contemporâneo não é apenas uma forma de criar soluções para problemas imediatos, é também uma forma estruturada e qualificada de pensar e resolver questões que faz uso de conhecimentos e métodos formais e cientificamente válidos. E, do ponto de vista histórico, três marcos são importantes para caracterizar o processo de evolução que culminou no entendimento atual do que é o projeto (design): o tratamento teórico das práticas construtivas, inaugurado pelo tratado sobre arquitetura de Vitrúvio no séc. I a.C.; os projetos renascentistas que generalizam a utilização do desenho como prática de pensar e desenvolver o edifício de forma abstrata, antecipada e documentada; e o surgimento e desenvolvimento das escolas de engenharia e, posteriormente, as de arquitetura e as normas de conduta, definindo um tratamento tecnológico para o desenvolvimento e validação das soluções de projeto, estabelecendo regras para a atuação profissional dos projetistas. No século vinte, estas práticas são desenvolvidas e consolidadas e se difundem como na atividade produtiva do setor, marcando o que se compreende atualmente como projeto. 5.2 DEFINIÇÃO E ABRANGÊNCIA DO PROJETO O conceito e o papel do projeto na indústria da construção têm sido explorados por diferentes autores e instituições (IAB, 1975; Marques, 1979; Lawoson, 1980; Rodriguez, 1992; Cross, 1994, Gray et al., 1994; Melhado, 1994; ABNT, 1995a; ABNT, 1995b; Novaes, 1996; Souza, 1997b; Tzortzoupolos, 1999; AsBEA, 2000; Melhado, 2001) que dão destaque a diversos aspectos do projeto e sua importância para o processo produtivo do setor de construção. Uma das principais idéias expressa em alguns conceitos é que o projeto significa uma antevisão abstrata de um produto que se deseja realizar. Neste caso se enquadra a 114 definição encontrada no dicionário (Ferreira, 1986), em que o projeto é definido como: “(1) Idéia que se forma de executar algo, no futuro; plano, intento, desígnio; [...] (5) Plano geral de edificação”. Nessa mesma linha de raciocínio, o projeto é associado a um ideal transformador “[...] atividade de criar propostas que transformem alguma coisa existente em algo melhor” (McGinty, 1984). O ato criador que está na essência do projeto guarda uma forte correlação como manifestação intelectual, fazendo do projeto uma forma de expressão técnica, cultural e artística. Por outro lado, é preciso destacar que o projeto dos edifícios ocorre em um dado ambiente social e produtivo e visa atingir um propósito, devendo respeitar uma série de regulações e restrições dadas pelas necessidades, pelas capacidades produtivas, pelas legislações e pelo estado da arte do conhecimento humano. Dessa forma o projeto do edifício também é um subprocesso industrial circunscrito em um dado ambiente produtivo. "Para mostrar o que é o projeto, seria muito fácil responder; é o método para a produção arquitetônica'. Esta resposta, no entanto, não estaria completa, porque sabemos muito bem que o projeto é já uma imagem realizada. É possível conceber um programa expresso com palavras, com cifras, ao passo que o projeto é já uma imagem feita visando uma execução técnica. A partir desta conotação fundamental, pode-se dizer que o desenho, o projeto, é a relação direta entre uma atividade puramente intelectual e uma atividade manual. Entre uma atividade individual e uma atividade que é quase sempre coletiva (...)" (Argan, 1993). A definição de Argan destaca o caráter artístico e arquitetônico do projeto, mas despreza as contribuições intelectuais de uma série de outros agentes que participam da elaboração de projetos técnicos e da obra onde os operários e profissionais interagem com os projetos de maneira que a criação resulta de um coletivo de 115 participantes do projeto e da obra e não de um criador individual como sugere a definição acima. De fato, o projeto do edifício também está inserido em um dado ambiente industrial e deve cumprir o papel de desenvolver produtos que satisfaçam a necessidades e demandas específicas. Assim, o ponto de partida do projeto é sempre uma demanda pautada por determinadas condições de contorno e requisitos. Conforme a ABNT (2000) na norma NBR ISO 9000 (item 3.4.4), projeto pode ser definido como: “Conjunto de processos que transformam requisitos em características especificas ou na especificação de um produto, processo ou sistema”. Enfatizando o caráter “industrial” do projeto, Melhado (1994), propõe a seguinte definição: Projeto é “uma atividade ou serviço integrante do processo de construção, responsável pelo desenvolvimento, organização, registro e transmissão das características físicas e tecnológicas especificadas para uma obra, a serem consideradas na fase de execução.” Além disso, Melhado; Violani (1992) afirmam que “para obter-se sucesso em um empreendimento, o projeto não pode ser resumido à caracterização geométrica no papel da obra a ser construída. O projeto deve conceber, além do produto, o seu processo de produção”. Tem-se assim a noção de projeto do produto, como caracterização especial e técnica do edifício e de projeto do processo, englobando a concepção e planejamento dos métodos e técnicas construtivas e do canteiro de obras. Dessa forma como destaca Melhado (1994) além dos projetos arquitetónicos e de engenharia, tradicionalmente realizados no setor, são necessários Projetos para Produção (ver item 7.7.3) que desenvolvam e caracterizem a forma de materializar as soluções técnicas propostas nos projetos de produto. 116 No contexto tradicional o projeto pode ser percebido como um produto composto de desenhos, memoriais, maquetes, etc. que apresentam informações qualificadas que propiciam uma antevisão do produto e subsidiam o processo produtivo. Mas, como ressalta Melhado (2001), o projeto não deve ser visto apenas como a entrega de desenhos e memoriais, espera-se também que os projetistas estejam comprometidos com a prestação de serviços aos clientes e usuários ao longo de todo o processo de empreendimento. De forma mais ampla, o projeto pode ser compreendido como um serviço de apoio às demais atividades do empreendimento e aos agentes envolvidos. E, como serviço, deve englobar “a organização e a mobilização mais eficiente possível de recursos visando interpretar, compreender e produzir uma transformação nas condições de atividade daquele a que se destina” (Zarifian, 1999). De fato, o projeto é resultado de várias interações sociais e se define não só pela atuação individual de cada projetista, mas também pelas influências mútuas com os clientes, usuários e demais projetistas participantes. Assim, a noção de processo é fundamental para compreender o funcionamento e a materialização do projeto que ocorre segundo etapas sucessivas de desenvolvimento, tanto do ponto de vista intelectual, como em relação ao coletivo de agentes envolvidos no projeto de um edifício. O projeto é um “... processo, essencialmente intelectual, que se inicia com identificação de uma necessidade e que prossegue numa interação permanente entre a idéia inicial e os múltiplos fatores de ordem diversa – política, social, econômica e tecnológica – que condicionam a sua realização, passando por sucessivas etapas, progressivamente mais detalhadas, até a total definição da construção e da exploração do empreendimento” Coutinho (1978) apud Marques (1979). A conjugação dos diversos entendimentos de projeto permite a percepção de um processo socio-técnico complexo que envolve múltiplos intervenientes num ambiente intelectual, produtivo, regulatório e cultural circunscrito (figura 17). 117 No caso da indústria da construção o processo sócio-técnico de projeto é composto por uma série de agentes e pela conjugação de diversas técnicas e conhecimentos que dão suporte à concepção e desenvolvimento de soluções projetuais (processo intelectual) que devem subsidiar o processo de produção e uso de edifícios. Processo sócio-técnico de projeto Interações sociais Processo Criação (articulação entre os coletivos de projeto) Parte de um Processo de Produção Serviço Produto (informações qualificadas) (subsidia o processo de produção do edifício) Processo Técnico Processo Intelectual de Projeto Figura 17. Processo sócio-técnico de projeto 5.3 O PROJETO COMO PROCESSO INTELECTUAL Do ponto de vista intelectual e técnico o projeto se caracteriza como um processo em que informações são criadas e tratadas por diferentes estratégias mentais e metodológicas que envolvem os sentidos, abstrações, representações, bricolagens, esquemas, algoritmos, métodos e conhecimentos. Nesse contexto, o projeto de edifícios pode ser sintetizado como um processo cognitivo que transforma e cria informações, mediado por uma série de faculdades humanas, pelo conhecimento e por determinadas ‘técnicas’, sendo orientado à concepção de objetos e à formulação de soluções de forma a antecipar um produto e sua obra. 118 Para tanto são mobilizadas diferentes habilidades cognitivas33 especificas para a criação e desenvolvimento de novas soluções projetuais. O processo mental de projeto é sem dúvida complexo e envolve múltiplas habilidades intelectuais e motoras, bem como os sentidos (em especial a visão), a memória, o raciocínio, as habilidades manuais, etc., que estão envolvidas em quase todas as atividades humanas. Habilidades intelectuais informações PROJETO Informações qualificadas Análise e síntese das informações Criação de soluções projetuais Conhecimentos , procedimentos e cultura Representações / Comunicações ENTRADA PROCESSO SAÍDA Figura 18. Processo intelectual de projeto Sem considerar diretamente as capacidades básicas relacionadas aos sentidos e as habilidades motoras, pode-se dizer que nos projetos as principais habilidades 33 Embora a ciência cognitiva, que se propõe a explicar o funcionamento e as faculdades mentais, represente uma área de conhecimento relativamente nova, originada na década de cinqüenta (Gardener, 1995) e suas leis e teorias estejam ainda em desenvolvimento, o problema do funcionamento da mente e em específico do processo mental de criação e projeto pode ser tratado atualmente por meio de alguns conhecimentos cientificamente válidos. Conforme declaração do lingüista Noam Chomsky apud Pinker (1997), quando estamos diante de um problema pode-se não saber a solução, mas têm-se hipóteses e um conhecimento crescente sobre o assunto e, principalmente, tem-se alguma idéia do que se procura. Em contraponto, quando nos defrontamos com um mistério não se tem idéia de como explicar o fenômeno ou assunto. De fato, a compreensão científica de como funciona o processo mental de criação e projeto parecem estar mais no campo das hipóteses e das primeiras teorias, mas já não está mais no campo do mistério e aponta um novo campo de investigação para compreensão do processo de projeto. 119 intelectuais exercidas estão relacionadas à capacidade de análise e síntese de informações e problemas, à criatividade e ao raciocínio, ao conhecimento (ligado ao campo da memória e das técnicas de armazenamento de informação) e à capacidade de comunicação e interação entre diferentes indivíduos (Lawson, 1994, Purcell & Gero, 1996; Oxman ed. 1996; Purcell ed. 1998; Cross, 1999; Louridas, 1999; Oxman, 2000; Dorst; Cross, 2001; Eckardt, 2001). A capacidade analítica e de síntese está presente na formulação do problema de projeto. Trata-se de, a partir de informações e demandas iniciais, obter, ordenar, classificar e hierarquizar várias informações aparentemente desconexas e formular um problema a ser resolvido. A criatividade e o raciocínio expressam a capacidade humana de propor soluções espaciais, técnicas, funcionais, financeiras, comerciais, etc. originais e desenvolver soluções coerentes com o problema posto. O conhecimento está fundamentado nas experiências e formações anteriores dos projetistas e medeia a criação e o desenvolvimento das soluções projetuais. Associada ao conhecimento, está a cultura construtiva que demarca repertórios projetuais e construtivos associados aos costumes e necessidades de um povo ou região e que são introjetados na formação e nos raciocínios projetuais. A representação e a comunicação representam tanto uma forma de apresentar as soluções desenvolvidas (desenhos técnicos, maquetes, modelos virtuais) para serem executadas ou apreciadas, como uma forma de apoio e extensão ao desenvolvimento intelectual das soluções projetuais (esboços, simulações). Embora se possa tratar de particularidades de cada uma dessas habilidades, é preciso reconhecer que nos processos mentais elas acontecem de forma inter-relacionadas e são mutuamente dependentes. Nitidamente as quatro habilidades mencionadas se misturam e se processam de maneira interativa, mas também é possível perceber um certo fluxo que parte da compreensão do problema e chega à representação das soluções, mesmo que esse 120 ciclo se processe repetidamente e, por vezes, com a ausência ou inversão entre as etapas. De fato, o processo mental de projeto se processa por meio de aprimoramentos sucessivos das idéias e da compreenssão do problema inicial. Num processo em que a totalidade das questões projetuais está posta desde o início do projeto, o que evolui é o aprofundamento que vai se construindo ao longo do caminho. Assim, do ponto de vista intelectual, na passagem de uma “fase” para outra não se marcam rupturas no processo de projeto; trata-se mais de um processo de amadurecimento contínuo que gradativamente desloca o foco de desenvolvimento do projeto (figura 19). Esboços e desenhos Análise e síntese Comunicação 2 Criação Diagramas, tabelas Métodos de cálculo, algoritmos, softwares Desenvolvimento Análise e síntese Análise e síntese 3 Comunicação 1 Criação Comunicação Criação Desenvolvimento Desenvolvimento Análise e síntese Comunicação 4 Desenvolvimento Criação Desenho técnico, Memoriais, textos Figura 19. Habilidades intelectuais ao longo do projeto No início do projeto o maior esforço é dedicado à compreensão do problema (esforço de análise); num segundo momento a ênfase vai migrando para a formulação de soluções (esforço de criação); em seguida passa para o desenvolvimento das soluções (aprimoramento do projeto mediado pelos conhecimentos, procedimentos e métodos) 121 e, por fim, caminha para o detalhamento e a apresentação das soluções (esforço de representação e comunicação). Junto com cada uma das principais habilidades de projeto pode-se associar um tipo de técnica de auxílio ao pensamento predominante. Nas fases de análise, destacam-se os diagramas e tabelas que são usados para representar e sistematizar idéias. Nas fases de criação, predominam os esboços e desenhos livres que são utilizados como ferramenta de desenvolvimento e simulação de idéias. Durante o desenvolvimento das soluções de projeto se destacam os métodos de cálculo, os algoritmos numéricos e, recentemente, os softwares de simulação e análise que são utilizados para estudar e qualificar as soluções projetuais com base em conhecimentos científicos e práticos acumulados. Por fim, os desenhos técnicos e os textos explicativos são utilizados para viabilizar a comunicação e transmitir as informações contidas no projeto para os demais agentes envolvidos no empreendimento. No processo de projeto de empreendimentos complexos, dos quais participam diferentes projetistas e nos quais interferem diferentes conjuntos de conhecimentos, as habilidades intelectuais individuais se misturam a processos sociais e técnicos de apoio que amplificam as capacidades individuais e transcendem os limites da mente. Assim, por exemplo, algoritmos, métodos de cálculo e mais recentemente os computadores amplificam as capacidades de processamento de informações dos indivíduos; textos e arquivos ampliam as possibilidades da memória e permitem vencer o tempo, preservando e acumulando quantidades de informações de maneira quase ilimitada; programas de computação gráfica amplificam a capacidade de representação de idéias abstratas e possibilitam integrar imagem a algoritmos numéricos, gerando simulações. Dessa forma, o projeto é resultado das atividades mentais de cada projetista tanto quanto da interação entre os múltiplos agentes envolvidos no projeto e, também, do ambiente técnico que suporta tais processos intelectuais. Neste contexto, a noção de ambiente cognitivo de projeto proposta por Camargo et al. (1996) permite não só valorizar o papel das ferramentas informatizadas no 122 pensamento abstrato criativo, mas também relaciona este pensamento ao ambiente socio-técnico no qual o indivíduo está inserido. 5.3.1 A criação e o desenvolvimento intelectual do projeto Para Conan (1990) apud Melhado; Henry (2000), projeto significa “solução de problemas” não completamente formalizados. Segundo Naveiro; Borges (1998) apud Marques (1999), o problema permanece aberto durante o projeto e os condicionantes problematizados não são capazes de guiar complemente o desenvolvimento das soluções de projeto. Para Dorst; Cross (2001), a criatividade associada ao projeto é uma modalidade de co-evolução entre problema-solução em que o intelecto interpreta o problema, recorre a memórias de soluções de problemas análogos e gera novas soluções, num processo em que as soluções e os problemas são freqüentemente confrontados. Em oposição ao raciocínio anterior, autores como Schön (1988) apud Marques (1999) questionam o modelo de projeto como solução de problemas ou como processamento de informações e propõem uma explicação mais hermética: para este autor o projeto é antes um “tipo de fazer mental”, uma forma de simulação intelectual de atividades práticas. Pata Lawson (1980) apud Tzortzopoulos (1999) o projeto é um processo criativo com um elevado nível de abstração e interiorização. Nesta linha de raciocínio Loridas (1999) coloca a criatividade no projeto como uma espécie de bricolagem mental de conhecimentos e de regras projetuais tecnicamente válidas. A idéia de “bricolagem” de conhecimentos e informações é relacionada às atividades criativas como a arte e o projeto (Lévi-Straus, 1962 apud Louridas, 1999). De fato, o projeto não pode ser resumido a solução de problemas uma vez que não existe uma solução “única” para cada desafio de projeto, e a criatividade dos projetistas por vezes subverte a motivação inicial do projeto. Além do que o próprio problema é uma construção que se faz juntamente com o projeto. 123 Por outro lado, a idéia de “bricolagem mental” carece de estímulos e parâmetros de contorno que dão sentido às criações e validam ou refutam as soluções imaginadas. Numa abordagem conciliadora podemos aceitar o projeto como uma construção ou, para usar a denominação empregada por Louridas (1999), uma “bricolagem mental”, mas que é parametrizada por um problema continuamente reformulado ao longo do projeto. Na construção, a formulação do problema de projeto parte de uma vontade (desejo de realizar determinado empreendimento ou objeto) ou de um estímulo externo (um contrato, uma oportunidade de negócio, etc.) ou de ambos. O desenvolvimento do problema projetual de um edifício exige uma série de informações como as necessidades, as características regionais, sociais e culturais dos usuários, as experiências com empreendimentos semelhantes, o estado da arte das disciplinas de projeto, etc. A partir de um problema formulado, mesmo que parcialmente, pode-se iniciar o desenvolvimento das soluções. Entretanto, a própria formulação do problema é em si uma criação de um contexto particular que vai delimitar o projeto. Assim, partindo de um problema inicial, que não raramente vai se transformar no desenvolvimento do projeto, passa-se para a criação de soluções possíveis. A exploração de diferentes possibilidades de soluções é uma das características marcantes do processo intelectual de projeto que denota um processo de simulação de possibilidades em que a resposta adotada surge da análise e hierarquização das diferentes soluções investigadas. Para se materializar, a criatividade é representada e é comunicada. Para tanto são postos em ação mecanismos e técnicas de representação e linguagem que têm a função de exteriorizar e comunicar a criação. Ocorre que os processos de representação e comunicação não se dão de forma isenta à criação, ou seja, à medida que se desenha, que se representa uma formulação mental, essa representação interage com a criatividade. Por outro lado, à medida que a solução original é 124 comunicada e apreciada por outros indivíduos estes interferem e se posicionam frente à proposição inicial e, embora o insight ocorra internamente ao pensamento individual, as “técnicas” de representação e a interação com outros indivíduos acabam contaminando o processo criativo e expandindo seus limites individuais. O processo criativo é mediado pelas técnicas e pelas possibilidades de representação e de linguagem que, ao mediar a apresentação de uma abstração mental, condicionam (mas não determinam) a criação segundo as técnicas de representação utilizadas, num processo dialético de “criação X representação” de extrema importância nas dinâmicas intelectuais da criação. Conforme destaca Cross (1999), os processos de pensamento de projetos apresentam uma grande relação entre os processos mentais internos e a sua expressão externa por meio de esboços e desenhos. Como atestam depoimentos de alguns projetistas, o esboço e o desenho são parte integrante de processo de criação. Um exemplo eloqüente é a afirmação do arquiteto Santiago Calatrava em Lawson (1994), destacando o projeto como um diálogo entre a mente e os esboços: “...começa com você vendo a coisa em sua mente e ela não existe no papel e então você começa a fazer simples esboços e organiza coisas e então você começa fazendo camada após camada... isto é muito mais um diálogo”. A criatividade também é associada aos repertórios técnico, científico e à vivência de cada projetista. Tais conhecimentos representam a matéria-prima da criatividade e do raciocínio projetual (Akin; Akin,1996). Segundo Pinker (1997), mesmo os gênios criativos, antes de atingirem a sua plenitude, passam por anos de labuta e imersão em sua área de atuação absorvendo um imenso repertório de problemas e soluções que fazem com que nenhum desafio criativo seja complemente novo na medida em que são buscadas analogias com padrões e estratégias consagradas. Hayees (1985, 1989) apud Akin; Akin (1996), com auxílio de estudos históricos e entrevistas com músicos clássicos, apontam que a maioria das grandes criações musicais foi feita por compositores que levaram mais de uma década de trabalho 125 antes de atingir a maturidade para compor suas melhores obras. Resultados similares têm sido obtidos em investigações nas áreas de pintura e poesia (Miller, 1956 e Wishbow, 1988) apud Akin; Akin (1996). Estudos realizados na área de projetos, em especial de arquitetura, têm levado a resultados semelhantes quanto à associação entre criatividade e maturidade do projetista (Akin, 1990). Akin; Akin (1996) sugerem que a solução criativa de um problema projetual depende de duas abordagens sincronizadas: a ruptura com o quadro de referências do projetista, ao mesmo tempo em que se formula um novo quadro bem estruturado para o problema em questão. A solução criativa parte da utilização de um quadro de referências amplo e consistente sobre a questão e de soluções possíveis, viola parcialmente as regras estabelecidas pelas referências por meio de um insight que permite reconfigurar, sobre novos termos, um novo quadro de referência válido frente ao problema inicial. Dessa forma a solução criativa para um problema de projeto implica uma ruptura parcial com as referências estabelecidas e o estabelecimento de um novo padrão projetual, de forma que os projetistas mais experientes têm maior facilidade em analisar a pertinência do problema de referências alternativas e mesclar estas referências para criar um quadro inédito. O conhecimento construtivo humano pode ser encontrado na história da arquitetura e das cidades, na leitura e na experiência de outros projetos, nas legislações e normas, nas soluções técnicas e construtivas de domínio dos operários ou sistematizadas em manuais e procedimentos, nas propriedades físico-químicas catalogadas dos materiais, nos algoritmos computacionais de cálculos, etc. Estes conhecimentos estão acumulados em diferentes mídias e dispersos em diferentes agentes especializados. Para desenvolver, amadurecer e validar as soluções projetuais são utilizados diferentes conhecimentos que vão do saber empírico acumulado nas experiências passadas dos projetistas - marcando um saber de ofício - aos conhecimentos 126 acumulados em livros, leis, textos normativos e, mais recentemente, os conhecimentos imbuídos em diversos algoritmos e softwares computacionais. A criação projetual, em síntese, parte de um estímulo inicial, de um problema, processa-se por meio de intrincadas redes de associações e interações mentais que se pautam por problemas e soluções semelhantes e pela formulação de analogias com outros saberes, propiciando a descoberta do inédito e a formulação do novo que será desenvolvido, amadurecido e validado pelos procedimentos e métodos de projeto. Por outro lado, o ambiente cognitivo do projeto, as interações sociais com os coletivos projetistas e os dispositivos tecnológicos contribuem e incrementam o processo criativo. De fato, a criatividade é uma faculdade que emana individualmente, mas pode ser exercida de forma coletiva à medida que diferentes agentes interagem sobre o mesmo objeto da criação, e o projeto de edifícios contemporâneo além de um processo criativo e técnico é um processo nitidamente social. Assim, a atividade de projeto representa uma “bricolagem mental de um time” que opera por meio de interações entre os agentes num processo de aprendizado coletivo. E o projeto pode ser considerado um processo coletivo e interativo que requer a colaboração entre seus participantes ao mesmo tempo em que mantém espaços autônomos de atuação de cada agente especializado (Melhado; Henry, 2000). 5.4 O PROJETO COMO UM PROCESSO SOCIAL A concepção de um edifício é uma atividade complexa que envolve múltiplas dimensões e saberes na busca de soluções comerciais, empresariais, financeiras, formais, espaciais, técnicas e construtivas. Para Mitchell (1994) apud Kalay et al. (1998) o processo de projeto é alicerçado sobre um paradigma social no qual a concepção e o desenvolvimento de produtos resultam de complexas interações entre os interesses envolvidos e das contribuições de especialistas. 127 O processo social de projeto de edifícios é por natureza multidisciplinar e desenvolvido em uma série de passos interativos que devem conceber, descrever e justificar soluções para as necessidades dos clientes e da sociedade em geral (Austin et al. 1999). Desde os anos 1970 existe a idéia do projeto como um processo multidisciplinar e incremental que pode ser associada, metaforicamente, à figura de uma espiral ou vórtice de procedimentos (Melhado; Henry, 2000). de acordo com Marques (1979) Figura 20. Espiral de projeto A sofisticação das demandas sociais e dos clientes, associada à ampliação dos conhecimentos tecnológicos disponíveis e a especialização das profissões têm implicado uma maior complexidade dos empreendimentos e o aumento das exigências quanto a custos e prazos de construção, qualidade e manutenibilidade do edifício, além da crescente preocupação com sustentabilidade dos processos construtivos e dos produtos gerados. O desafio contemporâneo de projeto está, pois, na concepção integrada dos múltiplos aspectos do ciclo de vida dos produtos, considerando seu desempenho e impactos em diferentes fases da fabricação ao uso, da extração de matérias-primas à disposição (descarte) do produto no meio ambiente. 128 Particularmente na construção, o projeto dos edifícios deve considerar um ciclo de vida bastante grande (décadas), com impactos diversos para os agentes do empreendimento, para os meios ambientes naturais e construídos e pela sociedade em geral. De fato, a complexidade dos produtos e dos empreendimentos de construção exige o tratamento e a integração de várias dimensões de projeto e torna complexa a busca de soluções consensuais. Para desenvolver os múltiplos aspectos envolvidos nos edifícios são mobilizados diferentes profissionais e agentes que conformam “equipes” de projeto multidisciplinares e fragmentadas. Com isso, o processo de projeto enfrenta diferentes problemas e confronta diferentes formações e interesses na busca de soluções projetuais coletivamente aceitáveis. Uma análise mais ampla do processo de projeto dos edifícios permite identificar uma série de objetivos particulares que estão embutidos nos problemas de projeto. O projeto pode ser percebido como: • a concepção de um “objeto” arquitetônico de caráter artístico com determinados pressupostos estéticos, culturais e históricos; • a concepção de espaços funcionais e adequados (envolvendo questões como higiene, ergonomia, habitabilidade, etc.) a determinadas atividades humanas, como moradia, trabalho, lazer, etc.; • a concepção de um espaço social inserido em determinada malha urbana que dá suporte ao edifício e sofre seus impactos sócio-econômicos (demandas por serviços de transporte, saúde, comércio, educação, segurança, etc., valorização/desvalorização do entorno) e físicos (produção de resíduos, fluxos de veículos e pessoas, consumo de água, energia, telefonia, etc.); • a concepção de um “objeto” material de grande monta que exige uma série de matérias-primas, infra-estrutura sanitária e energia que causam importantes impactos ecológicos e ambientais; 129 • a concepção de um produto de elevada vida útil com custos significativos e prolongados de operação e manutenção; • a especificação de características tecnológicas e construtivas envolvidas na produção do edifício; • muitas vezes, a concepção de um negócio, um produto para ser vendido ou explorado que deve propiciar uma rentabilidade ao capital investido. Os diversos entendimentos quanto ao significado do projeto na construção já apontam para as dificuldades da realização de um projeto total que contemple todas as imbricações contidas na concepção, produção, utilização e, por que não, na reciclagem (reforma) ou demolição do edifício. Em geral, cada um dos agentes do empreendimento tende a privilegiar um ou alguns aspectos que lhe são mais caros, por diversas razões que vão da formação, dos gostos pessoais, aos interesses econômicos, etc. Cada um desses objetivos introduz a necessidade de soluções próprias e a valorização de determinados aspectos que, muitas vezes, são mutuamente conflitantes. Assim, o bom empreendimento de edifício deve ser uma composição desses vários objetivos de forma a atender de maneira satisfatória a todos eles. Daí a grande dificuldade do projeto de compatibilizar os vários aspectos envolvidos. Para responder a esses desafios, cada vez mais complexos em si mesmos, são mobilizados diferentes profissionais com formações especializadas em diferentes áreas relacionadas ao negócio, ao produto e à sua construção. Isto faz com que a concepção e o desenvolvimento dos edifícios sejam parte de um processo coletivo, desempenhado por grupos de projetistas especialistas, mediados por restrições regulamentares e normativas do poder público e das concessionárias de água, luz, comunicações, etc. 130 Os diversos agentes mobilizados configuram, por sua vez, equipes temporárias de projeto, constituídas por diferentes empresas ou pessoas que em muitos casos vão trabalhar em conjunto uma única vez no projeto de um empreendimento único (Huovila et al. 1994). Para Oliveira (1999) a participação de muitos intervenientes no processo de projeto implica várias interfaces entre projetos e decisões e exige um elevado e bem organizado intercâmbio de informações. Neste contexto a gestão do processo de projeto envolve a mobilização dos agentes necessários e interessados na condução do projeto, a organização destes no tempo e no espaço e a administração dos interesses particulares de cada um e a conseqüente mediação e gerência dos conflitos de forma a obter um serviço de projeto amplo e de qualidade. A grande questão nesta área é, portanto, como integrar os agentes, gerenciar os conflitos a fim de obter soluções negociadas que sejam globalmente satisfatórias mesmo que não individualmente ótimas? Qual o modelo de integração a ser adotado? Qual ou quais agentes devem coordenar o processo de projeto? 5.4.1 As dimensões do projeto na construção de edifícios Desenvolver um novo empreendimento de construção é uma tarefa complexa que envolve decisões e concepções referentes a múltiplos aspectos envolvidos no empreendimento. Segundo Jouini; Midler (1996, 2000), o desenvolvimento de um empreendimento envolve a concepção e integração de cinco dimensões principais: a fundiária, a financeira, a funcionalidade e uso do edifício, a arquitetônica e técnica, a definição da produção do edifício (figura 21). 131 Fundiária Financeira Funções e usos Modelo de integração Definições de Produção Definições arquitetônicas e técnicas Adaptado de Jouini; Midler (2000) Figura 21. Dimensões de Concepção do empreendimento de edifício 5.4.1.1 A dimensão fundiária Como vimos no item 3.1.1 a questão fundiária tem um papel central no empreendimento de construção, condicionando a sua aceitação pelos clientes e usuários e as possibilidades construtivas impostas pelas características climáticas, topográficas, morfológicas e legais. Do ponto de vista da concepção, a dimensão fundiária se coloca na seleção do terreno do empreendimento. Assim, uma das primeiras escolhas do projeto de um empreendimento é justamente o terreno a ser incorporado. Freqüentemente, a decisão de lançar um novo empreendimento surge a partir de critérios circunstanciais como a oportunidade de incorporar um dado terreno. Dependendo das características e da localização urbana do terreno, diferentes tipos de empreendimentos são viáveis, sendo comum o promotor se deparar com possibilidades de empreendimentos diversos daqueles com que costuma trabalhar. Ou seja, em muitos empreendimentos, a oportunidade de incorporar um bom terreno leva a empresa a se distanciar do tipo de negócio e produto que lhe é familiar e com isso a sua capacidade de programar o empreendimento fica parcialmente comprometida. 132 Assim, o processo de decisão de lançar um novo empreendimento nem sempre está atrelado a premissas estratégicas da empresa e à sua experiência prévia no mercado, obrigando as empresas que adotam essa postura a terem uma certa flexibilidade frente ao escopo de seu trabalho. Por outro lado, alguns promotores se especializam em determinados tipos e condições de empreendimentos e só aceitam incorporar terrenos que sejam adequados ao seu escopo de atuação. Esse posicionamento traz a vantagem de simplificar e padronizar a atuação da empresa, permitindo a consolidação de uma experiência e de uma capacidade próprias da empresa, contudo limita a possibilidade de aproveitar boas oportunidades de negócio que são diversos ao padrão da empresa. Conforme enfatiza Jouini; Midler (1996), é possível identificar duas estratégias extremas: o aproveitamento de uma oportunidade de incorporação de um dado terreno com uma boa inserção urbana e desenvolver um produto adequado a esse terreno; ou, a partir de um dado produto ou tipologia de produto que se quer empreender, buscar um terreno que seja adequado à construção deste produto. Uma terceira estratégia, intermediária, consiste em considerar concomitantemente as duas questões e buscar oportunidades de incorporação de terrenos desde que estes atendam a alguns critérios de produto estabelecidos (Jouini; Midler, 2000). A primeira estratégia está mais focada no mercado e nos usuários na mediada em que vai buscar localizações que sejam valorizadas por eles e, a partir da demanda e da oportunidade fundiária, desenvolve o empreendimento. Por sua vez, a segunda tem como ponto de partida o produto-edifício que se quer empreender e a partir deles se busca um terreno que seja adequado. Ou seja, as necessidades específicas do empreendimento ou a cultura construtiva, as experiências da empresa e tipologia de produto adotada pela empresa é que determinam a escolha de terreno. A estratégia intermediária consiste em considerar ao mesmo tempo o tipo de produto que se pretende e as oportunidades fundiárias e buscar soluções que mesclem a 133 adoção de terrenos viáveis ao produto e adaptações do produto para se adequar a determinadas características do terreno disponível. Nos empreendimentos de promoção pública de moradia, a primeira estratégia consiste em, partindo de uma demanda por moradias em determinada área ou região da cidade, buscar oportunidades de desenvolver empreendimentos nessa região. Como em geral isso significa, nas grades cidades, buscar áreas caras e escassas em regiões centrais, o produto tem que ser adaptado às limitações de cada terreno disponível e o seu desenvolvimento é bastante singular e particular a cada empreendimento, obrigando, muitas vezes, a flexibilizar critérios de atendimento, como área por família, como forma de manter o usuário em uma dada região. A dificuldade desta estratégia no tocante à promoção pública é que ela pressupõe a capacidade de desenvolvimento caso a caso de cada empreendimento, dificultando o atendimento em grande escala das carências habitacionais. Exemplos recentes (período de 1988-1991) desta estratégia são os empreendimentos da prefeitura de São Paulo de construção por meio de mutirões de pequenos empreendimentos em áreas centrais como o Brás e a Mooca, geralmente em lotes ocupados por casarões e cortiços. Outro exemplo paulistano atual é a recuperação e reconversão para habitação de edifícios comerciais, abandonados ou ocupados pelo movimento sem-teto, em áreas centrais, com financiamentos da Caixa Econômica Federal, com recursos do FGTS. Entretanto, no campo da promoção pública de habitação são mais numerosos no país os empreendimentos situados no campo da estratégia oposta. São exemplos os grandes conjuntos ou programas habitacionais como o empreendimento de Itaquerá realizado na zona leste de SP nos anos 1980, destinado à população de baixa renda, cuja estratégia é a de seleção de um grande terreno distante do centro da cidade que possa abriga grandes conjuntos habitacionais. Outro exemplo dessa estratégia, em menor escala de produção, é o programa habitacional “Sonho meu” desenvolvido nos últimos sete anos pela CDHU que promove empreendimentos em diferentes cidades paulistas e o terreno incorporado é, em geral, doado pelas prefeituras da localidade atendida. Independentemente do terreno, os edifícios construídos são bastante 134 semelhantes, quase padronizados dentro de duas tipologias básicas de renques de casas térreas e conjuntos de edifícios de quatro ou cinco pavimentos. Na posição intermediária de atender às demandas locais e ao mesmo tempo estabelecer um programa e uma tipologia construtiva bastante rígida, encontra-se o programa Cingapura (desenvolvidos pela Prefeitura Municipal de São Paulo nas gestões de 1992-2000), que propôs a construção de edifícios verticais (em torno de cinco pavimentos) em áreas de favela. No caso dos empreendimentos privados de construção e incorporação de edifícios, também é possível encontrar empreendimentos que são guiados pelas duas lógicas extremas (montagem de um produto específico para um determinado terreno ou busca e seleção de um terreno adequado ao tipo de empreendimento que se deseja), mas, neste seguimento, tende-se a adotar estratégias intermediárias que considerem as oportunidades de incorporação de terrenos, mas que mantenham uma certa coerência com um determinado grupo de tipologias de empreendimento construídas pela empresa. Uma estratégia comum nesta modalidade de empreendimento é a permuta de terrenos por uma parcela do número de unidades do empreendimento. Esta estratégia é utilizada pelas incorporadoras como forma de aproveitar terrenos de interesse comercial sem a necessidade de desembolso imediato de recursos para aquisição do terreno. Na construção sob encomenda, a maioria dos empreendimentos pende para a estratégia de seleção de terreno, nos casos de obras industriais, uma vez que o porte da obra e suas necessidades especiais de operação tendem a ressaltar o caráter funcional do edifício e privilegiar o desenvolvimento de produtos bastante específicos. No campo dos edifícios encomendados para comércio e serviço, a estratégia de seleção de terreno tende para o lado oposto uma vez que a localização é fundamental para viabilidade destes negócios. 135 5.4.1.2 A dimensão financeira A capacidade de orçar e planejar os fluxos de gastos e receitas é estratégica na condução do empreendimento. Entretanto, os dados de custos não estão determinados na partida do empreendimento. Na verdade eles fazem parte das formulações do programa de necessidades e posteriormente refinados nos projetos e na obra. A estimativa do custo do empreendimento é uma das primeiras providências para subsidiar o empreendedor na decisão de lançamento. A estimativa inicial e o estudo de viabilidade ocorrem antes que os projetos estejam maduros e, portanto, são baseados em dados de mercado de construção e nas experiências com empreendimentos anteriores. Conforme enfatizam Assunção; Fugazza (2000), muitos empreendimentos são lançados antes mesmo que se tenham todos os projetos terminados, e até mesmo a fase de obra está alicerçada em estimativas de custos. Paradoxalmente, como cada empreendimento é único e os dados e metodologias paramétricas da maioria das empresas são precários, uma previsão confiável dos custos só é possível após uma série de levantamentos, sondagens e da existência dos projetos detalhados. Em contraste, a disponibilidade e a qualidade dos dados disponíveis no início da concepção do empreendimento são limitadas, obrigando a utilização de dados históricos e paramétricos para geração das estimativas. Com o progresso de empreendimento e o desenvolvimento detalhado dos projetos é possível aprimorar o orçamento por meio do levantamento dos quantitativos. Por fim, com a execução da obra os orçamentos devem ir sendo atualizados com a incorporação dos custos efetivos. Dessa forma, os autores (Assumpção; Fugazza, 2000, 2001) sugerem que o orçamento seja visto como um instrumento evolutivo de previsões uma vez que a quantidade e a qualidade das informações disponíveis são extremamente variáveis ao longo do empreendimento. 136 Além disso, o acompanhamento do orçamento durante a execução da obra permite não só controlar mais efetivamente os gastos, mas propicia também um importante insumo para o refinamento das estimativas paramétricas de futuros empreendimentos. Contudo, do ponto de vista da concepção do empreendimento, uma vez formulada e aceita uma estimativa inicial de orçamento, ela passa a condicionar todas as decisões futuras uma vez que a equação financeira do empreendimento é montada a partir dessa estimativa, tornando o projeto e o orçamento um duplo dialético cuja calibragem é uma variável determinante no sucesso do empreendimento. Além das questões de custos, a viabilidade dos empreendimentos de construção é altamente dependente dos equacionamentos financeiros (item 3.1.2). A disponibilidade e as condições de financiamento dos empreendimentos é determinante da comercialização ou disponibilização dos edifícios para seus beneficiários. Diante dos elevados custos e preços dos edifícios a sua viabilização e, quando for o caso, a sua comercialização demandam a formulação de esquemas de financiamento que permitam diluir o preço em longos períodos de tempo. Com isso, conceber um empreendimento significa também formular um esquema financeiro adequado aos seus clientes, suas necessidades e possibilidades econômicas. A disponibilidade de recursos e as condições em que esses recursos são viabilizados condicionam o mercado e, invariavelmente, têm reflexos importantes nas decisões de projeto e na execução da obra. O estudo de caso A1 (capítulo 8) fornece um exemplo ilustrativo de como a modelagem do financiamento do empreendimento repercute em uma série de decisões estratégicas do projeto e da própria filosofia de atuação da empresa no mercado. Com a ausência de financiamentos ou dificuldade em obtê-los nos anos oitenta, a empresa de promoção e incorporação investigada montou um esquema de 137 autofinanciamento dos empreendimentos em que parte considerável dos custos de construção é financiada pelos clientes por meio de esquemas de consórcio e do alongamento do prazo de pagamento. Conforme ressalta Assumpção (1996), os empreendimentos imobiliários devem ser concebidos e construídos de forma a ajustar o fluxo de caixa. No caso dos empreendimentos imobiliários destinados ao mercado, o ajuste passa pela busca em reduzir ou postergar investimentos no período da construção, o que contribui para a redução dos custos financeiros e propicia melhores condições de comercialização. Como enfatiza Assumpção, como as receitas de venda ocorrem a longo prazo, em função da capacidade de pagamento do público alvo, é usual que se ajuste a velocidade da obra a esta realidade. Para viabilizar o autofinanciamento dos empreendimentos e o alongamento dos prazos de pagamento, a empresa analisada no estudo de caso A1 adotou uma estratégia de dilatação do período de construção dos edifícios, adequando o ritmo das obras (mais lento) à capacidade de desembolso dos seus clientes. O alongamento dos prazos de obra influencia uma série de divisões de projeto. Inicialmente a escolha de alternativas construtivas rápidas não tem importância uma vez que a velocidade do empreendimento não está determinada pelos limites técnicos, mas pelas capacidades de desembolso dos clientes. Isso aponta para valorização das tecnologias que propiciem menores custos de execução independente do tempo de execução demandado. Nesse contexto a adoção de tecnologias industrializadas e pré-fabricadas são destimuladas em detrimento dos processos construtivos tradicionais, mais adequados e flexíveis à sintonia velocidade de obra X velocidade de pagamento (Assumpção, 1996). Por outro lado, a busca de alternativas construtivas que permitam uma execução paulatina da obra ao mesmo tempo em que permite retardar custos atende ao anseio dos clientes de “ver a obra andar” e os interesses dos promotores de melhores condições de fluxo de caixa do empreendimento. 138 Como estratégia para atender a um melhor equacionamento do caixa do empreendimento é comum a condução lenta da obra bruta (estruturas, vedações, etc.) que são mais visíveis para os clientes, ao mesmo tempo em que se busca a execução rápida de aspectos complementares como instalações e acabamentos nos momentos finais do empreendimento, permitindo à construtora postergar importantes desembolsos incorridos nessas etapas. Nessas etapas a adoção de tecnologias e alternativas de projeto racionalizadas e industrializadas, de rápida execução, vai ao encontro das necessidades de postergar desembolso, retardando o início desses subsistemas da obra. De fato, inúmeras soluções adotadas nos empreendimentos da empresa de estudo de caso A1, como shafts, janelas e portas prontas, etc. exemplificam a maior racionalização das soluções do ponto de vista técnico associadas à viabilização de fluxos de caixa mais adequados. Se, no tocante à viabilização e construção dos empreendimentos, os orçamentos e as modelagens financeiras já são complexos e determinantes na condução da concepção dos edifícios e das obras, eles ainda não consideram todos os aspectos de custo envolvidos. Na quase totalidade dos empreendimentos o esforço de orçamento e planejamento financeiro abrange a execução do empreendimento e nada diz dos custos de uso e manutenção dos edifícios. Da mesma forma que as opções de programa e de projeto trazem repercussões quanto aos custos de execução, fluxos de caixa e colocação dos empreendimentos no mercado, essas variáveis determinam sobremaneira os custos de operação do empreendimento (consumo de energia elétrica, de água, limpeza, etc.) e de manutenção (concertos e reformas). Com base em orçamentos que avaliam o custo de execução, decisões de programa e projeto são tomadas buscando maximizar os resultados econômicos da execução do empreendimento. Ocorre que o custo do ciclo de vida deve considerar, além dos custos de construção e comercialização dos empreendimentos, os custos incorridos durante a vida útil do mesmo. 139 Esses custos de uso e manutenção são particularmente importantes na construção uma vez que os edifícios são planejados para durar e serem utilizados por longo tempo, da ordem de décadas. Assim, a busca de ferramentas orçamentárias capazes de estimar os custos das soluções de projeto, da construção incorridos ao longo do uso dos edifícios é importante para a tomada de decisão mais qualificada nos projetos e para a melhoria da qualidade dos edifícios, inclusive com repercussões ecológicas uma vez que muitas vezes soluções mais eficientes no consumo de energia, água, etc. são descartadas com base em maiores custos de construção que podem ser compensados quando se considera a vida do edifício. 5.4.1.3 Os usuários e a funcionalidade do produto Esta dimensão consiste em identificar as necessidades dos usuários com relação ao edifício e as funções a serem cumpridas por ele. Também se deve levar em conta as necessidades e possibilidades de manutenção pelo usuário. Esta dimensão surge no processo de desenvolvimento e projeto, acoplada ao programa e aos projetos uma vez que é no desenvolvimento do programa que se busca levantar, interpretar e hierarquizar as demandas dos clientes e usuários. 5.4.1.4 O projeto arquitetônico e de engenharia do produto Segundo Jouini; Midler (2000), o desenvolvimento e projeto da dimensão arquitetônica consistem em dar forma às necessidades, requisitos e restrições identificadas no programa, por meio da definição dos volumes, dos espaços, das distribuições e inscrever o edifício projetado no seu sítio urbano. A dimensão técnica consiste em especificar todas as características funcionais e construtivas do produto. Em síntese trata-se de responder a um programa de necessidades com a concepção e desenvolver soluções arquitetônicas e técnicas válidas. 140 5.4.1.5 O projeto e planejamento da execução Por fim, a última dimensão de concepção de um novo edifício refere-se ao projeto da forma de execução e ao planejamento da obra, de forma a organizar o sistema de produção do empreendimento. 5.4.2 Integração contratual dos projetos O modo pelo qual são articuladas as diferentes dimensões do empreendimento e as etapas de decisões e projeto pode ser caracterizado como modelo de integração. Tradicionalmente, na construção de edifícios a integração entre estas etapas é bastante problemática e pode ser caracterizada como hierárquica e seqüencial, subordinando e encadeando o projeto do produto ao programa e as definições de produção ao projeto do produto. Fundiária Etapa 1: Programação Financeira Funções e usos Modelo de integração ArquiteturaEtapa 2: Projeto do Produto Definições de Produção Etapa 3: Definições de Produção Definições arquitetônicas e técnicas Figura 22. Integração seqüencial das dimensões do empreendimento Como vimos no capítulo anterior, a maioria dos serviços de projeto de arquitetura e engenharia é realizada por escritórios independentes contratados pelo promotor para desenvolver os projetos de um determinado empreendimento. Caracteriza-se, assim, como um setor de projeto autônomo dando suporte ao processo de produção do empreendimento. 141 Conforme destacado em Fabricio; Melhado (1998a), embora se verifique que as empresas de construção e promoção, principalmente nos empreendimentos de construção e incorporação, recorram freqüentemente aos mesmos projetistas para diferentes empreendimentos, esta “fidelidade” raramente envolve a qualificação de projetistas, intercâmbios técnicos, o acompanhamento de obras e a retroalimentação dos projetistas. Trata-se, basicamente, de um vínculo contratual que estabelece obrigações recíprocas entre as empresas de projeto (fornecedores) e o promotor (cliente). E as interfaces programa-projeto e, posteriormente, projeto-obra são reguladas por contratos que estabelecem deveres, custos e prazos, predominando uma forte relação clientefornecedor na articulação dos agentes. Essa relação cliente-fornecedor é marcada pela assimetria de forças em favor dos contratantes (promotores) que contam com a fragmentação do mercado de projetos e com o grande número de projetistas e empresas de projeto atuantes no mercado para barganharem menores preços para os serviços de projeto (Silva; Fabricio 1997; Cardoso et al. 1998; Zegarra et al. 1999). Por outro lado, também existem inúmeras empresas de promoção e construção de edifícios e o mercado potencial das empresas de projeto é também muito amplo. Assim, diferentemente de outros setores industriais mais concentrados, na construção não se verificam dependências rígidas dos fornecedores para com as empresas de construção e promoção, embora os contratantes tenham relativamente mais poder. Os elementos empíricos colhidos em entrevistas conduzidas com um grupo de 22 empresas de projeto paulistanas, atestam a predominância de uma regulação comercial, com fortes conflitos entre projetistas e contratante (Fabricio et al. 2000 a,b). Os projetistas reclamam que o principal critério de contratação de projetos é o preço do serviço e que a abundância de projetistas atuantes no mercado e uma certa banalização da atividade profissional de arquitetos e engenheiros levam a uma concorrência predatória e à desqualificação dos serviços de projeto. 142 Outra queixa diz respeito a realização de projetos “no risco” (com o pagamento do projeto condicionado ao lançamento do empreendimento) e a tolerância a mudanças no programa ao longo do desenvolvimento do projeto, implicando a perda de trabalho e o aumento de horas/trabalho sem um correspondente aumento de honorários. Alguns contratantes de projetos argumentam, por outro lado, que, quando se dispõem a valorizar os serviços de projeto além dos patamares de mercado, a resposta dos projetistas não corresponde aos gastos adicionais e a qualidade dos serviços de projeto não sofre alteração significativa. Essa parece uma discussão em que os dois lados estão com a razão: por um lado, os projetos não têm sido valorizados adequadamente no setor; por outro, não basta simplesmente pagar melhor pelo projeto que se vai garantir uma melhor qualidade. Num mercado aberto em que projetistas e promotores são independentes, existe uma cultura projetual estabelecida e os resultados dos projetos são extremamente influenciados por esta cultura que não depende exclusivamente das condições contratuais entre as partes interessadas. E aprimorar a qualidade dos projetos depende de mudanças culturais mais amplas e mais perenes que permitam estabelecer um novo patamar de relacionamento e conhecimento recíproco entre as partes envolvidas. 5.4.2.1 O papel e a inserção social dos projetistas Em uma exploração esclarecedora das contradições da atuação dos projetistas no processo produtivo do setor, Melhado (2001) coloca que estes agentes apresentam uma tripla inserção social: • ao seu grupo profissional (inserção de ofício); • à empresa de projeto (inserção profissional); • no empreendimento do qual seu projeto integra (inserção virtual). 143 Assim, segundo Melhado (2001), do ponto de vista sociológico, o projetista é simultaneamente integrante de três sistemas de agentes; submetendo o indivíduo a posturas corporativas frente ao processo de trabalho, no primeiro sistema; ao sistema organizacional com divisão do trabalho, hierarquia, etc., no segundo sistema; e, finalmente, no terceiro sistema, tem-se uma inserção organizacional transitória com um grau de envolvimento extremamente variável. Como uma atuação profissional fragmentada e, muitas vezes, conflitante pode-se explicar, na visão de Melhado (2001), “a notória dispersão de objetivos que se encontra no exercício da profissão pelos indivíduos ou grupos”. 5.5 A QUALIDADE NO PROCESSO DE PROJETO A qualidade representa, nos dias atuais, um conceito de extrema importância para a competitividade das empresas e para a sociedade em geral. Se, por um lado, a palavra "qualidade" se torna cada vez mais utilizada, isto não significa que todas as pessoas e organizações que a empregam tenham o real entendimento de toda a sua abrangência e dimensões. Em seu sentido genérico, segundo um dicionário (Ferreira, 1996), a qualidade é definida como: "propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza". Embora seja definida como um atributo intrínseco de coisas ou pessoas, é importante observar que a qualidade não pode ser identificável e mensurável diretamente, sendo identificada a partir de características que confiram qualidades às coisas. Assim, o conceito “qualidade” é passível de diferentes interpretações conforme seu uso e dependendo dos interesses de quem utiliza este conceito. Segundo Shewhart (1931) apud Toledo (1993), sempre existem duas dimensões associadas à qualidade: • dimensão objetiva - relativa às propriedades físicas próprias do objeto em questão. 144 • dimensão subjetiva - referente à capacidade que as pessoas têm de perceber e mensurar as características objetivas ou subjetivas agregadas ao objeto. Esta conceituação traduz o ideário predominante nas décadas de 30 e 40, principalmente entre técnicos e engenheiros que colocam a qualidade como "perfeição técnica", que está associada a uma visão objetiva (Toledo, 1993). Nos anos 50 e 60, intensificam-se as publicações na área de garantia da qualidade, por autores que hoje são chamados de “gurus da qualidade” (Juran, Deming, Feigenbaum, Ishikawa), que focam sua atenção nos campos da Administração e da Engenharia da Qualidade: • DEMING (1950): qualidade do produto como máxima utilidade para o consumidor; • FEIGENBAUM (1951): qualidade como o perfeito contentamento do usuário; • JURAN (1954): qualidade como satisfação das necessidades do cliente; • ISHIKAWA (1964): qualidade efetiva é a que realmente traz satisfação ao consumidor; • FEIGENBAUM (1961): qualidade como a máxima aspiração do usuário. Conforme observa Picchi (1993), o conceito “qualidade” é dinâmico e varia com o tempo e com os interesses das pessoas ou organizações em que é empregado. Para o ambiente da construção de edifícios, o arquiteto Zanettini propôs a seguinte definição de qualidade para as áreas de arquitetura e construção: “Qualidade é a adequação à cultura, aos usos e costumes de uma dada época, ao ambiente no qual a obra se insere, à evolução científica, tecnológica e estética, à 145 satisfação das necessidades econômicas, à razão e à evolução do homem” (Zanettini, 1997)34. De fato, num ambiente complexo e coletivo como o da indústria da construção, a qualidade deve ser constituída pela interação de uma série de fatores. Para Garvin (1984) o conceito de qualidade tem diversas interpretações de acordo com as expectativas e interesses de quem o utiliza (Enfoque Transcendental, Enfoque Baseado no Produto, Enfoque Baseado no Usuário, Enfoque Baseado na Fabricação, Enfoque Baseado no Valor). Assim, ao longo da produção e do uso de um produto, diferentes funções e características são valorizadas e consideradas como componentes importantes da qualidade. Por exemplo, na fase de lançamento e venda, os critérios de avaliação da qualidade do empreendimento consideram aceitação do produto pelos clientes, velocidade de venda, facilidade na tramitação de contratos; em outra etapa do empreendimento, como a de execução de um edifício, a qualidade é avaliada com base em critérios de produtividade dos processos, atendimento às especificações dos projetos, número de acidentes de trabalho, etc. Para os clientes e usuários finais, a qualidade do empreendimento tende a ser avaliada, por um lado, por critérios mais subjetivos e, por outro, por critérios mais complexos e multiparamétricos que vão sendo mudados e incrementados ao longo do uso e da vida do edifício. Assim, por exemplo, a manutenibilidade e a habitabilidade do edifício podem não ser consideradas adequadamente no momento da compra do imóvel por negligência ou falta de parâmetros e capacidade de julgamento dos clientes, mas, ao longo do tempo de uso, assumem um papel relevante na avaliação que os usuários farão do edifício. 34 Definição proposta durante a banca de defesa de doutorado de Roberto de Souza (1997) na Escola Politécnica da USP. 146 Na verdade, cada interpretação dada para a qualidade reflete uma preocupação mais ou menos parcial frente a um dado problema e o ideal é que os processos de projeto e de execução contemplem todas interpretações e aspirações da qualidade. Se se adotar o raciocínio de que a qualidade pode assumir diferentes significados de acordo com a conveniência de cada agente e de cada processo, pode-se concluir que ao longo do ciclo de vida do edifício diversos interesses são postos em jogo e com isso a “qualidade” pode assumir diferentes dimensões, sendo a qualidade total do empreendimento a soma dos resultados dessas diferentes dimensões. Muitas dessas dimensões estão diretamente relacionadas ao processo de concepção e projeto do edifício que deve ser capaz de considerá-las e otimizá-las conjuntamente de forma a contribuir para a construção de empreendimentos com qualidade para todos os agentes envolvidos na sua produção, uso e manutenção e em todas as fases do seu ciclo de vida. Segundo Melhado (1999), a partir de uma visão fundamentada na gestão da qualidade, o projeto de edifícios pode ser compreendido como um processo que, a partir de dados de entrada, deve apresentar soluções que respondam satisfatoriamente às necessidades dos clientes a quem o edifício se destina. Para tanto, tais necessidades devem ser traduzidas em parâmetros de entrada (programa), e os dados de saída (projetos) devem contemplar soluções para o produto e para sua produção. Picchi (1993) destaca que a qualidade ao longo do processo de projeto pode ser decomposta em quatro subcomponentes básicos: qualidade do programa; qualidade técnica das soluções projetuais; qualidade da apresentação do projeto; e qualidade do processo ou serviço de projeto. Por sua vez, esses componentes, estão relacionados a uma série de aspectos que devem ser considerados no desenvolvimento do projeto de um edifício. No quadro a seguir, os quatro subcomponentes da qualidade do projeto propostos por Picchi são apresentados juntamente com os principais aspectos envolvidos. 147 COMPONENTES ASPECTOS RELACIONADOS Pesquisas de mercado Necessidades dos clientes Qualidade do programa do empreendimento Seleção e incorporação de terrenos caracterização do entorno urbano levantamento da legislação construtiva referente à área levantamentos topográficos Sondagens do terreno Equacionamentos econômicos, financeiro e comercial Coerência, clareza e exequibilidade das especificações de programa Atendimento ao programa estrutural Atendimento a exigências de Segurança desempenho ao fogo contra invasores Habitabilidade: conforto térmico conforto acústico iluminação estanqueidade Durabilidade e desempenho ao longo do tempo Sustentabilidade Qualidade das soluções de projetuais Materias-primas especificadas Rejeitos inerentes as especificações do projeto e ao processo construtivo adotado Consumo de energia na produção Consumo de energia na luz natural utilização ventilação natural aquecimento de água Consumo de água bacia sanitária reaproveitamento de água limpeza Construtibilidade Disposição de resíduos sólidos (possibilidade de coleta seletiva) Disposição de resíduos líquidos Racionalização Padronização Integração e coerência entre projetos Atendimento às exigências economia Qualidade da apresentação Qualidade dos serviços associados ao projeto Custos de execução Custos de operação Custos de manuteção Custos de demolição / reconversão Clareza de informações Detalhamento adequado Informações completas Facilidade de consulta Agilidade e cumprimento dos prazos de projeto Custo de elaboração de projetos Comunicação e envolvimento dos projetistas Compatibilização entre as disciplinas de projeto Acompanhamento do projeto durante a obra Entrega da obra e assistência dos projetistas durante a utilização do empreendimento Baseado em ISO-DP 6241; Picchi (1993); CTE (1997); Weinstock; Weinstock (2000); Fontenelle (2002) Quadro 2. Componentes da qualidade do projeto 148 A qualidade global do projeto depende da composição e balanceamento entre os múltiplos aspectos que influenciam na sua qualidade. Segundo Melhado (1999), para garantir o atendimento aos múltiplos aspectos componentes da qualidade do projeto, o processo deve ser analisado criticamente pelos seus participantes e validados pelos empreendedores, projetistas e construtores de forma a garantir a sua coerência com as metas propostas e com o processo de execução subseqüente. Tais relações são representadas simplificadamente na figura 23. dados de entrada Etapa de PROJETO dados de saída (concepção e representação de soluções) validação execução análise crítica ARQUIVO modificação Melhado (1999) Figura 23. O processo de projeto segundo a ótica da gestão da qualidade Em síntense, a qualidade do processo de projeto é determinada primeiramente pela clareza e qualidade das informações de partida expressas no programa de necessidades. A segunda questão colocada para a qualidade do projeto é o estado da arte das disciplinas de projeto envolvidas e a disponibilidade de conhecimento adequado para o tratamento dos desafios postos ao projeto. Assim, um projeto que ambiciona feitos que transcendem a base de conhecimento existente pode ter o mérito de forçar novos avanços científicos, mas corre o risco de incorrer em soluções projetuais inadequadas. Mas não basta o conhecimento existir; é necessário que os agentes envolvidos no projeto dominem e utilizem adequadamente tais conhecimentos de forma a equacionar qualidade e custos das soluções. 149 Por fim, a qualidade do projeto também se relaciona com a clareza da sua apresentação e a qualidade do serviço de acompanhamento de projeto ao longo de todo empreendimento. Como destacam De Vries; De Bruijn (1989) apud Melhado (2001), a qualificação e competência profissional dos projetistas são os principais fatores para a qualidade do projeto35. Por outro lado, num empreendimento complexo como os de construção de edifícios, a forma de organização dos agentes e de gestão do processo também desempenha um papel importante na qualidade global do projeto. Como um processo exercido coletivamente e inserido em estruturas econômicoprodutivas, o projeto guarda um claro caráter social e as interações entre os agentes são fundamentais para o resultado global do processo. Para Melhado (2001), é preciso reconhecer que o projeto é um processo interativo e coletivo que exige uma coordenação das atividades, compreendendo momentos de análise crítica e de validação das soluções, sem com isto inviabilizar o trabalho dos especialistas envolvidos. “A excelência do projeto de um empreendimento passa pela excelência do processo de cooperação entre seus agentes, que na qualidade de parceiros submetem seus interesses individuais a uma confrontação organizada” (Bobroff, 1999b apud Melhado, 2001). 5.5.1 Deficiências na gestão do projeto Como destaca Silva (1996), a terceirização dos projetos, em geral, não é acompanhada de um processo gerencial que garanta a integração entre as várias decisões tomadas em cada um dos projetos. 35 A qualificação dos projetistas é um tema bastante complexo que merece um tratamento particular e aprofundado e não é diretamente analisado neste trabalho que foca a gestão do processo de projeto. 150 Segundo Koskela et al. (1997), os esforços de projeto são complexos, com numerosas interdependências, com decisões sendo impostas por clientes e legislações, sendo tomadas, muitas vezes, com limitações de tempo. Nesse contexto, a postura mais cômoda (para os promotores e as construtoras) é tratar o projeto como um processo à parte do empreendimento e deixar os projetistas entre eles mesmos, delegando a responsabilidade sobre o planejamento e seqüência das tarefas de projetos. Também para Melhado (1998), nas fases de montagem da operação e de projeto, quando as possibilidades são maiores, os esforços para incrementar a qualidade do empreendimento são reduzidos e faz falta uma organização que torne natural a integração e a compatibilidade entre os diversos projetos. De fato, a desarticulação parece estar na raiz de muitos dos problemas no processo de projetos e, por conseguinte, nos problemas das obras e dos edifícios que são derivados dos projetos. O estudo de Cole (1990) apud Koskela et al. (1997) aponta como principais causas dos problemas dos projetos as deficiências do programa de necessidades, inadequações e desatualização do conhecimento técnico dos projetistas e a falta de planejamento do processo de projeto. Andery et al. (2000) destacam que durante o projeto parte dos requisitos do cliente, levantados inicialmente, é perdida e, por outro lado, com relação à construção, os projetos são incompletos, necessitando de informações adicionais durante as obras, o que freqüentemente acarreta “improvisações”. Além disso, segundo estes autores, muitas vezes os projetos não são claros e, em diversos casos, são verificadas incompatibilidades entre as especialidades de projeto, prejudicando o andamento da obra e a qualidade do produto. Por sua vez Melhado (1994) lista como importantes obstáculos que limitam a qualidade dos projetos frente à produção de edifícios: o trabalho não sistematizado e descoordenado das diversas equipes de projeto participantes de um empreendimento; 151 a ausência de um projeto voltado à produção, com dificuldades de alterar a forma de projetar, muito voltada ao produto; a falta de padrões e procedimentos para a contratação de projetistas; a realização de uma compatibilização de projetos e não sua real coordenação; as falhas no fluxo de informações internas à empresa construtora, prejudicando o processo de retroalimentação de projetos futuros. Por outro lado, existe também um certo descompasso entre o processo intelectual e o processo social de projeto. Enquanto o processo intelectual é interativo (com idas e vindas) e o problema evolui conjuntamente com as soluções, o processo social, tradicional, é seqüencial e hierárquico; o programa, contratualmente, deve ser estático e definido a priori, e as mudanças do programa derivadas da evolução do entendimento do duplo problema-solução, são vistas como disfunções que causam trabalho aos projetistas sem remuneração condizente. Além disso, a hierarquia do processo de projeto faz com que os projetos amadureçam de forma independente, o que dificulta o contato direto entre os vários especialistas e o programa, restringindo o processo de amadureciomento conjunto do programaprojeto ao longo das várias especialidades de projeto. Portanto, os estudos e as análises anteriores confirmam que a melhoria da qualidade dos projetos deve necessariamente passar pela formação de equipes de projeto mais integradas e interativas. 5.6 CONCLUSÕES A conformação do processo de projeto contemporâneo é fruto de um desenvolvimento histórico e tecnológico que aponta para ampliação da complexidade dos conhecimentos e métodos empregados, ao mesmo tempo em que se intensificam a divisão social do trabalho e a especialização dos projetistas. Essa especialização é acompanhada pelo surgimento do ensino formal de engenheiros e arquitetos e de especialistas e pela formação e fortalecimento das ordens profissionais, levando a 152 uma progressiva introdução de métodos de projeto e exigências normativas para o exercício da atividade de projetista (projeto autoconsciente). A análise desenvolvida neste capítulo permitiu a caracterização do projeto como um processo sócio-técnico complexo que engloba tanto um processo intelectual de criação e desenvolvimento técnico-cognitivo de informações, como um processo de produção de produtos e serviços integrantes de um determinado tipo de empreendimento. Do ponto de vista intelectual o processo de projeto se caracteriza pela utilização de diferentes habilidades intelectuais envolvendo a criatividade, conhecimentos científicos, técnicos, esperiências profissionais e capacidade de comunicação para o enfrentamento de problemas e a postulação de soluções projetuais. Como processo de produção o projeto mobiliza diferentes profissionais e meios de produção especifícos em um determinado ambiente, cincunscrito por normas, legislações. Uma das principais características dos projetos contemporâneos de edifícios é que a complexidade crescente dos empreendimentos exige a montagem de equipes de projeto maiores e a mobilização de conhecimentos mais especializados, caracterizando um processo multidisciplinar em que nenhum profissional isoladamente detenha os conhecimentos e qualificações necessários para exercer um controle total sobre a totalidade do processo de projeto. Nesse ambiente, a qualidade e a construtibilidade do projeto estâo atreladas tanto à capacidade e à formção técnica dos agentes envolvidos, como à organização e eficácia do processo de projeto. Denota-se, portanto, a necessidade de novos modelos organizacionais aptos a organizar o processo de projeto de maneira a democratizar o processo decisório e incrementar o caráter multidisciplinar das soluções formuladas. 153 6 ENGENHARIA SIMULTÂNEA: GESTÃO DE PROJETOS NOVO PARADIGMA DE 6.1 INTRODUÇÃO Durante o século vinte a indústria manufatureira sofreu importantes transformações e novos paradigmas de produção e de consumo de bens foram criados e incorporados pela sociedade (Harvey, 1989). Num processo que remonta ao século XIX e tem seu apogeu no pós-II guerra, o modelo industrial “taylorista-fordista”, baseado no aumento da produtividade, na produção em série, na utilização intensiva de capitais e máquinas e na padronização dos projetos, torna-se hegemônico. Complementarmente, a ampliação da classe média nos países centrais e a expansão do consumo de bens manufaturados viabilizaram um mercado consumidor para os produtos padronizados dessa indústria (Fabricio, 1996). Conforme destaca Zarifian (1999), no contexto industrial “taylorista-fordista” a competitividade das empresas está alicerçada sobre uma abordagem de valor- trabalho em que “o valor corresponde ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma mercadoria”. E, as empresas priorizam o aumento da produtividade (diminuição do tempo de trabalho por unidade de mercadoria) como forma de obter um duplo ganho: de competitividade frente aos concorrentes (diminuição dos custos); e de rentabilidade face aos empregados (elevação da taxa de lucro perante o valor absoluto dos salários). Com o esgotamento do modelo “taylorista-fordista” a partir das décadas de 1970 e o surgimento de um novo paradigma de “produção enxuta” de origem japonesa (Koskela, 1992), e com a ascensão de novos hábitos de consumo que valorizam a qualidade e a diferenciação dos produtos (Fabricio, 1996), a competitividade passa a ser determinada, também, por critérios de qualidade e desempenho de produtos e serviços. 154 Para Zarifian (1999) o “valor-desempenho” representa o valor dos produtos e serviços a partir de um conjunto de desempenhos referentes a custo, qualidade, variedade e inovação. A introdução do “valor-desempenho” coloca o cliente e suas percepções do produto como principal referencial para a competitividade das empresas. Autores como Porter (1989) puderam desenvolver o conceito de competitividade por diferenciação. Segundo Porter (1989), uma empresa que quer prosperar e se destacar no mercado deve implementar e desenvolver uma das seguintes estratégias competitivas genéricas: competição por preço (conseguir fornecer um produto ou serviço básico pelo menor preço de mercado), diferenciação (desenvolver um produto que apresente algum diferencial valorizado pelos clientes: qualidade ou desempenho superior, introdução de uma inovação e de novas funções, etc.) e estratégia de foco (consiste em desenvolver um produto ou serviço especialmente voltado para um determinado nicho de mercado). De fato, com a crescente industrialização do terceiro mundo e com a globalização, aumenta o intercâmbio comercial e financeiro entre as nações e novos competidores entram no mercado, principalmente nos setores industriais mais tradicionais (têxtil, calçados, metalurgia, automobilístico, etc.). Nos países em desenvolvimento, especialmente na Ásia, mas também no Leste Europeu e na América Latina, as condições salariais e de acesso a metérias-primas são vantajosas em relação aos países centrais. Assim, fica difícil para a indústria dos países desenvolvidos competirem por preço, e a estratégia predominante tem sido a de diferenciação. Merli (1994) destaca a melhoria da qualidade como estratégia para o crescimento e competitividade da indústria européia. Nos EUA, além da busca pela melhoria da qualidade, uma forte orientação da economia para o setor de serviços e para o desenvolvimento de novas tecnologias, com destaque para tecnologia da informação, garante uma década de prosperidade e crescimento econômico. Num contexto de acirramento da competição e de valorização da estratégia de diferenciação pela melhoria da qualidade, do desenvolvimento tecnológico e da 155 inovação, ganham importância a capacidade e a agilidade das empresas em desenvolver novos produtos e serviços, e os métodos de gestão do processo de projeto passam por revisões de forma a orientar o projeto aos novos condicionantes da competitividade industrial. O um novo paradigma para o desenvolvimento de produtos empregado nas empresas de ponta é chamado, na literatura, de Engenharia Simultânea (ES). 6.2 ORIGENS E CONCEITOS Os primeiros estudos sobre Engenharia Simultânea, tal como esta é entendida hoje, e a sua utilização sistemática por empresas ocidentais, remontam da segunda metade da década de oitenta. A denominação “Concurrent Engineering” ou Engenharia Simultânea (termo mais freqüente na literatura e também adotado neste trabalho)36 foi proposta e caracterizada primeiramente pelo Institute for Defense Analysis (IDA) do governo americano. “Engenharia Simultânea: uma abordagem sistemica para integrar, simultaneamente projeto do produto e seus processos relacionados, incluindo manufatura e suporte. Essa abordagem é buscada para mobilizar os desenvolvedores (projetistas), no início, para considerar todos os elementos do ciclo de vida da concepção até a disposição, incluindo controle da qualidade, custos, prazos e necessidades dos clientes”. (Institute for Defense Analyses – IDA, 1988) apud (SCPD, 2002)37 36 Na tradução para o português, Kruglianskas (1995) defende que a palavra concurrent tem o sentido de concomitante; e, assim, a tradução por simultânea expressa melhor a idéia contida no termo em inglês, uma vez que a tradução direta pelo termo concorrente pode também ser interpretada como concorrência, no sentido de competição entre os envolvidos no processo de projeto. Na literatura abordagens similares à Concurrent Engineering ou Engenharia Simultânea, em português, podem ser encontradas com as denominações em inglês de Design Integrated Manufacturing, Synchronous Engineering, Concurrent Product/Process Development, Team Approach, Life-Cycle Engineering, Product and Cycle-time Excellence, Overlapping Engineering e em português como Engenharia Paralela, Engenharia Concomitante e Engenharia Concorrente. 37 SCPD- Society of Concurrent Product Development. <<http://www.soce.org/>> acessado em 10/4/2002. 156 Entretanto, muitas das principais características de desenvolvimento de produtos e processos, por meio da ES, podem ser encontrados na indústria japonesa a partir da década de 1970 (Hartley, 1998). Segundo Hartley (1998) no final da década de 1970, a fabricante de veículos japonesa Honda Company consegue ampliar a qualidade de seus produtos e a eficiência de suas fábricas com a adoção de “times” multidisciplinares de desenvolvimento de produto, compostos por funcionários de diferentes departamentos da empresa e por engenheiros convidados dos principais fornecedores da empresa. Atualmente, vários trabalhos investigam e descrevem a aplicação da Engenharia Simultânea no desenvolvimento de novos produtos. Nesses trabalhos podem-se notar algumas diferenças, dando destaque a um ou outro aspecto do conceito de ES e privilegiando uma ou outra dimensão mais importante para o desenvolvimento integrado de novos produtos. Dando ênfase à integração entre produto e processo, Stoll (1988) defende que o desenvolvimento de produtos seja realizado de forma coordenada com as soluções e especificações do produto, com as metas de processo (como prazos, custos, etc.) e considerando-se as características do sistema de produção da empresa (tecnologia de produção, máquinas e ferramentas disponíveis e a capacitação dos recursos humanos). Com essa visão Hall (1991) apud Chiusoli (1996) apresenta a seguinte definição: “Engenharia Simultânea – ES -, também denominada Engenharia Concorrente ou Engenharia Paralela, tem sido definida (...) como o projeto simultâneo do produto e seu processo de manufatura.” Numa ampliação da definição anterior, introduzindo o conceito de ciclo de vida do produto, Carter; Baker (1992) colocam que: 157 “Engenharia Simultânea é uma aplicação sistemática de integração do desenvolvimento do produto, incluindo manufatura e manutenção. Sua intenção é integrar o desenvolvimento, desde o princípio, de todos os elementos do ciclo de vida de um produto.” Alguns autores associam, em suas definições, a necessidade de interação entre as diversas fases do ciclo de vida do produto, com a idéia de que esta é obtida pela participação precoce, nos projetos, de pessoas com várias especialidades e com diversas visões do produto (equipes multidisciplinares e interdepartamentais): “A Engenharia Simultânea consiste em conceber de forma sistemática, integrada e simultânea os produtos e os processos que lhes são ligados. Este método conduz os desenvolvedores a considerar todos os elementos do ciclo de vida do projeto, da concepção à disposição aos usuários, e compreende a qualidade, os custos, a programação e a satisfação das necessidades e requerimentos dos usuários” Navarre (1993) apud Jouini; Midler (1996). Também nesta linha, Mottecy (1990) apud Santos (1995) destaca a necessidade de formação de times de projeto, compostos de especialistas de várias áreas da empresa e do processo, que devem trabalhar de uma maneira multidisciplinar, discutindo simultaneamente todos os aspectos do projeto, entendendo como Engenharia Simultânea: “... a integração e colaboração entre as áreas especialistas que estão envolvidas no projeto.” Por fim, existem algumas definições que relacionam o conceito aos objetivos da utilização da Engenharia Simultânea. “Engenharia Simultânea é um desenvolvimento concorrente das funções de projeto com uma comunicação aberta e interativa entre todos os membros da equipe com o propósito de reduzir o ‘lead time’ da fase de concepção até o início da produção” (McKnight; Jackson, 1989). “E.S. é o processo no qual grupos interdepartamentais trabalham interativamente e formalmente no projeto do ciclo de vida completo do produto / serviço para 158 encontrar e realizar a melhor combinação entre as metas de qualidade, custo e prazo”. (Muniz Jr, 1995) 6.3 ELEMENTOS DA ES A abundância de definições e de enfoques para a ES pode ser explicada pelos diferentes interesses e práticas de cada estudioso do assunto e de cada organização que a implementa. Conforme os objetivos de quem as estuda e as emprega e conforme o ambiente produtivo em questão, as práticas da Engenharia Simultânea devem sofrer alterações de forma a se adaptar às necessidades e condições setoriais. No quadro 3 é apresentada uma compilação de vários trabalhos sobre as características e elementos que compõem a ES. Apesar das diferenças, é possível observar alguns pontos básicos freqüentemente destacados nos conceitos e aplicações da Engenharia Simultânea. Tais características básicas são discutidas nos próximos subitens. 159 ELEMENTOS BÁSICOS DA ENGENHARIA SIMULTÂNEA AUTORES STOLL (1988) • DIERDONCK (1990) apud JUNQUEIRA (1994) • HARTLEY (1998) COFFMAN (1987) apud JUNQUEIRA (1994) McHUGH; WILSON (1989) apud JUNQUEIRA (1994) CHAMBERLAIN (1991) apud JUNQUEIRA (1994) CARTER; (1992) BAKER MURMANN (1994) apud HUOVILA et al. (1994) SCHRAGE (1993) apud HUOVILA et al. (1994) Projeto simultâneo do produto e do processo Sobreposição de atividades durante o projeto como um catalisador da solução de problemas de processo; • Substituição da comunicação em blocos pela comunicação em diálogos interativos mais eficaz e poupadora de tempo na troca de informações; • Criação de estrutura de projetos multidisciplinares; • Quebra de barreiras departamentais - visão interdepartamental para o projeto; • Conscientização das pessoas na empresa sobre o papel do desenvolvimento do produto sobre a competitividade. • Equipes multidisciplinares de projeto; • Definição dos produtos focando os consumidores; • Desenvolvimento simultâneo do produto e do processo de manufatura; • Controles da qualidade e markting. • Projeto para manufatura e montagem ainda na fase de projeto do produto; • Formação de equipes multidisciplinares; • Definição de um responsável pela coordenação de todo o processo de desenvolvimento do produto. • Foco no atendimento às necessidades dos clientes internos e externos; • Realização de projetos para o processo DFM e • Organização voltada para realização de atividades em paralelo. • Definição das metas de projeto; • Trabalho em equipe; • Desenvolvimento em paralelo de atividades; • Padronização de projetos e • Gerenciamento do processo de projeto. Organização: Infra-estrutura de Rerquerimentos: Desenvolvimento de comunicação: produto: • Integração da • Definição das equipe necessidades • Gestão do • Engenharia de produto componentes ou • Empowerment • Planejamento de valor metodológico • Disponibilidade • Treinamento e • Otimização de dados sobre o educação • Planejamento produto prospectivo • Automação do • Retroalimentação Suporte • Validação • Padronização • Definição clara dos objetivos do empreendimento; • Concentração de recursos no início do projeto; • Pré-desenvolvimento visando reduzir incertezas técnicas; • Melhoria do planejamento do empreendimento; • Promoção da sobreposição e do desenvolvimento de tarefas em paralelo; • Ampliação da competência e da responsabilidade do administrador do empreendimento; • Desenvolvimento de conhecimentos especializados e multifuncincionais; • Concideração precoce da manufaturabilidade do conceito do projeto; • Promoção da comunicação entre os funcionários; • Intensificação do controle de tempo e custo de desenvolvimento. • Abordagem de alto nível do projeto, baseada em sistemas de engenharia • Forte interface com o cliente; • Equipes multifuncionais e multidisciplinares; • Benchmarking de projeto e prototipagem por meio de modelos digitais; • Simulação da performance do produto e dos processos de manufatura e suporte; • Simulações e avaliações dos maiores riscos previsíveis; • Envolvimento precoce dos subcontratados e vendedores; • Foco da empresa voltado à melhoria contínua e ao aprendizado. Quadro 3. Características e conceitos de Engenharia Simultânea segundo vários autores 160 6.3.1 Valorização do projeto O primeiro ponto da ES a ser destacado é a valorização do projeto e das primeiras fases de concepção do produto como fundamental para a qualidade do produto e para eficiência do processo produtivo. Segundo Castells; Luna (1993), um dos princípios norteadores da ES é que “quanto mais tarde são realizadas mudanças nos projetos, mais onerosas elas se tornarão”. Dessa forma, para a Engenharia Simultânea, quanto mais a montante no processo de concepção, maior é a liberdade para propor soluções. A concepção dever ser desenvolvida de forma integrada e multidisciplinar de forma a desenvolver soluções mais robustas que acarretem menos modificações ao longo do processo de projeto. 6.3.2 Seqüência das atividades de projeto Outra questão é a realização em paralelo de várias “etapas” do processo de desenvolvimento de produto, de forma a reduzir o tempo de projeto e ampliar a integração entre as interfaces de projetos. Nessa linha, uma atenção especial é dada para o desenvolvimento do processo de produção (por meio da seleção da tecnologia de produção, realização de projetos para produção e o planejamento da produção), simultaneamente à concepção e projeto do produto objetivando integrar, de maneira mais efetiva, as características e especificações do produto com o planejamento de sua produção e o sistema de produção da empresa. Para Hartley (1998) a gestão seqüencial do projeto faz com que os problemas e as incompatibilidades de projeto sejam “empurrados” para fases seguintes, quando a solução dos problemas é mais complexa e, freqüentemente, acarreta retrabalhos. Este comportamento é denominado metaforicamente, pelo autor, como “engenharia por cima do muro”. 161 Por outro lado, o desenvolvimento em paralelo de diferentes fases do projeto possibilita uma economia no tempo de desenvolvimento de projeto e permite o lançamento de novos produtos em menor tempo. A figura abaixo - adaptada de Weck et al. (1991) apud Takahashi (1996) - compara o encadeamento das “etapas” de desenvolvimento de produto de forma tradicional (seqüencial) e de forma simultânea, destacando o ganho de tempo no desenvolvimento de novos produtos e a interatividade do processo com a utilização da ES. O paralelismo de atividades, além da redução do tempo de lançamento de novos produtos, busca a maximização da manufaturabilidade por meio, principalmente, da simplificação de produtos, eliminação de etapas e interfaces de processos. Para tanto, algumas ferramentas gerenciais acessórias são, muitas vezes, utilizadas, como a E. SEQÜENCIAL engenharia de valor e a realização de projetos para manufatura e montagem (DFMA). PLANEJAMENTO CONCEPÇÃO PROJETO DETALHAMENTO PROJ. DA PRODUÇÃO tempo ENG. SIMULTÂNEA PLANEJAMENTO CONCEPÇÃO REDUÇÃO DE TEMPO PROJETO DETALHAMENTO SELEÇÃO DE TECNOL. PLANEJAMENTO ELABOR. DO PROCESS. AQUISIÇÃO DE FERR. PROJ. DA PRODUÇÃO adaptado de Weck et al. (1991) apud Takahashi (1996) Figura 24. Engenharia Seqüencial X Engenharia Simultânea 162 6.3.3 Times multidisciplinares de projeto Outro ponto central nas definições de Engenharia Simultânea, e em certa medida viabilizador do ponto anterior, é a integração no projeto de visões de diferentes agentes do processo de produção, como distribuição, comercialização e marketing, assistência técnica, etc., conformando equipes de projeto multidisciplinares e multidepartamentais capazes de considerar, precocemente, as demandas dos clientes internos do processo de produção e o desempenho do produto ao longo de seu ciclo de vida. Para a mobilização de uma força tarefa multidepartamental é essencial romper com as barreiras hierárquicas rígidas e estabelecer organogramas matriciais ou funcionais cruzados na conformação das equipes de projeto. De acordo com Hartley (1998) as forças-tarefa de projeto na indústria automobilística contam normalmente com a participação de: engenheiros de projeto de produto; engenheiros de produção; pessoal de marketing; compras; finanças; e representantes dos principais fornecedores de equipamentos e componentes. Projetistas do Produto Projetistas do Processo Clientes e Usuário Pessoas da Ass. Técnica Coordenador Marketing & Vendas Pessoas da Produção Controle da Qualidade Fornecedores Figura 25. Representação esquemática das interações entre os principais participantes de uma equipe multidisciplinar genérica de ES Todos os membros da equipe dispõem de todas as informações sobre o projeto e podem interagir planejando simultânea e coordenadamente diferentes aspectos do novo produto. 163 Uma característica importante da mobilização da força-tarefa de projeto destacada por Hartley (1998) é que esta equipe deve permanecer unida durante todo o projeto (com poucas ou sem substituição de seus membros), e as pessoas mobilizadas devem se dedicar integralmente ao projeto e à equipe. 6.3.4 Estrutura organizacional e interatividade nas equipes de projeto A prática de desenvolvimento da Engenharia Simultânea requer uma constante e ampla interação entre departamentos e entre especialidade, de forma a integrar pessoas em grupos multidisciplinares e interdepartamentais. Para tanto, a formação de grupos de desenvolvimento de produto tem por finalidade levar, para os projetos, a experiência de várias especialidades e diferentes funções que comporão o processo produtivo em desenvolvimento, objetivando o estabelecimento de processo de comunicação formais interativos, cuja coordenação garanta a distribuição das informações pertinentes entre os participantes da equipe de projetos. Para a composição dos grupos, deve ser selecionado, segundo Cristóvão (1993), um pequeno número de pessoas de várias áreas e de diferentes formações, capaz de representar, significativamente, as principais etapas do processo de produção. Por outro lado, devem ser procuradas pessoas com capacidades em resolver problemas e tomar decisões, além de terem personalidade adequada para realização de trabalhos coletivos. Associada à formação de grupos multidisciplinares, a literatura sobre Engenharia Simultânea coloca questionamentos à estrutura organizacional funcional-hierárquica, clássica nas empresas, que tem se mostrado por demais estanque aos níveis de interação exigidos pelo desenvolvimento em paralelo de vários aspectos do produto e do processo. O modelo funcional está fundamentado em uma hierarquia de funções/departamentos compartimentalizados e subordinados a um único comando (chefe), como representado na figura 26. 164 A existência de muitos níveis hierárquicos - característico deste tipo de organização e a predominância de comunicações verticais (entre chefe e subordinados) geram um distanciamento entre as várias funções desenvolvidas na empresa; tornando o entendimento de qualidade e de produtividade restrito à(s) tarefa(s) realizada(s) no departamento, colocando, em segundo plano, o atendimento aos clientes internos (outros departamentos). Gerente Geral Conselho ...Outros Marketing Engenharia Compras Manufatura Subfunções: Figura 26. Representação de uma estrutura organizacional funcional-hierárquica Na busca por agilidade e racionalização organizacional, muitas empresas vêm adotando um enxugamento dos níveis hierárquicos. Além disso, a formação de equipes interdepartamentais, com o recrutamento de pessoas de diferentes departamentos para participar de equipes multidisciplinares de projeto, tende a provocar rupturas na linha hierárquica vertical. Nesse sentido, não raro na literatura, a implantação da ES é associada a um modelo matricial de organização corporativa tido como mais apto à prática da ES - no qual, somadas ao eixo de comando vertical, são criadas linhas de processos38 que perpassam horizontalmente a estrutura organizacional (figura 27). 38 É importante observar que uma linha de processo refere-se à sucessão de atividades responsáveis pela geração de um determinado produto ou serviço. 165 PROCESSO D ETC. LOGÍSTICA PROCESSO C CONTROLE DE QUALIDADE PROCESSO B MANUFATURA PROCESSO A ENGENHARIA E TESTES CONTR. ORIENTADO POR PROCESSO CONTROLE ORIENTADO FUNCIONALMENTE Figura 27. Estrutura matricial genérica Com esse arranjo organizacional, cada atividade está subordinada a dois comandos. Assim, enquanto o gerente de processo fica responsável pelo atendimento das metas do projeto - prazos, orçamentos, etc.-, a gerência funcional é incumbida do fornecimento dos recursos especializados para dar suporte ao projeto, além de, normalmente, ficar responsável pela administração do pessoal que integra a equipe de projeto (Cleland; Kocaoclu, 1980) apud (Cristóvão, 1993) Contudo, como demonstram vários estudos de caso, empresas que vêm implantando programas de desenvolvimento de novos produtos com Engenharia Simultânea não têm uma estrutura organizacional matricial. A estrutura funcional que predomina nessas empresas, entretanto, sofre a eliminação de níveis hierárquicos, conformando estruturas organizacionais funcionais achatadas, nas quais se observa, ainda, a formação de grupos transversais na estrutura para o desenvolvimento de novos produtos ou empreendimentos. 6.3.5 Tecnologia da informação Como facilitador e catalisador da integração entre os especialistas envolvidos, a engenharia simultânea, freqüentemente, é associada à utilização intensiva da 166 informática e das telecomunicações como ferramentas de apoio às decisões e à interação entre as especialidades. As novas tecnologias abrem por um lado novas possibilidades de cálculos e simulações durante o projeto, ampliando a capacidade de desenvolvimento tecnológico dos produtos. Por outro lado, as possibilidades de telecomunicações e colaboração à distância numa mesma base de dados de projeto permitem a integração de projetistas geograficamente separados e agilizam a troca de informações entre os agentes do projeto. 6.3.6 Coordenação de projetos De fato, a necessidade, as atribuições e o perfil de um coordenador de projeto não são unânimes na bibliografia sobre ES. A maioria dos textos consultados considera fundamental a presença de um coordenador e destaca como sendo suas principais atribuições a mediação de conflitos e o fomento ao intercâmbio entre os agentes envolvidos. Por outro lado, a questão de um coordenador único, ou a rotatividade dos membros da equipe como coordenador, é mais controversa, embora predomine na bibliográfica a tese do coordenador único que participa do começo ao final do processo de projeto. Para controlar o fluxo de informações geradas no processo de projeto e fomentar a interação entre os participantes da equipe multidisciplinar, é necessária a presença de um chefe ou coordenador de projetos que tem a responsabilidade sobre o processo de desenvolvimento do produto em questão. 6.3.7 Satisfação do cliente Por fim, uma forte orientação para a satisfação do cliente e para o mercado é condição sine qua non para o sucesso do desenvolvimento de um novo produto. A Engenharia Simultânea tem, e deve ter, como ponto de partida, identificar novas necessidades e desejos dos clientes e atendê-los rapidamente por meio de um 167 processo de projeto que garanta agilidade na geração e materialização de novos conceitos de produto. 6.3.8 Metas e objetivos da ES Da caracterização anterior, podemos extrair as principais metas e objetivos que levam uma empresa a buscar um processo de Engenharia Simultânea no desenvolvimento de seus produtos e serviços. Um dos principais objetivos da ES é permitir a redução do tempo de desenvolvimento de novos projetos visando ao lançamento, anteriormente à concorrência, de novas tecnologias, produtos e serviços. Busca-se, dessa forma, uma ampliação da competitividade da empresa, pela maior agilidade na geração de projetos e uma flexibilidade produtiva que permitam o ágil atendimento a novas demandas de mercado – “tempo de mercado”. Associada à redução do tempo de desenvolvimento do produto está a busca pela introdução de inovações tecnológicas que agreguem valor ao produto e atendam a novas demandas dos clientes. Por fim, a introdução da ES é buscar, por meio de uma maior integração entre as várias áreas da empresa e entre a empresa e seus fornecedores e clientes, um maior sinergismo que propicie projetos mais robustos e capazes de interferir positivamente na produtividade e, principalmente, na qualidade, ao longo do ciclo de produção e utilização do produto. 6.4 VANTAGENS DA ES SOBRE O DESENVOLVIMENTO SEQÜENCIAL DE PRODUTOS Segundo Koskela; Huovila (1997), uma das principais vantagens da ES é a diminuição das incertezas no processo de projeto. Outros autores como Hartley (1998) destacam a redução dos gastos globais e a maior orientação do projeto para as exigências dos clientes. 168 Quase todas as bibliografias consultadas, dentre as quais Junqueira (1994), Chiusoli (1996), Takahashi (1996), Santos (1995), Hartley (1998), destacam a ES como importante metodologia para melhorar a manufaturabilidade dos produtos por meio do desenvolvimento conjunto do projeto do produto e do projeto da produção. A superioridade dos resultados, alcançados com o desenvolvimento de produtos por meio da Engenharia Simultânea frente ao processo seqüencial pode ser ilustrada esquematicamente pela figura 28 adaptada de Kruglianskas (1995) na qual são apresentadas curvas que representam o tempo de desenvolvimento, e a área sobre a Custos curva representa o custo de projeto ao longo do tempo. concepção e estruturação desenvolvimento detalhamento produção ciclo de projeto na Engenharia Seqüencial custos decorrentes de revisões Custo do projeto Custo do projeto concepção e estruturação desenvolvimento detalhamento ciclo de projeto na Engenharia Simultânea produção TEMPO de acordo com Kruglianskas (1995) Figura 28. Comparação do desenvolvimento de produto em Engenharia Seqüencial e em ES Analisando a figura 28, podemos constatar que a maior parte das decisões nos projetos com ES concentra-se nos primeiros meses de projeto; enquanto na engenharia seqüencial, além das decisões, um grande número de revisões é necessário e as modificações ocorrem mais tardiamente, até mesmo depois do lançamento do produto. Isso reforça a idéia de que a qualidade deve ser buscada 169 desde as primeiras fases dos empreendimentos e que os projetos tem um papel crucial nesta busca. Conforme destaca Hartley (1998), embora muitos casos de desenvolvimento de produto com ES atestam para a redução dos gastos globais de projeto, é necessário atentar para o fato de que o padrão temporal dos gastos se altera radicalmente, havendo uma antecipação de investimentos que faz com que as despesas nas primeiras fases do projeto sejam maiores que no desenvolvimento seqüencial. Segundo Hartley (1998), parte do sucesso da indústria automobilística japonesa nos anos 1980 e 1990 pode ser creditado ao desenvolvimento e aplicação de técnicas de Engenharia Simultânea no desenvolvimento de novos automóveis. Enquanto na indústria automobilística japonesa, no final da década de 1980 e início da década de 1990, o tempo médio de lançamento de um novo veículo (desenvolvido com elementos de engenharia simultânea) era da ordem de 30 meses, nas companhias ocidentais, na mesma época, o tempo de desenvolvimento de novos modelos girava em torno de 50 a 60 meses (Merli, 1993). O sucesso no desenvolvimento de novos produtos pela indústria japonesa em relação aos seus concorrentes ocidentais foi dado, em grande parte, pela filosofia de paralelismo e integração no desenvolvimento de novos produtos (a figura 29 ilustra a seqüência típica de desenvolvimento de produto na indústria automobilística japonesa, européia e americana), cuja idéia básica é mobilizar equipes multidisciplinares de forma que os projetos (do produto) considerem questões relativas à sua produção, comercialização, manutenção, uso, descarte, etc., buscando otimizar todo o Ciclo de Vida dos produtos. 170 -70 mese -60 -50 -40 62 -30 -20 Lançamento -10 44 Geração do Conceito 57 39 Planejamento do Produto 30 Eng. Avançada 56 40 12 Eng. Produto 06 31 Eng. Processo 09 Produção Piloto 03 Tempo de projeto em meses -70 -60 -50 63 -40 -30 -20 Lançamento -10 50 Geração do Conceito 58 41 Planejamento do Produto 41 Eng. Avançada 55 42 19 Eng. Produto 10 37 Eng. Processo 10 Produção Piloto -70 -60 -50 -40 43 -30 -20 03 Lançamento -10 34 Geração do Conceito 38 29 Planejamento do Produto 27 Eng. Avançada 42 30 Eng. Produto 06 28 Eng. Processo 06 07 Produção Piloto 03 Clark; Fujimoto (1991). Figura 29. Distribuição no tempo das atividades de desenvolvimento de novos produtos na indústria automobilística americana, européia e japonesa 171 Contudo, se a indústria japonesa largou na frente com seu processo de desenvolvimento de produto mais próximo da moderna metodologia de Engenharia Simultânea, várias empresas de todo o mundo vêm adotando e adaptando a Engenharia Simultânea no desenvolvimento de novos produtos e, com isso, têm conseguido excelentes resultados que podem ser parcialmente ilustrados pelos exemplos abaixo mencionados. Em trabalho, que envolveu o estudo de setenta empresas americanas que vêm aplicando a Engenharia Simultânea no desenvolvimento de novos produtos, Schneider (1995) apud Takahashi (1996) apresenta os seguintes resultados (médios) (tabela 6) obtidos por essas empresas em relação ao processo seqüencial de desenvolvimento. BENEFÍCIOS DO DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS COM ENGENHARIA SIMULTÂNEA Tempo de desenvolvimento 30 -50% menor Mudanças de engenharia 60-95% menor Refugos e retrabalhos (no processo) 75% menor Defeitos 30-85% menor Tempo de lançamento de novos produtos (timeto-market) 20-90% menor Qualidade em geral 100-600% maior Tabela 6.Vantagens obtidas por empresas norte-americanas que implantaram programas de ES - Schneider (1995) apud Takahashi (1996) Na mesma linha, Muniz Jr. (1995) apresenta uma compilação bibliográfica com os resultados obtidos por algumas empresas, em parte, pela implantação da Engenharia Simultânea (tabela 7). Esse autor também analisa os ganhos de projeto do avião EMB 145 da EMBRAER que foi desenvolvido com auxílio de técnicas de ES em relação ao projeto de modelos anteriores da empresa EMB 120 (Brasília) e CBA 123. 172 EMPRESA PRODUTO DESCRIÇÃO DOS BENEFÍCIOS Honeywell Termostato Tempo de desenvolvimento de 4 para 1 ano Apple Mouse Ford Carro –Taurus/Sable Aumento no rendimento da manufatura de 40 para 99,9% Corte de 45% nos custos Redução de US$ 700/veículo Redução de 30% nos custos de manufatura Navistar Caminhões Tempo de desenvolvimento de 2 para 1 ano AT&T Telefones Tempo de desenvolvimento de 5 para 2,5 anos IBM Proprinter Redução de 30 para 3 min no tempo de montagem NCR Terminal Economia de US$ 1,1 milhão nos custo do trabalho Redução de 75% no tempo de montagem em relação ao modelo anterior 85% menos partes IBM Laptop Desenvolvimento de protótipos dez semanas depois do projeto 50% do tempo usual Boeing Avião- Work Together (Boeing 777) Liberação dos desenhos 1,5 ano mais cedo que no desenvolvimento do 767 Tempo de colocação dos bagageiros internos é de 2 horas no 777 contra 2 dias no 747 Primeiro modelo no qual se consegue montar pontas de asas sem necessidade de ajustes posteriores Tabela 7. Exemplos de vantagens obtidas com a Engenharia Simultânea na gestão do processo de projeto de novos produtos industriais 6.5 CONCLUSÕES A partir de uma maior competitividade e da valorização das estratégias de diferenciação ligadas ao aumento da qualidade, ao desenvolvimento de novas tecnologias e a introdução de inovações, a capacidade e a agilidade em desenvolver novos produtos e serviços tornam-se estratégicas para muitas empresas. Nesse contexto a ES se destaca como uma nova forma de organizar e gerenciar o processo de concepção e desenvolvimento de novos produtos e serviços em várias indústrias de ponta. No cerne do processo de Engenharia Simultânea está a busca de uma precoce e mais intensa colaboração entre os agentes envolvidos, diretos e indiretamente, na concepção, produção e uso de um novo produto ou serviço. As principais características da ES são: 173 • Ênfase no momento da concepção do produto e valorização do projeto; • Realização em paralelo de várias atividades de desenvolvimento de produto (desenvolvimento conjunto de projetos do produto e da produção); • Formação de equipes de projeto multidisciplinares e coordenadas; • Utilização da informática e das novas tecnologias de telecomunicação no desenvolvimento do projeto e • Orientação para a satisfação dos clientes e usuários para o ciclo de vida de produtos e serviços. E os principais objetivos e benefícios da ES são: • Redução do tempo de projeto; • Introdução de inovações; • Ampliação da qualidade ao longo da vida útil de produtos e serviços; • Ampliação da manufaturabilidade dos projetos e aumento de eficiência dos processos produtivos de bens e serviços. 174 7 PROJETO SIMULTÂNEO DE EMPREENDIMENTOS DE EDIFÍCIOS 7.1 REFERÊNCIAS A aplicação da filosofia e de ferramentas relacionadas a ES na construção de edifícios tem sido tratada em diversos artigos publicados em eventos internacionais específicos como o CEC’1997 e o CEC’199939 bem como em alguns eventos de caráter mais geral como os encontros do IGLC (International Group for Lean Construction) que têm recebido contribuições sistemáticas relacionadas ao estudo da ES na construção. Outros trabalhos podem ser encontrados em revistas, anais e boletins técnicos, tais como os trabalhos de Koskela; Huovila (1997); Love; Gunasekaran (1997); Evbuomwan; Anumba (1998) que apresentam uma análise teórica das possibilidades e vantagens da aplicação da ES na indústria da construção; Huovila et al. (1994) que destacam a ES como forma de reduzir os prazos de projeto sem perder qualidade; Kamara et al. (2000 e 2001), abordando o desenvolvimento do programa de necessidades em um ambiente de ES. Khalfan et al. (2001), relacionam a ES com a cadeia de suprimentos da indústria da construção; Rezgui et al. (1996), Anumba et al. (1997a) e Anumba et al. (1997b) discorrem sobre a utilização das tecnologias da informação na ES aplicada à construção civil. Atualmente a ES aplicada à construção também conta com um grupo de trabalho (TG33 – Concurrent Engineering in Construction40) no CIB (International Council for Research and Innovation in Building and Construction). Nos trabalhos mencionados anteriormente e no grupo de estudos do CIB destaca-se a participação de autores ingleses e americanos e a maioria dos trabalhos enfoca 39 << http://cic.vtt.fi/cec99/index.html >> acessado em 03/11/2000 40 << http://cic.vtt.fi/cib_tg33/ >> acessado em 15/07/2001 175 questões bastante especificas relacionadas à implantação de práticas e ferramentas relacionadas à ES na construção. Na França o grupo de estudos GEMAP (Groupe de Réflexion sur le Management de Projets) e alguns trabalhos publicados por meio do PCA (Plan Construcion et Architecture) têm abordado o assunto e apresentado contribuições importantes sobre o emprego da Engenharia Simultânea e sobre inovação na construção de edifícios (são exemplos: Jouini; Midler, 1996; Tahon, 1997; Jouini; Midler, 2000). Os trabalhos franceses dão mais destaque às questões sociológicas e organizacionais envolvidas. No Brasil, as primeiras publicações que abordam a Engenharia Simultânea no projeto de edifícios são, provavelmente, Plonski; Farinha (1992) e Casttels; Luna (1993). Outros trabalhos relacionados ao tema foram publicados mais recentemente (Fabricio; Melhado, 1998c, 2001, 2002; Fabricio; Baía; Melhado, 1999b; Novaes, 1999; Melhado, 1999; Andery, 2000; Jobim, 2000; Brasiliano, 2000; Romano et. al 2001). Além destes, alguns trabalhos importantes na área de gestão de projetos representam as principais referências de apoio utilizadas nesta tese. Melhado (1994) desenvolve o conceito de “Projeto para Produção” e ressalta a necessidade de o produto ser concebido de forma simultânea à produção e destaca a importância da formação de equipes multidisciplinares de projeto abordando assim duas das principais premissas da Engenharia Simultânea. Outros trabalhos vão desenvolver o conceito e as possibilidades de projetos para produção, dando diretrizes para sua aplicação em diferentes subsistemas do edifício: projeto para produção de laje de concreto (Souza, 1996); projeto para produção de revestimento de fachada (Maciel, 1997); projeto para produção de impermeabilizações (Souza, 1997a); dentre outros. Posteriormente Souza (2001) complementa a idéia de projeto para produção com a proposição de metodologia para a realização de estudos de preparação imediatamente 176 antes da obra o que permite incorporar a contribuição dos fornecedores e subempreiteiros no processo de projeto, mesmo que num segundo momento desse processo. Novaes (1996) enfoca a gestão do processo de desenvolvimento de empreendimentos habitacionais e aprofunda e especifica a discussão da coordenação de projetos e sua importância para a qualidade do processo de projeto. Melhado (2001) destaca a importância da cooperação e da integração dos agentes no processo de projeto e propõe um novo modelo para gestão da qualidade no processo de projeto da construção de edificações, destacando a necessidade de articulação dos sistemas de gestão dos vários agentes envolvidos. Melhado (1994), CTE (1997), Tzortzoupolos (1999) e Jobim et al. (1999), AsBEA (2000) investigam e caracterizam as etapas e o significado do processo de projeto de edifícios (particularmente para o caso dos empreendimentos de construção e incorporação). Com base nestes trabalhos, na caracterização e análise do processo de projeto realizadas nos capítulos quatro e cinco e no estudo do conceito e da metodologia de ES (capítulo 6), é desenvolvido a seguir um estudo da aplicabilidade da ES na construção e são propostas diretrizes que garantam o aprimoramento do processo de projeto do setor de construção com base nas premissas da ES. 7.2 APLICAÇÃO DA ES NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS A primeira dificuldade para aplicação da filosofia de Engenharia Simultânea na gestão do processo de desenvolvimento e projeto de edifícios é que esses métodos foram desenvolvidos em outros setores industriais, com cultura, estruturas produtivas e desafios competitivos diferentes. Como ressalta Jouini; Midler (1996), as práticas de gestão não são “pacotes” que podem ser transferidos de um setor industrial para outro. As dinâmicas industriais próprias de cada setor, a história e capacitação dos profissionais envolvidos e os 177 conflitos na articulação das interfaces entre agentes devem ser considerados para adaptar e reinventar os métodos de gestão dentro dos contextos setoriais. O primeiro passo para discutir a aplicação da Engenharia Simultânea no setor de construção é analisar as características comuns e as divergentes no ambiente e nos objetivos projetuais da indústria de produção seriada (origem da ES) e da indústria de construção. Em seguida, deve-se buscar um modelo próprio que, mesmo inspirado nas práticas colaborativas mais modernas usadas na ES em outras indústrias, contemple as particularidades e as necessidades específicas da indústria da construção de edifícios. O processo de projeto de um novo produto na indústria seriada é, em geral, percebido de forma mais ampla que na construção. Nesta indústria (seriada) o desenvolvimento de um novo produto é compreendido como pesquisas de mercado e identificação de oportunidades de negócios, passa pela formulação das estratégias de marketing, programas de necessidades e pela realização dos projetos que caracterizam e especificam o produto, até a caracterização da produção (desenvolvimento do processo), envolvendo, às vezes, a fabricação de protótipos e simulação do desempenho do produto e do processo. Enquanto isso, na construção estes processos ocorrem de forma pouco sistematizada e são fragmentados em diversos agentes independentes e subprocessos estanques. Por outro lado, na indústria seriada, muitas vezes, o desenvolvimento de um novo produto é acompanhado pelo desenvolvimento de uma inovação no conceito do produto ou na tecnologia ou no marketing ou em vários destes aspectos conjuntamente. Na construção, ao contrário, a maioria dos empreendimentos é desenvolvida com base nos padrões tradicionais e não está orientada para a introdução de inovações (item 7.4.2). Além disso, em muitas indústrias, a grande série de produção (a automobilística é o exemplo típico) justifica a mobilização em tempo integral das equipes de projeto e elevados investimentos financeiros, ao passo que na construção os recursos 178 mobilizados no projeto têm que ser amortizados em um número bastante restrito de unidades de produto. Comparando o desenvolvimento dos empreendimentos de construção de edifícios com os empreendimentos de outras indústrias, como a automobilística, farmacêutica etc., Leclair (1993) ressalta o caráter próprio e, em certos sentidos, híbrido dos empreendimentos de construção. Para Leclair os empreendimentos automobilísticos são caracterizados pelo grande porte da empresa montadora. Cada novo empreendimento, uma vez em marcha, raramente é abortado, além disso, normalmente uma montadora não desenvolve mais do que dois ou três projetos de novos modelos simultaneamente. O desenvolvimento de novos modelos e de famílias de automóveis ocorre de forma bastante centralizada e coordenada pela montadora, mesmo que parte deste processo seja terceirizada (figura 30b). Com a crescente desverticalização dos processos produtivos do setor e as parcerias com fornecedores de sistemas (fornecedores de subsistemas pré-montados dos automóveis) ocorre uma crescente migração de parte do processo produtivo para os fornecedores que, conforme destaca Jouini; Midler (2000), podem representar mais de 70% do custo variável de um veículo. Com a terceirização crescente da produção, os projetos de partes ou subsistemas dos automóveis, em especial os que envolvem a incorporação da micro-eletrônica, têm sido desenvolvidos por projetistas independentes, contratados ou pertencentes aos fornecedores parceiros. Por outro lado, verifica-se que a tendência de desverticalização da produção e do projeto é acompanhada por uma forte relação de parceria entre as montadoras e seus fornecedores, com a montadora mantendo um papel central na coordenação do processo e na articulação das equipes de projeto (Jouini; Midler, 2000). Outro tipo de empreendimento contemplado na análise de Leclair (1993) é o dos grandes projetos de engenharia. Os exemplos citados são o Eurotunel, o foguete europeu Ariani e um novo modelo de grande avião do consórcio AirBus e se 179 caracterizam pela participação de inúmeras e quase que igualmente importantes empresas para a condução do empreendimento, marcando uma organização em que o empreendimento chega a ser maior que as empresas envolvidas. Nesses casos, segundo o autor, uma vez lançado o empreendimento ele é terminado mesmo que durante o seu desenvolvimento surjam sérias dificuldades não previstas e os custos aumentem substancialmente. As equipes de desenvolvimento desses empreendimentos são em geral decentralizadas e têm uma vida condicionada pela duração do empreendimento (figura 30a). (a) grandes empreendimentos (b) indústria automobilística (c) indústria farmacêutica (d) construção de edifícios Empreendimento Empresa de acordo com Leclair (1993) Figura 30. Características do empreendimento em várias indústrias Um terceiro tipo de empreendimento analisado por Leclair é praticado pelas empresas farmacêuticas que pesquisam simultaneamente inúmeras moléculas para fins médicos e, ao longo do processo de desenvolvimento, várias pesquisas são abortadas (figura 30c). Isso se deve ao fato de o projeto de um novo medicamento implicar um desenvolvimento científico cujos resultados são imprevisíveis a priori e a dinâmica de projeto neste setor é condicionada por certa incerteza. Os empreendimentos de construção de edifícios guardam características dos três tipos de empreendimento, principalmente dos dois primeiros (figura 30d). Participam dos empreendimentos de edifícios várias empresas e, embora o promotor tenha um papel de relevo, ele não pode ser considerado hegemônico como são as montadoras na indústria automobilística. De fato, uma série de outras empresas 180 participantes (projetistas, fornecedores, subempreiteiros, agentes financeiro) tem um papel importante no empreendimento. O número de empreendimentos conduzidos simultaneamente por um promotor é extremamente variável e o porte dos empreendimentos é, relativamente à indústria automobilística e aos grandes projetos de engenharia, pequeno. Além disso, em alguns casos de insucesso no lançamento os empreendimentos de edifícios podem ser abortados embora isto implique prejuízos não previstos como ocorre na indústria farmacêutica que trabalha contingenciada pela certeza de que muitos dos empreendimentos de medicamentos em desenvolvimentos não lograrão êxito. De fato, a indústria de construção apresenta uma série de características próprias que condicionam as lógicas das empresas do setor e a aplicação de novas técnicas produtivas e de projeto. Lana; Andery (2001) chamam atenção para que a existência de inúmeras pesquisas e metodologias acadêmicas de gestão não garante a sua aplicação no setor de construção e mesmo empresas que se propõem a introduzir novos modelos de gestão têm dificuldade em estender estes modelos para a sua cadeia produtiva. No quadro 4 tem-se uma síntese das principais características da construção de edifícios que interferem na aplicação de métodos de engenharia simultânea no desenvolvimento dos empreendimentos de edifícios, que estão compilados. Apesar das diferenças, para Tahon (1997), os fatores genéricos de evolução dos processos produtivos e de projetos são os mesmos para a indústria seriada e de construção. Trata-se de aumentar a produtividade, diminuir os prazos de concepção e de colocação dos produtos à disposição, ampliar a qualidade e reduzir custos dos produtos e processos. Porém, como ressalta o próprio Tahon, a forma de percepção e a influência destes fatores são distintas em cada indústria e em cada empresa, conforme sua cultura, seu ambiente competitivo e suas ambições. 181 Natureza do empreendimento de construção Na construção, o planejamento e a programação do empreendimento, concepção e projeto, e produção são muito mais pulverizados (a cargo de diferentes agentes) que na manufatura; O negócio da construção de edifícios envolve aspectos imobiliários que condicionam o sucesso do edifício à capacidade de incorporar terrenos, deslocando parte dos requisitos de sucesso do empreendimento da esfera produtiva para a área imobiliária. Tipo e características O longo ciclo de vida faz com que seja problemático o planejamento de todas do produto as transformações e solicitações que o edifício sofrerá durante sua existência; Além disso, a grande duração dos edifícios cria superposições entre o ciclo de vida do empreendimento, o ciclo de vida do usuário e as dinâmicas urbanas. Peculiaridades do Dimensões estéticas, culturais, históricas e urbanas envolvidas no projeto de projeto no setor arquitetura; Cisão entre concepção do empreendimento enquanto negócio, a cargo de promotores e incorporadores; enquanto produto, a cargo dos projetistas de arquitetura e engenharia; e enquanto construção, a cargo das construtoras e subempreeiteiros e do pessoal de obra; Os projetistas freqüentemente estão envolvidos em mais de um empreendimento ao mesmo tempo. Cultura e aspectos As relações entre agentes são muito mais sazonais e contratuais pautadas pelo relacionais ciclo de empreendimentos não repetitivos; Ao contrário da manufatura, na construção, os clientes contratantes costumam interferir significativamente na gestão interna do empreendimento e na sua produção; A formação dos engenheiros e arquitetos é fragmentada e pouco voltada à gestão de processos. Como destacam Lana; Andery (2001), o mercado de trabalho é mais dinâmico que os perfis curriculares e o modelo de formação das universidades e faculdades nacionais. Fornecedores Predomina no setor uma forte fragmentação e heterogeneidade entre os tipos de fornecedores (indústrias, subempreiteiros, projetistas, etc.) que participam do empreendimento; Por diversas razões geográficas e de mercado, a manutenção dos mesmos fornecedores, em diferentes empreendimentos, é bastante dificultada; Dados os diferentes portes das empresas envolvidas, o poder de negociação com os fornecedores é mais restrito e variado conforme o tipo de fornecedor; Parte substancial da inovação tecnológica no setor de construção é desenvolvida pelos fornecedores de materiais e componentes. Escala de produção A construção costuma trabalhar com pequenas escalas, o que reduz, relativamente, a possibilidade de amortização dos custos do projeto; Na indústria de produção seriada a ES trata da gestão do projeto e desenvolvimento de produtos até a realização do protótipo e disponibilização do projeto para produção em escala. Na construção, a realização do protótipo se confunde com a realização do empreendimento e, assim, a ES se sobrepõe à gestão do empreendimento. Limitações do canteiro Na construção o local de produção (canteiro) é muito mais sujeito a variações e intempéries. Adaptado de Fabricio et al. (1998) Quadro 4. Síntese das principais discrepâncias entre o ambiente de projeto na construção de edifícios e na indústria de manufaturados em série 182 De fato, diferenças importantes existem entre cada setor industrial e devem ser consideradas quando se pretende importar modelos de gestão de uma indústria para outra. Por outro lado, guardadas as peculiaridades e a necessidade de adaptações, não há motivo para que o novo paradigma de projeto baseado na cooperação, na comunicação e na interatividade de coletivos multidisciplinares não seja válido para o desenvolvimento do processo de projeto no setor de construção. Para investigar a possibilidade de aplicação da ES na construção são desenvolvidas a seguir análises comparativas entre as características e transformações necessárias nas equipes de projeto e na organização do projeto, na indústria seriada e na construção para implantação da ES no desenvolvimento de novos produtos. Também são analisados os objetivos genéricos de competitividade que condicionam o processo de projeto em ambos os setores. 7.3 EQUIPE E ORGANIZAÇÃO DO PROJETO Tanto na indústria seriada quanto na construção, a concepção e desenvolvimento dos projetos de forma integrada por equipes multidisciplinares não é a forma usual de organização do processo do projeto, e a adoção de uma gestão simultânea do processo de projeto representa alterações importantes na organização e na cultura dos agentes (Tahon, 1997). Por outro lado, a noção de equipe multidisciplinar difere segundo o setor: ela é pautada num empreendimento de construção pela existência de relações contratuais entre empresas promotoras, construtoras e projetistas e, na indústria seriada, é composta principalmente pela mobilização de funcionários e departamentos próprios à empresa de montagem ou fabricação. Na construção o vínculo contratual entre os agentes envolvidos é restrito à duração do empreendimento e ao contrato. Na indústria manufatureira, os principais projetistas têm vínculos mais perenes com as empresas que fabricam o produto, fazendo parte dos seus vários departamentos (marketing, projeto, produção, assistência técnica) ou dos quadros funcionais de fornecedores parceiros da empresa de montagem. 183 Embora as equipes multidisciplinares sejam mobilizadas temporariamente para o desenvolvimento de um novo produto em ambos os setores, na construção a maioria dos profissionais envolvidos é pertencente a diferentes empresas especializadas na prestação de serviços de projeto e não vivencia nenhuma outra fase do empreendimento. Disto resulta que a criação de um ambiente de cooperação, alicerçado na confiança e respeito mútuo entre os agentes do projeto na construção, é potencialmente mais complexa. Além disso, enquanto na indústria manufatureira a idéia de equipe multidisciplinar envolve a participação de profissionais de diferentes departamentos da empresa (marketing, projeto, fabricação, assistência técnica) e a participação dos principais fornecedores, na construção, a dinâmica dos empreendimentos atuais dificulta a participação no projeto dos fornecedores e dos subempreiteiros. Isso ocorre porque, por um lado, esses agentes somente serão mobilizados mais tarde no empreendimento (durante a obra) e, por outro, devido a características estruturais da cadeia produtiva do setor, grandes fornecedores de materiais dificilmente se interessariam em participar diretamente do projeto de um pequeno empreendimento imobiliário, e os subempreiteiros, em sua maioria, são fornecedores de pequeno porte com limitada competência tecnológica, o que dificulta sua interlocução junto às equipes de projeto. De fato, a heterogeneidade dos agentes do empreendimento de construção, seja com relação ao porte econômico, seja com relação ao desenvolvimento cultural e técnico, dificulta a integração e a cooperação ampla entre eles. Outra característica singular do setor de construção é que com a terceirização generalizada dos projetos na construção, as empresas de projeto prestam serviços a mais de um contratante ao mesmo tempo e estão envolvidas simultaneamente em diferentes projetos. Com isso, um mesmo projetista vê-se participando de distintos empreendimentos e diferentes equipes de projeto, cada equipe e cada empreendimento apresentando condições e demandas próprias, e o processo de projeto é organizado e gerido de maneira singular. 184 Nesse ambiente complexo, o engajamento da empresa de projeto não pode ser planejado exclusivamente em função das necessidades de um determinado empreendimento. Deve-se considerar as restrições dadas pelos compromissos do projetista nos outros empreendimentos do qual ele participa. A terceirização de parte substancial dos projetos faz com que as empresas de projetos enfrentem uma grande variabilidade na demanda, com épocas em que a empresa de projeto está ociosa e não encontra projetos e épocas em que a empresa está sobrecarregada com inúmeros projetos sendo desenvolvidos simultaneamente. Para responder a esta variabilidade, algumas poucas empresas de projeto também utilizam práticas de tercerização de partes ou atividades do projeto em momentos de aquecimento de demanda. Além disso, embora os projetistas tenham restrições em admitir, em muitas ocasiões, o tempo e a dedicação dispensados a dois projetos semelhantes é significativamente variável conforme a quantidade de trabalho (projetos) da empresa. Também é comum nas empresas de projeto que o desenvolvimento de um projeto seja iniciado e interrompido momentaneamente em função de projetos de outros empreendimentos com cronograma mais apertado. De fato, a gestão do tempo e o cumprimento dos prazos de projeto é um problema recorrente em muitas empresas de projeto. O problema de gestão dos prazos de projeto se torna ainda mais complexo quando se considera que agentes externos à empresa de projeto influenciam no seu desenvolvimento. A falta de informações ou a mudança no programa de necessidades e nas outras especialidades de projeto repercutem significativamente no desenvolvimento de cada projeto e na gestão do tempo de projeto. Nessas condições de variabilidade dos projetistas mobilizados e pelo tempo de dedicação a cada projeto, evidentemente a qualidade e a produtividade do serviço de projeto também variam. Além disto, é preciso admitir que quanto maior a interatividade entre os agentes de projeto mais complexa é a gestão do seu cronograma. 185 Quanto ao fluxo do processo de projeto, tanto na construção como na indústria seriada, o fluxo tradicional de desenvolvimento de um novo produto é caracterizado pela organização seqüencial e fragmentada (cada aspecto ou especialidade de projeto é desenvolvida independentemente das demais e os desenvolvimentos parciais são encadeados um após o outro), e a adoção da ES requer importantes modificações no fluxo de projeto e na interação entre os agentes. Embora na indústria seriada muitas empresas tenham uma idéia mais clara da abrangência e da importância do processo de desenvolvimento e projeto de um novo produto, incluindo além da idéia de projeto de produto a noção de projeto do negócio e projeto da produção, as práticas tradicionais nos dois setores são, ainda, o encadeamento seqüencial dos projetos. Evbuomwan; Anumba (1998) destacam que no processo tradicional de projeto e construção também predomina a abordagem de jogar os problemas “por cima do muro”, o que resulta na fragmentação das disciplinas de projeto e em diversos problemas: eliminação da possibilidade de discussão de propostas alternativas de projeto; alto “custo” de tempo e recursos para introdução de modificações no projeto; uma lacuna entre os profissionais das várias disciplinas envolvidas; caracterização do processo de projeto como uma rígida seqüência de atividades (pouco interativas); a construtibilidade e os suprimentos não são considerados durante o projeto ou o são no final desse processo; a fragmentação dos dados de projeto dificulta a manutenção da consistência desses dados; perda de informação ao longo do processo de projeto; estimativas incorretas do custo do produto. 7.4 FATORES DE COMPETITIVIDADE E GESTÃO DO PROJETO Para a aplicação de diferentes técnicas de gestão de projeto em uma indústria ou empresa a primeira indagação deve ser se esta forma de gestão atende às necessidades competitivas da indústria e das empresas envolvidas e se está de acordo com as forças competitivas atuantes na indústria e com as orientações estratégicas das empresas (Porter, 1989). 186 Como vimos no capítulo seis, na indústria seriada, valores como agilidade no desenvolvimento de novos produtos, qualidade, inovação, eficiência produtiva têm se tornado fundamentais para a competitividade das empresas. Para responder aos novos desafios competitivos as empresas têm valorizado o processo de desenvolvimento e projeto de produto como uma etapa especial para a qualidade e eficiência produtiva dos produtos. O desenvolvimento de produto com ES na indústria seriada está relacionado a três objetivos básicos: redução do custo por meio da ampliação da manufaturabilidade dos projetos (integração projeto do produto – projeto da produção), diferenciação no mercado pela introdução de novos produtos inovadores antes da concorrência (inovação e redução do prazo de projeto), ampliação da qualidade dos produtos (diferenciação pela qualidade). Na construção, apesar da aplicação da concorrência verificada nos últimos anos, estes fatores de competitividade devem ser ponderados pelas características próprias do setor e de seus clientes. Por exemplo, as inovações tecnológicas não constituem diretamente uma estratégia de diferenciação válida para o setor de construção, como ocorre em muitas indústrias de ponta como a de informática por exemplo. Por outro lado, inovações nas formas de gestão têm ganhado relevância no setor (item 7.4.2.). Utilizando o modelo das estratégias competitivas de Porter (1986), Cardoso (1996) identifica oito “Novas Formas de Racionalização da Produção” aplicáveis às empresas de construção brasileiras com vistas à competitividade. Cardoso (1996) define racionalização da produção como sendo a “representação das fontes e mecanismos de eficácia, tendo em vista os condicionantes de um dado mercado, e a capacidade de analisá-los, formalizá-los e operacionalizá-los em ferramentas e métodos de organização e de gestão ou em ferramentas de tomada de decisão”, e utiliza o termo “novas” para enfatizar as formas de racionalização que levam em conta a mudança de paradigma afetando a representação dos fatores de eficiência e de eficácia no setor. 187 As Novas Formas de Racionalização da Produção proposta por Cardoso (1996) são: Engenharia Simultânea, Sócio-Técnica, Gestão pelos Fluxos e Parcerias, TécnicoComercial, Qualidade Total, Redução Global dos Prazos, Oferta de Serviços, Financeiro-Comercial. Estratégia Competitiva Genérica (Porter, 1986) NFRP (Cardoso, 1996) COMPETIÇÃO POR DIFERENCIAÇÃO COMPETIÇÃO POR CUSTOS Engenharia Simultânea SócioTécnica Principais características da NFRP Forma de racionalização eminentemente centrada nas relações entre construtora e empresas de projeto, busca a integração de todas as necessidades da produção e operação desde a fase de concepção, obtendo ganhos de custos por meio da melhoria da qualidade do produto e do processo e aumento da produtividade do sistema de produção. A Engenharia Simultânea busca também um aumento de produtividade no processo de produção em razão de um planejamento bem detalhado de todas as etapas de execução, elaboração de projetos para produção. Forma de racionalização eminentemente centrada no sistema de produção e que supõe a “internalização” da produção, permitindo ganhos de custos devido ao domínio das técnicas e dos métodos construtivos e a um cuidado particular com a mão-de-obra de produção. Esse domínio engloba, ao mesmo tempo, habilidades afeitas à execução das tarefas propriamente ditas, como também à logística (suprimentos e fluxo das operações) e à gestão da força de trabalho. Forma de racionalização que supõe a externalização da produção, trabalhando principalmente com mão-de-obra terceirizada. Permite à empresa realizar ganhos de custos graças a uma capacidade de gestão bem desenvolvida dos fluxos de operações e de informações que circulam ao longo da obra Gestão pelos (gestão das informações no projeto, das interfaces entre agentes, da mão-de-obra própria, dos subempreiteiros, dos suprimentos, das datas críticas de obra, dos prazos, da qualidade). Fluxos e Tem grande importância, para as empresas incorporadoras/construtoras que adotam essa forma de Parcerias racionalização, a sua capacidade de estabelecer parcerias com os diversos agentes que intervêm no processo de produção de um empreendimento, sejam eles fornecedores de materiais, subempreiteiros ou fornecedores de serviços em engenharia e projetos. Nessa forma de racionalização, que combina aspectos técnicos e comerciais, o promotor-construtor se dirige para o autofinanciamento, exigindo um aumento dos prazos de canteiro e um tamanho Técnicomínimo para as operações. Para que a empresa consiga trabalhar com prazos mais dilatados, com competitividade, sem que isso Comercial represente aumento nos custos, é necessário que a empresa tenha uma grande eficiência no planejamento, programação e controle da produção, bem como no orçamento e controle de custos. Qualidade Total Redução Global dos Prazos Forma de racionalização por diferenciação cujo objetivo é fornecer aos clientes um produto que apresente, ao mesmo tempo, qualidades enquanto “produto edifício”, e atenda mais eficazmente às demandas dos clientes. Forma de racionalização por diferenciação que busca atrair clientes graças às capacidades de organização e de condução do processo de produção que permitem ganhos de tempo, ou reduções globais dos prazos das operações. Relaciona-se com a NFRP – Engenharia Simultânea porque também demanda uma forte capacidade de articulação entre construtora e projetistas só que com os objetivos de desenvolvimento de produtos e do processo de construção mais articulados visando viabilizar a redução dos prazos de obra. Oferta de Serviços Forma de racionalização cujo objetivo maior é atrair os clientes graças à oferta, por parte da empresa de construção, de diferentes tipos de serviços, associados ao empreendimento. Financeirocomercial Forma de racionalização baseada no desenvolvimento de linhas de credito e estratégias comerciais que permitam a empresa atender a uma demanda de mercado por meio de esquemas de financiamento e venda diferenciados (ex. consórcios, autofinanciamento, financiamento pela construtora, etc.). Do ponto da produção muitas vezes essa estratégia requer uma nova organização e metas de construção, como, por exemplo, o alongamento dos prazos de obra para viabilizar os arranjos financeiros. Quadro 5. Novas Formas de Racionalização da Produção – NFRP identificadas na construção de edifícios por Cardoso (1996) 188 Cardoso (1996) relaciona a ES diretamente a duas das suas NFRP (Engenharia Simultânea para redução de custos e para redução dos prazos de produção do edifício). Da análise das oito NFRP propostas por Cardoso considera-se válido também relacionar a ES à estratégia de Qualidade Total proposta pelo autor. Contrariamente à visão inicial de Cardoso (1996), que considera que uma empresa deve focar exclusivamente uma das oito estratégias de NFRP, considera-se possível que ações modernizadoras distintas acabem gerando uma sinergia positiva de forma que a empresa atue simultaneamente em características de mais de uma dessas estratégias. De fato, os estudos de casos de Cardoso (1996) demonstram que muitas empresas aplicam conjuntamente elementos de mais de uma NFRP definida pelo autor e que tais classificações dificilmente são respeitadas na integra pelas práticas empresariais. Por outro lado, as estratégias de competição adotadas em outras indústrias devem ser percebidas com restrições frente às práticas e ao ambiente competitivo do setor. A seguir, serão discutidos os principais objetivos da ES na indústria seriada e sua pertinência e especificidade, quando transportados para o ambiente da indústria da construção. 7.4.1 Redução dos prazos de projeto Enquanto na indústria seriada o sucesso de novos empreendimentos (diferenciados da concorrência) é determinado, em boa parte, pela eficiência de uma empresa em criar ou detectar a necessidade de novos produtos ou serviços e desenvolvê-los anteriormente aos concorrentes, na construção, o caráter imobiliário de cada produto e sua complexidade e tamanho vão configurar um empreendimento único cuja execução demanda prazos, em geral, superiores ao tempo de desenvolvimento do produto. A vantagem competitiva na construção não é obtida, propriamente, pela capacidade de desenvolver novos projetos mais rapidamente; o importante, em alguns casos 189 específicos, é ser capaz de produzir (envolvendo todas as etapas do processo produtivo) mais rapidamente um edifício e daí o que interessa é basicamente reduzir o prazo de construção que costuma ser o mais demorado e sujeito a imprevistos do processo de produção. Além disso, em relação a outros setores, o tempo de projeto de um edifício já é bastante curto, da ordem de meses, e, em muitos casos, esta agilidade é conseguida às custas da carência de desenvolvimento e inconsistência entre diferentes especialidades de projeto que redundam em custos, retrabalhos e atrasos durante a obra. Huovila et. al. (1994) destacam que na construção a necessidade comprimir os prazos do empreendimento leva muitos projetos a serem desenvolvidos por meio de uma “via rápida” (fast tracking) que consiste na sobrebosição do processo de projeto com a obra, ou seja, a obra tem início enquanto algumas especialidades de projeto ainda estão sendo desenvolvidas e detalhadas. Para Huovila et al. (1994) a via rápida tem resultados incertos, podendo diminuir o tempo do empreendimento em detrimento de maiores custos de produção ou, mesmo, acarretar problemas na obra alongando os prazos de execução e compromentendo a data de entrega. Assim, com relação à velocidade, as questões pertinentes são: como manter ou ampliar a agilidade no processo de projeto ao mesmo tempo em que este processo é qualificado resultando em projetos de maior qualidade e construtibilidade; e para alguns empreendimentos, cujo prazo de execução é uma variável importante para o cliente, desenvolver projetos de produto e para produção que viabilizem uma redução do prazo de execução da obra; neste contexto, como propõem Huovila et. al. (1994), a ES pode dar uma valiosa contribuição. 7.4.2 Introdução de inovações Num estudo esclarecedor sobre as dinâmicas e o impacto da inovação tecnológica na construção, Tertre; Le Bas (1997) mostram que em geral as inovações tecnológicas 190 ocorrem segundo uma lógica de trajetórias tecnológicas e que as inovações podem ter um caráter incremental (aprofundam uma trajetória tecnológica estabelecida) ou radical (rompem com a trajetória vigente). Segundo esses autores as inovações podem ser consideradas radicais quando: • Implicam, para as empresas, novas competências para conceber e amadurecer as novas tecnologias ou sistemas. Essas transformações das competências são acompanhadas, geralmente, de modificações organizacionais, com redefinições nas fronteiras entre serviços, entre funções, modificações nas linhas hierárquicas, etc. • Abrem novos campos quanto ao uso do produto ou eficiência do processo produtivo. E podem ser ditas incrementais ou de melhoramento: • Quando elas se inscrevem em uma trajetória tecnológica pré-existente e tendem a aumentar a eficiência dos sistemas tecnológicos e organizacionais consolidados. A noção de trajetória tecnológica apresentada em Tertre; Le Bas (1997) destaca que as inovações tecnológicas e organizacionais acontecem seguindo uma determinada tendência consolidada de inovação que permite superar ou contornar obstáculos técnicos (necessidade de escala de produção, falta de confiabilidade, etc.) e restrições econômicas (custo muito elevado dos materiais, rendimento insuficiente das máquinas). O progresso técnico se desenvolve assim de maneira cumulativa, a partir de opções e de bases técnicas determinadas. As trajetórias estão ligadas, em geral, a um paradigma tecnológico particular e dominante. Por exemplo, pode-se observar uma trajetória de inovação já consolidada e incremental ligada à tecnologia do concreto armado com uma série de inovações importantes ao longo do século passado e o desenvolvimento de melhorias nas características químicas e físicas deste material (desenvolvimento do concreto protendido e mais recentemente os concretos de alto desempenho, por exemplo). Outro exemplo de inovação radical, com sucesso relativo, é a industrialização das 191 construções que foi buscada nos anos cinqüenta e sessenta na Europa e nos sessenta e setenta no Brasil e pretendia introduzir um novo paradigma de produção no setor. Alguns eventos relacionados a diferentes causas como o progresso da ciência, transformações econômicas, culturais e ambientais, etc. podem desestruturar o paradigma tecnológico vigente e abrir caminho para novas trajetórias de inovação. Contemporaneamente, a globalização econômica, a mudança de mentalidade dos consumidores, as transformações produtivas, o desenvolvimento da microeletrônica, dentre outros fatores menos relevantes, marcam as bases para o desenvolvimento de um novo paradigma caracterizado por novas trajetórias de inovação relacionadas à gestão da produção e ao uso intensivo da informática (Fabricio, 1996). Para estudar a pertinência, as tendências e o papel da ES na introdução de inovações na construção de edifícios, dividem-se essas inovações em três tipos principais: • Inovações relacionadas ao conceito e uso do produto (inovações conceituais), propiciadas pelo desenvolvimento de um novo tipo de produto ou adição de um serviço; • Inovações tecnológicas, relacionadas à introdução de novos materiais e novas formas de construção; • Inovações gerenciais, relacionadas à introdução de novas práticas de gestão. Diferente de alguns produtos, microprocessadores para computador por exemplo, em que a inovação é valorizada pelos clientes independentemente do impacto que elas trazem para uso que o cliente faz do produto, nas edificações a introdução de inovações mais bem sucedidas parecem estar orientadas a otimização de uma ou algumas características do produto ou do processo que serão benéficas para o cliente ou para a construção do edifício. Por exemplo, o desenvolvimento de concreto de alto desempenho, além de outras vantagens, é muito valorizado pela potencialidade de realização de estruturas mais esbeltas, com maiores vãos que propiciam uma redução das sessões das estruturas, permitindo uma maior área útil por área de estruturas e paredes e, uma maior 192 flexibilidade espacial e menor interferência na arquitetura da edificação. Ou seja, a inovação é valorizada à medida que traz algum benefício secundário (otimização da área útil por exemplo) e em muitos dos casos nem é divulgada para o cliente. Atualmente, verifica-se um crescente dinamismo na introdução de inovações relacionadas aos sistemas de gestão nas empresas de construção e projeto, ao passo que a introdução de inovações de caráter tecnológico e de produto parece seguir uma trajetória incremental à base técnica vigente. 7.4.2.1 Inovações no conceito de produto Com relação à introdução de inovações conceituais, na maior parte do mercado de edificações, orientada a construção de prédios residências e comercias, a proposição de alterações formais e tecnológicas radicais no conceito e nas características do produto edifício deve ser analisada com cautela uma vez que o mercado imobiliário é bastante conservador. Segundo Casttels; Heineck (2001), nos empreendimentos brasileiros de construção e incorporação privada e de promoção pública de habitações, as opções tipológicas e funcionais são bastante limitadas. Na Europa, Jouini; Midler (2000) apontam que, à exceção de um segmento muito restrito da “arquitetura de autor”, predomina a padronização na concepção e na produção dos edifícios, marcando uma oferta de produtos bastante homogênea. De fato, em muitos empreendimentos, o sucesso do negócio imobiliário está associado à oportunidade de incorporar um bom terreno (uma boa localização e infra-estrutura urbana) e não depende diretamente da capacidade de projetar um edifício inovador. Conforme destaca Jouini; Midler (1996), na construção o valor patrimonial e a tradição se sobrepõem ao valor de inovação que no setor industrial, ao contrário, é associado a uma percepção de progresso seguido por uma longa estratégia de comunicação e de informação dos clientes. 193 Embora alguns casos de inovações conceituais41 no produto, bem sucedidas, contradigam as afirmações anteriores, o grosso do mercado imobiliário permanece bastante conservador e é dominado pelas soluções tradicionais. De qualquer forma, a proposição de uma inovação no conceito do produto passa necessariamente pelas atividades de concepção da operação e projeto do edifício e terá mais chances de êxito se as soluções e as inovações propostas forem consideradas multidisciplinarmente. Assim, embora a ES se mostre uma forma de gestão da concepção adequada para a busca de inovações conceituais e pode ser de grande valia para o desenvolvimento de empreendimentos inovadores, esta não parece ser a aplicação mais abrangente em um setor com um mercado notoriamente conservador. 7.4.2.2 Inovação técnica e construtiva Como apontam Casttels; Heineck (2001); Fruet; Formoso (1993); Amorim (1996), a maioria dos empreendimentos de edifícios brasileiros é baseada em um leque restrito de tecnologias e sistemas construtivos. Conforme a análise de Amorim (1996), apesar de a construção de edifícios se caracterizar pela produção de “produtos únicos”, o que pode levar a crer em uma grande flexibilidade para introdução de inovações, no mercado brasileiro, verifica-se uma grande semelhança entre os canteiros de obra, quase todos baseados na mesma organização de mão-de-obra e bastante limitados quanto à variabilidade das soluções técnicas adotadas: é evidente, por exemplo, a predominância do concreto moldado ‘in loco’ e da alvenaria de blocos. 41 Um exemplo contemporâneo de “novo conceito” de produto que vem tendo bastante sucesso é a construção de Flats que acoplam à residência uma série de serviços de hotelaria, posicionando-se no mercado como um meio termo entre o hotel e o apartamento tradicional. Também no ramo de escritórios, pode-se verificar o surgimento de novos conceitos, como o escritório virtual em que a empresa dispõe de um número de telefone, fax, Internet, etc. acessados à distância e podem fornecer um endereço, receber clientes e agendar reuniões em espaços compartilhados, ou seja, um mesmo escritório, uma mesma sala de reuniões, uma mesma copa, etc. atendem a diferentes empresas, segundo regras de agendamento. 194 Assim, as inovações tecnológicas e construtivas seguem na linha da racionalização das construções a partir da base técnica instalada. Isto se explica pela instabilidade do mercado que desestimula grandes investimentos e mudanças radicais na base técnica do setor (Farah, 1992; Cardoso, 1993). Nesse contexto as alternativas de modernização baseadas na industrialização (taylorista) da construção não se viabilizaram como uma solução válida para a realidade do setor de edificações e, de fato, a principal tendência de modernização surge pela busca de novas formas de racionalização das construções tradicionais (Cardoso, 1996). As inovações que levam à racionalização estão ligadas aos materiais e componentes de construção e aos métodos construtivos. As inovações nos materiais e componentes surgem predominantemente da iniciativa de grandes indústrias de produção de materiais e componentes de construção42. Com isso, a inovação tecnológica na construção de edifícios está em parte atrelada ao desenvolvimento de novos produtos pelas indústrias fornecedoras. Conforme destacam Vargas (1984) e Martucci (1990), as empresas de construção (em geral pequenas e médias), com pequenas escalas de produção e limitado poder de barganha frente aos grandes fornecedores industriais, desempenham um papel limitado no desenvolvimento de novos insumos, que acabam surgindo das conveniências e estratégias dos fabricantes de materiais e componentes. Entretanto, como pondera Farah (1992): “Embora o centro dinâmico do processo de mudança esteja situado, em boa parte dos casos, na indústria de materiais e componentes, as inovações não devem ser vistas como mera imposição dos fabricantes, como algo estranho à lógica do processo de construção. Pelo contrário, 42 Embora este raciocínio seja válido para a maioria dos novos materiais e componentes ele não é uma regra absoluta. Inúmeros exemplos, como os concretos de alto desempenho, blocos especiais para alvenaria, etc. surgem da iniciativa de universidades e empresas construtoras, e são particularmente estimulantes os resultados conseguidos por projetos de pesquisa e desenvolvimento conjunto universidade – construtora, como, por exemplo, o projeto Poli-Encol no início da década de noventa. 195 as ‘necessidades’ da atividade de construção é que definem, em última instância, a viabilidade de determinada inovação.” No tocante à introdução de inovações tecnológicas nos métodos construtivos ganham força nos canteiros de obras nacionais iniciativas de racionalização, tais como “laje zero”, modulação de alvenaria, emprego de contramarcos, portas e janelas prontas, paletização de componentes, etc. No caso do lançamento de novos materiais e componentes de construção, a concepção e o projeto do empreendimento têm um papel indutor limitado uma vez que, ao contrário de outras indústrias, os novos materiais surgem, normalmente, da conveniência dos grandes fornecedores e não da demanda de um novo empreendimento. Por outro lado, apesar de ter origem na indústria de fornecedores, os novos materiais e componentes intervêm no processo construtivo, eliminando ou modificando práticas de trabalho consolidadas, pela incorporação de tecnologia em etapas anteriores ao canteiro43. Assim, cabe aos projetos a opção pela utilização dos novos materiais e, principalmente, o detalhamento e a especificação da maneira de empregá-los e das soluções das interfaces desses novos materiais e componentes com o sistema construtivo. Conforme ressalta Barros (1996), “o projeto constitui a ´porta de entrada` para que novas tecnologias sejam efetivadas nos canteiros de obras (...) uma vez que permite incorporar, logo no início do processo de produção, as inovações oriundas dos setores de materiais, de componentes, de equipamentos e de desenvolvimento tecnológico”. 43 A incorporação de novos materiais e componentes na construção é comumente acompanhada da ocorrência de falhas e patologias causadas pela má utilização de novos produtos ou pelo não seguimento de suas especificações de uso. Sobre isto ver IPT (1988 p.24-25). 196 Nesse caso, o papel da ES é o de tomar decisões mais maduras quanto à utilização ou não de novos materiais e componentes e desenvolver adequadamente as interfaces desses componentes com os demais materiais e subsistemas da construção. No caso das inovações nos métodos construtivos os projetos têm um papel mais ativo de propor e desenvolver as inovações. Tais inovações exigem novos detalhamentos e mudanças no processo de trabalho cuja implantação depende fundamentalmente das construtoras, de sua competência técnica e da capacidade dos projetistas desenvolverem tecnológica e construtivamente as inovações (Franco, 1992, Barros, 1996). A introdução de práticas de desenvolvimento de produto por meio da ES pode facilitar a introdução de inovações construtivas e dar a essas inovações um caráter mais multidisciplinar que considere as várias implicações para a qualidade do produto e do processo de uma inovação. Assim, por exemplo, a introdução de novas práticas de produção de laje de concreto, que elimina ou reduz o contrapiso (“laje zero” ou “laje plana”), deve considerar também soluções para manter níveis aceitáveis de conforto acústico sem o que se racionaliza a obra à custa de um prejuízo no desempenho do produto (Souza, 1996). De fato, o estudo mutidisciplinar das inovações construtivas pode agilizar o processo de inovação e garantir uma maior confiabilidade, eficiência e eficácia para as ações de racionalização propostas. 7.4.2.3 Inovação na gestão Na construção contemporânea de edifícios as inovações na gerência e gestão dos processos e do empreendimento têm ganhado grande impulso, principalmente com a introdução de sistemas de gestão da qualidade (ver item 7.4.3). De fato, a introdução de novas formas de gestão parece ser a inovação mais demandada pelos clientes e perseguida pelas empresas da cadeia de produção da construção nos últimos dez anos, demarcando uma importante nova trajetória de inovação no setor. 197 A ES aplicada ao processo de projeto pode ser percebida como uma nova filosofia de projeto que demanda e fomenta a introdução de inovações na forma de gestão dos agentes e tarefas de projeto. Criar um ambiente propício à colaboração e à integração entre os agentes do projeto requer rever as práticas estabelecidas e desenvolver mecanismos e ferramentas próprias à filosofia que se deseja implantar. Assim, a própria ES se coloca como indutora da inovação nos modelos de gestão do setor, e sua aplicação depende da disposição dos agentes produtivos em inovarem suas práticas gerenciais. 7.4.3 Qualidade e atendimento aos clientes A implantação de sistemas de gestão e a busca de certificados de qualidade são crescentes nas empresas do setor de construção. Num movimento impulsionado pela maior conscientização dos consumidores e pelas políticas indutivas de importantes órgãos públicos como a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) e a Caixa Econômica Federal (principal agente financeiro de habitações no Brasil), as empresas de construção têm sido pressionadas a implantarem sistemas de gestão da qualidade, certificados segundo diferentes “normas”. A CDHU só contrata empresas de construção que sejam certificadas pelo sistema Qualihab (Qualidade na Habitação). A Caixa só libera empréstimos para construtoras que tenham sistema de gestão da qualidade certificado pelo Sistema de Qualificação de Empresas de Construção (SIQ-C) de acordo com o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-H)44. Hoje mais de 830 empresas brasileiras de construção estão qualificadas em algum dos diferentes níveis de certificação do SIQ-C do PBQP-H de acordo com informações disponíveis no web-site do programa PBQP-H. 44 Informações sobre os sistemas SIQ-C do PBQP-H e do Qualihab podem ser obtidas receptivamente nos sites: http://www.pbqp-h.gov.br e www.cdhu.sp.gov.br/http/qualihab/abertura/teabertura.shtml, acessados pela última vez em 21/02/2002. 198 Conforme destaca Jobim (2000), apesar do conservadorismo das empresas de construção, um grande número delas encontra-se engajado em programas de gestão da qualidade e elas estão preocupadas em promover melhorias em seus processos, particularmente no que tange à padronização de produtos. Entretanto, o mesmo dinamismo não é verificado em outros segmentos da cadeia de produção da construção civil, especialmente nas empresas de projetos de arquitetura e engenharia civil e nas empresas subempreiteiras. No segmento de empresas prestadoras de serviços de projeto de arquitetura e engenharia consultiva a quantidade de empresas certificadas é bem mais modesta. Alguns levantamentos apresentados em um encontro sobre gestão de projetos em 2001 (Workshop, 2001) apontam para um pequeno mas crescente número de empresas de projeto certificadas ou em processo de certificação. O Ceará abriga o primeiro escritório de arquitetura com sistema de gestão da qualidade certificado de acordo com a ISO 9001 no país. Em 2001, segundo levantamento de Nobre; Barros Neto (2001), havia no estado dois escritórios de projeto com sistemas certificados ISO 9001. No Rio Grande do Sul, segundo levantamentos de Jobim (2001) existiam, quando da realização dos levantamentos, dois escritórios de projeto, um de estrutura e outro de arquitetura, com sistemas de gestão da qualidade certificados com a ISO 9001. Além disso, um grupo de escritórios havia concluído um programa de qualificação em qualidade total fornecido por uma empresa de consultoria externa e destes, três desenvolveram e implantaram procedimentos de controle e gestão da qualidade e estavam aptos a pedir auditoria com vistas à certificação, mas dois deles não pretendiam passar pela auditoria por considerar que o mercado e seus clientes não valorizavam suficientemente o certificado. No estado do Rio de Janeiro, segundo levantamento de Duarte; Salgado (2001) junto aos organismos certificadores, até 29/09/2001 havia onze empresas de projeto com processos certificados, a maioria com atuação voltada a projetos de instalações petroquímicas. 199 Em Belo Horizonte, capital mineira, segundo relatos do pesquisador Paulo Andery durante a mesa redonda sobre certificação de sistemas de gestão da qualidade em empresas de projeto no referido Workshop existiam pelo menos dezessete empresas de projeto engajadas em um programa de capacitação para implantação da gestão da qualidade para posterior certificação, e uma empresa de projeto certificada ISO 9001. Em São Paulo, estimativas realizadas por participantes da mesa redonda apontavam um número de mais de quarenta escritórios com sistemas certificados ou em preparação para obter o certificado ISO 9001. Com a perspectiva da implantação do PSQ de projetos pela CDHU e pelo programa PBQP-H até o final do ano, a pressão para certificação de escritórios de projeto deve aumentar e um número maior de empresas de projeto deve ser sensibilizado para implantação de sistemas de gestão da qualidade. 7.4.4 Integração entre sistemas de gestão da qualidade no âmbito dos empreendimentos Nos empreendimentos de construção, coabitam empresas com e sem sistema de gestão da qualidade. Quando existem, os sistemas de gestão da qualidade são independentes e voltados para as particularidades de cada agente, não respondendo pelo empreendimento como um todo. É preciso perceber que a simples existência de sistemas de gestão da qualidade nos diversos agentes não garante a gestão da qualidade do empreendimento, e a gestão da qualidade do empreendimento não pode ser tratada como uma questão interna de cada um dos agentes participantes. É preciso que tais sistemas e a atuação de cada integrante do processo de produção sejam integrados de forma a garantir um todo harmônico e coerente. Com o propósito de integrar em um empreendimento especifico os diferentes sistemas de gestão da qualidade, Melhado (1999 e 2001) analisa a experiência francesa e propõe a realização do “Plano de Qualidade do Empreendimento” como elemento aglutinador dos diferentes sistemas de gestão das empresas envolvidas em um empreendimento. 200 Nesse sentido, a coordenação entre os sistemas de gestão e os esforços de melhoria da qualidade devem começar pelo projeto, uma vez que é nessa fase do empreendimento que são tomadas as principais decisões, com as maiores repercussões em termos de custos e qualidade. A metodologia de desenvolvimento de produto pela Engenharia Simultânea tem justamente a pretensão de integrar, no projeto, os vários agentes e interesses presentes no empreendimento. Considerando o ciclo da qualidade (figura 31a) proposto por Melhado (1994) para representar a importância do projeto para a qualidade das demais fases do empreendimento, fica claro que para se obter os melhores resultados no projeto este deve considerar as suas implicações nas demais fases do empreendimento e os interesses e experiências dos agentes envolvidos nessas fases. PROJ ETO FABRICAÇÃO DE MATERIAI S E COMPONENTES DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO PLANEJ AMENTO USO/OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO FABRICAÇÃO DE MATERIAIS E COMPONENTES DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO PLANEJAMENTO EXECUÇÃO DA OBRA NECESSIDADES DO USUÁRIO (a) PROJETO PROJ ETO EXECUÇÃO DA OBRA NECESSIDADES DO USUÁRIO (b) USO/OPERAÇÃO E MANUTENÇÃO Melhado (1994) Figura 31. Ciclo da qualidade na construção: (a) as implicações do projeto no ciclo da qualidade; (b) agentes e etapas a serem considerados no desenvolvimento da qualidade durante o projeto. Portanto, a implantação de metodologias derivadas da ES no desenvolvimento do projeto de edifícios é uma importante inovação que vai ao encontro da necessidade de integrar os agentes e os sistemas de gestão presentes em um empreendimento de construção. Colabora com a ampliação da qualidade dos produtos e a satisfação dos clientes, o que representa uma das principais vantagens que um ambiente de 201 desenvolvimento de projeto por meio da ES poderia trazer para a construção de edifícios. 7.4.5 Construtibilidade Construtibilidade, numa visão particularizada a etapa de projeto, é definida por O´Connor; Tucker (1986) apud Franco (1992) como “...a habilidade das condições do projeto permitir a ótima utilização dos recursos da construção”. Ou seja, a construtibilidade do projeto é percebida como a capacidade de o projeto direcionar e interagir com os sistemas de produção de forma eficiente. Numa definição mais abrangente CII (1987) apud Franco (1992) aponta construtibilidade como “o uso otimizado do conhecimento das técnicas construtivas e da experiência nas áreas de planejamento, projeto, contratação e da operação em campo para se atingir os objetivos globais do empreendimento”. Com essa abrangência fica ressaltada a pertinência do envolvimento, no planejamento do empreendimento e nos projetos, o pessoal de produção de forma a confederar precocemente a construtibilidade ao longo das várias etapas do empreendimento. A construtibilidade dos edifícios está em parte relacionada à introdução de inovações tecnológicas e construtivas que racionalizam a obra ou parte desta (discutido no item 6.4.2). Por outro lado, a construtibilidade está diretamente ligada à qualidade das soluções projetuais, à integração entre os projetos e dos projetos com o sistema de produção da obra. A qualidade e o detalhamento das soluções projetuais é importante para disponibilizar, ao pessoal da obra, o que se espera do produto e dos subsistemas construtivos. Nessa mesma direção. a integração das soluções de especialidades e a compatibilidade das informações presentes nos vários projetos são fundamentais para que a obra possa executar os susbistemas sem interferências não previstas. Outro aspecto importante é a compatibilidade entre as soluções projetuais e a capacitação da mão-de-obra e da empresa de forma que boas soluções teóricas não sejam comprometidas por uma execução inadequada. Nesse sentido, os projetos para 202 produção têm um importante papel na construtibilidade das obras à medida que por meio deles se desenvolve precocemente as soluções construtivas, contribuindo para integram os projetos do produto com o sistema de produção da empresa. Desta forma, Romero (2002) sugeri que os projetos para produção podem ser vistos como um mecanismo de validação dos projetos do produto quanto a sua construtibilidade. Para facilitar a interação com a execução os projetos devem, também, ser claros, transparentes e facilmente manuseáveis para permitir que as informações sejam interpretadas e compreendidas na obra.45. Portanto, uma destacada vantagem e justificativa para o desenvolvimento de produtos por meio de práticas colaborativas aos moldes da ES é a integração do projeto do produto ao projeto para produção e a obra, ampliando a construtibilidade e, conseqüentemente, a qualidade e a produtividade do processo de produção. 7.5 DEFINIÇÃO DE PROJETO SIMULTÂNEO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS A proposta de Projeto Simultâneo desenvolvida parte dos conceitos e filosofias de colaboração que norteiam a aplicação da ES em outras indústrias, mas não pretende impor ao setor de construção a rigidez e a complexidade dos métodos e das ferramentas associadas a ES. Procura-se, portanto, o desenvolvimento de um modelo próprio de gestão do processo de projeto que seja orientado às características e possibilidades setoriais, mas reflita os paradigmas contemporâneos de organização de projetos e as novas possibilidades tecnológicas no tratamento e organização dos fluxos de informações. 45 No estudo de caso na empresa A1 o desenvolvimento de um novo sistema de codificação e apresentação de projetos, com cores distintas para cada especialidade, uso de ícones para representar informações como ponto de luz, telefone, etc. e a apresentação de projetos em folhas A3, exemplificam possíveis esforços para ampliar a transparência dos projetos aos operários e facilitar o manuseio destes na obra. 203 Explorada as restrições e as condições para introdução de práticas de ES no processo de projeto de construção (item 7.4), parte-se para a proposição de formas e adaptações para viabilizar tal aplicação. O primeiro questionamento necessário é relativo à pertinência da denominação Engenharia Simultânea frente às práticas e problemáticas projetuais do setor de construção de edifícios. De fato, a complexidade do empreendimento de edifício que envolve questões imobiliárias, urbanísticas, tecnológicas, construtivas, culturais e históricas (ver item 4.4) transcende o escopo restrito das engenharias e torna o termo Engenharia Simultânea limitado frente ao conjunto de profissionais e problemáticas envolvido no processo de projeto do setor. Por esta razão, optou-se pela utilização da denominação “Projeto Simultâneo” proposta inicialmente em Fabricio; Melhado (1998c). A denominação Projeto Simultâneo denota a ênfase dada às questões de gestão do processo de projeto e a busca pela colaboração e paralelismo na atuação dos agentes e na concepção integrada das diferentes dimensões do empreendimento. O conceito de Projeto Simultâneo deve ser entendido como uma adaptação (ao setor) da Engenharia Simultânea que busca convergir, no processo de projeto do edifício, os interesses dos diversos agentes participantes do ciclo de vida do empreendimento, considerando precoce e globalmente as repercussões das decisões de projeto na eficiência dos sistemas de produção e na qualidade dos produtos gerados, envolvendo aspectos como construtibilidade, habitabilidade, manutenibilidade e sustentabilidade das edificações (Fabricio; Melhado, 2001). Outra questão considerada é que a organização “social” do processo de projeto (item 5.4) deve, o quanto possível, respeitar as lógicas intelectuais de desenvolvimento do projeto (item 5.3) e a atuação dos diversos projetistas e ser sincronizada de forma que os diferentes projetos amadureçam simultaneamente e as decisões projetuais sejam tomadas a partir de abordagens multidisciplinares dos problemas projetuais. Em síntese, como Projeto Simultâneo na construção de edifícios define-se: 204 O desenvolvimento integrado das diferentes dimensões do empreendimento, envolvendo a formulação conjunta da operação imobiliária, do programa de necessidades, da concepção arquitetônica e tecnológica do edifício e do projeto para produção, realizado por meio da colaboração entre o agente promotor, a construtora e os projetistas, considerando as funções subempreiteiros e fornecedores de materiais, de forma a orientar o projeto à qualidade ao longo do ciclo de produção e uso do empreendimento. Os principais elementos considerados para implantação da filosofia de Projeto Simultâneo na construção de edifícios são: • Valorização do papel do projeto e integração precoce, no projeto, entre os vários especialistas e agentes do empreendimento; • Transformação cultural e valorização das parcerias entre os agentes do projeto; • Reorganização do processo de projeto de forma a coordenar concorrentemente os esforços de projeto; • Utilização das novas tecnologias de informática e telecomunicações na gestão do processo de projeto. Os objetivos considerados mais relevantes para aplicação do Projeto Simultâneo na criação e desenvolvimento de novos empreendimentos de edifícios são (pela ordem): 1. Ampliar a qualidade do projeto e, por conseguinte, do produto; 2. Aumentar a construtibilidade do projeto; 3. Subsidiar, de forma mais robusta, a introdução de novas tecnologias e métodos no processo de produção de edifícios; 4. Eventualmente, reduzir os prazos globais de execução por meio de projetos de execução mais rápida. 205 7.6 DIRETRIZES PARA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO SIMULTÂNEO NO PROCESSO DE PROJETO DE EDIFÍCIOS Com base na análise do processo tradicional de projeto dos empreendimentos de construção brasileiros (capítulos 4 e 5) e das características da ES como filosofia de gestão de projeto (capítulo 6) identificaram-se três principais transformações no processo de projeto para viabilizar uma maior colaboração entre os agentes e integrar as etapas desse processo no ambiente da construção de edifícios. Como tais transformações são interrelacionadas no processo de projeto, a implantação do desenvolvimento simultâneo de projetos deve tratar de forma concomitante e integrada as três mudanças (figura 32). A primeira mudança diz respeito às transformações na cultura dos agentes envolvidos de forma a extrapolar as limitações das mediações contratuais e criar uma nova disposição de cooperação técnica entre os projetistas, construtores e promotores. Cultura dos agentes Organização do processo de projeto Tecnologia de apoio ao projeto Figura 32. Eixos de transformações para implantação do Projeto Simultâneo Outra vertente diz respeito à apropriação das novas tecnologias de informática e telecomunicações como ferramentas que facilitam a comunicação virtual à distância e permitem um novo ambiente cognitivo e tecnológico para o processo de projeto. A terceira vertente trata da organização das atividades de projeto de forma a permitir a coordenação precoce e o desenvolvimento em paralelo das diferentes especialidades de projeto e desenvolvimento de produto. 206 7.6.1 Transformações culturais A primeira alteração para viabilizar um ambiente propício para implantação da filosofia de Projeto Simultâneo na construção de edifícios é criar novas formas de relacionamento entre os agentes do projeto, visando aprimorar o intercâmbio técnico entre estes e permitir um desenvolvimento de produto mais orientado ao cliente. Numa indústria fragmentada, composta preponderantemente por pequenas empresas e contingenciada pela sazonalidade na demanda e no processo produtivo, a integração a partir da verticalização da produção do projeto (internalização das diferentes etapas de projeto em uma única empresa) não se mostra uma alternativa promissora. Assim, a saída para aprimorar o intercâmbio técnico entre os agentes do projeto deve necessariamente passar por novas condutas de relacionamento, com a aproximação entre os interesses e as formas de atuação de cada agente envolvido. Para tanto, é necessário, como destacam Melhado; Fabricio (1998), substituir a integração contratual vigente por relações de parcerias que sejam pautadas pela confiança recíproca entre os agentes do processo de projeto. 7.6.1.1 O papel das parcerias na indústria contemporânea Na indústria contemporânea, a aproximação entre empresas, por meio da formação de parcerias, alianças estratégicas, etc., é uma tendência inquestionável. A indústria (particularmente inspirada pela automobilística) desenvolveu e utilizou, ao longo do século, algumas estratégias já tradicionais para lidar com a sua rede de fornecimentos, conforme detalham Womack et al. (1990): uma primeira estratégia consiste em selecionar fornecedores independentes, por meio de concorrências de preço, para o fornecimento dos materiais e componentes com determinados padrões, especificações e normatização a serem atendidos. Essa é a estratégia predominante na construção de edifícios e tem a vantagem de dotar a empresa de grande flexibilidade, na medida em que os custos e as responsabilidades pela produção são rateados entre várias empresas e 207 as flutuações no volume de produção são imediatamente refletidas nos volumes de compra. As críticas a esta estratégia recaem sobre os resultados pobres em termos de coordenação entre os produtos e serviços fornecidos e a pequena sinergia entre os processos dos fornecedores e das empresas clientes; uma estratégia antagônica à primeira foi desenvolvida por Henry Ford, no início do século, a de realizar dentro da própria empresa todos os componentes necessários a sua linha de produção, de forma que a empresa controle o maior número possível de etapas da cadeia produtiva. Além de essa estratégia ser viável apenas para grandes empresas com significativas escalas de produção e condições de assumir os investimentos financeiros, uma série de outros inconvenientes vêm da dificuldade em organizar, coordenar, gerir, manter milhares de pessoas envolvidas e numerosos equipamentos; uma solução derivada da estratégia de verticalização anterior foi desenvolvida pela GM de Alfred Sloan, nos anos 20: a criação de divisões decentralizadas dentro da própria companhia para realizar os insumos, buscando a criação de centros de lucro independentes de forma que se pudesse impor a eficiência e a competitividade de mercado às várias divisões, coordenadas pela empresa central. Persistem, porém, a necessidade de grandes investimentos e uma pequena flexibilidade , como na alternativa anterior. O primeiro problema das estratégias anteriores está na radicalização da política para obtenção dos insumos, de forma que ou se tem flexibilidade à custa de um precário domínio e pequena possibilidade de interferência nos processos de geração dos insumos (comprados segundo determinadas especificações, mas pelo menor preço), ou se tem um grande poder de controle dos processos de fabricação dos insumos, mas, em contrapartida, exige-se uma grande corporação cuidando e investindo na produção e pouca flexibilidade. Nessas estratégias, têm-se pequena abertura para o diálogo e cooperação com os fornecedores, independentemente de serem fornecedores internos ou externos à empresa. A necessidade de se estabelecer uma relação mais evoluída (de parceria) com os fornecedores é inerente às principais referências teóricas que vêm pautando as 208 mudanças empresariais e industriais do ponto de vista estratégico e operacional nos últimos anos, dentre as quais se podem destacar, segundo Merli (1994): • Gestão da Qualidade Total - filosofia / estratégia empresarial de origem japonesa; • Cadeia de Valores - estratégia empresarial e de concorrência; • Engenharia Simultânea – desenvolvolvimento integrado entre produto e processo; • Just-in-Time - estratégia de gestão da produção e dos fluxos. No quadro 6 são apresentadas algumas das principais conexões que evidenciam o papel das parcerias frente às várias correntes de modernização empresariais e industriais/operacionais listadas anteriormente. De forma contemporânea e ligada à perspectiva de empresas enxutas (lean), as parcerias com os fornecedores articulam-se aos processos de desverticalização ou desintegração vertical pelos quais as empresas eliminam, fundem ou terceirizam etapas de seus processos produtivos ou administrativos. Essa eliminação ou terceirização de atividades propicia uma maior flexibilidade empresarial à medida que transfere responsabilidades e riscos de parte do processo produtivo para os fornecedores e permite que a empresa se concentre em seus processos principais. Por outro lado, tal estratégia pressupõe, para ser bem sucedida, uma maior confiança e interação com os fornecedores, envolvendo até mesmo a transferência de tecnologia e de domínio entre processos conexos, que deve ser alicerçada por uma maior confiança mútua respaldada por parcerias que privilegiem a qualificação e a capacitação dos fornecedores frente às necessidades e estratégia de produção da empresa cliente. Um exemplo marcante que ilustra as afirmações anteriores, especificamente no caso da indústria automobilística, é a crescente transferência aos fornecedores da responsabilidade pelo fornecimento de sistemas completos (envolvendo vários componentes e serviços de montagem destes sistemas) que são entregues prontos no local e na hora adequados para serem utilizados pela linha de produção da montadora. Estratégias Operacionais Estratégias Empresariais 209 Gestão da Qualidade: Cadeia de Valores: Se o papel dos fornecedores já era bastante valorizado na primeira fase do movimento da qualidade – Controle da Qualidade, com a evolução da filosofia da qualidade tem-se valorizado, crescentemente, o papel de todos os envolvidos na cadeia produtiva numa estratégia – Group Wide Quality Control – que vincula a satisfação do cliente (interno e externo) às contribuições parciais dos vários participantes engajados nas empresas envolvidas no processo produtivo. Segundo a visão de cadeia de valores de Michael Porter (1989), a rentabilidade de uma empresa está atrelada a cinco forças competitivas: rivalidade entre os competidores, ameaça de entrada de novos concorrentes, poder de negociação dos compradores, ameaça de produtos substitutos e poder de negociação dos fornecedores. Assim, o sucesso competitivo de uma empresa depende dos resultados de sua cadeia de valores envolvendo as atividades desenvolvidas interna e externamente à empresa. Nesse contexto, o autor esclarece que uma empresa perfeita, colocada numa cadeia de negócios pouco atrativa e com clientes e fornecedores pouco capazes, está destinada ao fracasso, enquanto uma empresa, mesmo com falhas, colocadas entre fornecedores e clientes certos, tem grandes chances de obter êxito. Assim, pode-se colocar a satisfação dos clientes e, portanto, a qualidade como atreladas aos resultados globais alcançados no planejamento, projetos, produção, comercialização e assistência técnica dos produtos. Como os fornecedores estão envolvidos direta ou indiretamente nessas “etapas” do ciclo de vida do produto, a sua importância é clara. Do exposto, o relacionamento com os fornecedores surge como uma das variáveis chave para a competitividade das empresas. Engenharia Simultânea: Just-In-Time (JIT): Esta nova estratégia para o desenvolvimento de produtos está alicerçada na premissa de desenvolver integral e paralelamente todos os aspectos envolvidos ao longo do ciclo de produção e utilização dos produtos já a partir da concepção e projeto do produto, levandose em conta, principalmente, as interrelações entre características de produto x produção x utilização e, portanto, pressupondo a participação dos fornecedores desde o projeto. Baseada na filosofia de eliminação total de desperdícios - em especial de tempo – e na busca de processos contínuos, mas relativamente flexíveis, é uma forma de gestão da produção marcada pela eliminação de estoques por meio do fornecimento dos componentes já prontos e no momento de sua utilização. Tal lógica pressupõe uma grande confiança e sinergia com os fornecedores, de maneira a sincronizar o processo produtivo da empresa com o de seus fornecedores. Esta grande interação também pode demandar a capacidade de realizar projetos de componentes em conjunto com os fornecedores. Quadro 6. Correntes de modernização empresarial e operacional e as parcerias com os fornecedores Na construção, embora a desverticalização por meio da subempreita de serviços possa ser considerada um processo histórico, o fato novo é a recente preocupação de algumas construtoras com a qualidade dos serviços subempreitados e o surgimento de novos serviços mais qualificados, que envolvem o fornecimento não só da mãode-obra, mas também dos materiais e eventualmente de projetos especializados. Outra tendência rumo à desverticalização no setor é a oferta de novos materiais e componentes industrializados que englobam ou eliminam etapas do processo 210 produtivo (Silva et al. 1998). 7.6.1.2 Definição e escopos das parcerias As definições de uma relação de “parceria”, encontradas na literatura e nas experiências práticas, são bastante heterogêneas e variáveis. Como ponderam Cooper et al. (1996), apesar de muitos trabalhos acadêmicos, publicações na imprensa e manuais de empresas apresentarem conceitos, idéias ou realidades semelhantes, não existe uma definição universalmente aceita. Além disso, de acordo com as conveniências de cada setor, de cada empresa e mesmo de cada processo produtivo, as relações de parceria são moldadas com diferentes escopos, construindo níveis variáveis de interdependências entre os parceiros. “Parceria é um termo impreciso que abrange diferentes arranjos com vários graus de intensidade. Por tal razão, nenhuma definição única do termo é adequada (...)”. (Loraine, 1993 apud Cooper et al., 1996) Na construção de edifícios, a dificuldade em estabelecer uma definição única para o termo parceria é ainda maior, dado o variado poder de negociação das construtoras com seus fornecedores e o caráter discreto do processo produtivo (Fabricio, et al. 1999c). De fato, as parcerias podem ter dois níveis de abrangência: parcerias no âmbito do empreendimento isoladamente, ou parcerias nas relações entre diferentes empresas, perenes ao longo de diversos empreendimentos. Para tentar tipificar as parcerias, optou-se por classificá-las segundo três principais configurações identificadas na análise de diferentes referências de acordo com Barlow et al. (1997). A primeira configuração e a mais tradicional delas coloca a parceria como um compromisso contratual e de confiança que é assumido entre duas ou mais firmas para execução de um determinado empreendimento ou, em alguns casos, de vários empreendimentos. 211 Essa visão é bastante corriqueira na construção de edifícios na qual, freqüentemente, os subempreiteiros, projetistas, etc., são contratados ao longo do empreendimento e, a partir daí, são chamados de parceiros do empreendimento. Entretanto, na realidade, essas relações são bastante centradas nos aspectos contratuais e de imagem das empresas envolvidas, com pouco ou nenhum mecanismo que garanta a sinergia entre os agentes na concepção das múltiplas características do empreendimento. Trata-se, portanto, de uma visão restrita e limitada de “parceria” que não contempla maiores intercâmbios técnicos e inter-relações dos processos produtivos e de gestão dos envolvidos, o que torna a relação limitada e de fácil ruptura. Numa segunda configuração, restrita a um empreendimento, a parceria pode ser vista como a formação precoce da equipe do empreendimento. Nessa alternativa, as parcerias são efetuadas desde o início (na fase de concepção e projeto do empreendimento), permitindo aos parceiros discutirem antecipadamente as interfaces quando as possibilidades de intervenção nos custos e de eliminação de problemas é maior. Está contida, nesses casos, a inter-relação dos processos dos envolvidos, mas apenas para a execução de um empreendimento único, sem prever continuidade em outros empreendimentos. Tal alternativa é mais adequada para grandes obras de construção de indústrias ou de infra-estrutura, que são realmente únicas e têm porte suficiente para demandar tal esforço de coordenação entre empresas e processos para um único empreendimento, de forma a permitir a antecipação e resolução dos problemas, mas com restrições quanto à busca da melhoria contínua e do aprimoramento da relação entre os envolvidos (Fabricio, et al. 1999c). Com tal entendimento, Mosley et al. (1993) apud Barlow et al. (1997) caracterizam parceria como sendo uma forma de planejamento estratégico visando à ampliação da eficiência do empreendimento de grandes obras. Por fim, a configuração de parceria potencialmente de maior impacto nos processos e na competitividade das empresas, embora de mais difícil operacionalização, é a formação de alianças duradouras que permitam a melhoria contínua, ao longo do 212 tempo, nas interfaces entre os processos dos parceiros, ampliando a sinergia entre as empresas envolvidas. Duas definições, apresentadas a seguir, ilustram os principais elementos desse tipo de relação de parceria: “...Parceria é um compromisso a longo prazo entre duas ou mais organizações com a finalidade de alcançar objetivos empresariais específicos maximizando a efetividade dos recursos de cada participante. Isto requer a mudança da relação tradicional para uma cultura compartilhada sem levar em conta limites organizacionais. A relação é baseada em confiança, dedicação para metas comuns, e uma compreensão das expectativas individuais e valores do outro” (CII,1991). “... aproximação administrativa entre duas ou mais organizações usada para alcançar objetivos empresariais específico voltados para maximização da efetividade dos recursos de cada participante. Esta aproximação está baseada em objetivos mútuos, um método acordado de resolução de resolução de problemas e uma procura ativa de mensuráveis melhorias contínuas” (Bennet; Jayes, 1995 apud Barlow et al., 1997). Assim, fala-se, neste último caso, de interdependências que vinculam em determinada medida o sucesso de uma empresa ao desempenho de seu parceiro e à capacidade de se buscar conjuntamente processo e produtos mais evoluídos e de maior aceitação pelo mercado. Nesse caso, as parcerias podem ser entendidas como uma ligação duradoura baseada na competência técnica e no intercâmbio de informações, na qual os custos dos serviços ligados relacionados ao projeto são relativizados pelo potencial de melhoria no processo de produção e na qualidade do produto, que podem ser conseguidos com projetos melhores e mais adequados às necessidades construtivas e de uso (adaptado de Fabricio; Melhado, 1998a). Espera-se fundamentalmente que as empresas possam criar redes de parceiros que, selecionados por critérios técnicos e de relacionamento, além dos critérios de concorrência, ampliem a sua capacidade técnica frente aos projetos dos empreendimentos. 213 No processo de Projeto Simultâneo do empreendimento, as parcerias devem abranger desde o início da montagem do empreendimento, o promotor, a construtora e os projetistas e considerar as contribuições dos subempreeiteiros e dos fornecedores de materiais. Com relação aos subempreiteiros e fornecedores de materiais o envolvimento precoce, desde o projeto, é mais complicado no setor. No caso dos fornecedores de materiais, o elevado número de empresas e produtos envolvidos, sua heterogeneidade e, em muitos casos, o grande porte do fornecedor, dificultam a mobilização de representantes desses agentes durante o processo de projeto. Em alguns casos como retrata o estudo de caso A1 e A2 existem até relações estabelecidas de parcerias com os fornecedores, mas tais parcerias visam, no primeiro caso, principalmente divulgar para os clientes o uso de insumos de marcas consagradas e conseguir melhores condições de compra e, no segundo caso, garantir que materiais de qualidade e padronizados possam ser especificados nos projetos, garantindo a sua construtibilidade. Com relação aos subempreeiteiros, muitas empresas teriam dificuldade de mobilizar o subempreiteiro durante o projeto, muito antes da atuação desse agente na obra. Uma solução intermediária pesquisada por Souza (2001) é o desenvolvimento de estudos de preparação pré-obra que permitam complementar as definições dos projetos para produção e do planejamento de obra com a participação de todos os agentes envolvidos imediatamente antes do início da construção. 7.6.2 Transformações organizacionais O outro ponto central da filosofia de Projeto Simultâneo, além das transformações culturais, é a necessidade de que as decisões e criações de projeto ocorram de forma integrada. Para tanto os agentes do empreendimento devem ser mobilizados precocemente no projeto e orientar a atuação individual por objetivos coletivos comuns. Essa postura deve perdurar ao longo de todo o empreendimento com o serviço de projeto se estendendo até a entrega da obra e mesmo após ela, na fase de uso, operação e manutenção. 214 Para tanto, o processo de projeto deve ser articulado com a gestão do empreendimento de forma que ele permeie, com diferentes inserções, as várias fases do ciclo de vida do edifício. Na construção, como destaca Bobroff (1993), o processo de produção é organizado em torno de empreendimentos, únicos e não repetitivos. Apesar disso, segundo a autora, a gestão da produção é conduzida por atividades e não por empreendimentos como seria desejável. De fato, para viabilizar um empreendimento são mobilizadas diferentes empresas com distintos papéis ao longo do processo de produção. Cada um desses intervenientes, como pondera Melhado (2001), apresenta sistemas de gestão próprios e desarticulados. Gobin (1993) destaca que a construção deve criar condições para organizar o processo de desenvolvimento de forma a convergir esforços, focando no atendimento ao cliente / usuário desde o início do processo (figura 33). CLIENTE (necessidades) PROGRAMAÇÃO PROJETO Fornecedor de materiais CONSTRUÇÃO PRODUTO (desempenho) Subempreiteiro adaptado de Gobin (1993) Figura 33. Convergência dos esforços de projeto Além disso, segundo Andery et al. (2000), no planejamento dos projetos deve-se considerar, em todas as fases, os requisitos e expectativas dos clientes e usuários, contemplando duas dimensões de valor: 215 • soluções técnicas que garantam que os edifícios atendam às expectativas do cliente; • a eliminação de incertezas nos projetos, de retrabalhos e da necessidade de desenvolvimento de soluções durante a obra, ampliando a racionalidade e construtibilidade dos projetos. Para viabilizar essas transformações o primeiro passo é romper com a organização hierárquica do processo de projeto e reavaliar o organograma de desenvolvimento de projeto de forma a privilegiar a coordenação de esforços. A segunda questão, tratada no item 7.8, é planejar o processo de projeto de forma a privilegiar a interatividade entre os agentes e respeitar o processo intelectual de desenvolvimento de cada especialidade ou dimensão do projeto. Numa perspectiva ampla do processo de projeto (conforme definido no item 4.1), a gestão das interfaces de projeto deve ser percebida como a integração entre as cinco principais dimensões que compõem o desenvolvimento de um empreendimento imobiliário (item 5.4.1). Nesse contexto, a atividade de gestão das múltiplas interfaces ganha complexidade, e a busca por um processo de projeto simultâneo deve privilegiar a participação integrada de todos os agentes nos vários níveis decisórios de concepção e desenvolvimento do empreendimento. Um novo modelo de integração das decisões de projeto e dimensões do empreendimento requer primeiramente um novo paradigma nas relações entre os agentes envolvidos. Nesse ponto destaca-se a necessidade de parcerias (item 7.6.1) que permitam superar a mediação contratual entre os agentes e estabelecer novas práticas de colaboração. Por outro lado, é preciso substituir o modelo seqüencial – hierárquico de organização do processo de projeto por outro mais apto às novas práticas de colaboração entre os agentes. Na indústria seriada diversas referências sobre Engenharia Simultânea (item 6.3.4) também apontam a uma série de questionamentos relativos à estrutura organizacional 216 funcional-hierárquica devido à sua rigidez e inaptidão aos níveis de interação exigidos pelo desenvolvimento em paralelo de vários aspectos do produto e do processo. Como solução a literatura apresenta duas alternativas, o desenvolvimento de estruturas funcionais – cruzadas (solução mais encontrada) ou a organização do processo segundo modelos matriciais. Na construção a situação é ainda mais complexa, pois, além da predominância de uma estrutura organizacional hierárquica internamente a cada empresa, o processo de projeto depende de diversas empresas com organizações e linhas de comando próprias. Na busca por agilidade organizacional é necessário que os times de projeto sejam montados desde o início do processo com representantes dos diversos agentes e empresas (promotor, projetistas de engenharia e arquitetura, construtores, e usuários ou representante destes). Com esse propósito é preciso redefinir o organograma organizacional do processo de projeto de forma a privilegiar a formação de times de projeto transversais às estruturas funcionais das várias empresas envolvidas. Por outro lado, é preciso reconhecer que a ascendência e a missão de cada agente variam conforme o tipo de decisão e admitir que durante a totalidade do processo de projeto diferentes pessoas e empresas se intercalam no comando das decisões. Um possível modelo seria manter um revezamento na condução da gestão do processo de projeto do empreendimento entre diferentes agentes, em função da natureza das questões abordadas e da abrangência das decisões, mas reforçar a mobilização de todos os envolvidos no empreendimento e valorizar a condução multidisciplinar do projeto. Assim, durante a montagem da operação imobiliária a gestão do processo naturalmente deve ser assumida pelo promotor ou representante deste, que deve coordenar a atuação dos demais agentes do projeto mobilizados precocemente para 217 participar desta fase, principalmente o coordenador de projetos que deve ser ouvido nas decisões estratégicas do empreendimento e tomar parte da seleção dos demais projetistas. Num segundo momento de desenvolvimento dos projetos um coordenador engenheiro ou arquiteto (ver item 7.7.2) deve assumir o papel de fomentar e integrar a participação dos diversos envolvidos, principalmente entre os projetistas de produto e da produção. Numa terceira fase, a gestão da obra deve coordenar a participação dos projetistas e os serviços de apoio à execução. Por fim, quando for o caso, o usuário, operador do empreendimento, síndico ou administrador de condomínio pode ser considerado um quarto gestor, que vai ter a função de operar e manter o edifício. Portanto, a composição das equipes e as decisões, nos vários níveis, devem envolver representantes de todos os agentes do empreendimento de forma a discutir multidisciplinarmente os problemas e alternativas em cada etapa do processo de projeto. Dessa forma, dá-se ênfase à gestão das interfaces do processo de projeto (ver item 7.7) e à colaboração precoce entre agentes do projeto. Com isso, preservam-se em parte as linhas hierárquicas tradicionais, mas ampliam-se as equipes e altera-se a conduta durante as decisões de interfaces. A operacionalização dessas interfaces colaborativas é tratada, de forma genérica, no item 7.8 e ilustrada pela figura 40. 7.6.3 Transformações tecnológicas O processo de projeto pode ser caracterizado como intensivo em conhecimento e seu principal “insumo” é o projetista. Apesar disso, uma série de dispositivos e “tecnologias” sempre foi usada para mediar e suportar o raciocínio (Levy, 1993). As réguas de cálculo, as técnicas e instrumentos de desenho, etc. são exemplos de mecanismos que interagem com as práticas projetuais. Contudo, atualmente novas tecnologias de processamento de informação impactam o processo de projeto de forma muito mais contundente. 218 Em meados da década de 1980 os microcomputadores e os sistemas operacionais “amigáveis” se tornaram acessíveis a um grande número de usuários. O desenvolvimento em 1984 do “Apple Macintosh” que introduziu o “mouse”, os “ícones” e seu sistema operacional em janelas, aproximando de forma considerável o computador do usuário comum (não especializado), dá início a um novo paradigma de interface entre homem e computador46 (Breton, 1991). Nos anos noventa o sistema MS-Windows leva o conceito das janelas e ícones para a plataforma PC. Nos escritórios de projeto brasileiro a informatização ganha corpo ao longo dos anos noventa e nos dias atuais é difícil encontrar um escritório de arquitetura e engenharia que não faça nenhum uso de computadores. Com o advento dos computadores e o desenvolvimento de uma série de programas (CADs, modeladores de imagem, programas de cálculos de estruturas, instalações, etc., programas de planejamento, de gestão e controle de projetos com auxílio de extranets, etc.) as tecnologias de apoio ao projeto tornam-se mais complexas e poderosas, além de mais dispendiosas. Apesar de recente, os impactos da tecnologia da informação na forma de pensar e organizar o processo de projeto já são imensos e certamente se intensificarão no futuro dado que os projetistas ainda estão se adaptando a esses instrumentos e começando a tirar proveito das novas possibilidades. Ao longo dos próximos anos, à medida que os dispositivos técnicos evoluam e os projetistas se familiarizem com a informática, é possível supor que os computadores e programas desempenhem um papel tão importante, nos projetos, como o desenho e a abordagem tecnológica das construções representaram no passado (ver item 5.1). Com o advento do computador e a conseqüente facilidade e velocidade de realização de operações matemáticas complexas, surgem na área de engenharia os programas de cálculo que permitem um significativo aumento de produtividade no desenvolvimento de muitas rotinas de projeto. 46 A interface entre homem e máquina (computadores) desempenha fundamental importância, para a disseminar a informática pela sociedade, que só por meio de uma intermediação adequada entre as lógicas do computador e os sentidos humanos poderão permitir que a exploração das possibilidades abertas por essas tecnologias, para o pensamento e a criação humana. 219 A informática viabiliza o emprego de métodos numéricos de dimensionamento, mais precisos e trabalhosos. Um exemplo é o uso crescente de técnicas de cálculo de estruturas por elementos finitos que permite obter estruturas mais esbeltas e econômicas, mas são inviáveis de serem operacionalizados por meio de cálculos realizados manualmente. Outra tendência no projeto de edifícios é a utilização de softwares de auxílio ao projeto (CADs – Computer Aided Design), aumentando a precisão e a velocidade no desenvolvimento de desenhos técnicos e, principalmente, cria um novo ambiente de expressão projetual. Os programas de CAD exigem um processo de desenho muito mais preciso que no papel. Com isso, os esboços livres tendem a perder espaço para desenhos mais elaborados impostos pela rigidez dos softwares que não aceitam informações ambíguas. Essa rigidez dificulta a utilização do CAD nas fases iniciais quando o desenho livre é uma forma de raciocínio criativo (ver item 5.3). De fato, muitos projetistas preferem fazer a criação no papel e só depois migrar para ambiente de CAD (Camargo et al., 1996, Pinto, 2000). Com a informática os projetistas têm uma maior facilidade de modificar desenhos e soluções projetuais, isso tem levado a uma perda de clareza entre as fronteiras das etapas de amadurecimento de projeto. É cada vez mais comum encontrar desenhos extremamente detalhados logo no começo do projeto desassociado de conteúdo e maturação que justifiquem tais detalhes. Por outro lado, a facilidade de mudança faz com que projetistas e clientes considerem a possibilidade de alterações substanciais no projeto mesmo quando este já está bastante avançado e resolvido, implicando retrabalhos pela constante revisão dos conceitos do projeto. De fato, o CAD tende a ampliar a precisão dos desenhos nas fases iniciais de desenvolvimento do projeto, alcançando níveis que, no processo convencional, são compatíveis com as etapas de detalhamento. Verifica-se uma antecipação do projeto que, na maioria dos casos atuais, significa um detalhamento precoce, antes de se ter informações e definições suficientes. Por outro, a maior precisão e a facilidade de 220 gerar possibilidades podem subsidiar um processo de simulação, comparação e validação das soluções enquanto estas ainda estão sendo elaboradas. Combinando as capacidades de cálculo e de processamento de imagens o computador propicia um grande potencial para realização de imagens virtuais e simulações. As imagens virtuais permitem representar realisticamente idéias e conceitos de projeto muitos antes que eles se tornem reais (construídos) e podem contribuir para uma melhor comunicação entre os projetistas e clientes. Contudo, mais do que facilitar na criação de imagens, a informática viabiliza a criação de modelos47, atribuindo às imagens uma série de características e propriedades dos objetos reais, criando virtualmente “mundos realísticos” nos quais é possível simular intervenções e analisar os resultados sem a necessidade de manipular os sistemas reais. Assim, o próprio modelo de imagem encontra-se em expansão a partir do seu processamento em meios computacionais; já não se trata mais de “ilustrar” conhecimentos acumulados com esquemas gráficos, a imagem é, neste caso, o instrumento com o qual a investigação se faz, pois ela é construída a partir de parâmetros (por ex.: temperatura, velocidade, campo magnético, densidade, etc.) fornecidos pelos sistemas físicos e matemáticos. “As vistas apresentadas não são imagens, mas modalidades de interação com a maquete virtual, destinadas a conduzir as experiências simuladas e a recolher as informações pertinentes” (Wissberg, 1993). Nos processos de projeto a simulação, há muito tempo, é utilizada na formulação e validação de idéias e conceitos (item 5.3.1) contudo, no projeto “analógico” (antes da utilização de computadores – Pinto, 2000) as simulações são mais intensas nas etapas 47 "A moderna ciência da computação denomina modelo um sistema matemático que procura colocar em operação propriedades de um sistema representado. 0 modelo é, portanto, uma abstração formal e, como tal, passível de ser manipulado, transformado e recomposto em combinações infinitas, que visa funcionar como a réplica computacional da estrutura, do comportamento ou das propriedades de um fenômeno real ou imaginário. A simulação, por sua vez, consiste basicamente numa `experiência simbólica' do modelo" (Machado, 1993, p.117). 221 iniciais de concepção (esboços), quando a exploração de múltiplas alternativas não apresenta um grande “custo” de tempo e esforço. Nas fases de desenvolvimento das soluções e especificações (cálculos, desenhos detalhados, maquetes) as simulações são utilizadas de forma menos intensa e são trabalhosas e demoradas. Com a crescente informatização dos escritórios de projeto verifica-se uma tendência, ou ao menos uma possibilidade, de estender as simulações para fases mais adiantadas do processo de projeto, envolvendo cálculos e maquetes eletrônicas que podem, com o auxílio do computador, ser realizados de forma mais rápida e menos onerosa. Esta mudança denota novas possibilidades projetuais que significam, talvez, descolar parte das habilidades projetuais ligadas à intuição para a simulação de possibilidades e análise comparativas dos desdobramentos de cada uma. Por fim, o impacto mais importante da tecnologia da informação no desenvolvimento simultâneo de projetos está relacionado com as novas possibilidades de telecomunicações e integração à distância de empresas e pessoas. “Os conhecimentos vivos, os savoir-faire e competências dos seres humanos estão prestes a ser reconhecidos como a fonte de todas as outras riquezas. Assim, que finalidade conferir às novas ferramentas comunicacionais? Seu uso mais útil, em termos sociais, seria sem dúvida fornecer aos grupos humanos instrumentos para reunir suas forças mentais a fim de construir intelectuais ou ‘imaginantes’ coletivos. A informática comunicante se apresentaria então como a infra-estrutura técnica do cérebro coletivo ou do hipercórtex de comunidades vivas. O papel da informática e das técnicas de comunicação com base digital não seria ‘substituir o homem’, nem aproximar-se de uma hipotética ‘inteligência artificial’, mas promover a construção de coletivos inteligentes, nos quais as potencialidades sociais e cognitivas de cada um poderão desenvolver-se e aplicar-se de maneira recíproca” (Levy, 1998). Com o avanço da telecomunicação associada à informática é cada vez mais freqüente a montagem de redes de colaboração entre profissionais e pessoas geograficamente distantes. Essa possibilidade é fundamental num setor marcado pela fragmentação e 222 num processo de projeto em que os agentes estão dispersos em diversas empresas e locais distintos. Com o desenvolvimento de diferentes softwares e ferramentas de apoio ao projeto (CAD, CAE, processamento de imagens, cálculos, planejamento, etc.) e de automação de escritórios (processadores de texto, planilhas, e-mail, etc.) um dos grandes desafios contemporâneos da tecnologia da informação aplicada ao projeto é a convergência entre tais ferramentas. De fato, a eficiência na colaboração no processo de projeto depende cada vez mais da compatibilidade e intercomunicação não só entre os agentes humanos, mas também, entre as ferramentas computacionais de apoio ao projeto. Anumba et al. (1997a e b) identificam sete níveis de comunicação entre agentes e softwares de projeto (figura 34): • Comunicação intradisciplinar entre as ferramentas de cálculo e apoio à engenharia (CAE) – nível 1; • Comunicação entre cada projetista e suas ferramentas computacionais (interface homem-máquina) – nível 2; • Comunicação entre os membros da equipe de projeto – nível 3; • Comunicação entre cada disciplina e a coordenação de projeto – nível 4; • Comunicações entre os diferentes estágios de amadurecimento do projeto – nível 5; • Comunicação entre a equipe de projeto e os agentes do empreendimento e clientes (terceira parte) – nível 6; • Comunicação entre ferramentas interdisciplinares de apoio ao projeto – nível 7. No estágio atual de desenvolvimento da tecnologia da informação muitos dos softwares utilizados em apoio ao processo de projeto são estanques e não interagem entre si. Interconectar e garantir a colaboração entre agentes e entre os sistemas 223 computacionais é um desafio que envolve tanto o amadurecimento tecnológico, como o desenvolvimento de processos de gestão eficazes para apoiar o processo de troca de informações entre indivíduos e programas. cliente 6 4 terceira parte arquiteteto 4 construtora 4 Para ferramenta Para ferramenta padrões de projeto 6 4 4 engenheiros instalações 2 1 engenheiro estruturas 2 T Supervisor da qualidade 4 2 1 1 2 T 1 6 T T 2 1 1 7 T 1 7 1 T T 2 T T 1 5 Estágios no ciclo de vida do emmpreendimento T ferramenta interdisciplinar Anumba et al. (1997a e b) Figura 34. Linhas de comunicação no projeto ao longo do ciclo de vida do empreendimento Na prática, o principal mecanismo que vem sendo utilizado para viabilizar a colaboração digital no processo de projeto são as extranets que permitem compartilhar bases de dados digitais entre diferentes projetistas, eliminando a necessidade de trocas de projetos em papel ou via e-mail. As extranets permitem armazenar e compartilhar diversas informações e documentos tais como orçamentos, cronogramas, planejamentos, arquivos de projeto, arquivos de 224 textos com memoriais, etc. em um endereço de uso restrito na web (Picoral; Solano, 2001; Schmitt et al. 2001). Nas extranets são centralizados em uma base de dados compartilhada todos os projetos que podem ser acessados e manipulados, com um sistema de download, upload que permite aos membros autorizados da equipe de projeto obter, via internet, as versões atualizadas dos projetos. As extranets possibilitam assim a automação do controle de versões e de inserções de novas informações de projetos. Em geral, também constam das extranets mecanismos de documentação de alterações e de troca de informações entre os envolvidos no processo de projeto que buscam otimizar a comunicação entre os membros da equipe de projeto e fomentar a colaboração entre os projetistas. Um dos limites atuais das extranets de uso comercial na construção brasileira é a impossibilidade de dois ou mais projetistas trabalharem on-line sobre o mesmo arquivo de projeto, ou seja, quando é dado donwload de um arquivo este documento não pode ser manipulado pelos demais projetistas até que retorne (por meio de upload) para a base central. Contudo, já existem sistemas de projeto (em geral, utilizados por grandes indústrias) que permitem compartilhar o mesmo arquivo de projeto em mais de um terminal, interligados também por vídeo conferência, permitindo a discussão e interação on-line de diferentes projetistas sobre um mesmo projeto. Outra dificuldade importante criada pelo emprego de extranets e meios eletrônicos de comunicação (e-mail, chat, etc.) é o vertiginoso aumento na quantidade e no fluxo de informações entre as pessoas. Na falta de procedimentos e de “normas de comportamento” claros sobre quais informações devem ser mandadas e para quais agentes, tem-se a tendência de enviar tudo para todo mundo gerando uma sobrecarga informacional que leva as pessoas, muitas vezes, a desconsiderar dados importantes perdidos no emaranhado de informações recebidas. Um outro problema recorente do uso inadequado e não sistematizado dos recursos da tecnologia da informação é a troca, entre projetistas, de arquivos projetos sem uma codificação e padronização comum dos layers que compõem os projetos. Além disso, 225 relato de projetistas chamam atenção da falta de confiabilidade das informações dos desenhos em CAD; com a facilidade de alteração de cotas e dimensões é comum que estas sejam modificadas sem a correspondente modificação na base de dados do desenho, por exemplo, decide-se alterar ligeiramente a medida de uma parede e se edita a cota sem modificar o desenho já que visualmente não se notará a diferença. Essa prática que no papel não traz maiores problemas, pode significar uma grande confusão quanto um projetista parte de um arquivo digital de projeto para desenvolver os desenhos e informações complementares. A tecnologia da informação tem se difundido rapidamente entre as empresas e agentes ligados ao projeto e à construção, entretanto, no estágio atual, a utilização dessas novas ferramentas ainda é limitada e problemática. Com a falta de formação na utilização de computadores e softwares, os projetistas têm uma aproximação empírica o que leva, em muitos casos, à subutilização ou uso inadequado da tecnologia. No quadro 7, baseado em Soibelman; Caldas (2000), são apontadas algumas das vantagens e limitações do uso de extranets na gestão das informações e arquivos de projeto. Vantagens • • • • • • criação de um banco de dados central de documentos do empreendimento; maior eficácia no controle de versões de projetos; velocidade e agilidade na troca de informações entre projetistas; diminuição nos erros de comunicação entre os membros do projeto; redução de custos de plotagem, cópias, mensageiros e correio; acesso controlado e customizado para cada usuário. Desvantagens • • • • • incompatibilidade entre o fluxo de informação e o fluxo do processo organizacional no processo de projeto; acúmulo excessivo de informação desnecessária pela falta de critérios para se avaliar a pertinência das informações; dificuldade de acesso à informação devido à grande variedade de tipos de dados existentes; falta de clareza das informações; tempo excessivo de espera por respostas devido à falta de mecanismos de monitoramento dos fluxos de informação. Quadro 7. Vantagens e desvantagens do uso de extranets na coordenação de projetos Como podemos observar no quadro 7, as principais desvantagens das extranets estão relacionadas mais com deficiências do processo de gestão do processo do que com os limites da tecnologia. 226 De fato, a possibilidade de colaboração ganha um importante apoio com as extranets, mas essa tecnologia não resolve os problemas de gestão envolvidos. Ao contrário, pode agravá-los devido ao aumento da complexidade das interações entre os agentes e acúmulo de informações. Assim, para que tais ferramentas alcancem plenamente suas possibilidades, devem ser acompanhadas de uma nova cultura de trabalho colaborativo e de uma organização e planejamento mais efetivo do processo de projeto. 7.7 INTERFACES DO PROCESSO DE PROJETO Como vimos no capítulo quatro e cinco, ao longo do processo de projeto de um novo empreendimento de construção, são desenvolvidos diversas formulações, projetos e planejamentos, com a participação de agentes distintos, sendo possível identificar uma série de interfaces entre essas etapas e agentes. Com a participação de diversos agentes no processo de projeto surge a necessidade de uma organização competente do fluxo de informação entre os agentes e uma gestão competente das interfaces de projeto (Oliveira, 1999). No processo tradicional seqüencial essas interfaces ocorrem preponderantemente de maneira unidirecional, ou seja, após a formulação ou concepção de um aspecto do projeto do empreendimento as informações geradas são transmitidas e são o ponto de partida para a etapa seguinte. A primeira interface (i1) existe entre o cliente (mercado ou demanda social) e o promotor e pode ser chamada de interface com o cliente. Essa interface intermedia as reais necessidades e condições dos clientes e o desenvolvimento de um projeto. A interface entre os projetistas de especialidades (i2) é clássica e se relaciona com a coordenação na atuação dos projetistas e no desenvolvimento de diferentes disciplinas de projeto. A interface i3 está relacionada à construtibilidade dos projetos e à elaboração de projetos para produção que resolvam, antecipadamente e de forma concomitante com as especificações do produto, os métodos construtivos dos subsistemas da obra. 227 A interface i4 representa a necessidade de acompanhamento da obra e elaboração do “as built” de forma a garantir a retroalimentação de futuros projetos e a manutenibilidade do edifício construído. A interface i5 relaciona-se ao acompanhamento do empreendimento durante a sua fase de uso e manutenção a fim de aferir os resultados alcançados e a satisfação dos clientes por meio de avaliações de desempenho e pós-ocupação que investiguem o desempenho do ponto de vista técnico e das percepções dos usuários. Os resultados das avaliações devem alimentar os processos de desenvolvimento de novos empreendimentos de forma a criar uma dinâmica de aprendizado e aprimoramento dos empreendimentos. Essa interface deve trazer para o processo de desenvolvimento de produto informações sobre o desempenho, patologias e custos, vida útil da edificação, de forma a levar ao projeto uma visão de ciclo de vida. Jouini (1999) e Melhado (1999) identificam três interfaces principais no processo de projeto em que se podem estabelecer práticas de cooperação simultânea. Estas interfaces estão representadas na figura 35 como (i1, i2, e i3). A tais interfaces acrescentou-se a retroalimentação das fases de execução (i4 – interface com a obra) e de uso (i5 – interface com o desempenho do produto em uso pelo cliente), compondo a figura 35 que busca retratar as principais interações que ocorrem no processo de projeto. Essa figura também faz referência a NBR ISO 9001(Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2000) com o processo partindo de um cliente visto pela ótica das suas necessidades e termina no cliente (usuário) com o desempenho do produto ou serviço. Corroborado pela argumentação de Jouini (1999) e Melhado (1999) considerou-se, neste trabalho, que as interfaces passíveis de um tratamento simultâneo na sua concepção são i1, i2 e i3 e as demais interfaces i4 e i5, por dependerem da execução da obra e da utilização do edifício, são naturalmente seqüenciais à concepção do produto e devem retroalimentar o processo de projeto com o as built no caso de i4 e retroalimentar novos desenvolvimentos de produto no caso de i5. 228 Com base neste modelo das principais interfaces do processo de projeto, os estudos de caso (capítulo 8) foram desenvolvidos em seis empresas, representando três tipos diferentes de empreendimento. Nos estudos de caso procurou-se identificar as práticas de gestão e potencialidades de integração em cada uma das interfaces estudadas, embora se considere que o desenvolvimento pleno do projeto simultâneo demande o tratamento concomitante das três primeiras interfaces e a consideração seqüencial das duas últimas. A seguir, com base na bibliografia pesquisada e em elementos colhidos nos estudos de caso, são apresentadas algumas reflexões sobre como o mercado vem trabalhando as três interfaces do projeto simultâneo, quais as dificuldades e possíveis alternativas para maximizar o seu desempenho. arquitetura CLIENTE Necessidades PROGRAMA i1 i3 PROJETO DO PRODUTO i2 engenharia PROJETO PARA PRODUÇÃO EXECUÇÃO Estudos de Preparação Concepção e projeto do empreendimento USUÁRIO Desempenho i4 i5 i1: interface com o mercado (programa); i2: interface entre os projetos do produto; i3: interface projeto do produto – produção (projeto para produção); i4: retroalimentação execução – projeto; i5: interface cliente (retroalimentação de desempenho). Interface potencialmente simultânea Interface de retroalimentção Figura 35. Interfaces do processo de desenvolvimento de produto na construção de edifícios 229 230 7.7.1 Interface com o cliente (i1) Na construção de edifícios, o desenvolvimento do programa deve ser articulado, a montante, com a estratégia de seleção do terreno para o empreendimento e com a modelagem financeira que permite a sua produção e comercialização; e, a jusante, com as possibilidades e escolhas (trade-offs) de projeto. De fato, no desenvolvimento de um novo empreendimento três fatores são preponderantes para aceitação do produto pelo mercado: a localização do empreendimento que determina em grande parte seu padrão e o público-alvo; condições financeiras adequadas a um determinado comprador; e a compreensão das necessidades e anseios dos usuários pelo programa de necessidades que devem ser traduzidas em atributos e especificações para o projeto. Embora a importância relativa de cada um desses fatores varie conforme o tipo de empreendimento a localização, a modelagem financeira e as demandas dos clientes são fundamentais para elaboração de um bom programa, adequado a uma determinada demanda. Esses fatores são influenciados por uma série de variáveis conjunturais, econômicas e legais que estabelecem o contexto em que as decisões devem ser tomadas. Como se viu no item 5.4.1, a seleção do terreno e o esquema de financiamento48 são questões fundamentais para a qualidade de um empreendimento imobiliário e devem estar em consonância com as necessidades e possibilidades dos clientes. Assim, um bom programa, em seu nível estratégico (ver item 4.2.1), deve ser coordenado com o a seleção do terreno e com a montagem financeira do empreendimento. Num segundo momento o programa do empreendimento deve ser desenvolvido e detalhado (programa funcional) a fim de explicitar os parâmetros de desenvolvimento dos projetos. Esse programa funcional deve ser capaz de traduzir as 48 É importante destacar que no caso dos empreendimentos destinados a atender a demandas de populações carentes é comum que o esquema financeiro considere subsídios a fim de viabilizar a demanda. 231 e explicitar as necessidades dos clientes em especificações para serem atendidas pelos projetos. A consideração do cliente (interface com o cliente) se dá na construção de edifícios por meio de levantamentos de mercado, consulta aos corretores, benchmarking de empreendimentos semelhantes da mesma região e outras técnicas de marketing que têm como objetivo conhecer o mercado, o cliente e o usuário e subsidiar a formulação do programa de necessidades. “O reconhecimento da importância dos usuários para o resultado do empreendimento é, no mundo industrial, uma das constatações significativas destes últimos anos. De fato, tradicionalmente, pensava-se que a dificuldade dos projetos residia essencialmente na capacidade de buscar uma resposta satisfatória para a questão de partida que ela não poderia gerar o problema. Os estudos empíricos atuais como os desenvolvimentos teóricos recentes colocam ênfase, ao contrário, sobre a importância e a dificuldade da definição do alvo em termos de objetivo funcional do empreendimento” (Jouini; Midler, 1996). Conforme se percebe na citação acima, uma as principais dificuldades desta interface é identificar os mercados e compreender as demandas dos clientes, ou seja, não basta perguntar o que os clientes desejam, pois, muitas vezes, suas respostas são inconclusivas, ambiciosas demais, conflitantes e mutuamente excludentes. É preciso compreender suas necessidades e desejos e “negociar” as várias demandas de forma a obter combinações factíveis e ao mesmo tempo satisfatórias aos clientes e competitivas no mercado. Segundo Kamara et al. (2001), para o desenvolvimento de um projeto que satisfaça as necessidades e aspirações dos clientes a primeira condição é a existência de um bom programa, claro e sem ambigüidades. Mas, como salientam Jouini; Mildler (1996), o programa e o projeto formam um duplo programa-projeto em que os requisitos de programa são calibrados pelas possibilidades projetuais. 232 “A definição das necessidades às quais deve responder o novo produto não é um dado de partida, mas uma construção que constitui um dos aspectos críticos do empreendimento e que se desenvolve dialeticamente com a pesquisa das respostas possíveis” (Jouini; Mildler, 1996). A colaboração entre a concepção do negócio e a especificação das necessidades com a criação e investigação projetual do produto é fundamental para garantir não só o simples cumprimento de requisitos elencados no programa, mas a otimização das demandas e requisitos dos clientes que são muitas vezes incompatíveis e devem ser consolidados na exploração das soluções projetuais possíveis. Por outro lado, como vimos no item 4.2.2, tradicionalmente apenas o arquiteto tem contato direto com os requisitos do programa; os demais projetistas partem das formulações e entendimentos do projeto de arquitetura, descolando os requisitos projetuais dos requisitos programáticos originais e limitando a possibilidade de esses projetistas contribuírem na otimização da interface programa-projeto. Para este propósito é necessário que esta interface envolva todas as especialidades de projetos de forma que a concepção de soluções seja integrada e orientada aos requisitos, sem ser condicionada por soluções projetuais prévias, de projetistas a montante. 7.7.2 Coordenação de projetos (i2) Na proposta de projeto simultâneo apresentada, a coordenação entre as diferentes disciplinas de arquitetura e engenharias desde o início do processo de projeto é fundamental para garantir que as soluções projetuais sejam globalmente eficientes. Cabe à coordenação de projeto fomentar a interlocução entre os agentes e a abordagem multidisciplinar dos problemas de projeto. A coordenação de projetos pode ser vista como uma atividade que dá suporte ao desenvolvimento dos projetos, cujo principal objetivo é o de garantir que os projetos levem em conta os objetivos globais do empreendimento, ampliando a qualidade e construtibilidade dos mesmos (Franco, 2002). 233 Solano (2000) destaca a importância da existência da coordenação para garantir que as soluções técnicas desenvolvidas pelos projetistas de diferentes especialidades sejam compatíveis entre si e otimizadas globalmente. Segundo Franco (1992), os principais objetivos a serem cumpridos pela coordenação de projetos são: • garantir a definição clara e precisa dos objetivos e parâmetros a serem seguidos na elaboração dos projetos; • fomentar a comunicação entre os participantes do projeto e coordenar as soluções das várias especialidades; • gerenciar e compatibilizar as interferências entre diferentes projetos; • integrar as soluções de projeto com o processo produtivo da empresa; • controlar e garantir a qualidade do projeto. Para Souza (1997b), a coordenação de projeto pode ser definida como a "função gerencial a ser desempenhada no processo de elaboração de projeto, com a finalidade de assegurar a qualidade do projeto como um todo durante o processo. Trata-se de garantir que as soluções adotadas tenham sido suficientemente abrangentes, integradas e detalhadas e que, após terminado o projeto, a execução ocorra de forma contínua sem interrupções e improvisos devidos ao projeto". De acordo com Melhado; Violani (1992) as responsabilidades típicas do coordenador de projetos envolvem iniciar o processo de projeto, planejar o processo, gerenciar a equipe de projeto, garantir a compatibilidade entre as soluções dos vários projetistas e controlar os fluxos de informações entre projetistas No exercício da coordenação de projetos CTE (1997) destaca que existem duas atividades envolvidas: uma de gerenciamento (ou gestão) ligada ao planejamento e controle do andamento do processo de projeto; e outra de coordenação técnica que diz respeito à integração das interfaces entre os diversos projetos. No quadro 8, 234 Fontinelle (2002), com base em CTE (1997), esclarece mais detalhadamente as diferenças entre as atividades de gerenciamento e coordenação técnica. GESTÃO COORDENAÇÃO TÉCNICA • identificação de todas as atividades necessárias ao desenvolvimento do projeto; • distribuição dessas atividades no tempo; • identificação das capacitações/especialidades envolvidas segundo a natureza do produto a ser projetado; • planejamento dos demais recursos para o desenvolvimento do projeto; • controle do processo quanto ao tempo e demais recursos, incluindo as ações corretivas necessárias; • tomada de decisões de caráter gerencial como a aprovação de produtos intermediários e a liberação para início das várias etapas do projeto. • identificação e caracterização das interfaces técnicas a serem solucionadas; • estabelecimento de diretrizes e parâmetros técnicos do empreendimento a partir das características do produto, do processo de produção e das estratégias da empresa incorporadora/construtora; • coordenação do fluxo de informações entre os agentes intervenientes para o desenvolvimento das partes do projeto; • análise das soluções técnicas e do grau de solução global atingida; • tomada de decisões sobre as necessidades de integração das soluções. Quadro 8. Atividades presentes na coordenação de projeto Na mesma linha de raciocínio, Ferreira (2001) argumenta que coordenação de projeto apresenta três tipos de atividades: a primeira ligada à tomada de decisões estratégicas de projeto; a segunda referente ao planejamento e controle do andamento do processo de projeto; e uma terceira ligada à coordenação e compatibilização entre as soluções de projeto. Na visão desses autores, a coordenação do projeto poderia ser exercida por um único profissional que cumpre as diferentes funções ou poderia ser delegada a duas ou três pessoas especializadas em uma das funções. Contudo, parece mais simples e, provavelmente, eficaz manter estas diferentes funções a cargo de um único profissional de forma a facilitar a delimitação de responsabilidades e o fluxo de informações. Nessa direção Rodríguez; Heineck (2001) colocam que o coordenador de projetos tem como principal atribuição realizar e fomentar ações de integração entre projetistas e coordenar e controlar os projetos e as trocas de informações de forma a garantir que o processo de projeto ocorra de forma organizada e cumpra os prazos e objetivos estabelecidos. 235 De acordo com o modelo institucional vigente a coordenação de projetos é uma atividade de responsabilidade do arquiteto uma vez que o projeto de arquitetura é tido como definidor das diretrizes a serem seguidas pelos demais projetos de especialidades. Essa visão é respaldada por associações e por muitos, se não pela grande maioria, dos projetistas de arquitetura. Como mostram por exemplo, os depoimentos de Mazza (1995) e Teperman (1996) citados em Novaes; Fugazza (2002). Outro exemplo é dado no manual de contratação da AsBEA (2000) que coloca a coordenação como uma atividade dentro do escopo do projeto de arquitetura. Entretanto, este modelo vem recebendo uma série de críticas uma vez que cada vez mais o arquiteto se distancia do domínio sobre a técnica de construção e da obra (Melhado, 2001). Como destaca Melhado (2001) com base em Montlibert (1995) a julgar pelas publicações especializadas em arquitetura, as características mais valorizadas dos projetos desses profissionais são a criatividade, a genialidade e o talento na resolução formal do edifício e pouca atenção é dispensada ao método de trabalho e às contribuições dos demais profissionais e agentes intervenientes no projeto e na obra. Embora vários autores como Carvalho Jr. (1994) defendam que o arquiteto não pode abrir mão do domínio técnico sobre a obra e que este tipo de saber deve ser revalorizado na profissão, a realidade mostra que a formação dos arquitetos é progressivamente deficitária para este fim. É necessário reconhecer, por outro lado, que a crescente amplitude do conhecimento técnico dificulta o ideal de muitos arquitetos e escolas de arquitetura de formar um profissional que domine amplamente e genaralistamente os conhecimentos pertinentes à atividade do projeto de edifícios. Assim, à medida que as soluções dos subsistemas da construção se tornam mais complexas, envolvendo cada vez mais profissionais, mais especializados, ganha importância a necessidade de soluções multidisciplinares e conseqüentemente de coordenação dos projetos. 236 Defendendo a multidisciplinaridade das soluções de projeto, Melhado (1994) apresenta um modelo conceitual para uma equipe de projeto colaborativa. Segundo esse modelo, as decisões de projeto são resultado de análises e discussões de diferentes profissionais que devem buscar as melhores soluções globais, e a primazia do projeto arquitetônico é substituída por um arranjo que privilegia a interatividade no processo de projeto. PROMOTOR COORDENADOR DE PROJETOS de acordo com Melhado (1994) Figura 36. Equipe multidisciplinar de projeto Com a ampliação do papel da coordenação de projeto começa a ganhar força no mercado a idéia de uma coordenação de projeto independente dos projetistas de forma a buscar uma mediação mais equilibrada e isenta na resolução das interfaces dos projetos. Cada vez mais a coordenação de projetos exige a articulação e o questionamento das especialidades de projeto em benefício do todo. Nessa tarefa, o papel do coordenador exige um amplo conhecimento multidisciplinar (incluindo produto e processo) e uma capacidade de gerenciar o processo e integrar os profissionais das equipes de projeto e seus trabalhos. Diante desse perfil, a primeira pergunta é quem tem competência 237 para exercer o papel de coordenador e atender a todas essas exigências? Qual a melhor formação? Qual o profissional que melhor se adapta? É pertinente se pensar em uma nova careira que cobriria justamente essa lacuna, como sugere Bobroff (1993)? Analisando a literatura disponível e as experiências encontradas em prática no setor dificilmente se chega a um modelo ideal e a respostas precisas para as questões levantadas anteriormente, entretanto é possível discutir em termos de vantagens, potencialidades, limites e problemas que cada modelo, cada resposta apresenta, conforme apresentado a seguir. Segundo Souza (1995) apud Picoral; Solano (1995), a coordenação de projetos de um edifício pode ser exercida por uma equipe interna da empresa construtora, pela empresa responsável pelo desenvolvimento do projeto arquitetônico do empreendimento (modelo tradicional) e por profissionais de empresas contratados especificamente para exercer esta função. Picoral; Solano (1995), em pesquisa envolvendo estudo de casos em empreendimentos de construção gaúchos, destacam que além destas possibilidades pode-se encontrar, de forma menos freqüente, a coordenação de projeto sendo realizada pelo engenheiro de obras ou sendo partilhada entre diversos profissionais da construtora responsáveis pelo controle de aspectos específicos de projeto. Novaes; Fugazza (2002) destacam que as três principais alternativas de designação da coordenação de projetos encontradas no mercado paulista são: a coordenação a cargo do arquiteto projetista da obra; a coordenação assumida por um departamento ou profissional (arquiteto ou engenheiro) da empresa construtora; ou a contratação de uma empresa de consultoria especializada na coordenação de projetos. O quadro 9 traz uma síntese das vantagens, desvantagens e resultados esperados em cada uma das alternativas de coordenação segundo esses autores. 238 Coordenação exercida pelo arquiteto da obra: Aspectos positivos: • agilidade no desenvolvimento da arquitetura; • conhecimento amplo do projeto das premissas do projeto de arquitetura; • a elaboração simultânea do projeto de arquitetura e da sua coordenação com os demais projetos. Aspectos negativos: • postura de, geralmente, organização das idéias dos demais parceiros, sem intervir nas soluções especializadas; • geralmente o coordenador se posiciona de forma passiva quanto às soluções apresentada pelos demais projetistas, devido à falta de traquejo no tratamento dos conhecimentos técnicos envolvidos nos outros projetos, especialmente nos de instalações; • em geral, as reuniões resultam pouco objetivas no que concerne a definições específicas para os projetos. Resultados esperados: • baixa qualidade técnica das soluções, pois não há interlocutor que julgue as decisões técnicas tomadas, o que, em geral, é feito durante a execução da obra; • com relação às soluções operacionais contempladas em projetos para produção: quando existem, restringe-se a elevações de vedações, contemplando as instalações em paredes e, possivelmente, furações de pisos, não havendo discussões sobre métodos construtivos para os sistemas de vedações, estruturas e instalações; • ausência de cronogramas de projeto, devido à falta de compreensão quanto ao seu uso e, em geral, por falta de confiabilidade na sistematização de prazos para entrega de informações. Coordenação exercida por arquiteto ou engenheiro da empresa construtora: Aspectos positivos: • em geral, o coordenador tende a direcionar as soluções técnicas para as necessidades da empresa e tem assimilado a cultura de construção da empresa, facilitando o fluxo de informações para os projetistas; • o coordenador apresenta amplos conhecimentos do projeto e de soluções operacionais, já que está em contato simultâneo com diversos projetos e projetistas e com base de informações referentes a casos ocorridos nas obras da própria construtora; • apoiar a realização de projetos para produção, além dos projetos do produto, enfatizando a necessidade de compatibilização de soluções. A esse respeito, no entanto, há que se destacar o grave problema da ausência de profissionais que realizem projetos de vedações no mercado da construção de edifícios no Brasil, que possam contribuir para as atividades de compatibilização. Aspectos negativos: • o coordenador possui pouco tempo para consideração dos problemas correntes de obra. Com isso, perde importante fonte de conhecimento e de realimentação de seu trabalho; • morosidade na tomada de decisões devido, essencialmente, aos seguintes fatores: [1] insegurança quanto a soluções em projetos, por suas repercussões no desempenho técnico e econômico em obras da própria empresa construtora; [2] devido ao trâmite burocrático do coordenador ao agir como mediador de discussões entre projetistas; • em geral, as reuniões resultam objetivas no que concerne à necessidade de resultados do processo de projeto, mas o coordenador dedica-se em demasia ao gerenciamento dos conflitos de interesses que ocorrem entre projetistas para a seleção de solução mais adequada para um projeto isolado, em detrimento do empreendimento como um todo. Resultados esperados: • quanto à qualidade técnica das soluções: média (poderia ser melhor caso o profissional coordenasse menos projetos simultaneamente e, consequentemente, dispusesse de mais tempo para reflexão e análise das soluções, bem como para visitas regulares às obras da empresa); • quanto às soluções operacionais contempladas em projetos para produção: em geral, são contratados projetos para produção e estes possuem por característica contemplar informações sobre as interferências construtivas dos sistemas envolvidos, facilitando a visualização dos problemas; • quanto ao uso de cronogramas de projeto: o coordenador compreende a importância do uso, porém nem sempre os emprega, pela preocupação de que possa ser responsabilizado por atrasos que eventualmente venham a ocorrer no processo de projeto. Quadro 9 Vantagens e desvantagens conforme o perfil do coordenador de projetos 239 Coordenação exercida por consultor especializado: Aspectos positivos: • há profissionais de excelente nível técnico no mercado da construção de edifícios no Brasil, oriundos de empresas construtoras que investem em tecnologia, mas que optam pela terceirização, pela inexistência de demanda constante para os mesmos; • o coordenador possui agilidade no desenvolvimento de soluções de projeto, já que conhece casos de diversas empresas construtoras e sabe que para manter-se no mercado precisa de reciclagem contínua de conhecimento, adquirido através de periódicos, feiras internacionais de construção, soluções aplicadas em obras, etc; • o coordenador considera como qualidade o desenvolvimento do melhor produto no tempo entendido como o mais adequado para as necessidades da empresa construtora. Aspectos negativos: • o coordenador possui pouco poder no estabelecimento de cobranças e conseqüências para projetistas que não cumpram as metas determinadas no processo, já que são contratados pela empresa construtora e não pelo coordenador; • ausência de responsabilidade efetiva sobre o produto final, a não ser sobre a sua própria imagem enquanto consultor; • o coordenador costuma ser remunerado em horas trabalhadas, o que pode ocasionar morosidade no desenvolvimento do processo de projeto. Resultados: • quanto ao tempo dedicado ao processo de coordenação: de 5 a 8 meses, considerando um período de 6 meses entre o lançamento do empreendimento e o início das obras; • quanto à qualidade técnica das soluções: alta, em razão dos aspectos positivos mencionados; • quanto às soluções operacionais contempladas em projetos para produção: soluções condizentes com as necessidades operacionais, já que o coordenador, em geral, possui contato contínuo com a obra; • quanto ao uso de cronogramas de projeto: entende o uso e, em geral, gostaria de utilizá-los, mas encontra dificuldades, devido ao pouco poder no estabelecimento de cobranças e conseqüências sobre os projetistas. Portanto, usa apenas quando considera favorável. Quadro 9 Vantagens e desvantagens conforme o perfil do coordenador de projetos (continuação) Para que a coordenação seja exercida com efetividade é necessário que os papéis e poderes de cada agente do processo de projeto estejam bem definidos e que o coordenador tenha autonomia para tomar decisões relacionadas à mediação e solução de conflitos entre os projetos. Em outras palavras, deve ser responsabilidade da coordenação de projetos tomar a decisão final acerca das soluções projetuais que serão ou não adotadas, evidentemente, com base em discussões e análises multidisciplinares da equipe de projeto. Para que o coordenador de projetos tenha essa autonomia ele deve ter um papel efetivo na seleção e avaliação dos projetistas que vão participar da equipe de projetos. Outra questão importante quanto à coordenação de projeto diz respeito a quais habilidades e conhecimentos são necessários para exercer essa atividade. 240 Segundo a ASCE (1988) apud Novaes; Fugazza (2002), o coordenador de projetos deve ser capaz de responder pelas seguintes tarefas: • desenvolver o orçamento do projeto, refletindo os recursos e a organização necessária para desempenhar o trabalho; • desenvolver a específica programação de projeto dentro do tempo global disponível para o empreendimento; • designar trabalhos para a equipe de projeto; • checar conteúdos e prazos de entrega dos documentos contratados; • monitorar e gerenciar o desempenho da equipe de projeto; • atualizar os documentos do projeto quando requerido por mudanças, atrasos ou outros eventos. Para cumprir essa missão, Novaes; Fugazza (2002) elencam uma série de habilidades e competências necessárias a um coordenador de projeto: • facilidade de comunicação; • espírito de liderança; • capacidade para tratar com problemas que envolvem complexidade de fatores; • capacidade para comprometer os participantes com os objetivos do empreendimento e da edificação; • capacidade para identificar as causas de impasses, e de resolvê-los, em áreas de interesses distintos. Na visão de Rodríguez, Heineck (2001), o coordenador de projeto deve possuir conhecimentos e capacidades relativas a: • liderança; 241 • marketing e técnicas mercadológicas; • técnicas de construção, orçamento e planejamento de obras; • projeto de arquitetura, sistemas prediais, fundações e estruturas, quanto ao dimensionamento, execução e materiais empregados; • normas municipais e das concessionárias locais de serviços públicos (água, esgoto, telefonia, energia, TV a cabo, gás, etc.); e • estar atualizado com as inovações tecnológicas do setor. Outras habilidades e características necessárias para o exercício da coordenação de projetos podem ser tiradas a partir do relato de experiências de diversos profissionais que atuam com coordenação de projetos no mercado paulistano. Tais depoimentos estão gravados em vídeo K7 e foram apresentados durante um evento realizado em 2001 na Escola de Engenharia de São Carlos no qual foi montada uma mesa redonda para discutir a coordenação de projetos na construção de edifício (Workshop, 2001). Participaram como palestrantes dessa mesa sete arquitetos que atuam com coordenação de projetos. Esse universo era composto de: dois arquitetos que atuam como projetistas de arquitetura e coordenadores de projeto, em geral contratados para desempenhar as duas funções simultaneamente, embora ocasionalmente também atuem só como projetistas de arquitetura ou só como coordenadores; dois arquitetos de empresas de consultoria especializada na coordenação de projetos e na realização de projetos para produção; uma arquiteta responsável pelo departamento de coordenação de projeto de uma grande construtora. Também participaram dos debates cerca de vinte projetistas e pesquisadores que acompanhavam os debates. Apesar de os limites metodológicos de tais relatos (pequeno número de participantes e da falta de uma estruturação metodológica para coletas de informação) não permitirem nenhum tipo de generalização, os casos ilustram empiricamente a discussão das características da coordenação de projetos. Dentre as convergências conseguidas nos debates destacam-se que para o exercício da coordenação de projetos deve-se ter: 242 • uma boa capacidade de comunicação e interação com os diversos profissionais de projeto; • isenção e bom senso na resolução de conflitos de projeto; • a necessidade de um amplo conhecimento de obras e das técnicas construtivas não por acaso duas empresas que participaram da mesa redonda de coordenação atuavam na coordenação de projetos e na realização de projetos para produção. Segundo depoimentos dos profissionais participantes, muitas vezes essas atividades eram complementares; • atenção para os detalhes e capacidade de concentração e análise minuciosa das soluções projetuais e da compatibilidade entre projetos de diferentes especialidades; • organização e documentação formal dos contratos e reuniões com projetistas. Com relação à formação de coordenadores de projeto, dos sete depoimentos seis destacavam que a maioria das habilidades e conhecimentos necessários à atividade de coordenação foram conseguidos com a vivência profissional e a prática, tendo a graduação em arquitetura contribuindo muito pouco com relação à prática específica de coordenar projetos e integrar as soluções projetuais com as obras. Do ponto de vista operacional a coordenação de projeto é respaldada pelos meios de comunicação utilizados e pelas técnicas de gestão das decisões e documentos de projeto49. No item 8.3 são apresentados dois modelos para controlar o fluxo de informações encontrados, nos estudos de caso. O primeiro deles coloca o coordenador de projetos como pivô das comunicações entre os especialistas de projeto (figura 44a), o que facilita o controle das comunicações entre os projetistas e o acompanhamento do andamento do projeto. No segundo caso, menos usual, os projetistas se comunicam 49 Em sua dissertação de mestrado Solano (2000) desenvolve uma série de diretrizes para fomentar e controlar a coordenação de documentos e otimizar a comunicação entre projetistas. 243 livremente entre si e o coordenador é mobilizado para solucionar controvérsias ou para endossar uma decisão previamente tratada entre os projetistas (figura 44b). Neste caso o problema é a potencial perda de controle sobre o processo de troca de informações e a maior possibilidade de um agente implicado na decisão deixar de ser consultado. A vantagem é que o processo é mais decentralizado e depende menos da figura particular do coordenador. Com relação aos meios de comunicação destaca-se o crescente uso da informática e das telecomunicações em apoio à colaboração no processo de projeto, sua utilização e seus impactos e dificuldades (ver item 7.6.3). 7.7.3 Projeto para Produção (i3) Para implementação do conceito de Projeto Simultâneo na construção é de fundamental importância o desenvolvimento antecipado e qualificado das soluções técnicas e construtivas que serão empregadas na execução do produto (construção do edifício), por meio de projetos específicos para este fim. Tomando como referência os conceitos das indústrias de produção seriada, Juran (1992) define Projeto do Processo como “a atividade de definir os meios específicos a serem usados pelas forças operacionais para alcançar as metas do produto”. Para tanto este projeto deve especificar, segundo o autor: • os equipamentos que serão utilizados; • o “software” - procedimentos e técnicas que serão empregadas; e • as informações sobre como operar e manter os equipamentos. O mesmo autor coloca ainda que para se chegar a tais definições é necessário: • conhecer as metas de produtividade e qualidade que se desejam atingir frente às condições financeiras e tecnológicas que a empresa apresenta; • conhecer as condições de operação de processos semelhantes; 244 • conhecer processos alternativos para o que se deseja “projetar”. Para transpormos esse conceito (projeto do processo) para a construção, devemos observar que, na indústria seriada, para cada projeto é produzida uma infinidade de produtos fazendo com que o processo se repita inúmeras vezes. Com isso os projetos do produto e da produção permanecem os mesmos (ou praticamente os mesmos) por vários ciclos de produção. Na construção, ao contrário, a cada produto tem-se, quase sempre, um projeto de produto diferente. Por outro lado, na construção, apesar da não repetitividade estrita do produto, muitos dos procedimentos de produção (técnicas construtivas, ferramentas, outros) permanecem ou podem permanecer os mesmos na execução de várias obras de uma mesma empresa e de uma mesma tipologia construtiva. Diante desse caráter singular da produção de edifícios que a cada construção desenvolve um processo produtivo único ao mesmo tempo em que mantém práticas produtivas tradicionais, o desenvolvimento do processo de produção na construção deve considerar duas etapas distintas para abarcar, por um lado, os conteúdos e informações que são invariáveis (até que se desenvolvam melhorias nestes procedimentos) e, por outro, as informações que são próprias de cada obra (Melhado; Fabricio, 1998). A primeira parte que denominaremos de Procedimentos de Produção, consistiria no estabelecimento, para cada tipo de processo construtivo utilizado pela empresa, das estratégias gerais de produção, das normas e roteiros de execução, metas de produtividade em cada atividade padrão, e controles a serem observados. Estas normas de procedimentos se caracterizam pela prescrição detalhada das técnicas construtivas, das ferramentas e dos materiais empregados em cada serviço, configurando padrões de referência a serem seguidos em cada obra específica, além 245 de tratarem os requisitos para compra e recebimento dos materiais e componentes de construção50. “A prática de se caracterizar e definir todos os processos de trabalho51 envolvidos na execução de uma edificação nos leva a adquirir uma ‘cultura técnica e tecnológica’, para cada Processo Construtivo (...). É através desta prática que podemos dar à Produção o caráter de Projeto, pois se tem, ao longo do tempo e gradativamente, a possibilidade de se introduzir inovações tecnológicas em determinados elementos do processo de trabalho (...)” (Martucci, 1990). Como estes procedimentos não cobrem as particularidades de cada obra surge na construção a necessidade de Projetos para Produção específicos, realizados em conjunto com os projetos do produto e voltados à orientação da produção sobre determinados elementos ou subsistemas próprios da obra (como projetos de canteiro, projeto de formas, de alvenaria, etc.), estabelecendo detalhes técnicos e detalhamentos de produção específicos, seqüência de execução de serviços, etc. Melhado (1994) define Projeto para Produção como um: “Conjunto de elementos de projeto elaborados de forma simultânea ao detalhamento do projeto executivo, para utilização no âmbito das atividades de produção em obra, contendo as definições de: disposição e seqüência de atividades de obra e frentes de serviço; uso de equipamentos; arranjo e evolução do canteiro; dentre outros itens vinculados às características e recursos próprios da empresa construtora”. Assim, o projeto para produção deve conter informações cuja finalidade é subsidiar a execução do empreendimento. Para citar um exemplo do que seria um projeto para produção, o projeto para produção de laje racionalizada conteria as seguintes definições, de acordo com Souza (1996): “(...) seqüência de execução da laje 50 De fato, procedimentos construtivos padronizados e controlados têm sido amplamente adotados pelas empresas brasileiras de construção de edifícios a partir do final da década de 1990, impulsionados pela implantação de sistemas de gestão da qualidade, a fim de cumprir os requisitos das certificações da qualidade pela ISO 9001, pelo SIQ-C do PBQP-H (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat), pelo PSQ – Construtoras do Qualihab (Programa de Qualidade na Habitação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo). 51 Apesar de o autor utilizar a denominação processos de trabalho, podemos entende-los como sinônimos de procedimentos construtivos - a terminologia utilizada neste trabalho. 246 (sentido geral de concretagem), delimitação dos panos de concretagem, posicionamento das caixas de passagem, taliscas e gabaritos e a definição da posição dos caminhos de concretagem (necessários quando se utilizarem jericas)”. Para que tais projetos (para produção) definam adequadamente a realização da obra, eles devem ser norteados por diretrizes que levem em conta tanto as características do sistema de produção da empresa como a interface com os projetos do produto. Em relação ao sistema de produção, a definição clara dos procedimentos de produção representa o domínio da tecnologia utilizada pela empresa construtora, que deve ser incorporado na realização dos projetos para produção de determinada obra. Esse domínio do sistema de produção que era precário na grande maioria das empresas de construção de edifícios até recentemente (Farah, 1992) começa a ser adquirido em um número significativo de empresas como conseqüência indireta da introdução de sistemas de gestão da qualidade. De fato, procedimentos construtivos padronizados e controlados têm sido amplamente adotados pelas empresas brasileiras de construção de edifícios a partir do final da década de 1990, impulsionado pela busca de certificados de gestão da qualidade ISO 9001, SIQ-C do PBQP-H (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat), PSQ – Construtoras do Qualihab (Programa de Qualidade na Habitação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo). Essa importante inflexão no comportamento das empresas construtoras e ampliação do domínio técnico das empresas sobre seus processos é de fundamental importância para o estabelecimento de um referencial tecnológico-construtivo que permita subsidiar o desenvolvimento de projetos para produção específicos a cada obra mas adequados à cultura construtiva da empresa. Na outra ponta, os projetos do produto contêm as especificações técnicas, informações espaciais e geométricas, e detalhamentos que devem ser atendidos na produção do edifício e portanto devem ser considerados no projeto para produção. Conforme salientam Maciel (1997) e Ferreira (2001), na maioria dos casos de utilização de projetos para produção verifica-se que esses são desenvolvimentos 247 posteriores ao desenvolvimento do produto o que, embora marque um avanço em relação às práticas tradicionais, limita o potencial desses projetos como indutores da construtibilidade da obra. Embora o projeto para produção possa ser realizado posteriormente à definição do produto, como destacam Maciel; Melhado (1995), é muito mais adequado que a definição do projeto executivo e do projeto para produção se dê simultaneamente conforme colocado na própria definição de projeto para produção adotada. A caracterização da produção (projetos para produção) conjuntamente com o desenvolvimento do produto (projetos do produto) tem como uma das funções permitir uma melhor “tradução” das características e especificações do produto em procedimentos e seqüências de produção, minimizando a possibilidade de execução inadequada ou incompleta dessas especificações. Por outro lado, o desenvolvimento integrado do produto e do processo demanda uma maior consistência e coordenação entre os projetos do produto, já que a eliminar eventuais incoerências nas características e especificações adotadas nestes projetos é condição básica para a realização de um projeto para produção que cumpra sua missão de determinar um bom andamento da obra. Mais do que identificar e corrigir incompatibilidades, a realização simultânea dos projetos deve estabelecer práticas de intercâmbio entre profissionais de áreas de conhecimentos diferentes de forma a facilitar a ampliação da construtibilidade dos projetos com o rompimento da tradicional separação de visões dentro de um empreendimento: voltadas para o produto (projetistas do produto), ou voltadas paro o processo (projetistas do processo e pessoal de produção). Assim, para a efetiva implantação do Projeto Simultâneo é necessário que o desenvolvimento dos projetos para produção ocorra em sintonia e de forma concomitante ao desenvolvimento do produto de maneira a permitir a exploração conjunta das soluções espaciais e técnicas do produto com as possibilidades construtivas, cabendo a estes projetos incorporar as restrições e diretrizes dadas pelo sistema de produção da empresa (explicitada nos procedimentos de produção) e 248 dialogar com o projeto do produto de forma a otimizar a construtibilidade das soluções espaciais e técnicas de produto (figura 37). Procedimentos de Execução e Controle Projeto do Produto Projeto para Produção Conforme Melhado; Fabricio (1998) Figura 37. Relação projeto do produto, projeto para produção e procedimentos de execução. Além de propiciar um ambiente favorável à melhoria da construtibilidade nos processos, a realização simultânea de projetos do produto e para produção pode facilitar e qualificar a introdução de inovações tecnológicas de produto e de processo, à medida que tais inovações podem ser discutidas, analisadas e planejadas segundo seus impactos em várias etapas do ciclo do empreendimento. Para incorporação dos projetos para produção ao processo de projeto de edifícios, Aquino, Melhado (2001), Romero (2002) destacam as seguintes diretrizes e cuidados: • o projeto para produção deve ser desenvolvido juntamente com as demais disciplinas do projeto, com apoio de uma coordenação de projetos eficiente, e as definições mais conceituais dos projetos para produção devem ser integradas com as dos projetos de produto; • o projeto para produção não deve ser percebido como mais uma disciplina de projeto isolada do contexto da produção; • o projeto para produção deve conter elementos suficientes para orientar a execução, definindo materiais, seqüência de execução, equipes de serviço, etc; 249 • o projeto para produção deve refletir a cultura e a tecnologia construtiva da empresa construtora da obra; • o projeto para produção deve ser um instrumento de comunicação entre o processo de projeto e a obra, devendo ser desenvolvido com o envolvimento dos agentes ligados diretamente à fase de execução no intuito de adicionar no projeto considerações relativas a construtibilidade e à eficiência na produção; • o projeto para produção deve ser produzido e apresentado em linguagem adequada e objetiva de forma a facilitar a sua manipulação e compreensão na obra; • o sistema de comunicação do empreendimento deve permitir que projetistas e construtores interajam, impedindo que decisões extraprojetos sejam tomadas de forma isolada pela equipe de execução, nos canteiros de obras, implicando a participação dos projetistas nas obras e dos agentes da execução nas definições do projeto; • é importante que o empreendimento e a empresa construtora contem com indicadores de qualidade que permitam avaliar a eficácia dos projetos para produção e retroalimentar o processo de projeto. Definidos o papel e as características do projeto para produção no processo de projeto, é necessário buscar os meios e os profissionais para sua operacionalização. A primeira dificuldade encontrada nessa tarefa é a de definição do perfil, da formação e das experiências necessárias aos profissionais responsáveis pela elaboração dos projetos para produção. Como o projeto para produção é uma atividade recente na construção brasileira de edifícios, não existe ainda um profissional que seja treinado e reconhecido como responsável pela sua elaboração, e diferentes agentes podem ser incumbidos da sua realização com vantagens e inconvenientes que acompanham cada alternativa. Além disso, para Taniguti (1997), dependendo da tipologia do empreendimento (incorporação-construção, obras sob encomenda, promoção independente, em 250 especial a promoção pública), o ambiente para o desenvolvimento de projetos para produção e o impacto destes são distintos. Segundo Melhado (1998) os projetos para produção podem ser desenvolvidos por: • projetistas, que podem ser funcionários da empresa construtora ou tercerizados; • consultores externos, os quais podem auxiliar os projetistas com relação ao conteúdo tecnológico do projeto; • funcionários da construtora, desde um diretor técnico, ou um integrante do departamento de qualidade (quando existir), ao engenheiro da obra, permitindo que esteja refletida a realidade da empresa, além de obter maior agilidade; • fornecedores, agregando serviços de projeto aos itens comercializados, apesar do risco de o enfoque comercial predominar sobre o técnico. Partindo dessas possibilidades e subsidiado pelo relato de algumas experiências apresentadas no workshop nacional: Gestão do processo de projeto na construção de edifícios (Workshop, 2001), na monografia de Romero (2002), e verificadas nos estudos de caso (capítulo 8), procurou-se desdobrar indutivamente as vantagens e inconvenientes de cada alternativa. A primeira possibilidade considerada é do projeto para produção ser elaborado pelos projetistas do produto como extensão do seu trabalho de projeto. Essa alternativa em tese permite uma integração automática entre projeto do produto e projeto para produção, mas tem como limitador a deficiência de conhecimento de muitos projetistas de produto com relação à produção e a limitada interação desses projetistas com as obras, o que dificulta a integração entre projeto - produção. Outra alternativa, possivelmente a mais difundida no mercado, é a contratação de consultores ou projetistas especializados em racionalização da construção para intervir nos projetos do produto e desenvolver projetos para produção para subsistemas específicos como alvenaria, laje, revestimento de fachada, etc. Por serem profissionais especializados nesse tipo de projeto, eles potencialmente contam com 251 um maior conhecimento tecnológico e construtivo e podem contribuir com a introdução de soluções inovadoras nos canteiros e também podem, em relação ao caso anterior, ter uma percepção mais realista das necessidades e potencialidades das obras, com condições de realizar projetos de maior construtibilidade. Em contraponto, tal alternativa pode representar a adição de custos no processo de projeto com o acréscimo de novos consultores especialistas. Além disso, como tais profissionais são tercerizados (externos às construtoras) eles podem apresentar um desconhecimento dos procedimentos de produção da empresa e desenvolverem projetos para produção de difícil assimilação pela cultura construtiva da mesma; também podem surgir resistências dos projetistas de produto em trabalhar em conjunto na elaboração integrada (produto-produção) das soluções projetuais, inviabilizando a possibilidade de desenvolvimento do projeto simultâneo; e, por fim, tal modelo tende a desconsiderar a contribuição do pessoal envolvido nas obras (construtora, subempreiteiro e fornecedores de materiais e componentes) que só será mobilizado num segundo momento do empreendimento. A terceira alternativa, consiste em a construtora manter em sua estrutura hierárquica um escritório próprio de projetos que fique incumbido da realização dos projetos para produção. Nesse caso, a principal vantagem é que o vínculo construtora e profissional é mais perene e, em tese, tais projetistas apresentam um conhecimento mais aprofundado das características e potencialidades construtivas da empresa; outra possível vantagem é que os custos para elaboração dos projetos podem ser menores caso a empresa apresente um fluxo continuado de trabalho que justifique a manutenção de uma equipe de projetos própria. A principal desvantagem é que por ter que manter uma equipe interna de projeto esta perde flexibilidade tendo que arcar com os custos de funcionários (salário mais encargos trabalhistas dos projetistas) mesmo em momentos de desaquecimento das suas atividades, o que é um grande desestímulo num setor marcado pela volatilidade do mercado. A alternativa é que a equipe técnica da obra seja responsabilizada pela elaboração dos projetos para produção. Neste caso ou esta equipe já esta definida e mobilizada desde o início da fase de projeto, o que não é usual nos empreendimentos brasileiros, ou a possibilidade de projeto simultâneo fica inviabilizada. Além dessa dificuldade 252 pode ocorrer uma excessiva orientação para produção – em detrimento do produto – e pode ocorrer uma tendência de o pessoal técnico da obra privilegiar as soluções construtivas consagradas na cultura da empresa, limitando a possibilidade de introdução de inovações tecnológicas. A principal conveniência dessa estratégia é que os responsáveis pela escolha e desenvolvimento das soluções projetuais para produção são os responsáveis por sua execução na obra garantindo uma integração máxima entre projeto para produção – produção. A última alternativa considerada é a do projeto para produção elaborado por fornecedores ou subcontratados, como, por exemplo, o projeto de impermeabilização fornecido pelo próprio fornecedor dos materiais e serviços de impermeabilização52. Nesse caso a vantagem é o envolvimento desses agentes na racionalização construtiva, mas em contraponto corre-se o risco de contar-se com projetos extremamente especializados que não resolvem os problemas de interfaces entre os subsistemas e/ou com soluções e detalhes padronizados que não tratam a especificidade de cada obra. No quadro 10 é apresentada uma adaptação da síntese de Melhado (2000) das principais possibilidades de arranjos institucionais e perfis profissionais para realização dos projetos para produção e descreve-se sucintamente as potencialidades e limitações de cada uma dessas alternativas. 52 Outros casos de fornecedores de subsistemas especializados responsáveis pela solução integrada de uma parte ou subsistema da obra são discutidos em Silva et al. (1998) e ilustram uma tendência embrionária de desverticalização qualificada na indústria de construção brasileira. 253 SITUAÇÃO VANTAGENS INCONVENIENTES Projeto elaborado pelo “projetista do produto” ·(arquiteto ou engenheiros) Incentivo à integração direta entre produto e produção Inadequação tecnológica das soluções dadas Participação desde o início do projeto garantida Prioridade ao produto Ausência de crítica Projeto elaborado por um Atualidade tecnológica das consultor em racionalização soluções dadas construtiva Apoio à obra (incluir visitas no contrato) Serviço caro (reais por homemhora) Projeto elaborado por equipe do escritório da construtora Uso da experiência construtiva interna Necessidade de manter equipe interna Menores custos (folha de pagamento) Mesmos vícios dos projetistas Projeto elaborado pela equipe técnica da obra Máxima proximidade entre escolha e aplicação de soluções tecnológicas Falta de renovação tecnológica das soluções dadas Mínimo custo (equipe usual de obra) Projeto elaborado pelo fornecedor ou subcontratado Envolvimento do fornecedor ou subcontratado na racionalização construtiva Possibilidade de rejeição interna Possível desconhecimento da realidade do processo de produção da empresa Desenvolvimento seqüencial aos projetos do produto Prioridade à produção, em detrimento do produto Pouca atenção à solução de problemas de interface Proposta de projetos-padrão, inadequados à realidade da empresa Quadro 10. Potenciais projetistas para produção, vantagens e limitações Todos esses modelos apresentam vantagens e limitações, e a falta de maturidade e tradição na aplicação de projetos para produção na construção brasileira e de estudos sistemáticos sobre o tema ainda não permite a escolha da alternativa ideal ou mais adequada. De fato, é provável que, em função do ambiente empresarial e tecnológico de cada construtora e das particularidades de um dado empreendimento, uma ou outra alternativa se mostre mais profícua. Em termos ideais o projeto para produção deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar, concomitante aos projetos do produto e considerar a cultura construtiva da empresa construtora e as particularidades da obra. 254 A equipe de projeto para produção depende das particularidades de cada empreendimento e da estratégia da construtora, podendo ser delegado a um projetista de produção interno ou externo à empresa ou elaborado pelos próprios profissionais da obra. De qualquer forma, como destaca Romero (2002) é importante garantir que o sistema construtivo da empresa seja considerado nas decisões de projeto para produção, o que demanda a consideração das opiniões e experiências dos profissionais ligados à obra. Essa participação pode ser direta, a própria equipe de obra sendo responsabilizada pela elaboração dos projetos para produção, ou, mais corriqueiramente, indireta quando um representante da obra ou diretor técnico da construtora é consultado pelo projetista para produção e participa ativamente da seleção e desenvolvimento das técnicas construtivas. O projeto para produção deve ter início junto com a concepção do produto e deve se estender até o final da obra, com os profissionais envolvidos na seleção tecnológica e da especificação do produto, no detalhamento e refinamento do projeto anteriormente ao início da obra e no acompanhamento e, eventualmente, calibração do projeto durante a obra. Assim, além da construtora, os fornecedores de materiais e componentes e os subempreeiteros têm um papel de relevo no processo de produção do edifício, muitas vezes, como destacado no caso A3, um bom projeto para produção pode se tornar inócuo porque suas especificações não foram respeitadas devido a mudanças de fornecedor ou substituição no mercado de uma linha de materiais e componentes especificados em projeto; ou o subempreiteiro contratado não está apto para executar uma parte da obra conforme planejado no projeto. Para contornar essa dificuldade duas ações podem ser consideradas. A primeira é diminuir a variabilidade dos fornecedores da construtora de forma a tornar mais previsível a obra, o que pode ser conseguido por meio de parecerias entre construtoras e fornecedores e, entre construtora e subempreiteiros, como ocorre nos casos A1 e A2. A segunda ação é garantir uma margem de flexibilidade dos projetos para produção de forma que estes possam ser complementados e adaptados em face das 255 características e restrições que só serão percebidos durante a obra ou imediatamente antes desta. Para tanto, é importante que os projetos para produção comecem com definições conceituais e estratégicas da obra (por exemplo, tecnologia construtiva, velocidade de obra, nível de coordenação modular do projeto, grau de automação da obra, grau de padronização de componentes, etc.), deixando detalhes e especificações de materiais para serem definidos próximo ao início em estudos de preparação53 que mobilizem a equipe de obra na discussão e refinamento dos projetos para produção. 7.8 PLANEJAMENTO DO PROCESSO DE PROJETO Andery (2000) destaca que o planejamento e a modelagem do processo de projeto na construção de edifícios é uma atividade essencial para compreender o desenvolvimento de produtos (edifícios) e propor melhorias neste processo. Segundo Araujo et al. (2001) apud Romano et al. (2001), em qualquer esforço de melhoria de um processo deve-se primeiramente levantar e modelar o processo atual para posteriormente propor planejamentos alternativos, se for o caso. Romano et al. (2001) listam ainda uma série de razões e justificativas para a modelagem do processo de projeto de edifícios, dentre as quais: • Compreender o processo de desenvolvimento do produto; • Explicitar o know-how dos profissionais e empresas envolvidas; • Subsidiar a organização do processo; • Dar uma maior eficiência à seleção e treinamento dos agentes do projeto; • Melhorar a interação entre os intervenientes no processo, na medida em que permite racionalizar e garantir o fluxo de informações; • Melhorar o processo de planejamento de novos empreendimentos e projetos (previsão de recursos, de riscos, etc.); • Subsidiar a escolha ou desenvolvimento de sistemas computacionais de suporte ao processo de projeto; 53 O conceito e o estudo das características dos estudos de preparação de obra envolvidos os projetistas e a equipe de obra são detalhadamente explorados em Souza (2001). 256 • Padronizar as atividades executadas pelos diversos projetistas com o estabelecimento de procedimentos internos mais consistentes com a realidade das áreas envolvidas, facilitando também as atividades de revisão e compatibilização de projetos, bem como a implantação de sistemas de gestão da qualidade e certificação ISO, etc.; • Identificar problemas e promover melhorias no processo de desenvolvimento de produto. Em síntese, para Romano et al. (2001), a modelagem deve ser capaz de tornar transparente a “caixa preta” que representa o projeto de edifícios (figura 38). de acordo com adaptação de Romano et al. (2002) de Silva (1998) Figura 38. O processo de projeto de edificações: da “caixa preta” à “caixa transparente”. Como vimos no item 5.5.1, um dos principais problemas durante o projeto é a ausência ou a ineficácia de seu planejamento. Por um lado, a complexidade do projeto e da gestão dos agentes envolvidos faz com que muitos empreendimentos não tenham um planejamento antecipado do processo de projeto. Por outro, muitas vezes, quando existe, o planejamento do processo de projeto é demasiadamente hierárquico e, muitas vezes, ineficaz. Com a análise do projeto enquanto processo intelectual (item 5.3) demonstra-se que, grosso modo, todo agente (individual) do processo de projeto percorre interativamente quatro “etapas” de criação e amadurecimento projetual: análise, formulação e hierarquização do problema de projeto, concepção de soluções de 257 projeto, desenvolvimento e validação das soluções projetuais e detalhamento e apresentação das soluções. Por outro lado, como tratado no item 4.3, existe na literatura uma série de modelos e subdivisões para o processo de projeto formal. A maioria desses modelos foca o projeto do produto e estão orientados por uma visão seqüencial e hierárquica do projeto. Além disso, segundo a análise traçada no item 5.4.2, o processo de projeto do empreendimento de edifícios tradicional é fragmentado em cinco dimensões e é condicionado pela relação comercial entre os agentes, mediada por meio de contratos . Ao contrário do processo intelectual individual em que o projeto amadurece ao longo do tempo à medida que a compreensão do problema e o desenvolvimento das soluções de projeto amadurecem, no processo “social” o projeto é condicionado pela atuação prévia dos projetistas a montante do processo, e o raciocínio projetual dos agentes a jusante fica restrito à complementação de soluções adotadas anteriormente. Existe, portanto, um descompasso entre o processo intelectual (individual) e o processo social (coletivo) de projeto. Considera-se que o desenvolvimento simultâneo do projeto deve buscar organizar o processo de projeto em acordo com a lógica intelectual de desenvolvimento de projetos e valorizar a atuação conjunta e coordenada dos diferentes profissionais e interesses envolvidos. Assim, é preciso planejar o processo de projeto com mais cuidado e, principalmente, respeitar a essência deste processo que é a interatividade. Conforme ressalta Austin et al. (1994) no processo de projeto, diferentemente do ideal no processo de produção, decisões (atividades de projeto) são interdependentes, por exemplo a decisão do tipo de fundação deve ser casada com a seleção do tipo de estrutura. Enquanto o planejamento da produção pode ser expresso em termos de atividades encadeadas (o início da atividade depende do término da atividade a montante) ou paralelas (duas ou mais atividades são independentes e podem ser realizadas ou não simultaneamente) no projeto, muitas atividades são 258 interdependentes (o desenvolvimento de duas ou mais atividades devem se dar de forma interativa) (figura 39). A A A B B B Tarefas Dependentes Tarefas Independentes Tarefas Interdependentes Austin et al. (1994) Figura 39. Possibilidades de relação entre duas tarefas de projeto De fato, a interatividade é uma das características mais importantes e singulares do processo de projeto, e a qualidade do projeto é fortemente influenciada pela qualidade das interações realizadas ao longo do projeto. A fim de respeitar a interatividade e as características do processo de projeto autores como Austin et al. (1994), Tahon (1997), Formoso et al. (1998), Austin et al. (1999), Baldwin et al. (1999), Romano et al. (2001) destacam técnicas específicas de planejamento de projeto e, em alguns casos, propõem adaptações nestas técnicas para serem utilizadas no planejamento de projetos de construção. Segundo Austin et al. (1999) uma das mais apropriadas técnicas de planejamento de projeto na construção é a metodologia IDOF0 e as ferramentas associadas, desenvolvidas inicialmente na indústria aeroespacial nos anos 1970. Embora tais técnicas sejam poderosas e importantes para o avanço no planejamento de projetos no setor de construção, sua origem em outros setores industriais com culturas e disciplinas de desenvolvimento de produto é bastante diversa. Em geral, são técnicas bastante complexas e rígidas que demandam um conhecimento e uma sistematização do processo que não se compatibilizam com o estágio de desenvolvimento do setor de construção e com domínio metodológico atual que as empresas de projeto têm sobre seus processos. Por outro lado, como o setor trabalha com empreendimentos únicos, muitas vezes, técnicas sofisticadas e laboriosas de planejamento de projeto não são aceitáveis uma vez que o esforço e os gastos para o planejamento não podem ser diluídos em um empreendimento de pequena monta. 259 Sem entrar na especificidade do funcionamento e das vantagens dessas técnicas propomos na figura 40 um modelo genérico que considere um planejamento esquemático e adaptável para as realidades de cada projeto de forma a privilegiar o desenvolvimento simultâneo e integrado do processo de projeto de empreendimentos de construção. Portanto, esse modelo, objetiva ser mais uma referência estratégica para prática do projeto simultâneo do que um planejamento operacional do processo de projeto. Busca-se, no modelo proposto, valorizar a mobilização e a coordenação dos principais agentes em todas as fases de desenvolvimento do projeto e gerir as interfaces de desenvolvimento das cinco dimensões do empreendimento. Com relação às fases de amadurecimento de projeto, ao invés de considerar as subdivisões em seis ou sete fases (item 4.3), que guardam uma estreita relação com questões de natureza contratual, optou-se pela simplificação das fases de desenvolvimento e pela organização do processo de projeto de acordo com as fases de amadurecimento intelectual do projeto (discutidas no item 5.3). Assim, foram consideradas uma primeira fase de levantamento, hierarquização e interpretação das informações, um fase de concepção de alternativas e soluções, uma terceira etapa de desenvolvimento e validação das soluções projetuais e, por fim, uma fase de detalhamento, representação e apresentação das informações de projeto. A partir daí o projeto passa a ser visto como um serviço de apoio e orientação à obra e aos usuários e não como um processo de criação e desenvolvimento de soluções. INFORMAÇÕES BÁSICAS “BRIEFING” - CONCEPÇÃO DESENVOLVIMENTO DETALHAMENTO Legenda: PROGRAMA ESTRATÉGICO ANTEPROJ. ARQUITETURA PROJETO EXECUTIVO ARQUITETURA (ou) } Interface simultânea Interface de retroalimentção CONSULTA SOBRE ESTRUTURA ANTEPROJ. ESTRUTURA FUNDAÇÕES PROJETO EXECUTIVO DE ESTRUTURAS E FUNDAÇÕES CONSULTA SOBRE SISTEMAS PREDIAIS ANTEPROJETO DE SISTEMAS PREDIAIS PROJETO EXECUTIVO DE SISTEMAS PREDIAIS ANÁLISE DAS INTERFACES COM A PRODUÇÃO PROJETOS PARA PRODUÇÃO EXECUÇÃO OPERAÇÃO ACOMPANHAMENTO DE OBRA ACOMPANHAMENTO DO USO E OPERA’ÇÃO PROJETOS “AS BUILT” ASSITÊNCIA TÉCNICA ESTUDOS DE PREPARAÇÃO PRÉ-OBRA CONSULTA SOBRE SELEÇÃO DA TECNOLOGIA CONSTRUTIVA i1: interface com o mercado (programa); i2: interface entre os projetos; i3: interface projeto do produto– produção (projeto para produção); i4: retroalimentação execução– projeto; i5: interface cliente (desempenho). COORDENAÇÃO INFORMAÇÕE S BÁSICAS (sondagens mecânica dos solos) COORDENAÇÃO SIST. PREDIAIS ESTUDO PRELIMINAR INFORMAÇÕE S BÁSICAS (legislação, topografia.) SUBPROC. DE PROJETO Informações de entrada PROGRAMA FUNCIONAL COORDENAÇÃO ARQUITETURA PROJETO LEGAL ESTRUTURAS PROJETISTAS DO PRODUTO PROJ. P/ PRODUÇÃO Subprocesso entrada ESTUDOS DE DEMANDA (levantamento necessidades dos clientes) Subprocessos saída PROMOTOR Informações saída Adaptado de Fabricio et al. (1999a) 260 Figura 40. Modelo genérico para organização do processo de projeto de forma integrada e simultânea 261 8 PROJETO SIMULTÂNEO EM DIFERENTES EMPREENDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO: ESTUDOS DE CASO Neste capítulo são desenvolvidos estudos de caso em várias empresas, representando três tipos de empreendimentos de construção de edifícios (Construção-incorporação, obras sob encomenda e promoção pública). Os principais objetivos dos estudos de caso foram subsidiar a caracterização do processo de projeto em diferentes tipos de empreendimentos de construção de edifícios (em complemento ao capítulo 4), investigar caminhos e tendências de inovação na gestão do processo de projeto no setor e analisar as potencialidades e dificuldades para introdução da proposta de Projeto Simultâneo, desenvolvida no capítulo 7. Para realização dos estudos de caso foram feitas entrevistas semi-estruturadas, cujo roteiro encontra-se no anexo “A”, junto a funcionários, gerentes e proprietários das empresas estudadas. Também foram feitas algumas visitas aos escritórios e às obras das empresas analisadas a fim de acompanhar na prática o processo de gestão e coordenação de projetos de novos empreendimentos. Os critérios para seleção das empresas investigadas são explicitados a seguir no item 8.1. 8.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DAS EMPRESAS Num setor industrial heterogêneo como a construção de edifícios, as características e as lógicas de gestão do processo de desenvolvimento e projeto do empreendimento dependem do tipo de empreendimento e, até mesmo, das particularidades de cada empreendimento e de cada empresa envolvida. Para investigar as possibilidades e os avanços nas práticas de gestão de projeto rumo ao desenvolvimento simultâneo dos projetos, realizou-se uma série de estudos de casos junto a três tipos de empreendimentos de construção. A formulação de categorias, tipos de empreendimento é problemática e não encontra consenso na literatura. 262 Para estabelecer os tipos de empreendimento que nortearam a seleção dos estudos de casos e a condução do trabalho, optou-se por classificar os empreendimentos de construção pela forma de promoção. Esta categorização foi adotada devido ao fato de o promotor exercer um papel de desencadear a montagem e a condução do empreendimento, condicionando decisivamente as possibilidades de organização e gestão do processo de concepção do empreendimento e desenvolvimento dos projetos. A partir deste recorte foram estabelecidas três principais categorias de empreendimentos. É importante salientar que tais categorias foram estabelecidas como o universo de pesquisa deste trabalho, cobrindo grande parte das modalidades de empreendimentos praticadas no país, embora outras modalidades e diferentes recortes para categorização possam ser propostos. O primeiro tipo de empreendimento estabelecido, incorporação–construção, foi caracterizado pela presença de uma única empresa exercendo as atividades de promoção e construção do edifício (figura 41b). Obras sob encomenda caracterizam os empreendimentos nos quais o usuário final é o cliente direto da construtora e dos projetistas, ficando responsável pela montagem do empreendimento e, em alguns casos, pela gerência global da obra e aquisição dos materiais envolvidos (figura 41c). Neste caso, enquadram-se tanto os pequenos empreendedores que desenvolvem residências ou pequenos edifícios (autopromoção) contratando os projetos e os operários da obra, como as empresas que promovem grandes edifícios para abrigar um empreendimento industrial ou comercial. A promoção independente se caracteriza quando o empreendedor do edifício não tem nenhum vínculo direto com o construtor e o usuário do mesmo (figura 41a). Duas modalidades de promoção independente se destacam. O promotor imobiliário privado que incorpora um terreno, monta o empreendimento para ser vendido no mercado imobiliário e contrata a construção para executar a obra. Trata-se, portanto, de uma variante, menos comum no mercado, da atividade de incorporação – construção mas, com a independência entre os agentes destas duas instâncias. No segundo caso, trata-se da promoção pública de edifícios cujo formulador inicial do 263 empreendimento e contratante da construção e dos serviços de engenharia e projeto é o estado ou algum órgão público municipal, estadual ou federal, mas com o intuito de repassar ou vender o produto gerado para determinada população beneficiária. Neste caso, o grande exemplo é a produção de habitações populares. (a) promoção independente (b) incorporação-construção (c) obras sob encomenda Adaptado de MELHADO (1994) Figura 41. Tipos de empreendimento de construção considerados segundo o agente da promoção Nos estudos de casos são apresentados exemplos referentes aos três tipos de empreendimento descritos, entretanto não foram investigados a autopromoção de habitações e pequenos edifícios e empreendimentos privados com promoção independente que são subtipos respectivamente dos empreendimentos com usuáriopromotor e promoção independente. A opção por não explorar estes casos deu-se tanto pelas limitações do tempo disponível para realização das pesquisas, como por considerar-se que no caso da autopromoção de habitações e pequenas obras a gestão da concepção e projeto se dá de maneira informal e pouco estruturada, limitando o interesse destes casos frente aos objetivos do trabalho (foi realizado portanto um segundo recorte pelo porte do empreendimento) e, no caso da promoção privada independente, por considerar que no Brasil a principal forma de atuação no mercado privado de construção de edifícios ocorre via incorporação e construção conjunta pela mesma empresa. 264 Para o desenvolvimento e apresentação dos resultados dos estudos de casos optou-se pelo tratamento da colaboração dos agentes e da integração da concepção de forma fragmentada entre as principais interfaces do processo de projeto (item 7.7). Embora cada interface represente um enquadramento parcial e limitado da gestão do processo de projeto, este recorte permite uma abordagem mais didática e uma análise mais pormenorizada das práticas, potencialidades e limitações na concepção e projeto do empreendimento de edifício. Assim, partindo do modelo de Jouini (1999) apud Melhado (1999), considerou-se em cada caso analisado três interfaces potenciais para o Projeto Simultâneo do empreendimento: interface programa–projeto do produto; entre especialidades do projeto do produto, projeto do produto–projeto da produção. Além de duas interfaces de retroalimentação: interface execução–projeto; interface uso–projeto. Outra restrição metodológica dos estudos de casos diz respeito aos agentes investigados. Diante da complexidade e da multiplicidade de agentes envolvidos no processo de projeto adotou-se a estratégia de focar os estudos de casos na figura do responsável pela coordenação de projeto e, em alguns casos, realizar entrevistas complementares com outros agentes envolvidos no processo de projeto. Representando cada tipo de empreendimento investigado foram selecionados os agentes responsáveis pela coordenação de projetos para servirem como objeto de estudo, independentemente de este agente cumprir ou não outra função no empreendimento. Os estudos de casos foram conduzidos fundamentalmente por meio de entrevistas semi-estruturadas com os coordenadores de projeto de cada caso investigado (ver roteiro de entrevista no anexo A), mas também foram realizadas visitas a reuniões de projetos e canteiros de obras. Além disso, algumas das empresas estudadas e os profissionais entrevistados foram convidados a participar do workshop nacional: Gestão do Processo de Projeto na Construção de Edifícios (Workshop, 2001), apresentando suas práticas e experiências, o que ajudou a complementar as informações colhidas em campo. 265 8.2 APRESENTAÇÃO DOS ESTUDOS DE CASO 8.2.1 Construção-incorporação Representando os empreendimentos de construção e incorporação privada (principalmente empreendimentos residenciais) foram analisadas duas empresas que, além das atividades de construção e incorporação, vêm desenvolvendo novas experiências no tocante à coordenação de projetos. Um terceiro caso abrangeu uma empresa de projeto especializada na realização de compatibilização entre disciplinas de projeto e no desenvolvimento de projetos para produção. 8.2.1.1 Caso “A1” A Empresa A1 é uma grande construtora e incorporadora de empreendimentos habitacionais, atuando no mercado de classe média em várias cidades do país, mas tem seu principal mercado na região da Grande São Paulo. Atualmente a empresa possui um sistema de gestão da qualidade para seu processo de construção e incorporação de edifícios residenciais - certificado ISO 9002: 1994. A estratégia competitiva desta empresa centra-se na busca da redução dos custos e melhoria das condições de venda dos seus imóveis de forma a viabilizar a compra direta de apartamentos por consumidores da classe média (Cardoso, 1996, Fabricio, et al. 1998b). Para viabilizar essa estratégia a empresa montou um esquema de autofinanciamento dos empreendimentos em que parte considerável dos custos de construção é financiada pelos próprios clientes por meio de consórcios e do alongamento do prazo de pagamento. O alongamento dos prazos de obra influencia uma série de decisões de programa e dos projetos. Assim, a escolha de alternativas construtivas rápidas não tem grande importância, uma vez que a velocidade do empreendimento não é determinada pelos limites técnicos, mas pela capacidade de desembolso dos clientes. Isto aponta para valorização das alternativas tecnológicas que propiciem menores custos de execução, independente do tempo de execução requerido. 266 Neste contexto, a adoção de técnicas construtivas industrializadas e de pré-fabricados é desestimulada, em favor dos processos construtivos tradicionais racionalizados, mais adequados e flexíveis frente à sintonia “velocidade de obra versus velocidade de pagamento”. A busca de alternativas construtivas que viabilizam uma execução paulatina da obra ao mesmo tempo em que permitem retardar custos (desembolso), atende ao anseio dos clientes de “ver a obra andar” e assegura melhores condições de fluxo de caixa para o empreendimento (Assumpção, 1996). De fato, esta parece ser a estratégia adotada pela empresa A1 para permitir um melhor equacionamento do caixa dos seus empreendimentos. Enquanto as obras brutas (estruturas, vedações, etc.) são projetadas com tecnologias tradicionais (concreto moldado in loco ou alvenaria estrutural), os projetos de instalações e acabamentos são orientados a permitir uma execução rápida, mais próxima da data de entrega do empreendimento. Assim, inúmeras soluções de projeto adotadas, nos empreendimentos da empresa, como shafts, janelas e portas prontas, etc. exemplificam a existência de projetos focados na maior racionalização das soluções do ponto de vista técnico, associada à viabilização de fluxos de caixa adequados. Para permitir o autofinanciamento, a empresa desenvolve empreendimentos com várias torres que são entregues paulatinamente e, assim, o prazo final de construção é alongado de maneira a adequar o ritmo das obras (mais lento) à capacidade de desembolso dos clientes. Complementando essa estratégia de redução de custos, do ponto de vista da produção, a empresa tem dispensado grandes esforços na simplificação e padronização de seus edifícios, reduzindo gastos por meio da eliminação de detalhes de projeto onerosos e pelos ganhos de escala conseguidos com a manutenção de um grande e encadeado fluxo de obras que permite a manutenção de um número relativamente constante de frentes de produção, propiciando reduções no custo final das obras e garantindo uma relativa constância no volume de insumos demandados. 267 Indo ao encontro da estratégia de padronização, na empresa A1, o programa dos empreendimentos é derivado de um programa básico preestabelecido, desenvolvido pelas diretorias regionais de produto e de marketing. Para elaborar o programa básico é considerada a experiência de mercado de cada regional da empresa e são realizadas pesquisas qualitativas junto aos consumidores em potencial. Com isso, para cada região do país, onde a empresa atua, são desenvolvidos metaprogramas de forma a contemplar idiossincrasias regionais (varandas maiores no Rio de Janeiro e litoral em geral, varanda com churrasqueira em Porto Alegre, quadra de peteca no triângulo mineiro, etc.). Partindo das definições tipológicas (programas básicos) de produtos que atendam aos nichos de mercado selecionados, a empresa desenvolveu uma série de normas e procedimentos de concepção e projeto que orientam o desenvolvimento do empreendimento. A seleção do terreno, uma das primeiras decisões de concepção do empreendimento, está subordinada à busca de lotes adequados ao tipo de produto e ao nicho de clientes que a empresa quer atingir. A partir daí, as definições do programa seguem os padrões preestabelecidos pela empresa. A simplificação e padronização conseguidas pela empresa facilitam ainda o desenvolvimento de parcerias com os fornecedores uma vez que permitem à empresa trabalhar com um número reduzido e conhecido de tipos e marcas de materiais, componentes e serviços, aproveitando a sua escala de produção para barganhar melhores condições de compra destes insumos. A preocupação em projetar a produção é, segundo a empresa, incorporada aos projetos executivos de produto e em normas e procedimentos de produção do SGQ e, no caso específico da alvenaria, em um projeto para produção também terceirizado. Com relação ao relacionamento da empresa com demais agentes do empreendimento é possível identificar a realização de dois tipos principais de parcerias com abrangências distintas, envolvendo respectivamente os fornecedores de materiais e componentes e os de serviços de projeto e subempreiteiras. Essa distinção entre as 268 parcerias deve-se não só à natureza do insumo fornecido – produtos ou serviços – mas também ao poder de negociação frente aos fornecedores e aos objetivos da construtora para cada tipo de insumo. Para os materiais e componentes, a empresa concentra-se no estabelecimento de parcerias com fornecedores renomados no mercado e utiliza-as para obter melhores condições de compra e, em alguns casos, também, como instrumento de marketing, garantindo aos clientes que seus apartamentos serão construídos com materiais de marcas conceituadas. Essas parcerias restringem-se a alguns itens com significativa repercussão no preço final do edifício e especialmente aos produtos de acabamento que, além de serem significativos no custo do edifício, têm uma maior visibilidade e podem ser utilizados como marketing. No caso das parcerias com os fornecedores de materiais e componentes, não é prioritário para a empresa o desenvolvimento de insumos especialmente desenvolvidos ou interferências no processo produtivo dos fornecedores, embora existam alguns casos isolados em que essa interferência, junto ao fornecedor, tenha ocorrido visando ao desenvolvimento de componentes construtivos não disponíveis no mercado. Na grande maioria das vezes são utilizados os materiais e componentes disponíveis no mercado. Trata-se, portanto, de uma parceria de caráter mais contratual (item 7.4) cuja lógica é estendida para vários empreendimentos e embute uma estratégia de marketing cruzado com a utilização de materiais de qualidade consagrada. Já para os fornecedores de serviços de projeto e subempreiteiros, a estratégia de parceria da empresa é mais abrangente e ambiciosa. No caso das parcerias com os projetistas, a empresa desenvolveu uma série de normas e padrões de apresentação de projeto voltados a determinados critérios e soluções padronizadas, de forma a simplificar as obras e garantir uma maior construtibilidade, além de tornar os projetos mais transparentes, manuseáveis e adequados ao ambiente da obra. 269 A contratação dos projetistas leva em conta parcerias com profissionais familiarizados com as práticas da empresa e seus padrões de projeto, além de seguir os critérios de qualificação e avaliação de fornecedores do sistema de gestão da qualidade (SGQ) da empresa. Outra exigência da empresa para com os projetistas parceiros é a realização de algumas reuniões de coordenação do projeto ao longo de seu desenvolvimento. O cronograma de reuniões bem como das entregas parciais e finais dos projetos e os momentos das trocas de informação entre projetistas são definidos numa primeira reunião. Com os subempreiteiros, a política da empresa é similar à adotada com os projetistas. Para os subempreiteiros, é exigido o atendimento de uma série de procedimentos construtivos e o rígido cumprimento de prazos pré-estabelecidos pela construtora. Para garantir o cumprimento dos procedimentos e prazos, a empresa, juntamente com os seus subempreiteiros, realiza pequenos treinamentos dos operários no início de cada serviço considerado importante. Tanto para projetistas como para subempreiteiros, a oportunidade de intervenção nos padrões de serviço estabelecidos pela construtora é quase nenhuma, implicando uma sinergia limitada. Na verdade, a construtora tem uma política de “parcerias” com os fornecedores de serviços pautada na sua capacidade técnica e pouco aberta à participação dos parceiros nas decisões de negócio e de projeto da empresa. Assim, pode-se destacar, conforme Fabricio et al. (1998b), que a existência de parcerias não pressupõe, necessariamente, um relacionamento de igualdade entre os envolvidos. No caso estudado, a construtora exerce seu poder de negociação preponderante frente aos projetistas e subempreiteiros e, com isso, molda as parcerias segundo suas estratégias e conveniências. 8.2.1.2 Caso “A2” O segundo caso estudado, A2, abrange uma empresa de construção e incorporação privada de capital nacional que teve origem em Minas Gerais em 1969. Atualmente a 270 empresa pode ser considerada de grande porte, gerando cerca de 2.500 empregos, com atuação nos mercados de Minas Gerais, Distrito Federal e, há oito anos, no mercado paulistano. A empresa foca, primordialmente, o segmento residencial de alta renda (apartamentos de alto e médio padrão) e, numa segunda linha de mercado, atua nos segmentos de edificações comerciais e de serviços (salas, lojas, flats e shopping centers). Na história da empresa podem ser contabilizados mais de 200 empreendimentos de edifícios construídos sendo 66% deles edifícios residenciais de alto padrão, 14% residenciais médio padrão e 20% edifícios comerciais e de serviços. A empresa também possui um SGQ certificado pela ISO 9002 versão 94. Com relação ao projeto de novos empreendimentos, o processo começa como uma primeira etapa de concepção e decisão de um novo empreendimento, passa para etapa de projeto do produto durante a qual são realizados também alguns projetos para produção. O desenvolvimento do negócio e do programa de necessidades de novos empreendimentos segue a estratégia clássica a partir da possibilidade de incorporação de um novo terreno e de uma pesquisa de viabilidade econômica e financeira do empreendimento que subsidia a decisão de lançar o novo empreendimento (figura 42)54. Na empresa A2, a seleção dos terrenos para aquisição ou permuta é orientada pela sua localização e oportunidade de incorporar boas áreas, atuando em bairros preferenciais, em cada cidade. Como a empresa trabalha com um segmento de alto padrão, a definição do programa de seus empreendimentos é realizada de forma mais individualizada e voltada às exigências do mercado específico. 54 Fluxo de desenvolvimento de produto apresentado pela arquiteta coordenadora de projetos da empresa “A2” durante a mesa de debate sobre coordenação de projetos, realizada no Workshop Nacional: Gestão do Processo de Projeto na Construção Civil (Workshop,2001). 271 Comercial Abre Planilha de Viabilidade Planilha Viabilidade Projetos Jurídico Verificação de Aspectos Físicos Verificação Aspectos Legais Formulário 040 Formulário 038 N Apto ? Descarta terreno Marketing S S Pesquisa de mercado? Pesquisa de Mercado Pesquisa N Projetos Conceituação do Produto Formulário 077 Orçamento Elabora Planilha Custo/m2 Formulário 079 Comercial Revisa Planilha de Viabilidade Planilha Viabilidade Aprova ? S N S Descarta Reconceitua ? N terreno Jurídico + Suprimento Contrato de Compra do terreno Contrato do Compra Figura 42. Processo de desenvolvimento e tomada de decisão de um novo negócio (empresa A2) 272 Para a definição do programa de cada obra é mobilizada a equipe de incorporação (analista de marketing e projeto, analista financeiro, prospector de terrenos), a área técnica da empresa (superintendente da área técnica, coordenador de projeto, responsável pela obra) e o projetista de arquitetura contratado. Os projetistas de engenharia são contratados num segundo momento do processo de projeto. Os vários projetos de produto (arquitetura, estruturas, instalações, etc.) são terceirizados. A empresa também realiza projetos para produção para uma série de subsistemas do edifício (ex.: esquadrias, revestimento de fachada, alvenaria, projeto de formas, etc.), conforme lista apresentada no quadro 11. Tais projetos são terceirizados e desenvolvidos concomitantemente com os projetos do produto, com exceção do projeto de formas, que é feito a posteriori. Serviços de projeto contratados • Executivo de arquitetura • Executivo de estrutura • Executivo de instalações elétricas • Concessionária: Telefônica • Incêndio: Corpo de Bombeiros • Concessionária: Eletropaulo • Projeto de inserts • Juntas de Fachada • Sistema de segurança • Executivo de instalações hidráulicas • Executivo de fundações • Executivo de alvenarias • Executivo de dry-wall • Concessionária: Comgás • Concessionária: Sabesp • Paisagismo • Impermeabilização • • • • • • Decoração Portaria • Consultoria Hidráulica • Consultoria Elétrica Consultoria Estrutura Ventilação mecânica Pressurização de escadas Projeto de elevadores Projeto de ar-condicionado Projeto de armários Quadro 11. Serviços de projetos potencialmente contratados pela empresa A2 em função de cada empreendimento A contratação dos projetistas leva em conta as experiências prévias, a qualificação e avaliação dos projetistas, de acordo com procedimentos do SGQ da empresa e, como último critério, a indicação e referências de outros clientes. A coordenação de projetos é realizada por um arquiteto da empresa de construção que tem a missão de conduzir todo o processo de projeto e validar as soluções propostas pelos projetistas tercerizados. A validação de projetos e da compatibilização entre especialidades é extremamente valorizada na empresa e cabe ao coordenador de projetos verificar os projetos com auxílio de extenso check-list. 273 O coordenador também deve sobrepor os vários projetos e verificar a compatibilidade entre eles. Essa análise é feita por um sistema reticulado de quadrantes que obriga o coordenador a dar um parecer sobre a compatibilidade dos projetos em cada quadrante. 8.2.1.3 Caso “A3” Como contraponto, o caso A3 ilustra um escritório de projetos especializados no detalhamento de projetos e na realização de projetos para produção que tem como objetivo subsidiar as obras com informações mais desenvolvidas sobre as características do produto e as formas de execução. A empresa oferece, ainda, às empresas construtoras, serviços de acompanhamento e coordenação dos projetos. Tal escritório atua no mercado há cerca de sete anos, é de propriedade de dois arquitetos e contava, durante as visitas realizadas, com sete profissionais engenheiros, arquitetos e estagiários, caracterizando uma estrutura funcional reduzida típica dos escritórios brasileiros de projeto. Os principais clientes do escritório são empresas de construção e incorporação de edifícios residenciais que atuam na região da Grande São Paulo onde os mesmos se situam. Como a maior parte dos clientes desta empresa (embora não todos) são construtoras-incorporadoras optou-se por enquadrar este caso na modalidade de construção-incorporação e conduzir a pesquisa focando a experiência da empresa relacionada a este tipo de empreendimento. Os principais serviços oferecidos pela empresa se destinam ao aprimoramento dos projetos do produto em relação à sua construtibilidade e ao desenvolvimento, por meio de projetos para produção, das soluções construtivas que serão empregadas nas obras. O escritório dá ênfase ao fornecimento de serviços orientados para o incremento da articulação projeto-obra (i3), tentando, assim, atenuar a desarticulação entre o desenvolvimento de projetos e as características produtivas e das empresas construtoras. 274 Uma característica importante da empresa e que ela mantém um rígido acompanhamento de seus projetos e acompanha a evolução deste nas obras dos clientes. Com base nesses acompanhamentos, referentes a um universo de mais de 200 projetos realizados junto a 58 clientes diferentes, pode-se observar alguns dados importantes sobre a contratação e o aproveitamento dos projetos para produção, segundo a experiência do escritório em questão (ver tabelas 8, 9,10) 55. Responsável pela contratação do projeto • • • • Engenheiros de obra Coordenador de Projetos da Construtora/Promotora Coordenação Terceirizada Área Comercial Participação relativa (%) 16% 45% 8% 31% Tabela 8. Tipos de contratantes dos serviços empresa A3 Momento de contratação do projeto • antes do início da obra • a obra iniciada, mas o projeto é contratado antes da produção do sistema • subsistema em execução quando o projeto para produção é contratado • o projeto contratado não é utilizado na obra Participação relativa (%) 26% 14% 44% 16% Tabela 9. Momento do empreendimento em que são contratados os serviços da empresa A3 Aproveitamento do projeto em obra (segundo juízo da empresa estudada) • baixíssimo aproveitamento • baixo aproveitamento • médio aproveitamento • bom aproveitoamento • excelente aproveitamento Participação relativa (%) 33% 16% 19% 19% 7% Tabela 10. Aproveitamento da compatibilização e do projeto para produção pelas construtoras 55 Dados apresentados pela arquiteta titular da empresa A3, durante a mesa de debate sobre coordenação de projetos, realizada no Workshop Nacional: Gestão do Processo de Projeto na Construção Civil (Workshop,2001). 275 Assim, apesar de oferecer serviços que buscam ser um elo entre projetistas e o sistema de produção das construtoras, um dos principais questionamentos dos proprietários do escritório diz respeito à falta de consciência das empresas construtoras ou incorporadoras sobre a importância dos projetos e de sua coordenação para o desempenho da obra e para a qualidade do produto. Ainda segundo os depoimentos, muitos das construtoras que utilizavam os serviços do escritório acabam fazendo-o mais por um certo “modismo” fomentado por concorrentes que utilizam serviços similares e propagam a sua importância, fazendo com que outras empresas passem a procurá-los, mais do que por uma conscientização e opção estratégica a respeito da importância desses novos serviços. De fato, muitas empresas construtoras acabam contratando a realização desses serviços, mas não instrumentam o escritório de projetos com informações sobre o seu sistema de produção. Mais do que isso, a falta de um planejamento global e robusto das características do produto e das opções tecnológicas para produção acaba fazendo com que a empresa mude, durante o desenvolvimento dos projetos ou mesmo durante a obra, as suas escolhas acerca de materiais e características da obra, o que obriga a adaptações nos projetos, limitando o potencial de otimização das obras pelos serviços de coordenação de projeto e desenvolvimento de projetos para produção. Ilustra essa afirmação, exemplos concretos nos quais, após a realização do detalhamento e do projeto para produção de uma alvenaria de blocos de concreto, no qual se estudava, além da coordenação modular da alvenaria e esquadrias, a interferência das instalações, a construtora resolveu trocar, durante a obra, os elementos da alvenaria para blocos cerâmicos (tijolos baianos). Os depoimentos dos profissionais desse escritório demonstram como a otimização dos projetos não depende somente de ações isoladas visando melhorar a qualidade dos projetos e mesmo a realização de coordenação de projetos e a realização de projetos específicos para produção não garantem um bom projeto global. Mais do isso, é imprescindível a atuação das construtoras-incorporadoras na valorização dos serviços de projeto e na integração do processo de projeto à sua estratégia de produção. 276 8.2.2 Obras sob encomenda 8.2.2.1 Caso “B1” O caso B1 aborda a gestão do projeto de obra sob encomenda, tendo sido pesquisado um escritório que atua na elaboração de projetos estruturais e no gerenciamento de projetos e execução desse tipo de obra. A estrutura da empresa é bastante enxuta, sendo composta por 5 profissionais (2 engenheiros, 2 arquitetos e 1 estagiário), mas tem como vantagem a adaptabilidade frente às oscilações de demanda freqüente, por meio da terceirização de serviços de projeto. Ela atua preferencialmente no segmento de edificações industriais, no qual dispõe de uma sólida experiência. O escopo dos trabalhos de coordenação desta empresa representa um importante contraponto no que tange às atividades de integração do processo de projeto, em face à especificidade das edificações industriais. A primeira especificidade é que o empreendedor é o próprio cliente final, sendo a obra executada sob encomenda. Além disso, na maioria das edificações industriais, o programa é condicionado ao projeto de instalações das máquinas e fluxos produtivos – ‘projeto base’. Segundo o Engenheiro da empresa B1, em edificações industriais, “a edificação pode ser considerada como a ‘pele’ da máquina”. Normalmente, em obras sob encomenda, o cliente contrata uma empresa para gerenciar o processo de projeto e uma construtora para executar a obra. Assim, a gestão do empreendimento é, ao contrário das construtoras-incorporadoras, fragmentada em dois processos, conduzidos por empresas distintas: gestão do projeto e gestão da obra. Em um dos trabalhos conduzidos pela empresa B1, o processo de projeto é ainda subdividido administrativa e tecnicamente. A contratação dos projetos, a responsabilidade pela entrega perante os órgãos legais, os pagamentos e as providências burocráticas são conduzidos por uma empresa e a coordenação técnica de projetos por outra. 277 8.2.2.2 Caso “B2” A empresa estudada é uma grande construtora de obras sob encomenda com cerca de quatrocentas obras realizadas equivalendo a mais de dois milhões de metros quadrados construídos em todo o país (especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro). Ela atua na construção de obras privadas nos segmentos de edifícios industriais, comerciais, shoppings, supermercados, escolas, centros empresariais, etc. Firma-se no mercado com o seu prestígio pela competência técnica na execução de obras diferenciadas com qualidade e, principalmente, pelos seus prazos reduzidos. A principal modalidade de negociação e estabelecimento de contratos da empresa com seus clientes é, atualmente, a construção por preço de custo com a definição de um preço alvo para a execução da obra. Quando consegue concluir a obra abaixo desse preço, a construtora é bonificada pelo contratante e, caso contrário, quando os custos da obra superam o preço alvo, a construtora paga "multas" para o contratante. Como caracterizado em Cardoso (1997) e verificado durante as recentes entrevistas e visitas, a empresa, pode ser caracterizada como tendo uma estratégia competitiva por diferenciação, principalmente, redução dos prazos. Também merece destaque, em relação à empresa, o fato de esta contar com uma grande equipe de técnicos próprios (em sua maioria engenheiros) que desempenham importante função no desenvolvimento e acompanhamento das obras em que a empresa atua. Uma vez que a construtora executa obras sob encomenda, muitas vezes o contratante fornece os projetos já prontos (em especial os projetos relativos à arquitetura). Contudo, como a construtora tem uma forte engenharia, é comum que nesses casos ela seja chamada a colaborar com a equipe de projetos e acabe intervindo nas soluções originais. Além disso, a construtora valoriza a possibilidade de participar já nos primeiros momentos do empreendimento e recomenda, a seus contratantes, alguns projetistas de confiança - o que é especialmente válido para os projetos de engenharia. 278 Diante do caráter específico e não repetitivo dos empreendimentos em que a construtora participa, a ênfase no tocante aos projetos (contratados) está no atendimento aos clientes externos, com a busca por soluções de projeto que possibilitem atingir as metas de custos, qualidade e principalmente prazo. Isso demanda a consideração precoce, em projeto, dos desdobramentos das especificações do produto para a obra. Em especial, no tocante à diminuição dos prazos de obra, à utilização e conseqüente definição em projeto de tecnologias de produto orientadas, a construção rápida é fundamental à estratégia de diferenciação da empresa. Nesse sentido, a empresa tem uma tradição de utilização de estruturas pré-moldadas de concreto. Para tanto, o detalhamento e a consistência dos projetos são de suma importância uma vez que a empresa realiza obras com prazos reduzidos, o que restringe o espaço para absorção de erros de projetos e eventuais reprojetos. Por outro lado, como os projetos subsidiam a composição dos orçamentos e, portanto, a definição do preço alvo a ser atendido, inconsistências nos projetos podem implicar a perda de confiabilidade dos orçamentos, gerando distorções na composição do preço que podem comprometer os lucros da empresa ou diminuir a sua competitividade na participação de concorrências. Para atender aos objetivos dos projetos, a empresa privilegia a formação de equipes de projetos abertas a analisar os diferentes problemas impostos por diferentes empreendimentos, valorizando a capacidade de propor soluções específicas que atendam às necessidades dos seus clientes. Isso demanda uma grande competência técnica e criatividade dos projetistas na proposição de soluções que melhorem as características e desempenho do produto e a formação de uma equipe integrada envolvendo os vários projetistas e os técnicos da empresa. A coordenação de projetos é apontada pela empresa como essencial para alcançar as metas impostas. É nessa tarefa que ela encontra um dos seus maiores problemas e tem dificuldades de desenvolver uma metodologia de coordenação que atenda às diferentes obras de que participa. Na ausência de uma metodologia de coordenação de projetos única aos vários empreendimentos, a empresa entende que a coordenação 279 deva ser delegada a um profissional com grande experiência em suas obras e que também tenha uma visão ampla e abrangente sobre as várias especialidades de projeto. Contudo, a dificuldade de selecionar profissionais com este perfil coloca a coordenação como uma atividade que a empresa identifica como especialmente sensível e problemática e que deve ser melhorada. Assim, embora se reconheça, na empresa, a importância de trabalhar com um determinado grupo de projetistas, considerados competentes e adaptados às suas necessidades construtivas, não se pode caracterizar a formação de parcerias entre ela e seus projetistas, uma vez que a decisão final sobre quais projetistas contratar passa pela aprovação dos contratantes das obras. Por outro lado, o relacionamento da construtora com os projetistas valoriza a competência técnica na proposição de soluções que potencializem a estratégia de diferenciação da empresa, principalmente no tocante ao papel dos projetos na redução dos prazos de obra. Com isso, ao mesmo tempo em que a construtora necessita de soluções relativamente inovadoras e bem desenvolvidas para subsidiar suas obras, muitas vezes, ela se depara com projetistas diversos à sua cultura construtiva o que, somado à grande variabilidade das obras (diferentes tipos de edifícios, desenhos, tamanhos, finalidades, etc.) que a empresa constrói, dificulta o estabelecimento de uma metodologia de coordenação de projetos. Tal fato aparece como um dos principais desafios enxergados pela empresa no tocante aos projetos. 8.2.3 Obras públicas 8.2.3.1 Caso “C1” Neste caso foi investigada uma grande companhia pública de promoção de habitações vinculada ao governo do estado de São Paulo. A produção da empresa se destina ao atendimento da demanda habitacional das populações de baixa renda (entre 1 e 10 salários mínimos). 280 A empresa investigada foi fundada em 1949 e já teve diversos nomes até obter a denominação atual em 1989, tendo construído ao longo de sua história mais de 300 mil habitações, equivalentes a aproximadamente dez milhões de metros quadrados de área construída, espalhados em mais de 500 municípios paulistas. Atualmente esta empresa é a maior promotora pública de habitações do país com uma movimentação financeira próxima dos 550 milhões de reais por ano e com cerca de 80 mil unidades habitacionais em execução em 2002. A empresa também se destaca pela criação de um programa de fomento à introdução de sistemas de gestão da qualidade em empresas de construção, exigindo das suas contratadas a obtenção de um certificado de qualidade pelo programa da empresa, tendo sido pioneira na utilização do poder de compra do estado como indutor de modernização gerencial nas empresas de construção. A principal fonte de recursos permanentes da empresa (aproximadamente 80%) é a cobrança adicional de um ponto percentual no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de diversos produtos e serviços comercializados no estado. Outros 20% dos recursos empregados provêm dos pagamentos realizados pelos mutuários. Ocasionalmente, a companhia também opera com fundos de outras origens, como agente promotor do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) com recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), operações financeiras com bancos de fomento e organismos internacionais de crédito, etc. Atualmente a empresa dispõe de quatro programas regulares para produção de moradias: Empreitada Global (EG), Empreitada Integral (EI), Mutirão e Habiteto. Este trabalho focalizou o primeiro e o segundo programas mencionados, no caso do primeiro, por ser o mais empregado pela companhia e ter a maior abrangência territorial no estado, respondendo pala grande maioria dos recursos investidos. O segundo programa analisado é o EI devido a esta modalidade abarcar a contratação de uma construtora para desenvolver o empreendimento em sua totalidade, possibilitando, potencialmente, avanços em termos de articulação entre as interfaces de projeto. 281 A seguir, as principais características dos programas Empreitada Global e Empreitada Integral são apresentadas, com base nas entrevistas realizadas e no trabalho de Inouye (2001). Ambos os programas focam a produção de conjuntos habitacionais para a demanda de interesse social e são desenvolvidos em todo o território paulista, mas o programa EI acaba se concentrando na região metropolitana de São Paulo. O Programa EG ocupa terrenos doados pelas prefeituras municipais ou adquiridos pela própria companhia promotora, sendo essa segunda opção mais freqüente na Região Metropolitana de São Paulo. No programa EI a seleção e aquisição do terreno, a partir de uma cidade ou bairro estipulado pela empresa promotora, é tarefa da empresa construtora, bem como a responsabilidade pelo parcelamento do solo e, quando necessário, implantação da infra-estrutura urbana. Em ambos os casos os financiamentos e a seleção dos mutuários é de responsabilidade do Estado e a contratação das empreiteiras deve respeitar as regras da lei de licitações. No caso do programa EG a infra-estrutura urbana fica a cargo de parcerias entre Governo do Estado e Prefeituras Municipais. Os conjuntos habitacionais construídos por meio destes programas têm ofertado casas térreas, sobrados e apartamentos. No caso do programa EG, para o desenvolvimento das unidades habitacionais são utilizados projetos-padrão56 que são repetidos na construção das milhares de unidades estado afora. Na EI a empresa é livre para desenvolver seus próprios projetos, mas, em geral, acaba utilizando um dos projetos-padrão da empresa promotora. Na grande maioria dos empreendimentos, as unidades apresentam sala, dois dormitórios, cozinha, banheiro e ainda área de serviço, no caso dos apartamentos. As unidades térreas compreendem uma área média construída de aproximadamente 39 m² e os apartamentos uma área útil de cerca de 45 m². 56 Os projetos-padrão foram desenvolvidos pelas equipes internas de projeto da empresa promotora e atualmente cerca de dez deles são utilizados nos novos conjuntos. 282 Do ponto de vista dos conjuntos, as diferentes demandas e condições topográficas e urbanas levam a uma grande variabilidade, com empreendimentos de magnitude diversa (em número de unidades), envolvendo tipologias distintas (horizontal, vertical ou misto) e diferentes arranjos de implantação. Os financiamentos concedidos aos mutuários apresentam valores da ordem de 12 a 18 mil reais, para empreendimentos térreos, e de 22 a 33 mil reais para as tipologias verticais. A seleção dos mutuários se dá por meio de sorteio público entre os interessados inscritos que devem cumprir determinadas exigências para participar do programa, sendo as principais: apresentar renda familiar compatível com as exigências do programa; não ser proprietário de outro imóvel; ser morador da cidade há um determinado tempo. Além disso, uma parcela das habitações é destinada a famílias com portadores de deficiência e a idosos. A decisão de lançar novos empreendimentos é fundamentalmente condicionada pela disponibilidade de recursos para obras, pelas carências regionais por moradia, pela possibilidade de incorporação de terrenos e parcerias com prefeituras e por critérios políticos de priorização das demandas. O esquema de desenvolvimento do empreendimento da companhia, ilustrado pela figura 43, parte de um planejamento estratégico e da conformação de uma demanda, passa por uma fase de formalização da solicitação e de análise e aceitação desta e, quanto aceito, caminha para etapa de seleção e qualificação de um terreno para o empreendimento. Para aceitação do terreno e da demanda são realizados, internamente a companhia, uma avaliação técnica do terreno, uma análise jurídica, a qualificação sócioeconômica do município ao qual se destina o empreendimento, os estudos de programa e seleção do projeto-padrão a ser adotado, culminando no estudo de préviabilidade do empreendimento. Após esses estudos é feita a aquisição do terreno, os estudos preliminares de urbanização da área, são selecionados os projetos básicos e é 283 realizado o planejamento da obra, contudo, em muitos casos, por pressa ou pressões políticas, são tomados atalhos entre a aceitação jurídica e a aquisição do terreno e entre o programa e o projeto básico, conforme destaca as setas pontilhas de cor abóbora na figura 43. Finalmente, depois dos projetos e o planejamento da obra elaborados, é autorizada a contratação dos escritórios que irão desenvolver os projetos executivos do empreendimento e providenciar a aprovação destes projetos junto aos órgãos competentes (prefeitura, Grapohab, etc.), para posterior contratação, via concorrência pública, das empreiteiras responsáveis pelas obras urbanas e de edificações. Com relação à produção dos projetos no programa empreitada global (EG), a empresa promotora contrata, por meio de cartas convite57, um escritório de arquitetura, pré-qualificado como fornecedor, para desenvolver o projeto de um novo empreendimento. Para se qualificar como projetista, a principal exigência da companhia promotora é a formação profissional (registros nos conselhos profissionais de engenharia e arquitetura) e o cadastro da empresa de projeto nos órgãos reguladores competentes. A empresa também esta implementando um programa de fomento à gestão da qualidade nos escritórios de projeto, com a assinatura em 15/08/2002 do PSQ – Projetos, passando a exigir certificados da qualidade como requisito para contratação de projetistas aos moldes do que ocorre hoje com a as empreiteiras de obras. 57 Para cada empreendimento que vai ser desenvolvido a empresa seleciona no seu cadastro de projetistas um determinado número deles (normalmente, em torno de cinco) e envia a estes uma carta explicando a natureza e as especificações técnicas do serviço demandado e convida estes para apresentarem um orçamento, sendo selecionada a empresa que apresentar o menor custo. Autorização p/ contratação Terraplenagem Estudo alternativas Qualificação terreno Formalização solicitação Aceita ? Análise aceitação solicitação Obtenção terreno Aceitação jur. terreno Estudo preliminar urbaniz. s Edificaç. s Planejamento estrat/geração do negócio Aceitação téc. terreno Favorável ? s Qualif. Sócio-econ municíp. Programa projetos n Viável? n Projetos básicos Programa projetos Projetos executivos Contr./emissão OIS Viável. Confirm. Aprov. Mun/Est. empreend Infra. Pública n n Préviabilidade empreend. Infracondom. Equipam. comunit Planej. Obra/ confirm. Viabilid. Inscrição Famílias Sorteio Figura 43. Processo de desenvolvimento de novos empreendimentos (segundo empresa C1) Vistoria Aceitação Obra Habilit/ contrat. Averbação Parcelamento Autogestão condomínio Orient. p/ ocupação 284 285 Assim, o PSQ – Projetos fornecer um referencial normativo para certificação de sistemas de gestão da qualidade em empresas prestadoras de serviços de projeto, mas estabelece também, critérios e diretrizes para contração destas empresas pela companhia estudada no caso C1. Os escritórios de arquitetura contratados ficam responsáveis pela elaboração dos projetos necessários para implantação do conjunto habitacional e das infra-estruturas urbanas. Cabe a esses escritórios contratarem os projetos de engenharia que forem necessários e coordenar a execução dos projetos. O desenvolvimento dos projetos das edificações que compõem o conjunto habitacional é condicionado por um projeto padrão fornecido pelo promotor e, de fato, os projetistas não têm liberdade nenhuma para promover alterações significativas nesses padrões. Assim, o esforço de projeto é muito mais concentrado na implantação das unidades e no projeto urbanístico do conjunto do que no projeto das edificações propriamente. Como o terreno e a infra-estrutura são muitas vezes fornecidos pelas prefeituras parceiras, o projeto detalhado da infra-estrutura era tradicionalmente de responsabilidade de tais prefeituras; contudo, recentemente, a empresa tem privilegiado o que ela denomina como “projeto completo” em que mesmo nos casos nos quais a construção da infra-estrutura urbana é de responsabilidade das prefeituras, a companhia se encarrega de contratar e fornecer os projetos urbanos necessários num esforço para melhorar a articulação entre o projeto do conjunto e o projeto da infra-estrutura. Embora a companhia tenha uma grande preocupação com as necessidades sociais e financeiras de seus clientes, desenvolvido um processo de seleção e acompanhamento dos mutuários por assistentes sociais, a inserção do cliente no processo de projeto das unidades é inexistente, uma vez que os projetos são padronizados. Os serviços de projeto contratados envolvem o desenvolvimento dos projetos segundo os padrões de apresentação e detalhamento da empresa e a aprovação do 286 projeto nos órgãos competentes, mas não contemplam o acompanhamento das obras pelo projetista, sendo bastante limitada a retroalimentação do projeto a partir dos resultados das obras. A avaliação dos projetos e dos projetistas é feita de maneira informal pelos funcionários da empresa, sem critérios e objetivos de melhoria formalizados. Apesar de a repetitividade dos projetos padronizados permitir, em tese, um maior desenvolvimento e detalhamento dos projetos das unidades e uma maior industrialização das construções, uma vez que os custos adicionais de projeto podem ser diluídos em um grande número de unidades e os benefícios de uma maior construtibilidade e racionalização podem ser estendidos em uma grande escala de produção, o padrão dos projetos é o tradicional do mercado de construção, com uma série de deficiências e lacunas nas informações apresentadas. Com isso, os projetos executivos utilizados nas obras da empresa seguem os padrões básicos do mercado da construção habitacional (pouco além de um “projeto de prefeitura”) e não são desenvolvidos projetos para produção. No caso do programa empreitada integral (EI), as empreiteiras são livres para montar suas equipes e apresentarem os projetos da forma que lhes convier, desde que sigam os critérios técnicos e de custos fornecidos pela empresa promotora. Como já foi mencionado, a maioria das empresas opta por utilizar um projeto-padrão como referência e propõe poucas alterações neste. Na prática as alterações desenvolvidas são limitadas e, em sua maioria, dizem respeito a mudanças em especificações técnicas que não comprometam a qualidade do produto mas viabilizem a redução dos custos de construção. Embora forme um universo bastante variável de projetos, os resultados obtidos e o nível de desenvolvimento e detalhamento dos projetos das unidades não são muito diferentes dos padrões da EG. De fato, relatos dos técnicos da companhia promotora dão conta de que a maior liberdade para integrar as interfaces de desenvolvimento e projeto dessa modalidade de empreendimento não é, na maioria dos casos, aproveitada pelas empreiteiras, que preferem se ater aos padrões estabelecidos. 287 Recentemente a companhia vem desenvolvendo um amplo processo de Avaliação Pós-Ocupação dos seus empreendimentos para identificar os problemas e patologias construtivas mais freqüentes e a percepção do usuário quanto aos conjuntos; entretanto, este esforço ainda não resultou em grandes alterações nas especificações dos projetos e principalmente na forma de gestão do processo de projeto. Pode-se perceber que em função das carências habitacionais e da missão da companhia de atender a toda uma faixa de população carente, a variável custo da unidade é preponderante no desenvolvimento dos projetos. Apesar disso, existe uma preocupação quanto à adequação da área do empreendimento e ao padrão de acabamento das unidades. Por outro lado, questões como custos de operação e manutenção do empreendimento, sustentabilidade ambiental dos empreendimentos e outros aspectos contemporâneos são precariamente estudados e considerados nos projetos da empresa. A gestão do processo de projeto de forma mais integrada e flexível, permitindo novos modelos de gestão e a diferenciação dos projetos, também não aparece como uma prioridade da companhia e não se verifica nem mesmo na maioria dos empreendimentos realizados por meio da EI, nos quais, em tese, as empreiteiras teriam maior liberdade para propor variações. 8.3 CASOS ESTUDADOS E A FILOSOFIA DE PROJETO SIMULTÂNEO Do ponto de vista da interface 1 (programa–projeto) as empresas A1 e A2 partem dos referenciais tradicionais de mercado, valorizando as definições consolidadas no desenvolvimento e na venda de empreendimentos anteriores e, ocasionalmente, a partir da realização de pesquisas qualitativas de mercado. No caso da empresa A1, a integração do programa com as outras áreas de concepção é fortemente orientada por um metaprograma. Na empresa A2, a programação do empreendimento é feita caso a caso, o que permite uma “i1” mais colaborativa, em relação à empresa A1; contudo, uma importante limitação é a ausência ou a participação informal dos projetistas responsáveis pela engenharia de produto e pelos projetos para produção. 288 No caso das obras sob encomenda (estudo B1), as possibilidades de integração “i1” são mais restritas. Isso ocorre, geralmente, nos empreendimentos de construção industrial, porque o processo se inicia com as definições das características do layout de produção e a especificação do maquinário. O processo é delimitado com a atuação do cliente e da empresa responsável pelo projeto-base, e os projetistas da edificação são mobilizados em um segundo momento, com pequena autonomia sobre o programa. A mesma dificuldade quanto à interface “i1” foi verificada na empresa do estudo B2 a qual, na maioria das vezes, ainda não estava contratada quando o programa foi desenvolvido. Segundo os profissionais dessa empresa a clareza e a qualidade dos programas são extremamente variáveis de empreendimento para empreendimento. Eles consideram que, em geral, alguns clientes tradicionais da empresa (já desenvolveram várias obras em conjunto) e de obras repetitivas, cadeia de supermercados, redes de escolas, etc. desenvolvem programas mais consistentes devido a experiências prévias. No caso C1, a empresa é atuante do ponto de vista da assistência social, na seleção dos mutuários e acompanhamento deles, mas os dados e experiências não são utilizados sistematicamente na retroalimentação dos projetos, e a utilização de projetos e programas padronizados em todo o estado de São Paulo restringe a interatividade na interface “i1”. Quanto à interface 2, em todos os casos analisados, perceberam-se iniciativas com o intuito de qualificar o processo de coordenação de projetos do produto. A empresa A1 desenvolveu um processo próprio de coordenação, estipulando de forma mais precisa as responsabilidades de projetistas e definindo uma série de critérios de produto a serem seguidos (normas e parâmetros de projeto), bem como um rígido sistema de codificação e apresentação de projetos e o uso de ícones no lugar da simbologia normatizada para descrever de forma mais ilustrativa informações como ponto de luz, telefone, etc., buscando tornar as informações contidas nos projetos mais transparentes ao pessoal da obra. 289 Em ambas as empresas de incorporação e construção, as reuniões de coordenação de projeto eram anteriormente realizadas em maior número, mas, atualmente, existe uma percepção de que uma, duas ou, no máximo, três reuniões são suficientes para estabelecer o contato entre os projetistas e destes com a empresa. No caso B1, foram abolidas as reuniões entre os membros da equipe de projeto, segundo o entrevistado, devido à sua baixa eficiência. Assim, o escritório de coordenação fica responsável pela coerência e compatibilidade entre projetos. Em B2 são valorizadas reuniões de coordenação dos projetistas com os técnicos responsáveis pela obra a fim de eliminar incompatibilidades e buscar alternativas que incrementem a construtibilidade, mas, de fato, essas reuniões ocorrem imediatamente antes ou durante as obras, quando os projetos já estão definidos e as possibilidades de mudanças são limitadas. No caso C1, programa EG, a companhia tem valorizado a contratação conjunta dos projetos de implantação e infra-estrutura urbana de seus conjuntos, buscando com isso garantir a qualidade e a integração das soluções adotadas, entretanto a coordenação dos projetos é delegada à empresa de arquitetura e urbanismo contratada, que deve exercer essa função, mas nenhuma recomendação ou controle quanto à coordenação é exercida pelo contratante, deixando o processo de coordenação muito variável. Por outro lado, a coordenação de projetos das unidades habitacionais do caso C1 é facilitada uma vez que são utilizados projetos padronizados, entretanto o nível de desenvolvimento, detalhamento e integração dos projetos ainda é pequeno. Outra experiência potencialmente promissora é o programa EI que permite à empreiteira contratada integrar todas as fases do desenvolvimento de produto; contudo, na maioria dos casos, os resultados são ainda muito parecidos com os obtidos no programa EG. Ganha força, em todos os casos estudados, a utilização de meios eletrônicos (e-mail, intranet, extranet, internet, etc.) como ferramenta de comunicação e troca de projetos, refletindo uma tendência crescente, no mercado, da utilização das redes para a gestão das informações na construção (Evbuomwan; Anumba, 1998; Caldas; Soibelman, 290 2001). Nas duas empresas de construção e incorporação (A1 e A2), o intercâmbio de arquivos de projetos é organizado para se processar de forma centralizada na empresa construtora, ou seja, as trocas entre projetistas são mediadas pelo departamento de coordenação de projetos, que fica responsável pelo controle das informações (figura 44a). No caso B1, as trocas de informação ocorrem diretamente entre os projetistas interessados, e os resultados consolidados devem ser aprovados pela empresa de coordenação (figura 44b). No caso A3 a empresa é condicionada pelas exigências dos contratantes mas tende a seguir o esquema da figura 44a, sendo ela própria responsável pela centralização das informações. Nos casos B2 e C1 as empresas não têm uma participação ativa na troca de informações entre membros da equipe de projeto e esta função é de responsabilidade de terceiros; mas vem crescendo, mesmo que de maneira informal, a troca de informações por meios eletrônicos (principalmente e-mail) entre tais empresas e seus parceiros nos empreendimentos. Empresa Coordenadora Projeto Projeto Empresa Projeto Construtoraincorporadora Projeto Projeto Projeto Projeto Projeto (a) Projeto (b) Fabricio et al. (2001) Figura 44. Organização e fluxo de informações dos projetos nos casos estudados No caso da empresa A1, a coerência entre programa e projeto (i1), bem como a coordenação dos projetos do produto (i2) são buscadas, a priori, nas normas e padrões de projeto e nos programas básicos preestabelecidos. Assim, a colaboração caso a caso na concepção do empreendimento é substituída por premissas 291 estratégicas da empresa que norteiam o processo de programação e concepção do empreendimento; apesar disso, a empresa tem obtido sucesso em desenvolver produtos que atendam à sua estratégia de negócios e satisfaçam seus clientes, constituindo uma espécie de “carro popular 1.0 equipado com ar condicionado e direção hidráulica”. O mesmo raciocínio é valido para a empresa C1 só que nesse caso a padronização é muito mais intensa e o nível de detalhamento dos projetos e a orientação destes para obras é menor e a opção estratégica da companhia é pela execução do maior número de unidades possível a fim de atender uma parcela maior da demanda. Nas empresas de construção-incorporação estudadas, os projetistas de engenharia e especialidades são contratados após a elaboração do anteprojeto de arquitetura, ou seja, quando várias decisões de concepção já foram tomadas. Essa postura traz um duplo problema para a colaboração entre os projetistas: por um lado, a existência de soluções prontas e consolidadas de arquitetura dificulta e desestimula a proposição de sugestões por parte dos outros projetistas que tendem a se acomodar às condições dadas; por outro, quando sugestões importantes são apresentadas e acatadas, gera-se retrabalho no projeto de arquitetura. Já os projetos de especialidades de engenharia do produto são desenvolvidos simultaneamente. Entretanto, mesmo entre estes, ainda podem ser verificados vários problemas de integração e coordenação entre projetos, tais como: a dificuldade de encontrar uma ferramenta de compatibilização, o tempo ainda gasto com a troca de informações, dentre outros. Em C1 a empresa não exerce nenhum controle sobre a ordem e o momento de contratação dos projetos de engenharia que ficam a cargo do escritório de arquitetura selecionado para a condução do empreendimento. No caso B1, paralelamente à elaboração do programa e do projeto-base, os projetistas de especialidades da edificação vão sendo selecionados e contratados. Quando se inicia o projeto do edifício, após o projeto-base ser elaborado, toda a equipe de projeto está estabelecida e deve desenvolver os trabalhos de maneira coordenada, conforme a figura 44b. 292 Dos casos estudados, apenas a empresa A2 faz uso sistemático e amplo dos projetos para produção. Nos casos A1 e B1, as empresas justificam essa ausência com a incorporação aos projetos do produto de especificações para a execução das obras. No caso B2 a grande qualidade do corpo técnico de engenharia da empresa acaba levando os profissionais responsáveis pela obra a realizar detalhamentos que, embora seja elaborados na obra ou concomitantemente a sua execução, são de bom nível técnico e complementam os projetos do produto. De fato, a interface 3 simultânea ocorre somente na empresa A2. Nesse caso, os projetos para produção são iniciados antes do término dos projetos do produto. Além dos projetistas terceirizados, a empresa mobiliza o futuro engenheiro residente do edifício que está sendo projetado, para também participar da “i3”. Isso permite tanto a antecipação de como irá se produzir o edifício, como uma discussão sobre a construtibilidade dos projetos do produto. Na empresa A1 o desenvolvimento de um novo sistema de codificação de projeto com cores e ícones, buscando uma maior transparências do projeto para os operários da empresa, representa um esforço de integração interessante, embora limitado, entre o projeto e a obra (interface i3). Quanto à quarta interface, foram verificadas na empresa A2 preocupações e ações concretas para agregar à concepção e desenvolvimento de seus programas e projetos as experiências das suas obras e as demandas e reclamações dos seus clientes, configurando a quarta interface - i4. A empresa também implantou um processo informatizado de registro das reclamações e sugestões dos usuários dos edifícios, sistematizadas mensalmente em diagramas de Pareto que subsidiam a concepção de novos empreendimentos. Por exemplo, com base em reclamações sobre os ruídos provocados pelas instalações, a empresa determinou que os shafts não devem ser projetados contiguamente às cabeceiras das camas, representando uma importante retroalimentação relacionada à quinta interface – i5 definida no item 7.7. 293 No caso C1 a empresa vem desenvolvendo recentemente um amplo esforço de avaliação pós-ocupação (APO) nos seus empreendimentos, entretanto, no estágio atual desse processo, não foi possível identificar grandes alterações projetuais em função da retroalimentação fornecida pela APO. 8.4 CONCLUSÕES A análise dos casos estudados permite constatar no mercado de construção paulistano uma série de iniciativas visando ampliar a coordenação entre os agentes de concepção e projeto dos empreendimentos. Quando se comparam os empreendimentos de construção e incorporação às obras públicas e às obras sob encomenda, percebem-se limitações e potencialidades próprias a cada um desses tipos de empreendimento. No caso das obras sob encomenda, a subordinação mais determinante do projeto às necessidades do cliente e dos processos que serão desenvolvidos no edifício cria uma forte hierarquização entre programa e projeto e inibe práticas de colaboração simultânea. Nos empreendimentos de construção e incorporação, a “i1” se mostrou potencialmente mais colaborativa; entretanto, as práticas de colaboração verificadas são ainda limitadas à atuação conjunta entre empreendedor e arquiteto, quando seria desejável que outros agentes responsáveis pela elaboração dos projetos de engenharia, projetos para produção e representantes dos usuários e operadores do edifício também fossem mobilizados. Na prática, em todos os casos, sobretudo no estudo B1 e C1, as possibilidades de colaboração simultânea entre projetistas na interface 1, participando da definição do programa, mostraram-se reduzidas. Mesmo na empresa A2, que considera a mobilização simultânea da equipe de empreendimento, do pessoal da obra e do arquiteto contratado no desenvolvimento do programa, além da retroalimentação das experiências de execução (i4) e das opiniões dos clientes de obras passadas (i5), não é identificada uma prática plena de colaboração entre a totalidade dos membros da equipe de projeto (desfalcada dos projetistas de especialidades). Na empresa A1, a ausência da colaboração simultânea em “i1” é justificada pela existência de 294 programas básicos que limitam a atividade de programação de cada empreendimento em particular. Na empresa C1 a utilização de programas e projetos padronizados para a unidade habitacional limita a interatividade nesta interface, aparentemente em prol de uma facilidade gerencial dos empreendimentos e de ganhos de escala que são questionáveis. A “i2” tem sido explorada pela valorização da colaboração entre os agentes e da utilização das novas ferramentas de informática e telecomunicações, mas ainda não apresenta resultados suficientes no que tange ao processo de coordenação. Recursos temporais e materiais ainda são desperdiçados ao se fazerem necessárias reuniões complementares de coordenação. A realização de projetos em paralelo ainda é limitada aos projetos de engenharia e de especialidades como paisagismo, interiores, etc. Permanece uma forte hierarquização entre o projeto de arquitetura e os demais projetos. Mesmo nos casos dos projetos de engenharia e especialidades, nos quais se podem identificar mudanças organizacionais que valorizam o trabalho em paralelo destes projetos, os resultados não são plenamente satisfatórios. Especificamente no caso B1, os projetos de arquitetura e engenharia do edifício são realizados em paralelo; mas a eles precede o desenvolvimento do layout e especificação das máquinas, subordinando o processo de projeto do edifício. No fundo, em ambos os casos, existe uma valorização de aspectos como a criação arquitetônica ou a funcionalidade produtiva, como se estas fossem independentes do resto e os outros projetos não interferissem no conjunto da criação. Apenas na empresa A1 são valorizados e amplamente elaborados projetos para produção. Nessa empresa, a interface “i3” passa a existir e ganha relevância, o que pode ser considerado um importante avanço se se considerar que esses projetos praticamente não existiam dez ou quinze anos atrás. De fato, esses projetos são realizados em paralelo com os projetos dos produtos, marcando um processo colaborativo e simultâneo, embora desfalcados da participação crucial do projeto de arquitetura, que é concebido previamente. 295 A empresa A1, por sua vez, explora fortemente a integração entre estratégia de negócio e sua modelagem financeira com a concepção de seus produtos, repercutindo em uma série de condicionantes para os projetos de produto e para a produção. A coerência entre os agentes do projeto do empreendimento se dá de uma forma particular privilegiando a definição de metaprogramas e projetos, mas deixando lacunas na coordenação dos esforços específicos a cada empreendimento. No caso da obra sob encomenda da empresa B1, os projetos para produção não são executados, o que é suprido em parte por projetos executivos mais completos e detalhados. Em todos os casos analisados uma limitação para caracterização de processos plenos de colaboração simultânea é a organização do fluxo de concepção do empreendimento de forma seqüencial, concepção do empreendimento precedendo a concepção do produto e desenvolvimento da arquitetura ou do layout de fábrica antes dos projetos de engenharia. Percebem-se processos de desenvolvimento de empreendimentos de forma apenas parcialmente simultânea. Assim, embora se identifiquem importantes iniciativas de colaboração e coordenação de esforços, do ponto de vista do fluxo do processo, predomina a hierarquia vertical em que o projeto de arquitetura se subordina ao programa, os projetos de engenharia se subordinam ao projeto de arquitetura e os projetos para produção, quando são executados, se destinam a detalhar e complementar os projetos executivos do produto, sem serem realizados simultaneamente. Assim, o problema parece estar mais em estabelecer como organizar a colaboração, do que em fomentar a necessidade de integração entre os agentes do projeto. 296 9 CONCLUSÕES 9.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PROCESSO DE PROJETO A história do projeto de bens e serviços é marcada pelo desenvolvimento científico e tecnológico, pela fragmentação do processo de projeto e pela especialização dos agentes. Para incorporar os múltiplos conhecimentos científicos e tecnológicos no projeto de novos produtos é cada vez mais necessária a formação de equipes multidisciplinares, capazes de tratar com profundidade cada uma das questões envolvidas. À medida que o processo de projeto ganha complexidade e a divisão social do trabalho se intensifica, mais complicado se torna garantir a coerência global entre as soluções especializadas. Nesse contexto a filosofia da Engenharia Simultânea, introduzida em empresas tecnologicamente de ponta nos anos 90, dá ênfase à necessidade de integração multidisciplinar desde o início do desenvolvimento de novos produtos e destaque às ferramentas de apoio ao projeto. Outro ponto importante da filosofia de ES é a orientação do projeto para as necessidades dos clientes e usuários e para o desempenho do produto ao longo do seu ciclo de vida. Da construção de edifícios, participam diversos profissionais com interesses e formações distintas. Além disso, diferentemente de outros setores, os principais agentes do projeto de um novo empreendimento estão dispersos em diversas empresas, de promoção, de construção e de especialidades de projeto, o que torna a gestão de projetos mais complexa e, de certa maneira, circunscrita a cada empreendimento individualmente. Nesse ambiente o projeto pode ser tratado como um processo social que congrega diferentes saberes e relações, envolvendo interesses econômicos e produtivos. Ao mesmo tempo o projeto emana de processos técnicos, intelectuais e criativos 297 intrincados, inicialmente introjetados na mente dos projetistas. Conciliar e articular estas duas características do processo de projeto é um dos grandes desafios da gestão na área de projetos. Portanto, a organização seqüencial predominante do processo social de projeto e os modelos rígidos de planejamento são extremamente conflitantes com o aparente “caos” do processo criativo e intelectual de projeto. A filosofia de Projeto Simultâneo apresentada busca aproximar as naturezas do processo de projeto (processo intelectual x processo social, produto x serviço) e orientá-las por uma lógica comum que privilegie o trabalho multidisciplinar e simultâneo. As características particulares dos empreendimentos de construção e as dinâmicas competitivas do setor de construção (discutidos nos capítulos 2 e 3) impedem a adoção pura e simples de modelos de gestão desenvolvidos em outros setores industriais. Por outro lado, a necessidade de modernização, a maior competitividade setorial e as crescentes inovações nas formas de gestão dos processos nas empresas permitem asseverar que existe espaço para introdução de novas metodologias de gestão do processo de projeto e as experiências de outros setores podem ser tomadas como ponto de partida para o desenvolvimento de metodologias apropriadas ao setor. 9.2 PROJETO SIMULTÂNEO A filosofia de Projeto Simultâneo parte do referencial dado pelo conceito de Engenharia Simultânea e desenvolve uma proposição circunstanciada pelas características e demandas específicas das empresas do segmento da construção de edifícios. Na essência pretende-se dar ao projeto uma “paternidade” coletiva e coordenar esforços objetivando soluções globalmente boas, mesmo que não isoladamente ótimas. Assim, como Projeto Simultâneo compreende-se o tratamento integrado de três interfaces do processo de desenvolvimento de novos esdifícios: 298 • interface com o mercado/usuário – i1; • interface entre as diversas especialidades envolvidas nos projetos – i2; • interface do projeto com a produção – i3. Para a primeira interface (i1), por um lado, é necessário um aprofundamento das técnicas de marketing e de relacionamento das empresas promotoras com os clientes e usuários; por outro lado, é fundamental uma relação mais dialética entre as decisões de programa e as de projeto. No tocante à interface i2 ficou claro que a coordenação de projeto deve ser reconhecida como uma atividade fundamental para garantir a coerência entre as soluções de especilidades e para tanto um coordenador deve assumir a tarefa de fomentar a troca de informações e mediar os conflitos entre os vários projetistas. Apesar de não se ter chegado a uma conclusão única sobre qual o modelo e o perfil ideal do coordenador de projetos, no item 7.7.2 foi desenvolvida uma discução que trata das vantagens e limitações de cada alternativa em função de contextos específicos. Para a interface entre a etapa de projeto e a obra (i3) foi discutida a utilização de projetos para produção como forma de desenvolver previamente a obra e integrar na etapa de projeto uma reflexão aprofundada sobre o processo de execução, de forma que as decisões de projeto considerem conjuntamente os desdobramentos com relação ao produto e sua construção. Para aplicação do Projeto Simultâneo na construção foram identificadas três ações prioritárias: • estabelecer uma cultura de parceria entre os agentes do projeto como forma de superar limitações de uma mediação comercial das relações entre agentes, viabilizar uma atuação mais interativa entre os agentes, valorizando-se os intercâmbios técnicos; 299 • organizar e planejar o processo de projeto privilegiando o tratamento multidisciplinar das soluções de projeto; • aproveitar as potencialidades das novas tecnologias da informática e telecomunicações para automatizar tarefas repetitivas de projeto e, principalmente, potencializar a comunicação entre os agentes do projeto. 9.3 ESTUDOS DE CASO Os estudos de caso apontaram para uma maior preocupação das empresas com a gestão do processo de projeto, especialmente com a coordenação de projetos (i2) e com a integração entre projeto e execução das obras por meio da crescente introdução de projeto para produção (i3). Nesse sentido é possível identificar que as empresas caminham, mesmo que de forma um tanto ´inconsciente`, para práticas de projeto mais integradas. Entretanto, a falta de um planejamento estratégico para introdução de novos modelos de gestão acarreta o que pode ser configurado como uma implementação parcial e problemática do Projeto Simultâneo, com a adoção de procedimentos inovadores concomitantemente às práticas tradicionais, o que, muitas vezes, cria conflitos e limita o potencial de melhoria das novas práticas. No caso A1 destaca-se uma forte coerência entre a estratégia competitiva da empresa e as premissas norteadoras (normas de projeto) do desenvolvimento dos projetos do produto e projetos para produção. Essa coerência é conseguida primordialmente pelo emprego de metaprojetos (características gerais a serem seguidas nos projetos específicos) e de uma certa padronização nas obras da empresa. Por outro lado, a permanência de uma forte hierarquização dos papéis dos agentes do empreendimento e dos projetos limita a interatividade e não permite a configuração de uma colaboração simultânea plena no processo de projeto. No caso A2 os empreendimentos realizados pela empresa são mais particularizados e diferenciados entre si e destaca-se a preocupação da empresa em manter no seu quadro funcional coordenadores de projeto que atuam como fomentadores do processo e buscam integrar as soluções projetuais às características e capacidades do processo produtivo da empresa, ao mesmo tempo em que procuram respeitar as 300 singularidades de cada empreendimento particular. Outro ponto de destaque nesse caso é a grande atenção dada à validação das soluções projetuais e a compatibilidade entre projetos. De fato, os esforços de verificação dos projetos recebidos pela empresa chegam a ser gigantescos, o que demonstra, por um lado, a preocupação da empresa com seus projetos e, por outro, os limites do sistema de mobilização dos projetistas e coordenação de projetos que não garante intrinsecamente a qualidade de projeto e depende de inspeções ao fim do processo. No estudo de caso A3 foram relatados exemplos de empresas construtoras que contratam projetos para produção, por exemplo de alvenaria, mas mantêm uma relação preponderantemente concorrencial com os fornecedores de materiais o que, em algumas ocasiões, leva as empresas construtoras a abandonar o projeto durante a obra, por exemplo, porque conseguem comprar um material ou componente mais barato, embora com especificações diferentes das previstas, o que inviabiliza a aplicação integral dos projetos na obra, nesse caso. Esse tipo de conduta pendular, em relação às novas práticas de gestão, aparece em muitas empresas do setor de construção e explicita uma “vontade” ou “necessidade” de modernização gerencial ao mesmo tempo em que as empresas têm dificuldade em abandonar as condutas antigas que não se coadunam com as modernizações propostas. A empresa de coordenação de projetos de edifícios industriais “B1” exemplifica a preocupação de alguns contratantes de obras (sob encomenda) com o projeto e com a integração das soluções projetuais, em especial as ligadas ao funcionamento e ao layout dos equipamentos de produção. A empresa do estudo B1 mostrou também uma capacidade de mobilizar diferentes projetistas em torno de um objetivo comum e uma grande flexibilidade na organização e condução do processo de projeto de forma a atender às particularidades de cada cliente. Outro ponto de destaque é a forma de organização dos fluxos de informação de projeto (figura 44) muito mais descentralizada que nos outros casos estudados. Entretanto, essa mesma flexibilidade e descentralização repercute na necessidade de retrabalhos devido à incongruência entre as 301 especialidades e à falta de integração entre os membros da equipe de projeto. A descentralização dos fluxos de projetos se mostra, pela experiência vivenciada neste caso, potencialmente interessante, mas de difícil operacionalização. No estudo B2, na empreiteira de obras sob encomenda, sobressai a grande capacidade da empresa em planejar suas obras e a qualidade de seu corpo técnico que, já durante a obra ou pouco antes dela, consegue aprimorar e qualificar os projetos realizados por terceiros de forma a maximizar sua construtibilidade, mesmo que isso implique retrabalhos no projeto; chegando, às vezes, a ponto de a construtora contratar por conta própria um novo especialista para refazer um projeto. Portanto, tem-se, nesse caso, uma aproximação entre o projeto e a produção que é conseguida mais por meio da preparação da obra do que da integração simultânea entre tais fases do empreendimento. Em relação ao estudo na empresa C1 pode-se observar o engajamento de uma empresa pública de promoção de habitações populares buscando garantir a qualidade das suas obras e, principalmente, ampliar sua escala de produção. Entretanto, do ponto de vista de inovações no processo de projeto e da gestão desse processo, os resultados são ainda limitados e concretamente poucos avanços se verificam na integração entre especialidades de projeto. Apesar disso, o crescente desenvolvimento de “projetos completos” nos empreendimentos realizados em parcerias com prefeituras representa um ganho em relação à integração do projeto urbanístico e de infra-estrutura com o projeto de implantação dos conjuntos habitacionais. Outra iniciativa potencialmente interessante é a contratação via “Empreitada Integral” que configura a possibilidade de estabelecimento no país de práticas de “design-build” em que uma mesma empresa é contratada para conceber e executar um determinado programa, viabilizando uma maior integração entre projeto e produção. Contudo, a utilização predominante, nessa modalidade de empreitada, dos projetos padronizados de edificações da empresa contratante, limita o potencial de ganho de qualidade no projeto. 302 9.4 CONSTATAÇÕES A principal lição tirada das análises de campo é que existe no setor de construção de edifícios diferentes maneiras e práticas de organizar, gerenciar e integrar o processo de projeto, o que demonstra que é possível introduzir novas formas de gestão e que o processo de projeto e o processo de produção no setor não estão fadados à reprodução de modelos clássicos. Nos casos estudados pôde-se identificar pontos positivos na integração e coordenação de projetos, principalmente relacionados aos esforços de coordenação entre projetos e destes com a obra, mas ainda não se pode constatar um tratamento de todas as interfaces conjuntamente. Os esforços de modernização na gestão do processo de projeto nos casos investigados, apesar de resultados parciais auspiciosos, demostram a carência de modelos capazes de tratar globalmente a integração do projeto com a função cliente, com o processo de produção, enfim, com todo o ciclo de vida dos empreendimentos. A soma das evidências empíricas com os estudos e análise da literatura permitiu confirmar plenamente a hipótese de que o processo de projeto de edifícios pode ser otimizado e qualificado pela introdução de novas práticas de gestão baseadas nas premissas da Engenharia Simultânea, mas devem ser adaptadas ao ambiente do setor e às necessidades e possibilidades particulares dos empreendimentos de edificações. Com esse intuito foi desenvolvido o conceito e as diretrizes para aplicação do “Projeto Simultâneo” apresentadas no capítulo 7. A adoção do conceito de Projeto Simultâneo representa um significativo avanço na forma de enfocar o desenvolvimento de produto na construção de edifícios, englobando no processo de projeto todas as facetas do ciclo de vida de um empreendimento imobiliário. As diretrizes para implementação do Projeto Simultâneo compõem um conjunto articulado de ações que, se aplicadas, possibilitam aprimorar o desempenho do processo de projeto e, consequentemente, a qualidade dos edifícios. Na perspectiva de construir uma análise da possibilidade de transformação da gestão do processo de projeto por uma orientação de Projeto Simultâneo foram investigadas de forma ampla as múltiplas implicações e potencialidades relacionadas ao tema. 303 Assim, no desenvolvimento da tese inúmeras questões foram levantadas sem que respostas aprofundadas e definitivas tenham sido desenvolvidas. De fato, estes tópicos compõem um mosaico de pesquisas complementares que podem ser realizadas a fim de esclarecer problemas e tendências levantados. 9.5 PESQUISAS COMPLEMENTARES A seguir enumeramos alguns tópicos tratados na tese que consideramos merecer um desenvolvimento futuro mais aprofundado: • a relação entre o processo intelectual/criativo de projeto e o processo social, que são conduzidos segundo lógicas de raciocínio e valores diferentes; • o impacto da informática e telecomunicações no processo de pensamento projetual, no processo de trabalho dos projetistas e na comunicação e integração entre agentes; • a pertinência e as características das técnicas para planejamento do processo de projeto e a busca de compreensão detalhada dos fluxos, tarefas e interações de projeto; • o papel das instituições setoriais (AsBEA, SINDUSCONs, IAB, SINAENCO, SECOVIs, ABECE, etc.) e a possibilidade de desenvolvimento de ações institucionais que estabeleçam procedimentos de projeto e regras de gestão “universais” que simplifiquem a integração entre os agentes e facilitem a atuação dos projetistas que, a cada trabalho, vêem-se obrigados a se adaptarem a novas regras de desenvolvimento, coordenação e apresentação de projeto; • a formação dada nos cursos de graduação e especialização em engenharia civil e arquitetura e o papel destas escolas na formação de projetistas preparados para atuarem coletivamente de forma integrada, e preparação de profissionais capazes de atuar na gestão e na coordenação dos processos de projeto. 304 ANEXO A: ROTEIRO DE ENTREVISTA DE ESTUDO DE CASO 305 Roteiro de Entrevista Caracterização da empresa: 1. 2. 3. 4. Origem e data de fundação da empresa Área de atuação. Principais mercados. Porte da empresa (número de empregados, área construída, etc.). A empresa possui sist. de gestão da qualidade ou outro sist. de gestão? Seleção dos projetistas: 5. 6. 7. Como são selecionados os projetistas de cada empreendimento? Em que momento do empreendimento cada projetista é contratado? Qual a ordem de contratação das especialidades de projeto? Relação com os projetistas: 8. 9. Existem parcerias com os projetistas? Há procedimentos de projeto da empresa a serem seguidos pelos projetistas? Definição do programa: 10. 11. 12. 13. Quem concebe o programa do produto? Há diretrizes de programa préestabelecidas? O arquiteto participa da elaboração do programa? Qual a participação dos demais projetistas no programa? Como o cliente é considerado no programa: Suposição? Ouve corretores? Pesquisa de mercado? Consulta a administradores de condomínios? Ao definir o produto se considera o custo ao longo da vida útil? Como isso é feito? É comum que o programa sofra alterações ao longo do projeto? Quais são as alterações mais freqüentes? Coordenação: 14. Como é realizada a coordenação? a. Existe a figura do coordenador? b. Quem exerce a função de coordenador ? c. Qual o perfil desta(s) pessoa(s) d. Há seqüência de execução das disciplinas? e. Há um fluxo determinado de projeto? Planejamento das atividades? Cronograma? f. Quais as disciplinas envolvidas? g. Quem participa das reuniões? h. O engenheiro da obra (residente) participa? 306 15. Há padronização de projetos ou de elementos de projeto? a. Aspectos gráficos? b. Aspectos técnicos? Detalhes, normas e procedimentos de projeto, materiais e componentes previamente especificados, etc.? c. São considerados parâmetros de desempenho de projeto? Quais parâmetros (compacidade, área útil/m2, etc.)? 16. Como é feita a troca de projetos/arquivos entre disciplinas? Projetos para Produção: 17. 18. 19. 20. 21. 22. Qual o grau de detalhamento dos projetos executivos? Há projetos para a produção? Quais (execução formas, lajes, alvenaria, estrutura metálica, cobertura, etc.)? Quando são realizados estes projetos? Qual a seqüência de projetos? O escopo destes projetos faz parte das reuniões de coordenação? Há troca de informações entre estes projetistas durante o desenvolvimento? O engenheiro da obra participa? Geral: 23. 24. 25. Os projetos são avaliados ou validados? Por quem: Promotor, Projetistas, Coordenador, Equipe de projeto, Construtora, Usuários? Os projetistas visitam a obra? Com que freqüência? Qual o objetivo das visitas? São realizadas avaliações pós-ocupação dos empreendimentos? Como os resultados são passados para a equipe de projeto? 307 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOPYAN, V. Números do desperdício. Téchne, n.53, ago. 2001. AKIN, O. Necessary conditions for design expertise and creativity. Design Studies, v.11, n.2, p.107-113, Jan. 1990. AKIN, O.; AKIN, C. 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