vacina contra papilomavírus humano – hpv
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1º Trimestre 2007 VACINA CONTRA PAPILOMAVÍRUS HUMANO – HPV Em junho de 2006, foi aprovada pela FDA (Food And Drug Administration) dos Estados Unidos (EUA) uma vacina recombinante quadrivalente contra papilomavírus humano (tipos 6,11,16,18), produzida pelo laboratório Merck,Sharp & Dohme (MSD). É a primeira vacina projetada para prevenção de câncer de colo de útero e lesões pré-cancerosas vaginais e vulvares, assim como para prevenção de verrugas genitais. Essa vacina, conhecida internacionalmente como Gardasil, foi recentemente licenciada no Brasil, e já se encontra disponível na CEDIPI. INTRODUÇÃO A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) é considerada, atualmente, a doença sexualmente transmissível (DST) mais comum. Já foram descritos até o momento mais de 100 tipos de HPV, sendo 35 – 40 tipos reconhecidos como infectantes da genitália humana, onde podem causar manifestações clínicas diversas, desde infecções assintomáticas até o câncer cervical invasivo. Apesar de ser antiga a suspeita da associação entre câncer de colo de útero e um agente infeccioso, só na última década comprovou-se a associação desta neoplasia a um agente sexualmente transmissível, o HPV. Atualmente esse vírus é considerado causa necessária para câncer de colo de útero, já que tem sido detectado, por meio de técnicas moleculares, em mais de 99% dos casos de mulheres com esta neoplasia. O HPV afeta também o sexo masculino, mas é entre as mulheres que provocará danos maiores. Das patologias em humanos causadas pelo HPV, as mais preocupantes são: 1. Câncer de colo de útero e suas lesões precursoras. Outros tipos de câncer O HPV está associado a vários tipos de câncer. O mais importante é o de colo de útero, mas o HPV também é detectado, em percentuais variados, em outros tipos de câncer: vaginal (cerca de 50%), vulvar (cerca de 50%), peniano (cerca de 50%), anal (cerca de 25%) e orofaríngeo (cerca de 20%). 2. Condiloma ou verruga genital – Doença sexualmente transmissível (DST) extremamente freqüente, de elevada transmissibilidade, tratamento difícil e com recorrências freqüentes. Os papilomavírus são os únicos agentes causadores das verrugas genitais. Tanto a detecção quanto o tratamento das doenças provocadas pelo HPV são de alto custo e subótimos. Por isso, a prevenção da infecção é, sem dúvida, preferível ao tratamento das lesões já estabelecidas. EPIDEMIOLOGIA O pico de infecção pelo HPV ocorre ao redor dos 20 – 25 anos, coincidindo com a fase de maior atividade sexual. Estima-se que 70% das mulheres sexualmente ativas irão se infectar com um ou mais tipos de HPV em algum momento de suas vidas. O início precoce da atividade sexual e a multiplicidade de parceiros são fatores que aumentam a probabilidade de infecção. Apesar da contaminação ser precoce após início da atividade sexual, a progressão da infecção para câncer cervical pode levar muitos anos. Nos EUA, a incidência anual de infecção é de 5,5 milhões, com prevalência de 20 milhões. Cerca de 10.000 mulheres são diagnosticadas com câncer de colo de útero a cada ano, sendo que em média dez mulheres americanas morrem a cada dia por esta neoplasia. No Brasil,são diagnosticados cerca de 20.000 casos novos de câncer cervical anualmente.,com risco estimado de 20 casos para cada 100.000 mulheres. Nos últimos anos, tem sido registrado em nosso país cerca de 4.000 óbitos anuais em mulheres por essa patologia. Em âmbito mundial, o câncer de colo de útero é a segunda causa mais comum de morte por câncer em mulheres: em 2002 foram relatados 493.000 novos casos e 274.000 óbitos. Mais de 80% dos casos novos ocorreram nos países em desenvolvimento onde,em algumas regiões, é o câncer mais comum entre mulheres. Nesses países, é comum que o diagnóstico seja feito em estágios mais avançados da doença, resultando em sobrevida média de cerca de 49% após cinco anos. Já nos países desenvolvidos, onde os programas preventivos para o câncer cervical estão implementados, a sobrevida média após cinco anos é maior, estimada em 73% nos EUA e 63% na Europa. Sabe-se também que o HPV é encontrado em associação com o vírus da imunodeficiência humana (HIV): 87% das pacientes infectadas pelo HIV têm também, evidências de infecção pelo HPV. Acredita-se que as lesões de mucosa causadas pelo HPV facilitam a transmissão do HIV. PATOGENIA Apesar da maioria das infecções pelo HPV serem benignas, algumas progredirão para o câncer anogenital. Aproximadamente 90% das mulheres infectadas irão apresentar a forma latente ou subclínica da doença, e após algum tempo eliminarão naturalmente o vírus. No grupo em que o HPV persiste no organismo (cerca de 10%), ocorrerá o risco de desenvolvimento das displasias e neoplasias, principalmente nas mulheres infectadas com um ou mais tipos oncogênicos. Com base na associação com câncer, os tipos de HPV que infectam a genitália humana podem ser divididas em duas categorias: 1. HPV de alto risco – causadores de câncer cervical, anal, vulvar, vaginal e peniano. Desse subgrupo, os HPV tipos 16 e 18 causam 70% de todos os cânceres e lesões pré-cancerosas de alto grau (neoplasia intraepitelial cervical graus 2 e 3 – NIC ⅔) e 35% das lesões pré-cancerosas de baixo grau (neoplasia intraepitelial cervical grau 1 NIC 1) 2. HPV de baixo risco – causadores das lesões proliferativas benignas, incluindo NIC 1 e verrugas genitais. Os HPV tipos 6 e 11 causam 90% das verrugas genitais e 12% das lesões NIC 1. VACINAS O capsídeo do HPV é constituído por apenas duas proteínas, chamadas L1 e L2. A L1 é a proteína majoritária, perfazendo 95% do capsídeo. A infecção natural pelo HPV induz a geração de anticorpos neutralizantes contra essa proteína. As atuais vacinas contra o HPV contêm a proteína L1, obtida por meio da clonagem do gene responsável pela sua produção e posterior recombinação com vírus (baculovírus – um vírus de inseto) ou leveduras. A proteína L1, produzida por esses vetores recombinantes agrupa-se espontaneamente para formar partículas virais vazias, as VLPs (vírus like particles), de conformação espacial semelhante ao HPV mas que, por não conter DNA, não são infectantes. Partículas virais de HPV em verruga genital Vírus-like (VLPs) particles sintéticas As primeiras vacinas testadas eram do tipo monovalente, contra o HPV tipos 16 ou 11. Vários estudos mostraram alta imunogenicidade e eficácia de 100% contra infecção persistente pelo tipo de HPV usado na vacina. A tolerância nestes estudos foi muito boa, não havendo nenhum relato de evento adverso grave, sendo mais freqüentemente relatadas reações locais e cefaléia. Estudos posteriores, ainda com vacinas monovalentes, tiveram resultados semelhantes quanto à imunogenicidade e tolerância, porém forneceram dados adicionais em relação à duração da proteção. Nos 36 meses de acompanhamento, os anticorpos se mantiveram presentes em 96,8% das participantes que receberam VLPL1 do HPV11 e em 93,5% das que receberam VLPL1 do HPV16. A vacina do laboratório Merck, Sharp & Dohme (MSD) Os excelentes resultados obtidos com essas vacinas serviram de incentivo para o desenvolvimento de uma vacina quadrivalente, mais abrangente, contra os HPV tipos 6, 11, 16 e 18 (VLPL1 dos HPV 6,11,16,18 ), produzidos em uma levedura recombinante, Saccharomyces pombe. Os tipos virais contidos nessa vacina são responsáveis por cerca de 70% das neoplasias anogenitais e lesões pré-cancerosas de alto grau (HPV 16 e 18), e mais de 90% das verrugas genitais (HPV 6 e 11). Dispomos atualmente dos dados provenientes de quatro estudos clínicos controlados por placebo, duplo cegos, randomizados, de fase II e III. Juntos, esses estudos avaliaram mais de 20.000 mulheres com idade entre 16 e 26 anos, em 33 países; as participantes foram acompanhadas durante cinco anos. Um estudo de fase III envolveu 12.167 mulheres com idades entre 16 e 26 anos que receberam três doses da vacina ou placebo. Uma análise de eficácia dois anos após a inclusão das mulheres no estudo mostrou que enquanto foram detectados 21 casos de NIC ⅔ e AIS no grupo placebo, nenhum caso ocorreu entre as vacinadas, ou seja, 100% de proteção. Nas análises combinadas de eficácia, verificou-se ainda: A vacina é muito imunogênica: os níveis de anticorpos anti L 1, especialmente para os tipos 16 e 18, são mais elevados que os verificados após infecção natural. 95% de proteção contra displasias cervicais de baixo grau (NIC 1) e précâncer (NIC ⅔ ou AIS) causados por HPV 6,11,16 ou 18 . 99% de proteção contra verrugas genitais causadas por HPV tipos 6 ou 11. 100% de proteção contra neoplasia intraepitelial, vaginal e vulvar relacionados com HPV 16 e 18 (NIV ⅔ e NIVa ⅔), que são os antecessores imediatos de câncer vulvar e vaginal. Nesses estudos, a vacinação em mulheres previamente infectadas por um ou mais tipos de HPV relacionados com a vacina demonstrou a indução de proteção contra doença clínica causada pelos demais tipos contidos na vacina,mas não alterou o desenvolvimento de uma infecção já presente. A vacina foi bem tolerada, não havendo relato de nenhum evento adverso grave. Os eventos adversos mais comuns foram cefaléia e reações locais consideradas geralmente como de intensidade leve a moderada. Nas avaliações iniciais de acompanhamento de cinco anos os títulos de anticorpos permaneceram elevados, embora em valores menores que os verificados logo após o final da imunização. Quanto à eficácia, houve nesse período redução de 96% na incidência de infecção persistente e doença associada aos tipos de HPV presentes na vacina. Não houve nenhum caso da doença, mostrando novamente eficácia de 100%. É necessário, no entanto, seguimento a longo prazo para se estabelecer necessidade ou não de dose(s) de reforço(s). Esquema de administração O esquema da vacinação é de três doses, aplicadas por via intramuscular, no músculo deltóide. A segunda e terceira doses devem ser administradas dois e seis meses após a dose inicial,respectivamente (esquema 0, 2 e 6 meses). ESTRATÉGIA A vacina foi licenciada no Brasil, para ser utilizada em mulheres com idades entre 9 e 26 anos. A população prioritária para o uso dessa vacina é a de mulheres não infectadas, ou seja, meninas e adolescentes que ainda não iniciaram atividade sexual. Outros grupos, porém, também podem ser beneficiados, como mulheres de idade mais avançada mas ainda não infectadas, ou ainda aquelas que se infectaram com um ou mais tipos, mas não com todos os presentes na vacina quadrivalente. A vacinação para o sexo masculino, cuja eficácia está sendo avaliada, além de eventual proteção contra o câncer peniano e anal (muito mais raros que o câncer ginecológico feminino) e verrugas genitais traria benefício adicional para o sexo feminino, diminuindo o risco de contaminação das mulheres (“imunidade de rebanho”). A vacina também está sendo testada em imunodeficientes, porém os dados neste grupo ainda são limitados. Questionamentos morais podem interferir na implementação dessa vacina, já que alguns grupos têm se posicionado contrários à vacinação de crianças e adolescentes contra doenças sexualmente transmissíveis, argumentando que isto pode induzir à promiscuidade sexual. No entanto, vários estudos mostraram que quando os pais são devidamente esclarecidos quanto ao potencial benefício da vacinação nessa faixa etária, a grande maioria concorda com a vacinação de suas filhas pré-adolescentes. CONCLUSÕES É importante salientar que a vacinação não substituirá o controle periódico com o exame de Papanicolau, fundamental para o diagnóstico precoce de lesões pré-cancerosas causadas por outros tipos de HPV oncogênicos não contidos na vacina. Estudos utilizando modelos matemáticos sugerem que a imunização precoce ,somada ao controle periódico com o Papanicolau reduziria em 94% o risco de uma mulher adquirir câncer cervical ao longo de sua vida. Vacinas de segunda geração, heptavalentes, contendo maior número de tipos oncogênicos de HPV já se encontram em desenvolvimento, aumentando a cobertura contra os tipos oncogênicos de 70% para 90%. O desenvolvimento das vacinas contra o HPV marca o início da história da imunização contra o câncer genital. Estudos adicionais e acompanhamento a longo prazo são fundamentais para análise em profundidade da relação custo/benefício, e para melhor previsão do potencial benéfico desta vacina para a realidade de cada país. O custo pode ser um fator limitante para o uso inicial, mas espera-se que, como sucedeu com outras vacinas, após algum tempo elas passem a fazer parte do esquema rotineiro do Programa Nacional de Imunizações. BIBLIOGRAFIA - Harper DM, Franco EL, Wheeler C et al. 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