Unicom 2009 3

Transcrição

Unicom 2009 3
foto francine rabuske
Hospital
de Bonsai
JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - UNISC - SANTA CRUZ DO SUL - JUNHO/2009
Uma edição de respeito
A segunda edição do Unicom deste
primeiro semestre de 2009 reflete em muito o
nível de amadurecimento técnico alcançado
pelos alunos de jornalismo da Unisc. A
afirmação pode ser comprovada já a partir do
número de páginas: 20, quando o usual seriam
oito, ou, na melhor das hipóteses, 16 páginas.
Equivale dizer que a vontade de produzir de
nossos estudantes, e a capacidade de realizar,
falaram tão alto que foram necessárias mais
páginas para dar conta de todo o conteúdo
produzido pelas turmas de Produção em
Mídia Impressa, responsável pelo Unicom,
e Técnicas de Reportagem, que usualmente
contribui com matérias para nosso jornallaboratório.
Mas a qualidade de nossos futuros
jornalistas não se mede apenas pelo número
de páginas do jornal-laboratório que eles
realizaram neste primeiro semestre de 2009.
Há de se dizer, também, do conteúdo do
que nelas está impresso. Ao longo desta
edição, nossos leitores e leitoras, sejam
eles especialistas ou não, irão encontrar
matérias que poderiam muito bem freqüentar
as páginas de jornais e revistas feitos por
profissionais com larga e reconhecida
experiência no mercado editorial, por
boas. Se isso é possível; se nossa produção
acadêmica alcançou nível técnico e humano
tão significativo, deve-se, principalmente, à
vontade de se fazer um jornalismo, por parte
de alunos e professores, muito atenta para
a realidade do mercado desde os bancos
escolares.
Mais do que nos deixar lisonjeados,
ainda que o faça, esta constatação reitera
a percepção de que temos ainda um longo
caminho pela frente, basicamente porque,
todos os dias, e em um ritmo poucas vezes
visto antes, o jornalismo sofre modificações
tão profundas quanto substanciais.
Transformações estas que se refletem tanto
em termos de conteúdo quanto de forma,
e que afetam, igualmente, aquele cuja
responsabilidade não se restringe ao conteúdo
de seus textos, mas principalmente no
conhecimento que por eles é gerado.
Uma boa leitura a todos!
Fazendo arte atrás da porta
urgel souza
Alguém já leu o que tem escrito atrás das portas dos
banheiros masculinos da Unisc? Tem de tudo! Lista
de meninas, pornografia, (anti) alusão às drogas e ao
Nazismo... e por aí vai! O assunto “listas de beldades”,
aliás, já foi tema do Unicom. Tem até jogo interativo.
Algum usuário desenhou o “sustenido” do jogo da
velha e marcou a primeira jogada (foi importante a
sinceridade do primeiro jogador). Em seguida, outro,
de necessidades mais demoradas, marca a segunda
jogada. A competição segue e, por pura sorte, só o
vencedor sabe que venceu.
A parte interna das portas dos banheiros do curso
de Comunicação Social causa risos incontroláveis. Outro dia, estava usando o banheiro do bloco 12. Depois
de ler várias manifestações de pensamento, vi uma
frase bem pequena lá em cima, no alto da porta. Forcei a vista, mas não consegui ler. Pensei em levantar,
mas desisti (isso se mostraria mais tarde uma
ótima idéia). Depois do “serviço” feito resolvi
conferir o que havia escrito lá: “Se você está lendo isso AQUI, senta que ta c... fora do vaso”.
A “arte” atrás das portas dos banheiros começou
a despertar mais curiosidades. Um belo dia fui ao
banheiro da Biblioteca Central. Lá, ao que parece,
não poderia ter tanta bobagem atrás das portas.
Afinal, é um ambiente intelectual, de estudo.
Mero engano. Lá se encontram as mais engraçadas
traquinagens. Um usuário não teve paciência para
riscar a madeira dura da porta e foi mais prático (e
criativo). Colou um adesivo atrás da segunda porta
com o seguinte dizer: “Não força senão estoura a
hemorróida”.
Quando precisei usar novamente o banheiro da
biblio, procurei variar de porta. Quando a vontade não era tão urgente, me excursionava a outros
WC’s do Campus. Naquele do Centro de Convivência há uma ótima: “A maconha causa ‘perca’
de memória e outras coisas que eu já esqueci”. O
erro de grafia causou comentários calorosos logo
abaixo, difamando o maconheiro semi-analfabeto.
Encerrando a discussão, a seguinte frase é categórica: “Shhh.... silêncio! Tô fazendo cocô!!!”
Um dia, passava pelo bloco 1 e a necessidade
fisiológica se manifestou. Logo pensei: “Hoje tem
frases novas. Ainda não vi o que há por trás das
portas desse banheiro”. Entrei na primeira vaga.
Estava desafivelando o cinto, quando olhei para
a parte interna da porta. Não havia nada
escrito. Decepcionei-me. Afivelei o cinto
Reportagem
UNISC
Universidade de Santa Cruz do Sul
Av. Independência, 2293
Bairro Universitário
Santa Cruz do Sul - RS
CEP: 96815-900
Curso de Comunicação Social Jornalismo.
Bloco 15 - sala 1506.
Fone: 3717-7383
Coordenadora do curso:
Ângela Felippi
Editor-chefe
Demétrio de
Azeredo Soster
Editora
Bruna Wolff de Matos
Sub-edição
Francine Rabuske
Produção
Heloisa Poll
Alyne Guimarães Motta
Ana Flávia Hantt
Bruna Wolff de Matos
Daniele Horta
Débora Kist
Fernanda Zieppe
Francine Rabuske
Gabriela Brands
Heloisa Poll
Larissa Griguc
Luana Backes
Márcia Müller
Natália Bracht Löff
Patrícia de Azevedo
Urgel Souza
Revisão
Francine Rabuske
Heloisa Poll
Diagramação
novamente e me dirigi aleatoriamente à última porta.
Não havia vaso, era um espaço com chuveiro, próprio
para banho. Havia somente mais uma porta.
Será que o pessoal daquele bloco seria mais civilizado que o restante da Unisc? Será aquele um banheiro sem “arte” atrás das portas? Bom, a necessidade
fisiológica deu sinal que não havia muito tempo disponível e entrei na porta do meio. Ao desafivelar o cinto
pela segunda vez, o olhar para a porta foi automático.
Lá também não havia nada escrito, mas tinha algo
ainda pior. Três borrões marrons. Rastros de dedos.
Que horror! Definitivamente, o bloco 1 não é o mais
civilizado da universidade! Prefiro o jogo da velha.
Logotipo
Samuel Heidemann
Impressão
Graphoset
Alyne Guimarães Motta
Gelson Pereira
Tiragem
Capa
Blog
Alyne Guimarães Motta
Gelson Pereira
Ilustrações
Amanda Mendonça
expediente
500 exemplares
http://blogdounicom.blogspot.com
Agradecimento
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
do Fumo e Alimentação de Santa Cruz do
Sul e Região (Stifa)
Este jornal foi produzido de
forma interdisciplinar. O
conteúdo editorial ficou a
cargo da turma de Produção
em Mídia Impressa e Técnicas
de Reportagem (professor
Demétrio de Azeredo Soster).
Os anúncios da edição foram
criados pela Agência A4.
Brinquedos de gente grande
Eles queriam ser pilotos, mas se contentaram com os brinquedos
Daniele horta
A
idade chega e deixase de ser criança, mas
para alguns só o que
muda é o preço do brinquedo.
Foi essa a conclusão de Felipe
Lara de Oliveira, 29 anos. Não,
caro leitor, ele não se referia a
carros esportivos ou luxuosos,
objeto de desejo de todo ser
do sexo masculino. Ele falava
de brinquedos de verdade. Espalhados por sua casa estavam
dez deles, entre modelos de
aviões, helicópteros e carros,
que, movidos a controle via rádio, fazem a alegria de muito
homem feito. Oliveira confessou que sonhava em ser piloto.
“Não há nada como voar, mas
não tinha como viver de piloto”, afirmou. É, esse parece ser
o caminho que leva muitas dessas “crianças grandes” à arte
(ou brincadeira) do modelismo.
A febre desses “brinquedos
de gente grande” está por toda
a parte e os modelos podem reproduzir os originais de todas
as épocas ou até mesmo ser
criados para produzir as manobras mais improváveis. Todas
as cores e tamanhos estão disponíveis no mercado, vale tudo
pela brincadeira. Por sinal, ela
pode ser bem cara. Um modelo
completo pode chegar a mais
de mil reais. Mas os gastos não
são nada perto da alegria de
ver o “brinquedinho” no ar.
Em Santa Cruz do Sul, a “gurizada” de todas as idades, se
reúne nos finais de semana no
clube de modelismo da cidade
para “brincar”. A profissão não
importa, nem sequer a experiência nas manobras: aqui o que
vale é a paixão por voar, mesmo
que seja com os pés bem firmes
no chão. Acidentes? Sim, acontecem. Mas ninguém é bobo de
dar seu primeiro vôo com um
modelo de verdade. Antes de ir
para a pista, controle na mão e
simulador de vôo no computador. É assim que esses bravos
aspirantes a “piloto de mentirinha” começam suas aventuras
na arte de tirar o modelo do
chão.
Em um sábado ensolarado,
fui ao clube de aeromodelismo
local conferir o “trabalho” das
“crianças” de plantão. Lá encontrei doze modelistas empolgados trabalhando sem cessar,
ou na tarefa de ajustar motores,
reabastecer e dar retoques em
seus brinquedos, ou colocando
os mesmos no ar com manobras de dar inveja a pilotos profissionais (os que ficam dentro
dos aviões). Dentre os muitos
meninos e cachorros que corriam atrás de seus donos, uma
menina! Piloto? Não. Estava só
assistindo. “Guria não voa, fica
lá fazendo tricô” brincou Oliveira, cuja irmã já ganhou um
aeromodelo rosa, porém, após
três quedas, desistiu. “As que
voam não têm paixão, não gostam de fazer a mecânica, etc..”
completou ele.
acidentes
Bati um papo com Gonçalo
Souza e Silva, 23 anos. Ele também só assistia, mas por motivos de força maior: seu modelo
está na “garagem” para reparos
após uma - de tantas - quedas.
Mas foi o triste fim de seu primeiro modelo, adquirido com
muito suor aos 15 anos de idade, que mais o marcou. “Meu
primeiro avião destruí num
eucalipto. A pista ficava perto
de um mato e perdi a noção da
distância do modelo por causa
do sol e bati. Foi meu primeiro
trauma.” lamentou.
Mas acidentes não os fazem
desistir. Ano passado rolou até
um encontro de aeromodelismo por aqui, que ganhará, inclusive, uma segunda edição
neste ano, ainda sem data definida. Vale conferir o que esses
bravos “pilotos de mentirinha”
vão aprontar por lá. E caso
você tenha vontade, os meninos garantem que hoje, com
peças importadas da China, pode-se entrar na brincadeira de
forma bem mais barata. Além
disso, “não é só o aeromodelo que causa satisfação, tem a
questão de fazer uma atividade
ao ar livre, se reunir com amigos, conversar e cooperar num
hobby em comum esquecendo
dos problemas do dia-a-dia.”
Encerrou Silva.
fotos: Daniele horta
editorial
Morar em pensão é mais
barato e divertido
Em Venâncio Aires existe um local especializado em cuidar e hospedar
estas plantas em miniatura, que vivem muito e podem custar bem caro
As pensões se tornaram uma alternativa interessante para quem deseja morar
“sozinho” e não pretende gastar muito, mas também são cenário de histórias hilárias
francine rabuske
Bruna wolff de matos
I
dessa vez o rapaz anunciou o
sumiço no jornal da região e
ofereceu dinheiro para quem
encontrasse a planta. E conseguiu reaver seu xodó: um
bonsai de figueira de 24 anos,
avaliado em pouco mais de R$
2 mil. A planta voltou com a
estrutura comprometida, clamando por água e perdendo as
folhas da copa. A primeira providência de Kothe foi levar a réplica de figueira para o hospital
de bonsai. Como? Isso mesmo,
hospital para bonsai. O destino? Venâncio Aires.
Pois bem, na Capital Nacional do Chimarrão, as árvores
ou arbustos em miniatura têm
à disposição um local totalmente voltado para o cultivo e
cuidados – iniciais ou emergenciais – de seus membros estruturantes. Na verdade, além de
uma casa de saúde de bonsai,
a propriedade dos irmãos Queiroz se transformou em hotel e
ponto-de-venda das plantas.
Os bonsai de Marcelo Kothe,
inclusive, vieram todos desse
local. O responsável pelo trabalho pioneiro na região é Edson
Queiroz, de 31 anos, que passa
uma temporada em Porto Alegre. O serviço, portanto, recai
para os irmãos Fabiano, 34
anos, e Felipe, 21.
karatê kid
O mais velho da família
Queiroz explica que a fase inicial para o cultivo de bonsai se
concentra na chácara do amigo
e parceiro na atividade, Norton
Campos, em Linha Mangueirão, no interior de Venâncio Aires. Até os quatro anos de idade as plantas são chamadas de
pré-bonsai e recebem os cuidados exigidos ao seu desenvolvimento. Passados os primeiros
quatro anos, o bonsai jovem
é encaminhado à propriedade
dos irmãos Queiroz, no Centro
do município. A partir de então, as plantas entram na fase
de comercialização. Inspirados
nos filmes de Karatê Kid, onde
o mestre Miyagi divulga a técnica do bonsai, a família dedica-se ao trabalho há 12 anos e
possui mais de 40 espécies no
viveiro do quintal.
Bonsai significa planta (SAI)
cultivada em vaso ou recipiente
raso (BON). Ou seja, são árvores ou arbustos em miniatura
colecionados como objetos ornamentais ou símbolos da espiritualidade. Sua origem chinesa
se espalhou pelo mundo, passou
pelo Japão e chegou ao Brasil,
no início do século passado. Tem
fama de ter peças caras; verdadeiras obras de arte para quem
pode ostentar. Hoje, o bonsai
mais valioso na propriedade
Queiroz tem cerca de 60 anos.
Trata-se da primeira árvore dos
irmãos que começou a ser cultivada pelo avô. Seu preço gira
H
em torno de R$ 4 mil. O valor
mínimo de uma peça considerada jovem, com idade entre quatro e 10 anos, é R$ 30,00.
Engana-se quem pensa que
cultivar um bonsai dá trabalho.
Fabiano explica que os cuidados exigidos por qualquer uma
das espécies em miniaturas são
os mesmos de uma planta em
tamanho real. “São cuidados
básicos: água, sol, adubação,
troca de terra, poda e direcionamento de raiz e galhos”.
Conforme ele, o essencial é
colocar a peça ao sol até duas
horas por dia, além de oferecer
um copo de água diário ou aplicar a imersão uma vez por semana. Kothe, ainda que conheça os passos da técnica de poda
prefere deixar o serviço para os
irmãos Queiroz. Enquanto isso,
Kothe se diverte com a floresta
de guajuvira que hoje ocupa o
espaço do bonsai de figueira,
ainda hospitalizado.
FOTOS: FRANCINE RABUSKE
mpulsionado pelo desejo
de estar mais próximo da
natureza, Marcelo Kothe
encontrou na técnica do bonsai
sua paz de espírito. O empresário venâncio-airense, dono
de ótica em Santa Cruz do Sul,
coleciona plantas em miniaturas há seis anos. Sua incursão
na arte chinesa começou por
volta dos 12 anos de idade,
com a leitura de livros técnicos,
mas a primeira unidade veio
mais tarde, aos 21 anos. Hoje,
o apego, o tempo dispensado
e o valor empregado em cada
um dos bonsai fazem de Kothe
um apaixonado declarado do
processo, defensor da sobrevivência e perpetuação da planta
em vaso. E ele não está sozinho
nessa missão: os irmãos Queiroz estão com Kothe.
Em fevereiro deste ano, o
empresário teve seu terceiro
exemplar furtado. Ao contrário das experiências anteriores,
á dez anos, as pensões
eram raras em Santa
Cruz do Sul. A partir
da iniciativa da aposentada
Bernadete Hienn Aretz, 56, que
não queria ficar “parada” em
casa, perto da Unisc, o negócio
não apenas cresceu como se
diversificou: hoje, há pensões
especializadas em receber meninas e outras apenas os meninos. Em comum, o preço baixo
e a certeza, por parte dos pais
dos estudantes – o principal público –, que seus filhos estarão
seguros.
Bernadete, que é aposentada e também costureira, começou a alugar quartos em uma
peça nos fundos de sua casa
para apenas seis meninas. Com
o tempo, no entanto, seu negócio cresceu. “Quando me aposentei em 1996, eu não queria
ficar parada e nem sozinha em
casa, então resolvi que iria alugar a peça do fundo para estudantes”, explica Berna, como é
conhecida pelas meninas. Ela é
casada com Jacó Aretz e os dois
juntos cuidam das suas três
pensões e de aproximadamente
25 meninas. A dona das pensões adora lembrar que suas
casas estão sempre cheias.
Somente para meninas. Essa
é a regra principal da casa. Ela
diz que uma vez já alugou para
meninos, mas que resolveu que
escolheria um dos dois, pois se
misturasse, iria dar muita confusão. “Mesmo só com as gurias
as confusões acontecem, imagina se eu misturo todo mundo”,
declara Berna.
Desde que surgiram, as pensões se alastraram pelas ruas
próximas à universidade. Podese observar que há placas pelas
ruas e cartazes anunciando seu
aluguel: “Alugam-se quartos
mobiliados para moças”, “Venha morar no que há de melhor” e por aí vai.
“A gente tem procura o ano
inteiro. Então, quando sai uma
menina, já tem outra para alugar no lugar dela”, explica Berna, confirmando que a procura é grande e que as meninas
gostam de morar neste tipo de
lugar.
Aparentemente, as moças
estão com mais opções do que
os meninos. Porém, se eles procurarem também encontrarão
pensões destinadas somente
para rapazes, no Bairro Universitário. Elas funcionam como as
das meninas. Vonibaldo Kopp
possui uma dessas alternativas
para os garotos neste local.
O que acontece é que as
pensões de rapazes não são
tão divulgadas como as das
meninas. Não há tantas placas
nem tantos cartazes. O aluguel
funciona mais pelo conhecido
“boca à boca”, mas a procura
também é grande, devido ao va-
lor do aluguel ser relativamente pequeno, se comparado com
o dos apartamentos (o aluguel
das pensões por mês variam de
R$ 140,00 a R$ 170,00, já os
apartamentos de um dormitório começam em R$ 250,00 e
podem chegar até R$ 350,00,
dependendo do tamanho e da
localização).
“Nas pensões existe a vantagem de que nunca se está
sozinha, sempre há alguém em
casa para conversar”, comenta
Bernadete. Cada quarto alugado é para duas meninas (mas
isso pode variar de local para
local) e o resto da casa, como
sala, cozinha e banheiros, são
usados por todas. Para que
tudo funcione bem, os donos
estipulam regras que devem
ser cumpridas por todos, e isso
acontece tanto na pensão para
moças quanto na de rapazes.
Os regulamentos básicos são
determinados pelos donos das
hospedagens, como não fazer
barulho depois das 22h 30min,
fazer uma escala para limpeza
da casa, onde todos devem participar, não bater as portas etc..
Isso faz com que, na maioria
das vezes, a convivência seja
boa e tranqüila, comenta Berna.
A procura pelas pensões é grande e se depender de seus donos
ainda existirão mais opções,
pois eles pretendem continuar
expandindo seus negócios.
Guerreiras
Fabiano e Felipe: os
responsáveis pelo bemestar dos bonsais
Marcelo Kothe: mais
perto da natureza
As meninas preferem dividir os quartos com quem já conhecem. Então, muitas delas moram com
suas amigas e isso faz com que a convivência seja melhor, tanto na rotina quanto nas festas. Berna
diz que às vezes acontecem pequenas confusões, pois segundo ela, existem as meninas “guerreiras”, querendo se referir àquelas que adoram uma festa. Isso nada atrapalharia as outras, se essas
meninas não fossem tão barulhentas. O que acontece é que em um retorno de uma dessas festas,
duas meninas entram estressadas com o que tinha acontecido na noite, e ficam fazendo comentários sobre os fatos ocorridos. Na cozinha, uma delas derruba uma cadeira e a queda faz com
que um eco se espalhe pelos corredores da casa. Quando entram no quarto, resolvem que vão
ligar para seus amigos para entender melhor o que havia acontecido. Resultado: até as vizinhas da
pensão do lado escutaram toda a algazarra. Uma delas chegou a abrir a janela e gritar: “É hora de
dormir, amanhã vocês telefonam”. As atrapalhadas ainda respondem o xingamento e só depois de
fazer tudo o que queriam é que vão dormir. No outro dia, mais sossegadas, foram ver o estrago
que fizeram e levaram sermões das outras meninas.
carolina biscaglia
Seu bonsai está doente?
Leve-o ao hospital
Quem disse que Adão é cego?
A presença de estrangeiros em cidades como Santa Cruz do Sul é freqüente; eles vêm em
busca de trabalho temporário e usualmente se surpreendem com o País que encontram
Ele, que hoje está com 35, perdeu sua visão há cinco anos e seus irmão
sofrem do mesmo problema; ainda assim, é um exemplo de vida
natália bracht löff
luana backes
Acima, a colombiana
Lissette, Camila e
Fernanda em Gramado; à direita, os
colombianos Lissette
e Javier no carnaval
em Florianópolis;
e, à esquerda, a
holandesa Marian
apreciando um
chimarrão em
Santa Cruz do Sul
na exportação de mercadorias
para países da América Latina.
Já havia sido avisada de como
era a realidade no Rio Grande do Sul. Então, as surpresas
não foram tão grandes. Adorou
tomar chimarrão, aprendeu a
fazer, e acredita que o melhor
jeito de se esquentar é aquecer
uma água e beber o líquido tão
amargo quanto adorado pelos
gaúchos. Chegou em outubro,
na semana que iniciou a Oktoberfest, e aprendeu a dançar
“bandinha” rapidinho. Não se
E
arrepende de ter topado o emprego, adora a cidade, fez muitos amigos e não imaginava que
seria tão bem recebida.
As pessoas que vêm para o
sul do Brasil se surpreendem,
pois não encontram a maioria
dos estereótipos brasileiros.
Mas, ainda assim, acreditam
que a experiência é muito válida e voltam às suas origens
com uma nova visão e com a
vontade de retornar ao país
não só de carnaval.
PESSOAL
seu intercâmbio veio da família. Ainda no aeroporto de Porto Alegre, quando chegou no
dia 4 de junho deste ano, Luiz
falava de suas expectativas sobre o país. Seu pai morou em
São Paulo durante vários anos
e contava histórias sobre pessoas e lugares incríveis, que intrigavam e motivavam o filho a
vir para o Brasil. A viagem foi
feita e, hoje, Fernando espera
encontrar pessoas divertidas,
acolhedoras e calorosas. Ele
quer visitar cidades em outros
estados - São Paulo e Rio de
Janeiro estão na sua lista. As
famosas praias brasileiras também estão agendadas. A
ansiedade para conhecer o país que seu pai
tanto gosta, é grande. E
as histórias que ouvia na
infância serão recontadas
por ele, quando voltar à
Guatemala.
Já Lissette Garavito não
escolheu o Brasil, foi escolhida por ele. Ela nunca
pensou no país como local
para trabalhar. Mas recebeu
uma proposta de emprego
com as características que estava procurando. Lissette queria conhecer a Europa e veio
parar em Santa Cruz do Sul.
Ela é Colombiana e trabalha
ARQUIVO
nem metade do desenvolvimento industrial e intelectual
que encontrou aqui.
Algo que é bem visto por
todos os que chegam aqui é o
carisma do povo brasileiro. O
jeitinho de acolher quem chega
cativa a todos. Marian Van Dijk,
25, veio da Holanda para uma
temporada de cinco meses no
Rio Grande do Sul, em 2007, e
se apaixonou pelo Brasil. Chegou sem muita sorte, foi pega
de surpresa por alguns assaltantes que levaram tudo o que
ela carregava. Isso logo em seu
segundo dia em terras tupiniquins. Mas a primeira impressão foi superada. Sem entender
muito porque, a cada cinco minutos, alguém a agarrava sem
pedir permissão para envolvêla em braços desconhecidos,
com o tempo Dijk se acostumou com a idéia dos abraços.
Antes de voltar para a Europa,
sentenciou: “Vou sentir falta de
abraçar as pessoas”. Diferentemente de Javier, Marian veio
trabalhar como voluntária de
uma Organização Não-governamental em Santa Maria.
Para Luiz Fernando Estrada, da Guatemala, a escolha
da “terra do futebol” para fazer
FOTOS:
M
uitos
estrangeiros
que chegam no sul do
Brasil são surpreendidos pela realidade que encontram. É o caso do colombiano
Javier Siado, 24 anos, que está
em Santa Cruz do Sul desde dezembro de 2008. Javier é trainee, uma espécie de aprendiz,
de uma agência de publicidade,
e deve ficar pelo menos um ano
no País.
Ele pesquisou sobre a cidade antes de vir. Sabia que
muitas pessoas da região eram
de descendência alemã; então,
segundo o que ele imaginava,
haveria pessoas nas ruas o dia
todo bebendo cerveja e chopp
gelado. E, por estar no país do
carnaval, escutaria samba em
tempo integral. Não foi bem
isso que aconteceu. Ele saía
para beber uma cervejinha de
noite, mas só depois do expediente de trabalho. Samba,
quase nada, um pouco durante
o carnaval, que passou em Florianópolis. As ruas asfaltadas
do Centro da cidade, as muitas
sinaleiras e novas tecnologias
da pequena Santa Cruz o surpreenderam e encantaram. Na
Colômbia, cidades de pequeno
porte não possuem asfalto
m um local isolado, longe da cidade, um fogão
a lenha reflete imagens
como se fosse um espelho, assim como as chaleiras. Os assentos das cadeiras são feitos
de couro animal. Três pares de
chinelo ficam à beira das portas, a espera, para serem usados somente no pátio da propriedade, para que nenhuma
sujeira chegue ao interior da
casa. A cozinha organizada e o
chão extremamente limpo ajudam a compor o cenário. Adão
da Silva, de 35 anos, ao contrário de sua família, não trabalha
na lavoura. Para compensar
a falta de trabalho, torna, a
cada dia, sua casa mais limpa
e acolhedora. O que torna essa
história interessante é o fato de
Adão ser cego.
A propriedade da família
Silva é cercada por dois rios,
que em épocas de cheia não
possibilitam a travessia. Em
uma das duas casas moram
cinco pessoas: o pai, Pedro;
seus filhos, Anoar e Abraão;
sua nora, Maria; e seu neto,
Daniel. A família enfrenta um
sério problema: os três filhos
sofrem de glaucoma. Adão, que
mora sozinho, nunca enxergou
perfeitamente, e há cinco anos
perdeu totalmente a visão.
Abraão, de 34 anos, ainda vê
vultos com o olho esquerdo. E
Anoar, de 30 anos, começa a
sentir os sintomas da doença.
Apesar das dificuldades para
ler na escola, todos se orgulham de terem estudado até a
quarta série do Ensino Fundamental.
noites iluminadas
A luz elétrica chegou na
região há nove anos, tempo
suficiente para dona Cecília,
matriarca da família, aproveitar algumas noites iluminadas.
Com todas as dificuldades que
enfrentam, os Silva não reclamam da situação. Adão conta
que as únicas coisas que o deixam triste são não poder andar
a cavalo e não conseguir uma
esposa. Uma vez por ano ele
vai até a cidade para renovar
o benefício mensal que recebe.
Quando fica doente se nega a ir
ao médico porque não gosta de
andar de ônibus e tem medo das
ruas movimentadas. “Preciso de
alguém para me guiar, só que
não gosto de depender dos outros”, afirma.
Anoar decidiu morar sozinho quando ainda enxergava
vultos brancos, para não ter
que dividir as contas com o
restante da família. Dentro de
casa, não tem grandes problemas para encontrar os utensílios de que precisa, desde
que seja ele que os guarde. A
vassoura, a escova de dente,
o pente e as toalhas de louça
e de rosto ficam penduradas
ao lado da pia da cozinha.
No teto, entre duas vigas,
guarda o produto especial
que comprou para deixar
o fogão brilhando. Apesar
de gostar do fogo a lenha,
prefere o fogão a gás para
cozinhar, por ser mais rápido e prático. A família
conta que ele faz comidas
boas, mesmo que às vezes
fique salgada demais ou
um pouco queimada.
O rádio é um elemento fundamental na vida
de Adão. Sabe toda a
programação e prefere
as rádios com atrações
ao vivo, por se sentir
mais próximo dos artistas. Para ele, músicas de verdade são as
gaúchas e as sertanejas
bem antigas. Quando
a luz acaba, liga o aparelho à pilha. Pouco
sai de casa e não tem
contato com muitas
pessoas. Acorda com
os galos cantando,
e dorme quando escurece, ou melhor,
quando as galinhas
fazem barulho no
alto das árvores.
Uma característica
visível a quem o
conhece é o sorriso
que insiste em permanecer em seus
lábios,
demonstrando a alegria
que tem em viver.
luana backes
O Brasil-sul tipo importação
Dos palcos à boléia
Até hoje, as opiniões em relação ao ritual não são unânimes; há quem diga que ele atrai
espíritos, assim como há os que discordam; dizendo que são outras forças que movem o copo
Quico é um motorista que nasceu ator. Mais que isso: um ator apaixonado
desde sempre pelo volante. Duas vocações dividindo uma mesma vida
larissa griguc
iabólico para uns, mito
para outros, o jogo do
copo pode ser encarado como uma eficiente forma
de comunicação com o mundo
dos espíritos, ou apenas uma
brincadeira entre amigos. Para
quem o leva a sério, suas conseqüências podem ser desastrosas. É por isso que mesmo os
padres, que não acreditam em
espíritos vagando por aí, mas
às vezes em parapsicologia, desaconselham este tipo de ritual, que tem origens antigas. O
Tabuleiro Ouija (ver quadro),
usado para a comunicação com
os espíritos, pode ser feito por
qualquer pessoa. Ou seja, basta
um copo e uma mesa para invocar os espíritos, com tudo o
que isso possa significar.
D
A espírita Saiclé Guidotti,
freqüentadora do Centro Espírita de Encruzilhada do Sul, diz
que antes de começar a estudar
o espiritismo fazia o jogo com
freqüência com algumas amigas. “O fato é que, depois de
fazer uma vez, tu sempre vais
querer saber mais. Mas o jogo
só funcionava quando uma
amiga participava. Depois eu
fui entender que é porque ela
tem mais mediunidade.”
A pessoa que fizer o jogo irá
atrair espíritos com personalidade parecida com a sua, que
está na mesma vibração. “Se
é alguém com tendência a depressão, o espírito pode intensificar este estado. Se em vida o
espírito era alguém que bebia,
ele vai se apoiar em alguém
que bebe, pois apesar dele não
precisar mais da bebida, ele
compartilha da sensação da
pessoa” – diz Saiclé.
Maira Pacheco, por sua
vez, explica que o risco de
fazer este jogo é que os espíritos que vêm até as mesas
são pouco evoluídos, que não
conseguiram se desprender do
plano terrestre. São zombeteiros, brincalhões, aproveitam-se
da situação em que se encontram. “Espíritos evoluídos não
têm tempo de responder a estas brincadeiras: eles são muito
ocupados.”
Isso talvez ajude a explicar porque Amanda Carvalho,
25 anos, que fazia o jogo nos
tempos de colégio, conta que
sempre sentia um certo nervosismo antes de começar. E que,
apesar disso, nunca se recuou
a participar do jogo, movida
pela curiosidade. Ela diz que,
até hoje, tem a sensação de que
tem mais alguém no quarto
dela.
mente em direção às respostas.
Ele mesmo já fez o jogo várias
vezes e afirma que a parapsicologia tem uma explicação
diferente para isso. Dewes diz
que algumas pessoas têm mais
sensibilidade que outras, e que
nem todos conseguem fazer o
copo se mexer. Porém, o que faz
o copo andar não são espíritos,
e sim a energia do inconsciente. Se o seu inconsciente estiver
apontando para o “sim”, o copo
vai em direção ao “sim”, por
isso não é aconselhado que se
faça perguntas sérias.
Para comprovar a sua tese,
o parapsicólogo utilizou da técnica durante esta reportagem,
fazendo o jogo com um pêndulo ao invés do copo, na mesa
de sua sala. Fez perguntas
simples, do tipo, “esta caneta
escreve em vermelho?” sendo
que tinha em mãos uma caneta
azul, e o pêndulo moveu-se em
direção ao “não”. Depois perguntou, sem saber, se o nome
do homem que acompanhava
a repórter era João, o pêndulo
moveu-se para o sim. A resposta estava correta.
Pessoas da comunidade
onde o padre mora já o procuraram para que, usando a parapsicologia, ele respondesse
questões pessoais. Ele diz que
usou esta técnica e não obteve
sucesso, e que, mesmo mandando energias para que o copo se
movimentasse para o “não”, o
pânico da pessoa na expectativa pela resposta pode interferir
no resultado. Mas em um momento, o padre concorda com a
opinião dos espíritas: “Espírito
não tem tempo para isso”.
ponto de vista
O padre Hilário Dewes, que
é psicanalista e parapsicólogo,
afirma que o copo anda real-
Tabuleiro Ouija
O Tabuleiro Ouija é a
ferramenta como forma de
comunicação com os espíritos. É feito em qualquer
superfície plana com as letras do alfabeto escritas no
chão, em papel ou qualquer
outro suporte e as palavras
“sim” e “não”, além de
numerais.
ilustração: AMANDA MENDONÇA
urgel souza
uem perguntar por
Francisco
Moreno
Dias, 57 anos, em Encruzilhada do Sul, certamente
não terá resposta. Mas pergunte pelo Quico. Aí sim! Todas as
respostas levarão a um sujeito
que nasceu numa família de teatro em Dona Francisca e que
desde menino sonhava em ser
motorista. Quico não apenas
seguiu a tradição familiar como
realizou seu grande sonho. Nos
palcos, emocionou o público
com comédias e dramas. No
volante, salvou vidas e prestou
serviços às comunidades do interior. A carreira de ator foi conseqüência, já que nasceu em meio
ao Teatro Fenix, da família Moreno. Quico interpretou várias
peças, como João Corta Mar,
Morro dos Ventos Uivantes,
além de comédias e outras religiosas. Ele seguiu exatamente
a vocação de seu pai e lembra
que o teatro foi escola e casa.
As dificuldades eram inevitáveis: “Tinha praças que dava
pra comprar dois, três carros.
Outras, que a gente não tinha
nem o que comer”, emocionase. Desde menino, sempre sonhou em comandar o volante.
Quando criança, às vezes, ignorava o café da manhã: fazia covas no chão para imitar pedais
e dirigia por longas distâncias
com seu volante imaginário.
O tempo foi passando. O teatro sempre foi uma realidade
e a direção também seria. Aos
18 anos, a carteira de habilitação representou uma das suas
maiores conquistas.
De vez em quando, assumia
a boléia do caminhão, carregando mais de 70 integrantes
da família do Teatro Fenix. E foi
numa dessas andanças de ator,
que Quico escolheu Encruzilhada do Sul pra viver e constituir
família. Durante a segunda
apresentação na cidade, ainda
na década de 70, conheceu Marize Pires, com quem se casou
exatos dois meses e nove dias
depois. Desde então, viveram
felizes para sempre por lá. Mas
Q
a história não termina aqui.
Aliás, este roteiro está apenas
começando. Com a ida para Encruzilhada, Quico começou a vida conjugal com muita dificuldade. O
sogro, Osvaldo Simões Pires,
cedeu parte da casa e sustentou o casal durante algum tempo. Em seguida, conseguiu um
emprego para o genro em uma
empresa de ônibus. Depois,
outro emprego, só que na prefeitura. Quico ainda transportaria, por 12 anos, acadêmicos
da Universidade de Santa Cruz
do Sul (Unisc). O teatro já não
era a prioridade, mas o volante,
sim. Adivinha qual é a função
dele até hoje na prefeitura? Trabalhando como motorista, ele conseguiu realizar alguns
milagres, como o da transformação dos rostos, assim como
fazia no teatro quando jovem.
Isso porque, como funcionário
da empresa de ônibus, prestava
“pequenos grandes serviços” às
comunidades do interior. “Na
minha folga, eu largava o ônibus na garagem e ia comprar
remédios e mantimentos. No
outro dia, eu entregava para
aqueles que não podiam vir
na cidade. Eram coisinhas mí-
nimas, mas que tinham muito
valor.” Há mais de duas décadas,
Quico é motorista da Secretaria de Saúde do município. E
seguiu fazendo seus milagres:
desta vez, salvando vidas. É
que Quico, agora, transporta
pacientes a centros de saúde
– às vezes, emergências que
exigem sua habilidade para
chegar a tempo ao hospital.
“Eu sempre gostei. Eu faço isso
porque eu gosto”, garante ele.
Com 39 anos de volante, Quico
não pestaneja ao responder em
qual profissão mais se realizou:
“As duas!”.
Hoje, no entanto, Quico dirige o drama da vida real. A esposa Marize, vítima de diabete,
está cega há três anos. “No início foi muito difícil, uma barra.”
O ator teve de recuperar seus
dons cênicos e se manter forte
diante da tragédia familiar. “O
importante é que ela superou
bem e hoje faz tudo.” Prestes a
se aposentar, o motorista-ator
garante que deve continuar
exercendo uma de suas vocações: motorista ou ator.
O palco será o mesmo que ele escolheu em 1974.
A cidade que o
acolheu.
Urgel Souza
Jogo do Copo, mito ou realidade?
“A profissão de ator não é só
fama, dinheiro e glamour”
márcia müller
Como foi atuar em Tropa
de Elite?
Foi uma experiência maravilhosa, nos preparamos com a
Fátima Toledo (preparadora de
elencos), que é incrível. O diretor, José Padilha, nos deixou
livres pra improvisar, o que ajudou muito. Encontrei algumas
dificuldades, que fazem parte
do desafio, as cenas foram fortes.
Em Tropa de Elite, a cena
do seu personagem, Rodrigues, que é queimado
vivo, foi chocante. Explique como foi?
A primeira vez que vi a
cena, confesso que eu não entendi, porque no mesmo plano eu gritava, o traficante me
ateava fogo e aparecia
minha cara queimando dentro
das labaredas. Fui perguntar
ao diretor se tinham colocado
algum efeito de computador e
ele me disse que não. Na verdade, foi usado um plano onde o
dublê usava uma máscara com
a minha cara e pegava fogo de
verdade. Vendo o filme eu podia jurar que era eu mesmo. Aí
percebi que realmente valeu a
pena ter ficado uma hora com
a cara cheia de gesso com a
boca aberta sem poder me mexer para fazer a máscara. Um
fato curioso é que na cena em
que sou queimado, o pessoal
do morro vizinho achou que
era real e começou a dar tiros.
Foi assustador. Fiz exercícios de
improvisação com a Fernanda
Freitas (que fazia minha namorada no filme), aquecimento e
laboratórios sensoriais com a
Fátima Toledo.
E em Chamas da Vida, outro sucesso, houve algum
preparo para interpretar
o pedófilo?
Existem vários tipos de pedófilos. O Lipe curtia meninas
adolescentes, como a Vivi (Letícia Colin). Na sua cabeça, ele
tinha 20 e poucos anos. Fiz pesquisa, para não estereotipar o
personagem, para composição,
visual, modo de falar, sotaque
paulista e sempre aquecimento
antes das cenas que eram, geralmente, intensas. Li sobre o
assunto e conversei com uma
psicóloga.
Como foi fazer o papel do
Lipe?
Considero esse o personagem mais importante da minha
carreira, pela sua complexidade. Facilmente poderia cair no
estereótipo, por isso foi importante humanizar o Lipe. O
texto era muito bom, a autora
me deu grandes cenas, como a
que ele se disfarçava de velho.
Acho, porém, que esse sucesso
foi mérito do texto da autora
Cristianne Fridman. Foi um
presente, e o meu maior desafio foi a entrega e a concentração no Lipe. Porque ele achava
que fazer aquilo com a Vivi era
super normal. Então, tinha que
agir ali como se fosse a coisa
mais comum do mundo (referindo-se às cenas de violência
sexual). A cena que mais me
marcou na novela, foi, sem dúvida, o estupro da Vivi.
Pode explicar como são
feitos estes exercícios,
laboratórios?
São situações cênicas propostas onde você explora as
sensações da cena em questão.
Exemplo: eu e a Fernanda Freitas sentados imóveis, de frente
um para o outro, com os traficantes em volta ameaçando.
Chamamos isto de laboratório,
não é a cena em si, mas explora
as mesmas sensações.
E como foi fazer a cena?
Foi tranqüilo. A Letícia Colin, personagem da Vivi, é ótima atriz e nos demos muito
bem. O diretor da cena, Rudi
Lageman, que aliás é gaúcho,
deu um show e a cena foi muito
bem montada, causando enorme repercussão e a maior audiência da novela.
FOTOS: DIVULGAÇÃO
A
ndré Di Mauro, 44
anos, carioca do Leblon, é nascido em
uma família de artistas – ele é
sobrinho do cineasta Humberto
Mauro e irmão da atriz Claudia
Mauro. André começou a fazer
teatro quando tinha 13 anos,
no grupo Além da Lua, mesmo
ano em que fez seu primeiro
trabalho na televisão: a série
da Rede Globo, Malu Mulher.
Além de ator, é autor, roteirista,
produtor e diretor. Em entrevista ao Unicom, André revela um
pouco da preparação para fazer
aqueles que considera seus personagens mais difíceis: Rodrigues (no filme Tropa de Elite,
em 2007) e Lipe, um pedófilo,
(na novela Chamas da Vida da
Record, em 2008), bem como
os bastidores de um ator de
televisão.
Tu encontraste alguma
dificuldade para interpretar?
Todas as cenas eram difíceis, exigiam muita concentração e disponibilidade física e
emocional. O mais complicado
foi no início da história. O jeito de falar do interior de São
Paulo, o andar, o riso, a maneira de se movimentar. A lógica
emocional dele é completamente diferente, porque o Lipe
era um cara doente. Quando a
gente faz um personagem que
exige muita composição assim,
porque é distante da nossa realidade, o risco de parecer falso
é muito grande.
Houve algum caso de ser
reconhecido na rua?
Muitas vezes fui reconhecido, muitos brincavam falando
“Eu amo a Vivi! É amor” (jargão
de seu personagem). Eu esperava que fosse apanhar na rua
(risos), mas as pessoas que vinham falar comigo era somente
para elogiar o meu trabalho.
Você sabe se depois da
novela as denúncias contra a pedofilia aumentaram?
Em torno de 40%. As pessoas ficaram mais esclarecidas
sobre o tema. Não só denúncias, mas a procura por tratamento psicológico para pessoas
que sofreram abuso e pessoas
com distúrbios mentais que poderiam se tornar abusadores.
Eu imaginava que o Lipe fosse criar polêmica por causa da
questão da pedofilia, mas não
nego que tamanha repercussão
me surpreendeu. A mídia se
interessou pelo personagem e
pela questão.
É importante este tipo de
novela, que aborda temas
como este?
Sem dúvida, é um serviço
para a sociedade. Temas considerados tabus, como pedofilia,
aborto e AIDS, foram abordados
na novela. É um meio de esclarecer as pessoas e acabar com
preconceitos, como a AIDS.
Existem dificuldades para
se tornar um ator?
Sim, como toda profissão. O
mercado de trabalho é competitivo, os contatos, a formação
que tu precisa ter, até conseguir
o registro profissional, você precisa ter muita experiência. Sem
contar a concorrência.
Para chegar a ser um ator
você passa por vários procedimentos, cursos etc.?
Sim. A profissão de ator não
é só fama, dinheiro e glamour
como alguns pensam. Para chegar ao reconhecimento público
e profissional é necessário muito trabalho e dedicação. Cursos,
experiência, profissionalismo. É
como dizia Michelangelo: “Fazer arte é 30% de inspiração e
70% de transpiração”.
E como você começou?
Comecei fazendo teatro com
um grupo amador fundado com
amigos: Além da Lua. Aos 15,
ganhei um prêmio do Instituto Nacional de Artes Cênicas
como Ator e Autor Revelação,
e recebi o registro profissional.
Fiz cursos em Nova York, fui estudar no Lee Strasberg Institute
– Método do Actors e Studio, e
no Herbert Berghof Studios e
na escola Tablado no Rio. Fui
diretor acadêmico e fundador
do Curso Superior de Cinema
na Estácio de Sá, o primeiro da
cidade.
Você vem de uma família
de atores, isso influenciou na tua carreira?
Sim. Meu tio-avô Humberto
Mauro foi um dos pioneiros do
cinema brasileiro (diretor, roteirista, ator) isto faz com que
a área artística não seja encarada como um mito dentro da
família. Minha irmã, Claudia
Mauro, e meu cunhado, Paulo
César Grande, também são atores e atualmente estão fazendo
Malhação, na Globo.
Você já trabalhou na TV
Globo, como foi sair da
Globo e ir para outra
emissora?
A Record é uma empresa excelente com seus funcionários.
Nos anos noventa, surgiram outras possibilidades de trabalho
como a TV Manchete que hoje
se chama Rede TV e a Record
que eu trabalho desde 2005.
A Record paga bem?
Sim, paga bem e isso fez com
que a Globo também melhorasse seus salários. A concorrência
valorizou os profissionais da
área e aqueceu o mercado.
Então quer dizer que a
Record pagava melhor
que a Globo?
No inicio sim, pagava melhor, hoje, como a Globo melhorou, é a mesma coisa.
A vida na tevê
Na TV, André estreou na Globo em Malu Mulher (1979). Depois fez Eu Prometo (1983, Globo),
Antonio Maria (1985, TV Manchete), Selva de Pedra (1986, Globo), a minissérie Rainha da Vida
(1987, TV Manchete), Rainha da Sucata (1990, Globo), Perigosas Peruas (1992, Globo), Xica da
Silva (1997, TV Manchete), Avassaladores, serie na Record (2005); Prova de Amor (2005, Record),
Bicho do Mato (2006, Record), o seriado Donas de Casa Desesperadas (2007, Rede TV) e recentemente Chamas da Vida, na Record. Entre os filmes destaca – se Tropa de Elite e participou como
ator no curta-metragem Mapa-Mundi, gravado em São José dos Ausentes, de Pedro Zimerman que
deve estrear este no Festival de Cinema de Gramado.
A cura que nasce da benzedura
Vidas ímpares
Todos os dias, há mais de meio século, dona Petronilha, de 83 anos,
benze dezenas de pessoas que a procuram a espera de uma melhora
Gessí tem apenas um rim; Eni, um pulmão; Jader é cego
de um olho; e Willibaldo possui apenas o braço esquerdo
patrícia de azevedo
Débora kist
ta Cruz por benzer qualquer
mal. Ela recomenda que, para
que a reza seja eficaz, a pessoa
compareça três vezes por semana em sua casa.
Cássio Fernando Alves Corrêa, 33 anos, já freqüenta o local há 21 anos. “Hoje vim porque estou com frieira nos pés. Já
vim por outros motivos, como
picada de bicho que deram feridas e pedra nos rins”, afirma
Cássio, saindo de seu segundo
encontro com a benzedeira. Ele
também confirma que sempre
obteve melhora depois de procurar dona Petronilha.
Nos fundos de sua humilde residência, sacos de estopa
e garrafas pet de todos os tamanhos se amontoam, cheios
de chás e preparados que só
a benzedeira conhece. “Estou
fazendo um livro, mas este vai
ficar só com os meus filhos”, referindo-se aos segredos de seus
“remédios”.
Para cada problema, ela tem
uma solução. Com cerca de 120
tipos de chás guardados nos
fundos de sua casa, ela conhece cada um e sabe direitinho
para que servem. “Este aqui é o
chá de nervos. Olha como tem
cheiro forte”, mostra ao quebrar graveto ao meio. Em meio
a este, carqueja, cidreira e os
mais diversos tipos se perdem a
tantos sacos de estopa.
Há 19 anos conhecendo a
benzedeira, Ana Rita Andrade
Vogt, 46 anos, sempre levou
seus filhos até lá. “Trouxe meu
filho menor desta vez porque
ele está com umas verruguinhas na mão. As que eu tive
anos atrás caíram depois de um
mês que vim aqui. Espero que
as dele caiam também.”
Dona Petronilha não cobra por seus serviços. Só o faz
quando alguém quer um dos
seus chás preparados. A garrafa de 1 litro custa R$ 18, 00. Já
a menor tem um custo de R$
8,00. “Eu faço umas gotinhas,
que eu ponho nos olhos, e há
40 anos que eu não preciso trocar o grau dos meus óculos”,
explica. Não que a benzedeira
tenha problemas com médicos:
ela não os procura simplesmente porque nunca fica doente.
O
corpo humano é formado por
muitas partes duplas: dois braços, duas pernas, dois olhos...
Mas, para algumas pessoas, a falta de
um dos pares não impede uma vida normal. Gessí tem um rim e nem por isso
deixa de beber muito chimarrão. Jader
enxerga apenas com o olho esquerdo e
Quando sente alguma coisa diferente, logo sabe qual dos seus
preparos tomar para ficar boa
de novo.
No canto da casa onde dona
Petronilha benze não existe nenhuma estátua de santo, nem
terços, nem velas; nada disso.
Ela abençoa a pessoa nos fundos de sua casa, de frente para
seu pátio, e ninguém mais fica
presente. É o caso de Sílvia
Eichenberg, moradora das redondezas, que levou seu filho
Túlio, 5 meses, para benzer:
“Vim porque é a única coisa
que conheço que desfaz o ‘quebrante’”, afirma.
Dona Petronilha não cobra
por suas consultas, mas qualquer ajuda é bem-vinda.
FERNANDA ZIEPPE
C
abelos longos entrelaçados em uma trança
até a cintura, pantufas
azuis nos pés, uma calça de algodão, blusão azul e casaco de
lã bege. É assim que dona Petronilha Jordan, 83 anos, trabalha benzendo pessoas. Há
45 anos em Santa Cruz do Sul,
vinda de Candelária, mas há 62
anos nesse ramo, esta senhora
de óculos e com poucas rugas
na face, recebe durante o decorrer do dia em torno de 30
pessoas em casa. “Houve época
que passava de 40 por dia, mas
daí me atrapalhava muito, não
conseguia nem fazer almoço.
Sempre havia alguém batendo
na porta.”
Situada na Rua São José, a
casa de um pavimento e de portão branco (sempre aberto durante o horário de atendimento), é procurada para diversos
tipos de ajuda, desde o famoso
“olho grande”, hemorróidas, picadas de bichos, problemas nos
rins, impotência e até câncer.
Ela, que não é adepta a nenhuma religião e nem crê em santo
algum, acredita somente em um
Deus. “Faço a reza apenas com
a palavra divina e com a mão”,
conta. Das 8 horas até as 18h
30min, ela atende em sua casa.
Hoje com 83 anos, ela reconhece que na sua juventude
também sofria um tipo de ataque (um tremor por todo corpo durante alguns minutos) e
quem a curou foi uma cigana,
já que médico algum, segundo
ela, diagnosticava o problema
corretamente. Desde então,
começou a aprender diversos
tipos de “benzedura” com ciganas e outras benzedeiras e
foi aplicando também. Hoje, é
uma pessoa conhecida em San-
Quanto mais água, melhor.
“Aceita um chimarrão?”. É essa a pergunta de sempre quando alguém visita
Gessí Kist. E fazer desfeita não pode,
já que isso é hábito de manhã, tarde e
noite. Gessí adora a bebida tradicional
do Rio Grande do Sul e da sua cidade,
Venâncio Aires, que popularmente é
conhecida como a Capital Nacional do
Chimarrão. Mas também adora um chá
antes de dormir, uma cerveja aos fins
de semana e um refri light, pois no momento está de dieta. A safrista de 51
anos bebe muito líquido. Assim sempre
foi e assim sempre será. Sorridente, a
avó da Duda mantém uma rotina que
os médicos indicam para qualquer um:
beba muito líquido para os rins filtrarem o que é bom e se livrarem do que
não precisa. É assim com Gessí, mas, no
caso dela, apenas um rim é responsável
por todo aquele chimarrão ingerido.
Há 21 anos, uma simples cirurgia
para a retirada de um cálculo renal ficou complicada ao ponto de retirar todo
o rim. “Eu estava com 30 anos, um filho
de 6 e uma menina ainda bebê. Não só
por mim, mas principalmente por eles
tive medo do que viria em seguida”,
conta sobre a reação que teve ao saber
que agora havia um espaço vazio no
lugar do rim direito. Mas medo é algo
que Gessí não conhece. Nesses 21 anos
as dores cessaram, criou os filhos, trabalhou fora, foi dona-de-casa, passou por
mais duas cirurgias (tirou um fibroma
no útero em 1993 e em 2001 colocou
platina na coluna) e ficou avó há seis
anos.
nunca errou um chute a gol. Eni respira somente com um pulmão, mas todo
ar do mundo é pouco para seu fôlego.
E o simpático Willibaldo nasceu destro
e hoje escreve com a mão esquerda.
Quatro histórias quem têm muito em
comum. Pessoas que não se acham a
exceção dentro da regra. Pessoas que se
Pouco ar para tanto
fôlego
O tom alto da voz e os movimentos
agitados resumem a vida de Eni Gollmann: um corre-corre. São 13 anos
em Venâncio Aires costurando para
empresas de forma terceirizada. Seu
varejo de confecções conta com cinco
funcionárias que trabalham num horário rigoroso, entre 7 horas e 17h18min.
Depois ainda tem o cerão, que é feito
também aos sábados e domingos, se
precisar. “Não recuso serviço. Na vida
é assim, pegar ou largar.” Eni, que tem
50 anos, pedala o dia inteiro sua máquina de costura. É tanta pedalada que
talvez até falte fôlego. Mas não, fôlego
essa santa-cruzense tem de sobra, ainda que lhe falte um pulmão.
Há 26 anos um exame de rotina na
empresa na qual trabalhava constatou
um problema no pulmão esquerdo.
“Os médicos apenas me disseram que
ele estava todo manchado e que não
funcionava mais, teria que retirar.” Ela
afirma que os médicos nunca souberam
lhe explicar de fato o que aconteceu.
Hoje, uma cicatriz em forma de meialua, proveniente de 25 pontos que levou nas costas para a retirada do órgão, é a única coisa que faz Eni lembrar
de ter feito a cirurgia.
Depois de todo esse tempo, ela
salienta a rotina normal que sempre
levou. “Meu único vício é trabalhar.
Nunca fumei, nem convivi com pessoas
fumantes. Não tenho dor e nem lembro
a última vez que tive tosse. Exames a
cada dois anos e olhe lá.”
tivessem seus pares talvez não se sentissem tão completas como são enquanto
ímpares.
Gessí tem um rim e nem por isso deixa
de beber muito chimarrão. Jader enxerga
apenas com o olho esquerdo e nunca errou um chute a gol. Eni respira somente
com um pulmão, mas todo ar do mundo
Um homem de visão
Jader Ribeiro Rosa, 61 anos, é advogado e se considera o melhor jogador de
futebol de Venâncio Aires na década de
1960. Nos tempos áureos, o atacante Jader tinha quase 100% de aproveitamento
nos chutes a gol. Ambidestro e com uma
noção espacial invejável. “Eu tinha visão
de jogo”, comenta nada modesto. Essa visão, ele reconhece, poderia ser ainda melhor. Aos oito anos, uma cavalgada de rotina entre os eucaliptos da localidade de
Ponte Queimada o deixou cego do olho
direito. Uma aranha foi a responsável.
Sem recursos e o horror a hospitais foram suficientes para agravar o problema.
Mas a cegueira não afetou o nervo ótico.
Uma simples cirurgia traria novamente a
visão direita. Jader diz que só o fará se
algo acontecer com o olho bom. Óculos
ele usa apenas para descanso e leitura.
Um grau mínimo, que só foi detectado
depois dos 50 anos. A última visita ao oftalmologista foi há quase uma década. O
jogador Jader abandonou o futebol porque o joelho estourou.
O mundo talvez tenha perdido um
craque, mas ganhou um advogado atuante há 35 anos, que também já foi candidato a vereador, secretário municipal e
eleito vice-prefeito de Venâncio Aires em
1982. “Esse problema nunca me afetou
em nada. Não tenho vergonha, nunca
procurei esconder. Não faz falta.” Casado duas vezes, dois filhos criados e nenhuma falta no trabalho, Jader diz que
agora está quase cansado. Ele pretende
se aposentar nos próximos dias e quem
sabe voltar a jogar um futebolzinho.
é pouco para seu fôlego. E o simpático
Willibaldo nasceu destro e hoje escreve
com a mão esquerda. Quatro histórias
quem têm muito em comum. Pessoas que
não se acham a exceção dentro da regra.
Pessoas que se tivessem seus pares talvez
não se sentissem tão completas como são
enquanto ímpares.
Deixa pra ele que é
canhoto
Rachar lenha e capinar o inço no
meio das verduras são as tarefas mais
árduas da pacata rotina de um senhor
de 80 anos morador de Linha Arroio
Grande, interior de Venâncio. Willibaldo Weber há muito deixou para trás os
dias longos de lida na lavoura de fumo
e do criadouro de suínos. Hoje, quase
60 anos ao lado da esposa Celita e com
três filhas, sua maior responsabilidade
é receber bem aqueles que gostam de
jogar bocha aos fins de semana.
Seu Weber cuida de uma cancha
que fica ao lado da casa onde mora há
37 anos. E é também desde 1972 que
esse homem destro teve que aprender a ser canhoto. Num dia que não
lembra mais, Weber estava trilhando
soja quando um descuido ao arrumar
a correia da máquina, estraçalhou sua
mão e parte do antebraço direito. Foi
mais susto que dor. “Essa foi demais”,
exclamou ao chegar na estrada e parar
um carro que se aproximava.
Foram apenas oito dias no hospital,
mas seu Weber não lembra por quanto tempo ainda quis usar o braço que
não mais existia. Mas também não tem
como evitar “Quando está para chuva,
eu sinto os tendões repuxarem e parece que estou mexendo meus dedos”,
revela. O seu Weber diz que durante
décadas não foi fácil realizar o trabalho braçal, ainda mais desfalcado.
Ele diz que foram e continuam sendo
tempos de muita luta, mas não dá para
desistir.
Andar de ônibus é um
acontecimento em Sinimbu
Ser prenda não é fácil
Muito mais que um concurso de beleza e um título, o que está em jogo é a
representação da típica mulher gaúcha perante o estado, o que exige muita dedicação
Mais do que um meio de transporte, a comunidade do município de
pouco mais de 10 mil habitantes faz dos coletivo um estilo de vida
e noite de ônibus do que trabalhar em outra cidade ou na
roça. Além de carteira assinada,
salário e estabilidade, ao conseguirem o emprego, os jovens
conquistam o sucesso com as
garotas. “Acho que ficamos especiais ao vestir a camisa. Elas
nos olham diferente”, confirma
Renato.
freadas e diversão
A volta para casa é regada
a muito sanduíche de mortadela, refrigerante em garrafa
pet de dois litros e lingüiça. No
bagageiro encontra-se de tudo.
Compras, motosserra, bicicleta,
mudas de árvores, pintos. Muitas vezes o cobrador e o motorista são recompensados por
carregar ou descarregar a bagagem. Recebem laranjas, batatas, mandiocas ou pinhas como
agradecimento. As janelas abertas refrescam o intenso calor
que faz dentro do veículo.
Para aumentar a segurança
dos passageiros, ou a sensação
dela, o fiscal Renato Feliciano
afirma que os motoristas adotam uma velocidade baixa nas
estradas. Encontros com outros
veículos no entanto, são imprevisíveis. Curvas com freadas
bruscas, mais ainda. Em certos
trechos, ao encontrar um caminhão, por exemplo, alguém
deve ceder e engatar a marcha
ré, cerro acima ou cerro abaixo.
Nestes momentos não se tem
muita escolha. De um lado se
tem um paredão de pedra, e do
outro um penhasco.
André Buboltz, estudante
de 22 anos, que utiliza a linha
diariamente, diz que já sentiu
muito medo em certas situações. Já teve que ajudar o motorista a descer um cerro de ré,
apenas com luz dos celulares
dos passageiros. “O ônibus teve
um problema nos freios, então
voltamos antes que acontecesse
algo pior. Onde estávamos não
podíamos ficar, então nos arriscamos morro abaixo”. A situação se agravou porque faltou
luz no local, e a parte elétrica
do ônibus também não funcionou. Naquele dia, André chegou em casa com um atraso de
três horas.
Estradas mal conservadas,
descaso das autoridades e da
empresa de ônibus. Pessoas
que dependem de um serviço
e que fazem a economia girar
em Sinimbu. Comércios que sobrevivem graças às pessoas do
interior. Muitas coisas erradas,
mas muita necessidade em ter
no mínimo isso. Pelo menos a
felicidade estampada no sorriso de Dona Eva era sincero, e
a felicidade em ir para a cidade
comprar seus pães e suas bananas também.
rotina de Mariela Mendes da Silva não foi a
mesma nos últimos
tempos. Estudar cerca de 40 livros fez parte do seu dia-a-dia.
Você deve estar pensando que
esses livros são para alguma
prova da faculdade, mas não é.
Mariela é 1ª Prenda da 5ª Região Tradicionalista e participou da 39ª Ciranda Cultural de
Prendas. Mais que galardões, é
de concursos como esses que
saem as prendas que representam as tradições gaúchas, viajando por todo estado, junto
com o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). Equivale
dizer que, conquistar uma faixa é se destacar em uma disputa onde o conhecimento sobre
a cultura não é o diferencial é
uma das exigências básicas.
Há um ano, quando concorreu à região, Mariela sabia
que vida de uma “prenda de
faixa” - ou seja, aquela eleita para representar a cultura
gaúcha - nem sempre é um
mar de rosas. É, antes, repleta de compromissos, tarefas e
obrigações. É muito mais que
estar presente nos eventos e
posar para fotos. Em um ano,
é necessário realizar projetos e
divulgar a cultura gaúcha e os
objetivos do MTG.
Tudo o que é realizado durante o prendado vai para um
relatório, feito pela própria
candidata. É quando a
ficha começa a cair e se
tem noção de tudo o
que foi feito. Geralmente é neste momento que as emoções ficam à flor da pele
e se começa a pensar em
tudo o que há pela frente
ainda. Quem concorre
no estado são somente as primeiras
prendas de cada região tradicionalista, e o Rio Grande
do Sul é divido em
30.
O último mês é um
dos mais difícies. A relação com a família,
amigos e namorado
muda. Apoio é item
fundamental, já que a pressão
existe. E é grande.
A rotina de Mariela
A reportagem do Unicom
acompanhou de perto a rotina
de Mariela. Por morar em Rio
Pardo, uma cidade considerada
próxima ao local onde o concurso foi realizado, em Alvorada, na Grande Porto Alegre,
Mariela saiu de casa no início
da tarde do dia 28 de maio,
junto com seus pais, literalmente, de “mala e cuia”. E põe
mala nisso. Ali tinha de tudo,
de vestidos, maquiagens a cobertores e travesseiros. Das 21
candidatas adultas, três foram
escolhidas como prendas do
Rio Grande do Sul, e vão viajar
pelo estado, como representante oficial do MTG. Mariela,
em seu primeiro concurso estadual, ficou em 5º lugar. Ser
prenda é mais que vocação, é
profissão. Ao lado, confira a rotina da candidata:
28 de maio – Quinta feira
A chegada ao município de Alvorada foi tranqüila, já que havia
guias turísticos para informar o trajeto onde eram realizadas as atividades.
8 às 19 horas: recepção na Prefeitura Municipal de Alvorada
A recepção junto à prefeitura foi o marco de encontro de todas as concorrentes para saber
onde fica o alojamento. Hora de comer e se pilchar.
19 horas: reunião da diretoria do MTG com as candidatas no CTG Amaranto Pereira
Com todas as prendas reunidas, é hora de respirar fundo e entrar no ônibus rumo à reunião com o MTG. Dali em diante é confiar em tudo o que aprendeu. Depois da reunião,
resta comer e dormir.
29 de maio – Sexta feira
Prenda não consegue dormir até muito tarde. E o despertar foi cedo. Levantar, tomar café,
fazer cabelo, maquiagem, se pilchar e ir para a prova.
09 às 11 horas: prova escrita na sede social do Clube União
Durante toda a manhã, era necessária muita concentração. A prova escrita é como um vestibular, com questões sobre história do RS, geografia do RS, tradicionalismo, folclore etc.
11h30min às 13h15min: montagem mostra folclórica na Escola São Marcos
Após a saída da prova, restava esperar para montar a mostra folclórica. Em um espaço
2x2, a criatividade imperava. Depois de tudo arrumado, hora de comer, já que prenda sem
almoço não para em pé. E mais uma troca de vestido.
15h30min: apresentação da mostra folclórica à comissão avaliadora
Com o espaço totalmente decorado, e a pesquisa sobre o bordado em ponto cheio na
ponta da língua, resta esperar os jurados. Ali só ela e a comissão avaliadora.
20 horas: despedida das Prendas do Rio Grande do Sul 2008/2009 e sessão solene de abertura na sede social do Clube União
Uma das partes mais emocionantes do concurso é quando as atuais prendas do estado
fazem suas despedidas. Nesse momento, é mostrado tudo o que foi feito durante o ano. As
angústias, medos, amizades, conhecimento, visitas. Nessa hora, entra os discursos e homenagens à presidência do MTG.
30 de maio – Sábado
Talvez o dia que se pode dormir até mais tarde. Na noite anterior havia sido divulgada a
ordem de apresentação da prova artística. Mariela era a última. Hora do almoço, se pilchar,
se maquiar e seguir adiante. Mais da metade do concurso já ocorreu.
09 horas: início provas artísticas na Escola São Marcos
Tudo começa com a prova oral, sorteada 15 minutos antes da sua apresentação. O tema? A
presença da prenda de faixa na avaliação de concursos. Depois da explanação, de no máximo dez minutos, é a vez de declamar, mostrar o ‘tatu de castanholas’ como dança tradicional e a ‘valsa’ como dança de salão. Tudo feito. Agora, resta esperar o resultado.
23 horas: fandango de divulgação dos resultados
FOTOS: ALYNE MOTTA
A
ta parte do município: o Expresso Sinimbu. Com uma frota que
aumenta a cada ano, tornou-se
fonte de emprego na região.
Renato Feliciano, de 24 anos,
seis deles dedicados à função
de cobrar passagem, agora é
fiscal. Com um largo sorriso,
Renato conta que foi promovido há um mês, graças à sua
dedicação e responsabilidade.
Quando iniciou sua carreira,
passou por muitas dificuldades
de adaptação. A principal delas
foi se acostumar com o balanço
do ônibus, que freqüentemente
lhe provocavam vômitos.
O sacrifício tinha razão de
ser: a procura para conseguir o
emprego de cobrador e vestir a
tão desejada camisa azul é muito grande. Dezenas de currículos são entregues no escritório
da empresa. Como Sinimbu
não possui nenhuma indústria,
os rapazes preferem andar dia
A
LUANA BACKES
luana backes
ndar de ônibus é um
evento social em Sinimbu. Dona Eva Alves, de
78 anos, conta que chega até a
tomar banho de chuveiro no dia
que antecede a viagem. Uma
vez por mês ela e o marido, Seu
Artur, de 80 anos, partem do
interior e rumam até Sinimbu
para receber a aposentadoria.
Para aproveitar a viagem, Dona
Eva vai até a padaria comprar
pão e ao mercado comprar banana. “Comemos pão de milho
todos os dias, mas eu gosto
mesmo é desse pão branquinho
aqui”, revela, mostrando um saquinho de pão francês que tem
nas mãos. Sobre as bananas,
ela afirma que as da cidade são
melhores, e no armazém próximo de sua casa nem sempre ela
encontra essa fruta, que é sua
preferida.
Apenas uma empresa possui
autorização para trabalhar nes-
alyne guimarães motta
Quando se chega ao fim, o cansaço bate. Hora do resultado. O concurso escolhe aquelas
que melhor representam as virtudes, a dignidade, a graça, a cultura, os dotes artísticos, a
beleza, a desenvoltura e a expressão da mulher gaúcha.
Édson Bizarro é apaixonado
por armas
O garoto de ouro da matemática
Alexandre André Schoeninger, de 13 anos, mora em São Martinho,
ama o Inter e é um fenômeno na arte dos números
O gosto pelo ofício vem dos tempos de infância; desde 1995 como armeiro,
o que ele mais gosta de fazer hoje é customizar, o que faz como ninguém
francine rabuske
suía conhecimento suficiente.
Resolveu estudar mecânica em
uma escola técnica de Taquari,
e acabou aprendendo eletrônica e eletricidade também.
Passou a vida trabalhando
em uma fumageira e dividindo
o tempo com a coleção de armas e o tiro, esporte que começou a praticar mais tarde. Um
dia, um coronel que também
era atirador, elogiou o trabalho personalizado que Bizarro
havia feito na própria arma.
“Ele disse que eu tinha de fazer aquilo para os outros, para
os colegas de tiro, e me indicou
para trabalhar na Imbel (Indústria de Material Bélico), localizada em Minas Gerais. Fui para
lá e aprendi ainda mais”, diz.
Bizarro ainda passou por outras fábricas, como a Taurus, de
Porto Alegre, a maior indústria
do ramo na América Latina.
Desde 1995, ele trabalha
como armeiro, função que se
resume no conserto de todo o
tipo de armas, mas tem um diferencial: hoje, no
Brasil,
apenas cinco pessoas trabalham
com a customização de armas.
Bizarro é uma delas. “Tem muita
gente que tem arma por paixão,
outros têm para se defender,
mas a maioria quer uma arma
bonita. Descobri nisso um mercado gigante e, na região, estou
sozinho”, conta, empolgado.
Segundo ele, dá para ganhar
bem fazendo isso, pois o trabalho custa caro, às vezes até mais
do que a própria arma. “Cheguei
a cobrar mais de R$ 4 mil por
um serviço e já atendi pedidos
de clientes do Amazonas, Pará e
Distrito Federal”, fala.
Orgulhoso, Bizarro mostra
os mais de 40 troféus e medalhas que já ganhou em campeonatos estaduais, nacionais e até
internacionais, e diz que não
pára de praticar o esporte nunca. “Em primeiro lugar, o tiro é
um esporte que considero mais
seguro que o futebol, onde a
burocracia e a preocupação são
enormes. Quem pratica esse esporte tem a arma como o Guga
tem a raquete de tênis, e não
como um artefato para matar”,
compara.
Bizarro é precavido e não
fala sobre a coleção de armas.
“O marginal de hoje não entra
na casa dos outros atrás de jóias
ou dinheiro. Na maioria das vezes ele procura armas e munição”, relata. Ao se despedir, o
aposentado apresenta o casal
de rottweiler e conta que sua
casa é uma espécie de Big Brother. “Tenho câmeras por todos
os lados, algumas falsas, outras
verdadeiras, até sistema infravermelho eu instalei. Quem se
sente ameaçado uma vez, prefere não brincar com fogo”, finaliza, com bom humor.
eu participei foi em Natal, lá os
hotéis mais simples são quatro
estrelas e tudo é caro, mas eu
amo isso, não me importo com
o que eu gasto e não abro mão
de participar”, diz.
Cerca de 400 tiros são disparados por Bizarro durante o
período de 30 dias. Ele possui
uma pistola, modificada que
carrega para todos os campeonatos. Sempre que acertar mais
tiros ao alvo em menor tempo,
sai vencedor. No mês passado,
ficou em terceiro lugar na sua
modalidade, na disputa em
Santana do Livramento.
Precisão em
menor tempo
Bizarro
participa de um
campeonato
gaúcho por
mês e um
brasileiro a cada
dois meses. Não
ganha nada além
de troféus e medalhas. “A última etapa brasileira que
LEONARDO MUNHOZ
U
ma garagem que tem
o cheiro parecido com
o de querosene representa uma espécie de parque
de diversões para o aposentado
Édson Bizarro, 58 anos. A imagem do espaço é constituída por
máquinas, troféus, ferramentas, fotos, medalhas e armas,
as grandes paixões de Bizarro.
O senhor simpático, de olhos
azuis da cor do céu, também é
armeiro, atirador profissional e
colecionador de armas.
O amor pelos artefatos de
fogo começou quando ele ainda era criança. Bizarro lembra
que o avô, o pai e o irmão eram
delegados de polícia. “Eu cresci vendo a habilidade do meu
pai ao fazer de tudo na própria
arma, isso se tornou algo tão
familiar que, quando percebi,
já estava fazendo o mesmo e
até superando meu pai”, conta.
Depois, tornou-se colecionador
de armas antigas e encontrou
problemas. Bizarro, que era
um tanto perfeccionista, queria consertá-las, mas não pos-
N
seus propósitos. Não quis saber
de conto de fadas. “Não trocaria São Martinho pelo Rio de
Janeiro”, diz ele, com voz firme. “Lá não conheço ninguém;
aqui conheço todo mundo”.
Ainda que levasse a família e
os amigos, Alex não deixaria
seu chão; não se despediria da
escola em que passa boa parte do dia nem abandonaria o
campinho onde protagoniza
belos gols. O menino, inclusive,
alimenta a esperança de muitos adolescentes de sua idade
que sonham com um ídolo no
futebol.
Nos cálculos, Alex já provou
ser um fenômeno. Na escrita,
parece traçar o mesmo caminho.
Isso porque, ano passado, abocanhou um prêmio com a melhor
poesia sobre a Semana Farroupilha e outro com o melhor texto
sobre a Oktoberfest. Agora, no
futebol, ele garante ao menos o
apelido: Pato. A semelhança com
o jogador do Milan – Alexandre
Pato – está no jeito de jogar.
“Meus colegas dizem que somos
parecidos”, comenta. Semelhanças a parte, a certeza do garoto
está na vontade de se tornar um
Pato no campo, com estilo próprio e, por enquanto, sem sua
Sthefany Brito.
Ele não tem pressa, mas
reitera seu desejo de ser
“um baita jogador”. E
vende seu peixe: “Jogo
em todas as posições.
Quando estou com os
adultos, costumo ser
mais atacante. Com os
outros, sou meio-cam-
FRANCINE RABUSKE
gabriela brands
um vilarejo distante cerca de 40 quilômetros do Centro de
Santa Cruz do Sul mora um
adolescente, digamos assim, diferente. Aos 13 anos, Alexander
André Schoeninger, torcedor
fanático do Sport Club Internacional, tem nas cores de seu
clube sua segunda pele. Nem
os gélidos 15 graus de temperatura num final de tarde fazem
com que ele tire a camiseta do
Inter. Alex, como é chamado
pelos pais, Jair e Mônica, não
se destaca somente pelo amor
ao seu time do coração: o garoto conquistou, ano passado,
a medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática
das Escolas Públicas (Obmep).
Com isso, não apenas entrou
para a história da cidade como
se tornou o garoto de ouro da
matemática.
Duas provas traçaram o destino do menino. Primeiro, passou por um teste na escola, em
que hoje cursa a 7ª série – Escola Estadual de Ensino Fundamental Cardeal Leme, de São
Martinho, interior do distrito
de Monte Alverne. Depois, enfrentou uma seletiva no Centro
do município. O bom raciocínio
e o incentivo das professoras
e dos pais colocaram Alex entre os 80 melhores do País, na
categoria de 5ª e 6ª séries. Os
primeiros trezentos colocados
receberam a medalha de ouro.
A entrega ocorreu em abril
deste ano, no Rio de Janeiro.
Foi quando Alex se encontrou
pela primeira vez com o azul de
um mar, e logo, o de Copacabana. Não chegou a sentir o sal,
mas pôde contemplar a beleza
das águas até então desconhecidas do menino – aluno nota
10 na maioria das disciplinas e
filho aplicado no auxílio ao pai
na agroindústria de conservas.
De origem humilde, o garoto de ouro se manteve firme em
pista”, diz. Mas nem só de futebol é que se fazem os sonhos
de Alex. As horas de seu dia
são curtas demais para as intensas atividades. Acorda por
volta das 5h30, se arruma,
toma café da manhã e espera a Kombi da escola passar
em casa. Na Cardeal Leme,
cumpre com as lições e participa de oficinas no turno
oposto ao das aulas.
Joga xadrez, basquete,
handebol e pratica atletismo,
além de estudar inglês e alemão. Assim, o garoto só se entrega à cama perto da 1 hora da
madrugada. Consciente, afirma
que nenhuma das ações extracurriculares podem atrapalhar
os estudos. A escrivaninha abarrotada de livros em seu quarto
o faz lembrar do compromisso
escolar. E na parede acima do
móvel, duas toalhas de banho
estilizadas do Inter não o deixam
esquecer também de sua maior
paixão. É o retrato de mundo de
um garoto que vale ouro.
Cachaça com sotaque austríaco
A realização que nasce do prazer
Em Linha 7 de Setembro, interior de Santa Cruz, funciona uma destilaria
especializada em produzir aguardente a partir da cana-de açúcar
Você já pensou em vender produtos de sex shop a domicílio ou em promover festas
proibidas? Cláudia Borba,37, não só pensou como fez dessa atividade a sua vida profissional
fernanda zieppe
um lugar no meio do
nada, rodeado de vacas e flores, é onde
mora o casal Ulrich, mais conhecido como Uli, 58 anos, e
Lizete Budiner, 56 anos. O engenheiro civil e a engenheira
química são os proprietários
da Destilaria Fingerhut, localizada em Linha 7 de Setembro,
em Santa Cruz do Sul. A idéia
do austríaco bom de papo em
montar uma destilaria surgiu
quando trabalhava em uma
destilaria de cachaça em Minas
Gerais. Em 1999, pensou em
trazer esse conceito para Santa
Cruz do Sul e transformar uma
pequena propriedade em um
negócio empreendedor e diversificado. Para tanto, comprou
25 hectares em Linha 7. Segundo Uli, o nome Fingerhut significa “chapéu de dedo, dedal
para costureiras”, antigo nome
da Linha Sete de Setembro. É
um resgate da história da região de colonização germânica,
onde fica situada a destilaria.
De alta qualidade, a cacha-
heloísa poll
m frente ao portão a
curiosidade aumentava.
Naquela noite fria, depois de alguns minutos de espera, um telefonema e a entrada num outro universo. A partir
daquele instante, a santa-cruzense Cláudia Borba sentiria os
prazeres de contar uma história
recheada de tabus.
O ambiente aconchegante
possuía ares de libertação. Bastava observar os lustres, o piso
e ainda o bar para que a imaginação viesse à tona. Antes de
iniciar a conversa, Cláudia se
empenhou em deixar o local
um pouco mais descontraído. A
música, também usada em performances de stripers, e o chimarrão deram um ar especial
àquele momento.
Assim, entre uma pergunta e outra, Cláudia Borba, 37,
deixou-se revelar. Depois de
trabalhar como vigia noturno
em uma indústria fumageira,
decidiu que era o momento de
cuidar mais de si. Primeiro precisaria realizar uma das suas
vontades mais salientes: montar um negócio próprio. A idéia
estava engavetada havia anos,
desde que pôde acompanhar as
vendas em um sex shop de uma
amiga, na capital gaúcha. Enfim, veio de Porto Alegre, junto
às malas, o desejo insaciável
de realização.
Depois de mais
um tempo de con-
N
ça é envelhecida em barris de
carvalho e tem um pouco da
Áustria em sua composição. A
Fingerhut é elaborada a partir de um exaustivo processo
de estudo do solo, da melhor
cana, enfim, de toda a evolução
do trabalho em um alambique,
mantendo o toque artesanal.
O envelhecimento da cachaça dura três anos, no mínimo.
Uli mostra uma cachaça pronta
para beber e explica que “ela
sai do alambique transparente,
e após o período de três anos
ganha essa pigmentação amarelada”. A cana utilizada na
destilaria é plantada na própria propriedade, que é tocada
por ele, sua esposa e por Paulo
Schremer, funcionário do casal.
Na hora de fazer os cálculos
de toda a safra, o proprietário
mostra o caderno de registro
de todos os barris e afirma que
anualmente são produzidos,
aproximadamente, 900 litros
de cachaça. Segundo Uli, “mil
quilos de cana-de-acúçar em
vara geram 500 litros de cana
líquida, o que resulta em 20 garrafões de cachaça”. Os três primeiros garrafões da bebida, Uli
dá o nome de cabeça, ou seja,
não pode ser aproveitado, porque contém um tipo de álcool
superior, carregado com restos
da limpeza do antigo processo.
Já os garrafões de número quatro até o quinze são chamados
de coração, a melhor parte da
cachaça. Os garrafões restantes são chamados de calda, que
também não pode ser ingerida,
pois é turva, ou seja, não é pura
o suficiente para o consumo. A cachaça da cabeça e da calda,
para não serem desperdiçadas,
passam por um processo de bidestilação, que serve para retirar as impurezas e permitir o
reaproveitamento da bebida. O
diferencial está no teor alcoólico mais elevado, em torno de
80%. Com isso, Uli explica que
é preciso equilibrar essa cachaça acrescentando água em sua
composição. Esse é um diferencial da Destilaria Fingerhut.
E
A cachaça afirma-se como
um produto fino, conquistando
paladares, corações e mentes
entre vários tipos de consumidores. Em muitos recantos do
país, a cachaça ainda é usada
contra assaduras e no tratamento da gripe, misturada com
mel e limão. Segundo Uli, “no
frio a danada aquece; no calor,
refresca. Serve para amansar
a tristeza nas desilusões amorosas, celebrar datas e feitos,
brindar o sucesso de uma empreitada, abrir o apetite antes das refeições ou enganar a
fome na falta dela, animar os
tímidos e encorajar os fracos”.
O alambique do casal funciona como ponto de visitação
turística e referência nacional
de seu processo de fabricação.
ONDE ENCONTRAR
A Cachaça Fingerhut é vendida em apenas três lugares:
na propriedade de Uli, em Linha 7, no supermercado
Miller em Santa Cruz do Sul, e no Mercado Público,
em Porto Alegre. Na sua propriedade, Uli comercializa
cachaça a R$25,00, mas não sabe informar o preço dos
mercados.
O processo de fabricação da cachaça se resume em:
colher a cana-de-açúcar e transportá-la para uma
máquina moedora da planta. Depois disso, passa por
um processo de fermentação que dura cerca de uma
semana. Após isso, o caldo da cana é transferido para
um alambique onde ela é destilada e separada por
cabeça, coração e calda. Finalmente ela é armazenada
nos barris de carvalho, onde descansa por três anos
para depois ser consumida.
gabriela brands
FOTOS: GABRIELA BRANDS
Para chegar na Destilaria Fingerhut é muito fácil: quando se vai para Sinimbu, depois da reta de Rio Pardinho,
à direita, avista-se a placa que indica a destilaria. Dali é
só seguir quatro quilômetros e meio por uma estrada
de chão, de rica paisagem, até chegar à destilaria, que
é um verdadeiro cartão-postal. Difícil é resistir ao convite dos proprietários para saborear um café colonial
degustado com uma cachaça.
versa e diante dos flashes incansáveis da fotógrafa, Cláudia
suspirou e disse que a decisão
de trabalhar com esse ramo
não foi fácil. A insegurança financeira e as responsabilidades
para com a filha de sete anos
eram os complicadores. Mesmo
assim, enfrentou as dúvidas e
decidiu apostar. Primeiro, passou a vender produtos do sexo
para as ex-colegas e amigas.
O atendimento a domicílio,
os preços diferenciados e o sorriso estampado a cada venda
fizerem do negócio de Cláudia
um sucesso. Mas, tomada pela
vontade de crescimento,
notou que havia um
outro ramo a explorar: o dos shows
particulares. Logo,
um ar de cumplicidade se fez presente. Repórter
e entrevistada
se acomodaram nova-
mente nas cadeiras. A segunda
parte da história estava prestes
a começar.
O mês de março deste ano
foi o escolhido para a realização
da primeira festa, contava Cláudia empolgada. De forma ainda
discreta, foi chamada de Elas
por Elas. A função estava programada para o salão de festas
da empresa na qual trabalhava
antigamente. Um coquetel, a
exposição de alguns produtos
do seu comércio, a apresentação
de uma escola de samba e, por
fim, as performances de cinco
dançarinos, atraíram as atenções de aproximadamente 150
mulheres. O brilho nos olhos e
os convites da festa seguinte,
colocados sobre a mesa, revelavam expectativas.
Em seguida, a promotora do
prazer confessou que o primeiro evento rendera bons frutos.
Apesar de sua mãe, de 58 anos,
ter optado por nunca mais participar desse tipo de reunião de
mulheres, as festas continuaram. Agora, as mesmas acontecem em uma sede alugada.
Cláudia diz que as escolas de
samba e os comes foram dispensados. Somente os meninos com as suas coreografias
tornaram-se essenciais, ou
melhor, nas noites onde
tudo pode acontecer, o
mascarado, o bombeiro,
o militar, o mecânico e o
motoqueiro não podem
mais faltar.
Enquanto o chimarrão dança pelo salão e
as músicas continuam a
tocar, Cláudia diz que,
além das festas reservadas para mulheres,
passou a organizar
eventos prive para homens e
também para o público GLS.
Segundo ela, tudo é organizado
com a ajuda da amiga Mariah
Franco, de 33 anos, que também percorre casas noturnas
da cidade a procura de dançarinas para as festas masculinas.
Já para aquelas direcionadas às
mulheres, explica Cláudia, há
uma preparação dos gogoboys –
como são chamados os dançarinos – em aulas de sensualidade, praticadas em Santa Cruz
do Sul ou em Porto Alegre.
Em meio a isso tudo, as vendas no sex shop continuaram.
Nas festas, os produtos também
são expostos. Durante a entrevista não poderia ser diferente.
Anéis penianos, vibradores, lingeries, fantasias, óleos afrodisíacos, dados eróticos e outros
adereços ganharam às lentes
fotográficas naquela noite. Entre sorrisos maliciosos e gestos
contidos, as luzes apagaram e
as portas fecharam. Dali, cada
um seguiu seu rumo. Lá atrás
ficou somente uma conversa
sobre a satisfação de trabalhar
com as fantasias e o prazer
alheios.
Heloísa Poll
O inferno astral de uma repórter
ana flávia hantt
ex-setorista de bocha
inal de campeonato de bocha é de arrepiar os
cabelos de setorista de esportes de qualquer
jornal. Mais, aliás: é pavor, é inferno astral, é sinal
de pânico.
Quem já teve a oportunidade de ser responsável por
uma editoria de esportes em uma cidade de pouco mais
de 20 mil habitantes com tradições essencialmente
alemãs, sabe do que eu estou falando.
Nada, nenhum jogo de futebol no mais profundo
interior do município é pior do que final de
campeonato de bocha. Isso porque as partidas se
iniciam por volta das 14 horas e não têm hora para
terminar. E não possuir horário quer dizer que os jogos
invadirão a madrugada.
E isso quer dizer também que a prestativa repórter
está lá desde a tarde, suando dentro de galpões feitos
de tabuões. O ar já não tem espaço para um átomo de
oxigênio livre de fumaça de cigarro, bafo de cerveja e
todos os outros odores típicos de um ou outro que não
respeita a ordem de tomar banho aos sábados.
Para quem conhece um pouco de bocha sabe que
F
um jogo é composto por cinco partidas. Além disso, as
competições que cobri tinham suas finais no sistema de
ida e volta. Então, aparentemente era barbada. Vejam
o exemplo hipotético: a equipe A venceu o primeiro
jogo por 4 a 1. Então, precisava apenas vencer as duas
primeiras partidas do jogo de volta que a taça seria sua.
Fácil, não?
Não. Porque nunca, em hipótese alguma, a equipe
ganhou as duas primeiras partidas.
Eles ganhavam a primeira, ganhavam a metade da
segunda e aí o jogo virava: a equipe B retirava forças do
além e revertia as jogadas: ganhava a segunda partida,
ganhava a terceira, ganhava a quarta e, na última
partida, a cancha pegava fogo.
Em momentos como estes, torcidas ensandecidas
gritam, xingam-se, batem palmas, rezam e juram
inimizade eterna. A essa altura, já é uma, duas horas
da manhã. A própria repórter já está cheirando a
tudo, menos ao shampoo e a hidratante corporal. O
namorado, enfurecido, apesar de não dizer, amaldiçoa
o momento em que aceitou acompanhar a referida
setorista.
Mas nem tudo está perdido: a equipe A abre
vantagem. O jogo está em 13 a 5. Faltam dois míseros
pontos para que a equipe finalmente vença. O time B
faz um ponto, e outro, e outro, e continua nesse ritmo.
A partida alcança a marca de 13 a 13. Nesse ínterim,
já se foi mais uma hora de gritos enlouquecidos e
ameaças de briga de facão.
Então, o momento de glória: o ponto final do
jogo é marcado. Alegria, comemoração. Por parte
dos campeões e por parte da repórter, que já está a
ponto de cair no choro. Tiram-se as fotos pelas quais
se esperou o dia inteiro. Duas dezenas de homens,
mulheres e crianças se amontoam com o troféu,
sorridentes pela conquista.
Nesse momento, por um instante muito breve,
fico feliz por aquelas pessoas. Mas é apenas por um
instante. Imediatamente o cansaço bate, e a verdadeira
felicidade só chega com um longo banho e o
aconchego do edredom me esperando, tão bons quanto
a sensação de no outro dia ver a matéria publicada.