Unicom 2009 3
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Unicom 2009 3
foto francine rabuske Hospital de Bonsai JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - UNISC - SANTA CRUZ DO SUL - JUNHO/2009 Uma edição de respeito A segunda edição do Unicom deste primeiro semestre de 2009 reflete em muito o nível de amadurecimento técnico alcançado pelos alunos de jornalismo da Unisc. A afirmação pode ser comprovada já a partir do número de páginas: 20, quando o usual seriam oito, ou, na melhor das hipóteses, 16 páginas. Equivale dizer que a vontade de produzir de nossos estudantes, e a capacidade de realizar, falaram tão alto que foram necessárias mais páginas para dar conta de todo o conteúdo produzido pelas turmas de Produção em Mídia Impressa, responsável pelo Unicom, e Técnicas de Reportagem, que usualmente contribui com matérias para nosso jornallaboratório. Mas a qualidade de nossos futuros jornalistas não se mede apenas pelo número de páginas do jornal-laboratório que eles realizaram neste primeiro semestre de 2009. Há de se dizer, também, do conteúdo do que nelas está impresso. Ao longo desta edição, nossos leitores e leitoras, sejam eles especialistas ou não, irão encontrar matérias que poderiam muito bem freqüentar as páginas de jornais e revistas feitos por profissionais com larga e reconhecida experiência no mercado editorial, por boas. Se isso é possível; se nossa produção acadêmica alcançou nível técnico e humano tão significativo, deve-se, principalmente, à vontade de se fazer um jornalismo, por parte de alunos e professores, muito atenta para a realidade do mercado desde os bancos escolares. Mais do que nos deixar lisonjeados, ainda que o faça, esta constatação reitera a percepção de que temos ainda um longo caminho pela frente, basicamente porque, todos os dias, e em um ritmo poucas vezes visto antes, o jornalismo sofre modificações tão profundas quanto substanciais. Transformações estas que se refletem tanto em termos de conteúdo quanto de forma, e que afetam, igualmente, aquele cuja responsabilidade não se restringe ao conteúdo de seus textos, mas principalmente no conhecimento que por eles é gerado. Uma boa leitura a todos! Fazendo arte atrás da porta urgel souza Alguém já leu o que tem escrito atrás das portas dos banheiros masculinos da Unisc? Tem de tudo! Lista de meninas, pornografia, (anti) alusão às drogas e ao Nazismo... e por aí vai! O assunto “listas de beldades”, aliás, já foi tema do Unicom. Tem até jogo interativo. Algum usuário desenhou o “sustenido” do jogo da velha e marcou a primeira jogada (foi importante a sinceridade do primeiro jogador). Em seguida, outro, de necessidades mais demoradas, marca a segunda jogada. A competição segue e, por pura sorte, só o vencedor sabe que venceu. A parte interna das portas dos banheiros do curso de Comunicação Social causa risos incontroláveis. Outro dia, estava usando o banheiro do bloco 12. Depois de ler várias manifestações de pensamento, vi uma frase bem pequena lá em cima, no alto da porta. Forcei a vista, mas não consegui ler. Pensei em levantar, mas desisti (isso se mostraria mais tarde uma ótima idéia). Depois do “serviço” feito resolvi conferir o que havia escrito lá: “Se você está lendo isso AQUI, senta que ta c... fora do vaso”. A “arte” atrás das portas dos banheiros começou a despertar mais curiosidades. Um belo dia fui ao banheiro da Biblioteca Central. Lá, ao que parece, não poderia ter tanta bobagem atrás das portas. Afinal, é um ambiente intelectual, de estudo. Mero engano. Lá se encontram as mais engraçadas traquinagens. Um usuário não teve paciência para riscar a madeira dura da porta e foi mais prático (e criativo). Colou um adesivo atrás da segunda porta com o seguinte dizer: “Não força senão estoura a hemorróida”. Quando precisei usar novamente o banheiro da biblio, procurei variar de porta. Quando a vontade não era tão urgente, me excursionava a outros WC’s do Campus. Naquele do Centro de Convivência há uma ótima: “A maconha causa ‘perca’ de memória e outras coisas que eu já esqueci”. O erro de grafia causou comentários calorosos logo abaixo, difamando o maconheiro semi-analfabeto. Encerrando a discussão, a seguinte frase é categórica: “Shhh.... silêncio! Tô fazendo cocô!!!” Um dia, passava pelo bloco 1 e a necessidade fisiológica se manifestou. Logo pensei: “Hoje tem frases novas. Ainda não vi o que há por trás das portas desse banheiro”. Entrei na primeira vaga. Estava desafivelando o cinto, quando olhei para a parte interna da porta. Não havia nada escrito. Decepcionei-me. Afivelei o cinto Reportagem UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 Bairro Universitário Santa Cruz do Sul - RS CEP: 96815-900 Curso de Comunicação Social Jornalismo. Bloco 15 - sala 1506. Fone: 3717-7383 Coordenadora do curso: Ângela Felippi Editor-chefe Demétrio de Azeredo Soster Editora Bruna Wolff de Matos Sub-edição Francine Rabuske Produção Heloisa Poll Alyne Guimarães Motta Ana Flávia Hantt Bruna Wolff de Matos Daniele Horta Débora Kist Fernanda Zieppe Francine Rabuske Gabriela Brands Heloisa Poll Larissa Griguc Luana Backes Márcia Müller Natália Bracht Löff Patrícia de Azevedo Urgel Souza Revisão Francine Rabuske Heloisa Poll Diagramação novamente e me dirigi aleatoriamente à última porta. Não havia vaso, era um espaço com chuveiro, próprio para banho. Havia somente mais uma porta. Será que o pessoal daquele bloco seria mais civilizado que o restante da Unisc? Será aquele um banheiro sem “arte” atrás das portas? Bom, a necessidade fisiológica deu sinal que não havia muito tempo disponível e entrei na porta do meio. Ao desafivelar o cinto pela segunda vez, o olhar para a porta foi automático. Lá também não havia nada escrito, mas tinha algo ainda pior. Três borrões marrons. Rastros de dedos. Que horror! Definitivamente, o bloco 1 não é o mais civilizado da universidade! Prefiro o jogo da velha. Logotipo Samuel Heidemann Impressão Graphoset Alyne Guimarães Motta Gelson Pereira Tiragem Capa Blog Alyne Guimarães Motta Gelson Pereira Ilustrações Amanda Mendonça expediente 500 exemplares http://blogdounicom.blogspot.com Agradecimento Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Fumo e Alimentação de Santa Cruz do Sul e Região (Stifa) Este jornal foi produzido de forma interdisciplinar. O conteúdo editorial ficou a cargo da turma de Produção em Mídia Impressa e Técnicas de Reportagem (professor Demétrio de Azeredo Soster). Os anúncios da edição foram criados pela Agência A4. Brinquedos de gente grande Eles queriam ser pilotos, mas se contentaram com os brinquedos Daniele horta A idade chega e deixase de ser criança, mas para alguns só o que muda é o preço do brinquedo. Foi essa a conclusão de Felipe Lara de Oliveira, 29 anos. Não, caro leitor, ele não se referia a carros esportivos ou luxuosos, objeto de desejo de todo ser do sexo masculino. Ele falava de brinquedos de verdade. Espalhados por sua casa estavam dez deles, entre modelos de aviões, helicópteros e carros, que, movidos a controle via rádio, fazem a alegria de muito homem feito. Oliveira confessou que sonhava em ser piloto. “Não há nada como voar, mas não tinha como viver de piloto”, afirmou. É, esse parece ser o caminho que leva muitas dessas “crianças grandes” à arte (ou brincadeira) do modelismo. A febre desses “brinquedos de gente grande” está por toda a parte e os modelos podem reproduzir os originais de todas as épocas ou até mesmo ser criados para produzir as manobras mais improváveis. Todas as cores e tamanhos estão disponíveis no mercado, vale tudo pela brincadeira. Por sinal, ela pode ser bem cara. Um modelo completo pode chegar a mais de mil reais. Mas os gastos não são nada perto da alegria de ver o “brinquedinho” no ar. Em Santa Cruz do Sul, a “gurizada” de todas as idades, se reúne nos finais de semana no clube de modelismo da cidade para “brincar”. A profissão não importa, nem sequer a experiência nas manobras: aqui o que vale é a paixão por voar, mesmo que seja com os pés bem firmes no chão. Acidentes? Sim, acontecem. Mas ninguém é bobo de dar seu primeiro vôo com um modelo de verdade. Antes de ir para a pista, controle na mão e simulador de vôo no computador. É assim que esses bravos aspirantes a “piloto de mentirinha” começam suas aventuras na arte de tirar o modelo do chão. Em um sábado ensolarado, fui ao clube de aeromodelismo local conferir o “trabalho” das “crianças” de plantão. Lá encontrei doze modelistas empolgados trabalhando sem cessar, ou na tarefa de ajustar motores, reabastecer e dar retoques em seus brinquedos, ou colocando os mesmos no ar com manobras de dar inveja a pilotos profissionais (os que ficam dentro dos aviões). Dentre os muitos meninos e cachorros que corriam atrás de seus donos, uma menina! Piloto? Não. Estava só assistindo. “Guria não voa, fica lá fazendo tricô” brincou Oliveira, cuja irmã já ganhou um aeromodelo rosa, porém, após três quedas, desistiu. “As que voam não têm paixão, não gostam de fazer a mecânica, etc..” completou ele. acidentes Bati um papo com Gonçalo Souza e Silva, 23 anos. Ele também só assistia, mas por motivos de força maior: seu modelo está na “garagem” para reparos após uma - de tantas - quedas. Mas foi o triste fim de seu primeiro modelo, adquirido com muito suor aos 15 anos de idade, que mais o marcou. “Meu primeiro avião destruí num eucalipto. A pista ficava perto de um mato e perdi a noção da distância do modelo por causa do sol e bati. Foi meu primeiro trauma.” lamentou. Mas acidentes não os fazem desistir. Ano passado rolou até um encontro de aeromodelismo por aqui, que ganhará, inclusive, uma segunda edição neste ano, ainda sem data definida. Vale conferir o que esses bravos “pilotos de mentirinha” vão aprontar por lá. E caso você tenha vontade, os meninos garantem que hoje, com peças importadas da China, pode-se entrar na brincadeira de forma bem mais barata. Além disso, “não é só o aeromodelo que causa satisfação, tem a questão de fazer uma atividade ao ar livre, se reunir com amigos, conversar e cooperar num hobby em comum esquecendo dos problemas do dia-a-dia.” Encerrou Silva. fotos: Daniele horta editorial Morar em pensão é mais barato e divertido Em Venâncio Aires existe um local especializado em cuidar e hospedar estas plantas em miniatura, que vivem muito e podem custar bem caro As pensões se tornaram uma alternativa interessante para quem deseja morar “sozinho” e não pretende gastar muito, mas também são cenário de histórias hilárias francine rabuske Bruna wolff de matos I dessa vez o rapaz anunciou o sumiço no jornal da região e ofereceu dinheiro para quem encontrasse a planta. E conseguiu reaver seu xodó: um bonsai de figueira de 24 anos, avaliado em pouco mais de R$ 2 mil. A planta voltou com a estrutura comprometida, clamando por água e perdendo as folhas da copa. A primeira providência de Kothe foi levar a réplica de figueira para o hospital de bonsai. Como? Isso mesmo, hospital para bonsai. O destino? Venâncio Aires. Pois bem, na Capital Nacional do Chimarrão, as árvores ou arbustos em miniatura têm à disposição um local totalmente voltado para o cultivo e cuidados – iniciais ou emergenciais – de seus membros estruturantes. Na verdade, além de uma casa de saúde de bonsai, a propriedade dos irmãos Queiroz se transformou em hotel e ponto-de-venda das plantas. Os bonsai de Marcelo Kothe, inclusive, vieram todos desse local. O responsável pelo trabalho pioneiro na região é Edson Queiroz, de 31 anos, que passa uma temporada em Porto Alegre. O serviço, portanto, recai para os irmãos Fabiano, 34 anos, e Felipe, 21. karatê kid O mais velho da família Queiroz explica que a fase inicial para o cultivo de bonsai se concentra na chácara do amigo e parceiro na atividade, Norton Campos, em Linha Mangueirão, no interior de Venâncio Aires. Até os quatro anos de idade as plantas são chamadas de pré-bonsai e recebem os cuidados exigidos ao seu desenvolvimento. Passados os primeiros quatro anos, o bonsai jovem é encaminhado à propriedade dos irmãos Queiroz, no Centro do município. A partir de então, as plantas entram na fase de comercialização. Inspirados nos filmes de Karatê Kid, onde o mestre Miyagi divulga a técnica do bonsai, a família dedica-se ao trabalho há 12 anos e possui mais de 40 espécies no viveiro do quintal. Bonsai significa planta (SAI) cultivada em vaso ou recipiente raso (BON). Ou seja, são árvores ou arbustos em miniatura colecionados como objetos ornamentais ou símbolos da espiritualidade. Sua origem chinesa se espalhou pelo mundo, passou pelo Japão e chegou ao Brasil, no início do século passado. Tem fama de ter peças caras; verdadeiras obras de arte para quem pode ostentar. Hoje, o bonsai mais valioso na propriedade Queiroz tem cerca de 60 anos. Trata-se da primeira árvore dos irmãos que começou a ser cultivada pelo avô. Seu preço gira H em torno de R$ 4 mil. O valor mínimo de uma peça considerada jovem, com idade entre quatro e 10 anos, é R$ 30,00. Engana-se quem pensa que cultivar um bonsai dá trabalho. Fabiano explica que os cuidados exigidos por qualquer uma das espécies em miniaturas são os mesmos de uma planta em tamanho real. “São cuidados básicos: água, sol, adubação, troca de terra, poda e direcionamento de raiz e galhos”. Conforme ele, o essencial é colocar a peça ao sol até duas horas por dia, além de oferecer um copo de água diário ou aplicar a imersão uma vez por semana. Kothe, ainda que conheça os passos da técnica de poda prefere deixar o serviço para os irmãos Queiroz. Enquanto isso, Kothe se diverte com a floresta de guajuvira que hoje ocupa o espaço do bonsai de figueira, ainda hospitalizado. FOTOS: FRANCINE RABUSKE mpulsionado pelo desejo de estar mais próximo da natureza, Marcelo Kothe encontrou na técnica do bonsai sua paz de espírito. O empresário venâncio-airense, dono de ótica em Santa Cruz do Sul, coleciona plantas em miniaturas há seis anos. Sua incursão na arte chinesa começou por volta dos 12 anos de idade, com a leitura de livros técnicos, mas a primeira unidade veio mais tarde, aos 21 anos. Hoje, o apego, o tempo dispensado e o valor empregado em cada um dos bonsai fazem de Kothe um apaixonado declarado do processo, defensor da sobrevivência e perpetuação da planta em vaso. E ele não está sozinho nessa missão: os irmãos Queiroz estão com Kothe. Em fevereiro deste ano, o empresário teve seu terceiro exemplar furtado. Ao contrário das experiências anteriores, á dez anos, as pensões eram raras em Santa Cruz do Sul. A partir da iniciativa da aposentada Bernadete Hienn Aretz, 56, que não queria ficar “parada” em casa, perto da Unisc, o negócio não apenas cresceu como se diversificou: hoje, há pensões especializadas em receber meninas e outras apenas os meninos. Em comum, o preço baixo e a certeza, por parte dos pais dos estudantes – o principal público –, que seus filhos estarão seguros. Bernadete, que é aposentada e também costureira, começou a alugar quartos em uma peça nos fundos de sua casa para apenas seis meninas. Com o tempo, no entanto, seu negócio cresceu. “Quando me aposentei em 1996, eu não queria ficar parada e nem sozinha em casa, então resolvi que iria alugar a peça do fundo para estudantes”, explica Berna, como é conhecida pelas meninas. Ela é casada com Jacó Aretz e os dois juntos cuidam das suas três pensões e de aproximadamente 25 meninas. A dona das pensões adora lembrar que suas casas estão sempre cheias. Somente para meninas. Essa é a regra principal da casa. Ela diz que uma vez já alugou para meninos, mas que resolveu que escolheria um dos dois, pois se misturasse, iria dar muita confusão. “Mesmo só com as gurias as confusões acontecem, imagina se eu misturo todo mundo”, declara Berna. Desde que surgiram, as pensões se alastraram pelas ruas próximas à universidade. Podese observar que há placas pelas ruas e cartazes anunciando seu aluguel: “Alugam-se quartos mobiliados para moças”, “Venha morar no que há de melhor” e por aí vai. “A gente tem procura o ano inteiro. Então, quando sai uma menina, já tem outra para alugar no lugar dela”, explica Berna, confirmando que a procura é grande e que as meninas gostam de morar neste tipo de lugar. Aparentemente, as moças estão com mais opções do que os meninos. Porém, se eles procurarem também encontrarão pensões destinadas somente para rapazes, no Bairro Universitário. Elas funcionam como as das meninas. Vonibaldo Kopp possui uma dessas alternativas para os garotos neste local. O que acontece é que as pensões de rapazes não são tão divulgadas como as das meninas. Não há tantas placas nem tantos cartazes. O aluguel funciona mais pelo conhecido “boca à boca”, mas a procura também é grande, devido ao va- lor do aluguel ser relativamente pequeno, se comparado com o dos apartamentos (o aluguel das pensões por mês variam de R$ 140,00 a R$ 170,00, já os apartamentos de um dormitório começam em R$ 250,00 e podem chegar até R$ 350,00, dependendo do tamanho e da localização). “Nas pensões existe a vantagem de que nunca se está sozinha, sempre há alguém em casa para conversar”, comenta Bernadete. Cada quarto alugado é para duas meninas (mas isso pode variar de local para local) e o resto da casa, como sala, cozinha e banheiros, são usados por todas. Para que tudo funcione bem, os donos estipulam regras que devem ser cumpridas por todos, e isso acontece tanto na pensão para moças quanto na de rapazes. Os regulamentos básicos são determinados pelos donos das hospedagens, como não fazer barulho depois das 22h 30min, fazer uma escala para limpeza da casa, onde todos devem participar, não bater as portas etc.. Isso faz com que, na maioria das vezes, a convivência seja boa e tranqüila, comenta Berna. A procura pelas pensões é grande e se depender de seus donos ainda existirão mais opções, pois eles pretendem continuar expandindo seus negócios. Guerreiras Fabiano e Felipe: os responsáveis pelo bemestar dos bonsais Marcelo Kothe: mais perto da natureza As meninas preferem dividir os quartos com quem já conhecem. Então, muitas delas moram com suas amigas e isso faz com que a convivência seja melhor, tanto na rotina quanto nas festas. Berna diz que às vezes acontecem pequenas confusões, pois segundo ela, existem as meninas “guerreiras”, querendo se referir àquelas que adoram uma festa. Isso nada atrapalharia as outras, se essas meninas não fossem tão barulhentas. O que acontece é que em um retorno de uma dessas festas, duas meninas entram estressadas com o que tinha acontecido na noite, e ficam fazendo comentários sobre os fatos ocorridos. Na cozinha, uma delas derruba uma cadeira e a queda faz com que um eco se espalhe pelos corredores da casa. Quando entram no quarto, resolvem que vão ligar para seus amigos para entender melhor o que havia acontecido. Resultado: até as vizinhas da pensão do lado escutaram toda a algazarra. Uma delas chegou a abrir a janela e gritar: “É hora de dormir, amanhã vocês telefonam”. As atrapalhadas ainda respondem o xingamento e só depois de fazer tudo o que queriam é que vão dormir. No outro dia, mais sossegadas, foram ver o estrago que fizeram e levaram sermões das outras meninas. carolina biscaglia Seu bonsai está doente? Leve-o ao hospital Quem disse que Adão é cego? A presença de estrangeiros em cidades como Santa Cruz do Sul é freqüente; eles vêm em busca de trabalho temporário e usualmente se surpreendem com o País que encontram Ele, que hoje está com 35, perdeu sua visão há cinco anos e seus irmão sofrem do mesmo problema; ainda assim, é um exemplo de vida natália bracht löff luana backes Acima, a colombiana Lissette, Camila e Fernanda em Gramado; à direita, os colombianos Lissette e Javier no carnaval em Florianópolis; e, à esquerda, a holandesa Marian apreciando um chimarrão em Santa Cruz do Sul na exportação de mercadorias para países da América Latina. Já havia sido avisada de como era a realidade no Rio Grande do Sul. Então, as surpresas não foram tão grandes. Adorou tomar chimarrão, aprendeu a fazer, e acredita que o melhor jeito de se esquentar é aquecer uma água e beber o líquido tão amargo quanto adorado pelos gaúchos. Chegou em outubro, na semana que iniciou a Oktoberfest, e aprendeu a dançar “bandinha” rapidinho. Não se E arrepende de ter topado o emprego, adora a cidade, fez muitos amigos e não imaginava que seria tão bem recebida. As pessoas que vêm para o sul do Brasil se surpreendem, pois não encontram a maioria dos estereótipos brasileiros. Mas, ainda assim, acreditam que a experiência é muito válida e voltam às suas origens com uma nova visão e com a vontade de retornar ao país não só de carnaval. PESSOAL seu intercâmbio veio da família. Ainda no aeroporto de Porto Alegre, quando chegou no dia 4 de junho deste ano, Luiz falava de suas expectativas sobre o país. Seu pai morou em São Paulo durante vários anos e contava histórias sobre pessoas e lugares incríveis, que intrigavam e motivavam o filho a vir para o Brasil. A viagem foi feita e, hoje, Fernando espera encontrar pessoas divertidas, acolhedoras e calorosas. Ele quer visitar cidades em outros estados - São Paulo e Rio de Janeiro estão na sua lista. As famosas praias brasileiras também estão agendadas. A ansiedade para conhecer o país que seu pai tanto gosta, é grande. E as histórias que ouvia na infância serão recontadas por ele, quando voltar à Guatemala. Já Lissette Garavito não escolheu o Brasil, foi escolhida por ele. Ela nunca pensou no país como local para trabalhar. Mas recebeu uma proposta de emprego com as características que estava procurando. Lissette queria conhecer a Europa e veio parar em Santa Cruz do Sul. Ela é Colombiana e trabalha ARQUIVO nem metade do desenvolvimento industrial e intelectual que encontrou aqui. Algo que é bem visto por todos os que chegam aqui é o carisma do povo brasileiro. O jeitinho de acolher quem chega cativa a todos. Marian Van Dijk, 25, veio da Holanda para uma temporada de cinco meses no Rio Grande do Sul, em 2007, e se apaixonou pelo Brasil. Chegou sem muita sorte, foi pega de surpresa por alguns assaltantes que levaram tudo o que ela carregava. Isso logo em seu segundo dia em terras tupiniquins. Mas a primeira impressão foi superada. Sem entender muito porque, a cada cinco minutos, alguém a agarrava sem pedir permissão para envolvêla em braços desconhecidos, com o tempo Dijk se acostumou com a idéia dos abraços. Antes de voltar para a Europa, sentenciou: “Vou sentir falta de abraçar as pessoas”. Diferentemente de Javier, Marian veio trabalhar como voluntária de uma Organização Não-governamental em Santa Maria. Para Luiz Fernando Estrada, da Guatemala, a escolha da “terra do futebol” para fazer FOTOS: M uitos estrangeiros que chegam no sul do Brasil são surpreendidos pela realidade que encontram. É o caso do colombiano Javier Siado, 24 anos, que está em Santa Cruz do Sul desde dezembro de 2008. Javier é trainee, uma espécie de aprendiz, de uma agência de publicidade, e deve ficar pelo menos um ano no País. Ele pesquisou sobre a cidade antes de vir. Sabia que muitas pessoas da região eram de descendência alemã; então, segundo o que ele imaginava, haveria pessoas nas ruas o dia todo bebendo cerveja e chopp gelado. E, por estar no país do carnaval, escutaria samba em tempo integral. Não foi bem isso que aconteceu. Ele saía para beber uma cervejinha de noite, mas só depois do expediente de trabalho. Samba, quase nada, um pouco durante o carnaval, que passou em Florianópolis. As ruas asfaltadas do Centro da cidade, as muitas sinaleiras e novas tecnologias da pequena Santa Cruz o surpreenderam e encantaram. Na Colômbia, cidades de pequeno porte não possuem asfalto m um local isolado, longe da cidade, um fogão a lenha reflete imagens como se fosse um espelho, assim como as chaleiras. Os assentos das cadeiras são feitos de couro animal. Três pares de chinelo ficam à beira das portas, a espera, para serem usados somente no pátio da propriedade, para que nenhuma sujeira chegue ao interior da casa. A cozinha organizada e o chão extremamente limpo ajudam a compor o cenário. Adão da Silva, de 35 anos, ao contrário de sua família, não trabalha na lavoura. Para compensar a falta de trabalho, torna, a cada dia, sua casa mais limpa e acolhedora. O que torna essa história interessante é o fato de Adão ser cego. A propriedade da família Silva é cercada por dois rios, que em épocas de cheia não possibilitam a travessia. Em uma das duas casas moram cinco pessoas: o pai, Pedro; seus filhos, Anoar e Abraão; sua nora, Maria; e seu neto, Daniel. A família enfrenta um sério problema: os três filhos sofrem de glaucoma. Adão, que mora sozinho, nunca enxergou perfeitamente, e há cinco anos perdeu totalmente a visão. Abraão, de 34 anos, ainda vê vultos com o olho esquerdo. E Anoar, de 30 anos, começa a sentir os sintomas da doença. Apesar das dificuldades para ler na escola, todos se orgulham de terem estudado até a quarta série do Ensino Fundamental. noites iluminadas A luz elétrica chegou na região há nove anos, tempo suficiente para dona Cecília, matriarca da família, aproveitar algumas noites iluminadas. Com todas as dificuldades que enfrentam, os Silva não reclamam da situação. Adão conta que as únicas coisas que o deixam triste são não poder andar a cavalo e não conseguir uma esposa. Uma vez por ano ele vai até a cidade para renovar o benefício mensal que recebe. Quando fica doente se nega a ir ao médico porque não gosta de andar de ônibus e tem medo das ruas movimentadas. “Preciso de alguém para me guiar, só que não gosto de depender dos outros”, afirma. Anoar decidiu morar sozinho quando ainda enxergava vultos brancos, para não ter que dividir as contas com o restante da família. Dentro de casa, não tem grandes problemas para encontrar os utensílios de que precisa, desde que seja ele que os guarde. A vassoura, a escova de dente, o pente e as toalhas de louça e de rosto ficam penduradas ao lado da pia da cozinha. No teto, entre duas vigas, guarda o produto especial que comprou para deixar o fogão brilhando. Apesar de gostar do fogo a lenha, prefere o fogão a gás para cozinhar, por ser mais rápido e prático. A família conta que ele faz comidas boas, mesmo que às vezes fique salgada demais ou um pouco queimada. O rádio é um elemento fundamental na vida de Adão. Sabe toda a programação e prefere as rádios com atrações ao vivo, por se sentir mais próximo dos artistas. Para ele, músicas de verdade são as gaúchas e as sertanejas bem antigas. Quando a luz acaba, liga o aparelho à pilha. Pouco sai de casa e não tem contato com muitas pessoas. Acorda com os galos cantando, e dorme quando escurece, ou melhor, quando as galinhas fazem barulho no alto das árvores. Uma característica visível a quem o conhece é o sorriso que insiste em permanecer em seus lábios, demonstrando a alegria que tem em viver. luana backes O Brasil-sul tipo importação Dos palcos à boléia Até hoje, as opiniões em relação ao ritual não são unânimes; há quem diga que ele atrai espíritos, assim como há os que discordam; dizendo que são outras forças que movem o copo Quico é um motorista que nasceu ator. Mais que isso: um ator apaixonado desde sempre pelo volante. Duas vocações dividindo uma mesma vida larissa griguc iabólico para uns, mito para outros, o jogo do copo pode ser encarado como uma eficiente forma de comunicação com o mundo dos espíritos, ou apenas uma brincadeira entre amigos. Para quem o leva a sério, suas conseqüências podem ser desastrosas. É por isso que mesmo os padres, que não acreditam em espíritos vagando por aí, mas às vezes em parapsicologia, desaconselham este tipo de ritual, que tem origens antigas. O Tabuleiro Ouija (ver quadro), usado para a comunicação com os espíritos, pode ser feito por qualquer pessoa. Ou seja, basta um copo e uma mesa para invocar os espíritos, com tudo o que isso possa significar. D A espírita Saiclé Guidotti, freqüentadora do Centro Espírita de Encruzilhada do Sul, diz que antes de começar a estudar o espiritismo fazia o jogo com freqüência com algumas amigas. “O fato é que, depois de fazer uma vez, tu sempre vais querer saber mais. Mas o jogo só funcionava quando uma amiga participava. Depois eu fui entender que é porque ela tem mais mediunidade.” A pessoa que fizer o jogo irá atrair espíritos com personalidade parecida com a sua, que está na mesma vibração. “Se é alguém com tendência a depressão, o espírito pode intensificar este estado. Se em vida o espírito era alguém que bebia, ele vai se apoiar em alguém que bebe, pois apesar dele não precisar mais da bebida, ele compartilha da sensação da pessoa” – diz Saiclé. Maira Pacheco, por sua vez, explica que o risco de fazer este jogo é que os espíritos que vêm até as mesas são pouco evoluídos, que não conseguiram se desprender do plano terrestre. São zombeteiros, brincalhões, aproveitam-se da situação em que se encontram. “Espíritos evoluídos não têm tempo de responder a estas brincadeiras: eles são muito ocupados.” Isso talvez ajude a explicar porque Amanda Carvalho, 25 anos, que fazia o jogo nos tempos de colégio, conta que sempre sentia um certo nervosismo antes de começar. E que, apesar disso, nunca se recuou a participar do jogo, movida pela curiosidade. Ela diz que, até hoje, tem a sensação de que tem mais alguém no quarto dela. mente em direção às respostas. Ele mesmo já fez o jogo várias vezes e afirma que a parapsicologia tem uma explicação diferente para isso. Dewes diz que algumas pessoas têm mais sensibilidade que outras, e que nem todos conseguem fazer o copo se mexer. Porém, o que faz o copo andar não são espíritos, e sim a energia do inconsciente. Se o seu inconsciente estiver apontando para o “sim”, o copo vai em direção ao “sim”, por isso não é aconselhado que se faça perguntas sérias. Para comprovar a sua tese, o parapsicólogo utilizou da técnica durante esta reportagem, fazendo o jogo com um pêndulo ao invés do copo, na mesa de sua sala. Fez perguntas simples, do tipo, “esta caneta escreve em vermelho?” sendo que tinha em mãos uma caneta azul, e o pêndulo moveu-se em direção ao “não”. Depois perguntou, sem saber, se o nome do homem que acompanhava a repórter era João, o pêndulo moveu-se para o sim. A resposta estava correta. Pessoas da comunidade onde o padre mora já o procuraram para que, usando a parapsicologia, ele respondesse questões pessoais. Ele diz que usou esta técnica e não obteve sucesso, e que, mesmo mandando energias para que o copo se movimentasse para o “não”, o pânico da pessoa na expectativa pela resposta pode interferir no resultado. Mas em um momento, o padre concorda com a opinião dos espíritas: “Espírito não tem tempo para isso”. ponto de vista O padre Hilário Dewes, que é psicanalista e parapsicólogo, afirma que o copo anda real- Tabuleiro Ouija O Tabuleiro Ouija é a ferramenta como forma de comunicação com os espíritos. É feito em qualquer superfície plana com as letras do alfabeto escritas no chão, em papel ou qualquer outro suporte e as palavras “sim” e “não”, além de numerais. ilustração: AMANDA MENDONÇA urgel souza uem perguntar por Francisco Moreno Dias, 57 anos, em Encruzilhada do Sul, certamente não terá resposta. Mas pergunte pelo Quico. Aí sim! Todas as respostas levarão a um sujeito que nasceu numa família de teatro em Dona Francisca e que desde menino sonhava em ser motorista. Quico não apenas seguiu a tradição familiar como realizou seu grande sonho. Nos palcos, emocionou o público com comédias e dramas. No volante, salvou vidas e prestou serviços às comunidades do interior. A carreira de ator foi conseqüência, já que nasceu em meio ao Teatro Fenix, da família Moreno. Quico interpretou várias peças, como João Corta Mar, Morro dos Ventos Uivantes, além de comédias e outras religiosas. Ele seguiu exatamente a vocação de seu pai e lembra que o teatro foi escola e casa. As dificuldades eram inevitáveis: “Tinha praças que dava pra comprar dois, três carros. Outras, que a gente não tinha nem o que comer”, emocionase. Desde menino, sempre sonhou em comandar o volante. Quando criança, às vezes, ignorava o café da manhã: fazia covas no chão para imitar pedais e dirigia por longas distâncias com seu volante imaginário. O tempo foi passando. O teatro sempre foi uma realidade e a direção também seria. Aos 18 anos, a carteira de habilitação representou uma das suas maiores conquistas. De vez em quando, assumia a boléia do caminhão, carregando mais de 70 integrantes da família do Teatro Fenix. E foi numa dessas andanças de ator, que Quico escolheu Encruzilhada do Sul pra viver e constituir família. Durante a segunda apresentação na cidade, ainda na década de 70, conheceu Marize Pires, com quem se casou exatos dois meses e nove dias depois. Desde então, viveram felizes para sempre por lá. Mas Q a história não termina aqui. Aliás, este roteiro está apenas começando. Com a ida para Encruzilhada, Quico começou a vida conjugal com muita dificuldade. O sogro, Osvaldo Simões Pires, cedeu parte da casa e sustentou o casal durante algum tempo. Em seguida, conseguiu um emprego para o genro em uma empresa de ônibus. Depois, outro emprego, só que na prefeitura. Quico ainda transportaria, por 12 anos, acadêmicos da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). O teatro já não era a prioridade, mas o volante, sim. Adivinha qual é a função dele até hoje na prefeitura? Trabalhando como motorista, ele conseguiu realizar alguns milagres, como o da transformação dos rostos, assim como fazia no teatro quando jovem. Isso porque, como funcionário da empresa de ônibus, prestava “pequenos grandes serviços” às comunidades do interior. “Na minha folga, eu largava o ônibus na garagem e ia comprar remédios e mantimentos. No outro dia, eu entregava para aqueles que não podiam vir na cidade. Eram coisinhas mí- nimas, mas que tinham muito valor.” Há mais de duas décadas, Quico é motorista da Secretaria de Saúde do município. E seguiu fazendo seus milagres: desta vez, salvando vidas. É que Quico, agora, transporta pacientes a centros de saúde – às vezes, emergências que exigem sua habilidade para chegar a tempo ao hospital. “Eu sempre gostei. Eu faço isso porque eu gosto”, garante ele. Com 39 anos de volante, Quico não pestaneja ao responder em qual profissão mais se realizou: “As duas!”. Hoje, no entanto, Quico dirige o drama da vida real. A esposa Marize, vítima de diabete, está cega há três anos. “No início foi muito difícil, uma barra.” O ator teve de recuperar seus dons cênicos e se manter forte diante da tragédia familiar. “O importante é que ela superou bem e hoje faz tudo.” Prestes a se aposentar, o motorista-ator garante que deve continuar exercendo uma de suas vocações: motorista ou ator. O palco será o mesmo que ele escolheu em 1974. A cidade que o acolheu. Urgel Souza Jogo do Copo, mito ou realidade? “A profissão de ator não é só fama, dinheiro e glamour” márcia müller Como foi atuar em Tropa de Elite? Foi uma experiência maravilhosa, nos preparamos com a Fátima Toledo (preparadora de elencos), que é incrível. O diretor, José Padilha, nos deixou livres pra improvisar, o que ajudou muito. Encontrei algumas dificuldades, que fazem parte do desafio, as cenas foram fortes. Em Tropa de Elite, a cena do seu personagem, Rodrigues, que é queimado vivo, foi chocante. Explique como foi? A primeira vez que vi a cena, confesso que eu não entendi, porque no mesmo plano eu gritava, o traficante me ateava fogo e aparecia minha cara queimando dentro das labaredas. Fui perguntar ao diretor se tinham colocado algum efeito de computador e ele me disse que não. Na verdade, foi usado um plano onde o dublê usava uma máscara com a minha cara e pegava fogo de verdade. Vendo o filme eu podia jurar que era eu mesmo. Aí percebi que realmente valeu a pena ter ficado uma hora com a cara cheia de gesso com a boca aberta sem poder me mexer para fazer a máscara. Um fato curioso é que na cena em que sou queimado, o pessoal do morro vizinho achou que era real e começou a dar tiros. Foi assustador. Fiz exercícios de improvisação com a Fernanda Freitas (que fazia minha namorada no filme), aquecimento e laboratórios sensoriais com a Fátima Toledo. E em Chamas da Vida, outro sucesso, houve algum preparo para interpretar o pedófilo? Existem vários tipos de pedófilos. O Lipe curtia meninas adolescentes, como a Vivi (Letícia Colin). Na sua cabeça, ele tinha 20 e poucos anos. Fiz pesquisa, para não estereotipar o personagem, para composição, visual, modo de falar, sotaque paulista e sempre aquecimento antes das cenas que eram, geralmente, intensas. Li sobre o assunto e conversei com uma psicóloga. Como foi fazer o papel do Lipe? Considero esse o personagem mais importante da minha carreira, pela sua complexidade. Facilmente poderia cair no estereótipo, por isso foi importante humanizar o Lipe. O texto era muito bom, a autora me deu grandes cenas, como a que ele se disfarçava de velho. Acho, porém, que esse sucesso foi mérito do texto da autora Cristianne Fridman. Foi um presente, e o meu maior desafio foi a entrega e a concentração no Lipe. Porque ele achava que fazer aquilo com a Vivi era super normal. Então, tinha que agir ali como se fosse a coisa mais comum do mundo (referindo-se às cenas de violência sexual). A cena que mais me marcou na novela, foi, sem dúvida, o estupro da Vivi. Pode explicar como são feitos estes exercícios, laboratórios? São situações cênicas propostas onde você explora as sensações da cena em questão. Exemplo: eu e a Fernanda Freitas sentados imóveis, de frente um para o outro, com os traficantes em volta ameaçando. Chamamos isto de laboratório, não é a cena em si, mas explora as mesmas sensações. E como foi fazer a cena? Foi tranqüilo. A Letícia Colin, personagem da Vivi, é ótima atriz e nos demos muito bem. O diretor da cena, Rudi Lageman, que aliás é gaúcho, deu um show e a cena foi muito bem montada, causando enorme repercussão e a maior audiência da novela. FOTOS: DIVULGAÇÃO A ndré Di Mauro, 44 anos, carioca do Leblon, é nascido em uma família de artistas – ele é sobrinho do cineasta Humberto Mauro e irmão da atriz Claudia Mauro. André começou a fazer teatro quando tinha 13 anos, no grupo Além da Lua, mesmo ano em que fez seu primeiro trabalho na televisão: a série da Rede Globo, Malu Mulher. Além de ator, é autor, roteirista, produtor e diretor. Em entrevista ao Unicom, André revela um pouco da preparação para fazer aqueles que considera seus personagens mais difíceis: Rodrigues (no filme Tropa de Elite, em 2007) e Lipe, um pedófilo, (na novela Chamas da Vida da Record, em 2008), bem como os bastidores de um ator de televisão. Tu encontraste alguma dificuldade para interpretar? Todas as cenas eram difíceis, exigiam muita concentração e disponibilidade física e emocional. O mais complicado foi no início da história. O jeito de falar do interior de São Paulo, o andar, o riso, a maneira de se movimentar. A lógica emocional dele é completamente diferente, porque o Lipe era um cara doente. Quando a gente faz um personagem que exige muita composição assim, porque é distante da nossa realidade, o risco de parecer falso é muito grande. Houve algum caso de ser reconhecido na rua? Muitas vezes fui reconhecido, muitos brincavam falando “Eu amo a Vivi! É amor” (jargão de seu personagem). Eu esperava que fosse apanhar na rua (risos), mas as pessoas que vinham falar comigo era somente para elogiar o meu trabalho. Você sabe se depois da novela as denúncias contra a pedofilia aumentaram? Em torno de 40%. As pessoas ficaram mais esclarecidas sobre o tema. Não só denúncias, mas a procura por tratamento psicológico para pessoas que sofreram abuso e pessoas com distúrbios mentais que poderiam se tornar abusadores. Eu imaginava que o Lipe fosse criar polêmica por causa da questão da pedofilia, mas não nego que tamanha repercussão me surpreendeu. A mídia se interessou pelo personagem e pela questão. É importante este tipo de novela, que aborda temas como este? Sem dúvida, é um serviço para a sociedade. Temas considerados tabus, como pedofilia, aborto e AIDS, foram abordados na novela. É um meio de esclarecer as pessoas e acabar com preconceitos, como a AIDS. Existem dificuldades para se tornar um ator? Sim, como toda profissão. O mercado de trabalho é competitivo, os contatos, a formação que tu precisa ter, até conseguir o registro profissional, você precisa ter muita experiência. Sem contar a concorrência. Para chegar a ser um ator você passa por vários procedimentos, cursos etc.? Sim. A profissão de ator não é só fama, dinheiro e glamour como alguns pensam. Para chegar ao reconhecimento público e profissional é necessário muito trabalho e dedicação. Cursos, experiência, profissionalismo. É como dizia Michelangelo: “Fazer arte é 30% de inspiração e 70% de transpiração”. E como você começou? Comecei fazendo teatro com um grupo amador fundado com amigos: Além da Lua. Aos 15, ganhei um prêmio do Instituto Nacional de Artes Cênicas como Ator e Autor Revelação, e recebi o registro profissional. Fiz cursos em Nova York, fui estudar no Lee Strasberg Institute – Método do Actors e Studio, e no Herbert Berghof Studios e na escola Tablado no Rio. Fui diretor acadêmico e fundador do Curso Superior de Cinema na Estácio de Sá, o primeiro da cidade. Você vem de uma família de atores, isso influenciou na tua carreira? Sim. Meu tio-avô Humberto Mauro foi um dos pioneiros do cinema brasileiro (diretor, roteirista, ator) isto faz com que a área artística não seja encarada como um mito dentro da família. Minha irmã, Claudia Mauro, e meu cunhado, Paulo César Grande, também são atores e atualmente estão fazendo Malhação, na Globo. Você já trabalhou na TV Globo, como foi sair da Globo e ir para outra emissora? A Record é uma empresa excelente com seus funcionários. Nos anos noventa, surgiram outras possibilidades de trabalho como a TV Manchete que hoje se chama Rede TV e a Record que eu trabalho desde 2005. A Record paga bem? Sim, paga bem e isso fez com que a Globo também melhorasse seus salários. A concorrência valorizou os profissionais da área e aqueceu o mercado. Então quer dizer que a Record pagava melhor que a Globo? No inicio sim, pagava melhor, hoje, como a Globo melhorou, é a mesma coisa. A vida na tevê Na TV, André estreou na Globo em Malu Mulher (1979). Depois fez Eu Prometo (1983, Globo), Antonio Maria (1985, TV Manchete), Selva de Pedra (1986, Globo), a minissérie Rainha da Vida (1987, TV Manchete), Rainha da Sucata (1990, Globo), Perigosas Peruas (1992, Globo), Xica da Silva (1997, TV Manchete), Avassaladores, serie na Record (2005); Prova de Amor (2005, Record), Bicho do Mato (2006, Record), o seriado Donas de Casa Desesperadas (2007, Rede TV) e recentemente Chamas da Vida, na Record. Entre os filmes destaca – se Tropa de Elite e participou como ator no curta-metragem Mapa-Mundi, gravado em São José dos Ausentes, de Pedro Zimerman que deve estrear este no Festival de Cinema de Gramado. A cura que nasce da benzedura Vidas ímpares Todos os dias, há mais de meio século, dona Petronilha, de 83 anos, benze dezenas de pessoas que a procuram a espera de uma melhora Gessí tem apenas um rim; Eni, um pulmão; Jader é cego de um olho; e Willibaldo possui apenas o braço esquerdo patrícia de azevedo Débora kist ta Cruz por benzer qualquer mal. Ela recomenda que, para que a reza seja eficaz, a pessoa compareça três vezes por semana em sua casa. Cássio Fernando Alves Corrêa, 33 anos, já freqüenta o local há 21 anos. “Hoje vim porque estou com frieira nos pés. Já vim por outros motivos, como picada de bicho que deram feridas e pedra nos rins”, afirma Cássio, saindo de seu segundo encontro com a benzedeira. Ele também confirma que sempre obteve melhora depois de procurar dona Petronilha. Nos fundos de sua humilde residência, sacos de estopa e garrafas pet de todos os tamanhos se amontoam, cheios de chás e preparados que só a benzedeira conhece. “Estou fazendo um livro, mas este vai ficar só com os meus filhos”, referindo-se aos segredos de seus “remédios”. Para cada problema, ela tem uma solução. Com cerca de 120 tipos de chás guardados nos fundos de sua casa, ela conhece cada um e sabe direitinho para que servem. “Este aqui é o chá de nervos. Olha como tem cheiro forte”, mostra ao quebrar graveto ao meio. Em meio a este, carqueja, cidreira e os mais diversos tipos se perdem a tantos sacos de estopa. Há 19 anos conhecendo a benzedeira, Ana Rita Andrade Vogt, 46 anos, sempre levou seus filhos até lá. “Trouxe meu filho menor desta vez porque ele está com umas verruguinhas na mão. As que eu tive anos atrás caíram depois de um mês que vim aqui. Espero que as dele caiam também.” Dona Petronilha não cobra por seus serviços. Só o faz quando alguém quer um dos seus chás preparados. A garrafa de 1 litro custa R$ 18, 00. Já a menor tem um custo de R$ 8,00. “Eu faço umas gotinhas, que eu ponho nos olhos, e há 40 anos que eu não preciso trocar o grau dos meus óculos”, explica. Não que a benzedeira tenha problemas com médicos: ela não os procura simplesmente porque nunca fica doente. O corpo humano é formado por muitas partes duplas: dois braços, duas pernas, dois olhos... Mas, para algumas pessoas, a falta de um dos pares não impede uma vida normal. Gessí tem um rim e nem por isso deixa de beber muito chimarrão. Jader enxerga apenas com o olho esquerdo e Quando sente alguma coisa diferente, logo sabe qual dos seus preparos tomar para ficar boa de novo. No canto da casa onde dona Petronilha benze não existe nenhuma estátua de santo, nem terços, nem velas; nada disso. Ela abençoa a pessoa nos fundos de sua casa, de frente para seu pátio, e ninguém mais fica presente. É o caso de Sílvia Eichenberg, moradora das redondezas, que levou seu filho Túlio, 5 meses, para benzer: “Vim porque é a única coisa que conheço que desfaz o ‘quebrante’”, afirma. Dona Petronilha não cobra por suas consultas, mas qualquer ajuda é bem-vinda. FERNANDA ZIEPPE C abelos longos entrelaçados em uma trança até a cintura, pantufas azuis nos pés, uma calça de algodão, blusão azul e casaco de lã bege. É assim que dona Petronilha Jordan, 83 anos, trabalha benzendo pessoas. Há 45 anos em Santa Cruz do Sul, vinda de Candelária, mas há 62 anos nesse ramo, esta senhora de óculos e com poucas rugas na face, recebe durante o decorrer do dia em torno de 30 pessoas em casa. “Houve época que passava de 40 por dia, mas daí me atrapalhava muito, não conseguia nem fazer almoço. Sempre havia alguém batendo na porta.” Situada na Rua São José, a casa de um pavimento e de portão branco (sempre aberto durante o horário de atendimento), é procurada para diversos tipos de ajuda, desde o famoso “olho grande”, hemorróidas, picadas de bichos, problemas nos rins, impotência e até câncer. Ela, que não é adepta a nenhuma religião e nem crê em santo algum, acredita somente em um Deus. “Faço a reza apenas com a palavra divina e com a mão”, conta. Das 8 horas até as 18h 30min, ela atende em sua casa. Hoje com 83 anos, ela reconhece que na sua juventude também sofria um tipo de ataque (um tremor por todo corpo durante alguns minutos) e quem a curou foi uma cigana, já que médico algum, segundo ela, diagnosticava o problema corretamente. Desde então, começou a aprender diversos tipos de “benzedura” com ciganas e outras benzedeiras e foi aplicando também. Hoje, é uma pessoa conhecida em San- Quanto mais água, melhor. “Aceita um chimarrão?”. É essa a pergunta de sempre quando alguém visita Gessí Kist. E fazer desfeita não pode, já que isso é hábito de manhã, tarde e noite. Gessí adora a bebida tradicional do Rio Grande do Sul e da sua cidade, Venâncio Aires, que popularmente é conhecida como a Capital Nacional do Chimarrão. Mas também adora um chá antes de dormir, uma cerveja aos fins de semana e um refri light, pois no momento está de dieta. A safrista de 51 anos bebe muito líquido. Assim sempre foi e assim sempre será. Sorridente, a avó da Duda mantém uma rotina que os médicos indicam para qualquer um: beba muito líquido para os rins filtrarem o que é bom e se livrarem do que não precisa. É assim com Gessí, mas, no caso dela, apenas um rim é responsável por todo aquele chimarrão ingerido. Há 21 anos, uma simples cirurgia para a retirada de um cálculo renal ficou complicada ao ponto de retirar todo o rim. “Eu estava com 30 anos, um filho de 6 e uma menina ainda bebê. Não só por mim, mas principalmente por eles tive medo do que viria em seguida”, conta sobre a reação que teve ao saber que agora havia um espaço vazio no lugar do rim direito. Mas medo é algo que Gessí não conhece. Nesses 21 anos as dores cessaram, criou os filhos, trabalhou fora, foi dona-de-casa, passou por mais duas cirurgias (tirou um fibroma no útero em 1993 e em 2001 colocou platina na coluna) e ficou avó há seis anos. nunca errou um chute a gol. Eni respira somente com um pulmão, mas todo ar do mundo é pouco para seu fôlego. E o simpático Willibaldo nasceu destro e hoje escreve com a mão esquerda. Quatro histórias quem têm muito em comum. Pessoas que não se acham a exceção dentro da regra. Pessoas que se Pouco ar para tanto fôlego O tom alto da voz e os movimentos agitados resumem a vida de Eni Gollmann: um corre-corre. São 13 anos em Venâncio Aires costurando para empresas de forma terceirizada. Seu varejo de confecções conta com cinco funcionárias que trabalham num horário rigoroso, entre 7 horas e 17h18min. Depois ainda tem o cerão, que é feito também aos sábados e domingos, se precisar. “Não recuso serviço. Na vida é assim, pegar ou largar.” Eni, que tem 50 anos, pedala o dia inteiro sua máquina de costura. É tanta pedalada que talvez até falte fôlego. Mas não, fôlego essa santa-cruzense tem de sobra, ainda que lhe falte um pulmão. Há 26 anos um exame de rotina na empresa na qual trabalhava constatou um problema no pulmão esquerdo. “Os médicos apenas me disseram que ele estava todo manchado e que não funcionava mais, teria que retirar.” Ela afirma que os médicos nunca souberam lhe explicar de fato o que aconteceu. Hoje, uma cicatriz em forma de meialua, proveniente de 25 pontos que levou nas costas para a retirada do órgão, é a única coisa que faz Eni lembrar de ter feito a cirurgia. Depois de todo esse tempo, ela salienta a rotina normal que sempre levou. “Meu único vício é trabalhar. Nunca fumei, nem convivi com pessoas fumantes. Não tenho dor e nem lembro a última vez que tive tosse. Exames a cada dois anos e olhe lá.” tivessem seus pares talvez não se sentissem tão completas como são enquanto ímpares. Gessí tem um rim e nem por isso deixa de beber muito chimarrão. Jader enxerga apenas com o olho esquerdo e nunca errou um chute a gol. Eni respira somente com um pulmão, mas todo ar do mundo Um homem de visão Jader Ribeiro Rosa, 61 anos, é advogado e se considera o melhor jogador de futebol de Venâncio Aires na década de 1960. Nos tempos áureos, o atacante Jader tinha quase 100% de aproveitamento nos chutes a gol. Ambidestro e com uma noção espacial invejável. “Eu tinha visão de jogo”, comenta nada modesto. Essa visão, ele reconhece, poderia ser ainda melhor. Aos oito anos, uma cavalgada de rotina entre os eucaliptos da localidade de Ponte Queimada o deixou cego do olho direito. Uma aranha foi a responsável. Sem recursos e o horror a hospitais foram suficientes para agravar o problema. Mas a cegueira não afetou o nervo ótico. Uma simples cirurgia traria novamente a visão direita. Jader diz que só o fará se algo acontecer com o olho bom. Óculos ele usa apenas para descanso e leitura. Um grau mínimo, que só foi detectado depois dos 50 anos. A última visita ao oftalmologista foi há quase uma década. O jogador Jader abandonou o futebol porque o joelho estourou. O mundo talvez tenha perdido um craque, mas ganhou um advogado atuante há 35 anos, que também já foi candidato a vereador, secretário municipal e eleito vice-prefeito de Venâncio Aires em 1982. “Esse problema nunca me afetou em nada. Não tenho vergonha, nunca procurei esconder. Não faz falta.” Casado duas vezes, dois filhos criados e nenhuma falta no trabalho, Jader diz que agora está quase cansado. Ele pretende se aposentar nos próximos dias e quem sabe voltar a jogar um futebolzinho. é pouco para seu fôlego. E o simpático Willibaldo nasceu destro e hoje escreve com a mão esquerda. Quatro histórias quem têm muito em comum. Pessoas que não se acham a exceção dentro da regra. Pessoas que se tivessem seus pares talvez não se sentissem tão completas como são enquanto ímpares. Deixa pra ele que é canhoto Rachar lenha e capinar o inço no meio das verduras são as tarefas mais árduas da pacata rotina de um senhor de 80 anos morador de Linha Arroio Grande, interior de Venâncio. Willibaldo Weber há muito deixou para trás os dias longos de lida na lavoura de fumo e do criadouro de suínos. Hoje, quase 60 anos ao lado da esposa Celita e com três filhas, sua maior responsabilidade é receber bem aqueles que gostam de jogar bocha aos fins de semana. Seu Weber cuida de uma cancha que fica ao lado da casa onde mora há 37 anos. E é também desde 1972 que esse homem destro teve que aprender a ser canhoto. Num dia que não lembra mais, Weber estava trilhando soja quando um descuido ao arrumar a correia da máquina, estraçalhou sua mão e parte do antebraço direito. Foi mais susto que dor. “Essa foi demais”, exclamou ao chegar na estrada e parar um carro que se aproximava. Foram apenas oito dias no hospital, mas seu Weber não lembra por quanto tempo ainda quis usar o braço que não mais existia. Mas também não tem como evitar “Quando está para chuva, eu sinto os tendões repuxarem e parece que estou mexendo meus dedos”, revela. O seu Weber diz que durante décadas não foi fácil realizar o trabalho braçal, ainda mais desfalcado. Ele diz que foram e continuam sendo tempos de muita luta, mas não dá para desistir. Andar de ônibus é um acontecimento em Sinimbu Ser prenda não é fácil Muito mais que um concurso de beleza e um título, o que está em jogo é a representação da típica mulher gaúcha perante o estado, o que exige muita dedicação Mais do que um meio de transporte, a comunidade do município de pouco mais de 10 mil habitantes faz dos coletivo um estilo de vida e noite de ônibus do que trabalhar em outra cidade ou na roça. Além de carteira assinada, salário e estabilidade, ao conseguirem o emprego, os jovens conquistam o sucesso com as garotas. “Acho que ficamos especiais ao vestir a camisa. Elas nos olham diferente”, confirma Renato. freadas e diversão A volta para casa é regada a muito sanduíche de mortadela, refrigerante em garrafa pet de dois litros e lingüiça. No bagageiro encontra-se de tudo. Compras, motosserra, bicicleta, mudas de árvores, pintos. Muitas vezes o cobrador e o motorista são recompensados por carregar ou descarregar a bagagem. Recebem laranjas, batatas, mandiocas ou pinhas como agradecimento. As janelas abertas refrescam o intenso calor que faz dentro do veículo. Para aumentar a segurança dos passageiros, ou a sensação dela, o fiscal Renato Feliciano afirma que os motoristas adotam uma velocidade baixa nas estradas. Encontros com outros veículos no entanto, são imprevisíveis. Curvas com freadas bruscas, mais ainda. Em certos trechos, ao encontrar um caminhão, por exemplo, alguém deve ceder e engatar a marcha ré, cerro acima ou cerro abaixo. Nestes momentos não se tem muita escolha. De um lado se tem um paredão de pedra, e do outro um penhasco. André Buboltz, estudante de 22 anos, que utiliza a linha diariamente, diz que já sentiu muito medo em certas situações. Já teve que ajudar o motorista a descer um cerro de ré, apenas com luz dos celulares dos passageiros. “O ônibus teve um problema nos freios, então voltamos antes que acontecesse algo pior. Onde estávamos não podíamos ficar, então nos arriscamos morro abaixo”. A situação se agravou porque faltou luz no local, e a parte elétrica do ônibus também não funcionou. Naquele dia, André chegou em casa com um atraso de três horas. Estradas mal conservadas, descaso das autoridades e da empresa de ônibus. Pessoas que dependem de um serviço e que fazem a economia girar em Sinimbu. Comércios que sobrevivem graças às pessoas do interior. Muitas coisas erradas, mas muita necessidade em ter no mínimo isso. Pelo menos a felicidade estampada no sorriso de Dona Eva era sincero, e a felicidade em ir para a cidade comprar seus pães e suas bananas também. rotina de Mariela Mendes da Silva não foi a mesma nos últimos tempos. Estudar cerca de 40 livros fez parte do seu dia-a-dia. Você deve estar pensando que esses livros são para alguma prova da faculdade, mas não é. Mariela é 1ª Prenda da 5ª Região Tradicionalista e participou da 39ª Ciranda Cultural de Prendas. Mais que galardões, é de concursos como esses que saem as prendas que representam as tradições gaúchas, viajando por todo estado, junto com o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). Equivale dizer que, conquistar uma faixa é se destacar em uma disputa onde o conhecimento sobre a cultura não é o diferencial é uma das exigências básicas. Há um ano, quando concorreu à região, Mariela sabia que vida de uma “prenda de faixa” - ou seja, aquela eleita para representar a cultura gaúcha - nem sempre é um mar de rosas. É, antes, repleta de compromissos, tarefas e obrigações. É muito mais que estar presente nos eventos e posar para fotos. Em um ano, é necessário realizar projetos e divulgar a cultura gaúcha e os objetivos do MTG. Tudo o que é realizado durante o prendado vai para um relatório, feito pela própria candidata. É quando a ficha começa a cair e se tem noção de tudo o que foi feito. Geralmente é neste momento que as emoções ficam à flor da pele e se começa a pensar em tudo o que há pela frente ainda. Quem concorre no estado são somente as primeiras prendas de cada região tradicionalista, e o Rio Grande do Sul é divido em 30. O último mês é um dos mais difícies. A relação com a família, amigos e namorado muda. Apoio é item fundamental, já que a pressão existe. E é grande. A rotina de Mariela A reportagem do Unicom acompanhou de perto a rotina de Mariela. Por morar em Rio Pardo, uma cidade considerada próxima ao local onde o concurso foi realizado, em Alvorada, na Grande Porto Alegre, Mariela saiu de casa no início da tarde do dia 28 de maio, junto com seus pais, literalmente, de “mala e cuia”. E põe mala nisso. Ali tinha de tudo, de vestidos, maquiagens a cobertores e travesseiros. Das 21 candidatas adultas, três foram escolhidas como prendas do Rio Grande do Sul, e vão viajar pelo estado, como representante oficial do MTG. Mariela, em seu primeiro concurso estadual, ficou em 5º lugar. Ser prenda é mais que vocação, é profissão. Ao lado, confira a rotina da candidata: 28 de maio – Quinta feira A chegada ao município de Alvorada foi tranqüila, já que havia guias turísticos para informar o trajeto onde eram realizadas as atividades. 8 às 19 horas: recepção na Prefeitura Municipal de Alvorada A recepção junto à prefeitura foi o marco de encontro de todas as concorrentes para saber onde fica o alojamento. Hora de comer e se pilchar. 19 horas: reunião da diretoria do MTG com as candidatas no CTG Amaranto Pereira Com todas as prendas reunidas, é hora de respirar fundo e entrar no ônibus rumo à reunião com o MTG. Dali em diante é confiar em tudo o que aprendeu. Depois da reunião, resta comer e dormir. 29 de maio – Sexta feira Prenda não consegue dormir até muito tarde. E o despertar foi cedo. Levantar, tomar café, fazer cabelo, maquiagem, se pilchar e ir para a prova. 09 às 11 horas: prova escrita na sede social do Clube União Durante toda a manhã, era necessária muita concentração. A prova escrita é como um vestibular, com questões sobre história do RS, geografia do RS, tradicionalismo, folclore etc. 11h30min às 13h15min: montagem mostra folclórica na Escola São Marcos Após a saída da prova, restava esperar para montar a mostra folclórica. Em um espaço 2x2, a criatividade imperava. Depois de tudo arrumado, hora de comer, já que prenda sem almoço não para em pé. E mais uma troca de vestido. 15h30min: apresentação da mostra folclórica à comissão avaliadora Com o espaço totalmente decorado, e a pesquisa sobre o bordado em ponto cheio na ponta da língua, resta esperar os jurados. Ali só ela e a comissão avaliadora. 20 horas: despedida das Prendas do Rio Grande do Sul 2008/2009 e sessão solene de abertura na sede social do Clube União Uma das partes mais emocionantes do concurso é quando as atuais prendas do estado fazem suas despedidas. Nesse momento, é mostrado tudo o que foi feito durante o ano. As angústias, medos, amizades, conhecimento, visitas. Nessa hora, entra os discursos e homenagens à presidência do MTG. 30 de maio – Sábado Talvez o dia que se pode dormir até mais tarde. Na noite anterior havia sido divulgada a ordem de apresentação da prova artística. Mariela era a última. Hora do almoço, se pilchar, se maquiar e seguir adiante. Mais da metade do concurso já ocorreu. 09 horas: início provas artísticas na Escola São Marcos Tudo começa com a prova oral, sorteada 15 minutos antes da sua apresentação. O tema? A presença da prenda de faixa na avaliação de concursos. Depois da explanação, de no máximo dez minutos, é a vez de declamar, mostrar o ‘tatu de castanholas’ como dança tradicional e a ‘valsa’ como dança de salão. Tudo feito. Agora, resta esperar o resultado. 23 horas: fandango de divulgação dos resultados FOTOS: ALYNE MOTTA A ta parte do município: o Expresso Sinimbu. Com uma frota que aumenta a cada ano, tornou-se fonte de emprego na região. Renato Feliciano, de 24 anos, seis deles dedicados à função de cobrar passagem, agora é fiscal. Com um largo sorriso, Renato conta que foi promovido há um mês, graças à sua dedicação e responsabilidade. Quando iniciou sua carreira, passou por muitas dificuldades de adaptação. A principal delas foi se acostumar com o balanço do ônibus, que freqüentemente lhe provocavam vômitos. O sacrifício tinha razão de ser: a procura para conseguir o emprego de cobrador e vestir a tão desejada camisa azul é muito grande. Dezenas de currículos são entregues no escritório da empresa. Como Sinimbu não possui nenhuma indústria, os rapazes preferem andar dia A LUANA BACKES luana backes ndar de ônibus é um evento social em Sinimbu. Dona Eva Alves, de 78 anos, conta que chega até a tomar banho de chuveiro no dia que antecede a viagem. Uma vez por mês ela e o marido, Seu Artur, de 80 anos, partem do interior e rumam até Sinimbu para receber a aposentadoria. Para aproveitar a viagem, Dona Eva vai até a padaria comprar pão e ao mercado comprar banana. “Comemos pão de milho todos os dias, mas eu gosto mesmo é desse pão branquinho aqui”, revela, mostrando um saquinho de pão francês que tem nas mãos. Sobre as bananas, ela afirma que as da cidade são melhores, e no armazém próximo de sua casa nem sempre ela encontra essa fruta, que é sua preferida. Apenas uma empresa possui autorização para trabalhar nes- alyne guimarães motta Quando se chega ao fim, o cansaço bate. Hora do resultado. O concurso escolhe aquelas que melhor representam as virtudes, a dignidade, a graça, a cultura, os dotes artísticos, a beleza, a desenvoltura e a expressão da mulher gaúcha. Édson Bizarro é apaixonado por armas O garoto de ouro da matemática Alexandre André Schoeninger, de 13 anos, mora em São Martinho, ama o Inter e é um fenômeno na arte dos números O gosto pelo ofício vem dos tempos de infância; desde 1995 como armeiro, o que ele mais gosta de fazer hoje é customizar, o que faz como ninguém francine rabuske suía conhecimento suficiente. Resolveu estudar mecânica em uma escola técnica de Taquari, e acabou aprendendo eletrônica e eletricidade também. Passou a vida trabalhando em uma fumageira e dividindo o tempo com a coleção de armas e o tiro, esporte que começou a praticar mais tarde. Um dia, um coronel que também era atirador, elogiou o trabalho personalizado que Bizarro havia feito na própria arma. “Ele disse que eu tinha de fazer aquilo para os outros, para os colegas de tiro, e me indicou para trabalhar na Imbel (Indústria de Material Bélico), localizada em Minas Gerais. Fui para lá e aprendi ainda mais”, diz. Bizarro ainda passou por outras fábricas, como a Taurus, de Porto Alegre, a maior indústria do ramo na América Latina. Desde 1995, ele trabalha como armeiro, função que se resume no conserto de todo o tipo de armas, mas tem um diferencial: hoje, no Brasil, apenas cinco pessoas trabalham com a customização de armas. Bizarro é uma delas. “Tem muita gente que tem arma por paixão, outros têm para se defender, mas a maioria quer uma arma bonita. Descobri nisso um mercado gigante e, na região, estou sozinho”, conta, empolgado. Segundo ele, dá para ganhar bem fazendo isso, pois o trabalho custa caro, às vezes até mais do que a própria arma. “Cheguei a cobrar mais de R$ 4 mil por um serviço e já atendi pedidos de clientes do Amazonas, Pará e Distrito Federal”, fala. Orgulhoso, Bizarro mostra os mais de 40 troféus e medalhas que já ganhou em campeonatos estaduais, nacionais e até internacionais, e diz que não pára de praticar o esporte nunca. “Em primeiro lugar, o tiro é um esporte que considero mais seguro que o futebol, onde a burocracia e a preocupação são enormes. Quem pratica esse esporte tem a arma como o Guga tem a raquete de tênis, e não como um artefato para matar”, compara. Bizarro é precavido e não fala sobre a coleção de armas. “O marginal de hoje não entra na casa dos outros atrás de jóias ou dinheiro. Na maioria das vezes ele procura armas e munição”, relata. Ao se despedir, o aposentado apresenta o casal de rottweiler e conta que sua casa é uma espécie de Big Brother. “Tenho câmeras por todos os lados, algumas falsas, outras verdadeiras, até sistema infravermelho eu instalei. Quem se sente ameaçado uma vez, prefere não brincar com fogo”, finaliza, com bom humor. eu participei foi em Natal, lá os hotéis mais simples são quatro estrelas e tudo é caro, mas eu amo isso, não me importo com o que eu gasto e não abro mão de participar”, diz. Cerca de 400 tiros são disparados por Bizarro durante o período de 30 dias. Ele possui uma pistola, modificada que carrega para todos os campeonatos. Sempre que acertar mais tiros ao alvo em menor tempo, sai vencedor. No mês passado, ficou em terceiro lugar na sua modalidade, na disputa em Santana do Livramento. Precisão em menor tempo Bizarro participa de um campeonato gaúcho por mês e um brasileiro a cada dois meses. Não ganha nada além de troféus e medalhas. “A última etapa brasileira que LEONARDO MUNHOZ U ma garagem que tem o cheiro parecido com o de querosene representa uma espécie de parque de diversões para o aposentado Édson Bizarro, 58 anos. A imagem do espaço é constituída por máquinas, troféus, ferramentas, fotos, medalhas e armas, as grandes paixões de Bizarro. O senhor simpático, de olhos azuis da cor do céu, também é armeiro, atirador profissional e colecionador de armas. O amor pelos artefatos de fogo começou quando ele ainda era criança. Bizarro lembra que o avô, o pai e o irmão eram delegados de polícia. “Eu cresci vendo a habilidade do meu pai ao fazer de tudo na própria arma, isso se tornou algo tão familiar que, quando percebi, já estava fazendo o mesmo e até superando meu pai”, conta. Depois, tornou-se colecionador de armas antigas e encontrou problemas. Bizarro, que era um tanto perfeccionista, queria consertá-las, mas não pos- N seus propósitos. Não quis saber de conto de fadas. “Não trocaria São Martinho pelo Rio de Janeiro”, diz ele, com voz firme. “Lá não conheço ninguém; aqui conheço todo mundo”. Ainda que levasse a família e os amigos, Alex não deixaria seu chão; não se despediria da escola em que passa boa parte do dia nem abandonaria o campinho onde protagoniza belos gols. O menino, inclusive, alimenta a esperança de muitos adolescentes de sua idade que sonham com um ídolo no futebol. Nos cálculos, Alex já provou ser um fenômeno. Na escrita, parece traçar o mesmo caminho. Isso porque, ano passado, abocanhou um prêmio com a melhor poesia sobre a Semana Farroupilha e outro com o melhor texto sobre a Oktoberfest. Agora, no futebol, ele garante ao menos o apelido: Pato. A semelhança com o jogador do Milan – Alexandre Pato – está no jeito de jogar. “Meus colegas dizem que somos parecidos”, comenta. Semelhanças a parte, a certeza do garoto está na vontade de se tornar um Pato no campo, com estilo próprio e, por enquanto, sem sua Sthefany Brito. Ele não tem pressa, mas reitera seu desejo de ser “um baita jogador”. E vende seu peixe: “Jogo em todas as posições. Quando estou com os adultos, costumo ser mais atacante. Com os outros, sou meio-cam- FRANCINE RABUSKE gabriela brands um vilarejo distante cerca de 40 quilômetros do Centro de Santa Cruz do Sul mora um adolescente, digamos assim, diferente. Aos 13 anos, Alexander André Schoeninger, torcedor fanático do Sport Club Internacional, tem nas cores de seu clube sua segunda pele. Nem os gélidos 15 graus de temperatura num final de tarde fazem com que ele tire a camiseta do Inter. Alex, como é chamado pelos pais, Jair e Mônica, não se destaca somente pelo amor ao seu time do coração: o garoto conquistou, ano passado, a medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Com isso, não apenas entrou para a história da cidade como se tornou o garoto de ouro da matemática. Duas provas traçaram o destino do menino. Primeiro, passou por um teste na escola, em que hoje cursa a 7ª série – Escola Estadual de Ensino Fundamental Cardeal Leme, de São Martinho, interior do distrito de Monte Alverne. Depois, enfrentou uma seletiva no Centro do município. O bom raciocínio e o incentivo das professoras e dos pais colocaram Alex entre os 80 melhores do País, na categoria de 5ª e 6ª séries. Os primeiros trezentos colocados receberam a medalha de ouro. A entrega ocorreu em abril deste ano, no Rio de Janeiro. Foi quando Alex se encontrou pela primeira vez com o azul de um mar, e logo, o de Copacabana. Não chegou a sentir o sal, mas pôde contemplar a beleza das águas até então desconhecidas do menino – aluno nota 10 na maioria das disciplinas e filho aplicado no auxílio ao pai na agroindústria de conservas. De origem humilde, o garoto de ouro se manteve firme em pista”, diz. Mas nem só de futebol é que se fazem os sonhos de Alex. As horas de seu dia são curtas demais para as intensas atividades. Acorda por volta das 5h30, se arruma, toma café da manhã e espera a Kombi da escola passar em casa. Na Cardeal Leme, cumpre com as lições e participa de oficinas no turno oposto ao das aulas. Joga xadrez, basquete, handebol e pratica atletismo, além de estudar inglês e alemão. Assim, o garoto só se entrega à cama perto da 1 hora da madrugada. Consciente, afirma que nenhuma das ações extracurriculares podem atrapalhar os estudos. A escrivaninha abarrotada de livros em seu quarto o faz lembrar do compromisso escolar. E na parede acima do móvel, duas toalhas de banho estilizadas do Inter não o deixam esquecer também de sua maior paixão. É o retrato de mundo de um garoto que vale ouro. Cachaça com sotaque austríaco A realização que nasce do prazer Em Linha 7 de Setembro, interior de Santa Cruz, funciona uma destilaria especializada em produzir aguardente a partir da cana-de açúcar Você já pensou em vender produtos de sex shop a domicílio ou em promover festas proibidas? Cláudia Borba,37, não só pensou como fez dessa atividade a sua vida profissional fernanda zieppe um lugar no meio do nada, rodeado de vacas e flores, é onde mora o casal Ulrich, mais conhecido como Uli, 58 anos, e Lizete Budiner, 56 anos. O engenheiro civil e a engenheira química são os proprietários da Destilaria Fingerhut, localizada em Linha 7 de Setembro, em Santa Cruz do Sul. A idéia do austríaco bom de papo em montar uma destilaria surgiu quando trabalhava em uma destilaria de cachaça em Minas Gerais. Em 1999, pensou em trazer esse conceito para Santa Cruz do Sul e transformar uma pequena propriedade em um negócio empreendedor e diversificado. Para tanto, comprou 25 hectares em Linha 7. Segundo Uli, o nome Fingerhut significa “chapéu de dedo, dedal para costureiras”, antigo nome da Linha Sete de Setembro. É um resgate da história da região de colonização germânica, onde fica situada a destilaria. De alta qualidade, a cacha- heloísa poll m frente ao portão a curiosidade aumentava. Naquela noite fria, depois de alguns minutos de espera, um telefonema e a entrada num outro universo. A partir daquele instante, a santa-cruzense Cláudia Borba sentiria os prazeres de contar uma história recheada de tabus. O ambiente aconchegante possuía ares de libertação. Bastava observar os lustres, o piso e ainda o bar para que a imaginação viesse à tona. Antes de iniciar a conversa, Cláudia se empenhou em deixar o local um pouco mais descontraído. A música, também usada em performances de stripers, e o chimarrão deram um ar especial àquele momento. Assim, entre uma pergunta e outra, Cláudia Borba, 37, deixou-se revelar. Depois de trabalhar como vigia noturno em uma indústria fumageira, decidiu que era o momento de cuidar mais de si. Primeiro precisaria realizar uma das suas vontades mais salientes: montar um negócio próprio. A idéia estava engavetada havia anos, desde que pôde acompanhar as vendas em um sex shop de uma amiga, na capital gaúcha. Enfim, veio de Porto Alegre, junto às malas, o desejo insaciável de realização. Depois de mais um tempo de con- N ça é envelhecida em barris de carvalho e tem um pouco da Áustria em sua composição. A Fingerhut é elaborada a partir de um exaustivo processo de estudo do solo, da melhor cana, enfim, de toda a evolução do trabalho em um alambique, mantendo o toque artesanal. O envelhecimento da cachaça dura três anos, no mínimo. Uli mostra uma cachaça pronta para beber e explica que “ela sai do alambique transparente, e após o período de três anos ganha essa pigmentação amarelada”. A cana utilizada na destilaria é plantada na própria propriedade, que é tocada por ele, sua esposa e por Paulo Schremer, funcionário do casal. Na hora de fazer os cálculos de toda a safra, o proprietário mostra o caderno de registro de todos os barris e afirma que anualmente são produzidos, aproximadamente, 900 litros de cachaça. Segundo Uli, “mil quilos de cana-de-acúçar em vara geram 500 litros de cana líquida, o que resulta em 20 garrafões de cachaça”. Os três primeiros garrafões da bebida, Uli dá o nome de cabeça, ou seja, não pode ser aproveitado, porque contém um tipo de álcool superior, carregado com restos da limpeza do antigo processo. Já os garrafões de número quatro até o quinze são chamados de coração, a melhor parte da cachaça. Os garrafões restantes são chamados de calda, que também não pode ser ingerida, pois é turva, ou seja, não é pura o suficiente para o consumo. A cachaça da cabeça e da calda, para não serem desperdiçadas, passam por um processo de bidestilação, que serve para retirar as impurezas e permitir o reaproveitamento da bebida. O diferencial está no teor alcoólico mais elevado, em torno de 80%. Com isso, Uli explica que é preciso equilibrar essa cachaça acrescentando água em sua composição. Esse é um diferencial da Destilaria Fingerhut. E A cachaça afirma-se como um produto fino, conquistando paladares, corações e mentes entre vários tipos de consumidores. Em muitos recantos do país, a cachaça ainda é usada contra assaduras e no tratamento da gripe, misturada com mel e limão. Segundo Uli, “no frio a danada aquece; no calor, refresca. Serve para amansar a tristeza nas desilusões amorosas, celebrar datas e feitos, brindar o sucesso de uma empreitada, abrir o apetite antes das refeições ou enganar a fome na falta dela, animar os tímidos e encorajar os fracos”. O alambique do casal funciona como ponto de visitação turística e referência nacional de seu processo de fabricação. ONDE ENCONTRAR A Cachaça Fingerhut é vendida em apenas três lugares: na propriedade de Uli, em Linha 7, no supermercado Miller em Santa Cruz do Sul, e no Mercado Público, em Porto Alegre. Na sua propriedade, Uli comercializa cachaça a R$25,00, mas não sabe informar o preço dos mercados. O processo de fabricação da cachaça se resume em: colher a cana-de-açúcar e transportá-la para uma máquina moedora da planta. Depois disso, passa por um processo de fermentação que dura cerca de uma semana. Após isso, o caldo da cana é transferido para um alambique onde ela é destilada e separada por cabeça, coração e calda. Finalmente ela é armazenada nos barris de carvalho, onde descansa por três anos para depois ser consumida. gabriela brands FOTOS: GABRIELA BRANDS Para chegar na Destilaria Fingerhut é muito fácil: quando se vai para Sinimbu, depois da reta de Rio Pardinho, à direita, avista-se a placa que indica a destilaria. Dali é só seguir quatro quilômetros e meio por uma estrada de chão, de rica paisagem, até chegar à destilaria, que é um verdadeiro cartão-postal. Difícil é resistir ao convite dos proprietários para saborear um café colonial degustado com uma cachaça. versa e diante dos flashes incansáveis da fotógrafa, Cláudia suspirou e disse que a decisão de trabalhar com esse ramo não foi fácil. A insegurança financeira e as responsabilidades para com a filha de sete anos eram os complicadores. Mesmo assim, enfrentou as dúvidas e decidiu apostar. Primeiro, passou a vender produtos do sexo para as ex-colegas e amigas. O atendimento a domicílio, os preços diferenciados e o sorriso estampado a cada venda fizerem do negócio de Cláudia um sucesso. Mas, tomada pela vontade de crescimento, notou que havia um outro ramo a explorar: o dos shows particulares. Logo, um ar de cumplicidade se fez presente. Repórter e entrevistada se acomodaram nova- mente nas cadeiras. A segunda parte da história estava prestes a começar. O mês de março deste ano foi o escolhido para a realização da primeira festa, contava Cláudia empolgada. De forma ainda discreta, foi chamada de Elas por Elas. A função estava programada para o salão de festas da empresa na qual trabalhava antigamente. Um coquetel, a exposição de alguns produtos do seu comércio, a apresentação de uma escola de samba e, por fim, as performances de cinco dançarinos, atraíram as atenções de aproximadamente 150 mulheres. O brilho nos olhos e os convites da festa seguinte, colocados sobre a mesa, revelavam expectativas. Em seguida, a promotora do prazer confessou que o primeiro evento rendera bons frutos. Apesar de sua mãe, de 58 anos, ter optado por nunca mais participar desse tipo de reunião de mulheres, as festas continuaram. Agora, as mesmas acontecem em uma sede alugada. Cláudia diz que as escolas de samba e os comes foram dispensados. Somente os meninos com as suas coreografias tornaram-se essenciais, ou melhor, nas noites onde tudo pode acontecer, o mascarado, o bombeiro, o militar, o mecânico e o motoqueiro não podem mais faltar. Enquanto o chimarrão dança pelo salão e as músicas continuam a tocar, Cláudia diz que, além das festas reservadas para mulheres, passou a organizar eventos prive para homens e também para o público GLS. Segundo ela, tudo é organizado com a ajuda da amiga Mariah Franco, de 33 anos, que também percorre casas noturnas da cidade a procura de dançarinas para as festas masculinas. Já para aquelas direcionadas às mulheres, explica Cláudia, há uma preparação dos gogoboys – como são chamados os dançarinos – em aulas de sensualidade, praticadas em Santa Cruz do Sul ou em Porto Alegre. Em meio a isso tudo, as vendas no sex shop continuaram. Nas festas, os produtos também são expostos. Durante a entrevista não poderia ser diferente. Anéis penianos, vibradores, lingeries, fantasias, óleos afrodisíacos, dados eróticos e outros adereços ganharam às lentes fotográficas naquela noite. Entre sorrisos maliciosos e gestos contidos, as luzes apagaram e as portas fecharam. Dali, cada um seguiu seu rumo. Lá atrás ficou somente uma conversa sobre a satisfação de trabalhar com as fantasias e o prazer alheios. Heloísa Poll O inferno astral de uma repórter ana flávia hantt ex-setorista de bocha inal de campeonato de bocha é de arrepiar os cabelos de setorista de esportes de qualquer jornal. Mais, aliás: é pavor, é inferno astral, é sinal de pânico. Quem já teve a oportunidade de ser responsável por uma editoria de esportes em uma cidade de pouco mais de 20 mil habitantes com tradições essencialmente alemãs, sabe do que eu estou falando. Nada, nenhum jogo de futebol no mais profundo interior do município é pior do que final de campeonato de bocha. Isso porque as partidas se iniciam por volta das 14 horas e não têm hora para terminar. E não possuir horário quer dizer que os jogos invadirão a madrugada. E isso quer dizer também que a prestativa repórter está lá desde a tarde, suando dentro de galpões feitos de tabuões. O ar já não tem espaço para um átomo de oxigênio livre de fumaça de cigarro, bafo de cerveja e todos os outros odores típicos de um ou outro que não respeita a ordem de tomar banho aos sábados. Para quem conhece um pouco de bocha sabe que F um jogo é composto por cinco partidas. Além disso, as competições que cobri tinham suas finais no sistema de ida e volta. Então, aparentemente era barbada. Vejam o exemplo hipotético: a equipe A venceu o primeiro jogo por 4 a 1. Então, precisava apenas vencer as duas primeiras partidas do jogo de volta que a taça seria sua. Fácil, não? Não. Porque nunca, em hipótese alguma, a equipe ganhou as duas primeiras partidas. Eles ganhavam a primeira, ganhavam a metade da segunda e aí o jogo virava: a equipe B retirava forças do além e revertia as jogadas: ganhava a segunda partida, ganhava a terceira, ganhava a quarta e, na última partida, a cancha pegava fogo. Em momentos como estes, torcidas ensandecidas gritam, xingam-se, batem palmas, rezam e juram inimizade eterna. A essa altura, já é uma, duas horas da manhã. A própria repórter já está cheirando a tudo, menos ao shampoo e a hidratante corporal. O namorado, enfurecido, apesar de não dizer, amaldiçoa o momento em que aceitou acompanhar a referida setorista. Mas nem tudo está perdido: a equipe A abre vantagem. O jogo está em 13 a 5. Faltam dois míseros pontos para que a equipe finalmente vença. O time B faz um ponto, e outro, e outro, e continua nesse ritmo. A partida alcança a marca de 13 a 13. Nesse ínterim, já se foi mais uma hora de gritos enlouquecidos e ameaças de briga de facão. Então, o momento de glória: o ponto final do jogo é marcado. Alegria, comemoração. Por parte dos campeões e por parte da repórter, que já está a ponto de cair no choro. Tiram-se as fotos pelas quais se esperou o dia inteiro. Duas dezenas de homens, mulheres e crianças se amontoam com o troféu, sorridentes pela conquista. Nesse momento, por um instante muito breve, fico feliz por aquelas pessoas. Mas é apenas por um instante. Imediatamente o cansaço bate, e a verdadeira felicidade só chega com um longo banho e o aconchego do edredom me esperando, tão bons quanto a sensação de no outro dia ver a matéria publicada.