anais do iii encontro intermediário grupo de pesquisa confluências

Transcrição

anais do iii encontro intermediário grupo de pesquisa confluências
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
ANAIS DO III ENCONTRO
INTERMEDIÁRIO GRUPO DE
PESQUISA CONFLUÊNCIAS DA
FICÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA NA
LITERATURA E NAS DIVERSAS
LINGUAGENS
1
ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE
REITOR
Paulo Sergio Wolff
VICE-REITOR
Carlos Alberto Piacenti
PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO
Liliam Faria Porto Borges
PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO
Gilmar Baumgartner
PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Silvio César Sampaio
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
EDUNIOESTE
DIRETORA
Aparecida Feola Sella
ASSISTENTE EDITORIAL
Daiane Soraia de Souza
EDITORA CIENTÍFICA
Sanimar Busse
ESTAGIÁRIA
Jocineli Polis Colombo
CONSELHO EDITORIAL
Silvio César Sampaio
Liliam Faria Porto Borges
Gilmar Baumgartner
Aparecida Feola Sella
Clodis Boscarioli
Marina Kimiko Kadowaki
Loreni Teresinha Brandalise
Beatriz Helena Dal Molin
Lavínia Raquel Martins
Samuel Klauck
José Ricardo Souza
Adílson Francelino Alves
Yolanda Lopes da Silva
Antonio de Pádua Bosi
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Mário Luiz Soares
Gustavo Biasoli Alves
Jefferson Andronio Ramundo Staduto
Soraya Moreno Palácio
COMISSÃO CIENTÍFICA DO EVENTO
Adriana Aparecida de Figueiredo Fiuza
Antonio Donizeti da Cruz
Lourdes Kaminski Alves
Ximena Antonia Díaz Merino
3
ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Organização
Elis Regina Basso
Ruane Maciel Kaminski Alves
Ximena Antonia Díaz Merino
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO
GRUPO DE PESQUISA CONFLUÊNCIAS DA
FICÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA NA
LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
EDUNIOESTE
Cascavel
2014
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
© 2014, EDUNIOESTE
Diagramação
Ximena Díaz Merino
Ficha Catalográfica
Marilene de Fátima Donadel - CRB 9/924
III Encontro Intermediário do Grupo de Pesquisa Confluências da
Ficção, História e Memória na Literatura e nas diversas Linguagens.
(2014: Cascavel, PR)
Anais do Seminário Nacional de Literatura, História e Memória,
realizado no dia 27 e 28 de novembro de 2014, Cascavel, PR [CD-ROM]
/Organização de Ximena Díaz Merino; Elis Regina Basso; Ruane Maciel
Kaminski Alves. Cascavel: EDUNIOESTE, 2014.
1 disco laser
ISSN: 2175-943X
1. Literatura. Congressos 2. Estética literária. Congressos 3. Texto
literário. Congressos I. Díaz Merino, Ximena, Org. II. Basso, Elis Regina,
Org. III. Alves, Ruane M. K.
CDD 20. ed. CDD 806E56a
Impressão e Acabamento
Editora e Gráfica Universitária -EDUNIOESTE
Rua Universitária, 1619- E-mail: [email protected]
Fone (45) 3220-3085-Fax (45) 3324-4590
CEP 85819-110 – Cascavel - PR-Caixa Postal 7016
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................10
PROGRAMAÇÃO ..................................................................................................13
HISTÓRICO ...........................................................................................................15
ARTIGOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA E EDUCAÇÃO LIBERAL ...............................................22
Fausto José da Fonseca Zamboni
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM SCRIPT PARA MUITOS ATORES ....................34
Francieli Motter Ludovico
DIÁLOGOS COM DOSTOIÉVSKI, BAKHTIN E CALVINO ....................................47
José Kuiava.
LINGUAGENS EM CONTEXTOS INCLUSIVOS E IDIOSSINCRÁTICOS:
PRODUÇÃO DE OBJETOS DIGITAIS DE ENSINO-APRENDIZAGEM ................62
Julia Cristina Granetto
DESENCANTAMENTO E APATIA: PERSPECTIVA TRÁGICA EM CAETÉS, DE
GRACILIANO RAMOS ............................................................................................76
Pedro Leites Jr
RESUMOS EXPANDIDOS
NARRATIVA LITERÁRIA E SACRALIDADE DA VIDA EM RUBEM FONSECA ..100
Adriano Rodrigues Alves
ESTUDO DE MITOS E ARQUÉTIPOS EM NELSON RODRIGUES ....................106
Alessandra Camila Santi Guard
“NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA POROSA”: UM ESTUDO SOBRE
O ROMANCE METAFICCIONAL DO INÍCIO DO SÉCULO XXI............................110
Alessandra Cristina Valério
MEMÓRIA SOCIAL EM: A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO (2011) ...................122
Amanda Caldeira Gilnek
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
DE SEDUTORAS A DEMONÍACAS: AS DIFERENTES FACETAS DAS
MULHERES NOS ESPAÇOS URBANOS DE RUBEM FONSECA ......................126
Ana Lúcia Moreira Rios Coimbra de Araújo
FICÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA: O HABITANTE DO ESQUECIMENTO EM
FIGURA NA SOMBRA ......................................................................................... 131
Ana Maria Klock
GÊNERO E REPRESENTAÇÃO DE PERSONAGENS FEMININAS EM MARIA
JOSÉ SILVEIRA E JORGE AMADO ....................................................................135
Anna Deyse Rafaela Peinhopf
CLAUDIA ROQUETTE PINTO E SUZY DELGADO: ESTUDO COMPARADO DA
LÍRICA LATINO-AMERICANA ..............................................................................139
Antonio Rediver Guizzo
ALBERTO CAEIRO À LUZ DE FRIEDRICH NIETZSCHE: DO RETORNO À
NATUREZA PARA ALÉM DO BEM E DO MAL ....................................................145
André Boniatti
OS DEGREDADOS E DEGREDADAS NAS OBRAS TERRA PAPAGALLI E
DESMUNDO .........................................................................................................152
Beatrice Uber
REPRESENTAÇÕES ANTROPOFÁGICAS NO NOVO E NO VELHO MUNDO.
UMA LEITURA COMPARATIVA DO CANIBALISMO NA LITERATURA ..............156
Bernardo A. Gasparotto
QUANDO O LEITOR VIRA PERSONAGEM: A REPRESENTAÇÃO FICCIONAL DO
PROCESSO DE LEITURA ....................................................................................160
Clarice Lottermann
REINVENÇÃO DO ENREDO MÍTICO NAS OBRAS “O SONHO DE ELECTRA” DE
BIDISHA BANDYOPADHYAY E “SENHORA DOS AFOGADOS” DE NELSON
RODRIGUES ........................................................................................................166
Claudiane Prass
RELEITURAS DE CONTOS DE FADAS NO ACERVO DO PNBE 2012 .............173
Elesa Vaness Kaiser da Silva
VOZES DA CIDADE: O MÉXICO ORIGINÁRIO DE ALFONSO REYES E O MÉXICO
POLIFÔNICO DE CARLOS FUENTES ...............................................................178
Elis Regina Basso
O OLHAR ATRAVÉS DA CULTURA DO OUTRO ................................................183
Franciele Alves Pereira
LÍLIA SILVA: PSICANÁLISE E FAZER POÉTICO ................................................................189
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Job Lopes
MEMÓRIA SOCIAL E POETICIDADE EM SUSY DELGADO .............................193
Leda Aquino
DIÁLOGOS INTERTEXTUAIS: A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM FLORA
TRISTÁN NO ROMANCE EL PARAÍSO EN LA OTRA ESQUINA DE MARIO
VARGAS LLOSA ..................................................................................................198
Leila Shaí del Pozo González
ENTRE A OBRIGAÇÃO E O DESEJO: A LEITURA PARA A ESCOLA E A
LEITURA PARA A VIDA .......................................................................................204
Luciana Alves Bonfim
A LÍRICA DE VIRGÍNIA VENDRAMINI: MEMÓRIA E INFÂNCIA ........................210
Lucilaine Tavares da Silva
LA INVENCIÓN DE MOREL: A POÉTICA DOS ESPAÇOS FÍSICOS E
METAFÍSICOS NAS IMAGENS SURREALISTAS QUE EMERGEM DA
NARRATIVA .........................................................................................................214
Ludmilla Kujat Witzel
CONSTRUÇÕES DO IMAGINÁRIO E DO MITO NA POÉTICA DE ADÉLIA MARIA
WOELLNER .........................................................................................................218
Marcia Munhak Speggiorin
O CÔMICO AMBIVALENTE E A CULTURA POPULAR NAS PEÇAS A FARSA DE
MESTRE PTHELIN, FARSA DE INÊS PEREIRA, FARSA Y LICENCIA DE LA REINA
CASTIZA E FARSA DA BOA PREGUIÇA ............................................................223
Maricélia Nunes dos Santos
AMORES DE PERDIÇÃO: A HISTÓRIA SECRETA DE MANOELA E
GARIBALDI ...........................................................................................................227
Marina Luísa Rohde
O ANTIILUSIONISMO REFLEXIVO DA IMAGEM EM CORTÁZAR .....................232
Mayara Regina Pereira Dau Araujo
A HISTÓRIA E A PROVIDÊNCIA NA TRILOGIA “O MOINHO DO PÓ” DE
RICCARDO BACCHELLI ......................................................................................236
Odete da Glória Oliveira Tasca
PROCESSOS INTERTEXTUAIS EM NELSON RODRIGUES: A VIDA COMO ELA
É NA LITERATURA E EM OUTRAS LINGUAGENS ............................................242
Patricia Barth Radaelli
DIALOGISMO E POLIFONIA EM VIOLETA PARRA .................................................250
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Patricia Cuevas Estivil
A ESTÉTICA DO HORROR EM AMÁLGAMA DE RUBEM FONSECA ................254
Regina Coeli Machado e Silva
O OUTRO ESTRANGEIRO: ENCONTROS CULTURAIS NA AMÉRICA .............258
Robert Thomas Georg Würmli
HISTÓRIA E FICÇÃO EM AGE FO IRON E DISGRACE ......................................263
Ruane Maciel Kaminski Alves
LITERATURA INFANTOJUVENIL AFRO-BRASILEIRA: UMA LEITURA DE OS
REIZINHOS DE CONGO ......................................................................................268
Ruth Ceccon Barreiros
DESCONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO ESPACIAL DE FRONTEIRA:
CONTOS DE HORACIO QUIROGA .....................................................................279
Scheila Stahl
SOBRE O RISO E SUA CONSTITUIÇÃO NA LITERATURA ...............................283
Toani Caroline Reinehr
OS KAINGANG DE RIO DAS COBRAS NAS FOTOGRAFIAS DO SERVIÇO DE
PROTEÇÃO AO ÍNDIO .........................................................................................291
Toni Juliano Bandeira
IMAGENS POÉTICAS E MEMÓRIA LÍRICA EM CHLORIS CASAGRANDE
JUSTEN ................................................................................................................298
Vanessa Micheli Faraom Zanesco
OSWALD DE ANDRADE: DO MANIFESTO Á CRÍTICA LITERÁRIA E ARTÍSTICA ......302
Wallisson Rodrigo Leites
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
CENTRO DE EDUCAÇÃO COMUNICAÇÃO E ARTES–CECA COLEGIADO DO
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS/INGLÊS/ESPANHOL/ITALIANO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS, NÍVEL DE
MESTRADO E DOUTORADO, ÁREA DE CONCENTRAÇÃO LINGUAGEM E
SOCIEDADE
APRESENTAÇÃO
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA
CONFLUÊNCIAS DA FICÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS
DIVERSAS LINGUAGENS
– EDIÇÃO 2014 –
O Seminário Nacional de Literatura, História e Memória representa
uma das ações anuais do grupo de pesquisa: Confluências da Ficção,
História e Memória na Literatura e nas diversas linguagens. O Seminário
teve sua origem a partir das discussões dos estudos do corpo docente e
discente da área. Este Seminário fortaleceu-se em suas atividades,
instigando projetos de pesquisa que integram docentes pesquisadores
da Graduação, da Pós-Graduação e respectivos orientandos. O grupo
articula quatro linhas de pesquisa: Linguagem Literária e Interfaces
Sociais: Estudos Comparados; Linguagens em contextos inclusivos e
idiossincráticos; Memória, Cultura e Ensino; Literatura, História e
Memória, esta última faz parte das linhas de pesquisa do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração em
Linguagem e Sociedade, nível de Mestrado e Doutorado da UNIOESTE.
O Seminário constitui-se como evento permanente no Calendário
Acadêmico das atividades científicas e culturais do Colegiado do Curso
de Letras – Português/Inglês/Espanhol/Italiano e do Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração em
Linguagem e Sociedade, nível de Mestrado e Doutorado da UNIOESTE.
Nos dias 27 e 28 de novembro de 2014 realizou-se na Unioeste, campus
de Cascavel, o III Encontro Intermediário do Grupo de Pesquisa
Confluências da Ficção, História e Memória na Literatura e nas
diversas linguagens que teve como objetivo reunir os pesquisadores
das quatro linhas de pesquisa em torno das temáticas estudadas pelo
referido grupo. Participaram pesquisadores docentes da Graduação e da
Pós-Graduação, pesquisadores externos convidados, alunos de
Iniciação Científica, orientandos de TCC do curso de Letras, alunos de
mestrado, de doutorado e egressos da pós-graduação do Programa de
Pós-Graduação em Letras, área de concentração em Linguagem e
Sociedade. O III Encontro Intermediário realizou-se no formato de
simpósios por linha de pesquisa e uma conferência. O Encontro
Intermediário também promoveu reunião com seus membros
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
pesquisadores para a preparação do III Congresso Internacional de
Pesquisa e Em Letras no Contexto Latino-Americano e XII
Seminário Nacional de Literatura, História e Memória, que ocorrerá
nos dias 25 a 27 de novembro de 2015, na Unioeste, campus de
Cascavel. O evento contou com a coordenação da Profa. Dra. Ximena
Díaz Merino e da Profa. Dra. Lourdes Kaminski Alves, Líderes do Grupo
de Pesquisa.
No dia 27/11, ocorreram dois simpósios e a conferência intitulada
“Livros que andam e fala na tela: Guataha” sobre narrativas, culturas e
poéticas Indígenas, proferida pela Profa. Dra. Alai Garcia
(UFSC/UNILA), também membro do grupo de pesquisa. Na linha de
pesquisa Literatura, História e Memória, a Profa. Dra. Adriana de
Figueiredo Fiuza apresentou o projeto interinstitucional “A história
revisitada pela ficção: a Guerra Civil e o franquismo na narrativa e na
filmografia espanhola contemporânea” e discutiu dados da pesquisa; o
Prof. Dr. Wagner de Souza apresentou uma reflexão sobre o potencial
das narrativas literárias como releituras do discurso histórico oficial e
resultados da pesquisa que acolhe diversos projetos de Iniciação
Científica; o Prof. Dr. Fausto José da Fonseca Zamboni refletiu sobre
Educação literária e educação liberal no contexto da formação de
professores de Língua, literatura e cultura; o Prof. Ms Stanis David
Lacowicz expôs uma leitura sobre a obra El imperio eres tú, de Javier
Moro, obra que aborda a independência do Brasil pela perspectiva
espanhola. Na linha de pesquisa Linguagens em Contextos Inclusivos e
Idossincráticos, a Profa. Dra. Rose Maria Belim Motter abordou sobre o
ensino de línguas na era da tecnologia digital e suas relações com as
diferentes culturas e contexto de inclusão, a Profa. Ms Julia Cristina
Granetto apresentou dados e refletiu sobre o projeto Linguagens em
contextos inclusivos e idiossincráticos: produção de objetos digitais de
ensino-aprendizagem, projeto articulado ao Núcleo de Estudos,
Concepção e Produção de Recursos Educacionais Impressos e Digitais
para Formação Continuada – NUPREADUNI, coordenado pela Profa.
Dra. Beatriz Helena Dal’Molin, a mestranda Francieli Motter Ludovico
refletiu sobre “Educação a distância: um script para muitos atores”,
recorte de dissertação de mestrado. No dia 28/11 ocorreram mais dois
simpósios. Na linha de Pesquisa Linguagem Literária e Interfaces
Sociais: Estudos Comparados, a Profa. Dra. Lourdes Kaminski Alves
apresentou o tema “Oswald de Andrade: encontros com a Filosofia e
com a História” e discutiu dados da pesquisa; o Prof. Dr. Antônio Donizeti
da Cruz explanou sobre o projeto “Mapas do imaginário e da memória
em narrativas líricas e textos poético-plásticos: interseções entre
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
literatura, pintura e artes visuais” e discutiu dados da pesquisa; a Profa.
Dra. Ximena Díaz Merino abordou o tema “Textualidades, imaginários e
representações da cidade na prosa, na poesia e no ensaio” e apresentou
dados da pesquisa; a Profa. Ms. Maricelia Nunes apresentou uma
reflexão sobre o projeto “O cômico ambivalente e a cultura popular nas
peças a Farsa de mestre Pathelin, Farsa de Inês Pereira, Farsa y
Licencia de la Reina Castiza e Farsa da Boa Preguiça”, recorte da
pesquisa de doutorado em andamento; a Profa. Dra. Regina Coeli
Machado e Silva, representada pela orientanda de doutorado
Alessandra Valério refletiu sobre “A estética do horror em Amálgama de
Rubem Fonseca”. Na linha de pesquisa Literatura, memória, cultura e
ensino, a Profa. Dra. Clarice Lottermann trouxe reflexões sobre “Quando
o leitor vira personagem: a representação ficcional do processo de
leitura”; a Profa. Ms Dhandara Lima falou sobre um recorte de estudos
“Puro açúcar branco e blue: considerações sobre a poesia de Ana
Cristina Cesar”, o Prof. Dr. José Kuiava refletiu sobre o “Diálogo com
Fiódor Dostoiévski, Mikhail Bakhtin e Ítalo Calvino”, relações filosóficas
e literárias, o Prof. Dr. Paulo Humberto Porto Borges apresentou estudos
sobre “Linguagem fotográfica e representação”.
A presente publicação conta com Artigos e Resumos Expandidos
apresentados pelos professores pesquisadores no III Encontro
Intermediário do Grupo de Pesquisa Confluências da Ficção, História e
Memória na Literatura e nas diversas linguagens.
Organizadores
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
CENTRO DE EDUCAÇÃO COMUNICAÇÃO E ARTES–CECA COLEGIADO DO
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS/INGLÊS/ESPANHOL/ITALIANO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS, NÍVEL DE
MESTRADO E DOUTORADO, ÁREA DE CONCENTRAÇÃO LINGUAGEM E
SOCIEDADE
PROGRAMAÇÃO
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA
CONFLUÊNCIAS DA FICÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS
DIVERSAS LINGUAGENS
– EDIÇÃO 2014 –
27 / 11 / 2014 - Mini Auditório 3
ABERTURA 08:00 – 08:15
Líderes do Grupo de Pesquisa:
Profª. Drª. Lourdes Kaminski Alves
Profª. Drª. Ximena Díaz Merino
SIMPÓSIO 1: LITERATURA, HISTÓRIA E MEMÓRIA
Horário
Professor Pesquisador
Tema
08:20-08:40
Adriana de Figueiredo Fiuza
A história revisitada pela ficção: a Guerra
Civil e o franquismo na narrativa e na
filmografia espanhola contemporânea
08:40-09:00
Wagner de Souza
De baixo para cima
09:00-09:20
Fausto José da Fonseca
Zamboni
Educação literária e educação liberal
09:20-09:40
Stanis David Lacowicz
El imperio eres tú: a independência do
Brasil pela perspectiva espanhola
09:40-09:55
Debate
INTERVALO 09:55-10:10
SIMPÓSIO 2: LINGUAGENS EM CONTEXTOS INCLUSIVOS E IDOSSINCRÁTICOS
Horário
Professor Pesquisador
Tema
10:10-10:30
Julia Cristina Granetto
10:30 - 10:50
Rose Maria Belim Motter
Linguagens em contextos inclusivos e
idiossincráticos: produção de objetos
digitais de ensino-aprendizagem.
O ensino de línguas na era da tecnologia digital
10:50 -11:10
Francieli Motter Ludovico
11:10– 11:25
Educação a distância: um script para
muitos atores
Debate
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
28/11 08:00 - Sala 21
SIMPÓSIO 3: LINGUAGEM
COMPARADOS
LITERÁRIA E
INTERFACES SOCIAIS:
ESTUDOS
Horário
Professor Pesquisador
Tema
08:20-08:40
Lourdes Kaminski Alves
Oswald de Andrade: encontros com a
Filosofia e com a História
Mapas do imaginário e da memória em
narrativas líricas e textos poético-plásticos:
interseções entre literatura, pintura e artes
visuais.
08:40-09:00
Antonio Donizeti da Cruz
09:00-09:20
Ximena Díaz Merino
Textualidades, imaginários e
representações da cidade na prosa, na
poesia e no ensaio.
09:20-09:40
Maricelia Nunes
09:40-09:55
Regina Coeli Machado e
Silva
O cômico ambivalente e a cultura popular
nas peças a farsa de mestre pathelin, farsa
de inês pereira, farsa y licencia de la reina
castiza e farsa da boa preguiça
A estética do horror em Amálgama de
Rubem Fonseca
09:55-10:10
Debate
INTERVALO 10:10-10:25
SIMPÓSIO 4: LITERATURA, MEMÓRIA, CULTURA E ENSINO
Horário
Professor Pesquisador
Tema
10:25– 10:45
Clarice Lottermann
Quando o leitor vira personagem: a
representação ficcional do processo de
leitura
10:45-11:05
Dhandara Lima
Puro açúcar branco e blue: considerações
sobre a poesia de Ana Cristina Cesar
11:05-11:25
José Kuiava
Diálogo com Fiódor Dostoiévski, Mikhail
Bakhtin e Ítalo Calvino
11:25-11:45
Paulo Humberto Porto
Borges
Linguagem fotográfica e representação
11:45-11:55
Debate
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
CENTRO DE EDUCAÇÃO COMUNICAÇÃO E ARTES–CECA COLEGIADO DO
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS/INGLÊS/ESPANHOL/ITALIANO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS, NÍVEL DE
MESTRADO E DOUTORADO, ÁREA DE CONCENTRAÇÃO LINGUAGEM E
SOCIEDADE
1. HISTÓRICO DAS AÇÕES E DAS RELAÇÕES DO GRUPO DE PESQUISA
CONFLUÊNCIAS DA FICÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS
DIVERSAS LINGUAGENS
1.1IDENTIFICAÇÃO
TÍTULO: GRUPO DE PESQUISA: Confluências da Ficção, História e Memória
na Literatura e nas diversas Linguagens.
Cadastrado no diretório de grupos no CNPq em 2007.
LINHAS DE PESQUISAS
Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos Comparados
Linguagens em Contextos Inclusivos e Idiossincráticos
Literatura, Ensino e Cultura
Literatura, História e Memória
Líderes do Grupo:
Profa. Dra. Lourdes Kaminski Alves
Prof. Dra. Ximena Antonia Díaz Merino
1.2 PESQUISADORES/MEMBROS DO GRUPO:
1.2.1 Pesquisadores
Acir Dias da Silva
Adriana Aparecida de Figueiredo Fiuza
Alai Garcia Diniz
Antonio Donizeti da Cruz
Antonio Marcio Ataide
Beatriz Helena Dal Molin
Clarice Lottermann
Elizabete Arcalá Sibin
Fausto José da Fonseca Zamboni
Flávio Pereira
Gilmei Francisco Fleck
Iracy de Almeida Gallo Ritzmann
José Carlos Aissa
José Carlos da Costa
Lourdes Kaminski Alves
Luís Eduardo Wexell Machado
Maricélia Nunes dos Santos
Paulo Humberto Porto Borges
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Pedro Leites Junior
Regina Coeli Machado e Silva
Rita das Graças Felix Fortes
Ruth Ceccon Barreiros
Wagner de Souza
Ximena Antonia Díaz Merino
1.2.2 Estudantes
Abel Santos de Oliveira Junior
Alessandra Camila Santi Guarda
Alessandra Cristina Valério
Amanda Caldeira Gilnek
Ana Maria Klock
André Boniatti
Anna Deyse Rafaela Peinhopf
Anthoni Cley Sobierai
Antonio Rediver Guizzo
Beatrice Uber
Bernardo Antonio Gasparotto
Bruna Eloiza ALves
Bruna Otani Ribeiro
Camila Lacerda Schneider
Caroline Arenhart De Bastiani
Claudiane Prass
Cleiser Schenatto Langaro
Débora Karine Vollmann
Elesa Vanessa Kaiser da Silva
Elis Regina Basso
Elizabete Arcalá Sibin
Fernanda Vaz Cordeiro Soares Teixeira
Francielee Cristina dos Santos
Guilherme Luiz Levinski Marins
Jacqueline Bohn Couto
Joanir Rocha Pidorodeski
Job Lopes
Julia Cristina Granetto Moreira
Jéssyca Finantes do Carmo Bózio
Kaline Cavalheiro da Silva
Leda Aquino
Leila Shai Del Pozo Gonzalez
Luciana Alves Bonfim
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Lucilaine Tavares da Silva Anschau
Ludmilla Kujat Witzel
Marcia Munhak Speggiorin
Maricelia Nunes dos Santos
Marilia Manfredi Gasparovic
Marina Luísa Rohde
Mayara Elisa de Lima Cirico
Odete da Glória Oliveira
Patricia Barth Radaelli
Patricia Dal moro Mendes
Patricia Cuevas Estivil
Pedro Leites Junior
Raquel Cardoso de Faria e Custódio
Robert Thomas Georg Würmli
Ruane Maciel Kaminski Alves
Scheila Stahl
Tiago Ochôa Tesser
Toani Caroline Reinehr
Toni Juliano Bandeira
Vanessa Micheli Faraom Zanesco
Wallisson Rodrigo Leites
1.2.3
Técnico
Paulo César Rodrigues Diógenes - Mestrado - Assistente de Pesquisa
Tatiana de Oliveira Borges - Graduação - Assistente de Pesquisa
2 BREVE HISTÓRICO E PROPOSTAS DO GRUPO DE PESQUISA
2.1 Objetivos:
a) Desenvolver estudos sobre as relações entre Literatura, História e Memória a
partir da seleção de um corpus de narrativas contemporâneas, em especial o
romance histórico latino-americano para o exercício da análise comparada e da
crítica literária.
b) Realizar pesquisa sobre a literatura e suas relações com outras Artes, observando
as com fluências da ficção, história e memória nas narrativas de extração histórica e
a produção literária nas Américas, abordando os principais autores e seus
respectivos projetos estéticos e ideológicos na busca de suas contribuições para a
formação das identidades em nosso continente.
c) Efetuar estudos comparados no campo da literatura em suas diferentes vertentes
artísticas, bem como em suas relações com outros campos da Arte, a fim de
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
evidenciar o alcance dos projetos estéticos literários e sua importância para a
formação integral do indivíduo.
d) Realizar investigações sobre abordagens metodológicas para o Ensino da
Literatura e da Cultura nos diferentes níveis de nosso sistema de educação,
apontando a importância da inserção dos textos literários na escola como meio eficaz
de desenvolvimento da leitura, da análise crítica e do desenvolvimento do raciocínio
e, por meio da abordagem dos aspectos culturais dos diferentes povos, promover a
preservação e reconhecimento de valores próprios e alheios.
e) Manter, incentivar e promover a organização de seminários temáticos anuais e a
produção bibliográfica de caráter científico, com a finalidade de compartilhar
resultados e estabelecer diálogos com outros pesquisadores destas áreas.
f) Estudar o tema das narrativas de extração histórica e a produção literária na
América Latina, promovendo a interlocução entre grupos de pesquisa e intercâmbios
com universidades do Brasil, da Argentina, do Paraguai e da Venezuela.
g) Realizar levantamento junto aos grupos de pesquisa dos Programas de pósgraduação em Letras das Universidades: Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(Brasil), Universidad Nacional de Rosário (Argentina), Universidad Central de
Venezuela (Venezuela), Universidad Nacional de Misiones (Argentina) e Universidad
e Nacional do Leste do Paraguai (Paraguai), objetivando verificar estudos realizados
e focos de interesse sobre narrativas de extração histórica e a produção literária na
América Latina.
h) Promover estudos temáticos, que articulem grupos de pesquisa interinstitucionais
com enfoque na Literatura comparada latino-americana, aproximando
pesquisadores nas diferentes universidades por meio de atividades conjuntas, tais
como: simpósios, minicursos, publicações e outras.
2.2 Eventos do grupo de pesquisa:
Uma das ações do grupo de pesquisa é a realização anual do Seminário
Nacional de Literatura, História e Memória, evento temático, permanente no
calendário acadêmico das atividades científicas e culturais do Colegiado de Letras e
Do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade, nível de Mestrado e Doutorado, da UNIOESTE. O
seminário teve sua origem a partir das discussões dos estudos do corpo docente e
discente da área.
Este Seminário fortaleceu-se em suas atividades, instigando projetos de
pesquisa que integram docentes pesquisadores da Graduação, da Pós-Graduação
e respectivos orientandos. O grupo articula as linhas de pesquisa: Literatura, história
e memória; Literatura, ensino e cultura; e Linguagem literária e interfaces sociais:
estudos comparados, esta última faz parte das linhas de pesquisa do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração Linguagem e
Sociedade, nível de Mestrado e Doutorado, da UNIOESTE.
A primeira edição do seminário, em 2001, trouxe discussões introdutórias
sobre Literatura e História: Confluências. Em 2002, a presentou estudos e pesquisas
do corpo docente e discente em torno do Romance Histórico. Em 2003, propôs um
resgate dos clássicos da literatura universal a partir do tema Literatura e História: o
Cânone como Intertexto da Narrativa Contemporânea. A edição de 2004 propôs
estudos que pudessem contribuir com as necessidades dos professores do Ensino
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Fundamental e do Ensino Médio em relação aos conteúdos e temáticas relacionados
à inserção de algumas Culturas Latino-americanas e Africanas. Essa edição
apresentou estudos sobre as Confluências estéticas entre as literaturas no Brasil e
na África.
Em 2005, o seminário desenvolveu o tema Figurações da Nacionalidade no
Texto Literário Contemporâneo, com a proposta de socializar estudos e investigar
aspectos estruturais e estéticos na produção literária brasileira, cuja permanência ao
longo da história permite vislumbrar um projeto ideológico e estético de certa forma
recorrente desde a produção do período colonial ao contemporâneo, evoluindo
apenas no tom, às vezes mais idealizado e ufanista, às vezes, irônico e satírico,
assumindo nuances sócio-críticos que chegaram à criação de elementos estruturais
bem definidos na literatura brasileira. Em 2006, com o tema Narrativas da memória:
o discurso feminino, lançou-se um olhar sobre a voz feminina na literatura.
Em 2007 o Seminário Nacional de Literatura, História e Memória passou a
integrar as ações do grupo de pesquisa Confluências da ficção, história e memória
na literatura e abordou a temática Narrativas de Extração Histórica, abrindo um
importante espaço para as discussões sobre a questão do gênero no âmbito das
narrativas de memória, buscando, ainda, discutir a representação cultural, histórica
e identitária na tessitura textual. A continuidade desta trajetória deu-se em 2008, com
reflexões sobre as relações da Literatura e da Cultura no âmbito latino-americano,
oportunizando intercâmbios nesta área, aproximações entre pesquisadores de
diferentes universidades nacionais e estrangeiras, fundamentando as questões
identitárias na América.
Em 2009 o seminário adquiriu uma dimensão interinstitucional, congregando
a Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste/Cascavel e a Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho–UNESP/Assis, uma vez que as discussões
sobre as relações entre Literatura e cinema, eleitas para a referida edição, foram
compartilhadas, em primeira instância, entre os membros dos grupos de pesquisa
Confluências da ficção, história e memória na literatura, da Unioeste/Cascavel e
Narrativas Estrangeiras Modernas: Gêneros Híbridos da Modernidade, da UNESP,
campus de Assis.
Em 2010, ano de avaliação trienal do Grupo de pesquisa que congrega o
seminário, a proposta foi realizar um encontro intermediário reunindo os
pesquisadores das três linhas de pesquisa e pesquisadores parceiros para juntos
preparar a edição de 2011, que ocorreu nos dias 15, 16 e 17 de setembro de 2011
(X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória e I Congresso Internacional
de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano). A edição de 2010 realizouse no modelo de simpósios e mesas temáticas com o objetivo de avaliar os rumos
da pesquisa realizada no grupo.
Em 2012, reuniram-se os pesquisadores do referido grupo de pesquisa na
modalidade de Encontro Intermediário. Na continuidade deste diálogo, em 2013, ano
da segunda avaliação trienal do Grupo de Pesquisa, o – XI Seminário Nacional de
Literatura, História e Memória e II Congresso Internacional de Pesquisa em Letras
no Contexto Latino- Americano – convidou os pesquisadores a refletir sobre o tema
das Confluências Entre Literatura, Cultura e Outros Campos do Saber.
Na edição 2013 do XI Seminário Nacional de Literatura, História e Memória e
II Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano
registrou 1087 inscritos, 01conferência, 06 mesas de debate, 03 sessões de diálogos
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entre leitores e escritores, 33 simpósios, 495 comunicações de pesquisa,
lançamento de livros de autores e escritores da Unioeste, de diversas regiões do
País e do exterior, além de diversas atividades culturais.
Este grupo de pesquisa realiza intercâmbios com pesquisadores de outras
IES e demais Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, por meio da participação
integrada em simpósios temáticos, outros eventos acadêmico-científicos,
publicações em periódicos e publicações de livros.
Os organizadores
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EDUCAÇÃO LITERÁRIA E EDUCAÇÃO LIBERAL
Fausto José da Fonseca Zamboni
RESUMO: Educação Liberal é um termo cunhado na Idade Média para designar um
tipo de estudo que existia desde a Antiguidade e que, com algumas transformações,
continua até os nossos dias. Centenas de universidades em todo o mundo,
especialmente nos Estados Unidos, oferecem um currículo baseado na Educação
Liberal. Ao contrário do que se poderia imaginar, o termo não reveste uma conotação
política nem se confunde com anarquismo educativo. A Educação Liberal está
voltada aos estudos dos clássicos que marcaram a história intelectual da nossa
civilização. Ela complementa a educação profissional, que é mais propriamente um
adestramento, uma vez que não visa senão a conferir uma licença pública para o
exercício de uma profissão, deixando a formação geral ou para o ensino secundário,
quando o aluno ainda é imaturo, ou para os veículos de comunicação de massa. O
ensino da literatura, na perspectiva da educação liberal, é voltado principalmente à
formação da personalidade. Na formação dos professores de literatura, é comum a
eleição do “leitor crítico” como um ideal educativo. No entanto, antes que possam
partir para estudos especializados, é importante insistir na convivência e na
identificação emocional “o que significaria a abertura do espírito para toda poesia”
(CARPEAUX, 1999, p. 278). O estudo do ensino literário, na perspectiva da
Educação Liberal, permite uma nova perspectiva de vários dos principais dilemas da
educação nos dias de hoje, desde o sentido mais amplo do termo educação até a
prática concreta de introdução do leitor no universo literário.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Liberal; ensino; literatura.
RESEN: Educación Liberal es un término cuñado en la Edad Media para designar
un tipo de estudio que existía desde la Antiguiedad y que, con algunas
transformaciones, continúa hasta nuestros días. Centenas de universidades en todo
el mundo, especialmente em los Estados Unidos, ofrecen un currículum con base en
la Educación Liberal. Al contrario de lo que se podría imaginar, el término no
concentra una connotación política ni se confunde con anarquismo educativo. La
Educación Liberal está direccionada para los estudios de los clásicos que marcaron
la história intelectual de nuestra civilización. Ella complementa la educación
profesional, que es propriamente um adiestramiento, ya que visa conferir una licencia
pública para el ejercicio de una profesión, dejando la formación general para la
enseñanza media, cuando el alumno aún es inmaduro, o para los vehículos de
comunicación de masa. La enseñanza de literatura, en la perspectiva de la educación
liberal, es direccionado principalmente a la formación de la personalidad. En la
formación de profesores de literatura, es común la elección de un “lector crítico” como
un ideal educativo. Sin embargo, antes que pouedan partir para estudios
especializados, es importante insistir en la convivencia y en la identificación
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emocional “o que significaria a abertura do espírito para toda poesia” (CARPEAUX,
1999, p. 278). El estudio de la enseñanza literaria, en la perspectiva de la Educación
Liberal, permite una nueva perspectiva de vários de los principais dilemas de la
educación en la actualidad, desde el sentido más amplio del termino educación hasta
la práctica concreta de introducción del lector al universo literario.
PALABRAS-CLAVES: Educacion Liberal; enseñanza; literatura.
O QUE É EDUCAÇÃO LIBERAL
“Educação Liberal” é um termo que pode ser entendido em vários sentidos,
de acordo com o significado a que se atribui à palavra “Liberal”. Uso o termo, aqui,
no seu sentido originário, de uma tradição que remonta à Grécia antiga, passando
pela Roma do período clássico e adquirindo sua forma mais conhecida à época do
surgimento das universidades, na Idade Média. A Educação Liberal estava
relacionada às artes liberais ou profissões livres, como diríamos hoje, em oposição
às profissões servis, em que o trabalhador exercia uma função em troca de um
salário. O profissional liberal trabalhava movido por um mandamento interno,
independentemente da remuneração que, quando existia, era chamada “honorário”.
As artes liberais, ou seja, o conjunto de conhecimentos e técnicas que
formam o homem apto a participar dos debates públicos, constituía-se de uma
formação em duas etapas, o Trivium (três vias) e o Quadrivium (quatro vias). O
Trivium lidava com as artes da linguagem, expressão e participação na cultura,
enquanto o Quadrivium tratava dos números, visando a aprimorar o senso das
proporções, ou o senso da forma do mundo.
EDUCAÇÃO LIBERAL AO LONGO DA HISTÓRIA
A história das grandes civilizações, como a China tradicional e o Império
Romano, permite vislumbrar a importância da educação como fenômeno
permanente que garante a continuidade civilizacional. Na época da queda do Império
Romano, mesmo quando vencedores no campo militar, os conquistadores bárbaros
tiveram seus filhos educados pelos intelectuais do povo subjugado, adotando assim
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a sua cultura. A história greco-romana-judaico-cristã foi assumida e preservada como
patrimônio ancestral, enquanto que a herança bárbara se diluiu e perdeu a unidade
e continuidade no contato com os vencidos. Dito de outra forma: a cultura dos
bárbaros se integrou como um elemento a mais na cultura ocidental, sem modificála substancialmente.
A unidade de uma civilização, portanto, não é decorrente do poderio militar,
político ou econômico. O Ocidente não apresenta esse tipo de continuidade. A sua
unidade está na religião cristã e na educação humanística, que lhe dão um senso de
continuidade e uma memória. Somente uma educação que privilegie os aspectos
mais permanentes sobre os quais se funda a civilização poderá ter alguma
consistência, e concorrer para manter a sua unidade.
Basta percorrer o panorama da história da educação ocidental, desde a
Grécia antiga aos nossos dias, para notar uma surpreendente unidade. O programa
de estudos de Isócrates (392 a.C.), a “Enkiklos Paideia” (de onde vem a palavra
“enciclopédia” – círculo dos conhecimentos, ou Cultura Geral), inclui a Literatura, a
Lógica, a História, a Ciência Política, a Arte, a Poesia, a Música e a Ética. Mas não
é uma educação disciplinar: o seu objetivo é a formação do homem inteiro, honesto,
de boas maneiras, que domina os desejos e não se deixa dominar pela cobiça.
Em Roma, Cícero (106-43 a.C) e Quintiliano (35-95 d.C.) seguem, com
algumas adaptações, o modelo de Isócrates, com o nome de artes liberales. Dentro
da tradição cristã que surge no Império Romano não há ruptura com o modelo grecoromano. O processo educativo se inicia com os estudos da Gramática, da Retórica,
da Literatura, da Aritmética, da Geometria e da Astronomia. Para o filósofo cristão
Orígenes de Alexandria (185-253) “o conhecimento religioso alcança maior
progresso quando se fundamenta nos estudos formais” (GILES, 1987, p.59). Os
autores cristãos buscaram conciliar a fé com a cultura helenista: Clemente de
Alexandria (150-215) acredita que “os ideais básicos do cristianismo já estão
implícitos na filosofia grega” (GILES, 1987, p.58).
Santo Agostinho (354-430) concilia fé cristã e a cultura clássica: “podem-se
utilizar os clássicos como instrumentos, como auxiliares para a compreensão da fé,
reconhecendo, no entanto, os limites da cultura clássica” (GILES, 1987, p.61);
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devem-se utilizar as artes liberais a fim de possuir a expressão exata no ato de dar
respostas aos alunos (GILES, 1987).
Em geral, os educadores medievais seguem as orientações de Santo
Agostinho e usam as artes liberais na educação. Em 500, Boécio (c. 476/80-525)
“elabora um compêndio das artes liberais, iniciando a tradição enciclopédica”
(GILES, 1987, p.66). Cassiodoro (c. 480-c. 575) dá forma à divisão que será usada
nos séculos seguintes. As sete artes liberais são: a Gramática, a Retórica, a
Dialética, a Aritmética, a Música, a Geometria e a Astronomia.
Os mosteiros e as escolas das catedrais se organizam como centros de
ensino e transmissão da cultura baseando o programa de estudos em torno das sete
artes liberais (NUNES, 1979). Na época da formação das universidades o ensino das
artes liberais adquiriu uma forma bem definida através do trivium e do quadrivium.
No início da modernidade, o ensino das artes liberais é um dos pilares da
Ratio Studiorum, o plano de ensino dos jesuítas, que foram os grandes educadores
da elite europeia até a dissolução da ordem, em 1773.
Desde então, a educação se torna, aparentemente, mais diversificada e
abrangente, tornando-se cada vez mais presente e impositiva a mão dos Estados
Nacionais. Contudo, grande parte das elites continua a ser educada em colégios
religiosos, que seguem um modelo educativo baseado nas artes liberais.
Muitas das mudanças pedagógicas introduzidas desde a modernidade –
especialmente depois da revolução industrial – visavam mais a instrução do povo do
que a educação das elites, cujos membros eram mais resistentes a expor seus filhos
às novas experimentações no campo da pedagogia. Woodrow Wilson, presidente
dos EUA de 1912 a 1921, defendia a existência de um grupo de pessoas formadas
pela educação liberal, e outro, muito maior, destinado a compor um contingente de
mão-de-obra instruída (GATTO, 2009, p. xx). Muitas das experimentações e dos
“avanços” da educação são etapas da tentativa de adestrar este amplo conjunto de
alunos que constituirá a massa mão-de-obra.
EDUCAÇÃO LIBERAL HOJE
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O principal responsável pela reintrodução do conceito de Educação Liberal,
no Brasil, foi o filósofo Olavo de Carvalho. Para ele:
O que hoje chamamos de educação liberal é uma adaptação das
artes liberais antigas, feita sobretudo por dois educadores, Robert
Hutchins e Mortimer Adler 1 3, no começo de século. Nesta
adaptação, as artes liberais deixam de se distinguir das artes servis
e começam a se distinguir do ensino profissional. Todas as áreas de
ensino visam a transmitir determinadas habilidades profissionais; as
artes liberais, em contrapartida, visam a formar o cidadão em geral,
o cidadão não especializado. Mais especificamente com a ênfase na
ideia de cidadão da democracia, subentendendo-se democracia pelo
sistema onde vale a pena discutir, onde é possível haver uma
discussão e onde há uma possibilidade de que as questões sejam
arbitradas por meio da razão e não de motivos desconhecidos que
uma autoridade possa ter para decidir (Olavo de Carvalho, Educação
Liberal).
A Educação Liberal foi apreciada pelos defensores da democracia porque
este regime depende do debate de ideias e, portanto, de cidadãos educados que
possam conduzi-lo. É uma educação, portanto, que permite formar líderes e de
pessoas capacitadas a orientar intelectualmente a sociedade. Como um governo
composto por especialistas, competentes apenas num setor particular, poderia
atender às expectativas gerais da população?
Como observou Hannah Arendt (2000, p. 52), a preparação para a vida
profissional, nas universidades “não aspira já a introduzir o jovem no mundo como
um todo, mas apenas num setor particular e limitado do mundo”. A educação liberal
se distingue dessa educação profissionalizante e utilitarista – que se limita a
transmitir conhecimentos específicos e habilidades para o desempenho de uma
profissão – por privilegiar a formação do homem em vista das questões mais
importantes.
Atualmente, a Educação Liberal procura seguir a inspiração filosófica, e não
apenas o modelo de ensino das artes liberais. Em todo o mundo – especialmente
nos Estados Unidos – os currículos inspirados pela Educação Liberal privilegiam a
leituras dos clássicos que marcaram a cultura da civilização ocidental, como é o caso
do Thomas Aquinas College.
1
Mortimer Adler é autor do livro "Como ler um livro".
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Quando falamos da leitura dos clássicos convém esclarecer alguns pontos.
Não se trata, aqui, de uma idolatria do clássico como portador de prestígio ao seu
leitor. Os clássicos não devem ser vistos como fins em si mesmos, mas como
instrumentos educativos, ou seja, meios para a formação humana. O que se quer
valorizar não é o hábito da leitura, mas a busca do conhecimento do qual a leitura
não é senão um instrumento. Uso, aqui, o termo “clássico” para indicar
...uma obra que tem valor e interesse permanente, que tenha dado
alguma contribuição que permanece eficaz ao longo dos tempos;
aquela obra que, a despeito do tempo que passou depois que ela foi
escrita, ainda tem algo a nos ensinar. [...] mais precisamente, se
designam como clássicas obras que estabeleceram certas noções
ou transmitiram certos ensinamentos, que vão formando patamares
sucessivos de consciência humana, de tal modo que a discussão de
determinados assuntos não tenha mais o direito de descer abaixo
daquele patamar. (Olavo de Carvalho, Educação Liberal).
ENSINO DE LITERATURA E EDUCAÇÃO LIBERAL
O ensino da literatura pode ser compreendido como uma parte do Trivium,
isto é, das artes da linguagem. Pode-se dizer que o Trivium começa com a literatura
ou a pressupõe, porque não é possível haver nenhuma comunidade linguística sem
que haja um conjunto de histórias e de mitos que veiculem a língua da comunidade
para além das flutuações e instabilidades da linguagem quotidiana. Uma
comunidade linguística só pode se perceber como unidade quando possui uma
memória comum que é veiculada numa língua comum, e esta é dada pelos mitos
que explicam a origem do universo, do homem e instauram os valores fundamentais
que as pessoas respeitam e usam para se orientar e balizar as suas relações
interpessoais.
Os mitos fundantes são expressos em linguagem literária e, portanto, é esta
que cria o substrato linguístico em que se podem erguer outros tipos de discursos
mais especializados, como o discurso histórico, técnico, filosófico ou científico. O
discurso literário constitui, portanto, a forma mais básica de formação da cultura.
A linguagem literária, além de ser a base da cultura, é também a base da
educação. Aristóteles distinguia quatro tipos de discurso: poético, retórico, dialético,
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analítico (ou lógico). Estes discursos são como diversos andares sobre os quais se
edifica a imponente catedral da linguagem humana, cujo fundamento é o discurso
poético que sustenta, por sua vez, os demais (que constituem, por assim dizer, uma
especialização do discurso poético).
O poeta austríaco Hugo von Hoffmansthal disse que nada está presente na
vida de um povo que não tenha estado, antes, em sua literatura: o homem não pode
fazer o que não tenha imaginado antes. Reunindo um amplo repertório de imagens,
que representam a visão que o homem tem de si mesmo e do universo, ela influi no
surgimento e na revogação de leis, inspira os objetivos pessoais e os projetos
coletivos. A falta de cultura literária limita, portanto, a capacidade operativa.
A literatura permite ao estudante transcender o ambiente imediato e
personalizar o seu mundo interior. Torna possível a empatia com personagens de
padrões culturais diferentes e a aprendizagem de novas maneiras de ser. Constituise como uma forma de autoconhecimento: e se os homens não conhecem os
próprios desejos, temores e aspirações, não podem se entender uns aos outros. É
imprescindível no julgamento moral, por permitir nomear condutas, ordenar os
estados interiores, ter um senso de continuidade temporal e conseguir julgar “a vida
inteira”. A própria noção de história pessoal, com uma linha de continuidade,
depende da assimilação das narrativas mitológicas e literárias, e por isso a noção da
existência do Eu, diz Carvalho (2010), não é encontrada nas culturas mais primitivas,
onde a tradição literária é pouco desenvolvida.
Literatura é, como dizia Aristóteles, o conhecimento do possível. O
julgamento da história só tem sentido em comparação a alternativas possíveis,
melhores ou piores. Os fatos, em si, nada significam sem um padrão de comparação.
Igualmente acontece com a história pessoal.
Num mundo literariamente pobre, os homens estão intelectualmente
limitados, com dificuldade de orientar-se: têm, do Bem e do Mal, apenas uma intuição
genérica e abstrata, com poucos parâmetros de comparação, sem as variações, as
nuances e sutilezas que a literatura oferece. Os adolescentes, por falta de
experiência da vida, imaginam ser sui generis. Essa suposta anormalidade os
aterroriza, e instintivamente eles abandonam o processo de autoconhecimento para
se concentrar na adaptação ao meio social. Imitando as condutas alheias, procuram
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integrar-se na “normalidade coletiva”, a qual é apenas uma ilusão, baseada na
incompreensão recíproca. Ocorre, desta forma, uma ruptura com o mundo interior,
uma cisão entre o comportamento público e a consciência de si, que pode ser causa
de inúmeras neuroses e conflitos interiores insolúveis.
Daí a importância da educação literária na formação escolar, não apenas
como um conhecimento técnico, mas como um exercício espiritual que permitirá ao
estudante sair do seu mundo interior limitado e incomunicável (ou comunicável
apenas por fórmulas estereotipadas que reduzem todas as vivências em poucas
camisas-de-força verbais) para o ilimitado universo ao seu redor. Tal é o sentido
etimológico do termo educação: ex-ducere, conduzir para fora.
A LEITURA INGÊNUA E O ENSINO DE LITERATURA
No seu curso Educação Liberal o filósofo Olavo de Carvalho traz algumas
contribuições valiosas para a reflexão sobre a educação literária, que são válidas
para muitos dos alunos dos cursos de Letras, que chegam à universidade sem o
hábito da leitura literária.
Não se deve, diz ele, começar a educação literária com interpretação de
texto. Pelo contrário, é o texto que deve servir para interpretar a vida, pois o livro não
fala de si mesmo, mas fala da vida, serve para iluminar a vida. O aluno deve estar
consciente do ditado latino: De te fabula narratur (a história fala de ti). Se o leitor não
está profundamente consciente de que as vivências representadas na narrativa são
dimensões suas, a leitura não terá a função educativa de desenvolvimento do
imaginário. Se, ao ler uma obra literária, o estudante adota a atitude do analista que
fará a dissecção do cadáver, cria-se um hiato entre o leitor e o seu objeto de estudo.
Transformar um romance num objeto de estudo é inverter a perspectiva que
deve nortear as relações entre leitor e livro. Os signos linguísticos só adquirem a
plenitude de sua função quando são revivenciados imaginativamente pelo leitor, ou
seja, a participação do leitor como sujeito que se impregna da obra é condição sine
qua non para que a leitura se efetive. Desta forma, o texto nunca poderá ser
encarado como um objeto que ser decomposto analiticamente pelo leitor como se
faz com um objeto qualquer num experimento de laboratório.
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Ler analiticamente um texto, evitando a leitura “ingênua” de identificação
emocional com a obra, equivale, diz Carvalho, a construir um telescópio e dedicarse à sua análise, esquecendo-se de olhar para as estrelas: nunca se poderá
descobrir o que ele é realmente. Da mesma forma, devemos olhar não para o texto,
mas para a direção que ele aponta. Isso não é o mais correto apenas do ponto de
vista didático, mas também respeita mais adequadamente o estatuto fundamental da
obra literária, que é uma obra antes de tudo imaginativa, e só depois linguística: é
preciso imaginar antes de escrever.
A partir desta perspectiva, o teste ideal compreensão da obra literária
passaria muito longe das habituais avaliações acadêmicas: mais importante do que
discorrer sobre o texto seria discorrer sobre o mundo por meio da obra literária. Os
textos devem ser vistos em termos das conquistas cognitivas que proporcionam,
mais do que como pretextos para demonstração de habilidade interpretativa.
Várias consequências podem ser deduzidas desta concepção de educação
literária. Uma delas é que seria incorreto iniciar o estudo literário por meio de estudo
de estilos de época, que é um interesse erudito que só pode interessar de forma
secundária o leitor iniciante. O correto, diz Carvalho, é ler as histórias como se elas
tivessem realmente acontecido, porque desta forma não se colocam artificialmente
interesses secundários no lugar dos fundamentais. Quando se inverte a perspectiva,
a estrutura do ensino torna-se ela mesma deseducativa, pois induz o estudante a
esquecer de seus problemas humanos mais importantes e a fixar a atenção em
interesses postiços que lhe garantirão uma boa nota e uma ascensão no ambiente
acadêmico.
Um sistema educativo assim estruturado privilegia o fingimento em
detrimento da sinceridade, promove o desinteresse dos mais sinceros e a ascensão
dos mais cínicos, que passam a acreditar, mesmo que inconscientemente, que a
vida social é sinônimo de hipocrisia e que “o mundo é dos espertos”.
Outra grave consequência da predominância de estudos que enfatizam
aspectos secundários das obras é que eles podem ser ocasião de uma “fuga” por
parte do leitor. A leitura “ingênua”, de identificação emocional, está sempre expondo
debilidades e incertezas que todos nós temos, e o estudo “sério” pode ser uma
válvula de escape daquele que não suporta a consciência de como as coisas são
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
realmente. A fuga da tensão para um domínio mais estável assemelha-se à situação
controlada de laboratório, que tem ainda a pretensa vantagem de mascarar o
complexo de inferioridade de muitos praticantes das ciências humanas em relação a
ciências mais exatas ou mais úteis. São, diz Carvalho, como as máscaras
mortuárias, onde se escapa da tensão da vida real para um domínio mais estável 2;
são também o caminho mais fácil para o emburrecimento, ao induzir o estudante a
concentrar as energias em algo complicado que não diz nada. A tensão, diz
Carvalho, é a marca da consciência: ou o estudo literário é uma intensificação da
consciência, ou não é nada, é uma fuga da responsabilidade.
O abandono da escrita literária, nos próprios cursos de Letras, em detrimento
da produção de artigos científicos, reflete uma perda coletiva da consciência da real
importância e da função da literatura na sociedade. O desenvolvimento da linguagem
literária não é considerado parte fundamental do aprendizado da linguagem; a
literatura é antes um corpus ao qual se aplicam métodos científicos de estudo e
análise.
LITERATURA E CIÊNCIAS
Nas ciências humanas, em geral, não podemos nos empenhar no estudo
dos fenômenos, aplicando simplesmente um método qualquer a certo conjunto de
dados, sem considerar, antes, o seu significado. Todo dado humano é portador de
um significado, de uma intencionalidade significativa que remete a complexos de
símbolos e associações de ideias. Os símbolos e ideias, por sua vez, não são objetos
externos ao pesquisador, mas remetem à mesma linguagem humana e aos
conteúdos da psique humana que devem ser revivenciados imaginativamente na
busca da sua compreensão. (CARVALHO, 2012, p. 6).
2
Wilhelm Worringer, em Abstraction and empathy, demonstra que também na arte a fuga para a
abstração é um reflexo do medo que o homem primitivo tem do universo hostil ao seu redor. A
geometrização é uma tentativa dominá-lo. A grande voga de doutrinas formalistas pode ser
compreendida nesta clave. Tzvetan Todorov, em A literatura em perigo (2009) confessou que a
adesão aos estudos formalísticos era uma forma de fuga da censura do governo comunista, que não
permitia a livre discussão dos temas vitais.
31
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
O próprio pesquisador é um instrumento, que pode ser mais ou menos
eficaz, dependendo do seu domínio da linguagem, da sua capacidade de revivenciar
imaginativamente os fenômenos, dos seus conhecimentos literários, históricos e
filosóficos, e do seu próprio amadurecimento pessoal. Assim, a formação da
personalidade é uma etapa fundamental das pesquisas em ciências humanas. Por
isso, desde a antiguidade grega a educação esteve inseparavelmente ligada à
formação da personalidade: consistia na busca contínua, e jamais alcançada
plenamente, da sabedoria, da virtude ou da santidade.
A aquisição desta habilidade é, em geral, negligenciada por ser considerada
pré-científica, mas, por ser a base sobre a qual se originam todas as investigações,
tem uma consequência profunda em qualquer atividade intelectual. Ela vai propiciar,
ao investigador, a capacidade de reconhecer a importância do material selecionado,
ou seja, a percepção de que está diante de um fenômeno digno de ser estudado.
Esta percepção não pode ser proporcionada por nenhuma ciência em particular, mas
depende de uma cultura adquirida anteriormente no contato com a literatura, as
artes, a música e a história.
A noção básica segundo a qual a formação adequada da personalidade é
uma condição preliminar necessária para o sucesso das investigações foi aos
poucos relegada ao esquecimento. No entanto, a tradição educativa da Educação
Liberal, a mais antiga da nossa civilização, está voltada para a formação da
personalidade, seja para o cultivo das artes ou das ciências, seja para a participação
na vida política. Cumpre revalorizar esta tradição, como um antídoto contra a
instrumentalização do sistema educativo, que tem contribuído para tirar toda a
vitalidade à educação literária.
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM SCRIPT PARA MUITOS ATORES
Francieli Motter Ludovico 3
Beatriz Helena Dal Molin 4
RESUMO: Juntamente com a evolução tecnológica, a Educação a Distância tem
ocupado, gradativamente, um espaço considerável no cenário mundial e nacional
apresentando resultados de qualidade e inovações no sentido de estratégias e
metodologias. Considera-se, aqui, que a EaD deve acontecer de forma rizomática,
ou seja, como uma tecelagem na qual todos são responsáveis pelo processo da
aprendência estejam em harmonia e sintonia de objetivos e estratégias e conduta
teórica. Sendo assim essa cena depende de muitos atores para que as novas
demandas educacionais sejam atendidas com competência. Estes atores são
humanos e não-humanos, entre eles temos os tutores presenciais e a distância, os
próprios estudantes, o Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem (AVEA), os
Objetos Digitais de Ensino-Aprendizagem (ODEA). Este artigo tem por objetivo
conceituar e demonstrar a importância de alguns atores necessários para que o
cenário, as cenas e o espetáculo da Educação a Distância sejam possíveis. O artigo
embasa-se em uma pesquisa bibliográfica e tem como aporte teórico Assmann
(2000), Dal Molin (2003), Deleuze (2000), Hack (2011), Lévy (1993, 1999) Motter
(2013), Roncarelli (2012) entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: Educação a Distância; Actantes; Processo de aprendência,
rizoma.
ABSTRACT: Along with technological development, Distance Education has
gradually occupied, a considerable position in the national and world sceneries
presenting results of quality and innovations towards strategies and methodologies.
Here it is considered that DE should happen in a rhizomatic way, that is, as a weave
in which everyone is responsible for the learning process. So, this scene depends on
many actors for the new educational demands to be accomplished competently.
These actors are human and non- human, among them we have the present tutors
and the distance ones, the students themselves, the Virtual Environment for Teaching
and Learning (VETL), the Digital Object of Teaching and Learning (DOTL). This
article aims to conceptualize and demonstrate the importance of some needed actors
to the setting, the scenes and the spectacle of Distance Education be possible. This
article underlies in a bibliography research, and has as the theoretical base Assmann
(2000), Dal Molin (2003), Deleuze (2000), Hack (2011), Levy (1993, 1999) Motter
(2013), Roncarelli (2012) among others.
KEYWORDS: Distance Education; actors; Learning Process.
3
Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel, Paraná. E-mail: [email protected]
4
Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel, Paraná. eEmail: [email protected]
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
INTRODUÇÃO
A Educação a Distância vem rompendo os paradigmas do que se entende por
educação, ensino e aprendizagem e também vem superando expectativas, uma vez
que é notório seu crescimento e, principalmente, sua colocação como modalidade
de ensino de qualidade. Esta modalidade tem potência para apresentar-se aos
moldes do que gostamos de denominar de uma concepção rizomática 5 , cuja,
constituição, competências, performance e mediação do conhecimento são
constituídos por atores humanos e não-humanos, Roncarelli (2012) explica:
O processo ensino-aprendizagem, mediado por humanos e nãohumanos, atualiza-se nas ações que são decodificadas, dependendo
de outras associações, como a interação, a cooperação e a
autonomia. Não é nem o humano, nem o não-humano em sua
singularidade que potencializa o processo de ensino-aprendizagem,
mas a responsabilidade da ação “entre” a associação, composição
destes actantes, […] Os objetos de aprendizagem não-humanos
necessitam de procedimentos pedagógicos claros e estratégias bem
delineadas para que possibilitem interações entre todos envolvidos
(RONCARELLI, 2012, P. 41).
Todos os atores ou actantes6, humanos e não-humanos são necessários e
têm sua importância no processo de aprendência. Defendemos que esta modalidade
de ensino apresenta potencialidade para uma práxis rizomática e não arbórea, ou
seja, uma práxis na qual todos os que se encontram no mesmo cenário possam
estabelecer relações de cooperação, ou seja, professores e tutores propõem
desafios
transdisciplinares
e
transversais
para
os
aprendentes,
que
ao
corresponderem deixam de lado o universo linear para entrar em um universo
hipertextual, perpassado pelos links do conhecimento produzido pela humanidade
ao longo do tempo e, pelo desafio de construir um novo conhecimento a partir de seu
contexto existencial e contextual, empregando a criatividade, autonomia e a
5
Rizomática: conceito tomado da noção de rizoma de Deleuze e Guattari (2000), cujo inferência nos leva a
associar o termo a modalidade de educação a distância que se realiza a partir de uma práxis hipertextual, ou
seja de maneira analógica a um rizoma, “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio,
entre as coisas, inter-ser, intermezzo. (DELEUZE E GUATTARI, 2000, p.5)
6
O termo actantes na concepção de Bruno Latour (2001) inclui aos atores não humanos, ou seja, à ecologia
cognitiva também propiciada pela participação das máquinas e objetos técnicos.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
motivação para aprender a aprender, em um gesto de protagonismo de quem toma
seu processo de conhecer sob sua tutela e desempenho.
Na Educação a Distância a construção do conhecimento não parte tão
somente de conceitos sistematizados e como um processo de mão única na qual o
professor ensina e o estudante aprende, mas como um processo de ensinoaprendizagem no qual as multiplicidades e as singularidades sejam consideradas,
passando assim o processo a ser uma via de várias mãos, na qual a liberdade
oferecida aos estudantes lhes torne autônomos e criativos ao invés de seguidores
de modelos, como destaca Lévy (1999, p.158) quando diz que “os percursos e perfis
de competências são todos singulares e podem cada vez menos ser canalizados em
programas ou cursos para todos”. Dal Molin (2003) explica o valor de uma práxis
condizente e rizomática:
Analogamente, quando se desenvolve um processo educativo
flexível, em sintonia com os avanços científicos e tecnológicos,
consoantes com uma vontade política embasada na clareza de
objetivos e em ações decisivas de mudança comprometida com a
verdadeira renovação do fazer pedagógico, cada ato de ensinar será
sempre uma ação diferente, seja pela mediação das tecnologias
digitais e outros actantes não-humanos presentes, seja pelas trocas
com o docente ou com os colegas que vão alterando e
acrescentando nos aprendentes algo substancial às suas vidas
privadas e ao coletivo escolar e social (DAL MOLIN, 2003, p.28).
Usamos nesse artigo os termos humano e não-humano, que segundo Latour
(2001) são actantes, pois compõem o elenco que se entrelaça no processo da EaD,
e que Serres (1995), nos leva a compreender o papel e sua importante função:
- Você acredita, então, que máquinas e técnicas construíram os
grupos e mudariam a história, se elas se reduzissem a coisas
passivas?
Tanto quanto falar de melro branco, pura contradição. Penas,
tinteiros, mesas, livros, disquetes, consoles, memórias [...] produzem
o grupo que pensa. Certamente, não podemos chamar tais objetos
de sujeitos; melhor seria dizer: quase sujeitos técnicos [...].
Como se dotados de qualidades?
- Quase! Considerá-los simplesmente coisas, é desprezar, ainda e
sempre, o trabalho humano. (SERRES,1995, p. 49-50).
Roncarelli, por sua vez (2012, p. 41) explica que “o ambiente virtual e os
objetos de aprendizagem são instrumentos de mediação na Educação a Distância.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Estes artefatos são representados como não-humanos. O professor e a equipe
multidisciplinar são os atores humanos”. Esses atores devem estar sempre em
interação, trabalhando juntos em prol da aprendência, como afirma Assmann (2000):
Precisamos visualizar conjuntamente os agentes humanos e a
tecnologia versátil de modo a superar uma concepção em demasiado
maquínica da interação entre seres humanos e ambientes cognitivos
artificiais. Trata-se de entender que, embora preservando uma série
de aspectos típicos das racionalidades instrumentais e das
linguagens reducionistas, as tecnologias adquiriram tamanha
versatilidade e disponibilidade cooperativa que podemos chamá-las
sistemas cooperativos ou interfaces de parceria entre o homem e a
técnica (ASSMANN, 2000, p.11).
A EaD é uma modalidade que oferece possibilidades e tem em si a potência
de convidar os atores a desenvolverem um trabalho conjunto de maneira interativa
e criativa, cooperando para que cada um possa construir seu conhecimento de forma
significativa, prazerosa e livre para traçar seus caminhos, na linha de uma
inteligência coletiva que segundo Lévy ( 1999) aponta para uma engenharia do laço
social, considerada como uma verdadeira arte de suscitar coletivos inteligentes,
valorizando ao máximo a diversidade das qualidades humanas.
Passamos agora, a conceituar e demonstrar a importância dos actantes
presentes no processo de aprendência da EaD.
OS ATORES NÃO-HUMANOS
Os atores não-humanos segundo Latour (2001), referem-se aos materiais,
equipamentos e artefatos de inscrição e armazenamento dos dados científicos,
destacando que, os mesmos só podem ser pensados em relação com os humanos.
Cabe destacar que o que esta denominado por atores (não-humanos) precisa ser
elaborado com clareza para promover a aprendizagem colaborativa, a investigação
e possibilitar a interação de todos os estudantes, conforme Hack (2001):
Ao mediar a construção do conhecimento, com o uso de múltiplas
tecnologias sem muitas vezes poder visualizar, ouvir as palavras
nem perceber as reações imediatas do interlocutor, o docente
precisa potencializar os processos comunicacionais para que haja
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
cooperação, dialogicidade, cumplicidade e afetividade entre os
envolvidos (HACK, 2001, p. 17).
Na maioria das vezes o estudante irá fazer uso dessas ferramentas sozinho,
sem o auxilio do professor ou do tutor. A preocupação na elaboração desses
materiais está centrada também na questão em que os cursos possuem estudantes
que são nativos digitais e outros que são imigrantes digitais. Segundo Prensky (2001)
os nativos digitais são aqueles que nasceram na era da tecnologia, estão ligados as
Tecnologias de Comunicação Digital (TCD) desde pequenos e, por isso, pensam de
maneira diferente e hipertextual; Os imigrantes digitais são os que mais tarde em
suas vidas se apropriaram das TCD, por necessidade ou vontade e tem maior
dificuldade na adaptação a estas, consequentemente a compreensão não será a
mesma. Ao mesmo tempo os atores não-humanos devem possuir características
para instigar, despertando no estudante a vontade de aprender e de participar, até
que se instaure uma cultura da aprendizagem protagonista, na qual cada ator
procura juntamente com o coletivo, desenvolver sua capacidade singular de
assimilar e produzir conhecimentos e vivencias de aprendizagem.
O palco da Educação a Distância é o Ambiente Virtual de EnsinoAprendizagem (AVEA), é neste ambiente que os estudantes devem encontrar a
liberdade para desenvolver seus estudos e a oportunidade de interagir com
professores, tutores e colegas, criando assim uma aprendizagem colaborativa e ao
mesmo tempo autônoma.
Existem muitos ambientes disponíveis, os pagos e os gratuitos, falaremos
agora
do
ambiente
Moodle
(Modular
Object-Oriented
Dynamic
Learning
Environment), também chamado de Plataforma Moodle, que é um software livre, um
espaço bastante usado e dispõem de um design de fácil acessibilidade. Um sistema
de Gerenciamento de Aprendizagem (conhecido por LMS - Learning Management
System), ou seja, um aplicativo projetado para auxiliar educadores a criar cursos online de qualidade. Tanto para cursos a distância, bem como suporte para cursos
presenciais,
disponibilizando
muitos
recursos.
Ferramentas
que
facultam
oportunidade de esclarecer dúvidas, aprofundar conhecimento, promover debates,
entre outros.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Este palco permite realizar atividades síncronas e assíncronas, ou seja,
síncronas que são em tempo real, em cujo dispositovo o estudante troca mensagens
simultâneas com colegas e professores. Já as atividades assíncronas são
desenvolvidas e a comunicação e interação acontecem em momentos diferenciados,
pois cada estudante tem a liberdade de desenvolver seus estudos na hora que quiser
ou puder
É na plataforma que professores e tutores disponibilizam materiais de apoio
às aulas, o estudo sempre começa e termina na plataforma, mas durante o processo
de aprendência o estudante tem todo um universo hipertextual para descobrir e
aprimorar conhecimentos. Lévy (1993, p.33), explica o que seria um hipertexto:
“tecnicamente, um hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões”.
Assmann (2000) completa:
Do ponto de vista diretamente cognitivo, o hipertexto não é uma
simples metáfora de novas atitudes aprendentes, que buscam
criativamente novas maneiras de conhecer. É, também e, sobretudo,
um desafio epistemológico, ou seja, o processo do conhecimento se
transforma intrinsecamente em uma versatilidade de iniciativas,
escolhas, opções seletivas e constatações de caminhos equivocados
ou propícios (ASSMANN, 2000, p.11).
É nos fóruns, nas wikis e nos chats que a interação acontece. Nestas
ferramentas os estudantes cumprem suas tarefas e participam de discussões, onde
se aproximam dos colegas e, essa relação faz com que aprimorem seu aprendizado.
Destas participações coletivas pode-se, ainda, incluir avaliações das postagens
efetuadas, exibir imagens e arquivos. Os professores avaliam as tarefas
eletronicamente, pois possuem um relatório de todas as atividades realizadas na
plataforma e também podem entabular diálogos significativos com os estudantes e
sua realidade em entrelaçamento com os conhecimentos postos à disposição dos
estudantes.
Os espaços de interação oferecidos pelo Moodle garantem o diálogo e a
construção de conhecimento. Roncarelli (2012) explica o papel do Ambiente Virtual
de Ensino-Aprendizagem, ou seja, deste ator não-humano:
O AVEA comporta o professor e o estudante, atores principais do
processo ensino-aprendizagem, e supõe a co-presença de uma
equipe interdisciplinar. Enquanto deslocamento espacial, o AVEA
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incorpora a sala de aula, desdobra-se em ações, atividades,
desafios, e múltiplas situações de ensino-aprendizagem, que
possibilitam (se assim o foram pensados, e deveriam) o
desenvolvimento de uma autonomia enfocada no processo de
desenvolvimento e aprendizagem, bem como a interação e
cooperação com os transeuntes do espaço virtual (RONCARELLI,
2012, p.57).
É no AVEA que todos os atores interagem e onde os Objetos Digitais de
Ensino-Aprendizagem (ODEA) são disponibilizados aos estudantes. O ODEA, outro
ator não-humano, tem o papel de mediar o conhecimento, que geralmente é
produzido pelo professor autor e disponibilizado pelo professor formador, que
pretende auxiliar os aprendentes a compreenderem o conteúdo, Roncarelli (2011)
define:
Objetos de aprendizagem podem ser imagens, arquivos digitais,
vídeos, animações e simulações, desde que contempladas as
questões didático-metodológicas concernentes ao objeto. (...) A
definição de Objetos Digitais de Ensino-Aprendizagem [ODEA],
neste estudo, refere-se a objetos de aprendizagem, como material
didático para uma mediação pedagógica, que pressupõe quatro
características essenciais do processo de ensino-aprendizagem:
organizado, intencional, sistemático e de caráter formal
(RONCARELLI, 2011, p. 42).
Para Roncarelli (2011), o ODEA, deve ser , pois organizado para que possa
ser compreendido com facilidade, uma vez que foi elaborado com um propósito,
esperando que o estudante compreenda o que lhe é proposto. Motter (2013, p.142)
explica que “a arquitetura de um ODEA tem a premissa de oportunizar o cruzamento
das linguagens sonoras, verbais e visuais, possibilitando o encontro entre
semelhanças e diferenças nas manifestações concretas de linguagem”. Assim as
singularidades de cada ator são respeitadas e importantes no processo de
aprendência. As multiplicidades se apresentam como resultado das singularidades,
colaborando na construção do conhecimento de cada um. Contudo, a produção do
ODEA deve acontecer de forma a encurtar as distâncias, como afirma Roncarelli
(2012, p. 41) “os objetos de aprendizagem não-humanos necessitam de
procedimentos pedagógicos claros e estratégias bem delineadas para que
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possibilitem interações entre todos envolvidos”, sempre buscando alcançar a todos
os estudantes.
OS ATORES HUMANOS
No que se refere à designação de atores humanos, esta diz respeito ao elenco
dos profissionais da educação inseridos nessa modalidade, tais como tutores,
professores formadores, coordenadores e os próprios estudantes, que também são
responsáveis pelo processo de aprendência, ou seja, toda a logística humana
envolvida. Dentre eles destacamos o tutor e o estudante.
Ser tutor é uma profissão relativamente nova, seu papel é muito importante,
pois depende dele a orientação e a motivação quer presencial, quer online, para
construção de conhecimentos. O tutor presencial deve estar atento para que o
estudante possa dar a devida resposta aos desafios propostos pelas situações de
ensino aprendizagem que o professor-formador elabora e que o tutor online
acompanha e ajuda a postar, motivando continuamente o estudante, a mover-se de
modo autodidata nessa teia, participando solidariamente do processo de ensinoaprendizagem, portanto é uma das ações de tutoria estimular o estudante a buscar
a autonomia na aprendizagem, auxiliando-o para a construção de uma metodologia
própria de estudo, mostrando-lhe como aprofundar conteúdos com pesquisas em
várias fontes por meio da disciplina nos estudos. Hack (2011) explana a figura do
tutor na EaD:
A figura do tutor é primordial e atua como um mediador entre os
professores, alunos e a instituição. Em outras palavras, ele cumpre
o papel de auxiliar no processo de ensino e aprendizagem ao
esclarecer dúvidas de conteúdo, reforçar a aprendizagem, coletar
informações sobre os estudantes e prestar auxílio para manter e
ampliar a motivação dos estudantes. Há dois tipos de tutores: o tutor
presencial, que fica no polo de apoio, e o tutor a distância, que atua
junto ao professor, na instituição de ensino superior (HACK, 2011,
p.39).
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Dessa forma o tutor a distância também desempenha papel de grande
importância no processo educacional, compondo um quadro diferenciado, no interior
das Instituições de Ensino. Sua significância está em se considerar que esse
profissional participa ativamente da prática pedagógica, uma vez que suas ações
devem
contribuir
para
o
desenvolvimento
dos
processos,
realizando
o
acompanhamento, a mediação e também a avaliação do acadêmico. Mesmo que os
projetos pedagógicos das disciplinas sejam elaborados pelos professores
formadores, o tutor a distância é parte integrante desse projeto, uma vez que é o
mesmo quem irá acompanhar a aplicação do conteúdo e realizar anotações para as
devidas avaliações que devem ser em conjunto com o tutor presencial, o professor
e o próprio estudante que deve fazer uma autoavaliação, ao menos no contexto do
projeto do qual participamos como artífices e pesquisadores.
Assim, o tutor a distância é o um dos atores que está efetivamente próximo
ao professor formador e a Instituição ofertante, seu trabalho é exercido
majoritariamente, por intermédio do ambiente virtual de ensino-aprendizagem, que
consiste no atendimento às dúvidas dos estudantes EaD, por meio dos espaços
interativos, mediados pela Internet, por webconferência, e-mail redes sociais, e
outras modalidades de comunicação síncrona e assíncrona, , selecionados de
acordo com o projeto do curso e a instituição ofertante. Nessa direção Mattar (2012)
adiciona que:
Um tutor é um professor que precisa dominar as ferramentas e
plataformas que utiliza, conhecer diversas teorias de aprendizagem
e comunicação, ser letrado em linguagens on-line e transitar por
diferentes paradigmas educacionais (MATTAR, 2012, p. 175).
Dentre as responsabilidades desse profissional também, está a de promover
espaços de construção coletiva de conhecimento e representar o professor formador
no embasamento teórico dos conteúdos, decorre disso a importância da formação
deste tutor, cujo embasamento teórico deve transitar por vias nas quais o
conhecimento e a forma de gerenciar os processos de ensino e aprendizagem,
optam pela linha de um método cartográfico entrelaçado ao conceito de rizoma,
preconizados por Deleuze e Guattari (2000), uma vez que este principio, o do rizoma,
é a expressão das multiplicidades sem que estejam ligadas a uma unidade, ou a um
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
princípio unitário, mas a vários princípios de um rizoma, que podemos relacionar
com o princípio de conexão, da heterogeneidade, da multiplicidade, da ruptura asignificante; princípio da cartografia e da decalcomania.
Neste sentido cabe ao tutor investir em sua formação e participar ativamente
dos processos no sentido amplo e avaliativo da aprendizagem, tanto presencial
quanto on-line.
Diante do exposto referente ao papel do tutor a distância, justifica salientar
sua relevância nesse processo de ensino aprendizagem como o ator que deve
dominar de modo abrangente e específico, ou seja, de modo singular múltiplos
conhecimentos tais como o de conhecer o AVEA, saber construir um ODEA e
dominar teorias de aprendizagem sabendo sobretudo dar a estes conhecimentos o
destino e a dosagem correta de acordo com o que está proposto no projeto do curso
e incorporado pelas contínuas avaliações que remetem a uma retroalimentação do
projeto em si. Ainda há outro fator relevante a ser considerado entre os atores
humanos que pede uma atenção maior, a linguagem, dado que a enquanto a
presença física do contato face a face permite, em muitas vezes uma retificação
imediata dos possíveis desencontros de sentidos, inerentes à linguagem, a ausência
deste contato exige maior clareza nas solicitações e nas comunicações escritas em
qualquer das linhas deste contato educativo. Ou seja, entre os atores não-humanos
essa linguagem precisa se configurar de forma clara, uma vez que se torna inócuo
disponibilizar os aparatos tecnológicos mais emergentes, sem uma linguagem que
possibilite a compreensão e apreensão do conhecimento que se quer trabalhar com
os estudantes.
De acordo com Assmann (2000) a tecnologia de comunicação digital amplia
o potencial cognitivo e, por isso, devemos considerar professores e estudantes da
modalidade da EaD aprendentes:
Um dos aspectos mais fascinantes da era das redes é a
transformação profunda do papel da memória ativa dos aprendentes
na construção do conhecimento. Mediante o uso de memórias
eletrônicas hipertextuais, que podem ser consideradas como uma
espécie de prótese externa do agente cognitivo humano, os
aprendentes se vêem confrontados com uma situação
profundamente desafiadora: o recurso livre e criativo a essa ampla
memória externa pode liberar energias para o cultivo de uma
memória vivencial autônoma e personalizada, que sabe escolher o
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
que lhe interessa; por outra parte, os que forem preguiçosos e pouco
criativos correm o risco de absorver passivamente nada mais que
fragmentos dispersos de um universo informativo no qual há de tudo.
No oceano da conectividade, subsiste o risco de virar concha presa
a um ou poucos fragmentos de pedra (ASSMANN, 2000, p.11).
Os estudantes inseridos nesse contexto precisam ter uma cultura de
organização de seu tempo de estudo e o estabelecimento de um determinado rito de
estudo dedicado ao curso, que lhe permita cumprir as leituras, as provocações e
desafios propostos pelos atores do curso, buscando cumprir com seu papel
protagonista e com as responsabilidades que lhes cabem enquanto estudantes do
curso escolhido que deve apresentar um processo de aprendizagem rico e singular.
Assim, para que se logre um bom processo educativo, os atores envolvidos devem
juntos, construir um plano de ação que prime por resultados positivos, que superem
os resultados esperados. Hack (2001) complementa:
Na modalidade de EaD, a responsabilidade do aluno por sua
aprendizagem é maior, pois ele próprio deverá coordenar seu
tempo de estudos, sem a imposição de uma lista de chamada,
bem como precisará desenvolver a autodisciplina e as
estratégias motivacionais para a permanência no processo de
formação (HACK, 2001, p. 91).
Parte desse senso organizador do tempo e das estratégias de aprendizagem
do estudante podem ser desenvolvidas com o auxilio dos tutores presenciais e a
distância, aquele porque se encontra-se mais próximo do estudante e este porque
deve organizar a postagem do conteúdo e as solicitações de entrega das Situações
de atividade e demais solicitações, de modo claro e de modo que todos recebam as
mensagens e saibam como realizar o que lhe foi solicitado. Montar cronograma,
instituir um rito e fluxo é muito importante para administrar o tempo, levando em conta
a liberdade para a execução das atividades, deste modo o estudante consegue
controlar sua disponibilidade e sua capacidade de cumprir o que deve ser cumprido
para o bom desempenho de sua participação como estudante da EaD.
A organização e participação do estudante são fatores determinantes para
que o mesmo não se desmotive e venha a desistir, por isso a interação contínua
deve fazer parte do perfil do estudante da modalidade de Educação a Distância.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Ter conhecimentos básicos de informática é mais um quesito para uma
atuação efetiva, não apenas do estudante, mas de todos os atores humanos
envolvidos nesse processo, ou seja, a compreensão da TCD é acatada como fator
de sucesso para usufruir de todos os recursos oferecidos pela referida modalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma proposta da Educação a Distância deve ultrapassar o simples deixar à
disposição do estudante, buscando mobilizar, estimular, dar oportunidades para o
estudante construir e aprimorar seu conhecimento, agir com suas estratégias
cognitivas, sua cultura, suas experiências de vida. Esta modalidade forma
autodidatas, mas que não deixam de interagir, cooperar e compartilhar.
Considerando que toda atividade social é construída linguisticamente, torna-se
relevante destacar que, independente da configuração ocupada por qualquer um dos
atores envolvidos nesse processo de ensino aprendizagem, é preciso atentar-se
para a adequação da linguagem utilizada nesse meio, visto que sem a mesma o
objetivo pode não ser alcançado. Cabe ressaltar, que os atores humanos devem
estar em contínua formação, visando o acompanhamento das tecnologias
emergentes, que dinamize esse processo de aprendência. E os atores não-humanos
em constante aperfeiçoamento, buscando suprir as especificidades de cada curso
ou disciplina.
A partir do presente estudo, nota-se também a extrema necessidade da
interação, que promove a construção de uma teia de conhecimentos, a
multiplicidade, que é o resultado das singularidades e auxiliam o crescimento de
todos os atores presentes nas cenas da Educação a Distância.
Pelo exposto tentamos deixar claro que a EaD e seus actantes possui a
potência do rizoma na qual todos os atores são indispensáveis para o processo de
aprendência, a partir do momento em que cada um desempenha seu papel de forma
harmonizada com o conceito de educação que se quer desenvolver, e com o tipo de
profissional e cidadão que se quer formar.
REFERÊNCIAS
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
DIÁLOGOS COM DOSTOIÉVSKI, BAKHTIN E CALVINO
José Kuiava7
RESUMO: O diálogo com os escritores Fiódor Dostoiévski e Ítalo Calvino, e com o
pensador e analista Mikahil Bakhtin requer um prazer apaixonante da leitura. No
presente escrito – livre e despretensioso – enuncio como é extremamente aprazível
dialogar com Dostoiévski, Bakhtin e Calvino. É excitante e dramático dialogar com
os personagens inventados pelos escritores em suas obras literárias e aprender a
conversar com as análises dialógicas e polifônicas na voz de Bakhtin, ele falando
das obras de Dostoiévski. Advirto: é preciso seguir com rigor determinados
procedimentos para estabelecer e vivenciar o diálogo com os escritores e seus
personagens. O primeiro procedimento é situar os escritores e ler seus escritos em
seu cronotopos – o tempo e o lugar históricos, o mundo real dos escritores. O
segundo procedimento é ler e examinar os escritos no terreno de hoje, no cronotopos
do leitor – o tempo e o lugar históricos, o mundo existencial do leitor. Ainda como
advertência suave, lembro a fala de Máximo Gorki: “O escritor é o arauto de seu país
e de sua classe”. Escolhi Dostoiévski por que ele me encanta e atormenta ao mesmo
tempo e me faz mergulhar nos subterrâneos da condição humana; Bakhtin, por que
ele me ensina querer e buscar a compreensão dos fenômenos e a vivência do meu
ato responsivo com “profundidade na penetração”; Calvino, pelos valores literários
que ele inventou quando escreveu ficção durante 40 anos e no fim da vida
apresentou ao mundo as qualidades do texto: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade,
multiplicidade e consistência. E, para fechar, Dostoiévski: “para escrever bem, é
preciso sofrer, sofrer”.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura; personagens; eu-outro; dialogia.
RESUMEN: El diálogo con los escritores Fiódor Dostoiévski e Ítalo Calvino, y con el
pensador y analista Mikahil Bakhtin exige un placer apasionado por la lectura. En
este texto – libre y sin pretenciones – enuncio como es extremadamente agradable
dialogar con Dostoiévski, Bakhtin y Calvino. Es excitante y dramático dialogar con
los personajes inventados por los escritores en sus obras literarias y aprender a
conversar con los análisis dialógicos y polifónicos en la voz de Bakhtin al referirse a
las obras de Dostoiévski. Advierto: es necesario seguir con rigor determinados
procedimientos para establecer y vivenciar el diálogo con los escritores y sus
personagens. El primer procedimento es situar los escritores y leer sus escritos, un
en su cronotopos – el tiempo y el lugar histórico, el mundo real de los escritores. El
segundo procedimiento es leer y examinar los escritos en el terreno actual, en el
cronotopos del lector – el tiempo y el lugar histórico, el mundo existencial del lector.
Además, como advertencia, recuerdo las palavras de Máximo Gorki: “O escritor é o
arauto de seu país e de sua classe”. Seleccioné Dostoiévski porque él me encanta y
atormenta al mismo tiempo y hace con que me sumerja en los subterráneos de la
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condición humana; Bakhtin, porque él me enseña a querer buscar la comprensón de
los fenómenos y la vivencia de mi acto responsivo con “profundidade na penetração”;
Calvino, por los valores literarios que inventó cuando escribió ficción durante 40 años
y al final de su vida presentó al mundo las cualidades del texto: leveza, rapidez,
exactitud, visibilidad, multiplicidad y consistencia. Y, para finalizar, Dostoiévski: “para
escrever bem, é preciso sofrer, sofrer”.
PALABRAS CLAVE: Literatura; personajes; yo-otro; dialogía.
ENUNCIADOS INICIAIS
Igual a um prelúdio musical, preciso de um momento de afinação da voz ou
de um exercício de aquecimento da mão, já que escrevo tudo com lápis e não com
botões– ainda que sem melodia – um ensaio vocal, ou um ensaio de frases
inventadas, sem ser um “fraseador”, como Manoel de Barros foi. Não me sinto bem
como “explicador” dos pensadores, nem dos pensamentos dos pensadores. Menos
ainda, não me sinto e não me considero um crítico de obras escritas, do “mundoescrito”, na acepção de Ítalo Calvino. Crítico de pensadores, de autores, nem pensar.
Ao contrário, me sinto mais leve, mais sereno, no ato livre e responsivo no diálogo
eu-outros, eu e os escritores e os personagens inventados pelos escritores. Fico
mais leve nas relações dialógicas do eu-outros, eu-atores-personagens do que um
comentador dos escritos.
Nunca quis ser – e continuo não querendo – um explicador da alma humana,
do universo humano vivenciado num romance, num poema. O que posso falar mais
do que “genial” do poema de Paulo Leminski: “En la lucha de clases/ todas las armas
son buenas/ pedras, noches, poemas”? Da prosa e do verso sempre quis me
embevecer da ética e da estética, da beleza ora leve, ora pesada; ora rápida, ora
lenta; ora exata, ora imprecisa; ora visual, ora opaca; ora multíplice, ora única; ora
consistente, ora fluida. Me sinto impermeável às definições metafísicas; às
abstrações a-históricas e destituídas da sua cronotopia, ainda que racionais e exatas
das coisas do “mundo-escrito”. Curiosamente, me sinto confuso e escrupuloso
quando estou diante dos escritos de Bakhtin. Ao falar dos enunciados de Bakhtin
acho que estou deturpando, mutilando os seus sentidos. Particularmente, quando
estou dialogando com escritos, enunciados inexatos, não claros, não diretos,
enunciados inacabados intencionalmente. A vontade é de me abster de estragar os
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
escritos com uma tentativa de interpretação, explicação... Por conta disso, me arrisco
a dizer improbidades. Em compensação, me embeveço de conforto quando os outros
me corrigem e me ensinam belas e verdadeiras lições de crítica literária. No meio de
múltiplas vozes, ou melhor, entre a diversidade de vozes, preciso aguçar muito, ao
máximo, os meus ouvidos e me colocar à escuta em nível mais elevado da totalidade
polifônica das vozes entre si e das vozes na dialogia dos personagens das obras do
autor – escritor como Dostoiévski – da forma como Bakhtin auscultou e nos ensinou
a auscultar. Além do mais – e acima de tudo – me deleito com a estética da
linguagem literária. Dostoiévski me ensinou esse deleite: “errar em nosso caminho é
melhor que acertar em caminho alheio” (Crime e Castigo, p. 217).
AS VOZES DE CALVINO, DOSTOIÉVSKI E BAKHTIN
Sinto-me muito grato pela inspiração que a poetisa Adélia Prado me provoca
com a beleza e pureza com seu poema.
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo
é o sentimento.
“Eu, por exemplo, quero viver muito naturalmente, para satisfazer toda a
minha capacidade vital, e não apenas minha capacidade racional [...]”
(DOSTOIÉVSKI, Memórias do Subsolo, 2009, p.41). É possível sentir que os poetas
e os romancistas compartem dos mesmos sentimentos da vida.
A partir desta inspiração, eu busco lições imperdíveis, arrebatadoras, em
Calvino para me deliciar com a fineza do sentimento da literatura pela “profundidade
na penetração”, para a compreensão dos sentidos da vida e dos acontecimentos da
história, que Bakhtin nos recomenda na leitura do romance polifônico de Dostoiévski.
[…] Nós também estamos entre os que acreditam numa literatura que
seja presença ativa na história, numa literatura como educação, de
grau e qualidade insubstituíveis. E é justamente naquele tipo de
homem ou de mulher que pensamos, naqueles protagonistas ativos
da história, nas novas classes dirigentes que se formam na ação, em
contato com a prática das coisas. A literatura tem de voltar-se para
aqueles homens, tem de ensinar-lhes enquanto deles aprende,
servir-lhes, e pode servir apenas numa coisa: ajudando-os a ser cada
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
vez mais inteligentes, sensíveis, moralmente fortes. As coisas que a
literatura pode buscar e ensinar são poucas, mas insubstituíveis: a
maneira de olhar o próximo e a si próprios, de relacionar fatos
pessoais e fatos gerais, de atribuir valor a pequenas coisas ou a
grandes, de considerar os próprios limites e vícios e os dos outros,
de encontrar as proporções da vida e o lugar do amor nela, e sua
força e seu ritmo, e o lugar da morte, o modo de pensar ou de não
pensar nela; a literatura pode ensinar a dureza, a piedade, a tristeza,
a ironia, o humor e muitas outras coisas assim necessárias e difíceis.
O resto, que se vá aprender em algum outro lugar da ciência, da
história, da vida, como nós todos temos de ir aprender continuamente
(CALVINO, 2009, p.21).
E mais:
[…] A linguagem para a literatura nunca é transparente, nunca é puro
instrumento para significar um “conteúdo” ou uma “realidade” ou um
“pensamento” ou uma “verdade”, isto é, não pode significar algo mais
do que ela própria. Ao passo que a ideia que a ciência faz da
linguagem seria a de um instrumento neutro, que serve para dizer
outra coisa, para significar uma realidade a ela estranha, e seria
justamente essa diferente concepção da linguagem a distinguir a
ciência da literatura. Por esse caminho, Barthes chega a afirmar que
a literatura é mais científica do que a ciência, porque a literatura sabe
que a linguagem nunca é inocente, sabe que escrevendo não
podemos dizer nada exterior à escritura, nenhuma verdade que não
seja uma verdade condizente com o ato do escrever. A ciência da
linguagem, segundo Barthes, se quiser se conservar ciência, está
destinada a transformar-se em literatura, em escritura integral, e
reivindicará para si também o prazer da linguagem que agora é
prerrogativa exclusiva da literatura (CALVINO, 2009, p. 220).
Calvino enuncia com extremo vigor e leveza – e sentido revolucionário – o
poder dicotômico da linguagem da literatura e da linguagem da ciência, quando
nenhuma delas se constitui campo pretensiosamente neutro. Livre da neutralidade,
todo texto de elevadas ética e estética literárias contém os elementos da ciência e
todo texto de profundo rigor de compreensão científica contém os elementos
estéticos.
Fico impressionado – encantado – com a beleza estética dos escritos
quando consigo dialogar com os autores dos clássicos. O conforto que sentimos na
beleza estética está no fato de estarmos dialogando com os clássicos – neste caso,
obras de Dostoiévski, Calvino e Bakhtin. Embora já cansados de ler e ouvir conceitos
de clássicos nos campos da música clássica, pintura clássica, literatura clássica,
filosofia clássica, mitologia clássica, etc, não deixa de ser um deleite ler escritos de
Calvino sobre os clássicos. Ao apresentar as razões para ler os clássicos, Calvino
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lapidou 14 propostas de definição de clássicos, todas quatorze como se fossem
pedras preciosas. Trago aqui a quarta, quinta e a sexta definições.
4 Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a
primeira.
5 Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.
6 Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha
para dizer.
Clássico, portanto, é um livro com data e local de nascimento – o cronotopos
bakhtiniano – mas sem data de vencimento. Seus sentidos continuam válidos e
inacabados no percurso dos tempos da história.
E por falar em linguagem literária, dialogismo é uma categoria de análise –
conceito historicamente formulado – inventada por Bakhtin com fundamentos
filosóficos na obra de Dostoiévski. A rica e profunda obra literária de Dostoiévski é
uma legítima, original e verdadeira literatura polifônica. E aqui, mais uma vez, vou
recorrer a Calvino. Quando ele conceitua a multiplicidade como um dos seis valores
ou qualidades ou especificidades da literatura, escreve:
[…] Há o texto multíplice, que substitui a unicidade de um eu
pensante pela multiplicidade de sujeitos, vozes, olhares sobre o
mundo, segundo aquele modelo que Mikhail Bakhtin chamou de
“dialógico”, “polifônico”, ou “carnavalesco”, rastreando seus
antecedentes desde Platão a Rabelais e Dostoiévski.
[…] Sempre busquei e busco e continuarei buscando aquilo que
denomino o Fenômeno Total, ou seja, o Todo da consciência, das
relações, das condições, das possibilidades, das impossibilidades.
[…] Entre os valores que gostaria fossem transferidos para o próximo
milênio está principalmente este: o de uma literatura que tome para
si o gosto da ordem intelectual e da exatidão, a inteligência da poesia
juntamente com a da ciência e da filosofia, como a do Valéry ensaísta
e prosador (CALVINO, 2002, p.132 e 133).
É uma prova de que Calvino leu Bakhtin e captou a essência dos sentidos
do pensamento filosófico bakhtiniano. Isso não deixa de ser um conforto para quem
lê os escritos de Dostoiévski, Calvino e Bakhtin, hoje.
Essa multiplicidade de sujeitos – atores e personagens dos romances de
Dostoiévski –, de vozes e olhares interindividuais num espaço inter-relacional do
mundo, nos deixa maravilhados e nos causa insônia atordoante. Dostoiévski ao ver
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Liza partindo para nunca mais voltar e ele, ao canto da casa, sozinho, adoecido de
angústia, quase morrendo de sofrimento moral, propôs uma pergunta ociosa: “o que
é melhor, uma felicidade barata ou um sofrimento elevado? Vamos, o que é melhor?”
(Memórias do Subsolo, 2004, p.145). A pergunta é pura provocação dos leitores. E
nós, que resposta daríamos à pergunta?
Numa narrativa singular, única, o narrador anônimo – homem do subsolo –
conhecendo a essência do ser humano em profundidade da sua existência, zomba
do belo e sublime. Num movimento paradoxal entre o bem e o mal, desnuda a ciência
e a superstição, o progresso e o atraso, o amor e o ódio, o homem e a mulher. Para
aqueles que gritam, batendo os pés: “Fale de si mesmo, e das suas misérias no
subsolo, mas não se atreva a dizer 'todos nós'”. Ele proclama:
[…] Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem
desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel
da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me
trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos.
[…] Se me dói o fígado, que doa ainda mais.
[…] Sentia que esses elementos contraditórios realmente
fervilhavam em mim. Sabia que eles haviam fervilhado a vida toda e
que pediam para sair, mas eu não deixava. Não deixava, de
propósito não os deixava extravasar. Atormentavam-me até a
vergonha, chegavam a provocar-me convulsões e, por fim, acabaram
por enjoar realmente! Não vos parece que eu, agora, me arrependo
de algo perante vós, que vos peço perdão?... Estou certo de que é
esta a vossa impressão... Pois asseguro-vos que me é indiferente o
fato de que assim vos pareça...
Não consigo chegar a nada, nem mesmo tornar-me mau: nem bom
nem canalha nem honrado nem herói nem inseto. Agora, vou vivendo
os meus dias em meu canto, incitando-me a mim mesmo com o
consolo raivoso – que para nada serve – de que um homem
inteligente não pode, a sério, tornar-se algo, e de que somente os
imbecis o conseguem. Sim, um homem inteligente do século
dezenove precisa e está moralmente obrigado a ser uma criatura
eminentemente sem caráter; e uma pessoa de caráter, de ação, deve
ser sobretudo limitada. Esta é a convicção dos meus quarenta anos.
Estou agora com quarenta anos; e quarenta anos são, na realidade
a vida toda; de fato, isso constitui a mais avançada velhice. Viver
além dos quarenta é indecente, vulgar, imoral! Quem é que vive além
dos quarenta? Respondei-me sincera e honestamente. Vou dizervos: os imbecis e os canalhas. Vou dizer isto na cara de todos esses
anciães respeitáveis e perfumados, de cabelos argênteos! Vou dizêlo na cara de todo mundo! Tenho direito de falar assim, porque eu
mesmo hei de vier até os sessenta! Até os setenta! Até os oitenta!...
Um momento! Deixai-me tomar fôlego...
Pensais acaso, senhores, que eu queira fazer-vos rir? É um engano.
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Não sou de modo algum tão alegre como vos parece, ou como vos
possa parecer; aliás, se, irritados com toda esta tagarelice (e eu já
sinto que vos irritastes), tiverdes a ideia de me perguntar quem,
afinal, sou eu, vou responder: sou um assessor-colegial.
[…] Dizei-me: de que pode falar um homem decente, com o máximo
prazer?
Resposta: de si mesmo.
Então, também vou falar de mim (Memórias do Subsolo, 2009,
p.15,16,17 e 18).
E no final do subsolo, ele conclama:
[…] Olhai melhor! Nem mesmo sabemos onde habita agora o que é
vivo, o que ele é, como se chama. Deixai-nos sozinhos, sem um livro,
e imediatamente ficaremos confusos, vamos perder-nos; não
saberemos a quem aderir, a quem nos ater, o que amar e o que odiar,
o que respeitar e o que desprezar. Para nós é pesado, até, ser gente,
gente com corpo e sangue autênticos, próprios; temos vergonha
disso, consideramos tal fato um opróbrio e procuramos ser uns
homens gerais que nunca existiram. Somos natimortos, já que não
nascemos de pais vivos, e isto nos agrada cada vez mais. Em breve,
inventaremos algum modo de nascer de uma ideia. Mas chega; não
quero mais escrever ‘do subsolo’... (Memórias do Subsolo, 2009,
p.146 e 147).
E assim, ele termina as memórias do subsolo de um narrador paradoxalista.
Para quem lê a obra de Dostoiévski, com elevado sentimento na alma, a alegria e a
angústia não tem limites. Esta fala de Dostoiévski me faz lembrar do Visconde partido
ao meio, uma representação alegórica do homem contemporâneo, magistralmente
representado por Calvino em Os Nossos antepassados – O Visconde partido ao
meio, O barão nas árvores, O cavalheiro inexistente. Em que circunstâncias, em que
momento da sua vida Calvino escreveu O Visconde partido ao meio? Vejamos:
[…] Assim, zangado comigo e com tudo, dediquei-me, espécie de
passatempo particular, a escrever o Visconde partido ao meio, em 1951.
Não tinha nenhum propósito de defender uma poética contra outra nem
intenções de alegoria moralista ou, menos ainda, política em sentido
estrito. De certo me ressentia, mesmo que não o percebesse claramente,
da atmosfera daqueles anos. Estávamos no auge da guerra fria, havia uma
tensão no ar, um dilaceramento surdo, que não se manifestavam em
imagens visíveis mas dominavam os nossos ânimos. E aconteceu que, ao
escrever uma história de todo fantástica, sem me dar conta acabei
exprimindo não só o sofrimento daquele período particular como também
o impulso para sair dele; ou seja, não aceitava passivamente a realidade
negativa e ainda lograva inserir nela o movimento, a fanfarronice, a crueza,
a economia de estilo, o otimismo imbatível que tinham sido marcas da
literatura da Resistência.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
[…] A presença de um “eu” narrador-comentador levou parte da minha
atenção a se deslocar da história para o próprio ato de escrever, para a
relação entre a complexidade da vida e a folha sobre a qual essa
complexidade se dispõe sob a forma de signos alfabéticos (CALVINO,
2001, p.9 e 19).
E Calvino pretendia “... em O Visconde partido ao meio, a aspiração a uma
completude para além das mutilações impostas pela sociedade...”.
Nesta
sintonia
–
sintonia
calviniana
–
me
sinto
deliciosamente
desconsertado ao ler e reler Dostoiévski na ótica de Bakhtin. Por isso, vamos aguçar
os ouvidos para auscultar um pouco a voz de Bakhtin.
[…] Consideramos Dostoiévski um dos maiores inovadores no
campo da forma artística. Estamos convencidos de que ele criou um
tipo inteiramente novo de pensamento artístico, a que chamamos
convencionalmente de tipo polifônico.
[…] Dostoiévski criou uma espécie de novo modelo artístico do
mundo, no qual muitos momentos basilares da velha forma artística
sofreram transformação radical.
[…] Para uns pesquisadores, a voz de Dostoiévski se confunde com
a voz desses e daqueles heróis, para outros, é uma síntese peculiar
de todas essas vozes ideológicas, para terceiros, aquela é
simplesmente abafada por estas. Polemiza-se com os heróis,
aprende-se com os heróis, tenta-se desenvolver suas concepções
até fazê-las chegar a um sistema acabado. O herói tem competência
ideológica e independência, é interpretado como autor de sua
concepção filosófica própria e plena e não como objeto da visão
artística final do autor. Para a consciência dos críticos, o valor direto
e pleno das palavras do herói desfaz o plano monológico e provoca
resposta imediata, como se o herói não fosse objeto da palavra do
autor mas veículo de sua própria palavra, dotado de valor e poder
plenos.
[…] À semelhança do Prometeu de Goethe, Dostoiévski não cria
escravos mudos (como Zeus) mas pessoas livres, capazes de
colocar-se lado a lado com seu criador, de discordar dele e até
rebelar-se contra ele.
A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis
e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a
peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski. Não é a
multiplicidade de caracteres e destinos que, em um mundo objetivo
e uno, à luz da consciência una do autor, se desenvolve nos seus
romances; é precisamente a multiplicidade de consciências
equipolentes e seus mundos que aqui se combinam numa unidade
de acontecimentos, mantendo a sua imiscibilidade. Dentro do plano
artístico de Dostoiévski, suas personagens principais são, em
realidade, não apenas objetos do discurso do autor mas os próprios
sujeitos desse discurso diretamente significante. Por esse motivo, o
discurso do herói não se esgota, em hipótese alguma, nas
características habituais e funções do enredo e da pragmática, assim
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como não se constitui na expressão da posição propriamente
ideológica do autor...
[…] A consciência do herói é dada como a outra, a consciência do
outro mas ao mesmo tempo não se objetifica, não se fecha, não se
torna mero objeto da consciência do autor. Neste sentido, a imagem
do herói em Dostoiévski não é a imagem objetivada comum do herói
no romance tradicional. Dostoiévski é o criador do romance polifônico
(BAKHTIN, Problemas da Poética de Dostoiévski, 2008, p. 1,3,4,5).
Aqui Bakhtin mostra o quanto e o como ele era próximo e familiar de
Dostoiévski e da obra do escritor dos subterrâneos da condição humana. Dostoiévski
constrói relações muito diretas, pessoais, vivas, íntimas com os leitores – que são
provocados em vivenciar, conviver com os personagens, em vez de heróis,
defrontam-se com os anti-heróis – tratando os leitores ora de “vocês”, ora de “vós”,
como se fossem um público ora afável e concordante, ora crítico e angustiado,
provocando impiedosamente os leitores a decifrar os enigmas da vida –
particularmente da existência de cada leitor. É impossível ler Crime e Castigo, O
Idiota, Os Irmãos Karámazov, Memórias da Casa dos Mortos, Memórias do Subsolo
e não padecer de insônias aterrorizadoras por noites sem fim. Ele mesmo declarava
ter uma “consciência hipertrofiada”. Ao conviver com presos numa colônia penal da
Sibéria, ouvia os presos dizer: “Somos gente perdida”. “Quem não soube viver em
liberdade que aguente isto, agora”. “Foi por não termos querido obedecer aos nossos
pais que obedecemos agora ao batuque do tambor”. “Por não termos querido lavrar
o ouro, partimos agora pedras com o maço”. Os presos repetiam tudo isso, mas sem
refletir nos seus sentidos. Eles não gostavam de comentar e refletir no seu próprio
delito. Dos presos ele diz:
[…] Eles insultam de um modo perfeito, artístico. Elevaram o insulto
à categoria de uma ciência; esforçam-se por ferir, não tanto com uma
palavra ofensiva, como com um pensamento ofensivo, com uma
ironia, uma ideia vexatória... e da maneira mais concludente e
cáustica. Rixas contínuas acabaram por tornar entre eles essa
ciência altamente requintada. Toda essa gente trabalhara
anteriormente debaixo de pancadas; assim se tornou indolente e
acabou por depravar-se; e se já não o estava anteriormente,
corrompeu-se quando entrou para o presídio. Ninguém estava ali por
sua vontade; eram todos estranhos uns para os outros
(DOSTOIÉVSKI, 2010, p.19)
E Dostoiévski não deixa de revelar sua estranheza diante das atitudes dos
presos:
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[…] Eu não podia imaginar, a princípio, que fosse possível as
pessoas insultarem-se só por prazer, encontrar nisso uma distração,
um exercício agradável, um desporto. E também ali havia vaidade. A
dialética do insulto era muito apreciada. Ao bom insultador não
faltavam aplausos, como aos autores (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 35).
No presídio as condições sub-humanas dos presos, as brutalidades dos
diretores, dos guardas, dos carcerários são profundamente marcantes na vida de
Dostoiévski. E ele nos brinda com uma aula de elevada sociologia quando
estabelece o paradoxo do trabalho livre do camponês e o trabalho forçado do preso.
[…] O camponês em liberdade trabalha incomparavelmente mais, às
vezes de dia e de noite, sobretudo no verão, mas trabalha para si,
trabalha com uma finalidade racional, e assim o seu trabalho é muito
mais leve, para ele, do que o do presidiário, forçado e perfeitamente
inútil para si. Acontecia-me às vezes pensar que se me desse alguma
vez para perder-me completamente, para abater um homem, para
castigá-lo com o mais horrível castigo, um castigo que metesse medo
e fizesse tremer antecipadamente o criminoso mais valente, não
precisava senão de dar o seu trabalho o caráter de uma inutilidade e
total e absoluta carência de sentido. Embora o atual trabalho forçado
não tenha interesse e atrativo para o preso, é, contudo, em si mesmo
um trabalho razoável; em todo esse trabalho há uma ideia e uma
finalidade. E às vezes o trabalhador forçado dedica-se à sua tarefa,
aspira a fazê-la com mais destreza, mais rapidez e perfeição. Mas se
o obrigassem a transvasar água de uma cuba para outra, e desta
para aquela, a calcar areia, a transportar montinhos de terra de um
sítio para outro, e vice-versa, penso que o recluso se suicidaria
passados alguns dias ou cometeria mil desacatos, para, ainda que
fosse à custa da sua vida, se ver livre de humilhação, de vergonha e
de escárnio semelhantes. É claro que tal castigo apenas podia
imaginar-se com fins de tortura ou de vingança, e seria absurdo,
porque ultrapassaria o seu próprio fim. Mas ainda que não exista o
mínimo vestígio desse tormento, desse absurdo, desse vexame e
dessa vergonha, no trabalho forçado, o trabalho do preso é
incomparavelmente mais penoso do que o do homem livre,
precisamente por ser forçado.
[…] Com o tempo acabei por concluir que, além da privação da
liberdade, existe na vida de prisão um paradoxo, talvez mais forte do
que em todas as outras, e que vem a ser a forçada convivência geral.
Essa convivência geral existe também, sem dúvida alguma, em
outros lugares, mas no presídio encontram-se indivíduos de tal
natureza que nem a todas as pessoas pode agradar conviver com
eles, e estou convencido de que todo preso sente este vexame que
se lhe faz, embora, naturalmente, a maior parte deles o calem.
[…] Os presos lavavam-se numa vasilha de madeira; enchiam a boca
d'água e borrifavam depois as mãos e a cara com esse líquido. A
água tinha sido ali colocada já na véspera, pelo paráchnik. Em cada
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dormitório havia, por ordem superior, um preso, escolhido entre
todos, para os serviços desse mesmo dormitório. Era designado com
o nome de paráchnik e não ia para o trabalho no exterior. O seu dever
consistia em zelar pela limpeza do dormitório, lavar e limpar as
esteiras e o chão, trazer e levar o urinol, e encher de água fresca
duas vasilhas de madeira, de manhã para se lavarem e no resto do
dia para beberem (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 29,30 e 31).
Em toda sua obra Dostoiévski se revela o pensador-romancista, mas
particularmente em Memórias da Casa dos Mortos e Memórias do Subsolo,
Dostoiévski é o “filósofo-romancista”.
Estas cenas da vida real dos presídios é a substância vital das narrativas do
subsolo das condições humanas na obra literária de Dostoiévski, não só dos presos,
senão e com certeza, da sociedade hipócrita, falsa, de nobreza e dignidade
aparentes das classes mais elevadas da sociedade russa contemporânea de
Dostoiévski. E, tomado de desânimo e desprezo já no final das “Memórias”,
Dostoiévski revela uma consciência hipertrofiada diante da condição humana do
século dezenove.
[…] Mesmo agora, passados tantos anos, tudo isso me vem à
memória de modo demasiado mau. Muita coisa lembro agora
realmente como um mal, mas... não será melhor encerrar aqui as
“Memórias”? Parece-me que cometi um erro começando a escrevêlas. Pelo menos, senti vergonha todo o tempo em que escrevi esta
novela: é que isto não é mais literatura, mas um castigo correcional.
De fato, contar, por exemplo, longas novelas sobre como eu fiz
fracassar a minha vida por meio do apodrecimento moral a um canto,
da insuficiência do ambiente, desacostumando-me de tudo o que é
vivo por meio de um enraivecido rancor no subsolo, por Deus que
não é interessante: um romance precisa de herói e, no caso, foram
acumulados intencionalmente todos os traços de um anti-herói, e,
principalmente, tudo isto dará uma impressão extremamente
desagradável, porque todos nós estávamos desacostumados da
vida, todos capengamos, uns mais, outros menos. Desacostumamonos mesmo a tal ponto que sentimos por vezes certa repulsa pela
“vida viva”, e achamos intolerável que alguém a lembre a nós.
Chegamos a tal ponto que a “vida viva” autêntica é considerada por
nós quase um trabalho, um emprego, e todos concordamos no íntimo
que seguir os livros é melhor (DOSTOIÉVSKI, 2010, p.145 e 146).
Da mesma forma paradoxal que Calvino se revela e se expõe, partido ao
meio no sentido longitudinal – a metade esquerda má e a metade direita boa – vejo
Bakhtin também partido ao meio – o Bakhtin marxista dialético, um filósofo livre,
original e crítico do marxismo, e o Bakhtin soviético, um pensador contido, por
prudência e controle, vale-se de uma linguagem velada, inexata e inacabada, pois
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negava-se ao culto da personalidade de Stalin e de seus sucessores. Na obra de
Dostoiévski, Bakhtin, à escuta das falas e vozes do romancista e das vozes dos
personagens, ouve e sente o diálogo, a dialogia sem hierarquia social e sem heróis
– a ciência e a arte do diálogo. O lugar e o tempo da alteridade, da constituição da
identidade do Eu e do Outro pelo ato responsivo. O que ele mesmo enuncia: o
dialogismo e a polifonia de vozes. Ou, a “multiplicidade” de vozes, como proferiu
Calvino.
Porém, as inéditas, originais, únicas e primeiras análises de Bakhtin das
obras de Dostoiévski não se restringem e limitam a estas categorias – prenhes de
sentido e significados. Ele apresenta de forma inédita e profunda o problema de
carnaval e da carnavalização da literatura. É algo inédito o que ele escreveu.
[…] Um dos problemas mais complexos e interessantes da história
da cultura é o problema do carnaval (no sentido de conjunto e todas
as variadas festividades, ritos e formas de tipo carnavalesco), da sua
essência, das suas raízes profundas na sociedade primitiva e no
pensamento primitivo do homem, do seu desenvolvimento na
sociedade de classes, de sua excepcional força vital e seu perene
fascínio. Aqui não vamos, evidentemente, examinar esse problema
em profundidade, pois nosso interesse essencial se prende apenas
ao problema da carnavalização, ou seja, da influência determinante
do carnaval na literatura, especialmente sobre o aspecto do gênero.
O carnaval propriamente dito (repetimos, no sentido de um conjunto
de todas as variadas festividades de tipo carnavalesco) não é,
evidentemente, um fenômeno literário. É uma forma sincrética de
espetáculo de caráter ritual, muito complexa, variada, que, sob base
carnavalesca geral, apresenta diversos matizes e variações
dependendo da diferença de épocas, povos e festejos particulares.
O carnaval criou toda uma linguagem de formas concreto-sensoriais
simbólicas, entre grandes e complexas ações de massas e gestos
carnavalescos. Essa linguagem exprime de maneira diversificada e,
pode-se dizer, bem articulada (como toda linguagem) uma
cosmovisão carnavalesca una (porém complexa), que lhe penetra
todas as formas.
[…] O carnaval é um espetáculo sem ribalta e sem divisão entre
atores e espectadores. No carnaval todos são participantes ativos,
todos participam da ação carnavalesca. Não se contempla e, em
termos rigorosos, nem se representa o carnaval mas vive-se nele, e
vive-se conforme as suas leis enquanto estas vigoram, ou seja, vivese uma vida carnavalesca. Esta é uma vida desviada da sua ordem
habitual, em certo sentido uma “vida às avessas”, um “mundo
invertido” (“monde à l'envers”).
As leis, proibições e restrições, que determinavam o sistema e a
ordem da vida comum, isto é, extracarnavalesca, revogam-se
durante o carnaval: revogam-se antes de tudo o sistema hierárquico
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e todas as formas conexas de medo, reverência, devoção, etiqueta,
etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social
hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive
a etária) entre os homens. Elimina-se toda distância: o livre contato
familiar entre os homens. Este é um momento muito importante da
cosmovisão carnavalesca. Os homens, separados na vida por
intransponíveis barreiras hierárquicas, entram em livre contato
familiar na praça pública carnavalesca (BAKHTIN, 2008, p. 139 e
140).
Não há o que comentar, apenas para fechar, alguns enunciados breves mas
precisos, claros, exatos dos significados e sentidos históricos de carnaval.
[…] O carnaval aproxima, reúne, celebra os esponsais e combina o
sagrado com o profano, o elevado com o baixo, o grande com o
insignificante, o sábio com o tolo, etc.
[…] A ação carnavalesca principal é a coroação bufa e o posterior
destronamento do rei do carnaval.
[…] A base da ação ritual da coroação e destronamento do rei reside
o próprio núcleo da cosmovisão carnavalesca: a ênfase das
mudanças e transformações, da morte e da renovação.
[…] O nascimento é prenhe de morte, a morte, de um novo
nascimento (BAKHTIN, 2008, p.141).
O sonho de Calvino – mais certo, uma utopia imaginada – era de escrever
uma literatura revolucionária como pressuposto de todos os planos operacionais do
escritor e ele a confessa de forma livre e exata no segundo parágrafo de O Assunto
encerrado – Discursos sobre literatura e sociedade [Una pietra sopra]. Eram os
tempos do “intelectual engajado” no verdadeiro sentido dos escritos de Jean Paul
Sartre, tempos históricos muito bem vividos por Calvino.
A ambição juvenil de que parti foi a do projeto de construção de uma
nova literatura que por sua vez servisse para a construção de uma
nova sociedade. As correções e transformações que aquelas
expectativas sofreram vão aparecer da sucessão dos textos aqui
reunidos. Certamente o mundo que hoje está diante de meus olhos
não poderia ser mais oposto à imagem que aquelas boas intenções
construtivas projetavam para o futuro. A sociedade manifesta-se
como colapso, como desmoronamento, como gangrena (ou, em seus
aspectos menos catastróficos, como vida do dia a dia); e a literatura
sobrevivente dispersa nas fissuras e nas desconjunções, como
consciência de que nenhuma ruína será tão definitiva a ponto de
excluir outras (CALVINO, 2009, p.7 e 8).
É simplesmente delicioso e aprazível ler o “mundo escrito” de Calvino. E é
preciso ler sempre “con la coda del'ochio” – Com o rabo d'olho. Ou, uma leitura
oblíqua, em profundidade e não na superfície horizontal. Ler as entrelinhas do mundo
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escrito. Inclusive, ler as margens brancas das páginas impressas ou virtuais.
ENUNCIADOS FINAIS
Os analistas críticos mais rigorosos e disciplinarizados – academicistas –
podem pensar e dizer que se trata de uma “compilação”. Eu prefiro dizer que se trata
de um diálogo polifônico.
Assim, a melhor maneira de compreender o pensamento e o mundo-escrito
é ler primeiro os escritos originais e depois escutar os outros, as suas explicações e
seus escritos interpretativos. Conversar e dialogar com os pensadores, concatenar
o dialogismo com os heróis, os personagens e aprender com eles – os autores e
seus personagens – as lições de amor, ódio, piedade, tristeza, angústia, tragédia, da
“vida viva”.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. 4. ed., Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2008.
_______. Estética da Criação Verbal. 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_______. A Cultura popular na Idade Média e no Renascimento. 8. ed., São Paulo:
Hucitec, 2013.
_______. Marxismo e filosofia da linguagem. 16. ed., São Paulo: Hucitec, 2014.
BARROS, Manoel de. Memórias inventadas. São Paulo: Planeta, 2003.
CALVINO, Ítalo. Assunto encerrado – Discursos sobre literatura e sociedade. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006.
_______. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
_______. Os nossos antepassados. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
_______. Seis propostas para o próximo milênio. 2. ed., São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
_______. A palavra escrita e a não-escrita. In: FERREIRA, M. De M.; AMADO, J.
Usos e abusos da história oral. 6. ed., Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do Subsolo. 6. ed., São Paulo: Editora 34, 2009.
_______. Memórias da casa dos mortos. Porto Alegre: L&PM, 2010.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
_______. Crime e Castigo. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, (s.d.).
_______. Os mais belos contos de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Edições de Ouro,
MCMLXX.
GORKI, Máximo. As minhas universidades. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
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LINGUAGENS EM CONTEXTOS INCLUSIVOS E IDIOSSINCRÁTICOS:
PRODUÇÃO DE OBJETOS DIGITAIS DE ENSINO-APRENDIZAGEM.
Julia Cristina Granetto8
Beatriz Helena Dal Molin9
RESUMO: A proposta desta apresentação é discutir sobre as diversas linguagens
em situações de ensino-aprendizagem em contextos inclusivos e idiossincráticos,
com enfoque na educação mediada (EAD) e na produção de objetos digitais de
ensino aprendizagem (ODEA). Nesta Era tecnológica faz-se necessário refletir sobre
os objetos digitais de ensino-aprendizagem, considerando o emprego da tecnologia
digital, uma vez que ela está presente em todos os âmbitos de nossas vidas. Dessa
forma, procuramos demonstrar que entre as diversas possibilidades de potencializar
o acesso ao conhecimento, destaca-se o papel que ocupam os ODEA, que não
apenas proporcionam uma maior interatividade na forma de transmissão de
conteúdo, como também potencializam e possibilitam um novo modo de ensinar e
aprender. Consideramos que para construirmos objetos digitais de ensinoaprendizagem que ultrapassem a mera reprodução de conhecimento se faz
necessário pensar e repensar em sua elaboração sob o aspecto da transversalidade,
transdisciplinaridade e hipertextualidade, tão necessárias à compreensão da
complexidade da vida. A proposta reflete ainda, sobre o que se elabora e se retoma
no sentido de novo modo do fazer pedagógico, com o intuito de aprimorar com os
objetos digitais de ensino-aprendizagem sobremaneira o repertório do
conhecimento.
PALAVRAS-CHAVE: Contextos inclusivos e idiossincráticos; Educação Mediada
(EAD); Objetos digitais de ensino aprendizagem.
RESUMEN: La propuesta de esta presentación es discutir acerca de las distintas
lenguas en situaciones de enseñanza y aprendizaje en contextos inclusivos e
idiosincrásicos, centrándose en la educación mediada (EAD) y en la producción de
objetos digitales de enseñanza aprendizaje (ODEA). En esta Era tecnológica es
necesario reflexionar sobre los objetos digitales de enseñanza y aprendizaje,
teniendo en cuenta el empleo de la tecnología digital, ya que está presente en todos
los ámbitos de nuestras vidas. De este modo, buscamos demostrar que entre las
diversas posibilidades de mejorar el acceso al conocimiento, resalta el papel que
ocupan los ODEA, que no sólo proporcionan una mayor interactividad en forma de
8
UNIOESTE/ Universidade
[email protected]
Estadual
2
Estadual do Oeste do
UNIOESTE/ Universidade
[email protected]
do
Oeste
do
Paraná.
Cascavel,
Paraná.
e-mail:
Paraná. Cascavel,
Paraná.
e-mail:
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transmisión de contenido, sino también potencian y posibilitan una nueva forma de
la enseñar y aprender. Creemos que para construir objetos digitales de enseñanza y
aprendizaje más allá de la mera reproducción del conocimiento es necesario pensar
y repensar su elaboración desde el aspecto de la transversalidad, la
transdisciplinariedad y de la hipertextualidad, tan necesaria para la comprensión de
la complejidad de la vida. La propuesta refleja también sobre lo que se elabora y
retoma en el sentido de un nuevo modo de hacer pedagógico, con el objetivo de
mejorar con los objetos digitales de aprendizaje enseñanza en gran medida el
repertorio de conocimientos.
PALABRAS CLAVE: Contextos inclusivos e idiosincráticos; Educación mediada
(EaD); Objetos digitales de enseñanza y aprendizaje.
INTRODUÇÃO
Neste artigo, discute-se o que são objetos digitais de ensino-aprendizagem
(ODEA), buscando compreender sua função e seu papel no cenário da cultura da
convergência, apresentando suas características e, discutindo sobre sua importância
em tempos de tecnologia de comunicação digital (TCD).
A TCD gera impactos significativos na sociedade da informação, e altera a
maneira pela qual os povos aprendem, “os professores antes dotados de lousas,
cadernos, livros, escrituras, ditados, questionários, contam, hoje, com outras
possibilidades para que suas aulas sejam mais prazerosas e cognitivamente mais
desafiadoras” (RONCARELLI, 2012).
Com relação ao ensino, modificações importantes são propiciadas na forma
pela qual os materiais educacionais são planejados, construídos, disponibilizados e
entregues àqueles que desejam aprender. Com o avanço da TCD, e com o
crescimento de seu uso para fins educativos, surge um novo modo de pensar em
materiais e recursos didáticos, chamados de objetos digitais de ensinoaprendizagem, possibilitando novos caminhos para a práxis pedagógica.
Entre as diversas possibilidades de potencializar o acesso ao conhecimento,
destaca-se o papel que ocupam os ODEA, que não apenas proporcionam uma maior
interatividade na forma de transmissão de conteúdo, como também potencializam e
possibilitam um novo modo de ensinar e aprender.
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TENTATIVA
DE
CONCEITUAR
OS
OBJETOS
DIGITAIS
DE
ENSINO-
APRENDIZAGEM
O objeto digital de ensino-aprendizagem é um recurso definido de forma
muito ampla. Na literatura, constatam-se divergências com relação a sua
classificação e terminologia, dentre as definições encontramos: Objeto de
Aprendizagem (OA), Objeto Educacional (OE); Objeto Virtual de Aprendizagem
(OVA); Objeto de Conhecimento (OC); Materiais de Aprendizagem online (MAO);
Recursos de Aprendizagem (RA); Objeto digital de ensino-aprendizagem (ODEA),
dentre outras.
Adotamos para este estudo a terminologia ODEA, pois acreditamos que as
outras definições compreendem que os objetos podem ser qualquer dispositivo que
seja considerado e tenha finalidade educativa, como um livro, uma apostila, etc, já o
ODEA é um termo que compreende a presença do digital, garantindo e envolvendo
a TCD.
Neste trabalho, considera-se como ODEA todo e qualquer material
disponível na Web que tenha objetivo pedagógico, contendo desde simples
elementos, como um texto ou um vídeo, ou ainda, podendo ser mais completo e
complexo como um hipertexto, uma página da internet, um filme, um curso ou até
mesmo uma animação com áudio e recursos mais avançados e mistos. A respeito
de ODEA temos:
A definição mais utilizada em artigos e periódicos tem sido a
definição de “qualquer entidade, digital ou não digital, que pode ser
utilizada, reutilizada ou referenciada, apoiada pelas tecnologias”, ou,
simplificadamente, “qualquer recurso que possa ser reutilizado para
suporte ao ensino” (RONCARELLI, 2012, p. 107).
A definição citada apenas reforça que diferentemente dela, compreendemos
que um ODEA tem que ter a presença do digital. Os objetos digitais de ensinoaprendizagem surgem, pois, com o objetivo de serem instrumentos dessa nova
forma de educar, facilitando a disponibilidade e acessibilidade da informação no
ciberespaço. É uma terminologia recente que vem sendo cada vez mais incorporada
no ambiente educativo.
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Hofmann (2007) apud Silva, Café e Catapan (2010), que utiliza a
terminologia OA (objetos de aprendizagem), definem que o objeto pode ser qualquer
coisa, como um livro, uma árvore e até mesmo um céu. Para Silva, Café e Catapan
(2010), os objetos de aprendizagem (OA) são “recursos didáticos na forma de
arquivos digitais, imagens, vídeos, referências a sites ou outros materiais que
possam ser usados como suporte para as aulas ministradas” (SILVA, CAFÉ,
CATAPAN, 2010, p. 94). Já Wiley (2000) afirma que a definição de OA é muito ampla,
e não exclui qualquer pessoa, lugar, coisa ou ideia de que tenha existido em qualquer
momento na história do universo, uma vez que qualquer um destes pode ser
referenciado como suporte para a aprendizagem. Para o autor, ainda não há uma
definição única de objetos de aprendizagem e propõe, por isso, qualquer recurso
digital, por exemplo: imagens, gráficos, vídeos entre outros, que promova noensino,
e acrescenta que os objetos são compreendidos como “qualquer recurso digital que
possa ser reutilizado para apoiar a aprendizagem” (WILEY, 2000, p. 7). O autor
corrobora ainda mais com essa ideia definindo que os objetos de aprendizagem são:
Qualquer coisa que pode ser disponibilizada através da rede sob
demanda, sendo isto grande ou pequeno. Exemplos de recursos
digitais, reutilizáveis pequenos incluem imagens ou fotografias
digitais, fluxo de dados ao vivo (como registros de ações),
fragmentos de áudio e vídeo ao vivo ou pré-gravados, pequenos
pedaços de texto, animações e pequenas aplicações
disponibilizadas na web como uma calculadora em Java. Exemplos
de recursos digitais reutilizáveis maiores incluem páginas da Web
inteiras que combinam texto, imagens e outra mídia ou aplicações
para demonstrar experiências completas, como um evento
instrucional completo (WILEY, 2000, p. 4).
Nesta pesquisa, entende-se como objeto digital de ensino-aprendizagem,
uma microunidade de conhecimento. “Esta microunidade é sistematizada,
organizada e constitui-se de uma intencionalidade pedagógica de caráter
institucional” (RONCARELLI, 2012, p. 105).
Pinho Tavares (2006) compara os ODEA às peças ou blocos de construção
do Lego, brinquedo infantil, sendo vistos como unidades que podem ser agrupadas
de diferentes maneiras de forma simples e fácil para produzir experiências de
aprendizagem dinâmica. Wiley (2000) vai além e utiliza a metáfora do átomo,
unidade pequena que se agrega a outras desde que tenha determinadas
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características na sua estrutura interna. Seu uso e a sua reutilização requerem
conhecimentos pedagógicos para que seja realizado de forma eficaz e apropriada
sob o ponto de vista dos objetivos pedagógicos.
Wiley acrescenta: “Se objetos de aprendizagem alcançarem o seu público e
fornecerem a fundação para uma arquitetura de aprendizagem adaptável, geradora
e escalável, o ensino e a aprendizagem que nós conhecemos serão revolucionados”
(WILEY, 2000, p. 19). Com base nessas teorias sobre ODEA, considera-se que os
mesmos podem ser produzidos em diferentes maneiras, utilizando os mais diversos
recursos. Sobre sua produção, “O MEC recomenda que, sempre que possível, sejam
utilizados softwares gratuitos” (RONCARELLI, 2012, p. 110).
Moran (2000) diferencia os objetos de aprendizagem de objetos de ensino.
Para este autor, os objetos de ensino são destinados apenas a apresentar uma
informação e podem ter um fim educacional pontual. Já os objetos de aprendizagem
são os que possuem mais interatividade, que permitem uma reflexão sobre a reação
do objeto.
Acreditamos
que
os
ODEA
devem
ser
elaborados
usando
um
enquadramento conceitual inserido em teorias, estratégias e metodologias
pedagógicas, caso contrário, esse objeto será apenas um objeto de reprodução de
conteúdos, fechado e não um objeto digital de ensino-aprendizagem que provoque
a construção do conhecimento novo.
CARACTERIZAÇÃO DOS OBJETOS DIGITAIS DE ENSINO-APRENDIZAGEM
Caracterizar os objetos digitais de ensino-aprendizagem se torna importante
no sentido de “possibilitar que eles possam ser armazenados adequadamente,
encontrados facilmente, reagrupados e utilizados em diferentes contextos, sem
perder sua potencialidade pedagógica e suas funcionalidades” (RONCARELLI,
2012, p. 119) e, principalmente, sua capacidade de despertar para a busca de mais
conhecimento e de correlação dos conhecimentos teóricos com a práxis cotidiana do
estudante. Desta forma, há certos preceitos que devem ser seguidos para garantir
que o ODEA seja útil “respeitar os padrões ajuda na hora de empacotá-los e
despachá-los para outro espaço-tempo, em outra ambiência” (RONCARELLI, 2012,
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
p. 119).
É necessária uma organização de tais ODEA, uma catalogação, que tenha
como intuito principal de monstrar as características de tais objetos e uma
organização em metadados, uma vez que “os metadados possibilitam que os objetos
de aprendizagem sejam passíveis de classificação, de indexação, de catalogação e
de disponibilização” (RONCARELLI, 2012, p. 114), tais características tornamos
ODEA compreensíveis para as mais diversas plataformas e contextos de
aprendizagem e facultam seu melhor aproveitamento. Os ODEA devem apresentar
metadados, estarem inseridos em um determinado ambiente de aprendizagem,
apresentando características específicas que facilitam o acesso e os tornem
adequados na rede. Para Silva, Café e Catapan (2010) as características mais
usuais
dos
ODEA
são:
acessibilidade,
reusabilidade,
interoperabilidade,
portabilidade e durabilidade, os quais explicam da seguinte maneira:
acessibilidade: devem possuir uma identificação padronizada que
garanta a sua recuperação; reusabilidade: devem ser
desenvolvidos de forma a compor diversas unidades de
aprendizagem; interoperabilidade:devem ser criados para serem
operados em diferentes plataformas e sistemas; portabilidade:
devem ser criados com a possibilidade de se mover e se abrigar em
diferentes plataformas; durabilidade: devem permanecer intactos
perante as atualizações de sofware ou hardware (SILVA, CAFÉ,
CATAPAN, 2010, p.96).
Outro fator a ser considerado, na construção dos ODEA, é quanto ao seu
tamanho, quanto menor o objeto, mais fácil será juntá-lo a outro (LEFFA, 2006b),
considerando que o ciclo de vida de um objeto digital pode ser extremamente curto
se não for constantemente atualizado. Sobre a reusabilidade, Leffa afirma:
O OA não é algo feito apenas para ser usado, é algo feito também
para ser reusado. Parece haver aí a preocupação de economia, não
necessariamente financeira ou ecológica, mas de tempo na
construção do objeto. Quem constrói os Oas são principalmente os
professores e isso toma tempo, em princípio mais do que eles têm
para dispensar. Por isso, o professor gostaria de reaproveitar o
objeto que construiu, não necessariamente repetindo-o de ano para
ano ou de turma para turma, mas combinado com outros objetos,
recriando-o à medida que o reestrutura numa unidade maior (LEFFA,
2006b, p. 24).
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A adaptação no mundo digital é tão necessária como no mundo natural. Uma
atividade de ensino criada no sistema operacional Windows, por exemplo, deve ser
capaz de rodar no Linux. Da mesma maneira, no mundo interconectado de hoje, uma
atividade que roda num determinado navegador, deve também ser executável em
outro, por mais complexa que seja essa atividade. O problema é que as leis do
mundo digital, como os próprios sistemas de computação, são extremamente
instáveis e os padrões de regularidade que estabelecem num dia, mudam no outro.
A única constância desse meio é a constância da mudança “não basta, portanto,
apenas reduplicar o objeto. Para que a reusabilidade ocorra, é também necessário
que o objeto evolua e se adapte a todas essas mudanças constantes do meio digital”
(LEFFA, 2006b, p. 25).
Para Motter, um ODEA é definido e planejado tendo em vista, além dos
conteúdos da disciplina e do perfil dos estudantes, a sua reusabilidade,
adaptabilidade e compatibilidade entre a mídia escolhida e os aparatos tecnológicos
existentes no espaço escolar (MOTTER, 2013).
Como nos afirma Roncarelli, “para a identificação dos objetos, de modo
geral, importa sinalizar dados, como: área do conhecimento, subárea, título e
natureza do objeto, descritivo geral de preferência breve, funções executivas com
dados da equipe, o tempo previsto de produção, bem como a estimativa de recursos”
(RONCARELLI, 2012, p. 122).
Transpondo para um ODEA a concepção de Deleuze e Guattari (2011),
podemos dizer que um ODEA deve ser construído como um mapa, o qual permite
novos conhecimentos, contribuindo para a conexão dos diversos campos de
conhecimento. Deve ser aberto e conectável em todas as suas dimensões, ser
desmontável, reversível e suscetível de receber constantes modificações, em todos
os campos do saber e, portanto, também adequado e fértil ao ensino-aprendizagem
de línguas estrangeiras.
Um ODEA entendido como mapa, serve como ponto de referência
para novas descobertas. Novos vocabulários, novas formas
sintáticas e configurações fonéticas podem fazer parte da
estruturação desses instrumentos pedagógicos sem a estafante
tarefa de puramente estudar a dura estrutura de um idioma.
(MOTTER, 2013, p. 147).
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Ressaltamos que, em muitos casos, o ODEA será usado diretamente pelo
estudante, sem a presença do professor. Deste modo, faz-se necessário que ao
elaborar tais objetos, as instruções de uso sejam claras e os objetivos explícitos.
UMA PROPOSTA PARA A CONSTRUÇÃO DE OBJETOS DIGITAIS DE ENSINOAPRENDIZAGEM
Em nosso estudo, consideramos o ODEA, atrelado a uma determinada teoria
de aprendizagem, estando inseridos na moldura teórico-metodológica concernente
às exigências da cultura atual, denominada por Jenkins (2009) de cultura da
convergência, a qual promove uma verticalização transdisciplinar, transversal e
hipertextual. O ODEA, nesta cultura atual, deve ser entendido como recurso para
aumentar a qualidade do ensino, contribuindo para o desenvolvimento da
aprendizagem que faça sentido para o estudante. Sob esse aspecto, o
desenvolvimento de ODEA deve oferecer suporte a processos educacionais. E para
tanto, deve ser construído de modo coerente e articulado, comprometido com a
construção de novos conhecimentos, superando a mera transposição de conteúdos.
Ao ensinar, o professor observa posturas, atitudes e
comportamentos dos estudantes – elementos que servem de
indicadores para o prosseguimento ou interrupção de suas ações.
Professor e aprendiz, ambos ensinam e ambos aprendem juntos. Um
objeto educacional deve cumprir essa função: provocar o ensinar e o
aprender mútuo (MOTTER, 2013, p. 143).
No ensino tradicional, os conhecimentos são cada vez mais fragmentados,
as disciplinas se fecham e não se comunicam umas com as outras, delimitam o
saber, criando uma espécie de territorialização do conhecimento. Nesse sentido, fazse necessário refletir sobre uma maneira de como desterritorializar o conhecimento,
que se configura como um fenômeno extremamente complexo.
A transdisciplinaridade é vista como o estágio final de uma visão de ciência
evolucionista que se inicia com a disciplina, evolui para a multi, pluri, inter e
finalmente para a transdisciplinaridade.
A disciplinaridade implica na divisão da ciência de maneira isolada, fechada,
onde existe um controle sobre o quê, quando e como o aluno adquire o
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conhecimento. Morin (2005), sobre disciplina nos afirma que:
A disciplina pretende primeiro fazer reconhecer a sua soberania
territorial e, desse modo, confirmar as fronteiras em vez de
desmoroná-las, mesmo que algumas trocas incipientes se efetivem.
[...] É necessário ir mais longe, e é aqui que aparece o termo
transdisciplinaridade (MORIN, 2005, p. 52).
A multidisciplinaridade é vista como a forma de considerar um único objeto
de pesquisa sob o aspecto de diferentes disciplinas, neste formato, embora o objeto
de estudo seja o mesmo, a contribuição de cada disciplina ainda é
compartimentalizada, não interagindo entre si (NICOLESCU, 2001).
O formato pluridisciplinar adiciona algo a mais à disciplina em questão, mas
esse algo a mais pertence exclusivamente àquela própria disciplina. Em outras
palavras, seu procedimento ultrapassa os limites de uma disciplina, mas seu objetivo
está restrito ao quadro disciplinar em questão. Para Nicolescu “a pluridisciplinaridade
diz respeito ao estudo de um objeto de uma única e mesma disciplina efetuada por
diversas disciplinas ao mesmo tempo” (NICOLESCU, 2001, p. 1).
Já na interdisciplinaridade, há um princípio de interação entre as disciplinas,
ainda que estudem sob um ponto comum de um determinado objeto. No entanto, o
ponto de partida ainda é das disciplinas para o objeto. É somente na
transdisciplinaridade que a relação entre a disciplina e o objeto se inverte. Não se
parte, pois, da disciplina como no nível da disciplinaridade, multi, pluri e inter, mas
do objeto, parte-se de algo mais amplo, em que as disciplinas podem até ser usadas,
dependendo se as mesmas contribuirão para a solução do problema encontrado.
O conhecimento transdisciplinar associa-se à dinâmica da
multiplicidade das dimensões da realidade e apóia-se no próprio
conhecimento disciplinar. Isso quer dizer que a pesquisa
transdisciplinar pressupõe a pesquisa disciplinar, no entanto, deve
ser enfocada a partir da articulação de referências diversas. Desse
modo, os conhecimentos disciplinares e transdisciplinares não se
antagonizam, mas se complementam (SANTOS, 2008, p. 75).
O
físico
Nicolescu
em
(1999),
seu
texto
“O
Manifesto
da
Transdisciplinaridade”, declara que a linguagem disciplinar ergue barreiras que
impossibilitam e inviabilizam diálogos entre os saberes das diversas áreas do
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
conhecimento. O autor ainda acrescenta que a necessidade de se criar laços entre
as disciplinas vem desde a metade do século XX, com o surgimento da
transdisciplinaridade e da pluridisciplinaridade.
Edgar Morin, ao se referir à transdisciplinaridade, menciona que a soma do
conhecimento das partes não é suficiente para se conhecer as propriedades do
conjunto, pois o “todo é maior do que a soma de suas partes” (MORIN, 2005, p. 123).
Além disso, quando se considera o todo não se vê a riqueza das partes, por essas
ficarem inibidas e virtualizadas, impedidas de expressarem-se em sua plenitude.
Santos (2008) complementa que “a transdisciplinaridade exige também uma postura
de democracia cognitiva (todos os saberes são igualmente importantes), superando
o preconceito introduzido pela hierarquização dos saberes” (SANTOS, 2008, p. 76).
Construir ODEA sob um aspecto transdisciplinar exige uma contextualização
maior, procurando demonstrar que, por mais distante que possa parecer tudo está
relacionado, a visão transdisciplinar de ciência que inclui a alteridade, ou seja,
construo meu conhecimento considerando a visão do outro, e incluo também o
alternativo, no sentido de algo independente das tendências dominantes,
quando se pensa em desenvolvimento de material didático
para o processo ensino-aprendizagem mediado, o foco
principal deve estar norteado pela prática baseada na inter e
na
transdisciplinaridade
necessárias
a
um
bom
encaminhamento para a apropriação e construção de novos
conhecimentos (DAL MOLIN, 2008, p. 7).
O conhecimento disciplinar foi, sem dúvida, necessário para permitir a
explosão do saber, teve sua relevância em determinada época, mas em tempos de
cultura da convergência, essa disciplinaridade se for perpetuada, como nos mostra
Nicolescu (2001), nos “arrastará na lógica irracional da eficácia pela eficácia, que
tenderá unicamente a levar-nos à autodestruição” (NICOLESCU, 2001, p. 9). O autor
segue seu raciocínio afirmando que:
Na perspectiva transdisciplinar, existe uma relação direta e
incontornável entre a paz e a transdisciplinaridade. O
pensamento fragmentado é incompatível com a busca de paz
sobre a Terra. A emergência de uma cultura e de uma
educação para a paz exige uma evolução transdisciplinar da
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educação (NICOLESCU, 2001, p. 10).
Elaborar objetos digitais de ensino-aprendizagem sob a perspectiva da
transdisciplinaridade é considerar um conjunto de atividades de ensinoaprendizagem sobre um determinado conteúdo tratado, que “priorizem a inter e a
transdisciplinaridade, bem como o contato com as diversas mídias levando o
estudante a compreender melhor os conteúdos tratados” (DAL MOLIN, 2008, p. 16).
Trazendo à cena novas formas de elaboração de ODEA, evidenciando a
transdisciplinaridade, sendo essa o aspecto fundamental do processo de
aprendência, estabelecendo uma estreita ligação com o que é ontológico do ser
humano que é a hipertextualidade, que a tecnologia consegue materializar de
alguma forma, ainda que não completamente (DAL MOLIN; GRANETTO; PEREIRA,
2012). Aplicada à aprendência, a transdisciplinaridade torna o ato de aprender e
ensinar prazerosos, resgatando o sentido do conhecimento, que por razões da
fragmentação foi perdido.
Precisamos reintroduzir na escola o princípio de que toda a
morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a experiência do
prazer. Quando esta dimensão está ausente, a aprendizagem vira
um processo meramente instrucional. Informar e instruir acerca de
saberes já acumulados pela humanidade é um aspecto importante
da escola, que deve ser, neste aspecto, uma central de serviços
qualificados. Mas a experiência de aprendizagem implica, além da
instrução informativa, a reinvenção e construção personalizada do
conhecimento. E nisso o prazer representa uma dimensão-chave.
Reencantar a educação significa colocar a ênfase numa visão da
ação educativa como ensejamento e produção de experiências de
aprendizagem (ASSMANN, 2007, p. 29).
Ao se propor trabalhar com a transdisciplinaridade, aplicando-a aos objetos
digitais de ensino-aprendizagem, desejamos fazer com que nossas aulas se
configurem em novos mapas, não mais marcados por territórios fragmentados, mas
“tentando ultrapassar fronteiras, vislumbrando novos territórios de integração entre
os saberes” (GALLO, 2008, p. 21). “Há um ganho de conhecimento, quando consigo
unir em vez de separar” (LEFFA, 2006, p. 23). Corroborando com essa ideia,
Nicolescu (2001) complementa:
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A educação transdisciplinar lança uma luz nova sobre uma
necessidade que se faz sentir cada vez mais intensamente em
nossos dias: a necessidade de uma educação permanente. Com
efeito a educação transdisciplinar, por sua própria natureza, deve
efetuar-se não apenas nas instituições de ensino, da escola à
Universidade, mas também ao longo de toda a vida e em todos os
lugares em que vivemos (NICOLESCU, 2001, p. 9).
Esse novo olhar voltado ao ensino traz um grande desafio, os professores
devem valorizar o conhecimento em sentido amplo, presente em todas as disciplinas
escolares. Com esse viés, ensinar, sem trabalhar a relação com o todo, perde
sentido, uma vez que a transdisciplinaridade maximiza a aprendizagem ao
considerar as dimensões mentais, emocionais e corporais, tecendo relações tanto
horizontais como verticais do conhecimento. Ela cria situações de maior
envolvimento dos alunos na construção de sentidos para si.
Em virtude da formação de tipo disciplinar, os professores que
enfrentam o desafio da transdisciplinaridade estão sujeitos a
ambigüidades e contradições que vão sendo corrigidas e adequadas
na medida do aprofundamento conceitual e, principalmente, da
autocrítica entre os pares (SANTOS, 2008, p. 76).
Seguindo o pensamento da teoria pedagógica proposta por Nicolescu
(2001), consideramos que a transdisciplinaridade expressa e se harmoniza com as
configurações do avanço do conhecimento e da sociedade em tempos de cultura da
convergência, superando o modo de pensar, de ensinar e de aprender.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os ODEA, na cultura atual, devem ser entendidos como recursos para
aumentar a qualidade do ensino, contribuindo para o desenvolvimento da
aprendizagem que faça sentido ao estudante. Sob esse aspecto, o desenvolvimento
de ODEA devem oferecer suporte a processos educacionais. E para tanto devem ser
construídos de modo coerente e articulado, de modo que estejam comprometido com
a construção de novos conhecimentos, superando a mera transposição de
conteúdos.
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Cumprindo a sua função, de ensinar e aprender de forma mútua torna-se
necessário que se trabalhe e elabore objetos sob o aspecto transdisciplinar,
transversal e hipertextual de forma conjunta. Entendemos que reflexões críticas
sobre essa prática de elaboração de ODEAS, podem contribuir para a melhoria do
repertório de conhecimento.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
DESENCANTAMENTO E APATIA: PERSPECTIVA TRÁGICA EM
CAETÉS, DE GRACILIANO RAMOS
Pedro Leites Jr10
RESUMO: Ao se debruçar sobre o movimento de crítica e reflexão teórica entorno
da obra de Graciliano Ramos, dificilmente o estudioso de literatura deixará de
considerar a relevância dos escritos de Antonio Candido. Depois de passar, ao longo
de anos de estudo e diversos textos produzidos, por considerações pormenorizadas
acerca da ficção e memórias da produção do autor alagoano, o crítico aponta como
aspecto sumário da obra de Graciliano a predominância de certo tom de descrença
e desesperança para com a condição humana, como se pode perceber em Ficção e
confissão (2006) – que reúne e reelabora ensaios anteriores. Nesse sentido, em
diálogo com as considerações de Candido, assim como de outros críticos e
estudiosos que nos servirão de apoio, ao longo deste texto procuraremos articular
suas discussões e relocá-las sob um enfoque que, se considerado pelos estudiosos
mais proeminentes, parece não ter sido por eles explorado com especificidade.
Referimo-nos à permanência de uma perspectiva de tragicidade e apatia do indivíduo
moderno na obra do escritor, sendo que tal pode ser notada já em sua obra inaugural,
Caetés (1933), à qual nos deteremos mais especificamente, atentando em pormenor
à figura do personagem-narrador-escritor João Valério, entendido como
representante característico de (anti)herói de Graciliano.
PALAVRAS-CHAVE: Graciliano Ramos; Caetés; Conteúdo trágico.
RESUMEN: Cuando se habla de la crítica y reflexión teórica en torno a la obra de
Graciliano Ramos, difícilmente el estudioso de la literatura no tendrá en cuenta la
relevancia de los escritos de Antonio Candido. Después de haber desarrollado, a lo
largo de años de estudio y textos producidos, consideraciones detalladas sobre la
ficción y memorias del referido autor del estado de Alagoas, Candido apunta como
aspecto central de la obra de Graciliano los predominantes de la incredulidad y de la
desesperanza hacia la condición humana, como se puede ver en Ficção e confissão
(2006) – que recoge y reelabora ensayos anteriores. Por lo tanto, dialogando con las
consideraciones de Candido, así como con otros críticos y estudiosos, a lo largo de
este trabajo intentaremos coordinar tales discusiones y reubicarlas desde una
perspectiva que, aunque considerada por los estudiosos más prominentes, no
parece haber sido explorada por ellos con especificidad. Nos referimos al
mantenimiento de una perspectiva trágica y de la apatía del individuo moderno en la
obra del escritor, lo que se puede ver ya en su obra inaugural, Caetés (1933), la cual
10
Doutorando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração Linguagem e
Sociedade – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, sob
orientação da Profa. Dra. Lourdes Kaminski Alves. Bolsista CAPES (Modalidade Doutorado-sanduíche –
Universidade de Vigo/Espanha e membro do Grupo de Pesquisa Confluências da ficção, história e memória na
literatura. Linha de pesquisa: Literatura, História e Memória. E-mail: [email protected].
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vamos a considerar más en concreto, teniendo en detalle la figura del personajenarrador-escritor João Valério, entendido como representante característico de
(anti)héroe de Graciliano.
PALABRAS CLAVE: Graciliano Ramos; Caetés; Contenido trágico.
Outras raças, outros costumes, quatrocentos anos. Mas
no íntimo, um caeté.
Um caeté descrente.
(Graciliano Ramos)
A crítica, de modo geral, assim como a autocrítica do escritor alagoano
Graciliano ramos, à visão do leitor de hoje, tendem a centrar a apreciação de Caetés
(1933) com foco maior em suas limitações, se é que o termo é apropriado, do que
em suas virtudes, sendo que os estudos destacam-se por colocar em evidência o
surgimento de características da obra do autor que serão mais profundamente
desenvolvidas nas produções porvindouras 11 , como o tom crítico, a linguagem
estudada minuciosamente e de estética minimalista, uma perspectiva pós-naturalista
de forte alusão à obra de Eça de Queirós, ou mesmo a tendência do autor, já
manifesta em seu romance inaugural, à escrita autobiográfica. Nas palavras de
Alfredo Bosi (2006, p. 402), em Caetés, romance “muito próximo das soluções
realistas tradicionais”, pode-se perceber um escritor “ocupado na formalização da
própria memória”. A ambientação em cidade interiorana do nordeste brasileiro, a
tensão à escrita literária do narrador-personagem, conturbada e entrecortada pela
autoanálise, justificam a posição assumida por Bosi.
Contudo, há de se notar que o caráter autobiográfico se justapõe ao tom
realista/naturalista: Bosi mesmo destaca o trabalho “neo-realista” da descrição do
meio provinciano, acusando a inevitabilidade da analogia entre Graciliano e Eça, ou
mais propriamente, no que diz respeito especificamente a Caetés, segundo ele, entre
Graciliano e Machado de Assis ou Lima Barreto. Ocorre, pois, que a matiz realista,
a priori, pressupõe distanciamento, ou seja, uma perspectiva objetiva em relação aos
fatos narrados que entra em desacordo com a prevalência do subjetivo em uma
narrativa marcada pela autobiografia. Poder-se-ia dizer, assim, que as explanações
“Um exercício de técnica literária mediante o qual pôde aparelhar-se para os grandes livros
posteriores” (CANDIDO, 2006, p. 18).
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de Alfredo Bosi abarcariam uma aparente contradição. Todavia, acreditamos que
são, em verdade, acusadoras da estrutura narrativa da obra, montada,
paradoxalmente, num jogo de revelação objetiva-realista de impressões subjetivasintimistas de João Valério. Passagem exemplar que nos mostra tal dinâmica é a do
jogo de poker de que Valério participa, conturbado depois de conversa com o Chefe
Adrião, que recebera carta anônima – creditada a Neves – denunciando o caso do
empregado com Luísa, esposa de Adrião:
Evaristo Barroca me estendeu-me a mão com aquele modo de
superioridade protetora, que lhe fica bem e que abomino.
– Ó Pinheiro, dá-me aqui fora uma palavra? É um instante.
– Impossível, meu filho, inteiramente impossível. Ocupadíssimo. O
poker é uma grande instituição. Faça uma perna.
Detesto as cartas, mas naquela ocasião julguei que elas me seriam
úteis. Se o Teixeira soubesse que eu tinha estado a jogar, talvez se
imaginasse injusto.
– O senhor entra? perguntou Evaristo baralhando.
– Entrada de quanto?
– Cem mil-réis, disse o tabelião entregando-me as fichas.
Paguei e sentei-me:
– Cinco mil-réis?
– Cinco, respondeu Evaristo. O senhor joga? Pois sou forçado a
reabrir. Quer cartas?
– Duas.
Evaristo Barroca soltou o baralho:
– Fala o senhor.
– Mesa.
E pensei nas amarguras que me iam aparecer no dia seguinte. O que
eu devia fazer era esperar o Neves à saída da sessão de espiritismo
e dar-lhe uma sova. Era o que eu devia fazer, mas sou um indivíduo
fraco, desgraçadamente.
– Para iniciar aposto apenas uma, disse Evaristo com aquela voz
sossegada, aquele olhar tranquilo que nunca mostra o que ele tem
por dentro (RAMOS, 1994, p. 182-183).
O episódio continua e se estende por três páginas, mas a citação do trecho
inicial do jogo de poker nos é suficiente para que notemos a intercalação e interrelação entre fatos descritos e apreciações da personagem: ora o narrador parece
movimentar-se se distanciando do personagem, quase que limitando-se em “colar”
os diálogos e descrever as ações (“– Entrada de quanto?/ – Cem mil-réis, disse o
tabelião entregando-me as fichas. [...] – Fala o senhor./ – Mesa.”), ora adentra em
Valério, expelindo suas impressões, deixando transparecer seus pensamentos,
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indicadores de suas emoções, conjecturas, angústias, desejos e frustrações (“Era o
que eu devia fazer, mas sou um indivíduo fraco, desgraçadamente.”). Poder-se-ia
afirmar mesmo que, por momentos, ao leitor dá a impressão de uma sobreposição
de planos: um primeiro, quase asséptico, no qual os fatos se dão, e, dentro deste,
imerso no espírito do personagem, um mais profundo, em tudo subjetivo e
condicionado à agitação interna de João. O quadro que se desenha é de intensa
movimentação interna (pensamentos e emoções) do personagem (“O que eu devia
fazer era esperar o Neves à saída da sessão de espiritismo e dar-lhe uma sova. Era
o que eu devia fazer”), que contrasta com a estagnação externa, de seu corpo:
permanece imóvel, observando os fatos e reagindo a eles quase que instintivamente
(“– [...] Quer cartas? – Duas.”). Nesse sentido, no que diz respeito ao personagem,
não há ação exterior, há reação automática, sendo suas forças direcionadas as
proposições interiores, em espécie de convulsão que busca controlar-se. O quadro
se completa com a cena em que se encontra e de que faz parte o personagem – isto
é, o jogo de poker e a interação entre os personagens – também em agitação. O
esquema abaixo, redutoramente, ilustra essa ideia.
A relação, todavia, entre os planos da psique (mente) do personagem e do
cenário externo expresso nos diálogos e descrições, assim como entre a agitação
interior de João Valério, sua estagnação exterior (corpo), e a movimentação da cena,
é dialética, promovendo pontos de contato e entrecruzamentos. Isso fica evidente no
recorte “– Para iniciar aposto apenas uma, disse Evaristo com aquela voz
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sossegada, aquele olhar tranquilo que nunca mostra o que ele tem por dentro”, sendo
que, no plano da descrição objetiva dos fatos penetra a avaliação subjetiva/interior
do narrador-personagem, que, no caso, expressa sua concepção depreciativa com
relação a Evaristo Barroca. Há de se notar, ainda, se pensarmos na estrutura e
encadeamento narrativo do episódio (o jogo de poker) citado acima como um todo,
que a descrição objetiva ancora o curso das proposições interiores, que caminham,
a partir daí, como um fluxo de consciência, que leva, por sua vez, a tomadas de
decisões com relação às ações exteriores. Em verdade, seria plausível afirmar que
tal dinâmica estrutura o romance quase que em sua completude, o que talvez ocorra,
de maneira mais proeminente, em Angústia (1936), romance que Graciliano
escrevera três anos depois da publicação de Caetés.
É bem verdade que o nível de aprofundamento psicológico experimentado em
Angústia, com o também narrador-personagem Luís da Silva, está em patamar em
muito distante dos momentos de angústia de João Valério, com o perdão do
trocadilho. O que percebemos, de qualquer forma, é que tal estratégia narrativa
parece ser característica que detém relativa permanência na obra de Graciliano
Ramos, construindo uma espécie de poética própria entorno da prevalência da
dinâmica entre perspectiva realista-crítica do mundo exterior e situação/condição12
angustiante, conflitiva e errante do indivíduo imerso e interprete desse mundo.
É exatamente aí que percebemos, juntamente com o que alude Candido
(2006), uma diferença fundamental entre Graciliano e Eça: se por um lado confirmase a aproximação do romancista brasileiro ao português no que diz respeito à
minuciosidade e envolvimento para com os quadros narrados, essa relação afrouxase na medida em que há uma fundamental distinção no que tange ao filtro promovido
pelo narrador, que intermedia o contato entre os fatos e a percepção dos mesmos
pelo leitor.
Como primeiro ponto temos de reconhecer que, tal qual é atributo reconhecido
de Eça, percebe-se em Caetés uma “laboriosa ginástica intelectual em que o autor
se exercita na descrição, narração, diálogo, notação de atos e costumes” (CANDIDO,
2006, p. 19), sendo que, para Candido, a atmosfera geral do livro se aproxima ainda
12
A indecisão quanto à escolha do termo mais apropriado aqui (situação/condição) é proposital:
voltaremos à discussão mais à frente.
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das tendências pós-naturalistas de “registro dos aspectos mais banais e
intencionalmente anti-heróicos do cotidiano” (CANDIDO, 2006, p. 19). Contudo,
nessa linha de intencionalidade, o que mais distancia a prosa de Graciliano do
realismo eciano é o modo como o narrador, na posição de personagem e em todo
momento imerso em suas resoluções e irresoluções quanto ao amor por Luísa,
envolve-se subjetivamente com a matéria narrada. Por meio, “através” de sua ótica,
bastante particular, é que o leitor faz o reconhecimento dos fatos. E, se por um lado
assimila objetivamente o que é narrado e descrito, pode identificar, sem dificuldade,
a marca subjetiva de Valério, que opera essa objetivação.
Antonio Candido (2006), ao tratar desse assunto, relaciona a cena do jantar
de aniversário em casa de Adrião e Luísa ao jantar que abre o segundo volume d’Os
Maias, anotando a cena de agitação e certo alvoroço que se constrói em ambos os
casos, e assinala que, ao contrário do escritor lusitano, o autor de Caetés
nunca permaneceu [...] de ta forma embevecido pelo movimento do
conjunto que chegasse a perder de vista os problemas específicos
do personagem. Nas famosas corridas ou no sarau beneficente d’Os
Maias, o escritor se absorve no deleite da cena coletiva, e os
problemas individuais se esbatem para segundo plano. Em
Graciliano, já neste livro de estréia [...], cenas e personagens formam
uma constelação estreitamente dependente do narrador; a vida
externa, os fatos, os outros se definem em função de seu
“pensamento dominante” – o amor por Luísa (CANDIDO, 2006, p.
23).
Isso significa dizer que, em Caetés, se há alterações ou mesmo
sobreposições de planos, mudanças de focalização e minúcia descritiva, jamais se
perde de vista o centramento na figura de João Valério e em nenhum momento temse qualquer assimilação da matéria narrada que não passe por seu crivo que, além
de subjetivo no que se refere ao ponto de vista narrativo (auto e intra diegético),
subjetivo também no que diz respeito à presença de um fio condutor de pensamento
e disposição de espírito que é a atração quase que permanente do personagem por
Luísa, ao que está atrelado um modo de ver e narrar que constrói uma atmosfera de
inquietude, desesperança e angústia.
Graciliano é em tudo individual, em tudo estudo do indivíduo. Mesmo que a
crítica social esteja presente e ancorada em uma técnica eciana que nos aproxima
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da perspectiva realista, é o âmago da subjetividade e o ângulo do indivíduo que lhe
interessam. O mundo, pois, dialeticamente, é “apenas” o ponto de referência que
dispõe ao sujeito o objeto de seus anseios, desejos e aflições. Nesse sentido, o
mundo só se faz presente a partir desses mesmos anseios, desejos e aflições. É
interessante notar, todavia, como, apesar de tais conjecturas, do centramento no
indivíduo, força motriz da narração, não há, por parte do leitor, dada a técnica
realista, grandes desconfianças quanto à “fidedignidade” ou “verdade” dos fatos
narrados. Vejamos a interpelação de João Valério a Luísa, em saída da casa de
Adrião; a citação é longa, mas voltaremos a ela por mais de um momento:
Já na calçada, notei que Luísa vinha fechar o portão. Estranhei vê-la
tomar ocupações de Zacarias. E, numa exaltação instantânea:
– D. Luísa, que foi que lhe fiz ontem?
Julguei descobrir-lhe uma expressão de terror nos olhos,
desmedidamente abertos, e insisti:
– Foi uma ofensa, creio. Não sei. Tenho procurado ver se adivinho.
Ela tremia.
– Diga, pelo amor de Deus, gemi. Diga depressa.
– Não houve nada.
Cerrou o portão e levou uma eternidade mexendo na chave para
trancá-lo.
– Vamos! tornei com desespero, o rosto colado à grade. Para que
trata-me desse modo? Que lhe fiz eu?
– Nada. Vá-se embora, bradou Luísa com uma voz irritada que eu
nunca lhe tinha ouvido.
E, metendo a mão entre os varões de ferro, empurrou-me a cabeça
e fugiu.
Dei alguns passos cambaleantes, a experimentar ainda no rosto o
contato com os dedos dela. Passados minutos, reconheci que, em
vez de me dirigir a casa, andava para o lado oposto, estava à beira
do açude. Encostei-me a uma das balaustradas que limitam o
paredão. Mas não era a água negra que eu via, nem os montes que
se erguiam ao fundo, indistinto. Na escuridão surgiu um colo
decotado, o vento agitou uns cabelos louros, uns olhos azuis
brilharam. Longos dedos brancos tocaram-me o rosto. Recuei
titubeando.
Dois sujeitos que desciam do alto do cemitério, afinando violões,
pararam curiosos a pequena distância, riram, como se eu estivesse
embriagado. Presumo que estava realmente embriagado.
Tartamudeava:
– O fim das coisas...
Esta frase foi repetida muitas vezes.
Subitamente interceptei-me com amargura por me não haver
apoderado daquela mão que me repelia, não a ter coberto de beijos.
Sou um desastrado (RAMOS, 1994, p. 101-103).
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Ainda que seja usada, a todo momento, a primeira pessoa, o nível de precisão
do narrador e o tom imperativo com que expõe os fatos, não permite ao leitor
contestar a retidão dos acontecimentos. Mesmo quando descreve suas próprias
reações e impressões (“E, numa exaltação instantânea:”; “– Vamos! tornei com
desespero, o rosto colado à grade.”; “Vá-se embora, bradou Luísa com uma voz
irritada que eu nunca lhe tinha ouvido.”), o narrador-personagem é bastante
verossímil. O grau de exatidão, entretanto, se permite a atmosfera de tensão, impede
que haja uma penetração muito profunda na psicologia do personagem. A ruptura
entre a descrição externa e as divagações, consequentemente, são bruscas e muito
facilmente detectadas: não há dificuldade para o leitor separar o que ocorre no
mundo exterior e o que se constrói dentro e se restringe à mente do personagem. É
o que notamos na passagem de “Encostei-me a uma das balaustradas que limitam
o paredão.” para “Mas não era a água negra que eu via, nem os montes que se
erguiam ao fundo, indistinto.”, ao que se segue: “Na escuridão surgiu um colo
decotado, o vento agitou uns cabelos louros, uns olhos azuis brilharam. Longos
dedos brancos tocaram-me o rosto. Recuei titubeando.” Está tudo muito claro e
explicado linearmente ao leitor: em que ponto termina a narração dos fatos, o que
introduz o devaneio e onde se inicia a visão onírica. Algo muito distinto daquilo que
Graciliano empreenderá em Angústia, romance estruturado, por meio do fluxo de
consciência, a partir da intersecção complexa e de difícil distinção entre “realidade
fática” e “sonho”; aspecto explorado a fundo nesse terceiro romance do autor, em
meio à narração de Luís da Silva:
A réstia descia a parede, viajava em cima da cama, saltava no tijolo
[...]. Nos rumores que vinham de fora as pancadas dos relógios da
vizinhança morriam durante o dia, [...] gritos de crianças, a voz
arreliada de d. Rosália, o barulho do ratos [...]. O som de uma vitrola
coava-se aos meus ouvidos, acariciava-me, e eu diminuía, embalado
nos lençóis [...]. Minha mãe me embalava cantando aquela cantiga
sem palavras. [...] Estávamos na segunda parte, e eu subia a parede,
acompanhava a réstia como uma lagartixa (RAMOS, 1983, p. 226).
Em Angústia, acompanhar o fluxo de consciência do narrador-personagem é
mergulhar em um mundo de sonho e realidade sem portas identificadas de entrada
e saída. A transição de planos é intrincada e nunca completa: há sempre algo de
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sonho no real e algo de fora que penetra e interfere no devaneio. Ainda que o
romance tenha sofrido com a crítica e autocrítica por alguns “problemas” estruturais,
como aponta Candido (2006) e concorda Graciliano – que chega a condenar a obra
e dizer que deveria ser reescrita13 – em carta ao referido estudioso, é de se destacar
o modo como a narrativa é conduzida e o trabalho de elaboração psicológica de Luís
da Silva.
A “relativa frouxidão psicológica” – nos termos de Candido (2006, p. 20) – do
personagem-narrador (assim como dos personagens de modo geral) de Caetés,
pois, é antagônica à exploração aprofundada de Angústia; e nessa linha de
apreensão, não havendo uma “profunda introspecção”, o estudo interior estando
sumarizado, parece ancorar-se em grande parte na situação/condição do indivíduo
a abordagem de seus sentimentos e emoções.
O devaneio, a ilusão, por conseguinte, ocupa o lugar da realidade no sentido
de atender às necessidades frustradas do personagem. A cena do portão, em
verdade, parece lembrar certo tom de romance Romântico, dada a atmosfera
caracterizada pelo anseio de posse (“– Diga, pelo amor de Deus, gemi. Diga
depressa”) e desilusão amorosa (– Nada. Vá-se embora, bradou Luísa”; “– O fim das
coisas...”), rememoração (“Passados minutos, reconheci que, em vez de me dirigir a
casa, andava para o lado oposto”) e idealização da mulher amada (“um colo
decotado, o vento agitou uns cabelos louros, uns olhos azuis brilharam. Longos
dedos brancos”). Junto a tal perspectiva, todavia, evidencia-se a incapacidade de
agir de João Valério, em tudo estático, indolente e indeciso (“Subitamente intercepteime com amargura por me não haver apoderado daquela mão que me repelia, não a
ter coberto de beijos. Sou um desastrado.”; ou então no jogo de poker: “Era o que eu
devia fazer, mas sou um indivíduo fraco, desgraçadamente.”). Comprimindo seus
desejos, remoendo-os em segredo, só vê válvula de escape na fantasia, seja no
devaneio, seja na escritura ficcional do romance guardado, tropegamente revisitado
e incompleto em sua gaveta. Tal escape, entretanto – não dá, e não pode dar – conta
de reprimir e menos ainda satisfazer o desejo, desejo por Luísa, o que o leva a
13
Carta de Graciliano Ramos a Antonio Candido, datada de 12 de novembro de 1945 publicada no
prefácio de Ficção e confissão (CANDIDO, 2006, p. 9-12).
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esporádicos, intempestivos e mal resolvidos atos de improviso, como na cena que
abre o romance:
Luísa quis mostrar-me uma passagem no livro que lia. Curvou-se.
Não me contive e dei-lhe dois beijos no cachaço. Ela ergueu-se
indignada:
– O senhor é doido? Que ousadia é essa? Eu...
Não pôde continuar. Dos olhos, que deitavam faíscas, saltavam
lágrimas. Desesperadamente perturbado, gaguejei tremendo:
– Perdoe, minha senhora. Foi uma doidice (RAMOS, 1994, p. 7).
Essa primeira cena, que, com efeito, poderia ser usada para explicar boa parte
do romance – praticamente tudo está já aí –, nos revela a fraqueza e insegurança de
João Valério, sujeito que após muito tempo frequentando a casa de Adrião sem
tomar atitude ou resolução alguma quanto ao sentimento a Luísa, em ato de
improviso, quase que em reflexo, avança sobre o objeto almejado. Não há aqui
predisposição ao ato, trata-se muito mais de uma atitude do corpo, instintiva, que
diante da possibilidade de satisfação do desejo, busca-a inadvertidamente. Também
a interpelação no portão é fruto de reação e situação: É Luísa quem vem até João
Valério, tenha ou não apenas a intenção de fechar o portão. Da parte de João, o que
há, como na passagem dos “dois beijos no cachaço”, é uma “exaltação instantânea”.
Assim, como afirma Antonio Candido, “João Valério nunca chega a tratar os amores
com arrebatamento ou verdadeira ilusão” (CANDIDO, 2006, p. 28).
Ocorre que, agindo (ou reagindo) movido pelos anseios, em momentos de
exaltação repentina e a partir de situações que se engendram no âmbito social
(externo), o personagem-narrador desperta a afeição de Luísa, e o caso amoroso se
consolida.
Contudo, tão logo se realizam os fatos pretendidos, João Valério percebe que
a satisfação não os acompanha:
Luísa não mostrou arrependimento, despia-se como se estivesse só,
nada ocultava – e eu achava nela uma alma cândida.
Não lhe caí aos pés, com uma devoção mais ou menos fingida. A
felicidade perfeita a que aspirei, sem poder concebê-la, rapidamente
se desfez no meu espírito. Livre dos atributos que lhe emprestei,
Luísa me apareceu tal qual era, uma criatura sensível que, tendo
necessidade de amar alguém, me preferira ao Dr. Liberato, ao
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Pinheiro, aos indivíduos moços que freqüentam a casa dela. Não
senti vaidade: senti estupefação (RAMOS, 1994, p. 140).
Qualquer tom romântico que possa ter sobrevindo com as idas e vinda do
flerte, desilusão e conquista amorosa, se desfaz rapidamente, vindo a relação entre
os amados a cair no nível mais banal. A imagem elevada que acompanhava Luísa –
ou a percepção/construção da imagem de Luísa operada por João Valério narrador
– até então se quebra como um vaso frágil que cai ao chão. Ao levarmos em conta
a elaboração fantasiosa de João quando da noite do encontro no portão, poderíamos
sem dificuldade estabelecer uma analogia entre a esposa de Adrião e algumas
personagens românticas de Alencar, Ceci, por exemplo, que encanta Peri em O
Guarani com sua alvura tal qual fosse mais deusa que mulher. Em posse da
conquista, porém, abre-se diante de João uma Luísa em tudo humana, débil, tão
fraca e mundana quanto qualquer outra mulher ou quanto ele. A candura de sua
alma, nessa linha de raciocínio, não é mais a dos longos dedos brancos a tocaremlhe o rosto quase que em encantamento, é já a translucidez que deixa aparecer
aquilo que o “embriagado” João não podia ver com olhos embevecidos: sua condição
de mulher, indivíduo humano com frustrações, anseios e desejos como todos os
demais, que nele buscava algo que, em outra possível situação, poderia ter
encontrado, como bem afirma o personagem, em Liberato ou Pinheiro. O movimento
não é unilateral, todavia, e talvez o que mais atinja João seja descobrir que, do
mesmo modo, seu encantamento por Luísa, seu amor impossível e romântico de
antes, poder-se-ia ter direcionado, também, a tantas outras moças da cidade. É o
reconhecimento da finitude, perenidade e humanidade (de perspectiva naturalista)
das emoções que o aflige; como o vaso que se quebra, também a concepção altiva
do sentimento se esfacela, e esse é um movimento sem retorno.
Tal descoberta, ainda que constitua um processo, tem por gatilho a percepção
de uma mulher que se desnuda sem pudor; e aqui esse “pudor” assume dois sentidos
que se completam: sem vergonha da própria imagem ser vista por outrem (“despiase como se estivesse só, nada ocultava”), e sem vergonha do ato de adultério (“não
mostrou arrependimento”), em relativa tranquilidade, serenidade diante de
comportamentos certamente reprováveis socialmente, moralmente. Chamamos a
atenção mais uma vez para a afirmação que abre o parágrafo: asseverar que não
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houve arrependimento e denunciar que tinha-se a expectativa de que tal pudesse,
ou mesmo devesse ocorrer; a ficção romântica está repleta de histórias de amor em
que a moral impede a união dos amantes, talvez algo delas persista no espírito de
João Valério, ou talvez ele tenha se autoimposto uma ilusão de altivez do sentimento
amoroso como uma dentre outras estratégias de fuga da realidade: o mundo
fantasioso e perfeito só pode ser construído, alimentado e sustentado enquanto não
choca-se com a realidade fática, enquanto coexiste a ela: a consagração do ato
amoroso é, nesse sentido, o passo do sonho para o mundo real, e esse, para João,
é insuportável. O que busca João Valério, seja às voltas com Luísa seja entorno do
Bispo Sardinha deglutido pelos Caetés, como bem afirma Antonio Candido, “é refúgio
para onde correr” (CANDIDO, 2006, p. 29).
A desesperança característica de João, pois, que a princípio poderia parecer
estar consignada à desventura amorosa, assume outro patamar, de um pessimismo
mais profundo e abrangente, ligado às coisas do mundo, isto é, à realidade em seu
sentido mais amplo, e nessa perspectiva, a escritura de seu romance seria a tentativa
frustrada, plena de emendas e inconclusões, de construção de outro mundo. É
interessante notar que João Valério, ainda que não entenda isso ainda em todos
seus desdobramentos – o que ocorrerá, talvez, somente na passagem final da obra
– reconhece a distinção entre o universo criado pela fantasia e o mundo que se lhe
é posto: “A felicidade perfeita a que aspirei, sem poder concebê-la, rapidamente se
desfez no meu espírito. Livre dos atributos que lhe emprestei, Luísa me apareceu tal
qual era”.
Diante desse trecho do romance, Antonio Candido afirma:
Considerando que estas reflexões sucedem à primeira posse,
esperada por mais de um ano, e parte dum rapaz de vinte e cinco,
poder-se-ia falar em cinismo. Prefiro ver, nelas e outras (inclusive no
modo que são tratados os demais personagens), a imparcialidade
construída de certos pessimistas ante a natureza humana; um
realismo desencantado (CANDIDO, 2006, p. 28).
Tal “realismo desencantado”, a que nós poderíamos atrelar um ar de apatia e
um tom decadentista, baseados numa ótica que parece sobrepor ao sentimentalismo
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um racionalismo de análise 14 , desponta, em Caetés, com certa tragicidade da
condição humana que expõe a percepção de um mundo combalido, e a ausência de
um sentido transcendente da existência. Essa disposição, como vemos, vai além da
situação em que se encontra a personagem e que determina o fluxo dos
acontecimentos, abrange – e aí minha proposta de afinamento de termos e
refocalização de análise – em escala maior, a condição própria do indivíduo inserido
no contexto moderno, ou melhor, a percepção de Graciliano Ramos acerca dessa
condição. Candido nos fala, a respeito da obra de Graciliano, “duma concepção de
homem encurralado, animalizado [...] pelo ‘universo concentracionário’ que se
abateu tragicamente sobre nosso tempo” (CANDIDO, 2006, p. 127, grifo nosso). E
aqui abrangemos um pouco nosso leque para tratar da obra do escritor alagoano
como um todo, pensando em figuras como, além de João Valério, Luís da Silva, de
Angústia, e Fabiano, de Vidas Secas, para dizer que, se a situação é que encobre o
indivíduo e determina sobre ele a desventura e desilusão, acima dela se engendra
algo que promove o engendramento de tal situacionalidade, ou seja, a condição
humana, que em última análise, é a responsável pelo direcionamento trágico da
existência.
Essa discussão vai ao encontro do que assevera Bornheim (1992), em O
sentido e a máscara, quando diz que o cenário moderno influi na constituição da
tragicidade da condição do herói; segundo ele, entram em cena aí “diversas
dinâmicas”: a desigualdade, a humilhação, a violência, a privação, a injustiça; é
nesse ambiente que se manifestariam os anseios, desejos e frustrações do indivíduo
encurralado, por meio do conflito do homem moderno com aquilo que o cerca.
Conforme Maluf e Duarte15:
Na tragédia moderna pode-se observar o confronto do ser humano
com a ordem estabelecida pela coletividade, envolvendo o conflito
da resistência do sujeito com relação ao meio, questionando os
princípios de individualidade, no intuito de dispor a vontade individual
(MALUF; DUARTE, 2007, p. 405-406).
Ou, como afirma Aurélio Buarque de Holanda, há o “predomínio constante da inteligência sobre a
sensibilidade” (apud CANDIDO, 2006, p. 139).
15
Ainda que Maluf e Duarte, assim como Bornheim, tratem mais especificamente da arte dramática,
creio ser oportuno e adequado – conforme tratarei na sequência, aplicar suas proposições à
apreciação da narrativa romanesca.
14
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Desse modo, a dialética entre o homem e o meio social dá-se como alicerce
para a configuração do trágico no cenário moderno: essa tragicidade tem por
premissa o conturbado confronto entre as vontades, crenças e ideais do indivíduo e
a conjuntura sócio-cultural que se institui e que o aflige pela impossibilidade de
superá-la. Observamos que tal configuração do trágico na modernidade está
diretamente ligada à relação do indivíduo com um meio social opressor – as vontades
subjetivas do indivíduo são esmagadas pela esfera coletiva e seus desejos
reprimidos pela moral e, em especial em Caetés, pela “banalidade trágica das vidas
medianas” (CANDIDO, 2006, p. 140).
Ora, se a visão trágica grega é entendida dentro de um contexto em que a
adequação aos moldes era necessária ao fortalecimento da polis, lócus próprio da
expressão da tragicidade, o contexto contemporâneo nos aponta a realidade do
indivíduo moderno que deve existir segundo um sistema econômico-simbólico de
formação
cristã
e
fetichismo
capitalista.
Esse,
ao
passo
que
valoriza
(simbolicamente) a riqueza, impossibilita a ascensão social (que nos moldes próprios
do capitalismo contemporâneo é sinônimo de acúmulo de bens) e, ao passo que
propõe a vida eterna, reprime os gozos da vida terrena. O paroxismo determina a
configuração do trágico na modernidade, e aqui vale lembrar a influência no
pensamento moderno dos ideais da Revolução Francesa, molduras disseminadas
em um conturbado momento histórico de reavaliação dos princípios éticos do
homem, mantidas na consciência coletiva no contexto contemporâneo, seladas pelo
veio da hipocrisia: igualdade, fraternidade, justiça, liberdade, antes que conquistas
da civilização moderna são máscaras que escondem as contradições sociais,
acusadoras, por exemplo – no melhor estilo de Maquiavel quando diz que os valores
cristãos devem ser aplicados de maneira diversa aos príncipes – de direitos distintos
para aqueles que detêm o poder e para aqueles que ocupam a classe subalterna.
São determinações dessa natureza que subjazem a percepção de João Valério de
que a felicidade é impossível de ser alcançada mas não pode-se viver sem almejála. Assim,
A trilha a partir da tensão subjacente do ‘duplo padrão de moralidade’
levou a um conflito que, na realidade, encontrou escoadouro e
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resolução na tragédia. A tragédia foi a resposta de como a vida pode
ser significativamente vivida, numa era de contradições insolúveis,
por homens dilacerados por anseios ambivalentes e aspirações
inconciliáveis (COSTA; REMÉDIOS, 1988, p. 34).
Ora, se tal perspectiva aponta que a transformação da tragédia antiga para o
drama trágico contemporâneo em muito se explica pela constituição do indivíduo
moderno em seus conflitos para com sua condição humana num contexto social
degradado, o mesmo “autor coletivo” que produz essa modificação na estrutura do
trágico será responsável pela caracterização do herói romanesco.
Há um diálogo constate entre o herói do drama trágico contemporâneo e o do
romance consoante a perspectiva lukacsiana – justificado pelo contexto em comum
que determina a estruturação das obras – e, por conseguinte, evidencia-se que a
perspectiva trágica, ao menos em certa medida, atravessa a constituição do
indivíduo moderno retratado, por meio do processo mimético, nos diferentes
gêneros.
Se, nos gêneros contemporâneos, a noção de erro como desencadeador do
trágico, representado pelo ciúme divino, dá lugar à ideia de que o destino é trágico
por conta de um contexto deturpado e de que o impulso desencadeador do infortúnio
reside numa falha moral, é porque as contradições constituintes dos valores
contemporâneos aproximam-nos da constatação de que não há como existir, em tal
ambiente, o indivíduo íntegro, altivo, em seu todo sublime, tal qual era o modelo de
herói da Grécia Antiga.
Temos, pois, no contexto grego, o herói exemplar, arquétipo da honra que
deve ser seguido pelo sujeito comum. Em contrapartida, no romance, temos o
indivíduo problemático que (e aí mais outro paradoxo), se, por um lado, é reflexo do
contexto deturpado – tal qual o sujeito comum –, constituindo-se como ser
desvirtuado (pois que se move por valores corrompidos), por outro lado, é o indivíduo
que supera o estado conformista de alienação, característico do senso comum, ao
adentrar na busca de resolução de seus conflitos interiores (o que, bem entendido,
não significa, necessariamente, consciência de sua condição e do que motiva seus
atos). É desse modo, então, que
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O herói demoníaco do romance é um louco ou um criminoso, em todo
o caso, [...] um personagem problemático cuja busca degradada e,
por isso, inautêntica de valores autênticos, num mundo de
conformismo e convenção, constitui o conteúdo desse novo gênero
literário que os escritores criaram na sociedade individualista e a que
chamaram ‘romance’ (GOLDMANN, 1976, p. 9, grifos presentes no
original).
O sofrimento trágico, pois, passa de uma esfera mais limitada de confrontos
opositores centrados em antinomias rígidas e bem delimitáveis (Deus versus
homem; lei antiga versus lei da polis; ethos versus logos; etc.) para o âmbito da
heterogênea, complexa e multifacetada tensão entre homem e sociedade, o que, ao
fim e ao cabo, determina sua condição humana. As forças opositoras, ainda que
presentes e responsáveis pelo caráter trágico do conflito, mostram-se, no contexto
da literatura e de outras expressões artísticas modernas, fragmentadas e
constituídas de modo intrincado a inumeráveis aspectos da vida social e psicológica
que, pelo signo do paradoxo e da contradição, assolam o homem moderno.
Entrando já em uma seara na qual temos trabalhado em estudos anteriores e
corroborando com essas proposições, julgamos oportuno trazer à tona o nome de
três pensadores: Peter Szondi, Albin Leski e Arthur Schopenhauer.
Szondi (2004), em Ensaio sobre o trágico, contrapõe o que seria o conceito
de trágico a partir do ponto de vista de diversos pensadores; seu estudo é
pormenorizado, e a impossibilidade e descrença em se chegar a uma definição de o
que seja o trágico, em sentido universal, nos revela a complexidade do
questionamento. Não obstante, porém, o autor busca no intricado feixe de
teorizações que se entrelaçam pontos de conexão entre os postulados de um filósofo
e de outro e, diante da própria inacessibilidade de uma definição, conclui que:
[...] não existe o trágico, pelo menos não como essência. O trágico é
um modus, um modo determinado de aniquilamento iminente ou
consumado, é justamente o modo dialético. É trágico apenas o
declínio que ocorre a partir da unidade dos opostos, a partir da
transformação de algo em seu oposto, a partir da autodivisão. Mas
também só é trágico o declínio de algo que não pode declinar, algo
cujo desaparecimento deixa uma ferida incurável. Pois a contradição
trágica não pode ser suprimida em uma esfera de ordem superior –
seja imanente ou transcendente (SZONDI, 2004, p. 84-85).
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Ao rejeitar, então, a delimitação do trágico como um princípio universal, como
um elemento uniforme e fixo, Szondi refuta a ideia de que possa ser definido – ou
mesmo de que exista – um substrato, uma essência, em tudo de místico e inefável
a que tal termo possa aludir. Conceitua, pois, o trágico como um modus, retirandolhe a atribuição substantiva em detrimento de uma interpretação “adverbializada”;
aproxima-se, assim, da noção de “método”, sendo esse baseado nos valores do
aniquilamento e do conflito de forças opositoras. Tal tragicidade dar-se-ia, assim, a
partir da presença e do engendramento dialético destes dois fatores: o declínio,
inevitável – imanente ou consumado – e o confronto, irrefutável. Para João Valério,
pois, poder-se-ia dizer que tal conflito parece ser consigo próprio, isto é, dar-se
dentro de si, entre a esperança, alimentada pela fantasia, de um futuro de felicidade
e satisfação – inicialmente direcionada a Luísa –, e seu espírito cético e racional, em
tudo descrente e descontente. A fantasia, a ficção, liberta-lhe não só do mundo real,
mas também e mais propriamente, da sua maneira – racional e crítica – de interpretar
a realidade.
Albin Lesky (2006), em A tragédia grega, elabora três conceitos de trágico que
permearam as discussões teóricas acerca do tema desde a antiguidade clássica. A
primeira, a qual o autor denomina como uma visão cerradamente trágica do mundo,
condiz àquela ótica mais pessimista de mundo, que o vê como algo inerentemente
trágico, segundo a qual o destino humano está fadado à desgraça, à desdita: “é a
concepção do mundo como sede da aniquilação absoluta de forças e valores que
necessariamente se contrapõem, inacessível a qualquer solução e inexplicável por
nenhum sentido transcendente” (LESKY, 2006, p. 38). Essa perspectiva extrema de
insolubilidade se expressa agudamente no pensamento Schopenhaueriano:
É o antagonismo da vontade consigo mesma que entra em cena aqui
[na tragédia]. [...] Esse antagonismo torna-se visível no sofrimento da
humanidade que é produzido, em parte, pelo acaso e pelo erro, que
aparecem como dominadores do mundo, personificados como o
destino em sua perfídia [...]. Por outro lado, esse antagonismo
também é produzido pela própria humanidade, pelo entrecruzamento
dos esforços voluntários dos indivíduos, por meio da maldade e da
tolice da maioria (SCHOPENHAUER, 1938, p. 298).
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Para Schopenhauer, em sua visão inerentemente trágica do mundo, as
vontades humanas, ou as forças provenientes destas vontades individuais é que
seriam a máquina motriz do destino humano, responsável, assim, pelo inevitável
caráter trágico da nossa existência. É nessa linha de apreensão do mundo como
essencialmente ruim, a partir de uma cosmovisão do trágico, que se enquadraria a
visão cerradamente trágica do mundo, apresentada por Lesky. Antes de retornarmos
a essa concepção, vejamos as outras duas possibilidades de abrangência do trágico:
A segunda conceituação histórica apresentada pelo autor a respeito da
tragicidade é aquela que se denomina como conflito trágico cerrado. Isto é, quando,
a exemplo da visão de Schopenhauer, não há saída ao herói; entretanto,
[...] esse conflito, por mais fechado que seja em si mesmo seu
decurso, não representa a totalidade do mundo. Apresenta-se como
ocorrência parcial no seio deste, sendo absolutamente concebível
que aquilo que nesse caso especial precisou acabar em morte e
ruína seja parte de um todo [...]. E se o homem chega a conhecer
essas leis e a compreender seu jogo, isso significa que a solução se
achava num plano superior àquele em que o conflito se resolve no
ajuste mortal (LESKY, 2006, p. 38).
Nesse sentido, bastaria a Laio entender, transcendendo a um nível superior
de conhecimento, compreendendo o todo que o cerca e as forças que agem sobre
ele, não deixar de matar Édipo quando assim orientado pelos deuses. Deste modo,
o conflito encerrar-se-ia antes de começar. Por conseguinte, nesta perspectiva, é o
conflito que encobre o indivíduo que o destrói, e não as leis universais do mundo.
Esta visão de que o conflito trágico se esvaeceria com a apreensão do todo,
mas que uma vez mergulhado nesta contradição, escapatória não há, está presente
em uma carta de Goethe, quando este escreve a Schiller, na qual afirma que pensa
em escrever uma tragédia, porém confessa que (em suas palavras) “assusto-me só
em pensar em tal empresa, e estou quase convencido de que a simples tentativa
poderia destruir-me” (GOETHE apud LESKY, 2006, p. 35). Ou seja, ao abandonar a
visão do todo, não essencialmente trágico, e imergir no universo do conflito trágico
cerrado – mesmo que neste caso, para ele, isto dar-se-ia no plano ficcional –, o autor
iria ao encontro da auto-destruição.
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Tal alternativa, acreditamos, não é dada a João Valério; não há disposições
prévias que levem o leitor a pensar que tudo poderia ter sido de outra forma, a não
ser que quebre o pacto com o narrador e desconfie da matéria narrada, o que,
conforme vimos, é improvável que aconteça. Todo o universo criado/interpretado
pelo narrador-personagem, a partir de sua ótica pessimista, se apresenta em
configurações que parecem nos indicar que são as próprias condições do mundo
responsáveis pela desventura trágica.
Por sua vez, a terceira conceituação apresentada por Lesky acerca do
conteúdo trágico refere-se à presença de uma situação trágica:
Também nela deparamos os elementos que constituem o trágico: há
as forças contrárias, que se levantam para lutar umas contra as
outras, há o homem, que não conhece saída da necessidade do
conflito e vê sua existência abandonada à destruição. Mas essa falta
de escapatória que, na situação trágica, se faz sentir com todo seu
doloroso peso, não é definitiva (LESKY, 2006, p. 38).
A situação trágica coaduna, pois, com a noção de que não necessariamente,
para que ocorra a tragicidade, faça-se necessário um desfecho trágico. Essa
afirmação é muito importante quando procuramos ressonâncias do trágico nas obras
pós-helênicas e, principalmente, que não se enquadram na delimitação estrutural da
tragédia ou do drama.
Em verdade, no que diz respeito àquela perspectiva mais pessimista, que
remete a uma visão cerradamente trágica do mundo, é difícil vê-la em concomitância,
em convívio com a visão cristã que se disseminou e em muito influiu e influi na
constituição dos valores, dogmas e ideais da sociedade ocidental: a crença em uma
vida eterna plena de glória e satisfação entra em evidente e talvez indissolúvel
confronto com uma cosmovisão que assimile o mundo segundo uma visão de
iminente desgraça universal. Não há, todavia, predisposição religiosa alguma em
João Valério, ao contrário, o que há é ausência de transcendência, é ceticismo. É o
indivíduo, nesse sentido, por suas forças e resoluções, que deve buscar/trabalhar
em prol de sua salvação. A discussão nos remete às palavras de George Steiner
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(2006, p. 200) que, a partir de uma parábola16, comenta: “Deus se cansou cada vez
mais da selvageria do homem. Talvez Ele não fosse mais capaz de ter controle sobre
ela e não conseguisse mais reconhecer Sua imagem no espelho da criação”. Se
Deus abandonou ao homem ou o homem abandonou a Deus, a questão é que não
há mais, da parte do sujeito, ao que parece, o reconhecimento de que uma realidade
superior possa suplantar as desventuras terrenas.
Ocorre, contudo, que João Valério, como ele mesmo afirma, é um indivíduo
“desgraçadamente fraco”, um “medíocre sem relevo” como diria Aurélio Buarque de
Holanda 17 , alguém incapaz de buscar com ânimo a felicidade por conta própria,
descrente mesmo de que possa alcançá-la e, ao fim da obra, de que ela exista:
Não ser selvagem! Que sou eu senão selvagem, ligeiramente polido,
com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de
civilização, outras raças, outros costumes. E eu disse que não sabia
o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se
passa na minha, com algumas diferenças. Um caeté de olhos azuis,
que fala português ruim, sabe escrituração mercantil, lê jornais, ouve
missas. É isto, um caeté. Estes desejos excessivos que aparecem
bruscamente... Esta inconstância que me faz doidejar em torno de
um soneto incompleto, um artigo que se esquiva, um romance que
não posso acabar... O hábito de vagabundear por aqui, por ali, por
acolá, da pensão para o Bacarau, da Semana para a casa de
Vitorino, aos domingos pelos arrabaldes; e depois dias extensos de
preguiça e tédio passados no quarto, aborrecimentos sem motivos
que me atiram para a cama, embrutecido e pesado... Esta
inteligência confusa, pronta a receber sem exame o que lhe
impingem [...] Explosões súbitas de dor teatral, logo substituídas por
indiferença completa (RAMOS, 1994, p. 218).
A perspectiva naturalista/realista dá o tom da desesperança, à qual se deve
em boa medida a inércia de João Valério. Contudo, “desgraçadamente fraco”, é
incapaz ainda, e paradoxalmente, de deixar de continuar.
16
A parábola, que o autor teria ouvido em uma viagem de trem no sul da Polônia de um dos viajantes
– após uma discussão coletiva ente os passageiros acerca das atrocidades da Segunda Guerra
praticadas contra as próprias famílias –, é assim transcrita: “Numa obscura aldeia da Polônia central,
havia uma pequena sinagoga. Uma noite, ao fazer suas rondas, o Rabi entrou e viu Deus sentado em
um canto escuro. Ele se jogou diante dele e gritou: ‘Deus senhor, que Fazeis aqui?’ Deus não lhe
respondeu nem com trovão nem com rajada de vento, mas em voz baixa: ‘Estou cansado, Rabi, estou
cansado até a morte” (STEINER, 2006, p. 200).
17 (apud CANDIDO, 2006, p. 139).
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Descrente? Engano. Não há ninguém mais crédulo que eu. [...] Ateu!
Não é verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morrem
logo, ídolos que depois derrubo – uma estrela no céu, algumas
mulheres na Terra... (RAMOS, 1994, p. 219).
“Desgraçadamente fraco” o suficiente para não conseguir desistir – “Num
sombrio acesso de desespero, pensei no suicídio. Tolice. Eu tenho lá coragem de
suicidar-me? O que fiz foi passar uns dias quase sem comer” (RAMOS, 1994, p. 133)
–, João tem a necessidade de agarrar-se a algo, mesmo que, em verdade, saiba da
inexistência dos desuses criados, fadados a serem mortos, e dos ídolos,
inevitavelmente derrubados. Tal constatação nos leva à identificação de certa
estrutura cíclica no caminhar de João Valério, de fantasia em fantasia, de ficção em
ficção, de Luísa à Teixeira, de soneto a romance, o que amplia o caráter trágico de
sua condição.
Afastamo-nos, nessa linha de análise, da noção de situação trágica, não
somente porque não há na obra um desfecho com conciliação da tensão/conflito,
mas sobretudo porque o patamar que envolve a tragicidade, no romance, está além
da situação – de que nos falava Antonio Candido – que serve de gatilho para a
desventura. A desdita, nesse sentido, é inerente à condição do personagem; a
situação social específica constitui parte integrante e em muito significativa dessa
condição, mas não se resume a ela. Ela está em João Valério do mesmo modo que
está em um caeté, faz parte do ser (“Que sou eu senão selvagem, ligeiramente
polido, com uma tênue camada de verniz por fora?”).
Nesse sentido, o que advém de João Valério é uma visão cerradamente
trágica do mundo. Recorrendo a Schopenhauer (1965), já que todos têm como
imperativo imediato a existência do “eu”, “todos guardam e defendem sua vida, como
se fosse um depósito precioso pelo qual têm de responder, e a vida se consome nos
cuidados e tormentos que o guardá-la requer”. Como um “mecanismo interior”, “essa
engrenagem infatigável é a vontade de viver” (SCHOPENHAUER, 1965, p. 244-245).
Essa vontade de viver, pois, é o que impediria que fosse possível, segundo essa
ótica, o apaziguamento da tensão entre o individual e o social; ademais, é essa
vontade que impede que João Valério renuncie da busca, ainda que frouxa e
descrente, da felicidade, de ídolo em ídolo, de fantasia em fantasia.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
_______. O mundo como vontade e representação; Crítica da filosofia kantiana;
Parerga e Paralipomena. Tradução Wolfgang Leo Maar et al. São Paulo: Nova
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_______. O pensamento vivo de Schopenhauer: O mundo como representação
(primeira consideração); O mundo como vontade (primeira consideração); O mundo
como representação (segunda consideração); O mundo como vontade (segunda
consideração). Tradução Pedro Ferraz do Amaral. Apresentação Thomas Mann. São
Paulo: Martins, 1965.
STEINER, George. A morte da tragédia. Tradução Isa Kopelman. São Paulo:
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SZONDI, Peter. Ensaio sobre o Trágico. Tradução Pedro Süssekind. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2004.
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RESUMOS EXPANDIDOS
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NARRATIVA LITERÁRIA E SACRALIDADE DA VIDA EM RUBEM FONSECA
Adriano Rodrigues Alves18
RESUMO
Este trabalho possui o intuito de compreender, a partir dos pressupostos da literatura
comparada, a sacralidade da vida na construção ficcional, problematizando as
relações intersubjetivas dos personagens e suas interações no contexto urbano na
obra literária do autor Rubem Fonseca. Pretende-se analisar, por meio de três contos
da coletânea Amálgama (2013) e três contos da coletânea Axilas e outras histórias
indecorosas (2011) as ações do personagem envolvendo a violência nas quais a
sacralidade da vida é colocada em questão na construção ficcional das relações
intersubjetivas representadas no contexto urbano. Para elucidar as estratégias
narrativas que a enfocam, utilizamos as concepções teóricas de Giorgio Agamben
sobre o homo sacer, as de René Girard, sobre “vítima expiatória” na relação entre o
sagrado e a violência, e as de Michel Foucault sobre biopolítica.
PALAVRAS-CHAVE: Biopolítica; Literatura e sociedade; homo sacer; vítima
expiatória.
INTRODUÇÃO
Inserido no tema mais amplo da relação entre literatura e sociedade, este
trabalho possui o intuito de compreender, a partir dos pressupostos da literatura
comparada, a sacralidade da vida na construção ficcional, problematizando as
relações intersubjetivas dos personagens e suas interações no contexto urbano na
obra literária do autor Rubem Fonseca.
É com esse viés que embasaremos esse estudo, pela importância da arte no
contexto social, pois a linguagem é um meio pelo qual podemos expressar realidades
e também aumentar nossa compreensão de mundo, assim “[...] é certo que não há
realidade que não passe pelo crivo da linguagem, que a linguagem é capaz de criar
realidades – não só narrativas como narrativas simuladas [...]” (LIMA, 2000, p.246).
A confirmação dessa linguagem que é capaz de criar realidade, como citada acima
nas palavras de Luiz Costa Lima, foi apontada também sobre outra perspectiva no
prefácio da coletânea, 64 contos de Rubem Fonseca, por Tomás Eloy Martínez: “[...]
tudo que leio de Fonseca produz em mim um assustador efeito de realidade. [...] as
palavras que desfia tecem um desenho do qual o leitor jamais consegue se
desvencilhar [...]” (MARTÍNEZ, 2004, p.14).
Com isso, para compreender a sacralidade da vida na construção ficcional
das relações intersubjetivas entre personagens e suas interações no contexto
18
Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE, sob orientação da professora Dra. Regina Coeli Machado e Silva. Endereço
eletrônico: [email protected]
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urbano na obra literária do autor Rubem Fonseca, e elucidar as estratégias narrativas
que a enfocam, utilizamos as concepções teóricas de Giorgio Agamben (2014; 2013;
2012) sobre homo sacer, as de René Girard (2008) sobre “vítima expiatória” na
relação entre o sagrado e a violência e as de Michel Foucault (2008; 2010; 2014)
sobre biopolítica.
É nesta perspectiva que pretendemos compreender os mecanismos que
contribuem para a sacralidade da vida na sociedade brasileira contemporânea e a
fundamental importância da literatura para nos auxiliar na reflexão sobre o mundo
real violento que nos rodeia.
METODOLOGIA
Ancorado nos pressupostos da literatura comparada, estudamos as obras do
autor Rubem Fonseca, mais precisamente seus contos, para explorar determinados
mecanismos de âmbito social fictício que, por sua vez, também é perceptível na vida
real.
A pesquisa, qualitativa, é concentrada em bibliografias cujos temas têm a relação
literatura e sociedade, literatura brasileira, literatura comparada, teoria literária, teoria da
sociologia e antropologia.
Com isso, a pesquisa, está sendo desenvolvida e organizada segundo as
seguintes estratégias:
a)
Levantamento inicial no site de banco de teses e dissertações da
CAPES, Portal de Periódicos CAPES/MEC e Portal Domínio Público, utilizando como
palavra-chave “Rubem Fonseca”.
b)
Levantamento, leitura e seleção dos contos de Rubem Fonseca.
c)
Após a leitura das 14 (quatorze) coletâneas de contos de Rubem
Fonseca, totalizando 216 (duzentos e dezesseis) textos do autor foram selecionados
como corpus 6 contos, adotando os seguintes critérios:
 O primeiro critério de seleção foi o de não priorizar as coletâneas de
FONSECA publicadas até a década de 80 (1963, 1965, 1969, 1975 e
1979 pelo motivo das mesmas já serem muito estudadas e debatidas
no meio acadêmico, de acordo com o levantamento efetuado nos sites
de banco de dados referido anteriormente.
 O segundo critério foi selecionar os contos de enredos desenvolvidos
no espaço urbano, cenário predominante na narrativa de Rubem
Fonseca, mas cuja particularidade é a presença de personagens
principais cuja ação culminasse na morte ou atentado a vida do
próximo.
 O terceiro critério foi selecionar contos sobre filiação, enfocando as
relações pais e filhos, cuja narrativa termine com alguma tragédia.
 O quarto critério foi a seleção de contos cuja temática dá-se em torno
da necessidade de justiça para restituir a profanação da vida. Por
exemplo, o personagem age com violência ou pratica furto com a
intenção de compensar algo que foi perdido e/ou negado
anteriormente, seja material ou sentimental, com a intenção de fazer
justiça.
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
O quinto e último critério foi observar, nos contos, as possíveis
repetições dessas temáticas e assim verificamos que elas estão
concentradas em duas obras: Axilas e outras histórias indecorosas
(FONSECA, 2011) e Amálgama (FONSECA, 2013).
Desta forma foram selecionados 6 (seis) contos de duas coletâneas divididos
em três eixos temáticos. Com isso, para uma análise mais profícua dos contos,
demos preferência em selecionar 1 (um) conto de cada uma das duas coletâneas
selecionadas para cada eixo temático, ou seja, observando os critérios anteriores, a
seleção dos contos ficou da seguinte forma:
Para o eixo temático relações na cidade: conto “Amar o seu semelhante”, de
Axilas e outras histórias indecorosas (FONSECA, 2011) e o “O matador de
corretores”, de Amálgama (FONSECA, 2013).
Para o eixo temático relações pais e filhos: conto “Bebezinho lindo”, de Axilas
e outras histórias indecorosas (FONSECA, 2011) e o “O filho”, de Amálgama
(FONSECA, 2013).
Para o eixo temático justiceiro: conto “Sapatos”, de Axilas e outras histórias
indecorosas (FONSECA, 2011) e o “O ciclista”, de Amálgama (FONSECA, 2013).
Com a análise dos contos pretende-se um cruzamento com todos os dados e
interpretações das informações levantadas no decorrer deste estudo para alcançar
os objetivos almejados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O tema da sacralidade da vida, mais especificamente o termo “sacralidade”
aqui relacionado, frequentemente associado ao nível religioso em si, não se restringe
a somente esse significado. Trata-se de uma significação ampla que nos leva à
valorização da vida humana tematizada nas concepções teóricas de homo sacer e
“vida nua”, do filósofo italiano Giorgio Agamben (2014; 2013; 2012), da vítima
expiatória, de René Girard (2008), e da biopolítica proposto por Michel Foucault
(2008; 2010; 2014) e também por Agamben.
Neste sentido, temos que o “sagrado é tudo o que domina o homem, e com
tanta mais certeza quanto mais o homem considere-se capaz de dominá-lo”
(GIRARD, 2008, p.45). Conforme o pensamento durkheimiano, a religião é mais do
que a ideia de deuses e espíritos, assim, a característica fundamental da religião é
o sagrado, que é algo magnífico, enquanto seu oposto, o profano, está relacionado
às coisas ordinárias e mundanas. Sendo a sociedade a alma da religião, o sagrado
só pode aparecer em âmbito social, está em um nível superior, sublime, e o profano
é a ausência de poder, o vulgar no cotidiano.
Neste sentido, o sagrado é esse mistério que vagueia ao redor dos homens.
Por outro lado, s homens se defrontam a violência, impulsionada para fora deles
mesmos, investindo-os de fora sem se identificar com eles próprios, vão
atormentando-os e brutalizando-os como epidemia. Assim, para evitar essa
violência, esse contágio de violência, o homem tem de evitar o contato com o
profano.
Na concepção de Agamben (2014) em toda a sociedade existem mecanismos
que determinam quem são os homo sacer. Toda sociedade, mesmo a mais moderna,
fixa este limite de decidir quais são os “homens sacros”, os homens cuja vida cessa
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de ser politicamente relevante e passa a ser impunemente eliminada. Agamben
também recorda que para os antigos gregos o termo “vida” tinha dois significados,
bíos, para os indivíduos que tinham uma atividade social engajada e, zoé, para os
indivíduos que não tinham vínculo social, ou seja, eram desvinculados da essência
humana e eram vistos como animais perante a sociedade.
Nesta perspectiva, também temos de refletir o conceito de
biopoder/biopolítica, proposto por Michel Foucault e posteriormente “reestudado” por
Giorgio Agamben, para compreender a política de Estado que visa disciplinar e
controlar a população e manipular a vida do indivíduo.
A natalidade, da morbidade, das incapacidades biológicas diversas, dos
efeitos do meio, é tudo isso que a biopolítica vai definir como campo de intervenção
de seu poder. Desta maneira, a biopolítica vai implantar mecanismos que levam em
conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles
não uma disciplina, mas uma regulamentação de agir de tal maneira que se
obtenham estados globais de equilíbrio.
Pois em Foucault (2014b) comenta sobre o surgimento, já no século XIX, do
interesse dos governos em pesquisar a hereditariedade humana com o intuito de
controlar e proteger a população – isso mais tarde provocaria o racismo, a busca
pela raça humana mais forte geneticamente. Portanto, a análise da hereditariedade
colocava as relações sexuais, as doenças venéreas, as alianças matrimoniais, as
perversões em posição de “responsabilidade biológica” com relação à espécie.
No entanto, com o liberalismo econômico do século XIX, segundo Foucault
(2008), condicionava aos indivíduos a experimentar perpetuamente em suas vidas
situações de perigo. Nessa época, há também o surgimento da literatura policial e
do interesse jornalístico pelo crime. Tem-se o início de campanhas relativas à doença
e à higiene. Começa a surgir toda uma preocupação em torno da sexualidade e do
medo da degeneração: degeneração do indivíduo, da família, da raça, da espécie
humana.
Assim, por exemplo, temos a situação de um personagem no conto “O
ciclista”, que depois de um tempo punindo as pessoas que considerava más, ele
reflete: “Eu estou ficando maluco? Todo dia fico procurando em cima da minha
bicicleta alguma pessoa má para punir. Os maus devem ser punidos, [...]”
(FONSECA, 2013, p.62). O personagem ainda diz que sabe que uma pessoa é má
só de olhar para o rosto e foi desta forma que abordou mais uma pessoa suspeita.
Depois desta atitude, no decorrer da narrativa, o personagem ainda não se contenta,
prefere continuar em busca das pessoas más para punir, entretanto, ele diz que pode
parar com sua busca quando for convidado para trabalhar no globo da morte com
bicicleta. Ou seja, para esse personagem, analisando-o sob a concepção teórica de
Girard (2008) sobre “vítima expiatória”, concluímos que quando ele age com
violência contra os malfeitores está fazendo um bem para a sociedade.
CONCLUSÕES
Com esse propósito de rediscutir constantemente o mundo que nos cerca, a
literatura nos proporciona certa reflexão por meio dos contos de Rubem Fonseca em
uma intersecção nos estudos propostos por Giorgio Agamben, René Girard e Michel
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Foucault, a respeito do homo sacer, vítima expiatória e biopolítica, ou seja, sobre a
sacralidade da vida.
Desta maneira, ao analisar as ações dos personagens das narrativas
fonsequianas comparando com as concepções teóricas levantadas no decorrer
deste estudo, pode-se concluir que determinado nível de violência só se poderá ter
fim quando todas as vítimas expiatórias, todos os zoé forem realocados em seus
devidos lugares. Porém, pela concepção contemporânea de biopolítica, o homo
sacer faz-se necessário para que o Estado de exceção continue a “afiar o arame
farpado” para que, assim, a “vida nua” não seja o objetivo final de nossa
contemporaneidade, no qual os avanços tecnológicos da genética e a tendência para
a busca de um corpo perfeito refletirá na exclusão inconsciente de grupos sociais.
Portanto, podemos notar no decorrer deste estudo que a literatura continua a captar
esteticamente os problemas vividos na sociedade e que, por meio dela, temos a
oportunidade de debater várias situações da ficção com a realidade. Não que a
literatura seja um reflexo fiel de nossa realidade, mas por meio de sua
verossimilhança com a realidade podemos pensar nos mecanismos que agem em
nossa sociedade e que nos provocam certas indagações.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. O aberto: O homem e o animal. Trad. Pedro Mendes. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
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______. Romance negro e outras histórias. 9. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
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______. Secreções, excreções e desatinos. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2010. (2001)
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes, 2008.
______. Em defesa da sociedade. Trad. Maria E. A. P. Galvão. 2. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2010.
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Martins Fontes, 2014a.
______. História da sexualidade 1: A vontade de saber. Trad. Maria T. C.
Albuquerque; J.A. Guilhon Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014b.
GIRARD, René. A violência e o sagrado. Trad. Martha C. Gambini. 3. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2008.
LIMA, Luiz Costa. Mímesis: desafio ao pensamento. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
MARTÍNEZ, Tomás Eloy. A sinfonia do mal. In: FONSECA, Rubem. 64 contos de
Rubem Fonseca. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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ESTUDO DE MITOS E ARQUÉTIPOS EM NELSON RODRIGUES
Alessandra Camila Santi Guarda19
RESUMO
Este texto tem como proposta, refletir sobre a tonalidade trágica e recontextualização
dos mitos e arquétipos nos textos dramatúrgicos Toda Nudez Será Castigada (1965)
e Álbum de Família (1945), contemplados na obra Teatro completo (2003), de Nelson
Rodrigues. O texto reflete os resultados da pesquisa articulada ao projeto de PIBIC,
denominado “Estudo da recontextualização dos mitos e arquétipos nas peças Álbum
de Família e Toda Nudez será Castigada”, de Nelson Rodrigues. As leituras
orientadas dos textos dramaturgicos de Nelson Rodrigues, ao lado dos estudos
fundados nos pressupostos teóricos da Mitocrítica e da Literatura Comparada,
permitiu que se verificasse como são elaborados, na obra do dramaturgo, os perfis
de herói, os temas, motivos, mitos e arquétipos literários, mais especificamente nos
textos Álbum de Família e Toda Nudez será Castigada. De acordo com Magaldi
(2004), a linguagem da composição trágica rodriguiniana traz à tona as máscaras e
os coros, mantendo um diálogo com as históricas propriedades do gênero trágico,
adaptadas à cultura brasileira. Durante o desenvolvimento da pesquisa foram
realizados estudos sobre o gênero trágico antigo e estudos sobre o drama moderno,
com relação aos aspectos que dão visibilidade à transformação de formas, temas e
motivos destes gêneros. O texto de base para esse resumo expandido foi o resumo
apresentado no Encontro de Iniciação Científica realizado em Londrina em outubro
deste ano.
PALAVRAS-CHAVE: Dramaturgia, estudos comparados, releituras.
INTRODUÇÃO
O teatro de Nelson Rodrigues, dado sua complexidade estética na elaboração
de personagens, no tratamento do gênero e no tratamento temático, tem suscitado
variadas pesquisas, contudo, sua obra ainda não foi de todo esgotada, podendo
motivar pesquisas qualitativas no campo da crítica cultural, historiográfica e estudos
comparados na área de Letras, ao propiciar leituras intertextuais e propor práticas
de estudos inter e multidisciplinares, pois os estudos comparados que envolvem
Literatura e Dramaturgia convocam o leitor a transitar pelos estudos das áreas de
Artes, Filosofia, História, Sociologia entre outras áreas das humanidades. Nesta
perspectiva, o projeto PIBIC “Estudo da recontextualização dos mitos e arquétipos
Graduanda do terceiro ano Letras da UNIOESTE – Campus de Cascavel. Orientadora da Pesquisa.
Docente na categoria Associado na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Pós-Doutorado pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Doutorado em Literatura Comparada e Teoria
Literária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp (2003) e Mestrado em
Letras pela Universidade Estadual de Londrina (1996).
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nas peças Álbum de Família e Toda Nudez será Castigada, de Nelson Rodrigues”
propiciou a reflexão sobre como são elaborados, na obra do dramaturgo, os perfis
de herói, temas, motivos, mitos e arquétipos literários e aproximações com o teatro
antigo, a partir de um processo criativo de releituras de gêneros, aspectos estéticos,
sociais e históricos. O teatro de Nelson Rodrigues revolucionou o perfil do teatro
brasileiro, que até então se limitava praticamente a peças totalmente voltadas para
a encenação, sendo estas dotadas de muitas rubricas, no entanto, pobres quanto à
literariedade do texto. As peças rodriguinianas deram ao teatro um novo caráter
literário, sendo que a temática ancorada na dimensão do humano encontrada em
suas obras, assim como nas tragédias gregas, coloca o teatro nacional no mesmo
patamar das grandes obras da literatura universal. Observa-se nas peças Álbum de
Família e Toda Nudez será Castigada, um completo intrincado de redes mitológicas,
relidas à luz de um novo contexto histórico e de uma nova espacialidade, ou seja, os
temas de base mitológica e de conotação trágica são adaptados ao contexto do
teatro moderno brasileiro. Flávio Aguiar (2012) observa que Nelson Rodrigues
estava consciente de que levaria seu público a considerar uma região do espírito
onde se movem arquétipos ancestrais, que na contemporaneidade estão imbricados
com aspectos de outra temporalidade. O mergulho poético do autor traz à tona,
perturbadoramente, temas muitas vezes adormecidos no inconsciente. Nelson
Rodrigues chega ao universo profundo do leitor/plateia/, convocando para a
consciência dos mitos ancestrais, por meio da linguagem, das paixões
desencadeadas e de outros estímulos, mesmo que a civilização, por conveniência,
atenue na indiferença o comportamento dos indivíduos. A reflexão sobre o drama
moderno, nos aspectos que demonstram uma transformação de formas, temas e
motivos se deu a partir do estudo dos elementos estruturantes da narrativa
dramatúrgica, ao lado de estudos sobre o gênero trágico antigo com base em A.
Lesky (2001), Jean-Pierre Vernant (2008), Peter Szondi (2001,2004) entre outros.
METODOLOGIA
A pesquisa é de cunho bibliográfico com base nos pressupostos teóricos da
Literatura Comparada e da Mitocrítica e foi desenvolvida, primeiramente, a partir de
estudos reflexivos sobre as teorias do trágico antigo e do drama moderno,
procurando observar os aspectos estruturantes que aproximam e ou distanciam o
teatro clássico do drama moderno, quanto aos aspectos formais e temáticos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Álbum de Família é a peça que inaugura o denominado “teatro do
desagradável” de Nelson Rodrigues, segundo Sábato Magaldi (2004). Trata-se de
um texto carregado de simbolismo mítico, que de acordo com o crítico, apesar de se
situar em um tempo bem definido, assume caráter de atemporalidade, podendo, a
história ocorrer em qualquer tempo ou lugar, cuja temática aponta para uma leitura
sobre o alvorecer do século que metaforicamente evoca o início da vida Antes de
analisar as peças definidas no corpus do projeto, produziu-se um estudo sobre a
peça Anjo Negro, tendo em vista a aproximação desta peça com os temas e
arquétipos presentes em Álbum de Família. A partir de estudo e leitura crítica da
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peça Anjo Negro, buscou-se examinar as releituras dos mitos e arquétipos,
verificando-se os sentidos que adquirem por intermédio da sua recontextualização
nas peças Álbum de Família e Toda Nudez será Castigada. O texto dramatúrgico
Anjo Negro apresenta temas já estudados em Álbum de Família, tais como o ódio
entre mãe e filha e o incesto, ou seja, relações de tensão trágica, aspectos que
auxiliaram na compreensão do corpus da pesquisa.
As personagens de Álbum de Família e Toda Nudez será Castigada debatemse numa luta vã contra um processo de degenerescência das instituições humanas,
sobretudo da família, elas vivem no palco uma luta contra o destino.
Um aspecto que exemplifica a influência do teatro grego antigo são os ciclos
de ódio e de morte presentes nas peças estudadas, em que as personagens estão
marcadas por maldições e elementos trágicos, no qual o homem é levado a seu
destino de qualquer forma e sofre a queda pela má fortuna justamente quando
acredita estar alcançando a salvação, conforme A. Lesky (2001). Um elemento de
ordem formal, característico do trágico, explorado por Nelson Rodrigues em suas
peças é o coro. Na peça Anjo Negro, o coro é composto por senhoras pretas e
descalças e tem por função enunciar um ponto de vista de fora da tragédia, para
prestar informações à trama e, contrastando com a impetuosidade dos
protagonistas, provocar um relaxamento em face da ação principal.
CONCLUSÃO
Em Toda Nudez será Castigada e Álbum de Família foram estudados
elementos temáticos e aspectos estruturantes do drama trágico rodriguiano,
sobretudo aspectos da linguagem relativa aos elementos do trágico, dos mitos e
arquétipos. Em suas peças, o dramaturgo transporta para o palco um mundo
doentio, beirando à esquizofrenia, um mundo de agressões, de pecados ocultos, de
paixões, de amores incestuosos. A releitura de mitos e arquétipos de textos antigos
ou das chamadas “grande narrativas”, ou ainda “narrativas fundadoras” reelaboradas
no teatro de Nelson Rodrigues demonstra um processo criativo consciente que leva
seu público a considerar um conjunto de narrativas onde se movem arquétipos
ancestrais, presentes nas produções literárias e artísticas do mundo moderno.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Flávio. Anjo Negro: drama em três atos: peça mítica. [notas e roteiro de
leitura de Flávio Aguiar]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
LESKY, Albin. A tragédia Grega. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2001.
MAGALDI, Sábato. Teatro da Obsessão: Nelson Rodrigues. São Paulo: Global,
2004.
RODRIGUES, Nelson. Teatro completo. (Org.) Sábato Magaldi. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 2003.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno. Tradução Luiz Sérgio Repa. São Paulo:
Cosac & Naify, 2001.
_____. Ensaio sobre o Trágico. Tradução Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004.
VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga.
Tradução Anna Lia Prado et. al. São Paulo: Perspectiva, 2008.
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“NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA POROSA”: UM ESTUDO
SOBRE O ROMANCE METAFICCIONAL DO INÍCIO DO SÉCULO XXI
Alessandra Cristina Valério1
RESUMO
Na primeira década do século XXI, multiplicaram-se as ficções de tendência
autorreferente que tematizam a si mesmas, de diversos modos, no próprio âmbito
textual. São narrativas que desnudam seus próprios artifícios literários, por meio de
exercícios metalinguísticos e autorreflexivos, abrangendo desde a incorporação do
personagem escritor, as tensões constitutivas do campo literário, até a
representação do processo de escrita. Trata-se da literatura metaficcional, termo
este surgido no cenário norte-americano na década de 70 e que designa um tipo de
produção literária autoconsciente e que toma seu próprio universo como tema da
tessitura narrativa (GASS, 1970, WRAUGH, 1985, HUCTHEON, 1985). Embora o
conceito tenha adquirido notoriedade no contexto da contemporaneidade, os indícios
da prática metaliterária remontam a Cervantes e Sterne, no início da idade moderna,
e relacionam-se com a trajetória de afirmação e legitimação do gênero romanesco
(COSTA LIMA, 1995). Em face disso, este estudo toma a metaficção como um meio
privilegiado de apreensão da polifonia dos discursos sobre o fazer literário que
podem identificar determinados impulsos, inclinações e vontades, concordâncias e
descontinuidades que compõem o conjunto de práticas de uma época ou de um
grupo. Um recurso de ampla complexidade que permite apreender o grau de
aderência ou disjunção entre o que se diz sobre a literatura e o que, efetivamente,
realiza-se como obra, ou seja, a assimilação ou rejeição a certas convenções e
normas que regem as opções estéticas do início do século XXI.
PALAVRAS-CHAVE:
Literatura
autoafirmação do romance.
Brasileira
Contemporânea;
Metaficção;
INTRODUÇÃO
À capacidade de uma linguagem debruçar-se sobre si mesma, desvelar-se e
sinalizar a sua própria condição de existência, atribui-se o nome de metalinguagem.
De acordo com o Dicionário de termos literários, o prefixo grego meta expressa as
ideias de comunidade ou participação, mistura ou intermediação e sucessão,
transformação, transposição, transcendência, movimento. Nesse sentido,
metalinguagem descreve a capacidade da língua pensar-se por intermédio de si,
atuando como mediação, no instante mesmo em que se realiza enquanto ato.
1
Pesquisadora CAPES/CNPQ. Doutoranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Letras.
Linha de pesquisa: Estudos Literários e Interfaces sociais da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná - Unioeste. Orientadora: Dra. Regina Coeli Machado e Silva. Endereço eletrônico:
[email protected]
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Tal especificidade do uso da língua tornou-se interesse do formalista russo
Roman Jakobson, em seus estudos acerca do funcionamento linguístico e dos
aspectos da comunicação verbal. Ao considerar as funções predominantes da
linguagem de acordo com os diversos fatores que constituem o processo
comunicativo (remetente, destinatário, contexto, mensagem, contato e código),
Jakobson (1974), descreve a função metalinguística, essencialmente, como
linguagem que fala da linguagem, discurso que focaliza o código lexical do idioma,
reenviando o mesmo código utilizado à língua e a seus elementos constitutivos. Por
meio da extensão do conceito, obtêm-se, de forma análoga, os termos metapoesia,
metanarrativa, metaliteratura e metaficção.
Interessa a esta pesquisa, sobretudo, esses desdobramentos do exercício
metalinguístico que são deslocados para o espaço da criação literária e os
problemas por ele proposto. Principalmente, no que tange a apropriação desse
gesto pela escrita ficcional em prosa, ou seja, que a princípio, nomearemos como
metaficção. Não é raro que poesia e prosa compartilhem alguns pressupostos,
especialmente, os que se relacionam à sondagem de sua própria constituição, no
entanto, é na prosa que parece haver uma crescente inclinação pelo uso do recurso
literário autoexploratório. Demonstrando, ao longo do tempo, uma impressionante
capacidade de potencializar a criatividade do artifício metalinguístico, multiplicandoo em inúmeros modos de operar a palavra e modelar a ficção.
Mas como distinguir o dispositivo metaficcional no corpo da ficção? O que
define propriamente a metaficção? Segundo Linda Hutcheon (1984), a metaficção
é uma problematização polivalente da perspectiva crítica, reflexiva, analítica ou
lúdica daquilo que é narrado, ou “um fenômeno estético que duplica-se por dentro,
falando de si mesmo ou contendo a si mesmo” (BERNARDO, 2010, p.09). De
alguma forma, toda obra expõe, mesmo que opacamente, as condições de sua
fatura. Seja de modo metafórico ou como visão de mundo, é possível obter alguma
visibilidade dos elementos mais imediatos que circundam o contexto de produção
textual. Contudo, há certos tipos de ficção em que a descontinuidade no plano da
diegese promove uma espécie de atenuamento do efeito mimético mais imediato,
indicando que aquilo que se lê não constitui um universo paralelo, mas uma
construção do autor.
Essa descontinuidade diegética, como afirma Hutcheon (1984), pode se
instaurar de maneiras distintas e com finalidades díspares que variam seguindo
critérios estéticos e/ou políticos de autores ou épocas. O texto pode se mostrar
autoconsciente de seus artifícios narrativos de modo mais explícito através da
inserção de elementos relacionados à instância da criação como:
personagensescritores, homônimos ou não, o personagem-autor canônico,
personagens leitores, editores ou críticos, no nível textual por meio da introdução
do comentário reflexivo sobre a própria escrita, sobre outras obras ou ainda a crítica
exercida de modo metafórico. Contudo, o artifício metaficcional também pode
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ocorrer de forma mais implícita e alusiva, por exemplo, através da paródia, da
reescritura, do tradicional mise en abyme.
Embora não constitua nenhuma novidade, uma vez que os indícios dessa
estratégia já são perceptíveis em obras o século XVIII (Dom Quixote, A vida e as
opiniões do cavaleiro Tristam Shandy), o fascínio pela metaficção enquanto técnica
de construção narrativa é facilmente detectável pela sua presença abundante na
produção literária e artística do presente. Há múltiplas exposições de arte que
exploram a trajetória da criação, como as obras da brasileira Leda Catunda, que
insere na própria instalação os diários, manuscritos, esboços, projetos, na tentativa
de restaurar os estados cognitivos do processo criativo do artefato. As películas de
Woody Allen como Deus Ex Machina, A Rosa Púrpura do Cairo são exemplos de
como o modus operandi da metaficção pode ser produtivo e instigante como tema
e como forma do produto artístico.
Na literatura recente, destacam-se, nos usos do dispositivo metaficcional, a
prosa do americano Paul Auster, do espanhol Enrique Villa-Matas, do português
Gonçalo M. Tavares, do francês Michel Houellebecq, do sul-africano Vladislavic.
Também pode ser considerada característica inconfundível de Roberto Bolaño e
Julio Cortázar, cujas obras se filiam aos desdobramentos da tradição aberta por
Borges, autor que se consagrou pela multiplicação infinita dos modos de realizar o
exercício metaliterário. Na literatura brasileira, o recurso também foi bastante
utilizado na prosa dos anos 80 e 90, por autores como Sérgio Sant’anna, Rubem
Fonseca, Bernardo Carvalho, João Gilberto Noll, Cristóvão Tezza, Silviano
Santiago.
Diante disso, toma-se aqui o gesto narrativo autorreflexivo como um meio
privilegiado de apreensão da polifonia dos discursos sobre o fazer literário que
podem identificar determinados impulsos, inclinações e vontades, concordâncias e
descontinuidades que compõem o conjunto de práticas de uma época ou de um
grupo. Um recurso de ampla complexidade que permite apreender o grau de
aderência ou disjunção entre o que se diz sobre a literatura e o que, efetivamente,
realiza-se como obra, ou seja, a assimilação ou rejeição a certas convenções e
normas que regem as opções estéticas. Assim, seria imprudente identificar apenas
simetrias entre os usos metaficcionais propostos pelas obras literárias
contemporâneas e o gesto realizado por Cervantes em D. Quixote no século XVI,
ou por Borges na metade do século XX, quando os objetivos, a convenções
convocadas para diálogo, os embates ideológicos são completamente distintos.
Aliás, foi o próprio Borges que em Pierre Menard, autor de D. Quixote, conseguiu
extrair do idêntico aquele diferencial que marca a inserção da obra em seu contexto
histórico. Deixando claro que o discurso quixotesco sobre as letras e as armas, nos
arranjos de um autor do início do século XX, é muito diferente da leitura que se faz
desse mesmo discurso no romance de Cervantes do século XVI. A repetição de
Borges convoca a différance (DERRIDA, 1973), ou seja, uma repetição que não
produz a mesmidade ou a semelhança, mas a diferença, a dissemelhança. É por
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essa chave que se busca dimensionar as implicações da metaficcção no contexto
presente.
Em virtude disso, é necessário indagar: Com quais elementos do universo
literário cada obra metaficcional se propõe a dialogar? Quais seriam as tensões e
os dilemas que as constituem e que são projetados por elas (seja no nível da
textualidade ou no âmbito contextual)? Como se posicionam em relação aos
conflitos que narram e quais soluções são propostas? No caso das reescrituras da
tradição: O que poderia justificar a opção por determinado autor do cânone? Que
aspectos da tradição são convocados para reflexão e quais são mantidos à sombra?
METODOLOGIA
A metodologia desta pesquisa está epistemologicamente ancorada no
diálogo entre: os postulados da Antropologia da Arte, principalmente, na concepção
de arte e literatura como campos distintos do saber humanos, capazes de fornecer
dispositivos cognitivos singulares para a compreensão da realidade (GEERTZ,
1989); nas contribuições dos Estudos Literários de viés pósestruturalistas, no
tocante ao descentramento do olhar, ao questionamento acerca da possibilidade
representativa da arte e da literatura, ao reconhecimento da produção literária não
legitimada das margens e minorias em contraste com a produção canônica, à
concepção de heterogeneidade como fundadora das “culturas” no plural
(EAGLETON, 2005, FOUCAULT, 2006). Quanto ao procedimento básico de
apreensão dos dados (ANDRADE, 2004), trata-se de uma pesquisa bibliográfica,
pois se baseia em leituras de fontes primárias e secundárias, no fichamento das
informações centrais, na catalogação por meio de palavras-chave, para posterior
contraste e interpretação das informações.
A metodologia da pesquisa foi organizada nas seguintes etapas:
1) Formação do corpus literário. Os critérios utilizados para selecionar as obras
que comporão o quadro da pesquisa são:
a)
As datas de produção e publicação, sendo eleitas obras publicadas
entre os anos de 2005 e 2010. O objetivo maior é contribuir com estudo inédito
de obras bastante recentes.
b)
Quanto ao conteúdo, deverão apresentar de algum modo como
temas: as discussões acerca do campo literário, status do autor, reflexões
sobre os processos da escrita e da criação literária.
2) Levantamento da divulgação dessas obras nos meios midiáticos e culturais,
resenhas publicadas, notas em jornais e revistas especializados ou não,
entrevistas, e principalmente, indicações aos prêmios literários.
3) Coleta de informações como: a formação profissional desses escritores, a
existência ou não de alguma relação com o meio acadêmico ou midiático, cor,
sexo, idade.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
4) Leitura comparada das obras para averiguar semelhanças e diferenças no
trato dos mesmos temas. Apontar as singularidades oriundas das particularidades
estéticas.
5) Aprofundamento nas leituras acerca dos estudos literários e averiguação dos
pontos de contato com os temas das obras selecionadas, ou seja, se possível
verificar até que ponto as obras absorveram parte das teorias contemporâneas e
como as devolvem.
6) Estudo aprofundado do campo literário brasileiro e suas linhas de força,
jogos de poder com o objetivo de mensurar se essas tensões tem sido
responsáveis pelas constantes referências ao campo que aparecem nas obras.
7) Cruzamento de todos os dados e interpretação das informações, avaliação dos
resultados e mudança de método caso não se chegue ao objetivo almejado. 8)
Redação do texto. Revisão dos pontos principais.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
O corpus selecionado até o momento da formulação deste texto abrange os
seguintes romances: Um beijo de Colombina (2005) e Rakushisha (2008) de
Adriana Lisboa, Procura do Romance (2010) de Julián Fuks, Cordilheira (2008) de
Daniel Galera e Vendedora de Fósforos (2010) de Adriana Lunardi.
As análises, empreendidas até aqui, permitiram compreender as diferenças
principais entre a metaficção presente na literatura brasileira dos anos 80 e o seu
desdobramento na primeira década do século XXI.
A inserção na trama do personagem-autor, homônimo ou não, a
dramatização de seus conflitos com o público leitor, com a crítica e principalmente
com os editores constituiu uma das formas mais exploradas da metaficção nos anos
80. Barbieri (2003) aponta o uso dos desdobramentos metalinguísticos juntamente
com o intercâmbio de signos de outros sistemas semióticos (intermidialidade) como
os traços mais significativos da ficção das duas últimas décadas do século XX. Essa
peculiaridade, segundo a autora, está relacionada à expansão do mercado editorial
brasileiro e aos dilemas vividos pelo escritor, defrontado com uma nova realidade:
a de mercado. A ampliação mercadológica que trouxe consigo a possibilidade da
profissionalização e da sobrevivência pela própria pena, também inseriu o autor
numa lógica de consumo e na disputa por espaço com os produtos midiáticos (bestsellers, quadrinhos).
Cada vez mais acuados pelo poder de alcance dos artigos da cultura de
massa (cinema, TV), os autores passaram a incorporar aspectos da linguagem
midiática em seus textos para buscar acesso aos leitores, ao mesmo tempo em que,
não-rendidos, procuravam formas de encenar o conflito no bojo da própria ficção. É
a estratégia presente, por exemplo, em Bufo & Spallanzani (1985, p.170) de Rubem
Fonseca:
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Voltei para o quarto e tentei escrever Bufo & Spallanzani. [...] “Não inventa,
por favor. Você tem leitores fiéis, dê a eles o que eles querem”, dizia meu editor. A
coisa mais difícil para o escritor é dar o que o leitor quer, pela razão muito simples,
de que o leitor não sabe o que quer, sabe o que não quer, como todo mundo; e o
que ele não quer de fato, são coisas muito novas, diferentes do que está
acostumado a consumir.
Essa tensão envolvendo a decisão do autor entre submeter-se ou resistir às
pressões das regras, ditadas pelo capital, constituiu-se no maior impulsor das
investidas metaficcionais da prosa das últimas décadas do século XX. Paralelo a
isso, nesse período, também adquire visibilidade uma vertente histórica da
metaficção que se propõe, a partir da leitura de documentos e arquivos do passado,
operar uma reescrita dos fatos que marcaram a construção da história oficial,
procurando cobrir as lacunas deixadas pela investigação institucionalizada.
Diferente do romance histórico, a metaficção historiográfica, segundo Hutcheon
(1981) se apropria de situações e personagens reais, problematizando suas
existências e, por meio da ficcionalização, reinserindo-os numa nova rede de
sentido. Pode-se tomar como exemplo as obras Em Liberdade de Silviano Santiago
e Boca do Inferno de Ana Miranda Dias.
Já no início do século XXI, os embates e duelos de escritores x editores,
escritores x críticos, escritores x mercado estão menos convulsionados do que nas
décadas anteriores. Embora, ainda muito longe de ser uma realidade tranquila, o
cenário atual se mostra mais favorável à ampliação das possibilidades profissionais
dos escritores e ao desenvolvimento de um campo heterogêneo, com abertura a
diferentes estilos de escrita (SCHOLLHAMER, 2009). Obviamente, outras tensões
e disputas por legitimação continuam a movimentar o campo literário
contemporâneo, o horizonte de mudanças detectado se contempla apenas numa
visão diacrônica, numa comparação com o passado mais recente. Talvez seja
possível estabelecer alguma relação entre a conjuntura descrita e o fato de que, na
produção literária deste século, as metanarrativas deslocaram a perspectiva dos
conflitos vivenciados no campo literário para os desafios experimentados no nível
da criação literária. Ainda que tais embates com a política editorial e o mercado
não estejam de todo ausentes, a metaficção do presente parece adquirir outros
contornos, obter novas conotações.
É notável, por exemplo, a inclinação dessas ficções pela reflexão acerca dos
processos de tessitura da obra, a opção por apresentar o encadeamento dos
prováveis estados mentais que engendraram a escrita, a reconstituição do percurso
criador, os diálogos intertextuais com a tradição e o fascínio pelos limites e segredos
da escritura. O registro desses processos provoca descontinuidades nas narrativas
e impõe dificuldades formais de diversas ordens que recebem soluções diferentes
em cada obra. Logo, as tramas tendem a ser intersticiais, fiando-se em torno
excertos ensaísticos, trechos de diários, cartas, manuscritos, rascunhos, fotos e
diversos outros textos que documentam o trajeto criativo do autor, assim como
também são constantes o tradicional tom reflexivo e as indagações encetadas pelo
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narrador-autor ou personagem-autor. A combinação desses diferentes artifícios,
normalmente, confere a essas ficções um aspecto de inacabamento, uma aparência
de projeto inconcluso ou de obra em andamento, o que evoca, de certo modo, a
imagem dos edifícios de arquitetura pós-moderna, inspirados em Le Corbusier, que
buscavam ressaltar as formas estruturais, deixando aparente o funcionamento da
edificação, em sua maioria, feita de concreto armado, aço e muito vidro.
Outra face dos desdobramentos metalinguísticos, na atualidade, são os
procedimentos de ficcionalização do cânone, cuja estratégia narrativa é análoga a
da metaficção historiográfica, contudo sem o viés marcadamente político que
caracterizou a prática iniciada nos anos 80. Nessa versão, são privilegiadas figuras
autorais da tradição literária que protagonizam enredos situados entre os planos
biográfico e ficcional. É comum que tal arranjo proporcione uma reinterpretação da
herança canônica, buscando reavaliá-la por diferentes perspectivas e, sobretudo,
enfatizando a condição intertextual de toda criação. Trata-se de um tipo de narrativa
que destaca, principalmente, a condição de leitor voraz de todo escritor como é o
caso dos romances de Julián Fuks e Adriana Lunardi.
Essa necessidade de explicitar constantemente seus métodos criativos e de
deliberar acerca das próprias decisões estéticas são pressupostos compartilhados
por esse grupo de escritores que produzem literatura no presente. O modo similar
pelo qual essas obras operacionalizam a metaficção e externam um discurso
literário (que pode ou não coincidir com suas práticas), configurou o critério
fundamental que as elegeu como integrantes do corpus de pesquisa. Somam-se a
isso traços relevantes do plano extratextual como: o fato de esses autores iniciarem
suas carreiras e se projetarem no cenário brasileiro durante a primeira década deste
século (recorte temporal); as obras terem sido amplamente reconhecidas pelos
dispositivos de legitimação do campo literário contemporâneo como prêmios e
respaldo crítico (questão da aceitação de suas propostas); a ausência e escassez
de estudos que abordem essas ficções e nenhum que, especialmente, detenha-se
a analisá-las pelo viés metaficcional.
Sobre o grupo selecionado para compor o corpus, interessa-nos, além das
múltiplas funções que assume o dispositivo autorreflexivo na composição de suas
obras, o modo como ele pôde estar relacionado à busca de uma ancoragem no
espaço literário para esses recém-chegados. Isso porque é possível que a
sondagem das próprias opções estéticas e a explicitação dos artifícios literários
estejam ligadas a certa necessidade de justificar suas escolhas, obter legitimação
para seus projetos autorais e se posicionar no campo. Diferentemente de escritores
consagrados como Cristóvão Tezza, Sérgio Sant’anna, Bernardo Carvalho, para
quem os desdobramentos metaficcionais e suas infinitas recombinações já
constituem uma das marcas distintivas de suas escritas, os novos escritores
parecem conscientes de que não basta fazer literatura, é preciso provar como o que
foi feito pode vir a ser literatura.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Por um viés contextual, o discurso metaliterário, que perpassa a ficção
desses autores, pode ajudar a discernir dois movimentos importantes, interligados
entre si de modo ambivalente, que marcam as tensões literárias do presente: a) as
modificações no estatuto ontológico da literatura, nas suas condições de existência,
a indeterminação de seus limites de abrangência, o questionamento de sua função
social é o que parece solicitar um maior esforço das narrativas no sentido de
procurar situar-se nesse terreno oscilante. b) as mudanças ocorridas na
profissionalização do escritor, no século XXI, em especial, ao que se refere ao grupo
componente do corpus. Se, nas décadas anteriores, a profissionalização consistia
na definição dos termos em que se daria a relação do autor com o mercado editorial,
e até que ponto este poderia condicionar aquele, a atualidade trouxe outro aspecto
importante dessa relação: a formação do escritor.
O primeiro aspecto referido já se constitui tema de diversos debates e
polêmicas nos últimos anos no circuito literário. Trata-se do que Ludmer (2010)
denominou de “literatura pós-autônomas”, que corresponde à perda da
especificidade do texto literário, aquela atribuída por Kant que separava a escrita
literária das atividades cotidianas, sem finalidades práticas. A condição
pósautônoma equivaleria à dessacralização da literatura, à indeterminação de suas
fronteiras em relação a outros campos de saber, sua ambivalência disciplinar.
A literatura pós-autônoma é aquela que sai do cerco literário, onde estava
encerrada a princípios literários, como os do modernismo. Ela trata de ser outra
coisa, como uma investigação histórica, uma biografia, uma crônica, um
testemunho. E é fundamental ver que a produção do livro se modifica. (...) Hoje a
literatura não ocupa mais um lugar sagrado e pode até se confundir com a leitura
de um jornal. (LUDMER,2010, p.02).
Algo semelhante a que Laddaga (2006) apontou como a existência de uma
outra “cultura das artes e literatura”, que corresponde à condição na qual a criação
artística incide na não separação entre arte e vida comum, na indistinção entre o
objeto artístico e o objeto comum. Argumento corroborado por Artur Danto (apud
MAMMÍ, 2012), quando afirma que qualquer objeto pode vir a ser obra de arte,
contanto que se acrescente que o que faz a obra de arte não é tanto a eleição do
objeto quanto justamente esse vir a ser, o processo que leva do objeto a obra. Esse
processo se dá hoje não tanto, ou apenas, na fatura do objeto quanto nas
modalidades de sua exposição.
Esse estado de coisas, segundo Eagleton (2005), relaciona-se ao avanço da
chamada “teoria cultural”, ou seja, o momento posterior de leituras e aplicações das
grandes teorias pós-estruturalistas (Roland Barthes, Michel Foucault, Jacques
Derrida, Julia Kristeva, Deleuze, Jacques Lacan, Raymond Williams) que levantou
uma ampla gama de questionamentos acerca da possibilidade de qualquer
elemento da cultura ser definido por traços imanentes ou apresentar identidades
estáveis. A teoria cultural, a partir da desconstrução derridiana, operacionalizou a
descentralização dos componentes da cultura, explicitando as relações de poder
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
que privilegiavam determinadas posições e excluíam outras. Essa operação
também atingiu a literatura. Uma vez que, ficou difícil defender critérios imanentes
que garantissem o estatuto literário, ou seja, a literariedade, aquilo que distinguia o
texto literário do comum, tornou-se um aspecto bastante questionável e uma ideia
muito difícil de ser defendida (CULLER, 1999). A tão propalada “morte da literatura”
diz respeito a essa dissolução das fronteiras da disciplina, inserindo-a no campo
maior da cultura.
É importante esclarecer que o objetivo, neste momento, não é posicionar-se
nessa contenda. Interessa-nos, sobretudo, constatar que seja qual for a postura
ideológica que se defenda, a posição que se tome nesse jogo, o que não se pode
negar é a existência da demanda trazida pelos desdobramentos das leituras
pósestruturalistas. As questões levantadas sobre autoria, acerca da especificidade
do texto literário, de sua relação com outros produtos da cultura são, em alguma
medida, incontornáveis para quem está envolvido na produção literária no contexto
atual. Em especial, quando se considera que o grupo de autores em foco pertence
a uma geração formada em meio a esses debates, o que se relaciona ao segundo
movimento relevante, anteriormente mencionado, que caracteriza a condição
profissional do autor.
Diferente do cenário dos anos 80, o espaço para publicação e circulação de
novas obras e autores obteve uma significativa ampliação a partir do crescimento e
expansão de pequenas editoras, da multiplicação dos espaços midiáticos como
redes sociais e blogs na internet, com a explosão de feiras literárias e o surgimento
de diversos prêmios e concursos literários, inclusive com a instituição da polêmica
lei Rouanet de 1992 (RESENDE, 2008) (SCHOLLHAMER, 2009) (AZEVEDO,
2012). Contudo, ao mesmo tempo em que o campo literário tem se mostrado mais
sensível à coexistência de diferentes propostas estéticas, também se desdobram
os mecanismos de legitimação e consagração de autores e obras, assim como a
rigorosidade dos critérios de seleção e acesso a um segmento mais prestigiado da
escrita (aquele que publica em grandes editoras, recebe respaldo da crítica e pode
viver da própria pena).
Obviamente, esses percursos de projeção no campo literário são variados e nem
sempre previsíveis, no entanto um aspecto notável, na atualidade, é a busca pelo
aprimoramento profissional do escritor, que pode ocorrer de formas distintas e
abrangem desde a procura por oficinas de escrita criativa até a opção pela pósgraduação.
Especialmente, na última década houve um crescimento significativo de
escritores com mestrado e/ou doutorado, sobretudo, na área das Letras. Os novos
profissionais chegam ao campo, muitas vezes, vindos da própria academia ou ainda
a ela vinculados, o que também pode sinalizar uma ressignificação do papel da
universidade no espaço literário, antes limitada à formação de leitores e
professores, agora atuando de forma mais direta na preparação do escritor. Assim,
é notável que há uma receptividade positiva para um profissional da escrita mais
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bem preparado, consciente e informado pelos debates recentes que circundam o
gesto de criação. Como esclarece Assis-Brasil, Doutor em Literatura, escritor e
coordenador do doutorado em Escrita Criativa da PUC-RS:
O momento estético em que vivemos já não contempla espaço para o
ignorante-iluminado, aquele escritor que desconhece seus métodos de composição
e não consegue pensar sobre eles; hoje o escritor é versado não apenas naquilo
que se denomina de cultura geral, mas é alguém que sabe discorrer sobre suas
obras. (ASSIS BRASIL, 2010).
CONCLUSÕES
Sendo essa a condição que descreve o lugar de fala do grupo de autores
estudados. Se a configuração atual do espaço literário é sacudido pela polifonia
discursiva desconstrutivista e descentralizadora que ressalta, implacavelmente, a
contingência do valor literário e a porosidade de suas fronteiras, parece justificável
que, os escritores, formados e informados desse debate, procurem explicitar em
suas próprias obras os argumentos que inscrevem a sua produção em um possível
nível literário. Quanto maior a flexibilidade das normas, a indiscernibilidade dos
limites, maior a necessidade de evidenciar os percursos, os lugares de fala e as
próprias escolhas. Por outro lado, quanto mais instáveis as condições de recepção
do texto literário, também é maior a capacidade que a obra deve demonstrar de
antecipar seus modos de inscrição nesse espaço oscilante, de indicar os itinerários
possíveis de leitura.
Nesse sentido, as escritas metaliterárias analisadas apresentam uma
dimensão importante: um caráter performativo, atuante no sentido de que precisam
mobilizar as suas próprias condições de recepção e buscar de algum modo a
legitimação de seu processo criativo.
AGRADECIMENTOS
À CAPES por conceder o financiamento necessário para custear esta
pesquisa.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
MEMÓRIA SOCIAL EM: A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO (2011)
Amanda Caldeira Gilnek20
RESUMO
Este texto tem como proposta, refletir sobre letras de música do álbum A sociedade
do espetáculo (2011), produzido pelo grupo - trupe - O Teatro Mágico, considerando
que o álbum contempla temas relacionados ao contexto social contemporâneo e
expressam uma memória social. O texto apresenta resultados de pesquisa
provenientes do projeto de Iniciação Científica intitulado “Literatura e Música:
Arquivos de memória do tempo no álbum A Sociedade do Espetáculo (2011)”. O
suporte teórico para a análise das letras das músicas ancora-se nos estudos de
Antonio Candido (1973) e Bakhtin (1993) sobre a relação produção artística e vozes
sociais. Estudam-se aspectos formais e temáticos e a produção de sentidos que o
álbum A sociedade do espetáculo proporciona, tanto na construção de textos
escritos, quanto nas produções que lidam com imagens e performances. O estudo
analítico parte do reconhecimento de elementos específicos do gênero das
composições, que são musicadas, para depois se articularem a espetáculos
performáticos. A pesquisa oportunizou a realização de estudos sobre processos
criativos e intertextualidade embasados em J. Kristeva (1974), Guy Debord (1997),
M. Bakhtin (1993), Octavio Paz (1991), entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: Memória social; intertextualidade; O Teatro Mágico.
INTRODUÇÃO
Verifica-se nas composições do álbum A Sociedade do Espetáculo (2011),
produção do grupo artístico O Teatro Mágico, um processo de elaboração dos
elementos políticos e culturais que se realizam na textualidade polifônica das letras
musicadas como elementos próprios do projeto ideológico e estético da companhia
musical. Octávio Paz (1991) destaca que ritmo, imagem e significado apresentamse simultaneamente numa unidade indivisível na produção poética. A voz do grupo
artístico ecoa da obra como vozes que evidenciam uma forma de protesto,
chamando o leitor para a reflexão crítica sobre cultura e sociedade no mundo
contemporâneo.
METODOLOGIA
20
Graduanda no curso de Letras, Port/Inglês da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Da Linha
de Pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos Comparados, sob orientação da Prof.
Dra. Lourdes Kaminski Alves.
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Trata-se de pesquisa de cunho bibliográfico de característica interpretativa,
com base nos pressupostos teóricos da intertextualidade, polifonia e das relações
entre arte e sociedade, partir de estudos de Bakhtin (1993), Kristeva (1974) e Antonio
Candido (1973).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo Guy Debord, no livro A sociedade do espetáculo (1997), a
contemporaneidade é marcada pelo fenômeno da imagem. Conforme o autor nunca
a tirania das imagens e a submissão ao império midiático, foram tão fortes, como o
estão sendo na contemporaneidade. Trata-se de um tempo em que os “profissionais
do espetáculo” exploram diferentes domínios, desde os campos da arte, à política,
ao cotidiano – passando, assim a organizar um império de passividade, segundo as
reflexões de Guy Debord (1997). As composições do álbum chamam a atenção do
público para estes fenômenos. Nas letras observa-se uma discussão sobre questões
políticas e culturais marcadas pelo tom da sátira circense. Devido aos aspectos da
literalidade presentes nas letras de música do álbum, este estudo voltou-se para a
reflexão sobre o texto-letra-música e sua intertextualidade com as discussões
propostas por Guy Debord. A voz do grupo artístico traz vozes que evidenciam
formas de protesto, permitindo a quem escute as letras musicadas, uma reflexão
crítica sobre sociedade e cultura no mundo contemporâneo. Pode-se notar tal
reflexão, nos trechos a seguir, nos quais os compositores abordam esse contexto
social, a exemplo de referências ao fenômeno da imagem, como elemento fundador
da sociedade do consumo:
“É preciso ter pra ser ou não ser... eis a questão?
Ter direito ao corpo e ao proceder... sem inquisição!
A impostura cega, absurda, imunda... a quem convém?
Essa hetero-intolerância-branca... te faz refém!
Esse mundo não vale o mundo meu bem!” – Esse mundo não vale o mundo
“Amanhecerá!
De novo em nós!
Amanhã, será?
O "post" é voz que vos libertará.
Descendentes tantos insurgirão.
A arma, o réu, o véu que cairá.
Cravos e Tulipas bombardeiam,
Um jardim novo se levantará.
O Jasmim urge do solo sem medo.” – Amanhã... Será?
Kristeva elabora o conceito de intertextualidade, apontando para uma
concepção do texto que engloba suas relações com o sujeito, o inconsciente e a
ideologia, numa perspectiva semiótica, identificando sujeito e processo de
significação. “Todo texto é absorção e transformação de outro texto. Em lugar da
noção de intersubjetividade, se instala a de intertextualidade, e a linguagem poética
se lê, pelo menos, como dupla” (KRISTEVA, 1974, p. 64).
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Nessa perspectiva, as letras das músicas do álbum A Sociedade do
Espetáculo são concebidas como discursos em diálogo com a contemporaneidade
e com os textos que a antecedem. Para Antonio Candido (1973), somente fundindo
texto e contexto social, numa interpretação dialeticamente íntegra, é possível
chegar-se a um processo interpretativo satisfatório. O social, segundo Candido, é
apenas um dos elementos externos, que paradoxalmente tornam-se internos ao
serem incluídos numa obra, que não pode ser captado como causa ou significado,
mas como elemento que desempenha determinado papel na constituição da
estrutura desta obra. Para Candido, a questão social não pode ser imposta como
critério único, ou preferencial, conforme o “sociologismo crítico”. É necessário levar
em conta, todos os demais elementos – sociais, psicológicos e linguísticos – para
que o estudo do texto seja integral e não unilateral. Assim, após a análise, o estudo
deixa de ser puramente sociológico para ser crítico. Para que os estudos de uma
obra literária tenham efeito, Candido destaca a absoluta predominância da análise
sincrônica sobre a diacrônica. Isto é, a obra deve ser avaliada num determinado
estado e momento do tempo e sua importância neste período, e não numa visão
macro desde a evolução histórica da língua através do tempo até os dias atuais.
Candido observa que, a literatura se constrói do entrelaçamento de vários
fatores sociais, sendo fundamental a consciência da relação arbitrária e deformante
que o trabalho artístico estabelece com a realidade. Apesar da singularidade da obra
e de sua autonomia, ela decorre de certas visões de mundo, resultado coletivo da
elaboração de uma classe social, segundo sua visão ideológica. A concepção da
obra como organismo, permite em sua análise levar em consideração os jogos de
fatores que a compõem, condicionam e motivam. Segundo Bakhtin (1993) forma e o
conteúdo devem estar unidos no discurso, entendidos como fenômeno social.
Verifica-se nas composições do álbum A Sociedade do Espetáculo, um
processo de elaboração dos elementos políticos e culturais que se realizam na
textualidade das letras como elementos próprios do projeto ideológico e estético da
companhia musical, sem deixar de trabalhar o projeto artístico e poético das
composições. Tal como aborda Octávio Paz “nada impede que sejam consideradas
poemas as obras plásticas e musicais” (PAZ, 1982, p.32), desde que realizem em
sua especificidade uma forma peculiar de comunicação.
CONCLUSÕES
O lócus enunciativo do grupo O Teatro Mágico situa-se à margem dos
discursos estabelecidos, tendo como propósito o questionamento de padrões
hegemônicos, de problemas sociopolíticos e culturais, além de manifestar-se contra
o preconceito, a exclusão cultural e a massificação por meio das imagens.
A proposta estética que se realiza no álbum A Sociedade do Espetáculo
apresenta uma intertextualidade com a obra de Guy Debord, com relação à tirania
das imagens e a subordinação ao império midiático, na contemporaneidade. A
compreensão bakhtiniana do texto artístico como construção polifônica e as
discussões de Antonio Candido sobre arte e sociedade estimularam a reflexão sobre
as letras musicadas contempladas no álbum A Sociedade do Espetáculo, no sentido
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
de estudar como se dá o processo criativo e como absorve as diferentes vozes,
constituindo-se contribuição importante para esta pesquisa.
REFERÊNCIAS
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1993.
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Janeiro: Contraponto, 1997.
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Paulo: Perspectiva, 1974.
PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
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_____. Convergências: ensaios sobre arte e literatura. Trad. Moacir Werneck de
Castro. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
Discografia: Album A Sociedade do Espetáculo, prod. Trupe “O Teatro Mágico”. São
Paulo: Som Livre, 2011.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
DE SEDUTORAS A DEMONÍACAS: AS DIFERENTES FACETAS DAS
MULHERES NOS ESPAÇOS URBANOS DE RUBEM FONSECA
Ana Lúcia Moreira Rios Coimbra de Araújo21
RESUMO
Este trabalho tem como proposta analisar o comportamento das personagens
femininas da obra Ela e outras mulheres, do autor Rubem Fonseca (2006), a partir
dos papéis sociais que as mulheres desempenham na sociedade e de como tais
papéis se refletem na literatura. Cabe ressaltar que a narrativa apresenta um
realismo feroz, cruel, violento, de linguagem até mesmo vulgar, contundente e de
baixo calão que invade o universo marginal carioca, de uma temática atravessada
pelo medo, pela opressão, carente de solidariedade que se reflete no comportamento
das personagens que envolvem o universo ficcional do autor Rubem Fonseca. A
pesquisa incide no gênero literário conto, a partir do maniqueísmo e da complexidade
apresentados pelos personagens, em especial as mulheres, que circulam no
contexto das obras. O estudo enfatiza o comportamento das mulheres a partir das
últimas décadas do século XX, em busca por um reconhecimento social no espaço
público, privilegiado para o debate do social, representado pela voz de uma
coletividade.
PALAVRAS-CHAVE: literatura brasileira; papéis femininos; cultura; Rubem
Fonseca.
INTRODUÇÃO
Os estudos literários que cercam a relação entre o pensamento coletivo e as
criações literárias individuais têm sido objeto de estudo para diversos autores
contemporâneos. Segundo apontamentos de Lucien Goldmann (1990), esta relação
não reside numa identidade de conteúdo, mas numa coerência expressa pelos
conteúdos imaginários diferentes do conteúdo real da consciência coletiva.
Candido (2002, p.20) afirma que, modernamente, a sociologia tenta explicar
que a compreensão da literatura depende de fatores do meio, “que se exprimem na
obra em graus diversos de sublimação”, produzindo nos indivíduos efeitos que
modificam sua conduta e percepção do mundo. Da mesma forma, Compagnon
(2010) salienta que a literatura está sempre imprensada entre a abordagem histórica
e a abordagem linguística, esta tomada no sentido da arte da linguagem.
A noção de cultura e, consequentemente a literatura, conforme Hollanda
(2014) é forçada a repensar sua função social. Assim, estratégias de expressões
artísticas decorrentes das periferias respondem aos anseios sociais de igualdade
que as relações de poder impedem os indivíduos de alcançarem.
21
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade – nível de Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, sob a orientação da professora Dra. Regina Coeli Machado e Silva. Endereço eletrônico:
[email protected]
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
A literatura marginal, gênero atribuído à produção literária originária de
autores da periferia das grandes metrópoles nas últimas décadas do século XX, tem
por objetivo propagar as ideias e a busca por um reconhecimento social na rua,
espaço privilegiado para discussão e debate do social, representado pela voz de
uma coletividade. A presente pesquisa está centrada em dois aspectos
investigativos: o primeiro propõe-se a investigar como as relações de poder impedem
os indivíduos de alcançarem os anseios sociais de igualdade, enfatizando o papel
das mulheres no contexto das últimas décadas do século XX. Para isto, parte-se da
concepção de que a literatura é a representação de uma consciência de sociedade
que os indivíduos possuem e que nem sempre converge com o conceito de
sociedade imposto por um grupo. Pretende-se fazer também uma revisão
bibliográfica acerca da literatura marginal com a finalidade de evidenciar a produção
literária que enfatiza a temática da periferia e dos grupos marginalizados e de como
o conto ganhou progressiva aceitação nas décadas de 60 e 70.
Além destas questões, este estudo indaga ainda acerca das inter-relações
entre a linguagem literária, o papel da cultura e a relações sociais.
O segundo aspecto da pesquisa examina como as personagens femininas se
inserem no contexto de uma produção literária, em especial no conto
contemporâneo, observando o comportamento a partir das concepções de cultura,
das influências sociais e das mudanças frente aos modelos conceituais préestabelecidos. Pretende-se ainda abordar como os papéis sociais podem ser
subvertidos a partir da tomada de consciência.
Esta pesquisa tem por objetivo analisar as representações femininas nos
contos reunidos de Rubem Fonseca intitulado Ela e outras Mulheres (2006), em que
apresenta 27 (vinte e sete) contos com títulos de nomes de mulher em que as
mesmas se fazem protagonistas, no intuito de verificar as relações sociais e de
cultura que se manifestam no comportamento das protagonistas como forma de
subversão aos papéis socialmente impostos.
METODOLOGIA
Este projeto de pesquisa se pauta na metodologia comparativa e crítica das
narrativas e do comportamento das personagens femininas que circulam o universo
urbano da literatura marginal vigente nas décadas finais do século XX.
Toma-se por base teórica a crítica que examina as relações de poder, como
Peter Berger (1998), Norbert Elias (1994); literatura marginal, Massaud Moisés
(2005); das experiências do cotidiano analisadas por Giddens (1993); dos papéis
femininos descritos por Teles, Soihet, Rago (2007). Serão também analisados os
comportamentos apresentados pelas protagonistas das narrativas inseridas no
contexto do final do século XX, em especial no corpus selecionado de Rubem
Fonseca (2006).
Os estudos de Linda Hutcheon (1991) e Lucien Goldmann (1990) servirão de
base para as discussões em torno dos recursos estéticos presentes nas obras
contemporâneas, no que se refere aos estereótipos da criação literária, em especial
o herói problemático.
A metodologia está assim organizada:
a) Seleção do corpus literário – a obra Ela e outras mulheres, de Rubem
Fonseca;
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b) Discussões acerca do campo literário do autor; reflexões sobre os papéis
sociais e as instituições culturais; análise dos comportamentos das
personagens femininas presentes na obra a partir da subversão dos
papéis femininos estereotipados pela sociedade;
c) Comparação entre os estudos literários e o contexto de produção do
corpus selecionado;
d) Avaliação dos resultados a fim de verificar se convergem para os objetivos
propostos e, em caso contrário, mudança dos métodos para obtenção dos
resultados pretendidos;
e) Revisão dos principais pontos e redação final.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como resultado desta pesquisa, acreditamos que a literatura contemporânea
traz diferentes perspectivas em relação ao indivíduo, os papéis que desempenha nos
grupos sociais em que está inserido e nos conceitos predeterminados pela
sociedade. Neste sentido, o corpus selecionado e analisado, até o momento deste,
permitem compreender alguns dos aspectos sociais pretendidos como análise.
Dentre os aspectos destaca-se a violência como meio de controle social e, conforme
Peter Berger (1998), este controle pode variar de acordo com a finalidade e o caráter
do grupo em que se insere. Isto equivale dizer que, na vida social, somos
confrontados pela questão da possibilidade de criação de uma ordem social que
possibilite melhor harmonização dos indivíduos entre as suas necessidades e
inclinações pessoais e as exigências feitas a cada ser pela eficiência e manutenção
do todo social (ELIAS, 1994).
Nos contos contemporâneos, em especial os de Rubem Fonseca, observa-se
na estrutura narrativa a construção de um herói que subverte os papéis até então
determinados pela cultura literária. O herói romanesco, muitas vezes, é a
representação de uma identidade percebida como segura se os poderes que a
certificam parecem prevalecer sobre ‘eles’, os outros. A ideia de um herói
problemático pode estar relacionada ao conceito de cultura e no papel histórico que
esta estabelece, no sentido crítico prático e intelectual da realidade social existente
(GOLDMANN, 1990).
Alvo de especial atenção, os hábitos populares tornaram-se especiais e
medidas foram tomadas para adequar homens e mulheres dos segmentos populares
aos estados das coisas, estabelecendo valores e formas de comportamento a todas
as esferas da vida. Especificamente sobre as mulheres, uma forte carga de pressões
recaía-lhes sobre o comportamento pessoal e familiar desejado, de maneira a inserilas na nova ordem social. Soihet (2007) relata que, em oposição ao homem, de
natureza autoritária, empreendedora e racional e uma sexualidade desenfreada, à
mulher recaía a fragilidade, o recato, o predomínio da afetividade sobre a
intelectualidade e a subordinação da sexualidade. Na maioria das situações, o
caráter multiforme da violência sobre as mulheres era uma postura das classes
dominantes muito mais de coerção do que de direção intelectual ou moral. As esferas
a que se destinavam as mulheres estavam reservadas à órbita privada e, embora
mulheres mais ricas fossem estimuladas a frequentarem as ruas como nos teatros,
casas de chás e outros, só poderiam fazê-las se estivessem acompanhadas
(SOIHET, 2007). As relações que se estabelecem entre o masculino e o feminino
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nas obras literárias são representações que os indivíduos ocupam nas esferas
sociais.
A escrita do período dos anos de 1970 em diante promove uma linguagem
crítica como um desafio à compreensão política de um espaço que pode aceitar e
regular a estrutura diferencial do momento. Rubem Fonseca, ao tratar o papel
feminino dentro de seus contos, desvela significados como o da identidade, valor,
prestígio, status social decorrentes das transformações sociais, econômicas e
políticas que atingem as personagens femininas.
Nos contos de Rubem Fonseca (2006), analisados até o momento,
encontramos mulheres que são vítimas e vilãs e para as quais os crimes não existem
limites ou fronteiras, frutos de uma sociedade moderna em que todos transitam
livremente e que tudo serve como forma de transgressão, com imagens da barbárie
humana e em que, nessa sociedade de consumo, os valores são descartáveis.
CONCLUSÕES
As questões sobre sexualidade, identidade, situações relacionais, relações de
gênero, distinções sociais são elementos que dialogam permanentemente nos
contos fonsequianos. É interessante perceber que os papéis e as referências
tradicionais do gênero denunciam a força de relações sociais na sociedade. A
desigualdade quanto à liberdade, a responsabilidade com a vida familiar
dasmulheres demonstram a força das estruturas de dominação do gênero.
Diante disto, pode-se acreditar que as personagens femininas do corpus
selecionado estão em constante busca de uma liberdade. Porém, com interesses em
alguma vantagem, articulam assassinatos, usam o próprio corpo para conseguir do
outro aquilo que desejam, cometem pedofilia sob o véu que lhes encobrem as
verdadeiras identidades.
REFERÊNCIAS
BERGER, Peter L. (1986). Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Trad.;
Donaldson M. Garschagen. 19.ed. Petrópolis, Vozes, 1998.
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade: Estudos de Teoria e História Literária.
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Cleonice Paes B. Mourão; Consuelo Fortes Santiago). 2. ed. Belo Horizonte, MG:
Editora UFMG: 2010.
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Ribeiro; Revisão Técnica e notas; Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editora, 1994.
FONSECA, Rubem. Ela e Outras Mulheres. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras,
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GOLDMANN, Lucien. (1967) A sociologia do romance. Trad. Álvaro Cabral. 3.ed. Rio
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GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor & erotismo
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HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Literatura Marginal. Disponível em:
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HUTCHEON, L. Poética do Pós Modernismo: História, Teoria, Ficção. Tradução:
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MOISÉS, Massaud. (2001) História da Literatura Brasileira: Modernismo. 5.ed.
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RAGO, Margareth (et al). A mulher brasileira nos espaços público e privado. 1.ed.
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9.ed. São Paulo: Contexto, 2007, p. 362-400.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
FICÇÃO, HISTÓRIA E MEMÓRIA: O HABITANTE DO ESQUECIMENTO EM
FIGURA NA SOMBRA
Ana Maria Klock22
RESUMO
A presente pesquisa, apoiada nos pressupostos da Literatura Comparada e nas
confluências entre Literatura e História, está centrada na análise do romance Figura
na Sombra (2012), do escritor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil. Nosso intento é,
partindo da compreensão das produções híbridas de história e ficção como
modalidade de registro e releitura crítica do passado que possibilita a quebra ou o
embate com o discurso histórico hegemônico, analisar o resgate que se faz através
das narrativas ficcionais das figuras históricas que permanecem à margem ou à
sombra dos registros oficiais e que, por ocuparem o lugar de coadjuvantes, caíram
no esquecimento ou não foram reconhecidas pelo seu papel na história. Essa
possibilidade de reler o passado materializado na obra literária graças à liberdade
oferecida ao romancista gera múltiplas visões sobre a história e dá personalidade,
origem e voz a essas figuras ignoradas, apresentando-nos a possibilidade de
conhecer a história pelo viés do anônimo. Nesse processo de criação literária,
verifica-se, além do esforço de resgate memorial do personagem, o destaque dado
aos processos de transculturação que se operaram tanto na sua vivência com o
continente americano e que são trazidos para dentro da obra como forma de ilustrar
essa característica que se encontra na base histórica e cultural da América Latina.
PALAVRAS-CHAVE: romance histórico; vestígios da memória; habitantes do
esquecimento.
INTRODUÇÃO
A obra selecionada como corpus de análise dessa pesquisa compõe o quarto
e último volume da série “Visitantes ao Sul”, da qual também fazem parte O pintor
de retratos (2001), A margem imóvel do rio (2003) e Música perdida (2006), explora
a história de dois renomados naturalistas do século XIX, o francês Aimé Bonpland e
o alemão Alexander von Humboldt, que empreenderam uma viajem de cinco anos
pela América movidos pelos interesse de conhecer e estudar as regiões equatoriais
do novo continente. Como uma segunda ‘descoberta’ da América, Bondpland e
Humbodlt catalogaram e coletaram cerca de 60.000 espécimes de plantas e animais,
22
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade, linha de pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos
Comparados, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, sob orientação da
Professora Dra. Adriana Aparecida de Figueiredo Fiuza. Professora da área de Espanhol do curso
de Licenciatura em Letras e do Programa em Pós-Graduação em Letras - Linguagem e Sociedade na
Universidade
Estadual do Oeste
do
Paraná
- UNIOESTE. Endereço eletrônico:
[email protected].
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
registraram e compararam medidas e temperaturas, analisaram aspectos e
acidentes geográficos, precisaram latitudes e longitudes e aperfeiçoaram mapas,
feitos que contribuíram com o avanço do conhecimento científico e com a divulgação
do exotismo e da diversidade natural e geográfica americana, fato que lhes garantiu
reconhecimento, fama e riqueza. Contudo, enquanto Humboldt ganhou amplo
destaque, consagrando-se como um grande cientista, Bonpland ficou relegado a um
segundo plano, figurando apenas como um coadjuvante no discurso histórico.
Apesar de a narrativa trazer as andanças dos dois naturalistas, o foco centrase na figura do médico, botânico e explorador francês, cuja história é lapidada
através da escrita dos episódios históricos factuais costurados pela ficção que se
encarrega de explorar o lado biográfico e desconhecido do personagem, bem como
a sua relação com o continente americano, lançando à luz essa figura que ficou
apagada na historiografia europeia e que passa despercebida na história americana.
Como insinua o título, o olhar lançado incide sobre a figura que permaneceu
à sombra, ou seja, sobre Bondpland, já que opta pela vida na América do sul,
abdicando a fama e o meio científico. Na obra, temos o próprio protagonista contando
a sua história, a sua versão dos acontecimentos e as razões que o levaram às
escolhas que fez, ou seja, através desse discurso direto, possível graças à voz que
é dada ao personagem, o leitor se depara com um relato sensível repleto de
confissões e justificativas que explicam a sua opção.
O romance histórico, nesse contexto de produções híbridas, mostra-se como
o gênero que disponibiliza uma série de condições para que o romancista construa
a sua versão crítica, multiperspectivista, polifônica e, muitas vezes, paródica e
carnavalizada dos fatos registrados pela historiografia tradicional. Isso lhe permite
que as lacunas da história – ou mesmo a visão unilateral dos vencedores – sejam
preenchidas de acordo com a liberdade criadora que a arte literária outorga ao
romancista, contribuindo, conforme sugere Aínsa (1991, p. 82), na “búsqueda de
indentidad a través de la integración antropológica y cultural de lo que se considera
más raigal y profundo”.
No processo de reler os registros históricos, o romancista também enriquece
a própria história, pois, na sua criação, ele dá voz àqueles que foram silenciados e
excluídos dos registros oficiais e ainda propõe novas e inusitadas perspectivas sobre
o passado. Tal processo artístico desmistifica a ideia construída pela historiografia
sobre a existência de uma única “verdade” referente aos eventos passados e, ainda,
demonstra que o que já foi escrito sobre esses eventos está registrado por discursos
que se utilizam das formas de linguagem que buscam legitimar uma ou outra visão
sobre os fatos. Na arte, ao contrário do que ocorre na história tradicional, prevalece
a intenção da pluralidade, das múltiplas perspectivas e visões acerca de um evento
cujas ações se recria pela linguagem.
METODOLOGIA
Como o presente projeto concentra-se na análise literária de uma produção
híbrida entre história e ficção faz-se necessário o trabalho de revisão bibliográfica e
leitura comparada. Nesse sentido, as ações da pesquisa começarão por uma leitura
prévia do corpus e resenha crítica do romance. Em seguida, passará a estender a
ação da pesquisa aos diferentes campos teóricos que podem dar sustentabilidade a
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
uma abordagem mais crítica e profunda ao tratamento do corpus. Assim,
revisitaremos os principais registros sobre a trajetória do romance histórico, os
escritos sobre memória, esquecimento, identidade, transculturação, entre outros
aspectos teóricos dos quais nos valeremos para a compreensão do discurso que
emana da produção híbrida na qual se constitui a obra selecionada como corpus
desse projeto. Todo esse processo requer fichamentos e resenhas críticas que
possibilitem armazenar as informações relevantes que possam apoiar nosso estudo
comparado. Uma vez de posse das informações obtidas pelo processo de revisão
bibliográfica, inicia-se a fase da aplicação dos conceitos revisados na análise
comparativa e, consequentemente, a produção do texto crítico.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Essa pesquisa desenvolve-se no campo que parte do diálogo entre literatura
e história, em específico das narrativas que circulam nesses dois espaços, como é
o caso da narrativa histórica. Partindo da obra mencionada como corpus, objetivase evocar nesse trabalho a discussão sobre os personagens históricos que
permaneceram esquecidos ou ignorados pelo discurso histórico, cuja contribuição
perdeu-se pelo esquecimento e que agora são evocados pela literatura como forma
de dar-lhes visibilidade, resgatando-os do anonimato.
Devido às falhas e lacunas da história, já que “a memória é frágil e as formas
de registrá-la são permeadas pela linguagem e, certamente, pela imaginação”
(MILTON, 2007, p.00), a ficção, no seu espaço de leitora da história, dá
personalidade e corpo ao personagem dentro da perspectiva da verossimilhança,
além do direito à voz para narrar a sua versão dos fatos e eventos. Evoca-se,
inevitavelmente, na retomada dessa figura a discussão a respeito da memória, já
que ao tratar do resgate e problematização do passado nos deparamos com o
problema do esquecimento como uma quebra entre o presente e o passado, como
também, da problemática que envolve a história na seleção e exaltação de
determinados personagens enquanto outros permanecem ignorados.
No processo de criação literária verifica-se que para lidar com a história o
escritor emprega estratégias e recursos narrativos para manipular o texto a fim de
criar os efeitos de sentido almejados. Como é comum nas narrativas de extração
histórica, há o interesse de desmistificar e desconstruir a história fazendo-o por meio
do uso de recursos como a ironia, a intertextualidade, a paródia, etc., em distorcê-la
conscientemente através de anacronismos, omissões, exageros, ressignificá-la ao
empregar o pastiche, a colagem e ainda, dar voz aos silenciados através do discurso
polifônico.
Além do que foi posto, é perceptível na obra o trato sobre o processo de
transculturação do qual Fernando Ortiz propôs em Contrapuento cubano del azúcar
y del tabaco (1940) e que Ángel Rama esmiuçou em Os processos de
transculturação na narrativa latino-americana (2001), já que a obra explora as
mudanças e alterações que se operaram no personagem após o contato e a
interação com a realidade americana, fenômeno tão representativo na América
Latina.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
CONSIDERAÇÕES
A pesquisa ainda encontra-se em fase inicial, portanto, não é possível
apresentar possíveis conclusões a serem citadas ou apresentadas nesse momento.
REFERÊNCIAS
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Mallorca, v. 240, p. 82-85, set. 1991.
ASSIS BRASIL, L. A. Figura na sombra. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2012.
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habitando a distância do esquecimento. In: BERND, Z. Por uma estética dos
vestígios memoriais: releitura da literatura contemporânea das Américas a partir dos
rastros. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. p.77-92.
MILTON, H. C. Narrativas de extração histórica. In: CARLOS, A. M.; ESTEVES, A.
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UNESP, 2007. p. 09-28
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(org.) Conceitos de Literatura e Cultura. Juiz de Fora: Editora UFJF/ Niterói: EdUFF,
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
GÊNERO E REPRESENTAÇÃO DE PERSONAGENS FEMININAS EM MARIA
JOSÉ SILVEIRA E JORGE AMADO
Anna Deyse Rafaela Peinhopf 23
RESUMO
O presente trabalho visa transmitir os resultados da pesquisa direcionada à análise
da representação das personagens femininas na autoria de Maria José Silveira e de
Jorge Amado. Buscou-se considerar, também, a sociedade retratada em cada um
dos romances estudados, apontando a similaridade entre a cultura que oprime as
personagens do livro com a que é enfrentada pelas mulheres no Brasil e no mundo.
Para estudar a autoria feminina, optou-se pela obra de perfil histórico A mãe da mãe
de sua mãe e suas filhas, fazendo emergir Ana de Pádua e Maria Flor. Para a análise
da escrita masculina, Gabriela, cravo e canela foi a escolhida, analisando Sinhazinha
Guedes Mendonça e Malvina. A pesquisa apontou a luta das quatro personagens
contra o status quo e a dominação de seus corpos e mentes, tanto pela família
quanto pela sociedade. Compreendeu-se que as quatro protagonistas, em alguma
medida, conseguem alcançar a liberdade sobre sua vida, seu corpo e sua mente,
mesmo que depois retornem a sofrer com as violências de seus parceiros. Assim,
intentou-se demostrar como a literatura e a sociedade se influenciam e se modificam,
sendo tanto representação como mecanismo que possibilita a reflexão e a mudança
social.
PALAVRAS-CHAVE: autoria feminina; gênero; sociedade patriarcal.
INTRODUÇÃO
A adoção da temática do feminino na construção de diferentes personagens
femininas nos textos A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas (2002) e Gabriela,
cravo e canela (1958) ocorre pela atualidade das discussões a respeito de gênero e
sociedade. Há muito que se pesquisar sobre a literatura de manifestação feminina
em nosso país; notadamente se pensar que durante muitos anos os textos foram
escritos por homens e quase sempre trouxeram o olhar masculino sobre todas as
personagens. Tanto o romance de Jorge Amado quanto o de Maria José Silveira
retrata uma grande quantidade de personagens femininas e masculinas que
representam a sociedade brasileira da perspectiva da diversidade étnica e social: no
caso de Gabriela, cravo e canela como um recorte do interior da Bahia nos anos de
1920, e de A Mãe da mãe de sua mãe e suas filhas como um retrato mais amplo e
do Curso de Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE,
campus de Cascavel. PIBIC/Fundação Araucária sob orientação do Professor Dr. Wagner de Souza.
Endereço eletrônico: [email protected].
23 Graduanda
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diversificado em tempo e espaço, uma vez que reconta a história da colonização do
Brasil sob a trama de personagens mulheres. A proposta de trabalho foi, assim, de
analisar como personagens femininas são retratadas pela autoria feminina e
masculina, bem como apresentar as situações conflitantes enfrentadas por essas
personagens afim de estabelecer um diálogo com a sociedade atual e apontar as
similaridades e divergências dos estereótipos de representação criados pelos
autores.
METODOLOGIA
A base para a pesquisa desenvolvida foram os dois textos literários já citados,
um de autoria feminina e outro de masculina, a saber, A mãe da mãe de sua mãe e
sua filha e Gabriela, cravo e canela. A análise deu-se sob duas personagens de cada
um dos romances, afim de destacar suas divergências e proximidades, considerando
cada contexto da representação feminina. Também utilizou-se textos de teoria
literária e crítica feminista, como Raquel Soihet e Naomi Wolf.
Dessa forma, a obra de autoria feminina, isto é, A mãe da mãe da sua mãe e
suas filhas, publicado em 2002, é um romance em que as mulheres são
protagonistas. Na trama, a história da colonização e do desenvolvimento do Brasil é
(re)contada por meio do olhar de uma narradora sobre os atos e pensamentos das
diversas personagens femininas, permitindo que o leitor, por meio da ficção-histórica,
reveja a formação da nação sob a perspectiva do oprimido, isto é, veja a história “de
baixo”, dando-lhe novo significado.
Já o romance de autoria masculina, ou seja, Gabriela, cravo e canela foi
publicado em 1958 e retrata um microcosmo social da Bahia, a saber, a histórica
cidade cacaueira de Ilhéus. A trama se desenvolve a partir da busca de Nacib, um
“turco” por uma nova cozinheira, após a sua antiga empregada ter abandonado seu
posto para morar com o filho. Até a metade do livro, que não avança a largos passos
em termos cronológicos, o leitor é levado a conhecer os costumes e ideário social
dos moradores da pequena cidade em desenvolvimento.
O principal discurso feminista estudado para elaborar a pesquisa foi o
levantado por Naomi Wolf em O mito da beleza, no qual a autora aponta como a
mulher é subjugada na sociedade atual por meio do domínio dos corpos ou da
instauração de um padrão de beleza.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Analisou-se, então, quatro personagens no total, aproximando-se e
comparando duas em cada momento: Ana de Pádua e Maria Flor, personagens de
Silveira, foram comparadas, respectivamente, com Sinhazinha Guedes Mendes e
Malvina, de Amado.
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Ana de Pádua e Sinhazinha sofreram com a violência doméstica: a primeira
apanhou do marido, enquanto a outra morreu por trair seu cônjuge. As duas
personagens representam socialmente várias mulheres que sofrem com a violência
doméstica no país. De acordo com a pesquisa realizada pelo DataSenado, mais de
13 milhões e 500 mil mulheres já sofreram algum tipo de agressão (19% da
população feminina com 16 anos ou mais). Os dados apontam ainda que a violência
doméstica e familiar contribui enormemente nas taxas de homicídio contra mulheres,
tornando o Brasil o 7º país, entre outros 83, onde mais se matam mulheres.
A segunda dupla analisada, Maria Flor e Malvina, expõe a fragilidade da
liberdade das mulheres na atualidade, em que, mesmo conseguindo direito ao voto,
ao trabalho e à educação, ainda encontra subjugo na dominação de seus corpos.
Malvina precisa lutar contra a sociedade machista dos anos 1920, que impõe à
mulher burguesa o papel de recatada esposa e exímia dona do lar. Já Maria Flor luta
com grilhões sociais que ditam a aparência que uma mulher deve ter para ser aceita
socialmente. O controle do corpo por meio das leis da aparência é, desta forma, tão
eficiente quanto o domínio por meio da violência física. Segundo Naomi Wolf,
estudos demonstram que em meio à grande maioria das mulheres que trabalham,
têm sucesso e são atraentes existe uma subvida secreta que perturba a liberdade
feminina: “[...] imersa em conceitos de beleza, ela é um escuro filão de ódio a nós
mesmas, obsessões com o físico, pânico de envelhecer e pavor de perder o controle”
(WOLF, 1992, p. 12).
CONCLUSÕES
Percebeu-se, durante a pesquisa, que tanto a sociedade representada pelas
personagens dos romances quanto a que reflete as obras mantém o domínio
feminino por meio de uma cultura machista e de uma atitude patriarcal, na qual as
mulheres devem moldar suas ações e desejos por meio das vontades masculinas.
As quatro personagens analisadas nos dois romances tentam lutar contra as
opressões que lhe são impostas, seja pela sociedade, seja pela família, e
conseguem algumas conquistas com seu esforço: Sinhazinha encontra um amante
que a vê como mulher, e não objeto; Ana de Pádua, depois de viúva, casa com um
homem que ama; Malvina foge da vida de mulher casada e busca emprego e
felicidade na cidade grande; e Maria Flor aprende a se amar e se aceitar como é. O
estudo, assim, não só analisou personagens que sofrem de violências físicas e
psicológicas provocadas pelos seus companheiros, pais ou pela sociedade em geral,
como demostrou que as mulheres reais sofrem de mazelas similares e, portanto,
continuam sofrendo as consequências de uma sociedade não igualitárias entre os
gêneros.
AGRADECIMENTOS
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À Unioeste, pela oportunidade de formação acadêmica; à Fundação
Araucária, por permitir minha profissionalização na área de atuação literária; e ao
professor Wagner de Souza por toda paciência, orientação, amizade e
compartilhamento de experiência, conhecimento e educação.
REFERÊNCIAS
AMADO, J. Gabriela, cravo e canela. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
DATASENADO PESQUISA. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noti
cias/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-PesquisaViolencia_Domestica
_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 12 jun. de 2014.
SILVEIRA, Maria José. A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas. São Paulo: Globo,
2008.
SOIHET, Raquel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: PRIORE, Mary
Del (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2007. [p. 362-400].
WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as
mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
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CLAUDIA ROQUETTE PINTO E SUZY DELGADO: ESTUDO COMPARADO DA
LÍRICA LATINO-AMERICANA
Antonio Rediver Guizzo24
RESUMO
Os estudos de literatura comparada na América Latina pós-colonial são
fundamentais para a compreensão das particularidades que singularizam as
manifestações estéticas do continente. O espaço transcultural e transfronteiriço
latino-americano é ainda fortemente marcado pela herança colonial, no entanto, há,
notadamente, um crescente movimento em favor da valorização da cultura e arte
regional. Nesse sentido, o continente vive um período no qual a construção simbólica
da América Latina constitui-se a partir da dialética entre a dominação econômica e
cultural imposta pelos países desenvolvidos e a insurgência endêmica de uma
proxemia latino-americana, que comunga o desejo de valorização dos elementos
locais. No campo estético, esta tensão culmina em produções que ora contorna subrepticiamente ora defronta-se ostensivamente contra a marginalização proveniente
da difusão hegemônica dos discursos do primeiro mundo. Nesse contexto,
analisamos as manifestações da corporeidade em duas poetas contemporâneas –
Susy Delgado, de nacionalidade paraguaia e Claudia Roquette-Pinto, de
nacionalidade brasileira – a fim de estabelecer pontos de convergência e divergência
na lírica latino-americana. Para tal fim, orientamo-nos a partir de aportes teóricometodológicos que envolvem a pesquisa em Literatura Comparada, e a partir das
considerações de Zygmunt Bauman e Michel Maffesoli sobre o corpo e a pósmodernidade.
PALAVRAS-CHAVE: Claudia Roquette-Pinto; Suzy Delgado; literatura comparada;
lírica contemporânea.
INTRODUÇÃO
O objeto da Literatura Comparada é essencialmente “o estudo das diversas
literaturas nas suas relações entre si, isto é, em que medida umas estão ligadas às
outras na inspiração, no conteúdo, na forma, no estilo” (NITRINI, 2010, p. 24). Nesse
sentido, embora instituída como disciplina apenas no século XIX na Europa, surge
de uma das mais antigas formas de investigação sobre a arte: a observação das
relações, traços comuns e influências encontradas entre as produções artísticas de
diferentes países ou culturas.
Na América Latina, a Literatura Comparada inicia indissoluvelmente ligada
aos processos colonizatórios do continente, pois a dominação colonialista na
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Docente da UNILA
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América Latina ocorreu tanto na dimensão econômica quanto na dimensão cultural,
e as ideologias decorrentes exerceram grande influência na forma de se pensar em
literatura no continente.
Nesse sentido, Coutinho (2003) observa que as primeiras manifestações
críticas sobre a literatura do continente orientaram-se através de um discurso
ratificador da dependência cultural – a literatura era vista e avaliada sob a
perspectiva da herança e influência europeia. Santiago, sobre esse ponto, observa
que essa maneira colonizada de pensar a literatura do continente não conseguiu
observar que a maior contribuição da América Latina para a cultura ocidental, que
“vem da destruição sistemática dos conceitos de unidade e pureza [...] à medida que
o trabalho de contaminação dos latino-americanos se afirma” (SANTIAGO, 2000, p.
16).
Sob a perspectiva da “contaminação”, Miguel Sanches Neto (2013) aponta
a literatura comparada como uma forma de contracoloniação a posteriori – “o
comparativismo é [...] o instrumento que pode corrigir distorções do nacionalismo
estreito ou do internacionalismo estandardizado” (NETO, 2013, p. 62) – isto é, a
superação do raciocínio centro-periferia.
Desse modo, observar os fenômenos estéticos no continente é fundamental
para a caracterização e valorização da literatura latino-americana. Assim, nessa
pesquisa, pretende-se observar semelhanças e as diferenças que se estabelecem
entre as manifestações artísticas das diferentes culturas, povos e países que
compõe o cenário multifacetado da América-Latina e, no caso específico desse
trabalho, analisar um pequeno excerto da obra de duas poetas latino-americanas,
Susy Delgado, de nacionalidade paraguaia, e Claudia Roquette-Pinto, de
nacionalidade brasileira, com a intenção de observar possíveis pontos de contato
que se constituem na lírica contemporânea de nosso continente.
Claudia Roquette-Pinto é poeta contemporânea, nascida no Rio de Janeiro
em 1963, formada em tradução literária pela PUC-RJ, e autora de cinco livros: Os
Dias Gagos (Edição da autora, RJ, 1991), Saxífraga (Editora Salamandra, RJ, 1993),
Zona de Sombra (Editora 7 letras, RJ, 1997), Corola (Ateliê Editorial, SP, 2001 –
Prêmio Jabuti de Poesia/2002) e Margem de Manobra (Editora Aeroplano, 2005 –
finalista do Prêmio Portugal Telecom 2006). Sua produção lírica, em linhas gerais,
pode ser definida como poesia intimista, na qual, entre os temas mais aparentes,
destacam-se a sensualidade corporal (hedonismo lato sensu que visa a superar a
complexidade antagônica entre a razão apolínea-prometeana e um nascente desejo
de estar-junto), a preferência pelas imagens decorrentes do corpo e de sua relação
com o outro e pelas imagens oriundas do ambiente natural controlável do jardim, e
contraposição frequente entre imagens surgidas da dicotomia luz/escuridão e
ascensão/queda.
Susy Delgado é poeta contemporânea bilíngue (com obras em espanhol e
guarani), nascida em 1949, em San lorenzo, Paraguai. Além de poeta, Suzy Delgado
é jornalista, responsável pelo caderno cultural do jornal La Nación. Entre suas
principais obras, destacam-se: El patio de los duendes e Algun estraviado temblor
em espanhol, e Tataypype, Tesarai Mboyve em guarani. A obra lírica de Suzy
Delgado, segundo Ronald Haladyna (2001, p. 20), pode ser caracterizada como
poesia intimista, obra de uma mulher consciente de seus mais recônditos
sentimentos, e possuidora de um talento inegável para transformá-los em palavras.
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Haladyna (2001) ainda destaca a ausência, a saudade e a nostalgia, como alguns
dos temas principais da lírica de Suzy Delgado.
METODOLOGIA
O corpo é uma forma do homem “ser no mundo”, termo que engloba a
maneira como o homem se relaciona socialmente, tanto na forma como se apresenta
ao outro, como na forma como compreende o outro e o meio em que se insere. As
roupas, as tatuagens, as manifestações corporais dos sentimentos (amor, raiva,
solidão, alegria etc.), as danças, os rituais (de fé, de casamento, de namoro, de flerte
etc.) e outras possibilidades de comunicação corporal comportam e expressam o
modo de ser em determinada sociedade, logo, são também parte inalienável da
cultura. O aporte teórico utilizado nesse estudo é composto principalmente por dois
autores que teorizam a corporeidade contemporânea: Zygmunt Bauman e Michel
Maffesoli.
Bauman (2007) estabelece uma comparação entre o corpo moderno ao
corpo pós-moderno. O corpo moderno é o corpo do soldado/produtor, disciplinado e
posto em movimento regular, preparado para utilizar a força necessária para
responder aos estímulos externos. Sua qualidade máxima é a saúde; logo, todo
consumo deve visar à manutenção da saúde, e o que excede a esse fim é
considerado supérfluo. É um corpo moderno ascético, e sua perspectiva é
econômica.
O corpo pós-moderno é, ao contrário, um instrumento de prazer, sua medida
é a felicidade (compreendida como a capacidade de gozo), e a manifestação de
interesse decrescente aos prazeres da vida pós-moderna (sexual, gastronômico,
etc.) é signo de depressão. Assim, o corpo pós-moderno é mensurado pela
capacidade de consumir, e é nesse ponto que se engendra o problema: ao contrário
da produtividade, a fruição dos prazeres não é passível de aferição, pois a
experiência com o prazer é subjetiva e móvel. Ademais, o corpo é um instrumento
incapaz de absorver todos os prazeres e manter a saúde; logo, vive entre uma tensão
absoluta entre a satisfação e a manutenção da capacidade de fruição. Além disso, o
corpo pós-moderno é propriedade privada indiscutível, e, sendo assim, a
responsabilidade pela eficácia é exclusiva de seu “proprietário”, logo, cabe ao
proprietário a inconciliável posição de desfrutar maximamente de uma vida
prazerosa e manter, ao mesmo tempo, a capacidade de gozar destes prazeres. Para
exemplificar a ambivalência, Bauman (2007) aponta que entre os Best-sellers da
semana, ao lado de livros de maravilhosas receitas culinárias, encontram-se livros
de dietas e programas de treinamento muscular –“Trata-se, portanto, de um cerco
que nunca será levantado — de um estado de sítio permanente” (2007, p. 127).
O outro, nesse estado de sítio, encarna a possibilidade do futuro que escapa
ao controle. O outro é a incerteza que atrai e repele, pois, se outro representa fonte
primordial de prazer, também representa autonomia de vontade que impossibilita a
fruição sem limites dos prazeres.
Michel Maffesoli (2010), em diferente perspectiva, analisa o corpo pósmoderno sobre a ótica do desejo de pertencimento pós-moderno (retorno ao
tribalismo). Após a saturação da lógica do
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“dever-ser” moderna, orientada pela organização asséptica da existência, surge um
hedonismo orientado pelo desejo de vivência compartilhada das emoções, e o corpo
representa o locus privilegiado do desejo de estar-junto, expresso através das
marcas corporais (tatuagem, roupa, cabelo, etc.) e da teatralização das máscaras
sociais.
Sob essa perspectiva, Maffesoli (2010) afirma que a principal característica
da pós-modernidade é o vínculo entre a ética e a estética, pois a identificação entre
as pessoas não é estabelecida somente pela aparência (estética), mas pela
comunhão de valores (ética), orientando uma nova forma de socialidade. Para
Maffesoli, enquanto o homem moderno desejava transformar e dominar o mundo, o
homem pós-moderno deseja unir-se a ele (e aos outro) – tarefa da qual o corpo é o
meio privilegiado de comunicação –, por isso cresce a importância dada ao
doméstico, ao cotidiano, à ecologia, ao território, ao bairro e à comunidade. Assim,
enquanto a modernidade orientou-se por meio de uma estrutura mecânica formada
por indivíduos que exerciam funções em grupos contratuais, a pós-modernidade
apresenta estrutura complexa/orgânica, na qual pessoas (e não mais indivíduos)
exercem diferentes papéis de acordo com os grupos afetuais em que se inserem
(MAFFESOLI, 1998).
Nessa perspectiva, o outro é parte do grupo, não um perigo, mas um aliado
com o qual construo um território simbólico e real (o bairro, a cidade, a rua) – com o
outro que instauro a experiência coletiva.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na pesquisa, analisamos dois poemas de cada autora e estabelecemos
pontos de convergência e divergência na lírica dessas duas poetas latinoamericanas. Aqui, citamos brevemente as considerações a respeito de um poema
de cada autora. O poema analisado de Suzy Delgado é intitulado “37”, publicado na
obra Algún extraviado templor. Observamos nuances sensoriais e sensuais, e um
leve tom de “atrevimento feminino” contra as regras impostas pela sociedade
patriarcal. No entanto, o amor retratado no poema ainda carrega a carga do proibido,
como tantas relações e desejos femininos nas sociedades patriarcais. O tema central
permanece sendo uma trágica despedida do amor que poderia ter sido. As
responsabilidades e o ordenamento social separam os amantes, e a possibilidade
de realização representa um impasse que se opõe à disciplina, à regularidade e ao
ascetismo do corpo moderno. Dessa forma, o desejo de estar junto – manifestação
de outro sentimento, de outra possibilidade, de uma vida que pode ser vivida pela
celebração de uma comunhão hedonista – não se realiza, o cotidiano não deixa
espaços para a vivência “des-organizada” dos sentimentos, que restam apenas
como desejo na memória.
O poema analisado de Claudia Roquette-Pinto é intitulado “Canção de Molly
Bloom”, publicado na obra margem de manobra (2005). Neste poema, observamos
a representação do amor concretizado, mas que apresenta convergências entre os
sentimentos observados no poema de Suzy Delgado.
No poema de Claudia Roquette-Pinto foram há passagens extraídas dos
diálogos de Molly Bloom, personagem do romance Ulysses de James Joyce, esposa
de Leopold Bloom, e que pode ser comparada à Penélope, personagem da obra
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Odisseia de Homero, pois o romance de Joyce é uma releitura da Odisseia. O que
difere Molly Bloom de Penélope é que, ao contrário da casta e fiel esposa de Ulisses,
Molly tem um caso extraconjugal. A relação de intertextualidade entre o poema de
Roquette-Pinto e a obra de Joyce pode ser compreendida como representação de
um “sim” ao encontro amoroso feminino, mesmo quando avesso ao ordenamento
social – Molly tem a audácia que Penélope não pode ter. No entanto, essa
manifestação da emancipação feminina não deixa de destacar o perigo da entrega
à celebração dos corpos para a mulher, como podemos observar no local escolhido
para a representação do encontro – “à beira do precipício”.
Mas o perigo desse encontro é exorcizado no poema pela imagem do
lemniscata, curva algébrica de Bernoulli igual ao número 8 na vertical, símbolo por
excelência do eterno. O enlace dos corações pela lemniscata, somado à ideia da
atratividade do imã, infere alcançar a eternidade através da entrega ao estar-junto,
da entrega à ética da estética contemporânea, pulsão que cimenta o laço social e a
ligação sensual com o outro.
No poema, o êxtase do encontro amoroso é representado pela relação
sexual entre os amantes. Maffesoli (2001, p. 65) observa que a sexualidade
contemporânea não é mais assimilado à simples reprodução, não se estabelece
simplesmente na economia da família nuclear; mas, distintamente, participa da
efervescência que organiza um vitalismo projetado para a fruição do presente, no
qual o outro representa uma possibilidade de comunhão e vivência plena da vida.
Não são as promessas do futuro que importam, mas a vida presente. Assim, se em
Suzy Delgado temos o interdito social e a resignação diante da proibição, em Claudia
Roquette-Pinto encontramos a mulher que ousa, mesmo contra a sociedade,
entregar-se ao amor e sua celebração carnal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa pesquisa, analisamos as manifestações da corporeidade em duas
poetas contemporâneas – Susy Delgado, de nacionalidade paraguaia e Claudia
Roquette-Pinto, de nacionalidade brasileira – a fim de estabelecer pontos de
convergência e divergência na lírica latino-americana. Durante as análises,
observamos que as duas poetas apresentam um anseio pela vida em todas as suas
nuances e que apontam o surgimento da palavra poética na intensidade dessa
vivência que aceita os prazeres e desprazeres da vida, ou, nas palavras de Maffesoli
(2010b, p.35), “a aceitação de um mundo que não é o céu na terra e também não é
o inferno na terra, mas, sim, a terra na terra”. No entanto, em Suzy Delgado, a ordem
social impõem-se como barreira ainda intransponível (ao menos no poema
analisado), enquanto, em Claudia Roquette-Pinto, o eu-lírico ousa opor-se aos
desígnios da sociedade. No entanto, as duas autoras convergem ao sentir a pressão
de uma tradição patriarcal que reduz as possibilidades das mulheres, principalmente
em sua liberdade sexual e afetiva.
REFERÊNCIAS
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
BAUMAN, Zygmunt. A vida fragmentada – ensaios sobre a moral Pós-Moderna. trad.
Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d’Água Editores, 2007.
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de Janeiro: EdUERJ, 2003.
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SANCHES NETO, Miguel. O lugar da literatura: ensaios sobre inclusão literária.
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SANTIAGO, Silviano. Uma Literatura nos Trópicos. Rio de janeiro: Rocco, 2000.
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ALBERTO CAEIRO À LUZ DE FRIEDRICH NIETZSCHE: DO RETORNO À
NATUREZA PARA ALÉM DO BEM E DO MAL
André Boniatti25
RESUMO
A pesquisa em andamento pretende adentrar-se nas raízes fundamentais das
proposições que regem a obra do heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro,
encontrando consonantes vozes nas proposições filosóficas de Friedrich W.
Nietzsche. Deveras, as similitudes passíveis de ser arguidas entre ambos o
heterônimo e o filósofo nos levam a uma comunhão de ideias e ideais de todo
profícua, que alargam a visão que temos de mundo, denunciando um progresso
questionável da humanidade, auxiliando ainda na compreensão sobre as diversas
conceituações muitas vezes tidas como imutáveis, assim nos fazendo abrir os olhos
para a reflexão contra os preconceitos socialmente impostos e que atrapalham um
progresso sadio até mesmo das ciências. Juntando assim as visões desses dois
pensadores, quer-se traçar um panorama visionário da modernidade, em vista do
futuro, anunciando novos caminhos para a humanidade, além de conduzir à
compreensão maior da obra do poeta heteronímico Alberto Caeiro, mediante as
técnicas comparativas propostas pela disciplina de Literatura Comparada.
INTRODUÇÃO
Considerado dos maiores poetas de todos os tempos em Portugal e, ao
menos, em todo o Ocidente, Fernando Pessoa protagoniza sobretudo um dos
grandes mistérios da hermenêutica ou da dramática poética já existentes: seus
heterônimos, personalidades criadas dentro do seio de sua invenção literária,
divisam o poeta em muitas vozes, demarcando agudamente a fragmentação do
homem moderno e preconizando a esquizofrenia na escrita pós-moderna. Sendo
assim, o poeta tendo-se feito em vários, o estudo de sua obra torna-se vasto, já que
não há um Fernando Pessoa em si, mas diversos. Mesmo aquele que assina
“Pessoa ele mesmo” é submerso pelo mar da heteronímia e finda por não passar de
apenas um outro, não havendo centro que se possa supor como deveras a pessoa
de Pessoa.
Frente a essa problemática que se nos coloca na leitura de sua poesia, o
corpus do estudo de sua obra forçosamente se encaminhará para a descoberta de
uma de suas nuances, ao menos uma de cada vez. Pois, por mais incrível que possa
parecer, a construção poética de cada uma dessas personas heteronímicas em
Pessoa é diversificada até ao ponto da real (des)personalização; ou seja, cada um
25
Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
dos heterônimos tem características próprias não apenas relativas ao conteúdo de
sua escrita, mas ainda à forma. A própria personalidade que transparece mediante
a leitura de cada um deles é uma persona única, não se podendo resgatar
exatamente um centro que denuncie ser uma mesma pessoa quem escreve,
simplesmente com nomes trocados.
Dessa maneira, a pesquisa que ora se introduz pauta-se nessa diversidade
para recortar-lhe o topos e fundamentar-se, escolhendo como fulcro o heterônimo
que é considerado pelos outros (em diversos registros da heteronímia) como seu
mestre: Alberto Caeiro. Crê-se que assim se cumpra um objetivo estudo para
desvendar mais profundamente as raízes do drama em Fernando Pessoa, visto que
os outros reportam-se a Alberto como influência a seus versos. Faz-se, pois, nosso
mister querer adentrarmo-nos nas raízes filosóficas de sua poesia, buscando,
nestas, chaves para a interpretação de sua poesia tout court.
Alberto Caeiro, como mestre dos demais, - encarado, tal qual Pessoa o
queria, como ser de existência concreta, - mantém a aura de sua mestria na
profundidade filosófica de sua busca poética: ele almeja uma escrita de extrema
objetividade, que expurgasse toda e qualquer falsificação moral, provinda do
pensamento e da meditação. Ele quer as sensações livres, libertas das amarras da
intelectualidade. Ele retrata o paganismo em pessoa, tal qual Ricardo Reis nos
coloca na introdução aos poemas do mestre, assim selecionada em sua “Obra
poética” (1997). Tal qual como um homem que, para ser livre, tenha por ideal essa
mesma liberdade, eximindo-se do pensamento, sentindo apenas, emancipado de
preconceitos, envolto pelo Sensacionismo extremo, tomado das proposições
pessoanas de Modernismo em Portugal. É claro que entra, por isso, em uma
demarcada contradição, pois filosofa sua antifilosofia, poetizando sua antipoesia, tal
qual nos mostra Fernando Segolin em artigo intitulado “Caeiro e Nietzsche: Da crítica
da linguagem à anti-filosofia e à anti-poesia”. Apagar todo traço de mentalismo de
seus ensinamentos e vivência, a isso talvez se devesse unicamente toda a sua
dedicação. Mas angaria, outrossim, a impossibilidade prática de seu desejo
Entretanto, quais motivos o lançam a esse esmo solitário, a essa busca
constante de negar a realidade e afirmá-la em outra instância, de reverter o rumo do
que sempre se teve como moral e certo para a existência humana? Talvez, seja
apenas provável qualquer resposta dada a essa interrogação tão ampla, e ao
lançarmo-nos à tentativa de interpretação devemos ter o cuidado de esmiuçar as
forças que movem de fora este heterônimo ao questionamento de tudo o que sempre
foi caro às sociedades: os conceitos de moralidade, compaixão, certeza, realidade,
concretude etc.. Para tanto, a perscruta ampara-se na disciplina de Literatura
Comparada, clamando a descoberta das possíveis fontes de sua imersão poética
mediante cotejos e confrontamentos esclarecedores, que, se não provem
efetivamente suas influências e heranças (o que não é nosso intento), mas
aproximem sua obra de outra mais que lhe possa iluminar.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Sob a demanda dessas questões acima problematizadas, salientam-se as
curiosas similitudes que lançam sua poesia às proposições filosóficas de Friedrich
W. Nietzsche, o filósofo alemão não raro pronunciado como anticristo e também não
raro alvo de interpretações erradas e desvirtuadas. Questões como a decadência do
mundo cristão; o retorno à naturalidade, à Natureza; a insuficiência da palavra para
definir e conceituar, para a descrição da realidade; o logro das interpretações; a
contrariedade à razão como princípio para a verdade; a revolta contra os dogmas; a
derrocada de princípios morais, ligam o poeta ao filósofo ajustadamente, em muitas
ocasiões. A coincidência é tamanha, às vezes, que somos levados a comprovar em
Pessoa a influência filosófica de Nietzsche, embora seja ímpeto nosso apenas
confrontar ambos os pensamentos, e não provar influências e trocas, a título de
registro já em bibliografia argumentadas (tal como por António Azevedo (2005).
Suscitar suas consonâncias, primordialmente, é o intuito desta pesquisa, em face de
esclarecer o sentimento caeiriano frente ao real, problematizando sua poética em
virtude de interpretá-la, aclarando a influência do mestre dos heterônimos também
nas demais personas pessoanas.
METODOLOGIA
Sob os preceitos da disciplina de Literatura Comparada, a que queremos
resumir pela citação abaixo, extraída do livro “Flores na escrivaninha”, de Leila
Perrone-Moisés, é que procederemos ao contato com o material de análise:
A literatura comparada é a arte metódica, pela busca de ligações de
analogia, de parentesco e de influência, de aproximar a literatura dos
outros domínios da expressão ou do conhecimento, ou então os fatos
e os textos literários entre eles, distantes ou não no tempo e no
espaço, contanto que eles pertençam a várias línguas ou várias
culturas participando de uma mesma tradição, a fim de melhor
descrevê-los, compreendê-los e apreciá-los. (PICHOIS; ROUSSEAU
1967 apud PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 92).
Segundo o que nos dizem Pichois e Rousseau, citados por Perrone-Moisés,
esclarece-se a ênfase a que se impõe a disciplina de Literatura Comparada, que não
se encontra na busca das influências e numa noção errônea e ultrapassada de dívida
histórica ou estética; essa ênfase está sim ligada intrinsecamente à melhor
compreensão interpretativa, na função de, sob cotejo, poder-se perceber os textos
com maior primazia, interpretá-los com maior segurança. Assim, porque
confrontando fontes diversas há a possibilidade de reunir resquícios de identificação,
tanto de temáticas, conteúdo, forma etc., que nos auxiliem no entendimento de
textualidades e ideias literárias. Pode-se, dessa maneira ainda, suscitar as fontes,
encontrar as raízes que fomentam a produção de determinados autores,
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
enriquecendo o conhecido, bem como levantando argumentos ao que ainda não se
conhece.
Pois então, amparando-se nesse procedimento metodológico, explorar-se-á
a bibliografia existente a tratar sobre as ligações já percebidas entre o poeta dos
heterônimos e o filósofo da transvaloração de todos os valores. Nesse sentido,
trazemos à tona o trabalho de dissertação de mestrado de António Azevedo (2005),
“Pessoa e Nietzsche”, o qual perscruta, na obra heteronímica de Pessoa, os
apontamentos nietzschianos com profundo entendimento e pesquisa. E ainda a tese
de doutoramento de Américo Enes Monteiro (1997), intitulada “A recepção da obra
de Friedrich Nietzsche na vida intelectual portuguesa”, obra bastante abrangente, em
que o autor analisa a recepção da obra do filósofo também em Fernando Pessoa, muito embora perpasse as décadas com seu estudo, enunciando muitos outros
escritores. Ainda há o recorte de Fernando Segolin (1990) em artigo acerca da obra
do heterônimo Alberto Caeiro: “Caeiro e Nietzsche: Da crítica da linguagem à antifilosofia e à anti-poesia”.
Ademais, a leitura interpretativa da Obra de Fernando Pessoa terá bases em
obras como “A literatura portuguesa” (1981) e “Fernando Pessoa: O espelho e a
esfinge” (s/d), de Massaud Moisés; “Pessoa Revisitado”, de Eduardo Lourenço
(2003); “O heterotexto pessoano”, de José Augusto Seabra (1998); “Fernando
Pessoa: Aquém do eu, além do outro”, de Leyla Perrone-Moisés (2001), além dos
elementos biográficos contidos na publicação da obra completa de Fernando Pessoa
(1997), pela editora Nova Aguilar, e de nossas leituras íntimas, bem como outros
textos acerca do poeta, já com fortuna crítica extensa.
As obras de Friedrich Nietzsche postas a exame para a realização do cotejo
serão principalmente “O nascimento da tragédia” (2007), “Além do bem e do mal”
(2005), “Vontade de potência” (2010), parte I e parte II, “O anticristo” (2000); “Assim
falou Zaratustra” (2011). Consultar-se-á sempre a interpretação de sua obra
mediante o que interpretou Gilles Deleuze (1976) acerca dela, seguindo suas
reflexões em “Nietzsche e a filosofia”. Sua biografia será ressalvada pela leitura do
capítulo que a ele se refere da “História da filosofia”, de Will Durant (2000). Ademais,
podem salvaguardar-se outras bibliografias explicativas acerca de suas ideias,
contanto apenas as que elucidem os aspectos que o possam ligar ao objeto primeiro
de estudo, os poemas de Alberto Caeiro, para o qual se fará o direcionamento
bibliográfico.
A partir de tais leituras, então, far-se-ão os recortes direcionados, suscitados
da obra do poeta, pondo-os lado a lado aos excertos da obra de Nietzsche, em face
de encontrar as similitudes entre ambos, acordá-lo ou distingui-los, em busca de
entender melhor a sua poesia e, quiçá, encontrar no filósofo fontes plausíveis para a
interpretação da obra de Alberto Caeiro, demonstrando nele aspectos do além
homem, bem como da transvaloração dos valores e da finalidade estética do mundo
propostas por Nietzsche.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Alberto Caeiro é o heterônimo que, segundo Moisés (1981), “foge para o
campo” e, nesse sentido, já é possível perceber sua proximidade com a obra “Assim
falou Zaratustra”, de Friedrich Nietzsche (2011). O fato de ele resguardar-se da súcia
denuncia, em primeira plana, seu desprezo às atividades dos homens, o que virá a
ser lembrado na sua obra em diversos momentos, ou talvez seja o fulcro de sua obra
tal desprezo. Ele se liga, sobretudo, ao mesmo desprezo que sente Nietzsche tanto
pela sociedade mesquinha, quanto pelo desenvolvimento da história, pelo percurso
que traçou a humanidade em seu avanço. Nietzsche, em quase todos os seus
escritos, nos quer convencer de que a humanidade seguiu o percurso errado desde
que Sócrates põe em prática sua discursividade. Daí para diante, sob o preceito da
razão como mando, perde-se o princípio mais fundamental da vida, a finalidade
estética do mundo, que une aspectos dionisíacos a apolíneos, e não prima pela
razão apolínea como única forma de se pensar o mundo.
Esse rumo por que a humanidade passa, em face ao progresso, desvirtua
as potencialidades primordiais dos homens e os torna fracos, falsos, homens
menores. Por isso, Nietzsche levanta-se com brados contra essa progressão, que
alcança o seu cume com o cristianismo, definindo-o definitivamente como uma moral
para os fracos. A partir desses preceitos, o filósofo nos coloca frente a quatro tipos
de niilismo, trazidos à tona na interpretação de Gilles Deleuze (1976) acerca de sua
obra, niilismos que avançam até à absoluta depuração, até o vazio. Esse último grau
de niilismo é representado na metáfora da criança, na obra “Assim falou Zaratustra”,
e justamente neste ponto parecem Nietzsche e Caeiro encontrarem-se
definitivamente: no poema VIII de “O guardador de rebanhos”, Alberto Caeiro
apresenta sua essência como a de uma criança, evocando o menino Jesus, um
menino-Deus, pronto a descobrir o mundo e a abandonar o cristo pregado à cruz no
céu, isolá-lo. Assim, Caeiro admite-se nesse último estágio de niilismo, a desvendar
o mundo livre dos preconceitos morais impostos pela sociedade, forçado a criar um
novo conceito da realidade, afastando-se do rebanho. Dessa maneira, invertendo
sua trajetória no mundo.
Ataca, sem dúvida, os mesmos pontos nietzschianos de ataque: o
platonismo e o cristianismo, chegando a demonstrar a essência na efemeridade,
destituindo o mundo de verdades absolutas (tal qual o filósofo) e de finalidade maior
do que as sensações que possamos desfrutar, ligando-as, de certa maneira a ser
melhor discutida, à finalidade estética da vida proposta por Nietzsche.
CONCLUSÃO
Partindo, pois, de leituras que já confirmam as influências de Nietzsche sobre
a obra de Fernando Pessoa, somos levados a perceber que Alberto Caeiro, tido
como mestre dos heterônimos, traz em sua postura frente à vida muito da filosofia
nietzschiana, firmando seus fundamentos ali. A pesquisa, dessa maneira, objetiva
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uma abertura maior para a compreensão dos estudos acerca da obra de Pessoa,
conduzindo a uma interpretação mais delicada do poeta que despreza a vida
citadina. Enfim, trazer à tona tais estudos amplia nossa dimensão sobre temas e
escritores tais que modificaram a maneira de olharmos para as coisas na
modernidade. Portanto, fazendo-nos revisar intelectualmente nossa própria condição
humana.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, António. Pessoa e Nietzsche: Subsídios para uma leitura intertextual de
Pessoa e Nietzsche. Lisboa: Instituto Piaget, 2005. 221 p.
LOURENÇO, Eduardo. Pessoa revisitado. Lisboa: Gradiva, 2003. 213 p.
DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Editora do Rio, 1976. 90 p.
DURANT, Will. A história da filosofia. Trad. Luiz Carlos do Nascimento Silva. São
Paulo: Nova Cultural, 2000. 480 p.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1981. 387 p.
___________. Fernando Pessoa: O espelho e a esfinge. São Paulo: Círculo do Livro,
s/d. 201 p.
MONTEIRO, Américo Enes. A recepção da obra de Friedrich Nietzsche na vida
intelectual portuguesa (1832 – 1939). 1997. 537 fls. Tese (Doutorado). Universidade
do Porto. Porto: 1997.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do bem e do mal. Trad. Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 247 p.
___________. Assim falou Zaratustra. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011. 360 p.
___________. O Anticristo. Trad. Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000.
p.112
___________. O nascimento da tragédia. Trad. Antonio Carlos Braga. São Paulo:
Escala, 2007. 172 p.
___________. Vontade de potência: Parte I. Trad. Antonio Carlos Braga e Ciro
Mioranza. São Paulo: Escala, 2010. 499 p.
___________. Vontade de potência: Parte II. Trad. Antonio Carlos Braga e Ciro
Mioranza. São Paulo: Escala, 2010. 524 p.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores na escrivaninha. São Paulo: Companhia das
letras, 1990. 190 p.
___________. Fernando Pessoa: Aquém do eu, além do outro. São Paulo: Martins
Fontes, 2001. 318 p.
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
PESSOA, Fernando. Obra poética. Maria Aliete Galhoz (Org.). Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1997. 842 p.
SEABRA, José Augusto. O heterotexto pessoano. São Paulo: Perspectiva, 1988. p.
265.
SEGOLIN, Fernando. Caeiro e Nietzsche: Da crítica da linguagem à anti-filosofia e à
anti-poesia. In: Actas do IV Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, vol. I.
Porto: Fundação Eng. António José de Almeida, 1990. pp. 247-259.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
OS DEGREDADOS E DEGREDADAS NAS OBRAS TERRA PAPAGALLI E
DESMUNDO
Beatrice Uber26
RESUMO
O romance Terra Papagalli, de Torero e Pimenta (2000), mostra o degredado Cosme
Fernandes que descobre uma nova terra aos vinte e dois dias de abril e 1500 e narra
os possíveis acontecimentos das três primeiras décadas de colonização do Brasil.
Já em Desmundo, de Ana Miranda (1996), mostra-se, por meio da personagem
Oribela de Mendo Curvo, a vinda da mulher branca a uma terra com o intuito de se
casar, gerar filhos e ajudar o marido a prosperar. Ambos abordam a temática do
descobrimento das terras brasileiras; e baseando-se na releitura da história pela
ficção, pelo prisma dos degredados e degredadas que foram forçados a se
estabelecer nessas terras desde o descobrimento, objetiva-se verificar os relatos
desses excluídos e marginalizados, invertendo a orientação da história vista de cima
difundida pelo olhar eurocêntrico.Como principais fontes para realizar esse estudo,
que é de cunho bibliográfico, empregam-se o ponto de vista dos excluídos, por Jim
Sharpe (1992), mostra-se a temática da carnavalização por Mikhail Bakhtin (1981),
o viés feminino por Michelle Perrot (1988) e Simone de Beauvoir (1990).
PALAVRAS-CHAVE:Degredado; Novo Romance Histórico; Terra Papagalli;
Desmundo.
INTRODUÇÃO
As únicas narrações sobre o início da colonização brasileira eram as do
desbravador europeu branco e, assim sendo, a história sempre foi contada do viés
superior do colonizador. Os relatos dos excluídos e marginalizados eram deixados
de lado como se não tivessem participação na história ou fossem de pouca
importância. No entanto, essas informações surgem para repensar a historiografia
considerada como única e absoluta, além de possibilitar uma melhor compreensão
dos fatos em determinada época.
Na obra Terra Papagalli (2000), José Roberto Torero e Marcus Aurelius
Pimenta trazem o descobrimento do Brasil pelo olhar do degredado Cosme
Fernandes, um jovem condenado a viver em outras terras por ter se envolvido
carnalmente com uma jovem cristã, Lianor. Cosme junta-se a tribo dos tupiniquins,
casa-se com Terebê – a filha do chefe da tribo – e começa a vender índios
26
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE,
campus de Cascavel. Aluna de Iniciação Científica voluntária (ICV) sob orientação do Professor Dr.
Wagner de Souza. Endereço eletrônico: [email protected]
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
capturados das tribos inimigas. É ele quem relata os acontecimentos das três
primeiras décadas de achamento das terras tropicais. No romance Desmundo
(1996), Ana Miranda apresenta os relatos de uma jovem virgem, Oribela, que é
trazida ao Brasil para casar e gerar filhos, bem como ajudar o seu marido a prosperar
no novo mundo. É o prisma feminino que surge para revelar fatos escondidos e,
possivelmente, vivenciados por muitas mulheres no século XVI, contrastando com
conjunturas oficiais.
Tanto a obra Terra Papagalli quanto Desmundo mostram o início da
colonização brasileira no século XVI. Enquanto que a primeira obra apresenta o viés
masculino, a segunda, mostra o feminino, porém em comum, revelam os prismas de
pessoas excluídas da sociedade eurofalocêntrica.
As formas literárias passaram a conviver com vozes oficiais alternativas, em
especial a partir de 1979, quando se deu o auge do novo romance histórico, que
haviam sido silenciadas durante séculos de exploração. Segundo Seymour Menton,
em La nueva novela histórica da la América Latina (1993), desde as décadas 80 e
90, percebeu-se, no que tange o novo romance histórico, uma inversão das
produções artísticas da literatura brasileira. Assim, aqueles que eram excluídos
tornaram-se foco de interesse. A história incorpora fatos ficcionais com factuais,
colocando em dúvida quem e a forma como o Brasil teria sido descoberto.
O período apontado pela historiografia como Pré-Colonial (1500-1530) não é
dos mais estudados. O que se apresenta de forma mais detalhada são eventos
posteriores a chegada de Martin Afonso de Souza e a divisão das Capitanias
Hereditárias, pois o país ibérico tinha mais interesse no Oriente, em especial as
Índias, de onde se trazia muitas riquezas, conforme ensina Eduardo Bueno em
Náufragos, traficantes e degredados (1998).
Essa pesquisa objetiva analisar narrativas que se utilizam do viés de alguns
excluídos, invertendo a historiografia brasileira vista de cima durante as primeiras
décadas de colonização brasileira, se o viés masculino é concebido como único e
verdadeiro, se a voz feminina é apresentada de uma ótica inferior, se a mulher
emancipa-se ou continua a ser submissa ao homem, se a mulher tinha a finalidade
de gerar filhos e, se em terras brasileiras, Cosme e Oribela encontravam-se em
igualdade de status.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa que propõe uma melhor compreensão do processo
histórico perante a releitura das primeiras décadas de colonização do Brasil, sob a
narrativa de pessoas excluídas da elite dominante.
Essa pesquisa é bibliográfica e busca-se analisar por meio dos romances em
estudo, fatos que possam ser relevantes, como a inversão do discurso historiográfico
brasileiro nas primeiras décadas de civilização nas obras ficcionais Desmundo e
Terra papagalli (2000) e a submissão feminina ao homem em outra terra, que não a
sua de origem.
A escritora Linda Hutcheon, em Poética do pós-modernismo (1991), relata que
não existe apenas uma só verdade, mas que há verdades no plural, pois são
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variadas as histórias que se podem narrar sobre um mesmo acontecimento. O
aspecto narrativo dos textos literários não permite enquadrar nenhum assunto de
maneira absoluta, seja ele baseado em ficção ou em documentação, porque há
sempre a possibilidade de permeação entre eles. Mesmo tendo-se como referência
obras canônicas, sempre poderão surgir novos estudos, às vezes com pontos de
vista opostos, mas igualmente plausíveis de confiança.
Em relação a ter mais acesso aos possíveis acontecimentos do passado, Jim
Sharpe explica, em A história vista de baixo (1992), a possibilidade de observar “que
as pessoas fizeram coisas diferentes (então, implicitamente estranhas) no passado,
e que muitas delas sofreram privações materiais e suportaram sofrimentos” (1992,
p. 56-57). Considerando-se o plano ficcional no qual Cosme Fernandes está inserido,
caso ele tivesse permanecido em Portugal, talvez tivesse se tornado um padre e
seguido com a vida religiosa. No entanto, foi degredado para uma terra desconhecida
e tornou-se um bacharel. Embora tenha se tornado um rei, também passou por
inúmeros momentos de adversidade, como por exemplo, a privação de uma
sociedade estabelecida e organizada e a ausência de sua família.
A obra Terra papagalli, de Torero e Pimenta, por exemplo, mescla histórias
factuais com ficcionais relacionadas à forma como o Brasil foi descoberto. Por
exemplo: a carta de descobrimento do Brasil faz parte dos fatos verídicos, enquanto
a descoberta do país pelo degredado Cosme Fernandes se enquadra na parte
ficcional.
Sharpe explica que “a imaginação histórica pode ser aplicada não somente
para estruturar novas conceituações sobre a temática da história, mas também para
questionar de outra forma os documentos e fazer coisas diferentes com eles” (1992,
p. 59).
A partir dos estudos de Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo (1990),
busca-se a constatação do destino de Oribela: tornar-se mãe, aceitar o casamento
imposto pela sociedade e igreja, pois é dele que ela encontra a razão de seu viver.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Os homens que tiveram a oportunidade de se estabelecer na nova terra, como
é o caso da personagem ficcional Cosme Fernandes, puderam se colocar numa
categoria elevada. De degredados, bandidos, ladrões e assassinos passaram a ser
considerados nobres e distintos. Eles elaboravam suas leis mesmo tendo um
supervisor do governo português ou algum religioso que ficasse observando o que
se passava na terra descoberta. São esses indivíduos, como os configurados no
romance, que, possivelmente, colonizaram o Brasil no início do século XVI.
São perspectivas como essa, a do possível descobrimento da nova terra por
um degredado, que proporcionam uma base para uma melhor compreensão de
acontecimentos ocorridos anteriormente
Contudo, o prisma feminino surge de outra maneira. A suposta bela vida de
Oribela, que teria início num novo lugar, não era perfeita. Mesmo com as mulheres
ganhando um lar, uma casa, uma família e um sobrenome, muitas não eram felizes
porque viviam sob os maus tratos da sogra e do marido, como é retratado na
narrativa ficcional em foco, exemplificado pela narradora.
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Perrot em Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros, relata
que “cada sexo tem sua função, seus papéis, suas tarefas, seus espaços, seu lugar
quase predeterminados, até em seus detalhes” (1988, p. 178); e o lugar da mulher
era em casa, sendo uma boa esposa e mãe.
CONCLUSÕES
O personagem Cosme Fernandes indica uma possível visão de que o
descobrimento das novas terras teria se dado por outra pessoa, um marginalizado,
e não por um bravo comandante – Pedro Álvares Cabral –como relata a história
oficial; e o ponto de vista de Oribela também mostra que a vinda das mulheres para
essa nova terra não foi tão atraente quanto se imaginava e a possibilidade de ter um
marido e uma família num lugar desconhecido foi bem diferente do que mostrava o
governo português e pregava a igreja.
Nas narrativas ficcionais em estudo, percebe-se que a palavra masculina nunca é
questionada, mas antes considerada como única e absoluta. A mulher apenas
obedece às ordens do esposo. Em Terra Papagalli percebe-se que Cosme falava,
ordenava e todos obedeciam; ele se tornou superior em relação ao povo que o
acolheu.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio
de Janeiro: Ed. Forense-Universitária, 1981.
BEAUVOIR, S.O segundo sexo: a experiência vivida. 7. ed. Tradução de Sérgio
Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
BUENO, E. Náufragos, traficantes e degredados: as primeiras expedições do Brasil,
1500-1531. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: teoria, história e ficção. Tradução de
Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
MENTON, S. La nueva novela histórica de la América Latina: 1979-1992. México:
Fondo de Cultura Económica, 1993.
MIRANDA, A. Desmundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
PERROT. Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres, prisioneiros. São
Paulo: Paz e terra, 1992.
SHARPE, J. A história vista de baixo. In: BURKE, P. (Org.). A escrita da história:
novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.
TORERO, J. R.; PIMENTA, M. Terra papagalli. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
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REPRESENTAÇÕES ANTROPOFÁGICAS NO NOVO E NO VELHO MUNDO.
UMA LEITURA COMPARATIVA DO CANIBALISMO NA LITERATURA.
Bernardo A. Gasparotto27
RESUMO
A presente pesquisa busca realizar uma análise comparativa entre obras da literatura
latino-americana e espanhola, em relação às representações dos atos de
canibalismo realizados no Novo Mundo, no período de conquista e primeiros
momentos da colonização do continente. Nessas obras, pretende-se verificar como
as cenas que remetem ao ato antropofágico são trabalhadas, com que
características são revestidas e que sentidos são apresentados, se vistas como um
ritual solene em que se reconhece a força e a honra daquele que está para ser
devorado, remetendo a ideias de teóricos como Oswald de Andrade, ou como um
ato de barbárie extrema. Tal pesquisa apresenta como corpus inicial as obras Meu
querido canibal (2013), do brasileiro Antonio Torres, e Caribe (2002), terceiro tomo
da trilogia La perdida del paraíso, do espanhol José Luiz Muñoz. O projeto, que
pretende observar algumas obras latino-americanas e europeias que retratam o ato
de canibalismo, prima pelo reconhecimento de tal prática como um ritual, como uma
de tantas formas de manifestação cultural próprias do povo autóctone das Américas.
Resta observar os sentidos produzidos pelas representações literárias de tal
manifestação cultural, buscando deixar de lado conceitos pré-estabelecidos no seio
da sociedade para então buscar perceber o que tal rito representa, bem como quais
foram seus efeitos e como foi compreendido pelos estudos literários. Ao trabalhar
com representações antropofágicas na literatura do Velho e do Novo Mundo, o que
se espera também é observar a ocorrência de aproximações ou distanciamentos
acerca da forma como é abordado o ato de canibalismo entre as mesmas, perceber
como se dão as abordagens ao tema e os sentidos resultantes de tal trabalho. Nesse
sentido, quando se propõe tecer relações entre a literatura latino-americana e a
europeia tem-se que tomar alguns cuidados, que guardam íntimas relações com a
questão antropofágica, agora tomando esse termo como proposto por Oswald de
Andrade (1991), pois caso se parta da perspectiva de que as literaturas latinoamericanas são uma espécie de extensão da história das literaturas das línguas
mães, entendendo estas como um paradigma a ser alcançado, corre-se um grande
risco de que se considerem as literaturas produzidas na “colônia” como sendo
manifestações artísticas de segunda linha, ainda juvenis, passando então a criar um
sentido menor, como se o sentido e a perspectiva “correta” sempre partisse das
manifestações artísticas advindas do Velho Mundo, dessa forma, tendo pouca
relevância a perspectiva e a forma como a temática é abordada pela literatura latinoamericana.
27
Aluno do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Letras, nível de Doutorado, área de
concentração em Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE. Linha de Pesquisa: Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos Comparados.
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PALAVRAS-CHAVE: Antropofagia; Canibalismo; Novo Mundo.
JUSTIFICATIVA
As representações do canibalismo na literatura foram escolhidas como objeto
de estudo devido ao fato de que, mesmo após o movimento modernista brasileiro
em que ficou claro o sentido benéfico da antropofagia enquanto metáfora, quando
tal cena é apresentada em uma obra literária há uma tendência em se perceber,
primeiramente, o aspecto literal, provocando uma repulsa em quem recebe a obra.
Nesse sentido, busca-se observar até que ponto tais representações são realizadas
com vistas à demonstração da antropofagia enquanto processo benéfico para o
desenvolvimento das relações dialógicas entre as culturas envolvidas, mesmo
possibilitando, dado esse aspecto cultural autóctone, a geração de uma linha teóricocrítica que serviria para ancorar a produção “autêntica” dos colonizados; ou se tais
representações não passariam de imagens grotescas e descontextualizadas em
relação aos costumes autóctones.
OBJETIVOS
Analisar algumas representações literárias de antropofagismo constante nas
obras: Meu querido canibal (2013), do brasileiro Antonio Torres, e Caribe (2002),
terceiro tomo da trilogia La perdida del paraíso, do espanhol José Luiz Muñoz,
buscando perceber os efeitos de sentido produzidos, para, assim, notar a perspectiva
adotada por autores de países colonizadores e colonizados, se a desenvolvem como
uma espécie de rito solene, repleto de simbologia ou como um ato primitivo. Se tais
manifestações antropofágicas, na literatura latino-americana, quando considerado
como um ritual solene que traria consequências benéficas, tal aspecto cultural
autóctone, possibilita o desenvolvimento de toda uma linha teórico-crítica para
ancorar a produção “autêntica” daqueles que foram colonizados e tiveram seu
discurso marginalizado. Se partir de tal pressuposto, podem-se considerar as obras
que constituem o corpus dessa pesquisa como produtos literários de altíssimo valor,
a partir da aceitação das teorias oriundas do antropofagismo, estendendo ainda esse
valor a tantas outras obras oriundas da América Latina.
De forma secundária, observar se existem aproximações ou distanciamentos
nas formas de abordagem e estilo, bem como os sentidos apresentados entre as
obras produzidas no Velho e no Novo Mundo, buscando, assim, vislumbrar que obras
tratam do tema com vistas à teoria da antropofagia proposta por Oswald de Andrade
(1991), bem como de um processo que serve para fortalecer aquele que se alimenta,
gerando um produto novo e diferente, como propõe Santiago (2001)
Realizar análises de outros textos que se inserem nos limites entre Literatura
e História, como é o caso da obra Duas Viagens ao Brasil (1974) de Hans Staden,
ou mesmo o Diário de bordo (1972) de Cristóvão Colombo, que se caracteriza como
primeiro escrito que menciona a existência do canibalismo em terras americanas.
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Por tais escritos, perceber a forma como os mesmo o descreveram, observando se
tal perspectiva é adotada pelas obras e se o for, em quais ela se mostra mais forte.
RESULTADOS
Ao que se refere às releituras da história pela ficção, uma das temáticas mais
exploradas pelas escritas hispânicas diz respeito ao episódio do descobrimento da
América e à figura de Cristóvão Colombo. Até a década de 90 do século XX, o que
se percebia nessas releituras, segundo estudos de Milton (1992) e Fleck (20052008), era a separação em dois eixos: enquanto as produções espanholas
retratavam tal período, bem como as figuras que dele participaram, de maneira
semelhante à abordada pela historiografia, optando pelo enaltecimento do fato e
seus personagens, a literatura hispano-americana posicionava-se de forma
diametralmente oposta, uma vez que desenvolvia produções que parodiavam as
figuras e fatos, inovando as características do gênero híbrido. Elas buscavam
apresentar uma renovação em relação ao discurso padrão, e perspectivas diversas
daquelas selecionadas pela historiografia e reforçadas pelo cânone espanhol
(MILTON, 1992; FLECK, 2007).
No ano de 1998 ocorreu a publicação da obra Carta del fin del mundo, de Jose
Manuel Fajardo no âmbito da literatura espanhola. A partir dessa produção, percebese, pela primeira vez na história da literatura da antiga metrópole, uma proposta de
diálogo com a literatura hispano-americana (GASPAROTTO, 2011). Em tal obra se
apresenta um tratamento temático e mesmo discursivo muito distinto do utilizado até
então pelos escritores do Velho Mundo. Esse romance torna-se um divisor de águas,
criando uma nova tendência na produção espanhola, no que diz respeito à poética
do descobrimento, uma vez que a partir de sua publicação foram produzidas muitas
obras que podem ser caracterizadas como romances históricos contemporâneos de
mediação (FLECK, 2008). Esse é o caso, por exemplo, da trilogia La pérdida del
paraíso (2002), de Muñoz, e Colón: el impostor (2006), de Melero. Elas, assim como
Carta del fin del mundo (1998), também propõem a manutenção de um diálogo com
as produções hispano-americanas, ou seja, fogem da tendência tradicional da
historiografia e das produções espanholas tradicionais e exaltadoras do tema. Nelas,
o discurso apresenta-se distinto do presente nas obras anteriormente produzidas por
seus compatriotas. Cristóvão Colombo e sua tripulação deixam de ser vistos
unicamente como heróis e passam a ser retratados como homens comuns, sujeitos
a ações nem sempre laudatórias.
Tais obras começam a deixar de focalizar as figuras eminentes que foram alvo
de louvação, como é o caso de Colombo ou dos Reis Católicos e passaram a mostrar
que o episódio que envolve a empresa descobridora foi vivenciado por seres
humanos comuns, homens do povo que se depararam com um mundo totalmente
diverso daquele com o qual estavam habituados, um ambiente sem regras claras ou
poderes coercitivos constituídos, um local novo, com seres diferentes, com os quais
tiveram que aprender a conviver. Cria-se, pois, nessas releituras ficcionais do
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passado uma imagem de história feita pelo povo comum e não apenas pelos
representantes do Estado.
Diante da publicação de Caribe (2002), proposta por Muñoz, percebe-se que,
pela primeira vez na história da literatura espanhola uma obra dessa origem manteve
um diálogo com a literatura hispano-americana. Sendo obra que detem as
características dos romances históricos contemporâneos de mediação, a produção
de tal modalidade parece ser o que garantirá o presente e o futuro dos diálogos entre
o Velho e o Novo Mundo, uma vez que apresenta elementos naturalmente
mediadores ao desenvolver um discurso ameno e uma crítica menos direta e
ofensiva, o que possibilita que ocorra uma aproximação no decorrer da diegese entre
perspectivas e culturas distintas. Assim, percebe-se que são dados os primeiros
passos para o diálogo e o reconhecimento, mesmo com o ritual antropofágico ainda
sendo representado de forma crua e dura, como um ato de primitivismo.
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QUANDO O LEITOR VIRA PERSONAGEM: A REPRESENTAÇÃO FICCIONAL
DO PROCESSO DE LEITURA
Clarice Lottermann28
RESUMO
Umberto Eco trabalha com os conceitos de leitor-empírico e leitor-modelo, sendo, o
primeiro, qualquer pessoa que lê um texto (um sujeito localizado historicamente, em
determinada sociedade); já leitor-modelo é uma projeção idealizada de um leitor que
seja capaz de acompanhar o raciocínio do autor. Pode-se dizer que o leitor
“mergulha” na obra. Assim, é interessante analisar como a ficção retrata esse
processo em que o leitor preenche espaços vazios, elenca e refuta hipóteses,
emociona-se e fica indignado, em que é construtor de sentidos e, muitas vezes,
desvia-se do percurso previamente traçado pelo escritor. Em outras palavras, como
a ficção representa o processo de leitura? Partindo desta premissa, o que se
pretende neste estudo é verificar como o papel do leitor é ficcionalizado em três
obras: Paisagem, da escritora brasileira Lygia Bojunga, História sem fim, do escritor
alemão Michel Ende e a trilogia Mundo de tinta (Coração de tinta, Sangue de tinta e
Morte de tinta) da escritora alemã Cornelia Funke.
PALAVRAS-CHAVE: leitor-modelo; narrativa, literatura infanto-juvenil
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas do século XX, as teorias orientadas para a recepção do
texto literário passaram a valorizar a figura do leitor, enfatizando que a materialização
de um texto se dá através da prática de leitura. Diferentemente de concepções
teóricas em que a atenção se volta para o autor (considerado um ser dotado de
genialidade, o que garante caráter original ao texto) ou as que valorizam
demasiadamente o aspecto estético, a Estética da Recepção pressupõe que a
recepção de um texto não deve ser “um consumo passivo, mas sim uma atividade
estética, pendente da aprovação e da recusa” (JAUSS, 2002a, p. 80). Desse modo,
atribui-se novo estatuto ao leitor e à leitura. Partindo dessa premissa, é
particularmente interessante observar como a própria ficção representa este
processo e como o leitor torna-se personagem.
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Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade – UNIOESTE. [email protected]
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METODOLOGIA
Por se tratar de uma pesquisa eminentemente bibliográfica,
metodologicamente seguirá as seguintes etapas:
a) releitura e fichamento das obras ficcionais previamente selecionadas:
Paisagem, de Lygia Bojunga; História sem fim, de Michael Ende; Trilogia Mundo
de tinta (Coração de tinta, Sangue de tinta e Morte de tinta) de Cornelia Funke;
b) leitura de obras teóricas apropriadas para a análise do objeto de estudo;
c) análise comparativa das obras selecionadas;
d) elaboração de texto segundo padrões da ABNT;
e) revisão e apresentação dos resultados da pesquisa em congressos da
área e através de artigos a serem publicados em revistas especializadas da área.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A relação entre texto e leitor começa a ser discutida a partir da década de
1960, momento em que surgem teorias que reivindicam a participação do leitor como
elemento indispensável à compreensão do texto literário. Nesse cenário de
transformações da crítica literária, Hans Robert Jauss apresenta, em 1967, na
Universidade de Constança, Alemanha, os pressupostos teóricos da Estética da
Recepção. Segundo Zilberman (2009), a conferência ministrada por Jauss – O que
é e com que fim se estuda história da literatura – revela a sua intenção em desferir
críticas à forma como a teoria literária aborda a história da literatura, a qual privilegia
métodos de ensino tradicionais, como também, destaca-se o interesse do estudioso
em inaugurar novas concepções de história da literatura.
Os princípios da Estética da Recepção também estão presentes nos estudos
de Wolfgang Iser, contemporâneo de Jauss. Assim como esse estudioso, Iser
publica, em 1975, o estudo A estrutura do texto apelativo e em seguida apresenta a
sua teoria: Teoria do Efeito. Essa concepção teórica visa analisar os efeitos da leitura
de uma obra literária provocados no leitor, por isso considera-se que essa teoria tem
caráter complementar àquela proposta por Jauss, podendo, por conseguinte, ser
abordada de modo paralelo.
Segundo os preceitos da teoria de Jauss, o significado “da obra literária é
apreensível não pela análise isolada da obra, nem pela relação da obra com a
realidade, mas tão-só pela análise do processo de recepção, em que a obra se expõe
[...] na multiplicidade de seus aspectos” (STIERLE, 2002, p. 120). Portanto, a obra é
uma instância mutável devido à participação do leitor (sujeito sócio-histórico), e que
não pode ser concebida sem essa relação de troca com o público. Eagleton (2006)
salienta que o texto utiliza recursos, espécie de dicas, para que o leitor possa
estabelecer sentido, uma vez que, sem a participação ativa do público, o texto não
existe. Assim, compreende-se que o leitor ao qual Jauss se refere é aquele leitor
concreto, situado historicamente no tempo e no espaço, que aceita ou nega uma
criação artística, em uma época específica de uma determinada sociedade.
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Para a Estética da Recepção, o leitor é fundamental, pois durante a leitura ele
“concretiza” o texto ao atribuir significados que partem tanto de sua experiência
individual quanto de influências culturais, sociais e históricas. Sendo assim, o leitor
se desenvolve na medida em que se desloca por leituras de outros momentos
históricos, ou ainda, cada vez que não fecha um livro ou desiste de lê-lo. Então, o
texto se constitui como um universo que deve ser explorado a fim de incitar o leitor
a imaginá-lo e interpretá-lo, conforme declara Iser:
Os autores jogam com os leitores e o texto é o campo do jogo. O
próprio texto é resultado de um ato intencional pelo qual um autor se
refere e intervém em um mundo existente, mas, conquanto o ato seja
intencional, visa a algo que ainda não é acessível à consciência.
Assim o texto é composto por um mundo que ainda há de ser
identificado e que é esboçado de modo a incitar o leitor a imaginá-lo
e, por fim, a interpretá-lo. Essa dupla operação de imaginar e
interpretar faz com que o leitor se empenhe na tarefa de visualizar as
muitas formas possíveis do mundo identificável, de modo que,
inevitavelmente, o mundo repetido no texto começa a sofrer
modificações. Pois não importa que novas formas o leitor traz à vida:
todas elas transgridem – e, daí, modificam – o mundo referencial
contido no texto. (ISER, 2002, p.107).
Entre os teóricos que se voltam para o aspecto recepcional, enfatizando a
questão da leitura/desvendamento do texto literário, destaca-se também Umberto
Eco, que trabalha com os conceitos de leitor-empírico e leitor-modelo, sendo, o
primeiro, qualquer pessoa que lê um texto (um sujeito localizado historicamente, em
determinada sociedade); já leitor-modelo é uma “espécie de tipo ideal que o texto
não só prevê como colaborador, mas ainda procura criar” (ECO, 1994, p. 15), ou
seja, é uma projeção idealizada de um leitor que seja capaz de acompanhar o
raciocínio do autor. O leitor-modelo é “desenhado pelo texto e dentro do texto.” (ECO,
1994, p.99). Para Umberto Eco, “(...) numa história sempre há um leitor, esse leitor
é um ingrediente fundamental não só do processo de contar uma história, como
também da própria história.” (ECO, 1994, p.7).
Pode-se dizer que o leitor “mergulha” na obra. Umberto Eco lembra que “(...)
o que ocorre com frequência é que não decidimos entrar num mundo ficcional; de
repente nos vemos dentro desse mundo. (...) Na ficção, as referências precisas ao
mundo real são tão intimamente ligadas que, depois de passar algum tempo no
mundo do romance e de misturar elementos ficcionais com referências à realidade,
como se deve, o leitor já não sabe muito bem onde está.” (ECO, 1994, p.131). Assim,
cabe analisar como a ficção retrata esse processo em que o leitor preenche espaços
vazios, elenca e refuta hipóteses, emociona-se e fica indignado, em que é construtor
de sentidos e, muitas vezes, desvia-se do percurso previamente traçado pelo
escritor. Em outras palavras, como a ficção representa o processo de leitura?
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Para o escritor, ilustrador e pesquisador Ricardo Azevedo,
O livro é um lugar de papel e dentro dele existe sempre uma
paisagem. O leitor abre o livro, vai lendo, lendo e, quando vê, já está
mergulhado na paisagem. Pensando bem, ler é como viajar para
outro universo sem sair de casa. Caminhando dentro do livro, o leitor
vai conhecer personagens e lugares, participar de aventuras,
desvendar segredos, ficar encantado, entrar em contato com
opiniões diferentes das suas, sentir medo, acreditar em sonhos,
chorar, dar gargalhadas, querer fugir e, às vezes, até sentir vontade
de dar um beijinho na princesa. Tudo é mentira. Ao mesmo tempo,
tudo é verdade, tanto que após a viagem, que alguns chamam leitura,
o leitor, se tiver sorte, pode ficar compreendendo um pouco melhor
sua própria vida, as outras pessoas e as coisas do mundo.
(AZEVEDO, 2012).
Esta discussão sobre o envolvimento do leitor com o texto também pode ser
encontrada na obra literária de Lygia Bojunga (Paisagem), através de reflexões da
personagem Lourenço:
(...) eu sou um Leitor pra escritor nenhum botar defeito, tá
entendendo? Eu acho até que ser Leitor é a coisa que eu sei ser
melhor na vida (...)quando eu falo de Leitor eu tô querendo falar é de
Li-te-ra-tu-ra, (...) essa coisa de escritor criar um personagem e fazer
a gente acreditar nele feito coisa que toda a vida a gente conheceu
o cara, ou a cara, Literatura é fazer esse personagem inventado virar
um espelho pra gente, (...)Literatura é o jeito que um escritor
descobre pra passar isso pra gente dum jeito que é só dele, e quando
um ida a gente afina com o jeito dum escritor inventar, com o jeito
que é o jeito dele escrever, nesse dia a gente vira Leitor dele e quer
ler tudinho que o cara ou a cara escreveu, (...) a gente fica tão ligado
nesse escritor que é capaz até de intuir o que que ele vai escrever...
(BOJUNGA, 1992, p. 35)
No caso de História sem fim, o envolvimento do leitor no processo de leitura
vai a níveis ainda maiores de “simbiose” com o texto. A medida em que progride na
leitura, Bastian não apenas compara sua vida e sentimentos com os de Atreiú
(personagem do livro que Bastian lê): ele é absorvido pela leitura e se deixa
“capturar”, sendo levado para o interior da obra que lê. Ao acompanhar a
preocupação com a possibilidade do desaparecimento de fantasia, Bastian se vê
impelido a participar da aventura:
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Bastian alegrava-se por ter alguma coisa em comum com Atreiú, pois
em outros aspectos não havia grandes semelhanças entre eles, nem
do ponto de vista da coragem e da decisão, nem do aspecto físico.
Mas também ele, Bastian, tinha partido para a Grande Busca, e não
sabia até onde ela poderia levá-lo, nem como poderia acabar.
(ENDE, 2000, p.39).
A complexidade dessa relação do leitor com o universo ficcional é enfatizada
na trilogia de Cornelia Funke. Desde a obra inicial (Coração de tinta) o leitor real é
impelido a acompanhar as aventuras de leitores ficcionais e toda a trilogia é
permeada de reflexões sobre o fazer literário. Assim, a título de exemplificação, em
Morte de tinta há uma instigante consideração sobre os limites da realidade e da
fantasia:
Elinor sempre participara com grande prazer dessas paixões – como
costumam fazer os leitores. Afinal, era exatamente isso o que as
pessoas procuravam nos livros: grandes sentimentos nunca vividos,
dor que, se se tornasse muito forte, era possível deixar para trás
apenas fechando o livro. Morte e destruição que pareciam
deliciosamente verdadeiras se alguém as evocava com as palavras
certas, e que se podia provar e abandonar entre as páginas sem
perigo nenhum. (FUNKE, 2010, p. 108)
Desta forma, as obras em análise possibilitam um exercício que, segundo
Umberto Eco, é extremamente importante: “Refletir sobre essas complexas relações
entre leitor e história, ficção e vida, pode constituir uma forma de terapia contra o
sono da razão que gera monstros.” (ECO, 1994, p.145).
CONCLUSÕES
Pela leitura, o sujeito é levado a emitir juízos, os quais são frutos da vivência
real e da experiência de leitura e do conhecimento transmitido pelo texto. Nas obras
em análise (destacas acima), as reflexões de Lourenço (Paisagem) e o insólito
adentrar do leitor nos livros (História sem fim e trilogia Mundo de tinta) permitem
ampliar a discussão sobre o papel do leitor e sobre os limites entre ficção e realidade.
Considerando que na fase atual da pesquisa ainda não foram produzidos textos para
publicação (fase final), as análises ainda estão sendo processadas.
REFERÊNCIAS
ABREU, Márcia; SCHAPOCHNIK, Nelson (orgs). Cultura letrada no Brasil: objetos e
práticas. Campinas/SP: Mercado das Letras, Associação de Leitura no Brasil; São
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AZEVEDO, Ricardo. Biografia de Ricado Azevedo. Disponível em:
<http://www.ricardoazevedo.com.br/ricardo-azevedo/>. Acesso em: 24 nov. 2013
BARBOSA, João Alexandre. A biblioteca imaginária. São Paulo: Ateliê Editorial,
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BOJUNGA NUNES, Lygia. Paisagem. Rio de Janeiro: Agir, 1992.
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STIERLE, Karlheinz. Que significa a recepção dos textos ficcionais? Trad. Luiz Costa
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
REINVENÇÃO DO ENREDO MÍTICO NAS OBRAS “O SONHO DE ELECTRA”
DE BIDISHA BANDYOPADHYAY E “SENHORA DOS AFOGADOS” DE NELSON
RODRIGUES
Claudiane Prass
RESUMO
Trata-se o presente trabalho, de um projeto de pesquisa que terá como objetivo o
estudo do mito de Electra e da intertextualidade presente nas obras: “A Senhora dos
Afogados” do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, escrita em 1947, e, em “O
Sonho de Electra” da escritora indiana Bidisha Bandyopadhyay, publicada em 1997.
Para tanto, nesta pesquisa, far-se-á uma análise comparativa entre as narrativas
destes autores ao mito de Electra presente nas tragédias gregas: Electra, de
Sófocles, Coéforas, de Ésquilo e Electra de Eurípedes e buscar-se-á observar a
Intertextualidade presente tanto na produção literária de Bidisha, quanto na ficção
teatral, de Nelson Rodrigues.
PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade, mito de Electra, Bidisha, Nelson Rodrigues.
INTRODUÇÃO
Do ponto de vista da produção literária, o presente projeto tem por finalidade
realizar um estudo da tragédia referente ao mito de Electra numa análise
comparativa da obra teatral Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, e da
narrativa ficcional O sonho de Electra, de Bidisha, com a dramaturgia grega.
Possibilitando, dessa forma, pensar sobre o mito na contemporaneidade e sua
importância na literatura. Outro foco da análise comparativa será proveniente do
estudo da intertextualidade entre a obra clássica de Sófocles e o “O Sonho de
Electra” de Bidischa, compreendendo como a literatura pode construir uma relação
de deslocamento ou descentralização da representação imaginária de sentidos,
reinventando ou reescrevendo o enredo mítico.
A obra O sonho de Electra é muito pouco conhecida e estudada no Brasil, no
entanto, sua publicação em Londres, em 1997, causou um grande impacto em seu
meio literário, sendo calorosamente acolhida pela imprensa europeia, a autora na
época, ainda, muito jovem, foi admitida com louvor na Universidade de Oxford Inglaterra, conforme enuncia a contra capa do próprio livro, que demonstra a
relevância para a escolha desta obra.
Por sua vez, Nelson Rodrigues consagrou-se como um artista renomado por
seu estilo, sua inovação estética que modernizou o teatro brasileiro. Apesar do teatro
rodriguiano ter sofrido críticas ferrenhas, sendo muitas vezes considerado obsceno
e imoral, suas obras se tornaram-se conhecidas e o autor é reconhecido como um
dos mais importantes representantes do teatro brasileiro.
Do ponto de vista da produção literária, o presente projeto justifica-se como
um estudo da tragédia referente ao mito de Electra numa análise comparativa da
narrativa ficcional de Bidisha, e da obra teatral de Nelson Rodrigues com a
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dramaturgia grega. Possibilitando, dessa forma, pensar sobre o mito de Electra na
contemporaneidade, tendo em vista que, no dizer de Eudoro de Sousa, “[...] o mito é
linguagem da sensibilidade e da imaginação; que é da sensibilidade e da imaginação
que parte o impulso mítico, criador dos mitos” (SOUSA, 1981, p. 53). Outro foco de
análise comparativa será proveniente do estudo da intertextualidade entre as obras.
Percebe-se, neste sentido, a importância de estudar como a intertextualidade
e a construção do mito de Electra tornam-se presentes na obra “Senhora dos
Afogados” e em “O Sonho de Electra”, compreendendo como a arte literária pode
construir uma relação de deslocamento ou descentralização da representação
imaginária dos sentidos, além de observar a importância do mito na literatura
contemporânea.
A peça ficcional do dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues foi escrita em
1947, porém, somente torna-se pública em 1954, devido às restrições de censura da
época, por ser considerada uma afronta aos bons costumes durante a ditadura de
Getulio Vargas, assim como aponta Nuñez, “A despeito da total neutralidade política
do texto, acúmulo de relações incestuosas crimes e indecorosidades projetadas para
o palco angariaram o desfavor dos salvaguardas da moral e dos bons costumes, na
era Vargas” (2000, p.218). Em Senhora dos Afogados, Nelson Rodrigues faz uma
(re)apropriação da problemática universal e atemporal da versão clássica dos
tragediográfos gregos, cujo conflito central é o incesto entre pai e filha. Portanto,
Senhora dos Afogados incorpora em seu enredo a maldição dos “Atridas”, pois se
nutre do antigo mito grego, seguindo o modelo criado pelo dramaturgo norteamericano, Eugene O’Neill. A família Drummond do teatro rodriguiano é marcada por
vários assassinatos, pela quebra de regras sociais e pelo grotesco causando impacto
em seus espectadores, assim como, outras peças deste dramaturgo chocariam a
sociedade carioca, naquele momento.
O enredo da obra, acima citada, se pauta basicamente no amor que a
personagem Moema, filha do casal Drummond, tem pelo pai, Misael. Ela pretende
ser a atenção exclusiva de seu genitor e por isso afoga suas irmãs Dora e Clarinda.
Na sequência, arquiteta um encontro amoroso entre seu noivo e sua mãe Eduarda,
a infidelidade não será perdoada, e ambos acabam sendo mortos. Ficando a sós
com seu pai, Moema confessa amá-lo e desejá-lo, desejar tê-lo somente para ela,
ser sua única filha. Após a sequência de assassinatos, o desfecho trágico ocorre
quando Misael se suicida deixando sua filha totalmente sozinha.
A trajetória de Nelson Rodrigues foi extensa antes de se tornar um dramaturgo
polêmico. O autor nasceu na cidade do Recife – PE, 23 de agosto de 1912 e faleceu
no dia 21 de dezembro de 1980 no Rio de Janeiro. Foi o quinto filho entre catorze e
começou sua carreira, aos treze anos de idade, trabalhando como repórter na
empresa de seu pai, jornalista Mário Rodrigues. Sua primeira peça teatral foi “Mulher
sem pecado” escrita em 1941, sendo levada em cena um ano mais tarde, em 1942.
A segunda peça foi “Vestido de Noiva” e tornou o autor conhecido. Depois de muitas
outras, a encenação de “Senhora dos Afogados”, foi no Rio de Janeiro em 1954,
sendo alvo de muitas críticas, considerado por uma parte da platéia como “gênio” e
por outra como “tarado”. Como aponta a crítica sobre a obra, escrita pelo jornalista
Gilberto Guimarães, do jornal “O popular”, no dia 22 de junho de 1954
Não vamos chamá-lo de gênio, como os seus entusiastas mais exaltados,
mas também, não o vamos classificar de tarado, como os seus mais
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
ferrenhos inimigos. Preferimos ficar numa posição intermediária,
reconhecendo no Sr. Nelson Rodrigues o direito de escrever o seu teatro,
já que ele não compreende teatro sem incestos, sem mortes, sem coisas
horripilantes. Quem vai ao teatro para assistir a uma peça sua já deve ir de
espírito prevenido, porque não encontrará outros motivos senão os de seu
agrado. Gosta-se ou não se gosta, mas não faz atitude de surpresa, nem
de gestos ensaiados de um puritanismo ridículo, muito menos se vaia um
escritor quando apresenta, realmente, uma obra de arte, até porque a arte
não está limitada, apenas, ao que constitui o lado bom da vida.
(GUIMARÃES,1954)29
O teatro rodriguiano apesar de polêmico, por ser considerado muitas vezes
obsceno e imoral, consagrou-se como um artista renomado com seu estilo, sua
inovação estética moderniza o teatro brasileiro e assim, torna-se um importante
representante do teatro brasileiro.
A autora Bidisha Bandyopadhyay de O sonho de Electra, também se vale da
fonte mitológica grega, assim como em Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues.
Em o mito de Electra temos o conflito entre amor e o desejo da filha para com o pai,
nas obras clássicas esse desejo é censurado por Electra, a protagonista da história,
e muito provável que permaneça oculto em seu inconsciente, porém, leva-a a um
dos crimes mais chocantes ou inaceitáveis para a humanidade, o matricídio. Já na
obra de Bidisha escrita em 1997, esse amor e o desejo da relação carnal da
protagonista com o seu progenitor não são reprimidos, tornando-se uma realidade
evidenciada. Nesta obra não ocorre o matricídio, já que a imagem da mulher-mãe
inexiste, pois o pai ficou viúvo quando, Pale Jesson, tinha somente três anos de
idade.
No romance, o mito se faz presente como pano de fundo do enredo, sendo
que a personagem central já citada, Pale, se apaixona por um cineasta, Will Corrin,
diretor do filme que, por coincidência ou não, é justamente intitulado de O sonho de
Electra. A adolescente de quinze anos mantém sua primeira relação amorosa íntima
com o personagem Will de trinta e oito anos, apenas três anos mais novo que o pai
da protagonista. Ao ser questionado sobre seu novo envolvimento pessoal, o
cineasta relata a idade da garota para seu amigo, o compositor Juliane Morgan, que
o ironiza, irritado Will contesta que não foi sua escolha e que Nabokov (escritor russo
que escreveu o livro “Lolita”, o qual narra a história de um professor de música que
se apaixona por sua enteada de apenas doze anos) estivesse completamente
enganado e talvez Freud (precursor da psicanálise, estudou o complexo de Édipo –
paixão do filho pela mãe, teoria oposta ao complexo de Electra - paixão da filha pelo
pai) também estivesse.
Bidisha Bandyopadhyay nasceu em Londres em 29 de julho de 1978, filha de
indianos migrados em 1972, e, com base nas informações do seu blog, a autora foi
educada na escola Aske Haberdashers para meninas, estudou Inglês Antigo e Médio
no Oxford Universidade. Como escritora iniciou seus trabalhos escrevendo para a
revista de artes, ela assinou seu contrato primeiro livro, aos 16 anos. Seu primeiro
romance intitulado O Sonho de Electra, foi publicado obtendo sucesso comercial e
29
Disponível em http: //www.nelsonrodrigues.com.br/site/criticasteatro_det.php?Id=13
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de crítica, quando ela tinha 18 anos. A autora continua desenvolvendo seu trabalho
escrevendo para jornais, publicou outros livros, também lecionou teoria política,
filosofia moral e política, jornalismo, não-ficção e ficção para Arvon, The College
London e tem realizado trabalho de divulgação em campos de refugiados na
Palestina e em centros de refugiados no Reino Unido. Seu mais recente lançamento
é o Livro Reportagem Beyond the Wall: Writing a Path Through Palestine, publicado
pela Seagull Livros/ Universite Press, Chicago, em 15 de maio de 2012.
METODOLOGIA
O trabalho será de cunho bibliográfico, primeiro, realizar-se-ão leituras
teóricas sobre o mito de Electra apresentado nos tragediógrafos gregos, de maneira
especial em relação à obra Electra, de Sófocles, Coéforas, de Ésquilo e Electra, de
Eurípedes, mostrar-se-á, desse modo, como o mito é apresentado nas referidas
obras. Em um segundo momento, com base em estudos sobre o mito, buscar-se-á
identificar como o mito de Electra encontra-se presente na narrativa “Senhora dos
Afogados” de Nelson Rodrigues e em “O sonho de Electra” da autora Bidisha.
Para tanto, serão analisados leituras do mito de Electra na obra de Sofócles,
Eurípedes e Ésquilo e com base neste estudo teórico comparar-se-á as obras
citadas. Buscar-se-á, ainda, estudar a representação da identidade cultural do sujeito
nas obras. Deste modo, serão feitos diversos estudos de textos para, assim, analisar
o mito na tragédia grega e a sua presença na literatura contemporânea, buscando,
ainda, compreender como ocorre a construção da representação do sujeito pósmoderno nas obras, centrando o estudo na obra teatral brasileira e da autora indiana.
Pretende-se, assim, com este projeto de iniciação científica visualizar como o
mito de Electra encontra-se presente nestas obras numa análise comparativa, além
de focalizar a construção da identidade do sujeito pós-moderno pelos autores. As
análises e o resultado da pesquisa realizada serão divulgados por meio de
comunicações em eventos científicos e pela elaboração da dissertação sobre o tema
a ser estudado.
CONCLUSÕES
Nota-se, contudo, pelas referidas obras que após séculos que a literatura
nutre-se dos mitos e há uma explicação para isto, pois o mito, conforme frisa Maria
del Carmen Tacconi, é a busca de respostas para questões essenciais além da vida,
ultrapassando a fábula, a moral e palavra reveladora, não é para pessoas
supersticiosas, mas é uma história real, sagrada, supra-racional, não pode ser
submetida a análises empíricas como um exame de sangue, mas ela transmite
resposta às grandes perguntas como: O que se passa depois da morte? O que
significa o mal? (TACCONI, 2012).
Segundo o que afirma a escritora Berta Lucía Estrada Estrada, o mito
estabelece relações com os fenômenos da vida humana e busca explicação para
eles, ele é atemporal e verdadeiro, sagrado ou profano, por exemplo, no antigo
testamento da Bíblia, principal livro usado pelo cristianismo, corresponde a mitos e
lendas de diversas culturas e povos (ESTRADA ESTRADA, 2012).
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Acima de tudo, o mito expressa riqueza e profundidade. Para Eliade, além de
ser um modelo exemplar, de regras, conduta e comportamento humano, o mito traz
significado à existência humana, apesar de não ser uma garantia de “bondade” nem
de moral. Compreender a estrutura e a função dos mitos nas sociedades tradicionais
não significa elucidar uma etapa na história do pensamento humano, mas também
compreender melhor uma categoria dos nossos contemporâneos (ELIADE, 2002,
p.8). O autor explica ainda, que a sobrevivência dos mitos deve-se a literatura e as
artes em geral, “[...] se a religião e a mitologia gregas, radicalmente secularizadas e
desmistificadas, sobreviveram na cultura européia, foi justamente por terem sido
expressas através de obras-primas literárias e artísticas.” (ELIADE, 2002, p.139)
É possível encontrar nos mitos uma multiplicidade de sentidos e os conflitos
universais básicos do ser humano, como o amor, sexo, casamento, trabalho,
educação etc. talvez, isso explique a razão pela qual eles se perpetuam no tempo
pela literatura e artes, sendo reinventado e reescrito por vários autores.
REFERÊNCIAS
BANDYOPADHYAY, Bidischa. O Sonho de Electra. Trad. Lídia Cavalcante Luther.
São Paulo: Scipione, 1998.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Trad. Carlos Aboim de Brito. Lisboa:
Portugal, Edições 70, 1993.
ELIADE, Mircea. O prestígio do mito cosmogônico. In: DIÓGENES, Brasília, Editora
da Universidade de Brasília, n. 7, 1984, p. 5-6.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Lisboa: Livros do Brasil, s.d.
EURÍPEDES. Electra. In: Teatro grego. Rio de Janeiro: São Paulo: Porto Alegre,
Jackson, v. XXII, s.d.
ESTRADA, Berta. L. E. “Breve história de La literatura occidental y latino-americana
y su rol pedagógico”. In: JORNADA INTERNACIONAL DE ESTUDOS
LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS, 15. 2012, Marechal Cândido Rondon.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad.Tomaz Tadeu da
Silva e Guacira Lopes Louro.10.ed. Rio de Janeiro. DP&A, 2005.
NUÑEZ, Carlinda. Electra ou uma constelação de sentidos. Goiânia. UCG, 2000.
RODRIGUES, Nelson Falcão. “Senhora dos Afogados”. Rio de Janeiro, 1954.
GUIMARÃES, Gilberto. “Críticas ao Teatro”. Disponível em: http://www.nelsonrodrigues.com.br/site/criticasteatro_det.php?Id=13.
RELEITURAS.
“Releituras”.
Disponível
nelsonr_bio.asp. Acesso em: 27 de abril 2013.
em:
http://www.releituras.com/-
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
SÓFOCLE. Electra. In: Os persas/ Ésquilo/ Electra/ Sófocles. Hécuba/ Eurípides.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
SOUSA, Eudoro de. História e Mito. Brasília: Universidade de Brasília, 1981.
TACONI, Maria del Carmen. “Mito, cultura y literatura”. In: JORNADA
INTERNACIONAL DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS, 15. 2012,
Marechal Cândido Rondon.
WIKIPEDIA. “Nelson Rodrigues” Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nelson_Rodrigues. Acesso em: 27 de abril 2013.
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RELEITURAS DE CONTOS DE FADAS NO ACERVO DO PNBE 2012
Elesa Vanessa Kaiser da Silva30
RESUMO
Muitos estudos destacam a importância da Literatura Infantil, bem como se voltam
para aspectos relativos à formação de leitores literários. Investimentos para
programas de incentivo à leitura têm movimentado cifras grandiosas. No entanto, o
que mais tem preocupado, atualmente, é saber o que as escolas têm feito com os
acervos recebidos, desde o início do PNBE - Programa Nacional Biblioteca da
Escola, ou seja, essas obras estão saindo das caixas? Os profissionais estão sendo
capacitados para a utilização desse material e para a mediação da leitura? Os
professores conhecem o acervo do PNBE? Tendo em vista a magnitude do programa
– o volume de investimentos do governo federal tem movimentado o mercado
editorial de forma surpreendente – bem como a importância de políticas públicas
voltadas para a formação de leitores, tornam-se necessárias pesquisas voltadas
para a análise dos encaminhamentos e utilização das obras literárias destinadas ao
público infantil, na esfera escolar. Cabe destacar que a formação dos mediadores de
leitura é fundamental nesse processo, pois, além de conhecerem o material
disponível, devem atuar de forma a promover a leitura e fomentar, como uma “ponte”,
a aproximação da criança ao livro. A presente pesquisa visa contribuir com um
estudo sobre o acervo do PNBE 2012. Pretende-se fazer um levantamento dos
recontos do acervo 2012, destinado à Pré-escola e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, observando se há obras que dialogam com obras infantis clássicas. A
partir deste levantamento, pretende-se analisá-las, observando como os contos
contemporâneos do acervo promovem a releitura de contos de fadas e de obras
consideradas clássicas na literatura infantil. Levando em consideração a importância
do trabalho com os livros que compõem o acervo do PNBE 2012, a terceira etapa
deste trabalho, em construção, pretende relatar uma atividade prática realizada junto
a duas escolas no município de Medianeira, em turmas de 2º Ano. Busca-se utilizar
o reconto Chapeuzinho Vermelho: uma aventura borbulhante de Roberts (2009),
disponível no acervo, para realizar a contação de história a fim de perceber a
recepção das crianças, se estas identificam o diálogo entre obra clássica e
contemporânea, bem como a paródia que é constante na produção literária atual.
PALARAS-CHAVE: Contos de fadas; Literatura Infantil; PNBE.
30
Aluna regular de Pós-graduação strictu sensu em Letras, nível de Mestrado da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná -UNIOESTE- campus de Cascavel. Linha de Pesquisa: Literatura,
memória, cultura e ensino. Orientadora: prof. Clarice Lottermann
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
INTRODUÇÃO
A produção de obras de Literatura Infantil tem se expandido significativamente
nos últimos anos. Isto se deve principalmente ao aumento de aquisições realizadas
por parte do governo brasileiro que, através do PNBE– Programa Nacional Biblioteca
da Escola – envia acervos para todas as bibliotecas de escolas públicas do território
nacional. Assim, por meio do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação – o governo é o responsável pelo maior volume de compras de livros do
país. De acordo com Paiva (2012, p. 15), “Essas ações mobilizam todo o mercado
editorial, pois a escolha de um livro de uma editora garante uma movimentação
editorial (produção, circulação) que abrange todo o território nacional”.
A escolha do acervo PNBE para a pesquisa deve-se ao fato de que as obras
são encaminhadas para as escolas públicas em todo o território nacional. Assim,
busca-se conhecer a qualidade das obras literárias infantis que estão disponíveis
nas escolas da rede pública de ensino. Essas, em muitos casos, são as únicas com
as quais as crianças têm contato, pois a escola ainda é o principal local para a
mediação da leitura.
Conforme Paiva (2009, p. 150), “raramente, em nossas pesquisas sobre os
acervos de bibliotecas escolares, a recepção e o uso de livros de literatura
distribuídos pelos programas de incentivo à leitura são considerados”. Para esta
pesquisa, foram consultadas as obras destinadas à Pré-escola e Anos Iniciais do
Ensino Fundamental (do PNBE 2012). Destas, que totalizam cento e cinquenta
títulos, foram identificadas releituras de contos de fadas que posteriormente foram
analisadas a partir de aspectos em comum. O levantamento de dados foi realizado
junto a duas bibliotecas escolares do município de Medianeira (PR). Para se efetivar
um trabalho com o material pesquisado, optou-se por selecionar uma obra do acervo
pesquisado e realizar uma atividade de contação de história em duas escolas da
rede municipal de Medianeira, buscando-se observar a recepção das crianças: se
estas percebem a intertextualidade com os contos de fadas e se identificam os
aspectos diferenciados na história ouvida.
Buscou-se, inicialmente, aprofundar os estudos sobre o PNBE, através da
caracterização do programa e seu histórico, bem como através de levantamento das
obras que compõem o acervo 2012 destinado à Pré-escola e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental.
Embora exista uma conscientização sobre a importância da leitura, percebese que somente distribuir obras literárias não basta para que a formação de leitores
de fato se efetive. É fundamental formar os mediadores de leitura, e estes devem
conhecer o material disponível para organizarem práticas de leitura significativas
para os alunos. Somente desta forma poderão fazer a ponte entre criança e livro.
Nesse sentido, torna-se também imprescindível o trabalho com obras clássicas para
que os alunos posteriormente possam perceber a intertextualidade entre livros
clássicos e contemporâneos.
Com esse propósito, este estudo pretende subsidiar pesquisadores de
literatura Infantil, professores de Língua Portuguesa e Literatura, colaborando para
as práticas de leitura em sala de aula. Acredita-se que somente a partir de uma
sensibilização sobre a importância da Literatura Infantil é que será possível estimular
o gosto pelos livros através de diferentes metodologias. Para isso, é fundamental
que os professores ampliem seus conhecimentos sobre as obras contemporâneas,
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
conheçam os acervos disponíveis nas bibliotecas escolares e organizem atividades
de leitura significativas, de modo a contribuir efetivamente para a formação de
leitores.
Partindo de tais perspectivas, a análise dos recontos, neste trabalho,
considera, sobretudo os estudos de Hutcheon (1985), para compreensão acerca do
conceito de paródia, Bakhtin (1996) para conhecimento da história do riso, Sant’
Anna (2003) para definir conceitos de intertextualidade, Darnton (2011) para
conhecimento acerca da origem dos contos de fadas, bem como do histórico e
contexto da época em que se inserem. Também consideramos Machado (2002) para
fundamentar a importância dos clássicos universais e Aguiar e Martha (Org.) (2012)
para fundamentar o conceito de reconto e sua utilização na formação de leitores.
METODOLOGIA
Para responder às questões levantadas, a pesquisa é basicamente de cunho
bibliográfico, análise comparativa de textos ficcionais e atividade prática de contação
de história junto a instituições escolares. Desta forma, a pesquisa segue as seguintes
etapas:
• Geração de dados: Leitura das obras do acervo do PNBE (2012) em
bibliotecas escolares do município de Medianeira: são 150 obras destinadas à
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, sendo 50 títulos para a
Pré-escola e 100 títulos para os Anos Iniciais do ensino Fundamental, a fim de
identificar releituras de contos de fadas.
• Histórico do PNBE: Levantamento de dados (estatísticos, evolução,
escolas atendidas, pesquisas relacionadas) sobre o Programa Nacional Biblioteca
da Escola.
• Comparação: Análise, sob o viés comparatista, observando-se como as
obras contemporâneas estabelecem diálogo com os contos de fadas tradicionais. Os
recontos identificados no acervo do PNBE 2012 serão apresentados em blocos,
seguindo aspectos em comum. Serão utilizadas obras teóricas apropriadas para
análise dos recontos.
• Atividade Prática: Contação de história junto a duas escolas municipais em
Medianeira, em turmas de 2º Ano, a fim de observar como ocorre a recepção da obra
Chapeuzinho Vermelho: uma aventura borbulhante (2009) de Lynn Roberts, com o
objetivo de perceber se as crianças identificam o diálogo entre o conto clássico e o
contemporâneo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por meio de um levantamento acerca do histórico do Programa Nacional
Biblioteca da Escola- PNBE-, é possível destacar relevantes dados estatísticos sobre
os investimentos realizados ao longo dos anos, desde a implantação do Programa
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(em 1997). Nesse sentido, observa-se o panorama de crescimento, sendo que o
mesmo foi sendo modificado ao longo dos anos, beneficiando, a cada acervo
enviado, um maior número de alunos atendidos. O site oficial do FNDE31 – Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – apresenta informações sobre o
Programa, destacando o histórico, funcionamento, dados estatísticos, editais,
distribuição, legislação, perguntas frequentes sobre o PNBE e contatos para maiores
detalhes. No Portal Mec 32 também encontram-se dados sobre o Programa:
apresentação, acervos, acervo do Professor, publicações e periódicos.
A partir da leitura das obras literárias que compõem o acervo do PNBE 2012
destinado à Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, notou-se que
muitas obras contemporâneas dialogam com as clássicas. Do mesmo modo,
personagens clássicos são retomados através da paródia, do humor e ironia.
Após o levantamento e leitura das 150 (cento e cinquenta) obras que
compõem o acervo em análise, ficou evidente que o diálogo prevalece, sobretudo,
com os personagens clássicos mais conhecidos: Chapeuzinho Vermelho, Lobo e
Princesas (Branca de Neve, Cinderela, Bela Adormecida). Desta forma, para a
análise, foram agrupadas em dois blocos, de acordo com aspectos em comum. No
primeiro, intitulado Chapeuzinho e Lobo, são analisadas sete obras, chamando-se
atenção para o diálogo que estabelecem a partir do conto clássico Chapeuzinho
Vermelho. No segundo bloco, intitulado Príncipes e princesas, são analisadas seis
obras, a partir do diálogo que estabelecem com contos de fadas clássicos.
CONCLUSÕES
Embora exista uma conscientização sobre a importância da leitura, percebese que somente distribuir obras literárias não basta para que a formação de leitores
de fato se efetive. É fundamental formar os mediadores de leitura, e estes devem
conhecer o material disponível para organizarem práticas de leitura significativas
para os alunos. Somente desta forma poderão fazer a ponte entre criança e livro.
Nesse sentido, torna-se também imprescindível o trabalho com obras clássicas para
que os alunos posteriormente possam perceber a intertextualidade entre livros
clássicos e contemporâneos. Assim, quando não identificado o diálogo, a releitura
fará um sentido, mas não o mesmo que o leitor com uma “bagagem de leituras” terá.
Cabe aos mediadores de leitura a tarefa de formar leitores. Para tanto, é
fundamental que estes sejam leitores, conheçam não só os acervos do PNBE
disponíveis, mas também as demais obras literárias que constituem o acervo das
escolas.
Os contos de fadas, tendo suas raízes na oralidade, têm se perpetuado há
séculos, e contemporaneamente seus personagens clássicos se destacam não só
em obras literárias, mas também em comerciais, filmes, desenhos animados,
revistas, contos, poemas, brinquedos, fantasias (roupas e adereços), enfim,
apresentam-se no contexto atual revestidos com características e/ou
comportamentos modernos.
31
32
http://www.fnde.gov.br/programas/biblioteca-da-escola/biblioteca-da-escola-apresentacao
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12368&Itemid=575
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Observando e lendo textos endereçados para crianças, é possível concluir
que os recontos estão muito presentes na Literatura Infantil contemporânea. O
sucesso da repercussão dos contos de fadas pode ser comprovado a partir das
inúmeras edições tanto dos clássicos como de releituras dos mesmos. E assim esse
gênero se mantém vivo no decorrer dos anos ocupando um espaço significativo na
produção literária destinada ao público infantil.
REFERÊNCIAS
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A. Á. P. (Orgs.) Conto e reconto: das fontes à invenção. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2012. P. 47-56.
BAKHTIN, Mikhail. Rabelais e a história do riso. In:______ A cultura popular na Idade
Média e no Renascimento: o contexto de Rabelais. Tradução: Yara Frateschi Vieira.
São Paulo: HUCITEC, 2002. (p. 51-123).
DARNTON, R. Histórias que os camponeses contam: o significado de Mamãe
Ganso. In: ______. O grande massacre de gatos e outros episódios da história
cultural francesa. Tradução: Sonia Coutinho. São Paulo: Graal, 2011. P 13-103.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Tradução: Teresa Louro Pérez. Lisboa:
Edições 70, 1985.
MACHADO, Ana M. Como e por que ler os Clássicos Universais desde cedo. Rio de
Janeiro: Editora Objetiva, 2002.
PAIVA, A. A trama do acervo: a literatura nas bibliotecas escolares pela via do
Programa Nacional Biblioteca na Escola. In: SOUZA, R. J. (Org.). Biblioteca escolar
e práticas educativas: o mediador em formação. Campinas, SP: Mercado de Letras,
2009. P. 137-155.
SANT'ANNA, Affonso R. de. Paródia paráfrase & Cia. São Paulo: Ática, 1937.
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VOZES DA CIDADE: O MÉXICO ORIGINÁRIO DE ALFONSO REYES E O
MÉXICO POLIFÔNICO DE CARLOS FUENTES
Elis Regina Basso33
RESUMO
Neste estudo objetiva-se analisar comparativamente as representações do México
presentes nos ensaios de Alfonso Reyes: Visión de Anahuác (1915) e Palinodia del
polvo (1940) e no romance La Región más Transparente (2008), de Carlos Fuentes.
Para tanto, o ensaio hispano-americano é conceituado, de acordo com Gómez
Martínez (1992), bem como o boom hispano-americano, conforme Rama (2005) e
Donoso (1987) e o novo romance hispano-americano, segundo Jozef (1993) e
Fuentes (1976), os dois últimos relacionam-se ao romance fuentiano. A cidade é
problematizada por meio de Calvino (1998), García Canclini (1999), Lynch (1999),
Romero (2004) e Silva Júnior (2010). No que se refere à mitologia asteca, e por
conseguinte mexicana, vale-se de Chevalier e Gheerbrant (2009) e Donato (1973).
Para a compreensão do vocabulário nahuátl e dos mexicanismos presentes no
romance, utilizou-se o Diccionario de la Real Academia Española (DRAE) e o
Diccionario de español do México (DEM). A teoria romance polifônico, de Bakhtin
(1993; 2010) é aplicada à obra de Fuentes. Espera-se que este estudo contribua
para novas pesquisas no âmbito da cidade, de modo que a urbe passe a ser mirada
como elemento fundante de uma sociedade, e portanto, com presença significativa
nas obras literárias, sendo assim, um campo riquíssimo de estudo.
PALAVRAS-CHAVE: México; Alfonso Reyes; Carlos Fuentes.
INTRODUÇÃO
Este estudo é síntese da pesquisa de mestrado em Letras, ainda em fase de
desenvolvimento, a ser apresentada à Unioeste. Tem-se o objetivo de analisar
comparativamente as representações do México presentes nos ensaios de Alfonso
Reyes: Visión de Anahuác (1915) e Palinodia del polvo (1940) e no romance La
Región más Transparente (2008), de Carlos Fuentes.
A dissertação contempla quatro capítulos, no primeiro são tecidas
informações referentes aos autores, sua relação com o México e com o tempo
33
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade, Linha de pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos
Comparados, – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, sob orientação da professora Dra. Ximena Antonia Díaz Merino. Bolsista da Capes.
Endereço eletrônico: [email protected].
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histórico em que produziram tais obras; de modo que se conceitua ensaio hispanoamericano, boom hispano-americano e novo romance hispano-americano.
No segundo capítulo, trata-se sobre os ensaios alfonsinos, no qual é
problematizada a estrutura de Visión de Anahuác, isto é, há discordâncias sobre o
gênero literário que este texto pertence; além de analisar a relação do texto com as
visões dos cronistas e o México na época dos astecas. Ocupa-se ainda da retratação
Palinodia del polvo, sua relação com a Física, a Filosofia e as referências à
Literatura. Ademais da comparação entre os dois ensaios.
No terceiro capítulo, a cidade é teorizada a partir de Calvino (1998), Canclini
(1999), Romero (2004) e Silva Júnior (2010). O romance La región más transparente
é analisado por meio da fala de algumas personagens, como: Ixca Cienfuegos,
Teódula Moctezuma, Gladys García e Manual Zamacona. Além disso, o conceito de
polifonia é aplicado ao romance, isto no que concerne aos caracteres plurilinguístico,
pluriestilístico e plurivocal.
No último capítulo, ainda a ser desenvolvido, propõe-se a confrontação entre
a configuração da urbe nos ensaios e no romance. Atentando-se para a relação entre
Visión de Anahuác e a personagem do romance Ixca Cienfuegos, bem como a
relação entre Palinodia del polvo e a personagem fuentiana Federico Robles.
OBJETIVOS
O objetivo principal deste estudo é analisar comparativamente as
representações do México presentes nos ensaios de Alfonso Reyes: Visión de
Anahuác (1915) e Palinodia del polvo (1940) e no romance La Región más
Transparente (2008), de Carlos Fuentes.
Como objetivos secundários tem-se: analisar comparativamente as
representações do México presentes nos ensaios de Alfonso Reyes. Analisar como
o México é representado nas vozes de algumas personagens do romance fuentiano,
a saber: Ixca Cienfuegos, Teódula Moctezuma, Gladys García, Manual Zamacona e
Federico Robles. Contrastar estes diferentes olhares. Aplicar a teoria de romance
polifônico, nos seus três caracteres: plurilinguístico, pluriestilístico e plurivocal, à obra
de Fuentes. Por fim, relacionar elementos de Visión de Anahuác com a personagem
do romance Ixca Cienfuegos, bem como relacionar Palinodia del polvo com a
personagem fuentiana Federico Robles.
METODOLOGIA
A metodologia aplicada encontra-se no âmbito exploratório da produção
narrativa e ensaística dos autores selecionados. Para a análise do corpus de estudo
privilegia-se a Literatura Comparada. Eduardo Coutinho (2003) afirma que com os
estudos da Escola Americana de Literatura Comparada tal disciplina passou a ter um
caráter interdisciplinar, aproximando-se tanto das diferentes formas de arte quanto
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
de outras esferas do conhecimento. Coutinho (2003) acrescenta que a Literatura
Comparada vem ganhando espaço nas literaturas consideradas até então
periféricas, inclui-se aqui a literatura latino-americana e mais precisamente a
mexicana.
Como salienta Coutinho (2003, p.20), na leitura comparatista deve
prevalecer “[...] o elemento de diferenciação que este último [texto segundo] introduz
no diálogo intertextual estabelecido com o [texto] primeiro”. Assim, trabalha-se com
a arte literária de um mesmo espaço, o México, mas distintos são os olhares sobre
esta urbe, inclusive em uma mesma obra, como ocorre explicitamente em La región
mas transparente. Procurou-se, portanto, observar o que difere as visões sobre esta
cidade, bem como o que lhes é comum, atentando-se para a especificidade de cada
gênero literário.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Salienta-se que os resultados são incipientes devido ao fato de a pesquisa
ainda estar em andamento. Ciudad de México, antiga Tenochtitlán, é permeada pela
cultura asteca e influenciada por hábitos europeus, é nesta cidade que se dá a
narrativa de Fuentes, por meio de mais de oitenta vozes, que a partir de suas
singularidades exibem sua relação com a urbe. Por isso, Ciudad de México é
policultural e polifônica.
Tais características reafirmam o fato de Junior (filho de milionários) falar em
inglês, Pedro Caseaux (jogador de polo), francês e Gabriel (imigrante ilegal nos
Estados Unidos) e Gladys García (prostituta) um espanhol repleto de gírias e
palavrões. De modo, que a posição social que estes sujeitos ocupam está interrelacionada com o modo como observam o lugar onde habitam e qual sua relação
com ele. Para Junior e Pedro Caseux, existe o México noturno das festas
requintadas, com bebidas exóticas e pessoas com roupas exuberantes. Já Gabriel,
vive no México marginalizado, onde não há luz elétrica e poucas oportunidades de
trabalho. Gladys vive também no México noturno, trabalha em uma boate e ao sair
de lá todas as manhãs observa o lixo das ruas, o desperdício de alimento e as
crianças de rua dormindo sobre jornais.
Já Alfonso Reyes, traz o México original, por tratar sobre a dissecação do
Valle de México, sobre as visões dos cronistas acerca de Tenochtitlán, sobre a
relação dos astecas como o mundo através do poema Ninoyolnonotza, além de
retratar o México “empoeirado” e suas paisagens.
CONCLUSÕES
Infere-se que as obras analisadas são altamente elaboras e
plurissignificativas. De modo, que apenas alguns aspectos puderam ser observados,
vistas sua complexidade e extensão – esta no que se refere ao romance. Portanto,
há diversas outras possibilidades de análises comparativas entre Palinodia del polvo,
Visión de Anahuác e La región más Transparente.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Salienta-se que a cidade é o elemento fundante das três obras em questão,
no romance fuentiano ela é a personagem principal; já nos ensaios é sobre ela que
o Reyes escreve. Finalmente, percebe-se que o multiculturalismo do México real
aparece no ficcional; característica esta indissociável do citadino e que atribui a este
país uma imensa riqueza cultural.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
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de Janeiro, Rio de Janeiro - RJ, 2010.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
O OLHAR ATRAVÉS DA CULTURA DO OUTRO
Franciele Alves Pereira34
RESUMO
Este estudo contempla uma reflexão acerca de um conceito que está sempre em
desenvolvimento: cultura. Tomando como aporte teórico Larraia (2009), Sahlins
(2007), Cuche (1999) e Elias (1990) é possível entender o termo como sinônimo de
expressão das práticas e valores que representam a identidade do ser humano
dentro de um grupo social, a forma que ele pensa e age por meio de símbolos e
signos. Assim, para se pensar em cultura é necessária uma ruptura com as
concepções cristalizadas em nós mesmos, uma vez que nossos conceitos não
devem ser utilizados para julgarmos a organização de outros grupos culturais.
Devemos ter em mente que as culturas são sócio historicamente construídas. Nesse
sentido, trazemos para o trabalho, a título de reflexão sobre o funcionamento das
políticas multiculturalistas, os questionamentos de Lila Abu-Lughod (2012) acerca de
um discurso ocidental calcado na batalha pela “salvação” das mulheres
muçulmanas, uma vez que essas mulheres são apresentadas – através do olhar
ocidental – como sujeito oprimido dentro de sua própria sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Olhar; Outro; Minorias.
INTRODUÇÃO
Definir um conceito sobre cultura não é uma tarefa fácil, parece até
impossível, pois o termo recebe uma ampla gama de significados.
Laraia (2009) nos mostra em seu livro Cultura: um conceito antropológico
que por muito tempo tentou-se explicar as diferenças existentes entre os povos ora
por meio do chamado determinismo biológico, ora pelo determinismo geográfico.
Atualmente, os antropólogos estão convencidos de que as diferenças genéticas não
são responsáveis pelas diferenças culturais. A divisão sexual do trabalho, por
exemplo, é determinada culturalmente e não em função de um fator biológico. Em
outras palavras, é possível dizer que
o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um
processo que chamamos de endoculturação. Um menino e uma
menina agem diferentemente não em função de seus hormônios,
mas em decorrência de uma educação diferenciada (LARAIA, 2009,
p. 19).
34
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE, sob orientação da profesora Dra. Regina Coeli Machado e Silva. Bolsista
Fundação Araucária. Endereço eletrônico: [email protected].
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Georg Mead, estudioso do interacionismo simbólico, analisou diferentes
povos e maneiras, e, como são transmitidas as imagens relacionadas aos homens e
mulheres. Conclui que apesar dos aspectos biológicos, o espaço ocupado na
questão de gênero se diferencia nos diversos povos conforme as personalidades
que são construídas, como docilidade, sensibilidade, agressividade, servilidade,
assemelhando tais características a ambos os sexos ou as destinando aos homens
ou às mulheres conforme seus grupos sociais.
O determinismo geográfico, por sua vez, desde a Antiguidade, tenta explicar
as diferenças culturais a partir das variações dos ambientes físicos. O romano
Marcus V. Pollio, por exemplo, acreditava que o fato de os habitantes do sul terem
se desenvolvido sob a raridade da atmosfera e do calor os possibilitariam possuir
maior inteligência; diferentemente dos povos do norte, que possuem a inteligência
mais vagarosa devido ao fato de habitarem uma região de atmosfera densa com
vapores de ar carregado (Laraia, 2009). Ainda no século XX, Huntington formula uma
relação entre a latitude e os centros de civilização, considerando o clima como fator
importante no desenvolvimento desse progresso. Esse determinismo passa a ser
refutado a partir da década de 20 por antropólogos que provam que habitantes de
ambientes geográficos muito semelhantes possuem adaptações culturais diferentes
para sua sobrevivência. Isso prova que a cultura age “seletivamente”, e não
casualmente sobre seu meio ambiente, “explorando determinadas possibilidades e
limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na própria cultura
e na história da cultura”. (SAHLINS apud LARAIA, 2009, p. 24).
Ruth Benedict, que fez parte da escola americana, desenvolveu a ideia de
que cada cultura possui um estilo, ou seja, segue um modelo. E isto seria possível
por intermédio das instituições, em especial as educativas. Estas se encarregam de
moldar os comportamentos dos indivíduos, incutindo valores e oferecendo, de modo
inconsciente, um modelo para todas as atividades da vida, portanto, exercendo
influência nas personalidades. Assim, cultura passa a ser percebida como algo
adquirido e sua prática pode ser inconsciente.
Desde os primeiros instantes de vida, o indivíduo é impregnado deste
modelo, por todo um sistema de estímulos e de proibições
formulados explicitamente ou não. Isto o leva, quando adulto, a se
conformar de maneira inconsciente com os princípios fundamentais
da cultura (CUCHE, 1999, p. 81).
Cada sistema cultural possui uma expressão própria e cada prática, por mais
corriqueira que seja, como comer, vestir, andar e falar faz parte da representação
cultural, não sendo realizada da mesma forma em culturas diferentes.
Cultura é sinônimo de expressão das práticas e valores que representam a
identidade do ser humano, a forma que ele pensa e age por meio de símbolos e
signos. Lévi-Strauss, outro importante pesquisador, vê a cultura como um conjunto
de sistemas simbólicos. Todas as visões e representações que as pessoas têm do
mundo, de si mesmo e das outras pessoas fazem parte da cultura. Assim, crenças
religiosas, educação e arte são manifestações culturais, enquanto ideias e
comportamentos são expressões da cultura dos diversos povos, dos diferentes
momentos históricos e dos vários grupos sociais (LARAIA, 2009).
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METODOLOGIA
O trabalho, de cunho bibliográfico, foi desenvolvido por meio de leituras e
análises reflexivas dos textos teóricos, os quais discorrem acerca das questões
relativas aos estudos culturais.
Os textos que embasaram o presente trabalho foram Cultura: um conceito
antropológico, de Roque de Barroa Laraia (2009); Cultura na prática, de Marshall
Sahlins (2007); A noção de cultura nas ciências sociais, de Denys Cuche (1999); Da
sociogênese dos conceitos de “civilização” e “cultura”, de Norbert Elias (1990); O
saber local, de Clifford Geertz (1997) e As mulheres muçulmanas precisam
realmente de salvação? de Lila Abu-Lughod (2012). Ambos foram lidos, analisados
e discutidos em encontros na disciplina de metodologia da pesquisa em Estudos
Literários.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O conceito de cultura surge através da sintetização dos termos Kultur e
Zivilization. Como todo conceito, as noções que se empregavam a ambas as
palavras nasceram de conjuntos específicos das situações sócio histórias em que as
palavras surgiram. Assim, o conceito francês de Zivilization refere-se principalmente
as realizações materiais de um povo, e constitui o oposto da bárbarie, não sendo
apenas um estado, mas um processo. Kultur, de origem germânica, simboliza os
aspectos espirituais, o orgulho nas realizações e a virtude. Para os alemães, o
conceito de Kultur sobrepunha o de Zivilisation, pois Kultur está ligada a ideia de
identidade nacional, o que carrega consigo uma maneira de marcar a diferença.
Para os últimos, buscou-se um sentimento interior, uma essência, a
construção de uma interioridade. Já no termo Zivilization não está contida a ideia de
diferença e seu conceito está relacionado ao encontro com o outro (por esse motivo
o conceito pode ser considerado um dos legados do colonialismo). Elias (1990)
mostra que a antítese é a responsável pelo surgimento de pares opostos como
“profundeza” e “superficialidade”, “polidez de fachada” e “autêntica virtude”.
Enquanto o conceito de civilização inclui a função de dar expressão
a uma tendência continuamente expansionista de grupos
colonizadores, o conceito de Kultur reflete a consciência de si mesma
de uma nação que teve de buscar e constituir incessante e
novamente suas fronteiras, tanto no sentido político como espiritual,
e repetidas vezes perguntar a si mesma: Qual é, realmente, nossa
identidade? (ELIAS, 1990, p. 25).
No período em que aconteceu a guerra franco-alemã, a França se julgava
civilizada, dotada de avanços técnicos e científicos, enquanto a Alemanha, buscando
a unificação de seu povo, ligava a cultura ao conceito de nação. Edward Taylor,
antropólogo britânico, foi o responsável por sintetizar ambos os termos no vocábulo
inglês Culture.
Este mesmo autor escreveu, no século XIX, o livro Cultura Primitiva, no qual,
examinou as origens de algumas chamadas culturas primitivas. Taylor valorizou as
culturas destes povos que na época eram desconsideradas, pois frequentemente
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
eram denominados de selvagens ou até mesmo vistos como sinônimo contrário à
cultura, quando essa era vista como representante da civilização. Assim, o estudioso
confirma a ideia de que cultura não era algo herdado biologicamente, como se
pensava, mas adquirida e a sua prática em grande parte poderia ser inconsciente.
Cultura e civilização, tomadas em seu sentido etnológico mais vasto, são um
“conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito,
os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto
membro da sociedade.” (TYLOR apud CUCHE, 1999, p. 35)
Analisá-la como uma prática adquirida pode não ser novidade, mas era um
pensamento avançado para a época que, até então, se utilizava das teorias raciais
para justificar a ideologia neocolonialista. Estas constituíam a base de apoio para a
“necessidade” de levar a civilização aos povos primitivos, uma vez que eles eram
considerados sinônimo de atraso. Isto conduziria à aceitação da condição de
dependência, pois acreditava-se na existência de países que deveriam conduzir os
demais. O etnocentrismo pode tomar formas extremas de intolerância cultural,
religiosa e até política. “Pode também assumir formas sutis e racionais. [...] Em
ruptura total com esta concepção, a antropologia cultural introduz a ideia de
relatividade das culturas e de sua impossível hierarquização a priori.” (BOAS apud
CUCHE, 1999, p. 48).
Lila Abu-Lughod, professora de antropologia e especialista no mundo árabe,
em seu artigo intitulado “As mulheres muçulmanas precisam realmente de
salvação?”, discorre acerca de alguns questionamentos suscitados pela “Guerra ao
Terrorismo” no Afeganistão, cuja intervenção é “justificada” sob a alegação da
necessidade em liberar ou salvar as mulheres afegãs.
Um dos pontos chaves levantados na luta contra a opressão dessas
mulheres muçulmanas está relacionado ao uso da burca. Justificam, dessa maneira,
o bombardeio americano e a intervenção, uma vez que a luta contra o terrorismo é
também uma luta pela garantia dos direitos e dignidade das mulheres.
Contudo, o que os liberais não esperavam e que causou extrema surpresa
foi o fato de as mulheres continuarem usando suas burcas mesmo depois da
liberação do Afeganistão pelo Talibã. Abu-Lughod explica que a burca é uma das
vestimentas que se desenvolveu no subcontinente e no Sudoeste da Ásia como uma
convenção que simboliza a modéstia ou a respeitabilidade da mulher, sendo
responsável por marcar a “separação simbólica entre as esferas masculina e
feminina”, ficando associado às mulheres a casa e a família, e não o espaço público
onde os estranhos se misturam. Assim, muitos viam a burca como uma invenção
libertadora porque permitia à mulher se mover no espaço público sinalizando, ao
mesmo tempo, que ela ainda estava no espaço inviolável de sua casa.
Olhar outra cultura com os olhos da nossa possibilita certo estranhamento,
uma vez que a diferenciação cultural de tempo, espaço, classes, sexo, faixa etária e
outras categorias sociais é um código simbólico pertencente a todos os grupos
culturais. Sahlins (2007) afirma a existência de regras sistemáticas de categorização
social, as quais regem os usos das vestimentas.
A significância social da roupa está representada nos traços, nos contrastes
de cor, no tipo e na congruência das peças, nas espécies de acessórios, nas
qualidades de textura e suas formas de combinação. Todas essas características
fazem parte de um processo simbólico que carregam significados específicos.
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Temos roupas para a noite e roupas para o dia, ‘vestidinhos para o
fim de tarde’ e roupas de dormir (pijamas). Cada uma delas faz
referência à natureza das atividades ordenadas por esses períodos.
[...] Essa consubstancialidade do sujeito e do objeto está baseada
numa identidade de essências, tais como a seda é “feminina” porque
as mulheres são ‘sedosas’. ‘Fino como seda’, ‘macio como seda’, o
tecido opõe-se, de um lado, à masculinidade da lã e, de outro, à
inferioridade do algodão (SAHLINS, 2007, p. 196).
E mais ainda, o sistema simbólico que permeia o uso da burca e outras
vestimentas de cobertura também tem sua variedade local bem como categorias
sociais, como os grandes lenços conhecidos como chadors ou o modesto vestido
islâmico hijab. Há muitas formas de cobertura e cada uma com um significado
diferente nas comunidades nas quais são usadas. Em uma comunidade beduína no
Egito, por exemplo, são as mulheres que decidem diante de quem é apropriado usar
o véu.
Nesse sentido, a autora questiona sobre o significado da liberdade em um
contexto de múltiplas diferenças sociais e históricos, as quais dão forma aos desejos
e entendimentos do mundo.
Saber lidar com os “outros” culturais implica na aceitação da possibilidade
da diferença, pois ela é produto de histórias diferentes “como expressões de
diferentes circunstâncias e como manifestações de desejos diferentemente
estruturados”. Muitas vezes, essas mesmas mulheres muçulmanas por quem o
Ocidente se lamenta de piedade gostariam de coisas diferentes daquilo que os
outros almejam a elas como, por exemplo, viver em famílias unidas, viver próximas
de Deus, viver sem guerra (Abu-Lughod, 2012).
A justiça, nesse caso, passa a ser relativa, uma vez que os conceitos
também são construídos culturalmente.
O desejo pela liberdade e liberação é um desejo historicamente
situado, cuja força motivacional não pode ser assumida a priori, mas
precisa ser reconsiderada à luz de outros desejos, aspirações e
capacidades inerentes a um sujeito culturalmente e historicamente
localizado. (ABU-LUGHOD, 2012, s/p.)
De fato, os anseios e desejos são diferentes em cada cultura. A autora relata
que em seus longos 20 anos de trabalho de campo no Egito não rememora qualquer
mulher que tenha expressado inveja das mulheres norte-americanas. Ao contrário,
elas costumam achar que as americanas são mais vulneráveis à violência sexual e
à exclusão social, dirigidas mais pelo sucesso individual que pela moralidade.
CONCLUSÕES
O trabalho realizado não se trata da tomada de posição para uma redução
simplista do relativismo cultural, ou seja, pensar que a cultura de outros povos nunca
será compreendida de maneira adequada por quem não faz parte dela. Geertz afirma
ser possível entender, sim, os mecanismos simbólicos que regem o comportamento
de outras culturas. Para isso é preciso mudar o lócus do olhar, e não tentar interpretá187
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la de fora. É preciso olhar através dela e tornar aquilo que é exótico familiar (Geertz,
1997).
Nesse sentido, concluímos que é preciso considerar a existência de múltiplas
culturas e não de uma cultura universal; pensar as diferenças em vez de hierarquizar
as culturas, pois os povos não são mais ou menos desenvolvidos, mas possuem
hábitos diferentes. Por isso cada cultura deve ser considerada em seu processo de
imaginação simbólica, e não comparada às outras, evitando assim o preconceito.
REFERÊNCIAS
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SAHLINS, Marshall David. Cultura na prática. Trad. Vera Ribeiro. 2. ed. Rio de
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
LÍLIA SILVA: PSICANÁLISE E FAZER POÉTICO
Job Lopes35
RESUMO
O estudo de tese consiste na hermenêutica do universo poético e psicanalítico
constituído a partir das obras líricas, plásticas e teatrais da autora contemporânea
Lília A. Pereira da Silva – uma artesã da palavra, uma escritora de profunda
sensibilidade que tece obras com expressivo lirismo. Sua escrita apresenta um
universo fantástico e imaginário. A escritora publicou mais de cem livros em diversas
áreas: poesia, teatro, romance, literatura infantil, Direito, Psicologia e Artes Plásticas,
tendo a palavra articulada como forma de expressão e representação de
experiências pessoais, imaginárias e de questionamentos do inconsciente. Observase em suas produções, uma linguagem melindrosa e espontânea que vai se
articulando com símbolos que refletem a inquietude do homem diante da existência.
O eu poético expressa nos versos seus anseios e angústias, por meio, de figuras
arquetípicas, que revelam o teor de seus sentimentos. Partindo dos estudos
simbológicos, “O símbolo tem precisamente essa propriedade excepcional de
sintetizar, numa expressão sensível, todas as influências do inconsciente e da
consciência, bem como das forças instintivas e espirituais...”. (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2009, p. 14). Compreende-se, que reside na escrita simbológica da
escritora a síntese exata do interior que configura imagens que transcendem a
facúndia de suas obras.
PALAVRAS-CHAVE: Poesia; Psicanálise; Arte.
INTRODUÇÃO
Os signos da psique emanam nas obras de Lília como expressões do interior,
figuras do inconsciente que configuram emoções que se ocultam e sentimentos que
percorrem arraigados a travessia humana. Compreende-se, que esses signos
representam o duplo advindo do alemão Döppelgänger, que designa – aquele que
caminha do lado, a sombra do sujeito. O duplo se manifesta na composição liliana a
partir da construção de sensações, densas, eivadas de conflitos pessoais, angústias
e dramas existenciais. Signos que reivindicam um espaço e se significam, pois
ocupam um lugar na vida do homem. Assim, eles travam uma luta, entre a realidade
que os sufoca, e a imobilidade de romper com a estrutura em que estão imersas.
Segundo os estudos de Jung (2008), há um lado sombrio na personalidade
humana, outro universo, oculto e obscuro que não se deixa ver-se, um lado que
(Bolsista CAPES – Doutorando de Letras - Linguagem e Sociedade – Linha de pesquisa:
Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos Comparados; Grupo de pesquisa: Poéticas do
Imaginário e Memória – UNIOESTE/PR). [email protected]: Antonio Donizeti da
Cruz (UNIOESTE/PR)
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
habita os sentimentos mais profundos, os desejos mais lôbregos e as sensações
negativas. A duplicidade pode ser interpretada como um processo de divisão “...
porque há dentro de cada um de nós um estranho que irrompe nos sonhos, nos
pesadelos que nos acordam, nos atos falhos que se chamam de inconsciente”
(SLAVUTZKY, 2009, p.84).
O inconsciente coletivo é a biblioteca da mente, um arquivo de toda a
experiência vivenciada da qual se pode acionar no presente. É a partir dele que os
signos se materializam com as formas desse lado que se esconde no sujeito, “Se
quisermos encontrar o verdadeiro self, precisamos mergulhar no mundo da sombra
e em seu fluxo constante. Parece uma busca perigosa, uma empreitada que faria
empalidecer o maior dos heróis” (CHOPRA, 2010, p. 18). Entende-se a partir do
autor, que o escritor passa a expressar esses signos em sua composição, pois não
são meros elementos ficcionais, mas por ele estar à procura de si, pois encontrar
esses signos – seria encontrar seu verdadeiro self.
Há em cada indivíduo um outro “eu” a ser descoberto conforme os estudos de
Jung (1984), o homem existe tanto no plano consciente quanto no plano
inconsciente, ele age nesses dois polos que devem ser complementares e
comunicáveis. A persona para Jung (1984) é um complexo sistema de analogia entre
a consciência individual e a sociedade, ela se articula como uma alegoria
determinada a causar o efeito que o “eu” almeja em outrem, assim como também,
ocultar os verídicos sentimentos do sujeito. É por meio da persona que o homem
busca atingir o seu ideal, ele constrói uma fantasia para se projetar através dela e,
assim, alcançar os seus objetivos.
METODOLOGIA
No processo de desenvolvimento do conhecimento científico, é fundamental
a estruturação da forma pela qual a pesquisa será realizada. Que abordagem teórica
será utilizada? Qual (ais) o(s) método(s) de pesquisa aplicam-se melhor ao objeto
de estudo analisado? E qual (ais) apresenta(m) melhor (es) resultado (s), em relação
à pesquisa? E, ainda, qual é o objetivo do pesquisador em desenvolver tal
conhecimento científico? Todas estas indagações norteiam à realização de uma
pesquisa e passam, de forma imprescindível, pela metodologia do trabalho científico.
Para a efetivação dessa pesquisa primeiramente inicia-se partindo dos
estudos da Literatura Comparada, por se tratar de uma análise das esferas: literária
e psicanalítica. No âmbito da Literatura, quando se tem como objeto de investigação
o
confronto
de duas ou mais literaturas, utiliza-se
o método
comparativo/interpretativo para orientação das análises e dos conteúdos
investigados.
O método interpretativo/comparativo é essencial para o enriquecimento dos
estudos literários por admitir a relação entre produções de distintas áreas e
localidades. Assim, desenvolve a própria literatura uma correção monológica de um
saber unívoco na tentativa de acompanhar as transformações do mundo que buscam
uma ponte entre diferentes áreas para sanar lacunas do conhecimento.
A literatura comparada passa a se instaurar num espaço interposto entre
expressões e disciplinas assumindo a comparação não como método, mas como um
estudo análogo/dialógico e empregando-a como recurso analítico e interpretativo,
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
possibilitando aos estudos literários uma vasta ampliação e exploração do seu
campo investigativo.
Busca-se a partir dos pressupostos da Literatura Comparada um estudo da
constituição do fazer poético da escritora Lília Silva e como são configurados os
signos psicanalíticos que emergem em sua fortuna literária, como, angústia,
melancolia, saudade, amor, entre outros. Para que os objetivos da pesquisa sejam
alcançados, organizam-se as seguintes etapas de estudo:
a) A primeira etapa será constituída pela leitura e releitura das obras literárias
e psicanalíticas de Lília Silva;
b) Levantamento bibliográfico sobre estudos a cerca da poesia e da
psicanálise e obras que expõem e analisam a estreita relação existente
entre ambas as áreas.
c) Interpretação de obras poéticas, dramas, contos e desenhos.
O corpus analisado é composto pelas seguintes obras já elencadas da
escritora contemporânea Lília Silva: “Um judeu na minha cama” (1997 – teatro);
“Europeanas” (1997 – poesia); “Diário na Suiça” (2005 – poesia); “O conto brasileiro
hoje” (2014 – contos); “Desenhos para Pedrinho” (2001- desenho); “Freud em meu
divã de analista: Complexo de desamor” (2006 – psicologia).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A pesquisa se encontra em andamento no primeiro período do Doutorado,
dessa forma, até o presente momento, está sendo realizados levantamentos
bibliográficos acerca dos estudos que envolvem a temática investigada e leituras de
obras que fundamentam teoricamente a pesquisa. Os resultados obtidos até o
momento em relação ao estudo manifestam: a palavra poética de Lília amalgamada
a realidade e a fantasia, utilizando-se de signos psicológicos e líricos que pincelam
suas composições como “pinturas” do interior. Segundo Cruz, “a poesia é revelação
da condição humana e, por essa razão, criação do homem pela imagem” (2008,
p.140).
CONCLUSÕES
Concluo nessa fase de leituras e levantamento bibliográfico, que o escritor
atua como agente configurador de fenômenos sociais e existenciais, podendo
interferir no mundo físico a partir do universo visual, assim, o artista torna-se “...
empreendedor de grandes espetáculos ou do espetáculo da vida” (LÉGER, 1989,
p.13). Ou seja, ele tem o poder de criar seu próprio universo descomprometido da
lógica, bem como retratar as nuanças que fascinam a realidade.
As lembranças, experiências e sensações inferidas do mundo pelo autor,
assim como sua liberdade imaginativa, são alimentos para o ato de criação. “Nossa
região longínqua, memória e imaginação não se deixam dissociar. Ambas trabalham
para seu aprofundamento mútuo. Ambas constituem, na ordem dos valores, uma
união da lembrança com a imagem” (BACHELARD, 1993, p. 25). Tanto a recordação
que busca imagens de uma realidade remota, quanto à imaginação que capta
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
imagens de um universo distante, são eixos estruturantes para elaboração do
escritor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a CAPES por apoiar esse projeto e fomentar os
estudos realizados. A Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE pela
colaboração e apoio nas pesquisas. Carinhosamente aos escritores Antonio Donizeti
da Cruz, orientador e companheiro de leituras e diálogos, e em especial, à Lília A.
Pereira da Silva por sua atenção e presteza em relação aos estudos. A todos os
meus mestres que diretamente compuseram o meu saber; a minha família e amigos
que tanto me motivam.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gastón. Poética do espaço. Trad. Rosemary Costhek Abílio. São
Paulo: Martins Fontes, 1993.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionários de símbolos. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2009.
CRUZ, Antonio. Palavra poética e experiência religiosa em Rodrigo Pitta: uma leitura
de Água, Gasolina e a Virgem Maria. In: ALVES, Lourdes; CRUZ, Antonio. Poética e
Sociedade: Interfaces literárias. Cascavel, Edunioeste, 2008.
CHOPRA, Deepak. O Efeito Sombra. São Paulo: Lua de Papel, 2010.
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Trad. Maria Luiza Appy;
Dora Mariana Ferreira da Silva. Petropólis: Vozes, 2008.
LÉGER, Fernand. Funções da pintura. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Nobel,
1989.
SILVA, Lília Aparecida da. Diário da noite. 1964 In: SILVA, Lília A. Pereira da.
Desenho e pintura. São Paulo: Scortecci, 2002, p.103.
SILVA, Quirino. Diário da noite. 1962 In: SILVA, Lília A. Pereira da. Desenho e
pintura. São Paulo: Scortecci, 2002, p.70.
SLAVUTZKY, Abrão. Quem pensas tu que eu sou? São Leopoldo: Unisinos, 2009.
REMAK. Henry. H.H. Literatura Comparada: Definição e função. In: COUTINHO,
Eduardo F. e CARVALHAL, Tânia Franco (orgs). Literatura Comparada: textos
fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
MEMÓRIA SOCIAL E POETICIDADE EM SUSY DELGADO
Leda Aquino36
RESUMO
O objetivo do presente estudo é analisar a poética bilíngue da escritora e poeta
paraguaia Susy Delgado, que, além de dar voz à mulher, valoriza ambas as línguas
nacionais em sua escrita e ainda traz a memória da cultura guarani. Para Octavio
Paz, Los poetas han sido la memoria de sus pueblos. É justamente isso que vemos
em Susy Delgado, a poeta servindo de memória do seu povo. Em alguns poemas a
poeta se torna a portadora da memória, repassando ou relembrando o que muitos
se esqueceram ou não conhecem da cultura guarani. Desde o inicio da colonização
da América o colonizador impôs sua língua e sua cultura sobre a do indígena, no
entanto, no Paraguai houve uma resistência e a língua guarani se mantém viva até
hoje, mesmo que seja falada mais pela população do interior. O país é híbrido desde
sua formação, a cultura e a língua falada hoje no país é resultado desse hibridismo
que começou com a colonização. De acordo com Natalia Krivoshein de Canese o
fenômeno do hibridismo cultural no Paraguai ainda não foi estudado o suficiente para
saber que proporção de cada cultura originária entrou na mescla resultante e há
quem discuta sobre se no país há uma ou duas culturas.
PALAVRAS-CHAVE: Bilínguismo; hibridismo cultural; memória guarani.
INTRODUÇÃO
Desde o início da colonização o colonizador impôs nas Américas sua língua e
sua cultura sobre a do colonizado. Porém, no Paraguai houve uma resistência e a
língua do nativo manteve-se viva até os dias de hoje. O Paraguai é o único país
bilíngue da América Latina, apesar de haver divergências quanto ao bilingüismo no
país. De acordo com o padre e antropólogo espanhol Bartomeu Meliá (1932) que
vive no Paraguai desde 1954, onde estudou a cultura guarani e hoje é defensor da língua e da
cultura guarani: Sólo el Paraguay reconoce como oficial, a nivel de todo el país, también
una lengua indígena. (MELIÁ, 2012, p. 90).
Para Bartomeu Meliá, o guarani está longe de ser a língua oficial da vida
moderna, do comércio e da administração pública. Em 1992, a Constituição
paraguaia estabeleceu como idioma oficial o guarani e o uso tanto do espanhol como
o do guarani em atos e documentos oficiais, oficializando assim o bilinguismo no
país.
36
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE, sob orientação do Prof. Dr. Antonio Donizeti da Cruz.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Stuart Hall (2000), ao debater a cultura, coloca em questão a identidade de
povos que, na modernidade, estão se mesclando. O autor afirma que já não existe
uma identidade pura e que não cause influência sobre as outras. Para Hall, as
nações modernas são, todas, híbridos culturais. (HALL, 2000, p. 62).
Homi Bhabha (2002) vê o hibridismo cultural como um processo agonístico e
antagonístico como resultado do choque e da tensão da caracterização cultural.
Então, podemos dizer que esse processo é resultado da contestação do discurso
hegemônico, cujo sentido dominante é subvertido e questionado; assim produz um
discurso híbrido. Há um choque entre a cultura do colonizador e do colonizado. Na
obra de muitos escritores paraguaios percebemos uma cultura complementando a
outra.
Segundo Garcia Canclini, as culturas pós-modernas podem ser denominadas
como fronteiriças. São resultantes do contato com o Outro e decorrentes dos
deslocamentos de bens simbólicos. (GARCIA CANCLINI, 2011, p. 348). Garcia
Canclini aponta o hibridismo como um processo multicultural, de diálogo entre
diversas culturas. O Paraguai é um país híbrido desde sua formação e a língua falada
hoje no país é resultado desse hibridismo. De acordo com Natalia Krivoshein de
Canese (1993): “Hoy en día la población paraguaya es mestiza prácticamente en su
totalidad”. O hibridismo está presente nas obras da maioria dos escritores paraguaios
e nas obras de Susy Delgado não é diferente ela escreve em guarani e castelhano
e em alguns momentos usa o jopará
Nesta pesquisa, procuramos trabalhar com o bilinguismo no fazer poético de
Susy Delgado, construindo uma análise da obra sob a ótica dos estudos da memória.
Procuramos ainda refletir sobre qual é a contribuição do bilinguismo literário na
difusão do guarani no Paraguai e também no exterior. Destacaremos o bilíguismo, a
tradição oral, o hibridismo, a memória cultural, e a formação da identidade do povo
paraguaio.
METODOLOGIA
A memória é uma temática que chama a atenção de muitos estudiosos e nesta
pesquisa procuramos nos apoiar nos estudos de alguns deles, como: Maurice
Halbwachs (1877-1945), Aleida Assmann (1947), Jacques Le Goff (1924-2014), e
Michael Pollak(1948-1992). Halwbachs destaca dois tipos de memória: uma
individual e outra coletiva. Segundo o autor, a memória coletiva não explica todas as
nossas lembranças e, talvez, ela não explique por si mesma a evocação de qualquer
lembrança. (HALBWACHS, 1990, p. 37).
Halbwachs (1990) acredita que por mais que uma memória seja
aparentemente individual, ela só existe e se mantém porque está associada a um
coletivo de onde provém o sujeito. Quanto mais ligada a pessoa estiver ao grupo ao
qual ela pertence, mais viva se preservará sua memória. Portanto, toda memória
pertence a um coletivo, sendo fruto dele ou se reatualizando no presente, quanto
mais intenso for o laço entre o sujeito e a sociedade que o cerca. Para isso, não
precisa haver necessariamente a presença de testemunhas físicas. Apenas a força
das falas, das leituras, das histórias e dos mitos que formam um coletivo, presente
na memória do sujeito, já o torna permanentemente acompanhado, uma vez que vê
o mundo que o cerca pelas memórias que compõem sua história enquanto membro
da comunidade que frequenta.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
RESULTADO E DISCUSSÃO
O fogo é um símbolo da cultura paraguaia de expressão guarani e tem a
função de aquecer e iluminar a vida de seus descendentes e é no tataypy, na
cozinha, onde se guarda o fogo que nunca se apaga.
A afirmação acima pode ser confirmada nos versos do poema de Susy
Delgado. Esse fogo que nunca se apaga está presente na poesia e ficou marcado
na memória da poeta que teve sua infância no interior do Paraguai e viu essa
realidade de perto.
Tata’y
aheka
tesarái tanimbúpe.
Tata’y rendaguépe
aipyvu, ahavicha,
amosarambi
tanimbu ro’y,
tanimbu pytu,
tanimbu…
Tata’y
aheka
ajatapymi haguã…
(DELGADO, 2013, p. 96-98). (DELGADO, 2013, p. 97-99)
Un tizón
busco
en la ceniza del olvido.
En el hueco del tizón ausente,
revuelvo, escarbo,
esparzo
ceniza fría,
ceniza oscura,
ceniza…
Un tizón busco
para encender el fuego.
Nesses versos, percebemos que o fogo nunca se apaga, sempre há uma
brasa dormindo em meio à cinza fria, a qual se abana e logo se aviva novamente.
Podemos comparar essa brasa adormecida à memória, assim quando precisamos
de uma informação ela pode ser buscada, acessada no passado para se fazer viva
novamente no presente.
A memória no poema, representada metaforicamente pela brasa, é a memória
de um povo que não se apaga, basta alguém assoprá-la para reavivá-la. Para isso é
preciso que alguém seja o responsável, o guardião dessa memória, pode ser um
poeta ou um contador de histórias, pois a memória está ligada às preservações, à
identidade, às origens, aos mitos. Para Octavio Paz, “Los poetas han sido la memoria
de sus pueblos”. (PAZ, 1990, p. 101). É justamente isso que vemos em Susy
Delgado, a poeta se torna a portadora da memória, repassando ou relembrando o
que muitos se esqueceram da cultura guarani.
Jacques Le Goff, em História e Memória (1996) comenta a valor dos poetas
na Grécia Antiga, atribuindo a eles a importância de preservadores da memória e da
cultura grega. Assim, o poeta era considerado quase um ser divino que mantinha em
seu poder o dom de lembrar e cantar aos ouvintes as histórias dos mitos e dos heróis
de seu povo. Acreditava-se que o aedo era uma pessoa abençoada por Mnemosine,
a deusa protetora da memória.
Levando em conta que a tradição das epopeias gregas pertence à oralidade
e a cultura guarani também é de uma vertente oral, a poeta Susy Delgado exerce
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
similarmente essa função de guardiã da memória guarani no Paraguai. A vantagem
da poeta está no fato de que domina a escrita e, com isso, pode preservar
duplamente a memória guarani.
Conforme Octavio Paz: “La poesía es la memoria hecha imagen y la imagen
convertida en voz. La otra voz no es la voz de ultratumba: es la del hombre que está
dormido en el fondo de cada hombre”. (PAZ, 1990, p. 136)
É exatamente essa memória feita imagem que vemos nos poemas de Susy
Delgado, a imagem do fogo, as marcas da voz do abuelo e a língua guarani.
La chamusquina del fuego
dejó sus huellas
en la memoria del niño.
y la marca del fuego
me siguió en la vida.
Lo que no se borra,
bendición del fuego,
quemó entonces
mi palabra.
(DELGADO, 1992, p. 96).
tata rovere
oñembopere
Mitã mandu’ápe.
Tata rendague
Oho chendive.
Oje’ove’yva
tata rovasa,
ohapy vaekue
che ñe’e.
(DELGADO, 1992, p.97).
Nos versos acima, a memória aparece como rastro deixado pelas faíscas que
voaram do fogo de chão e deixaram marcas na vida. A criança que escuta as
histórias e aprende a língua guarani, que senta ao redor do fogo, leva consigo para
sempre as cinzas de uma antiga cultura, aqui percebemos o sentimento de
identidade, a marca que é levada para sempre.
Para Pollak, a memória é um elemento constituinte do sentimento de
identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator
extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma
pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. (POLLAK, 1992, p. 5) Através
dos estudos do corpus selecionado, e das teorias apresentadas pelos estudiosos da
memória, observamos que a memória seja ela coletiva ou individual se forma através
dos sentidos sensoriais.
CONCLUSÕES
Apropriando-nos desta metáfora de sentarmos junto ao fogo e conhecermos
um pouco mais da cultura e do folclore guarani, acreditamos que com essa pesquisa
reduzimos um pouco mais o Pozo cultural, que separa a cultura paraguaia do resto
da América Latina, e adentramos a ilha cercada de terra do escritor Augusto Roa
Bastos.
Nesta pesquisa, também observamos como a escrita bilíngue ajuda na
divulgação da língua e da cultura guarani e como essa cultura sofreu com as
influências de outras, chegando ao ponto de ficar esquecida quase que totalmente
nos fez refletir sobre o quanto a literatura do país é rica e, como mulher sofreu com
a dominação masculina, quanto teve que lutar para conquistar seu espaço no meio
literário.
Para Susy Delgado, escrever em guarani e espanhol é como se o guarani
encontrasse seu par no espanhol, e assim, ambas as línguas dialogam entre si.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Observamos que, para a escritora, não há uma disputa entre as duas línguas
nacionais. O guarani é a língua do colonizado que enfrentou o espanhol, língua do
colonizador, o guarani é a língua que a mãe ensinou aos filhos e venceu a luta pela
alma do mestiço, tanto que até hoje o guarani é falado no país mesmo tendo caído
o número de falantes da língua indígena.
REFERÊNCIAS
BHABHA, Homi K. El lugar de la Cultura. Buenos Aires: Ediciones Manantial, 2002.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. 4. ed. São Paulo: UNESP, 201
DELGADO, Susy. Amandayvi: Antología poética castellano-guaraní 1986-2012
Asunción: Editorial Arandurã, 2013.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2013.
PAZ, Octavio. La otra voz Poesía y fin de siglo. México: Editorial Seix Barral, 1990.
POLLAK, Michael. “Memória e identidade social”. In: Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, vol. 5, nº 10, 1992.
Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/ article / view Article
/1941> Acesso em 11 jul 2014.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
DIÁLOGOS INTERTEXTUAIS: A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM FLORA
TRISTÁN NO ROMANCE EL PARAÍSO EN LA OTRA ESQUINA DE MARIO
VARGAS LLOSA
Leila Shaí Del Pozo González37
RESUMO
O presente trabalho encontra-se circunscrito nos estudos sobre Literatura História e
Memória na configuração de personagens históricos femininos. Objetivamos
desenvolver uma reflexão crítica sobre a ficcionalização da personagem histórica
feminina Flora Tristán no romance El paraíso en la otra esquina (2003) de Mario
Vargas Llosa e os diálogos intertextuais com o diário de viagem de Flora Tristán
Peregrinações de uma pária publicado por primeira vez em francês em 1838. A
proposta se justifica pelo pouco estudo no Brasil da personagem histórica Flora
Tristán como personagem ficcional no romance de Vargas Llosa e pelo novo olhar
do escritor peruano sobre a personagem histórica, sendo demonstrado através de
dialogismos e intertextualidades presentes nas duas obras elencadas. O aporte
teórico encontra-se nos três eixos abordados de as biografias, os estudos sociais e
de teoría literaria à exemplo de Marco (1993), Konder (1994), Michaud (1980),
Sánchez (1992), Guerra (2004), Muraro (1971, 2002), Perrot (2001, 2005, 2009),
Bakhtin (2013) Kristeva (apud JENNY, 1979 e SAMOYAULT, 2008) e Samoyault
(2008), entre outros. No que diz respeito à metodologia utilizada, é uma pesquisa
inscrita nos pressupostos da Literatura Comparada. Nos resultados alcançados
temos a construção de uma personagem mítica, mulher incansável, fanática pela sua
luta social, confiante na sua capacidade de mudar o mundo, admirada pela sua
beleza. É a mulher-messias sugerida por Prosper Enfantin.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura Comparada, ficcionalização da personagem
histórica feminina Flora Tristán, Mario Vargas Llosa
INTRODUÇÃO
A pesquisa trata sobre Flora Tristán, a personagem histórica, a socialista
utópica do século XIX precursora do feminismo, que é configurada como
personagem ficcional no romance de Vargas Llosa fazendo uso da memória na
reconstrução da história. Nas muitas leituras empreendidas a exemplo de Konder
(1994) e Marco (1993), a francesa Tristán é delineada como uma mulher do século
XIX, nascida sob o signo de pária, pois foi reconhecida como filha ilegítima pelo
estado francês, perdendo os seus direitos à partilha da herança dos bens do pai. Ao
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(PIBIC/Fundação Araucária/Unioeste), Adriana Aparecida de Figueiredo Fiuza (Orientadora), email: [email protected]
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viver, consequentemente, na pobreza, ela é autodidata e ávida leitora. Casa com
André Chazal como recurso para sobreviver. Foge de casa depois de engravidar do
terceiro filho, pois não suporta os constantes maus-tratos recebidos. Na tentativa de
recolher a herança do pai, viaja ao Peru. Não consegue seu objetivo, porém a sua
sensibilidade a faz perceber o que estava acontecendo ao ser redor. Faz anotações
de tudo quanto vê e inicia assim a sua pesquisa de campo. Ao voltar ao seu país
publica seu primeiro livro, cujo tema tem muito a ver com o que lhe preocupava: o
bem do outro. O livro se intitula: Necessidade de bem acolher as mulheres
estrangeiras (1835).
O que muda em Flora Tristán é uma independização epistemológica, tal qual
Homi Bhabha (apud PAGANO, 2010) define, deixando de lado o pensamento
colonizado de uma mulher francesa do século XIX para abrazar a causa social.
Muitos autores a qualificam como uma mulher balzaquiana, no entanto, ela vai além
de só se revoltar. Tristán inicia uma luta social, fazendo tudo quanto possível para
espalhar os seus estudos. Por isso, sua obra é importante, suas ideias chegam a
influenciar inclusive teóricos como Karl Marx, pois segundo a biógrafa Yolanda Marco
(1993), Arnold Rudge, colaborador de Marx, recebe um exemplar de União operária
(1843). A proposta de formar uma união operária internacional é feita vinte anos
antes te Marx e sua Internacional operária. Por meio da ficção de Vargas Llosa é
possível fazer o leitor chegar a outras obras de Tristán, importantes para a
construção das utopias do século XIX.
REVISÃO DE LITERATURA
O projeto desenvolve-se, a partir de uma pesquisa básica bibliográfica, com
leitura reflexiva das referências mais relevantes, sistematizadas em três eixos: o
primeiro das biografias de Flora Tristán a exemplo de Michaud (1980); Konder
(1994); Marco (1993); Sánchez (1992), Rama (1977); o segundo, o estudo dos
estudos sociais que falam da vida privada durante o século XIX e teoria de crítica
feminista, como Guerra (2004), Muraro (1971, 2002), Perrot (2001, 2005, 2009), e o
terceiro das diferentes Teorias de Literatura Comparada, como Laurent Jenny
(1979), Bakhtin (2013), Samoyault (2008) e Sandra Nitrini (2010), e seguida a leitura
do romance El paraíso en la otra esquina (2003), o diário de viagem Peregrinações
de uma pária (2000).
Uma vez procedidas às leituras, tem-se feito a discussão dos conteúdos com
a orientadora. As discussões sobre o conteúdo do texto com a orientadora, que
permitiu dirimir as dúvidas que surgem ao longo do processo de pesquisa das teorias
e dos textos acima elencados, tiveram lugar nos encontros semanais que permitiram
o aprofundamento teórico. Em suma, trata-se da revisão bibliográfica pertinente ao
envasamento do trabalho e a análise do romance acima citado de Mario Vargas
Llosa, Flora Tristán.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com a execução do projeto, foram aprofundados, também, os estudos sobre
o romance histórico e as premissas da literatura comparada, além de aspectos
teóricos relevantes sobre intertextualidade (KRISTEVA apud JENNY, 1979;
SAMOYAULT, 2008) e dialogismo e polifonia BAKHTIN, (2013), entre outros,
enriquecendo, assim, os conhecimentos teóricos já adquiridos ao longo dos quatro
anos do curso de letras. As abordagens presentes nas obras já revisadas tratam de
aspectos importantes para a compreensão do romance histórico latino-americano, e
as teorias mais recentes sobre a literatura comparada que revelam a importância da
escritas de releituras sobre a história e ficcionalização de personagens históricos,
propondo um novo olhar e discutindo o proposto por textos anteriores.
O trabalho de leitura e discussão possibilitou-nos analisar a biografia
romanceada Flora Tristán: una mujer sola contra el mundo (1942), de Luis Alberto
Sánchez. O resultado dessa leitura analítica e crítica da biografia romanceada foi
apresentado em 2013, no formato de artigo, ao evento do XI Seminário nacional de
literatura história e memória e II Congresso de pesquisa em letras no contexto LatinoAmericano sob o nome: “Representações da precursora do feminismo Flora Tristán
em Flora Tristán: una mujer sola contra el mundo, de Luis Alberto Sánchez e Flora
Tristán, feminismo y utopía de Yolanda Marco”. Em 2014, foi elaborado o artigo
“PEREGRINAÇÕES DE UMA PÁRIA DE FLORA TRISTÁN: diálogos e
intertextualidades no romance O paraíso na outra esquina de Mario Vargas Llosa” e
apresentado ao evento 17ª Jornada de Estudos Linguísticos e Literários. No mesmo
ano, fez-se o artigo “Flora Tristán: uma mulher do século XIX sob o olhar de Mario
Vargas Llosa” e apresentada ao evento II Seminário internacional e III Nacional de
estudos da linguagem. Também encontra-se em andamento, o processo de
avaliação para publicação de um artigo numa revista científica. Ao mesmo tempo, a
presente pesquisa serviu de base para a confecção da monografia que foi defendida
em agosto de 2014, configurando um dos requisitos de apresentação em eventos da
Pesquisa de Iniciação Científica, produção de artigos em anais e/ou revistas
científicas.
CONCLUSÕES
A história é um construto discursivo que oficializa somente uma visão parcial
do que possa ter acontecido à humanidade, segundo convêm aos grupos do poder.
A literatura contemporânea apresenta, no romance histórico, um outro olhar dos
acontecimentos oficiais. O gênero híbrido propõe o olhar dos marginalizados frente
à história hegemônica: mulheres, escravos, colonizados, os vencidos. A mulher teve
poucas exponentes que tiveram a sorte de formar parte da história oficial. No entanto,
são poucas que se destacaram e que trabalharam com um objetivo universal, tal qual
Flora Tristán o fez. Pouco se sabe e pouco se pesquisa sobre a personagem ficcional
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
e a personagem histórica Flora Tristán no Brasil. O estudo proposto neste projeto
pretende aportar no mundo acadêmico com os resultados da nossa pesquisa sob o
viés proposto.
Sánchez (1942), na sua biografia romanceada, propõe uma Flora Tristán
vaidosa, orgulhosa, interesseira, libertina, com ansias de poder e que luta pelos seus
ideais. Tudo isto teria, talvez, seguindo os estereótipos de uma sociedade
conservadora sobre a mulher que se atreve a morar sozinha, já que, como registra
Reis (1998, p. 233), “todo texto é produzido por um determinado agente social,
inscrito numa dada circunstância histórica e porta-voz de um projeto ideológico e de
classe”. Luis Alberto Sánchez seria um escritor peruano com olhar eurocentrista e
falocentrista.
Mario Vargas Llosa, no seu romance, dialoga com vários textos de Flora
Tristán, e sobretudo parece confrontar por vezes o texto de Sánchez. O romance de
Vargas Llosa é pleno de intertextualidades. Trata-se de um texto polifônico ao olhar
do conhecedor da vida e obra de Tristán. Fazendo uso do que Tânia Carvalhal
descreve como uma escrita proposital sem a possibilidade de simples mera cópia:
“A verdade é que a repetição, quando acontece, sacode a poeira do texto anterior,
atualiza-o, renova-o e (por que não dizê-lo?) o re-inventa” (CARVALHAL, 1992, p.
54). Assim, Vargas Llosa propõe outro olhar para a personagem histórica. O
escrevinhador, ao mesmo tempo, mediante o recurso do fluxo de consciência,
questiona todo o proposto pela própria Flora Tristán no seu diário de viagem.
Finalmente, o constructo ficcional que Vargas Llosa faz de Flora Tristán é a
de uma mulher francesa do século XIX consciente de sua liberdade e do preço que
teve de pagar por mantê-la. A personagem reconhece que teve de efetuar sacrifícios
ao longo de sua vida, porém encontra-se satisfeita com sua escolha, sempre
decidida, sem vontade de voltar atrás. O autor constrói uma personagem mítica que
acredita que mudará o mundo a partir de seus ideais. Com um projétil alojado no
peito e doente, não desiste de sua intenção de divulgar a ideia de formar uma união
internacional de operários. Entre os seus ideais está a educação para todos.
Considera que a grande mudança se inicia pela educação das mulheres. A Tristán
vargaslloseana arrisca-se em sua empreitada social e não se arrepende, pois está
confiante que ajudará a conseguir a utopia de um mundo melhor para todos.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos a minha orientadora pela motivação e apoio constante, pelas
discussões que contribuem reflexivamente para o trabalho teórico, pela
disponibilização de seu acervo bibliográfico; a minha filha e marido de quem sempre
obtive apoio para os meus estudos. A meu pai, sempre torcendo pelo sucesso dos
seus filhos. Agradecimentos especiais à Fundação Araucária, pelo apoio económico,
à Unioeste.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
REFERÊNCIAS
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CARVALHAL, Tania. Literatura comparada. 2. ed. São Paulo: Ática, 1990.
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utopia. Biografia e tradução por Yolanda Marco. México, D.F.: Fontamara, 1993.
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et annotées par Stéphane Michaud. Paris: Éditions du Seuil, 1980.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
ENTRE A OBRIGAÇÃO E O DESEJO: A LEITURA PARA A ESCOLA E A LEITURA
PARA A VIDA.
Luciana Alves Bonfim38
RESUMO
A pesquisa que está em curso tem como objetivo identificar quais obras literárias são
lidas pelos alunos a pedido da escola e, quando for o caso, à revelia desta instituição,
em salas de aula de Ensino Médio de escolas estaduais de Palotina-PR. A partir
destes resultados, pretende-se levantar alguns padrões de interesse de leitura dos
alunos para buscar compreender se estes interesses estão contemplados nos livros
cobrados pela escola ou disponibilizados por programas federais de incentivo à
leitura, como o PNBE. Também faz parte da pesquisa a análise da recepção, no site
virtual Skoob, da obra apontada como mais lida por estes alunos do Ensino Médio
no município de Palotina-PR. O aporte teórico abarca discussões a respeito do
conceito de obra de arte (BORDIEU, 1989), formação do leitor literário (COLOMER,
2003), mediação de leitura (PETIT, 2008), leituras realizadas à revelia da escola
(MAFRA, 2013), ensino de literatura preconizado pelos PCNs e pelas DCEs
(BRASIL, 2000; PARANÁ, 2008) e recepção literária (ZILBERMAN, 1989).
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Médio, Recepção, Ensino de literatura.
INTRODUÇÃO
Muito tem se falado a respeito da relação conflituosa entre alunos do Ensino
Médio (EM) e a leitura literária. O que se lê em artigos, teses e dissertações de
pesquisadores e o que se ouve em relatos pessoais de professores da rede sobre a
leitura no EM é unânime: o adolescente não gosta (e não sabe) ler.
De fato, observa-se um crescente desinteresse dos adolescentes que
frequentam o EM em relação à leitura de literatura, especialmente quando esta
leitura refere-se ao rol de obras dos escritores clássicos nacionais. Nesta lista, é
possível encontrar escritores considerados como maiores expoentes de suas
escolas literárias, desde o Barroco até a Pós-Modernidade. Porém, não é difícil
encontrar alunos do EM que demonstrem aversão a nomes como Gregório de Matos,
José de Alencar e Machado de Assis.
Por outro lado, a relevância da leitura é inquestionável tanto em círculos
acadêmicos e escolares quanto em círculos familiares – e até entre os próprios
alunos. O esforço para incentivar a leitura literária é visível em vários aspectos: nas
práticas de professores de ensino infantil, ensino fundamental e ensino médio, nas
pesquisas realizadas por professores-pesquisadores a respeito do ensino de
38
Pós-graduanda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade – nível de Mestrado – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE. Endereço eletrônico: [email protected]. Orientadora: Profa. Dra. Clarice
Lottermann.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
literatura em sala de aula e nos investimentos do governo federal com programas
como o PNBE (Plano Nacional da Biblioteca Escolar).
A partir deste cenário, o presente projeto de pesquisa se propõe a conhecer
quais são os livros que o estudante lê na escola e fora dela para poder compreender
porque, apesar de o discurso comum reconhecer a importância da leitura, ainda
observa-se uma distância entre o livro literário oferecido pela escola e o aluno.
METODOLOGIA
A metodologia para a efetivação desta pesquisa prevê os seguintes
momentos:
1) leituras, fichamentos e análises de textos que versam sobre a formação e
características do EM e o ensino de literatura pretendido nos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 2000) e nas Diretrizes Curriculares para o
Ensino – DCEs (PARANÁ, 2008); bem como o Programa Nacional Biblioteca da
Escola – PNBE. A partir destas leituras, busca-se compreender como o ensino de
literatura é preconizado no EM e como o PNBE se propõe a contribuir para este
ensino;
2) levantamento do acervo do PNBE 2013 disponibilizado para o EM e
verificação da disponibilização deste acervo em escolas estaduais do município de
Palotina-PR, sendo consideradas as escolas de menor e de maior IDEB;
3) levantamento e classificação dos livros mais lidos pelos alunos do EM,
compreendendo elaboração de questionário a ser respondido pelos estudantes;
4) análise comparativa entre o acervo disponibilizado pelo PNBE 2013 para o
EM e os livros mais lidos apontados pelos questionários respondidos, a fim de
verificar quais obras oferecidas pelo governo federal através do programa de
distribuição de livros de fato são lidas pelos alunos;
5) análise geral das características das obras mais lidas pelos alunos, a fim
de confirmar ou não a existência de padrões de interesses de leitura por parte destes
estudantes;
6) levantamento de depoimentos acerca da experiência de leitura com o livro
mais lido pelos alunos. Os depoimentos serão coletados na rede social colaborativa
brasileira para leitores conhecida como Skoob. Este site permite que seus usuários
adicionem em seus perfis os livros lidos e desejados, bem como depoimentos e
opiniões sobre as obras, dentre outras funcionalidades;
7) análise aprofundada do livro mais lido pelos alunos, a fim de traçar
parâmetros de análise entre suas características literárias e os depoimentos
coletados online.
O aporte teórico desta pesquisa está ancorado nas contribuições de diversos
pesquisadores a respeito da formação do leitor literário (COLOMER, 2003), da
mediação de leitura realizada em ambiente escolar, principalmente na biblioteca
(PETIT, 2008), da leitura literária que o aluno realiza à revelia da escola bem como
a validade da leitura de best-sellers juvenis (MAFRA, 2013), do conceito de obra de
arte (BORDIEU, 1989) e da recepção literária (ZILBERMAN, 1989).
É importante salientar que a pesquisa ainda encontra-se em fase de leitura de
bibliográfica e que, portanto, os dados quantitativos ainda não foram levantados, bem
como as análises destes dados ainda não puderam ser realizadas.
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RESULTADO E DISCUSSÕES
Compreender o que pode estar acontecendo entre o esforço de professores,
pesquisadores e o governo federal e a recepção do livro literário em sala de aula é
necessário para que seja possível repensar as práticas de ensino de literatura,
especialmente no EM, quando os professores costumam relatar desinteresse e
rejeição pela leitura literária por parte dos estudantes.
As pistas para reflexões acerca destas questões podem estar em algumas
considerações de Pierre Bordieu (1989) a respeito do conceito de arte. No capítulo
10 intitulado “Gênese histórica de uma estética pura”, de seu livro História de uma
estética pura, o autor problematiza a questão do que é ou não é arte. Para ele, o
fundamento da atitude estética e da obra de arte reside na história da instituição
artística. Decorre daí, então, sua defesa de uma análise histórica dos processos que
levam à definição do que é arte e sua crítica da universalização de juízos sobre o
que é artístico, uma vez que há um embate entre o que o ele chama de “jogadores”
de campos diferentes, posto que tais jogadores são historicamente constituídos.
Ao se considerar que um livro é uma obra de arte, arrisca-se afirmar que o
leitor também faz parte deste campo de jogadores como consumidor de arte e
também contribui para a definição do valor artístico de um objeto. Bordieu (1989)
defende que esta definição não pertence apenas ao criador da obra:
o ‘sujeito’ da produção da obra de arte, do seu valor e também do
seu sentido, não é o produtor do objeto na sua materialidade, mas
sim o conjunto dos agentes, produtores de obras classificadas como
artísticas (...), críticos (...), colecionadores, intermediários,
conservadores, etc. que têm interesse na arte, que vivem para a arte
e também da arte. (BORDIEU, 1989, p. 290
Se o leitor é tanto o colecionador de livros como aquele que tem interesse na
obra de arte (o livro), então parece ser possível afirmar seu lugar neste conjunto de
instituições que atribuem valor à obra de arte literária.
Para Bordieu (1989), é importante considerar não apenas a autonomia do
artista, mas também historicizar de que forma emergiu o conjunto de condições das
instituições específicas que dirigem os juízos sobre o que é ou não é um bem cultural,
uma obra de arte. Pode-se compreender, portanto, que esta historicização precisa
levar em consideração também os jogadores envolvidos neste sistema. Logo, parece
justificável que o leitor/receptor da obra também deva ser considerado. A afirmação
desta constituição histórica implicaria, então, em reconhecer as experiências de vida
nem sempre convergentes destes jogadores.
A teoria da recepção também afirma a importância do leitor. Para esta teoria,
“o texto não é o único elemento do fenômeno literário, mas é também a reação do
leitor” (COLOMER, 2003, p. 95), a qual, portanto, deve ser considerada para a
explicação deste texto. Esta perspectiva também considera a existência de um leitor
modelo e cooperativo, o que resulta em escolhas conscientes do autor em relação a
questões linguísticas, lexicais e de competências interpretativas do seu leitor, como
afirma Colomer (2003).
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As possibilidades expostas acima levam a um questionamento importante
sobre o papel do leitor: até onde ele tem poder, dentro do conjunto de jogadores do
campo artístico, de influenciar no valor de uma obra de arte? Sobre esta questão,
Bordieu afirma que “o olhar do amador de arte do século XX é um produto da história,
embora surja a si próprio sob a aparência de dom da natureza” (1989, p. 284). Ou
seja,
esse olhar está associado às condições de aquisição extremamente
particulares, como a frequentação desde cedo dos museus e a
exposição aberta ao ensino escolar e à skolé que ela implica – o que
significa, diga-se de passagem, que a análise de essência quando
omite essas condições, universalizando dessa forma o caso
particular, institui tacitamente em norma universal de qualquer
prática que pretende ser estética as propriedades bem específicas
de uma experiência que é produto do privilégio, quer dizer, de
condições excepcionais. (BORDIEU, 1989, p. 284, grifo meu).
O autor ainda afirma que os indivíduos podem atribuir sentidos e valores
opostos a uma mesma obra de arte, posto que podem ocupar lugares sociais
opostos, o que, segundo Bordieu (1989), é prova de que a percepção e apreciação
de uma obra de arte estão ligadas ao contexto histórico.A partir desta crítica da
universalização de juízos artísticos, parece plausível afirmar que os leitores não
saem de um mesmo ponto de partida para a apreciação de uma obra de arte (o livro).
Com base na defesa de Bordieu (1989) de uma análise histórica dos
processos que levam à definição do que é arte e de sua crítica da universalização
de juízos artísticos, parece possível começar a discutir algumas questões propostas
para a pesquisa. Uma das pistas para começar a discussão a respeito da distância
mantida pelos alunos em relação à literatura pode residir no fato de que o olhar do
aluno leitor não é considerado no processo que determina o valor de uma obra de
arte e, portanto, o que merece ser apreciado como tal.
A literatura que chega às mãos dos alunos via escola é, muitas vezes, uma
literatura imposta por professores que privilegiam apenas os livros considerados
clássicos literários (José de Alencar, Machado de Assis, Gregório de Matos, dentre
outros) e que desconhecem o gosto dos seus alunos. Se for verdade que os
adolescentes não gostam de ler, então como explicar o mercado de livros em franca
expansão no Brasil? Ainda, observa-se que o que os alunos de fato demonstram
gostar de ler, como as sagas de Harry Potter, Percy Jackson e trilogias como Jogos
Vorazes, muitas vezes são “condenadas” pelos professores ou pais como nãoartísticas, o que pode criar no aluno a falsa ideia de que a arte é algo inacessível e
entediante.
Na contramão desta perspectiva, Mafra (2013) defende a leitura de bestsellers juvenis como porta de entrada para leituras mais profundas. Sobre esta
questão, Mafra afirma: “Em um projeto consequente de leiturização, faz-se
necessário que assumamos pedagogicamente – e sem preconceitos – a literatura de
massa como uma forma de iniciação à leitura (2013, p. xii). É a partir desta
modalidade de leitura, realizada à revelia da escola, que o autor afirma que o jovem,
de fato, gosta de ler – ainda que a sua leitura não contemple as obras clássicas
preconizadas pela escola.
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A partir destas discussões, percebe-se a necessidade de pesquisas que
permitam compreender os motivos da distância entre a literatura e o aluno e que
apontem possíveis caminhos de construção de instrumentos de leitura e análise de
uma obra de arte (no caso, o livro) que permitam ao aluno o acesso aos clássicos
literários a partir de leituras não consideradas como “obra de arte” por alguns dos
“jogadores” dos quais fala Bordieu (1989). Porém, o acesso a obras consideradas
artísticas não deveria ser o único fim das aulas de literatura. Sobre a prática
discursiva da leitura, as DCEs consideram sua importância para que o aluno seja
capaz de
perceber o sujeito presente nos textos e, ainda, tomar uma atitude
responsiva diante deles. (...) Assim, o professor deve dar condições
para que o aluno atribua sentidos a sua leitura, visando a um sujeito
crítico e atuante nas práticas de letramento da sociedade.
(PARANÁ, 2008, p. 71).
A leitura de textos literários, portanto, também é fundamental neste processo
de construção do sujeito, uma vez que “exerce papel no desenvolvimento linguístico
e intelectual do homem” (CADEMARTORI, 2010, p. 56). As DCEs propõem que o
trabalho com a literatura em sala de aula busque “formar um leitor capaz de sentir e
expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um
envolvimento de subjetividades” (PARANÁ, 2008, p. 58). Esta perspectiva de ensino
vai ao encontro do que Todorov defende em seu livro A literatura em perigo (2009).
O autor sugere que se considere tanto os estudos formais quanto os sentidos
oferecidos pela obra, com prevalência dos últimos sobre os primeiros.
CONCLUSÕES
Na fase atual da pesquisa, percebeu-se a necessidade de ampliar as leituras
para que seja possível abordar questões como a de multiletramento digital, uma vez
que pretende-se analisar a recepção de obra literária em ambiente virtual, a partir de
depoimentos, resenhas e/ou comentários deixados pelos leitores dos livros no site
Skoob.
REFERÊNCIAS
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uma estética pura. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. p. 281 – 298.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
A LÍRICA DE VIRGÍNIA VENDRAMINI: MEMÓRIA E INFÂNCIA
Lucilaine Tavares da Silva
RESUMO
O presente resumo traz uma reflexão acerca da relação entre memorialismo, infância
e imaginação poética, onde a memória habita, liricamente, o fazer poético de Virgínia
Vendramini. Esses enraizamentos permitem a fruição de cada detalhe, que conduz
ao mergulho do sujeito nos seus mais profundos desejos. Incansável e talentosa
cultora da palavra certa no lugar certo, a autora citada, em seus versos e
pensamentos nos proporcionam questionamentos e reflexões acerca de temas
universais. Com seu modo peculiar e aparentemente simples de tratar as palavras,
discute em suas poesias temas como a solidão, a felicidade, a velhice, o amor e
tantos outros que podem dar margens a inúmeros estudos. Entre esses temas
abordados por Virgínia está também o da infância. Legada ao mundo das palavras,
mas sem perder o foco e o interesse pelos problemas do cotidiano, a autora
apresenta o contato com um mundo que se descortina por trás das palavras. Para
tal fim, o presente trabalho, de cunho bibliográfico, orienta-se a partir de reflexões
filosóficas do imaginário de Gilbert Durand e outras questões que serão investigadas
em diálogo com diferentes pensadores (Antônio Cândido, Gaston Bachelard, Octavio
Paz, Teodor W. Adorno, Walter Benjamin, dentre outros). Dessa forma, pretende-se,
na conclusão deste estudo, analisar a obra lírica e artística da autora paulista para
maior compreendê-la.
PALAVRAS-CHAVE:
Vendramini
memória;
infância;
poesia
contemporânea;
Virgínia
INTRODUÇÃO
Na imaginação, incidem o alargamento do pensar e a possibilidade de prever
algo relacionado aos acontecimentos presentes ou passados. Assim, o tempo e o
espaço na memória nos faz refletir sobre o fato de que só o esquecido é lembrado.
E mais ainda, nos leva a incluir na memória o esquecimento, sempre mantido latente
nas lembranças.
Nesse diálogo com a poesia contemporânea brasileira de autoria feminina,
torna-se improcedente separar tempo e espaço, já que se recriam de diferentes
maneiras a espacialização do tempo na memória. Por outro lado, o mais importante
é a capacidade para criar algo que, ganhando forma, se torna possível, pois há uma
forca prospectiva na imaginação, pela qual temos uma presentificação do ausente,
a partir do percebido ou vivenciado.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
O que Virgínia Vendramini parece dizer-nos é tudo isso e não só. É que na
ação de lembrar contamos com a imaginação, pois os fatos não se revivem, mas sim
reconstroem-se na memória. E a literatura é um lugar privilegiado de recriação dessa
dinâmica da memória, servindo para lembrar e não deixar no esquecimento as
histórias, lembranças e sensações. A literatura é a consolidação da memória e a
maneira mais segura de registrar fatos que devem ser lembrados e relembrados.
A memória habita, liricamente, a poética de Vendramini e, como lhe é próprio,
a recuperação do passado está associada a imagens que sobreviveram à passagem
de um tempo vivido ao fato de que algo permaneceu no momento da experiência. É
pela memória que o sujeito constroi a história, e do significado do vivido.
Para Walter Benjamin (1987), o passado é sempre uma elaboração do
presente. O passado, ao pulsar involuntariamente, a memória que nos atinge sem
que seja convidada ao nosso encontro, produz a possibilidade de recriar ao acaso o
passado, de modo que este passado é uma construção do presente. Trata-se da
memória que se apossa do indivíduo arbitrariamente e que permite um processo de
reconstrução do passado no presente.
É sob este prisma que pretendemos apontar aqui a memória em Benjamin e
relacioná-la com a infância. Na visão deste autor, a infância não é tomada como um
passado distante e uma visão de mundo limitada, mas ao contrário, é repleta de um
saber onde a sensibilidade e a racionalidade operam lado a lado. Ao invadir a vida
adulta para fazer dela uma nova história, o passado infantil fundamenta uma herança
que percorre toda a vida do indivíduo.
Ao rememorar sua infância e adolescência, a autora relembra sua
experiência, fazendo com que o leitor identifique-se com elas. Então, com lirismo e
naturalidade, reconta fatos de sua existência, imprimindo sua experiência e
redescobrindo sua identidade. Assim, “quanto maior a naturalidade com que o
narrador renuncia às sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se gravará na
memória do ouvinte, mais completamente ela se assimilará à sua própria existência
e mais irresistivelmente ele cederá à inclinação de contá-la um dia.” (Benjamin, 1987,
p.204).
É também na obra de Theodor W. Adorno, filósofo alemão, contemporâneo e
discípulo de Walter Benjamin que encontramos reflexões importantes acerca do
pensar sobre a infância, esta que se apresenta como refúgio da experiência. Essa é
uma ideia que atravessa alguns escritos do autor: de que a tarefa do presente é
reviver, por meio da reminiscência, um passado correspondente – já que o futuro só se cumpre por meio da rememoração.
Presentificar a experiência da infância, escavando nos terrenos que
habitamos elementos para compreender o que hoje se encontra desfigurado, parece
ser o que motivou Benjamin – assim como Adorno - a trilhar os labirintos da própria
infância buscando encontrar-se/perder-se; recordar, mas também esquecer. Nessa
complicada trama - entre o lembrar e o esquecer – a autora busca decifrar algumas
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dessas belas e instigantes imagens não só pelo que podem nos revelar à primeira
vista, mas também pelo o que camuflam por traz das palavras.
Adorno resume suas ideias acerca da memória e da elaboração do decorrido
quando afirma que “o passado só estará plenamente elaborado no instante em que
estiverem eliminadas as causas do que passou. O encantamento do passado pôde
manter-se até hoje unicamente porque continuam existindo as suas causas”
(ADORNO, 1995 a: 49). Dentro dessa perspectiva, este projeto de pesquisa pretende
analisar a obra de Virgínia Vendramini, poeta contemporânea paulista, nascida em
Presidente Prudente (SP) em 1945, professora de Língua Portuguesa e Literatura,
artista plástica e mentora de um trabalho no Instituto Oscar Clark, onde ensinou
braile para deficientes visuais. Tem cinco livros publicados: Rosas não (1995);
Primavera urbana (1997); Hora do arco –íris (1998) que recebeu o prêmio Murilo
Mendes no Concurso Livros Inéditos; Matizes (1999) e Trajetória (2004). Em sua
consistente produção lírica, pretende-se compreender as impressões da memória
que prevalecem, relacionando-as ao momento histórico em que acontece a sua
produção.
METODOLOGIA
A literatura brasileira contemporânea recorre ao conceito de tradição para
estabelecer a comunicação entre tempos e autores diferentes. Ao mesmo tempo,
está inserida na busca pela criação e pela experiência aliada à tradição e à
linguagem que seus autores emprestam às obras. De modo geral, ela está num plano
de diálogo e de busca que incluem o sujeito e a maneira como ele se coloca diante
do mundo. Dessa forma, a presente proposta de investigação centra-se no estudo
da produção lírica da poetisa contemporânea Virgínia Vendramini a partir de certas
características da pós-modernidade apontadas por vários estudiosos. Portanto,
realizar-se-á, primeiramente, uma pesquisa de cunho bibliográfico na obra da autora,
orientando-se sobre os poemas a partir dos pressupostos teóricos escolhidos, mas,
igualmente dialogando com outros campos. Posteriormente à pesquisa inicial, serão
apresentados os resultados por meio de sua publicação da pesquisa em forma de
artigo, livro e apresentações em congressos ou simpósios, a fim de divulgar a obra
riquíssima de Virgínia Vendramini.
RESULTADOS
A pesquisa encontra-se na fase inicial na qual as obras da autora num primeiro
momento foram lidas e, a partir disso já se observa que são marcadas por um
profundo trabalho com a linguagem e uma intensidade arte literária carregada de um
rico imaginário. Observa-se uma forte visualidade e uma sensibilidade permanente
transbordando em seu interior lembranças de um passado num tempo presente na
memória da autora que, mesmo quando fala de amargura ou solidão o faz de um
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modo suave. Para Gaston Bachelard, em A poética do espaço a fenomenologia
encontra, na poesia, a sublimação, ou seja, a poesia é dotada de uma felicidade
própria, mesmo que seus temas sejam tristes. Além disso, outra característica
marcante de Virgínia é o caráter essencialmente construído e pensado de sua poesia
clara e penetrante, sem rebuscados, porém muito rica na construção de imagens. A
imagem literária, como afirma Bachelard, “torna a alma bastante sensível para
receber a impressão de uma fineza absurda” (1974, p. 490). Assim, a poética natural,
espontânea e forte que domina, intuitivamente, nos faz entender o universo
desconhecido que abarca.
CONCLUSÕES
A modernidade traz discussões pertinentes em relação à função poética e a
literatura compreende-se através da memória do presente e do passado, pois desde
a sua origem, está duplamente ligada à memória. Partindo da obra para a teoria
podemos afirmar que a poesia é memória dialógica com o mundo, expressão de
interioridade, essência humana, subjetiva. A imaginação é uma potência criadora,
onde o poeta é um ser que deve mediar os homens a seu passado, e que segundo
Octavio Paz, todos nós estamos construindo um grande poema. Nesse sentido, a
presente pesquisa presume que a expressão lírica de Virgínia Vendramini manifesta
um entrecruzamento de vozes e que não é possível entendê-la desvinculada à
história, linguagem, memória que formam seu discurso poético.
REFERÊNCIAS
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Paz e Terra.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. In: Os pensadores XXXVIII. 1. ed. São
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Paulo: Brasiliense, 1987.
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2004.
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LA INVENCIÓN DE MOREL: A POÉTICA DOS ESPAÇOS FÍSICOS E METAFÍSICOS
NAS IMAGENS SURREALISTAS QUE EMERGEM DA NARRATIVA.
Ludmilla Kujat Witzel39
RESUMO
Este estudo propôs-se a refletir sobre a obra La invención de Morel (1940), do
escritor Argentino Adolfo Bioy Casares (1914 - 1999), sob a perspectiva estética do
movimento de vanguarda Surrealista objetivando identificar a presença de algumas
de suas características na narrativa/diário casareano. Dentre as características do
movimento às quais nos detemos aponta-se, principalmente, a questão do
estranhamento, a importância dada aos sonhos e ao inconsciente, o papel do
observador, questões relacionadas ao duplo, à repetição ou de eterno retorno.
Elementos que participam do estranho tornando-o algo secretamente familiar e
contribuindo na criação da atmosfera onírica que permeia o romance. Ressalta-se,
além desses fatores que contribuíram no enriquecimento da análise, o papel das
teorias de Bachelard (1978) dentre as quais destacamos o papel do espaço físico na
construção onírica, a polaridade sótão-porão, a verticalidade da casa, os valores do
espaço habitado e os conceitos de ninho e concha que aumentam
consideravelmente nossa imaginação e atuam em nossa memória. Nos detivemos,
assim, nos seguintes tópicos de análise: a questão da duplicidade presente no título
de La invención de More, que se expressa na narrativa por meio das palavras de um
suposto editor que contradizem o protagonista nas notas de rodapé do diário; no fato
de a ilha na qual o protagonista se refugia abrigar uma "peste mortal" que pode
sugerir certa alteração no estado de consciência do protagonista e se manifesta em
sua percepção da realidade na qual passam a interferir os sonhos e a imaginação
mesclados à sua memória; na má alimentação e nas condições precárias de
sobrevivência em que se encontra o protagonista anônimo; na ambiguidade que se
apresenta entre a realidade experimentada por ele e as projeções criadas pela
máquina de Morel. Projeções, estas, que num primeiro momento, pensa-se que são
reais e apenas no decorrer da narrativa o leitor, assim como o personagem, tomarão
conhecimento de que são apenas projeções imagéticas, criadas pela máquina,
capazes de promover a eternidade das imagens em detrimento da morte física do
ente captado. Finalmente, aborda-se a relação do protagonista com a personagem
Faustine. Esses aspectos são de extrema importância para promovermos as
associações que nos interessam entre a obra e a criação de uma atmosfera surreal,
que questiona num primeiro momento a existência do próprio protagonista e
posteriormente a existência dos outros habitantes da ilha. Esta pesquisa está
39
Acadêmica do 4º ano do curso de Letras Português-Espanhol da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná – UNIOESTE. Pesquisadora PICV sob orientação da professora Dra. Ximena Antonia Díaz
Merino. Linha de Pesquisa: Literatura, história e memória. Endereço eletrônico
[email protected]
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ancorada nos estudos sobre o Imaginário de Gaston Bachelard (1978), do
Surrealismo de André Breton (1924), Briony Fer (2008) e David Batchelor (2008),
nos estudos sobre o Novo Romance Hispano-Americano de Bella Jozef (1974 2005) e Carlos Fuentes (1976), entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: Imagem poética, Surrealismo, La invención de Morel.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa lança um olhar sobre a obra La invención de Morel (1940), do
escritor Argentino Adolfo Bioy Casares (1914 - 1999). O objetivo é aproximar a
aspectos da vanguarda Surrealista, promovendo reflexões a partir do surgimento das
imagens poéticas emergentes da narrativa e suas analogias com esta escola artística,
na perspectiva estética e em alguma medida, também no âmbito da experiência
humana personificada no personagem da obra e na própria invenção de Morel, que
dá título à narrativa.
A fruição desta análise emerge das imagens poéticas que pulsam no próprio
texto, que se revelando, revelam as possibilidades, as nuances e tonalidades que
colorem o espaço e imprimem sentidos ao texto. Cabe destacar que a falta de
divulgação e conhecimento, no Brasil, da obra de Bioy Casares foram os motivos
que suscitaram esta pesquisa. O escritor argentino, na maior parte das vezes,
aparece associado a Jorge Luis Borges devido à estreita relação que mantiveram,
apesar da diferença de idade entre eles, pois quando se conheceram, Bioy Casares
tinha 17 anos de idade e Borges tinha mais de 30 anos. A partir desse momento os
escritores não apenas passaram a conviver, mas também a escrever juntos,
principalmente sob o pseudônimo de H. Bustos Domecq. Por esse motivo, a sombra
de Borges, quase sempre, acompanha a imagem de Bioy Casares.
O transito entre a realidade e a imaginação, entre a paisagem natural da ilha
e as projeções da máquina de Morel, a importância que o protagonista dá aos
sonhos, a constante repetição de imagens, falas de personagens e músicas e o
antagonismo gerado entre a voz do personagem principal e a voz do editor de seu
diário contribuem para a "explosão" da imagem poética surrealista emergente na
narrativa e dão ao sonho e à imaginação um caráter imprescindível.
Para alcançar os objetivos propostos será fundamental refletir sobre a
experiência do protagonista e a relação que estabelece com a “invenção de Morel”,
com o espaço da ilha e com Faustine. Nesse âmbito, o fundo onírico que designa a
imagem e os limites entre realidade e sonho que se expressam no surrealismo serão
o mote para esta percepção da obra de Bioy Casares. Frisa-se aqui que a
imaginação e o sonho serão tomados como parte da realidade e serão importantes
na percepção de um espaço de supra-realidade, ou seja, mais que real, já que
injetam uma nova visão e ampliam as possibilidades de vivenciar o espaço num
ambiente ilhéu, limitado geograficamente mas, nem por isso, menos complexo.
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Dois questionamentos que merecem destaque neste estudo são: Qual é a
relação do homem com a eternidade da imagem em detrimento à efemeridade do
existir em La invención de Morel? e Quais os limites entre a realidade e o sonho
manifestos na obra e presentes no movimento de vanguarda Surrealista? Essas
questões permearam o desenvolvimento da pesquisa e proporcionaram uma nova
compreensão da realidade narrativa expressa no romance casareano, situado no
tempo de sua escrita e contextualizado pelas mudanças no modo de escrever que
marcam o momento do Novo Romance Hispano-Americano. O romance em
destaque permite uma gama de interpretações, leituras caleidoscópicas, somente
possibilitadas por este novo contexto que expande as noções de realidade e agrega
à ela algo que anteriormente foi rejeitado, a imaginação.
MATERIAIS E MÉTODOS
A metodologia a ser aplicada encontra-se no âmbito exploratório da
produção literária de Adolfo Bioy Casares. Os estudos críticos sobre La invención de
Morel, quase sempre estão associadas ao gênero de romance policial ou ficção
científica e neste estudo, a obra é relacionada ao Surrealismo, portanto, lançar-se-á
um novo olhar para imprimir novos sentidos à obra em questão.
Buscou-se um diálogo entre o texto literário e a representação vanguardista
hispano-americana a partir do conceito de imagem poética e a seleção do corpus de
estudo explica-se pelo fato de enxergarmos grandes possibilidades de trabalho entre
este conceito proposto por Bachelard, a vertente surrealista e a narrativa de Bioy
Casares.
Portanto, a partir das interrogações em estudo, a pesquisa configurou-se
como sócio-crítica, do tipo bibliográfico interpretativo, uma vez que, foi desenvolvida
a partir do levantamento e interpretação de textos teóricos e literários visando a
ampliação do conhecimento acerca do assunto. Segundo Antonio Candido (1985, p.
18), “a sociologia não passa, neste caso, de disciplina auxiliar, não pretende explicar
o fenômeno literário ou artístico, mas apenas esclarecer alguns de seus aspectos”.
Nesse sentido, fez-se necessário considerar o contexto no qual foi escrita a narrativa
casareana, mas acentua-se sua atualização no tempo pela possibilidade de leitura
atemporal e da qual pode-se extrair diversas interpretações, dependendo da luz que
se fizer incidir sobre a obra.
RESULTADOS, DISCUSSÃO, CONCLUSÕES
Observou-se que há grandes possibilidades de análise ao se trabalhar com o
contexto do Novo Romance Hispano-americano, as teorias do Imaginário de Gaston
Bachelard e algumas ideias centrais do Surrealismo, principalmente porque, em
geral, as teorias que norteiam estes movimentos ou que emergem nestes contextos
privilegiam a imaginação e ampliam as noções de realidade, seja na escrita literária,
na arte em geral ou mesmo na vida cotidiana e "prática".
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Sobre a presença de imagens surrealistas na narrativa, pode-se dizer que partem de
uma leitura relativamente condicionada a um locus específico de observação, essas
imagens que se apresentaram para nós como parte de uma supra-realidade, pode
configurar-se em um outro leitor assumindo, por exemplo, características inerentes
ao gênero de ficção científica ou policial, como outrora outos pesquisadores já
apontaram; ainda assim, é possível apresentar, com base nas teorias elencadas ao
longo da pesquisa, assertivas que ampararam nossa visão.
Os conceitos de imagem poética, ninho, concha, a relação memória-imaginação e o
papel do espaço físico na construção das imagens propostas por Bachelard,
imprimiram sentidos à leitura de La invención de Morel corroborando para uma
análise bem fundamentada e palpável.
REFERÊNCIAS
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CONSTRUÇÕES DO IMAGINÁRIO E DO MITO NA POÉTICA DE ADÉLIA MARIA
WOELLNER
Marcia Munhak Speggiorin40
RESUMO
A proposta desta pesquisa é analisar o imaginário na poética de Adélia Maria
Woellner. Investigar como se dá a construção do imaginário, tanto na poesia quanto
na narrativa woellneriana, tendo como elementos de análise os símbolos, as imagens
e os mitos presentes nas obras da escritora. O tema escolhido volta-se à análise das
obras, tanto na poesia quanto na narrativa, e as contribuições destas para a
compreensão da formação da mulher/poeta paranaense, bem como o modo de
percepção do mundo deste sujeito social que, constitui-se também de imaginação e
a exterioriza por meio da linguagem poética. O estudo fundamenta-se à luz das
teorias de Bachelard (1997, 2009), Octavio Paz (2012), Durand (2012) e Jung (2000).
PALAVRAS-CHAVE: Imaginário. Lírica. Adélia Maria Woellner.
INTRODUÇÃO
Ao estabelecer uma relação texto/sujeito a partir do viés da construção do
imaginário por meio do texto literário, neste caso, a poesia e a narrativa lírica, é
descobrir novos caminhos para o entendimento do mundo e a relação do ser humano
com sua natureza. A composição da linguagem poética de Adélia Maria Woellner dá
suporte para a construção de um universo imaginário em que o eu-lírico volta-se ao
interior de sua espiritualidade e de suas memórias. A linguagem é a afirmação da
identidade humana, que de acordo com Octavio Paz: “A linguagem é uma condição
da existência do homem, e não um objeto, um organismo ou um sistema
convencional de signos que podemos aceitar ou desprezar” (2012, p. 39). Essa
identidade linguística que faz do homem um ser constituído de palavras, e faz da
palavra poética a essência da alma humana. Dessa maneira, buscar-se-á: a)
Compreender que elementos influenciam na constituição do imaginário e como isso
se dá sob a ótica feminina. b) Comparar a poesia e a narrativa lírica da escritora
Adélia Maria Woellner. c) Investigar as contribuições dos mitos e das imagens
poéticas para a constituição do imaginário.
METODOLOGIA
A pesquisa se sustenta em uma abordagem teórico-crítica, na fenomenologia,
na crítica e também na Literatura comparada, que segundo Tânia Carvalhal:
40
Aluna do programa de pós-graduação stricto sensu em Letras, nível de mestrado, área de
concentração em Linguagem e sociedade. Antonio Donizeti da Cruz (Orientador)
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“Comparar é um procedimento que faz parte da estrutura de pensamento do homem
e da organização da cultura” (2006, p. 6). Assim, essa pesquisa está adequada para
o campo da análise comparada, uma vez que há suporte para o desenvolvimento
dos objetivos pretendidos. O estudo voltado ao campo do imaginário visa analisar
também os quatro elementos primários da natureza, ar, água, terra e fogo, à luz dos
estudos do filósofo Gaston Bachelard, por serem elementos simbólicos muito
presentes na obra woellneriana, que além destes, estabelece-se um marcante
diálogo com outros elementos naturais, bem como, atribuindo a eles características
místicas e míticas. Nessa perspectiva, a pesquisa bibliográfica permite investigar
como se apresenta hoje a poesia brasileira, e as inferências míticas que permeiam
os textos, assim, as bases bibliográficas utilizadas servirão para orientar e
fundamentar o desenvolvimento da problemática que envolve a pesquisa e a análise
dos textos poéticos. Para o estudo serão analisadas as obras: Balada do Amor que
se foi (1963); Nhanduti (1964); Poesia Trilógica (1972); Encontro Maior (1982);
Avesso meu (1990); Infinito em mim (1997) que também foi publicada em inglês
(Infinte in Me), italiano (L’Infinito in Me), espanhol (Infinito en Mí), francês (Infini en
Moi), alemão (Unendlichkeit in Mir) e em braile, pelo Centro de Informática para
Deficientes Visuais Professor Hermann Görgen; Sons do silêncio (2004); Tempo de
escolhas (2013); Luzes no Espelho: memórias do corpo e da emoção (2002)
composta por relatos, crônicas e poemas; Travessias... do inconsciente ao
consciente (2007) prosa e verso; Loucura Lúcida (2009) crônicas. Como base
teórica, os estudos de Gilbert Durand, Gaston Bachelard e Octavio Paz.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O discurso literário é construído por meio de uma linguagem simbólica que
representa o pensamento de uma determinada época expresso pela voz do poeta,
isso se dá, segundo Ana Maria Lisboa de Mello porque “todo discurso simbólico
afigura-se como a expressão, tradução ou interpretação criativa de uma infraestrutura, de uma protolinguagem ou de uma vivência profunda” (MELLO, 2002, p.
12). Portanto, o símbolo é uma forma de representação do universo humano, no
entanto, não deve ser entendido apenas como uma referência binária, mas,
compreender as relações que se estabelecem para a constituição de múltiplos
significados que estão arraigados a cada sistema simbólico.
Poeta contemporânea, Adélia Maria Woellner possui uma intensa produção
de poemas, narrativas e textos para o público infantil, por isso é importante observar
como os elementos que compõem a formação do imaginário estão dispostos na
poesia e na narrativa, e como esses elementos funcionam na construção do texto
poético e no imaginário do leitor. Conforme Durand: “há completa reciprocidade entre
a palavra e um signo visual” (2012, p. 157). As imagens produzidas pela palavra
poética são os elementos encontrados nos textos da poeta e, que constituem
principalmente, a escrita da mulher, sua identidade e formação social.
A poesia de Adélia Maria Woellner é uma produção poética que traz em seus
versos referências míticas que corroboram para o pensamento humano e as relações
sociais que ordenam a vida cultural de uma sociedade, pois ao mesmo tempo que o
mito é fonte de conhecimento, é também um modo de estabelecer uma ponte e
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conservar a cultura do passado e a contemporânea, esta que ainda vive resquícios
de explicações míticas para fenômenos que fazem parte do imaginário do homem.
Conforme Octavio Paz, poesia é: “Oração, ladainha, epifania, presença. Exorcismo,
conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente.
Expressão histórica de raças, nações, classes” (2012, p.21). Essa caracterização do
fazer poético é com frequência encontrado nos poemas woellnerianos.
Nesse sentido, observa-se que a imagem é um dos elementos denotativos à
essência da construção poética, imagens que são construídas pelas palavras.
Bachelard metaforiza a imagem poética, dizendo que: “[...] a imagem é uma planta
que necessita de terra e de céu, de substância e de forma” (1997, p. 3). A constituição
dessas imagens que se formam através da linguagem poética transporta o leitor a
um outro estado de espírito, que para Bachelard “O devaneio poético nos dá o mundo
dos mundos. O devaneio poético é um devaneio cósmico. É uma abertura para um
mundo belo, para outros mundos” (2009, p. 13). Esse outro mundo posto por
Bachelard configura-se no imaginário que é composto a partir das imagens, dos
símbolos poéticos e das referências míticas presentes na poesia e na narrativa
woellneriana.
CONCLUSÕES
Sentimentos humanos, magia, mitos, cultura, poesia, a mescla desses
princípios resultam em uma produção poética que atende aos anseios de uma
sociedade cada vez mais urbana e carente por entender o contexto em que vive. O
texto poético woellneriano e a linguagem plena de imagens simbólicas e referências
míticas presentes nos poemas atendem a esse anseio do homem latino-americano,
que, tem inerente a sua cultura uma riquíssima mistura de credos e mitos que
amparam a formação dessas sociedades.
O homem traz enraizado à sua formação a crença e a atribuição de sentidos
a vários símbolos que tornam-se fonte de entendimento para a constituição do
sujeito. Os símbolos da água, do ar, da terra e do fogo, bem como os ascensionais
e os teriomórficos, segundo Durand, funcionam como mecanismos para múltiplas
interpretações e compreensão da vida social. Os mistérios que gravitam em torno
dessas imagens e a simbologia atribuída a elas, estabelecem entre o mito e a palavra
poética um elo confluente no qual a ressignificação é constantemente atualizada e
adquire uma ressignificação por ser um elemento vivo, que evolui conforme o ser
humano também evolui.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
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Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura comparada. 4. ed.. São Paulo: Ática, 2006.
221
ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Tradução Hélder
Godinho. 4 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Tradução Maria Luíza
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MELLO, Ana Maria Lisboa de. Poesia e imaginário. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht. São Paulo:
Cosac Naify, 2012.
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______. Tempo de escolhas: poemas. Curitiba, PR: Edição do autor, 2013.
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
O CÔMICO AMBIVALENTE E A CULTURA POPULAR NAS PEÇAS A FARSA DE
MESTRE PATHELIN, FARSA DE INÊS PEREIRA, FARSA Y LICENCIA DE LA REINA
CASTIZA E FARSA DA BOA PREGUIÇA
Maricélia Nunes dos Santos41
RESUMO
Sob os pressupostos da Literatura Comparada, de que tratam teóricos tais como
Brunel (1970), Carvalhal (2006) e Nitrini (2000), nossa pesquisa propõe o estudo da
farsa, tendo como foco sua caracterização como gênero cômico e sua associação à
cultura popular. Em outros termos, o que se propõe é estudar as modulações da
farsa compreendendo-a como um dos gêneros de maior fecundidade entre os textos
de origem cômica e um texto artístico que nasce no âmbito da cultura popular, em
contraposição a discursos oficiais. Atentando para a representatividade da farsa
como gênero cômico significativamente associado à cultura popular, objetiva-se
realizar o estudo comparativo das obras A farsa de mestre Pathelin (representada
pela primeira vez provavelmente em 1465), peça francesa de autoria desconhecida,
Farsa de Inês Pereira (1523), do português Gil Vicente, Farsa y licencia de la Reina
Castiza (1920), do espanhol Ramón María del Valle-Inclán, e Farsa da boa preguiça
(1960), do brasileiro Ariano Suassuna.
PALAVRAS-CHAVE: farsa; cômico; cultura popular.
INTRODUÇÃO
Haja vista a necessidade de pesquisas que atentem para as especificidades
do cômico e dos elementos inerentes a ele, propõe-se o estudo comparativo das
obras A farsa de mestre Pathelin (de aproximadamente 1465), peça francesa de
autoria desconhecida, Farsa de Inês Pereira (1523), do português Gil Vicente, Farsa
y licencia de la Reina Castiza (1920), do espanhol Ramón María del Valle-Inclán, e
Farsa da boa preguiça (1960), do brasileiro Ariano Suassuna.
Considera-se que as peças selecionadas para a realização da pesquisa
mantêm uma relação intertextual não apenas porque todas se caracterizam como
farsas, isto é, pertencem a um mesmo gênero, o que lhes atribui características
comuns, mas porque, como tais, estabelecem diálogo constante com os elementos
da cultura popular e, assim, mantêm-se associadas à origem do cômico, qual seja,
41
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade, Linha de pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos
Comparados, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, sob orientação da
Professora Dra. Lourdes Kaminski Alves. Professora Assistente de Língua Espanhola como Língua
Adicional na Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA. Endereço eletrônico:
[email protected].
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
o ambiente de praça pública. Partindo desse pressuposto, o problema que se
apresenta diz respeito às formas de manutenção do cômico e de relação com a
cultura popular na modulação do teatro farsesco, representado pelas peças em
estudo.
A relativa escassez de discussões acerca das manifestações do cômico
ambivalente na Arte e o precário espaço que este tem ocupado no âmbito da
academia constituem um dos mais significativos fatores que impulsionam o
desenvolvimento deste trabalho. Entende-se que, na contemporaneidade, assumiu
grande importância no âmbito das pesquisas em Literatura a realização de estudos
que se voltem para elementos do cômico, tais como a paródia e a carnavalização,
visto que eles possibilitam o destronamento das verdades absolutas, de modo que
viabilizam também uma revisão de conceitos como cânone, História, sujeito e
verdade, entre outros.
Nessa perspectiva, visualiza-se no estudo da farsa terreno produtivo para a
investigação das modulações do cômico e das relações mantidas entre os gêneros
de origem cômica com os elementos da cultura popular. Entende-se que a relação
entre o teatro farsesco e os elementos da cultura popular encontra-se expressa
inclusive no surgimento daquele, visto que era um teatro praticado por amadores e
baseado, a despeito de qualquer técnica cênica especial, na “astúcia verbal”
(BERTHOLD, 2006, p. 256). Além disso, considerando que, nas palavras de
Berthold, “a crítica social e a sátira encontraram uma benvinda válvula na farsa”
(2006, p. 256) no contexto medieval, justifica-se a necessidade de compreender de
que forma esse gênero tão rico para se contrapor ao teatro cristão medieval sofreu
modulações até chegar aos nossos dias e em que aspectos ele se mostra
ambivalente, isto é, capaz de produzir um cômico que, concomitantemente, propicie
a crítica e o divertimento, que contribua para regenerar o social (BAKHTIN, 1999).
A seleção do corpus baseia-se no fato de que a obra francesa elencada é uma
peça associada ao período de surgimento do gênero farsa, isto é, a idade medieval;
a obra portuguesa caracteriza-se como uma das farsas mais conhecidas de língua
portuguesa e, como a primeira, também está próxima do período de surgimento do
teatro farsesco; já a peça espanhola e a brasileira, escritas entre quatro e cinco
séculos depois, uma ainda em contexto europeu, como as primeiras, e outra em
terreno americano, fornecerão subsídio para o entendimento das modulações do
gênero, considerando-se tanto as distâncias temporais como as espaciais.
Destaca-se também a importância de trabalhos que procedam a uma análise
diacrônica, em que haja, simultaneamente, a retomada de obras imprescindíveis
para o entendimento da origem de dados gêneros, como é o caso de A farsa de
mestre Pathelin, considerada a primeira farsa a entrar para a história da literatura e
do teatro (BERTHOLD, 2006, p. 255), e de escrituras mais recentes, como a
brasileira Farsa da boa preguiça, visto que, a partir de estudos desta natureza, fazse possível a apreciação de textos alocados em diferentes contextos temporais e
espaciais, sendo que o estudo de uns contribui para o entendimento e a
ressignificação de outros.
METODOLOGIA
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
A pesquisa, de natureza bibliográfica, parte fundamentalmente da leitura e
análise reflexiva do corpus, em concordância com um aporte teórico que se volta
para questões tais como a intertextualidade, o cômico, a farsa e a cultura popular,
entre outras. O trabalho de levantamento bibliográfico se estende de obras de
reflexão teórica a estudos de natureza crítica que já tenham versado sobre o corpus.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Já na Poética (1984), de Aristóteles, ainda que seja restrito o espaço
reservado ao trato específico do gênero cômico, encontram-se as origens das
reflexões teóricas acerca do cômico. Nesta obra, o filósofo grego propõe a
classificação da poesia de acordo com os objetos, os meios e os modos de imitação.
No que se refere aos meios de imitação, afirma que a comédia assemelha-se à
tragédia, visto que ambas utilizam-se do ritmo, do canto e do metro, cada qual a sua
vez. Também se assemelham ambas no que diz respeito ao modo de imitação, isto
porque as duas se caracterizam como drama, já que “imitam pessoas que agem e
obram diretamente” (ARISTÓTELES, 1984, p. 243). Assim, as diferenças estariam
no objeto de imitação, pois, conforme a perspectiva aristotélica, enquanto a tragédia
imita homens melhores, a comédia busca imitar os homens piores do que nós.
Mais recentemente, os estudos bakhtinianos atentam para a forma como o
espaço destinado à investigação do cômico tem sido bastante limitado. Em suas
palavras, “uma investigação profunda dos domínios da literatura cômica tem sido tão
pouco e tão superficialmente explorada” (BAKHTIN, 1999, p. 3 – grifo do autor). O
estudioso atenta ainda para o caráter não oficial do riso, tomando-o como razão pela
qual os estudos acerca deste não se desenvolveram proficuamente. Diferentemente
de gêneros vistos como mais “sérios”, que é o caso da tragédia e da epopeia, que
são tidos como mais apropriados para a “verdade”, o cômico foi, em muitos
momentos, relegado a um espaço paralelo.
Diferentemente de Aristóteles, que, nas poucas passagens em que discorre
acerca do cômico, destaca sua capacidade de ridicularizar, Bakhtin reconhece no
riso tanto seu caráter festivo como sua capacidade de ridicularizar, isto é, sua
ambivalência. A ambivalência cômica consiste, paradoxalmente, na capacidade de
construir e desconstruir a um só tempo, rebaixar e soerguer, em apontar para o início
que sucede ao fim, o nascimento que decorre da morte, em negar e afirmar por meio
de um riso em que os opostos não se excluem; ao revés, se complementam. A
ambivalência é, pois, a multiplicidade e a negação do dogmatismo, da verdade
absoluta e do estático.
Linda Hutcheon apresenta também estudos que têm contribuído
significativamente para o entendimento do cômico e de seus constituintes na
contemporaneidade. A pesquisadora, que trata o pós-modernismo como sendo
“sempre uma reelaboração crítica, nunca um ‘retorno’ nostálgico” (HUTCHEON,
1991, p. 21), afirma que é justamente nesse aspecto que reside “o papel
predominante da ironia no pós-modernismo” (HUTCHEON, 1991, p. 21). Para ela, “o
irônico repensar pós-moderno sobre a história é textualizado nas muitas referências
paródicas gerais” (HUTCHEON, 1991, p. 21). Assim, elementos cômicos, tais como
paródia e ironia, se tornam a base para as construções estéticas pós-modernas, as
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
quais partem do já existente para a criação do novo, reunindo em seu interior
“contradições tipicamente pós-modernas” (HUTCHEON, 1991, p. 21).
Nascida no bojo do cômico, a farsa caracteriza-se como
[...] teatro ao ar livre, frequentemente ligado ao Carnaval, que por
isso, atrai um público mais popular, urbano: bons companheiros,
artesãos aos quais se unem, de bom grado, pequenos e médios
burgueses. A farsa e o jogo do Carnaval não requerem grandes
esforços intelectuais, porque consistem em peças curtas, de
duzentos a quatrocentos versos, com poucos personagens sem
nome próprio (MINOIS, 2003, p. 199).
Como gênero cômico, ela mantém o foco não no indivíduo em si, mas no que
ele representa; por isso, não há necessidade do nome próprio, que individualiza. A
farsa mostra aquilo que é comum entre os homens, “ela quer nos lembrar,
prosaicamente, do que somos” (MINOIS, 2003, p. 202).
Nos termos de Bernardette Rey-Flaud (1985), o teatro farsesco constitui uma
grande “máquina de rir”. Esta máquina de rir, que não exigia grande esforço
intelectual de seu público, conforme defende Minois, assumiu importância tal no
contexto da Idade Média que, séculos depois, segue ressonando em produções
artísticas, seja no contexto europeu, a exemplo do teatro de Valle-Inclán, seja no
“Novo Mundo”, como é o caso do artista brasileiro Ariano Suassuna. Por tais razões,
ela atrai para si a atenção de críticos e teóricos do cômico, como já fazia com seu
público alguns séculos atrás, mas com o diferencial de que, hodiernamente, exige
dos estudos acadêmicos um esforço intelectual capaz de entendê-la em sua
profundidade, para avaliar o seu potencial de fazer irromper o cômico ambivalente,
por meio de um constante e estreito laço com o popular.
CONCLUSÕES
A pesquisa, que está associada ao processo de doutoramento iniciado em
2014, apresenta-se ainda em fase inicial, de modo que não é possível apontar para
conclusões. Trata-se, pois, de um projeto que deverá ser desenvolvido ao longo do
período de quatro anos, dando, então, origem à tese de doutorado.
REFERÊNCIAS
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Guinsburg, Sérgio Coelho e Clóvis Garcia. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
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ISSN: 2175-943X
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
BRUNEL, Pierre et al. Que é literatura comparada? São Paulo: Perspectiva, 1970.
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Rio de Janeiro: Imago, 1991.
MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. Trad. Maria Elena O. Ortiz Assumpção. São
Paulo: Editora UNESP, 2003.
NITRINI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo: Edusp, 2000.
REY-FLAUD, Bernardette. O cômico da farsa. In: Cahiers de l’Association Internationale des
Études Françaises, n. 37, maio 1985.
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ISSN: 2175-943X
ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
AMORES DE PERDIÇÃO: A HISTÓRIA SECRETA DE MANOELA E GARIBALDI
Marina Luísa Rohde 42
RESUMO
O romance Amor de perdição escrito por Josué Guimarães em 1986 aborda
questões que extrapolam o cunho literário. A história de amor vivida por Giuseppe
Garibaldi e Manoela Amália Ferreira é recontada na obra a partir estreitas relações
com o texto histórico. Há a apresentação do contexto da Revolução Farroupilha
(1835-1845) como pano de fundo da obra. Com a utilização de personalidades
históricas, Guimarães apropria-se da literatura para tematizar questões estudadas
outrora pela historiografia. À luz dos pressupostos teóricos de Menton (1993), Sharpe
(1992), entre outros, objetiva-se apresentar uma análise do conceito estudado por
Menton, definido como Novo Romance Histórico que, em linhas gerais, aborda
temáticas que se preocupam com uma revisitação do passado histórico, de modo a
compreender como é composta a representação literária do romance, apresentando
uma releitura histórica por meio da ficção.
PALAVRAS-CHAVE: Amor de Perdição; Revolução Farroupilha; Novo Romance
Histórico.
INTRODUÇÃO
Amor de perdição, romance de Josué Guimarães, publicado em 1986, aborda
o mesmo tema do romance camiliano. O autor escreve uma narrativa aderindo, além
da temática do amor impossível, o mesmo título de Castelo Branco. A narrativa conta
o envolvimento amoroso entre o revolucionário Giuseppe Garibaldi e Manoela
Amália Ferreira. Na narrativa de Guimarães é possível encontrar uma história com
os mesmos alicerces que Camilo Castelo Branco utilizou: um amor ‘de perdição’
vivido por Giuseppe Garibaldi e Manoela, no contexto da Revolução Farroupilha
(1835 – 1845), que é interrompido pelo tio de Manoela, Bento Gonçalves, um líder
da guerra, companheiro de Giuseppe. Com a recusa do pedido de casamento feito
por Garibaldi, Manoela se isola da sociedade e ele continua suas obrigações de
guerreiro no Brasil e posteriormente no Uruguai. O romance termina apontando para
a morte de Manoela, que viveu sozinha em Pelotas, conhecida como a “viúva de
Garibaldi”. Ele casa-se com Anita, companheira de batalhas e voltam à Itália.
Permeado por uma história de amor é possível encontrar nas duas narrativas
ficcionais denominadas Amor de perdição um desejo não realizado, além do fato de
ambas utilizarem personagens que a existência factual pode ser reconhecida.
42
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE,
campus de Cascavel. Aluna de Iniciação Científica Voluntária, sob orientação do Professor Dr.
Wagner de Souza. Endereço eletrônico: [email protected].
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
As escritas híbridas, surgidas no fim do século passado, ganham novo ânimo
com o surgimento de ideais pós-modernistas, resultando em uma série de revisões
e questionamentos de eventos históricos. Desse modo, os romances renovaram-se
e recriaram-se, proporcionando o surgimento de diferentes modalidades desse
gênero. Na especificidade da pesquisa, propõe-se trabalhar com releituras da
história pela ficção.
Considerando a importância do revisionismo histórico para a atualidade,
percebe-se que refletir sobre as confluências da história na literatura torna-se uma
prática recorrente na América Latina, uma vez que, de acordo com Menton (1993),
as comemorações do quinto centenário de descobrimento da América contribuem
para um questionamento do papel da América Latina para o mundo 500 anos depois
da chegada dos europeus.
Com relação ao Brasil, trata-se dos 500 anos de descobrimento, momento
adequado para reforçar a ideia de pertencimento a uma nação que deixou de ser
colônia. Nesse período, a presença de narrativas feitas a partir do uso da história e
da literatura é recorrente, cabendo a essa preencher lacunas históricas com enredos
ficcionais. Essa revisitação ao passado proporciona uma reconstrução de sentidos
relacionados à história brasileira, as quais permitem rever momentos históricos a
partir de outros pontos de vista.
A pesquisa objetiva, portanto, analisar as relações presentes entre o discurso
advindo da historiografia oficial em contraponto ao romance histórico atentando para
a importância de promover a interrelação com diferentes perspectivas da história,
pelo viés eurofalocêntrico, apontando para os marginalizados do bojo social.
METODOLOGIA
O projeto tem como enfoque principal o cunho bibliográfico, posto que a
pesquisa consiste na aquisição de argumentos teóricos suficientemente sólidos para
corroborar o trabalho na linha de pesquisa de literatura, história e memória de modo
satisfatório. Esta pesquisa se insere no contexto das relações entre Literatura e
História, assim, propõe-se, em primeiro momento, a revisão bibliográfica dos
discursos literário e histórico, bem como suas peculiaridades de modo a perceber
possíveis convergências e divergências que essa duas áreas apresentam. A
revisitação do tema da historia do Rio Grande do Sul, em especial da Revolução
Farroupilha, é condição sinequa non para se compreender melhor o passado
histórico e lançar luzes sobre as questões hodiernas. Busca-se, portanto, analisar e
discutir dados históricos e literários que abordam personagens periféricos no cenário
da Revolução Farroupilha.
A partir dos estudos de Jacques Le Goff (1988) em A história nova, tem-se
buscado perceber a construção de novos métodos de pesquisa diferentes dos
tradicionais. A história nova atenta-se ainda à valorização de acontecimentos de
longa duração, pois somente esses permitiam o estudo das transformações e
permanências sociais. Diante dessa busca por novos aspectos do conhecimento
histórico, Jean–Claude Schimitt (1988), no capítulo “A história dos marginais”,
também na obra A História Nova, apresenta uma nova concepção dos sujeitos não
percebidos pela história oficial, os marginais, que, de modo geral, eram indivíduos
não atuantes no processo de reconhecimento da história. O valor atribuído aos
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
marginais concerne à contribuição no preenchimento de lacunas históricas.
Consideram-se ainda os estudos de Jim Sharpe (1992) no que diz respeito à “História
vista de baixo” por apresentar discussões pertinentes ao tema da representação
histórica feita apenas pela elite.
Como reflexão ao estudo das obras e suas abordagens, busca-se em La
nueva novela histórica da la América Latina de Menton (1993) uma caracterização
das modalidades de romances presentes no corpus da pesquisa, uma vez que a
temática das obras vai ao encontro da proposta do pesquisador em sua definição de
novo romance histórico que objetiva perceber como o texto literário elucida o
passado histórico a partir do seu discurso, atentando para recursos usados na escrita
das obras estudadas que representem essa nova modalidade, tais como a
reprodução mimética de períodos históricos, a ficcionalização de personagens
históricos e a intertextualidade. Tem-se ainda a contribuição de Mignolo (2001) no
capítulo denominado “Lógica das diferenças e política das semelhanças: da
Literatura que parece História ou Antropologia, e vice-versa” na obra Literatura e
história na América Latina em que prevê ao romance contemporâneo, uma busca
advinda do romancista pela correção ou enfrentamento aos discursos antropológicos
e historiográficos responsáveis pela marginalização de importantes comunidades.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O romance histórico apresenta-se como uma possibilidade de releitura ao
considerar os diálogos existentes entre a literatura e a história. Sua principal
característica consiste na adequação de uma história ficcional a um contexto
historiográfico. Com sua origem no século XIX, pela ascensão das ideias iluministas,
essa modalidade literária desempenhou um importante papel na construção de
identidades, pois, com a atenção voltada ao fato histórico, tais romances firmaram a
história nacional.Seymour Menton, na obra La nueva novela histórica: definiciones y
orígenes, afirma não ser o romance histórico o único gênero literário a ter estreitado
relações com a história. A partir da segunda metade do século XX a produção desse
gênero tende a uma mudança. Na América Latina, o Novo Romance Histórico recebe
visibilidade com as comemorações do quinto centenário do descobrimento.
Pretende-se revisitar o passado construindo novas possibilidades de leitura.Em
Amor de perdição, Guimarães procura retomar exatamente a personagem periférica,
que não recebeu atenção da historiografia, Manoela, e apresentar a história
considerando os seus horizontes. Essa escolha narrativa deixa de reforçar a história
positivista na qual se reproduzia apenas o elitismo central. Com essa escolha,
Guimarães oferece ao leitor uma visão social a partir de outro ângulo, contribuindo,
desse modo, para a percepção uma história não tradicional.
CONCLUSÕES
Amor de perdição, de Josué Guimarães, apresenta algumas das
características que foram propostas por Menton. Guimarães ficcionaliza
personagens históricos como Garibaldi, Manoela, Bento Gonçalves que são
encontrados nos livros de História e ainda utiliza a intertextualidade, aspecto
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
presente já no título. Apresenta-se, contudo, outra busca por definição a partir de
romances que não se enquadram em todos os aspectos referentes ao Novo
Romance Histórico por razão de ostentarem as características propostas por Menton
em menor grau, de maneira fluída.
Por meio de uma linguagem mais acessível, Amor de perdição de Josué
Guimarães apresenta uma reatualização da história do casal Giuseppe e Manoela.
Corroborando com essa perspectiva de análise, percebe-se na escrita de Guimarães
uma intenção de escrever para o público do Rio Grande do Sul, cotejando o leitor
rio-grandense.
REFERÊNCIAS
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contemporâneo de mediação – leituras no âmbito da poética do descobrimento. In:
_____. Cultura e representação: ensaios. Cleide Antonia Rapucci; Ana Maria Carlos
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parece História ou Antropologia, e vice-versa. In: _____. Literatura e história na
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SCHMITT, Jean Claude. A história dos marginais. In: LE GOFF, Jacques (org). A
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perspectivas. BURKE, P. (Org.). São Paulo: UNESP, 1992.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
O ANTIILUSIONISMO REFLEXIVO DA IMAGEM EM CORTÁZAR
Mayara Regina Pereira Dau Araujo43
RESUMO
Julio Cortázar é um escritor argentino plural e multifacetado. Não é possível
enquadrá-lo dentro de uma única atividade, já que é possível encontrar atuações
suas nos campos das artes plásticas, música, fotografia, entre outros. Há uma
infinidade de material de pesquisa sobre suas produções, principalmente
relacionadas à presença do fantástico em suas obras. Contudo, isso limita muito a
dimensão significativa de tudo que criou. Diante de várias obras, notamos uma
estreita relação da escrita de Cortázar com as imagens, seja na diagramação de
suas obras, seja na inserção de elementos semióticos, colagens, além de fotografia,
de obras de arte e histórias em quadrinho. Portanto, a presente pesquisa pretende
analisar a representação da imagem nas obras de Cortázar. Entre alguns livros que
formarão o corpus de análise estão Rayuela (1963), Todos os fogos o fogo (1966),
Livro de Manuel (1973), Último Round (1969), Fantomas vs os vampiros
multinacionais (1975), Prosa do Observatório (1972) e As babas do diabo,
pertencente ao livro de contos As Armas secretas (1959).
PALAVRAS-CHAVE: Julio Cortázar; imagem; literatura e cinema; estudos
interartes.
INTRODUÇÃO
Cortázar é um artista completo guiado pela multiplicidade e pluralidade. É
possível constatar em sua biografia (na verdade, um álbum biográfico), suas diversas
atuações em áreas diferentes, como a música, a pintura, a fotografia, a poesia e a
dramaturgia. Possui uma escrita rizomática, heterogênea, pois esta “não começa
nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo”
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.4). Cortázar não segue padrões e suas obras são
compostas por uma plasticidade de gêneros. Aplica conceitos de outros domínios na
escrita. Enfim, transita por todas as artes. Um estudo sobre sua obra requer um
conhecimento em diversos campos de estudo. Há muitas pesquisas sobre suas
obras, com diferentes focos e mesmo assim, parece ser uma fonte inesgotável de
estudos. Cortázar é um artista multifacetado, passível de ser abordado por diversos
olhares, contudo, na pesquisa que pretendemos realizar nos debruçaremos sobre a
representação da imagem em suas obras. Cortázar é dono de uma escrita
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Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE, sob a orientação do professor Dr. Acir Dias da Silva. Bolsista CAPES/CNPQ.
Endereço eletrônico: [email protected].
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
fragmentada, permeada por enxertos semióticos. Em um mesmo livro é possível
encontrar fragmentos de outros textos, imagens, modificações na estrutura,
rompendo com a escrita tradicional e linear. O autor já declarou em entrevistas que
se pudesse imprimir seus próprios livros teria usado mais colagens fotográficas.
METODOLOGIA
Partindo desse elemento tão presente em suas obras, a imagem, delineamos
a pesquisa atual, na qual analisaremos algumas obras em que há a presença
significativa de imagens. Entre as obras selecionadas para o corpus de trabalho
estão Rayuela (1963) e Todos os fogos o fogo (1966), nas quais o autor faz
modificações na diagramação que influem diretamente na construção do significado
do texto. No Livro de Manuel (1973), há inserções de recortes de jornais. Em Último
Round (1969), que é um livro-almanaque, temos uma combinação explícita de
diferentes gêneros com fotografias, desenhos, frases copiadas das paredes das
universidades de Paris e reprodução de obras de arte. Em Fantomas vs os vampiros
multinacionais (1975), encontramos um Cortázar incursionando no mundo das
histórias em quadrinhos. Já em Prosa do Observatório (1972), Cortázar combina
texto literário com fotografias tiradas por ele mesmo durante uma viagem à Índia.
Entre os teóricos que embasarão a pesquisa temos Umberto Eco, Italo Calvino, Davi
Arrigucci Jr, entre outros a definir.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pensando nas diversas facetas e possibilidades de pesquisa que as obras de
Cortázar oferecem, estamos desenvolvendo um estudo, ainda incipiente,
relacionando Literatura e Cinema. A seguir, apresentamos uma breve análise
realizada do conto de Cortázar As babas do diabo e o filme Blow Up do cineasta
Michelangelo Antonioni que foi inspirado nesse conto.
O filme Blow Up se inspirou no conto de Cortázar, mas não foi adaptado
literalmente para as telas. Contudo, Antonioni manteve em seu filme a base temática
do conto de Cortázar, ou seja, um fotógrafo que faz umas fotos e ao revelá-las
percebe que, na verdade, presenciou um crime. No conto, o protagonista fotógrafo
assiste uma mulher tentando convencer um garoto a ter um encontro íntimo com um
homem que acompanha a cena a distancia. Já no filme, o fotógrafo faz algumas fotos
de um casal e, quando revela as fotos, percebe que registrou um assassinato. A
partir disso, as histórias seguem caminhos diferentes.
O que podemos destacar, a princípio são as formas de narrar. No começo do
conto há uma confusão de narradores:
Nunca se saberá como isto deve ser contado, se na primeira ou na
segunda pessoa, usando a terceira do plural ou inventando
constantemente formas que não servirão para nada. Se fosse
possível dizer: eu viram subir a lua, ou: em mim nos dói o fundo dos
olhos, e principalmente assim: tua mulher loura eram as nuvens que
continuam correndo diante de meus teus seus nossos vossos seus
rostos. Que diabo (CORTÁZAR, 2012, p. 56).
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
A estratégia narrativa de narradores múltiplos não é usual na escrita tradicional, já
em Cortázar é comum e ilustra uma das características subversivas muito presentes
em suas obras. Ele explicaria em seu ensaio Do conto breve e seus arredores os
motivos dessa forma de escrever:
Quando escrevo um conto busco instintivamente que ele seja de
algum modo alheio a mim enquanto demiurgo, que se ponha a viver
com uma vida independente, e que o leitor tenha ou possa ter a
sensação de que certo modo está lendo algo que nasceu por si
mesmo, em si mesmo e até de si mesmo, em todo caso com a
mediação mas jamais com a presença manifesta do demiurgo
(CORTÁZAR, 2006, p. 229-230).
Essa confusão de narradores também é uma estratégia para mostrar o estado
emocional de inquietude do narrador que não sabe como deve contar o fato ocorrido.
No conto temos uma escrita que segue o fluxo do pensamento do narrador,
diferente do filme onde o tempo da narrativa segue a progressão dos
acontecimentos. Em relação ao tempo da história e tempo da narrativa, no conto
podemos falar em tempo subjetivo, no qual os acontecimentos vão se desenrolando
conforme o narrador vai contando e há a presença do recurso do flashback, que
segundo Campos (2007), é a exibição de um incidente que ocorreu antes do que
está sendo narrado. Com base nisso, podemos destacar que o conto é permeado
dessa estratégia. O narrador está morto e relembrando a história para contar ao leitor
e, por esse motivo, há muitas interrupções ao longo da narrativa para falar que
passou um pássaro ou uma nuvem, por exemplo, já que é contada conforme as
lembranças vêm à mente. Além do flashback, no conto, temos a presença do
flashforward que é uma antecipação de algum incidente que vai ocorrer depois. Por
exemplo, o narrador do conto já nos dá indícios do que vai acontecer na história
quando escreve que o menino que está conversando com a loura parece estar muito
nervoso, com “um medo sufocado pela vergonha, um impulso de atirar-se para trás
que se percebia como se seu corpo estivesse à beira da fuga” (CORTÁZAR, 2012,
p. 60), fuga esta que realmente acontece depois.
Já no filme, não encontramos o uso do flashback, pois a narrativa progride
segundo as ações dos personagens, inserir um flashback seria uma interrupção da
progressão. Para Campos (2007), um flashback pode ser fonte de confusão.
Outro recurso utilizado é a elipse que é uma omissão de alguns elementos da
história. O narrador não pode narrar tudo, nem deixar as coisas acontecerem como
no tempo real, por isso seleciona o que deve excluir e o que deve mostrar. Por
exemplo, no filme, para mostrar a posição social do personagem principal, usou-se
a elipse, ao invés de perder tempo com várias cenas para mostrar a condição social
do protagonista, exibe-se uma breve cena, sem falas, em que o fotógrafo aparece
saindo de um lugar sujo, uma fábrica de operários juntamente com um grupo e,
sutilmente, ele se afasta do grupo, para numa rua próxima entrar em seu Rolls-royce.
O convite da elipse ocorre quando a narração de um elemento da história é
desnecessária ou agride ou entendia o espectador ou leitor.
Além das características apontadas, no filme, assim como no conto, é possível
encontrarmos metáforas. No filme não há cenas explícitas de sexo, mas há uma
cena que é uma grande metáfora do sexo, na qual ilustra a entrega do fotógrafo a
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sua atividade com o mesmo gozo e intensidade com que se entrega a um
envolvimento sexual. A cena mencionada e destacada abaixo ficou conhecida como
o mais sexy momento cinematográfico da história. Após a sessão de fotos, o
protagonista senta esgotado em um sofá, fazendo alusão mais uma vez ao ato
sexual. Essas metáforas também ocorrerão em outros momentos do filme.
Não podemos deixar de destacar o suspense que, segundo Campos (2007),
é a expectativa de um incidente e um recurso necessário para prender a atenção do
espectador. Em Blow-Up, após o fotógrafo fazer as ampliações das fotos e pendurálas na parede, quando está prestes a dar um sentido para o que vê, ou seja, perceber
que registrou um crime, é interrompido pela campainha. Duas mulheres ficam por
um momento em um jogo de sedução com ele. Esse momento da história parece
não ter nenhuma importância para o sentido total da trama, contudo, podemos atrelar
sua importância a um recurso estratégico para adiar o desfecho, como se fosse para
dar uma pausa para o espectador tomar fôlego para continuar a história. Ou seja,
protela os acontecimentos até atingir o clímax-desfecho quando a narrativa atinge
seu grau mais intenso e se resolve.
Esta breve análise pretendeu demonstrar o andamento de algumas pesquisas
dentro da linha dos Estudos Comparados deste programa de Doutorado.
Pretendemos ainda, munidos de maior aparato teórico, analisar também o ritmo, a
gradação, a metonímia, o gancho e a ironia dramática no filme e no conto. Esses
resultados serão divulgados em publicações futuras.
CONCLUSÕES
A presente pesquisa encontra-se ainda muito prematura, na fase de
exploração do corpus. Conforme aprofundamento maior, a pesquisa irá se
delineando. Contudo, este trabalho se insere em um contexto maior de estudos que
visam refletir sobre as relações da literatura com outras artes, dentro da linha de
pesquisa dos Estudos Comparados. Dentro desta perspectiva, e pensando no objeto
de pesquisa que escolhemos, acreditamos que haverá uma infinidade de reflexões
advindas desse corpus tão rico e inesgotável de estudos e que serão divulgados
posteriormente em eventos da área e publicações em revistas especializadas.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
REFERÊNCIAS
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perceber e narrar uma estória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2007.
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São Paulo, 2010.
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BestBolso, 2012.
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Autónoma de Buenos Aires: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara, 2014.
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Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
A HISTÓRIA E A PROVIDÊNCIA NA TRILOGIA “O MOINHO DO PÓ”, DE
RICCARDO BACCHELLI
Odete da Glória Oliveira Tasca44
RESUMO
A presente pesquisa está centrada na análise dos três romances que compõem a
trilogia “O Moinho do Pó”, do escritor italiano Riccardo Bacchelli, os quais se
intitulam: “Deus te salve”; “A miséria viaja de barco” e “Mundo velho sempre novo”.
O principal objetivo com este trabalho é, a partir do aprofundamento sobre algumas
questões históricas que fazem fundo para a obra e que aconteceram durante o
período que foi desde a derrota de Napoleão na Rússia até a Primeira Guerra
Mundial, identificar as características do romance histórico que se manifestam na
obra, como também verificar como se dá, na mesma, a representação dos grandes
fatos históricos e religiosos que fizeram a história da Itália aos olhos do mundo, no
início do século XIX, assim como os demais acontecimentos históricos que são
representados, dando ênfase para a questão dos conflitos morais e religiosos
vivenciados pelas personagens ao longo da história.
PALAVRAS-CHAVE: História; romance histórico; Divina Providência.
INTRODUÇÃO
A obra que serve como corpus para a pesquisa aqui representada é intitulada
“O Moinho do Pó” e foi escrita pelo autor italiano Riccardo Bacchelli (1891-1985),
entre os anos de 1938 e 1940. Trata-se de uma trilogia histórico épica que retoma
as características do Naturalismo francês e do Verismo italiano. Vale frisar que é
também o mais importante romance do referido autor, cujo fundo é constituído pela
arte do trabalhador moleiro da cidade de Ferrara, Província italiana localizada na
região de Emília-Romanha. A trama gira em torno de uma família de moleiros do rio
Pó e narra os eventos que vão desde a retirada de Napoleão da Rússia, em 1812,
narrada no início da primeira obra, até a narração da Batalha de Piave, no final da
terceira obra, evento que marcou o fim da Primeira Guerra Mundial e que conseguiu,
segundo muitos historiadores, reunir os sentimentos patrióticos e os esforços de
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade, linha de pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos
Comparados, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, sob orientação da
Professora Dra. Adriana Aparecida de Figueiredo Fiuza. Professora da área de Espanhol do curso
de Licenciatura em Letras e do Programa em Pós-Graduação em Letras - Linguagem e Sociedade na
Universidade
Estadual do Oeste
do
Paraná
- UNIOESTE. Endereço eletrônico:
[email protected].
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
praticamente todos os italianos e que pode ser considerada a última ação do
Ressurgimento Italiano, com a qual a Itália consolidou, finalmente, sua unificação.
É interessante notar como o autor consegue ser realístico com a narração
dos eventos que fazem fundo para a sua ficção, mas também não deixa de ser irônico
ao iniciar a primeira obra com a retirada dos soldados italianos da guerra, quando o
protagonista, Lazzaro Scacerni, sai vencedor, já que volta para casa, e termina a
terceira obra com a aventura do último dos Scacerni, Lazzarino, o qual morre como
soldado na guerra em que a Itália sai vencedora sobre o exército Austro-Húngaro.
Narrando as lutas de suas personagens em torno do grande rio e as tantas
adversidades da história, Bacchelli, através da riqueza das personagens e dos
ambientes e através das narrações e das digressões morais, demonstra a resistência
e a perseverança do povo italiano. Nesse sentido, ressalta-se que o romance foi
escrito em pleno Fascismo, quando as leis raciais e o nacionalismo levavam à
depreciação das virtudes mais tradicionais da Itália, o que dá à obra um tom poético,
já que não é todo tempo realística. Os principais símbolos do romance são dois
moinhos: o “São Miguel” e o “Paneperso”, os quais representam os sacrifícios e as
dificuldades do italiano e participam da obra quase como personagens, já que é a
partir deles que toda a trama se desenrola e é com o fim dos mesmos que a trama
também acaba.
O romance histórico é um gênero tipicamente romântico que iniciou na
primeira metade de 1800, período em que nascia um interesse e uma sensibilidade
particular sobre a história e sobre a Idade Média e é nesse período que se começa
a vislumbrar algumas realidades nacionais bem precisas, mas é somente no início
de 1800, com o romantismo e com a necessidade de abordar poeticamente a história
devido o sucesso do pensamento e do método científico, que o romance histórico se
firma com suas principais características, estimulando o interesse pela história,
principalmente pela história medieval. Esse interesse acaba despertando um
profundo sentimento nacionalista, fazendo com que os autores busquem retratar a
grandeza dos vários povos, surgindo temas como as grandes guerras. E assim, o
romance histórico se torna popular e se difunde em toda a Europa, tendo como
grande precursor o autor Walter Scott. Na Itália o gênero se afirmou em 1827, com
a publicação de “I Promessi Sposi”, de Manzoni, considerado por Othon Maria
Carpeaux, em sua obra “História da Literatura Ocidental” como o grande expoente
do romance histórico na Itália, sendo também o grande marco da maneira de
representar o passado, pois não o vê somente como um passado glorioso, mas
procura enxergar também os problemas do mesmo que ainda persistem no presente.
Nesse contexto, pode-se dizer que o romance histórico recupera no passado o que
está acontecendo no presente, fazendo, de certa forma, uma denúncia indireta.
Para Lukács, um romance é histórico quando provoca repercussões na vida
de uma determinada sociedade e em uma determinada época. Nesse sentido, o mais
importante é que o romancista consiga representar o modo como as pessoas que
viveram certo acontecimento histórico foram atingidas por ele e como reagiram a ele,
entrelaçando a história e a ficção. Portanto, no romance histórico, as personagens
principais não devem ser históricas, mas devem ser fictícias, medianas, populares,
e seus destinos devem estar ligados ao destino histórico-social de uma sociedade,
de modo que suas vivências possam ser o reflexo do destino do povo da época
retratada, enquanto que as personagens históricas devem ser todas secundárias,
pois essas atuam diretamente na história. Lukács não estabelece qual o tempo de
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distanciamento necessário entre o autor e a história narrada para que um romance
seja classificado como histórico, mas simplesmente dá a entender que se trata de
uma narrativa de um tempo distante, muito anterior ao tempo vivido pelo escritor.
Nesse sentido, pode-se dizer que o romance de Bacchelli se enquadra nos moldes
do romance histórico clássico, de acordo com a definição de Lukács.
METODOLOGIA
A metodologia do presente trabalho consiste em uma pesquisa literária,
histórica e teórica, buscando os fatos que aconteceram na Itália durante o referido
período, verificando como o autor deu forma aos fatos históricos que marcaram a
Itália através da escolha e caracterização de certas personagens, da escolha dos
ambientes e dos conflitos entre as personagens. Será analisado também como o
autor retratou problemas humanos permanentes – como o amor, a morte, a busca
da sobrevivência – e como tentou tocar em problemas atuais através do resgate das
causas e dos antecedentes históricos. Para tanto, inicialmente se fará a leitura da
obra completa de Bacchelli, a qual compõe o corpus da presente pesquisa. Para a
análise do romance serão utilizadas obras de historiadores que narram os eventos
que servem de cenário para a história e também serão utilizados conceitos e
informações de importantes autores como: Georg Lukács, o qual aborda como as
revoluções interferiram no gênero romântico e como este serviu de instrumento para
a reflexão sobre cada momento histórico; pretende-se estudar também “As Revoltas
Modernistas na Literatura”, de Otto Maria Carpeaux, o
qual trata dos grandes
movimentos literários e “Aspectos do Romance” de E. M. Forster, com o objetivo de
entender como o autor sugere que um romance seja analisado. Todo esse estudo
será apoiado e amparado por fichamentos e resenhas das principais leituras, para
que as mesmas possam ser utilizadas de forma eficiente durante a composição do
texto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A presente pesquisa faz um diálogo entre a literatura e a história e, sendo
assim, objetiva-se, para a realização da mesma, fazer um levantamento dos
acontecimentos históricos presentes na obra, visando compreender a História para
poder identificar e evocar uma discussão que demonstre como ela aparece na trama,
dando sentido à mesma. Também visa verificar como os protagonistas se relacionam
com esses acontecimentos e como lidam com os diferentes conflitos que os
envolvem.
Pode-se perceber que a obra revela o sentimento e o modo de pensar do
próprio autor do romance, o qual deixa transparecer um grande apego religioso e
moral, além do seu profundo conhecimento sobre a história da sua Pátria, dando um
valor muito especial às coisas de Deus e ao sentimento e modo de agir do cristão.
Analisando alguns fatos históricos narrados por Bacchelli em seu romance, percebese o quanto o autor empenhou-se para representar alguns eventos que realmente
aconteceram, preocupando-se com detalhes bastante significativos, como a
construção da ponte sobre o rio Vop, por exemplo (durante a campanha de Napoleão
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na Rússia, narrada no início do primeiro romance), onde o autor coloca a
personagem principal como um dos soldados que tentavam construí-la, pois a
mesma deveria servir de travessia para o quarto corpo, liderado pelo vice-rei.
Bacchelli narra inclusive os horrores vivenciados pelas pessoas que perdem seus
pertences no rio, gritando de frio e de fome; narra também os corpos sem vida que
ficam pelas estradas ou que flutuam no rio, as perseguições dos cossacos contra os
cidadãos e a busca destes por um povoado onde pudessem se refugiar.
Segundo Lukács (1971), um romance, para ser considerado histórico, deve
apresentar uma característica especificamente histórica, além de ter que recriar,
poeticamente, os seres humanos que estiveram presentes nos eventos históricos
narrados, já que estes eventos, assim como as personagens históricas, são dados
inquestionáveis e, portanto, devido à reconstrução do passado ser fiel, é necessário
que se explore cada detalhe do passado a partir de uma verdade histórica
reconstruída, o que verifica-se no romance aqui analisado, quando o autor narra com
detalhes a forma como os soldados se retiraram da guerra, suas desgraças e
sofrimentos, conseguindo fazer com que o leitor se imagine no local dos
acontecimentos, em uma narrativa quase poética.
Além das discussões acima e com relação às personagens de um romance,
vale ainda citar Candido (2000, p. 64-65), o qual, referenciando Forster, reconhece
ser impossível representar uma personagem real em um romance, com todas as
suas características e modo de ser de uma pessoa, já que, ao representar tal
personagem, o autor atribui a ela as suas impressões pessoais. Mas, apesar disso,
Cândido também afirma que a personagem deve dar a impressão de que vive, de
que é um ser vivo, ou seja, deve participar de um mundo real, participando de um
universo de ação e de sensibilidade que possa ser reconhecido na vida real. Ou seja,
o autor deve construir personagens que não correspondam a pessoas reais, mas
que possam ser interpretadas como tal, o que depende do conhecimento do autor e
da sua onisciência: “Neste mundo fictício, diferente, as personagens obedecem a
uma lei própria. São mais nítidas, mais conscientes, têm contorno definido, – ao
contrário do caos da vida – pois há nelas uma lógica pré-estabelecida pelo autor,
que as torna paradigmas e eficazes” (CANDIDO, 2000, p. 67). Nesse contexto,
Forster (1969) diz que o processo de criação das personagens não é frio e sempre
será o resultado da visão que o autor tem das pessoas e de si mesmo, visão que
pode ser modificada por outros aspectos do seu próprio trabalho, pois no momento
da criação das personagens o autor se interessa em ocupar-se da relação delas com
a vida real.
No romance de Bacchelli, pode-se perceber essa relação estreita dos
protagonistas com o autor, o qual transfigura a vida real e as personagens reais
através de sua personagem fictícia, fazendo com que esta lute, sofra, chore, se
arrependa e viva como um homem da realidade. O romancista dá características
comuns a esta personagem, a qual não representa uma cópia fiel de alguma pessoa
real, mas é inventada a partir de uma realidade conhecida e vivenciada pelo próprio
autor.
Enfim, após algumas análises sobre a relação das personagens com as
adversidades da vida e com Deus, percebe-se que o homem, na visão de Bacchelli,
como ser temporal e histórico, está sujeito ao fluxo da história e à sua força
irresistível, e ao mesmo tempo, através da matéria que a história lhe oferece, ele tem
que construir a sua vida e confrontar-se com o seu destino eterno, do qual ele
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também é responsável. Temos, portanto, uma representação da vida humana entre
os acontecimentos materiais da existência e o sentido que se coloca para além da
história, no plano da Providência Divina.
CONSIDERAÇÕES
A pesquisa ainda encontra-se em fase inicial, portanto, não é possível
apresentar possíveis conclusões a serem citadas ou apresentadas nesse momento.
REFERÊNCIAS
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24º
Domingo
do
Tempo
Comum.
Episódio
56.
Disponível
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<http://padrepauloricardo.org/episodios/nunca-desesperar-da-misericordia-de-deus24-domingo-do-tempo-comum> Acesso em: 23 jul. 2013.
_____. Pe Paulo Ricardo. Um Olhar que cura: terapia das doenças espirituais. São
Paulo: 2008.
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perdão.
São
Paulo:
2013.
Disponível
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PROCESSOS INTERTEXTUAIS EM NELSON RODRIGUES: A VIDA COMO ELA
É ... NA LITERATURA E EM OUTRAS LINGUAGENS
Patricia Barth Radaelli45
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma proposta de pesquisa do Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração em Linguagem e
Sociedade, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, com linha
de pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos Comparados. A partir
do projeto, pretendem-se investigar os meandros da obra de Nelson Rodrigues com
enfoque para os estudos da Linguagem Literária, suas interfaces sociais e os
processos de adaptação para diferentes gêneros textuais. Apesar de o autor possuir
uma extensa obra, foi com a dramaturgia - peças recheadas por temáticas que
escandalizavam por retratarem o espírito e a ideologia da classe média - que
Rodrigues se transformou num dos maiores escritores do Brasil. As dezessete peças
inovavam no estilo, na estética, na abordagem de temas polêmicos e,
principalmente, na construção das complexas personagens. Grande parte dessa
composição tem sido adaptada para o cinema e para a televisão. Foram três décadas
de produções que continuam ecoando fortemente em distintos campos da arte, com
diferentes entrelaçamentos de linguagens. A proposta de análise, então, visa à
interpretação desses enredos construídos pelo dramaturgo, com evidência para os
fatores que atuam na organização interna e externa da obra, bem como para os
elementos estéticos dos processos de adaptação dos textos para diferentes gêneros.
O objetivo é desvendar os efeitos expressivos que compõem esses diferentes
projetos ficcionais e analisar como essas composições dialogam com outras, em
processos intertextuais.
PALAVRAS-CHAVE: Nelson Rodrigues; dramaturgia; adaptação; intertextualidade.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho expõe uma proposta de análise, de pesquisa que está
sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, com
o objetivo apontar o valor representativo da obra de Nelson Rodrigues pelos estudos
Aluna do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – nível doutorado - da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná - Área de concentração Linguagem e Sociedade, da Linha de Pesquisa
Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos Comparados, sob orientação da Prof. Dra. Lourdes
Kaminski Alves.
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
da Linguagem Literária e dos processos de adaptação e intertextualidade para
diferentes gêneros – como o cinema e a televisão.
Hiperbólico, polemista, controverso, surpreendente, reacionário, anjo
pornográfico, dentre outras tantas, são expressões que adjetivam Nelson Rodrigues
(1912 – 1980); autor polígrafo e plural que transitou por diversos gêneros literários,
com traços de um humor irônico, nos meandros das suas composições. Com
elementos melodramáticos, marcados por forte expressividade, o autor compõe, em
cinquenta e cinco anos de produção, um itinerário latente que abarca crônicas,
contos, romances e dezessete peças de teatro, que o consagraram com um
expoente dramaturgo brasileiro. Os textos exploram temáticas paradoxais de amor,
sexo e ciúmes; relacionamentos amorosos e traição, subversão aos preceitos
morais, tão velados pela sociedade contemporânea à época de suas produções.
A proposta de análise, então, visa à interpretação desses enredos construídos
pelo dramaturgo, com evidência para os fatores que atuam na organização interna e
externa da obra – texto e contexto, bem como para os elementos estéticos dos
processos de adaptação dos textos para diferentes gêneros literários, produzidos
tanto pelo próprio autor, quanto por outros escritores. O objetivo é desvendar os
efeitos expressivos que compõem esses diferentes projetos ficcionais e analisar
como essas composições dialogam com outras. Ressalta-se que o viés de análise
tem sido aquele que considera toda a criação e recriação literária/artística como um
projeto estético e ideológico do seu autor.
METODOLOGIA
A proposta do projeto visa à análise e a interpretação dos enredos construídos
por Nelson Rodrigues e adaptados para diferentes gêneros literários, tanto pelo autor
quanto por outros escritores; a evidência dar-se-á para as diferentes linguagens,
suas convergências e divergências estéticas, estruturais e sociais. Para tanto, os
trabalhos desta pesquisa são desenvolvidos a partir da metodologia dos Estudos
Comparados, com pontos de entrelaçamento em outras teorias possíveis, com as
contribuições teóricas destacadas por Carvalhal, na obra Literatura Comparada
(2003). Também serão destacadas as contribuições de Kristeva, com enfoque para
seus estudos da crítica literária, sobre a intertextualidade, na obra Introdução à
Semanálise (1974). Ainda, as contribuições de Bakhtin, com a obra Problemas da
poética de Dostiévski(1929), na qual o autor ressalta o caráter dialógico da literatura,
bem como as transposições de elementos entre os textos e destes com o contexto
em que foram criados.
Dentre outros teóricos, também serão buscadas as contribuições de Linda
Hutcheon, com os conceitos explicitados em sua obra Uma teoria da adaptação
(2013), sobre os processos de releitura e recriação das obras literárias e, ainda, as
considerações conceituais de Eric Bentley, na obra O dramaturgo como pensador
(1991); já que este autor explicita exatamente o papel de dramaturgo e as
transposições do gênero escrito para o teatro para outras linguagens artísticas.
Bentley analisa e expõe os elementos que dialogam entre as obras, as
convergências e as divergências entre os gêneros. Para a análise proposta,
inicialmente, será organizado o levantamento da fortuna crítica do autor, com leitura
de dissertações e teses desenvolvidas no meio acadêmico a partir da obra de Nelson
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Rodrigues. Depois, organizar-se-á a seleção de um corpus significativo da obra para
análise. O enfoque proposto direciona-se para o estudo do enredo, texto e contexto
das peças teatrais, contos, crônicas, novelas e filmes. A partir do recorte da obra, a
análise se dará com a relação dos textos que foram traduzidos para outras
linguagens, com evidencia aos procedimentos que caracterizam as adaptações e os
diálogos que se mantém entre eles, bem como os processos de assimilação criativa
dos elementos, desvendando as peculiaridades de cada texto e também os
entendimentos dos processos de produção e adaptação literária.
Na organização da pesquisa, evidenciar-se-ão, dessa forma, as inserções
dialéticas das estruturas textuais e extratextuais, com a interpretação dos motivos
que geraram essas relações, bem como as ressonâncias provocadas pelas
adaptações dos textos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As obras literárias expõem enredos que contam e recontam dialeticamente
histórias da humanidade. Os elementos que compõem os projetos estéticos e
ideológicos dos autores são carregados por elementos expressivos configurados por
ressonâncias do contexto histórico e social e, ainda, de outras obras. Vários críticos
literários abordam essas relações.
Para Mesquita (1994), a literatura, mesmo em se ressaltando seu caráter
ficcional, terá sempre uma vinculação com o real.
O enredo mais delirante, surreal, metafórico estará dentro da
realidade, partirá dela, ainda quando pretende negá-la [...]. Será
sempre expressão de uma intimidade fantasiada entre verdade e
mentira, entre o real vivido e o real possível. [...]. Esse diálogo será
tenso, dialético, instaurador de novas realidades, diferenciadas entre
si e semelhantes, na medida em que têm as mesmas motivações as
mesmas funções dentre das comunidades humanas em que se
produzem e onde são lidas e interpretadas. (MESQUITA, 1994, p.14)
Porém, ao problematizar a realidade humana para registrá-la pela linguagem
artística, a literatura não se delimita a um produto de condicionamentos históricos e
sociais. O valor essencial dessa arte reside nos elementos estéticos que a compõem,
nos diálogos, nas repercussões, sejam ecos da realidade para a ficção ou mesmo
da ficção para a ficção. Evidencia-se, dessa forma, a função criadora do autor, que
organiza seu processo estético de criação - dá forma e conteúdo à obra - com
diálogos estabelecidos entre a realidade e a ficção e, ainda, entre a ficção e a ficção,
pela leitura de outras obras que produzem um eco discursivo.
Segundo Kristeva (1974), crítica literária francesa que desenvolve estudos
sobre intertextualidade, todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo
texto é absorção e transformação de textos. Para a autora, “[...] a palavra literária
não é um ponto (um sentido fixo), mas um cruzamento de superfícies textuais, um
diálogo de diversas escrituras: do escritor, do destinatário (ou da personagem), do
contexto cultural atual ou anterior” (KRISTEVA, 1974, p 62).
A literatura se configura, assim, como um mosaico cultural, com várias vozes
que vão compondo as narrativas e estabelecendo as relações entre os textos.
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Perrone-Moisés, pesquisadora em literatura comparada da USP, escreve em seu
artigo Literatura Comparada: intertexto e antropofagia (1990) sobre a noção de
influência entre a arte literária – “As ‘influências’ não se reduzem a um fenômeno
simples de recepção passiva, mas são um confronto produtivo com o outro, sem que
se estabeleçam hierarquias valorativas” (PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 94 e 95).
A autora salienta que a literatura nasce de outros textos literários, de gêneros
e temas já explorados, e que cada nova obra tem relação com as anteriores, com
retomadas, empréstimos e trocas, por consentimento ou contestação. A imagem
metafórica do ritual antropofágico retomado é, para a pesquisadora, “[...] antes de
tudo o desejo do Outro, a abertura e a receptividade para o alheio, desembocando
na devoração e na absorção da alteridade”. (PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 95)
A antropofagia, nessa conceituação, é tomada num contexto mágico
cerimonial, que devora o outro para adquirir suas características, a força discursiva
do texto. A obra se inscreve, por esse ritual, em diálogos com outra obra, porém para
um novo projeto estético. Silviano Santiago (2000) reitera esse conceito ao tratar do
signo estrangeiro na obra do escritor latino-americano - “[...] as palavras do outro têm
a particularidade de se apresentarem como objetos que fascinam seus olhos, seus
dedos, e a escritura do segundo texto é em parte a história de uma experiência
sensual como signo estrangeiro” (SANTIAGO, 2000, p. 21).
As obras literárias, nessa perspectiva, trazem enredos que contam e
recontam, de maneira diferente, com novos signos e em novos espaços culturais,
histórias que dialogam em vários elementos. Um texto produzido por reflexo de
outros textos, que possui, porém, “[...] uma assimilação inquieta e insubordinada,
antropófaga. [...] um novo texto escrevível, texto que pode incitá-los ao trabalho,
servir-lhes de modelo na organização de sua própria escritura”. (SANTIAGO, 2000,
p. 20). A leitura, assim, é concebida como uma forma de produção.
Assim, ressalta-se esse caráter dos escritores, latino-americanos ou não,
estarem sempre inseridos no processo de refratar histórias, sejam reais ou ficcionais.
Questão que não se configura como uma característica contemporânea. Mesmo na
antiguidade, os gregos Ésquilo, Sófocles e Eurípedes revisitavam espaços sociais,
e ficcionais. Os grandes poetas gregos foram, a partir de suas obras, historiadores
em arte, por já refratarem questões de sua época – a cultura de seu povo – os mitos
e as crenças. Ecos da tragédia grega tem se reconstituído por centenas de anos.
Na contemporaneidade, Nelson Rodrigues (1912 - 1980), um dos maiores e
mais polêmicos dramaturgos do Brasil, produz uma extensa obra abarcando
romances, poesias, contos, crônicas e dezessete peças teatrais, produzidas com
temáticas, consideradas pelos críticos como obra de ressonâncias das tragédias
gregas. Para o crítico Sábato Magaldi (1981), “Nelson nunca se recuperou das
tragédias familiares e elas estão no substrato das histórias mais inocentes que
compôs. [...] Ironia do destino, no melhor sentido moderno da Moira Grega, Nelson
incorporou, com a sua verdade da experiência pessoal ao seu teatro.” (MAGALDI,
1981, p. 11).
O autor brasileiro fora, considerado pela crítica, irreverente para o registro
literário de seu tempo. O teatro de Nelson Rodrigues explora temáticas de
desmascaramento da família patriarcal – num estilo irônico e sarcástico – usufruindo
de múltiplos recursos de variações de linguagem, de intrigas, de personagens e
situações. A obra salienta a necessidade de libertação das convenções sociais. O
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jogo ficcional preconiza a exploração das temáticas entrelaçadas a vários fatores
sociais.
Embora a crítica o reverencie pela sua composição dramatúrgica, Ruy Castro,
ao escrever a obra O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues (1992),
sentenciaque Nelson nem sempre teve o teatro como palco principal “Talvez nunca
o tenha sido. Esse, se houve um, foi o jornal. Pode ter sido também a rua (ou a
própria cidade do Rio de Janeiro)” (CASTRO, 1992, p. 7).
Foram mais de dois mil textos de contos e crônicas estampados nas colunas
dos jornais por onde passou o escritor. Este fora sempre considerado pela crítica
irreverente para o registro literário de seu tempo; seus textos exploravam temáticas
de desmascaramento da família patriarcal – num estilo irônico e sarcástico –
usufruindo de múltiplos recursos de variações de linguagem, de intrigas, de
personagens e situações. A obra salienta a necessidade de libertação das
convenções sociais.
Em 1951, Nelson começa a publicar uma coluna diária no periódico Última Hora
com o título A Vida como ela é..., que em pouco tempo atingiu um grande sucesso
popular. A seção em 1961 passa a ser publicada no Diário da Noite e, logo depois,
em O Globo. No final desse ano, Nelson Rodrigues faz uma seleção dos cem
melhores contos e publica A Vida como ela é ... (1961). Senna e Jerônimo, em nota
do editor para a obra afirmaram que as publicações:
Como o melhor jornalismo, falava direto ao público; como a literatura
mais sofisticada, fazia tremer suas convicções. Sob as manchetes, o
leitor encontrava, pela primeira vez em letra de forma, ciúme e
obsessão, dilemas morais, inveja, desejos desgovernados, adultério
e sexo. Diagramados, estavam ali o céu e o inferno das tradicionais
famílias dos subúrbios cariocas afrontadas pela emergente classe
média de Copacabana". (SENNA e JERONIMO, 2012, p. 9)
Outros três livros de crônicas, publicados com as seleções feitas pelo próprio
autor, seguiram a primeira coletânea: A menina sem estrela (1967) O óbvio ululante
(1968), A cabra vadia (1968). Uma década depois, o autor publica O reacionário:
memórias e confissões (1977) -sobre o período em que escreveu as seções
Memórias, no Correio da Manhã e Confissões em O Globo. Às crônicas, peças e aos
contos, ainda somaram-se os romances. Dentre eles: Meu destino é pecar (1944); A
mulher que amou demais (1949); Asfalto selvagem: Engraçadinha, seus pecados e
seus amores (1959).
Carlos Heitor Cony, ao escrever o prefácio da edição de 2008, de O
Reacionário, salientou a expressão “anjo pornográfico”, que adjetivava Nelson
Rodrigues e, acrescentou “Foi, sim, um anjo corajoso, que, em busca de um paraíso
perdido, usufruiu de uma dose de provocações que o tornou odiado por moralistas e
progressistas (CONY, 2008, p. 19).
Dentre tantas outras publicações organizadas a partir da obra de Nelson
Rodrigues, evidenciam-se os livros de contos e crônicas reorganizados com a
seleção de Ruy Castro: A vida como ela é... O homem fiel e outros contos (1992) A
coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é...,(1993) e O óbvio ululante,
primeiras confissões (1993).
Vários desses textos foram adaptados para o cinema e para a televisão. Sobre
o processo de adaptação, Hutcheon (2013) faz uma classificação, definindo-o ou
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como transposição anunciada (com a mudança de gênero ou mídia) ou como
processo de (re)interpretação e (re)criação. Para Hutcheon (idem) a adaptação é
uma forma de intertextualidade de textos que ressoam pelas repetições com algumas
necessárias variações.
Esses aspectos estéticos e culturais, bem como a teoria dos estudos
comparados, e seus entrelaçamentos com outras teorias que versam sobre os
processos de adaptação e intertextualidade, serão considerados na pesquisa.
CONCLUSÕES
Nelson Rodrigues transitou por vários gêneros da Literatura e teve sua obra
adaptada por outros escritores e cineastas para várias linguagens artísticas. Sobre
esse processo, Hutcheon (2013) destaca, em sua proposta de análise, três conjuntos
de elementos a serem considerados. Sobre o primeiro, a autora ressalta que a
adaptação é uma transposição anunciada e extensiva de uma ou mais obras em
particular. “Essa ‘transcodificação’ pode envolver uma mudança de mídia (de um
poema para um filme) ou gênero (de um épico para um romance), ou uma mudança
de foco e, portanto, de contexto” (HUTCHEON, 2013, p.29). Em segundo, por
também se tratar de um processo criação, a adaptação sempre envolve tanto uma
(re) interpretação quanto uma (re)criação; dependendo da perspectiva, isso pode ser
chamado de apropriação ou recuperação. Em terceiro, “vista a partir da perspectiva
do seu processo de recepção, a adaptação é uma forma de intertextualidade; [...]
outras obras que ressoam através da repetição com variação” (HUTCHEON, 2013,
p.29 e 30).
As três vertentes podem estar imersas numa proposta de análise dos
fenômenos das adaptações. A ênfase nesses aspectos, bem como o entendimento
da adaptação não só como a criação outro produto, mas como um processo, que
provoca idiossincrasias plurais, é uma forma de abordar as várias dimensões do
fenômeno.
Há que se pensar sobre A vida como ela é (2012), obra que reúne cem contos
de Nelson Rodrigues, como uma recriação de temas explorados pelo autor em suas
peças escritas para o teatro: a dualidade entre amor e sexo, o ciúme a fidelidade, a
subversão às proposições morais; são nuances presentes em todos os gêneros
produzidos pelo autor.
As propostas de Hutcheon (2013), bem como as contribuições de Santiago
(2000), as exposições de Magaldi (1981), de Brandão (2001), de Bakhtin (2002), de
Perrone-Moisés (1990), Kristeva (1974), de Rosenfeld (2002), dentre outros autores,
provocam a análise da produção das obras literárias, com todas as suas nuances
estéticas, bem como dos efeitos caleidoscópicos provocados pela leitura e recriação
das obras para outros gêneros, outras linguagens artísticas.
REFERÊNCIAS
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Forense Universitária, 2002.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
DIALOGISMO E POLIFONIA NO PENSAMENTO PÓS-COLONIAL DE VIOLETA
PARRA
Patricia Cuevas Estivil46
RESUMO
Este estudo se situa no âmbito dos estudos pós-coloniais, e tem por objetivo refletir
aobre a nova relação do homem conquistado com seus conquistadores,
questionamento presente na obra de Franzt Fanon, Os Condenados da terra (1961),
considerada uma prerrogativa descolonizadora do pensamento. Para dialogar com
os questionamentos apresentados por Fanon abordam-se os mecanismos de
resistência cultural observados na obra literária e plástica de poeta chilena Violeta
Parra. A análise polifônica dos poemas musicados das Décimas Autobiográficas de
Violeta Parra (1954-1958), apresentam uma consciência emancipadora a diferença
do poema musicado que a fez mundialmente conhecida “Gracias a la vida” em que
a poeta fala do amor.
PALAVRAS-CHAVE: Polifinia; Pós-colonialismo; Violeta Parra.
INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa centra-se em compreender de que maneira e em
que grau se encontra hoje, o processo de transculturação (GARCÍA CANCLINI,1987)
dos povos originários do continente atualmente denominado América Latina e do
conhecimento marginado e silenciado pela retórica moderno-ocidental da ciência,
como a base do argumento de-colonial de Walter Mignolo (2008).
No período colonial se observa um processo de educação, deseducação, e
reeducação no interior das culturas pré-hispânicas e pré-lusitanas, que transforma a
consciência de si, agindo no subconsciente dos povos colonizados. Na compreensão
de Frantz Fanon (1961), desvalorizando seus conhecimentos, desnutre seus corpos
e acaba com uma grande parte das culturas e nações organizadas, constituídas em
torno a um fazer em conjunto.
As violentas ações com que se instalaram os europeus em territórios
americanos, em suas cidades, (porque eram cidades, em sua grande maioria.
Lembremos a admiração com que Hernán Cortés descreve a cidade de azteca de
Temixtitan na Carta de las Relaciones de la Conquista de México, enviada ao rei da
Espanha, em 1519) darão inicio ao que representa a principal causa do hibridismo
cultural e ao sincretismo religioso que hoje apresentam os povos da América Latina.
Da perda de valores humanos, do abandono e troca de costumes e, incluso, de seus
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Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade, Linha de pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos
Comparados, – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, sob orientação da professora Dra. Ximena Antonia Díaz Merino. Endereço eletrônico:
[email protected]
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modos de produzir seus próprios alimentos, nutrir seus núcleos familiares e até
organizá-los economicamente. Neste sentido, a colonização ao se instalar na
América, provocou o lento e gradativo abandono de grande parte do que poderia ser
chamado de cosmologia indígena, ou seja, o modo de ver e pensar a religião, os
costumes e o uso de sua língua/linguagem para comunicar/expressar seu
pensamento. Isto implica uma transformação na forma de expressar seu eu mais
profundo, pois a construção de sentido é o elemento de expressão e transmissão
cultural máxima, em qualquer cultura.
Lendo as análises que o médico psiquiatra Frantz Fanon (1944-1961),
desenvolveu entre 1952/60, sobre o comportamento dos povos argelinos
colonizados pela França, e seu interesse e gosto por falar a língua do conquistador,
destaca-se um elemento indicial que levará Fanon (1960), a compreender que esta
forma de dominação é a pior de todas as dominações que pode sofrer o homem.
Aquela que se dá por meio da substituição da língua materna pela língua do
conquistador. Ela é a mais drástica das dominações, pois a língua carrega o capital
simbólico de uma cultura, o qual passa a localizar-se “na margem deslizante do
deslocamento cultural” (BHABHA,1998, p. 44). Em outras palavras, localiza o homem
conquistado num entre-lugar (SANTIAGO, 2000), um espaço de hibridação.
Entretanto, esse gosto não provém do fato de querer ser como o conquistador, mas
de deixar de ser conquistado, e antropofagicamente, se apropriar daquilo que lhe
interessa do outro.
Nesse sentido, se faz necessária uma indagação primigênea que configura a
hipótese deste projeto: até que ponto esse processo de educação, (des)educação,
e (re)educação extingue da alma, de um povo que habita um território invadido,
costumes, valores e conhecimentos, e os substitui pelos do invasor, levado pelo
suposto desejo de ser o outro, ou, pela necessidade de adquirir algumas qualidades
do outro para lidar com esse outro em condições de igualdade. E se esta hipótese é
verdadeira, como se dá na obra de Violeta Parra? Acreditamos que ao deixar de se
expressar na língua de seus iguais e se apropriar da língua do conquistador, o outro,
neste caso o conquistado, acredita mudar seu status quo pela diferencia e
semelhança. Seu desejo de adquirir características do seu exterminador, não
envolve admiração e sim, desejo de recuperar sua integridade de homem livre,
íntegro. Essa libertação significaria a superação do trauma da conquista desde a
urgência descolonizadora, e o pensamento limiar, isto é, a urgência e necessidade
da desmontagem dos mecanismos de alienação europeus na América Latina, por
meio da interfaz literatura oral – cultura popular – linguagem – literatura – sociedade.
METODOLOGIA
Este estudo está pautado no estabelecimento dos nexos existentes entre o
pensamento pós-colonialista de Frantz Fanon e a obra de Violeta Parra, buscando
as aproximações e os distanciamentos entre a obra plástica e literária da autora, que
objetiva identificar os processos de desconstrução de uma identidade fixada pelo
conquistador e pautada no binarismo cultural que afirma a superioridade do
conhecimento epistemológico ocidental.
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Para tanto conta-se com a seguinte fundamentação teórica: Walter Mignolo
(2007), Frantz Fanon (1960), Jean Paul Sartre (1960), Hommi Bhabha (1998), Zilá
Bernd (1987), Octavio Paz (1982), Mikhail Bakhtin (1982;2000;2010)
A poeta, compositora, cantora, guitarrista e pesquisadora Violeta Parra
Sandoval (1917– 1967) possui uma obra que, pelas características da linguagem
literária, forma e estilo se inscreve nos estudos pós-coloniais. Neste contexto, nosso
Corpus a ser analisado corresponde à parte da obra da autora que marca a etapa
posterior a sua pesquisa de campo, por se tratar de um período, no qual já havia
resgatado mais de 3000 poemas e canções camponesas do folclore chileno inédito,
e encontrava-se em processo de encerramento de seu ciclo de intérprete e (re)
copiladora-pesquisadora, para dedicar-se a criar suas Décimas Autobiográficas de
Violeta Parra, processo que se estende por quatro anos, entre 1954 e 1958. As
arpilleras47 começam a ser confeccionadas em 1958, obra plástica composta de 22
arpilleras, além disto, a obra plástica que se pretende analisar conta com 26 pinturas
a óleo, e 13 esculturas em arame, assim como sua obra poética musicada.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Dentro dos estudos realizados até novembro de 2014, foi realizada a analise
de uma parte das criações mais importantes da autora chilena: As Décimas
Autobiográficas de Violeta Parra (1954). Um dos resultados é, justamente, a maneira
de introduzir temas, ritmos e sons da forma culta à cultura popular. Uma forma híbrida
intermediária entre a tradição clássica e o canto popular. Nas palavras da
pesquisadora Paula Miranda (2009), uma das maiores estudiosas de Parra,
Las Décimas se instalan en un espacio atípico del arte, pues no se pueden
inscribir totalmente en los registros del arte culto ni tampoco en los del
folklore, moviéndose entre uno y otro y siendo irreductible sólo a uno de
ellos. Ella se para en el límite de la cultura tradicional para reinventarla,
transgredirla y fijar la memoria oral en la escritura, y se ubica a la vez en los
intersticios del gran arte para producir desde él una mirada de desconcierto
y extrañeza (MIRANDA, 2009, p.18).
Outro dos resultados que foram obtidos, referem-se à relação que a autora
faz desde um plano prático com a teoria literária, fazendo uma junção da realidade
de seu país e de sua própria experiência de vida com as artes. Isto se reflete em sua
obra plástica das arpilleras a qual apresenta um paralelo com a obra literária das
Décimas. A atualização e edição de lendas e de mitos indígenas no tecido das
arpilleras lhe possibilitou, em muitos casos, dar a conhecer a literatura oral dos
recônditos campos chilenos, e fornecer elementos de compreensão da realidade
mais esquecida de seu país.
No âmbito literário, percebe-se que a literatura popular caminha de mãos
dadas com a tradição considerada culta, já que trazida pelos colonizadores ficou
restrita à tradição oral, às tertúlias, em que os mais velhos rememoravam suas
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Tipo de tapeçaria confeccionado em juta, um tecido feito de um material retirado da casca de uma
árvore. (WordReference.com/2005)
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canções, lendas e tradições como forma de deleitar-se com as lembranças do
passado. Deste modo, foram reproduzidas por mais de quinhentos anos, de forma
oral. No interior dos lares campesinos estes ritmos tomaram corpo, e na poesia
vanguardista de Violeta Parra, adquiriram novos traços de modernidade,
entrelaçando suas histórias de vida e espiritualidade aos motivos da terra. Esse labor
poético resultou em poemas musicados e em tapeçarias bordadas. Essas arpilleras
revelam ao uníssono, que os costumes da América pré-hispânica haviam sofrido um
processo de hibridação e amalgamação tão profundo que, já era difícil identificar as
raízes culturais da América Latina.
Neste primeiro momento da pesquisa, em que se procurou identificar os
traços polifônicos da obra de Violeta Parra, foram analisados dois poemas
musicados: “La carta”(1960) e “Casamiento de negros”, e fragmentos das Décimas
Autobiográficas de Violeta Parra(1954) por representar o diálogo com o social e o
caráter ascético que emerge no agir da autora, um sentimento de responsabilidade
para com seu povo, além de por evidenciar as injustiças sociais em prol de uma
cultura ocidental que se antepõe à mestiçagem latino-americana. Também fica
evidente o interesse da autora por apresentar a relação do homem com a terra e
suas crenças nas arpilleras intituladas “El árbol de la vida” e “El Cristo de Biquini”.
De acordo com estes estudos, pode-se compreender que as analises
pautadas no agir pós-colonial lançam um novo olhar sobre aqueles escritores, poetas
populares, que, excluídos pela fixidez das normas do sistema literário tradicional,
considerado erudito, são mantidos à margem do “seleto” grupo da literatura culta.
Contudo, em plena pós-modernidade do século XXI, e amparadas numa nova visão
do que constitui a arte poética, estas categorias de análise foram flexibilizando suas
formas, as quais, hoje, se apresentam liquidas ou permeáveis, permitindo, assim, a
introdução de obras de escritores consideradas outrora literatura popular, como é o
caso da obra plástica e literária de Violeta Parra.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
A ESTÉTICA DO HORROR EM AMÁLGAMA DE RUBEM FONSECA
Regina Coeli Machado e Silva
RESUMO
O objetivo desta apresentação é mostrar as possibilidades de uma antropologia da narrativa
literária, especificamente a de Rubem Fonseca. Creio que ele dispensa apresentações, pois
é um autor consagrado, reconhecido fora e dentro do campo literário brasileiro. Com 89
anos, acaba de receber o Prêmio Jabuti de 2014 pela coletânea Amálgama, de onde retirei
o conto O filho, objeto de interesse aqui. Compreender o que subjaz a escrita e a leitura
desse conto é participar do debate antropológico sobre o que constitui nossa semelhança
de fundo, uma inquietação sobre a nossa humanidade diante de formas de afirmação e
negação da vida e da morte. Sob esse prisma, o conto explicita a lógica da
incomensurabilidade entre vida e viver, sendo a expressão do horror e da dupla
presentificação dos tabus sociais diante de algo que não podemos escapar: a fragilidade, a
vulnerabilidade e a insignificância da vida.
PALAVRAS-CHAVE: Rubem Fonseca; antropologia da literatura; horror.
INTRODUÇÃO
A menção a uma antropologia da arte, e correlativamente, da literatura, não supõe
uma convergência entre esses conceitos. Ao contrário, dá lugar a polêmicas teóricas
imanentes, que acompanharam e acompanham as tentativas de instaurá-la como uma
subárea especifica de reflexão antropológica, nascida na chamada moderna sociedade
ocidental.
Uma das razões dessa polêmica foi o processo de autonomização da arte que,
sistematizado por Kant, tornou-a objeto da estética, separada da religião, da moral e da
política e excluída da idéia do conhecimento como razão. Essa concepção fundadora
permaneceu como um legado persistente na antropologia da arte, dividindo as tradições
teórico-metodológicas que configuram os objetos de análise específicos. As ressonâncias
profundas desse solo epistemológico cristalizam-se em diferentes posições de um debate
ainda longe de ser esgotado. De qualquer forma, seja assumida, negligenciada ou
deslocada, a antropologia da arte é parte da autorreflexão da disciplina nas últimas décadas,
acompanhando-a por vias tortuosas. Uma delas é justamente a pulverização da categoria
estética que, mesmo não sendo uma categoria transcultural, acaba alargando os estudos
antropológicos para acolher a cultura material, utilizando-se de categorias êmicas para
estudos de relações, práticas e saberes engendrados pelos objetos.
Isto posto, minha pergunta é: seria possível pensar em uma antropologia da narrativa
literária como expressão artística? Tal pergunta torna-se ainda mais relevante se
considerarmos o interesse crescente da própria escrita etnográfica como um gênero literário
e suas implicações políticas, movimento iniciado com a crítica desestabilizadora de Clifford
e Marcus, 1986, Geertz, 2002 e Tyler, 1986 entre outros. Uma de suas consequências foi a
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
exploração das fronteiras móveis entre antropologia e literatura no século XX, de modo que
as descrições etnográficas passaram a ser vistas como empreendimentos textuais situados
em circunstâncias históricas e culturais específicas, como mostrou Clifford (1998) em seu
ensaio, ao aproximar Malinowski e Conrad. Além disso, a crítica desses autores
evidenciaram, em várias publicações, o quanto a antropologia pode estar mais próxima da
literatura por meio de artifícios narrativos usados para expressar a experiência de campo. A
preocupação com a escrita etnográfica evidenciou que a narrativa não se restringe nem se
confunde com a descrição, mas carrega em si mesma um modo de pensar a vida social.
Para usar uma terminologia de Geertz (1989), a escrita etnográfica produz uma “descrição
densa” ao explicitar por meio dela uma interpretação do objeto narrado. Isso permitiu, em
homologia com a literatura, por exemplo, nos referirmos às etnografias do século XIX como
escritas realistas e, as recentes, como reflexivas.
Esse movimento meta-narrativo é paralelo ao ocorrido na construção de narrativas
literárias. No que se refere à meta-ficção, a auto-consciência reflexiva do processo literário
questiona a própria a narrativa enquanto narra e, embora tenha sido co-constitutiva da
literatura, passou a ser radicalizada recentemente. Isto é, as narrativas literárias voltam-se
para si mesmas, atentas ao lugar e as condições em que elas próprias se inscrevem,
refletindo sobre a ficcionalidade e o próprio processo de escrita no romance.
METODOLOGIA
Do ponto de vista analítico, evidenciar a experiência estética como uma dupla
presentificação não implica excluir as análises próprias ao significado, que concebem essa
experiência como um sistema de significados ordenando relações entre diferentes
dimensões da realidade, como propôs Lévi-Strauss (1989, 2003) ou como uma das
dimensões simbólicas da ação social, como propôs Geertz (1989,1997).
A análise focaliza o diálogo que se dá entre a narrativa de Rubem Fonseca, (2013),
nossas teorias nativas sobre os tabus ligados à morte e à vida, as teorias antropológicas
sobre eles (Douglas s/d), Agamben, 2002) e as teorias literárias (críticas sobre a obra de
Rubem Fonseca, 2003) cujo objeto é a inquietação a respeito da nossa humanidade. Embora
esse diálogo incida nas tensões co-constitutivas entre presença e significado, quero enfatizar
justamente a produção da presença, como propôs Gumbrecht (2010).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A narrativa do conto intitulado O filho (2013) explora alternativas de solução para uma
gravidez indesejada por sucessivos deslizamentos semânticos e por diferentes desvios que
podem se interpor no caminho de uma “vida” em curso desde a gravidez. Como condiz a um
conto, o narrador concentra em poucas páginas esse acontecimento, seccionando por saltos
o tempo narrativo, interrompendo o fluxo de consciência e deixando espaços vazios para
que o não narrado se expresse:
“Jéssica tinha 16 anos quando ficou grávida.
É melhor tirar, disse a mãe dela. Você sabe quem é o pai?
Jéssica não sabia. Respondeu, não interessa quem é o pai, são todos uns merdas.
Combinaram que iam fazer aborto na casa da mãe de santo D. Gertrudes, que fazia todos
os partos e abortos daquela comunidade”(2013, p.7).
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Porém, na véspera de realizar o aborto, Jéssica comunicou a mãe que ficaria com o
bebê e se ele desse muito trabalho poderia “dá-lo” ou “vendê-lo”, como fizera uma de suas
amigas. A intermediária foi também D. Gertrudes. A mãe de Jéssica decidiu ela mesma
vender o bebê para comprar uma dentadura. “O tempo foi passando” e, no dia do parto, na
casa da mãe de santo, o bebê nasceu. Era menino. D. Benedita “olhou o bebê e
imediatamente saiu correndo da casa da D. Gertrudes” (2013, p.10), sem levá-lo. Entregue
à Jéssica, “ela olhou o filho e não disse uma palavra. Pegou o bebê, e foi lentamente
caminhando pela rua até que encontrou a primeira lata de lixo grande. Então jogou o bebê
na lata de lixo. O bebê era aleijado. Só tinha um braço. Ela não ia dar de mamar nem
ninguém ia querer comprar aquela coisa” (2013, p.11)
Vera Lúcia Figueiredo (2003) usa a expressão “crime do texto” para esse uso da
linguagem que propicia “uma simbiose entre narrador, personagem e leitor. Perde-se o apoio
de uma voz distanciada e moralizante e rompe com a “estabilidade do discurso direto”.
Provoca uma desestabilização, porque rompe com as fronteiras erigidas pelos papeis
sociais. Todo acontecimento narrado é descentrado, em meio a uma série de outras fissuras
e dobras, como observamos no conto. A conseqüência disso é que a narrativa “não projeta
um modelo de verdade”, mas ao contrário, promove um encontro com a indiferenciação entre
vida e morte, insuportável e assustador. No entanto torna-se acessível, a nós leitores, por
esse avesso abjeto, ao mesmo tempo em que destaca em primeiro plano a inquietação a
respeito de quem somos nós.
Essa oscilação entre autor e leitor, entre o dentro e o fora da ficção,
característica radicalizada pela estética literária contemporânea na qual Rubem Fonseca se
insere, é que nos causa horror e espanto. Nem contemplação, nem fruição. Essa oscilação
induz a experimentarmos, como testemunhas, nossa maneira de estar com outros, cuja
perplexidade nos cerca, nos envolve, nos concerne e indicialmente se assemelha a nós.
Essa proximidade quase absoluta com o contexto e a ação narrados nos coloca no mesmo
plano, co-existência obtida por meio da nossa co-partipação como leitores da anulação de
significados imediatos pelo próprio imediatismo do que é narrado. Por isso, não é uma
narrativa sobre o que vemos, mas do que e como nós, contemporâneos desse presente,
vemos, pensamos e sentimos.
CONCLUSÕES
Há muitas justificativas pelas quais uma antropologia da literatura continua
pertinente. Embora a percepção comum veja a literatura como fonte de fruição, ela possui
peso ontológico, dotado de consistência própria. Na abordagem de Latour (2012) os seres
ficcionais são reconhecidos, respeitados, celebrados e só existem através de nós. Para
Bakthin (1998), a literatura é o encontro da alteridade pela linguagem, pois vemos o mundo
mediado por ela e ela nos vem do outro. Deste modo, estudar antropologicamente as
narrativas de Rubem Fonseca é refazermos o debate sobre nossa semelhança de fundo e
nos perguntar: como constituir uma sociedade quando temos dificuldade de reconhecer o
outro? Como estar com os outros se não se conseguimos ver neles a “nossa” humanidade?
Em quais condições podemos dizer que constituímos um “nós”?
Mais especificamente, uma antropologia da narrativa literária seria entender um tipo
específico de materialização dos contornos indiscerníveis dessa experiência
operacionalizada pela linguagem: no procedimento narrativo de Fonseca a linguagem
expressa e se apresenta como sinalização da violência das relações, abolindo, no texto, as
restrições e os tabus lingüísticos a respeito das situações-eventos que expõe. Operando a
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
junção entre a linguagem corriqueira e o pressuposto verossímil do narrado, mesmo que
aparentemente absurdo, os contos de Rubem Fonseca podem ser percebidos como histórias
que se insinuam na intersecção “entre” o limiar da morte e da vida, tornando-o turvo e até
sombrio.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
O OUTRO ESTRANGEIRO: ENCONTROS CULTURAIS NA AMÉRICA
Robert Thomas Georg Würmli48
RESUMO
Os estudos acerca da alteridade ganharam fôlego na contemporaneidade e
tornaram-se pauta, também, para os estudos literários, pelo fato de lidarem com o
choque entre sistemas ideológicos. Para a América, tal tipo de temática mostra-se
pertinente a partir do momento em que se avalia que o continente, como um todo,
desde o período colonial, lida com batalhas, aproximações e distanciamentos entre
sujeitos. A intensa hibridez e miscigenação, cultural e populacional, aliadas aos
processos ainda existentes de migração, imigração e emigração, auxiliam terras
americanas a serem propícias ao estudo do Outro e da alteridade. Entender quem o
outrem é e no que ele pode ajudar na integração do continente, em larga escala, e
das próprias comunidades, em menor grau, é facilitar o processo de entendimento
do passado histórico de maneira a fomentar interações sadias e críticas entre
pessoas hoje em dia. Nesse sentido, a figura escolhida como eixo principal dessa
pesquisa para o estudo da alteridade é a do estrangeiro, que, por definição,
pressupõe um sujeito à parte, pária. Três contos foram escolhidos para que se
perceba se há alteridade em relação ao outro estrangeiro: “O cavalo que bebia
cerveja”, do brasileiro Guimarães Rosa (1962); “El extranjero”, da argentina Maria
Rosa Lojo (2001), e; “The Foreigner”, do estadunidense Francis Steegmuller (1935).
A partir dos preceitos da literatura comparada, aliados às contribuições de estudiosos
como Simmel (1971), Lévinas (1980), Todorov (1983) e Kristeva (1994), entre outros,
discute-se como o continente reflete, na literatura, seus encontros culturais entre
estrangeiros e nativos.
INTRODUÇÃO
Ao longo dessa pesquisa buscamos, em um primeiro momento, fazer um
recorte acerca dos preceitos norteadores da literatura comparada, com vistas à
apreensão e intepretação de seus pressupostos. Não mais, e já há algum tempo o é
assim, apenas busca por fontes e influências, a área da literatura comparada hoje é
campo que fomenta as mais diversas relações entre o texto literário e a sociedade,
as outras formas de manifestação artística e, consequentemente, entre a literatura e
o homem também. Nesse sentido, já que a pesquisa tem como objetivo refletir,
também, sobre a figura do Outro transposta ao símbolo do estrangeiro no continente
48
Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade, Linha de pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos
Comparados – nível de Mestrado – da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, sob
orientação do Professor Dr. Gilmei Francisco Fleck. Endereço eletrônico: [email protected].
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
americano, a literatura comparada serve como força motriz a impulsionar os estudos
comparativos feitos durante a pesquisa. Graças à área, é possível mesclar diferentes
saberes do homem, amalgamá-los aos estudos literários e produzir uma análise que
se volte à compreensão do outrem em solo americano. Nesse sentido, o estilo de
estudo efetuado torna-se fulcral para sua efetivação, com a literatura comparada
como foco subjacente à construção do texto.
Com base nos princípios da literatura comparada e sua relação com o tema
proposto: configurações do outro na literatura, buscamos, em seguida, examinar
como ocorrem os processos de alteridade em diferentes nichos linguísticos do
continente americano. Para isso, optamos por lidar com três contos, pertencentes
aos idiomas principais da América: o espanhol, o inglês e o português. Nosso corpus
é, pois, oriundo de realidades socioculturais, históricas e geográficas diversas dentro
de nosso continente. Consideramos que, assim, será possível delinear,
minimamente, os processos culturais e as contingências sociais que fomentam o
encontro do Outro no continente e que estejam plasmados na arte literária.
Na América, nada aparenta ser mais pertinente que a tentativa de
confluência entre os discursos estadunidense, hispano-americano e brasileiro.
Enxergar os pontos em que essas literaturas confluem e dialogam uma com a outra
– bem como os momentos em que é visível como as perspectivas de mundo podem
ser distintas e dialetalmente opostas umas das outras – é trabalhar com a pluralidade
e reconhecer a importância de todos no processo de construção da sociedade que
se almeja criar.
Três contos foram escolhidos como corpus para a busca por alteridade em
relação ao outro estrangeiro: “The Foreigner”, do estadunidense Francis Steegmuller
(1935); “O cavalo que bebia cerveja”, do brasileiro Guimarães Rosa (1962) e; “El
extranjero”, da argentina Maria Rosa Lojo (2001). A partir dos preceitos da literatura
comparada, aliados às contribuições de estudiosos como Simmel (1971), Lévinas
(1980), Todorov (1983) e Kristeva (1994), entre outros, discute-se como o continente reflete,
na literatura, seus encontros culturais entre estrangeiros e nativos.
METODOLOGIA
A metodologia a ser empregada e que demonstra ser o modo pelo qual é
possível enxergar a riqueza da diferença, a pluralidade da confluência e a validez da
mescla, é aquela pautada nos princípios que configuram os estudos comparados.
Campo que vem sendo constantemente renovado e redefinido, configura-se como a
área pela qual a dissertação pretende enveredar-se. Seu intuito é, também, realizar,
um estudo comparativo dos encontros culturais no continente americano. Tendo em
vista as intenções do trabalho, notamos pertinente a literatura comparada, pois essa
fomenta, atualmente, a discussão fulcral sobre sociedade e arte em geral.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pensando-se nas caracterizações propostas pela pesquisa, o que se observa
é que, automaticamente, ao serem retratadas como estrangeiros, as personagens
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do corpus em questão também passam a ser vistas como párias, diferentes,
perigosas. Isso é importante, pois demonstra como mesmo a escolha da perspectiva
pela qual uma personagem é retratada já implica em sentidos e noções distintas de
mundo e já a separa da sociedade. A falta de compreensão do local e percepções
de mundo do qual o Outro parte provocam o afastamento e estranhamento para com
este, levando a uma noção equivocada e parcial acerca desse, que é tido como
diferente.
O que se almeja é imbuir na pesquisa o Outro, a partir da perspectiva do
estrangeiro, e fomentar a discussão de como se dá o processo de aceitação da
pluralidade no continente americano e o que ainda pode se esperar de mudança na
América, com vistas à melhoria no tratamento entre os indivíduos que a habitam. Se
“o hibridismo está presente em vários níveis, selecionar um aspecto não invalida os
demais, nem mesmo parte do princípio de oposição. O modelo não é Um X Outro,
mas a convivência de outros”. (WEINHARDT, 2011, p. 49). É essa convivência de
outros, como a teórica Weinhardt explicita, que é o ponto principal da pesquisa.
CONCLUSÕES
O trabalho objetivou analisar as construções simbólicas e literárias produzidas
pelos contos, procurando esmiuçar como, durante o processo de conhecimento
destes “estranhos”, as personagens, tanto estrangeiras quanto locais, sofrem o
processo de alteridade, aos poucos compreendendo as mentalidades e visões de
mundo que o outro possui. Ainda, buscamos discutir algumas das linhas de
pensamento seguidas pelas narrativas dos contos, questionando e discutindo o
modo com o qual os autores, por meio das vozes enunciadoras de suas narrativas,
criam o espaço ficcional no quais os contos se passam.
Objetivamos demonstrar como, em narrativas curtas, esses escritores
carregam perceptivelmente profundidade psicológica às suas personagens e, de
modo delicado, revelam como o ser humano, antes de tudo, está apto a compreender
o outro, contanto que aceite as diferenças que lhe são tão confusas, ao início da
relação com o estrangeiro. Os autores também fazem questão de indicar que o
estrangeiro é parte integrante dessa relação mútua, fato que aparenta ser óbvio, mas
que é problematizado nas narrativas dos escritores.
Esperamos que essa pesquisa possa contribuir para alguns propósitos
específicos que, em relação aos estudos literários produzidos em continente
americano, podem fomentar um acréscimo de conhecimento e criticidade aos
indivíduos que coabitam tal espaço geográfico, bem como aqueles que o estudam.
Pensamos que a pesquisa, pautada nos pressupostos da literatura comparada, pode
servir de aporte para demais publicações na área.
Mais além, consideramos a pesquisa relacionada ao Outro e ao conceito de
alteridade fundamental para o continente americano, que tanto lida com a temática
e que tanta importância dá a ela nas últimas décadas. O desvelar do outro, o
reconhecimento das diferenças e a compreensão dos espaços de mescla e
separação são noções críticas ao sujeito americano como um todo e, quando
conscientemente produzidas, podem levar a uma compreensão maior dos processos
inerentes às relações interpessoais dos indivíduos que coexistem na América.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
HISTÓRIA E FICÇÃO EM AGE FO IRON E DISGRACE
Ruane Maciel Kaminski Alves49
RESUMO
O presente resumo tem como objetivo um estudo comparado das obras Age of Iron
(1990) e Disgrace (1999) do escritor sul-africano John Maxwell Coetzee. O tema
proposto para o estudo comparado respalda-se na temática do apartheid tratada em
ambas as obras, além de outros elementos que encontram ressonância na estrutura
interna das duas narrativas a exemplo da focalização narrativa ancorada em
elementos de uma memória cultural que traz à tona questões de alteridade e póscolonialismo. A proposta de um estudo comparado coloca-se como profícua para
refletir sobre o diálogo instaurado pelas obras, ao trazerem o fato histórico relido
esteticamente, a partir de um contexto histórico e social, que faz emergir imagens do
Outro, o colonizado, invocando também uma reflexão sobre a alteridade, identidade
e resistência. A análise toma como pressupostos teóricos os conceitos de identidade,
alteridade, resistência e pós-colonialismo expostos por Franz Fanon (1961), Homi
Bhabha (1998), Stuart Hall (2002), Alfredo Bosi (2002), Thomas Bonnici (2009), entre
outros. Para o estudo sobre o narrador, serão tomados os pressupostos de Mikhail
Bakhtin (1993) mais precisamente a concepção de plurilinguismo no romance,
dialogismo e polifonia.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como proposta um estudo comparado das obras Age of
Iron (1990) e Disgrace (1999) do escritor sul-africano John Maxwell Coetzee. O tema
proposto para o estudo comparado respalda-se na temática do apartheid tratada em
ambas as obras, além de outros elementos que encontram ressonância na estrutura
interna das duas narrativas a exemplo da focalização narrativa ancorada em
elementos de uma memória cultural que traz à tona questões de alteridade e póscolonialismo.
O romance Age of Iron foi traduzido para o português por Sônia Régis para a
editora Siciliano com o título A idade do Ferro em 1992. O livro aborda a “cegueira
voluntária” dos brancos ao presenciarem atos de violência e segregação e não
tomarem posicionamento, o que os tornaria cúmplices da violência. Coetzee dirigese diretamente ao leitor, pois a narrativa é dirigida a uma pessoa e o pronome “você”
é recorrente no romance.
49
Graduada em História pela Universidade Estadual de Londrina em 2013. Participou do projeto de
pesquisa História e Memória: Debates, Pesquisas e Narrativas de Iniciação Científica. Membro do
Grupo de Pesquisa Confluências da Ficção, História e Memória na Literatura e nas Diversas
Linguagens. Mestranda do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Letras: Linguagem e
Sociedade da UNIOESTE, sob a orientação da Profa Dra Ximena Díaz Merino. Tem experiência na
área de História e Literatura, com ênfase em História pós-colonial, atuando principalmente no seguinte
tema: literaturas africanas de expressão portuguesa e expressão inglesa, literatura e resistência,
identidade cultural e alteridade, literatura e diáspora
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ISSN: 2175-943X
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
O romance Disgrace foi traduzido para o português como Desonra por José
Rubens Siqueira em 2000 para a editora Companhia das Letras. O livro aborda o
contexto do mundo pós-colonial marcado pela injustiça e pelo deslocamento do
homem branco no mundo sul-africano. Disgrace aborda a inversão de poderes e de
papéis sociais na relação colonizador-colonizado.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo comparativo intratextual de cunho biográfico
ancorados nos estudos pós-coloniais e na relação literatura e história. No primeiro
momento será realizada a leitura e fichamentos das obras com enfoque nas imagens
de resistência, alteridade e identidade dos elementos pós-coloniais, assim como, a
leitura dos textos que deram embasamento teórico à pesquisa e que direcionam à
análise das obras.
A proposta de um estudo comparado coloca-se como profícua para refletir
sobre o diálogo instaurado pelas obras, ao trazerem o fato histórico relido
esteticamente, a partir de um contexto histórico e social, que faz emergir imagens do
Outro, o colonizado, invocando também uma reflexão sobre a alteridade, identidade
e resistência. A análise toma como pressupostos teóricos os conceitos de identidade,
alteridade, resistência e pós-colonialismo expostos por Franz Fanon (1961), Homi
Bhabha (1998), Stuart Hall (2002), Alfredo Bosi (2002), Thomas Bonnici (2009), entre
outros. Para o estudo sobre o narrador, serão tomados os pressupostos de Mikhail
Bakhtin (1993) mais precisamente a concepção de plurilinguismo no romance,
dialogismo e polifonia.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os estudos sobre pós-colonialismo desenvolvidos por Fanon abordam sobre
“uma contradição insolúvel entre cultura e classe [...] entre representação psíquica e
realidade social” (BHABHA, 1998, p.70), quebrando as linearidades de um
pensamento centralizador que estão nas bases tradicionais da “identidade racial [...]
sempre que se descobre ser elas fundadas nos mitos narcisistas da negritude ou da
supremacia cultural branca” (BHABHA, 2003, p.70). Por este motivo, os estudos de
Fanon são propícios para o estudo da relação colonizado-colonizador e sobre
identidades no plural.
Os novos estudos acerca da formação e concepção da identidade, a partir
dos estudos de Hall (2002), abrem a possibilidade de análise sobre o conceito anteriormente entendido como uma definição estática e preso a uma estrutura - como
composto de várias identidades subjetivas, por vezes conflitantes, definidas
historicamente e não biologicamente, pelo movimento constante das sociedades
modernas.
A inexorável absorção mútua de códigos, causada pela força e pela
intransigência do colonizador, acabou por promover o extermínio de tradições e
culturas nativas engendrando, por sua vez, a validação de sociedades mistas.
O crítico pós-colonial Homi Bhabha (1998), ao desenvolver um estudo sobre
a sociedade indiana colonizada pelos ingleses, questiona o modo de representação
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
da alteridade e discute como se dá a construção do sujeito na relação entre discurso
e poder colonial, e como são criados ou reafirmados os estereótipos.
A partir dos anos 1990, as pesquisas acerca da cultura se desenvolveram e
ganharam um novo enfoque, com a inclusão das “culturas marginais” e das minorias,
desbancando a ideia de cultura elitista, conforme estudos de Thomas Bonnici (2009).
Além dos estudos de Bonnici, outros pesquisadores têm se voltado para este foco,
mais especificamente para as literaturas africanas, a exemplo do estudo de Moema
Augel, em O desafio do Escombro (2007). A autora afirma
A arte literária africana tradicionalmente encerra, de modo claro ou
subliminar, referências ou intenções didáticas. Obras que criticam o
status quo, satirizam o abuso do poder e os atentados contra a ordem
social carregam consigo a intenção de levar a uma mudança, a um
melhoramento de postura ética. Assim, a literatura assume muitas
vezes, na África, também uma função utilitarista e desempenha o
papel de regulador social. (AUGEL, 2007, p.30)
Ou seja, a literatura produzida por escritores africanos parece conter a
expressão de uma escrita de resistência, em que a arte encontra uma função de
humanização e a literatura se dá na relação com a vida social, ao modo discutido por
Antonio Candido em Literatura e Sociedade (1967). Augel aponta que é possível
analisar os textos literários como direcionados a interesses sociais e políticos e para
a auto-definição étnica ou nacional. Pois a cultura de uma determinada sociedade é
a sua imagem e expressão e é considerada por ela como natural, por ser uma rede
de significações auto construída pelos próprios membros dessa sociedade e através
da qual as ações são permanentemente transportadas em sinais interpretativos e em
símbolos.
Pode-se refletir sobre a literatura de Coetzee a partir da ideia de que as
produções culturais, em especial a literatura, ao lidar com palavras, metáforas e
imagens, fornecem elementos para a criação de uma subjetividade acerca da
identidade e da nacionalidade, em especial - pensando nacionalidade no viés da
resistência pós-colonial, o que inclui a ideia de alteridade. O sentido de identidade,
no entanto, vai além das ideias de identificação social e psíquica presas a
binarismos, ela é apenas uma imagem da totalidade, “a imagem é a um só tempo,
uma substituição metafórica, uma ilusão de presença, e, justamente por isso, uma
metonímia, um signo de sua ausência e perda” (BHABHA, 1998, p.86). Na definição
da identidade do Eu, o Outro não pode ser pensado como algo diferente e fixo,
estrangeiro, “o Outro deve ser visto como a negação necessária de uma identidade
primordial – cultural ou psíquica – que introduz o sistema de diferenciação que
permite ao cultural ser significado como realidade linguística, simbólica, histórica”
(BHABHA, 1998, p.86).
CONCLUSÃO
A formulação das imagens de identidade e as práticas de resistência
empregadas pelos literatos africanos pós-coloniais atuam em um processo, definido
por Bhabha (2003), produzido em um “terceiro espaço cultural que se forma no
contato com a alteridade” (BHABHA, 2003, p. 67). É nesse espaço de diferença que
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se abrem as possibilidades e percebe-se que os significados e as identidades
possuem resíduos de outros significados e identidades.
Na obra Age of Iron (1990), a questão da alteridade aparece quando a
personagem principal, E.C., mulher branca que vive em um bairro seguro na Cidade
do Cabo no contexto do regime segregacionista apartheid, depara-se com a
realidade da violência dentro da sua própria casa. E.C. registra os seus dias através
de cartas que pretende enviar a sua filha que vive nos EUA como o intuito de abrir
os olhos de sua filha da situação real na África da Sul e mantê-la afastada deste
espaço. Assim, a personagem que mora com sua empregada, Florence, precisa ir
até o outro lado da Cidade do Cabo, a qual é habitada por negros e vive sob intensa
repressão e violência entre gangues e entre a população e a polícia, para buscar o
filho de Florence, Bheki. Neste momento, E.C. percebe que seus olhos estavam
fechados e agora que foi obrigada a enxergar esta realidade, nunca mais poderá
fingir que a violência e segregação não existem.
No caso da obra Disgrace (1999), é evidente a condição do homem branco
na nova sociedade pós-apartheid, que transformou a antiga superioridade branca em
minoria e o sujeitou à condição de excluído, na qual necessita se adequar à nova
sociedade da África do Sul marcada pelo passado segregacionista. A Lei de Terras
de 1913, que concedia 87% das terras à minoria branca, foi revogada em 1995 e deu
início a mudançano poder. Esta mudança no poder é notada no romance com a
reviravolta na condição de David Lurie, personagem central que, após uma denuncia
por ter abusado de sua aluna mais jovem e negra, Melanie Isaacs, é demitido e tem
que se mudar para a área rural, onde vive sua filha, Lucy, branca e homossexual,
passando a vivenciar uma condição de dependência e, sobretudo, de decadência
moral, econômica e social.
REFERÊNCIAS
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na literatura de Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: Garamons, 2007.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
LITERATURA INFANTOJUVENIL AFRO-BRASILEIRA: UMA LEITURA DE
OS REIZINHOS DE CONGO
Ruth Ceccon Barreiros50
RESUMO
Esta pesquisa tem como tema a afro-brasilidade e toma como objeto de investigação
a obra literária infantojuvenil de temática afro-brasileira Os Reizinhos de Congo
(2007a), autoria de Edimilson de Almeida Pereira e ilustração de Graça Lima.
Amparamo-nos teoricamente na Estética da Recepção, proposta por Iser (1996,
1999), com especificidade para a Teoria do Efeito Estético, para a depreensão do
processo de leitura nessa obra. A partir desse suporte, traçamos como objetivo
compreender como ela, em seus aspectos estéticos e culturais, caracteriza-se como
literatura infantojuvenil afrobrasileira. A escolha de um objeto de pesquisa, que
respondesse ao nosso intuito, demandou leituras de outras obras literárias, para
isso, tomamos como referência os títulos distribuídos pelo Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE) que versam sobre o tema. Contudo, não encontramos
entre as obras do PNBE uma que atendesse às nossas expectativas, fazendo com
que outras leituras fossem empreendidas até chegarmos à obra referenciada. Como
critérios de análise do livro, buscamos perceber o arranjo textual e depreender a
experiência estética, baseada no nosso gesto de leitura. Efetivada a leitura,
elencamos alguns pontos da teoria de Iser para mostrar o processo de leitura
realizado. Os resultados apontaram que a literatura estudada apresenta elementos
suficientes para ser caracterizada como afro-brasileira, bem como o seu arranjo
textual exibe literariedade. Em virtude desses resultados, propomos uma
classificação inicial para as obras que se enquadrem na perspectiva de literatura
infantojuvenil de temática afro-brasileira, como é o caso de Os Reizinhos de Congo.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Literatura infanto-juvenil; Literatura afro-brasileira.
INTRODUÇÃO
A literatura infantojuvenil, quando apresenta uma organização
textualdiscursiva, um aspecto simbólico e lúdico interessante, configura-se em um
recurso pertinente à formação leitora, auxiliando na preparação de leitores críticos
com capacidade de refletir sobre as inúmeras questões do dia a dia, dentre elas as
questões culturais.
Docente do Curso de Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Doutora
em Letras e Linguística pela UFBA. Linha de pesquisa: Literatura, Cultura, Memória e Ensino.
Pesquisadora da área de Leitura, Formação de leitores, Literatura infantil e Juvenil. Endereço
eletrônico: [email protected]
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Ao partir desse pressuposto, empreendemos uma pesquisa que traz como
tema as afro-brasilidades. A literatura temática é um recurso especial para o
(re)conhecimento da cultura africana na construção da sociedade brasileira. Então,
ao considerar que muito da discriminação envolta pauta-se no desconhecimento da
cultura, torna-se relevante encontrar caminhos para transformar essa condição e,
neste sentido, conhecer essa cultura parece-nos uma das alternativas possíveis.
Nessa tarefa, somos da opinião de que a literatura infantojuvenil, quando explorada
adequadamente, tem muito a contribuir.
A escolha do tema ocorreu a partir da nossa vivência como docente,
especialmente, com a disciplina de Literatura Infantil no Curso de Pedagogia da
Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e na formação continuada com
professores das áreas de Letras e Pedagogia. Observamos que, na maioria das
obras, o aspecto pedagógico era mais evidente, e os temas abordados priorizavam:
as histórias das Áfricas; a cultura negra; o negro e as questões raciais. Além disso,
as fichas catalográficas, em geral, não especificavam a classificação quanto ao tema,
apenas uma categorização como literatura infantil ou infantojuvenil. Quando a
classificação ocorria, algumas se apresentavam como literatura africana ou afrobrasileira. Contudo, essa segunda classificação, ou seja, afro-brasileira, a nosso ver,
não correspondia ao tema tratado na obra, tendo em conta que, geralmente, tinham
como foco os temas já referenciados, ou seja, as histórias das Áfricas; a cultura
negra; o negro e as questões raciais.
Essa constatação gerou inquietação e com isso chegamos à seguinte
hipótese de pesquisa: há obras de literatura infantojuvenil de temática afrobrasileira
que são centradas em aspectos próprios da cultura brasileira. Passamos, então, a
observar mais atentamente esses aspectos e, por ocasião da concepção da
pesquisa, tomamos como referência as obras distribuídas às escolas pelo Programa
Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), para o Ensino Fundamental, anos iniciais e
finais, para, a partir delas, eleger aquelas em que pudéssemos apontar as
características que julgávamos pertinentes às obras literárias infantojuvenis de
temática afro-brasileira. Contudo, como já comentado, não encontramos dentre
essas obras nenhuma que atendesse ao nosso propósito, em suas especificidades.
O trabalho de leitura então reiniciou até delimitarmos a obra Os Reizinhos de
Congo (2007a), de Edimilson de Almeida Pereira, com ilustrações de Graça Lima,
que respondeu ao nosso intuito e possibilitou-nos empreender a pesquisa.
Lembrando que, partimos da hipótese de que ela se caracteriza como literatura
infantojuvenil de temática afro-brasileira.
Definimos como objetivo geral compreender como a obra literária Os
Reizinhos de Congo, em seus aspectos estéticos e culturais, caracteriza-se como
literatura infantojuvenil afro-brasileira. Pareceu-nos pertinente uma investigação que
pudesse delinear os aspectos da afro-brasilidade em obras literárias infantojuvenis,
considerando-se que essa categorização poderia situar melhor os leitores ao se
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
acercarem dessas obras, tanto numa perspectiva de leitura autônoma como dirigida,
sendo esta última, geralmente, presente no espaço educativo.
Por sua vez, os objetivos específicos que nortearam o caminho da pesquisa
foram: 1) depreender a experiência estética na obra literária infantojuvenil, Os
Reizinhos de Congo, considerando-a como um recurso de formação leitora e cultural;
2) inferir sobre os possíveis efeitos que esta obra suscita no leitor; 3) compreender
se essa literatura infantojuvenil afro-brasileira configura-se em um recurso profícuo
para a construção da identidade cultural;
4) apresentar uma proposta de classificação para o que se denomina literatura afrobrasileira, a partir das análises aqui categorizadas; 5) contribuir com os estudos para
a afirmação da literatura infantojuvenil, de temática afrobrasileira, na sua
caracterização como literatura.
Neste contexto de estudo, julgamos, também, importante esclarecer a grafia
utilizada para o termo afro-brasileiro ou afro-brasileira, o qual é apresentado no
decorrer do texto com hífen, tendo como base o exposto no Vocabulário Ortográfico
da Língua Portuguesa (VOLP, 2009, p. 27).
No que tange ao desenvolvimento do trabalho, na primeira parte dos estudos,
detemo-nos em Leitura: perspectivas teóricas, elencando um estudo amplo sobre as
concepções de leitura, tanto pelo viés dos Estudos Linguísticos, como dos Estudos
Literários. Estes tiveram como objetivo apresentar os pontos de convergência entre
essas teorias sobre a percepção de leitura, assim como outros aspectos a ela
relacionados, por exemplo: como estas teorias entendem o papel do sujeito leitor no
ato de ler; a perspectiva de texto e leitor no processo de leitura; e a relação texto,
leitor e o contexto social. Essas perspectivas visavam compreender o lugar do sujeito
leitor no processo de leitura bem como os efeitos da leitura literária, em especial a
literatura que aborda aspectos de determinada cultura, no caso em questão, a cultura
afro-brasileira. Para o suporte teórico, desta parte do trabalho, utilizamos: Bonnici
(2005), Chartier (1996), ECO (1979, 2000, 2001,2012), Orlandi (1996,1999,2000,
2001), Iser (1979,1996, 1999), Kato (1999), Jauss (1979), Zilberman (1989), Kleiman
(1989,2000), Aguiar e Bordini (1993) dentre outros.
A partir desse olhar macro, traçamos à primeira das especificações, versando
sobre os Caminhos da literatura infantojuvenil. Nela, os entendimentos sobre
literatura infantojuvenil são vistos, acrescidos das tendências contemporâneas de
tema, linguagem, estrutura, estilo e imagens. Em espaço destacado, mostramos a
literatura afro-brasileira: cenário e concepção. Em outro, essa mesma literatura é
explorada, tomando como base o PNBE. Nesta fase da pesquisa, tomamos como
fundamentação os seguintes estudiosos: Coelho (2000a, 2000b, 1991), Cademartori
(2009), Brasil (2008), Paiva (2000), Hunt (2010), Zilberman (2003) e outros.
Em outro momento, elencamos Cultura e leitura da literatura, trazendo noções
de cultura e identidade cultural, bem como uma apresentação sobre o histórico dos
Estudos Culturais, visando situar a literatura de temática afrobrasileira, em um
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
contexto literário. Para estes estudos elegemos como base teórica os autores:
Amâncio e Gomes (2008), Bhabha (1998), Bernd (2003,2010), Cavalleiro (2001,
2005), Eagleton (2011), Figueiredo (2005), Hall (2006), Santos (2005), Souza 2008
além de outros.
Detemo-nos, ainda, em estudos sobre Os efeitos da leitura literária,
discorrendo acerca da Teoria do Efeito Estético, tendo como referência específica os
estudos de Iser (1999), na obra O ato da leitura: uma teoria do efeito estético, volume
dois. A partir do estudo dessa obra, elegemos seis aspectos a serem, pontualmente,
discutidos na análise de Os Reizinhos de Congo. Sendo que, os quatro primeiros
referem-se diretamente à teoria de Iser, no que tange à formação do ponto de vista
no processo da leitura, e nos dois últimos buscamos saber as possíveis dificuldades
que a obra eleita pode oferecer ao leitor em relação à linguagem e ao material
simbólico.
Na pesquisa, apresentamos, ainda, o tema da obra de Pereira (2007a) Os
Reizinhos de Congo, como objeto de análise, ou seja, com informações sobre o
Congo, o Congado ou as Congadas, três expressões que fazem referência a mesma
manifestação folclórica. Na sequência, analisamos os aspectos técnicos, sucedido
pela análise estrutural e pela experiência estética de leitura, tendo como referência
a obra em tela. Por fim, retomados os pontos da teoria de Iser, para demonstrar a
leitura de forma aplicada em Os Reizinhos de Congo.
METODOLOGIA
A pesquisa é de caráter bibliográfico e em função disso apresentou as seguintes
etapas:
1) Levantamento, seleção e leitura de obras teóricas que tratavam sobre a leitura
e a formação de leitores de literatura;
2) Levantamento, seleção e leitura de obras teóricas que versavam sobre
literatura infantojuvenil;
3) Levantamento, seleção e leitura de obras teóricas que versavam sobre cultura e
leitura da literatura;
4) Levantamento, leitura e escolha da obra literária de temática afrobrasileira na
relação de obras do PNBE – Programa Nacional Biblioteca na Escola;
5) Análise da obra eleita Os Reizinhos de Congo;
6) Os efeitos da leitura literária, em Os Reizinhos de Congo, tendo por base os
estudos teóricos antes mencionados, assim como da obra O ato da leitura:
uma teoria do efeito estético, volume dois, de Iser (1999).
RESULTADO E DISCUSSÃO
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Ao final desta pesquisa, pudemos dimensionar a nossa responsabilidade
educacional e social, em função do foco escolhido. Esse, por sua vez, levounos a
percorrer um trajeto teórico amplo e diverso, representando, por certo, um risco,
contudo, ao mesmo tempo, uma ampliação teórica muito relevante para nós,
enquanto pesquisadora. Entretanto, para o filósofo e escritor do período do Império
Romano, Sêneca, pensamento do qual compartilhamos, os riscos precisam ser
corridos, pois o maior perigo é não arriscar nada. Ficar parado seria manter-se
equilibrado. O desequilíbrio leva à construção, nesse sentido, a busca teórica é um
desequilíbrio e uma construção constante.
A literatura infantojuvenil de temática afro-brasileira, situada, ainda, em
terreno movediço, exigiu um trabalho de estear os lastros para não deixar perecer o
objetivo da pesquisa. Ao considerar esse objeto, ou seja, a literatura infantojuvenil
de temática afrobrasileira como um recurso ímpar de formação leitora e social, a
nosso ver, não nos pareceu suficiente uma abordagem pontual, visto que a leitura,
em geral, e a leitura da cultura, em específico, demandam muito mais conhecimentos
do leitor que almeja compreender mais profundamente o processo que envolve a
ação de ler literatura e cultura. Por isso as escolhas teórico-analíticas propostas
neste estudo.
Amparados no tema da afro-brasilidade na literatura infantojuvenil,
perseguimos a hipótese de que há obras de literatura infantojuvenil de temática afrobrasileira que são centradas em aspectos próprios da cultura brasileira. Essa
hipótese surgiu, primeiramente, a partir de leituras de obras literárias que tratam do
assunto, e que não apresentavam qualquer menção sobre o tema nas classificações
dos catálogos de divulgação e nas fichas catalográficas incorporadas às obras. Em
um segundo momento, percebemos que os temas veiculados, em grande parte das
obras, estavam muito mais relacionados às histórias das Áfricas, à cultura negra, ao
negro e às questões raciais, do que aos aspectos culturais de mistura que
caracterizam a cultura brasileira. Depois, da seleção, delimitamos que, a obra Os
Reizinhos de Congo, correspondia ao nosso intuito e possibilitou-nos traçar o
objetivo geral, isto é, compreender como esta obra literária, em seus aspectos
estéticos e culturais, caracteriza-se como literatura infantojuvenil afrobrasileira.
Nessa direção, a primeira etapa da pesquisa possibilitou-nos uma visão mais
ampla das concepções de leitura, tanto na perspectiva dos Estudos Linguísticos,
quanto dos Estudos Literários. A partir desses estudos, pudemos contemplar a leitura
da literatura, da literatura infantojuvenil de temática afrobrasileira, dos efeitos
estéticos da literatura no leitor e, por fim, a leitura em um viés pragmático. Esse
percurso ampliounos os conhecimentos de maneira geral, bem como mostrou-nos
as possibilidades de trabalho com a leitura literária tanto para a formação leitora
quanto cidadã.
Com as reflexões pautadas nas duas grandes fontes teóricas sobre leitura,
isto é, nos Estudos Linguísticos e nos Estudos Literários, buscamos compreender os
pontos de convergência entre os conceitos, visto que estes oferecem, não raras
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
vezes, dificuldades, no fazer docente com os leitores em formação inicial ou
continuada. Acreditamos ser necessário ter consciência dos possíveis caminhos
para a leitura, tendo em conta que ambas as vertentes estão presentes nos
currículos formativos e, nem sempre, são esclarecidas e apresentadas às diferenças
e às semelhanças entre elas. Assim, estes estudos trouxeram-nos, dentre outros,
dois resultados que merecem ser destacados. O primeiro, mais pessoal, possibilitou
compreender como as concepções apresentam-se nas duas vertentes e, com isso,
termos discernimento das possibilidades de leitura em benefício próprio. O segundo,
é que a fundamentação adquirida faculta, no exercício da docência, formar melhores
leitores, que conheçam e saibam escolher as trilhas de leitura, mais adequadas, para
alcançar os sentidos dos textos, sejam eles literários ou não, e crescer criticamente,
a partir dessa ação leitora. Entretanto, é preciso lembrar que uma realização
individual de leitura não se configura como um modelo aplicável a todos os demais
leitores. A leitura, como concebida, no decorrer do estudo, ou seja, como um
processo de interação, um ato dialógico entre autortexto-leitor, quando aplicada a
um objeto de arte, como é o caso da literatura infantojuvenil, entendida como um
fenômeno social humano, é, em sua essência, subjetiva, ambígua e dialógica. Assim,
apresenta diferentes resultados para diferentes leitores. Esse risco foi
conscientemente assumido nesta pesquisa, já exposto inicialmente ao leitor.
A partir dessa visão geral, os estudos sobre os conceitos de literatura e
literatura infantojuvenil de temática afro-brasileira proporcionaram-nos condições
para consolidar conhecimentos já existentes e atualizar outros ainda pouco
consistentes. Para isso, realizamos uma retrospectiva do surgimento da literatura
infantojuvenil até as produções mais recentes, no intuito de verificar as
transformações nas concepções de linguagem, da estrutura, do estilo e das
ilustrações. Para abordar os conceitos sobre literatura afro-brasileira, foi necessário
situar o leitor sobre as muitas transformações sociais pelas quais passamos desde
a década de 1960 e, neste contexto, apontar o surgimento e a influência dos Estudos
Culturais no processo de reconhecimento das produções culturais, até então
silenciadas, como é o caso das afro-brasileiras.
A esta altura, já havíamos percorrido mais da metade do caminho, assim
precisávamos especificar melhor a trilha, escolhendo, dentre as teorias de leitura
vistas, aquela que nos atendesse nas especificidades da leitura, elegemos, então, a
teoria de Iser (1999). Com a base teórica inicial e a de Iser, em específico, lançamonos na experiência prática de leitura, procurando mostrar os meandros da atividade
leitora quando aplicada na literatura infantojuvenil de temática afro-brasileira, em
seus aspectos literários e culturais, na firme proposta de atender aos objetivos que
norteavam o trabalho.
A teoria anteriormente vista deu condições para entender melhor o processo.
Ainda que tenhamos nos dedicado a apenas uma obra para análise, o que pode
representar pouco a alguns, corremos este risco de forma consciente. A atividade de
triagem e escolha de uma obra literária que atendesse aos nossos propósitos foram
mostradas em um quadro classificatório, por ocasião da apresentação das obras do
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Para nós, o resultado alcançado,
em relação aos critérios de classificação das obras literárias infantojuvenis afrobrasileiras, ainda que com a leitura de somente uma obra, possibilita a aplicação da
proposta apresentada para uma categorização mais acertada das obras literárias,
que versem sobre as afro-brasilidades. Isso por termos constatado que elas não
possuíam, até então, critérios para uma classificação adequada, a qual permita ao
leitor reconhecer o tema da obra literária infantojuvenil que se propõe a ler. Dito por
outra via, os critérios por nós apontados podem ser utilizados para a classificação de
outras obras literárias infantojuvenis que versem sobre a temática afro-brasileira, ou
pelo menos podem servir como princípio de estudos e pesquisas que qualifiquem
esses critérios necessários à literatura brasileira atual.
Os elementos que atribuem à obra Os Reizinhos de Congo o caráter de
literatura, no sentido de um objeto de arte, também foram explorados em análises.
Verificar aspectos estruturais de uma obra literária e localizá-la como literatura
configura-se em uma função relevante. Contudo, quando nos aproximamos de uma
obra literária, as impressões emotivas são aquelas que mais nos marcam. Isso
porque deixamos de entendê-la como linguagem utilitária para concebê-la como
matéria viva, suscetível à invenção e à experimentação. O uso inventivo da
linguagem, próprio da criação ficcional, são traços encontrados na literatura de
Pereira (2007a). Os resultados da análise mostraram que essa obra proporciona,
além do deleite da leitura em um jogo divertido, provocações que suscitam no leitor
reflexões acerca das raízes da cultura brasileira, nos cenários dos festejos das
Congadas.
Esses fatores corroboraram nossa hipótese inicial de que existem obras
literárias infantojuvenis de temática afro-brasileira que exploram os aspectos
próprios da cultura brasileira, evidenciando as nuances de miscigenação que a
compõem. Essas obras, se devidamente classificadas, podem contribuir para que os
leitores em formação possam, por meio da leitura de uma literatura que apresente
um discurso multifacetado e aberto, como deve ser o discurso artístico, compreender
e conhecer a diversidade que forma a cultura nacional, respeitando o diferente, o
outro. Além de dar às obras, com essas especificidades, uma identidade.
Os pontos apresentados nas análises da obra Os Reizinhos de Congo
atestaram o seu aspecto de afro-brasilidade, permitindo uma possível taxonomia que
sirvam a uma classificação inicial desta literatura em específico, como: os
personagens principais são afrodescendentes; a obra recobra outras manifestações
folclóricas brasileiras; ao texto são incorporadas palavras do vocabulário africano
presente na língua portuguesa do Brasil; as Congadas são tomadas com seu
sincretismo religioso para cenário do conto; as culturas africana e portuguesa
apresentam-se como aquelas que estruturam a cultura brasileira; os aspectos da
oralidade, presente na nossa cultura popular, são destacados ao longo do texto.
Estes aspectos confirmaram a nossa hipótese de que a obra literária de Pereira
(2007a) é verdadeiramente de temática afrobrasileira.
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As atividades de leitura e de pesquisa empreendidas em todo esse processo
autorizam-nos a afirmar que este trabalho contribuiu para dar visibilidade ao aspecto
temático e estrutural da literatura infantojuvenil afrobrasileira, colocando-a em pauta
de pesquisa e na ordem do dia para a formação leitora, estética e cultural. Sem
desconsiderar as pesquisas que visam mostrar os aspectos discriminatórios, muitas
vezes presentes nos estudos sobre essa literatura, ou, ainda, os estudos que
pretendem identificar, em levantamentos exaustivos, a quantidade de obras que
versam sobre o tema, somos da crença de que compreender o valor estético dessa
literatura é pertinente. Faz-se necessário, então, pensar em investigações que
possam dedicar-se a esse fim, que, a nosso ver, são também fundamentais. Essas
permitiriam, aos que dela tiverem acesso, condições para melhor conhecerem a
obra, ampliando, assim, o conhecimento leitor e cultural. Se a literatura que se
concebe como clássica já dispõem de muitos estudos, as afro-brasileiras, pela
emergência recente, ainda apresentam uma demanda significativa de pesquisa. É
preciso considerar, também, que são esses estudos que podem garantir a divulgação
dessa literatura, bem como disseminar a cultura e, por consequência, atender ao
proposto pela Lei 10.639/2003.
Nessa direção, podemos, futuramente, retomar os aspectos aqui discutidos
em novas pesquisas. E, por conhecermos as lacunas existentes em estudos dessa
ordem, deixamos como sugestão, para pesquisadores que se interessem em
empreender a ampliação de conhecimentos nessa área, ou seja, analisar outras
obras literárias infantojuvenis, buscando identificá-las como afro-brasileiras, assim
como desenvolver estudos voltados para a questão estética. Por certo, que esses
trabalhos podem representar muito no processo de formação em leitura e em cultura
brasileira.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
DESCONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO ESPACIAL DE FRONTEIRA:
CONTOS DE HORACIO QUIROGA
Scheila Stahl51
RESUMO
A literatura de Horacio Quiroga (1878 – 1937), situada historicamente no contexto de
início do século XX e geograficamente em um ambiente de fronteira entre Argentina,
Brasil e Paraguai, jovens territórios cujos habitantes buscavam, além de crescimento
econômico, libertar-se das amarras do período colonial, aborda questões que
envolvem primordialmente as relações entre o homem e a natureza, em níveis
próximos, porém antagônicos em certos aspectos. Antagônicos, pois em sua
narrativa o leitor não encontrará apenas a luta entre homem e natureza, mas
encontrará, sobretudo, contos que descrevem o embate homem versus homem,
revelando situações que ajudam a contar a história de um espaço pouco conhecido
naquele contexto temporal, contribuindo com a construção da história local de
Misiones, no interior da Argentina, ambiente de fronteira, constante na vida e na obra
do escritor uruguaio e nas obras selecionadas para este estudo: Los pescadores de
vigas (1913), Los mensú (1914), Una bofetada (1916) e Los desterrados (1925). A
leitura das obras citadas reforça que a Literatura, por meio da catarse que provoca
no leitor, contribui para uma reflexão de cunho mais humanista da história do homem,
e os contos de Horacio Quiroga refletem o homem de seu tempo, observador que se
transforma em narrador das mazelas em terras distantes das metrópoles.
PALAVRAS-CHAVE: Horacio Quiroga; conto; fronteira; espaço.
INTRODUÇÃO
A temática investigada nesta pesquisa aborda aspectos que ora denunciam a
exploração humana e territorial na Argentina, ora aborda questões que refletem o
momento experimentado pelo homem que vivencia as mudanças que se
desenvolvem com a chegada de um novo século XX. Os textos previamente eleitos
como objetos de estudo tratam da exploração de trabalhadores destinados à colheita
de erva-mate, cujo ciclo contemplou também regiões brasileiras, como o oeste do
estado do Paraná, e parte da fronteira entre o Paraguai e a Argentina no período
entre o final do século XIX e meados do século XX. Além de representar a mão de
obra nessas plantações, tais homens eram destinados também às atividades da
exploração madeireira e de quaisquer outros trabalhos relacionados ao ambiente de
Misiones. Abordar-se-á também a inversão da diáspora na procura do paraíso
perdido, salientando que não se trata apenas do desejo da volta ao país
geograficamente vizinho, mas de um país recordado, desejado ou, como assevera
51
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração em
Linguagem e Sociedade – nível de Mestrado e Doutorado – da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE, sob orientação da Profesora Dra. Ximena Antonia Díaz Merino. Endereço
eletrônico: [email protected].
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Julia Kristeva em Estrangeiros para nós mesmos, “O paraíso perdido é uma miragem
do passado que jamais poderá ser reencontrada. [...] ele [o estrangeiro] jamais está
simplesmente dividido entre aqui e alhures, agora e antes. [...] Sempre em outro
lugar, o estrangeiro não é de parte alguma” (1994, p.17-18). A partir desta primeira
temática identificada, surgem outras que corroboram a relevância dos contos
quiroguianos no âmbito da literatura hispano-americana.
O ambiente e as personagens descritas por Horacio Quiroga pertencem à
história da Argentina, situadas nos primeiros anos do século passado, trata-se de
uma obra que possibilitou o conhecimento da exploração humana além das fronteiras
geográficas que compõem o cenário desses contos.
Com base nas observações apontadas, a leitura dos contos selecionados
nos permite refletir sobre a sociedade da época em que se situam as narrativas,
assim como a importância do território geográfico como espaço de identificação e
pertencimento para a configuração de uma identidade local, além de ponderar a
proximidade entre a obra literária e as temáticas próprias daquela região. A
contribuição do olhar de Quiroga sobre a região de Misiones, isto é, como o autor
percebe esse espaço fronteiriço de exploração e de que maneira expressa esta
percepção em seus contos também surge como assunto de reflexão.
Nos contos selecionados, Horacio Quiroga denuncia a exploração humana e
questiona as transformações sofridas pelos habitantes e os territórios da Tríplice Fronteira,
configurando uma literatura crítica e de resistência, assim como as relações existentes entre
a sociedade fronteiriça, espaço de transgressão que protagonizou os ciclos ervateiro e
madeireiro, revelando dessa maneira o cotidiano do homem que vive à margem dos centros
urbanos e que carece de condições básicas à vida humana. Nas palavras do escritor e
jornalista argentino, Mempo Giardinelli (2012, p. 22), ao considerar como excelentes contistas
justamente aqueles que “pensaron el género que hacían, y para quienes escribir no fue un
acto mecánico de simple catarsis, una exorcisación, sino que fue una reflexión sobre el tiempo
que vivieron”.
Nosso principal objetivo é identificar e analisar os elementos de denúncia da
exploração humana e territorial presentes nos contos de Quiroga a partir do ponto de vista
sociológico, que discute e considera os textos selecionados como representações da
sociedade e da história da região de Misiones, província argentina, através da atuação das
personagens que representam os tipos locais. Partindo deste, outros objetivos são
delineados a fim de localizar estética e historicamente o escritor, analisar as características
literárias dos relatos e confrontá-los à realidade dos habitantes dessa província, aprofundar
as reflexões sobre sociedade e literatura, além de construir considerações sobre os conceitos
de identidade, sociedade, violência, fronteira e do olhar direcionado ao ambiente/espaço,
abordando a temática de denúncia da exploração do homem e do espaço geográfico em
questão no período pós-colonial.
METODOLOGIA
A metodologia aplicada encontra-se no âmbito exploratório da contistica de Horácio
Quiroga e dos textos teóricos selecionados. Trata-se de uma pesquisa de natureza
bibliográfica, desenvolvida a partir da análise comparativa e de conteúdo dos contos
selecionados.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pesquisadores brasileiros da área de Letras já se debruçaram sobre a
constística quiroguiana. Amália Cardona Leites, por exemplo, escreveu desenvolveu
a Dissertação de Mestrado intitulada Resistência e violência em Horacio Quiroga e
Sérgio Faraco (2013), onde três dos contos estudados no presente trabalho também
foram por ela analisados, porém o foco do trabalho concentra-se no estudo
comparativo entre o escritor uruguaio e o escritor brasileiro e seus respectivos
ambientes, a selva missioneira e a pampa. A respeito do ciclo da erva-mate no Brasil
e nos países vizinhos, Argentina e Paraguai, também já foram realizados estudos
que abordaram a obra de Horacio Quiroga, assim como a de outros escritores como
Hernâni Donato e sua obra Selva Trágica (2011), mantendo o foco de análise no
monopólio da empresa Erva-Mate Laranjeiras. Cabe destacar que os quatro contos
por nós analisados retratam tanto os trabalhadores da colheita de erva-mate como
da extração de madeira e da exploração da terra na Tríplice Fronteira, o que nos
possibilita discutir a desconstrução destes cenários a partir da exploração humana
que ali se fez presente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estabelecidas as bases teóricas e acompanhadas das análises literárias,
este trabalho não encerra um ciclo de estudos sobre os contos selecionados na vasta
obra de Horacio Quiroga, apenas abre caminhos a fim de incitar a leitura ou releitura
de sua contística a partir do olhar de cada leitor/pesquisador, sempre com o objetivo
de encontrar algo más allá52 nos textos de um dos grandes escritores da América
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
EL IMPERIO ERES TÚ: A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL PELA PERSPECTIVA
ESPANHOLA
Stanis David Lacowicz53
RESUMO
Em consonância com os estudos sobre as relações entre literatura e história, neste
trabalho levaremos em consideração os procedimentos pelos quais o romance
espanhol El imperio eres tú (2011), de Javier Moro, reconstrói ficcionalmente a figura
do primeiro imperador D. Pedro I do Brasil. Trata-se de um romance histórico
contemporâneo que apresenta a vida da personagem histórica, desde a vinda da
família real portuguesa ao Brasil (1808), até por volta de 1834, focalizando o
desenvolvimento de seu papel como Imperador e herói. Ao longo da obra, a
personagem oscila entre seu papel político e seus anseios enquanto homem,
processo no qual é fundamental a participação de quatro mulheres com quem ele
teria se relacionado (a bailarina Noemie; a princesa Leopoldina; Domitila de Castro;
D. Amélia de Leuchtenberg, sua segunda esposa). Essas relações funcionam como
um eixo estruturador da narrativa, construindo imagens que ora aproximam D. Pedro
da imagem do imperador ora o aproximam do homem, entre decadência moral e os
sentimentos nobres. A carnavalização assume, nesse sentido, papel importante na
configuração do romance, ao possibilitar o processo de humanização da figura
histórica a partir do rebaixamento, articulando imagens ligadas ao baixo corporal.
Nesta análise, estabeleceremos pontes com outros romances que recontam o
mesmo período, de modo a, pelo contraste, evidenciar estratégicas narrativas e
possíveis anseios da obra para com a história brasileira e com o seu leitor.
PALAVRAS-CHAVE: El imperio eres tú (2011); romance histórico contemporâneo;
D. Pedro I; carnavalização
INTRODUÇÃO
Obras de teor histórico tem se mostrado um grande sucesso editorial,
reiterando, em certo sentido, os sucessos de público dos romances históricos do
século XIX. Possivelmente interessado em seguir por um caminho semelhante, o
autor espanhol Javier Moro, jornalista e roteirista, compôs o livro El imperio eres tú,
ganhador do Prêmio Planeta de 2011. Aqui, entretanto, o autor se enleia pelos
caminhos da ficção, lançando mão recursos de linguagem e literários, de uma forma,
por assim dizer, moderada, para reescrever a história de D. Pedro I, do Brasil, desde
sua juventude até a sua morte. Uma forma moderada, mas fiel aos interesses do
livro, que busca explorar algumas facetas humanas da personagem principal, sem
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Mestre em Letras (UNESP/Assis) – Professor colaborador (UNIOESTE/Cascavel).
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
deixar de apresentar a história a quem a desconhece. A maneira como se dá essa
humanização e os sentidos que a envolvem, bem como as formas que a construção
textual assume para guiar-lhe por tais caminhos, são os objetivos de nossa leitura
da obra.
O romance é composto por 105 capítulos distribuídos ao longo de 9 partes,
mais um epílogo, contando a vida de D. Pedro, desde os seus 18 anos, mas aludindo
a momentos anteriores. O andamento do romance é cronológico, mas pontuado,
como referido, de analepses, retomando acontecimentos do passado das
personagens, muitas vezes de maneira a consolidar uma ou outra faceta psicológica
que ela desenvolveria ao longo de sua vida. Recursos como a carnavalização são
importantes na reconstrução da intimidade da personagem histórica e no seu
processo de humanização. Cabe ressaltar também a presença feminina no romance,
principalmente nas quatro personagens femininas com quem D. Pedro teria se
relacionado: Noemie, Domitila de Castro, sua primeira esposa, a princesa
Leopoldina, e a sua segunda esposa, D. Amélia de Leuchtenberg. Essas relações
funcionam como um eixo estruturador da narrativa, ordenando a oscilação de D.
Pedro entre o seu papel como líder político e os seus desejos enquanto homem.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de natureza bibliográfica, cuja base parte da leitura
e análise interpretativa do objeto de pesquisa. Essa análise toma por base os
preceitos da narratologia e é articulada com as teorias relacionadas ao novo romance
histórico, o romance histórico contemporâneo, intertextualidade, paródia e
carnavalização.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O primeiro capítulo do romance já estabelece a ideia do confronto entre a
faceta humana e a faceta heroica de D. Pedro, trazendo a tensão entre o jovem
Pedro, com suas paixões e anseios, e o seu papel para com a coroa e a posição de
líder do Império que constituiria o Brasil. O ano é 1816, e “Pedro de Braganza y
Borbón acababa de cumplir dieciocho años y estaba enamorado.” (MORO, 2012, p.
19). A primeira frase do romance nos apresenta a uma imagem de D. Pedro seguindo
feições românticas, no caso, o sentimento amoroso idealizado que ele estabelece
pela jovem bailarina francesa, Noémie; ele estava contente principalmente por saberse correspondido. Ele queria viver essa relação, casar-se com a jovem, contrariando
as imposições reais, uma vez que sendo ela plebeia, não poderia casar-se com um
príncipe. Ao longo da obra, a relação de Pedro com as mulheres passa a constituir
eixos estruturantes da narrativa e condutores da forma como a personagem oscila
entre sua posição de homem e a de imperador. O texto começa com Noémie, depois
intercala a princesa (e depois imperatriz) D. Leopoldina com a Marquesa de Santos
(amante de D. Pedro), para encerrar-se com D. Amélia de Leuchtenberg, segunda
esposa do imperador. A bailarina e a Marquesa tendem a forçar a balança para o
lado do homem, para o amor idealizado ou a paixão avassaladora, enquanto que as
duas esposas o direcionam para a importância de seu papel frente ao Estado.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
No sentido da relação de D. Pedro com as mulheres, o processo de
humanização da personagem acenará para esse universo íntimo de seus
sentimentos, de sua postura por vezes contraditória e ríspida, por vezes doce e
heroica. O príncipe é, nesse sentido, ao modo como surge no romance, uma
personagem prenhe de sentidos ligados ao Romantismo: o amor pelas mulheres, o
donjuanismo (tanto na acepção do conquistador quanto na de ruptura com as regras
sociais), o amor pela nação e o amor pela liberdade.
Nesse momento do romance, o narrador apresenta como a garota passava a
ser o foco dos sentimentos do jovem príncipe: “La francesa no era uma más de sus
muchas conquistas, outra que se había rendido a sus pies incondicionalmente. Esta
vez era distinto.” (MORO, 2011, p. 31). Alude-se também à resistência da garota à
abordagem do príncipe, cuja paixão se intensificava pelo fato de a mão da bailarina
ser contraria ao relacionamento.
O fragmento a seguir permite perceber o tom Romântico que perpassa a
narrativa, integrando o sentimento sublime com a visão quase edênica da paisagem,
que passa a ser reflexo do mundo interior do protagonista:
Sobre la arena blanca y caliente se descubrieron desnudos por
primera vez, rodeados de la beleza arroladora y salvaje de la bahía
con sus aguas turquesa, sus islas pequeñas, volcánicas, en forma
de cúpulas que salían del mar como por encanto, algunas sólo roca,
otras rodeadas de palmeras (MORO, 2011, p. 33)
Pedro e Noémie se encontravam com frequência, tornam-se cada vez mais
íntimos, começam a ter relações e planejar um futuro juntos. O sentimento iludido do
amor da juventude é percebido nos modos como se apresentam os pensamentos do
príncipe herdeiro: “Sí, era la mujer de su vida. Tan convencido estaba de ello que así
la presentaba: «Mi mujer.» Inocente don Pedro, se creía un hombre libre” (MORO,
2011, p. 34). A seriedade do relacionamento passa, então, a deixar o Rei Dom João
aflito, pois Pedro deveria se casar com alguma princesa europeia, de modo a
fortalecer laços diplomáticos do Reino. Conversando com o seu filho, em um dos
raros momentos de proximidade, o Rei interpela o jovem apaixonado: “Pedro, el
Imperio somos nosotros. Será tuyo algún día./El muchado le escuchaba, serio y
cabizbajo” (MORO, 2011, p. 67). Ressalta o papel do príncipe frente à Coroa, frente
ao destino político do Reino; o seu lugar social começa a pesar contra os seus
desejos humanos, criando o atrito entre os seus desejos humanos e as
responsabilidades para com o Estado. Dom João e Carlota Joaquina conseguem
engendrar o plano para convencer Noémie a deixar Pedro, pois ela estava grávida e
a futura esposa, Leopoldina, já estava para chegar ao Brasil. Pedro volta ao casebre
no qual estava vivendo com a bailarina, mas apenas encontra uma carta na qual ela
lhe dizia que havia cedido pelo bem do príncipe, que não era para que ele a
procurasse, renunciasse ao amor que sua condição lhe vetava.
Como já mencionado, a reconstrução histórica da personagem se apresenta
em certas passagens a partir de uma perspectiva carnavalizante. Isso pode ser
observado em momentos como, quando, D. Pedro, desiludido pela perda do primeiro
amor, é auxiliado por seu amigo Chalaça a esquecer a jovem francesa: “Olvidar,
nunca lo consiguió, pero se desfogó com prostitutas y amigas, mulatas calentitas que
rivalizaban en las más dulces perversiones del amor para animar el humor triste del
príncipe enamorado.” (MORO, 2011, p. 86). A representação de Domitila de Castro
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e da relação do príncipe com ela também surgem de maneira semelhante,
resgatando elementos ligados ao universo do sexo e da sensualidade, rompendo
com as imagens de pureza dos heróis e reafirmando o seu caráter humano:
Domitila, a pesar de la historia trágica que estaba viviendo en ese
momento, era voluptuosa en sus gestos, dulce como sólo una
brasileña podía serlo. Su sonrisa, que dejaba ver el contraste entre
sus dientes muy blancos y su tez canela, tenía un punto de malicia.
(MORO, 2011, p. 254)
A personagem é descrita de maneira a salientar a forma como D. Pedro se
sentia perto dela. A própria menção à personagem de Domitila já encena elementos
problematizadores, pelo fato de haver se tratado da amante “oficial” do Imperador. O
narrador heterodiegético, narra esses fragmentos a partir de uma focalização interna,
conduzindo um discurso indireto livre, pelo qual a voz da personagem surge em meio
à voz do narrador.
O romance de Javier Moro também se utiliza da carnavalização ao recontar a
Proclamação da Independência (1822). Esse recurso é evidenciado ao apresentar a
diarreia que havia acometido o Príncipe em sua viagem a Santos, situação que fez
com que atrasassem a partida e que tivessem que fazer paradas durante a viagem
para defecar. Em um desses momentos, chega um emissário real anunciando a D.
Pedro que um exército chegaria de Lisboa para reprimir qualquer tentativa de
resistência por parte do Príncipe e Bonifácio clamava que o Príncipe voltasse ao Rio
para ajudar a manter a ordem do país e tentar resistir às Cortes Portuguesas. Após
ler os apelos de Bonifácio a que tomasse a postura de defensor do país, Pedro passa
a meditar sobre a questão: a inevitável proclamação da independência. Temos um
protagonista contido, calmo, pensando sobre a ideia de tornar-se o líder de uma nova
nação. O narrador comente, então, que “Ya no podía seguir esperando, el tiempo se
le había echado encima.”, o momento decisivo havia chegado para tomar as rédeas
da nação. Em seguida, “El príncipe volvió a montar en su caballo. Ya estaba: había
tomado la decisión y era irrevocable. Cuando los oficiales de su guardia de honor se
le acercaron, les puso al corriente de la situación” (MORO, 2011, p. 263). Narra-se,
então, a Proclamação da Independência, com o famoso grito de “Independência ou
Morte”.
Há, nesse sentido, um enaltecimento da figura histórica do herói, a
carnavalização (o fato de a personagem recém estar defecando) acaba por servir
como um processo de humanização às avessas; humaniza-se para, ao aproximar do
espaço do humano, mostrar que um homem, apesar de seus defeitos, soube fazer
diferença na constituição histórica do país. A faceta humana do herói é reforçada ao
narrarem-se os conflitos internos da personagem, sua angústia entre tomar a defesa
do Brasil e ir contra o seu país de origem, Portugal.
CONCLUSÕES
O romance de Javier Moro, em sua reconstrução da história brasileira,
apresenta a intimidade das personagens históricas, organizando-se, dessa maneira,
segundo as características de um novo romance histórico, conforme colocado por
Menton (1993). Rompe-se, então, com a imagem cristalizada do herói, trazendo-o
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
ao universo do humano do térreo, o que o ocorre no caso pela narração do ato sexual
e da exploração de possíveis imagens dos desejos humanos da personagem
histórica em sua reconfiguração ficcional.
Essas passagens do romance visam ao rebaixamento das figuras históricas;
o acontecimento histórico perde a imagem estática de oficialidade e se torna mais
vivo e mais dinâmico:
[...] rebaixar consiste em aproximar da terra, entrar em comunhão
com a terra concebida como princípio de absorção e, ao mesmo
tempo, de nascimento: quando se degrada, amortalha-se e semeiase simultaneamente, mata-se e dá-se a vida em seguida, mais e
melhor. (BAKHTIN, 1987, p. 19).
A carnavalização possibilita, dessa maneira, uma nova mirada crítica sobre
os eventos do passado; incorre no rebaixamento para, com isso, estabelecer uma
nova ordem de sentidos, renovando as perspectivas sobre a história. No caso do
romance de Javier Moro, entretanto, esses recursos típicos do romance histórico
contemporâneo acabam servindo, ao mesmo tempo, a um processo de humanização
às avessas, que parece conduzir, nesse sentido, a um reforço da imagem heroica.
No contraste com as atitudes e características baixas da personagem, as atitudes
heroicas tomam uma ênfase especial, que de outra maneira não se destacaria tanto
aos olhos do leitor. Nessa tensão entre o humano e o heroico, articulam-se também
releituras de mitos literários hispânicos na reconstrução ficcional da personagem
histórica de D. Pedro, reiterando elementos tanto do Don Juan (o caráter
conquistador e a luta contra as normas) quanto de Don Quijote (o lado heroico,
altruísta e utópico).
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1987.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins. Lisboa:
Arcádia, 1979.
MENTON, S. La nueva novela histórica de la América Latina: 1979-1992. México:
Fondo de Cultura Económica, 1993.
MORO, J. El imperio eres tú. Barcelona: Editorial Planeta, 2011.
WATT, I. P. Mitos do individualismo moderno: Fausto, Dom Quixote, Dom Juan,
Robson Crusoe. trad. Mario Pontes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
SOBRE O RISO E SUA CONSTITUIÇÃO NA LITERATURA
Toani Caroline Reinehr54
RESUMO
O objetivo de nossa pesquisa, em desenvolvimento no Mestrado em Letras, é
estudar a reconstrução das imagens de Deus e do Diabo, de Adão e de Eva, de
Maria e de José, de Caim e de Lilith, de Jesus e de Maria Madalena, das
personagens míticas a que elas aludem, pretendemos observar como se dá esse
processo nas obras Caim (2009) e Evangelho segundo Jesus Cristo (2005), do
escritor português José Saramago (1922-2010). Para isso, nosso olhar será
direcionado, principalmente, à questão do riso, da paródia, da mímesis e da
ambivalência. Neste trabalho, apresentaremos uma parte da pesquisa, procurando
refletir especificamente sobre a questão do riso na obra de arte literária. Fenômeno
perturbador, o riso pode, por meio da inversão, dessacralizar, promovendo um
rearranjo da representação que temos do mundo e do outro.
PALAVRAS-CHAVE: riso; Bergson; comédia.
INTRODUÇÃO
A comédia tem sua origem, como aponta Aristóteles (1973), nos solistas dos
cantos fálicos, ligada à dança e ao improviso, ao ambiente festivo desde o princípio.
É interessante notar que, na disputa que o Estagirita nos apresenta, ao comentar a
etimologia da comédia e os povos que a si reclamavam o título de “genitores” do
nome, alguns dórios que viviam na região do Peloponeso, “[...] chamam kômai às
aldeias que os atenienses denominam dêmoi, e que os ‘comediantes’ não derivam
seu nome de komázein, mas, sim, de andarem de aldeia em aldeia (kómas), por não
serem tolerados na cidade [...]” (ARISTÓTELES, 1973, p. 445). Essa passagem da
Poética, revela-nos o caráter ambulante, errático dos primeiros comediantes. Traço
que se manterá por longo tempo, pois ainda que muitas cortes tivessem nela espaço
cativo (pois que tinha acesso ao rei) para comediantes, como é o caso da
54
Mestranda em Letras na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus
Cascavel. Bolsista CAPES. A pesquisa é orientada pela profa. Dra. Adriana Aparecida de Figueiredo
Fiuza. E-mail: [email protected]
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personagem do bobo, a realidade da maioria dos comediantes ainda os fazia migrar,
no final da Idade Média, de povoado em povoado, e, logo, já de burgo em burgo,
montando seu palco improvisado no meio da pequena praça. Mesmo em nosso
tempo, podemos dizer que mantém-se o nomadismo: nos palhaços dos circos
familiares do Brasil e nas companhias de teatro mambembe, por exemplo.
METODOLOGIA
Procurando estabelecer relações entre textos formadores da matriz judaicocristã e suas releituras produzidas por José Saramago, nosso trabalho se insere na
perspectiva da Literatura Comparada. Não objetivando abarcar um universo
mensurável de releituras da tradição judaico-cristã pela literatura; preocupando-se,
no entanto, em investigar, de maneira mais detalhada e profunda — considerando a
tradição crítica a respeito do riso —, o processo de reelaboração das personagens
míticas em dois romances de José Saramago, a pesquisa que desenvolvemos se
classifica como qualitativa. Além disso, nosso trabalho é de caráter bibliográfico, pois
utiliza-se de textos teóricos e literários para investigar a constituição histórica do riso
e para analisar as obras de Saramago.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O riso é humano. Isso quer dizer que é ele fenômeno que se manifesta apenas
entre os homens, ainda entende-se que não é dado aos outros animais serem
cômicos — “se algum outro animal ou um objeto inanimado consegue fazer rir, é
devido a uma semelhança com o homem, à marca que o homem lhe imprime ou ao
uso que o homem lhe dá” (BERGSON, 2001, p. 3). Assim, podemos classificar o
homem como um animal que sorri. Mas como e do que rimos? Em que situações ése cômico? E além: qual nossa intenção quando rimos?
Essas perguntas inquietaram o filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) em
seu ensaio sobre o riso, publicado primeiramente em forma de artigos, entre fevereiro
e março de 1899, na Revue de Paris.
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Bergson nos apresenta três características que configuram o riso: 1) o riso é
humano — “Não há comicidade fora daquilo que é propriamente humano”
(BERGSON, 2001, p. 2, grifo do autor); 2) o riso é insensível e objetiva a razão —
“[...] para produzir efeito pleno, a comicidade exige enfim algo como uma anestesia
momentânea do coração. Ela se dirige à inteligência pura” (BERGSON, 2001, p. 4);
e finalmente, 3) o riso é social — “Para compreender o riso, é preciso colocá-lo em
seu meio natural, que é a sociedade; é preciso, sobretudo, determinar sua função
útil, que é uma função social” (BERGSON, 2001, p. 6).
Se observamos o riso numa perspectiva história, a partir dos estudos de
teóricos sobre o riso, o plano que se revela nos permite apontar que, ao longo da
história dos homens, o riso oscilou entre uma posição mais livre, na qual, não raro,
os instintos mais selvagens e primitivos conviviam em harmonia com o
conservadorismo de uma sociedade ordenada, e entre momentos nos quais o riso
foi censurado, riso autorizado, o que implica pedir permissão antes de rir, não o
fazendo, o comediante é deixado à margem, perseguido ou mesmo silenciado. E já
na Grécia e Roma Antigas, que, para nós, homens politicamente corretos do século
XXI, poderiam parecer, com suas festas dionisíacas, estátuas de falo e concursos
das nádegas de Vênus, ambientes mais abertos ao riso, houve também momentos
em que comediantes foram condenados, em processos oficiais que sentenciaram,
algumas vezes, ao exílio ou à morte (cf. MINOIS, 2003). Por outro lado, na Idade
Média, quando o domínio da Igreja Católica fez-se mais severo, permitiam-se,
conforme comenta Bakhtin (2010), as festas populares, a exemplo da festa dos
loucos.
Segundo Aristóteles, “[...] a mesma diferença separa a tragédia da comédia;
procura, esta, imitar os homens piores, e aquela, melhores do que eles
ordinariamente são” (ARISTÓTELES, 1973, p. 444). A comédia é classificada pelo
filósofo grego como gênero inferior, portanto, não seria estranho pensar que dela
desgostassem os que fossem seus alvos. Mas, quer nos parecer, que, observando
a comédia de modo mais amplo, pensando no fenômeno do riso, algo mais temível
do que a imagem pública de um legislador ridicularizada, por exemplo, provocava
essa aversão aos comediantes. E esse temor maior, que ameaçava não apenas o
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
homem ou seu cargo/ofício, ambos transitórios (o primeiro porque finito, e o segundo
porque passível de imputar a outro), mas que poderia provocar e/ou abalar um modo
de vida inteiro, uma sociedade, para dizer de modo mais claro, fazia com que
temessem o riso os que desejassem manter o mundo ordenado, a partir do princípio
que os exageros, as paixões, as desmedidas em relação ao estabelecido
ameaçariam o equilíbrio desejado.
CONCLUSÃO
Fenômeno perturbador e perigoso, o riso pode servir como mecanismo de
coesão social, de manutenção de uma ordem, mas também pode, pela inversão,
dessacralizar. Por um lado, apresenta-se como distração da vida, fazendo com que
nos olvidemos momentaneamente de nossa finitude; por outro lado, rimos também
da consciência de nossa morte indubitável, riso do homem que percebe que seu
mundo é também representação, sendo ele próprio personagem, agora um, no
instante seguinte, já transformado, sempre outro, e, ambivalente, sempre o mesmo
(ele próprio, o eu, ele outro, o outro dele e o meu). Observamos, em nossa pesquisa,
que a obra de arte literária pode contribuir para esse conhecimento do eu e do outro,
indissociáveis, uma vez que o eu se faz pelo encontro com o outro.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto
de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.
BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. Trad. Ivone
Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. Trad. Maria Elena O. Ortiz
Assumpção. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
SARAMAGO, José. Caim. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
______. Evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
OS KAINGANG DE RIO DAS COBRAS NAS FOTOGRAFIAS DO SERVIÇO DE
PROTEÇÃO AO ÍNDIO
Toni Juliano Bandeira55
RESUMO
Os povos indígenas brasileiros, desde os primeiros contatos com os portugueses,
passaram a viver uma relação com contornos trágicos, ao notar-se que muitos povos
desapareceram nas primeiras décadas da conquista, seja pelas guerras, pelas
doenças trazidas pelos europeus – que dizimaram comunidades inteiras – ou por
entrarem em conflitos com outros grupos indígenas, motivados por interesses
alheios. Uma das formas de documentação e representação do indígena brasileiro é
a fotografia. O fotógrafo pode criar representações bastante peculiares, conforme
seu olhar sobre o indígena, e, também, demonstrar um olhar caracterizado de acordo
ao momento histórico em que está inserido, registrando pelas lentes, o que a
sociedade nacional pensa sobre esses povos. Assim, nessa pesquisa, buscaremos
analisar de que forma o povo Kaingang, especificamente da Terra Indígena Rio das
Cobras – Pr, foi representado na fotografia do Serviço de Proteção ao Índio (SPI),
órgão fundado no ano de 1910, responsável pela execução da política indigenista do
Brasil. Na análise das fotografias, tentaremos mostrar que o sentido da fotografia é
polissêmico, mas não arbitrário, por ser resultado de relações históricas, refletindo
sobre a fotografia enquanto representação, percebendo, também, o modo como ela
pode contribuir para os estudos sobre os povos indígenas brasileiros.
PALAVRAS-CHAVE: Fotografia; Povo Kaingang; Rio das Cobras.
INTRODUÇÃO
Os povos indígenas representam um patrimônio cultural para o país. Não
existem “índios”, mas sim povos indígenas, sociedades distintas com organizações
sociais muito complexas. Esses povos são cerca de 220 no Brasil, tendo-se
aproximadamente 170 línguas vivas. Segundo Aryon Rodrigues, um dos mais
importantes pesquisadores das línguas indígenas brasileiras, “é provável que na
época da chegada dos primeiros europeus ao Brasil, o número das línguas indígenas
fosse o dobro do que é hoje”. (1986, p. 19). Assim, nota-se que muitas línguas
Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras – Área de Concentração
Linguagem e sociedade – nível de Mestrado e Doutorado – Universidade Estadual do Oeste do
Paraná, sob orientação do professor Dr. Paulo Humberto Porto Borges. Bolsista Capes. E-mail:
[email protected].
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
desapareceram durante a colonização, muitas delas sem que sequer tenham sido
conhecidas ou estudadas e documentadas.
Neste sentido, minha experiência de pesquisa sobre os povos Kaingang e
Guarani do Paraná, em especial da Terra Indígena Rio das Cobras, me fizeram
refletir sobre a representação do indígena na fotografia, isso porque, na pesquisa de
campo, sempre utilizei a fotografia como forma de documentar esses povos.
Na referida área vivem habitantes do povo Kaingang e do povo Guarani,
somando-se aproximadamente 3 mil indígenas. Os Kaingang estão divididos em 7
aldeias, as quais seguem: Trevo, Missão, Vila Nova, Sede, Encruzilhada, Taquara e
Campo do Dia. Os Guarani vivem em outras três aldeias: Tapixi (Lebre), Água Santa
e Pinhal. Esta última pertencente ao município de Espigão Alto do Iguaçú. Esta Terra
Indígena é a maior em território paranaense, ela foi homologada por decreto de 29
de outubro de 1991, com 18.681,9806ha, e é também a mais populosa do estado.
As temáticas principais da história da fotografia são configuradas tendo-se em
conta o contexto histórico em que estão inseridas. Souza (2000) aponta os cinco
grandes temas da fotografia do século XIX que persistem no século XX, os quais,
segundo o autor, são os seguintes:
a)
b)
c)
d)
e)
Paisagens urbanas;
Grandes construções;
Grandes guerras;
Povos distintos;
Retratos de estúdio;
Analisando-se a fotografia sobre o indígena brasileiro, nota-se, primeiramente,
que no século XIX são bastante escassas as representações que tratam desta
temática, situação que se transforma no século XX, quando os povos indígenas
passam a ser documentados mais fartamente.
METODOLOGIA
A pesquisa tem como foco central a análise das imagens do Serviço de
Proteção aos Índios referentes ao povo Kaingang da Terra Indígena Rio das Cobras
– Pr. Para tanto, estamos trabalhando na seleção e leitura de referências
bibliográficas pertinentes para o estudo, as quais darão sustentação à análise.
Procedemos a um levantamento de dados no acervo do Museu do Índio e
encontramos 72 fotografias que documentam a Terra Indígena Rio das Cobras, as
quais pertencem ao Serviço de Proteção ao Índio, datadas no ano de 1942.
Juntamente às fotografias, trabalharemos com relatórios, cartas, ofícios, entre outros
documentos do SPI relativos ao período em que foram feitas as fotografias. Apesar
de não ser possível saber o autor das fotos, elas representam os objetivos do órgão
indigenista nacional.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Analisando-se a fotografia sobre o indígena brasileiro, nota-se, primeiramente,
que no século XIX são bastante escassas as representações que tratam desta
temática. As primeiras imagens foram feitas na França, por E. Thiesson, e retratavam
dois índios botocudos levados para serem apresentados em eventos científicos
(TACCA). Os índios, naquela época considerados “selvagens”, causaram
determinado impacto na sociedade intelectual francesa, sendo que foram tema de
“relatórios e acalorados debates na sessão de verão da Academia de Paris em 1843.
Depois da discussão acadêmica, a decodificação: apalpados, medidos e
enquadrados nos cânones do discurso institucional da Antropologia Física, além de
registrados pela Sociedade de Geografia” (Morel, 2002).
No ano de 1865, Albert Frisch realizou nos arredores de Manaus, as
primeiras imagens de indígenas brasileiros ao ar livre, dando uma ideia do habitat
em que eles viviam, vendo-se nelas a casa dos índios e, ao fundo, a floresta. Pelos
equipamentos fotográficos disponíveis na época, é provável que os índios tiveram
de ficar imóveis por um tempo, para que as fotografias não ficassem borradas. Estas
imagens representam um grande salto na representação do indígena, já que ele
deixa de ser levado ao estúdio fotográfico para ser retratado no ambiente onde vive,
de modo que o etnográfico incorpora contexto e cultura e não há o deslocamento
espacial até o estúdio (TACCA).
Alguns anos mais tarde, em 1875, Marc Ferrez, um dos mais importantes
fotógrafos brasileiros do século XIX, realiza, também – tal como Thiesson – imagens
dos Botocudos da Bahia. Ao analisar-se as fotografias feitas deste grupo indígena,
é possível perceber que os índios eram fotografados pelo caráter exótico que
denotavam, por serem, precisamente, povos distintos, e mais do que isso, pelo
interesse e necessidade em calcular suas medidas de seres humanos, um estudo
antropométrico – até porque, nos primeiros anos da Conquista europeia do
continente americano, questionava-se se os índios teriam alma, problema que seria
“resolvido” pelo Papa Paulo III, que acabou por afirmar, no ano de 1537, que os
índios “eram verdadeiros homens” e, por isso, não deveriam ser escravizados e
desprovidos de seus bens, conforme pode-se observar na bula Veritas Ipsa.56
Os Botocudos do Espírito Santo, de acordo com Tacca (2011), foram
fotografados, em 1908, por Walter Garbe. Apesar de serem poucas fotografias, elas
se destacariam, na opinião de Tacca (2011), “pela proximidade de práticas e gestos
culturais, fazendo fogo, catando piolhos em cabeças, tocando flautas ou uma
simulação de caça, além de retratos muito descontraídos, sem olhares medrosos
perante a câmera, e mais de curiosidade sobre o evento fotográfico”. Assim, a
fotografia resulta, também – dentre tantos outros aspectos – do grau de interação
entre o fotógrafo e o indivíduo fotografado, aspecto interessante no caso da produção
de imagens sobre os povos indígenas, já que o entendimento da fotografia por parte
desses povos pode ser bastante distinto daquele apresentado pela sociedade
nacional. Tacca destaca ainda que:
Leigos que observarem esses conjuntos fotográficos podem
ser iludidos com a falsa noção de que os nossos primeiros
habitantes eram todos de uma etnia chamada de Botocudos,
56
Disponível em: <http://www.montfort.org.br/bula-veritas-ipsa-2/>. Acesso em: 18 de julho de 2013.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
por somente os mesmos aparecerem nas imagens. Os
portugueses nomeavam vários grupos que usavam botoques
labiais e auriculares dessa forma, e assim incluíram etnias
diversas, grupos linguísticos diversos como Botocudos, entre
eles Kaigangues, Xoclengs, Krenaks e Xetás, entre outros
(TACCA, 2011).
Neste sentido, percebe-se que as primeiras fotografias sobre os povos
indígenas brasileiros contribuíram para a formação do imaginário da sociedade nãoíndia sobre essas etnias. Como bem se sabe, no senso comum do brasileiro, o índio
autêntico, verdadeiro, é aquele que vive ainda isolado na floresta amazônica,
“selvagem”, que não usa vestes, não fala português e se pinta todo dia, como se
houvesse jenipapo e urucum para tanta pintura! É por isso que povos de maior tempo
de contato, como os Guarani e Kaingang do sul do Brasil, aprenderam que era
necessário representar para a sociedade externa o “índio” que ela queria ver. Assim,
em reuniões com órgãos de assistência ou em datas comemorativas como o Dia do
Índio, por exemplo, a pintura corporal e os cocares são adereços indispensáveis,
dado que essa representação é a única válida para a ocasião. Em outros casos, em
que há uma maior interação entre o fotógrafo ou pesquisador e a comunidade
indígena, esse jogo não se faz mais necessário, pois, sendo assim, o visitante já
sabe que a pintura corporal e os cocares podem não ser tão importantes para a autoidentificação de um grupo, possibilitando-se, assim, fotografias feitas em ambientes
mais naturais.
A representação fotográfica do indígena brasileiro começa a ser diferente no
século XX, isso porque o contexto histórico é outro, a sociedade nacional passa a
ver os povos indígenas de outra maneira, conforme, é claro, aos interesses do
momento. De acordo com Borges (2003):
Após a proclamação da república e o conseqüente fim do
império, já no início do século XX, os indígenas começaram a
ser registrados em sua forma pacificada, vencida, integrada à
mão-de-obra nacional da recente república federativa do Brasil.
O indígena brasileiro começou a ser fotograficamente
documentado de maneira mais sistemática com a Comissão
Rondon, através do registro fotográfico e cinematográfico da
construção da linha de telégrafos que desbravou o sertão do
Mato Grosso. Mais tarde, com a criação do Serviço de Proteção
ao Índio (SPI) em 1910, é este órgão que se encarregou de
levar esta tarefa adiante conjuntamente com a Comissão, com
a diferença que o SPI trabalhou basicamente com fotografias
(imagem estática) e a Comissão continuou privilegiando a
produção fílmica (imagem móvel) (p. 5).
Nesse sentido, a fotografia do Serviço de Proteção ao Índio mostra,
evidendemente, o indígena da maneira como lhe era conveniente. Freund escreve
que:
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
[…] más que cualquier otro medio, Ia fotografía posee la aptitud
de expresar los deseos y las necesidades de las capas sociales
dominantes, y de interpretar a su manera los acontecimientos
de la vida social. Pues la fotografía, aunque estrictamente
unida a la naturaleza, sólo tiene una objetividad ficticia. El lente,
ese ojo supuestamente imparcial, permite todas las
deformaciones posibles de la realidad, dado que el carácter de
la imagen se halla determinado cada vez por la manera de ver
del operador y las exigencias de sus comanditados. Por lo
tanto, la importancia de la fotografía no sólo reside en el hecho
de que es una creación sino sobre todo en el hecho de que es
uno de los medios más eficaces de moldear nuestras ideas y
de influir en nuestro comportamiento (2001, p. 8).
Portanto, a fotografia enquanto documento deve ser analisada levando-se em
conta o contexto histórico em que está inserida.
CONCLUSÕES
A pesquisa, em seu estado parcial, nos permite afirmar que a fotografia pode
contribuir de maneira significativa para o conhecimento da história dos povos
indígenas brasileiros. O Serviço de Proteção ao Índio, que operou de 1910 a 1967,
registrou o indígena Kaingang conforme a proposta da política indigenista que
seguia, ou seja, sendo integrado à população nacional, como trabalhador brasileiro.
Essa representação estava, pois, embasada nos aspectos históricos do país, e essa
documentação farta é, sem dúvida, um legado agora de valia imensa para se
entender esse momento da trajetória dos povos indígenas do Brasil.
REFERÊNCIAS
BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Trad. De Júlio Castañon Guimarães.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BORGES, P. H. P. Fotografia, história e indigenismo: a representação do real no SPI. 2003.
178 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
FREUND, G. La fotografía como documento social. Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
2011.
RODRIGUES, A. D. Línguas Brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas.
São Paulo: Edições Loyola, 1986.
MOREL, M. Imagens aprisionadas e resistência indígena: os daguerreótipos de 1844.
Studium 10, 2002. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/10/7.html. Acesso em:
13 set. 2013.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Chapecó:
Grifos, 2000.
TACCA, F. de. O índio na fotografia brasileira: incursões sobre a imagem e o meio. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.1, jan.-mar. 2011, p.191-223.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
IMAGENS POÉTICAS E MEMÓRIA LÍRICA EM CHLORIS CASAGRANDE
JUSTEN
Vanessa Micheli Faraom Zanesco57
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo investigar representações da memória nos textos
poéticos da escritora Chloris Casagrande Justen, que exprime uma linguagem
marcada pela subjetividade em suas palavras. A imaginação simbólica também faz
parte do universo poético dos poemas analisados, por isso também se investigará
como as imagens traçam contornos para criar a constituição da memória lírica e
fazem refletir sobre os temas por meio da linguagem poética, que se utiliza de
metáforas com um olhar diferenciado sob a lírica da poeta. Nos poemas
selecionados das obras Jogo de luz (1993) e Essências transfiguradas (2011), a
memória não convém como caráter informativo, mas prima pelo envolvimento de
rememorar fatos que permaneceram em outro tempo, fazendo refletir sobre a
realidade que foi sensoriada para constituir as imagens e a memória lírica, as quais
revelam a nostalgia recorrente nos versos justinianos. Esses apontamentos
direcionam para reflexões que resultarão na contribuição para a análise da
linguagem poética de Chloris Casagrande Justen, uma vez que são os seus poemas
que dão lastro para a imaginação simbólica e a memória lírica que são contempladas
pelo sujeito poético. Levando em consideração o tema e questionamentos
levantados, propomos estabelecer um estudo destacando os recursos poéticos
utilizados nos textos das obras Jogo de luz (1993) e Essências transfiguradas (2011),
bem como a importância de representações da memória envolvendo os textos
poéticos. Como embasamento teórico tem-se as vozes de autores como Gaston
Bachelard, Gilbert Durand, Octávio Paz, Aleida Assmann, Ecléa Bosi, Michel
Pêcheux, Vera Lúcia Felício.
PALAVRAS-CHAVE: Memória; imagens poéticas; poesia.
INTRODUÇÃO
Nessa pesquisa estuda-se as obras Jogo de luz (1993) e Essências transfiguradas58
(2011) da escritora curitibana Chloris Casagrande Justen. Nos textos se analisará
como a imaginação simbólica faz parte do universo poético, e ainda como as
imagens poéticas e a memória lírica são fatores essenciais para a análise dos
poemas da escritora.
57
Aluna do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Letras, nível de Mestrado, área de
concentração em Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE. Linha de Pesquisa: Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos Comparados.
Orientador: Professor Antonio Donizeti da Cruz. Endereço eletrônico: [email protected]
58 Obra bilíngue, apresentando como segundo idioma o inglês.
298
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Partindo dessa premissa, realizamos um estudo destacando os recursos
poéticos utilizados nas obras Jogo de luz (1993), e Essências transfiguradas (2011),
bem como queremos confirmar a importância da leitura e a análise dos textos
poéticos, pois “O poema é uma possibilidade aberta a todos os homens, qualquer
que seja seu temperamento, seu ânimo ou sua disposição. Pois bem, o poema é
apenas isto: possibilidade, algo que só se anima em contato com um leitor ou um
ouvinte.” (PAZ, 2012, p. 33).
Os textos poéticos de Chloris Casagrande Justen apresentam imagens
poéticas e símbolos que dão lastro à memória lírica por meio das palavras e da
simbologia presentes na obra da escritora. Para tanto, é imprescindível salientar que
“[...] a poesia é transcendência, contemplação, força que edifica e revigora o homem
frente às vicissitudes da vida.” (CRUZ, 2012, p. 66). Dessa forma, a análise que
envolve esse estudo mostra também a importância dos textos poéticos como modo
de elevação do pensamento.
Na obra da poeta podem ser detectadas experiências vivenciadas por ela, mostrando
que a literatura muitas vezes, apresenta novos sentidos à realidade, pois a obra de
arte “[...] Não é o resultado da experiência individual, mas social. Um único indivíduo
não pode dar conta da realidade. O poeta consegue ser o porta-voz da sua classe,
ou do futuro.” (SAMUEL, 2002, p.13). Sendo assim, a literatura é um meio que eleva
o pensamento do homem, torna-o mais crítico e o impulsiona a evoluir
intelectualmente. A escritora Chloris, por meio de sua poesia contribui
significativamente para a literatura. Em relação à poesia Octavio Paz tece a seguinte
reflexão:
Todas as artes, especialmente a pintura e a escultura, por serem
formas, são coisas; por isso podem ser guardadas, vendidas e
transformadas em objetos de especulação monetária. A poesia
também é coisa, mas, é muito pouca coisa: está feita de palavras,
uma lufada de ar que não ocupa lugar no espaço. Ao contrário do
quadro, o poema não mostra imagens, nem figuras: é um conjuro
verbal que provoca no leitor, ou no ouvinte, um fornecedor de
imagens mentais. A poesia se ouve com os ouvidos mas se vê com
o entendimento. Suas imagens são criaturas anfíbias: são ideias e
são formas, são sons e é silêncio. (PAZ, 1993, p. 143)
O poema não é interpretado como outras formas de linguagens, ele tem suas
peculiaridades e recursos distintos a serem explorados, por isso se distingue das outras artes.
Chloris Casagrande Justen, por meio de seus poemas exprime uma linguagem marcada pela
subjetividade, e faz refletir sobre os temas pelos versos poéticos, que se utilizam de metáforas
com um olhar diferenciado sob a lírica da escritora.
METODOLOGIA
Para este estudo têm-se como objetivos analisar a poesia de Chloris Casagrande
Justen, investigando a imaginação simbólica e a memória lírica presentes nos textos.
Pretende-se também identificar o significado dos elementos simbólicos e sua relevância para
a compreensão da poética da escritora; discutir como a memória lírica é representada nas
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
obras em estudo e localizar diferenças e semelhanças entre poemas, compreendendo o
estilo de linguagem utilizado nos textos poéticos.
Para analisar a poesia de Justen deve-se refletir sobre os temas por meio da
linguagem simbólica, bem como compreender o processo que envolve a linguagem poética,
os símbolos e a memória com um olhar diferenciado, olhar que traz significados distintos para
a poesia.
Essas indagações direcionam para reflexões que resultarão na contribuição para a
análise dos poemas de Chloris Casagrande Justen. Porém, é o texto literário da poeta que é
observado para responder todos os questionamentos, uma vez que são os seus poemas que
dão lastro para a imaginação simbólica e a memória lírica que são contempladas pelo sujeito
poético.
As imagens produzidas pela palavra poética são os elementos encontrados nos
textos da artista, sendo que a fenomenologia “[...] obriga a ativar a participação da imaginação
criadora, pois o objetivo de todo fenomenologia é colocar, no presente, o presente da
imagem.” (BARBOSA, 2004, p. 48) que constitui principalmente, a formação social e a
memória, como meio de perdurar acontecimentos do tempo que é abordado de modo central
nos temas justinianos; comuns são as metáforas e elementos que a ele remetem. Desse
modo, na abordagem do tempo como tema inscreve-se a reflexão acerca da memória e “Os
sonhos, os pensamentos, as lembranças formam um único tecido” (BACHELARD, 1993, p.
181) que foram transpostos para os textos poéticos.
O trabalho é desenvolvido a partir da análise comparativa e de conteúdo das obras
Jogo de luz e Essências transfiguradas da poeta curitibana Chloris Casagrande Justen. Os
procedimentos de levantamento, análise e interpretação estão fundamentados em teorias
que exploram a imaginação simbólica, a memória lírica e o universo poético a partir dos
pressupostos teóricos de Gaston Bachelard (1988a, 1988b, 1993), Gilbert Durand (1997),
Octavio Paz (1993, 2012), Guilles Deleuze (2003), Michel Pêcheux (1999), Ecléa Bosi (1979),
Aleida Assmann (2011), Antonio Candido (1976), Roger Samuel (2002), Vera Lúcia G. Felício
(1994), Elyana Barbosa (2004), Teresa Teixeira Britto (2007), Antonio Donizeti da Cruz (2010,
2012).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com essa pesquisa pretende-se destacar os textos poéticos da escritora
Chloris Casagrande Justen para os estudos que compreendem a investigação da
memória e da imaginação simbólica, assim como, difundir seus textos para que sua
poesia seja reconhecida e estudada no ensino de todos os níveis.
CONCLUSÕES
O texto poético por meio das imagens e da memória apresenta novos sentidos
à realidade e expõe o social. A utilização da memória na poesia é um reconstruir de
memórias históricas, que o sujeito poético traz pelas palavras que estão subjacentes
ao corpo do texto. A memória acaba com o pensamento do nunca mais, pois no
momento em que se lembra de algo, reconstrói uma nova realidade em que está
ligada, ao mesmo tempo, ao passado e ao presente:
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
[...] uma memória não poderia ser concebida como uma esfera
plena, cujas bordas seriam transcendentais históricos e cujo
conteúdo seria um sentido homogêneo, acumulado ao modo
de um reservatório: é necessariamente um espaço móvel de
divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de
conflitos de regularização... Um espaço de desdobramentos,
réplicas, polêmicas e contra-discursos. (PÊCHEUX, 1999, p.
56)
Por meio do canto gratuito e imagético pluralístico, a poesia de Chloris Casagrande
Justen convida o leitor a mergulhar na subjetividade de cada palavra. O universo imagético e
simbólico dos poemas aponta para o caminho da transformação, as imagens revelam uma
multiplicidade de sentidos inesgotáveis apresentando uma vivência em que se interpõem
perdas e ganhos, trevas e luz que são revivificadas pela memória.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. 2. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BARBOSA, Elyana. Bachelard: pedagogia da razão, pedagogia da imaginação. Petropólis,
RJ: Vozes, 2004.
CRUZ, Antonio Donizeti. O universo imaginário e o fazer poético de Helena Kolody. Cascavel:
EDUNIOESTE, 2012.
PAZ, Octavio. A outra voz. Tradução de Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1993.
_______. O arco e a lira. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
PÊCHEUX, Michel. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre [et al]. Papel da Memória.
Tradução e introdução de José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999.
SAMUEL, Roger. Novo manual de teoria literária. 2. ed. Petrópolis, RJ: Editora vozes,
2002.
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
OSWALD DE ANDRADE: DO MANIFESTO Á CRÍTICA LITERÁRIA E ARTÍSTICA
Wallisson Rodrigo Leites59
RESUMO
Esta pesquisa tem como proposta realizar um estudo sobre as formulações acerca
do conceito de antropofagia e a maturação desta formulação ao longo da produção
de Oswald de Andrade, considerando-se um recorte da produção crítica e literária
do escritor. Para isto, propõem-se partir dos Manifestos da Poesia Pau-Brasil (1924),
e Manifestos Antropófago (1928) – textos fundadores da ideia de antropofagia – para,
na sequência, verificar na produção pós 1930, especificamente nos textos
correspondentes à Trilogia da devoração do teatro oswaldiano, O homem e o cavalo
(1934), A morta (1937), O rei da vela (1937) e a esquete: Panorama do fascismo
(1934), a reelaboração artística do conceito de antropofagia cultural, modo, como se
referem críticos contemporâneos ao conceito elaborado por Oswald de Andrade.
Conjuntamente ao estudo analítico de fragmentos das peças, em que se pode
observar a estetização do conceito, serão estudados textos da crítica oswaldiana,
pós 1930, observando-se como a formulação conceitual sobre a estética
antropofágica aparece na escritura oswaldiana, a exemplo de crônicas, artigos,
ensaios, cartas e outros textos críticos, material publicado postumamente nos livros
Ponta de lança (1999), Estética e Política (2003) e A utopia antropofágica (2005).
Na vasta produção criativa e critica pós 1930, ainda pouco lida e estudada, observase um Oswald afastado do grupo dos modernistas de 1922, refletindo sobre sua
própria produção, sobre o desenvolvimento do pensamento antropofágico e sobre o
movimento modernista no Brasil, um “país bárbaro e tecnizado”.
INTRODUÇÃO
Antes de ser conhecido por sua produção dramatúrgica, Oswald já havia marcado
seu nome entre os grandes autores de seu tempo com o Manifesto Antropófago (1924) e
com o Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1928), textos reveladores dos ideais propostos pelos
artistas da época. Nesses textos, o autor discute de forma crítica os modos de se produzir
poesia, literatura e arte, atacando as chamadas escolas literárias. Para Oswald de Andrade
(1971), a arte está no mundo e se concretiza a partir da livre expressão do pensamento, e
não por meio de um pensamento orientado burocraticamente por padrões estéticos que
servem ao deleite do burguês, indo de encontro à noção de cânone literário e corroborando
a permanência da mentalidade colonial da práxis.
59
Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração
Linguagem e Sociedade, Linha de pesquisa Linguagem Literária e Interfaces Sociais: Estudos
Comparados – nível de Mestrado– da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, sob
orientação
da
Professora
Dra.
Lourdes
Kaminski
Alves.
Endereço
eletrônico:
[email protected].
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Para alcançar tal objetivo, o manifesto propõe a desacralização e a deglutição
consciente e crítica de todos os padrões artísticos de uma sociedade coisificada, na qual o
próprio pensamento se constitui por meio de uma sistematização lógica e funcional, para, a
partir de então, buscar novas perspectivas acerca da compreensão artística e,
consequentemente, do mundo, e, sobretudo, de uma identidade nacional, o que remete aos
estudos bakhtinianos sobre o conceito de carnavalização que se aproxima das formulações
estéticas oswaldianas. “[...] Era preciso inverter o superior e o inferior, precipitar tudo que era
elevado e antigo, tudo que estava perfeito e acabado, nos infernos do ‘baixo’ material e
corporal, a fim que nascesse novamente depois da morte” (BAKHTIN, 1999, p. 70). Esta é a
perspectiva carnavalizada e antropofágica praticada pelos modernistas. Não obstante, “a
antropofagia é antes de tudo o desejo do Outro, a abertura e a receptividade para o alheio,
desembocando na devoração e absorção da alteridade” (PERRONE-MOISÉS, 1995, p.95).
A proposta modernista propõe pensar a arte na perspectiva da desestabilização,
prevalecendo, nas obras desse período o caos e a instabilidade dos objetos representados.
Vale ressaltar que, por tratar-se de uma estética que busca deglutir aquilo que
já foi produzido e assimilá-lo, a antropofagia requer estudos de base intertextual
pautada nos pressupostos da Literatura Comparada, a qual traz contribuições
fundamentais no que se refere ao estabelecimento de relações entre obra e
sociedade de distintos períodos.
No campo da Literatura Comparada e dos pressupostos da intertextualidade,
buscar-se-ão as contribuições de Carvalhal e Coutinho (1994), Nitrini (2000) e
Kristeva (1974), Samoyault (2008), entre outros que auxiliarão nas investigações
acerca das congruências e divergências no conjunto da produção artística e crítica
oswaldiana. A fundamentação teórica será utilizada no processo de análise e de
interpretação, não sendo, pois tratada separadamente no texto da dissertação.
Com relação à transgressão de valores, é de fundamental importância a
contribuição dos estudos da atual crítica brasileira e latino americana por refletirem
sobre questões como a hibridização cultural, marcada pela assimilação de
caracteres de culturas distintas a partir do embate/enfrentamento destas, a exemplo
de Zilá Bernd (1998), (2003). Estudos de Antonio Candido (1976) pela abordagem
dialética sobre a literatura, cultura e sociedade, Silviano Santiago (2000), por tratar
do “entre lugar do discurso latino-americano”, Leyla Perrone-Moisés (1995) por
refletir sobre a antropofagia como abertura e a receptividade para o alheio, para a
compreensão da alteridade, Eduardo Coutinho (2004), ao tratar no contexto latinoamericano, da tomada de consciência” por parte dos pensadores do continente,
apontando a quebra com a dicotomia centro/periferia, Walter Mignolo (2003), que
apresenta um estudo sobre colonialidade, saberes subalternos e pensamento
liminar.
Pretende-se então, a partir do presente estudo, observar como a estética
antropofágica se configura nas obras de Oswald Andrade, atentando para uma possível
(re)significação do conceito nos distintos períodos de produção do autor e em que medida a
produção crítica atual reafirma a concepção de uma antropofagia cultural, como perspectiva
estética original para a produção crítica e literária no contexto latino americano.
METODOLOGIA
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de cunho investigativo e interpretativo,
com base na própria crítica oswaldiana e de teóricos que abordam a chamada “crítica
de escritores”, a exemplo de Barthes (2007), Maurice Blanchot (1987), Leyla
Perrone-Moisés (2005), Eric Bentley (1991), entre outros que darão suporte á
interpretação das obras teatrais e do conjunto de textos a serem analisados.
Pretende-se, a partir deste percurso de leitura e de “escuta” da obra oswaldiana, livre
da crítica especializada e muitas vezes “determinista”, observar em que medida a
formulação do conceito de antropofagia vai consolidando-se como perspectiva crítica
e estética até as formulações teóricas assumidas na contemporaneidade sobre as
contribuições da antropofagia cultural no contexto latino americano.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No contexto Brasileiro, uma nova forma de perceber o mundo e as produções
artísticas e culturais se dá principalmente com a estética da antropofagia de Oswald
de Andrade, que, sob influência das Vanguardas Europeias, propunha a deglutição
dos padrões artísticos burgueses da época para se repensar a cultura no país. No
entanto, parte desta produção ainda requer estudos, a exemplo do teatro oswaldiano
e de toda a sua produção pós 1930, pela proposta estilística que contempla,
respaldada na busca de novas significações para a história e para a cultura brasileira,
a partir da paródia, da sátira e da intertextualidade. Para Coutinho:
Agora, contrariamente ao que ocorria antes, o texto segundo no
processo da comparação não é mais apenas o ‘devedor’, mas
também o responsável pela revitalização do primeiro, e a relação
entre ambos, em vez de unidirecional, adquire sentido de
reciprocidade, tornando-se, em conseqüência, mais rica e dinâmica
(COUTINHO, 1995, p. 20).
O movimento modernista serviu, então, como marco inicial para esse processo de
ressignificação do passado, a exemplo do Manifesto da Poesia Pau-Brasil60, publicado no
Correio da Manhã em 1924, e do Manifesto Antropofágo 61 , publicado na Revista de
Antropofagia, em 1928, de Oswald de Andrade. Estes manifestos, juntamente com a Revista
se colocam como fontes de referências fundamentais para a compreensão da produção
artística nacional contemporânea latino-americana.
CONCLUSÕES
Em síntese, a essência dos manifestos oswaldianos encontra-se na
desconstrução antropofágica da cultura estrangeira para o retorno a um Brasil
“pueril”, onde se é possível criar um pensamento e um modo de conceber a arte e a
cultura autenticamente nacional. Entretanto, esse processo primário de retorno a um
passado perdido enquanto conceito de antropofagia é posteriormente reelaborado
Klaxon, mensário de arte moderna. Introdução de Mário da Silva Brito. “Escolas e ideias”. São
Paulo: Livraria Martins Editora/ Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo,
1976 (edição fac-símile).
61 Revista de Antropofagia, Ano I, n. I, maio de 1928 (ANDRADE,1990, p.47-52).
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ANAIS DO III ENCONTRO INTERMEDIÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA CONFLUENCIAS DA FICÇÃO,
HISTÓRIA E MEMÓRIA NA LITERATURA E NAS DIVERSAS LINGUAGENS
criticamente e esteticamente, na escritura oswaldiana pós-1930, assumindo novas
conotações e diretrizes
O teatro oswaldiano é parodístico e elaborado na perspectiva da proposta
antropofágica, que busca, a partir da assimilação e da deglutição de uma cultura do
passado, fazer com que o homem se reconheça em seu tempo de modo a poder
pensar o futuro. Deste modo, pode-se afirmar que a contribuição de Oswald não se
restringe à inovação estética, pois também às “revoluções sociais, políticas e
filosóficas” (CURY, 2003, p. 26), contempladas em sua obra, levando o homem a
repensar a sua cultura na perspectiva da formação de uma identidade nacional.
Assim, a antropofagia se revela na produção pós 1930 oswaldiana a partir da
carnavalização dos valores sociais, culturas e artísticos instituídos.
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