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FUNDAMENTOS
HISTÓRICOS
DA
ECOLOGIA
UMA ANÁLISE DA LITERATURA ECOLÓGICA
Fernando Dias de Avila-Pires
2
Even now, with all our knowledge of the past, we still find it
hard to disentangle the historical facts from the myths,
because the myths themselves are part of history. ... This is
why we must never be afraid to speculate - and never, never
be afraid of those who urge us to contemplate the seemingly
impossible, to examine ancient formulae for new meanings.
Believe me, we are more readly betrayed by our certainties
than by our doubts and curiosities. (1)
Morris West, Lazarus.
The purpose of this book is ... to remove some of the mystery
without destroying the romance. (2)
S. Surrier, The wine cellar book.
3
Notas
(1) Mesmo agora, com todo o nosso conhecimento do passado, ainda achamos difícil distinguir os
fatos históricos dos mitos, porque os próprios mitos são parte da história...É por isso que não
devemos ter medo de especular - e nunca, nunca temer os que nos estimulam a contemplar o
aparentemente impossível, a examinar as fórmulas antigas em busca de novos significados.
Creiam-me, nós somos traidos mais facilmente por nossas certezas que por nossas dúvidas e
curiosidades.
(2) O objetivo deste livro é ... remover um pouco do mistério sem destruir o romance.
4
Sumário
AGRADECIMENTOS ..........................................................................................6
PARTE UM
Introdução ..............................................................................................................8
Conceitos Básicos .................................................................................................17
Histórico do Termo ..............................................................................................24
PARTE DOIS
Energia Vital.........................................................................................................34
Ciclos e Reciclagem..............................................................................................42
A síntese de substâncias orgânicas ..........................................................48
A degradação ...........................................................................................69
Os caminhos da ecologia nascente ..........................................................81
Comunidades Bióticas .........................................................................................88
O Meio Abiótico .................................................................................................108
O conhecimento antigo ..........................................................................110
Tempos modernos..................................................................................111
Evolução do conceito de adaptação no século XIX...............................118
Visão atual .............................................................................................120
Estratégias de adaptação ........................................................................123
Florestas e climas...................................................................................125
Clima e saúde.........................................................................................127
A época de Pasteur.................................................................................129
Um século depois...................................................................................135
No intervalo ...........................................................................................135
Nem tudo está perdido ...........................................................................137
Populações e ambiente...........................................................................138
Conclusão ..............................................................................................141
O Meio Biótico....................................................................................................146
Cronologia histórica...............................................................................149
O equilíbrio natural e seu controle artificial..........................................157
O mundo microbiano .............................................................................160
Patocenoses .........................................................................................................163
5
O Meio Interior e as Comunidades Endógenas...............................................179
O Meio Exterior e as Comunidades Exógenas ................................................188
Pioneirismo e folclore............................................................................191
Ecologia de vetores................................................................................193
O Meio Social......................................................................................................212
Teoria de Sistemas .............................................................................................221
PARTE TRÊS
A Ecologia Alternativa ou Ecologia Panteísta.................................................236
Conclusão............................................................................................................243
BIBLIOGRAFIA................................................................................................247
6
Agradecimentos
A Adriana, que leu (várias vezes), criticou (muito), melhorou o texto e
incentivou a construção deste livro desde o início.
A Luc Hens, da Universidade Livre de Bruxelas, que enviou o texto
original de Haeckel, copiado por Evrard Müller da Faculdade de Ciências da
Universidade de Jena.
A François Delaporte, da Universidade de Amiens e do CNRS, pelo
apoio constante, pela leitura do original e pelos esforços para que fosse publicado. E
pela amizade, que muito prezo. A Cecilia, Ixchel e François agradecemos a sempre
calorosa acolhida.
A Patrice Pinell, então diretor da Unidade 158, INSERM, Paris, por
ter-me proporcionado uma estada útil, proveitosa e agradável, em Paris, no período de
1997-1998, partilhando o espaço reduzido de que dispunha e os recursos de
bibliografia, cópia e comunicações. A Adele e Patrice somos gratos pela hospitalidade
no Instituto e em sua casa, cozinha e adega.
A Donato Bergandi, do Muséum National d’Histoire Naturelle, Paris,
profundo conhecedor dos labirintos de sua biblioteca e autor de vários importantes
trabalhos sobre a moderna filosofia e história da biologia, em especial sobre sistemas
e suas propriedades emergentes. A Donato e Monique agradecemos as horas de
discussão e as ocasiões de degustação.
A Jean-Marc Drouin, também do Museu, pelas publicações sobre a
história da ecologia, que trouxe a meu conhecimento
PARTE UM
8
INTRODUÇÃO
Mi hermano vive en los montes
Y no conoce una flor.(1)
Ataualpa Yupanqui, Las Preguntitas
9
Introdução
É difícil datar com precisão o nascimento de idéias e teorias. Não é
fácil resistir à tentação de recuar no tempo e identificar conceitos com pré-conceitos
ou proto-idéias análogas ou convergentes, isto é, sem a mesma base fundamental. No
outro extremo, deve-se evitar ignorar verdadeiros pioneiros no zelo de somente
admitir como precursores os autores de idéias acabadas e de teorias atuais. Um bom
exemplo das dificuldades - e dos interesses - envolvidos nas questões de prioridade e
precedência de descobertas nos é dado pela discussão em torno da síntese do etanol
envolvendo Henry Hennel e Berthelot, relatada por Jean Jacques em 1987. Por outro
lado, a questão do nascimento de paradigmas, disciplinas ou de campos
especializados do conhecimento tem sido tema de discussão de vários autores, aos
quais remetemos os leitores interessados. Korfiatis e Stamou, em um artigo publicado
em 1994 sobre a emergência de novos campos na ecologia propõem alguns critérios e
fornecem a bibliografia.
A história de áreas especializadas do conhecimento, como da física, da
biologia, ou da medicina, resulta em uma crônica parcial e privilegiada dos fatos
marcantes ocorridos no decorrer dos séculos. Segundo Walsh, as tentativas de se
reviverem os acontecimentos devem incluir, além do relato de realizações e
conquistas pessoais e setoriais, a evolução dos conceitos, desde o seu enunciado
pioneiro e nebuloso até sua definição mais moderna e precisa; os reflexos que as
idéias, descobertas e invenções exerceram sobre a sociedade e vice-versa; as
condições socio-econômicas prevalentes na ocasião; e, finalmente, suas influências
sobre o desenrolar dos eventos históricos em geral. Em resumo, o que se chama de
historiografia.
Em um campo vasto, interdisciplinar e transdisciplinar como o da
ecologia, as contribuições fundamentais surgiram em distintas áreas do conhecimento
de maneira que cada historiador ou cronista tende a concentrar-se nos autores e na
bibliografia de sua área profissional. Mesmo em disciplinas estreitamente
relacionadas, como a biologia e a medicina, verificam-se omissões importantes nos
relatos históricos correspondentes, como as contribuições de Pasteur e de Manson à
ecologia e as de Elton à epidemiologia.
Veyne, por sua vez, ressalta que a história não é um documento em
fotomontagem e não pretende mostrar o passado como se você estivesse lá. Se
houvesse estado, teria tido uma visão parcial dos acontecimentos. Waterloo não foi a
mesma coisa, para um marechal, para a esposa do marechal, para um lanceiro e para
um oficial subalterno. Para os ingleses foi uma vitória, para os franceses, uma derrota.
A história não é, portanto, uma versão parcial ou documental, ainda que fiel, nem
10
mesmo um somatório de depoimentos parciais e sim uma interpretação analítica e
global de uma época ou de um fato.
É impossível, também, resumir o sistema de pensamento de um
indivíduo em uma frase, parágrafo ou página. No curso de sua vida e nas edições
sucessivas de sua obra, um autor muda seu modo de pensar; seu raciocínio evolui e
pode acatar em épocas distintas, teorias contraditórias. A análise da evolução do
pensamento de Darwin, que se modificou radicalmente entre 1837 e 1856,
documentada por Ospovat e por Desmond e Moore, ou a de Claude Bernard (18131878), por Grmek (2) constituem bons exemplos. É, pois, com cautela e um certo
receio que atribuí certas idéias a autores citados. Ainda mais difícil é a avaliação da
contribuição não escrita de certos pensadores e mestres, através da influência sobre
seus discípulos e contemporâneos. Ao que consta, Cristo não sabia escrever.
Ciência e história assemelham-se em serem, ambas, interpretação,
antes que descrição, e pelos métodos particulares que empregam.
O historiador, como o cientista, deve preocupar-se com a análise do
óbvio para escapar ao que Veyne chama de ótica das fontes, característica do
expectador contemporâneo que deixa de lado os aspectos que considera triviais,
corriqueiros ou evidentes e cujo significado não percebe. Referências aos estilos de
penteado, por exemplo, podem escapar aos cientistas preocupados em registrar
grandes descobertas do momento; mas servem, não só para os historiadores da moda,
como para os biólogos interessados na ecologia e epidemiologia do tifo exantemático,
transmitido por piolhos, como revela a leitura do capítulo de Zinsser sobre esta
doença. Isso explica o sucesso da transposição de idéias de uma área do conhecimento
para outra e, por outro lado, justifica Aldous Huxley, quando diz que The meditative
eye can look through a single object and see, as through a window, the entire
cosmos.(3). Não credencia, contudo, a crônica de trivialidades como obra histórica.
A leitura da Historie des Progrès des Sciences Naturelles depuis 1789
Jusqu'à ce jour, do barão Georges Cuvier foi-me muito útil, por diversas razões
apesar de seu caráter sumário de relatório oficial e um pouco parcial e nacionalista.
No século XVIII a França dominava o cenário intelectual europeu. Aquele século viu
nascerem os periódicos de referência histórica e de divulgação de trabalhos técnicos e
científicos, apresentados durante as reuniões rotineiras das academias fundadas no
século XVII. Ao contrário do movimento enciclopedista, que tratava da
sistematização e síntese dos conhecimentos, surgiam as análises de temas específicos
e as contribuições individuais ao progresso da ciência e da técnica. Sob o domínio de
Napoleão I, foi criado o Institut de France e instituido um prêmio anual para o
melhor trabalho científico publicado. Em 1807, o Imperador criticou o Instituto por
atribui-lo ao inglês Humphry Davy, quando a França encontrava-se em guerra com
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seu país. Foi ainda a França que inaugurou a tradição de se tornar público, a cada ano,
o relato das experiências, invenções e descobertas realizadas no país e nos principais
centros culturais europeus. Dalambre e Cuvier foram encarregados de relatar os
progressos das ciências, letras e artes a partir da data da Revolução Francesa, surgindo
a primeira edição em 1808, a segunda em 1828, ambas publicadas em Paris, e uma
terceira em 1837, em Bruxelas. Pouco mais tarde, periódicos especializados passaram
a marcar o nascimento de campos individualizados do conhecimento, caracterizados
por métodos, técnicas e teorias particulares. Assim Cuvier datou a nova química
particular precisamente de 1789, quando surgiu o Traité Élementaire de Lavoisier.
No mesmo ano, Berthollet, Morveau e Fourcroy fundaram os Annales de Chimie. Na
Alemanha, o primeiro periódico destinado a esta ciência surgira em 1778. A
organização das Academias e a divulgação dos trabalhos de seus membros resultaram
- e ao mesmo tempo estimularam - o desempenho rotineiro das atividades dedicadas à
ciência, à tecnologia, à invenção planejada e promoveram o advento da especialização
e da profissionalização da atividade científica. (4).
Como ressaltou Merz (5), o período abrangido pelos relatórios de
Cuvier foi um dos mais profícuos dos tempos modernos. Seus relatos são importantes
para o conhecimento da história dos fundamentos da ecologia quando, então, vários
conceitos subjacentes, de domínio conexo e coadjuvantes, que constituem os alicerces
da nova disciplina, estavam sendo estabelecidos e firmados. A concepção do universo
mudara com as teorias de Laplace; a antiga doutrina dos quatro elementos fora
revogada pela química analítica: o ar e a água foram decompostos, o fogo explicado
pela nova teoria de combustão perdendo seu caráter metafísico, e a complexidade do
elemento terra foi reconhecida. A análise quantitativa das substâncias orgânicas
conduziu ao questionamento das teorias vitalistas. Cuvier inaugurou a anatomia
comparada e Lamarck propôs, em 1809, a primeira teoria científica da evolução,
enquanto Malthus revolucionava as teorias econômicas e fornecia argumentos que
despertariam a atenção de Charles Darwin e de Alfred Russel Wallace para o
mecanismo de seleção natural. Finalmente, da antiga História Natural nasceu a
Biologia, cujo nome deve-se, simultaneamente, a Treviranus, e a Lamarck, que o
utilizaram, pela primeira vez, no início do século XIX.
O estudo cuidadoso dos relatórios de Cuvier permite-nos avaliar o
testemunho-participante de um cientista que dominou o cenário da história natural na
primeira metade do século XIX. Político influente, fundador da paleontologia e da
moderna anatomia comparada, descreveu as conquistas científicas dos naturalistas
viajantes e dos pesquisadores em todos os campos das ciências naturais, da medicina,
da agricultura, além de relatar os progressos das técnicas. Merz considera-o imparcial
em suas opiniões, porém, pelo menos na terceira edição de seus relatórios, as
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contribuições francesas são valorizadas e privilegiadas sobre as demais. Cuvier critica
a ciência alemã, que considera contaminada pelas idéias da filosofia natural, cuja
influência reconhece e reprova nos trabalhos de Etiènne G. de Saint-Hilaire, enquanto
ele próprio defende a teoria das criações sucessivas e do catastrofismo, para
harmonizar as próprias descobertas paleontológicas com suas idéias religiosas.
Por outro lado, Merz (6) compara a atuação de quem escreve como
testemunha dos fatos com a do historiador que se beneficia da visão retrospectiva e de
conjunto que o tempo e a distância permitem, e conclui que o trabalho do rapporteur
contemporâneo seria mais duradouro e fiel do que o do historiador distante no tempo
e no espaço. O exame dos relatos de Cuvier mostra, contudo que, em certos
comentários, revelou-se mais crítico que historiador imparcial, e seu próprio interesse
pela anatomia distorceu sua visão da zoologia, quando considera sua especialidade
como fundamental dentro da história natural, ocupando uma posição central e de
destaque: para ele, a forma determina a função. Seus relatórios deixam numerosas
áreas do conhecimento biológico no silêncio ou no esquecimento, sem prever os
rumos e a importância que assumiriam nas décadas seguintes e que não escaparam à
perspectiva dos historiadores que o sucederam.
A distância, por outro lado, ajuda a desfazer os mitos e a avaliar, com
imparcialidade, os fatos os acontecimentos e os personagens: a verdade não depende
de quem a diz.
Os relatórios de Cuvier podem constituir o meio de se chegar a uma
análise mais profunda dos incidentes que registra, se soubermos ler nas entrelinhas.
Entre o documento autêntico e a realidade histórica existe uma grande diferença que
somente o historiador experiente pode descobrir. Condorcet chamou a atenção para o
fato, ao dizer: Pode existir uma tal discrepância entre a lei escrita e a lei aplicada;
entre os princípios dos que governam e a maneira como a ação deles é modificada
pelo espírito dos que são governados; ... a religião dos livros e a do povo; ... que os
efeitos deixam absolutamente de corresponder às suas causas públicas e conhecidas.
A análise da legislação sanitária de Lisboa, reformada no século XVIII, e considerada
muito avançada para a época, não nos permite formar uma idéia das reais condições
prevalentes na cidade, durante sua vigência. Assim, José Saramago, em seu romance
locado naquela cidade à época do reinado de D.João V, descreve que: Estando as ruas
sujas, como sempre estão, por mais avisos e decretos que as mandem limpar, vão à
frente da rainha os mariolas com umas tábuas largas às costas, sai ela do coche e
eles colocam as tábuas no chão, é um corropio, a rainha a andar sobre as tábuas, os
mariolas a levá-las de trás para diante, ela sempre no limpo, eles sempre no lixo ...
Quem se interessa pela história da biologia e da medicina no Brasil
dispõe de duas fontes importantes, que podem ser comparadas entre si, permitindo
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pesquisar as influências sociais no desenvolvimento científico, e que, em conjunto,
nos revela o estado dos conhecimentos na segunda metade do século passado,
comparado aos dos países europeus. Trata-se das coleções da Gazeta Médica do Rio
de Janeiro (1862-1864) e da Gazeta Médica da Bahia (1866-1869). Cobrem um
período importante na história da ciência, marcado pela publicação das obras de
Darwin, Claude Bernard, Pasteur, Berthelot, Koch, Virchow, Huxley, Haeckel, Lister,
Swann, Mendel, entre outros.
Ressente-se a ecologia da escassez de historiadores da sua evolução
global. Esta lacuna repercute na confusão reinante quanto ao seu objeto e suas
metodologias específicas e prejudica o seu ensino.
A abordagem através da história, que muitos professores adotam no
ensino da ciência, traz a vantagem de permitir que o estudante evolua do senso
comum, intuitivo e freqüentemente errôneo, para o senso incomum, que deriva da
aplicação criteriosa do método científico. Intuitivas são as idéias de Aristóteles,
segundo as quais objetos com pesos distintos caem com velocidades diferentes e o
mundo obedece a uma ordem natural e imutável. Muitas idéias intuitivas encerram
contradições flagrantes como a aceitação de um destino traçado, mas ao mesmo
tempo, a possibilidade de alterá-lo através de práticas mágicas o religiosas. Veyne, ao
mencionar a maneira dos romanos descreverem o universo diz que Quanto ao céu
noturno, viam-no com os olhos do senso comum, como uma abóboda sólida e não
muito distante. E foi necessário muito tempo para nos convencermos de que o sol não
gira no firmamento, como qualquer um observava de sua janela. O senso comum
resulta da observação superficial, da interpretação imediata e da admissão de causas
aparentes para os fenômenos percebidos por nossos limitados sentidos e por uma
mente não treinada na análise aprofundada dos problemas e dos fatos utilizando a
metodologia científica.
Associada ao método pedagógico da redescoberta, a reconstituição
histórica ajuda a compreender e fixar fatos e explicações mais facilmente que a
repetição de eventos isolados pelo professor ou a leitura de textos didáticos. A
projeção no tempo e no espaço das circunstâncias que cercaram a proposição de uma
teoria, conecta a descoberta científica com a realidade cotidiana, dentro de uma
perspectiva histórica e de um contexto social definidos. Além disso, a prática da
redescoberta ilustra e exercita o processo da criação intelectual, que caracteriza a
atividade científica (e artística). A reconstituição dos eventos permite, ainda,
visualizar a evolução do pensamento e das idéias, que deixam de ser vistas como
proposições isoladas, desvinculadas da realidade social do pesquisador. Teorias que
nos parecem ridículas, infantis, absurdas ou evidentes à luz dos conhecimentos atuais
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revelam-se lógicas quando projetadas contra o pano de fundo de outra época, ao
tempo em que foram admitidas ou negadas.
O texto que se segue não constitui uma história da ecologia. É um
resumo da origem e desenvolvimento de seus conceitos básicos e das idéias que
permitiram a evolução deste ramo da ciência. Como disse J. Burkhardt, In the wide
ocean upon wich we venture, the possible ways and directions are many.(7). A
escolha dos caminhos seguidos, em muitos casos, foi pessoal e arbitrária.
Como disciplina de integração, a ecologia recebeu contribuições
importantes de muitas áreas distantes, o que tem sido desconsiderado em muitos
textos, didáticos ou não. Assim como os epidemiólogos não mencionam a
contribuição de Charles Elton à epidemiologia paisagística de Pavlowski, a qual é um
corolário da biogeografia ecológica clássica, os ecólogos esquecem-se de que a
conceituação do ecossistema, baseada na reciclagem de nutrientes e na degradação da
matéria orgânica pelos microorganismos dependeu das constribuições de Pasteur e foi
claramente enunciada por Claude Bernard e Tyndall. A hipótese da biogênese ou
geração expontânea é incompatível com a teoria do ecossistema.
Ao pesquisar o desenvolvimento das idéias em um contexto distinto
daquele em que foram propostas, o cientista encontra a oportunidade de estabelecer
correlações entre fenômenos que pareciam ser independentes.
Para Bronowski (8) o ato de criação ou da descoberta de uma nova
ordem reside na percepção de uma semelhança ou relação oculta. A ecologia
encontra-se, assim, em posição privilegiada para correlacionar idéias e fenômenos
descritos em áreas distintas do conhecimento - desde que os ecólogos não fechem os
olhos para o que está à sua volta. Descrição, classificação e distinção entre fenômenos
homólogos e análogos constituem passos fundamentais tanto na ciência quanto na
história.
O presente texto, esboçado no início da década de 1980, foi escrito a
partir de um fichário organizado com finalidades didáticas, onde as citações foram
reproduzidas, sempre que possível, dos textos originais dos seus autores ou de
traduções por eles revisadas. Se, por um lado, isto sobrecarrega e interrompe a
narrativa com citações em estilos (e idiomas) diversos, traz a vantagem de evitar
distorções e de permitir avaliar, em primeira mão, os argumentos, as dúvidas e as
soluções dadas em épocas passadas a questões que hoje consideramos resolvidas.
Com frequência, os relatos históricos fazem parecer ridículas ou aparentemente
absurdas certas explicações que, na verdade, foram bastante engenhosas no contexto
original.
A seleção dos autores obedeceu a dois critérios: o de registrar a
proposição de uma idéia fundamental ao desenvolvimento da teoria ecológica, em
15
qualquer contexto que aparecesse; e o interesse em ressaltar a contribuição brasileira.
Incluí alguns autores menos conhecidos e citados pelos historiadores da ciência com a
intenção de ilustrar as opiniões correntes em determinadas épocas. Assim, as citações
da obra de Plasse servem para exemplificar o pensamento e as teorias reinantes na
época de Pasteur. Veterinário militar, esse autor era responsável pelas condições
sanitárias dos cavalos do exército francês e lutava com a burocracia na tentativa de
elucidar as causas das doenças que ameaçavam o rebanho. A obra de Lombard, por
sua vez, ilustra a posição dos autores néo-hipocráticos no final do século XIX, que
incorporam noções de biogeografia ecológica à climatologia médica.
Finalmente espero que as citações, por vezes extensas, dos textos
originais despertem a curiosidade e estimulem os leitores a conhece-los na íntegra.
Decidi acrescentar a tradução das citações, feita por mim, em notas que aparecem no
final de cada capítulo.
Como último comentário introdutório devo dizer que, como aconteceu
com A. Rodrigues Ferreira (9), Emprehendi pois a execução deste Plano, e depois de
empregadas nelle as minhas horas de descanço, sahio ultimamente este pequeno sinal
do meu zelo, e não do meu Instituto. Poderia acrescentar, também, a advertência do
compositor espanhol quinhentista, Alonso Mudarra, no texto da partitura de sua
Fantasia refere-se a uma certa passagem musical, com a advertência: Daqui em
diante quase até o final há algumas notas erradas, mas se as tocarem bem, o efeito
não será mau.
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Notas
(1) Meu irmão vive nos matos
E não conhece uma flor.
(2) Especialmente em seu livro publicado em 1997.
(3) A visão meditativa pode enxergar através de um único objeto, como se fosse uma janela, o cosmo
inteiro.
(4) ver Appel, 1987.
(5) Merz, 1965 p. 82-84.
(6) Merz ,1965, p. 154.
(7) No amplo oceano em que nos aventuramos, os caminhos possíveis e rotas são muitos.
(8) Bronowski, 1977.
(9) Ferreira, 1789.
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CONCEITOS BÁSICOS
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Conceitos Básicos
Em um dos capítulos da Origem das Espécies, Darwin reconheceu que
o número de zangões que polinizam o trevo vermelho, na Inglaterra, dependia, em
grande parte, do número de arganazes que destroem seus ninhos. Por outro lado, como
todos sabem, o número de arganazes depende da abundância dos gatos nas
vizinhanças. Isso levou um crítico irreverente a concluir que, como há uma relação
direta entre o número de velhas solteironas e gatos criados por elas, a produção do
trevo estaria diretamente relacionada ao número de senhoras idosas em uma dada
localidade.
Estas ingênuas cadeias de relações ecológicas dariam lugar, no futuro,
à teoria das pirâmides tróficas que constituem a estrutura das comunidades bióticas.
O conceito mais fundamental da ecologia é o da sua unidade funcional,
o ecossistema.
Para que fosse possível a concepção deste sistema aberto, que se
mantem em equilíbrio dinâmico por um processo de fixação de energia solar e de
transferência da energia ao longo de uma cadeia de níveis tróficos com a circulação
dos nutrientes, foram essenciais o evento de certas descobertas e a proposição de
novos conceitos, que são o objeto deste livro: energia vital, nutrição vegetal,
fotossíntese e síntese de compostos orgânicos, degradação, relações dos organismos
com o meio abiótico, biótico e social, evolução orgânica.
Ora, no final da Idade Média e início do Renascimento, os animais
serviam de protótipo para o estudo das plantas. A compreensão do processo de
nutrição vegetal, que teve os vertebrados como paradigma, precisou aguardar o
esclarecimento dos métodos de fixação e transformação da energia solar. Exigiu, em
primeiro lugar, a verificação do fenômeno da fotossíntese, realizada pelas plantas
verdes ou clorofiladas e, posteriormente, conduziu à concepção do ciclo de Krebs. Em
seus primórdios singelos, a fisiologia das plantas assemelhava a seiva ao sangue.
Ao longo dos séculos XVII e XVIII, e dentro da filosofia mecanicista
clássica, as grandes questões que desafiaram os botânicos e agrônomos foram aquelas
relativas aos processos de circulação da seiva, nutrição, digestão, excreção, respiração
e reprodução. Como ressaltou Delaporte (1) em sua história da fisiologia vegetal, a
fisiologia animal serviu-lhes de modelo. No caso da ecologia deu-se o contrário: a
ecologia vegetal, nascida do estudo das formações e associações, serviria de modelo
ou de pano de fundo para a ecologia animal.
A compreensão dos mecanismos fisiológicos das plantas foi essencial à
teoria do ecossistema. Pouco a pouco, ao longo dos séculos que viram nascer a ciência
moderna, as analogias entre plantas e animais perfeitos e imperfeitos revelaram-se
19
inadequadas. A seleção de nutrientes, as relações com o solo e com o ar atmosférico e
a fisiologia da respiração foram objeto de experiências nem sempre conclusivas ou
esclarecedoras. As discussões entre mecanicistas cartesianos e newtonianos dividiu os
botânicos entre os que admitiam serem os vegetais vivos ou não vivos. Para os
cartesianos, o solo reuniria nutrientes distintos para cada espécie, mas a absorção não
seria seletiva. Filtragem e combinaçãoes distintas ocorreriam no sistema vascular de
maneira a proporcionar, a cada espécie, seus nutrientes necessários: os newtonianos
imaginavam que as raízes seriam orgãos gustativos capazes de selecionar os
compostos apropriados à planta, rejeitando os demais.
Muitas dessas questões ficariam sem resposta até o nascimento da nova
química, que viria permitir compreender o fenômeno da respiração e que redefiniu os
processos de combustão.
Durante o seculo XVI a concepção unitaria da matéria e do mundo
tinha seus fundamentos no animismo: minerais, plantas, animais e o homem eram
criaturas de Deus, possuiam alma - anima - e eram constituidos pelos mesmos
elementos ou partículas elementares. Não havia noção de organização geral dos seres
vivos nem conceito de vida como resultado da organização da matéria. Em
consequência, a transformação de plantas em animais e a geração expontânea de
animais eram geralmente admitidas, como revelam as ilustrações de Duret, Kircher e
Aldrovandi. Carneiros nascendo do solo e folhas de árvores transformando-se em
peixes e aves aparecem desenhados em suas obras. Ainda não nascera a fisiologia
como disciplina científica independente e os conhecimentos de anatomia eram
sumários e superficiais. Não havia conceito de espécie: os bestiários descreviam a
aparência exterior, os hábitos, incluindo aspectos legendários de cada animal ou tipo.
A unidade da natureza expresava-se na concepção de que Quando um ser organizado
morre, as partículas que o constituem não perecem. Simplesmente se dissociam e
tornam-se assim disponíveis para entrar em uma nova combinação e participar da
constituição de um novo ser (2). Claro está que tal "reciclagem" nada tem a ver com a
moderna noção de ecossistema.
Com Lavoisier, no final do século XVIII, os órgãos do corpo, até então
considerados isoladamente, passaram a ser integrados em sistemas: respiratório,
digestivo, circulatório. A verdadeira natureza das relações entre o oxigênio absorvido,
os nutrientes digeridos e o sangue circulante começaram a tornar-se mais claras.
Naquele século nasceu a anatomia comparada e a pesquisa das homologias, ou seja,
da origem comum de distintas estruturas, que se diversificaram em resposta a
exigências do ambiente. Da classificação de caracteres passou-se à taxonomia dos
organismos e à noção de arquetipo. Iniciou-se a polêmica, que marcaria a zoologia do
século XIX, sobre a precedência da função sobre a estrutura.
20
O século XVIII, foi marcado pelas repercussões ou pelo advento da
revolução científica, da proposta dos sistemas filosóficos e lógicos e a
profissionalização dos naturalistas. Passou-se a admitir a organização corpuscular dos
seres vivos, para o que muito contribuiram os trabalhos de Maupertuis e de Buffon.
Tal estrutura seria algo análoga à organização atômica dos minerais. Segundo Jacob
(3)
as moléculas orgânicas visam adaptar a interpretação mecanicista do mundo vivo
à interpretação newtoniana do universo. Os seres vivos passam a ser reconhecidos
como organizados. No final do século XVIII, Vicq D'Azir já reconhece que Il n'y a
que deux règnes dans la nature, dont un jouit de la vie et l'autre est privé de la vie. (4).
O conceito de vida surgiria somente no século XIX. Delaporte (5),
citando Foucault, mostra como até então era admitida a existência de seres vivos, mas
não de vida. Lamarck, Pallas, Tréviranus, Jussieu, Goethe, Oken e Vicq D'Azir foram
os responsáveis pelo nascimento da nova ciência da vida, a biologia. Com ela erigiuse a barreira entre seres vivos e minerais. O princípio vital passou a substituir a alma
cartesiana: negou-se o animismo, substituido pelo vitalismo, baseado na organização,
como escreve Liebig (6). Assim, Claude Bernard escolheu o título apropriado Leçons
sur les phénomènes de la vie para o seu curso de fisiologia de 1878, no qual discutiu
minuciosamente este conceito, como propriedade comum a animais e vegetais, fato
que não foi mencionado com destaque nos capítulos introdutórios de Vulpian e de
Paul Bert à obra publicada em 1885.
Foi essa barreira conceitual que teve que ser franqueada para que se
pudesse admitir os processos de síntese e de degradação da matéria orgânica que estão
na base dos ecossistemas.
No século XIX surgiu a concepção dos organismos como sendo
formados por colônias de microorganismos simples como os infusórios, integrados e
organizados, mas não meramente justapostos, os quais se desintegram mas não de
desindividualizam com a morte. Grmek, em 1997 citou um artigo de Claude Bernard
redigido em 1864, onde esta idéia é claramente exposta: Notre corps entier ou notre
organisme n’est, nous le répétont, qu’un agrégat d’éléments organiques, ou mieux
d’organismes élémentaires innombrables, véritables infusoires qui vivent, meurent et
se renouvellent chacun à sa manière.(7) Os seres vivos, então, deixam de ser vistos
como associações de moléculas universais, elementares e autônomas, dotadas de
alma, como queriam os animistas e mecanicistas do século XVI ou providas de força
vital, como advogavam os vitalistas do final do século XVIII.
A teoria celular, que permitiria o surgimento da Biologia fundada nas
propriedades comuns dos organismos, plantas e animais, e a definição das funções
características dos seres vivos constituiram importantes passos.
21
A contribuição de Claude Bernard foi fundamental para a teoria das
relações tróficas: em 1854, na segunda lição do curso de fisiologia geral da Faculdade
de Ciências de Paris, firmou a idéia de que La nutrition est donc une propriété
fondamentale appartenant à tous les êtres vivants, animaux et végétaux; c’est une
sorte d’attraction élective qu’exerce une molécule vivante sur le milieu ambiant pour
attirer à elle les éléments qui doivent la constituer. (8).
L.E.Plasse, contemporâneo de Pasteur, em memória submetida à
Académie de Sciences de Paris em 9 de outubro de 1848, considera as bactérias como
sendo elementos constituintes dos fungos: Dans nos affections cryptogamiques
externes, ces champignons ont dû se présenter à leurs régards en pleine végétation, et
ils n`ont aperçu, dans le sang des victimes de nos maladies internes, que des débris de
ces plantes microscopiques (bactéries). (9).
Essa concepção de vida como resultante da organização de formas
simples persistiria até o surgimento da teoria celular.
A questão da síntese da matéria orgânica, por sua vez, esteve sempre
ligada à da geração expontânea. Nada mais natural na antiguidade e no renascimento,
até o século XVI, que a admissão do nascimento de seres imperfeitos a partir da
matéria em decomposição, de trapos velhos e do lodo. Para os cartesianos, que
admitem a unidade da matéria, a vida resulta da organização segundo as leis da física
e da mecânica. Mas para os vitalistas dos séculos XVIII e XIX constituia um
problema. Sua compreensão iniciou-se com a nova química de Lavoisier e a química
agrícola de Wöhler e Liebig.
A crença na geração expontânea implica em um outro tipo de
reciclagem. Desacreditada no século XVIII, reviveu graças à descoberta, nesse
mesmo século, do mundo microbiano e só seria descartada no século XIX.
A degradação da matéria orgânica, por sua vez, teve que aguardar a
demonstração, feita por Pasteur, da natureza biológica dos processos de fermentação e
de putrefação e abriu caminho à compreensão dos ciclos biogeoquímicos. Foi dele o
primeiro enunciado da reciclagem sistêmica.
A teoria da evolução orgânica teve em Lamarck a proposta pioneira de
um mecanismo que explicaria a origem das espécies priorizando a ação dos fatores do
meio físico. Darwin privilegiou a influência dos fatores bióticos, representados pelos
mecanismos de competição e coadaptação, resultando na seleção natural. Lamarck
escreveu no estilo setecentista, enquanto que Darwin explorou, minuciosamente, a
bibliografia contemporânea, analisou as contribuições de zoólogos, botânicos,
zootecnistas e criadores amadores de animais domésticos e de plantas cultivadas e
expressou-se de maneira moderna e precisa.
22
Mas a ênfase de Lamarck na prevalência dos fatores do meio físico
para a evolução, e a de Darwin na da influência das relações entre organismos
levando à seleção natural, definiram as duas grandes linhas da ecologia e que são
parte de sua definição clássica: o estudo das relações recíprocas dos organismos e
destes com o ambiente.
23
Notas
(1) Delaporte, 1979.
(2) Jacob, p.89.
(3) Jacob, p.84.
(4) Delaporte, 1979, p.96. Não há senão dois reinos na natureza, um dos quais tem a vida e o outro é
desprovido dela.
(5) Delaporte, 1979, p.95.
(6) Delaporte, 1979, p.l0l.
(7) Grmek, 1997, p.145. O nosso corpo todo, ou organismo não é, repetimos, senão um agregado de
elementos orgânicos, ou melhor, de inumeráveis organismos elementare, verdadeiros infusórios,
que vivem morrem e se renovam cada qual à sua maneira.
(8) Grmek, 1997, p.127. A nutrição é, portanto, uma propriedade fundamental pertencente a todos os
seres vivos, animais e vegetais, é uma espécie de atração eletiva que uma molécula viva exerce
sobre o meio ambiente para atrair a si os elementos que devem constituí-la.
(9) Plasse, 1865, p. 23. Em nossas afecções criptogâmicas externas, estes fungos devem apresentar-se
à vista em plena florescência, e eles não perceberam, no sangue das vítimas de nossas doenças
internas, senão resíduos dessas plantas microscópicas (bacterídeos).
24
HISTÓRICO DO TERMO
25
Histórico do Termo
A noção das relações entre organismos e seu meio ambiente surgiram
muito antes da delimitação de uma disciplina científica que se tornaria reconhecida
como independende da biologia em fins do século XIX.
Na França, Isidore Geoffroy de Saint-Hilaire, em 1859 usou etologia
em acepção mais moderna que seu pai Etiènne, para abranger as relações dos
indivíduos com a família, a sociedade e a comunidade. A partir de então, etologia
passou a designar o estudo do comportamento e a constituir uma disciplina própria,
que tem suas origens nos bestiários medievais. Ao contrário de ecologia, o termo
etologia tem história mais antiga, relatada nas obras de Klaauw, em 1936 e de
Thorpe, em 1982. Matagne, em sua análise sobre o desenvolvimento da ecologia na
França, ressalta o papel dos botânicos, filiados a sociedades provinciais, na
progressiva utilização do termo ecologia, principalmente relacionada aos estudos de
geografia botânica, e a reação negativa de muitos autores a uma concepção originada
das idéias darwinistas que se afastavam, cada vez mais, do lamarckismo clássico.
Buffon, no século XVIII, foi o primeiro naturalista a dar maior
importância às relações dos organismos com o ambiente do que à sua descrição
morfológica, classificação e folclore.
Em janeiro de 1851 Claude Bernard (1) definia, no plano de um livro
que planejava escrever, as duas condições indispensáveis às manifestações vitais:
l’organisme animé (qui tient de parents semblables à lui) e le milieu extérieur, qui
recèle toutes les conditions matérielles nécessaires à l’évolution de l’individu.
Considera indispensável ao fisiologista, não só conhecer os organismos, mais encore
les phénomènes de la nature morte au milieu de laquelle vit l’individu. Adiante,
detalha que L’animal doit se mettre en rapport avec le monde externe. La vie résulte
du contact de l’organisme avec le milieu. Esta noção foi desenvolvida e reforçada em
seus cursos e em suas anotações. Assim, Grmek relata que, na aula ministrada na
Sorbonne em março de 1864 Claude Bernard afirma que ...pour comprendre la vie de
l’organisme tout entier, il nous faut connaître ses rapports avec le milieu cosmique
général. (2)
Ecologia, por sua vez, já seria disciplina curricular nos Estados Unidos
em 1858. Segundo Kormondy, o escritor e naturalista Henry David Thoreau
mencionou o programa de estudos de seu companheiro de viagens e vizinho, em carta
escrita em 1 de janeiro de 1858 a seu primo, George Tatcher, no Maine, na qual dizia:
Mr. Hoar is still in Concord, attending to Botany, Ecology, &c... (3) Nada consta, na
literatura, sobre o currículo de ecologia ou a autoria do nome dessa disciplina.
26
No mesmo ano de 1858, no dicionário médico de Nysten, o termo
ecologia não aparece registrado mas a definição de uma área da ciência que se
preocupa com os temas ecológicos atuais é mencionada nos verbetes Biologie e
Milieu. Biologie é definida como a ciência dos seres organizados que tem por objeto o
conhecimento das leis da organização. Estuda os seres sob duas facetas distintas:
estática, isto é, como estão aptos a agir; e dinâmica, como agem. À "consideração"
estática pertencem: a anatomia, cujo principal meio de investigação intelectual é a
comparação; a biotaxia que corresponde à moderna taxonomia e que estuda o arranjo
dos grupos naturais; e a science des milieux, isto é, a ciência do ambiente. Esta
considera que a idéia de organismo associa-se intima e necessariamente à de um
meio (ar, água, luz, calor, etc.), com o qual mantém relações mútuas. C'est sur cette
science qu'est en grande partie fondé l'art de conserver la santé, l'hygiène, et
cependant elle n'a, depuis de Blainville, jamais été envisagée méthodiquement; aussi
les matières qu'elle doit comprendre sont-elles éparses dans les livres, tandis qu'elles
ne devraient y figurer qu'à titre d'emprunt à la science mère, où le plus souvent même
il n'en est pas question. No verbete Milieu consta: On donne le nom de science ou
théorie des milieux à une science qui a pour object: d'une part, le tout complexe
représenté par les objects qui entourent les corps organisés; puis, d'autre part, ces
corps eux-mêmes; et pour but ou objet la connaissance des conditions de relations du
premier aux seconds. Car ces conditions de relations sont autant de conditions
d'existence pour l'être organisé.(4)
Na edição de 1865, Louis-Adolphe Bertillon utilizou mésologie para
designar a teoria dos meios, como refere Drouin em sua história da ecologia.
Em 1859, Charles Darwin chamava a atenção para a importância de um
tema que viria a ser definido como o objetivo da ecologia e enunciava sua definição,
sem, no entanto, propor um nome para o que seria uma nova disciplina: Let it be
borne in mind how infinitely complex and close-fitting are the mutual relations of all
organic beings to each other and to their physical conditions of life. (5)
Kormondy, Dajoz e Drouin mencionam que, na década de 1860 o
naturalista inglês St. George Jackson Mivart propunha que se chamasse de
hexicologia o estudo das relações dos organismos com o meio, quanto à natureza do
local habitado, às temperaturas e quantidade de luz favoráveis e quanto às interações
com outros seres, inimigos, rivais e benfeitores acidentais ou involuntários. Este
termo não chegou a ser utilizado e caiu no esquecimento.
Em 1866 o biólogo alemão Ernst Haeckel propôs o nome de oecologia
para o estudo da economia e das relações dos animais e plantas com o ambiente O
termo aparece, pela primeira vez em nota ao pé da página 8 do volume I de sua obra.
Em 1957, Stauffer publicou um artigo no qual esclarece, perfeitamente, a autoria e o
27
sentido em que o termo foi empregado: When Haeckel introduced ecology, he
discussed it as an area of biology and classified it as one aspect of the physiology of
relationship, but he did not define it in any cut and dried fashion.
The term ecology first appeared in a footnote on page eight of the first
volume. Here Haeckel introduced it as a substitute for an arbitrarily restricted usage
of the term "biology" and explained ecology as the science of the economy, of the
habits, of the external relations of organisms to each other, etc. ... Only hundreds of
pages farther on, in the latter part of his second volume when he came to discuss
Darwin's concept of evolution and of the natural selection, did Haeckel begin to
present a fuller consideration of the term. First he discussed it briefly as the science
of the economy of nature, of the mutual relations of organisms; and he described
Darwin's cats-to-clover chain as an illustration. (6).
Nas final do segundo volume de Generelle Morphologie, Haeckel
definiu: Unter Oecologie verstehen wir die Wissenschaft von den Beziehungen des
Organismus zur umgebenden Aussenwelt, wohin wir im weiteren Sinne alle "ExistenzBedingungen" rechnen können. Diese sind theils organischer, theils anorganischer
Natur; sowohl diese als jene sind, wie wir vorher gezeigt haben, von der grössten
Bedeutung für die Form der Organismen, weil sie dieselbe zwingen, sich ihnen
anzupassen. Zu den anorganischen Existenz-Bedingungen, welchen sich jeder
Organismus anpassen muss, gehören zunächst die physikalischen und chemischen
Eigenschaften seines Wohnortes, das Klima (Licht, Wärme, Feuchtigkeits - und
Electricitäts - Verhältnisse der Atmosphäre), die anorganischen Nahrungsmittel,
Beschaffenheit des Wassers und des Bodens etc.
Als organische Existenz-Bedingungen betrachten wir die sämmtlichen
Verhältnisse des Organismus zu allen übringen Organismen, mit denen er in
Berürung kommt, und von denen die meisten entweder zu seinem Nutzen oder zu
seinem Schaden beitragen. Jeder Organismus hat unter denübringen Freunde, solche,
welche seine Existenz begünstigen und solche, welche sie beeinträchtigen. Die
Organismen, welche als organische Nahrungsmittel für Andere dienen, oder welche
als Parasiten auf ihnen leben, gehören ebenfalls in diese Kategorie der organischen
Existenz-Bedingungen. (7)
Em 1868, Haeckel publicou as 24 conferências proferidas no período
de 1867-1868 na Universidade de Iena sobre evolução e origem do homem, nas quais
defendia o transformismo de Charles Darwin, do qual tornou-se o grande divulgador.
Definiu, então: L'oecologie ou distribuition des organismes, la science de l'ensemble
des rapports des organismes avec le monde extérieur ambiant, avec les conditions
organiques et anorganiques de l'éxistence; ce qu'on a appelé l'économie de la
nature, les mutuelles rélations de tous les organismes, vivant en un seul et même lieu,
28
les adaptations au milieu qui les environne, leur transformation par la lutte pour
vivre, surtout les phénoménes du parasitisme, etc... (8)
Em 1869, Haeckel já traçava as relações da ecologia com a fisiologia e
com a biogeografia: distinguia a fisiologia das relações ou ecologia, que seria a
história natural científica, da corologia, ou distribuição dos organismos.
É curioso que Haeckel não tenha feito uma proposta clara e explícita de
autoria ou reclamo de prioridade para sua definição, como o fez em outros casos. A
edição francesa da 6a. edição de suas conferências (Natürliche Schöpfungsgeschichte)
traduzida por C. Letourneau e publicada em 1877 sob o título Histoire de la Création,
traz uma introdução biográfica por Charles Martin. Nela, a contribuição de Haeckel à
ecologia não é destacada, malgrado aparecer, no texto, como uma das leis ou
princípios fundamentais do transformismo ou evolução. Por outro lado, seu biógrafo
destaca a contribuição à teoria transformista, como se denominava, então o
evolucionismo.
Clarke, em 1973, mencionou o fato de ter Ellen Richards utilizado, em
1893 o termo ecologia no sentido atual. Hans Reiter, em 1895 e Eugen Warming no
mesmo ano usaram-no no título de suas obras.
A partir de então a ecologia desenvolveu-se como uma disciplina
independente, com seus próprios métodos de investigação e de interpretação, e com
sua visão particular dos fenômenos de relação. O homem passou a ser visto como um
elo nas cadeias tróficas, deslocado de sua posição antropocêntrica. Após o predomínio
dos anatomistas e fisiologistas nas ciências naturais, a visão integrada dos ecologistas
reforçou a filosofia holista e ofereceu uma nova concepção de homeostase, aplicada
aos ecossistemas naturais. Em 1913, Victor E. Shelford (1877-1968), que estudara em
Chicago com Cowles, definia a ecologia como a parte da fisiologia geral que trata o
organismo como um todo, com seus processos vitais, distinguindo-se da fisiologia dos
organismos em relação particular com seu ambiente natural. No estudo da
autoecologia é evidente que o trabalho desenvolve-se nos limites próximos da
fisiologia. Não é, pois, estranho que Claude Bernard, o fundador da fisiologia
experimental, tenha contribuído de maneira marcante para o desenvolvimento de
certas idéias da ecologia, como veremos adiante.
No mesmo ano, Charles C.Adams, que começou trabalhando para
S.A.Forbes no Illinois Natural History Survey, publicou o primeiro manual de
ecologia animal. Nos Estados Unidos predominaram os estudos populacionais, nos
quais destacou-se a Escola de Chicago (9).
Em 1939, Clements e Shelford reiteravam que ... However, the very
essence of ecology is the synthesis derived from the exhaustive analysis of the
community and its habitat, and bio-ecology must rest upon this principle as its secure
29
foundation. ...the fragmentation of animal communities on the basis of taxonomic
groups is greatly to be deplored, since it destroys the last semblance of unity.(10)
Contribui para dificultar a síntese ecológica o fato registrado por Clements e Shelford
da organização departamental nas universidades privilegiar a especialização
disciplinar. Apesar da advertência daqueles autores, ainda hoje os ecólogos continuam
a ser recrutados dentre os zoólogos, botânicos, parasitólogos, oceanólogos,
agrônomos, com a tendência de ampliação do leque multiprofissional. Os próprios
departamentos de ecologia surgidos nos últimos anos seguem as linhas das disciplinas
clássicas. Os estudos de comunidade e ecossistema têm dificuldade em passar da
análise para a síntese. Por esta razão, talvez, a questão central que é a da existência de
cadeias ultra-complexas, envolvendo a totalidade de organismos e fatores ou da
existência de microssistemas, interligados, semi-independentes, tem sido deixada de
lado.
Ao tempo de Cuvier, a anatomia comparada, a morfologia e a
sistemática constituiam objetivos fundamentais dentro da história natural. Não havia
teorias integradoras, que eram, então, substituídas pelo vitalismo e pela filosofia da
natureza. Inexistia uma teoria racional, baseada em fatos científicos, que permitisse o
desenvolvimento de trabalhos teóricos. Ela viria, primeiro com Lamarck e, depois,
com Darwin. Poucos anos mais tarde, a ecologia surgiria como ciência de integração,
reunindo conhecimentos e conceitos de vários campos do conhecimento.
A pesquisa das origens de conceitos ou novos campos da ciência deve levar
em conta a advertência de Merz (11), que ressaltou a importância de se entender a
evolução do sentido dos termos como meio de acompanhar o desenvolvimento
histórico e científico. Em diferentes épocas uma mesma palavra pode significar coisas
distintas. Até o século XVIII, reprodução significava regeneração de orgãos;
vegetação ainda é definida no dicionário de Nysten como ensemble des fonctions qui
constituent la vie d'une plante (12); gênero, é encontrado na literatura leiga e nos
dicionários do início do século, usado no sentido impreciso de grupamento. Handlin
menciona, que em fins do século XIX o termo socialista designava várias propostas
de alteração do sistema político e social, incluindo a dos gentis humanistas, pacifistas
e vegetarianos - os que hoje seriam designados como ecologistas ou verdes. Um
inquérito realizado entre estudantes graduandos e pós-graduandos de diferentes áreas
profissionais e em diferentes anos da década de 1980 sobre como definiriam ecologia
revelou que, para a maioria, o homem é colocado como centro de referência nas
relações com o ambiente (e não como um elemento a mais no ecossistema), ao
contrário da definição clássica.
Tornou-se a ecologia tão abrangente quanto a higiene do início do
século XIX. Ackerknecht cita um relatório sobre os progressos da higiene na França,
30
preparado por Apollinaire Bouchardat em 1867, no qual diz: Si, au début du siècle,
nous avons tenté de tout faire entrer dans l'hygiène, il nous faut maintenant laisser de
coté un grand nombre de détails superflus ou indémontrables... Avant que l'hygiène
fût entrée dans cette ère nouvelle, tous les auteurs s'efforçaient d'élargir son domaine.
Nous tentions de dresser un inventaire de toutes les connaissances humaines qui
pouvaient avoir trait à l'hygiène. C'était là un programme illimité, fait d'un
assemblage de fragments empruntés à toutes les sciences, em particulier à la
physique, dont l'enseignement fut longtemps confondu avec celui de l'hygiène.(13)
No Brasil, ainda em 1935 as Noções de Higiene de Afrânio Peixoto
guardam esse caráter enciclopédico, abordando, sem muito método ou critério, vários
temas que hoje fazem parte do campo da ecologia humana - outra área de limites
imprecisos.
Como acontece agora com a ecologia, o final do século passado
ampliou os domínios da fisiologia, que aparece nos títulos de romances e de tratados
que têm pouco a ver com seus objetivos reais (14).
Ecologia passou a ser usado para designar tanto a ciência como o seu
objeto, isto é, como sinônimo de ecossistema. O mesmo sucede em outras disciplinas:
geografia pode significar o ambiente ou o estudo do ambiente; direito pode ser
utilizado tanto no sentido do direito dos cidadãos quanto no da ciência do direito.
Do ponto de vista vernacular, entretanto, deve-se reservar o termo ecologia para a
ciência das relações dos organismos com o ambiente e não como sinônimo da própria
natureza ou de ecossistema, como vem sendo feito. (15).
A busca de uma nova filosofia de vida, após a 2ª Guerra Mundial, que
evoluiu do existencialismo para o ecologismo, adotou, finalmente, uma versão do
panteísmo, baseada em alguns vagos conceitos ecológicos. A ecologia que se
desenvolve fora dos centros de pesquisa corre o risco de transformar a ciência das
relações ambientes em algo parecido com o que Veyne reconheceu na sociologia
quando disse que ela em resumo ... não passa de uma palavra, uma palavra ambígua,
sob a qual são colocadas diferentes atividades heterogêneas. ... Nesse terreno vago
entre as velhas disciplinas, vieram acampar, sucessivamente, em lugares diferentes,
empreendimentos heteróclitos, que deviam unicamente à sua marginalidade terem
recebido o nome de sociologia.
31
Notas
(1) Grmek, 1997, p.124. O organismo animado (que tem ascendentes semelhantes a ele) e o meio
exterior, que encerra todas as condições materiais necessárias ao desenvolvimento do indivíduo.
...mas também os fenômenos da natureza morta no meio da qual vive o indivíduo.
:125. O animal deve relacionar-se com o mundo exterior. A vida resulta do contato do organismo
com o meio.
(2) Grmek, 1997, p.147. ... para compreender a vida do organismo é necessário conhecer suas
relações com o meio cósmico geral.
(3) Kormondy, 1969, p.viii. Mr. Hoar ainda está em Concord cursando Botânica, Ecologia, etc.
(4) Também conhecido como Dictionaire de Littré & Robin. É sobre esta ciência que se fundamenta,
em grande parte, a arte de conservar a saúde, a higiene e, entretanto, desde de Blainville, ela não
foi abordada metodicamente; da mesma forma, os temas que ela deve compreender encontram-se
esparsos em vários livros, quando não deviam neles figurar a não ser à título de empréstimo à
ciência mãe, onde, na maioria das vezes, isto não acontece. No verbete Milieu consta: Dá-se o
nome de ciência ou teoria do meio a uma ciência que tem por objeto, por um lado, todo o
complexo representado pelos objetos que envolvem os corpos organizados; depois, de outra parte,
estes próprios corpos; e por finalidade ou objetivo o conhecimento das condições de relação dos
primeiros com os segundos. Porque estas condições de relações são também as condições de
existência para o organismo.
(5) Darwin, 1859, p.69. Tenha-se em mente como são infinitamente complexas e ajustadas as relações
mútuas de todos os organismos entre si e com as condições físicas de existência.
(6) Stauffer, 1957, p.140. Quando Haeckel propôs ecologia, ele a discutiu como uma área da biologia
e classificou-a como parte da fisiologia das relações, mas não a definiu de modo objetivo. O termo
ecologia apareceu pela primeira vez em uma nota de rodapé na página oito do primeiro volume.
Aqui Haeckel o introduziu como um substituto para o uso arbitrariamente restrito do termo
“biologia” e explicou ecologia como sendo a ciência da economia, dos hábitos, das relações
externas dos organismos entre si, etc. ... Somente algumas centenas de páginas mais adiante, na
parte final do segundo volume quando ele começa a discutir o conceito de evolução de Darwin e
da seleção natural, é que Haeckel apresenta uma concepção mais ampla do termo. Primeiro
discutiu-o brevemente como a ciência da economia da natureza, das relações mútuas dos
organismos; e descreveu a cadeia dos gatos-ao-trevo de Darwin como um exemplo.
(7) Haeckel, 1866, p.286-287. Por ecologia nós entendemos toda a ciência das relações do organismo
com o ambiente, incluindo, de maneira geral, todas as “condições de existência”. Estas são de
natureza em parte orgânica e em parte inorgânica; ambas, como mostramos, são da maior
importância para a forma dos organismos, porque os forçam a seadaptarem. Entre as condições
inorgânicas às quais todos os organismos devem adaptar-se pertencem, em primeiro lugar, as
propriedades físicas e químicas de seu habitat, o clima (luz, calor, condições atmosféricas de
umidade e eletricidade), os nutrientes inorgânicos, a natureza da água e do solo etc.
Como condições orgânicas de existência consideramos todas as relações do organismo com todos
os outros organismos com os quais ele entra em contato, e dos quais a maioria contribui ou de
maneira vantajosa ou danosa. Cada organismo conta entre os demais organismos seus amigos e
inimigos, aqueles que favorecem sua existência e aqueles que a prejudicam. Os organismos que
servem de alimento orgânico para outros ou que vivem sobre eles como parasitas também
pertencem a esta categoria de condições orgânicas de existência.
(8) Haeckel, 1877, p.639. A ecologia ou distribuição geográfica dos organismos, a ciência do conjunto
das relações dos organismos como o meio exterior ambiente, com as condições orgânicas e
inorgânicas da existência, o que se chamava de economia da natureza, as relações mútuas de
todos os organismos que vivem em um mesmo local, sua adaptação ao meio que os envolve, sua
transformação pela luta pela vida, sobretudo os fenômenos de parasitismo, etc ...
(9) Kingsland, 1994; Allee et al, 1949.
(10) Clements e Shelford, 1939, p.2. Contudo, a essência própria da ecologia é a síntese derivada da
análise exaustiva da comunidade e seu habitat, e a bioecologia deve repousar sobre este princípio
como fundamento seguro(11) Merz, I, p.20-21.
(12) conjunto de condições que constituem a vida de uma planta.
(13) Ackerknecht, 1986, p.193. Se, no início do século tentamos fazer caber tudo no campo da higiene,
precisamos deixar de lado, agora, um grande número de detalhes supérfluos ou indemonstráveis.
... Antes que a higiene entrasse em sua nova era, os autores esforçavam-se para alargar seus
32
dominios. Tentamos fazer um inventário de todos os conhecimentos humanos que podem ter algo
que haver com a higiene. É um programa ilimitado, constituído por fragmentos emprestados de
todas as ciências ... cujo ensino foi, por muito tempo, confundido com o da higiene.
(15) Avila-Pires, 1989.
33
PARTE DOIS
34
ENERGIA VITAL
Notre vie est-elle autre chose qu’une série de Préludes à ce
chant inconnu dont la morte entonne la primière et solennelle
note ?
Liszt, Préludes, apresentado em Weimar em 1854 (1)
35
Energia Vital
A explicação do fenômeno vital constituiu, ao longo do tempo,
preocupação constante do homem e a definição de vida desafiou literatos e cientistas
ao longo dos séculos. Para os criacionistas, sua origem é atribuída a um ato divino.
Muitos evolucionistas preocupam-se, apenas, com os processos e caminhos das
transformações sofridas pelos organismos a partir das primeiras cadeias de compostos
que adquiriram a capacidade de se reproduzir, e cuja origem e destino futuro não
questionam. Teorias vitalistas, criacionistas ou não, que atribuem as propriedades dos
organismos à ação de uma força vital que atua de maneira independente das leis da
física e da química, surgiram e ressurgiram diversas vezes ao longo da história. Essas
teorias exerceram influência marcante sobre a concepção ecológica da natureza.
Não é demais lembrar que a descrição cronológica das sucessivas
concepções da natureza e do mundo não implica que haja ocorrido uma evolução
generalizada do pensamento, em toda a humanidade. Encontram-se hoje, vivas e
atuantes, as mesmas crenças e crendices, vigentes no passado distante, florescendo
lado a lado com os conceitos mais avançados da filosofia e da ciência. É comum
associarem-se as crendices com populações indígenas e com os estratos mais baixos
das sociedades tecnologicamente avançadas, o que não é, necessariamente,
verdadeiro. Os sistemas educacionais não conseguiram, em todos os lugares e em
todas as épocas, criar o hábito do raciocínio crítico, capaz de desenvolver o
pensamento racional e lógico.
A concepção da natureza, até o fim da idade média, no ocidente, era
intermediada pelo sincretismo do misticismo religioso com a visão mágica do mundo.
O fetchismo animista primitivo atribuía (e atribui) uma alma aos objetos inanimados e
aos organismos. Essa alma não tinha características sobrenaturais, mas fazia parte da
natureza dos seres, das pedras, dos ventos, da chuva, dos trovões, das águas e dos
elementos em geral. A educação escolástica contribuíu para uma visão criacionista da
vida definindo o aprendizado como a reafirmação das idéias estabelecidas. Não se
observava a natureza: admirava-se a obra da criação divina. Os fenômenos eram
interpretados segundo os ensinamentos da Bíblia e as interpretações permitidas pela
filosofia aristotélica, onde não havia lugar para a curiosidade de se indagar como e
por que. As discussões estavam restritas aos membros da igreja romana e as dúvidas
de interpretação eram resolvidas nos concílios. Divergência significava heresia,
punida severamente pela autoridade religiosa, que acumulava o poder civil.
A criação de universidades livres, como Bolonha, Pádua e Pisa e os
movimentos de reforma da igreja romana abriram possibilidades novas para
dissenções na explicação dos fenômenos naturais.
36
No século XVI, o mecanicismo de Descartes, ao separar a alma do
corpo, permitiu a investigação objetiva da anatomia e da fisiologia humanas. Permitiu,
por exemplo, a Harvey, em 1628, pesquisar e a explicar a circulação sangüínea,
baseado na utilização pioneira do método quantitativo, ainda que de forma incipiente,
mas suficiente. Para Descartes, entretanto, a alma não era sinônimo de vida ou de élan
vital, na expressão de Bergson: Considérons que la mort n'arrive jamais par la faute
de l'âme, mais seulement parce que quelq'une des principales parties du corps se
corrompt. (2). Os métodos e modelos adotados foram os das ciências de sua época: a
física e a mecânica. As analogias foram admitidas como homologias e o corpo
humano passou a ser visto como uma máquina singela, movido por alavancas e
engrenagens.
O mecanicismo cartesiano subentendia três coisas: a idéia de um Autor,
a de finalidade e a de uma alma intangível, desvinculada da máquina corporal, isto é,
passível de incorporar-se e de separar-se da matéria constituinte do corpo. Ao
contrário de Galileu, Descartes procurou evitar o confronto com a autoridade religiosa
da Inquisição, buscou refúgio na Holanda, o que não o livrou da condenação da igreja,
que o acusou de ateísmo.
É na defesa da liberdade e da independência do pensamento que reside
a maior contribuição de Descartes e que caracteriza seu método. No discurso
pronunciado na Academia Francesa em 1755, o padre jesuíta Guénard reconheceu o
papel revolucionário da filosofia e do ensino de Descartes: Cet homme nouveau vint
dire aux autres hommes que, pour être philosophe, il ne suffisait pas de croire, mais
qu'il fallait penser. (3). Enquanto a escolástica ensinava que a fonte do conhecimento
está na visão interior e fazia a apologia da certeza, o dualismo cartesiano abria os
olhos para o exterior e pregava a duvida e a contestação conscientes.
Contemporâneo de Descartes, Galileu estabeleceu os fundamentos da
ciência moderna, como exercício intelectual livre e independente de dogmas.
Demonstrou a possibilidade do uso das soluções matemáticas nas ciências naturais,
como a astronomia, a mecânica e a física. Na cosmologia de Galileu, a previsão
matemática, através da resolução de uma fórmula ou equação, substitui a previsão
astrológica. Na verdade, substitui, também, a experiência: se Galileu houvesse
realmente realizado experimentos que descreveu (e que hoje se acredita que nunca
executou), não teria obtido os resultados que o cálculo e o raciocínio indicam.
Contestou a interpretação aristotélica da natureza e evidenciou os êrros do senso
comum na interpretação do movimento dos astros e na queda dos dos corpos. Galileu
substituiu a revelação, como fonte do conhecimento, pela observação e pelo exercício
da lógica e do raciocínio. Mostrou que as fórmulas matemáticas interpretam a
natureza com maior fidelidade que as fórmulas teológicas.
37
Com a filosofia mecanicista o mundo deixou de ser interpretado
através das escrituras e do senso comum. Permitiu ele desvendarem-se as relações
ecológicas existentes no mundo natural. Mais do que tudo, os poderes mágicos, como
os descritos nas Mil e Uma Noites - o óculo de longo alcance, o tapete voador e a
maçã que resuscita os moribundos passam a depender do empenho em adquirir
conhecimento. Conhecimento passa a representar poder e está à disposição de quem
se disponha a investigar, a descobrir e a inventar. Talvez a conseqüência mais
imediata, que se tornou propulsora do progresso da ciência e da técnica tenha sido a
susbtituição da ilusão da alquimia pelas realizações da química. A reação mais
importante viria de Kant, com sua crítica à razão pura como forma de compreensão da
natureza.
A idéia da perfeição da natureza, herdada de Platão, opunha certas
dificuldades à compreensão dos processos naturais e foi um dos argumentos opostos,
no século XIX às teorias evolucionistas. Estruturas complexas como o olho, ou
matematicamente regulares como os favos de abelhas eram tidas como demonstração
da existência de uma inteligência superior. Buffon seria um dos primeiros a opor uma
explicação racional e mecanicista à crença no plano de uma arquitetura divina, mas
não foi capaz de sugerir um mecanismo explicativo para a evolução.
Se o mecanicismo cartesiano permitiu a investigação objetiva da
natureza, o vitalismo setecentista, por sua vez, reforçou a crença na separação
essencial das qualidades inerentes aos tres reinos, mineral, vegetal e animal.
O século XVIII, por sua vez, foi palco da disputa entre a precedência
da forma e da função, que terminou por eclodir na famosa discussão entre Cuvier,
criacionista e catastrofista, e Geoffroy Saint-Hilaire, na Academia de Ciências de
Paris, no século XIX. (4)
Na primeira década do século XIX, Lamarck, Vicq d'Azyr e Tréviranus
propuzeram, independentemente, o termo Biologia, para designar o estudo do mundo
vivo ou organizado, em oposição aos minerais ou seres inorgânicos. Surgiu o conceito
de vida e passou-se a buscar uma definição para ela. Como resultado, a fisiologia
tornou-se independente da física e da mecânica.
O vitalismo dos séculos XVIII e XIX é radicalmente distinto do antigo
animismo, pelo que devemos crédito aos químicos. Desde que estes puderam dispor
de métodos de análise e dedicaram-se a analisar compostos orgânicos, chegou-se à
conclusão de que os mesmos elementos que formam os minerais, constituem os
organismos. Entretanto, a atividade vital continua a ser um mistério e para defini-la,
os livres-pensadores propõem o conceito de força vital, que é própria, e que resulta da
organização. Este conceito é contraposto ao da criação da vida por um ato divino,
defendido pelas diversas confissões religiosas ocidentais.
38
A descoberta das células, vistas ao microscópio aperfeiçoado a partir
do século XVIII, reforçou a hipótese das moléculas orgânicas de Buffon, que se
reuniriam para constituir um indivíduo, desagregando-se após a morte, porém
conservando suas propriedades vitais. Ao contrário das moléculas inorgânicas, as que
resultam desse processo seriam indestrutíveis, e tornariam a reunir-se para formar
outros indivíduos. No século seguinte, a idéia de integração e de propriedades
emergentes da organização toma corpo.
Pouco a pouco, a idéia de unidade passa da molécula orgânica para o
microorganismo, com todos os atributos de um macroorganismo, no qual se integra,
perdendo sua individualidade. Para John Needham padre católico, escrevendo em
1745, os animáculos seriam gerados espontaneamente nas infusões. Em Paris,
desenvolveu suas idéias juntamente com Buffon. Ao morrerem, animais e plantas se
desintegrariam, reduzindo-se a seres microscópicos como bactérias e fungos. Estes,
posteriormente, se reorganizariam e perderiam suas características individuais, para
constituirem novos vegetais e animais. O progresso da microbiologia, e em especial,
da microbiologia médica, baseada na identificação específica de bactérias, fungos e
fermentos, do que decorrem suas funções específicas nos processos de fermentação,
decomposição e putrefação, iria contribuir para o fim da polêmica sobre o vitalismo.
Um outro fator que contribuiu para o fim do vitalismo foi o reconhecimento da
unidade fundamental dos seres vivos, descrita para os vegetais por M.J. Schleiden
(1804-1881), para os animais, por Theodor Schwann (1810-1882) e aperfeiçoada por
Rudolph Virchow (1821-1902). Possuindo os atributos orgânicos, a célula não é um
organismo e, após o advento das lentes acromáticas dos microscópios, pôde-se.
desvendar sua estrutura, vindo a teoria celular substituir a hipótese das moléculas
orgânicas e dos microorganismos estruturais
Ao mesmo tempo, a discussão sobre a energia vital prosseguia.
Lavoisier havia desacreditado a noção cartesiana do calor como sinônimo de vida e o
estudo das diferentes formas de energia se fazia nos domínios da física. Eletricidade,
calor, magnetismo, luz, eram investigados e identificados como tal. No século XIX,
Carnot propôs a segunda lei da termodinâmica e o conceito de energia passou a
substituir o de força vital. Maxwell, ao propor a teoria dos gases, lançou as bases para
a futura teoria dos sistemas, que se apoia, igualmente, na teoria dos grandes números
de Poincaré. Pouco a pouco, o conceito de energia substituiu o de força vital. A
energia pode ser medida: a energia consumida ou liberada em uma reação química
pode ser determinada. Finalmente, Helholtz constatou a possibilidade da transferência
e transformação da energia.
Em outro plano a polêmica vitalista envolvia aspectos ligados à religão
e às filosofias materialista e mecanicista. E, como de regra, nem sempre as posições
39
individuais e as profissões de fé eram claras. Mas os argumentos decisivos vieram da
química.
Na França, um dos cientistas mais influentes do século XIX foi
Marcelin Berthelot (1827-1907). Acadêmico, senador e ministro. Um dos pioneiros da
síntese química de substâncias orgânicas, dedicou-se a demonstrar que só existe uma
química, e não uma química orgânica distinta da química inorgânica ou mineral.
Autor de uma obra importante sobre química agrícola, defensor do pensamento
analítico racional, contrbuíu para uma nova visão dos fenômenos da vida. Mas não foi
o primeiro. A transição, descrita por Jean Jacques em 1987, foi marcada pelos
trabalhos e opiniões de néo-vitalistas como Gerhardt, na sua obra de 1844 e Berzelius,
em 1849, e por não-vitalistas como Chevreul , em 1824, Dumas, em 1837 e Wurtz,
em 1850.
O prestígio de Berthelot pode ser avaliado pela leitura de um artigo de
Augusto Langel, traduzido da Révue des Deux Mondes por J. Remédios Monteiro,
médico brasileiro, que o publicou na Gazeta Médica do Rio de Janeiro em 1864. A
organização da matéria inorgânica e o fenômeno vital eram temas de discussões
frequentes na época e provocaram os seguintes comentários: O jovem chimico
reproduz artificialmente e em grande escala não seres organizados, mas pelo menos
as substâncias que figurão na composição do animal e do vegetal. Como Tyndall,
admira-se do contraste: ... aqui o homem, alma pensante, ser limitado na extensão,
mas abraçando um mundo infinito pelo pensamento: acolá - os elementos que
servirão para sua composição, e que se achão no estado de fria cinza ou na
peçonhenta atmosphera dos cemitérios. E ressalta: Nada mais instructivo e curioso do
que rever-se essa longa série de esforços tentados com o fim de dar-se á chimica
organica o poder de fornecer á physiologia uma base realmente scientifica.
Contemporâneo de Berthelot, Claude Bernard (1813-1878),
declaradamente agnóstico, aprendeu a ignorar as questões para as quais a metodologia
científica não pode abordar. Grmek (5) transcreve uma de sua notas manuscritas, onde
confessa: Je supporte l’ignorance. ... J’ai la tranquillité de l’ignorance et la foi de la
science. Entretanto, quanto ao vitalismo, sua posição permaneceu ambigua por toda a
vida. Define-se como Ni matérialiste, ni vitaliste; les deux. ... On est matérialiste ou
spiritualiste par sentiment ou par les conséquences que cela entraîne, et non par
conviction. (6). Ao mesmo tempo, somente admite a ação de processos físico-químicos
na fisiologia: Un phénomène vital a, comme tout autre, un déterminisme rigoureux, et
jamais ce déterminisme ne saurait être autre chose qu’un déterminisme physicochimique. (7). E mais (8):Ce qu’il faut savoir en outre, c’est que que ces particules
intimes de l’organisme ne manifestent leur activité vitale que par une relation
physico-chimique nécessaire avec des milieux intimes... Autrement, si nous nous
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bournons à l’examen des phénomènes d’ensemble visibles à l’extérieur, nous
pourrons croire faussement qu’il y a dans l’être vivant une force propre qui viole les
lois physico-chimiques du milieu cosmique général, de même qu’un ignorant pourrait
croire que, dans une machine qui monte dans les airs ou qui court sur la terre, il y a
une force spéciale qui viole les lois de la gravitation.
Gmek (9) reconhece que Claude Bernard admite, em várias ocasiões, a
existência de uma força vital ou orgânica, mas como uma idée directrice, que preside
o desenvolvimento dos organismos e sua forma, como um poder legislativo, mas não
como um poder executivo. Assim, enquanto que as causas imediatas podem ser
investigadas e explicadas em termos de física e química, as causas primeiras
encontram-se além das fronteiras da ciência. E satisfa-se na sua ignorância.
Pasteur viria acrescentar uma nova dimensão a estas questões.
Comprovando a dissimetria inerente aos compostos orgânicos naturais, concluíu que
os problemas que ocorriam na indústria dos produtos fermentados, como o vinho,
eram devidos à ação de organismos e não de moléculas inorgânicas: portanto, os
fermentos tinham que ser de natureza orgânica e não inorgânica, como defendiam
Liebig e Berzelius. Divergiu de Berthelot com base em suas pesquisas minuciosas
sobre a dissimetria estrutural de substâncias orgânicas e minerais. Debré (10) cita
Pasteur, para quem L’irréductibilité du vivant devient aussi l’une des convictions les
plus fermes de Pasteur. Acreditou Pasteur que On ne parviendra à franchir la
barrière qu’établit, entre les deux règnes minéral et organique, l’impossibilité de
produire par nos réactions de laboratoire des substances organiques dyssimétriques,
que si l’on arrive à introduire dans ces réactions des influences d’ordre
dyssimétrique.(11) Pasteur reafirmou em vários escritos sua convicção na distinção
fundamental entre os dois reinos, em função da distinção essencial da forma: os
minerais, que têm um plano de simetria e os organismos, que não o têm. Para ele, uma
força cósmica preside o mundo orgânico: Je suis porté à croire que la vie, telle
qu’elle se manifeste à nous, doit être fonction de la dyssimétrie de l’univers ou des
conséquences qu’elle entraîne. (12). Assim, a assimetria é a vida. Sua crença religiosa
certamente contribuíu para sua visão da vida e dos fenômenos vitais.
O nascimento da moderna genética, no início do século XX e o
posterior desenvolvimento da biologia molecular desmistificaram a questão da
energia vital. O conceito de energia é fundamental à ecologia e devemos a Raymond
Lindeman a conceituação energética do ecossistema. Os sistemas ecológicos
organizam-se, como vimos, em estruturas tróficas.
Os sistemas ecológicos foram caracterizados como sendo abertos, por
receberem energia de fora: do sol. A fixação e transferência dessa energia, grande
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parte da qual se perde para o meio exterior sob forma de calor constitui o conceito
fundamental da ecologia.
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Notas
(1) Nossa vida é outra coisa que não uma série de Prelúdios à este canto desconhecido no qual a
morte intona a primeira e solene nota ?
(2) Bergson: Consideramos que a morte não chega jamais por falta da alma, mas somente porque
algumas partes principais do corpo se corrompem.
(3) Descartes, 1919, p. XI. Este novo homem vem dizer aos outros homens que, para ser filósofo, não
era suficiente crer, mas que era necessário pensar.
(4) Appel, 1987; Le Guyader, 1998.
(5) Grmek, 1997, p.96. Eu tolero a ignorância ... Tenho a tranqüilidade da ignorância e a fé da
ciência.
(6) Grmek, 1997, p.96. Nem materialista nem vitalista: os dois....Somos materialistas ou
espiritualistas por sentimento ou pelas conseqüências que isto acarreta, e não por convicção.
(7) Grmek, 1997, p.98. Um fenômeno vital tem, como qualquer outro, um determinismo rigoroso e
nunca este determinismo poderá ser outra coisa que não um determinismo físico-químico.
(8) Grmek, 1997, p.154. O que é necessário saber, por outro lado, é que estas partículas íntimas do
organismo não manifestam sua atividade vital a não ser por uma relação físico-química necessária
com os meios íntimos. ... Por outro lado, se nos detemos no exame dos fenômenos de conjunto
visíveis no exterior, poderemos crer falsamente que existe no ser vivo uma força própria que viola
as leis físico-químicas do meio cósmico geral, da mesma forma que um ignorante poderia crer que,
em uma máquina, que sobe aos ares ou que corre sobre a terra, existe uma força especial que viola
as leis da gravidade.
(9) Grmek, 1997, p.154.
(10) Debret, 1994, p.102. A irredutibilidade dos seres vivos torna-se também uma das convicções mais
firmes de Pasteur.
(11) Não se chegará a franquear a barreira que cria, entre os dois reinos mineral e orgânico, a
impossibilidade de produzirmos em nossas reações de laboratório substâncias orgânicas
dissimétricas, a não ser que se chegue a introduzir nestas reações, influências de ordem
dissimétrica.
(12) Sou levado a crer que a vida, tal como ela se manifesta a nós, deve ser função da dissimetria do
universoou das conseqüências que ela acarreta.
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CICLOS E RECICLAGEM
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Ciclos e Reciclagem
A noção de ciclo perde-se no tempo e está presente na mitologia e na
religião de muitos povos. Intuitivamente, o homem deu-se conta da existência de
fenômenos que se repetem periodicamente em ciclos ditos circadianos (cerca de 24
horas), sazonais ou estacionais (estações do ano), lunares (cerca de 28 dias) e anuais,
os quais regulam certas atividades orgânicas e influenciam a vida na Terra. Dias e
noites se sucedem, como o nascimento e a morte, a floração e a frutificação, as épocas
de plantio e de colheita, os equinócios, a posição das constelações, dos planetas e do
sol no firmamento. Como seria de esperar, várias correlações foram feitas
relacionando fenômenos coincidentes no tempo com certos ciclos naturais, sem que
sua dependência direta tenha sido demonstrada: por exemplo, o crescimento dos
cabelos e o ciclo menstrual com as fases da lua, os eclipses com epidemias, certas
doenças com estações do ano ou com outros eventos naturais tais como o desvio
periódico da corrente marinha de El Niño, na costa ocidental da América do Sul. Por
outro lado, um grande repositório de dados foi-se acumulando de forma a constituir
um ramo especial da biologia, a cronobiologia, que estuda os rítmos do chamado
relógio biológico e suas aplicações práticas. Rítmo cardíaco, pulsação, pressão
sanguínea, absorção de medicamentos (cronofarmacologia), estresse do trabalho em
turnos, jet-lag devido à mudança de fusos horários em viagens intercontinentais
constituem alguns dos tópicos de interesse para os especialistas em bio-rítmos.
A idéia geral de ciclos é recorrente na religião e na ciência. A
reencarnação, sob várias formas, aparece em distintas crenças, enquanto que o
periodismo de muitos fenômenos naturais impressionou desde cedo o espírito
humano.
Nas ciências naturais, um avanço considerável foi alcançado pela
filosofia uniformitarista de Hutton e Lyell. Segundo ela, admite-se que as mesmas
forças geológicas e tectônicas que observamos em ação (erosão, vulcanismo,
sedimentação) estiveram em ação constante durante toda a história da Terra, agindo
com intensidade semelhante à do presente. A doutrina uniformitarista opôs-se à do
catastrofismo que admitia, arbitrariamente, a ocorrência de revoluções geológicas ou
climáticas globais como o dilúvio universal. Dois exemplos de maneiras de pensar
alternativas são o catastrofismo de Cuvier e a filosofia fenomenalista de George
Berkeley, exposta em seus Principia, de 1710, como menciona Harré. Berkeley critica
os filósofos que buscam encontrar causas naturais para a explicação de fenômenos.
Para ele, a observação da natureza revelaria a bondade divina na administração do
universo. Seria inútil, portanto, a tentativa de derivar comportamentos habituais de
princípios gerais ou de demonstrar a existência de leis na natureza
...for all
45
deductions of that kind depend on a suposition that the Author of nature always
operates uniformly, and in a contant observance of those rules we take for principles,
which we cannot evidently know.(1).
James Hutton (1726-1797) apresentou o germe de sua teoria em 1785,
em uma comunicação feita à Royal Society of Edinburgh, expandindo-a em dois
volumes publicados no mesmo ano. Sua teoria da Terra estabelecia os fundamentos da
moderna estratigrafia e descrevia a história do globo como uma sucessão de períodos
de lenta e constante acumulação e destruição ou erosão do relevo da crosta terrestre.
Charles Lyell (1797-1875) desenvolveu os princípios de Hutton e influenciou Darwin,
para quem o uniformitarismo era indispensável à sua teoria da evolução.
Na antiguidade clássica, Aristóteles pensou em aplicar suas idéias
sobre ciclos meteorológicos ao estudo das doenças, mas parece nunca tê-lo feito. Esta
sugestão aparece no trecho em que comenta sobre os resfriados e compara o defluxo
nasal com a produção de chuvas na natureza ou no macrocosmo: For when vapour
streams up from the earth and is carried by the heat into the upper regions, so soon
as it reacjes the cold air that is above the earth, it condenses again into water owing
to the refrigeration, and falls back to the earth as rain. These, however, are matters
which may suitable considered in the Principles of Diseases, so far as natural
philosophy has anything to say to them. (2)
Durante toda a Idade Média, no Ocidente, a filosofia cristã foi
catastrofista e a medicina afastou-se das preocupações com o ambiente para focalizarse no paciente, abandonando a concepção protoecológica de Hipócrates. Foi somente
a partir do século XVI que a ciência passou a utilizar-se do método de conjecturas,
demonstrações e refutações que provocariam sua primeira revolução. Da admiriação
da obra divina expressa na natureza; do louvor à sua perfeição às indagações, dúvidas
e questionamentos, a humanidade deu um largo passo. Ainda assim, reencontramos a
preocupação mística com os ciclos estimulando estudos pragmáticos, como os de
Harvey.
Em 1578 nascia em Folkestone, no condado inglês de Kent, William
Harvey. Educado em Cambridge, completou sua formação acadêmica na Itália, ao
tempo em que Galileu lançava as bases da ciência contemporânea. Harvey aplicaria a
metodologia de Galileu à fisiologia e à medicina. Graduou-se em Pádua, centro
universitário famoso pelo clima de liberdade acadêmica que proporcionava em uma
época em que os centros de educação sofriam forte influência da igreja. No início do
século XVII Harvey estabeleceu-se em Londres, onde abriu sua clínica, da qual
Francis Bacon foi paciente, sendo ambos contemporâneos de Boyle. Intrigado pela
descrição das válvulas venosas feita por Fabricius de Aquapendente, seu mestre na
Itália, Harvey chegaria à noção da circulação do sangue. O método seguido por ele, de
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proposição de hipótese, observação e experimentação contrariava a seqüência de
etapas do método indutivo de Bacon. Harvey foi dos primeiros a utilizar a análise
quantitativa em biologia e o fez de maneira singela e pouco precisa, mas suficiente
para indicar que a quantidade de sangue bombeada pelo coração excedia de muito
volume de água e alimentos ingeridos em 24 horas, assim como o volume total de
sangue no corpo. Comenta Peller que On the surface, Harvey's method of quantitative
reasoning reminds us less of a scientific method than of Abraham's method of
bargaining with God about the minimum number of righteous people in Sodom and
Gomorrah required for the preservation of the two towns.(3)
Em 1628, ao publicar sua teoria da circulação do sangue, Harvey
escreveu: J'ai commencé dès lors à évoquer une sorte de mouvement circulaire. Je me
suis convaincu que cette hypothèse était vraie;... Un tel mouvement mérite d'être
appelé circulaire pours les mêmes raisons qui ont incité Aristote à qualifier ainsi le
mouvement de l'air et de la pluie. La terre humide et que dessèchent les rayons du
soleil émet des vapeurs qui se condensent à mesure qu'elles s'élèvent, reviennent à la
terre sous forme de pluie et lui rendent son humidité. Ce cycle donne naissance aux
générations d'espèces, aux variation du temps, aux météores, de par le mouvement
circulaire du soleil, son éloignement et son rapprochement. (4)
A idéia da circulação sangüínea satisfazia, ao lado da explicação
científica, o fundamento filosófico dos que admitiam as relações místicas entre o
macrocosmo e o microcosmo, como reconheceu Conger. Revoluções planetárias
poderiam ser consideradas análogas a uma circulação do sangue no corpo.
Contemporâneo de Harvey, Claude Perrault imaginava, por sua vez,
uma circulação nas plantas, como parte do esquema do Universo. Delaporte, em 1979
transcreveu uma citação de Perrault na qual ele descreve uma hipotética circulação de
vapores gasosos e condensados que se originariam no solo, e, através da vegetação
subiriam à atmosfera para retornar ao solo.
Entretanto, para que chegássemos à idéia da circulação de nutrientes
foi necessário demonstrar que os compostos orgânicos são sintetizados na natureza a
partir de radicais inorgânicos. A síntese artificial da matéria orgânica, conseguida no
século XIX, permitiu uma grande revolução conceitual e filosófica em torno da
definição de vida e comprometeu a doutrina vitalista. Por outro lado, era preciso
esclarecer o mecanismo da putrefação e da decomposição do seres vivos. Este tema
foi discutido por todos os químicos do século XIX que, em geral, concluiam como
Gerhardt: Tout ce qui vit, en effet, toutes les plantes, tous les animaux, retournent par
la mort à ces formes chimiques. (5)
Síntese, transferência e degradação constituem o núcleo do pensamento
ecológico. E o esboço desta cadeia de relações tróficas encontra-se nos autores do
47
século passado, como Claude Bernard que, em 1879, já a visualisava: C'est donc en
quittant le terrain physiologique et en se plaçant au point de vue des harmonies de la
nature, que l'on compare le règne animal et le règne végétal à une sorte de chaine
fermmée, traversée toujours dans le même sens par des éléments nutritifs qui
subiraient des rédutions dans la partie correspondantes aux plantes et des oxydations
dans la parte correspondante aux animaux. Sua inspiração vem de Lavoisier, a quem
Claude Bernard cita: Les végétaux puisent dans l'air qui les environne, dans l'eau et
en général dans le règne minéral, les matériaux nécéssairee à leur organisation. Les
animaux se nourissent ou de végétaux ou d'animaux qui ont eux-mêmes été nourris de
végétaux. (6).
A circulação de nutrientes e a transferência ou fluxo de energia
constituem os conceitos mais fundamentais da ecologia - e os mais discutidos, como
reconheceu Rigler. Em meados do século XIX a idéia geral encontrava-se definida.
Claude Bernard, descobridor da função glicogênica do fígado, alinhara fortes
argumentos contra a filosofia dualista de formação-destruição, que opunha vegetais
aos animais e, reconhecendo as contribuições fundamentais de Lavoisier e de Liëbig,
enunciara, numa formula simples as relações existentes na natureza: le règne minéral
fournit, le règne végétal forme, le règne animal détruit. (7). E explica que esta relação
é válida em relação ao equilíbrio cósmico, mas não ao nível dos processos vitais
individuais. Em 1865 já reconhecia que: Autrefois Buffon avait cru qu`il devait exister
dans le corps des êtres vivants un élément organique particulier qui ne se retrouvait
pas dans les corps minéraux. Les progrès des sciences chimiques on détruit cette
hypothèse en montrant que le corps vivant est exclusivement constitué par des
matières simples ou élémentaires empruntées ao monde minéral. (8). E adiante,
explica que Dans l´ordre chimique, le chimiste opère dans son laboratoire une foule
de syntheses, de décompositions et de dédoublements semblables à ceux qu´ont lieu
dans les organismes animaux et végétaux; mais si dans l´être vivant les forces
chimiques donnet lieu à des produits identiques à ceux du règne minéral, la nature
vivante emploie des procédés spéciaux des éléments biologiques. (9).
A idéia moderna de ecossistema é perfeita como modelo conceitual,
mas esbarra, na prática, em dificuldades consideráveis. Um dos problemas sérios é o
da alocação dos organismos a níveis tróficos definidos. O referencial, em ecologia não
pode ser taxonômico, uma vez que as afinidades que caracterizam os ocupantes de um
mesmo nível não são de natureza filogenética, mas adaptativa. Assim, animais de
sexos diferentes e de idades distintas podem ocupar níveis diferentes, como é o caso
clássico dos mosquitos, cujas larvas são predadoras e detritívoras, as fêmeas são
hematófagas e os machos, fitófagos. Plantas e animais não relacionados
filogeneticamente podem, entretanto, substituir-se, em um determinado nível. Por
48
outro lado, a especificidade alimentar é rara, o que faz com que um animal participe
de vários níveis ao mesmo tempo e em uma mesma comunidade. Contudo, como
modelo didático, as pirâmides tróficas são convenientes.
Na segunda lição ministrada por Claude Bernard na nova cadeira de
fisiologia geral, criada na Faculdade de Ciências de Paris ele deixou claro o papel da
nutrição como uma das características fundamentais dos organismos: Si nous étudions
les phénomènes élémentaires de la vie dans leur cause prochaine, nous trouverons
que, parmi ces propriétés élémentaires, la plus générale est la faculté de nutrition. ...
La nutrition est donc une propriété fondamentale appartenant à tous les êtres vivants,
animaux et végétaux; c’est une sorte d’attraction élective qu’exerce une molécule
vivante sur le milieu ambiant pour attirer à elle les éléments qui doivent la constituer.
(10)
A concepção ocidental simplista de uma natureza organizada segundo
um plano divino que previa o equilíbrio numérico de animais e vegetais, como aquele
descrito por Linnaeus cederia lugar, a partir do final do século XIX, à filosofia do
acaso e da necessidade, em um mundo sem finalidade, onde evolução significa
mudança, adaptação e sobrevivência ou extinção.
Stephen A.Forbes publicara, em 1887, um trabalho que se tornaria
clássico na história da ecologia, no qual descrevia a teia de relações tróficas entre os
componentes da biota de um lago e que serviu como modelo para uma série de
estudos sobre a organização e as relações entre os membros de comunidades bióticas,
especialmente nos Estados Unidos. Em 1926 Augustus Thienemann introduziu as
expressões produtores e consumidores, hoje correntes, para designar os organismos
autotróficos e heterotróficos. No ano seguinte, Charles Elton publicou um importante
livro texo que serviu como referência para os autores subseqüentes, no qual descreveu
a estrutura trófica de uma comunidade em termos da pirâmide de números, construída
a partir do censo populacional dos integrantes de cada nicho ecológico. O nicho foi
definido como função trófica na comunidade e não local ou microhabitat, o que se
tornou fonte de confusão e de dúvidas. Posteriormente foi proposto o cálculo da
biomassa para substituir, com claras vantagens, a estimativa numérica e,
posteriormente, o cálculo do fluxo de energia, cujo histírico foi feito por Odum, em
1968. De fato, enquanto que os nutrientes circulam nos ecossistemas, a energia é
transferida de um nível trófico ao seguinte, com uma grande perda a cada
transferência. A ecologia energética derivou dos estudos pioneiros de A.J. Lotka (11) e
um de seus fundadores foi Raymond Lindeman (12). Medidas de produtividade
primária e secundária encontraram aplicações práticas imediatas, especialmente na
agricultura. O Programa Biológico Internacional, na década de 1960, desenvolveu
métodos especiais para o estudo trófico-dinâmico das comunidades. Entretanto, a
49
ecologia de sistemas derivada de tais esforços mereceu justificadas críticas de
Bergandi (13), por advogar uma visão holística, mas adotar, na sua implementação,
metodologia reducionista.
A síntese de substâncias orgânicas
Consta que, em 1840, um professor universitário despertou a
curiosidade dos vizinhos ao cercar sua propriedade com um alto muro, que eles
escalavam na tentativa de descobrir o que escondia. O terreno, árido, fora cultivado
sem adubo orgânico, então considerado indispensável a qualquer plantio. O professor
usara somente compostos minerais. Esse experimento, levado a efeito na localidade
de Giessen, em cuja universidade o conde Justus von Liebig tinha seu laboratório de
química, serviu para contestar a idéia de que as plantas somente cresceriam se
adubadas com compostos de origem orgânica e, em especial, com adubo animal. Esta
descoberta constituiu uma das pedras fundamentais do futuro edifício da ecologia.
A revolução científica ocorrida no século XVII teve apoio em uma
escola de pensamento mecanicista e reducionista, fundada por René Descartes (15961650), que pretendia explicar os fenômenos biológicos em termos de física e química.
Por sua vez, o estudo da química, pouco a pouco liberado da magia alquimista
medieval, foi legitimado e incorporado aos currículos universitários em virtude dos
subsídios que trouxe à farmacologia.
Aureolus Philipus Theophrastus (1493-1541), auto-cognominado
Paracelso, questionara frontalmente, e com razão, a violência da terapêutica medieval
e a teoria dos quatro humores e introduziu a trindade sal, enxofre e mercúrio na
farmacopéia, explicando suas propriedades em analogia com a Santíssima Trindade.
Considerado o fundador da iatroquímica, a qual se afastava da terapêutica dos simples
de origem vegetal e animal buscava, entre os minerais e preparados orgânicos,
medicamentos específicos. Paracelso foi uma personalidade contestadora e
contraditória, mas sem dúvida contribuiu para a inclusão da química nos currículos
médicos.
Em 1609 seria criada, em Marburg, Alemanha, a primeira cátedra de
Chymiatria, que foi pioneira no sentido de dotar a medicina de recursos mais
eficientes de tratamento, liberando a química da filosofia hermética, mágica e
religiosa dos contemporâneos de Paracelso.
Em meados do século XVII a química médica teve um novo impulso,
dado por Van Helmont, com a análise dos fundamentos químicos dos processos
orgânicos.
50
Johann Baptist Van Helmont (1577-1644), flamengo de origem, foi um
dos expoentes da iatroquímica e o precursor da química fisiológica. Van Helmont foi,
também místico, astrólogo, médico e químico e perseguiu sempre o conhecimento
objetivo, que não conseguia encontrar nas doutrinas de Galeno. Dedicou-se a
combatê-las e teve que abandonar a cátedra para fazê-lo. Cultor da alquimia,
acreditava na existência da pedra filosofal. Reformou a medicina de sua época e
dedicou-se a clinicar, gratuitamente, para os pobres. Acreditando ser a água o
elemento primordial da natureza, realizou um experimento que marcou época por sua
natureza quantitativa e inovadora. Buscou demonstrar que uma planta pode crescer e
desenvolver-se sem receber outro alimento além da água pura da chuva. Errou,
porém, ao desprezar a contribuição do ar atmosférico. Este experimento constituiu o
ponto de partida da química fisiológica.
Sua obra foi editada por seu filho em 1648. Na versão francesa de Le
Cont e que data do ano de 1671 o texto é o seguinte: J'ai pris un grand vase de terre,
auquel j'ai mis 200 livres de terre deseichée au four que j'ai humecté auec de l'eau de
pluye. Puis j'y ai planté un tronc de saule, qui pesoit cinq liures. Cinq années aprés le
saule qui étoit cru en ladite terre, fut arraché et se trouua pesant de 169 liures et
enuiron trois onces de plus. Le vaisseau etóit fort ample, enfoncé em terre, et couuert
d'vne lame de fer blanc étamé percé em forme de crible, de force petits trous, afin
qu'il n'y ait que l'eau distillée seule (de laquelle la terre du vaisseau étoit arroussée
lors qu'il en faisoit besoin) qui y puisse découler. Les feuilles ne furent point pesée
parce que c’était en Automne que les feuilles tombent que l'arbre fut arraché. En
aprés je fis deremechef reseicher la terre du vase et la terre se trouua diminuée que
d'enuiron deux onces, qui s'étoient pu perdre en vuidant ou emplissant le vaisseau.
Donc il y auoit 164 livres de bois, d'écorce et de racines qui étoient venües de l'eau.
(14)
Robert Boyle considerou van Helmont o primeiro filósofo-químico de
sua época, mas confessou ter dificuldade em compreendê-lo e em acreditar em alguns
de seus experimentos e relatos de curas. Para van Helmont, os fermentos seriam
produtos de criação divina, responsáveis pela organização dos minerais e dos
organismos, a partir da água e do ar.
Para Debus, van Helmont teria desempenhado papel importante como
um dos pioneiros da iatroquímica em razão de seu interesse pelas explicações
químicas dos processos fisiológicos, o que constituía a meta da iatroquímica no final
do século XVII.
Outra contribuição importante ao nascimento da química foi a de
Robert Boyle. (1627-1691). De família abastada, Boyle estudou na europa continental
e, ao regressar à Inglaterra natal foi convidado a integrar o Colégio Filosófico, um dos
51
grupos de estudos que precederam a criação da Royal Society, e que Boyle
denominava Colégio Invisível. Em 1654 aceitou convite para integrar o corpo docente
da Universidade de Oxford. Ali destoava dos colegas por não aderir à moda da
abstração matemática e por sua devoção à química, ciência que muitos associavam,
então, com a alquimia. Boyle dedicou-se a tornar respeitável esta disciplina e a
integrá-la à filosofia natural. No início de sua carreira Boyle fora seguidor e
admirador de van Helmont de quem divergiu, mais tarde, em razão da maneira pela
qual os este e oa demais espagiristas romperam com a escolástica. Em seu trabalho,
Boyle procedia de modo distinto, ao utilizar a experimentação para comprovar teorias
ou elaborar hipóteses. Segundo Goldfarb, em lugar de buscar as sínteses holísticas,
Boyle usou a experimentação como instrumento de análise, tendo sido um dos
pioneiros da reforma da química teórica medieval, ao opor-se à concepção dos
princípios primogênios da matéria.
Em sua obra mais citada, Sceptical Chymist, escrita sob a forma de um
diálogo platônico, defendeu sua posição utilizando um debate imaginário entre
aristotélicos, esparigistas e filósofos naturais. Em lugar dos clássicos três princípios
(enxofre, mercúrio e sal), e da teoria dos quatro elementos, propos o que se pode
considerar uma proto-teoria corpuscular da matéria: ...daí que pela mudança de
textura possível de ser feita pelo fogo e outros agentes que tenham a faculdade não
somente de dissociar as pequenas partes dos corpos, mas também de conectá-las de
uma nova maneira, esta mesma parcela da matéria pode adquirir ou perder os
acidentes que chamamos de sal, enxofre ou terra ... não vejo porque não possamos
conceber que ela [a natureza] pode produzir corpos ... rearranjando suas minúsculas
partes, sem resolver a matéria nas tais substâncias simples ou homogêneas, como se
pretende .(15)
Boyle repetiu o experimento de van Helmont e concluiu que a água
transmutava-se na estrutura e seiva da planta, o que demonstra que os métodos
quantitativos precisam ser aplicados dentro de um contexto adequado, guiados por
uma hipótese de trabalho racional e verificável.
Para a ecologia, o aspecto importante da obra de Boyle é a admissão da
possibilidade de transmutação de matéria vegetal viva em matéria mineral, dentro da
visão de que tudo na natureza obedece ao ciclo do nascimento, maturidade,
transformação e morte.
Na época, entretanto, reinava grande disputa sobre a identidade da
matéria natural ou compostos orgânicos criados em laboratório e os que eram
encontrados na natureza. Para muitos, os produtos orgânico seriam obra divina,
intrinsecamente distintos e únicos. A equivalência absoluta era aceita pelos que
tinham uma visão mecanicista do universo e pelos animistas para quem minerais,
52
vegetais e animais sairam das mãos do Criador; por outro lado, as dificuldades de
sintetizar produtos químicos puros e de realizar análises minuciosas, contribuíam para
acirrar e confundir o debate.
Não eram, somente, dificuldades conceituais e sim também as técnicas
que impediam a aceitação generalizada da possibilidade de reciclagem de elementos,
o que constitui um dos conceitos mais fundamentais da ecologia. Tanto van Helmont
quanto Boyle admitiam, por exemplo, que o ar e os gases resultantes da fermentação
de substâncias orgânicas eram simples.
Entre os que contribuíram para o surgimento de uma química
independente da medicina está Hermann Boerhave (1668-1738), que admitia o valor
dos medicamentos químicos, mas atacava tanto Paracelso quanto van Helmont. Para
ele, a ciência fundamental era a física e sua aplicação médica, a iatrofísica. Sua
oposição ajudou a definir uma ciência da química independente da medicina, a qual
seria revolucionada por Lavoisier.
O século XVIII assistiu à transformação profunda das ciências naturais,
graças à introdução generalizada dos métodos precisos de análise quantitativa. Nasceu
a fisiologia vegetal experimental e, como sucederia um século mais tarde com
Pasteur, foi um químico o grande responsável pelo seu progresso, ao propor a teoria
da circulação de nutrientes. Linnaeus mencionou, seguidamente, o ciclo de vida dos
vegetais, do nascimento à morte e à desintegração no solo, formando o húmos, mas
tinha uma noção simplista das relações tróficas com os animais.
Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794) renovou a química e propos
um sistema de nomenclatura e de classificação, posteriormente aperfeiçoados por
Berzelius, que fez por esta ciência o que seu contemporâneo sueco, o naturalista
Linnaeus faria pela botânica, mineralogia e zoologia, e Sydenham pela nosologia.
Nomenclatura e classificação constituem requisitos indispensáveis ao progresso das
ciências. Claude Bernard (1878) reconheceu, como Pascal, que Les vraies définitions
ne sont en realité, dit-il, que des définitions de noms, c'est-à-dire l'imposition d'un
nom à des objets crées par l'esprit dans le but d'abréger le discours. (16)
É curioso notar que, à semelhança das discussões recentes sobre a
realidade das espécies e os fundamentos convencionais ou essenciais (filogenéticos)
dos sistemas de classificação de plantas e animais, fato análogo ocorreu com a
classificação dos elementos químicos em função de sua estrutura, na época de
Berthelot, em relação à estrutura atômica e as f´romulas estruturais.
Lavoisier dedicou-se a desacreditar a teoria flogística do calor, herdada
da Grécia antiga e, entre 1782 e 1784 aplicou suas idéias sobre o processo químico da
combustão aos fenômenos biológicos. Estudou o comportamento de animais em
atmosfera normal e no interior de balões de oxigênio e de nitrogênio. Mediu a
53
quantidade de calor produzida pela atividade biológica e concluiu que o processo
vital, ou respiração, assemelha-se à combustão química. Estudando a fisiologia da
nutrição, constatou que o oxigênio absorvido pela respiração combina-se com o
carbono e o hidrogênio metabolizados, formando gás carbônico e água, que podem ser
detectados no ar expirado.
Sua lei da conservação e transformação da matéria foi profética em
relação ao que acontece nos ecossistemas. Lavoisier concluíra que os elementos
circulam no ar e no solo, nas plantas e animais e destes de volta ao solo, através de
três tipos principais de atividades: fermentação, putrefação e combustão, cuja
natureza química admitia. Sugeriu, ainda, que o futuro mostraria os processos através
dos quais a natureza efetua essa maravilhosa circulação. Deléage (17) menciona o
fato de que somente em 1860, J.B. Dumas encontrou, entre os documentos de
Lavoisier conservados na Academia Francesa, um texto manuscrito referente ao
prêmio para o ano de 1792, cujo tema era a circulação ou reciclagem dos elementos.
Para Claude Bernard Il y a quatre-vingt ans Lavoisier avait nettement
aperçu les deux phases du travail vital: la désorganization ou destruction
desorganismes animaux ou végétaux par combustion et putréfaction, la création
organique, végétation et animalisation, qui sont des opérations inverses des
prémieres: ´Puisque, dit-il, la combustion et la putréfaction sont des moyens que la
nature employe pour rendre au règne minéral les matériaux quélle en a tirés pour
former des végétaux et des animaux, la végétation et l´animalisation doivent être des
opérations inverses de la combustion et de la putréfaction. (18)
Como reconheceu Delaporte (19) o progresso da química, como ciência
básica independente, viria permitir o desenvolvimento da fisiologia vegetal
abandonando, como modelos, a fisiologia humana e animal, que caracterizou a
botânica funcional dos séculos XVII e XVIII.
Um interessante resumo da história da descoberta dos processos de
assimilação do carbono e oxigênio pelos vegetais encontra-se em Dehérain, químico
francês, autor de uma importante obra sobre química agrícola. Atribuíu ao naturalista
suíço Charles Bonnet a primeira observação da emissão de gases pelas plantas: Au
commencement de l'été de 1749, dit-il, j'introduisis dans des poudriers plein d'eau des
rammeaux de vigne. Dès que le soleil commença à échauffer l'eau des vases, je vis
paraître sur les feuilles des rameaux beaucoup de bulles semblables à des petits
perles. J'en observait aussi, mais en moindre quantité, sur les pédoneules et sur les
tiges... Je fis bouillir de l'eau pendant trois quarts d'heure, afin de chasser l'air
qu'elle contenait. Après avoir laissée refroidir, j'y plongeait un rameau semblable au
précédent. Je l'y tins un expérience environ deux jours: le soleil était ardent, je ne vis
pourtant paraître aucune bulle. (20)
54
Em 1979, Delaporte, ao analisar a contribuição de Bonnet à fisiologia
vegetal, ressaltou a analogia estabelecida por ele entre a respiração das plantas e a dos
insetos, e a descrição dos estigmas, les ouvertures ou les espèces de stigmates qui
permettent à l'air d'entrer dans l'intérieur de la plante. (21) Levando adiante essa
comparação analógica, Bonnet repetiu com plantas as experiências simples que
serviam para demonstrar o papel dos estigmas em insetos: se estes são mergulhados
em óleo ou tem as aberturas obturadas com este líquido, morrem. Deu-se conta da
inadequação do seu experimento ao reconhecer que Ayant réflechi de nouveau sur ces
différentes expériences, je les ai jugées équivoques. En les faisant j'avais omis une
précaution essentielle: je n'avais pas eu soin de chasser l'air de l'extérieur des
rameaux et des feuilles avant que de les plonger dans l'eau. (22)
Em 1772, o químico inglês Joseph Priestley (1733-1804) realizou uma
série de importantes observações sobre o comportamento de animais mantidos em
atmosfera viciada e foi levado a investigar o papel dos vegetais sob idênticas
condições: J'ai le bonheur, dit-il, de trouver par hasard une méthode de rétablir l'air
altéré par la combustion des cjandelles, et de découvrir au moins une des ressources
que la nature emploie à ce grand déssein: c'est la végétation. (23).
Após os experimentos feitos em 1771, Priestley concluiu que les
plantes, bien loin d'affecter l'air de la même manière que la respiration animale,
produissaient des effets contraires, et tendaient à conserver l'atmosphère douce et
salubre, lorsqu'elle est devenue nuissible en conséquence de la vie et de la respiration
des animaux ou de leur mort et de leur putréfaction... Les preuves d'un rétablissement
partiel de l'air par les plantes en végetation, quoique dans un emprisionnement contre
nature, servent à rendre très-problables que le fort qui font continuellement à
l'atmosphère la respiration d'un si grand nombre d'animaux et la putréfaction de tant
de masses de matière végétale et animale, est réparé, du moins en partie, par la
création végétale; et non bstant la masse prodigieuse d'air que est journellement
corrompue par les causes dont je viens de parler, si l'on considère la profusion
immense des végétaux qui croissent sur la surface de la terre, dans les lieux
convenables à leur nature, et qui, par conséquent, exercent en pleine liberté tous
leurs pouvoirs tant inhalants qu'exhalants, on ne peut s'empêcher de convenir que
tout est compensé et que le remède est proporcionné au mal. (24). ...........................
Priestley foi agraciado com uma medalha de ouro pela Royal Society. Mas
caberia a Ingen-Housz a glória de mostrar que a decomposição do gás carbônico pelas
folhas só se processa sob influência da luz solar. Como dizemos hoje, o sistema de
trocas é um sistema aberto.
Na Inglaterra, o escritor e cronista Jonathan Swift ironizou as
descobertas dos cientistas de então, quando levou Gulliver a visitar a academia, em
55
uma referência indireta à Royal Society: O primeiro homem que vi ... há oito anos que
estava empenhado num projeto de extrair os raios do sol acumulados nos pepinos,
para depois guardá-los em frascos hermeticamente fechados, soltando-os para
aquecer o ar quando ocorrem verões úmidos e pouco quentes.
Em 1779, Jan Ingen-housz (1730-1799) repetiu e ampliou as
experiências de Priestley sobre o papel dos vegetais na restauração das qualidades do
ar. É bom lembrar que quando Priestley começou seus experimentos, apenas três
gases eram conhecidos: ar, dióxido de carbono e hidrogênio.
Nascido na Holanda, Ingen-housz frequentou as principais
universidades européias e, a partir de 1765 fixou residência em Londres. Em 1768,
chamado para vacinar a família imperial mudou-se para Viena, retornando à Inglaterra
no ano seguinte. Seus principais experimentos foram realizados em menos de três
meses e publicados em 1780, tornando-se a base dos estudos sobre a fotossíntese.
Assim, observou que as plantas têm, não só a faculdade de corrigir o ar viciado (bad
air) em seis ou dez dias, nele crescendo como Priestley dissera, mas também que elas
realizam esta importante tarefa em poucas horas. Atribuiu isso, não à atividade
vegetativa, mas à influência da luz do sol sobre as plantas. Concluiu que todas as
plantas possuem o poder de corrigir, em poucas horas, o ar viciado, impróprio para a
respiração, mas apenas na luz clara do dia, ou ao sol. Concluiu, também, que as
demais partes do vegetal, como as raízes, flores e frutos envenenam o ar, como o
fazem as plantas verdes à noite. E, com base em suas observações, afirmou que as
plantas absorvem sua seiva do solo através das raízes, e o flogístico, do ar. Elaboramno para sua própria nutrição e eliminam o remanescente, desprovido de seu princípio
inflamável, prejudicial a elas, mas utilizável pelos animais. Estes, por sua vez,
absorvem o ar através do processo de respiração, retiram o que necessitam e eliminam
o que resta e que lhes é prejudicial, mas que serve às plantas.
Ingen-housz ressaltou que a sua teoria lança luz sobre a economia da
natureza e sobre as influências mútuas dos reinos vegetal e animal. Sugeriu a
existência de um equilíbrio natural: na presença da luz os vegetais clorofilados
consomem o gás carbônico, expirado pelos animais e liberam oxigênio o qual, por sua
vez, é aproveitado por estes.
Jean Senebier (1742-1809) marcou a transição da química - ou
alquimia - do flogístico para a nova ciência inaugurada por Lavoisier. Estava
convencido de que, para que as plantas pudessem produzir ar puro com auxílio da luz
solar, deveriam absorver "ar viciado" ou ácido carbônico, o qual seria decomposto e
admitiu que o carbono de todas as partes do vegetal provem desta reação. Em 1782
comparou o comportamento de plantas sadias com vegetais estiolados pela
permanência no escuro e convenceu-se de que a luz estimula esses organismos,
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confere-lhes vida e controla sua nutrição. Acreditava, o pastor suiço que, pela graça
de Deus, tornava-se a luz em fonte da vida, sem a qual a terra seria árida, desprovida
do verdor das folhas e dos frutos.
Em 1840, Jean-Baptiste Boussingault (1802-1887), que mais tarde
distinguir-se-ia por suas idéias sobre a origem microbiana de doenças de plantas,
chegou a medir as quantidades de gases absorvidos e liberados pelos vegetais,
confirmando os resultados obtidos por Théodore de Saussure (1767-1845) em 1804.
Em 1842, um médico alemão, Julius Robert Mayer (1814-1878)
afirmava que as plantas verdes efetuam as suas sínteses transformando a energia
luminosa em energia química, o que constitui a definição abreviada da fotossíntese.
Descreveu o princípio da conservação da energia, que seria formalmente enunciado
por Helmholtz e por Kelvin em 1847.
Malgrado o surgimento do mecanicismo cartesiano e a aplicação dos
métodos de análise física, química e mecânica ao estudo dos organismos, a crença
vitalista de que substâncias orgânicas eram produzidas somente pelos seres vivos
perdurou até o século XIX. Em 1837, Cuvier já afirma que En genéral, la chimie n'a
encore rien découvert qui oblige absolument de croire, comme quelques savants le
sotenaient autrefois, que les terres, les alcalis, les métaux qui se trouvent dans les
animaux et les végétaux, s'y soient formés par l'action de la vie: ao contraire les
recherches récents de De Saussure [1804] le fils ont montré, au moins pour plusieurs
de ces éléments, que les végétaux n'en contiennent qu'autant qu'ils ont pu recevoir du
dehors...(25)
Henri J. Dutrochet (1776-1847), descrevera o processo da osmose, já
defendia a necessidade de um estudo integrado de fisiologia geral englobando todos
os seres vivos e baseado nas leis da física e da química. Em 1837 mostrara que
somente as células que contêm inclusões verdes absorvem o ácido carbônico.
Apesar de tudo, no que toca às substâncias orgânicas, por razões
filosóficas, relutava-se em admitir que sua síntese fosse possível a partir de
substâncias inorgânicas. Em 1863, o Conselheiro João José de Carvalho, professor de
terapêutica e matéria médica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro tomou a
análise da força vital como tema de suas aulas, que publicou na Gazeta Médica do Rio
de Janeiro. Acreditava que essa força fosse responsável, entre outras coisas, pela
resistência oposta pelo organismo às doenças: A vitalidade não depende nem resulta
das forças da natureza universal; está em oposição contínua com elas, e governa-se
com leis suas, próprias, com leis contrárias as leis da natureza não organizada. Em
uma de suas lições discutia os possíveis fundamentos químicos da terapêutica, do que
duvidava: Muitos julgarão e tentarão fundar esta ciência sobre a chimica ... mas
enganar-se-ão fortemente, porque exigiam dela mais do que lhes podia prestar ...
57
Não obstante estes progressos a chimica orgânica esta ainda muito atrazada, e
embora se veja todos os dias que ela ganha terreno e promete não remota a sua
perfeição, contudo na série dos corpos vivos ela não tem e talvez nunca terá
jurisdição alguma. Esses se subtraem inteiramente ao seu domínio, e tem, como
dizem, uma chimica a parte, uma chimica viva, que não é por modo algum ... as
partes vivas não se sujeitarão as leis physico-chimicas geraes, como já anteriormente
fizemos ver. Seu vitalismo expressava-se, também, na sua posição contrária às dos
futuros defensores da teoria holística dos sistemas, quando afirmava que: uma parte
não vive porque é organizada e composta daquele modo, mas antes pelo contrário é
organizada assim composta porque vive. Em sua maneira de ver, portanto, a vida
precederia a organização.
Na mesma época, na França, Claude Bernard proclamava a fisiologia
experimental como sendo a base indispensável do conhecimento das doenças.
O apelo do vitalismo, contudo era forte e, nos dias de hoje, continua a
seduzir uma escola de médicos homeopatas, como se pode ver nos trabalhos
apresentados em um simpósio realizado em Ribeirão Preto, em 1984 e publicados na
revista Ciência e Cultura em setembro de 1985.
Rossiter mostrou, em 1975, como, em consequência desse estado de
coisas, a agricultura, ainda na metade do século passado, baseava-se em um conjunto
de técnicas e procedimentos empíricos: seu desenvolvimento era limitado pelo
desconhecimento de certos princípios básicos de fisiologia da nutrição vegetal. A
adubação orgância era a única forma reconhecida de recuperação e melhoramento dos
solos, aliada à rotação de culturas. O salitre do Chile, resultante da acumulação dos
excrementos de aves marinhas depositados em ilhas da costa do Pacífico constituía
uma das riquezas da época. Humboldt fizera analisar o guano por Louis Vaquelin e
Martin Klaproth, que verificaram seu elevado teor de nitrogênio. O trabalho árduo da
coleta desse adubo que provocou a extinção da cultura primitiva da Ilha da Páscoa,
cujos habitantes eram obrigados a trabalhar em condições penosas, foi relatado por
Michener e Day . E na Inglaterra faziam-se previsões catastróficas para a humanidade
quando se esgotassem as reservas do salitre, da mesma maneira que se fazem hoje em
relação aos depósitos petrolíferos.
A matéria orgânica vegetal em decomposição e as fezes humanas e de
animais eram geralmente utilizados para devolver ao solo o que os cultivos retiravam,
o processo sendo explicado pela teoria vitalista defendida por Berzelius. Cuvier
chegou a afirmar que, uma vez que as plantas só necessitam de água e ácido carbônico
para se nutrirem, sintetizando tudo quanto mais precisam, a adubação seria
dispensável. O papel das plantas, na natureza, segundo a doutrina dualista, seria o de
produzir substâncias combustíveis, cabendo aos animais queimá-las: Ainsi la
58
végétation et l'animalisation sont des opérations inverses: dans l'une il se défait de
l'eau et de l'acide carbonique; dans l'autre il s'en refait. C'est ainsi que la proportion
de ces deux composés est maintenue dans l'atmosphère et à la surface du globe. (26)
Na metade do século XVIII, os químicos etavam mais avançados na
concepção dos fenômenos da putrefação, da fermentação e da própria nutrição que os
naturalistas e médicos. Berzelius, químico, com seu vitalismo racional e Bichat,
expoente da medicina, para quem as leis da física e da química não se aplicavam aos
organismos constituem bons exemplos.
Dois químicos alemães vieram revolucionar os conceitos de reciclagem
e dar um novo impulso não só à sua área como às aplicações práticas na agricultura,
colaborando, ao mesmo tempo, para lançar as bases da ecologia moderna. Foram eles
Wöhler e Liebig.
Para compreendermos a importância de suas contribuições é necessário
traçar um panorama rápido de certos conhecimentos vigentes em sua época.
Em 1844, Charles Gerhardt (1816-1856), professor da Faculdade de
Ciências de Montpellier - que traduziu para o francês o tratado de química agrícola de
Liebig - expôs, em seu tratado de química orgânica, as idéias contemporâneas sobre a
constituição dos organismos, dentro de uma visão vitalista, que não era partilhada por
todos. Gerhardt utilizou o sistema de nomenclatura e classificação de Berzelius, no
qual se percebe a influência das idéias de Linnaeus. Os compostos orgânicos
aparecem grupados em espécies, gêneros e famílias e ele explica: L'idée de construire
une espèce d'échele nous semble réaliser l'espoir que M. Dumas a conçu depuis
longtemps, d'adapter à la chimie organique les principes sur lesquels repose la
classification en histoire naturelle; cette disposition, en effet, précise davantage la
théorie des types en indiquant les différents rélations que les corps types présentent
entre eux.(27)
Gerhardt admite que todos os seres vivos são compostos por quatro
elementos e que Tout ce qui vit, en effet, toutes les plantes, tous les animaux,
retournent par la mort à ces formes chimiques.(28). Admite, além disso, a existência de
uma força ou energia vital, de comportamento imprevisível, aliada à composição
química, cujas reações são previsíveis. Decorre daí que, se a análise dos compostos
orgânicos é possível de ser feita, a sua síntese seria extremamente difícil. Les
végétaux possedent encore seuls le secret de reconstituer des molécules si complexes
avec les produits de cette combustion. Ao descrever a uréia, assinalou: ...ce corps
remarcable se produit du reste dans le plusieurs métamorphoses chimiques; c'est M.
Wohler qui le premier l'a produit par voie artificielle à l'aide du cyanate
biammoniacal. MM. Liebig et Wohler en ont remarqué la formation dans la
distilation séche de l'acide urique (29). De fato, em l828, Berzelius recebera uma carta
59
de seu ex-discípulo Wöhler, na qual declarava-se apto a preparar uréia sem o auxílio
do rim de um animal, homem ou cão.
Coube a Friedrich Wöhler (1800-1882), sem o perceber, desferir um
golpe decisivo para a derrubada das barreiras conceituais entre o mundo vivo e o
inanimado. Aluno e colaborador de Berzelius, ocuparia um lugar de importância
também na história da biologia. Com Gay-Lussac, Dumas e Liebig estabeleceu os
fundamentos da química orgânica.
Lavoisier e Berzelius haviam demonstrado que as substâncias que
constituem o corpo dos seres vivos formam-se a partir de elementos e compostos
inorgânicos. Mas acreditava-se na necessidade da interferência de uma força vital ou
de uma agência qualquer metafísica para proporcionar-lhes "vida", e que isso não se
poderia conseguir em um laboratório. Assim, Gerhard acreditava que Dans les êtres
vivants, deux ordres de phénomènes s'accomplissent simultanément: les uns, auxquels
on assigne la force vitale pour cause première, ne sont qu'imparfaitement connus
quant aux lois qui les régissent; les autres, purement chimiques, se dévoilent mieux de
jour en jour, et nos connaissances à leur égard seront bientôt assez complètes pour
permettre d'en fixer les règles, d'en prévoir même toutes les phases. (30).
Em 1828, no curso de alguns experimentos com cianetos, Wöhler
sintetizara, pela primeira vez, uma substância orgânica. Da combinação de ácido
ciânico com amoníaco obteve uma substância branca cristalizável. O mesmo produto
obteve reagindo cianato de prata com cloreto de amônia ou cianato de chumbo com
amoníaco. Ao publicar os resultados, revelou sua surpresa: O fato de que a união
dessas substâncias parecia modificar sua natureza, dando lugar a um novo corpo,
atraiu minha atenção para o problema; a investigação revelou o resultado
inesperado de que se produz uréia pela combinação de ácido ciânico e amoníaco, o
que constitui um fato notável, uma vez que proporciona um exemplo de produção
artificial de uma substância orgânica - a partir de materiais inorgânicos.
Entretanto, ele mesmo considera que o ácido cianídrico é orgânico e
que, talvez, este caráter especial não desapareça do carbono das combinações
ciânicas.
Quanto a Berzelius, os leitores dos Annals of Philosophy de l8l4 foram
surpreendidos com os símbolos e fórmulas utilizados pelo autor de uma tabela de
pesos atômicos, o sueco Berzelius. Os tratados de química de então, escritos na
linguagem secreta dos códigos pessoais herdados dos alquimistas chegavam a utilizar
vinte símbolos distintos e trinta e cinco nomes para uma mesma substância, o
mercúrio. Nos textos pictóricos, o sabão era representado por um losango , o vidro
pelo sinal
, o dia
, a noite
, o ferro
e o cobre
.
60
Idéias são expressas em palavras, e palavras grafadas em símbolos.
Duplicidade de significado de palavras está na origem da maioria dos
desentendimentos e é a causa da futilidade da maioria dos argumentos e discussões.
No século IX, matemáticos árabes introduziram uma invenção que permitiu um
enorme progresso no cálculo e a utilização da linguagem matemática nas ciências.
Tente-se realizar operações simples com os números romanos para agradecer aos
indianos e árabes por seu sistema. A notação arábica e o zero (indiano) estão na raiz
do enorme desenvolvimento das concepções matemáticas, em relação ao de outros
ramos do conhecimento. Berzelius, com seu sistema de notações simbólicas
simplificado e racional abriu o caminho para tornar a química uma ciência
matematicamente exata e inteligível a todos, uma vez liberada dos resquícios da
codificação secreta e pessoal herdada dos alquimistas. De agora em diante, as reações
químicas poderiam ser expressas sob a forma de equações.
Em 1806-8 publicou Jons Jakob Berzelius (1779-1848), sueco de
nascimento sua Química Animal em dois volumes, após analisar, qualitativamente,
órgãos, líquidos, excreções e secreções, em condições normais e patológicas. Wöhler
considerou esta obra como única no gênero até à publicação do livro de Liebig, em
1842.
Em 1815, Michel Eugène Chevreul (1786-1889), anti-vitalista, já
isolara açúcar da urina de um diabético e descobrira ser idêntico ao obtido da uva,
mas agora, Wöhler partira de compostos inorgânicos e mostrara que não era
necessário admitir a suposta atuação de forças vitais desconhecidas para que surgisse
um composto idêntico ao produzido pelos animais e pelo homem. Em 1824, Chevreul
afirmava que
a distinção dos constituintes dos seres organizados em orgânicos e inorgânicos não é
absoluta, pois seria contrário ao espírito da química estabelecer uma classificação
sobre a impossibilidade que havia, até aquele momento, de sintetizar um composto
orgânico e que, pelo que já se sabia, era mais provável que se conseguisse fazê-lo do
que não. Jean Jacques, na biografia recente de Berthelot, contrapõe as idéias nãovitalistas de Chevreul e de Dumas às moderadas de Berzelius e de Gherardt.
Cuvier, que assinalara a descoberta da uréia por Foucroy, no relato dos
acontecimentos relativos ao ano de 1828, refere-se ao trabalho de Wöhler sem
destacar-lhe a importância: Wöhler, de Heyldelberg, a même formé un composé d'un
atome d'oxygène et d'un atome de cyanogène qui a cette propriété bien remarcable
qu'en s'unissant avec l'ammoniaque il donne l'urée, l'un des composants principaux
de l'urine de l'homme. (31)
A partir daí, a preparação artificial de substâncias orgânicas em
laboratório tornou-se a principal ocupação de diversos químicos, entre os quais Pierre
61
Eugène Marcellin Berthelot (1827-1907), cuja tese de doutorado abordou a síntese
das gorduras. Procedeu de maneira sistemática, sintetizando o benzeno, metano, além
de outros compostos que não ocorrem naturalmente. Berthelot, contudo, recusou-se
sempre a adotar a fórmulas estruturais e a aceitar a teoria atômica. Em 1987 Jean
Jacques data o nascimento da moderna química orgânica a partir da década de 1860,
com Alexandre Boutlerov (1829-1896), Archibald Couper (1831-1892) e Auguste
Kekulé (1829-1896), quando Boutlerov e Couper trabalhavam no laboratório de
Charles Adolphe Wurtz (1817-1884), em Paris. Os atomistas, como eram conhecidos,
admitiam que as moléculas orgânicas eram formadas por átomos tetravalentes de
carbono. Pouco a pouco a química orgânica passou a restringir-se ao estudo dos
compostos do carbono e criou-se, para a química dos organismos o termo
bioquímica.
As notáveis contribuições da primeira metade do século XIX foram
complementadas com os trabalhos de Justus von Liebig (1803-1873).
Em 1813 surgira o primeiro livro texto sobre a aplicação da química à
agricultura, de autoria de Humphry Davy (1778-1829), onde se encontravam
compediados os experimentos de fisiologia vegetal feitos por Theodore de Saussure,
Albrecht von Thaer, J. L. Gay Lussac, Louis Thenard e outros. Descobridor do sódio
e do potássio (1807), Davy verificou a importância destes elementos na nutrição das
plantas. Contudo, a química fisiológica da época deixava muito a desejar,
especialmente quanto às possibilidades de quantificação exata. Cuvier, no resumo dos
progressos da química particular escrito em 1837, deixa claras as lacunas que
impediam, então, a compreensão dos princípios básicos da fisiologia vegetal. Por essa
época pesquisava-se o movimento da seiva (Palissot de Beauvoir), a composição dos
"corpos organizados" e Humboldt (1805) publicava um tratado sobre a distribuição
geográfica das plantas, segundo a latitude, o clima e as estações do ano. Humboldt
também divulgou na Europa a existência dos grandes depósitos de guano do Peru e
Chile, que já eram utilizados pelas civilizações pré-incaicas como fertilizantes e que
teriam enorme importância para a economia agrícola européia até o século XX.
Davy mostrou-se ambivalente quanto à intervenção de processos
vitalísticos na fisiologia das plantas. Considerava o solo como desempenhando um
papel passivo, de suporte e de meio no qual as raízes das plantas absorveriam
compostos orgânicos dissolvidos em água. Entretanto, a presença de minerais como a
sílica, originários do solo e descritos por de Saussure em tecidos dos vegetais
constituia, para Davy, um mistério. A incorporação pelas plantas de matéria orgânica
desagregada, provenientes de organismos mortos, era fácil de ser admitida, mas não a
de substâncias inertes do solo, por ele considerado mero substrato orgânico.
62
Linnaeus, discutindo a noção de economia da natureza descreveu o
ciclo vital das plantas desde o nascimento até a morte, quando retornam à terra que as
fez nascer. Transmitiu-nos a visão setecentista do processo de formação dos solos
agrícolas: Ainsi toute la Terre noire qui couvre partout la terre, doit son origine en
très grande partie aux végétaux morts. Car toutes les racines descendent, grâce à
leurs radicelles, dans la terre et le sable, et après que la plante a perdu sa tige, la
racine demeure, mais elle se putréfie, enfin et se change en terre; ainsi grâce à la
nature, l’humus se mêle au sable de même que, grâce au soin de l’agriculteur, le
fumier répandu dans les champs est mêlé à la terre au moyen de la charrue. (32). O
solo, desse modo, transfere às plantas o que ele recebeu. O sol, a água, os ventos, as
nuvens cooperam na transformação das sementes em plantas, pela absorção do húmus.
Este, aumenta na superfície do globo a cada geração de plantas.
Justus von Liebig estudou em Erlangen e interessou-se pela química
orgância por influência de Wöhler. Sob o patrocínio de Humboldt viajou a Paris, onde
trabalhou com Gay Lussac e, mais tarde, assumiu a cátedra em Giessen. Alí
desenvolveu um modelo de laboratório que se destacou por formar grande número de
especialistas, que foram os responsáveis pelo progresso acelerado da indústria
química alemã. Antivitalista, Liebig é considerado o pai da revolução científica que
estabeleceu os fundamentos da agricultura moderna. Contribuiu para firmar a noção
de que o calor corporal e a atividade vital derivam do processo de oxidação dos
elementos no interior do corpo e afirmou constituirem os carbohidratos e as gorduras,
o combustível orgânico, e não o carbono e o hidrogênio, como dissera Lavoisier. Em
1837, em visita à Inglaterra, foi comissionado para escrever uma obra de atualização
sobre química orgância, a qual viria constituir a introdução de seu tratado em três
volumes. Discute-se a origem de seu interesse pela agricultura, mas o fato é que, em
1840, publicou a primeira edição de um livro que revolucionaria as idéias e as práticas
utilizadas em todo o mundo por agricultores e recomendadas por técnicos agrícolas.
Em sucessivas edições alterou suas teorias para corrigir erros, acomodar fatos
inexplicados e descobertas resultantes das investigações que se seguiram.
Liebig questionou o papel então atribuído ao húmus na nutrição dos
vegetais. Ressaltou a importância do nitrogênio, objeto de uma publicação de
Boussingault em 1838. Entretanto, nem Davy nem Liebig reconheceram que o húmus
não é um mero substrato inorgânico, mas um meio complexo - a rizosfera - onde a
microbiota do solo vive e contribui para a sua formação e transformação. Juntamente
com a fermentação e putrefação, a compreensão de tais fenômenos deveria aguardar
pelas experiências de Pasteur.
Liebig descreveu a circulação dos minerais e ressaltou sua importância
na nutrição das plantas. Sua contribuição à teoria das deficiências especificas desses
63
elementos possibilitou, não só o nascimento da agricultura moderna de alta produção
como a recuperação dos campos esgotados ou cansados, o aperfeiçoamento das
técnicas de cultivo intensivo e a adoção da prática rotineira das análises e de correção
dos solos.
Sem suspeitá-lo contribuiu para a conceituação do ecossistema.
Liebig definiu o objetivo da química orgânica como sendo: to discover
the chemical conditions essencial to the life and perfect development of animals and
vegetables, and generally to investigate all those processes of organic nature which
are due to the operation of chemical laws (33). A nutrição ocupa, para ele, lugar de
destaque nesses estudos. A beautiful connection subsists between the organic
kingdoms of nature. Inorganic matter affords food to plants, and they, on the other
hand yeld the means of subsistence to animals. The conditions necessary for animal
and vegetable nutrition are essentially different. An animal requires for its
development, and for the sustenance of its vital functions, a certain class of
substances which can only be generated by organic beings possessed of life. Although
many animals are entirely carnivorous, yet their primary nutrient must be derived
from plants; for the animals upon which they subsists receive their nourishment from
vegetable matter. But plants find new nutritive material only in inorganic substances.
(34)
.
Como Senebier, acreditava que as plantas absorviam do solo, todos os
elementos solúveis, devolvendo aqueles de que não necessitassem. Entretanto, os
requisitos não são os mesmos para todas e isso torna certos solos impróprios para o
desenvolvimento de algumas espécies. All substances in solution in a soil are
absorved by the roots of plants, ...without selection. The substances thus conveyed to
plants are retained in greater or less quantity, or are entirely separated when not
suitable for assimilation. [...]plants require certain salts for the sustenance of their
vital functions, the acids of which salts exist either in the soil... or are generated from
the nutriment derived from the atmosphere. Hence, if these salts are not contained in
the soil, or if bases necessary for their production be absent, they cannot be formed,
or in other words, plants cannot grow in such a soil. (35)
Mathiez, que em 1837 publicou um estudo sobre a Revolução
Francesa, refere-se à penúria do povo em 1788, ano desfavorável, quando a carência
de forragem provocou a morte do gado e, em consequência, a semeadura dos campos
foi realizada em solos sem estrume, com resultados desastrosos, o que o autor atribui
a esta circunstância.
Em 1859, desconhecendo os trabalhos de Liebig, o médico alemão
Robert Avé-Lallemant, que passou boa parte de sua vida no Brasil, deu-nos outro
testemunho das relações tidas como necessárias entre plantio e criação, naquela
64
época. Descrevendo a visita que fez às colônias germânicas em Santa Catarina,
referiu-se às condições da Colônia Dona Francisca, hoje Joinville: Por um longo
tempo ainda, a colônia não terá gado suficiente para a lavoura. Muito mais fácil é
transformar uma floresta virgem em terra lavrada do que em campo de pastagem.
Não se pode, entretanto, pensar na agricultura subsidiada, com cuidadosa utilização
do solo, sem rebanhos de gado. O gado de açougue vem da Província do Paraná ...
recebe, assim, a colônia, carne para comer, mas fica o solo sem estrume.
Liebig possibilitaria, desta forma, tornar a agricultura independente da
pecuária, o que Malthus, seu contemporâneo, deixou de levar em conta em suas
previsões sobre a relação entre produção agrícola e populações humanas.
Na década de 1840, Chadwick, em Londres, concluíra que o sistema de
esgotos e o suprimento de água dependiam um do outro, sendo ambos responsáveis
pelas condições de higiene e saúde da população. O lançamento dos esgotos nos rios,
a seu ver, teria a desvantagem de contaminá-los e de ocasionar a perda de grande
quantidade de material utilizável como adubo. Imaginou, então, um sistema artériovenoso, onde o excesso de água seria bombeado dos campos cultivados para a zona
urbana, enquanto que um encanamento de retorno conduziria os esgotos para os
campos, criando o que foi denominado sewer farms, como bem descreve Cartwright.
Dehérain (1830-1902) comentou, em 1873, os trabalhos da comissão
londrina, presidida por Frankland, criada para estudar a instalação de tal sistema. A
Inglaterra já possuía uma rede de canalização que permitia o lançamento dos esgotos
no Tâmisa, com péssimas consequências. Dehérain alertou, então, para os riscos do
cólera e trata da questão da desinfecção dos resíduos, previamente à sua utilização
como adubo.
É evidente a importância das descobertas de Liebig e seu impacto sobre
os acontecimentos políticos e sociais que se seguiram. Michelet, em sua história da
Revolução Francesa publicada em 1847 descreveu a situação do proletariado: Não
tendo o camponês móveis para serem confiscados, o fisco não tem nenhum outro
objeto de penhora senão o gado; extermina-o pouco a pouco. Acaba-se o estrume. A
cultura dos cereais, desenvolvida no século XVII por imensos arrotamentos,
restringe-se no século XVIII.
Em 1842, Liebig publicou um estudo sobre a química dos animais,
demonstrando suas relações íntimas com a das plantas. O alimento vegetal conteria as
proteinas que irão surgir no sangue e nos músculos. É interessante notar que sua
contribuição à higiene dos campos através da redução do acúmulo e do uso
continuado de grandes quantidades de fezes de animais domésticos e camponeses, tem
sido esquecida por certos "ecologistas-ambientalistas" de hoje. Idéias populares sobre
a "agricultura biológica" ou "alternativa" trazem, no fundo, a ressureição das antigas
65
idéias vitalistas defendidas pelos contemporâneos de Berzelius e demonstram a
ignorância elementar dos cuidados com a higiene, especialmente no que se refere ao
controle de helmintos dos animais domésticos, que podem ser transmitidos ao homem
ou a outros animais.
Na terceira edição de seu tratado de química agrícola, Liebig enunciou
a lei do mínimo, de fundamental importância para a ecologia. Assim, em 1860, um
botânico alemão, Julius von Sachs (1832-1897) conhecido por suas contribuições ao
estudo da fotossíntese e dos tropismos desenvolveu uma técnica de cultivo de plantas
em soluções de sais minerais, a qual abriu o caminho para a análise precisa dos
requisitos nutricionais e a quantificação das deficiências dos vegetais. Até que fosse
possível realizar essas análises, a questão permaneceu em aberto. Dehérain afirmava,
por essa época, que a questão mais discutida então era a da importância da matéria
orgânica para o cultivo do solo.
A questão da adubação, por outro lado, foi de fundamental importância
para a construção de uma teoria ecológica, a partir do momento em que a observação,
a experimentação sob condições variadas e a comparação com testemunhos
permitiram testar hipóteses sobre a reciclagem de minerais e a produção agrícola
foram as molas mestras das investigações que tiveram lugar ao longo do século XIX.
Helmholtz, Joule e Volta haviam realizado as experiências pioneiras
que levaram à medição mais precisa da energia e a conceituação da sua transformação
e conservação.
As conclusões de Dehérain, contrárias às de Liebig, constituem um
bom exemplo do que pensavam muitos agrônomos e químicos no final do século XIX
Segundo ele, Theodore de Saussure defendia a idéia de que as plantas absorvem
diretamente o extrato do solo Para ele, a matéria orgânica do solo arável seria,
portanto, o princípio nutritivo por excelência Dehérain mostrou que tal noção havia
sido abandonada, mas concluiu que a questão não se encontrava convenientemente
resolvida, em especial no que se referia às leguminosas. Colocou-se contrário às
teorias de Liebig, ... qui a tant contribué par ses travaux à fonder la science
agricole... e que c'est en s'appuyant sur les dosages d'azote exécutés sur des terres
arables bien cultivées, qu'il arriva à formuler sa fameuse théorie dans laquelle il
professait que dans les engrais les substances minérales seules présentent de l'intérêt,
et que c'est à tort qu'on attribue aux engrais azotés un effet quelconque sur la
végétation. (36)
Ora, argumentava Dehérain, os solos contêm tanto nitrogênio que, se as
plantas podem absorvê-lo diretamente, não haveria necessidade de adubo. On sait que
M. J. de Liebig, qui a tant contribué par ses travaux à fonder la science agricole, n'a
pas reculé davent cette conclusion si pleinement en désacord avec l'expérience
66
journalière des cultivateurs, dont il faut toujours tenir compte. ...M. J. de Liebig
accordait dans ce cas, à la matière organique de la terre arable, une influence qu'elle
n'a que très rarement, ainsi que le firent voir bientôt les agronomes anglais et
français. (37)
Enfim, após mencionar as experiências de Boussigault com a utilização
de cinzas concluiu que a teoria mineral não resistiria mais a uma discussão séria e que
todos os princípios encontrados nos adubos já se encontrariam no solo e, portanto, era
inútil utilizar adubo animal.
Em 1836, Boussingault criava a primeira estação de pesquisa
agronômica, na qual desenvolveu investigações que o tornaram famoso como
fundador da química experimental agrícola (38). Alí estabeleceu a metodologia que
viria permitir a análise quantitativa dos elementos necessários à saúde de animais e
plantas. Em 1844, propuzera um esquema algo simplista de correspondência entre as
funções dos vegetais e animais, com o qual pretendia explicar a circulação de
nutrientes: o balanço destes e de fatores como calor e eletricidade seria explicado pela
síntese e degradação, a cargo dos seres vivos.
Quanto às teorias de Liebig, Boussingault comentara: Si, ...il faut en
croire M. de Liebig, si les parties minérales des engrais sont seule utiles, nous
sommes, nous autres agriculteurs, de bien grands maladroits. Nous nous donnens
depuis des centaines d'années la peine de transporter péniblement nos fumiers de la
ferme aux champs, nos attelages nous coûtentent cher; faisons mieux: brûlons nos
fumiers, nous aurons ainsi une toute petite quntité des cendres, et pour le transport
une brouette fera l'affaire. (39) ....................................................................................
Na década de 1850, Boussingault, que viajara pela América do Sul e
observara o uso extenso do guano ou salitre do Chile como fertilizante, realizou uma
série de experimentos que o convenceram de que as plantas não possuem a
capacidade de fixar o nitrogênio do ar. Suas conclusões foram apresentadas perante a
Academia de Ciências em 20 de março de 1854.
Mas já Berzelius percebera que, durante a combustão, os elementos
reagem entre si, formando novos compostos, que não são encontrados nos
organismos.
Cuvier, por outro lado, na análise dos progressos da ciência de 1837
mostrou-se favorável à teoria de Liebig, baseando-se nas experiências de Sennebier,
Theodore. de Saussure e Crell e admitindo serem os vegetais, compostos de carbono,
oxigênio e hidrogênio. Boussingault pôs à prova esta idéia e Dehérain mostrou que a
teoria mineral não resistia a uma discussão séria. Aliás, Berzelius já mostrara que as
cinzas contem compostos que estão ausentes nas plantas vivas ou mortas.
67
Por volta de 1852, o médico alemão Julius Robert Mayer, fundador da
doutrina da conservação da energia, afirmava que Dans le corps le charbon et
l'hydrogène sont oxidés et, en consequence, chaleur et force sont produits. Appliqé
dirèctement à la physiologie, l'équivalent mécanique du chaleur preuve que le procés
oxidant est la condition physique de la capacité organique de produir travail
mécanique, et fourni, aussi, les rélations numériques entre consomation et
performence. (40)
Em 1844, Lawes e. Gilbert, citados por Dehérain, iniciaram uma série
de experiências que duraram mais de vinte anos, com o fito de esclarecer o papel da
adubação orgânica. Ambos se posicionaram contra a teoria de que a matéria orgânica
do solo arável era suficiente para a desenvolvimento dos vegetais e que os adubos
nitrogenados seriam inúteis, Em parcelas de terreno isoladas empregaram adubos
minerais compostos de sais de cálcio, potássio e fósforo; compostos de amônia: e uma
parcela testemunha, sem adição de qualquer espécie. As áreas que receberam cálcio,
potássio e fósforo e as que nada receberam produziram muito menos trigo do que as
que foram adubadas com sais de amônia. E verificaram que a adição de cinzas de
trigo não aumentava a fertilidade, ao contrário do que acontecia com a amônia.
A importância do trabalho de Liebig, entretanto, foi a de demonstrar
que a química de plantas e animais era intimemente relacionada.
A questão da absorção do nitrogênio viria esclarecer o papel da
adubação orgânica ou do solo agrícola.
Dehérain, em 1873 concluíra que as plantas não fixavam o nitrogênio
do ar. Como os adeptos da moderna "agricultura biológica", muitos agricultores
preferiam acreditar nas propriedades especiais dos compostos orgânicos, por uma
certa simpatia pelo vitalismo e não pela admissão de uma ação sinérgica dos
componentes orgânicos. É possível, também, que a reação tenha sido análoga a dos
fisiologistas do século passado que se recusavam a recorrer ao nível da química
orgânica para explicarem os fenômenos fisiológicos.
Em 1561 foi publicada, postumamentem a obra botânica de Cordus,
Historia Plantarum, na qual aparecem descritos os nódulos que encontramos nas
raízes das leguminosas, que também foram mencionados por Malpighi, em 1686.
Em 1855, Boussingault concluíra que os organismos vegetais não
podem fixar o nitrogênio livre do ar. Pasteur, um dos pioneiros da microbiologia de
solos, preocupou-se com a mesma questão, que seria solucionada por dois discípulos
de Boussingault. Em 1858, J. Lachmann discutiu os nódulos das leguminosas. Em
1862, C.R. Rodin demonstrou o processo de fixação por bactérias: soluções nutritivas
contendo substâncias orgânicas não nitrogenadas podiam enriquecer-se com este
elemento, graças aos microorganismos (Mycoderma) que aí se desenvolvem. Em
68
1866, um botânico russo, M.S. Woronine, mostrava que os nódulos das raízes das
leguminosas continham bactérias. No mesmo ano, Berthelot descobriu que as
bactérias encontradas em solos argilosos podiam fixar nitrogênio. Em 1877, Téophile
Schloesing (1824-1919) e Achille Müntz (1846-1917) descreveram a transformação
do amoníaco, no solo, em ácido nítrico, pela ação de um fermento nítrico secretado
por um pequeno être essentiellement aérobie. Em 1888, M.W. Beijerinck discutiu o
papel das bactérias encontradas nos nódulos de papilionáceas e, no mesmo ano, dois
pesquisadores alemães, Hermann Helriegel (l83l-l895) e H. Hilfarth demonstraram
que as leguminosas fixam o nitrogênio do ar, através dos nódulos das raízes onde
vivem colônias de bactérias simbiontes. O progresso da bacteriologia após Pasteur e
Koch abriu novas perspectivas para as pesquisas. Consolidou-se a noção de que o
solo, em lugar de substrato inerte, é um ambiente dinâmico e quasi-orgânico. Em
1890-1891, um bacteriologista russo, Serge Winogradsky (1856-1953) isolou e
denominou a bactéria aeróbiamencionada por Schloesing e Müntz, em 1877 e
avançou nossos conhecimentos sobre os processos de fixação. Em 1883, Dehérain e
Maquenne elucidaram outra parte do ciclo do nitrogênio, ao encontrarem, em solos
ricos em matéria orgânica, um microorganismo anaeróbio que, ao contrário daquele
descrito por Schloesing e Müntz, decompõe os nitratos e liberam o nitrogênio. Com
isso, estava explicado o sucesso das práticas empíricas de rotação de cultivos, com a
introdução de leguminosas no ciclo, seguidas desde a antiguidade.
Em 1900, os principais elos da cadeia do nitrogênio estavam
conhecidos. Isso pôs um fim ao receio de que as bactérias desnitrificantes pudesem
terminar por exaurir as reservas de nitrogênio do solo. As previsões catastróficas de
comprometimento da produção agrícola após o esgotamento das reservas de salitre do
Chile e do Peru, então a mais importante fonte de adubo nitrogenado conhecida,
mostraram-se infundadas.
Atualmente sabe-se que além do nitrogênio proveniente da degradação
dos compostos orgânicos, as plantas dispõem do nitrogênio eliminado pela epiderme
de minhocas, que o absorvem diretamente. Hoje, pesquisa-se a associação simbiótica
de microorganismos com gramíneas, uma vez que parece que seu rendimento é maior
do que o das leguminosas.
Uma outra questão importante para a ecologia futura viria dividir os
pesquisadores que se dedicavam à química fisiológica em meiados do século XIX.
Era opinião unânime, até a década de 1840, que somente as plantas seriam capazes de
sintetizar os açucares, as gorduras e o albúmen. Dumas e Boussingault, por exemplo
(1841) afirmam que as gorduras animais provêm exclusivamente dos vegetais e que o
açucar é queimado nos pulmões ou no sangue e não sofre transformações no corpo
dos animais. Para Liebig, o açucar, além de sua função calórica, transformava-se em
69
gordura. Caberia a Claude Bernard estabelecer a metodologia própria da fisiologia
experimental e demonstrar, em primeiro lugar, que a combustão não é propriedade de
um órgão preciso e que a nutrição animal não se limita à degradação, mas inclui
fenômenos de síntese. Assim, em 1865 escreveu, em sua introdução à medicina
experimental: En 1843, dans un de mes premiers travaux, j’entrepris d’étudier ce que
deviennet les différentes substances alimentaires dans la nutrition. Je commençai par
le sucre, qui est une substance définie et plus facile que toutes les autres à
reconnaître et à poursuivre dans l’économie. (41) Injetando açucar de cana diluído no
sangue de animais constatou sua eliminação pela urina. Mas a glucose ou açucar de
uva era retido pelo organismo.
A descoberta da função glicogênica do fígado por Claude Bernard
constitui uma verdadeira revolução conceitual na fisiologia e um exemplo notável do
método experimental descrito por ele. Mas o grande fisiologista francês legou-nos
uma outra obra, póstuma, publicada em 1878-1879, onde resume os princípios
fundamentais da biologia, ou seja, dos fenômenos comuns aos animais e vegetais, e de
grande importância para a formação dos conceitos básicos da ecologia.
No final do século XIX uma nova concepção de unidade da natureza
deixava de ser conceito estritamente científico, discutido no meio acadêmico, para
surgir na literatura. Tyndall, contrariando os vitalistas, já admite claramente que The
building up of the vegetable, then, is effected by the sun, through the reduction of
chemical compounds. ... The matter of the animal body is that of inorganic nature.
There is no substance in the animal tissues which is not primarily derived from the
rocks, the water, the air. ... Every portion of every animal body may be reduced to
purely inorganic matter. A perfect reversal of this process of reduction would carry
us from the inorganic to the organic; and such a reversal is at least conceivable. (42)
Em 28 de fevereiro de 1878, uma semana após a morte de Claude
Bernard, a 16 de fevereiro, a Livraria Chardron, do Porto, Portugal, lançava mais uma
obra de Eça de Queiroz, O Primo Basílio. Três anos antes, em 1875, Claude Bernard
discutia a questão do vitalismo que extravasava as tribunas da Academia. Eça aborda
a questão em um diálogo, entre o médico Julião e um estudante, no qual Julião critica
Bichat. Diz o estudante: Estás desmoralisado pela doutrina vitalista, miserável!
Trovejou contra o Vitalismo, que declarou 'contrário ao espírito científico'. Uma
teoria que pretende que as leis que governam os corpos brutos não são as mesmas
que governam os corpos vivos - é uma heresia grotesca! exclamava. -E Bichat é uma
bêsta! Respondeu Julião: Que nos importa a nós o princípio da vida? Importa-me
tanto como a primeira camisa que vesti! O princípio da vida é como outro qualquer
princípio: um segrêdo! Havemos de ignorá-lo eternamente! Não podemos saber
nenhum princípio. A vida, a morte, as origens, os fins, mistérios! São causas
70
primárias com que não temos nada a fazer, nada! Podemos batalhar séculos, que não
avançaremos uma polegada. O fisiologista, o químico, não têm nada com os
princípios das cousas: o que lhes importa são os fenômenos. Ora os fenômenos e as
suas causas imediatas, meu caro amigo, podem ser determinados com tanto rigor nos
corpos brutos, como nos corpos vivos - numa pedra, como num desembargador! E a
fisiologia e a medicina são ciências tão exatas como a química! Isto já vem de
Descartes! ... Mas daí a momentos o estudante deixou cair com desdém algumas
palavras sobre Claude Bernard, e a questão recomeçou, furiosa.
Vale lembrar que, no Rio de Janeiro, o Conselheiro Jobim, em ofício
ao governo, recomendara, no ano anterior, a extinção da cadeira de química orgânica
do currículo da medicina, como Stahl o fizera em Paris, inaugurando o empirismo
clinico radical.
O Conselheiro do Imperio, Jobim (43), defendendo a criação de escolas
médicas menos sofisticadas para atender às necessidades do interior, desprovido de
assistência, questionou a permanência das cátedras independentes da química
orgânica, patologia geral e anatomia patológica: A química ficaria a cargo do lente de
clínica.
A degradação
Resumida a evolução dos conhecimentos sobre a síntese da matéria
orgânica, cabe agora explorar as circunstâncias que cercaram as descobertas relativas
aos processos de degradação e decomposição, que são responsáveis pela devolução
aos substratos - solo ou águas doces e oceanos - dos resíduos de animais e plantas que
serão reciclados.
Desde cedo perceberam-se as relações que existem entre os fenômenos
e processos de fermentação, putrefação da matéria orgânica e a supuração dos
ferimentos, mas até o século XIX os processos de putrefação e decomposição foram
considerados como sendo de natureza inorgânica ou química. Berzelius e Liebig, dois
grandes expoentes da química de sua época, explicavam a conseqüente desagregação
molecular pela ação de catalizadores e pelo movimento browniano provocado pela
agitação do oxigênio desprendido. Por outro lado, muitos autores atribuiam a origem
dos microorganismos nas feridas infeccionadas, à geração expontânea, sendo a
consequência e não a causa das alterações nos tecidos lesados. Berzelius por sua vez,
rejeitava a geração expontânea ou equívoca, a partir de substâncias orgânicas
putrefatas, de onde, segundo alguns autores, nasciam animais e vegetais
microscópicos. Agrônomos, veterinários, médicos, químicos e biólogos, trabalhando
71
isoladamente, aproximaram-se da solução do problema seguindo caminhos
independentes.
Em 1668, um italiano, Francesco Redi (1626-1697) que se tornaria
famoso por seus estudos sobre insetos, publicou uma obra clássica na qual relatou
uma série de experimentos sobre os processos de reprodução animal e onde, pela
primeira vez, foi utilizado o método, hoje corrente, de se estabelecer um grupocontrole. Era crença corrente que todos os seres imperfeitos, certos invertebrados e
alguns vertebrados podiam surgir por geração espontânea. Em seu laboratório,
preparou quatro frascos abertos e quatro fechados com gaze, contendo carne em
decomposição, permitindo a entrada de ar para evitar as críticas dos que invocavam a
existência de um princípio vivificante no ar atmosférico. Com esta simples
experiência Redi comprovou que somente surgiam larvas de moscas se os adultos
tivessem tido acesso à carne, nela depositando seus ovos.
Um padre italiano, Lazaro Spallanzani (1729-1799) completou as
observações de Redi e rebateu as novas objeções surgidas por parte dos que alegavam
que, se os vermes não se geravam na carne, os animáculos que se observavam ao
microscópio surgiriam por abiogênese ou seja, por geração expontânea. Spallanzani
utilizou infusões fervidas e seladas em frascos, que não mostravam sinais de
deteriorização, isto é, onde não apareciam infusórios ou animáculos. A crítica de que
a fervura destruía o princípio vital seria respondida por Pasteur e Tyndall um século
mais tarde, ao demonstrarem a existência de esporos no ar, o que fora sugerido mas
não comprovado pelo padre italiano.
No século XVII, o famoso físico inglês, Robert Boyle (1627-1691) já
mencionado como contemporâneo de Harvey, estabeleceu como prática recomendável
relatar minuciosamente suas experiências, divergindo da prática das anotações
codificadas, secretas ou superficiais de sua época, o que viria permitir que outros
verificassem a exatidão de suas conclusões. Em 1661, publicava um pequeno volume
onde estabelecia a química como ciência independente da medicina. Em seu Essay on
the Pathological Part of Physics afirmava, profeticamente, que aqueles que
chegassem a compreender a natureza íntima dos fermentos e da fermentação estaria,
provavelmente, muito mais apto do que aquele que a ignora, a explicar fenômenos
diversos de várias doenças (febris e outras), os quais nunca seriam compreendidas
sem o conhecimento da doutrina das fermentações.
Dentre os autores que se preocuparam em esclarecer o processo da
fermentação, Fabroni reconheceu a existência de um princípio vegeto-animal,
semelhante ao glúten, que constitui a levedura e o encontrou nas cascas das uvas. Na
prensagem para a fabricação do vinho, essa levedura mistura-se no suco, o que
Pasteur demonstraria experimentalmente e identificaria taxonomicamente.
72
Em 1837, Cuvier resumiu os conhecimentos da época sobre os
fenômenos da fermentação, que discutiu após o relato dos progressos no campo da
química particular e das análises dos tecidos e produções orgânicas: Telles sont les
principaux résultats de l'analyse chimique des produits de la vie, pris immédiatement
à leur sortie du corps: mais une partie de ces produits est susceptible d'éprouver des
mouvements intestins qui en modifient les proportions intérieures, et qui donnent
encore des produits nouveaux; c'est ce qu'on a nommé fermentation. Il en arrive
inévitablement une dans tous les liquides extraits des corps vivants, et dans tous ceux
de leurs solides qui ne sont pas entièrement desséchés, ou qui l'étant reprennent de
l'humidité du dehors. Sitôt qu'ils sont soustraits au tourbillon de la vie, et livrés en
quelque sorte sans défense à l'action de l'air et de la chaleur, leurs éléments changent
du rapports, et, après des mouvements intérieures plus au moins continués, se
séparent et se dissipent pour rentrer dans le domaine de la nature brute: mais
l'homme a appris à les saisir dans les divers degrés de ces changements successifs, et
à les y arrêter, pour les employer à ses divers besoins. (44)
Cuvier deteve-se, então, na descrição fornecida por Lavoisier da
fermentação alcoólica, explicada pela separação de parte do carbono e de quase todo
o oxigênio do açúcar, restando parte do carbono e todo o hidrogênio, que constituem
o álcool. Sobre o processo íntimo, diz: Mais ce partage ne se ferait point dans la
matière sucrée pure par le seul concours de l'air et d'une température douce; il faut
encore un agent qui rompe l'équilibre et fasse commencer le mouvement: on a nommé
le ferment ou la levure.(45)
Cuvier mencionou a prática de ferver sucos de vegetais e os vinhos
para conservá-los, impedindo que fermentassem. Esta prática, conhecida no princípio
do século XIX como método de Appert, foi utilizada por este confeiteiro parisiense
para preparar conservas de carnes, cereais e outros alimentos. Pasteur, décadas mais
tarde, aperfeiçoaria e explicaria o processo. Utilizando temperatura controlada e
choque térmico, criou o método hoje conhecido como pasteurização, que mais tarde
seria aplicado ao leite.
Ora, em 1833, dois químicos franceses, Anselme Payen (1795-1871) e
Jean-François Persoz (1805-1868) demonstraram a existência de substâncias cuja
presença é indispensável para que ocorram certas transformações químicas, as
diástases, que encontraram no malte. Entre
1835
e
1838,
trabalhando
independentemente, Schwann e Caignard de la Tour (1777-1859) demonstraram que a
fermentação do açúcar, produzindo álcool e gás carbônico devia-se à presença de um
microorganismo, ou melhor, a células vegetais microscópicas. Para Schwann, a
putrefação constituía processo semelhante. Em 1660, Leeuwenhoek descrevera os
73
glóbulos microscópicos vistos na cerveja. Agora, de la Tour observou sua reprodução
por brotamento e pronunciou sua natureza orgânica, viva.
Louis Jacques Thénard (177-1857), que também se dedicara ao estudo
da nutrição vegetal, acreditava que a levedura não se misturava, mas dissolvia-se no
mosto e que perdia suas propriedades quando submetida ao calor. Outros, como
Séguin, comparavam a levedura à albumina considerando-a um princípio análogo ao
dos animais. A grande polêmica que se seguiu, sobre a natureza do processo de
fermentação (e de putrefação), envolveu cientistas de diferentes áreas, em acirrada
disputa.
Berzelius marcou época por certas idéias avançadas, mas, também por
suas posições conservadoras, defendidas na velhice, com todo o peso de sua
autoridade e fama. Na segunda edição francesa de seu tratado de química, traduzida
da quinta edição alemã e publicada com seu assentimento em 1849, Berzelius defende
um vitalismo moderado. Para ele, os organismos são laboratórios onde se processam
reações que constituem a vida e, por outro lado, permitem estudar as transformações
que tem lugar ao longo do ciclo vital. Diferem, os organismos, por terem um começo,
um desenvolvimento, decadência e morte, enquanto que os corpos inorgânicos
permanecem, podendo ser alterados, mas não destruídos: À la vérité, les éléments de
la nature organique sont aussi indéstructibles; mais l'essence propre de corps
organiques est détruite sans rétour. L'individu qui meurt, et qui rend ses éléments à la
nature inorganique, ne revient jamais. Il s'ensuit que l'essence du corps vivant ne
repose pas sur ses élements inorganiques, mais sur quelque autre principe, qui porte
les éléments inorganiques communs à tous les corps vivants à cooperer à la
production d'une résultat particulier, determiné et différent pour chaque espèce. Ce
principe (que nous designons par le nom de force vitale ou assimilatrice) n'est pas
inhérent aux éléments inorganique... mais nous ne saurions concevoir en quoi il
consiste, comment il prend naissance, comment il finit. (46)
Berzelius revela-se finalista e critica a filosofia de visão curta que
pretendeu, mais de uma vez, que tudo seja obra do acaso, e que os produtos poder-seiam perpetuar, uma vez que tivessem adquirido, acidentalmente, o poder de se
conservar e propagar. Considera isso impossível por acreditar que todo efeito deve ter
uma causa.
Percebeu Berzelius a importância da questão da geração equívoca ou
expontânea que segundo ele, ainda era defendida por naturalistas de renome.
Mencionou o princípio de Harvey, Omme vivo ex ovo. Este problema foi de
fundamental importância para a teoria da reciclagem ecológica e Berzelius percebeu
sua relação com o problema da putrefação, pois dans ces phenomènes de destruction,
naissent les myriades d'êtres vivants microscopiques, dont les uns appartiennent au
74
règne animal et les autres au règne végetal. (47) Mas o ar seria impregnado de
sementes ou óvulos invisíveis destes microorganismos, que ninguém viu nascer e que,
se eliminados, não se alteraria o processo da decomposição. Cependant, on croit avoir
constaté que, dans certains phénomènes de décomposition de substances végétales,
como dans la fermentation alchoolique, il se forme des corpuscules de nature
végétale: dans ce cas, on considère la levure de bière comme une espèce de fungoïde
(champignon de levure), qui se propagerait ensuite pendant la fermentation... cette
prétendue propagation d'une espèce végétale n'est autre chose qu'une action
chimique qui se renouvelle dans la liqueur, tout qu'il y reste encore de la matière.
Évidemment, ce n'est pas un résultat de la fonction génératrice des globules du
ferment: on n'a donc aucune raison d'admettre que, dans l'ordre actuel des choses,
des nouveaux êtres prennent naissance spontanément, et dans la fécondation
préalable d'êtres antérieurement existants. (48)
O desconhecimento, na época, da biologia, taxonomia e reprodução de
microorganismos impediu Berzelius de admitir a reprodução dos fermentos, que ele
considerava como, o que mais tarde seria denominado catalizadores.
Sua visão cartesiana da vida levou-o a desacreditar na síntese de
compostos orgânicos e que, apenas, por vezes se consegue, como diz Berzelius, por
um efeito de arte, combinar elementos inertes, formando compostos idênticos àqueles
que são produzidos pela ação vital. Aqui é importante lembrar que Berzelius
trabalhou com Wöhler, seu discípulo.
Em seu tratado, chegou a mencionar algumas teorias geológicas
correntes, que sugeriam uma seqüência evolutiva, em períodos sucessivos, incluindo o
aparecimento do homem. Preferiu, entretanto, ater-se ao fixismo e termina por afirmar
que. no que toca à origem misteriosa da vida devemos ater-nos ao que dizem os
primeiros versículos da Gênese
Como os químicos de sua época, Berzelius tem uma concepção
primária da circulação de nutrientes, do solo para as plantas e destas para os animais.
Quanto às teorias de Liebig sobre adubação, consideradas, por alguns,
como uma das mais importantes descobertas da fisiologia, Berzelius prefere ficar com
Boussingault, que considera um dos agrônomos mais sérios de seu tempo, o qual
admitia que as plantas fixam o carbono tanto do solo quanto do ar. Pelas raízes,
absorveriam tanto compostos orgânicos quanto elementos inorgânicos. Quanto ao
nitrogênio, afirma ignorar o que se passa, mas acertadamente, nega a absorção direta
do ar.
Em resumo, o grande químico elogiou o trabalho sobre ácido úrico de
Wöhler e de Liebig de 1837, mas não percebeu seu alcance. Para ele, fermentação e
75
putrefação teriam causa mecânica, o que também Liebig defenderia, contra a opinião
de Pasteur.
Por essa época, a noção de reciclagem estabelecia-se, graças à
aceitação generalizada da base química de certos fenômenos vitais. Jean Baptiste
Dumas (1800-1884), orientado por Boussingault, publicara em 1841 uma obra sobre a
química dos organismos, onde dizia que Ainsi, c'est dans le règne végétal que réside
le grand laboratoire de la vie organique; c'est là que les matières animales et
végétales se forment, et elles s'y forment aux dépens de l'air; des végétaux, ces
matières passent toutes formées dans les animaux herbivores, qui en détruisent une
partie et qui accumulent le reste dans leurs tissus; des animaux herbivores, elles
passent toutes formées dans les animaux carnivores, qui en détruisent ou en
conservent selon leurs besoins; enfin, pendant la vie de ces animaux ou après leur
mort, ces matières organiques, à mesure qu'elles se détruisent, retournent à
l'atmosphère d'où elles proviennent.(49). Dumas reconhece a luz e o calor do sol como
fontes de energia que as plantas fixam e eutilizam para produzir a matéria orgânica, e
o papel do carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio no círculo eterno que liga
vegetais, animais e atmosfera.
A obra sobre química orgânica de Charles Gerhardt, de Montpellier,
publicada em 1844-1845 permite avaliar os conhecimentos e as teorias correntes no
período pré-pastoriano, isto é, na época de transição da química em estado nascente
do inicio do século XIX e a química orgânica moderna. Comparando-se as idéias por
ele expostas com o estudo de Ackernekcht sobre a medicina parisiense na primeira na
primeira metade do século XIX, compreende-se porque os maiores avanços nas
teorias biológicas foram devidas aos químicos. Inclusive a elucidação dos processos
de decomposição e síntese da matéria orgânica, de fundamental importância para a
teoria ecológica. Dentre os biólogos, foram os botânicos e não os zoólogos os que
mais se distinguiram nessa linha de investigação.
Gerhardt, (50) como Berzelius, denomina metamorfose, entre outras
transformações químicas, a síntese e degradação da matéria orgânica. Dentre estas
metmorfoses estão a fermentação e a putrefação, que ocorrem com o auxílio do que
Kuhne, em 1878, denominaria enzimas. Willy Kühne (1837-1900) foi aluno de
Claude Bernard e ensinou fisiologia em Heidelberg. Vitalista, restringiu a designação
de fermento às substâncias intracelulares responsáveis pelas alterações químicas da
fermentação, associadas a organismos vivos, como defendeu Pasteur. Para as
substâncias que podiam ser isoladas dos fermentos propôs o termo enzima.
Gerhardt atribui ao oxigênio o papel de causa primordial de todos esses
fenômenos e reconhece a contribuição de Liebig ao seu estudo. Esses agentes
denominados de combustão, incluem os fermentos. Ao contrário de outros agentes,
76
estes não agiriam ou não se explicariam pelos mesmos princípios que o calor, a luz e
outras substâncias.
Para Gerhardt, que adotava a teoria química da fermentação de
Berzelius e de Liebig, o oxigênio teria a capacidade de excitar e movimentar as
moléculas orgânicas, desmembrando-as mecanicamente. Diástases, fermentos e
leveduras seriam, portanto, substâncias químicas, de natureza alterável cada tipo de
alteração produzindo resultados distintos. Reconhece que existem substâncias que
impedem os processos de fermentação e de putrefação, que denomina anti-sépticas.
No sentido químico, para ele, fermentação e putrefação são sinônimos.
Gerhardt examinou fermentos ao microscópio e reconheceu a textura
globular, que levara, como disse, muitos fisiologistas a considera-los organizados.
Caignard de la Tour já havia descrito essa estrutura, vira-os crescer e multiplicar-se,
como pequenos vegetais ou animáculos em brotamento. Mas Gerhardt mostrou-se
cético e aderiu aos contemporâneos da química clássica, na interpretação de sua
atuação no processo de fermentação. Para justificar sua crença no papel primordial do
oxigênio e não dos fermentos, cita o experimento de Gay-Lussac, que demonstrara
que o suco de uvas não fermenta na ausência do ar. A mesma experiência permitiria a
Pasteur, anos mais tarde, demonstrar a ação dos fermentos que crescem na casca e nos
racimos das uvas. Contraditoriamente, reconheceu que os microorganismos se
multiplicam ou reproduzem. L'expérience, il est vrai, démontre dans certains liquides
fermentecents l'existence d'êtres particuliers, dans le vinaigre, par exemple, de
vibrions dont l'animalité est incontestable; mais leur présence, entièrement fortuite,
n'a aucun rapport avec la fermentation elle-même, et s'explique quand on songe que
l'eau la plus pure n'est jamais extempte de ces êtres microscopiques, a moins d'être
portée a une température qui en détruise les germes et d'être entièrement préservée
du contact de l'air qui les y apporte. (51)
Para ele, fermentação e putrefação são sinônimos e os miasmas são
fermentos, e estes são substâncias que se deterioram por influência do oxigênio, que
podem ser inativadas por subtâncias anti-sépticas. Para a época, as explicações eram
racionais. Gerhardt explicara, inclusive, a agitação dos líquidos em processo de
fermentação pelo movimento browniano.
No final da década de 1850 e início da seguinte uma longa polêmica
dividiu as opiniões de Bertelot e Pasteur, a qual foi relatada em detalhe, recentemente,
por Jan Jacques.
Louis Pasteur (1822-1895) distinguiu-se como químico e professor por
profissão, mas revolucionou a biologia, a medicina - e a ecologia nascente. No início
de sua carreira dedicou-se ao estudo dos cristais e, desde cedo, habituou-se ao uso do
microscópio - desprezado por Laennec, Bichat, Cabanis, Blainville, Trousseau,
77
defensores do empirismo clínico radical, em nome do qual consideravam, igualmente,
desperdiçado o tempo dedicado às ciências básicas, como a química.
Em 1854, Pasteur assumiu a cadeira de química na recém criada
Universidade de Lille, com a recomendação de que deveria dedicar-se aos aspectos
aplicados de interesse para as indústrias regionais. Procurado por um industrial local,
o Sr. Bigo, que lhe solicitou a atenção para o problema da fabricação do álcool a
partir da beterraba, Pasteur observou os glóbulos de levedura ao microscópio, como
outros tantos o fizeram antes dele, mas identificou a presença de estruturas menores e
menos distintas. Seguindo a rotina a que se habituara em Paris, ao examinar seus
cristais, usou o polarímetro, identificando a presença do álcool amílico oticamente
ativo, o que contrariava a convicção vigente de que só os seres vivos podiam produzir
tal efeito. Convenceu-se que, ao contrário da crença generalizada, a fermentação seria
devida à atividade dos fermentos, de natureza biológica e não física ou química.
Como vimos, para alguns químicos, os levedos eram substâncias
inorgânicas. Para Berzelius, o que Cagniard de Latour observara era somente um
princípio imediato de vegetais que se precipitava durante a fermentação da cerveja e
que, ao se precipitar, aparentava forma análoga às formas mais simples de vida
vegetal; mas a forma, por si só, não constitui a vida. Liebig, por sua vez, defendia que
o fermento era uma substância orgânica alterável que, ao se decompor, abalava no
momento da ruptura seus própios elementos, as moléculas da matéria fermentecível.
A porção morta do levedo, que se alterava, é que agia sobre o açúcar.
Contra as duas maiores autoridades contemporâneas da química,
rebelou-se Pasteur.
Em 1857, Pasteur apresentou duas comunicações que marcariam época
nos campos da química, da biologia e da ecologia. A primeira, por dever de lealdade,
à Sociedade de Ciências de Lille, focalizava a questão da natureza da fermentação
lática. A segunda, à Academia de Ciências, em Paris, sobre a fermentação alcoólica.
Concluíra que o desdobramento do açúcar em álcool e ácido carbônico é um ato
correlativo a um fenômeno vital.
Em 1859, quando Darwin publicava, na Inglaterra, a Origem das
Espécies, Claude Bernard relatava a justificativa da concessão a Pasteur do prêmio
que a Academia de Ciências lhe concedera por seus trabalhos sobre fermentação.
Em 1860 as pesquisas sobre a natureza íntima do processo da
fermentação alcoólica levaram Pasteur a enfrentar a polêmica sobre a questão da
geração espontânea ou heterogamia. No ano seguinte, suas investigações conduziramno à descoberta de um fenômeno biológico importante e de todo insuspeitado, que é a
anaerobiose. Até então todos os organismos conhecidos necessitavam de oxigênio
para viver. Entretanto, ao analisar a fermentação butírica, Pasteur conheceu a
78
existência de microorganismos que somente podiam subsistir em uma atmosfera
desprovida deste gás, e para os quais o oxigênio era letal.
Por essa época, Pasteur já havia estabelecido a teoria da especificidade
das fermentações. Com o fim de evitar que o açúcar do vinho se convertesse em
ácido lático (devido à presença de microorganismos contaminantes encontrados nas
bordalesas e que, posteriormente, foram reconhecidas como sendo bactérias),
recomendou o aquecimento do produto a uma temperatura de 50-60 e explicou os
fundamentos das práticas empíricas antigas. Demonstrou que o vinho não sofria com
o calor e preservava-se melhor. Respondeu às críticas de Liebig, o qual não
encontrava fermentos presentes na fermentação lática e acética, com a descoberta de
outros microorganismos que eram bactérias.
Em 1862 suas idéias sobre fermentação e putrefação, sobre a
competição entre microorganismos distintos invadindo um mesmo meio de cultura,
dominando o mais bem adaptado, e sobre as possíveis relações do fenômeno da
putrefação com as doenças contagiosas estavam explícitas. A demonstração da ação
específica dos fermentos foi extendida às doenças infecciosas, originando sua teoria
da especificidade das infecções, que revolucionaria a medicina. Nesse ano, escreveu
em uma carta dirigida ao ministro da Instrução Pública: Après la mort, la vie
réapparaît sous une autre forme et avec des nouvelles lois. Il est dans les lois de la
permanence de la vie à la surface de la terre que tout ce qui a fait partie d’un végétal
et d’un animal soit détruit et se transforme en substance gazeuse, volatile et minérale.
(52)
Para a ecologia, a noção fundamental de reciclagem foi por ele
enunciada. Pasteur trazia para o nível da decomposição da matéria orgânica, a
observação de Leeuvenhoek sobre sua desagregação. Si les êtres microscopiques
disparaissaient du globe. la surface de la terre serait encombrée de matière
organique morte et de cadavres de tout genre (animaux et végétaux). Ce sont eux,
principalement qui donnent à l'oxygène ses propriétés comburantes. Sans eux, la vie
deviendrait impossible, parce que l'oeuvre de la mort serait incomplète. (53)
Debré reconheceu que On peut imaginar que Pasteur s’est posé la
question, en définitive fondamentale, du rôle écologique de la fermentation et de la
putrefaction. (54). De fato, Pasteur reconheceu que os fermentos concourent à
l’accomplissement de ce grand fait de destruction de la matière organisée, condition
nécessaire à la perpétuité de la vie à la surface du globe... Le retour perpétuel à l’air
de l’atmosphère et au règne minéral des principes que les végétaux leur ont
empruntés sont des actes corrélatifs du dévéloppement et de la multiplication des
actes organisés. (55)
79
Em 1862, F.A. Cisneiros screvia na Gazeta Médica do Rio de Janeiro,
uma Notícia dos trabalhos de Pasteur sobre as fermentações. Nela menciona que:
Estes seres microscópicos nutrem-se de matéria orgânica. Sem elles esta aumentaria
demasiadamente; e o resto dos cadaveres de animais e vegetaes de todo e genero não
terião consumo. Por elles, a matéria orgânica morta revivifica-se com outra fórma e
com propriedades novas: os animais e plantas microscópicas fixando o oxigênio em
massas enormes sobre a materia organica destituida de vida, fazem-na passar por
uma combustão completa e a destroem. Por sua vez completando o raciocínio de
Pasteur, Cisneiros acrescenta: A vida, porém, considerada em toda a escala dos seres
organizados, é um círculo de composisões e de decomposisões, que, harmonizando-se
perfeitamente, não tem princípio nem fim: as mycodermas, os vegetaes microscópicos
serem de pasto não só animais inferiores, como os molluscos, dos generos trochus e
littorina e outros, que se crião nos aquarios para impedir que as paredes das bacias
fiquem cobertas por espessa camadas de plantas microscópicas, que se formarião se
não houvesse o que as destruisse.
Claude Bernard (1813-1878) já reconhece os fatos básicos do
circulação de nutrientes, da síntese clorofiliana e da destruição da matéria orgânica
através dos processos de fermentação e putrefação. E registra que em 1838, Caignard
de Latour verificara ao microscópio que a levedura da fermentação alcoólica era
constituída por glóbulos organizados capazes de se reproduzirem. Era o germe da
teoria fisiológica da fermentação, desenvolvida por Pasteur (que demonstrara, além
disso, a especificidade dos fermentos e outros organismos). Vale notar que, em 1838,
Turpin já reconhecera a fermentação como efeito e a vegetação ou atividade
fisiológica das plantas como causa.
O episódio da publicação, por Berthelot, das anotações preliminares
manuscritas de Claude Bernard logo após a morte deste e que tanto chocaram Pasteur
foi bem discutido por Jacques. Berthelot utilizou-as em apoio às suas próprias idéias
sobre a fermentação alcoólica e para negar qualquer possibilidade de existência de
alguma propriedade vital, exclusiva dos organismos. Na verdade, Pasteur havia
negligenciado a ação das diástases de Payen e Persoz, que hoje denominamos
enzimas. A existência de catalizadores biológicos o confundiu e fez com que
atribuísse aos organismos o papel de agentes da fermentação. A polêmica que teve por
palco a Academia de Ciências e por atores, Pasteur e Berthelot mostrou que cada um
tinha razão em parte. Pasteur demonstrou que uma levedura, que não está presente
naturalmente na uva, é indispensável ao processo de transformação do açucar em
álcool. Mas foi o bioquímico alemão Eduard Büchner (1860-1917) o qual, em 1897,
triturou levedura seca com areia e isolou enzimas intracelulares e outras,
extracelulares, quem demonstrou a natureza essencialmente química do processo.
80
Asim, Pasteur errou ao negar a existência dos fermentos solúveis, mas nem Claude
Bernard nem Berthelot chegaram a isolar as enzimas.
Com Pasteur e Claude Bernard, as noções básicas de síntese e
degradação da matéria orgânica, de circulação de nutrientes e dos processos orgânicos
responsáveis, encontravam-se estabelecidas. A era bacteriologia, inaugurada pelas
teorias e demonstrações de Pasteur na França associadas às técnicas desenvolvidas
por Koch na Alemanha exerceria profunda influência sobre o pensamento biológico,
ecológico e médico, com reflexos sobre o ensino destas disciplinas e sobre a prática
da clínica e da pesquisa. Entretanto, taxonomia de bactérias e virus apresentou, desde
cedo, problemas particulares, que só foram resolvidos em meiados do século XX.
Entretanto, os defensores da teoria da geração espontânea não se
consideravam vencidos e, à margem do movimento que se formou por influência dos
trabalhos dos microbiologistas, voltaram à carga com novos argumentos e
contestações, algumas das quais reminiscentes do passado.
O golpe final contra os heterogenistas foi dado por um físico irlandês,
John Tyndall (1820-1893), colega de Darwin no Philosophical Club e na Royal
Society. Entre 1859 e 1870, realizou uma série de experimentos conclusivos para
demonstrar a presença no ar, na água e no solo, de microorganismos contaminantes
das culturas. Tyndall foi um dos pioneiros da teoria holística, segundo a qual cada
nível de organização hierárquica ou de complexidade crescente apresenta
características própias, derivadas da própia organização. Assim, afirmou que é a
composição, no mundo orgânico, de forças pertencentes igualmente ao mundo
inorgânico, que contituiu o mistério e o milagre da vitalidade.
Envolveu-se em sérias polêmicas sobre religião, espiritismo e ciência,
guiado pelo seu ceticismo e racionalismo científicos. Recorrendo à noção de
reciclagem, resumiu seus argumentos contra a possibilidade de ressurreição
lembrando um fato que presenciou: I had seen cows and sheep browsing upon
churchyard grass, which sprang from the decaying mould of dead men. The flesh of
these animals was indoubtedly a modification of human flesh, and the persons who
fed upon them were as undoubtedly, in part, a more remote modification of the same
substance. I figured the selfsame molecules as belonging first to one body and
afterward to a different one, and I asked myself how two bodies so related could
possibly arrange their claims at the day of ressurrection. (56)
Como escreveu Pasteur, tão logo o sopro da vida é extinto, não há parte
do organismo vegetal ou animal que não se torne alimento próprio para os seres
organizados microscópicos.
Assim, a idéia de que os elementos circulam na natureza sem
obedecerem a barreiras orgânicas e inorgânicas, envolvendo os seres vivos, o
81
substrato abiótico e a atmosfera partiu dos químicos, que contribuíram para o
delineamento esquemático de um sistema aberto, integrado, onde plantas, animais e
microorganismos compartilham dos mesmos elementos constituintes oriundos do
substrato e do ar e relacionam-se por suas necessidades fisiológicas e
interdependência trófica, que hoje denominamos ecossistema.
Na conferência proferida em 1853 perante a Sociedade Médica de
Londres, John Snow deixou explícita a concepção mais avançada de sua época das
diferenças entre o que considerava como o campo dos fenômenos físicos, químicos e
vitais: É particularmente pelas expressões físicos, químico e vital, de maneira a evitar
disputas envolvendo estes dois últimos termos (disputas de autores tais como
Humboldt, Liebig e Alison envolvidos), e o antagonismo desnecessário na maneira
pela qual se colocam estes termos uns contra os outros. Todas as alterações de
composição ocorrendo em um tubo de ensaio ou no cérebro vivo incluem-se
apropriadamente entre as alterações químicas; e todas as que têm lugar em
estruturas vivas têm o direito de serem chamadas de vitais, difiram ou não das que
ocorrem em outra situação.
Assim, enquanto que os termos químico e vital têm cada um seu
significado próprio, têm um terreno em comum, uma vez que alterações de
composição em seres vivos são, ao mesmo tempo, tanto químicas quanto vitais e
pertencem tanto à química quanto à fisiologia; da mesma maneira que animais
fósseis pertencem tanto ao reino animal quanto ao mineral e às ciências da geologia
e zoologia simultaneamente.
Questionar se a formação da uréia ou colesterina é um processo
químico ou vital é tão sem sentido quanto seria discutir se um ictiossáurio fóssil é um
animal ou um mineral e se ele pertence à geologia ou à zoologia. ... Não existe linha
de demarcação distinta entre processos vitais e aqueles que não o são.
Finalmente em 1867, Pasteur resumiu assim o conceito do que hoje se
denomina ciclo biogeoquímico: Il faut de toute necessité que les matériaux des êtres
vivants fassent retour, après leur mort, au sol et à l'atmosphère, sous forme des
substances minérales ou gazeuses telles que la vapeur d'eau, le gaz carbonique, le
gaz ammoniac, le gaz azote, principles suimples et voyageurs que les mouvements de
l'atmosphère peuvent transporter d'un pôle à l'autre et chez lesquels la vie peut aller
à nouveau puiser les éléments de son perpetuité indéfinie. C'est principalement par
des actes de fermentation et de combustion lente que s'accomplit cette loi naturelle de
la dissolution et du retour à l'état gazeux de tout ce qui a vécu.
L'acte chimique qui est le sujet de notre entretien n'est rien autre chose
qu'un de ces phénoménes de fermentation et de combustion lente; c'est une des étapes
naturelles de la destruction et de la gazéification, dans certaines conditions
82
déterminés, de la matière sucrée et abondemment répandue dans les plantes. En effet,
le sucre du raisin fermente, et ses principes, sous leur forme nouvelle, composent le
vin. Le vin, a son tour, livrée à lui-même, devient vinaigre; et, vous en serez témoins
tout à l'heure, le vinaigre exposé au contact de l'air se transforme en eau et en gaz
acide carbonique. A ce terme, l'oeuvre de la mort et de la destruction qui la suit est
achevée pour la matière sucrée; et ses principes élémentaires, le charbon,
l'hydrogène et l'oxygène, ont repris la forme sous laquelle il sont prêts à rentrer dans
un nouveau cercle de vie. (57)
Este enunciado, que tem suas origens distantes na antiga lei da
conservação da matéria de Lavoisier, constituiria mais tarde o princípio fundamental
da ecologia.
Por outro lado, malgrado a contribuição da teoria pastoriana da
degradação da matéria orgânica e o pioneirismo na microbiologia médica, a ênfase na
importância do agente patogênico e na relação casual binária agente-doença retardaria
a concepção ecológica da enfermidade.
Os caminhos da ecologia nascente
Preocupavam-se os biólogos, no século XIX, com os estudos de
morfologia, de paleontologia, biogeografia, embriologia, fisiologia descritiva e de
taxonomia. Por um lado, as grandes coleções botânicas e zoológicas resultantes das
explorações dos naturalistas viajantes e das conquistas militares em cinco continentes
e nos sete mares comandavam a reorganização dos sistemas de nomenclatura e de
classificação; por outro lado, inexistia uma proposição geral e integradora que
fornecesse o embasamento teórico e a diretriz para a investigação científica e o
estímulo à especulação filosófica, como sucedia nas chamadas ciências exatas. Até o
século XIX os naturalistas consideravam sua principal tarefa a de inventariar as
plantas e animais do planeta. A enormidade e complexidade da tarefa não era aparente
na época como é hoje, quando esse mesmo objetivo é perseguido sob o nome de
inventário da biodiversidade. As tentativas de mapear a distribuição das espécies,
iniciada no século anterior, dera lugar a uma geografia estática, sem recursos para
explicação interpretativa, como mostrou Larson, em um trabalho fundamental
publicado em 1986 sobre os primórdios da biogeografia. Não havia preocupação em
explicar as razões ou causas pragmáticas da distribuição, o que o criacionismo
dominante dispensava, já que se admitia que cada espécie havia sido feita para as
condições do meio em que vivia. Os pouco exemplos de áreas de distribuição
disjuntas eram insuficientes para despertarem uma atenção maior. O trabalho de
83
Larson complementa a contribuição de Janet Browne para a história dos pioneiros.
Por outro lado, o catastrofismo fixista de Cuvier e de D’Orbigny era demasiado
pragmático e a morfologia filosófica de Geoffroy Saint-Hilaire demasiado exotérica,
enquanto que a filosofia natural, cultivada na Alemanha revelava-se por demais
mística para fazerem pela biologia o que as leis gerais faziam pela física, química,
mecânica e astronomia.
Lamarck, um dos fundadores da biologia, não chegou a admitir o papel
da luz solar na síntese orgânica dos vegetais clorofilados. Para ele, em 1794, o reino
mineral resultava da desorganização e decomposição de animais e plantas. Calcário,
argila, enxofre, chumbo ou outro teriam sua origem nos seres organizados, suposição
que, como descreve Daudin, exclui radicalmente a própia idéia de combinação
concebida como resultado direto das afinidades químicas. Além disso, nenhum dos
historiadores de Lamarck, desmentiu que ele haja-se dedicado à prática rotineira da
dissecção e, em conseqüência, à anatomia. Entretanto, foi ele o primeiro a propor uma
teoria científica da evolução.
Darwin, por sua vez, ofereceria uma teoria complementar, cujo
mecanismo proposto era embasado em grande quantidade de evidências concretas
provenientes de observações e experimentos cuidadosos, capaz de redirecionar e
estimular as pesquisas em áreas diversas como a origem e dispersão de vegetais e
animais, seleção artificial e herança, competição e adaptação ao meio, influência de
fatores ambientes sobre os organismos, relações recíprocas de animais e plantas,
mimetismo e comportamento. Sua teoria, baseada no uniformitarismo de Hutton e de
Lyell, apoiava-se na paleontologia, na embriologia, na sistemática e na geologia.
Malgrado a circularidade dos argumentos de sua teoria evolucionista, suas bases
filosóficas eram mais firmes que as dos filósofos da natureza e menos teóricas que as
dos morfologistas. Darwin e, principalmente Wallace mostraram, com base nos dados
acumulados pelos naturalistas viajantes e taxonomistas que, ao contrário do que os
naturalistas do século XVIII defendiam, não era na distribuição presente de animais e
plantas que se deveria buscar a explicação dos padrões biogeográficos, mas na
distribuição passada.
Dos esforços que se seguiram, uns para demonstrar sua validade,
outros para provar sua falsidade resultou um acúmulo de informação sobre as relações
dos organismos, competindo, cooperando e adaptando-se ao meio ambiente.
As duas grandes linhas da ecologia seguiriam aquelas traçadas
respectivamente por Lamarck e por Darwin: o estudo das relações dos organismos
com os fatores do ambiente físico e com os fatores bióticos.
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Notas
(1) Harré, 1986, p.70....porque todas as deduções deste tipo dependem da suposição de que o Autor da
natureza sempre opera uniformemente e observando constantemente essas regras que tomamos
por princípios, o quea.não podemos evidentemente saber
(2) Aristoteles, 1911, 653 Porque quando o vapor evapora da terra e é carregado pelo calor para as
regiões superiores, tão logo alcança o ar frio que se encontra acima da terra, condensa-se,
novamente, em água devido à refrigeração e cai de volta sobre a terra como chuva. Estas,
contudo, são matérias que devem ser convenientemente tratadas nos Princípios das Doenças,
tanto quanto a filosofia natural tem algo a dizer sobre elas.
(3) Peller, 1967, p.10. ...superficialmente falando o método de raciocínio quantitativo de Harvey é
menos sugestivo do método científico do que o método de Abraão ao barganhar com Deus sobre
o número mínimo de pessoas decentes em Sodoma e Gomorra, necessário para a preservação
das duas cidades
(4) William Harvey, Traduzido do original latino para o francês por Charles Laubry, 1950. Desde o
início comecei a imaginar um tipo de movimento circular. Convenci-me em seguida de que esta
hipótese era verdadeira. ...Um tal movimento merece ser dito circular pelas mesmas razões que
levaram Aristóteles a qualificar assim o movimento do ar e da chuva. A terra úmida dessecada
pelos raios do sol emite vapores que se condensam a medida que se elevam, retornam à terra sob
forma de chuva e lhe devolvem sua umidade. Este ciclo dá nascimento às gerações de espécies,
às variações do tempo, aos meteoros, devido ao movimento circular do sol, seu distanciamento e
aproximação
(5) Gerhradt, 1844, p.3 Tudo o que vive, com efeito, todas as plantas, todos os animais, retornam, pela
morte, a essas formas químicas.
(6) Claude Bernard, 1879, p.145. É portanto, deixando o terreno da fisiologia e colocando-se do ponto
de vista das harmonias da natureza, que comparamos o reino animal e o reino vegetal a uma
espécie de cadeia fechada, atravessada sempre no mesmo sentido por elementos nutritivos que
sofrerão reduções no nível correspondente às plantas e oxidações no nível correspondente aos
animais. Sua inspiração vem de Lavoisier, a quem Claude Bernard cita: Os vegetais lançam no ar
que os cerca, na água e, em geral, no reino mineral, os materiais necessários à sua organização.
Os animais nutrem-se ou de vegetais ou de animais que se nutriram, eles próprios, de vegetais.
(7) Claude Bernard, 1879, p.146. O reino mineral fornece, o reino vegetal forma e o reino animal
destroi.
(8) Claude Bernard, 1865a, p.50. Antigamente Buffon acreditara que deveria existir no corpo dos seres
vivos um elemento orgânico particular que não era encontrado nos corpos minerais. O progresso
das ciências químicas destruíu esta hipótese mostrando que o corpo vivo é exclusivamente
cosntituido por matérias simples ou elementares, retiradas doo mundo mineral.
(9) Claude Bernard, 1865a, p.114. No campo da química, o químico realiza em seu laboratório uma
grande quantidade de sínteses, de decomposições e de desdobramentos semelhantes àqueles que
têm lugar nos organismos animais e vegetais, mas se nos seres vivos as forças químicas dão
lugar a produtos idênticos aos do reino mineral, a natureza viva emprega processos específicos
dos elementos biológicos.
(10) Grmek, 1997, p.127. Se estudamos os fenômenos elementares da vida em relação às suas causa
imediata, verificaremos que, entre estas propriedades elementares, a mais geral é a propriedade
de nutrição. ... A nutrição é, portanto, uma propriedade fundamental de todos os seres vivos,
animais e vegetais; é uma espécie de atração eletiva que exerce uma molécula viva sobre o meio
ambiente para atrair a si os elementos que devem constituí-la.
(11) Lotka, 1925.
(12) Lindeman, 1942.
(13) Bergandi, 1992 e 1995.
(14) Rheinboldt, 1988, p.287. Este autor reproduz duas versões francesas do texto original: a de Le
Conte e a de F. Hoefer, mais moderna, mas aparentemente menos literal, publicada na Nouvelle
Biographie Générale (Firmin Didot, Paris, 1858 vol. 23, p.858.). Usei a primeira. Tomei um
grande vaso de terra, no qual coloquei 200 libras de terra seca no forno que humideci com água
de chuva. Em seguida, alí plantei um tronco de salgueiro que pesava cinco libras. Cinco anos
mais tarde o salgueiro que cresceu na terra mencionada, foi arrancado e encontrava-se com o
peso de 169 libras mais cerca de 3 onças.O vaso era muito amplo, afundado na terra, e coberto
com uma folha de ferro estanhado perfurado em forma de crivo de furos muito pequenos, de
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modo a que não houvesse alí senão água destilada (da qual a terra do vaso era regada quando
se fazia necessário) que aí pudesse escorrer. As folhas não foram pesadas porque foi no outono
quando as folhas caem que a árvore foi arrancada. Depois fiz novamente secar a terra do vaso e
a terra encontrou-se diminuída apenas de cerca de duas onças, que poderiam ter-se perdido
esvasiando ou enchendo o vaso. Portanto havia 164 libras de madeira, de casca e de raízes que
vieram da água.
(15) Goldfarb, 1987, p.190.
(16) Claude Bernard, 1878, p.22. As verdadeiras definições não são, na verdade, senão definições de
nomes, isto é, a imposição de um nome a objetos criados pelo espírito com o fim de abreviar o
discurso.
(17) Deléage, 1991, p.51
(18) Claude Bernard, 1878, p.128. Há oitenta anos Lavoisier havia claramente percebido as duas
fases da atividade vital: a desorganização ou destruição dos organismos animais ou vegetais por
combustão ou putrefação, a criação orgânica, vegetalização e animalização, que são operações
inversas às primeiras: ‘Uma vez que, diz ele, a combustão e a putrefação são meios que a
natureza emprega para levar ao reino mineral os materiais que ela retirou dele para formar
vegetais e animais, a vegetalização e a animalização devem ser operações inversas à combustão
e à putrefação.
(19) Delaporte, 1979.
(20) Dehérain, 1873, p.16. No começo do verão de 1749, introduzi em receptáculos cheios d'água,
ramos de videira. Assim que o sol começou a aquecer a água dos vasos, vi surgirem sobre as
folhas muitas bolhas semelhantes a pequeninas pérolas. Também as observei, porém em menor
quantidade, sobre os pedúnculos e ramos. Fiz ferver a água durante três quartos de hora a fim de
expulsar o ar que continha. Depois de tê-la deixado esfriar, Ali mergulhei um ramo semelhante
ao precedente. Mantive-o ali, em experiência, cerca de dois dias; o sol era ardente e, entretanto,
não vi aparecer nenhuma bolha.
(21) Delaporte, 1979, p. 56. as aberturas ou espécie de estígmas que permitem o ar entrar no interior
da planta.
(22) Delaporte, 1979, p.57. Havendo refletido novamente sobre estas distintas experiências,
considerei-as equivocadas. Ao fazê-las, omiti uma precaução essencial: não tinha tido o cuidado
de expulsar o ar do interior dos ramos e das folhas antes de mergulhá-las na água.
(23) Dehérain, 1873, p.17. Tive a felicidade de descobrir por acaso, um método de recuperar o ar
alterado pela combustão de velas, e de descobrir pelo menos um dos recursos que a natureza
utiliza para essa importante finalidade: é a vegetalização.
(24) Dehérain, 1873, p.17-18. que as plantas, muito longe de afetar o ar da mesma maneira que a
respiração animal, produzem efeitos contrários e tendem a conservar a atmosfera doce e
saudável, uma vez que ela tornou-se nociva em consequência da vida e da respiração dos
animais ou de sua morte e putrefação ... As provas da recuperação parcial do ar pelas plantas
da vegetação, malgrado em ambiente não natural, servem para tornar muito provável que o mal
que causa à atmosfera continuamente a respiração de tão grande número de animais e a
putrefação de massa tão grande de matéria vegetal e animal, é reparada, pelo menos em parte,
pela criação vegetal; e não obstante a prodigiosa quantidade de ar que é diariamente
corrompido pelas causas que acabo de citar, se se considera a profusão imensa de vegetais que
crescem sobre a superfície da terra, nos locais propícios à sua natureza, e que em consequência,
exercem em liberdade plena todos os poderes tantos inalantes quanto exalantes, não se pode
impedir de convir que tudo se compensa e que o remédio é proporcional ao mal
(25) Cuvier, 1837, p.61. em geral, a química não descobriu nada ainda que nos leve a crer, como
alguns sábios o sustentavam antigamente, que os álcalis, os metais e os minerais que se
encontram nos animais e nos vegetais formaram-se por ação da vida: pelo contrário, as
pesquisas recentes de De Saussure Filho demonstraram que os vegetais não contém deles mais
do que puderam receber do exterior...
(26) Cuvier, 1837, p.92. Assim, a vegetalização e a animalização são operações inversas: uma desfazse da água e do ácido carbônico; outra refazem-nos. É desta maneira que a proporção desses
dois compostos é mantida na atmosfera e na superfície do globo.
(27) Gerhardt, 1844, vol. 1, p.22 A idéia de construir uma espécie de escala nos parece permitir
realizar a esperança que M. Dumas entreteve, desde há muito tempo, de adaptar à química os
princípios sobre os quais repousa a classificação em história natural: este arranjo, na verdade,
precisa melhor a teoria dos tipos, indicando as distintas relações que as substâncias-tipos
guardam entre si
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(28) Gerhardt, 1844, vol. 1, p.3. Tudo que vive, com efeito, todas as plantas, todos os animais,
retornam, com a morte, a essas formas químicas
(29) Jacob, 1983, p.100 Os vegetais ainda são os únicos a possuirem o segredo de reconstituir
moléculas tão complexas com os produtos desta combustão Ao descrever a uréia, assinalou:. esta
substância notável é produzida, além disso, através de muitas transformações químicas; foi o sr.
Wohler que primeiro a produziu por via artificial, com o auxílio de cianato biamoniacal. Os
senhores Liebig e Wohler referiram-se à sua formação pela destilação sêca do ácido úrico...
(30) Gerhardt, 1844, vol. I, p.2. Nos seres vivos, duas ordens de fenômenos ocorrem simultaneamente:
uns, aos quais se atribui a força vital como causa primordial, não são senão imperfeitamente
conhecidos quanto às leis que os regem; os outros, exclusivamente químicos, se esclarecem
melhor dia a dia, e nossos conhecimentos a seu respeito serão logo bastante completos para
permitir fixar-lhes as regras, e mesmo de prever todas as fases.
(31) Cuvier, 1837, p. 263. Wöhler, de Heydelberg, chegou a formar um composto de um átomo de
oxigênio e de um átomo de cianogênio, o qual tem a propriedade notável de que, unindo-se ao
amoníaco, produz uréia, um dos compostos principais da urina do homem
(32) Linnaeus, in Biberg, 1749, p.77. Assim, toda a Terra negra que recobre por toda parte a terra,
deve sua origem na maior parte aos vegetais mortos. Porque todas as raízes afundam, graças às
suas radicelas, na terra e na areia, e depois que a planta perdeu sua haste, a raiz perdura, mas
ela se putrefaz, enfim e se transforma em terra; desta forma, graças à natureza, o húmus se
mistura à própria areia, da mesma forma que, graças ao cuidado do agricultor, o adubo
espalhado pelos campos é misturado à terra por meio da charrua.
(33) Liebig, 1840 in Kormondy, 1965, p.12.... descobrir as condições químicas essenciais à vida e ao
perfeito desenvolvimento de animais e vegetais e, em geral, investigar todos os processos de
natureza orgânica que se devem às leis químicas
(34) Liebig, 1840, in Kormondy, 1965, p.12. Uma bela conexão existe entre os reinos orgânicos da
natureza. A matéria inorgânica provê alimento para as plantas, e elas, por outro lado,
proporcionam os meios de subsistência aos animais. As condições necessárias para a nutrição
animal e vegetal são essencialmente diferentes. Um animal requer para seu desenvolvimento, e
para a manutenção de suas funções vitais, uma certa classe de substâncias que somente podem
ser geradas por organismos vivos. Apesar de muitos animais serem exclusivamente carnívoros,
seus nutrientes primários devem ser derivados das plantas, porque animais dos quais eles
dependem recebem seus nutrientes da ma´teria vegetal. Mas as plantas encontram novos
materiais nutritivos somente em substâncias inorgânicas.
(35) Liebig, 1840, in Kormondy, 1965, p.12.
(36) Dehérain, 1873, p.319. que tanto contribuiu com seus trabalhos para fundar a ciência agrícola ...
e que foi apoiando-se sobre as dosagens de azoto executada com solos aráveis bem cultivados
que chegou a formular sua famosa teoria na qual dizia que nos adubos, apenas as substâncias
minerais apresentam interesse, e que é errado que se atribua aos adubos azotados qualquer
efeito sobre a vegetação.
(37) Dehérain, 1873, p.319. Sabe-se que o sr. Liebig, não recuou diante desta conclusão, fato em
desacordo com a experiência diária dos agricultores, que todavia deve-se sempre levar em conta
... O sr. J. de Liebig atribuia, neste caso, à matéria orgânica do solo arável, uma influência que
ela não tem senão raramente, como bem o demonstravam os agrônomos ingleses e franceses.
(38) UNESCO, 1969; Jacques, 1987.
(39) In Dehérain, 1873, p.320. Se... se devesse acreditar no sr. Liebig, se a parte mineral dos adubos é
a única útil, nós, os agricultores, somos desastrados. Nós nos damos ao trabalho, há centenas de
anos, de transportar, penosamente, nossos adubos da fazenda para os campos, com custos
elevados; façamos melhor: queimemos nossos adubos e terrenos, dessa forma, uma pequena
quantidade de cinzas para cujo transporte, será suficiente um carrinho de mão
(40) Tyndall, 1904, p.148-149 ....no corpo, o carbono e o hidrogênio são oxidados e, em
consequência, calor e força são produzidos. Aplicado diretamente à fisiologia, o equivalente
mecânico do calor prova que o processo oxidante é a condição física da capacidade orgânica de
produzir trabalho mecânico e fornece, também, as relações numéricas entre consumo e
desempenho.
(41) Grmek, 1997, p.210. En 1843, dans un de mes premiers travaux, j’entrepris d’étudier ce que
deviennet les différentes substances alimentaires dans la nutrition. Je commençai par le sucre,
qui est une substance définie et plus facile que toutes les autres à reconnaître et à poursuivre
dans l’économie
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(42) Tyndall, 1904, p.148. A formação da planta, então, é efetuada pelo sol, através da redução de
compostos químicos. ... A matéria do corpo dos animais é a da natureza inorgânica. Não existe
substância nos tecidos animais que não seja derivada primariamente das rochas, da água, do ar.
... Todas as parcelas do corpo de todos os animais podem ser reduzidas à pura matéria
inorgânica. Uma inversão perfeita deste processo de redução levar-nos-ia do inorgânico ao
orgânico; e tal inversão é, pelo menos, concebível.
(43) R. Fernandes, 1982.
(44) Cuvier, 1837, p.61.... tais são os principais resultados da análise química dos produtos da vida,
recolhidos imediatamente após sua saída do corpo: mas uma parte desses produtos é sucetível de
experimentar movimentos internos que modificam suas proporções intestinais e que resultam em
novos produtos; é o que recebeu o nome de fermentação. Ela ocorre inevitavelmente em todos os
líquidos extraídos dos corpos vivos e em todos os sólidos que não se encontram totalmente
dessecados, ou que o estando, se umedecem no exterior. Tão logo são subtraídos ao turbilhão da
vida, e deixados de algum modo indefesos a ação do ar e do calor, as relações entre seus
elementos mudam e, após movimentos internos mais ou menos continuados, separam-se e
dissipam-se para reentrar nos domínios da natureza bruta: mas o homem aprendeu a tomá-los
nos diferentes estágios dessas mudanças sucessivas e imobilizá-los aí para empregá-los para fins
diversos.
(45) Cuvier, 1837, p.61. Porém essa separação não ocorre na matéria açucarada pura apenas pela
ação do ar e de uma temperatura suave; é também necessário um agente que rompa o equilíbrio
e inicie o movimento: foi denominado 'fermento' ou 'levedura'.
(46) Berzelius, 1849, p.4. Na verdade, os elementos da natureza orgânica são também indestrutíveis;
entretanto, a essência mesma dos corpos orgânicos é destruída sem volta. O indivíduo que morre
e cede seus elementos à natureza inorgânica, não volta jamais. Daí, a essência do corpo vivo não
repousa nos seus elementos inorgânicos, mas sobre algum outro princípio que leva os elementos
inorgânicos comuns a todos os corpos vivos à cooperar para a produção de um resultado
particular, determinado e diferente para cada espécie. Este princípio, (que designamos pelo
nome de 'força vital' ou 'assimiladora') não é inerente aos elementos inorgânicos ...mas nós não
saberíamos conceber em que consiste, como nasce e como termina.
(47) Berzelius, 1849, p.4. ...nesses fenômenos de destruição, nascem miriades de seres vivos
microscópicos pertencentes, uns, ao reino animal e outros, ao reino vegetal.
(48) Berzelius, 1849, p.4. Entretanto, acredita-se haver-se constatado que, em certos fenômenos de
decomposição de substâncias vegetais, como na fermentação alcoólica, formam-se corpúsculos
de natureza vegetal: neste caso, considera-se a levedura da cerveja como uma espécie de
fungoide (fungo de levedura), que se propagaria em seguida durante a fermentação. ... esta
suposta propagação de uma espécie vegetal não é outra coisa que uma ação química que se
renova no líquido, que é o que resta ainda da matéria. Evidentemente, não é um resultado da
função geradora dos glóbulos do fermento: não existe, portanto, nenhuma razão para se admitir
que, no estado atual das coisas, novos seres nasçam expontaneamente, e na fecundação prévia
dos seres existentes anteriormente.
(49) Dumas, 1841. Assim, é no reino vegetal que reside o grande laboratório da vida orgânica; é lá
que as matérias animais e vegetais se formam, e elas ali se formam às expensas do ar, de
vegetais, estas matérias passam já formadas aos animais herbívoros, que destróem uma parte
delas e que acumulam o resto em seus tecidos; dos animais herbívoros elas passam já formadas
aos animais carnívoros, que as destróem ou conservam, segundo suas necessidades; finalmente,
durante a vida desses animais ou após sua morte, estas matérias orgânicas, à medida que se
destróem, retornam à atmosfera de onde elas provêm.
(50) Gerhardt, 1844, p.271.
(51) Gerhardt, 1844, p.279. A experiência, é verdade, demonstra em certos líquidos fermentados a
existência de seres particulares, no vinagre, por exemplo, de vibriões cuja animalidade é
incontestável; mas sua presença, inteiramente fortuita, não tem qualquer relação com a
fermentação em si e se explica quando nos lembramos que a água mais pura não é jamais isenta
da presença desses seres microscópicos, a menos que seja levada a uma temperatura que destrua
os germes e seja preservada do contato com o ar que os transporta.
(52) Pasteur, in Debré, 1994, p.131. Após a morte, a vida reaparece sob uma outra forma e com novas
leis. Está nas leis da permanência da vida na superfície da terraque tudo o que fez parte de um
vegetal ou de um animal seja destruído e se transforme em substância gazosa, volátil e mineral.
(53) Pasteur, in Valéry-Radot, 1915, p.120. Se os seres microscópicos desaparecessem do globo a
superfície da terra seria recoberta de matéria orgânica morta e de cadáveres de todo tipo
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(animais e vegetais). São eles, principalmente que dão ao oxigênio suas propriedades
combustíveis comburentes. Sem eles, a vida se tornaria impossível, porque a obra da morte seria
incompleta.
(54) Debré, 1994, p.130. Pode-se imaginar que Pasteur se perguntou, definitivamente fundamental, do
papel ecológico da fermentação e da putrefação.
(55) Pasteur, in Debré, 1994, p.131 ...concorrem para a realização deste importante fato da destruição
da matéria organizada, condição necessária à perpetuidade da vida na superfície do globo. ... O
retorno perpétuo ao ar atmosférico e ao reino mineral dos princípios que os minerais adquriram
deles são atos correlatos do desenvolvimento e da multiplicação das ações organizadas.
(56) Tyndall, 1904, p.238. Eu observava vacas e ovelhas pastando no capinzal da igreja, nascido dos
restos decompostos de cadáveres humanos. A carne desses animais era, indubitavelmente,
transformada da carne humana, e as pessoas que se alimentavam deles constituíam, também,
sem dúvida, em parte, uma modificação desta mesma substância. Imaginei as, mesmas moléculas
pertencendo, primeiro a um corpo e depois a um outro diferente e perguntei-me como dois
corpos tão relacionados poderiam recompor suas partes como eram
(57) Pasteur, 1867. Pasteur, in Valéry-Radot, 1915, p.212. É de todo necessário que as sustâncias dos
seres vivos retornem, após sua morte, ao solo e a atmosfera, sob a forma se substâncias minerais
ou gasosas, tais como o vapor d'água, o gás carbônico, o gás amoníaco, o gás azoto, princípios
simples e itinerantes que os movimentos da atmosfera podem transportar de um polo a outro e
nos quais a vida pode de novo ouvir os elementos de sua perpetuidade indefinida. É
principalmente pela ação da fermentação e da combustão lenta que se cumpre esta lei natural da
dissolução e do retorno ao estado gasoso de tudo quanto viveu. ... O fenômeno químico que é
objeto de nosso trabalho não é senão um desses fenômenos de fermentação e combustão lenta; é
uma das etapas naturais da destruição e da gaseificação, sob certas condições determinadas, da
matéria açucarada tão abundantemente distribuída entre as plantas. Com efeito, o açúcar das
uvas fermenta e os seus princípios, sob nova forma, compõem o vinho. O vinho, por sua vez,
deixado exposto, transforma-se em vinagre; e podeis testemunhar, imediatamente, que o vinagre
exposto ao contato com o ar transforma-se em água e em gás ácido carbônico. Neste momento, a
obra da morte e da destruição que se segue está concluída para a matéria açucarada: e seus
princípios elementares, o carbono, o oxigênio retornaram à forma sob a qual estão prontos a
reentrar em um novo ciclo vital.
89
COMUNIDADES BIÓTICAS
90
Comunidades Bióticas
A idéia de que certos organismos ocorrem associados é muito antiga, e
não é de admirar que os conceitos de associação e comunidade tenham sido
confundidos durante mais de um século. Pescadores e caçadores aprendem,
empiricamente, a reconhecer a existência de indicadores, ou seja, de espécies que
ocorrem juntas, vivendo em um mesmo habitat, de tal maneira que a presença de uma
denuncia a proximidade da outra. Corbett, um dos últimos dos grandes caçadores
profissionais encarregados de eliminar tigres que se tornaram caçadorees de homens
na India revela como utilizava a presença e os sinais de alarme de aves e cervos para
localizr seu alvo.
Na literatura científica, entretanto, foi o médico e geógrafo alemão
Alexander von Humboldt (1769-1859) o responsável pela formalização do conceito
de associação. Em 1977, Whittaker, ao historiar os distintos significados do conceito,
reconheceu que, de 1805 a 1807, Humboldt expressou tanto a idéia de formas de
crescimento das plantas sobre as quais as unidades fisionômicas se baseiam, como a
idéia de plantas que se associam para constituir conjuntos que podem ser
reconhecidos pela presença indicadora de espécies dominantes e que são chamados
associações. Humboldt também conceituou a geobotânica ao publicar em 1805 o
Essai sur la géographie des plantes cujo objeto era o estudo das relações das plantas
com o ambiente, definido pela geografia. Na Suiça, Augustin Pyramus de Candolle
(1778-1841) revela seu interesse pelas relações entre plantas e ambiente no prefácio
da reedição da Flore française de Lamarck, pubilada também em 1805. Em 1855 seu
filho, Alphonse de Candolle (1806-1893) publicou uma importante obra que serviu de
ponto de partida aos estudos sobre os fatores ambientes que influem sobre a
distribuição das plantas e iniciou a tradição dos estudos florísticos. Para ele, água e
temperatura são os fatores determinantes do que Griesebach denominaria de
formações vegetais, em 1872.Um pequeno resumo histórico, acompanhado de uma
proposta de definição de termos como geobotânica e fitogeografia foi publicado por
Castellanos em 1960.
Linnaeus (1) e Heddenberg (2) souberam reconhecer existência de
agregados de espécie vegetais sem, entretanto, enunciar qualquer princípio geral
relativo às associações.
Um termo porposto por Haeckel descreve bem o estilo de trabalho
comum aos fitogeógrafos da época: a corologia. Indispensável a estudos mais
complexos sobre origem e relações das plantas e animais, restringe-se à cartografia
das espécies, isto é, ao registro e mapeamento de suas ocorrências na superfície do
globo. A fitogeografia preocupava-se em caracterizar os grupamentos reconhecíveis
91
por sua fisionomia, ou floras.A biogeografia do século XIX encontrara uma base de
dados importante na sistemática. Sobre esta base, essencialmente descritiva, foram
delimitadas as grandes regiões biogeográficas do globo. Comparando listas florísticas
e faunísticas, notavam-se as coincidências de limites, e reconheciam-se unidades
hierárquicas sucessivas como distritos, províncias e regiões e reinos. Humboldt
avançara a idéia de que Si l’on reconnaît dans chaque individu organisé une
physionomie déterminé; puisque les descriptions de botanique et de zoologie, dans le
sens le plus restreint, ne sont que l’anatomie de la forme des plantes et des animaux;
de même on peut distinguer une certaine physionomie naturelle qui convient
exclusivement à chaque zone. (3)
A teoria da evolução de Darwin ofereceu à biogeografia um novo
objetivo, o de especular sobre os centros de origem das espécies e suas rotas de
disseminação e de dispersão. O principal guia era a filogenia, mais especulativa que
real devido ao estado precoce dos conhecimentos de paleontologia e paleobotânica.
Mas a ecologia viria oferecer uma nova diretriz às investigações sobre padrões de
distribuição geográfica: o estudo dos fatores limitantes e condicionantes do ambiente
físico e biótico, ou seja, o estudo da vegetação, caracterizada por uma determinada
fisionomia. Por outro lado, divergia da taxonomia, cuja objetividade questionava.
No final do século XIX e início do século XX, a ênfase dos pioneiros
da ecologia centrou-se na importância dos estudos de fisiologia e na tentativa de
implantação da metodologia experimental para o estudo das respostas das plantas e
animais à ação direta dos fatores ambientes e, em particular, do ambiente físico. Este
movimento tem duas explicações possíveis: emprestava à nova disciplina maior
respeitabilidade científica pela introdução de métodos quantitativos, e permitia a
verificação experimental de hipóteses, o que as especulações da zoogeografia ou da
fitogeografia históricas não alcançavam. Devemos lembrar que, com Claude Bernard,
a fisiologia fundamentara-se firmemente na física e na química, adquirindo quase os
foros de uma “ciência exata”. Não é de admirar que muitos botânicos e zoólogos
sentissem a atração exercida pela possibilidade de se adequarem aos padrões da
ciência contemporânea. Evidência disso é o artigo publicado em 1903 por Charles B.
Davenport, da Universidade de Chicago, onde a noção de causa próxima e
determinante é reminiscente da de Claude Bernard, onde diz textualmente que a fauna
que ocorre em um determinado lugar é definida por causas simples e imediatas. Para
ele, existem em operação fatores determinantes, que agem, em todo o mundo, da
mesma maneira, de modo a dotar praias semelhantes em lugares distantes com uma
coleção de animais semelhantes. Davenport não deixa claro se a referência é à
semelhança taxonômica ou ecológica. A distinção entre estruturas análogas e
homólogas, que conduzem a convergências e paralelismos evolutivos é sobremaneira
92
difícil e constitui um dos grandes problemas que enfrentam os taxonomistas e, em
conseqüência, os ecólogos.
O futuro viria a demonstrar que as espectativas de tranformar a
ecologia em uma ciência exata foram precoces e ilusórias. Muitos dos que advogavam
a adoção de uma classificação de formações baseadas no determinismo fisiológico
ofereciam, na verdade, uma nova versão da antiga classificação fitofisionômica. Mais
ainda, a pretenção de oferecer uma visão holística do ecossistema deu lugar a
descrições reducionistas ou a falsas analogias como a de superorganismo, de
Clements. Em 1911, Shelford chegou a definir a ecologia como um ramo da fisiologia
e Keith Benson mostrou, em 1992, os problemas que enfrentou e que não conseguiu
resolver, para aplicar a metodologia que advocou a suas próprias investigações de
ecologia experimental das comunidades encontradas nas zonas intertidal e subtidal do
Pacífico.
Na França, a ecologia tardou a encontrar adeptos. Segundo Matagne
isto se deveu à simpatia pelo lamarckismo e à resistência à adoção de um termo
proposto por um darwinista. Quando aconteceu, já no final do século XIX, foi através
de sociedades científicas regionais. Destacaram-se Jules Pavillard e Charles Flahault,
de Montpellier, integrantes da Escola de Zurich-Montpellier. Até o final da Segunda
Guerra Mundial, contudo, a expressão preferida foi a de geografia botânica e as
pesquisas centravam-se na formações vegetais. Nos Estados Unidos, Frederic
Clements (1871-1945) é reconhecido como o pioneiro da ecologia vegetal. Na
Inglaterra, a ecologia de comunidades recebeu um grande impulso inicial com a
criação, em 1913, da British Ecological Society e um histórico dos tempos pioneiros
foi publicado por Tansley, em 1947.
Ao discorrer sobre a fisionomia das paisagens ou fitofisionomia,
Humboldt lançou, em 1808, o germe da idéia de que flora e vegetação são coisas
distintas: Ainsi, des espèces semblables de plantes, telles que les pins et les chênes,
couronnent également les montagnes de la Suède et celle de la portion la plus
méridionale du Mexique; cependant malgré cette correspondance de forme et cette
simulitude de contours partiels, l'emsemble da leurs groupes, présente un caractère
entièrement différent. (4)
J.F. Schow seguiu a tradição fitopaisagística de Humboldt e contribuiu
para o desenvolvimento de certos conceitos fundamentais da ecologia ao ressaltar, em
1823, o papel de certas plantas como indicadores de condições do ambiente. Como
tal, foi mais preciso e perspicaz que os autores que, simplesmente, notaram as
respostas fisiológicas dos vegetais às alterações climáticas ou sazonais.
Um geólogo que iria mais tarde figurar proeminentemente na história
da teoria da evolução de Darwin, Charles Lyell, em 1832, antecipou alguns conceitos
93
de biogeografia histórica e ecológica ao chamar a atenção para a possibilidade de
ocorrência de uma determinada espécie em uma dada localidade, ou de sua
persistência ali em função não apenas da temperatura, umidade, solo, altitude e outras
circunstâncias semelhantes, como também pela existência ou ausência, abundância ou
raridade de um conjunto particular de plantas e animais na mesma região. Com Lyell,
o equilíbrio da natureza deixou de ser a expressão do finalismo cristão e da ação da
providência divina. A contribuição de Lyell foi destacada por Coleman. (5)
Ao descrever os progressos da botânica em seu relatório de 1837,
Cuvier referiu-se à obra fitogeográfica de Humboldt, ressaltando que a geografia
vegetal ... ou la science de la distribution des plantes selon la hauteur du pôle,
l’élévation du sol, la temperature et le degré d’humiditéou de sécheresse du climat (6)
liga a história natural ao conjunto das ciências físicas. Reconheceu que Les animaux
ont aussi leur géographie, car la nature en retient aussi chaque espèce, dans
certaines limites, par les liens plus ou moins analogues à ceux qui arrètent l'extension
des végétaux. (7) Sugeriu também que a distribuição dos insetos dependeria da
distribuição das plantas de que se alimentam e portanto, com quem mantêm relações
tróficas.
Em sua história da ecologia, Acot distinguiu dois períodos na
cronologia das teorias fitogeográficas que tratam doss grupamentos vegetais
classificados como formações e associações. O primeiro, que vai de 1838 a 1899 foi
o das contribuições pioneiras. Na realidade é a época do desenvolvimento da
fitogeografia, a partir da descrição dos padrões mais evidentes da distribuição
geográfica das plantas até a definição das principais regiões e subregiões da biosfera.
Por ocasião do Congresso Internacional de Geografia, realizado em
Berlin em 1899, O. Warburg recomendou que se tentasse chegar a um acordo para
uniformizar a nomenclatura utilizada na definição dos tipos de vegetação. Tais
tentativas ocorreram, efetivamente, durante os anos subsequentes e foram discutidas
por ocasião dos congressos seguintes, com pouco êxito, mas com o mérito de
identificar os problemas que dificultam alcançar tal objetivo. O segundo período
abarca o dos congressos de geografia e de botânica realizados entre 1900 e 1935 e as
propostas respectivas apresentadas e discutidas no sentido de se chegar a um
consenso, tanto no que se refere aos critérios de definição das unidades
fitogeográficas e ecológicas, como a um sistema coerente de nomenclatura para
designá-las. No intervalo dos congressos, comissões especialmente eleitas com tal
objetivo trabalharam no preparo daquelas propostas. Fundaram-se associações
profissionais de ecólogos e iniciou-se a publicação de dois dos mais importantes
periódicos especializados em ecologia.
94
Em 1838, um botânico alemão, A.H.R. Grisebach (1813-1879) utilizou
o termo formação vegetal (Pflanzengeographische Formation) para designar as
associações vegetais geograficamente representativas, distinguíveis por sua
fisionomia como, por exemplo, um campo ou uma floresta, e caracterizados por uma
única espécie dominante ou por um complexo de espécies que apresentam certas
semelhanças particulares, como é o caso das ervas perenes de um campo alpino. Em
1872 já reconhecia mais de sessenta formações distintas, o que demonstrava que a
aplicação do seu método envolvia algumas dificuldades. De fato, as discussões sobre
a definição e conceito de formação estender-se-iam por várias décadas e em 1971,
David W. Shimwell publicou um resumo histório dessa longa polêmica.
O fato de serem os ecólogos de então - como muitos dos de hoje primariamente botânico ou zoólogos, contribuiu para que as comunidades vegetais e
as comunidades animais continuassem a ser descritas e estudadas
independentemente. Por sua vez, os antropólogos sociais usam a expressão
"comunidades humanas" quando querem referir-se a populações.
As plantas receberam maior atenção nos primórdios da ecologia. Suas
respostas aos fatores do ambiente são, em geral, mais visíveis e imediatas que as dos
animais; as alterações fenotípicas no aspecto morfológico ou habitus dos indivíduos
que crescem em distintos ecótopos, isolados ou associados, ou em diferentes faixas de
altitude sugeriram a criação de sistemas de classificação das comunidades vegetais
independentes da identidade florística dos componentes da paisagem. A dominância
das plantas nos ecossistemas naturais e a fitofisionomia característica dos grandes
biomas e de suas divisões e subdivisões levaram os botânicos a desenvolveram e
explorarem os conceitos de associação e de sinúsia antes que os zoólogos o tentassem.
Mesmo assim, essas tímidas tentativas ficaram quase que sempre restritas a
inventários corológicos de faunas regionais, com ênfase na taxonomia e não na
ecologia. Se os termos flora e fauna são equivalentes, não existe contraparte
zoológica para o conceito botânico de vegetação uma vez que, com certas exceções,
elementos da fauna raramente definem a fisionomia de uma paisagem.
Ao longo do século XIX, os conceitos de vegetação e flora,
distinguidos originalmente em 1846 por Humboldt em seu Cosmos foram firmados e
definidos e, em 1951, Luchler historiou a discussão em torno dos objetos e métodos
de mapeamento e classificação das formações vegetais.
Após os trabalhos pioneiros de Humboldt, as tentativas de classificação
das formas de vegetação e de sua correlação com os climas das distintas regiões do
globo prosseguiram sem levar em conta o conceito de integrado da comunidade, como
demonstraram Cain e Castro em 1959, em seu excelente manual de análise
vegetacional. Seguiram-se décadas de discussão sobre esse tema até que Anton
95
Kerner von Marilaun, August Grisebach e outros fitogeógrafos firmaram o conceito
de formação, definida pela composição florística, estrutura vertical e variação
sazonal. Malgrado opiniões isoladas como as de Post, em 1868, de que o mundo
orgânico devia ser considerado em seu conjunto, não se podia reconhecer nos escritos
dos botânicos e fitogeógrafos a idéia de comunidade biótica. A grande contribuição de
Kerner foi seu método de definição das comunidades vegetais segundo as
características dos agregados ou formações, como: fisionomia, composição florística e
espécies dominantes. Com ele, a formação passou a ser analisada em relação a fatores
específicos do ambiente. Grisebach , por sua vez, ressaltou a distinção entre o aspecto
fisionômico de uma formação de sua composição florística e atribuíu maior
importância aos fatores climáticos na distribuição das formações. Contra esta
tendência opôs-se Warming, que rejeitou o termo formação em virtude de sua
conotação taxonômica derivada da ênfase na composição florística.
Johann Eugen Bülow Warming (1841-1924), botânico dinamarquês,
foi enviado a Lagoa Santa em fevereiro de 1863 como amanuense de Peter Wilhelm
Lund (1801-1880). Lund iniciara sua carreira como botânico e decidira trabalhar no
Brasil, país tropical, por temor da a tuberculose, que rondava sua família. Quando
coletava plantas em uma região remota do interior, na então Província das Minas
Gerais, tomara conhecimento da existência de cavernas calcáreas ricas em fósseis de
mamíferos. Dedicou o resto de sua vida à coleta e descrição da fauna pleistocênica da
região, tornando-se o pioneiro da paleontologia sulamericana. Na Europa, Lund
visitara vários museus e ouvira, em Paris, as conferências de Cuvier sobre sua teoria
das revoluções do globo. Fixista convicto, considerava o depósito calcáreo subjacente
ao solo das grutas como divisor das faunas ante e pós-diluviana. O encontro de restos
fossilizados de uma mesma espécie nos dois estratos levou-o a alimentar certas
dúvidas, mas nunca questionou seriamente as idéias de Cuvier. Devemos a ele (8) a
conceituação e denominação das plantas ruderais, pioneiras dos terrenos baldios e
margens das estradas, sob influência antrópica, que não sobrevivem em comunidades
organizadas. Assim, era de se esperar que exercesse forte influência sobre as idéias do
jovem Warming, o que não veio a acontecer. Durante os três anos que passou em
Lagoa Santa, Warming estudou a formação dos cerrados ou savanas, característica
dos planaltos do Brasil central. A economia da água nos cerrados onde, a uma estação
seca onde a umidade do ar baixa a 5% segue-se outra úmida, com 1.500 mmm de
chuva, possivelmente contribuíu para a importância que ele atribuíu à água como fator
ecológico e preponderante na economia das comunidades. Em 1892, publicou suas
observações em um livro que não perdeu sua atualidade e que foi traduzido para o
português em 1909. Arthur Tansley, fundador da primeira sociedade de ecologia em
1913 declarara, dois anos antes, que se tornou ecólogo por influência da obra de
96
Warming. No local em que vieram, na pequena Lagoa Santa e onde se encontra o
túmulo de Lund, há uma placa homenageando Warming.
Foi Warming (9) quem, em 1895 publicou a obra fundamental, baseada
em um curso pioneiro sobre as relações dinâmicas entre as plantas e o ambiente
ministrado por ele na Universidade de Copenhague em 1890-1891, que marcaria o
nascimento da ecologia vegetal, pela síntese das grandes linhas representadas pelos
estudos de fitofisionomia e de florística. Para ele, a fitofisionomia depende da flora, e
esta, das condições locais. Ao criar a fitogeografia ecológica, Warming afastou-se da
tradição de buscar explicações para a distribuição das plantas na tentativa de
reconstituição de sua história evolutiva, objetivo da biogeografia histórica, ou nas
relações filogenéticas, e sim nas relações fisiológicas com seu ambiente, tanto de
indivíduos como de seus agregados. A fisiologia seria, assim, responsável pela
estrutura das comunidades e pelas formações vicárias, isto é, com fisionomia análoga,
encontradas em ambientes análogos mas geograficamente isolados, o que ressaltaram
Collins et al e Coleman. Como se o número de soluções, na natureza, fosse limitado e
diferentes espécies as adotassem, independentemente de suas relações filogenéticas,
isto é, por adaptação e não por herança. Com Warming, a ecologia tornou-se
independente da biogeografia, esta mais preocupada em estabelecer os padrões de
distribuição e elucidar os processos de evolução e de dispersão que os explicariam.
Warming procurou, por outro lado, descobrir as estratégias e adaptações de indivíduos
e espécies a cada habitat, a organização e estrutura das comunidades e sua
fitofisionomia própria, ou seja, a base fisiológica da sucessão ecológica. Assim é que,
em sua obra fundamental de 1895 não só descreveu a substituição gradual de uma
floresta de carvalhos em campo de Calluna e talhões de bétula como investigou o
complexo de fatores responsáveis, como o papel da luz e sombra e da sombra, à
medida que a cobertura florestal se alterava, a formação do húmus, as alterações
químicas do solo, a sucessão de espécies rasteiras do substrato florestal, a
compactação do solo e o desaparecimento das minhocas. Warmin analisou o papel da
competição das espécies arbóreas e a influência dos fatores antrópicos e do corte dos
carvalhos expondo o solo nú à ação da água e dos ventos.
Para Warming, as principais unidades ecológicas não eram as
formações e sim as comunidades vegetais (Verein), e as formas de vida
(Lebensformen).As comunidades caracterizam-se pela fisionomia, pela economia
comum e pelo conjunto das formas de vida. Para ele, a adaptação era mais que um
fator da evolução darwiniana, era uma necessidade ecológica. Assim, a comunidade
de Warming é um conjunto de espécies não relacionadas filogeneticamente, cuja
coerência é atingida por caminhos distintos e uma economia partilhada. As
lebensformen, são o que hoje denominamos de formas análogas, que se assemelham
97
não em virtude de uma origem comum, mas por adaptação convergente às mesmas
circunstâncias.
A ele devemos a criação ou redefinição das expressões, hoje correntemente
usadas, de ecological factor, sucessão comunidade vegetal, hidrofito, xerofito e
mesofito.
Na opinião de Deléage, Warming e Schimper inauguraram duas linhas
de investigação que marcariam a tradição fitogeográfica européia e a da ecologia
dinâmica, nos Estados Unidos. Mas deve-se ressaltar, como o fez Goodland em 1975,
que Schimper (1898, 1903), que teve seu sistema atualizado por von Fabr em 1935,
utilizou os trabalhos as conclusões e, mesmo, as figuras de Warming, sem dar-lhe o
devido crédito.
A concepção nova das formas de vida teve um impacto importante
sobre a sistemática. Linnaeus escolhera judiciosamente a anatomia floral como carater
taxonômico, uma vez que, por sua relativa estabilidade, constituem bons indicadores
das relações filogenéticas. Outras partes das plantas variam com as condições
ambientes e uma mesma espécie pode apresentar formas distintas quando crescem em
talhões ou isoladas, assim como em diferentes habitats de sua área de ocorrência,
variando tanto com a latitude quanto com a altitude. Dentro do referencial ecológico,
as modificações adaptativas das estruturas vegetativas, especialmente aquelas que são
semelhantes em espécies não relacionadas, constituem o reflexo das influências do
ambiente. A adoção de uma mesma estratégia para evitar a perda de água, que leva
um leigo a confundir uma certa euforbiácea etiópica com uma cactácea neotropical,
nos revela muito sobre fisiologia como sobre fitogeografia. Uma profunda reavaliação
do papel dos caracteres adaptativos na taxonomia ocorreu no século XX. Uma longa
discussão sobre a distinção de estruturas homólogas e análogas que levou ao
questionamento da existência de estruturas não adaptativas marcou as primeiras
décadas deste século. Este movimento coincidiu com a redescoberta dos trabalhos de
Gregor Mendel e o conseqüente nascimento da genética como ciência, em
substituição às especulações sobre a hereditariedade. As possibilidades abertas pela
fisiologia experimental, passível de quantificação rigorosa, deu maior segurança e
crédito aos estudos ecológicos que a tradição do método intuitivo e a definição
aparentemente arbitrária das unidades taxonômicas conferia à sistemática. A ecologia
de comunidades contribuíu para o advento do movimento conhecido como o da Nova
Sistemática, iniciado no final da década de 1930, que levou às tentativas de substituir
a morfo-espécie pela espécie biológica e que reuniu paleontólogos, geneticistas,
taxonomistas em um proveitoso esforço cooperativo. Na botânica, surgiram propostas
mais radicais, como a do pioneiro da ecologia nos Estados Unidos H.C.Cowles (1869-
98
1939), que, em 1908, propôs a substituição da classificação sistemática pela
ecológica.
Em 1900, realizou-se em Paris o Primeiro Congresso Internacional de
Botânica, onde Flahault (1852-1935) propôs um sistema de nomenclatura
fitogeográfica no qual as unidades e sub unidades caracterizavam-se pelas espécies
dominantes. Caberia a ele, em 1907, definir os conjuntos de fatores mais importantes
para a geografia botânica: climáticos, edáficos e biológicos.
Em 1907, C. Raunkiaer, sucessor de Warming em Cpenhague, propôs
um sistema de seis classes, no qual as plantas eram classificadas de acordo com as
estruturas adaptativas que permitem que resistam à estação mais seca do ano. Os
grupamentos resultantes, como era de se esperar, refletiam uma conexão íntima e
serviam de indicadores do sistemas de clima como o de Köppen.
No 3º Congresso Internacional de Botânica, realizado em Bruxelas em
1910, Wildeman definia associação como sendo uma unidade abstrata sinônimo de
comunidade vegetal. Neste congresso definiu-se ecologia, e Schroeter propôs os
termos autoecologia para o estudo das relações individuais com os fatores do
ambiente e sinecologia para o estudo ecológico das associações, revelando o
distanciamento progressivo dos fisiólogos reducionistas da pretensão holística da
ecologia. Segundo Alle et al, Schröter e Kirchner teriam proposto sinecologia em
1902, mas Carpenter, em seu glossário, atribuiu a autoria a Turesson, no Congresso de
1910.
No século XX o conjunto de contribuições mais importante foi a da
chamada Escola de Zurich-Montpelier, que disputava a primazia com a de Du Rietz,
de Uppsala. Sua concepção básica foi objeto de análise crítica feita por Becking. Este
sumarizou a questão reconhecendo a existência de duas tradições no estudo da
vegetação: a dos ecólogos americanos e a dos fitossociólogos europeus. Para ele, The
two key ideas of the ZM School are: a) distinction of associations and other
vegetation units by means of their floristic composition only; b) the fidelity concept of
species and its usefulness for floristic classification of vegetation units by means of
character species, differentiating species and characteristic species composition. The
fundamental vegetation unit is the association which is an abstraction obtained by
floristic comparison of a number of stands (phytocenoses) in subjectively selected
sites in the field, and defined by diagnostic species groups of differing character
value. ... An effective system of classification is offered by the ZM approach, the most
widely applied and most international of all the phytosociological schools in the study
of vegetation. (10)
A escola dedicou-se, a partir da década de 1920, ao estudo das
associações em bases modernas, criando uma nomenclatura própia especializada e
99
desligando-se da geobotânica. Seus conceitos fundamentais foram expressos em um
artigo publicado em 1913 por Josias Braun-Blanquet e Ernst Furrer. Em 1912,
Pavillard publicara uma proposta de nomenclatura para os agregados, onde o
referencial taxonômico (florístico) era substituído pelo ecológico. Braun-Blanquet e
Pavillard publicaram, em 1922, um vocabulário de sociologia vegetal que foi
prontamente traduzido para várias línguas e reeditado em 1925Braun-Blanquet
publicaria, em 1928, um manual de sociologia vegetal, que continua a ser citado e
utilizado, onde introduziu o conceito de áreas mínimas, juntamente com a
metodologia necessária para a sua delimitação.
Apesar das contribuições desta escola, ainda hoje prosseguem as
tentativas para se conseguir um sistema universal que permita caracterizar e descrever
os agregados em biomas tão diversos, que vão da simplicidade da tundra à
complexidade das florestas equatoriais.
Uma visão alternativa da fitossociologia foi proposta por Cain em 1947
e uma revisão crítica por Becking, dez anos mais tarde.
As tentativas de sistematização das unidades de associação vegetal
prosseguiam. Em 1929, Huguet del Villar propôs um sistema de tipos de vegetação
baseado em uma hierarquia de fatores, que reflete o processo de adaptações das
plantas. Suas 24 categorias são, ainda hoje, citadas com frequência. Em 1951, Küchler
discutiu as relações entre a classificação e o mapeamento da vegetação. Em 1947,
decidira não fixar o número de categorias: quatro séries de símbolos podem ser
combinadas para se descrever os aspectos importantes de uma cobertura vegetal,
segundo seu sistema.
Dansereau baseou sua proposta na observação da estrutura da
vegetação e adotou 6 séries de critérios, aplicando as possibilidades de classificação.
Em 1951, apresentou um método de similidades de classificação e um método de
representação paisagística para ser utilizado por não especialistas, na descrição de
uma formação vegetal. Seu trabalho, como o que Whittaker publicou em 1962,
constituem fontes importantes para o estudo histórico da ecologia vegetal, no que se
refere às associações. Por sua vez, Egler, em 1951 criticou, em uma análise magistral,
os conceitos fluidos da ecologia vegetal no período de 1900 - 1950, que merece ser
lida por todos quantos se interessam pela história da ecologia. Em 1971, David
Shimwell publicou uma revisão crítica, deixando claro que não se conseguira um
consenso entre os botânicos, no que foi confirmado por MacArthur, no ano seguinte.
A sociologia animal seguiu rumos distintos. Em muitas regiões da terra
os animais não se destacam na paisagem, especialmente naquelas em que a fauna é
rica em espécies, mas parcimoniosa em indivíduos, como sejam as floras tropicais e
equatoriais.
100
Os estudos sócio-faunísticos não se preocuparam tanto com o aspecto e
distribuição das associações e sim com os tipos de relações sociais, e com as
vantagens e desvantagens que acarretavam para os parceiros. O parasitismo foi
investigado do ponto de vista médico-sanitário, veterinário e agrícola, desviando-se
das investigações de caráter básico ou ecológico. (11) Assim, Goeze, em 1782 e
Joerdens, em 1801, discutiram os benefícios que deveriam advir da presença de
vermes intestinais para seus hospedeiros, por consumirem o excesso de alimento e o
muco, que poderiam provocar enfermidade ao entrarem em putrefação. Ao mesmo
tempo, estimulariam o peristaltismo.
Em 1862, o médico José Vieira dos Santos registrou suas opiniões a
respeito do assunto, na Gazeta Médica do Rio de Janeiro: Alguns médicos francezes
não acreditão nos graves acidentes que produzem os vermes nas crianças, e afirmão
que longe de serem prejudiciais à economia, eles ajudão pelo contrário o trabalho da
nutrição, desembaraçando os intestinos das materias não assimiláveis, opinião esta
que não adoptamos.
Mutualismo, simbiose, esclavagismo, comensalismo, inquilinismo
constituíam tipos de associações caracterizadas por vantagens mútuas ou unilaterais.
As dificuldades de tais sistemas levarem recentemente à sua revisão completa.
No sentido de comunidade biótica, um dos primeiros autores a
reconhecer a existência de agregados de espécies distintas e interdependentes foi
Edward Forbes (1815-1854), amigo de Darwin, ao estudar a zonação vertical dos
organismos marinhos do Mediterrâneo. Em 1844, reconheceu que a distribuição
geográfica e ecológica dos animais e plantas é influenciada por certos elementos e
por fatores que modificam sua ação. Assim expressou suas conclusões: The
distribution of marine animals is determined by three great primary influences, and
modified by several secondary or local ones. The primary influences are climate, seacomposition and depth, corresponding to the three great primary influences which
determine the distribution of land animals, namely climate, mineral structure and
elevation. (12)
Após a análise minuciosa das influências exercidas pelas marés,
corrente, natureza do fundo do mar e outras, Forbes reconheceu que: There are eight
well-marked regions of depth in the eastern Mediterranean, each characterised by its
peculiar fauna, and when there are plants, by its flora. These regions are
distinguished from each other by the associations of the species they severally
include. Certain species in each are found in no other, several are found in one
region which do not range into the next above, whilst they extend to that below, or
vice-versa. (13)
101
Além de delimitar e descrever as associações, Forbes mencionou seu
aspecto dinâmico e as modificações permanentes que ocorrem em função das
influências dos fatores mencionados no início de seu artigo.
Em 1877, Karl Möbius propos o termo biocenosis para designar uma
comunidade de animais marinhos, descrevendo-a dentro de uma concepção mais
moderna de sistema ecológico. Entretanto, deixou de incluir as plantas nessa
comunidade:...The territory of an oyster bed is not inhabited by oysters alone but also
by other animals.... Every oyster-bed is thus to a certain degree, a community of
living beings, a collection of species, and a massing of individuals, which find here
everything necessary for their growth and continuance, such as suitable soil,
sufficient food, the requisite percentage of salt, and a teperature favorable to their
development Each species which lives here is represented by the greatest number of
individuals which can grow to maturity subject to the conditions which surround
them, for among all species the number of individuals which arrive at maturity at
each breeding period is much smaller than the number of germs produced at that
time. The total number of mature individuals of all the species living together in any
region is the sum of survivors of all the germs which have been produced at all past
breeding or brood periods; and this sum of matured germs represents a certain
quantum of life which enters into a certain number of individuals, and which, as does
all life, gains permanence by means of transmission. Science possesses, as yet, no
word by which such a community of living beings may be designed; no word for a
community where the sum of species and individuals, being mutually limited and
selected under the average external conditions of life, have, by means of transmission,
continued in possession of a certain definite territory. I propose the word Biocoenosis
for such a community. Any change in any of the relative factors of a bioconose
produces changes in other factors of the same. If, at any time, one of the external
conditions of life should deviate for a long time from its ordinary mean, the entire
bioconose, or community, would be transformed. It would also be transformed, if the
number of individuals of a particular species increased or diminished through the
instrumentality of man , or if one species entirely disapeared from, or a new species
entered into, the community. ... Every bioconotic territory has, during each period of
generation, the highest measure of life which can be produced and maintained there.
All the organic material which is there ready to be assimilated will be entirely usedu
by the beings which are procreated in each such territory. Hence at no place which is
capable of maintaining is there still left any organizable material for spontaneous
generation. If, in a bioconose the number of individuals which arrive at maturity
would be maintained at the highest point, even though the number of breeding
102
individuals is being artificially lessened, the natural causes which act towards the
destruction of the embryos must be diminished at the same time.(14)
Como mostrou Deléage (15), Möbius desenvolveu uma brilhante série
de estudos sobre ecologia aplicada ou ecologia econômica da exploração de ostreiros.
Mais importante que isso, como Schwann, com a teoria celular, Möbius acrescentou
mais um nível de complexidade, à estrutura do universo vivo, acima do organismo ou
do indivíduo.
Em 1875 o geógrafo Suess propôs o conceito e o termo biosfera, que
seria redefinido em termos de ecologia global pelo russo Wladimir Vernadsky em
1926. Na URSS, a biocenologia desenvolver-se-ia em linhas distintas da ecologia
naturalística dos Estados Unidos.
Também Deléage chama a atenção para o fato de haver F.Alphonse
Forel, em 1871, inaugurado a disciplina da limnologia, designação por ele proposta,
ao estudar o comportamento das condições físicas e biológicas do lago Leman, entre a
Suiça e a França. A contraparte oceânica da limnologia seria desenvolvida por Victor
Hensen, na tentativa de avaliar, quantitativamente, a capacidade de suporte oferecida
pela biota planctônica aos peixes de interesse econômico.
Em 1887, nos Estados Unidos, Stephen A. Forbes descreveu a
comunidade dos lagos como um microcosmo. Nesse trabalho revela compreensão das
relações dinâmicas entre os fatores bióticos e abióticos dos sistemas ecológicos
estáveis e transforma a idéia vaga e abstrata da filosofia grega em um conceito
objetivo e operacional da ciência ecológica. A lake... forms a little world within itself a micro cosme within which all the elemental forces are at work and the play of life
goes on in full, but on so small a scale as to bring it easily within the mental grasps.
(16)
Forbes menciona os principais aspectos da comunidade, como a
relação entre as taxas de natalidade e moralidade, a repartição de recursos e as
influências externas. Seu sucesso deveu-se, em parte, à escolha de uma comunidade
de limites definidos, ainda que de grande complexidade em termos de interrelações
físicas e bióticas.
Em 1892, Stejnerger propos o termo biota para o conjunto de animais e
plantas de uma região.
No início do século, em um dos primeiros tratados sobre metodologia
ecológica, publicado em 1905, Clements descreveu o método dos quadrados, em uso
até hoje. Minimizou, então, o papel da fauna e deu maior importância aos fatores
abióticos, nas comunidades, convencido de que não se podia questionar a identidade
entre fisiologia e ecologia, opinião partilhada por Cowles, ao afirmar que os
problemas da fisiologia e da ecologia eram idênticos.
103
Em 1911, Victor Shelford, que conhecera Clements no ano anterior e
com quem desenvolveria, a partir de 1920, trabalhos em colaboração, preocupava-se
em definir as características ecológicas e fisiológicas dos organismos que pudessem
explicar sua distribuição geográfica. Em 1911 Shelford publicou um artigo,
Physiological animal geography, onde deixava clara sua visão do papel
preponderante dos fatores do meio físico sobre a fauna. Em 1913 definia: Ecology is
that branch of general physiology which deals with the organisms as a whole, with its
general life processes as distinguished from the more specifical physiology of the
organs, and which also considers the organisms with particular reference to its usual
environment.(17) Seus estudos sobre organização das comunidades bióticas levaram-no
a enunciar certos princípios fundamentais relacionados com os indicadores e a propor
a lei da tolerância, que será discutida em outro capítulo.
Também na época (1913-1914), Vestal, nos Estados Unidos, estudando
a sucessão em uma pradaria concluiu que associações de plantas e animais se
superpõe e são, em larga escala, interdependentes, os animais necessitando dos
vegetais para sua sobrevivência e estes, parcialmente dos primeiros. Os limites da
"comunidade animal" coincidem com os das plantas e o conjunto pode ser
considerado como constituindo uma única unidade. A fisionomia vegetal serve de
indicadora para revelar a constituição da fauna. Ora, em 1913 surgiu um manual de
ecologia animal, Guide to the study of animal ecology, de autoria de um dos
estudantes e colaboradores, Charles C. Adams, demonstrando que a formação básica
dos ecólogos, como botânicos ou zoólogos, pouco contribuía para a integração de
estudos de comunidades ecológicas como as compreendemos hoje.
Em 1916 Clements, com plena aceitação de Cowles, propôs sua teoria
do clímax que teria um lugar importante no desenvolvimento da ecologia de
comunidades vegetais. Sucessão e clímax resultariam das interações entre plantas e
fatores do ambiente. Aqui ambos divergiam no que refere ao papel dos fatores físicos
e bióticos, como ressaltou Benson em 1992. Cowles privilegiava a importância dos
fatores físicos, enquanto que Clements destacava a importância das influências
bióticas, especialmente com referência à sucessão. Shelford utilizou os conceitos de
sucessão e clímax em seus estudos sobre distribuição e ecologia de coleópteros,
publicados em 1907 e em 1908, quando conceituou a distribuição ecológica, que
depende do instinto e dos hábitos de uma espécie os quais, por sua vez, estariam
relacionados com os parâmetros físicos do habitat. E como o habitat é o resultado da
sucessão vegetal, o estudo da ecologia animal exige o conhecimento da ecologia
vegetal. Em 1907 chamou a atenção para o fato de se encontrarem faunas muito
distintas em diferentes estágios florestais, o que tornava evidente o fato de que a
sucessão vegetal era um fator que não poderia ser esquecido nos estudos de
104
distribuição e evolução. Em uma série de artigos publicados no Biological Bulletin,
nas duas primeiras décadas do século, Shelford dedicou-se a tornar evidente as
correlações entre sucessão vegetal e sucessão faunística. Convencido de que a
ecologia vegetal havia avançado mais que a ecologia animal, preconizava a utilização
da mesma metodologia para equiparar os resultados. Ainda mais que acreditava que
tanto as plantas como os animais viviam em habitats favoráveis às suas exigências
fisiológicas. Neste ponto, concordava com Jacques Loeb, um dos pioneiros dos
estudos etológicos, o qual defendia a idéia de que os padrões comportamentais de
animais e plantas constituem respostas fisiológicas a estímulos do ambiente. Após
uma década de tentativas infrutíferas de determinar os fatores causais da distribuição
e estrutura das comunidades, trabalhando com animais marinhos, Shelford concluíu
que o sucesso da aplicação do método experimental dependia de um conhecimento
bastante profundo das comunidades. Esta conclusão reflete o êrro de se buscar o
conhecimento holístico, no caso, da dinâmica de uma comunidade, através de análises
reducionistas da ação de cada fator implicado. Assim, a partir de 1925, Shelford
retornou ao estudo descritivo das comunidades, dedicando considerável esforço à
unificação da ecologia animal e vegetal no que denominou bio-ecologia, de que são
exemplos o trabalho que publicou em 1932, onde propõe princípios básicos de uma
ecologia integrada e o livro que co-autorou com Clements, em 1939. Um interessante
estudo histórico do conceito de sucessão foi publicado por J.-M.Drouin em 1994 e
uma apreciação crítica da teoria da sucessão e clímax, baseada em cuidadosa revisão
bibliográfica, por Lepart e Escarre em 1983.
O US Biological Survey, dirigido por C. Hartt Merriam, aplicou o
conceito de indicadores no zoneamento do território, com finalidade práticas, de
acordo com as vocações ecológicas de cada região. Merriam procurou demonstrar
como a biota de uma região reflete os fatores abióticos de uma região. Em 1894 e
1898 propôs o conceito de zonação biótica (life zones). Em 1945 Odum sugere que
este conceito foi substituido pelo dos biomas. Mares e Cameron, ao descreverem os
75 anos de evolução da ecologia de comunidades de mamíferos nos Estados Unidos,
analisaram a contribuição de Merriam e de outros mastozoólogos.
Em 1935, A. G. Tansley publicou um longo artigo no qual discutiu os
vários conceitos e termos a eles relacionados, em uso corrente nos estudos sobre
vegetação. Seu trabalho é de fundamental importância, não apenas pela conceituação
do ecossistema, termo que aí porpõe, mas pela análise detalhada do estado da arte na
época. Após criticar, por várias razões, inclusive linguísticas, o uso de comunidade
biótica, e de discutir o conceito de holismo, Tansley propos o que classificou como
um modelo teórico: I have already given my reasons for rejecting the terms "complex
organism" and "biotic community". Clements` earlier term "biome" for the whole
105
complex of organisms, inhabiting a given region is unobjectionable, and for some
purposes convenient. But the more fundamental conception is, as it seems to me, the
whole system (in the sense of physics), including not only the organism-complex, but
also the whole complex of physical factors forming what we call the environment of
the biome - the habitat factors in the widest sense. Though the organisms may claim
our primary interest, when we are trying to think fundamentally we cannot separate
them from their special environment, with which they form one physical system.
It is the systems so formed which, from the point of view of the
ecologist, are the basic units of nature on the face of the earth. Our natural human
prejudices forces us to consider the organisms (in the sense of the biologist) as the
most important parts of these systems, but certainly the inorganic "factors" are also
parts - there could be no systems without them, and there is constant interchange of
the most various kinds within each system, not only between the organisms but
between the organic and the inorganic. These ecosystems, as we may call them, are of
the most various kinds and sizes.(18). Tansley estava ciente e deixou claro que
propunha um modelo abstrato e não uma realidade ecológica, identificável na
natureza.
Tansley discutiu em profundidade as críticas feitas, em 1917, por
Henry Allan Gleason às teorias de associação e de sucessão ecológica de Clements e
concluíu por uma visão menos radical e reducionista da organização das
comunidades. O nascimento do conceito de ecossistema foi tema da tese de doutorado
de J.-M. Drouin, em Paris, apresentada em 1984.
Em 1938, Bodenheimer apresentou uma discussão interessante e
moderna sobre o conceito de comunidade. Os autores da Europa oriental, por sua vez,
adotaram o termo biogeocenose, proposto por Sukachev em 1958, para o ecossistema,
seguindo a tradição de estudos biogeoquímicos, como ficou evidente na reunião
promovida pela UNESCO em 1968, cujos anais apareceram em 1970.
A concepção energética da pirâmide de níveis de produção, consumo e
decomposição devemos a Lindeman, em 1942, com sua proposta de tratar a dinâmica
de um ecossistema em termos de transferência de energia. Hutchinson e Lindeman
estendem, assim, aos ecossistemas, a análise do metabolismo, antes aplicada aos
indivíduos. Seu seguidor e divulgador, Eugene Odum encarregou-se de difundir a
concepção renovada e passível de modelização e análise matemática, através de um
dos textos didáticos mais famosos no campo da ecologia. Proximidade e associação
envolvem, geralmente, competição pelo uso de recursos. O estudo da repartição dos
recursos constituiu um dos capítulos da ecologia que se encontra em franco progresso.
A disputa, na natureza, pode ocorrer entre indivíduos de uma mesma
espécie ou entre distintas espécies. Pode ser lenta, discreta e indireta, quando envolve
106
adaptação e preferência alimentar, taxa de natalidade diferencial, prolificidade,
resistência a condições rigorosas do meio físico e nível de tolerância ecológica
elevado. Esta disputa constitui a base da teoria da seleção natural de Darwin.
Em 1974, realizou-se em Haia, o 1º Congresso Internacional de
Ecologia, cujo tema central foi a discussão em torno dos princípios unificados em
ecologia. No que se refere às comunidades, parte de discussão girou em torno da
importância da complexidade dos sistemas para seu equilíbrio. Para uns, os sistemas
simples seriam mais estáveis; para outros, esta ependeria da complexidade das cadeias
de relações tróficas.
O estudo das comunidades, ou sinecologia, é o verdadeiro escôpo da
ecologia. Entretanto, resume-se, com freqüência, à simples juxtaposição de dados
colhidos de forma independente da vegetação e da fauna, em lugar de constituir-se em
uma análise integrada da biota. Cada nível de integração ou de complexidade
caracteriza-se por propriedades que lhe são próprias e que desaparecem quando
descemos a um nível inferior. A listagem exaustiva de espécies da flora e da fauna de
uma biota, acoplada à descrição do substrato e dos fatores climáticos não permitem
conhecer o ecossistema, nem em sua estrutura nem em seu funcionamento. Assim
como um organismo é mais que um amontoado de células ou de órgãos, um
ecossistema possui propriedades que derivam da integração de seus elementos
constituintes. Ele mantém suas características a despeito das alterações constantes em
sua estrutura. Os componentes microbianos, por exemplo, reproduzem-se em períodos
de tempo contados em minutos. Antes que uma análise da macrofauna seja concluída,
as populações se renovaram; indivíduos nasceram, outros morreram, alguns
emigraram e outros imigraram. O ecossistema deve ser estudado em seu nível próprio
de integração. É evidente que a análise de seus constituintes é parte integrante de sua
caracterização, mas o sistema não pode ser reduzido a eles.
Habituados à análise taxonômica, zoólogos e botânicos encontram
certa dificuldade em trabalhar com um outro referencial, onde machos e fêmeas,
jovens e adultos podem ocupar nichos distintos e viver em ambientes diferentes,
integrando comunidades independentes. Larvas de mosquitos são aquáticas e
predadoras, enquanto que os machos adultos são fitófagos e as fêmeas, hematófagas,
ocupando níveis tróficos diferentes. Espécies se substituem, sendo o nicho mais
importantes que o taxon, na descrição de um ecossistema.
A unidade, no nível de complexidade do ecossistema passa a ser a
comunidade e esta é, ao mesmo tempo, a unidade que importa para os que se
preocupam com a conservação da natureza e dos recursos naturais, preocupação esta
que se exacerbou no presente século.
107
Para que essas conclusões fossem alcançadas, entretanto, foi necessário
que se partisse da análise setorial dos fatores do meio abiótico e os do ambiente
biótico e que, a seguir, passamos a descrever.
108
Notas
(1) Linnaeus, 1737, 1751; Biberg, 1749. Na época, na Universidade de Uppsala, os estudantes
apresentavam para defesa, teses que eram preparadas por seus mestres. Estas aparecem na
literatura, ora sob o nome do aluno, Biberg, por exemplo, ora no de seu mestre, Linnaeus.
(2) Heddenberg, 1754.
(3) Humboldt, 1828, p.20. Si l’on reconnaît dans chaque individu organisé une physionomie
déterminé; puisque les descriptions de botanique et de zoologie, dans le sens le plus restreint, ne
sont que l’anatomie de la forme des plantes et des animaux; de même on peut distinguer une
certaine physionomie naturelle qui convient exclusivement à chaque zone.
(4) Humboldt, 1828, p.22. Assim, espécies semelhantes de plantas, tais como pinheiros e carvalhos
coroam igualmente as montanhas da Suécia e a porção mais meridional no México; contudo,
apesar desta correspondência de forma e desta semelhança de contornos parciais, o conjunto de
seus grupos apresentam um caráter inteiramente distinto.
(5) Coleman, 1985.
(6) Cuvier, 1837, p.394-395. ...ou a ciência da distribuição das plantas segundo a altura do polo, a
elevação do solo, a temperatura e o grau de umidade ou secura do clima. Repete seu argumento
na página 408.
(7) Cuvier, 1838, p.43. Os animais têm também sua geografia, porque a natureza restringe cada
espécie dentro de certos limites, por laços mais ou menos análogos aos que limitam a
distribuição dos vegetais
(8) Lund, 1838.
(9) Avila Pires e Avila-Pires, 1975.
(10) Beking,1 957 p.475-6. As duas idéias chave da Escola ZM são: a) distinção entre associações e
outras unidades de vegetação somente através de sua composição florística; b) o conceito de
fidelidade específica e sua utilidade para a classificação florística das unidades de vegetação
por meio de espécies características, diferenciando entre a composição de espécies e de espécies
características. ... A unidade de vegetação fundamental é a associação que é uma abstração
obtida pela comparação florística do número de talhões (fitocenoses) em parcelas selecionadas
subjetivamente no campo, e definidas por grupos diagnósticos de espécies de caracteres
diferenciais distintos. ... Um sistema de classificação eficiente é oferecido pelo método ZM, a
escola fitosociológica mais internacional e mais amplamente aplicada, no estudo da vegetação.
(11) Avila-Pires, 1998a.
(12) Kormondy, 1965, p.118.A distribuição dos animais marinhos é determinada por três grandes
influências primárias modificadas por várias de caráter local ou secundário. As influências
primárias que determinam a distribuição dos animais terrestres, que são o clima, a estrutura
mineral e elevação.
(13) Kormondy, 1965, p.118.Há oito zonas de profundidade no Mediterrâneo oriental, cada uma das
quais caracterizada por sua fauna própria e, quando existem plantas, por sua flora. Essas
regiões destinguem-se umas das outras pelas associações de espécies que incluem. Algumas
espécies de cada uma delas não são encontradas em outras; diversas são encontradas em uma
região, mas não nas superiores, enquanto que ocorrem na inferiores, ou vice-versa.
(14) Kormondy, 1965, p.121 ...o território de um ostreiro, não é habitado apenas por ostras, mas
também por outros animais ... cada ostreiro é assim, em um certo grau, uma comunidade de
organismos, uma coleção de espécies, uma reunião de indivíduos que encontram ali tudo o
quanto é necessário para o seu crescimento e permanência, tal como, solo apropriado, alimento
suficiente, a porcentagem necessária de sal e uma temperatura favorável ao seu
desenvolvimento. Cada espécie que ali vive está representada pelo maior número de indivíduos
que podem atingir a maturidade sujeitos às condições que os cercam, porque dentre as espécies
o número que atinge a maturidade em cada período de reprodução é muito menor do que o
número de propágulos nesta época. O número total de indivíduos adultos de todas as espécies
que vivem juntas em qualquer região é a soma dos sobreviventes de todos os propágulos que
foram produzidos em todas as épocas passadas de reprodução ou períodos de encubação; e esta
soma de propágulos maduros representa um certo quantum de vida que penetra em um
determinado número de indivíduos, e que, como toda a vida ganha a permanência por meio de
transmissão. A ciência não possuiu ainda um termo pelo qual tal comunidade de organismos
possa ser designada; nenhum termo para uma comunidade cuja soma dos indivíduos, sendo
mutuamente limitados e selecionados pelas condições normais externas de vida, tenham por meio
109
de transmissão a posse continuada de um território definido. Proponho o termo Biocoenosis para
uma tal comunidade. Qualquer modificação em qualquer dos fatores de uma biocenose acarreta
modificações em outros fatores da mesma. Se em qualquer uma das condições externas de vida
desviar-se por um longo período de tempo de sua média normal, toda a biocenose ou
comunidade também se transformaria. Também se transformaria se o número de indivíduos de
uma dada espécie aumentasse ou diminuísse pela intervenção do homem, ou se uma espécie
desaparecesse completamente, ou se uma nova espécie ingressasse na comunidade. ...Todo
território biocenótico possuiu, durante cada geração, a maior qualidade de vida que pode ser
produzida e mantida ali. Toda matéria orgânica ali está pronta para ser assimilada será
totalmente consumida pelos organismos procriados neste território, Portanto em nenhum lugar
capaz de manter vida existe qualquer material para geração espontânea. Se em uma biocenose o
número de indivíduos que atinge a maturidade se mantivesse em seu ponto mais alto, ainda que o
número de indivíduos reprodutores fosse reduzido artificialmente, as causas naturais que
provocam a descrição dos embriões devem ser reduzidas simultaneamente.
(15) Deléage 1991, p.71.
(16) Kormondy, 1965, p.168. Um lago ...constituiu um pequeno mundo dentro de si, um microcosmo,
dentro do qual todas as forças elementais estão em ação e o curso da vida prossegue incólume,
mas em escala tão reduzida que pode ser abrangida por nossa mente.
(17) Chapman, 1931, p.4. Ecologia é a ramo da fisiologia geral que trata do organismo como todo,
com seus processos vitais gerais, distinguindo-se da fisiologia especial dos órgãos, e que
considera, também, o organismo em relação ao ambiente normal. No estudo da autoecologia, é
evidente que o trabalho se desenvolve muito mais próximo às fronteiras da fisiologia.
(18) Tansley, 1935 p.299. Já dei minhas razões para rejeitar os termos “organismo complexo” e
“comunidade biótica”. O termo mais antigo de Clemnts, “bioma”, para o conjunto de
organismos que habitam uma região é apropriado, e para alguns objetivos, conveniente.
Entretanto, o conceito mais fundamental é, ao que me parece, o sistema total (no sentido da
física), incluindo não só o complexo orgânico, como também o conjunto complexo de fatores
físicos que constituem o que denominamos o ambiente do bioma - os fatores do habitat em seu
sentido mais amplo. Apesar dos organismos atraírem nosso interesse primário, quando estamos
pensando de maneira fundamental, não podemos separá-los do seu ambiente especial com o qual
eles constituem um sistema físico.
São os sistemas assim constituídosque, do ponto de vista do acólogo são as unidades
fundamentais da natureza na face da terra. Nossos preconceitos humanosnaturais nos forçam a
considerar os organismos (no sentido dos biólogos) como as partes mais importantes desses
sistemas, mas certamente os “fatores”inorgânicos também são parte deles - não poderia haver
sistemas sem eles, e existe troca constante dos tipos mais variados dentro de cada sistema, não
apenas entre os organismos mas entre orgânico e inorgânico. Estes ecossistemas, como podemos
designá-los, são dos mais variados tipos e tamanhos.
110
O MEIO ABIÓTICO
111
O Meio Abiótico
As reações dos organismos às influências dos elementos do meio
abiótico e, por sua vez, às modificações que plantas e animais exercem sobre fatores
climáticos constituem um dos aspectos mais fundamentais da ecologia, fazendo parte
mesmo de sua definição clássica.
Certos fatos são de conhecimento geral, intuitivo mesmo, e derivam da
experiência pessoal e da observação empírica como as alterações cíclicas na paisagem
devidas à sucessão das estações do ano e as relações da cobertura florestal com a
alteração do volume dos cursos d'água. Nem sempre, porém, as correlações que se
fazem são corretas. Com frequência, certos fatores mais evidentes para o homem,
como o frio e o calor são responsabilizados por influências que se devem, não
diretamente ao clima , mas ao fotoperíodo, isto é, à duração relativa dos dias e noites.
Não é raro que se interprete o comportamento de plantas e animais de um ponto de
vista antropocêntrico, atribuindo ao frio do inverno o que é devido, na realidade, à
escassez de água em estado líquido no solo. As relações do clima com as doenças
endêmicas e epidêmicas originaram, por sua vez, uma literatura folclórica, nem
sempre leiga, que continua a florescer em nossos dias. Influências do estado
atmosférico sobre o comportamento, a saúde e a sobre as condições psicológicas
preocuparam os médicos desde a antiguidade. O clima como determinante do
desenvolvimento das sociedades humanas continua a ser assunto de discussões onde
prevalece o preconceito ou a intenção política sobre a base científica.
Fatores climáticos (luz, temperatura, umidade relativa, precipitação,
vento, neve, granizo); edáficos (estrutura física e química do solo); topográficos
(altitude, latitude), hídricos (águas doces e salgadas, pH); mecânicos e geológicos
(erosão, fogo, erupções (correntes aéreas e marinhas, marés) exercem influências
diretas sobre os organismos, e sobre sua sucessão e evolução desde o aparecimento
da vida na superfície da terra. As reações individuais dos organismos às influências
do meio físico ou abiótico levaram alguns autores a considerarem este ramo da
ecologia como afim e dificilmente distinto da fisiologia, o que traduz um ponto de
vista reducionista.
Climatologia, microclimatologia, pedologia (estudo do solo),
edafologia (estudo das influências do solo sobre os organismos), oceanografia,
limnologia e outras tantas disciplinas unem a geografia à ecologia e fornecem
elementos para o estudo dos padrões e causas da distribuição e comportamento dos
organismos.
As influências dos fatores do meio físico sobre a saúde das plantas
cultivadas e dos animais domésticos são mais bem estudadas que no homem, tanto no
112
nível individual quanto populacional. A possibilidade de se utlizar largamente o
método experimental em organismos não humanos é responsável por isto.
No capítulo anterior acompanhamos a evolução das idéias sobre a
organização dos ecossistemas e as formações vegetais. No presente capítulo a
preocupação será em estabelecer as origens do pensamento moderno sobre as
influências dos fatores abióticos no desenvolvimento dos organismos e comunidades;
destes sobre as condições climáticas; do clima sobre a saúde, sobre o comportamento
individual e social; e, finalmente, dos fatores abióticos sobre o controle ecológico que
se traduz no equilíbrio relativo e dinâmico de populações vegetais e animais.
Iniciamos seguindo os passos daqueles que contribuíram significativamente para a
proposição dos paradigmas da ecologia básica.
A ação do meio físico sobre animais foi historiada por Davenport e por
Semper, enquanto que muita informação pertinente ao progresso da fisiologia vegetal
é encontrada nas obras clássicas de Julius Sachs, Pfeffer, e Klebs. Samuel Pessoa
oferece-nos uma boa argumentação e uma discussão histórica da geografia médica e
da evolução dos conceitos associados e Aragão discutiu com bastante clareza e
atualidade a questão da cartografia médica e suas relações com a ecologia.
O conhecimento antigo
Enquanto que os zoólogos buscam suas fontes pioneiras em Aristóteles
(384 a.C.-322 a.C.) e em Plínio, o Velho (23 d.C-79 d.C.), os botânicos recorrem a
Teophrastus (c.372 a.C.-287 a.C.). Se as observações sobre taxonomia, morfologia e
fisiologia animal encontrados em Aristóteles são notáveis, os ensinamentos
protoecológicos de Aristóteles e Plínio são de menor importância. Aristóteles
destacou-se por seus conhecimentos de anatomia e por suas tentativas de criar um
sistema de classificação mais natural, subordinando caracteres particulares aos gerais
ou fundamentais, numa versão embrionária da lei das correlações dos órgãos, de
Cuvier. Descreveu cerca de 500 espécies zoológicas. Plínio foi um enciclopedista,
compilando o conhecimento de 2.000 livros de 500 autores, onde a fábula mistura-se
a observações criteriosas.
Teophrastus, discípulo de Platão, tornou-se grande amigo de
Aristóteles, com quem trabalhou em Lesbos após a morte de seu mestre. Seu
verdadeiro nome era Tyrtamus, mas passou à história sob o cognome que lhe foi dado
por Aristóteles, em referência ao brilhantismo de sua conversa: Teophrastus significa
discurso divino. Herdou a biblioteca e a escola de Aristóteles, seguindo a sua
orientação e dedicando-se à observação das plantas, das quais descreveu mais de 500
113
espécies, razão pela qual é considerado o fundador da botânica. Duas obras
remanescentes são importantes: Historia Plantarum e De causis plantarum,
comentadas em detalhe por Sarton (1).
Em suas descrições atribuiu correta importância às diferenças de
habitus ou aspecto dos vegetais que crescem sob climas e solos distintos. Preocupouse com as preferências das plantas por ambientes sombrios ou ensolarados, e
descreveu as distintas características que adquire a madeira quando não se obedecem
às preferências de solo e clima para o plantio das árvores. Relacionou os diferentes
usos de cada espécie. O efeito de grupo também foi considerado, tendo Teophrastus
notado a diferença de forma em árvores da mesma espécie quando crescem em grupos
ou isoladas.
Da ação dos fatores climáticos mencionou as alterações e doenças a
eles atribuídas.
Clima, solo, adubação mereceram atenção especial. Em seu Enquiry
into Plants registrou que For growth and nourishment the climate is the most
important factor, and in general the character of the season as a whole; for when
rain, fair weather and storms occur opportunely, all crops bear well and are fruitful,
even if they be in soil which is impregnated with salt or poor. Wherefor there is an apt
proverbial saying that "it is the year which bears and not the field."
But the soil also makes much difference, according as it is fat or light,
well watered or parched and it also makes quite as much difference what sort of air
and of winds prevail in that region; for some soils, though light and poor, produce a
good crop because the land has a fair aspect in regard to sea breezes. But, as has
been repeatedly said already, the same breeze has not this effect in all places; some
places are suited by a west, some by a north, some by a south wind.
Again the working of the soil and above all that which is done before
the sowing has an important effect; for when the soil is well worked it bears easily.
Also dung is helpful by warming and ripening the soil, for manured land gets the start
by as much as twenty days of that which has not been manures. (2)
Tempos modernos
Lamarck (1744-1829) foi considerado por Ernest Haeckel um legítimo
representante francês dos filósofos da natureza. Como naturalista e filósofo, fez a
ponte entre os séculos XVIII e XIX (3). Modesto e introvertido, mereceu de Radl
(1909) o seguinte comentário crítico: El feliz Darwin nasció en domingo, Ignoro el
dia de la semana en que nascería Lamarck, pero debió ser en dia nefasto. Malgrado o
114
insucesso de algumas de suas teorias, foi o primeiro a propor um mecanismo racional
para a evolução orgânica, tema que começou a explorar em 1800, em seus cursos no
Museu de Paris. Abordou a questão do ponto de vista proto-ecológico, admitindo
como fator principal a influência do meio físico sobre animais e plantas, enquanto que
Darwin, nascido no ano da publicação da Philosophie Zoologique de Lamarck (1809),
daria relevância aos fatores bióticos, ou seja, às relações intra e interespecíficas. A
competição e a seleção natural resultariam no que Herbert Spencer popularizou sob a
designação de survival of the fittest, ou sobrevivência do mais apto.
Lamarck foi cientista de interesses diversificados: propôs os
fundamentos de uma ciência meteorológica, recebidos com desconfiança por seus
contemporâneos. Admitiu um relacionamento dialético entre a natureza orgânica e
inorgânica, que considerava fundamentalmente distintas, ao mesmo tempo em que
aceitava a formação do mundo inorgânico a partir da decomposição dos organismos.
Defendeu a idéia de que nenhuma ciência da biologia seria completa se não levasse
em conta as interações intricadas entre os seres e seu ambiente. Na obra sobre
Hydrogeólogie, de 1802, utilizou argumentos apoiados na teoria de que os minerais
seriam constituídos ou formados a partir dos restos de plantas e animais. A teoria
transformista de Lamarck fundamenta-se na idéia de que a diversidade de condições
de vida influi sobre a organização, modificando a forma geral e os órgãos do animal;
pode-se dizer que tanto quanto o uso e o não-uso dos órgãos.
Lamarck era uniformitarista e não admitia as revoluções geológicas
periódicas aceitas por Cuvier. Negava a extinção de espécies, mas admitia a geração
espontânea de animais simples. Considerava os fenômenos vitais como sujeitos às leis
da física, da química e da mecânica.
A Philosophie Zoologique foi escrita como um texto didático para ser
utilizado como uma introdução à Biologia (termo que propôs, simultaneamente com
Tréviranus e Vicq d’Azyr). No capítulo 7, Lamarck trata De l'influence des
circonstances sur les actions et les habitudes des animaux et de celle des actions et
des habitudes de ces corps vivants, comme causes qui modifient leur organization et
leur parties. (4). As influências e as respostas seriam diretas nas plantas, enquanto que,
nos animais, elas se manifestariam através de alterações nos hábitos e no
comportamento. Os exemplos lembram os efeitos de diferentes climas sobre as
plantas, conhecidos de todos e as evidências que o zoólogo encontra ao constatar a
variação individual presente em qualquer coleção de museu. As alterações exibidas
pelos animais domésticos constituiriam um outro exemplo de resposta às influências
exercidas diretamente pelo meio, mencionado por Lamarck. Para Lamarck, dentre as
circunstâncias de que a natureza se utiliza para variar suas produções Les principales
naissent de l'influence des climats, de celle des divers températures de l'atmosphère et
115
de tous les milieux environnants, de celle de la diversité des lieux et de leu situation,
de celle des habitudes, des mouvements les plus ordinaires...(5).
Uma reavaliação da Filosofia Zoológica foi publicada em 1984 (6), no
mesmo ano em que aparece uma pequena biografia de autoria de Jordanova.
Se, para Lamarck, os fatores abióticos são responsáveis pela evolução,
a influência facilmente observável da altitude, da latitude, dos ventos e da umidade
sobre a vegetação merecem registro por parte dos naturalistas viajantes do século
XIX. Assim, na Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil; Jean Baptiste Debret, que fez
parte da missão artística e científica austríaca de 1816 ao Brasil, registrou a
distribuição vertical das plantas e a mudança correspondente em habitus,
transcrevendo as observações de Théodore Descourtils, ornitólogo famoso do século
XIX. A época pioneira em que fez seu registro e o fato de não ser mencionado na
literatura zoobotânica justificam a citação extensa de suas observações (da edição
brasileira de 1940) contidas no capítulo intitulado Estatística Vegetal. Golpe de vista
sobre os lugares de adoção de cada espécie, desde a costa até os picos da Serra dos
Órgãos.
Parece-me, pela constância dos lugares em que se fixam as plantas,
que elas adotam uma região que lhes favorece o crescimento, abaixo e acima da qual
não se encontram mais. Observações feitas com bons instrumentos poderiam
determinar com precisão as diversas latitudes, os diversos pontos em que elas surgem
com todo o seu vigor, e seriam preciosas.
O autor passa, a seguir, a descrever seis planos ou faixas de altitude,
caracterizados por plantas indicadoras. No primeiro, o solo é arenoso: Nos mangues
de beira-mar crescem os mangles e quantidades de espécies de "quamoclit", de
curcurbitáceas, de capandeas nas árvores e apocináceas nas areias. É também o
único lugar em que o coqueiro dá frutos. ...
No segundo plano, em aumentando o declive, surgem as palmeiras
Indaiá-assú ..., raras samambaias mas muitas espécies de mimosas que, herbáceas
na planície, se transformam em arbustos nas colinas e se tornam árvores enormes
nas montanhas."
Do quarto plano diz: Nesta altitude observam-se diariamente neblinas
frias. ... Quanto mais fria se torna a temperatura mais os galhos das grandes árvores
se carregam de tilandcia osneoides [sic] pendentes como longas barbas ...
No quinto plano surgem as Araucárias.
No sexto, Aquí as árvores parecem sofrer, vegetar ou tentar esforços
impotentes para lutar contra uma temperatura que lhes dificulta o crescimento.
Pouco a pouco florestas de samambaias substituem as árvores e as rosetas das
tilandcia [sic], como que fixadas ao roxedo abrupto, são os únicos vestígios da
116
vegetação que se encontram nesta altitude que parece ser a última sob o domínio da
natureza. Esta experimenta sua força ao pé das grandes serras, mostra toda sua
magestade a meia altura, decresce e se aniquila em uma temperatura fria em que
alguns líquenes e algas nascem como que a contragôsto e logo são destruídos pala
morte. T. Descourtils. (7).
Em meados do século XIX, questões mais objetivas ocupavam os
naturalistas.
Liebig , em 1840 explicara de que maneira certos fatores do ambiente
físico como os minerais no solo exercem um controle limitante sobre os organismos a
despeito da ação favorável ou ótima dos demais e enunciara a Lei do Mínimo, que
pode ser resumida dizendo-se que aquele elemento mineral para o qual o limite de
tolerância de uma espécie é menor, constitui seu fator limitante.
Durante o século XIX, as observações dos naturalistas viajantes e as
explicações resultantes dos trabalhos experimentais, de campo e de laboratório
serviram de base para a primeira e a mais importante teoria integradora da biologia, a
teoria da evolução. A evolução resulta das relações ecológicas entre organismos e o
meio, isto é, da competição, seleção e adaptação dos organismos. A breve discussão
que se segue ilustra os argumentos da época em torno da idéia abstrata, dos
argumentos concretos e das propostas de um mecanismo explicativo da evolução.
Pouco mais jovem, porém comtemporâneo de Liebig e de Darwin,
Herbert Spencer (1820-1903), não teve formação escolar convencional. Dedicou-se ao
jornalismo e, em seguida, à publicação de ensaios pioneiros sobre psicologia e
sociologia, após estabelecer-se em Londres em 1848. Deixou Derby e um emprego
como engenheiro ferroviário, e abandonou
definitivamente suas tentativas
desastradas de inventor.
As especulações de Spencer no campo da biologia, das ciências
humanas e da filosofia natural foram audaciosas, por vezes intuitivas e brilhantes,
freqüentemente superficiais e errôneas. Como Leeuwenhoek, precedeu Darwin na
discussão da questão do potencial reprodutivo de certos organismos
extraordinariamente prolíficos, que depositam milhões de ovos e deixam um grande
número de descendentes os quais, se não estivessem sujeitos a certos controles
rigorosos, cobririam o planeta decorridas poucas gerações. Spencer admitia que
predadores e presas oscilavam em ritmos senoidais defasados, mantendo um perfeito
equilíbrio dinâmico. Ao contrário de Darwin, não se lançou à observação e à
experimentação práticas, mas desenvolveu seu raciocínio em bases teóricas, apoiado
na autoridade de naturalistas famosos contemporâneos, de que se tornara amigo, como
Huxley e Hooker.
117
Darwin, no prefácio da On the Origin of Species, reconhece o notável
talento e a habilidade de Spencer ao argumentar contra a teoria da criação especial e
menciona suas idéias em vários capítulos. Mas, na sua Autobiography editada por
Nora Barlow em 1958 afirma francamente que Herbert Spencer's conversation
seemed to me very interesting, but I did not like him particularly, and did not feel that
I could easily have become intimate with him. I think that he was extremely
egotistical. After reading any of his books, I generally feel enthusiastic admiration for
his transcendent talents, and have often wondered wether in the distant future he
would rank with such great men as Descartes, Leibnitz, etc., about whom, however, I
know very little. Nevertheless I am not concious of having profited in my own work by
Spencer's writings. His deductive manner of treating every subject is wholly opposed
to my frame of mind. His conclusions never convinced me... (8).Prossegue Darwin em
uma análise perfeita da obra e da personalidade de Spencer: desprovida de base
experimental, com proposições que mereceriam uma dúzia de anos de cuidadoso
trabalho de campo para serem convenientemente desenvolvidas e generalizações que
podem ser valiosas do ponto de vista filosófico, mas inúteis do ponto de vista
científico, They do not aid one in predicting what will happen in any particular case.
(9)
. O nome de Spencer não consta entre os dos visitantes de Down House
mencionados por Atkins, em seu relato da vida doméstica de Darwin. Após a
publicação da Origem das Espécies por Darwin, Spencer tornou-se um fervoroso
adepto da teoria da evolução, termo que adotou em lugar de transformismo, corrente
na época. Utilizando o raciocínio dedutivo, aplicou a teoria às sociedades humanas e
à cultura. Popularizou a expressão sobrevivência do mais apto, que Darwin adotou
por considerá-la mais apropriada que a sua própria seleção natural. Spencer admitiu,
como corolário de suas idéias, que o racismo, a guerra, a competição industrial e
nacional seriam justificáveis, atraindo críticas - estas justificadas.
Merz comentou que Both Mr. Herbert Spencer's "System" and
[Hermann] Lotze's "Microcosmus" are written with the object of establishing the unity
of thought, of preserving the conviction that things exist and that events happen in
some intelligible connection, and especially that the religious and the scientific views
of the world and life are reconsilable. (10)
O argumento ecológico do equilíbrio natural precedeu a conclusão
evolutiva da seleção natural de Darwin. Em um artigo publicado em 1852 e
mencionado por Darwin no prefácio da Origem das Espécies, Spencer desenvolveu
uma teoria da população para explicar a permanência e a multiplicação das espécies.
Em primeiro lugar, reconheceu a existência e a interação permanente de duas forças
opostas: uma destrutiva, devida à morte natural, aos inimigos naturais, às
modificações atmosféricas (climáticas); outra, preservativa, derivada da força e
118
sagacidade, da esperteza e fertilidade. Para que a raça se mantenha, essas forças
devem manter-se em equilíbrio. Este equilíbrio foi assim descrito: Whilst any race
continues to exist, the forces destructive of it and the forces preservative of it must
perpetually tend towards equilibrium. If the forces destructive of it decrease, the race
must gradually become more numerous, until, either from lack of food or from
increase of enemies, the destroying forces again balance the preserving forces. If,
reversely, the forces destructive of it increase, then the race must diminish, until,
either from its food becoming relatively more abundant, or from its enemies dying of
hunger, the destroying forces sink to the level of the preserving forces Should the
destroying forces be of a kind that cannot be thus met (a great change of climate), the
race, by becoming extinct, is removed out of the category. Hence this is necessarily
the law of maintenance of all races; seeing that when they cease to conform to it
they cease to be. (11).
Darwin, por sua vez afirmou, mais objetivamente, que o clima exerce
uma fator importante na determinação do número médiode indivíduos de uma espécie,
e o retorno periódico do frio ou da seca extrema parece ser o mais eficaz dos freios.
Nas edições sucessivas da Origem, os fatores bióticos figuram com importância
crescente. A questão da prevalência dos fatores bióticos e abióticos seria tema de
acirrada polêmica entre ecólogos, na década de 1960.
Spencer analisa a capacidade enorme de reprodução de vários animais,
até chegar ao elefante, ao homem e à conclusão lógica: a habilidade de multiplicar-se
decresce à medida em que a habilidade do organismo em manter-se cresce.
A parte final do artigo aborda a aplicação de sua teoria da fertilidade e
equilíbrio ao homem.
Na edição revisada de Principles of Biology publicada em 1867, a
teoria é incorporada ao capítulo sobre as leis da multiplicação. Ali, Spencer discute
quais são os fatores do ambiente físico e quais se devem aos demais organismos.
Ressalta a natureza dinâmica ou móvel do equilíbrio, o qual depende da atuação de
certos fatores em determinadas quantidades. Spencer menciona Liebig em outro
contexto e não cita sua lei do mínimo, mas não há dúvida de que reconhece o
fenômeno, além do papel limitante, também, das quantidades máximas (o que seria,
mais tarde, proposto formalmente por Blackman e por Shelford). Para ele, o moving
equilibrium may be overturned if one of these actionsis either too great or too smallin
amount; and it may be so overturned either by excess or defect of some inorganic
agency in its environment, or by excess or defect of some organic agency.
Thus a plant, constitutionally fitted to a certain warmth and humidity,
is killed by extremes of temperature, as well as by extermes of drought and moisture.
It may dwindle away from want of soil, or die from the presence of too great or too
119
small a quantity of some mineral substance which the soil supplies to it. In like
manner, every animal can maintain the balance of its functions so long only as the
environment adds to or deducts from its heat at rates not exceeding definite limits.
Water too, must be accessible in amount sufficient to compensate loss. If the parched
air is rapidly abstracting its liquid which there is no pool or river to restore, its
function cease; and if it is an aquatic creature, drought may kill it either by drying up
its medium or by giving it a medium inadequately aërated. Thus each organism,
adjusted to a certain average in the actions of its inorganic environment, or rather,
we should say, adjusted to certain moderate deviations from this average, is
destroyed by extreme deviations. (12)
A habilidade que Darwin reconhece na argumentação de Spencer
refere-se à abordagem da questão do mecanismo diretor da adaptação e que Spencer
propôs da seguinte maneira: Few if any will say that God continually altershe
reproductive activity of every parasitic fungus and everyTape-worm orTrichina so as
toprevent its extinction or undue multiplication; Which they must say if they adopt the
hypothesis of supernatural adjustment. And in the absence of this hypothesis there
remains only one other. The alternative possibility is, that the balance of the
preservative and destructive forces is self-sustaining - is of the kind distinguished as a
stable equilibrium: an equilibrium such that any excess of one of the forces at work,
itself generates, by the deviation it produces, certain counter-forces which eventually
outbalance it, and initiate an oposite deviation. (13).
Dentre os fatores que influem no equilíbrio natural, Spencer cita a
disputa por área ou espaço vital. Uma planta que produza um número exagerado de
sementes verá uma parcela delas deixar de germinar por falta de espaço adequado
onde crescer.
Os demais argumentos serão considerados no capítulo dedicado às
relações bióticas, por serem relativos ao equilíbrio predador/presa.
Spencer, em 1862, dedica um espaço considerável à descrição dos
ritmos populacionais como reconhecem Allee et al. Mas,fiel às suas tendências
generalizadoras, amplia a idéia para incluir a teoria ondulatória da luz, a
periodicidade das órbitas planetárias, os ritmos sazonais e circadianos,
conseqüentemente os fotoperíodos. Menciona a sucessão na destruição e construção
do relevo terrestre e de outros processos geológicos. Estende a concepção aos ritmos
de alimentação, peristaltismo, inclui a circulação do sangue e a locomoção. Daí passa
aos estados psicológicos e aos fenômenos sociais.
Em seu estilo jornalístico, onde as primeiras impressões e as
coincidências assumem as proporções de fatos verificados e correlações definidas,
120
parte em busca dos princípios gerais ou First Principles, tentando fazer pela biologia
o que os físicos conseguiram com a simplicidade dos fenômenos com que lidam.
Evolução do conceito de adaptação no século XIX
A questão da natureza das adaptações e dos mecanismos responsáveis
por elas constitui um dos temas centrais da ecologia.
Até a década de 1850 considerava-se que os organismos seriam
perfeitamente adaptados aos ambientes em que vivem. Teólogos interpretavam essa
perfeição como prova dos desígnios de um Criador inteligente e da existência de um
plano divino. Ao mesmo tempo, a adaptação seria teleológica, no sentido de que
resultava de um projeto finalístico, onde o olho fora projetado para enxergar, e sua
estrutura, desenhada com perfeição. Para aqueles naturalistas fixistas como Cuvier, a
sucessão histórica do aparecimento das classes de vertebrados era explicada como
sendo necessária à adaptação aos diferentes ambientes das épocas de criação. Para
Cuvier, as semelhanças estruturais exibidas por animais de grupos taxonômicos
distintos seriam devidas exclusivamente a semelhança de funções, isto é, seriam
analógicas. Ospovat lembrou que para muitos naturalistas, o fenômeno da adaptação
não era apenas um fato, mas também uma explicação.
Entre 1831 e 1837 Darwin abandonara a crença no fixismo das
espécies para admitir o transformismo ou evolução. Esse período assistiu o início de
uma profunda alteração no pensamento dos biólogos, com a rejeição da visão
teológica do mundo para a admissão de explicações biológicas dos fenômenos.
Mesmo aqueles que, como Darwin, modificaram sua forma de pensar continuaram
ainda, por algum tempo, a aceitar a harmonia da natureza e a perfeição das adaptações
dos organismos ao ambiente, como relata Ospovat, ao chamar a atenção para o fato de
que em meiados do sécxulo XIX, a maioria dos naturalistas, incluindo Darwin até
1850, acreditavam que a adaptação era um fato absoluto e não uma condição relativa.
Ora, o abandono da idéia de um mundo programado foi necessário para
o nascimento de uma ciência ecológica: o momento em que perguntas do tipo para
que existem as moscas deixou de ter sentido marcou o início de um novo período na
história natural.
A análise da evolução do pensamento de Darwin feita por Ospovat
permite seguir os passos e as etapas do lento processo de questionamento de idéias
cristalizadas há séculos, que culminaram na admissão do caráter aleatório da variação
genética: ...from 1838 to 1844 ... Darwin's conception of nature changed, from
preplanned 'system of great harmony' to the effects of a few 'designed laws' which
121
have only by chance produced precisely those beings and organic relations that
actually exist. ... whereas in 1844 he believed adaptation to be perfect, by 1854 he
supposed it to be relative. ...In 1844 he thought there was 'exceeding little' variation
in nature, while in the Origin he implied that variation, even in important parts, is
common."(14)
Por sua vez, Wallace, reforçou a idéia de que There is no subject of
such vital importance to an adequate conception of evolution, which is yet so
frequently misappreehended, as variability. ...Hence, perhaps, it was that Darwin
himself, finding so little reference to variation among wild animals or plants in the
works of the writters of his time, had no adquate conception of its universality or of
its large general amount whenever extensive series of individuals were compared. (15).
Até o Essay de 1844, Darwin acreditava que a transmutação das
espécies seria intermitente e destinada a restabelecer a adaptação perfeita dos
organismos ao seu ambiente, após a ocorrência de alterações de natureza geológica ou
em virtude de migrações para outras regiões. A variação plástica ocorreria em
resposta a uma modificação no meio externo, no sentido lamarckiano. Em The Origin
of Species, Darwin mudou radicalmente seu modo de pensar, aceitando a ocorrência
de um processo constante de variação aleatória. As espécies não seriam perfeitamente
adaptadas e a variação seria contínua e não direcionada. Segundo Ospovat, em 1844 a
descrição darwinista da seleção natural obedecia às concepções teológicas acerca da
perfeição, adaptação e variação. Já em 1859, essas idéias perderam importância na
concepção da natureza de Darwin.
Em 1957, Ernst Mayr ao analisar o impacto da Origem das Espécies
sobre a taxonomia, considera que os biólogos formaram duas correntes: aqueles que
se dedicaram ao melhoramento animal, criadores e outros experimentalistas, seguiram
Drawin, minimizando a realidade objetiva da espécie e considerando o organismo
como a unidade evolutiva. Os sistematas alinharam-se com Linnaeus, que admitia sua
fixidez.
Apesar de que a aceitação progressiva da teoria da evolução alterou
radicalmente o conceito de espécie e de filogenia, reconhecendo os biólogos que, na
natureza, a evolução resulta das relações ecológicas dos organismos entre si e de suas
interações com o ambiente, só encontramos menção à ecologia em apenas três páginas
de toda a coletânea de trabalhos sobre o conceito de espécie, publicada por
Slobodchikoff em 1976.
O botânico De Candolle, entretanto, descrevia em 1832 o que hoje se
denomina de vicarismo: regiões afastadas, com condições climáticas semelhantes,
abrigando faunas e floras distintas, mas cujos animais ou plantas apresentam
estruturas semelhantes ou convergentes. Já em 1820 De Candolle admitia que outros
122
fatores, além da adaptação, estariam envolvidos na distribuição geográfica dos
organismos.
Darwin, por sua vez, ao estudar o processo de disseminação das plantas
e animais, o papel do acaso, discordando de Lyell, que interpretava a disseminação
como um meio das espécies atingirem as áreas para as quais estavam adaptadas e
destinadas. A pre-adaptação teleológica também não explicava a presença de órgãos
vestigiais e rudimentares, nem a semelhança entre formas extintas e recentes em uma
mesma região, como as observadas por Darwin na América do Sul. Mas a
hereditariedade e adaptação poderiam dar a explicação, pois para ele, cada animal
deve algo, em parte à adaptação e em parte à herança.
Ao rejeitar a idéia da harmonia da natureza, na Origem das Espécies,
Darwin questionou a noção de ordem estabelecida pelo Criador e das causas e
objetivos finais da criação. A teoria opunha-se à noção de um mundo perfeito,
ordenado e finalístico, como aquele descrito pelos físicos como Boyle e Newton, ou
como aquele imaginado e defendido pelos sociólogos, contra os "ateus, reformadores
e anarquistas" que questionavam a estrutura rígida da sociedade de classes e os
privilégios e obrigações sociais da Inglaterra do século XIX.
O questionamento da perfeição das adaptações e da natureza da
variação ameaçaram, pois, a ordem estabelecida pela igreja e pela sociedade.
A visão atual
A análise dos fatores do ambiente físico ou abiótico que influem na
adaptação teve, portanto, origem nas idéias de Liebig e ganhou impulso e maior
definição com a explicação darwinista das relações dos organismos com o meio
físico.
Blackman, em 1905fez uma análise crítica do conceito de ótimo
ecológico ...as a primary general relation between physiological processes and the
external or internal conditions which affect them. Disse ele: In treating physiological
phenomena, assimilation, respiration, growth, and the like, which have a varuing
magnitude under varying external conditions of temperature, light, supply of
materials, etc., it is customary to speak of three cardinal points, the minimal
condition below which the phenomena ceases altogether, the optimal condition at
which it is exibited to its highest observed degree, and the maximun condition above
which it ceases again. (16).
Blackman questionou a atribuição de valores fixos para os pontos
cardeais, baseado em sua experiência com os estudos que fez da absorção de CO2.
Resume seu princípio geral da otimização ao dizer que: When a process is
123
conditioned as to its rapidity by a number of separate factors, the rate of the process
is limited by the pace of the slowest factor. (17). É a versão científica do ditado popular
que diz que a corrente se parte no elo mais fraco, ou ela é tão forte quanto o elo menos
resistente.
Em 1911, Victor Shelford, em um artigo sobre os fatores fisiológicos
que regulam a distribuição geográfica dos animais reconheceu que a reação dos
organismos ao conjunto das influências limitantes é geral e tão regular que pode ser
expressa sob a forma de um princípio ecológico,o qual ficou sendo conhecido como a
Lei da Tolerância. Esta lei incorpora tanto o ambiente geográfico quanto a fisiologia
ecológica dos organismos. Como consequência ou corolário, Shelford propos a
utilização de certas espécies de animais como indicadoras de condições ambientes.
Neste sentido, registrou que várias tentativas importantes foram feitas no sentido de se
correlacionar distribuição geográfica com condições meteorológicas, geralmente com
o uso de espécies como um indicador dessas condições. Merriam, por sua vez,
enfatizou o papel da temperatura; Walker, da umidade atmosférica; Heilprin, do
alimento como fatores limitantes.
Shelford aprofundou a questão dos fatores limitantes, ao indagar:
Since the environment is a complex of many factors, every animal lives surrounded by
and responds to a complex of factors, at least in its normal life activities within its
normal complex. Can a single factor control distribution ?
A large amount of physiological study of organisms has been
conducted with particular reference to the analysis of the organism itself, but with
little reference to natural environments. Many of the factors and conditions employed
in such experiments are of such a nature that the animal never or rarely encounter
them in its regular normal life. Other experiments are, however, attempts to keep the
environment normal, exceot for one factor. These have demonstrated that in ordinary
reactions an animal responds to the action of a single stimulus. Certain general laws
govern the reaction of animals to different intensities of the same stimulus. (18).
Em seguida, Shelford passa a analisar essas leis, frequentemente
mencionadas em textos de fisiologia. Escreve sobre condições ótimas, mínimas e
máximas, para cada estímulo ou fator. A pergunta lógica leva à inevitável conclusão,
já alcançada por autores precedentes: que fator determina os limites de ocorência de
um animal na superfície da terra? A resposta a isso é dade pela Lei do Mínimo de
Liebig.
Shelford propõe, afinal, a "Lei da Tolerância", que engloba a ação
conjunta do complexo de fatores: In fact the law of minimum is but a special case of
the law of toleration. Combinations of the factors which fall under the law of
minimum may be made, which makes the law of toleration apply quite generally; food
124
and excretory products may be taken together as constituting a single factor. From
this point of view the law of toleration applies, the food acting on the minimum side,
excretory products on the maximum.(19)
A lei da tolerância é utilizada por ele para explicar certos aspectos da
distribuição geográfica dos animais. Assim é que considera os chamados centros de
distribuição como sendo geralmente as a´reas em que as condições são ótimas para
um número considerável de espécies. Com base em tal raciocínio, Shelford propõe
suas leis zoogeográficas:
a. The geographic range of any species is limited by the fluctuation of
a single factor (or factors) beyond the limit tolerated by that species. ...
b. The distribution area of a species is the distribution of the complete
environmental complex within which it can live as determinated (l) by the activity
which takes place within the narrowest limits and (2) by the animal´s power of
migration.
E conclui que ... faunistic animal geography begins where
physiological animal geography ends... (20) ...............................................................
A idéia fundamental do fenômeno da tolerância e da plasticidade ecológica
bem como o papel limitante dos fatores bióticos e abióticos na regulação das
populações e na delimitação da distribuição geográfica das espécies está igualmente
presente nas obras de Spencer e na de Shelford. Entretanto, Spencer especula,
enquanto que Shelford demonstra; Spencer divaga e supõe, ao passo que Shelford
estabelece princípios científicos e racionais. Mas somos forçados a reconhecer que,
neste caso, não se trata de uma falsa prioridade histórica, onde uma idéia nebulosa
precede um enunciado lógico e empírico. Trata-se de germe verdadeiro de um
paradigma, posteriormente trabalhado e verificado. Trata-se de um desses casos em
que a intuição é confirmada pela experiência e pela análise posterior de evidências
que se acumularam.
Em 1927, o meteorologista alemão Rudolf Geiger propôs e
desenvolveu o conceito de microclima, isto é, aquele associado ditetamente a um
determinado organismo, abrindo um novo e importante campo de perspectiva ao
estudo da distribuição geográfica e microgeográfica dos organismos.
O conceito de microclima, originalmente limitado à faixa de até um
metro de altura do solo é essencial, não só, para explicar a ecologia da distribuição
dos organismos livres, mas para permitir-nos compreender os padrões de ocorrência
dos microorganismos que vivem em ambientes endógenos, ou seja, no corpo dos
hospedeiros, na qualidade de simbiontes, comensais, inquilinos ou parasitas. Deste
conceito derivou a nova disciplina da micrometeorologia e outras associadas, que
constituem um capítulo autônomo da ecologia.
125
126
Estratégias de adaptapção
Desde a antiguidade, a fixidez das plantas e a vagilidade dos animais
conduziram à proposição de teorias simplistas de biogeografia ecológica. A vantagem
evidente dos animais que dispõem de um sistema de regulação térmica (aves e
mamíferos) sobre os poiquilotermos foram notadas como um importante fator
ecológico.
Réaumur foi um dos pioneiros, em 1725, do estudo do comportamento
animal. Trew, em 1727 preocupou-se com o estudo das influências da alternância de
luz e da escuridão sobre a velocidade de crescimento das plantas. Linnaeus, em 1739,
também preocupou-se com a influência do fotoperíodo, mas atribuiu a maturação
rápida dos vegetais nas regiões árticas, no verão, ao calor. Os efeitos da luz sobre a
metamorfose dos animais, iniciado por Spallanzani, passaram a ser objeto de
investigações metódicas, baseadas na experimentação em laboratório. ........Cuvier
menciona, nos anos de 1817 e 1818, a preocupação com a ação dos agentes físicos
sobre os vertebrados.
Em 1907, Schafer sugeriu, com base em dados científicos, o papel do
fotoperíodo na migração das aves, enquanto que desde 1802 se utiliza o dia artificial
para incrementar o ritmo de postura das galinhas. Coube a Garner, historiar, em 1936,
os estudos sobre fotoperíodos, fenômeno que despertou a atenção dos biólogos para
os ciclos diversos, que são popularmente conhecidos como devidos aos relógios
biológicos.
Em 1865 descobriu-se a ação bactericida de certas radiações
luminosas.
Manuais de agricultura como os de Gasparin, de 1844 e o de economia
agrícola de Boussingault, publicado em 1837 reunem uma série de observações a
respeito da influência do clima e do solo sobre vegetais cultivados. Por sua vez, a
aclimatação de plantas e de animais em jardins botânicos e zoológicos, desde a
antiguidade, resultaram em uma importante fonte de descobertas ecológicas e
etológicas.
Cleveland Abbe (1838-1916) constitui uma das melhores fontes de
informações históricas sobre o desenvolvimento dos estudos que conduziram a
agricultura ao progresso técnico-científico e que permitiram a reunião dos
conhecimentos básicos essenciais sobre os requisitos ecológicos das plantas sob
regime de cultivo.
Em 1850, Arago inventou um termômetro duplo, com um bulbo preto e
outro incolor, para medir a insolação total e, desde então, os botânicos puderam
127
diferenciar entre as influências da luz e da temperatura sobre as plantas, e determinar
os níveis mínimo, ótimo e máximo de influência.
Em 1865, Becquerel publicou um trabalho sobre a influência das
florestas sobre o clima, elogiado por Déherain Le travail de M. Becquerel a paru au
moment où l'administration besoigneuse du second empire se proposait d'aliéner une
partie des forêts de l'État, et il est possible que la courageuse résistance des savants
et du Corps des Forestiers ait décidé l'abandon des projets du ministre des
finances.(21).
De Candolle estudou os efeitos da luz e da temperatura sobre a
germinação e o desenvolviemnto das plantas e conseguiu demonstrar que, ao contrário
do que se imaginava, a falta dágua em estado líquido no solo e não o frio era o fator
responsável por impedir a germinação de certas sementes a 0ºC. A preocupação em
determinar a resistência ao frio e ao calor foi objeto de investigação de muitos
naturalistas desde o século XVIII.
Em 1888 já se utilizavam evaporímetros para o estudo da ação dos
ventos e o papel desses na dispersão de esporos e outros propágulos.
No final do século passado, os problemas de regulação osmótica em
plantas e animais eram conhecidos. Beaudant já tivera a atenção despertada, em
1816, para a melhor chance de sobrevivência de moluscos de água salobra quando
transportados para água doce, em comparação com espécies marinhas. Inúmeros
experimentos foram realizados no sentido de adaptar animais de água doce em
soluções de concentração salina crescente.
O papel da pressão barométrica foi exaustivamente investigado por
Bert em 1878.
Por volta de 1870, os zoólogos estudavam as influências do meio sobre
o desenvolvimento dos animais em condições as mais diversas: moluscos sujeitos à
força das ondas e à ação das marés; o papel das minhocas na formação do solo; a
formação dos recifes de coral; as influências das correntes aéreas e marítimas na
dispersão das espécies e na colonização das ilhas oceânicas.
Dentro da filosofia positivista, a descrição do comportamento animal
evoluiu dos relatos folclóricos, onde a imaginação e a lenda desempenhavam o papel
mais importante, para a observação objetiva e, finalmente, para a proposição de uma
metodologia que permitia quantificar um etograma. No início do século atual discutiase a questão do antropocentrismo no estudo do comportamento, a necessidade de uma
metodologia científica (que veio com Pavlov), o significado da percepção, os
tropismos e tactismos e, finalmente, a origem dos fenômenos psicobiológicos e
sociobiológicos.
128
129
Florestas e climas
O estudo das influências recíprocas do clima e das florestas é complexo
e constitui um capítulo independente da ecologia.
As florestas sempre ocuparam um lugar especial na história, na
economia, no folclore, no romance e na imaginação: reduto de animais cuja caça era
reservada ao rei, de madeiras utilizadas na construção de navios de guerra,
esconderijo de bandos de proscritos, ambiente mágico de inúmeras histórias infantis e
atrativo irresistível para os naturalistas europeus, limitados a poucas espécies nativas
e a paisagens já exploradas e conhecidas.
Os éditos de proteção de espécies animais e vegatais - as madeiras-delei - visavam evitar a extinção ou redução daqueles organismos considerados
importantes por razões econômicas, estratégicas ou particulares, como era o caso dos
cervos reais, cuja caça desautorizada era punida com a morte. Entretanto, os estudos
sérios sobre a importância da preservação florestal, visando a manutenção do clima
regional, são recentes.
Uma das principais fontes históricas e bibliográficas sobre o tema é o
trabalho de R. Zon.
Depois que o desenvolvimento tecnológico permitiu a utilização de
fontes de energia mais poderosas que a atividade muscular, humana ou animal, o
homem adquiriu opoder de alterar, em grande escala, o meio ambiente. O fogo
sempre foi um auxiliar importante, porém os maiores incêncios são autolimitados.
Simultaneamente, a demanda de papel e de madeiras finas e de certos produtos
florestais conduziram ao desenvolvimento das técnicas silviculturais e ao nascimento
da ciência florestal, com suas especialidades próprias. As relações do clima com a
floresta foram sendo compreendidas pouco a pouco e são de uma complexidade
extrema, em virtude de seu caráter retroalimentar ou de feed-back.
Segundo Hugghes, a primeira publicação feita nos Estados Unidos
surgiu em 1799, mas somente após 1908 foram iniciadas observações sistemáticas, em
uma estação situada em Wagon Wheel Gap, no Colorado.
Basicamente dois métodos são utilizados na pesquisa dos efeitos da
cobertura florestal sobre o clima (precipitação, temperatura, ventos, umidade
relativa): o das estações comparadas e o da alteração da cobertura. O primeiro
envolve a instalação de postos para observações metereológicas no interior de uma
floresta, cujos dados são comparados com os de outros, situados em zonas abertas, nas
proximidades. O segundo exige que se realizem observações durante um tempo
considerável em uma floresta, que é posteriormente destruída, prosseguindo-se com as
observações no mesmo local. Ambos os métodos, bem como suas variações e
130
combinações apresentam uma série de inconvenientes e encerram fatores de dúvida,
que são, à primeira vista, evidentes. Assim, as condições topográficas e
mesoclimáticas de estações próximas, situadas em formações vegetais distintas fazem
com que os dados não sejam absolutamente comparáveis. E por mais longo que seja o
período de observação e registro metereológico de uma estação, não podemos ter
certeza de que qualquer variação posterior à queima ou corte da floresta possa ser
atribuída, com certeza, à alteração da cobertura vegetal, uma vez que os demais
fatores do mesoclima e do macroclima são incontroláveis e, em boa parte,
imprevisíveis.
Na França, em 1858, Becquerel iniciou uma série de observações
pioneiras, com medições de temperatura. Nos dois anos seguintes, Cantegril e Bellot,
do serviço florestal daquele país, compararam a precipitação sobre zonas florestais e
campos abertos. Em 1874, Fautrat registrava medidas com o auxílio de aparelhos que
incluíam psicômetros, pluviômetros e evaporímetros.
Na Alemanha, Ebermayer foi o pioneiro das observações sobre o clima
em florestas, em 1868. Em 1875, a Alemanha estabeleceu um serviço de meteorologia
florestal com estações paralelas situadas em 17 localidades, cobrindo vários tipos de
condições geográficas e florestais.
A Suécia interessou-se pelo problema em 1875, com Hamberg.
Na Áustria, Lorenz-Libournau planejou e iniciou a operação de um
plano de investigação, onde uma série de estações situadas fora da floresta, são
dispostas a diferentes distâncias em várias direções a partir de uma estação florestal
cetral.
Na Índia, H.F. Blanford, meteorologista do governo, registrou medidas
de precipitação chuvosa em uma região nas províncias centrais que esteve descoberta
durante um longo período, em virtude da ocorrência de incêndios sucessivos,
comparando-se com as de um período posterior, após um rígido programa de proteção
ter sido isntituído.
Na estação do Colorado, nos Estados Unidos, diferentes métodos foram
usados, inclusive o de desnudamento do terreno, em uma das estações florestais, para
observação das consequencias.
A era da construção das grandes barragens para a instalação de usinas
hidroelétricas enriqueceu de dados as ciências florestais e meteorológicas, enquanto
empobrecia de espécies consideráveis áreas sujeitas as suas influências.
Devido, entretanto, à complexidade dos fatores condicionantes e
variáveis intervenientes, bem como a impossibilidade de se controlarem todos os
fatores que contribuem para caracterizar o clima de uma região, muito resta a ser
feito, inclusive o que se refere à proposição de novos métodos de pesquisa e ao
131
aproveitamento integral das condições criadas pela necessidade de desenvolvimento
sócio-econômico ou pelo que se faz sob esta justificativa.
Clima e saúde
O relatório do ano de 1862 da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, registrou a instalação dos aparelhos de estação meteorológica na sala das
sessões da Escola, não havendo lugar para eles no Hospital da Santa Casa da
Misericórdia. Na época, não só as epidemias como as enfermidades individuais eram
atribuídas, em grande parte, ao clima e às mudanças.
Hipócrates de Cós (c. 460 a.C. - c. 375a.C.), contemporâneo de
Sócrates e Platão dedicou-se a promover a secularização da medicina. Rompendo
com a visão mágico-religiosa grega, os autores hipocráticos consideravam a
enfermidade como uma alteração do equilíbrio interno (ou endógeno) com o dos
fatores externos (ou exógenos). Entretanto, a característica mais importante, do nosso
ponto de vista, foi a visão protoecológica que Hipócrates imprimiu ao estudo das
condições de saúde e que influenciou o pensamento médico até o século XX e que
sobrevive em uma série de preconceitos e tradições populares correntes em nossos
dias.
Na muito citada obra sobre Ares, Águas e Lugares, Hipócrates lançou
algumas idéias pioneiras da protoecologia humana e da biogeografia médica. Além de
atribuir as causas das enfermidades a fatores naturais, observáveis e mensuráveis,
demonstrou como se poderia prever a ocorrência de muitos fenômenos: Todo aquele
que queira aprender bem o exercício da medicina deve fazer o que se segue: em
primeiro lugar, observar as estações do ano e o que pode acarretar cada uma, pois
são muito distintas, assim como as mudanças que provocam; em seguida, deve
considerar os ventos, quais os que são quentes e quais os frios; primeiro os que são
comuns a todos os países e, em seguida, os que são próprios de cada região. Deve
também considerar as virtudes das águas, pois assim como diferem em sabor e em
sabor e em peso, diferem muito as virtudes de cada uma. De modo que, quando um
médico chega a uma cidade, da qual não tem experiência, deve considerar sua
posição e disposição com respeito aos ventos e à orientação do sol; pois não tem as
mesmas características as que se voltam para o norte e as que se voltam para o meiodia, as que estão de frente para o oriente e as que estão de frente para o ocidente.
Além disso, deve conhecer bem como são as águas, se utilizam águas pantanosas e
leves, ou águas duras saídas de lugares altos e rochosos, ou salinas e indigestas;
outro tanto quanto a terra: se desnudada de árvores e seca, ou se florestada e
132
úmidas, se é um vale de calor sufocante ou se é elevada e fria; estudará, finalmente, o
tipo de vida dos habitantes, se são chegados ao vinho, tranquilos e amigos do
repouso ou se são enérgicos e trabalhadores, amigos da mesa, mas abstêmios.
O conhecimento de certos fatores do ambiente e de algumas
características sócio culturais deveria permitir o diagnóstico das doenças endêmicas e
a previsão das epidemias. Como veremos a seguir, essas recondações foram seguidas
ao pé-da-letra até fins do século XIX, servindo de guia para o prognóstico clínico, no
tratamento de pacientes e para a política sanitária, em nível de saúde pública.
No decorrer da evolução do conhecimento biomédico aplicado,
Hipócrates focalizou a atenção nos fatores do ambiente, Galeno para o paciente
Pasteur para o agente e a escola paisagística e ecológica do século XX para o
complexo causal, onde todos esses elementos aparecem relacionados em um sistema
dinâmico, e onde uma biocenose tranforma-se, em uma patocenose.
Durante o Renascimento, a combinação do saber astrológico da antiga
Mesopotâmia e Egito com as teorias de Galeno dera origem à crença nas influências
dos astros e do clima sobre a saúde. Dessas crenças, só sobrevive a designação
influenza para os defluxos e que, de acordo com Sigerist, tem origem na expressão
influentiae astrorum.
A descoberta da América provocou uma série de discussões sobre a
origem de sua fauna, flora e povos nativos. A Europa emergia da idade média para a
prática da observação e da consequente contestação. Os textos clássicos deixavam de
ser aprendidos para serem discutidos. As bibliotecas leigas popularizavam noções
profanas e a igreja perdia o monopólio do conhecimento sistematizado e o domínio da
cultura.
As correlações primárias da ocorrência de animais, plantas e doenças
com as características dos climas eram explicadas com recurso às idéias hipocráticas.
Vantagens e desvantagens do clima tropical foram argüidas durante quatro séculos.
Serviram de base a teorias honestas, a pseudo-teorias tendenciosas e a falsos
argumentos de ordem política, econômica, biológica e social, propostas para explicar
comportamentos e justificar previsões, apoiados na ação limitante do determinismo
ecológico.
Nos Diálogos das Grandezas do Brasil, de autor desconhecido que
viveu no Brasil no início do século XVI, há uma discussão curiosa sobre as virtudes
do suspeito clima da colônia. Entusiasta de suas qualidade, demonstra com vários
argumentos as suas vantagens evidentes sobre o clima europeu, dos quais
longevidade dos indígenas é prova suficiente: tem de idade, mais de cem anos, e eu
conheço alguns destes, aos quais lhes não falta dente na boca, e gozam ainda de suas
133
perfeitas forças, com terem três a quatro mulheres, as quais conhecem carnalmente, e
me afirmão não haverem sido em todo o decurso da sua vida doentes.
Piso, médico da comitiva de Maurício de Nassau, por sua vez,
exemplifica a formação clássica escolástica, que revela nas suas constantes
referências a autores gregos. O livro primeiro de sua obra publicada em 1658 intitulase, significativamente, Das Águas, dos Ares e dos Lugares e inicia com o
reconhecimento de que: Não se pode inventar mais adequada norma para ordenar
ou instituir a Medicina, entre gentes remotas, do que a transmitida por Hipócrates, o
melhor autor de tudo o que há de bom nesta arte, no início do livro sobre O Ar, as
Águas e os Lugares.
A época de Pasteur
Na conferência pronunciada em 1853 por ocasião do 80º aniversário da
London Medical Academy, John Snow (1813-1858) abordou a questão das
influências do clima sobre a saúde, contrariando certas crenças herdadas da
antiguidade - algumas das quais permanecem vivas nos dias atuais. Afirmou
que:Climate and season have a certain effect in favouring or preventing many
epidemic diseases. Yellow fever has not yet been known to propagate itself to any
extent in high altitudes. ...The influence of climate and season have, however, been
much overestimated, having been even accused of causing epidemics. We constantly,
also, hear climates called healthy or unhealthy; which is as incorrect as it would be
to call them fruitful or barren. (22) . ...........................................................................
Como o fez no caso do cólera, Snow conclui que, uma vez que as febres
intermitentes possuem um período de incubação que se estende do momento da visita
a um local insalubre e a declaração da doença, sua causa específica sobre um processo
de multiplicação ou desenvolvimento no organismo hspedeiro, de vez que os venenos
agem tão logo são absorvidos pelo organismo. Admite, assim, a presença de materies
morbi como sendo os responsáveis, com um ciclo que lembra o de certos helmintos.
Henry Thomas Buckle (1821-1862) foi um dos pioneiros do
determinismo ecológico em sua forma moderna. Defendendo a existência de leis da
história e a possibilidade da previsão do comportamento humano, Bukcle reconhecia
em 1857 a influência preponderante de quatro fatores sobre a raça humana: o clima,
o solo, a alimentação e o que denominava de aspectos gerais da natureza. Estes
últimos dariam origem aos diferentes hábitos de pensamento nacional, excitariam a
imaginação, sugeririam superstições e seriam responsáveis pela variedade do carater
popular. Enquanto que a Europa subordina a natureza, nos outros continentes ela
subordina ou subjuga o homem.
134
Em 1935, Strong justificava os problemas do homem nos trópicos,
dizendo: On the other hand, a tropical, moist, monotonous climate may weaken
resistance against infections, not because it disturbs metabolism, as has been
emphasized by some, but on account of its failure to stimulate sufficiently th thyreoid,
adrenal apparatus and the sumpathetic system. ... Also upon the white man which
are not understood. Unquestionable is that prolonged life in such a climate exerts a
depressing influence which results in a more or less constant lassitude and tends to
lower the vitality and energy.(23).
Em 1980, Bock publicou uma revisão importante destes conceitos..
Um resumo do pensamento dominante no século XIX sobre as
influências do clima na saúde humana permitirá compreendermos o estado dos
conhecimentos necessários ao desenvolvimento da ecologia, no momento em que ela
própria nascia como disciplina independente.
No discurso inaugural da instalação da Sociedade de Medicina do Rio
de Janeiro, em 1830, o Conselheiro Cruz Jobim definia, como um dos objetivos
principais da Sociedade, o de elaborar uma doutrina nosográfica, baseada no método
das topografias médicas, que aprendeu na Europa: Um projeto digno da Sociedade
seria propor para as nossas Províncias essas topografias médicas de que a França e
a Alemanha tem sabido dar tão belos exemplos ao mundo e que, sem dúvida, vista a
diversidade de climas, conduziriam, entre nós, a resultados muito mais brilhantes:
por meio de pequenas associações médicas em cada Capital, viríamos a conhecer
minuciosamente, de uma parte, todas as condições físicas apreciáveis da atmosfera e
do solo, a umidade, a temperatura e eletrecidae, as estações, a natureza do terreno,
as suas produções e, de outra, o número de indivíduos que nascem, os que morrem,
de que moléstias e com que relação entre sexos, as idades, os temperamentos, os
ofícios e assim, poderíamos obter a solução de várias questões relativas à epidemias
ou endemias que existem ou podem existir no nosso País.
No Rio de Janeiro, a botânica e a zoologia eram estudadas na
Faculdade de Medicina e, como as demais matérias curriculares tinham uma
orientação eminentemente aplicada. Registravam-se críticas frequentes ao caráter
puramente teórico de muitas disciplinas, incluindo a fisiologia. Em 1863, o
Conselheiro José Martins da Cruz Jobim propôs a introdução de uma de alterações no
ensino médico, incluindo, no que se refere à confecção de teses, a dispensa parcial da
discussão, em latim, de seis aforismos de Hipócrates.
A importância que se atribuía ao clima na etiologia das doenças ou
como causa de epidemias é revelada na Memória Histórica apresentada pelo Dr.
Francisco de Menezes Dias da Cruz à congregação da Faculdade de Medicina, com o
relatório do ano de 1862: A falta de instrumentos e apparelhos próprios não permittio
135
até o anno passado que na escola de medicina se fizessem as observações
meteorológicas de que trata o art. 275 do regulamento complementar dos estatutos...
É no hospital em que existem as salas de clínica que convinha que fossem montados
os apparelhos... Então foram os aparelhos collocados na sala das sessões da
Faculdade, excepto o pluviometro que o deve ser no pateo...; e assim começarão as
observações meteorológicas feitas pelo respectivo oppositor o Sr. Dr. J. M.
Caminhoá.
Em 1861, Caminhoá defendera tese de concurso intitulada Da
vegetação nos diversos períodos de formação do nosso planeta e das modificações
que ela experimenta em diferentes latitudes pela influência dos diversos agentes.
Assim, a previsão dos prováveis surtos de varíola, febre amarela,
disenteria e cólera era feita juntamente com a do tempo.
Em 1862, Souza Costa, ao caracterizar a opilação como moléstia
distinta da caquexia paludosa, inicia dizendo: se a climatologia e a topographia são
elementos importantes a pathologia de qualquer paiz, forçoso é confessar que nos
paizes intertropicaes a importancia de taes elementos é de tal maneira transcedente,
que desconhecê-la seria ignorar a sua pathologia e vagar sem norte em um Mare
magnum de dúvidas quando se tratasse da applicações therapeuticas. ...O calor
intenso dos paizes intertropicaes, o exagerado estado hygrometrico de sua
atmosphera, as variações bruscas de temperatura e os phenomenos eletricos, que se
dão em grande escala, são factos, que não necessittando de commentarios explicão
cabalmente as condições em que se achão taes paizes. ...Da acção dos differentes
elementos meteorologicos sobre as localidades pantanosas resulta um elemento
morbido que domina a etilogia o -miasma paludoso-...
Na época, a saúde pública estava sob a responsabilidade de uma Junta
Central de Hygiene, a qual recebia, então, severas críticas em virtude de sua atuação.
Coletava dados estatísticos e deveria adotar medidas preventivas de proteção da
população carioca de acordo com as previsões sazonais.
Os progressos da biologia e da medicina eram, por sua vez,
acompanhados e comentados, porém, com excessão da aplicação imediata de novas
técnicas ou inovações terapêuticas, nem sempre absorvidos. Assim é que, em agosto
de 1862, F. A de Cisneiros traduzia uma Notícia sobre os trabalhos de Pasteur sobre
as fermentações. Impressionado com as descobertas que viriam revolucionar a
biologia, a química orgânica, a medicina e outras áreas especializadas, Cisneiros
especula a respeito das novidades sobre a natureza microbiana dos fermentos: O que
são no entanto esses seres? Meras cellulas organisadas, dotadas de vida propria e
comparaveis aos elementos anatomicos dos humores e dos tecidos animaes
superiores, aos hematozoários, aos glóbulos do sangue, da lympha, etc. Por outro
136
lado, o ensino da fisiologia, então a cargo do Conselheiro Lourenço de Assiz Pereira
da Cunha e exclusivamente teórico, era temperado pelo conservadorismo que o levava
a considerar, cauteloso que É sabido por v. e por todos nós, que seguimos os passos
da sciencia, que a physiologia experimental poderosamente coadjuvada pela chimica,
pela physica, pela anatomia comparada e microscopica, apresentando nesses ultimos
tempos as grandes novidades scientificas... Mas tudo isso, não passa de uma
magnifica esperança ou idéia que para chegar à realidade depende do correr de um
espaço immenso de tempo, e muitíssimas escobertas serão necessárias ainda para
chegar a um tal desideratum, se a isso se chegar; porque quem póde affirmar que as
leis e as forças da vida poderào jamais sujeitar-se às leis do cálculo ou à formulas
algebricas?
Do curso zoologia, não há detalhes nos relatórios publicados.
Por outro lado, o curso de higiene, em 1862, a cargo do Conselheiro
Thomaz Gomes dos Santos, tratava da influência de fatores tais como a idade, o sexo,
o temperamento, a hereditariedade, a raça e outras sobre a doença. Comenta de que o
aproveitamento dos estudantes era baixo: dividiam sua atenção entre sete atividades
escolares distintas e, como os de hoje, sacrificavam as disciplinas menos difíceis às
mais exigentes. Seu curso abordava, também, a influência da imigração estrangeira
sobre os hábitos locais, a alimentação das classes pobres, e a ação especial do clima.
Em 1863, considerava os efeitos do novo sistema de iluminação pública. Estadista de
renome, o Conselheiro refutava as teorias de determinismo e progresso racial
diferenciado, que previa um futuro sempre esperançoso para os anglo-saxões e de
permanencia em condições subalternas para os latino, posição que influenciava a
política de imigração. Não é difícil perceber em suas lições o germe das idéias que
norteariam a vida e a obra de Afrânio Peixoto.
As idéias vitalistas do lente de Terapêutica e Matéria Médica,
comentadas anteriormente, completam o quadro de atrazo do ensino médico e
biológico na época, criticado, então, por figuras contemporâneas importantes.
Outros depoimentos esclarecem as noções correntes sobre as relações
do clima com a saúde. Assim, o Conselheiro Torres Homem, resumiu frente à
Academia de Medicina uma memória de autoria de Nicoláu Moreira sobre o assunto e
mencionou as teorias de Michael Levy expostas em seu Tratado de Hygiene, segundo
as quais Os indivíduos que vivem debaixo da influência de um clima tropical são
quase todos debeis, pouco activos, languidos, em virtude da abundância das
exhalações pulmonar e cutanea, da secreção biliar e espermatica; suas forças são
também esgotadas pelos abusos frequentes do coito a que elles se entregão, como que
forçados pelas exigencias do organismo. Eis a razão porque nos paizes quentes a
mortalidade é maior do que em outros. É curioso notar que o conselheiro não se dá
137
conta da contradição flagrante nas afirmaçòes que faz e, vivendo ele próprio, em um
país tropical, refere-se a elles, de cuja compahia evidentemente se exclui...
Em 1983, personagens de uma novela de Lawrence Sanders expressam
opinião semelhante. São dois psiquiatras que, na Flórida, dialogam: "When I came
down here about ten years ago," he said slowly," I became aware that the cases I was
getting were different from those I treated in Denver. I was seeing more deviance and
perversion. More aberrant sexual habits. I've been wondering why this should be so."
"The climate", she said wryly. "It is tropical, you know."(24)
Em 1864, o Dr. Nicoláo Joaquim Moreira leu, na Imperial Academia
de Medicina a íntegra de seu trabalho, que trata da polêmica reinante em torno do
melhor clima para o tratamento da tuberculose. Aborda longamente a questão das
influências do clima sobre a saúde e constitui uma importante contribuição à história
da ecologia e da geografia médica no Brasil.
Entretanto, a epidemia de cólera que alcançou Paris em 1832
proporcionara uma importante lição. Como relata Delaporte, a comissão oficial
encarregada de investigar a epidemia (Châteuneuf, 1834) concluira que os clássicos
fatores hipocráticos - clima e topografia - não tinham relação direta com a
distribuição dos casos da doença. Por sugestão de Magendie, a Académie des
Sciences designou uma comissão para analisar o ar e a conclusão, relatada por
Fontenelle em 1832, foi de que não havia diferença de salubridade entre o dois
distritos mais afetados e dos que foram poupados Tentativas de correlacionar a
distribuição espacial da morbidade e mortalidade com temperatura, umidade,
topografia, pressão barométrica e direção dos ventos, falharam. Por outro lado, os
dados obtidos apontaram para uma nova direção: a investigação das condições de vida
dos indivíduos.
Em Londres, Farr e Snow utilizaram os mesmos dados estatísticos
obtidos na epidemia de 1848 mas tiraram conclusões distintas. Farr admitiu que a taxa
maior de mortalidade descendo o Tâmisa na margem sul do que na margem norte, e a
associação inversa entre a mortalidade es diferentes distritos e a altitude em relação ao
nível do rio, indicavam a topografia (altitude) como responsável. Possivelmente, o
apego às idéias hipocráticas impediram-no de propor uma outra hipótese, como o fez
Snow.
Por sua vez, a definição pouco precisa e os conceitos mal definidos de
raça, geografia, doença e saúde; a confusão entre fatores sociais, biológicos,
ecológicos; entre fatores causais, cirscunstanciais e intervenientes; a linguagem
descuidada de rigor científico, resultaram em proposições absurdas segundo os
padrões atuais, mas coerentes com o tipo de formação intelectual e a prática da
ciência e da técnica no Brasil, na década de 1860.
138
A teoria do determinismo ecológico ganharia novos adeptos e maiores
reforços no início do século XX e ainda hoje, tem seus seguidores. O geógrafo
Ellsworth Hutington, da Universidade de Yale, em seu livro Civilization and Climate
conclui que o povo escolhido é o dele e a região mais favorecida pelos elementos e
fatores é a sua. Betty Meggers, escrevendo sobre a Amazônia brasileira, externa
algumas idéias reminiscentes da teoria determinística, malgrado negá-la em um artigo
de 1958. Mas esse tema é parte de duas disciplinas afins que são a Geografia Política
e a Geopolítica.
O fato de imigrantes e colonizadores apegarem-se a estilos de moradia,
vestimenta e alimentação costumeiros, com consequências deletérias para a saúde,
revela que a herança cultural é mais forte que o suposto determinismo ecológico. A
adaptação exige um esforço consciente, capaz de contrariar e questionar tendências
aprendidas. No caso do homem, tais necessidades transcendem as exigências
fisiológicas e incluem aspectos de natureza econômica, social, estética, religiosa,
lúdica. Populações primitivas dispõem de menos recursos técnicos para alterarem e
planejarem um microambiente que satisfaça as suas necessidades.
A invocação do determinismo ecológico como explicação de fatos históricos
é tão reducionista quanto a do determinismo histórico, determinismo social ou
determinismo econômico. Fatores históricos, sociais, econômicos e ecológicos
combinam-se em um complexo causal, mas nehum deles, por si, pode ser usado como
explicação ou causa imediata.
As relações entre clima, latitude e altitude foram percebidas por vários
autores e descritas formalmente por Humboldt. Assim, durante sua estada no Brasil, o
botânico francês Auguste de Saint-Hilaire mencionou, em 1819, a ocorrência de
Araucaria, árvore típica do Brasil meridional, em Minas Gerais, acima de mil metros
de altitude, e disse que uma elevação mais considerável compensa uma distência
maior na linha equinoxial.
Em 1877, Henri Clermond Lombard publicou o segundo tomo de seu
tratado de climatologia médica, no qual discute, em detalhe, os fundamentos de sua
teoria. Depois de analisar os efeitos do frio, calor, umidade, secura, correntes aéreas,
ozônio, eletrecidade e magnetismo terrestre sobre o organismo, passou a listar os
estados característicos nas diferentes estações do ano: hiperemia no inverno, pletora
na primavera, hipoemia no verão e anemia no outono. Em seguida, citando o
professor Müry, de Göttingen, que publicou suas idéias em 1856, traça um paralelo
semelhante ao que Humboldt sugerira e que os biogeógrafos elaboraram. Para ele, a
ocorrência das doenças típicas de cada estação do ano corresponde a das diferentes
zonas climáticas da Terra, o que estabeleceria uma relação íntima entre as
enfermidades sazonais e as que resultam das circunstâncias geográficas.
139
Lombard acrescenta uma série de argumentos em apoio a teoria. É um
fato universalmente conhecido a queda de temperatura a medida que se sobe uma
montanha, de maneira que se pode considerar a existância de uma série de climas
superpostos. Na cordilheira andina, passa-se da temperatura tropical mais elevada à
das zonas temperadas e das regiões polares, onde existem as neves eternas. Desta
forma, pode-se comparar a ascenção dessa cordilheira a uma viagem ao pólo. Assim,
passa a descrever a distribuição geográfica das doenças em função da sua ocorrência
nas diferentes estações do ano, na Europa. Devemos lembrar-nos de que o mesmo foi
tentado em biogeografia e faunística pela escola de Chapman, na zonação biótica de
altitude.
Uma discussão histórica da geografia médica, entretanto, escapa ao
tema deste livro.
Um século depois
Em 1963, realizou-se no Rio de Janeiro, o Sétimo Congresso
Internacional de Medicina Tropical e Malária. Na Sessão 6 (Fisiologia Tropical)
foram discutidas as influências do meio físico sobre o organismo humano. Leithead
inicia criticando a classificação e a nomenclatura dos distúrbios provocados pelo
calor: incluidas estão aquelas devidas a complicações no processo de termorregulação
(instabilidade circulatória, desequilíbrios eletrolíticos) e as devidas à falha ou quase
falha no processo (infarto e hiperpirexia cardíaca), além da fadiga aguda pelo calor.
Por sua vez, R. Lemaire discute o que se deve entender por fisiologia
tropical e justifica a designação particular pelo interesse atual na investigação dos
fatores ecológicos e sua ação sobre o homem que vive sob certas condições definidas.
O estilo das observações que se lêem nos trabalhos apresentados não
difere muito daquele característico do século anterior, sugerindo a indefinição dos
conceitos e o caráter vago do tema. Não seria por outra razão, talvez, que essses
trabalhos aparecem reunidos sob o título de Miscelânea.
No intervalo
Nas faculdades brasileiras de medicina, certas disciplinas cujo
conteúdo de natureza fundamental é considerado indispensável à formação da cultura
médica, porém menos necessário ao exercício da arte de curar foram reunidas e
deslocadas de um lado para o outro, no currículo, desde a sua criação.
140
A Higiene, por exemplo, constituiu sempre um repositório de
conhecimentos diversificados e, nos dois últimos séculos, precedeu e preencheu o
nicho hoje ocupado pela ecologia. Grundy e Mackintosh, em 1959, analisando o
desenvolvimento histórico e os programas universitários europeus destacam a
confusão terminológica que cerca essses estudos, que faz com que professores
dedicados a ensinar praticamente os mesmos temas ocupem cátedras que se intitulam,
conforme o lugar, higiene, saúde pública, medicina preventiva, medicina social, e
epidemiologia.
No século XVIII começou a tomar corpo a idéia de que a saúde e a
doença possuem componentes sociais e envolvem a responsabilidade administrativa e
política dos governos. Em conseqüência, muito antes de se compreender os
mecanismos de transmissão, surgiu a noção de polícia social, destinada a prevenir a
eclosão de doenças epidêmicas. Frank (177-1778) é considerado o fundador da
medicina preventiva e precedeu Max von Pettenkofer e Rudolf Virchow na
preocupação com a atuação dos fatores sociais na enfermidade individual e coletiva.
A higiene foi considerada um apêndice da medicina legal, exagerandose seus aspectos normativos, em desfavor de suas bases ecológicas. A ênfase dos
programas de ensino variou de acordo com os conceitos e preconceitos dominantes
em cada época e local: na atuação dos fatores climáticos e metereológicos,
geográficos, sociais, na contaminação microbiana e, finalmente, nas relações do
homem com reservatórios, hospedeiros, vetores e organismos patogênicos
contaminantes ou poluidores do ambiente.
O Brasil seguiu a tradição europeia, e a higiene e medicina legal
estiveram reunidas até 1924. Em 1917, Afrânio Peixoto (1876-1947) assumira a
cátedra de higiene e, em suas aulas criticava o conceito pejorativo de meridional e
tropical subjacentes à teoria do determinismo racial e ecologico, opondo-se à idéia da
ação limitante do clima sobre o desenvolvimento das nações. Em 1925 criou-se a
cadeira de Medicina Tropical, cuja matrícula foi tornada obrigatória em 1930. Carlos
Chagas foi nomeado seu titular.
Ora, designação doenças tropicais é inadequada, uma vez que a
origem e a ocorrencia de muitas delas extrapolam os limites geograficos dos tropicos.
O próprio Manson assim o disse, quando propôs a expressão, que ficou clássica. Em
conjunto, essas enfermidades não constituem uma categoria de natureza geografica,
nosológica, ecológica ou biogeográfica. Não se justifica, pois, a designação por falta
de uma definição ou conceituação precisa do que significa, no caso, tropical, que,
ainda mais, nos traz reminiscências do conceito hipocratico do clima como fator
determinante da doença. O calor não é privilégio ou maldição dos trópicos e seus
efeitos são discutíveis. Mantêm-se a expressão apenas por tradição,
141
Em 1908 Afrânio Peixoto publicara uma monografia sobre Clima e
doenças do Brasil, onde expressou opiniões corretas e modernas: Doenças climáticas
foram outrora a cólera, a malária, a doença do sono; hoje têm uma etiologia
conhecida, sem nenhuma subordinação ao clima.
Coura, após discutir os diferentes conceitos de medicina tropical como
especialidade médica ressaltou: No Brasil, de alguns anos para cá, precisamente após
a morte de Evandro Chagas, vem se criando uma tradição extremamente prejudicial
ao desenvolvimento da Medicina Tropical, qual seja a tríplice separação entre
"tropicalistas" clínicos, parasitologistas e uma espécie de sanitaristas de gabinete...
Em nosso meio, Medicina Tropical deve ser o tipo de atividade desenvolvida por
profissionais com sólida formação clínica-epidemiológica, sobretudo no campo das
doenças infecciosas e parasitárias e com ampla base de ecologia, parasitologia,
entomologia, microbiologia, imunologia, patologia...
A teoria do determinismo ecológico foi utilizada com objetivos
políticos. Assim, em 1939, Clarence A. Mills, professor de medicina experimental da
Universidade de Cincinnati, publicou um volume sobre climatologia médica onde se
procurou ressaltar a importância de fatores do clima sobre o homem. Logo nas
primeiras páginas reconhece que algumas das suas conclusões foram baseadas em
dados estatísticos sobre alterações fisiológicas que acompanham a flutuação de
fatores meteorológicos, não tendo sido realizada a análise do efeito de fatores isolados
sob condições controladas de laboratório. Boa parte de suas conclusões derivam
dessas correlações não confirmadas. Conclui, por exemplo, que ...the tropical native
can accomplish more work on a loaf of bread as fuel than can the energetic
northerner. He will take a longer time to do the job, but as a machine he is more
efficient. (25).
Curioso notar que o autor refere-se, como extra-tropical, apenas ao
norte do trópico de Cancer e não ao sul do de Capricórnio. Na verdade, desloca para
os Estados Unidos as opiniões de Huntington, do início do seculo.
Nem tudo está perdido
Se as generalizações sobre as influências de agentes meteorológicos e
climáticos (que caracterizam o grau de oscilação em um longo período de tempo)
sobre a saúde e o comportamento não conseguiram estabelecer correlações
comprovadas, um certo progresso foi alcançado. Verdade que, menos devido ao rigor
nas observações, do que em virtude da substituição da teoria hipocrática das doenças
pelos progressos da biologia, ecologia e medicina decorrentes dos trabalhos de
142
Pasteur. Um simpósio sobre geoquímica e saúde aponta o caminho para a
investigação racional das influências de certos fatores do ambiente físico. Nele Hoops
adverte que Trying to understand the ethiology/pathologenesis from looking at the
established disease is like trying to understand the anatomy of a murder from looking
at the dead body .(26).
Um outro exemplo é dado pelo trabalho de Suttmöller et al, sobre
deficiências minerais do gado na Amazônia.
Nas tentativas de se proteger o indiv1duo e a sociedade contra a
doença, as práticas empíricas quase sempre precederam a explicação científica: a
adoção da quarentena precedeu de quinhentos anos a descoberta da existência de
agentes patogênicos e dos mecanismos de transmissão das infecções. Práticas
sanitárias tradicionais foram transmitidas de geração em geração, transformadas em
regulamentos legais muito antes de se saber a razão da sua eficácia: a quarentena e o
isolamento de certos enfermos, a queima de objetos e casas de portadores de
determinadas enfermidades, o enterro dos mortos. A vacinação foi praticada na
Europa dois séculos antes do surgimento da imunologia. Conceitos epidemiológicos
foram estabelecidos antes da descoberta dos princípios ecologicos que os justificam.
O problema encerra diferentes aspectos: médicos, educacionais,
sociais, étnicos, genéticos, legais, culturais e ecológicos/geograficos. Muitos
especialistas definiram questões de saúde e de doença de modo reducionista,
admitindo cada um desses aspectos como causa e vários continuam a defender a
adoção de soluções simplistas unilaterais. Mas nenhuma ação isolada será capaz de
resolve-lo definitivamente.
Populações e ambiente
Se, quando estudamos as relações de indivíduos com fatores ambientes,
temos dificuldade em traçar os limites que separam a ecologia da fisiologia; o mesmo
não sucede com as populações. Talvez a definição de ecologia devesse restringir-se às
relações das populações e comunidades com o meio físico e biótico. Eliminaria,
ainda, a interface com a etologia e com o estudo das relações individuais do tipo
simbiótico, sensu lato. A redução do campo da autoecologia seria compensada pela
melhor delimitação do campo da ecologia.
O estudo científico das populações humanas surgiu no século XIX,
com as teorias e modelos de demografia, de tabelas de vida, censos, estatísticas vitais
e atuariais. A controvérsia que cercou as previsões de Malthus acerca do desequilíbrio
das populações humanas, de incremento geométrico, com os recursos alimentares que
143
aumentariam em progressão aritmética, teve início no seculo XVIII e prossegue nos
dias de hoje. Na qualidade de membro da igreja, Malthus preocupou-se em encontrar
soluções aceitáveis para o controle populacional, mas sua teoria teve repercussões
mais amplas, especialmente entre os economistas.
Como pioneiro da protoecologia humana, Malthus foi seguido por
Herbert Spencer, Karl Marx e Auguste Comte, fundadores da sociologia.
Darwin, que se confessou inspirado por Malthus, via o processo de
seleção natural como um mecanismo evolutivo resultante da elevada mortalidade que
se verifica na natureza e que, segundo ele, manteria o número total de indivíduos em
cada geração aproximadamente constante. A competição intra e interespecífica
resultaria na seleção dos sobreviventes capazes de se reproduzir.
Um dos fatores limitantes do incremento populacional é, certamente, a
disponibilidade de alimentos. Para os animais, que não têm o recurso de buscar novas
tecnologias para aumentar a produção de alimentos, sua oferta constitui um fator
importante de regulação de suas populações.
No século XX, Lotka, Volterra e D'Ancona proporiam um conjunto de
equações matemáticas que permitiam estimar, teoricamente, a sobrevivência de um
predador em relação à disponibilidade de suas presas. Em 1920, Raymond Pearl
utilizou a equação logística nos estudos populacionais sendo um dos responsáveis
pela idéia de equilíbrio dinâmico que substituíu a antiga concepção criacionista do
equilíbrio da natureza e teve iniciou o período dos modelos matemáticos que
prometiam transformar a ecologia em uma ciência exata.
Para compreendermos a polêmica que se seguiu, é preciso lembrar que
a ecologia preocupa-se com as relações complexas e recíprocas dos organismos entre
si e com os fatores do ambiente físico. Além disso, os modelos desenvolvidos no
laboratório dificilmente podem ser aplicados no campo. As estimativas de populações
animais são, comumente, imprecisas. Quando a contagem direta dos indivíduos é
impraticável utilizam-se métodos indiretos.
Dentre os fatores do meio físico que influem na dinâmica populacional,
o clima é um dos mais importante, por sua ação direta e indireta. Shelford, em seu
manual de 1927 e Bodenheimer, na obra publicada em 1938 constituem as melhores
fontes de informação para o período inicial das discussões sobre a dinâmica das
populações animais. Uvarov, citado por Bodenheimer, por exemplo, defendia que The
theory of stable equilibrium is based on the assumption that the numbers of an
organism depend mainly on the numbers of their enemies and on the quantity of food,
i.e, on factors which in their turn are dependent on other organisms. No one will deny
the controlling value of these factors, but the evidence collected should go far
towards proving that the key to the problem of balance in nature is to be looked for in
144
the influence of climatic factors on living organisms. These factors cause a regular
elimination of an enormous percentage of individuals under so-called normal
conditions, which in fact are such that insects survive them, not because they are
perfectly adapted to them, but only owing to their often fantastically high
reproductive abilities. ... Further, the ecoclimatic succession and the geological
succession of climates favour the survival and the relative abundance of some species,
and condemn others to a complete extermination. Of course, the food, the natural
enemies, the competition between individuals and between species, all play their part
in these evolutionary processes, but none of these factors are independent and
primary in character, since they themselves are deeply affected by climate. (27).
Em 1933 A.J.Nicholson publicou um artigo, seguido dois anos mais
tarde por outro em colaboração com o físico V.A. Bailey, sobre o equilíbrio das
populações animais, que marcariam o início de uma longa polêmica. Nicholson e
Bailey abordaram particularmente o equilíbrio parasita/hospedeiro, propuzeram um
modelo determinístico e e defenderam a precedência dos fatores bióticos sobre os
abióticos. Para eles, os mecanismos densidade-dependentes exerceriam primordial
importância no equilíbrio dinâmico das populações envolvidas. O modelo matemático
utilizado exigia a construção de tabelas de vida dos organismos e a abstração de
fatores e de condições que interferiam com a construção de um modelo teórico da
natureza.
Em 1954, H.G. Andrewartha e L.C. Birch publicaram uma obra
importante sobre a distribuição e abundância de populações animais na qual
criticaram a idéia da densidade-dependente como fator de regulação e defenderam a
predominância dos fatores climáticos como responsáveis pelos ciclos de abundância.
As tentativas de reduzir as complexas relações entre predadores e
presas ou entre parasitas e hospedeiros a equações matemáticas deu origem a
especulações teóricas, afastadas do campo e do laboratório. Este período, analisado
por Collins em 1986, em função da aplicação da teoria da seleção natural à ecologia
de populações foi descrito por Scudo e Ziegler como a idade de ouro da ecologia
teórica.
Em 1938, Bodenheimer resumira a questão mencionando as três
abordagens do problema, cada qual com acertos e falhas: a da escola climática, a
biológica e a matemática. Termina dizendo que The historical analysis shows (a) that
most controversies were caused by ambiguous definition, amd (b) that the intensity
and dogmatism of those controversies was in reverse proportion to the actual amount
of knowledge accumulated. (28). .................................................................................
A década de 1960 viu recrudescer a polêmica, mas o comentário de
Bodenheimer permanecia válido. Um simpósio organizado em 1957 em Cold Spring
145
Harbor com o objetivo de discutiu as questões relativas à demografia e dinâmica de
populações animais não conseguiu harmonizar as opiniões divergentes.
Por sua vez, experimentos de laboratório propostos para testar modelos
de competição e de seleção eram por demais simplificados e artificiais para poderem
ser aplicados a situações reais na natureza. A ecologia de modelos atraíu, porém,
matemáticos que buscavam tornar a ecologia menos descritiva e mais predictiva.
Maynard-Smith, em 1974 e Kingsland, em 1985 historiaram essas tentativas. (29)
Conclusão
O estudo das influências do meio abiótico sobre os organismos
constitui um tema complexo, que se ramifica em distintas áreas de especialização,
tanto de natureza básica (climatologia, meteorologia, pedologia, oceanografia,
limnologia, fisiologia, etologia) como aplicada (medicina, enfermagem, agronomia,
veterinária, arquitetura). Em algumas dessas áreas os progressos tem sido maiores. É
o caso, por exemplo, da agricultura e da veterinária baseadas, ambas, em uma longa
tradição de estudos de aclimatação.
Cabe ao ecólogo ir buscar em cada uma delas as informações e as
técnicas de trabalho mais promissoras para adaptá-las à pesquisa nas demais. Cabelhe, ainda, buscar as ideias universais e as leis gerais.
146
Notas
(1) Sarton, 1965, v. 2, p.678-691.
(2) Kormondy, 1965, p.4. ...Investigações sobre as plantas ... Para o crescimento e nutrição, o clima é
o fator mais importantee, de modo geral, o carater das estações do ano; porque quando chuva,
bom tempo e tempestades ocorrem de maneira oportuna, todos os cultivos crescem bem bem e
são prodtivos, mesmo se estão em solos impregnados com sal ou são pobres. A respeito existe um
provérbio verdadeiro que diz que “é o ano que produz e não o campo.”
Mas o solo também faz muita diferença, conforme seja denso ou leve, bem úmido ou ressecado e
faz igual diferença ainda que tipo de ar ou de ventos prevalecem na região; porque alguns solos,
apesar de leves e pobres, produzem boas colheitas devido à terra ter uma boa posição no que
respeita às brisas do mar.
Entretanto, como já tem sido dito repetidamente, a mesma brisa não exerce o mesmo efeito em
qualquer lugar; alguns lugares são favorecidos por um vento do oeste, outros do norte, alguns
por ventos do sul. Novamente o trabalho do solo e acima de tudo o que é feito antes da
semeadura exerce um efeito importante; pois quando o solo é bem trabalhado, ele produz
facilmente. Também o excremento ajuda por aquecer e amadurecer o solo, uma vez que a terra
adubada mostra uma vantagem de até vinte dias sobre a que não foi adubada
(3) CTHS, 1998.
(4) Lamarck, 1907, p.184. ...as influências das circunstâncias sobre as ações e hábitos dos animais e
as ações destes seres vivos como causas que modificam sua organização e suas partes.
(5) Lamarck, 1907, p.202 ...Os principais nascem da influência dos climas, das diferentes
temperaturas da atmosfera e de todos os meios ambientes, da diversidade dos lugares e de sua
situação, do seus hábitos, movimentos e ações mais frequentes...
(6) Lamarck, 1984.
(7) Descourtils, in Debret, 1940, t. II, vol. 3, p.293-295.
(8) Barlow, 1958, p.108. A conversa de Herbert Spencer pareceu-me interessante, mas não o apreciei
particularmente e senti que não poderia tornar-me íntimo dele. Acho que era extremamente
egoísta. Depois de ler qualquer de seus livros sentia-me, em geral, uma admiração entusiástica
por seus talentos transcendentais e, com frequência, me perguntei se num futuro distante ele se
ombrearia com grandes homens como Descartes, Leibnitz, etc., sobre os quais, aliás, eu sei
muito pouco. Contudo, não tenho consciência de ter, em meu próprio trabalho, aproveitado dos
seus escritos. Seu modo dedutivo de tratar qualquer assunto é completamente oposto ao meu
modo de pensar. Suas conclusões nunca me convenceram.
(9) Barlow, 1958, p.109. ...não auxiliam na predição do que pode acontecer em uma situação
particular.
(10) Merz, 1965, v. I, p.49. Tanto o "Sistema" de Spencer quanto o "Microcosmo" de [Hermann] Lotze
foram escritos com o objetivo de estabelecer a unidade de pensamento, de preservar a convicção
de que as coisas existem e de que os eventos acontecem segundo uma conexão inteligível e, em
especial, que a visão religiosa e a visão científica do mundo eram conciliáveis
(11) Spencer, 1898, v. I, p.58l. Enquanto qualquer raça continue a existir, as forças destruidoras e as
preservadoras devem tender perpetuamente para um equilíbrio. Se as forças destruidoras
diminuem, a raça torna-se gradualmente mais numerosa, até que, por falta de alimento ou pelo
aumento de inimigos, as forças destruidoras novamente equilibram as forças preservadoras. Se,
ao contrário, as forças destruidoras aumentam, então a raça deve reduzir-se até que, ou por seu
alimento torne-se relativamente mais abundante, ou por seus inimigos morrerem de fome, as
forças destruidoras reduzem-se ao nível das forças preservadoras. Se as forças destruidoras
forem de um tipo que não possam ser enfrentadas (como uma grande alteração no clima), a raça
torna-se extinta e é removida de sua categoria. Portanto esta é necessariamente a lei da
manutenção de todas as raças; uma vez que quando elas deixam de obedecê-la, deixam de
existir.
(12) Spencer, 1899, v. II, p.412-4133. equilíbrio dinâmico [moving equilibrium] pode ser perturbado
se uma dessas ações [internas ou externas] for em quantidade muito grande ou muito pequena; e
pode ser perturbado também ou por excesso ou por falha de algum elemento no seu ambiente ou
por um excesso ou falha em algum elemento orgânico. Assim, uma planta adaptada
constitucionalmente a uma certa temperatura e umidade é morta por extremos de temperatura
assim como por extremos de seca e umidade. Ela pode estiolar-se por falta de solo ou morrer
devido à presença de uma quantidade muito grande ou muito pequena de alguma substância
147
mineral que o solo lhe fornece. De modo semelhante, cada animal só pode manter o equilíbrio de
suas funções enquanto acrescenta ou retira calor em quantidade que não excedam certos limites.
Água também deve estar disponível em quantidade suficiente para compensar sua perda. Se o ar
estiver seco, absorve rapidamente seus líquidos e, se não há lago ou rio para repô-los, suas
funções cessam; e se se trata de um organismo aquático, a seca o matará ou secando o seu meio,
ou fornecendo-lhe um ambiente não aerado adequadamente. Assim, cada organismo, ajustado a
uma certa média nas influências do seu meio orgânico, ou melhor, deve-se dizer ajustado a
certos desvios moderados dessa média, é destruído por desvios extremos.
(13) Spencer, 1898, v.I, p.418. Poucos, se alguém, dirá que Deus altera continuamente a atividade
reprodutiva de cada fungo parasita, ou de cada platelminto ou Trichina, para impedir sua
extinção ou multiplicação indevida; o que devem aceitar, se adotam a hipótese do controle
sobrenatural. Na falha desta hipótese, só resta uma outra. A possibilidade alternativa é que o
equilíbrio das forças preservadoras e destruidoras é autorregulado e do tipo conhecido como um
mecanismo autosuficiente: um equilíbrio tal que qualquer excesso em uma das forças operantes
gera, por si mesmo e pelo desvio que provoca, certas forças contrárias que finalmente dominam
e iniciam um desvio oposto.
(14) Ospovat, 1981, p.84. ... de 1838 a 1844 ... a concepção de natureza de Darwin mudou, de um
“sistema de grande harmonia”preplanejado para o efeito de algumas “leis estabelecidas”que
teriam, apenas por acaso produzido precisamente aqueles seres e relações orgânicas que
realmente existem . ... enquanto que, em 1844 ele acreditava que a adaptação era perfeita, em
1854 ele a considerava relativa. ... Em 1844 ele pensava que existia “infimamente pequena”
variação na natureza, enquanto que na Origem ele sugeria que a variação, mesmo nas estruturas
importantes, era comum.
(15) Wallace, 1911, p.105. Não existe tema de importância tão vital para uma concepção adequada de
evolução, que ainda é incompreendida com tanta freqüência, quanto a variabilidade. ... Por isso,
talvez, é que o próprio Darwin, encontrando tão puoca referência à variação entre animais
silvestres ou plantas, nos trabalhos dos autores de sua época, não tinha uma concepção
adequada de sua universalidade ou de sua quantidade sempre que séries extensas de indivíduos
são comparados.
(16). Ao se considerarem fenômenos fisiológicos, assimilação, respiração, crescimento e outros que
variam sob as influências das alterações das condições externas de temperatura, luz,
disponibilidade de materiais, etc., costuma-se citar três pontos cardeais: a condição mínima,
abaixo da qual o fenômeno cessa completamente; a condição ótima, quando se exibe no mais
alto grau observado; e a condição máxima, acima da qual ela cessa outra vez.
(17) Blackman, 1905, in Kormondy, 1965, p.14. quando um processo é condicionado quanto a sua
rapidez por vários fatores isolados, a velocidade do processo é limitada pela velocidade do fator
mais lento. Penso que se pode expressar pelo longo tempo durante o qual este princípio foi
ignorado por todos os que se propuzerem a estabelecer a relação entre uma função e um dos
diversos fatores que o controlam.
(18) Shelford, 1911, in Kormondy, 1965 p.18. Uma vez que o ambiente é complexo de muitos fatores,
cada animal vive cercado e responde a um complexo de fatores, pelo menos em suas atividades
vitais normais, dentro de seu complexo normal. Pode um único fator controlar ain distribuição?
Um grande número de estudos de fisiologia têm sido feitos com o objetivo particular de analisar
a próprio organismo, mas pouco relacionado com os ambientes naturais. Muito dos fatores e
condições usados em tais experimentos são de tal natureza que o animal nunca, ou raramente os
encontra em sua vida normal regular. Outros experimentos, contudo, tentam manter o ambiente
normal, exceto por um fator. Estes demonstraram que em suas reações ordinárias, um animal
responde à ação de um único estímulo. Certas leis gerais governam a reação dos animais a
diferentes intensidades do mesmo estímulo.
(19) Shelford, 1911, in Kormondy, 1965, p.19. Na verdade, a lei do mínimo não é senão um caso
especial da lei da tolerância. A combinação dos fatores aos quais se aplica a lei do mínimo pode
ser feita de maneira a aplicar a lei da tolerância de um modo geral: por exemplo, alimento e
produtos de excreção podem ser considerados juntos como constituindo um único fator. Deste
ponto de vista, a lei da tolerância se aplica, com o alimento agindo no extremo mínimo e os
produtos de excreção, no máximo .
(20) Shelford, 1911, in Kormondy, 1965, p.20. a) A área geográfica de qualquer espécie é limitada
pela flutuação de um único fator (ou fatores) além do limite tolerado pela espécie...
b) A área de distribuição de uma espécie é a distribuição do complexo ambiental total dentro do
qual ela pode existir, sendo determinado:
148
(1) pela atividade que ocorre dentro dos limites mais estreitos e
(2) pelas possibilidades de migração do animal.
E conclui que ... a geografia animal faunística começa onde a fisiologia geográfica termina.
(21) Dehérain, 1873, p.382. O trabalho de Becquerel surgiu no momento em que a administração
medíocre do segundo império propunha-se a alienar uma parte das florestas do Estado e é
possível que a corajosa resistência dos sábios e do Serviço Florestal tenha decidido o abandono
dos projetos do ministro das finanças.
(22) Snow, 1835, p.163.Clima e estação do ano têm uma certa influência favorecendo ou prevenindo
diversas doenças epidêmicas. ... A influência do clima e das estações tem sido, contudo,
superestimadas, tendo sido acusados, mesmo, de causarem epidemias. Constantemente ouvimos
falar de climas saudáveis ou insalubres, o que é tão incorreto como chamá-los de férteis ou
outros fatores como a aglomeração e promiscuidade, que considera decisivos no caso daquelas
doenças que dependem de contágio direto ou indireto. Lança dúvidas sobre a existência de
miasmas ou malária e sobre suas alegadas causas: Em todos os exemplos que dei, a causa da
agüe, qualquer que ela seja, foi engulida com a água e não inhalada com o ar...
(23) Strong, 1935, p.308. Por outro lado, um clima tropical, monótono, húmido, pode enfraquecer a
resistência contra infecções, não porque ele perturba o metabolismo, como tem sido enfatizado
por alguns, mas em razão de sua incapacidade de estimular suficientemente a tireóide, as
suprarenais e o sistema simpático. ...Também sobre o homem branco, o que não é bem
compreendido. É inquestionável que a vida prolongada em tal clima exerce uma influência
depressora que resulta em uma lassidão mais ou menos constante e tende a reduzir a vitalidade e
energia.
(24) Sanders, 1983, p.123. -“Quando eu vim para cá hà cerca de dez anos” ele disse lentamente”, eu
percebi que os casos que me chegavam eram dferentes dos que eu tratei em Denver. Eu estava
constatando maiores desvios e perversões. Hábitos sexuais mais aberrantes. Tenho pensado
porque isto acontece.”
-“O clima”, ela disse com desgosto.”É tropical, sabe ?”.
(25) Mills, 1939, p.17. ...o nativo [das regiões tropicais] pode realizar mais trabalho com um pão como
combustível do que o energético nortista. Ele requererá mais tempo para completar o trabalho,
mas como máquina, é mais eficiente. Assim, nas regiões mais energéticas do globo pode ser o
desperdicio do esforço e das reservas corporais que está causando nossa luta sem descanço pelo
progresso ser acompanhado de evidências alarmentes de deficiências orgânicas e mentais.
(26) Cannon and Hoops, 1971, p.4 ....tentar entender a etiologia/patogênese observando a doença já
estabelecida é como tentar compreender a anatomia de um assassinato olhando para o cadáver.
(27) Bodenheimer, 1938, p.83. ...a teoria do equilíbrio estável baseia-se na premissa de que a
abundância de um organismo depende principalmente do número de seus inimigos e da
quantidade de alimento, i.é, de fatores, que por sua vez, dependem de outros organismos.
Ninguém nega a importância desses fatores de controle, mas a evidência observada pende para
demonstrar que o equilíbrio na natureza deve ser procurado na influência dos fatores climáticos
sobre os organismos. Esses fatores provocam a eliminação regular de uma enorme percentagem
de organismos sob as chamadas condições normais, que, na verdade são tais que os insetos
sobrevivem a elas não porque são perfeitamente adaptados, mas somente devido a sua
possibilidade de reprodução extrememente grandes. ...Além disso, a sucessão ecoclimática e a
sucessão geológica de climas favorecem a sobrevivância e abundância relativa de algumas
espécies e condenam outras ao extermínio total. Claro que alimento, inimigos naturais,
competição entre indivíduos e entre espécies têm seu lugar nos processos evolutivos, mas nenhum
desses fatores é independente e de caráter primário, uma vez que eles mesmos são
profundamente alterados pelo clima.
(28) Bodenheimer, 1938, p.112. A análise histórica mostra: (a) que a maioria das controvérsias foi
causada por definições ambíguas e (b) que a intensidade e dogmatismo dessas controvérsias
estava na razão inversa da quantidade real de conhecimento acumulado(29) Outras fontes
bibliográficas importantes são: Howard e Fiske (1912), Shelford (1927), Uvarov (1931),
Nicholson (1935), Smith (1935), Bodenheimer (1938), Andrewartha e Birch (1954), Lack (1954),
Nicholson (1957), Birch (1957), Hairston et al (1960), Richards (1961), Bakker (1964), Murdoch
(1966), Slobodkin et al (1967), Erlich e Birch (1967).
149
O MEIO BIÓTICO
150
O Meio Biótico
As relações entre indivíduos de uma mesma espécie que vivem em um
mesmo biótopo (constituindo demes, populações mendelianas ou populações locais)
resultam na constituição de grupos de associação duradoura e estruturada como os
grupos familiares (com afinidades genéticas), agregados, manadas, e cardumes, e na
formação de bandos de associação temporária ou eventual, mono- ou multiespecíficos. Resultam, também em competição, provocada pela semelhança de
adaptações e coincidência de nichos.
A análise dos tipos de relações familiares, tanto de cooperação como
de competição constitui um aspecto importante e particular do capítulo das relações
bióticas. No primeiro caso está, a educação da prole e sua defesa. No segundo, a
competição: filhotes de uma mesma ninhada de gatos ou cães competem pelo leite
materno e por uma chance de obtê-lo. Num ninho de aves, as crias disputam o
alimento trazido pelos pais. Os filhos passam a competir com os pais, ao se tornarem
adultos, e devem buscar estabelecer suas próprias áreas de domínio, alimentação e
abrigo. Darwin explorou a questão da disputa de fêmeas por machos, ao propor sua
teoria da seleção sexual.
Por outro lado, há que considerar a existência de organismos de uma
mesma espécie que ocupam distintos níveis na cadeia ecológica, como o de produção,
de consumo (fitófagos, predadores e parasitas), e o de desagregação. É comum, em
mosquitos, que os machos sejam fitófagos (consumidores primários) e as fêmeas,
hematófagas (consumidores secundários, terciários ou parasitas). As larvas são
detritívoras ou predadoras. Nos anfíbios, em geral, os girinos são detritívoros e os
adultos, consumidores secundários ou pequenos predadores. Há insetos cuja fase
larvária é prolongada e cujos adultos não chegam a se alimentar.
Uma vez que, no curso de seu desenvolvimento ontogenético, uma
espécie ocupa, sucessivamente, distintos nichos e níveis tróficos, o estudo das
relações bióticas é bastante complexo. Assim, organismos que ocupam, durante seu
desenvolvimento, habitats distintos, comportam-se como entidades distintas nas
diferentes fases do seu ciclo biológico e integram, sucessivamente, diferentes
comunidades bióticas.
Por outro lado, diferentes espécies podem explorar um mesmo nicho e
competir por alimento ou local de abrigo: basta observar a variedade de aves e de
artrópodes que utilizam um mesmo alimento em um jardim ou pomar, para
compreender que o referencial taxonômico deve ser substituido pelo ecológico, no
estudo da organização das comunidades.
151
Uma série de mecanismos de reconhecimento específico, sexual e
individual, de demarcação de territórios, de estabelecimento de distâncias críticas ou
de fuga, de rituais e de comportamentos sociais desenvolveram-se, permitindo a
coexistência em sociedade e as interações bioticas fundamentais. O estudo destes
mecanismos é parte da psicologia animal. (1).
A sociologia preocupa-se com as estruturas ecológicas no nível
populacional, seja do homem, de outros animais ou de plantas.
No caso da espécie humana, fatores culturais, e tradicionais regulam o
comportamento do indivíduo em sociedade e seu estudo abarca um conjunto de
disciplinas que vão da ética ao direito. A correspondência analógica de certas
necessidades, como a de espaço, de interação social e de segregação como o que se
verifica entre os outros animais levou a generalização de conceitos como o de
território e domínio vital e ao nascimento da discutida sociobiologia.
A trasnmissão de comportamentos adquiridos de uma geração a outra,
que o homem ampliou através de métodos próprios de armazenamento,
processamento e recuperação de informações constitui o tema das especialidades
ligadas à educação, ao ensino, à documentação e à moderna informática.
Temas especiais como o estudo das semelhanças protetoras
(mimetismo, convergência mülleriana, homocromia), da polinização cruzada e dos
vetores fazem a ponte entre a etologia e a ecologia. Ainda não surgiu um estudo
comparativo mais profundo entre a polinização de flores por animais e a disseminação
de microorganismos por vetores. Do ponto de vista da estratégia reprodutiva e de
sobrevivência, existem analogias fundamentais entre aqueles fenômenos. Em ambos
os casos o transporte de gametas ou de formas jovens faz-se com segurança e com
destino certo. No caso das flores, coadaptações notáveis garantem a fecundação de
maneira econômica, evitando o desperdício de grãos de pólem, se fossem levados pelo
vento. Quando se trata de parasitas, os vetores encarregam-se de localizar hospedeiros
inter-mediários ou definitivos apropriados, reconhecendo-os melhor do que o faria um
taxonomista e livrando os microorganismos do contato com o meio ambiente exterior
e das vicissitudes de ter que buscar alimento, orientar-se, reconhecer seus
reservatórios naturais e instalarem-se neles. (2)
A parasitologia, historiada por Foster em 1965, desenvolveu-se no
século XIX e diferenciou-se nas especialidades médica, veterinária, agrícola e geral.
A microbiologia depois de Pasteur e de Koch tomou novos rumos, deixando de ser
uma curiosidade biológica para tornar-se uma disciplina independente e separada,
artificialmente, da parasitologia. Whitfield revisou recentemente os fundamentos
biológicos destes tipos de associação e redefiniu varios termos que vinham sendo
152
utilizados de forma ambígua ou de maneira incorreta. Sapp abordou a história da
simbiose incorporando os últimos progressos da biologia molecular. (3).
0 estudo das adaptações ao meio passou a ser o objetivo da
ecofisiologia e um importante simpósio indicou as diferentes rotas que as pesquisas
nesta área vem seguindo (4).
Trabalhos pioneiros de analise ecologica das comunidades, como os de
E1ton, em 1927 e de Dice, em 1952 foram seguidos pela preocupação com a estrutura
e dinâmica populacionais (5).
A prática do controle biológico teve início de maneira empírica e
informal. Os fundamentos científicos que gerariam sua tecnologia e conseqüente
desenvolvimento de técnicas surgiram após Pasteur. Em uma direção evoluiu no
sentido de proteger os cultivos agronômicos e, em outro, de proteger a saúde humana
e animal. Um de seus aspectos particulares é a antibiose, onde se utilizam
microorganismos que produzem substâncias que inibem o desenvolvimento de outros
para controla-los.
Após a Segunda Guerra Mundial, a preocupação com a manutenção do
equilíbrio ecológico originou um grande movimento no sentido da conservação e da
preservação da natureza e dos recursos naturais.
Cronologia histórica
Um conceito idealizado e antropocêntrico de mutualismo pode ser
identificado nos escritos dos autores da Grécia clássica e nas fábulas. Mas foi após a
revolução industrial e com o nascimento da sociologia no século XIX que alguns
conceitos desenvolvidos pelos biólogos foram aplicados às relações entre outras
espécies, numa versão primitiva da sociobiologia. Assim também o fizeram Malthus,
Spencer e Marx, com a seleção natural e a competição e Peter Kropotkin (6) com o
mutualismo.
A literatura clássica renascentista é caracteristicamente episódica e a
preocupação dos naturalistas estava mais voltada para o registro de fatos - reais ou
imaginários - do que para sua correlação e explicação. Os Bestiários constituem
repositório de observações, fábulas, lendas e crendices, sobre o comportamento real
ou mitológico dos animais, escritos em linguagem antropocêntrica, e interpretados
deste ponto de vista. A intenção subjacente é moralista e edificante. Mesmo onde a
observação contrariava a versão, esta prevalecia.
Anton van Leeuwenhoek (1632-1723) figura na história da ciência por
suas pacientes e cuidadosas observações que mostram que e a curiosidade, mais do
153
que qualquer outro estímulo externo, é a responsável pelo progresso de nossos
conhecimentos. Com o auxílio de microscópios simples, pouco antes inventados, por
ele mesmo construidos e cujo segredo do polimento das lentes nunca revelou,
descreveu protozoários, bactérias, espermatozoides e um mundo microbiano de
infusórios, alargando as fronteiras da história natural. Os sistemas de classificação da
época não tinham lugar para abriga-los. Microscópios compostos já eram utilizados
desde 1590, por Hooke, mas Leeuwenhoek conseguiu aumentos de 50 a 300 vezes
com suas lentes minúsculas, sendo limitado, contudo, pela policromia das aberrações
de refração do vidro.Suas observações foram comunicadas por via de uma longa
correspondência mantida com a Royal Society, em Londres. Foi em uma dessas cartas
que registrou o seguinte comentário: I wonder... why our canals are not choked with
mussels, when the mothers have each one so many young ones inside them... Life lives
in life... And it is for our good, of course, because if there weren't little animals to eat
up the young mussels, our canals would be choked by those shellfish, for each mother
has more than a thousand young ones at a time. (7).
A observação do holandês de Delft - uma cidade de canais - passou
desapercebida, em seu significado geral durante muito tempo. Linnaeus, Buffon e
outros entretinham a noção protoecológica de uma economia da natureza, que
mantinha o equilíbrio entre plantas e animais, predores e presas.
Noções primitivas sobre o equilíbrio natural, como as de
Leeuwenhoek, foram extendidas ao homem a partir do seculo XVI. Strangeland,
citapo na introdução de K.Davis à tradução mexicana do ensaio de Malthus lista,
como autores que precederam Malthus, os seguintes: Machiavell, Botero (1590), Hale
(1677), (1751), Bufon, (1851), Franklin (1751), Wallace (1761), Brückner (1767).
Destaque especial cabe a Carolus Linnaeus, o botânico sueco que propôs os modernos
sistemas de classificação e de nomenclatura dos organismos.
O exame da concepção de equilíbrio natural na obra de Linnaeus
tornou-se mais accessível a partir da reedição das dissertações pertinentes comentadas
por Camille Limoges. Essas dissertações, apresentadas e defendidas por seus alunos
são, segundo Stauffer, de autoria de Linnaeus. É, sem dúvida, uma concepção
protoecológica, uma vez que concebe os tres reinos da natureza nitidamente
separados, como criações distintas. Assim, a degradação das plantas, transformando a
matéria orgânica em humus dá lugar ao aparecimento de novas plantas. Sua descrição
da “degradação” nos animais é primária e prevê o consumo das carcaças por outros
animais necrófagos. Stauffer, em 1960, conclui que, aquelas dissertações nos
apresentam uma imagem crua do que era a ecologia - ou protoecologis - no século
XVIII.
154
Entretanto, a noção de estabilidade das populações e manutenção de
uma certa proporcionalidade numérica entre predadores e fitófagos não difere muito
da de Leeuwenhoek. Na dissertação de Linnaeus sobre a economia da natureza,
apresentada por seu aluno I.J.Biberg aparece uma citação de Belon: Il y a quelques
Mouches vivipares qui, en une seule parturition, mettent au monde 2.000 rejetons; en
peu de temps, elles empliraient l’espace et à la manière de nuages, intercepteraient
les rayons du soleil, si les oiseaux, les araignées et beaucoup d’autresne les
mangiaient. (8). Prossegue citando outrs autores, com o objetivo de ressaltar a
sapiência divina em ordenar a criação. Na página seguinte Linnaeus usa quase as
mesmas palavras de Leeuwenhoek ao repetir o argumento de Belon com relação às
cegonhas, que migram em enormes números para o Egito, branqueando os campos: ...
si les Cigognes ne dévoraient les Grenouilles qui se reproduisent là en si grande
abondance, celles-ci envahiraient tout d’autant plus que les cigognes prennent et
dévorent les serpents.(9).
Em 1981, Canguilhem, ao discutir a evolução do conceito de
regulação, deteve-se na análise da contribuição da escola lineana e, em especial, das
teses sobre Oeconomia Naturae de Biberg, em 1749 e Politica Naturae de Wilcke, em
1760. No seu entender, Linnaeus teria recebido a noção de balanço ou equilíbrio da
natureza do teólogo inglês Derham (10). Reconhecendo que Linnaeus atribuiu a lei da
conservação e regulação das populações dos seres vivos a uma entidade divina, que
denomina Soberano Moderador e, em virtude de suas idéias sobre o Criador como
autor das espécies animais e vegetais, Canguilhem concluiu que: Il n'est donc pas
possible de tenir la notion linnéenne d'équilibre des espèces sur leurs lieux de
peupement pour une antécipation de celle d'équilibre écologique, qui n'a de
signification que dans la théorie post-darwinienne de la repartition géographique des
organismes et des rélations précaires et révisables, établies entre populations
spécifiques par les aléas de la lutte pour la vie. (11) .
Da mesma forma, Canguilhem não autoriza que se considere a
Economia da Natureza de Linaeus como uma doutrina pré-malthusiana.
Thomas Robert Malthus (1766-1834) teve o mérito de quantificar as
previsões feitas em relação ao crescimento populacional humano e a produção de
alimentos. Em 1798 exprimiu suas idéias sob forma de uma lei matemática para
demonstrar que a população tenderia a crescer em progressão geométrica, enquanto a
produção de alimentos aumentaria em progressão aritmética. O ensaio de Malthus
constitui uma importante contribuição à sociologia, especialmente à sociologia
política, despertando a atenção de Darwin para a solução do problema de encontrar
um mecanismo que explicassem a evolução orgânica. Nas edições posteriores de seu
ensaio, muito ampliadas, Malthus preocupou-se em responder as objeções levantadas
155
a seus argumentos. Essas críticas vinham de diferentes setores, inclusive da igreja. O
Reverendo Malthus começou por explicar que o Criador, ao recomendar crescei e
multiplicai-vos esperava que o homem cuidasse, ao mesmo tempo (ou logo depois),
de providenciaros meios de subsistência para sua prole. E assim explicou seu
pensamento:La causa a que aludo es la tendencia constante de toda vida a aumentar
reproduciéndose, más allá de lo que permiten los recursos disponibles para su
subsistencia.
El Dr. Franklin a observado que la fecundidad natural de las plantas y
de los animales no tiene más límite que el que fija su propio nacimiento y la mutua
restricción de los mdios de subsistencia. Según el Dr. Franklin, si la superficie de la
tierra estuviera desprovista de toda clase de plantas sería fácil hacer que se
extendiera por toda ella una sola, por ejemplo, el hinojo, y que si estuviera
despoblada excepto el territorio ocupado por una sola nación, digamos Inglaterra,
sería fácil para los habitantes de ésta llegar a poblar toda la tierra en pocas
generaciones.
Es una verdad incontrovertible. Tanto en el reino animal como en el
vegetal la naturaleza ha esparcido con profusión las semillas de la vida; pero ha sido
avara al conceder espacio y alimentos. ... Podemos llegar a la conclusión de que,
teniendo en cuenta el estado actual de la tierra, los medios de subsistencia, aun bajo
las circunstancias más favorables a la actividad humana, no podrían hacerse
aumentar con mayor rapidez de la que supone una progressión aritmética. ...El
principal obstáculo para el aumento de la población parece ser la falta de alimentos,
que se deriva necesariamente de las distintas proporciones en que aumentan aquélla
y éstos; pero esta limitación, únicamente es de carácter inmediato en casos de
verdadera hambre. (12).
Malthus admitia que, no caso do homem, atuariam também os freios
econômicos e sociais, tais como a monogamia, o casamento tardio e a continência
sexual. Após ocupar os espaços disponíveis na Terra, o homem deveria preocupar-se
em aperfeiçoar as técnicas de produção. A doença, a miséria e a guerra constituem os
meios de controle de que a natureza dispoe. Malthus recomenda a prevenção da
miséria pelo aumento do rendimento ou produtividade das terras sob cultivo e da
criação de animais domésticos. Respondendo as críticas que lhe foram dirigidas,
recusa a de ser partidário da suspensão da prática da variolização, que precedeu à da
vacinação, surgida com Pasteur no final do século XIX.
Na apreciação dos trabalhos publicados no ano de 1813, Cuvier
menciona as de [G.A.] Olivier à agricultura e à zoologia. Trata-se de um estudo das
pragas do figo, onde o autor menciona a descoberta de três outros insetos, inimigos
das primeiras, e que, reduzindo sua propagação, reduzem seus danos.
156
Evidências acumulavam-se contra a noção prevalente no século XVIII
em relação ao equilíbrio estável das populações de animais e vegetais resultante da
preocupação divina com a obra de sua criação. Desde meados do século anterior,
naturalistas observavam que plantas e animais inferiores demonstravam um enorme
potencial reprodutivo, mas seus descendentes pereciam em grande número antes de
atingirem a maturidade, ou de germinarem. Biberg, em 1749 sugeriu que cada criatura
tem seu lugar estabelecido na natureza, o qual determina seu alimento e sua
distribuição geográfica, evitando a competição. As cadeias alimentares fariam com
que o excesso de produção de uma espécie servisse para sustentar uma outra. Assim, a
predação e as elevadas taxas de reprodução de presas serviriam para manter as
proporções e o equilíbrio entre os organismos.
Vale lembrar que também De Beer negou - malgrado a afirmação do
próprio Darmin - que houvesse relação entre a idéia de luta pela vida e consequente
seleção natural com a sobrevivência dos mais aptos, e a idéia de regulação de
Malthus. O fato é que foi esta idéia, exposta, argumentada e exemplificada por
Malthus que despertou a atenção e apontou a direção a Darwin, para a proposição de
sua teoria.
Raramente dois autores empregam um mesmo termo com sentido
idêntico e acredito que, apesar dos argumentos de Canguilhem, pode-se seguir uma
linha de evolução do pensamento de Linnaeus a Darwin (em seu primeiro ensaio), o
qual também admitia o mundo vivo como obra de um Criador. (13). Uma linha de
pensamento não significa filiação ideológica ou conceitual, e pode comportar
mudnças radicais nas explicações ou soluções propostas para um problema.
No século XIX, as evidências crescentes da extinção de... espécies,
evidenciadas pelo progresso da paleontologia ajudaram a destruir a teoria de
economia da natureza de Linnaeus.
Herbert Spencer, filósofo inglês, exerceria profunda influência no
pensamento biológico do final do século XIX. Em Principles of Biology, publicado
em fascículos entre 1863 e 1867 e posteriormente reunidos em dois volumes, discutiu
a ideia da regulação das populações naturais e a natureza do equilíbrio dinâmico.
Depois de discutir os mecanismos de controle abióticos como clima e espaço vital,
menciona os agentes orgânicos do meio. Cita alguns casos de cooperação, como a
simbiose, os polinizadores de plantas e os predadores, herbívoros, lagartas que
devoram folhas e afídeos que as sugam. Entre os animais, porém, o equilíbrio
dependeria da densidade dos agentes existentes. Deve haver um número equilibrado
de plantas e animais que servem de alimento e de outros que sejam predadores e
parasitas para evitar a superpopulação. Spencer considera a morte como falha no
sistema de equilíbrio endógeno, i.é, das forças orgânicas e das forças do ambiente. Na
157
idade avançada, as forças internas já não conseguem responder a um desvio maior
das solicitações externas e sobrevem a morte natural.
Spencer reconhece o valor das adaptaçõoes para a sobrevivência,
dentre as quais menciona a hibernação, a pelagem de inverno dos mamíferos de clima
frio, as estruturas defensivas, o mimetismo e o incremento da taxa de reprodução.
O aumento populacional de uma espécie seria controlado, por sua vez,
pelo incremento correspondente de seus inimigos naturais. Quando o equilíbrio é
restabelecido, os predadores e parasitas reduzem-se automaticamente. O incremento
destes tem lugar após a condição de superpopulação das presas e hospedeiros e ocorre
em progressão geométrica, até seu próprio controle e o habitat encontrar-se ocupado.
Em First Principles, Spencer já havia descrito o movimento rítmico e
senoidal que constitui o equilíbrio móvel ou dinâmico e coordenado das populações
de presas e predadores.
Spencer influenciou Arthur G. Tansley, o primeiro presidente da
British Ecological Society e autor da definição de ecossistema. Segundo Tobey,
Tansley had collaborated with Spencer on the revision of the latter's Principles of
Biology, and he was influenced to take up ecology by reading Warming's book; while
he broke with the superorganisms concept in the 1930's, in the early years of the
century he helped to make it the basis of plant ecology in Britain, just as Clements did
it in America. (14). De fato, Spencer agradece a Tansley pela colaboração na parte de
morfologia e fisiologia vegetais. Charles Darwin (1809-1882) foi um dos pioneiros da
ecologia e o responsável por propor um mecanismo para o processo da evolução
orgânica dependente, principalmente, da ação do meio biótico, enquanto Lamarck
atribuira maior importância ao meio físico. Em 1858, Darwin e Wallace comunicaram
os fundamentos da teoria da evolução por seleção natural à qual chegaram
independentemente. Stauffer, em 1957, analisou a contribuição de Darwin para a
ecologia, o que foi negado por outros autores.
O raciocínio indutivo/dedutivo de Darwin apoiava-se sobre fatos e
teorias conhecidos na época; que a variação individual é a regra na natureza, que os
organismos produzem um grande número de descendentes, que as populações naturais
oscilam, mas não aumentam de maneira progressiva; logo deve haver uma grande
mortalidade resultante da luta pela existência (em sentido metafórico, significando a
possibilidade de deixar descendência, perpetuando suas características); daí decorre a
seleção natural, que resulta na sobrevivência dos mais aptos (expressão que tomou
emprestada a Spencer). A competição seria mais acirrada entre os indivíduos da
mesma espécie e entre espécies de um mesmo gênero.
Darwin indicou o caminho para os estudos quantitativos de capacidade
de suporte de uma área, de dispersão e colonização, de biogeografia ecológica e dos
158
demais fenômenos que se tornaram, pouco a pouco, capítulos da nova disciplina que
nascia formalmente e que receberia uma denominação oficial poucos anos mais tarde,
por um dos divulgadores principais da teoria da seleção natural, Ernest Haeckel.
Diversidade, competição, adaptação, equilíbrio seriam investigados, resultando no
acúmulo de dados que viriam constituir constituir capítulos da ecologia.
Em primeiro lugar, Darwin propôs o princípio da divergência,
derivado de seus trabalhos em sistemática. Esse princípio foi segundo em
importância, após o da seleção natural. Deixando de ser, primeiro fixista e, em
seguida, criacionista, divergiu dos naturalistas de seu tempo ao questionar a perfeição
das adaptações como demonstração da obra divina e o surgimento de novas
adaptações como resposta a mudanças climáticas ou geológicas. Terminou por admitir
a ocorrência de variações ao acaso, e não como resposta a solicitações do meio
ambiente.
Sua teoria busca apoio em alguns princípios que são fundamentais para
a teoria ecológica: a competição e a exclusão competitiva de espécies próximas, na
disputa de nichos. Foi pioneiro da noção de nicho ecológico.
Ao dispensar as idéias da perfeição da natureza e das adaptações dos
organismos ao meio; da economia da natureza como resultado da perfeição da obra
divina; da idéia de plano e de finalidade; e ao mostrar a generalidade e improvisação
das variações individuais, Darwin abriu caminho ao pensamento biológico moderno.
Ao caracterizar a competição como mecanismo de seleção natural de variações
causais e a adaptação como o resultado da seleção de indivíduos e de espécies que
buscam ocupar locais ou funções, Darwin preparou o caminho para o
desenvolvimento da ecologia.
Uma apreciação importante de sua contribuição encontra-se em
Ospovat.
Apesar da opinião de Acot de que Darwin não teria tido papel
importante no desenvolvimento da ecologia, considero, como Stauffer o fez em 1957
e 1960, que muitas das idéias que foram incorporadas as teorias ecológicas foram
sugeridas e discutidas por ele. Diversidade, divergência, variação, nicho e competição
são questões intimamente relacionadas e interdependentes, dentro da sua visão de
evolução.
No curso do desenvolvimewto de suas idéias, Darwin abandonou a
noção corrente de resposta a alteraçõoes ambientes - seja por um mecanismo
lamarckiano, seja por desígnio criacionista - pela de préadaptação, ou melhor, pela de
altaração aleatória das características morfologicas ou fisiológicas. Em 1837, no
manuscrito da grande obra inédita que seria publicada somente em 1975, explicou
como uma pequena diferença que distingue duas variedades ou dois indivíduos de
159
uma mesma espécie e que constituem espécies incipientes, aumenta até que uma
grande diferença separe duas novas espécies. Propos, então, o princípio da
divergência, que pressupõe a seleção continuada das variedades que divergem da
forma parental ou ancestral de maneira a preencher o que denominamos de nichos
ecológicos, tantos quanto possível. Para Darwin, haveria gradientes contínuos entre as
espécies, e entre elas a seus ancestrais, constituindo o que hoje denominamos
variação clinal. A ausência dos elos seria explicada pela extinção. As formas mais
diferenciadas ou diversificadas teriam maiores chances de sobrevivência originando
novas espécies. Para Ospovat, ao integrar o princípio da divergência na teoria da
seleção natural, Darwin o interpretou como uma tendência à diversificação ecológica
e, portanto, adotando a idéia de especiação ecológica e não necessariamente
geográfica.
No ensaio de 1844 Darwin atribuia pouca importância e pequena
amplitude à variação individual na natureza e admitia a noção corrente de que as
espécies estariam adaptadas às respectivas condições de vida. Somente a partir de
1856 concluiu que a variação não é adaptativa e não ocorre em resposta aalterações
climáticas ou geológicas. Por essa época, passoua atribuir maior importância às
relações entre espécies e à competição. Aqui, introduziu um novo conceito,
importante para o futuro desenvolvimento da ecologia.
Concorda Ospovat que ...Darwin's concept of place, which in Natural
Selection and the Origin closely resembles, as others have noted, the modern concept
of niche, was in 1844 not very clearly articulated; its primary reference was to
physical, not organic, conditions; and it reflected traditional attitudes about the
dependence of organic on geological and climatic change. (15). Foi em 1856 que
clarificou seu conceito de interrelações dos organismos e de lugar (place). O conceito
de nicho seria clarificado e precisado por Grinnell, Elton, Gause e Hutchinson e teve
seu desenvolvimento histórico analisado por Gaffney em 1973.(16)
A base da teoria da evolução por seleção natural é claramente
ecológica e Darwin pode ser considerado um dos pioneiros mais destacados da
ecologia. Desde os primeiros ensaios escritos em 1842 e 1844 até a 6ª e última edição
da Origem revista por ele, o mecanismo responsável pela sobrevivência e pela
adaptação das espécies envolve tanto os fatores do seu meio biótico quanto os
elementos abióticos. Como Humboldt, Darwin observou a ação direta do clima como
fator limitante da distribuição dos organismos e a equivalência entre latitude e
altitude. Depois de explicar o sentido metafórico em que emprega a expressão luta
pela vida, Darwin explica como entende seu papel na evolução e no relacionamento
das espécies com o meio ambiente: A struggle for existence inevitably follows from
the high rate at which all organic beings tend to increase. ...Hence, as more
160
individuals are produced than can possibly survive, there must in every case be a
struggle for existence, either one individual with another of the same species, or with
the individuals of distinct species, or with the physical conditions of life. It is the
doctrine of Malthus applied with manifold force to the whole animal and vegetable
kingdoms. (17).
Para Darwin, a mortalidade causada pelo clima supera a das epidemias
que afetam as populações humanas, que ele estima, corretamente, em 10% nos casos
mais graves. E prossegue, explicando a complexidade das interações que hoje
denominamos ecológicas. Mostra que, apesar de se poder pensar que a ação do clima
seja totalmente independente da luta pela existência, as variações climáticas atuam
diretamente sobre a quantidade de alimento disponível.
Em uma seção da Origem das Especies intitulada Relações complexas
que tem entre si os animais e as plantas pela existencia, aborda as cadeias ecológicas
e as interações recíprocas de cooperaçãoo e competição. Um dos exemplos que
apoiavam sua argumentação é o da relação de dependência do trevo vermelho,
zangões, arganazes e gatos, citado em capítulo anterior.
Darwin mencionou, ainda, o papel das epidemias no controle
populacional, avaliando corretamente a dinâmica dos parasitas. Assim, mencionou
que When a species, owing to highly favourable circumstances, increases inordinately
in numbers in a small tract, epidemics ... often ensue. ... But even some of these socalled epidemics appear to be due to parasitic worms, which have from some cause,
possibly in part through facility of diffusion amongst the crowded animals, been
disproportionably favoured:and here comes in a sort of struggle between the parasite
and its prey. (18).
Quanto às relações mutualísticas, Boucher registra a contribuição de
Warming, que trata do tema em sua obra clássica publicada em 1895.
Mas este tema será desenvolvido no próximo capítulo.
O equilíbrio natural e seu controle artificial
As noções indefinidas de equilíbrio dinâmico e senoidal resumidas por
Spencer e que serviram de base à teoria da seleção natural, assumiram importância
cada vez maior, constituindo, hoje, a preocupação de leigos e cientistas. Esses
princípios constituem a base do conservacionismo.
Suas aplicações práticas ao controle dito natural de pragas e parasitas
foram aperfeiçoadas por agrônomos, veterinários e médicos. Alguma confusão tem
161
surgido do uso da expressão controle natural, para intervenções planejadas pelo
homem, em seu próprio interesse, o que o caracteriza como artificial. (19).
A utilização de certos predadores para controlar pragas de plantas
cultivadas perde-se no horizonte da história. O uso de parasitas no controle de insetos
data do seculo XIX, precedendo as contribuições de Pasteur. Já a utilização de
micoorganismos no controle de outros micróbios e no de vertebrados, preconizada por
ele próprio, tiveram lugar no final do século XIX.
As primeiras observações sobre parasita de insetos foram registradas
sem que os autores percebessem a verdadeira natureza do fenômeno. Idéias sobre
geração expontânea justificavam a crença, nascida de observações mal feitas, do
nascimento de insetos de uma espécie, do corpo de outra. o que foi registrado nos
textos e desenhos de Aldrovandi, em 1638, Goedaert, em 1662 e Vallisnieri, em 1706,
este último reconhecendo a natureza do parasitismo. Coube a Reaumur (1734-1742) e
a De Geer (1752 - 1778) descrever, em detalhe, a biologia e a parasitologia em
insetos.
As relações de competição, como vimos, receberam maior atenção que
as de cooperação. Em 1936 F.G. Gause estabelecia um princípio segundo o qual duas
espécies próximas não podem ocupar um mesmo nicho ecológico. Relações do tipo
predadores/presas e parasitas/hospedeiros foram investigadas a partir do século
XVIII.
Charles Elton (1903- ), juntamente com D. Chitty e A.J. Nicholson,
no Bureau of Animal Population, estabelecido em 1932 na Oxford University,
iniciaram suas pesquisas com a análise da flutuação anual de animais de peleteria e,
em seguida, correlacionando-os com os de predadores. As informações disponíveis,
da Hudson Bay Company, cobriam o período de 1821 a 1911, tendo sido possível
recuperar dados registrados desde 1735. Em 1942, Elton resumiu todas as suas
observações em um volume no qual analisa o fenomeno das flutuações das populções
naturais. A ele devemos os conceitos modernos de nicho, teia da vida, pirâmide de
números, organização e relações numéricas entre níveis tróficos, principalmente
desenvolvidos em suas obras publicadas em 1927 e 1933. A pirâmide de energia, que
não se inverte, seria proposta por Lindeman, em 1942 e Golley, em 1961, quase vinte
anos depois de Transeau publicar seu trabalho pioneiro sobre a acumulação de energia
pelas plantas.
Ainda na década de 1920, Elton interessou-se pelo papel das doenças
infecciosas como agentes de contole populacional, o que será descrito no proximo
capítulo. Certos ciclos de incremento populacional correlacionado de presas e
predadores, exibindo a defasagem de tempo esperada, sugeriam um mecanismo
simples de equilíbrio ou controle, como aquele proposto por Spencer. O aumento da
162
população de presas seria seguido, após um certo intervalo, pelo de predadores.
Reduzindo-se o número de presas em função da predação, diminuia o número dos
predadores. Entretanto, em locais onde inexistiam predadores, a população de certos
animais estudados por Elton flutuava igualmente,indicando a atuação de outros tipos
de limitação de seu aumento e redução.
A existência dos ciclos circadianos, sazonais e outros, condicionaramnos a aceitar facilmente a suposta existência de periodismos, sem o suporte de
observações controladas e indepedente de explicações científicas. Acreditou-se em
correlações espúrias, como as da menstruação com as fases da lua, simplesmente pela
coincidência nos períodos respectivos, e da eclosão de epidemias em ciclos
determinados.
Ronald Ross foi um dos primeiros a propor um modelo matemático
para a avaliação da dinâmica de populações,aplicado ao estudo dos vetores da malária
Sua fórmula permitia avaliar se a incidência da infecção era constante, se declinava,
ou estava fora de controle. Os trabalhos de Ross, especialmente o que publicou em
1928 teriam grande importância para o desenvolvimento futuro da ecologia
matemática e para os estudos quantitativos de populações animais, Entretanto,
segundo Peller e Lotka (20), não influiram muito para o êxito das ações de controle da
doença em áreas endêmicas. Lotka (21) e Volterra (22) desenvolveram modelos
matemáticos simplificados para analisar o equilíbrio de populações animais. Um
importante trabalho de D'Ancona, colaborador de Volterra, publicado em 1942
constitui uma fonte importante de informações históricas.
Lamentando o desprezo pelo estudo do fenômeno da cooperação na
natureza, em favor do interesse pelo da competição, estimulado e popularizado pela
teoria de Darwin, W.C. Alee reuniu evidências de sua ocorrência generalizada entre
animais e ressaltou a contribuição pioneira de Espinas em uma importante obra
publicada em 1931: Coming in 1878 the conclusions of Espinas are the more
important because the scientific world was then, as men in the street are today, under
the spell of the idea that there is an intense and frequently very personal struggle for
existence. ... The idea of the existence of natural cooperation was apparently in the
air despite the preoccupation with the egoistic phase of Darwinism. (23).
Em 1873 um zoólogo belga, Pierre J. van Beneden, em uma
comunicação feita à Académie Royale de Bruxelas introduziu na biologia a expressão
mutualismo, importada da sociologia política. Em 1875 publicou um livro onde
discutiu as relações entre organismos, na tentativa de classificá-las em categorias
definidas. Seu estilo é o dos teólogos da natureza e reminiscente das fábulas, onde
sentimentos humanos são exprestados aos animais.
163
Poucos anos depois, Alfred Espinas, defendeu uma tese de
doutoramento na Universidade de Paris em 1877 na qual ressaltou os aspectos
positivos das interações sociais e, de certa forma, lançou as sementes dos temas que
seriam desenvolvidos pela sociobiologia moderna, incluindo l'abnégation du moi
individuel pour le bien du moi collectif [altruismo]... les ébauches de vertus auquelles
l'animal est appelé par la vie social... Quanto à analogia ou homologia dos aspectos
das sociedades humanas e de outros animais, deixa-nos a indagação: Parviendra-t-on
à déterminer les lois de la vie sociale pour l'humanité ? (24).
É interessante lembrar ainda, que Espinas e van Beneden escreveram
após a guerra de 1870 e Allee à vésperas da Segunda Guerra Mundial, quando
políticas nacionalistas e posições ideológicas radicais foram baseadas em falsos
princípios da ciência.
Em 1966 surgiria um interessante livro de autoria de Edward T. Hall,
estendendo ao homem certos conceitos correntes em ecologia animal, abrindo
caminho ao que viria a constituir a sociobiologia.
Em 1985, Boucher historiou o desenvolvimento das idéias sobre
relações mutualísticas, incluindo as teorias sociais derivadas que tiverem voga no
século passado e que se encontram além do escôpo deste histórico.
O Mundo microbiano
O período que vai de 1860 a 1880 constitui um marco na história da
biologia e da medicina, quando antigas suspeitas e vagas noções empíricas foram
comprovadas, nascendo a teoria microbiana das infecções. A disputa entre os
partidários da prática clínica e os favoráveis à investigação nas disciplinas básicas e
prática laboratorial pendeu em favor destes últimos. Na Alemanha, Virchow,
discípulo de Johannes Müller estabeleceu os fundamentos da patologia celular e da
anatomopatologia. Na França, discípulo de Magendie, Claude Bernard lançou os
fundamentos da fisiopatologia e da fisiologia experimental, ao tempo em que Pasteur
fundava a microbiologia médica e a imunologia e, na Alemanha, Koch desenvolvia as
técnicas que permitiram as descobertas que vieram revolucionar a microbiologia.
A historia desses progressos, de grande importância para a evolução de
certos princípios ecológicos, enriquecida em 1997 pela obra de Grmek tem sido
ignorada pelos historiadores da ecologia. Dedicaremos a ela o próximo capítulo,
abordando as associações ou biocenoses que apresentam características que
consideramos patológicas.
164
Notas
(1) Espinas (1878), Alee (1931 e 1938), Grasse (1952) e Thorpe (1982) constituem fontes importantes
para o estudo da história da psicologia, da etologia e da sociologia animal.
(2) Avila-Pires, 1997.
(3) Sapp, 1994; Avila-Pires, 1998a.
(4) Edholm, 1964.
(5) Lack, 1954.
(6) Kropotkin, 1890, 1902.
(7) Leeuwenhoek, in Kruif, 1926, p.22. Admiro-me de que nossos canais não se encham de mexilhões,
uma vez que as mães tem, cada uma, tantos jovens no seu interior... A vida se alimenta da vida...
E isso é para o nosso próprio bem, pois se não fosse pelos pequenos animais que comem os
mexilhões pequenos, nossos canais estariam bloqueados pelos moluscos, pois cada mão tem mais
de 1000 filhotes de cada vez.
(8) Linnaeus, in Biberg, 1749 apud Limoges, 1972, p.97, que cita a obra de Belon de 1554, na edição
latina publicada em Antuérpia (Anvers) em 1589. Existem algumas Moscas vivíparas que, em um
só parto, colocam no mundo 2.000 descendentes; em pouco tempo elas ocupariam o espaço e,
como núvens, interceptariam os raios do sol, se as aves, as aranhas e muitos outros não as
devorassem.
(9) Linnaeus, in Biberg, 1749 apud Limoges, 1972, p.98. ...se as cegonhas não devorassem as rãs que
lá se reproduzem em tão grande abundância, estas invadiriam tudo, ainda mais porque as
cegonhas apanham e devoram as serpentes.
(10) Derham, 1713.
(11) Canguilhem, 1981, p.91. Não é, assim, possível admitir a noção lineana de equilibrio entre
espécies nos locais em que vivem por uma antecipação da do equilíbrio ecológicos, que não
adquire significado senão na teoria post-darwiniana de distribuição geográfica dos organismos e
de relações precárias e alteráveis, estabelecidas entre populações específicas por meio da luta
pela vida.
(12) Malthus, 1951, p.7-13. A causa a que aludo é a tendência constante de toda vida a aumentar,
reproduzindo-se além do que permitem os recursos disponíveis para a sua subsistência. O Dr.
Franklin observou que a fecundidade natural das plantas e dos animais não tem outro limite
senão o que determina seu próprio nascimento e a mútua restrição dos meios de subsistëncia.
Segundo Dr. Franklin, se a superfície da Terra estivesse desprovida de qualquer tipo de planta
será facil fazer com que se extendesse por toda ela, um só,... e que se estivesse despovoada exceto
o território ocupado por uma só nação, digamos a Inglaterra, seria fácila para os [seus ]
habitantes chegarem a povoar toda a Terra em poucas gerações. Esta é a verdade
incontrovertida. Tanto no reino animal como no vegetal a natureza distribui as sementes da vida
em profusão, mas foi avara ao conceder espaço e alimentos... Podemos chegar a conclusão que,
tendo em conta o estado atual da Terra, os meios de subsistência, mesmo sob as circunstância as
mais desfavoráveis à atividade humana não poderiam crescer com taxa maior do que em
progressão aritmética... O principal obstáculo para o aumento da populaçãoo parece ser a falta
de alimentos que deriva necessariamente das diferentes proporções em que aumentam aquelas e
estes; mas esta limitação é de caráter imediato somente em casos de verdadeira fome.
(13) Rothschuch, 1972.
(14) Tobey, 1981, citado por Boucher, 1985, p.16. Tansley havia colaborado com Spencer na revisão
dos Princípios de Biologia deste último, e foi influenciado a estudar ecologia pela leitura do
livro de Warming; enquanto rompeu com o conceito de super organismos na década de 1930,
nos primeiros anos do século colaborou para fazer dele a base da ecologia vegetal na Grã
Bretanha, assim como Clements o fez na América.
(15) Ospovat, 1981, p.197. O conceito de lugar de Darwin, que em Natural Selection e na Origem
lembra, como outros já notaram, o conceito moderno de nicho, não se encontrava articulado
claramente em 1844; sua relação principal era com as condições físicas e não orgânicas; e
refletia atitudes tradicionais sobre a dependência das alterações geológicas e climáticas sobre
os organismos.
(16) ver Grinnell, 1914, 1917a, 1917b; Elton, 1927; Gause, 1936; Hutchinson, 1958, 1973.
(17) Darwin, 1859, p.63; 1880, p.69. A luta pela existência resulta inevitavelmente da rapidez com que
todos os seres organizados tendem a multiplicar-se. Também, como nascem mais indivíduos do
que os que podem viver, deve existir, em cada caso, luta pela existência, quer com outro
165
indivíduo da mesma espécie, quer com indivíduos de espécies diferentes, quer com as condições
físicas da vida. ê a doutrina de Malthus aplicada com toda a sua força a todo o reino animal e
vegetal.
(18) Darwin, 1859, p.70; 1880, p.75-76. Quando uma espécie, devido a circunstâncias
particularmente favoráveis, aumenta desmesuradamente em número em uma localidade limitada,
epidemias ... comumente surgem. ... Entretanto, mesmo algumas destas ditas epidemias parecem
ser devidas a vermes parasitas, que foram, por alguma razão, possivelmente em parte pela
facilidade de difusão entre os animais amontoados, desproporcionalmente favorecidos: e então
ocorre uma espécie de luta entre o parasita e sua presa.
(19) Howard e Fiske (1911), Silvestri (1909), D' Ancona (1954) e Debach (1974) constituem fontes
históricas importantes para o estudo da história do desenvolvimento dos princípios do controle
biológico.
(20) Lotka, 1923.
(21) Lotka, 1925.
(22) Volterra, 1926.
(23) Allee, 1931, p.11. Surgidas em 1878, as conclusões de Espinas são ainda mais importantes
porque o mundo científico estava, então, como o homem comum hoje, sob a influência da idéia
de que existe uma intensa luta pela existência e, freqüentemente, muito pessoal. ... A idéia da
existência de cooperação na natureza estava aparentemente no ar, a despeito da preocupação
com o aspecto egoísta do Darwinismo.
(24) Espinas, 1878, p.12. ...a abnegação do eu individual pelo bem do eu coletivo /altruísmo/... os
esboços de virtudes às quais os animais são demandados pela vida em sociedade. ... Chegaremos
a determinar as leis da vida social para a humanidade ?
166
PATOCENOSES
167
Patocenoses
Ao contrário do conceito de biocenose, o de patocenose é
antropocêntrico. Aplica-se às comunidades bióticas cujas relações interespecíficas
propiciam a manutenção de ciclos de zoonoses que podem envolver reservatórios,
hospedeiros alternativos ou não-humanos, vetores e organismos patogênicos para o
homem e para os animais e plantas domésticos.
A investigação do fenômeno da doença em plantas, animais em geral e
no homem prosseguiu por caminhos distintos, como ainda acontece e se acentua nos
dias de hoje. Um histórico da epidemiologia e do tipo de associação biótica particular
entre microorganismos e hospedeirosque é denominado infecção encontra-se em Hirst
(1953).
Aristóteles e Plínio mencionaram doenças que afetam as abelhas.
Aldrovandi, em 1638 e Goedaert, em 1662 descreveram e figuraram alguns parasitas
de insetos, mas até o século XVIII admitia-se que de lagartas de borboletas podiam
nascer lepidópteros ou moscas. Em 1668, Redi demonstrou que moscas não podiam
surgir por geração expontânea na carne putrefata. R. A. F. Réaumur, autor de uma das
primeiras monografias importantes publicadas no campo da entomologia publicada
entre 1734 e 1742 relatou os resultados de suas observações sobre a biologia dos
insetos, incluindo seus parasitas. Desenhou uma larva atacada por um fungo
(Cordceps sp.). Carl de Geer, aluno de Linnaeus, publicou suas obras entre 1752 e
1778 e figurou outro fungo, em mosca (Empusa sp.). Contudo, nenhum deles deu-se
conta da natureza da associação entre microorganismos e insetos. Apesar disso, certas
técnicas de controle biológico, estimulando-se a multiplicação de parasitas ou
provocando o aparecimento de doenças em insetos foram desenvolvidas antes de se
compreender a natureza das infecções, como se pode ver no histórico publicado em
1956 por Steinhaus sobre a evolução de nossos conhecimentos sobre patologia dos
insetos.
A noção de que se pode adquirir uma doença através do contato direto
ou indireto com um enfermo é muito antiga, assim como a descoberta e adoção de
certos meios de evitá-la. Roupas, objetos, pertences pessoais e certas cargas de navios
eram considerados como sendo capazes de veicular ou transportar uma doença,
transladando-a de um foco epidêmico para uma área indene, ou de um indivíduo
enfermo para outro sadio. O isolamento e a quarentena são práticas antigas. Por outro
lado, observara-se que certas enfermidades estavam relacionadas a determinados
ambientes, como a malária aos terrenos pantanosos, e certas febres aos cemitérios e
locais que exalavam emanações pútridas, sugerindo a contaminação através de um
agente volátil, em uma atmosfera pestilencial. No primeiro caso falava-se de contágio
168
e, no segundo, de infecção. O contagionismo, derivado de concepções animistas
primitivas, admitia a existência de agentes exógenos ou germes, pólens, poeiras,
animáculos carreados pelo ar, pela água, pelos objetos de uso, sem uma definição ou
idéia mais precisa de sua natureza ou modo de ação. Em sua forma mágica, incluia o
mau olhado. Os agentes voláteis ou miasmáticos seriam mais difusos. Vírus, por sua
vez, designava, tanto uma partícula imaginária quanto um veneno ou peçonha
eliminado por um organismo. Defensores das duas teorias advogavam medidas
distintas de controle. Para doenças consideradas contagiosas, os lazaretos, cordões
sanitários e a quarentena eram indicados; os infeccionistas favoreciam ações
sanitárias preventivas, a higiene e as desinfecções, feitas geralmentre com substâncias
aromáticas como a cânfora, a menta ou o enxôfre. No século passado ainda se usavam
os tiros de canhão, nas esquinas das cidades afetadas por uma epidemia, para purificar
o ar. A partir do século XVI surgiu uma grande controvérsia entre os defensores dos
mecanismos de contágio e dos miasmas, como causa de certas doenças, hoje ditas
infecciosas. Hirst, em 1953 historiou esta polêmica, que se prolongou por quase
quatro séculos. Na Gazeta Médica do Rio de Janeiro (1) e na Gazeta Médica da Bahia
(2)
pode-se avaliar a confusão que, no século XIX, cercava ainda estes conceitos. No
último periódico citado, o editorialista reconhece a possibilidade da importação do
cólera, no país. Critica as discussões que se prendiam mais à interpretação de palavras
que de fatos, como a longa polêmica sobre a natureza contagiosa ou infecciosa da
doença. Defende, por exemplo, a idéia de que o cólera, além de transmissível, pode
ser transportado pelos homens e pelas coisas a grandes distâncias, tanto por mar como
por terra. De fato, não havia concordância sobre que doenças eram contagiosas ou
infecciosas, nem quanto à definição de contágio e de infecção. Em ambos os casos o
ar poderia ser veículo: tanto de partículas quanto de eflúvios.
Doutrinas contraditórias foram sempre admitidas lado a lado, numa
espécie de sincretismo forçado, onde evidências aparentes e convicções adquiridas da
tradição familiar convivem com teorias científicas aprendidas na escola.
A noção da enfermidade como uma entidade definida e individualizada
fora estabelecida por Sydenham no século XVII e não deixava lugar para a distinção
entre infecção e doença. Além disto, o conceito de enfermidade é complicado pela
multiplicidade da sua origem, que pode ser genética, infecciosa, degenerativa,
acidental, mecânica, ou mental.
Thomas Sydenham (1624-1689) preocupou-se em organizar um
sistema taxonômico das doenças, catalogando-as em 1666 e distinguindo-as por meio
de caracteres diagnósticos, como fazem zoólogos e botânicos com os animais e
plantas. Os problemas que iriam surgir seriam semelhantes aos que afligem os
zoólogos e botânicos, empenhados em distinguir homologias de analogias: sintomas
169
superficialmente parecidos levariam o médico a relacionar doenças distintas, por
analogia, enquanto que manifestações distintas da mesma enfermidade forçariam a
sua classificação em diferentes categorias. Com Sydenham, a atenção para com o
prognóstico da doença foi desviada para a caracterização das doenças.
Em 1840, Friedrich Gustav Jakob Henle (1809-1885) formalizou a
hipótese de que organismos invisíveis poderiam ser responsáveis por infecções e
propôs uma série de postulados para demonstrá-la, o que só seria feito décadas mais
tarde por Pasteur e por Koch.
Em 1771 Rudolphi publicara uma relação de espécies de parasitas
conhecidos até então, mas a natureza das relações entre as espécies envolvidas não era
clara. O fenômeno do parasitismo, era conhecido desde a antiguidade, mas não teve
sua verdadeira natureza reconhecida senão no final do século XIX. Hoje sabemos que
as relações entre hospedeiro e parasita não são estáticas. Em muitos casos, o
parasitismo é uma condição temporária ou circunstancial. Por exemplo, no caso dos
ancilostomídeos, somente a deficiência de ferro na alimentação, permite que surjam
sintomas clínicos de anemia, num claro exemplo de distinção entre infecção e doença.
Pasteur não admitia, como Claude Bernard, a influência das condições orgânicas nas
relações entre microorganismos e hospedeiros, preferindo acreditar em um
determinismo rígido nessas interações. A verdadeira natureza do parasitismo seria
esclarecida por Blanchard, em 1887.
A preocupação com o bicho da seda, devido a sua importância
econômica, foi grande no Japão, China e Europa. Relatos de doenças que os afetam
aparecem na literatura do século XVI e, em 1706 Vallisnieri descreveu a muscardina,
sem atinar com a sua origem. No relatório dos progressos das ciências naturais
durante o ano de 1813, Cuvier registrou a contribuição de G. A. Olivier à agricultura e
à zoologia, ao descrever nove espécies de insetos que atacam culturas de trigo e três
de seus inimigos naturais que, impedindo a sua propagação diminuem seus prejuízos.
Em 1816 já se havia proposto a introdução do secretário, uma ave
ofiófaga africana para o controle da caiçaca ou fèr-de-lance, serpente peçonhenta que
infestava os canaviais de Santa Lucia e Martinica e que provocava um grande número
de acidentes graves entre os escravos que trabalhavam nas plantações. Ao registrar o
fato, Cuvier especula se o mangusto não seria apropriado. Em 1867, Wucherer, que
publicara uma série de estudos sobre serpentes peçonhentas do Brasil na Gazeta
Médica da Bahia, menciona a oferta de um prêmio de mil francos franceses para
quem conseguisse introduzir na Martinica um animal capaz de controlar aquela cobra.
Vale lembrar que a idéia foi posta em prática e que a importação do mangusto não deu
certo: ele mesmo passou a constituir uma outra praga séria, atacando as criações de
pequenos animais domésticos.
170
Ainda em 1813, Hüber, entomólogo suiço que se destacou no estudo
das formigas, descreveu o comportamento de uma lagarta de borboleta que tece um
casulo suspenso entre os bordos de uma folha como se fora uma rede. Hüber realizou
uma série de experimentos com o fim de descobrir até que ponto essas operações
dependem do raciocínio da lagarta e podem ser alteradas por ela de acordo com as
circunstâncias. Cuvier menciona que a borboleta que nasce parece ser Phaloena
clerkella L. e que um de seus inimigos naturais é Ichneumon ramicornis. Por essa
época, surgiram suspeitas de que fungos poderiam ser parasitas, como registrou
Kirby, em 1826 em um tratado sobre doenças de insetos.
Foi um microscopista amador italiano, Agostino Bassi (1773-1856) que
demonstrou, em 1835, que um microorganismo vegetal, Beauveria bassiana poderia
provocar uma doença em um animal: mostrou que a muscardina era transmitida da
borboleta à lagarta do bicho-da-seda. No ano seguinte propôs que se utilizassem um
líquido putrefato, obtido de insetos mortos por aquele fungo, para aspergir as folhas
das árvores, a fim de prevenir a doença. Malgrado a contribuição de Bassi, a prática
do controle biológico de insetos e de fungos parasitas de plantas cultivadas
aperfeiçoou-se a partir da observação direta e da experiência prática. O progresso da
parasitologia humana e veterinária, da defesa sanitária e da biologia de
microorganismos seguiu caminhos divergentes, assim prosseguindo até hoje, o que
retardou a compreensão geral do fenômeno e a dos mecanismos de transmissão das
doenças infecciosasem particular.
A presença de hematozoários no sangue era considerada acidental e
desprovida de significado especial; o pús era visto como essencial ao processo de
cicatrização de ferimentos e ignoravam-se as relações dos helmintos com seus
hospedeiros, assim como sua importância na etiologia das enfermidades. E quando
este foi descoberto, ignorou-se seu significado biológico como participante de um tipo
característico de associação biótica. Mesmo a triquinose, reconhecida como sendo
causada pela ingestão de vermes da carne de porco mal cozida, não foi suficiente para
indicar a formulação de uma teoria geral da infecção parasitária que se opuzesse aos
ensinamentos hipocráticos firmemente enraizados na prática, na teoria e na didática.
Salomon-Bayet cita a crítica do cronista da Gazette Médicale de Paris, em 1879, F. de
Ranse que questiona a teoria dos germes: Même en admenttant les idées de M.
Pasteur, il ne suffit pas de mettre en présence, d'un coté une plaie, soit intérieure, soit
interne, de l'autre un agent ou ferment septique, vibrion ou germe de vibrion, pour
voir apparaître la fermentation putride et la septicémie; l'animal vivant offre à cet
agent, à ce vibrion, des conditions différents de milieu, les unes favorables, les autres
opposées à son déveveloppement et à son influence consécutive.(3).
171
O século XIX foi marcado pelo conflito dos conceitos herdados da
tradição hipocrática e galênica com as evidências crescentes do parasitismo como
causa de doenças, pela descoberta dos mecanismos responsáveis pelo contágio e pela
transmissão e pela descrição dos agentes patogênicos principais.
Por outro lado, a fisiologia experimental nascia baseada firmemente na
física, na química e na bioquímica, contestando velhas teorias vitalistas. Em 1869; M.
J. Saraiva escrevia na Gazeta Médica da Bahia que a sciencia de hoje não se parece,
em nada, com a etiologia de Hypocrates. Algumas das distorções de então
sobreviveram até os dias atuais: na separação da parasitologia e microbiologia e,
dentro de cada uma delas, o tratamento independente dos fenômenos por médicos,
biólogos, veterinários e agrônomos; no estudo da doença do ponto de vista
determinístico do agente causal; e na volta das teorias miasmáticas, sob nova
roupagem, derivadas de noções ecológicas superficiais e suas aplicações ao estudo da
poluição. Muito do que se escreve hoje sobre poluentes pode ser considerado como
reminiscente das emanações miasmáticas causadoras de doenças.
A noção de que o parasitismo e a doença constituem mecanismos
naturais do controle das populações é muito antiga e foi discutida de maneira formal,
em um contexto social, político e econômico, por Malthus. Na Origem das Espécies,
Darwin analisou seus aspectos biológicos em termos de luta pela vida, como vimos no
capítulo anterior.
É importante notar que, enquanto Malthus citava a doença de maneira
geral como um dos cavaleiros do apocalipse, Darwin menciona especificamente a
questão do equilíbrio parasita/hospedeiro e reconhece os parasitas como prejudiciais e
como agentes de enfermidades, atuando no controle de populações naturais.
Darwin não parece ter acompanhado os trabalhos de Pasteur, pelo
menos no sentido de buscar na microbiologia médica nascente, argumentos para suas
teorias, mas ter teve certamente notícia dos progressos da biologia a ele devidos.
A visão da época das relações entre hospedeiros e microorganismos
pode ser bem ilustrada pela opinião de Charles Gerhardt anteriormente citado no
contexto da fermentação e putrefação, que extendeu essas noções às doenças, como
muitos o fizeram: Un miasme n´est autre chose qu´un ferment, une matière organique
putride en suspension dans l´air, et qui s´introduit dans le sang par les voies
pulmonaires; le sang une fois altéré par lui, redevient ferment à son tour. A
proprement parler, un ferment n´est donc pas une substance sui generis, c´est tout
corps qui se détériore, se putréfie, se décompose, et qui par son attouchement avec un
autre corps provoque dans ce dernier des altérations du même ordre. (4).
Foster cita a crença comum de que fungos seriam causadores de
doenças. T.R. Lewis, que se distinguia no estudo de tripanosomas em 1868, was sent
172
with D. D. Cunninghan to Germany specialy to learn about the fungus theory of the
aetiology of cholera. This was, of course, before bacteria had been shown to play any
part in pathological proceses but there was a considerable body of oppinion
supporting the role of fungi in disease. Fungi had indeed been shown to be the cause
of ringworm in man and various diseases of plants and animals. (5).
Os fermentos não teriam forma geométrica, uma vez que elementos
constituintes permanecendo em estado de conflito e de movimentação contínua. Ao
microscópio, apresentam forma globular. Quanto às observações de Caignard de la
Tour e de Turpin, Gerhardt discorda de suas conclusões. Para ele, o movimento
observado durante os processos de fermentação é o mesmo que ocorre com os
sólidoss em suspensão que, em 1827, foi descrito pelo botânico Robert Brown,
passando a ser conhecido por movimento bowniano.
Gerhardt menciona as substâncias antissépticas, como os ácidos
minerais, sais minerais, sais mercuriais, substâncias aromáticas, creosoto, essência de
terebentina e outros. Impedem a fermentação e a putrefação, combinando-se com as
substânciass nitrogenadas capazes de agir como fermentos, produzindo compostos
pouco ou insolúveis na água e sobre os quais o oxigênio não pode agir. Compara sua
ação ao estado de dessecação a que se pode submeter a cana ou a beterraba para
conservá-las, o que descobrira na época.
Um dos contemporâneos de Pasteur, L. F. Plasse, médico-veterinário
francês, leu perante a Academia de Ciências de Paris, em 9 de outubro de 1848, um
trabalho curioso publicado em 1849. Pretendia ter demonstrado a origem das
epidemias e epizootias, atribuida à ação de fungos que crescem sobre os alimentos
consumidos por homens e animais. Com o intuito de realizar uma série de
experimentos que considerava cruciais para demonstrar sua teoria solicitou auxílio do
Ministério da Guerra e ao Ministro da Agricultura, alegando a importância de seu
trabalho para a proteção da saúde dos animais utilizados pela cavalaria, Queria
estudar o mormo, a febre tifóide e o carbúnculo. Nos anos que se seguiram, sua
proposta foi analisada por comissões ministeriais, divulgado entre os membros das
academias e sociedades científicas e distribuindo entre médicos e veterinários. Em
1855, Plasse enviou uma brochura ao Ministério da Agricultura, na qual relatava
novos dados obtidos através de observações que realizou sobre as epidemias e
epizootias de 1852 e 1853. Em 1865 historiou seus esforços e resumiu suas teorias em
uma obra dedicada ao Imperador, a quem solicitou encarecidamente os recursos que
lhe permitiriam continuar com seus experimentos. Na introdução, acusa outros autores
de plágio e critica o Dr. Bouchardat de haver, perante a Academia de Medicina, lido
uma comunicação em 1858, onde anuncia o preparo de uma obra sobre as doenças do
homem causadas por fungos parasitas que se desenvolvem sobre alimentos, com a
173
descrição microscópica e a identificação de cada espécie responsável por cada
enfermidade.
A análise da obra de Plasse é importante para ilustrar o que os
historiadores querem dizer quando escrevem que as idéias de Pasteur estavam no ar e
havia uma expectativa geral que facilitou sua pronta aceitação. Por outro lado,
permite comparar os resultados obtidos por médicos sobre saúde e verificar o valor da
pesquisa cuidadosa, dirigida por uma idéia central, que unificava diferentes noções
oriundas de campos de especialidades distintas, combinando-as em uma teoria geral.
Como se sabe, Napoleão III interessou-se pelo trabalho de Pasteur, a quem
concedeu uma primeira audiência em 1863 e pode ser que esforços feitos em
diferentes direções para o esclarecimento dos mecanismos da infecção se somassem
para que fossem providenciados recursos para a pesquisa.
As citações seguintes, transcritas da obra de Plasse publicada em 1865,
ilustram o pensamento da época. Une longue expérience, étayé de faits nombreaux,
me permet de démontrer que les épidémies et les épizooties inféctieuses, qu´on a,
jusqu´à ce jour, attrbuées sans succès aux miasmes, sont dues exclusivement aux
champignons (moisissure) qui naissent accidentellement sur les conserves.Ces plantes
microscopiques vénéneuses, ingérées dans l´économie avec les aliments, y sévissent
généralement après un temps d´incubation plus ou moins prolongé qui déroute
l´observateur. Il suffirait donc, Sire, de prévenir le dévélopment de ces parasites sur
les dendrées alimentaires, pour rendre impossible des maux si affreux.(6).
Para Plasse as bactérias seriam detritos de fungos: Les bactéries, débris
de champignons, trouvées, sur nos indications, dans le sang des victimes de nos
maladies cryptogamiques internes , sont produites par les adeptes du regretable M.
Delafond comme d´heureuses innovations, sans en expliquer l´origine et sans parler
de nos travaux. (7). A verdadeira posição taxonômica das bactérias só foi estabelecida
bem mais tarde. Sua reunião em vários gêneros e espécies teve lugar a partir de 1857,
após Pasteur demonstrar como se pode reconhecê-las microscopicamente, mas
somente após 1903 foram propostos sistemas de classificação baseados em
características de crescimento e multiplicação. Foram as técnicas desenvolvidas por
Pasteur, na França e por Koch, na Alemanha que permitiram o progresso da
bacteriologia. Envolviam métodos de esterilização, manipulação asséptica, preparo de
meios de cultura líquidos e sólidos e culturas seletivas, o que ocorreu entre 1860 e
1880.
A luta de Plasse em busca de reconhecimento e de recursos que lhe
permitissem desenvolver um programa experimental está retratada em todo o texto.
Recorreu seguidamente aos ministros, às sociedades de medicina veterinária, às
174
academias provinciais e nacionais. As respostas foram sempre reservadas, precavidas
e evasivas, poucas encorajadoras ou taxativamente negativas.
Ao dirigir-se a Napoleão III relatou minuciosamente seus esforços.
Ressaltou a necessidade de se cuidar do preparo das conservas, do seu consumo, do
efeito dos anos de seca e de chuva, dos abrigos dos animais e de sua alimentação.
Após 30 anos de trabalho perseverante, Plasse chegou a certas conclusoes, a saber:
1. Les bissoïdes, ingérés, circulent dans le sang, et sortent à la peau en
soulevant l’épiderme pour causer les maladies externes, transmissibles par
transplantation;
2. Les urédinées, ingérées, altèrent les liquides et les solides et
constituent les maladies internes, transmissibles par le principe volatil;
3. Les algues, qui moisissent (rancissent) les viandes avec saumure,
ingérées, deviennent la cause unique de la scrofule et du scorbut.(8).
Plasse pediu ao Imperador a constituição de um júri de veterinários
para revisarem certas observações e decidirem se algumas infeções eram causadas por
miasmas ou por alimento deteriorado. Solicita, também, sua interferência junto à
Academia de Ciência, para que se exarasse um parecer, do que a comissão designada
para tal, cautelosamente se eximira, invocando o artigo do regimento que proibia a
avaliação de obras já publicadas.
Plasse preocupa-se mais com os mecanismos das doenças do que com a
descrição da natureza e da sua origem e considera-se o primeiro a propor, em
medicina comparada, um sistema etiológico geral. Refuta as idéias de Hipócrates
referentes às epidemias: Les idées que professait Hippocrate à l´école de Cos règnent
encore de nos jours, et jouissent du plus grand crédit, malgré leur flagrante stérilité.
On accuse donc, sans aucune preuve, les miasmes, les constitutions médicales
atmosfériques , le génie épidemique ! (9).
Plasse criticou os sábios de gabinete (na verdade, de laboratório) que
tentavam, com o auxílio do microscópio substituir o que a prática de 17 anos no
campo haviam-lhe ensinado. Negava o papel das bactérias na etiologia das doenças e
sua presença no ar. Acertou, no entanto, ao negar, também, a existência de qualquer
princípio séptico no odores pútridos, no ar viciado, nos eflúvios e emenações dos
pântanos e nos gases resultantes da decomposição orgânica. Por outro lado, afirmava
que os gases, misturados ao ar não podiam dar origem às infecções ...s´ils ne sont euxmêmes imprégnés du virus volatil contagifère provenant de quelque sujet atteint de
maladie infectieuse cryptogamique. (10). Criticou, (pag. 49) por isso, os que
recomendavam a drenagem dos pântanos, com a conseqüente destruição de sua fauna
nativa, sem que com isso solucionassem os problemas sanitários.
175
Concluiu que C´est par le dévéloppement spontané ou par l´état
d´incubation du mal sur les individus, c´est par des sujets malades ou en
convalescence, ou par des objets infectés, que le virus s´introduit dans l´air des
habitations privées, comme il pénètre dans les hôpitaux et dans les autres
établissements publiques, où il donne l´occasion d´accuser les miasmes, qui
s´expliquent par la présence du virus. (11).
Sua teoria implica quase que exclusivamente na contaminação por via
digestiva, mas encontra lugar para certas exceções: admite, por exemplo, que uma
picada de mosca pode causar doença, transmitindo o veneno a partir de um foco
infeccioso (foyer d'infection), pela língua do inseto. Nega o papel dos fermentos
como agente. De acordo com a constituição dos pacientes, os criptógamos ingeridos
provocariam enfermidades externas ou internas. Os vegetais microscópicos, dotados
de um princípio séptico volátil alterariam o organismo combinando-se com a sua
substância, para constituirem um vírus suscetível de propagar-se à distância, sob a
forma de átomos geradores e penetrando pelas vias respitatórias. Outros, transmitidos
por contato, permaneceriam na epiderme.
Plasse critica os sábios eminentes que pesquisavam o sangue de
animais mortos e que, ao encontrarem corpúsculos inanimados, que classificavam
como vegetais e demoninavam bactérias, atribuiam-lhes propriedades infectantes.
Negou a geração expontânea e criticou os heterogenistas e panspermistas.
Reconheceu, contudo, a contribuição dos microscopistas pela descoberta, nas
substâncias fermentadas, de um mundo animal constituido por infusórios e negou seu
aparecimento por geração expontânea. En 1858, M. Delafond s´imagina de chercher
dans le sang des sujets affectés de maladies inféctieuses, s´il ne trouverait point entre
les animacules des traces des cryptogames ingérés auxquels nous attibuons
l´altération de ces liquide, caractère particulier à ces maux, et d´où nous avions
déduit la cause et les moyens présérvatifs [1848]. Le savant professeur y distingua,
en effet, des corpuscules inanimés en forme de baguettes, auxquels il reconnut une
roigine cryptogamique, et qu´il désigna sous le nom de bactéries.
En 1860, on renouvela les expériences, et, par la fermentation, on fit
naître à volonté ces petits êtres organisés, sans pouvoir saisir ni père ni mère, ni
aucune généalogie: ce qui donna à penser qu´ils pouvaient éclore spontanément de la
matière.(12).
A origem desses microorganismos constituia um mistério para Plasse,
que discutiu em detalhes os argumentos dos heterogenistas, os quais admitiam a sua
origem abiótica. Outros admitiam que se originavam de outros organismos iguais a
eles, cujos órgãos reprodutores não podiam ser enxergados, originando sua
descendência por panspermia. Os heterogenistas negavam a presença de germes na
176
atmosfera e nos líquidos fermentados. Os panspermistas admitiam sua presença no ar
e nas fermentações: Cette doctrine a pour partisans MM. Pasteur, Coste, MilneEdwards, Chevreuil et autres. (13). ............................................................................
Plasse descreve, em detalhe, as experiências de Pasteur para demonstrar a
presença de germes no ar e a contaminação das infusões. Por outro lado, acredita que
seu vírus contagífero nasce da associação do fungo com a substância corporal do
enfermo. Entretanto, reconhece o transporte de ovos de infusórios pelo ar, que
perturba suas conclusões.
Vale notar, ainda, que Plasse denomina enzoóticas as infecções
derivadas de vegetais que crescem em certos tipos de solos e não podem deixar o
local que as viu nascer, isto é, endêmicas, no sentido biogeográfico. Talvez seu maior
erro tenha sido o de tentar propor uma teoria geral sem base experimental suficiente.
Por outro lado, Pasteur, aliando a observação à experiência, cuidou de mostrar que era
capoaz de reconhecer a qualidade dos vinhos como os vinhateiros práticos, da cerveja
como os cervejeiros e da cultura do bicho-da-seda como os sericicultores,
expressando-se em uma linguagem que eles compreendiam. Além disso, derivou as
noções tecnológicas fundamentais que lhe permitiram propor técnicas de preservação
de alimentos, de produção de bebidas e de sua conservação duradoura, que puderam
ser imediatamente adotadas.
O sucesso de Pasteur ao demonstrar a especificidade dos fermentos nas
fermentações deveu-se, também, à aplicação precisa e inflexível do método
experimental, desacreditando a ação de fatores alternativos que pudessem deixar
dúvidas a respeito de suas conclusões. Seu companheiro de academia, Claude Bernard
tratava, então, da codificação e descrição desse método e de seu emprego em
pesquisas médicas, que publicou em 1865 e que constitui uma de suas mais
importanttes contribuições à ciência e à epistemologia.
Em l867, Louis Pasteur enviara uma nota ao Imperador Napoleão III na
qual solicitava recursos para a construção de um laboratório adequado e de recursos
para pesquisa: Qu´il s´agisse de rechercher, par un étude scientifique patiente de la
putréfaction, quelques principes capables de nous guider dans la découverte des
causes des maladies putrides ou contagieuses, je voudrais trouver dans les
dépendances d´un laboratoire assez spacieux un emplacement où l´installation des
expériences pût avoir lieu commodément et sans danger pour la santé. (14)
Dois séculos antes, Robert Boyle dissera que aquele que pudesse
investigar até o fundo a natureza das fermentações seria capaz de compreender as
doenças.
Ao mesmo tempo em que Plasse lamentava certas incursões que
considerava indevidas, em sua área profissional, boa parte da classe médica criticava
177
os fisiólogos por tentarem invadir os domínios da patologia. Entretanto, era difícil
contestar as conclusões de Claude Bernard, que juntamente com Pasteur,
revolucionaram a pesquisa médica e biológica, com o recurso de uma metodologia
cujos resultados não podiam ser contestados pelo recurso à oratória, malgrado as
diferenças relatadas por Claude Bernard entre os caminhos diferentes seguidos por
cada um deles na busca de solução para um problema, como mostra Gmek.
Em 1873, Pasteur candidatou-se e obteve uma cadeira na seção de
sócios livres da Academia de Medicina, onde os que se dedicavam à clínica
consideravam-se privilegiados pelo saber e detentores de uma missão superior. Nesse
mesmo ano, respondendo a uma interpelação sobre a relação entre fermentos e
infecções, Pasteur mencionou os resultados de suas investigações sobre o leite e a
cerveja e encerrou com a afirmação categórica de que havia uma correlação
indiscutível entre a doença e a presença de microorganismos Em 1864, enunciara
formalmente a teoria microbiana das infecções.
Sua maneira de ver, os resultados obtidos no estudo das doenças do
bicho-da-seda e das fermentações acética, lática e alcoólica apontavam para um
fenômeno mais geral e de enorme importância: a causa das doenças infecciosas era
externa e não interna, produto de um desarranjo da própria economia orgânica.
A este tipo de correlação de idéias de áreas (aparentemente) distintas é
que Bronowski, em 1958, atribui a maior responsabilidade pelo avanço científico: O
progresso da ciência é a descoberta, a cada passo, de uma nova ordem que dá
unidade àquilo que desde há muito parecia diferente. ...o ato da criação reside na
descoberta de uma semelhança oculta.
Em 1847, Pasteur recebia a carta de Joseph Lister, escrita a 18 de
fevereiro em Edimburgo, juntamente com um trabalho onde o cirurgião escossês
relatava suas pesquisas sobre a teoria dos germes, que iniciara ao ler os primeiros
trabalhos de Pasteur, em 1864, e os resultados da aplicação do sistema antiséptico que
desenvolvera e aperfeiçoara nos últimos nove anos. Por sua vez, Tyndall, admirador
do químico francês, dedicava-se ao estudo dos germes encontrados na atmosfera e ao
combate à teoria da geração expontânea.Talvez os dois precurssores mais importantes
dos métodos antisépticos tenham sido o autríaco Ignaz Philipp Semelweiss e o
norteamericano Oliver Wendell Holmes.
Na década de 1840, Semmelweiss era um jovem obstetra residente no
Hospital Geral de Viena. Uma simples estatística das mortes ocorridas em duas alas
do hospital que recebiam pacientes alternadamente chamou sua atenção. Quando um
amigo foi ferido acidentalmente pelo bisturi manejado por um estudante durante uma
dissecção faleceu com sintomas semelhantes aos da febre puerperal, Semmelweiss
começou a desconfiar de que esta poderia ser uma septicemia provocada pela
178
decomposição da matéria orgânica. Enfrentando a oposição de seu chefe, determinou
que estudantes, médicos e o próprio professor lavassem as mãos com uma solução
clorada antes de procederem qualquer exame vaginal. Os resultados positivos não
tardaram, verificáveis através de uma simples estatística. Contudo, sem conseguir
impor sua opinião e vencido pela atitude conservadora e autoritária prevalente,
Semmelweiss assistiu à taxas de mortalidade crescerem quando foram suspensas as
suas recomendações. Faleceu internado na ala psiquiátrica do mesmo hospital.
A experiência de Holmes, nos Estados Unidos, foi semelhante.
A teoria da origem microbiana das infecções trazia implicações legais,
uma vez que tronara evidente a responsabilidade do médico na contaminação de seu
paciente
Em abril de 1877, Pasteur publicava seu primeiro estudo sobre o antraz
ou carbúnculo, iniciando uma nova era na biologia e na medicina. Comprovava-se a
idéia teórica de Henle de que microorganismos seriam responsáveis pelas doenças
infecciosas do homem e de outos animais. Simultaneamente, na Alemanha, Koch
desenvolvia as técnicas de laboratório que ainda são utilizadas hoje e lançava-se à
descoberta dos agentes patogênicos das principais doenças.
Como corolário de sua teoria, Pasteur deu-se conta da possibilidade de
se virem a utilizar microorganismos no controle dos parasitas de plantas e animais.
Em 1882, já sugerira que se pesquisassem as doenças capazes de eliminar a filoxera
das vinhas. Cinco anos depois tentou o emprego de Pasteurella multocida para
controlar os coelhos que, introduzidos na Austrália, haviam-se transformado em
praga. A solução definitiva viria mais tarde, pelas mãos de Henrique Beaurepaire
Aragão, do atual Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, com o emprego de um
vírus que provoca infecções benignas no tapeti (Sylvilagus brasiliensis).
Em 1892, Loeffler publicou um artigo sobre epizootias em roedores e,
no ano seguinte, um Comitê designado pela Comissão de Agricultura da Escócia para
avaliar o Método de Loeffler de destruir roedores silvestres com pão saturado com
culturas de Bacillus typhimurium e de outros métodos de controle biológico. O
resultado das investigações deste Comitê foram publicados em um relatório assinado
por Maxwell os demais membros em 1893.
A partir de então, o controle biológico ganhou uma nova dimensão.
Além dos predadores, cujo papel foi discutido por Camerano em 1880, parasitas e
patógenos passaram a ser utilizados nas tentativas de se reduzirem populações de
animais e plantas indesejáveis.
A higiene e a saúde pública passaram a dispor de uma base conceitual
firme e fundamentada em conhecimentos concretos e em princípios científicos
comprovados pela observação e experimentação.
179
A pesquisa médica foi redirecionada no sentido da identificação dos
microorganismos responsáveis pelas infecções e do preparo do soro e vacinas para a
prevenção de doenças. Do paciente e do ambiente a atenção desviou-se para o agente.
Para alguns, entretanto, as coisas na natureza não se passavam exatamente como no
laboratório. Tyndall, por exemplo, dizia que a contagious disease may be defined as a
conflict between the person smitten by it and a specific organism which multiplies at
his expense, appropriating air and moisture, disintegrating his tissues, or poisoning
him by the decompositions incident to its growth. (15)
A contribuição dos microbiologistas impulsionaria a ecologia em duas
direções principais: na compreenção das patocenoses exógenas, ou seja, das
comunidades complexas de hospedeiros, patógenos e dos demais elementos das
cadeia de que esses organismos participam e com os quais relacionam-se diretamente
ou indiretamente; e na descoberta de um meio interior, onde microorganismos
interagem entre si e com o organismo hospedeiro. A aplicação dos princípios gerais
desenvolvidos pelos ecólogos nos ecossistemas exógenos ao estudo do
comportamento das comunidades endógenas abrirá o caminho a importantes
descobertas e a uma nova era da biologia, da ecologia e da medicina.
Na literatura médica, entretanto, verifica-se uma freqüente imprecisão
no uso de termos que têm definição precisa em ecologia, o que tive ocasião de
comentar recentemente (16). São exemplos a confusão que se faz entre domiciliação e
domesticação, tema de um trabalho publicado por Moojen em 1942, que esclarece os
define claramente. A colonização, por animais ou plantas, de habitações humanas,\
não deve ser confundida com o processo de seleção artificial que levou à criação de
cultivares e linhagens ou raças domésticas. Os animais que buscam a proximidade do
homem, comumente denominados antropofílicos, na verdade apresentam requisitos
ecológicos particulares. Alguns, considerados pioneiros, surgem nas primeiras seres
de uma sucessão ecológica e desaparecem mais tarde, por não suportarem a
associação em comunidades. Para as plantas que crescem nos terrenos baldios e
margens de estradas, P.W.Lund, com quem Warming trabalhou em Lagoa Santa,
propôs, em 1838, a designação de ruderais, termo que foi estendido aos animais que
vivem em circunstâncias semelhantes. Já os que invadem as habitações humanas,
como ratos, pulgas, baratas, muitas vezes chamados erradamente de domésticos, são,
conforme o tipo de relação que mantêm, comensais ou inquilinos.
Por fim, a disciplina emergente que se denomina ecologia médica
distingue-se da epidemiologia por seu foco nas relações entre os elementos de uma
comunidade biótica que o homem integra, equanto que a epidemiologia tem seu ponto
focal no homem e seu objeto na origem e distribuição de doenças que afligem suas
populações ou demes.
180
Notas
(1) Gazeta Médica do Rio de Janeiro, 1862, v. 4, p.42.
(2) Gazeta Médica da Bahia, 1866, v. 4, p.37.
(3) Salomon-Bayet 1986, p.146. Mesmo admitindo as idéias do senhor Pasteur, não basta por em
presença, de um lado uma ferida, seja interna ou externa, e do outro um agente ou fermento
séptico, vibrião ou germe de vibrião, para ver surgir a fermentação pútrida e a septicemia; o
animal vivo oferece a este agente condições distintas de meio, algumas favoráveis, outras
contrárias a seu desenvolvimento e sua influência conseqüente.
(4) Gerhardt, 1844, I, p.274. Um miasma não é outra coisa que não um fermento, matéria orgânica
pútrida em suspensão no ar, que se introduz no sangue pelas vias pulmonares; uma vez alterado
o sangue por ele, transforma-se, por sua vez em fermento. Na verdade, um fermento não é,
portanto, uma substância 'sui generis', é todo corpo que se deteriora, putrefaz-se, decompoe-se, e
que por sua associação com outro corpo, provoca neste alterações da mesma ordem
(5) Foster, 1965, p.91. ...foi enviado com D.D.Cunningham à Alemanha especialmente para aprender
sobre a teoria micogênica da etiologia do cólera. Isto foi, claro, antes que se demonstrasse que
bactérias desempenhavam um papel nos processos patológicos, mas existia um corpo
considevável de opinião apoiando o papel dose fungos nas doenças. Já se havia demonstrado
que os fungos eram a causa dos frieiras e de várias doenças de plantas e animais.
(6) Plasse, 1865, p.1. Uma longa experiência, apoiada por fatos numerosos permite-me demonstrar
que as epidemias e as epizootias infecciosas que até hoje foram atribuídas sem sucesso aos
miasmas, são devidas exclusivamente aos cogumelos (mofos) que nascem acidentalmente sobre
as conservas. Essas plantas microscópicas, venenosas, ingeridas com os alimentos danificam-no
geralmente após um período de incubação mais ou menos prolongado que engana o observador.
Bastará, portanto, Sire, impedir o desenvolvimento destes parasitas sobre os alimentos para
impedir esses males tão terríveis.
(7) Plasse, 1865, p.6. As bactérias, detritos de cogumelos. encontrados por nossa indicação no sangue
das vítimas de nossas enfermidades criptogâmicas internas, são apresentadas como descobertas
felizes pelos adeptos do lamentável Sr. Delafond, sem explicarem a sua origem e sem mencionar
os nossos trabalhos
(8) Plasse,1865, p.7. 1. Os bissoides, ingeridos, circulam no sangue e saem à pele, levantando a
epiderme para causarem as enfermidades externas, transmissíveis por transplante.
2. As uredíneas, ingeridas, alteram os líquidos e os sólidos e constituem as doenças internas,
transmissíveis por um princípio volátil.
3. As algas que mofam (rancificam) as carnes em salmoura, ingeridas, tornam-se a causa única
da escrofulose e do escorbuto.
(9) Plasse, 1865, p.25. As idéias que professava Hipócrates na escola de Cós reinam ainda em nossos
dias e gozam do maior crédito, malgrado sua flagrante esterilidade. Acusam-se, assim, sem a
menor prova, os miasmas e as constituições atmosféricas medicinais, o gênio epidêmico!
(10) Plasse, 1865, p.26. se eles não estiverem impregnados do vírus volátil contagífero de algum
indivíduo atingido por enfermidade infecciosa criptogâmica.
(11) Plasse, 1865, p.58. É pelo dessenvolvimento expontâneo ou pelo estado de incubação do mal nos
indivíduos, por portadores enfermos ou em convalescência, ou através de objetos infectados que
o vírus introduz-se na atmosfera das habitações privadas, assim, como penetra nos hospitais e
outros estabelecimentos públicos, donde resulta em que se acusem os miasmas, que se explicam
pela presença do vírus.
(12) Plasse, 1865, p.123-4. Em 1858 o Sr. Delafond teve a idéia de verificar no sangue de indivíduos
afetados por enfermidades infecciosas, se podia encontrar entre os animáculos, sinais ce
criptógamos ingeridos que nós atribuimos a alteração desse líquido, caráter particular desses
males e dos quais havíamos deduzido a causa e os meios preservativos em 1848. O sábio
professor alí encontrou, com efeito, corpúsculos inamimados em forma de baguetes, cuja origem
criptogâmica reconheceu e que designou pelo nome de bactérias. Em 1860 retomaram-se as
experiências e fez-se nascer, por fermentação, esses pequenos seres organisados, sem poder
descobrir nem pai nem mãe, nem qualquer genealogia: o que faz pensar que podem eclodir
expontaneamente da matéria.
(13) Plasse, 1865, p.125. Esta doutrina tem como partidários, os srs. Pasteur, Coste, Milne-Edwards,
Chévreuil e outros.
181
(14) Valléry-Radot,1915, p.206. Caso se tratasse de pesquisar, por um estudo científico pacienta da
putrefação, alguns princ'pios capazes de nos guiarem na descoberta das causas das doenças
pútridas ou contagiosas, eu gostaria de encontrar, nas dependências de um laboratório, bastante
espaço, um local em que o desenvolvimento das experiências pudesse fazer-se comodamente e
sem perigo para a saúde.
(15) Tyndal,1904, p.206. ...uma enfermidade contagiosa pode ser definida como um conflito entre a
pessoa atingida por ela e um organismo específico que se multiplica as suasa custas
apropriando-se do seu ar e umidade, desintegrando seus tecidos ou envenenando-a pela
decomposição de seu incremento.
(16) Avila-Pires, 1995b.
182
O MEIO INTERIOR E AS
COMUNIDADES ENDÓGENAS
183
Meio Interior e as Comunidades Endógenas
Em 1808, Alexander von Humboldt descrevia o ambiente particular de
certos animais que vivem em um meio interior, ou seja, no corpo de um hospedeiro:
Entourés de différens mélanges d´air, et ne connaissant pas la lumière, vivent
l´ascaris tacheté sous la peau du vers de terre, la leucophra d´un brillant argenté
dans l´intérieur de la naïde des rivages, et l´echynorynchus dans les vastes cellules
pulmonaires du serpent à sonnettes des tropiques. Ainsi la vie remplit les lieux les
plus cachés de la nature.(1).
Foster, ao delinear o desenvolvimento histórico da Parasitologia,
forneceu informações importantes para a compreensão do papel do organismo
hospedeiros como meio interior para seus parasitas. Assim é que, no verão de 1674, o
holandês de Delft, Leeuwenhoek, descreveu protozoários ciliados de vida livre, com
auxílio dos microscópios que construira. Meses mais tarde, ao examinar a bile de um
coelho, Leeuwenhoek descreveu corpúsculos ovais que seriam, provavelmente, cistos
de Eimeria stediae. Em 1680, viu um animáculo que se movia no interior do intestino
de um tabanídeo e, no ano seguinte detectou, em suas próprias fezes o que descreveu
como sendo animáculos que se movimentavam, alguns de diferentes tamanhos, sendo
uns menores que um glóbulo sangüíneo. Foster, em sua história da parasitologia,
sugeriu serem giárdias, os primeiro protozoários parasitas do homem a serem
descritos.
Mas devemos a idéia de um meio interior a Claude Bernard que fora,
como vimos, o responsável pelo estabelecimento de uma sólida base fisiológica para a
medicina moderna. O que Henry Louis le Châtelier (1850-1936), na França e
Frederick Winslow Taylor (1856-1915), nos Estados Unidos fariam pela metodização
das técnicas na indústria, Claude Bernard fez pelas ciências biológicas e pela
medicina. Coube a ele estabelecer os princípios fundamentais do método
experimenatal.
Para a ecologia, a contribuição de Claude Bernard foi notável, se bem
que pouco reconhecida até hoje. Partindo da idéia de que o sangue não constitui
somente um tecido fluido, mas que é um meio de comunicação entre os tecidos do
organismo, definiu, em 1857, a existência de um meio interior que mantém, com os
constituintes orgânicos, relações semelhantes às da atmosfera com os animais e
plantas. Este foi o tema de muitos de seus cursos. Assim, em 1865 escrevia: Pour
comprendre l´expérimentation sur les êtres vivants d´une organization élevé, il faut
nécessairement tenir compte de deux milieux: le milieu cosmique ou extraorganique, qui est commun aux êtres vivants et aux corps bruts, et le milieu intraorganique, qui est espécial aux êtres vivants. Ce dernier milieu, qui est en rapport
184
avec nos éléments organiques actifs, muscles, nerfs, glandes, etc., est formé par tous
les liquides intra-organiques et blastématiques. (2). Na sua Introdução ao estudo da
medicina experimental, no mesmo ano, Claude Bernard retornou, várias vezes, ao
mesmo tema. Em um trecho ressaltou sua prórpia contribuição, dizendo: Ancient
science was able to conceive only the outer environment; but to establish the science
of experimental biology, we must also conceive an inner environment. I believe I was
the first to express this idea clearly (3).
Esse meio, constituido pelo sangue e líquidos orgânicos, abriga uma
microfauna e uma microflora de organismos simbiontes, comensais, saprófitos,
parasitas, ocasionais, ou necessários e permanentes.
Como explica Grmek (4), a expressão milieu intérieur foi utilizada
primeiro por Charles Robin em 1853, mas o conceito foi desenvolvido por Claude
Bernard. Em 1873, Charles Robin comparando as relações do meio interior com o que
representam os meios atmosféricos para plantas e animais lembrou a importância do
meio interno, expressa no grande número de publicações surgidas depuis vingt annés
à propos du rôle général rempli par le chyle, la lymphe et le sang, en tant
qu´intermédiaires entre le milieu ambiant et les éléments anatomiques, agents
essentiels des actes d´ordre organique. J´ai cherché en vain des auteurs qui l´aient
prise en considération avant l´époque où, avec Verdeil nous nous sommes exprimé
ainsi à ce sujet: il est impossible de concevoir un être organisé vivant sans un milieu
dans lequel il puisse et rejette ... le rôle que le milieu extérieur joue par rapport à
l´organisme total, et enfin par lequelles s´établit la liaison entre l´intérieur et
l´extérieur, entre le milieu général et l´être organisé. (5)
No Brasil, Teixeira de Souza, ao fazer o necrológio do Conselheiro
Jobim durante a sessão comemorativa do cinquentenário da então Academia Imperial
de Medicina, no Rio de Janeiro, em 1879, disse: ...sabia ele tambem que os fatos
mórbidos têm particularidades, hábitos especiais, manifestações sutis, a dependerem
não tanto primitivamente da diversidade da raça e meio interior como do meio
cósmico exterior. (6)
Claude Bernard admitia que organismos inferiores como os infusórios,
ao contrário dos animais superiores e do homem, são mais dependentes das condições
externas. Grmek (1967), ao analisar a evolução do conceito de meio interior na obra
de Claude Bernard, ressaltou que ele considerava também os vegetais sujeitos mais
diretamente ao meio externo: ao calor, umidade e luz, que determinam as variações
sazonais. No início da década de 1870, Claude Bernard caracterizou certos fatores do
meio interior: Pour les animaux supérieurs /.../ il y a un vrai milieu intérieur, le
plasma sanguin avec son sucre, sa consistance, sa pression, sa temperature propre,
ses réactions spéciales, etc.(7).
185
No século XX a preocupação com as condições do meio interno
levariam à noção de homeostase, formulada por Claude Bernard (8) e nomeada, em
1929, por Canon. Por outro lado, a idéia de que os fenômenos vitais apresentam uma
elasticidade que permite à vida resistir dentro de limites mais ou menos amplos às
causas de perturbações que ocorrem no meio ambiente seria ampliada, um século mais
tarde, para abranger um contexto ecológico: De manière générale, la biosphère est
caracterisée par une grande stabilité vis-à-vis d´influences extérieures, ce qui se
reflète dans le fait qu´elle peut suporter, sans que des processus essentiels s´en
trouvent entravés, des modifications profondes de sa structure. Autrement dit, elle est
dotée d´une grande plasticité structurale.(9)
Na época em que Pasteur demonstrava o papel dos microorganismos
nas infecções, seu amigo Claude Bernard descrevia, como vimos, o meio ambiente
proporcionado pelos hospedeiros para a microbiota endógena. Assim é que, na aula
ministrada por ele na Sorbonne, em 1864, afirmou: À mesure que les phénomènes de
la vie s’élèvent, l’organization est plus délicate et se complique, les éléments
organiques deviennent plus délicats et ne peuvent plus vivre directement dans le
milieu extérieur. Ou bien il se crée un milieu intérieur, ou bien ces êtres deviennent
parasites et vivent dans les autres; exemple: infusoires hématozoaires, helminthes,
etc., qui vivent dans les autres organismes. Ces organismes parasitaires empruntent
en quelque sorte les milieux d’autres êtres vivants.(10). Os animais abrigam uma
microfauna e uma microflora diversificadas, em equilíbrio dinâmico, com as quais
mantêm relações de simbiose, comensalismo, inquilinismo ou parasitismo.
Na voga da assepsia contra as infecções microbianas, clínicos adotaram
a prática do uso de susbstâncias como fenol e glicerina creosotada para eliminar a
flora bacteriana contaminante. Ainda na década de 1960, charlatões difundiram a
prática de se beber diariamente uma colher de café de água oxigenada, para
“desinfetar o organismo” e prevenir doenças.
Entre si, os microorganismos competem e cooperam, como sucede nas
comunidades exógenas de que se ocupa a ecologia tradicional. Da idéia de
amensalismo, caso particular da competição onde os microorganismos se defendem
produzindo substâncias que inibem o desenvolvimento e a proliferação de outros em
suas proximidades, Pasteur deduziu a possibilidade do controle microbiológico,
conseguido no século XX pelos chamados antibióticos.
André Cornil (1837-1908), professor da Faculdade de Medicina em
Paris, no prefácio do livro de Cabadé mestre da Universidade de Toulouse, historiou o
impacto das teorias de Pasteur sobre a medicina do século XIX, de que foi testemunha
participante.
186
Com Virchow, na Alemanha, a histologia, a citologia e a patologia
haviam experimentado um progresso notável proporcionando meios de constatar em
laboratório, anomalias em células e tecidos e fornecendo uma sólida base para
confirmação dos diagnósticos clínicos. Na França, coube a Charles Robin, Ranvier e
Cornil desenvolverem a anatomia patológica até os limites permitidos pelo escalpelo e
pelo microscópio ótico.Ao contrário de Robin, que via com certa desconfiançaa teoria
dos germes e admitia a geração expontânea de células, reconheceu Cornil a relevância
de Pasteur, que imprimiu uma nova direção às pesquisas e às teorias microbianas,
com sua imaginação e espírito de investigação que via as coisas de maneira distinta
daquela dos médicos da e´poca. Pasteur, fundador da microbiologia e parasitologia
médicas, cujas teorias viriam a constituir as bases científicas da higiene,
revolucionaria a medicina das doenças infecciosas e parasitárias, esclarecendo
definitivamente o papel da microbiota endógena, que tinha sido objeto de discussão
durante mais de um século.
A ecologia dos microorganismos endógenos nasceu no século XX. Um
de seus pioneiros foi Olympio da Fonseca Filho, pesquisador do Instituto Oswaldo
Cruz no Rio de Janeiro, que intitulou um dos capítulos de sua tese de doutoramento,
apresentada em 1915, Ecologia Geral. Em 1916, participando da 1ª Conferência SulAmericana de Hygiene, Microbiologia e Pathologia realizada em Buenos Aires,
Olympio da Fonseca apresentou um trabalho sobre a ecologia de flagelados parasitas
do sangue, inaugurando os estudos de ecologia endógena, na medicina brasileira.
Em 1924, René Dubos (190l-1982), agrônomo que emigrara da França
para os Estados Unidos em 1922, preparava sua tese de doutoramento. O tema central
era a decomposição da celulose do papel pela microbiota do solo e seu orientador era
Selman A. Waksman, que receberia o prêmio Nobel de medicina e fisiologia em 1952
e que, então, trabalhava em New Brunswick. Verificou Dubos que cada tipo de solo:
ácido, argiloso, úmido, compacto, abriga organismos distintos, do que resulta a
formação de distintos produtos de degradação. Diz ele que Quando os resultados de
minhas experiências sobre decomposição da celulose pelos micróbios da terra foram
apresentados diante de um Congresso Internacional de Química do Solo, em
Washington, eu acreditava que tinha tratado de um assunto apenas relativo à
bacteriologia, pois era de micróbios que eu me ocupava. Ao fim da apresentação,
veio ver-me um senhor que era redator-chefe da Ecology, a maior revista de ecologia
do mundo e pediu-me para publicar os resultados do meu trabalho naquela revista.
Só muito recentemente percebi - precisamente por causa do pedido que me fora feito
pelo Sr. Redator-Chefe - que, sem saber, eu havia começado minha vida científica
por estudos ecológicos. (11)
187
Em 1927, o chefe do serviço de doenças respiratórias do hospital do
Instituto Rockefeller, O. T. Avery, demonstrara que o agente da pneumonia lobar era
uma bactéria protegida por uma cápsula formada por uma substância muito parecida à
celulose a qual podia ser destruida com o emprego de ácidos fortes, o que impedia,
contudo, seu uso terapêutico. Dubos, que havia recebido, então, seu tíulo de doutor,
foi encaminhado a Avery por Waksman, passando a trabalhar naquele Instituto.
Confrontado com o problema de eliminar os penumococos sem prejudicar os tecidos
adjacentes do hospedeiro, Dubos partiu da premissa de que, como acontece com todos
os organismos quando morrem, aqueles pneumococos teriam que ser decompostos de
alguma forma. Imaginou a possibilidade de identificar, entre as miríades de
microorganismos saprófitos que existem no solo, qual deles seria capaz de digerir a
capa de celulose que as protege. Entre 1927 e 1929 identificou a espécie que
procurava e conseguiu isolar a substância antibiótica que produzia; dela extraiu uma
enzima digestiva que tem a propriedade de destruir a cápsula, deixando a bactéria
vulnerável aos fagócitos. Demonstrou o processo em cobaias, infectadas
experimentalmente com pneumococos conseguindo cura-las. Esse antibiótico, o
primeiro a ser produzido comercialmente, somente deixou de ser fabricado na década
de 1930, em virtude do aparecimenmto das sulfas, cuja ação era menos tóxica e mais
controlável. (12)
Em 1877, Ernest Duchesne, de Lyon, orientado por E. Roux em sua
tese de doutorado sobre o antagonismo entre fungos e micróbios, sugerira a
possibilidade de utilizar aqueles no controle destes. Foi o que fez Dubos, ao semear,
em uma mistura de solos de pH neutro e em condições aeróbicas, suspensões de
pneumococos, estreptococos e estafilococos, na expectativa de que se desenvolvesse
uma flora antagonista ou amensalista. Prosseguindo em suas experiências, conseguiu
encontrar, em 1939, um bacilo esporulado, Bacillus brevis do qual isolou a
gramicidina e a tirocidina, que em conjunto constituem a tirotricina e cujas
propriedades hemolíticas limitavam seu uso a aplicações locais.
A história da utilização do princípio do amensalismo para o controle de
microorganismos indesejáveis começa, como vimos, com uma sugestão de Pasteur.
Mas, em 1876, John Tyndall anunciara que o fungo Penicillium glaucum provocava a
morte de bactérias cultivadas em carne de carneiro.
Em 1877, Pasteur e Joubert descreveram o fenômeno do antagonismo
microbiano, após notar que, quando certas bactérias contaminavam os cultivos de
Bacillus anthracis impediam seu crescimento. As possíveis aplicações terapêuticas
dessa descoberta não passaram desapercebidas a Pasteur. A primeira tentativa de
tratamento, entretanto, foi feita por Catani, em 1885, que utilizou uma cultura de um
microorganismo saprófita, Bacterium thermo, em inalações, no tratamento de uma
188
paciente portadora de tuberculose pulmonar,tendo obtido, por incrível que pareça,
bons resultados. Em 1885, Babes demonstrou, in vitro, diversos exemplos de
antagonimo microbiano e previu a possibilidade de se desenvolverem tratamentos
baseados nas reações específicas que se pudessem identificar.A técnica para a
determinação dessas relações foi desenvolvida por Garré, em 1887.
Mas foi em 1928 que Alexander Fleming observou e interpretou
corretamente a contaminação de uma placa de Petri semeada com Staphylococcus
aureus, por um fungo do gênero Penicillium. Bustinza nos dá um histórico minucioso
dos passos seguidos pela antibioticoterapia, o que foge aos objetivos deste relato, que
se prende, apenas, à sua contribuição à ecologia.
Comunidades microbianas organizam-se e obedecem aos mesmos
princípios gerais que regulam as demais comunidades bióticas. Seu equilíbrio é
mantido pela influência combinada dos fatores do ambiente físico sobre as distintas
espécies que vivem em um mesmo microbiótopo e pelas estratégias de sobrevivência
de cada espécie. Substâncias lançadas no meio em que vivem, como os catabolitos,
que são produtos de desassimilação, podem estimular ou inibir a multiplicação, ou
impedir a colonização por outros microorganismos invasores. Estas substâncias
podem ser de natureza inorgânica, como o peróxido de hidrogênio, amônia, gás
carbônico, oxigênio, ácido sulfídrico; orgânicas como os ácidos graxos e o etanol; ou
complexos, como os metabolitos produzidos por microorganismos autotróficos ou
heterotróficos.
Vuillemin, em 1889 propôs o termo antibiosis para designar o
antagonismo entre organismos, o oposto de simbiose. O fenômeno foi demonstrado
em placa de Petri por Doehle e fotografado por Hoppe-Seyler. Segundo Bustinza ha
sido el profesor Waksman quien en 1942 ha empleado la palabra antibiótico para
designar a las sustancias químicas elaboradas por microbios (bacterias,
actinomicetos y mohos), y cuya acción inhibitoria del crecimiento o de las actividades
metabólicas de otros microbios es selectiva, caracterizándose cada antibiótico por su
peculiar espectro antimicrobiano.(13)
O estudo da ecologia microbiana vem prosseguindo ao longo de várias
linhas, algumas das quais coincidem com as da ecologia clássica.
No caso das comunidades exógenas, as técnicas de observação são
mais simples e diretas e as situações mais familiares. As comunidades endógenas, que
habitam o meio interior de um hospedeiro apresentam características próprias. A
variação dos fatores abióticos como temperatura, pH, umidade provoca flutuações
populacionais em curto espaço de tempo. A colonização e a sucessão, o clímax e a
competição exigem técnicas sofisticadas e engenhosas para seu estudo, que nem
sempre pode ser realizado por observação direta.
189
Para terminar este breve resumo do campo imenso de investigação que
constitui a ecologia microbiana, vale lembrar que a história da caça aos micróbios foi,
segundo Kruif uma história de estupidez fantástica, profundas intuições, paradoxos
insanos. Um exemplo nos foi legado pelo microbiologista russo Elie Metchnikoff
(1845-1916), um dos pioneiros na observação das relações antagônicas de
microorganismos. Em 1913 , observando a grande quantidade de Lactobacillus
acidophilus que se encontram no intestino grosso do homem, notou que seu número
se reduzia quando ocorriam certas infecções intestinais. Atribuiu o fato à destruição
dos bacilos pelos patógenos invasores. Sugestionado pelos relatos folclóricos - e
nunca comprovados - da existência de populações humanas longevas em aldeias
isoladas, onde a coalhada é parte importante da dieta, Metchnikoff passou a
recomendar a ingestão de lactobacilos como preventivo das infecções. Sua receita foi
de pouco valor terapêutico, mas valeu pelo impulso dado à indústria do iogurte e por
sugerir o tema de um romance de ficção científica a Aldous Huxley, intitulado After
many a summer, que incorpora, também, elementos da teoria da fetalização de Bolk.
Além disso, preparou o terreno para o estudo da ecologia microbiana.
Somente após a segunda metade do século XX esta especialidade
começou a desenvolver-se, tendo como objetivo principal o estudo das relações
mútuas em populações de microorganismos. A boca, o trato respiratório superior, o
trato intestinal e diferentes zonas da epiderme oferecem condições particulares para a
localização de comunidades de microorganismos. As peculiaridades de cada um
destes biótopos exigem o desenvolvimento de técnicas especiais para seu estudo.
Veterinários avançaram nas pesquisas sobre a microbiota do estômago dos
ruminantes. Uma série de trabalhos trata, já, da colonização e sucessão no aparelho
digestivo de recém-nascidos. Mas muito resta a ser feito neste campo da ecologia, que
é dos menos explorados e dos mais interessantes.
190
Notas
(1) Humboldt,1828, v.2, p.9. envolvidos por diferentes misturas de ares e não conhecendo a luz, vivem
o áscaris manchado sob a epiderme da minhoca, a leucofora, de um prateado brilhante no
interior da náiade dos riachos e o equinorrinco nas amplas células pulmonares da cascavel dos
trópicos. Assim a vida ocupa os locais mais recônditos da natureza.
(2) Claude Bernard, 1865a, p.47-8. Para se compreender a experimentação em seres vivos de
organização elevada é necessário ter-se em conta os dois meios: o meio cósmico ou extraorgânico, que é comum aos seres vivos e à matéria bruta, e o meio intra-orgânico, que é
exclusivo dos seres vivos. Este último meio, que está em relação com nossos elementos orgânicos
ativos, músculos, nervos, glândulas, etc., é constituído por todos os líquidos intra-orgânicos e
blastemáticos.
(3) Claude Bernard, 1865b, p.76. A ciência antiga somente podia conceber o ambiente exterior; mas,
para estabelecer a ciência da biologia experimental precisamos conceber, também, um ambiente
interno. Creio que fui o primeiro a expressar claramente esta idéia.
(4) Grmek, 1997, dedica o capítulo IV ao nascimento do conceito de meio interior. Ver p.134.
(5) Robin e Verdeil, 1853, p.l3-l4; Robin, 1873, p.611. ...há vinte anos, em relação ao papel geral
desempenhado pelo quilo, a linfa e o sangue; como intermediários entre o meio ambiente e os
elementos anatômicos, agentes essenciais das ações de ordem orgânica. Procurei em vão autores
que tenham tomado em consideração antes da época em que, com Verdeil, nós nos exprimimos
dessa forma sobre este tema; é impossível conceber um organismo vivo sem um meio no qual ele
extraia e rejeite ...o papel que o meio exterior desempenha em relação ao organismo total, e
enfim por onde se estabelece a ligação entre o interior e o exterior, entre o meio geral e o ser
organizado.
(6) Fernandes, 1982, p.l5.
(7) Grmek, 1997, p.171. Para os animais superiores ... existe um verdadeiro meio interior, o plasma
sangüíneo com seu açucar, sua densidade, sua pressão, sua temperatura própria, suas reações
especiais, etc.
(8) Grmek, 1997, p.176.
(9) UNESCO, 1970, p.13.De maneira geral, a biosfera caracteriza-se por uma grande estabilidade em
relação às influências externas, o que se reflete no fato de que ela pode suportar, sem que seus
processos essenciais sejam afetados, modificações profundas de sua estrutura. Dito de outra
forma, ela é dotada de uma grande plasticidade estrutural.
(10) Grmek, 1997,. p.146. À medida que os fenômenos da vida se elevam, a organização torna-se mais
delicada e se complica, os elementos orgânicos tornam-se mais delicados e não podem mais
viver diretamente no meio exterior. Ou se cria um meio interior ou estes seres tornam-se
parasitas e vivem nos outros; exemplo: infusórios hematozoários, helmintos, etc., que vivem em
outros organismos. Estes organismos parasitas se apropriam de alguma forma do meio de outros
seres vivos.
(11) Dubos, 1982.
(12) Dubos,1982; Bustinza, 1948.
(13) Bustinza, 1948, p.15.
191
O MEIO EXTERIOR E AS
COMUNIDADES EXÓGENAS
192
O Meio Exterior e as Comunidades Exógenas
Um dos temas usualmente ignorados nos estudos sobre a história da
ecologia relaciona-se à evolução do conceito de doença. No entanto, ao longo da
história da humanidade, noções de relacionamento com o ambiente derivaram, em boa
parte, das crenças e dos conhecimentos acumulados sobre a saúde do homem e dos
animais domésticos. Até à descoberta das técnicas de emprego do pistão movido a
vapor, a tração animal foi importante na paz e na guerra. Vimos, em capítulo anterior,
como Plasse justifica a necessidade de recursos para as pesquisas em medicina
veterinária com o argumento de que se tratava de questão estratégica. Veterinários,
aliás, desenvolveram estudos pioneiros de epidemiologia, antes que a medicina
humana o fizesse. Isso se explica pelo fato de que médicos veterinários tratavam de
populações de animais ou rebanhos, enquanto que a medicina tradicional concentravase na clínica.
Enquanto foi considerada como resultante de desequilíbrios humorais
provocados por influências climáticas ou por desordens internas devidas a outros
mecanismos, a doença constituía um fenômeno que afetava o indivíduo. A noção de
infecção, no sentido pastoriano abriu um novo campo ao estudo do parasitismo e das
relações dos indivíduos com fatores bióticos do meio exterior, ainda que
insuspeitados por Pasteur.
A descoberta de que certos animais, particularmente artrópodos, são
capazes de oferecer condições de meio interno propícias ao desenvolvimento de
microorganismos e que podem transportá-los de um hospedeiro a outro com
segurança, abriu novas perspectivas para a pesquisa das relações interespecíficas e das
interrelações dos organismos com o meio exterior. Os primeiros modelos matemáticos
foram, então, desenvolvidos e a visão do controle das doeças mudou, com a
perspectiva de ser feito indiretamente, através da eliminação ou redução das
populações de vetores e de hospedeiros não-humanos.
Do ponto de vista biológico, vetores e polinizadores têm muito em
comum (1).
Darwin preocupou-se com o estudo da polinização cruzada e as
pesquisas que se seguiram vieram a revelar aspectos peculiares das estratégias de
sobrevivência, economia de energia, reconhecimento interespecífico e processos de
coevolução entre plantas e seus polinizadores. Estratégias semelhantes governam as
relações entre vetores, suas presas e os microorganismos parasitas que transportam.
Em 1843, Gruby descrevera um protozoário encontrado no sangue de
um sapo, Trypanosoma sanguinis, mas muitos parasitólogos, incluindo Lewis,
ignoraram ou desconheceram sua descoberta e a importância que este fato viria a ter
193
no futuro. De fato, até 1886, o encontro de protozoários no sangue de vertebrados foi
considerado como mera curiosidade. Em 1887, T.Lewis publicou o resultado de
algumas observações que realizara em Bombay no ano anterior, por ocasião de um
surto de febre recurrente. Lewins conseguiu isolar microorganismos presentes no
sangue de alguns roedores. Como os hospedeiros encontravam-se aparentemente
sadios, Lewis utilizou este fato como evidência contrária à opinião de que o antrax ou
carbúnculo seria causado por bacilos.
Por outro lado, o estudo dos ciclos biológicos dos parasitas
heteroxênicos, que passam por mais de um hospedeiro no curso de seu
desenvolvimento ontogenético, passou a receber maior atenção no século XIX. Desta
forma, Fedschenko, orientado por Leuckart, encontrando-se no Turquestão, colocou
larvas de Dracunculus medinensis em água, juntamente com larvas de insetos e de
crustáceos, tendo tido a oportunidade de observar sua penetração em Cyclops. O fato
foi confirmado por Manson, em Londres, em 1894. Na década de 1880, Prospero
Sosimo observou miracídeos de Schistosoma hematobium invadindo larvas aquáticas
de um inseto e concluiu que a infecção humana resultava do fato de se beber água na
qual as larvas estavam presentes, pois acreditava que nenhum parasita do homem
invadia o corpo por outra via que não fosse a oral. Em 1894, Brock, no Transvaal
sugeriria a via cutânea,o que seria confirmado mais tarde.
Para a ecologia, entretanto, um outro aspecto das relações bióticas de
importância para a saúde estava para ser descoberto.
O papel de artrópodos como vetores de microorganismos foi sugerido
por Patrick Manson (1844-1922) aos 33 anos de idade, quando ocupava o posto de
médico dos funcionários britânicos no porto de Amoy, China. A demonstração viria
mais tarde, com Ross e com Grassi, trabalhando independentemente.
Manson seria o primeiro a propor o combate a uma doença através do
controle de seus vetores. Se depende de um mosquito para sua disseminação, seria
possível não só prever seu aparecimento como conseguir erradicá-la. Ao mesmo
tempo, correlacionou a distribuição das doenças com a de seus transmissores,
revolucionando a geografia médica.
A elucidação dos conceitos de veículo como mero transportador e de
vetor como um hospedeiro intermediário seria de grande importância para a
compreensão da ecologia das doenças, como veremos a seguir.
194
Pioneirismo e folclore
A transmissão mecânica ou veiculação de microorganismos por vetores
foi suspeitada, de maneira empírica e simplista, muito antes de ter sido comprovada
cientificamente.
Leonídio Ribeiro, em seu estudo histórico da medicina no Brasil
publicado em 1940 incluiu, na coletânea de contribuições, um artigo de Arthur Neiva
sobre o Tratado Decriptivo do Brazil de Gabriel Soares de Souza, escrito em 1587.
Entre observações bastante precisas sobre a biologia e os hábitos de diversos animais,
mencionou o autor do tratado: Digamos logo dos
mosquitos, a que chamam
nhitinga; e são muito pequenos e da feição de moscas; os quaes não mordem, mas
são muito enfadonhos, porque se põem nos olhos, nos narizes, e não deixam dormir
de dia no campo, se não faz vento. Estes são amigos das chagas, e chupam-lhe a
peçonha que tem; e se vão por em qualquer cossadura de pessoa sã, deixam-lhe a
peçonha n´elle, do que se vem muitas vezes a encher de boubas.
Em 1658, Piso, médico da corte do Príncipe Mauricio de Nassau
durante a ocupação holandêsa em Pernambuco, registrou a suspeita da transmissão da
raiva por morcegos, o que só seria comprovado três séculos mais tarde: até agora não
descobri se, comidos, são da mesma natureza da peçonha do cão raivoso, que causa
a hidrofobia, como o alertam gravissimos autores.
Herrer e Christensen, Cronistas do Peru, no século XVIII mencionam a
crença corrente de que certos dípteros, conhecidos dos nativos pelo nome de uta,
fossem os responsáveis pela transmissão da leishmaniose cutânea e da bartonelose.
Os naturalistas viajantes tiveram oportunidade de entrar em contacto
com numerosas espécies de parasitas e, em certos casos, de descrevê-los. Assim, La
Condamine, em 1745 mencionou o encontro, na Amazônia do berne: O verme que se
chama entre os Mahias suglacuru, e em Caiena verme-macaco, cresce na carne dos
animais e dos homens; cresce até o tamanho de uma fava, e causa uma dor
insuportável. É bem raro: desenhei em Caiena o único que vi, e conservei-o no
álcool. Dizem que nasce na chaga feita pela picada duma espécie de mosquito ou
moscardo; mas até aqui o animal que depõe o ovo, não está conhecido. Um outro
viajante, Antoine Joseph Pernetty, membro da célebre expedição de Louis Antoine de
Bouganville, descreveu corretamente em 1770 os sofrimentos causados pelo bichode-pé, e o perigo de descuidar-se das feridas por ele causadas, as quais deveriam ser
tratadas com aplicações de tabaco e era necessário evitar a umidade, nos dias de
grande calor. Sem esta preocupação a experiência nos mostrou que o paciente fica
ameaçado de espasmos do tétano, mal tão perigoso que pode levar à morte.
195
Ao comemorar-se, em 1835, o sexto aniversário da elevação da
Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro à condição de Academia Imperial, na
presença do Imperador D.Pedo II, então com nove anos de idade, duas comunicações
abordaram temas ecológicos. Emilio Joaquim da Silva Maia, que foi diretor do Museu
Nacional, condenou os malefícios dos desmatamentos indiscriminados nos arredores
da cidade. José M.da Cruz Jobim leu alentada memória sobre as doenças que afligiam
a classe pobre. Ao abordar as febres intermitentes, cujo aumento de incidência
constatara nos últimos sete anos, registrou o seguinte: logo que a molestia se
exasperou, em 1828, creu-se que a seca que nesse ano houve, o desenvolvimento de
carrapatos que matou grande número de animais fossem a sua principal causa; mas
esta desaparecera e a molestia continuou com igual severidade, particularmente na
estação calmosa. Supunha-se, igualmente, que o nosso vandalismo contra as matas
virgens fosse outra causa, mas ele exerceu-se lentamente e a molestia sobreveio com
uma rapidez que não corresponde a derribamentos extaordinários...
A possibilidade de veiculação mecânica de enfermidades por insetos
começava a ser admitida por essa época. Assim, John Snow, em seu tratado sobre a
transmissão do cólera, em sua segunda edição sugere a possibilidade da intervenção
de moscas nas epidemias: It is not unlikely that insects, especially the common houseflies, aid in spreading the disease.(2).
Ainda nesta categoria inscrevem-se os trabalhos de Josiah C.Nott,
publicado em 1843 nos Estados Unidos e de Louis Daniel Beauperthuy, dez anos mais
tarde que não podem, segundo Delaporte (3), ser considerados como pioneiros na
história da ecologia de vetores por falta de demonstração de suas proposições, que são
meras curiosidades folclóricas como as que acabamos de relatar.
Um exemplo de observação acurada que, se houvesse sido aprofundada
poderia ter levado a descobertas importantes foi a do médico de bordo da marinha
francesa Bourel-Roncière, publicada em 1872: Dans le Parana et les autres rivières,
et sourtout dans le haut Paraguay, les moustiques constituent un véritable fléau pour
les navigateurs; leurs piqûres toujours cuisantes dégénèrent souvent en ulcères,
quand elles ne sont pas soignés, sourtout chez des hommes anémiés et cachetiques. ...
ces piqûres négligées et irritées par les frottement ont un extrême tendance à
s´ulcérer. En 1866, plusieurs hommes de la Décidée ont séjourné à l´hôpital de
Buenos-Ayres avec des ulcérations difficiles à guérir. Il existe, dit-on, en Paraguay
des ulcères qui ressemblent beaucoup aux ulcères de Conchinchine; je n´ai pu me
procurer de renseignements à ce sujet. (4) O autor refere-se, certamente, à
leishmaniose cutânea ou botão do oriente e à possibilidade de ser transmitida por um
inseto.
196
A tradição popular foi, em muitas ocasiões, um bom indicador na
pesquisa das relações entre insetos e doenças. Na África, por exemplo, a nagana, que
acometia tanto mamíferos silvestres como o gado introduzido da europa, era
conhecida como fly disease. Foster mencionou o trabalho de John Kirk, publicado em
1865, ressaltando que Kirk made many interesting observations on the biology of the
tse-tse fly and took particular note of native opinions. He noted the regular
accompaniment of big game with the tse-tse flies, the bitting habits of the fly, etc. ...
The natives also clearly distinguished "fly disease" which was not contagious from
the various other cattle plagues which were.(5).
Theobald Smith também ouvira, dos criadores de gado nos Estados
Unidos, a idéia de que a febre do Texas estaria relacionada à infestação por
carrapatos.
Griffith Evans, médico veterinário militar, servindo no Punjab em
1880, descobriu um flagelado no sangue de cavalos, mulas e camelos afetados por
uma doença febril conhecida como surra. Havia, também alí, na tradição nativa, a
crença de que a enfermidade era transmitida por moscas hematófagas (tabanídeos), o
que Evans registrou em seu relatório como uma possibilidade viável. Mas sua
decoberta foi feita após a contribuição pioneira de Manson.
Ecologia de Vetores
Delaporte (6) considera o raciocínio de Manson tão brilhante quanto o
de Harvey. Este, calculara que a quantidade de sangue que o ventrículo esquerdo do
coração humano bombeia, através da aorta, supera, em curto espaço de tempo, o peso
do corpo. Deduziu que a única explicação viável seria a circulação do líquido e seu
retorno ao coração. Analogamente, Manson, em 1877 calculou que poderiam existir
dois milhões de microfilárias no sistema circulatório de um cão infectado e que, antes
de atingirem um centésimo do peso do verme adulto, as filárias pesariam mais que o
hospedeiro. It occurred to me that as the first step in the history of the haematozoan
was in the blood, the next might happen in an animal who fed on that fluid. (7). Como
Simond faria mais tarde ao buscar o possível vetor do bacilo da peste bubônica,
Manson listou e eliminou, sucessivamente, os possíveis candidatos: pulgas, piolhos,
sanguesugas e simulídeos, para decidir-se, finalmente, pelos mosquitos. To test this
idea I procured mosquitos that fed on the patient Hinloo´s blood, and examining the
expressed contents of their abdomens for day to day with the microscope, I found that
my idea was correct.(8)
197
Várias conclusões importantes, não só para as ciências biológicas
quanto para as estratégias de controle das doenças foram possíveis. Manson
demonstrou a necessária coincidência na distribuição geográfica de vetores e das
doenças transmitidas por eles, permitindo a previsão de sua ocorrência em áreas tidas
como indenes: and now that I have shown that the mosquito is a necessary element
for the perfection of the parasite, the limitation of the distribution of elephantoid
diseases to certain districts and zones of the earth´s surface receives an explanantion.
Such disease is endemic only where the mosquito flourishes, i.e.in tropical and
subtropical climates. (9)
Manson verificou que, utilizando mosquitos, obtinha maior número de
microfilárias do que quando usava uma agulha hipodérmica, o que daria origem ao
método do xenodiagnóstico. Entretanto, o fenômeno que despertaria maior
curiosidade e, mesmo, descrença, foi o da atividade circadiana das microcercárias:
durante o dia permanecem na circulação pulmonar, migrando, à noite, para os vasos
periféricos, em sincronia com os rítmos de atividade dos mosquitos vetores e dos
hospedeiros. Em áreas onde os mosquitos transmissores são espécies de hábitos
diurnos, o rítmo se inverte, o que também acontece quando se invertem os rítmos do
hospedeiro.
Restava explicar como as filárias adultas invadem o hospedeiro. Aqui,
Manson adotou a idéia falsa de que os mosquitos morreriam na água, após realizarem
a postura de ovos: it is through the medium of this fluid brought into contact with the
tissues of man, and then either piercing the integuments, or what is more probable,
being swallowed, it works its way through the alimentary canal to its final resting
place. (10).
Mais de sessenta espécies de mosquitos de diversos gêneros servem de
hospedeiros intermediários a microfilárias. A infecção de hospedeiros definitivos dáse, na verdade, pela picada desses insetos. Um jovem médico escossês, George Low,
trabalhando com Manson nos últimos anos do século desvendou o mistério, ao
seccionar mosquitos impregandos com celoidina, a nova técnica que aprendera em
Heidelberg e Viena, desenvolvida para o estudo dos estádios embrionários de
desenvolvimento de microfilárias. Um dos cortes que fez seccionou o aparelho bucal
de um exemplar, revelando embriões dos parasitas, dispostos aos pares, ao longo da
probóscide. Em 1900, Grassi e Noe demonstraram a transmissão, utilizando
mosquitos infectados e cães.
Manson ofereceu, também, a explicação para a prevalência da doença,
de acordo com a espécie de mosquito mais abundante: Elephantiasis is more common
in certain districts than in others; and I venture to predict that in those districts where
it prevails the mosquito will be found to abound, and that in those localities where the
198
disease is absent or uncommon, the mosquito will be found to be rare, or to be
represented by a species incapable of nursing the infant filaria. Fatores sociais de
exposição ao risco de se adquirir a infecção foram mencionados por Manson: The
habits of the people, with the regard to the use of water and mosquito nets, will also
undoubtedly have an influence in determining the amount and spread of filaria
disease.A ocorrência da doença em diversos membros de uma mesma família foi, por
ele, corretamente explicada: The true explanantion of the appearance of heredity
depends on the fact that most of the members of affected families live under similar
circunstances as regards the operation of the medium of infection. (11).
As implicações de suas descobertas para o controle da doença ficaram
claras: This is a point deserving investigation, for from the fact of the disease
depending on so tangible a link as the mosquito, it is quite possible to prevent its
spread, if not to seccure its extermination. (12).
Com Manson, uma nova visão da pesquisa sobre a etiologia das
doenças cristalizou-se: It is important therefore to aim at the cause as the main basis
for scientific classification of disease. This can be found only in two ways: - 1st by
studying the phenomena of a disease, and by a combination of theory and
observation, arriving at its aetiology: ... and - 2nd, by direct observation of the cause
itself. (13) .A lepra seria de transmissão direta e a filariose, indireta. Além disso, um
novo elemento viria juntar-se aos hospedeiros e patógenos, tornando mais complexa a
cadeia de organismos e fatores do ambiente, responsáveis pelas patocenoses. Segundo
Delaporte, o esclarecimento do papel dos vetores, no final do século XIX, exigiu uma
completa reorganização do conhecimento, o que foi feito por Finlay e por Manson.
Nascia então uma epidemiologia ecológica, centrada nos ciclos de
relações que reúnem hospedeiros, reservatórios, vetores, microorganismos e seus
respectivos ambientes internos e externos.
As contribuições de Ronald Ross e de Carlos Finlay, por muito tempo
disputadas pelos historiadores da medicina em geral e da febre amerela em particular,
foram, definitivamente, esclarecidos por Delaporte.
Entrementes, um pesquisador norteamericano, Theobald Smith (18581934) abriu novas perspectivas para o estudo da ecologia aplicada. Diplomado em
biologia e em medicina, fôra encarregado de investigar uma enfermidade, conhecida
como febre do Texas, que atingia o gado, no norte dos Estados Unidos que era
levado para as pastagens do sul daquele país. Fazendeiros do oeste acreditavam que a
doença era devida a carrapatos vindos com o gado trazido do sul, mas os cientistas
mostravam-se incrédulos. Em um trabalho publicado em 1893, Smith historiou as
descobertas da equipe que chefiou, como técnico do Bureau de Indústria Animal do
Departamento de Agricultura: It has been known since 188l that the various types of
199
malarial fever in man were accompanied by minute organisms living within the red
corpuscles. This discovery by Laveran has been followed by confirmation in various
parts of the world, and it is generally accepted that these intraglobular organisms are
the cause of malaria. Stimulated by this important dicovery, various observers have
studied the blood of many animals (frog, turtle, and various birds) and have found
therein certain minute parasites which likewise pass their life chiefly within red
corpuscles. (14)
Os dados disponíveis sobre a ocorrência da febre do Texas formavam
um quebra-cabeças dos mais interessantes: ...as the most important the one which
traced the distribution of the infection to cattle brought from a large but well-defined
territory, including most of the Southern States, into more northerly regions. The
Southern cattle bearing the infection were, as a rule, free from any signs of disease. It
was likewise settled that this infection was carried only during the warmer season of
the year, and that in the depth of the winter Southern cattle were harmless. It was also
known that the infection was not communicated directly from Southern to Northern
cattle, but the ground over which the former passed was infected by them, and that the
infection was transmited thence to susceptible cattle. All that was necessary for the
production of the disease was the passage of Southern cattle over a given territory
and the grazing of Northern cattle over the same or a portion of the same territory
during the same season.
It was also discovered that Southern cattle, after remaining for a short
time on Northern pastures, lost, in some mysterious way, the power to infect other
pastures and were, for the remainder of their stay North, harmless. Again, cattle
driven over a considerable distance lost, after a time on their way, the power to infect
pasture. When pastures and trails had been passed over by Southern cattle, it was
observed that the disease did not appear at once in the Northern cattle grazing on
them, but that a certain period of not less than thirty days elapsed before the native
cattle began to die. More curious even than these facts was the quite unanimous
testimony of stock-owners who had more or less experience with this disease, that
native susceptible animals which had become diseased did not transmit the disease to
other natives, and that they were harmless.(15).
Após isolar um protozoário (piroplasma) do sangue dos animais
doentes e de investigar as suspeitas de fazendeiros de que a infestação de carrapatos
tinha algo a ver com a enfermidade, Smith realizou, com sua equipe, uma série de
engenhosas experiências, conseguindo demonstrar o papel dos ácaros na transmissão
da febre do Texas. Entretanto, não se trata, aqui, de simples veiculação mecânica ou
de transmissão vetorial facilmente demonstrável. Como concluiu Smith, Texas fever
in nature is transmited from cattle which come from the permanently infected
200
territory to cattle outside of this territory by the cattle tick (Boophilus bovis). The
infection is carried by the progeny of the ticks which matured on infected cattle, and
is inoculated by them directly into the blood of susceptible cattle. Sick natives may be
a source of infection (when ticks are present). (16).
Com base nos resultados obtidos, iniciou-se a primeira campanha, na
história, de erradicação de um vetor para o controle de uma enfermidade. Ao mesmo
tempo, a lição da febre do Texas ensinou que, sem o conhecimento detalhado dos
ciclos vitais de vetores e parasitos, muitos problemas são insolúveis e impossíveis de
serem esclarecidos.
Um outro fator constituía-se em sério óbice para o progresso da
ecologia das zoonoses e das doenças transmitidas por vetores. Antes da aceitação
generalizada da teoria da evolução por seleção natural, e enquanto as espécies eram
consideradas como entidades fixas e definidas, com algumas variações, bastava um
casal de cada uma delas para representá-las nas coleções dos museus de história
natural. As duplicatas serviam para permuta com outros taxonomistas e para depósito
em outras coleções.
Tanto Darwin quanto Wallace basearam sua teoria transformista no
fato de que os organismos de uma mesma espécie não são idêntico e que as variações
não são adaptativas. A seleção natural agiria sobre essas variações, cuja amplitude nas
populações naturais, ninguém se preocupava em estabelecer. A biometria somente se
desenvolveria no final do século, rompendo o preconceito daqueles que pensavam que
os fenômenos biológicos situavam-se além dos limites da precisão matemática ou
estatística.
Em 1889, Wallace escreveu um capítulo de fundamental importância
para o progresso da taxonomia, limitada, então, pelo tipo de coleções disponíveis: The
foundation of the Darwinian theory is the variability of species, and it is quite useless
to attempt even to understand that theory, much less to appreciate the completeness of
the proof of it, unless we first obtain a clear conception of the nature and extent of
this variability. The most frequent and the most misleading of the objections to the
efficacy of natural selection arises from ignorance of this subject, an ignorance
shared by many naturalists, for it is only since Mr. Darwin has taught us their
importance that varieties have been systematically collected and recorded; and even
now very few collectors or students bestow upon them the attention they deserve. By
the older naturalists, indeed, varieties - especially if numerous, small, and of frequent
occurrence - were looked upon as un unmitigated nuisance, because they rendered it
almost impossible to give precise definitons of species, then considered the chief end
of systematic natural history. Hence it was the custom to describe what was supposed
to be the "typical form" of species, and most collectorswere satisfied if they possessed
201
thys typical form in their cabinets. Now, however, a collection is valued in proportion
as it contains illustrative specimens of all the varieties that occur in each species, and
in some cases, these have been carefully described, so that we possess a considerable
mass of information on the subject. (17).
Desde a década de 1870, os naturalistas começavam a preocupar-se
com a definição dos limites de variação intraespecífica. A genética de populações iria
fornecer, no século XX, novos elementos para a interpretação do fenômeno e para a
compreensão de sua origem. Os museus, por sua vez, passaram a buscar preservar, em
coleções, amostras de populações naturais, com sua variação individual, sexual,
geográfica, sazonal, etária e teratológica.
Mosquitos, pervcevejos, pulgas, ácaros e moscas não depertavam a
mesma atenção da parte de coletores amadores, atraídos pela variedade de cores e
formas das aves, borboletas e besouros. Assim, quando surgiu a necessidade de se
identificarem, com segurança, certos vetores de doenças, faltavam monografias,
revisões genéricas, chaves e manuais que auxiliassem zoólogos, médicos e
veterinários envolvidos em pesquisas ecológicas e epidemiológicas. Tal situação
resultou em atrazo para o esclarecimento de certos problemas. John Smart, em 1940
ressaltou que previous to the discovery at the end of the nineteenth century that
mosquitoes were the active vectors of organisms pathogenic to man they received but
little more attention than other groups that did not, like the butterflies and larger
beetles, make an appeal to the aesthetic and acquisitive instincts of man. Then came
the discovery of their importance from a medical point of view, and very soon the
British Museum (Natural History) commissioned a special worker to take them up:he
produced a monograph on them in 1901, following it with three supplementary
volumes, the last of which appeared in 1910. This work aimed at aiding other
workers in the accurate identification of species throughout the world, since this was
what was required by the malariologists and others.(18).
Koch, que fora à Itália chefiando uma comissão encarregada de testar a
hipótese da transmissão da malária por mosquitos, falhou: segundo Peller, ele falhou
por não conseguir diferenciar os mosquitos que poderiam e os que não poderiam
tornar-se hospedeiros de parasitas patogênicos para o homem. (19).
Hirst também foi de opinião que a falta de conhecimentos zoológicos
por parte dos parasitólogos e o estado precário do desenvolvimento da taxonomia de
certos grupos animais em fins do século XIX foram responsáveis pelo atraso no
progresso da epidemiologia e, em consequência, da ecologia: Simond, like other
epidemiologists of those days, had little knowledge of the taxonomy or bionomics of
fleas or other suctorial ectoparasites of man or rats.... Nor was he equipped with
adequate entomological knowledge to identify the species of fleas under observation
202
... It is also a pity he used cat fleas to supplement those naturally occurring on the rat.
...The general trend of medical entomology and of parasitological research during the
last quarter of a century has been in the direction of emphasizing increasingly the
importance of a precise knowledge of the morphology and ecology of the many
species concerned in the transmission of insect-borne disease.(20).
A história da descoberta do papel dos vetores no ciclo de certas
doenças ilustra as interrelações dos diferentes campos da ciência e sua importância,
não só para o controle sanitário como para o progresso do conhecimento, como
veremos a seguir.
Na mesma época em que Theobald Smith esforçava-se para explicar a
transmissão da febre do Texas, outros investigadores empenhavam-se em desvendar o
ciclo da malária, classicamente associada aos miasmas dos pântanos. Na África,
nativos que viviam em áreas endêmicas relacionavam sua ocorrência com a presença
e abundância de mosquitos.
A demonstração final do papel de vetores em sua transmissão só seria
feita em 1898 e a identificação correta das espécies e subspécies responsáveis, quase
na metade do século XX constituiu um exemplo de pesquisa biológica e ecológica
modelar.
Ronald Ross (1857-1931), distinguido com o prêmio Nobel por suas
descobertas, partiu da investigação dos parasitas no sangue de pacientes maláricos e
no tubo digestivo de mosquitos, mas, não sendo entomólogo, não foi capaz de
identificá-los. Joanes Battista Grassi (1854-1925), zoólogo italiano, mapeou as áreas
de ocorrência da malária na região do Mediterrâneo e anotou as épocas em que se
mostrava prevalente. Coletou mosquitos nas casas de indivíduos infectados e chegou,
por eliminação, a incriminar três espécies. Finalmente, identificou Anopheles
maculipenis como sendo a responsável.
Posteriormente verificou-se que, em certas áreas onde o vetor ocorria,
não havia malária. Somente após trinta anos de coletas intensivas e de pesquisas
minuciosas sobre taxonomia de mosquitos encontrou-se a explicação. Estudos
ecológicos revelaram que, o que se pensava ser uma única espécie era, na verdade, um
complexo de subspécies, distinguíveis durante a fase larvária, utilizando-se caracteres
como a quetotaxia, fisiologia, ontogênese e comportamento. (21).
No Brasil, um outro ciclo de transmissão da malária, envolvendo um
caso particular de associação ecológica merece registro.
Em 1897-8 construia-se a segunda linha da ferrovia que desce a Serra
do Mar, de São Paulo para Santos. A serra, coberta pela densa mata Atlântica, tem
encostas muito íngremes: Mercê do forte declive são bastante frequentes as quedas de
água grandes e pequenas. Nessas condições, é fácil compreender a ausência de águas
203
paradas no sentido usual da palavra. A primeira linha fôra construída cerca de trinta
anos antes e, na ocasião, foram registrados de febre intermitente, que desapareceram
completamente. Em 1897, Adolpho Lutz, foi encarregado de investigar o problema
dos novos casos surgidos quando se inciciou a segunda linha, tendo publicado seu
clássico trabalho, de onde são as citações aqui transcritas, no ano de 1903.
Na construção da linha nova foram empregados milhares de
operários, alojados em ranchos localizados em plena mata e comunicando-se uns
com os outros por meio de picadas provisórias, abertas na ocasião. Não tardou muito
em surgirem os primeiros casos de febre intermitente entre os trabalhadores.
Lutz instalou-se na casa de um engenheiro localizada na antiga estrada
e passou a coletar e identificar a fauna de mosquitos. Na primeira noite notou a
presença de uma espécie desconhecida, de tamanho diminuto, voraz e silenciosa, de
asas manchadas, cujos hábitos descreveu: Tive imediatamente a certeza de ter
encontrado o mosquito que procurava, muito embora, naquela época ainda não
fossem conhecidas as características dos transmissores da malária. Ao ser
descoberto, pouco depois, que estes deveriam ser procurados entre as espécies do
gênero Anopheles, vi com satisfação que a nova espécie era, de fato, um Anopheles.
Trata-se da que foi posteriormente descrita por Theobald, sob o nome de A. lutzi,
sendo uma das menores e mais delicadas. Tenho exemplares desta espécie
provenientes de vários pontos situados na zona compreendida entre Santos e
Conceição e também, graças à gentileza do Sr. Scmidt, de Joinville (Estado de Santa
Catarina), daquela região. Até agora, nunca foi vista para o interior. Uma vez de
posse da espécie suspeita e, conforme verificou-se mais tarde, com razão, era preciso
encontrar também os criadouros das suas larvas.
Lutz sentira a necessidade de estudar taxonomia e biologia de
mosquitos, o que iria ser-lhe de enorme valor, mais tarde, em suas pesquisas sobre
vetores de outras doenças. Seu interesse por essas questões é comprovado pelo fato de
estar em contato com os cientistas contemporâneos que trabalhavam com vetores,
tendo recebido, diretamente de Finlay, a notícia de sua contribuição para o
esclarecimento da transmissão da febre amarela.
Nas encostas íngremes da serra do Mar, Lutz não esperava encontrar as
águas estagnadas, criadouros clássicos de mosquitos.Ao mesmo tempo, não admitia a
possibilidade de criarem-se larvas fora dágua. O problema resumia-se, pois, em
encontrar depósitos de água apropriados para sua criação. Á custa de alguma
meditação e aproveitando a experiência adquirida no campo, consegui, em breve,
achar a solução.Não ignorava o fato de que algumas plantas possuem a capacidade
de armazenar água a qual, é, por sua vez, utilizada por outros organismos. Eu mesmo
observei, nas ilhas do Havaí, uma Pandanácea, Freycinetia Arnottii que acumula
204
regularmente água e que serve como hábitat constante de um crustáceo pequeno
(Orchetia), muito semelhante ao Gammarus pulex pela forma e pelo tamanho. No
Brasil são principalmente as Bromélias epífitas que armazenam água, a qual pode
ser aproveitada até para beber. Também não me era desconhecido o fato de viverem
nas águas de bromélias diversos seres miudos e lembrei-me que Fritz Müller nelas
havia encontrado um Ostracode muito interessante. Ora, onde este podia manter-se e
prosperar, as larvas de mosquitos, naturalmente, também poderiam viver. Sendo as
bromeliáceas muito abundantes naquelas matas, dispuz-me a examiná-las, cheio de
esperanças.
Com a meticulosidade que lhe era característica, Lutz dedicou-se ao
estudo botânico das bromélias e passou a desenvolver técnicas especiais para a coleta
da fauna que vive na água acumulada em suas folhas. Iniciou, assim, uma linha de
investigação ecológica, que tem seus seguidores até hoje, empenhados no estudo
daquelas microcomunidades aquáticas, de sua dispersão, colonização e de seu papel
na epidemiologia de um ciclo de malária típico do litoral do Brasil meridional e da
ilha de Trinidad, na costa da Venezuela.
Por essa época, uma epidemia de peste que grassava na Ásia começava
a se transformar na pandemia que marcou o início do século XX. O esclarecimento
dos seus mecanismos de transmissão constitui um episódio importante na história da
ecologia animal e da ecologia humana.
Se, do ponto de vista de seu agente patogênico, as distintas formas
clínicas da peste são o resultado da infecção por uma mesma bactéria, Yersinia pestis,
a epidemiologia e a ecologia das formas bubônica, pneumônica e septicêmica é
bastante distinta.
A peste bubônica, conhecida desde a antigüidade, teve sua presença
associada a roedores na Bíblia e no livro sagrado dos indus, a Bhagava Parana. Três
grandes pandemias tiveram sua ocorrência reconhecida: a peste de Justiniano, nos
anos de 540 a 543; a peste negra (com surtos pneumônicos violentos), de 1346 a
1349, seguida por surtos menores que duraram até 1388, e a que teve início na Ásia
em 1891 e chegou às Américas e África, até então indenes, no final do século XIX.
Muitos aspectos de sua ecologia continuam inexplicados, incluindo as razões que
levaram ao seu desaparecimento dos centros urbanos e os mecanismos de manutenção
entre os surtos.
A última grande pandemia iniciou-se, ao que se supõe, na Mandchúria,
expandindo-se para a China e para a Índia Em 1896 ocorreram os primeiros casos na
região portuária de Bombaim. Entre 1897 e 1901 publicaram-se milhares de páginas
de relatórios de comissões internacionais designadas especificamente para sua
investigação. Áustria, Inglaterra, Alemanha, Japão, França, Egito, Rússia, Itália e
205
Ceilão (hoje, Sri Lanka) enviaram especialistas à Índia. Nenhum dos estudos
publicados foi, porém, tão importante quanto o artigo de P.L. Simond, de 1898. Sua
leitura demonstra o exercício criterioso do método epidemiológico, do raciocínio
sherlockiano e das técnicas ecológicas aplicadas à pesquisa das zoonoses. Os dados de
que dispunha eram os seguintes.
Em Bombaim, a epidemia teve início com o episódio do achado de
ratos mortos nos armazéns de uma indústria têxtil, nas proximidades do porto. Vinte
coolies receberam ordens para retirá-los e cerca de metade contraiu a infecção,
adoecendo nos três dias subseqüentes. Nenhuma pessoa que ali esteve sem ter entrado
em contacto com os ratos, adquiriu peste.
O vapor Shanon fazia a linha Bombaim-Aden; no porto indiano,
severas medidas sanitárias haviam sido adotadas pelos ingleses, em razão do surto
pestoso que estava em progresso no país. Na viagem de retorno (Aden-Bombaim)
foram encontrados ratos mortos na cabine do correio, onde viajavam as malas postais.
O funcionário que ali trabalhava adoeceu e o diagnóstico foi de peste.
Por sua vez, o vapor Palma, da linha Bombaim-Kurachee, ao chegar a
este último porto, trazia ratos mortos a bordo. Seguiu para o Golfo Pérsico e, dois dias
mais tarde declararam-se dois casos de peste a bordo. Nos três ou quatro dias que se
seguiram, o número de enfermos chegou a cinco. Em Kurachee, o navio permaneceu
ao largo, mas, em Bombaim, estivera atracado nas docas durante uma semana.
Enquanto isso, uma mulher que vivia com sua família em Maska, uma
importante aldeia da província de Cutch, viajou a Kurachee em fins de fevereiro de
1897, de onde regressou enferma. Ao chegar, foi mantida isolada em uma pequena
cabana situada além dos limites da aldeia, sob os cuidados de sua cunhada. Ali
faleceu. A cunhada retornou à sua casa, apresentou sintomas de peste pneumônica e
também morreu. Dez membros da família morreram com sistomas semelhantes. Até
13 de maio, nenhum outro caso ocorreu. Teve, então, início uma epidemia que se
prolongou até setembro, totalizando 199 vítimas.
No Punjab, duas vilas situadas no centro de um enorme foco pestoso
permaneceram indenes.Como medida preventiva, os habitantes haviam sido
segregados em acampamentos provisórios. Em uma dessas aldeias, ratos começaram a
morrer, sem que houvesse casos de peste humana. Duas mulheres, mãe e filha,
receberam autorização para entrar na vila. Em casa, encontraram ratos mortos e os
lançaram à rua. Regressaram ao acampamento e, dois dias mais tarde, adoeceram.
Simond procedeu ao estudo minucioso dos fatos acima, mapeou as
casas que abrigavam enfermos, notou a procedência dos doentes, a data dos primeiros
sintomas, os relatos de ocorrências isoladas e em grupos familiares, as opiniões
populares a respeito da origem da peste e de sua propagação. Reconheceu três
206
períodos definidos na epidemia: um lento crescimento inicial do número de casos
humanos, com 620 a 690 mortes semanais; uma fase de estabelecimento ou
manutenção, com a duração de cerca de quatro meses, com 1400 mortos por semana;
finalmente, um declínio progressivo.
Os mapas e cronogramas preparados por Simond indicavam que a peste
progredia, regularmente, em pequenas distâncias, mas irregularmente, aos saltos, para
locais mais afastados. Neste último caso, homem parecia ser o agente de transporte.
Após a chegada de um doente a um determinado local, decorria um período longo de
tempo antes que os primeiros casos autóctones surgissem. Em diversas ocasiões, estes
verificavam-se em casas cujos habitantes evitaram entrar em contacto com o portador,
o que indicava a possibilidade de transmissão indireta e não por contágio pessoal.
É evidente que a ocorrência de diferentes formas clínicas desorientou
as investigações. O método adotado por Simond, entretanto, conduziu-o às respostas
corretas. Preocupou-se, em primeiro lugar, com a organização e tabulação dos dados
disponíveis, para depois, interpretá-los. Algumas das informações reunidas foram:
l. Mortandades de ratos precediam o aparecimento de casos humanos, que se
ocorriam nos mesmos bairros.
2. Indivíduos que manipulavam ratos mortos por peste adoeciam três dias
depois.Mas a contaminação não ocorria nos laboratórios, onde se
trabalhava com os roedores.
3. Não era necessário tocar nos ratos para infectar-se e o risco perdurava
durante algum tempo, no local em que eles morriam. Esta
constatação estava de acordo com as teorias miasmáticas do
contágio.
4. Mercadores de grãos e farinhas contavam-se entre a maioria das vítimas.
5. Nas casas, o maior número de casos ocorria entre os serviçais e nas
dependências de serviço, o que originou a opinião de alguns
médicos de que os europeus seriam menos suscetíveis à peste.
6. As ocorrências verificadas a bordo dos navios apontavam para os ratos
como responsáveis.
7. O homem doente que se deslocava de uma aldeia para outra devia infectar
os ratos, no local em que chegava.
8. O contágio, em hospitais europeus, era raro, mas não nos hospitais nativos,
sujos e infestados de roedores.
9. A mortandade de ratos cessava antes do final da epidemia e era de curta
duração.Quando terminava o surto humano, encontravam-se
roedores refratários, mesmo quando inoculados experimentalmente.
207
O bacilo pestoso havia sido identificado, em 1894, simultaneamente,
por Yersin, discípulo de Pasteur e por um aluno de Koch, Kitasato. Simond dedicouse à realização de uma série de experiências, inoculando roedores com o bacilo,
obtido de pacientes humanos e de ratos infectados. Tentou diferentes vias: alimentouos com sangue, restos de cadáveres, fezes, cereais. Colocou ratos sadios em frascos
nos quais haviam morrido ratos pestosos. Finalmente, concluiu que, somente através
da inoculação conseguia a transmissão da doença. Um caso curioso foi o de um rato,
alimentado com sangue contaminado e que sofrera um ferimento no lábio produzido
por uma pinça e que desenvolveu bubões cervicais.
Estes dados levaram Simond a admitir a via subcutânea como sendo a
porta de entrada do germe. A partir daí, preparou uma nova lista de fatos, com o fito
de descobrir o que ocorria na natureza.
l. Não havia evidências, na região em estudo, de que condições climáticas ou
sazonais fossem particularmente favoráveis às epidemias.
2. Acreditava-se que a infecção no homem podia ser devia a escoriações, ao
contacto com o solo, através do manuseio de objetos infectados,ou
pela poeira aspirada.
A
experimentação,
em
laboratório,
desautorizou algumas destas crenças.
3. Em condições de laboratório, o manuseio de animais infectados e de
culturas do bacilo eram inócuos.
4. Por outro lado, o manuseio de roedores encontrados mortos era perigoso,
se a morte ocorrera nas últimas 24 horas. Os cadáveres de ratos de
laboratório, infectados, não apresentava igual risco, ainda que
estivessem sujos de dejeções.
5. As infecções adquiridas através da manipulação de animais resultavam no
aparecimento de bubões axilares ou inguinais.
Por esta altura, Simond estava seguro de que o ar e o solo não
constituiam veículos de peste, como se supuzera. Suas suspeitas voltaram-se para um
vetor intermediário entre ratos e homens. Vários foram considerados e descartados,
incluindo percevejos e moscas. Uma nova série de considerações foi feita.
1. As tentativas de infectar ratos por via digestiva mostraram-se pouco
viáveis, mas, pela via cutânea era fácil de se conseguir.
2. Acidentes ocorridos por ocasião de necrópsias indicavam que os
ferimentos poderiam ser a porta de entrada do germe.
3. Os doentes apresentavam, sempre, uma ou várias flictenas em região
próxima à do bubão.
208
4. As flictenas eram comuns nos pés, mas nunca nos bordos das solas e nas
laterais dos artelhos, o que descartava a hipótese da contaminação
de escoriações por poeira ou dejetos.
5. A epiderme sadia em contacto com culturas de bacilos, sangue infectado
ou dejeções não dava lugar à infecção. Era necessário que o germe
fosse introduzido sob a pele.
6. Os ratos sadios tinham poucas pulgas mas, quando infectados, elas
enxameavam sobre seu corpo abandonando-o porém, horas após sua
morte. Nos laboratórios, os ratos não se encontravam infestados.
Simond, finalmente, concluiu que as pulgas constituiam os vetores da
peste bubônica.
Hirst, em 1953 historiou a epidemiologia, em geral, e a conquista da
peste, em particular e mostrou que as hipóteses de Simond, que contrariavam muitas
opiniões correntes, só foram aceitas anos mais tarde. E, entre as questões que
retardaram sua admissão, contava-se o parco conhecimento sobre taxonomia de
pulgas, na época. A comissão britânica, por exemplo, havia identificado 80 mil
exemplares como Pulex cheopis, confundindo três espécies, que só foram
convenientemente reconhecidas como distintas em 1914.
Para testar sua teoria, Simond lançou mão de um protocolo de
experiências muito bem planejadas. Só que, para obter pulgas em número suficiente,
utilizou as coletadas em gatos. Os verdadeiros vetores possuem condições especiais
em seu proventrículo, cujo meio endógeno permite a multiplicação de bactérias,
bloqueando a entrada do esôfago. Ao refluirem até o aparelho bucal, são inoculadas
por ocasião da picada. Assim, quando Simond utilizava pulgas transmissoras, seus
experimentos comprovavam a teoria. Mas, quando inadvertidamente, usava outras
espécies, que não sabia distinguir, os resultados mostravam-se negativos. Hirst (22)
discute os problemas enfrentados por Simond para que sua teoria fosse aceita e os
argumentos contrários levantados na época.
Como sucedera com os mosquitos, o Museu Britânico patrocinou o
estudo sistemático de pulgas, no início do século. Rotschild descreveu, em 1903 o
principal vetor da peste, Xenopsylla cheopis. Em 1914 mostrou que havia, na verdade,
um complexo de três espécies que eram habitualmente confundidas: X. cheopis, X.
brasiliensis e X. astis. Contudo, muito de sua biologia e ecologia, especialmente no
que se refere à dinâmica populacional, está para ser esclarecido.
Outro aspecto que nunca é mencionado pelos epidemiólogos e
ecólogos é o papel dos roedores silvestres nas epidemias (e epizootias) do velho
mundo. Para as Américas e África, a peste foi levada, a bordo de navios, por Rattus
rattus infectados. Em ambos continentes, Yersinia pestis encontrou pulgas e novos
209
hospedeiros não humanos viáveis. Hoje, os surtos ocorrem em zonas rurais,
independentes da intervenção dos vetores e hospedeiros clássicos. Este é um dos
problemas importantes e interessantes que restam a ser esclarecidos: não haveria, na
Europa, vetores silvestres viáveis? Elton, em 1925 menciona alguns surtos limitados
de peste humana ocorridos em Suffolk, Inglaterra, entre 1906 e 1918 e originados em
epizootias de roedores silvestres, mas a literatura médica é pobre em informações que
nos permitam avaliar os mecasnismos de enzootização da peste na Europa. Por outro
lado, Davis, em um artigo bem documentado e argumentado que publicou em 1986,
questiona o papel realmente desempenhado por Rattus rattus nas epidemias pestosas.
De qualquer forma, a explicação comumente encontrada na literatura de que a
competição entre R. rattus e R. norvegicus teria resultado na redução das populações
do rato preto e eventual fim das epidemias, carece de fundamento ecológico. Essas
duas espécies têm hábitos distintos e ocupam biótopos diferentes nas zonas urbanas.
R. rattus prefere locais secos, nos forros das casas, enquanto que R. norvegicus vive
nos esgotos, nas valas e condutos pluviais, em contato com a água.
O envolvimento aparente dos roedores na epidemiologia da peste
resultou, por outro lado, no surgimento de uma nova linha de investigações ecológicas
sobre zoonoses inaugurada por Charles Elton, da Universidade de Oxford.
As grandes epidemias pestosas que castigaram a Ásia no século
passado contribuiram para o interesse pela investigação de seus mecanismos de
endemização e disseminação. Wi Lien Teh (23), por exemplo, descreveu as epidemias
ocorridas na Mandchúria e o papel nelas desempenhado pelos tarabagans ou
marmotas silvestres. Seus trabalhos influenciariam Elton, como veremos.
Em 1924 Charles Elton publicava um artigo sobre as causas e efeitos
das flutuações periódicas em populações de animais silvestres: A knowledge of the
animal periodicity alone, puts us in a position to study natural selection in action in
the field. ...This subject could be profitably taken up by ecologists, since the study of
the regulation of animal numbers forms about half the subject of ecology, although it
has hithertho been almost untouched.(24). A questão da seleção de indivíduos
resistentes a doenças e sua relação com os ciclos de epidemias já é mencionada.
No ano seguinte, Elton iniciava uma série de publicações sobre a
ecologia do parasitismo, resultantes de suas investigações de campo sobre roedores:
The object of this paper is to point out certain facts about the regulation of numbers
of wild mammals in general, and in rodents in particular, which do not appear to be
widely known to medical investigators.(25). Analisando os dados publicados por Wu
Lien Teh sobre a grande epidemia de peste que ceifou cerca de 60 mil vidas na
Mandchúria em 1911, e as informações sobre outros surtos ocorridos no início do
século XX, Elton discute a questão da flutuação das populações de mamíferos e suas
210
implicações sanitárias. An attempt has been made in the preceding sections to
describe the general way in which the numbers of rodents are regulated and the part
which epidemics play in this process. (26). Elton procura demonstrar que, em muitos
casos, epidemias ocorrem com certa periodicidade e podem ser previstas. Clima,
meteorologia, pressão atmosférica, manchas solares, constituem alguns dos
determinantes externos das flutuações populacionais, enquanto que as relações
predador-presa e hospedeiro-parasita funcionam como fatores bióticos.
Em 1931, Elton resumiu os dados dispersos na literatura em um artigo
que pretende estabelecer as bases para o estudo da ecologia das infecções epizoóticas:
The systematic study of disease in wild animals forms one of the latest branches of
animal ecology, and its is therefore impossible to make many generalisations which
can be of any permanent value. ... Disease is, in fact, a perfectly natural phenomenon,
and it forms one of the commonest periodic checks upon the numbers of wild animals,
especially in the case of mammals, being in this respect no less important than
enemies, climate, food supply, and other generally recognized regulating factors. (27).
Um epidemiólogo russo, Eugeny Nikanorovich Pavlovski (1884)
dedicou-se ao estudo das zoonoses, tendo publicado mais de 800 trabalhos. Em 1939,
durante uma reunião da Academia de ciências da então União Soviética, realizada no
dia 29 de maio propôs uma teoria, que denominou de nidalidade natural das
doenças transmissíveis, reunindo conceitos correntes na zoologia, parasitologia,
ecologia e geografia de zoonoses. Sua comunicação foi publicada no volume dez dos
Anais, naquele mesmo ano e traduzida para várias linguas. No prefácio, os editores
dizem que o livro constitui a primeira tentativa de descrever a teoria da nidalidade,
aplicada às doenças que afetam o homem..
Para os ecólogos, entretanto, suas idéias não eram novas. Pavlovski
descreve as biocenoses (ou patocenoses) características de certas regiões que são
definidas em função de aspectos paisagísticos particulares, que se constituem em
focos de doenças transmissíveis, o que para os autores soviéticos significa que
dependem de um vetor: a natural focus of disease is related to a specific
geographical landscape ... i.e., a biogeocoenosis.... The causative agent of a
transmissible disease is also a member of the biocoenosis of its natural focus
...Inasmuch as the disease-producing agent is also a member of a biogeocoenosis,
there is reason to use the term pathobiocoenosis. (28).
Um simpósio realizado em Alma-Ata, em 1959 (29), com a presença de
Pavlovski, atualizou uma série de conceitos relacionados com as suas teorias.
Malgrado o destaque dado por muitos epidemiólogos às idéias do autor
russo, elas foram precedidas pelos trabalhos de Elton.
211
A fundamentação ecológica do fenômeno das epidemias e epizootias e
a possibilidade de prever sua eclosão foi acompanhada pelas tentativas de se
construirem modelos matemáticos que incorporassem os vários fatores envolvidos.
Das pioneiras e singelas tentativas de Ross, em 1911, para estimar os riscos
envolvidos na transmissão da malária, às equações de Lotka e Volterra, na década de
1920, poucas fórmulas utilizáveis sobreviveram. A maior dificuldade reside na
quantificação de certos fatores que envolvem o comportamento humano, responsável
pela exposição ao risco. (30).
Os modelos não são novidade. Prélot, em 1938 cita Platão, para quem
O método utópico consiste num processo ou representação de situação fictícia
realizada de um modo concreto com a finalidade, ora de julgar as conseqüências nele
implícitas, ora, o que é mais freqüente, de demonstrar as vantagens dessas
conseqüências.
Galileu retornou à mesma idéia. Hoje, a ecologia matemática busca
apresentar modelos que se aproximem, o mais possível, da realidade dos fatos. Mas,
para que eles sejam válidos, é indispensável o conhecimento minucioso dos hábitos de
hospedeiros, vetores e das populações humanas, em toda a diversidade de suas
culturas.
212
Notas
(1) Avila-Pires, 1997.
(2) Snow, 1855, p.118. Não é impossível que insetos, especialmente a mosca comum auxilie na
disseminação das doenças.
(3) Delaporte, 1989.
(4) Bourel-Roncière, 1872, Arch.Médécine Navale, 17, p.121. No Paraná e em outros rios, e sobretudo
no alto Paraguay, os mosquitos constituem um verdadeiro flagelo para os navegadores; suas
picadas sempre dolorosas comumente resultam em úlceras, quando não são tratadas, sobretudo
em homens anêmicos e caquéticos. ...essas picadas negligenciadas e irritadas pela fricção tem
uma grande tendência a ulcerar-se. Em 1866, muitos homens da Decidée viajaram ao hospital de
Buenos Aires com ulcerações difíceis de sarar. Diz-se que existe, no Paraguay, úlceras que se
assemelham muito às úlceras da Conchinchina, não pude obter esclarecimentos a este respeito.
(5) Foster,1965, p.120. Kirk realizou muitas observações interessantes sobre a biologia da mosca tsétsé e registrou em particular as opiniões dos nativos. Notou o acompanhamento usual dos
animais de grande porte pelas moscas tsé-tsé, os hábitos de picada da mosca, etc. ... Os nativos
também distinguiam claramente a “doença da mosca”, que não era contagiosa, das várias
outras pestes do gado, que o eram.
(6) Delaporte, 1989.
(7) Manson, 1878, p.9. Ocorreu-me que, como o primeiro passo na história do hematozoário era no
sangue, o próximo poderia ser em um animal que se alimentasse daquele flúido.
(8) Manson, 1878, p.10. Para testar esta idéia consegui mosquitos que se alimentavam no sangue do
paciente Hinloo, e examinando o conteúdo extraído dos seus abdomens, dia após dia, ao
microscópio, verifiquei que minha idéia estava correta.
(9) Manson, 1878 , p.14 ....e agora que já demonstrei que o mosquito é um elemento necessário para
a evolução do parasita, a limitação da distribuição da elefantíase a certos distritos e zonas da
superfície da terra adquire uma explicação. Tal doença é endêmica apenas onde o mosquito
abunda, i.é, em climas tropicais e subtropicais.
(10) Manson, 1878, p.14 ...é por meio deste flúido posto em contato com os tecidos do homem, e então
perfurando os tegumentos, ou o que é mais provável, sendo engolido, ele abre caminho através
do canal alimentar até um local definitivo.
(11) Manson, 1878, p.16. A verdadeira explicação para a aparente hereditariedade depende do fato
de que a maioria dos membros das famílias atingidas viverem sob circunstâncias similares com
respeito à operação do modo de infecção.
(12) Manson, 1878, p.14. Este é um ponto que merece ser investigado, porque a partir do fato da
doença depender de um elo tão tangível como o mosquito, é bem possível prevenir sua
disseminação, se não se conseguir seu extermínio.
(13) Manson, 1878, p.14. É portanto importante apontar a causa como o critério principal da
classificação científica das doenças. Isto pode ser conseguido de duas formas: primeiro,
estudando o fenômeno de uma doença e, através de uma combinação de teoria e observação,
chegar à sua etiologia ... e segundo, pela observação direta de sua causa.
(14) Smith, 1893, p.71 Sabe-se desde 1881 que os vários tipos de febres maláricas no homem são
acompanhadas por organismos minúsculos vivendo nos glóbulos vermelhos. Esta descoberta de
Lanveran foi confirmada em várias partes do mundo e admite-se geralmente que estes
organismos intraglobulares são a causa da malária. Estimulados por esta importante descoberta,
diversos observadores estudaram o sangue de muitos animais (sapos, tartarugas, e várias aves) e
encontraram neles alguns minúsculos parasitas que também passam a vida principalmente no
interior dos glóbulos vermelhos.
(15) Smith, 1893, p 11 ....a mais importante sendo a que traça a distribuição da infecção ao gado
trazido de um território amplo, mas bem definido, que inclui a maioria dos estados do sul, para
regiões mais austrais. O gado do sul portador da infecção era, de regra, livre de qualquer sinal
de doença. Era igualmente aceito que esta infecção se mantinha apenas durante as estação mais
quente do ano, e que no auge do inverno o gado do sul era inócuo. Também se sabia que a
infecção não se comunicava diretamente do gado sulino para o do norte, mas o solo onde o
primeiro passava infectava-se com ele, e a infecção era dele transmitida ao gado suscetível. Tudo
o que era necessário para a produção da doença era a passagem de gado do sul sobre um dado
território e a pastagem do gado do norte na mesma parcela do mesmo terreno, durante a mesma
estação.
213
Descobriu-se ainda que o gado sulino, após permanecer por curto período nos pastos do norte,
perdia, de forma misteriosa, o poder de infectar outros pastos e estavam, pelo resto de sua estada
no norte, inócuo. Outrossim, o gado levado a uma distância considerável, perdia, ao longo do
caminho, o poder de infectar pastos. Quando pastos e trilhas eram atravessados pelo gado
sulino, observava-se que a doença não surgia imediatamente no gado do norte pastando neles,
mas que um certo período de pelo menos trinta dias se passava antes que o gado nativo
começasse a morrer. Ainda mais curioso que estes fatos era o testemunho quase unânime de
donos de rebanhos que tinham mais experiência com esta doença de que animais nativos
suscetíveis que haviam adoecido, não transmitiam a doença a outros nativos e eram inócuos.
(16) Smith, 1893, p.151. A febre do Texas é transmitida na natureza por gado que provem do território
permanentemente infectado ao gado de fora deste território pelo carrapato-do-boi (Boophilus
bovis). A infecção é levada pela progênie dos carrapatos que se desenvolveram no gado
infectado e é inoculado por eles diretamente no sangue de animais suscetíveis. Nativos doentes
podem constituir a fonte de infecção (quando carrapatos estão presentes).
(17) Wallace,1889, p 41-2. O fundamento da teoria darwinista é a variabilidade das espécies, e é
totalmente impossível tentar mesmo compreender esta teoria, muito menos apreciar a sua
comprovação total, sem que se obtenha primeiro uma concepção clara da natureza e extensão
desta variabilidade. As objeções mais freqüentes e enganosas à eficácia da seleção natural
emanam da ignorância deste assunto, ignorância compartilhada por muitos naturalistas, porque
foi apenas depois que Darwin nos demostrou a sua importância que as variedades passaram a
ser sistematicamente coletadas e registradas, e mesmo agora muito poucos coletores ou
pesquisadores dedicam a elas a atenção que merecem. Realmente, para os velhos naturalistas as
variedades eram vistas como uma grande inconveniência, porque tornavam quase impossível
estabelecer definições precisas das espécies, então consideradas como a principal finalidade da
história natural sistemática. Daí ser costume descrever o que se considerava a “forma típica”
em suas coleções. Porém agora, uma coleção é valorizada em proporção em que reúne
espécimes de todas as variedades que ocorrem em cada espécie e, em certos casos, esta foram
cuiadosamente descritas de maneira que dispomos de uma massa considerável de informações
sobre o assunto.
(18) Smart, 1940, p.479. ...antes da descoberta, no fim do século XIX de que mosquitos eram vetores
ativos de organismos patogênicos para o homem, eles receberam pouco mais atenção do que
outros grupos que, ao contrário de borboletas e bezouros grandes, não exercem um apelo aos
instintos estéticos e aquisitivos do homem. Então ocorreu a descoberta de sua importância do
ponto de vista médico e logo o Museu Britânico (de História Natural) comissionou um
especialista para eles: ele produziu uma monografia dedicada a eles em 1901, à qual se
seguiram tres suplementos, o último dos quais em 1910. Esta obra, dedicada a auxiliar outros
pesquisadores na identificação precisa das espécies de todo o mundo, uma vez que isto era o que
malariologistas e outros necessitavam.
)
Peller,
1967, p.80.
(19
(20) Hirst, 1953, p.154, 160, 177. Simond, como outros epidemiólogos de seu tempo, tinha poucos
conhecimentos da taxonomia ou bionomia de pulgas e outros ectoparasitas sugadores do homem
ou de ratos. ... Nem se achava ele equipado com conhecimento entomológico adequado para
identificar a espécie de pulga em observação ... Também é uma pena ter ele usado pulgas de gato
para suplementar aquelas que ocorrem naturalmente no rato. ... A tendência geral da
entomologia médica e da pesquisa em parasitologia durante o último quarto de século tem sido
na direção de enfatizar cada vez mais a importância do conhecimento preciso da morfologia e
ecologia das diversas espécies envolvidas na transmissão das doenças por insetos.
(21) Hackett, 1934, 1935, 1937, 1944.
(22) Hirst 1953, p.159-160.
(23) Wi Lien Teh, 1911, 1922, 1923.
(24) Elton, 1924, p.154. Apenas o conhecimento da periodicidade animal nos coloca em posição dde
estudar a seleção natural em ação, no campo. ...Este tema pode ser vantajosamente abordado
pelosr ecólogos, uma vez que o estudo da regulação dos números de animais constitui cerca de
metade do campo da ecologia, apesar de estar quase intocado.
(25) Elton, 1925, p.138. O objetivo deste artigo é o de ressaltar certos fatos a respeito da regulação
dos números de mamíferos silvestres em geral, e de roedores em particular, o que não parece
ser conhecido dos médicos pesquisadores.
(26) Elton, 1925, p.158. Fez-se uma tentativa nas seções precedentes para descrever como, em geral,
os números dos roedores são regulados e a parte desempenhada pelas epidemias neste processo.
214
(27) Elton, 1931 p.435. O estudo sistemático da doença em animais silvestres constitui uma das
últimas ramificações da ecologia animal, e é, desta forma, impossível fazer muitas
generalizações que sejam de valor permanente. ... A doença é, na verdade, um fenômeno
perfeitamente natural, e constitui um dos controles periódicos mais comuns dos números de
animais silvestres, especialmente no caso dos mamíferos, sendo a este respeito não menos
importante do que inimigos, clima, suprimento alimentar, e outros fatores de regulação
geralmente reconhecidos.
(28) Pavlovski, s/d, p. 19, 23. .. um foco natural de doença relaciona-se com um aspecto geográfico
específico. ... i.é, uma biogeocenose ... O agente causal de uma doença transmissível é também
um membro da biocenose de seu foco natural ... Como o agente que a produz é também membro
de uma biogeocenose, justifica-se o uso do termo patobiocenose.
(29) Levine, 1968.
(30) Anderson, 1982.
215
O MEIO SOCIAL
216
O Meio Social
Virchow, que citamos como um dos pioneiros da patologia celular, não
foi o primeiro a se dar conta do condicionamento social das doenças, mas foi um dos
patronos da moderna medicina social. (1)
De acordo com a teoria dos sistemas, existem fenômenos que emergem
da reunião de indivíduos em sociedades como a transmissão de doenças que depende
da possibilidade e facilidade de contatos entre os indivíduos, os quais são regulados
pela estrutura da sociedade em que vivem e por fatores culturais; a transferência ou
transmissão de informações e de experiências entre indivíduos da mesma geração ou
de gerações sucessivas; a reprodução, em organismos bissexuados; a divisão de
trabalho; as instituições sociais; a tradição sócio-cultural; a proteção conferida pelo
grupo (herd-behaviour); a tensão social e o comportamento de massa ou de multidões.
Tão importante é a influência dos fatores sociais em ecologia que, no
caso do homem, eles são, por vezes, considerados comumente como sendo a causa
imediata da ocorrência de muitos fenômenos. Bronowski (2) reconhece que a vida
humana é a vida social e não há, dentre as ciências humanas, nenhuma que não seja,
de algum modo, ciência social.
No caso do homem, a estrutura social condiciona não só o
comportamento, como outros fenômenos de cunho ecológico e etológico (3). Sistemas
de castas, de matrimônio e de parentesco determinam o patrimônio genético de subpopulações e expõem os indivíduos a certos riscos ou protegem-nos de outros
relacionados coma hereditariedade. Por outro lado, condições econômicas e
prevalência de doenças correlacionam-se positivamente.
Desde há muito o homem descobriu que pode alterar o comportamento
de um sistema agindo de maneira direta ou indireta sobre os fatores que deseja
modificar, ou sobre a velocidade dos processos. Isto significa que, se não há uma
relação causal entre fenômenos que ocorrem em níveis de complexidade distintos, há,
porém, circunstâncias que, em um nível de maior complexidade condicionam ou
propiciam eventos que ocorrem em níveis inferiores. Assim, se pobreza não é a causa
suficiente de doença para o indivíduo, ela cria situações que facilitam o
estabelecimento ou a propagação de algumas enfermidades na população.
Neste capítulo, nossa preocupação será com os aspectos particulares da
ecologia relacionados com o fenômeno social no homem. Dada a complexidade de
suas instituições será mais fácil, posteriormente, adaptar os conceitos derivados ao
estudo da ecologia de outras sociedades animais. Para uma análise atual das relações
entre cultura e saúde, a seleção de artigos reproduzidos por Landy em 1977 é de
grande utilidade.
217
No que se refere à saúde humana, a associação da ocorrência de certas
enfermidades com as condições sociais prevalentes foi percebida desde o século
XVII. Na antigüidade e durante o Renascimento surgiram observações casuais, mas
foi somente com a Revolução Industrial que os aspectos sociais da doença tornaramse evidentes e receberam tratamento estatístico capaz de revelar sua correlação. Para
historiadores como Koyré, a difusão do comércio e a ascensão da burguesia resultante
da riqueza propiciada por este tipo de empreendimento passaram a exigir o
aperfeiçoamento dos registros atuariais e o registro de dados estatísticos mais
confiáveis. As atividades técnicas deixaram de ser desprezadas e o mecanicismo
teórico e prático permitiu o nascimento da tecnologia, aplicando conhecimentos
teóricos à mecânica das coisas e à medicina humana.
Em 1797 surgiu o primeiro volume de uma obra magistral, de autoria
de John Peter Frank, que definiu as responsabilidades e deveres do Estado para com a
manutenção e policiamento das condições de higiene pública, saúde individual,
proteção materno-infantil, saneamento, educação, higiene mental, desportos,
vestuário, alimentação, prevenção de acidentes, atendimento hospitalar, doenças
epidêmicas e outos aspectos da vida social relacionados com o bem estar comunitário.
Por esta contribuição, Frank é considerado o pai da medicina social.
Para Rosen, O termo saúde, quer se refira à boa ou à má, designa um
estado dinâmico de um organismo resultante da interação de fatores internos e
ambientais que se dá em um cenário espaço-temporal. Esta definição geral se aplica
a todos os organismos biológicos /sic/ e coloca a saúde em um contexto ecológico. ...
Se a doença surge e afeta as condições ou relações sociais em que o ser humano vive,
então ela é um fenômeno social que deve ser estudado enquanto tal e enquanto
fenômeno só completamente inteligível em um contexto bio-social. (4).
Entre 1792 e 1795 surgiram os três volumes, de autoria de L.L.Finke,
que seriam o marco inicial da geografia médica, onde o autor utiliza a designação de
topografia médica para indicar o estudo das influências do solo, do clima, da
ocupação, sobre as doenças. Chamo-a assim com o mesmo direito que uma descrição
de um lugar qualquer se chama topografia, e de um país, corografia, seja que
contenham ou não informações médicas. Quando se trata de um país após outro, e a
respeito de cada um descreve-se sua situação, a constituição de seu solo, as
particularidades do ar, a iluminação e as substâncias alimentícias usadas pelos
nativos; quando se descrevem os modos de vida, costumes, hábitos dos habitantes,
relacionando-os com a saúde e a doença; quando se descrevem as doenças, tais como
são encontradas nos vários países e as medidas terapêuticas regionais; em uma
palavra, quando se reúne tudo o que vale a pena conhecer-se a respeito do estado
218
médico de qualquer país, então não se pode negar que essa obra mereça o nome de
Geografia Médica. (5).
Em 1822, a França promulgou um novo código sanitário que
incorporou os severos regulamentos herdados ao longo dos séculos. Após a chegada
do cólera a Paris, em 1832 verificou-se, por um lado, a inocuidade das medidas
drásticas como a quarentena e o isolamento e, por outro, os prejuizos que elas
causavam ao comércio, à economia e à ordem social. Em 1853, um novo código foi
adotado, mais flexível e que serviu de modelo para os de diversos países. (6)
A era moderna dos estudos sociais e atuariais relacionados à saúde teve
início com Louis René Villermé, de Paris. Após 1834, o termo socialismo passou a
ser usado em uma accepção distinto do que se fazia até então, a partir do
reconhecimento, por Pierre Leroux das diferenças existentes entre o bem estar do
indivíduo, o da sociedade e o do Estado, deixando clara a necessidade que existe de se
equilibrarem os três requisitos necessários à harmonia social. Em 1838, J.A.Rochoux,
em sua tese de concurso para a cadeira de Higiene, em Paris, introduziu a expressão
higiene social, distinguindo-a das práticas individuais e mencionando suas
implicações legais.
No Brasil, em 1836, o Conselheiro Jobim inaugurou seu curso de
Medicina Legal, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, justificando-o á
medida que esta Sciencia, não se contentando com ser sómente util á individuos,
aplica-se ás necessidades do corpo social...
Jules Guérin é tido como um dos pioneiros da medicina social, cuja
evolução foi traçada por Rosen, em 1947, por Susser e Watson , em 1971, e por
Petersdorf, em 1981. Posteriormente a sociologia médica tornar-se-ia disciplina
independente, preocupando-se com as relações da doença e das atividades dos que
dela tratam, dentro de um contexto social.
Na literatura, o movimento socialista encontrou apoio vigoroso. Um
exemplo é o do romance Germinal, de Emile Zola, publicado em 1885. O autor
coligiu dados sobre as condições de trabalho e as greves de mineiros deflagradas na
França, entre 1860 e 1880, que também serviram de tema para obras de pintores
famosos. Zola menciona a aplicação da teoria de Darwin às sociedades humanas e
referiu-se à obra de um médico belga sobre L'Higiène du Mineur.
Rudolf Virchow (1821-1902) foi o responsável, na Alemanha, pelo
movimento socialista na medicina. Por um lado, promoveu o desenvolvimento da
anatomia patológica e celular, enquanto que, por outro, opôs-se às novas teorias da
bacteriologia e da evolução. Contudo, sua contribuição à conceituação da medicina
como uma ciência biológica e, simultaneamente, social, foi de grande importância.
Sua atenção para ela foi despertada pelos eventos ocorridos na Alta Silésia. Em 1847
219
declarou-se, naquela região, uma epidemia de febre tifóide. Encarregado de estudá-la,
Virchow escreveu um relatório no qual defendia a noção de que as causas eram tanto
sociais, quanto econômicas, políticas e biológicas, sendo ineficazes as medidas
terapêuticas ou higiênicas coletivas. (7).
As proposições fundamentais de Virchow, de Salomon Neumann e
outros, na defesa da idéia da saúde do povo como um direito decorrente da noção de
igualdade democrática e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade social, levaram-nos
a definir a medicina como uma ciência social e a reduzir a política à medicina
praticada em grande escala.
Rebelde, agresivo e autoritário, não é de admirar que Virchow adotasse
a postura de considerar, como causa imediata, o conjunto de fatores antecedentes e
intervenientes nos processos de saúde e doença, tanto no nível social quanto
individual.
Virchow desenvolveria, em 1848, uma teoria das epidemias como
expressão do desajustamento cultural e social: Se doença é uma expressão da vida
individual sob condições desfavoráveis, a epidemia deve ser indicativo de distúrbios
em maior escala da vida da massa. ... Podemos apontar como causas as condições
atmosféricas, as mudanças cósmicas gerais e coisas parecidas, mas em sí e por sí
estes problemas nunca causam epidemias. Só podem produzi-las onde, devido às
condições sociais de pobreza, o povo viveu durante muito tempo em uma situação
anormal. (8).
Para ele, as epidemias podiam ter origem natural ou artificial: As
epidemias naturais sempre ocorrem quando mudanças de estação, de tempo, etc.
alteram as condições de vida e a grande massa não se protegeu por meios artificiais.
Elas voltam com a freqüencia exigida pelas condições externas e permanecem
enquanto estas duram. Fluxos, febres intermitentes e pneumonia sempre têm surgido
sob a forma epidêmica. Já as epidemias artificiais são atributos da sociedade,
produto de uma falsa cultura ou de uma cultura não accessível a todas as classes.
São indicativas de defeitos produzidos pela organização política e social e
consequentemente afetam predominantemente aquelas classes que não participam
dos benefícios da cultura. Falamos aqui do tifo, do escorbuto, do suor maligno e da
tuberculose. (9).
A revolução de 1848 firmou certos princípios fundamentais, como o de
se considerar a saúde do povo como objeto de inequívoca responsabilidade social; que
as condições econômicas exercem um efeito importante sobre a saúde e a doença e
que devem ser tomadas providências no sentido de se promover a saúde e combater a
doença, tanto por reformas sociais quanto pela atenção médica direta.
220
O movimento higienista, na França, precedeu o de Virchow na
Alemanha e levou a uma discussão das causas das doenças epidêmicas. Em 1825,
Foderé iniciou seu Essai sur la pauverté des nations afirmando que um dos principais
responsáveis pelas doenças físicas e morais do homem reside na desorganização do
sistema social.
Acumularam-se as opiniões de que a melhor prevenção contra o cólera,
a peste e outras enfermidades epidêmicas residia na melhoria das condições sociais da
população. Se o clima fosse o responsável pelas doenças, nenhuma medida preventiva
seria eficaz e nenhuma reforma poderia ser feita. Neste contexto, Lèvy e Jules Guérin
propuzeram, em 1848, a expressão medicina social. (10).
Rosen (11) historiou a evolução da medicina social e da higiene, onde a
visão clínica da enfermidade se contrapõe à concepção ecológica da saúde como
resultante do equilíbrio entre organismos, fatores do meio ambiente físico e biótico e
do meio sócio-cultural.
O progresso da bacteriologia viria desviar a atenção, das causas sociais
para a ação determinista do agente patogênico ou agente causal, fazendo com que o
pêndulo do reducionismo pendesse para o outro extremo. Assim, Emil Behring
declarou, em 1893, que o estudo das infecções já podia prosseguir em um rumo certo,
sem os desvios com as considerações sociais e políticas - e sem mencionar os fatores
geográficos ou topográficos.
Manson fora mais realista, observando em 1877 que The habits of the
people, with the regard to the use of water and mosquito nets, will also undoubtedly
have an influence in determining the amount and spread of filaria disease. .... (12).
Assim, uma análise criteriosa da evolução histórica das idéias sobre
saúde e doença mostram que foram diversos os fatores que dificultaram a
interpretação da influência do meio - físico, biótico e social - sobre o homem.
Em primeiro lugar, saúde e doença não têm definições precisas. A
saúde é um estado ideal e a doença, uma condição resultante de processos endógenos
e exógenos variados e complexos, de distintas origens. A tentativa de Sydenham de
criar um sistema de classificação das doenças foi meritória, quando definiu com maior
rigor os sintomas e organizou-os em categorias taxonômicas lineanas. Mas, como
sucede com as plantas e animais, essas categorias são artificiais.
Em segundo lugar,quando se passa de um nível de complexidade para
outro, novos fenômenos aparecem, com propriedades inerentes ao nívem mais
complexo e, o que se aplica a um, não encontra correspondente homólogo em outro.
Saúde individual e saúde coletiva constituem um bom exemplo da teoria dos sistemas.
Em terceiro lugar, saúde e doença podem ser analizados sob diferentes
aspectos: médico (clínico, epidemiológico), social, moral, legal, político, ecológico,
221
matemático, econômico, etc. A peste, por exemplo, do ponto de vista bacteriológico,
deve-se à infecção por um mesmo microorganismo. Para o sanitarista, porém, peste
bubônica e peste pneumônica são entidades totalmente distintas e exigem
procedimentos diferentes para seu controle: a primeira envolve ratos e pulgas, a
segunda é transmissível de pessoa a pessoa. Para os ecólogos, as interações entre
hospedeiros, vetores e fatores do meio físico constituem as considerações importantes.
Aspectos legais são os referentes às medidas de quarentena, com a restrição ao livre
trânsito, como foi muito bem descrito por Albert Camus, que se deteve, ainda, na
análise das questões éticas envolvidas. Podemos estimar o custo financeiro de uma
epidemia e calcular, matematicamente, o seu progresso.
Em quarto, quando tomamos um dos fatores coadjuvantes ou
intervenientes de um problema como sendo sua causa, cometemos o erro do
reducionismo. Assim como o fez Virchow ao considerar os aspectos sociais como
determinantes da doença, errou Pasteur ao considerar o agente patogênico como sendo
a causa das doenças infecciosas.
A complexidade dos problemas na esfera da ecologia humana decorre,
basicamente, da importância da evolução cultural em Homo sapiens. Na maioria dos
casos, é impossível distinguir o que se deve à constituição biológica do que é
aprendido e herdado da tradição cultural. Segundo Hebb (13), a discussão sobre quanto
um certo comportamento depende de fatores genéticos e quanto de fatores ambientes
tem tanto sentido quanto indagar se a área de um retângulo depende mais do seu
comprimento ou de sua largura. A cultura faz parte do indivíduo, a ponto de se
constituir em um mecanismo independente da seleção natural de caracteres genéticos.
A cultura evolui em rítmo próprio e segue leis próprias, onde mecanismos
lamarckistas e darwinistas colaboram para a rapidez do processo, que envolve a
herança de conhecimentos adquiridos.
Reina alguma confusão entre os autores que se dedicam ao estudo da
saúde no nível social, especialmente quando introduzem a variável classe social. Os
fatores relevantes para avaliação do risco dependem, por um lado, das características
genéticas, biológicas e do meio ambiente, e, do outro, do comportamento individual e
social, responsáveis pela exposição a ele. Na análise da saúde no nível social ou
populacional, não é a idade, o sexo biológico ou a ocupação que importam, mas os
comportamentos condicionados pelas estruturas sociais e culturais relacionados com
esses parâmetros. Assim, problemas que afetavam crianças, na Inglaterra do século
XVIII, antes que a legislação regulamentasse o limite mínimo de idade para o
trabalho, incluiam afecções próprias dos mineiros e dos trabalhadores na indústria.
Por outro lado, a distribuição dos indivíduos de uma comunidade em duas categorias,
222
segundo o sexo biológico, não permite compreender a distribuição e difusão da AIDS,
que depende do comportamento sexual.
Finalmente, o estudo dos aspectos sanitários referentes às populações
não só contribui para o progresso da ecologia, como lucrou com a aplicação da
metodologia ecológica em sua análise.
223
Notas
(1) Taylor e Rieger, 1984.
(2) Bronowski, 1977.
(3) A análise de fatores sociais em relação à doença foi bem discutida por Stronks et al.(1996), Blane
(1985), Smaje (1996), Bradby (1995), Horobin (1985), entre muitos outros.
(4) Rosen,1979.
(5) Rosen, 1979.
(6) Delaporte, 1986.
(7) Taylor e Krieger, 1984.
(8) Rosen, 1980, p.83.
(9) Rosen, 1980, p.84.
(10) Ackerknecht, 1986.
(11) Rosen, 1947, 1963, 1979.
(12) Manson , 1878, p.14. Os hábitos do povo com referência ao uso da água e de mosquiteiros sem
dúvida também influenciarão na determinação da quantidade e expansão da filariose...
(13) in Thorpe, 1979, p.183.
224
TEORIA DE SISTEMAS
225
Teoria de Sistemas
Em 1916, Clements caracterizou a comunidade vegetal como um
organismo ou superorganismo, noção que seria questionada mais tarde, por seu
conteúdo quase místico.
Em 1935, Tansley publicou uma crítica aos termos então encontrados
na literatura ecológica e propôs o nome e o conceito de ecossistema, como a unidade
básica em ecologia, no que foi seguido, em 1941 por Hutchinson e no ano seguinte
por Lindeman, os quais defenderam uma metodologia analítica e reducionista para
estimar as trocas de energia entre organismos de distintos níveis tróficos, baseada nas
teorias da termodinâmica. Na sua visão, a estrutura manter-se-ia desde que a troca de
energia fosse preservada. Na opinião de Bergandi, Tansley's concept is fundamentally
anti-holistic in so far as, for him, the problem of emergentism is a non-issue, and in
that he uses physics as his explanatory field of reference. (1)
Em 1939, Clements e Shelford publicaram um livro em que ampliaram
o conceito de bio-ecologia, termo proposto por Clements em 1922. Clements e
Shelford sintetizaram, em sua Bio-ecology, uma visão holística da ecologia. O novo
nome foi proposto em virtude de considerarem ecologia como um termo desgastado
pelos vários usos. No texto, não se referem ao termo ecossistema proposto por
Tansley, apesar de citarem seu artigo na bibliografia. Por outro lado, discutem a
expressão quasi-organism de Tansley. Para eles, The concept of biome is a logical
outcome of the treatment of the plant community as a complex organism, or
superorganism, with characteristic development and structure. As such a social
organism, it was considered to possess characteristics, powers, and potentialities not
belonging to any of its constituents or parts.(2).
A visão holística está claramente delineada: One of the first
consequences of regarding succession as the key to vegetation was the realization
that the community... is more that the sum of its individual parts, that is indeed an
organism of a new order. For this reason, it was considered to be a complex
organism... (3).
A aplicação da teoria geral dos sistemas aos sistemas ecológicos ou
ecossistemas parece ser um procedimento óbvio. Clements e Shelford, argumentando
pela conveniência da adoçãodo termo bio-ecologia criticam o uso irrestrito e
226
impreciso de ecologia: ...its synthetic nature is too often obscured by such
subdivisions as autecology, synecology, insect ecology, and human ecology. ...This
condition can hardly be remedied except by replacing the present highly specialized
training with synthetic instruction to a considerable degree. ... This condition will
exist as long as investigators are specialists. ... the very essence of ecology is its
synthesis ...(4).
Clements e Shelford, ao sugerirem que o termo ecologia seria, aos
poucos, abandonado não podiam imaginar que o destino do termo ecologista seria o
de ser popularizado com o mesmo sentido dado aos socialistas do fin do século XIX,
aos panteistas de Pittigrili da década de 1930 e aos existencialistas e naturistas de
1960. Em lugar de desaparecer, o termo passou a ser utilizado indiscriminadamente,
inclusive por cientistas.
O ponto fundamental da crítica de Clements e Shelford
(5)
é a
fragmentação das comunidades em grupos taxonômicos, o que destrói a unidade
ecológica. Ou melhor dito, na utilização de um referencial taxonômico em lugar de
ecológico, para o estudo das comunidades..
Isto não ocorreu apenas com a ecologia, mas com outras disciplinas,
como a sociologia. Veyne, em sua análise crítica da história escreveu: Em resumo, a
sociologia não passa de uma palavra, uma palavra ambígua, sob a qual são
colocadas diferentes atividades heterogêneas. ...escrever a história da sociologia ...
não seria escrever a história de uma disciplina, mas de uma palavra. De cada um
desses autores para o outro não há nenhuma continuidade de fundamentação, de
objeto, de propósito ou de método ... sua continuidade só existe no nome, que
estabelece um liame puramente verbal entre atividades intelectuais que têm, como
único ponto comum, o de se terem estabelecido à margem de disciplinas tradicionais.
A idéia de sistemas e de suas propriedades emergentes, não é nova no
campo da biologia,. Em um ensaio publicado em 1865 sobre os progressos nas
ciências fisiológicas, Claude Bernard discutiu o conceito de causa próxima, imediata
ou determinística. Oscilando entre um vitalismo agnóstico e um materialismo
duvidoso, distinguiu o determinismo do fatalismo. Determinismo seria a existência
obrigatória de causas próximas ou imediatas de todos os fenômenos. As ciências
experimentais teriam como princípio básico o determinismo e, nas ciências da vida
este determinismo seria de natureza físico-química.
227
No ensaio de 1865 Claude Bernard repetiu o exemplo clássico de
Lavoisier, ao afirmar que nunca podemos ir além das causas imediatas: Quand nous
savons que l’eau avec toutes ses propriétés résulte de la combinaison de l’oxygène et
de l’hydrogène dans certains proportions, et que nous connaissons la condition de
cette combinaison, nous savons tout ce que nous pouvons savoir scientifiquement à ce
sujet; mais cela répond au comment et non au pouquoi des choses. Nous savons
comment l’eau peut se faire; mais pourquoi la combinaison d’un volume d’oxygène et
de deux volumes d’hydrogène donne-t-elle de l’eau, nous n’en savons rien ...(6).
Em 1878, no primeiro volume das Leçons, Claude Bernard resume as
definições de vida propostas por vários autores. Para ele, um dos caracteres gerais dos
seres vivos é a organização, noção que atribui a Rostand, e cita: Le créateur ne
communique pas une force qu’il ajoute à l’être organisé, ayant mis dans cet être avec
l’organisation la disposition moléculaire apte à la développer.(7). Para Rostand, o
criador seria o relojoeiro, que lhe dá o poder de marcar o tempo, durante um certo
tempo, mais ce pouvoir n’est autre que celui qui résulte de as structure; ce n’est pas
une propriété à part, une qualité surajouté; c’est la machine monté.
Claude Bernard define: (9)
(8)
Adiante,
L’organization résulte d’un mélange de substances
complexes réagissant les unes sur les autres. C’est pour nous, l’arrangement qui
donne naissance aux propriétés immanentes de la matière vivante, arrangement qui
est spécial et très complexe, mais qui n’en obéit pas moins aux lois chimiques
générales du groupement de la matière. Les propriétés vitales ne sont en réalité que
les propriétés physico-chimiques de la matière organisée.
Claude Bernard concorda que as propriedades derivam da estrutura dos
órgãos. Ressalva, contudo que a concepção é um tanto vaga, já que a estrutura
pressupõe a existência de uma causa que a
justifique. Por fim, conclui que as
propriedades vitais são, na realidade, nada mais que as propriedades físico-químicas
da matéria organizada.
Dez anos mais tarde, em 1875, George Henry Lewes (1857-1878), que
se dedicara ao estudo da fisiologia do sistema nervoso, partiu do argumento de Claude
Bernard e propôs a teoria da emergência, segundo a qual a combinação de entidades
de uma certa órdem ou nível de complexidade origina uma organização de nível
superior, mais complexa, cujas propriedades são distintas das de seus componentes.
228
Em 1926 Smuts propos o termo holismo para a teoria segundo a qual o
universo estaria edificado em estruturas de complexidade crescente. As mais simples
seriam as partículas sub-atômicas e, em seguida, os átomos, moléculas, clélulas,
indivíduos, sociedades e ecossistemas. Segundo Egler
(10)
a tendência vitalista de
Smuts comprometeu a utilização do termo.
Em 1928 Ludwig von Bertalanffy ampliou a teoria e aplicou-a a
diferentes disciplinas e campos de atividade humana, como uma teoria geral de
sistemas. Em 1968, Bertalanffy resumiu suas idéias, desenvolvidas durante mais de 40
anos, e aplicou-as à ciência, à tecnologia, à administração e à economia: General
system theory has its roots in the organismic conception in biology. On the European
continent, this was developed by the present author (1928), in the 1920’s, with
parallel developments in the Anglo-Saxon countries (Whitehead, Woodger, Coghill
and others and in psychological gestalt theory (W.Kohler). (11)
Uma das conseqüências da teoria dos sistemas foi ressaltar os riscos da
análise parcelada dos sistemas complexos rompendo sua unidade holística e
impedindo a compreensão de certos fenômenos e propriedades que resultam,
exatamente, de um determinado grau de complexidade ou organização. A isso se
denomina reducionismo, ou seja, a tentativa de se explicar o todo pelo
comportamento de uma de suas partes ou unidades constituintes. No exemplo de
Lavoisier, repetido por Claude Bernard, seria como tentar encontrar indícios das
propriedades da água no oxigênio ou no hidrogênio. Não se pode reduzir a
epidemiologia à análise clínica de casos; fenômenos sociais não se explicam pela
observação da psicologia de indivíduos e, como Ayala e Dobzhansky, em 1983
afirmaram, o estudo de populações não pode ser reduzido à análise citogenética de
seus membros.
Bertalanffy adverte que The triumph in recent years of molecular
biology, the “breaking” of the genetic code, the consequent achievements in genetics,
evolution, medicine, cell physiology and many other fields, has become common
knowledge. But in spite of - or just because of - the deepened insight attained by
“molecular” biology, the necessity of “organismic” biology has become apparent, as
this writer had advocated for some 40 years. ... Gestalt psychology first made an
inroad into the mechanistic scheme some 50 years ago.... The same in the social
sciences. From the broad spectrum, widespread confusion and contradictions of
229
contemporary sociological theories (Sorokin, 1928, 1966), one secure conclusion
emerges: that social phenomena must be considered as “systems”- difficult and at
present unsettled as the definition of sociocultural entities may be. ... The course of
events in our times suggests a similar conception in history, including the
consideration that, after all, history is sociology in the making or in “longitudinal”
study....This theory is “framed in a phylosophy which accepts the premise that the
only meaningful way to study organization is to study it as a system”... (12)
Ao relatar o desenvolvimento histórico da teoria, Bertalanffy destaca
que The author’s first statements go back to 1925-1926, while Whitehead’s
phylosophy of “organic mechanism” was published in 1925. Canon’s work on
homeostasis appeared in 1929 and 1932. The organismic conception had its great
precursor in Claude Bernard, but his work was hardly known outside France.
...Meanwhile another development had taken place. Norbert Wiener’s Cybernetics
appeared in 1948, resulting from the then recent developments of computer
technology, information theory, and self-regulating machines. ...Canon’s concept of
homeostasis became a cornerstone in these considerations. Systems theory is also
frequently identified with cybernetics and control theory. This again is incorrect. (13).
Bertalanffy exemplifica as áreas em que sua teoria se aplica e propõe
uma abordagem apropriada a cada nível de complexidade. Estas áreas incluem muitas
que são do domínio da ecologia, como o equilíbrio biológico e a análise das
flutuações populacionais feita por Lotka e Volterra: Characteristic of organization,
whether of a living organism or a society, are notions like those of wholeness, growth,
differentiation, hierarchical order, dominance, control, competition, etc. ... System
theory is well capable of dealing with these matters. ... We come, then, to a
conception which in contrast to reductionism, we may call perspectivism. We cannot
reduce the biological, behavioral, and social levels to the lowest level, that of the
constructs and laws of physics. We can, however, find constructs and possibly laws
within the individual levels. ... The unifying principle is that we find organization at
all levels.(14).
Defende-se da acusação de intruduzir um componente místico em sua teoria: The
meaning of the somewhat mystical expression, “the whole is more than the sum of
parts” is simply that constitutive characteristics are not explainable from the
characteristics of isolated parts. The characteristics of the complex, therefore,
230
compared to those of the elements, appear as “new” or “emergent”
(15)
. Ao mesmo
tempo, critica o simplismo da concepção laplaciana de um universo redutível aos
níveis mais simples: The mechanistic world-view found its ideal in the Laplacean
spirit - i.e., in the conception that all phenomena are ultimately aggregates of
fortuitous actions of elementary physical units. (16)Duas interessantes contribuições ao
tema foram publicadas por Novikoff, em 1945 e por Lohele, em 1988.
Em 1940, Allee e colaboradores reviveram a visão holística dos
sistemas ecológicos, enfatizando as relações de coevolução. Definem
(17)
bio-ecology
como study of biotic communities or microcosms .
Egler, em 1951, analisou a aplicação da teoria à ecologia, com uma
crítica a Clements: It is in the concept of holism that we find rumblings of
readjustment. The “holism” of J.Smuts (1926), the “emergent evolution” of
C.L.Morgan (1922), and the “levels of integration” of the zoologists (Redfield 1942)
may best be considered as different aspects of the same idea. As the concept pertains
to vegetation, it is discussed in na earlier paper (Egler, 1942). Holism is na
intellectual tool which draws into relationship a vast number of hitherto
irreconcilable and unadjustable phenomena. Unfortunately the word “organism” is
used both by those who are farthest removed from holistic thought, and by those who
grasp holism. For example, when we say that a plant community a is entirely like and
individual organism b which is born, lives and dies, we are not holistic in any sense of
the term. We are merely equating na unknown phenomenon (the plant community),
with a known phenomenon (the individual organism), and giving it the characteristics
of the known phenomenon (i.e., a=b). ... The terms “quasi-organism” and “complex
organism” are concepts of this kind. Our point of reference is still the individualorganism. ... Holism does not equate a and b (to continue the algebraic analogy) but
presents the entirely new concept H, for which a and b are two of many possible
examples, differing in their levels of integration.
An awareness of holism is beginning to appear in the ecological
literature, even if it is merely a lip obeisance. The word is included in Clement’s 44year awaited glossary (p. 284) but with a definition from the pen of a humanitarian
and mystic rather than of na objective scientist. ... This definition gives na absolutely
erroneous understanding of holism as applicable to plant communities. On page 1,
Clements repeats a valid dictum of holism, “... /the community/ is a unified
231
mechanism in which the whole is greater than the sum of its parts and hence it
constitutes a new kind of organic being with novel properties.” But then follows the
old cliché: “Plant communities arise, grow, attain old age and die...,” thus
identifying the community with na individual-organism (a=b). ... There appears no
doubt that Clements died without having grasped the significance of the concept of
holism. ... The problem bears all the humorous but deep discouragements of the man
who is trying to “show” the live elephant to the blind men. (18).
Bertalanffy, por sua vez, afirma que Beyond the individual organism,
systems principles are also used in population dynamics and ecological theory ...
Dynamic ecology, i.e.,the succession and climax of plant populations, is a much
cultivated field which, however, shows a tendency to slide into verbalism and
terminological debate. The systems approach seems to offer a new viewpoint. (19).
Em 1957 Margalef introduziu o modelo cibernético para calcular as
transferências tróficas de energia associadas a uma interação reguladora.
Desde então, os ecossistemas têm sido caracterizados ora como
sistemas energéticos (reducionismo), ora como conjuntos de relações mutualísticas,
ou melhor, simbióticas, no sentido amplo. Tansley, Hutchinson, Lindeman e Margalef
são reducionistas (fluxo de energia) enquanto que Clements, Phillips, Allee,
representando a escola de Chicago, são holistas.
Bergandi
(20)
discutiu recentemente a questão do reducionismo x
holismo em ecologia, ao ressaltar as contradições encontradas nas três edições do
livro texto de E.P.Odum que qualifica de paradigmático, publicadas em 1953, 1959 e
1971. Mostra que, ao mesmo tempo em que Odum defende uma visão holística,
confunde propriedades coletivas com propriedades emergentes e adota uma
metodologia reducionista ao aceitar os modelos cibernéticos de Margalef, reduzindo a
análise dos ecossistemas à dos fluxos energéticos. Bergandi,
(21)
conclui que The
world of ecological discourse does not always coincide with the world of experience
or methodological practice.
O problema é que não dispomos de metodologia de análise para
sistemas complexos e Odum propõe uma definição emergentista e uma metodologia
reducionista.
A distinção entre propriedades coletivas e emergentes é de
fundamental importância. Assim, em epidemiologia, um grupo de indivíduos
232
vacinados partilha de propriedades coletivas de imunidade. A biomassa é uma
propriedade coletiva, assim como a estrutura de classe etária, a taxa de mortalidade,
taxa de natalidade, na população e o índice de diversidade em uma comunidade. Mas
a sociologia trata de propriedades emergentes, que superam o somatório das
individuais. Collective properties can be understood by the classic research strategy
of additional analysis (that is breaking up a complex object into its components parts
and extrapolating, from the sum of these, the characteristics of the object as a whole),
while the study of emergent properties requires very different methods.
(22)
.
Entretanto, concorda Bergandi que não dispomos de metodologia de análise para
sistemas complexos: e demonstra que Odum propõe uma definição emergentista e
uma metodologia reducionista.
Edson e Foin revisaram em 1981 o conceito de propriedades
emergentes, sem levar em conta, entretanto, a teoria do caos. A dúvida que persiste é
se as propriedades emergentes constituem uma novidade, que não poderia ser
deduzida das propriedades isoladas das partes, ou se a predição é impedida pelos
conhecimentos disponíveis em uma dada época.
Por exemplo, seria possível imaginar as propriedades de um bolo a
partir das dos seus ingredientes ? Algumas, sim: o fermento indica que a massa irá
crescer. Mas e as demais ? A questão é impossível de ser respondida, pois sempre se
pode alegar que se todas as propriedades dos componentes - em quaisquer
circunstâncias forem conhecidas, será possível saber qual o seu comportamento em
um nível de integração superior e em qualquer combinação. E quando não se
consegue prever algo, sempre se pode alegar que nem todas as propriedades são
conhecidas. Na teoria do caos, por exemplo, a imprevisibilidade deriva do grande
número de variáveis que se potencializam, de forma que uma pequena variação no
início provoca uma grande mudança no resultado. A “psicologia das multidões” tem
esta característica emergente, ao admitir que o comportamento de uma multidão não
pode ser previsto a partir do conhecimento que se tenha dos indivíduos que a
compõem, tomados isoladamente. Um exemplo similar seria o do esprit de corps que
surge da estruturação de um pelotão. A ordem de batalha pode ser estabelecida com
base nas propriedades coletivas: efetivo, hierarquia, disposição das forças e do
armamento. Mas o comportamento sob fogo, que depende do esprit de corps e de
233
outros fatores emocionais emergentes do conflito, não podem ser previstos, com base
no perfil psicológico de cada indivíduo.
Uma analogia pode ser feita com a música. Uma melodia não pode ser
reduzida a notas musicais isoladas: ela, depende de compassos, tempos e
interpretação.
According to holism, the basis of reality does not consist of discret
entities, but is rather formed by a "network" of events and relationships which cannot
be broken down. This network is the primary reason for the existence of emergent
properties which characterize each individual level of integration... (23).
Dentre as abordagens utilizadas no estudo dos sistemas complexos, a
teoria dos compartimentos, mencionada por Bertalanffy e discutida por Rescigno e
Segre em 1966 aplica-se aos sistemas constituidos por subunidades com certas
condições de fronteira, entre os quais podem ocorrer processos de transporte. É o caso
das células que podem ligar-se através de sinapses ou relacionar-se com uma unidade
central.
Podemos reconhecer este tipo de organização em diferentes campos.
Possivelmente o fenômeno da história encaixa-se aqui: todos os indivíduos integram a
sociedade e participam do processo histórico, mas nem todos, como nem todas as
instituições influenciam o seu curso, isto é, afetam os demais subsistemas. O que
também acontece nos ecossistemas, com as espécies dominantes.
Em ecologia, a aplicação da teoria dos sistemas é fundamental. A
biosfera aparece como um gigantesco e complexo sistema, onde a teia da vida
interliga os organismos e uma intervenção localizada tem reflexos no tempo e no
espaço. Mas ela é constituida por subsistemas semi-independentes, com ligações ou
sinapses feitas através de populaçõesque participam de mais de um deles. A tarefa do
ecólogo é a de identificar as cadeias que constituem as unidades ecológicas
fundamentais distinguindo-as das relações menos importantes ou fortuitas e menos
necessárias à manutenção da organização.
Um tal arranjo permite que se façam intervenções regionais, sem
prejuizo global, ao contrário do que preconizam certos catastrofistas modernos.
Os caminhos da ecologia ainda não estão totalmente abertos. A análise
de subsistemas conta com metodologia confiável, mas o estudo de um ecossistema
complexo perde-se na impossibilidade de se levar em conta o número de variáveis, e
234
da dificuldade de se fazerem as correlações ecológicas simultaneamente e em curto
espaço de tempo, antes que a composição da biota se altere, o que, para os
microorganismos ocorre no espaço de minutos. A análise taxonômica é essencial, mas
constitui apenas uma fração da tarefa.
Por outro lado, não tempos métodos para uma análise global, no nível
do ecossistema.
235
Notas
(1) Bergandi, 1955, p.155. O conceito de Tansley é fundamentalmente anti-holístico, uma vez que,
para ele, o problema das propriedades emergentes não existe e ele usa a física como seu campo
de referência explicativa.
(2) Clements e Shelford, 1939, p.20. O conceito de bioma é conseqüência lógica do tratamento da
comunidade vegetal como um organismo complexo, ou superorganismo, com estrutura e
desenvolvimento característicos. Como um organismo social, admitiu-se que possui
características, possibilidades e potencialidades que não pertencem a qualquer de suas partes ou
parcelas.
(3) Clements e Shelford, 1939, p.21. Uma das primeiras conseqüências de se ver a sucessão como a
chave para a vegetação foi a descoberta de que a comunidade ... é mais do que a soma de suas
partes individuais, que é realmente um organismo de uma nova ordem. Por esta razão ela foi
considerada um organismo complexo.
(4) Clements e Shelford, 1939, p.4. ...sua natureza sintética é muito comumente obscurecida por
divisões tais como autoecologia, sinecologia, ecologia de insetos, e ecologia humana. ...Esta
situação dificilmente pode ser remediada, exceto substituindo o treinamento atual altamente
especializado por um ensino sintético em profundidade. ... Esta condição perdurará enquanto
pesquisadores forem especialistas ... a verdadeira essência da ecologia é a síntese.
(5) Clements e Shelford, 1939, p.2.
(6) Claude Bernard, p.56. Quando sabemos que a água com todas as suas propriedades resulta da
combinação de oxigênio e do hidrogênio em certas proporções, e conhecemos as condições desta
combinação, sabemos tudo quanto podemos conhecer cientificamente a este respeito; mas isso
responde ao como e não o porque das coisas.. (7) Claude Bernard, 1878, p.31. O Criador não
transmite uma força que se adiciona ao ser organizado, tendo imbuído este ser com a
organização, a disposição molecular o habilita a desenvolvê-la.
(8) Claude Bernard, 1878, p.31....mas este poder não é outro senão aquele que resulta de sua
estrutura, não é uma propriedade independdente, mas uma qualidade adicional, é a máquina
montada.
(9) Claude Bernard, 1878, p.32. A organização resulta de uma mistura de substâncias complexas
reagindo umas sobre as outras. É para nós, o arranjo que dá nascimento às propriedades
imanentes da matéria viva, arranjo que é especial e muito complexo, mas que não obedece menos
às leis químicas gerais da formação da matéria. As propriedades vitais não são na verdade
senão as propriedades físico-químicas da matéria organizada.
(10) Egler, 1951.
(11) Bertalanffy, 1988, diz em sua introdução: A teoria geral dos sistemas tem suas raízes na
concepção organísmica da biologia. No continente europeu foi desenvolvida pelo presente autor
(1928), na década de 1920, com contribuições paralelas nos países anglo-saxões (Whitehead,
Woodger, Coghill e outros, e na teoria psicológica da gestalt (W. Kohler).
(12) Bertalanffy, 1988, p.6-9. Nos últimos anos, o triunfo da biologia molecular, o fracionamento do
código genético, as consecutivas realizações da genética, da evolução, da medicina, da fisiologia
celular e muitos outros campos tornaram-se de domínio comum. Mas a despeito de - ou
justamente por causa de - uma percepção aprofundada conseguida pela biologia “molecular”,
tornou-se visível a necessidade de uma biologia “organísmica”, conforme o autor vem
advogando há mais de quarenta anos ... A psicologia da Gestalt fez uma primeira invasão no
sistema mecanicista há cerca de cinqüenta anos atrás. ... Talves ainda mais do que a psicologia,
a psiquiatria assumiu o ponto de vista dos sistemas. ... O mesmo acontece nas ciências sociais.
Uma única conclusão pode-se tirar do largo espectro, da confusão generalizada e das
contradições das teorias sociológicas contemporâneas (Sorokin, 1928, 1966), a saber, que os
fenômenos sociais devem ser considerados como “sistemas”, por mais difíceis e mal
estabelecidas que sejam atualmente as definições das entidades sócio-culturais. ... Esta teoria é
moldada em uma filosofia que adota a premissa de que a única maneira inteligível de
estudaruma organização é estudá-la como sistema.
(13) Bertalanffy, 1988, p.12-16 ....os primeiros enunciados do autor datam de 1926-1927, ao passo
que a teoria do mecanicismo orgânico de Whitehead foi publicada em 1925. O trabalho de
Canon sobre a homeostase apareceu em 1929 e 1932. A concepção organísmica teve como
grande precursos Claude Bernard. ... Enquanto isso, uma outra linha de desenvolvimento teve
lugar. Apareceu em 1948 o livro Cybernetics de Norbert Wiener, resultado das aquisições, então
236
recentes, da tecnologia dos computadores, da teoria da informação e das máquinas autoreguladoras. O conceito de homeostase de Canon foi uma pedra angular nessas considerações.
(14) Bertalanffy, 1988, p.47-49. Características da organização, seja de um organismo vivo ou de uma
sociedade, são as noções de integração, crescimento, diferenciação, órdem hierárquica,
dominância, controle, competição, etc. ... A teoria dos sistemas é perfeitamente capaz de tratar
com estes conceitos. ... Chegamos, então, a uma concepção que, em contraste com o
reducionismo, podemos denominar perspectivismo. Não podemos reduzir os níveis biológico,
comportamental e social ao nível mais inferior, aquele dos constructos e leis da física. Podemos,
contudo, encontrar constructos e possivelmente leis dentro de cada nível. ... O princípio
unificador é que nós encontramos organização em todos os níveis.
(15) Bertalanffy, 1988, p.55. O significado da expressão algo mística, “o todo é maior do que a soma
das partes” é simplesmente que as características constitutivas não são explicáveis a partir das
características das partes isoladas. As características do complexo, portanto, comparadas com
aquelas dos elementos, parecem “novas” ou “emergentes”.
(16) Bertalanffy, 1988, p.87-88 ...Chegamos então a uma concepção que, por oposição ao
reducionismo, podemos denominar perspectivismo. Não podemos reduzir os níveis biológicos,
social e do comportamento, ao nível mais baixo, o das construções e leis da física. Podemos,
contudo, encontrar construções e possivelmente leis nos níveis individuais. ... O princípio
unificador é que encontramos organização em todos os níveis. ... O significado da expressão um
tanto mística “o todo é mais que a soma das partes” consiste simplesmente em que as
características constitutivas não são explicadas a partir das características das partes isoladas.
As características do complexo, portanto, comparada às dos elementos, parecem “novas” ou
“emergentes”.... A concepção mecanicista do mundo encontrou seu ideal no espírito laplaceano,
isto é, na concepção segundo a qual todos os fenômenos são, em última análise agregados de
ações fortuitas de unidades físicas elementares
(17) Allee et al., 1949, p.2.
(18) Egler, 1951, p.691. É no conceito de holismo que vamos encontrar sinais de reajustamento. O
“holismo” de J.C. Smuts (1926), a “evolução emergente” de C.L.Morgan (1922) e os “níveis de
integração” dos zoólogos (Redfield, 1942) podem bem ser considerados como diferentes aspectos
de uma mesma idéia. No que o conceito se refere à vegetação, foi discutido em trabalho anterior
(Egler, 1942). Holismo é um instrumento intelectual que busca relacionar um vasto número de
fenômenos até agora irreconciliáveis e desconexos. Infelizmente o termo “organismo” é utilizado
tanto por aqueles que se encontram mais distantes do pensamento holístico como pelos que o
adotam. Por exemplo, quando dizemos que uma comunidade vegetal a é idêntica a um organismo
b, que nasce, vive e morre, não somos holísticos em nenhuma accepção do termo. Estamos
apenas identificando um fenômeno desconhecido (a comunidade vegetal) com um fenômeno
conhecido(um organismo determinado) e taribuindo-lhe as características do fenômeno
conhecido. (a=b). ... Os termos “quase organismo” e “organismo complexo” são conceitos deste
tipo. ... Holismo não identifica a e b (para prosseguir com a analogia algébrica) mas apresenta o
conceito totalmente novo H para o qual a e b são dois dentre muitos exemplos possíveis,
diferindo em seus níveis de integração.
A compreensão do holismo começa a surgir na literatura ecológica, ainda que seja pró-forma. O
termo aparece no tão esperado (44 anos) glossário de Clemnets, mas com uma definição da pena
de um cientista mais humanístico e místico que objetivo. ... A definição dá uma idéia totalmente
errônea do holismo quando aplicado às comunidades vegetais. Na página 1, Clements repete um
dictum válido do holismo, “.../a comunidade/ é um mecanismo unificado no qual o todo é maior
que a soma de suas partes e portanto constitui um novo tipo de entidade orgânica com
propriedades novas.” Mas segue-se o velho cliché: “comunidades vegetais, surgem, crescem,
atingem a velhice e morrem...”, identificando desta forma a comunidade com o indivíduo (a=b).
... Parece não haver dúvida de que Clements morreu sem ter absorvido o significado do conceito
de holismo. ... O problema todo o humorismo, mas também o desencorajamento de quem procura
“mostrar” um elefante vivo aos cegos
(19) Bertalanffy, 1988, p.102. Além do organismo individual, o princípio dos sistemas aplica-se
também na dinâmica de populações e na teoria ecológica. ...Ecologia dinâmica, isto é, a
sucessão e clímax de populações vegetais é um campo muito explorado que, contudo, revela uma
tendência a desviar-se para um verbalismo e um debate semântico. A abordagem sistêmica
parece oferecer um novo ponto de vista.
(20) Bergandi, 1992-1995.
237
(21) Bergandi, 1995, p.154. O mundo do discurso ecológico nem sempre coincide com o mundo da
experiência ou da prática metodológica.
(22) Bergandi, 1995, p.160. Propriedades coletivas podem ser compreendidas pela estratégia clássica
de pesquisa da análise aditiva (isto é, dividindo um objeto complexo em suas partes constituintes
e extrapolando, da soma destes, as características do objeto integral), enquanto que o estudo das
propriedades emergentes requer métodos muito distintos.
(23) Bergandi, 1995, p.153. De acordo com a visão holística, a base da realidade não é constituída
por entidades discretas, antes é foramada por uma “rede” de eventos e relações que não podem
ser particuladas. Esta rede constitui a razão primária para a existência de propriedades
emergentes, que caracterizam cada um dos níveis de integração.
238
PARTE TRÊS
239
A ECOLOGIA ALTERNATIVA OU
ECOLOGIA PANTEÍSTA
The great enemy is popular acceptance because that proves
the artist has settled for the least common denominator. (1)
J.A.Michener, The Novel
240
A Ecologia Alternativa ou Ecologia Panteísta
Em outra de suas novelas, Iberia, dedicada à Espanha, Michener
aborda novamente o tema do conhecimento público, citando Sêneca, para quem nem
sempre as melhores coisas agradam todas as pessoas e a prova de uma má causa é o
aplauso da multidão.
Em 1922, Clements propôs o termo bio-ecology, que foi utilizado no
título do livro que publicou com Shelford 17 anos mais tarde. Estes autores
argumentaram em favor da substituição de ecologia pelo neologismo em virtude da
imprecisão do termo de Haeckel, que, acreditavam erradamente, cairia em desuso. Em
lugar de desaparecer, ecologia passou a ser usado de maneira indiscriminada,
inclusive por cientistas. Veio substituir o panteismo religioso, o socialismo do fim do
século XIX e o existencialismo popular do pós-guerra.
O prefixo eco passou a ser moda e foi agregado a termos clássicos com
o intuito de conferir-lhes modernidade. Alguns são injustificáveis, por razões lógicas,
como ecologia molecular, turismo ecológico, ecologia estelar; outros, inúteis, como
ecodesenvolvimento e ecodança, produtos da ecomania moderna.
O fenômeno não é novo. Muitas vezes, no curso da história, certas
questões científicas extravasaram do fôro privilegiado dos círculos e da literatura
especializados para se tornarem foco de discussões populares, especialmente quando
envolveram questões de natureza ética, moral social, econômica ou política.
Em 1830, na França, travou-se um célebre debate que teve por palco a
Academia de Ciências, por atores, dois dos maiores zoólogos da época e, por fator
agravante, um complexo de circunstâncias de natureza social, política, religiosa e
científica. Muito influiram para a celebridade do fato a personalidade dos
participantes e sua posição no cenário acadêmico e político da época. A polêmica
levantou questionamentos profundos sobre métodos, objetivos e conceitos que
envolviam a própria natureza da investigação científica, as relações entre ciência e
religião e as relações de poder na carreira científica. A discussão, iniciada em torno de
problemas objetivos de anatomia comparada, homologia e taxonomia animal,
expandiu-se e radicalizou-se. Georges Cuvier defendia a objetividade nas descrições e
observações, a modéstica nas generalizações e a visão criacionista e deísta do
universo. Étiènne Geoffroy Saint-Hilaire tendia ao raciocínio dedutivo, à análise das
grandes questões filosóficas, à proposição de leis universais e à rejeição da idéia da
existência de um criador onipotente e intervencionista, controlador da natureza e de
sua obra de criação. (2)
Também no caso da ecologia, a sistematização dos conhecimentos que
levaram à proposição do conceito de ecossistema e às aplicações práticas no campo
241
do controle de pragas e parasitas, ao questionamento das alterações mesoclimáticas e
do impacto das modernas tecnologias sobre a natureza com a conseqüente extinção de
espécies e poluição em grande escala, levou a discussão para além do âmbito
acadêmico. O debate público e literário que marcou o ecologismo dos últimos trinta
anos teve algo em comum com aquele que agitou a sociedade parisiense em 1830. Em
ambos, a falta de rigor na proposição dos argumentos e o romantismo das idéias
opuzeram-se à fundamentação básica dos critérios e à firmeza das observações, e dos
fatos reunidos pelos cientistas para justificá-las.
Louis Lambert, o personagem da novela de Balzac que tem por título
seu nome e que personifica Saint-Hilaire, defende no romance, a união da filosofia
com a ciência, mas critica a especialização crescente dos cientistas da época e a
subdivisão da ciência em disciplinas especializadas. Já, então, era impossível a um
leigo acompanhar o progresso dos conhecimentos e sua divulgação pelas revistas
científicas. Assim, o personagem lamenta a ruptura da unidade da ciência e defende a
impossibilidade de se separar questões políticas dos aspectos morais e científicos que
envolve.
Na oração fúnebre pronunciada pelo historiador Edgar Quinet por
ocasião dos funerais de Saint-Hilaire, em 1844, ele resumiu o anseio de todas as
épocas: The desire, the pressentiment, the necessity for a vast unity. That is what the
world is working towards.(3). Esta necessidade se faz sentir, mais agudamente, nas
épocas de instabilidade social e nos momentos de mudanças políticas e de crises
religiosas.
O debate público, nestes casos, ajuda a identificar problemas e
questões elementares e fundamentais ou transcedentais, mas não contribui,
necessariamente, para o encontro das respostas. Se ele é importante para a colocação
de questões, é, também indispensável que haja especialistas capacitados a buscar
soluções e um público instruído, preparado para compreendê-las.
Até 1960 a ecologia constituiu tema de ensino em cursos universitários
e assunto de pesquisa, restrito a laboratórios especializados e a estações biológicas.
Seus princípios gerais eram utilizados em algumas áreas de aplicação, como na
epidemiologia ou história natural da doença, na agricultura, piscicultura e no controle
de pragas e parasitas.
Nas últimas décadas, um interesse inusitado por tudo quanto se
relaciona com os elementos e fatores do ambiente cresceu e generalizou-se, passando
a influenciar decisões políticas, comportamentos sociais e hábitos pessoais. Ecologia,
ecossistema, biomassa, equilíbrio natural e outras expressões até pouco tempo antes
de uso restrito, passaram a integrar o vocabulário popular, enquanto a imprensa
descobria um filão de notícias e um campo de especulações de enorme poder
242
sensibilizador e mobilizador da opinião e da atenção públicas. Surgiram os partidos
verdes; os selos verdes de garantia do respeito à ecologia no processamento de
produtos industrializados; associações civis, clubes infantis e movimentos populares
em torno da proteção de certas espécies, dos rios cênicos, da conservação do solo e da
qualidade de vida. Certas obras de engenharia de grande impacto, a instalação de
usinas nucleares e, em conseqüência, a localização de depósitos de combustíveis,
armas e dejetos nucleares ou tóxicos passaram a ser questionadas e, em várias
ocasiões, impedidos de se instalarem em função de movimentos populares semiorganizados. O próprio panorama científico tornou-se confuso e pouco definido em
seus limites. Hawley (4) ressaltou o fato de que a confusão de preferências pessoais,
predileção estética e juizos morais com princípios científicos dificilmente pode
auxiliar a ecologia.
No plano metafísico, uma espécie de panteismo ecológico substituiu a
religião, para aqueles que reconhecem na natureza a expressão da criação divina. Uma
visão paradisíaca, idealista do mundo natural surgiu em oposição ao progresso
tecnológico e aos princípios e conquistas da civilização ocidental. Alimentos,
medicamentos e produtos ditos naturais passaram a ser preferidos e a terem suas
virtudes exaltadas, por este motivo.
Uma relação de usos inconvencionais da nomenclatura ecológica
constituiria um pequeno volume. Assim, Sanchez, defendendo em 1985 a
fundamentação da homeopatia diz que ...se ha podido comprobar en México y en
Europa, con el resonador magnético, es que el aspecto del solvente varía,
demonstrando cambio en la ecologia molecular del soluto. Scliar, dois anos mais
tarde concluia que O surgimento da AIDS resulta da interferência humana na
ecologia viral, resultante de uma forma de relação sexual que se dissemina.
A busca de ideais ecológicos levou ao retorno aos valores tradicionais,
repetindo o tema de Eça de Queiroz em A cidade e as Serras e de Menoti del Picchia
em Kumunká. Wilson, analisando as transformações sociais que tiveram lugar na
África, ressalta que, enquanto para os Anuak o que se refere à vida selvagem é
sagrado, para os Dinka a moralidade é associada à aldeia. Também entre nós, reviveu
o idealismo de Thoreau e de Rousseau.
Parte da insatisfação que conduz ao ecologismo deriva da massificação
urbana, que deixa pouco espaço à individualidade. Crenças, filosofias ou
comportamentos extravagantes por outro lado, são marcas de afirmação pessoal e de
rejeição da rotina amorfa.
Muito desta atitude deriva do fato de que a ciência perdeu a capacidade
de ser compreendida pelo leigo ou, mesmo, pelos especialistas em distintas áreas,
243
cada qual com seu jargão e código de comunicação particular, numa moderna versão
da Torre de Babel.
É fácil de se perceber o apelo que exercem as doutrinas místicas e as
pseudo-ciências para aqueles que não se dispõem a enfrentar uma longa iniciação ao
conhecimento científico. Antigamente, a ciência era meio compreendida, como
sucede hoje com as doutrinas exotéricas. Assim, é natural que tenha sido substituida
por algo que desempenhe seu papel, na organização do pensamento e na explicação
dos fenômenos. Nas escolas, a ciência transformada em um amontoado de fatos,
apresentada sem método, desprovida de princípios unificadores, não chega a
constituir um instrumento de raciocínio e de criatividade que possa ser utilizado na
vida prática para a explicação dos problemas corriqueiros e compreensão dos
fenômenos naturais.
Por outro lado, a vida urbana dispensa uma série de valores como a
solidariedade, o espírito de mutirão e o apôio mútuo, que constituem requisitos de
sobrevivência nas comunidades primitivas. Mas, como diz Bronowski Tudo o que se
disser sobre a vida no campo e sobre como é bela a primavera nos bosques jamais
poderá mudar o padrão urbano de vida.
Assim, por mais promissor que seja o interesse popular pelos
problemas resultantes da industrialização e urbanização e o despertar da consciência
para a qualidade do ambiente, existe o risco de esvasiar-se o movimento ecologista
por falta de embasamento científico para as soluções técnicas indispensáveis.
Devido à sua natureza integradora, a ecologia foi associada à
preocupação com os aspectos biológicos, sociais e filosóficos de nossa existência de
tal maneira que passou a ser sinônimo deles, na medida em que se fala em proteger a
ecologia: a ciência transformou-se em objeto.
Diversas disciplinas preocupam-se com fenômenos particulares que
contribuem para aquelas preocupações: meteorologia, climatologia, pedologia,
limnologia, oceanologia, zoologia, botânica, fisiologia, patologia, epidemiologia,
dentre outras. Mas o movimento ambientalista identificou-se com a menos conhecida
de todas, a ecologia.
Na década de 1970 tornou-se obrigatório, no Brasil, o ensino da
ecologia em todos os níveis escolares, mas não de cuidou da preparação de
professores.
Por outro lado, começa a ser preocupante a formulação de projetos
oficiais alternativos, não só pela ausência de fundamentação científica como pelo
desconhecimento dos ensinamentos da história. Assim acontece com a agricultura
alternativa, que prevê a adoção exclusiva do controle biológico de pragas e a
adubação natural. A introdução de espécies predadoras ou parasitas é perigosa, se
244
não for feita com cuidados especiais, especialmente quando se trata de
microorganismos. Por outro lado, não existe adubação natural no sentido popular,
uma vez que as plantas absorvem elementos minerais e sintetizam os compostos de
que necessitam.
Na década de 1990, a preocupação com a ecologia global, na
apreciação de Deléage, semble désormais condamnée à naviguer au plus près entre la
pesante gestion des données des satellites qui peuplent l'espace circumterrestre et
d'incertaines théories, inspirées des mythes du cosmos ou de Gaïa. (5)
O grande risco será o de se chegar ao ponto de desprezar o
conhecimento ecológico no sentido estrito, quando as práticas empíricas e pseudoecológicas se comprovarem inócuas ou desastrosas.
245
Notas
(1) Michener, 1991, p.380 O grande inimigo é a aceitação popular, porque isto significa que o artista
contentou-se com o mínimo denominador comum.
(2) Ver Appel ,1987 e Le Guyader, 1998.
(3) Appel, 1987, p.193. O desejo, o pressentimento, a necessidade de uma ampla unidade. É nessa
direção que o mundo está caminhando.
(4) Hawley , 1973.
(5) Deléage, 1991, p.221. ...parece daqui em diante condenada a navegar mais ou menos entre a
presente gestão dos dados de satélites que povoam o espaço circumterrestre e de teorias incertas,
inspiradas nos mitos do cosmo ou de Gaia.
246
CONCLUSÃO
-What the hell do you want with two horse-power, eight hours
a day ?
-Because I believe in Jeffersonian democracy. (1)
A. Huxley, After many a summer
247
Conclusão
Em uma das conferências da série dedicada a Herbert Spencer,
proferidas na Universidade de Oxford em 1973, Skinner destacou o fato de não ter
contado a medicina, antes do século XIX, com uma base científica firme que apoiasse
diagnósticos precisos e que indicasse tratamentos adequados e racionais. Mesmo
assim, a consulta clínica era procurada e o tirocínio e renome de famosos doutores
devia-se à observação cuidadosa, ao diagnóstico razoavelmente preciso e aos
conhecimentos acumulados durante toda a vida profissional, passada à cabeceira de
doentes, ainda que os prognósticos não fossem animadores. A maior parcela de culpa
pelos tratamentos bárbaros ou ineficazes aplicados, que incluiam sangrias, ventosas
sarjadas, cauterizações e eméticos violentos era devida às teorias que anulavam os
benefícios advindos da intuição adquirida na prática, e ao atrazo da farmacologia.
Também em ecologia, como em outras áreas, ocorre algo semelhante.
Dispomos de um conjunto de conceitos básicos e de teorias bastante satisfatórias;
faltam, contudo, soluções práticas para problemas que já conseguimos equacionar.
Dentre as práticas de valor discutível contam-se as operações de
salvamento de animais condenados pela construção de grandes barragens e represas.
A propaganda em torno de seu sucesso não encontra apoio, mesmo nas teorias atuais
de equilíbrio biológico e de capacidade de suporte de ecossistemas.
O ecologismo foi criticado, com razão, por Vieira, ao ressaltar que o
meio ambiente é identificado com o verde das florestas, com a preservação dos
animais da África, com a baleia azul que jamais veremos, com o mico-leão dourado.
Com o mundo que não nos pertence, do qual não temos relações nem econômicas
nem outras, e que, por isso mesmo podemos proteger, prometer proteger, porque a
proteção não depende de qualquer ação objetiva nossa. Poluição passa a ser a
fumaça da indústria que está longe, e como não somos industriais podemos ser
contra a poiluição industrial e nos anunciarmos como suas vítimas, embora
beneficiários como consumidores de seus produtos. (2).
Um bom exemplo foi o que sucedeu, no Brasil, em 1986, quando todas
as associações conservacionistas não governamentais envolveram-se na discussão da
explosão da usina de Tchernobyll, na Ucrânia, mas nenhuma preocupou-se com os
problemas ecológicos relacionados com a invasão ou reintrodução, no país, dos
vetores da febre amarela, do dengue e a encefalite venezuelana.
Resta esperar que a comprovação experimental dos princípios teóricos
da ecologia venham auxiliar na derivação de tecnologias aplicáveis à solução dos
problemas que se agravam no mundo atual.
248
Merz, em 1904 publicou o primeiro volume de uma monumental
análise do desenvolvimento filosófico e científico da Europa no século XIX. São dele
as palavras finais, que ilustram o que, afinal, importa: I have noted above how France
more than any other country worked for the popularisation of science, how her polite
literature alone during the eighteenth century bears the strong impress of modern
scientific ideas; no other country has a Fontenelle, a Voltaire, a Buffon. ... It must,
however, not be forgoten that it was not a popularisation of the kind we witness
nowdays.
The class of literature which in our age spreads broadcast the
discoveries or ideas of science; the endless number of magazines, reviews, and daily
papers; the small treatises, the cheap primers, the compact text-books, did not then
exist. Science was not a subject of general, still less of popular, instruction. It was an
occupation of the few, who, privileged by fortune or talent, or gifted with inordinate
perseverance, forced their way into the salons of society or the rooms of the Academy.
The first public course of natural history was opened in Paris by Valmont de Bomare
in 1760. Science still stood far out of the reach of the practical man or the poor man ;
it had not yet become an element of education or an instrument for industry. It was a
fashionable pursuit, a luxury of the great, a key that occasionally opened the door of
the palace, but it was not a thing of imediate use, except in adding glory and renown
to its royal protectors, or to the rare genius which could make new discoveries.
Almost the only application made of it was in navigation, and in the construction of
instruments connected therewith. This essentially literary -not nationalpopularisation of science had also its great dangers. No ideas lend themselves to such
easy, but likewise to such shallow generalisations as those of science. Once let out of
the hand which uses them in the strict and cautious manner by which alone they lead
to valuable results, they are apt to work mischief. ... The correct use of scientific ideas
is only learned by patient training, and should be governed by the not easily acquired
habit of self-restraint. ... These hasty but brillant generalisations, expressed
frequently in the most perfect language, did no good to the truly scientific cause; they
did not spread the genuine scientific spirit. Much of the good done by Fontenelle, by
Voltaire, by Buffon, was spoiled or neutralised by premature and ill-founded
theories.(3).
249
Notas
(1) Huxley, 1967, p.108. Para que diabos você quer dois cavalos de força oito horas por dia?
Porque eu acredito na democracia Jeffersoniana.
(2) Vieira, 1984.
(3) Merz, 1965,p.142. Chamei a atenção acima para como a França, mais do que qualquer outro país,
trabalhou para a popularização da ciência, como somente sua literatura erudita durante o século
XVIII traz uma forte marca das idéias científicas modernas; nenhum outro país tem um Fontenelle,
um Voltaire, um Buffon. ...Não se deve esquecer, contudo, que não foi uma popularização do tipo
que vemos hoje.
O tipo de literatura que, no nosso tempo anuncia as descobertas e idéias da ciência, o sem número
de revistas, comentários, e jornais diários; os pequenos tratados, os textos de iniciação baratos, os
livros texto resumidos, não existiam então. Ciência não era tema de ensino geral, muito menos,
popular. Era ocupação dos poucos que, privilegiados pela fortuna ou talento, ou dotados de
imbatível perseverança abriam seu caminho para os salões da sociedade ou para as salas da
Academia. O primeiro curso público de história natural foi aberto em Paris por Valmont de
Bomare em 1760. A ciência mantinha-se ainda fora do alcance do trabalhador ou do pobre; ainda
não se tornara um elemento da educação ou um instrumento para a indústria. Era uma atividade
da moda, um luxo dos grandes, uma chave que, ocasionalmente, abria as portas dos palácios, mas
não era coisa de utilidade imediata, exceto para acrescentar glória e renome aos seus protetores
reais, ou ao raro gênio que podia fazer novas descobertas. ... Praticamente a única aplicação que
se fazia dela era na navegação e na construção de instrumentos relacionados a ela. Esta
popularização essencialmente literária - e não nacional - da ciência trazia também seus grandes
perigos. ... Nenhuma idéia se presta a generalizações fáceis, mas rasas, como aquelas da ciência.
Uma vez fora das mãos que as usam de maneira estrita e cuidadosa, única maneira de obter
resultados valiosos, elas são capazes de se prestarem a mal-feitos. ... O uso correto das noções
científicas só é aprendido através de um treinamento paciente, e deve ser controlado pelo hábito
não facilmente adquirido do auto- controle. ...Estas generalizações rápidas porém brilhantes,
expressas freqüentemente na linguagem mais perfeita, não contribuíram para a causa
verdadeiramente científica; não difundiram o espírito científico genuíno. Muito do bem que
devemos a Fontenelle, a Voltaire, a Buffon, foi prejudicado ou neutralizado por teorias prematuras
ou mal fundadas.
250
BIBLIOGRAFIA
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