título do resumo
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A LINGUAGEM MORAL NA OBRA “DISCURSOS SOBRE A PRIMEIRA DÉCADA DE TITO LÍVIO” DE NICOLAU MAQUIAVEL Douglas Antônio Fedel Zorzo (PIBIC/Fundação Araucária-UNIOESTE), José Luiz Ames, e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Oeste do Paraná/ Centro de Ciências Palavras-chave: Maquiavel, moral, política. Resumo: Podemos identificar na tradição interpretativa das obras de Nicolau Maquiavel algumas correntes que pretendem ver em suas obras uma indiferença moral em relação às ações praticados pelos governantes. No entanto, a leitura atenta dos Discorsi nos permite identificar diversas passagens que desmentem semelhante interpretação. Para Maquiavel, a necessidade política das ações deixa intocada a qualidade moral destas. Além disso, Maquiavel continua exigente em relação ao caráter moral dos cidadãos particulares, qualidade que ele considera essencial para a conservação da liberdade dos Estados. Introdução Embora exista uma vasta bibliografia que se refira a Nicolau Maquiavel como um defensor da amoralidade política – ou até mesmo da imoralidade – podemos constatar em suas obras algumas passagens que destituem de significado essas interpretações. Nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio identificamos aspectos que negam tanto a amoralidade – ou imoralidade – de suas constatações, quanto as correntes argumentativas que vêem nesse escrito Maquiavel como o precursor da doutrina da razão de Estado. No presente trabalho buscamos demonstrar a preocupação moral presente na obra do secretário florentino. Materiais e Métodos Para a realização dessa pesquisa utilizamos como fonte primária os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio), de Nicolau Maquiavel. Como leitura auxiliar, buscamos amparo em comentadores das obras maquiavelianas, notadamente Quentin Skinner, Claude Lefort e Felix Gilbert, para a formação da base argumentativa sobre o assunto. Buscando levantar os termos morais utilizados por Maquiavel, foi realizada uma leitura cuidadosa dos Discorsi apontando a presença e o contexto em que estes foram empregados em vista da posterior estruturação e argumentação do texto. Resultados e Discussão Nicolau Maquiavel argumenta que o Estado surge como resposta a uma necessidade humana. Conforme a descrição que apresenta no capítulo dois do primeiro livro dos Discursos, no princípio do mundo os habitantes, que Anais do XVIII EAIC – 30 de setembro a 2 de outubro de 2009 eram escassos, viveram durante algum tempo dispersos como animais; depois, multiplicando-se, reuniram-se em grupos, e, para poderem melhor defender-se, começaram a respeitar aquele que, dentre eles, fosse mais forte e corajoso, e, fazendo dele seu dirigente, obedeciam-no. Consoante ao surgimento inevitável da organização estatal nascem as considerações acerca da justiça, ou seja, daquilo que é bom ou mau. Maquiavel estabelece um pressuposto para suas considerações: a natureza humana é voltada para a prática do mal. Essa situação só é remediável se a necessidade obrigar o homem a agir de outro modo, ou seja, a lei o obrigando ao bem agir. Nessa esfera o poder do Estado se torna presente e necessário, pois se aceitamos a premissa de que os homens agem voltados ao benefício próprio, temos que aceitar, conclusivamente, que a guerra pessoal extinguiria o gênero humano. Desse modo, o Estado têm por como obrigação conservar a segurança dos cidadãos impondo limites à natureza voltada ao mal, ou seja, as leis os tornam bons. Embora haja uma demonstração de que os cidadãos devam zelar pelos preceitos morais de um Estado para mantê-lo ordenado, o mesmo não pode acontecer com o governante. A moral comum não deve se constituir como um limite para o agir político, pois o uso de meios julgados como imorais apresentam-se necessários à conservação do Estado. Essa necessidade brota da obrigação do governante de garantir a segurança e a do Estado, e isso, admite Maquiavel, não pode ser feito se o governante se pautar nos preceitos morais tradicionais ao lidar com quem está disposto a usar sua maldade contra o governante. Todavia, existem dois critérios que legitimam o emprego do mal por aquele que governa: o primeiro é que ele não se utilize disso por interesses privados, mas sim, visando sempre o bem comum; em segundo lugar, que essas ações não sejam por êxito imediato, e sim que transcendam a fundação de quem as realizou. Esses dois critérios são empregados na avaliação das ações de Rômulo, fundador de Roma, que cometeu fratricídio e consentiu com a morte de Tito Tácio Sabino para ordenar a república romana. De acordo com Maquiavel essa ação poderia ser considerada como má se não se levasse em conta a finalidade pela qual fora cometida, mas ela é inteiramente justificável se analisada sob o prisma desses critérios que o avaliam. As considerações acerca de justiça, injustiça, crueldade, piedade, e demais termos morais perdem o significado quando o que está em jogo é a liberdade da república. Essas ações não deixam de ser boas ou más em si, mas o dirigente político não deve deixar de utilizá-las pautado nessas considerações. O que poderíamos constatar como sendo uma argumentação a favor da doutrina da razão de Estado perde a validade se a encaramos como defensora de meios extraordinários somente em momentos de exceção, visando acabar com essa situação, de modo que volte aos modos ordinários assim que ela findar, ou seja, uma ética pública excepcional. No entanto em Maquiavel não encontramos a cisão entre ordinário e extraordinário, ainda que o uso de meios tidos como imorais sejam inevitáveis, constatamos também uma preocupação na formação cívico-moral do cidadão, e assim o cultivo de uma ética política. Além do mais se a necessidade obriga o dirigente político a tomar decisões que vão Anais do XVIII EAIC – 30 de setembro a 2 de outubro de 2009 contra a moral para conservar e manter o Estado, no âmbito privado essas ações não ganham legitimidade para Maquiavel, “...pois é dever do homem bom ensinar aos outros o bem que a malignidade dos tempos e da fortuna não lhe permitiu realizar...” (MAQUIAVEL, 181), ou seja, a formação moral dos cidadãos continua sendo irrevogável. Conclusões A presença de uma linguagem moral que permeia a obra de Maquiavel neutraliza as acusações de ele ser imoral em seus escritos. Nos Discorsi notamos o apontamento que ele faz para a indisponibilidade dos homens não pautarem suas ações através de uma moralidade. A constituição de um Estado não serve somente para coibir o homem de utilizar toda a maldade que traz consigo caso haja a oportunidade de fazê-lo, mas também cabe ao governo proporcionar aos homens uma existência coletiva orientada por valores morais, ou seja, no âmbito privado a moral continua a ser indispensável, ainda que não se veja isso no âmbito público, pois o governante não pode se orientar exclusivamente pela moralidade, uma vez que o que têm em mãos é a segurança e a responsabilidade de assegurar a liberdade republicana. Agradecimentos Agradeço ao professor Dr. José Luiz Ames pela paciência e pelas valiosas orientações e à Fundação Araucária pela bolsa de estudos que financiou esta pesquisa. Referências Gilbert, F. Machiavelli e il suo tempo. Tradução de Alda Capariis. Bologna: Mulino, 1999. Lefort, C. Le travail de l’ouvre Machiavel. Paris: Gallimard, 1972. Machiavelli, N. Opere. A cura di Corrado Vivanti. Torino: Einaudi-Gallimard, 1997 Maquiavel, N. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Tradução de Martins Fontes. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Meinecke, F. La Idea de la Razón de Estado en la Edad Moderna. Tradução de Felipe Gonzalez Vincen. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1989. Anais do XVIII EAIC – 30 de setembro a 2 de outubro de 2009
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