a retaliação cruzada como instrumento de política comercial em

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a retaliação cruzada como instrumento de política comercial em
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS A RETALIAÇÃO CRUZADA COMO INSTRUMENTO DE POLÍCA COMERCIAL
EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO JULIANA DOS PASSOS SPOHR Florianópolis (SC), Julho de 2013.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A RETALIAÇÃO CRUZADA COMO INSTRUMENTO DE POLÍCA COMERCIAL
EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Monografia submetida ao Departamento de Ciências
Econômicas e Relações Internacionais para obtenção de
carga horária na disciplina CNM 7280 – Monografia,
como requisito obrigatório para a aquisição do grau de
Bacharelado em Relações Internacionais. Por: Juliana dos Passos Spohr Orientadora: Prof. Fernando Seabra Área de pesquisa: Comércio Internacional
Palavras-Chave:
1. Solução de Controvérsias 2. Retaliação Cruzada 3. OMC 4. Propriedade Intelectual Florianópolis (SC), Julho de 2013.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A banca examinadora resolveu atribuir a nota 8,0 (oito) à aluna Juliana dos Passos Spohr na
disciplina CNM 7280 – Monografia, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de
Bacharel em Relações Internacionais.
Banca Examinadora:
Professor: Fernando Seabra
Professora: Clarissa Dri
Professora: Juliana Lyra Viggiano Barroso
AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter me dado força nos momentos de
dificuldades para não esmorecer e continuar na conquista deste objetivo que tanto almejei em
conquistar. O desenvolvimento deste trabalho e as conclusões finais da presente pesquisa
expressam o resultado de um processo que exigiu extremo esforço e comprometimento
pessoal. Tal dedicação não seria suficiente sem a imprescindível contribuição de algumas
pessoas, as quais acompanharam de perto minha incansável jornada. É por este motivo, que
escrevo com a mais profunda gratidão estas linhas de agradecimento. À minha amada mãe, Maria Roseli dos Passos Spohr, pela enorme paciência e pelas
sábias palavras nas horas mais difíceis. Em memória ao meu querido pai, Roque Spohr, por
ser sempre um exemplo de dedicação e determinação. Ao Professor Fernando Seabra, pelo seu trabalho de orientação, pela objetividade e
rigor científico, por todas as suas sugestões, as quais contribuíram de maneira significativa
para o enriquecimento do presente trabalho e pela enorme disponibilidade com que sempre
atendeu a todas às minhas dúvidas. Aos meus familiares e amigos, sobretudo, pela compreensão por abdicar da minha
companhia nos tempos de maior concentração. À Universidade Federal de Santa Catarina por proporcionar um ambiente acadêmico
ideal e um ensino de excelência para todos que ali buscam aprimorar seus conhecimentos. Aos meus professores que contribuíram integralmente para a minha formação
profissional e pessoal, e por me abrirem novos horizontes. Aos meus colegas, por terem acompanhado de perto meu crescimento e partilharem
comigo de novas perspectivas e conhecimentos. A todos estes, e a todas as demais pessoas,
que contribuíram na elaboração e conclusão deste estudo, o meu profundo agradecimento,
pois sem o vosso apoio certamente o mesmo não teria sido possível.
RESUMO SPOHR, Juliana dos Passos. A RETALIAÇÃO CRUZADA COMO INSTRUMENTO DE
POLÍCA COMERCIAL EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
A defesa comercial surge no âmbito do GATT e, logo em seguida, na Organização Mundial
do Comércio com o objetivo de se alcançar um comércio internacional mais justo e integrado.
Normatizando as trocas comercias, cada Estado membro da organização está ciente dos seus
direitos e também dos deveres perante a organização. Os países em desenvolvimento são os
mais atingidos, apesar dos benefícios que lhes são apresentados, devido a grande assimetria de
poder entre os membros. Neste sentido a retaliação cruzada, apesar de nunca ter sido aplicada,
foi pensada como um instrumento de compensação para que as normativas da OMC realmente
fossem seguidas. Nos três casos em que este tipo de medida foi autorizado, os Estados
reclamantes a tomaram como opção por acreditar que retaliar sobre uma área mais sensível
das grandes economias iria surtir algum efeito. Com isso verifica-se que apesar de todo o
processo de integração e aprofundamento das relações comerciais e sua regulamentação
alguns paradigmas ainda continuam e as assimetrias de poder ainda tem grande influência no
âmbito da Solução de Disputas da OMC. Palavras-Chave: Solução de Controvérsias, OMC, Retaliação Cruzada ABSTRACT SPOHR, Juliana dos Passos. CROSS-RETALITATION AS AN INSTRUMENT OF
COMMERCIAL POLICY IN DEVELOPING COUNTRIES
The trade defense arises under the GATT and, shortly thereafter, the World Trade
Organization with the aim of achieving a fairer and integrated international trade. With the
goal of standardize the commercial exchange each member state of the organization is aware
of its rights and duties before the organization standards. The developing countries are the
most affected, besides the benefits they receive, due to the great power asymmetry between
the members. Thus cross-retaliation, despite the fact that was never really applied, it was
thought as an instrument of compensation so the WTO rules are really followed. On the three
cases where this kind of measure was authorized, the Complaining States considered as an
option because they believed that if they retaliated on a more sensitive area, such as
intellection property, the effect would result on a compliance with the WTO ruling. That said,
it’s possible to verify that, although the integration and the deepening of the commercial
relations and its regulation, some paradigms remain and the power asymmetry still has a great
influence under the Dispute Settlement body at WTO. Key-words: Dispute Settlement, WTO, Cross-Retaliation SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................ 01
1.1.
OBJETIVOS................................................................................................................05
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A OMC E O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS......................................................................................................... 08
2.1.
A OMC........................................................................................................................08
2.2.
O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS..............................................15
3. A RETALIAÇÃO CRUZADA EM PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO
INSTRUMENTO
DE
DEFESA
COMERCIAL
DE
PAÍSES
EM
DESENVOLVIMENTO...................................................................................................25
4. ANÁLISE DE CASOS DE RETALIAÇÃO DIRETA E CRUZADA..........................31
4.1.
DS394 – MEDIDAS RELACIONADAS À EXPORTAÇÃO DE MATÉRIASPRIMAS: CHINA VS. ESTADOS UNIDOS..............................................................31
4.2.
DS27 – CASO SOBRE A IMPORTAÇÃO, VENDA E DISTRIBUIÇÃO DE
BANANAS: EQUADOR VS. COMUNIDADE EUROPEIA....................................34
4.3.
DS267 - SUBSÍDIOS AO ALGODÃO HERBÁCEO: BRASIL VC. ESTADOS
UNIDOS......................................................................................................................39
4.4.
DS285 – JOGOS DE AZAR: ANTÍGUA &BARBUDA VC. ESTADOS
UNIDOS......................................................................................................................44
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 54
"As fadigas que isto me causou e os esforços que me custaram, só Deus
sabe. Quantas vezes desanimei e quantas voltei atrás e tornei a
começar pelo desejo de saber; sei-o eu que passei por isso, e sabem-no
também os que viviam na minha companhia. Agora dou graças ao
Senhor, pois que colho os saborosos frutos das raízes amargas dos
estudos" - São Gerônimo
1 1. INTRODUÇÃO O Brasil vem se mostrando no cenário internacional como um ente ativo no que se
refere às negociações no âmbito das organizações internacionais, participando cada vez mais
em fóruns dos mais variados temas. Percebe-se também um grande esforço negociatório no
âmbito da Organização Mundial do Comércio. Este movimento pode ser verificado através de
várias medidas do governo brasileiro no que tange à participação neste organismo. Além de ter lançado a candidatura e conseguido a aprovação do diplomata Roberto
Azevêdo à Direção-Geral desta organização, o Brasil já é líder na abertura de processos
antidumping e foi apontado como um dos principais responsáveis pelo crescimento dos casos
globais de defesa comercial no último relatório da OMC de 2012. O Brasil vem incluindo procedimentos nos seus órgãos internos para atender às
demandas de um empresariado que está cada vez mais internacionalizado e ciente de medidas
no âmbito da defesa comercial que auxiliem no processo de amenização de uma concorrência
externa que alguns pesquisadores chamam de "predatória" aos produtores brasileiros. Ao
mesmo tempo, este mesmo empresariado olha com certo receio quando o Brasil opta por
tomar medidas protecionistas como retaliações aos mercados estratégicos. Podemos perceber
isto ao vermos o caso Brasil-algodão herbáceo, onde os sindicatos de empresas farmacêuticas
e softwares não apoiaram a tentativa brasileira de retaliação cruzada para produtos que
tivessem propriedade intelectual. Neste caso, a justificativa era de que a retaliação contrária
poderia afetar muito mais os ganhos da indústria nacional do que os possíveis ganhos
estabelecidos pela medida aprovada pela OMC. Ao mesmo tempo, vemos um maior
questionamento dos países em desenvolvimento sobe as medidas utilizadas pelos países
membros da OMC. Os meios de solução de controvérsias deste órgão passam a ser mais
utilizados a partir do momento em que percebem sua fraqueza com relação a medidas desleais
das empresas e Estados. Há um extenso debate sobre a questão da utilização da defesa comercial como
instrumento protecionista, mas apesar de não ser o foco deste trabalho, é importante frisar os
acontecimentos internacionais que estimularam tais ações dos Estados como a crise
econômica mundial. Ao mesmo tempo surgem certas especificidades que ainda não estão
abarcadas no sistema jurídico da OMC, mas é incluído nos debates. 2 A retaliação cruzada está sendo debatida no âmbito na OMC desde o primeiro
processo em que foi mencionado este tipo de medida em 1995, pelo Equador, no caso sobre a
utilização de tarifas desleais sobre a importação de bananas praticadas pela União Europeia. A
retaliação seria um mecanismo utilizado pelos Estados onde é permitida uma punição em uma
área diferente da requisitada na abertura do processo de arbitragem no Órgão de Solução de
Controvérsias da OMC. Ele aparece principalmente através da eliminação da obrigatoriedade
de pagamento de royalties sobre a propriedade intelectual e sob o comércio de bens e serviços. Segundo o documento “Cross-Retaliation Under The WTO Dispute Settlement
Mechanism Involving TRIPS Provisions” (Document No. 450/1074 – 29 June 2012)1 da
Câmara de Comércio Internacional, ocorreram até o momento somente três casos
internacionais em que este tipo de retaliação foi permitida, entretanto, em nenhum dos casos
ela foi aplicada devido a pressões internacionais e de entes internos dos países. Segundo
Renata Amaral, a retaliação cruzada em propriedade intelectual permite que, por exemplo, o
governo brasileiro distribua milhares de cópias de qualquer filme exibido nos cinemas ou
lançado em DVD no país para todas as escolas brasileiras, sem pagar nenhum centavo para a
distribuidora e este ato estaria amparado no acordo da OMC e, portanto, os estúdios nada
poderiam fazer contra o governo brasileiro. O mesmo poderia ser feito com qualquer tipo de
produto protegido por patentes e direitos autorais. A partir do exposto, verifica-se a necessidade de informação para uma melhor
compreensão deste fenômeno nas relações internacionais sendo necessária uma conceituação
e embasamento teórico e apresentação de casos recentes deste fenômeno. O tema da defesa
comercial é crescente no âmbito acadêmico e empresarial e é de suma importância entender
os novos fenômenos que surgem destes movimentos nas negociações entre os Estados. Neste
sentido verifica-se a necessidade de conhecer o surgimento do conceito de retaliação cruzada
utilizando a propriedade intelectual para negociar medidas de concorrência desleal.
Após a Segunda Guerra Mundial há um grande movimento de globalização econômica
e política onde é estimulado o aprofundamento das relações econômicas internacionais. Neste
momento surgem várias organizações multilaterais que serviriam de suporte na execução de
projetos de recuperação das economias nacionais após o conturbado período entre I e II
1 Disponível em: http://www.wto.org/english/forums_e/ngo_e/cross_retaliation_2012_e.pdf. Acesso em:
03/05/2013. 3 Guerra Mundial. Ou seja, há uma grande necessidade e um forte movimento de criação de
instrumentos para assegurar a paz e estimular o desenvolvimento econômico. Dentre estes movimentos de globalização há a criação da Organização das Nações
Unidas (1945) e a Conferência de Bretton Woods (1944) onde foram formadas as bases para a
criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Na Conferência também foi
debatida a possibilidade de criação de uma organização internacional que regulasse as
relações comerciais que se chamaria Organização Internacional do Comércio, entretanto,
apesar da ideia não ter materializado, é criado o Acordo Geral de Tarifas e Comércio,
conhecido como GATT (sigla em inglês para General Agreement on Tariffs and Trade) em
1947. Além de acordos multilaterais resultado de várias conferências internacionais nota-se,
neste período pós-guerra, o surgimento de vários acordos bilaterais e regionais ao mesmo
tempo em que se observam resquícios protecionistas resultado tanto da crise de 29 quanto das
novas inseguranças quanto ao destino de paradigmas econômicos que vinham mudando desde
a primeira Guerra Mundial. Segundo Amaral, por mais que a Segunda Guerra Mundial tenha gerado uma onda
protecionista no mundo, a criação do GATT surge em um movimento contrário, abrindo
espaço para uma gradual liberalização. Para a teoria liberal ou idealista nas Relações
Internacionais, o comércio não se resume a uma troca de mercadorias e serviços, mas é uma
força que resulta no aumento do desenvolvimento social e consequentemente na paz, sendo
extremamente importante nas relações entre os Estados. “Em primeiro lugar, os pensadores liberais do século XIX afirmavam haver uma
compatibilidade profunda entre o comércio e a guerra. Os conflitos armados
prejudicavam muito a atividade econômica doméstica, mas, principalmente, faziam
com que o comércio internacional quase cessasse. Para os autores mencionados
anteriormente, o comércio é necessário e vantajoso para o bem-estar das nações,
uma vez que explora a complementaridade de economias mais bem dotadas de
recursos naturais e mão-de-obra em setores diferentes. O comércio internacional é indispensável para um desenvolvimento econômico contínuo e, portanto, para o
aumento progressivo da prosperidade das sociedades modernas.” (MESSARI
&NOGUEIRA, p.62 e 63). O Sistema de Solução de Controvérsias do GATT, tema abordado por este trabalho,
surge em um momento de grande demanda interna dos países por soluções quanto a ações
4 protecionistas dos Estados, mas este sistema não era muito eficaz dada à falta de legalidade do
próprio acordo. A fim de realizar um comércio bem sucedido e integralizado ocorre junto à Rodada
Uruguai (1986 a 1994) o aprimoramento dos mecanismos legais da OMC que foi negociado
com o intuito de possibilitar a solução de disputas comerciais entre os países, resultado de
assimetrias históricas e estruturais. “Claramente os países que foram incluídos na agenda da Rodada do Uruguai não
foram escolhidos aleatoriamente. Os Estados Unidos tinha forte interesse em incluir
comércio de serviços e direitos intelectuais na liberalização do comércio, uma vez
que esses setores estavam ganhando importância na economia internacional, e, ao
mesmo tempo, assuntos agrícolas eram interessantes para manter a atenção e
estimular países em desenvolvimento a participar das discussões.” (AMARAL, p.
44). Antes da Rodada Uruguai o Sistema de Solução de Controvérsias do GATT era,
segundo Amaral, um sistema extremamente diplomático e não muito legalizado que, por
consequência, era propício para as negociações nos bastidores e favoreciam países com maior
força política. Segundo a autora: “se um membro desenvolvido perdedor em uma disputa
contra um país em desenvolvimento prefere pagar o preço do descumprimento ao invés de
cumprir a decisão, parece não haver uma maneira eficiente de o reclamante induzir o
cumprimento". Amaral afirma que isto ocorreu por um bom tempo devido à participação de
pessoas dos próprios Estados envolvido no processo, como membros da arbitragem. A
participação de experts foi incluída certo tempo depois, na tentativa de dar uma maior
oficialidade nos pareceres dos painéis de negociação. Este tipo de ação dos países desenvolvidos fugia de toda a proposta de redução das
barreiras protecionistas, já que a maior parte dos apelos era proferida por países em
desenvolvimento ou não desenvolvidos. Após a criação da OMC em janeiro de 1995 e, portanto, da instituição de um sistema
de Solução de Controvérsias formal e legalizado aceito por todas as nações parte, há uma
renovação do esforço pela liberalização e utilização deste sistema na consolidação de um
ambiente multilateral menos protecionista. Afinal, com a sua criação há uma mudança no tipo
de compromisso assumido pelo Estado, que vai de um acordo multilateral, para uma
organização internacional que se fundamenta sob a tutela do direito internacional. 5 Apesar do surgimento desta nova ferramenta, que ainda está sendo consolidada e
pensada pela OMC, perceber-se que há muitos desafios que devem ser superados para que
esta possa ser uma opção viável especialmente para países em desenvolvimento. O foco deste trabalho é analisar um caso bem específico e recente no âmbito da defesa
comercial: a retaliação cruzada. Segundo Amaral, este mecanismo “é apontado pela academia
e por profissionais da área como uma possível solução para as assimetrias econômicas entre
oponentes numa disputa comercial”. Para tanto, serão apresentadas as falhas do antigo sistema
do GATT e como funciona o novo procedimento de abertura dos processos, também serão
postos em debate os argumentos econômicos para a retaliação. Após esta apresentação, será
trabalhado até que ponto o uso de sanções é efetivo, relacionando a disputas em países
simétricos e assimétricos em suas características econômicas e políticas e o objetivo da
retaliação. Esta distinção é apresentada por vários autores que sugerem que, em disputas entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento, há um cálculo sobre os ganhos e perdas no caso
da aplicação de sanções. No caso de países economicamente e politicamente fortes há certa
preferência por pagar o preço da sanção imposta pela OMC do que promover a adequação à
normas do órgão. No que tange a defesa comercial no Brasil, a Câmara de Comércio Internacional
(CAMEX) do Ministério de Indústria e Comércio (MDIC) é o órgão integrante do Conselho
de Governo da Presidência da República que regulamenta e implementa políticas e atividades
relativas ao comércio exterior de bens e serviços, em especial no caso deste trabalho o debate
da defesa comercial através da Departamento de Defesa Comercial (DECOM), que constitui a
Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento Indústria e
Comércio (MDIC). Este departamento é responsável pela abertura, estudo e conclusão dos processos de antidumping, salvaguarda e medidas compensatórias além de aplicar medidas
pontuais caso seja comprovada tal concorrência desleal. 1. 1. OBJETIVOS, METODOLOGIA E ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
O objetivo geral deste estudo é avaliar a natureza e a eficácia do instrumento de retaliação
cruzada como política de defesa comercial no contexto de países em desenvolvimento.
De modo mais específico, este objetivo pode ser desdobrado nos seguintes pontos:
(i)
Revisar a estrutura do Sistema de Solução de Controvérsia da OMC;
6 (ii)
Discutir o uso da retaliação cruzada em propriedade intelectual como instrumento
de persuasão dos países em desenvolvimento para se alcançar a adequação, dos
países respondentes, à decisão do Órgão de Solução de Controvérsias;
(iii)
Evidenciar a diferença de tratamento do resultado dos painéis quando as partes
envolvidas no processo tem poder relativo simétrico e assimétrico.
Para este estudo, será necessário o uso de documentos e legislação sobre a defesa
comercial da OMC. O site do órgão é uma fonte riquíssima dos detalhes dos casos a serem
apresentados e será bastante utilizado devido à vasta base de documentação e dados
disponíveis. Ademais, a pesquisa visa incluir entre suas bases de dados reportagens, artigos,
teses e livros que abordem o tema da retaliação cruzada e casos atuais. É importante ressaltar
que a elaboração uma pesquisa detalhada em livros e artigos da web acerca das ações da
OMC no que desrespeito a esta temática, especificamente, quanto à abertura ou resolução de
processos e que abordam a temática da defesa comercial e também sobre a questão da
propriedade intelectual adotando uma metodologia empírica.
O presente estudo está estruturado em um capítulo introdutório onde será tratado um
breve histórico do surgimento deste mecanismo a partir da criação do GATT e sua evolução
até a criação da OMC, após as rodadas de negociação que concluíram nos anos 90. Será
apresentado o surgimento, evolução e normatização do Entendimento de Solução de
Controvérsias para um melhor entendimento dos procedimentos e introdução à temática da
retaliação cruzada. Este mecanismo surge nas resoluções dos processos como uma medida
encontrada nas entrelinhas do artigo 22:3 do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) e para
suprir as falhas de um sistema já existente e, para muitos, ainda desleal quando há o
envolvimento de economias com poder econômico e político assimétricos.
Serão apresentados quatro casos de defesa comercial, sendo que destes há três casos
específicos onde houve o uso da Retaliação Cruzada que são: o caso da Antígua e Barbuda
versus os Estados Unidos sobre a questão dos jogos de azar; o primeiro caso onde teve este
tipo de medida como opção de retaliação na disputa entre Equador e União Europeia sobre
medidas protecionistas sobre a importação de bananas; e um caso mais próximo à nossa
realidade que seria a disputa do Brasil contra os Estados Unidos na disputa sobre o algodão
herbáceo.
7 O quarto caso será apresentado para identificar a diferença no tratamento dos
processos onde há o envolvimento de grandes economias, tanto na agilidade do processo em
si como na efetividade de aplicação da retaliação, quando necessária, e a pronta adequação às
normas da organização.
8 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: A OMC E O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS
2.1 A OMC
A história da OMC, conforme mencionado, dá seus primeiros passos a partir do
GATT, estabelecido no final dos anos 40 em Havana (Cuba) após a tentativa fracassada de
criação de uma Organização Internacional do Comércio. Durante o período de 1948 a 1994, o
GATT foi responsável por prover as regras do jogo no comércio internacional, mas se
mostrou insuficiente para os objetivos a serem alcançados pela integração internacional. Isso
era resultado do caráter provisório de suas normas, ou seja, o acordo não tinha uma força legal
considerada sobre o direito internacional. Originalmente a intenção era a criação de uma instituição quem complementasse o
Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, e que extrapolasse seu campo de ação para
abranger questão do comércio e cooperação econômica internacional. Neste meio tempo
alguns países já iniciaram um diálogo para a redução de tarifas para promovendo um
incremento na liberalização comercial no pós Segunda Guerra, conforme mencionado
anteriormente. Com o aumento do número de nações participantes dos encontros do GATT é notável
o aumento no volume de negócios estabelecidos apesar do acordo tratar somente sobre a
redução de tarifas de importação neste primeiro momento. "De fato, Vera Thorstensen explica que em 1947 a tarifa de importação média era de
40% enquanto essa média caiu para 5% em 1964. As partes contratantes adotaram a
metodologia de rodadas de negócios para negociar as reduções de tarifas e a
liberalização do comércio. Houve oito Rodadas de Tarifa durante o período do
GATT (de 1947 a 1994).” (AMARAL, p.42). Nota-se o esforço pela liberalização através do aumento do número de participantes a
cada rodada durante os quase 50 anos do GATT. Também há uma evolução sobre os temas
abordados em cada rodada a partir dos anos 60, incluindo temas de defesa comercial como medidas antidumping e a demanda por mecanismos mais efetivos de solução de disputas. O
objetivo deste trabalho não é apresentar o que ocorreu em casa rodada, somente apresentar um
9 breve histórico da organização para, logo mais, enfatizar a partir de que momento a temática
da solução de controvérsia passa a ser seriamente debatida pelos membros do acordo. Tabela 1: Rodadas de negociação no período GATT Ano Local Tópico N° de Países 1947 Genebra (Suíça) Tarifas 23 1949 Annecy (França) Tarifas 13 1951 Torquay (Inglaterra) Tarifas 38 1956 Genebra (Suíça) Tarifas 26 1960-1961 Genebra (Suíça) ou
Rodada Dillon Tarifas 26 1964-1967 Genebra (Suíça) ou
Rodada Kennedy Tarifas e Medidas AntiDumping 62 1973-1979 Genebra (Suíça) ou
Rodada de Tóquio Tarifas, medidas nãotarifárias entre outros
acordos 102 Genebra (Suíça) ou
Rodada Uruguai Tarifas, medidas nãotarifárias, serviços,
propriedade intelectual,
solução de controvérsias,
têxteis, agricultura, criação
da OMC, etc. 123 1986-1994 Fonte: UNDERSTANDING THE WTO: BASICS - The GATT years: from Havana to Marrakesh. Acesso
em 10/06. Disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact4_e.htm.
Em 1948 foi realizada a Conferência de Havana onde o acordo foi oficializado. Os
primeiros assinantes do acordo em 48 foram: Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Cuba, França,
Índia, Luxemburgo, União do Mianmar, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, África
10 do Sul, Espanha, Siri Lanka, Reino Unido, Estados Unidos e Zimbábue2. Dos 19 países que
assinaram o acordo neste ano vemos um grande aumento no início dos anos 90 onde já
haviam 123 países signatários do acordo.
Em um primeiro momento este número foi relativamente baixo, mas isso se justificava
pelo problema da internalização do tratado em certos países. Com a falta de apoio para a
criação de uma instituição internacional, o GATT reduziu-se a um instrumento multilateral até
a criação da Organização Mundial do Comércio. Segundo o histórico apresentado pela OMC3
apesar do incremento no comércio não houve muitos assuntos adicionados ao tratado original
e “foi nas rodadas de comércio acima apresentadas que houve um grande impulso para a
liberalização comercial através de uma série de acordos multilaterais”4. É durante a Rodada Uruguai que se formam as bases para uma organização
internacional legítima e aceita pelos Estados membro do antigo acordo. Conforme a tabela
acima há um notável aumento na participação de países em cada rodada, e é no final dos anos
80 na rodada Uruguai até sua conclusão em Genebra que é criada a OMC com a participação
de 123 nações. O GATT não atendia mais a nova realidade dos países e houve uma percepção
dos benefícios da participação de uma instituição que traria benefícios comerciais
significativos. Aquele era o momento para a criação de um organismo internacional formal
que estipulasse os parâmetros para o comércio. Entre um dos principais tópicos de preocupação da formação desta nova estrutura seria
a o sistema de solução de disputas, questões de regulamentação sobre a prestação de serviços
e propriedade intelectual, e principalmente sobre barreiras a produtos agrícolas que afetavam
diretamente países em desenvolvimento. A rodada durou cerca de 7 anos e este tempo justifica-se pelo volume de mercadorias
abarcadas no acordo. A Rodada Uruguai foi considerada uma das maiores negociações de
2
OMC: The 128 countries that had signed GATT by
http://www.wto.org/english/thewto_e/gattmem_e.htm. Acesso em: 02/06/2013. 1994.
Disponível
em: 3
_____: UNDERSTANDING THE WTO: BASICS. The GATT years: from Havana to Marrakesh.
Disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact4_e.htm. Acesso em: 05/06/2013. 4
Tradução livre de: “Much of this was achieved through a series of multilateral negotiations known as “trade
rounds” — the biggest leaps forward in international trade liberalization have come through these rounds which
were held under GATT’s auspices”. WTO: UNDERSTANDING THE WTO: BASICS. The GATT years:
from Havana to Marrakesh. Disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact4_e.htm.
Acesso em: 05/06. 11 comércio, temos ainda a rodada Doha que iniciou seus trabalhos em 2001 e ainda não há
previsão de término. Um dos temas que travou as negociações foi o debate sobre a agricultura, pois
envolviam grandes mudanças dos principais participantes do acordo: os Estados Unidos e a
União Europeia. Após várias rodadas de negociação e consenso entre os principais global
players, foi assinado em 1994 o tratado de criação da OMC em Marraqueche, apesar de ainda
não abarcar por completo todos os temas devido a barreiras nas burocracias nacionais dos
membros. A nova organização colocou em seu corpo normativo certos princípios do comércio
internacional que também já estavam previstos no GATT 47 como a Cláusula da Nação Mais
Favorecida, o tratamento nacional, além do esforço por negociações e competições justas, a
previsibilidade do sistema e a promoção ao desenvolvimento e reformas econômicas. A Cláusula da Nação Mais Favorecida (MFN) 5 trata da não discriminação e
preferências entre seus parceiros comerciais. Mas existem algumas exceções, como, por
exemplo, quando há algum acordo de livre comércio entre dois países ou uma região, tendo
uma eliminação da obrigatoriedade da cláusula e discriminando o comércio extra grupo.
Existe também a exceção quando há uma preferência para o acesso a um país em
desenvolvimento, ou pode ser permitido o uso de barreiras em relação a bens comercializados
de forma injusta por um país específico devido a uma ação protecionista ou de promoção
comercial que foge das normas da OMC6.
5
Tão importante que é a primeiro artigo do GATT 94: Article I: General Most-Favoured-Nation Treatment
1. With respect to customs duties and charges of any kind imposed on or in connection with importation or
exportation or imposed on the international transfer of payments for imports or exports, and with respect to the
method of levying such duties and charges, and with respect to all rules and formalities in connection with
importation and exportation, and with respect to all matters referred to in paragraphs 2 and 4 of Article III, any
advantage, favour, privilege or immunity granted by any contracting party to any product originating in or
destined for any other country shall be accorded immediately and unconditionally to the like product originating
in or destined for the territories of all other contracting parties [..]”. LEGAL TEXTS: GATT 1947. The General
Agreement
on
Tariffs
and
Trade
(GATT
1947).
Disponível
em: http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/gatt47_01_e.htm. Acesso em: 10/06/2013 6
“In general, MFN means that every time a country lowers a trade barrier or opens up a market, it has to do so
for the same goods or services from all its trading partners — whether rich or poor, weak or strong.”
UNDERSTANDING THE WTO: BASICS Principles of the trading system. Disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact2_e.htm#nondiscrimination. Acesso em: 20/06/2013. 12 Já o princípio do tratamento nacional7 aborda a questão de igualdade entre os países e
na equidade de tratamento entre o nacional e o estrangeiro. Ou seja, deve haver o mesmo
tratamento para produtos importados e nacionais, pelo menos após a entrada do produto
importado no mercado local, e também na prestação de serviços, uso de marcas, copyright e
patentes. Este princípio está apresentado nas normativas do GATT, GATS e TRIPS apesar de
ter aspectos diferenciados de interpretações em cada uma delas. Outro princípio da organização seria o livre mercado. Tal objetivo seria alcançado
através da gradual redução das barreiras ao comércio como tarifas e cotas de importação. O
princípio da previsibilidade é um dos mais importantes e foi o motivo pelo qual houve a
necessidade de criação de uma organização internacional de direito, com regras e dispositivos
onde os países compreendesse que, apesar do sistema anárquico de poder do sistema
internacional, ainda há dispositivos seguros para se alcançar um entendimento. "Sometimes, promising not to raise a trade barrier can be as important as lowering
one, because the promise gives businesses a clearer view of their future
opportunities. With stability and predictability, investment is encouraged, jobs are
created and consumers can fully enjoy the benefits of competition — choice and
lower prices. The multilateral trading system is an attempt by governments to make
the business environment stable and predictable."8 Esta conceituada "previsibilidade" do sistema estabelecido estabelece uma relação de
mutua confiança no sistema de Estados, e também gera incentivos para o empresariado aplicar
seus investimentos com mais assertividade, aumentando o progresso e desenvolvimento
econômico. O objetivo da previsibilidade em conjunto com o livre comércio nos leva a outro
fundamento da organização que seria a promoção da competição em bases sólidas e legais
sem distorções de mercado. Outro fundamento importante é a transparência, ou seja, os países
devem informar quando há mudanças e suas legislações internas que estão ligadas ao
comércio internacional e esporadicamente respondem a perguntas dos Estados participantes.
Mas a transparência não se resume a ações entre os Estados, este princípio também se reflete
7
“A Cláusula do tratamento nacional somente se aplica uma vez que o produto, serviço ou propriedade
intelectual entra no mercado. Portanto, as tarifas aduaneiras da importação não é uma violação do tratamento
nacional mesmo que não seja aplicada uma tarifa equivalente para o produto local”. Livre tradução de: “National
treatment only applies once a product, service or item of intellectual property has entered the market. Therefore,
charging customs duty on an import is not a violation of national treatment even if locally-produced products are
not charged an equivalent tax” _______. UNDERSTANDING THE WTO: BASICS Principles of the trading system. Disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/fact2_e.htm#nondiscrimination. Acesso em: 20/06/2013. 8
13 no público em geral já que todas as informações e documentos do órgão estão disponíveis
para toda a sociedade civil através do site da organização. Todos estes princípios em conjunto
tem o objetivo de estabelecer relações comerciais justas, para tanto há vários mecanismos nos
dispositivos da OMC para que este objetivo seja alcançado, entre um deles está a defesa
comercial que será debatido neste trabalho. Conforme já mencionado, a criação da OMC foi um trabalho árduo com vários anos
de negociação até um consenso em 1994 e é assim que a organização é conhecida até hoje,
como um fórum de negociação sobre as questões do comércio entre Estados. Vimos isso com
a Rodada Uruguai e mais recentemente com a Rodada de Doha que teve início em 2001. A OMC é operacionalizada pelos representantes dos governos e a maioria das decisões
são tomadas pelo consenso entre todos os membros signatários que se encontram em Genebra,
onde é a sua sede. Este é um ponto que a diferencia de outros organismos internacionais como
o Banco Mundial e Fundo Monetário, onde as decisões são tomadas por pelos diretores que
comandam a organização. Abaixo é possível visualizar a estrutura organizacional do organismo e como um
sistema legal e previsível gera mais confiança sobre a comunidade internacional das decisões
alcançadas em consenso entre os países. 14 Fonte: UNDERSTANDING THE WTO: THE ORGANIZATION - WTO organization chart. Acesso em:
03/06/2013. Disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org2_e.htm Conforme mencionado, as decisões do órgão são estabelecidas através do consenso
nos diversos conselhos e comitês estabelecidos entre os próprios países, mas é a Conferência
Ministerial, que vemos no topo do organograma acima que é a mais importante de todas e
acontecem pelo menos uma vez a cada dois anos onde são debatidos os principais temas da
agenda do comércio internacional. Logo abaixo vemos o Conselho Geral, o Órgão de Solução
de Controvérsias e o Órgão de Revisão das Políticas Comerciais que são responsáveis pelo
trabalho diário da organização. A princípio, segundo o acordo da OMC os três órgãos são
todos considerados como Conselho Geral. Lembrando que eles também são constituídos de
15 membros da OMC e se reportam à Conferência Ministerial. Eles são responsáveis, portanto, em orientar e inspecionar os procedimentos de solução de disputas e analisar as políticas de
comércio dos membros. 2.2 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS “O sistema de solução de controvérsias confere estabilidade ao comércio
multilateral e demonstra a credibilidade de seus membros no sentido de resolverem
as controvérsias sob um sistema de solução legalizado e previsível.” (AMARAL,
2012, p. 15). Com o aumento das relações comerciais e a sua complexidade, surgem no âmbito
internacional, demandas por um sistema legal de solução de controvérsias para a resolução, de
uma forma previsível e juridicamente estável, os conflitos relacionados ao comércio. Este
tema foi tratado amplamente nas quatro décadas do GATT por várias nações, já que
bilateralmente ou multilateralmente não se encontrava consenso entre o que seria a nação
prejudicada ou nação favorecida numa disputa comercial. Isto ocorria, pois não havia uma
organização sob a tutela do direito internacional ao qual os Estados se submetessem. O Estado
se baseava no seu interesse próprio para determinar o seu senso de justiça. Com esta maior legalização e previsibilidade do sistema do Sistema de Solução de
Controvérsias a partir da criação da OMC, pode-se dizer que há um aumento da confiança
neste sistema, entretanto, ainda há falhas quando há o envolvimento de grandes economias e
global players que descumprem as resoluções quando confrontadas com os impactos
econômicos sobre suas economias. A partir da metade dos anos 90 houve um aumento significativo de casos apresentados
à OMC, pois há mais confiança e credibilidade neste mecanismo que é depositado pelos
Estados na resolução destas disputas comerciais, além do fato de a solução de controvérsias
ser um dos pilares centrar do sistema da OMC contribuindo com a estabilidade do comércio
internacional. O objetivo do processo de solução de controvérsias é justamente estabelecer
uma situação onde o país que está violando as normas da OMC altere seu posicionamento e
alcance um acordo com a parte reclamante. 16 “By January 2008, only about 136 of the nearly 369 cases had reached the full panel
process. Most of the rest have either been notified as settled “out of court” or remain
in a prolonged consultation phase — some since 1995.”9 O sistema de solução de Controvérsias da OMC é um instrumento utilizado pelos
Estados para evitar o uso de ações reparadoras unilateralmente sob um Estado que tenha
violado as normas de comércio acordados nos acordos de 1994. No período do GATT não havia um procedimento para a resolução de disputas, não
era algo fixo, com prazos e muitas vezes poderiam ser bloqueadas nos bastidores da
diplomacia através de consultas bilaterais e grupos de trabalho. Segundo Prazeres e Barral
haviam somente dois artigos do GATT 47 referentes ao procedimento de solução de litígios.
Somente na década de 50 que a formação dos painéis foi substituída de representantes de
Estados para a introdução de experts retirando a pessoalidade que comprometia os processos.
Ressalta-se a importância do consenso do Conselho tanto para a formação do painel
quando para a provação do relatório do mesmo, o que não era previsto no GATT 47 mas era
praticado devido à necessidade que surge durante o processo. Na época, este procedimento se
mostrava muito ambíguo pois o Estado respondente poderia tanto na abertura quanto na
resolução do painel bloquear tais decisões, este seria um dos principais defeitos da solução de
controvérsias antes da Rodada de Negócios que iria criar a atual OMC.
Conforme quadro abaixo o sistema foi criado para que o processo não durasse mais do
que 15 meses incluindo todos os passos, mais a apelação. Entretanto, podem haver acordos
sobre o tempo estipulado para a conclusão de cada etapa caso seja mais urgente ou não. Outro
progresso com a Rodada Uruguai foi que o país respondente não pode mais bloquear as
decisões do processo, somente apelar sobre as decisões e interpretações legais. No caso do
GATT as decisões do painel somente poderiam ser ratificadas através do consenso, ou seja,
no caso de qualquer objeção poderia não ser aplicado. Após a Rodada Uruguai este processo é
automático a não ser que haja consenso na não aplicação da decisão. A estrutura é muito
semelhante com a de um tribunal, entretanto a solução que é estimulada em todas as partes do
processo é o alcance de um acordo entre as partes. 9
UNDERSTANDING
THE
WTO:
SETTLING
DISPUTES.
Disponível
http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/disp1_e.htm. Acesso em: 02/06/2013. em:
17 Tempo estimado para conclusão das etapas da Solução de Controvérsias na OMC Tempo Etapa 60 dias Consulta, mediação, etc. 6 meses Relatório do Painel para as partes do processo 3 semanas Relatório Final do Painel apresentado aos
membros da OMC 60 dias Adoção do relatório do painel pelo Órgão de
Solução de Controvérsia (caso não haja apelação) Total = 1 ano) 60-90 dias Relatório da Apelação 30 dias Adoção do relatório de apelação pelo Órgão de
Solução de Controvérsia Total = 1ano e 3 meses Fonte:
UNDERSTANDING
THE
WTO:
SETTLING
DISPUTES.
Disponível
http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/disp1_e.htm. Acesso em: 05/06/2013. em: O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC é formado pelo Conselho Técnico e
um Conselho Geral, ou Órgão de Solução de Controvérsias, já mencionado, Painéis
constituídos pelos árbitros e um Órgão de Apelação permanente. A responsabilidade de
resolução da disputa é do Órgão de Solução de Controvérsias, que é basicamente o Conselho
Geral sob outra roupagem. Sua autoridade é vista no estabelecimento dos painéis, onde são
chamados especialistas no tema para a apuração dos casos. Outra incumbência do Órgão é o
aceite ou rejeição das conclusões do Painel ou do Relatório da apelação, no monitoramento da
implementação das recomendações pelos Estados respondentes e, como foco deste trabalho, a
autorização do uso da retaliação pelo país requisitante. 18 Como apoio legal a esta estrutura há o Entendimento de Solução de Controvérsia que
é uma das normativas da OMC10 que cobre a Solução de Controvérsias. Ele não foi criado com o objetivo se ser um mecanismo de sanção, mas sim uma ferramenta para evitar e
solucionar os conflitos do comércio internacional, resultando em um maior equilíbrio das
trocas comerciais. Quanto ao processo em si, primeiramente o Estado Reclamante deve fazer a abertura
formal de uma consulta, pois acredita que está sendo prejudicado comercialmente devido a
medidas adotadas pelo Estado Respondente. Nesta consulta serão analisadas as implicações
tratadas pelo reclamante como prejudiciais a sua economia e se elas estão em desacordo com
as normativas da OMC. Isso deve ocorrer antes de haver qualquer ação de retaliação, onde se
busca um diálogo com o respondente no sentido de encontrarem uma solução mutuamente
acordada.
Esta fase é muito importante pois deve ocorrer um grande esforço diplomático de
ambas as partes para que a disputa se encerre neste período. Lembrando que o sistema de
solução de controvérsias da OMC não foi criado com o intuito de manter um sistema de
abertura e análise de processos, ao contrário, ele é criado com a proposta de ser a última
opção, pois estimula que a solução do conflito ocorra durante a consulta onde o país
reclamante expõe as suas preocupações e prejuízos para o Estado respondente para que ele se
adeque às normas da OMC sem o uso de sanções.
Segundo o artigo 4 do ESC a partir do memento que o respondente recebe uma
solicitação de consulta esta deve ser levado em consideração e respondida no período do 10
dias caso. Caso o resultado da consulta não tenha resultado neste período, o país requisitante
pode solicitar a abertura de um painel. Lembrando que as partes em disputa podem optar pela
iniciativa de uma conciliação ou mediação para a solução do conflito a qualquer momento.
No caso de não haver resposta sobre o processo de consulta ou uma negociação entre
as partes, o reclamante pode solicitar a mediação e ajuda do Diretor-Geral da OMC ou
solicitar a abertura de um Painel. O Painel seria a abertura de um processo formal ad hoc de
arbitragem para a resolução do assunto em questão. Ele é composto por especialistas que
auxiliam o OSC a chegar a uma conclusão sobre as decisões e recomendações. No painel o
10
Em Inglês: DSU – “Dispute Settlement Understanding, the WTO agreement that covers dispute settlement —
in full, the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes.” Disponível em:
http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/28-dsu_e.htm. Acesso em: 06/06.
19 reclamante deve deixar bem explicitado as suas necessidades e a apresentação de fatos que
comprovem a sua reclamação. Existe a possibilidade de inclusão de terceiras partes no
processo, que são outros países membros que também querem requerer a correção das normas
não cumpridas e para unir forças de persuasão para que sejam cumpridas as decisões do órgão.
As conclusões do Painel podem ser aceitas ou não pelo OSC. No caso de ser aceito o
parecer do painel é estabelecido um período razoável de tempo para que o respondente adote
medidas para adequar sua legislação às normativas da OMC. Neste meio tempo o respondente
opta por adotar as medidas ou então abrir um processo de apelação do resultado do painel.
Portanto, além deste espaço de negociação o sistema de solução de controvérsias da
OMC também prevê o uso de um órgão de apelação, mais uma melhoria resultado das
negociações da Rodada Uruguai. Este corpo de apelação permite a possibilidade de revisão
da decisão do painel. Segundo Amaral, o Órgão de Apelação é composto por sete membros
sem qualquer vínculo governamental e tem um mandato de quatro anos. Ele tem o objetivo e
se limita somente a revisar o relatório do painel e questionar a interpretações legais das
conclusões alcançadas.
O relatório do órgão de Apelação também deve ser aceito pelo OSC que após o uso
destas ferramentas do Entendimento de Solução de Controvérsias, caso não haja o
cumprimento do respondente, é definida a permissão do uso de medidas compensatórias,
suspensão de concessão ou retaliação. Estes procedimentos são definidos pelo Artigo 22 do
ESC que afirma que a compensação e a suspensão de concessões ou outras obrigações são
medidas temporárias disponíveis no caso da não aplicação das recomendações e decisões do
OSC dentro de um período razoável de tempo.
Segundo este artigo devem ser seguintes os princípios e procedimentos seguintes:
primeiramente a parte reclamante deve buscar a suspenção de obrigações ou medidas
compensatórias no mesmo setor em que o processo observou a violação; caso o reclamante
mostre uma análise que comprove que retaliar sobre o mesmo tópico não é vantajoso então
pode ser permitida a retaliação sobre outro tópico mas que se encaixe no mesmo acordo do
caso em questão; e em terceiro lugar caso seja apresentado que todas essas possibilidades não
são praticáveis ou sem efetividade há possibilidade de retaliação sobre outro acordo. No
segundo e terceiro caso o requisitante deve fazer a solicitação para o uso desta ferramenta ao
20 OSC que irá analisar o nível de prejuízo até o momento para que a retaliação seja num valor
equivalente a esta perda.
Ao fazer estas considerações a parte requisitante deve levar em conta o volume de
comércio que pode ser afetado com tais medidas e os impactos sobre suas economias, entre
outro elementos econômicos. Após todos os procedimentos oficiais para a solução de
controvérsias chega o momento de implementação da decisão, que é a fase mais crítica do
processo. “A implementação das decisões adotadas pelo OSC por parte membros que
violaram as regras da OMC, faz com que assuntos relacionados ao cumprimento e
aplicação das decisões do sistema da OMC venham à tona. “ ( AMARAL,p. 75) Conforme já mencionado, o objetivo da ESC não é o estabelecimento de sanções,
entretanto, no sistema são previstos remédios que possibilitam a compensação e retaliação.
Esta limitação na aplicação de sanções é resultado do próprio sistema de Estados. O conceito
e proteção de soberania limitam a ação e aprofundamento das Organizações Internacionais.
Os próprios Estados que procuram a integração e cooperação internacional limitam os
tratados que em algum aspecto podem limitar o uso do seu poder soberano. “Assim, o direito da OMC excede a esfera do DIP, e estabelece seus próprios
remédios e responsabilidade estatal para as quebras de suas regras. Isso é permitido
pelo DIP e, de fato, como já defendido, o Direito da OMC “desenvolve regras
secundárias que desviam, refinam e adaptam o direito internacional geral”.
(AMARAL, P. 67) Apesar de todos os percalços políticos que limitam o acesso a uma verdadeira
integração e cooperação internacional percebe-se que o mecanismo de solução de controvérsia
da OMC é um espaço para grandes debates e negociação de disputas no âmbito econômico,
reduzindo ações unilaterais entre os seus membros. Segundo Amaral, o pronto cumprimento das decisões do OSC após a resolução dos
painéis é o que dá credibilidade a este sistema, e, portanto, é um momento que deve ser dada
uma atenção especial. A fase de implementação das medidas adotadas pela OSC tem o
objetivo de induzir o Estado respondente ao cumprimento do sugerido, inserindo em sua
legislação interna as obrigações assumidas perante a OMC, mostrando que o papel da OSC
não é punitivo.
21 "O sistema de solução de conflitos representa, portanto, um instrumento eficaz de
coação no âmbito internacional - o que não costuma ocorrer em outras organizações,
em que modalidades de sanção possíveis não tendem a representar prejuízos maiores
a seus membros, sendo mais frágeis seus instrumentos de coação, e por conseguinte,
a efetividade de suas normas" (BARRAL & PRAZERES, p. 29) Deve se considerar que o membro ao qual foi dada a concessão do uso da sanção, deve
apresentar sua intenção de implementação da medida que assegure a resolução da
controvérsia, levando em conta as dificuldades internas que este pode sofrer para alcançar tal
objetivo. Num prazo de trinta dias o Estado pode apresentar uma proposta definindo um
tempo e valor razoável para a aplicação da sanção. Para fins de garantia do cumprimento da sanção, está determinada no artigo 21 do
ESC a manutenção de uma "vigilância" onde qualquer Estado parte da OMC pode contestar o
cumprimento nos seis meses corridos após a decisão. A partir do momento que todas as medidas legais não forem cumpridas, a OMC
propõe que possam ser utilizadas medidas compensatórias ou os chamados "remédios" que foram definidos e aceitos juridicamente por todos os Estados parte, a partir da Rodada
Uruguai. Entre estes remédios podemos elencar as medidas compensatórias e as suspensões
de concessão. Abaixo vemos um organograma detalhado retirado do endereço eletrônico da OMC
onde é apresentado cada passo já mencionado: 22 Fonte:
UNDERSTANDING
THE
WTO:
SETTLING
http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/disp2_e.htm DISPUTES.
Disponível
em:
Portanto, o vencedor da disputa tem duas alternativas: adotar medidas compensatórias
para equilibrar os danos causados, ou pedir autorização ao OSC para suspender concessões
comerciais e outras obrigações da OMC em relação ao respondente, lembrando que ambas as
modalidades são de caráter temporário. A melhor solução deveria ser o cumprimento da
recomendação e estas medidas de compensação são recomendadas como último recurso do
Estado vencedor da disputa. 23 As medidas compensatórias visam neutralizar os efeitos danosos à produção
doméstica de importações de produtos subsidiados. Segundo o Acordo sobre Subsídios e
Medidas Compensatórias da OMC no seu artigo 1911, se após a consulta e todo o processo
para a solução da disputa for comprovada a existência de uma medida desleal de concorrência,
como a existência de subsídios, o membro reclamante poderá impor um direito compensatório,
a menos que os subsídios sejam retirados. O artigo frisa que o montante a ser compensado
deve ser igual ou menor à totalidade do prejuízo inicial. Entretanto, segundo o acordo, as
medidas compensatórias somente poderão ser aplicados a produtos que entrem para consumo
após o momento da decisão de compensação e permanecerão em vigor “apenas pelo tempo e
na medida necessários para contra-arrestar o subsídio causador do dano”.
Segundo Amélia Regina os direitos compensatórios apresentados por este acordo
podem se apresentar como a utilização de um tributo especial aplicado em contrapartida ao
subsídio. Ou seja, taxas específicas para a importação dos produtos da origem que gerou tal
prejuízo seja na mesmo âmbito do subsídio ou sob outro produtos, conforme autorização do
OSC.
Um debate a ser mencionado sobre aplicação de compensação é se esta estaria
violando o princípio da Nação Mais Favorecida, artigo 1º do GATT 194712. Se levarmos em
conta este artigo, a compensação não deveria ser discriminatória e somente o membro
reclamante poderia se beneficiar de tais medidas. Sobre a suspensão de concessões Amaral afirma que “As contra-medidas são a suspensão de concessões tarifárias e vantagens aplicáveis
aos produtos do território do réu, mas elas também podem representar desvantagens
com oportunidades de mercado reduzidas ou outra restrição não tarifária à liberdade
comercial.” (AMARAL, p. 81)
A retaliação, portanto, é vista como um meio para que o membro demandado cumpra
a decisão OSC, mas entra em questão até que ponto essas medidas realmente trazem benefício
para o reclamante. Por exemplo, quando há assimetrias de poder político e econômico entre os
membros da OMC percebe-se que o número de cumprimento das recomendações é menor, já
11
Rodada Uruguai – Anexo 1A. Disponível em: www.desenvolvimento.gov.br/arquivos/dwnl_1196686041.doc.
Acesso em: 26/06/2013
12
The
General
Agreement
on
Tariffs
and
Trade
(GATT
1947).
Disponível
em:
http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/gatt47_01_e.htm. Acesso em 28/05/2013.
24 que o Estado respondente prefere pagar o preço da retaliação que em muitos casos é inferior a
possível perda de mercado que poderia sofrer. Devido a esta diferença de poder entre os membros há diferentes movimentos com
relação ao uso de medidas de defesa comercial. A retaliação é utilizada principalmente
quando o requisitante é um país em desenvolvimento ou subdesenvolvido e o requisitado é
um global player.
"Two sanctions are specified if the recommendations and rulings of the DSB are not
implemented within a reasonable period: compensation and retaliation (or
suspension of concession). Both sanctions are temporary. Neither is intended to be a
substitute for implementing a recommendation or a ruling to conform to the WTO
agreements" MATSUSHITA, SCHOENBAUM, MAVROIDIS, p. 119 – 120 Percebe-se, portanto, que a efetividade das medidas de compensação não são
completamente mensuráveis e relevantes quando há uma certa diferença de poder entre as partes. Conforme veremos no próximo tópico, há inclusive normas específicas e diferenciação
quando há uma disputa que envolve países em desenvolvimento. 25 3. A RETALIAÇÃO CRUZADA EM PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO
INSTRUMENTO
DE
DEFESA
COMERCIAL
DE
PAÍSES
EM
DESENVOLVIMENTO
A regulamentação de defesa comercial no âmbito da OMC é, portanto, estabelecido a
partir do acordo Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC), criado pela
organização com a finalidade de instituir uma maior discricionariedade nas resoluções, que a
partir de então, baseariam somente nos aspectos jurídicos do processo, ao contrário do que
ocorria no período do GATT onde a diplomacia dos países mais fortes e, portanto, questões
de poder influenciavam as decisões sobre os resultados dessas divergências comerciais. O acordo é executado através do Órgão de solução de controvérsias (OSC) que após a
tomada de decisão age através da retaliação que é aceita pela OMC e executada pelo Estado
reclamante. Os países em desenvolvimento representam dois terços dos membros da OMC e
eles vêm lutando ao longo dos anos por tratamentos diferenciados na criação de acordos
multilaterais. Segundo o artigo 21.713 do ESC o Órgão de Solução de Controvérsia deve levar em
conta em suas decisões à condição do país em desenvolvimento, podendo até mesmo
considerar medidas aplicáveis para as diferentes circunstâncias, já que deve levar em conta os
impactos sob a economia em questão. “O mesmo é verdade quando a retaliação é aprovada. Tanto a influência política
quanto a ameaça de perda econômica considerável podem impedir a maioria dos
membros da OMC (países em desenvolvimento) de colocar em prática ações de
retaliação.” (AMARAL, p. 82). A partir da formalização da OMC, percebe-se um aumento na participação de
economias em desenvolvimento, o que não acontecia durante o acordo do GATT já que
muitos não conseguiam se beneficiar plenamente desta ferramenta. Isso ocorria devido ao
baixo poder de barganha destes países além da própria dificuldade econômica de participar
deste tipo de fórum, o que vemos até hoje. 13
“If the matter is one which has been raised by a developing country Member, the DSB shall consider what
further action it might take which would be appropriate to the circumstances.” URUGUAY ROUND
AGREEMENT. Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes. Disponível em:
http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/28-dsu_e.htm#22. Acesso em: 28/05.
26 Apesar dos países em desenvolvimento terem aumentado sua participação e uso das
ferramentas disponíveis pela OMC, resultado do aumento da competitividade deste grupo,
participar e recorrer a um processo deste nível é de extrema dificuldade para países pequenos,
pois não depõem dos recursos nem do pessoal treinado para interpelar pelos seus direitos. “O sistema de solução de controvérsias trata-se de um procedimento bastante caro.
Para a maioria dos membros em desenvolvimento, litigar casos na OMC pode ser
demasiadamente dispendioso, de forma que a falta de recursos financeiros e de uma
organização institucional limitada priva-os de representar seus interesses de maneira
eficiente216.” (AMARAL, p. 100) Portanto, pode-se concluir que o sistema de solução de controvérsia só é efetivo
quando as partes envolvidas no conflito são simétricas economicamente, onde o peso
econômico do não cumprimento seja maior do que a penalidade que o respondente pode
sofrer. Isso pode ser visto na maior parte dos acordos da OMC onde os membros com mais
força econômica tem mais oportunidades e vantagens no comércio multilateral. Já no caso de países em desenvolvimento as próprias sanções aplicadas podem
prejudicar a eles mesmos, tanto em resultados econômicos como políticos. Uma retaliação,
por exemplo, pode gerar restrições em outros campos de temas internacionais, isso ocorre pois
os países em desenvolvimento geralmente tem o país respondente como um dos principais
parceiros comerciais, e portanto, alimentam suas próprias economias. Por isso, ainda hoje o
instrumento da retaliação é controverso e bastante debatido na academia.
Barral e Prazeres elencam os principais pontos que o sistema poderia melhorar , entre
eles está a questão dos países em desenvolvimento que saem prejudicados nas disputas
comerciais, para eles essa é uma das principais críticas ao sistema de solução de controvérsias
devido a razões já abordadas neste tópico. Segundo os autores o sistema deveria ter uma
maior transparência, muitos documentos são públicos e houve um grande avanço com relação
ao GATT 47, mas ainda não há possibilidade de pessoas da sociedade civil de participarem
das audiências e, portanto, não há uma fiscalização para avaliar o processo ou pressionar as
partes para a resolução do conflito conforme as normativas. Para países em desenvolvimento
eles mencionam sobre o alto custo que envolve tanto as questões de procedimento quanto o
tempo de espera para a reparação das possíveis perdas. Entre os motivos estão a escassez de
recursos financeiros “constituindo uma limitação ao direito dos países em desenvolvimento e
27 às regras de funcionamento da OMC”14. Os autores também mencionam os custos políticos e
a falta de material humano qualificado.
“[...] Custo político. Há casos em que se constata clara violação de direitos de países
em desenvolvimento, em que o recurso ao ESC pareceria procedimento
perfeitamente viável. Entretanto, para países em desenvolvimento, a decisão de
submeter caso ao OSC contra um país central envolve mais que uma análise técnica
dos fatos – trata-se verdadeiramente de uma decisão política, de estratégia
governamental, que muitas vezes implica um não-agir pelo efeito do custo político
da decisão.”(BARRAL & PRAZERES, p. 39) O debate da propriedade intelectual vem aumentando cada vez mais no meio
acadêmico e político devido ao aumento de intercâmbios comerciais onde há a presença de
propriedade intelectual, especialmente devido ao surgimento de novas tecnologias. Isso ocorre,
pois o direito à propriedade intelectual deve ser tutelado juridicamente, portanto, ele acaba
envolvendo questões em nível internacional. O direito sobre estes bens imateriais podem ser divididos em: propriedade industrial
(incluindo neste escopo as patentes, marcas e desenhos industriais) e a propriedade intelectual
(que abarca obras literárias e artísticas, filmes, obras musicais e obras de arte) sendo que há
uma série de normativas diferentes para cada tipo. Questiona-se sobre a efetividade das medidas e sanções aplicadas pelo Órgão de
Solução de Controvérsias da OMC após os resultados dos painéis e órgão de apelação.
Conforme as assimetrias entre solicitante e solicitado tais medidas podem não ser adotadas
devido aos custos envolvidos. Autores entram em consenso no sentido de que países mais
desenvolvidos tendem a não cumprir as medidas estabelecidas devido ao baixo custo político
e econômico envolvido, conforme já mencionado. Amaral entra no debate mostrando até que ponto o uso da recente ferramenta da
retaliação cruzada seria interessante para os países em desenvolvimento para garantir a
efetividade das resoluções da OSC. Segundo a autora, a retaliação tradicional só é eficiente
quando os envolvidos no processo são "nações poderosas", o que não é a realidade da maior
parte dos membros da OMC. O Equador foi o responsável por trazer este novo tipo de retaliação sobre o acordo à
tona no cenário da OMC por ter sido o primeiro país a sugerir a retaliação cruzada no 14
BARRAL & PRAZERES, p. 38.
28 processo de Solução de Controvérsia DS27 – Sobre a importação, venda e distribuição de
Bananas para a Comunidade Europeia. Portanto, a retaliação cruzada surge como uma opção para países em desenvolvimento
com o objetivo de alcançar alguma relevância para que o respondente se adeque as normas da
OMC. Entretanto, apesar da prática não há nada explicita nas normas do ESC sobre este tipo
de retaliação e nem mesmo há o uso do termo retaliação em toda a normativa. O que é usado como argumento é o Parágrafo 22.3 15 do ESC que permite a
possibilidade de retaliação cruzada e também o próprio acordo do TRIPS confere essa
possibilidade em seu artigo 6416. Conforme já mencionado, há todo um procedimento a ser
seguido para a abertura de um processo de defesa comercial na OMC. No caso da retaliação
cruzada há certa especificidade já que o cálculo para se chegar ao valor correto da perda é
mais difícil de mensurar. Primeiramente, o reclamante deve buscar a suspensão de concessões
comerciais no mesmo setor em que foi apresentado ao Painel e Órgão de Apelação. Se a
medida for entendida como prejudicial, e, portanto, inaplicável, o solicitante pode buscar a
suspensão de concessões em setores do mesmo acordo e se não for praticável ou eficaz ele
pode buscar a suspensão em outros setores.
Neste caso a suspensão sobre outros acordo seriam sobre o TRIPS e GATS pois é um
tópico extremamente sensível para os países desenvolvidos, que buscam cada vez mais
proteções especialmente sobre a Propriedade Intelectual. 15
Artigo 22.3: “In considering what concessions or other obligations to suspend, the complaining party shall
apply the following principles and procedures:
15
(a)
the general principle is that the complaining party should first seek to suspend concessions or
other obligations with respect to the same sector(s) as that in which the panel or Appellate Body has
found
a
violation
or
other
nullification
or
impairment;
(b)
if that party considers that it is not practicable or effective to suspend concessions or other
obligations with respect to the same sector(s), it may seek to suspend concessions or other obligations in
other
sectors
under
the
same
agreement;
(c)
if that party considers that it is not practicable or effective to suspend concessions or other
obligations with respect to other sectors under the same agreement, and that the circumstances are serious
enough, it may seek to suspend concessions or other obligations under another covered agreement; […]”.
URUGUAY ROUND AGREEMENT. Understanding on Rules and Procedures Governing the
Settlement of Disputes. Disponível em: http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/28-dsu_e.htm#22.
Acesso em: 28/05/2013.
16
According to Article 64 of TRIPS, the DSU applies to the settlement of disputes under TRIPS, with the
exceptions established therein. Further, Appendix 1 of the DSU expressly mentions TRIPS as one of the
agreements covered by the DSU. Therefore, the DSB authorizes the suspension of rights and obligations under
TRIPS as a result of commercial disputes before the WTO. International Chamber Commerce (Document No.
450/1074 – 29 June 2012). Cross-Retaliation Under The WTO Dispute Settlement Mechanism Involving
TRIPS Provisions. Disponível em: http://www.wto.org/english/forums_e/ngo_e/cross_retaliation_2012_e.pdf.
Acesso em 12/06/2013.
29 Este tipo de movimento pode ter um grande impacto político e econômico interno, já
que operadores privados podem utilizar da sua influência com o governo para amenizar as
penalidades sobre tal setor econômico e não se sabe qual vai ser a resposta a tal tipo de
retaliação. Por isso o reclamante deve pensar estrategicamente a utilização das compensações e retaliação. Este tipo de medida foi pensado no sentido induzir o cumprimento do
respondente, reequilibrando a relação comercial entre os membros envolvidos na disputa além
de promover uma ameaça crível para países desenvolvidos.
“Diferentemente da imposição de tarifas alfandegárias sobre produtos, a suspensão
de obrigações em TRIPS apresenta algumas dificuldades para seu cálculo, dado que
não é muito óbvio. Pode ser fácil imaginar os ganhos da suspensão de pagamento de
royalties de direitos autorais, por exemplo, mas o cálculo não pode ser lógico no
tocante à suspensão de outros direitos de PI.” (AMARAL, p. 142) Como o debate da retaliação cruzada é relativamente recente e há poucos casos que
abordam o seu uso, um problema que vemos nas decisões da OMC é com relação ao cálculo
do nível de retaliação a ser aplicado para se chegar aos possíveis ganhos do país reclamante.
Ele deve, portanto, informar a importância da retaliação cruzada e como ela deve ser
calculada levando em conta a retaliação original como sendo ineficiente e prejudicial. “A avaliação de direitos de propriedade intelectual em si é uma área crítica de
finanças, uma vez que não pode ser definida ou especificada por parâmetros físicos.
O nível de proteção de direitos de propriedade intelectual pode derivar seu valor de
parâmetros tais como a parcela do mercado, a proteção legal, nível de lucratividade,
barreiras para entrar no mercado, tecnologia e fatores industriais.” (AMARAL,
p.142). O ESC não é responsável por estabelecer um tipo específico de propriedade intelectual
para o uso na retaliação, deixando uma flexibilidade para o país reclamante, mas uma das
intenções da retaliação cruzada seriam a suspensão e acordos e concessões do TRIPS (em
inglês Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property) e GATS (General
Agreement on Trade and Services) que também foram pensados como instrumentos de auxilio
no comércio internacional a partir da Rodada Uruguai. Apesar de terem sido aprovados três casos de retaliação cruzada no âmbito da OMC,
ainda não há como mensurar os impactos e a resposta desta medida, pois as jurisdições
internas e até mesmo o empresariado dos países solicitantes ainda não estão preparados para
30 aplicar e apoiar tal medida pois têm receio dos impactos econômicos e políticos que podem
sofrer.
Conforme mencionado houve somente três casos onde a OMC aprovou este tipo de
retaliação que afetava os acordos relacionados à propriedade intelectual: no caso Equador
versus União Europeia que aplicava tarifas à importação de bananas; no caso Antígua versus
Estados Unidos em relação a jogos de azar; e no caso do Brasil versus Estados Unidos que
adotava medidas protecionistas à importação do algodão herbáceo que serão analisados nas
próximas sessões. Apesar de todo este esforço pela construção de uma ferramenta passível de utilização
contra a supremacia dos global players, estes países já estão unindo forças para driblar este
movimento de países em desenvolvimento. Há vários movimentos de grupos de países
desenvolvidos discutindo reforço e o estabelecimento de acordos plurilaterais entre si
elevando os padrões de proteção já abarcados pelo TRIPS. Nos noticiários e meio político eles
são chamados de TRIPS-plus, ainda que países em desenvolvimento não façam parte destes
acordos, apresentando uma série de obstáculos para a implementação da retaliação cruzada.
Segundo Mônica Steffen Guise o acordo TRIPS não é o único acordo que estabelece certo
nível de proteção à propriedade intelectual. Há uma série de acordos bilaterais e regionais que
também tratam deste assunto, e em muitos casos eles vê para ampliar o que já é estabelecido
pela OMC. Por isso o nome TRIPs-Plus, ou ainda TRIPs-extra. Devido a estes motivos elencados que países em desenvolvimento optaram por este
tipo de retaliação que poderia suprir suas demandas no OSC. Infelizmente não há
comprovação da efetividade material deste tipo de medida, mas o debate sobre esta temática
tende a aumentar no âmbito acadêmico e político.
31 5. ANÁLISE DE CASOS DE RETALIAÇÃO DIRETA E CRUZADA
Nesta sessão serão analisados quatro casos no âmbito do OSC. Busca-se apresentar a
diferença nos resultados dos processos quando há o envolvimento de economias com nível de
poder econômico semelhante e assimétricos para demonstrar o argumento onde a retaliação
cruzada se apoia.
Para chegar a tal conclusão será apresentado um caso entre China e Estados Unidos
sobre barreiras a exportação de matérias primas. Logo após serão apresentados os três casos
onde houve a autorização para a retaliação cruzada: Equador versus comunidade Europeia
sobre a discriminação sobre a importação de bananas beneficiando os participante do Acordo
de Lomé (Ásia, Caribe e Pacífico); Brasil versus Estados Unidos contra a aplicação de
subsídios sobre o algodão herbáceo; e Antígua e Barbuda versus Estados Unidos sobre a
utilização se servidos de Jogos de Azar.
4.1 DS394 – MEDIDAS RELACIONADAS À EXPORTAÇÃO DE MATÉRIASPRIMAS: CHINA VS. ESTADOS UNIDOS
Em junho de 2009 os Estados Unidos apresentou uma solicitação de consulta com a
China sobre restrições aplicadas a exportação de matéria prima. Segundo os Estados Unidos
havia em torno de 32 medidas utilizadas pela China para restringir esse tipo de exportação e
que não eram medidas adotadas publicamente ou informadas na legislação aduaneira. Sendo assim, em sua consulta os Estados Unidos afirmou que a China, através da
adoção dessas medidas, estava violando o artigo VIII, X, e XI do GATT 1994 e que
aparentemente estariam anulando ou prejudicando os EUA direta, ou indiretamente. Com a falta de resposta ou negociação entre as partes, em novembro do mesmo ano os
EUA solicitou a abertura de um Painel que foi devidamente deferido pelo ESC. Em dezembro
de 2009 houve uma junção das disputas DS395 (Comunidade Europeia vs. China ) e DS398
(México vs. China) que tratavam sobre a mesma temática contra a China. Apresentaram-se
32 como terceiras partes no processo de a Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Equador,
União Europeia, Índia, Japão, Coréia, México, Noruega, Taipei, Turquia, Arábia Saudita. Em março de 2010 Estados Unidos, União Europeia e México solicitaram ao Diretor Geral determinasse a estrutura do painel que foi composto dez dias depois. Conforme
mencionado, o período estabelecido para a análise do painel é de 6 meses, entretanto, após
passado este período o presidente do painel informou da possibilidade de entregar o resultado
no prazo estabelecido. O resultado somente foi alcançado em julho de 2011 e teve como
conclusões de que a China aplicava certas restrições à exportação das seguintes matériasprimas: bauxita, coque, fluorite, magnésio, manganês, silício, silício metálico, fósforo
amarelo e zinco; sendo que a China é líder na produção destes produtos que são utilizados
especialmente em produtos de tecnologia. Os reclamantes argumentam que as limitações de
exportação, tais como cotas e tarifas sob a exportação, geram uma escassez destes produtos no
mercado internacional gerando um aumento de preço dos produtos ao mesmo tempo em que
privilegia a indústria chinesa que acaba tendo preços mais estáveis. Segundo o protocolo de
adesão da China17 à OMC não é permitido exceções ao artigo XX18 do GATT 94 para
justificar tarifas de exportação, pois é inconsistente com as normas do órgão. E mesmo que a
China pudesse justificar suas restrições à exportação através das exceções das normativas da
OMC ela não havia obedecido todos os requisitos para sua utilização. Em sua defesa a China argumentou que as restrições a exportação eram justificadas
devido a relação com a conservação de recursos naturais não renováveis das matérias-primas.
Entretanto, não conseguiu demonstrar que tais restrições para a conservação das matériasprimas também no consumo doméstico. Para algumas matérias-primas a China afirmou que as
cotas e tarifas eram necessárias para a proteção dos seus cidadãos, evitando a poluição, e
portando, a saúde dos habitantes. Mas também não conseguiu demonstrar como as medidas
adotadas iam conduzir à redução da poluição num período curto ou longo de tempo. Também
foi evidenciado que alguns aspectos das licenças de exportação também somavam às
restrições, sendo inconsistentes com a regulamentação da OMC. 17
WT/L/432:
China
Acession
Protocol.
Disponível
em:
http://www.worldtradelaw.net/misc/ChinaAccessionProtocol.pdf. Acesso em: 20/06/2013
18
Artigo do GATT 94 que permite exceções as regras do comércio. Disponível em: WTO ANALYTICAL
INDEX: GATT 1994. General Agreement on Tariffs and Trade 1994. Disponível em:
http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/gatt1994_07_e.htm#article20.
Acesso
em:
15/06/2013.
33 As normativas do GATT de um modo geral proíbem a utilização de restrições à
exportação, entretanto, há exceções conforme mencionado do processo acima, como nos
casos de proteção humana e animal, conservação da natureza, entre outros. Além dessas obrigações, a China se comprometeu a uma liberalização mais profunda ainda ao assinar o
protocolo de adesão à OMC em 2001. Segundo Barocini, estas matérias primas são ingredientes de muitas empresas de alta
tecnologia, indústria militar e verde, incluindo a indústria de equipamentos médicos, lasers,
laptops, telefones celulares, telas e monitores, motores para veículos elétricos e hibridos,
enfim, que afeta diretamente várias indústrias. O fato de a China estar aplicando medidas
restritivas à exportação destes produtos não passou despercebida pelas grandes potências já
que é a maior provedora deste tipo de matéria prima no mundo, torando os países fabricantes
de tecnologia ainda mais vulneráveis. Em agosto de 2011 a China notificou que ia apelar sobre certas interpretações legais
do relatório do painel, mas devido à complexidade do caso o corpo de apelação concluiu seu
parecer somente em janeiro de 2012. No relatório o Corpo de Apelação encontrou certas
inconsistências com relação as deliberações do painel mas também manteve certas decisões.
Após a adoção do relatório do corpo de apelação pelo Órgão de Solução de Controvérsias era
foi estabelecido o período razoável de tempo para a implementação pela China que se
mostrou disposta a resolver tal processo. Portanto, China e Estados Unidos entraram em um
acordo quanto ao período razoável para a implementação das decisões do OSC que seria de 10
meses e 9 dias, expirando em dezembro de 2012. Em janeiro de 2013 os países se apresentaram novamente frente ao Órgão de Solução
de Controvérsias. A China reportou que em 2013 foi promulgado um novo programa das
tarifas e licenças de exportação. De acordo com o observado as tarifas e cotas a certas
matérias-primas foram removidas, resultando na completa implementação das recomendações
resultados desta disputa comercial.
34 4.2 DS27 – CASO SOBRE A IMPORTAÇÃO, VENDA E DISTRIBUIÇÃO
DE BANANAS: EQUADOR VS. COMUNIDADE EUROPEIA
Em 5 de fevereiro de 1996 a Missão permanente do Equador na OMC, em conjunto
com Guatemala Honduras, México e Estados Unidos, entrou com um pedido de consulta
contra a Delegação Permanente da Comissão Europeia. Segundo os reclamantes a Comissão
Europeia estaria adotando medidas inconsistentes com os Artigos I, II, III, X, XI e XIII do
GATT, e com as disposições do Acordo de Procedimentos para Licenciamento de Importação,
o Acordo de Agricultura, o Acordo de Medidas Relacionadas o Comercio e Investimento –
TRIMS e o Acordo Geral de Comércio de Serviços – GATS. Conforme mencionado, primeiramente é feita esta consulta e em seguida, caso não
haja acordo entre as partes o(s) requisitantes podem fazer a solicitação de abertura de um
painel. Este foi aberto em abril de 1996, mas somente foi formalizado em julho deste ano. Conforme vemos no título desta análise, no painel foi debatida a questão de
importação, venda e distribuição de bananas na Comunidade Europeia a partir do
estabelecimento da medida EEC Council Reg. 404/93 em julho de 1993. No Painel é
deixando claro o procedimento de análise destas medidas são desleais e em que medida elas
afetam os Estados que estão reivindicando neste processo19. Após análise, o Painel concordou que realmente o regime de importação e os
procedimentos de licença de importação de bananas eram inconsistentes com o acordo GATT
1994. Também foi debatida a questão da inconsistência da Convenção de Lomé20 com relação 19
“Los productores latinoamericanos como Ecuador, Colombia y Costa Rica sostienen que el régimen actual de
la UE los discrimina, quebrando las normas de la OMC, al imponer un régimen con menos aranceles a las
importaciones de los países ACP como parte del trato preferencial para algunas economías pobres.”
Diario EL COMERCIO (Equador). Disponível em: http://www.elcomercio.com/noticias/UE-Latina-acuerdocomercio-banano_0_163183764.html. Acesso em: 12/06/2013.
19
“La OMC ha fallado repetidamente en contra de las tarifas arancelarias creadas por la UE para el banano
importado, obligando a las 27 naciones del bloque a variar un sistema que otorga preferencias a los cultivadores
de los países del África y del Caribe, en su mayor parte ex colonias de las potencias europeas como Gran Bretaña
y Francia.” Diario EL COMERCIO Disponível em: http://www.elcomercio.com/negocios/UE-retrasainvestigacion-aranceles-bananeros_0_146387559.html. Acesso em 12/06/2013.
20
“O Convênio de Lomé governa o comércio e cooperação entre países da CE e Ásia, Caribe e Pacífico (ACP).
O primeiro Convênio de Lomé foi assinado em 1975 com a participação de 45 estados nessas regiões e depois da
união do Reino Unido à CE. O Convênio de Lomé foi assinado em 1975 com a participação de 58 países da
ACP. Seguindo aos primeiros convênios, foram assinados os Convênios de Lomé III, 1984, 65 ACP países
participaram, e Lomé IV em 1989, os 68 países que aderiram em 1989 e 70 em 1995. De acordo com a última,
exportação de CARICOM pode unir a CE sem pagar impostos, o acordo também prevê acordos especiais para
35 ao tratamento não discriminatório com relação a restrições quantitativas, mas não se
encontrou inconsistências com relação ao seu sistema de licenças. Em Junho de 1997 foi aberto um Corpo de Apelação pelo respondente que questionou
as interpretações legais do Painel, o resultado saiu em setembro do mesmo ano. O Corpo de
Apelação acabou apoiando a decisão do painel de que houve o descumprimento das normas
da OMC no que se refere ao tratamento da nação mais favorecida, mas revogou as conclusões
do Painel com relação ao artigo XIII do GATT21 que mostrava preferência estabelecida na
Convenção de Lomé. Também foi revogada a conclusão do painel com relação aos aspectos
do sistema de concessão de licenças da Comunidade Europeia que foi entendido como
contrários ao artigo X do GATT e do Acordo de Importação. “255. For the reasons set out in this Report, the Appellate Body: […]upholds the Panel's finding that the allocation of tariff quota shares, whether by
agreement or by assignment, to some, but not to other, Members not having a
substantial interest in supplying bananas to the European communities is
inconsistent with Article XIII:1 of the GATT 1994”22 Ainda em 1997 os países requisitantes solicitaram um período razoável de tem (RPT Reasonable Period of Time, em inglês) para a implementação das recomendações
determinadas pela arbitragem do ESC. Este período razoável de implementação foi
estabelecido como 15 meses a partir do relatório. Ou seja, até janeiro de 1999. Neste meio tempo a CE solicitou a criação de um grupo especial com o objetivo de
estabelecer a aplicação das medidas apresentadas pelo Painel e depois pelo Corpo de
Apelação de acordo com as normas da OMC já que isto não tinha sido apresentado em debate
em nenhum momento. Em dezembro de 1998 o Equador pediu a criação de um grupo especial
bananas, rum, carne e coco. O Acordo Cotonou (Cotonou, Benin, Junho 23, 2000) substitui o Convênio de Lomé
e tem um termo de vinte anos, durante os quais deve ser revisada cada cinco anos. O acordo reestrutura as
relações comerciais entre a Comunidade Européia e os países da Ásia, Caribe e Pacífico.” Disponível em:
<http://www.cepal.org/publicaciones/xml/9/10029/Por-cap11-Globalizacion.pdf>.
21
“1. Nenhuma proibição ou restrição deve ser aplicada por qualquer parte contratante na importação de
qualquer produto do território de qualquer das partes contratantes ou na exportação de qualquer produto
destinado para o território de qualquer outra parte, a menos que a importação do produto similar para todos os
terceiros países ou a exportação do produto similar para todos os terceiros países é similarmente proibida ou
restrita”
22
WTO. Appellate Body - European Communities - Regime for the Importation, Sale and Distribution of
Bananas - AB-1997-3 - Report of the Appellate Body. Aceso em: 15/06. Disponível em:
https://docs.wto.org/dol2fe/Pages/FE_Search/FE_S_S006.aspx?Query=(@Symbol=%20wt/ds27/ab/r*%20not%
20rw*)&Language=ENGLISH&Context=FomerScriptedSearch&languageUIChanged=true#
36 que determinasse se havia essa compatibilidade entre a recomendação de aplicação do
processo e as normas da OMC. Segundo o relatório deste grupo que saiu em maio de 1999, foi entendido que as medidas implementadas pela CE não eram compatíveis com as
obrigações da CE na estrutura da OMC. Em janeiro de 1999, os Estados Unidos, um dos reclamantes do processo, pediu
autorização do órgão de Solução de Controvérsias para suspender a aplicação de concessões
da CE no valor de 520 milhões de dólares23. Antes do pedido dos EUA de aplicação desta
suspensão a CE se antecipou e pediu a criação de um processo de arbitragem24 para questionar
o nível da suspensão proposta pelos EUA. Segundo a análise da arbitragem o valor
estabelecido pelos Estados Unidos não equivalia à quantidade de prejuízo dos benefícios que
esse país tinha sofrido com reação as medidas adotadas pela CE para a importação de bananas. Em novembro de 1999 foi vez de o Equador solicitar autorização para a adoção de
medidas de suspenção de concessões a CE. Entretanto o equador foi mais apelativo e utilizouse de argumento do artigo 22:2 do ESC, já mencionado neste trabalho, para que fossem
suspensas as concessões referentes aos acordos GATT 1994, TRIPS e GATS totalizando um
valor de prejuízos de 450 milhões de dólares. Assim como no caso dos EUA, novamente a CE
entrou com um pedido de arbitragem que em março de 2000 também considerou este
montante superior ao real prejuízo do Equador. Os árbitros também definiram que o Equador
poderia pedir autorização da OSC para a suspensão de obrigações do GATT 1994, do GATS
com relação à distribuição comercial e para o acordo TRIPS somente sobre direitos autorais e
relacionados, sobre o Artigo 14 do TRIPS (da proteção de artistas, produtores e fonogramas e
organizações de transmissão, indicações fonográficas e desenhos industriais. Apesar do
questionamento do respondente o Equador foi a fundo na legislação sobre a suspensão de
23
WTO: DSU - TO ANALYTICAL INDEX: DISPUTE SETTLEMENT UNDERSTANDING. Understanding
on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes Article 221: Compensation and the
Suspension of Concessions: 231.
Compensation and the suspension of concessions or other obligations are temporary measures available in
the event that the recommendations and rulings are not implemented within a reasonable period of time.
However, neither compensation nor the suspension of concessions or other obligations is preferred to full
implementation of a recommendation to bring a measure into conformity with the covered agreements.
Compensation is voluntary and, if granted, shall be consistent with the covered agreements. Acesso em
20/06/2013.
Disponível
em:
http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/dsu_08_e.htm#article22 24
Detalhado no Artigo 22.6 do Entendimento de Solução de Controvérsias. In EC — Bananas III (Ecuador)
(Article 22.6 — EC), the Arbitrators held that the requests for a referral to arbitration under Article 22.6, serve
similar due process objectives as requests under Article 6.2 and thus concluded that the specificity standards are
relevant for Article 22 requests. See paragraph 1183 above. 37 concessões e apresentou a brecha do artigo 22:2, conforme já mencionado, mostrando que a suspensão de concessões sob o mesmo acordo do processo devido aos possíveis problemas e
falta de praticidade desta aplicação. Apesar da aceitação do OSC deste tipo de medida o Equador não chegou a aplicar a
retaliação cruzada, um dos argumentos é que o seu mercado doméstico seria bastante afetado
e também os impactos sobre a CE não seriam significativos já que a disparidade entre o poder
econômico de ambos é notável. Segundo Amaral, “nessa disputa os negociadores do Equador foram originais e os negociadores
principais encontraram espaço para promover uma retaliação cruzada no ESC que,
como afirmado por Smith “maximizou sua influência dentro da estrutura
institucional específica das regras da OMC”. De fato, as regras do ESC – algumas
das quais estavam sendo aplicadas pela primeira vez –, permitiram que o Equador
pudesse barganhar acima de seu próprio peso econômico na OMC”. (AMARAL, pg.
166) Apesar deste argumento, o que se verifica na prática é a pequenez da participação do
Equador na Economia desse grupo, que seria de 0,1%. O volume de comércio entre ambos e a
falta de representatividade do Equador para enfrentar uma disputa comercial e aplicação de
uma represália já que, a princípio quem tem maior possibilidade de perder nessa ação seria o
Equador já que a CE poderia realocar a participação de 0,1%25 deste país promovendo o
intercâmbio comercial com outros. Abaixo vemos a relação entre o processo de arbitragem dos Estados Unidos e Equador
e os valores que realmente foram autorizados para aplicação das suspensões de concessão: 25
Fonte: Eurostat. http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/setupDownloads.do. Acesso em 22/06/2013.
38 DS
No. Case Member(s) requesting the
authorization Applicable
provisions Level of suspension
authorized DS27 EC — Bananas US III Article 22.6 DSU US$191.4 million (annual) DS27 EC — Bananas Ecuador III Article 22.6 DSU US$201.6 million (annual) Fonte: WTO: Artigo 22.6 do ESC: (d) Table of arbitration decisions and level of suspension authorized.
Disponível em: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/dsu_08_e.htm#article22. Acesso
em: 15/06/2013. Em junho de 2001 a CE comunicou oficialmente através dos aparelhos do ESC o
alcance de um acordo26 mutuamente acordados tanto com os Estados Unidos como com o
Equador resultando na finalização das suspensões de concessões sob a CE. Neste caso percebe-se notavelmente a posição do Equador em todo o processo,
mantendo sua independência e liderança com relação aos EUA no procedimento de retaliação. Com relação ao processo de observância do processo: “a CE informou ao OSC que tinha intenção de implementar as recomendações e
regras do dia 9 de janeiro de 2009, modificando obrigações tarifárias agendadas nas
bananas através de um acordo sobre o nível de novas tarifas alfandegárias aplicadas
pela CE para os países da América Latina fornecedores de banana, de acordo com o
disposto nas negociações do Artigo XXVIII do GATT. (AMARAL, p. 165) Em 2010 a CE e Equador notificaram o OSC que foi alcançado uma solução através
de acordo entre as partes e também foi relatado o início do que seria um Acordo de Genebra
sobre o Comércio de Bananas não somente em as partes mas também outros membros da
OMC. O caso terminou em oito de novembro de 2012 com um acordo entre as partes 26
Em conformidade com o Artigo 3.6, ESC: “Soluções mutuamente acordadas de assuntos formalmente
levantados na consulta e disposições de solução de disputa dos acordos cobertos devem ser notificadas ao OSC e
aos Conselhos relevantes e Comitês onde o Membro possa levantar qualquer ponto a respeito de”. (AMARAL, p.
165)
39 4.3. DS267 - SUBSÍDIOS AO ALGODÃO HERBÁCEO: BRASIL VC.
ESTADOS UNIDOS 27
Este processo tem por reclamante o Brasil que busca defender-se comercialmente dos
subsídios aplicados pelos Estados Unidos sob o algodão herbáceo. Ao Brasil se juntaram a
Argentina, a Austrália, Benin, Chade, China, Taipei, Comunidade Europeia, Índia, Nova
Zelândia, Paraguai, Venezuela, República Bolivariana, Japão e Tailândia como terceiras
partes no processo. O processo colocava como argumento
Agricultura:
Artigos
3.3,
7.1,
8,
9.1,
desrespeito as normas da OMC sobre a
10.1
e
GATT
1994:
Artigos
Art. III: 4, XV, e sobre Subsídios e Medidas Compensatórias: Artigos 3, 5 e 6. Em setembro de 2002 a Missão Permanente do Brasil abriu o processo de consulta à
Missão Permanente do Estados Unidos junto ao Corpo do Órgão de Solução de Controvérsias.
Ou seja, a partir deste momento o respondente tem um prazo para apresentar dados referente
as informações solicitadas para que haja a comprovação da violação das normas da OMC. Os motivos apresentados na consulta28 foram os subsídios fornecidos pelos Estados
Unidos aos produtores, usuários e/ou exportadores de algodão herbáceo assim como a
legislação, regulação, instrumentos legais e emendas que fornecem tais subsídios (incluindo
créditos de exportação) e qualquer outra assistência para os produtores americanos de algodão
herbáceo que segundo o documento de consulta vem sendo aplicado de várias formas pelo
governo americano29 resultado num prejuízo de produtores não somente do Brasil, mas de
vários países. 27
WTO: DISPUTE SETTLEMENT: DISPUTE DS267 - United States — Subsidies on Upland Cotton.
Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds267_e.htm. Acesso em: 20/06.
28
WTO: UNITED STATES – SUBSIDIES ON UPLAND COTTON - Request for Consultations by Brazil.
Disponível
em:
https://docs.wto.org/dol2fe/Pages/FE_Search/FE_S_S006.aspx?Query=(@Symbol=%20wt/ds267/1)&Language
=ENGLISH&Context=FomerScriptedSearch&languageUIChanged=true#. Acesso em:10/06/2013.
29
Argumento Brasileiro contra as medidas adotadas pelos Estados Unidos retirado da Requisição de Colsulta
acima mencionado: " The United States has no basis to assert a defense under Article 13(b)(ii) of the Agreement
on Agriculture that the domestic support measures listed above are exempt from action based on Articles 5 and 6
of the SCM Agreement, because these measures provide support to upland cotton in marketing years 1999-2002
in excess of the support decided by the United States in the 1992 marketing year. Similarly, the United States has
no basis to assert a defense under Article 13(c)(ii) of the Agreement on Agriculture that the export subsidies
listed above are exempt from action based on Article 3, 5 and 6 of the SCM Agreement, because these export
subsidies do not conform fully to the provisions of Part V of the Agreement on Agriculture, as reflected in the
Schedule of the United States. The measures listed above are subsidies because in each instance there is a
40 Segundo o documento de requisição de consulta do Brasil estas medidas estaria
causando uma depreciação dos preço do algodão herbáceo no Brasil e em vários países no
período de 1999 a 2002 já que, devido a estas medidas, fica mais barato importar o algodão
herbácio americano que possui um preço reduzido de forma desleal pois a redução de preço
não é dado pelo próprio mercado, mas sim por um auxílio do estado. Isto não somente
prejudica o Brasil devido ao aumento de importação do algodão herbáceo subsidiado como
tira a concorrência do produto nacional para a exportação em especial para mercados do
terceiro mundo, que é o seu principal mercado. Segundo o documento, o Brasil explicita que houve um grande aumento do market share do algodão americano em 2001 em relação ao
período de 1998 a 2000. A preocupação sobre o preço do algodão foi destacada que não seria
somente para o produto Brasileiro Em 6 de fevereiro de 2003 o Brasil fez a requisição de abertura de um Painel que foi
deferido pela OSC no encontro de 19 de fevereiro deste ano. Após a finalização da consulta e
inclusão de países que participariam como terceiros no processo o presidente do painel e
novembro deste ano anunciou a impossibilidade de conclusão do painel no período de 6
meses que seria o estabelecido nas normas do OSC. Isto foi justificado devido à
complexidade do assunto e foi apresentada uma nova data para conclusão do painel somente
em maio de 2004. O relatório do painel que circulou entre os membros em setembro de 2004 concluiu
que realmente os pontos mencionados reclamantes como o crédito a exportação, e vários
outros subsídios ao algodão herbáceo violam normas da OMC. Os programas domésticos de
suporte à produção de algodão também não são protegidas pela regulamentação do órgão e
resultam em um grande prejuízo ao mercado brasileiro além de pressionar o mercado do
algodão no mundo. Em outubro de 2004 os EUA entro com o processo de apelação sobre a legislação e
interpretação legal do painel. Devido a questões de agenda do corpo do Órgão de Apelação
assim como a complexidade do caso a resposta somente foi apresentada em março de 2005.
Como resultado da análise do painel os árbitros mantiveram a definição do painel sobre as
inconformidades das medidas adotadas pelos Estados Unidos com os acordos mencionados e
financial contribution by the US government, or an income or price support in the sense of Article XVI of GATT
1994, and a benefit is thereby conferred within the meaning of Article 1.1(a) and (b) of the SCM Agreement.
Each of the listed subsidies is specific to US producers of primary agricultural products and/or to the upland
cotton industry within the meaning of Articles 2.1 and 2.3 of the SCM Agreement.
41 que realmente os apoios financeiros dados pelos EUA aos produtores de algodão americano
realmente tem uma relação sob a pressão identificada no período sob o preço internacional do
algodão herbáceo. Não entrou em consenso com relação as descobertas sobre o market share
mencionado no Painel. Sobre a questão de crédito à exportação os Árbitros apoiaram a
descoberta do painel , menos um deles, e que o crédito à exportação é um subsídio
inconsistente com os acordos do GATT. Após este encontro o ESC/OSC? (DSB) adotou o documento do painel com alterações
do Órgão de Apelação e ao mesmo tempo fez recomendações para que os Estados Unidos
retirassem, num período determinado (setembro de 2005) os seguintes subsídios: os créditos a
exportação30. Após o período determinado e o não cumprimento das recomendações pelos Estados
Unidos o Brasil entrou com um pedido para a permissão do uso de contramedidas referente as
obrigações nos termos do artigo 22.2 do DSB e do artigo 4.10 do SCM, contra os Estados
Unidos em julho de 2005. Conforme o argumento de período razoável para a correção das
medidas adotadas pelos EUA o Brasil informou sua intenção de adotar contramedidas através
da suspensão de concessão de tarifas e relacionados as obrigações do GATT 1994 através do
acréscimo de obrigações aduaneiras a uma lista de produtos importados dos Estados Unidos, a
ser estabelecida. O Brasil também apresentou a observação de que somente a aplicação de
tarifas de importação sobre os produtos estadunidenses não seriam o suficiente para reparar os
prejuízos do país até o momento. Para isso foi requisitada a extensão das contramedidas sobre
obrigações dos acordos TRIPS e GATS. Em agosto de 2006 ambas as partes solicitaram a abertura de um painel de observância
que foi aceito pelo DSB ao qual se juntaram as terceiras partes: Argentina, Austrália, Canadá,
China, Comunidade Europeia, Índia, Japão, Nova Zelândia, Chade e Tailândia. O painel foi
então criado em outubro e 2006 e após atrasos o relatório foi circulado somente em dezembro
30
(i) the export credit guarantees under the GSM 102, GSM 103 and SCGP export credit guarantee programmes
in respect of exports of upland cotton and other unscheduled agricultural products supported under the
programmes, and in respect of one scheduled product (rice); (ii) Section 1207(a) of the Farm Security and Rural
Investment (FSRI) Act of 2002 providing for user marketing (STEP2) payments to exporters of upland cotton;
and (iii) Section 1207(a) of the FSRI Act of 2002 providing for user marketing (STEP2) payments to domestic
users of upland cotton. As for the actionable subsidies the recommendation is that the United States takes
appropriate steps to remove the adverse effects of certain subsidies or withdraw these subsidies within six
months from the date of adoption of the Panel and Appellate Body reports, i.e. the compliance period expired on
21 September 2005. WTO: DISPUTE SETTLEMENT: DISPUTE DS267 - United States — Subsidies on
Upland Cotton. Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds267_e.htm. Acesso
em: 20/06.
42 de 2007. A decisão do painel foi que os EUA foi inconsistente com as obrigações referentes
aos artigos 5 e 6.3
do acordo sobre subsídios e compensação causando prejuízos aos
31
interesses do Brasil . Portanto, os EUA foi inconsistente ao não implementar as medidas
sugeridas pelo painel e apelação para que entrasse em conformidade com o Acordo sobre a
agricultura mantendo a decisão anterior o painel estabeleceu que os Estados Unidos revisassem novamente a sua legislação para entrar em conformidade com as decisões do
painel. Em fevereiro de 2008 os EUA e o Brasil entraram novamente com um apelação que
mostrou seu resultado somente em Junho daquele ano e foi adotado pelo DSB em Junho de
2008. Segundo Amaral o relatório da apelação concluiu que o painel "falhou em fazer uma avaliação objetiva do assunto - programa de garantia de
crédito de exportação - conforme Artigo 11 do OSC, uma vez que dispensava a
importação de dados re-estimados sunmetidos aos EUA com base na lógica
inconsistente internamente. Por outro lado, o Órgão de Apelação manteve a
conclusão do painel de observância de que o programa GSM 102 não havia sido
elaborado com a intenção de cobrir custos e perdas operacionais de longo prazo e
que o programa consiste num subsídio de exportação dentro do significado do
Artigo 3.1(a) do Acordo da SCM e Artigo 10.1 do Acordo de Agricultura. Além
disso, o Órgão de Apelação concluiu que ao agir inconsistentemente com o Acordo
do SCM e da Agricultura, os EUA falharam em cumprir com as recomendações e
regras do OSC, e não deram passos apropriados para remover os efeitos adversos ou
para retirar o subsídio num período razoável de tempo" (AMARAL,p. 174) No final de 2009, o Brasil foi autorizados a adotar medidas de suspenção dos acordos
da OMC a um nível que não superasse o valor de 147,4 milhões de dólares para o ano de 2006,
ou por outros anos, a quantidade a ser determinada pela metodologia de cálculo descrita na
decisão do árbitro, caso o valor não seja alcançado num período determinado e fosse
verificado uma mudança no total importado dos EUA o país seria autorizado a buscar a
suspenção das obrigações do TRIPS e GATS. Após esta aprovação A Câmara de Comércio
Exterior do Ministério da Indústria e Comércio em novembro de 2009 publicou a Resolução
31
Specifically, the United States had failed to comply with its obligation under Article 7.8 of the SCM
Agreement “to take appropriate steps to remove the adverse effects or ... withdraw the subsidy”. WTO:
DISPUTE SETTLEMENT: DISPUTE DS267 - United States — Subsidies on Upland Cotton. Disponível
em: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds267_e.htm. Acesso em: 20/06.
43 CAMEX 74/200932 solicitando uma consulta pública sobre a possibilidade de retaliação sob
cerca de 222 produtos dos EUA. Ainda que a resolução não mencione procedimentos de
retaliação cruzada a resolução foi publicada para mostrar aos Estados Unidos que realmente
aplicaria as contramedidas caso não houvesse o cumprimento da parte respondente. Segundo a
resolução a contramedida aplicada seria a imposição de taxas adicionais a lista de produtos
anexada, sendo publicada a lista concreta de suspensões em março de 2010. Após esta
consulta o governo apresentou uma nova lista de retaliação cruzada especificamente sobre o
TRIPS33, mas não teve um apoio da indústria nacional como na primeira resolução.
Em março de 2010 o Brasil notificou o DSB sobre a suspenção que aplicaria sob os
EUA, a partir de abril daquele ano, sobre as obrigações do GATT 1994 conforme já
mencionado. Entretanto ao chegar a data referida o Brasil informou ao DSB que iria adiar a
imposição das contramedidas visto que EUA entrou em contato para a solução da disputa a
partir de uma acordo entre as partes. Em agosto de 2010 ambos os países informaram o DSB
sobre a conclusão da solução da controvérsia através de um acordo mutuamente acordado.
Entretanto, conforme mencionado no resumo do processo apresentado no site da OMC "o acordo em si não constitui uma solução mutuamente concordado da disputa mas
estabelece os paramentros para a discusão de uma solução em relação a programas
de apoio doméstico para o algodão herbáceo nos EUA, assim como um processo de
operação conjunta revisão dos créditos de exportação garantidos no programa GSM102. Brasil e Estados Unidos também acordaram no estabelecimento de consultas
não menos do que quatro vezes ao ano, a não ser que concordado o contrário, com o objetivo de obter uma convergência de ponto de vista com relação a solução da
disputa sobre o algodão."34 Segundo Amaral, desde 2007 o Brasil busca estabelecer uma estrutura legislativa
sobre a suspensão em TRIPS, ao perceber o não cumprimento das deliberações do OSC pelos
Estados Unidos o Brasil promulgou uma Medida provisória35 e logo depois, convertida em lei
32
MDIC. RESOLUÇÃO Nº 74, DE 06 DE NOVEMBRO DE 2009. Disponível em:
http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1257771150.pdf. Acesso em22/06/2013.
33
MDIC. CAMEX Resolução 16/2010. Disponível em: http://www.camex.gov.br/legislacao/interna/id/666.
Acesso em: 22/06/2013.
34
WTO: DISPUTE SETTLEMENT: DISPUTE DS267 - United States — Subsidies on Upland Cotton.
Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds267_e.htm. Acesso em: 20/06.
35
482/2011. Diponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=95549.
Acesso em: 20/06/2013
44 federal. Esta MP dispunha sobre a suspensão de concessões sobre os direitos de propriedade
intelectual e outros no caso de não cumprimento das obrigações da OMC.
Em 2012 o Brasil informou que os programas de benefício sobre a agricultura não
foram modificados pelos Estados Unidos mas não faria a imposição de contramedidas no
momento sobre os EUA já que, conforme Amaral os EUA está pagando ao Brasil para evitar
retaliação. Segundo notícia publicada no site do Banco Mundial em julho de 2012, os países
em desenvolvimento perdem cerca de 9.6 bilhões de dólares ao ano devido aos subsídios
aplicados pelos países desenvolvidos aos seus produtores totalizando cerca de 23 bilhões nos
últimos 4 anos36.
4.4. DS285 – JOGOS DE AZAR: ANTÍGUA &BARBUDA VC. ESTADOS
UNIDOS 37 Em março de 2003, Antígua e Barbuda assim como a legislação do ESC estabelece,
solicitou a abertura de um processo de consulta contra os EUA sobre as medidas aplicadas
pelas autoridades central, regional e local que afetaram os serviços oferecidos sobre jogos de
azar entre as fronteiras. O país entendeu que as medidas adotadas pelo governo estadunidense
estavam gerando um impacto cumulativo dessas medidas tinha o objetivo de "evitar o
fornecimento dos serviços supramencionados de outro membro da OMC para o mercado
doméstico americano" (AMARAL, p. 168). De acordo com Antígua e Barbuda estas medidas são inconsistentes com as obrigações
dos Estados Unidos com relação ao GATS, particularmente sobre os artigos II, VI, VIII, XI,
XVI e XVII e o Anexo de Compromissos específicos anexado pelos Estados Unidos ao
acordo do GATS. 36
World Bank. Kristyn Ebro. Cotton Producers Face Losses Because Of Rich Country Subsidies, Says
ICAC
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http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/NEWS/0,,contentMDK:20053593~menuPK:34463~pagePK:3
4370~piPK:34424~theSitePK:4607,00.html, Acesso em 20/06/2013.
37
DISPUTE SETTLEMENT: DISPUTE DS285United States — Measures Affecting the Cross-Border
Supply
of
Gambling
and
Betting
Services.
Disponível
em:
http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds285_e.htm. Acesso em: 10/06/2013.
45 Em junho de 2003 o país solicitou o estabelecimento de um painel, neste meio tempo
o Canadá, Comunidade Europeia, México, Japão e Taipei se apresentaram como participantes
do processo. O processo se estendeu até o início de 2004, e mesmo assim foi adiado o
resultado devido a agenda dos panelistas, a complexidade do processo, entre outros motivos. Como houveram negociações entre as partes ambos os países solicitaram a suspensão
do painel, em concordância com o artigo 12.12 do DSU, até novembro de 2004 quando a
Antígua requisitou a reabertura do Painel sem a objeção dos Estados Unidos. O painel teve
como conclusões que leis federais e disposições legais de alguns estados americanos proibiam
meios de entrega através de fronteiras que estavam constituídos também no acordo do GATS. Ambos os países entraram com pedido de apelação em janeiro de 2005, junto ao
Corpo de Apelação, sobre as interpretações legais do painel. O resultado da apelação saiu em
abril do mesmo ano e a conclusão obtida foi a confirmação do entendimento do painel sobre a
inconsistência das ações dos EUA em relação ao artigo XVI:1 (a) e (c), Artigo XVI:2 ao
impor certos limites não mencionados na sua agenda específica anexada ao GATS. Tais
conclusões do Órgão de Apelação foi adotado pelo OSC em abril de 2005. Em relação à decisão sobre o período razoável para o cumprimento dos dispositivos da
OMC a Antígua e EUA não entraram em consenso, portanto, o primeiro solicitou que a
arbitragem definisse qual seria este período razoável. Em agosto de 2005 o árbitro informou a
sua decisão de que o período razoável para o cumprimento era de 11 meses e duas semanas a
contar do dia 10 de abril de 2005, tendo como prazo até 03 de abril de 2006. Como haviam divergências entre as partes sobre o cumprimento dos EUA em relação
as recomendações e regras da OSC a Antígua solicitou novamente a abertura de um painel com o apoio da China e Japão como terceiras parte. Em agosto de 2006 o painel foi composto
e seu relatório foi apresentado em março de 2007 com a mesma interpretação do primeiro
painel onde concluiu-se que os EUA falharam no cumprimento das recomendações e regras
da OSC. Um mês após esta decisão o requisitante solicitou autorização do OSC para aplicar
medidas que suspendessem as obrigações do GATS e TRIPS em relação aos Estados Unidos.
Após aprovada a retaliação foi estabelecido que o valor do prejuízo a ser restituído seria de 21
milhões de dólares. Segundo Amaral os árbitros compreendiam a grande divergência entre os dois países e
também que seria muito difícil a indução ao cumprimento pelos Estados Unidos a partir da
46 retaliação da Antígua sob o GATS. Conforme mencionado anteriormente isto ocorre devido a
grande disparidade econômica entre ambos e foi levada em consideração os custos que seriam
aplicados sobre a população da Antígua no caso de real aplicação da retaliação cruzada. Ainda, Antígua demonstrou e argumentou sobre seus limitados recursos naturais,
muito pouco solo arável e a alta dependência de sua economia no turismo e serviços
associados (hotéis, comércio atacado, moradia, transporte, restaurantes e imóveis).
Finalmente, a Antígua também ressaltou sua necessidade de diversificar a economia
doméstica e que esse era um dos motivos pelos quais o país tentava desenvolver
serviços comerciais, incluindo o comércio remoto de jogos de azar. (AMARAL, p.
170)
Como nos outros dois casos abordados, apesar da aprovação da OSC sobre a
suspensão de concessões em TRIS e GATS em 2007 a Antígua possui os aparelhos legais
internos que possibilitem a aplicação apropriada da autorização do OSC. Segundo Amaral, a
legislação nacional "é um instrumento básico para fazer a retaliação cruzada seja viável".
Além disso existe o fato da insignificância da economia da Antígua perante os Estados
Unidos. Abbott também acredita que o que poderia ter alguma importância para os EUA é
que a “ameaça que faz com que os EU se preocupem é o possível precedente de
retaliação cruzada em TRIPS mais do que as consequências econômicas
diretamente”. (AMARAL, p. 171) Sem respostas do lado Estadunidense em 2012 há uma nova movimentação no
processo. A Antígua apresentou seu desejo de alcançar uma resolução através da mediação e
que o DSB mantivesse uma vigilância sob o processo. Na reunião do OSC em janeiro de 2013
o reclamante solicitou uma autorização para a suspenção das obrigações aos EUA sobre os
direitos de propriedade intelectual, que foi devidamente autorizada.
Através do quadro abaixo pode-se perceber nos casos onde há o envolvimento de
países com diferenças de poder econômico os resultados alcançados vão em desencontro com
as normativas da OMC. Apesar de em dois dos três casos de retaliação cruzado ter alcançado
um acordo ao final, a conclusão foge do objetivo principal da organização que além de
promover a cooperação há um projeto a se alcançar. Este projeto seria a adequação às normas
47 estabelecidas para se alcançar um comércio internacional mais justo, o que não ocorre ao
analisarmos estes casos.
Processo País Reclamante País Respondente DS394
Estados Unidos China DS27
Equador Comunidade Europeia DS267
Brasil Estados Unidos DS285
Antígua e Barbuda Estados Unidos Resultado Plena implementação das recomendações estabelecidas. Acordo entre as partes, não adequação às recomendações. Acordo entre as partes, não adequação às recomendações. Ainda não houve conclusão. Não podemos limitar a análise comente para estes pequenos dados já que ao todo há
mais de 300 caso já processados ou em andamento. Mas podemos concluir que cada vez mais
esta ferramenta de retaliação pode ser utilizada por países em desenvolvimento no sentido de
persuadir o respondente a chegar no resultado esperado.
48 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste trabalho era revisar a estrutura do Sistema de Solução de
Controvérsias da OMC, discutir a retaliação cruzada como um instrumento de persuasão de
países em desenvolvimento e evidenciar a diferença de tratamento e dos resultados do
processo de solução de disputas quando envolvem países simétricos e assimétricos.
No primeiro e segundo capítulo foi apresentada a criação do GATT e em seguida, da
OMC que é prova do esforço multilateral para se alcançar consenso quanto as normativas do
comércio para que não ocorram grandes disparidades econômicas e abuso de poder já que é
clara as assimetrias entre os Estados. Com a criação deste acordo mútuo para o estímulo
econômico através da redução de barreiras comerciais, verifica-se um grande aumento do
volume no comércio internacional a cada ano, especialmente após a Rodada Uruguai em 1994
com o aumento de países membros e também de uma nova abertura comercial reduzindo as
desigualdades através de um sistema jurídico institucionalizado. O organismo tem por base
princípios como o da não discriminação, através da Cláusula da Nação Mais Favorecida,
cláusula sobre o tratamento nacional aplicado sobre as normativas na Organização reduzindo
ações multilaterais e reduzindo os desequilíbrios entre os Estados. Portanto, lidou-se com
aspectos históricos da OMC, apresentando o surgimento do GATT em 1947 e mostrando a
evolução de sua composição até o surgimento da OMC após a rodada Uruguai que terminou
em 1994. Entretanto foi dado um foco especial para um órgão específico do organismo que
seria o Órgão de Solução de Controvérsias. Este mecanismo é constantemente pensado pelo
organismo e pelos Estados já que o Entendimento de Solução de Controvérsias é uma das
principais normativas que confere segurança e previsibilidade necessárias para os Estados e
seus agentes econômicos privados.
Mais especificamente o segundo capítulo tratou do Sistema de Solução de
Controvérsias e seus procedimentos. Ou seja, como funciona este órgão e em que medida ele
contribui para a solução pacífica nas disputas comerciais através de um sistema legalizado e
previsível. A partir deste momento entra em debate os instrumentos possíveis para se alcançar
a adequação dos países respondentes às normas da OMC, já que este é o objetivo principal.
São apresentadas a medida compensatória e a possibilidade de suspenção de acordos do
GATT 94 como instrumento de retaliação.
49 No terceiro capítulo é apresentado um tipo específico de retaliação que está trazendo
um grande debate sobre a efetividade do ESC e a participação de países em desenvolvimento.
Para isso, no capítulo quatro foram apresentados quatro casos: o primeiro caso apresentado foi
uma disputa comercial entre os Estados Unidos e China com relação a restrições à exportação
de matéria-prima utilizada especialmente em produtos de alta tecnologia. Verificou-se que
após as descobertas do painel, e apoiadas pelo Corpo de Apelação a veracidade dos fatos
expostos pelo reclamante. A partir de então China foi responsabilizada e obrigada a tomar
medidas internas que se adequassem à decisão da OMC, o que de fato foi efetivado.
Já nos casos seguintes, Antígua e Barbuda vs. Estados Unidos, Brasil vs. Estados
Unidos e Equador Vs. Comunidade Europeia, verifica-se que apesar de o processo ter
ocorrido assim como o primeiro caso, em suas conclusões há um certo descaso no
cumprimento das decisões do OSC . Isso ocorre devido à assimetria de poder entre Estado
reclamante e Estado respondente. Em muitos casos, o Estado respondente prefere pagar o
preço da retaliação em vez de realmente ajustar seus procedimentos e normativas internas,
driblando o cumprimento das decisões.
Muitos pesquisadores atribuem tal ação dos Estados pelo seu direito de soberania,
entretanto, em um sistema interdependente de Estados, que assinam voluntariamente um
acorde de participação e submissão as normas de uma organização internacional, não há
espaço para tal conceito antigo. Portanto, os Estados deverem cumprir as normas de direito
internacional e serem responsabilizados pela quebra de tais obrigações.
Por isso, o uso da retaliação cruzada em TRIPS foi um meio encontrado pelos países
em desenvolvimento para driblar as dificuldades de se alcançar um acordo satisfatório nestes
casos apresentados, e mesmo assim, em nenhum deles esta medida foi aplicada. A aplicação
de taxas alfandegárias, em muitos casos não é o suficiente, conforme mencionado, pois
dependendo da participação no comércio entre as partes o Estado respondente opta por pagar
o preço da retaliação. Muitas vezes a retaliação acaba sendo um "tiro no pé" para o comércio
internacional, mas no caso da propriedade intelectual há uma maior delicadeza no seu
tratamento, produzindo uma ameaça mais crível para o respondente e, portanto, um incentivo
ao cumprimento.
Se o consumo privado for considerado, o consumo dos Estados apresentados nos casos
acima tem um impacto negativo se o país utilizar somente retaliação comercial – taxas
50 alfandegárias – e um impacto consideravelmente positivo na retaliação de PI. Pode-se também
considerar a mudança de volume na saída e a diminuição do bem estar dos membros da OMC
além do comércio multilateral total. O impacto negativo da retaliação comercial e o impacto
positive da suspensão de concessão de direitos de propriedade intelectual aparecem em toda a
simulação. Assim, a retaliação-cruzada do Brasil em TRIPS seria fundamental para produzir
um impacto no bem estar da economia doméstica.
Esta pesquisa concluiu que o cumprimento das decisões adotadas não é uma opção
viável para os membros da OMC e a retaliação cruzada, em grande medida, parece ser uma
solução eficaz para algumas das imperfeições do sistema de Solução de Controvérsias.
Entretanto, a aplicação da retaliação em TRIPS apresenta certos desafios e deve ser bem
pensada para que a indústria nacional não seja prejudicada.
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WTO
at
fifteen.
Diponível
http://www.wto.org/english/res_e/webcas_e/webcas_grid_e.htm?video_type=latest.
em 02/07.
em:
Acesso
WTO Secretariat. The WTO Dispute Settlement Proceadures: A collection os the relevant
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