IGOR HEINZ GROSZ MARCUS EDUARDO CHAGAS
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IGOR HEINZ GROSZ MARCUS EDUARDO CHAGAS
IGOR HEINZ GROSZ MARCUS EDUARDO CHAGAS RAPHAEL SCHLINDWEIN AVIAÇÃO CIVIL E O USO DA AUTOMAÇÃO Florianópolis (SC) 2012 2 IGOR HEINZ GROSZ MARCUS EDUARDO CHAGAS RAPHAEL SCHLINDWEIN AVIAÇÃO CIVIL E O USO DA AUTOMAÇÃO Trabalho de conclusão de curso apresentada ao Curso de Piloto Comercial, da Floripa Flight Training, como requisito parcial à obtenção do título de Piloto Comercial. Orientador: Prof. André Cardia Florianópolis (SC) 2012 3 Para as nossas famílias e esposas que nos ajudaram, incentivaram e sempre reservaram palavras de apoio durante a realização do curso ora pretendido. 4 “Uma vez tendo experimentado voar, caminharás para sempre sobre a Terra de olhos postos no Céu, pois é para lá que tencionas voltar.”. Leonardo Da Vinci 5 RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo demonstrar os fatos, progressos tecnológicos, benefícios, desvantagens e erros cometidos por pilotos, engenheiros, pessoal em terra no projeto e mal uso da automação em vôo. Também pretende demonstrar como a automação pode passar de um excelente instrumento a um instrumento mortal. Será exposto, inclusive, casos reais de acidentes e incidentes envolvendo a automação. Palavras-chave: trabalho de conclusão de curso; Automação; Airbus; Acidente. 6 ABSTRACT This work has as objective advances, benefits, drawbacks personal in the design to demonstrate the and mistakes and misuse of made by automation in facts, technological pilots, engineers, ground flight. It also aims to demonstrate how automation can be an excellent instrument or a deadly instrument. Will be exposed, including real cases of accidents and incidents involving automation. Word-key: Work, Automation, Airbus, Accident. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 08 1 A AIRBUS ................................................................................................ ................09 2 DESCRIÇÕES E CONCEITOS: PRINCIPAIS SISTEMAS DE AUTOMAÇÃO DA AIRBUS........................................................................................................................10 2.1 Auto Flight System (AFS)....................................................................................10 2.1.1. Computador – processamento de dados............................................11 2.1.2. Equipamentos para inserção de informações............................. .......11 2.1.3. Base de Dados.......................................................................................11 2.1.4. Fornecimento das informações processadas.....................................12 2.2 COMPUTADORES – PROCESSAMENTO DE DADOS........................................12 2.2.1. Flight Management................................................................................13 2.2.2. Flight Guidance.....................................................................................13 2.2.3. Flight Control Computers – FCC..........................................................14 2.2.4. Flight Warning Computers – FWC........................................................15 2.2.5. Display Management Computers..........................................................16 2.3 EQUIPAMENTOS PARA INSERÇÃO DE DADOS POR PARTE DO PILOTO.....16 2.3.1. Multi Purpose Controland Display Unit – MCDU………………………..16 2.3.2. Flight Control Unit – FCU......................................................................16 2.4. BASE DE DADOS.................................................................................................17 2.5APRESENTAÇÃO DAS INFORMAÇÕES PROCESSADAS.................................18 2.6OUTROS EQUIPAMENTOS DE FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES..... .......19 2.6.1. HEADS UP DISPLAY (HUDs).................................................................19 2.6.2. ENHANCED VISION SYSTEM (EVS)......................................................21 2.6.3. SYNTHETIC VISION SYSTEM (SVS)…..................................................22 3 O HOMEM VS A MÁQUINA ................................................ ................................24 . 4ACIDENTES AÉREOS E AUTOMAÇÃO EM VOO ............................................ ..27 4.1AIRBUS A 320, VÔO JJ 3054.............................................................. .31 4.2. WEST CARIBBEAN AIRWAYS voo 708 .............................................. 34 4.3. QANTAS VOO QF72 E AIR FRANCE VOO 442................................... 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 00 REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS ...................................................................... 00 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso visa identificar os principais sistemas automatizados existentes atualmente nas aeronaves civis, destacando os sistemas encontrados nas aeronaves fabricadas pelo consórcio europeu Airbus Société par Actions Simplifiée, ou simplesmente Airbus. Assim, essa pesquisa busca elucidar como os sistemas de automação agem durante o vôo com a finalidade de garantir ainda mais a segurança dos passageiros, pilotos e por conseqüência da própria aeronave. Para analisar o assunto, a pesquisa divide-se em três etapas: No primeiro capítulo aborda-se um breve histórico da gigante Airbus. No segundo capítulo efetua-se um estudo acerca dos principais sistemas existentes, explicando como funcionam e para que funcionam. No terceiro capítulo, apresenta-se uma análise da relação homem e máquina. O objetivo do quarto capítulo é mostrar, em casos concretos, como a automação pode evitar uma catástrofe aérea ou como pode ser ela a causadora de tamanho infortuito. Este trabalho busca, antes de tudo, resgatar um tema periférico no âmbito da aviação civil. Apesar da automação, considerada excessiva por alguns, estar sempre vinculada as aeronaves fabricadas pela Airbus, é mister lembrar que a americana Boeing também se utiliza de sistemas similares, principalmente em seus novíssimos B747-800 Intercontinental e o B-787 Dreamliner, talvez demonstrando ser essa a tendência a ser seguida pelas demais fabricantes de aeronaves mundiais. 9 CAPÍTULO 1. A AIRBUS Uma das maiores fabricantes mundiais de aeronaves de utilização comercial, a Airbus, é considerada uma empresa que emprega um elevado grau e equipamentos automatizados com avançada tecnologia em suas aeronaves. Fundada na década de 60, a companhia européia formada por um consórcio entre França, Alemanha, Inglaterra e Holanda lança no mercado, em 1972, o A-300, o primeiro avião de fuselagem larga, birreator, a ser utilizado na aviação comercial de passageiros, com capacidade máxima para 300 pessoas. Oito anos mais tarde, era apresentado o A-300-600, a última versão da família A300, o qual já apresentava a tecnologia fly-by-wire, onde a aeronave deixava de ser controlada mecanicamente por cabos ou atuadores hidráulicos e passava a ser comandada através de sensores eletrônicos e computadores. Além disso, também possuía a disposição dos pilotos telas com informações sobre o voo, chamados de Eletronic Flight Instrument System (EFIS). Desde o lançamento do A-300 até a presente data, surgiram vários outros sistemas e modelos de aeronaves, até a mais recente delas, o A-380, considerado o maior avião de passageiros do mundo. 10 CAPITULO 2 – DESCRIÇÕES E CONCEITOS: PRINCIPAIS SISTEMAS DE AUTOMAÇÃO DA AIRBUS 2.1. AUTO FLIGHT SYSTEM (AFS) O Auto Flight System (AFS) é o principal sistema de automação de voo do Airbus. Dentre os seus objetivos estão à função de diminuir a carga sobre a tripulação, aumentar a segurança, a eficiência e a performance do voo. É um sistema de alta complexidade e trabalha interligado com vários outros subsistemas. Esquematicamente, pode ser dividido em quatro seções, como é mostrado na figura abaixo: Equipamentos para inserção de informações por parte do piloto Computador Processamento de Dados Equipamentos que fornecem as informações processadas Base de Dados - tratados e fornecidos por outros equipamentos e softwares. 11 2.1.1. Computador – processamento de dados É responsável pelo tratamento das diversas informações recebidas das seções identificadas nas cores azul e verde do esquema acima, que serão repassadas a outros equipamentos de auxilio e controle de voo (amarelo). Exemplos: Flight Management Guidance Computer (FMGC), Flight Control Computers (FCC), Flight Warning Computers (FWC), Displays Management Computers (DMC), entre outros. 2.1.2. Equipamentos para inserção de informações Tratam-se das interfaces onde os pilotos podem inserir as informações relativas ao voo. São os Multipurposes Controls and Displays Units (MCDU) e o Flight Control Unit (FCU). 2.1.3. Base de Dados É nesta base de dados que as informações fornecidas por pessoal em terra (equipe de manutenção),softwares ou outros equipamentos estão armazenadas. Tratase do armazenamento de um banco de dados e de informações do voo que terão fundamental importância para a manutenção do mesmo. A exemplo disso temos as informações de navegação, de performance, GPS, ADIRS, relógio, etc... 12 2.1.4.Fornecimento das informações processadas Após as informações necessárias para o voo tenham sido inseridas, os pilotos precisam ter acesso a essas informações. É através das interfaces que os pilotos tem visualizam as informações processadas pelos computadores referentes a instrumentos de voo, sistemas da aeronave, navegação, etc... São eles: Primary Flight Display (PFD), Navigation Data (ND), Engine and Warning Display (EWD) e o System Display (SD). 2.2 COMPUTADORES – PROCESSAMENTO DE DADOS Dentre os computadores responsáveis pelo processamento de dados das aeronaves da Airbus, o principal deles é o FMGC – Flight Management Guidance Computer. São dois FMGCs que trabalham em conjunto e são responsáveis pelo processamento das informações de aeródromos, cartas, procedimentos, informações de desempenho da aeronave e dados sobre referência inercial, sistema de posicionamento global (GPS), entre outros. É responsável pelo controle e funcionamento do Auto Pilot, do Autothrust e do Flight Director. Além disso, também envia as informações para outros computadores intermediários que exibirão aos pilotos as informações de voo por meio dos displays existentes no cockpit da aeronave. O FMGC é dividido em três partes principais: Flight Management, Flight Guidance e Flight Augumentation. 13 2.2.1. Flight Management É onde o FMGC controla as funções de navegação, comunicação e vigilância, recebendo dados dos dispositivos de informações, que são as seguintes: Navegação: posição da aeronave e a capacidade de seguir automaticamente o plano de voo. Planejamento de voo: cálculo do plano de voo. Performance: autonomia, otimização de altitude e velocidade. Previsões: estimativas dos waypoints, altitudes, velocidades, combustível, destinos e alternativas. Gestão: controle da informação para o EFIS exibindo as informações de voo e de navegação. Outro sistema muito importante ligado a essa área de informações é o ADIRS– Air Data Inertial Reference System. É o sistema responsável pelo fornecimento das informações de velocidade, ângulo de ataque, altitude e de referência inercial. 2.2.2. Flight Guidance Aqui o FMGC controla as funções de: Autopilot: consiste num sistema automatizado que utiliza um software para controlar a aeronave. Esse programa lê a posição atual da aeronave em seguida comanda o sistema de controle de voo para guiar a aeronave em todos os eixos, de acordo com o plano desejado. 14 Autothrust: é o sistema de controle de tração que trabalha em conjunto com o FADEC, aumentando a eficiência da aeronave e a vida útil do motor. Flight Director: indica ao piloto as informações necessárias para o controle do voo (arfagem, tangagem, rolagem e guinada). Full Authority Digital Engine Control System (FADEC): é um sistema que tem a função de executar o gerenciamento completo do motor proporcionando máxima eficiência para condição desejada.O funcionamento desse sistema não tem nenhuma forma de acionamento manual, colocando a autoridade total sobre o computador. O FADEC recebe varias informações como densidade do ar, posição da alavanca do acelerador,temperatura do motor, pressão entre várias outras. As informações são recebidas pelo CEE (Cabin Equipment Engineer) e analisadas até 70 vezes por segundo. O FADEC além de tornar funcionamento do motor mais eficiente permite ao fabricante programar limitações sendo que o motor pode tomar ações sem a interferência do piloto e receber relatórios sobre o funcionamento do motor. Esse sistema é fornecido sob a forma de dois ou mais canais idênticos e independentes para garantir a segurança. 15 2.2.3. Flight Control Computers – FCC É um sistema formado por um conjunto de computadores que analisam e processam os sinais elétricos de controle de voo. Nas aeronaves em estudo, os controles são transferidos por sinais elétricos (FlyByWire) e não por cabos e polias. A grande vantagem é a diminuição do peso sobre a aeronave, além de fazer com que se torne mais estável, aumentando sua segurança e reduzindo a carga de trabalho do piloto. Os movimentos dos pilotos sobre os sidesticks geram sinais elétricos que são lidos por computadores que, por sua vez, acionam os servos atuadores responsáveis pela atuação mecânica das superfícies de controle. São sete os computadores envolvidos nesse sistema: Dois ELACs – Elevator and Aileron Computers. Suas informações são projetadas no ECAM. TrêsSECs – Spoiler and Elevator Computer. Também mostradas no ECAM. DoisFACs – Flight Argumentation Computer. Além destes, também há dois SFCCs – Slats and Flaps Control Computers responsáveis pelo tratamento das informações de comando dos flaps e slats. 16 Imagem do ECAM com as informações das superfícies de comando: 2.2.4. Flight Warning Computers – FWC Estes computadores recebem informações diretamente dos diversos sensores espalhados pela aeronave, como também dos SDACs (System Data Acquisition Concentrator) e são responsáveis por processar dados que são enviados diretamente para a cabine (sinais de alerta visuais e sonoros) quando algo relevante é detectado pelos sensores. Ou ainda, através dos DMCs, mensagens de alerta sãõ mostradas nas telas do ECAM. 2.2.5. Display Management Computers Existem três computadores DMCs nas aeronaves sendo um deles para atender o EFIS 1 e o E/WD, outro para atender o EFIS 2 e o SD e o terceiro de backup. 17 As informações recebidas pelos FMGCs (ADIRS e NAV DATA) são processadas e projetadas nos displays EFIS. Já as informações recebidas dos SDACs, são da mesma forma processadas, porém geradas nos displays ECAM. O SDAC é um equipamento ligado a sensores espalhados por vários pontos da aeronave, que recebe as informações captadas por tais sensores, e, através dos computadores acima mencionados, enviam as mensagens tratadas até a cabine de comando. 2.3 EQUIPAMENTOS PARA INSERÇÃO DE DADOS POR PARTE DO PILOTO 2.3.1. Multipurpose Control and Display Unit – MCDU Os pilotos inserem diversas informações de voo e navegação aos FMGCs através de dois MCDUs, que trabalham independentemente para cada FMGC e, após isso, as informações são sincronizadas. 2.3.2. Flight Control Unit - FCU É usado pelo piloto para controlar as funções de velocidade, navegação, altitude, proa, e é também usado para gerenciar o Autopilot e o Autothust. 18 MCDU1 MCDU2 Flight Control Unit FMGC1 FMGC2 2.4. BASE DE DADOS Dentro da seção chamada de Base de Dados, existe uma série de fontes de informações que enviam os dados necessários para processamento nos devidos computadores da aeronave. Tais fontes podem ser oriundas de outros equipamentos como: - GPS – Global Position System, que fornece o posicionamento da aeronave através do sistema de navegação por satélite. - ADIRS – Air Data and Inertial Reference System, fornecendo dados de velocidade, altitude, grau de ângulo de ataque, posicionamento e comportamento do avião. - Relógio, necessário para os cálculos de estimados e manobras. - Dados de navegação via rádio. - Dados meteorológicos obtidos pelos radares. 19 As informações referentes às cartas aeronáuticas também são inseridas no banco de dados dos computadores para execução de procedimentos. 2.5 APRESENTAÇÃO DAS INFORMAÇÕES PROCESSADAS Após o processamento de todos os dados inseridos e captados pelos computadores da aeronave, elas são apresentadas aos pilotos da seguinte maneira: EIS – Eletronic Instrument System: é o sistema responsável por controlar e monitorar o voo sendo subdividido em EFIS e ECAM. EFIS – Eletronic Flight Instrument System: estas telas apresentam as informações relativas a parâmetros de voo. É subdividido em: - Dois PFDs –Primary Flight Displays: fornecendo as informações de voo (velocidade, altitude, ADI). - Dois NDs – Navigation Data: fornecem as informações relativasà navegação (rota, rumo, plano de voo). ECAM – Eletronic Centralized Aircraft Monitoring System: estas telas apresentam informações relativas aos diversos sistemas da aeronave, bem como avisos importantes de situações detectadas pelo computador como, por exemplo, windshear. As informações apresentadas são aquelas consideradas importantes para tal fase do voo. É subdividido em: - E/WD – Engine and Warning Display: fornecendo avisos e informações referentes aos motores da aeronave. - SD – System Display: fornecendo as informações referentes a outros sistemas do avião. 20 2.6. OUTROS EQUIPAMENTOS DE FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES 2.6.1. HUDs – HEADS UP DISPLAY O Heads-Up Display surgiu na aviação militar entre a primeira e a segunda guerra mundial, quando naqueles aviões foram colocados alças e pontos fixos no ponto de visada dos pilotos a fim de auxiliá-los a mirar os inimigos em combates aéreos, os chamados dogfights. Na década de 50, os aviões passaram a contar com radares os quais forneciam informações que permitiam o piloto avaliar a distância e a velocidade do alvo. Posteriormente, nos anos 70, com o auxilio dos primeiros sistemas computacionais já era possível a automação para cálculos de miras, sem a necessidade de ajustes adicionais, permitindo o piloto a concentrar-se exclusivamente no combate. Uma década mais tarde, o advento dos microchips evoluiu ainda mais permitindo que o sistema se comunicasse através de dados de GPS, AWACS, etc. Hoje em dia, o Heads-up Display é um dispositivo alocado próximo ao pára-brisa da aeronave que fornece diversas informações importantes a manutenção do voo, sem a necessidade do piloto tirar os olhos do ambiente externo do voo. Baseado na tecnologia da informação, é um sistema que, através de um processador, obtêm dados de radares, rádios, aviônicos e sistema de armas, organiza as informações e fornece aos pilotos através de uma projeção emum anteparo semi transparente fixado na linha de visada do piloto. Os HUDs podem ser configurados de acordo com a necessidade da fase do voo, passando informações pertinentes aquele momento, e também outros ajustes tais como variação de luminosidade, cor entre outros. Muito mais utilizado na aviação militar, existem também os Helmet Mounted Displays ou Dead Mounted Displays (HMDs) o qual possui a projeção das informações de voo em uma viseira acoplada ao capacete do piloto. 21 A aviação comercial de hoje em dia também utiliza esse equipamento e pode-se dizer que possui grande importância, principalmente em fases de aproximação final, onde a necessidade de atenção do piloto quanto à visualização da pista, tráfego ou até possíveis obstáculos e, ao mesmo tempo, a constante observação dos instrumentos é fundamental para um voo bem sucedido. Imagens de um Heads-up Display numa aproximação final e no cockpit de um Airbus: 2.6.2. ENHANCED VISION SYSTEM (EVS) O EVS (Enhanced Vision System) ou Sistema de Visão Melhorada é um sistema ainda mais aprimorado, o qual permite o piloto visualizar o ambiente externo mesmo em condições de baixa visibilidade por condições meteorológicas ou noturnas. Através da combinação entre uma câmera infravermelha e um HUD, o aeronavegante possui ao seu dispor um instrumento que lhe passa além das informações necessárias para pilotagem (HUD), as imagens externas (EVS) que a olho nu não seriam capazes de enxergar, proporcionando um nível de consciência situacional extremamente elevado e, consequentemente, maior segurança ao voo. 22 Comparativo das imagens com e sem EVS 2.6.3. SYNTHETIC VISION SYSTEM (SVS) Por fim, ainda o não tão difundido SVS (Synthetic Vision System) ou Sistema de Visão Sintética, equipamento que fornece além das informações até aqui apresentadas (HUD e EVS) também apresenta as características do relevo, obstáculos que não são percebidos por câmeras com infravermelho. Por meio de computadores de alta tecnologia são processados dados oriundos de GPS, de uma base de dados geográficos do terreno, entre outros, possibilitando a projeção na tela do ambiente externo da melhor maneira possível, permitindo o máximo de consciência situacional em casos onde há qualquer tipo de restrição a visibilidade. 23 Imagens de alguns SVS: 24 CAPÍTULO 3 – O HOMEM VS A MÁQUINA É impossível não perceber a transformação tecnológica que vem ocorrendo na aviação mundial. Um avanço que, dentre os seus objetivos, visa à constante melhoria na segurança de voo. Como mostrado no capitulo anterior, atualmente existe uma série de equipamentos cada vez mais sofisticados e automatizados a disposição das tripulações. Tal evolução reflete em uma maneira distinta de atuação por parte dos pilotos, deixando de desempenhar aquele papel operacional, no sentido de pilotar o avião manualmente, “no braço”, e passando a agirem como gerentes de voo, programando e monitorando o funcionamento dos sistemas automatizados, os quais são os novos responsáveis pelo “controle” do voo. Mas será que isso realmente vem tornando os voos mais seguros? Há margem para existência de novos problemas com esse elevado grau de automatismo na aeronáutica de hoje em dia? Este capítulo pretende explanar sobre a relação piloto, como ser humano, versus a máquina ou os sistemas automatizados da aviação moderna. Há quem diga que o elevado grau de automação nos aviões faz com que as tripulações operem cada vez menos tempo sem o auxilio daqueles mecanismos automatizados, como um autopilot, por exemplo, de modo que os pilotos venham perdendo os seus instintos de pilotagem. Afirmam ainda que estes pilotos estão se tornando mais complacentes e dependentes de tais equipamentos e que há uma série de acidentes que indicam como causa, a falta de proficiência dos pilotos na ausência de sistemas automatizados, ou a má utilização e/ou interpretação dos mesmos. Na reportagem “Aviação: tecnologia prejudica pilotos, acidentes sucedemse.”, há um trecho que diz o seguinte: “O estudo realizado pela FAA analisa 46 acidentes, 734 relatórios de pilotos e outros elementos da tripulação bem como informações de 9000 voos, recolhidas por peritos de segurança que observaram os pilotos em ação no cockpit. Conclusão: em mais de 60% dos acidentes, os pilotos tinham dificuldade em voar em modo manual, ou cometiam erros nos sistemas automáticos.[...]Mas há mais. Com muita frequência os pilotos 25 não se apercebiam que o piloto automático estava desligado. Verificouse também que alguns pilotos não conseguiam tomar as medidas apropriadas para recuperar uma aeronave que está a perder altitude ou a monitorizar e a manter a velocidade do aparelho.” Em resumo, há a afirmativa de que a evolução tecnológica observada vem prejudicando a proficiência e capacidade dos pilotos em operarem essas modernas aeronaves, quando não é possível contar com os mais diversos recursos tecnológicos existentes na aeronáutica de hoje em dia. O piloto é limitado e falível como qualquer ser humano. O distinto ambiente em que se enquadra hoje, cheio de novidades tecnológicas, torna necessária uma rápida adaptação e atualização aos novos conceitos. Porém o piloto como homem, ser humano, ainda não está e nem nunca estará imune a erros. Existem diversos fatores que podem contribuir para a ocorrência de um erro, ou falha, como por exemplo, a fadiga, a falta de atenção, o despreparo técnico e teórico, a não execução do procedimento operacional padrão, entre diversos outros. Com esse intuito, a nova tecnologia vem também para colaborar na mitigação dos erros quando se pensa que a sobrecarga dos pilotos é consideravelmente diminuída, permitindo que estes dediquem seu tempo a outras atividades tão importantes quanto, para o gerenciamento de um voo. Por outro lado, isto não quer dizer que os sistemas automatizados sejam perfeitos e que toda a culpa caia sobre o piloto. Estes podem apresentar falhas sim ou até mesmo quando o homem programa algo indevido, resultando no indesejável, pode-se dizer que é uma falha do sistema, visto que o mesmo não reconhece o erro humano. Há registros do manuseio inadequado de alguns equipamentos que levaram a consequências catastróficas. A exemplo disso tem-se o caso do acidente do Boeing 757, da American Airlines, que caiu nas proximidades do aeródromo de Cali, em dezembro de 1995. Um dos pilotos colocou os dados de um ponto que já havia sido sobrevoado no MCDU e o avião, ao efetuar a curva para voltar aquele ponto, chocou-se com uma montanha. No artigo de Roger Consul chamado: Automação e Fatores humanos num sistema tecnológico complexo de operações aéreas – “Airbus Golden Rules”, ele apresenta duas fundamentações teóricas. Uma é a High Reability Theory, a qual 26 defende que a aderência a procedimentos operacionais (SOP – Standard Operational Procedures) bem elaborados garantem a segurança, e que se houver um acidente, este será decorrente do erro humano. A outra, mais recente, é a Normal Accident Theory, que assume limitações humanas na cognição, onde erros são tratados como um problema no sistema como um todo (homem e máquina). Em outro momento o autor escreve: “... a automação pode gerar problemas no aprendizado de um novo piloto, ainda mais se este for proveniente de outra aeronave com menor automação. E, por mais que seja treinado, nem sempre se garante uma familiarização adequada com o equipamento operado, causando, inclusive, insegurança durante situações anormais de voo.” Isto significa que o piloto deve estar ciente da importância de sua total dedicação à capacitação e ao treinamento inicial dos sistemas automatizados, a fim de absorver ao máximo a complexidade das funcionalidades a sua disposição. Porém, segundo o Consul, nunca será possível reter 100% da informação, de modo que possa ocorrer o erro. Entretanto, o tempo e a experiência serão fatores favoráveis ao seu aperfeiçoamento. A função do comandante, portanto, vem mudando nos últimos anos devido o automatismo cada vez mais disseminado na aviação e essa é uma tendência que será mais acentuada nos próximos anos. Os modernos sistemas de aviação podem tornar o vôo mais seguro, porém se mal utilizados podem ser fatais. Os sistemas atuais são de maior complexidade em relação as lógicas aplicadas, panes não previstas podem acontecer sem que haja uma maneira de solucioná-las. Aos presentes comandantes caberá efetuar esta transição de maneira paulatina, fundamentando-se nos erros do passado, capacitando-se e atualizando-se com o progresso que o cerca a fim de manter o mais alto nível possível de qualidade na sua competência para pilotar, e vislumbrando as possibilidades do futuro. 27 CAPÍTULO 4. ACIDENTES AÉREOS E AUTOMAÇÃO EM VOO A automação faz parte da natureza humana, a necessidade de se criar instrumentos que facilitem a rotina e minimize o percentual de erro nos acompanha desde o início da nossa existência. Desde as primeiras ferramentas de caça as enormes linhas de produção, o homem busca conciliar celeridade, precisão, baixo custo e facilidade em praticamente tudo que faz. Na aviação não poderia ser diferente. O transporte internacional passou a ser utilizado em larga escala depois da II Guerra Mundial, por aviões cada vez maiores e mais velozes. A introdução dos motores a jato, usados pela primeira vez em aviões comerciais (Comet), em 1952, pela BOAC (empresa de aviação comercial inglesa), deu maior impulso à aviação como meio de transporte. No final da década de 1950, começaram a ser usados os Caravelle, a jato, de fabricação francesa (Marcel Daussaud/Sud Aviation). Nos Estados Unidos, entravam em serviço em 1960 os jatos Boeing 720 e 707 e dois anos depois o Douglas DC-8 e o Convair 880. Em seguida apareceram os aviões turbo-hélices, mais econômicos e de grande potência. Soviéticos, ingleses, franceses e norte-americanos passaram a estudar a construção de aviões comerciais cada vez maiores, para centenas de passageiros e a dos chamados "supersônicos", a velocidades duas ou três vezes maiores que a do som. Nesse item dos supersônicos, as estrelas internacionais foram o Concorde (franco-britânico) e o Tupolev (russo), que transportavam 144 passageiros e voaram até os anos 90, mas devido aos elevados custos de manutenção, passagens e combustíveis acabaram por ter as suas produções suspensas. Com uma evolução tão rápida e a aviação civil se tornando cada vez mais acessível ao público, o número de aeronaves no ar aumentava exponencialmente ao longo das décadas. Junto com essa explosão comercial, a necessidade de manter a segurança aliada ao conforto e velocidade precisava caminhar juntas. Surgiram então os primeiros sistemas de automatização aérea. Antigamente os vôos eram coordenados por estimativa, ou seja, os pilotos se comunicavam com as torres dos aeroportos e com o Controle de Tráfego Aéreo, porém ao saírem do alcance visual, os controladores passavam a deduzir a localização da aeronave com base nas informações dadas pelos pilotos. 28 No dia 30 de junho de 1956 esse método de controle de tráfego aéreo iria mudar definitivamente. No aeroporto internacional de Los Angeles, o Super Constellation “Star of the Seine” da Trans World Airlines – TWA, matrícula N6902C, vôo 2, decola às 09h01min, rumo a Kansas City, com 64 passageiros a bordo e seis tripulantes. Autorizado a decolar e subir para 19.000 pés e assim o fez. Super Constellation “Star of the Seine”da Trans World Airlines – TWA, matrícula N6902C Três minutos após a decolagem do TWA, às 09h04min, o Douglas DC-7 Mainliner “Mainliner Vancouver”, matrícula N6324C da United Airlines, vôo 718, decola com 53 passageiros e cinco tripulantes, com destino a Chicago. Autorizado a subir para 21.000 pés, também procedeu como o autorizado. Douglas DC-7 Mainliner “Mainliner Vancouver”, matrícula N6324C 29 A viagem de ambos transcorria sem nenhuma surpresa. Os planos de vôo de ambas aeronaves não previam que se cruzassem em mesma altitude em nenhum momento de seus longos vôos. Durante o vôo, nuvens carregadas, com trovões e chuvas formavam-se sobre o Grand Canyon. O piloto Jack Gandy, da TWA, solicita ao controle autorização para sair de 19.000 pés e subir para 21.000 pés. O pedido foi negado pelo fato do vôo 718 da United Airlines - UAL estar voando a esta altitude e próximo TWA. Novamente o TWA chama o controle e faz uma nova solicitação, desde vez pede para voar 1.000 pés acima das nuvens, pois assim poderia ver e ser visto. O Controle então autoriza o TWA a subir, lembrando-o da presença do UAL no mesmo nível. Voando sob IFR ambas aeronaves fazem uma breve órbita sobre o Grand Canyon, para o deleite dos passageiros que se maravilhavam com a bela vista. Em meios às nuvens, as duas aeronaves se chocam a 21.000 pés de altitude, matando todas as 128 pessoas a bordo. Ilustração publicada na Life Magazine em 29 de abril de 1957 demonstrando o momento do impacto. 30 Plano de vôo e local da queda de ambas as aeronaves. Este acidente fez com que diversas medidas fossem adotadas para que esse tipo de colisão não mais ocorresse. O espaço aéreo americano, paulatinamente, passou a receber radares para que todos os vôos fossem monitorados, do início ao fim. A Civil Aeronautics Administration – CAA, responsável pela Aviação Civil americana foi extinta em 1958 e foi então criada a Federal Aviation Administration – FAA, existente até hoje. Com o passar dos anos e dos acidentes aéreos, os dispositivos aeronáuticos destinados a automatizar e minimizar os erros dos pilotos foram predominando os cockpits das aeronaves no mundo todo. Um Boeing 747-400, na década de 70 já tinha a capacidade de pousar sozinho. Mas até onde essa automatização é realmente segura? 31 4.1. AIRBUS A 320, VÔO JJ 3054 No dia 17 de julho de 2007, o Airbus A320-233, prefixo PR-MBK, operado pela TAM Linhas Aéreas, fazendo o vôo JJ 3054, oriundo de Porto Alegre segue para sua aproximação final na pista 35L do Aeroporto de Congonhas em São Paulo-SP. Sabendo que o reversor de empuxo da turbina direita estava inoperante, o Comandante Henrique Stephanini Di Sacco, estava preocupado com as condições meteorológicas sobre a pista 35L. Chovia muito no momento do pouso, mas a aproximação final transcorria perfeitamente. A aeronave tocou a pista no horário previsto e correu pela pista, porém os freios aerodinâmicos não funcionaram e os freios mecânicos não foram suficientes para deter o Airbus A320 que subitamente guina para a direita e colide com o prédio da TAM Express do outro lado da Avenida Washington Luís. No vôo JJ 3054 estavam 180 passageiros e sete tripulantes. Todos morreram, incluindo 12 pessoas em solo. Mas que motivos levaram uma aeronave tão avançada tecnologicamente a não parar em uma pista molhada? Por que o Airbus não parou nos 1.332 metros do qual foi projetado? Por que uma pista de 1.880 metros não foi suficiente? Para muitos a automação assombra esta fatalidade aeronáutica. Vamos rever, detalhadamente, os instantes que antecederam o toque da aeronave com a pista 35L. Iniciaremos a análise às 18h48min23seg do dia 17 de julho de 2007. Neste momento o vôo JJ-3054 toca a pista do aeroporto de Congonhas. Menos de um segundo depois, o co-piloto alerta “reversor número um apenas”. Em seguida o co-piloto complementa, “nada de spoilers” (freios aerodinâmicos). Após ter dito isso ao comandante, a sucessão de tentativas de se parar o Airbus está explícita no CVR – Cockpit Voice Recorder. 32 18:48:33.3 Piloto: Olha isso. 18:48:34.4 Co-piloto: Desacelerar. Desacelerar. 18:48:35.9 Piloto: Não dá, não dá. 18:48:40.0 Piloto: Oh, meu Deus. Oh, meu Deus. 18:48:42.7 Co-piloto: Vai, vai, vai, vira, vira, vira, vira. 18:48:44.6 Co-piloto: Vira, vira para... não, vira, vira. 18:48:45.5 Cabine: (som de forte compressão) 18:48:49.7 Voz não identificada na cabine: Oh, não (voz masculina) 18:48:50.0 Cabine: (pausa nos sons de compressão) 18:48:50.6 Voz não identificada na cabine: (som de grito, voz feminina) 18:48:50.8 Cabine: (som de compressão violenta) 18:48:51.4 Então a gravação se encerra. Lendo a transcrição tem-se a idéia de que a aeronave simplesmente não freava, e fato não frearia como veremos a seguir. No dia da tragédia, a mesma tripulação com a mesma aeronave, pousaram 2h30min antes no Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre – RS sem problema algum, mesmo estando apenas com o reversor do lado esquerdo funcionando. 33 Para este pouso, a tripulação adotou o procedimento correto de pouso, puxando os dois manetes de potência para a posição IDLE, e em seguida para a posição REV, posição que acionaria os reversos, mesmo um estando inoperante. Manetes de potência do A-320 Ao se checar os procedimentos para o pouso no Aeroporto de Congonhas, descobriu-se que o Comandante puxou apenas o manete de potência esquerdo para IDLE e em seguida para REV, deixando o manete de potência direito em posição de aceleração. Por este motivo, os computadores do Airbus entenderam que o procedimento que estava sendo realizado não era um pouso e por conseqüência os freios aerodinâmicos não foram acionados. Naquelas condições, o Airbus precisaria de, no mínimo, 1.000 metros a mais para parar completamente. A automação neste acidente, além da culpa da tripulação, teve um papel fundamental para este resultado. Um erro, de não ter sido colocado o manete direito na posição correta, desencadeou uma resposta da aeronave que por achar não se tratar de um pouso não acionou os mecanismos de auxílio a frenagem, impossibilitando a frenagem total em tempo hábil. 34 Nenhum aviso sonoro ou visual foi dado pela aeronave aos seus pilotos em relação a esta incongruência. Possivelmente, se não existisse sistemas automáticos nesta aeronave, talvez, os freios aerodinâmicos teriam sido acionados manualmente pelos pilotos que provavelmente conseguiriam levar a imobilidade o Airbus. Airbus A320-233, prefixo PR-MBK dias antes de se acidentar. A320-233, prefixo PR-MBK logo após a queda. 35 4.2. WEST CARIBBEAN AIRWAYS voo 708 Aos 16 dias de agosto de 2005, pouco antes das 06h00min UTC, 01h00min no Panamá, um McDonnell Douglas MD-82, prefixo HK-4374X da West Caribbean Airways está no Tocumen International Airport sendo preparado para realizar o vôo 708 com destino a Martinica. Nele embarcaram 152 passageiros e oito tripulantes. E às 06h00min UTC decolou em segurança e seguiu com os procedimentos internos e de acordo com o plano de vôo aprovado subindo para 33.000 pés durante o vôo que estava previsto para durar três horas. O vôo estava lotado, com excesso de peso, o que veio a se confirmar durante as investigações futuras que a West Caribbean não tinha um controle muito preciso do peso das bagagens dos passageiros. A medida que sobrem e a temperatura externa diminui, o comandante ordena que o sistema anti-ice seja acionado. Já se passaram 30 minutos desde a decolagem e agora estavam a pouco mais de 31.000 pés. A frente do MD-82 estava uma tempestade severa, com furacões de pequena a média intensidade. A tripulação solicita ao controle autorização para realizar uma curva a esquerda, com a finalidade de se afastar das formações mais perigosas e após esse desvio, voltam a subir para atingirem o nível 330, 33.000 pés. Durante a pequena subida de 2.000 pés, o Comandante ordena o desligamento do sistema de degelo, o anti-ice, e ao nivelar no nível 330 o liga novamente. Após o nivelamento no nível do vôo previsto, a tempestade está muito intensa e perigosa, e a tripulação solicita autorização para descer novamente ao nível 310 ou seja, 31.000 pés. Para esta descida, o Comandante desliga o piloto automático e procede manualmente. Logo após o desligamento do piloto automático, os manches passaram a vibrar, stick shakers, avisando aos pilotos que o MD-82 estava voando perigosamente 36 lento, muito próximo de sua velocidade de estol, que é a perda de sustentação da aeronave. O comandante então aplica potência máxima e puxa o manche contra si, mantendo o nariz da aeronave ainda mais elevado, enquanto o co-piloto o adverte dizendo, “é um estol, é um estol”. Mesmo em potência máxima os dois motores continuam a perder potência drásticamente e o MD-82 continua em um ângulo de ataque excessivo caindo rapidamente, em apenas 30 segundos caíram 9.000 pés. O 06h51min UTC o comandante ordena ao co-piloto que avise o Controle que possuem uma pane nos dois motores. A aeronave despenca dos céus, “embarrigado” até sumir das telas do radar às 07h00min UTC em espaço aéreo venezuelano. McDonnell Douglas MD-82, prefixo HK-4374X antes da queda. O que levou uma aeronave amplamente utilizada no mundo a cair de forma tão inesperada? Uma confluência de fatores levaram a esta situação. Ao decolar, o MD-82 estava sobrecarregado, o que não permitia que ele voasse perfeitamente no nível 330. O comandante sem precisamente o peso da aeronave, calculou a subida para o 330. Enquanto para o peso total da aeronave naquela ocasião, não deveria passar dos 31.000 pés. Por esta razão o vôo não teve 37 problemas até o nível 310. Quanto mais alto, menos denso o ar é, e por esta razão o nível 310 era o máximo que deveria ser atingido pelo MD naquela madrugada. No nível 330, em meio a turbulências e tempestades, religaram o anti-ice, que consumiu uma potência milagrosa do MD naquela altitude, peso e condições climáticas, fazendo com que a aeronave perdesse potência e quanto mais potência perdia, mais o piloto automático aumentava o pitch, ou seja, o ângulo de ataque para gerar mais sustentação. E quanto maior o ângulo de ataque, mais potência era perdida e mais fracos os motores ficavam pois o fluxo de ar diminui a medida que o nariz sobe para manter a sustentação. Quanto uma aeronave está em vôo reto e nivelado, o fluxo de ar que entrar em seus motores é contínuo e uniforme, conforme demonstra a figura abaixo: À medida que o ângulo de ataque foi se elevando, o fluxo de ar foi deixando de ser contínuo e uniforme, fazendo com que sua eficiência fosse reduzida. 38 Em decorrência da falta de potência, o comandante manteve sua atenção totalmente focada aos motores, não tendo condições de checar demais condições da aeronave. Quando a tripulação resolveu voltar ao nível 310 e para isso desligou o piloto automático, o ângulo de ataque era tão elevado que praticamente no mesmo instante a aeronave entrou em estol. Apesar dos apelos do co-piloto ao comandante, informando-lhe que se tratava de um estol, nada foi feito em relação a isso. Pelo contrário, do início do estol até o momento do impacto, o manche estava sendo puxado, atitude totalmente errada e incongruente para a situação. Quando uma aeronave estola dessa forma, o correto é dar potência e levar o manche para a frente, com a finalidade de baixar o nariz, ganhar velocidade e gerar sustentação novamente. Os motivos que levaram o comandante a fazer o inverso, ninguém jamais saberá, porém isso custou a vida de 160 pessoas, constituindo-se como o pior acidente aeronáutico da Venezuela. McDonnell Douglas MD-82, prefixo HK-4374X após a queda. 39 4.3. QANTAS vôo QF72 e AIR FRANCE vôo 442 7 de outubro de 2008, o Airbus A330-300, prefixo VH-QPA, da companhia australiana Qantas decola, às 09h32min (hora local) do aeroporto de Cingapura com destino a cidade, também australiana, Perth, com 315 pessoas a bordo, incluindo os tripulantes. O voo QF72 iniciara sua subida sem nenhum indício que aquele seria um dia diferente para todos a bordo. Após cruzar 37.000 pés, o piloto automático é desligado. Esse desligamento é acompanhado de uma série de alarmes e avisos de falha de sistema do Airbus. Já se passaram 03h10min da decolagem. Às 12h42min, o Airbus subitamente despenca sem controle, sem aviso, atingindo um ângulo de 8.4° de pitch down, perdendo 650 pés de altura. A tripulação então consegue estabilizar a aeronave e levá-la novamente a 37.000 pés, porém às 12h47min o Airbus novamente inicia por conta própria uma nova descida, em um ângulo de pitch down de 3.5°, perdendo dessa vez 400 pés nessa descida. Quatro minutos após a segunda descida, os pilotos emitem o PAN PAN PAN, e requisitam pousar em Learmonth, porém, após os pilotos receberem informações dos comissários sobre a situação médica de diversos passageiros, emitem o pedido de MAYDAY e pousam no aeroporto recém solicitado às 13h50min. Em decorrência destes dois mergulhos, 119 passageiros/tripulantes ficaram feridos, sendo que doze em estado de saúde grave. Ninguém foi a óbito por decorrência dos fatos. A investigação conduzida pelo Australian Transport Safety Bureau (ATSB), concluiu que uma pane na ADIRS – Air Data and Inertial Reference System, que fornece os dados de velocidade, altitude, grau de ângulo de ataque, posicionamento e comportamento do avião foi o que levou o Airbus a agir por conta própria. 40 No dia 1° de junho de 2009 o Airbus A330-203, da companhia Air France, prefixo F-GZCP, decolara do aeroporto internacional do Rio de Janeiro-RJ às 19h29min, hora local, com destino a Paris, transportando 228 pessoas a bordo. O voo AF-447 iniciara sem problemas, a tripulação mantinha contato via rádio como o esperado e mantinham o FL350. Pouco antes das duas horas da manhã, precisamente às 23h48min o AF447 deixa a área de cobertura do CINDACTA III e continua o seu trajeto. Alguns quilômetros a frente, diversas formações meteorológicas severas se formam. Para cumprir seu plano de voo o 447 passará por uma zona inter-tropical de convergência, local comum de formação de nuvens cumulonimbus. O avião voava a FL350 e Mach 0,82 e a atitude pitch era de cerca de 2,5 graus. Piloto automático 2 e auto-thrust estavam acionados. Às 02h06min, o co-piloto chamou o chefe de cabine, dizendo-lhe que "emdois minutos devemos entrar em uma área aonde ele vai se mover um pouco mais do que no momento, você deve tomar cuidado" e acrescentou "eu vou chamá-lo de volta logo que estamos fora dela". Às 02h08min, o Comandante disse "talvez você pode ir um pouco para a esquerda [...]". O avião começou uma pequena mudança para a esquerda, a alteração em relação ao percurso inicial era deaproximadamente 12 graus. O nível de turbulência aumentou ligeiramente ea tripulação decidiu reduzir a velocidade para cerca de 0,8 Mach. Às 02h10min, o piloto automático, em seguida o auto-thrustsão desligados com os dizeres do co-piloto "eu tenho os controles". O avião começou a rolar para a direita e durante esta curva, o nariz do Airbus estava para cima e à esquerda, apesar de ser uma curva para a direita. Os parâmetros registrados mostram uma queda acentuada de cerca de 275 kt da velocidade mostrada primary flight display(PFD). 41 Após breves segundos o comandante confirma os dados errôneos de velocidade dizendo "sim, nós perdemos as velocidades" e depois comunica "alternate law [...]". A atitude de pitchdo avião aumentara progressivamente para além de 10 graus o AF-447 iniciara uma subida.. O co-piloto então coloca o Airbus novamente em atitude de descida e a velocidade vertical caiu de 7.000 pés por minuto para 700 pés por minuto. A velocidade indicada no lado esquerdo aumentou acentuadamente a 215 kt (Mach 0,68). O avião foi, então, a uma altitude de cerca de 37.500 pés eo ângulo de ataque registrado foi de cerca de 4 graus. Neste momento o alarme de estol soa. Os manetes foram posicionados no TO/GA e o piloto em comando manteve nariz para cima. O ângulo de ataque registrado, de cerca de 6 graus no momento que soou o alarme de estol e continuou a aumentar. O Airbus continuara a subir, até chegar no seu teto máximo naquela situação de 38.000 pés. Neste momento o ângulo de ataque era de 16 graus. Por volta das 02h11min, o capitão re-entrou no cockpit. Durante os segundos seguintes, todas as velocidades mostradas eram inválidas e o aviso de estol havia parado. A altitude aparentemente tinha sido normalizada, pois o 447 retornara para 35.000 pés, porém o ângulo de ataque excedeu 40 graus ea velocidade vertical era de cerca -10.000 pés/min. Era o início de uma queda assombrosa em meio ao Oceano Atlântico. Às 02h12min, o piloto em comando disse "eu não tenho mais nenhuma indicação", eo Comandante confirma "não temos indicações válidas". Naquele momento, as manetes de potência estavam em IDLE e N1 dos motores eram menos 55%. Cerca de quinze segundos depois, o piloto em comando picou a aeronave fazendo o ângulo de ataque diminuir e as velocidades tornaram-se novamente válidos, porém o alarme de estol soou novamente. No momento do impacto com o mar, o AF 447 tinha um ângulo de ataque de 35°, velocidade vertical de -10.912 pés por minuto, ground speed de 107 kt, rumo magnético de 270° e uma leve rolagem para esquerda de 5,3° 42 Após várias tentativas de se encontrar o AF447, somente no dia 03 de abril de 2011, um navio de pesquisa usando submersíveis não tripulados localizou pedaços de destroços, incluindo um motor, trem de pouso e fuselagem e partes da asa no chão do oceano. Mas o que o Airbus da Qantas e o da Air France tem em comum? Para muitos estudiosos e críticos tudo pode ter começado no mesmo local, a ADIRS – Air Data and Inertial Reference System. Nas duas situações o Airbus emitiu mensagens de alertas e avisos para o operacional das empresas proprietárias. Sem as referências de velocidade, altitude, grau de ângulo de ataque e posicionamento, ambas tripulações não tinham condições de, através dos seus instrumentos, determinar o que realmente ocorria com seus respectivos aviões. No caso da Qantas, por ter ocorrido a pane durante o dia, os pilotos tinham referencias visuais para se basearem se subiam ou desciam, se rolavam para esquerda ou direita. No Air France isso ocorreu em plena noite, com tempestade, sem a menor possibilidade de orientação espacial visual. No laudo oficial sobre o acidente, o Bureau d'Enquêtes et d'Analyses (BEA) apenas cita a ADIRS, mais precisamente a ADIRU - Air Data and Inertial Reference Unit, mas não indica que esta unidade tenha apresentado problemas que efetivamente podem ter contribuído para o acidente. Airbus A330-203, da companhia Air France, prefixo F-GZCP antes da queda 43 Um dos motores do F-GZCP no fundo do oceano atlântico Trem de pouso do F-GZCP também no fundo do Atlântico 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS A automação, em todos os setores, veio para ficar. Inegável os benefícios que a automação traz a todos os setores comerciais, seja de um simples minimercado até uma aeronave com mais de 400 passageiros a bordo. Nos sistemas automáticos encontramos a celeridade, precisão, ausência de fadiga e exclusão do erro. É o que se espera desses sistemas. A História nos mostra que a automação salvou e ceifou vidas, assim como a interferência humana. Excluir a automação de nossas vidas seria, sem dúvida, um retrocesso. Porém permitir que a automação decida por nós, também é um retrocesso. A criatura jamais deverá se voltar contra seu criador. A partir do momento que não permitimos que as nossas decisões sejam as válidas, sejam as colocadas em prática, a segurança do voo está comprometida. O piloto e seu co-piloto, por serem seres humanos, possuem a capacidade de avaliar, improvisar, refazer e se necessário for, colocar em risco o voo com a finalidade de preservar algo maior. No voo 375 da VASP, o comandante, com seu Boeing 737-300 realizou um tonneau e um parafuso, manobras acrobáticas e tecnicamente impossível de serem realizadas por um Boeing. O Comandante fez essas manobras para derrubar o sequestrador que mirava uma arma em sua nuca e poucos instantes antes assassinara o co-piloto. As manobras lograram êxito, e o comandante conseguiu pousar rapidamente garantindo a integridade dos 98 passageiros. 45 A automação extrema, como as encontradas nos Airbus, jamais permitiriam essa manobra. Os computadores não tem a capacidade de avaliar, apenas fazem aquilo que são programados para fazer. No Airbus, quando a aeronave se encontra sem problemas e todos os sistemas aparentemente funcionando, é impossível para o piloto realizar o desacoplamento total da aeronave, ou seja, assumir por completo o controle, chamado de Direct Law. O direct Law só é permitido e passa a funcionar automaticamente quando os sistemas de controle automatizados do Airbus entram em pane. No caso do Qantas e da Air France os computadores “achavam” que estavam funcionando corretamente e por isso não permitiram aos pilotos assumirem completamente o controle. Talvez o modo mais seguro e avançado existente, seja o que está presente no Boeing 777 Dreamliner, pois apesar de ser completamente automatizado, assim como os Airbus, permite o desacoplamento total, tanto em situações de emergência como através da vontade do piloto por um simples acionamento ou desligamento manual. Enfim, não é mais aceitável que pessoas com suas vidas cheias de sonhos, objetivos, alegrias e responsabilidades sejam ceifadas por uma máquina que agiu por vontade própria. Quando isto ocorre através das mãos de um dos nossos semelhantes, já causa dor e tristeza, mas ser causado por uma máquina concebida por nós mesmo é inadmissível. 46 REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS WEB SITE DA GULFSTREAM. Disponível em <http://pt.gulfstream.com/product_enhancements/evs/> Acesso em 07 de maio de 2012. HOW STUFF WORKS – COMO TUDO FUNCIONA. Disponível em <http://viagem.hsw.uol.com.br/piloto-automatico3.htm> Acesso em 2 de maio de 2012. CONTATO RADAR – SITE SOBRE AVIAÇÃO. Disponível em http://forum.contatoradar.com.br/index.php/topic/79320-faa-tecnologia-prejudica-pilotos/ > Acesso em 1° de maio de 2012. AUTOMAÇÃO E FATORES HUMANOS NUM SISTEMA TECNOLÓGICO COMPLEXO DE OPERAÇÕES AÉREAS “AIRBUS GOLDEN RULES”. Disponível em http://dc352.4shared.com/doc/an7djvHe/preview.html> Acesso em 10 de maio de 2012. VOAR É MAIS FÁCIL QUE FAZER VOAR. Disponível em: http://www.hangardoheinz.com/2011/02/revolucao-digital-na-aviacao-artigo.html> Acesso em 10 de maio de 2012. TUTORIAL SISTEMAS AIRBUS. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/54302208/Tutoria-Sistemas-Airbus> Acesso em 10 de maio de 2012. Artigo: COGNITIVE AUTOMATION, OPERATIONAL DECISION AND HUMAN ERROR. Disponível em: http://mpra.ub.uni-muenchen.de/9828/1/Errar_ainda_e_Humano_.> Acesso em 14 de maio de 2012. SISTEMAS DE INFORMAÇÕES OPERACIONAIS DE VOO. Disponível em: http://pt.scribd.com/marelvas/d/30747359-Sistema-de-Informacoes-Operacionais-deVoo> Acesso em 15 de maio de 2012. TAMSAFETY MAGAZINE – as acft evoluíram. E o homem? Disponível em: http://www.tamflightsafety.com.br/sfs/img/rcd/revista/TAMSafety10.pdf> Acesso em 9 de maio de 2012.