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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
ETNOGRAFIA VIRTUAL: UMA TENDÊNCIA PARA PESQUISA EM
AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA
Daniel Ferraz
Denise Pelegrinelli
Ecivaldo de Souza Matos
Julio Cesar Mansur Haddad
Marta Terezinha Motta Campos Martins
Raquel La Corte dos Santos
Renata Prieto Faria
Ricardo Medeiros
Tatiana Visnevski Mendes
São Paulo
Jullho de 2009
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ................................................................................................................... 4
RESUMO ........................................................................................................................................ 5
1 – INTRODUÇÃO: NASCE UMA NOVA COMUNIDADE DE
APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA ............................................................................................ 6
2 - DO PENSAMENTO MODERNO/POSITIVISTA À PÓSMODERNIDADE: EDUCAÇÃO, NOVAS TECNOLOGIAS, NOVAS
EPISTEMOLOGIAS E AS REDES SOCIAIS VIRTUAIS ...................................................... 11
2.1 - AS ESPISTEMOLOGIAS MODERNA E PÓS-MODERNA ....................................................... 11
2.2 – VIVENDO EM REDE ................................................................................................. 17
2.3 – A SOCIEDADE LÍQUIDA, EFÊMERA, FLUIDA..................................................... 21
2.4 – POR UM NOVO CONCEITO DE COMUNIDADE: REDES SOCIAIS,
COMUNIDADES PESSOAIS E INTELIGÊNCIA COLETIVA ........................................ 27
2.5 – REDES DE GUERRA E GUERRAS EM REDE NO CIBERESPAÇO ...................... 31
3 - METODOLOGIA DE PESQUISA: MÉTODOS ETNOGRÁFICOS PARA
A PESQUISA EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E DE
PRÁTICA ...................................................................................................................................... 35
3.1 – DAS METODOLOGIAS .................................................................................................... 35
3.2 – ETNOGRAFIA TRADICIONAL: DAS BASES À ATUALIDADE .............................................. 37
3.3 - ETNOGRAFIA VIRTUAL: INVESTIGANDO NO CIBERESPAÇO ............................................ 41
CAPÍTULO 4 – MAPEAMENTO DOS PROJETOS MUNDIAIS E
TENDÊNCIAS SOBRE A ETNOGRAFIA VIRTUAL: ESCOLA DO
FUTURO E PPGCOM (BRASIL), VKS (HOLANDA), THE VIRTUAL
ETHNOGRAPHY (REINO UNIDO) E DIGITAL ETHNOGRAPHY
(ESTADOS UNIDOS) .................................................................................................................. 45
4.1 MANIFESTO DIGITAL ................................................................................................ 45
4.2 PROJETOS MUNDIAIS E A ETNOGRAFIA VIRTUAL/DIGITAL ........................... 50
4.3 A ETNOGRAFIA VIRTUAL E OS PROJETOS DA ESCOLA DO FUTURO
(LINTEE E PPGCOM - USP) ............................................................................................... 55
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 60
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 65
APÊNDICE: MAKING-OF .......................................................................................................... 69
2
“O importante não são as respostas a que se
chegam, mas sim as perguntas que se fazem.”
Jostein Gaarder (adaptado)
3
AGRADECIMENTOS
Nossos sinceros agradecimentos à nossa professora Dra. Brasilina Passarelli
por ter nos concedido oportunidade desta experiência tão enriquecedora:
compartilhar espaços, conhecimentos, tempo, sonhos, risos e, especialmente,
elaborar este texto coletivo.
Agradecemos também à Profa. Dra. Anamelea de Campos Pinto pela sua
gentileza e disponibilidade, vindo das Alagoas para nos ajudar, oferecendo seu
tempo e sua atenção para as nossas inquietações.
E, por fim, não poderíamos deixar de agradecer àquela pessoa que sempre
esteve presente. No começo parecia que iria apoiar a professora, mas logo
percebemos que ela estava ali de corpo e alma para nos ajudar, sempre
prontamente e com a sua simpatia encatadora. Muito obrigado Cacau (Claudia
Pontes Freire), a nossa fada madrinha.
Os autores.
4
RESUMO
Este texto é resultado de um esforço cognitivo coletivo, tendo como objeto de
investigação o mapeamento de trabalhos que fazem uso do método etnográfico
em ambientes virtuais de aprendizagem – Etnografia Virtual. Nosso olhar
focalizou os trabalhos desenvolvidos no Programa de Pós-graduação em
Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade
de São Paulo orientados pela profa. Dra. Brasilina Passarelli, além de outros
trabalhos, em diferentes países, que fazem uso consciente ou inconsciente de
uma “etnografia virtual”. Observamos ao longo do trabalho os recursos
utilizados por quem faz uso do método etnográfico em pesquisas sobre
ambientes de aprendizagem e de prática e/ou em comunidades virtuais. Em
princípio, revisitamos a epistemologia moderna e assinalamos sua influência na
prática da sala de aula. Em seguida, comparamos com a epistemologia pósmoderna e refletimos sobre os novos paradigmas que esta anuncia.
Realizamos, por fim, uma revisão da literatura e dos trabalhos ora assinalados,
observando as contribuições para o estudo do ciberespaço, dos dispositivos e
das ferramentas de aprendizagem que esse novo ambiente convoca.
5
1 – INTRODUÇÃO: NASCE UMA NOVA COMUNIDADE DE
APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA
Each of us is part of a large cluster, the worldwide social net, from which no
one is left out. We do not know everybody on this globe, but it is guaranteed
there is a path between any two of us in this web of people (BARABASI,
2003, p. 18).
Sempre que iniciamos uma nova disciplina, procuramos saber de que
maneira essa disciplina irá contribuir com a nossa pesquisa. Cremos que a
disciplina, carinhosamente intitulada CCVAP – Criando Comunidades Virtuais
de Aprendizagem e Prática1, tornou-se uma daquelas disciplinas fundamentais
para quaisquer alunos que pesquisam não somente os ambientes de
comunidades virtuais, mas também a todos aqueles que buscam entender o
papel das novas tecnologias na educação – segundo um olhar novo, que
quebra paradigmas e faz refletir, na prática, sobre seus próprios processos de
aprendizagem. Isso porque, além de questionar certos paradigmas arraigados
em nosso entendimento de educação, ela apresenta outras possibilidades,
como:
 entender questões anteriores como as relacionadas à metodologia;
 compreender a educação inserida na modernidade (textual, tipográfica)
e na pós-modernidade (multimodal, digital, virtual);
1
Portal CCVAP: http://ccvap.futuro.usp.br
6
 entender os contextos atuais nos quais os usos das tecnologias são
tidos como extensões humanas (Understading Media, McLuhan 1964; A
Pele da Cultura, de Kerckhove 1997);
 entender novos conceitos de comunidades reais e/ou virtuais e como
construções de conhecimento se dão nesses contextos.
Os comentários iniciais nos corredores, durante os intervalos ou nas
discussões promovidas a cada final de aula, eram inevitáveis: “– Será que
conseguiremos construir um texto coletivamente com tantas pessoas?”, “–
Como lidar com uma metodologia até então nova para todos os alunos de pósgraduação ali presentes?, “ – [essa disciplina] mudou minha maneira de pensar
a prática pedagógica”, “ – [essa disciplina] mudou minha maneira de pensar as
comunidades nas quais sou agente”, “ – Estou em crise, tenho que colaborar...
e ser ajudado!”. Essas eram algumas inquietações do grupo que participou
dessa disciplina. Certamente, ela abalou os sistemas de pensamento de muitos
de nós e serviu como reflexão sobre as epistemologias vigentes, ou seja, sobre
as construções de conhecimento nas quais estávamos embasados e
“formados”, também, para muitos participantes do grupo que são educadores e
formadores de professores, a disciplina provocou a reflexão sobre suas
práticas pedagógicas.
Entendemos como nossa forma a forma positivista neoliberal moderna
de pensar, ver e se relacionar com o mundo influencia nossas atitudes em sala
de aula (como alunos, e, para os professores do grupo, como educadores),
nossas pesquisas e nossos comportamentos como agentes sociais. Quando
entendemos o porquê dessas construções, como frisou a professora Brasillina
em suas aulas, adquirimos maior agência e, portanto, maior responsabilidade
sobre os processos sociais, sobre as relações de poder e um maior
entendimento sobre uma educação tradicional (em pleno século XXI?) que
necessita ser revisitada, re-visionada e reprogramada.
Dessa forma, explanaremos, nessa introdução, nossos processos de
construções do conhecimento coletivo nas aulas da disciplina CCVAP. Trata-se
de uma turma bastante heterogênea, formada de professores universitáriospesquisadores nas áreas de comunicação, línguas inglesa, francesa e
7
espanhola,
alunos-pesquisadores
de
comunicação
social,
jornalistas,
jornalistas da área de educação internacional, da área da ciência da
computação, educação (formação de professores), uns doutorandos, outros
mestres, alguns pleiteando vaga para mestrado.
Os nossos macro-objetivos foram:
1. construção do texto coletivo com a participação de todos os
alunos da disciplina CCVAP 2009 (proposta da disciplina e da
professora) e
2. utilizarmos
os
conhecimentos
construídos/debatidos
em
pesquisas de mestrado e doutorado em andamento ou a serem
desenvolvidas proximamente.
Nossas etapas de pré-concepçao do texto foram:
 assimilação, discussão, trocas e produção de conhecimento
individual e coletiva a partir das aulas, palestras (neste período
letivo – 2009.1, tivemos o privilégio de participar da palestra da
Prof. Dra. Anamelea de Campos Pinto (UFAL2) sobre o Sistema
UAB – Universidade Aberta do Brasil) e do sítio eletrônico da
disciplina;
 estudo dos textos coletivos das turmas CCVAP de 2001 até 2008.
Para isso, nos dividimos em subgrupos, cada subgrupo postou no
blog coletivo da turma3 um resumo dos trabalhos desenvolvidos
nesse período;
 aprofundamento dos conhecimentos sobre o quadro teórico
fundamental para entendimento das questões tais como as TIC,
redes
sociais,
comunidades
virtuais,
comunidades
de
aprendizagem, teorias de aprendizagem, múltiplas inteligências e
os novos paradigmas da educação.
2
Universidade Federal de Alagoas
3
http://ccvap.futuro.usp.br/blog/~2009
8
Para a realização da disciplina CCVAP, cercamo-nos de recursos
disponibilizados pela professora Brasilina, bem como por outros recursos
trazidos por nós à turma, a citar:
 aulas presenciais (aulas e aulas externas de discussão) e a
distância
(encontros
virtuais
usando
Skype®,
MSN®,
Googlegroups®);
 compartilhamento de informações e relatórios no Portal CCVAP.
Neste portal estão disponoibilizados o conteúdo da disciplina, as
aulas presenciais e as referências bibliográficas, dentre outras
coisas;
 desenvolvimento, inicialmente, de blogs individuais, reservados a
cada um dos alunos da disciplina. Posteriormente, optamos pelo
BLOG de todos, passamos, portanto, a postar nossas atividades
cotidianas em um só blog;
 preparação e disponibilização de relatorias das aulas, ou seja, um
diário das atividades mais relevantes realizadas durante os
encontros e aulas presenciais. Para esta tarefa, nós elaboramos
uma escala em que nos revezávamos no registrarar e
disponibilização desse artefato;
 disponibilização, no Portal do CCVAP, o nosso making-of. Para
essa atividade, optamos por registros visuais, escritos e
gravações de aúdio (fotos e vídeo em anexo – CD).
No capítulo a seguir, apresentamos um panorama das teorias que
embasam as discussões e análises. Neste, enfatizamos a importância da
conexão de áreas muitas vezes consideradas distantes e não-interconectáveis.
Nossos estudos nos levaram a percorrer os caminhos da tecnologia de Pierre
Levy e Manuel Castells; da virtualidade de O‟Gorman; das comunidades e
redes sociais de Rheingold, Barabasi, Rogério da Costa e Brasilina Passarelli;
da educação de Paulo Freire, Saviani; da etnografia tradicional propostas por
Geetz; da etnografia virtual teorizadas recentemente por Christine Hine e
estudos de linguagem e da sociedade defendidos em Latour, McLuhan e de
Kerchhove.
9
No capítulo seguinte, apresentaremos uma análise mais aprofundada
dos temas que nos interessa analisar: as redes sociais e as comunidades
virtuais de aprendizagem e de prática. Uma das metodologias possíveis para
análise dessas comunidades é a etnografia virtual. Esta metodologia será o
foco da nossa terceira etapa, havendo uma breve introdução sobre a etnografia
tradicional e um posterior estudo sobre a possibilidade de estender/transportar
essa metodologia para ambientes virtuais, tal como vem sendo realizado por
pesquisas de mestrado do programa PPGCOM e pelos projetos gerados na
Escola do Futuro (www.futuro.usp.br). No último capítulo, realizamos uma
análise em que as duas pesquisas de mestrado realizadas sobre o assunto e
entrevistas concedidas pela orientadora e pelos pesquisadores formam nossos
dados de análise e interpretação. Finalmente, uma análise da nossa própria
pesquisa se faz necessária. Nas conclusões, apontamos para algumas
possibilidades de uso da etnografia virtual em pesquisas sobre comunidades
de prática em níveis de mestrado e de doutorado.
Observação importante: retiramos definição da disciplina do texto coletivo de
nossos colegas da turma de 2007e fizemos nossas atualizações: Essa é uma
disciplina mantida pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de
São Paulo - ECA/USP, desde 2001, coordenada pela Professora Doutora
Brasilina Passarelli. O principal objetivo da disciplina é fazer com que os
alunos, em curso, estudem aspectos relativos às comunidades virtuais, utilizem
14 ferramentas tecnológicas existentes nas comunidades virtuais e, por fim,
desenvolvam um texto coletivo relativo ao que estudaram e às suas
experiências vivenciadas durante o curso. Por se tratar de uma disciplina
realizada no âmbito da pós-graduação da ECA, é esperado que cada grupo,
turma que freqüentou a disciplina em um determinado ano, tenha realizado um
trabalho científico referente ao tema estudado. Assim, para cada ano em que a
disciplina foi realizada, existe um trabalho científico desenvolvido, de forma
coletiva, pela turma que realizou a disciplina. O servidor (computador) da
Escola do Futuro, projeto vinculado à ECA, mantém os trabalhos científicos
desenvolvidos durante o período 2001 a 2008.
10
2 -
DO PENSAMENTO MODERNO/POSITIVISTA À PÓS-
MODERNIDADE: EDUCAÇÃO, NOVAS TECNOLOGIAS, NOVAS
EPISTEMOLOGIAS E AS REDES SOCIAIS VIRTUAIS
2.1 - As espistemologias moderna e pós-moderna
>>>>>>
Para nós, modernos, desvelar era tarefa sagrada. Revelar sob as falsas
consciências os verdadeiros cálculos ou sob os falsos cálculos os
verdadeiros interesses. (...) Será nossa culpa se as redes são ao mesmo
tempo reais como a natureza, narradas como discurso, coletivas como a
sociedade? Será que devemos segui-las abandonando os recursos da critica,
ou abandona-las posicionando-nos junto ao senso comum da tripartição
critica? Nossas pobres redes são como os curdos anexados pelos Iranianos,
iraquianos e turcos que, uma vez caída a noite, atravessam as fronteiras,
casam-se entre eles e sonham com uma pátria a ser extraída dos três países
que os desmembram. (LATOUR, 2008, p.12 ).
A primeira parte deste texto busca entender a epistemologia na
sociedade moderna. A partir de questões filosóficas tais como o entendimento
do positivismo, liberalismo e dialética, veremos como o nosso modo de pensar
é influenciado por esses sistemas filosóficos. Ao iniciar os estudos sobre o
positivismo, o liberalismo e a dialética questionamos a razão pela qual
estaríamos aprofundando conhecimentos nessas áreas. Qual seria a relação
com as pesquisas sobre o virtual, com as comunidades e com a educação?
Parece-nos, à primeira vista, que esses estudos não teriam conexão com as
nossas pesquisas e, portanto, não seriam relevantes. Entretanto, tratam-se de
11
questões fundamentais para entendermos nossos processos de construção de
conhecimentos (modernos). Entender esses estudos utilizando a metáfora da
árvore representada por raízes, tronco, galhos e folhas proporcionaria,
inicialmente, uma relação entre a filosofia e a educação. A metáfora mostra que
o positivismo, o liberalismo e a dialética formam as raízes da “árvore da
sociedade moderna”, ou seja, são fundamentais para compreendermos o
mundo moderno no qual estamos inseridos e somos agentes. No âmbito
educacional, veremos que o entendimento dessas raízes é essencial, pois
delas originam muitas de nossas teorias sobre o ensinar e nossas atitudes em
sala de aula. Muito do que se discute sobre a educação, entretanto, refere-se
às metodologias e técnicas de ensino, ou seja, ao tronco, galhos e folhas. Nós,
professores e pesquisadores, muitas vezes, ainda não enxergamos as raízes
do processo educacional e mantemos o papel de reprodutores de
conhecimento (à luz das teorias do reprodutivismo de Bourdieu). Segundo
Giroux (1997), os professores (e profissionais modernos) são reduzidos ao
papel de técnicos obedientes, executando os preceitos do programa curricular.
Portanto, somos meros técnicos reprodutores e dificilmente chegamos à
discussão sobre os processos mentais gerados pelos sistemas positivistas e
neoliberais que influenciam nossa educação. Do mesmo modo, negligenciamos
um estudo mais aprofundado sobre a dialética (o diálogo que, ao nosso ver, é
elemento essencial à formação e manutenção das comunidades de prática).
Quais seriam esses modos de pensar gerados pelo positivismo, liberalismo e
dialética?
O positivismo, criado por Auguste Comte no início do séc. XIX, é a base
filosófica do pensamento da sociedade moderna e refere-se ao período logo
após a Idade Média européia. A quebra do monopólio da Igreja Católica e a
inicial formação do capitalismo deram condições à transição Idade Média – Era
Moderna. O homem passa a ter novos modos de produção, relações
comerciais e novas concepções religiosas. Antes teocêntrico e governado
pelos ideais cristãos tendo Deus como o centro do universo, agora o homem
passa a olhar para si. Todas essas transformações influenciaram o modo de
pensar. O saber filosófico adquire novo formato: não é mais a metafísica que
explica os fenômenos sociais, mas o racionalismo (a razão humana), o
12
positivismo (o estado positivo de anular / eliminar o negativo) e o empirismo.
Com eles, cria-se o conceito de ciência com seu mito de objetividade e
veracidade. Há diversas perspectivas pelas quais o positivismo pode ser visto:
“1) como religião – a religião da humanidade 2) como filosofia ou corrente
filosófica- conhecimento – epistemologia e 3) como método – o método
positivista, a busca da verdade através do empirismo e do cientificismo” (Cf.
Ribeira Junior, 1982, p.14). O positivismo está arraigado na sociedade
moderna. A educação é um exemplo da força desse pensamento. O que se
tem feito nas aulas de geografia, história, química, ciência e mesmo as aulas
de tecnologia e informática nas quais o professor foca no uso mecânico e
funcional da tecnologia? O que se tem feito além do estabelecimento de regras
e fórmulas e memorização de datas descontextualizadas? O que se tem feito
na universidade além de reprodução de conceitos de forma hierarquizada, ou
seja, o professor, detentor da verdade, dita as regras aos “alunos
receptáculos”? Nesse sentido, caberia, de início, questionarmos, como feito por
Derrida, Bourdieu e por essa disciplina que cursamos, se a maioria dos cursos
de pós-graduação não seguem, à risca, esse modelo de educação onde o
papel do professor é o de técnico que repete conceitos já estabelecidos e tidos
como “a verdade”. Zeichner (2001), em palestra apresentada na Universidade
de Londrina – Paraná, fala do processo de reforma educacional:
It has not been common for educational planners, developers, and
government officials to view teachers as significant agents in the
educational reform process. On the contrary, the dominant
approach has been to train teachers to be efficient implementers of
policies developed by others removed from the classroom. In many
educational reform projects throughout the world, the goal is to
have unreflective and obedient teacher civil servants who faithfully
implement a prescribed state curriculum using prescribed teaching
methods(2001, p.4).
Segundo o autor, busca-se eficiência na atuação dos professores, falase no aprendizado completo de uma língua e implementa-se métodos para a
garantia desse aprendizado. Zeichner cita exemplos de locais no mundo onde
essa reforma está sendo proposta: Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia,
13
África do Sul e Reino Unido. Apesar de não citar o Brasil, ele poderia tê-lo feito
já que o nosso sistema educacional também prima pelos “unreflective and
obedient teacher civil servants”. Nosso país que não chegou a conhecer
nenhum outro modelo filosófico ou educacional que não o positivismo (Monte
Mór, 1991;1999). O positivismo reforça e mantém as relações de poder na
medida em que, independentemente da esfera social, diz o que é certo e o que
é errado e qual é a verdade que prevalece: a do mais forte.
Outro conceito importante que diz respeito às raízes da árvore que
estamos procurando entender é o neoliberalismo. O liberalismo, base para o
neoliberalismo, surgiu após a época medieval, contrapondo-se aos princípios
de dominação da Igreja e dos feudos. Ele pode, assim como o positivismo, ser
visto sob algumas perspectivas: como concepção do mundo ou filosofia
centrada no indivíduo; como teoria política que se preocupa com as origens e a
natureza do poder; como teoria econômica organizada sobre as leis do
mercado e que fundamenta as relações da produção capitalista (Biachetti,1996,
p.44). Seu papel fundamental é, entretanto, fundamentar o capitalismo. Mesmo
como uma filosofia, o liberalismo tem como premissa o indivíduo que maximiza
suas ações para o coletivo. Essa mentalidade é uma maneira de justificar o
capitalismo, pois, se meus interesses (conquistas, posses, vendas) servem
para o bem estar coletivo (meu individual é maximizado) posso adquirir sem
culpa cada vez mais: estou fazendo para o bem de todos. O liberalismo tem
sua queda no início do século XX com o surgimento e fortificação do fascismo
italiano e alemão. O neoliberalismo é a “nova fase” do liberalismo e surge como
ideologia baseada nas leis e mercado e na liberdade do indivíduo. Este é um
movimento político-econômico particular, heterogêneo consolidado nos países
capitalistas desenvolvidos, em meados da década de 70 cuja proposta
econômica significa o retorno aos princípios ortodoxos do liberalismo como a
única alternativa à superação da crise pela qual passam essas sociedades
(Bianchetti, ibid).
Ele tem como função fundamentar a fase mais recente do capitalismo
onde as desigualdades econômicas e sociais são ainda mais evidentes. Dessa
forma, todos são livres, porém uns são mais livres do que os outros, ou seja,
apenas aqueles que têm acesso a educação, cultura e bens vão usufruir dessa
14
suposta liberdade. Como é vista e educação segundo a concepção (neo)
liberal?
As propostas neoliberais para a educação estão atreladas ao mercado e
à produção. Veremos que, se o capitalismo é a lei do mercado e o liberalismo o
fundamenta, a educação sofrerá influencia marcante desse discurso. Ainda no
entendimento de Biachetti (ibid), a lógica do mercado na educação supõe uma
relação entre a oferta do serviço educativo e a demanda da sociedade. A ação
do Estado se reduz a garantir uma educação básica geral, liberando os outros
níveis do sistema às leis de mercado. A educação é vista, portanto, como mais
um produto do mercado onde aqueles que têm mais capital têm acesso ao
“produto de qualidade” (questionável). Não deveríamos ver a educação como
um produto a ser entregue a nós, alunos, como algo pronto e acabado. Em
suas aulas, nossa orientadora profa. Brasilina sempre enfatizou que o nosso
papel é o de interferir no processo, ou seja, que sejamos capazes de produzir
conhecimento ao invés de recebê-lo passivamente. Além disso, que sejamos
capazes de criar coletivamente. Cremos que esse deveria ser um dos
propósitos maiores de uma educação de novos paradigmas.
Devemos, portanto, ter consciência da influência do discurso neoliberal
em nossa prática pedagógica para que iniciemos um processo de construção
crítica, onde tomemos consciência desses discursos e possamos criar outras
possibilidades de prática. Em nosso entendimento, um possível caminho a
trilhar seria o da dialética. Vista como o múltiplo, o caminho de ida e vinda, o
círculo que não se fecha, possibilidade do diálogo, da dialogia. Sua importância
vem do fato de estar presente no pensamento de alguns filósofos pósmodernos como Bakhtin e Derrida que vêem a sociedade em constante
mudança e transformação. A dialética é uma possibilidade, o múltiplo, uma raiz
que muitos não querem regar nem cultivar. Uma educação dialética permite
possibilidades de interpretações negociações do saber.
Positivismo, (neo)liberalismo e dialética são, portanto, as principais
bases filosóficas para a construção epistemológica da sociedade moderna.
Uma possibilidade de resposta às intrigantes questões acima levantadas onde
discutimos o projeto da modernidade e as posturas pós-modernas. Como
vimos, na primeira parte do curso, a trama positivista (neo)liberal é o
15
sustentáculo da era moderna. Entretanto, para muitos críticos e pensadores,
essa era está chegando ao fim (e se não está chegando, deveria), pois o
sistema capitalista já não consegue camuflar as gigantescas desigualdades
sociais e econômicas que vêm produzindo ao longo de sua existência. Dussel
(op. cit. Mignolo, 2000) argumenta que a modernidade está sustentada por um
mito da modernidade, ou seja, os europeus devem levar aos bárbaros não
civilizados ( demais não europeus) a civilidade e o conhecimento. Quando não
aceitos, deve-se usar da violência para que essas nações subdesenvolvidas
sejam “modernizadas”. A violência parece ser um recurso moderno e atual para
a garantia desse “iluminar o mundo”. O termo pós-moderno, segundo Lyotard
(op. cit. Hall, 1992, p. 357), “designates the state of our culture following the
transformations which, since the end of the 19th Century have altered the game
rules for Science literature and the Arts. [...] Simplifying to the extreme, I define
postmodern as incredulity toward metanarratives”. Lyotard resume a condição
pós-moderna como sendo a descrença/crítica às grandes narrativas, ou seja,
às grandes verdades que são inquestionáveis, que “estão lá e sempre foram
assim”. Incrivelmente “impregnados” em nós desde os primeiros contatos com
nossas famílias e primeiros passos na escola, essas verdades/narrativas
passam desapercebidas e, por “sempre estarem lá”, tornam-se invisíveis e
inquestionáveis para muitos.
Como se relaciona, então, a modernidade e pós-modernidade com a
educação brasileira ?
O pós-moderno faz a tomada de consciência por parte dos educadores.
Assim, mesmo estando em um contexto onde prevaleça o modo de pensar
positivista (quase todos os contextos escolares brasileiros), o educador crítico
pós-moderno é contingencial e agente. Ele não se esquece que há um locus de
enunciação, ou seja, não se esquece de que há um contexto e que
determinadas metodologias não servem para todos os contextos.
A pós-modernidade nos apresenta tais possibilidades ao questionar as
grandes narrativas do mundo moderno. Para Usher e Edwards(1994, p.8),
“postmodernity refers to a new epoch, a new socio-economic order, associated
with the notion of a post-culture, post-industrial society and the changes
produced by information technology, particularly in the sphere of global
16
communications and media”. Ela tem a difícil tarefa de substituir (1) um cânon
por vários cânones (dicotomia uno x múltiplo); questionar o que é verdadeiro e
o que é falso, ou, ainda, questionar os critérios pelos quais se chega a essas
definições; entender a teoria de uma pragmática multifacetada ? e entender a
paralogia (idéia de dissenso e geração de novos movimentos e afirmações).
Finalmente, concluímos que, das duas atitudes mostradas acima, a
moderna é a vigente no contexto neoliberal capitalista do século XXI. Em
contrapatida, a pós-moderna, vista sob a metáfora de Kiziltan, Bain e Canizares
(idem, p. 225) do labirinto cujas paredes se rearranjam a si mesmas a cada
passo que nós damos, parece incerta por não ter todas as respostas de seus
questionamentos. Desordem, repensar, pensar a educação pública e
subversão são atitudes pós-modernas que nós, educadores (professores de
língua) temos negligenciado nos meandros desse labirinto.
Colocados os modos de pensar bem como as construções de
conhecimento vigentes em nossa sociedade, caberia questionarmos: como
esses pensamentos se relacionam com uma etapa que, segundo alguns
teóricos, já transcende o que entendemos como pós-modernos? Somos
influenciados por todos esses paradigmas, ou seja, o pensar moderno, pósmoderno, o pensar em redes e o pensar multimodal atuam concomitantemente
nos processos sociais/educacionais?
2.2 – VIVENDO EM REDE
Esse não é necessariamente um momento animador porque, finalmente
sozinhos em nosso mundo de humanos, teremos de olhar-nos no espelho da
realidade histórica. E talvez não gostemos da realidade refletida. (Castells,
1999, p.574)
É justamente nesse contexto de embate entre filosofias, epistemologias
das sociedades moderna e pós-moderna que a disciplina CCVAP traz grandes
contribuições ao propor uma "quebra do pensamento tradicional” (pensamento
geralmente atribuído a modernidade) e ao propor práticas de sala de aula que
17
questionam o real/virtual, práticas estas que privilegiam a construção do
conhecimento coletivo. Nesse sentido, discutiremos os novos meios de
comunicação tais como a Web, as redes sociais, bem como os modos pelos
quais as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) influenciam a
sociedade, a educação e o Mercado de trabalho.
Vivemos um momento histórico de transformação social e econômica. O
capitalismo como o conhecíamos, fruto da revolução industrial e de avanços de
matrizes energéticas (do vapor à eletricidade), vem sofrendo, desde meados do
século XX, fortes abalos em seus pilares.
Em menos de duas décadas, a economia mundial tornou-se global
graças à nova infra-estrutura proporcionada pelas TIC e às políticas de
desregulamentação e de liberação colocadas em prática pelos governos e
instituições internacionais. No entendimento de Castells (1999, p.189), “a nova
economia surgiu em local específico, na década de 90, em espaço específico,
nos Estados Unidos, e ao redor/proveniente de ramos específicos, em especial
da tecnologia da informação e das finanças, com a biotecnologia avultando-se
no horizonte”. Apesar das novas interrelações e interdependências planetárias
oriundas da nova economia global, a indústria continua sendo o cerne do
sistema econômico mundial. A nova sociedade está longe de ser pós-industrial,
ou seja, de ter o segundo setor totalmente substituído pelo terceiro, como trata
alguns teóricos, por exemplo De Masi (2000). Apesar do crescimento do
segmento de serviços, continuamos com uma economia industrial, porém com
mudanças estruturais e organizacionais profundas, focadas, especialmente, em
como usar o conhecimento e a informação para se obter ganhos de
produtividade.
Novas formas do “saber fazer” e do “fazer saber” começaram a surgir
com a emergência das novas TIC. Trata-se de uma fase cujos alicerces não
estão mais embasados numa riqueza tangível e acumulável, e sim em como as
informações
são
adquiridas,
tratadas,
organizadas,
compartilhadas
e
transformadas em conhecimento, numa cadeia auto-sustentável, em que a
ação do conhecimento é sobre os próprios conhecimentos.
Além de global e informacional, a nova economia possui uma nova
morfologia: a rede. Tal formato permite uma maior interação entre os nós
18
(empresas, países, instituições acadêmicas, etc.), que são os responsáveis
pelas conexões entre os fluxos de negócios. Ela não é linear, o que permite
uma total flexibilidade, sendo que o status de um nó na rede pode mudar em
questão de segundos. A “triste” realidade, segundo Castells, é que quem está
fora da rede, está fora da nova economia e tende a sucumbir rapidamente.
Segundo Castells (1999), o conceito de rede é re-significado na
sociedade permeada pela tecnologia. Nossa reflexão aponta, similarmente,
essa re-significação. Em nosso entendimento, as redes, como por exemplo as
redes sociais de CMC (Orkut®, Myspace®, Facebook®, Googlegroups® ou
Yahoogroups®) são uma realidade que a escola não deve ignorar, pois elas
podem ser ferramentas de apoio (quando não métodos do trabalho) em sala de
aula e for a dela.
Outro indivíduo entra em cena na nova sociedade da informação. O
modo de viver, pensar e agir sofre grandes mudanças que impõem importantes
quebras de paradigmas. Como fora elucidado neste texto, a busca por
identidade se torna uma obstinação, onde se misturam o desejo de estar dentro
da rede, e ser como a “maioria bem sucedida” (pensamento moderno de
sucesso e perfeição) que ali está, e a necessidade de se destacar e se
diferenciar dentro desse grupo. Um exemplo disso é o surgimento do consumo
personalizado, seja de produtos, informação, entretenimento, cultura etc. O
consumo, bem como o sentimento de pertencer à nova sociedade, são
sustentados principalmente pelos novos meios de comunicação de massa.
Uma cultura audiovisual emerge com a chegada do cinema e da TV, por onde
a sedução corre solta e a manipulação se dá facilmente por meio de
estimulação sensorial da realidade. Com a Comunicação Mediada por
Computadores – CMC, a escalabilidade de comunicação de massa toma
proporções jamais imaginadas, trazendo uma gama de novas formas de
comunicar-se e sociabilizar-se.
Com a CMC, a comunicação “de um para muitos”, oriunda das mídias
convencionais, como as mídias impressas, televisivas e radiofônicas, dá
espaço a comunicação “de muitos para muitos”, fenômeno esse que reúne os
elementos essenciais da nova sociedade da informação, tais como:
19
 interatividade, dando voz e poder de atuar e interferir a quem
jamais teve anteriormente, favorecendo, inclusive, a dialética;
 colaboração, trazendo à tona a necessidade e a importância das
intra e inter-relações sociais;
 nova organização do espaço (fluxos), que independe de
aproximação
física,
e
do
tempo,
que
permite
conexões
simultâneas, viabilizando comunicação instantâneas e conversas
em tempo real.
Obviamente por estarmos inseridos num contexto de uma disciplina que
traballha as questões da rede, CMC, das fronteiras entre o “real” e o virtual,
Castells nos mostra que esses são os novos rumos da sociedade, das
construções de conhecimento. Nossa interpretação, vinda da prática da
disciplina cursada, é de que, no âmbito educacional, há ainda muito caminho a
ser percorrido.
São diversas as transformações apontadas por Castells. Entre elas, as
mudanças no modo de gerir, produzir e de se relacionar que provoca a quebra
de muitos paradigmas. Se no século XVIII, XIX e boa parte do XX o
pensamento dominante nas indústrias era o individualismo, a centralização de
poder, a hierarquia vertical, a competição e a produtividade em função da
aceleração do tempo, originárias da cultura norte-americana e européia, hoje o
que está em alta e sendo copiado por indústrias do mundo inteiro é a filosofia
organizacional encontrada nas empresas orientais, onde predominam o
coletivo e o cooperativismo, a descentralização de poder, a hierarquia
horizontal, a confiança, a satisfação e o comprometimento como propulsores
da produtividade.
Na
educação,
percebemos
esse
movimento
(ainda
lento)
de
descentralização do poder quando, por exemplo, os professores se consideram
o centro do conhecimento (esse conceito foi teorizado por Paulo Freire como a
educação bancária, onde o professor “deposita” conhecimento nos alunos).
Hoje em dia, estamos passando ao cooperativismo e descentralização (haja
vista essa disciplina CCVAP que vem sendo explanada nos capítulos desse
trabalho).
20
Cremos que as reflexões de Castells nos permitem ver um novo ser,
seus costumes, medos e crenças. O autor discorre sobre uma elite que possui
um estilo de vida padrão em todo o mundo, num ambiente simbólico mundial.
Ele deixa de lado suas raízes e passa a ser mais um nos cenários que se
equalizam pelo mundo afora, como salas vips de aeroportos, hotéis
internacionais (decoração padrão), acesso móvel às redes de comunicação,
uso regular de spas, cor camurça clara nas paredes, prática de jogging,etc.
Alterações no ritmo biológico também são observadas pelo autor, assim como
as novas formas de encarar a vida e a morte. Se por um lado há o aumento da
expectativa de vida, com redução do tempo de serviço e valorização da velhice,
por outro lado, há uma grande redução da natalidade, devido à emancipação
profissional da mulher, e também o que ele chama de “o triunfo dos desejos
individuais”, referindo-se às mulheres que mesmo em idade avançada, após
tantos anos de dedicação exclusiva à vida profissional, lançam mão das
tecnologias reprodutivas.
Quanto à morte, uma das poucas certezas que temos na vida, é,
atualmente, ignorada e até mesmo negada. O que vemos é uma obsessão pela
prevenção da velhice e da morte, com o surgimento de uma verdadeira
“indústria da vida saudável”, e do prolongamento máximo da vida (a luta até o
fim), numa batalha médica incansável de querer afastar o inevitável, sendo que
muitas vezes, uma morte que poderia acontecer tranqüila em domicílio, com a
atenção e carinho familiar, é estendida num confinamento espacial e temporal
em meio a tubos, máquinas e pessoas estranhas do ambiente hospitalar,
simplesmente pela incapacidade médica de desistir e de admitir sua “derrota”.
2.3 – A SOCIEDADE LÍQUIDA, EFÊMERA, FLUIDA
Tanto em termos individuais como coletivos, todos nos elevamos
sobre a finitude de nossa vida corporal, e, no entanto sabemos - não
conseguimos não saber, embora façamos tudo (e mais) para esquecer
- que o vôo da vida de maneira inevitável, vai cair no solo. (A
Sociedade Individualizada, Bauman, 2009, p.7)
21
Continuamos nossa discussão sobre sociedade, redes e educação
agora sob as perspectivas das teorias líquidas de Bauman.
Para o autor,
vivemos uma modernidade líquida (o que chamamos acima de sociedade pósmoderna) uma vez que as relações e transformações na sociedade já não são
mais estáticas (haja vista os processos de globalização, a internet e a
conectividade mundial) e sólidas (como por exemplo os sistemas financeiros no passado as pessoas acreditavam na solidez dos bancos, e hoje? Isso é
possível?).
Bauman analisa as transformações ocorridas na sociedade, do fordismo
à sociedade líquida, e a incapacidade de as pessoas desenvolverem iniciativas
de libertação e serem juízes de suas próprias vidas. Poucas pessoas desejam
ser libertadas, e um número muito menor está disposta a agir para que isso
ocorra. “A realidade é criada pelo ato de querer, é a teimosa indiferença do
mundo em relação à minha intenção” (Schopenhauer apud Bauman, 2001, p.
24). Assim, no mundo real, constrangedor e limitante, sentir-se livre significa:
ser livre para agir conforme os desejos, atingir o equilíbrio entre os desejos, a
imaginação e a capacidade de agir. “Sentimo-nos livres na medida em que a
imaginação não vai mais longe que nossos desejos e que nem uma nem os
outros ultrapassem nossa capacidade de agir” (Bauman, ibid, p. 24). O
equilíbrio entre estas duas diferenças (desejo e imaginação) é um slogan sem
sentido, pois falta força motivacional. As pessoas podem, mas não querem se
libertar, pois em algum momento sentem-se satisfeitas com sua condição.
Nesse aspecto, como saída, Bauman acredita que as pessoas podem ser
juízes incompetentes de sua própria situação e devem ser forçadas ou
seduzidas ou guiadas “para experimentar” a necessidade de ser objetivamente
livres e assim reunir a coragem e a determinação para lutar para isso.
Nossa interpretação de Bauman é a de que estamos ainda atrelados
aos pensamentos vigentes tais como o neoliberalismo (na economia) o
positivismo (na filosofia) e o racionalismo (nas ciências exatas e humanas).
Essa condição nos leva a sermos juízes incompetentes (quase alienados) de
nossas vidas, ou seja, muitas vezes não somos aqueles que tomam as
decisões ou escolhemos.
Um exemplo é
o próprio liberalismo
(ou
neoliberalismo) que defende a individualidade (citada acima por Bauman) e
22
liberdade
numa
sociedade
onde
nem
todos
podem
ser
individuais
(massificação) ou livres.
O tipo de modernidade que era o alvo e o quadro cognitivo da teoria
crítica clássica, numa análise retrospectiva, parece muito diferente daquele que
enquadra a vida das gerações de hoje. Ela era “pesada” (contra a “leve”
modernidade contemporânea), “sólida” (e não “fluida”, “líquida” ou “liquefeita”),
condensada (contra difusa ou “capilar”) e, finalmente, “sistêmica” (por oposição
a “em forma de rede”). (Bauman, ibid, p. 33) Nesse sentido, ao conectarmos
nossos estudos pos-graduandos com as teorias de Bauman, cabe refletir se
nossas práticas educativas representam essa liquidez e capiliaridade a que se
refere o autor ou se ainda estamos na solidez “pesada” ( por exemplo quando
nos referimos aos livros; nossa visão é a de que livros são materiais, sólidos e
lineares ou que eles podem ser intangíveis virtuais lidos multimodalmente?).
A libertação é uma benção ou uma maldição já que vivemos numa rede
social tecida de dependências. Essa individualização é uma fatalidade e não
uma escolha. Sua reformulação (do ser alguém para o ter alguma coisa) é, na
verdade, uma renegociação diária de interesses inserida em uma rede de
relacionamentos a qual tornou-se uma fatalidade e não uma escolha. “Na terra
da liberdade individual de escolher, as opção de escapar à individualização e
de se recusar a participar do jogo da individualização está decididamente fora
da jogada” (Bauman, ibid, p. 43).
A opção de individualização está decididamente fora da jogada. Foi
justamente esse embate individual x coletivo um dos focos e preocupações
iniciais desse grupo. Se, para Bauman, escapar a individualização é uma
fatalidade, para nós participantes da disciplina, a individualização deveria,
muitas vezes, ser eliminada (para o bem coletivo)
É nesse contexto que o privado coloniza o público, espremendo e
expulsando o que não possa ser expresso “numa tela gigante”. O público agora
é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas, de figuras públicas, e a arte
da vida pública está reduzida à exposição de questões privadas e „a confissões
de sentimentos privados com os quais todos são chamados a se
“solidarizarem”. Um exemplo disso é a questão do falecimento de celebridades.
A televisão convida a todos para se solidarizarem numa comoção coletiva
23
(Airton Senna no Brasil, Princesa Diana no mundo e Michael Jackson, mais
recentemente, nos Estados Unidos).
O capitalismo nos dias de hoje “está mais sutil, mais leve” e não mais
ligado aos antigos moldes do sistema fordista de produção, que engessava
capitalistas e seus trabalhadores em sólidos estabelecimentos. O capitalismo
na sociedade fluida não está mais fixado no solo, ele viaja de avião portando
seus poderosos notebooks e modernos celulares, podendo saltar e ser
montado e desmontado em qualquer parte do planeta, numa velocidade nunca
antes imaginada. E esse capitalismo terá, como tempo de duração, “o tempo
que durar a satisfação” para a qual ele foi desenvolvido para satisfazer.
Outro aspecto abordado por Bauman é o desaparecimento das regras,
“a não existência do certo ou do errado”. Pois se antes vivíamos num sistema
de regras ditado pelas “Grandes Repartições Burocráticas”, o mundo na
sociedade líquida é um mundo de incertezas, marcado por um novo tipo de
incerteza: “não saber os fins, em lugar da incerteza tradicional de não saber os
meios” (Bauman, ibid, p. 72). E esse não saber os meios acaba levando
incondicionalmente à não exigência de uma reflexão no mundo (pós-fordista) e
o “moderno fluido”. Tudo agora corre por conta dos indivíduos e cabe a eles o
ato de descobrir o que se é capaz de fazer e esticar essa capacidade ao
máximo para poder melhor servir e satisfazer: “Pare de me dizer, mostre-me”.
Nesse ato de mostrar, Bauman ressalta que, na sociedade da
modernidade líquida, existe uma procura incessante por exemplos, conselhos
ou orientação; contudo, quanto mais se procura mais se precisa (em alusão a
uma droga ou um vício). Assim, sofremos mais quando estamos privados da
nossa dose “diária” de droga e , como todos os vícios são autodestrutivos, mais
e mais vamos destruindo a possibilidade de chegar à satisfação. Bauman
afirma que esse vício está ligado diretamente à eterna corrida e satisfação da
consciência em permanecer na corrida, o que se torna então o verdadeiro vício.
“O arquétipo da corrida particular em que cada membro de uma
sociedade de consumo está correndo (tudo numa sociedade de consumo é
uma questão de escolha, exceto a compulsão da escolha – a compulsão evolui
até se tornar um vício e assim não é mais percebida como compulsão) é a
atividade de comprar” (Bauman, ibid, p. 87). Assim, vamos às compras pelas
24
mercadorias necessárias ao nosso sustento, pela imagem que gostaríamos de
vestir, para chamar a atenção etc.
A história do consumo é a história da quebra e do descarte de
sucessivos obstáculos “sólidos”. O consumismo hoje não está tão mais ligado
às necessidades do indivíduo, mas sim ao desejo, o desejo mais volátil (fluido),
efêmero, evasivo e caprichoso e essencialmente não referencial. Assim,
comprar significa esquadrinhar possibilidades, examinar, trocar, sentir,
comparar seus custos com o “conteúdo das carteiras ou o crédito do cartão”. O
ato de consumo transformou-se em um ato compulsivo, um “ritual de
exorcismo” das incertezas e inseguranças que assombram os homens.
Nessa sociedade viciada em comprar/ajudar os mais pobres, as
pessoas não conseguem desviar seus olhos das ofertas; pois não há mais para
onde olhar: “quanto maior a liberdade na tela, maior e mais sedutoras serão as
tentações que elas emanam”, sempre crescentes de desejos voláteis.
Conforme Bauman, quanto mais escolhas “parecem ter os ricos”, tanto mais a
vida parece sem escolha para “todos”.
É nesse contexto que, segundo Bauman, surgem o ideal de vida em
comunidades, vistas como “última relíquia das utopias, da boa sociedade de
outrora” (ibid, p. 108). É o ideal dos sonhos de uma vida melhor, compartilhada
com “melhores” vizinhos, todos seguindo melhores regras de convívio,
“vigiadas de perto”: os que fazem algo que desagrade aos outros e provoque
ressentimento serão punidos e postos na linha, “enquanto desocupados,
vagabundos e outros intrusos que „não fazem parte‟ são impedidos de entrar
ou, então, cercados e expulsos” (ibid, p. 108).
É interessante o conceito de comunidade trazido por Bauman. Nesse
setido, a comunidade gerada pela sociedade moderna líquida é quase essa
“cerca de fios farpados” ou essa “vila de muros altos” onde as regras e as
linhas devem ser seguidas por todos dentro dessa comunidade. Como no filme
“A Vila” ou “ Truman O Show da Vida”, vivemos em bolhas cercados por
câmeras de vigilância e muros invisíveis (fotos de Sebastião Salgado abaixo)
que nos mantém dentro (ou fora ) de determinadas comunidades.
25
Em contrapartida, na sociedade de consumo, os encontros “inevitáveis”
em espaços lotados projetados por mestres da falsificação e da vigarice, onde
a impressão é tudo (templos de consumo) reforçam esse conceito de
comunidade. Esses encontros devem ser breves e superficiais para não
interferirem no “maravilhoso isolamento do comprador consumidor, protegido
contra aqueles que costumam quebrar as regras (mendigos, chatos etc.) num
templo de consumo bem supervisionado e apropriadamente vigiado, um lugar
sem lugar, que agrega em si um reconfortante sentimento de pertencer em
espaços vazios de significado. Assim, o que acontecer dentro do templo do
consumo tem pouca ou nenhuma relação com o que acontece “fora dos
portões”.
Outro aspecto apresentado por Bauman é a mudança em relação à
modernidade pesada para a leve: passamos da idade do hardware, em alusão
as capacidade de armazenamento e velocidade, para a idade do software
(leve), com a eficácia e otimização do tempo como meio de alcançar um valor
próximo ao infinito.
Nessa nova sociedade fluida, o tempo é instantâneo, o mundo do
software é também um tempo sem conseqüências. Essa instantaneidade
significa realização imediata e ao mesmo tempo exaustão e desaparecimento
do interesse. O indivíduo perdeu o significado do valor percebido das coisas, e
em seu lugar encontra apenas momentos, aliados cada vez mais a tecnologias
mais avançadas e seus processadores cada vez mais poderosos. O trabalho
(sem corpo) na era do software não é mais amarrado ao capital, aos locais
“sólidos”, permitindo assim o surgimento de um capital extraterritorial, volátil e
inconstante aliado a uma crescente capacidade de produção cada vez mais
incompleta e irrealizável isoladamente.
A sociedade fluida vive cercada de incertezas e de insegurança,
proporcionada principalmente pela falta de garantias em relação às
expectativas, ao futuro. Expectativas ligadas diretamente às suas extensões de
posse, de convívio com a vizinhança e com a comunidade onde está inserida.
Essa insegurança tem relação direta com a própria sobrevivência (pela falta ou
desaparecimento do trabalho), o que a torna ainda mais frágil e menos
26
confiável a cada dia que passa. Todos os indivíduos são afetados por essa
insegurança e ninguém pode se sentir verdadeiramente seguro.
Assim, os indivíduos, contentam-se com uma satisfação instantânea, a
qual parece ser uma estratégia razoável. “Qualquer oportunidade que não for
aproveitada aqui e agora é uma oportunidade perdida.”
Finalmente, assim como as políticas adotadas pelos operadores de
mercado, os indivíduos comuns acabam também adotando certas práticas ao
administrar suas vidas, deliberadamente ou não. Assim, laços e parcerias
tendem a ser tratados como mercadorias a serem consumidas e não
produzidas, sujeitas ao mesmo critério de avaliação de todos os outros objetos
de consumo.
2.4 – POR UM NOVO CONCEITO DE COMUNIDADE: REDES SOCIAIS,
COMUNIDADES PESSOAIS E INTELIGÊNCIA COLETIVA
What do people gain from Virtual Communitiesthat keeps them
sharing information with people they might never meet face-to-face?
Smith’s answer was “social network capital, knowledge capital and
communion – people can put a little of what they know and how they
feel into the online network and draw out larger amounts of
knowledge and opportunities for sociability than they put in.
(Rheingold, 2002, p. )
Linked: estamos lincados! Essa é a nova realidade. Em seu livro Smart
Mobs, Rheingold (2002) aponta para um fenômeno (para ele espantoso)
percebido nas ruas de Tóquio (precisamente no cruzamento da rua Shibuia)
onde todos estão conectados com seus “palm devices” em mãos. Nesse
cruzamento, a precocupação de milhares de pessoas não é atravessar a rua,
mas fazê-lo enviando msns ou falando ao celular. Esse fenômeno, também
verificado por Rheingold nas ruas de Helsinque foi o mesmo responsável já foi
também responsável por queda de governo ou, por outro lado, contribuição à
eleição de presidentes. Barack Obama foi, recentemente, um dos primeiros
27
presidentes eleitos ajudado pelas redes sociais. Através de Mark Zuckerberg
(menino prodígio e o criador do Facebook®) foi um dos coordenadores da
cruzada online do Presidente, milhares de votos e muito apoio foram
conquistados através dessa rede social. No Twitter® ( twitter.com) outra rede de
media social onde o usuário tem menos de 140 caracteres para se comunicar
foi também decisiva. Todos sabiam onde Barack Obama estava, ou seja, se
estava com seus filhos com sua família, o que foi decidido numa reunião
importante e, isso, Segundo os analistas políticos e de redes sociais, fez com
que ele se tornasse um “amigo” próximo do povo. Todos esses exemplos nos
mostram o quanto e a velocidade das transformações de uma sociedade em
rede e conectada pode influenciar e, por vezes, determinar, eventos sociais,
políticos e econômicos. Todos esses fenômenos formam esse grupo social
que estamos chamando de comunidades ( ou redes sociais).
Rogério da Costa (2004), ao discorrer sobre esse novo conceito de
comunidade, aborda a evolução do conceito de "comunidade", o qual
contemporaneamente pode ser compreendido como "rede social". Uma das
causas para tal fenômeno é a dinâmica atual das redes de comunicação que se
constitui a partir da aproximação virtual de sujeitos que se relacionam particular
e coletivamente no ciberespaço. Costa menciona que “estamos em rede,
interconectados com um número cada vez maior de pontos e com uma
freqüência que só faz crescer” e isso estimula o empenho para compreender os
modos como estes coletivos interagem na pós-modernidade por meio da
formação das comunidades virtuais. As discordâncias e as inquietações dos
estudiosos sobre o sentido que o termo comunidade assume na atualidade,
contudo nos pareceu muito adequada a informação de haver os que acreditam
que este conceito somente mudou de sentido. O pensamento de Bauman
discorrido anteriormente ecoa em Costa quando este analisa a noção de
comunidade nos dias de hoje e destaca a série de conceitos em jogo tais como
individualismo, liberdade, transitoriedade, cosmopolitismo dos “bem sucedidos”,
comunidade estética e segurança. Segundo Bauman a idéia de que a vida
individual se reveste de riscos e que querer viver em liberdade deve significar
viver sem segurança. “Já a comunidade, o lugar da segurança, remete-nos ao
sentido mais tradicional que conhecemos, em que os laços por proximidade
28
local,
parentesco,
solidariedade
de
vizinhanças
seriam
a
base
dos
relacionamentos consistentes” (COSTA, 2004, p.237). Barry Wellman &
Stephen Berkowitz (1988) identificam a complexidade compreendida na análise
que estes estudiosos fazem sobre conceito de comunidade. Esta abordagem
pode ser percebida quando Barry Wellman & Stephen Berkowitz afirmam que
estamos associados em redes, mas por meio de comunidades pessoais.
Segundo os estudiosos, hoje vivemos numa sociedade onde os laços
comunitários não se mostram firmemente atados e por conta deste quadro os
indivíduos arcam com conseqüências, até mesmo patológicas, decorrentes do
sentimento de solidão em que vivem mergulhados. Ao avaliar o pensamento de
analistas de redes mais recentes, Costa visualiza sua compreensão sobre a
necessidade de revisão do conceito de comunidade, visto que novas formas de
comunidade surgiram, o que tornou mais complexa nossa relação com as
antigas formas.
Essa re-significação do conceito de comunidade é para nos um dos
pontos chave para entendermos as novas propostas para a educação e para
algumas disciplinas de pós-graduação. Muitas vezes pensamos que somente
as interações professor-alunos ou alunos-alunos em sala de aula seriam
suficientes para formamos uma comunidade. O que temos revisitado é o fato
de que em muitos contextos onde essas interações ocorrem, uma comunidade
no sentido de rede social não se forma, pois não se constrói coletivamente ( os
trabalhos finais são individuais, e somente) e mesmo que interações ocorram
entre os alunos, vemos, na verdade, pequenos grupos trabalhando
isoladamente e sem inter-conectividade entre os grupos.
Segundo afirma Costa (2005, p. 239), “se solidariedade, vizinhança e
parentesco eram aspectos predominantes quando se procurava definir uma
comunidade, hoje eles são apenas alguns dentre os muitos padrões possíveis
das redes sociais”.
A tradução pós-moderna para “Capital social”, conforme o autor, é a
capacidade que os sujeitos têm de produzir suas próprias redes e suas
comunidades pessoais. Por mais que as instituições tradicionais como escolas,
empresas, clubes, igrejas, famílias estejam debilitadas nos nossos dias, elas
continuam funcionando como berço para as relações sociais, devido a seu
29
papel regulador e mediador de processos mais profundos. A análise do capital
social
deve
envolver
variáveis
como
a
sociabilidade,
cooperação,
reciprocidade, pró-atividade, confiança, o respeito, as simpatias levantando “a
implicação dos indivíduos em associações locais e redes (capital social
estrutural), avaliar a confiança e aderência às normas (capital social cognitivo)
e, igualmente, analisar a ocorrência de ações coletivas (coesão social)”
(COSTA, 2005, p. 240).
Endossamos as palavras de Costa quando este recusa o pensamento
de alguns analistas que consideram a natureza humana como egoísta: Hume
(1983), por exemplo, defende a generosidade humana como uma virtude
limitada por natureza, portanto pode-se dizer que o homem seja parcial, mas
não essencialmente egoísta. A análise busca justificar a necessidade de
estudar os contratos sociais “porque eles seriam uma forma de limitação de um
egoísmo supostamente “natural” dos homens” (Costa, 2005, p. 242).
Ao abordar as redes digitais Costa foca o pensamento de Howard
Rheingold que defende o potencial para a multiplicação da sinergia entre as
pessoas via web. Deste modo compreender as redes sociais nos nossos dias é
determinante para a compreensão da expansão de novas formas de redes
sociais e da ampliação de capital social. As diversas formas de comunidades
virtuais atestam que o ciberespaço organiza de novos modos o capital social e
cultural. Barabási participa do debate uma vez que se refere constantemente
“uma sociologia de afluência na web, promovida pela forma como os links entre
páginas se estabelecem”. Pierre Lévy (2002) argumenta que a participação em
comunidades virtuais estimula a formação de inteligências coletivas e que os
indivíduos podem a elas recorrer para trocar informações e conhecimentos. Ao
estabelecer um comparativo entre o pensamento de Rheingold e Lévy o autor
afirma que o segundo “está profundamente convencido de que uma
comunidade virtual, quando convenientemente organizada, representa uma
importante riqueza em termos de conhecimento distribuído, de capacidade de
ação e de potência cooperativa” (COSTA, 2005, p.246).
Finalmente, a importância de se pensar as comunidades re-significandoas como redes sociais se dá pelo fato de elas permearem nossas realidades
sociais, políticas, econômicas e educacionais. Insistimos no fato de muitos
30
programas e currículos ainda não trabalharem essas questões simplesmente
pois não perceberem essa nova geração icônica e digital. Em muitos casos,
como colocado pro Brian Street e Van Leween, os professores nem chegam a
aceitar a multimodalidade de uma sociedade em rede (as imagens, o som, o
movimento, gestual e corporal atuando concomitantemente nas interpretações
das realidades). Concordamos com todos os teóricos acima expostos tais como
Rheigold, Levy, Barabasi, Costa e com nossa orientadora Passerelli quando
todos defendem novos posicionamentos frente as TICs, as comunidades
virtuais de aprendizagem e prática, bem como um maior entendimento do
tênue limite entre real x virtual.
2.5 – REDES DE GUERRA E GUERRAS EM REDE NO CIBERESPAÇO
Nevetheless, whatever the importance of these trends, of greater
significance are the direct and indirect repercussions that the growth
of the knowledge economy, the use of information and communication
technologies (ICT), and globalization can have on education.
(OROSCO, 2007, p.137).
Encerramos, dessa forma, nossas reflexões deste capitulo sobre a
sociedade, educação, comunidades ( redes sociais) e as TIC à luz de Antoun
(2004), Rheingold, Arquila & Ronfeldt
(pesquisadores ligados à RAND -
agência de fomento a Pesquisa e Desenvolvimento do Departamento de
Defesa dos Estados Unidos) , Barber (teórico político conhecido por seu ensaio
que divide o mundo contemporâneo em duas tendências: o tribalismo e o
globalismo) e Glenn Misha (autor de McMafia - palestra no mundo inteiro
advertindo sobre os perigos do cyber crime). Todos esses teóricos apresentam,
de
certo
modo,
algum
contraponto
(projeções negativas, por vezes
apocalípticas, ou mesmo perspectivas sobre o mal uso da tecnologia) em
relação a todos os benefícios e importância apontadas anteriormente. Cremos
estar realizando um trabalho crítico ao expor também pontos de vista que
talvez não sejam necessariamente o que acreditamos.
31
As guerras e movimentos organizados em rede, tendo como agentes
catalisadores as TIC e a CMC, são os temas discutidos por Henrique Antoun
(2004). O autor faz um resgate da origem militar das TIC e CMC, como
maquinários que receberam fortes investimentos – um dos maiores do século
XX – do Departamento de Defesa norte-americano, que, em meados dos anos
60, já percebia o espírito colaborativo como essencial para seu fortalecimento
bélico, na medida em que articulava forças aliadas e conectava membros da
comunidade científica dispersos pelo mundo. Arquilla e Ronfeldt (1993, 1996)
defendem os conceitos de guerra em rede (netwar), guerra de controle
(cyberwar), guerra da informação (infowar), revelando a informação como
principal arma das guerras atuais.
“No que diz respeito à conduta, para Aquilla e Ronfeldt a guerra em
redes se refere a conflitos onde um combate está organizado em forma de rede
ou as emprega para as comunicações e o controle operacional”. (ANTOUN,
2004, p. 210) Essa teoria ecoa nos estudos de Misha que, atraves da pratica
de percorrer e entrevistar os criminosos “virtuais” no mundo todo, mostra como
o crime organizado vem sendo reconceituado a partir das novas tecnologias e
da internet. Antoun, ao discorrer sobre o futuro, menciona o apocalíptico
ensaio de Baber (1992) e revela um futuro sem qualquer possibilidade de
liberdade e democracia social. A dicotomia Jihah e McMundo é o foco desse
trabalho, onde preconiza que a humanidade se tornará refém ou do
totalitarismo regional ou de uma homogeneização global.
Cremos ser essa também uma das funções dos educadores que
trabalham com as novas tecnologias, bem como aqueles que pesquisam as
TIC, a internet. Cabe a todos nos, acreditamos, analisar e alertar para os
efeitos negativos desses recursos e ferramentas. Segundo Misha, o Brasil é um
dos principais alvos do crime cibernético mundial. Nossos bancos, sistemas de
crédito e de compras já foram penetrados e fraudados.
Antoun apresenta, ainda, dois pontos de vista negativos em relação à
interferência das novas TIC e da CMC nos relacionamentos sociais, criação de
comunidades e engajamento cívico. De acordo com Fernback e Thompson, o
ciberespaço jamais será um ambiente que permitirá a real participação
comunitária, pois não pode ser considerada uma esfera pública, já que causa a
32
disjunção com a vizinhança geográfica, a exclusão da maior parte da
sociedade devido ao custo e o conhecimento sobre o uso de computadores e a
diminuição dos encontros face a face devido ao aumento dos encontros
virtuais. Na mesma linha, Robert Putnam publica, em 1996, o resultado de uma
pesquisa sobre o desaparecimento do capital social e do engajamento cívico
nos Estados Unidos. Através desse estudo empírico, Putnam acusa as TICs,
dizendo que “elas promovem o isolamento individual e o desengajamento
político, corroendo a vida ativa das sociedades democráticas”. A estrutura
flexível e descentralização do poder (leaderness) são umas das principais
características da guerra em rede. Formada por atores/nós e vínculos/ligações,
a rede pode ter diversas formas e tipos de conexões, porém, a mais usada, por
sua eficácia, é a do tipo “todos-canais” (all-channel), uma arquitetura que
permite a interação de cada nó diretamente com outro nó. Porém, segundo
Aquilla e Ronfeldt é a análise organizacional que revela informações mais
importantes sobre uma rede. Diversos níveis, além do design, devem ser
considerados, como o nível narrativo, doutrinário, tecnológico e o social.
Antoun destaca o nível narrativo que, muito em breve, se sobressairá diante os
demais, inclusive, diante ao do design na sua constituição.
“A rede mais forte será aquela na qual o design organizacional é
sustentado por uma história vitoriosa e uma doutrina bem definida, e na qual
tudo isso está de ante-mão reproduzindo-se como brotos em sua superfície”.
(ANTOUN, 2004, p. 220)
Tal ponto de vista nos parece muito familiar, já que no campo de estudo
das Relações Públicas sabemos da importância da identidade para o
fortalecimento de uma cultura e conseqüente motivação dos envolvidos.
Fazendo uma correlação, o “nível narrativo”, tratado pelo autor, seriam canais e
fluxos de comunicação bem trabalhados no sentido de se estabelecer uma
identidade e uma cultura organizacional que seja conhecida e incorporada por
todos os atores envolvidos, gerando, assim, uma imagem positiva do grupo, ou
seja, a tal da história vitoriosa.
Aquilla e Ronfeldt (1993) apresentam duas formas de rede: a SPIN segmented, polycentric, ideologically integrated network, a qual remete a forma
de um espiral e a teia de aranha, com multi-eixos bem estruturados e que se
33
utiliza de ligações do tipo “todos os canais”. Antoun (2004) volta a falar da
importância do nível narrativo para a estruturação de uma rede de guerra,
ressaltando as questões da autoria e do papel do líder (avatar). Se por um
lado, nas redes de guerra fundamentalistas e etnonacionalistas, como por
exemplo a liderada por Bin Laden, é possível identificar os autores de suas
narrativas, por outro lado, foge a esse padrão o movimentos como o Zapatista
e os grupos envolvidos na manifestação de Seattle, onde a narrativa é feita por
diversos autores, sendo impossível desassociar as conversas durante a
organização e desenvolvimento da rede dos relatos que acompanham os
fatos.“Nas duas últimas redes a narrativa mais se assemelha ao roteiro de um
filme experimental, que vai sendo escrito por toda equipe conforme a filmagem
se desenrola” (ANTOUN, 2004, p. 224)
Aqui, vemos um paradoxo das guerras de rede; o que para a elite
política dominante pode parecer uma rebelião ou revolta, para os que se
organizam nessas redes vindas “de baixo” lutam por direitos. Como exemplo de
organização e movimentação em rede, vemos o Movimento Zapatista, que, por
possuir uma forma de teia de aranha, sofre metamorfoses constantes em sua
estrutura e até mesmo em seus ideais. O que seria a princípio um movimento
de guerrilha padrão, com o objetivo macro de tomada do poder do Estado, se
transformou numa rede de lutas sociais. Como não poderia deixar de ser na
era da informação, tal readaptação se deu após muito diálogo e colaboração,
realizados em quatro congressos. O resultado foi uma agenda de
reivindicações comum entre guerrilheiros, ativistas de ONG e comunidades
indígenas.
Corroboramos o pensamento de Antoun quando este fala da
irreversibilidade do papel principal da informação como armamento social. Ele
reforça que vivemos numa guerra civil permanente, também chamada pelo
Movimento Zapatista de “Quarta guerra mundial”, na qual a sociedade munida
de informação e capacidade de interação e articulação, proporcionadas pelas
TIC e pela CMC, tende a se apropriar cada vez mais do contexto do
ciberespaço para fazer valer a sua voz.
34
3 - METODOLOGIA DE PESQUISA: MÉTODOS ETNOGRÁFICOS
PARA
A
PESQUISA
EM
AMBIENTES
VIRTUAIS
DE
APRENDIZAGEM E DE PRÁTICA
In my view, neutrality does not exist anywhere (…) Our worlds
are formed through interpretation. The concept of neutrality is
itself an interpretation. (Entrevista com o prof. Dr. Lynn Mario
Menezes Texeira de Souza)4
3.1 – Das metodologias
Propomos,
nesse
capítulo,
um
entendimento
maior
sobre
as
metodologias de pesquisa quantitativas e qualitativas (principalmente) à luz de
Gil (2007), Menezes de Souza (2000), vanLier (1998), Cavalcanti & Moita
Lopes
(1991),
Passarelli
(2007)
e
Hine
(2000,
2005(b)).
Buscamos
4
Entrevista com o Prof. Dr. Menezes de Souza, professor da Universidade de São Paulo em 2002 para a
dissertação “Investigações sobre a leitura através do cinema na universidade: o letramento crítico no
ensino de inglês” – dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo.
35
compreender a pesquisa etnográfica em suas bases, para entender suas
apropriações realizadas pelas metodologias de pesquisa atuais.
Finalmante, apresentamos nossa metodologia de trabalho, ou seja, uma
pesquisa exploratoria de analise de dados providos em duas dissertações de
mestrado do programa PPGCOM da ECA-USP, bem como a realização de
pesquisa com “preocupações” etnográficas, haja vista nossos registros
imagéticos, auditivos realizados em nossas aulas, bem como as entrevistas
realizadas junto aos autores das teses analisadas e junto a seus orientadores.
A literatura sobre pesquisa social na modernidade apresenta propostas
e visões de diferentes estudiosos que se preocupam com a ciência e pesquisa
para gerar conhecimentos. Dentre os autores reconhecidos na área,
referenciamos Gil (2007) por ser um autor que trata de assunto tão complexo
com muita didática, segundo uma avaliação particular. Gil (ibid) define a
pesquisa como sendo o desenvolvimento de método científico. Analisando a
pesquisa social, o autor então apresenta em seu conceito que é a partir da
pesquisa que novos conhecimentos são produzidos no campo da realidade
social. Em sua obra Gil classifica os níveis de pesquisa em exploratória,
descritiva e pesquisa explicativa. Como ficou informado na relatoria do
encontro de um grupo de alunos da disciplina, a turma produzirá seu texto
coletivo a partir da adoção de uma pesquisa exploratória que analisará projetos
da “Escola do Futuro”.
Diante deste encaminhamento, considero interessante discorrer sobre a
pesquisa exploratória, conforme a percepção de Gil. Para enriquecer a
resenha, trarei a contribuição de Fonseca (2002), o qual criou um quadro
comparativo entre pesquisa qualitativa e quantitativa que ilustra a pertinência
da adoção do método qualitativo na nossa pesquisa, mediante o qual o
problema de investigação receberá uma abordagem dialética, conforme
parece-nos ser a necessidade do objeto definido para nosso estudo. A
pesquisa exploratória cuja finalidade é impulsionar novos estudos a partir de
seu desenvolvimento, muitas vezes constitui a primeira etapa de uma
investigação mais ampla. Geralmente envolve levantamento bibliográfico e
documental, podendo ainda se valer de outros instrumentos tais como
entrevistas não padronizadas e estudos de caso. O método quantitativo,
36
segundo Gil (2007), não se adequa plenamente a este tipo de pesquisa, pois
se trata de um tipo de pesquisa na qual não se formula hipóteses tão precisas.
Diante da exposição do pensamento de Fonseca e Gil, acredito que nossa
decisão sobre o texto coletivo se apresenta ajustada e cientificamente
concebida.
3.2 – Etnografia tradicional: das bases à atualidade
A etnografia tem origem na antropologia e vem sendo revisitada por
estudiosos das Ciências Humanas, os quais chegam a novos conceitos. Há
uma distinção entre a etnografia em sua origem e a dos tempos atuais: “Eu
faria uma distinção da etnografia tradicional do século XIX que esta muito
ligada à noção da antropologia (ligada ao colonialismo) e a antropologia que eu
chamaria de pós-moderna, da década de oitenta para cá”.
Para van Lier (1988, p. 53), “Ethnography is literally the description of
culture (or of groups of people that are perceived as possessing some degree
of cultural unit)”.
Há, contudo, várias definições de etnografia:
• etnografia é a investigação detalhada de modelos de interação social
(GUMPERZ, 1981);
• etnografia é um conjunto de análises holísticas das sociedades (LUTZ,
1981);
• etnografia é um método essencialmente descritivo, uma forma do
“contar histórias” (WALKER, 1981);
• etnografia preza pelo desenvolvimento e teste de teoria (GLAZER &
STRAUSS, 1967) ;
• etnografia é um método de pesquisa social (HAMMESLEY &
ATKINSON, 1983);
Ainda segundo van Lier (1998) é possível identificar três grandes
subdivisões da etnografia que pode ser vista num continuum de “versão mais
fraca” à “forte”. Em sua versão fraca, a etnografia é uma ferramenta e a
observação ajuda a identificar conceitos relevantes. Em sua versão forte, ela é
37
tida como formuladora de teoria (theory-building), ou seja, o núcleo de uma
abordagem humanística para a ciência social.
Na pesquisa etnográfica, é possível ver o objeto (na relação sujeito –
objeto) como criação do sujeito e, por decorrência ver o etnógrafo como um
“ficcionista” uma vez que etnógrafos tem consciência de seu papel como
criador de um relato etnográfico. O etnógrafo lida com uma multiplicidade de
estruturas conceituais complexas. Insistimos no fato da presença do olhar do
etnógrafo nas leituras. Segundo Watson (1987, p. 35), a influência do
pesquisador na etnografia não pode ser neutralizada ou descartada: “The more
the ethnographer reports on methods, the more he or she must acknowledge
that his or her own behavior and presence in the field are data”. Edmund Leach
(1996, p. 357) escreve: “Every anthropological observer will see something no
other such observer can recognize, namely a kind of harmonious projection of
the observer`s own personality”.
A
metodologia
etnográfica
foi bastante
criticada
por
ter
essa
“consciência” do papel da subjetividade na pesquisa. Tudo passa pelo olhar do
etnógrafo. Caberia, então, indagarmos qual ciência seria totalmente objetiva e
neutra.
Diferentemente dos métodos quantitativos, a etnografia propõe uma
nova visão de pesquisa qualitativa. Para o etnógrafo, a multiplicidade do olhar,
a subjetividade do pesquisador, o contexto e a descrição estão sempre
presentes.
Segundo Cavalcanti & Moita Lopes (1991), em termos práticos, a
pesquisa de base antropológica, ou etnográfica, baseia-se na observação e
levantamento de hipóteses. Nela, “a observação é feita através da elaboração
de notas de campo que vão fornecer os meios para a posterior construção de
diários em que o pesquisador-observador procura descrever o que, na sua
visão, ou seja, na sua interpretação, está ocorrendo no contexto de ensino –
aprendizagem” (ibid, p. 138). Assim, as etapas de uma pesquisa etnográfica
em sala de aula seria:
Base Antropológica
38
1) Observação de Aula – notas de campo – construção de
diários.
2) Interpretação de dados através de:
•
Leitura global – o todo dos diários
•
Leitura detalhada – identificar irregularidades.
3) Codificação de dados.
4) Definição do tópico de investigação: (tópico hipotético) o
documentário registra a verdade, ou seja, é portador da
verdade na interpretação do espectador.
5) Definição dos instrumentos de investigação:
a. Observação de documentários pelos espectadores e
pesquisadores.
b. Gravação de depoimentos de espectadores e/ou
pesquisadores.
c. Relatos de espectadores.
d. Entrevistas com diretores/teóricos.
6) Análise e interpretação de dados. (vide procedimentos 2 e
3).
7) Formulação de teorias.
Há, ainda, o que os etnógrafos denominam triangulação etnográfica, ou
seja, a observação de dados por três pontos de vista. Existem diversas
maneiras de se realizar a triangulação. Na triangulação teórica (theoretical
triangulation), há diferentes perspectivas teóricas sobre um mesmo dado. A
triangulação de informações (data triangulation) tenta unir as observações e as
múltiplas estratégias sobre diferentes informações (por exemplo pessoas em
variadas formas de interação podem ser analisadas juntas).
Finalmente,
há
a
triangulação
de
observadores
(investigator
triangulation) onde há mais de um observador no local.
39
Observador/pesquisador
Análise
Interpretação 1
Interpretação 3
Expectador
Aluno
Interpretação 2
Filmes e
gravações
Figura 1 - investigator triangulation
Na triangulação acima, por exemplo, podemos obter três olhares
diferentes ao estudarmos como um determinado objeto. O Observadorpesquisador poderia transcrever as entrevistas e realizar, a partir delas, a sua
interpretação 1. O mesmo pode ser feito a partir da leitura das imagens, ou
seja, uma segunda interpretação. Seria possível, ainda, analisamos as
respostas escritas dos questionários aplicados bem como analisar as
anotações de campo, gerando, dessa forma uma terceira interpretação. Ainda
segundo Cavalcanti & Moita Lopes (1991) os dados colocados nessa
perspectiva adquirem uma natureza intersubjetiva ao se levar em conta as
várias subjetividades – ou várias maneiras de olhar para o mesmo objeto de
investigação –na tarefa de interpretação dos dados.
Muito se fala em novas tecnologias e das pedagogias que surgem
conjuntamante. Entretanto, pouco se estuda sobre a maneira, os “comos” de
uma educação influenciada ou baseada nas TIC, no caso mais especifico
dessa pesquisa, das comunidades virtuais de aprendizagem e pratica? Como
avaliar seus impactos? E possível realizar uma analise avaliação ou
interepretacao dos ambientes virtuais de aprendizagem somente com a
40
pesquisa quantitativa? Interessa chegar a verdades universais, validadas a
aceitas em ambientes de comunidades virtuais onde as premissas são
construções coletivas, movimentos de copyleft e descentramento? Pareceral
essas serem as preocupações da nossa orientadora profa; Dra; Brasillina ao
nos guiar pelo caminho das comunidades e novas metodologias de pesquisa.
Vimos ai alguns desafios, tais como o de
1. entender a possibilidade desse encontro entre a etnografia (que, à
principio observa e registra situações tidas como “reais” presenciais) e as
comunidades virtuais;
2. analisar as escassas pesquisas já realizadas sobre esse encontro e
3. compreender nosso próprio processo de execução metodológica, ou
seja, colocamo-nos o desafio de também praticar uma pesquisa exploratória
que esboce características etnográficas.
3.3 - Etnografia virtual: investigando no ciberespaço
The coming of the Internet has posed a significant challenge for our
understanding of research methods. Chisritine Hine, 2005a, p. 1
A sociedade evoluiu. A ciência também evoluiu. Nesse percurso
progressivo, evoluem também os métodos de pesquisa. A sociedade evoluiu
paras as conexões instantâneas em rede, criou novos espaços e tempos
diferenciados. Se espaço e tempo são categorias importantes para a etnografia
tradicional, também o são para qualquer outra coisa que, por ventura, queira
utilizar o verbete “etnografia” ou “etnográfico” consigo. É o caso da Etnografia
Virtual.
Virtual Ethnography is not only virtual in the sense of being disembodied.
Virtuality also carries a connotation of 'not quite', adequate for practical purposes even
if not strictly the real thing (although this definition of virtuality is often suppressed in
favour of its trendier alternative). Virtual ethnography is adequate for the practical
purpose of exploring the relations of mediated interaction, even if not quite the real
thing in methodologically purist terms. It is an adaptive ethnography which sets out to
suit itself to the conditions in which it finds itself.
41
Christine Hine, 2000, p.65
A
etnografia
virtual
desponta
como
uma
tendência
como
método/metodologia de pesquisa em ambientes virtuais em um momento em
que surgem diversas soluções metodológicas para estudo do ciberespaço e
seus desdobramentos. Todavia, como aponta Hine, ainda não está claro como
utilizar, em sua plenitude, essas metodologias herdadas das ciências
tradicionais, bem como quais as lacunas existentes (HINE, 2005a). Ou seja, há
muito a ser pesquisado nessa área.
Mas seria a etnografia virtual um novo tipo ou classe de etnografia?
Como já fora discutido na seção anterior, um das grandes características da
etnografia é a presença física do pesquisador e a observação in loco. Seria
possível fazer jus a essas características no ciberespaço?
Essa é uma questão um tanto geográfica e bastante relevante. Na
complexidade e no caos da Web, podemos considerar a existência de espaços,
lugares, tempos e territórios, indiciando dialeticamente relações de poder e de
troca.
Hine (2000, 2005b) apresenta uma longa discussão sobre o encontro
entre a etnografia tradicional e a virtual, evidenciando possibilidades e
apresentando práticas de pesquisadores de diversos países, inclusive do
Brasil. Segundo a autora, a contribuição de seu trabalho se dá pelas
possibilidades de debate sobre o significado dos recentes avanços nas
comunicacões virtuais. Desse debate surgiram diversos trabalhos, dentre eles
um framework teórico que emprega a etnografia no ciberespaço (GUIMARÃES,
2005).
Nesse contexto tecnosocial de linguagens líquidas e leitores
imersivos (SANTAELLA, 2004), a etnografia virtual apresenta-se como uma
possibilidade metodológica para investigação de comunidades, práticas e
culturas sitiadas na Internet. Segundo Hine (2000, p. 8), a etnografia virtual nos
permite responder algumas questões no que diz respeito ao ciberespaço:
42
 como os usuários da Internet “enxergam” suas capacidades
comunicativas e interativas;
 como a Internet afeta as organizações e relações sociais, com
o espaço e com o tempo;
 quais são as implicações para a autenticidade e segurança e
 se a experiência do virtual é radicalmente diferente da
experiência do real físico.
Faz-se importante entender a tecnologia como potencial agente de
transformações. Segundo a autora, “uma etnografia da Internet pode olhar em
detalhes para as maneiras pelas quais a tecnologia é
experienciada na
prática. Na sua forma básica a etnografia virtual tambem consite em um
pesquisador usando um período de tempo estendido imerso num 'campo de
ação', percebendo as relações, atividades e compreensões daqueles que estão
nesse ambiente e participam do processo“. (ibid, p. 4, tradução nossa).
Portanto, vemos que a autora defende o “encontro” entre a etnografia
tradicional e a virtual. Dado que o pesquisador, similarmente ao que ocorre na
etnografia tradicional, analisa/interpreta/observa uma comunidade, mesmo que
seja no ciberespaço.
Em relação à crítica sobre a inconsistência de uma etnografia virtual,
onde não se garantiria a presença do pesquisador in loco fisicamente,
remetemo-nos às discussões iniciais desse trabalho, ou seja, às questões das
transformações da sociedade, das mudanças de paradigmas, das dualidades
modernidade x pós-modernidade e das novas TIC e realidades de CMC.
Citando Lyotard, Hine também postula sobre a pós-modernidade:
Postmodern theorists have it that the foundations of modernity are
increasingly in crisis, and that the basis for organizing social life are undergoing a
rapid change. A fragmentation of concepts such as the self, society and culture
accompanies a loss of faith in the grand narratives of science and religion. (Lyotard
apud Hine, 1984)
43
Dessa forma, ao criticar o modo de pensar moderno e reprodutivista,
Hine lança as bases para suas pesquisas baseadas na etnografia virtual. Para
a pesquisadora, para utilizarmos a etnografia em pesquisas sobre ambientes
virtuais, necessitamos, inicialmente, questionar os conceitos espacialidade,
temporalidade,
físico,
dialógico
real
vs.
presencial
estabelecidos,
resignificando-os. Nesse sentido, a etnografia pode ser utilizada para
desenvolver sentidos e significados da tecnologia e das culturas.
Vale lembrar que na perspectiva apresentada, a Internet é um
artefato cultural e, por si só, uma cultura, a cibercultura. Duas categorias
importantes na definição de etnografia virtual pela Hine e, importantes na
consideração etnográfica dessa metodologia.
Dessa forma, Hine (2000) comenta a(s) diferença(s) entre as
abordagens tradicional e virtual da etnografia, evidenciando como uma não
sobrepuja a outra:
Face-to-face interaction and the rhetoric of having traveled to a remote field
site, have played a major part in the presentation of ethnographic descriptions as
authentic. A limited medium like CMC seems to pose problems for ethnography's claims
to test knowledge through experience and interaction. The position changes somewhat if
we recognize the ethnographer could instead be construed as needing to have similar
experiences to those of informants, however those experiences are mediated.
Conducting an ethnographic enquiry through the use of CMC opens up the possibility of
gaining a reflexive understanding of what it is to be a part of the internet. (p. 10)
Com base nessa abordagem de etnografia virtual, analisaremos, nos
capítulos a seguir, como alguns trabalhos de pesquisa a usam, mesmo que
anonimamente.
44
CAPÍTULO 4 – MAPEAMENTO DOS PROJETOS MUNDIAIS E
TENDÊNCIAS SOBRE A ETNOGRAFIA VIRTUAL: ESCOLA DO
FUTURO E PPGCOM (BRASIL), VKS (HOLANDA), THE VIRTUAL
ETHNOGRAPHY (REINO UNIDO) E DIGITAL ETHNOGRAPHY
(ESTADOS UNIDOS)
4.1 MANIFESTO DIGITAL
The digital is the realm of the open: open source, open resources, open
doors. Co-creation is one of the founding features of the digital turn in
the human sciences, because of the greater complexity. But this
collaborative turn doesn’t exclude … perhaps there is a space of
hermetic works of the mad individual.
Digital Humanities Manifesto - A Project of the Mellon Seminar in
Digital Humanities at UCLA
Iniciamos nosso último capítulo com um pensamento: mais uma época
iluminada no planeta Terra! Só pode dar um nó na cabeça de quem pára para
refletir que muitos dos paradigmas atuais, econômicos, sociais e culturais estão
45
no limite de serem deflagrados e novas verdades construídas. Surge um
debate em torno das novas formas de perceber, conhecer, aprender e aplicar,
influenciada por um universo composto de novos elementos e ambientes,
virtuais e digitais, e novos hábitos sociais praticados mundialmente.
Digital humanities is not a unified field but an array of convergent
practices that explore a universe in which print is no longer the exclusive
or the normative medium in which knowledge is produced and/or
disseminated” (Digital Humanities Manifesto - A Project of the Mellon
Seminar in Digital Humanities at UCLA.
Disponível
em:
http://dev.cdh.ucla.edu/digitalhumanities/2008/12/15/digital-humanitiesmanifesto/)
Países no mundo inteiro se dão conta de que o seu bem mais precioso
são os seus cérebros, e quanto maior o número cabeças pensantes mais
chances eles têm de se projetar e se manter competitivos. Justamente quando
a informação extrapola as fronteiras físicas, as distâncias são reavaliadas
assim como os recursos didáticos e todo o tipo de dado que percorre e envolve
o mundo num alcance ampliado possibilitando uma eqüidade nessa
distribuição, jamais experimentada.
As grandes massas passam a ter livre-arbítrio nessa rede, escolhem as
suas tribos, redefinem as suas preferências diante de novas descobertas, criam
as suas “páginas” com os seus saberes, dividem as suas experiências e seu
conhecimento com milhares de pessoas numa velocidade de entrega e
“feedback” nunca vistos. “wicked,wiki, untamed, social and single global brain”.
Observando por um ângulo, essa rede presenteia a humanidade com a
chance de equilibrar a balança do conhecimento sem distinção de raça, cor,
credo e classe social e extrapola as fronteiras econômicas; sua capilaridade
ilimitada atinge os países desenvolvidos, os emergentes e ainda os
subdesenvolvidos.
46
A expansão das bases educacionais assim como a possibilidade de
ampliação do seu conteúdo e das novas formas de comunicar e ensinar serão
os principais responsáveis por essa mudança que proporciona oportunidades
similares, à grande parte da população global.
Hoje a rede e as comunidades criadas espontaneamente por meio desta,
instigam estudiosos das diversas áreas do conhecimento e educadores do
globo a analisar as práticas desse novo percurso e repensar o modelo
educacional presente por reconhecer a sua célere falência. Segundo Brasilina
Passarelli (2007), em seu livro Interfaces Digitais na Educação: @lucin [ações]
consentidas
(...) a fim de se amoldar às mudanças ocorridas na sociedade nas
últimas décadas, o paradigma educacional hoje em desenvolvimento
propõe uma escola inteligente, um local rico em recursos para que a
aprendizagem seja de fato significativa. (p.42)
Ainda nas palavras de Brasilina (ibid, p. 82)
O homem tem buscado a integração, a harmonização das diversas
formas de apreensão e percepção do mundo. Nesse contexto, os
ambientes de hipermídia constituem a mais recente tecnologia para a
integração e contextualização do saber, tornando-se assim uma
ferramenta poderosa no processo de construção da aprendizagem.
Um sistema educacional que se proponha aberto deverá privilegiar a
obtenção e organização do conhecimento para possibilitar ao indivíduo
uma visão global do mundo, valorizando a inovação e a descoberta
como etapa fundamental do processo de aprendizagem, transformando a
escola no templo do aprender a aprender.
Os “conhecidos” processos educacionais ainda são reproduzidos nos
ambientes virtuais, alguns disponibilizados na rede gratuitamente. Outros não,
seja por questões econômicas ou pela dificuldade que o ser humano tem, como
sociedade consolidada, de quebrar paradigmas, ousar, buscar pela criatividade
e “sair do quadrado” desconstruindo processos há muito enraizados nas suas
formas de operar. Uma outra referência do Digital Humanities Manifesto do
47
Mellon Seminar in Digital Humanities at UCLA fala da complexidadede ambas,
ou seja, a larga escala combinada com as ciências humanas:
Like all media revolutions, the first wave of the digital revolution looked
backwards as it moved forward. It replicated a world where print was
primary and visuality was secondary, while vastly accelerating search
and retrieval. Now it must look forward into an immediate future in
which the medium specific features of the digital become its core.
The first wave was quantitative, mobilizing the vertiginous search and
retrieval powers of the database. The second wave is qualitative,
interpretive, experiential, even emotive. It immerses the digital toolkit
within what represents the very core strength of the Humanities:
complexity.
Large-scale complexity: need for teamwork as new model for the
production and reproduction of humanistic knowledge. Teams sometimes
fail because they take risks. This is the heart of digital humanities: Risktaking, collaboration, and experimentation.
Nesse sentido, o grupo CCVAP 2009 apresenta nesse capítulo uma
compilação de organizações e trabalhos de pesquisadores veteranos da
internet de diversas partes do mundo.
São textos, ilustrações e vídeos com testemunhos importantes sobre “O estado
da arte” de diversas iniciativas que têm com objetivo principal o de criar novas
formas de construção do conhecimento em comunidades virtuais utilizando
métodos colaborativos, ou seja, de criação coletiva, empregando as novas
tecnologias
de
informação
e
comunicação,
TIC.
As
iniciativas
aqui
apresentadas também utilizam, investem ou adotam a etnografia Virtual em
suas pesquisas para avaliar ambientes de aprendizagem e prática, tema
principal desse trabalho.
Encontramos diversos termos para a Etnografia digital nesse campo de
estudo: etnografia por meio da internet, etnografia conectiva, etnografia da
rede, ciberetnografia, etnografia virtual.
48
São também distintos os entendimentos sobre a etnografia virtual, há
quem entenda que essa é uma metodologia específica em “ambiente” e com
“objeto” diferenciado que utiliza a etnografia, como também há aqueles que
entendem que não existe nenhum diferencial entre investigar em ambientes
reais ou no ciberespaço. Segundo uma publicação cujo o título é Etnografía
virtual, escrito por Daniel Domínguez, Anne Beaulieu, Adolfo Estalella, Edgar
Gómez, Bernt Schnettler & Rosie Read, Volumen 8, No. 3 – Septiembre 2007,
e publicado no
http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/274/603
Las diversas formas de conceptualizar la etnografía virtual están
asociadas con una reflexión sobre el trasfondo cultural de internet y
sobre el diálogo de las experiencias y las interacciones sociales con ese
trasfondo cultural. Internet es un lugar rico en interacciones sociales
donde la práctica, los significados y las identidades culturales se
entremezclan a través de diversas vías. Las formas de relación social en
el escenario virtual suponen un reto para los investigadores sociales y
abren nuevos campos para el análisis en el terreno de la metodología
cualitativa.
Si bien los problemas etnográficos de la representación, de la
perspectiva y de la participación no son nuevos en la etnografía, hacer
de internet el objeto estudio lleva a que se replanteen nuevamente y que
se reformulen, junto con otros elementos fundamentales como el de
comunidad, el valor de la experiencia del investigador en el campo o las
ideas de acceso y abandono del mismo. De modo que el tratamiento de
internet interpela a una reflexión amplia sobre los aspectos centrales de
la etnografía.
Como parodia a Professora Brasilina, de “França a Bahia”, com
extensão global, os estudiosos aqui apresentados vêm construindo ao longo da
última década plataformas importantes para sustentar pesquisas e discussões
dessas novas formas de elaborar conhecimento e pesquisar sobre esse
fenômeno da interação da educação com as tecnologias de comunicação,
49
sendo estas presenciais ou virtuais, tais como fóruns, encontros, manifestos,
blogs, laboratórios, etc. Em uma das reflexões importantes da Brasilina
O homem tem buscado a integração, a harmonização das diversas
formas de apreensão e percepção do mundo. Nesse contexto, os
ambientes de hipermídia constituem a mais recente tecnologia para a
integração e contextualização do saber, tornando-se assim uma
ferramenta poderosa no processo de construção da aprendizagem. Um
sistema educacional que se proponha aberto deverá privilegiar a
obtenção e organização do conhecimento para possibilitar ao indivíduo
uma visão global do mundo, valorizando a inovação e a descoberta
como etapa fundamental do processo de aprendizagem, transformando a
escola no templo do aprender a aprender. (PASSARELLI, 1993, p. 82)
4.2 PROJETOS MUNDIAIS E A ETNOGRAFIA VIRTUAL/DIGITAL
O VKS (Virtual Knowledge Studio) da Academia Real de Artes da
Holanda(The Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences - KNAW),
http://vimeo.com/album/84977, apóia pesquisadores das ciências humanas e
ciência social (Holanda) na criação de novas praticas escolares e nas reflexões
sobre a pesquisa eletrônica (e-research). Um dos conceitos centrais do VKS é
a integração de design e análise em cooperação entre cientista social,
pesquisadores, experts em tecnologia e cientistas da informação. Essa
abordagem integrada investiga como a pesquisa eletrônica pode contribuir com
novas pesquisas e métodos.
O mesmo projeto é desenvolvido em parceria com a Erasmus University
Rotterdam (Erasmus Studio5)e com a Maastricht University em Maastricht. Um
5
The Erasmus Studio will carry out a research programme including a number of projects with researchers
from various disciplinary backgrounds, such as social sciences, economics, management research, and
informatics. The Erasmus Studio will also organize a series of interdisciplinary seminars on e-research, in
which both senior researchers as well as PhD students and undergraduates can participate.
The Erasmus Studio is a collaboration with the Virtual Knowledge Studio for the Humanities and Social
Sciences (VKS), a KNAW institute in Amsterdam which started in January 2006. A similar collaborative
50
dos projetos é o método etnográfico como método de pesquisa virtual (
etnografia virtual):
The research focuses attention on challenges posed to ethnographic
methods by the new digital and electronic media. It will be of interest to
scholars engaged in ethnographic research which touches on digital
media as well as other social scientists studying globalization and
cultural change, digital communication, or cultures of digital media. The
workshop forms part of the ongoing programme of the Virtual
Knowledge Studio to study and stimulate new research practices in the
humanities
and
social
sciences.
http://www.virtualknowledgestudio.nl/conferences/virtual-ethnography/
FQS, projeto desenvolvido pelo fórum de pesquisa social em Berlim,
Alemanha (Fórum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social
Research Berlim, Alemanha) pesquisa empiricamente utilizando métodos
qualitativos que trabalham a teoria, a metodologia e aplicação da pesquisa
qualitativa. Através de discussões online, o projeto promove interações entre
autores e leitores, por exemplo sob uma perspectiva interdisciplinar e
multinacional e de co-autoria. Convidamos nossos leitores a acompanharem o
DVD gravado do site do Virtual Knowledge Studio (VKS) intitulado “Virtual
Knowledge: a new reasearch agenda in th humanities and the social sciences”
anexado nesse trabalho ou a assistir ao vídeo diretamente do site:
initiative is the Maastricht Studio. It was lauched in October 2007 and has been set up by the VKS and the
Universiteit Maastricht. The Erasmus Studio secretariat is housed by the Erasmus School of Economics.
51
http://www.virtualknowledgestudio.nl/
Através de um jornal online, o projeto6 de pesquisa social online (The
Virtual Ethnography – Online Social Research) no Reino Unido faz uso das
novas mídias, publica artigos nas diversas áreas da pesquisa social online,
entre elas a etnografia virtual. Alguns dos pesquisadores são Christine Hine
(University of Surrey), autora de Virtual Ethnography – livro que nos baseamos
para discutir a etnografia virtual, Bruce Mason (ESRC Research Associate at
the Cardiff School of Social Sciences) tem explorado a etnografia hipermidiática
e questões metodológicas em relação ao compartilhamento de dados. Ele é o
autor do livro Qualitative Research and hypermedia: Ethnography in the Digital
Age e Bella Dicks, coordenadora do projeto Ethnography, Culture and
Interpretive Analysis Global Political Economy (GPE). Convidamos a visita ao
site:
Projeto das University of Surrey, the University of Stirling, the British Sociological
Association and SAGE Publications Ltd.
6
52
http://www.socresonline.org.uk/cgibin/perlfect/search/search.pl?q=ethnography&showurl=%2F1
2%2F6%2F3.html
Nos Estados Unidos, temos acompanhado o projeto DIGITAL
ETHNOGRAPHY de Mike Wesch, professor de Antropologia Cultural em
Kansas State University, que publica online (principalmente no Youtube)
trabalhos dos alunos da disciplina de antropologia. Trata-se de diversos vídeos
produzidos pelos próprios alunos.
53
Alguns desses trabalhos podem ser acessados em:
Na anthropological Introduction: http://www.youtube.com/watch?v=TPAO-lZ4_hU
The Machine is Us/ing Us (Final Version)
http://www.youtube.com/watch?v=NLlGopyXT_g
A portal to media literacy:
http://www.youtube.com/watch?v=J4yApagnr0s
Information R/evolution
http://www.youtube.com/watch?v=-4CV05HyAbM
A Associação de pesquisadores da Internet (The Association of
Internet Researchers – AoIR)
é uma associação
para estudantes e
pesquisadores de qualquer área ou disciplina com interesse em estudos da
internet (http://inthegameworkshop.blogspot.com). Essa associação promove
um debate em torno da etnografia, mediação e conhecimento. Além disso,
discute-se continuidade, responsabilidade, afetividade e práticas escolares.
54
Portanto, como vimos, são diversos os projetos que defendem e utilizam
a etnografia virtual/digital como metodologia de pesquisa. Veremos no próximo
sub-capítulo os projetos desenvolvidos no Brasil, pela Escola do Futuro e pelo
programa de pós-graduaçáo da ECA-SUP mais especificamente.
4.3 A ETNOGRAFIA VIRTUAL E OS PROJETOS DA ESCOLA DO FUTURO
(LIntEe e PPGCOM - USP)
Escola do Futuro da USP - São Paulo, Brasil
Fundada em 1989, objetivou estudar os impactos causados pelas Tecnologias
da Informação em espaços de aprendizagem e práticas de ensino. A escola
não conta com recursos financeiros da USP e reúne 60 pesquisadores entre
docentes e alunos da USP, além de contar com profissionais associados.
Como pode ser constatado em http://www.futuro.usp.br/, a atuação da Escola
do Futuro tem como referência cinco princípios:
1. O compromisso com a pesquisa, a discussão e a avaliação de
diferentes estratégias educacionais, privilegiando aquelas que incorporam, por
um lado, os mais modernos conceitos sobre os processos de cognição humana
e, por outro, as novas tecnologias de informação.
2. Desenvolver metodologias e materiais didáticos que conferiram um
novo dinamismo ao ensino e à aprendizagem, presencialmente ou à distância.
3. Preparar novas gerações de educadores que vejam na interface entre
educação e comunicação um campo fértil para sua criatividade, discernimento
e constante aperfeiçoamento.
4. Promover a aceleração do intercâmbio de idéias e experiências entre
educadores e instituições acadêmicas através da realização de cursos,
seminários, oficinas e outros eventos. Pretende-se, assim, conciliar a pesquisa
universitária com a prática da sala de aula.
5. Servir como um modelo de parceria entre a universidade, a sociedade
e diferentes agências e esferas de governo, todos comprometidos com o
aperfeiçoamento da Educação no Brasil. Este compromisso fundamenta-se em
um novo horizonte de justiça social e de construção e exercício da cidadania
em nosso país.
55
No Brasil, entendemos que os projetos do Laboratório de Interfaces em
Educação - LIntEe da escola do futuro/USP, responsável por projetos
experimentais de educação a distância com utilização da internet voltado a
alunos e professores,
apresentam experiências com o virtual engajado no
social. Todos os projetos, de uma forma ou outra, utilizam metodologias de
pesquisa relacionadas a etnografia virtual (o foco desse trabalho). À luz de
Malinowski (MINAYO, 1995), vemos que nesse tipo de investigação “o
pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo, sua própria pesquisa e que
esse trabalho de observação direta é parte integrante da mesma. Dessa forma,
a etnografia apregoa a existência de uma identidade entre sujeito e objeto”,
sendo o objeto das ciências sociais, essencialmente qualitativo. Geertz (1978)
diz que “a etnografia não é uma questão de métodos, mas sim estabelecer
relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias,
mapear campos manter um diário, ao que ele denomina descrição densa.” São
quatro os sites/projetos: To ligado – O Jornal Interativo da sua escola, conexão
Escola – Interação total com o professor, Nexus – Da Informação ao
Conhecimento para alunos da graduação e o CCVAP, como parte da disciplina
de pós-graduação, Criando Comunidades Virtuais de Aprendizagem e Prática:
http://futuro.usp.br/portal/website.ef
www.toligado.futuro.usp.br/
www.ccvap.futuro.usp.br
www.nexus.futuro.usp.br
Analisamos, ainda, os projetos do programa de Pós-graduação da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP.
Vimos que praticamente todas as pesquisas utilizam, de alguma forma, ou seja,
como objeto de estudo ou como método de pesquisa, a metodologia qualitativa,
ou seja, a etnografia qualitativa. Alguns deles são:
1. CAPITAL SOCIAL EM COMUNIDADES VIRTUAIS
DADOS:
- Dissertação: Capital Social em Comuidades de aprendizagem e prática.
- Autor: Anita Bliska
56
- Ana de Defesa: 2007
- Falcudade / Área: (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
2. A EMERGÊNCIA DAS RELAÇÕES DE PODER NO COLETIVO MEDIADO
DADOS:
- Dissertação: A Emergência das Relaçoes de Poder no Coletivo Dediado: um
estudo de caso na disciplina Criando Comunidades Virtuais de Apredizagem e
de Prática
- Autor: Claudia Pontes Freire
- Ana de Defesa: 2009
- Falcudade / Área: (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
3. PROCESSOS DE INOVAÇÃO EM COMUNIDADES VIRTUAIS
DADOS:
- Dissertação: Processos de Inovação em Comunidades Virtuais
- Autor: Cristina Rui Santo
- Ana de Defesa: 2009
- Falcudade / Área: falta informação
4. COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO DIGITAL
DADOS:
- Dissertação: Comunicação, Educação e Inclusão Digital: quem "tá ligado" na
escola estadual paulista? ma análise da interatividade no projeto Tôligado: o
jornal da sua escola.
- Autor: Cristina Álvare Beslow
- Ana de Defesa: 2008
- Falcudade / Área: (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.
- apresentaçao dos trabalhos analisados
Nossa análise focou dois trabalhos. Na primeira, a dissertação de
mestrado de Anita Vera Bliska tem por objetivo propor um instrumento de
medição de desempenho em comunidades virtuais de aprendizagem. Para
isso, ela utiliza variáveis da teoria do capital social. Ela constrói uma matriz
com 3 variáveis: capital social estrutural – compreende a infra-estrutura
tecnológica e o uso de ambientes virtuais bem como políticas de incentivo ao
57
uso de recursos da tecnologia da informação; capital social cognitivo, gerado
pela cultura virtual e coesão social que se relaciona com as ações coletivas, a
partir das análises da interação e colaboração entre os participantes. A
metodologia é a análise etnográfica do ambiente. Anita diz que usa o método
etnográfico para interpretar experiências e condutas, abrangendo o que dizem,
sabem, constroem e usam os estudantes das CVAs. Diz que é uma forte
compreensão
dos
significados,
comportamentos
,
ações
e
situações
vivenciadas pelos participantes em seu cotidiano. A configuração etnográfica
permite olhar, narrar, descrever, interpretar e indagar sobre o objeto
investigado para narrar, descrever, interpretar sua materialidade discursiva,
mantido como procedimento metodológico o princípio da interação constante
entre o pesquisador e o objeto pesquisado. Na segunda, Conforme pode ser
constatado no resumo do trabalho a autora informa que sua pesquisa analisou
a interatividade propiciada pelo projeto de inclusão digital TôLigado - o Jornal
Interativo da Sua Escola, site educativo concebido pelo então “Laboratório de
Interfaces em Educação – LintE da Escola do Futuro/USP e implementado em
parceria com a Fundação para o Desenvolvimento da Educação da Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo. Obteve participação de 1.428 escolas
de ensino médio e fundamental em diferentes cidades do estado, entre os anos
de 2001 e 2006.
A pesquisa analisou o site e os recursos que possibilitam a interação e a
interatividade com seu público-alvo, com especial atenção para as atividades
de produção do conhecimento entre os anos de 2002 e 2005. Utilizou-se a
metodologia de pesquisa qualitativa e quantitativa, por meio da etnografia no
virtual (grifos nossos), em que foram analisadas 814 publicações nas
atividades de produção do conhecimento, referentes a 135 escolas
participantes do projeto; além de etnografia na escola pública, por meio de
pesquisa de campo em duas escolas estaduais paulistas que tiveram destaque
de envolvimento no TôLigado – a E.E. Prof. José Felício Miziara e a E.E. Prof.
João Portugal –, ambas localizadas na região de São José do Rio Preto. A
partir da análise da participação no projeto e do contato com a realidade da
escola pública, esta pesquisa detectou as dificuldades enfrentadas pela
instituição escolar do Estado de São Paulo em incorporar as novas tecnologias
58
de comunicação e informação ao seu dia-a-dia, assim como os avanços
alcançados pelo projeto de inclusão digital.
59
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que aprendemos até agora é apenas o começo. O universo virtual, tal como esfinge
enigmática, reitera constantemente seu desafio a todos que queiram decifrá-los
Passarelli, 2007, p. 185
As tecnologias da informação associadas ao ciberespaço proporcionam
um crescimento exponencial e caótico das informações disponíveis e dos
vínculos que unem essas informações. No ciberespaço, o saber não pode ser
uma entidade estável e bem-definida. O ciberespaço transforma a relação com
o saber. Lembrando a conceituação de Levy, veremos que o saber é um
saber/fluxo, um saber em movimento. Essa mudança da relação com o saber
repercute sobre as disciplinas ensinadas no nível universitário, particularmente
nas disciplinas técninas e científicas. Novas teorias surgem e as pesquisas
levam a novos conhecimentos. Os avanços tecnológicos fazem com que os
campos de aplicação das diversas disciplinas e as ferramentas que lhe são
próprias estejam em permanente mudança. Esse contexto requer que os
aprendizes atualizem permanentemente seus conhecimentos. O ciberespaço,
particularmente a internet, facilita o acesso à informação para um público
amplo e oferece um ambiente com um potencial interessante de aprendizagem.
Considerando
as
necessidades
crescentes
de
diversificação
e
de
personalização da formação, a aprendizagem autônoma parece ser um ideal a
ser atingido. “As tecnologias poderiam trazer elementos de resposta a essa
busca de autonomia na formação. De fato, graças a elas, a informação torna-se
acessível a um grande número de indivíduos, mesmo na ausência de um
mediador humano ou fora dos programas de formação estabelecidos. Assim o
ciberespaço permite o acesso a banco de dados ou sites www, que dão conta
60
dos desenvolvimentos recentes nas diversas disciplinas e colocam à
disposição dos professores e estudantes universitários um material que pode
servir para fins didáticos. A exploração desses recursos nos programas
universitários, por professores e estudantes, pode enriquecer as atividades de
aprendizagem e de ensino.
Essa nova situação deve levar-nos a adaptar a pedagogia universitária
em função desses novos parâmetros. De fato, a utilização das tecnologias para
fins de aprendizagem coloca em questão o ambiente pedagógico que permitirá
favorecer as aprendizagens com ajuda das tecnologias, pois o acesso facilitado
às informações não garante necessariamente melhores aprendizagens.
Haughey (1995) diz que as tecnologias da informação e da comunicação, se
não forem utilizadas em um contexto pedagógico renovado, podem
simplesmente reproduzir o modelo de ensino tradicional, sem que se aproveite
a liberdade que elas poderiam proporcionar ao professor.
Como discorrido ao longo de todo esse trabalho, cremos ser essa a
pedagogia questionada por essa disciplina de pos ( e por seus participantes): o
questionamento de um modelo de ensino tradicional.
Dentre as diferentes linhas pedagógicas, a abordagem construtivista é
vista por muitos autores como particularmente apropriada ao ensino
universitário. Para Bostock (1998), os ambientes de aprendizagem concebidos
respeitando os princípios construtivistas deveriam oferecer aos aprendizes um
alto grau de controle sobre sua aprendizagem, propor contextos de
aprendizagem significativos e diversos tipos de interação. Voltando a Levy
(1997), menciona que no contexto do ciberespaço é necessário um reforma
que estabeleça um novo estilo de pedagogia que favoreça a aprendizagem
personalizada e a aprendizagem cooperativa em rede. Muitos autores
concordam que a utilização das tecnologias da informação e da comunicação
deveria levar a uma mudança na relação pedagógica entre o professor e o
estudante. O professor deveria abandonar seu papel de transmissor da
informação para desempenhar um papel de guia e de conselheiro para o
estudante.
61
Dado que a aprendizagem não se limita à aquisição de conhecimentos,
é importante desenvolver no aprendiz habilidades que ajudem a explorar novas
informações, sintetizar e fazer aplicações práticas. Segundo Haughey (1995), a
educação é um processo interpretativo no qual o sentido emerge do diálogo e
no qual os aprendizes são participantes ativos. O essencial da conduta
educativa se situa na construção de sentidos com os aprendizes e não na
transmissão de informação. Uma das formas que pode assumir a integração
das novas tecnologias no meio universitário é a elaboração de cursos
multimídia.
O desenvolvimento do ciberespaço possibilita uma revisão dos conceitos
de ensino a distãncia, dispositivo de formação e de autoformação. Ao permitir
que alunos e professores entrem em contato e interajam apesar da distância
física que os separam, as novas tecnologias da informação e da comunicação
põem em xeque a noção de distância baseada exclusivamente no critério
geográfico. A idéia de distância transacional, descrita por Paul Bouchard
parece
mais
relevante
que
a
idéia
de
distância
geográfica.
“Os
desenvolvimentos tecnológicos também atuam em favor de uma visão
ampliada do conceito de dispositivo de formação, que não pode ser reduzido
ao simples suporte físico.” (ibid, p.111) O dispositivo é um lugar de interação
que deve considerar o sujeito aprendiz e sua experiência de formação. “Os
dispositivos de formação que exploram o ciberespaço, por dar acesso a
recursos informacionais e humanos quase ilimitados, constituem sistemas mais
abertos, cujos limites é difícil circunscrever claramente.
O acesso facilitado à informação proporcionado pelo ciberespaço
questiona os conteúdos da formação e as práticas. Como a informação está
disponível o tempo todo, a aquisição desta informação passa a ter menos
importância, o essencial da aprendizagem se desloca para o desenvolvimento
de habilidades para saber buscar a informação, julgar sua validade ou
pertinência e tratá-la. Como no ciberespaço o aluno tem acesso a uma
quantidade enorme de informações e também a recursos humanos variados, o
professor não é mais a única fonte de conhecimentos, adquirindo outros papéis
62
como o de animar, acompanhar e avaliar. Os idealizadores de dispositivos não
podem reduzir seu papel à simples transmissão de informação.
Embora saibamos que “a utilização de produtos multimídia não é a
garantia de uma aprendizagem mais autônoma, vimos na prática (como alunos
participantes da comunidade de aprendizagem e de pratica - real e virtualproporcionada por essa disciplina) que e‟ perfeitamente possível engajamento,
trocas e construções coletivas.
Para o fim, argumentamos, juntamente com O‟Gorman e Brasilina,
contra uma visão tecno-burocrática da educação em favor de uma visão onde
novos métodos e materialidades computacionais sejam inseridos. Uma
possibilidades de teoria que reflete/ é refletida pela sociedade, seria aquela
que questiona o cânone grafocêntrico mostrando, como citado por O„Gorman,
que a “geração Nintendo” (já estamos nas gerações Playstation ou outras mais
avançadas?) desenvolve habilidades específicas visuais e digitais que
ultrapassam facilmente as gerações anteriores. “We are getting sillier by the
minute”, ou seja, nós, os educadores de hoje, estamos ficando para trás a cada
minuto, com “caras de bobos”: Mas e se a televisão, jogar video-games e surfar
na internet são bons para nos? E se exercitar estes modos de cognição
exigidos pelos sofisticados vídeo games visuais e os ambientes da Web
pudessem na verdade aumentar a inteligência de alguém?7
Dessa forma, questionamos se não estamos aplicando velhos modelos a
modelos novos que se transformam continuamente; questionamos se esse
choque de gerações não se reflete no plano da educação e do conhecimento,
ou seja, somos rápidos ao julgar e desvalorizar o aluno “pós-moderno” que
aprende com a televisão, com vídeo games e com a Web, mas negligenciamos
o fato de que essas epistemologias trazem conseqüências à vida pública.
Como educadores, jornalistas e pesquisadores de redes sociais MCM e TIC,
faz-se necessário refletir: a influência do visual e do digital, o “posicionar-se
criticamente” também em relação ao digital e o pensar novas metodologias que
abarquem e dialoguem com “velhos” e novos paradigmas educacionais.
7
traducao dos pesquisadores But what if television, playing video games, and surfing on the Web are actually
good for you? What if exercising the modes of cognition demanded by visually sophisticated video game and Web
environments could actually increase one’s intelligence?” p.72
63
Para o fim, discutimos extensivamente a quebra de paradigmas da
sociedade, as questões de reprodutivismo versus construção de conhecimento
(Bourdieu, Morin), as novas TIC, os novos usos e aplicações do ciberespaço,
as comunicações mediadas por computadores (CMC). Não poderíamos deixar
de convidá-los a assistir à nossa contribuição para a disciplina CCVAP 2009.
Além da criação do texto coletivo, construímos uma apresentação em
PowerPoint com linha do tempo, gráficos de dados e de presença virtual, bem
como o vídeo abaixo. Não poderíamos deixar de agradecer (como fizemos no
vídeo) a orientação da prof. Dra. Brasilina Passarelli que, em meio à greve, não
mediu esforços para nos orientar. Temos certeza que esse projeto e essa
comunidade continuam nos grupos de emails googlegroups, googledocs, nos
msns e skype.com e nos artigos e livros (talvez?) que um dia publicaremos
coletivamente, uma prova (empírica racional) de que comunidades de
aprendizagem e prática podem acontecer real e virtualmente; comunidades que
pensem e façam uma nova educação, o diferente, a vanguarda:
http://www.youtube.com/watch?v=RZnc_rAsPzk
64
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68
APÊNDICE: MAKING-OF
Apresentamos nesse capítulo a apresentação final da linha do tempo, os links
de produção de cada aluno, os gráficos com dados sobre nossa produção,
comunicação e evolução durante a disciplina.
363 emails trocados no googlegroups. destes o dia com maior troca foi
terças-feira, dia da aula, seguido de segundas-feira, pré-aula e quartas-feira,
pós-aula.
69
Porcentagem de emails X Semana de estudo X Dia da Semana
70
71
72
73
74