A Musalla Torrão Vol III

Transcrição

A Musalla Torrão Vol III
A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 3
http://www.cmalcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
Ficha Técnica
Tema do Terceiro Volume – A Muṣalla do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão: Uma Leitura Arquitectónica.
Autor – António Rafael Carvalho
Colecção Digital – Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 3
Coordenação – Vereação do Pelouro da Cultura
Concepção: Gabinete de Arqueologia
Capa: - Eduardo Mira
Grafismo e Desenhos – António Rafael Carvalho
Cartografia elaborada pelos autores sobre bases digitais do Google Earth 2008 e do Earth Explorer
5.0, da Motherplanet.com
Fotografias – António Rafael Carvalho
Edição on-line – Município de Alcácer do Sal.
Município de Alcácer do Sal e Freguesia do Torrão
9 de Outubro de 2008
Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 3
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
3
Índice
A Muṣalla do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão:
Uma leitura Arquitectónica
Apresentação do Volume nº 3 – Dedicado à Muṣalla do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão
5
Resumo:
6
Summary:
6
1. Preâmbulo
6
2. Breve Nota Bibliográfica de Ibn ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ
10
3. Breve apontamento Bibliográfico dos dois Soberanos Almóadas ligados ao Torrão, segundo o al-Bayān
I
12
3.1. . Abū Ya´qūb Yūsuf I
12
3.2. Ya´qūb b. Yūsuf b. ´Abd al-Mu´min
13
4. A Identificação do “Monumento”
13
5. A Problemática dos Estudos sobre a Muṣalla, versos Šari´a?
17
6. Descrição do Monumento (Muṣalla/Muralha/Segunda Cerca Conventual)
21
6.1. O Existente actualmente em confronto com as bases cartográficas disponíveis (Carta de
1817 e Cartografia Digital de 2006 a 2008).
7. A Muṣalla.
21
28
7.1. Uma Leitura Arquitectónica.
28
7.2. O Muro da Qibla.
32
7.3. A localização do Miḥrāb.
34
7.4. A Orientação dos Espaços Sagrados dentro de uma Medina: Alguns Exemplos existentes no
Norte de África.
38
7.5. O Acesso à Muṣalla: Uma Hipótese de trabalho.
41
7.6 Uma Leitura Preliminar da Muralha
42
8. O Principio da Legalidade Politica em contexto Muwaḥḥῑd.
45
8.1 A sua Expressão na Região Alcacerense.
45
9. O Enquadramento Historiográfico da Muṣalla no Torrão, em contexto Islâmico Tardio.
48
9.1. Contexto Islâmico Pré-Almóada
48
9.2. O Médio e Baixo Sado em Contexto Islâmico Tardio (1159-1220)
49
9.2.1. Breve Resenha Politica
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4
9.2.1.1. (I Fase) Após o assassinato de Alī al-Wahībī em Alcácer
(1159-1165).
49
9.2.1.2. (II Fase). A transformação do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão em Ribat-Muṣalla
Muwaḥḥῑd frente a Évora e Alcácer (1184-1191)
50
9.2.1.3. (III Fase). Transformação de Alcácer, em Qaṣr-al-Fatḥ e delegação da
chefia do Ṯaghr al-Qaṣr aos Banū Wazῑrí. (1191-1212)
52
9.2.1.4. (IV Fase). Obediência “Nominal” dos Banū Wazῑri ao soberano
Almóada. (1212-1217)
53
9.2.1.5 (V Fase). A resistência Islâmica no Ḥisn Ṭurruš/Torrão, entre1217 e
1220 (?)
53
10 O Enquadramento do Ḥisn Ṭurruš/Torrão no relato do desastre Almóada de 1184, frente a Santarém.
54
10. 1 PUBLICAÇÃO DA NOTICIA DA MORTE DO EMIR AL-UM´MINIM, ABU YA´QUB, FILHO DE
´ABD AL-UM´MIN, NESTA CAMPANHA
10.2. A Conquista Almóada do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão
55
64
11. A Estrutura Militar Almóada instalada no Torrão
66
11.1. Uma Abordagem Preliminar.
66
11.2. Fazer ŷihād no Torrão!
67
12. O Castelo do Torrão
68
13 A Conquista Portuguesa do Torrão e a Consolidação da Região de Fronteira, de 1220 (?) a 1234.
69
14. O Soberano Muçulmano como Promotor de Obras Arquitectónicas
71
15. Em Jeito de Conclusão
72
15.1. Será que estamos em presença de uma Obra saída das orientações do califa al-Manṣūr? 72
Anexo Documental
78
Bibliografia.
81
Fontes Árabes
81
Fontes Manuscritas
81
Estudos
82
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
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Apresentação do Volume nº 3 – Dedicado à Muṣalla do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão.
Antes de 2006, o passado histórico da vila do Torrão podia-se resumir em poucas páginas, desde
a presença Pré-História do sítio dos Castelos/Torrão, passando pelo Período Romano e saltando
directamente para 1240, até aos nossos dias.
Apesar dos Torranenses terem consciência já no século XVIII, de que a sua vila teria sido
fundada antes de Cristo, as primeiras abordagem arqueológicas tiveram lugar no século XIX, pela mão de
alguns investigadores, nomeadamente Leite de Vasconcelos.
Este ultimo escreveu, que os vestígios romanos identificados na Fonte Santa eram pouco
significativos!
Só na década de 80 do século passado, graças aos trabalhos efectuados por João Carlos Faria e
Marisol Aires Ferreira é que a actividade arqueológica começou a ganhar a dinâmica que tem
actualmente.
Se durante séculos a presença islâmica no Torrão resumia-se ao comentário do Pároco
Setecentista do Torrão, actualmente neste início do século XXI, já é possível colocar a hipótese de que a
presença islâmica terá tido início no século VIII, tendo ganho uma enorme projecção regional nos
séculos XII-XIII.
Segundo o autor, estamos perante o maior espaço religioso islâmico edificado em território
português, que inexplicavelmente permaneceu ignorado até 2006.
Com base na documentação medieval e arquitectónica utilizada neste estudo, o autor defende a
seguinte argumentação:
- Estamos perante uma muṣalla, edificada após 1184, em memória do martírio do califa almóada
Abū Ya´qūb, que terá morrido no Torrão do Alentejo.
- O seu filho, o futuro Ya´qūb al-Manṣūr, assume imediatamente e em segredo o poder político,
contudo só a expressa publicamente perante os seus súbditos, quando chega a Sevilha e anuncia
oficialmente a morte de seu pai. Imediatamente segue para Marraquexe, para ser declarado o novo califa
almóada.
-O monumento terá sido erguido após 1184 e provavelmente concluído em 1191, seguindo as
orientações do califa Ya´qūb al-Manṣūr, que utilizará as várias campanhas militares no Ġarb para
acompanhar pessoalmente a obra.
Neste momento já não é possível olhar para o Torrão, como um simples castelo que emerge
timidamente na documentação portuguesa do século XIII.
A muṣalla é um indicador da importância insuspeita que o Torrão terá tido na guerra de
fronteira, entre duas cidades, Alcácer e Évora. Estamos convictos que este monumento representa o
único memorial do género existente no al-Andalus, dedicado a um soberano Magrebino.
Termino, chamando a vossa atenção, que apesar de se tratar de um estudo preliminar, estamos
perante a primeira monografia dedicada a um monumento da vila do Torrão do Alentejo, versando
igualmente um período ainda obscuro da sua história local, ou seja:
- O estudo da presença Tardo Islâmica no Torrão e a inserção desta praça militar no Reino de
Portugal, debaixo da jurisdição dos Cavaleiros de Alcácer/Ordem de Santiago.
Vereadora do Pelouro da Cultura e Desporto.
Isabel Cristina Soares Vicente
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Resumo:
Só em data recente, em 2005 e com base em documentação islâmica, foi possível
associar o Torrão do Alentejo com o Ḥiṣn Ṭurruš referido no desastre almóada de 1184, no
qual morre o califa Almóada Abū Ya´qūb. O seu filho, Ya´qūb al-Manṣūr assumirá
imediatamente e em segredo o poder.
De um modo inesperado, identificamos no ano seguinte, em 2006, em plena Vila do
Torrão, uma estrutura que corresponde aos restos da maior estrutura religiosa muçulmana
(Muṣalla) identificada em território Português e uma das maiores, localizadas na margem
Norte do mar Mediterrânico.
Este trabalho, procura numa abordagem preliminar e com base nos dados disponíveis,
entender que tipo de edifício seria este, determinar a sua cronologia e funções.
Estamos convictos que com este modesto contributo, contribuímos para deslindar a
história da estrutura mais “enigmática” do Concelho de Alcácer do Sal e que relança de uma
forma clara, um debate que deve ser feito, sobre a importância “insuspeita” que o
Torrão/Turrus terá tido em contexto islâmico.
Summary:
Only in recent date in 2005 and based on Islamic documentation were unable to
identify the Torrão with Ḥiṣn Ṭurruš, said in the almohad disaster of 1184, in where the
almohad caliph dies Abū Ya´qūb and in secret and immediately took place her sun, Ya´qūb alManṣūr, wish amounts to caliph.
In an unexpected way, we identified in the following year of 2006, inside village of
Torrão, a structure that corresponded to the remains of the largest Muslim holy place
(Muṣalla), identified in Portuguese Territory and one of the largest, located in the north banks
of Mediterranean Sea.
This work is a preliminary approach and is based on available data.
Must be understanding as a modest contribution, contributed order to define the
history of the more “enigmatic” structure of all land of Alcácer do Sal Municipally.
That means, we must be looking to Torrão, as a amazing late Islamic place and
relaunched in clear, the debate about the unsuspected importance of this castle, in “
Reconquista Time”.
1. Preâmbulo
Um estudo desta natureza1, centrado num castelo referido uma só vez por cronistas
muçulmanos2, localizado numa região periférica do al-Andalus, junto ao Atlântico, resulta logo á
partida num desafio difícil de superar, se o nosso objectivo for a integração cultural de uma
estrutura construída em alvenaria e taipa3, de cronologia indeterminada, recuperada ao longo
1
Ausência no local de outra documentação arqueológica, para além da estrutura em si.
Ibn ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ:- Al-Bayān al-Mugrib fi ijtiṣār ajbār muluk al-Andalus wa al-Magrib, ed. y trad.
Ambrosio Huici Miranda, Tomo I: Los almohades, Tetuán, 1953, p. 78.
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Conhecida localmente com o nome de “muralha”.
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dos séculos e adoçada a um convento de Clarissas, que apresenta uma disposição
arquitectónica no terreno idêntica a uma muṣalla/mesquita a céu aberto.
O que os deu ânimo para prosseguir um trabalho desta natureza, longamente pensado
desde 2006, é a hipótese defendida desde 2005, de que o Ḥiṣn Ṭurruš mencionado por Ibn
´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ, no relato que efectua, referente à derrota almóada de 1184 junto a
Santarém, corresponder ao actual Torrão do Alentejo4.
Nesta perspectiva de interpretação, a “muralha” da cerca conventual começa a ganhar
sentido, como Muṣalla, erguida pelo “Estado Almóada” em memória do califa provavelmente
falecido no Torrão do Alentejo, Abū Ya´qūb Yūsuf I (1163-1184).
Apesar de em termos globais, a historiografia da presença islâmica no Ġarb Atlântico5
ainda necessitar de percorrer um longo caminho, animou-me descobrir este mundo ainda
desconhecido que moldou a Bacia Norte do rio Sado nos séculos XII-XIII, seguindo para o
efeito trabalhos já realizados por reconhecidos especialistas do al-Andalus.
Na impossibilidade de referir todos os autores que foram importantes para este estudo6,
vou unicamente centrar-me na componente militar e na arquitectura religiosa islâmica e nesse
âmbito, foram fundamentais os estudos de Vega Martín e Peña Martín
Gallardo
9
7
, Garcia Fitz 8, Boloix
, o volume coordenado por Mª Jesus Viguera Molíns referente aos Impérios
Magrebinos
al-Andalus
no
11
Arrifana/Portugal
10
e
os
trabalhos
colectivos
referentes
às
Rábitas
da
12
e de Guardamar/Espanha .
4
Assunto que será devidamente fundamentado ao longo deste estudo.
Não pretendendo efectuar um balanço historiográfico sobre esta questão, recordamos que as primeiras abordagens
sobre a presença islâmica em território português tiveram início no século XVIII, com os trabalhos do Abade
sendo
retomada no século XIX por Alexandre Herculano e David Lopes. No século XX assistiu-se a uma renovação na
abordagem referente à presença islâmica, especialmente depois do 25 de Abril de 1974, tendo sido fundamental o
contributo da Arqueologia. Neste início do século XXI a investigação encontra-se dissimilada por pólos de investigação
ligados a Autarquias, a Universidade e Empresas de Arqueologia. Na impossibilidade de referir todos os projectos em
curso, salientamos aqueles que tem sido mais visíveis em termos de produtividade científica (arqueologia e
historiografia), ordenados de Norte para Sul: - Santarém, Lisboa, Palmela, Alcácer do Sal, Torrão, Mértola,
Silves, Loulé, Aljezur, Faro, Tavira e Alcoutim. Aguardamos com interesse os novos contributos provenientes de
Coimbra, Sesimbra, Évora, Beja e Cacela. Em termos globais e na impossibilidade de referir todos os
investigadores que se têm dedicado ao Ġarb al-Andalus, vou unicamente mencionar os autores, cujos contributos,
foram importantes para a elaboração deste estudo: - Rosa Varela Gomes, Mário Varela Gomes, Abdallah Khawl,
Isabel Cristina Fernandes, Critofe Picard, Hemenegildo Fernandes, António Rei, João Carlos Faria, Marisol
Aires Ferreira e António Cavaleiro Paixão.
6
Estão referidos na Bibliografia que acompanha este estudo.
7
VEGA MARTÍN, M e PEÑA MARTÍN, S, 2003, EL HALLAZGO DE MONEDAS ALMOHADES DE PRIEGO DE
CÓRDOBA. Aspectos Ideológicos, Revista ANTIQVITAS Nº 15, p. 73-78;
8
GARCÍA FITZ, Francisco, (2005). LAS NAVAS DE TOLOSA. Editorial Ariel, Barcelona
9
BOLOIX GALLARDO, Bárbara, (2007). MUḤAMMAD I Y EL NACIMIENTO DEL AL-ANDALUS NAZARÍ (12321273). Primeira estructura del Reino de Granada. Tese Doctoral Dir. por Mª Del Cármen Jiménez Mata y Emílio
Molina López. Universidade de Granada. Departamento de Estudios Semíticos (Policopiado)
10
(Vários Autores).(1997) En Mª J. Viguera (coord), El retroceso territorial de al-Andalus. Almorávides y
Almohades. Siglos XI al XIII. Vol. VIII/** de Historia de España dir por Ramón Menéndez Pidal. Madrid: Espasa
Calpe.
11
(Vários Autores) (2007) Ribāṭ da Arrifana. Cultura Material e Espiritualidade
12
(Vários autores) (2004) El Ribāṭ Califal: Excavaciones e investigaciones (1984-1992) Casa de Velázquez.
5
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A nossa trajectória de investigação sobre o Torrão em contexto islâmico, teve início em
2003, no âmbito da elaboração da primeira síntese sobre a presença muçulmana na região
alcacerense, trabalho que foi publicado pouco depois.13
Da reflexão efectuada, apercebemo-nos do papel que terá tido este castelo no Médio
Sado Tardo islâmico, em termos militares, viários e económicos.
Foi fundamental pegar de novo no texto de Ibn ´Iḏārῑ , o Al-Bayān I e analisar o
desastre de Santarém numa dupla perspectiva:
- Por um lado, tentar compreender o comportamento das tropas islâmicas na
componente jurídica islâmica do “combate sagrado” em território cristão/Dār al-Harb,
procurando este modo reconstruir o trajecto utilizado para o regresso a Sevilha, pela “estrada
de Beja”, como é expressamente afirmado na fonte que temos vindo a analisar14.
Foi no âmbito desta investigação que consegui associar o Ḥiṣn Ṭurruš da crónica
muçulmana com o actual Torrão, cuja abordagem preliminar foi publicados em 2005
15
.
Estes resultados despertaram-me um enorme interesse pelo Torrão do Alentejo,
contudo só no ano seguinte, em 2006 e de forma inesperada, deparei-me com a “muralha e a
torre” da cerca conventual das Clarissas, elementos arquitectónicos que até então desconhecia.
Na ausência de outra documentação para além da leitura “arquitectónica “ da
“muralha”, qual seria a metodologia mais correcta para abordar este edifício?
Ao longo de 2007 e 2008, aprofundei a minha investigação sobre os aspectos políticos,
institucionais, sociais e culturais do Califado Almóada (Muwaḥḥῑd ou Unitários-perante Deus).
Foi igualmente proveitoso analisar16 o sistema político, social, ideológico e militar dos
herdeiros do Califado Muwaḥḥῑd, tanto no al-Andalus17 como no Magreb18.
Muitas questões ficam em aberto, mas depois do programa efectuado para a
Comunidade Islâmica de Portugal, dedicado ao Torrão e à sua muṣalla, que passou na RTP 2
19
,
durante o Período do Ramadão, parece-nos ser a altura adequada para apresentar esta
abordagem, que deve ser considerada preliminar!
Este Trabalho encontra-se dividido em 3 Partes.
13
CARVALHO, A Rafael; Faria, João Carlos e Ferreira, Marisol Aires (2004). ALCÁCER DO SAL ISLÂMICA:
Arqueologia e História de uma Medina do Garb al-Andalus (séculos VIII-XIII). Ed. C. M. Alcácer do Sal e
IPM.
14
Ibn ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ:- Al-Bayān al-Mugrib fi ijtiṣār ajbār muluk al-Andalus wa al-Magrib, ed. y trad.
Ambrosio Huici Miranda, Tomo I: Los almohades, Tetuán, 1953, p. 71-73.
15
CARVALHO, A Rafael (2005) ALCÁCER DO SAL ENTRE 1191 E 1217 (II PARTE): O Papel do Hisn
Turrus/Castelo do Torrão, no sistema defensivo Alcacerense. Neptuno, nº 5, página 5 - 7. ADPA.
Versão digital – (2006) O PAPEL DO HISN TURRUS/CASTELO DO TORRÃO, NO SISTEMA DEFENSIVO ALCACERENSE
Blog – O Sahil de al-Qasr. http://alcacer-islamica. blogspot.com. (Consultado em 05-09-2007)
16
Em termos cronológicos, privilegiamos o século XIII.
17
Caso do efémero emirato andalus de Ibn Hud, do reino de Niebla, reino de Múrcia e o reino Nazarí de Granada.
18
O emirato dos Banū ´Azafi de Ceuta, o reino dos Banū Zayyān de Tremecén, o emirato dos Banū Ḥafṣ na Ifrīqiya e o
reino Merinida de Fés.
19
Passou no mês de Setembro no programa, a Fé dos Homens. Contou com a colaboração do Município de Alcácer
http://tv1.rtp.pt/multimedia/index.php?pagURL=arquivo&tvprog=1115&idpod=17609&formato=flv&p
ag=arquivo&pagina=0&data_inicio=&data_fim=&prog=1115&quantos=10&escolha
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A primeira delas, fala da descoberta da “muralha”20, analisa esta estrutura, não só em
relação ao edifício conventual, como procura traçar a evolução da malha urbana do Torrão, com
base na cartografia disponível, utilizando a planta do Torrão de 1817 e confrontando-a com as
bases digitais actuais. Trata-se de uma abordagem que considero fundamental para
começarmos a entender, que tipo de estrutura está a ser analisada.
De facto, a análise da evolução da malha junto ao convento, permitiu de forma clara,
isolar a “muralha” do restante conjunto conventual, evidenciando pelo menos duas fases
distintas de construção.
Sentimos dificuldades incontornáveis para efectuar uma resenha histórica do convento
das Clarissas, que nos parecia adequado expor neste estudo. Infelizmente a História local do
Torrão está no início e os seus monumentos principais carecem de estudos actualizados.21 Face
ao exposto, optamos por apresentar “breves notas” que desde já reconhecemos, que pouco ou
nada adiantam sobre a história deste edifício monástico.22
Na segunda parte, procedemos à análise de cada uma das partes que constituem a
muṣalla. Apesar da síntese exposta, os resultados obtidos só foram possíveis após uma
exaustiva compilação de dados sobre a arquitectura de mesquitas e muṣalla(s) do mundo
islâmico Medieval, desde o Ocidente até ao Afeganistão, tendo como limites cronológicos, o
início do século XII e o final do XIII.
Na terceira parte, com base na documentação disponível e nos nossos estudos mais
recentes sobre al-Qaṣr/Alcácer, procuramos “reconstruir” a estrutura militar existente à época,
desde 1160 até 1220, aspecto que nos parece fundamental para entendermos as funções que o
califado almóada terá atribuído a este edifício e ao Torrão, neste território de fronteira, frente
ao reino de Portugal.
Qualquer trabalho de investigação só é possível graças aos contributos que poderemos
obter da análise de todo o conjunto de fontes à nossa disposição, das mais variadas índoles e
natureza.
Segundo Agustín Ubieto Artela “ no existe historia sin documento”, ni tampoco,
podríamos añadir, sin una exhaustiva labor de interpretación, posterior a la mera lectura y
recopilación de dados, que permita leer razonablemente “lo explícito y lo implícito”.23
Praticamente, entre dez a nove, são os séculos que nos separam dos acontecimentos
que procuramos recuperar e entender, que também coincidem com a afirmação politica de
Portugal, diferenciando-o dos outros Reinos Peninsulares.
20
Como é conhecido localmente este troça da cerca conventual das Clarissas.
Assumimos desde já que não é nosso objectivo neste trabalho, efectuar uma síntese sobre a história do Torrão após
a conquista portuguesa.
22
Ao contrário de Alcácer, o estudo dos monumentos do Torrão ainda se encontra numa fase embrionária, lacuna que à
priori limita algumas leituras apresentadas neste trabalho.
23
Nas palabras de BOLOIX GALLARDO, (2007). MUḤAMMAD I Y EL NACIMIENTO DEL AL-ANDALUS NAZARÍ
(1232-1273). Primeira estructura del Reino de Granada. Tese Doctoral, p. III (Presentación)
21
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Não só a produção documental na época era privilégio e atributos de uma minoria
letrada, como a sua conservação para memória futura foi sempre deficiente ao longo do tempo.
Se a estas condicionantes juntarmos, guerras, incêndios, terramotos, chegamos a este
início do século XXI no Torrão, com pouco mais que um topónimo que conseguiu resistir ao
longo de séculos.
A documentação dispersa da Ordem de Santiago24 e a memória de ter existido um
passado islâmico no Torrão, que sobreviveu até ao século XVIII
25
, são elementos
documentares a ter em conta.
O castelo de taipa entretanto desapareceu
26
, entrando na memória colectiva do
torranenses como resultado de um acto de vingança do poder central contra os Távoras, no
tempo do Marquês de Pombal.
Por fim chegamos a 2006 e deparamo-nos com uma estrutura de aspecto “militar”
adoçado a um convento feminino.
Recordamos mais uma vez, que foi fundamental para a elaboração desta abordagem
preliminar, o texto do cronista muçulmano Ibn ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ
27
, mas para avançar mais
um pouco, nomeadamente para efectuar um enquadramento adequado dos acontecimentos,
revelou-se importante a análise das fontes cristãs coevas. Desta forma, podemos conhecer a
visão do outro lado do conflito, de forma a poder “filtrar” e confirmar os acontecimentos que
realmente aconteceram.
2. Breve Nota Bibliográfica de Ibn ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ 28
Nome completo: - Abū l-´Abbās Aḥmad b. Muḥammad b. ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ
A sua vida é pouco conhecida, somente se sabe que viveu durante a segunda metade
do século XIII e inícios do XIV. Desconhecemos a sua formação intelectual, contudo terá
desempenhado o cargo de qā´id de Fez.
Boloix Gallardo não tem dúvidas em afirmar que estamos perante um cronista que teve
uma grande vocação como historiador, demonstrando ter um bom conhecimento da história
dos califas, dos imãs e de emires do Próximo Oriente.
24
Grande parte dela ainda inédita, assim como toda a documentação da Santa casa da Misericórdia do Torrão!
Memórias Paroquiais do século XVIII – Freguesia do Torrão.
26
Temos conhecimento de nomes de alguns alcaides ligados à fortificação, após a conquista portuguesa e sob a
jurisdição dos Espatários.
27
Existe uma outra versão dos acontecimentos de Santarém, deixada por …
28
Seguimos de perto as notas críticas e bibliográficas efectuadas por Viguera Molis (1997). HISTORIOGRAFIA. En Mª
J. Viguera (coord), El retroceso territorial de al-Andalus. Almorávides y Almohades. Siglos XI al XIII. Vol. VIII/** de
Historia de España dir por Ramón Menéndez Pidal. Madrid: Espasa Calpe, p. 3-37 e Boloix Gallardo, (2007).
MUḤAMMAD I Y EL NACIMIENTO DEL AL-ANDALUS NAZARÍ (1232-1273). Primeira estructura del Reino
de Granada. Tese Doctoral,(policopiado) p.4-7.
25
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
A sua obra mais famosa e que é a base de suporte documental deste trabalho, é o
chamado Al-Bayān al-Mugrib fi ijtiṣār ajbār muluk al-Andalus wa al-Magrib. Não
sabemos em que ano terá começado a redigir a obra, sabendo-se unicamente que ainda estava
a ser escrita em 1312/3.29.
A Crónica divide-se em três parte e versa sobre a História do Norte de Africa/Ifrīqiya. É
na primeira parte da obra, que vai desde a conquista do Egipto em 640/1 e termina com a
tomada da medina tunisina de al-Mahdiyya pelos almóadas em 1205/6, que é relatado o
episódio de Santarém e a conquista do Ḥiṣn Ṭurruš /Torrão.
Temos que ter a noção que o autor regista ao longo da sua vasta obra, todos os
acontecimentos que considera mais importantes no reinado de cada califa almóada.
É perceptível que o cronista tem dificuldade em relatar a derrota almóada em
Santarém. Percebe-se que tenta minorar os aspectos desprestigiantes aí ocorridos e procura
amenizar o desastre militar perante um adversário cristão presente em menor número e
cercado dentro de muralhas.
A conquista do castelo do Torrão parece ser a única operação bélica com sucesso nesta
campanha.
Um facto que defendemos ter ocorrido no Torrão e que o cronista omite
deliberadamente, terá sido o falecimento do califa almóada Abū Ya´qūb Yūsuf I, dentro da sua
tenda.
A fonte consultada, na página 79, refere textualmente que o soberano terá morrido
algures após o exército ter cruzado o rio Guadiana (sic) -“Se dice que al ir a verlo, lagunas
millas después, fué encontrado muerto, el 18 de Rabi ´al-ajir del año 580 – 29 de Júlio del
1184”.
Contudo imediatamente no texto seguinte da mesma crónica do al-Bayān I, na página
82, deparamo-nos com a seguinte informação (sic) -”Dice otro, que murió sobre el Lomo de su
caballo en el camino de Évora y que al atenderlo el que estaba a su servicio lo encontro
muerto, y se dice que la causa de su murete fué una saeta de arbaleta que lo alcanzó, estando
en su tienda, sobre Santarém. Refieren esto alguns historiadores, como Abū-l-Ḥusayn b. Abī
Muḥammad, el de Gerez, y otros.”
Ou seja, o cronista Ibn ´Iḏārῑ , desconhece o local exacto da morte do soberano
Almóada, porque o local preciso foi considerado segredo de estado, só sendo divulgado
oficialmente a morte do soberano, quando as tropas chegaram a Sevilha.
Apesar das dúvidas patentes na crónica, uma leitura crítica permite evidenciar
elementos comuns perceptíveis nas duas versões: - O califa morreu após a conquista do castelo
do Torrão.
Perante esta problemática, a imponente mesquita a céu aberto existente no Torrão só
tem sentido para nós, como espaço de memória directamente ligado à morte e “martírio” do
29
Boloix Gallardo (2007), Ibidem, p. 5
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Uma Leitura Arquitectónica
soberano almóada numa campanha de Ŷihād, o que nos autoriza supor que o califa terá
efectivamente morrido no Torrão, no sítio onde se localiza a muṣalla.
3. Breve Apontamento Bibliográfico dos Dois Califas Almóadas ligados
ao Torrão30, segundo o al-Bayān I (sic).
3.1. Abū Ya´qūb Yūsuf I31
“Dice Ibn Ṣāḥib al-ṣalā: era Abū Ya´qūb virtuoso, perfecto, justo, piedoso, generoso,
sabedor de memoria del Alcorán, de sus explicaciones y de lo derogante y de lo derrogado de
él, conocedor de las tradiciones – hadices – del enviado de Dios, de lo bueno y sano de ellas y
versado en las ciências de la ley y en los fundamentos de la religión. Demostró su buena
voluntad a los Almohades en los salários de cada mês y en los donativos usuales; era muy
aficionado a edificar, expedito para la guerra santa, inclinado a la equidad y dado a ella. Arregló
el país de allende el Estrecho, lo aseguró, se atrajo a sus disidentes y lo pacifico. Singularizo a
la península del Andalus con sus envios de tropas, que sometieron a sus rebeldes y se
difundieron con las victorias por lo más alejado de ella. Favoreció a sus soldados regulares y los
auxilio con caballos para guerrear con los infieles, que les dañaban por su gran número”.
“Él es el que hizo capital a Sevilla y mando construir su muralla, por el lado del rio, de
su pecúlio, después que la derribo la inundación, que salió por sus costados y por su frente el
año 564 – 5 de Outubre del 1168 a 24 de Septiembre del 1169”.
“...y pobló las fronteras desiertas; reedifico todos sus muros y las devolvió al Islam,
depués de su abandono. Rescató del cauticerio a los habitantes de ellas que encontro en poder
de los cristianos y también a Alī b. Wazīr32 y a Gānim b. Mardanīš por mucho dinero”.
Assumiu o poder na cidade de Rabat/Rabāṭ al-Fatḥ após a morte de seu pai, o califa
Abū Muḥammad ´Abd al-Mu´min, no dia 8 de Ŷumāda al-ajira do ano de 558 (14 de Maio de
1163). Governou 22 anos, 10 meses e 10 dias.
Nasceu em Tīnmall, no coração do Altas marroquino, no ano de 533 – entre o dia 8 de
Setembro de 1138 a 27 de Agosto de 1139.
Terá morrido no ḥiṣn Ṭurruš/Torrão do Alentejo, num sábado, dia 18 de Rabī ´al-ajira
do ano de 580 – 29 de Julho de 1184, com a idade de 47 anos.
30
31
32
Um que morre e o outro, seu filho, que assume em segredo o poder político.
Ibn ´Iḏārῑ, al-Bayān I, p. 81-84
Capturado em Alcácer do Sal e levado para Coimbra, onde desfilou como prisioneiro antes de ser encarcerado.
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3.2. Ya´qūb b. Yūsuf b. ´Abd al-Mu´min 33
“Su genealogia es: Ya´qūb b. Yūsuf b. ´Abd al-Mu´min; ….”
Nació en la decena última de Ḏū-l-ḥiŷŷa del año 554-2 a 11 de Enero del 1160 -; su
edad fue de 41 años, 2 meses y unos pocos días. Su califado fue de 14 años, 11 meses y cuatro
días”
Defendemos a hipótese de o local onde assumiu o poder (em segredo) aos 26 anos,
corresponder ao Torrão do Alentejo.
“Hubo un retraso entre su proclamación general y la muerte de su padre, por ocultarse
la muerte de éste.”
Segundo o Rawḍ al-Qirṭās a sua mãe seria uma escrava, probablemente negra
oferecida a seu pai por Ibn Wazīr, contudo na cronica Mu´ŷib afirma-se que ela era muito
morena, cristã e que se chamava Sāhir-Hechicera. Seja como for, o califa al-Manṣūr pela parte
da sua mãe, encontrava-se ligado à região de Alcácer/Évora.
“Sus señas personales: era rechondo, de color moreno, de cabeza grande, con un
mechón que caía sobre los lóbulos de las orejas, de ojos grandes y negros; no se conoció en su
tiempo quien tuviese ojos más hermosos que él. Era aguileño, de barba mediana, de la que se
habían apoderado las canas en su parte anterior; era de cuerpo equilibrado y miembros
proporcionados, generoso, de lengua elocuente, pronto en las respuestas, dominando con su
vigilancia todas las partes de su reino, cercanas y lejanas. Era valiente, el primero en el ataque
y de gran severidad con sus enemigos. No se le escapaba el mérito de ninguno de sus
hombres, ni se le ocultaba nada de los asuntos de sus súbditos; nadie se atrevía a engañarlo.
Tenía cariño a los hombres píos y los acercaba a sí en sus sesiones y los hacía venir de las más
apartadas regiones sometidas a él.”
4. A Identificação do “Monumento”
Até 2004, a presença islâmica no Torrão continuava um problema mal resolvido.
Alguns investigadores avançavam uma vaga hipótese de ter existido uma ocupação
islâmica no Torrão, baseados mais numa lógica de continuidade de povoamento entre a fase
islâmica e a posterior consolidação deste espaço do Baixo Sado em contexto Português.34
33
34
Ibn ´Iḏārῑ, al-Bayān I, p. 85-86
De facto não tinha sentido o abandono de um vasto território, localizado estrategicamente entre Alcácer, Évora e Beja
e com boas aptidões agrícolas, em contexto islâmico.
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Na realidade, nada de concreto parecia existir para fundamentar esta “leitura de
continuidade”35, dada a ausência de documentação alusiva à questão, tanto no âmbito
arqueológico, como nas crónicas deixadas por autores muçulmanos e cristãos.
A única intervenção arqueológica ocorrida na área urbana do Torrão, decorreu no
século XX, no sítio dos Castelos36.
Segundo Tavares da Silva e Joaquina Soares, a documentação arqueológica exumada,
foi inserida cronologicamente na Pré-História e a restante englobada na Baixa Idade Média
(Contexto Cristão)37 e no Período Moderno.
Em termos históricos, a vila do Torrão e o seu castelo só emergiam na documentação
medieval cristã após 1249, integrada no Reino de Portugal e sob a jurisdição da poderosa
Ordem de Santiago.
Era esta a leitura histórica do Torrão e que persistiu durante séculos até ao início do
século XXI.
O Pároco da Vila no século XVIII38, em 1758, na resposta que nos deixou39, escreveu a
dada altura em relação à fundação da Fonte Santa (sic) “ …, “... e dizem ser obra dos Mouros;
o que não duvido; porque ainda a terra cheira muito deles, e se vê, que a maior parte das
gentes é preta, e muito disfarçada, ou já com os alvear; e muitos com o Habito de S.
Francisco”.
Este fragmento de texto leva-nos directamente
para o âmbito da cultura imaterial do Torrão,
testemunho
eloquente
de
uma
forte
presença
islâmica40 que terá moldado a “matriz cultural dos
torranenses” e como tal, ficou gravado na “memória
popular”, resistindo à erosão implacável do tempo e
das perseguições da Poderosa Inquisição de Évora,
instalada mesmo “aqui ao lado”.
Nos inícios de 2005, publicamos pela primeira
vez a hipótese, com base no texto de Ibn ´Iḏārῑ, que o
castelo de Ṭurruš referido na fonte que relata o
caminho de regresso após o desastre almóada de 1184
35
Entre a Antiguidade Tardia e a Instalação do Domínio Português, em meados do século XIII.
Silva, C. Tavares da e Soares, Joaquina (1986) INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA NA VILA DO TORRÃO. Actas do
I Encontro Nacional de Arqueologia Urbana (Setúbal 1985), p. 103-114.
37
Não é de admirar esta cronologia lata e a ausência de estudo das referidas cerâmicas medievais e modernas, porque
na década de 80 do século passado, desconhecíamos totalmente as formas, as tipologias e as suas variáveis regionais
de cronologia islâmica. Infelizmente esse conjunto, ainda se mantém inédito até hoje!
38
O Pároco Francisco Carneiro e Alves
39
Cuja resposta ficou inserido numa colectânea de manuscritos, nunca publicados na integra e que receberam o nome
de “Memórias Paroquiais”.
40
Para uma abordagem mais detalhada sobre a islamização na região do Torrão, devem consultar a bibliografia
apresentada neste trabalho.
36
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frente a Santarém, poder corresponder ao actual Torrão do Alentejo.41
Uma primeira abordagem à questão foi publicada na revista Neptuno nº 5 e encontrase disponível em versão digital.42
Este facto deu-nos alento para aceitar numa base de trabalho, uma presença
muçulmana no Torrão, cuja expressão arqueológica continuávamos a desconhecer.
Foi numa visita de rotina à vila do Torrão, no mês de Abril de 2006, ainda no tempo do
Vereador João Carlos Faria, que por mero acaso, identificamos numa ruela escondida uma torre
adoçada à cerca conventual das freiras clarissas do Torrão, conhecida localmente como
“Muralha”.
A existência de um potente muro, de desenvolvimento rectilíneo, com um comprimento
de mais de 62 m, por 3,5 m de altura, associado a uma torre, causou-nos surpresa, dado
tratar-se de uma solução arquitectónica invulgar, inserida num contexto conventual, para o qual
não fazia sentido, partindo do pressuposto, que estaríamos em presença de uma “simples
cerca”, para demarcar terrenos agrícolas!
Uma cópia deste importante mapa, encontra-se exposto em espaço público, no interior da Junta de
Freguesia do Torrão.
De início posemos a hipótese de se tratar do resto de uma hipotética cerca amuralhada
da vila, contudo a sua distância em relação ao castelo, a topografia do espaço urbano e o seu
41
Bastou para tal, a análise geográfica da campanha militar almóada, sabermos que nessa data Alcácer e Évora eram
cidades inseridas no reino português e na similaridade do topónimo Turrus com Torrão, situado claramente na fronteira
a norte de Beja. Em território considerado islâmico, não era permitido praticar a politica de “terra queimada”, o que
segundo a crónica, efectivamente acontece após a conquista do hisn Turrus.
42
CARVALHO, A Rafael (2005) ALCÁCER DO SAL ENTRE 1191 E 1217 (II PARTE): O Papel do Hisn
Turrus/Castelo do Torrão, no sistema defensivo Alcacerense. Neptuno, nº 5, página 5 - 7. ADPA.
Versão digital – (2006) O PAPEL DO HISN TURRUS/CASTELO DO TORRÃO, NO SISTEMA DEFENSIVO
ALCACERENSE Blog – O Sahil de al-Qasr. http://alcacer islamica. blogspot.com. (Consultado em 05-09-2008)
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desenvolvimento espacial a meia encosta, “desafiando a orografia do local”, imponham
naturalmente uma outra génese para esta estrutura.43
Intrigados com o achado, procedemos à análise detalhada da planta actual da vila do
Torrão e também de uma outra, datada de 1817.
Foi só no decurso de trabalho de gabinete que nos apercebemos da expressão
arquitectónica que esta cerca tinha em termos de implantação topográfica, no conjunto da
malha urbana do Torrão.
Imediatamente, verificamos que esta “cerca/muralha” apresentava anomalias na sua
intersecção ao corpo principal do edifício conventual, facto que nos intrigou!
Em síntese, identificamos (em planta) duas estruturas arquitectónicas de génese
diferente, que foram adoçadas posteriormente:
- O conjunto Conventual das Clarissas (incluindo o claustro e uma primeira cerca
conventual) e o que denominamos de “segunda cerca”, que corresponde à muṣalla.
Outro elemento desta “cerca” que nos despertou imediatamente a atenção, foi a
existência de uma potente torre, que desde logo imprimia uma leitura “militarizada” ao espaço,
em directo desacordo com um “programa arquitectónico de natureza religiosa”, que um
convento naturalmente encerra.
Estranhamos contudo a disposição do muro adoçado à “torre”, que desafiando a
topografia do lugar, tinha um desenvolvimento rectilíneo ao longo de mais de 61 m e que
parecia condicionar a posição central da torre, denunciando deste modo a existência de um
“programa arquitectónico” de raiz, ou seja: - O muro e a torre estariam associados entre si.
Tratando-se de um conjunto conventual, do início do Período Moderno, começamos por
procurar paralelos em contextos arquitectónicos coevos, mas depressa verificamos a
inexistência de referências tipológicas.
Só quando decidimos comparar este troço da “cerca” com plantas de mesquitas
islâmicas, é que chegamos à conclusão de que estaríamos provavelmente, perante um edifício
religioso muçulmano.
Tratando-se de um espaço religioso islâmico, ele desafiava em dimensão as normas da
época.
Imediatamente levantou-se uma outra questão:
- Se em contexto islâmico as únicas cidades conhecidas neste território Alentejano,
eram respectivamente, Évora, Beja e Alcácer, todas com mesquitas adaptadas à função que
tinham como sedes de território e se o Torrão seria um pequeno castelo dependente de
43
As fontes consultadas referentes ao século XVI, referem a existência de um castelo na zona da Igreja Matriz. A vila
nessa altura não se encontrava amuralhada. Numa fonte mais tardia de finais do século XVIII (Memórias Paroquias
referentes ao Torrão), o pároco refere a existência de um castelo que já não existia na sua época. Assinala que este
teria muros em taipa. A existência de uma rua das Torres no Torrão, é um indício importante que revela a existência de
uma cerca amuralhada, que possuía algumas torres. Contudo, dado que a planta mais antiga, de inícios do século XIX
não representa o castelo, avançamos hipoteticamente que este seria de planta oval, tendo em conta a topografia,
contudo alertamos que é somente uma suposição, carente de bases sólidas.
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Alcácer44, porque razão, este ultimo possuía um espaço religioso descomunal, sem paralelo no
Ġarb?
Na realidade, que tipo de edifício seria este? Ribāṭ ou Rábita?
A hipótese de muṣalla só foi posta um pouco mais tarde, no mês de Maio desse ano, no
decurso da recriação Histórica “Alcácer Islâmica”, após uma conversa com o nosso colega, o
Historiador Marroquino, Dr. Al Muthamid.
Na sua “dupla função” de Historiador e de Crente Muçulmano, ele alertou-nos para a
importância das muṣalla(s) na estrutura arquitectónica dos espaços urbanos islâmicos e o papel
que elas têm, na coesão social da Umma/Comunidade Islâmica.
De repente, um castelo de génese islâmica, aparentemente sem importância histórica
reconhecida até 2004, emerge com uma das maiores muṣalla(s) conhecidas no Dār al-Islam, na
margem norte do Mediterrânico (Portugal, Espanha, Baleares, Sicília, Malta e Creta), excluindo
o Império Otomano.
Porque é que isso aconteceu?
Afinal que papel terá desempenhado o Torrão em contexto Islâmico?
Estas e outras questões, emergiram naturalmente, abrindo uma inesperada luz num
período historiográfico que até há pouco tempo era totalmente ausente e desconhecido.
5. A Problemática dos Estudos sobre a Muṣalla, versos Šari´a?
Uma muṣalla, é um lugar de oração.
Corresponde a uma mesquita de céu aberto, quase sempre despojada de construções,
podendo ter um muro de qibla e um miḥrāb amovíveis, feitos em “materiais perecíveis”.
Quando estudamos numa perspectiva “lata” o urbanismo das medinas islâmicas,
centramos quase sempre a nossa análise sobre as mesquitas, as alcáçovas, os sistemas
defensivos e as estruturas económicas.
Se a nossa análise privilegiar o estudo das estruturas religiosas, a sua disposição no
espaço e o impacto que tiveram no ordenamento urbano, é quase certo que nos esquecemos
de referir a existência das muṣalla(s)/Šari´a.
Compreendemos porque razão estes espaços permanecem “quase sempre” invisíveis
nos estudos sobre o urbanismo de génese islâmica.
A grande totalidade dos investigadores não lhe atribui muita importância, ou então é o
“sistemático desconhecimento” que tem prevalecido até hoje!
44
Ou de Beja, consoante a conjuntura politica envolvente.
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Basta para isso consultar algumas teses de doutoramento45 e artigos que apresentam
os novos modelos de evolução das medinas do ocidente do Dār al-Islam (Andalus e Magreb).
Localizadas sempre fora da malha urbana, esteja ela cercada ou não, as muṣalla(s)
correspondem quase sempre a espaços amplos, vazios de construções.46.
Nos raros casos em que uma edificação desta natureza foi “fixada na paisagem
envolvente” como construção, a abordagem efectuada é quase sempre preliminar, limitam-se a
assinalar a sua existência e pouco mais.
Mas o que é uma muṣalla e que papel ela teve na organização do espaço urbano em
contexto islâmico?
Se seguirmos a bibliografia existente, pouco há a adiantar.
Resumidamente, as muṣalla(s) correspondiam a espaços amplos, desabitados, sem
edificações e que serviam para duas cerimónias ao longo do ano que contavam com a
participação de toda a comunidade.
- O final do Ramadão e o início do Ano Novo Lunar.
Na prática, tinham a função de “praça”, elemento urbano que não existia na medina
islâmica. Noutros casos, caso a topografia fosse favorável, poderiam servir para treino militar.
No Alentejo, cada medina teria um recinto de oração a céu aberto desta natureza,
contudo e até ao momento, só foram identificadas duas: - Em Alcácer e no Torrão.
47
Os exemplos identificados no nosso Município, obriga-nos a uma reflexão mais
demorada. Não só por existirem estruturas, como a sua existência parecer sugerir que serviriam
para algo mais, do que simples terreiros amplos para orar!
Quando consultamos as fontes Islâmicas mais recuadas, verificamos que o Profeta
Maomé afirmou que toda a terra podia ser comparada a uma mesquita, já que podemos usar
qualquer lugar para a oração.
Quando Abῑ Ḍarr perguntou ao Profeta:
“ Oh Mensajero de Allah!, qué mezquita en la tierra se instituyó primero? Dijo: la
Mezquita sagrada (Meca). Dije: Luego, cuál?. Dijo: Cuarenta años y allí donde entiendas que
puedes rezar, pues reza y eso es una mezquita”.48
Também Ŷabir b. ´Abd Allāh al-Auṣarῑ
49
afirmou:
“Dijo el Mensajero de Allāh, que Allāh le bendiga y le dé paz: me concedió cinco (cosas)
que a nadie antes de mí se dieron. Cada profeta se debía a su pueblo exclusivamente y se me
45
Mazzoli-Guitard, 2000, Las Ciudad Musulmanas en Espanã e Portugal. e Mónica Rius, 2000, La Alquibla en alAndalus y al-Magrib al-Aqsa.
46
A ausência de estruturas que parece ser apanágio da maior parte dos espaços classificados como muṣalla(s),
parecem desmotivar logo à partida a maior parte dos investigadores.
47
Carvalho (2008) AS MUSALLAS (SARI´A) DE AL-QASR/ALCÁCER E TURRUS/TORRÃO: Uma Primeira
Abordagem à “Geografia Sagrada Tardo-Islâmica” no Alentejo Litoral Blog -O Sahil de al-Qasr http://alcacerislamica. blogspot.com. (Consultado em 05-09-2008)
48
SALAMEH, Ibrahim M. O. (2001). BĀB AL-ŠARĪ´A, Vol. 7, Braga, p. 321.
49
AL-NŪWĪ, Yaḥa´b. Šaraf: Ṣaḥῑḥ Muslim bi-šarḥ al-Nūw ῑ. Beirute (sem data), vol. 5, p. 2-3. (Citado por
SALAMEH, Ibrahim M. O. (2001). BĀB AL-ŠARĪ´A, Vol. 7, Braga, p. 321, nota 7.)
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concedío no hacer diferencia con ninguna raza y se me hicieron lícitos los botines de guerra, no
se había hecho lícito a nadie antes de a mí, y se me proporcionó la tierra limpia como buena y
pura y como mezquita. Así pues, cualquier hombre que quiera realizar la plegaria (Ṣalat – azalá)
que reze alli donde se encuentra…”
Se em termos gerais, a noção de muṣalla como “mesquita a céu aberto” é perceptível e
aceite por todos os investigadores, torna-se mais problemático, quando alguns arabistas
também atribuem a palavra šari´a, a estes recintos religiosos.
O investigador que temos vindo a seguir, Ibrahim M. O. Salameh50 não aceita que se
use a palavra Šari´a, como outro sinónimo para estes espaços.
Segundo ele, o erro deve-se a uma deficiente leitura de Levi Provençal, com base num
texto de Ibn Ṣaḥib al-Ṣalat , sobre as portas de Marraquexe:51 :
“Bāb al-Šarῑ´a se considera una de las puertas de Marraquech, conocida en fecha muy
temprana, y que era utilizada como pasadizo a la Muṣalla, donde la gente reza y celebran las
fiestas canónicas”.52
Contudo, Ibn Iḏārī, refere textualmente que o califa al-Manṣūr quando saiu de Sevilha
em 1184 e se dirigiu a Ribāṭ al-Fatḥ, (sic) “ Se instalo en la casa bendita en la Šari´a (de Tarifa)
y la dicha era su acompañamiento y el aire le fue favorable.”53
As localizações geográficas são aproximadas, tendo em conta a escala utilizada.
50
SALAMEH (2001, Ob. Cit), p. 320-322.
SALAMEH, Ob. Cit, p. 321.
52
AL-ṢALAT, Ibn Ṣaḥib: al-Man b. il-Imāma. ALTAZĪ, ´Abd al-hadῑ, Beirut, 1987, p. 213 (SALAMEH, Ob Cit, p. 321,
nota 9).
53
Ibn ´Iḏārῑ, al-Bayān I, p. 90.
51
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Para Salameh, Šari´a, (Sic) “Es ley de Dios todo lo que Allāh ordenó con respecto al
ayuno, la oración, limosna, la peregrinación a la Meca y existencia de un Dios único.”54
Apesar da leitura proposta por este investigador, tanto Ibn Iḏārī, como a documentação
medieval Catalã, apontam em sentido contrário.
A documentação cristã nos séculos XII-XIII, referente à actual região Valenciana, é
clara na utilização de šari´a , como sinónimo de muṣalla.
Com base nos elementos recolhidos por André Bazzana e que apresentamos neste
trabalho55, ficamos a saber que algumas das muṣalla(s) referidas seriam muradas56, para isolar
o espaço sagrado dos terrenos agrícolas confinantes.
A título de exemplo assinala os seguintes testemunhos documentais (sic)57:
“ le privilége de Jacques I déjá cite et concernant Játiva signalela muraille de Exerea,
c´est-à-dire de la sari´a.
Por Valence, plusieurs documents soulignent l´existence d´une musalla: la Primeira
Crónica General indique que Mundir, prince de Denia, s´arrêta en 1086 dans « un lieu qui était
un oratoire où les Maures priaient les jours de fêtes et qu´il appelle dans son árabe, axerea; le
cimetiére « de la musalla» est cite à plusieurs reprises et l´on a mention d´une mosquée située
«en la Xarea de Valência»; enfin, le Repartiment signale l´existence d´une porte de la musalla
(Baba l-Sari´a) et du terrain de la Xarea (campo exarce), ....,- peu aprés la «Reconquête» - de
maisons (domos Mussaalla) situées en ce lieu sacré.
...., la musalla de Valence comportait une construction (oratoire, c´est-à-dire sans
doute mihrab) et était enclose d´une muraille, tout comme celle d´Almería.
Um dos termos que acompanha a descrição física das musallas muradas da região
Valenciana é a utilização da palavra “muralha”.
Curiosamente, como podemos constatar recentemente na Vila do Torrão, algumas
pessoas atribuem o termo “muralha” a este troço da cerca conventual.
Esta palavra, sugere a existência de uma boa construção e é alusivo a funções de
natureza militar, dissonante com o objectivo de um convento de Clarissas!
Será que a denominação muralha usada no Torrão é de origem Medieval?
Não sabemos, contudo podemos sugerir que sim!
Admitimos que a palavra Šhari´a também terá sido utilizada no Torrão, partindo da
hipótese, que a denominação toponímica do rio Xarrama, 58 será de génese islâmica.
54
Ob. Cit, p. 320.
Bazzana, 1992. Maisons D´Al-Andalus, p. 244.
À semelhança do Torrão.
57
Ob. Cit. Por se tratar de uma questão raramente tratada, achamos oportuno transcrever o texto original.
58
A denominação, al-Šari´a, como sinónimo de muṣalla, entrou na língua Catalã, transformando-se em Enxaria ou Xaria.
No caso da língua Portuguesa, desconhecemos como se processaria a passagem fonética. O Nome Enxarramam dado
ao rio Xarrama em documentação portuguesa do século XII, poderá ser alusivo à musalla/Sari´a do Torrão, se
aceitarmos que a palavra deriva da expressão árabe al-Šari´a al-Yami (A Musalla Principal), que adaptado para a
fonética do português, teria um som semelhante a exaria-a-rrami (!)
55
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
6.
Descrição
do
Monumento
21
(Muṣalla/Muralha/Segunda
Cerca
Conventual)59
6.1. O Existente actualmente em confronto com as bases cartográficas disponíveis
(Carta de 1817 e Cartografia Digital de 2006, a 2008).
Os quase duzentos anos que separam as duas bases cartográficas em análise (1817 e
2006/2008), apresentam poucas diferenças entre si no que diz respeito aos elementos
estruturantes importantes que definem o convento das clarissas em relação ao espaço
envolvente.
Vista actual do interior da
“Cerca/Muralha/Muṣalla”
Ao fundo, o Deposito de Água, local do
ḥiṣn Ṭurruš, antigo castelo muçulmano
do Torrão, entretanto desaparecido.
O que salta à vista, é a existência de um vasto recinto, que se desenvolve para
sudoeste, criando um “corpo estranho” em relação à malha urbana existente neste sector da
área urbana do Torrão.
Outro aspecto interessante é a clara divisão entre o corpo principal do convento,
constituído pelo corpo da igreja, torre sineira, claustro e cerca anexa, da restante área da cerca
localizada imediatamente a sul, que segundo a legenda do mapa do século XIX pertence já ao
património do convento.
Recordamos novamente, que no referido mapa do século XIX, a torre objecto deste
estudo, já existia, assim como a cerca a ela associada, numa disposição espacial que ainda se
mantêm actualmente.
A análise cartográfica do referido documento, mostra também a existência de uma cruz
na zona de ligação entre a referida torre e o pano da “muralha” anexa.
59
De forma a facilitar o nosso texto, vamos começar a utilizar a palavra Muṣalla, em vez de “Segunda Cerca
Conventual” ou “Muralha”.
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Uma Leitura Arquitectónica
22
A legenda do mapa nada esclarece sobre o seu significado, contudo por analogia com
sinais semelhantes no mesmo mapa, verificamos que o autor teve a preocupação de assinalar
todos os edifícios religiosos existentes nessa altura, com um sinal em cruz.60
A única excepção a este padrão é efectivamente esta torre. De facto, verificamos que o
convento das freiras é o único espaço religioso representado neste documento, com duas
cruzes.
Face ao exposto é de aceitar que a “memória de um espaço sagrado” associado à
61
torre , terá sido mantida ao longo dos séculos.
Outro aspecto actual do interior
da muṣalla, convertida, desde que entrou
para o património monástico e até á
actualidade, numa “horta e pomar”.
Ao fundo, o espaço conventual
das Clarissas. O corpo da igreja e a Torre
do Sino. No espaço arborizado junto às
edificações passava um troço da estrada
medieval
para
Beja,
entretanto
privatizado pelas clarissas.
Um
outro
elemento
que
indica claramente a existência de dois espaços arquitectónicos que depois foram adoçados
entre si numa fase posterior, é a leitura cartográfica que efectuamos e que apresentamos neste
estudo.
Se analisarmos os mapas elaborados para este trabalho e que expomos seguidamente,
verificamos que a actual rua da Freiras (a Norte), tem a mesma orientação da rua do Penedo
Minhoto (a Sul), sugerindo uma ligação entre elas por uma rua, que terá existido a separar o
núcleo conventual e a muṣalla.
Apesar de possuirmos escassos elementos elucidativos do programa de obras do
convento, existe um dado que nos parece claro:
- Terá existido uma fase inicial de obras que não incluirão inicialmente o espaço da
cerca conhecido como a muralha.
Antes de avançarmos um pouco mais, é importante referir que a localização dos
conventos franciscanos obedecia a regras predefinidas, nomeadamente:
60
Caso da Igreja Matriz, da Misericórdia, dos dois conventos e da Igreja do Carmo.
A identificação desta torre como um espaço sagrado autónomo dentro da estrutura conventual, é um elemento a
valorizar na nossa análise. De facto este dado sugere a existência de um espaço sacralizado autónomo do convento das
clarissas. Será que é a memória da muṣalla ? Estamos a crer que sim, porque a torre, corresponde ao mirhab, o espaço
mais sagrado da muṣalla, que indica a direcção canónica de Meca, para onde o crente tem que se voltar para rezar.
61
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- Devem-se localizar junto à entrada do espaço urbano, de forma a não entrarem em
choque com outras ordens religiosas e privilegiarem a “sua actuação” na prestação de cuidados
a pessoas desfavorecidas. No caso do Torrão, tinham a concorrência directa da Ordem de
Santiago, que não via com bons olhos a existência de conventos no seu espaço de jurisdição.
Duas fotografias da torre da muṣalla. A escala tem dois metros de altura. Vista geral do muro 1
A primeira foto apresenta uma panorâmica da torre vista de sul para norte/Troço A e a seguinte, no
sentido oposto/Troço B.
Nesta foto, que apresenta o muro 1, referente à Qibla, sentido Sul-Norte/troço A (ao fundo a “Torre do
Miḥrārb”), é perceptível, duas fases de construção.
Pensamos que terá a ver com a recuperação da “muralha” após o terramoto de 1755!
A inexistência de estudos monográficos sobre os principais monumentos do Torrão,
impede-nos de traçar numa síntese a história deste convento.
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Segundo os dados disponíveis, este convento da Nossa Senhora da Graça, da Ordem de
Santa Clara/Clarissas, era da Jurisdição do Ordinário.62
Na pesquisa que entretanto efectuamos deparamo-nos com o seguinte texto:63
“A Madre Francisca das Chagas, foi hua das quatro Terceiras, que acharão as
fundadoras de Nossa Senhora do Torrão, quãdo forão plâtar naquella limitada casa a segunda
Regra de S. Clara, anno 1559. A quem o Ceo tinha reuelado alguns antes, como em seu pobre
Oratório, se auia de collocar ainda o Tabernáculo do Sanctissimo Sacramento, cousa que ella
muito desejaua, & pedia com instancia ao Ceo. Repetindo muitas vezes com grande feruor de
espiritu: Por ventura, Senhor, serei nella esposa vossa? Até que mereceo ouuir de sua sgrada
boca: De soança tu serás. Como se vio depois, pelo religioso vinculo da professão, que fez
nella, em que permaneceo atè morte, a qual lhe sobreueio aos 50 de idade, no de 1609.
Segundo autenticas relações, que deste Conuento se nos comunicarão, por meio do Chandre
d´Euora manoel Seuerim de faria, que Deos tem.
62
Chorão(2000) Conventos. Dicionário de História Religiosa de Portugal, Vol. C-I, p. 22.
George Cardoso (1666), Agiologio Lvsitano dos Sanctos e Varoens Illvstres em Virtvde do Reino de
Portvgal e svas Conquvistas consagrado aos Gloriosos S. Vicente e S. António, Tomo III, p. 41
63
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Tudo terá tido início em 1560, por iniciativa de Brites Pinto, que cedeu umas casas que
tinha no Torrão para acolhimento de beatas. Segundo o Pároco do Torrão64, “essas casas”
correspondiam a uma capela de Santa Marta, onde vivia como beata e instituidora Maria Pinta:
“... e obtiveram Licença da Mesa de Consciência para fundarem; ficando as ofertas para os
Priores. Tem boa igreja de Abobada, bastante Convento, Cerca65, que lhe acrescentou o
Excelentíssimo, e Reverendíssimo Senhor Dom Frei Miguel de Távora, a quem são sujeitas:
estão muito pobres...”
Contudo, segundo a Corografia Portuguesa do Padre António Carvalho da Costa,
publicado em 1708, mas cujas informações remontam ao século XVII, encontramos os
seguintes elementos:66
64
Carneiro e Alves (1758). Vila do Torrão. Memórias Paroquiais.
Esta “Cerca” que foi acrescentada ao convento pouco antes de 1758, corresponde à muṣalla.
66
Carvalho da Costa (1708) Corografia Portuguesa e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno de Portugal.
Tomo segundo, p. 484
65
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“....(tem um convento) de Freyras da mesma Ordem (Franciscanos), da invocaçaõ de
Nª Senhora da Graça, que se fundou pelos annos de 1560, com licença del Rey D. Sebastião
em humas casas de Brites Pinta, mulher nobre, & era naquelle tempo Recolhimento dedicado a
S. Martha. Depois pelos annos de 1599, se fundou o Convento com esmolas, que a Infanta D.
Maria lhe deo.
Com base nesta documentação, o convento foi erguido no final do século XVI, sobre as
casas/ermida/capela de S. Marta, junto à estrada que ia para Beja, numa das entradas da Vila.
A construção da Igreja e claustro obedeceu ao espaço disponível, com base no terreno
cedido por D.ª Brites Pinto e foi condicionado ao eixo viário então vigente.
Uma análise mais pormenorizada permite constatar a existência do corpo da igreja e da
torre do sino, encostados a norte, junto à malha tardo medieval do Torrão. Pensamos que essa
disposição particular tivesse como objectivo, incorporar no espaço da Igreja conventual o
“espaço sagrado” da “capela de S. Marta” que é referida entre 1560 e 1599.
Esta implantação permitia definir uma rua e caminho quase “privado” em terra batida,
com acesso rápido ao Convento de S. Francisco, localizado na outra ponta da malha urbana.
Junto à torre do Sino (a Norte) e encostado ao muro conventual que se desenvolvia
para os campos agrícolas voltados a sul, definia-se a estrada que ia para Beja, com início no
interior do castelo, passando pela Igreja Matriz.
Neste lado sul, oposto à malha urbana e voltada para o campo, foi construído um
claustro e a primitiva cerca, condicionados pelas verbas existentes e confinados ao espaço
inicialmente cedido.
Para sudoeste, a estrada de Beja cortava a possibilidade de expansão da cerca
conventual. É nesta banda, no outro lado da estrada, mas pertencente a outro proprietário, que
existia ainda de pé, o que terá sobrevivido da muṣalla, já despojada da sua memória.
67
Segundo as Memórias Paroquiais, esse espaço é laconicamente denominado de “Cerca”
“..., que lhe acrescentou68 o Excelentíssimo, e Reverendíssimo Senhor Dom Frei Miguel de
Távora, a quem são sujeitas: estão muito pobres...”
67
É provável que no século XVII/XVIII o local fosse encarado como simples cerca/muralha e que uma “tradição local
(!)”, de natureza indeterminada, impedisse a alteração profunda do espaço. Apesar dos dados lacónicos, é de aceitar
que os terramotos de 1530 e o de 1755 tenham afectado o Torrão. O que identificamos na textura exposta da torre
(onde se localizava o miḥrāb), é a utilização de vários fragmentos de estuque de areia de cal de cronologia
indeterminada. Será que estamos perante restos do antigo miḥrāb?
68
Esta palavra “acrescentou” é muito importante, porque representa uma prova documental de que a Cerca já existia
de pé, em data anteriormente a 1758 e que nada tinha a ver com a arquitectura conventual, dado pertencer a outro
proprietário. Achamos interessante o espaço pertencer a um elemento religiosos da poderosa família Távora, o que
sugere que se tratava de um espaço cercado com algum prestígio. O texto não é claro sobre a data da doação, contudo
admitimos que, dado que o doador ainda se encontrava vivo em 1758 e que as freiras se encontravam “muito pobres”,
é provável que elas terão recebido esta Cerca pouco depois do terramoto de 1755. As fotos da cerca mostram
claramente duas fases de construção, que provavelmente mostram a ocorrência de obras após esta calamidade que
atingiu o Torrão.
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A escassez de documentação, seja ela de natureza arqueológica ou outra, limita-nos a
análise e impacto que a estrutura muçulmana terá tido após a conquista e durante a Baixa
Idade Média, contudo é de aceitar que a sua excepcional construção, que lembra uma muralha,
aliado à pouca densidade de “construções” no seu interior, terão contribuído para a sua
manutenção, transformando-se gradualmente num espaço cercado de hortas, nos séculos
seguintes!
O facto de pertencer a um elemento da família Távora é outro dado a reter, dada a
ligação familiar directa existente com o ultimo Mestre da Ordem de Santiago, D. Jorge, filho
bastardo de D. João II.
Admitimos, mesmo sem provas documentais claras, que a “Cerca Amuralhada”, terá
pertencido aos Espatários, desde a conquista até uma data indeterminada após o século XVI,
altura em que entrará no património dos Távoras.
A memória funcional do espaço terá sido “apagada intencionalmente”, contudo algo
terá sido mantido pela memória popular.
Existem questões que nunca poderemos responder, como por exemplo:
- Por que razão o convento das Clarissas não foi logo de início construído dentro da
muṣalla, mas si ao seu lado?
Em data ainda não determinada, mas provavelmente antes do século XVIII e por razões
que desconhecemos, a muṣalla foi cedida ao convento.
Prontamente foi transformada em horta e pomar, enquanto a Torre foi adaptado a
espaço sagrado de culto cristão.
Um convento define-se como um pequeno mundo cercado, procurando-se recriar no
seu interior uma imagem do “paraíso” e “intimidade” com Deus, através da oração.
Esta necessidade, de cortar o cordão “umbilical” com o mundo exterior, faz com que as
freiras, após terem aceite o recinto da muṣalla, construam muros em taipa, de ligação entre os
dois espaços, que vai implicar a inclusão no seu interior de um troço da estrada de Beja.
Deste modo, o espaço conventual inicial, confinado inicialmente a uma pequena cerca,
vai aumentar em área, para pouco mais do dobro, incluindo um troço de estrada pública.
Desconhecemos se terá sido pacífico a aceitação por parte da vereação do Torrão a
desactivação de um troço da estrada para Beja, contudo essa “anexação” foi efectuada e
consumada, mantendo-se actualmente.
Deste modo cumpria-se as normas do sétimo capítulo da Ordem69 que estipulava o
seguinte:
“moor seguridade e honestidade assi das sorores como dos conventos que em nehuum
convento da dita ordem feito. Ou que sse aja de fazer Seia feito ou se consenta fazer em
69
BNL –Leiria, Frei Diego de (trad. De) – Regra Primeira de Santa Clara, Privilégio da Pobreza, Testamento de Santa
Clara, Bênção de Santa Clara e Constituições de Santa Coleta [IL.208], fls. 41v.-42. (Referido por) Sousa, Ivo Carneiro
de (2002). A Rainha D. Leonor (1458-1525), p. 587.
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alguma maneira outra grade ou outro locutório ou outro torno ou porta em outra maneira do
que for costumado.”
Procurava-se deste modo defender uma estreita clausura e limitar ao mínimo, o
contacto com o exterior.
Muṣalla do Torrão e o Convento das Clarissas. Enquadramento Topográfico.
7. A Muṣalla.
7.1. Uma Leitura Arquitectónica.
Como estamos em presença de um recinto sagrado islâmico, provavelmente
transformado em lugar de peregrinação70, decidimos na nossa busca de paralelos, privilegiar a
sua análise, confrontando-a com as duas rábidas até ao momento identificadas como tal no al-
Andalus,: - Guardamar/Espanha e Arrifana/Portugal.
Tomando como exemplo as duas rábitas referidas, podemos verificar que o troço da
cerca conventual classificado por nós como muṣalla, possui uma linguagem arquitectónica
análoga, o que permite saber sem margem para dúvidas, que estamos perante os “vestígios”
de um vasto edifício/recinto religioso islâmico.
70
Sobre esta questão consultar, VEGA MARTÍN, M e PEÑA MARTÍN, S, 2003, EL HALLAZGO DE MONEDAS
ALMOHADES DE PRIEGO DE CÓRDOBA. Aspectos Ideológicos, Revista ANTIQVITAS Nº 15, p. 73-78.
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Mais surpreendente é sabermos que este se manteve inédito, desde o século XIII até
2006, apesar de ser visível, de fácil acesso e de se encontrar em óptimo estado de
conservação.
Como é que isso foi possível?
Comparação da volumetria/reconstrução proposta para a muṣalla almóada do Torrão, em comparação
com a mesquita almóada de Tῑnmal/Atlas Marroquino. Na página seguinte, reconstituição de uma
mesquita no Ribāṭ da Arrifana/Portugal.
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
Mesquita do Ribāṭ da Arrifana/Aljezur (Algarve), segundo
Gomes e Gomes, 200771
O que nos continua a surpreender, é a dimensão
descomunal deste espaço religioso do Torrão, sem paralelos
no Ġarb al-Andalus e que nos permite afirmar que estaremos
em presença de uma muṣalla de carácter excepcional, ligada
ao “Poder Estatal Islâmico”.
71
Gomes e Gomes, 2007. Ambiente Natural e Complexo Edificado. Ribāt da Arrifana Cultura Material e
Espiritualidade, p. 57.
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Aceitamos a hipótese de ter servido igualmente como ribāṭ, não só dado pelo carácter
fronteiriço do Torrão frente a Évora, nos séculos XII-XIII, como por razões da natureza
“Estrutura Politica” do Estado Islâmico, que iremos apresentar ao longo deste estudo.
Relembramos mais uma vez, que segundo Ibn Iḏārī,72, o local em Tarifa escolhido por
al-Manṣūr para descansar e estar junto dos seus aliados militares, antes de atravessar o
Estreito, foi a Šarī´a (muṣalla) local.
Tomando como exemplo a arquitectura e as diferentes orientações canónicas de
mesquitas de outros espaços geográficos do Dār al-Islam, como por exemplo o Próximo
Oriente, verificamos que os elementos básicos que definem uma mesquita, continuam patentes:
-Terá que existir um muro da Qibla orientado canonicamente e o nicho do Miḥrāb,
como podemos verificar na gravura apresentada na página anterior. 73
Segundo Timothy Insoll 74
72
Ibn Iḏārī, al-Bayān I, p. 90.
Segundo Gomes e Gomes, 2007. Ambiente Natural e Complexo Edificado. Ribat da Arrifana Cultura Material e
Espiritualidade, p. 63.
74
Insoll, 1999. The Archaeology of Islam, p. 30
73
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7.2. O Muro da Qibla.
Temos um potente muro, que se dispõe direito ao longo de pouco mais de 62
m, desafiando a inclinação do terreno.
Desenha
uma
linha
inclinada
ligeiramente
para
Sul,
seguindo
uma
determinada orientação canónica, que Mónica Riús denomina de “Tendência hacia el
Este (E).” 75
Segundo a arabista, estas mesquitas, ordenadas por sequência cronológica, estão
intimamente ligadas com o cálculo da qibla efectuada por astrónomos, que trabalhavam
directamente para os soberanos.
De uma forma geral, observa-se no território do al-Andalus uma tendência em orientar
as mesquitas dentro de um arco compreendido entre o SE e o S, entre os 135º e os 180º.76
A denominada “qibla moderna”77, corresponderá a um arco situado entre o E e o SE, ou
seja; entre os 95º e os 108º.
Com base nos dados obtidos por A. Jiménez, Mónica Ríus inseriu as mesquitas do Al-
Andalus, segundo grupo de “tendências de orientação”:78
(E) tendência Este
(SE) Tendência Sueste.
(C) Tendência “Cordovesa”.
(S) Tendência S dentro do quadrante SE
(S) Tendência S dentro do quadrante SW
A qibla da muṣalla do Torrão, orientada a 117º, insere-se no grupo Este (E).
A autora inseriu neste grupo um conjunto de 10 mesquitas datadas entre os séculos X e
o XIV.
Face ao exposto, estamos perante mais um dado, que reforça o papel que terá tido a
iniciativa estatal, como patrono deste espaço sagrado.
Com base na tabela elaborada por Mónica Rius79, verificamos que a orientação da qibla
torranense enquadra-se no intervalo, entre a qibla de Medina Azara (Córdova, século X, 109º) e
a qibla da mesquita de Mértola (século XII, 126º).
75
Mónica Rius, 2000. La alquibla en al-Andalus y al-Magrib al-Aqsa, p. 106-111.
Mónica Rius. 2000, obra citada, p. 105.
77
Diz respeito aos cálculos calculados a partir de coordenadas geográficas e procedimentos modernos. Segundo a
autora que temos vindo a seguir (2000, obra citada, p. 105, nota 253) “Todas las orientaciones están mediidas, en
76
grados sexagesimales, desde el punto Norte (que corresponderá a 0º) en sentido horario, por lo que puntos E, SE, S y
W corresponderán a 90º, 135º, 180º y 270º, respectivamente.”
78
79
Ríus, 2000, Ob. Citada, p. 105-106.
Mónica Rius. 2000.obra citada, p. 110.
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Mesquitas e Musallas/localidade
Século
Qibla
Muṣalla do Torrão (Alcácer do Sal)
XII
117º
Santa Clara (Córdova)
X
125
Medina Azara (Córdova)
X
109º
São Tomé (Toledo)
XI
115º
Mértola
XII
126º
Comares, Alhambra (Granada)
XIV
101º
Mexuar, Alhambra (Granada)
XIV
108º
Rawda, Alhambra (Granada)
XIV
109º
Aljama, Alhambra (Granada)
XIV
124º
S. Sebastián, Ronda (Málaga)
XIV
121º
Fiñana (Almeria)
XIV
112º
Trata-se de um grupo de mesquitas directamente ligadas com o cálculo da qibla obtidos
por astrónomos.
Por vezes podemos assistir a casos de dupla qibla, que desconhecemos se
eventualmente terá ocorrido no Torrão, devido ao desaparecimento da mesquita local80, que
terá existido no interior do castelo.
Contudo era apanágio governativo efectuarem-se mudanças de orientação das qibla(s),
como forma de expressão do novo poder, que era entendido como forma de “purificação”.
São variados os exemplos que podemos ler nas crónicas alusivos a este tipo de
comportamento. Os almóadas mudaram deliberadamente a orientação de algumas qibla(s) de
mesquitas, como prova de afirmação do novo poder e romper com a tradição almorávida.
A título de exemplo, podemos referir o que aconteceu à mesquita principal de
Marraquexe81 mandada levantar pelo emir almorávida ´Alῑ b. Yūsuf, que apesar de estar
correctamente orientada, os almóadas não hesitaram em derruba-la para alterar a orientação
da qibla.
“En palabras de al-Tāŷūrῑ: Luego vinieron unas gentes que la cambiaron hacia el Sur.
Ibn ´Iḏārῑ, más explícito, refiere: “se abstuvieron los Almohades de entrar en ella (Marrākuš)
porque el Mahdῑ había dicho que la purificasen. Se preguntó a los alfaquíes sobre ello y les
dijeron: «edificad vosotros una mezquita y renovad la otra.
80
81
Provavelmente localizada no local da actual igreja matriz do Torrão, antiga igreja de Santa Maria.
Ríus, 2000, ob. Citada, p. 153-154.
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
Se a mesquita de Madῑnat al-Zahrā´, foi famosa, por ter uma qibla orientada a 109º,
que se desvia 9º da “qibla moderna”, é provável que a qibla da muṣalla do Torrão terá obtido
alguma “fama” a nível regional, porque se encontra desviada da “qibla moderna” em 17º, que
em termos de cálculo astronómico, num contexto medieval, presumimos não terá sido fácil de
obter.
Facilmente poderia ser confundido com o horto do sol no Inverno no al-Andalus, que
ronda os 120º.
Achamos extraordinário que o edifício e a torre do miḥrāb se encontrem orientados
para a alcáçova e mesquita da cidade de Beja82, que é visível na linha do horizonte com
bastante nitidez.
7.3. A localização do Miḥrāb.
Sensivelmente a meio do muro (Qibla), foi erguida uma torre, que ficou
adoçada do lado exterior.
82
Segundo os elementos obtidos por meio de fotografia de satélite, utilizando o Google Earth.
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
A existência desta estrutura isolada, torna-se coerente se a considerarmos como a
“torre” que encerrava no seu interior um miḥrāb.
Se analisarmos a figura, que apresenta as plantas de miḥrāb(s) identificados no al-
Andalus
83
, podemos verificar que de um modo geral, eles foram inseridos em estruturas de
formato “torriforme”, geralmente salientes do muro da qibla.
Noutros casos, o nicho ficou embutido na própria estrutura, não sendo visível do lado
exterior do edifício.
Essa estrutura torriforme, nuns casos apresenta uma planta “ligeiramente rectangular”
e noutros, desenvolve-se em semi-circulo, simples ou facetado.
O exemplo do Torrão segue o modelo torriforme de planta rectangular, seguindo o
modelo que foi utilizado nos conjuntos religiosos Guardamar (século X) e na Arrifana (século
XII).
83
Calvo Capilla, 2004. Las mezquitas de pequeñas ciudades y núcleos rurales de al-Andalus, p. 63.
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Uma Leitura Arquitectónica
Em Alcácer, os miḥrāb(s) identificados como tal, no Santuário dos Mártires (séculos
XII/XIII), como na Igreja de Santa Maria do castelo (desde o século IX até ao XIII), parecem
seguir a modelo exterior ao muro da qibla, seguindo uma planta em semi-circulo. 84
No caso do Torrão, desconhecemos se o nicho terá sobrevivido até aos nossos dias,
porque ainda não tivemos acesso ao interior da Torre.
A “enigmática cruz” desenhada nesta torre, que se encontra representada na Planta do
Torrão de 1817, poderá corresponder à existência de um “nicho” que em contexto Moderno,
poderia conter uma imagem cristã!
Se a nossa proposta de cronologia almóada estiver correcta, é provável que o interior
do miḥrāb, em termos de planta e gramática decorativa, seguisse de perto o que foi
identificado na mesquita de Mértola.
Não só pela coincidência da inclinação da qibla ser nos dois casos semelhante, como
ambas se localizarem no Ġarb e provavelmente terem sofrido programas de obras pelo mesmo
Poder Politico.
84
CARVALHO, A Rafael (2008) AS MUSALLAS (SARI´A) DE AL-QASR/ALCÁCER E TURRUS/TORRÃO: Uma
Primeira Abordagem à “Geografia Sagrada Tardo-Islâmica” no Alentejo Litoral Blog -O Sahil de al-Qasr
http://alcacer-islamica. blogspot.com. (Consultado em 05-09-2008)
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Uma Leitura Arquitectónica
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Tanto no caso do Torrão, como em Guardamar, podemos verificar que as “torres” que
encerram o miḥrāb, apresentam-se pouco salientes do muro da qibla, contudo apresentam uma
maior fachada, de modo a conter um “nicho” no seu interior. Ou sejam, em ambos os casos
estamos perante estruturas torriformes de planta rectangular.
O mesmo modelo parece estar patente na torre similar existente na mesquita de
Tῑnmal/Marrocos.85
A Torre-Miḥrāb da muṣalla do Torrão.
Como poderemos verificar, a sua
“Linguagem Arquitectónica”,
não difere muito em relação aos exemplos
identificados no Ribāṭ de Guardamar.
Ribāṭ Califal de Guardamar.
Exemplos de estruturas torriformes que encerram no seu interior os miḥrāb (s).86
85
A Torre da muṣalla no Torrão, tem as seguintes medidas, tomadas a partir do muro da qibla, de Sul para Norte: -1,3
m, fachada de 3,5 m e 1,5 m.
86
Azoar, 2004. El Ribāṭ en al-Andalus: espacio y funcion. Revista de las Religiones Anejos, p. 34
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Uma Leitura Arquitectónica
7.4. A Orientação dos Espaços Sagrados dentro de uma Medina:
Alguns Exemplos existentes no Norte de Africa.
Escolhemos como exemplos, o Ribāṭ de Susa/Tunisia (em cima) e Alcácer do Sal (Foto seguinte)
Susa na actual Tunísia e Alcácer do Sal, são dois exemplos interessantes de medinas
muçulmanas, que apesar de estarem separadas entre si por mais de 1 330 milhas náuticas87,
apresentam uma estrutura urbana de génese islâmica, com semelhanças entre si.
87
Equivalente a 2 460 Km.
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Uma Leitura Arquitectónica
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Ambas as medinas tiveram funções portuárias em contexto islâmico, contudo
condicionadas a ambientes geográficos diferentes. Em determinadas fases, transformaram-se
em bases militares e em ribates, contra inimigos provenientes da margem norte do
Mediterrânico no caso de Susa e do Atlântico Norte no caso Alcacerense.
Se
analisarmos
com
atenção,
em
ambas
as
medinas,
o
“palácio
do
Governador/Alcáçova” apresentam uma linguagem arquitectónica análoga, estruturado como
uma unidade defensiva autónoma, dentro do recinto amuralhado da medina.
Ambos apresentam uma planta regular e os cantos são defendidos por uma torre. No
centro abre-se um espaço aberto.
A mesquita, centro religioso e cultural da medina, por vezes actuando como “contra-
poder” em relação à estrutura militarizada de certas medinas, encontra-se estrategicamente
separada como corpo autónomo, possuindo uma orientação canónica, direccionada para Meca.
Em termos de disposição no espaço, teria que ter tanta visibilidade como a alcáçova,
para que um viajante ou tropas exógenas à região, soubessem se estariam em presença de
uma medina islâmica ou não.
Estes pressupostos, alcáçova num local proeminente, com a mesquita ao lado, não
muito distante de uma muṣalla, iremos encontrar no Torrão, contudo condicionados a uma
escala diferente e obedecendo à topografia do local.
Após 1191 o Torrão localiza-se num território de fronteira, como guarda avançada de
Alcácer e Beja, frente a uma cidade de Évora debaixo de domínio português, desde 1165, que
se localiza a norte, para lá da margem do rio Xarrama.88
Para sul abre-se uma vasta planície até Beja, seja a cidade visível do Torrão.
Se a implantação do castelo local têm uma função meramente defensiva em relação à
estrada para Alcácer, a muṣalla vai ser construída, obedecendo a outras condicionantes,
nomeadamente:
- Terá sido erguida no local/ou junto ao acampamento almóada de 1184, onde viria a
falecer o califa Almóada.
- Esta meia encosta, estrategicamente localizada na estrada de Beja, numa entrada do
Torrão junto à Fonte Santa possui uma implantação no terreno envolvente que lhe transmite
uma enorme visibilidade a longa distância, para quem chegasse ao Torrão vindo de Beja ou de
outros lugares do espaço islâmico localizados a sul. Curiosamente, o edifício não é visível para
quem chegasse ao Torrão vindo de Norte, ou seja, do Reino de Portugal.
88
Sobre esta questão, consultar, CABRITA, A Catarina; CARVALHO, A Rafael e GOMES, Fernando (2008)
CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DAS CERÂMICAS MEDIEVAIS/MODENAS DO TORRÃO: O Largo Bernardim
Ribeiro, Colecção Digital - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, Nº 2 (II Parte), p.14-17.
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Uma Leitura Arquitectónica
Como já foi referido, tanto do castelo como na muṣalla, é visível na linha do horizonte,
a alcáçova da cidade Beja e um vasto território para sul e poente. Pensamos que tal não terá
sido por acaso, mas sim, terá obedecido a um programa militar previamente delineado pelos
almóadas.
Enquadramento da Muṣalla na actual malha urbana do Torrão.
Os números indicam os panos de “muralha” ainda de pé. (ver as fotos)
Tendo em conta a grande importância que têm a orientação do muro da qibla e do
miḥrāb para o quotidiano muçulmano, procuramos averiguar com base em fotografia de
satélite, com recurso ao Google Earth, se essa “obsessão” na orientação de edifícios não
religiosos também se podia detectar, tomando como base de análise o eixo definido por
Alcácer, Torrão e Beja89
O Baixo e Médio Sado são a nível do al-Andalus, um espaço geográfico privilegiado para
detectar as orientações sagradas, dado a ausência de relevos muito elevados.
89
Praças-Fortes, que irão deter o avanço Português para sul nas primeiras décadas do século XIII.
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Não vamos aqui analisar detalhadamente os dados obtidos, mas constatar com alguma
surpresa, que efectivamente existe uma ligação na orientação entre as muṣallas do Torrão e
Alcácer; e que é a partir da mesquita a céu aberto do Torrão que se processa uma rectificação
do rumo, para que o edifício e “torre-miḥrāb”, fiquem orientados para a alcáçova e mesquita de
Beja.
Face ao exposto, estamos convictos que estaremos perante um edifício sem muitos
paralelos no al-Andalus, que deve ser “lido” no contexto da época e neste contexto geográfico.
7.5. O Acesso à Muṣalla: Uma Hipótese de trabalho.
O acesso à muṣalla, seria com base na reconstituição proposta, localizada a
Norte e defendida por uma torre.
Porque razão sugerimos a existência de uma torre encontrado a um muro no lado
oposto ao muro da qibla e vigiando a porta de acesso ao interior da muṣalla?
Se analisarmos a base da estrutura actualmente visível, verificamos que ao nível actual
do solo é possível detectar uma base construída por grandes blocos de rochas, obtidas no local.
Estes encontram-se ligados entre si por taipa de cor bege.
O aparelho do muro da qibla, apresenta duas fases de reconstrução.
A fase mais antiga, segue o modelo dos blocos de pedra ligados entre si e atinge em
média quase 1 m de altura, estado melhor preservado entre a estrada voltada a sul e a torre do
mihrab.
A separar as duas fases, foi inserido uma fiada de tijoleira. Nesta fase de reconstrução
é notória, duas fases.
Estamos convictos que estaremos perante reconstruções do muro, já em contexto pós
islâmico, mas obedecendo à matriz islâmica original.
A linguagem arquitectónica do conjunto, muro e torre, foram mantidos. Afinal estamos
perante a melhor construção da actual área urbana do Torrão. Mesmo que o significado do
edifício tenha sido perdido, manteve-se a sua qualidade de construção como mais valia a
preservar.
Em relação à localização da porta no lado Norte. No local proposto verificamos que o
muro original desapareceu. Em sua substituição foi construída uma potente canalização para
escoamento das águas fluviais que em excesso poderiam ficar retidas dentro da muṣalla e
poderem danificar a estrutura. Imediatamente ao lado, parte da actual rua foi invadida por uma
construção que foi adoçada ao corpo principal do convento das Clarissas.
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7.6. Uma Leitura Preliminar da “Muralha”
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Este conjunto edificado, tal como se encontra actualmente, já existia em finais do
século XVIII, como é documentado no mapa de 1817
90
.
A diferença no alinhamento em relação à rua, parece ser um indicador a ter em conta,
que permite supor que terá havido alguma estrutura anterior que condicionou as actuais
construções.
O enquadramento geográfico da Mesquita de Tīnmal, no Alto Atlas Marroquino.
Foi neste local que nasceu o califa almóada Abū Ya´qūb Yūsuf I, que morreu no Torrão, em 1184.
Desde o início que temos defendido uma génese almóada para este edifício.
Parece-nos importante poder comparar a volumetria da muṣalla do Torrão, com
mesquitas coevas do Norte de África.
Infelizmente grande parte destes edifícios religiosos sofreram transformações
arquitectónicas após a queda dos Unitários, no período em que os Banū Marín/Marinidas91
assumem o poder político no Magreb al-Aqṣa.
90
Ver o mapa, p. 15
Ao contrário dos movimentos Magrebinos dos Almorávides e Almoadas que deram expressão a aparelhos políticos de
cunho reformador religioso, os Merinidas vão assumindo o poder após o desaparecimento do califado Muwaḥḥīd, sem
nenhum programa religioso, facto que os poderia debilitar. Para colmatar esse facto, vão investir enormes verbas
monetárias e recursos humanos na construção de Madrasas e após 1260, vão levar a ŷihād ao al-Andalus, anexando a
região de Algeciras ao seu emirato. Assumimos que a história do Sultanato Merinida, entre 1212 e 1260 é bastante
confusa. Por razões que desconhecemos, tem passado despercebida entre os investigadores Portugueses e Espanhóis,
91
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Não há dúvida que a mesquita de Tīnmal, construída em taipa e que corresponde ao
“Santuário Muwaḥḥῑd” mais venerado do Califado, possui uma leitura arquitectónica similar à
muṣalla do Torrão.
Apesar das diferenças entre ambos os edifícios religiosos, dado que no exemplo
marroquino estamos perante uma mesquita, não deixa de ser surpreendente a semelhança
patente nalguns elementos estruturais comuns entre ambos.
Dado que em contexto islâmico não prevemos a ocorrência de “coincidências”, temos
que chegar à conclusão que a existência de um edifício desta dimensão, que escapa à lógica do
local, que se pressupõe fosse em termos político seja “marginal”, é um forte indicador de uma
“valorização sagrada” do Torrão, por parte de uma superstrutura estatal e porquê?
- Pela utilização de recursos humanos e monetários copiosos para a construção de um
edifício religiosos, que ultrapassa claramente o número de crentes muçulmanos que habitavam
a região e que não estavam ao alcance das elites locais.
Neste âmbito, entramos noutros âmbitos de análise, como por exemplo, os que estão
directamente relacionados com o exercício do poder legítimo.
Não se trata de um aspecto meramente gratuito. O detentor desse “privilégio”,
determina a “agenda política” de todo um território, determinar a evolução da “Guerra” e possui
os recursos necessários para construir. Falamos pois do “ Principio da Legalidade”
8. O Principio da Legalidade Politica em contexto Muwaḥḥῑd:
8.1. A sua Expressão na Região Alcacerense.
Para entendermos o porquê da necessidade de ser construída uma edificação desta
natureza no Torrão é necessário termos algumas noções sobre os fundamentos e objectivos da
denominada por vários investigadores como “Revolução Almóada”.
Esta questão tem sido objecto de reflexão desde o século XIX e ultimamente temos à
nossa disposição um leque importante de estudos, que permitem olhar com mais detalhe os
Almóadas, nas suas relações com os outros.
uma afirmação muito interessante que se encontra na célebre e muito debatida Crónica Portuguesa da “Conquista do
Algarve” (sic, segundo Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca, 1988, p. 90-91)
“ [Cap. XI] …. (descreve o trajecto que o rei D. Afonso III fez em direcção a Faro, que imediatamente cercou por terra
e mar) ..a grão presa ao Algarue e foy por Beja e day a Almodouuar do Campo dourjque e pasou a terá
pelas Cortiçadas e (en)camjnho(u) dieyto a Farom de senhrjo de Mjra(mo)molin rey de Maroquos e tinha
a vila por ele hum alcayde que auja nome Aloandre e estaua(ahi) hum almoxarife delRey que auja nome
Alcabrarão (e) estes auyom gramde acorrimento de gente(s) e mantimemtos porque (de) demtro do
alcaçar estaua hua fusta per hum arco grande que era (fejto) no muro (e) tiravom aquela fusta cada vez
que querryom e mamdauom (na) com recado a seu Rey (Al) mjra(mo)molim…”
Segundo a leitura de Henriques, (2003), Conquista do Algarve (1189-1249), p 80, com base neste texto, Faro em
1249, tinha saído da obediência de soberano Taifa de Niebla e estava debaixo do domínio dos Banu Marín. Se esta
leitura estiver correcta, estamos perante a primeira intervenção Merinida no Al-Andalus, anos antes da primeira
expedição militar documentada, nos campos de fronteira de Algeciras, frente a Castela e por vezes contra os nazaris.
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O tema é bastante complexo, porque para falar do de sistema político dos Unitários, é
necessário abordar outras questões, sejam elas no âmbito militar, religioso ou jurídico.
Naturalmente que não é nosso objectivo neste trabalho, estudar os Almóadas desde
essas diferentes perspectivas!
O que procuramos entender é a razão que está por detrás da construção do maior
espaço religioso islâmico existente em Portugal, deixando para outros trabalhos averiguar como
terá sido possível a sua sobrevivência, após a conquista portuguesa!
Por isso, longe de esgotar o tema, vamos só aflorar algumas questões que achamos
mais adequados para o estudo deste monumento, nomeadamente:
- Em que consistiu o movimento Almóada, os relacionados com a estrutura militar
alcacerense no Baixo e Médio Sado, as relações de poder, colaboração e conflito com as elites
do Garb e outras problemáticas referentes à ŷihād.
Um dos trabalhos mais interessantes sobre a problemática que aborda os objectivos
políticos e de renovação do Islão na perspectiva dos Unitários, foi dada a conhecer em 2006 por
Peña Martín e Veja Martín.92
Antes de analisarmos a questão, temos que estar cientes que o Corão (4 al-Nisā´, 59)
apresenta o princípio islâmico do poder legítimo:93
Yā ayyuhā llaḏῑna amanū aṭῑ´ū (A)llāha wa-aṭῑ´ū l-rasūla wa-ūlῑ l-amri min-kum.
(creyentes: obedeced a Dios, y obedeced al Enviado y a los capaces de disposición de
entre vosotros)
De facto, o “discurso político/jurídico islâmico” determina que a comunidade deve
submeter-se a três instâncias do poder:
- Deus, Maomé e uma terceira, que é designada com a expressão de ūlū l-amr (capazes
de disposição/vocação, dotados de autoridade)94
Segundo alguns investigadores, os almóadas usaram muitas vezes o termo al-mr (a
disposição/vocação), como sinónimo do movimento religioso que levaram a cabo sob a sua
liderança, equivalente à vontade de Deus.
Outros historiadores admitem que terá sido a debilidade do mecanismo de legitimação,
o ūlū l-amr, já no decurso do século XIII, que estará na origem da sua decadência.
O que estava em causa era a “mediação entre Deus e os Homens”.
O movimento Almóada irrompe na história através do seu teólogo e líder messiânico
Ibn Tūmart, sendo continuado pelo que viria a ser o fundador da dinastia Mu´miní, ´Abd alMu´min bn. ´Alῑ.
92
Pena Martín e Veja Martín (2006) Com la Guia del Corán: Crisis y Evolución del Discurso Numismático
Almohade. Al-Qantara XXVII 2, julio-diciembre de 2006, 477-527.
93
Esta questão foi abordada por M. Fierro,(1994). La legitimidad del poder en el islam. Awrāq, 15, p. 147-184. Da
mesma autora (1986) On political legitimacy in al-Andalus. Der Islam, 73, p. 138-150. Mais recentemente, B.
Lewis (2004) LEWIS, Bernard (2001) A LINGUAGEM POLÍTICA DO ISLÃO. Ed. Colibri, Lisboa.
94
Pena Martín e Veja Martín (2006) Com la Guia del Corán: Crisis y Evolución del Discurso Numismático
Almohade., p. 478-479.
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Em termos políticos e teológicos, procurou-se logo no início em levar ao extremo o que
C. M. del Rivero95 fala de “Emancipação do Califado do Oriente”.
Um marco que define claramente esta ruptura é a criação do “dirham quadrado”, que
apresenta uma estética nova, facilmente reconhecida e que representa uma ruptura com a
estética monetário do restante mundo islâmico medieval.
O dirham não representava só um determinado valor monetário, mas implicava uma
difusão oficial e eficaz da mensagem religiosa e politica dos almóadas.96
Importa recordar que as moedas continham numa face a expressão amr (vocação) e
que no reverso continham a “matriz religiosa” idealizada por Ibn Tūmart:
- Deus, Maomé e ele próprio, como líder messiânico.
Face A:
Não (há) deus sem Deus
Todo o poder dele (é) para Deus
Não (há) força senão em Deus
Face B:
Deus é nosso Senhor
Maomé, nosso enviado
Al-Madhi nosso Imã
Moeda almóada encontrada no Castelo de Alcácer do Sal97
95
(1948) El arte monetário en la España musulmana: ensayo de tipologia numismática. Revista de Archivos
Bibliotecas y Museos, LIV , p. 51-72, 17. Referido por, Pena Martín e Veja Martín (2006) Ob. Cit., p. 482, nota 20.
96
Todos os sistemas políticos aspiram a transmitir e reproduzir, por todos os meios à sua disposição, uma mensagem
de legalidade e de justiça social. Em contexto islâmico, os Almóadas foram por excelência uma Super-Estrutura Imperial
de matriz Magrebina/Masmuda, que procurou levar ao extremo, a reprodução dos seus valores políticos e religiosos,
desde a cerâmica de uso quotidiano, passando pelo sistema monetário, pela arquitectura, pela “censura de alguns
costumes”, pelas polémicas religiosas (etc), passando igualmente pela criação de uma “Geografia Sagrada” ligada a
este movimento. Sem querem aspirar a dominar (imediatamente) todo o mundo islâmico Medieval, os Almóadas
procuraram um contraponto aos lugares Santos de Meca, Medina ou Jerusalém, criando no Ocidente Islâmico uma rede
de lugares que deveriam ser objecto de peregrinação! A construção da Musalla no Torrão estaria inserida neste
objectivo.
97
CARVALHO, A Rafael (2006) UM DIRHAM ALMÓADA ENCONTRADO EM ALCÁCER DO SAL: Elementos para o
seu estudo Blog-O Sahil de al-Qasr. http://alcacer-islamica. blogspot.com. (Consultado em 08-06-2007)
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Na realidade, a superstrutura magrebina imperial dos Almóadas não se esgotava numa
mera contenção militar ao avanço dos reinos Cristão para sul, mas procurava acima de tudo,
criar uma alternativa totalmente autónoma do Califado Abássida, a ponto de não incentivarem a
peregrinação a Meca, criando em alternativa, uma rede de “santuários religiosos”, ligados à
história do seu movimento.
É nesta criação de locais “sagrados ligados ao movimento Almóada” que devemos
inserir a “Mesquita a Céu Aberto” do Torrão.
É nesta perspectiva que se justificação a necessidade de uma construção desta
natureza, de apoio à ŷihād contra Portugal e que excede a escala humana e as necessidades
económicas e demográficos da região.
Para uma melhor fundamentação desta nossa hipótese, parece-nos adequado efectuar
uma síntese sobre a resenha histórica da presença Almóada na região Alcacerense e
Torranenses, dado uma especial atenção à análise do desastre de Santarém que irá condicionar
a visão de al-Manṣūr na condução e gestão das campanhas militares futuras.
Com base nos dados actualmente disponíveis, de natureza arqueológica, historiográfica
e iconográfica, propomos em termos cartográficos, a seguinte sequência de evolução, que será
exposta ao longo deste estudo:98
9. O Enquadramento Historiográfico da Muṣalla no Torrão, em
contexto Islâmico Tardio.
9.1. Contexto Islâmico Pré-Almóada99
Em contexto islâmico, o castelo do Torrão seria de reduzidas dimensões, adequado à
densidade populacional existente. A mesquita seria igualmente pequena, localizada dentro de
muralhas de Taipa.
No exterior, mas junto a uma das portas de entrada, localizava-se um terreno livre de
construções que teria a função de muṣalla.
Nesta fase, o recinto de oração, estaria livre de construções e teria uma “miḥrāb
amovível”, adaptada às festividades e desfiles militares que aí teria lugar. Ao longo do ano
poderia servir para treino militar.
98
De forma a não sairmos do objectivo do nosso trabalho, vamos privilegiar nesta nossa análise, a apresentação em
moldes gerais, a evolução do Torrão, deixando o detalhe da sua fundamentação para outros estudos.
99
Para uma abordagem sobre a presença islâmica no Torrão, desde a Antiguidade tardia até ao século XIII, deve ser
consultado o nosso estudo, que se encontra alojado no site do município. Carvalho (2008) TORRÃO DO ALENTEJO:
Breve Resenha Histórica sobre Romanização e Islamização, Colecção Digital - Elementos para a História do
Município de Alcácer do Sal, Nº 2 (I Parte), p. 8-50.
http://www.cm-alcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx
Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 3
http://www.cmalcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx
48
A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
Deste terreiro sairia o caminho para medina de Beja.
Se inicialmente, a muṣalla do Torrão estaria localizada junto ao castelo, porque razão
em meados do século XII ela passa mais para sul e é estruturada com potentes muros e uma
Torre-Miḥrāb?
- Essa transformação só tem sentido, se a edificação for da iniciativa do poder central e
se pretender com isso marcar topograficamente um acontecimento marcante.
Antes de passáramos à análise do texto do Bayan I que efectua um “contido relato” do
desastre almóada frente a Santarém, parece-nos oportuno efectuar uma breve resenha dos
factos, antes e depois de 1184.
9.2. O Médio e Baixo Sado em Contexto Islâmico Tardio (1159-1220)100
9.2.1. Breve Resenha Politica
O Baixo e o Médio Sado ter-se-ão transformado nos Séculos XII-XIII, num espaço de
fronteira móvel, entre portugueses e muçulmanos.
Uma recuperação detalhada da resenha política da região, tendo como base uma
documentação a todos os títulos, lacónica, é possível, apesar da existência de muitas décadas e
anos em “Silêncio Documental”!
Se o nosso objectivo for entender como se expressou o poder dos Unitários nesta
região desde 1159, é possível isolar algumas Fases:
9.2.1.1. (I Fase) Após o assassinato de Alī al-Wahībī em Alcácer (1159-1165).
Postura do Califado: Provavelmente apanhado de surpresa, o aparelho militar
Almóada sem capacidade para enviar tropas em numero adequado ás necessidades, prefere
efectuar uma delegação de poder em Alcácer, que é assumido pela elite local.
Esta governará a medina alguns meses, até esta ter sido conquistada pelos portugueses
em 1160.
Nos castelos da Arrábida e no Torrão, as guarnições locais de obediência Almóada
mantêm-se até 1164 até serem expulsas por tropas portuguesas.
100
Sobre esta questão, deve ser consultado o volume nº 1 desta colecção digital: Carvalho (2008) ALCÁCER DO SAL
DO SAL NO FINAL DO PERIODO ISLÂMICO: Séculos XII-XIII): Novos Elementos sobre a 1ª Conquista
Portuguesa. Colecção Digital - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, Nº 1.
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
Objectivo da Ordem de Santiago: - Após a conquista de Alcácer, começar a retirar
ao poder militar islâmico, os castelos que faziam parte da jurisdição da Taifa Pós-Almorávida de
Alcácer.
Documentação Arqueológica: Parece-nos natural que a região tivesse abandonado
o sistema monetário da Taifa Wazīrí de Évora e aderisse ao sistema monetário Almóada. Em
relação às cerâmicas de uso quotidiano, é provável que as séries que definem claramente a
Fase Almóada, como são as produções estampilhadas provenientes da Andaluzia Ocidental,
ainda não circulassem nesta região!
9.2.1.2. (II Fase). A transformação do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão em Ribāṭ-Muṣalla
Muwaḥḥῑd frente a Évora e Alcácer (1184-1191)
Acontecimentos políticos: Teve início com a derrota almóada de Santarém em 1184.
É conquistado o castelo do Torrão para reforço da cidade de Beja recuperada dez anos antes,
em 1174 e erguida uma muṣalla em memória do Califa Abū Ya´qūb Yūsuf I .
Ya´qūb assume nominalmente o poder no Torrão, apoiado pelos seus aliados, mas
decide formalizar a sua investidura em Marraquexe. Entre 1184 e 1191 a fronteira ter-se-á
mantido estável.
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
Objectivo Almóada: Criação de um espaço sagrado ligado aos muwaḥḥῑd. Fomentar
a Guerra santa. Aumentar a defesa de Beja e criar uma zona de desgaste contra os
portugueses instalados em Évora e Alcácer. Efectuar operações de espionagem militar. Impedir
o avanço cristão para Sul.
Resposta Portuguesa: Escolha de Alcácer para sede do ramo português da Ordem de
Santiago. Criação em Évora da Ordem dos Cavaleiros de Évora, futura Ordem de Avis, filiada
em Calatrava.
Documentação Arqueológica: Provável entrada de algumas cerâmicas de “matriz”
almóada no Médio Sado. Circulação plena do sistema monetário dos Unitários.
Uma hipótese de reconstituição da estrutura defensiva.
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
Uma Leitura Arquitectónica
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9.2.1.3. (III Fase). Transformação de Alcácer, em Qaṣr-al-Fatḥ e delegação da
chefia do Ṯaghr al-Qaṣr aos Banū Wazīrí. (1191-1212)
Estratégia Almóada: Reforço do Sistema defensivo Alcacerense. Transformação da
medina em base naval, tornando a única no Ġarb Atlântico a Norte de Silves, abalizada para a
ŷihād Marítima, contra Portugal. Os portugueses, na voz do Bispo de Lisboa, D. Soeiro (1217),
consideravam esta actividade como simples pirataria, que os atormenta regularmente.
Resposta Portuguesa: Celebração de 4 anos de Tréguas entre D. Sacho I e al-
Manṣūr, que permite a instalação de guarnições muçulmanas nos castelos da Arrábida. O
castelo de Palmela centraliza os assuntos militares da fronteira frente a Lisboa e vigilância da
costa, na dependência directa de Alcácer.
O Torrão é reforçado para fazer frente a Évora, ficando na dependência de Alcácer.
O aparecimento de cerâmica estampilhada almóada no Castelo de Montemor-o-Novo,
em 2003, com “Mãos de Fátima, associados a motivos florais, alusivos ao Paraíso”, assim como
de uma roca em osso, é um indicador de uma presença militar muwaḥḥīd, provavelmente
composta de voluntários, dando reforço à hipótese formulada no ano 2000
101
, defendida numa
altura em ainda não existia nenhuma documentação arqueológica muçulmana conhecida nesse
castelo.
Documentação Arqueológica: Programa de obras militares e religiosas em Alcácer e
no Torrão, com extensão provável, mas de natureza modesta, para os castelos de Palmela,
Sesimbra e Montemor-o-Novo.
Circulação plena das cerâmicas de uso quotidiano, de matriz almóada, tanto as
proveniente de Sevilha ou Ceuta, como as de fabrico local, segundo as novas tipologias,
adaptando-as aos gostos e necessidades locais.
Integração plena do Médio e Baixo Sado na linha defensiva almóada.
Presumimos alguma autonomia de recursos, numa “Económica de Guerra”.
Abertura do estuário do Sado e navegação no Atlântico, para facilitar o abastecimento
estratégico de Alcácer102 e redistribuição de bens para as principais praças militares103.
Se para fazer frente aos reinos de Portugal e Leão, os almóadas criam as bases
militares de Alcácer, Badajoz e Cáceres, é admissível que Beja e provavelmente Moura, fiquem
debaixo da jurisdição militar alcacerense.
101
Paixão, Faria e Carvalho, 2001 PAIXÃO, A Cavaleiro; FARIA, J. Carlos e CARVALHO, A Rafael, (2002) ASPECTOS DA
PRESENÇA ALMÓADA EM ALCÁCER (PORTUGAL) Mil anos de Fortificações na Península Ibérica e no Magreb.
(500-1500): Actas do Simpósio Internacional sobre Castelos – Palmela. pp. 369-383, Colibri e C M Palmela.
102
O califa determina pessoalmente em Alcácer que a medina deve ser regularmente abastecida pelos armazéns
estatais de Ceuta e Sevilha. Paixão, Faria e Carvalho, 2001, Ob. Cit, p.
103
Esta questão foi abordada por nós em 2001. Paixão, Faria e Carvalho, Ob. Cit, p.
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Uma Leitura Arquitectónica
9.2.1.4. (IV Fase). A Obediência “Nominal” dos Banū Wazῑrí ao soberano Almóada.
(1212-1217)
Se em termos formais a “obediência” alcacerense ao Califado Almóada é mantida para
manter a jurisdição Wazῑri numa postura legalizada perante a Umma do Ṯaghr, na realidade a
elite alcacerense gere a sua “Agenda Militar” como pode, no seio da crise da desagregação da
estrutura imperial Magrebina no al-Andalus, numa postura de autonomia na decisão
política/estratégia militar.
Resposta Portuguesa: Após o final das tréguas, entre 1194 e 1199, a Ordem de
Santiago começa a ocupar os castelos da serra da Arrábida. Pouco depois é recuperado o
castelo de Montemor-o-Novo, que recebe Carta de Foral em 1201.
A linha de fronteira estabiliza-se numa área a norte de Alcácer, durante 17 anos,
provavelmente utilizando o curso da ribeira da Marateca como limite entre os beligerantes,
desde o Canal de Águas de Moura até Évora, passando pela Marateca, Cabrela e ao longo das
cumeadas da serra de Monfurado/Escoural, pré configurando os limites futuros de influência
territorial entre as referidas praças fortes.
9.2.1.5 (V Fase). A resistência Islâmica no Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão, entre1217 e 1220 (?)
A conquista de Alcácer em 1217 não implicou automaticamente a conquista dos
castelos debaixo da sua jurisdição. Um caso paradigmático é sem dúvida o Torrão.
É provável que a sua conquista tenha sido objecto de registo, de forma a garantir a sua
posse dentro do espaço de jurisdição de Alcácer e da Ordem de Santiago, contudo essa
documentação terá “desaparecido”! Na realidade, não sabemos em que data terá ocorrido e de
que forma se terá processado!
A sua inclusão no termo de Alcácer e a sua manutenção na esfera da Ordem de
Santiago, em concorrência com o espaço de expansão natural da Ordem de Avis com uma base
em Évora, permite antever uma preocupação dos Espatários/Cavaleiros de Alcácer para
recuperar rapidamente o Torrão, mantendo deste modo a coesão territorial alcacerense em
contexto islâmico, de que a Ordem se assume como natural herdeira.
Parece-nos sintomático que a fronteira estabilize a sul da linha que passa por Alcácer,
Torrão e Évora até à década de 30 do século XIII.
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A MUṢALLA DO ḤIṢN ṬURRUŠ/TORRÃO:
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10. O Enquadramento do Ḥiṣn Ṭurruš/Torrão no relato do desastre
Almóada de 1184, frente a Santarém.104
Ṭurruš é um topónimo bastante frequente no al-Andalus, podendo referenciar alguns
exemplos na actual Andaluzia.105
Por outro lado verificamos que o relato de Ibn Iḏāri, autor que estamos a privilegiar
neste estudo, não é fértil em pormenores e por vezes ao querer simplificar toda a trama politica
e psicológica dos eventos, ou minorar desastres ocorridos, não diferencia os vários Ṭurruš
existentes em Portugal, o que tem levado a confusões de várias ordens.
Como já afirmamos, só uma leitura atenta dos itinerários assinalados e do contexto
geográfico relatado, permitirá identificar o castelo Ṭurruš em causa, ou seja: - Nuns casos
poderá ser o castelo de Torres Novas e noutro Torres Vedras.
Quando pelo enquadramento geográfico o Ḥiṣn Ṭurruš referido não se encaixa nos
exemplos atrás referidos, alguns investigadores sugerem que o autor muçulmano está a
mencionar o Castelo de Coruche ou mais raramente, o Castelo de Montemor-o-Novo, que na
nossa análise não tem fundamento, tanto a nível geográfico, linguístico, como da própria
conjuntura militar relatada.
A referência ao Ṭurruš que nos interessa, vem descrito no capítulo que Ibn Iḏāri dedica
ao desastre de Santarém, ocorrido em 1184 e cujo resultado foi muito traumatizante para o
califado almóada.
É na sequência dessa derrota militar que o califa Abū Ya´qūb é ferido com gravidade
em Santarém, virá a falecer provavelmente no actual Torrão do Alentejo. Sucede-lhe o seu
filho, Ya´qūb, o futuro al-Manṣūr .106
Outro elemento que importa relembrar em relação a este episódio, é o comentário que
Huici Miranda, efectua com base nas várias fontes muçulmanas e cristãs.
Segundo ele (sic):
“- este Turrus que el “Bayan” coloca claramente en el Alentejo, no puede ser ni
el Torres Vedras, que quiere Dozy, ni el Torres Novas, cerca de Tomar, que fue asaltado seis
años más tarde por Ya´qub al-Mansur. No he podido localizarlo en esa región…”107
104
Sobre esta questão, vamos seguir de perto o texto do nosso trabalho, CARVALHO, (2008) O Papel do Hisn
Turrus/Torrão, no Sistema defensivo Tardo Islâmico de Alcácer Blog -O Sahil de al-Qasr http://alcacer-islamica.
blogspot.com. (Consultado em 20-08-2008)
105
Um apanhado global sobre esta questão encontra-se patente no estudo de MARTINÉZ ENAMORADO, Virgílio (1998) LA
TERMINOLOGÍA CASTRAL EN EL TERRITORIO DE IBN ḤAFṢŪN. Actas do I Congresso internacional
Fortificaciones en al-Andalus. Algeciras, 1996, p. 33-78.
106
As fontes não são claras. O desastre almóada é algo incómodo para relatar e a morte do emir cria um dilema
complicado ao cronista, que dificulta o relato dos acontecimentos. Uns autores referem que o emir morreu pouco
depois de passar o Guadiana, outros no caminho de Beja. Na realidade os elementos disponíveis não são claros. A
existência de uma musalla no Torrão permite supor que o emir terá falecido pouco depois de o acampamento almóada
ter saído do Torrão, rumo a Beja.
107
Referencia de Ibn ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ:- Al-Bayān al-Mugrib fi ijtiṣār ajbār muluk al-Andalus wa al-Magrib,
ed. y trad. Ambrosio Huici Miranda, Tomo I: Los almohades, Tetuán, 1953.
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O desconhecimento que tinha da geografia e toponímia portuguesa, impediu Huici
Miranda, nos anos 40 do século passado, de apontar o Torrão do Alentejo, como a localização
mais que provável do ḥiṣn referido no Baya I
Para o historiador Hermenegildo Fernandes no âmbito do seu recente estudo sobre
Coruche e em relação a este episódio narrado no Bayan I (Sic, p. 459) .108
“...o ḥiṣn está no caminho da grande expedição que o califa Yusuf I lança contra
Santarém e que acabará por determinar a sua morte. Já moribundo, numa retirada em que
procura aplicar o princípio da terra queimada, passará por um castelo identificável, com toda a
probabilidade, com Coruche, a partir do qual pilha os arredores. Era o mês de Julho de 1184”.
Aceitamos claramente uma passagem pelo castelo de Coruche em 1184, que será
novamente alvo de pilhagem e destruição, de facto a fonte menciona textualmente, a
destruição de construções e pomares, antes de chegarem ao castelo do Torrão.
10.1. PUBLICAÇÃO DA NOTICIA DA MORTE DO EMIR AL-UM´MINIM, ABU YA´QUB,
FILHO DE ´ABD AL-MU´MINIM, NESTA CAMPANHA, 109
“ Dice Abū-l-Ḥaŷŷāŷ Yūsuf b. ´Umar: cuando emprendió el Amīr al Mu´minīn
esta campaña, en la que murió, contra el enemigo del Algarve, Ibn al-Rink110, el
maldito, por su mala vecindad y sus graves daños a los musulmanes, decidió
dirigirse a Santarén, la ciudad de más extensos muros de Ibn al-Rink, la más
hermosa y la más soldados, así como la más fuerte en aprovisionamientos. Avanzó
contra ellos en un avance que pasmo la resistencia de los infieles y deshizo los
corazones de los cercanos de ellos y de los lejanos, llevando consigo gentes que no
se pueden contar y a las que no superan las arenas ni los guijarros.”
Apesar de justificar perante os seus leitores as fortes razões que motivaram a
necessidade desta expedição, por causa da “má vizinhança e graves danos aos muçulmanos
infringidos pelos portugueses de Ibn al-Rink”, este cronista procura a todo o custo realçar o
impacto desta expedição e tentar minorar o desastre que representou para o poder almóada
esta operação militar, que deveria ser de castigo contra os portugueses, mas que resultou num
desastre de proporções muito graves.
108
Hermenegildo (2005). QUANDO O ALÉM-TEJO ERA “FRONTEIRA”: Coruche da militarização à
territorialização, p. 459) efectuou um apanhado global sobre esta questão, sugerindo que o hisn Turrus
corresponderá ao castelo de Coruche, hipótese que respeitamos, mas não partilhamos e cujas razões são argumentadas
ao longo deste estudo.
109
Ibn ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ:- Al-Bayān al-Mugrib fi ijtiṣār ajbār muluk al-Andalus wa al-Magrib, ed. y trad.
Ambrosio Huici Miranda, Tomo I: Los almohades, Tetuán, 1953, p. 75-79.
110
D. Afonso Henriques.
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Como represália ao desastre sofrido junto das muralhas de Santarém, as tropas
almóadas em retirada apressada, praticaram deliberadamente uma politica de terra queimada.
Refere o texto que depois de ter sido ferido gravemente por um grupo de portugueses:
Acampó el Amῑr al-Mu´minῑn en la otra orilla del río y empezaron a
manifestarse los daños de la herida.111
Mandó disolver la concentración y volver cada uno de ellos a su cábila en
general y avanzó por medio del país112 y causó en él una gran desolación; mandó
destruir lo que se encontró de edificios, alterar las aguas y arrancar los árboles,
arrasar los sembrados y quemar todo lo que se podía destruir y hacer desaparecer
por el fuego. Continuó la marcha de esta manera hasta el castillo de Turruš
113
y
permaneció en la cumbre de su montaña, mandando hacer algaradas sobre él y
repartir las columnas por sus lados para conseguir víveres. Dio al Sayyid Abū Zayd,
hijo de su hermano Abū Ḥafṣ, el mando de la mayoria de las expediciones y trajo de
botín lo que se hacía difícil de conducir.
Esta postura do exército almóada, de uma política de “terra queimada”, sancionada em
pessoa pelo Emir é muito importante, porque ajuda-nos a perceber a noção que o poder
almóada tinha em relação à “Guerra”, nas regras adoptadas, em termos de deveres e limites
auto-impostos!
Importa analisar com muita atenção cada palavra do texto e a sua sequência narrativa.
Como refere o autor, as tropas muçulmanas em retirada consideraram o território
atravessado, entre Santarém e o Torrão do Alentejo, como espaço juridicamente Cristão114; ou
seja, fazendo parte do “Território de Guerra”.
Em contexto Medieval, o pensamento jurídico Islâmico, dividia o mundo em duas
partes:
- De um lado, o Dār al-Harb115, onde era legítima executar uma política de terra
queimada, contrapondo-se ao Dār al-Islam, onde tal actuação era rigorosamente punida.
111
Bien claro aparece que el Califa, una vez en la orilla izquierda del Tajo, herido y abrumado por el horrible
desconcierto con que se vadeó el rio, sólo pensó en que su hijo al-Manṣūr, que se quedó en la orilla derecha, cubriendo
la retirada, pasase también el río y se reuniese con él. Son puras invenciones o errores de interpretación las algaras
contra Alcobaza, el ataque a Torres-Vedras o la orden de ir contra Lisboa.
112
Del Alemtejo que ya estaba en poder de los Portugueses, como lo demuestran las conquistas anteriores de Giraldo
sem Pavor.
113
Primeira referencia conhecida ao Torrão do Alentejo em contexto muçulmano. Estamos em 1184 e o castelo, com
guarnição cristã, fazia parte da linha de defesa da fronteira de Alcácer e Évora, em posse dos portugueses.
114
Neste caso português.
115
Segundo a doutrina medieval islâmica, o mundo encontrava-se dividido em duas partes: - O Dār al-Harb/Terra da
Guerra e o Dār al-Islam/Terra do Islão. Dār al-Harb, perante a ausência de Lei Islâmica, presumia-se que só existia
anarquia e imoralidade, daí o dever moral do crente muçulmano, para alcançar a paz e em obediência a Deus, dever
estender o Islão a toda a terra, para eliminar deste modo o estado perpetuo de guerra. Na percepção Medieval, o
estado de guerra permanente/latente entre muçulmanos e não crentes, só terminaria quando fosse erradicado para
todo o sempre o Dār al-Harb, transformando-o num Dār al-Islam (onde a Lei Islâmica é aplicada).
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A expressão cartográfica entre estas duas maneiras de actuar, permitem traçar uma
linha, que traduzem em termos geográficos, onde termina o território cristão e começa o
islâmico.
Segundo a fonte que temos vindo a analisar, a pilhagem é efectuada até as tropas
chegarem ao castelo de Ṭurruš/Torrão do Alentejo, cessando após a sua conquista aos
portugueses.
A ausência de relatos de pilhagem na estrada para Beja, que é visível do Torrão,
permite supor que a fronteira almóada para norte de Beja terá sido alargada, tornando-se o
Torrão, numa cunha avançada, entre Alcácer e Évora.
Retomando o relato da fonte muçulmana:
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- Como já foi frisado, o objectivo máximo das tropas almóadas em retirada é obterem
recursos para si, destruindo sistematicamente as bases de reprodução adequada desses bens.
A mensagem era bem clara, num acto de vingança pelo desastre obtido em Santarém: Procurou-se aniquilar fisicamente a população cristã encontrada no caminho para Beja,
passando pelo Torrão, perpetuando nos sobreviventes e para “memória futura dos não
crentes”, o castigo infligido pelas tropas almóadas.
O reino de Portugal dominava desde a década de 60 do século XII as cidades de
Alcácer e Évora.
A acreditar nos Anais de D. Afonso Henriques e seguindo de novo a leitura de José
Mattoso, Alcácer terá sido conquistada após um cerco de 2 meses, sem auxílio de cruzados, não
em 1158, mas sim em 1160116.
O que sabemos, é que após a conquista da cidade, não terá sido tentada a anexação
do restante território alcacerense. Na realidade, os escassos recursos militares portugueses
terão sido insuficientes para tentar dominar o restante território até à serra da Arrábida, o que
permite explicar que durante os 5 anos seguintes, Alcácer seja um enclave português em
espaço islâmico.
Os Anais Portugueses referem a conquista cristã dos castelos da Arrábida, (Palmela e
Sesimbra) somente em 1165.
Mas se lhe faltam recursos militares para o domínio efectivo do vasto território rural,
nada impede que bandos de aventureiros cristãos e tropas do rei português tentem a sua sorte
na pilhagem do espaço ainda em poder islâmico.
É efectivamente o que terá acontecido com Beja, segundo as fontes cristãs e
confirmado nas fontes muçulmanas.
Segundo os Anais de D. Afonso Henriques, em 1162, ou seja dois anos após a
conquista de Alcácer, dá-se a conquista de Beja na véspera da festa de santo André (30 de
Novembro) numa acção nocturna comandada por Fernão Gonçalves e apoiada em cavaleirosvilão de Coimbra a que se terão juntado cavaleiros-vilão de Santarém.
À semelhança do que acontecia nos reinos cristãos vizinhos, estes bandos irregulares,
estabeleciam acordos com os reis cristãos, chegando ao ponto de também estabelecerem
alianças com os almóadas.
A conquista de Beja, antes da conquista de Évora ou dos castelos da Arrábida mais
próximos a Lisboa, deve ser entendido como uma acção de pilhagem, o que é demonstrado
pelas fontes, quando insistem que as tropas portuguesas ficaram na cidade 4 meses e oito dias,
até esgotarem os mantimentos. Depois abandonaram-na, arrasando as muralhas117.
116
117
Mattoso, 2007, D. Afonso Henriques. p. 283 e 284.
Mattoso, 2007, Ob. Cit. P. 297-299.
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Alcácer transformava-se assim nestes 31 anos de domínio português, numa base para
efectuar o saque sistemático do espaço rural e urbano de fronteira ainda em posse islâmica,
não lhe interessando muito em ocupar o espaço rural.
Contudo, a conquista de Évora em 1165 e a necessidade de ser assegurada uma
ligação segura entre esta cidade e Alcácer, vai implicar da parte Portuguesa um ajustamento
estratégico da linha de fronteira. É neste contexto que admitimos a conquista do castelo do
Torrão por forças portuguesas, provavelmente ligadas a Alcácer.
Enquanto a presença cristã é consolidada em Alcácer, no Torrão e nos castelos da
Arrábida, é assinado em 1174, uma trégua de 5 anos entre portugueses e almóadas, recebendo
estes últimos uma cidade de Beja, arruinada e abandonada.
Frente a uma praça-forte almóada que naturalmente irá por em causa a segurança da
região de fronteira entre Alcácer e Évora, o castelo do Torrão terá sido valorizado
estrategicamente.
Pouco depois, o califa Abū Ya´qūb, em Sevilha, na presença de algumas famílias
importantes de Beja, ordena a estas o repovoamento da cidade, prometendo que em breve
enviaria uma guarnição almóada com as respectivas famílias.
A alcáçova de Beja é recuperada com a ajuda de 500 homens provenientes de Silves,
chefiados por ´Umar b. Tīmṣalīt.
O objectivo muçulmano é de transformar Beja numa praça militar, que em articulação
com Serpa, Moura e outras praças militares, possa servir de trampolim para a futura
recuperação de Alcácer e Évora.
É o que vai ser tentado em 1178, quando o reconduzido governador de Beja, o berbere
´Umar b. Tīmṣalīt e o governador de Serpa, ´Ali Ibn Wazīr, aproveitando a presença de tropas
portuguesas com príncipe D Sancho na região de Sevilha, organizam uma expedição contra
Alcácer, da qual saem derrotados e são aprisionados pelos portugueses.
Temendo represálias do exército cristão, Beja foi de novo abandonada e os seus
habitantes refugiaram-se no castelo de Mértola.
Em paralelo e esta tentativa, assiste-se durante o Califado de Abū Ya´qūb Yusuf, entre
1170-80, a um conjunto de expedições navais, quase todas contra Lisboa, segundo as fontes,
nomeadamente em 1179, 1180 e 1184, não sendo de excluir ataques a Alcácer.
Em termos logísticos, a queda de al-Qaṣr em 1160, tinha retirado à armada almóada
uma importante base naval no Atlântico, sendo esta obrigada a socorrer-se de ancoradoiros
secundários, como poderá ter sido o caso de Sines, apoiado no interior do território pelo castelo
de Santiago de Cacem.
Entretanto, a audaciosa conquista de Silves pelos portugueses, com o auxílio de
cruzados, vai contribuir para a dispersão de recursos humanos e a um natural desgaste do
aparelho militar português, não sendo surpreendente a sua derrota e o retrocesso territorial
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Uma Leitura Arquitectónica
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português verificado, após a conquista de Alcácer e da Arrábida pelas tropas califais almóadas,
em 1191.
Retomando a questão de delimitação da linha de fronteira em 1184, entre o reino de
Portugal e o império Almóada, ficamos a saber que segundo as fontes cristãs, em 1181
governava no castelo de Montemor-o-Novo, D. Gonçalo Mendes, mordomo-mor e chefe
militar118
Apesar de as fontes de ambos os beligerantes omitirem os castelos que fariam parte
dos sistemas defensivos de cada uma destas cidades, se traçarmos uma linha entre elas, ela
forçosamente terá que passar perto do Torrão, tanto a norte como a sul.
Deste modo, o ḥiṣn Ṭurruš referido na fonte muçulmana, como estando localizado na
estrada para Beja e na “fronteira”, só poderá corresponder ao Torrão do Alentejo. Não se trata
só da semelhança fonética da palavra Ṭurruš com o Torrão que está em causa!
Quando o exército almóada escolhe a estrada de Beja em detrimento do caminho de
Badajoz, para chegar rapidamente a Sevilha, toma esta opção, porque sabe à priori que é o
caminho mais rápido para Sevilha, contudo vai demorar um mês em viagem.
Passando entre Alcácer e Évora, a única opção que lhes resta é o caminho do Torrão.
Não é pois de admirar a opção muçulmana de inicial destruição e posterior recuperação
deste castelo, para reforço da cidade de Beja.119
O castelo de Beja é visível do Torrão. Em linha recta são 44 km, ao longo de uma
planície, mas como o caminho nunca terá sido em linha recta, temos que aceitar que seriam
necessários dois dias para se chegar a Beja.
Em casos excepcionais podia ser efectuado num dia.120
Curiosamente, o al-Bayan I, menciona o facto de o soberano muçulmano ter ficado
alguns dias no Torrão a descansar, enquanto:
Continuó la marcha de esta manera hasta el castillo de Turruš
121
y
permaneció en la cumbre de su montaña, mandando hacer algaradas sobre él y
118
Pereira, 2004, Montemor/o/Novo - Levantado do Chão, p. 7.
Uma das facetas pouco conhecidas do Torrão, prende-se com a sua posição estratégica de domínio do território. Se
analisarmos o Torrão unicamente com base em cartografia e se não estivermos no terreno, podemos chegar à
conclusão que o castelo dominava visualmente um pequeno espaço geográfico envolvente, num raio de alguns
quilómetros. Se estivermos no sitio dos Castelo (local do antigo castelo), mesmo à cota do chão é possível ver na linha
do horizonte grande parte do Baixo Alentejo até Beja (distante 44 km), passando por Ferreira do Alentejo (27,5 Km),
serra de Grândola (minas da Caveira a 30 Km, Nª Sª da Penha a 34 Km e a Atalaia a 40 Km), serra da Arrábida (serra
do Risco a 74,5 Km, Formosinho a 70 Km e serra de S. Luís a 67,5 Km), Palmela (65 Km) e as luzes de Alcácer do Sal
(25,5 Km). Só para Norte é que existe um grave défice visual. Consegue-se ver com dificuldade a serra das Alcáçovas,
a pouco mais de 12,5 Km, contudo a visibilidade esbarra-se com as colinas localizadas entre os 3 e os 4 Km. É pois de
aceitar a existência de atalaias de apoio ao Torrão nesta área, hipótese que se apoia na actual toponímia, que assinala
várias atalaias. Em suma, verificamos que o Torrão domina visualmente o Médio Sado, num raio médio de 35 Km. O
ponto mais distante é a cidade de Beja a 44 Km. Para poente é a serra da Arrábida, junto a Sesimbra que representa o
sitio mais distante visível do Torrão, a pouco mais de 74,5 Km.
120
Temos que estar cientes que o caminho nunca era a direito, mas que seguia a estrada romana, passando por
Odivelas e Alfundão, ultrapassando em muito os 44 Km obtidos em linha recta.
121
Identificamos este castelo, com o actual Torrão do Alentejo. Sobre esta questão, Huici Miranda cuja tradução do alBayān I estamos a transcrever, afirma que a palavra árabe não tem o som de Torres, mas se vocaliza por Torrox.
Não nos devemos esquecer que o historiador que temos estado a seguir é espanhol e é natural que se apoio em
exemplos do país vizinho. Na nossa perspectiva, como falantes de português, onde a vocalização de certas letras tem
119
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repartir las columnas por sus lados para conseguir víveres. Dio al Sayyid Abū Zayd,
hijo de su hermano Abū Ḥafṣ, el mando de la mayoria de las expediciones y trajo de
botín lo que se hacía difícil de conducir.
Llegaron, pero el Califa estaba obligado a guardar cama y hacía días que no
salia para recibir a nadie. Luego mandó ponerse en marcha y salió sobre su
montura, acostado sobre su colchón. Continuó el regreso y su debilidad crecía, y los
médicos presentes, Ibn Sur, Ibn Muqῑl e Ibn Qāsim, le asistían, hasta que cruzaron
el Guadiana y no pudo montar a caballo; se le hizo una litera con un baldaquín
encima, que lo guardaba de los aires y los criados lo rodeaban atentos a lo que
necesitaba, para aliviar su estado. Se dice que al ir a verlo, algunas millas después,
fue encontrado muerto
122
, el 18 de Rabῑ ´al-ajir del año 580 – 29 de Julio del 1184.
Estrutura Militar Provável do Garb, em contexto Almóada.
valores diferentes do castelhano, parece-nos adequado sugerir que este som Torrox, (que não tem correspondência
fonética em português!) poderá aproxima-se do som Torrom, que por sua vez daria origem à palavra Torrão. Nesta
sua tradução, Huici Miranda afirma que eventualmente estaremos na presença de Coruche, castelo que segundo ele,
seria a chave do Alentejo, contudo alguns anos depois, em 1956, quando publica a sua obra historiográfica sobre a
Historia Politica do Império Almóada, afirma-se confuso sobre a localização deste ḥiṣn Ṭurruš, sugerindo erro do
cronista ou então, corresponder a um castelo localizado no Alentejo, no caminho de Beja, mas que não conseguiu
localizar. (1956) Historia Política del Império Almohade, Primeira Parte, p. 306.
122
Existem muitas dúvidas sobre o local exacto da morte do Emir. O próprio autor deste texto a dada altura afirma
laconicamente que o Emir morreu na “Estrada de Beja”. Ou seja, o autor do Bayan aponta claramente dois locais
diferentes entre si, não chegando a acordo se terá sido antes ou depois de Beja. A existência de uma musalla no
Torrão, com as dimensões que possui, permite supor que se o emir poderá ter falecido no Torrão, na sua tenda,
instalada no que virá a ser o interior da musalla.
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Se analisarmos num todo o texto de Ibn ´Iḏārῑ, na parte referente à retirada de
Santarém, chegamos à conclusão que no longo caminho entre Santarém e Sevilha, num total
provável de 368 km, o cronista só menciona o episódio do Torrão, localizado quase a meio do
percurso, sensivelmente a 126 km a sul de Santarém.
Dado que esta questão tem levantado imensas questões, insistindo alguns
investigadores nos castelos de Coruche ou Montemor-o-Novo, com base no trabalho de Huici
Miranda, parece-nos oportuno expor as posições deste arabista em relação a esta questão.
Como já foi referido, na nota de rodapé 114, Huici Miranda em 1953, na nota critica
que insere na sua tradução do al-Bayān I , sugere que eventualmente estaremos na presença
de Coruche, porque este castelo na sua opinião, seria a chave do Alentejo.
Três anos depois, em 1956, numa postura pessimista, revelando um natural
desconhecimento da geografia e toponímia alentejana, escreveu o seguinte:123
“Este Ṭurruš o Torres que el «Bayān» coloca claramente en el Alemtejo, no puede ser
ni Torres-Vedras, que quiere Dozy, ni el Torres Novas, cerca de Tomar, que fue asaltado seis
años más tarde por Ya´qūb al-Manṣūr. No he podido localizarlo en esa región ni tengo la
seguridad de que el «Bayān» lo cite con exactitud.”
Dado que ainda se mantêm valida a leitura historiográfica que este arabista efectuou do
desenlace das tropas almóadas na travessia alentejana em direcção a Beja, na rota para Sevilha
e pela importância que tem na argumentação exposta neste estudo, achamos oportuno
transcrever parte da análise exposta, porque permite entender o que se passou no Torrão e
compreender a importância que posteriormente este castelo ganhou no seio do Império
Almóada, como um lugar privilegiado para efectuar a “Guerra Santa”:124
(Depois do fracasso de Santarém) “Desmoralizado el abigarrado contingente almohade
y con el Califa gravemente herido, no iba a exponerse a ser atacado por leoneses y portugueses
a la par y verse acorralado entre Lisboa y Santarém con el río a la espalda.
Emprendida la retirada hacia Sevilla, a través del territorio enemigo, se vengaron los
almohades de su fracaso pasando a sangre y fuego todo el Alemtejo, donde nadie podía
oponerles resistencia, ya que las tropas leonesas y portuguesas se habían quedado del lado de
Santarém.
El ejército almohade llega así al castillo de Turruš, en cuyas alturas acampa sin
125
tomarlo
y, mientras el Califa descansa y es curado, lanza aigaras para arrasar el país, hacer
123
Huici Miranda (1956). Historia Política del Império Almohade, Primera Parte, p. 306, nota 3.
Huici Miranda (1956), ob. Citada, p. 306-307.
Não entendemos porque razão Huici Miranda afirma que o castelo não foi tomado? Reconhecemos que o texto do
Bayān i, é ambiguo e que textualmente omite a conquista, contudo perante um exército poderoso e numeroso como
era o almóada, o castelo do Torrão terá tido poucas hipóteses de ter saído ileso, sendo de admitir a sua conquista e
destruição. A preocupação do cronista, dado que está a escrever para o poder político, é falar do estado de saúde do
Califa, dramatizando o ambiente então vivido, não se preocupando com o destino do castelo do Torrão. (ob. Citada, p.
78), “...permaneció en la cumbre de su montaña, mandando hacer algaradas sobre él y repartir las
124
125
columnas por sus lados para conseguir víveres.”
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botín y reunir vituallas, que debían ya faltar, pues la organización de los aprovisionamientos era
siempre muy deficiente en sus grandes ejércitos.”
“Mientras se detuvo en ese Torres tuvo el Califa que guardar cama y durante varios
días nadie pudo verlo: luego continuó la marcha en una litera cubierta, que se dispuso sobre su
caballo, para protegerlo del aire y del calor, atendido por los mejores médicos del Imperio.
Según el «Bayān», a los pocas millas de Torres, sus servidores, al querer atenderlo,
lo encontraron muerto, 126 pero luego acepta otra versión que le hace morir en el camino de
Evora.
Las discrepancias de los demás cronistas árabes sobre el sitio y el día en que murió
Yūsuf las ha puesto de relieve Dozy, justificándolas con el propósito de ocultar su defunción
hasta que el heredero y todo el ejército se reuniesen en Sevilla.
A la ida desde Sevilla a Santarem por Badajoz se invirtieron unos veinte días con un
ejército bien equipado y que apresuraba su marcha para tomar la plaza por sorpresa; al regreso
por Evora con las tropas desmoralizadas y con el Califa herido y moribundo se tardó poco más
de un mes, pues, habiéndose repasado el río del 3 al 4 de julio, al-Manṣūr estaba ya en Sevilla
el 6 o el 7 de agosto y, a los tres días, cuando llegó el resto del ejército y se alojó en la ciudad
y en sus alrededores, fue proclamado solemnemente.
Recuando um pouco e voltando à nossa leitura.
O que terá acontecido no Torrão para além da sua conquista aos portugueses e do
descanso das tropas muçulmanas durante alguns dias?
Porque foi tão importante mencionar este castelo de fronteira?
Terá acontecido algo mais, que o autor não pode escrever?
Pensamos que sim.
Segundo a crónica, o acampamento almóada terá ficado vários dias no ḥiṣn Ṭurruš,
tendo como objectivo a recolha de mantimentos por pilhagem no território imediatamente a
Norte, porque tal seria proibido para sul do Torrão, dado que se entrava em território islâmico.
Defendemos a hipótese de que inesperadamente o califa terá morrido na sua tenda.
Por determinação política, que presumimos que tenha sido tomada no ḥiṣn
Ṭurruš/Torrão, o poder foi assumido por Ya´Qūb, por aclamação presenciado por um grupo de
fieis seguidores. Estava em causa a coesão política do Império.
Sobre esta questão, é importante transcrever o texto de Ibn ´Iḏārῑ, sobre os
acontecimentos que defendemos terem ocorridos no Torrão, intitulado “Noticia Resumida de Su
Proclamacion” 127
126
O sublinhado é nosso. O que Huici Miranda afirma e que importa valorizar, é a ocorrência da morte do Califa, junto
ao Torrão, pouco depois de o exército muçulmano ter iniciado a marcha. É este o elemento documental que temos
vindo a realçar ao longo deste trabalho e que na nossa hipótese de trabalho, permite entender a construção da
muṣalla, no local onde se localiza, coincidente com o provável acampamento califal, entre o castelo do Torrão localizado
a poente e a Fonte Santa (obra romana ainda em uso), que se encontra a nascente.
127
Ibn ´Iḏārῑ, ibidem, p. 87-88.
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“Cuando murió su padre, como se expuso antes128, se oculto la noticia y la
cabalgadura siguió la marcha con él, tal como estaba, hasta que llegó a parar en el
sitio de etapa y se plantaron sus tiendas, según la costumbre corriente, rodeándolo
los servidores y los pajes con el silencio y el aparato acostumbrados. Cuando se
llevó a cabo la instalación y se completo la llegada de la gente, envió el Sayyid Abo
Zayd enseguida por algunos de los hijos mayores y personajes almohades y jeques
de tribus y les hizo un discurso, proponiéndoles la proclamación del emir Abū Yūsuf.
Vieron al emir Abū Ya´qūb amortajado ante ellos y lo proclamaron – a Ya´qūb – al
atardecer, hasta que anocheció ese mismo dia, dejando de notificarse a aquellos de
cuya fidelidad se sospechaba y de cuya sinceridad se dudaba.
Continuo la marcha después de esto y a la cabalgadura, tal como estaba, se
le prestaba atención y se descargaban las tiendas y las banderas de la misma
manear y se ocultaba la divulgación y la declaración de su murete. Fue amortajado,
se hizo la oración por él, se le metió en un ataúd y se avanzó con él hasta Sevilla. Al
llegar a esta, descanso Abū Yūsuf Ya´qūb al-Manṣūr en hela tres días, hasta que se
concentro toda la gente y se completaron los campamentos con la llegada de los
contingentes árabes y de las demás categorías de soldados, que se establecieron en
Sevilla y sus inmediaciones.
Al llegar el viernes, 1º de Ŷumāda al-ūlā – 10 de Agosto del 1184 – se
convoco a la gente, nobles y plebeyos, para la proclamación y asistieron los que
debían asistir y los que tenían cabida en la alcazaba, el citado dia y al seguinte,
sábado – 11 de Agosto – con arreglo a sus categorías y derramo sobre sus parientes
y la gente de su casa un torrente de favores, distinguiendo al Sayyid Abū Zayd con
diez mil dinares entre la gente de su casa, por haberse adelantado en su servicio.
10.2. A Conquista Almóada do ḥiṣn Ṭurruš/Torrão
Quais seriam as vantagens da implantação de um acampamento almóada no lugar
onde posteriormente foi erguido a muṣalla?
- Boa visibilidade sobre o castelo do Torrão, nessa fase em posse dos portugueses.
- Amplo espaço livre para instalar o acampamento militar almóadas.
- Boas pastagens para os animais.
- Fácil acesso à “Fonte Santa”, construção de génese romana localizada a alguns
metros para nascente. As suas águas poderiam ser já nesta época, conhecidas pelas suas
características terapêuticas, que neste caso poderia ajudar na cura do emir.
128
Ibn ´Iḏārῑ, ibidem, p. 78.79
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- Excepcional contacto visual com Beja, a principal base militar almóada neste sector da
fronteira, dado que Alcácer e Évora estavam em mãos portuguesas.
É provável que a primeira opção tomada em relação com o castelo do Torrão, localizado
na linha de fronteira e com boa visibilidade sobre Beja, consistisse em destruir uma base militar
portuguesa de fronteira.
Neste sentido entendemos por que razão foram simultaneamente enviadas colunas de
tropas para efectuar pilhagens na região. Não só obtinha-se recursos para a viagem, como
tornava difícil uma futura recuperação do Torrão por parte dos portugueses instalados em
Évora ou Alcácer129.
Se o objectivo inicial fosse a transformação do Torrão numa base militar almóada, teria
sido contra procedente efectuar essa politica de terra queimada neste local, porque tal iria
inviabilizar a recuperação imediata do castelo.
O que veio a alterar a posição estratégica do Torrão, terá sido a morte inesperada do
soberano Almóada. O facto foi mantido em segredo, só sendo revelado após a chegada das
tropas a Sevilha, demonstrando uma “fragilidade da estrutura política Muwaḥῑd”.
Admitimos com base neste procedimento e que é sugerido pelo relato que temos vindo
a analisar, que o Torrão em 1184 terá sido deixado ermo após a sua conquista e “destruição”.
129
Ambas as cidades encontram-se a pouco mais de 1 dia de jornada.
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O califa que faleceu no Torrão ficou conhecido por ter mandado redigir um “tratado”
sobre a Ŷihād antes de seguir para a campanha militar de Santarém.
Nada mais adequado para perpetuar a sua memória como mártir, senão construir uma
muṣalla com funções de ribāṭ.
A fortaleza do Torrão terá sido recuperada pelos almóadas após a investidura oficial de
Ya´Qūb , que teve lugar em Sevilha, perante os notáveis, numa 6ª Feira, 1º de Ŷumāda al-ūlā
– 10 de Agosto de 1184.130 Pouco depois segue para Ribāṭ al-Fatḥ, para formalizar a
proclamação no Magreb.
Deste modo, defendemos que a obra terá tido início em 1185 ou no ano seguinte,
implicando a transformação do ḥiṣn Ṭurruš num Ribāṭ, que irá funcionar como uma cunha
encravada no reino de Portugal, entre Alcácer e Évora até 1191.
A musalla do Torrão, provavelmente construída para homenagear a morte de um Califa,
será sem dúvida, um monumento único do género existente em território do al-Andalus.
11. A Estrutura Militar Almóada instalada no Torrão:
11.1. Uma Abordagem Preliminar.
Como já foi exposto ao longo deste trabalho, o castelo do Torrão foi conquistado em
1184 pelo contingente Almóada que foi derrotado em Santarém.
Inicialmente a postura muçulmana terá sido de abandonar o castelo, contudo a morte
inesperada do soberano almóada veio alterar a estratégia inicial.
Este facto, terá contribuído para a inesperada valorização do Torrão, não só no âmbito
militar como na esfera religiosa, transformando um pequeno hisn frente a Évora, numa base
militar e de “propaganda oficial” que poderemos denominar de Ribat-Musalla.
Não podemos esquecer que Ya´qūb al-Manṣūr foi tal como o seu pai, durante o seu
reinado, um defensor da Ŷihād.
Utilizando um conhecido refrão em árabe, ele foi um guerreiro, “… desde la cuna a la
sepultura /mina l-mahdi ilà l-laḥdi.131
Tendo em conta que se trata de um tema bastante complexo, que já foi abordado por
reconhecidos especialistas, vamos centrar a nossa análise na estrutura militar Almóada,
130
131
Al-Bayān I, p. 87.
Boloix Gallardo, 2007. MUḤAMMAD I Y EL NACIMIENTO DEL AL-ANDALUS NAZARÍ (1232-1273). Primeira
estructura del Reino de Granada. Tese Doctoral Dir. por Mª Del Cármen Jiménez Mata y Emílio Molina López.
Universidade de Granada. Departamento de Estudios Semíticos (Policopiado), p. 448
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adoptado uma metodologia de análise semelhante à utilizada por Garcia Fitz, mas menos
ambiciosa.132
Em questões pontuais e devidamente enquadradas, iremos utilizar fontes mais tardias
referentes à estrutura militar Nazarí, que nos poderá elucidar da postura dos Banū Wazīrí após
1212 e do corpo militar instalado no Ribat de Turrus/Torrão após 1217.
11.2. Fazer ŷihād no Torrão!
Os impérios Magrebinos dos Almorávidas e Almóadas implantaram no al-Andalus uma
maquinaria estatal necessária para gerir de forma adequada os recursos económicos e militares
frente ao avanço cristão. Deve-se a eles a reactivação da noção de “Ŷihād”.
Ou seja, mesmo que as populações do al-Andalus estivessem nesta fase pouco
militarizadas, em termos jurídicos, estavam inseridos dentro de um estado profundamente
belicista, como era o almóada.133
Uma interessante perspectiva é nos dado pelo cronista al-Ṭurṭūšῑ :134
- “…son los ejércitos para el soberano sus arreos, sus armas defensivas, las fortalezas
en que se refugia y los puntales que lo sostienen. Ellos son la salvaguardia de las gentes
pacíficas, los que evitan los desafueros y reprimen el desenfreno. Son la defensa de las
fronteras, los guardianes de las puertas, el elemento dispuesto para hacer frente a las
contingencias, la protección de los musulmanes, la afilada punta que sale al encuentro del
enemigo, la aguda saeta que contra él se dispara, el arma que se empuja contra su garganta.
Por ellos son respetados los hogares, están asegurados los caminos y cerradas las fronteras.
Son, en una palabra, el honor del país, la defensa de las fronteras, la protección del hogar y el
arma contra el enemigo.”
132
Garcia Fitz, 2005. Las Navas de Tolosa, p. 265 (Sic) “…abarquemos el conjunto de la realidad militar del império
norteafricano, incluyendo por supuesto la de al-Andalus, en el tránsito de los siglos XII-XIII.”
133
Garcia Fitz, 2005. Ibidem, p. 271.
Garcia Fitz, 2005, Ibidem, p. 272. A reflexão foi escrita em contexto Almorávida, mas pode ser transposto para o
contexto Almóada.
134
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12. O Castelo do Torrão
Segundo os elementos disponíveis, sabemos que teria:
- Muros em taipa e várias torres.
- Em contexto Baixo Medieval, o que tinha sobrevivido do castelo islâmico, em princípio
referente à alcáçova, foi adaptado a paço da Ordem de Santiago e estaria localizado junto à
Igreja Matriz.
Admitimos que em contexto islâmico a cerca amuralhada incluísse parte da actual igreja
matriz, presumível lugar da mesquita islâmica.
Se analisarmos a actual fotografia da Igreja Matriz do Torrão, verificamos a existência
de algo anormal em termos topográficos.
Existe uma plataforma onde assenta a entrada principal do corpo da igreja e a torre do
sino. A restante metade do corpo da igreja voltada a nascente, que inclui o altar e a sacristia,
assim como capelas laterais, teve que vencer o desnível da encosta existente nesse local. Para
norte desenvolve-se uma plataforma murada, actualmente transformada em horta da igreja.
Que leitura poderá ser efectuada?
- A existência desta plataforma só é possível pela existência de um potente muro.
Se a actual igreja sofreu obras nos séculos XV/XVI, tendo-se transporto a plataforma
em direcção à encosta, isto quererá dizer duas coisas:
1 - Inicialmente a igreja do século XIII seria de reduzidas dimensões e ocuparia o
espaço da plataforma. Este diminuto tamanho é coerente com a existência de uma pequena
mesquita.
2 – O muro que suporta a plataforma é anterior ao século XV e igualmente ulterior à
transformação deste espaço em Igreja, que como sabemos, remonta ao século XIII. Assim
sendo, só nos resta concluir que estamos perante uma construção muçulmana, que poderá
corresponder a um lanço da muralha em taipa da cerca do castelo.
Em 1260 temos a notícia que o Torrão estava encomendado a um cavaleiro chamado
Fernando Vermudes e que poucos anos depois, no tempo do Mestre Pedro Escacho, as suas
rendas ascendiam a 1800 libras.
Em meados do século XIV, o castelo já tinha caído em ruína. A Ordem vai investir 2 000
libras na sua recuperação, mas o trabalho ficou incompleto, porque era necessário mais 1 000
libras.
Pensamos antes, que provavelmente não terá havido interesse em recuperar a
totalidade da cerca. De facto a parte arruinada, permitiria a expansão da área urbana do torrão
ao longo do principal eixo de comunicação que se ia estruturado após o século XIII e que levou
ao despovoamento da área do Castelo. Só a igreja matriz resistia no espaço desactivado do
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Uma Leitura Arquitectónica
castelo. É sintomático que o pároco do séc. XVIII quando fala da igreja, refere taxativamente
que esta se localiza fora da vila.
13 A Conquista Portuguesa do Torrão e a Consolidação da Região de
Fronteira, de 1220 (?) a 1234.
A inexistência de documentação Medieval coeva dos acontecimentos, por motivos que
desconhecemos, impede-nos de apontar uma data precisa, para a “inserção” do Hisn Turrus no
Reino de Portugal.
Frisamos o termo “inserção”, porque desconhecemos totalmente o que terá acontecido:
- Conquista (?), pacto (?) ou abandono por parte das tropas muçulmanas, que se
refugiaram em Beja (?)
Como já foi referido anteriormente, com base nas Crónicas que nos falam dos avanços
e recuos na fronteira Alentejana, admitimos que a conquista do Torrão terá sido efectuada em
1220, por iniciativa dos Cavaleiros de Alcácer.
Após uma conquista de al-Qaṣr em 1217, recuperação do sistema defensivo da cidade e
atribuição de novo Foral em 1218, por D. Afonso II, parece-nos coerente que nos dois anos
seguintes se terá processado a ocupação do espaço rural envolvente. De forma a manter
coerente o termo Alcacerense, impedindo um provável avanço dos Cavaleiros de Évora num
território que os Espatários consideravam como seu, terá sido efectuado um derradeiro esforço
para conquistar o castelo do Torrão.
O natural défice em recursos humanos e económicos sentidos pela Ordem de Santiago
na sua sede em Alcácer, terão forçado a Ordem a parar a ofensiva militar, de forma a canalizar
os seus recursos para a ocupação da zona Norte da Bacia do Sado.
De 1220 a 1235 a fronteira estabiliza-se numa linha que passa a sul de Alcácer e do
Torrão, frente a um Alto Sado Muçulmano defendido a partir dos castelos de Garvão,
Messejana, Aljustrel e Beja.
É provável que tenham sido efectuados acordos, escritos ou não, entre os beligerantes,
de forma a facilitar uma economia de fronteira em “Tempo de Guerra”.
Deste modo, tanto cristão como muçulmanos podiam curar as suas “feridas de guerra”,
consolidavam-se as posições e sempre que possível, efectuavam-se algumas operações de
espionagem, de modo a avaliar o “outro”.135
135
Um dado bastante elucidativo deste tipo de posturas em região de fronteira é nos dado pela Crónica da Conquista do
Algarve, onde textualmente é afirmado que estando o Mestre da Ordem de Santiago no castelo de Aljustrel, manda
reunir o seus conselheiros para delinear um plano de conquista do Algarve. Face ao impasse, devido ao
desconhecimento do território localizado a sul, da existência de uma massa montanhosa quase intransponível, socorrese dos conhecimentos de um mercador cristão, que fazia comercio entre cristãos e mouros. Este, num acto de pura
espionagem a favor dos Espatários, não só indica um caminho seguro para o Algarve, evitando os castelos e torres de
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Enquanto o castelo do Torrão vigia a cidade de Beja na linha do horizonte, debaixo da
jurisdição da Ordem de Santiago, a sul, em território islâmico, o quadro político, social e
económico vai sofrendo alterações profundas, num período de crise que teve início em 1212.
A superstrutura estatal, ideológica Magrebina dos Almóadas, nunca terá sido assimilada
de forma coerente no al-Andalus, pelas razões que fomos expondo ao longo deste estudo.
Quando no dia 14 de ṣafar de 609 (= 16 de Julho de 1212) teve lugar a batalha de
Navas de Tolosa, em que o califa almóada Abū ´Abd Allāh Muḥammd al-Nāṣr é derrotado (595610=1199-1213), teve início segundo a maioria dos investigadores, a decadência do aparelho
político e militar do califado Muwaḥḥῑd, que segundo BOLOIX GALLARDO
136
é considerado
extinto em 1228 com a ida do califa Abū ´Alà Idrῑs al-Ma´mūn (624-630=1227-1232) para o
Magreb. Começa oficialmente o que a historiografia moderna chama de “Período das Terceiras
Taifas”.
Em relação à região de Alcácer e como já foi afirmado anteriormente, admitimos que os
Banū Wazirí ter-se-ão comportado com total autonomia politica após 1212, porque só assim se
compreende porque razão o cargo de governador da região militar foi assumida por Abdallah
Wazir137.
Após 1217, os elementos pertencentes aos Banū Wazīrí que conseguem abandonar
Alcácer, buscam protecção no al-Andalus e Magreb. ´Abdallah Ibn Wazīr foge primeiro para
Marraquexe e depois fixa-se em Sevilha, servindo os interesses do califado.
Um irmão seu também se junta a ele nesta ultima cidade e aí permanecerão até à
condenação de ambos à morte em 10 de Dū al-Ḥiğğa de 626 (31 de Outubro de 1229)138, por
Abū ´Abd Allāh Muḥammad b. Yūsuf b. Hud 139.
vigia do Baixo Alentejo, como traça um quadro politico do sistema politico islâmico do Garb, transmitindo a profunda
desunião política então vivida.
136
Ob. Cit. (2007). MUḤAMMAD I Y EL NACIMIENTO DEL AL-ANDALUS NAZARÍ (1232-1273). Primeira
estructura del Reino de Granada. Tese Doctoral, p. 111
137
Após a morte do seu pai em Navas de Tolosa, que tinha sido até então o governador de Alcácer. Pensamos estar em
presença de um acto consumado, provavelmente aceite (?)” por um califa que após Navas de Tolosa, retira-se para
Marraquexe e mergulha na depressão até morrer assassinado um ano depois.
138
KHAWLI, A (1997) LA FAMILLE DES BANU WAZIR DANS LE GARB D´AL-ANDALUS AUX XII et XIII
SIÉCLES. Arqueologia Medieval, nº 5, p 112
139
As fontes referem que a condenação à morte foi decidida num acto de vingança, após as derrotas sofridas em
Alange (627=1230) ou Trujillo (630=1233), frente às tropas cristãs unificadas de Leão e Castela, sob a liderança de
Fernando III o Santo. Pensamos contudo que o estava em causa, tendo em conta o que tinha acontecido na vizinha
Niebla em 1234, quando Šu´ayb b. Muḥammad b. Maḥfūẓ se assume “emir do Garb”, seria o temor em ver os Banū
Wazirí instalarem-se próximos de Sevilha ou no Algarve e proclamarem um emirato autónomo sob suserania Almóada, à
semelhança do que fez Muḥammad I, quando fundou o Emirato Nazari de Granada. De nada lhe serviu essa atitude,
porque acabou assassinado em 24 de ŷumādà de 635 (=13 de Janeiro de 1238) em Almeria.
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14. O Soberano Muçulmano como Promotor de Obras Arquitectónica
O soberano muçulmano, tem ao seu dispor mecanismos de ordem ideológica e recursos
que lhe permitem tornar-se num promotor de obras arquitectónicas.
Segundo Juez Juarros
140
O Soberano
Arquitectura
Religiosa
Arquitectura Palatina
Outras Intervenções
Fortificações
Portas
Salões
Jardins
Oratório
Banhos
Raudas
Arquitectura militar
Obras de utilidade pública.
As
Mesquitas/Musallas
Portas
Alminar
Área da Maqsura
Miḥrāb
Sabat
Almimbar
Dado a vastidão do tema, iremos privilegiar uma abordagem centrada no al-Andalus e
nos séculos XII-XIII.
Em termos globais, a arquitectura é em si mesma uma demonstração do poder
soberano, seguindo uma tradição que remonta à Antiguidade. Deste modo, estamos perante
uma das actividades inerentes à condição de governante.
Mas no Islão medieval, a arquitectura não era só uma fonte de prestígio e de virtude,
como também representava a manifestação do seu poder que se oferecia a Deus a ao Islão, de
uma forma que “ganhava” um carácter quase sagrado.
Estamos perante um veículo de propaganda ao serviço do poder estabelecido.
Neste sentido, referimos umas palavras atribuídas ao califa omíada do al-Andalus, ´Abd
al-Raḥmān III, recolhidas por al-Maqqarῑ 141
“Los monarcas perpetúan el recuerdo de su reinado mediante el lenguaje de las bellas
construcciones. Un edificio monumental refleja la majestad del que los mandó erigir”
140
JUEZ JUARROS, Francisco (1999). SÍMBOLOS DE PODER EN LA ARQUITECTURA DE AL-ANDALUS. Tese de
Doutoramento, Universidade Complutense de Madrid, volume 1 (policopiado), p. 14
141
Segundo Juez Juarros, estamos perante palavras apócrifas, mas que revelam o pensamento da corte neste âmbito.
Ibidem, p. 50
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Apesar destes princípios orientadores, as dinastias que mais obras levaram a cabo no
al-Andalus, terão sido os califas Omíadas de Córdova, o califado Almóada e o Sultanato Nazárí.
Os Merinidas concentraram as suas obras em Aljeciras.
Segundo as fontes muçulmanas, sabemos que o papel do soberano ia mais além do
mero financiamento das obras.
São vários os exemplos relatados em que o soberano intervêm pessoalmente na obra e
noutras ocasiões, actua como arquitecto.
Na maior parte das vezes, as fontes referem o soberano, como supervisor da
planificação dos trabalhos, demonstrando assim a clara possibilidade de actuação como
construtor.142
Sobre esta questão, Ibn ´Iḏārī, refere que o Emir almorávida Abū Bakr inspeccionava
pessoalmente a construção da muralha de Marraquexe.
Mais tarde é Ibn Simāk que afirma, em relação à construção de Gibraltar, o papel que
terá desempenhado o califa ´Abd al-Mum´min, quando este -“ delineó su perímetro por su
mano”.
Sobre esta mesma campanha de obras, Ibn Ṣāḥib al-Salā escreveu que terá sido o seu
filho e sayyd de Granada quem dirigiu as obras, junto com o sayyd de Sevilha, seguindo as
orientações do califa.
“ y se dedico a ello com todo empeño, cuidándose en todo momento de la marcha de
las construcciones y de cómo podría ayudar en todo lo posible”.143
Num outro patamar da questão, podemos citar o exemplo do emir Merinita Abū Yūsuf
Ya´qūb, que mandou construir um muro en Salé depois da incursão de Alfonso X.
“asistía a las obras en persona y asentaba las piedras por su mano para obtener la
recompensa divina, por humildad y por proteger a los musulmanes hasta que terminó la obra y
la fortificación”
15. Em Jeito de Conclusão:
15.1. Será que estamos em presença de uma Obra saída das orientações do
califa al-Manṣūr?
Uma das questões que legitimamente se deverá levantar neste estudo, é determinar as
razões que terão levado al-Manṣūr a escolheu uma Muṣalla/Šarῑ´a, para homenagear a
memória de seu pai como mártir da campanha de 1184 e ser um exemplo a seguir.
142
143
Juez Juarros (1999). Ibidem, p. 53
Juez Juarros (1999). Ibidem,p. 56.
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Como já foi exposto, ambos os califas são defensores da “Guerra Santa”, como
expressão máxima das suas funções políticas.
As fontes documentais actualmente conhecidas, nada nos dizem sobre o porquê da
opção
arquitectónica
usada
no Torrão, contudo
parece-nos
adequadamente uma referência escrita deixada por Ibn ´Iḏārī,
144
importante
valorizarmos
quando este nos dá a notícia
da marcha de al-Manṣūr de Sevilha, após a sua proclamação oficial como novo soberano do
império Almóada e segue em viagem em direcção a Tarifa, para depois embarcar para o
Magreb.
O cronista ao longo do texto salienta o carácter pio do novo soberano ainda em
Sevilha:
“Se adorno una galera frente al pabellón de las recepciones a orillas del río y se llevó a
cabo el saludo de todos; se presentó el ejemplar noble del Alcorán y entró al-Manṣūr en la
galera a media mañana del citado día;…”
Depois de sair de Sevilha, toma uma rota terrestre até Tarifa, onde aguarda a frota
naval, antes de embarcar para Ceuta.
Enquanto aguarda, o soberano almóada instalou-se na muṣalla/šari´a de Tarifa com
alguns dos seus fiéis seguidores.
“Se instaló en la casa bendita en la Šari´a (de Tarifa) y la dicha era su acompañamiento
y el aire le fue favorable.”
Será que este episódio terá influenciado a sua decisão de criar uma estrutura idêntica
no Torrão, adequada ao prestígio imperial e para estimular a Ŷihād?
Não sabemos, mas é uma hipótese a ter em conta. Outros exemplos conhecidos,
referentes ao século XIII, são claros na utilização das muṣala(s), como espaços adequados para
a ocorrência de cerimónias de natureza politica e de afirmação do poder, quando os seus
intervenientes aspiram à legitimidade.
Estudos recentes, tem dado a conhecer a obra arquitectónica promovida por este
soberano almóada ao longo do império.
Não temos dúvida nenhuma, de que a cintura defensiva muwaḥḥīd de Qaṣr al-
Fatḥ/Alcácer do Sal, também terá sido erguida segundo as suas orientações. Sobre esta
questão, temos o relato lacónico de Ibn ´Iḏārī, no Bayan I, quando textualmente afirma que o
califa ficou alguns dias em Alcácer, para delinear o plano de obras para a transformar de novo
numa cidade islâmica, valorizando a sua componente militar e expressão naval.145
144
Ibn ´Iḏārī, ibidem, p.90.
Ibn ´Iḏārī, ibidem, p. 169-170.” Se dió al-Manṣūr a disponer los asuntos del castillo y sus condiciones y a
arreglar lo que aparecía perturbalo; lo guarneció con soldados regulares y otros hombres y señaló para su
población cantidades mensuales y anuales de los májcenes de Sevilla e Ceuta, constante y
perpetuamente, en prosperidad y perfección.
145
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Tendo em conta a ausência de fontes documentais directamente relacionadas com as
obras almóadas realizadas no Torrão
146
, parece-nos oportuno citar a notícia dada a conhecer
por Ibn Abī Zar, que nos permite ter uma noção do volume imenso de obras, mandadas
executar por al-Manṣūr , até 581/1195, onde naturalmente, deveremos incluir a muṣalla do
Torrão:
147
“ Hizo célebre el año de Alarcos, fortificó el imperio, aseguró las fronteras y construyó
mezquitas y escuelas en Ifrīqiyya, el Mágreb y en al-Andalus; edificó el hospital para los
enfermos y los dementes (al-māristān li-l-marḍā wa-l-muŷānīn); señaló pensiones a los
alfaquíes y letrados, a cada uno según su grado; creó rentas para los enfermos del hospital (ahl
al-māristān), para los leprosos (wa-l-ŷaḏmā) y los ciegos en todas las provincias…”
Recentemente, Rasha Ali
148
efectua uma interessante síntese sobre a obra e a vida de
al-Manṣūr, privilegiando duas perspectivas: Arquitectura e a Guerra Santa.
É importante reflectir o que este investigador escreveu com base no trabalho de
Terrasse
149
,. Decidimos transcrever um pouco do texto original em inglês, porque é importante
insistir nesta visão particular de al-Manṣūr como patrono de obras de arquitectura, para
entendermos adequadamente a obra do Torrão:
” As a patron of architecture, they moreover regarded him as the greatest builder of the
Muwaḥḥīd dynasty. Abu Yusuf continued to build without ceasing, even during his raids
and campaigns, and as attested by the monuments he left behind, he proved to be an
indefatigable patron who can be counted as one of the great builders of the Islamic
world. The reign of this ambitious sovereign was marked by a distinct sense of
grandeur and the architects deliberately adopted the theme of unusual and the
immense in their building.
Este investigador não hesita em afirmar que “ . Nevertheless, al-Mansur still counts as a
phenomenon of genius in Maghribi history as attested by the accounts of his contemporaries
and modern historians and scholars.”150
Segundo o Bayān I151, al-Manṣūr esteve por detrás da conquista do Torrão em 1184.
146
Na realidade, desconhecemos o papel que terá desempenhado o 3º soberano almóada na definição arquitectónica
da muṣalla.
147
FRANCO SÁNCHEZ, Francisco (1999). LA ASISTENCIA AL ENFERMO EN AL-ANDALUS: Los Hospitales
Hispanomusulmanes. La medicina en al-Andalus, p. 146
148
Rasha Ali (2002). The Epigraphic Program of Three Muwahhid City Gates in Morocco. EJOS, V, Nº 8, p. 131.
149
Ali, (2002). Ibidem, p. 2-3
150
Ali (2002), Ibidem, p. 3
151
Obra citada, p. 77-78.
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É provável que tenha pensando em erguer um memorial em honra do seu pai falecido
no Torrão, por isso admitimos que após ter assumido o califado oficialmente em Sevilha e
confirmando a cerimónia em Marraquexe, este tenha emitido ordens para o início da construção
da muṣalla no Torrão
Quando em 1190 Nur al-Din o soberano Ayyubia do Egipto solicitou a armada almóada
para expulsar os cruzados da Palestina, al-Manṣūr recusou. Sabemos hoje que estava a
preparar a conquista de Alcácer.
Mas porque razão era esta cidade tão importante para ele, a ponto de lhe ter mudado
de nome após a conquista, para Qaṣr al-Fatḥ?
O nome tem claramente uma conotação ligada à Ŷihād e encontra-se associada a mais
duas al-Fatḥ (s), ambas igualmente localizadas junto ao oceano e bases para a “Ŷihād naval”.
Na realidade estamos perante as portas do Império, na perspectiva almóada.
È interessante recordar o que foi escrito por Ibn Sahid al-Salah152, quando este explica
porque razão, o local do al-´Udwatayn (as duas margens/do rio) assinalada por Ibn Hawqal
como ribat no seu livro Kitab al-masalik (em 977-978) foi rebaptizado para Ribāṭ al-Fatḥ.
Tal facto deve-se a ´Abd al-Mu´min o primeiro soberano almóada, que mandou
construir uma qasba na margem esquerda do rio Bu Rigrig, frente a Sala, com a intenção de
reunir tropas.153
Curiosamente, Al-Nasiri, que escreveu um manuscrito sobre Sala e Ribāṭ al-Fatḥ /Rabat,
fala da Ŷihād naval154, porque o local, era na perspectiva do primeiro califa almóada, o mais
adequado para esse efeito, devido à sua localização sobre o estuário do rio, que constituía uma
barreira natural contra invasões por mar.
É interessante verificarmos que este padrão identificado para Rabat, de se comportar
como sede militar para a “Guerra Santa Naval”, com receio de invasões marítimas, de ter uma
localização geográfica junto ao Atlântico, no interior de um estuário e a adopção do nome al-
Fatḥ, também se aplicou a Qaṣr al-Fatḥ/Alcácer do Sal, ajudando deste modo a explicar a sua
importância na estratégica belicista Magrebina.
Se associado à base militar Alcacerense, inserirmos o papel desempenhado pela
muṣalla do Torrão como ribāṭ, estamos perante um território fortemente militarizado,
considerado num todo, como a porta que defende todo o sector Norte do Califado Almóada,
entre o oceano Atlântico e Badajoz, vocacionado para a “Guerra Santa”, tanto marítima como
terrestre.
Outra mais-valia deste território de fronteira é o seu fácil acesso por via oceânica,
desde o Magreb ou outras partes do litoral do al-Andalus.
152
Al-Man bi al-Imama, p. 33
Salim, Madinat al-Rabat, p. 30, referido por Ali (2002) ibidem, p. 7.
154
Makhtut Sala wa Ribat al-Fath bi´l-Khizana al-Sabihiyya bi Sala, em Salim, Madinat al-Rabat, p. 22, referido por Ali
153
(2002) ibidem, p. 7.
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Recentemente avançamos a hipótese de que o imponente arco que se encontra no lado
ocidental da alcáçova de Alcácer do Sal, poder corresponder aos restos da Bab al-Qasba155
/Porta de acesso à alcáçova e que teria uma gramática decorativa semelhante às encontradas
nas portas monumentais de Rabat e Marraquexe.156
Este dado interessante, também veio reforçar a importância de Alcácer no seio do
califado almóada.
Uma questão que pode ser posta, será determinar que papel terá assumido o soberano
almóada em relação ao Torrão.
Segundo as crónicas, estamos convictos que ele criou as condições necessárias para
dar início à obra. Segundo o arabista Huici Miranda, após ter tomado posse como novo califa,
al-Manṣūr celebra umas tréguas de cinco anos com os portugueses.
Mas enquanto decorria a obra do Torrão, entre 1185 e 1190, al-Manṣūr manda renovar
a Qasba de Marraquexe, para nela instalar o centro administrativo do seu império, assim como,
as sedes das tribos Almóadas e as instalações dos soldados mercenários cristãos.
Em 1190 passa pela região para por cerco a Torres Novas e Tomar.
No ano seguinte, conquista de Alcácer e após o seu regresso vitorioso de Alarcos em
1195, vai transformar Ribāṭ al-Fatḥ na nova capital imperial, cujas obras deverão ter estado
concluídas em 1197, assumindo nessa altura, o título honorífico de al-Manṣūr bi. Allah.
Para Salim” The building of al-Rabat is one of the wonders that God entrusted to the
hands of this greatest sultan and which attests to his wide scope of thoughts, as it is rather rare
that such a glamorous city would exist unless its founder is a great wise man…”157
155
Carvalho (2007) Alcácer do Sal Medieval e cristã, Roteiro da Cripta Arqueológica do Castelo de Alcácer do Sal, p.
55-56.
156
As três portas monumentais de cronologia almóada actualmente conhecidas, que exibem suras do corão, foram
mandadas edificar por al-Mansur nas duas capitais imperiais que instituiu e serviam para dar acesso à alcáçova
imperial. A primeira delas foi erguida em Marraquexe, antiga capital do Império Almorávida e tem o nome de Bab
Agnaw (Bab al-Qasr; Bab al-Kuhl). Depois foi a promoção de Ribat al-Fath para capital imperial, após a vitória de
Alarcos em 1195, foram construídas as portas de Bab Qasbat al-Wudayya e a Bab al-Ruwah. O exemplo sugerido para
Alcácer levanta mais problemas que respostas. Se efectivamente estamos perante os restos de uma porta monumental
do tipo Magrebino, aparentemente exemplar único no al-Andalus, a sua construção terá que ser coeva da renovação do
sistema defensivo almóada que foi implementado em Alcácer imediatamente após a conquista de 1191. Estamos por
isso perante uma porta, construída depois da obra análoga de Marraquexe e antes das duas portas de Ribat al-Fath.
Que significado tem esta porta alcacerense para o Baixo Sado Almóada? Naturalmente que servia de suporte à
propaganda do califado, na guerra psicológica contra o reino de Portugal, mas esta porta associada a al-Fath, também
servirá de incentivo para a Guerra Santa. Admitimos que a gramática decorativa empregue na porta alcacerense seria
modesta, mas desconhecemos como seria, dado que nada chegou até nós. Os exemplares Magrebinos possuem frizos
epigráficos alusivos ao Corão. Para Ribat al-Fath, (segundo Ali (2002, Ob. Cit, p. 9) foi aplicada na Bab Qasbat alWudayya o seguinte texto, retirado da Surat al-Fath 48:1-4.
“ I seek refuge with God from Satan the cursed, In the name of God the Merciful the
Compassionate. God praise Muhammad and his family.
Verily, we have granted thee a manifest victory:
That God may forgive thee thy faults of the past and those to follows; fulfil his favour to thee;
and guide thee on the Straight way;
And that God may help thee with powerful help
It is He who sent down Tranquillity into the hearts of the Believers, that they may add Faith to
their Faith; - For God belong the Forces of the heavens and the earth; and God is exalted in Power, full of
Wisdom.
157
Salim, Madinat al-Rabat, p. 176, referido por Ali (2002) ibidem, p. 8.
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Como as fontes muito bem demonstram, é o soberano muçulmano que superintende as
obras emblemáticas do seu regime.
Noutro exemplo mais tardio, desta vez referente ao início da construção da Alhambra
em Granada, é Ibn ´Iḏārī que relata o seguinte
158
:
“(El emir) cabalgó desde Granada al lugar de la Alhambra, lo inspeccionó todo y marcó
los cimientos del castillo (aṣās al-ḥiṣn). Señaló en él quien los excavase y no acabó el año sin
que éste tuviese unas elevadas construcciones de defensa. Le llevó agua del río, levantando
una presa y excavando una acequia exclusiva para ello.
Que podemos nós concluir do que foi exposto neste trabalho?
Apesar de não podermos apresentar outro tipo de documentação arqueológica,
nomeadamente cerâmicas, para além das estruturas actualmente visíveis, estamos convictos
que estamos perante um edifício religioso muçulmano impar no al-Andalus.
Estamos cientes que a leitura proposta está condicionada aos dados actualmente
disponíveis e que naturalmente, se a investigação avançar neste âmbito que algumas das
hipóteses formuladas nesta abordagem preliminar, terão que ser revista, mas é esse o caminho
natural que todos os investigadores têm que trilhar.
Naturalmente, vai ser necessário uma intervenção arqueológica no interior do recinto
para aferir a leitura exposta, contudo alertamos desde já que as Musalla são por natureza
“mesquitas a céu aberto”, resumindo-se a espaços amplos, quase sempre vazios durante todo o
ano, servindo de recinto festivo duas vezes por ano: - Final do Ramadão e começo do Ano Novo
Lunar. Também serviam em tempo de seca para solicitar chuva.
É provável que os vestígios arqueológicos de cronologia islâmica, terão pouca
expressão, à semelhança do que se passa no amplo recinto da muṣalla de Alcácer.
Apesar de, por uma questão de denominação tecnica, apelidarmos este espaço de
muṣalla, admitimos que o recinto terá servido de Ribāṭ, para treinos militares e eventualmente
num tipo menor de māristān/hospital159.
158
Reproducido por BOLOIX GALLARDO (2007). MUḤAMMAD I Y EL NACIMIENTO DEL AL-ANDALUS NAZARÍ
(1232-1273). Primeira estructura del Reino de Granada. Tese Doctoral, p. 174
159
Franco Sánchez, Francisco (1999). La Asistencia al Enfermo en Al-andalus: Los Hospitales
Hispanomusulmanes. La medicina ena l-Andalus, p. 154.
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Uma Leitura Arquitectónica
ANEXO DOCUMENTAL
PUBLICACIÓN DE LA NOTICIA DE LA MUERTE DEL AMĪR ALMU´MINĪN, ABŪ YA´QŪB, HIJO DE ´ABD AL-MU´MIN, EN ESTA
CAMPAÑA160
“ Dice Abū-l-Ḥaŷŷāŷ Yūsuf b. ´Umar: cuando emprendió el Amīr al Mu´minīn esta
campaña, en la que murió, contra el enemigo del Algarve, Ibn al-Rink161, el maldito, por su
mala vecindad y sus graves daños a los musulmanes, decidió dirigirse a Santarén, la ciudad de
más extensos muros de Ibn al-Rink, la más hermosa y la más soldados, así como la más fuerte
en aprovisionamientos. Avanzó contra ellos en un avance que pasmo la resistencia de los
infieles y deshizo los corazones de los cercanos de ellos y de los lejanos, llevando consigo
gentes que no se pueden contar y a las que no superan las arenas ni los guijarros.
La ciudad, por lo hermoso de sus cultivos y lo espeso de sus árboles y la continuidad de
sus huertos y la variedad de sus frutas, no ofrece camino por donde ir a ella, si no es por medio
de este ramaje y entre las sinuosidades que la rodean por los cruzamientos de las vides y lo
tupido de los jardines; cuando las personas de los caballeros aparecían, se ocultaban en la
umbría y las ramas de los árboles y las cumbres de los montes tapaban la vista de lo hermoso
de su postura.
Mandó el Califa a los soldados, jinetes e infantes, a cada uno y a todos, que
enarbolasen aquellas banderas blancas, que se les habían preparado para estas ocasiones; la
finalidad era el sitiarla y mostrar el poder de apretarla. Dice Yūsuf b. ´Umar: cuando se
examinaron las diversas informaciones y se prolongó sin utilidad la estancia, decidió Amīr alMu´minīn la partida y dar descanso a los soldados y a las almas del hastí y de la fatiga. Mandó
partir de noche y se perturbó el levantamiento del campo con una fea perturbación y fueron
muchos los gritos y la confusión de voces: se atemorizó el campamento y tomó el vulgo por
diversos caminos y no se veía quien atendiese ni obedeciese.
Los hombres de confianza del Califa recorrían el campamento, indicando a jefes y
subordinados el orden de marcha y cómo debían levantar el campo, de manera que cada cábila
estuviese en su sitio firme y vigilante, hasta que partiesen la impedimenta y los bagajes y se
librasen, saliendo a campo abierto, de aquellas estrecheces y tremedales. Pero no se atuvieron
160
Ibn ´Iḏārῑ Al-Marrākušῑ:- Al-Bayān al-Mugrib fi ijtiṣār ajbār muluk al-Andalus wa al-Magrib, ed. y trad.
Ambrosio Huici Miranda, Tomo I: Los almohades, Tetuán, 1953, p. 75-79.
161
D. Afonso Henriques.
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a lo acordado en ese plan y se deshizo lo que se dispuso en esta orden y no se atendió a nada
de esta disposición.
Sospechó la gente que el Emir había levantado el campo con el alba y se disponía a
vadear el río de madrugada y se apresuraron todos a adelantarse y no se asustaron de las
consecuencias de obrar por cuenta propia. Cuando alumbró la aurora y se disiparon las tinieblas
y no se confirmó la incoherencia de aquellas imaginaciones y fueron vanos los pensamientos y
las conjeturas, por permanecer el Emir en su emplazamiento, sin que se desmontase una
cuerda ni un pivote ni se sacase de su puesto un puntal, se sorprendió el que se sorprendió y
se hizo como una piedra la bandera del que se mantuvo resistente y firme. Cabalgó el califa y
no había en su zaga – “sāqa” – sino unos pocos, no preparados ni armados y la mayoría de
ellos con vestidos de tiempo de paz y tal como se levantaron de la embriaguez del sueño.
Se congregaron de todas las clases, los que estaban presentes y acudió el que oyó el
tambor del levantamiento del campo y lo escuchó. Descendió el Emir de aquel emplazamiento y
quedó su hijo al-Manṣūr en el citado lugar, disponiendo a los que se enfrentarían con los
cristianos a su aparición y resistirían su ataque por la espalda y lo que mostrasen de sus
engaños. Él apoyaba a los presentes con su energia y su valor; se apresuró al-Manṣūr a
alcanzar a su padre, del que había recebito repetidos emisarios, pues le entristecía su retraso y
se dolía con la compasión del padre por los hijos. Cuando los infieles respiraron de su ahogo y
encontraron camino para escapar de sus agujeros, se deslizaron entre aquellos árbores y
bajaron de aquellas fraguras, como fieras hambrientas y se disputaron lo que quedó
desperdigado de la impedimenta y aprovecharon la oportunidad con aquellos jinetes y séquito.
Sufrió el martirio durante este encuentro cierto número de personajes almohades y caudillos
andaluces y algunos de los Banū Mardanῑš y el predicador Ibn al-Malaqῑ.
Dice Yūsuf b. ´Umar, el historiador: estuve presente el día en que se levantó el campo
y su noche y no vi, en la historia que le precedió, cosa igual, y no se puede concretar la
descripción de su pánico. Cuando se enteró el Califa de que se aproximaba el enemigo a su
zaga y de que se atrevia a saquear los extremos de su emplazamiento, mandó redoblar los
tambores y enarbolar las banderas en las lanzas; se volvieron los soldados presurosos hacia
donde resonaban los tambores y atacaron los que se hallaban en las dos alas de la zaga a los
cristianos, que encontraron desparramados y los dejaron tendidos en el campo de batalha y les
llégó un día malo, que no pensaban les llegase y se tomó venganza de los mártires enseguida.
Acampó el Amῑr al-Mu´minῑn en la otra orilla del río y empezaron a manifestarse los daños de la
herida.162
162
Bien claro aparece que el Califa, una vez en la orilla izquierda del Tajo, herido y abrumado por el horrible
desconcierto con que se vadeó el rio, sólo pensó en que su hijo al-Manṣūr, que se quedó en la orilla derecha, cubriendo
la retirada, pasase también el río y se reuniese con él. Son puras invenciones o errores de interpretación las algaras
contra Alcobaza, el ataque a Torres-Vedras o la orden de ir contra Lisboa.
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Mandó disolver la concentración y volver cada uno de ellos a su cábila en general y
avanzó por medio del país163 y causó en él una gran desolación; mandó destruir lo que se
encontró de edificios, alterar las aguas y arrancar los árboles, arrasar los sembrados y quemar
todo lo que se podía destruir y hacer desaparecer por el fuego. Continuó la marcha de esta
manera hasta el castillo de Turruš
164
y permaneció en la cumbre de su montaña, mandando
hacer algaradas sobre él y repartir las columnas por sus lados para conseguir víveres. Dio al
Sayyid Abū Zayd, hijo de su hermano Abū Ḥafṣ, el mando de la mayoria de las expediciones y
trajo de botín lo que se hacía difícil de conducir.
Llegaron, pero el Califa estaba obligado a guardar cama y hacía días que no salia para
recibir a nadie. Luego mandó ponerse en marcha y salió sobre su montura, acostado sobre su
colchón. Continuó el regreso y su debilidad crecía, y los médicos presentes, Ibn Sur, Ibn Muqῑl e
Ibn Qāsim, le asistían, hasta que cruzaron el Guadiana y no pudo montar a caballo; se le hizo
una litera con un baldaquín encima, que lo guardaba de los aires y los criados lo rodeaban
atentos a lo que necesitaba, para aliviar su estado. Se dice que al ir a verlo, algunas millas
después, fue encontrado muerto, el 18 de Rabῑ ´al-ajir del año 580 – 29 de Julio del 1184.165
ALGUNAS DE SUS NOTICIAS EN RESUMEN Y SU VIDA.166
“….Dice otro, que murió sobre el lomo de su caballo en el camino de Evora167 y que al
atenderlo el que estaba a su servicio lo encontró muerto, y se dice que la causa de su muerte
fue una saeta de arbaleta que lo alcanzó, estando en su tienda, sobre Santarén. Refieren esto
algunos historiadores, como Abū-l-Ḥusayn b. Abῑ Muḥammad, el de Jerez, y otros….”168
163
Del Alemtejo que ya estaba en poder de los Portugueses, como lo demuestran las conquistas anteriores de Giraldo
sem Pavor.
164
Identificamos este castelo, com o actual Torrão do Alentejo. Sobre esta questão, Huici Miranda cuja tradução do alBayān I estamos a transcrever, afirma que a palavra árabe não tem o som de Torres, mas se vocaliza por Torrox.
Não nos devemos esquecer que o historiador que temos estado a seguir é espanhol e é natural que se apoio em
exemplos do país vizinho. Na nossa perspectiva, como falantes de português, onde a vocalização de certas letras tem
valores diferentes do castelhano, parece-nos adequado sugerir que este som Torrox, (que não tem correspondência
fonética em português!) poderá aproxima-se do som Torrom, que por sua vez daria origem à palavra Torrão. Nesta
sua tradução, Huici Miranda afirma que eventualmente estaremos na presença de Coruche, castelo que segundo ele,
seria a chave do Alentejo, contudo alguns anos depois, quando publica a sua obra historiográfica sobre a Historia
Politica dos Almóadas, afirma que este ḥiṣn Ṭurruš, corresponde a um castelo localizado no Alentejo, no caminho de
Beja, mas que não conseguiu localizar.
165
La lentitud característica de los Califas almohades en sus jornadas, confirmada expresamente en esta expedición,
hace imposible el que después de levantar el cerco de Santarén con el Amῑr al-Mu´minῑn más o menos gravemente
herido, se quisiese volver a cruzar el Tajo y se hiciesen las algaras de Torres-Vedras o Torres-Novas y de Alcobaza y se
estuviese de regreso en Sevilla en el plazo de un mes, siendo así que a la ida con el Califa sano y optimista y con el
ejército completo y decidido a sorprender a Santarén, se tardaron veinte días sin internarse en Portugal.
166
al-Bayān I Ibidem, p. 82-83. Iremos só transcrever a referencia à morte do soberano Almóada, que claramente
demonstra a existência de algumas versões diferentes existente nesta crónica.
167
Parece, por tanto, que la retirada no se hizo por Badajoz, sino por Evora, y que murió cuando ya había cruzado el
Guadiana.
168
Son vários los autores árabes que atribuyen a enfermedad su muerte y al “Rawḍ al-Qirṭās”, aunque lo da por
herido en Santarén, le hace morir cerca de Algeciras, cuando se disponía ya a cruzar el estrecho.
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“…El día en que se puso en marcha para esta expedición, en la que murió, le ocurrió un
caso extraño de augurio; al salir con la bandera blanca por la puerta de la alcazaba, se le
rompió la lanza con la bandera en dos mitades y continuó la salida con las restantes. Al llegar a
la puerta de Dukkāla, al salir el sol, he aquí que un pregonero pregonaba en un entierro y
decía: “una oración por un extraño”. Le disgustó esto, sacó un mal augurio de ello y se
ensombreció su cara…”
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Uma Primeira Abordagem à “Geografia Sagrada Tardo-Islâmica” no Alentejo Litoral Blog -O
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Documentários Televisivo sobre a Muṣalla:
RTP 2, Programa da Fé dos Homens, no espaço da responsabilidade da Comunidade Islâmica de Portugal.
Colaboração do Município de Alcácer do Sal, Gabinete de Arqueologia.
Mês de Setembro de 2008, emitido durante o Mês do Ramadão. Endereço Digital:
http://tv1.rtp.pt/multimedia/index.php?pagURL=arquivo&tvprog=1115&idpod=17609&for
mato=flv&pag=arquivo&pagina=0&data_inicio=&data_fim=&prog=1115&quantos=10&esc
olha
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