A cena artística internacional ainda perpetuadora de

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A cena artística internacional ainda perpetuadora de
INTERNATIONAL JOURNAL ON WORKING CONDITIONS
ISSN 2182-9535
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
Rui Pedro Fonseca
Universidade do Porto / Instituto de Sociologia, Porto, Portugal. E-mail: [email protected]
Resumo: Este estudo aborda as condições de produção artística no âmbito internacional focando,
com particular ênfase, as convenções de género no âmbito representacional e as regras que regem o
seu sistema institucional. A recolha de dados foi efetivada através da compilação de indicadores
advindos relatórios que contêm rácios de consagração, por género, em espaços institucionais de
países como o México, Alemanha, EUA, França e Itália. Adicionalmente recorre-se à teoria feminista
para compreender a história da arte enquanto disciplina legitimadora e perpetuadora de convenções
de género. Não obstante algumas das conquistas das mulheres pela preconização da igualdade de
género no campo artístico, ainda nos deparamos com claras assimetrias: uma história da arte e
sistemas de linguagem que formulam uma canonização do masculino; e, ainda, um gatekeeping no
principal circuito internacional que põe em prática políticas que consagram essencialmente os homens,
pese embora, atualmente, as mulheres apresentem uma maior diplomação.
Palavras-chave: feminismos, assimetrias, género, campo da arte.
.
The international art scene still perpetuating the gender asymmetries
Abstract: This study addresses the conditions of artistic production in an international context,
focusing, with particular emphasis, on the gender conventions within the representational and the rules
governing their institutional system. Data collection was accomplished through the compilation of
indicators arising from reports that contain ratios of consecration, by gender, in institutional spaces of
countries like Mexico, Germany, USA, France and Italy. Additionally resorts to feminist theory to
understand art history as a discipline that legitimizes and perpetuates gender conventions. Despite
some of the women’s achievements in the promotion of gender equality in the artistic field, we still
come across clear asymmetries: a history of art and language systems that formulate the canonization
of men, as well as the implementation of policies legitimized in the main international circuit, which
essentially establishes the consecration of men, although women are currently more likely to have
graduated from universities.
Keywords: feminisms, gender, art field, asymmetries.
Publicação editada pela RICOT (Rede de Investigação sobre Condições de Trabalho)
Instituto
deeditada
Sociologia
da Universidade
do Porto
Publicação
pela RICOT
(Rede de Investigação
sobre Condições de Trabalho)
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Publication edited by RICOT (Working Conditions Research Network)
Publication
by RICOT
(Working Conditions
Institute
ofedited
Sociology,
University
of Porto Research Network)
Institute of Sociology, University of Porto
http://ricot.com.pt
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International Journal on Working Conditions, No. 5, June 2013
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
Este artigo1 expõe algumas das assimetrias de género, com prejuízo para as
mulheres, que atualmente decorrem no campo artístico. Consiste num estudo sobre as
condições de produção artística num âmbito internacional que exigiu o recurso a análises
pluridisciplinares aos mecanismos sociais e convenções de género, quer no âmbito
representacional nas artes plásticas, quer às regras que regem o seu sistema estruturante
- os tecidos institucionais.
Optou-se por dividir este estudo em 3 secções distintas, mas complementares, onde
se apresentam os seguintes conteúdos: na secção 1. A história (masculina) da arte é
desconstruída como uma disciplina de legitimação cultural que jogou, e joga, um
importante papel na disseminação de valores culturais de género. Recorrendo às
referências de “Ways of Seeing”, de John Berger (1972), e “Differencing the Canon:
feminist desire and the writing of art´s histories”, de Griselda Pollock, entre outras, aportase como as mulheres surgem em representações (re)consagrantes da história da arte
onde, frequentemente, surgem como despidas, exploradas, vulneráveis, como objeto
contemplante, reduzidas ao corpo e aos seus preceitos icónicos. Exemplificam-se com
menções a obras consagradas. Autoras como Freida High (“In search of a Discourse and
Critique(s) that Center the art of Black Women Artists”, 2001), Cindy Nemser (“Art Talk:
Conversations with Twelve Women Artists”, 1975) e Luciana Gruppelli Loponte
(“Sexualidades, artes visuais e poder: pedagogias visuais do feminino”, 2002)
desconstroem a natureza do “génio” artístico, também sustentado pela linguagem, que
surge invariavelmente associado aos homens artistas.
Face à conjuntura laboral desfavorável para muitas mulheres artistas, ainda no
decorrer na década de 1970, importa aclarar uma das principais estratégias utilizadas
pelas próprias para darem visibilidade ao seu trabalho. Para o efeito, realizou-se a secção
2 (À procura da visibilidade: dos espaços alternativos aos espaços institucionais), onde se
expõe a pertinência dos esforços em torno de ações dirigidas para a concretização de
exposições de arte de mulheres em espaços alternativos no contexto norte-americano.
Janet Wolff, em “Sentenças femininas” (2003), ou Judith Brodsky, em “Exhibitions,
galleries and alternative spaces” (1994), explicam como a organização das primeiras
exposições em espaços alternativos originariam as primeiras conquistas.
Ainda, na secção 2, os espaços institucionais são mencionados à luz das vantagens
que trazem para a construção de qualquer carreira artística. Especifica-se com o exemplo
das galerias de arte em ambas as suas dimensões: económica e cultural, pela sua
capacidade em atrair agentes económicos de prestígio – ocorrência que acarreta “maior
nome” quer para as galerias, quer aos/às artistas que nestas se consagram.
Essencialmente, através do trabalho de Alexandre Melo “Arte e Dinheiro” (1994), destacase e desenvolve-se a lógica de funcionamento das galerias, pela sua capacidade de
posicionar artistas na hierarquia de consagração, mediante o estabelecimento de
contactos profissionais com agentes económicos e mediadores. Adicionalmente, foca-se
uma dupla conjuntura de mulheres que expõem quer em espaços alternativos, quer em
espaços institucionais, sendo que muitas delas também não contam com apoios de
1
Este estudo foi realizado para o âmbito do trabalho de Doutoramento “Condições de Produção e
Práticas de Recepção da Arte Feminista”, na Universidad del País Vasco, em parceria com o
Instituto de Sociologia da Universidade do Porto e com o apoio da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia.
2
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Introdução
movimentos associativos feministas (dá-se o exemplo do caso mexicano relatado por
McCaughan, “Navegando pelo labirinto do silêncio: artistas feministas no México” (2003).
A obtenção de dados sobre a representatividade das mulheres artistas em
instituições artísticas (bienais, feiras, galerias, museus, concursos, etc.) proporciona
importantes indicadores que revelam rácios de consagração, por género, e permitem
averiguar se há indícios de equilíbrio, ou de discriminação. Existem estudos estatísticos
reconhecidos sobre alguns países onde se mede a presença/visibilidade ou
ausência/discriminação de mulheres artistas em instituições artísticas (galerias, museus,
etc.). Na secção 3 (A perpetuação de assimetrias de género nas principais zonas do
mercado artístico mundial) disponibilizam-se dados sobre o México, Alemanha, EUA,
França e Itália. Nesta secção avançam-se com dados referentes à docência em estudos
realizados nas cidades de San Carlos e em La Esmeralda; também sobre o rácio, por
género, em exposições individuais e coletivas na Cidade do México; assim como o rácio,
por género, da exposição ”A Arte Latino-Americana, 1920-1945: Seleções das Coleções
do Museu de Arte Moderna de Nova York”, de 1996, no Museu Mexicano de Arte Moderna
(MAM) (em “Sí somos muchas... y no somos machas: Textos sobre mujeres artistas”, de
Mónica Mayer). No caso da Alemanha, recorreu-se ao estudo de “Culture-Gates in Music
and New Media Arts in Germany”, de Annette Brinkmann. A autora fornece dados
recolhidos sobre a Feira Internacional de Arte de Colónia” (de 2000); sobre a exposição
“bilder*codes# 1992-2002”, do (Zentrum für Kunst und Medientechnologie Karlsruhe) em
Karlsruhe); sobre o Museu de Arte Moderna ZKM (Zentrum für Kunst und
Medientechnologie Karlsruhe); sobre a Edith-Rub-Haus em Oldenburg, em Hannover. No
caso dos EUA procedeu-se à consulta de fontes, como “artist-info” (http://www.artistinfo.com), de forma a averiguar qual o rácio de representatividade entre artistas (por
género) num total de 1,129 representados/as. Com o estudo de Andrea Blum, “The Facts
about Women”, acedeu-se ao número total de mulheres artistas nos EUA; aos rácios de
homens e de mulheres que são modelos de figura humana; às percentagens de graus
académicos nas artes entre homens e mulheres (bacharelato, mestrado, doutoramento, e
doutoramento em história da arte); às percentagens de obras de mulheres presentes em
museus; às percentagens de obras de mulheres presentes em galerias; à percentagem de
mulheres artistas revistas pela história da arte; à percentagem de mulheres artistas
mencionadas em revistas de arte; à percentagem dos prémios do Guggenheim atribuídos
a mulheres; e à percentagem de grandes colecionadores/as espalhados/as pelo planeta.
No contexto francês, foram reproduzidos, através de Brinkmann (2003), os dados relativos
ao registo de artistas (por género) no Centro George a Pompidou, do Museu Ludwig e do
Centre pour l´Image Contemporain. No contexto italiano, foi empreendido um estudo
quantitativo2 na biblioteca da Bienal de Veneza sobre a representatividade de homens e
mulheres nas exposições internacionais das Bienais de Veneza, entre 1995-2007 – uma
amostra que foi confrontada com outras (recolhidas por Pauline Barrie, em “The Art
machine Part 2”: 1988) sobre as Bienais de Veneza.
Finalmente, partindo da premissa de que o ensino artístico universitário possibilita a
aquisição de competências várias (referências históricas, valias técnicas e teóricas,
cunho/identidade artística, currículo, etc.), aquelas/es que as possuam têm à partida mais
vantagens na competição com seus pares não diplomados e que analogamente almejam
2
O estudo quantitativo na Bienal de Veneza foi realizado no âmbito do trabalho de doutoramento
“Condições de Produção e Práticas de Recepção da Arte Feminista”.
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A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
1. A história (masculina) da arte
O fenómeno de arbitrariedade cultural transformado em natural que Bourdieu (1998:
12) refere em relação à história pode ser aplicado à disciplina da história da arte. As artes
plásticas constituem um dos grandes fatores pelos quais, ao longo da história até aos dias
de hoje, foram consolidadas conceções sobre a sexualidade, o género, ou mesmo sobre o
poder. Dos discursos artísticos, ou melhor, da “grande arte” ou da “arte universal” surgem
representações aparentemente neutras e “naturais” sobre o feminino. As feministas têm
vindo a assumir um papel decisivo porque têm dado a compreender que a sexualidade
não é apenas pessoal ou individual mas é, sobretudo, um tema cultural e político
densamente abrangedor. Sob a aura da cultura, muitas vezes pedagógica, os discursos
artísticos fixam, efetivamente, identidades sexuais produzindo o que Loponte designa de
“pedagogia do feminino”, como uma «pedagogia visual que naturaliza e legitima o corpo
feminino como objeto de contemplação, tornando esse modo de ver particular como a
única ‘verdade’ possível» (Loponte, 2002: 283).
A “pedagogia do feminino”, a que Loponte se refere, tem sido posta em prática
mediante conceções hegemónicas (por isso naturalizadas) das artes plásticas do
Ocidente sobre as feminilidades e as masculinidades. A incessante repetição, durante
séculos, de textos e representações refletores dos cânones oriundos das academias e,
sobretudo, do circuito artístico principal, tem vindo a estabelecer o que é
inquestionavelmente bom e eminentemente referenciável. As bases ideológicas dos
cânones, normalmente incontestáveis, têm vindo a manter mulheres artistas, assim como
outras minorias, na clandestinidade. Simultaneamente, as referências (masculinas) são
reportadas como conquista de luta triunfante do talento individual e da universalidade do
valor.
A teoria feminista3 tem tido um papel determinante no questionamento das bases de
apreciação artística, assim como das estruturas de poder que fomentam discursos
legitimadores – como a história da arte4, que tem um contributo categórico na
objetificação da feminilidade e discriminação de mulheres artistas ao longo da história. Em
“Ways of Seeing” (1972), John Berger refere que, quer na arte quer na publicidade, “os
homens atuam e as mulheres aparecem”5.Ou seja, tem havido uma tendência no âmbito
3
A teoria feminista consubstancia uma designação lata que integra todos campos teóricos e
filosóficos do heterogéneo movimento feminista. Aplicada no campo artístico, a teoria feminista
procura compreender os mecanismos que criam desigualdade de género, mas também promove
os direitos das mulheres no sistema artístico que integra agentes e produtores/as culturais. À
semelhança do feminismo cultural, também procura desconstruir os estereótipos associados às
representações culturais de género.
4
Começa a dar os primeiros passos, com Lorenzo Ghiberti, (I Commentarii, ca. 1445), Vasari (Vite
de piu eccelenti Pittori, Scultori e Architettori, 1550) e Benvenuto Cellini (Autobiographie, 1562), a
história da história da arte concebida como a história dos artistas (Cf. Hadjinicolaou, 1973: 54), que
tinha como foco essencial os criadores-homens.
5
John Berger (1972), Ways of Seeing Op. Cit. Heartney, p.52.
4
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conquistar posições no circuito. Face a esta premissa, procedeu-se à consulta do relatório
"Unveiling the Status of Women in Arts and Media Professions in Europe”, de Danielle
Cliché, Ritva Mitchell e Andreas Wiesand, (Eds.) (1999) que aporta com dados
circunscritos ao contexto europeu, no decorrer de toda a década de 1990.
representacional para que os homens assumam papéis onde se revelam mais ativos e as
mulheres mais passivas. Já Griselda Pollock, com a obra “Differencing the canon: feminist
desire and the writing of art´s histories” (1999), demonstra que a prática da canonização
falocêntrica legitima determinadas identidades e memórias culturais como as narrativas
originais, portanto, conferidoras de autoridade a textos que desempenham a função de
“narrativas de origem”.
Com uma hegemónica frequência, as mulheres do período clássico, mesmo aquelas
que almejavam o mecenato, eram representadas pelo gosto oficial como despidas,
exploradas, vulneráveis, como objeto contemplante, reduzidas ao corpo e aos seus
preceitos icónicos. Na história da arte6 ocidental, os corpos de mulheres objetificados
consistem num tema recorrente. Obras como “Olympia” e “Almoço na relva”, de Manet,
“Les demoiselles d’Avignon”, de Picasso, ou as “Antropometrias” de Yves Klein, entre
muitas outras, são consideradas marcos artísticos pela história da arte oficial que
privilegiam determinadas formas de representação das mulheres que giram em torno da
erotização, submissão – fórmulas concebidas, sobretudo, para agradar ao olhar
masculino.
A condição de “mulheres artistas” era considerada desvalorizante, e a história da
arte, pela sua dependência dos agentes artísticos legitimadores, confirma a ocultação de
muitas produções artísticas de mulheres. As duas das maiores referências oficiais da
história da arte – “Art in the Western World” (1969), de David Robb e J.J. Garrison, assim
como “The History of Art” (1950) de E.H. Gombrish, abonam uma consistente omissão de
mulheres artistas, tendo um contributo decisivo para estruturar posições hierárquicas com
favorecimento para os homens brancos.
Embora no decorrer do século XX o número de mulheres começasse a aumentar
nas academias de artes, muito poucas conseguiam mudar o seu estatuto de amadoras
para profissionais. Uma das exceções seria Georgia O´Keefe. Contudo, a sua imagem
pública, enquanto artista, seria diminuída ao erotismo do que uma mulher deveria ostentar
na época, pelo princípio de prazer que o seu corpo deveria proporcionar ao olhar
masculino, no caso dela através da objetiva do seu companheiro - o fotógrafo Alfred
Stieglitz (Cf. Norma et al., 1994: 13).
Ao longo e em grande parte da história, as mulheres que mantinham atividades
artísticas nas designadas artes maiores (pintura e escultura) sempre tiveram dificuldades
em evidenciarem a sua condição de mulheres, inclusivamente em projetar o seu trabalho
artístico. A precursora do Orfismo, Sonia Delaunay, seria negligenciada pela história da
arte, que preferiu distinguir o seu marido Robert Delaunay como o prestigioso artista
precursor e fundador deste estilo artístico. Com o advento do Expressionismo Abstrato, na
década de 1940, e com a sua mística masculina, as mulheres artistas teriam acesso ao
grupo imediatamente negado. Uma delas seria Lee Krasner, cujo professor Hans
Hofmann atribuiu um suposto elogio a um dos seus trabalhos: «isto está tão bom que é
6
Em 1844, a história da arte surge, em Berlim, como disciplina “científica”, como a história dos/as
artistas e das obras, eventualmente como a história das civilizações (de uma época ou civilização).
Define-se, essencialmente, como legitimadora dos gostos estabelecidos pelos investidores, assim
como oculta os interesses da aquisição e legitimação de obras consagradas. O não
reconhecimento de assimetrias de classe, género e raça têm sido não só sonegadas pela história
da arte, como tem tido um papel decisivo de construções históricas assentes em cânones, gostos,
e outras construções derivadas do gosto dominante, que se assumem falocêntricas e, portanto,
discriminatórias.
5
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melhor que ninguém saiba que foi feito por uma mulher» 7.
Apesar das escassas oportunidades para que a maior parte das mulheres artistas se
tornassem visíveis durante a década de 1940, Grace Hartigan, Joan Mitchell e Helen
Frankenthaler obtiveram alguma visibilidade e conhecimento no mundo artístico como a
“Segunda Geração de Expressionistas Abstratos”, em parte porque se tinham projetado e
estavam a ser projetadas pelos críticos como discípulas, seguidoras dos homens
inovadores e fundadores da corrente (Cf. Norma et al., 1994: 13). Elas seriam
estereotipadas, pela imprensa crítica, como imitadoras dos estilos dos homens, os seus
mentores (Idem). Algumas artistas, face à sua guetização, mantinham, por um lado, uma
grande resistência aos escritos feministas mas, por outro, não se resignavam e tentavam
de alguma forma contornar a discriminação que sentiam no campo8. Veja-se o caso de
Grace Hartigan que, como estratégia de ocultar que era mulher, expôs os seus trabalhos
(até 1951) com o pseudónimo de George Hartigan.
A guetização de mulheres artistas é também impressa pela linguagem: termos como
“mestria” e “obra-prima” são percecionados, dentro e fora do campo da arte, como
conferidores da natureza do “génio” (masculino). Veja-se o período clássico, com as
marcadas noções de beleza, os cânones e valores sublimados sobre o “homem do
renascimento”. Freida Heigh refere que este período foca com especial ênfase as vidas
dos homens de descendência europeia, que o seu propósito convencional é ministrar
conhecimento sobre o desenvolvimento “das grandes obras”, das “obras-mestras”, feitas
pelas “grandes figuras”, pelos “génios”, e finalmente, para atrair apreciação deles9.
Intelectuais feministas, como Griselda Pollock e Rozsika Parker, chamaram a
atenção para o facto de este tipo de linguagem utilizada pela história da arte estar repleta
de suposições veladas a respeito da natureza do “génio”, ou de que a linguagem visual da
arte ocidental incluía pretensões a respeito da natureza intrínseca da feminilidade e da
masculinidade –
«Por que motivo»- comentaram as historiadoras de arte - «será o nu feminino o tema
quintessencial da arte pós-renascentista?» «Que mensagens serão vinculadas por toda
aquela carne núbil utilizada como alegoria da Virtude, a Justiça e da Verdade?» «Por que
motivo a representação de homens e mulheres é tão díspar?» (Pollock, Op. Cit.
Heartney,2001: 52).
As mulheres artistas confrontam-se com a prática da negação e marginalização na
história da arte convencional e assistem à prioridade que esta dá aos homens, enquanto
tendencialmente circunscreve as mulheres a um plano secundário. A história da arte tem
cumprido um papel determinante de informação, mas também de conceção sobre as
obras e artistas que concede visibilidade, assim como das conexões históricas que
estabelece: faz crónicas sobre o seu desenvolvimento (primariamente sobre a pintura,
escultura e arquitetura), por períodos e estilos, dando atenção à forma (estrutura),
7
Cindy Nemser, “Art Talk: Conversations with Twelve Women Artists” (New York: Charles Scribner
´s Sons, 1975, 85) in Norma e Mary, 1994: 13.
8
Campos (incluindo o campo da arte) referem-se a áreas de produção, circulação e apropriação de
bens, serviços, conhecimentos ou estatuto, assim como a competitividade por posições por atores
na sua luta para acumular e monopolizar estes diferentes tipos de capital (Cf. Swartz, 1997: 118).
O “campo artístico”, por exemplo, designa essa matriz de instituições, organizações e mercados,
cujos/as artistas competem pelo capital simbólico (Idem).
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High, Freida, “In search of a Discourse and Critique(s) that Center the art of Black Women Artists”
in Robinson, 2001: 232.
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iconografia (significado), iconologia (tema-assunto, e atitudes culturais), biografia e
contextos históricos, entre outras questões. Uma das formas mais familiares que esta
disciplina adota para se referir a um objeto artístico é a de abordá-lo pela sua diferença,
originalidade, pouca familiaridade, desligando-o muitas vezes do contexto patronal,
sociodemográfico, das intenções, motivações e posições ideológicas do/a artista.
Linda Nochlin analisou a situação das mulheres artistas ocidentais e questionou as
bases ideológicas e intelectuais da história da arte como disciplina e instrumento de
legitimação artística. Desde logo, o facto do historiador se apresentar maioritariamente
como figura masculina, cuja linha de pensamento consiste sobretudo em provar a
genialidade de homens artistas que emproam aptidões naturais e inquestionáveis. A
história da arte, os/as críticos/as e mesmo os/as artistas tendem a conceber o talento
artístico como algo inato, sagrado, religioso. A questão: “Porque nunca houve grandes
mulheres artistas?” contém, para a autora, uma resposta implícita enganadora: que as
mulheres não têm capacidade de produzir grandes obras de referência. A “inexistência”
de grandes mulheres artistas tem a ver com questões ligadas a índoles institucionais e
educacionais, das quais partem em vantagem os homens brancos, de classe média e alta.
Os exemplos de obras consagradas acima mencionadas, as omissões, as
discriminações, o uso de pseudónimos, as formas assimétricas de visibilidade, etc.,
atestam como a história da arte, nos seus processos de reprodução/representação,
contribui decisivamente para sedimentar relações desiguais do mundo da arte.
Geralmente, o mundo da arte refere-se a universos regularizados por vários grupos e
instituições, que giram em torno da produção, criação, distribuição e avaliação de várias
obras de arte. No mundo da arte procuram coexistir outros mundos da arte: o afroamericano, o euro-feminista, o africano, o asiático, etc., que procuram resistir à exclusão
dos principais espaços institucionais ocupados pela ´dominant art establishment´, cujas
estruturas promovem interesses específicos de agentes culturais dominantes10. O discurso
empoderador e consagrador, particularmente no domínio do conhecimento, é controlado
por quem está no poder. De acordo com este princípio, aqueles/as que ao longo da
história detêm o controlo no domínio do conhecimento têm o poder de determinar, através
da consagração, aquilo que é válido e verdadeiro. A validação pelas estruturas de poder
ao longo da história tem vindo a decidir quem se torna visível ou invisível, tem definido as
referências artísticas, os cânones, os baluartes da cultura, mas também vem
referenciando conteúdos, sistemas de valor, formas de pensar, conhecimentos e
linguagem. Concretamente a linguagem não é de todo neutra: codifica convenções
culturais, determina e classifica a realidade e expressa as conceções que temos desta,
inclusivamente sobre artistas, homens e mulheres.
A história da arte oficial, enquanto disciplina académica, não define como termos de
análise valores sociais, crenças ou injustiças. Assume a transcendência artística, a
individualidade dos/as artistas e evidencia que o campo da arte é regulado principalmente
por homens caucasianos, essencialmente de origem europeia, que asseguram um
sistema que certifica a sua própria visibilidade e dominação. Reflete um sistema
hierárquico e falocêntrico, que evidencia diferentes modos de tratamento em relação aos
homens e às mulheres, quer nas formas de representação, quer nas formas de
legitimação.
10
High, Freida, “In search of a Discourse and Critique(s) that Center the art of Black Women
Artists” in Robinson, 2001: 232
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A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
A disparidade e a desigualdade não são características únicas no que diz respeito à
representação da feminilidade vs. masculinidade de artistas (homens e mulheres) na
história da arte, nem mesmo se resumem a esta disciplina. A história da arte é, tãosomente, refletora de um campo artístico cujas estruturas de poder perpetuam e
internalizam o que Bourdieu designou de “socialização do biológico e biologização do
social” (Bourdieu, 1998: 13), fenómeno que interfere nos esquemas de percepção (falar,
sentir, abordar, mexer, etc.) de ambos os polos dominante (homens) e dominada
(mulheres).
A resposta à pergunta de Linda Nochlin “porque não houve grandes mulheres
artistas?” pressupõe o (re)conhecimento da existência de fatores de ordem institucional,
de regras que comandam o jogo da consagração artística, que não têm vindo a permitir
que mulheres “talentosas” alcancem a visibilidade que os homens têm vindo a alcançar.
Face a esta conjuntura desfavorável com a qual muitas mulheres artistas se deparam,
têm-se registado diversos eventos ou ações que têm implicado esforços de vários grupos
que procuram dar visibilidade ao seu trabalho.
Antes da década de 1970, a visibilidade das mulheres no circuito artístico ainda era
insignificante. Uma das primeiras exposições de mulheres artistas organizadas pelas
próprias teve lugar em Los Angeles e Nova Iorque, ainda antes da década de 1970.
Josine lanco-Starrels tornou-se consciente do facto de que “as mulheres estavam a ficar
para trás” e organizou uma exposição nas Lytton Galleries of Contemporary Art em Los
Angeles intitulada de “25 California Women of Art”. Também a curadora Dextra Frankel
proporcionaria a primeira one-women show a Judy Chicago11.
Também, mas não só, de registar a alegada primeira exposição de mulheres artistas
negras intitulada “Where we At Black Women Artists” (1971), que teve lugar na Acts of Art
Gallery, New York12. Ou ainda a ”Women´s Caucus for Art conference” em Washington,
197913, onde a organização anunciou várias exposições e cerimónias que honraram
mulheres mais velhas: historiadoras, curadoras, artistas como Louise Bourgois, Selma
Burke, Alice Neel, Louise Nevelson, e Georgia O´Keefe14.
Na década de 1980, a Artnews ao colocar na capa vinte mulheres artistas, daria os
primeiros sinais de que as lutas, mesmo fora dos principais espaços artísticos, poderiam
trazer conquistas. Recuando à década de 1970, obtendo alguns registos de exposições
de mulheres em instâncias artísticas e comparando-os com os tempos atuais, constata-se
uma plausível evolução. Na década de 1970, um dos motivos de protesto de mulheres e
feministas era, e é, a falta de representatividade que tinham, e têm, nas instâncias
artísticas. Para além de protestarem contra esta conjuntura, criaram, e criam, as suas
próprias exposições e espaços. Judith K. Brodsky refere os três objetivos associados a
esta medida:
«colocar pressão sobre as principais instituições de forma a incluírem nas suas
exposições o trabalho de mulheres artistas. Outro objetivo seria proporcionar às mulheres
artistas um sistema com apoio intelectual e emocional para que pudessem ultrapassar os
11
Idem: 106
12
Idem: 107
13
Brodsky, Judith “Exhibitions, galleries and alternative spaces” in Norma, Mary, 1994: 104
14
Idem: 106
8
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2. À procura da visibilidade: dos espaços alternativos aos espaços institucionais
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15
Idem: 104
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
16
Nos espaços artísticos alternativos a dinâmica comercial e de consagração são muito pouco
acentuadas, dando antes lugar a dinâmicas de experimentação dirigidas, essencialmente, para a
comunidade artística (pares) e públicos mais heterogéneos ou, eventualmente, com raras
exceções, para grupos de ativistas (como é o caso das feministas). Normalmente, as atividades
promovidas neste tipo de espaços distinguem-se pela sua maior abertura a artistas pouco
consagrados/as ou mesmo desconhecidos/as. No que concerne à produção, são espaços que
também permitem uma maior experimentação e heterogeneidade de temas e estilos que estejam
mais à margem dos cânones académicos. Derivado da prática da realização de atividades
conjuntas, nos espaços alternativos as/os artistas normalmente têm maior liberdade em conjugar
palestras, workshops, concertos e outro tipo de atividades com a sua produção. A proximidade de
alguns destes espaços a legitimadores culturais com mais prestígio e/ou investidores, podem
permitir que uma cota muito ínfima de artistas deem o “salto” para espaços mais prestigiados.
17
Os espaços institucionais, por norma mais prestigiados, possuem uma dimensão económica
superior ao dos espaços alternativos. Por exemplo, as galerias de arte de prestígio distinguem-se
pela sua capacidade de atrair agentes económicos com grandes capacidades de investimento – o
que acarreta “maior nome” para as galerias e para as/os artistas que nestas expõem. Este tipo de
galerias apresentam, tendencialmente, os/as artistas que, supostamente, são mais “falados/as” em
dado momento; podem ser artistas revelação, “jovens promessas”, ou artistas já consagrados/as.
Já os museus têm uma dinâmica essencialmente de consagração oficial. A possibilidade de
qualquer artista integrar o seu trabalho em museus de arte implica um percurso longo, consistente,
ao qual está associado o acompanhamento de agentes culturais legitimadores (críticos,
comissários e/ou galeristas) cujo reconhecimento seja suficiente para certificar favoravelmente
determinado/a artista.
18
«Os galeristas têm uma importância simultaneamente económica – são eles que essencialmente,
ou inicialmente, vendem as obras dos/as artistas – e sociocultural – são eles que mostram e,
basicamente, promovem o trabalho dos/as artistas.» (Melo, 1994: 43)
São os galeristas acedem diretamente à obra dos/as artistas com os/as quais mantêm uma relação
de trabalho. Não são os galeristas que compram as obras aos/às artistas, mas servem de
intermediários entre artistas e compradores, recebendo uma percentagem que varia de galeria
para galeria entre 30% a 70%.
9
Rui Pedro Fonseca
seus sentimentos de isolamento. Um terceiro objetivo, mais radical, foi proporcionar locais
para expor arte feminista que não tivesse sido vista em lado algum. O que é que as
exposições alternativas e estratégias de galerias permitem? Dão a oportunidade a muitas
mulheres artistas (…) de serem documentadas. Embora as muitas reputações das artistas
que participaram nestas exposições e galerias não sobrevivessem nos anos sucessivos,
algumas destas mulheres estariam perdidas na história se não fossem as oportunidades
da década de 1970»15.
O sistema de espaços artísticos alternativos16 criados a partir da década de 1970,
ainda usado atualmente, proporcionaria/proporciona às mulheres artistas estruturas de
apoio que possibilitam o desenvolvimento de projetos a longo termo, permitindo-lhes
acumular trabalho, currículo e, eventualmente, vender trabalhos e/ou obter convites para
exposições. As instituições alternativas criadas permitem gerar emprego, mas também
painéis, reuniões ou palestras; podem favorecer a administração de aulas, e a prestação
de outros serviços que promovem a disseminação do trabalho das mulheres artistas. Ao
contrário do que acontece nos espaços institucionais17, nos espaços alternativos de
carácter mais feminista não há censura no que respeita à ostentação dos corpos e da
sexualidade das mulheres artistas, assim como não há uma obrigação verbalizada ou
tácita em ter de agradar a determinado/a galerista18 ou curador/a. Contudo, como refere
Judith K. Brodsky, existiam/existem «algumas mulheres artistas preocupadas com a
possibilidade de as exposições alternativas e galerias dedicadas apenas ao trabalho de
mulheres terem sido [serem] auto-destruidoras, por eventualmente darem a instituições e
galerias uma desculpa para continuar com as suas políticas tradicionais de mostrar
trabalho de stock exclusivo de homens artistas brancos»19.
As galerias de arte apresentam tendencialmente os/as artistas que supostamente
“são mais falados/as” em dado momento; podem ser artistas revelação, ou “jovens
promessas”, ou artistas consagrados/as; outras galerias expõem determinado tipo de
tendências estilísticas, outras expõem determinado tipo de mediuns, etc. Por vezes, os/as
artistas que progridem na carreira e que vão singrando na sua consagração trocam
galerias por outras mais prestigiadas. Para além de cumprirem com requisitos culturais, as
galerias de arte estão também submetidas aos preceitos económicos. Todas almejam a
componente da rentabilização, ou seja, de vender obras de arte e a um bom preço. O
poder económico e a capacidade que as galerias têm em atrair agentes culturais de
prestígio variam consoante os espaços culturais, a sua localização geográfica e,
sobretudo, os agentes económicos que as viabilizam. Aquelas que legitimam artistas com
“maior nome” distinguem-se por normalmente possuírem maior poder económico e mais
prestígio cultural.
À falta de oportunidades para penetrarem no circuito artístico, particularmente em
galerias, e de estabelecerem contactos profissionais com agentes económicos e
mediadores, algumas artistas procuram criar grupos e instituições alternativas que
valorizem o seu trabalho. Algumas delas menosprezam a identidade individual, o
currículo, renunciando a competitividade do circuito artístico, procurando formar grupos de
artistas, ou atuar em conjunto com o intuito de organizar ações. Também existem artistas
que operam tanto na clandestinidade, como operam, sempre que lhes é possível, dentro
do circuito artístico principal.
As exposições alternativas podem resultar na ascensão profissional para algumas
artistas que, inclusivamente, poderão integrar o seu trabalho e consagrar-se no circuito
artístico principal. Recorrem aos novos géneros artísticos, como a instalação, a
performance, os novos media, e utilizam os espaços públicos. Porém, no circuito artístico,
e sobretudo no circuito dos espaços alternativos, as artistas deparam-se com alguns
obstáculos de angariação de fundos, o que dificulta não apenas a sua própria
subsistência, mas também a produção e reconhecimento do seu trabalho.
3. A perpetuação de assimetrias de género nas principais zonas do mercado
artístico mundial
Durante a década de 1990, a diversidade cultural e o fim da exclusão social
tornaram-se prioridades de políticas culturais públicas. Essas seriam, aliás, duas das
condições que os países candidatos à adesão à União Europeia deveriam cumprir para
terem o estatuto de Estados membros20: a adoção de políticas culturais preconizadoras da
variedade de opiniões e de ideologias, de diversos estilos artísticos, a legitimação de
obras de arte com variadas técnicas e suportes, mas também a inclusão de grupos
19
Brodsky, Judith “Exhibitions, galleries and alternative spaces” in Norma, Mary, 1994: 104
20
Cf. Cliché, Danielle; et al. 1999
10
Rui Pedro Fonseca
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
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minoritários (desde mulheres artistas, negros/as, pessoas com deficiência, etc.) como
forma de evitar a exclusão social e promover a diversidade.
A obtenção de dados sobre a representatividade das mulheres artistas em
instituições artísticas (universidades, galerias, museus, concursos) constitui um importante
indicador sobre a sua integração no mercado, ou seja, sobre as suas condições de
produção no campo da arte. Dados quantitativos sobre a presença das mulheres nas
principais instituições artísticas são reveladores de rácios de consagração, por género, o
que permite auferir se há indícios de equilíbrio, ou de discriminação. Nesta secção,
disponibilizar-se-ão estudos sobre o México, Alemanha, EUA, França e Itália,
essencialmente a respeito da presença de mulheres artistas.
No estudo sobre a realidade académica no México “Sí somos muchas... y no somos
machas: Textos sobre mujeres artistas”, Mónica Mayer revela que quase todo o corpo
docente das disciplinas de arte em San Carlos e em La Esmeralda era constituído por
homens, embora a percentagem de mulheres tivesse crescido rapidamente entre os
estudantes. Mayer lembrou também uma sua experiência num seminário em San Carlos
de quando estudava no início da década de 1970; diz a autora que os alunos do sexo
masculino consideravam o seguinte: «devido à nossa biologia, nós (mulheres artistas)
nunca seríamos tão boas quanto os homens, já que a maternidade absorvia toda a
criatividade». Lara descreve o sentimento "terrível e doloroso" que as mulheres tinham ao
serem "tratadas como crianças" pelos professores. Fora da academia, mulheres artistas
descobriram ser quase impossível expor em galerias e museus e, mesmo quando o
conseguiam, eram ignoradas pelos críticos de arte e pelos media21.
Ainda no caso mexicano, nos últimos 30 anos, as oportunidades têm aumentado
para que mulheres artistas estudem, trabalhem e mostrem as suas obras. No entanto,
conforme a pesquisa de Mayer confirma que, no início do milénio (2003), apenas 25%
das/os artistas incluídas/os em exposições individuais e coletivas na Cidade do México
eram mulheres. O seu estudo também conclui que as exposições exclusivamente de
mulheres continuam a ser ignoradas pelos críticos, pois apenas cerca de 10% das
resenhas publicadas na Cidade do México abordam o trabalho de mulheres artistas; o seu
estudo também refere que a pesquisa sobre mulheres artistas é ainda inexistente e que
as editoras mantêm alguma relutância em publicar livros sobre elas22.
Numa exposição de 1996, o Museu Mexicano de Arte Moderna (MAM) apresentou “A
Arte Latino-Americana, 1920-1945: Seleções das Coleções do Museu de Arte Moderna de
Nova York”. A mostra incluía apenas três mulheres artistas: a mexicana Frida Khalo, a
argentina Raquel Forner e a cubana Amelia Peláez23. E quando se tratam de artistas
contemporâneas da América Latina, estas têm vindo a permanecer praticamente invisíveis
fora dos seus países24.
No caso da Alemanha, Annette Brinkmann, no seu estudo “Culture-Gates in Music
and New Media Arts in Germany”, pretendeu dar transparência à aplicação de regras e
leis que preconizam a igualdade de oportunidades e que, supostamente, deveriam
21
Cf. McCaughan, Edward J., 2003
22
Cf. Mayer, Mónica Sí somos muchas... y no somos machas: Textos sobre mujeres artistas.
Mexico: Ediciones al Vapor, 2001. in McCaughan Edward J., 2003
23
Idem
24
Idem
11
Rui Pedro Fonseca
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influenciar os portais dos campos da cultura. Eis alguns dos seus dados recolhidos: O
catálogo da “Feira Internacional de Arte de Colónia” (de 2000), que contém os registos da
própria feira exclusivamente de arte contemporânea pós década de 1960, contava com
uma lista de 972 artistas individuais, em que 195 (20,6%) eram mulheres (Cf. Brinkmann,
2003: 248). O mercado da arte ganha a sua maior dimensão nas feiras de arte, como a
ARCO, em Madrid; a FRIEZE, de Londres; ou a Feira de Basel, na Suíça. Foi em meados
da década de 1980 que se começou a assistir à proliferação deste tipo de eventos que,
entretanto, foram desaparecendo com o arrefecimento do mercado da arte (Cf. Melo,
1994: 51). Estes eventos têm como objetivo principal proporcionar formas de transação de
arte, entre galeristas e colecionadores/as dos mais variados países e são, geralmente,
bons indicadores da situação geral do mercado(Idem: 50). A “bilder*codes# 1992-2002”
uma feira com mais de 35 instituições artísticas e culturais na ocasião do 10º aniversário
do \\internationaler\medien\kunst\preis do ZKM (Zentrum für Kunst und Medientechnologie
Karlsruhe) em Karlsruhe:dos/as 145 artistas selecionado/as, 30 (24%) eram mulheres (Cf.
Brinkmann, 2003: 249). Dos/as 148 artistas que colaboraram com o Museu de Arte
Moderna ZKM (Zentrum für Kunst und Medientechnologie Karlsruhe), apenas 23 (15,5%)
eram mulheres (Idem). A Edith-Rub-Haus em Oldenburg, fundada em 2000, com a
direção de uma mulher é um centro onde têm lugar exposições artísticas, conferências,
workshops, e outros eventos como programas de financiamento em que 43% de mulheres
foram beneficiadas. Em 2000/2001, uma exposição dedicada ao Cyberfeminism chegou a
ter um rácio de mulheres artistas que alcançou os 47% (Cf. Brinkmann, 2003: 250). O
Foro Artístico, em Hannover, é dedicado exclusivamente à arte e às novas tecnologias
(vídeo-esculturas, vídeo interativo e instalações computorizadas, multimédia, dispositivos
de luz e som, projetos de internet, etc.). Dos/as 62 artistas que apresentaram obras nos
últimos dez anos, 13 (20,9%) são mulheres (Idem). Ainda no caso alemão, um estudo
(2003) sobre as posições de direção nas instituições dos novos media refere que dos 22
postos de direção apenas 4 (18,2%) são ocupados por mulheres (Idem). Na conclusão do
estudo, a autora revela que a situação para as mulheres artistas, sobretudo para as que
trabalham com os novos media, não se mostra positiva: «As posições de tomada decisão
em ciências, investigação e instituições artísticas dos novos media ainda estão nas mãos
dos homens» (Idem: 254).
A base de dados “artist-info” (http://www.artist-info.com), de referência oficial, que
conta exclusivamente com artistas contemporâneos/as, foi estabelecida em 1991 pelo
galerista e colecionador Thomas Poller com a colaboração de museus e galerias. Esta
base de dados incluía (até 2003) CVs, listas de obras, e outras informações de um total
de 1,129 artistas. Da secção dos novos media, apenas 51 (21%) eram mulheres artistas
(Idem: 250).
No contexto dos EUA, no inicio da década de 1990, Andrea Blum revela no estudo
“The Facts about Women” que: «51,2% de todos/as artistas nos EUA são mulheres; 90%
de todas as modelos de artistas são mulheres; 67% dos graus de bacharelato vão para
mulheres; 60% dos mestrados em artes plásticas vão para mulheres; 59% dos
doutoramentos em artes plásticas vão para mulheres; 66,5% dos doutoramentos em
história da arte vão para mulheres; 5% das obras dos museus são de mulheres; 17% das
obras das galerias são de mulheres; 26% dos/as artistas revistos em revistas de arte são
mulheres; 30% dos prémios do Guggenheim são para mulheres; Dos 200 colecionadores
12
Rui Pedro Fonseca
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
International Journal on Working Conditions, No. 5, June 2013
International Journal on Working Conditions, No. 5, June 2013
Tabela 1: Bienais de Veneza (Exposições internacionais de Arte) 1995-2003 – Representatividade por
26
género
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
46ª
Exposição
(1995)
47ª
Exposição
(1997)
48ª
Exposição
(1999)
49ª
Exposição
(2001)
50ª
Exposição
(2003)
51ª
Exposição
(2005)
52ª
Exposição
(2007)
Hom.
584 (88%)
133 (61%)
148 (70%)
207 (84%)
211 (88%)
442 (72%)
229 (70%)
Mul.
79 (12%)
87 (39%)
64 (30%)
38 (16%)
59 (22%)
169 (28%)
96 (30%)
Tot.
663
220
212
245
270
611
325
Os dados sobre a representatividade entre homens e mulheres nas Bienais de
Veneza (1995-2007) revelam uma clara assimetria, com prejuízo para as mulheres. Desta
amostra, o rácio mais elevado de mulheres sucedeu na Bienal de 1997 que alcançou os
39%, 87 mulheres em 220 artistas. A Bienal de 1995 alcançou o rácio mais baixo de 12%,
79 mulheres em 584 artistas. A exposição da Bienal de 1999 representou 212 artistas, 64
(30%) mulheres. A Bienal de 2001 representou 245 artistas, 38 (16%) mulheres. A Bienal
de 2003 representou 270 artistas, 59 (22%) mulheres. A Bienal de 2005 representou 611
mulheres, 168 (28%) mulheres. A Bienal de 2007 representou 325 artistas, 96 (30%)
mulheres.
25
Dados retirados no contexto dos Estados Unidos (1991/92), com exceção do dado referente aos
200 colecionadores que incluem outros países. Cf. Andrea Blum e tal. (Eds.), ´Art´(1992) From
WAC Stats: “The Facts about Women” (New York: Women´s Action Coalitionm 1992), p.47 pp. 8-9
in Robinson, 2001: 47
26
Dados retirados por Rui Pedro Fonseca na Biblioteca da Bienal de Veneza, a Julho de 2011.
Agradeço a colaboração de Elena Oselladore e Anabela Santos pela ajuda que prestaram na
recolha de dados. Nesta pesquisa na Bienal de Veneza, os dados foram obtidos através da
consulta nos registos dos nomes dos/as artistas de cada bienal, procedendo-se depois a uma
contagem. A consulta foi realizada pela única via possível: dentro das instalações da própria
biblioteca.
13
Rui Pedro Fonseca
espalhados pelo planeta 128 são homens, 52 são casais (homem-mulher) e 20 são
mulheres25.
No contexto francês, no website oficial dos novos media (http://www.newmediaarts.org), uma enciclopédia que contém coleções dos novos media oriundos do Centro
George a Pompidou, do Museu Ludwig e do Centre pour l´Image Contemporain, estavam
registados/as (em 2003) 75 artistas em que 13 (17%) eram mulheres (Cf. Brinkmann,
2003: 249).
Em Itália, mas referente a um contexto internacional que engloba vários países,
empreendi (em 2011) um estudo quantitativo sobre a representatividade de homens e
mulheres nas exposições internacionais das Bienais de Veneza, entre 1995-2007. As
bienais de arte, como a de Veneza, são usualmente visitadas por grandes aglomerados
de públicos e por vários agentes ligados ao mundo da arte, muitos deles com posições
privilegiadas. São eventos temporalmente delimitados que podem disparar o valor de
transação das obras, e que permitem valorizar qualquer artista. As bienais internacionais
são conhecidas por representarem o que é mais valorizado em dado momento no que diz
respeito à produção artística de cada país, pois representam as mais prestigiadas
instituições culturais e os nomes de artistas mais marcantes em determinada altura.
Outras amostras de Bienais de Veneza (entre 1978-1986), originalmente publicadas
por Pauline Barrie, em “The Art machine Part 2” (1988), mostram uma participação de
mulheres ainda mais baixa, movendo-se dos 10% (1978) para 13,6% (1980); dos 20,4%
(1982), descendo para 10,3% (1984); e de 9,7% (1986)27.
O novo milénio revela uma subida na representatividade de mulheres artistas na
Bienal de Veneza, ainda assim longe de registos reveladores de igualdade entre homens
e mulheres. De todas as bienais, destaca-se a 49ª Bienal de Veneza (2001) intitulada,
pelo curador Harold Szeemann, de “Plateau of humankind”, onde foram incluídas 63
nações e 38 (16%) mulheres num total de 245 artistas28. Na press release da exposição
pode ler-se:
«A [exposição] “Plateau of humankind” não é um tema, na aceção tradicional, mas
sim uma declaração de responsabilidade - da história, dos acontecimentos nos dias
atuais. Ela abre uma dimensão... Artistas a olhar e a abordar o mundo, buscando e
recontando todas as múltiplas dimensões da humanidade contemporânea. A “Plateau of
humankind” serve para observar e captar os sentimentos e histórias que são narradas, e
através de obras de jovens artistas: desde problemas sociais, temas ambientais, os ritmos
da vida quotidiana, as novas tecnologias, a rede mundial de informação, o trabalho, a
felicidade, o desporto e a tragédia»29.
Sem conhecer a exposição nem as obras que a integraram, atendendo apenas à
baixa representatividade de mulheres (16%), podem colocar-se várias questões
relacionadas com os critérios de seleção do curador Harold Szeemann. Porque é que uma
exposição alusiva à humanidade, com as várias sub-temáticas relacionadas, tem tão
baixa representatividade de mulheres artistas? Serão os temas relacionados com a
humanidade melhor tratados por homens artistas? Ou, citando Deepwell, «as mulheres
artistas foram marginalizadas devido à falsa ideia de que elas não podem produzir
conhecimento sobre o que significa ser humano, mas apenas ideias sobre feminilidade e
maternidade?» (Cf. Deepwell, 2001: 11)
Não só nos Estados Unidos, México, Itália, mas por toda (ou quase toda) a Europa
se confirma que o «mercado de trabalho cultural é um sector tradicionalmente dominado
pelos homens» e em que, no entanto, «(…) as mulheres são mais qualificadas do que os
seus colegas do sexo masculino (…)»30 - assim revela o relatório “Unveiling the Status of
Women in Arts and Media Professions in Europe” da ERICarts31.
27
Números de Pauline Barrie “The Art machine Part 2”, Women Artists Slide Library Journal
(London) Feb/March 1988 nº 21 pp-16-17 Cf. Deepwell, 2001: 10
28
Os números revelados pela revista n. paradoxa são distintos daqueles que revelo nesta
investigação. No artigo acessível na plataforma são revelados um total de 130 artistas, dos/as
quais 27 são mulheres. Cf Deepwell, Katy (Ed.) “Two senses of representation: Analyzing the
Venice Biennale in 2001” n.paradoxa, online, issue 15 and 16 July/Sept 2001 and July 2002, UK
http://www.ktpress.co.uk/pdf/nparadoxaissue15and16_Katy-Deepwell_10-14.pdf.
Embora sejam indicadores distintos daqueles revelados nesta investigação, o que indicia que
alguém fez mal a contagem ou acedeu a diferentes números, ambas as recolhas confirmam uma
baixa presença de mulheres na Bienal de 2001.
29
Tradução livre do autor: Press Release da Bienal Internacional de Veneza 2001
http://www.absolutearts.com/artsnews/2001/06/06/28654.html.
30
Cliché, Danielle; Mitchell, Ritva; Wiesand, Andreas (Eds.) 1999, Unveiling the Status of Women
in
Arts
and
Media
Professions
in
Europe;
Hamburg,
Germany
http://ericarts.org/web/projects.php?aid=58&lid=en&al=&rid=320.
31
Idem
14
Rui Pedro Fonseca
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
International Journal on Working Conditions, No. 5, June 2013
International Journal on Working Conditions, No. 5, June 2013
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
Notas conclusivas
A história da arte tem tido um papel substancial em dar consistência à pedagogia
académica artística que, ao longo dos últimos cinco séculos, tem fixado identidades
sexuais dentro de uma lógica polarizada, onde a representação de homens e mulheres se
apresenta altamente díspar. A objetificação e submissão dos corpos das mulheres que
surgem representados em prol do prazer do olhar masculino; a relegação das mulheres
para papéis secundários emerge como inversa aos papéis dos homens, que surgem
invariavelmente ativos e privilegiados. Em vez de as narrativas da história acerca da
produção artística desconstruírem os cânones de género, legitimam-nos e consolidam-nos
como referência dos valores universais.
Adicionalmente, a história da arte confirma a ocultação e marginalização do trabalho
de mulheres artistas, assim como o favorecimento do trabalho de homens, quer pela
visibilidade atribuída, quer pelas narrativas e adjetivações valorativas exclusivas ao
“génio”, à “mestria” na conceção de “obras-primas” – que surgem, por regra, associadas
ao sexo masculino.
A história da arte é refletora de um sistema artístico que, ainda no período
contemporâneo, evidencia diferentes modos de tratamento em relação a homens e
mulheres que pretendem consagrar-se como artistas. Tal como demonstram os casos do
México, Alemanha, EUA, França e Itália, as mulheres artistas têm presentemente uma
visibilidade nitidamente menor em relação aos homens em feiras internacionais, museus,
galerias, acervos, bases de dados, coleções, publicações e em postos de decisão. O
relatório ERICarts confirma que o sector cultural, num panorama geral, privilegia
essencialmente homens, e cria mais obstáculos para que mulheres artistas alcancem
mais visibilidade - embora estas apresentem mais qualificações.
32
Statistics about women artists in the art
http://www.ktpress.co.uk/feminist-art-statistics.asp
world
(2011)
Kt
Press,
n.Paradoxa,
15
Rui Pedro Fonseca
Como consequência da dominação masculina nos postos de poder do campo
artístico, o relatório ERICarts revela que «na década de 1990, a presença das mulheres
artistas no campo artístico situava-se entre 38% a 45%; (…) e de 3% a 20% nos
estabelecimentos de ensino»32.
No que respeita à frequência de estudantes no ensino artístico: «Em muitos ramos
artísticos, da cultura e de outros cursos relacionados, o número de estudantes do sexo
feminino excede o número de estudantes do sexo masculino. Há registos de que as
mulheres permanecem em instituições académicas muito mais tempo do que os homens
e adquirem mais pós-graduações e graus posteriores» (Cliché, Danielle; et al.: 1999).
O estudo ERICarts menciona pontos comuns por toda a Europa em que: «o nível de
rendimentos das mulheres em comparação com o dos homens é, em média, 20-30% mais
baixo, e o seu acesso a postos de tomada de decisão ou de outras posições de controlo
criativo continua a ser limitado. Estes dois factos não refletem as suas qualificações e
conhecimentos» (Idem).
International Journal on Working Conditions, No. 5, June 2013
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
Uma presença e representatividade mais igualitária entre os géneros no campo da
arte requer, antes de mais, uma disciplina da história da arte desmasculinizada, também
escrita por mulheres, que adote um rompimento linguístico relativamente a termos
discriminatórios sempre proferidos no masculino como - “artista génio”, mas que
normalmente estão isentos de qualquer questionamento por parte de quem os veicula.
Ou, ainda, há que reformular as velhas conceções linguísticas e permitir que “obrasmestras” ou “génias”, entre outras expressões valorativas do gosto legitimador, sejam
também aplicadas às mulheres.
Uma história da arte mais igualitária, no que respeita às próprias conceções dos
corpos e das identidades de género, renunciaria representações artísticas objetificantes
das mulheres ou, então, legitimaria essas formas de representações artísticas expondo a
sua natureza objetificante, muitas vezes misógina. Por fim, uma história da arte mais justa
tem de consagrar nomes de mulheres artistas para que estas também tenham a
oportunidade de se tornar em marcos culturais, em referências.
Apenas um gatekeeping que permita uma mais equilibrada exposição e consagração
de homens e mulheres, mediante a implementação de políticas focadas na igualdade de
género, dará às mulheres mais possibilidades de desenvolverem as suas carreiras
artísticas. Uma das medidas passaria pela adoção de leis pela igualdade de género que
recomendassem às administrações públicas políticas de paridade na legitimação e
consagração artística.
Também, desde as administrações públicas, é imperativa a adoção de políticas
culturais que evitem a marginalização e a exclusão social. Ao invés, devem ser
implementadas medidas estruturais que promovam a paridade entre agentes culturais
(curadores/as, críticos/as, etc.) e, por sua vez, que os seus mecanismos de legitimação
sejam preconizadores da variedade de opiniões e ideologias, de diversos estilos artísticos,
de variadas técnicas e suportes; mas também inclusivos de grupos minoritários (desde
mulheres artistas, negros/as, pessoas com deficiência, movimentos sociais, etc.) de
maneira a promover a diversidade e a representatividade de várias fações sociais.
Há que introduzir incentivos específicos e oportunidades para mulheres artistas –
e.g. prémios e bolsas de estudo (em particular de estudos no estrangeiro), que muitas/os
citam como as principais portas (“gates”) (Cf. Conde, 2003: 323); mas também há que
promover concursos de arte e prémios dirigidos a mulheres artistas que almejem mais
visibilidade.
É pertinente mobilizar redes locais, nacionais e internacionais, apelativas para a
inclusão de apoios económicos (quer através do mecenato; quer institucionais, públicos
ou privados). Importa também abarcar instituições artísticas (universidades, galerias,
centros culturais ou museus) que atuem em rede em torno da projeção de políticas de
igualdade.
É, também, indispensável a mobilização de agentes artísticos que tenham interesse
em aumentar a visibilidade e reconhecer o devido valor a muitas mulheres artistas. Por
fim, convém que os/as teóricos/as (intelectuais, editoras, académicos/as, críticos/as,
comissários/as historiadores/as) que escrevem sobre arte aumentem o número de
menções a obras de arte produzidas por mulheres artistas pelo principio de que, as
consagradas na história da arte de hoje, se tornem nas referências e role-models das
gerações vindouras.
16
Rui Pedro Fonseca
Prospetos para a igualdade de género no campo artístico
International Journal on Working Conditions, No. 5, June 2013
A cena artística internacional ainda perpetuadora de assimetrias de género
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Rui Pedro Fonseca
Referências