faça o da revista copafest – edição 4
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faça o da revista copafest – edição 4
REVISTA COPAFEST. ED. 02 | 2011 e mais Arthur Verocai, Edu Lobo, Mauro Senise, Gilson Peranzzetta E Lincoln Olivetti SURPRESA uma noite de baile ÍNDICE 4 . Editoral por Bernardo Vilhena 6. MÚSiCa iNStrUMENtal: aprecie sem moderação por Reinaldo Figueiredo 12 . airto MorEira: a percussão brasileira encontra o mundo por Frederico Coellho 16 . o PoNto MaiS alto da MÚSiCa BraSilEira com Edu lobo, Mauro Senise e Gilson Peranzzeta por Hugo Sukman 22 . Bora BalaNÇar CoM liNColN oliVEtti E ClUBE do BalaNÇo? por Jorge Espirito-Santo 28 . artHUr VEroCai: um sopro a frente do seu tempo por Charles Gavin 34 . dESENHaNdo tiPoS EM CoPa por Bruno Drummond 37 . ProGraMaÇÃo CopaFest EDITORIAL POR BERnaRDo VilHEna Mensageiros de invenções 4 Festivais no meio da rua, shows em barzinhos, novas casas, a música instrumental brasileira vive um momento espetacular. Sob o pseudônimo de choro, bossa nova, jazz, speed samba, hard samba, sambalanço, a cada dia atrai mais público. experimental. Nosso palco tem sido cenário do encontro de artistas dos mais diferentes estilos e gerações. dessa forma, mantemos a tradição do Copacabana Palace, que tem na sua história uma galeria de grandes nomes da música. a razão disso é muito simples. Em primeiro lugar, a qualidade do músico brasileiro. Em seguida, o generoso espaço que a imprensa tem dado aos shows desses artistas. tudo isso conectado ao público que, através de redes sociais, se comunica e intensifica as trocas de informações, arquivos e curiosidades sobre o sempre novo mundo do improviso. o resultado é um movimento espontâneo e o anúncio de novos tempos para a música instrumental brasileira. a revista CopaFest reuniu um time de craques do jornalismo para apresentar os mestres, monstros, maestros e alquimistas que se emocionam e transmitem sua emoção para vocês uma plateia de ouvidos e corações abertos para estes mensageiros da invenção. o CopaFest procura fazer sua parte neste movimento, trazendo para o público uma seleção de artistas dedicados à essa verdadeira arte Bem-vindo à iV edição do CopaFest! Bem vindo a Copacabana - berço da moderna música instrumental brasileira -, o lugar que abrigou e ajudou a realizar os sonhos de músicos de todo o Brasil. Bernardo Vilhena é poeta e curador do CopaFest MúSICA INSTRUMENTAL: aprecie sem moderação POR REinalDo FiGUEiREDo 6 a base da minha dieta sempre foi música instrumental. desde criancinha. o primeiro programa de televisão que me lembro de ter gostado foi o da Bandinha do altamiro Carrilho, que era exibido no horário nobre (antes do repórter Esso), no final dos anos 1950. Muito tempo depois, fiquei sabendo que o acordeonista albino da banda não era sempre a mesma pessoa: às vezes era o Sivuca, às vezes era o José Neto e outras vezes também poderia ser o Hermeto Pascoal, irmão mais novo de Neto, seu sósia e substituto eventual. Quer dizer, quando tinha sete anos, talvez tenha visto o Hermeto tocar na tV. tempos depois, com uns 14 anos, saboreei pela primeira vez a música ao vivo. Foi quando assisti ao show Gemini V, com leny andrade, Pery ribeiro e Bossa 3. as vozes dos dois eram impressionantes, mas fiquei mais ligado no piano, no baixo e na bateria. No caso, luís Carlos Vinhas, octavio Bailly e ronie Mesquita. a partir daí, passei a consumir muitas bolachas de música instrumental e “jazz brasileiro”: Baden Powell, Jacob do Bandolim, Milton Banana trio e todos os outros trios... os anos passam e, em abril de 2010, estava eu no CopaFest, no Golden room do Copacabana Palace, bebendo e comendo música num banquete oferecido por Hermeto e seu grupo. o ex-sanfoneiro da bandinha do altamiro, mais uma vez, mandou muito bem. E esse foi apenas um dos grandes momentos que eu passei nesse festival que só tem servido pratos sensacionais. Pude degustar aqui dom Salvador, Marcos Valle, Cesar Camargo Mariano, osmar Milito, Paulinho trompete, Banda Mantiqueira... Mas o que eu achei mais bacana foi poder ver em ação os novos chefs, como david Feldman, Gabriel Grossi e Chico Pinheiro e a turma do Pagode Jazz Sardinha’s, que estão renovando o cardápio e botando novos temperos, mas sem esquecer as deliciosas receitas tradicionais. Não tenho nada contra os “canários”, que é como os músicos chamam os cantores. É claro que eu tenho minhas cantoras e cantores favoritos, mas, para mim, música instrumental é gênero de primeira necessidade. E o importante é a coisa ser ao vivo. Muitas vezes a gente até encara aquela música congelada da internet, num vídeo mal gravado e com um som péssimo. Mas bom mesmo é quando a música é feita na hora, ali, na sua frente, à minuta, e degustada em grande estilo, como no CopaFest. Reinaldo Figueiredo é integrante do Casseta & Planeta, contrabaixista da Companhia Estadual de Jazz e está em todas as edições do CopaFest GALERIA CopaFest 1ª EDIÇÃO A linguagem jazzística derruba dogmas, preconceitos e fronteiras agosto 2009 CAROL ROSMAN, curadora do CopaFest 2ª EDIÇÃO aBRIL 2010 Paulinho Trompete David Feldman César Camargo Mariano Paulo Moura Milito João Donato Eduardo Neves Chico Pinheiro Hermeto Pascoal 2ª EDIÇÃO 3ª EDIÇÃO aBRIL 2010 novembro 2010 Banda Mantiqueira Dom Salvador Zé Luis Vinil é Arte Marcos Valle Leo Gandelman Hector Del Curto A PERCUSSÃO BRASILEIRA ENCONTRA O MUNDO POR FREDERiCo CoElHo 10 Airto Moreira volta ao país para se apresentar no CopaFest Poucos músicos brasileiros podem dizer que tocaram com alguns dos maiores nomes da música mundial no último século. E um deles é airto Moreira. Famoso por fazer parte de bandas com, entre muitos outros, Hermeto Pascoal, Miles davis, Stanley Clark, Chick Corea, Santanna, Cannonball adderley, Eumir deodato, Keith Jarret, Wayne Shorter, ron Carter, Egberto Gismonti, Milton Nascimento e Herbie Hancock, o curitibano que atravessou cidades e sons desde seus 13 anos, encontrou na bateria - e depois no vasto mundo da percussão - seu espaço de atuação. Foi airto, na sua produtiva carreira ao longo dos anos de 1970, quem elevou a percussão brasileira a um novo patamar na história do jazz e da música norteamericana. Seu trabalho ao lado da sua mulher e parceira de vida, a cantora Flora Purim, abriu portas para outros músicos e expandiu os limites da sonoridade brasileira no universo musical de outras escolas. Foi Airto, na sua produtiva carreira ao longo dos anos de 1970, quem elevou a percussão brasileira a um novo patamar na história do jazz e da música norte-americana. Sua contribuição decisiva em um dos momentos mais importantes da trajetória de Miles davis, o disco “Bitches brew”, marcou definitivamente sua história pessoal. Foi por causa desse disco que airto permaneceu na banda de Miles durante anos e, depois, participou do grupo Weather report, tornando-se um dos músicos centrais para a criação do fusion jazz. Com mais de uma dezena de discos solos ou ao lado de Flora, sua carreira se consolidou com sucesso de público e crítica entre os meios musicais mais exigentes, tornando-se um músico premiado e artista consagrado. Mas a carreira de Airto não é uma carreira que começou nos Estados Unidos ou que deve seu brilho apenas ao jazz norte-americano. Aqui no Brasil, ainda em meados dos anos de 1960, Airto foi um dos participantes da cena musical que fundaria a moderna canção popular brasileira ao redor da sigla MPB. Em 1966 ele venceu como intérprete, ao lado da cantora Tuca, o primeiro Festival Nacional de Música Popular Brasileira, cantando em dueto a canção “Porta estandarte”, de Geraldo Vandré e Fernando Lona. Dois anos depois, participava com o Quarteto Novo da Frederico Coelho é ensaísta, pesquisador e professor de Literatura Brasileira e Artes Cênicas da PUC-Rio. clássica interpretação de “Ponteio”, defendida pelo compositor Edu Lobo no III Festival da Música Popular e vencedora do primeiro lugar. No mesmo ano de 1967, já com discos gravados e boa situação profissional, Airto segue Flora Purim e ambos se instalam definitivamente no Estados Unidos, onde vivem até hoje. Além de baterista e percussionista renomado, Airto Moreira traz em sua trajetória a excelência dos grandes músicos que fazem do seu instrumento não apenas um trabalho, mas, sim, um meio de se relacionar com o mundo. As experiências sonoras e os estudos de Airto o levaram ao mundo das trilhas sonoras de Hollywood (com filmes como “Apocalipse now” em seu currículo) e das salas de aula, cuja atuação em universidades norteamericanas o conduziram ao universo da etnomusicologia. Para o percussionista, sua relação com os sons do mundo não podiam ficar restrita ao palco e aos estúdios. Hoje, mesmo mais afastado das gravações (seu último disco, “Life after that”, é de 2003), Airto continua espalhando seus sons e suas ideias ao redor do mundo e agora, para nosso privilégio, no palco carioca do CopaFest. O PONTO MAIS ALTO DA MúSICA BRASILEIRA POR HUGo SUKMan O encontro de Edu Lobo, Mauro Senise e Gilson Peranzzeta 14 Embora tenha estourado pelas mãos (ou melhor, pela voz e pelos braços miticamente girando como se fossem hélices) de uma cantora, Elis regina, e de uma música com letra, e letra de Vinicius de Moraes, “arrastão”, Edu lobo deve grande parte da intensa perenidade de sua obra aos músicos e à música instrumental, daqui e de alhures. Peguem, assim, ao acaso, qualquer canção - aqui seria mais apropriado chamar de “tema” - qualquer um dos 12 temas de seu lP de estreia, “a música de Edu lobo por Edu lobo”, gravado em 1964. Para cada gravação com letra de um “reza”, de um “resolução”, de um “Borandá”, ou mesmo de um hit como “arrastão”, há pelo menos meia dúzia de gravações instrumentais. ou seja, desde o início e para sempre Edu lobo seria, dos nossos compositores, o maior fornecedor de standards para o instrumental brasileiro e para o jazz internacional. É claro que a música de Edu, em si, se presta a essa função tão nobre dos compositores de canção, que é o de inspirar solistas (como radamés Gnattali, por exemplo, que reinventou “Ponteio” ao piano), os trios (como o Jongo, o tamba, o Zimbo, o 3 d, o Bossa Jazz, o de Manfredo Fest, só para ficar nos mais famosos e entre muitos outros que improvisaram sobre “reza”, assim que ele foi lançado), os quartetos, os grupos de câmara, as orquestras, os jazzistas (o saxofonista Paul desmond, por exemplo, cansou de gravar temas de Edu). São melodias lindas, trabalhadíssimas e inusitadas, bases harmônicas ricas e instigantes, e uma variedade rítmica que praticamente se oferecem aos músicos mais espertos. Mas além de ser um compositor com essas características raras, similares às dos grandes songwriters americanos como Gershwin, Cole Porter ou Jerome Kern, e brasileiros como tom Jobim, dori Caymmi ou Milton Nascimento, Edu lobo parece sempre ter buscado essa parceria muito íntima com os melhores instrumentistas. Não é de jeito nenhum por acaso que já no primeiro lP ele apareça escorado pelo tamba trio, de seu mestre luiz Eça, em 11 das 12 faixas. isso, além dos arranjos de Eça com toda inventividade que ele tinha direito, revelou a potencialidade das canções logo nas primeiras gravações e, muito provavelmente, explica a quantidade absurda de versões instrumentais que se sucederiam nos anos seguintes. logo nos primeiros anos de carreira, Edu estenderia suas parcerias instrumentais com músicos e estilos distintos, como a violonista rosinha de Valença (com quem excursionou pela primeira vez para a Europa, ao lado da cantora Silvia telles) ou o Quinteto Villa-lobos, o grupo de câmara que, naquele momento de forma rara, unia clássico e popular. E permanecia sempre ao lado do tamba trio e dos arranjos de luiz Eça. 17 A ousada arquitetura da música brasileira Ele foi aluno de Paulo Moura, um dos sopros mais inventivos que o CopaFest já apresentou até agora – palmas também para Nailor Proveta, Edu Neves, Leo Gandelman, Zé Luís e Paulinho Trompete. Mas vamos falar de Mauro Senise, que tocará obras-primas de Edu Lobo na abertura da quarta edição do festival. Ao longo de quatro décadas a serviço da música, o saxofonista e flautista atuou ao lado dos maiores nomes do instrumental brasileiro, entre eles Toninho Horta, Egberto Gismonti, Luiz Eça, Cristovão Bastos, Victor Assis Brasil e Romero Lubambo. Há 20 anos mantém um duo com o pianista Gilson Peranzzetta e, mesmo quando assina sozinho algum disco, é possível ouvir as digitais do parceiro. Citado pelo maestro e produtor Quincy Jones como um dos maiores arranjadores do planeta, Gilson Peranzzetta é um estilista da música. Dedilha as teclas do piano com criatividade, delicadeza e elegância, sem jamais perder a brasilidade. Nos últimos 20 anos, gravou mais de 40 discos solo e centenas de bolachas para diversos artistas como arranjador, pianista e produtor. Suas músicas foram registradas por peso pesados como Toots Thielemans, Dori Caymmi, George Benson, Sara Vaughan, Ivan Lins, Nana Caymmi e o supracitado Quincy Jones. Peranzzeta reforça a tradição do festival em apresentar pianistas de mãos cheias, como Dom Salvador, César Camargo Mariano, David Feldman, Marcos Valle e Hermeto Pascoal. Edu nunca parou de receber gravações e tributos. Um dos mais notórios é o CD “Casa Forte - Mauro Senise toca Edu Lobo”, de 2006, no qual os standards de Edu são recriados por um dos seus sopros preferidos, acompanhado pelo piano de Gilson Peranzzetta. Em 2006, Senise e Peranzzetta uniram suas potências sonoras no álbum “Casa Forte – Mauro Senise toca Edu Lobo”, que rendeu também um DVD gravado ao vivo na Sala Cecília Meireles no ano seguinte. Generosamente, Edu Lobo abriu seu caderno de inéditas assim que soube do projeto e ainda fez uma participação especial em “Canção do amanhecer”. Depois deste lançamento tão celebrado, a dupla retorna à estrada com “100 anos de Noel Rosa”, lançado em CD e DVD neste 2011. Porém, antes de buscar as releituras da obra do Poeta da Vila, vamos de Edu Lobo através dos sopros de Mauro Senise e das teclas de Gilson Peranzzetta no CopaFest? (E aqui cabe um parênteses. Embora neto musical de Villa-Lobos, filho de Tom Jobim e irmão de Dori Caymmi, Edu Lobo sempre atribuiu o título de mestre a Luiz Eça. E faz uma comparação precisa, ainda que aparentemente bizarra: o que Berklee, a famosa escola de música de Boston, representou para a formação musical das gerações seguintes, para a dele, ou melhor, para ele, essa função foi de Luiz Eça, seguramente o arranjador e músico mais inventivo da música brasileira naqueles anos 1960 ao lado apenas de um outro músico: Hermeto Pascoal). E com quem Edu Lobo engrenaria uma parceria a partir de 1967? Sim, ele, Hermeto Pascoal e seu Quarteto Novo, a bateria e a percussão pioneira de Airto Moreira, o violão consistente de Theo de Barros (que, anos antes, amigo de adolescência de Edu, fez ele trocar o acordeão pelo violão, dando-lhe as primeiras lições do instrumento) e a viola selvagem de Heraldo do Monte, dando pela primeira vez um tratamento jazzístico e revolucionário à música brasileira mais telúrica, do Nordeste e dos rincões caipiras do Centro-sul. Se com o Tamba e Luiz Eça, a música de Edu Lobo revelou-se rica para um arco estético que ia do samba-jazz ao clássico, com Hermeto e o Quarteto Novo ela abriu-se definitivamente para outros gêneros, notadamente nordestinos, embutidos na própria composição, e sem perder as características de standards, de temas feitos para o improviso ou a reinvenção. “Ponteio”, ela própria inspirada na estética nordestina, foi o primeiro e mais notável fruto da parceria Edu Lobo-Quarteto Novo. A ligação de Edu com o Quarteto Novo renderia uma obra-prima: o LP “Cantiga de longe”, gravado em 1970, em Los Angeles, quando todos estavam radicados nos Estados Unidos, premidos pelo clima irrespirável da ditadura militar brasileira e pela pesquisa musical e o contato com músicos de jazz (e no caso de Edu também com o desejo de aprender mais sobre música de cinema e teatro). Assim como em seu primeiro trabalho, seis anos antes com o Tamba Trio, em “Cantiga de longe” as canções de Edu ganhariam um tratamento instrumental e arranjos tão marcantes e modernos que revelariam mais uma vez toda a sua potencialidade e complexidade. Eram canções-temas que de forma modernista davam nova dimensão ao Brasil (visto de longe) e à música brasileira, em peças sem letra como “Casa Forte”, “Zanzibar” e “Aguaverde”, a revisita evocativa e subversiva a gêneros como frevo (“Frevo de Itamaracá”), marcha-rancho (“Rancho do ano novo”), e música de carnaval (um “Zum-Zum”, de seu pai, Fernando Lobo, todo torto) e algumas das canções mais densas e modernas compostas por Edu, como “Marta e Romão”, “Cidade nova” e “Feira de Santarém”. Com Hermeto, em Los Angeles, Edu ainda fez o “Sergio Mendes presents Lobo”, bom mas não tão marcante. O fato, contudo, é que Edu Lobo fechou os anos 1960 e, com menos de uma década de carreira, como o grande compositor de sua geração. E, como se vê, título muito tributário do interesse que suas composições despertaram nos músicos e na intensa parceria que manteve com os dois mais influentes músicos brasileiros, Luiz Eça e Hermeto Pascoal. Em Los Angeles, Edu estudaria formalmente música pela primeira vez e daria base teórica ao que antes era intuitivo. Voltou ao Brasil e ampliou seu leque estético ao infinito, sobretudo por seu trabalho em scores para teatro e balé e trilhas sonoras para cinema, sem nunca abandonar a construção de um dos mais densos cancioneiros da música brasileira. Neste período, sua relação com os instrumentistas e, principalmente, com os maestros só se tornou mais íntima. Embora autossuficiente, pelo menos desde quando estudou orquestração nos Estados Unidos, Edu sempre manteve estreita colaboração com arranjadores como Chiquinho de Moraes, Cristovão Bastos e Nelson Ayres, principalmente, estes dois últimos também companheiros de palco, ao piano. Com os músicos brasileiros, Edu também nunca parou de receber gravações e tributos. Um dos mais notórios é o CD de Mauro Senise, “Casa Forte - Mauro Senise toca Edu Lobo”, de 2006, no qual os standards de Edu são recriados por um dos seus sopros preferidos (Edu sempre se referiu a Senise com um de seus timbres prediletos no saxofone, um som flautado, quente, como o de um Paul Desmond, ideal para sua música). Esse trabalho se desdobrou em vários concertos dos dois, acompanhados também pelo piano de Gilson Peranzzetta. O trio se apresentou até em salas de concerto da Europa, com a Metropole Orchestra, da Holanda. É a coroação de uma relação de mais de 50 anos entre Edu e os músicos brasileiros. É mais ou menos isso que será celebrado no encontro de Edu com Senise e Peranzzetta no palco do CopaFest: o ponto mais alto que a música brasileira alcança. O que não é, de jeito nenhum, pouca coisa. Hugo Sukman é jornalista e autor do livro “Histórias Paralelas - 50 anos de música brasileira (Casa da Palavra)” BORA BALANÇAR com Lincoln Olivetti E CLUBE DO BALANÇO? CopaFest revive bailes dos anos dourados 22 Em uma tarde de veranico de agosto, a inconfundível voz anasalada de Bernardo Vilhena me pergunta ao telefone se eu cheguei a frequentar os bailes da Orquestra de Ed Lincoln. Infelizmente, quando Ed Lincoln e seu órgão embalavam principalmente as festas de formatura lá pelos anos 60, eu ainda dava os primeiros passos no aprendizado da língua portuguesa. Mesmo assim, alguns anos depois, eu já ouvia aquele sambalanço saído dos seus teclados. Naquela época, nem sabia direito porque gostava tanto daquela levada e ainda não tinha idade para roçar umas coxas pelos salões dos clubes do Rio de Janeiro. POR JORGE ESPiRITO-SANTO Mas antes de tomar conta dos salões de bailes da década de 60, o cearense Ed Lincoln desembarcou no Rio de Janeiro nos anos 50, e foi tocar contrabaixo, piano e órgão no conjunto de Dick Farney, além de tocar ao lado de Luiz Eça e Johnny Alf. Esse era o tempo das apresentações nas boates Plaza, Drink e logo depois vieram as famosas Domingueiras Dançantes do Monte Líbano. Daí, então, se seguiu mais de uma década de gravações de LPs que se tornaram clássicos e que incluíram “Saudade fez um samba”, “Só danço samba”, “Vamos balançar”, “Um samba gostoso”… E por suas orquestras passaram crooners como Orlandivo, Toni Tornado, Silvio Cesar, Emilio Santiago, sem falar em músicos como Luiz Alves, Wilson das Neves, Marcos Montarroyos e Paulinho Trompete, entre outros. Os reis do samba rock balanço bom é coisa rara O samba rock é a afirmação musical e cultural do negro paulistano. São mais do que tradicionais os bailes chiques, onde os homens exibiam paletó e gravata e as mulheres, de salto alto e vestidos da última moda, faziam a diversão e a cabeça de uma geração, que se transformou em pais e mães dos manos e das minas criadores da cultura hip hop paulista. O Clube do Balanço (CDB) é a mais perfeita tradução desta mistura. Eles têm se apresentado regularmente na Europa e reafirmam, toda semana, o poder da sua música em bailes na capital paulistana. Quando Erasmo Carlos gravou sua participação no primeiro disco da Banda, em 2001, afirmou: “conheço o samba rock desde o seu nascimento, mas pela primeira vez gravo com os profissionais”. Não é pouca coisa. A crítica especializada considera o repertório do Clube do Balanço uma obra “auditiva enciclopédica” e “o melhor da produção suingueira nacional entre o fim dos anos 60 e o começo dos 70”. Você pode conhecer essas músicas nos discos “Swing & samba-rock” (2001, Regata), “Samba incrementado” (2006, MCD) e “Pela contramão” (2009, YB Music). Os músicos do CDB são: Marco Mattoli, (guitarra), Edu Salmaso (bateria), Fred Prince (percussão), Tiquinho (trombone), Marcelo Maita (teclado), Fumaça (percussão), Gringo Pirrongeli (baixo), Reginaldo Gomes (trompete). Você é obrigado a tocar todos os estilos, levar o baile a sério. Tem que ter muita versatilidade”. Quem sabe bem do que Olivetti está falando é Marco Matolli, que conheceu o som de Ed nos bailes e nas lojas de vinil do Centro de São Paulo. além do inconfundível órgão, um dos destaques da orquestra de Ed lincoln eram os dois trompetes que ajudavam a garantir o suíngue do sambalanço, com uma certa oposição à levada da bossa nova. Quem lembra desses detalhes é lincoln olivetti, que não teve oportunidade de tocar na orquestra com Ed lincoln, mas vê nela uma referência de qualidade comercial na música. “Ed foi a porta de entrada para se conhecer esse tipo de música, levar a linguagem do sambalanço para o povo”, diz olivetti. É dos seus anos de acordes pela música brasileira que lincoln olivetti afirma que bailes como os de Ed lincoln eram para os músicos uma verdadeira escola como Berklee. “Você é obrigado a tocar todos os estilos, levar o baile a sério. tem que ter muita versatilidade”. Quem sabe bem do que olivetti está falando é Marco Matolli, que conheceu o som de Ed nos bailes e nas lojas de vinil do Centro de São Paulo. Um jeito Lincoln de ser quando a música toca todos começam a dançar lincoln olivetti é natural do rio de Janeiro. instrumentista, arranjador, compositor e produtor musical, ele é - como se diz na gíria dos músicos - o baile. Em sua longa carreira, já fez arranjos para artistas do primeiríssimo time da MPB. tim Maia, Jorge Ben, rita lee, Gilberto Gil, roberto Carlos, Gal Costa, Caetano Veloso e Maria Bethânia tiveram seus sucessos embalados pelas mãos e pelas ideias desse mago dos teclados. Com 13 anos, já se apresentava com seu conjunto e botava todo mundo pra dançar em bailes nos clubes de subúrbio do rio. lincoln cursou as faculdades de música e engenharia eletrônica. Não se diplomou, mas virou um catedrático nesses assuntos. Na década de 70, conheceu robson Jorge, e iniciou uma parceria que viria a mudar a cena Baile na cidade e no país. Em 1982, lançou seu único e indispensável disco: “robson Jorge e lincoln olivetti”, pela gravadora Som livre. No CopaFest, lincoln vai fazer uma homenagem ao seu xará Ed lincoln. Podemos afirmar, sem medo de errar, que essa mistura de lincolns resume a história dos bailes na cidade do rio de Janeiro. Há mais de dez anos à frente do Clube do Balanço, que sacode os bailes com uma mistura de sambarock, sambalanço e soul da melhor qualidade, Matolli se ressente que o órgão à brasileira é uma escola perdida da nossa música. “temos hoje grandes pianistas, tecladistas, mas o orgão é uma especialidade. Queria estar enganado, mas não conheço nenhum representante brasileiro atual que toque samba e orgão....”, refleta Matolli. Essa escola talvez tenha começado a se perder lá pelos anos 70, com o fim também da época dos bailes com orquestra. o próprio Ed lincoln se recolheu, primeiros para os estúdios, depois para sua casa em Petrópolis, onde ainda vive. Porém, quem teve oportunidade de balançar nas domingueiras do Monte libano, com Ed lincoln, ou mesmo para quem que, como eu, aproveitou as também domingueiras do Grazie dio, com o Clube do Balanço, a ideia de se fazer novos bailes no Copa soa como um sambalanço tocado em um órgão. Bora balançar? Jorge Espirito-Santo é jornalista e diretor de TV Um som à frente do seu tempo Arthur Verocai faz, pela primeira vez no Rio de Janeiro, o show “timeless” POR CHARLES GAVIN 28 Entrei em contato com a música de Arthur Verocai quando pilotava um projeto de reedições de discos essenciais da música brasileira para a Warner. Além de minha pesquisa pessoal, ouvia sugestões de alguns colaboradores – um deles era Katsunori Tanaka, produtor que sempre andava pelo Rio de Janeiro gravando ícones do samba para selos independentes do Japão. Perguntei-lhe quais discos gostaria que eu colocasse no projeto. A resposta foi: “Você tem que lançar o LP do Verocai de 1972. É exatamente isso que os fãs da música brasileira aqui estão esperando”. Eu já tinha ouvido falar desse trabalho e de como se tornara cult, porém, o pedido enfático do nobre colega me instigou ainda mais – sempre me incomodou o fato de que plateias de outros países identificam eventos importantes de nossa cultura antes de nós mesmos, sendo que alguns deles acabam caindo no esquecimento total (uma dia alguém fará um guia do tipo “O melhor da música brasileira que você nunca ouviu falar”). Pedi uma cópia à Warner, atual dona do catálogo da Continental, gravadora com sede em São Paulo, que lançou o álbum que os japas tanto queriam. Ao ouvi-lo, a ficha caiu imediatamente: o primeiro trabalho solo de Arthur Verocai combinava, de forma sofisticada e autoral, suas principais influências (Villa-Lobos, Ravel, Debussy, Stan Kenton, Frank Zappa, Crosby, Stills, Nash&Young e Milton Nascimento) com a bagagem profissional adquirida nos trabalhos em que atuou como arranjador (o histórico programa da TV Globo “Som Livre Exportação” e discos de Ivan Lins, entre outros). As orquestrações e a instrumentação (piano elétrico e sintetizadores) escolhidas por Verocai o ajudaram na criação de um sound design arrojado, muito diferente do que se fazia na época. Obviamente a ênfase estava nos arranjos e timbres e, mesmo que as canções tivessem vocais, a estética estava mais próxima da música instrumental. Produzido com largas doses de espontaneidade e sem preocupações mercadológicas, o disco do maestro carioca acabou sendo a materialização das ideias que pairavam em sua cabeça e estavam, simplesmente, à frente do seu tempo. Suas gravações dos anos 70, aquelas que, de certa forma, motivaram seu retiro artístico e espiritual, foram redescobertas pelas novas gerações e estavam servindo de matériaprima para DJs, rappers e produtores mundo afora. A Continental, companhia acostumada a gravar gêneros mais populares, não sacou a proposta e apenas distribuiu o LP, optando por não investir um centavo sequer em sua divulgação. Para dificultar ainda mais, a imprensa especializada também não captou a mensagem e a estreia do trabalho solo de Arthur Verocai passou a léguas de distância dos radares da mídia. O mestre, elegantemente, saiu de cena e foi viver sua vida, ainda trabalhando com música, mas de outra maneira. E o álbum que levava o nome de seu criador, transformou-se numa joia rara, absolutamente desconhecida por aqui. Coisas do Brasil... Infelizmente o pedido de Katsunori Tanaka não pode ser atendido – o disco não foi relançado. Porém uma outra via já estava em curso, reconstruindo passo a passo a carreira de Verocai. Suas gravações dos anos 70, aquelas que, de certa forma, motivaram seu retiro artístico e espiritual, foram redescobertas pelas novas gerações e estavam servindo de matéria prima para DJs, rappers e produtores mundo afora. É a música pop contemporânea bebendo nas fontes do passado. Charles Gavin é produtor, músico, pesquisador e apresentador O álbum de Verocai foi recortado, colado e sampleado inúmeras vezes por gente de peso e um simples exemplar em LP acabou sendo vendido no site Ebay pela bagatela de cinco mil dólares, tornandose o disco brasileiro mais caro da história. Esses acontecimentos foram decisivos para que o músico, arranjador e compositor carioca retornasse aos estúdios para gravar dois ótimos álbuns: “Saudades demais” (2002) e “Encore” (2007). Ao contrário do que aconteceu em 1972, as críticas foram excelentes. Mais à frente, em 2009, um outro trabalho, iniciativa de fãs norte-americanos, deu testemunho da vitalidade de Verocai: o registro audiovisual do show “Timeless”, realizado em Los Angeles. Foi uma celebração mais do que justa, passando pelas fases inicial e atual de seu trabalho. Lançado nos Estados Unidos e Europa, o DVD “Timeless” foi aclamado pelo público e também pela crítica. Dois anos depois, após passar por vários palcos, esse show finalmente chega ao Rio de Janeiro para quarta edição do CopaFest. Para aqueles que ainda não conhecem a música atemporal de Arthur Verocai, a hora é essa. A Revista CopaFest pediu ao desenhista Bruno Drummond para retratar alguns tipos de Copacabana. 34 DESENHANDO TIPOS EM COPA “É como caçar, você escolhe a presa, fixa o olhar e tenta se mover o mais vagarosamente possível. Quando ela relaxa, você traça.” editor Bernardo Vilhena assistente Carol Rosman Idealização Bernardo Vilhena Isabel Seixas sub editora Monica Ramalho realização Isabel Seixas Diogo Rezende M´Baraká Experiências Relevantes projeto gráfico Cassia D’Elia M´Baraká colaboradores Bruno Drummond Charles Gavin Frederico Coelho Hugo Sukman Jorge Espirito-Santo Reinaldo Figueiredo Produção Rita Vilhena Beatriz Tafner Contatos M´Baraká www.mbaraka.com.br [55 21] 2279.4504 Curadoria Carol Rosman Bernardo Vilhena Direção de arte M´Baraká Experiências Relevantes Cássia D’Elia Cenografia Diogo Rezende Projeto Gráfico Cassia D’Elia M´Baraká assistente Laura Santiago Iluminação Fernanda Mantovani Coordenação do projeto Isabel Seixas Coordenação de produção Erika Candido Rita Vilhena Produção executiva Beatriz Tafner Assistente de produção Rodolpho Faria Produção administrativa Mariana Ximenes Realização M´Baraká Experiências Relevantes Assessoria de imprensa Belmira Comunicação Monica Ramalho [email protected] 21 91630840 21 25357963 AÇÃO Trupe Festival PROGRAM CRÉDITOS Trupe Revista 20 OU 21h30 T Maur o Sen Gilso ise e n Per a convid nzze am E tta du Lo bo 21 OU T Bail e Clube d 23h00 Linco o Balanç o ln Ol nos in i terval ve t ti os Vi nil é Arte 22 O 21h00 21h00 23h00 UT Artu r Ver ocai Airto More ira & Eyeden tity 37