Avaliação Psicológica Pericial: Áreas e Instrumentos

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Avaliação Psicológica Pericial: Áreas e Instrumentos
Avaliação Psicológica Pericial: Áreas e Instrumentos
setembro/2014
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Avaliação Psicológica Pericial: Áreas e Instrumentos
Flávia Hermann Jung – [email protected]
Avaliação Psicológica
Instituto de Pós-Graduação – IPOG
Goiânia-GO, 14 de agosto de 2013
Resumo
A avaliação psicológica pericial ou perícia psicológica forense difere de outros tipos de
avaliação psicológica em função do seu objetivo final: subsidiar decisões legais, quando
estas dependem de um entendimento acerca do funcionamento psicológico do(s)
envolvidos(s). Deste modo, a perícia psicológica pode se fazer presente em questões
relacionadas ao Direito de Família, ao Juizado da Infância e Juventude, ao Direito Civil, ao
Direito Penal e ao Direito do Trabalho. Os instrumentos utilizados nas perícias psicológicas
são praticamente os mesmos utilizados nas avaliações clínicas, pois no Brasil faltam
instrumentos criados especificamente para avaliar aspectos subjetivos que relacionem-se com
as questões legais. Este artigo buscou demonstrar como a perícia psicológica insere-se nas
diferentes áreas do Direito e quais instrumentos e testes são mais utilizados nestas
avaliações.
Palavras-chave: Perícia Psicológica. Testes psicológicos. Direito.
1. Introdução
A avaliação psicológica, processo pelo qual através de instrumentos apropriados
(entrevistas, técnicas e testes psicológicos, observações, etc.) chega-se a conclusões a respeito
de aspectos do funcionamento psicológico de um indivíduo, encontra-se presente em
diferentes campos de atuação do psicólogo. Assim sendo, insere-se também no campo da
Psicologia Forense, sendo conhecida como avaliação psicológica pericial ou, mais
comumente, perícia psicológica forense. A perícia psicológica se diferencia de outros tipos de
avaliação psicológica pelo fato do seu objetivo ser subsidiar decisões judiciais.
A perícia psicológica insere-se no campo interdisciplinar da psicologia forense e da
psicologia clínica. Ibañez e Ávila definem a psicologia forense como sendo toda psicologia
“orientada para a produção de investigações psicológicas e para a comunicação de seus
resultados, assim como a realização de avaliações e valorações psicológicas, para sua
aplicação no contexto legal” (1990, apud ROVINSKI, 2003, p. 183). A perícia psicológica
forense pode ser definida como o exame ou avaliação do estado psíquico de um indivíduo
com o objetivo de elucidar determinados aspectos psicológicos deste; este objetivo se presta à
finalidade de fornecer ao juiz ou a outro agente judicial que solicitou a perícia, informações
técnicas que escapam ao senso comum e ultrapassam o conhecimento jurídico. Na perícia
psicológica, todo o processo de avaliação (a obtenção dos dados através de instrumentos
adequados, a análise dos dados e a comunicação dos resultados) deve ser direcionado aos
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objetivos judiciais.
Segundo Silva (2003), recorre-se à prova pericial quando os argumentos ou demais
provas de que se dispõe não são suficientes para o convencimento do juiz em seu poder
decisório, portanto, esta tem como finalidade última auxiliar o juiz em sua decisão acerca dos
fatos que estão sendo julgados. A perícia psicológica é considerada um meio de prova no
âmbito forense e sua materialização se dá através da elaboração do chamado laudo pericial. O
laudo pericial, que será apreciado pelo agente jurídico que o solicitou, deve ser redigido em
linguagem clara e objetiva para que possa efetivamente fornecer elementos que auxiliem a
decisão judicial, devendo responder aos quesitos (perguntas) solicitados, quando presentes.
Segundo a autora, embora o Direito exija respostas imediatas e definitivas, o laudo
psicológico poderá somente apontar tendências e indícios.
Segundo Rovinski (2003; 2004) as técnicas e os métodos de investigação utilizados na
avaliação psicológica forense não diferem de forma substancial do processo de avaliação
psicológica clínica, necessitando apenas de uma adaptação aos objetivos forenses. A eleição
da metodologia que será utilizada na perícia dependerá das especificidades de cada caso. A
coleta dos dados deve direcionar-se ao que deve ser investigado, assim, para que o psicólogo
selecione os instrumentos psicológicos mais adequados para cada caso, ele deverá se basear
na própria natureza do exame em questão e na prévia leitura dos autos do processo (com
especial atenção ao que demandou a perícia psicológica e aos quesitos formulados). Não
existem metodologias fixas para a realização de avaliações psicológicas periciais, sendo estas
construídas de acordo com as características do caso e do sujeito (nível de escolaridade, idade,
presença de limitações físicas ou mentais, etc). A leitura dos autos do processo propicia o
levantamento de hipóteses prévias antes do primeiro contato com o indivíduo e permite que a
entrevista seja direcionada para a investigação de tais hipóteses.
A metodologia utilizada nas perícias psicológicas seria, de modo geral, a seguinte: a)
leitura dos autos do processo (identificação da demanda, das questões psicológicas que serão
alvo da investigação pericial e dos quesitos que deverão ser respondidos pelo psicólogo); b)
levantamento das hipóteses prévias que nortearão a coleta dos dados; c) coleta dos dados
junto ao sujeito (entrevista inicial) e, quando necessário, junto a terceiros ou a instituições; d)
planejamento da bateria de testes/técnicas mais adequada para o caso; e) aplicação da bateria
de testes; f) interpretação dos resultados dos testes à luz dos dados colhidos nos autos
processuais e na(s) entrevista(s); g) redação do informe psicológico com o objetivo de
responder à demanda jurídica que motivou tal avaliação (e, quando presentes, responder aos
quesitos/perguntas constantes no processo judicial).
Este artigo tem a intenção de focar em uma etapa desta metodologia: relatar quais são
os instrumentos psicológicos mais utilizados nestas avaliações e expor as áreas do Direito nas
quais há demanda por avaliações psicológicas periciais.
2. Desenvolvimento
Apesar de se utilizar uma metodologia parecida com a utilizada na clínica, a avaliação
psicológica pericial possui algumas características próprias e específicas: a) dirige-se a um
foco específico, determinado pelo sistema judicial; b) busca-se informações precisas e exatas,
inclusive em outras fontes (escola, local de trabalho, etc.); c) o sujeito pode ser nãocolaborativo e apresentar uma resistência consciente à avaliação, devido à sua natureza
coercitiva; d) o sujeito pode intencionalmente distorcer os dados que fornece sobre si
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(simulação/dissimulação); e) há um maior distanciamento emocional entre o examinando e o
psicólogo, já que este último não é visto como alguém que está ali para ajudá-lo; f) o tempo
destinado à avaliação do examinando é menor, diminuindo a possibilidade de reconsideração
das formulações feitas (MELTON et. al, 1997, apud ROVINSKI, 2003).
Em uma perícia psicológica forense o psicólogo geralmente utilizará entrevistas e
testes psicológicos para conhecer os aspectos psíquicos do sujeito que se relacionam com a
questão legal pronunciada, buscando eleger quais instrumentos poderão auxiliá-lo nesta
investigação. No momento da escolha de quais instrumentos são mais adequados para um
determinado tipo de perícia psicológica, há de se considerar se estes podem responder à
demanda, ou seja, às perguntas formuladas pelos agentes jurídicos (ou seja, definem-se quais
atributos serão avaliados e quais são os instrumentos mais adequados para conhecê-los). Este
é um cuidado que deve existir em qualquer tipo de avaliação psicológica e que, na perícia
psicológica, deve ser revestida de um cuidado especial, pois a grande maioria dos
instrumentos dos quais dispomos não foram especificamente construídos para uso em
avaliações forenses e as conclusões obtidas a partir dos mesmos deverão ser transpostas para
os objetivos e linguagem jurídicos.
Os instrumentos utilizados na perícia psicológica forense devem consistir de “métodos
e materiais adequados, destinados a analisar e avaliar aspectos referentes à estrutura da
personalidade, à cognição, à dinâmica e à afetividade das pessoas envolvidas” (SILVA, 2003,
p. 192). Porém, nem sempre os instrumentos psicológicos, por mais que sejam válidos, são
capazes de responder de modo preciso e objetivo às questões jurídicas, portanto, há de se ter
muito cuidado tanto na escolha dos instrumentos que irão compor uma perícia psicológica
quanto no momento de interpretar os resultados e conclusões obtidos a partir dos mesmos,
evitando extrapolações, ou seja, evitando chegar a conclusões que vão muito além daquelas
que o instrumento pode oferecer. Groth-Marnat (1984, p. 25, apud CUNHA, 2003, p. 29) traz
um alerta em relação aos resultados obtidos através dos testes psicológicos, ao dizer que “os
dados descrevem o que uma pessoa pode ou não fazer no contexto da testagem, mas o
psicólogo deve ainda inferir o que ele acredita que ela poderia ou não fazer na vida cotidiana”.
A(s) entrevista(s) psicológica(s) constitui-se como o primeiro momento junto ao
periciando; através desta busca-se colher dados pertinentes da história de vida do indivíduo,
compreender aspectos do seu funcionamento psicológico, entender os fatos que motivaram o
processo e a perícia em questão e observar a posição do periciando frente aos mesmos. É
também o momento no qual o psicólogo realiza o enquadramento, apresenta tanto a si próprio
quanto o próprio processo avaliativo (objetivo, papéis, número de encontros, lugar, horários e,
se for o caso, honorários) e esclarece possíveis dúvidas do periciando. Será também o
momento de se observar aspectos relacionais do periciando a partir do modo como se vincula
ao psicólogo, as reações transferenciais, levantar hipóteses e, ainda, observar coerências e
incoerências entre suas linguagens verbal e não-verbal.
Será necessário informar ao sujeito que os dados colhidos e que sejam pertinentes ao
caso serão relatados ao agente jurídico que solicitou a perícia (laudo pericial), estando,
portanto, comprometidas a confidencialidade e o sigilo dos dados. Para Taborda (2004) a
questão da não-confidencialidade dos dados introduz no setting a presença deste terceiro que
solicitou a avaliação, podendo provocar uma distorção nos dados e fatos que são comunicados
pelo examinando ao perito.
Em uma perícia psicológica frequentemente se faz necessário entrevistar outras
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pessoas além do próprio examinando (como, por exemplo, algum familiar próximo) para que
possam ser colhidas mais informações a respeito das suas características e funcionamento
psicológico. Segundo Rovinski (2003) isso acontece porque a avaliação pericial busca
entender e responder, de modo imparcial e neutro, as questões colocadas pela justiça,
diferentemente da avaliação clínica, que busca compreender a realidade psíquica do paciente e
sua visão particular sobre seus problemas. A entrevista com terceiros também é de suma
importância nos casos em que a psicopatologia do sujeito impede que o mesmo forneça dados
confiáveis e precisos acerca de si próprio.
Taborda (2004) afirma que em uma avaliação pericial é comum que a simulação se
faça presente, pois o examinando poderá omitir informações que possam prejudicá-lo e
potencializar as que acredita que possam auxiliá-lo. Deste modo, o “perito deverá estar atento
a essa possibilidade e buscar confirmar por fontes colaterais (entrevista com terceiros, exame
de documentos e prova técnica carreada aos autos) a fidedignidade do que é afirmado” pelo
examinando em sua entrevista (p. 63).
O perito, ao conduzir uma entrevista, jamais deverá perder de vista os objetivos da
mesma, que estarão atrelados aos objetivos da própria perícia (quais aspectos psíquicos
específicos deverão ser investigados?). A entrevista psicológica sempre fará parte de um
processo de avaliação psicológica pericial, já os testes psicológicos não são utilizados por
todos os psicólogos peritos; para Rovinski (2009), os testes, sejam psicométricos ou
projetivos, funcionam como instrumentos auxiliares. Pesquisa realizada por Rovinski e Elgues
(1999, citada por ROVINSKI, 2003; 2004) no Rio Grande do Sul encontrou que 87% dos
psicólogos forenses pesquisados utilizavam outros instrumentos de avaliação além da
entrevista, dando preferência para os testes de personalidade projetivos e gráficos. A prévia
leitura dos autos processuais e a(s) entrevista(s) direcionarão a escolha dos testes psicológicos
que serão utilizados para responder à demanda do judiciário.
O uso dos testes psicológicos nas perícias psicológicas apresenta algumas vantagens
em relação a uma avaliação realizada somente através de entrevistas: os testes aprofundam a
compreensão do sujeito, pois medem características não passíveis de serem percebidas ou
mensuradas apenas através das entrevistas e observações; dão ao profissional a possibilidade
de observar o comportamento de forma padronizada e julgar se o mesmo encontra-se dentro
das condições observadas na população normal; auxiliam a eliminar boa parte da
“contaminação” subjetiva da percepção e do julgamento do psicólogo; diminuem a
possibilidade do sujeito manipular a avaliação psicológica; possibilitam acessar regiões
profundas do sujeito, muitas das quais são inacessíveis a ele próprio, por não ter consciência
de certas características que existem em si mesmo.
Os testes psicológicos auxiliam no conhecimento do estado mental dos indivíduos e
segundo Ávila e Rodriguez-Sutil (1995, apud ROVINSKI, 2003) estes seriam responsáveis
pela crescente solicitação dos laudos psicológicos periciais. Rovinski (2004) afirma que a
avaliação forense dirige-se a eventos definidos de forma restrita, relacionadas a um foco
circunscrito (o quesito solicitado), entretanto, a avaliação psicológica pericial é demandada
pelo sistema jurídico geralmente através de assertivas gerais, tais como se o réu era capaz de
entender o caráter criminoso do seu ato à época do fato. Dependendo do caso em questão, o
psicólogo deverá investigar se há alguma doença do espectro psicótico ou rebaixamento
intelectual que poderia ter diminuído ou anulado a capacidade de entendimento da natureza
criminosa de um ato; se o sujeito padece de depressão como alega no seu pedido de
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aposentadoria; se há um transtorno no controle dos impulsos que predispôs o sujeito a
cometer determinado delito; se existe alguma lesão ou disfunção neurológica que tenha de
alguma forma relação com o comportamento criminoso ou que incapacite o sujeito a gerir a
própria vida; quais as condições afetivas e relacionais apresentadas pelos genitores que
pleiteiam a guarda do filho, dentre outras várias demandas.
Deste modo, a demanda jurídica deverá ser transportada para a linguagem psicológica
para que se identifique as características que serão alvo de investigação. Assim, para se
avaliar a capacidade de entendimento de um sujeito o psicólogo necessitará, por exemplo,
avaliar sua inteligência, sua capacidade de perceber a realidade de modo adequado e objetivo
e o grau de coerência e lógica dos seus pensamentos. No momento da escolha dos testes
psicológicos que irão compor a avaliação pericial, há de se considerar as limitações e os
alcances dos mesmos, no sentido de saber se as informações que poderão ser extraídas destes
auxiliarão na investigação das questões psicológicas demandadas no processo judicial. Vamos
considerar os seguintes exemplos para gerar uma reflexão sobre o assunto: qual instrumento
psicológico é capaz de predizer qual genitor tem melhor capacidade para cuidar
adequadamente de uma criança para obter sua guarda? De esclarecer se há indícios de que
uma criança foi vítima de abuso sexual? De predizer o potencial de reincidência criminal de
um sujeito?
O psicólogo perito, diante destas demandas, deverá decompô-las em construtos que
poderão ser analisados através de testes psicológicos (lembrando que deverá utilizar testes que
estejam aprovados pelo SATEPSI) e escolher aqueles que poderão responder a tais demandas.
Como forma de ilustração em relação aos exemplos acima, o psicólogo poderá optar por
avaliar grau de controle emocional, impulsividade, presença de traços antissociais, qualidade
do relacionamento interpessoal, capacidade de empatia, presença de autoestima rebaixada,
entre outros e, para isso, deverá ter um bom conhecimento dos testes psicológicos disponíveis
para uso e do que é possível se avaliar através dos mesmos. Deste modo, dependendo da
demanda específica de cada caso, alguns instrumentos psicológicos serão escolhidos em
detrimento de outros.
Como outro exemplo, nos casos em que é necessário aferir de modo específico o nível
de inteligência de um adulto para saber se esta se encontra dentro da normalidade ou se há a
presença de algum grau de Retardo Mental, pode-se utilizar a Escala Wechsler de Inteligência
para Adultos (WAIS-III). Se for necessário investigar funções neuropsicológicas, pode-se
utilizar as Figuras Complexas de Rey, Teste de Atenção Dividida, WISCONSIN, etc. De
modo geral, a avaliação neuropsicológica no âmbito forense terá como objetivo diagnosticar
os efeitos cognitivos, emocionais e comportamentais de uma desordem neurológica e sua
possível correlação com a esfera criminal ou cível (SERAFIM, 2006). A capacidade de
compreensão do caráter delituoso de uma ação ou a capacidade de um sujeito para gerir a si
próprio e os próprios bens são exemplos de competências que podem ser diretamente afetadas
por um rebaixamento na capacidade intelectual do sujeito ou pela presença de disfunções
cerebrais. Em algumas perícias poderá ser necessário realizar um diagnóstico diferencial entre
uma síndrome psiquiátrica ou neurológica, e alguns aspectos não cognitivos da conduta
(desinibição, irritabilidade, impulsividade, etc.) podem ser expressão de alguma alteração no
sistema nervoso central.
A avaliação da personalidade constitui-se na maior demanda relacionada às perícias
psicológicas: busca-se investigar o grau de controle dos impulsos, características do
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relacionamento interpessoal, o controle emocional, recursos da personalidade, agressividade,
presença de psicopatologias, dentre outros. No contexto pericial, os testes de personalidade
projetivos apresentam uma grande vantagem em relação aos testes de personalidade objetivos
ou psicométricos. Isto ocorre porque a avaliação psicológica pericial, diferentemente da
clínica, constitui-se num embate de interesses advindos dos sujeitos envolvidos no processo
judicial; busca-se demonstrar que se é um genitor capaz de prover as necessidades do filho;
que se é portador de Esquizofrenia que o incapacita ao trabalho; que não apresenta tendência a
comportamentos violentos, etc. O psicólogo perito deve estar sempre muito atento a estas
características do trabalho pericial e buscar cercar-se de estratégias avaliativas que sejam
adequadas a este contexto, a fim de diminuir a possibilidade de que o examinado distorça
intencionalmente a apresentação dos dados. Os testes de personalidade objetivos geralmente
oferecem poucas informações úteis em contextos forenses (GACONO; EVANS; VIGLIONE,
2008).
As assertivas objetivas dos testes de personalidade psicométricos facilitam, por parte
do examinando, a produção ou simulação de traços/sintomas/características que o mesmo não
possui. Por exemplo, se a avaliação pericial for para analisar um pedido de indenização por
danos psíquicos onde o requerente alega sofrer de Depressão, o Inventário de Depressão de
Beck (BDI) poderia facilitar um resultado do tipo falso positivo, pois ao responder o teste o
examinando, sem dificuldade, consegue escolher as assertivas que melhor caracterizam uma
personalidade que se encontra em um estado depressivo. O mesmo acontece com as tentativas
de encobrimento ou dissimulação de traços/sintomas/características que se possui; em um
exame de cessação de periculosidade, o uso do Inventário de Expressão de Raiva como
Estado e Traço (STAXI) facilitaria ao sujeito manipular os resultados favoravelmente aos seus
interesses.
Deste modo, os testes projetivos constituem-se como um método bastante apropriado
para se obter dados a respeito das características de personalidade de um periciando, pois as
possibilidades de simulação ou dissimulação de características apresentam-se mais reduzidas
quando comparadas às entrevistas ou aos testes de personalidades objetivos. Serão as
coerências ou incoerências entre os fatos relatados nos autos do processo, nas entrevistas, no
comportamento não verbal do examinando e nos resultados dos testes psicológicos que
nortearão o psicólogo na análise de questões relacionadas à simulação ou dissimulação.
Na Junta Médica Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, local de trabalho
da autora, são realizadas perícias psicológicas provenientes das varas criminais e cíveis, tais
como os exames de insanidade mental; os exames que buscam determinar a probabilidade de
uma criança ter sido vítima de abuso sexual ou de um sujeito ter sido autor de violência
sexual; de cessação de periculosidade (em sujeitos que receberam medida de segurança por
terem sido considerados inimputáveis ou semi-imputáveis no exame de insanidade mental); de
avaliação de danos psíquicos; de interdição; e de reavaliação de sujeitos reprovados em
concursos públicos. Também são realizadas perícias administrativas (em servidores do TJ-GO
que buscam aposentadoria ou prorrogação da licença de afastamento por motivo de saúde,
desde que motivadas por doença mental ou intenso sofrimento psíquico) e eventualmente são
realizadas perícias em adolescentes infratores para subsidiar decisões judiciais.
Os testes de personalidade mais utilizados nas perícias psicológicas na Junta Médica
são o Rorschach (Sistema Compreensivo), HTP e Pirâmides Coloridas de Pfister;
eventualmente são utilizados o TAT, o Palográfico e o Zulliger (Sistema Compreensivo).
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Geralmente são aplicados dois testes de personalidade (em algumas ocasiões, três) em sessão
posterior à(s) entrevista(s), iniciando-se na grande maioria das vezes pelo HTP; em outra
sessão aplica-se o Rorschach e, quando necessário, algum outro teste de personalidade dentre
estes citados. Segundo Ocampo e Arzeno (2001) os testes gráficos são considerados ideais
para a introdução da testagem psicológica por sua natureza geralmente pouco ansiogênica e
familiar, por ser composto por materiais simples e por sua aplicação demandar pouco tempo.
Quando se faz necessário avaliar outras questões não relacionadas ao funcionamento da
personalidade, geralmente são utilizados o WAIS, WISC, Raven Escala Geral, AC, R-2, R-1 e
R-1 forma B.
O Rorschach é utilizado quase que em todas as perícias psicológicas realizadas na
Junta Médica cujo objetivo seja avaliar a personalidade em razão das suas características
psicométricas (elevado grau de confiabilidade) e projetivas, o que o torna um instrumento
bastante completo, rico e profundo na avaliação quantitativa e qualitativa, nomotética e
idiográfica da personalidade (WEINER, 2000). Para Gacono, Evans e Viglione (2008) tais
características fazem do Rorschach um dos testes mais utilizados, aceitos e requisitados na
prática psicológica forense, mas os mesmos autores recomendam alguns cuidados no
momento de escolhê-lo para compor uma bateria, tais como: avaliar se as variáveis do
Rorschach são capazes de responder à questão legal alvo da investigação psicológica; se há
normas e validade de construto para a população forense, a partir da qual se possa comparar o
desempenho do sujeito avaliado; e caso o Rorschach não seja capaz de medir diretamente o
comportamento alvo da investigação (como competência parental em disputa de guarda),
avaliar se suas variáveis podem informar acerca de tendências comportamentais e atributos de
personalidade pertinentes ao caso (exemplo, controle emocional).
Para Rovinski (2006) o Rorschach é um teste bastante útil nas perícias psicológicas em
razão da possibilidade que este oferece para se conhecer a estrutura e a dinâmica da
personalidade, realizar diagnósticos diferenciais, avaliar o nível do funcionamento psíquico,
avaliar a presença de sintomas em casos de suspeita de simulação/dissimulação e realizar um
levantamento dos traços de personalidade do sujeito. A autora realizou um levantamento, em
sua atividade profissional (perícias psicológicas na área cível, no Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul), de quais testes psicológicos foram mais utilizados juntamente com o
Rorschach nos anos de 2004 e 2005. De 103 casos analisados, constatou que em apenas 3
deles a avaliação não contou com outro teste além do Rorschach; o teste mais utilizado
juntamente com o Rorschach foi o HTP, seguido pelo TAT. A autora comenta que o HTP
é utilizado com mais frequência nos casos em que se busca avaliar a
estrutura da personalidade, principalmente em perícias sobre capacidade
civil; enquanto que o TAT fica mais utilizado em casos em que a dinâmica
da personalidade é o foco de interesse, principalmente em perícias de
família e danos psíquicos (p. 176).
Os instrumentos de avaliação psicológica forense, no Brasil, são praticamente os
mesmos instrumentos utilizados na avaliação psicológica clínica. Grisso (1986, apud
ROVINSKI, 2003; 2004) defende a criação de mais instrumentos de avaliação específicos
para responder às demandas judiciais, os chamados Forensic Assessment Instruments (FAIS Instrumentos Específicos de Avaliação Forense), através dos quais se possa avaliar
comportamentos relevantes às questões judiciais. Tais instrumentos buscam “garantir a
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padronização de métodos quantitativos com os quais se possa observar, identificar e medir
comportamentos diretamente relevantes às questões legais sobre as competências e
capacidades do homem” (GRISSO, 1986, apud LAGO; BANDEIRA, 2009, p. 61). No Brasil
temos atualmente dois instrumentos mais especificamente direcionados às questões
relacionadas às demandas judiciais: o PCL-R e o IFVD.
O PCL-R (Psycopathy Checklist Revised) ou Escala Hare tem o objetivo de verificar,
por meio de uma entrevista semi-estruturada, características da personalidade e condutas
presentes em pessoas que apresentam as condições prototípicas da psicopatia e que, desta
forma, são mais sujeitas à reincidência criminal. Não se destina a realizar um diagnóstico
clínico de psicopatia, sendo dirigido à população carcerária. Os sujeitos classificáveis como
psicopatas no meio carcerário são minorias e essa diferenciação é fundamental para as
questões de previsão de reincidência criminal, reabilitação social e concessão de benefícios
penitenciários (HARE, 2004). O sujeito é avaliado em vinte itens e recebe em cada um deles
uma pontuação que pode variar de zero a dois pontos; ao final, os pontos são somados e de
acordo com a pontuação obtida o sujeito é classificado como possuindo: transtorno global da
personalidade (personalidade psicopática), transtorno parcial da personalidade (bandido
comum, anti-social atenuado) ou como não apresentando nenhum dos transtornos citados.
Os itens que o PCL-R avalia referem-se à: loquacidade/charme superficial;
superestima; necessidade de estimulação/tendência ao tédio; mentira patológica;
vigarice/manipulação; ausência de remorso ou culpa; insensibilidade afetivo-emocional;
indiferença/falta de empatia; estilo de vida parasitário; descontroles comportamentais;
promiscuidade sexual; transtornos de conduta na infância; ausência de metas realistas e de
longo prazo; impulsividade; irresponsabilidade; incapacidade de aceitar responsabilidade
pelos próprios atos; muitas relações conjugais de curta duração; delinquência juvenil;
revogação da liberdade condicional; versatilidade criminal. A pontuação no PCL-R é baseada
nas respostas que o sujeito fornece a um roteiro de entrevista que acompanha o manual do
teste e também nas informações colhidas em outras fontes (familiares, registros criminais,
etc), deste modo, é um instrumento suscetível à manipulação.
O IFVD (Inventário de frases no diagnóstico de violência doméstica contra crianças e
adolescentes) constitui-se como um instrumento auxiliar na identificação da violência
doméstica (física e/ou sexual) contra crianças e adolescentes a partir dos transtornos
(emocionais, cognitivos, físicos, sociais e comportamentais) que essa experiência pode trazer
(TARDIVO; PINTO JÚNIOR, 2010). O instrumento pode ser utilizado com sujeitos na faixa
etária dos 6 aos 16 anos e é composto por 57 frases que devem ser respondidas com “sim” ou
“não”; de acordo com a pontuação obtida, sugere-se que há indícios de vitimização. O IFVD
não é considerado um teste psicológico e não avalia a personalidade, deste modo, pode ser
utilizado por outros profissionais não-psicólogos que lidam com esta situação. O instrumento
pode auxiliar as perícias nas varas criminais (identificação da probabilidade da violência
física ou sexual ter ocorrido com uma criança ou adolescente) e nas varas de família (quando
situações de disputa de guarda e regulamentação de visitas envolvem a denúncia de violência
física ou sexual ).
A avaliação psicológica pericial recobre temas distintos do Direito e acontece em
diversas áreas. Pode-se citar como exemplos as seguintes áreas e avaliações: Direito de
Família (avaliação para definição de guarda e regulamentação de visitas), Juizado da Infância
e Juventude (avaliação psicológica de candidatos à adoção e de adolescentes autores de ato
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infracional que estão internados em regime de privação de liberdade), Direito Civil (avaliar a
presença de danos psíquicos decorrente de um fato particular traumatizante e avaliar a
incapacidade para exercer atos da vida civil – interdição), Direito Penal (averiguação de
periculosidade em detentos, da sanidade mental de um indivíduo no momento do crime e de
sujeitos que receberam medida de segurança – doentes mentais que cometeram algum delito e
que se encontram em alguma instituição psiquiátrica forense) e Direito do Trabalho (avaliar se
há nexo causal entre possíveis danos psicológicos causados pelo ambiente de trabalho ou por
acidentes ocorridos neste, avaliar pedidos de aposentadoria e de afastamento do trabalho por
sofrimento psicológico).
No Direito de Família, os principais pedidos de avaliação concentram-se em torno da
questão da definição da guarda do menor e regulamentação de visitas. Nos casos onde ocorre
a separação conjugal e as partes não entram em acordo em relação a quem deve ser o detentor
da guarda, o juiz determina a realização da uma perícia psicológica com todos os envolvidos
(pais, filhos e eventualmente terceiros, quando for o caso), na qual o psicólogo deverá
comparar as qualidades que cada genitor possui e as necessidades e interesses que o filho
apresenta (GRISSO, 1986, apud ROVINSKI, 2003). Nos casos de regulamentação de visitas a
avaliação da família contribui ao esclarecer ao juiz os conflitos e a dinâmica familiar
existente, sugerindo medidas para a superação das dificuldades que criam obstáculos às
visitas.
As perícias que examinam as competências parentais (disputa de guarda e avaliação de
maus-tratos), segundo Rovinski (2003), não devem focar apenas na avaliação dos aspectos
intrapsíquicos dos pais, é necessário levar em consideração os aspectos relacionais e as redes
de apoio com as quais a família pode contar (família extensiva e recursos da comunidade).
Para Lago e Bandeira (2009) devem ser avaliados as habilidades de maternagem e
paternagem, as estruturas de personalidade dos pais e filhos, a qualidade dos vínculos
parentais e outros aspectos relevantes, de acordo com o caso. Estas autoras alertam para a
questão de que as diferenças existentes nos testes psicológicos dos genitores não devem ser
consideradas um critério exclusivo para a definição de quem deve ficar com a guarda da
criança, e que a observação das interações entre a criança e seus genitores será de
fundamental importância.
Em relação aos instrumentos de avaliação psicológica mais utilizados nas perícias de
disputa de guarda, Lago e Bandeira (2008) realizaram um estudo com 51 psicólogos de vários
estados do Brasil com experiência em avaliação psicológica nestas situações. Concluíram que
a entrevista (com os pais e com os filhos, separadamente e/ou em conjunto) era a técnica mais
utilizada (94% a 98% dos psicólogos pesquisados a utilizam), seguida pelos testes
psicológicos (somente 25% da amostra relatou não utilizá-los). Com os pais, os principais
testes psicológicos empregados foram os projetivos, como o HTP (75,8%), o Rorschach
(45,5%) e o TAT (39,4%), seguidos por outros testes de personalidade e de inteligência (IFP,
IEP, STAXI, Zulliger, WAIS). Com as crianças e adolescentes os testes mais empregados
foram o HTP (88,9%), o DFH (77,8%) e o Teste das Fábulas (52,8%), seguidos por testes de
inteligência e personalidade (WISC e IEP). Através desta pesquisa, nota-se que as entrevistas
e os testes de personalidade projetivos são os principais instrumentos utilizados na perícia
psicológica no contexto da disputa de guarda no Brasil.
Rovinski (2004) cita a utilidade do MMPI, do Rorschach e do Inventário Fatorial de
Personalidade (IFP) para a avaliação dos pais e ressalta que este último, além de possuir
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escalas de controle (validade e desejabilidade social) que podem apontar para tentativas de
manipulação dos resultados, possibilita a investigação de fatores que podem se associar com
a temática dos cuidados parentais (assistência, afiliação, agressão, ordem, etc.).
Na avaliação das crianças, Felipe (1997, p. 305, apud SHINE, 2003, p. 185-186)
considera relevante o uso do CAT e do Desenho da Família e Estória (DF-E) em função de ter
observado que tais técnicas
acrescentaram informações relevantes, especialmente quanto: às imagens parentais
(trazendo aspectos que permaneciam negados ou que não podiam ser diretamente
expressos); e a fatores centrais na dinâmica da personalidade; aspectos estes que
ampliaram bastante a compreensão da situação emocional da criança frente à disputa
familiar (de uma tal forma que dificilmente seria possível apenas a partir de
entrevistas e observações lúdicas).
Silva (2003) considera que os testes mais indicados para uso com as crianças em
perícias de família seriam o HTP, o Desenho da Família, o CAT, as Fábulas de Düss e o Teste
das Pirâmides Coloridas de Pfister, além da técnica do ludodiagnóstico (especialmente útil no
caso de avaliação de crianças muito pequenas, ou muito comprometidas emocionalmente ou
que simplesmente recusam-se a responder aos testes)
Lago e Bandeira (2009) citam uma pesquisa realizada nos Estados Unidos por Keilin e
Bloom em 1986 que concluiu que os principais procedimentos utilizados na avaliação de
disputa de guarda eram as entrevistas clínicas com cada um dos genitores e com os filhos
(separadamente), testagem psicológica (dos pais e dos filhos), observação da interação entre
pais e filhos, entrevistas com terceiros e visitas à escola. Os testes psicológicos mais
utilizados com os pais foram o MMPI, o Rorschach e o TAT; com os filhos (crianças e
adolescentes) os testes psicométricos mais utilizados foram o WISC ou WAIS (de acordo com
a idade do filho) e o Standford-Binet, e dentre os projetivos os mais utilizados foram o CAT, o
TAT, os desenhos projetivos e o Rorschach.
Ackerman e Ackerman (1997, apud LAGO; BANDEIRA, 2009) replicaram o estudo
de Keilin e Bloom dez anos depois e encontraram que os testes projetivos e os de inteligência
continuaram a ser os testes mais utilizados com os filhos, assim como o MMPI/MMPI-2 e o
Rorschach se mantiveram como os mais utilizados com os pais. Entretanto, perceberam que
instrumentos criados especificamente para a avaliação psicológica em contextos de guarda
passaram a ser utilizados pelos psicólogos peritos, como o Bricklin Perceptual Scales (Escala
de Percepção de Bricklin), o Perception of Relationships Test (Teste de Percepção das
Relações) e o Ackerman-Schoendorf Scales for Parent Evaluation of Custody (Escala
Ackerman-Schoendorf para Avaliação Parental de Custódia). Tais instrumentos são
conhecidos como Forensic Assessment Instruments (Instrumentos Específicos de Avaliação
Forense), já citados neste artigo. No Brasil não dispomos de instrumentos psicológicos
elaborados especificamente para se responder às demandas judiciais em questões de disputa
de guarda.
Em muitas situações de disputa de guarda há a denúncia de abuso sexual contra um
dos genitores, geralmente o pai. Nestes casos, a avaliação da credibilidade da denúncia de
abuso sexual torna-se um fator central na perícia psicológica, pois interferirá de modo
determinante no estabelecimento da guarda, na regulamentação das visitas ou até mesmo na
destituição do pátrio poder (ROVINSKI, 2004). Atualmente, a prática mais comum para a
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elucidação da ocorrência do abuso sexual com crianças tem sido o enfoque na presença ou
ausência de características que são comumente encontrados em crianças vítimas de abuso
sexual. Tais características seriam colhidas através de entrevista com o genitor (e demais
sujeitos considerados importantes no processo) e através do contato do psicólogo com a
criança (entrevista, hora lúdica e testes psicológicos, em especial os projetivos). Entretanto,
sabe-se que não existem características psicológicas exclusivas de crianças que foram vítimas
de abuso sexual, além de muitas crianças poderem apresentar um discurso contaminado,
permeado por falsas memórias.
Deste modo, Rovinski (2004) cita a técnica da Avaliação da Validade da Declaração
(Statement Validity Assessment - SVA) como sendo a técnica mais popular no mundo para
avaliar a veracidade de uma declaração. A SVA foi criada na Alemanha em 1954 e sua origem
é encontrada no trabalho de psicólogos que necessitavam avaliar as denúncias de abuso sexual
realizadas por crianças. Na SVA “o psicólogo realiza a avaliação da declaração a partir da
comparação de um perfil típico que deveria ser apresentado pela criança, considerando as
características do desenvolvimento normal da memória para sua idade” (ALONSOQUECUTY, 1999, apud ROVINSKI, 2004, p. 143). Rovinski (2004) adverte para o fato de
que não deve ser utilizada como prova única no contexto legal e sua utilização seria mais
indicada na fase investigativa do crime. Em razão dos objetivos da SVA, esta também seria
indicada nas perícias psicológicas na área criminal, na qual frequentemente o psicólogo é
chamado a se pronunciar a respeito da possibilidade de uma criança ter sido vítima de abuso
sexual ou não, tanto intrafamiliar como extrafamiliar.
O Juizado da Infância e Juventude é responsável pela avaliação de candidatos à adoção
e nesta se faz necessário examinar, segundo Pilotti (1988, apud WEBER, 2004), a
personalidade e a maturidade dos candidatos (capacidade para dar e receber afeto e para
assumir a responsabilidade de cuidar; flexibilidade para mudanças segundo as necessidades
do outro; habilidade para enfrentar frustrações); o modo de se relacionar com a própria
família; qualidade da união matrimonial; adaptação no local de trabalho; atividades
comunitárias e atitudes perante a disciplina; capacidade para aceitar a criança que será
adotada tal como ela é; a capacidade dos candidatos de lidar com a infertilidade (se for o caso)
e se as motivações para a adoção estão baseadas em necessidades emocionalmente sãs. O
autor não faz referência a como tais aspectos poderiam ser investigados, mas percebe-se que
alguns deles são passíveis de serem analisados através das técnicas usualmente utilizadas nas
perícias: entrevistas, técnicas e testes psicológicos, observações, etc. Entretanto, o modelo de
seleção que visa somente classificar e descobrir atributos desejáveis nos candidatos à adoção,
embora ainda muito utilizado no Brasil, tem sido alvo de críticas, e Weber (2004) acredita que
este deve ser substituído pelo modelo de preparação/educação (atividades pedagógicas e de
treinamento para o papel de pais adotivos).
O psicólogo também poderá realizar avaliações psicológicas periciais no contexto da
delinquência juvenil. Segundo Serafim e Saffi (2012), na Unidade de Internação Provisória
(que verifica a prática do ato infracional e a atribuição de medida socioeducativa) o psicólogo
poderá emitir parecer para fornecer subsídios à decisão judicial. Nesta avaliação,
caberá ao psicólogo realizar um amplo e aprofundado estudo das condições
psicológicas, socioculturais e familiares, a fim de atender, de fato, às necessidades
do adolescente, bem como, poder estabelecer correlações das possíveis variáveis
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potencializadoras para a prática do ato infracional (p. 125).
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os adolescentes autores
de ato infracional que estão cumprindo medida socioeducativa de internação em
estabelecimento educacional (privação de liberdade) devem ser avaliados em períodos
máximos de 6 meses, para reavaliação da manutenção do regime (BRASIL, 1995). A
avaliação psicológica deste adolescente será um dos critérios adotados para se decidir acerca
da manutenção ou não da medida socioeducativa.
Para Oliveira (2012) a avaliação destes adolescentes é de fundamental importância
para o estabelecimento de ações mais eficazes e ajustadas às suas necessidades, entretanto, no
Brasil, não há uma prática de avaliação sistematizada que utilize instrumentais fundamentados
em modelos teóricos específicos para a delinquência juvenil. Esta autora buscou realizar a
adaptação transcultural da versão revisada do Inventário de Personalidade de Jesness, cujo
objetivo é avaliar características de personalidade de adolescentes infratores, sendo
capaz de aferir o nível de engajamento do adolescente com a prática de delitos e
fornecer um diagnóstico diferencial e multidimensional – psicodinâmico – do
adolescente a partir de seu perfil psicológico e das características dominantes em sua
personalidade. O inventário tem sido utilizado em pesquisas desde a década de 60,
demonstrando capacidade de diferenciar adolescentes infratores de não infratores,
níveis de envolvimento com atos infracionais em meio aos infratores, risco de
envolvimento infracional e de reincidência (OLIVEIRA, 2012, p. 16).
No Direito Penal, Rovinsky (2003; 2004) cita duas situações nas quais o psicólogo
perito poderá atuar. A primeira delas refere-se aos exames de determinação da
responsabilidade penal (exame de insanidade mental para determinação do grau de
imputabilidade) quando necessita-se esclarecer quão preservadas encontravam-se as
capacidades de entendimento e autodeterminação do réu no momento do crime (havia a
presença de alguma patologia que pudesse reduzir ou abolir tais capacidades?). Este exame
ocorre na fase de julgamento do réu e é realizado pelos médicos psiquiatras, que podem
solicitar ao psicólogo uma avaliação psicológica como exame complementar, para aprofundar
a compreensão do funcionamento psíquico do sujeito e auxiliar nos diagnósticos diferenciais,
já que em muitas situações estes profissionais deparam-se com tentativas de simulação e
dissimulação de sintomas por parte do examinando.
Em relação a tais exames complementares solicitados pelos psiquiatras peritos,
Taborda (2004, p. 59) diz que
em função das características da cena judiciária, na qual todas as provas colhidas são
submetidas ao duplo escrutínio das partes adversas, sendo vigorosamente refutadas
pela que se sentir prejudicada, é de todo aconselhável que o examinador valha-se de
elementos objetivos que confortem sua apreciação subjetiva. Assim, o perito forense
poderá solicitar exames complementares.
Este aprofundamento é possível em uma avaliação psicológica já que os psicólogos
poderão utilizar testes psicológicos, que são capazes de medir de forma padronizada
características não passíveis de serem percebidas ou mensuradas apenas através das
entrevistas e observações. A segunda situação ocorre na fase de execução da pena e é
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denominado exame criminológico, cujo objetivo seria determinar a possibilidade de
reincidência criminal, individualizar a execução da pena e verificar a cessação de
periculosidade para fins de progressão de regime.
Na Junta Médica Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás também são
realizadas perícias psicológicas em réus e vítimas de abuso sexual para verificação de
indícios/determinação da probabilidade destes sujeitos terem sido autores ou vítimas de
crimes sexuais, como meio de constituição de prova em casos nos quais existem poucas
evidências materiais do crime e nenhuma ou poucas testemunhas oculares. Embora o
judiciário espere que o psicólogo perito se pronuncie com respostas do tipo “sim” ou “não” a
respeito da ocorrência de uma situação de abuso sexual, é necessário se ter uma visão crítica
do tema e a consciência de que não existe, até o momento, nenhuma técnica na ciência
psicológica ou resultados no Teste de Rorschach (ou em quaisquer outros testes) que possam
atestar com precisão se uma criança (ou adolescente) foi vitimizada ou se o réu cometeu o
abuso pelo qual está sendo acusado. O que poderemos encontrar são adultos e crianças com
sintomas e/ou características psicológicas comumente encontrados em agressores ou vítimas
de crimes sexuais, porém, como não existem características psicológicas exclusivas destes
grupos, outros sujeitos também poderão apresentá-las. Em um exame desta natureza, como
em qualquer outro, há de se considerar os dados obtidos através de diversas fontes para que se
possa concluir a respeito de tal probabilidade.
A respeito destes exames, Shine (2003, apud Semer, 2006) diz que, mesmo que o réu
tenha características em comum com abusadores e a vítima tenha características em comum
com crianças abusadas isto não implica que este réu tenha cometido tal delito. Costa (2006)
esclarece que “deve estar claro para o psicólogo que não lhe cabe descobrir se o agente
realmente cometeu o delito ou não. Isso é função da investigação policial. Ao psicólogo é
dada a função de conhecer, dentro do praticável, o mundo psíquico do indivíduo” (p. 170). É
necessário ressaltar que afirmar, com certeza e convicção, a respeito da ocorrência de um
crime é algo perigoso e arriscado, no máximo, o psicólogo poderá se pronunciar em termos
probabilísticos.
Pasqualini-Casado et. al (2008) realizaram uma pesquisa na qual submeteram três pais,
acusados de estuprarem suas filhas, ao Método de Rorschach (SC) e concluíram que não há
um padrão de características universais que os represente, pois estes formam um grupo
heterogêneo, portanto, não há um perfil único de personalidade. Serafim et al. (2009)
realizaram uma revisão da literatura quanto ao perfil dos abusadores sexuais de crianças e
identificaram não apenas um perfil de abusador, mas dois perfis gerais que subdividiam-se
gerando um total de sete perfis.
Scortegagna e Villemor-Amaral (2012) pesquisaram estudos desenvolvidos em vários
países (incluindo o Brasil) nos quais foi utilizado o Rorschach em crianças vítimas de abuso
sexual. Algumas pesquisas demonstraram que há diferenças em algumas variáveis do
Rorschach ao se comparar vítimas e não-vítimas e que tais achados podem contribuir para a
determinação da ocorrência do abuso sexual. Porém, Scortegagna e Villemor-Amaral (2009)
alertam que as vítimas reagem ao abuso sexual de formas diferentes e que não se pode esperar
que as mesmas apresentem um “perfil extremamente característico, pois isto poderia ser um
confundidor do processo diagnóstico” (p. 335).
Rocha Júnior e Castro (2004) realizaram uma pesquisa com 34 psicólogos atuantes no
sistema penitenciário da Grande São Paulo (nas atividades de exame criminológico e
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acompanhamento psicológico) e descobriram que 88% deles utilizam testes psicológicos nas
avaliações psicológicas que realizam com os reeducandos, com as justificativas de que estes
complementam os dados da entrevista, identificam características de personalidade, reduzem
a possibilidade dos examinandos dissimularem suas características e tornam a perícia mais
segura e consistente. Os testes psicológicos mais utilizados por estes profissionais foram os
testes de personalidade projetivos gráficos: HTP (65%), Wartegg (41%) e DFH (20,5%), com
a justificativa de que são instrumentos de baixo custo e rápida aplicação e interpretação. O
teste de Rorschach foi relatado como sendo utilizado por apenas um participante da pesquisa,
com as justificativas de que possibilita uma avaliação profunda e dinâmica da personalidade e
por existirem muitas pesquisas com este instrumento. Os psicólogos que não utilizam o
Rorschach revelaram que isso ocorre devido à escassez de tempo destinado a cada exame, ao
alto custo do material e à falta de uma formação específica com este teste. Os pesquisadores
concluíram que a escolha das técnicas de exame está fundamentada em critérios externos
(tempo e dificuldades materiais) e alertam para a necessidade de suprir tais profissionais de
condições de trabalho mais adequadas, que possam ir de encontro às necessidades avaliativas
específicas de cada caso.
No Direito Civil, existem as avaliações psicológicas para investigação de danos
psíquicos cujo objetivo é “avaliar os prejuízos emocionais decorrentes de um evento
traumático, o foco deve se restringir à verificação da presença e da intensidade dos sintomas
emocionais com a determinação do nexo de causalidade” (ROVINSKI, 2004, p. 43-44). Nos
processos por danos morais, através da perícia psicológica leva-se aos autos a realidade
psíquica da vítima, o que, segundo Rovinski (2009), auxilia na garantia dos direitos humanos
ao permitir que tais vítimas reivindiquem seus direitos. À Junta Médica do Tribunal de
Justiça/GO também são solicitadas perícias psicológicas para aferir a existência de sofrimento
psicológico decorrente do nome ou sobrenome (retificação do registro civil), quando alegado
que estes causam constrangimento à pessoa que o possui.
Os exames de interdição também são pedidos frequentes no Judiciário e consistem em
avaliar a capacidade civil, ou seja, avaliar se um sujeito (como alegado no processo)
realmente não possui discernimento pleno (incapacidade absoluta ou relativa) para exercer os
atos da vida civil (como vender e adquirir bens, fazer testamento, contrair matrimônio, etc.)
em decorrência de possíveis quadros psicopatológicos, tais como retardo mental, quadro
demencial, quadro psicótico, transtorno de humor grave, dependência química e transtorno do
impulso (SERAFIM; SAFFI, 2012). Nestas perícias o psicológico utilizará com frequência
testes que avaliam a inteligência e as funções neuropsicológicas, além dos testes que avaliam
a personalidade, quando for o caso.
No Direito Trabalhista, a perícia psicológica busca entender se há nexo de causalidade
entre o sofrimento psicológico ou transtorno mental alegado pelo sujeito e o seu ambiente de
trabalho, devendo atentar-se para a existência de transtornos psicológicos prévios. Este
sofrimento ou transtorno pode ser consequência de diferentes situações que ocorrem no
trabalho (tais como o assédio moral e o assédio sexual) e pode gerar dano psíquico. Para
Serafim e Saffi (2012), o psicólogo deverá “identificar e correlacionar se o quadro psicológico
decorrente da experiência traumática torna a pessoa com prejuízos relativos incapaz de
desempenhar suas tarefas habituais, de trabalhar, de ganhar dinheiro e de relacionar-se” (p.
144). Estes autores enfatizam que nestas perícias deve-se ir além de uma classificação
nosológica e buscar esclarecer o quanto uma patologia ou condição afeta o funcionamento
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psíquico e como repercute na adaptação do sujeito no seu trabalho.
3. Conclusão
Neste artigo buscou-se apresentar as diversas áreas do Direito onde a perícia
psicológica se insere e quais os principais instrumentos de avaliação psicológica utilizados
nas mesmas. Foram encontrados mais estudos e pesquisas em relação às perícias psicológicas
em Direito de Família, Direito Civil e Direito Penal, e poucos estudos em relação às perícias
no Direito do Trabalho e no Juizado da Infância e Juventude.
Percebeu-se que no Brasil os instrumentos mais utilizados nas perícias psicológicas
são a entrevista, os testes de personalidade projetivos e os de inteligência. O Rorschach foi
frequentemente citado como sendo um teste muito utilizado nas perícias, o que demonstra seu
valor nestes exames e o quanto o trabalho de um psicólogo perito pode ser enriquecido
quando há o domínio desta técnica. Ao longo deste artigo foram citados alguns testes que no
momento não se encontram aprovados para uso pelo SATEPSI, mas que na ocasião das
pesquisas realizadas pelos autores citados, tinham seu uso regulamentado. O psicólogo perito,
ao realizar uma perícia psicológica, deverá sempre consultar a lista dos testes aprovados para
uso pelo SATEPSI para garantir que seu trabalho esteja pautado nos princípios éticos da sua
profissão.
No Brasil, pode-se afirmar que possuímos apenas dois instrumentos que são
direcionados às avaliações psicológicas no âmbito jurídico: o PCL-R (Psycopathy Checklist
Revised) ou Escala Hare e o IFVD (Inventário de frases no diagnóstico de violência
doméstica contra crianças e adolescentes). Nos países mais desenvolvidos, percebe-se que há
um número bem maior de instrumentos psicológicos direcionados a estas avaliações, os
chamados Forensic Assesssment Instruments (Instrumentos Específicos de Avaliação
Forense). Conclui-se que no Brasil há a necessidade de criação ou de adaptação de
instrumentos estrangeiros destinados a investigar comportamentos que sejam relevantes às
questões legais.
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