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Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus Elcio Douglas Joaquim Tecnologia em Sistemas para Internet Érico Eleutério da Luz Ciências Contábeis Frei Jairo Ferrandin, ofm Filosofia Heloísa de Puppi e Silva Ciências Econômicas Lucina Reitenbach Viana Tecnologia em Produção Multimídia Maria Paula Mansur Mader Comunicação Social: Publicidade e Propaganda Marco Antônio Regnier Pedroso Desenho Industrial Marjorie Benegra Engenharia Mecânica e Engenharia de Produção Rogério Tomaz Letras Silvia Iuan Lozza Pedagogia Tiago Luís Haus Engenharia Ambiental Véra Fátima Dullius Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos e Tecnologia em Marketing Frei Guido Moacir Scheidt, ofm Presidente Jorge Apóstolos Siarcos Diretor-Geral FAE Centro Universitário Frei Nelson José Hillesheim, ofm Reitor da FAE Centro Universitário Diretor-Geral da Faculdade FAE São José dos Pinhais André Luis Gontijo Resende Pró-Reitor Acadêmico Diretor Acadêmico Diretor de Legislação e Normas Educacionais Régis Ferreira Negrão Pró-Reitor Administrativo Antônio Lázaro Conte Diretor de Campus – Campus Centro, FAE Centro Universitário Marcus Vinicius Guaragni Diretor Acadêmico da Faculdade FAE São José dos Pinhais Gilberto Oliveira Souza Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu José Henrique de Faria Coordenador dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu Eros Pacheco Neto Secretário-Geral Sérgio Luiz da Rocha Pombo Diretor do Instituto de Ciências Jurídicas Samar Merheb Jordão Ouvidoria Paulo Roberto Araújo Cruz Diretor de Relações Corporativas Editor Frei Nelson José Hillesheim, ofm Coordenação Editorial Cleonice Bastos Pompermayer Revisão Priscilla Zimmermann Fernandes (Revisão de Linguagem) Edith Dias (Normalização) Editoração Ana Maria Oleniki Amália Patricia Valle Brasil Braulio Maia Junior Eliel Fortes Barbosa Mariana Prado Mueller (Coordenação) Núcleos e Departamentos Areta Galat Coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais Cleonice Bastos Pompermayer Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmica Carlos Roberto de Oliveira Almeida Santos Núcleo de Educação a Distância Edith Dias Biblioteca – Campus Centro e Faculdade FAE São José dos Pinhais Nelcy Terezinha Lubi Finck Coordenadora do Núcleo de Carreira Docente Rita de Cássia Marques Kleinke Coordenadora da Pastoral Universitária Samir Bazzi Coordenador do Núcleo de Empregabilidade Silvia Iuan Lozza Coordenadora do Núcleo de Extensão Universitária Soraia Helena F. Almondes Biblioteca – Campus Centro Coordenadores de Cursos Aline Fernanda Pessoa Dias da Silva Direito Andrea Regina H. C. Levek Negócios Internacionais Antoninho Caron Administração Carlos Roberto de Oliveira Almeida Santos Tecnologia em Gestão Financeira e Tecnologia em Logística Daniele Cristine Nickel Psicologia Pareceristas Capa e Projeto Gráfico: Editorial Design Comitê Editorial Bruno Harmut Kopittke, Dr. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC); Glauco Ortolano, Ph.D (Lauder Institute/Wharton School/University of Pennsylvania); Harry J.; Burry, Ph.D (Baldwin Wallace); Heloisa Lück, Ph.D (UFPR); Heloiza Matos, Dra. (USP); Jair Mendes Marques, Dr. (FAE Centro Universitário, UTP); João Benjamin da Cruz Junior, Ph.D (UFSC); Cleverson Vitório Andreoli, Dr. (USP); Mirian Beatriz Schneider Braun, Dra. (Unioeste); Christian Luiz da Silva, Dr. (UFSC). Indexação CAPES/Qualis Latindex Portal Livre/CNEN GeoDados Distribuição Comunidade Científica: 500 exemplares Permuta: 150 exemplares Admir Roque Teló, Ms. (SPEI, FAE); Adolfo Alberto Vanti, Ph.D. (UNISINOS); Aléssio Bessa Sarquis, Dr. (UNISUL, UNERJ); Alfredo José Barreto Luiz, Ph.D. (Embrapa); Amarilys de Toledo Cesar, Dra. (UNIFESP); Américo Ricardo Moreira de Almeida, Dr. (UNIRG, FAFICH); Amilton Dalledone Filho, Ms. (FAE, FALEC, UTFPR, SEED); Ana Cristina F. Martins, Dra. (UFAM); Ana Maria Coelho Pereira Mendes, Dra. (FAE); Anapatrícia Morales Vilha, Dra. (UFABC, FACEPE, UNICAMP); Angela F. Versiani, Dra. (PUC – Minas); Antonio Cesar Galhardi, Ph.D. (FATEC JUNDIAÍ, MACKENZIE, CUANCHIETA); Antonio Robles Junior, Dr. (CFC, IIC, USP, PUC-SP, MEC); Antonio Vico Mañas, Ph.D. (PUC-SP); Arthur Ridolfo Neto, Dr. (FGV-SP, PUC-SP); Carlos Ricardo Rossetto, Dr. (UNSA, UNIVALI); Carlos Roberto O de Almeida Santos, Ms. (FAE); Daniele Cristine Nickel, Dra. (FAE); David Vital Brasil Ventura, Dr. (SMDU, CONPRESP, UNICENTRO, UBC); Dennys Robson Girardi, Ms. (FAE); Douglas Soares, Dr. (UNIRADIAL, UNISA, UNICOC); Emilio Araujo Menezes, Ph.D. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC); Gislene de Fátima Pereira, Dra. (PUC-PR, UFPR); Giuseppe Milone, Dr. (PUC-SP); Iglê Santos Pequeno, Dr. (BAGOZZI, FACINTER); Jorge Cordeiro Duarte, Dr. (CAIXASEG); José Luiz Parré, Dr. (UEM); Leide Albergoni, Ms. (UP); Lucia Maria Marcellino de Santa Cruz, Dra. (ESPM-RJ, UNB, UFRJ); Luciane Botto Lamóglia, Ms. (FAE); Márcio Jacometti, Ms. (UTFPR, UFPR); Marinalva da Silva, Dra. (UNICAP); Maurílio de Abreu Monteiro, Dr. (UFPA); Nicolau Afonso Barth, Dr. (UTFPR, UNIOSTE); Noélio Dantaslé Spinola, Dr. (UNIFACS, IPA); Osmar Coronado, Dr. (UNINOVE); Roberto Coda, Dr. (USP); Thierry Molnar Prates, Dr. (UFAL, UEPG, UFPR, SPEI). Revista da FAE, n. 1/2, jan./dez. 1998 – Curitiba, 1998 – v. ilust. 28cm. Semestral ISSN 1516-1234 Substitui ADECON: Revista da Faculdade Católica Administração e Economia 1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I. FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica. CDD – 001 Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário. A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu. Endereço para correspondência: FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PR Tel.: (41) 2105-4093 - e-mail: [email protected] Sumário Summary Social transformation, democracy and corporate culture — the portuguese case in the context of the european crisis Elísio Estanque Transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português no contexto de crise europeia Elísio Estanque 06 A abordagem estratégica adaptada por uma pequena empresa comercial: um estudo de caso José G. Lupoli Junior 24 The strategic approach adapted by a small business: a case study José G. Lupoli Junior Mobilidade Sustentável como desafio do milênio Marília Azevedo Bassan Franco da Rocha 42 Sustainable Mobility as a millennium challenge Marília Azevedo Bassan Franco da Rocha Qualidade e imagem na satisfação de clientes em concessionárias Ieda Pelógia Martins Damian, Edgard Monforte Merlo 52 Quality and image impact in consumer satisfaction in car dealers Ieda Pelógia Martins Damian, Edgard Monforte Merlo Aprendizagem Organizacional: estudo de caso sobre o Ensino a Distância Rogério Faé 68 Organizational Learning: a case study about Distance Education Rogério Faé 84 Analysis of factors of creativity block in the Project Chiquitos Ana Santos, Fabiano Goldacker, Silvia R.P. de Quevedo, Vania Ribas Ulbricht 104 The North Costitutional Fund as a mediator for regional development: a case study of the region of Belém do Pará Jones Nogueira Barros, Isabel Cristina dos Santos, Raquel da Silva Pereira O Balanced Scorecard como ferramenta estratégica de gestão da qualidade Patrícia Rodrigues Quesado, Lúcia Maria Portela de Lima Rodrigues, Beatriz Aibar Guzmán 126 The Balanced Scorecard as a strategic tool for quality management Patrícia Rodrigues Quesado, Lúcia Maria Portela de Lima Rodrigues, Beatriz Aibar Guzmán Retorno acionário e grau de alavancagem operacional: evidências sob novas abordagens metodológicas Paulo Roberto Barbosa Lustosa, José Antonio de França 146 Stock return and the degree of operating leverage: new evidence for contemporary association Paulo Roberto Barbosa Lustosa, José Antonio de França A hipótese de eficiência de mercado e a performance dos fundos de ações brasileiros Marcus Vinicius de Oliveira e Silva, Marcos Roberto Gois de Oliveira 162 The efficient markets hypothesis and the evaluation of the performance of brazilian mutual funds Marcus Vinicius de Oliveira e Silva, Marcos Roberto Gois de Oliveira 184 A financial view of youth today: how the generation Y deals with money Luiz Carlos Augusto de Carvalho,, Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo 198 Pattern recognition in the evaluation of vocal disorders in teachers Divanete Maria Bitdinger de Oliveira, Maria Teresinha Arns Steiner, Deise Maria Bertholdi Costa Análise dos fatores de bloqueio à criatividade no Projeto de Extensão Universitária Chiquitos Ana Santos, Fabiano Goldacker, Silvia R.P. de Quevedo, Vania Ribas Ulbricht Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional: o caso da mesorregião de Belém do Pará Jones Nogueira Barros, Isabel Cristina dos Santos, Raquel da Silva Pereira Um olhar sobre o jovem atual: como a Geração Y lida com recursos monetários Luiz Carlos Augusto de Carvalho,, Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo Reconhecimento de padrões na avaliação de distúrbios vocais em docentes Divanete Maria Bitdinger de Oliveira, Maria Teresinha Arns Steiner, Deise Maria Bertholdi Costa FA E Cen t ro U n i ver s i t ár i o Apresentação Prezados leitores É com imensa satisfação e alegria que a FAE Centro Universitário disponibiliza para toda a comunidade acadêmico-científica mais uma edição da Revista da FAE. O prazer de finalizar e poder compartilhar com autores, pareceristas, colaboradores, revisores, editores e leitores das temáticas e dos assuntos aqui apresentados é imensurável e também está aliado ao sentimento de que, provavelmente, as contribuições expressas em cada artigo possam promover melhorias e inovações no estado da arte. Nesta edição, podemos refletir sobre questões abrangentes que se estendem desde a transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português no contexto de crise europeia —, até a mobilidade sustentável como desafio do milênio. Permeando esses limites, encontramos temas específicos de gestão organizacional, abordando o caso sobre uma pequena empresa comercial e como ela implantou estratégias competitivas funcionais. Evidências sob novas abordagens metodológicas da resposta do mercado ao grau de alavancagem operacional (GAO), a utilização do balanced scorecard como ferramenta estratégica de gestão de qualidade, compreensão de como a qualidade do serviço e a imagem de uma loja influenciam na satisfação do cliente, em um estudo de caso em concessionárias. Contemplando a preocupação e contribuições em relação à capacitação de profissionais, encontraremos um relato sobre uma pesquisa de campo realizada com integrantes do Projeto Chiquitos, cujo foco é o comportamento da criatividade em relação a possíveis bloqueios no grupo pesquisado, seguido de um estudo de caso sobre o ensino a distância, realizado em uma empresa de grande porte de ativos financeiros, a fim de que os participantes pudessem experimentar novos métodos com maior abrangência espacial do que estratégias tradicionais de formação. Tomando-se um bloco mais diversificado de temas tratados e apresentados, podemos ainda contar com um artigo que avalia, com base nas premissas da Hipótese de Eficiência de Mercado (HEM), a performance dos fundos e ações brasileiros referenciados ao Ibovespa, abrangendo o período de janeiro de 2000 a março de 2007, seguido de um artigo que apresenta uma discussão sobre a contribuição do Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional, o caso da mesorregião de Belém do Pará. Poderemos completar a leitura com dois artigos que fazem duas abordagens relevantes para o contexto atual. A primeira, de ordem comportamental, destaca as atitudes e percepções do jovem contemporâneo, a denominada Geração Y, em relação à sua educação financeira no que tange às suas escolhas no momento das compras e propensão aos investimentos dos recursos monetários. A segunda, por meio da utilização do processo KDD (Knowledge Discovery in Databases), complementada por técnicas de reconhecimento de padrões, apresenta uma metodologia para avaliação de distúrbios vocais em docentes, tomando por base dados de docentes de uma escola localizada no município de Curitiba-PR. Diante de todos esses temas, espera-se que o leitor possa encontrar nesta edição algumas respostas, elaborar novos questionamentos e até mesmo complementar seus estudos e reflexões na esfera de sua vida profissional e pessoal. Boa leitura! Paz e Bem! Frei Nelson José Hillesheim, ofm Editor Transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português no contexto de crise europeia Social transformation, democracy and corporate culture — the portuguese case in the context of the european crisis Transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português no contexto de crise europeia Social transformation, democracy and corporate culture — the portuguese case in the context of the european crisis Elísio Estanque1 Resumo A temática da cultura de empresa na sociedade portuguesa serve de ponto de partida, no presente texto, para uma reflexão mais abrangente sobre a sociedade portuguesa e as tendências de transformação socioecônomicas na Europa ao longo das últimas décadas. Uma das linhas de preocupação prende-se com a necessidade de conjugar a coesão da sociedade, a mudança e a inovação tecnológica. Por outro lado, as condições de trabalho e os mecanismos de diálogo são discutidos em articulação com a dimensão conflitual inerente à estrutura do capitalismo moderno. Assim, o conflito, a negociação e a inovação constituem ingredientes que terão de se conjugar no quadro de um projeto de modernização que vise o equilíbrio e o bem-estar geral. O caso da empresa Autoeuropa (do grupo Volkswagen) é abordado à luz do paradigma ‘político-cultural’, apresentando-o como um exemplo que tem conseguido conciliar o estímulo à produtividade com a defesa dos valores democráticos e dos mecanismos de diálogo. Palavras-chave: Cultura de Empresa. Crise. Autoeuropa. Trabalho. Negociação. Democracia. Abstract The discussion about corporate culture is the starting point for this article, aiming a broader reflection on the Portuguese society and the socioeconomic trends in Europe over the past decades. One first line of concern is about the need to connect social cohesion, change and technological innovation. Moreover, working conditions and dialogue mechanisms are discussed in articulation with social and labor conflicts in the overall structure of modern capitalism. Thus, conflict, negotiation and innovation are ingredients that have to be combined under a modernization project that aims at general welfare. The case of Autoeuropa (Volkswagen Group) is discussed in the light of the political-cultural paradigm, presenting it as an example that has been able to reconcile the productivity stimulus with democratic values and mechanisms for dialogue. Keywords: Corporate Culture. Crisis. Autoeuropa. Labor. Negotiation. Democracy. Doutor em Sociologia (Universidade de Coimbra). Professor de Economia da universidade de Coimbra. E-mail: [email protected] 1 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012 7 Introdução O presente texto procura contribuir para uma reflexão ampla em torno do diálogo, da mudança e da coesão social nas sociedades abertas. Partindo de uma discussão sobre o sentido das transformações recentes do capitalismo no plano global, com enfoque especial no campo laboral, nossa abordagem centra-se na mudança organizacional e na realidade empresarial para, nos tópicos finais, tratar o caso da empresa Autoeuropa (do grupo Volkswagen), sediada em Palmela (ao sul de Lisboa). Muito embora qualquer um desses temas seja familiar aos cientistas sociais, eles surgem de um modo geral encaixados em especialidades distintas. Tal situação, resultado da afirmação das disciplinas do conhecimento em territórios fechados, é limitativa, no sentido de que torna mais difícil empreender uma reflexão interdisciplinar e sistemática sobre ‘o social’, a importância do ‘contrato’, do conflito e do diálogo na construção de um sistema que busca conciliar a dinâmica com a coesão. O objetivo desta pesquisa visa justamente responder a essa limitação, ao mesmo tempo em que procura analisar, sob diversos ângulos, aspetos relevantes da sociedade portuguesa no contexto europeu marcado pelo recente contexto de crise e de austeridade. 1 Capitalismo Global, Fragmentação e Precariedade do Trabalho Para uma compreensão aprofundada do capitalismo global do século XXI, é importante situar o tema numa perspetiva histórica mais ampla e, ao mesmo tempo, no quadro do sistemamundo que lhe confere os seus principais traços estruturais (WALLERSTEIN, 2004). 8 Numa primeira fase, importa referir a emergência de um regime despótico de mercado (BURAWOY, 1985), que vingou no período de ‘capitalismo selvagem’, suscitando respostas e movi mentos sociais antissistémicos (WALLERSTEIN; BALIBAR, 1991) com destaque para o movimento operário e para as convulsões e movimentos repu blicanos, anarquistas e socialistas que assumiram uma força decisiva na Europa na virada do século XIX para o XX. Entretanto, a consolidação de novas técnicas e racionalidades burocráticas aplicadas à economia conduziu ao aperfeiçoamento de um regime disciplinar na produção, caracterizado pela rápida acumulação e crescimento (modelo taylorista), o que, apesar disso, não evitou a grande instabilidade social e política — nomeadamente a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Bolchevique e, três décadas depois, a Segunda Guerra Mundial — na primeira metade do século XX. Só depois disso, já no Pós-Segunda Guerra Mundial, se afirmou um regime hegemónico, coincidente com o advento do welfare state, no qual a integração e o consentimento foram objeto de uma negociação e compromissos sociais realizados à sombra do fordismo e das políticas sociais promovidas pelo Estado. Finalmente, desde a década de 80 do século passado, assistiu-se a uma nova virada, de sentido liberal, mas agora numa escala global, isso levou a que se falasse da emergência de uma nova forma de despotismo: o despotismo global ou despotismo hegemônico. Esse despotismo era coincidente com as últimas décadas de hegemonia neoliberal, em que a regulação se realizou a partir das múltiplas conexões transnacionais dina mizadas pela globa lização e pelo capitalismo financeiro, apoiados nas redes informáticas e nas novas tecnologias da comunicação (BURAWOY, 1985; 2001; CASTELLS, 1999). A secularização da sociedade ao dessacralizar o poder instituiu novas formas de conflitualidade em que as tensões, lutas e alianças operaram sobre os despojos da velha sociedade pré-industrial, impondo uma profunda mudança ao longo dos tempos. muito particulares, que se prendem — como se verá adiante — com os valores e a cultura de cada empresa ou organização em concreto. Com isso, pode-se afirmar que nos últimos dois séculos se assistiu a uma disputa entre modalidades ou regimes de regulação econômica. No fundo, a secularização da sociedade ao dessacralizar o poder instituiu novas formas de conflitualidade em que as tensões, lutas e alianças operaram sobre os despojos da velha sociedade pré-industrial, impondo uma profunda mudança ao longo dos tempos. Ainda que em parte ficcionada, a ideia de Na ção enquanto comunidade imaginada (ANDERSON, 1991), por um lado, resistiu ao princípio do mercado e, por outro lado, foi decisiva para a emergência do Estado social. Tal processo acabou por conduzir à primazia do princípio do Estado sobre os princípios do mercado e da comunidade, este último par ticipando na edificação do modelo hegemônico, em especial após o triunfo e consolidação do Estado-providência. Mas, como é sabido, a partir da década de 1970, o mercantilismo se reergueu e, desde então, é novamente o papel do Estado e os seus programas sociais, assistenciais e solidários que recuam em toda a linha. Na linha de autores como Boaventura de Sousa Santos (1994) e Karl Polanyi (1980), faz sentido afirmar que a regulação dependeu sempre do modo como se conjugaram os princípios da comunidade, do mercado e do Estado2, bem como da forma como tais tensões se inscreveram na geometria do território e na organização das sociedades. A dinâmica e os arranjos entre aqueles princípios dependeram sempre da correlação de forças e da capacidade estratégica dos setores e grupos sociais em causa na disputa pela hegemonia numa sociedade nacional particular. É claro que ao situar a questão no plano mais geral não nos esqueçamos que, no quotidiano da atividade produtiva, os mecanismos negociais e de diálogo se regem por códigos e condutas 2 Até final do século XIX, no Ocidente, foi o princípio de mercado que se sobrepôs ao Estado e à comunidade, mas esse princípio induziu — principalmente devido ao papel da luta de classes — um esforço de reconstrução do princípio da comunidade, que se procurou estender à escala nacional. O movimento operário e as ideologias mais radicais que o contaminaram (em especial o anarquismo e o marxismo) foram portadores de uma linguagem e de um projeto político que, de certo modo, transportaram um reforço da comunidade ou, dito de outra maneira, projetaram um discurso classista e ‘comunitarista’, que, também, se inscrevia numa base nacional. É o que vem ocorrendo na Europa, com as políticas sociais e o Estado social (no seu conceito mais universalista) a cederem o passo cada vez mais à economia de mercado, sob a batuta da globalização neoliberal e do capitalismo financeiro. Os mercados, e os poderosíssimos interesses que neles se escudam, cresceram de uma forma avas saladora, obrigando ao recuo do Estado e das políticas sociais. Santos (1994) refere-se a esses três princípios na sua articulação com os pilares da regulação e da emancipação. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012 9 Trabalho, terra e dinheiro, sendo parte do sistema econômico, são organizados pelo mercado, mas não são mercadorias já que nenhum deles foi criado para venda. Segundo Polanyi (1980), trabalho, terra e dinheiro, sendo parte do sistema econômico, são organizados pelo mercado, mas não são mercadorias já que nenhum deles foi criado para venda pelo que, de acordo com o referido autor, “a descrição do trabalho, da terra e do dinheiro como mercadorias é inteiramente fictícia” (POLANYI, 1980, p. 85). Sendo uma tendência antiga, que nos remete ao final do século XVIII, não há dúvidas que o recrudescimento recente do princípio do mercado como ideologia dominante suscitou algum paralelismo com o que aconteceu na Europa há 200 anos, levando a economia de mercado a ganhar ascendente sobre as atividades produtivas de base comunitária e solidarista (LAVILLE; ROUSTANG, 1999). Até certo ponto, as sociedades europeias ameaçam regressar à situação que já experimentaram no século XIX, isto é, a uma sujeição generalizada às leis do mercado e a um capitalismo selvagem com novas formas de injustiça, de desregulação e de ‘barbárie’. Os avanços do século XX recuperaram a forma do contrato social, mas, nas últimas décadas, assistimos, de novo, ao reforço em força dos mercados, isto é, no plano dos direitos sociais e laborais entramos num novo ciclo de retrocesso civilizacional. De novo, as transações monetárias e a especulação bolsista estão submetendo a produção e a distribuição aos objetivos de rápida 10 acumulação lucrativa, perdendo-se a tradicional função social das relações de troca, de dádiva e de reciprocidade, o que, para diversos analistas, é reflexo das contradições estruturais do capitalismo global e das suas dinâmicas metabólicas (ANTUNES, 2008; ALVES, 2011). O campo laboral foi, sem dúvida, aquele em que os impactos desestruturadores da globalização neoliberal têm sido mais intensos. As consequências disso mostraram-se devastadoras para milhões de trabalhadores de diversos continentes, sendo a Europa o continente onde as alterações em curso representaram flagrantes recuos em face das con quistas alcançadas ao longo de séculos. Como resultado, os efeitos da globalização têm induzido formas de trabalho cada vez mais violentas, num quadro social marcado pela flexibilidade, ilegalidade, subcontratação, desemprego, individualização e precariedade dos assalariados. Assistiu-se a uma progressiva redução de direitos laborais e sociais, e ao aumento da insegurança e do risco, num processo que se vem revelando devastador para a classe trabalhadora e o sindicalismo, dando, inclusive, lugar a modalidades de trabalho forçado, onde os direitos humanos e a dignidade do trabalho são sistematicamente desrespeitados (ANTUNES, 2006; BECK, 2000; CASTEL, 1998, CASTELLS, 1999). As tendências de restruturação produtiva, de recomposição das relações de trabalho e o metabolismo que vêm ocorrendo em nossas sociedades, bem como os seus ciclos e oscilações entre crises e dumping social, por um lado, e euforia consumista e crescimento, por outro, podem ser entendidos como situações inerentes à própria estrutura do capitalismo moderno. Como assinalou Ricardo Antunes, houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional, mas, paralelamente, efetivou-se uma significativa subproletarização do trabalho, decorrência das formas diversas de trabalho parcial, precário, informal, subcontratado, etc. Verificou-se, portanto, uma significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação do trabalho. (ANTUNES, 1999, p. 209) 2 Mudança Organizacional e Inovação Tecnológica Durante décadas, as teorias organizacionais privilegiaram a análise micro e, voluntariamente ou não, seguiram uma concepção funcionalista que tendia a olhar a vida da organização ou como mero resultado de impactos exteriores, ou como sistemas dotados de coerência própria, mas desligados do mundo social mais vasto. Porém, tal perspectiva é contrária a uma visão mais sociológica e ‘culturalista’ do papel das organizações e das em presas no sentido de considerá-las não apenas como espaços de produção de bens e serviços, mas sim enquanto sistemas sociais dotados de potencial criativo, tanto no plano econômico como no plano sociocultural e identitário (SAINSAULIEU, 1997). No caso português, como sabemos, tudo aconteceu mais tarde e de modo mais inconsistente, quer na vida social em geral, quer no campo das organizações e das empresas. Efetivamente, o processo de industrialização tardia e a igualmente tardia virada democrática, em 25 de abril de 1974, deram lugar a um clima de fortes movimentos sociais, ativismo sindical e lutas reivindicativas, cujo impacto no quadro legal português foi de extrema importância, desde logo na Constituição de 1976, suportada por uma ideologia pró-socialista. Apesar das diversas revisões constitucionais, que mais tarde foram esvaziando essa carga ideológica, as leis trabalhistas em Portugal perma neceram até recentemente muito favoráveis aos interesses do trabalhador (embora, muitas vezes, elas fossem subvertidas na prática diária da vida das empresas). Seja como for, os traços de fordismo que o sistema de emprego português revelou, em especial nos setores da administração pública e nas empresas administradas pelo Estado, obedeceram largamente a essa influência, o que favoreceu a resistência ao toyotismo e ajudou ao adiamento da restruturação produtiva, da terceirização e da fragmentação das formas e dos processos de trabalho. As particularidades já apontadas do País obrigaram que as tendências econômicas mais gerais ocorressem mais tarde e de forma algo mitigada. Todavia, os mesmos processos tiveram igualmente lugar no contexto português. A estabilidade, a segurança no emprego, as oportunidades de carreira etc., em suma, a afir mação de um ‘contrato social’ em que as condições de trabalho e o direito laboral foram apoiados por políticas assistenciais suportadas por um diálogo social tripartit, permitiram a construção de um ‘compromisso de classe’ de que beneficiaram os trabalhadores e as suas estruturas sindicais. O sindicalismo cresceu ao longo dos anos 1970 e 1980, mas, ao mesmo tempo em que se expandia no setor dos serviços, desligava-se das velhas bases operárias, que nos anos ‘quentes’ da Revolução de Abril (1974-1975) lhe serviram de motor. Bases essas que, de resto — e em parte por pausa disso —, entraram em declínio, fragmentaram-se cada vez mais e perderam capacidade organizativa e significado político3. Ao longo da última década do século XX, com a globalização e o pós-fordismo já em marcha, muitas organizações e empresas ociden tais conseguiram conjugar o ‘enxugamento’ e a opção por medidas de poupança nos custos de pessoal com o estímulo à criação de culturas de empresa mais flexíveis e informais, inspiradas no exemplo japonês promovendo um novo sentido ético, de respeito pelo trabalho, criando novos valores, rituais, símbolos e ‘heróis’, tendentes a reforçar os níveis de identificação com o ‘espírito da casa’ e, desse modo, aumentar a produtividade e a competitividade internacional. É claro que a estratégia sistêmica obedeceu sempre à procura de acumulação e de expansão dos negócios. Porém, pode-se dizer que o modelo Em particular, após 1989, com queda do muro de Berlim e a implosão do regime soviético, que havia servido de referente aos partidos e movimentos operários. 3 Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012 11 toyotista contém duas facetas distintas: de um lado, a busca da ‘produção enxuta’, o outsourcing e a fragmentação da força de trabalho; do outro, um maior sentido de diálogo e, em especial, a criação de um espírito de equipe com alguma autonomia e liberdade para o trabalhador. Em outras palavras, os modelos ‘puros’ não existem na prática. Isso é, na realidade, o que se verifica é a conjugação de lógicas distintas, especificamente, em alguns países e empresas, o advento do toyotismo que se apoiou incorporando traços do fordismo, combinando flexibilidade com a defesa de direitos do trabalho e a construção de consensos internos como base no diálogo. Em todo o caso, sabe-se que esse modelo teve maior impacto no contexto dos EUA, enquanto na Europa, perante a maior influência das estruturas sindicais e a presença de barreiras de classe mais efetivas e culturas de resistência mais estruturadas, conduziu a resultados diferentes. No que diz respeito a Portugal, os impactos do desenvolvimento tecnológico no tecido produtivo vêm a se defrontar, ao longo das últimas três décadas, com as resistências de uma mentalidade empresarial ainda marcadamente conservadora e pouco qualificada, na qual se refletem as diferenças de estatuto e as hierarquias de poder, aspetos muito vincados na nossa sociedade, devido à tradição tutelar4 muito presente na cultura portuguesa. As mudanças democráticas, que num período mais recente vieram a ser operadas, são ainda dificilmente perceptíveis de forma generalizada nas grandes organizações. Nas empresas de maio res dimensões, as políticas de gestão flexível, de um modo geral, apenas têm tradução ao nível dos quadros superiores e das estruturas de topo. É preciso dar, no entanto, a devida impor tância a fatores, como a absorção pelo mer cado de emprego das gerações mais jovens e qualificadas, cujas competências em educação evo luíram significativamente (FIGUEIREDO, 1999, p. 73). Aliás, os resultados da crescente flexibilização e recomposição do tecido produtivo têm se traduzido não num processo incremental de modernização, mas sim em novas segmentações nas quais se desenham claras diferenças e dualismos na geometria empresarial, e se pontifica ainda uma grande dificuldade de renovação e de inovação, quer no plano técnico quer no plano social. Por vezes, a familiarização com as novas tecnologias alimenta a insegurança e cava novas divisões entre a força de trabalho, como acontece com os programas de formação profissional em áreas sujeitas à informatização, em que os setores menos escolarizados e as camadas etárias menos jovens apresentam grandes dificuldades. Até há cerca de dez anos, a maior capacidade competitiva foi protagonizada pela indústria tradicional (têxtil, vestuário e calçado), que mantém em vigor modelos de organização de cariz taylorista largamente suportados pelo trabalho intensivo e pelos baixos custos salariais, e foi nessa base que asseguraram um volume significativo de exportações. Embora o emprego tenha crescido significativamente nessas indústrias até final do século passado, o esforço competitivo em termos tecnológicos foi diminuto e a inovação introduzida foi, sobretudo, em âmbito de equipamentos e de design. Acresce que, nos últimos dez anos, a concorrência dos países do sul da Europa, em especial os asiáticos, estimulou drasticamente a deslocalização das unidades pro dutivas, o que significou uma sucessão de falências e encerramentos, fazendo aumentar, assim, o desemprego de forma galopante (cuja média era, no final do primeiro trimestre de 2012, de cerca de 15% em Portugal5, e com expectativas de subida nos próximos anos). À ancestral tutela da Igreja Católica e dos notáveis locais, que alimentaram o paroquialismo ao longo de séculos, juntou-se a longa experiência do Estado Novo salazarista que, durante 48 anos, reforçou o seu centralismo numa (in)feliz conjugação entre despotismo e paternalismo, contribuindo para alimentar a moral conservadora e patriarcal, bem como a prática autoritária e despótica. Assim, a dupla vertente repressiva e ‘protetora’ consubstanciada no Estado e no seu ‘chefe’ todo-poderoso (Salazar) e legitimada pela hierarquia da Igreja, a qual se converteu em doutrina oficial do regime, sendo inculcada em sucessivas gerações, por meio da Escola, da família e da atividade religiosa. Uma ideologia montada ao longo de décadas não desaparece facilmente. Ela contribui para emprestar ao poder institucional (e empresarial) uma aura de ‘sacralização’, funcionando como ideologia e, desse modo, naturalizando e reproduzindo todo o tipo de caciquismos, abusos e dependências dos fracos perante os fortes e dos pobres perante os ricos. 5 Note-se que entre as camadas mais jovens (15-24 anos), que são também as mais qualificadas, o desemprego atingiu, já em 2012, o valor recorde de 35%, sendo a terceira taxa mais elevada da UE, depois da Espanha e da Grécia. 4 12 O tecido industrial português encontra-se bastante disseminado em ambientes ainda marcados pelo universo rural, onde múltiplas atividades econômicas paralelas funcionam como complemento dos rendimentos salariais dos trabalhadores. O tecido industrial português encontra-se bastante disseminado em ambientes ainda marcados pelo universo rural, onde múltiplas atividades econômicas paralelas — e redes informais de soli dariedade, da chamada ‘sociedade providência’, em que as famílias e as suas economias de subsistência respondem às necessidades sociais que o Estado não consegue por si mesmo assegurar — funcionam como complemento dos rendimentos salariais dos trabalhadores. Por outro lado, o rápido crescimento da administração pública, acompanhando os fortes investimentos em educação, saúde, previdência social e infraestruturas, que teve lugar nos anos 80 do século passado, contribuiu decisivamente para a criação de um quadro legal bastante protecionista dos direitos laborais, o que permitiu erguer um mercado de trabalho de tipo fordista, caracterizado pela estabilidade no emprego, pla neamento das carreiras, progressão salarial etc. Muito embora tal modelo nunca tenha conseguido consolidar-se nem generalizar-se no nosso país — ao contrário de outros países europeus, como a França, a Alemanha, ou os países nórdicos —, ele ganhou expressão em alguns setores industriais, como a metalomecânica, a indústria automóvel e nas maiores empresas da indústria tradicional Rev. FA E , C uritiba, (têxtil, vestuário e calçado, por exemplo). Contudo foi, acima de tudo, no setor da administração pública que o fordismo mais se expandiu, dando lugar ao desenvolvimento de culturas burocráticas e de cariz corporativo que resistiram enquanto puderam, ao esforço de inovação e modernização Com a entrada no século XXI e perante os primeiros pronunciamentos da crise — nomea damente devido à abertura das fronteiras aos produtos asiáticos e à intensificação da concor rência —, a situação no setor público serviu de pretexto ao surgimento de um discurso político (pretensamente ‘pragmático’) destinado a criar uma divisão entre os setores menos protegidos da força de trabalho (da indústria privada) e os supostos ‘privilégios’ dos trabalhadores da administração pública. Desse modo, colocava-se em marcha a primeira tentativa de ‘nivelamento por baixo’, visando uma reestruturação desqualificante do funcionalismo público, impondo-lhe condições de trabalho marcadas pela flexibilidade, mobi lidade, aposentadorias compulsivas, maior fa ci li dade de despedimento, estimulando a tercei riza ção, as parcerias público-privadas, os contratos de trabalho a termo certo, entre outros, numa palavra: promovendo a precarização do trabalhador tam bém entre os servidores públicos, à semelhança do que já acontecia no setor privado. Como sabemos, essa recomposição das condições de trabalho tem em sua gênese um programa político mais geral, marcado à sombra do modelo neoliberal, cujo desígnio principal tem sido não apenas a liofilização e enxugamento das empresas do setor privado, mas também o desmantelamento do Estado social. Todavia, tal processo, apesar de reforçar substancialmente a margem de manobra dos empresários e gestores perante os trabalhadores e os sindicatos, não se traduziu, até agora, em estratégias sustentáveis de modernização empresarial e inovação tec nológica. A suposta ‘rigidez’ do direito do trabalho (considerado demasiado protecionista pelos empresários) serviu apenas de argumento para v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012 13 facilitar demissões e obrigar os trabalhadores a se sujeitarem, sem resistência, aos interesses de um patronato conservador e com fraco sentido empresarial, impondo horários flexíveis, o chamado ‘banco de horas’ (individual e grupal/da equipe), a ‘polivalência’, o ‘ajustamento’ salarial, a ‘inadaptação’ como critério arbitrário justificativo da demissão individual, a redução do custo das indemnizações, entre outros. Essas tendências não apenas significam a desvalorização do trabalho e do salário, mas, na prática, traduzem-se na destruição generalizada do direito do trabalho, no desprezo pelos princípios do trabalho digno e dos valores humanos (que vêm sendo invocados pela OIT6), empurrando a Europa para a total desregulação laboral, ou seja, para uma regressão à ‘barbárie’ típica do capitalismo selvagem do século XIX. O contrato social está sendo unilateralmente rasgado pelo poder do capitalismo financeiro, da tecnocracia e do neoliberalismo, poderes que o eixo Paris-Berlim vem corporizando com a anuência da maioria dos países da UE, e de que o governo português pretende ser o mais fiel seguidor7. Ora, é nesse quadro que teremos de situar a questão da cultura de empresa, um assunto que é tanto mais importante quanto reflete, ao mesmo tempo, as dinâmicas e os bloqueios do processo produtivo – as tão exaltadas ‘produtividade’ e ‘competitividade’ das empresas — e os fatores estruturais inerentes à sociedade e às estruturas sociopolíticas do País. Vale a pena, por isso, dar atenção à cultura, considerando, por um lado, a natureza polissêmica da própria noção e, por outro, as distintas concessões sobre a ‘cultura de empresa’. Esse é o tópico que se segue. 3 Paradigmas da Cultura de Empresa A empresa, tal como o próprio trabalho, sempre foram ao longo da História temas controversos, marcados por intensos conflitos, mas também por identidades e culturas de grupo, coesas e fortes. Têm sido considerados tanto espaços de opressão e exploração como campos de oportunidade, de emancipação e reconhecimento social para milhões de trabalhadores. Por fim, o fato de termos em Portugal um tecido empresarial essencialmente composto por pequenas e micro empresas, em que se pontificam lideranças e dirigentes com baixas qualificações, é um motivo acrescido para que diversas correntes de opinião no campo acadêmico e na esfera pública em geral, inclusive os sindicatos, dediquem pouca atenção Organização Internacional do Trabalho Na verdade, o curso dos acontecimentos, desde a ‘crise grega’, no início de 2010, vem-se agravando dia após dia, tornando as expectativas cada vez mais sombrias quanto a uma solução para o problema das dívidas soberanas e da instabilidade financeira nos países da União Europeia, sendo, cada vez mais, as vozes que admitem o iminente colapso da moeda única. Só muito tardiamente os países mais ricos, em especial a Alemanha, admitiram que a crise não é apenas de alguns países periféricos (até há pouco considerados ‘ingovernáveis’, como a Grécia e Portugal), mas sim uma crise estrutural da UE. As origens da crise europeia remetem para a criação do Euro como unidade monetária comum — uma moeda forte, na sua origem, equiparada ao marco alemão — que favoreceu as economias mais fortes em tecnologia e capital intensivo (que exportam, sobretudo, bens de consumo duradouro, como carros, equipamentos eletrônicos, maquinaria pesada e sofisticada, etc.), mas prejudicou as economias mais frágeis, que, sem mais poder desvalorizar as moedas dessas economias, perderam competitividade com a abertura das fronteiras aos produtos do sudeste asiático, levando ao encerramento de muitas empresas industriais e ao aumento descontrolado do consumo e do endividamento das famílias, dos bancos nacionais e dos Estados (em benefício do capitalismo especulativo e dos bancos privados mais ricos, sobretudo da França e da Alemanha). Na verdade, apesar de haver soluções tecnicamente viáveis para a crise — as mais consistentes passam pela emissão de Euro-obrigações e coletivização das dívidas dos países periféricos, por um papel mais ativo do Banco Central Europeu e pelo reforço e aceleração de um Estado Federal na UE, o que pressupõe um complicado consenso político — as sucessivas cimeiras e reuniões do conselho europeu têm fracassado, porque o diretório francoalemão obriga a isso, desprezando os acordos, os anteriores tratados e princípios das próprias instituições da comunidade. E por que os poderes instalados se mostram incapazes de liderar uma viragem promissora para a Europa, por que estão a ser esquecidos os velhos valores do Iluminismo, a herança social-democrata e os princípios inspiradores do projeto europeu na sua origem (sob influência de Jean Monnet e do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Econômica Europeia, em 1958), quer a moeda única quer a União Europeia ela própria podem estar em vias de extinção. Adivinham-se, entretanto, novas e imprevisíveis viradas com a provável eleição de François Hollande e o agravamento da crise financeira na Espanha e na Itália. 6 7 14 à importância da ‘cultura’ organizacional e sua implicação nas boas práticas empresariais. Todavia, a questão é complexa e não está — como, aliás, nun ca nada está — despida de significado e implica ções políticas. Há, pois, visões distintas acerca dessa questão. Destaca-se, aqui, dois paradigmas opostos e suas implicações sociopolíticas. A noção de ‘cultura de empresa’ foi muito discutida no Ocidente na sequência de uma conjugação entre a linguagem gestionária e a sensibilidade antropológica, nomeadamente por que algumas empresas multinacionais apostaram na importância da ‘cultura’ e da ‘identidade’ para encontrarem novos motivos de estímulo e de satisfação da força de trabalho. A empresa começou a ser olhada não apenas como um espaço receptor das culturas envolventes, mas também como um locus de produção de cultura com impacto mais vasto. O conceito de cultura como ‘programa mental’, aplicado ao mundo empresarial, surgiu na sequência de um estudo comparativo sobre a IBM, que procurava mostrar a importância da adaptação da estratégia empresarial ao ambiente cultural de cada país ou região, na base de valores como o individualismo, a masculinidade, à distância ao poder e ao individualismo (HOFSTEDE, 1980). Num quadro de euforia perante o sucesso econômico japonês, nos anos 80 do século passado, ganhou terreno a promoção de um modelo de organização produtiva mais flexível, que ficou conhecido por toyotismo, num momento de virada paradigmática, como referido anteriormente, ou seja, o modelo de produção flexível (ou produção enxuta) que se expandiu com o fim (ou declínio) do fordismo (ANTUNES, 2006; ALVES, 2011). O termo ‘cultura’ foi então assimilado pelo mundo da gestão num sentido antropológico: “a cultura como conjunto de crenças, valores, símbolos, rituais e práticas, que fornece aos grupos/comunidades sociais o cimento para a sua identidade coletiva” (SAINSAULIEU, 1997). Rev. FA E , C uritiba, Cada organização ou grupo humano do tado de estabilidade torna-se uma realidade única, funcionando — muito para além das regras e hierarquias formais — na base de códigos, comportamentos e gestos cujo simbolismo adquire um sentido particular dentro do seu próprio contexto. Do mesmo modo que as sociedades tradicionais, as minorias étnicas, os grupos ex cluídos (no seio de uma sociedade mais vasta), e as velhas aldeias rurais, também as empresas (tal como organizações, associações, sindicatos, gru pos desportivos etc.) criam e consolidam as suas ‘teias de significado’ (GEERTZ, 1973), ou seja, a sua cultura como base de uma coesão e sentido coletivo. Se não a possuem, lutam por cons truí-la. Porque isso lhes traz a solidez necessária para conjugar flexibilidade com coesão, mudança com identificação e autoestima. Essa foi a visão empresarial que prevaleceu nos países anglo-saxônicos. Os gurus da gestão de há 30 anos viram na ‘gestão pela cultura’ um possível caminho para atingir ou consolidar a ‘excelência’, apoiados num discurso apelativo que tentava estimular a satisfação no trabalho e a identificação com a empresa. Promoveram atividades de lazer, competições desportivas com equipes da empresa, incentivaram os rituais e os jogos Cada organização ou grupo humano dotado de estabilidade torna-se uma realidade única, funcionando na base de códigos, comportamentos e gestos cujo simbolismo adquire um sentido particular dentro do seu próprio contexto. v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012 15 internos, informais, criaram prêmios (monetários e simbólicos), um quadro de honra etc., isto é, uma paleta de ingredientes destinados a reforçar a coesão, a identidade coletiva e o ‘orgulho’ dos colaboradores. Cada trabalhador só tem a ganhar ‘vestindo a camiseta da empresa’ como se fosse a sua família. Segundo essa perspectiva, havia que conjugar duas dimensões: de um lado, indivíduos identificados com o espírito da casa, predispostos a investir no trabalho, esperando que resultassem daí melhores recompensas e mais oportunidades de carreira; de outro lado, o coletivo da empresa como um todo, notado como campo harmonioso e coeso, podendo sempre mobilizar os quadros e colaboradores na sua dedicação individual e na busca da perfeição para o conjunto. Esse modelo foi objeto de amplas discussões e de intensa crítica, quer por parte do campo marxista, quer do paradigma político-cultural que adiante veremos. Assim, essa corrente ‘culturalista’ funda-se numa concessão individualista e ignora a importância dos mecanismos de poder nas relações sociais e da estrutura das organizações como fatores que estabelecem divisões e desigualdades duráveis. Já nos anos 1930, no tempo de Elton Mayo e da Escola de Relações Humanas, havia se realçado a importância do ambiente social (e físico) para a satisfação no trabalho. Ao invés do taylorismo, apoiado nos rit mos alucinantes, na cronometragem e na hi per es pecialização, a gestão pela cultura esti mulou o trabalho em equipe, tentando criar um corporativismo flexível, capaz de evitar a burocracia e a rigidez do planeamento e das hierarquias formais. Em suma, esse modelo tinha muito de manipulação produtivista e pouco de democracia laboral, muito embora em muitas empresas tenha favorecido a satisfação no trabalho e o bem-estar. A contribuição para a coesão e o diálogo social obrigava, porém, a outros requisitos nas estratégias gestionárias. 16 Há outra corrente, de origem francófona, que se oferece como alternativa à visão anterior e que, ao nosso ver, nos traz uma perspectiva mais dinâmica e, ao mesmo tempo, politicamente mais progressista e ajustada às sociedades europeias. Designadamente, em países como Portugal, onde os antagonismos de poder, as estruturas de classe e as desigualdades sociais são bem marcantes e têm raízes profundas, um requisito decisivo para compreendermos o real é, sem dúvida, perspectivá-lo a partir da sua matriz histórica e, ao mesmo tempo, atentar na perenidade das estruturas sociais, amplamente cimentadas em relações de desigualdade, de poder e de interdependência. Assim, não faz sentido olhar para as empresas como se elas se esgotassem na pura racionalidade econômica, ou como se fossem organizações monolíticas, em que os seus membros se encontrassem atomizados e em condições de igualdade uns perante os outros. Sabemos, bem que, mesmo na escala micro, as dissonâncias, as assimetrias de influência e as relações de poder na tomada de decisões são uma constante. Diversos estudos internacionais têm mostrado não só a vulnerabilidade da economia portuguesa e a intensidade das desigualdades (inclusive salariais) entre a base e o topo da hie rar quia, mas também os elevados níveis de inse gurança e dependência subjetiva da nossa força de trabalho. Então, ressalta uma situação óbvia, em especial no atual quadro de austeridade: a principal preocupação dos portugueses traduz-se no sentimento de dependência/precariedade e na angústia de perder o emprego (ou de não ingressar sequer no mercado de trabalho). Por exemplo, um estudo comparativo sobre o European Democratic Index (SKIDMORE; BOUND, 2008) revelou que as economias mais competitivas e avançadas tecnologicamente são também as que reconhecem mais direitos e liberdade de associação sindical aos seus assalariados (como é o caso dos países nórdicos). Ou seja, a democracia nas empresas convive com maior satisfação, mais qualificação e maior eficácia dos mecanismos de negociação internos. Como resultado disso, a produtividade aumenta e os ganhos empresariais beneficiam todas as partes. Ao contrário, como também comprovou o referido estudo, num país como Portugal, os profundos défices democráticos na democracia quotidiana são evidentes, designadamente na esfera laboral, e ainda, no modo como isso se prende com a escassa atividade associativa e sindical. Em outras palavras, prevalece, na maioria das empresas, um clima ‘despótico’ e uma mentalidade patronal autoritária que não consegue entender a importância do fator cultural e dos mecanismos democráticos de participação na vida interna da empresa. O caso da Autoeuropa é, como se verá adiante, uma exceção a esse respeito. Na verdade, o chamado ‘paradigma polí tico-cultural’ (promovido por autores como: Michel Crozier, Alain Touraine, Serge Moscovici, Renaud Sainsaulieu, Philipe Bernoux, entre ou tros) mostra-se bem mais ajustado a explicar a natureza conflitual e complexa da realidade social empresarial. A empresa é vista como uma espécie de microssociedade, composta por indivíduos com capacidade de iniciativa que buscam a realização pessoal pelo trabalho e do reconhecimento que ele pode conferir. Ao contrário das concepções tradicionais, que tendem a considerar que o trabalhador só produz se for sujeito a uma apertada vigilância e controle (ou à velha lógica da cenoura e do chicote), essa concepção pressupõe que o indivíduo resiste à opressão e se dedica mais se se sentir mais autônomo, recompensado, integrado e reconhecido. Há sempre uma zona de autonomia relativa e um jogo de estratégias (em geral implícitas) dotadas de racionalidade, mas de uma racionalidade ‘emocional’, isto é, sempre dependente do grau de identificação do trabalhador com o grupo e com a empresa. Mesmo em ambientes de opressão, o ser humano procura preservar a sua dignidade pessoal, o seu espaço de liberdade mínimo. E para tal é, muitas vezes, obrigado a esconder-se sob diversas formas de dissimulação e de disfarce, inclusive no local de trabalho. Rev. FA E , C uritiba, Por outro lado, essa abordagem da vida organizacional é a que melhor nos permite compreender o papel do conflito e da negociação. Com ela, poderemos sublinhar a importância da participação e da construção de consensos na vida da empresa. Uma vez que as contradições, as diferenças e rivalidades identitárias (sejam elas fundadas na categoria profissional, no estatuto, na filiação ideológico-partidária, no sexo, na raça, na idade, na língua, no tipo de vínculo/contrato laboral ou noutra base qualquer), torna-se fundamental assumir que numa empresa — sobretudo se pos suir uma dimensão média ou grande — existe diver sidade interna, a qual importa saber gerir para então beneficiar a organização no seu todo. Para tanto, é necessário que tais diferenças se possam exprimir sob a forma de estruturas democráticas de representação. Se a possibilidade de associação do trabalhador não for assegurada perde sentido falar em democracia ou em cidadania laboral. No entanto, apesar desse ser um direito constitucional, sabemos bem como em Portugal ele tem sido sistematicamente pervertido no contexto profissional, em especial nos setores mais expostos a condições de trabalho precárias. 4 O Caso da “Autoeuropa — Volkswagen” Concluindo, gostaríamos de referir breve mente o caso da empresa Autoeuropa. Trata-se de um exemplo bem ilustrativo da falácia de um discurso patronal e governamental que pretende ‘naturalizar’ a ideia de que o atraso da economia se deve à baixa produtividade do trabalho, ou seja, como se os nossos problemas estruturais tivessem como causa principal a ‘incompetência’ dos trabalhadores. Pelo contrário, são, sobretudo, as condições tecnológicas e organizacionais de um lado, e as estratégias de liderança (ou a falta delas) de outro, sendo necessário equacionar para se perceberem as razões do (in)sucesso. v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012 17 Na verdade, essa unidade produtiva da Volkswagen é uma das mais produtivas do grupo em nível mundial. Os resultados produtivos de pen dem muito mais do enquadramento orga nizacional e da ‘cultura de empresa’ do que das ‘competências’ do trabalhador, consideradas no abstrato. A mediatização permanente desse caso fez com que a empresa se tornasse um espelho, ou um barômetro, que exprime a relação de forças, não apenas na perspectiva do clássico antagonismo trabalho-capital, mas também entre as estruturas de representação internas (a Comissão de Trabalhadores) e o sindicalismo ‘de classe’ setorial. Fonte de orgulho dos trabalhadores e de admiração de muitos outros, ocupados em empregos precários, degradantes e mal pagos, para não falar dos desempregados, essa unidade produtiva é bem o exemplo de uma empresa viva, marcada por uma cultura de exigência e de organização democrática do trabalho. O sistema político-cultural em vigor nes sa fábrica deveria servir de exemplo, quer aos nossos empresários (em geral avessos ao diálogo e que desprezam o direito do trabalho), quer aos dirigentes sindicais (em geral avessos a uma efetiva democracia interna). Mas há aqui ambiguidades difíceis de resolver. Por um lado, a cultura de diálogo e de negociação coletiva, parece exprimir o ambiente democrático interno (onde vigora um acordo de empresa considerado bastante avançado e flexível, mas cuja legalidade é posta em causa pelos sindicatos), mas, por outro lado, se anteciparam tendências, amplamente favoráveis aos interesses empresariais, tais como a flexibilidade de horários, a polivalência, os estímulos salariais etc. É de admitir que o triunfo de uma cultura organizacional com essas características, caso fosse exportável para outros ramos da indústria, viesse a pôr em causa o modelo de sindicalismo setorial que vigora em Portugal. Os atuais líderes sindicais dificilmente aceitariam tal cenário, por dois motivos: primeiro, porque isso seria o triunfo de um neocorporativismo que abdicaria da velha ambição de uma mobilização em larga escala da 18 classe trabalhadora (orientada para a mudança estrutural da sociedade); segundo, porque seria nesse caso a própria sustentabilidade sindical e o protagonismo das suas lideranças que ficariam em causa (sendo que muitos dos atuais dirigentes ocupam esses lugares há décadas). No entanto, o exemplo da Autoeuropa pode vir a ganhar maior significado, sobretudo se a unidade continuar a mostrar o sucesso econômico que tem exibido até agora. Mesmo atendendo ao tecido empresarial português, o qual é maioritariamente com posto de pequenas e minúsculas empresas e marcado por uma mentalidade resistente à inovação, a força simbólica desse caso pode estender-se e influenciar toda uma rede de empresas modernas, desde logo a começar pelas unidades fabris loca lizadas na zona industrial de Palmela e as muitas empresas que fabricam componentes e prestam serviços ao grupo Volkswagen. No modelo produtivo e sistema de relações industriais vigentes nessa fábrica, merecem realce tais aspectos: 1) os processos de mudança incremental e negociada entre todas as partes; 2) uma cultura de respeito pela dignidade do trabalho; 3) um efetivo entendimento do conceito de liderança; 4) uma perspectiva que tende a conceber a empresa em toda sua pluralidade, ou seja, enquanto espaço de relações de interdependência e onde o conflito é a contraparte da negociação; 5) uma valorização da identidade coletiva das equipes e da importância dos incentivos; 6) uma conjugação equilibrada entre as competências técnica, gestionária e social; 7) a conjugação entre flexibilidade e segurança/estabilidade como elementos nucleares na dinâmica da empresa. No que diz respeito aos trabalhadores e à cultura operária, a prática democrática e a permanente tensão, por um lado, entre uma lógica de defesa das regalias materiais e de condições de trabalho e remuneração; e, por outro lado, uma lógica identitária e de resistência perante à crescente pressão e poder do capital (quer na empresa quer no plano mais geral da economia) predisposta a estimular a consciência social e o próprio protagonismo político do coletivo operário e seus representantes, assumem-se como dimensões estreitamente imbricadas. Conclusão Todavia, é também conhecida a dificuldade em conciliar a luta sindical (setorial) mais geral com a estrutura dirigente do comitê de fábrica. Essa relação é hoje problemática na medida em que as duas dinâmicas obedecem a orientações e vínculos a forças partidárias distintas e, de algum modo ‘concorrenciais’: de um lado, o Partido Comunista Português (o caso do sindicalismo da CGTP); e, do outro, o Bloco de Esquerda (o qual é filiado e foi deputado no Parlamento o principal líder do Comitê de Empresa da Autoeuropa, António Chora). Caso essas duas instâncias caminhem para uma maior cooperação, isso poderia contribuir para um maior equilíbrio entre democracia sindical/diálogo interno, assegurado pela Comissão de Trabalhadores; e a capacidade de enquadramento mais alargado e sentido de luta social solidária, que os sindicados podem proporcionar. Sabemos hoje que o Estado social europeu está ameaçado e ninguém espera que saia dessa crise revitalizado. Quando muito, teremos uma modalidade mitigada do que existiu no passado, mas mesmo isso não é garantido. A globalização, a força devastadora do mercantilismo, os efeitos fulminantes do neoliberalismo, a internacionalização e a competitividade global tiveram um impacto devastador sobre o sistema produtivo e o mundo do trabalho em geral. Um quadro bem distinto será o de uma consumação do divórcio e aumento da rivalidade entre essas duas orientações: ou o sindicalismo do setor se torna mero instrumento de uma força partidária, perdendo completamente o sentido da realidade e da vida interna das empresas, ou a Comissão de fábrica se torna mero ‘parceiro’ corporativista, despido de consciência política e dependente de um sistema mais poderoso imposto pela direção da empresa. Não é certo que isso tenha de ocorrer, mas é um risco que se pode tornar inevitável. A negociação sem conflito é inócua; e o conflito sem negociação é ineficaz. É entre esse jogo de poderes e de interesses que podem ser estimulados, quer o êxito eco nômico da empresa, quer as potencialidades transformadoras e emancipatórias da classe tra balhadora (ESTANQUE, 2007). E, hoje, na Europa, continuamos a assistir à perda de viabilidade de muitas políticas sociais, designadamente, os sistemas públicos de pre vidência social, apoios ao desemprego, rendimen to social de inserção, sistema de saúde e apo sentadoria (o que em Portugal se designa por Segurança Social, garantida pelo Estado). Com o fim da Guerra Fria, desfeita a ameaça de uma ‘alternativa’ ao capitalismo (o socialismo), abriu-se uma nova oportunidade para uma desvalorização ainda mais intensa do trabalho em benefício do capital. Há, no entanto, outros aspetos a considerar. As mais recentes tendências demográficas, com o constante envelhecimento da população e as previsões de agravamento nos países europeus, irão, muito provavelmente, inviabilizar a sustentabilidade financeira dos atuais sistemas e políticas de solidariedade social8. Mas, se o velho modelo laboral europeu (o fordismo) não é recuperável, também é verdade que o capitalismo financeiro, o paradigma neoliberal e monetarista e a especulação bolsista — para além dos desastres que está provocando nos países periféricos da UE, entre os quais Portugal — parecem empurrar a Europa para um bloqueio sistêmico prestes a fazer implodir o projeto da Comunidade Europeia. Hoje existe uma relação de um aposentado para cinco trabalhadores ativos, mas se calcula que em 2050 a relação será de um aposentado para dois ativos. 8 Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 2012 19 Nesse quadro, importa que as instituições e os cidadãos em geral não desistam de procurar soluções no quadro democrático, no reconhecimento e reforço, quer dos mecanismos institucionais quer dos direitos efetivos dos cidadãos e da sociedade civil no seu conjunto. Sem perder de vista o legado progressista e humanista que a Europa construiu ao longo dos últimos três séculos, espera-se que ainda haverá mais mundo para além da austeridade asfixiante que se abate sobre os portugueses e europeus. Durante nove séculos já suportamos muitas crises e soubemos sobreviver; também as ultrapassamos com maiores ou menores sacrifícios. Apesar de se prever mais desemprego em 2012, mais pobreza, mais precariedade e mais conflitualidade, importa admitir que isso é condição essencial para uma resposta à crise que muitas empresas, em especial as de referência, como a Autoeuropa, resistam e se renovem para se ultrapassar o atual bloqueio. As unidades que sobreviverem a atual crise podem até ficar mais fortes, e espera-se que este jam em consonância com um novo paradigma e com um novo sistema produtivo, condição imprescindí vel para voltarmos a crescer, a criar emprego e a criar oportunidades de trabalho (em condições dignas) para as atuais e futuras gerações. Mesmo sabendo que as grandes estruturas empresariais, como a Autoeuropa, representam uma ínfima percentagem do tecido empresarial português — e que, portanto, é uma gota de água num enorme oceano de micro e pequenas empresas, onde vinga o improviso, a precariedade e em muitos casos a prepotência patronal, fatores que se têm expandido nos últimos anos (ESTANQUE, 2000; 2009) —, continua a ser prioritário desenhar uma estratégia de inovação organizacional que faça jus aos princípios da ‘responsabilidade social’. Espera-se e deseja-se que as dificuldades que estamos atravessando hoje obriguem para que seja repensado e altera 20 do processos e estratégias comprovadamente fa lhados, como é o caso da aposta no baixo custo do trabalho, na submissão absoluta do trabalhador, na facilitação dos despedimentos imposta sem contrapartidas. Perante essa desregulamentação forçada, é urgente seguir as orientações da OIT, recuperar e implementar o trabalho digno, estimular a es tabilidade e a motivação dos trabalhadores no local de trabalho, promover a cidadania laboral e a aposta no diálogo social, na negociação permanente: não importa muito que a luta sociolaboral seja conduzida por sindicatos ou comissões de trabalhadores. Importa, sim, que os protagonistas sejam suportados por estruturas autônomas, democráticas e representativas. Isso pode não ser suficiente, mas será, certamente, uma condição necessária para que continuemos a acreditar no progresso e no desenvolvimento ao serviço do bem-estar dos povos e de uma repartição da riqueza e das oportunidades mais justa e equilibrada. • Recebido em: 19/12/2011 • Aprovado em: 16/04/2012 Referências ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011. ANDERSON, Benedict. Imagined communities: reflections on the origin and spread of nationalism. London: Verso, 1991. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. _____. (Org.). Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2008. _____. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. BECK, Ulrich. Un nuevo mundo feliz: la precaridad del trabajo en la era de la globalización. 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Lupoli Junior1 Resumo Este texto apresenta o estudo de caso de uma pequena empresa comercial que formulou e implantou estratégias competitivas e funcionais, baseadas na concentração de seu sistema operacional no desenvolvimento de atributos e capacidades que atendessem às necessidades de um mercado-alvo definido. O intuito é descrever como a estratégia e o planejamento estratégico podem fornecer as bases teóricas necessárias para um esforço de formulação e de execução prática de estratégias competitivas em pequenas organizações. Palavras-chave: Estratégia Competitiva. Pequena Empresa. Segmentação de Mercado. Abstract This text presents the case study of a small business that has formulated and implemented competitive and practical strategies based on focusing its operating system on developing attributes and abilities which meet the needs of a specific target-market. The aim is to describe how strategy and planning may provide the essential theoretical foundation for the elaboration and execution of competitive strategies in small businesses. Keywords: Competitive Strategy. Small Business. Market Segmentation. Professor Doutor do Departamento de Marketing da Universidade de São Paulo e das Faculdades ALFA. E-mail: [email protected]. 1 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012 25 Introdução O tema estratégia desperta grande interesse da produção acadêmica. Dentre essas, a pesquisa por meio da técnica dos estudos de casos reais costuma ser muito utilizada por autores da área. A aplicação do estudo de caso em tra balhos acadêmicos baseia-se em amplas virtudes, por exemplo: efetuar generalizações sobre uma observação realizada, testar na prática gene ralizações teóricas, verificar a validade de uma teoria, explorar exemplos das melhores práticas em administração, entre outras (MATTAR, 1996). Infelizmente, grande parte dos trabalhos acadêmicos que exploram o método do caso utiliza exemplos que retratam adaptações perfeitas dos modelos teóricos em organizações, sem considerar que na vida real a transposição perfeita de modelos ao dia a dia das organizações é algo extremamente difícil. Isso, porém, não pode ser visto como uma desqualificação de todo o arcabouço teórico e científico que trata sobre a gestão das empresas. Pelo contrário, o suporte conceitual ainda não encontrou concorrentes para a função de promover a evolução técnica das organizações. Se há alguma crítica, essa recai sobre a forma de como alguns autores produzem seus trabalhos explorando as exceções, ou pior, utilizando-se de uma intencional miopia para transformar experiências reais, complexas e penosas, em verdadeiros ‘passeios’ de implantação de modelos teóricos à realidade das organizações. Acrescenta-se, ainda, o fato de que muito da atenção acadêmica é devotada para os problemas gerenciais das grandes corporações, deixando de lado as pequenas empresas que enfrentam desafios quase insuperáveis para aplicar modelos gerenciais teóricos ao seu dia a dia. Dentre os motivos que podem concorrer para essa situação, pode-se citar a dificuldade de acesso aos recursos de toda ordem e ausência de conhecimento técnico de executivos e de empreendedores. 26 O presente artigo pretende oferecer uma pequena contribuição para minimizar esse estado de coisas, tendo por objetivo apresentar um estudo de observação que acompanhou o caso de uma pequena organização comercial em um processo de redefinição estratégica. Esse processo baseou-se em uma abordagem de marketing muito interessante para pequenos negócios, a segmentação de mercado, voltada para as relações business to business. Em suma, este trabalho procura responder a seguinte pergunta: é possível o arcabouço conceitual suportar um esforço estratégico de uma pequena empresa comercial? Para atingir o objetivo proposto, este tex to discute algumas referências teóricas sobre o conceito de estratégia, segmentação e posi cionamento de mercado. Após, será apresen tado alguns comentários sobre o método do estudo de caso. Por fim, o caso é apresentado, incluindo os seguintes pontos: a situação anterior da em presa, as mudanças realizadas e as dificuldades enfrentadas pela organização, concluindo com os principais resultados obtidos pelo processo estratégico. 1 Estratégia e Pequenas Empresas Comerciais Moraes (1991) escreveu que o estado da arte em estratégia é confuso, poise os conceitos envolvidos são ambíguos, a literatura não é uniforme, o argumento teórico não é testado e, ao invés do acúmulo progressivo, a teoria tem sido substituída com frequência. Entre as diversas definições de estratégia, Quinn, Mintzberg e James (1988) apresentam uma interessante visão sobre o conceito. Para esses autores, estratégia é a estrutura que integra os objetivos, políticas e ações de uma organização; uma boa estratégia ajuda a alocar os recursos dentro de posturas viáveis, baseadas nas competências, na antecipação de mudanças externas, nos compradores e na concorrência. Em outras palavras, Barney e Hesterly (2007) definem estratégia como um conjunto de suposições e hipóteses formalizadas sobre como a competição em um setor tende a evoluir, e como essa evolução pode ser explorada para se obter lucros. De forma geral, autores estabelecem três dimensões hierárquicas no trato acadêmico da abordagem estratégica: os níveis corporativos, competitivos e o nível operacional ou funcional. Siqueira (1997) Estratégia é a estrutura que integra os objetivos, políticas e ações de uma organização; uma boa estratégia ajuda a alocar os recursos dentro de posturas viáveis, baseadas nas competências, na antecipação de mudanças externas, nos compradores e na concorrência. Rev. FA E , C uritiba, descreve cada nível da seguinte maneira: estratégia corporativa, estratégia competitiva e estratégia ope racional ou funcional. Na estratégia coorporativa os administradores precisam coordenar as múltiplas unidades de negócios. O foco de uma estratégia corporativa são as decisões acerca do escopo da empresa. Andrews (1988) acrescenta que a estratégia corporativa é um modelo de decisões em uma companhia que determina e revela seus objetivos ou propósitos; produz as principais políticas e planos para atingir tais objetivos. A estratégia competitiva é a estratégia de negócios, visa estabelecer e manter uma vantagem sobre os concorrentes, ou diferenciação aos olhos de seu segmento de mercado-alvo; e a estratégia operacional ou funcional se preocupa em alocar e coordenar recursos e atividades do cotidiano aos objetivos estratégicos da organização. Whittington (2002) escreve que o conceito de estratégia é constantemente confundido com planejamento estratégico. O autor ainda afirma que planejamento estratégico é uma ferramenta admi nistrativa com características prescritivas sobre como se deve planejar e implantar a estratégia. En tre as características do planejamento estratégico são: a confiança excessiva na capacidade dos gerentes, o planejamento racional, a hierarquização da formulação da estratégia de cima para bai xo, rigidez e, segundo Whittngton (2002), a pior das características, a suposição de que as variáveis ambientais comportar-se-ão conforme o plane jamento rígido do gerente. As limitações que cercam as pequenas e microestruturas organizacionais sinalizam que há grandes dificuldades para essas empresas atuarem conforme as propostas prescritivas dos modelos estratégicos tradicionais. Por isso, visões alternativas, ou adaptações viáveis de propostas já consagradas, precisam ser consideradas quando se pretende abordar a pequena e média organização. A situação parece se complicar ainda mais quando se aborda as pequenas organizações comerciais. Talvez por que, além de enfrentarem as dificuldades comuns v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012 27 às pequenas empresas, essas companhias sejam formadas por empreendedores que, em sua maioria, não possuem formação técnica em administração e, principalmente, na gestão estratégica de negócios. O Relatório Executivo da pesquisa perió dica Empreendedorismo no Brasil, do ano de 2005, realizada pela Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2006), retrata tal situação quando descreve que: —— O Brasil ocupa a 15ª posição no ranking mundial no quesito empreendimento por oportunidade e a 4ª posição no quesito empreendimento por necessidade (GEM, 2006); —— 82,3% dos empreendedores iniciais afirmam que nenhum de seus consu midores consideraria seu produto/ negócio novo (GEM, 2006); —— Além de não oferecer inovação, a maioria dos empreendedores atua em ambientes de alta concorrência (GEM, 2006); e —— Especialistas na área de Pequenas Empresas apontam as deficiências de educação e treinamento como uma das principais dificuldades para o sucesso do empreendedor no Brasil (GEM, 2006). Os quatro dados acima deixam claro que ainda falta muito em termos de visão estratégica de negócios para as pequenas organizações. Embora os dados digam respeito aos pequenos negócios de uma forma genérica, outra publicação técnica, o Boletim Estatístico de Micro e Pequenas Empresas (1º semestre de 2005) dá conta que o comércio representa 52% das pequenas empresas (SEBRAE, 2005). 28 1.1Aspectos Conceituais da Estratégia Competitiva Entre os três níveis da estratégia, Siqueira (1997) observa que a estratégia competitiva é o ponto fundamental para a unidade de negócios, pois é o nível em que a empresa precisa buscar uma resposta criativa à questão: como irá competir dentro de cada um de seus negócios? Para res ponder a essa pergunta, a organização deve en tender como se diferenciará de seus concorrentes em cada mercado-alvo e quais competências diferenciadoras tentará atingir. Na visão de Porter (1991), estratégia com petitiva é um conjunto de ações ofensivas para criar uma posição defensável em uma indústria, e para enfrentar, com sucesso, as cinco forças que determinam a concorrência em um setor: entrada de concorrentes, rivalidade entre os concorrentes existentes, pressão de produtos e serviços subs titutos, poder de negociação dos compradores e poder de negociação dos fornecedores. Thomas (1978) argumenta que, no caso específico de organizações prestadoras de serviços, incluindo as empresas comerciais, administradores pensam em estratégias em termos de orientação para produtos, quando, na verdade, são requeridas outras visões estratégicas. Isso porque o que deve ser vendido é o serviço. Partindo desse princípio, o autor escreve que várias questões precisam ser respondidas por quem está pensando em estratégia, a primeira é sobre o que é o negócio. No caso do setor de serviços, a resposta é mais difícil de encontrar em função do seu caráter abstrato. O segundo grande problema é: como se defender dos concorrentes? No caso dos serviços, uma pequena companhia pode entrar na competição, reduzir a economia de escala e reduzir a concentração dos negócios. A última questão apresentada por Thomas, 1978, diz respeito ao desenvolvimento de novos serviços. Novas formas de se fazer as coisas é um importante fator estratégico. A tarefa de se introduzir serviços é diferente da introdução de novos produtos. Serviço é abstrato, raramente ocorrem inovações e as imitações são comuns. 1.1.1 Aspectos conceituais da estratégia competitiva A formulação da estratégia competitiva é um exercício muito particular para cada organização, em razão de sempre se relacionar com o ambiente competitivo em que a empresa está inserida, suas necessidades, seus objetivos, suas restrições e potencialidades. Reforçam a argumentação acima as críticas de Mintzeberg (1994) ao Planejamento Estratégico formal. Segundo o autor, o Planejamento Estratégico modelado por Igor Ansoff não traz os resultados esperados por executivos por vá rias razões, entre elas, o autor destaca, e que normalmente não está integrado entre os níveis da empresa, o conjunto de decisões de cima para baixo na hierarquia da organização, limitando a flexibilidade e a adaptabilidade às situações imprevistas da realidade da implementação das estratégias. Aguilar (apud LORANGE, 1982) escreve que a formulação estratégica de negócios é uma tarefa difícil, em função de que as mudanças estratégicas dependem do envolvimento de pessoas diferentes, seja por idade, experiência ou posição hierárquica. A formulação estratégica de negócios é uma tarefa difícil, em função de que as mudanças estratégicas dependem do envolvimento de pessoas diferentes, seja por idade, experiência ou posição hierárquica. Rev. FA E , C uritiba, A estratégia envolve duas grandes características: a ideia e o compromisso. Se uma pessoa na empresa tem a ideia da transformação, outra precisa se comprometer e comprometer os recursos com a ideia. A grande dificuldade está na inexistência dessas condições. Operacionalmente, muitos dos esforços estratégicos coordenados pelos executivos or ga nizacionais são inspirados nas estruturas de classificação dos tipos de estratégias com petitivas. As classificações orientam como um conjunto de ações pode ser configurado e estruturado para formar uma estratégia iden tificável e aplicável para determinados fins (CONANT; SMART; SOLANO-MENDEZ, 1993). Segundo Porter (1991), são identificadas três estratégias competitivas genéricas, usadas isoladamente ou combinadas, para criar o que o autor denomina de posição defensável em termos de lucratividade e de retorno sobre o investimento, sendo: liderança no custo total — tornou-se bastante comum nos anos 1970, devido à popularização do conceito de curva de experiência ou de aprendizagem. Essa estratégia consiste em atingir a liderança no custo total em um setor por meio de políticas funcionais orientadas para esse objetivo básico. Estratégia de diferenciação do produto/serviço: oferecido pela empresa com a criação de algo que seja considerado único ou raro no âmbito de toda a indústria. E estratégia de enfoque: baseia-se na concentração em um determinado grupo comprador, um segmento de linha de produtos, ou um mercado geográfico. Essa estratégia visa atender muito bem ao mercado-alvo, e cada política funcional é desenvolvida levando isso em conta. No caso específico das pequenas empresas comerciais, as opções estratégicas em termos de tipologia são restritas. As limitações de recursos impedem a consecução de economias de escala, necessárias à estratégia de custo total, restando, portanto, como escolhas viáveis à diferenciação e ao enfoque em diferenciação. Reforçando essa visão, Beisel (1993) recomenda que as empresas comerciais devem buscar atuar de forma dife v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012 29 renciada de seus competidores. Segundo o autor, a diferenciação é a única estratégia que preenche um espaço não apenas de mercado, mas na mente do comprador. Com base nas opções estratégicas de em presas comerciais, Conant, Smart, Solano-Mendez (1993) realizaram um estudo exploratório com uma amostra de 600 pequenas empresas comerciais. Nesse estudo, os autores identificaram dois tipos estratégicos característicos para pequenas organizações varejistas, denominados tipo comer ciante e especialista. O comerciante é capaz de, simultaneamente, desenvolver e enfatizar uma variedade de com portamentos estratégicos, possuindo diversas competências distintas. Já o tipo especialista possui maior foco em mercados específicos, embora suas competências sejam restritas. Comparando os dois tipos, os autores (CONANT; SMART; SOLANO-MENDEZ, 1993) argumentam que o tipo comerciante possui capacidades que permitem obter alto desempenho em termos de: atendimento ao cliente, layout, apresentação de produtos, consistência de atendimento e treinamento de recursos humanos. Kim e Mauborgne (1997) contrapõem-se às proposições acima, criticando as formulações estratégicas que almejam competidores. Para os autores, a estratégica competitiva deve subjugar os concorrentes, criando uma lógica estratégica voltada para o valor a ser criado para o cliente. Gordon (2004) compartilha com essa visão ao argumentar que o excesso de atenção na concorrência apenas faz a empresa apresentar desempenho próximo a seus competidores, o passo à frente está em usar as atuais tecnologias para entender o cliente potencial e desenvolver soluções inovadoras para tais necessidades. Essa linha de pensamento estratégico é muito oportuna para as pequenas empresas comerciais, tendo em vista que tais organizações enfrentam a concorrência em condições desiguais e inferiorizadas em relação a grandes concorrentes do setor. 30 1.1.2Implementação de estratégias competitivas Quando a pesquisa direciona-se para modelos de implementação de estratégias com petitivas, observa-se que a maioria dos autores converge para propostas muito próximas entre si, baseando-se em modelos prescritivos, tipificados em passos sequenciais, que variam de cinco a dez, próximos a ’receitas de bolo’. Como se pode verificar em Porter (1991); Walker Jr. e Heyes (citados por Siqueira, 1997); Linneman e Kennell (1977); Kotler e Keller (2006); Gilbert e Strebel (1988); Christensen, (1997); Mason, Mayer e Ezell, (1988), entre outros. Embora genéricos, os modelos apresentam dificuldades para serem operacionalizados por pequenas organizações comerciais. Como exemplo dessas dificuldades pode-se citar: sugestões de análises ambientais amplas que podem ser inócuas para uma pequena loja que atua em um setor geográfico restrito, ou que podem exigir muita capacitação do corpo gerencial dessas organizações; a pouca relevância que os modelos dão aos processos de segmentação e de posicionamento de mercado, estratégias de marketing fundamentais para empresas comerciais de pequeno porte; o enfoque prescritivo dos modelos genéricos, que pode levar gerentes ao viés de tentar adaptar a empresa ao modelo, e não o contrário; e a pouca ênfase no estudo do cliente potencial. Bossidy e Charan (2005) argumentam que planos estratégicos, em sua maioria, falham não por serem mal formulados, mas por serem mal executados. Os autores defendem que o maior desafio das empresas é implementar o que foi planejado sem deixar que as urgências das tarefas do dia a dia se sobreponham às prioridades estratégicas. No contexto da execução, o primeiro passo a ser dado é identificar o mercado-alvo da empresa, ou o segmento a ser atendido pela organização. Com respeito à segmentação de mercado, Aaker (1995) defende que o processo é a chave para desenvolver vantagens competitivas sus tentáveis. Segmentação é definida por Engel, Warshaw, Kinnear (1991; 1995) de duas maneiras: a primeira, como o processo de dividir grandes e heterogêneos mercados em menores seções de pessoas ou negócios com similares necessidades e/ou respostas para grupos de ofertas de mercado; a segunda, como o processo desenvolvido para produtos ou serviços que os tornam chamativos para subgrupos específicos de um mercado total. Para os interesses deste estudo, os aspectos teóricos de maior relevância concentram-se na segmentação de mercado organizacional, ou segmentação industrial. Conforme se verá na apresentação do caso, o direcionamento estratégico da empresa foi voltado para relações comerciais entre organizações, e não com consumidores. Embora a maioria dos trabalhos na área discuta profundamente a segmentação sob o ponto de vista de mercado de consumo (características e hábitos de pessoas), essas discussões não atendem às necessidades de empresas que atuam negociando com outras organizações. Segundo Hlavacek e Ames (1986), uma das razões para isso ocorrer é que a segmentação de consumidores finais é facilmente identificada. Em contraste, a segmentação industrial necessita se basear em considerações econômicas, aplicações, uso e necessidades concretas do cliente. Para avaliar diferentes segmentos industriais, a empresa deve examinar dois fatores: a atratividade global do segmento e os recursos disponíveis. Kotler e Keller (2006) escrevem que, para avaliar diferentes segmentos industriais, a empresa deve examinar dois fatores: a atratividade global do segmento, identificar se um segmento potencial possui as características que o tornam atraente e os recursos disponíveis; avaliar se faz sentido investir recursos no segmento. Sobre as bases de segmentação de clientes institucionais, Grisi (1986, p. 74-92) sugere dois critérios para basear um processo de segmentação. Por benefícios: que identifica os benefícios perseguidos pelo comprador, pressupondo a existência de compradores que busquem conjuntos similares de benefícios em suas demandas de produtos e serviços. E por necessidades: que postula que é impossível identificar benefícios procurados se não puder defini-los em termos das necessidades que os originam. Decorre dessas definições que um segmento pode ser delimitado como um grupo com necessidades comuns, cujas reações ao benefício proporcionado pelo produto ou serviço serão semelhantes. Whitney (1996) propõe um método para segmentar e avaliar clientes institucionais baseado em dimensões como: importância estratégica, significância e rentabilidade para a organização. Segundo o autor, em cada uma das dimensões de análise podem ser considerados diversos critérios, conforme os interesses, potenciais e as restrições da organização. Para a dimensão de importância e significância estratégica, podem ser utilizados os seguintes critérios de análise: —— Necessidade do segmento X capacidade da organização (atual): avalia-se a capacidade da empresa em recursos e ativos é confrontada com a necessidade de cada segmento; —— Capacidade da empresa X concorrência: avalia a possibilidade de atendimento em comparação com a concorrência; —— Saúde do cliente atual: aqui se avalia o risco financeiro de cada grupo de clientes; 31 —— Saúde do cliente futura: estimam-se as possibilidades futuras quanto ao risco financeiro; —— Crescimento de mercado: estima-se o potencial de crescimento de cada grupo de clientes; e —— Aprendizado para a empresa: o critério dimensiona a possibilidade de aprendizado que cada segmento poderia proporcionar se houvesse um esforço deliberado em atendê-lo. —— Participação nas receitas: o montante de recursos com que o grupo de clientes contribui para o total de vendas realizadas pela empresa; —— Margem bruta de lucros: diferença entre vendas e o custo da mercadoria vendida, identificando o grau de descontos que cada segmento exige para comprar; Bossidy e Charan (2005) citam os se guintes fatores como causas que impedem desenvolvimento de estratégias: desconhecimento das capacidades das pessoas e da empresa; falta de realismo; ausência de metas e prioridades claras; baixo compromisso com o planejamento; falta de investimentos em capacitação; e falta de alinhamento entre recompensas funcionais e objetivos estratégicos. Bock et al. (1999) escrevem que, para evitar as deficiências, a empresa deve ter consciência de que, tanto na formulação como na execução das estratégias, precisa lidar com questões que estão distantes da ‘certeza’ e do ‘consenso’. O principal desafio é administrar a incerteza predominante nos mercados e conseguir harmonia entre os funcionários e a organização. —— Segurança contra inadimplência: nível de risco para possíveis não pagamentos; 2 A dimensão rentabilidade para a organização pode ser explorada com os seguintes critérios: —— Simplicidade de atendimento: estimativa de dificuldades para atender às necessidades dos clientes; e —— Atraso de pagamentos das faturas: o nível de risco apresentado pelos segmentos quanto aos atrasos de pagamento de compras efetuadas. Como se pode observar, o modelo de Whitney (1996) utiliza-se de conceitos de fácil compreensão e operacionalização, o que o torna uma ferramenta extremamente útil para pequenas organizações que necessitam identificar e analisar segmentos de mercado. Não se pode, porém, perder de vista que a segmentação de mercado comprador apenas subsidia a formulação e a implementação de estratégias competitivas, o processo de 32 implementação exige esforços muito mais inten sos, envolvendo departamentos e pessoas das di versas áreas da organização. As dificuldades nessa fase da estratégia são reforçadas por Bock et al. (1999), que argumentam que todas as empresas desenvolvem estratégias, apesar disso, dados da revista Fortune informam que apenas 25% das estratégias planejadas são operacionalizadas. Aspectos Metodológicos da Pesquisa Para maior segurança sobre a adequação e a validade da técnica do estudo de caso para este trabalho, é prudente aprofundar um pouco mais nas argumentações e justificativas sobre o emprego do método. Gil (1988, p. 58) define o método do caso como um estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento. Acrescenta o autor que a maior utilidade do estudo de caso é verificada nas pesquisas exploratórias. Possui, ainda, outras vantagens que, segundo o autor, seriam: a) Estímulo a novas descobertas — em razão da menor formalidade, o pesquisador, ao longo do seu processo, pode atentar para novas descobertas; b) Ênfase na totalidade — no estudo de caso, o pesquisador volta-se para a multiplicidade de dimensões de um problema, focalizando-o como um todo; c) Simplicidade dos procedimentos — os procedimentos de coleta e análise de dados no estudo de caso, quando comparados com os exigidos por outros tipos de delineamento, são bastante simples. Sobre a aplicação do método, Mattar (1996, p. 84) escreve que não há critérios para a escolha de um caso para ser estudado. Entre os exemplos, o autor cita as situações que reflitam mudanças e, particularmente, mudanças abruptas. Nóbrega (1999, p. 72) relaciona o método de estudo de caso com o estudo da estratégia. Segundo o autor, estratégia requer pensamento original. A melhor maneira de estudar estratégia é estudando sucessos e fracassos dos outros. Em função das diversas argumentações apresentadas, pode-se perceber a aplicabilidade do método para este estudo. Uma pesquisa que destaca, entre seus pontos fortes, a intenção de oferecer uma descrição detalhada de um processo de formulação e implementação estratégica, que ofereça subsídios, não só para pesquisas mais estruturadas, mas também como referência para aplicações empíricas dos conceitos abordados. 3 O Caso A empresa do estudo, denominada de Lati cínios Morato, foi acompanhada durante três anos pelo pesquisador, período em que se desenvolveu o processo estratégico. Apresentando um rápido histórico, a empresa foi fundada em 1974, como uma pequena loja especializada no comércio de frios, laticínios, conservas e especiarias, situada na cidade de São Paulo. Após uma desastrada ampliação de escopo, a empresa teve seu controle societário transferido no início de 2000. ficitários, mantendo apenas as atividades relacio nadas ao varejo e ao setor de vendas por atacado. A condição precária enfrentada pela organização exigia aporte urgente de recursos financeiros. Algo que, naquela situação, apenas seria possível com o desenvolvimento da própria empresa no curto prazo. Nesse contexto, o termo desenvolvimento estava relacionado com o aumento de lucratividade nas operações — aumento sensível das receitas com o mínimo de investimentos e de custos correntes. As dificuldades não recomendavam inves timentos nas atividades varejistas, visto que essas exigiriam dispêndio desproporcional de recursos em infraestrutura de futuras lojas. No entanto, a estrutura atacadista existente oferecia, ainda, capacidade para crescimento. Um dos grandes óbices enfrentados por pequenas empresas que atuam no setor atacadista, é que nessa atividade, de uma forma genérica, a competição baseia-se nos atributos: custos e preços – estratégia de custo total (Porter, 1991). Incapaz de competir em tais bases, a empresa procurou identificar segmentos de compradores que apresentassem outras necessidades que não preços baixos, o que permitiria à organização estabelecer um nível de competição por diferenciação com maiores margens. O processo de análise baseou-se na carteira de clientes da empresa. Até aquele momento, as ações comerciais eram dispersas, não havia uma concentração em compradores específicos, clientes de diversos segmentos compunham o universo comercial da organização, resultando em negócios de oportunidade e vendas com margens apertadas. Os segmentos analisados foram: hotéis, restaurantes, pizzarias/padarias, franquias e pequenos varejos. O modelo de análise de segmentos de Whitney (1996) foi utilizado para esse fim. Os graus 5 (alto), 3 (médio), e 1 (baixo) indicam a probabilidade de cada segmento contribuir para ocorrência do critério em avaliação. Os resultados indicaram o segmento de hotéis como o mais interessante (TAB. 1). Com base na análise situacional, os novos controladores decidiram eliminar os negócios de Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012 33 TABELA 1 — Análise comparativa dos segmentos Avaliação estratégica Clientes atuais Características Padarias 1. Capac. x Neces. Atual Em P. x Conc. Atual Saúde do Cliente Atual Futura Cresc. Mercado Aprendizado para a Empresa Cap. Atração Novos Clientes TOTAL DE PONTOS Pizzarias Franquias Lojas Hotéis Restaurantes 3 3 3 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 3 5 1 1 1 1 5 3 1 1 5 1 5 3 1 1 5 1 5 3 1 1 5 1 5 3 9 9 23 11 27 19 Significância para uma futura estratégia Classificação pela primeira análise Rentabilidade Participação nas Receitas Margem Bruta de Lucro Segurança quanto à inadimplência Simpl. de Atendimento Ausência Atraso de Pagamento TOTAL Hotéis Franquias Restaurantes Lojas Padarias Pizzarias 1 3 3 3 3 3 5 3 3 1 1 1 5 3 3 3 1 1 1 3 3 3 5 5 5 1 1 3 1 1 17 13 13 13 11 11 FONTE: O autor Embora esse tipo de pesquisa possa apresentar vieses importantes, se comparado com um estudo quantitativo, como risco de análises tendenciosas, amostra não representativa, assimetria de informações etc., para as limitações de recursos, comuns nas pequenas empresas, o modelo possibilitou que a organização empreendesse um traba lho menos empírico, com características técnicas um pouco mais consistentes. 34 Após a primeira análise realizada, os exe cutivos da empresa perceberam a necessidade de aprofundar seus conhecimentos sobre o segmento eleito, principalmente com relação às expectativas, anseios e necessidades não atendidas pelos respec tivos fornecedores. Novamente, as restrições de recursos da empresa surgiram como limitadores para pesquisas mais aprofundadas. A solução para a deficiência de recursos da empresa veio com a aplicação do conceito denominado de ‘estudo de comprador líder’. Os compradores líderes, segundo Aaker (1995), são aqueles que mantêm um grau de exigência muito acima da média das organizações pertencentes ao segmento em estudo. Portanto, identificar e compreender as necessidades e os anseios de um comprador líder pode subsidiar uma organização a se capacitar melhor para atender todo o segmento. A pesquisa de campo foi empreendida junto a um renomado hotel da cidade de São Paulo, por meio de entrevistas com o responsável pela área de compras de perecíveis e o responsável pelo setor de alimentação do hotel, conhecido no meio como ‘Chefe de Cozinha’. A pesquisa identificou quatro deficiências importantes na prestação de serviços dos fornecedores tradicionais para o setor hoteleiro. As principais reclamações foram: incapacidade dos fornecedores em preencher os requerimentos padronizados de compra de perecíveis; inflexi bilidade no atendimento de exceções e de pedidos emergenciais; dificuldades em cumprir compromissos de entrega, acordados com os setores de compras; e alta variabilidade nos resultados da prestação de serviços. Com base nos dados obtidos no estudo, os executivos da organização concluíram que toda a ação estratégica deveria se concentrar em capacitar a estrutura operacional da empresa para atingir níveis de desempenho exigidos pelo setor hoteleiro, superando as limitações observadas na concorrência tradicional. Inicia-se, então, a fase da planificação da estratégia, assunto do próximo tópico. 3.1 Planejamento da Estratégia prioritária. Tais preocupações fizeram com que a empresa procurasse definir com clareza as áreas de maior impacto para o sucesso da estratégia e definir os perfis e as habilidades humanas que permitiriam o desempenho planejado. Os níveis funcionais considerados como de maior relevância, sob o aspecto de recursos humanos, foram: equipe de vendas, pessoal de recebimento e expedição, equipe de transporte e entrega. A primeira vista, pode parecer exagerada a preocupação com o desempenho de pessoas em níveis operacionais. No entanto, na prestação de serviços, os clientes relacionam-se com os funcionários de linha e não com diretores e gerentes (LOVELOCK; WIRTZ, 2006). No caso do comércio atacadista de alimentos, a relação concreta com o cliente dá-se por meio dos motoristas e entregadores, os demais contatos são, na maioria, virtuais. Para tanto, a organização efetuou a análise das operações e das tarefas, que consistiu em definir que tipos de comportamentos os empregados deveriam exibir para desempenhar eficazmente as funções de seus cargos. Os meios utilizados para capacitar os envolvidos foram reuniões expositivas, debates interativos, simulações de possíveis vendas, simulações das rotinas de separação de produtos, acondicionamento, carregamento de veículo e entregas simuladas. Outra técnica de treinamento bastante interessante, aplicada nessa fase, foi a dramatização, principalmente para capacitar a equipe de vendedores. A dramatização difere-se da simulação, no sentido de que, na primeira, são criados cenários e as pessoas representam papéis estranhos à organização, como os de clientes, fornecedores etc. Na técnica da simulação, os treinandos simulam as suas próprias atividades em situações próximas ao seu dia a dia. Após a definição dos objetivos estratégicos, iniciou-se o processo de planejamento da estratégia. Entre as áreas da empresa que deveriam sofrer intervenções, a de recursos humanos foi considerada Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012 35 3.2 Recursos Materiais As questões relacionadas aos recursos materiais, principalmente, a dotação de equi pamentos, representam um adicional de dificul dades de grande relevância para as pequenas organizações que, normalmente, estão envoltas com restrições financeiras e dificuldades de acesso aos financiamentos de bens de capital. A empresa em estudo não fugiu a essa situação, obrigando-se a recorrer a financiamentos custosos como: arrendamento mercantil (leasing), compras parceladas (financiamentos oferecidos por fornecedores) e à utilização de recursos pró prios dos sócios, expedientes comuns adotados por empresas de pequeno porte. Com o sistema informatizado implantado, foi possível estabelecer as rotinas operacionais da área de atacado. Para isso, a organização integrou as pessoas da área comercial e das áreas de suporte para que todos pudessem se envolver e contribuir com a estruturação dos processos. O procedimento possuiu como objetivo criar o comprometimento dos envolvidos com o processo estratégico em andamento. De acordo com as premissas estratégicas, considerou-se que para se atingir o desempenho planejado, os seguintes processos foram consi derados fundamentais: —— Vendas: o processo de comercialização diferenciava clientes novos dos atuais. A relação com os clientes atuais foi baseada no sistema informatizado, que alertava os dias de compras do cliente, gerenciava e coordenava os setores de estoque, expedição e faturamento e entrega. No caso de clientes novos, a participação das equipes era mais intensa e, por isso, foram elaborados procedimentos específicos de identificação do contato, apresentação dos diferenciais da empresa, do processo de expedição, da entrega e maior dedicação nas atividades de pós-venda, com o intuito de treinar o cliente para a correta percepção do valor entregue pela empresa; —— Gerenciamento e renovação de estoques: em razão das promessas ambiciosas de disponibilizar produtos que pertencessem, ou não, ao portfólio da empresa e a de responder prontamente às necessidades emergenciais que as organizações hoteleiras normalmente incorrem, os processos relacionados à renovação e gestão de estoques foram considerados fundamentais para o sucesso do esforço estratégico. No Um interessante aspecto observado na empresa em estudo foi que ela se preocupou em adquirir os recursos materiais concomitantemente com o recrutamento e seleção dos funcionários, objetivando capacitar os novos funcionários já com os novos meios materiais. 3.3 Processos Operacionais O primeiro passo da empresa nesse sentido foi o desenvolvimento de um sistema gerencial informatizado que integrasse o processo de compras, a gestão de estoques, o suporte a vendas e gestão da carteira de clientes, antes de qualquer outra iniciativa. Os programas disponíveis no mercado, para tanto, ou possuíam preços inacessíveis, ou não integravam todas as funções conforme as expectativas da organização; por esses motivos, a empresa decidiu desenvolver um sistema informatizado próprio. O processo de desenvolvimento e validação do sistema foi muito desgastante e caro, mostrando que alternativas como adquirir um software de integração gerencial e, posteriormente, adaptá-lo às necessidades específicas da organização poderia ser mais eficiente. 36 entanto, a operacionalização desse processo foi extremamente difícil e penosa, percebeu-se, logo, que era impossível prometer a um segmento de mercado a excelência de atendimento e pronta resposta sem a segurança da excelência no fornecimento. Para uma grande empresa, há a possibilidade de se prevenir contra tal dificuldade, por intermédio de estoques elevados, mas no caso específico da organização, objeto deste estudo, houve a necessidade de optar por outro caminho, a capacitação e treinamento dos fornecedores. É importante observar que nem todos os procedimentos e ações descritos foram pensados na fase de formulação e preparação do projeto estratégico, muitos deles foram elaborados durante o processo de implementação da estratégia. Por esse motivo, o acompanhamento próximo pela gerência do processo em implementação foi de suma importância para a identificação dos óbices e para adoção das correções necessárias ao sucesso do esforço. 3.4 Principais Resultados Ao final do primeiro ano de execução da estratégia, os primeiros resultados começaram a surgir com a conquista de importantes clientes. Desde o início do processo, a organização suspeitava que o desempenho alcançado para atender às necessidades do cliente-alvo do hotel poderia também atender as demandas de outros tipos de clientes como: hospitais, restaurantes sofisticados e os grandes clubes de lazer, modelos que possuem alguma semelhança com os hotéis. Diante disso, a equipe de vendas avançou sobre tais organizações, consoante com o trabalho já desenvolvido junto aos hotéis. Os resultados foram bastante interessantes. A tabela comparativa abaixo ilustra a varia ção da composição dos clientes pertencentes à carteira da unidade de atacado, em sua totalidade e em proporção aos segmentos de mercado de interesse da organização, no início do esforço estratégico e no período final de análise. TABELA 2 — Composição da carteira de clientes por segmento de mercado Composição da carteira de clientes Ano Hosp. Padaria Pizzaria Lojas Clubes Hotéis Rest. Outros TOTAL 2000 0 25 28 47 0 2 24 6 132 2003 17 6 13 35 18 54 33 26 202 FONTE: O autor Pode-se observar que houve um aumento de clientes pertencentes aos segmentos de hospitais, clubes, restaurantes. No caso dos clientes pertencentes ao grupo de hotéis e flats, o aumento foi considerável. O esforço estratégico conseguiu promover ganhos consideráveis no número total de clientes da empresa. Essa nova configuração da carteira também aumentou sensivelmente o faturamento geral da unidade de negócios. Com o aumento das vendas, os lucros também apresentaram uma evolução importante no período avaliado, crescendo a uma taxa de 34% do primeiro para o segundo ano e de 33,4% do segundo para o terceiro ano de observação. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012 37 Conclusão Como é possível verificar no texto, a organização, objeto do estudo utilizou diversos conceitos presentes na bibliografia sobre o tema da estratégia. Mostrando claramente o quanto a abordagem conceitual e metodológica pode ser útil e aplicada, não apenas para grandes organizações de onde vêm os principais exemplos, mas também para a pequena empresa. Claro que por se tratar de um estudo qualitativo com apenas um exemplo, possíveis generali zações não cabem serem feitas aqui. No entanto, o processo estratégico descrito neste estudo destaca ensinamentos acadêmicos que devem ser considerados por aqueles que atuam em pequenas organizações. Em primeiro lugar, o estudo confirma a argumentação de diversos autores que alertam para a diferença de complexidade entre as duas principais fases de um processo estratégico: a formulação e a implantação de estratégias. O caso ilustra a necessidade do acompanhamento constante da execução por parte das lideranças. Também são perceptíveis as limitações do planejamento em antecipar as situações reais, o que exige dos estrategistas o acompanhamento próximo da implantação do processo estratégico. O caso mostrou na prática a emergência de situações caracterizadas por Mintzeberg (1994) como ‘estratégias não planejadas’, óbices que dificultam ou impendem a execução do planejamento estratégico, exigindo a flexibilidade dos executores em adaptar e criar alternativas para atingir os objetivos esperados. Nesse sentido, a falta de recursos das pequenas empresas comerciais parece torná-las ainda mais sensíveis a esse tipo de dificuldade. Outro aspecto importante a ser destacado relaciona-se com as características integrativas e amplas de um processo estratégico. Pôde-se per ceber o quanto as inter-relações entre modelos de marketing, como a segmentação e o posiciona mento de mercado, e as abordagens operacionais devem ser íntimas, para aumentar as probabilidades de sucesso de empreendimentos dessa monta. 38 Acrescenta-se, ainda, a importância dos recursos humanos para o sucesso de um esforço estratégico. O caso mostra que, para a or ganização em estudo, o sucesso dependeu do desenvolvimento de dois atributos: o compro metimento e a capacitação das pessoas envol vidas no processo. Interessante destacar, também, os caminhos seguidos pela organização para de senvolver tais atributos: o envolvimento das equi pes no planejamento e estruturação dos pro cessos, e a capacitação por meio de treinamentos simulados e encenados, técnicas pouco custosas e acessíveis às pequenas empresas. Como última observação sobre os ensinamentos gerenciais que este estudo proporciona, é que ele próprio se mostra como um exemplo ilus trativo da realidade enfrentada pelas pequenas empresas, inseridas em ambientes de competição intensa, e das possibilidades que a abordagem estratégica pode promover. Como parece ser comum em pequenos negócios, o interesse pela abordagem estratégica da empresa estudada surgiu em decorrência das dificuldades enfrentadas pela empresa, o que não parece ser a melhor alternativa. Tais opções limitam o alcance da abordagem estratégica ou podem torná-la inócua. Pode ser um erro, portanto, pequenos empreendedores abdicarem do pensamento estratégico no seu dia a dia de negócios. Para as preocupações acadêmicas, este trabalho pode contribuir como uma útil ferramenta didática para o ensino da administração, uma área que sofre muito com a limitação de subsídios empíricos dedicados à formação de gestores, principalmente para aqueles que estudam com o objetivo de empreender ou dirigir pequenos negócios. Por fim, cabe aqui propor à academia uma atenção maior com a pequena e micro empresa, que, apesar de suas estruturas mais simples, carecem de fontes bibliográficas para apoiá-las diante das grandes dificuldades que enfrentam no atual ambiente competitivo. • Recebido em: 13/01/2012 • Aprovado em: 02/05/2012 Referências AAKER, D. A. Developing business strategy. New York: J. Wiley, 1995. ANDREWS, K. Concept of corporate strategy. In: ____. The strategy process. Englewood Cliffs, NJ: PrenticeHall, 1988. BARNEY, J. B.; HESTERLY, W. 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FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 2012 41 Mobilidade Sustentável como desafio do milênio Sustainable Mobility as a millennium challenge Mobilidade Sustentável como desafio do milênio Sustainable Mobility as a millennium challenge Marília Azevedo Bassan Franco da Rocha1 Resumo Com o crescimento dos principais centros urbanos e com o investimento do governo na indústria automobilística, o cenário da mobilidade urbana vem se modificando no decorrer dos anos. O atual modelo adotado gera consequências negativas para a população como: congestionamentos, aumento da poluição, aumento do tempo nos deslocamentos, entre outros. Nesse sentido, é preciso reverter o atual modelo, integrando conceitos de gestão urbanística, sustentabilidade ambiental, e voltando-se para a inclusão social. Este artigo tem como principal objetivo apresentar uma reflexão sobre a mobilidade nas cidades contemporâneas, buscando contribuir com o debate sobre os desafios do milênio e estimular a formação de cidadão que zelem pelas atitudes e comportamentos sustentáveis. Para tanto, utilizamos como instrumentos de pesquisa levantamentos em fontes bibliográficas. A pesquisa identificou possíveis alternativas para a resolução dos problemas de mobilidade urbana, principalmente no que diz respeito ao incentivo da diminuição das viagens motorizadas e investimentos no transporte coletivo. Palavras-chave: Mobilidade Urbana. Mobilidade Sustentável. Alterna tivas para Mobilidade Urbana. Abstract With the growth of major urban centers and the government’s investment in the auto industry, urban mobility has been changing over the years. The current situation generates negative consequences for the population such as traffic jams, more pollution, more time spent commuting, etc. Therefore, it is necessary to change this situation, incorporating concepts of urban management, environmental sustainability and social inclusion. This article aims to discuss mobility in contemporary cities, seeking to contribute to the debate on the challenges of the millennium and stimulate the formation of citizens who practice sustainable attitudes and actions. The research was based on literature and it was possible to identify alternative solutions for the problems of urban mobility, especially with regard to reducing vehicle travel and investing in public transport. Keywords: Urban Mobility. Sustainable Mobility. Alternative Solutions for Urban Mobility. Pós-graduanda em Controladoria (FAE Centro Universitário). E-mail: [email protected]. 1 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 2012 43 Introdução De acordo com dados do Ministério das Cidades, até a metade do século XX, o Brasil era um país de economia majoritariamente agrícola. A partir da década de 1950, governos considerados desenvolvimentistas assumiram o poder, e, com isso, um processo de industrialização intenso se iniciou, cujo principal efeito foi um acelerado crescimento dos principais centros urbanos, resultantes da população que migrou do campo para a cidade em busca de oportunidades nesse novo Brasil que se desenhava. Os motores a explosão e a expansão do transporte rodoviário motorizado sobre pneus modificaram, de forma decisiva e irreversível, a vida e os costumes nas cidades, reformularam os conceitos de espaço e geraram um novo padrão de mobilidade (BRASIL, 2007). Após longo perío do sem uma atuação sistemática do governo federal no tratamento do transporte urbano, o cenário que se construía da mobilidade no País se tornava cada vez mais preocupante: grande aumento da utilização dos transportes individuais motorizados, sobrecarga do sistema viário das cidades e suas consequências em termos de É necessário reverter o atual modelo de mobilidade, integrando conceitos e instrumentos da gestão urbanística, sustentabilidade ambiental e voltando-se para a inclusão social. 44 aumento de congestionamentos e deterioração dos serviços de transporte coletivo (BRASIL, 2011). A partir da década de 1990, as políticas federais deixaram de tratar o transporte nas cidades como uma questão eminentemente de infraestrutura viária para tratá-lo como essencial para as funções social e econômica dentro do desenvolvimento urbano (BRASIL, 2011). Esse momento exige uma mudança de paradigma: é necessário reverter o atual modelo de mobilidade, integrando conceitos e instrumentos da gestão urbanística, sustentabilidade ambiental e voltando-se para a inclusão social (BRASIL, 2007). Este artigo se propõe a apresentar uma reflexão sobre a mobilidade nas cidades con temporâneas, buscando contribuir com o debate proposto sobre os desafios do milênio e estimular a formação de cidadãos que zelem pelas atitudes e comportamentos sustentáveis. Assim, para uma análise sobre a mobilidade como desafio no milênio, serão analisadas cidades brasileiras contemporâneas, após a década de 1950, período quando se inicia o processo de urbanização no País. Dessa forma, torna-se necessário, primei ramente, contextualizar por meio de uma breve caracterização histórica a mobilidade e suas trans formações ao longo das décadas. Além desta introdução, a composição do modelo de mobilidade adotado no Brasil está demonstrada no título 1. No título 2, apresentam-se propostas para solução dos atuais problemas de mobilidade verificados no Brasil e, por fim, apresentam-se as considerações finais. 1 1.1Causas e Consequências dos Problemas do Modelo de Mobilidade Adotado no Brasil Modelo de Mobilidade Adotado no Brasil A mobilidade se constitui de deslocamentos cotidianos recorrentes, fruto da separação entre lugar de trabalho e habitação, de movimentos destinados às compras e ao lazer, entre outros (BALBIM, 2004). Mobilidade sustentável, segundo The World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), é: “atender às necessidades da sociedade de se mover livremente, obter acesso, se comunicar, comercializar e estabelecer relações sem o sacrifício de valores humanos essenciais ou ecológicos, hoje ou no futuro” (PRADO, 2008). Um dos primeiros fatores que deve ser levado em consideração quando da reflexão sobre a mobilidade é o crescimento populacional, já que as pessoas são apresentadas como sujeitos principais dentro desse conceito. De acordo com o Censo 2010 (BRASIL, 2010), 84,35% da população (160.879.708 pessoas) vivia em situação urbana, enquanto apenas 15,65% (29.852.986 pessoas), em situação rural. Ainda, em 1º de agosto de 2010, 66,41% da população (126.669.563 pessoas) habitava apenas 607 dos 5.565 municípios existentes. A política de mobilidade verificada na quase totalidade das cidades brasileiras tem representado desperdício de tempo em congestionamentos crô nicos; elevada mortalidade, devido aos aciden tes de trânsito; degradação das condições ambientais, causando reduções nos índices de mobilidade e acessibilidade (LIMA, 2008). Neste capítulo procura-se contextualizar as causas e as consequências desses problemas no Brasil. Comprova-se, com essas informações, a tendência para o crescimento das grandes cidades e, com isso, a concentração populacional, conforme demonstrada na TAB. 1. TABELA 1 — População nas grandes cidades brasileiras (2010 e 2000) População de acordo com Censo 2010 Município População de acordo com Censo 2000 Percentual de crescimento da pop. de 2000 para 2010, com base nos Censos Demog. São Paulo - SP 11.244.369 10.434.252 7,76% Rio de Janeiro - RJ 6.323.037 5.857.904 7,94% Salvador - BA 2.676.606 2.443.107 9,56% Brasília - DF 2.562.963 2.051.146 24,95% Fortaleza - CE 2.447.409 2.141.402 14,29% Belo Horizonte - MG 2.375.444 2.238.526 6,12% Manaus - AM 1.802.525 1.405.835 28,22% Curitiba - PR 1.746.896 1.587.315 10,05% Recife - PE 1.536.934 1.422.905 8,01% Porto Alegre - RS 1.409.939 1.360.590 3,63% FONTE DE DADOS BRUTOS: Censo Demográfico 2000 e 2010 — IBGE NOTA: O responsável pelos dados trabalhados é o autor desta pesquisa Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 2012 45 Outro importante fator a ser considerado é o aumento do transporte individual em detrimento da utilização do coletivo, verificado, principalmente, por meio do aumento da frota de automóveis e motos — em 2007, a frota circulante em cidades com mais de 60 mil habitantes era de 20 milhões de veículos, sendo 15,2 milhões de automóveis e veículos comerciais leves (BRASIL, 2011). De acordo com Vasconcellos, Carvalho e Pereira (2011), os automóveis recebem até 90% dos subsídios dados ao transporte de passageiros do País, 12 vezes mais que o transporte público. Nos últimos anos, os carros têm desfrutado de redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) pelo governo federal, estacionamento gratuito em grande parte das vias públicas, baixo preço do licenciamento e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores — IPVA (BRASIL, 2011). Além das políticas fiscais, o governo também promoveu o encarecimento do preço do diesel em relação ao da gasolina, a partir da quebra do monopólio estatal sobre a exploração e a venda de petróleo e derivados no fim da década passada, o que vem estimulando o aumento de viagens individuais. Podem-se citar, também, as políticas de incentivo à produção de motocicletas na Zona Franca de Manaus e a instalação de fábricas de automóveis no País com grandes incentivos fiscais (BRASIL, 2011) As políticas voltadas ao estímulo do uso do transporte individual, associadas às medidas que acabam por encarecer o transporte público coletivo, resultam no agravamento dos problemas de mobilidade nos grandes centros, além de também reforçar a exclusão social para aqueles que não podem adquirir um veículo privado e percebem que o transporte público vem perdendo qualidade e ficando cada vez mais caro (BRASIL, 2011). De acordo com levantamento feito pela Paraná Pesquisas, no início de 2011, para avaliação do sistema de transporte de Curitiba, metade das pessoas ouvidas apontaram a lotação como maior 46 problema do transporte coletivo. Em segundo lugar, com 38%, está o tempo de espera alto entre os ônibus; e, com 18%, está o alto preço da passagem (AZEVEDO, 2011). Além disso, segundo pesquisa apresentada pelo Ipea, os ônibus, que transportam 90% dos passageiros do transporte público nacional, apresentam velocidades muito baixas, cerca de 30% inferiores às que seriam praticadas com sistemas adequados de prioridade na circulação (BRASIL, 2011). Uma consequência básica de todos esses fatores é o aumento dos congestionamentos urbanos: segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1992 e 2008, o tempo médio de deslocamento casa-trabalho da população, nas dez principais regiões metropolitanas do Brasil, subiu aproximadamente 6%. O percentual de pessoas que gastam mais de uma hora nesse mesmo deslocamento também subiu: de 15,7% para quase 19% (BRASIL, 2011). Outro efeito é o aumento da poluição decorrente do uso crescente de combustíveis fósseis, apesar dos avanços de controle de emissões regulamentadas desde 1986 pelo Programa de Controle de Poluição Veicular (Proncove). Além disso, os automóveis consomem 68% da energia total usada nos deslocamentos realizados nas cidades com mais de 60 mil habitantes, cabendo apenas 32% ao transporte coletivo (BRASIL, 2011). Também, a falta de incentivo ao transporte não motorizado contribui com os baixos índices de mobilidade nas cidades modernas. Em uma pesquisa apresentada no 14º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito — no ano de 2003, em Vitória, a qual é citada pelo Ministério das Cidades em seu Caderno de Referência para Elaboração de Plano de Mobilidade Urbana de 2007 —, foi possível verificar que, nas cidades selecionadas, o principal problema enfrentado pelos ciclistas em seus deslocamentos é a falta de ciclovia, a falta de bicicletários seguros e chuveiros públicos para troca de roupa (BRASIL, 2007). O modelo de mobilidade adotado pelo Brasil, de acordo com Gomide (2006), alimenta um círculo vicioso: a oferta inadequada de transporte coletivo estimula o uso do transporte individual, o que ocasiona aumento dos níveis de poluição e congestionamento. Estes, por sua vez, absorvem cada vez mais recursos para a ampliação e construção de vias. Igualmente, a falta de planejamento e controle do desenvolvimento das funções sociais das cidades provoca a expansão urbana horizontal, o que gera o aumento das distâncias a serem percorridas e os custos da provisão dos serviços para as áreas periféricas, onde a oferta se torna deficitária. Com isso, percebe-se que os custos socioeconômicos para a sociedade brasileira de tal modelo são inaceitáveis para um país que se pretende justo e sustentável. 2 Propostas de Soluções para Aprimoramento da Mobilidade Urbana no Brasil Com base na introdução e na primeira parte deste artigo, constata-se que o estudo aprofundado das condições de mobilidade é fundamental para avaliar a qualidade de vida nas cidades e identificar políticas privadas e públicas que possam reduzir os problemas urbanos rela cionados a esse assunto, dando maior eficiência na movimentação de indivíduos e mercadorias (IPEA, 2011). Nesta parte, serão apresentadas propostas de soluções para o aprimoramento do modelo de mobilidade adotado no Brasil. De acordo com Lincoln Paiva, idealizador do projeto MelhorAr de Mobilidade Sustentável (PRADO, 2009), para buscar alternativas para a mobilidade, o primeiro passo é entender que esse conceito envolve não apenas o setor de transportes, mas também de trabalho, saúde, economia, finanças e meio ambiente. Nesse sentido, Paiva cita que há evidências no mundo de que os grandes centros urbanos têm encontrado boas saídas para os problemas relacionados à mobilidade. Um exemplo disso é o CTR Board — Commute Trip Reduction Board — aplicado em Washington. Rev. FA E , C uritiba, O estado norte-americano possui 6 milhões de habitantes, abrigando a sede de grandes empresas e sofrendo as consequências de um trânsito caótico. Diante desse cenário, o governo decidiu trabalhar em parceria com a iniciativa privada, de modo que as empresas começassem a se sentir responsáveis pelos deslocamentos de seus funcionários, não somente pela ida ao trabalho e volta para casa, mas também pela locomoção durante o dia para visitar clientes, participar de reuniões e eventos fora da empresa ou fazer entregas. A partir disso, criou-se um departamento de mobilidade, que por meio de recursos financeiros, incentivava as empresas a fazerem o mapeamento dos deslocamentos de cada empregado. Os dados coletados serviram para que o governo tivesse o diagnóstico de como as pessoas se locomoviam e quais eram as suas necessidades. Com isso, foram aplicadas iniciativas de home office, horários flexíveis de trabalho, construção de ciclovias, viabilização de caronas compartilhadas, aumento da frota de ônibus em determinados locais e horários, entre outros. O conjunto de medidas reduziu o tempo que as pessoas ficavam paradas no trânsito, o estresse da população e os gastos com combustível, e ainda tornou o transporte público mais eficiente. Três anos depois de implementado, mais de 1.100 empresas investiam nesse projeto, pois notaram os ganhos econômicos que tinham com a iniciativa. De acordo com entrevista concedida por Horácio Augusto Figueira, consultor de engenharia de tráfego e transportes, uma das soluções para o problema da mobilidade é o investimento a curto prazo pelo Poder Público no transporte de ônibus e, a longo prazo, em metrôs e trens (CRUZ, 2011). Para Kazuo Nakano, arquiteto urbanista do Instituto Pólis, o estímulo para que as pessoas deixem o carro em casa e optem pela utilização do transporte público está primeiramente na ampliação da oferta deste meio, fazendo com que ele atinja todos os pontos da cidade (CRUZ, 2011). Ainda segundo o autor, o transporte também precisa ser frequente, confiável, confortável e estar integrado com as demais redes e linhas. Outra ideia defendida pelo arquiteto é a criação do v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 2012 47 pedágio urbano, cobrado pelo uso do veículo que circule, por exemplo, na área central das cidades nos horários de pico. Porém, os pedágios podem somente ser implantados após a conexão de todas as regiões com o transporte coletivo e quando as oportunidades de emprego migrarem do centro para as áreas mais periféricas (CRUZ, 2011). De acordo com entrevista concedida por Lincoln Paiva, o transporte público não é, nem pode ser a única solução para a mobilidade urbana — se todas as pessoas passassem a utilizar ônibus e metrôs, as cidades teriam um ônus enorme. Em Londres, por exemplo, segundo Paiva, as pessoas são incentivadas a andarem a pé e de bicicleta. Ainda, a prefeitura recomendou às empresas que adotassem a política de home office, resultando em ação menos onerosa do que incrementar o transporte público (PRADO, 2009). Em Paris, segundo reportagem de Santos (2008), a cada 300 metros há uma estação de bicicletas pú blicas, onde é possível locá-las em uma estação e deixá-las em outra. Mesmo em países em desenvolvimento há medidas nesse sentido. Bogotá, por exemplo, em menos de seis anos, ganhou mais de 300 quilômetros de ciclovias, equipadas com bicicletários. Além disso, há também a integração do transporte público com o estacionamento para bicicleta: ao pagar a passagem de ônibus, o usuário recebe dois adesivos com o mesmo número. Um deles é colado na bicicleta, o outro fica de posse do usuário que deve apresentá-lo na hora de retirar seu veículo nos bicicletários instalados nos terminais de ônibus (SANTOS, 2008). De acordo com informações do Ministério das Cidades (BRASIL, 2007), as seguintes soluções são fundamentais para a melhora da mobilidade no País: 48 —— sistema de informações com a realização e divulgação de pesquisas sobre mobilidade urbana; —— implantação de corredores estrutu rais de transporte coletivo urbano que priorizem a circulação do transporte coletivo em relação ao individual, incluindo corredores exclusivos e de transporte coletivo; —— implantação de sistemas integrados de transporte coletivo urbano; —— apoio a projetos de sistemas de circulação não motorizados, priorizando a sua integração com os sistemas de transporte coletivo; —— apoio a projetos de acessibilidade para pessoas com restrição de mobilidade e deficiência; —— diminuir a necessidade de viagens motorizadas, descentralizando os serviços públicos, aproximando as oportunidades de trabalho e a oferta de serviços nos locais de moradia; —— priorizar o transporte público coletivo e desestimular o uso do transporte individual. As alternativas citadas aqui visam ao aprimoramento das condições de mobilidade e acessibilidade urbana da população, o que contribui para a concretização das políticas sociais, pois levam as pessoas à igualdade de oportunidades de acesso às estruturas básicas das cidades. Considerações Finais O curso da história brasileira sempre se encaixou em um processo maior da história mundial, por exemplo, o Descobrimento do Brasil, o Capitalismo Mercantil e a Independência do Brasil, como decorrência dos estados absolutistas europeus. Dessa forma, problemas vivenciados pelo mundo fazem-se presentes também em território brasileiro, permeados pelas particularidades cul turais do País. Com isso, conclui-se que a política de mobilidade sustentável deve estar associada às diretrizes do planejamento urbano, considerando principalmente a preocupação com a sustentabilidade dos sistemas, a qualidade de vida da população, o acesso à moradia, saúde e oportunidades de trabalho, gerando, assim, condições para o progresso das cidades e, consequentemente, da sociedade brasileira. Dentro desse contexto, emerge o problema da mobilidade das cidades contemporâneas, bra sileiras e estrangeiras, conforme apresentado neste artigo. Diante da globalização e da apoteose dos sistemas de comunicação, atualmente é permitido um intercâmbio de informações com uma efetividade jamais vivenciada na história da humanidade. Dessa forma, respeitando-se as especificidades da realidade brasileira, há uma enorme probabilidade de que ações bem-sucedidas, favoráveis à mobilidade urbana em cidades estrangeiras, ajam de forma semelhante em território brasileiro. Assim, deve haver uma especial atenção por parte da sociedade brasileira em pesquisar e reter ações internacionais de sucesso em prol da mobilidade, como as previamente mencionadas no trabalho de implantação de pedágio urbano e incentivo ao transporte coletivo. • Recebido em: 08/12/2012 • Aprovado em: 23/03/2012 A sociedade, atuando de forma conjunta com os governos locais, deve agir no sentido de adaptar essas medidas de sucesso para a realidade brasileira, maximizando a eficiência das ações. Nesse esforço conjunto, governo e sociedade devem objetivar construir um modelo de mobilidade urbana sustentável do ponto de vista econômico, ambiental e social. A sustentabilidade traz um conceito inovador para a mobilidade urbana: “capacidade de fazer as viagens necessárias para a realização de seus direitos básicos de cidadão, com o menor gasto de energia possível e menor impacto no meio ambiente, tornando-a ecologicamente sustentável” (BOARETO, 2003, p. 49). Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 2012 49 Referências AZEVEDO, Gabriel. Usuários reclamam de lotação e tarifa alta. Gazeta do Povo, Curitiba, 21 jun. 2011. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo. phtml?tl=1&id=1139261&tit=Usuari os-reclamam-de-lotacao-e-tarifa-alta>. Acesso em: 21 jun. 2011. BALBIM, Renato. Mobilidade: uma abordagem sistêmica. Palestra proferida na CETESB / Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, 07 out. 2004. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/EA/adm/ admarqs/Renato_Balbim.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2011. BOARETO, Renato. A mobilidade urbana sustentável. Revista dos Transportes Públicos. São Paulo, v. 25, n. 100, p. 49-56, 3. trim. 2003. BRASIL. Ministério das Cidades. Guia PlanMob: caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade Urbana. Brasília, DF, 2007. _____. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Censo Demográfico 2010. 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Entender como a qualidade do serviço e a imagem da loja influenciam na satisfação, a importância dos serviços automotivos e dos relacionamentos entre os conceitos mencionados levou ao objetivo deste trabalho, que foi analisar o papel da qualidade do serviço e da imagem da loja na satisfação dos consumidores de serviços em concessionárias de veículos. A pesquisa de campo foi realizada mediante o envio de questionários por meio eletrônico a uma base selecionada de consumidores de serviços automotivos em concessionárias. Os resultados obtidos demonstraram que, além dos aspectos da qualidade do serviço, os aspectos relacionados à imagem da loja desempenham um importante papel na formação da satisfação dos consumidores desses serviços. Os elementos de imagem que mais influenciaram na satisfação dos consumidores foram os relacionados ao prazer de compra, imagem de loja e preços. Os elementos associados à qualidade foram: receber o serviço esperado, percepção de alta qualidade no serviço e o atendimento dos funcionários (empatia e respostas claras). Palavras-chave: Qualidade. Imagem. Satisfação. Serviço. Concessionária. Abstract Competition in the retail sector has highlighted the importance of services in creating value for customers and contributing for their satisfaction. The wish to better understand how service quality and store image influence consumer satisfaction, and the importance of auto services and the relationship between the concepts mentioned previously has led to the aim of this article, which is to analyze the role of service quality and store image in consumer satisfaction in car dealers. The field study was conducted by sending survey questionnaires via e-mail to a selected database of customers who use services in car dealers. The results showed that, besides the aspects related to service quality, the aspects related to store image also play an important role in the formation of consumer satisfaction. The image elements which most influenced in consumer satisfaction were the ones related to purchase pleasure, store image and pricing. The most influential quality aspects were: receiving the expected service, perception of high quality service and the employees’ attitude (empathy and clear answers). Keywords: Quality. Image. Satisfaction. Auto Services. Car Dealer. Doutoranda em Administração de Organizações pela FEA-RP/USP. Professora universitária com experiência em Administração e Tecnologia da Informação, atuando nas seguintes áreas: administração de varejo, sistemas de informação, comércio e governo eletrônico. E-mail: ieda.martins@bol. com.br. 2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (2000). Professor associado da FEARP/ USP, com experiência na área de Administração, com ênfase em Planejamento e Comportamento do consumidor. E-mail: [email protected]. 1 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012 53 Introdução O setor automotivo, de acordo com os dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES, 2008), desempenhou um papel de grande importância na história recente da indústria nacional, principalmente no início da década de 1990, quando o setor foi emblemático no processo de abertura comercial e modernização da indústria; e em 1995, quando o governo anunciou um conjunto de medidas e incentivos direcionados ao segmento, o Regime Automotivo, iniciando-se um ciclo de grandes investimentos para o setor. O Brasil ocupa lugar de destaque no cenário mundial quando se fala em setor automotivo: está em ascensão tanto no ranking de maiores mercados quanto no de maiores produtores de veículos, configurando-se como um importante player mundial. O desenvolvimento do mercado automotivo brasileiro, acompanhado de incentivos governamentais, fez com que mais pessoas pudessem adquirir veículos. Esse novo cenário despertou nas empresas prestadoras de serviços automotivos o desejo de trazer para suas carteiras de clientes esses novos consumidores. Para tanto, é importante oferecer um serviço que os deixem satisfeitos. A satisfação do cliente em relação ao serviço que lhe foi oferecido vem ocupando cada vez mais destaque tanto na área empresarial quanto na área acadêmica. Apesar de existir um grande número de estudos que demonstram a importância da satisfação dos consumidores, da qualidade do serviço e da imagem da loja, poucos estudos foram encontrados sobre a efetiva relação entre esses conceitos e seu impacto sobre a satisfação dos consumidores. A carência de estudos se torna ainda maior quando se foca na área de serviços em concessionárias de veículos, apesar de sua importância tanto em âmbito nacional quanto internacional. Essa escassez de pesquisas justificou o propósito deste estudo, que foi o de avaliar o papel da qualidade dos serviços e da imagem da loja na satisfação de consumidores de serviços em concessionárias de veículos. Para que esse objetivo geral pudesse ser alcançado, os seguintes objetivos específicos 54 O Brasil ocupa lugar de destaque no cenário mundial quando se fala em setor automotivo: está em ascensão tanto no ranking de maiores mercados quanto no de maiores produtores de veículos, configurandose como um importante player mundial. foram estabelecidos: (1) identificar os principais elementos que interferem na satisfação dos consumidores de serviços automotivos de con cessionárias; (2) avaliar a importância da imagem na satisfação dos consumidores de ser viços automotivos de concessionárias; e (3) mensurar o papel da qualidade do serviço para a formação da satisfação dos consumidores de serviços automotivos. Com o intuito de alcançar os objetivos pro postos por este estudo, foi construído um questio nário cujas afirmações foram adaptadas às características específicas dessa investigação, utilizando-se, para tanto, as pesquisas de autores, como Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) no to cante à qualidade do serviço. No tocante aos atributos da imagem, foram utilizados os conceitos de Samli, Kelly e Hunt (1998) e Thompson e Chen (1998). Os resultados obtidos com esta pesquisa permitiram verificar qual foi a influência da qualidade do serviço e da imagem da loja na satisfação dos consumidores de serviços em concessionárias de veículos. Os elementos da qualidade do serviço que mais influenciaram na satisfação dos consumidores foram os relacionados aos serviços de alta qualidade, o atendimento dos funcionários, receber o serviço esperado, atendimento rápido e entregar o serviço no prazo prometido; e os da imagem da loja foram prazer de compra, imagem de loja e preços. Por meio desses resultados, esta pesquisa pretende contribuir tanto para o setor varejista como para os pesquisadores dessa área, uma vez que esse assunto é de interesse crescente devido aos benefícios diretos a ele associados. Além disso, este estudo pretende contribuir para despertar o interesse para uma área que carece de estudos. 1 Referencial Teórico A fim de alcançar os objetivos propostos e para possibilitar um aprofundamento posterior da discussão deste estudo, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre os principais conceitos utilizados na pesquisa: qualidade em serviços, imagem da loja, satisfação dos consumidores e varejo e serviços no setor automotivo brasileiro, assim como analisar os resultados já alcançados por outras pesquisas, mesmo que não tenham sido realizadas no setor varejista de serviços automotivos. 1.1 Qualidade em Serviços do serviço. Essas diferenças são significativas e causam impactos não apenas na avaliação da qualidade do serviço, mas também na maneira mais adequada de medir esse tipo de qualidade. As pesquisas realizadas por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) indicaram que os con sumidores, basicamente, usam critérios similares para avaliar a qualidade do serviço e, então, esses critérios foram alocados em dez categorias denominadas de determinantes da qualidade do serviço, sendo elas: confiabilidade, responsabilidade, acesso, cortesia, comunicação, credibilidade, segurança, entendimento/conheci mento do cliente e tangibilidade. As características específicas dos serviços em relação aos produtos que podem dificultar a sua medição, exigindo instrumentos específicos para tal fim, foram relatadas por Jonhson, Tsiros e Lancioni (1995): a intangibilidade dos serviços pode causar dificuldades de medição e muitos fatores afetam a percepção do indivíduo da qualidade do serviço. Os autores relataram que nas primeiras tentativas para medir a qualidade de serviço utilizaram as medidas modeladas pelas indústrias de produtos e, assim, acabaram focando principalmente no resultado final, negligenciando, dessa forma, os componentes dos serviços que Em seu estudo sobre qualidade, Shewhart (1931 apud CHEN; TING, 2002) sugeriu que a qualidade poderia ser dividida em qualidade objetiva e qualidade subjetiva: a primeira não tem nenhuma relação com pessoas e sim com o produto; já a segunda é a maneira pela qual os consumidores percebem a primeira. Assim, diferentes consumidores, complementaram Chen e Ting (2002), não teriam necessariamente a mesma percepção de qualidade subjetiva para os produtos com as mesmas qualidades objetivas, o que mostra que a qualidade está conectada com o consumidor. Para que as empresas possam usufruir os benefícios trazidos pela qualidade, é preciso levar em consideração as diferenças entre produtos e serviços que influenciam na avaliação de qualidade Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012 Para que as empresas possam usufruir os benefícios trazidos pela qualidade, é preciso levar em consideração as diferenças entre produtos e serviços que influenciam na avaliação de qualidade do serviço. 55 possuem importantes parcelas sobre o resultado final. A sugestão desses autores para a compreensão do ponto de vista dos consumidores em relação ao nível de qualidade foi considerar as percepções dos serviços de entrada, os processos de serviço e as percepções do serviço resultante. Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000) e Lovelock (2004) relataram que existe uma grande dificuldade de medir a qualidade dos serviços que, ao contrário de um produto com características físicas que podem ser objetivamente mensuradas, contêm muitas características psicológicas e que frequentemente se estende além do encontro imediato, porque têm um impacto sobre a qualidade de vida futura de uma pessoa. Apesar de todas as dificuldades relacionadas à mensuração da qualidade do serviço, Zeithaml (2000) reforçou a importância dessa medição, uma vez que a qualidade do serviço pode levar a uma série de importantes benefícios. De acordo com o estudo realizado por Cronin, Brady e Hult (2000), os consumidores de serviços mostraram dar mais importância à qualidade do serviço do que aos custos associados com a sua aquisição. Corroborando essa visão, Lovelock (2004) e Berry (2009) afirmaram que para surpreender e entusiasmar os clientes a qualidade deve estar acima do nível desejado, o que se considera como qualidade superior. Uma das ferramentas mais utilizadas para mensurar a qualidade dos serviços é o SERVQUAL que, segundo Tan e Pawitra (2001), pode ser descrita como uma técnica de diagnóstico para descobrir amplas áreas de forças e fracassos na qualidade de serviço de uma organização. Ladhari (2009) realizou um extenso trabalho no qual revisou 20 anos (1988-2008) de pesquisas sobre a escala SERVQUAL para medir a qualidade do serviço, identificando e resumindo numerosas críticas teóricas e empíricas da escala baseadas em uma seleção de 30 aplicações, e concluiu que essa ferramenta continua sendo um instrumento útil para a pesquisa de qualidade de serviços — esse aspecto também foi ressaltado por Finn e Kayande (2004) e Grönroos (1998). 56 Corroborando com Ladhari (2009), Yan e McLaren (2010) utilizaram o SERVQUAL para calcular a distância entre as expectativas dos clientes e as percepções dos funcionários de uma concessionária de veículos e concluíram que essa ferramenta é um meio simples e barato de avaliação de qualidade de serviços. Uma alternativa à ferramenta discutida acima foi proposta por Jonhson, Tsiros e Lancioni (1995), que se basearam na teoria do sistema para a criação do SERVQUAL ampliado, o qual considera as percepções dos serviços de entrada, dos processos de serviço e das percepções do serviço resultante, levando em consideração as características específicas dos serviços que os fazem diferentes dos produtos e que afetam a percepção de qualidade deles. Para o questionário utilizado neste estudo, foram considerados os aspectos que compõem o SERVQUAL ampliado proposto por Jonhson, Tsiros e Lancioni (1995), uma vez que o questionário leva em consideração todas as etapas da teoria de sistema descritas acima. Além das afirmações contidas no SERVQUAL ampliado, outras foram incluídas no questionário para que a influência da imagem da loja na satisfação dos consumidores pudesse ser avaliada. 1.2 Imagem da Loja Uma das primeiras definições de imagem que se tornou um marco foi a de Martineau (1958 apud OLIVEIRA, 2006), em que a imagem foi definida como um conjunto de associações, significados e características da empresa. Para o estudo em questão, foi utilizada a definição de imagem dada por Bloemer e Ruyter (1998), que a expressaram como uma função dos atributos mais marcantes — avaliados e ponderados uns contra os outros pelos seus consumidores — de uma determinada loja. Os benefícios relacionados à imagem são muitos. Para Aaker (1998), a imagem cria valor, contribuindo para a diferenciação e para o posicionamento, além de criar um sentimento positivo para a empresa ou para o produto, gerando um incentivo à compra. Grönroos (1998) incluiu a imagem em seu modelo de qualidade percebida do serviço por acreditar que a imagem de uma empresa funciona como um filtro que influencia a percepção da qualidade, quer seja de modo favorável, desfavorável ou neutro. Nessa mesma linha, Ferrand e Vecchiatini (2002) também afirmaram que os atributos simbólicos podem influenciar mais fortemente na satisfação do que os atributos funcionais. Os conceitos de imagem aqui discutidos, bem como os benefícios advindos dela podem ser aplicados e usufruídos no âmbito varejo e trazidos para a realidade do estudo em questão, cujo universo diz respeito às lojas, mais especificamente às concessionárias de veículos que prestam serviços automotivos. Assim, se faz necessário conceituar a imagem de uma loja, o que para Wyckham (1969 apud SAMLI; KELLY; HUNT, 1998) é o somatório de todos os atributos que são percebidos pelos consumidores a partir de suas experiências com essa imagem. Em relação aos atributos de loja ou carac terísticas que fazem parte da imagem global da loja, Bloemer e Ruyter (1998) afirmaram que vários autores têm distinguido diferentes atri butos e citaram importantes contribuições: (1) Lindquist (1974) propôs nove elementos diferentes: mercadoria, serviço, clientela, instalações físicas, conforto, promoção, atmosfera da loja, institucional e satisfação pós-transação; (2) Doyle e Fenwick (1974) distinguiram cinco elementos: produto, preço, sortimento, estilo e localização; e (3) Bearden (1977) sugeriu as seguintes características: preço, qualidade da mercadoria, sortimento, atmosfera, localização, local de estacionamento e pessoal amigável. A imagem da loja desempenha um papel fundamental para o bom desempenho do setor varejista. As principais ferramentas utilizadas para medir a imagem são: escalas de avaliação, técnicas abertas, escalas multidimensionais e comparações de imagem. Nas escalas de ava Rev. FA E , C uritiba, Os benefícios relacionados à imagem são muitos. A imagem cria valor, contribuindo para a diferenciação e para o posicionamento, além de criar um sentimento positivo para a empresa ou para o produto, gerando um incentivo à compra. liação é solicitado ao consumidor avaliar a ima gem da loja por meio de uma escala que pode ser uma comparação numérica ou um diferencial semântico ou ainda um posicionamento de escala gráfico (MCGOLDRICK, 2000). Além das adaptações realizadas na escala SERVQUAL comentadas anteriormente, a técnica de escalas de avaliação para mensuração da imagem de uma loja foi a utilizada neste estudo por ser a que mais se aproxima das demais ferramentas que foram utilizadas para a medição da qualidade dos serviços. O propósito de elaborar afirmações rela cionadas à qualidade do serviço e à imagem da loja foi poder avaliar a influência desses conceitos na satisfação dos consumidores que se trata de um assunto em crescente ascensão tanto por parte dos acadêmicos quanto por parte dos gestores de empresas. 1.3 Satisfação dos Consumidores O conceito de satisfação de cliente foi introduzido por Cardoso (1965 apud CHEN; TING, 2002), e desde então tem tido diferentes definições, umas relacionadas ao grau de realização v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012 57 dos benefícios dos produtos que os consumidores esperam, outras mais focadas na comparação de recompensas dos resultados esperados com o custo do investimento. Conforme Matzler e Hinterhuber (1998) e Levy e Weitz (2000), a satisfação expressa uma preocupação crescente para muitas empresas líderes no mundo todo e, cada vez mais, as empresas têm utilizado cotações de satisfação como um indicador de desempenho de produtos e serviços e como um indicador do futuro da empresa. A satisfação para Parker e Mathews (2001) pode ser vista como o resultado de uma experiência ou como um processo, e se complementa com outra abordagem que se refere à satisfação como uma atitude. As variáveis-chave que afetam a satisfação do consumidor de acordo com a pesquisa desses autores são: expectativas, desconformidades, de sempenho percebido e atitudes prioritárias. Para Matsukuma e Hernandez (2007), a formação da satisfação pode ser entendida por meio de seus atributos e, assim, tomar decisões estratégicas com maior segurança. Isso significa que obter apenas a satisfação para cada um dos atributos não é suficiente. É necessário identificar a importância relativa de cada um dos atributos para a satisfação. Do ponto de vista gerencial, a implicação é clara: devem-se privilegiar os atributos mais importantes em detrimento dos menos importantes. A contribuição dos autores é de grande relevância para o desenvolvimento deste trabalho, que busca avaliar os atributos da qualidade dos serviços e da imagem da loja que influenciam a satisfação dos consumidores de serviços auto motivos em concessionárias de veículos. A importância e os benefícios relacionados à satisfação dos consumidores também podem ser notados pelas sugestões de McGoldrick (2000) de avaliação do desempenho de marketing, feita por meio de duas grandes categorias de análise: uma que leva em consideração os indicadores financeiros dos programas de marketing, e outra que se preocupa com ações internas da empresa 58 voltadas à satisfação de seus consumidores com a criação de indicadores para mensurar cada um desses aspectos. Legitimando McGoldrick (2000), Matsukuma e Hernandez (2007) afirmaram que a satisfação é um índice que permite conhecer os clientes e, em conjunto com outras análises, indicar se o cliente é leal à empresa, se pretende migrar para o concorrente, ou, ainda, se pretende abandonar o mercado, além de afirmar que, se bem utilizadas, as pesquisas de satisfação podem auxiliar os profissionais de marketing a prever situações de risco e tomar decisões para evitá-las antes que aconteçam. 1.4 Varejo e Serviços no Setor Automotivo Brasileiro O varejo, de acordo com Parente (2000), consiste em todas as atividades que englobam o processo de venda de produtos e serviços para atender a uma necessidade pessoal do con sumidor final. Os serviços, segundo Vargo e Lusch (2004), podem ser definidos como a aplicação de competências especializadas por meio de atos, processos e desempenhos para benefício de outra ou da própria entidade. Em geral, ainda de acordo com esses autores, os consumidores não precisam somente de mercadorias, eles precisam de serviços que satisfaçam as suas necessidades. Em relação aos serviços, Torres Jr., Miyake e Pereira (2006) realizaram um estudo no qual demonstraram a importância do desenvolvimento de serviços para as organizações e ressaltaram que, apesar da relevância do tema, esse aspecto ainda permanece como uma área pouco estudada na literatura de gerenciamento de serviços. Essa afirmação justifica este estudo, o qual, ao pesquisar os elementos da qualidade do serviço e da imagem da loja na satisfação dos consumidores de concessionárias de veículos, enfoca a área de serviços. Reforçando o exposto acima, Berry (2009) ressaltou que os serviços criam valor para os No Brasil, as montadoras optaram por seguir o modelo convencional americano de utilizar empresários locais para fazer a venda e a assistência técnica nos veículos por elas fabricados. clientes e valor superior, sendo a melhor maneira de concorrer a qualquer momento e a única em momentos de recessão. Um valor superior implica a maximização dos benefícios e redução dos encargos para os clientes. Superar as expectativas dos clientes é a essência da qualidade do serviço. A avaliação dos clientes da qualidade do serviço é uma avaliação cumulativa, uma vez que cada nova experiência com a organização combina com experiências passadas. Mais especificamente, nos casos dos serviços de assistência técnica oferecidos pelas concessionárias, Pieritz (2003) relatou duas situações distintas: (1) quando os serviços são em garantia — nesse caso, pagos pela montadora, o preço é determinado por ela mesma, sem a participação da concessionária e o cliente é apenas atendido pela concessionária; e (2) quando os serviços são de manutenção, fora de garantia — os preços são estabelecidos pela concessionária e pagos pelo cliente que, nesse caso, é realmente um cliente da concessionária. De acordo com o grau de intensidade de trabalho e o grau de interação e customização, os serviços podem receber diferentes classificações. Segundo Lambin (2000), as assistências técnicas oferecidas pelas concessionárias podem ser consideradas como lojas de serviços, porque as interações e customizações são relativamente baixas, mas com alta intensidade de trabalho. Rev. FA E , C uritiba, Especificamente abordando a questão dos serviços automotivos no Brasil, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Auto mo tores (Anfavea) afirmou que esse segmento impulsionou o Brasil a mudar de patamar econômico. De acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (FENABRAVE, 2008), o crescimento recente do setor se deu devido à continuidade das facilidades de crédito, com diminuição da taxa de juros e, principalmente, devido ao aumento dos prazos de pagamento. Adicionalmente, foi mencionado o elevado crescimento da massa real de renda e do emprego, ocorrido nos últimos oito anos na economia brasileira. No Brasil, segundo Popadiuk e Meinert (2007), as montadoras optaram por seguir o modelo convencional americano de utilizar empresários locais para fazer a venda e a assistência técnica nos veículos por elas fabricados. Tais empresários têm contratos de concessão com as montadoras, obtendo a exclusividade da representação da marca em um território predefinido, e assumem a responsabilidade por fazer a venda dos veículos novos, prestar serviços de assistência técnica e fornecer peças originais de fábrica. De acordo com Beber e Rossi (2006), as concessionárias normalmente dispõem de boa estrutura para prestação de serviços, sendo res ponsáveis pela execução dos trabalhos referentes às garantias dos fabricantes para os produtos novos. 2 Método de Pesquisa Na presente pesquisa — de caráter quan titativo e com amostragem por conveniência —, os dados foram coletados mediante questionários estruturados (questões fechadas) com afirmações utilizando escala de Likert de cinco pontos envia dos por meio eletrônico para um banco de e-mails selecionado a usuários de serviços automotivos em concessionárias. A utilização de questionários auto admi nistrados, de acordo com Cooper e Schindler (2003), tornou-se muito comum na vida moderna, v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012 59 uma vez que esse método permite ter contato com respondentes inacessíveis de outra forma, pro porcionando uma maior cobertura geográfica sem aumento de custos e com coleta de dados rápida. A primeira parte do questionário foi construí da com o objetivo de caracterizar o entrevistado, a partir de questões que permitiram classificá-lo por faixa etária, sexo, estado e grau de escolaridade. A segunda parte do questionário foi composta por 25 afirmações que se propunham a avaliar a influência da qualidade do serviço e da imagem da loja na satisfação dos consumidores de serviços automotivos em concessionárias. Dentre essas afirmações, 13 estavam relacionadas à qualidade do serviço, as quais estão descritas no QUADRO 1, a seguir. QUADRO 1 _ Afirmativas relacionadas à qualidade dos atributos da imagem da loja na satisfação desses consumidores. O QUADRO 2 traz as afirmações relacionadas à qualidade dos serviços. QUADRO 2 _ Afirmativas relacionadas à imagem da loja Questão Os produtos eram de boa qualidade 3 A empresa possuía boa localização 6 Os funcionários pareciam felizes com o serviço 15 Os preços eram muito bons 16 As promoções eram muito boas 17 As opções de produtos eram muito boas 18 O ambiente da loja era agradável 19 Eu gostei de comprar nessa loja 20 Eu considero esta empresa muito confiável 22 Eu considero que a imagem desta empresa é muito boa 24 A empresa ofereceu facilidades de pagamento serviços Questão 2 4 Afirmativas relacionadas à qualidade dos serviços A empresa possuía equipamentos modernos As instalações físicas eram visualmente atraentes 5 Os funcionários foram gentis 7 Os funcionários responderam às perguntas com clareza 8 Os funcionários prestaram atenção às minhas necessidades 9 A empresa entregou os serviços no prazo prometido 10 A empresa oferecia um horário de atendimento adequado 11 Eu recebi o serviço que esperava 12 O serviço foi feito corretamente da primeira vez 13 A empresa ofereceu um serviço confiável 14 O desempenho do serviço foi variável 21 Eu considero os serviços desta empresa de alta qualidade 23 O atendimento foi rápido FONTE: Os autores Além das afirmações acima mencionadas, 11 foram elaboradas com a finalidade de verificar os 60 Afirmativas relacionadas à imagem da loja 1 FONTE: Os autores A última afirmação que compunha essa segunda parte do questionário dizia respeito à avaliação geral da satisfação dos consumidores em relação a esses serviços automotivos em concessionárias. Todas as 25 afirmações foram baseadas em importantes estudos, dentro os quais se deve destacar: Jonhson, Tsiros e Lancioni (1995), Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) e Bloemer e Ruyter (1998). Realizou-se um pré-teste com cerca de 60 questionários e identificadas as perguntas que poderiam apresentar problemas de compreensão; após o pré-teste, uma questão foi identificada como ambígua, sendo retirada. Como o objetivo do estudo foi verificar o papel da qualidade do serviço e da imagem na satisfação dos consumidores de serviços automotivos em concessionárias, tomou-se o cuidado de considerar apenas as respostas dos respondentes que tivessem utilizado serviços automotivos em concessionárias credenciadas pelos fabricantes. A identificação de qual concessionária o consumidor estaria analisando não era obrigatório, porque isso não faria parte da análise, uma vez que a pesquisa foi realizada em uma base nacional. A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2009. Foram obtidos 1346 questionários respon didos corretamente, que foram analisados por meio de técnicas de regressão linear múltipla visando identificar quais os elementos que apresentavam maior influência na construção da satisfação do consumidor. De acordo com Pallant (2001), quando se utiliza do método de busca stepwise, deve-se utilizar uma média de 40 casos para cada variável independente. Considerando que as análises estatísticas aqui desenvolvidas englobaram 24 variáveis independentes, seria necessário ter, no mínimo, 960 questionários respondidos corretamente. Esse número foi res peitado e superado, uma vez que o estudo analisa os dados de número superior, conforme contabilizado acima. 3 Resultados e Conclusões Primeiramente, foi realizada uma análise descritiva da amostra com o objetivo de obter um perfil e, então, foi utilizada a análise de regressão. A análise de regressão múltipla é uma técnica estatística que pode ser usada para analisar a relação entre uma variável, denominada de dependente, e uma ou mais variáveis, chamadas de independentes ou preditoras (HAIR et al., 2005). Do total de respostas válidas, 52% eram mulheres e 48%, homens. Analisando o perfil da amostra obtida, identificou-se que 29% possuíam até 27 anos; 34,7% se situavam entre 28 e 38 anos; 22,1% possuíam entre 39 e 49 anos e 14,2% possuíam mais de 50 anos. Com referência ao estado de origem dos respondentes, grande parte da amostra originou-se do estado de São Paulo (70,7%). Os demais estados citados representaram 29,3% da amostra. De acordo com a soma das notas de cada afirmação contida no questionário, verificou-se que das cinco afirmações que receberam as maio res pontuações (melhores avaliações pelos Rev. FA E , C uritiba, consumidores), duas diziam respeito à imagem da loja e três estavam relacionadas à qualidade do serviço. Esse aspecto ganha maior relevância se considerado que o número de afirmações relacionadas à imagem da loja é menor do que o número de afirmações relacionadas à qualidade. As afirmações relacionadas à imagem da loja que receberam as maiores pontuações diziam respeito à qualidade dos produtos e a localização da concessionária de veículos. Em relação à qualidade dos serviços, as afirmações mais bem pontuadas estão relacionadas às concessionárias possuírem equipamentos modernos, instalações físicas atraentes e funcionários gentis. Um aspecto a ser destacado foi no tocante ao elemento preço, tanto na avaliação de promoções quanto no aspecto preços: esses, conjuntamente, obtiveram as piores avaliações. Diante dessas pontuações, pode-se concluir que a imagem que os consumidores possuem das concessionárias de veículos em relação aos preços e promoções não é boa e representa, assim, um aspecto im portante que deve ser avaliado e gerenciado pe los varejistas do setor. A seguir, foi realizada uma análise de cor relação das 25 variáveis que, de acordo com Stevenson (2001), tem por objetivo determinar a força do relacionamento entre duas observações emparelhadas. Com base nos valores obtidos por meio da análise de correlação, foi possível verificar que as afirmações que apresentaram mais correlações com a afirmação que representa a satisfação dos consumidores foram as relacionadas com serviços de alta qualidade e com o fato da empresa ser muito confiável. Essa constatação é de suma importância para este estudo, uma vez que a partir dela é possível concluir que a qualidade dos serviços e a imagem da loja podem ser consideradas fatores diretamente relacionados com a satisfação dos consumidores de serviços em concessionárias de veículos. Com a intenção de verificar qual a influência da qualidade dos serviços e da imagem da v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012 61 loja na satisfação dos consumidores de serviços automotivos em concessionárias de veículos, o que foi o objetivo principal deste estudo, realizou-se uma análise de regressão multivariada, que, de acordo com Stevenson (2001), tem como objetivo estabelecer uma equação para predizer valores de uma variável dependente para valores dados das diversas variáveis independentes. De acordo com os resultados obtidos pela análise de regressão multivariada dos dados, a satisfação dos consumidores de serviços automotivos pode ser definida por meio da seguinte equação: SAT = 0,273 + 0,242SAQ +0,121GTC + 0,0964FRC + 0,094RSE + 0,0805PSB + 0,080ATR + 0,052EPP Em que: SAT = Satisfação Global SAQ = Eu considero os serviços desta empresa de alta qualidade GTC = Eu gostei de comprar nessa loja PBQ = Os produtos eram de boa qualidade FRC = Os funcionários responderam às perguntas com clareza RSE = Eu recebi o serviço que esperava PSB = Os preços eram muito bons ATR = O atendimento foi rápido EPP = A empresa entregou os serviços no prazo prometido Dados adicionais do modelo escolhido: R = 0,821; R2 = 0,674 ; R2 ajustado = 0,668 * * o valor de R2 ajustado pode ser considerado significativo, principalmente se considerado que se trata de uma aplicação voltada para ciências humanas. Para a análise dos resultados obtidos, considerou-se a coluna VIF, que, de acordo com Cooper e Schindler (2003), mostra o índice de fator de variância de inflação, a qual é uma medida de outras variáveis independentes no coeficiente de regressão. Valores de VIF iguais ou maiores do que 10 sugerem colinearidade ou multicolinearidade. No caso específico deste estudo, todas as afirmações 62 analisadas apresentaram valores de VIF inferiores a 10, indicando que não existem problemas de colinearidade ou multicolinearidade. Por meio da equação da satisfação dos consumidores obtida pela análise de regressão multivariada, foi possível verificar o que talvez seja a maior contribuição deste estudo: a qualidade dos serviços e a imagem da loja representam um papel de extrema importância para a formação da satisfação dos consumidores de serviços em concessionárias de veículos. De acordo com a equação obtida por meio da regressão, a afirmação de maior relevância está diretamente relacionada com o conceito de qualidade percebida do serviço, que, de acordo com Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985), significa o resultado da comparação que o cliente faz do serviço esperado com o serviço percebido. Ainda de acordo com esses autores, quando o serviço esperado é equivalente ao percebido, a qualidade percebida é satisfatória. Assim, demonstra-se qual a importância em receber o serviço esperado tem sobre a formação da satisfação do consumidor. Essa importância foi percebida nesta pesquisa, uma vez que a afirmação que dizia respeito a receber o serviço esperado também fez parte da composição da equação da satisfação. A segunda afirmação de maior represen tatividade relaciona-se à imagem da loja e vem ao encontro das contribuições de Firat et al. (1997), que reforçaram o crescimento da importância do simbólico sobre o funcional e o material; de Ferrand e Vecchiatini (2002), cujo estudo de monstrou que os atributos simbólicos, como a imagem, influenciam mais fortemente a satisfação do que os atributos funcionais; e de Moura, Gomes e Moura (2005), cuja pesquisa concluiu que o atributo ‘imagem’ tem uma influência significativa sobre a sa tisfação quando comparada com os atributos funcionais. O papel do funcionário para a satisfação dos consumidores de serviços automotivos tam bém demonstrou ser de grande importância. Esse aspecto aparece discutido em vários autores, como em Dotchin e Oakland (1994) que afirmaram que o papel do empregado e sua conduta são de grande importância devido à presença do consumidor na produção do serviço. Considerações Finais A existência de bons preços está diretamente relacionada com a satisfação dos consumidores pesquisados. A grande representatividade do ele men to-preço pode ser verificada ao se constatar que ele é citado como importante atributo de imagem de loja por vários autores citados por Bloemer e Ruyter (1998), conforme já demonstrado neste trabalho. A confirmação de que não somente os aspectos diretamente ligados à qualidade, mas tam bém os que sofrem influências de aspectos intangíveis, como a imagem de uma empresa, devem ser considerados na compreensão da satisfação dos consumidores. Outra afirmação importante na equação da satisfação do consumidor foi a rapidez no atendimento. A importância da rapidez no aten dimento foi relatada por Strombeck e Wakefield (2008) e Khauaja (2007). O estudo realizado por Strombeck e Wakefield (2008) demonstrou que esse tipo de demora pode fazer com que o consumidor não enxergue uma excelente prestação de serviço, ainda que o serviço tenha um desempenho excepcional. Khauaja (2007), afirmou que como em uma concessionária de veículos o serviço é realizado na hora, a rapidez torna-se um atributo importante. Além da rapidez no atendimento, outra afirmação relacionada à qualidade do serviço e também à dimensão tempo foi considerada possuir um importante papel na satisfação dos consumidores: entregar o serviço no prazo pro metido, essa dimensão desempenha um papel importante em relação à qualidade dos serviços. No modelo de Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985), a qualidade do serviço é mensurada comparando as expectativas com as percepções. O efeito do tempo é incorporado à avaliação final do serviço pelo impacto sobre a capacidade de resposta e acesso. A análise do impacto da duração na qualidade do serviço pela medição da diferença entre as percepções e expectativas provavelmente é a análise mais comum encontrada na literatura e tem sido aperfeiçoada constantemente (BITRAN; FERRER; OLIVEIRA, 2008). Rev. FA E , C uritiba, Os resultados obtidos evidenciaram o grande papel da qualidade percebida pelos consumidores na obtenção da satisfação. Em seguida, o papel relevante da imagem também ficou claro, principalmente à obtenção de prazer no processo de compra. Finalmente, aspectos de gestão foram evidenciados mais diretamente (produtos de boa qualidade, funcionários com treinamento adequado). O estudo realizado pôde comprovar uma preocupação que guiou esta pesquisa, isto é, evidenciar que a satisfação dos consumidores não depende apenas do esforço da empresa em atender aos aspectos da qualidade de um serviço, mas também dos aspectos relacionados à imagem juntamente com a percepção de qualidade se mostraram os grandes fatores geradores da satis fação do consumidor. As principais contribuições deste estudo para área acadêmica estão relacionadas com a necessidade de considerar os aspectos associados à imagem de uma empresa conjuntamente às variáveis de qualidade. Em relação à área gerencial, é possível afirmar que este estudo ajudou a destacar que os aspectos relacionados à imagem da empresa devem receber os mesmos cuidados de gestão como recebem os relacionados à qualidade dos serviços prestados. Também fica evidente a necessidade de a empresa prestadora de serviços realizar com certa frequência trei namento/capacitação dos funcionários no to can te à qualidade, assim como dedicar uma parcela importante de seu esforço com aspectos associados com a imagem da empresa, como a decisão de localização, de conjunto de produtos ofertados, equipamentos utilizados, layout, área de atendimento a clientes, entre outros. v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012 63 Limitações e Sugestões para Trabalhos Futuros Uma limitação deste estudo se refere à amostra da pesquisa que foi selecionada por conveniência com a maioria de respostas pertencentes ao estado de São Paulo (no total das respostas geradas). Esses elementos, quando considerados conjuntamente, restringem a capacidade de generalização dos resultados obtidos. Faz-se necessário ressaltar, também, que o estudo foi orientado principalmente para a satisfação de usuários de serviços automotivos de concessionárias (rede credenciada). A maioria dos estudos realizados na área de qualidade ainda está relacionada principalmente à área de produtos, aparecendo os serviços co 64 mo elementos complementares. Nesse sentido, considerando o importante papel que a área de serviços vem desempenhando na economia mun dial, justifica-se que mais pesquisas na área de qualidade de serviços sejam desenvolvidas. Ainda que a imagem represente um importante componente na formação da satisfação dos consumidores de serviços, até o momento, pouco se tem estudado essa relação que, então, carece de mais trabalhos. Os autores sugerem que o papel da qualidade dos serviços e da imagem da loja na satisfação, que neste estudo focou a área de serviços automotivos, poderia ser replicado para outros segmentos de varejo e serviços, para uma maior avaliação do papel desempenhado por elementos, como imagem e qualidade dos serviços na satisfação do consumidor. • Recebido em: 23/09/2012 • Aprovado em: 25/01/2012 Referências AAKER, D. A. Marcas — Gerenciando o valor da marca. São Paulo: Negócio, 1998. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. Disponível em: <http://www. anfavea.com.br>. Acesso em: 11 fev. 2009. BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. O Novo Ciclo de Investimentos do Setor Automotivo Brasileiro, Informe Setorial, Área Indústrial, n. 7, jul. 2008. BEARDEN, W. O. Determinant attributes of store patronage: downtown versus outlying shopping areas. Journal of Retailing, v. 53, p. 15-22, 1977. BEBER, S. J. N.; ROSSI, C. A. V. 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FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 2012 67 Aprendizagem Organizacional: estudo de caso sobre o Ensino a Distância Organizational Learning: a case study about Distance Education Aprendizagem Organizacional: estudo de caso sobre o Ensino a Distância Organizational Learning: a case study about Distance Education Rogério Faé1 Resumo O desafio da aprendizagem organizacional se impõe sempre que a resposta a uma dada situação organizacional, percebida como dificultadora do alcance dos objetivos, exija que os atores que irão participar da busca de soluções construam uma representação compartilhada da situação. Um desafio que para ser adequadamente enfrentado requer trocas intersubjetivas com vista à construção de sentidos comuns. Assim, o objetivo do presente artigo se direciona para a compreensão sobre a dinâmica do processo de aprendizagem organizacional, a partir de estudo de caso realizado em uma grande empresa de ativos financeiros, a qual disponibilizou aos administradores e funcionários um curso a distância com a finalidade de experimentar novos métodos com maior abrangência espacial do que as estratégias ‘tradicionais’ de formação. O referencial teórico utilizado para a análise dos achados da pesquisa de campo tem por base o modelo experimental, orientado para o desenvolvimento de competências gerenciais, idealizado por Ruas (2001). Palavras-chave: Aprendizagem Organizacional. Ensino a Distância. Estudo de Caso. Abstract The organizational learning occurs in a context where the people who compose it find themselves in a problematic situation and, because of that, are led to question and review their practices, building a shared representation of the situation. In order to face such challenge appropriately, those people must interact with each other and reach a common ground of ideas. The objective of this article is to better understand the organizational learning process based on a case study involving a large finance enterprise which has offered its employees a distance course aiming to try out new learning methods that are more financially advantageous and far-reaching than the traditional methods. The analysis was based on the experimental approach to the development of management competences, as proposed by Ruas (2001). Keywords: Organizational Learning. Distance Education. Case Study. 1 Doutor em Administração(UFRGS). Professor Adjunto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012 69 Introdução A aprendizagem organizacional pode ser vista como um processo no qual os indivíduos de uma organização se deparam com um problema e, a partir dele, passam a questionar e rever as suas práticas. Tal reavaliação pode gerar alterações na teoria em uso da organização — quando as mudanças geradas visam à simples resolução do problema —, ou na teoria esposada — quando há uma revisão das crenças e/ou dos modelos mentais subjacentes às práticas evidenciadas (ARGYRIS; SCHÖN, 1996). Ruas e Antonello (2003) ressaltam a natureza ‘processual’ da aprendizagem organizacional e defendem que é preciso con textualizar a aprendizagem organizacional, já que ela só passa a ter sentido para a administração quando associada à mudança. Uma das preocupações atuais no tema aprendizagem organizacional tem sido com rela ção à forma como se dá o processo de apren dizagem, principalmente no que se refere aos microprocessos de aprendizagem — referentes aos diversos grupos/indivíduos existentes dentro da organização —, em contraposição ao aprendizado da organização como um todo (macroprocessos). A partir da afirmação de que um maior entendimento sobre os microprocessos pode contribuir para a construção e proposição de novas práticas que aperfeiçoem os processos de aprendizagem nas organizações, Ruas e Antonello (2003) utilizam categorias de análise, tais como processos de grupos que contribuiriam para reduzir as deficiências da literatura sobre a relação entre aprendizagem individual e organizacional. Os autores apontam, ainda, a necessidade de novos estudos que aprofundem o conhecimento teórico acerca do modo como efetivamente se dá a aprendizagem organizacional. O presente artigo, cujo foco é o processo de aprendizagem organizacional em situações de ensino a distância — metodologia essa que vem sen do apresentada como eficiente meio de capaci tação —, tem por objetivo a compreensão sobre a dinâmica do processo de aprendizagem organizacional a partir de um estudo de caso realizado em uma grande empresa de ativos financeiros, que 70 disponibilizou aos administradores e funcionários analistas um curso a distância, denominado Curso Objetivos e Metas Organizacionais (COMO). Objetivando a experimentação de novos méto dos que estimulassem a aprendizagem orga nizacional e visualizando a possibilidade de dissemi nação de conhecimentos tidos como relevantes para os funcionários — de forma rápida, pulverizada e menos onerosa que as formas tradicionais de capacitação —, a empresa dá início a processos de ensino a distância. Iniciativa percebida como oportunidade de, por um lado, estudar o modo como ocorre o processo de aprendizagem organizacional em situações de ensino a distância e, por outro, testar a proposta experimental orientada para o desenvolvimento de competências gerenciais, suge rida por Ruas (2001). O método utilizado foi o estudo de caso, operacionalizado por meio de entrevistas com três executivos da área coordenadora e formuladora do programa COMO, e cinco entrevistas com alunos participantes do processo de aprendizagem. O roteiro da pesquisa seguiu a proposta experimental orientada para o desenvolvimento de competências, sugerida por Ruas (2001). Assim, o texto inicia com uma apresentação de algumas das óticas sob as quais é pensada a aprendizagem organizacional, aborda o tema competência, e apresenta, sucintamente, o ensino a distância. Para, então, descrever o COMO, o método de pesquisa, os resultados e, por fim, as considerações finais. 1 Aprendizagem Organizacional O conceito de aprendizagem, quando apli cado ao ambiente organizacional, tem sido diferenciado entre o processo de aprendizagem em nível individual e em nível grupal. Níveis que compõem a aprendizagem organizacional, a qual indica orientação para a ação e que busca avaliar a aplicação e funcionalidade dos processos de aprendizagem na organização (TSANG, 1997). Entretanto, tal conceito ainda está em construção e tem dado origem a acirrado debate (RUAS, 2003). embasadas numa visão sistêmica de mundo. Senge (1998) sugere cinco disciplinas que facilitariam o processo de aprendizagem generativo: Antonello (2005) defende uma convergência de definições na literatura em relação a três componentes da aprendizagem organizacional: a) é mais que a soma das aprendizagens individuais; b) é uma forma de aprendizagem de ciclo duplo ou meta-aprendizagem; e c) envolve processos cognitivos e atividades organizacionais. A auto ra argumenta, ainda, que a aprendizagem orga nizacional engloba conhecimentos, habilidades e atitudes em sua construção teórica. a) domínio pessoal: embasa-se na crença de que as organizações apenas apren dem por meio das pessoas, sendo, então, necessário proporcionar aos inte grantes da organização condições para formarem uma visão pessoal sobre os eventos, bem como a manutenção de certa tensão que provoque o movimento pessoal na busca de alternativas aos problemas enfrentados; Argyris (2005, p. 101) define como um dos principais objetivos da aprendizagem or gani zacional que os indivíduos aprendam a “assumir responsabilidades ativas pelos próprios comportamentos, desenvolver e compartilhar informações de primeira qualidade sobre seu tra balho e fazer bom uso do empowerment genuíno para moldar soluções duradouras para problemas fundamentais”. b) modelos mentais: podem ser iden tifi cados a valores, ideias ou imagens que dão suporte à forma como interpretamos o mundo, dos quais podemos ou não ter consciência; Cabe salientar que, para Argyris e Schön (1996), o processo de aprendizagem pode ser diferenciado entre ciclo simples — single loop — e ciclo duplo — double loop. O ciclo simples caracteriza-se pela aprendizagem em nível instrumental, e a aprendizagem de ciclo duplo discute a mudança em relação aos valores que embasam determinadas práticas instrumentais. Esses pesquisadores diferenciam, ainda, os termos teoria esposada de teoria em uso, identificando a primeira ao discurso corrente que justifica nossas ações, e a segunda às nossas ações reais, embasadas em valores e crenças. A aprendizagem em ciclo duplo tem por objetivo alternar, ou pelo menos tornar conhecida, a teoria em uso. Enquanto a reavaliação da teoria em uso da organização pode levar a uma revisão das crenças e/ou modelos mentais subjacentes às práticas evidenciadas. Na mesma direção, Senge (1997) define duas formas de aprendizado: o adaptativo e o generativo. O aprendizado adaptativo lida com a adequação ao ambiente e o generativo valoriza a criação, a inserção de novos valores e crenças, Rev. FA E , C uritiba, c) visão compartilhada: trata da constru ção de visões ou de objetivos comuns a um determinado grupo, assim como a definição de caminhos que serão partilhados; d) aprendizagem em equipe: é o processo de aquisição coletiva de conhecimentos, habilidades e atitudes que são coloca dos em prática e disseminados ao macrossistema; e) visão sistêmica: refere-se à possibilida de de enxergar o todo sem abrir mão das partes e da valorização das inter-relações microssistêmicas. Se a aprendizagem organizacional está pre dominantemente preocupada com o processo de aprendizagem, as organizações de aprendizagem, por sua vez, têm a atenção focada no entendimento da construção, da aplicação funcional e da avaliação da contribuição da aprendizagem no contexto organizacional (TSANG, 1997). Nessa perspectiva, Garvin (1999), com base em referências associadas aos programas de qualidade total, afirma que a aprendizagem é um requisito indispensável para a melhoria contínua. v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012 71 Ao pensar a questão da aprendizagem, Garvin (1999) define três fatores críticos a serem considerados: a) definição do termo ‘organizações que aprendem’ de maneira plausível, bem fun damentada e que seja conversível em ação e facilmente aplicável; b) gestão, que se traduz em orientações claras sobre aspectos práticos; e c) mensuração, que está ligada à definição de ins trumentos que possam avaliar a velocidade e os níveis de aprendizado da organização. O autor aponta, ainda, que as organizações que aprendem são hábeis em cinco atividades principais: a) solução de problemas de maneira sistemática, que se embasa na confiança em métodos estatísticos, insistência em dados e utilização de ferramentas estatísticas simples; b) experimentação, que é identificada com a procura e a testagem de novos conhecimentos a partir de métodos científicos e da solução de forma sistemática dos problemas; c) aprendizado com as próprias experiências, que se destina à análise dos resultados organizacionais de maneira sistemática e com o conhecimento de todos os envolvidos no processo avaliado; d) aprendizado com outros, que se refere à observação do ambiente externo com vistas à identificação, adequação e incorporação de práticas setoriais bem-sucedidas; e e) transferência de conhecimentos, que se traduz na disseminação do aprendizado com rapidez e eficiência por toda a organização. Paralelamente, Garvin (1999) identifica três estágios de mensuração em relação ao aprendizado organizacional: (1) a fase cognitiva, em que são oferecidas novas ideias, objetivando a ampliação de conhecimentos, e o foco de avaliação se concentra na profundidade da compreensão e nas atitudes, a partir da aplicação de questionários e de entrevistas; (2) a fase comportamental, que objetiva a internalização de novas ideias e a alteração do comportamento, na qual é acrescida a observação do comportamento na organização às formas de mensuração previstas anteriormente; 72 (3) a fase de melhoria do desempenho, na qual se espera obter maior eficiência e eficácia no trabalho, por meio de melhorias observadas nas etapas anteriores. Na última etapa “a auditoria do aprendizado efetivamente abrangente também mensura o desempenho” (GARVIN, 1999, p. 76). Os estudos acima referidos evidenciam diferenças de percepção e abordagem entre as distintas correntes que vêm tratando do tema. Para Ruas e Antonello (2003), o conceito de aprendizagem nas organizações ainda não está completamente elaborado, razão pela qual defendem a necessidade de uma abordagem processual da aprendizagem organizacional. 2 Processo de Aprendizagem Os processos de aprendizagem nas orga nizações são relevantes para as teorias de mudança organizacional. Não só por reconhecerem a tendência à mudança contínua nas organizações, dada também a acirrada competição, bem como por unirem diferentes níveis de análise, do individual, grupal, ao organizacional (RUAS; ANTONELLO, 2003). As organizações possuem uma tendência à estabilização, e a possibilidade de mudança e de aprendizagem se dá quando emergem problemas que movimentam os indivíduos, grupos ou a organização como um todo em busca de novos momentos de estabilidade. A compreensão da forma como se dá o processo de aprendizagem tem sido uma das preocupações atuais nos temas relacionados à aprendizagem organizacional. Compreensão que, segundo Prange (2001), corresponde ainda a uma lacuna nos estudos do tema, principalmente no que se refere aos microprocessos de aprendizagem que ocorrem nos diversos grupos/indivíduos que compõem a organização em contraposição ao processo de aprendizado da organização como um todo (macroprocessos). Um maior entendimento sobre os microprocessos pode contribuir para a construção e proposição de novas práticas que aperfeiçoem os processos de aprendizagem nas organizações (RUAS; ANTONELLO, 2003). Como é normalmente aceito, as organizações possuem uma tendência à estabilização, e a possibilidade de mudança e de aprendizagem se dá quando emergem problemas que movimentam os indiví duos, grupos ou a organização como um todo em busca de novos momentos de estabilidade. (RUAS; ANTONELLO, 2003). Nesse sentido, a possibilidade do aprendiza do pode ser pensada por suas vias: 1) em resposta a problemas que surjam na prática diária; ou 2) por meio de questões de forma cognitiva que provoquem um repensar. A diferença entre elas está na forma como o processo é desencadeado: se pela vivência prática ou pela reflexão teórica. Conforme proposto por Kolb (1997), a assimilação de teorias ou o exercício de novas práticas, quando ocorrem, levará a um processo cíclico em que um influenciará o outro, a partir da observação e reflexão e do teste em novas situações dos postulados formulados, conforme demonstrado na FIG. 1: FIGURA 1 — Ciclo de aprendizagem vivencial Experiências concretas Experiências concretas Teste das das implicações implicações Teste dosdos conceitos em novas conceitos em situações novas situações Observação e reflexão Observação e reflexão Formação de Formação de conceitos conceitos abstratos abstratos e e generalizações generalizações FONTE: Kolb (1984) Rev. FA E , C uritiba, Kolb (1997) define duas dimensões básicas relativas ao processo de aprendizagem como processos complementares e inseparáveis: a experiência concreta de eventos e a conceituação abstrata. O autor defende, por um lado, que a possibilidade criativa é definida pela capacidade de cada indivíduo em experimentar formas novas, liberadas de conceitos abstratos anteriores, para que na etapa seguinte possa haver a construção de um sistema reflexivo interiorizado; por outro lado, valoriza a abstração existente no processo de aprendizagem, já que “[...] orientações altamente ativas em relação a situações de aprendizagem inibem a reflexão, impedindo, portanto, o desen volvimento de conceitos analíticos” (KOLB, 1997, p. 324). O ciclo de Kolb permite verificar “[...] uma constante sistematização da interação entre ação e reflexão, experiências passadas e atuais num processo de permanente feedback” (RUAS, 2001, p. 260). Raelin (1997), por sua vez, busca entender o processo individual de aprendizagem no trabalho por meio da diferenciação entre conhecimento e aprendizagem, principalmente a partir da in corporação da dinâmica entre conhecimento ex plícito e tácito ao referencial de Kolb, que pres supunha relação entre teoria e prática em relação à aprendizagem. Esse autor aportou uma significativa contribuição epistêmica ao propor o exame das intersecções entre as dimensões do conhecimento (tácito x explícito) e da aprendizagem (teoria x prática) nos níveis coletivo e individual. Em relação ao conhecimento, é considerado tácito aquele ad vindo da prática, normalmente informal, e explícito o adquirido de maneira formal, normalmente por meio de um processo de aprendizagem estruturado em base lógica. Partindo dos pressupostos acima, tanto Kolb (1997) quanto Raelin (1997) definem estilos de aprendizagem conforme a predominância de uma ou outra dimensão em cada contexto, considerando que a variação se dá na predominância, não sen do possível a existência de apenas uma das dimensões. Para Ruas e Antonello (2003), o conceito de aprendizagem é entendido como a aquisição, por parte do indivíduo, de determinadas características que poderão ou não ser externalizadas, depen v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012 73 dendo das circunstâncias internas ao sujeito e das características do ambiente, que tanto podem facilitar a utilização dessas aquisições como impedir seu aparecimento. No caso de interferência do ambiente e da disposição para aplicação da aprendizagem, devem ser consideradas as competências adquiridas. 3Competências Com base na ‘escola francesa’, que relaciona o conceito de competência à Sociologia e à economia do trabalho, as competências devem ser entendidas a partir de três elementos fundamentais: a) saber — conhecimentos adquiridos ou herdados por meio da cultura e/ou práticas vigentes; b) saber-fazer — habilidades desenvolvidas por meio do exercício de uma determinada prática; e c) saber ser/agir — atitude crítica em relação às próprias ações, a partir da percepção e/ ou antecipação do impacto provocado (RUAS; ANTONELLO, 2003). Segundo esses autores, uma determinada competência pode ser expressa por meio da integração e utilização equitativa de conhecimento, habilidade e atitude ou, ao contrário, exigir que um desses aspectos atue de forma predominante. A competência é vista como um processo de aprendizagem, no qual determinados conhecimentos, habilidades e/ou atitudes são colocados, de forma conjunta ou não, à disposição da organização. 74 Em termos práticos, por exemplo, numa reunião que tem por objetivo a discussão dos pré-requisitos necessários à montagem de um setor de telemarketing, ficarão em evidência aqueles profissionais que tenham conhecimento na área. Por outro lado, a forma de expressar esse conhecimento (atitude) e a experiência anterior (habilidade) estarão presentes no contexto e poderão ser diferenciais na potencialização da aprendizagem dos outros. Entretanto, sem pessoas que tenham o conhecimento, a reunião perderia o sentido. Nesse contexto, (i) algumas características ligadas à noção de competência vincular-se-iam à ação propriamente dita; (ii) estariam associadas ao resultado da mobilização dos recursos; (iii) ocorreriam em condições contextuais específicas; (iv) tratariam daquilo que é esperado pelo estado local e atual do trabalho (RUAS, 2003). Com base em Ruas (2003), pode-se com preender que competência é vista como um processo de aprendizagem, no qual determinados conhecimentos, habilidades e/ou atitudes são colocados, de forma conjunta ou não, à disposição da organização. Tal competência será mais valo rizada se a organização necessitar resolver um problema existente que, a partir de uma atitude crítica, provoque o questionamento e revisão de suas práticas. Essas situações podem abrir espaço na organização para a introdução de inovações, conforme defendido por Argyris e Schön (1996) ao proporem os conceitos de teoria em uso e de aprendizagem em ciclo duplo, que têm por objetivo provocar uma revisão em relação às crenças e/ou aos modelos mentais subjacentes. É nesse contexto de desafio a inovações contínuas que surgem os cursos de capacitação a distância, apresentando-se como a opção do momento para transferência de conhecimentos. 4 Ensino a Distância Dado o ambiente empresarial, a proposta de ensino a distância vem ganhando espaço no âmbito organizacional, principalmente em organizações com grande número de funcionários e/ou se esses estão pulverizados em grande espaço territorial. O ensino a distância possibilita aos alunos a disponibilização do conhecimento sem interlocutores diretos e fornece um grau de liberdade maior em relação às formas presenciais de ensino estimulando, assim, a criatividade dos alunos. Os defensores dos cursos de ensino a distância apresentam como uma das principais vantagens dessa modalidade de formação a flexibilidade, na medida em que os discentes podem assistir às aulas em horários convenientes e sem necessidade de deslocamento. Facilidade que tem incentivado a opção pelos meios virtuais, tanto pelas empresas quanto por indivíduos que têm dificuldade para frequentar cursos presenciais. Beiler, Lage e Medeiros (2003) entendem que o ensino a distância possibilita, ainda, aos alunos a disponibilização do conhecimento sem interlocutores diretos e fornece um grau de liberdade maior em relação às formas presenciais de ensino estimulando, assim, a criatividade dos alunos. Senge (1998), por sua vez, propõe a abertura de um espaço onde os vários grupos/equipes entrem em consenso quanto às formas mais efetivas de alcance dos objetivos a que se propõem. Tal busca seria empreendida pela valorização dos vários pontos de vista e da avaliação em relação aos valores implícitos a determinadas práticas existentes, principalmente quando esses valores (ou modelos mentais) entram em choque com as propostas explicitadas na organização. Esse confronto levaria a uma conscientização, ao menos parcial, dos modelos mentais praticados, redefinindo rotas e valores organizacionais, sejam eles grupais e/ou pessoais, em prol de novas práticas que estejam mais harmonizadas com o atual macrossistema. Rev. FA E , C uritiba, Dessa forma, torna-se imprescindível que as organizações que optarem pelo estilo de apren dizagem a distância, em ambiente virtual, desenvolvam estruturas de suporte para a aplicação dos conhecimentos, pois no ambiente virtual não estão contempladas as habilidades e/ou atitudes, características que são desenvolvidas e/ou aperfeiçoadas na prática e principalmente de forma relacional. 5 Curso Objetivos e Metas Organizacionais (COMO) O COMO surgiu pela necessidade de com preensão em relação ao alinhamento estra tégico da empresa, ou seja, para que as metas estabelecidas pelo órgão central da organização possam ser acompanhadas em apenas um sistema e de forma efetiva. O curso é complementado por outros treinamentos vinculados às estratégias da organização, tais como cursos presenciais e de gestão de equipes que visam à melhoria de processos. O objetivo geral de aprendizagem do curso é aplicar os conhecimentos do acordo de trabalho — no qual são definidos os objetivos e metas dos diversos funcionários e unidades — para analisar e melhorar o desempenho das unidades de negócios. O público-alvo são os administradores e os funcionários em todos os segmentos da unidade estratégica de negócios. A carga horária do curso é de dez horas, com enfoque instrumental. O objetivo específico do curso é provocar nos treinandos: a) a compreensão dos conceitos de objetivos e metas organizacionais; b) a identificação das perspectivas do COMO e seus respectivos indicadores; c) a compreensão de que a participação de todos os funcionários é indispensável para o atingimento das metas traçadas para a unidade de negócios; e d) o reconhecimento em relação à importância do acompanhamento dos objetivos e metas organizacionais. O curso é oferecido por campanhas de comunicação que apresentam seus objetivos e a forma de aprendizagem. As unidades de negócios indicam os participantes e o material é disponibilizado v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012 75 via intranet, em formado PDF. As unidades de negócios montam turmas para fazer o curso, que é disponibilizado em módulos e no qual o treinando tem duas horas diárias, na própria organização, para efetuar o processo de aprendizagem. O treinamento é do tipo autoinstrucional. Utilizou-se a técnica de entrevista em profundidade junto a três executivos da área coordenadora e formuladora do programa COMO e cinco entrevistas com alunos participantes do processo de aprendizagem. As entrevistas foram realizadas de forma direta e semiestruturada (GIL, 1999). Para a consolidação das respostas, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, uma vez que os dados envolveram opiniões e expressões subjetivas. Moraes (1999) sugere a codificação das entrevistas e a inserção de descrições retiradas diretamente dos depoimentos. Os entrevistados são representados no texto pela letra (e) e pelo número de identificação, sendo os de número 1, 2 e 3 os executivos e de 4 a 8 os alunos. 6 Método de Pesquisa O método utilizado foi o estudo de caso que, segundo Gil (1999, p. 72-73), é “[...] caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado”. E, segundo Yin (2001, p. 23), “... permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real”, sendo utilizado com o objetivo exploratório, descritivo ou explanatório. O roteiro da pesquisa seguiu a proposta ex perimental orientada para o desenvolvimento de competências, sugerida por Ruas (2001), ilustrada na FIG. 2: FIGURA 2 — Proposta de Desenvolvimento de Competências Gerenciais Etapa de desenvolvimento de competências Referências acerca das competências desejadas Definição de práticas gerenciais – veículos do processo Definição de conceitos e sistemáticas de AO a empregar no processo Fonte: Ruas (2001) 76 de Competências Difusão de Competência Sistematização de Competências (Fases indivíduos) Grupos e desenvolvimento Miniprojetos de aplicação e exploração de conteúdos Relatórios, avaliações e novas propostas princípios, valores Seleção/definição dos temas e tipos de conhecimentos e habilidades Homogeneização das decisões, conceitos e noções relacionados nesta etapa Seleção dos membros do grupo Geração conhecimentos, opiniões Precondições Atitudes, procedimentos e normas Preparação Segundo o autor, o modelo foi desenvolvido com o objetivo de analisar: a) o impacto dos programas de treinamento e formação sobre o desenvolvimento de competências, e b) as difi culdades, no âmbito das organizações, de apropriar e compartilhar as competências individuais e coletivas significativas às empresas. Assim direcionado, o modelo busca des crever três etapas para o alcance dos objetivos: a) etapa de preparação, que se subdivide em definição das precondições e seleção do grupo de participantes, seleção/definição dos temas e tipos de conhecimentos e habilidades, referências acerca das competências desejadas, definição de práticas gerenciais, e definição de conceitos e sistemática de AO a empregar no processo; b) homogeneização das decisões, conceitos e noções; e c) etapa de desenvolvimento de competências, caracterizada por um processo de geração/difusão de competências (composta por grupos de desenvolvimento, minipro jetos de aplicação/exploração de conteúdos e relatórios de avaliação ou novas propostas), e pela sistematização de competências. 7Resultados 7.1 Etapa da Preparação O processo de desenvolvimento do curso COMO teve as diretrizes traçadas no departamento central da organização, em virtude da necessidade de transmitir conhecimento sobre o acompanhamento da evolução do planejamento estratégico. “Surgiu, pela prática da assinatura do contrato de gestão [...] no momento de elaborar o planejamento estratégico para o ano [seguinte] [...]” (e2). “Em função de ter ocorrido muita modificação no acordo de trabalho do ano [seguinte] surgiam dúvidas e [os administradores] queriam saber mais sobre o assunto e sugeriram se podíamos ir [às unidades de negócios] fazer apresentação [do acordo de trabalho] para os funcionários” (e3). Rev. FA E , C uritiba, a)Definição das precondições e seleção do grupo de participantes As precondições e as atitudes necessárias para participar do programa de aprendizagem ficam mais evidentes no momento da “[...] disponibilidade para aprender e para mudar sua própria atitude diante dos desafios” (RUAS, 2001, p. 256). O COMO credencia todos os funcionários das unidades de negócios a fazer o curso, pois se trata de assuntos ligados ao atingimento das metas das unidades. Porém, a expectativa inicial foi direcionar o curso, prioritariamente, aos administradores. “[Os administradores] são as pessoas que fazem a análise propriamente dita dos indicadores do acordo de trabalho. Então o foco nos [administradores] foi mais forte, embora todos os funcionários pudessem e possam fazer esse curso” (e1). A seleção do grupo de participantes é o momento de reunir “[...] pessoas de áreas de atuação e formações diferentes, a fim de estimular a diferenciação e as maneiras alternativas de perceber e tratar as situações” (RUAS, 2001, p. 256). Os critérios de definição das equipes para participar do COMO foram a necessidade de treinamento para os funcionários e o desejo de que todos conhecessem os objetivos e metas das unidades de negócio. “É definido pelo acordo de trabalho que cada funcionário deve ter no mínimo [x] horas de treinamento [...] por ser uma [unidade de negócio] de número elevado de funcionários, são definidos pelo [administrador] os cursos, de acordo com a necessidade de cada funcionário. [...] o COMO foi obrigatório para todos os [administradores] e funcionários [...] prá conhecerem a expectativa [da empresa], qual o produto, as metas que temos que trabalhar para atingir o acordo de trabalho” (e4). b) Seleção/definição dos temas conhecimentos e habilidades e tipos de Nesta seção trata-se de como ocorreu o processo de seleção e definição dos conhecimentos, habilidades e capacidades a serem desenvolvidos v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012 77 a partir do curso e que serão priorizados como recursos de competências a serem desenvolvidos. Segundo Ruas (2001, p. 257), os recursos para o desenvolvimento de competências podem tomar formas de determinados tipos de habilidades, ou seja, “[...] o desenvolvimento de competências pode estar centrado em mudança de ‘postura’ perante clientes ou fornecedores ou a outras áreas da empresa”. Nesse aspecto, segundo um dos entrevistados, o curso foi desenhado de forma a auxiliar na ampliação das habilidades negociais dos administradores e funcionários, a partir de uma análise das dificuldades enfrentadas pelo público a ser atingido pelo COMO. Os principais recursos para identificação das deficiências foram informações coletadas junto aos gerentes das unidades-fim e relatórios de resultado. c) Referências acerca das competências desejadas É o momento da definição das competências a serem desenvolvidas. É a definição prévia, nas diretrizes da montagem do curso, do que deveria “[...] constar nos perfis de competências desejados, a fim de nos permitir avaliar sua efetividade para a organização”. (RUAS, 2001, p. 257). É a definição do que se deseja com o curso. “O que queríamos mesmo era que ele [funcionário] acessasse o acordo [de trabalho] da [unidade de negócio] dele e percebesse o conteúdo que tem ali dentro, e entender o porquê daquela meta. Como atingir aquela meta. Mudar as atitudes. Onde ele está, onde a [unidade de negócio] deve chegar. Quanto falta para chegar lá. Quanto esforço eu ainda preciso. Eu trabalhando nesse ritmo, eu vou conseguir atingir a meta do acordo?” (e2) “A gente bateu muito na questão assim, quando se tu não conhece a regra do jogo é mais difícil tu sair vencedor da partida, então conhecendo a regra do jogo vai ficar mais fácil o time vencer” (e3). d) Definição de práticas gerenciais — veículos do processo É a definição das práticas gerenciais por meio das quais se desenvolve o processo de de 78 senvolvimento de competências, ou seja, são “[...] os elementos concretos pelos quais desdobrar-se-á o processo de desenvolvimento de competências, aos quais denominamos Práticas Gerenciais, e que estabelecem os necessários nexos com o ambiente real das organizações [...]” (RUAS, 2001, p. 257). “O curso teve como objetivo capacitar as pessoas, funcionários de todos os níveis, de administradores a analistas no uso adequado do sistema de acompanhamento do acordo de trabalho, mas mais do que isso no uso adequado das informações do acordo de trabalho que é vinculado ao planejamento estratégico” (e1). e) Definição de conceitos e sistemática de AO a empregar no processo É a definição dos princípios do processo de aprendizagem organizacional (AO). O processo de aprendizagem, assumido no COMO, foi o Fazendo e Aprendendo (FAAP), cujos princípios estão vinculados ao processo de crescimento e aprendizado pessoal, denominado por Senge (1998) de Domínio Pessoal e ao Modelo de Aprendizagem com Base no Trabalho (RAELIM, 1997), que transita entre o conhecimento tácito e o explícito, do individual ao coletivo e do teórico ao prático. “O fazendo e aprendendo é um curso para ser feito no local de trabalho, então normalmente tem um [funcionário] que a gente chama de multiplicador que é a pessoa preparada para conduzir um ensino aprendizagem e que tenha um domínio do conteúdo. Normalmente ele reúne um grupo de pessoas pequeno, 4 ou 5 pessoas, prá conduzir o curso durante um determinado tempo no ambiente de trabalho. No caso [COMO], como a idéia era fazer um processo mais amplo de acesso ao curso e nós não tínhamos multiplicadores suficientes em diversas unidades da [empresa], tá, nós desenvolvemos uma versão nova do fazendo e aprendendo, que a gente chamou de FAAP auto instrucional. Quer dizer que o material que o aluno teria em mãos seria suficiente para orientálo no sentido de conduzir o curso sozinho. [...] A presença de um multiplicador foi dispensada, na forma como nós montamos o curso” (e1). “O que a gente sugere no curso que ele [aprendiz] entre, acesse, nós damos o passo a passo para ele entrar no acordo de trabalho [da unidade de negócios] dele. Então ele vai fazendo e aprendendo mesmo. Vai acessando sozinho, não tem dificuldade, e ele acaba desvendando que o acordo de trabalho não é aquele monstro que parece pintado. É mais simples. Claro, é complexo, mas a maneira como a gente apresenta essa introdução, via fazendo e aprendendo ele percebe que não é tão difícil assim de entender aquele conteúdo” (e3). 7.2 Homogeneização das Decisões, Conceitos e Noções Relacionados nesta Etapa “Trata-se da primeira atividade do grupo de gestores que vai vivenciar a experiência: organizar, homogeneizar e sistematizar as decisões, conceitos e noções definidos na etapa anterior” (RUAS, 2001, p. 258). No referido curso, a homogeneização tratou-se da etapa de validação dos conceitos definidos. “Depois [de formulado o curso] houve uma reunião dos administradores que vieram aqui [órgão central] e assistiram o material e discutiram. Depois a responsável pelo desenvolvimento foi à [unidade de negócio] e repassou para os funcionários de lá. E aí foi aprimorando aquele conteúdo que já existia. Depois passamos aqui para o pessoal de todas as gerências de mercado e núcleos da [unidade central] para eles darem suas ideias e contribuições” (e2). “Ele foi sendo montado a muitas mãos, foi sendo criado assim, ah isso aqui é interessante, ah, no mercado pessoa física seria interessante [...] e aí cada um foi contribuindo com a sua experiência, com o seu dia a dia” (e3). 7.3 Etapa de Desenvolvimento de Competências Esta etapa se divide em três etapas: a) geração de competências, fase em que o processo Rev. FA E , C uritiba, é mais focado nos indivíduos; b) difusão de competências, a ênfase está no compartilhamento e difusão dos conhecimentos, habilidades e atitudes; e c) sistematização de competências, quando é o momento de agir, ou seja, as competências assumem formas organizacionais (RUAS, 2001). Segundo o autor, essas fases constituem um recurso didático, pois na prática possuem forte vínculo entre elas. Na análise do COMO, observou-se que os participantes do programa compartilharam o con teúdo no momento da aprendizagem, nas reu niões de trabalho e, ainda, de maneira informal ao discutirem as metas estabelecidas pelo órgão central. “Acho que em todas as reuniões de setores sempre começam com acordo de trabalho. Todos os [administradores] analisam o acordo de trabalho antes de ir para as reuniões. Tem reuniões semanais com todos os funcionários e é sempre repassada a situação do acordo, o produto que precisamos focar mais, o serviço, quais os produtos que já estão com as metas cumpridas e sempre trabalhando focado no acordo de trabalho” (e4). “Nós discutimos as metas em reuniões e extraformal, fora de reunião também, se for necessário é discutida periodicamente, no mínimo uma vez por semana” (e5). “As metas passaram a ser mais discutida. Quando a gente conversa com o pessoal aqui sobre metas, a gente percebe que eles têm conhecimento do que é esperado da [unidade de negócio] e aí tá outro grande mérito [do curso], na realidade as metas das [unidades de negócios] passaram a ser as metas de todos e não a meta que o [administrador] tem que apresentar. Acho que essa é a grande valia do curso” (e6). “As metas são discutidas pelos funcionários, sempre, sempre. Nas reuniões com os [adminis tradores]. Três vezes por semana tem um comitê... onde é discutido e depois é discutido nos setores internos direcionados para cada segmento da [unidade de negócio]. É discutido como atingir as metas e as estratégias para produtos” (e7). v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012 79 a) Processo de geração e difusão de competências Processo focado nos indivíduos com ênfase no compartilhamento e difusão dos conhecimentos, habilidades e capacidades. a.1) Grupos de desenvolvimento Quanto aos grupos de desenvolvimento, o curso proporciona experimentos, simulações e debates em grupos ou subgrupos. “Curso é individual. As metas são discutidas dia a dia para o fechamento do mês e são discutidas semanalmente em reuniões” (e8). “O momento [da montagem do curso] imaginávamos ter um multiplicador na [unidade de negócios] que conhecesse o acordo de trabalho e repasse o conteúdo, mas a gente chegou no momento que percebemos que nós não íamos ter esses disseminadores. O acordo de trabalho para as pessoas parecia algo tão complexo e tão impossível de conhecer a fundo que nós encontramos uma certa resistência. Então nós partimos para uma coisa assim, mais fazendo e aprendendo” (e2). a.2) Miniprojetos de aplicação e exploração de conteúdos Quanto aos miniprojetos de exploração de competências, observou-se que após o curso tanto os administradores quanto os funcionários analistas aplicaram, em suas respectivas ativi dades, os conhecimentos explorados durante a aprendizagem, ou seja, começaram a transitar o conhecimento entre o saber (conhecimento) e o saber fazer (habilidade) para saber agir (DIGUID; BROWN, 2001). “Todas as reuniões semanais de setores são focadas no acordo de trabalho. Às vezes [os funcionários] comentam, não tem como não comentar até porque a meta tu entra na [empresa] sempre existe, não só pelo acordo, mas também através de [mensagens internas] que comunicam as metas que estão sendo focadas, as estratégias, dicas de estratégias para aqueles produtos, então... diariamente tu tá conversando sobre as metas, acordo de trabalho” (e4). 80 “Os funcionários com certeza estão con vivendo mais com o acordo de trabalho, visualizando e gostando de enxergar o resultado também. É normal a gente ver ... quando estão no cafezinho ou outra coisa, batendo um papo e o assunto é meta — como a gente tá como a gente pode ficar, enfim resultados. [Esse interesse pela metas] despertou mais depois do curso, porque em função do curso a gente cria a cultura do acordo de trabalho. Mudança de cultura prá focar mais o resultado” (e5). a.3) Relatórios, avaliações e novas propostas Quanto aos relatórios, avaliações e novas propostas, o curso, que teve seu início em 2004, não prevê relatórios de acompanhamento de aprendizagem nem avaliação sistemática dos aprendizes. No entanto, passaria por remodelagem em função das observações recebidas para sua melhoria. “O que nós fazemos dentro do sistema de avaliação do programa é avaliar o impacto no trabalho. Em termos de impacto de aprendizagem [...] nós temos tido relatos de pessoas que fizeram o curso, até porque buscamos esse tipo de informação. Está muito longe de ser uma avaliação sistemática e dizer olha o curso gerou impacto no trabalho” (e1). “Fizemos várias alterações ao longo do tempo [programa] adequando às alterações que os eles [funcionários] davam. [...] Era um projeto bem restrito que cresceu à medida que foi sendo elaborado [...] foi um projeto que todo mundo participou [...] foi alterando o formato dele ao longo do tempo, ele não tinha esse formato quando começou” (e3). b) Sistematização de competências — atitudes, procedimentos e normas, conhecimentos, opiniões, princípios e valores O curso proporciona ao aprendiz a visualização dos documentos estratégicos organizacionais e faz uma ligação entre os níveis mais complexos, que são os princípios da organização — diretrizes estratégicas —, as regras existentes, até chegar às atitudes organizacionais. Houve uma preocupação na montagem do curso com a vinculação entre os documentos estratégicos da empresa para demonstrar o ato contínuo dos objetivos organizacionais. “[Buscou-se] no primeiro módulo do curso, fazer essa vinculação, esse relacionamento, entre estratégia, os documentos estratégicos [...] e o acordo de trabalho que é o documento tangível para ele, pois ali está a meta, os indicadores, os diversos produtos e serviços e atividades que ele precisa realizar [...] e fazer com que ele tenha a consciência de que há essa relação” (e1). Considerações Finais O processo de aprendizagem assumido no Curso Objetivos e Metas Organizacionais (COMO) foi o Fazendo e Aprendendo (FAAP), cujos princípios estão vinculados aos modelos mentais e ao desenvolvimento do pensamento sistêmico (SENGE, 1998); ao modelo de aprendizagem baseado no trabalho (RAELIM, 1997); e aos ciclos de aprendizagem vivencial (KOLB, 1997). Quanto aos modelos mentais e o desen volvimento do pensamento sistêmico, observou-se que o elemento que apareceu mais fortemente, entre as cinco disciplinas propostas por Senge (1998), foi a do domínio pessoal, marcado pelo processo de crescimento e aprendizado pessoal; seguida pela visão compartilhada, quando todos os funcionários se conectaram à condição de atingir as metas estabelecidas e assumiram compro metimento mútuo com transferência de energia para o atingimento dos objetivos. Segundo Senge (1998), o ambiente or ganizacional torna-se vital para que os conhe cimentos adquiridos possam efetivamente ser aplicados na prática das organizações. O autor defende a tese de que a organização que aprende deverá, necessariamente, abrir espaço para que as diferenças individuais surjam, sejam trabalhadas e incorporadas de forma sistêmica ao macroambiente. das formas de conhecimento tácito e explícito, de formas práticas e teóricas de aprendizagem, nos níveis individual e coletivo. É a teoria junto com a prática tornando a compreensão do aprendiz melhor. O COMO seguiu o sugerido no modelo, que é a interação entre o diálogo, o fazer e o aprender. Observou-se, ainda, uma constante inte ração entre o conteúdo programático e a ação dos aprendizes, da formulação dos conceitos abstratos à experiência concreta. Sobre o processo de aprendizagem nas or ganizações, é possível pensar, à luz do referencial de Kolb (1997) e Raelim (1997), que o conhecimento teórico/conceitual ao ser disponibilizado poderá ser testado e readequado ao contexto no qual o aprendiz está inserido, o que poderá gerar novas práticas, que observadas e refletidas se transformariam em novos conhecimentos e práticas a serem difundidos pela organização. Dessa forma, estaria criado um círculo virtuoso que levaria à incorporação sis têmica dos conhecimentos adquiridos, gerando, em consequência, aprendizagem nos vários níveis e, principalmente, poderia, em situações favoráveis, ter por consequência o desenvolvimento da orga nização como um todo. Finalmente, observou-se com a implantação do COMO que ocorreu desenvolvimento de com petências e mudança cultural nas unidades de negócios, no que diz respeito ao acordo de trabalho e à vinculação dos objetivos e metas organizacionais ao planejamento estratégico. Evidenciando-se, as sim, a importância da disseminação da informação como fator potencial de desacomodação em relação à unidade de aprendizagem e que, nesse sentido, tem sido valorizada ao longo do tempo, principalmente por empresas com grande número de funcionários e/ou grande dispersão territorial. Assim, práticas de ensino a distância possibilitam a difusão da informação e do conhecimento a um grande número de pessoas e em prazos relativamente curtos e com custos menores. Quanto ao modelo de aprendizagem basea da no trabalho, observou-se que houve combinação Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012 • Recebido em: 08/11/2012 • Aprovado em: 23/03/2012 81 Referências ANTONELO, C. S. A. Metamorfose da aprendizagem organizacional: uma revisão crítica. In: RUAS, R.; ANTONELO, C. S.; BOFF, L. H. Os novos horizontes da gestão: aprendizagem organizacional e competências. Porto Alegre: Bookman, 2005. p. 12-33. ARGYRIS, C. A Boa comunicação que impede a aprendizagem. IN: HARVARD BUSSINES REVIEW. Aprendizagem organizacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 84-104. _____, C.; SCHÖN, D. A. Organizational learning II: theory, method and pratice. New York: Addison-Wesley, 1996. BEILER, A.; LAGE, L C.; MEDEIROS, M. F. Educação a distância. In: MEDEIROS, M F.; FARIA, E. T. 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FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 2012 83 Análise dos fatores de bloqueio à criatividade no Projeto de Extensão Universitária Chiquitos Analysis of factors of creativity block in the Project Chiquitos Análise dos fatores de bloqueio à criatividade no Projeto de Extensão Universitária Chiquitos Analysis of factors of creativity block in the Project Chiquitos Ana Santos1 Fabiano Goldacker2 Silvia R.P. de Quevedo3 Vania Ribas Ulbricht4 Resumo Este trabalho apresenta uma pesquisa de campo realizada com integrantes do Projeto Chiquitos, o qual resulta da parceria entre a Universidad Técnica Particular de Loja (Equador) e a Universidad Católica Boliviana San Pablo — Chiquitos (Bolívia), com foco na criatividade e no conhecimento. Utilizando como instrumento de pesquisa um questionário, buscou-se detectar se entre o grupo de pesquisadores houve algum tipo predominante de bloqueio à criatividade. A pesquisa foi censitária e os resultados apontaram a não existência de um tipo predominante de bloqueio à criatividade no grupo. Palavras-chave: Criatividade. Bloqueios. Conhecimento. Abstract This paper presents a field research project involving members of the Chiquitos Project, which results from the partnership between the Universidad Técnica Particular de Loja (Ecuador) and the Universidad Católica Boliviana San Pablo — Chiquitos (Bolivia), focusing the areas of creativity and knowledge. A questionnaire was used for detecting whether there was a predominant type of creativity block in the researched group. It was a survey research and its results showed that there is no predominant type of creativity block in that group. Keywords: Creativity. Blocks. Knowledge. Mestranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 2 Mestrando em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 3 Doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 4 Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 1 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 85 Introdução Alcançar altos níveis de produtividade tem sido cada vez mais importante para as organizações corporativas, pois a competitividade a qual estão submetidas adquiriu um caráter irreversivelmente global na atualidade. No caso das empresas, Nonaka e Takeuchi (1997) apontam o potencial da criatividade e do conhecimento como fonte de vantagem competitiva; porém, não apenas no mundo corporativo, esses elementos estão na base de uma organização que funciona, embora nem sempre evidentes. Os autores reconhecem que toda organização acaba criando novo conhecimento e destacam o fato de que na maior parte das ocorrências esse processo acontece de modo “acidental, inesperado e, portanto, imprevisível” (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 142). Assim, características inerentes ao proces so criativo se fazem necessárias à gestão de conhecimento, pois, embora nem toda ideia criativa conduza à inovação, é certo afirmar, como De Masi (2000), que a inovação requer o novo, aplicabilidade e valor agregado. Por isso, o ato de mapear os elementos inibidores da criatividade torna-se um importante exercício para o desenvolvimento de vantagens competitivas às organizações como um todo, e, em particular, aos projetos ou demais iniciativas, individuais ou coletivas. À medida que tais bloqueadores são identificados, torna-se possível eliminá-los para a possibilidade de inovar-se. Extirpar fatores bloqueadores da criatividade permite desencadear melhorias com a finalidade de atuar sobre os pontos fracos e ameaças relacionadas à determinada ideia ou projeto. Este artigo busca respostas para a veri ficação de eventuais fatores de bloqueio à criatividade, observados no Projeto Chiquitos, que acontece por meio de parceria entre a Universidad Técnica Particular de Loja (UTPL), do Equador; e a Universidad Católica Boliviana San Pablo — Chiquitos (UCBCh), Bolívia. Implantado em 2001, o projeto beneficia a comunidade de San Ignacio de Velasco, na Bolívia, por meio de pesquisas aplicadas às necessidades locais, como melhoria das técnicas de processos agroindustriais, criação do banco de conservação de sementes, implantação de sis temas agrários pastoris, entre outras medidas. 86 1 A Criatividade e a Gestão do Conhecimento Na sequência, são apresentados alguns aspec tos que compõem a base teórica desta pesquisa. 1.1 O Conhecimento O conhecimento é fonte de vantagem competitiva para qualquer organização, mas para que seja efetivamente uma vantagem, torna-se estratégico desenvolver meios, a fim de que o conhecimento seja criado, incorporado e utilizado. Demo (2002, p. 30-31) estabelece uma estreita ligação desse termo com a criatividade e inovação, uma vez que “conhecimento só ‘conhece’ se for questionador e inovador.” Boisot (1995, apud CHOO, 2003) buscou construir uma tipologia, classificando ‘conhecimento’ em quatro grupos distintos: a) Público: é codificado e divulgável. Pode ser encontrado estruturado e registrado em livros, boletins de pesquisa e outras fontes formais e informais. No entanto, o conhecimento público, lentamente, entrelaça-se num denso tecido de fatos, tornando-se difícil de modificar algum contexto. Ou seja, adquire inércia. b) De senso comum: também é dissemina do, mas muito menos codificado. É o conhecimento adquirido ao longo da vida, por meio de experiências pessoais, e tidas como comprováveis. Kerlinger (1980) classifica esse tipo de conhecimento como algo guiado pela experiência prática e observação. c) Pessoal: nasce da experiência própria, não acessível aos outros, tornando-o mais difícil de articular. Sua disseminação requer que experiências concretas sejam partilhadas entre os indivíduos. O que distingue o conhecimento de outros ativos é que ele pode ser compartilhado e, ao mesmo tempo, retido pelos indivíduos. d) Privado: é o conhecimento desenvolvido e codificado por conta própria dos indivíduos, a fim de dar sentido a determinadas situações. Embora seja divulgável e codificado, pode não fazer sentido a algumas pessoas, porque a sua importância está limitada às necessidades de quem o criou. A partir de tal reflexão, é possível vislumbrar que o conhecimento adquire validade à medida que estiver próximo da ação, ou seja, a partir do momento em que passe a viabilizar ações à inovação e à geração de ativos que agreguem valor. O que distingue o conhecimento de outros ativos é que ele pode ser compartilhado e, ao mesmo tempo, retido pelos indivíduos. Santana (2005, p. 385) destaca que “para ser considerado, o conhecimento individual deve ser pertinente para a realização das atividades a que a organização se dedica e ser percebido como tal por cada objetivo que atinge”. Outra maneira de utilizar o conhecimento como fonte de valor é a sua capacidade de fazer frente às incertezas, especialmente tratando-se de sistemas mais fragilizados. Nonaka (2008, p. 39) observa, por exemplo, que “em uma economia onde a única certeza é a incerteza, a fonte certa de vantagem competitiva duradoura é o conhecimento”. Sua dinamicidade, pois ele não é estático, pode torná-lo complexo. A esse respeito Leite, Bornia e Coelho (2004, p. 28) explicam que uma organização convive com uma “permanente busca de flexibilidade, o que lhe confere um aumento da complexidade, Rev. FA E , C uritiba, caracterizada, por sua vez, pelo aspecto da incerteza, da imprevisibilidade e da variabilidade”. 1.1.1 Conhecimento tácito e conhecimento explícito Takeuchi e Nonaka (2008) afirmam que o conhecimento é formado por dois componentes dicotômicos e aparentemente opostos: o co nhecimento explícito e o tácito. Segundo esses autores, “o conhecimento não é explícito ou tácito; é tanto explícito quanto tácito. O conhecimento é inerentemente paradoxal, pois é formado do que aparenta serem dois opostos.” (TAKEUCHI; NONAKA, 2008, p. 20), uma vez que está baseado no conhecimento pessoal e formal. Uma definição desses dois tipos de conceito foi feita por Choo (2003, p. 189): a) Conhecimento tácito: é o conhecimento implícito usado pelos membros da organização para realizar o seu tra balho. É o conhecimento pessoal, não codificado e difícil de divulgar. É difícil de verbalizar por ser expresso por habilidades baseadas na ação, não po dendo ser reduzido a regras e receitas. É aprendido durante longos períodos de experiência e de execução de uma tarefa. É vital para uma organização, que só aprende e inova se estimular, de algum modo, o conhecimento tácito de seus membros; b) Conhecimento explícito: pode ser ex presso formalmente com a utilização de um sistema de símbolos, podendo ser facilmente comunicado ou difundido (NONAKA, TAKEUCHI, 1997). Embora todas as organizações trabalhem com procedimentos-padrão, cada orga ni zação deve desenvolver seu próprio repertório de rotinas, baseado em sua experiência (CHOO, 2003). v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 87 Um dos grandes desafios para as orga ni zações criadoras de conhecimento é a transformação do conhecimento tácito em explícito, uma vez que o primeiro é de difícil expressão. Takeuchi e Nonaka (2008, p. 19) atribuem essa dificuldade ao fato de considerarem que o conhecimento tácito “está profundamente enraizado nas ações e na experiência corporal do indivíduo, assim como nos ideais, valores ou emoções que ele incorpora.” Dessa forma, quando o conhecimento tácito existe de modo abundante, mas não está codificado, é provável que as pessoas e as organizações tenham dificuldades em se comunicar com clareza no intuito de gerar conhecimento. Além disso, Takeuchi e Nonaka (2008) sustentam que a ênfase isolada no conhecimento tácito pode ser perigosa, pois se abre à possibilidade de adaptação excessiva aos sucessos ou modelos passados, constituindo-se em uma ameaça à inovação. Polanyi (1983) lembra que o conhecimento tácito é composto pela percepção do indivíduo. O alto grau de subjetividade e intangibilidade desse tipo de conhecimento dificulta sua transformação de tácito em explícito. Segundo Stacey (2001), o conhecimento dos indivíduos, que surge de maneira principalmente tácita, traz consigo alguns problemas: a) pessoas que detêm o conhecimento podem deixar a organização ou grupo levando-o consigo. É interessante que o conhecimento tácito seja trans formado em explícito; b) pessoas relutam em compartilhar o conhecimento que possuem. Como a base de todo o conhecimento é o tácito, é importante que se encontrem maneiras de codificá-lo, a fim de permitir que esse tipo de conhecimento torne-se explícito, ou seja, que possa ser transmitido às pessoas de forma sistemática. Nesse sentido, Davenport e Prusak (1998, p. 117) estabelecem uma ligação entre o conhecimento tácito e a questão tecnológica, uma vez que “quanto mais tácito for o conhecimento, mais tecnologia deverá ser usada para possibilitar às pessoas com partilhar aquele conhecimento diretamente”. 88 Um dos grandes desafios para as organizações criadoras de conhecimento é a transformação do conhecimento tácito em explícito, uma vez que o primeiro é de difícil expressão. 1.2 Criatividade A criatividade passou a ser foco recente de pesquisas acadêmicas com objetivo de explicar e até sistematizar o pensamento criativo. Vanzin e Ulbricht (2010, p. 29) afirmam que a criatividade “tem sido estudada intensamente segundo diferentes óticas, especialmente dentro da interdisciplinaridade, em função da importância que o mercado tem atribuído à inovação tecnológica.” Uma consideração importante sobre o sur gimento das ideias que lideram o processo criativo é o fato de elas aparecerem livre e espontaneamente (TEIXEIRA, 1998). Para Teixeira (1998, p. 61), “a ideia criativa surge quando deixamos que outro eu processe livremente todas as informações que arquivamos em nosso cérebro.” Com essa liberdade, as informações colhidas do ambiente, misturadas às ideias surgidas de forma espontânea, passam a gerar uma condição altamente propícia à criatividade. Barreto (1998) concorda que a criatividade seja oriunda de pressupostos ambientais, mas avalia que aspectos psicológicos internos e externos ao indivíduo são fatores não menos importantes para a gestão da criatividade. Segundo o autor, a criatividade está antes ligada a um pensamento mais primário, infantil e rudimentar do que um pensamento teórico, ou seja, a criatividade consiste em um dado psicobiológico da personalidade que não depende de inteligência. “A verdadeira escola para o inventor é sua cabeça, aliada a sua vontade”, acrescenta Martins (1997, p. 63). Barreto (1998) agrupa o que chama de ingredientes da criatividade em uma sigla: BIP, que significa ‘bom-humor’, ‘irreverência’ e ‘pressão’. Ou seja, conforme o autor, somente é capaz de ter ideias quem está ‘de bem consigo mesmo’; quem tem ‘jogo de cintura’ e, ao mesmo tempo, conserva um ceticismo, sendo um pouco mais passivo e, por fim, quem suporta bem a pressão exercida por uma liderança, ou sabe liderar uma busca pela valorização e motivação de pessoas. Porém, embora a criatividade seja um exercício ao alcance de todos, alguns fatores podem bloquear o processo criativo. Ramos e Ramos (2010, p. 240) citam a padronização e a burocratização excessivas como fatores inibidores da criatividade, pois “sempre existiram pressões sociais para que as pessoas atuem de forma padronizada”. 1.2.1 Bloqueios à criatividade As pessoas nascem com muitas habilidades criativas, mas, para Ayan (2001), a maioria dessas pessoas começa a limitar suas capacidades de busca por criatividade a partir dos primeiros anos de vida, quando começam a surgir os bloqueios à criatividade. Da mesma forma, é comum que no nosso dia a dia se tenha contato com diversas ideias que surgem por meio das interações feitas com o ambiente, tais como a leitura, as viagens, a conversa com outras pessoas. Contudo, Martins (1997, p. 72) sustenta que “nem sempre aproveitamos essas situações, e assim, aos poucos, abafamos o espírito criador que nos dá aquele impulso e faz as ideias aflorarem em nossa consciência”. De acordo com a designação de Siqueira (2011), os bloqueios à criatividade são classificados em cinco grupos principais, relacionados a seguir: Segundo Weschler (1998, p. 121), “a sociedade pune ou exclui o indivíduo que é diferente. [...] O indivíduo que diverge das normas da sociedade incomoda, quebra as estruturas”. b) Ambientais ou organizacionais: para Silva e Rodrigues (2007, apud RAMOS; RAMOS, 2010), podem ser relacionados alguns fatores organizacionais que servem como bloqueio à criatividade, tais como a estrutura organizacional, as características da chefia, as relações interpessoais, a cultura organizacional, a falta de recursos tecnológicos ou materiais, as características das tarefas, as influências político-administrativas, volume de serviço, falta de treinamento, salários e benefícios. c) Intelectuais e de comunicação: para falar com alguém, precisa-se conhecer um pouco a forma dessa pessoa de perceber o mundo e cativá-la baseado em seus próprios conceitos de vida. (TEIXEIRA, 1998, p. 29). d) Emocionais: são barreiras que se trans formam em um grande impe dimen to à criatividade. Jones (1993 apud WESCHLER, 1998) relaciona al guns bloqueios emocionais, como medo do A ideia criativa surge quando deixamos que outro eu processe livremente todas as informações que arquivamos em nosso cérebro a) Culturais: os bloqueios ao pensamento e ao comportamento criativo advêm, em primeiro lugar, da própria sociedade. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 89 fracasso, de brincar, de perder o con trole, de exercer influência, medo do desconhecido, miopia de recursos, receio da frustração, imaginação empobrecida. e) 2 De percepção: a falta de percepção está diretamente ligada “à incapacidade de resolver problemas criativamente”, co mo observa Wechsler (1998, p. 123). Projeto de Extensão Universitária Chiquitos O Projeto Chiquitos é financiado pela cola boração entre duas universidades: a Universidad Técnica Particular de Loja (UTPL), responsável pela locomoção dos pesquisadores, e a Universidad Católica Boliviana San Pablo — Chiquitos (UCBCh), responsável pela hospedagem, alimentação e imprevistos dos participantes do projeto. Lançado em 2001, até junho de 2010 o projeto já havia consolidado a participação de 58 estudantes universitários e jovens recém-formados. O projeto beneficia a comunidade de San Ignacio de Velasco — Santa Cruz —, Bolívia, por meio de pesquisas aplicadas para necessidades locais. São desenvolvidas atividades, como instalação de internet, criação de modalidade de estudo a distância, planta de elaboração e processamento de produtos lácteos e de carne, melhora das técnicas de processos agroindustriais, criação do banco de conservação de sementes, implementação de sistemas agrários pastoris, entre outras. Ao retornar ao Equador, os participantes levam novos conhecimentos explícitos e tácitos adquiridos na prática das atividades do projeto. O processo é esquematizado na FIG. 1. FIGURA 1 — Processos do Projeto Chiquitos FONTE: Os autores Os participantes do projeto, na maioria, profissionais recém-formados no Equador, são enviados pela UTPL e mantidos pela UCB na localidade de Chiquitos pelo período de um ano. Ali, desenvolvem atividades e pesquisas voltadas aos problemas da região. Assim, o projeto está integrado à sociedade, buscando atender às necessidades práticas. Entre os participantes há criação de conhecimento. Ao retornarem ao Equador, os integrantes do projeto deixam conhecimentos práticos para a região de Chiquitos e levam novos conhecimentos, com a finalidade de aplicá-los em sua realidade de vida e trabalho. Esse processo depende de um ambiente próprio que incentive a colaboração, o compartilhamento e criação de conhecimento, visto que os participantes são voluntários. 90 3 Método de Pesquisa Este trabalho parte das conclusões obtidas por Santos, Galdo e Machado (2010), a partir da pesquisa realizada no Projeto Chiquitos, na qual foi evidenciado que há a conversão de conhecimento tácito em explícito e criação de conhecimento. Nota-se que há um ambiente propício à criação do conhecimento. Na percepção dos participantes, houve um ambiente de interação e valores com partilhados, conversão de conhecimentos explícitos e tácitos e criação de conhecimento, evidenciando a importância do ambiente para o compartilhamento e criação do conhecimento. Tendo por base essa mesma pesquisa, sentiu-se a necessidade de se identificar a existência ou não de bloqueios à criatividade, buscando rela cioná-los aos grupos explicados no item 2.2.1. Dessa maneira, foi desenvolvido um instrumento de coleta de dados (questionário) que buscou fazer uma relação direta entre as perguntas com os tipos de bloqueio à criatividade. O instrumento de coleta de dados foi desenvolvido dessa forma para que se torne possível identificar qual o tipo predominante de bloqueio à criatividade no Projeto Chiquitos. O QUADRO 1 resume as questões aplicadas e a sua relação com os tipos de bloqueio à criatividade. QUADRO 1 — Tipos de bloqueio à criatividade x perguntas do questionário Tipos de bloqueio à Perguntas criatividade a) Nesse projeto de extensão universitária são incorporadas novas ideias para resolver problemas? b) As pessoas desse projeto estão abertas às mudanças de regras ou normas de funcionamento tanto em nível laboral como de convivência? c) Você é flexível para a mudança de atividade durante o trabalho nesse projeto? Culturais a) O lugar onde trabalha lhe garante a segurança que necessita? b) O ambiente de trabalho é agradável? c) O líder ou responsável pelo projeto apoia e incorpora as suas ideias? d).O grupo resolve os problemas em conjunto? e) Você pede ajuda aos seus companheiros para resolver algum problema? f) No grupo há espaço para realizar outras atividades que não sejam laborais? g) Você recebe pressão por parte do líder pelos resultados do projeto? h) Seu chefe imediato valoriza sua experiência profissional? Ambientais ou organizacionais Intelectuais ou de comunicação a) Para iniciar um novo projeto ou atividade você tem fácil acesso à informação necessária? b) Você se sente seguro para iniciar um projeto novo? c) Quando você não sabe como iniciar um novo projeto ou atividade, busca apoio em especialistas, mesmo que o acesso a eles não seja fácil? d) Você acredita que os problemas na execução dos projetos têm mais de uma solução? e) Você busca soluções aos problemas em conjunto com seus companheiros de trabalho? f) Você pede sugestões ao líder do grupo para solucionar problemas? g) Você apresenta com clareza as ideias ou soluções de um determinado projeto ou atividade ao grupo? Emocionais a) Você gosta de pôr em prática novas ideias para melhorar os resultados do projeto? b) Você prefere não se manifestar por medo de fazer papel de ridículo? c) Se surge um problema no trabalho, você crê que é o único que pode solucioná-lo? d) Quando o resultado esperado não ocorre, você tenta novamente com a segurança de que na próxima vez o resultado será positivo? e) Ao iniciar uma tarefa, você é consciente de suas limitações pessoais e profissionais? f) Sabe diferenciar realidade e o que é fantasia? De percepção a) As soluções que você propõe estão dentro das possibilidades de realização no seu contexto? b) Você expressa suas ideias de forma clara e com palavras sinceras? FONTE: Os autores Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 91 Assim, esta pesquisa tem uma abordagem quantitativa, diante do tratamento estatístico dado às respostas do questionário. Quanto à pesquisa quantitativa, Lima (2004, p. 26) lembra que ela “corresponde a uma abordagem do fenômeno investigado envolvendo a realização de uma pesquisa de campo, na qual a coleta de dados é feita por meio de aplicação de questionário e/ou formulário junto à população alvo da pesquisa”. 4 Apresentação e Discussão dos Resultados Para atingir o objetivo geral da pesquisa, foi utilizado um instrumento de coleta de dados na forma de questionário aplicado por censo. Cooper e Schindler (2003) consideram que o censo é adequado quando o universo é pequeno. O universo total é de 30 participantes e o questionário foi respondido por 22 pessoas. As questões presentes no questionário foram agrupadas em torno dos cinco tipos de bloqueio à criatividade, conforme exposto no QUADRO 1. Assim, no que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios culturais, a pesquisa apresentou os seguintes dados: TABELA 1 e GRÁFICO 1 — Pergunta 1: Neste projeto de extensão universitária são incorporadas novas ideias para resolver problemas? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 2 9% Quase nunca 5 23% Às vezes 11 50% Sempre 4 18% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Observa-se que quase 70% dos pesquisados afirmam que as novas ideias sugeridas são frequentemente incorporadas como parte do conjunto de soluções para resolver problemas, muito embora uma parte considerável dos integrantes pesquisados afirme que essas novas ideias quase nunca são utilizadas. TABELA 2 e GRÁFICO 2 — Pergunta 2: As pessoas deste projeto estão abertas às mudanças de regras ou normas de funcionamento tanto em nível laboral como de convivência? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 5 Quase nunca 7 32% Às vezes 9 41% Sempre 6 27% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores 92 Com relação à pergunta 2, apesar de as respostas demonstrarem que um terço dos pesquisados afirmam ‘quase nunca’ há abertura para as mudanças das normas e regras, a maior parte afirma estar aberta, eventualmente, às mudanças nas regras ou normas de funcionamento. TABELA 3 — Pergunta 3: Você é flexível para a mudança de atividade durante o trabalho neste projeto? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0 Quase nunca 0 0 Às vezes 0 0 Sempre 22 100% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores A pergunta 3 mostra que todos os entrevistados afirmaram ser flexíveis à mudança de atividades durante a execução do projeto. No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios ambientais ou organizacionais, a pesquisa apresentou os seguintes dados: TABELA 4 e GRÁFICO 3 — Pergunta 4: O lugar onde trabalha lhe garante a segurança que necessita? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0 Quase nunca 0 0 Às vezes 0 41% Sempre 13 59% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Nota-se que os entrevistados afirmam haver segurança para a realização dos trabalhos necessários, o que permite que os pesquisados conduzam suas pesquisas com plenas condições de concentração exclusiva nos seus objetivos. TABELA 5 e GRÁFICO 4 — Pergunta 5: O ambiente de trabalho é agradável? Alternativas Quantidade Percentual Nunca Quase nunca Às vezes 0 0 3 14% 11 50% Sempre 8 36% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 93 Os resultados da pergunta 5 demonstram que grande parte dos entrevistados asseguram que o ambiente de trabalho é agradável à realização dos trabalhos, sendo, também, um item favorável à atuação dos pesquisadores. TABELA 6 e GRÁFICO 5 — Pergunta 6: O líder ou responsável pelo projeto apoia e incorpora as suas ideias? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 4 18% Quase nunca 4 18% Às vezes 6 27% Sempre 8 37% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Apesar da maior parte dos entrevistados mostrarem que o líder do projeto apoia e incorpora as ideias sugeridas, pouco mais de um terço dos entrevistados afirma o contrário, o que pode acarretar numa desmotivação dos pesquisadores do Projeto Chiquitos em participar com sugestões ao projeto. TABELA 7 e GRÁFICO 6 — Pergunta 7: O grupo resolve os problemas em conjunto? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 1 5% Quase nunca 4 18% Às vezes 11 50% Sempre 6 27% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores As respostas à pergunta 7 mostram que a maior parte dos entrevistados concorda que há um trabalho em conjunto para a resolução dos problemas, o que se configura em um aspecto positivo do trabalho, pelo fato de que a interação entre os participantes do Projeto Chiquitos pode resultar em melhores ideias e resoluções dos problemas ocorridos. TABELA 8 e GRÁFICO 7 — Pergunta 8: Você pede ajuda aos seus companheiros para resolver algum problema? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 0 0% Às vezes 8 37% Sempre 14 63% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores 94 Observa-se que todos os pesquisados confirmam ser frequente o fato de pedir ajuda aos companheiros na resolução de problemas. Essa resposta vai ao encontro do que foi evidenciado na pergunta 7, em que a maior parte dos entrevistados afirma que os problemas são resolvidos em conjunto. TABELA 9 e GRÁFICO 8 — Pergunta 9: No grupo há espaço para realizar outras atividades que não sejam laborais? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 7 32% Quase nunca 0 0% Às vezes 7 32% Sempre 8 36% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores As respostas à pergunta 9 chamam atenção pelo fato de um terço dos pesquisados afirmar que não há espaço para a realização de outras atividades no Projeto Chiquitos, a não ser as laborais, ou seja, não há espaço para ideias que não estejam diretamente relacionadas aos objetivos da pesquisa. TABELA 10 e GRÁFICO 9 — Pergunta 10: Você recebe pressão por parte do líder pelos resultados do projeto? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 2 9% Quase nunca 3 14% Às vezes 13 59% Sempre 4 18% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Essas respostas evidenciam que a maior parte dos entrevistados mostra que há pressão por parte dos líderes do Projeto Chiquitos para com os resultados da pesquisa. Se analisarmos essas respostas em conjunto com as respostas à pergunta 9, há indícios de um grande nível de cobrança sobre os pesquisadores do projeto. TABELA 11 e GRÁFICO 10 — Pergunta 11: Seu chefe imediato valoriza a sua experiência profissional? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 2 9% Quase nunca 3 14% Às vezes 7 32% Sempre 10 45% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 95 Nota-se que, embora exista uma pressão do líder para com os resultados do projeto, há também apoio às ideias e experiências dos participantes. Pelo fato do ambiente de trabalho ser agradável, há uma cooperação muito grande entre os integrantes do projeto, o que torna possível concluir que os fatores ambientais ou organizacionais exercem um bloqueio muito fraco à criatividade no Projeto Chiquitos. No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios intelectuais ou de comunicação, a pesquisa apresentou os seguintes dados: TABELA 12 e GRÁFICO 11 — Pergunta 12: Para iniciar um novo projeto ou atividade você tem fácil acesso às informações necessárias? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 1 5% Quase nunca 5 23% Às vezes 12 54% Sempre 4 18% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores As respostas à pergunta 12 mostram que a maior parte dos entrevistados consegue fácil acesso às informações necessárias ao início de uma nova atividade, o que se configura em um importante aspecto para toda e qualquer pesquisa, pois quanto mais facilitado o início de novas atividades, melhores poderão ser os resultados da pesquisa. TABELA 13 e GRÁFICO 12 — Pergunta 13: Você se sente seguro para iniciar um projeto novo? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 1 5% Às vezes 4 18% Sempre 17 77% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Essas respostas evidenciam que a quase totalidade dos entrevistados demonstra segurança para iniciar novos projetos, o que vai ao encontro das respostas relativas à pergunta anterior. Isso permite concluir que a facilidade de acesso às informações necessárias à execução de novos projetos dá mais segurança aos pesquisadores do Projeto Chiquitos para iniciarem um novo projeto. 96 TABELA 14 e GRÁFICO 13 — Pergunta 14: Quando você não sabe como iniciar um novo projeto ou atividade, busca apoio em especialistas, mesmo que o acesso a eles não seja fácil? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 0 0% Às vezes 6 27% Sempre 16 73% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores As respostas à pergunta 14 mostram que os participantes do Projeto Chiquitos dedicam-se muito à execução dos projetos, desde o seu início, pois os pesquisadores buscam apoio junto a especialistas para o início de novos projetos. TABELA 15 e GRÁFICO 14 — Pergunta 15: Você acredita que os problemas que surgem na execução dos projetos têm mais de uma solução? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 0 0% Às vezes 5 23% Sempre 17 77% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Observa-se que as respostas à pergunta 15 evidenciam o otimismo dos pesquisadores do Projeto Chiquitos em relação às alternativas possíveis à solução de problemas. TABELA 16 e GRÁFICO 15 — Pergunta 16: Você busca solução para os problemas em conjunto com seus companheiros de trabalho? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 0 0% Às vezes 12 54% Sempre 10 46% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 97 As respostas à pergunta 16 mostram que há uma interação importante entre os pesquisadores do Projeto Chiquitos. Se analisarmos essa resposta em conjunto com as respostas à pergunta 15, pode-se inferir que é essa interação que permite que surjam mais soluções para os problemas existentes. TABELA 17 e GRÁFICO 16 — Pergunta 17: Você pede sugestões ao líder do grupo para solucionar problemas? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 1 5% Às vezes 6 27% Sempre 15 68% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Nas respostas à pergunta 17, pode-se observar que os entrevistados garantem que com frequência buscam nos líderes do projeto as sugestões necessárias para resolver os problemas. TABELA 18 e GRÁFICO 17— Pergunta 18: Você apresenta com clareza as ideias ou soluções de um determinado projeto ou atividade ao grupo? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 2 9% Às vezes 4 18% Sempre 16 73% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Pode-se perceber que os participantes do Projeto Chiquitos são dotados de uma considerável capacidade de cooperação e interação na busca da solução de problemas. Nota-se que a maior parte dos participantes mostra-se segura com o início de novos projetos, ou ainda com a execução dos projetos que estão em andamento. Percebe-se que o interesse pela busca das informações, ainda que elas não sejam de fácil acesso, permite afirmar que não há bloqueios à criatividade do tipo intelectual ou de comunicação. No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios emocionais, a pesquisa apresentou os seguintes dados: 98 TABELA 19 e GRÁFICO 18 — Pergunta 19: Você gosta de pôr em prática novas ideias para melhorar os resultados do projeto? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 0 0% Às vezes 3 14% Sempre 19 86% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores As respostas para essa questão mostram que os entrevistados costumam pôr em prática com muita frequência suas novas ideias para melhorar os resultados de um projeto. A resposta de questão vai ao encontro de outras perguntas, evidenciando que há abertura para dar e implantar as sugestões necessárias ao desenvolvimento do projeto. TABELA 20 e GRÁFICO 19 — Pergunta 20: Você prefere não se manifestar por medo de fazer papel de ridículo? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 13 59% Quase nunca 3 14% Às vezes 6 27% Sempre 0 0% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Mais de dois terços dos entrevistados não abrem mão de se manifestar, ainda que possam considerar que suas opiniões sejam entendidas como descabidas. Isso mostra que o ambiente no Projeto Chiquitos é favorável às técnicas de estímulo à criatividade. TABELA 21 e GRÁFICO 20 — Pergunta 21: Se surge um problema no trabalho, você crê que é o único que pode solucioná-lo? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 8 36% Quase nunca 6 27% Às vezes 7 32% Sempre 1 5% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 99 É possível observar que a maioria dos entrevistados não se considera como a única pessoa apta a resolver os problemas, muito embora um terço dos entrevistados manifeste que esse pensamento eventualmente surge diante de um problema no trabalho. TABELA 22 e GRÁFICO 21 — Pergunta 22: Quando o resultado esperado não ocorre, você tenta novamente com a segurança de que na próxima vez o resultado será positivo? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 1 5% Às vezes 6 27% Sempre 15 68% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Os resultados dessa pergunta evidenciam que os participantes do Projeto Chiquitos são otimistas quanto aos resultados das sugestões implantadas, pois mais de dois terços dos pesquisados afirmam sempre esperar melhores resultados quando há implantação de novas tentativas para a resolução dos problemas. TABELA 23 e GRÁFICO 22 — Pergunta 23: Ao iniciar uma tarefa, você é consciente de suas limitações pessoais e profissionais? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 1 5% Às vezes 8 36% Sempre 13 59% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Quase todos os entrevistados mostraram que frequentemente têm noção de suas limitações pessoais e profissionais ao iniciar uma tarefa, o que pode ser encarado como um aspecto positivo se considerarmos que essa noção os impele a buscar apoio e informações com os líderes e/ou pessoas mais experientes. TABELA 24 e GRÁFICO 23 — Pergunta 24: Sabe diferenciar a realidade do que é só fantasia? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 0 0% Às vezes 1 5% Sempre 21 95% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores 100 A análise das questões relacionadas aos bloqueios emocionais demonstra que os participantes do Projeto Chiquitos buscam adotar novas ideias ou tentam executar ideias já testadas na expectativa de encontrar as soluções esperadas. Bem como a maioria dos entrevistados busca contribuir com o grupo, reconhecendo suas limitações. Assim, não se considera que esses fatores consistam em bloqueios à criatividade. No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios de percepção, a pesquisa apresentou os seguintes dados: TABELA 25 e GRÁFICO 24 — Pergunta 25: As soluções que você propõe estão dentro das possibilidades de realização no seu contexto? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 1 5% Às vezes 4 18% Sempre 17 77% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores Ao responder que quase sempre as soluções apontadas são de possível implantação, os pesquisados confirmam o fato de que entendem os problemas ocorridos, sugerindo soluções coerentes para resolvê-los. TABELA 26 e GRÁFICO 25 — Pergunta 26: Você expressa suas ideias de forma clara e com palavras sinceras? Alternativas Quantidade Percentual Nunca 0 0% Quase nunca 0 0% Às vezes 6 27% Sempre 16 73% TOTAL 22 100% FONTE: Os autores A análise das questões relacionadas aos bloqueios de percepção evidencia que os participantes do Projeto Chiquitos não apresentam dificuldades em contextualizar os desafios que surgem, permitindo que as soluções se realizem. Da mesma maneira, percebe-se que essas soluções são expressas de forma clara e objetiva aos demais participantes. Com base nisso, não se considera que existam fatores de percepção que consistem em bloqueios à criatividade. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 101 Considerações Finais A pesquisa realizada com os integrantes do Projeto Chiquitos buscou identificar os tipos de bloqueio à criatividade, possivelmente presentes nesse grupo. A partir da percepção dos participantes, verifica-se a existência de um ambiente com elementos de pressão e cobrança, mas que são plenamente gerenciáveis por meio da cooperação e interação. Ademais, como coloca Barreto (1998), a pressão também é um elemento que impulsiona a criatividade. Há um reconhecimento das limitações dos integrantes do grupo, o que é compensado pela predisposição das pessoas em buscar as informações e conhecimentos necessários à execução dos projetos. Essas evidências demonstram que há um ambiente, ou um Ba, na visão de Nonaka e Takeushi (1997), favorável à criatividade, não havendo evidências concretas de bloqueios no Projeto Chiquitos. Levando em conta a premissa do projeto, de que os conhecimentos práticos adquiridos e desenvolvidos em grupo sejam favoráveis ao desenvolvimento da região de Chiquitos, pode-se afirmar que a inexistência de bloqueios à criatividade permite aos pesquisadores explorar ao máximo seu potencial criativo, a fim de buscar as inovações necessárias ao desenvolvimento da região. 102 O processo criativo permite às organizações que seu crescimento seja sustentado por meio da geração de ideias e do desenvolvimento da capacidade de inovação. Isso possibilita aos integrantes desenvolverem cada vez mais competências importantes ao desenvolvimento pessoal e profissional, o que acaba promovendo o crescimento da organização em que estão inseridos. É o que se observa no Projeto Chiquitos a partir da pesquisa realizada, uma vez que os participantes procuram, de forma ampla e integrada, envolver-se com a comunidade na busca de soluções para os problemas que se apresentam. A flexibilidade na mudança de atividades entre os membros do grupo sugere grande versatilidade, uma abertura a novas ideias e modos diferentes de viver, não havendo obstáculos de ordem cultural, principalmente, à criatividade. O fato resulta em ganhos aos parceiros do projeto, tanto em relação às duas universidades que efetivam o convênio como no que diz respeito à população da pequena cidade boliviana onde ele acontece. • Recebido em: 12/09/2011 • Aprovado em: 13/10/2011 Referências AYAN, Jordan. Dez maneiras de libertar seu espírito criativo e encontrar grandes ideias. 3. ed. São Paulo: Negócio, 2001. BARRETO, L. P. Educação para o empreendedorismo. Salvador: Escola de Administração de Empresas da Universidade Católica de Salvador, 1998. CHOO, Chun Wei. A organização do conhecimento: como as organizações usam a informação para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões. São Paulo: SENAC, 2003. COOPER, Donald R.; SCHINDLER, Pamela S. 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WECHSLER, Solange Múglia. Criatividade, descobrindo e encorajando: contribuições teóricas e práticas para as mais diversas áreas. Campinas: Editora Psy, 1998. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 2012 103 Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional: o caso da mesorregião de Belém do Pará The North Costitutional Fund as a mediator for regional development: a case study of the region of Belém do Pará Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional: o caso da mesorregião de Belém do Pará The North Costitutional Fund as a mediator for regional development: a case study of the region of Belém do Pará Jones Nogueira Barros1 Isabel Cristina dos Santos2 Raquel da Silva Pereira3 Resumo Este artigo visa discutir a contribuição do Fundo Constitucional do Norte (FNO) ao desenvolvimento da mesorregião de Belém do Pará. Idealmente, o desenvolvimento de uma região deve gerar prosperidade às localidades do entorno, visando reduzir desigualdades sociais. Para tanto, é necessário o concurso de diferentes atores, com diferentes extensões de força. Há que se combinar o crescimento socioeconômico das localidades ao uso ecorresponsável dos recursos, bem como incluir a valorização do acervo natural e cultural que caracterizam a identidade da região. Este artigo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa de caráter descritivo e os dados foram obtidos mediante pesquisa bibliográfica e documental. Os resultados do estudo indicam que, embora tenha sido uma fonte recorrente de financiamento das atividades econômicas regionais, o FNO, após 20 anos de sua implantação, não gerou patamares superiores de desenvolvimento regional. No que tange ao uso sustentável dos recursos naturais, mesmo após duas décadas de debate, observa-se que em uma das duas microrregiões estudadas, a sustentabilidade ambiental manteve-se ruim. Na região de maior volume de empréstimos, o desenvolvimento sustentável alcançou apenas o nível médio. Podemos verificar que não será em uma geração que o progresso econômico e social será alcançado na região, o que é compreensível face às disparidades históricas do desenvolvimento regional brasileiro e desigualdades sociais. Palavras-chave: Fundo Constitucional do Norte. Desenvolvimento Regional. Desenvolvimento Sustentável. Abstract This article aims to discuss the contribution o the North Constitutional Fund (NCF) to the regional development of the area of Belém do Pará. Ideally, the economic development of a region must generate progress to its surrounding cities, aiming to reduce social inequalities. To accomplish this, it is necessary to associate different actors with different strength extensions, combining socioeconomic growth to the sustainable usage of natural resources, as well as value the natural and cultural assets that characterize the identity of the region. This article was developed based on a descriptive research, using documentary and bibliographic data collection techniques. The results pointed out that, despite the fact that the NCF has been the main source for funding economic activities in the region, twenty years after its implementation, its resources have not been sufficient to generate higher levels of regional development. In relation to the sustainable usage of natural resources, even after two decades of debate, in one of the two micro regions studied environmental sustainability remained at a low level of development. In the region of higher loan volume, sustainable development has reached only an average level. Therefore, it is possible to conclude that in the Northern region, particularly the region researched for this study, the aimed economic and social progress will not be reached during the period of one generation due to the historical Brazilian regional development disparities and social inequalities. Keywords: North Constitutional Fund. Regional Development. Sustainable Development. Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional na Universidade de Taubaté (UNITAU-SP). E-mail: [email protected]. Pós-Doutora em Gestão da Inovação Tecnológica e Economia da Inovação (ITA, São José dos Campos). Professora-pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. E-mail: [email protected]. 3 Doutora em Ciências Sociais (PUC-SP). Coordenadora e Pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul E-mail: [email protected]. 1 2 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 104 - 125, jul./dez. 2012 105 Introdução Desde o Congresso Mundial sobre o Meio Ambiente, ocorrido no Rio de Janeiro em 1992, a região Amazônica tem canalizado a atenção da mídia global pela sua biodiversidade, única no mundo, bem como pelas riquezas minerais conhecidas e, mais recentemente, pela debatida influência da Floresta Amazônica no equilíbrio climático do Planeta. Em meio ao debate sobre a sustentabilidade planetária, teorias convergem para a preservação de biosferas relevantes ao clima para o desenvolvimento sustentável, economia solidária e do trabalho coope rativo, zoneamento territorial, desenvolvimento local e reservas ambientais. Em suma, os debates ali nham-se em torno da necessidade de preservação do espaço socioambiental. Contraditoriamente, as políticas de desenvolvimento criadas para a Amazônia são, quase sempre, planejadas a partir do objetivo econômico, não refletindo, necessariamente, os as pectos conclamados sobre a relação entre o de senvolvimento social sustentado, com preservação das características do meio ambiente. O fator econômico tem sido determinante. Em função dele, as ações de desenvolvimento locais são planejadas na expectativa de que os reflexos sociais, como o progresso social, sejam decorrências naturais inexoráveis. Embora o pro cesso de industrialização seja um mecanismo eficiente de geração de riquezas, ele é, ao mesmo tempo, um meio eficaz de exaustão de recursos naturais e de degradação ambiental, tanto mais frágeis sejam os controles sobre as atividades e, nem sempre, o processo é inclusivo ou democrático. As disparidades regionais são cada vez mais evidentes no Brasil, na medida em que são objetos de discussão e pesquisa, são justificadas pela ausência de planejamento por parte dos estados ou regiões e de políticas de incentivo ou fomento ao empreendedor a partir de suas especificidades e potencialidades produtivas. Os fundos de fomentos, como os gerenciados em países da Europa, são recursos de suma importância para incentivar o crescimento econômico com foco no desenvolvimento local, especialmente em regiões periféricas, em razão da ausência ou insuficiência 106 de recursos próprios do pequeno e médio empreendedor. Essa leitura da situação estabelece o ques tionamento que este artigo ambiciona debater: os Fundos Constitucionais, criados no Brasil, como o Fundo Constitucional do Norte (FNO), contribuem para minimizar os gargalos do desenvolvimento local? A resposta a essa questão exige análise dos recursos concedidos vis-à-vis aos resultados obtidos pela atividade empreendedora local, be neficiada pelo acesso aos recursos financeitos do FNO, expressos nos dados socioeconômicos das localidades. O objetivo deste artigo é discutir a con tribuição do Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional, tomando por referência a análise dos recursos concedidos, ao longo de 20 anos de operação do Fundo, na mesorregião de Belém do Pará. 1 Revisão da Literatura O referencial teórico apresentado reflete a síntese dos autores pesquisados que, embora não se tenha pretendido exaurir as opções de debate, oferece uma perspectiva contemporânea sobre a questão do desenvolvimento local e regional, bem como a triangulação desses dois níveis de desenvolvimento com a questão da sustentabilidade socioambiental, entendida, neste texto, como uma forma de se buscar o desenvolvimento sustentável, envolvendo as dimensões econômica, social e ambiental propostas por Elkington (2001). 1.1 Desenvolvimento Local Sen (2000) evidencia o desenvolvimento como um ganho de cidadania à medida que haja crescimento econômico, permitindo ao indivíduo experimentar, e exercer, um conjunto de liberdades substantivas e instrumentais, o qual o autor categoriza e explica como: 1) liberdades políticas; 2) facilidades econômicas; 3) oportunidades so ciais; 4) garantias de transparência; e 5) segurança protetora. A existência desse conjunto de liber dades propicia um aumento da autonomia e capacidade de escolha dos indivíduos. Segundo Sen (2000), o desenvolvimento é gerador de liberdade humana e não pode ser identificado meramente a partir dos dados quantitativos acerca dos aspectos econômicos. Para o autor, o desenvolvimento requer remoção das O desenvolvimento local vai muito além de questões econômicas, ele precisa estar associado ao bem-estar da sociedade, com sua realidade e possibilidade de um futuro melhor. principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos (SEN, 2000, p. 18). Sen (2000) evidencia a íntima relação entre desenvolvimento e liberdade, observando que a pobreza e a carência de oportunidades econômicas se dão, também, pela falta de planejamento local, que gera dependência em relação aos outros espaços produtivos, impossibilitando a melhoria de qualidade de vida pela geração de emprego e renda. Para Santos (2005), a complexidade territo rial e urbana do Brasil aprofunda as diferenças entre suas regiões, o que contribui para que ocorra um desenvolvimento desigual, com oportunidades desiguais de crescimento. Sen (2000) e Santos (2005) comungam que o desenvolvimento, pelo qual passam tanto A complexidade territorial e urbana do Brasil aprofunda as diferenças entre suas regiões, o que contribui para que ocorra um desenvolvimento desigual, com oportunidades desiguais de crescimento. Rev. FA E , C uritiba, o espaço urbano quanto o rural, não pode negligenciar as necessidades sociais locais com a supremacia dos aspectos econômicos. O desenvolvimento local vai muito além de ques tões econômicas, ele precisa estar associado ao bem-estar da sociedade, com sua realidade e possibilidade de um futuro melhor; o que para Santos (2005, p. 130) “é formado pelo conjunto de oportunidades e vontades”, complementando que “alcançar intelectualmente o futuro não é questão estatística, nem simples arranjo de dados empíricos, mas questão de método.” O Plano de Desenvolvimento Local oferece o método. Dowbor (2008) destaca a necessidade de uma Política Nacional de Apoio ao Desenvolvi mento Local, que deve ser inovadora e capaz de induzir o desenvolvimento nacional a partir do território, devendo ser assumida pela União, pelos Estados e Municípios, sem viés centralizador, dispensando grandes orçamentos e estruturas burocráticas. No desenvolvimento local planejado, a mudança se efetiva no decorrer do tempo e na razão direta do envolvimento dos atores locais e regionais. E esse processo não pode ser pensado fora das necessidades locais e dos atores sociais, privilegiando apenas o interesse econômico. Ele deve inserir a dimensão social presente na localidade e promover a interação entre economia e sociedade que, gradualmente, estabeleça o progresso social almejado. Contudo, a lógica que envolve os estudos sobre desenvolvimento v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 107 planejado, no que diz respeito à região amazônica, carece de um grande número de particularizações e esclarecimentos. Ab’Saber (1989, p. 5) considera que qualquer estudo sobre a Amazônia exige o entendimento amplo e integrado do “complexo natural da região, incluindo o conhecimento da natureza dos seus contrastes internos. Envolve uma metodologia ecodesenvolvimentista para as questões básicas de utilização dos espaços físicos e ecológicos”, o que inclui o debate sobre a preservação dos espaços e recursos naturais. Segundo Ab’Saber (1989), é preciso conhecer a região amazônica para então descrevê-la, bem como o seu curso provável de desenvolvimento. Ainda para o autor (1989, p. 5), para compreender a região, ao nível propositivo, deve ser feito um “cruzamento dos conhecimentos sobre os fatos fisiográficos e ecológicos com os fatos da conjuntura econômica, demográfica e social da região”. Um pouco mais além desse conjunto de informações, é necessário avaliar “o papel que as cidades e a rede urbana preexistente podem desempenhar nos processos de desenvolvimento incentivado”. Para o pequeno e médio empreendedor do setor primário da economia, é importante a adoção de uma política de desenvolvimento que oportunize o seu acesso aos diversos mecanismos de apoio, a exemplo do que ocorre com as em presas de grande porte, inclusive os grandes produtores rurais. Esses, segundo Dowbor (2008), conseguem apoio financeiro não somente para atividade principal, a de produção, mas também a abertura de mercados no exterior, fomento para a renovação da tecnologia utilizada. Para os pequenos produtores, “existem iniciativas pontuais, mas nada que possa se comparar, nada que possa ser qualificado, efetivamente, como uma verdadeira política nacional de apoio ao desenvolvimento local” (DOWBOR, 2008, p. 7). Pensar o desenvolvimento local é criar condições para que as organizações empresariais, de qualquer porte, possam fortalecer e competir no mercado e, assim, contribuir para o crescimento 108 social. Todavia, os mecanismos de apoio citados estão, principalmente, disponíveis às grandes or ganizações. Portanto, um efeito desencadeado do apoio concedido às grandes empresas, deveria pri vilegiar o estabelecimento de parcerias, com pe quenos e médios empreendedores locais, criando um efeito de espiral do desenvolvimento. A parceria entre as organizações e os atores locais contribui para o crescimento da atividade produtiva e da economia local, haja vista o desenvolvimento de uma região ser possível a partir da adoção de uma política participativa de desenvolvimento local planejada. De acordo com Dowbor (2008), os entraves ao desenvolvimento local no País apontam para a solução dos seguintes problemas: financiamento e comercialização; tecnologia; desenvolvimento institucional; informação; comunicação; educação e capacitação; trabalho, emprego e renda; e sus tentabilidade ambiental. Além desses, os efeitos derivados dos fomentos poderiam ser melhor ava liados se houvesse uma base de dados consistente sobre a aplicação dos recursos. Ao longo deste artigo, será possível constatar que a precária, e difusa, oferta de dados é, em si, um grande obstáculo à avaliação dos benefícios dos fundos de fomento. O desenvolvimento corresponde às ações centradas na oferta de serviços e na garantia de direitos humanos básicos para as pessoas, na distribuição democrática dos benefícios do progresso técnico, científico, econômico e financeiro, cuja participação ativa das pessoas é um elemento essencial para a construção do progresso social. O desenvolvimento resulta da governabilidade democrática e participativa (VIDAL, 2007). Pensar em desenvolvimento regional significa lidar com a diversidade territorial, estabelecer estratégias de envolvimento dos atores que produzem essa diversidade. Assim, o desenvolvimento regi onal demandaria, a priori, a formação de lideranças comunitárias locais, com capacidade para com preender e discutir os principais aspectos da temática do desenvolvimento sustentável (ARRAIS, 2007). O desenvolvimento fomenta novas forças produtivas e a instauração de novas relações de produção, promovendo um processo sustentável de Um projeto de desenvolvimento é intrinsecamente um projeto pela paz, uma vez que o desenvolvimento se estabelece sobre os vários níveis da sociedade, visando reduzir os contrastes locais entre pobreza absoluta e riqueza absoluta. crescimento econômico que preserve a natureza e redistribua os frutos do crescimento aos que se encontram marginalizados da produção social e da fruição dos resultados dessa produção (SINGER, 2004). O desenvolvimento local não pode ser mais uma ação do Estado sobre uma dada região sem que haja o engajamento dos diversos atores da sociedade. Muito menos é concebível a adoção de modelos que privilegiem apenas o crescimento econômico e a acumulação de riquezas, de modo concentrado (FURTADO, 2008). Um projeto de desenvolvimento é intrin secamente um projeto pela paz, uma vez que o desenvolvimento se estabelece sobre os vários níveis da sociedade, visando reduzir os contrastes locais entre pobreza absoluta e riqueza absoluta. O que abriga, especialmente nas periferias, um esforço de estabelecer relações produtivas pautadas pelo respeito à cidadania e ao desenvolvimento pleno dos indivíduos e da sociedade local. O desenvolvimento local resulta dos investimentos feitos tanto pelos agentes públicos quanto pelos agentes privados, sendo que esses últimos desempenham um papel efetivo na distribuição das riquezas geradas pelo trabalho. Esse efeito gerador de riquezas pode ser observado em diversos países, nos quais foram adotadas políticas de desenvolvimento local, pautadas por intensos investimentos na produção industrial. Rev. FA E , C uritiba, O caso chinês é emblemático. Orientado para o crescimento econômico, baseado na formação de indústrias, o governo chinês criou a Zona Econômica Especial (ZEE), responsável pela difusão de tecnologia e capacitação organizacional, o que conferiu ao país capacidade para desenvolvimento tecnológico local. Posteriormente, em razão da formação das bases para crescente autonomia tecnológica, a ZEE foi transformada em Zona de Desenvolvimento Tecnológico (ETDZ), que esti mulou a entrada de investimentos estrangeiros e promoveu o crescimento industrial. O território chinês dividiu-se em três grandes regiões: a cos teira, que acolheria o modelo industrial; a central, responsável pela produção agrícola e energética; e a oeste, responsável pela produção pecuária e de mineração. Em todas elas, buscou-se fomentar a capacidade de produção (CEDEPLAR, 2010). A utilização dos espaços geográficos para fins economicamente planejados, sua ocupação e exploração, além da criação de infraestrutura para o escoamento da produção, são fatores importantes para que o desenvolvimento regional ocorra. A integração regional favorece e cria oportunidades de abertura de novos mercados. Além disso, a reorganização econômica mundial tem exigido dos Estados a adoção de medidas políticas que estimulem o desenvolvimento regional, com a indução das localidades de entorno à formação A utilização dos espaços geográficos para fins economicamente planejados, sua ocupação e exploração, além da criação de infraestrutura para o escoamento da produção, são fatores importantes para que o desenvolvimento regional ocorra. v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 109 de competências complementares, formando o ciclo virtuoso do progresso, expandindo-se sobre o nível da atividade econômica local e regional. O desenvolvimento regional deve apro priar-se dos aspectos valiosos da configuração geopo lítica nacional. Pré-condições do desen volvimento, como instalação de infraestrutura viária, portuária, de comunicação, oferta de energia, devem ser providas como parte de um processo de desenvolvimento integrado, visando o escoamento da produção industrial e acesso ao comércio e aos serviços, públicos e privados, oferecidos na região. Observa-se que as políticas de desen volvi mento regional, pautadas na atividade in dustrial, quando acompanhados de iniciativas educacionais, sobretudo com a oferta de mão de obra tecnicamente qualificada, são indutoras de crescimento econômico e, por consequência, de progresso técnico e, ao longo do tempo, tecnológico. Nas relações cooperativas, i.e, quando há coordenação entre o Governo, as Instituições de Ensino Superior (IES) e as empresas locais, o progresso alcançado tem o conhecimento técnico e tecnológico na sua base. Essa forma de aliança tem se revelado um forte indutor de desenvolvimento nas localidades, muitas das quais lograram atingir reconhecimento como um polo econômico relevan te ao setor desenvolvido. Tem-se como certo que o mesmo tipo de parceria é um recurso positivo também na atividade primária. Pesquisa apresentada por Santos et al. (2009) descreveu a formação do aglomerado econômico em torno do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em Santa Rita do Sapucaí, sul de Minas, cujas origens remontam a instalação da Escola Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa, em 1959. Desde seu início, a escola ofereceu mão de obra qualificada para o setor de serviços e para o empreendedorismo local. Vários técnicos formados abriram o seu pequeno negócio e prosperaram em um ambiente cooperativo, criando as bases dos Sistemas Locais de Produção compreendidos, principalmente, pela indústria de bens e serviços na área de Telecomunicações e Tecnologia da Informação, o que trouxe reconhecimento à região designada como o Vale da Eletrônica. 110 Outro estudo, conduzido por Santos e Amato Neto (2009), revelou a inversão do perfil da sociedade — de rural para urbana — gradualmente ocorrida na cidade São José dos Campos, a partir da instalação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, nos anos 1950, por decorrência da instalação das primeiras empresas de base tecnológica da região. Naturalmente, é importante relativizar os exemplos citados em razão de fatores geográficos. No caso de Santa Rita do Sapucaí, a distância dos centros econômicos foi um fator de propulsão da atividade no setor técnico e tecnológico para a gradual mudança do perfil econômico da cidade. Ao contrário de São José dos Campos, que a proximidade com os centros econômicos já estabelecidos nos arredores da capital paulista permitiu à cidade apropriar-se do transbordamento industrial, sendo essa proximidade um fator de atratividade para a chegada das indústrias. Contudo, é fato que o apoio governamental, associado à instalação de escolas ou centros de formação de mão de obra qualificada e a existência de atividades industriais, em um processo coor denado, conduz a algum tipo de crescimento e gera, ao longo do tempo, desenvolvimento so cioeconômico. Das experiências mundiais recen tes, infere-se que o desenvolvimento regional é uma função derivada da ação coordenada entre diferentes agentes que visam estabelecer progresso socioeconômico, orientado para uso intensivo das competências regionais. 1.2Modelo Brasileiro de Desenvolvimento Local e Regional A intensa competição entre países é um aspecto relevante nos modelos de desenvolvimento estudados. Em comum com a China, Espanha, França e Estados Unidos, o Brasil apresenta grande diversidade regional, embora essa diversidade esteja sujeita a polarizações críticas na geração e distribuição de renda resultantes da concentração da atividade econômica pautada pelo modelo industrial, e pela desconsideração das potencialidades re gi onais periféricas de desenvolvimento com cres cimento econômico e social, em outros setores econômicos de produção limpa. O governo brasileiro criou na Constituição Federal de 1988 os Fundos Constitucionais do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), com o objetivo de possibilitar o desenvolvimento regional. Os recursos desses Fundos Constitucionais são oriundos de 0,6% do produto da arrecadação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, e do imposto sobre produtos industrializados. Eles são destinados ao financiamento de atividades econômicas, de modo a proporcionar o cres ci mento econômico com desenvolvimento. De modo análogo aos programas de desenvolvimento regional dos países supracitados, o Fundo Constitucional do Norte (FNO), objeto desta pesquisa, destina-se ao desenvolvimento do Norte do País, com a ampliação das atividades econômicas, geração de emprego e renda, inserção de novos produtos e melhoria de qualidade de vida da população. O modelo de desenvolvimento regional no Brasil foi fortemente apoiado em políticas de investimento em ações de caráter assistencialista. Com isso, ao longo das décadas, essa abordagem tem reforçado as desigualdades regionais, econô micas e sociais (IANNI, 2004), ao mesmo tempo em que contribui para a concentração de riqueza e crescimento industrial nas áreas de interesse político, não necessariamente econômico ou social. De acordo com Bandeira (2004), o modelo de desenvolvimento regional até então adotado começou a sofrer desgaste em função dos re sultados insatisfatórios. Alternativas vêm sendo geradas no campo das políticas regionais, no sentido de promover a competitividade por meio da mobilização do potencial endógeno das áreas menos desenvolvidas. O Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável de Mesorregiões Diferenciadas, do Ministério da Integração, por exemplo, propõe um modelo de desenvolvimento pautado nos atores locais. Assim, o modelo de desenvolvimento regi onal, ao considerar as bases sociais, possibilita Rev. FA E , C uritiba, estabelecer um Plano de Desenvolvimento Local que efetivamente promova o seu crescimento com a valorização de suas peculiaridades e do modo de vida e ao espaço regional (DINIZ; LEMOS, 2005). As condições locais devem ser determinantes para o planejamento regional e precisam ser consideradas, de modo que os objetivos estabelecidos nas localidades sejam alcançados. Uma vez alcançados esses objetivos, a capacidade local de empreender deve ser geradora de novos conhecimentos, o que, na soma do esforço das localidades envolvidas, tornará a região mais produtiva, inovadora, com condições de ser competitiva interna e exter namente sem, contudo, colocar em risco os recur sos e o ambiente natural de cada uma. 1.3 Sustentabilidade Há uma estreita relação entre o desen volvimento regional e a sustentabilidade ambi ental, tornando-se necessário que as discussões sejam permeadas por ambos os temas em razão do alto custo social envolvido quando as ações relacionadas ao desenvolvimento regional são desconectadas de suas consequências sobre o ambiente natural. Almeida (2007, p. 129) explica que “a verdadeira sustentabilidade é subversiva. Sub verte a ordem estabelecida ao sacudir conceitos arraigados, redefinir hierarquias e trazer para frente do palco temas e personagens antes relegados aos bastidores.” O autor ainda acrescenta que a “liberalização do comércio e as privatizações do setor de infraestrutura nas últimas décadas do século XX transferiram uma gigantesca parcela do poder político, econômico e estratégico do Estado para as empresas”, quase que estabelecendo uma nova forma de governança em um “mundo de poder tripolar” regido pelo governo, empresas e sociedade civil organizada. Um movimento inverso articula-se por meio das empresas e do Estado, especialmente nas regiões mais pobres do mundo, em liberar a exploração de suas riquezas regionais em favor de v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 111 grandes grupos empresariais, sem adequada ênfa se ao desenvolvimento das sociedades locais, o que contribui para o acirramento das diferenças regio nais. Uma ação socialmente inclusiva é imprescin dível para a recuperação das potencialidades regionais que, em geral, são exploradas até o quase esgotamento de suas riquezas. Trata-se de uma equação difícil de ser resolvida. Sachs (1993, p. 35) afirma que o “crescimento quantitativo ilimitado da produção material não pode ser sustentado para sempre dada a finitude da espaçonave Terra”. Portanto, se efetivamente desejarmos evitar o “inevitável esgotamento do ‘capital natural’, tanto como fonte de recursos como sumidouro de resíduos, o processamento de energia e de materiais deverá ser reduzido”. Uma combinação de esforços acom panhada de um projeto de futuro, que insira a sociedade local na sua elaboração, poderá resultar em ações de desenvolvimento e cresci mento econômico-social que respeitem a trans parência dos resultados, mantendo um plano de intervenção ambiental acionável sempre que a sustentabilidade ambiental esteja em risco. Casaroto Filho e Pires (2001, p. 20) ava liam que a economia mundial aponta para três gran des vetores: “a globalização, [...]; a regionalização, [...] e a descentralização, pois cada região necessita de flexibilidade para arranjar seus fatores e tornar-se competitiva”. A integração dos mercados globais tem contribuído para uma nova delimitação dos territórios. A capacidade produtiva e a especialização regional, combinada com uma política de descentralização, gerariam conhecimento especializado e, em grau compatível com a sua especialização, as capaci dades regionais geradoras de vantagens competitivas sustentáveis. Casaroto Filho e Pires (2001) citam o caso da região de Emília Romagna, na Itália, como modelo de desenvolvimento regional. Nesse caso, as pequenas empresas da região associaram-se para beneficiar-se da escala da marca regional, da produção e de tecnologia, da escala da logística e da vocação da região para serem competitivas e lograr sucesso. Ainda que comparações nem 112 sempre sejam perfeitamente alinháveis, o fato é que a região italiana de Emilia Romagna oferece aos países na linha do desenvolvimento uma perspectiva de que é possível atingir o desenvolvimento de uma região de modo integrado. E, com isso, oferecer à sociedade um efetivo aumento na geração de empregos e na renda, melhoria na qualidade de vida e sustentabilidade das localidades envolvidas. Um dos maiores desafios dos países da América Latina é lidar com a intensa desigualdade social e deterioração do meio ambiente, que concentra parte substancial da renda em dez das famílias mais ricas. No Brasil, a situação parece ser mais crítica, pois a renda per capita dos 10% mais ricos é, pelo menos, 32 vezes mais elevada do que a renda de 40% dos mais pobres. A menor diferença de renda entre classes latino-americanas estão no Uruguai e na Costa Rica, países nos quais, no mesmo grupo de análise, a diferença é de, respectivamente, 8,8 e 12,6 vezes a renda dos 40% mais pobres (DOWBOR, 2007). A partir das questões levantadas, infere-se que o caso brasileiro requer uma atenção especial. O Brasil ainda apresenta uma forte concentração de renda em poder de uma pequena parcela da população, caracterizando desigualdades sociais com efeitos, também, na degradação ambiental, uma vez que essa riqueza resulta da exploração dos bens naturais. Esse é o caso bastante peculiar da região amazônica e de todo o norte do País. 1.4 A Região Amazônica A região norte do Brasil compreende uma área de quase 3,87 milhões de quilômetros quadrados, com 8,3% da população brasileira — ou em torno de 15,9 milhões de habitantes —, e apre senta densidade demográfica de 3,77 habitantes/ km2 (IBGE, 2010). Essa região é formada pelos estados do Pará, Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Amapá e Tocantins, e, historicamente, passou por várias políticas de indução do cres cimento, mas que nem sempre promoveram o desenvolvimento. De acordo com os estudos de Buarque, Lopes e Rosa (1995), até o final da década de 1960, o comportamento econômico e espacial da região Norte acompanhou as diferentes flu tuações do ciclo da borracha, principal fator da dinamização e atração populacional. Durante a Segunda Guerra Mundial, a re gi ão experimentou o último estágio da expan são cíclica do látex e da borracha, voltada fundamentalmente para a exportação aos paí ses aliados. O ciclo da borracha se esgotou definitivamente ao final da Guerra, depois de reanimação decorrente do conflito pelo controle estratégico da produção mundial do látex. A economia regional sofreu uma prolongada esta gnação e relativo isolamento econômico, em consequência da reorganização do mercado internacional do látex, marcada pela concorrência dos países asiáticos e pela mudança tecnológica tida com o desenvolvimento de substitutos da borracha natural. Apesar da expansão geral da demanda, decorrente do desenvolvimento da in dústria automobilística mundial, a Amazônia não teve condições tecnológicas e locacionais para acompanhar a concorrência. As diferentes frentes de ocupação eco nômica e humana da região Norte tinham duas motivações: a) interesse geopolítico de controle e domínio nacional das extensas fronteiras e das riquezas regionais; e b) atratividade e potencial econômico dos recursos naturais. Essas seriam as justificativas para o governo brasileiro empreender a ocupação do território amazônico, com interesse especial na proteção, e exploração nacional, dos recursos naturais. Em relação à ocupação e à exploração da região amazônica nas décadas de 1950 a 1980, Buarque, Lopes e Rosa (1995) afirmam que a intervenção pública estruturada e abrangente na região amazônica se iniciou, efetivamente, no final do primeiro governo de Vargas. A região ganhou um corpo institucional e formal após a Segunda Guerra Mundial, com a Constituição de 1945, que definiu o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), correspondente a 3% das Rev. FA E , C uritiba, rendas tributárias da União, estados e municípios, para ser investidos na região. Com a Constituição Brasileira de 1953, foi criada a SPVEA, órgão de desenvolvimento regional anterior à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Contudo, os instrumentos e políticas instaladas pela SPVEA foram modestos para a dimensão do espaço amazônico e os mecanismos constitucionais não funcionaram conforme o pre visto. A construção das rodovias Belém-Brasília e Acre-Brasília propiciou um enlace da região, contornando a hileia Amazônia oriental com o centro da economia brasileira. A combinação das teses geopolíticas com a proposta desen volvimentista dos militares conferiu à Amazônia destaque muito especial: a ocupação do território nacional e o aproveitamento das grandes riquezas concentradas nas vastas extensões do espaço regional amazônico. Na virada da década de 1960 foram criados os instrumentos de implantação da Zona Franca de Manaus e ampliados, para a região, os mecanismos e incentivos fiscais e financeiros já existentes no Nordeste. Surgiu, então, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), da re definição do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), e foi criado o Banco da Amazônia S.A. (Basa), ambos baseados na experiência do Nordeste brasileiro, e que passaram a gerenciar os incentivos fiscais e financeiros, mais tarde, inseridos no Fundo de Investimento da Amazônia (Finam). No início da década de 1970, foi criado o Programa de Integração Nacional (PIN), do qual derivou o primeiro programa de crédito formalmente conduzido pelo governo, o Programa de Redistribuição de Terras e Agroindústria do Norte (Proterra). Esse programa tinha o objetivo de facilitar a compra da terra e, assim, melhorar as condições de trabalho rural e incentivar a agroindústria na Amazônia e no Nordeste, tor nando possível redimensionar a estratégia de desenvolvimento regional, como meio de correção da pobreza. Contudo, os resultados obtidos não foram expressivos (MAHAR, 1978). v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 113 Entre 1975 e 1987, o governo criou o Pro grama de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), investindo em infraes trutura básica para 15 polos de crescimento e para a integração do Norte às demais regiões do Brasil, com a abertura de rodovias. No entanto, mais uma vez, os resultados alcançados foram frustrados, em razão dos conflitos agrários e ambientais que ainda marcam a região. 8,75% a 14% ao ano, para as operações relativas aos setores industrial, agroindustrial, turístico, de infraestrutura, comercial e de serviços. Essas taxas de juros são reduzidas em 15%, como um bônus de adimplência, para pagamentos até a data do respectivo vencimento. O prazo dos empréstimos é de até 12 anos, incluindo três anos de carência. Trata-se, portanto, de uma importante fonte de fomento, gerida pelo Banco da Amazônia S.A. A partir de 1980, a região recebeu novos investimentos para grandes projetos, espe cial mente na área da mineração, como o Programa Grande Carajás (PGC), que demandou a cons trução de obras de infraestrutura para sua implantação, o que causou sérios problemas de ordem social e ambiental. A associação entre os financiamentos contratados e os indicadores socioeconômicos poderá oferecer indícios acerca do progresso social e econômico nas localidades investigadas. Buarque, Lopes e Rosa (1995) consideram que o Programa de Integração Nacional (PIN) e o Polamazônia criaram as bases para redefinição do espaço regional. Em grande medida, a integração fragmentada da região Norte resultou dos investimentos realizados, diferenciando a ocupação regional, criando os grandes eixos de crescimento. De acordo com Varela (2001), os investimentos diretos realizados pelo governo e os induzidos pela iniciativa privada possibilitaram crescimento horizontal da economia regional. Esse crescimento não foi acompanhado de um desenvolvimento com oferta de emprego, renda e equidade social, tampouco possibilitou a região a tornar-se competitiva com relação às demais. Permaneceram, assim, as disparidades existentes. Finalmente, a Constituição Federal de 1988 instituiria os Fundos Constitucionais de Fi nan ciamento do Norte (FNO), Centro-Oeste (FCO) e Nordeste (FNE) para fomento das micro, pequenas, médias e grandes empresas que empreendam atividades nos setores mineral, in dustrial, agroindustrial, turístico, de infraestrutura, comercial e de serviços, nos estados da região Norte: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O FNO oferece crédito a taxas de juros que variam, em função do porte do mutuário, de 114 1.5 Modelos de Desenvolvimento Local A ideia da criação de indicadores de sustentabilidade surgiu no evento denominado Eco 92. A proposta era definir padrões sustentáveis de desenvolvimento e indicadores que permitissem analisar as várias dimensões da sustentabilidade, ou seja, ambiental, econômica, social, ética e cultural (CAMPOS; RIBEIRO; SOUZA, 2008). O QUADRO 1 apresenta uma síntese dos modelos de análise de sustentabilidade. QUADRO 1 — Síntese dos modelos de sustentabilidade Índice / Dimensões / Indicadores Dificuldades / Limitações Aplicação Pegada Ecológica Utiliza vários tipos de espaços (áreas construídas, agrícola, pastagens, oceanos, florestas) e de consumo, como energia, habitação, bens e serviços, alimentação, transporte. Os dados utilizados nem sempre estão disponíveis em bancos de dados, especialmente em estudos de localidades. Estudos do impacto do homem sobre o meio ambiente. Tem sido usado em teste de simulação de Pegada Humana. Índice de Sustentabilidade Ambiental — ESI Difícil de aplicar. Exige enorme quantidade de dados primários para que sejam obtidas as variáveis e os indicadores. É um índice robusto e laborioso de calcular. Difícil interpretação. Utiliza o critério de energia e um fator de conversão chamado de transformidade. Demanda muitos cálculos e os dados nem sempre são disponíveis. Em estudos sobre uso de energia e impactos ambientais, para produção agrícola. Considerado de difícil interpretação. Pouco conhecido, limita-se a três dimensões, embora considere indicadores como IDH. Atende ao planejamento de políticas públicas. Tido como de difícil análise. Embora global, possui limitações de uso em localidades que não possuem Banco de Dados Socioeconômicos. Políticas públicas e planos de responsabilidade socioambiental. Permite a análise completa das dimensões e indicadores, inclusive os tratados pelo IDH. Os dados são disponíveis junto aos órgãos de pesquisa, porém, em longos intervalos de tempo. Em estudos de planejamento de políticas públicas e privadas. Uso global. Fácil aplicação e análise. Congrega quatro componentes; 21 indicadores e 76 variáveis. lndicadores de Desempenho Energético — EMPis Para ser calculado leva em os aspectos considerados na produção: energia, matéria, dinheiro e informação. Índice de Desenvolvimento Sustentável — ISD Usa as dimensões social, econômica e ecológica, calculadas por seis índices globais. Dashboard Usa quatro dimensões (econômica, social, ambiental e institucional) e 57 indicadores. Índice de Desenvolvimento Humano — IDH Analisa três aspectos: educação, renda e longevidade. FONTE: Adaptado de WWF (2010); Dias (2002); Campos (2008); Zgurovsky (2007); Siche et al. (2007) Benetti (2006); Fukuda-Parr et al. (2000, apud SCARPIN, 2006); Environmental Sustainability Index: Benchmarking National Environmental Stewardship (2005) Pelas características descritas de cada índice e ferramentas de análise mais utilizadas e facilidade de acesso, a análise dos resultados será complementada pelo uso do índice Dashboard, disponível na rede mundial de computadores como sistema livre, pelos motivos expostos no tópico a seguir. contratados do FNO, detalhadamente apurados e, neste caso, concedidos no período de 1989 a 2008, logra-se obter conclusões amplas sobre o fenômeno estudado que, aqui, refere-se ao desenvolvimento regional. Dada a natureza do objeto e do fenômeno estudado, optou-se pelo tipo de pesquisa des critiva, uma vez que este tipo de pesquisa per 2Metodologia mite relacionar as características específicas de uma determinada população ou fenômeno, e es O método de pesquisa aplicado a este trabalho segue a lógica empírico-indutiva, uma vez que, por meio do levantamento particular, cujo objeto de estudo são os financiamentos Rev. FA E , C uritiba, tabelecer as relações entre as variáveis que com põem o objeto de estudo. Assim, buscou-se delinear os recortes de análise por porte de empresas e atividade v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 115 econômica dos empreendimentos que contrataram financiamentos do FNO, associando os indicadores socioeconômicos dos municípios, estabelecendo uma avaliação longitudinal, pelo período estudado — de 1989 a 2008 —, o que permitiu descrever os efeitos do Fundo Constitucional do Norte no desenvolvimento social e econômico da mesorregião estudada. 2.1 Problema de Pesquisa Este estudo foi dirigido para obter resposta ao seguinte problema de pesquisa: os fundos constitucionais criados no Brasil, como o FNO, contribuem para minimizar os gargalos do desenvolvimento local? Para responder ao problema de pesquisa, foram analisados diversos relatórios de domínio público acerca do FNO disponíveis no Banco da Amazônia; e dados do Ministério da Integração Nacional; do IBGE; da Conferência Nacional dos Municípios (CNM); do IPEA e da Secretaria de Planejamento Orçamento e Finanças (Sepof) do Estado do Pará. 2.2 Tratamento dos Dados Os dados foram analisados sob a ótica histórico-documental, à luz dos fatos históricos. Não houve interferência dos pesquisadores, uma vez que o objetivo era o de analisar um fenômeno (RICHARDSON, 2008; GODOI; BANDEIRA-DEMELO; SILVA, 2010). Os dados obtidos dos municípios estudados foram agrupados nas respectivas microrregiões que compõem a mesorregião de Belém, no Pará. Assim dispostos, no fito de tornarem-se informações inteligíveis, os dados foram tratados com base em fórmulas de cálculos simples, para obtenção dos valores relativos aos montantes contratados anualmente, e para o cálculo das variações de índices socioeconômicos, em cada município e 116 cada região — municípios que compõem a região de Belém e de Castanhal, possibilitando a análise do resultado da mesorregião, de acordo com o período estudado. A análise do Índice de Sustentabilidade na região foi baseada no Painel Dashboard, pois atende as recomendações da ONU e do IBGE, e permite avaliar as dimensões ambiental, social, econômica e institucional. Foram utilizados 30 indicadores, em razão da limitação de dados existentes dos municípios que constituem a mesorregião de Belém. Estudos anteriores, de outras regiões, como de Benetti (2006) que utilizou 28 indicadores, e de Campos (2008) que usou 31, validam esse intervalo de indicadores como aceitável. Foi pesquisada a evolução na contratação do FNO por programas oferecidos e porte de tomadores, considerando os pequenos, médios e grandes empreendedores que receberam fomento no período entre 1989 e 2008. 3 Resultados Obtidos A mesorregião objeto de estudo está carac terizada pelos dados apresentados na TAB. 1, que apresenta os municípios e seus respectivos indicadores socioeconômicos. TABELA 1 — Área, população e IDH dos municípios da mesorregião de Belém Indice de Desenvolvimento Humano - IDH Área (Km2) Crescimento Populacional 1980 1991 2000 2005 2007 Educação 2000 1991 2000 (a) (b) (a) (b) 0,871 Ananindeua 185 var % b/a 65.878 88.151 393.569 482.171 0,913 484.278 5% 0,771 Barcarena 1310 20.015 45.946 63.268 74.120 0,870 84.566 13% 0,883 Belem 1065 933.280 1.244.689 1.280.641 1.405.871 0,928 1.408.847 5% 0,791 Marituba 103 0 0 74.429 97.254 0,880 93.416 11% 0,761 S. Barbara 278 0 0 11.378 13.018 0,847 13.730 11% 0,782 Benevides 188 22.315 68.465 35.546 44.216 0,875 43.272 12% 0,615 Bujarú 1005 25.992 14.117 21.032 25.364 0,761 22.485 24% 0,768 Castanhal 1029 65.246 102.071 134.496 154.811 0,854 152.144 11% 0,750 Sta. Izabel 718 24.044 33.329 43.227 50.543 0,855 51.762 14% 0,684 Sto. Antonio 538 11.460 17.128 19.835 21.531 0,831 24.814 21% 0,629 Inhangapi 471 7.333 6.668 7.681 8.316 Longevidade 1991 0,757 9.592 20% 0,683 15% 0,709 13% 0,710 7% 0,612 11% 0,604 10% 0,575 15% 0,673 9% 0,652 17% 0,652 12% 0,600 22% 0,696 5% Renda 1991 (a) Municipal 2000 1991 2000 (b) (a) (b) 0,645 0,647 0,767 0% 0,606 0,635 0,800 5% 0,708 0,732 0,758 3% 0,544 0,581 0,679 7% 0,491 0,546 0,664 11% 0,501 0,595 0,664 19% 0,508 0,483 0,732 -5% 0,596 0,622 0,761 4% 0,569 0,576 0,732 1% 0,496 0,518 0,732 4% 0,490 0,546 0,732 11% 0,733 7% 0,695 11% 0,767 5% 0,649 10% 0,619 11% 0,619 15% 0,599 10% 0,673 11% 0,657 10% 0,593 17% 0,605 12% 0,782 0,768 0,806 0,713 0,686 0,711 0,659 0,746 0,721 0,694 0,678 FONTE: IBGE (2010); CNM (2010) Na TAB. 1, é possível examinar que a população da mesorregião de Belém, de 1991 a 2007, cresceu 47,41% em relação ao ano de 1991, em que se observa a implantação e uso inicial dos recursos do FNO, no ano de 2007. Em particular, no período de 2000 a 2007, o crescimento populacional verificado foi de 14,57%, evidenciando a atratividade da região sobre outras localidades do estado. Outro dado que suporta a afirmação do aumento de atratividade e justifica o crescimento populacional da mesorregião é o aumento das receitas do município, em grande parte resultantes da geração de valor adicionado. A TAB. 2 mostra essa variação. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 117 TABELA 2 — Receitas geradas nos municípios da mesorregião Receitas do Município 2000 (a) Ananindeua 2005 Variação 2007 (b) b/a R$ 74.694.898 R$ 141.515.827 R$ 211.623.695 2,83 R$ 28.463.014 R$ 102.216.724 R$ 131.086.826 4,61 R$ 461.259.970. R$ 884.651.373 R$ 1.218.800.122 2,64 Marituba R$ 8.870.978 nh R$ 67.599.369 7,62 S. Barbara R$ 4.152.008 R$ 5.103.583 nh Indisponível Benevides R$ 7.636.778 R$ 17.630.845 nh Indisponível Bujarú R$ 5.327.990 R$ 14.275.960 R$ 19.673.421 3,69 Castanhal R$ 25.905.373 nh R$ 108.314.473 4,18 Sta. Izabel R$ 12.184.801 R$ 22.676.835 R$32.315.204 2,65 Sto. Antonio R$ 7.897.373 R$ 14.077.843 nh Indisponível R$ 2.559.294 nh R$ 6.428.369 2,51 Var. % b/a Barcarena Belem Inhangapi FONTE: IBGE (2010); CNM (2010) No período entre 1989 e 2008, a aplicação de recursos do FNO, na mesorregião de Belém, representou um montante de R$ 1.423.631.253,00, distribuídos em 12.644 contratos de crédito, nas atividades associadas à agricultura e pecuária e indústria. Desse total de operações realizadas e do montante investido pelo FNO na mesorregião em questão, 11.324 operações foram destinadas ao setor da agricultura e pecuária, correspondendo 13,46% dos recursos do FNO. Para a indústria, foram destinados 86,54% dos recursos, ou seja, torno de R$ 1.232 bilhões, em 1.320 operações. O valor médio das operações de financiamento para o setor agropecuário foi de R$ 16.921,65 contra R$ 933.341,28 da indústria. A TAB. 3 apresenta os valores concedidos por porte das empresas tomadoras de recursos: 118 TABELA 3 — Distribuição dos recursos do FNO, entre 1989 e 2008, por porte de empresa Financiamentos concedidos pelo FNO nas atividades agricultura e indústria (1989 - 2008) na Mesoregião de Belém Municípios Cooperativa PRONAF Mini e Micro Pequeno Médio Grande Total % Total Ananindeua R$ 0 R$ 1.500 R$ 6.587.345 R$ 169.764.278 R$44.597.973 R$93.036.477 R$ 313.987.573 22,06% Barcarena R$ 0 R$ 142.177 R$ 2.916.314 R$ 4.584.753 R$ 3.589.153 R$ 105.258.243 R$ 116.490.640 8,18% R$ 2.149.000 R$ 106.500 R$ 44.436.318 R$ 74.223.016 R$156.333.863 R$ 498.579.295 R$ 775.827.992 54,50 R$ 0 R$ 39.500 R$ 364.055 R$ 790.330 R$15.662.540 R$ 14.852.791 R$31.709.216 2,23% Sta. Bárbara R$ 364.936 R$ 322.500 R$ 143.322 R$ 420.713 R$2.985.900 R$ 2.186.886 R$6.424.257 0,45% Benevides R$ 479.270 R$ 28.500 R$ 1.662.102 R$ 2.632.874 R$ 4.015.342 R$ 14.931.202 R$23.749.290 1,67% R$ 0 R$ 0 R$ 1.833.112 R$ 459.107 R$ 824.297 R$ 85.800 R$3.202.316 0,22% Castanhal R$ 3.513.541 R$ 22.750 R$ 20.374.921 R$ 10.143.823 R$28.604.794 R$ 38.767.673 R$ 101.427.227 7,12% Sta Izabel R$ 0 R$ 593.660 R$ 5.292.728 R$ 5.636.809 R$ 7.016.461 R$ 9.390.714 R$27.930.372 1,96% Sto. Antonio R$ 0 R$ 16.500 R$ 5.560.250 R$ 5.255.834 R$ 1.829.624 R$ 200.003 R$ 12.862.211 0,90% Inhangapi R$ 0 R$ 25.500 R$ 4.643.083 R$ 1.286.792 R$ 2.139.059 R$ 1.925.725 R$10.020.159 0,70% R$ 6.506.747 R$ 1.298.812 R$ 93.813.550 R$ 275.198.329 R$267.599.006 R$ 779.214.809 R$1.423.631.253 100% 0,46% 0,09% 6,59% 19,33% 18,80% 54,73% 100% Belém Marituba Bujarú Total % Total FONTE: BASA (2009) A análise das operações e valores evidencia uma forte concentração dos volumes de empréstimos concedidos na cidade de Belém (54,50% do total), para as atividades industriais de grande porte, com 54,73% dos recursos financiados. Seria de se esperar que houvesse uma correlação entre o aumento do emprego formal na mesorregião e essa concentração de recursos. A região Norte ainda é fortemente orientada para a atividade agropecuária de pequeno porte, fortemente baseada na unidade familiar como recurso produtivo. Contudo, à medida que se observa a empresa de grande porte como grande tomadora de recursos, em volume de financiamento, seria de esperar, mencionando novamente, que a maior concentração de novos empregos ou mesmo de variação da taxa de emprego se desse na indústria de grande porte. A TAB. 4 apresenta o balanço de empregos gerados. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 119 TABELA 4 — Empregos formais gerados na mesorregião de Belém, de 1989 a 2008 Ano / Setor Agropecuário Indústria Serviços Subtotal % 1989 2.964 61.061 40.593 106.607 4,47 1990 3.002 55.149 36.292 96.433 4,04 1991 3.695 49.449 34.793 89.928 3,77 1992 2.739 45.100 33.978 83.809 3,51 1993 3.742 44.449 37.591 87.775 3,68 1994 6.525 43.998 37.787 90.304 3,79 1995 6.105 40.167 41.945 90.212 3,78 1996 6.943 40.042 45.129 94.110 3,95 1997 5.600 69.156 46.916 123.669 5,18 1998 4.520 42.433 50.281 99.232 4,16 1999 5.117 42.917 53.393 103.426 4,34 2000 4.702 46.760 57.368 110.830 4,65 2001 5.338 50.972 61.603 119.914 5,03 2002 4.966 50.738 68.634 126.340 5,3 2003 4.877 50.217 76.095 133.192 5158 2004 5.486 58.018 86.313 151.821 6136 2005 5.485 59.916 94.567 161.973 6,79 2006 6.456 65.262 101.792 175.516 7,36 2007 7.376 69.454 69.454 148.291 6,22 2008 7.125 70.059 112.680 191.872 8,04 FONTE: IBGE (2009) O quantitativo de empregos formais criados na mesorregião nos setores da agropecuária, indústria e serviços refletem os investimentos nos municípios que compõem essa mesorregião. No detalhamento, por município, observou-se que aqueles que mais recursos receberam do Fundo foram os que mais geraram empregos formais. O que pode ser considerado inexato enquanto valor absoluto, porém, destaca-se em termos relativos, pois a indústria tende a gerar maior número de registros em Carteira do Trabalho do que os setores 120 de serviços e o agropecuário. De qualquer forma é relevante, pois as atividades agropecuárias e industriais contribuem para, gradualmente, remodelar o tradicional perfil da região emblematicamente cunhado extração mineral, que há muito marca a região como sendo essencialmente exportadora de commodities primárias. Outra expectativa com relação ao aumento da atividade econômica, independentemente do setor seria uns aumentos nos indicadores do desen volvimento econômico-social apontado — PIB per microrregiões, com destaque para os municípios que mais recursos investidos obtiveram: Ananindeua, Barcarena, Belém, Marituba e Castanhal. Porém, os dados não permitem afirmar que esse desenvolvimento garante sustentabilidade. capita e IDH — em relação aos demais municípios da mesorregião. Contudo, os investimentos do FNO foram aplicados em períodos alternados de maior e menor valor, fator que pode ter sido consequência de diversos fatores como: maior rigidez orçamentária, inadimplência, plano de investimentos com prioridades em outras áreas do estado ou região e a crise econômica mundial. O QUADRO 2 apresenta a avaliação do Índice de Desenvolvimento Sustentável (IDS), elaborada segundo a técnica e indicadores previstos no Dashboard, para as duas microrregiões que perfazem o estudo de campo. Os resultados apontaram para o crescimento do PIB per capita e IDH dos municípios das duas QUADRO 2 — Apuração do IDS das microrregiões inseridas na mesorregião de Belém Microrregião Dimensão Pontuação Classificação Natureza 446 Médio Econômica 457 Médio Social 519 Médio Institucional 519 Médio IDS 468 Médio Belém Natureza 395 Ruim Econômica 487 Médio Social 500,6 Médio Institucional 485 Médio IDS 452 Médio Castanhal Coloração FONTE: Os autores Considerações Finais O presente trabalho procurou contribuir para o debate do Fundo Constitucional do Norte (FNO) como mediador do desenvolvimento da mesorregião de Belém, no Pará, região Norte do País. A pesquisa verificou que o planejamento e os investimentos das atividades agropecuárias e agroindústrias na mesorregião de Belém deve riam ocorrer simultaneamente em ambas as mi crorregiões: Belém e Castanhal. As operações e investimentos feitos pelo FNO apresentam oportunidades de melhoria no sentido de potencializar a vocação dos municípios para a produção especializada com estímulo à inovação e verticalização da produção. Rev. FA E , C uritiba, Observou-se a necessidade de o FNO focar melhor suas ações de modo que atendam o objetivo a que ele foi criado, priorizando os municípios e segmentos cujo processo de produção induza o crescimento com desenvolvimento econômico e social da localidade de maneira sustentável, com maior crescimento do PIB per capita e IDH. A análise de sustentabilidade na mesorregião de Belém pelo método Dashboard possibilitou constatar que ele é viável para a mensuração da sustentabilidade local. Os resultados da pesquisa comparados às teorias de Sen (2000), de Elkington (2001) e de Dowbor (2008) confirmam que o planejamento das políticas públicas ou privadas, a exemplo da aplicação de recursos públicos, deve contemplar a análise de sustentabilidade local para garantir v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 121 uma melhor aplicação dos recursos e um desen volvimento mais justo que leve à liberdade. O IDS Médio da mesorregião deve ser um alerta para os gestores públicos e a sociedade civil organizada: torna-se necessário planejar ações mais eficazes de controle e análise frequentes de mobilização social em defesa de uma ruptura com velhas práticas do uso da terra, visando o surgimento de novas formas de garantir a sobrevivência sustentável. A ausência de um Banco de Dados So cioeconômicos dos municípios da mesorregião foi um fator de grande limitação da análise e, futura mente, impactará na dificuldade de analisar os efeitos das melhorias que, por ventura, possam ser promovidas. Conclui-se que, em 20 anos de existência, os investimentos do FNO contribuíram com o crescimento dos municípios da mesorregião de Belém, mas não maximizaram esse crescimento em virtude da concentração dos recursos em alguns municípios, setor e porte, gerando um desenvolvimento desigual na região. Sugere-se que o Basa, por meio do FNO, priorize investimentos nos empreendimentos 122 de minimicro e pequeno porte, bem como de cooperativas, planeje e invista simultaneamente nos setores da agropecuária e agroindústria, com estímulo à verticalização da produção, geração de empregos, trabalho e renda, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social sustentável. Uma limitação deste estudo refere-se à dificuldade de coletar informações que estão distribuídas em diferentes agentes institucionais. A falta de um método de monitoramento sistemático da evolução desdobrada dos investimentos é, talvez, a causa da dificuldade mencionada. Novas pesquisas podem ser feitas a partir desta, especialmente aquelas que combinem a pesquisa documental e a pesquisa de campo, mediante a condução de entrevistas, que possa mensurar a percepção dos sujeitos quanto ao nível de progresso atingido, pois a liberdade substantiva perpassa a análise subjetiva, especialmente em regiões periféricas. Recomenda-se que, no futuro, sejam con duzidas análises comparativas entre regiões, para que se possa avaliar se há, ou não, similaridade com resultados decorrentes do acesso de fundos constitucionais em outras regiões do País. • Recebido em: 06/02/2012 • Aprovado em: 02/05/2012 Referências AB’SABER, Aziz. Zoneamento ecológico e econômico da Amazônia: questões de escala e método. 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FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012 125 O Balanced Scorecard como ferramenta estratégica de gestão da qualidade The Balanced Scorecard as a strategic tool for quality management O Balanced Scorecard como ferramenta estratégica de gestão da qualidade The Balanced Scorecard as a strategic tool for quality management Patrícia Rodrigues Quesado1 Lúcia Maria Portela de Lima Rodrigues2 Beatriz Aibar Guzmán3 Resumo A melhoria do desempenho organizacional tem sido um dos principais objetivos das organizações. A procura da racionalização na gestão dos recursos e a necessidade de melhorar a qualidade dos produtos e serviços prestados motivaram a aplicação nas organizações públicas e privadas da ferramenta de Contabilidade de Gestão Balanced Scorecard (BSC) e do modelo de excelência EFQM (European Foundation for Quality Management). O EFQM e o BSC são dois modelos de gestão amplamente aceitos na gestão empresarial atual para alcançar a inovação, a aprendizagem e a melhoria contínua. Assim, este artigo tem como objetivo proporcionar algumas ideias acerca da importância do desenvolvimento de programas de gestão da qualidade total (TQM), destacando as principais características, as semelhanças e as diferenças entre os modelos BSC e EFQM, bem como apresentar um modelo de integração das duas filosofias de gestão. Palavras-chave: Balanced Scorecard. Contabilidade de Gestão. TQM. EFQM. Abstract Improving organizational performance has been one of the main objectives of organizations. The search for rational management of resources and the need to improve the quality of products and services led to the application in private and public organizations of the management accounting tool Balanced Scorecard (BSC) and the EFQM Excellence Model (European Foundation for Quality Management). The EFQM and the BSC are two widely accepted models of management in the current business management to achieve innovation, learning and continuous improvement. Thus, this article aims to provide some ideas about the importance of developing programs of total quality management (TQM), highlighting key features, similarities and differences between the BSC and EFQM models, and presenting a model of integration of the two management philosophies. Keywords: Balanced Scorecard (BSC). Accounting Management. Total Quality Management (TQM). European Foundation for Quality Management (EFQM). Doutora em Ciências Económicas e Empresariais, Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Professora Titular da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade de Santiago de Compostela (USC), Espanha. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Ciências Empresariais, Universidade do Minho (Portugal). Professora Associada da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho (UM), Portugal. E-mail: [email protected]. 3 Doutora em Ciências Económicas e Empresariais, Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Professora Adjunta da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), Portugal. E-mail: [email protected]. 1 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 127 Introdução Desde muito tempo que uma das preo cupações fundamentais das empresas prende-se com a produção de produtos e prestação de serviços com qualidade, desenvolvendo esforços para melhorar a qualidade, bem como identificar e desenvolver sistemas de gestão da qualidade, como forma de obter clientes satisfeitos e leais, com reflexos em seus resultados. Essas preocupações são, atualmente, mais evidentes frente ao contexto de globalização e de grande competitividade em que nos encontramos. Todos esses elementos são fundamentais na determinação da estratégia mais adequada às necessidades da organização e do ambiente organizacional e no planejamento das ações a ser desenvolvidas. Assim, podemos dispor de uma ferramenta permanentemente atualizada e amplamente reconhecida e validada no mundo empresarial. 1 Dentre os diferentes sistemas de avaliação do desempenho desenvolvidos, mereceu especial destaque na literatura o modelo de excelência EFQM e o BSC, desenhado para possibilitar, respectivamente, a autoavaliação e a medida e melhoria dos processos de negócio. O EFQM, à semelhança do BSC, registou um grande desenvolvimento e divulgação nos últimos anos, sendo aplicado por todas as empresas europeias, excelentes no sentido de possibilitar uma avaliação do desempenho próxima da estratégia e uma visão de longo prazo. Como objetivos específicos pretende-se evidenciar a relação entre o BSC e os princípios da gestão da qualidade, destacando quais as principais características, as semelhanças e dife renças entre os modelos BSC e EFQM, assim como as reestruturações realizadas a partir das perspectivas propostas por Kaplan e Norton (1996), apresentando um modelo de integração das duas filosofias de gestão. O presente artigo tem como objetivo pro porcionar algumas ideias acerca da importância e características do BSC na gestão da qualidade. De acordo com esse objetivo, estruturamos o trabalho da seguinte forma: inicialmente se expõe brevemente alguns aspectos teóricos relativos às características do BSC e aos princípios de gestão da qualidade total, analisando as reestruturações a serem rea lizadas em relação às perspectivas propostas por Kaplan e Norton (1996). Posteriormente, realiza-se uma comparação entre os modelos EFQM e BSC, destacando as principais semelhanças e diferenças entre eles. Com essa base, apresentamos um modelo de integração do EFQM e do BSC. Finalmente, apresentamos as considerações finais resultantes da adoção desses modelos. 128 Objetivos, Justificativa e Metolodogia 1.1 Objetivo Geral O presente artigo caracteriza-se por um estudo exploratório que tem por objetivo principal proporcionar algumas ideias acerca da importância do desenvolvimento de programas de gestão da qualidade total (TQM) e a sua relação com a ferramenta de Contabilidade de Gestão BSC. 1.2 Objetivos Específicos 1.3 Justificativa e Metodologia As empresas necessitam programar no vos sistemas de medidas de desempenho que possibilitem o alinhamento das medidas às estratégias, complementando os tradicionais indicadores financeiros com indicadores de natureza não financeira. Entre os referidos sistemas, destacamos o BSC dado o seu reconhecimento, seja no âmbito acadêmico, ou no âmbito empresarial, como uma poderosa ferramenta de gestão. Igualmente, a gestão da qualidade passou a ser considerada um aspecto crítico para garantir a sobrevivência organizacional. Dessa forma, o BSC e a gestão da qualidade (em particular o modelo de excelência O BSC e a gestão da qualidade (em particular o modelo de excelência EFQM) aparecem no panorama empresarial como poderosas ferramentas para enfrentar a forte concorrência, resultante das grandes mudanças registadas na economia mundial. Para responder a essas questões, fez-se uma investigação qualitativa a partir da realização de uma revisão exclusivamente bibliográfica de trabalhos anteriores realizados sobre o assunto. Não pretendemos desenvolver um novo modelo ou uma nova teoria, mas recorrer à literatura existente a respeito dessa temática, de forma a resumir, explorar, analisar e ajudar na compreensão dessas questões, proporcionando um olhar crítico sobre elas, de forma a suscitar pesquisas e novas perspectivas teóricas. 2O BSC e a Total Quality Management (TQM) 2.1O BSC e os Princípios da Gestão da Qualidade Total EFQM) aparecem no panorama empresarial como poderosas ferramentas para enfrentar a forte concorrência, resultante das grandes mudanças registadas na economia mundial. Tal indagação colocou em destaque o seguinte problema: estarão as empresas acompa nhando essa evolução? Isto é, estarão as empresas cientes da necessidade de utilizar essas ferramentas no âmbito do seu processo de gestão? Com o intuito de responder a essa questão, esboçam-se outras questões passíveis de abordagem: (1) Qual a relação entre o BSC e os prin cípios da gestão da qualidade total? (2) Quais as principais características, semelhanças e diferenças entre os modelos BSC e EFQM? (3) Quais as reestruturações a serem rea lizadas ao nível das perspectivas pro No atual ambiente competitivo, a qualidade é um fator-chave para o êxito e sobrevivência das organizações. Assim, a TQM assumiu um papel crucial ao destacar a importância da integração de indicadores ou medidas não financeiras nos sistemas de Contabilidade de Gestão, tendo como objetivo a melhoria contínua da satisfação dos clientes internos e externos, procurando que o produto e serviço resultem otimamente adequados às suas necessidades. Além disso, o compromisso da gestão de topo, a relação com a concorrência, a cultura organizacional, a melhoria dos processos e a inovação são fatores-chave inerentes à filosofia da qualidade (SHOLIHIN; LAKSMI, 2009; MODELL, 2009; AL-OMIRI; ALMOATAZ, 2008; JOVANOVIC; VUJOVIC; KRIVOKAPIC, 2008; HOQUE, 2003; SOLANO et al., 2003; KANJI; SÁ, 20014; VAIVIO, 1999; MARTÍNEZ; ZARDOYA, 1999; MCADAM; O’NEILL, 1999; HOQUE; ALAM, 1999). postas por Kaplan e Norton (1996)? (4) É possível integrar o BSC e o modelo EFQM? Rev. FA E , C uritiba, Esses autores integraram os princípios da TQM no BSC, denominando o seu modelo por Kanji’s Business Scorecard. 4 v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 129 Autores como Hoque (2003), Hoque e Alam (1999), McAdam e O’Neill (1999), Chenhall (1997) e Johnson (1994) defendem que as organizações devem desenvolver os seus programas de TQM juntamente com sistemas de avaliação e gestão do desempenho. Segundo Hoque (2003) e Hoque e Alam (1999), o BSC é um seguimento natural dos princípios da TQM, possibilitando a vinculação de suas práticas com a estratégia organizacional. Assim, se a organização pretende a melhoria contínua do seu desempenho, ela deverá conjugar essas duas metodologias, identificando indicadores financeiros e não financeiros adequados para motivar os empregados na realização dos re sultados desejados e favorecendo o feedback das áreas que podem ser melhoradas. Nesse sentido, McAdam e O’Neill (1999) referem que tanto o BSC como a TQM defendem a vinculação da estratégia com os objetivos do negócio; no entanto, o BSC representa mais um meio para medir a estratégia do que para decidir com respeito a ela. Os dois modelos consideram que a compreensão e satisfação do cliente são aspectos vitais, entretanto, o BSC não indica como novos clientes e mercados devem ser identificados. O BSC e a TQM também requerem a compreensão e participação do pessoal em todos os níveis, contudo, certos objetivos podem tornar-se bastante fragmentados nos níveis mais baixos, tornando demasiada ténue a compreensão do scorecard corporativo. Por outro lado, tanto o BSC como a TQM advogam a implicação e consistência da gestão de topo, apesar de o BSC não incorporar nenhum modelo de liderança. Finalmente, ambos os modelos consideram a organização como um conjunto de processos, no entanto, na opinião dos autores citados, a organização deve ser vista como uma mistura de funções e processos. Marín e Ruiz-Olalla (2006) defendem que as empresas que finalizam processos de gestão da qualidade total devem utilizar o BSC na valorização de seus intangíveis. Para os autores, tanto a TQM como o BSC perseguem um objetivo comum: são modelos estratégicos de criação de valor a 130 partir de ativos intangíveis e intelectuais, que visam à melhoria contínua mediante o controle e avaliação da satisfação dos clientes. Além disso, as áreas-chave de êxito empresarial, definidas no BSC, refletem os fatores críticos de controle na TQM, e, portanto, o BSC permitirá alinhar a estratégia com os intangíveis implicados na TQM. Russo (2009) chama a atenção para o fato de ser frequente as empresas que conjugam o BSC com o Sistema de Certificação da Qualidade, uma vez que existem vários aspectos comuns, sobretudo o desenvolvimento formal (explícito) da estratégia, a gestão dos processos internos e das relações com os clientes. Como assinala o autor, as empresas que exibem uma Certificação de Qualidade adotam, em princípio, comportamentos de gestão mais racionais, iniciativas para melhorar a qualidade, orientações mais articuladas entre a estratégia existente e as atividades desenvolvidas, alguma formalização das áreas funcionais e dos seus procedimentos, assim como uma gestão mais eficiente dos processos internos. Não obstante, refere que o BSC concentra-se no delineamento e na prossecução de uma estratégia única, capaz de diferenciar a empresa da concorrência e de acrescentar valor, e não propriamente na otimização de processos e na redução de custos, segundo metodologias padronizadas. Assim, para Andersen, Lawrie e Shulver (2000), enquanto os Sistemas de Qualidade visam à padronização de estratégias, modelos e relações de causalidade, idênticos para todas as empresas, o aspecto fundamental do BSC é a implementação de uma estratégia, processos e relações de causa-efeito únicas. Face ao exposto, é possível constatar que a contribuição do BSC para a consecução da filosofia da TQM é muito positiva, na medida em que (MARÍN; RUIZ-OLALLA, 2006): • Facilita a implementação da estratégia criada a partir dos intangíveis, relacio nados com a gestão da qualidade, e o seu controle; • Contribui para a criação de valor a partir dos fatores críticos de êxito, à medida que alinha com a estratégia os intangíveis ligados à TQM; • Facilita a medição dos intangíveis liga dos à TQM, assim como da estratégia empresarial, a partir da definição de um conjunto de indicadores de controle eficientes na gestão dos fatores-chave de êxito empresarial; • Orienta a empresa para a melhoria contínua no tempo, possibilitando a vinculação entre a estratégia baseada na qualidade e as ações a curto prazo; • Complementa o tradicional sistema de gestão orçamental, ao facilitar o processo de tomada de decisão, destacando os aspectos onde a empresa deve concentrar os seus esforços, em concreto, os seus recursos humanos e financeiros (orçamento operacional) para concluir iniciativas centradas tanto no alcance de objetivos táticos como na satisfação dos clientes como objetivo prioritário na gestão da qualidade. Assim, vincula a estratégia de longo prazo com o planejamento e controle orçamental de iniciativas de curto prazo. 2.2 As Perspectivas do BSC e as Atividades-Chave da Gestão da Qualidade Total Hannula, Kulmala e Suomala (1999) consideram que o BSC é um conceito mais amplo que abarca a TQM, uma vez que enquanto a TQM se centra nos clientes e nos processos internos, não enfatizando de forma explícita a perspectiva financeira e de aprendizagem e crescimento, o BSC inclui todas essas dimensões. Além disso, a TQM fornece um conjunto de instrumentos concretos para aumentar a satisfação dos clientes e o desempenho global da organização (abordagem estática), enquanto o BSC requer uma compreensão dos fatores críticos de êxito e dos processos da organização, funcionando como um marco de planejamento estratégico (abordagem dinâmica). Rev. FA E , C uritiba, A TQM fornece um conjunto de instrumentos concretos para aumentar a satisfação dos clientes e o desempenho global da organização, enquanto o BSC requer uma compreensão dos fatores críticos de êxito e dos processos da organização, funcionando como um marco de planejamento estratégico. Para os autores, a TQM é a filosofia da qualidade e o BSC é das relações de causa-efeito. Nesse âmbito, de acordo com Kaplan e Norton (2001), as operações da perspectiva interna do BSC podem refletir as iniciativas para melhorar a qualidade, capacidade de resposta e eficiência dos processos internos, no sentido de ampliar os princípios da TQM ao processo de inovação e às relações com os clientes. Não obstante, o BSC supõe mais que a projeção dos princípios da TQM, reforçando a efetividade e tornando mais estratégicos os seus programas como resultado da identificação e do estabelecimento de prioridades em relação àqueles processos internos nos quais as melhorias sejam mais críticas e vitais para o êxito estratégico, ou seja, identifica as áreas nas quais a melhoria dos processos deve-se centrar. Assim, a interação das perspectivas do BSC com a TQM permite “forçar os gestores a explicar a relação que une a melhoria dos processos operacionais com os grandes resultados para clientes e accionistas […], e a articular como traduzirão as melhorias da qualidade em mais receitas, menos activos, menos pessoal e menos gastos” (KAPLAN; NORTON, 2001, p. 407-408). v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 131 Segundo Hoque (2003) e Hoque e Alam (1999), a TQM não considera a satisfação dos empregados no processo de melhoria contínua e a sua contribuição para a identificação dos processos com mais impacto nos resultados. Aspecto que é completado pelo BSC, em concreto, a partir da perspectiva de aprendizagem e crescimento. Assim, será possível sincronizar a estratégia, visão, operações e recursos humanos e finalizar um processo de melhoria contínua. Nesse sentido, de acordo com Oteo, Pérez e Silva (2002, p. 11), “quando as organizações decidem por uma abordagem de mudança orientada ao desenvolvimento de um projecto de TQM, de redesenho de processos ou de empowerment dos seus empregados, precisa-se de um instrumento que possibilite uma visão integrada dos objectivos estratégicos”. Para os autores, nesse contexto de inovação organizacional, o BSC refletirá os esforços e resultados da organização, ajudando por meio de uma linguagem comum a definir, comunicar e avaliar os objetivos e prioridades, tanto aos gestores como aos empregados. No QUADRO 1, apresentamos a inter-relação entre as atividades-chave da TQM e as perspectivas do BSC. QUADRO 1 — Combinação do BSC com a TQM Atividades-chave da TQM Perspectivas do BSC Implicação dos executivos e habilidades de gestão Aprendizagem e CrescimentoProcessos Internos Relações com clientes ClientesFinanceira (Shareholders) Relações com fornecedores Processos Internos Benchmarking Processos InternosFinanceira (Shareholders) Formação e competências do pessoal Aprendizagem e Crescimento Cultura ‘aberta’, menos burocracia e delegação de poderes ClientesAprendizagem e Crescimento Desenvolvimento de programas de qualidade (cultura de zero defeitos) Melhoria dos processos internos de negócio e inovação fabril Processos InternosClientes Processos InternosFinanceira (Shareholders) FONTE: Adaptado de HOQUE (2003) 3O BSC e o Modelo de Excelência da European Foundation for Quality Management (EFQM) 3.1 O Modelo de Excelência da EFQM Com o objetivo de promover a excelência sustentável nas organizações europeias, aju dando-as a melhorar o desempenho, a EFQM, em conjunto com outras organizações, desenvolveu, em 1991, o Modelo de Excelência da EFQM como Results; Approach; Deployment; Assessment; Review. 5 132 fundamento do Prêmio Europeu de Qualidade, cujo objetivo é premiar aquelas empresas que conseguiram alcançar a excelência empresarial com recurso à gestão da qualidade total. Esse modelo foi introduzido como uma ferramenta preliminar para a avaliação e melhoria das organizações, possibilitando o alcance de vantagens sustentáveis. Além disso, proporciona às organizações uma linguagem de gestão e ferramentas comuns, facilitando a partilha de ‘boas práticas’ entre organizações de diferentes setores em toda a Europa e se apoia num esquema lógico de melhora contínua, conhecido por RADAR5, que estabelece o que uma organização necessita realizar para alcançar a excelência, em particular os resultados que se pretendem alcançar e a forma como se pode alcançá-los (LAMOTTE; CARTER, 2000; ANDERSEN; LAWRIE; SHULVER, 2000). O Modelo Europeu de Excelência não só apoia os gestores a incrementar o processo de tomada de decisão e as capacidades de liderança, como também destaca aquelas áreas onde se devem concentrar os esforços de mudança de forma a maximizar a satisfação dos distintos stakeholders. Para Lascelles e Peacock (apud WONGRASSAMEE; GARDINER; SIMMONS, 2003), o Modelo Europeu de Excelência não só apoia os gestores a incrementar o processo de tomada de decisão e as capacidades de liderança, como também des taca aquelas áreas onde se devem concentrar os esforços de mudança de forma a maximizar a satisfação dos distintos stakeholders. De acordo com Trullenque e Liquete (2002, p. 29), o modelo proporciona orientações e não soluções. Assim, trata-se de um modelo descritivo e global de avaliação e apren dizagem da excelência na gestão […], que recolhe através de uma estrutura lógica tanto o conjunto de fatores que afetam a gestão das organizações como as identificação dos pontos fortes e fracos (suscetíveis de afetar negativamente a qualidade) e das áreas que terão que ser melhoradas, possibilitando um processo contínuo na procura da excelência empresarial e do benchmarking e incrementando o desenvolvimento de reuniões na busca de soluções para os problemas. Segundo Oteo, Pérez e Silva (2002, p. 9), o modelo de excelência da EFQM, imerso na filosofia da TQM, “constitui um marco de referência para a gestão da empresa, fomentando desde uma visão global uma cultura de inovação, tanto no sistema organizacional como nos processos directivos e gestores”. 3.2Critérios e Subcritérios do Modelo de Excelência da EFQM Na essência do modelo EFQM está um conjunto de procedimentos orientados por um catálogo de critérios gerais e subcritérios individuais, que possibilitam a avaliação e verificação dos re sultados da empresa, no sentido de uma gestão total da qualidade — não se centra apenas na qualidade do produto, mas em todas as áreas da empresa (MORA; VILLAREJO, 2006; HORVÁTH & PARTNERS, 2003). O EFQM é constituído por nove elementos ou critérios, segundo o princípio de causa-efeito entre facilitadores e resultados, cuja ponderação contribui para a obtenção de um nível de qualidade excelente (MCADAM, 2000; LAMOTTE; CARTER, 2000). Wongrassamee, Gardiner, Simmons (2003) e Alvarez (1998) resumem tais critérios da seguinte forma: • Liderança: a postura, implicação e compromisso dos gestores e diretores frente à melhoria da qualidade; • Gestão do pessoal: até que ponto os empregados estão motivados e formados no processo de melhoria contínua na procura da excelência empresarial; relações que estes têm entre si, com o fim de as orientar para a excelência. Para Membrado (2002) e Martínez e Zardoya (1999), esse modelo de gestão (e não de qualidade) supõe muito mais, permitindo a introdução da inovação e melhoria contínua pela autoavaliação6 das empresas, possibilitando a Entendida como o exame global, sistemático e regular das actividades e dos resultados de uma organização frente a um modelo de excelência. 6 Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 133 • Política e estratégia: como os objeti vos de qualidade estão planejados e como serão objeto de controle. Como a organização implementa sua visão e missão por meio dos conceitos de qualidade total e melhoria contínua; • Recursos: como serão otimizados (por exemplo, pelo benchmarking); • Processos: como a organização dese nha, gera e melhora as suas atividades e processos para satisfazer os clientes e outros stakeholders; • Satisfação do pessoal: como os níveis de motivação e integração estão sen do analisados; • Satisfação do cliente: qual o grau de satisfação e de lealdade dos clientes e como se mede; • Impacto social: aspectos relacio nados com o meio ambiente e a responsabilidade social. Como a or ganização satisfaz as necessidades e expectativas da sociedade local, nacional e internacional; • Resultados do negócio: benefícios, rentabilidade e suas tendências. O modelo representado na FIG. 1 distingue entre agentes facilitadores, que inclui aqueles critérios que a organização pode manejar e que se ocupam ‘do que fazer’, refletindo como a organização atua (direção; política e estratégia; orientação dos trabalhadores; recursos e processos), e a área dos resultados, que inclui aqueles critérios que a empresa pretende alcançar e que se ocupam ‘do que se conseguiu’ (satisfação dos clientes; satisfação dos trabalhadores; responsabilidade e imagem social e resultados do negócio). Esses critérios podem ser utilizados em conjunto ou de forma independente para avaliar o progresso da organização no alcance das metas de qualidade (MCADAM, 2000). Assim, os agentes facilitadores mostram como se alcançaram os resultados, enquanto os resultados são os critérios que indicam tanto o que conseguiu a empresa como o que está a conseguir (CABAL; ARELLANO, 2001). De acordo com o modelo, os resultados nos clientes, nas pessoas e na sociedade, conseguem-se pela liderança que, por meio de uns processos estabelecidos, conduz uma política e estratégia, motive umas pessoas, e serve de uns recursos e alianças, levando, finalmente, à excelência nos resultados-chave da organização (MEMBRADO, 2002; SALGUEIRO, 2001). FIGURA 1 — O modelo de excelência da EFQM Liderança (100) Políticas (80) Estratégia Resultados (90) de Pessoas Pessoas (90) Resultados de (200) Clientes Recursos (90) Alianças Agentes Facilitadores FONTE: Adaptado de Salgueiro (2001) 134 Processos (140) Impacto (60) na Sociedade Resultados Resultados (150) 3.3 Comparação dos Modelos EFQM e BSC O BSC e o EFQM, embora sejam modelos ou instrumentos de gestão originados em contextos distintos e que utilizam processos diferentes na medição e gestão do desempenho organizacional, são ferramentas complementares amplamente difundidas e adotadas nos últimos anos que utilizam medidas de desempenho para conduzir a organização até a melhoria contínua, destacando as carências no desempenho das equipes de gestão (JALALIYOON; TAHERDOOST; ZAMANI, 2011; DROR, 2008; SHULVER; LAWRIE, 2007; HORVÁTH & PARTNERS, 2003; TRULLENQUE; LIQUETE, 2002; ANDERSEN; LAWRIE; SHULVER, 2000; LAMOTTE; CARTNER, 2000). Assim, vislumbra-se a possibilidade de sua integração no sentido de permitir uma gestão da qualidade, tornando mais compreensível a estratégia organizacional e facilitando o processo de tomada de decisão. Como tal, é possível melhorar o conhecimento sobre os aspectos-chave que conduzem a um bom desempenho organizacional. Para Membrado (2002), tanto o BSC, pela “realimentação” que vai permitir melhorar a estratégia e o seu desdobramento, como o EFQM, por meio da autoavaliação, são excelentes ferramentas para melhorar a gestão e os resultados das organizações. O EFQM e o BSC ajudam a compreender aspectos estratégicos, como a missão e visão organizacional e seus impactos sobre a sociedade, levando os participantes a assumir como seus os objetivos organizacionais e a participar no processo de desenvolvimento da estratégia (pelas informações e sugestões). Além disso, permitem vincular os aspectos estratégicos com atividades de melhoria contínua das operações organizacionais, concentrando-se nas necessidades dos clientes e no desenvolvimento de sistemas sofisticados para sua medição. Assim, o BSC não é um substituto do EFQM, na medida em que satisfazem necessidades diferentes. O EFQM é um método de ajuda para a melhoria contínua ou global da organização, mas não é uma ferramenta de gestão. As principais funções e características des ses modelos encontram-se resumidas no QUADRO 2, abaixo. QUADRO 2 — Comparação entre o BSC e o EFQM BSC EFQM Objetivo Determinação e seguimento dos objetivos estratégicos (controle); fomento do discurso estratégico. Análise do statu quo; eliminação dos pontos fracos; aspiração ao prémio europeu de qualidade. Conteúdos Os poucos, mas decisivos, objetivos por meio dos quais se pretende manter perante a concorrência (princípio da abordagem para a determinação de pontos-chave). Ampla análise de todas as prestações da empresa, tanto se se trata de fatores básicos ou de procuras de prestações no sentido da estratégia (princípio global da avaliação das prestações). Referência com a estratégia Muito marcada. Mais escassa. Responsabilidade (num caso normal) Desenvolvimento; planejamento da empresa; controle. Gestor da qualidade. Aplicação Fixação duradoura na comunicação, no planejamento, no sistema de relatórios, no consenso sobre objetivos etc. Análise ad hoc, por exemplo, em círculos Kaizen, garantia da execução de ações relevantes para a qualidade. Filosofia Gestão estratégica: remarcar com força as nossas características de diferenciação, manutenção de standards sensatos para as demais. Ser constantemente melhores em tudo o que fazemos. FONTE: Adaptado de Horváth & Partners (2003) Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 135 3.3.1 Semelhanças entre os modelos EFQM e BSC À primeira vista, podemos ter a impressão que o EFQM e o BSC são dois modelos con traditórios que podem levar à duplicação de trabalhos, uma vez que o EFQM fomenta um pensamento multidimensional, baseado em pers pectivas e indicadores, exigindo ações estratégicas. Na realidade, existem princípios básicos comuns e diferenças nos dois modelos. Quanto às semelhanças, ambos os modelos perseguem um mesmo fim e compartilham uma mesma filosofia respeito à gestão (aspirações e conceitos similares), ou seja, dotar a organização de um conjunto de ferramentas e de informações que facilitem uma adequada gestão e tomada de decisão, promovendo uma ampla melhoria no rendimento empresarial (HORVÁTH & PARTNERS, 2003; LAMOTTE; CARTNER, 2000). Como referem Andersen, Lawrie e Shulver (2000), ambas as metodologias foram desenhadas para permitir à equipe de gestão a identificação de um número limitado de medidas de desempenho, informando sobre o desempenho para cada área de responsabilidade. Efetivamente, os modelos que partilham características são sistemas de medição; favorecem o diálogo acerca da melhoria do de sempenho e a mudança e a ação; estabelecem relações de causa-efeito; possibilitam a revisão, a aprendizagem e o feedback; e o seu êxito a longo prazo depende da implicação de pessoas-chave para a organização (LAMOTTE; CARTNER, 2000). Cabal e Arellano (2001) acrescentam a esses princípios a flexibilidade de adaptação de ambos os modelos às necessidades concretas de cada organização. Consideram que atendendo à informação obtida pelo processo de autoavaliação, e tendo sempre presente a estratégia organizacional, é possível o estabelecimento de medidas de ação, cujos efeitos poderão ser seguidos com recurso ao BSC, no qual também serão incluídas variáveis críticas sobre a organização e o ambiente organizacional. 136 Martínez (2000) destaca que, embora o BSC distinga resultados econômicos (que asseguram lucros a curto prazo) de resultados não econômicos (que garantem a sobrevivência a longo prazo), e o EFQM distingue critérios de resultados (o que conseguimos) de critérios agentes (como o fazemos), tal divisão é, conceitualmente e em termos práticos, idêntica. Assim, “os resultados actuais podem ser bons, mas é a nossa forma de obtê-los (resultados não económicos, agentes facilitadores), o que nos pode assegurar a sobrevivência no futuro […]” (MARTÍNEZ, 2000, p. 208). Em resumo, segundo Wongrassamee, Gardiner e Simmons (2003) os dois modelos contêm distintos objetivos-chave centrados em áreas específicas, no entanto, estão vinculados a sistemas de prêmios e incentivos (embora só o BSC sugira que o sistema de incentivos deve estar vinculado às medidas estratégicas do desempenho), que implicam a seleção de um conjunto de medidas adequadas, não se estabelecem metas específicas para os diferentes níveis de desempenho, não se referem a métodos explícitos para uma implementação bem-sucedida, deixando liberdade aos gestores para selecionar as suas próprias medidas, proporcionam uma visão clara do processo de gestão e colocam a ênfase na melhoria do desempenho a longo prazo. Trullenque e Liquete (2002) resumem os princípios básicos comuns aos dois modelos ao seguinte: • Orientação para os resultados: equi líbrio e satisfação de todos os grupos de interesse importantes para a organização; • Orientação para o cliente: as percepções e comportamentos dos clientes, na cadeia de criação de valor, são fundamentais para determinar a qualidade do produto/serviço; • Gestão por processos: a informação proporcionada pelas percepções de todos os grupos de interesse é essencial na gestão das atividades, as quais devem estar organizadas por processos; A combinação do BSC com o EFQM possibilita um diálogo profundo sobre o desempenho desde a estratégia até as operações e os processos de qualidade; no entanto, cada abordagem tem uma história distinta, um desenvolvimento diferente e proporciona resultados e benefícios distintos. • Desenvolvimento e implicação das pessoas: centrar a atenção na partilha de valores e na criação de uma cultura de confiança em que as responsabilidades assumidas por cada um fomentam o nível de compromisso de todos; • Aprendizagem e melhoria contínua: visa à adaptação constante às alte rações registadas no ambiente que rodeia a empresa, fomentando-se na aprendizagem e melhoria contínua dos processos. 3.3.2 Diferenças entre os modelos EFQM e BSC No que respeita às diferenças entre os modelos, enquanto o EFQM é um instrumento de diagnóstico e autoavaliação, o BSC é um instrumento de controle. O primeiro modelo, segundo Horvárth & Partners (2003, p. 416417) “procura uma verificação ampla, regular e sistemática de actividades e de resultados de uma empresa através de um modelo excelente Rev. FA E , C uritiba, de orientação à qualidade […], o que se pretende é conseguir melhorias em todas as áreas da empresa”; o segundo modelo pretende “iniciar e executar alterações maiores para incrementar a efectividade da empresa. Isto é, indica-se a direcção na que deve mover-se a empresa.” Nesse sentido, Andersen, Lawrie e Shulver (2000) entendem que o BSC constitui uma melhor base para o desenvolvimento de um instrumento para a gestão estratégica de uma organização. Assim, as principais diferenças entre as duas metodologias respeitam ao processo de desenho, ou seja, à forma como as medidas transmitidas são selecionadas e ao processo de gestão, isto é, à forma como a ferramenta é integrada no processo de gestão da organização. No que concerne ao primeiro aspecto, o processo de desenho do BSC é mais complexo e dinâmico, já que favorece uma ênfase clara nas estratégias específicas adotadas pela organização, descrevendo e refletindo como e por que um conjunto de iniciativas possibilita o alcance dos objetivos estratégicos específicos da organização, articulando uma visão estratégica partilhada e identificando as áreas-chave e prioritárias de desempenho que necessitam ser acompanhadas pela equipe de gestão (implicando toda a organização no alcance dos objetivos estratégicos). Nesse processo, recorre-se com frequência aos mapas estratégicos. Por outra lado, o desenho do EFQM implica um processo mais simples, estático e standard, baseado em prioridades estratégicas genéricas, uniformes e preestabelecidas para todas as organizações, facilitando o processo de desenho e o benchmarking dos resultados entre distintas organizações. Quanto ao segundo aspecto, o EFQM funciona mais como uma ferramenta de diagnóstico de processos genéricos, não indicando as melhores iniciativas a serem desenvolvidas para equilibrar meios e fins. Por sua vez, o BSC possibilita a vinculação contínua das atividades e dos recursos à estratégia e planejamento do negócio. Desse modo, o EFQM necessita do BSC para alinhar a v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 137 visão, missão e estratégia da organização, e o BSC necessita do EFQM para avaliar até que ponto a organização o utiliza adequadamente. Nas palavras de Lamotte e Carter (2000), a combinação do BSC com o EFQM possibilita um diálogo profundo sobre o desempenho desde a estratégia até as operações e os processos de qualidade; no entanto, cada abordagem tem uma história distinta, um desenvolvimento diferente e proporciona resultados e benefícios distintos. Assim, o BSC não tem como primeiro objetivo a qualidade, mas é desenhado para comunicar e estabelecer o desempenho estratégico, asse gu rando a implementação da estratégia e com provando sua validade por meio de um processo de aprendizagem contínuo; enquanto o EFQM coloca a ênfase na adoção de boas práticas e processos em todas as atividades de gestão da organização, evidenciando as áreas que a organização necessita melhorar significativamente, as que trabalham adequadamente e as áreas que superam os benchmarks ideais. Todavia, não possibilita uma percepção das áreas prioritárias ou de que melhorias terão maior impacto no desempenho e, por conseguinte, nos resultados. É precisamente nesse contexto que o BSC atua, proporcionando a identificação de áreas prioritárias de atuação e de imputação de recursos, completando o processo de autoavaliação inerente ao EFQM. Para Wongrassamee, Gardiner e Simmons (2003), o EFQM baseia-se nos princípios da TQM, enquanto o BSC enfatiza o alinhamento da estratégia com medidas de desempenho, sendo diferentes os métodos no que diz respeito ao processo de feedback e à maior flexibilidade do BSC, na sua aplicação em áreas específicas ou funções organizacionais, comparativamente ao EFQM. No QUADRO 3, resumem-se os principais pontos fortes e fracos das duas metodologias. QUADRO 3 — Pontos fortes e fracos do BSC e do EFQM como conceito de controle BSC Pontos fortes Tem várias dimensões; seguimento consequente da execução da estratégia; concretização dos objetivos estratégicos e decisivos frente à concorrência para o controle da empresa; dispõe de relações de causa-efeito dos objetivos como ajuda para o controle; é um processo de comunicação interdisciplinar e que abarca todas as hierarquias; cria “cascatas” nos níveis de hierarquia até ao BSC pessoal. Tem várias dimensões; é um princípio universal; está formado por uma hierarquia de critérios; é quantificável (determinação do índice); contém “categorias de facilitadores”; possibilita o benchmarking; é útil para a reflexão pessoal; reforça a coincidência com a qualidade. Pontos fracos Não representa uma substituição para a determinação da estratégia, não é essencialmente um instrumento de análise (exceção: correlações); existem poucos standards para a determinação dos objetivos; é muito difícil comparar os conteúdos com outras empresas porque pretende criar (conscientemente) soluções individuais e não standards para os sectores; não existe um processo fortemente formalizado para a aplicação; não dispõe de diretrizes para a qualidade, para a estrutura do BSC nem para a implementação, assim como para o funcionamento da empresa. Não existe estabelecimento de prioridades, não existem relações; os critérios não são específicos para empresas, não existe possibilidade de diferenciação; não é um instrumento estratégico de controle (determinação sistemática e seguimento de objetivos), portanto, não é adequado para a implementação da estratégia; não é apropriado para a comunicação no seio de toda a empresa; tendência para a burocracia. FONTE: Adaptado de Horváth & Partners (2003) 138 EFQM 3.4 Os Critérios e Subcritérios do EFQM e as Perspectivas do BSC e financeiros e 9b — indicadores-chave de economia e finanças; Martínez (2000) e Martínez e Zardoya (1999) referem que o EFQM nos indica que a satisfação dos clientes, do pessoal e o impacto na sociedade deriva de um processo de liderança capaz de conduzir a estratégia e o planejamento, a gestão do pessoal e dos recursos e os sistemas de qualidade e processos atingindo a excelência nos resultados financeiros e não financeiros da empresa. Embora esses autores não procurassem estabelecer uma relação entre esse modelo e o BSC, em nossa opinião podemos facilmente retratar a filosofia inerente ao BSC, em particular às suas perspectivas, nessas palavras. Assim, pelo EFQM podemos descobrir indicadores para essas perspectivas. Nesse sentido, Membrado (2002) efetuou um estudo no qual compara as perspectivas do BSC com os critérios e subcritérios do EFQM, procurando destacar as semelhanças entre esses dois modelos. As principais conclusões do estudo podem resumir-se ao seguinte: • A relação entre a perspectiva financeira encontra-se refletida nos subcritérios: 4b — gestão dos recursos econômicos e financeiros; 9a — resultados econômicos • Verificou-se uma coincidência entre a perspectiva dos clientes e os subcritérios: 1c — implicação dos líderes com os clientes7; 2a — necessidades e expectativas atuais e futuras dos grupos de interesse; 5e — gestão e melhoria das relações com os clientes e critério 6 — resultados com os clientes; • A perspectiva dos processos internos está representada nos subcritérios: 2d — desdobramento da estratégia através de um esquema de processos-chave e 9b — indicadores chave relacionados com processos e no critério 5 — processos (com os respectivos subcritérios); • Finalmente, identificou-se a perspectiva de aprendizagem e crescimento nos critérios: 3 — pessoas; 4 — alianças e recursos e 7 — resultados com o pessoal e no subcritério 9b — indicadores-chave. Wongrassamee, Gardiner e Simmons (2003) também efetuaram uma comparação entre os critérios do EFQM e as perspectivas do BSC, conforme se pode verificar no QUADRO 4: QUADRO 4 — Os critérios do EFQM e as perspectivas do BSC Perspectivas BSC Critérios EFQM Financeira Resultados do negócio Clientes Satisfação dos clientes Impacto na sociedade Interna Aprendizagem e Crescimento Recursos Processos Liderança Política e Resultados não estratégia Gestão do financeiros do pessoal Satisfação do negócio pessoal FONTE: Adaptado de Wongrassamee; Gardiner; Simmons (2003) O primeiro critério do EFQM é a liderança, considerado um elemento impulsor do modelo. De forma semelhante, o BSC considera a liderança e o compromisso da gestão de topo como um fator determinante do êxito organizacional. Implícito nos dois modelos, está a consideração de que os gestores deverão despender um considerável tempo em todo o processo (MCADAM, 2000). 7 Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 139 A área da gestão da qualidade pode ser uma maneira de fornecer medidas mais relevantes em termos das perspectivas de clientes e de aprendizagem e crescimento, de fato, para medir a satisfação dos clientes e empregados (LAGROSEN, 2001). Para Trullenque e Liquete (2002) a construção de um mapa estratégico possibilita uma visão mais explícita da integração dos critérios e subcritérios próprios do modelo EFQM nas distintas perspectivas do BSC (FIG. 2). Clientes Financeira FIGURA 2 — Integração dos critérios e subcritérios do modelo EFQM no mapa estratégico Crescimento Rendibilidade Investimento Clientes (segmentação e proposição de valor ao cliente) Risco Sociedade (proposição de valor à sociedade) EFQM Informação e conhecimento Tecnologia Edifícios, equipamentos e materiais Recursos econômicos e financeiros Informação e conhecimento Pessoas Gestão de relações com a sociedade Tecnologia Edifícios, equipas e materiais Recursos económicos e financeiros Alianças Pessoas Liderança Gestão de relações com clientes Operações Alianças Desenho e desenvolvimento de produtos e serviços Liderança Capacidades & Recursos Processos BSC FONTE: Adaptado de Trullenque e Liquete (2002) 3.5 Modelo de Integração do EFQM e do BSC O projeto de desenvolvimento de um modelo integrando o EFQM e o BSC foi liderado pela empresa de consultoria Strategy & Focus, em colaboração com o Clube de Gestão da Qualidade (representante da EFQM). A utilização conjunta desses modelos, tanto em organizações públicas como privadas, permite maximizar as forças e minimizar as debilidades resultantes de sua utilização isolada (JOHNSON, 2003)8. O EFQM permite que os gestores com preendam os princípios das organizações excelentes e os princípios de causalidade subjacentes no BSC, melhorando a atenção aos clientes e ao pessoal, colocando a ênfase nos processos internos a serem geridos a partir de uma liderança efetiva. Por outro lado, o BSC define e clarifica a estratégia para que todos a compreendam e se centrem no desempenho futuro. Nesse sentido, a ausência de uma direção estratégica no modelo EFQM é compensada pelo modelo BSC. O autor apresenta os casos das empresas Siemens Communications; Swedish Customs; Northern Ireland Electricity e Royal Sun Alliance, que utilizaram as duas metodologias em conjunto. 8 140 Nos últimos anos, desenvolveu-se uma investigação a respeito da integração do EFQM com o BSC. Assim, por exemplo, Cabal e Arellano (2001) e Andersen, Savi e Lawrie (2004a, 2004b) realizaram uma pesquisa para avaliar as possíveis vantagens que podem resultar da aplicação combinada do EFQM e do BSC. Malmi (2001) obteve evidência empírica de que as empresas finlandesas utilizam o BSC como uma ferramenta que permite gerir os programas de qualidade, facilitando a obtenção de prêmios de qualidade. O estudo de McAdam e O’Neill (1999), na empresa Northern Ireland Electricity, destaca a limitação do EFQM como uma abordagem estratégica, demasiado burocrática e complicada para que os empregados compreendessem as prioridades da organização. Desse modo, a introdução do BSC possibilitou a identificação dos temas estratégicos e favoreceu uma melhor comunicação das prioridades estratégicas aos níveis mais baixos da hierarquia organizacional. Não obstante, o EFQM realçou as atividades a ser alteradas para finalizar a estratégia, e o processo de autoavaliação permitiu analisar o progresso em relação aos temas estratégicos. Em 2000, Martínez (2000) analisou a metodologia de trabalho conjunto entre o EFQM e o BSC, considerando que a integração entre esses modelos se pode fazer de duas formas: a partir do EFQM e integrar o BSC, ou vice-versa. Embora considerando que as duas alternativas são válidas para alcançar a melhoria contínua, o autor optou pela primeira forma, uma vez que o EFQM se caracteriza por ser “um sistema de gestão integral, que alcança todos os âmbitos da empresa e que exige o compromisso de todo o pessoal, e que em princípio parece um modelo mais facilmente assimilável e assumível” (MARTÍNEZ, 2000, p. 208). O autor ainda defende que antes de se implementar o BSC, deve-se efetuar uma autoavaliação da empresa, a qual deve ser apoiada pelo modelo EFQM, que dará os primeiros passos no sentido de comprometer o pessoal da organização nesse processo, cuja satisfação é fundamental na obtenção da qualidade. Rev. FA E , C uritiba, Segundo Cabal e Arellano (2001), dispor de um BSC que concentre a estratégia adotada e as áreas de melhoria é extremamente útil, ao alertar para a linha de atuação seguida pela empresa e para a sua coerência com a estratégia. Desse modo, Wongrassamee, Gardiner e Simmons (2003, p. 21) consideram que a integração é crucial na medida em que o EFQM apenas indica as áreas que devem ser examinadas, mas “não fornece sugestões sobre que estratégias ou planos devem ser adoptados para promover a melhoria contínua”. Para Horváth & Partners (2003), a apli cação desses conceitos deverá atender a dife rentes tipos de integração, em concreto, à in te gração por processos (é importante que a autoavaliação inerente ao EFQM se produza antes da determinação da estratégia e da elaboração do BSC); à integração organizacional (inter-rela ção entre as equipes de trabalho); à integração instrumental (relatórios, indicadores e bases de dados comuns) e à integração de conteúdos (de fi nição clara de pontos de interseção, de rela ções input/output, aproveitamento de pessoal, perspectivas e indicadores na obtenção de sinergias). Em relação a esse último aspecto, o BSC tem em conta, durante a seleção dos objetivos mais importantes da empresa, todos aqueles temas estratégicos que vão surgindo ao longo da autoavaliação da EFQM […], definindo o resultado final da autoavaliação no modelo EFQM como indicador no BSC. (HORVÁTH & PARTNERS, 2003: 419) Assim, evita-se que pequenas medidas individuais sejam solucionadas sem se transferir para o sistema estratégico do BSC. Frente ao exposto, facilmente se comprova que existe um conjunto de contribuições do EFQM e do BSC para um modelo integrado, segundo o QUADRO 5. v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 141 QUADRO 5 — Contribuições do EFQM e do BSC para um modelo integrado EFQM BSC Potenciação da liderança como elemento fundamental de orientação e coesão organizacional. Ferramentas avançadas de implementação e gestão estratégica. Cultura de inovação na gestão e partilha de conhecimentos dentro da organização. Abordagem de desdobramento estratégico na organização a partir de uma arquitetura estratégica definida. Desenvolvimento de alianças baseadas na confiança, Integração de estratégia, medição, estabelecimento de metas e ação. o conhecimento partilhado e a integração. Responsabilidade social, adotando-se uma abordagem ética de compromisso social com uma abordagem a longo prazo. Sistemas de estabelecimento de prioridades estratégicas, de medidas, ações e recursos. Orientações estratégicas de toda a organização por meio da participação e do seguimento participativo e integrado de todos os elementos de gestão. FONTE: Elaboração própria, a partir de Trullenque e Liquete (2002) De acordo com Trullenque e Liquete (2002, p. 32), a integração desses modelos permite “a criação de um único modelo de gestão que integre os conceitos de excelência na gestão com a necessária orientação estratégica que deve alinhar toda a organização numa única direcção cujo objectivo é a liderança na criação de valor”. Nas palavras dos autores, permite “transformar a estratégia em acção excelente”. Nesse sentido, permite passar de uma visão descritiva e global (característica do EFQM) para uma visão prescritiva e centrada capaz de orientar os recursos organizacionais na mesma direção, conduzindo ao cumprimento da missão e à realização dos objetivos. paulatina e equilibrada, devendo centrar-se sobre aspectos como a detecção e tratamento de barreiras à mudança, comunicação e formação, já que leva a uma alteração cultural para a excelência. Com efeito, as organizações que já tinham implantado o BSC, ao integrá-lo com o EFQM, iniciam um processo de reflexão sobre o seu conteúdo, orientação, gestão e implementação da estratégia, capaz de evolucionar versões iniciais do BSC baseadas em indicadores até um modelo de gestão mais avançado. Além disso, para as organizações que ainda não implantaram o EFQM e o BSC, o modelo integrado oferece uma resposta global, estrategicamente centrada e orientada à melhoria do seu modelo de gestão. Portanto, recomenda-se que a imple men tação de um modelo integrado deva ser gradual, Os elementos básicos do modelo integrado EFQM e BSC apresentam-se na figura seguinte. FIGURA 3 — Elementos básicos do modelo integrado EFQM e BSC Marco Estratégico Seguimento Integrado Realimentação Alinhamento Alinhamento económico e pessoal Mapas estratégicos Estratégia Alinhamento organizacional Modelo EFQM & BSC Operações Indicadores Valor sustentável Iniciativas FONTE: Adaptado de Trullenque e Liquete (2002) 142 Metas Considerações Finais Num mercado globalizado, em que as empresas enfrentam um ambiente cada vez mais competitivo, com mais desafios e com uma sociedade procurando a excelência econômica, a procura da qualidade como vantagem competitiva é crucial para oferecer à empresa um contributo valioso na sua gestão. Desse modo, a qualidade é uma variável estratégica que as organizações não podem ignorar. Por outro lado, a evidência empírica obtida nos trabalhos desenvolvidos por Kaplan e Norton demonstrou que o BSC se desmarca dos sistemas tradicionais de avaliação e controle dos resultados, considerando-se o alinhamento entre os indicadores de gestão e a estratégia da organização como uma das chaves do êxito na sua implantação. Em termos gerais, no decorrer da revisão de literatura efetuada, observamos que existe uma perfeita coerência entre o BSC e os princípios de gestão da qualidade total. Assim, a TQM e o BSC são filosofias amplamente discutidas não apenas no mundo acadêmico, como também no mundo dos negócios, em organizações públicas e privadas, com metas e objetivos similares para a melhoria do desempenho da organização (HANNULA; KULMALA; SUOMALA, 1999). Não obstante, distintos autores salientam que o BSC é um conceito mais amplo que a TQM ao completar a dimensão de clientes e de processos internos que a caracterizam, com perspectivas financeira, de aprendizagem e de crescimento. Por um lado, foi possível constatar que o modelo EFQM partilha os fundamentos da TQM, isto é, a orientação ao cliente, as relações de associação com os fornecedores, o desenvolvimento e vinculação das pessoas, a melhoria contínua e a inovação, a liderança e a coerência nos objetivos estratégicos e a avaliação dos resultados. Por outro, existe uma estreita relação entre o EFQM e o BSC no âmbito da satisfação e compreensão das necessidades dos clientes (o BSC tem uma perspectiva de clientes e o EFQM tem critérios relacionados com os resultados dos clientes), assim como pela participação dos empregados (refletida na perspectiva de aprendizagem e crescimento do BSC e no processo de autoavaliação e nos critérios de resultados do EFQM). Rev. FA E , C uritiba, Apesar de algumas diferenças significativas, ambos os instrumentos foram desenvolvidos desde os conceitos análogos, proporcionando uma visão geral do desempenho organizacional e superando um conjunto de limitações dos tradicionais sistemas de medição do desempenho. Como afirmam Marín e Ruiz-Olalla (2006, p. 100), a criação de valor, a longo prazo, no âmbito empresarial, pode-se gerir a partir de modelos estratégicos como a TQM e o BSC, “contribuindo para melhorar o estilo de gestão da empresa […], ambos participam num objetivo comum: alcançar a satisfação dos clientes da empresa, o que implica melhorar continuamente”. Não obstante, ambos os modelos reque rem capacidades e experiência em diferentes funções, envolvendo alguns elementos formais e, em consequência, alguma burocracia, o que pode difi cultar a sua implementação nas pequenas e médias empresas. Além disso, o EFQM e o BSC atribuem particular importância à perspectiva dos processos de negócio e à necessidade de esta belecimento de um conjunto de passos para a sua definição, gestão e melhoria (MCADAM, 2000). Assim, à semelhança de Cabal e Arellano (2001), entendemos que a integração entre o EFQM e o BSC é importante porque podemos utilizar o EFQM para determinar os pontos fortes, os pontos fracos e as áreas de melhoria e o BSC para reunir num único documento todos os indicadores capazes de determinar o grau de execução das medidas que se decidiu adotar e se produzem os resultados desejados. Em suma, o importante é que a organização tenha conhecimento da razão para utilizar esses modelos e que seja capaz de gerir o seu desenvolvimento e implementação adequadamente, procurando relacionar as perspectivas do BSC com os critérios e subcritérios identificados no EFQM (LAMOTTE; CARTER, 2000). v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 • Recebido em: 09/03/2012 • Aprovado em: 04/04/2012 143 Referências AL-OMIRI, M.; ALMOATAZ, E. An Investigation of the factors influence the adoption of TQM with emphasis on cost system design and innovative management accounting techniques: survey study in the uk firms. In: EAA ANNUAL CONGRESS, 31th., 2008, Rotterdam,. Holanda, 2008. [Anais]… Rotterdam, 2008. ALVAREZ, J. Integración del balanced scorecard y la EFQM en la teoría de los stakeholders. Boletín AECA, Madrid, n. 46, p. 36-41, 1998. ANDERSEN, H.; SAVIC, N.; LAWRIE, G. Enabling quality management: how strategic context is needed to drive effective application. 2004a. 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FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012 145 Retorno acionário e grau de alavancagem operacional: evidências sob novas abordagens metodológicas Stock return and degree of operating leverage: new evidences under new methodologics subjects Retorno acionário e grau de alavancagem operacional: evidências sob novas abordagens metodológicas Stock return and the degree of operating leverage: new evidence for contemporary association Paulo Roberto Barbosa Lustosa1 José Antonio de França2 Resumo Este artigo avança sobre o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) para apresentar novas evidências da resposta do mercado ao Grau de Alavancagem Operacional – GAO. O GAO foi calculado empiricamente como a relação entre a margem de contribuição e o lucro operacional, sendo aquela obtida por uma regressão do custo do produto vendido contra a receita operacional líquida. Além disso, foram adicionados novos modelos relacionando o retorno trimestral de mercado com o GAO tanto no sentido contemporâneo, em um mesmo trimestre, como defasado em um trimestre. Os retornos foram considerados em termos normais, isto é, o próprio retorno divulgado, como em condições não esperadas, ou anormais, o que levou à definição de um modelo para a antecipação do retorno pelo mercado. Considerando a relativa estabilidade do GAO, utilizou-se modelos naïve, do tipo random walk, para o cálculo do GAO e do retorno não esperados. Os resultados indicam que: (i) o GAO médio mostrou-se relativamente elevado, sinalizando possível ociosidade das firmas no período amostral; (ii) o crescimento trimestral médio da receita das firmas, no mesmo período, foi relativamente pequeno; (iii) como consequência de (i) e (ii), houve relação significativa e inversa entre o retorno normal contemporâneo e o GAO defasado de um trimestre, bem como do retorno anormal com o GAO não esperado também defasado; e (iv) houve relação significativa e direta entre o retorno contemporâneo de t e o GAO não esperado do próprio trimestre. Palavras-chave: Grau de Alavancagem Operacional (GAO). Retorno não Esperado. GAO e Ociosidade. Abstract This article elaborates on the study of Dantas, Medeiros and Lustosa (2006) to present new evidence of market response to the Degree of Operating Leverage (DOL). The DOL was calculated empirically as the relationship between the contribution margin and the operating profit, the former being obtained by a regression of the cost of the product sold against net operating revenues. In addition, new models have been added relating the quarterly market return with the DOL in both contemporary (in the same quarter) and outdated (throughout a quarter) terms. The returns were considered both in normal terms, that is, the return itself, and as expected or abnormal, which led to the definition of a model for the anticipation of the return from the market. Considering the relative stability of the DOL, naïve models such as ‘random walk’ were used for calculating the DOL and unexpected returns. The results indicate that: (i) the average DOL proved to be relatively high, signaling possible idleness of companies in the sample period; (ii) the quarterly average revenue growth of the companies was relatively small in the same period; (iii) as a result of (i) and (ii), there was a significant inverted relationship between the normal contemporary return and the DOL from a previous quarter, as well as the abnormal return with the unexpected outdated DOL; and (iv) there was a direct and significant relation between the contemporary return of t and the unexpected DOL of the same quarter. Keywords: Degree of Operating Leverage (DOL). Unexpected Return. DOL and Idleness. Doutor em Ciências Contábeis (USP), Professor Titular da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Ciências Contábeis (UNB), Professor Adjunto da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected] 1 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012 147 Introdução Esta pesquisa se inspira no estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) para verificar se há relação contemporânea, no mercado de capitais brasileiro, entre o comportamento das ações e a alavancagem operacional de empresas do segmento de manufatura. Quando a alavancagem operacional é utilizada em estudos empíricos na área contábil, o pesquisador geralmente faz uma série de escolhas relacionadas com a definição e mensuração desse conceito, pois as demonstrações financeiras publicadas não segregam a estrutura de custos da empresa de modo a permitir a quantificação direta do grau de alavancagem operacional pela relação entre a margem de contribuição e o lucro. A alavancagem operacional representa o efeito multiplicador das vendas no lucro, um con cei to que está bastante documentado nos livros-texto de contabilidade gerencial, como em Garrison e Noreen (2001). A extensão dessa alavancagem, causada pelo nível de investimentos em ativos fixos, é representada pelo Grau de Alavancagem Operacional (GAO), definido pela relação entre a margem de contribuição e o lucro, um número adimensional que traduz o tamanho do efeito alavanca ou a sensibilidade do lucro às variações da venda. Assim, para um dado nível de vendas, se esta variar de x, um GAO igual a k implicará a multiplicação do lucro, para cima ou para baixo, por kx, conforme as vendas cresçam ou diminuam. O desafio, nos estudos empíricos sobre esse tema, é como medir o GAO a partir das demonstrações financeiras publicadas. Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) utilizaram o modelo originalmente formulado por Mandelker e Rhee (1984), no qual o GAO é aproximado pelo coeficiente angular do lucro numa regressão logarítmica do lucro operacional com a receita de vendas. Esse modelo tem uma racionalidade interessante, pois o coeficiente da receita líquida que resulta da regressão é a variação marginal do lucro para cada unidade de variação da receita, em linha com o conceito de alavancagem operacional. Conquanto a abordagem de Mandelker e Rhee (1984) seja a mais utilizada para a mensuração empírica do GAO, sendo exemplos 148 adicionais Darrat e Mukherjee (1995) e Griffin e Dugan (2003), esta pesquisa inova ao mensurar o GAO de forma diferente em uma amostra de empresas industriais. Primeiro, o custo variável unitário de cada empresa-trimestre é obtido pelo coeficiente angular da receita líquida, por meio de uma regressão linear do custo do produto vendido contra a receita líquida de vendas. Em seguida, esse estimador é multiplicado pela receita líquida da empresa em cada trimestre, obtendo-se, assim, uma aproximação do seu custo variável total de produção, que adicionado à despesa variável de vendas, divulgado nas demonstrações financeiras, resulta no custo variável total. Com isso, se apura a margem de contribuição e, na sequência, o GAO. A fundamentação desse modelo, e sua formulação matemática, serão apresentadas na seção de metodologia. Assim, o objetivo deste artigo é avançar sobre a pesquisa de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) buscando identificar as relações entre o comportamento das ações e o GAO sob novos enfoques metodológicos, que abrangerão: (i) inovação na mensuração empírica da alavancagem operacional; (ii) amostra restrita a empresas industriais; e (iii) teste da associação contemporânea do retorno com o GAO, pois a natureza relativamente estável da capacidade instalada, em bases trimestrais, fornece fundamentos teóricos para testes não defasados e com os valores reais dessas duas variáveis. Mesmo assim, serão rodados testes adicionais com valores não esperados, com projeção dos valores esperados por um modelo naïve, a fim de se estabelecer um diálogo, em bases comparáveis, com o trabalho de Dantas, Medeiros e Lutosa (2006). Este trabalho contribui para vitalizar o debate empírico das pesquisas sobre alavancagem operacional, ainda bastante incipiente no Brasil. Além disso, abre uma avenida para a continuidade dessa linha de pesquisa em bases condicionais, com o exame da reação do mercado à alavancagem operacional sob controle das vendas, uma vez que o efeito alavanca é bom quando as vendas crescem, mas é ruim se as vendas decrescem. Na continuidade deste artigo, a próxima parte apresenta os fundamentos teóricos da alavancagem operacional e revê pesquisas relacionadas ao tema. A terceira parte detalha o desenho metodológico da pesquisa. O capítulo quatro analisa os resultados, e a última parte apresenta os marcos conclusivos do trabalho. 1 Fundamentos Teóricos e Revisão da Literatura Discussões em torno da utilidade do GAO, em estudos empíricos, embora ainda relativamente poucos, visam descobrir se as oscilações do GAO sinalizam mudanças de comportamento do mercado em relação ao valor das ações das empresas, como em Dantas, Medeiros e Lustosa (2006), que estudaram a reação do mercado às oscilações do GAO. Nesse estudo, os autores calcularam o GAO utilizando o modelo sustentado em logaritmo natural concebido por Mandelker e Rhee (1984), descrito como lnLOj,t= aj+bj lnROL + ɛj,j , onde ln = logarítmo natural; LO = lucro operacional; ROL = receita operacional líquida; j = empresa; e t = período. Adicionalmente, Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) calcularam o GAO não esperado, denominado GAONE, descrito como GAONEj,t = GAOj,t – Ej,t(GAOj,t ). A conclusão desse estudo sinalizou que o GAO é estatisticamente relevante para explicar o comportamento do re torno das ações. A conclusão do estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) está de acordo com o estudo efetuado por Jorgensen et al. (2009), no qual investigaram o efeito do crescimento das vendas sustentado na utilização da capacidade produtiva. Nesse estudo, os autores observaram que o comportamento das vendas em empresa com utilização plena da capacidade instalada é inverso ao comportamento da margem de lucro, pois as vendas crescem nessa condição pressionando os custos e, em consequência, a margem de lucro se reduz sinalizando a necessidade de mais investimento. Para a obtenção dessa confirmação, Rev. FA E , C uritiba, A alavancagem operacional se relaciona com o comportamento do lucro no curso da capacidade instalada geradora de custo fixo, por meio da maximização do volume de vendas, considerando que o volume de produção é adequado à planta fabril alavancagem operacional pode ser entendida como a ampliação de um período curto de incerteza de lucro relativo à incerteza das vendas. os autores fizeram o controle de variáveis como despesa de capital e margem de lucro, e ainda consideraram que se as empresas divulgassem o nível de utilização de sua capacidade produtiva isso poderia ser relevante para o valor de mercado de suas ações. Para medir a margem de lucro, os autores utilizaram a seguinte modelo: PMi,t = αi,t + βi∆Salesi,t-1 + γiTCUi,t-1 + δi∆Salesi,t-1TCUi,t-1 + ɛi,t, onde PM = margem de lucro; ∆Sales = variação de vendas; TCU = capacidade de utilização; ɛ = termo de erro; e i = empresa; e t = período. De fato, Jorgensen et al (2009) corroboram que a alavancagem operacional se relaciona com o comportamento do lucro no curso da capacidade instalada geradora de custo fixo, por meio da maximização do volume de vendas, considerando que o volume de produção é adequado à planta fabril. Nesse sentido, conforme observa O’brien e v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012 149 Vanderheiden (1987), a alavancagem operacional também pode ser entendida como a ampliação de um período curto de incerteza de lucro relativo à incerteza das vendas. Os autores sugerem o cálculo do GAO por meio do modelo DOL = {[Xt / E(Xt )] – 1}/{[St /E(St)]-1}, onde DOL = grau de alavancagem operacional; X = lucro operacional do período; S = vendas do período; E = valor esperado; e t = período. Ocorre que o pesquisador deve observar que o GAO, em relação à empresa, é uma variável endógena, e nessa condição absorve os efeitos das políticas, práticas e modelos contábeis utilizadas no reconhecimento e valoração de ativos, receitas e despesas que impactam a mensuração do lucro (MAYO, 2009). Por ser o GAO uma função de variáveis como lucro (π), margem de contribuição (λ) e custo fixo (k), GAO = ƒ(π, λ, k), e o lucro ser impactado pelo viés das políticas, práticas e modelos contábeis de cada empresa, o GAO também está exposto a esse viés. A discussão sobre políticas, práticas e modelos contábeis transcende décadas, como em Kiger e Williams (1977) que, ao darem continuidade ao estudo de Paton e Littleton (1940), exploram o conceito emergente da apresentação do lucro e mostram as divergências conceituais de mensuração, confrontando os métodos all-inclusive e current-operating-performance. O primeiro mé todo considera que toda transação que provoque mudança no capital dos proprietários deve ser reconhecida no resultado do exercício, enquanto o segundo exclui da apuração do resultado tran sações não relacionadas com o período corrente e itens extraordinários, tratando-os diretamente no patrimônio líquido. Essas discussões relativas à mensuração do GAO orbitam em torno do conceito de Ponto de Equilíbrio Operacional que, no viés da Contabilidade, leva em consideração a linearidade dos custos e receitas. Nessa visão, à medida que o desempenho da empresa se aproxima do Ponto de Equilíbrio Operacional, tanto pela direita quanto pela esquerda, o lucro tende a zero, e a relação entre a Margem de Contribuição e a soma 150 de Custo e Despesas Fixas Totais tende a 1, em função da igualdade de custos e receitas como em Horngren, Sundem e Stratton (1996, p. 44). A segregação dos custos em fixo e variável, necessários para obtenção do GAO e requerida para determinar o Ponto de Equilíbrio Operacional, é normalmente difícil de ser feita por meio de informação externa da Demonstração do Resultado e, em razão disso, é comum definir o GAO como uma medida de elasticidade da mudança de percentagem nos lucros antes de juros e tributos (EBIT), para uma dada mudança na demanda unitária, como em Lord (1998) e Dugan e Shriver (1992). Na parte empírica, as pesquisas sobre a Alavancagem Operacional têm sido dedicadas ao desempenho e comportado metodologias distintas de mensuração, como em Huo e Kwansa (1994), que estudaram os efeitos do risco de empresas que exploram atividades de restaurante e hotel nos Estados Unidos, no período de recessão ocorrido em 1990 e 1991, concluindo que o risco dos restaurantes se apresentou maior do que o risco dos hotéis. Para esse estudo, modelaram o GAO como DOL = S - VC / S - VC – FC, onde DOL = Grau de Alavancagem Operacional; S = vendas; VC = custo variável; FC = custo fixo. Ainda no segmento empírico, Li e Li (2004) investigaram a existência de efeito portfolio da alavancagem microeconômica nas firmas listadas na bolsa chinesa em 2001 e 2002, utilizando a modelagem , onde EBIT é o lucro antes de juros e tributos diretos sobre o lucro e F é a despesa operacional fixa. Os autores concluíram que a Alavancagem em seus domínios operacional e financeiro pode contribuir para balancear o risco sistemático. Concluindo, pode-se inferir que, em termos cartesianos, quando o desempenho da empresa se aproxima do ponto de equilíbrio operacional pelo lado esquerdo, o GAO tende a menos infinito, em função da redução do prejuízo. Quando essa aproximação ocorre pelo lado direito, o GAO tende a mais infinito, em função da redução do lucro. Logo, o GAO varia de menos infinito a mais infinito (-∞ ≤ GAO ≤ + ∞), com a restrição de não poder assumir o nível zero. Essa restrição caracteriza a função GAO como descontínua no ponto em que a Margem de Contribuição se iguala aos Custos e Despesas Fixas e, em consequência disso, nesse ponto a função não é derivável. 2Metodologia 2.1 Modelo Geral Nas pesquisas empíricas que relacionam informações contábeis com o comportamento das ações no mercado de capitais, uma premissa comum, derivada da Hipótese de Eficiência do Mercado, é a de que o mercado antecipa as informações contábeis antes delas serem divulgadas. O pilar central do modelo de mensuração contábil – de confrontar o custo expirado dos ativos com a receita realizada – contribui para esse processo, pois torna as informações contábeis mais estáveis e previsíveis, favorecendo a antecipação delas nos preços nas datas de fechamento dos balanços, com ajustes posteriores ao longo do período que antecede a divulgação. Por essa razão, a maioria das pesquisas empíricas que analisam a reação do mercado às informações contábeis é modelada na forma Ʋ=Xβ+ ɛ, onde: Ʋ é um vetor coluna de retornos anormais, ou retornos não esperados, com m linhas, para a ação de cada empresa; X é uma matriz m x k (m linhas e k colunas) de valores não esperados das variáveis contábeis para cada empresa; β é um vetor coluna com k linhas, que representa os estimadores, ou coeficientes de respostas das variáveis independentes, empiricamente obtidos ao se rodar a regressão linear; e ɛ é um vetor coluna de erros residuais, com m linhas, também empiricamente gerado. Contudo, a natureza da alavancagem operacional abre possibilidade teórica para um Rev. FA E , C uritiba, novo tipo de modelagem, em que a relação contemporânea do comportamento das ações com essa variável não se dê em termos de valores não esperados, mas pelo próprio valor real, na data do fechamento do balanço, entre o retorno e o GAO de cada empresa. Quando o estudo é conduzido para períodos curtos de tempo, no caso desta pesquisa, trimestrais, é possível imaginar que o mercado só reagiria às informações de capacidade instalada quando essas se alterassem com novos investimentos em ativos fixos, ou alienação deles. Nessas condições, o que estaria produzindo a alteração do GAO seria o nível de produção, pois esse é definido pelo uso da capacidade instalada. Dessa forma, é possível que os preços reajam a essa informação concomitante à produção e por isso o seguinte modelo será testado: ri,t=β0+β1 GAOi,t+εi,t (1), onde: ri,t = retorno normal da empresa i, ao fim do trimestre t; GAOi,t = Grau de Alavancagem Operacional da empresa i, ao fim do trimestre t; β0 e β1 = estimadores da regressão, respectivamente, o coeficiente linear e angular da reta de regressão r = f(GAO); ɛi,t = erro residual de estimação, da empresa i, ao fim do trimestre t. Assume-se ɛ ≈ N(0; σ2). Mas, como há a possibilidade de o mer cado antecipar-se à informação da produção e, por extensão, do GAO, será rodado também o seguinte modelo: Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t+εi,t(2), onde: Ʋi,t = retorno anormal (ou não esperado) da empresa i, ao fim do trimestre t; = Grau de Alavancagem GAONEi,t Operacional Não Esperado da empresa i, ao fim do trimestre t; Demais parâmetros como na equação (1). v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012 151 2.2 Obtenção das Variáveis Retorno da Ação – Na equação (1), o retorno normal, ri,t, da ação i ao fim do trimestre t, será obtido assumindo capitalização contínua dos preços, conforme equação (3) a seguir: ri,t=ln ( )=ln(pi,t) — ln(pi,t-1)(3), onde, ln é o operador de logaritmo natural; e pi,t e pi,t-1 são, respectivamente, o preço da ação da empresa i no fim do trimestre corrente, t, e do trimestre anterior, t-1. Na equação (2), o retorno anormal (ou não esperado) da empresa i, ao fim de cada trimestre t, Ʋi,t, é a diferença entre o retorno real, ri,t, e o que fora antecipado, no trimestre anterior, t-1, para o retorno em t, Et-1(ri,t), isto é: Períodos trimestrais de observação e a premissa de eficiência do mercado, que impede a possibilidade de ganhos anormais continuados, são fundamentos razoáveis para justificar que um bom preditor do retorno para o trimestre corrente é o retorno verificado no trimestre anterior. Ʋi,t=ri,t — Et-1 (ri,t)(4) Uma escolha importante do pesquisador, quando ele trabalha com retornos anormais, é qual será o modelo para projetar os retornos esperados, Et-1(ri,t). Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) utilizaram em sua pesquisa o modelo de mercado (market model). Neste trabalho, utilizaremos um modelo naïve. Períodos trimestrais de observação e a premissa de eficiência do mercado, que impede a possibilidade de ganhos anormais continuados, são fundamentos razoáveis para justificar que um bom preditor do retorno para o trimestre corrente é o retorno verificado no trimestre anterior. O caráter parcimonioso dessa especificação tem a vantagem de livrar o pesquisador da discricionariedade da escolha de uma janela de estimação e periodicidade dos retornos para rodar o modelo de mercado. Assim: Et—1 (rt)=ri,t-1→Ʋi,t= ri,t—ri,t-1(5) Grau de Alavancagem Operacional (GAO) – A especificação mais comum para obter empiricamente o GAO é regredir o lucro operacional (LO) contra a receita líquida de vendas (RL). 152 Esse modelo parece ter sido formulado originalmente por Mandelker e Rhee (1984) e, desde então, vem sendo utilizado por outros pesquisadores, sendo exemplos Gahlon e Gentry (1986), Huffman (1989), Chung (1989), Dugan e Shriver (1992), Darrat e Mukherjee (1995), e Griffin e Dugan (2003). No Brasil, Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) reproduziram essa mesma especificação, em série temporal para cada empresa, com uma janela de estimação fixa em quantidade de trimestres, mas móvel ao longo da janela de projeção, com abandono do último trimestre da série de estimação à medida que novos trimestres eram incorporados. Isso resultou em novos estimadores β1 para cada trimestre, por empresa, um refinamento metodológico que contribuiu para uma maior acurácia do GAO trimestral empiricamente obtido, no caso, o próprio coeficiente de resposta β1. Matematicamente: ln(LOi,t)=β0i,t+β1i,t ln(RLi,t)+φi,t. Nesta pesquisa, inova-se na apuração empírica do GAO, com a seguinte especificação: CPVi,t=β0i,t+β1i,tRLi,t +φi,t(6), 2.3 Hipótese da Pesquisa onde: CPVi,t = custo do produto vendido, da empresa i, no trimestre t; RLi,t = receita líquida de vendas, da empresa i, no trimestre t; β0 e β1 = estimadores da regressão, respectivamente, o coeficiente linear e angular da reta de regressão CPV = f(RL); φi,t = erro residual de estimação, da empresa i, no trimestre t. Assume-se φ ≈ N(0; σ2). A equação (6) permite extrair, de dentro do custo do produto vendido, o custo variável unitário médio trimestral da empresa, representado pelo coeficiente β1. Quando esse coeficiente é multiplicado pela receita líquida (RL) da empresa em cada trimestre, obtém-se a parcela do custo variável de produção que está dentro do custo do produto vendido, que uma vez adicionada à despesa variável de vendas (DV), fornecida pelas demonstrações financeiras, resulta no custo variável total (CVT). Assim: CVTi,t = β1i,t RLi,t + DVi,t(7) O GAO de cada trimestre da empresa é sua margem de contribuição, mensurada pela receita líquida (RL) menos o custo variável total (CVT), obtido como mostrado em (7), dividida pelo lucro operacional (LO), isto é: GAOi,t= RLi,t—CVTi,t LOi,t (8) Obtidas as variáveis pela sequência de equações (3) a (8), são rodadas as regressões (1) e (2). Na linha das argumentações aqui desenvolvidas, espera-se que o mercado reaja à informação contemporânea do GAO tanto no seu valor real, como mostrado em (1), quanto na sua formulação não esperada, como mostrado em (2). Além disso, para estabelecer um diálogo com o trabalho de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006), as equações (1) e (2) também serão testadas com a variável independente defasada de um período trimestral: ri,t=β_0+β_1 GAOi,t-1+εi,t(9) e Rev. Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t-1+εi,t(10) FA E , C uritiba, Espera-se, pelos argumentos aqui coloca dos, que haja associação significativa entre o GAO e o retorno da ação, tanto em termos con temporâneos, como observado em (1) e (2), como quando a variável GAO estiver defasada de um período trimestral, como observado em (9) e (10). Contudo, não é possível antecipar o sinal do coeficiente de resposta, pois, para isso, a resposta do mercado ao GAO terá que ser analisada em conjunto com o comportamento das vendas da empresa, uma análise que deve ser continuada em futuras pesquisas. Assim, a hipótese central desta pesquisa, formulada de modo alternativo, é: H1: β1 =/= 0 2.4 Amostra A amostra total compreende dados finan ceiros trimestrais de empresas do segmento de manufatura, de 1996 a 2008, num total de 52 trimestres. O banco de dados para a realização desta pesquisa cobre o período do 1T00 ao 4T08, com o período de 1T96 ao 1T00 utilizado como janela inicial de estimação. Foi utilizada uma janela móvel de 17 trimestres fixos: a inicial do 1o trimestre de 1996 ao 1o trimestre de 2000, e as seguintes abandonando-se o último trimestre da janela e incluindo-se o trimestre seguinte até o último trimestre de 2008, para estimar os custos variáveis totais por meio das equações (6) e (7) descritas na metodologia. O período de 17 trimestres fixos para a estimação empírica dos custos variáveis totais foi escolhido após a plotagem em um gráfico cartesiano das variáveis CPV e RL indicar que rupturas importantes da tendência de linearidade ocorriam, em média, a cada quatro anos. Todos os dados, contábeis e de mercado, foram extraídos da base de dados da consultoria Economática. Os dados estão expressos em moeda de 31/12/2008. A amostra inicial totalizou 226 v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012 153 empresas. O primeiro critério de seleção considerou apenas as empresas que apresentassem dados contínuos de receitas e custos, o que reduziu a amostra para 165 empresas. Após rodadas regressões para obtenção empírica do GAO, por meio das equações (6), (7) e (8), foram eliminadas as empresas com GAO menor do que 1, pois para essas situações o lucro é menor do que zero, o que distorce a informação do GAO. Com isso, a amostra final resultou em 94 empresas. 3Resultados No processo de obtenção empírica do custo variável total, para fins de cálculo da margem de contribuição e do GAO trimestral, foram rodadas 5.940 regressões envolvendo as 165 empresas que resultaram após o primeiro critério de seleção. Feitas as eliminações dos GAO menores do que 1, restaram 1.940 observações trimestrais para as 94 empresas da amostra final. Os dados foram organizados em painel e as regressões especificadas nas equações (1), (2), (9) e (10) foram rodadas sem efeitos, no modo pooled data, e com efeitos fixos. apresenta escalado pelo Ativo Operacional Médio, 3.1 Estatísticas Descritivas A tabela 1, a seguir, mostra as estatísticas descritivas das principais variáveis utilizadas nesta pesquisa. O lucro operacional (LO), que aqui se e a Variação da Receita Líquida de Vendas (∆RLV), são variáveis primárias obtidas diretamente das demonstrações financeiras. As demais variáveis da tabela são secundárias, obtidas a partir de cálculos sobre as variáveis primárias. Outras variáveis primárias, como o custo do produto vendido (CPV) e as despesas variáveis de venda (DV) foram omitidas da tabela, mas se encontram presente, indiretamente, nas variáveis GAO e GAONE. TABELA 1 — Estatísticas descritivas das principais variáveis da pesquisa Ʋ r GAO GAONE 2,186 ∆RLV 0,044 0,000 Mediana 0,023 0,008 5,590 -0,020 0,031 0,027 Máximo 1,661 2,888 94,260 83,240 0,749 5,098 Mínimo -1,742 -2,405 1,010 -824,270 -1,989 -3,384 Desvio-Padrão 0,267 0,357 11,577 31,619 0,062 5,627 1903 1903 1903 1903 1903 1903 N 9,178 LO Média 0,037 0,072 FONTE: Os autores Sendo que r = retorno (real, normal) trimestral da ação, calculado por capitalização contínua (r = ln(pt/pt-1); Ʋ = retorno anormal da ação, calculado pela diferença entre o retorno real e o esperado para cada trimestre. Adotado modelo naive, Ʋ = rt – rt-1; GAO = Grau de Alavancagem Operacional, apurado pela divisão da margem de contribuição de cada empresa (obtida empiricamente) pelo seu lucro operacional divulgado; GAONE = GAO trimestral não esperado, obtido pela diferença entre o GAO do trimestre corrente e o GAO do trimestre anterior, sob a premissa de que um preditor aceitável 154 para o GAO do trimestre t é o GAO verificado no trimestre anterior; ∆RLV = variação da receita líquida de vendas, medida pela diferença relativa entre a receita do trimestre atual e a do trimestre anterior (∆RLV = (RLVt – RLVt-1)/RLVt-1 ; LO = lucro operacional, escalado pelo ativo operacional médio. O retorno médio trimestral para as em presas da amostra final, no período 2000 a 2008, foi de 4,4%, mas houve grandes oscilações, com o máximo retorno atingindo níveis de 166,1%, e o mínimo, uma perda de 174,2% no trimestre. Tamanha amplitude entre valores extremos explica a elevada dispersão em torno da média, verificada pelo desvio-padrão de 26,7%, aproximadamente seis vezes maior do que a média. O retorno trimestral mediano, de 2,3%, ligeiramente menor do que a média, mostra uma leve assimetria à direita na distribuição de frequências do retorno, indicando uma quase normalidade da distribuição. A elevada dispersão dos retornos propagou-se para os retornos anormais (ou retornos não esperados), Ʋ, pois também apresentou extremos positivo e negativo bastante elevados e um desvio-padrão de 35,7%, quase 400 vezes maior do que a média trimestral dos retornos anormais, que, com três casas decimais, apresenta-se com valor zero. Aqui, devido ao processo utilizado para obtenção dos retornos anormais, como primeira diferença entre o retorno do trimestre t e o retorno do trimestre t-1, houve uma inversão na assimetria, pois como a média é menor do que a mediana, embora essa diferença seja de pouca magnitude, constata-se uma leve assimetria à esquerda, mas que também não contraria a premissa de normalidade da distribuição de frequências, para fins das operações de regressão linear. O GAO médio trimestral, de 9,178 vezes, revela, numa primeira aproximação, que as empresas da amostra apresentaram-se no período amostral com ociosidade importante, embora isso deva ser explicado pela presença de grandes valores extremos, já que a mediana, de 5,590, pouco acima da metade da média, revela uma distribuição de frequências assimétrica à direita, mas com concentração de valores no intervalo entre 1 (exclusive) e 6. A média está bastante influenciada pelo valor extremo de 94,26, e por alguns outros poucos outliers de elevada magnitude, responsáveis também pelo desvio-padrão um pouco maior do que a média, mas preferiu-se mantê-los na amostra para não influenciar artificialmente os resultados. É importante observar que se os valores extremos à direita fossem retirados da amostra, a média se aproximaria mais da mediana, e o desvio-padrão seria reduzido, revelando que no período de 2000 a 2008 as empresas da amostra apresentaram-se com ociosidade média moderada, com concentração em torno de 5 ou 6. Rev. FA E , C uritiba, De fato, não se deveria esperar grandes oscilações no GAO, pois a alteração deste, sob padrões de custos e receitas operacionais mais ou menos estáveis, se daria apenas quando a empresa fizesse novos investimentos importantes em ativos fixos, e, apoiado nessa premissa, este estudo adotou o modelo naïve, random walk para apurar o GAO não esperado (GAONE) como primeira diferença (GAOt menos GAOt-1) dos GAOs trimestrais, mesma abordagem utilizada por Dantas, Medeiros e Lustosa (2006). E o lucro operacional (LO), síntese das receitas e despesas operacionais, aqui apresentado escalado pelos ativos operacionais médios, o que lhe confere um significado de retorno sobre os investimentos em ativos operacionais (ROI), confirma um processo de relativa estabilidade, posto que sua média é praticamente igual a mediana (3,7% e 3,1%, respectivamente), com um desvio-padrão de aproximadamente duas vezes a média. A amplitude do ROI, no entanto, é bastante considerável, observando-se que houve empresas que apresentaram um ROI máximo de 74,9% no trimestre, e outra com retorno trimestral negativo sobre o investimento de 198,9%. Todavia, o expurgo dos valores negativos de GAO da amostra fez com que os retornos operacionais negativos dos ativos não se propagasse para as medidas empíricas do GAO. Isso evidencia que o alto desvio-padrão da medida do GAO deriva dos outliers positivos elevados que se decidiu por manter na amostra. Assim, a interpretação das estatísticas des critivas da variável GAO não esperado (GAONE), uma vez que obtidas pela diferença simples entre os GAOs trimestrais, é similar à que foi feita para o GAO, por isso não será aqui repetida. Por fim, as estatísticas descritivas da variável Variação da Receita Líquida sobre Vendas (∆RLV) revelam algumas características interessantes sobre o comportamento das vendas das empresas da amostra. Em primeiro lugar, a média e a mediana dessa variável são positivas (0,072 e 0,027, respectivamente), indicando uma assimetria importante à direita na distribuição de frequências dessa variável. O desvio-padrão 5,627 é 78,15 vezes maior do que v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012 155 a média, mostrando uma grande dispersão nos valores dessa variável, como pode ser constatado também pela grande amplitude entre os valores extremos, mínimo de -3,384, e máximo de 5,098. Por outro lado, a mediana 4,5% menor do que a média (0,072 – 0,027), em valores absolutos, revela uma maior quantidade de quedas nas vendas de um trimestre para o outro, mas tais quedas não foram capazes de prevalecer sobre os aumentos trimestrais de receitas da série, provavelmente de valores absolutos maiores do que os da receita, já que o efeito final foi um aumento médio trimestral de 7,2% nas receitas das empresas da amostra. A seguir, na TAB. 2, é apresentada a matriz de correlações de Pearson das variáveis que serão testadas por meio das equações (1), (2), (9) e (10), com o objetivo de obter-se insights sobre os prováveis resultados dos testes. Em relação à TAB. 1, foram acrescentadas as variáveis GAOt-1 e GAONEt-1, objeto dos testes especificados nas equações (9) e (10), e suprimidas as variáveis LO e RLV por não interessar diretamente aos testes. 3.2 Matriz de Correlações de Pearson TABELA 2 — Matriz de correlações de Pearson das variáveis das equações (1), (2), (9) e (10) r r Ʋ Ʋ GAOt GAOt-1 GAONEt 0,6636 1 GAOt -0,0253 0,0247 1 GAOt-1 -0,0762 -0,0367 0,3312 1 GAONEt GAONEt-1 GAONEt-1 1 0,0440 0,0531 0,5782 -0,5784 1 -0,0460 -0,0681 0,0629 0,5781 -0,4455 1 FONTE: Os autores Como esperado, existe alta correlação (aproximadamente 58%) contemporânea entre o GAO e o GAONE do trimestre corrente, uma vez que o GAONE, pelo modelo o adotado neste estudo, deriva diretamente do GAO, sendo aquele a primeira diferença deste. Por essa mesma razão, a correlação do GAO defasado em um trimestre, GAOt-1, com o grau de alavancagem operacional não esperado do trimestre corrente (GAONEt), tem o mesmo valor da correlação do GAOt x GAONEt, mas com o sinal trocado (-58%). A razoável correlação positiva, de 33,12%, do GAO do trimestre corrente (GAOt) com o GAO do trimestre anterior (GAOt-1), confirma a expectativa de que a medida do GAO é relativamente estável trimestre a trimestre, posto que alterações importantes nessa medida, para além daquelas que decorressem das flutuações das vendas e melhorias na eficiência de produção, demandaria investimentos em ativos fixos, decisões que 156 ocorrem em prazos bem mais longos do que a periodicidade trimestral da série. O resultado da correlação GAOt x GAOt-1, de 33,12%, indica que um terço do GAO do trimestre anterior persiste para o período corrente. Não é um número desprezível, quando se pondera que, numa série em painel, como a realizada neste estudo, os investimentos das empresas em ativos fixos, mesmo que não recorrentes no curto prazo, podem ocorrer em diferentes trimestres entre as empresas da série. Infere-se, portanto, que a persistência do GAO para uma empresa tomada individualmente deve ser significativamente superior à que foi revelada para a amostra de empresas deste trabalho. Este é um ponto que merece ser explorado em futuras pesquisas empíricas. A correlação elevada entre os retornos correntes, normal e anormal ou não esperado, r e Ʋ, de 66,36%, decorre do método adotado para o cálculo do retorno não esperado como primeira diferença dos retornos normais. Conquanto seja positiva, com magnitude de 5,31%, a correlação contemporânea entre o retorno não esperado, Ʋt, e o grau de alavancagem operacional não esperado, GAONEt, é interessante observar que as correlações entre o retorno normal, r, e o grau de alavancagem operacional, contemporâneo (GAOt) ou defasado (GAOt-1), embora de baixa magnitude, são negativas: -2,53% e -7,62%, respectivamente. Também é negativa, com magnitude um pouco maior que essas duas anteriores, a correlação entre o retorno não esperado do trimestre corrente, Ʋt, e o grau de alavancagem operacional não esperado do trimestre anterior, GAONEt-1: -6,81%. Talvez essas correlações negativas decorram de o mercado estar penalizando as empresas por apresentarem-se, no período amostral, simultaneamente ociosas e com baixo crescimento das receitas, conforme descrito no capítulo anterior. Resta verificar se essas correlações de sinal negativo entre o retorno e o GAO são significativamente associadas. 3.3 Testes Estatísticos de Significância TABELA 3 — Testes estatísticos da relação trimestral entre retorno de mercado e o grau de alavancagem operacional, normal e inesperado, em momentos contemporâneo e defasado de 1 trimestre Eq. Especificação R2ajust 1 ri,t=β0+β1 GAOi,t+εi,t 0,0001 Inclin. (β) -0,0006 Stat t Stat F DW Obs. -1,1049 1,2208 1903 2 Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t+εi,t 0,0023 0,0014 2,3195(**) 5,3801 1903 9 ri,t=β0+β1 GAOi,t-1+εi,t 0,0053 -0,0018 -3,3333(***) 11,1109 1903 10 Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t-1+εi,t 0,0041 -0,0018 -2,9770(***) 8,8625 1903 (**) significativo a 5%; (***) significativo a 1%. FONTE: Os autores Como esperado, é negativo o estimador do coeficiente angular (β= inclinação da reta de regressão) em três dos quatro modelos lineares especificados para testes contra o retorno de mercado. Isso significa que o mercado penalizou, na média, de certo modo, as empresas da amostra, por apresentarem-se abaixo do ponto de eficiência produtiva máxima, já que se encontravam alavancadas operacionalmente (GAO médio de 12,43, considerando outliers; e em torno de 6 se os outliers fossem excluídos), mas com uma situação de baixo crescimento trimestral da receita (conforme TAB. 1, média de 7,2%, e mediana de 2,7%). No modelo 1, o estimador β, apesar de negativo, sinalizando relação contemporânea inversa do retorno com o GAO, não se mostrou estatisticamente significativo (stat t = -1,1049). Mas nos modelos 9 e 10, essa relação foi significativa a 1%, em um teste uni-caudal, indicando que não se pode rejeitar a hipótese alternativa H1 apresentada, de que β1 é realmente diferente de zero. Além disso, os modelos 2, 9 e 10 mostraram-se significativos como um todo, conforme indica as respectivas estatísticas F, todas significativas a 1%. Por outro lado, na regressão 1, do mesmo modo que não foi significativo o coeficiente de resposta, o modelo como um todo também se mostrou insignificante. Uma vez que esta pesquisa se propôs a avançar sobre o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006), os resultados e características de cada estudo serão agora sumariados no QUADRO 1, a seguir: Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012 157 QUADRO 1 — Comparação de metodologias e resultados com a pesquisa de Dantas et al (2006) continua Elemento Dantas et al (2006) Esta Pesquisa Efeito O GAO trimestral foi obtido O GAO trimestral foi obtido empiricamente usando o tradicional modelo de Mandelker Obtenção do GAO e Rhee (1984), no qual o GAO é o coeficiente bj na regressão do Lucro Operacional (LO) contra a Receita Operacional Líquida (ROL): ln(LOjt) = aj + bjlnROLjt + ejt dividindo-se a margem de contribuição pelo lucro operacional. Os custos variáveis por unidade de receita, para o cálculo da margem de contribuição, foram obtidos empiricamente em uma regressão do Custo do Produto Vendido (CPV) contra a Receita Operacional (Líquida).: Para melhorar o ajuste, a regressão CPV = f(ROL) desta pesquisa foi rodada com um período móvel de estimação de 17 trimestres fixos, em que o acréscimo de cada novo trimestre do período amostral era acompanhado do abandono do trimestre inicial da série. CPVi,t=β0i,t+β 1i,tROLi,t+φi,t O random walk para retornos Obtenção do retorno não esperado (RNE ou Ʋ) Utilizado o market model, Utilizado o naïve model (random trimestrais pode ser um conforme Soares, Rostagno e walk), em que o retorno não procedimento mais frágil do que Soares (2002), para a estimação esperado é a diferença simples o modelo de mercado, mas o dos retornos esperados, a partir entre o retorno de t e retorno objetivo da pesquisa é também do qual foi obtido o RNE pela de t-1, assume-se, nesse modelo, verificar se os resultados obtidos diferença entre o retorno real e o que o retorno de t-1 é um bom por Dantas, Medeiros e Lustosa retorno esperado. estimador do retorno de t. (2006) se mantém sob novas escolhas metodológicas. Obtenção Modelo naïve, do tipo random do GAO não walk, em que o GAONE é a esperado diferença entre o GAO de t e o (GAONE) GAO de t-1. Mesmo modelo utilizado na pesquisa de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006), ressalvado que o GAO foi calculado de modo Diferente apenas no que diz respeito ao cálculo do GAO. diferente nos dois estudos. ri,t=β0+β1 GAOi,t+εi,t Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t+εi,t ri,t=β0+β1 GAOi,t-1+εi,t Modelos para RNEijt = αij + βij (GAONEij, t–1 ) Ʋi,t=β0+β1 GAONEi,t-1+εi,t teste + εij, t (*) (*) semelhante ao modelo utilizado por Dantas et al (2006). 158 Três novos modelos foram adicionados nos testes desta pesquisa. QUADRO 1 — Comparação de metodologias e resultados com a pesquisa de Dantas et al (2006) conclusão Elemento Dantas et al (2006) Esta Pesquisa Efeito Apresentadas as estatísticas descritivas e matriz de correlações das variáveis, que Estatísticas revelaram importantes aspectos descritivas e matriz de correlações dos dados. O GAO médio indica Não apresentadas no artigo. ociosidade, que, contrastado com o baixo crescimento médio entre as da receita trimestral, pode variáveis explicar a predominância de Merecem destaque as correlações negativas entre o retorno e o GAO, que pode ser devida a uma condição de elevada ociosidade com baixo crescimento da receita. relação inversa entre o retorno e o GAO. Resultados apresentados referem-se a regressões rodadas Verificado significância estatística e direta, a 1%, em Resultado dos testes painéis sem efeitos, com efeitos fixos e com efeitos aleatórios. Os resultados se mantiveram para amostras com e sem a inclusão de outliers. apenas em painéis sem efeitos (pooled data). Os resultados se mantiveram (embora não apresentados no trabalho) para painéis com efeitos. Resultados de três das quatro especificações econométricas se mostraram significativos, dois a 1% com associação inversa, e um a 5%, com associação direta. A associação inversa nas especificações 1, 9 e 10, embora a 1 não seja significativa, pode ter resultado da combinação preocupante entre GAO elevado e baixo crescimento da receita, durante o período amostral. Esse é um ponto que merece ser investigado com mais profundidade em futuras pesquisas. FONTE: Os autores Marcos Conclusivos posição outubro/2011, por pesquisadores de todo o mundo. No Brasil, contudo, afora o citado estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006), O tema alavancagem operacional é objeto as pesquisas sobre esse tema têm sido residuais. de interesse em muitas pesquisas no exterior, Justifica-se, portanto, avançar nessa área, como sendo exemplos apenas de estudos mais recentes: fez este estudo. Jorgensen et al (2009); Li e Li (2004); Griffin e Dugan (2003). O ponto central desta pesquisa foi verificar se os resultados obtidos no estudo de Dantas, Para ilustrar essa afirmação, registre-se que Medeiros e Lustosa (2006) se mantinham com a o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006), mudança de alguns procedimentos metodológicos transcrito para a língua inglesa e disponibilizado relacionados: (i) com uma nova abordagem para o no repositório SSRN – Social Science Research cálculo empírico do GAO; (ii) com a substituição do Network –, teve mais de 800 downloads na versão tradicional modelo de mercado (market model) por completa, e mais de 4,4 mil vezes o abstract, um simples processo random walk para o cálculo Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012 159 dos retornos não esperados trimestrais; e (iii) com a investigação da associação contemporânea do retorno simples de t com o GAO de t, sem se deixar, contudo, de observar a associação defasada de um trimestre (retorno de t com o GAO de t-1) e o comportamento dos retornos não observados com o GAO não esperado de t e t-1, este último exatamente como feito no estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006). com significância menor (5%), em linha com os Na análise dos resultados desta pesquisa, contudo, ocorreu uma situação curiosa, que levou a uma constatação que não fazia parte do objetivo inicial, um processo que na literatura estrangeira é conhecido como serendipity: mirar uma coisa e descobrir outra. As estatísticas descritivas revelaram que, na média, as empresas da amostra apresentaram um grau de alavancagem operacional trimestral relativamente elevado, da ordem de 12 com a presença de outliers e em torno de 6 a 8 sem a presença dos outliers. alta (baixa) variação positiva da receita tendem a Ao mesmo tempo, o crescimento médio da receita, no mesmo período foi da ordem de 7,2% no trimestre, ou 2,34% ao mês. Essa combinação de ociosidade, revelada pelo GAO elevado, com baixo crescimento da receita, permitiu antecipar que o mercado poderia penalizar o desempenho das empresas, o que veio a ser constatado pela correlação negativa predominante entre os retornos, normais e anormais, com o GAO, normal e não esperado, de magnitude suficiente para descartar um processo meramente aleatório, conforme evidenciado pelos testes estatísticos, em que se verificou uma associação inversa e significativa, no nível de 1%, entre o retorno normal do trimestre corrente t com o GAO do trimestre anterior, t-1, bem como entre o retorno anormal ou não esperado de t com o GAO não esperado do trimestre anterior, t-1. Da mesma forma, foi negativa a associação entre o retorno normal de t com o GAO do mesmo trimestre, t, embora o respectivo teste não tenha apresentado significância estatística. Ressalve-se, contudo, que a associação contemporânea entre o retorno não esperado de t com o GAO não esperado do mesmo trimestre, t, mostrou-se positiva, embora 160 resultados encontrados por Dantas, Medeiros e Lustosa (2006). Tais resultados abrem oportunidades para novas pesquisas de associação entre retorno e GAO, com controle da variação da receita, pois se espera que haja uma relação inversa entre o nível de GAO com o comportamento da receita. Assim, empresas com baixo (alto) GAO, mas com apresentar desempenho menor (maior). • Recebido em: 01/11/2011 • Aprovado em: 07/03/2012 Referências CHUNG, K. H. The impact of the demand volatility and leverages on the systematic risk of common stocks. Journal of Business Finance & Accounting, Oxford, England, v. 16, n. 3, p. 343-360, 1989. DANTAS, J. A.; MEDEIROS, O. R.; LUSTOSA, P. R. B. Reação do mercado à alavancagem operacional: um estudo empírico no Brasil. 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Estudo de evento: o método e as formas de cálculo do retorno anormal. In: ENANPAD, 26., 2002, Salvador: Anais. Salvador: ANPAD, 2002. CD-ROM. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012 161 A hipótese de eficiência de mercado e a performance dos fundos de ações brasileiros The efficient markets hypothesis and the evaluation of the performance of brazilian mutual funds A hipótese de eficiência de mercado e a performance dos fundos de ações brasileiros The efficient markets hypothesis and the evaluation of the performance of brazilian mutual funds Marcus Vinicius de Oliveira e Silva1 Marcos Roberto Gois de Oliveira2 Resumo Este trabalho teve como objetivo avaliar a performance dos fundos de ações brasileiros referenciados ao Ibovespa, abrangendo o período de janeiro de 2000 a março de 2007. Essa avaliação foi feita pela ótica do investidor, tendo como referência as premissas da Hipótese de Eficiência de Mercado (HEM). Os resultados apontaram que os fundos passivos tiveram desempenho inferior ao Ibovespa, enquanto os fundos ativos conseguiram rendimentos próximos ao Ibovespa. Os resultados dos fundos passivos e ativos apresentaram desempenho próximo ao que seria esperado, de acordo com a HEM, quando considerados os custos envolvidos. Ao mesmo tempo, os fundos ativos alavancados apresentaram rendimentos notadamente superiores ao do Ibovespa, ficando em desacordo ao que se poderia esperar pela HEM e pelos níveis de risco apresentados. Palavras-chave: Mercado Eficiente. Séries Temporais. Testes de Hipótese. Avaliação de Performance de Fundos de Ações. Abstract This work aims to evaluate the performance of the Brazilian mutual funds referenced by the Ibovespa index, in the period from January 2000 to March 2007. This evaluation was made from the investor’s perspective and had as reference the premises of the Efficient Markets Hypothesis (EMH). The results show that the passively managed mutual funds underperformed in relation to the Ibovespa index, while the actively managed mutual funds performed similarly to the Ibovespa index. The results of the passively as well as the actively managed mutual funds performed close to what should be expected by the EMH, when costs were taken into consideration. During the same period, leverage actively managed funds had a performance clearly superior to the Ibovespa index, which is not compatible with the EMH, when their risk level is taken into account. Keywords: Efficient Markets. Time Series Analysis. Hypothesis Testing. Mutual Funds Performance Evaluation. Mestre em Economia (UFPE). E-mail: [email protected]. Doutor em economia (UFPE). Professor da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 1 2 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 163 Introdução A Hipótese de Eficiência de Mercado (HEM) é um dos fundamentos da Moderna Teoria de Finanças. Elton et al (2004) afirmam que a HEM supõe que os preços dos títulos refletem integralmente as informações disponíveis. Bodie, Kane e Marcus (2000) comentam que, de fato, se os movimentos nos preços das ações fossem previsíveis, seria uma evidência contundente da ineficiência do mercado acionário, porque a habilidade de prever preços indicaria que todas as informações disponíveis não estariam embutidas nos preços das ações. As premissas que dão sustentação à hipótese têm motivado muitos e intensos debates. Nesse sentido, afirma Damodaran (2001, p. 201) que: a eficiência do mercado foi testada em centenas de estudos ao longo das últimas três décadas. As evidências destes estudos têm sido às vezes contraditórias, pois os pesquisadores examinaram as mesmas questões de várias formas diferentes, utilizando diferentes técnicas A partir de pesquisa bibliográfica, foram encontrados alguns trabalhos que avaliam a performance dos gestores de fundos de ações no Brasil, tais como Minardi (2001), Fonseca et al. (2007), Gonzalez e Matsumoto (2005), Varga (1999), Souza et al (1997) e Securato, Oliveira e Castro Junior (2004). Não foram encontrados trabalhos de avaliação de fundos brasileiros que tenham usado o modelo desenvolvido por Jensen (1967) e testes de hipótese. Assim, entende-se ser de interesse, uma avaliação dos gestores dos fundos de ações utilizando um período mais recente, que abrange a estabilização da economia e um maior desenvolvimento do mercado de ações brasileiro. Neste trabalho procurou-se verificar, sob a ótica de um investidor, a validade da HEM nos fundos de ações brasileiros. Essa análise foi baseada no modelo desenvolvido por Jensen (1967), considerado na literatura um dos primeiros e dos mais utilizados modelos de avaliação de carteiras, o qual será, de forma resumida, apresentado aqui. estatísticas e períodos de tempo para seus testes. O pêndulo da opinião de consenso tem se movimentado entre a visão de que os mercados são, em sua grande maioria, eficientes e, a visão de que há ineficiência 1 Referencial Teórico significante nos mercados financeiros. A maioria dos estudos empíricos confirma, ou pelo menos não conseguem refutar, a HEM. Entretanto, diversos estudos têm apresentado resultados que contradizem as premissas da HEM. As causas desses resultados contraditórios têm sido chamadas de ‘anomalias’. Dadas as diferentes características dos ativos e das carteiras de ativos, os testes de verificação da existência da HEM necessitam de um modelo de precificação do objeto da análise que leve em conta as características de risco, ocorrendo, então, a chamada hipótese conjunta, o que configura uma dificuldade adicional. Isso decorre de que eventuais discrepâncias entre o previsto e o realizado podem ser decorrentes da inexistência de eficiência em relação ao ativo analisado, ou ser resultante de um modelo de precificação inadequado, ou ainda, pelas duas razões. 164 1.1A Hipótese de Eficiência de Mercado – HEM De acordo com Fama (1970), o mercado de capitais tem o objetivo fundamental de possibilitar a alocação eficiente dos capitais de uma economia. Essa alocação de capitais será tão mais eficiente quanto melhor os preços retratarem os valores das diversas alternativas de investimento. Para Fama (1970), o mercado de capitais ideal seria aquele em que os preços fornecessem informações adequadas para a melhor alocação dos recursos, ou seja, onde as empresas pudessem tomar as decisões de produção e investimento e os investidores pudessem escolher entre as ações das empresas, considerando que os preços, em Mercado de capitais tem o objetivo fundamental de possibilitar a alocação eficiente dos capitais de uma economia, tal alocação será tão mais eficiente quanto melhor os preços retratarem os valores das diversas alternativas de investimento. qualquer tempo, refletiriam todas as informações disponíveis. Um mercado com essas características seria considerado eficiente. Em relação aos mercados acionários, a abordagem tradicional de estudo tem se baseado na HEM. Segundo essa hipótese, os preços das ações oscilariam constantemente, de forma aleatória, em torno do valor intrínseco dessas ações. Tendo por base os trabalhos de Samuelson (1965), Fama (1965) e Roberts (1967), Fama (1970) apresenta uma revisão da teoria e de evidências da HEM, classificando-a, sob o aspecto informacional, em três formas: fraca, semiforte e forte. Como dito, a HEM não invalida a existência de distorções localizadas, de sub ou sobre reações a novas informações. O que a HEM considera é que não é possível a um analista a utilização rotineira de distorções de mercado que lhe possibilitem ganhos extraordinários. Segundo Damodaran (2001), as definições de eficiência de mercado têm de ser específicas, não apenas com relação ao mercado que está sendo considerado, mas também quanto ao grupo de investidores compreendido. O autor também afirma que é improvável que todos os mercados sejam eficientes para todos os investidores, mas é Rev. FA E , C uritiba, factível que um mercado específico, seja eficiente com respeito ao investidor médio. 1.2 Modelo Básico de Formação de Preços de Ativos Segundo Bruni e Famá (1999), em 1958, James Tobin ressaltou a importância do ativo livre de risco no processo de escolha do investidor. A taxa de juros deveria representar um prêmio pelo risco corrido e não apenas uma recompensa pelo não consumo. Dependendo do grau de aversão ao risco de um investidor, este poderia dividir seus investimentos, aplicando-os no ativo livre de risco e/ou num conjunto otimizado de ativos com risco, de acordo com Markowitz (1952). Dimson e Mussavian (1998) comentam que com o desenvolvimento do modelo de precificação de ativos por Treynor (1961) e Sharp (1964), ficou claro que o CAPM poderia fornecer um benchmark para análises de performance. O primeiro desses estudos foi um artigo de Treynor, em 1965, seguido de um artigo de Sharp, em 1966. Essas pesquisas levaram ao desenvolvimento de modelos que visam descrever e predizer a estrutura de correlação entre ativos. A técnica mais utilizada pressupõe que a variação entre ações é devida a uma única influência. Elton et al. (2004) afirmam que a observação do comportamento dos preços das ações, sugerindo que um dos motivos pelos quais os retornos dos ativos são correlacionados poderia ser uma resposta comum a variações do mercado, e que uma medida útil dessa correlação poderia ser obtida ao se relacionar o retorno de uma ação ao retorno de um índice do mercado de ações. Assim, o retorno de uma ação poderia ser escrito do seguinte modo: v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 Ri = ai + β i . R m (1) 165 onde: ai é o componente do retorno do título i que é independente do desempenho do mercado, em si mesma uma variável aleatória; Rm é a taxa de retorno do índice de mercado; βi é o parâmetro que mede a variação esperada de Ri dada uma variação de Rm. Representado por αi, o valor esperado de ai e ei, o componente aleatório de ai, a equação (1) pode ser escrita como: Ri = α i + β i . R m + ei (2) Lembrando que Rm e ei são variáveis aleatórias, Elton et al. (2004) afirmam que é conveniente que os ei sejam não correlacionados com os Rm, o que significa que a capacidade da equação (2) de descrever o retorno de qualquer título independe de qual é o retorno do mercado. σe.i e σm são, respectivamente, os desvios padrão de ei .e Rm. A equação de qualquer ponto sobre a linha de mercado de capitais será dada por: R i = R F + β i .(R m − R F ) (3) que é a forma mais frequente de ser escrito o CAPM, onde: RF rendimento do ativo livre de risco, que é a remuneração recebida pelo investidor, pelo tempo de ‘aluguel’ dos seus recursos; β i .(R m − R F ) é a remuneração pelo risco do investimento. Relly e Brown (2003, p. 240) comentam que, embora o desenvolvimento do modelo de precificação de ativos em geral seja atribuído a William Sharp, tendo inclusive sido concedido a ele o Prêmio Nobel, Lintner e Mossin3 desenvolveram teorias similares independentemente. Por essa razão, esse modelo é ocasionalmente chamado de modelo de precificação de ativos de Sharp-Lintner-Mossin. 2 Metodologia 2.1 Fundos de Ações Considerados Neste trabalho, as informações sobre os fundos de ações foram fornecidas pela empresa PR&A Financial Products, que as obteve pelo sistema SI-ANBID. Foram utilizados os rendimentos mensais correspondentes ao período de janeiro de 2000 a março de 2007 (portanto, 87 meses). Tendo por base o estabelecido na literatura sobre os estudos de avaliação de carteiras de investimentos, bem como sobre a análise de regressão linear, considerou-se que os rendimentos mensais para o período considerado, apresentam um número de amostras suficiente para a análise. Foram utilizados, neste estudo, os fundos de ações que atendiam aos requisitos: —— existência em todo o período de análise (jan/2000 a mar/2007). Essa restrição permite que os resultados possam ser melhor comparados, além de aumentar a segurança das conclusões, pela quantidade de observações (meses) utilizadas; —— que no início do período de análise (jan/2000) o fundo já tivesse um LINTNER, Jonh. Security Prices, Risk and Maximal Gains from Diversification, Journal of Finance 20, n. 4 (December 1965), 587-615; MOSSIN, J. Equilibrium in a Capital Asset Market, Econometrica 34, n. 4 (October 1966), 768-783. 3 166 patrimônio superior a R$ 1 milhão. Isso se dá em virtude de que, às vezes, são abertos fundos para alguma utilização específica, e enquanto essa utilização não acontece, o fundo fica com um pequeno valor de patrimônio e possivelmente com uma administração atípica, não representando, assim, os fundos do mercado4; —— que fosse referenciado ao Ibovespa. Na análise que será feita por meio de regressões, será utilizado o rendimento de um fundo de mercado como referência, para o qual será considerado como proxy o Ibovespa. Assim, considerou-se que seria adequada a utilização apenas dos fundos referenciados ao Ibovespa. A Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) classifica os fundos de ações referenciados ao Ibovespa em três grupos, com as seguintes definições: fundos passivos referenciados ao Ibovespa; fundos ativos referenciados ao Ibovespa; e fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa. Em consequência dos requisitos descritos anteriormente e da classificação da Anbid, foram utilizados, neste trabalho, fundos, conforme apresentado a seguir: QUADRO 1 _ Número de fundos do mercado e utilizados Quantidade de Fundos Existentes no mercado Com histórico no período Utilizados no estudo Passivo 31 16 15 Ativo 96 46 41 Ativo com alavancagem 59 19 18 Tipo de fundo FONTE: Elaboração própria com base em informações da Anbid 2.2 Análise de Regressão Em relação a essa expressão, surgem duas questões: Para a análise de regressão, foram con siderados os rendimentos mensais dos fundos se lecionados, bem como do Ibovespa. No estudo, feito com base no modelo de Jensen (1967) e utilizando análise de regressão, é utilizada a expressão apresentada a seguir: Fundot − RFt = α + β .( R Mt − RFt ) —— Qual é a melhor carteira de mercado (RMt)a ser utilizada? —— Qual a melhor carteira livre de risco (RFt) a ser utilizada? —— Qual o risco dos fundos analisados (β)? (4) Esses fundos são chamados, às vezes, de ‘fundos de prateleira’. 4 Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 167 O Ibovespa, é composto pelas ações mais negociadas, cada uma delas na proporção de sua negociação no quadrimestre anterior, e não na proporção do seu valor de mercado. A Carteira de Mercado considerada no modelo CAPM e no modelo desenvolvido por Jensen (1967), conforme Relly e Brown (2003) e Elton et al. (2004), deveria ser composta por todos os ativos existentes, cada um considerado na proporção do seu valor de mercado. Como essa carteira não pode ser observada, como afirmou Roll (1977); e segundo Damodaran (2001), foi utilizado como proxy o rendimento do Ibovespa, índice da carteira teórica da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo). Um aspecto negativo da utilização do Ibovespa como proxy do índice da Carteira de Mercado, é que pela definição dessa Carteira de Mercado em equilíbrio, ela é composta por todos os ativos com risco, cada um deles na proporção do seu valor de mercado. O Ibovespa, por sua vez, é composto pelas ações mais negociadas, cada uma delas na proporção de sua negociação no quadrimestre anterior (e não na proporção do seu valor de mercado). Esse fato, conforme afirmam Sanvicente e Mellagi Filho (1996), pode provocar um viés de especificação. Em relação à Carteira Livre de Risco surge a questão sobre qual é o índice que melhor representaria o rendimento dela, podendo ser consideradas, por exemplo, a variação da Taxa Selic; da Caderneta de Poupança; e zero. 168 Procurou-se na realização deste trabalho verificar o efeito da utilização de cada uma das três alternativas de ativo livre de risco discutida. Por fim, realizou-se a análise de risco. Para tal, considerou-se o risco sistemático mensurado pelo β na Equação 4. Tendo como referência o β da carteira de mercado igual a 1, caso esse seja menor do que 1, trata-se de um fundo com características conservadoras, caso maior que 1, fundo agressivo. 2.3 Testes de Hipótese No caso específico deste trabalho, con siderando que o teste será bi-caudal, que a amostra possui 87 elementos (número de meses das séries de rendimentos), e considerando ainda o nível de significância de 5% para a soma das duas regiões de rejeição. Considerando a existência da HEM, os gestores dos fundos de ações não deveriam obter rendimentos diferentes dos obtidos pelo índice de mercado. Assim, com essa consideração, o α para a população de rendimentos de cada fundo de ações deve ser nulo (a reta da regressão passa pela origem). Em consequência, o teste de hipótese para o α, deve ser: H0 : α = 0 H1 : α ≠ 0 De forma semelhante, de acordo com a HEM, para o teste de hipótese do β tem-se: H0 : β = 1 H1 : β ≠ 1 3Resultados 3.1 Resultados para Fundos Passivos Referenciados ao Ibovespa Os resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo livre de risco, são apresentados na TAB. 1 a seguir: TABELA 1 _ Avaliação de fundos passivos referenciados ao Ibovespa - RF = Poupança Teste de Hipótese para o α H0: α = 0 Código do Fundo Intercepto Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Prob > 0,05 Rejeita H0 Teste de Hipótese para o β H0: β = 1 Valor Desvio Padrão Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Rejeita H0 Rentabilidade Período Mensal IBV = 168,0 IBV = 1,93 Comparação com o índice - num. de semanas F > IBV F < IBV P_IBV_1 -1,017 -9,665 0,000 S 0,988 0,133 -0,087 N 10,25 0,12 13 74 P_IBV_2 -0,259 -2,378 0,020 S 1,003 0,014 0,197 N 120,06 1,38 32 55 P_IBV_3 -0,385 -1,773 0,080 N 0,881 0,027 -4,350 S 86,36 0,99 36 51 P_IBV_4 -0,131 -1,405 0,164 N 1,005 0,012 0,431 N 153,08 1,76 35 52 111,62 1,28 28 59 116,48 1,34 27 60 116,52 1,34 28 59 P_IBV_5 P_IBV_6 -0,244 -2,477 0,015 S 1,009 0,012 0,753 N P_IBV_7 P_IBV_8 -0,051 -0,490 0,626 N 0,981 0,013 -1,469 N 165,46 1,90 41 46 P_IBV_9 -0,172 -1,860 0,066 N 0,970 0,012 -2,585 S 136,30 1,57 33 54 60 P_IBV_10 -0,291 -3,218 0,002 S 0,982 0,011 -1,613 N 107,53 1,24 27 P_IBV_11 -0,204 -2,263 0,026 S 1,000 0,011 0,003 N 133,98 1,54 30 57 P_IBV_12 -0,119 -1,326 0,188 N 1,001 0,011 0,054 N 151,87 1,75 32 55 P_IBV_13 -0,197 -2,176 0,032 S 0,983 0,011 -1,520 N 137,66 1,58 31 56 137,75 1,58 29 58 P_IBV_15 -0,102 -1,100 0,275 N 1,007 0,012 0,632 N 144,86 1,67 36 51 MÉDIA -0,264 0,984 121,99 1,40 31 56 MEDIANA -0,200 0,994 133,98 1,54 31 56 P_IBV_14 FONTE: Os autores Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 169 Nessa Tabela, pode ser observado que para os fundos passivos referenciados ao Ibovespa: —— o valor médio para o intercepto foi de -0,264. Como visto anteriormente, o modelo utilizado considera que se os fundos tivessem um comportamento semelhante à Carteira de Mercado, o seu valor médio deveria ser nulo. Nesse caso, dos 12 fundos analisados, para seis deles o valor do intercepto foi negativo de modo estatisticamente significante a 5%. Ao mesmo tempo, para outros seis fundos, embora os interceptos calculados tenham sido também negativos, não foram diferentes de zero de forma estatisticamente significativa; —— apenas dois fundos tiveram o β significativamente menor que 1, os demais foram igualdade estatís tica ao Ibovespa; —— o rendimento médio no período foi de 121,99%, enquanto a correspondente variação acumulada do Ibovespa foi de 168%; —— nenhum fundo teve rendimento acumulado no período, superior ao Ibovespa; —— em média, os fundos tiveram rendimentos superiores ao Ibovespa em 31 meses, enquanto durante 56 meses, em média, os rendimentos foram inferiores. Os resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, quando foi variado o ativo livre de risco estão apresentados em resumo a seguir. TABELA 2 _ Resumo dos resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa Tipo do Ativo Quantidade Livre de Risco Total Quantidade Teste de Hipótese para o α H0: α = 0 utilizada nos Testes Teste de Hipótese para o β H0: β = 1 Rejeita H0 Não Rejeita Rejeita H0 α<0 H0 α>0 Rejeita H0 Não Rejeita Rejeita H0 β<1 H0 β>1 RF + SELIC 15 12 8 4 0 2 10 0 RF = POUPANÇA 15 12 6 6 0 2 10 0 RF = 0 15 12 7 5 0 2 10 0 FONTE: Os autores Essa tabela mostra que: —— em nenhum teste de hipótese para o intercepto (α), a hipótese nula foi rejeitada por ser significativamente maior que zero, tendo ocorrido em diversos casos dela ser rejeitada por ser menor que zero; —— o número de casos em que a hipótese nula foi rejeitada, sendo α menor que zero (21), foi maior que o número de casos em que a hipótese nula não foi rejeitada (15); —— a não rejeição da hipótese nula do risco em 10 dos 12 fundos demonstra que os gestores dos fundos estavam acompanhando o Ibovespa em relação ao risco. Tendo por base as premissas da HEM, observa-se que esses fundos, em média, apresentaram resultados inferiores aos que poderiam ser esperados, demonstrando incapacidade dos gestores em obter resultados semelhantes ao Ibovespa. 170 Os fundos passivos têm por meta um rendimento semelhante a do índice ao qual são referenciados. Esses fundos chamados ‘passivos’, de fato poderiam se chamar de algo como ‘pouco ativos’. No caso particular dos fundos referenciados ao Ibovespa, isso decorre do seguinte: —— A carteira teórica da Bovespa, utilizada para a definição do índice Bovespa, é redefinida a cada quadrimestre, no período de setembro a dezembro de 2007, composta por 63 ações, cada uma delas com uma participação definida em função da sua negociação nos 12 meses anteriores; —— Não é considerada nenhuma despesa de administração nessa carteira teórica, bem como os ajustes que são feitos a cada quatro meses, são realizados sem que sejam considerados os custos de transação; —— —— Esses fundos, embora sejam classificados como passivos e tenham por meta um rendimento semelhante ao do Ibovespa, em geral, possuem uma variedade de ações bem menor do que a daquela carteira teórica. Assim, se a carteira teórica Ibovespa atualmente possui 63 ações, é razoável esperar que um fundo passivo referenciado ao Ibovespa não possua mais que 20 daquelas 63 ações; Esse menor número de ações decorre da baixa liquidez das ações com menor participação naquele índice, bem como do fato de que o gestor deve procurar compensar, a partir da aposta no rendimento futuro de um ou mais papéis, ou pela aplicação em derivativos, a redução de rendimento decorrente dos custos de transação e da taxa administrativa cobrada; —— Os gestores dos fundos também precisam manter parte do patrimônio em aplicações de renda fixa ou em depósitos à vista, visando fazer face às aplicações e resgates, o que também pode prejudicar o rendimento do fundo. Em defesa dos administradores dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, pode-se argumentar que as premissas da definição da HEM estabelecem que não devem existir custos de transação, nem para a obtenção de informações. Esse fato, que é verdadeiro para o cálculo do Ibovespa, não ocorre com os fundos de mercado. Nesse aspecto, o ideal seria fazer uma verificação a partir da simulação das regressões e testes de hipótese, sem considerar os custos existentes nos fundos passivos. Ocorre que não são disponíveis todos os custos incorridos por esses fundos. Assim, simplificadamente, buscou-se uma avaliação da consideração dos custos, repetindo as análises de regressão e testes de hipótese, com outro índice correspondente à Carteira de Mercado, representado pelo Ibovespa descontado de despesas correspondentes a 1,5%5 ao ano, visando representar o que poderia ser a taxa de administração e as despesas necessárias à adequação da carteira, que é feita a cada quatro meses. O cálculo do efeito desse custo de 1,5% anual foi feito considerando que: RB - rendimento bruto; RL - rendimento líquido; PBF - patrimônio bruto final; PLF - patrimônio líquido final; Pi - patrimônio inicial; TA - taxa de administração (mensal) = 12 tx.anual Estimou-se que 1% ao ano poderia ser uma taxa de administração razoável para um fundo passivo com essas características, e que 0,5% ao ano seria o equivalente aos custos necessários para a adequação da carteira a cada quatro meses, conforme é feito na carteira teórica da Bovespa. 5 Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 171 O rendimento de um mês será dado por: RL = PL F Pi −1 (5) Tem-se também que: PBF = Pi . (1 + RB) (6) PLF = PBF . (1 - TA) e (7) Substituindo (43) em (44) e, posteriormente, em (42), tem-se: PLF = (1 + RB)(1 - TA) - 1 (8) Os resultados dessa verificação, com um Ibovespa a 1,5% a.a. de despesas, estão apresentados a seguir: TABELA 3 _ Resultado dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, com o rendimento do Ibovespa reduzido por uma taxa de 1,5% a.a. Teste de Hipótese para o α H0: α = 0 Código do Fundo Intercepto Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Prob > 0,05 Rejeita H0 Teste de Hipótese para o β H0: β = 1 Valor Desvio Padrão Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Rejeita H0 Comparação com o índice - num. de semanas Período Mensal IBV = 140,6 IBV = 1,62 F > IBV F < IBV P_IBV_1 -0,894 -8,501 0,000 S 0,990 0,013 -0,781 N 10,25 0,12 16 71 P_IBV_2 -0,133 -1,226 0,224 N 1,004 0,014 0,287 N 120,06 1,38 38 49 P_IBV_3 -0,275 -1,267 0,209 N 0,882 0,027 -4,305 S 86,36 0,99 39 48 P_IBV_4 -0,006 0,059 0,953 N 1,006 0,012 0,538 N 153,08 1,76 43 44 111,62 1,28 32 55 116,48 1,34 33 54 116,52 1,34 32 55 P_IBV_5 P_IBV_6 -0,117 -0,194 0,236 N 1,011 0,012 0,854 N P_IBV_7 P_IBV_8 0,072 0,702 0,485 N 0,982 0,013 -1,372 N 165,46 1,90 48 39 P_IBV_9 -0,050 -0,546 0,586 N 0,971 0,012 -2,478 S 136,30 1,57 40 47 P_IBV_10 -0,168 -1,861 0,066 N 0,983 0,011 -1,503 N 107,53 1,24 33 54 P_IBV_11 0,079 -0,874 0,385 N 1,001 0,011 0,113 N 133,98 1,54 33 54 P_IBV_12 0,007 0,074 0,941 N 1,002 0,011 0,166 N 151,87 1,75 41 46 P_IBV_13 -0,074 -0,818 0,416 N 0,984 0,011 -1,410 N 137,66 1,58 42 45 137,75 1,58 40 47 144,86 1,67 42 45 P_IBV_14 P_IBV_15 0,024 MÉDIA -0,128 0,985 121,99 1,40 37 50 MEDIANA -0,062 0,995 133,98 1,54 39 48 FONTE: Os autores 172 Rentabilidade 0,264 0,793 N 1,009 0,012 0,739 N Observa-se, que: —— o valor médio dos interceptos, ainda é negativo; —— alguns fundos (4) tiveram rendimentos acumulados no período, superiores ao índice (Ibovespa descontado de 1,5% a.a.); —— alguns fundos (4) apresentam intercepto positivo, embora nenhum deles de forma estatisti camente significante; —— o rendimento acumulado do índice (140,6%) ainda foi maior que a média dos rendimentos dos fundos (121,99%). TABELA 4 _ Comparação dos testes de hipótese para os fundos passivos referenciados ao Ibovespa – Ibovespa com e sem a consideração de despesas. Teste de Hipótese para o α Teste de Hipótese para o β Quantidade Total Quantidade utilizada nos Testes Sem despesas 15 12 7 5 0 2 10 0 Com despesas 1,5% a.a. 15 12 1 11 0 2 10 0 Consideração sobre o Ibovespa H0: α = 0 H0: β = 1 Rejeita H0 Não Rejeita Rejeita H0 α<0 H0 α>0 Rejeita H0 Não Rejeita Rejeita H0 β<1 H0 β>1 FONTE: Os autores Na TAB. 4, pode-se observar que a consideração das despesas de 1,5% ao ano, para o Ibovespa, levou a redução dos casos em que a hipótese nula para o intercepto foi rejeitada, por ser o α significativamente menor que zero, que passou de 7 para 1 apenas. Apesar disso, continuou sem ocorrer nenhum caso em que a hipótese nula foi rejeitada, por ser o α significativamente maior que zero. TABELA 5 _ Comparação de outros resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa — Ibovespa com e sem a consideração de despesas Consideração sobre o Ibovespa Sem despesas Com despesas 1,5% a.a. Valores médios Rentabilidade Quantidade utilizada nos Testes α β rentabilidade acumulada acumulada 15 12 -0,264 0,984 122,0 15 12 -0,128 0,985 122,0 Quantidade Total Número de meses F > IBV F < IBV 168,0 31 56 140,6 37 50 Ibovespa FONTE: Os autores Na tabela acima, comparando-se os dois casos, observa-se que mesmo considerando o Ibovespa com uma redução de rendimento equivalente a despesas de 1,5% ao ano, ainda assim, os fundos passivos, em média, tiveram um desempenho inferior ao índice. O fato de incluir as despesas não teve impacto significante nos riscos medidos pelo β (TAB. 4). Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 173 3.2 Resultados para Fundos Ativos Referenciados ao Ibovespa Os resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo livre de risco, são apresentados na tabela a seguir: TABELA 6 _ Avaliação de fundos ativos referenciados ao Ibovespa - RF = poupança Código do Fundo Teste de Hipótese para o α H0: α = 0 Intercepto Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Prob > 0,05 Rejeita H0 Teste de Hipótese para o β H0: β = 1 Valor Desvio Padrão Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Rejeita H0 Comparação com o índice - num. de semanas Período Mensal IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV AT_IBV_1 0,109 0,700 0,486 N 0,959 0,020 -2,077 S 222,00 2,55 48 39 AT_IBV_2 0,143 0,937 0,352 N 0,959 0,019 -2,152 S 199,65 2,29 48 39 AT_IBV_3 -0,244 -1,277 0,205 N 0,962 0,024 -1,581 N 114,18 1,31 36 51 AT_IBV_4 0,100 0,569 0,571 N 0,970 0,024 -1,245 N 190,86 2,19 44 43 AT_IBV_5 -0,458 -2,441 0,017 S 0,951 0,024 -2,081 S 77,82 0,89 31 56 AT_IBV_6 0,218 0,651 0,517 N 0,844 0,042 -3,684 S 205,49 2,36 46 41 AT_IBV_7 -0,220 -1,339 0,184 N 0,997 0,021 -0,166 N 133,24 1,53 37 50 AT_IBV_8 -0,329 -2,220 0,029 S 0,977 0,019 -1,211 N 100,12 1,15 36 51 AT_IBV_9 -0,086 -0,407 0,685 N 0,896 0,027 -3,915 S 142,00 1,63 38 49 281,33 3,23 53 34 AT_IBV_10 AT_IBV_11 -0,304 -1,196 0,235 N 1,025 0,032 0,789 N 100,87 1,16 44 43 AT_IBV_12 -0,517 -3,383 0,001 S 0,922 0,019 -4,064 S 68,77 0,79 30 57 AT_IBV_13 -0,005 -0,028 0,978 N 0,903 0,020 -4,766 S 145,94 1,68 39 48 AT_IBV_14 0,032 0,216 0,830 N 0,950 0,019 -2,661 S 172,06 1,98 48 39 AT_IBV_15 -0,376 -2,719 0,008 S 0,972 0,017 -1,628 N 113,10 1,30 33 54 AT_IBV_16 -0,260 -1,654 0,102 N 0,978 0,020 -1,110 N 136,46 1,57 38 49 AT_IBV_17 0,419 1,683 0,096 N 0,925 0,031 -2,383 S 272,34 3,13 53 34 AT_IBV_18 0,367 1,479 0,143 N 0,880 0,031 -3,825 S 253,97 2,92 54 33 AT_IBV_19 1,087 4,278 0,000 S 0,854 0,032 -4,557 S 555,50 6,39 54 33 AT_IBV_20 0,383 1,669 0,099 N 0,862 0,029 -4,773 S 259,34 2,98 44 43 AT_IBV_21 549,40 6,31 45 42 AT_IBV_22 382,85 4,40 47 40 AT_IBV_23 0,108 1,041 0,301 N 0,984 0,013 -1,256 N AT_IBV_24 192,63 2,21 47 40 327,77 3,77 49 38 AT_IBV_25 0,383 2,605 0,011 S 0,972 0,018 -1,500 N 269,20 3,09 50 37 AT_IBV_26 0,266 1,681 0,096 N 0,975 0,020 -1,283 N 251,54 2,89 48 39 326,19 3,75 49 38 260,37 2,99 49 38 79,47 0,91 39 48 AT_IBV_27 AT_IBV_28 AT_IBV_29 174 continua Rentabilidade 0,378 1,903 0,060 N 0,860 0,025 -5,592 S TABELA 6 _ Avaliação de fundos ativos referenciados ao Ibovespa - RF = poupança Teste de Hipótese para o α H0: α = 0 Código do Fundo Intercepto Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Prob > 0,05 Rejeita H0 Teste de Hipótese para o β H0: β = 1 Valor Desvio Padrão Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Rejeita H0 conclusão Rentabilidade Comparação com o índice - num. de semanas Período Mensal IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV AT_IBV_30 0,249 1,574 0,119 N 0,983 0,020 -0,853 N 266,91 3,07 50 37 AT_IBV_31 0,399 2,135 0,036 S 0,876 0,024 -5,288 S 268,22 3,08 48 39 178,85 2,06 42 45 AT_IBV_32 AT_IBV_33 -0,095 -0,605 0,547 N 0,980 0,020 -1,036 N 172,63 1,98 43 44 AT_IBV_34 0,214 1,298 0,198 N 0,965 0,021 -1,692 N 218,34 2,51 50 37 AT_IBV_35 -0,052 -0,317 0,752 N 0,947 0,021 -2,546 S 165,90 1,91 42 45 AT_IBV_36 -0,162 -0,508 0,613 N 0,769 0,040 -5,767 S 116,56 1,34 43 44 303,86 3,49 49 38 AT_IBV_38 0,048 0,235 0,815 N 0,964 0,025 -1,427 N 174,36 2,00 44 43 AT_IBV_39 0,219 1,364 0,176 N 0,935 0,020 -3,233 S 178,60 2,05 48 39 124,08 1,43 39 48 239,01 2,75 47 40 AT_IBV_37 AT_IBV_40 AT_IBV_41 0,279 1,893 0,062 N 1,025 0,019 1,328 N MÉDIA 0,072 0,938 214,43 2,46 44 43 MEDIANA 0,104 0,959 192,63 2,21 46 41 FONTE: Os autores A TAB. 6 apresenta para os fundos ativos referenciados ao Ibovespa estudados: —— o valor médio para o intercepto (α) foi de 0,072; —— o valor médio do (β) foi de 0,938; —— a média dos rendimentos acumulados no período foi de 214,43%, portanto superior aos 168% obtidos pelo Ibovespa; —— tiveram em média rendimentos superiores ao Ibovespa em 44 meses, enquanto em 43 meses, em média, os rendimentos foram inferiores. Os resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa, quando variado o ativo livre de risco, são apresentados a seguir: TABELA 7 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa Tipo do Ativo Quantidade Livre de Risco Total Quantidade Teste de Hipótese para o α Teste de Hipótese para o β H0: α = 0 utilizada H0: β = 1 nos Testes Rejeita H0 α<0 Não Rejeita H0 Rejeita H0 α>0 Rejeita H0 β<1 Não Rejeita H0 Rejeita H0 β>1 RF = SELIC 41 32 4 25 3 17 15 0 RF = POUPANÇA 41 32 4 25 3 17 15 0 RF = 0 41 32 4 25 3 17 15 0 FONTE: Os autores Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 175 Nessa Tabela, pode-se observar que os fundos ativos referenciados ao Ibovespa apresentaram, aproximadamente, os mesmos números de testes em que a hipótese nula foi rejeitada, por ser o α significativamente maior ou menor que zero, sendo que, na maioria dos casos, a hipótese nula (α = 0) não pôde ser rejeitada. Os resultados obtidos para o conjunto dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa ficaram muito próximos do que se poderia esperar de acordo com as premissas da HEM, visto que: —— o α médio ficou próximo a zero; —— o número de testes em que “H0” foi rejeitada foi aproximadamente igual para α > 0 e também α < 0. Como já comentado, a HEM não nega a possibilidade de ocorrerem casos com α > 0 e α < 0. A HEM diz apenas que essas probabilidades devem ser semelhantes e fruto do acaso; —— alguns fundos (um pouco mais de 50%) conseguiram um risco menor que a carteira teórica dos fundos ativos; —— as médias dos números de meses com rendimentos superiores e inferiores ao Ibovespa foram semelhantes (44 e 43). 3.3 Resultados para Fundos Ativos Alavancados e Referenciados ao Ibovespa Os resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo livre de risco, são apresentados na tabela a seguir: TABELA 8 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa Código do Fundo Teste de Hipótese para o α H0: α = 0 Intercepto Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Prob > 0,05 Rejeita H0 Teste de Hipótese para o β H0: β = 1 Valor Desvio Padrão Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Rejeita H0 AT_A_IBV_1 Comparação com o índice - num. de semanas Período Mensal IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV 186,96 2,15 47 40 AT_A_IBV_2 0,520 2,703 0,008 S 0,938 0,024 -2,569 S 311,50 3,58 53 34 AT_A_IBV_3 0,590 3,006 0,004 S 0,970 0,025 -1,219 N 369,21 4,24 57 30 AT_A_IBV_4 0,243 0,820 0,415 N 0,925 0,037 -2,016 S 295,76 3,40 52 35 AT_A_IBV_5 0,727 1,859 0,067 N 0,776 0,049 -4,554 S 360,49 4,14 45 42 AT_A_IBV_6 0,615 2,219 0,029 S 0,980 0,035 -0,586 N 349,07 4,53 54 33 AT_A_IBV_7 0,709 2,404 0,018 S 0,953 0,037 -1,265 N 374,65 4,31 52 35 199,31 2,29 42 45 130,12 1,50 40 47 AT_A_IBV_8 AT_A_IBV_9 176 continua Rentabilidade -0,110 -0,770 0,444 N 1,005 0,018 0,300 N TABELA 8 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa Teste de Hipótese para o α H0: α = 0 Código do Fundo Intercepto Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Prob > 0,05 Rejeita H0 Teste de Hipótese para o β H0: β = 1 Valor Desvio Padrão Estatística t -1,9884 < valor < 1,9884 Rejeita H0 conclusão Rentabilidade Comparação com o índice - num. de semanas Período Mensal IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV AT_A_IBV_10 -0,165 -0,877 0,383 N 1,019 0,024 0,821 N 147,01 1,69 42 45 AT_A_IBV_11 1,070 2,862 0,005 S 0,980 0,048 -0,426 N 448,81 5,16 55 32 AT_A_IBV_12 1,296 3,242 0,002 S 0,779 0,050 -4,398 S 646,10 7,43 50 37 209,02 2,40 45 42 AT_A_IBV_13 AT_A_IBV_14 0,512 2,391 0,019 S 0,935 0,027 -2,431 S 307,03 3,53 51 36 AT_A_IBV_15 0,375 1,517 0,133 N 0,909 0,031 -2,968 S 316,57 3,64 48 39 AT_A_IBV_16 0,262 1,475 0,144 N 0,950 0,022 -2,262 S 252,18 2,90 45 42 AT_A_IBV_17 -0,016 -0,087 0,931 N 0,975 0,023 -1,112 N 161,10 1,85 43 44 AT_A_IBV_18 0,243 0,892 0,375 N 0,970 0,035 -0,852 N 259,23 2,98 51 36 MÉDIA 0,458 0,937 298,28 3,43 48 39 MEDIANA 0,512 0,953 301,40 3,46 49 38 FONTE: Os autores A TAB. 8 mostra que para os fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa: Rev. —— o valor médio do intercepto α foi de 0,458, ou seja, bem superior a zero; —— o β médio foi de 0,937; —— a média dos rendimentos acumulados no período foi de 298,28%, em comparação aos 168% obtidos pelo Ibovespa; —— em média, num maior número de meses (48) obtiveram rendimentos superiores ao Ibovespa, tendo obtido rendimentos inferiores, em média, em 39 meses. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 177 Os resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa, quando variado, o ativo livre de risco é apresentado a seguir: TABELA 9 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa Tipo do Ativo Quantidade Livre de Risco Total Teste de Hipótese para o α Quantidade Teste de Hipótese para o β H0: α = 0 utilizada H0: β = 1 nos Testes Rejeita H0 α<0 Não Rejeita H0 Rejeita H0 α>0 Rejeita H0 β<1 Não Rejeita H0 Rejeita H0 β>1 RF = SELIC 18 15 0 8 7 7 8 0 RF = POUPANÇA 18 15 0 8 7 7 8 0 RF = 0 18 14 0 6 8 6 8 0 FONTE: Os autores Ao contrário dos fundos passivos, os fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa não tiveram nenhum caso em que a hipótese nula foi rejeitada por ser o intercepto (α) significativamente menor que zero, e diversos casos em que a hipótese nula foi rejeitada por ser o α significativamente maior que zero. No tocante aos riscos, os fundos alavancados tiveram um aumento do risco de forma marginal em relação aos fundos ativos, uma vez que um pouco menos da metade dos fundos tiveram um β inferior a 1. 3.4 Avaliação do Risco dos Fundos Visando uma comparação dos níveis de risco dos diversos fundos, representados pelos respectivos betas, esses índices foram calculados de acordo com a expressão: βj= cov(R j , R m ) σ 2 (R m ) (9) Não foram utilizados os betas calculados pelas regressões, visto que: 178 —— em diversos casos, para ser obtida a distribuição normal dos resíduos, foram utilizadas variáveis dummy, que tinha como consequência desconsiderar um ou dois pontos extremos das séries de dados; —— a expressão utilizada nas regressões, como apresentado na equação (4), não era exatamente a do CAPM. O resumo desses valores calculados é apresentado a seguir: TABELA 10 _ Comparação dos cálculos dos betas para cada tipo de fundo Cálculo dos betas Tipo de fundo Média Mediana Desvio-Padrão Passivo 0,974 0,977 0,031 Ativo 0,916 0,939 0,067 Ativo alavancado 0,932 0,936 0,071 FONTE: Os autores A TAB. 10 mostra que as médias e as medianas dos β não indicam que os fundos mais agressivos correram maior risco. Apenas os desvios padrão dos β apresentaram valores proporcionais ao que seria esperado para os riscos corridos pelos fundos. Por outra forma de avaliar o risco corrido pelos fundos, a seguir são apresentados os valores médios dos desvios padrão e das variâncias do Ibovespa e dos três tipos de fundos. TABELA 11 _ Comparação dos desvios-padrão e variâncias dos fundos Descrição Desvio Padrão Variância (média) (média) Ibovespa 7,97 63,5 Fundos Passivos 7,93 62,9 Fundos Ativos 7,52 57,7 Fundos Ativos Alavancados 8,00 64,3 FONTE: Os autores A TAB. 11 também não mostra que os fundos que se propõem a ser mais agressivos, de fato, apresentaram maior risco. Existe uma discussão no mercado financeiro, em relação aos fundos de ações, sobre qual a melhor opção de investimento, se fundos passivos ou ativos. Alguns analistas acham que existem vantagens em ser feitas aplicações em fundos ativos ou ativos alavancados. Outros, que esses fundos não são boas opções, visto que a eventual diferença de rendimentos não é suficiente para compensar o risco adicional envolvido. Em relação a essa discussão, e levando em conta os valores apresentados nas Tabelas 10 e 11, fica claro ter sido mais vantajosa a aplicação em fundos mais agressivos. Esses resultados não devem ser considerados como podendo dar um Rev. FA E , C uritiba, final à discussão, pelas restrições de período de análise e conjunto de fundos analisados. Também pode ter contribuído para esses resultados o bom desempenho do Ibovespa nos últimos anos. 3.5Limitações dos Resultados Obtidos pela Análise de Regressões A avaliação dos gestores dos fundos de ações, pela análise de regressões de séries temporais, utilizando o modelo desenvolvido por Jensen (1967), realizada neste trabalho, possui limitações, tais como: —— v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 viés de sobrevivência: foram estu dados fundos que existiam em todo o período de análise, de janeiro de 179 2000 a março de 2007. Assim, a não consideração dos fundos que deixaram de existir no período acarreta numa distorção que aumenta os resultados obtidos pelos administradores; —— —— —— 180 viés de especificação: como a carteira de mercado é definida como sendo composta por todos os ativos com risco cada um deles participando na proporção de seu valor de mercado, e como, diferentemente, cada ativo que compõe o Ibovespa tem uma participação proporcional a sua nego ciação no período anterior, esse fato pode contribuir para incorreções nos resultados; o modelo de índice único: o modelo desenvolvido por Jensen (1967), base ou-se no modelo de índice único CAPM. A exemplo da grande discussão existente entre os que defendem e os que refutam a HEM, também existe um debate acalorado entre os que defendem e os que criticam o método CAPM. A simplicidade do método CAPM é, ao mesmo tempo, razão de defesa da sua utilização por uns, e crítica por outros. Assim, tendo em vista a grande dificuldade enfrentada pela análise de eficiência de mercado, decorrente da hipótese conjunta, pode-se questionar o modelo de índice único baseado no β, em favor de outros modelos; modelo com índice constante: outra característica do modelo CAPM básico, é a consideração de que o β é constante em todo o período de análise. As rápidas mudanças nos mercados de ações podem não ser avaliadas ade quadamente ao ser utilizado um modelo com índice constante. Conclusões Este trabalho buscou avaliar os gestores dos fundos de ações referenciados ao Ibovespa, sob a ótica do investidor, no período compreendido entre os meses de janeiro de 2000 a março de 2007, verificando como se comportavam, tendo como referência premissas da HEM. Assim, pelos comentários anteriores, que se baseiam em uma grande quantidade de estudos empíricos, é importante salientar que as conclusões não podem ser generalizadas. Por tudo o que já foi comentado, fica claro que a avaliação dos fundos de ações, sob a ótica da HEM, não deve ter apenas rigor matemático, sendo aconselhável serem feitas também avaliações qualitativas e comparativas. Das três análises reali zadas (fundo passivo, ativo e alavancado), duas corroboraram a HEM e uma a refutou. Feitas todas essas ressalvas, considera-se que os resultados obtidos pelas análises de regressão de séries temporais, utilizando testes de hipótese e o modelo de avaliação de carteiras desenvolvido por Jensen (1967), mostraram para os fundos e períodos analisados, que: —— os fundos passivos referenciados ao Ibovespa tiveram, em média, um desempenho inferior ao índice de mer cado utilizado — que foi o Ibovespa —, corroborando, dessa forma, com a Hipótese de Eficiência de Mercado. Esse fato significa que os gestores, por meio de sua atuação, não conseguiram compensar os custos administrativos e de transação incorridos pelos fundos. Ressalta-se que nenhum fundo passivo apresentou rendimento superior ao mercado (medida pelo valor do in tercepto da reta de regressão), de forma estatisticamente significante. Mesmo quando foi considerado como rendimento da Carteira de Mercado, um índice fictício resultante de ser descontado dos rendimentos do Ibovespa, o equivalente a uma taxa de administração de 1,5% ao ano, os fundos passivos apresentaram resultados infe riores ao índice e, portanto, compatíveis com a HEM. Em resumo, esses gestores não conseguiram fornecer aos clientes os rendimentos que tinham por meta; —— —— Rev. os fundos ativos referenciados ao Ibovespa apresentaram, em média, um desempenho próximo, ou até melhor, ao que seria esperado pelas considerações da HEM. Nesse caso, mesmo com os custos de administração e de transações, a maioria dos fundos obteve resultados semelhantes ao mercado e o número de fundos, cujos rendimentos foram superiores ao mercado, foi pró ximo ao número dos que obtiveram rendimentos inferiores ao mercado, ambos de forma estatisticamente significante, considerando-se os valores dos interceptos. Assim, se na análise não fossem considerados os custos de administração e das transações, os resultados seriam um pouco superiores ao que se esperaria de acordo com a HEM. Vê-se que a meta de bater o Ibovespa foi parcialmente atingida; Quando são analisados os riscos associados a cada tipo de fundo, conforme apresentado nas TAB. 10 e TAB. 11, observa-se que não há mudança significativa nos níveis de risco entre os diversos tipos de fundos, variando apenas a dispersão desses valores. Considera-se que esse fato pode decorrer de uma ou mais das seguintes razões: —— os gestores dos fundos ativos e ativos alavancados conseguiram compensar os riscos assumidos por meio de outras operações de proteção; —— os betas, calculados a partir dos rendimentos mensais, não conseguiram traduzir o eventual maior risco assumido; —— no período analisado, não ocorreram eventos de desvalorização dos ativos, como seria possível pelas operações de maior risco. os fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa apresentaram, em média, rendimentos notadamente superiores aos obtidos pelo Ibovespa, caracterizando, para esses fundos e no período analisado, um comportamento não compatível com a HEM. Diversos fundos tiveram um rendimento superior ao Ibovespa (valor do intercepto) de forma estatisticamente significante, enquanto nenhum apresentou um rendimento inferior ao Ibovespa de forma estatisticamente significante, apesar das despesas administrativas e de transação. Nesse caso, pode-se considerar que os gestores conseguiram atingir a meta de bater o Ibovespa. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012 • Recebido em: 22/08/2011 • Aprovado em: 23/04/2012 181 Referências BODIE, Z.; KANE, A., MARCUS, A. J. Fundamentos de investimentos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2000. BRUNI, A. L.; FAMÁ, R. Moderna teoria de portfólios: é possível captar, na prática, os benefícios decorrentes de sua utilização?. Resenha da BM&F, São Paulo, n. 128, p. 19-34, nov/dez. 1999. DAMODARAN, A. Avaliação de Investimentos: ferramentas e técnicas para a determinação do valor de qualquer ativo. São Paulo: Qualitymark, 2001. DIMSON, E.; MUSSAVIAN, M. A brief history of market efficiency. European Financial Management, Oxford, UK, v. 4, n. 1, p. 91-193, Mar. 1998 ELTON, E. J. et al .Moderna teoria de carteiras e análise de investimentos. São Paulo: Atlas, 2004. FAMA, E. F. The behavior of the stock market prices. 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Dessa forma, elaborou-se um levantamento bibliográfico sobre educação financeira e sobre os grupos geracionais formados ao longo do século XX. No que tange à metodologia utilizada, essa investigação pode ser caracterizada como descritiva, quantitativa e survey. Foram entrevistados 180 estudantes dos cursos de pós-graduação em finanças de uma universidade pública do estado do Paraná. Os resultados mostraram que essas pessoas que possuem interesse por educação financeira buscam qualidade ao comprar um produto de uso habitual, têm práticas conservadoras relacionadas aos investimentos e têm por hábito realizar doações. Palavras-chave: Finanças Pessoais. Educação Financeira. Geração Y. Abstract This paper discusses the financial behavior of young people today, who are referred to as generation Y - people who were born after 1980. This study aimed at identifying characteristics of the financial behavior of contemporary young people, especially in relation to consumption, saving and donating. Therefore, it involved researching literature about financial education and generation groups which were formed throughout the 20th century. Regarding the methodology, this research can be characterized as descriptive, quantitative and survey. The participants were 180 students of finance postgraduate courses from a public university from Paraná. The results showed that those young people who have an interest in financial education look for quality when buying a usual product, have conservative attitudes in relation to investments and have the habit of making donations. Keywords: Personal Finance. Financial Education. Generation Y. Especialista em Finanças e Contabilidade (UFPR). E-mail: [email protected]. Doutora em Controladoria e Contabilidade (FEA-USP). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Contabilidade da UFPR. E-mail: [email protected]. 1 2 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012 185 Introdução Introdução O comportamento dos jovens modernos é resultado de uma sociedade globalizada, competitiva e tecnológica. A ‘Geração Y’, como é conhecida, caracteriza-se pela facilidade e interesse por inovações tecnológicas, necessidade de estabelecer relacionamentos — especialmente por meio de redes sociais online, qualificação elevada, facilidade de compreensão de outras línguas e um enorme desejo de aproveitar a vida (ROBBINS, 2005; LANCASTER, STILLMAN, 2005; LOMBARDIA, STEIN, PIN, 2008; KHOURY, 2009; OLIVEIRA, 2010). A origem da denominação dessa geração como ‘Y’ se deve ao fato da influência que a extinta União Soviética exercia sobre os países comunistas. Isto é, definia-se a letra inicial dos nomes das crianças nascidas naquele período. Na década de 1980, escolheu-se a letra Y, o que deu origem ao termo Geração Y (OLIVEIRA, 2010). Com a chegada da Geração Y ao mercado de trabalho e, consequentemente, aos postos de liderança, cada vez mais os rumos da sociedade podem ser influenciados pelos ideais dessas pessoas. De modo geral, cada geração é resultado de seu contexto social e histórico, possuindo seus próprios conjuntos de valores, comportamentos e atitudes. Com a chegada da Geração Y ao mercado de trabalho e, consequentemente, aos postos de liderança, cada vez mais os rumos da sociedade podem ser influenciados pelos ideais dessas pessoas. Assim, entender esse grupo social 186 é fundamental, não apenas para compreensão das mudanças pelas quais as sociedades passam, mas também para que organizações e governos possam atender adequadamente os anseios e expectativas dessa geração. Portanto, com o objetivo de contribuir com esse propósito, a pesquisa em questão busca compreender como uma parcela dessa população se comporta em relação ao dinheiro. Para Claudino, Nunes e Silva (2009), a exploração acadêmica do tema deve ser incentivada não apenas para despertar o interesse por educação financeira como também para estimular a criação de novos estudos do gênero. Logo, este trabalho dará ênfase ao estudo do comportamento financeiro da Geração Y, focando em dois fundamentos: o desenvolvi mento da educação financeira e o entendimento de como esse grupo de pessoas de comportamento pe culiar lida com o dinheiro. Adicionalmente, o estudo pode contribuir para o entendimento de suas características de forma a possibilitar o apri moramento da educação financeira. Levando em conta o contexto apresentado sobre finanças pessoais e grupo citado, a questão que se pretende investigar é a seguinte: como a Geração Y lida com o dinheiro em relação ao consumo, poupança e doação? Existem indícios de que parte da população brasileira tem dificuldades em administrar suas finanças (SOUSA; TORRALVO, 2004). Aliado a isso, o crédito farto e a própria tecnologia facilitam o acesso da população aos produtos financeiros, e, diante de tantas opções, o consumidor pode acabar sendo impulsivo no ato da compra. Assim, muitas vezes, esse comportamento pode levar ao endividamento pessoal, acarretando na desestruturação de muitas famílias e vidas (CLAUDINO; NUNES; SILVA, 2009). Se ao atingir pessoas experientes, as dívidas se tornam um grave problema, quando alcança os mais novos, que em geral possuem menor maturidade e capacidade financeira, elas provocam sérias consequências. Fato é que esse mal tem atingido os jovens, principalmente por que as instituições financeiras, visando fidelizar Os jovens contemporâneos têm características totalmente diferentes das demais gerações, especialmente por terem sido marcados pelo acesso mais fácil e interação com a tecnologia. desde cedo os clientes, vêm desenvolvendo produtos voltados a adolescentes e universitários. Essas pessoas, em sua maioria, não tiveram instrução adequada para lidar com cartões ou limites de créditos durante os anos de escola. Isso é resultado da lacuna existente no ensino básico tradicional que, de forma geral, não aborda economia doméstica em seus currículos. Os jovens contemporâneos têm carac terísticas totalmente diferentes das demais ge rações, especialmente por terem sido marcados pelo acesso mais fácil e interação com a tecnologia. Eles são capazes de realizar diversas atividades simultaneamente e que estejam interligadas à tecnologia, por exemplo: assistir à TV e ouvir música enquanto acessam a vários sites ao mesmo tempo, conversam com os amigos no MSN e enviar SMS pelo celular. (OLIVEIRA, 2010). Exemplos como esses são comuns na maioria dos lares e empresas do Brasil que possuem jovens em seu cotidiano. Segundo pesquisa realizada pelo grupo DMRH/Cia. de Talentos (2010), publicada na HSM Management, a geração dos nascidos após 1980 - denominada de Y, deseja independência para decidir os rumos de sua carreira, ter agenda flexível, modificar as regras, serem ouvidos, ter acessos à tecnologia avançada e a ampla rede de contato, além de crescer rapidamente na empresa (CIA DE TALENTOS, 2010). Pelo exposto, a carência de educação financeira no País, somada à ascensão de uma nova parcela de consumidores com características Rev. FA E , C uritiba, diferentes das tradicionais — torna relevante não só o estudo de finanças pessoais, bem como o desenvolvimento de produtos financeiros para esse público de forma responsável. Sendo assim, visando preencher lacunas exis tentes sobre finanças pessoais aplicadas à Geração Y, esse trabalho procura evidenciar aspectos obscuros sobre o assunto, buscando um conhecimento mais profundo da forma como essas pessoas lidam com o seu dinheiro, mais precisamente no que aos jovens da cidade de Curitiba. Este trabalho será apresentado em 05 (cinco) seções. Nesta primeira, apresentar-se-á o assunto a ser estudado, bem como informações sobre a pesquisa. Na segunda será apresentada uma revisão da literatura referente aos dois principais assuntos em estudo: finanças pessoais e Geração Y. Na terceira parte serão expostos os procedimentos metodológicos que nortearão a condução da pesquisa a ser realizada. Finalmente, as duas seções seguintes versarão, respectivamente, sobre a análise e interpretação dos dados e sobre as conclusões e recomendações. 1 Referencial Teórico-empírico Após a estabilização econômica advinda com o Plano Real, o brasileiro passou a viver uma nova realidade, pois o período hiperinflacionário, que resultava em remarcações de preços diários, tinham ficado para trás. O brasileiro não estava acostumado a adotar comportamentos financeiros adequados, talvez devido à inexistência do aprendizado de educação financeira no ensino formal (SOUSA; TORRALVO, 2004). 1.1 Educação Financeira no Brasil A educação financeira no Brasil ainda é pouco desenvolvida. O sistema escolar nacional prepara os jovens para se tornarem bons operários, pois reforça paradigmas da era industrial na qual v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012 187 Para gerir adequadamente os recursos financeiros, as pessoas deveriam possuir habilidade de lidar com um grande número de informações, pois uma população educada financeiramente garante para si um futuro equilibrado por meio de seus investimentos. havia uma grande necessidade de trabalhadores (EBERLE, 2009). Assim como o ensino tradicional, a literatura sobre educação financeira é pouco explorada no Brasil. De forma geral, as universidades ainda exploram pouco o assunto, e, via de regra, limitam-se a oferecer disciplinas isoladas dentro de algum curso de graduação ou em MBAs com ênfase em gestão de investimentos (SOUSA; TORRALVO, 2004). Também são raros os artigos acadêmicos cujo foco principal trate de finanças pessoais. Geralmente, o tema acaba sendo citado como coadjuvante de outro em destaque. Conforme Claudino, Nunes e Silva (2009), para gerir adequadamente os recursos financeiros, as pessoas deveriam possuir habilidade de lidar com um grande número de informações, pois uma população educada financeiramente — aquela que sabe interpretar índices, praticar o consumo consciente e elaborar um planejamento — garante para si um futuro equilibrado por meio de seus investimentos. Outra atitude necessária é a elabo ração de um planejamento financeiro pessoal. Em muitos casos a inadimplência ocorre não por escassez de recursos, mas simplesmente pela falta de um planejamento adequado, porque a maior parte dos brasileiros ainda não aprendeu a pensar a longo prazo e acaba administrando seus rendimentos na base do improviso. 188 Sousa e Torralvo (2004) afirmam que pelo planejamento financeiro pessoal pode-se definir objetivos e tomar decisões eficientes. Depois de realizado o planejamento pessoal de médio e longo prazo é necessário elaborar um planejamento de curto prazo: o orçamento pessoal. Um orçamento nada mais é do que tomar decisões sobre o destino das receitas auferidas em um determinado período de acordo com algum tipo de diretriz. Um orçamento bem elaborado deve prever alguma quantidade de recursos para formação de uma reserva financeira. No Brasil, grande parte da população destina suas economias para produtos bancários de baixo risco, como a poupança. Porém, quem tem algum conhecimento na área financeira sabe que essa aplicação tem retornos muito baixos a longo prazo e, não raro, acaba perdendo até para inflação (SOUSA; TORRALVO, 2004). Consequentemente, conhecer os diversos tipos de aplicações financeiras (investimentos) é importante para escolha daquela que melhor atende às expectativas do agente em relação ao risco, prazo e retorno esperado. Os custos envolvidos nas aquisições das aplicações também devem ser objetos de análise por parte do investidor, para que as despesas envolvidas nas transações, como taxas e tributos, não prejudiquem a rentabilidade do título. Conforme Claudino, Nunes e Silva (2009) poupar não é apenas deixar de consumir agora para consumir no futuro, mas é obter a remuneração adequada no presente a fim de atingir a importância desejada no futuro para que se possibilite a conquista de seus sonhos. Outro fator a considerar na hora de realizar uma aplicação é o tempo de resgate do investimento. Poucos indivíduos compreendem que para formação de poupança de longo prazo o mais indicado é a renda variável. Por outro lado, quando o horizonte para regate for menor, o ideal para garantir o principal — seria aplicar em renda fixa (HALFELD, 2001). Quando o indivíduo consegue elaborar um planejamento e formar uma reserva de capital, ele consegue reduzir seu risco de ficar inadimplente. O endividamento pessoal traz consequências que muitas vezes vai além do indivíduo, por exemplo, Poupar não é apenas deixar de consumir agora para consumir no futuro, mas é obter a remuneração adequada no presente a fim de atingir a importância desejada no futuro para que se possibilite a conquista de seus sonhos. comprometendo a família. Dependendo do caso o problema pode se estender do devedor para o trabalho e amigos próximos. Além disso, uma situação de inadimplência pode levar as pessoas a contrair novos empréstimos, normalmente com juros mais elevados, complicando ainda mais a situação. À medida que a dívida aumenta o indivíduo tende a perder o controle da situação e, muitas vezes, essa situação leva-o ao superendividamento ou falência (CLAUDINO; NUNES; SILVA, 2009). Os fatores que provocam o endividamento são os mais variados. Em algumas situações ele é oriundo de causas alheias à vontade do indivíduo, por exemplo uma doença pessoal, perda do emprego ou óbito na família. Entretanto, percebe-se que algumas vezes esse problema também atinge indivíduos que possuem um bom padrão de vida e que não sofreram a influência de fatores externos. Nesses casos, o endividamento pode ser originário de maus hábitos de consumo. Nesse sentido, deve-se ressaltar que o modelo consumista presente na sociedade atual e a facilidade de acesso ao crédito são fatores que contribuem para o endividamento dos indivíduos. Ainda, as campanhas de marketing, cada vez mais influentes, e a valorização da imagem pessoal — na qual aparência vale mais que a essência —, estimula os indivíduos a elevar seu nível de vida além de suas possibilidades, conforme ilustra a FiG. 1 (DAYTON, 2002). FIGURA 1 — Modelo consumista atual FONTE: DAYTON (2002) Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012 189 1.2 As Gerações do Século XX O envelhecimento da população mundial proporcionado pelos avanços da Medicina fez com que pelo menos quatro gerações diferentes convivam ou colidam diariamente no globo. Essas pessoas foram influenciadas pela época em que nasceram e pelo contexto histórico em que cresceram os quais refletem em sua visão de mundo. Conge (1998) afirma que “As gerações são frutos de fatos históricos que influenciam profundamente os valores e a visão de mundo de seus membros.” Apesar de existirem certas variações sobre a denominação e início de algumas delas, a maioria dos artigos internacionais citados nos estudos brasileiros classificam as gerações do século XX em: Tradicionalistas ou Veteranos (antes 1945), Baby Boomers (1945-1960), Geração X (19601980), Geração Y (1980-1995) e Geração Z (1995 em diante). Não existe uma data certa que define o início de cada geração, mas há certo consenso sobre elas, mesmo porque a divisão serve apenas para efeito de estudo, pois busca identificar ca racterísticas predominantes no comportamento dos indivíduos nascidos em certa época. Isso significa que poderá haver pessoas que pela faixa etária sejam classificadas em um grupo geracional cujas características pessoais sejam diferentes da sua (ROBBINS, 2005; LANCASTER; STILLMAN, 2005; LOMBARDIA; STEIN; PIN, 2008; KHOURY, 2009; OLIVEIRA, 2010; ORSI; GALENI; MEIRA, 2010). estilo de liderança que caracteriza a geração, ou seja: assuma o comando e faça o correto! Essas pessoas se sentem confortáveis com hierarquias e cumprimento de normas. Para Robbins (2005), os Veteranos foram influenciados pela Grande Depressão, Segunda Guerra e pela construção do Muro de Berlin. Atualmente, são formados pelas pessoas que possuem mais de 65 anos. Tendem a valorizar a segurança familiar e uma vida confortável. As características principais desse grupo são: o grande respeito a figuras de autoridades, a lealdade a suas empresas, o trabalho árduo e o conformismo. 1.2.2 Os Baby Boomers Os Baby-Boomers, literalmente explosão de bebês, são formados pelas pessoas que hoje têm entre 45 e 65 anos. Foram influenciados pelos Beatles, pela Guerra do Vietnã e pelo movimento dos direitos civis nos EUA. Compartilham o otimismo do fim da década de 1960, preocupam--se com a família e com o autodesenvolvimento, tendem a permanecer muito tempo no mesmo emprego, onde trabalham duro e nutrem certa desconfiança da liderança. Seus principais valores são a busca pelo sucesso, realização, ambição e lealdade à carreira (KHOURY, 2009; ROBBINS, 2005). 1.2.3 A Geração X 1.2.1Veteranos Como citado anteriormente, as deno mi nações das gerações variam entre os estudiosos do tema. Lombardia, Stein e Pin (2008) e Oliveira (2010), denominam essa geração de tradicionais. Esses possuem como características: ser diligente no trabalho, respeitar às regras e às autoridades, ter disciplina, honra e sacrifício. No trabalho de Khoury (2009), essa geração foi batizada de geração Schwarzkopf. Segundo o autor, em homenagem ao general americano Norman Schwarzkopf. O militar possuía um 190 A terceira geração do século passado é a ‘X’. Segundo Oliveira (2010), essas pessoas nascidas após 1960 cresceram num mundo conturbado por guerras (Vietnã, Guerra Fria), crises e revoluções. Sua denominação vem do ativista americano Malcom X, que lutava pelos direitos sociais dos negros nos EUA, assassinado em 1965. Movimentos estudantis e de hippies floresceram nessa época, buscando contrariar tudo o que fosse convencional. Assim, a Geração X foi forçada a crescer num mundo mais instável. Ela assistiu à separação dos pais, o que gerou vários conflitos para essas pessoas. Essa instabilidade, fruto da realidade social da época, acabou formando um grupo mais individualista e cético (OLIVEIRA, 2010; KHOURY, 2009). 1.2.4 A Geração Z O grupo de pessoas mais novo na sociedade moderna é a Geração Z. Segundo Orsi, Galeni e Meira (2010), essa geração é formada por pessoas de idade na faixa dos 17 anos, atualmente cursando o Ensino Médio, nascida na era digital, as quais passam horas conectadas na internet, especialmente, utilizando-se de várias mídias sociais. Portanto, são os adolescentes atuais, pessoas que estão em fase de formação, alguns deles ingressando no mercado de trabalho. 1.2.5 A Geração Y Quando os jovens na faixa dos 20 anos começaram a chegar às organizações no início do século XXI, os gestores começaram a perceber que algo estava mudando no ambiente de trabalho. Pela primeira vez, pessoas de quatro gerações diferentes passavam a conviver no ambiente empresarial. Influenciados pelo contexto social em que cresceram, cada geração carregava consigo visões de mundo diferentes. Agora, Veteranos, Baby Boomers, Geração X e Geração Y estavam juntos na mesma arena. Dessa forma, estava montado o palco para os conflitos, pois se duas gerações dentro de uma mesma casa já produzem desentendimento de sobra, quatro dentro de uma empresa são uma bomba relógio (ROBBINS, 2005; LANCASTER; STILLMAN, 2005; LOMBARDIA; STEIN; PIN, 2008; KHOURY, 2009; OLIVEIRA, 2010). impaciência e superficialidade serem sempre citadas como características, os comportamentos mais marcantes desses jovens é a necessidade constante de feedback, a busca pela ampliação dos seus relacionamentos, o gosto por padrões informais e a individualidade como expressão própria. Segundo Khoury (2009), a Geração Y é formada, sobretudo, por jovens otimistas, am biciosos e que desejam ‘fazer a diferença’. Eles têm elevada autoestima e autoconfiança, gostam de expressar suas opiniões, preocupam-se em construir uma sociedade mais tolerante, valorizam a educação formal e o trabalho em equipe. Para Carneiro (2010), as principais características dos jovens dessa gera ção é o predomínio da comunicação virtual, o espírito empreendedor e a inovação, a criatividade, o engajamento e a facilidade de expressão. Por outro lado, precisa de orientação constante, apresentando traços de imaturidade e acomodação. Os jovens atuais possuem problemas em reconhecer a hierarquia, pois em seus lares tiveram forte participação nas decisões familiares. Seus pais da Geração X buscaram uma educação participativa, e em alguns lares o grau de igualdade é tão alto que é normal os filhos se referirem aos pais pelo primeiro nome. Esse comportamento acaba sendo transferido para as empresas, onde os ‘Ys’ veem seus chefes como ‘iguais’. Além disso, por possuírem boa formação e domínio da tecnologia, podem acabar tendo mais habilidades que seus líderes, os quais, só serão respeitados caso tenham competência, ou seja, algo a ensinar. No entanto, eles esperam que a gestão contribua para seu crescimento a partir de feedback constante (LANCASTER; STILLMAN, 2005; LOMBARDIA; STEIN; PIN, 2008; KHOURY, 2009; OLIVEIRA, 2010; CARNEIRO, 2010). Sobre a Geração Y, Oliveira (2010) afirma que, apesar das características atribuídas à esses jovens, é necessário se aprofundar no estudo deles para que se evite qualquer estereótipo. Apesar da Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012 191 2Metodologia Referente à metodologia utilizada, a inves tigação pode ser caracterizada como descritiva, quantitativa e survey. Segundo Freitas et al. (2000, p. 105), “a pesquisa survey pode ser descrita como a obtenção de dados ou informações sobre características, ações ou opiniões de um determinado grupo de pessoas, indicados como representantes de uma população-alvo, por meio de um instrumento de pesquisa”. Complementarmente, também será verificado o interesse desses jovens por temas relacionados às finanças pessoais. Para isso, desenvolveu-se um questionário, o qual foi aplicado com alunos da Pós-Graduação do Departamento de Contabilidade da UFPR. Como o objetivo deste estudo é aprofundar o conhecimento do comportamento financeiro da Geração Y, ou seja, de modo geral, uma grande parte dos jovens atuais definiu-se como população a ser estudada, os alunos das turmas dos cursos de Pós- Graduação lato sensu ofertados pelo Departamento de Contabilidade (DECONT) da Universidade Federal do Paraná — UFPR. Essa decisão baseia-se no fato de haver nas turmas de pós-graduação uma grande concentração de jovens e, por conseguinte, a probabilidade de encontrar integrantes da geração retrocitada era significativa. Por isso, a amostra é não probabilística, por conveniência e intencional. Assim, contando com a colaboração dos coordenadores de cada curso, foi realizada a aplicação dos questionários nos intervalos das aulas entre os dias 17 de junho a 02 de julho de 2011, nas seguintes turmas: duas turmas do curso de Especialização em Contabilidade e Finanças (40,3% dos entrevistados), duas turmas do curso de Especialização em Controladoria (26,7% dos entrevistados), uma turma do curso de Especialização em Gestão de Negócios (17% dos entrevistados) e uma turma do curso de MBA em Auditoria Integral (15,9% dos entrevistados). No total, foram aplicados 180 questionários, havendo apenas quatro que foram descartados por mau preenchimento. 192 O questionário aplicado tinha o objetivo de encontrar parâmetros para entender o comportamento financeiro da Geração Y. Ele foi estruturado em cinco blocos, a saber: bloco 1 — educação financeira; bloco 2 — poupança; bloco 3 — doação; bloco 4 — consumo; e bloco 5 — perfil. Em seguida, foi realizada a tabulação e tratamento de dados utilizando os recursos do aplicativo Microsoft Excel®. 3 Análise e Interpretação dos Dados Nesta seção é apresentada e discutida a análise dos dados coletados buscando identificar o comportamento do integrante da Geração Y em relação ao consumo, poupança e doação. 3.1 Perfil dos Entrevistados Conforme mencionado anteriormente, foram entrevistados 180 alunos dos cursos de especialização ofertados pelo DECONT. Em seguida, foi realizada uma seleção visando identificar os integrantes da Geração Y. Para isso, consideraram-se como parâmetro as idades indicadas pelos respondentes, sendo descartados os questionários daqueles que tinham mais de 31 anos até 02 de julho de 2011, data final da realização das entrevistas. Assim, foram analisadas as respostas de 132 entrevistados. Mais detalhes quanto ao perfil dos entrevistados podem ser consultados na TAB. 1, a seguir. TABELA 1 _ Características dos entrevistados Indicador Freqüência Percentual Sexo Feminino Masculino 69 63 52,27% 47,72% Solteiro Casado Divorciados Outros 86 41 01 04 65,15% 31,06% 0,75% 3,03% Até 02 sm Entre 02 e 04 sm Entre 04 e 10 sm Entre 10 e 20 sm Acima de 20 sm 03 33 62 27 06 2,27% 25,00% 46,97% 20,45% 4,54% Sim 126 95,45% Não 06 4,54% Estado Civil Renda Familiar Trabalha FONTE: Dados da pesquisa (2011) 3.2 Estatística Descritiva Com relação à Educação Financeira, quando perguntados se haviam participado de eventos de finanças pessoais, a maioria dos entrevistados (73%) afirmaram já haver participado de eventos relacionado às finanças (Palestra, Encontros, Workshops, etc.). Houve ainda um número signi ficativo de entrevistados (26%) que ainda não haviam participado de eventos do gênero, mas possuíam o desejo de participar. Esses dados estão detalhados no GRÁF. 1. GRÁFICO 1 _ Participação em eventos 1% 26% 33% 40% Sim, mais de 3 eventos Sim, até 02 eventos Não, mas tenho interesse Não, nem tenho interesse Também foi perguntado se o tema ‘finan ças’ era conversado em família, observa-se que um pouco mais da metade (54%) afirma ter participado de discussão sobre finanças em seus lares. Da amostra selecionada, 90% afirmaram ter o costume de conversar sobre investimentos ou finanças pessoais com amigos e parentes. Quanto ao hábito de realizar um orçamento ou planejamento financeiro, 74 entrevistados, ou 55%, afirmaram que faziam algum tipo de planejamento financeiro. No entanto, eles nem sempre conseguem cumpri-lo. Outros 34% afirmaram realizar algum planejamento e conseguem cumpri-lo. Sobre hábitos de poupança, quando per guntados se possuíam algum tipo de investimento, a maioria (72%) afirmou ter algum tipo de reserva financeira, conforme o GRÁF. 2. FONTE: Dados da pesquisa (2011) Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012 193 GRÁFICO 2 _ Posse de investimentos de realizar doações, independente de campanhas ou solicitações, contra 20% que as fazem quando se inicia alguma campanha. No entanto, 30% afirmaram que raramente faziam doações. Quando perguntados se realizavam algum tipo de serviço voluntário, a maioria (83%) respondeu que não praticavam nenhum tipo de voluntariado, conforme GRÁF. 4 abaixo. 28% 72% SIM GRÁFICO 4 _ Trabalho voluntário NÃO FONTE: Dados da pesquisa (2011) Aos que possuíam algum tipo de investimento, foi perguntado quais tipos de aplicações possuíam. Conforme o GRÁF. 3, a caderneta de poupança, com 48%, foi indicada como principal aplicação escolhida pelos jovens. Em seguida, aparecem a previdência privada (21%) e o CDB (16%). A renda variável é a opção escolhida de uma pequena parcela dos entrevistados (8%). Índice idêntico foi alcançado pelas aplicações em títulos de capitalização, os quais, tecnicamente, não são investimentos, porém são considerados como tal pelos leigos. Dos pesquisados que não possuíam ne nhum tipo de poupança, a maior parte (65%) disse que o salário ainda é muito baixo, e devido a isso nunca sobrava dinheiro para investir. Outros 21% afirmaram não ter poupança, pois estavam endividados. GRÁFICO 3 _ Onde aplicam os recursos 50% 48% 40% 30% 16% 20% 21% 8% 8% 10% 0% Poupança Título Cap CDB Previdência Renda variável FONTE: Dados da pesquisa (2011) Em relação ao interesse pela renda variável e, consequentemente pelo risco, 66% afirmaram estar interessado nessa modalidade de investimento. Dessa porcentagem, 23% têm interesse em aumentar sua rentabilidade no curto prazo, e 43% a desejam para formar patrimônio de longo prazo. Com relação especificamente a doações, na questão introdutória, foi perguntado aos participantes se tinham o costume de realizá-las a pessoas ou instituições. A análise dos resultados mostrou que 45% dos entrevistados têm o hábito 194 17% 83% SIM NÃO FONTE: Dados da pesquisa (2011) Sobre hábitos de consumo, perguntou-se aos entrevistados sobre a elaboração de lista de compras numa ida ao supermercado. No que tange aos resultados desse questionamento, observou-se que 38% fazem uma lista de compra, mas não realizam pesquisas. Por outro lado, 33% afirmaram não fazer nenhum tipo de lista de compras. Outros 12% apenas compram após fazerem listas de compras, pesquisas de preços e de promoções. Há ainda 11% que fazem listas de compras, mas não a seguem e acabam comprando por impulso. Apenas 6% afirmaram cumprir rigorosamente a lista que elaboram. Também foi perguntado aos participantes como realizavam o pagamento de um artigo de valor mais elevado. Conforme o GRÁF. 5, os resultados indicaram que 50,4%, realizam pesquisa de preços e compram parcelado no cartão ou no crediário. Outros 44,4% fazem pesquisa, mas economizam para comprar à vista. GRÁFICO 5 _ Comportamento no pagamento 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% 50,4% 44,4% 5,3% 0 Economiza Faz lista e Parcelado Parcelado (a vista) pesquisas (pesquisa) (sem pesquisa) FONTE: Dados da pesquisa (2011) 0 Compra sem planejar Questionados sobre o critério de escolha na compra de um produto habitual, a maioria (84%) apontou a qualidade do produto como critério de escolha; há ainda 8% que decidem com base no preço; e outros 7% que decidem pela marca do produto. Considerações Finais Este estudo procurou compreender o comportamento financeiro da Geração Y. Conforme proposto, investigaram-se as atitudes do público-alvo em relação aos seus comportamentos de consumo, poupança e doação. Com objetivo complementar, também se verificou o interesse desses jovens por temas relacionados às finanças pessoais. Os resultados mostraram que o interesse por temas relacionados às finanças pessoais é considerável, pois a maior parte dos entrevistados participou de eventos e costumam conversar sobre o assunto. Dessa forma, vislumbra-se a possibilidade de explorar o interesse por finanças, aliada à facilidade de interação com a tecnologia e internet, para estimular a educação financeira e desenvolver produtos específicos para essas pessoas por meio de sites, blogs, redes sociais, jogos online, dentre outras ferramentas do gênero. Os bons resultados do binômio serviço-tecnologia foram verificados no estudo de Pereira, Andrade e Faria (2011), o qual identificou uma propensão da Geração Y na utilização de serviços online, como o da Nota Fiscal Paulista — NFP. mas não desejam se comprometer diretamente no auxílio ao próximo pelo voluntariado. Isso pode ser devido ao perfil da amostra a qual foi formada por profissionais da área de negócios, portanto, mais individualistas. Relativo ao comportamento de consumo, quando desejam adquirir um produto de maior valor, a maioria procura fazer pesquisa de preços, optando, em seguida, pelo parcelamento ou pagamento à vista, respectivamente. Diariamente, os jovens tendem a comprar produtos pela qualidade. Deve-se ressaltar que esses resultados não podem ser generalizados para toda a Geração Y, nem se pretende esgotar o estudo sobre o tema, mesmo porque existem limitações devido à metodologia utilizada, tamanho e perfil da amostra. Futuras pesquisas podem buscar verificar aspectos desses jovens que possibilitem o desenvolvimento de produtos financeiros, aspectos relacionados à exposição ao risco na decisão de investimento, bem como seu comportamento financeiro sob a ótica ds Finanças Comportamentais. No que tange aos hábitos de poupança, a maioria possui alguma reserva financeira. No entanto, de modo geral, esses jovens investem seus recursos em aplicações de baixo risco, como a poupança. Contudo, verificou-se o interesse pelo mercado de ações, mas a falta de conhecimento desse mercado parece inibir o investimento. Aparentemente, eles possuem um entendimento limitado sobre o tema, talvez resultado da superficialidade na utilização de informação. Esse fato corrobora com os trabalhos de Lombardia, Stein e Pin (2008) e Oliveira (2010), nos quais afirmam que os ‘Y’ fazem análises pouco sólidas, devido ao excesso de informações as quais estão expostos. • Recebido em: 03/02/2012 • Aprovado em: 29/02/2012 Também foi verificado que os integrantes da amostra apresentam tendência à generosidade, Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012 195 Referências CARNEIRO, N.A. Turismo de negócios e a geração Y no cenário de eventos empresariais. São Paulo, 2010. 111 f. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade) — Escola de Turismo e Hospitalidade, Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2010. CLAUDINO, L. P.; NUNES, M. B; SILVA, F. C. Finanças pessoais: um estudo de caso com servidores públicos. In: SEMINÁRIO EM ADMINISTRAÇÃO, 12., 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: USP. Faculdade de Administração e Economia, 2009. CONGE, J. Quem é a geração X? HSM Management. v. 11, n. 2, p. 129-138, nov./dez. 1998. COMPANHIA DE TALENTOS. Duas gerações convivendo na empresa: adversárias ou aliadas? Disponível em: <http://http://www.ateliedepesquisa.com.br/home.htm>. Acesso em: 24 jul 10. DAYTON, H. O seu dinheiro. São Paulo: Bless, 2002. EBERLE, V. Finanças pessoais: uma proposta de orientação. Curitiba, 2009. 115 f. Monografia (Curso de Especialização em Contabilidade e Finanças) - Setor de Ciências Sociais Aplicada, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. FREITAS, H. et al. O método de pesquisa survey. 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FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012 197 Reconhecimento de padrões na avaliação de distúrbios vocais em docentes Pattern recognition in the evaluation of vocal disorders in teachers Reconhecimento de padrões na avaliação de distúrbios vocais em docentes Pattern recognition in the evaluation of vocal disorders in teachers Divanete Maria Bitdinger de Oliveira1 Maria Teresinha Arns Steiner2 Deise Maria Bertholdi Costa3 Resumo O objetivo deste artigo é apresentar uma metodologia para a avaliação de distúrbios vocais em docentes, tomando por base dados de docentes de uma escola localizada no município de Curitiba (PR). Para tanto, foram analisados registros históricos de cem docentes, cada um deles com dez informações (atributos), bem como suas respectivas classificações (sugestão para: aumentar, diminuir ou manter a carga horária, visando à saúde e ao bem-estar desses profissionais). Com a utilização do processo KDD (Knowledge Discovery in Databases, ou Descoberta de Conhecimento em Bases de Dados), primeiramente, os atributos foram codificados e, em seguida, na etapa de Data Mining (ou Mineração de Dados), foram utilizadas duas técnicas para o Reconhecimento de Padrões. Essas técnicas, Redes Neurais Artificiais (RNAs) e da Função Discriminante Linear de Fisher (FDLF), tiveram as suas acurácias comparadas apresentando 91,35% e 72,12%, respectivamente. Dessa forma, a especialista (fonoaudióloga da escola) terá um respaldo adicional, a partir das RNAs, para o problema aqui analisado, e para o diagnóstico quanto à classificação de novos padrões (docentes). Palavras-chave: Processo KDD. Mineração de Dados. Redes Neurais Artificiais. Função Discriminante Linear de Fisher. Abstract The goal of this paper is to present a methodology for evaluating the severity of vocal disorders in teachers, based on data from a school located in the city of Curitiba (PR). The research was based on the analysis of historical data about 100 teachers, considering ten attributes for each of them and also their respective classification (as suggested: to increase, to reduce or to maintain to workload, aiming to improve the teachers’ health and wellbeing). By using the Knowledge Discovery in Databases (KDD) process, firstly the attributes were codified and then, in the stage of Data Mining, two pattern recognition techniques were used. Those techniques _ Artificial Neural Networks (ANNs) and the Fisher Linear Discriminant Function (FLDF) _ had their accuracy levels compared, presenting 91.35% and 72.12% respectively. Therefore, the expert will have additional support, by using ANNs for the problem under analysis, for diagnosing and classifying new patterns (in teachers). Keywords: KDD Process. Data Mining. Artificial Neural Networks. Fisher Linear Discriminant Function. Mestre em Métodos Numéricos em Engenharia pela UFPR. E-mail: [email protected]. Doutora em Engenharia da Produção pela UFSC. Pós-doutorado no ITA. Professora Associada da UFPR (1978-2010). Professora da PUC-PR no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas (PPGEPS). E-mails: [email protected]; [email protected]. 3 Doutora em Engenharia da Produção pela UFSC. Professora da UFPR do Departamento de Expressão Gráfica e Programas de Pós-Graduação em Métodos Numéricos em Engenharia (PPGMNE) e de Engenharia de Produção (PPGEP). E-mail: [email protected]. 1 2 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012 199 Introdução A saúde pode ser entendida como o estado dinâmico de equilíbrio entre os seres humanos e seu meio físico, biológico e social, compatível com as atividades funcionais. A saúde no trabalho, de forma análoga, é um estado de equilíbrio entre o trabalhador e os meios de produção com os quais ele interage (PACHECO et al., 2005). Segundo Rua et al. (2010), são muitos os trabalhos que exigem ritmo acelerado — horas extras não remuneradas, pressão hierárquica, instabilidade no emprego, uso excessivo da voz, dentre outros —, provocando fadiga, sofrimento mental, estresse, desmotivação, anulando a capacidade de raciocínio e de criatividade do trabalhador. A voz é um importante instrumento de comunicação e, para os docentes, ocupa lugar de destaque, já que influencia na relação entre professor e alunos. Segundo Jardim (2006), várias pesquisas têm mostrado prevalência de disfonia em professores. Esses resultados reforçam a necessidade de melhorias nas condições ambientais e organizacionais das escolas, além da análise de fatores externos. A voz é um importante instrumento de comunicação e, para os docentes, ocupa lugar de destaque, já que influencia na relação entre professor e alunos. 200 Existem muitos fatores de risco para a voz aos quais os docentes estão suscetíveis, e dentre esses riscos se podem destacar os seguintes: a não hidratação do organismo e falar em ambientes secos e empoeirados; falar com ataques vocais bruscos; tossir excessivamente ou pigarrear; falar em ambientes ruidosos ou abertos (competição vocal); utilizar tom grave ou agudo demais; falar excessivamente durante quadros gripais ou crises alérgicas; dentre outros. Assim, a orientação preventiva, sob super visão médica e fonoaudiológica, torna-se fator imprescindível para a saúde vocal dos docentes. Além disso, as atividades mais indicadas para quem utiliza a voz profissionalmente são: a natação, caminhadas, ginástica sem impacto, exercícios de alongamento e ioga, ou seja, atividades em que não há nenhuma movimentação violenta que causaria tensão muscular nas regiões do pescoço, ombro, tórax e costas. O objetivo principal desse trabalho é en contrar uma técnica capaz de classificar o grau de distúrbio vocal de um docente com a maior precisão possível, a partir de dados coletados de docentes preliminarmente classificados. Desse modo, terse-á um respaldo adicional ao diagnóstico da especialista na área, no caso, de uma fonoaudióloga, em cumprir para com o interesse da escola de prevenir e/ou detectar precocemente possíveis disfonias em seus docentes. Buscando alcançar esse objetivo, foram utilizadas duas técnicas bastante consagradas na literatura, as Redes Neurais Artificiais (RNAs) e a Função Discriminante Linear de Fisher (FDLF), com a intenção de comparar seus resultados verificando qual delas oferece o menor percentual de erros, ou seja, a que apresenta o melhor desempenho em realizar tal classificação. 1 Aspectos Gerais sobre a Fonaudiologia O objetivo da fonoaudiologia é a manutenção ou o retorno a uma função vocal normal, e, para isso, todas as causas devem ser analisadas. Segundo Behlau e Pontes (1995), a voz é produzida na laringe que, por sua vez, é constituída por pregas vocais; assim, ao inspirar, o ar entra nos pulmões e as pregas vocais se afastam, e ao expirar, o ar sai dos pulmões e, passando pela laringe, causa a vibração das pregas vocais. Nesse momento, é produzido um som de pequena intensidade que é amplificado nas cavidades de ressonância (laringe, faringe, boca e nariz) e se transforma em diversos sons da fala por meio dos movimentos dos órgãos miofuncionais (boca, língua, lábios, bochechas, mandíbula, dentes e palato). Assim sendo, para que o som seja produzido com boa qualidade, há necessidade da integridade dos sistemas respiratório e digestivo, assim como de toda musculatura envolvente neste processo. Além desses aspectos, a carga afetiva também influencia na alteração da voz, sendo assim, cada pessoa possui uma qualidade vocal individual e, portanto, algumas pessoas são mais suscetíveis às disfonias do que outras. A voz é adquirida e vai se formando conforme nosso crescimento físico e emocional. A carga afetiva também influencia na alteração da voz, sendo assim, cada pessoa possui uma qualidade vocal individual e, portanto, algumas pessoas são mais suscetíveis às disfonias do que outras. Rev. FA E , C uritiba, Segundo Pinho (1997), muitos utilizam a voz de forma inadequada em sua profissão, podendo danificar os tecidos da laringe e produzir um distúrbio vocal. Por isso, orientações sobre o mecanismo de produção da voz, noções de higiene bucal e técnica vocal são indispensáveis para auxiliar esses profissionais na manutenção da qualidade da própria voz. Dessa forma, é importante determinar o comportamento vocal do professor, as situações de abuso vocal e os possíveis agentes prejudiciais à voz, assim como a influência de fatores psicológicos e de estresse, pois todos esses dados são importantes para a orientação e o tratamento das alterações vocais. 2 Coleta de Dados Os dados utilizados para o desenvolvimento deste trabalho foram obtidos junto a uma instituição de ensino da cidade de Curitiba (PR), cuja fonoaudióloga forneceu os critérios de cem docentes, já avaliados e, consequentemente, já classificados. O objetivo da escola é de, a partir da análise dos dados de cada docente, determinar o seu grau de distúrbio, podendo sugerir a carga horária que lhe será mais adequada. No QUADRO 1, apresentado mais abaixo, têm-se os dez critérios e suas respectivas variáveis utilizados pela escola para a classificação da gravidade de distúrbios vocais de seus docentes. A pontuação contida na terceira coluna desse quadro, definida pela fonoaudióloga da escola, varia de zero (menor impacto sobre a voz) até 7 (maior impacto). A forma atual utilizada pela fonoaudióloga para a classificação do distúrbio vocal do docente, apresentada no QUADRO 2, é de acordo com a soma acumulada pela pontuação. A fim de se tentar obter um desempenho mais apurado das técnicas utilizadas (RNAs e FDLF), os critérios contidos no QUADRO 1 foram tratados de duas formas. Na primeira, os dez critérios definem as ‘entradas’ para as técnicas, v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012 201 cujos valores variam de 0 a 7; na segunda, as variáveis são, primeiramente, transformadas em coordenadas binárias que formaram, então, as ‘entradas’ para as técnicas, conforme dados ilustrativos de um exemplo contidos na quarta coluna do QUADRO 1. Assim, se o docente possui ‘tempo de docência’ (critério 8) ‘de até 5 anos ou acima de 20 anos’, ele terá uma pontuação igual a ‘2’ como entrada para o primeiro caso; já para o segundo caso, ele terá uma entrada igual a ‘1’. —— da mesma forma, com apenas uma saída pertencente ao intervalo (0; 1), mas com diferente interpretação. Nesse caso, a saída contida no intervalo de (0; 0,5) indicará que o docente se enquadra em um dos quatro grupos, e a saída contida no intervalo de [0,5; 1) se enquadra nos demais três grupos. Nesse caso, ambas as técnicas deverão ser aplicadas quatro vezes, uma para cada grupo de classificação. Posteriormente, ao se testar um novo padrão, este deverá ser testado quatro vezes (uma vez para cada grupo) e pertencerá ao grupo que fornecer o maior valor (o mais próximo de ‘1’); —— análoga ao caso 2 anterior, mas com duas saídas. Nesse caso, a saída (1; 0) indicará que o docente se enquadra em um dos quatro grupos e a saída (0; 1), que se enquadra nos demais três grupos; —— com quatro saídas. Nesse último caso, os padrões pertencentes ao grupo 1 deverão ter uma saída do tipo (1; 0; 0; 0); ao grupo 2 (0; 1; 0; 0); ao grupo 3 (0; 0; 1; 0); e ao grupo 4 (0; 0; 0; 1). Já com relação às saídas (‘valores desejados’ ou grupos ou classes, na aplicação de ambas as técnicas, RNAs e FDLF), apresentadas no QUADRO 2, trabalhou-se de diversas formas, visando o melhor desempenho possível. Tais formas estão detalhadas a seguir: —— apenas uma saída pertencente ao intervalo (0; 1). Nesse caso, os padrões pertencentes ao grupo 1 (caso leve) deverão ter uma saída pertencente ao intervalo (0; 0,25); ao grupo 2 (caso leve a moderado), saída no intervalo [0,25; 0,5); ao grupo 3 (caso moderado), saída no intervalo [0,5; 0,75); e ao grupo 4 (caso grave), saída no intervalo [0,75; 1); QUADRO 1 _ Critérios (atributos) e suas respectivas variáveis utilizadas pela escola Critério 1. Fatores de risco Variáveis 1. Ausentes 2. RGE / ou suspeita de RGE 3. Atopia / ou suspeita de atopia 4. Tabagismo 2. Medidas de Prevenção: 5. Cumpre os 2 aquecimento vocal e ingestão 6. Cumpre só 1 de água 7. Cumpre nenhum 3. Fonoterapia 202 8. Não necessita / Alta fonoterápica 9. Realiza regularmente 10. Interrupção / Realiza irregularmente 11. Não realiza, apesar da indicação Pontuação para as variáveis continua Variáveis com codificação binária 0 0 3 1 3 1 3 0 0 0 1 1 2 0 0 0 1 1 3 0 5 0 QUADRO 1 _ Critérios (atributos) e suas respectivas variáveis utilizadas pela escola Critério conclusão Pontuação para Variáveis as variáveis Variáveis com codificação binária 12. Ausentes 13. Não associados a patologia 14. Associados a patologia 0 1 4. Sintomas vocais 3 0 5 0 0 0 5. Patologia 15. Ausente 16. Adquirida 17. Congênita 3 1 5 0 18. Não necessita 0 1 19. Indicada, mas não realizada 20. Realizada há menos de um ano 21. Realizada há mais de um ano 4 0 3 0 2 0 22. até 25 horas/aula 23. de 26 a 35 h/a 24. de 36 a 45 h/a 25. de 46 a 55 h/a Acima de 55 h/a 1 0 2 1 4 0 5 0 7 0 6. Cirurgia 7. Carga horária total atual (semanal) 26. Até 5 anos ou acima de 20 FONTE: Adaptado dos Balanços Sociais 8. Tempo de docência 27. 6 a 19 anos 9. Outra profissão da voz — não docente (exemplo: cantor) 10. Uso de microfonedocência 2 1 1 0 0 1 Uso profissional da voz esporádico 1 0 Uso profissional da voz freqüente 4 0 28. Sim 0 1 29. Não 1 0 Não FONTE: Dados da Pesquisa QUADRO 2 _ Pontuação utilizada pela escola (classificação atual) Pontuação Classificação Sugestão de Carga Horária 0 a 10 Caso leve Aumentar até 10 h/a 11 a 15 Caso leve a moderado Aumentar até 5 h/a 16 a 25 Caso moderado Manter carga horária 26 ou mais Caso grave Reduzir carga horária FONTE: Dados da Pesquisa 3Metodologia Com a finalidade de analisar, discriminar e classificar esses dados, utilizou-se o processo KDD (Konowledge Discovery in Databases, ou seja, Descoberta de Conhecimento em Bases Rev. FA E , C uritiba, de Dados) que, segundo Fayyad et al. (1996), é composto de cinco etapas: seleção dos dados; pré-processamento e limpeza dos dados; transformação dos dados; mineração de dados (Data Mining ou reconhecimento de padrões — principal etapa do processo KDD); interpretação e avaliação dos resultados, conforme FIG. 1. v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012 203 FIGURA 1 — Etapas do Processo KDD FONTE: Fayyad et al. (1996) 204 com o objetivo de se utilizar, a técnica com melhor acurácia para a classificação de novos padrões. Segundo Lemos, Steiner e Nievola (2005), o processo de KDD começa com o entendimento do domínio da aplicação e dos objetivos finais a serem atingidos. A partir dessa etapa, os dados são selecionados de acordo com os critérios definidos; na etapa de pré-processamento ou limpeza dos dados, são removidas as informações julgadas desnecessárias. Os dados pré-processados devem, ainda, passar por uma transformação que os armazena adequadamente, facilitando o uso das técnicas de Data Mining. Para o presente trabalho, as três primeiras etapas do processo KDD foram detalhadas na seção 3 anterior, em que já se realizou a seleção e a limpeza dos dados, assim com a sua codificação (binária). 4 Redes Neurais Artificiais (RNAs) Após essas etapas, chega-se à fase de Data Mining, que começa com a escolha das ferramentas (algoritmos) a serem utilizadas, essa escolha depende fundamentalmente do objetivo do processo de KDD: classificação, agrupamento, associação ou outras dos padrões. Essas ferramentas deverão procurar por padrões no comportamento dos dados. Baseado nos estudos do cérebro, nas ideias de redes de neurônios e nos modelos dos neurônios, foram propostas as estruturas de redes neurais ou redes de neurônios artificiais. No entanto, uma RNA pode ter centenas ou milhares de unidades de processamento, enquanto o cérebro de um mamífero possui bilhões de neurônios (OLIVEIRA, 2002). Como o presente trabalho objetiva a classificação de padrões, na etapa de Data Mining foram utilizadas duas técnicas, conforme já comentado: a FDLF e as RNAs. Essas duas técnicas tiveram seus desempenhos comparados, Segundo Tonsig (2000), as primeiras infor mações sobre neurocomputação surgiram em 1943, em artigos do neurofisiologista Warren McCulloch, do Instituto Tecnológico de Massachusetts, e do matemático Walter Pitts, da Universidade de Illinois. Ao final do processo, o sistema de Data Mining gera um relatório das descobertas, o qual será interpretado pelos analistas, no caso, a fonoaudióloga da escola. Após essa interpretação, encontra-se conhecimento. Vale salientar que a utilização de tais técnicas objetiva fornecer um respaldo adicional aos especialistas das mais diversas áreas, detentores de toda a experiência e intuição. Ambos fizeram uma analogia entre células nervosas vivas e o processo eletrônico, simulando o comportamento do neurônio natural, no qual o neurônio possuía apenas uma saída, a qual era uma função da soma de valor de suas diversas entradas, conforme ilustrado na FIG. 2. FIGURA 2 — Neurônio Artificial projetado por MCCulloch e Pitts FONTE: Tonsig (2000) Na FIG. 2, o vetor x representa um conjunto de p entradas, que multiplicado por um vetor peso w nos fornece o produto p = x w, aplicado aos canais de entrada do neurônio. A função de ativação, F(x), que produz o sinal de saída y do neurônio (binária ou contínua), é dada pela expressão (1): sendo que o parâmetro é o bias ou vício, que aumenta o número de graus de liberdade disponíveis no modelo, permitindo que a RNA tenha maior capacidade de se ajustar ao conhecimento a ela fornecido. Todo o conhecimento de uma RNA está armazenado nas sinapses que são os pesos atribuídos às conexões entre os neurônios. Segundo Tatibana e Kaetsu (2009), de 50% a 90% do total de padrões deve ser separado para o treinamento da RNA, escolhidos aleatoriamente para que a rede realmente ‘aprenda’ as regras. O restante dos dados apenas é apresentado à RNA na fase de testes, a fim de averiguar a capacidade de generalização da rede, ou seja, o quanto a rede, de fato, ‘aprendeu’. Ainda segundo Tatibana e Kaetsu (2009), existem seis passos necessários para o desen volvimento de aplicações utilizando RNAs. Os dois primeiros passos do processo para o treinamento Rev. FA E , C uritiba, de RNAs são, conforme já comentado, a coleta de dados relativos ao problema e a separação desses dados em um conjunto de treinamento e outro de testes. O terceiro passo é a definição da confi guração da rede, que pode ser dividida em três etapas: seleção do paradigma neural apropriado à aplicação, determinação da topologia da rede a ser utilizada — o número de camadas e o número de unidades em cada camada — e a determinação de parâmetros do algoritmo de treinamento e funções de ativação. Esse passo tem grande impacto no desempenho do sistema resultante. O quarto passo é o treinamento da rede. Nessa fase serão ajustados os pesos das conexões, nas quais, geralmente, os valores iniciais são números aleatórios uniformemente distribuídos, em um intervalo definido. Uma escolha adequada dos valores iniciais dos pesos da rede pode diminuir o tempo necessário para o treinamento; por outro lado, a escolha errada desses pesos pode levar a uma saturação prematura. O treinamento deve ser interrompido quando a rede apresentar uma capacidade apropriada de generalização e quando a taxa de erro for suficientemente pequena, ou seja, menor que um erro admissível. Assim, deve-se encontrar um ponto ótimo de parada com erro mínimo e capacidade de generalização máxima. O quinto passo é o teste da rede, sendo que o desempenho é uma boa indicação do v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012 205 desempenho real. Durante essa fase, o conjunto de teste é utilizado para determinar o desempenho da rede com padrões que não foram utilizados durante o treinamento. Finalmente, com a rede treinada e avaliada (testada), pode-se integrá-la a um sistema do ambiente operacional da aplicação. Esse é o sexto passo: integração. São muitos os modelos de RNAs, dentre os quais se pode citar: o Perceptron, Redes Lineares e Redes de Múltiplas Camadas, que são as mais comuns; e outras, como Redes de Base Radial, Redes Recorrentes, Redes de Hopfield, Redes de Kohonen e Redes Construtivas. O modelo que foi utilizado nesse trabalho foi o das Redes de Múltiplas Camadas. As Redes de Múltiplas Camadas, ou também chamadas de Redes Feed-Forward (alimentadas para a frente), formam um sistema artificial composto de células elementares — neurônios — organizadas em camadas sucessivas que são conectadas entre si. Essas redes foram criadas generalizando a regra de aprendizagem de Windrow-Hoff para redes de múltiplas camadas e funções de transferência diferenciáveis não lineares, podendo ser treinadas com o algoritmo de treinamento back-propagation, dividido em duas fases: as propagações forward e backward, cujos vetores de entrada e saída são usados para treinar a rede até que ela possa aproximar uma função que classifique os vetores de entrada de maneira apropriada. Essas redes frequentemente usam função de transferência sigmoidal, que gera saídas no intervalo (0, 1) para entradas variando no intervalo e, em geral, possuem três camadas: a de entrada, cujos padrões são apresentados à rede; a intermediária ou oculta, na qual é realizado o processamento; e a de saída, que apresenta os valores de saídas da rede. Cada uma dessas camadas é totalmente conectada à camada seguinte e à anterior. O sinal que chega à camada de entrada se propaga, camada a camada, até a saída. Os valores de saída para cada um dos padrões são comparados com os valores desejados para os padrões e o erro E é calculado. Com base no valor do erro, os pesos da rede são ajustados. Dessa forma, os parâmetros que caracterizam uma rede multicamada são os seguintes: número de camadas, número de neurônios por camada, escolha dos valores iniciais para as conexões (pesos), tipo 206 de funções de ativação dos neurônios e valores iniciais aos parâmetros (taxa de momento) e (taxa de aprendizagem), assim como a forma de ajuste desses dois parâmetros. A propriedade mais importante das RNAs é a habilidade de aprender a partir de seu ambiente e, com isso, melhorar seu desempenho. Modelos de RNAs podem lidar com dados imprecisos e situações não totalmente definidas. Uma rede treinada tem a habilidade de generalizar quando é apresentada a entradas que não estavam presentes nos dados já conhecidos por ela. 5 Função Discriminante Lçinear de Fisher (FDLF) O método estatístico abordado nesse trabalho, a FDLF, pode ser apresentado da se guinte forma: dadas duas populações de obser vações multivariadas com certa dimensão n, a ideia de Fisher foi transformar essas observações mul tivariadas em observações univariadas, tal que estejam separadas tanto quanto possível. Devem-se determinar variáveis que melhor discriminem esses grupos, utilizando essas variáveis para criar funções discriminantes que serão utilizadas para alocar novos indivíduos, objetos ou observações no grupo mais adequado (a função discriminante otimiza a alocação de novos padrões). Outro fator importante é que esse método é de fácil cálculo, pois utiliza a combinação linear das observações multivariadas para criar as observações univariadas. Segundo Johnson e Wichern (1998), foi Ronald A. Fisher que introduziu a terminologia ‘discriminar’ e ‘classificar’ no primeiro tratamento moderno dos problemas de separação de conjuntos na década de 1930. O objetivo básico do método de Fisher é separar populações, além de também poder ser usado com o propósito de classificar. Esse método pode ser usado tanto para duas populações quanto para diversas populações. 6Resultados De cada docente (padrão), foram obtidas dez informações (critérios) contidas no QUADRO 1 e, a partir delas, 33 variáveis (2ª coluna do QUADRO 1). Dentre os cem docentes, nenhum apresentou o critério 9 (outra profissão da voz — não docente), nem o critério 7 (acima de 55 h/a), sendo então retirados. Assim, têm-se nove critérios e 29 variáveis. Os algoritmos (RNAs e FDLF) foram programados no MATLAB e, em ambas as técnicas utilizou-se o procedimento de avaliação holdout, que separa dois terços dos dados para o treinamento das técnicas e um terço para os testes das técnicas. Além disso, a amostragem foi estratificada, assegurando que cada grupo seria representado de forma proporcional nos dois conjuntos de dados (treinamento e teste). Ao mesmo tempo, com a finalidade de avaliar as técnicas utilizadas, calculou-se a Taxa Aparente de Erro (APER) para cada um dos resultados apresentados. Segundo Mendes, Fiúza e Steiner (2010), essa taxa é definida como sendo a fração das observações no treinamento amostral referente ao reconhecimento errôneo pela função obtida, e deve ser interpretada como a proporção de observações classificadas incorretamente. Essa taxa é calculada pela Matriz de Confusão que apresenta a situação real das observações nos grupos comparando-a com o reconhecimento apresentado pelo modelo encontrado. uma saída, duas saídas e quatro saídas (conforme já explicitado anteriormente) e, a camada oculta com número de neurônios variando de zero a 20 neurônios, tendo-se, assim, quatro testes (testes de I a IV no QUADRO 3, a seguir). O treinamento da FDLF foi feito de forma semelhante. Nesse caso, foram desenvolvidos dois programas, um para o caso de duas amostras (dois grupos a serem discriminados), e outro para mais de três amostras (utilizado para o caso de discriminação dos quatro grupos). Então, foram realizados dois testes (testes V e VI no QUADRO 3). Em ambas as técnicas, os melhores resultados foram encontrados no caso de se ter dois grupos a serem discriminados, conforme se pode observar no teste IV para as RNAs e teste VI para a FDLF, no QUADRO 3. Esse quadro mostra os melhores resultados de todos os treinamentos realizados, especificando a topologia, as classes, o número de neurônios nas camadas de entrada, escondida e de saída, e o percentual de acerto em cada simulação. Para o treinamento das RNAs, utilizou-se o algoritmo back-propagation e foram desenvolvidas oito redes, alterando o número de neurônios das camadas de entrada, escondida e de saída. Serviu-se apenas de uma camada escondida, pois, segundo o Teorema de Kolmogorov (KRÖSE; VAN DER SMAGT, 1993), uma RNA com apenas uma camada oculta pode calcular uma função arbitrária qualquer a partir dos dados fornecidos. Foram utilizados dois tipos de entradas: nove entradas, referente aos nove critérios e 29 entradas, que se referem às variáveis; redes de Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012 207 QUADRO 3 _ Melhores resultados obtidos através das duas técnicas utilizadas Técnica Teste Classes I 29 II III III RNAs III III IV IV 9 1; 2; 3; 4 1; 2; 3; 4 1 e 2; 3; 4 2 e 1; 3; 4 3 e 1; 2; 4 4 e 1; 2; 3 1 e 2; 3; 4 2 e 1; 3; 4 3 e 1; 2; 4 4 e 1; 2; 3 IV V FDLF VI VI 9 29 29 9 29 9 9 IV VI Entrada 1; 2; 3; 4 1 e 2; 3; 4 2 e 1; 3; 4 3 e 1; 2; 4 4 e 1; 2; 3 VI Neurônios Oculta 6 16 16 12 7, 9, 15 0 0 5 12 Saída % de Acertos 1 75 4 60,71 1 96,15 1 88,46 1 57,69 1 92,31 2 100 2 96,15 2 80,77 9 e 29 4, 10, 11, 13, 18, 19 2 88,46 9 - 4 57,14 9 - 2 84,62 9 - 2 53,85 9 - 2 69,23 9 - 2 80,77 FONTE: As autoras Conclusão Como se pôde observar no QUADRO 3, as RNAs e a FDLF apresentaram um melhor desempenho nos testes IV e VI, respectivamente, ou seja, ao se ter dois conjuntos a serem discri minados. Conforme já mencionado, esses dois testes foram realizados em quatro etapas: I) separou-se os padrões em dois grupos (um grupo contendo os padrões da 1ª classe — caso leve —, e o outro contendo os padrões das demais três classes, 2ª, 3ª e 4ª classes); II)separou-se novamente os padrões em dois grupos (um contendo os padrões da 2ª classe — caso leve a moderado —, e o outro contendo os padrões das demais três classes: 1ª, 3ª e 4ª classes). E, assim, procedeu-se para as outras duas etapas. Para cada uma dessas quatro situações do teste IV (RNAs; melhores resultados dentre as duas técnicas abordadas), os pesos foram devidamente registrados. Assim, ao se apresentar um novo padrão (docente), com as suas respectivas 29 208 variáveis devidamente codificadas, teremos de avaliar cada uma dessas quatro situações para esse docente, verificando em qual delas o seu percentual será maior. Tal situação, que fornece o maior percentual, será, então, a classe desse novo padrão. A acurácia média será de 91,35%, obtido pela média das acurácias do teste IV do QUADRO 3. Como esses resultados do QUADRO 3 foram satisfatórios, conclui-se que as técnicas aqui apresentadas podem ser utilizadas com segurança pela fonoaudióloga da escola, auxiliando-a na classificação dos docentes quanto aos distúrbios vocais. Assim, tem-se um respaldo adicional quanto à decisão/sugestão se os docentes poderão aumentar, manter ou diminuir sua carga horária de trabalho. Pode-se tornar este estudo, em um trabalho futuro, mais abrangente, realizando a avaliação dos riscos do uso da voz na ação profissional como um todo, não somente para o âmbito da docência. • Recebido em: 07/01/2012 • Aprovado em: 16/04/2012 Referêcias BEHLAU, M.; PONTES, P. Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise, 1995. FAYYAD, Usama M... [et al.]. Advances in knowledge discovery & data mining. Menlo Park, Calif.: AAA Press: MIT Press, [c1996]. JARDIM, R. 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Acesso em: 15 jun. 2010. Rev. FA E , C uritiba, v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012 209 210 Orientações aos Colaboradores da Revista da FAE Rev. FA E , Curitiba, v. 15, n. 2, p. 211-214, jul./dez. 2012 211 Histórico e Missão A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Administração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia, Educação, Sistemas de Informação, Psicologia e Filosofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local. Pela sua missão ser a de fomentar a produção e a disseminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de empresas públicas e privadas. Já com o tema organizações e desenvolvimento, o objetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer que seja sua origem ou situação societária, no processo de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política. Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam experiências fundamentadas teoricamente e que contribuam com o debate estimulado pelo objetivo da revista. Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate. Todos os artigos estão disponíveis para download, exceto a última edição. Objetivo Focos O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das organizações no processo de desenvolvimento local. A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus leitores a compreenderem o papel das organizações no processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas atuais e relevantes para definição estratégica e ope racional das organizações. Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam sobre temas contemporâneos da gestão de negócios. O principal requisito para publicação na Revista da FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma contribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes tópicos: • O tema tratado deve ser relevante e pertinente ao contexto e ao momento e, preferencialmente, pertencer à orientação editorial. • O referencial teórico-conceitual deve refletir o estado da arte do conhecimento na área. • O desenvolvimento do artigo deve ser consistente, com princípios de construção científica do conhecimento. • A conclusão deve ser clara e concisa e apontar implicações do trabalho para a teoria e/ou para a prática administrativa. Orientação Editorial Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou seja, que se refiram a ferramentas técnicas e teorias relacionadas à gestão de negócios e à função das organizações no processo de desenvolvimento local. Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e Economia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias). 212 Espera-se, também, que os artigos publicados na Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras. Escopo A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos. referências bibliográficas completas deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do texto, de acordo com as normas da ABNT (NBR-6023). • Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes com relação à gestão de negócios e à interação das organizações no desenvolvimento local. Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologicamente, bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas, e adequadamente analisadas. Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem ser numerados sequencialmente, apresentar título e fonte, bem como ser referenciados no corpo do artigo. Permuta A Revista da FAE faz permuta com as principais faculdades e universidades do País. Notas para Colaboradores Assinatura A Revista da FAE está aberta a colaborações do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é incentivada. Podem ser publicados artigos de desenvolvimento teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5 mil a 8 mil palavras). A aceitação e publicação dos textos implicam a transferência de direitos do autor para a Revista. Não são pagos direitos autorais. Periodicidade: Anual Valor: R$ 65,00 • Para assinar, favor entrar em contato pelo telefone (41) 2105-4093 ou [email protected]. Envio de Artigos Os textos enviados para publicação são apreciados por pareceristas pelo sistema blind review. Os artigos deverão ser encaminhados para o Núcleo de Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes características: • Rev. Na folha de rosto deverão constar o título do trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es), acompanhado(s) de um breve currículo, relatando experiência profissional e/ou acadêmica, endereço, números do telefone e do fax e e-mail. • A primeira página do artigo deve conter o título (máximo de dez palavras), o resumo em português (máximo de 250 palavras) e as palavras-chave (máximo de cinco), assim como os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title, abstract, keywords). • A formatação do artigo deve ser: tamanho A4, editor de texto Word for Windows, margens 2,5 cm, fonte times new roman 13 e/ou arial 12 e espaçamento 1,5 linha. • As referências bibliográficas devem ser citadas no corpo do texto pelo sistema autor-data. As FA E , Curitiba, Os artigos deverão ser encaminhados para: FAE Centro Universitário Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 80230-080 Curitiba/PR E-mail: [email protected] Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195 Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e esperamos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente. v. 15, n. 2, p. 211-214, jul./dez. 2012 213 214