EUA: Da Política do “Big Stick” à Diplomacia do Dólar
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EUA: Da Política do “Big Stick” à Diplomacia do Dólar
2013/09/28 EUA: Da Política do “Big Stick” à Diplomacia do Dólar Nuno Miguel Silva Domingos Resumo Os Estados Unidos são, atualmente, a principal potência económica e militar do mundo. Esta hegemonia teve início na revolução industrial e acentuou-se a partir da segunda metade do século XIX, designadamente no período que se seguiu à Guerra de Secessão (1861-1865) fator que, de resto, contribuiu significativamente para a expansão económica norte-americana. O foco da política externa dos Estados Unidos passou, então, a direcionar-se para a América Latina, onde intervieram militarmente em nove países da América Latina, num total de trinta e quatro vezes, entre 1898 e 1932. Estas intervenções permitiram aos Estados Unidos assegurar uma hegemonia continental, sustentada no domínio económico. Na guerra hispano-americana puseram fim ao império espanhol e controlaram Cuba. Na Venezuela desafiaram o Reino Unido, com recurso à Doutrina Monroe. Em Santo Domingo assumiram o controlo das finanças da República Dominicana para pagar aos credores europeus. No Panamá abriram um canal que encurtou a distância marítima entre a costa Leste e Oeste dos Estados Unidos. Na Nicarágua apoiaram a revolução e levaram adiante os seus interesses económicos. Introdução Atualmente, os Estados Unidos da América, são a maior potência económica e militar do mundo. Este trabalho irá focar o período em que emergiu a mentalidade de imperialismo e expansionismo económico dos Estados Unidos, que ficou sem dúvida marcada pela ascensão até à hegemonia continental e pelo desafio às potências europeias, nomeadamente Espanha, Reino Unido e Alemanha, sob o chapéu da Doutrina Monroe e posteriormente do Corolário de Roosevelt. O século XIX foi marcado pela hegemonia britânica, que saiu vencedora das guerras napoleónicas e do congresso de Viena e que, à luz das ideias de Alfred Mahan, dominava o comércio marítimo mundial, com recurso à sua poderosa marinha. É justamente na sequência da guerra civil americana, e da consequente industrialização, que os Estados Unidos se vão virar para o mar como meio de exercer domínio económico em todo o continente americano. Seguidamente iremonos debruçar sobre algumas intervenções dos Estados Unidos, em países da América Latina, que representam o nascer da ação expansionista americana. Tendo em conta esta conjuntura vamos colocar as seguintes questões: Quais as causas que levaram os Estados Unidos a adotar uma política de expansionismo económico em relação à América Latina? O que levou os Estados Unidos a apoiarem a independência de Cuba, e consequentemente entrar em guerra com Espanha? Qual a importância do bloqueio à Venezuela, levado a cabo por potências europeias em 1902, para a adoção do Corolário de Roosevelt como postulado da política externa norte-americana? Página 1 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt Como se caracterizou a intervenção dos Estados Unidos em Santo Domingo em 1904? Qual a real importância da construção de um canal interoceânico na América Central, e quais foram as ações levadas a cabo pelos Estados Unidos para o conseguir? Qual o motivo da intervenção americana na Nicarágua em 1910? São sobre estas questões que irá recair a nossa atenção nas páginas seguintes. Estados Unidos: A emergência de uma potência A segunda metade do século XIX nos Estados Unidos ficou marcada por quatro anos de guerra civil, que embora nefasta para o país contribuiu significativamente para definir a identidade nacional e definir com mais clareza o futuro da nação. Com efeito, este conflito definiu a nova política económica americana. O norte anti esclavagista venceu o sul e a indústria setentrional efetivamente ganhou um impulso com a guerra. “Northern victory in the U.S. Civil War (1861-1865), however, sealed the destiny of the nation and its economic system. The slave-labor system was abolished, making the large southern cotton plantations much less profitable. Northern industry, which had expanded rapidly because of the demands of the war, surged ahead. Industrialists came to dominate many aspects of the nation's life, including social and political affairs.”1 Três décadas depois da guerra civil, e da expansão para Oeste ter terminado, já os EUA se tinham recomposto e, com efeito, por volta de 1890 “praticamente já todo o território dos Estados Unidos, do Maine à Califórnia, fora explorado e ocupado e a nação preparava-se para se expandir além-fronteiras. A sua indústria atingira tal desenvolvimento que necessitava de mercados estrangeiros e o capital estava disponível para investimentos noutras regiões”2. A industrialização dos Estados Unidos constituiu assim um fator determinante para a emergência de uma mentalidade expansionista. No ano de 1900 os Estados Unidos já se constituíam como a maior economia do mundo, suplantando o Reino Unido e a Alemanha em segundo e terceiro lugar respetivamente. Neste cenário identificamos essencialmente três motivos, ou fatures, que ajudam a explicar a mentalidade imperialista que surgiu nos Estados Unidos: um fator económico, um fator político e um fator moral. O fator económico já foi descrito e prende-se com a industrialização dos Estados Unidos e a necessidade de explorar novos mercados, e consequentemente da adoção da diplomacia do dólar3. “In addition to foreign financial advisers and their gold standard-central bank agenda, three other turn-of-the-century developments were critical to the emergence of dollar diplomacy: the spread of cultural assumptions that linked ideas about race and manhood to the paternalistic oversight of weaker states and darker peoples; the U.S. government’s new economic and strategic priorities in the aftermath of the War of 1898; and significant changes in the structure of U.S. investment banking. “4 1 (Conte e Carr) Disponível em: http://economics.about.com/ 2 (Pendle, 1963) 3 A diplomacia do dólar foi caracterizada pela concessão de uma série de empréstimos aos países latino- americanos, com o objetivo de criar dependência económica, e consequentemente a manipulação desses Estados de acordo com interesses norte-americanos. 4 (Rosenberg, 1999: 31) Página 2 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt O fator político, que veremos mais detalhadamente à frente, é a Doutrina Monroe que rejeita colonização do continente americano por parte de potências europeias, e que posteriormente através do corolário de Roosevelt vai impelir os Estados Unidos a intervir várias vezes na América Latina. “From 1898 to 1932, the United States intervened militarily in nine Caribbean nations a total of thirty-four times.”5 O fator moral prende-se com o chamado darwinismo social, que no início do século vinte era um princípio generalizadamente aceite e segundo o qual os Estados “civilizados” tinham o direito e o dever, simultaneamente, de civilizar os Estados menos ordenados e organizados. Esta maneira de pensar era partilhada pelo carismático presidente Theodore Roosevelt: “He believed in superiority of certain races, especially the Anglo-Saxon, because, in his view, they had organized, democratized, and especially industrialized and subdued “barbarians” more effectively than other races.”6 A natureza cada vez mais imperialista da política externa dos Estados Unidos também era defendida pelo senador Henry Cabot Lodge, que afirmava: “The tendency of modern times is toward consolidation, It is apparent in capital and labor alike, and it is also true of nations. Small States are of the past and have no future. The modern movement is all toward the concentration of people and territory into great nations and large dominions. The great nations are rapidly absorbing for their future expansion and their present defense all the waste places of the earth. It is a movement which makes for civilization and the advancement of the race. As one of the great nations of the world, the United States must not fall out of the line of march.”7 A expansão imperialista dos Estados Unidos estava a começar, e isso ficou bem patente, para todo o mundo, depois da Guerra Hispano-Americana, que pôs fim ao império espanhol. Cuba e a guerra hispano-americana Em 1895 Cuba estava à beira da insurreição contra o domínio colonial espanhol, decadente, corrupto e ineficaz. As tentativas de revolta por parte dos revolucionários cubanos iam-se sucedendo. “As simpatias dos Estados Unidos estavam naturalmente com os patriotas cubanos na sua luta pela liberdade e muitos norte-americanos tinham como certo que a ilha uma vez liberta ficaria sob dependência deles.”8 Em 1898 o navio de guerra USS Maine havia sido destacado para o porto de Havana, com o intuito de evacuar os cidadãos norte-americanos em território cubano, em caso de emergência. No dia 15 de Fevereiro dá-se uma explosão, que ainda hoje não tem explicação, e morrem duzentos e setenta homens. A opinião pública americana, que já estava contra os espanhóis pela maneira bárbara como tratavam os cubanos, exigiu ação por parte do seu Governo. Com efeito, “o Congresso dos Estados Unidos votou uma resolução declarando a independência de Cuba, exigindo a retirada de Espanha da ilha e convidando o Presidente a usar de armas e navios para esses fins.”9 5 (Anon) Disponível em: http://www.casahistoria.net/ 6 (LaFebber, 1994: 235) 7 (Lodge, 1895) 8 (Pendle, 1963: 200) 9 (Pendle, 1963: 201) Página 3 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt Começou a guerra e em menos de três meses estava terminada. Entre 1898 e 1902 Cuba ficou sob o domínio militar dos Estados Unidos. Esta ação tinha como objetivo, não só tornar Cuba um Estado independente, mas também torná-lo num bom vizinho. Foi assinado o “Plat Amendment” que cedia bases navais aos Estados Unidos na ilha bem como o direito de intervir caso fosse colocada em causa a segurança de vidas ou propriedade privada americana. Neste período notou-se um aumento significativo de investimento americano em Cuba, que agora gozava de estabilidade interna, propícia para o desenvolvimento do comércio e, invariavelmente, dos interesses económicos americanos. O desafio ao Reino Unido: A questão da Venezuela Esta disputa surgiu devido a uma questão de delineamento territorial entre a maior potência mundial (Reino Unido) e um Estado jovem, a Venezuela, que se tornara independente de Espanha em 1821. Com efeito existiu uma certa ineficácia, de ambas as partes, em identificar as fronteiras territoriais. Por um lado a Venezuela, aquando do acordo espanhol de 1845 que lhe reconhecia independência, definia as suas fronteiras como o “território americano, conhecido formalmente pelo nome de Capitania Geral da Venezuela.”10 Por outro lado, os “ingleses ficaram de posse de sua parte das Guianas porque os holandeses, tendo apoiado o lado perdedor nas guerras napoleónicas, foram obrigados em 1814 a transferir a propriedade das colónias de Demerara, Essequibo e Berbice à Grã-Bretanha. Não havia nenhuma menção de fronteiras no tratado.”11 Esta ausência de uma clara delimitação de fronteiras originou uma disputa que se prolongou durante algumas décadas. Em 1841 a Venezuela contestou a demarcação, definida unilateralmente pelo Reino Unido, e enviou uma missão diplomática a Londres para tentar resolver a questão. As negociações prolongaram-se até que foi assinado o “Acordo de 1850” que estipulava que “nenhum país ocuparia certas partes do território esparsamente povoado, e o assunto foi esquecido durante mais de duas décadas”12. Em 1876 a Venezuela reabre o assunto e pede a mediação dos Estados Unidos, esperando que a Doutrina Monroe pudesse funcionar em seu beneficio já que definia o seguinte “In the discussions to which this interest has given rise and in the arrangements by which they may terminate the occasion has been judged proper for asserting, as a principle in which the rights and interests of the United States are involved, that the American continents, by the free and independent condition which they have assumed and maintain, are henceforth not to be considered as subjects for future colonization by any European powers.”13. Como podemos verificar a Doutrina Monroe tinha implícita a ideia de que o continente Americano era para os americanos, e que nenhuma potência europeia tinha legitimidade para o colonizar. Foi portanto nesta base, que a Venezuela pediu a mediação do problema aos Estados Unidos, esperando que tomassem uma decisão a seu favor, e foi isso que sucedeu. Em 1895 o secretário de Estado Richard Olney enviou uma extensa nota a Londres, nota que posteriormente ficou denominada de Doutrina Olney, e que ratificava o direito à hegemonia dos Estados Unidos no continente americano e inerentemente à respetiva exclusão das potências europeias. Uma das afirmações era a seguinte: “Hoje em dia os Estados Unidos são praticamente soberanos neste continente e as suas decisões sobre assuntos confiados à sua mediação fazem 10 British and Foreign State Papers, vol.35 p.301 11 (Schoultz, 1999: 133) 12 (Schoultz, 1999: 134) 13 Mensagem do Presidente Monroe ao Congresso, em 2 de Dezembro de 1823. 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Eventualmente “o Governo Britânico, não estando disposto a agravar o conflito sobre a questão das fronteiras, aceitou que esta fosse submetida ao arbítrio de um tribunal internacional onde ficou pendente até os Venezuelanos levantarem de novo o problema, em Novembro de 1962. O Orenoco foi, na verdade, justamente cedido à Venezuela.”16 Este acontecimento marca não só a primeira manifestação de aplicabilidade da Doutrina Monroe, mas marca também o começo da era imperial dos Estados Unidos, e uma clara intenção de chamar a si a mediação dos problemas e a definição dos destinos futuros do continente Americano. Podemos também concluir, que este acontecimento marca a passagem de um sistema mundial unipolar, dominado pelo Reino Unido, para um sistema mundial multipolar, encabeçado por Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Posteriormente, entre dezembro de 1902 e fevereiro de 1903 ocorreu novo incidente na Venezuela, nomeadamente um bloqueio naval por parte do Reino Unido, da Alemanha e da Itália, que exigiam o pagamento de dívidas e reembolso de prejuízos e danos sofridos por cidadãos seus durante a guerra civil na Venezuela. Nesta altura, Roosevelt ficou do lado das potências europeias, ratificando o seu direito a intervir militarmente para receber o valor dos empréstimos que tinham concedido justamente. Esta situação era aceitável na condição de que a sua presença não fosse efetiva. No entanto, a decisão de um tribunal internacional17 em dar razão aos europeus, causou algum mau estar na opinião pública norte-americana. “The U.S. State Department warned Roosevelt that the ruling put “a premium on violence” and undermined the Monroe Doctrine”18. Roosevelt sabia que este tipo de situação não podia ser novamente legitimado no futuro e como tal deveriam ser os próprios Estados Unidos a garantir o cumprimento das obrigações dos países da América Latina para com os credores estrangeiros. Isso iria de facto acontecer no ano seguinte (1904) na República Dominicana. O Corolário de Roosevelt: Invasão de Santo Domingo Como referimos acima, o ano de 1904 ficou marcado pela extensão da Doutrina Monroe através do Corolário de Roosevelt. Theodore Roosevelt foi sem dúvida um presidente carismático. Nas palavras do galardoado com o prémio Nobel da Literatura, V.S Naipaul: “People sometimes ask me who was the last great 14 (Perkins, 1943) 15 Instruções de Salisbury ao ministro britânico Sir Julian Pauncefote, em 26 de Novembro de 1895. 16 (Pendle, 1963: 198) 17 Em Fevereiro de 1904 o tribunal de Haia decidiu por unanimidade que as potências europeias que tinham participado no bloqueio à Venezuela tinham direito a intervir militarmente. 18 (LaFebber, 1994: 247) Página 5 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt President. Some say Kennedy. I don’t think so … I say Teddy Roosevelt. He was a fighter, he was stubborn. He was almost a salesman for America”19. Tinha uma personalidade vincada, sendo descrito como um “cowboy, crime-fighter, soldier and explorer … he fulfilled as an adult the ambitions of every small boy”20. Um episódio bastante curioso sucedeu quando Roosevelt, o embaixador francês Jules Jusserand e o Major Archie Butt caminhavam em Rock Creek Park, durante o inverno. O insólito aconteceu quando, ao se aproximarem de um lago gélido que só recentemente principiava a derreter, Roosevelt sugeriu que aproveitassem para dar um mergulho. O certo é que, sem hesitar, o embaixador francês tirou a roupa e entrou no lago de água gelada. Segundo consta este episódio contribuiu para criar uma forte amizade pessoal entre o presidente norte-americano e o embaixador francês. Durante a presidência de Roosevelt os poderes presidenciais haviam sido enaltecidos pelo supremo tribunal. “Once when Congress refused to accept a treaty he had made, Roosevelt circumvented Congress with an “executive agreement”. Such an agreement could be one of two types: authorized by congressional legislation, or, as became too common, made by a president on his own authority”21. Este mecanismo dava ao Presidente poderes quase ilimitados, prescindido da aprovação do congresso. A verdade era que Roosevelt estava determinado a impedir os europeus de coletarem coercivamente, isto é por via militar, as dívidas dos países da América Latina. Em 1904 “uma decisão de arbitragem que deu à Companhia de Melhoramentos de Santo Domingo, sediada nos EUA, o direito de receber ganhos da alfândega de Puerto Plata até que uma dívida de $4.5 milhões tivesse sido paga. Quando o governo dominicano faltou com seus pagamentos quase imediatamente, a Companhia exerceu o seu direito sob a decisão da arbitragem e tomou a alfândega”22 . Mas este acto desencadeou uma série de protestos de credores europeus que reivindicavam direitos anteriores aos ganhos de Puerto Plata. E dado o veredicto anterior do tribunal de Haia, no caso da Venezuela, era espectável uma nova intervenção naval por parte dos credores europeus. Nesta situação o Presidente dominicano Morales foi aconselhado pelo ministro americano Thomas Dawson a pedir aos Estados Unidos que assumissem o controlo das finanças dominicanas. Esta decisão não agradava ao senado americano, e a proposta de tornar o país num protetorado americano foi rejeitada. Mas Roosevelt estava decidido e assinou um acordo executivo com Morales. Desta forma, o pagamento das dívidas aos europeus foi assegurado. Os Estados Unidos “antecipando-se a nações europeias (nomeadamente Alemanha) que ameaçavam cobrar os seus débitos pela força, encarregou um funcionário de tomar conta das alfândegas na República Dominicana para receber os direitos e distribuir cinquenta e cinco por cento do rendimento obtido pelos credores estrangeiros”23. Esta ação ia de encontro aquilo que era o raciocínio de Roosevelt, de que os Estados civilizados têm o direito de interferir, e consequentemente assegurar as obrigações de outros Estados designados “não-civilizados”. “I want to do nothing but what a policeman has to do in Santo Domingo. As for annexing the island, I have about the same desire to annex it as a gorged boa constrictor might have to swallow a porcupine wrong-end-to … I have asked some of our people to go there because, after having 19 (Naipaul, 1984: 17) 20 (Healy, 1970) 21 (LaFebber, 1994: 239) 22 (Schoultz, 1998: 211) 23 (Pendle, 1963: 205) Página 6 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt refused for three months to do anything, the attitude of the Santo Domingans has been one of the half chaotic war towards us”24. Esta ideologia ficou denominada de política do “Big Stick” e permitiu aos Estados Unidos assegurar os seus objetivos: Manter longe do continente americano as potências europeias, principalmente a Alemanha e o Reino Unido, assegurando o cumprimento e pagamento das dívidas das repúblicas da América Latina. Nas palavras do próprio Roosevelt, num discurso no Minnesota em 1902: “There is a homely adage that runs “speak softly and carry a big stick; you will go far”. If the American Nation will speak softly and yet build and keep at a pitch of the highest training a thoroughly efficient navy, the Monroe Doctrine will go far.”25 O canal do Panamá Depois da vitória na guerra hispano-americana era uma evidência que os Estados Unidos se tinham tornado numa potência mundial, com objetivos expansionistas. Nesse sentido era imperativo encurtar a rota que constituía a única maneira de navegar entre o oceano Atlântico e o Pacífico, para que a sua frota se pudesse movimentar entre os dois oceanos, sem ter que invariavelmente dobrar o estreito de Magalhães. A solução passava então pela abertura de um canal na América Central. Para a administração Roosevelt a construção de um canal era efetivamente fundamental: “To Roosevelt, a strong navy was essential. Influenced by Alfred Thayer Mahan’s geopolitical theory of sea power, the Roosevelt administration determined to accumulate bases and secure sea lanes. Building the Panama Canal became the centerpiece of this “big navy” strategy because it facilitated a twoocean commercial and military posture.”26 Em 1876, uma expedição enviada pelo presidente Ulysses Grant, republicano e antigo General da União na guerra civil, identificou uma rota pela Nicarágua como sendo viável para a construção do canal interoceânico. No entanto, e apesar de os Estados Unidos terem preparado um tratado para ser assinado com a Nicarágua “os acordos não prosseguiram em virtude da oposição substancial nos países em questão, e, no fim, a administração Grant pouco mais fez do que identificar a Nicarágua como a rota mais adequada”27. No entanto, os Estados Unidos não eram os únicos que tinham interesse em abrir um canal na América Central. Os franceses também tinham interesse, e efetivamente “em 1880 Fernando de Lesseps, que completara em 1869 a construção do canal do Suez, preparava-se para repetir essa façanha no Panamá, mas teve de abandonar o projeto depois de milhares de trabalhadores terem morrido de febre-amarela e malária”28. Theodore Roosevelt, a bordo do U.S.S Louisiana a 20 de novembro de 1906 escreveu ao seu filho Kermit a este propósito: “Then the French canal company started work, and for two or three years did a good deal, until it became evident that the task far exceeded its powers; and then to miscalculation and inefficiency was added the hideous greed of adventurer, trying each to save something from the general wreck, and the company closed with infamy and scandal.”29 24 (Roosevelt, 1951-1954) 25 (Roosevelt, 1901) 26 (Rosenberg, 1999: 40) 27 (Schoultz, 1998: 180) 28 (Pendle, 1963: 203) 29 Excerto de uma carta escrita por Roosevelt ao seu filho Kermit durante uma visita de três dias ao Panamá para ver o decorrer dos trabalhos no canal. Esta visita marcou a primeira viagem de um presidente americano em funções ao estrangeiro. Página 7 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt No entanto havia um entrave à construção: o tratado Clayton-Bulwer30. Este tratado vinculava os Estados Unidos ao Reino Unido numa parceria para qualquer eventual construção de um canal. Na lógica do corolário de Roosevelt esta hipótese estava fora de questão. Os Estados Unidos estavam determinados a afastar qualquer potência europeia de todos os interesses económicos no continente americano. Eventualmente os ingleses cederam e consentiram a cessação do tratado Clayton-Bulwer, e assinaram o tratado Hay-Pauncefote, em Novembro de 1901 que permitia aos Estados Unidos não só a construção de um canal, bem como o direito de o fortificar. É de estranhar a decisão do Reino Unido, mas talvez possa ser explicada pelo facto de a Inglaterra ter sofrido pesadas derrotas na guerra Anglo-Boer, durante a denominada “Black Week” e cerca de um quinto dos custos dessa guerra terem sido financiados por banqueiros americanos. Também é um facto que a imagem do Reino Unido saiu enfraquecida deste conflito. Roosevelt escreveu: “It certainly does seem to me that England is on the downgrade”. Depois de assinado o novo tratado faltava definir a localização do canal. Como vimos anteriormente os relatórios americanos, desde 1876 até 1901, apontavam a Nicarágua como o local mais barato e eficiente. Isto porque a empresa francesa detentora dos direitos económicos de um canal no Panamá exigia cerca de 100 milhões de dólares pela concessão. No entanto “as the second Hay-Pauncefote Treaty took effect, the company fell under the control of two shadowy, skilled lobbyist who changed the course of isthmian history … the two men reduced their company’s asking price to $40 million.”31. Este evento alterou o destino da localização do canal. Era, agora, mais barato construí-lo no Panamá. Faltava convencer a Colômbia32. Com efeito, o secretário de Estado Hay propôs à Colômbia uma verba de 10 milhões de dólares mais 250 mil dólares anuais. No entanto, a Colômbia rejeitou e exigiu mais dinheiro. “Roosevelt blew up. Al his considerable racism appeared. He refused to have those “banditti” in Latin America publicly humiliate and rob the United States.”33. Esta intransigência por parte do Governo da Colômbia levou a que os Estados Unidos apoiassem os movimentos nacionalistas panamianos, que se desenvolviam desde 1880. Em novembro de 1903 houve uma revolta nacionalista, e os navios de guerra norte-americanos impediram qualquer desembarque de tropas colombianas, cujo intuito seria travar a revolução. Dois dias após a revolta Roosevelt reconheceu a nova nação e assinou um acordo com o Panamá, nas mesmas condições que a Colômbia havia rejeitado. O canal foi inaugurado a 15 de agosto de 1914, naquele que foi sem dúvida um esforço de engenharia tremendo. Uma importante descoberta médica relacionada com a construção do canal foi a erradicação da malária e da febre-amarela. Cientistas americanos descobriram uma maneira de encontrar e destruir os mosquitos que provocavam estas doenças e que contribuíram em larga medida para o fracasso da tentativa francesa, vinte anos antes. A partir deste dia, a viagem marítima entre Nova Iorque e São Francisco passou de cerca 25.200 quilómetros para aproximadamente 9.800 quilómetros. Intervenção na Nicarágua: A diplomacia do Dólar 30 Tratado assinado em 1850 entre os Estados Unidos e o Reino Unido. Herdou o nome dos seus negociadores John M. Clayton, advogado, membro do partido Whig e secretário de Estado na administração de Zachary Taylor, e Sir Henry Lytton Bulwer, diplomata e representante do Governo britânico. 31 32 (LaFebber, 1994: 242) Devemos recordar que o território que hoje corresponde ao Panamá fazia, até 1903, parte da Colômbia. 33 (LaFebber, 1994: 242) Página 8 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt Tal como Roosevelt, o novo presidente Howard Taft, também ele republicano e eleito em 1909, partilhava da ideia de que os povos da América Latina necessitavam de supervisão. A esse propósito afirmou “o direito deles de bater as suas cabeças umas nas outras até que eles mantenham a paz.”34. A sua administração deu seguimento às políticas de Roosevelt e ao modelo que havia sido aplicado na República Dominicana e procuraram aplicá-lo noutros países. Designaram esta abordagem de Diplomacia do Dólar. “O termo “Diplomacia do Dólar” não transmite o sentido claro de quem está fazendo o quê para quem. São os dólares ajudando a diplomacia, ou a diplomacia estimulando o lucro em dólares?”35. Como podemos verificar o próprio termo carece de ambiguidade. Mas talvez seja legítimo inferir que o objetivo desta política fosse aumentar o comércio americano, através de empreendimentos no estrangeiro. Huntington Wilson36 disse a esse respeito: “Pequenos países fracos lá em baixo têm pesadas dívidas para com a Europa. Eles não vão pagar. A Europa vem e exige pagamento. Os Estados Unidos devem ou deixar a Europa desembarcar fuzileiros e tomar as alfândegas como garantia, e deste modo abrir o caminho para penetração e para a flagrante violação da Doutrina Monroe, ou os Estados Unidos devem compelir as pequenas repúblicas a serem decentes e pagarem … Se os Estados Unidos estendem uma mão de ajuda e auxiliam a América Central a pôr-se em pé e manter a paz o tempo suficiente para começar a desenvolver-se, nós logo teremos bem nas portas dos nossos estados do sul um grande e valioso comércio. Diplomacia do Dólar significa simplesmente trabalho inteligente de equipa.”37 Um exemplo claro e flagrante desta confluência de ideias foi o empenho da administração Taft em criar um protetorado na Nicarágua. Recordemos que até 1903 os Estados Unidos tinham a intenção de construir o canal interoceânico na Nicarágua e efetivamente até 1903 os Estados Unidos mantinham relações cordiais com a Nicarágua e com o seu Presidente José Santos Zelaya, porque lhes interessava sobremaneira construir o canal naquele país. Com a decisão de construir o canal no Panamá em 1903 as relações com Zelaya, que se preparava para invadir El Salvador, rapidamente se deterioraram. Em 1909 implode uma rebelião contra Zelaya na Nicarágua, liderada por Juan Estrada em Bluefields38 e é apoiada pelo cônsul americano na Nicarágua Thomas Moffat. As forças de Zelaya foram mobilizadas para combater a rebelião e pelo caminho encontraram e fuzilaram dois americanos funcionários da United States and Nicaragua Company. Isto deu aos Estados Unidos um motivo para atuar e como efeito o senado aprovou uma resolução para depôr Zelaya, que uma semana mais tarde renunciou ao cargo de Presidente e procurou asilo no México. Em Maio de 1910 os Estados Unidos desembarcam 100 fuzileiros em Bluefields para, alegadamente “proteger vidas e propriedade privada dos EUA.”39. Na verdade o que fizeram foi proteger os rebeldes de um ataque do México, que apoiava Zelaya. Os fuzileiros permaneceram na Nicarágua durante um ano e, apesar de ao contrário da República Dominica, aquando da invasão de Santo Domingo, A Nicarágua não 34 Taft a Bellamy Storer, 23 de Março de 1903. Taft Papers, LC; Memorando de Conversa com Enrique Creel, 21 de Dezembro de 1909. Arquivo num. 6369/400, NA M862/R507 apud (Schoultz, 1998: 237) 35 (Schoultz, 1998: 238) 36 Foi assistente do secretário de Estado Philander Knox durante a administração Taft. 37 Huntington Wilson, memorando sem data, provavelmente Fevereiro de 1913, assinalado “Confidential- File” e dirigido ao Presidente eleito Wilson. 38 Muitos dos residentes desta cidade eram comerciantes norte-americanos. 39 (Schoultz, 1998: 242) Página 9 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt estar sobrecarrega pela dívida externa, a administração Taft assumiu as finanças do país. Simultaneamente os Estados Unidos procuravam aplicar um modelo semelhante ao da República Dominicana nas Honduras. Para pôr as finanças nicaraguenses em ordem Huntington Wilson instruiu Thomas Dawson a “fazer o favor de esboçar uma carta para que o Sr. Castrillo40 assinasse como representante do Governo Provisório, a ser enviada ao Secretário de Estado contendo alguma expressão de reconhecimento pela atitude imparcial dos Estados Unidos.” Na carta, Dawson deveria “inserir a Convenção original, e algo sobre a exploração do país e a necessidade de pôr as suas finanças em bases melhores, e uma declaração da sua intenção de entrar em negociações com vistas a fazer com banqueiros americanos um arranjo financeiro satisfatório; também um parágrafo garantindo tratamento justo e equitativo do comércio e negócios americanos; e outro parágrafo comprometendo-se a restabelecer um regime constitucional e manter eleições livres. Esboce, também, uma segunda carta anunciando a ocupação de Manágua pelas forças provisórias e requerendo formalmente reconhecimento.”41 Estrada assinou efetivamente o acordo mas ao fim de um ano, dadas as limitações que lhe eram impostas, renunciou. Esta incidente colocou o Vice-Presidente Adolfo Díaz na presidência. Nos dois anos seguintes, em 1911 e 1912, foram cedidos dois empréstimos, por parte de bancos norte-americanos, ao Governo de Díaz em troca “ do controlo pelos banqueiros do recém-criado Banco Nacional da Nicarágua e uma opção para adquirir controlo maioritário da ferrovia da nação, o único bem de capital significativo do governo”42. Esta ação dos Estados Unidos na Nicarágua é um caso evidente da aplicação da diplomacia do dólar. Conclusões Procurou-se, com este artigo, perceber quais as motivações e as origens da mentalidade imperialista americana no início do século XX. Constatámos que a industrialização e o crescimento económico criaram um excesso de capital acumulado, que estava pronto para ser aplicado no estrangeiro. A justificação para as intervenções nos países da América Latina é de natureza económica, politica e moral. Ao intervir em Cuba os Estados Unidos procuravam assegurar um regime estável e portanto propício ao investimento por parte dos capitalistas americanos. Para esse efeito apoiaram a independência de Cuba e entraram em Guerra com Espanha, pondo fim ao seu império. A decisão por parte do tribunal de Haia em atribuir razão às potências europeias no caso do bloqueio à Venezuela despoletou a aplicação do Corolário de Roosevelt, ou política do “Big Stick”. Os Estados Unidos perceberam que não podiam tolerar intervenções europeias no continente americano. A intervenção dos Estados Unidos na República Dominicana marca a primeira materialização do corolário de Roosevelt, e teve como objetivo manter as potências europeias afastadas de Santo Domingo. Para isso os Estados Unidos assumiram o controlo das finanças do país e asseguraram o pagamento das dívidas aos credores europeus. 40 Representante do governo de Estrada em Washington. 41 Huntington Wilson a Dawson, 24 de Fevereiro de 1910. 42 (Schoultz, 1998: 245) Página 10 de 12 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt A construção de um canal na América central era fundamental para a estratégia naval norte-americana. Para assegurar a construção do canal foi necessário apoiar a independência do Panamá, e impedir a Colômbia de travar o movimento nacionalista. O motivo da intervenção na Nicarágua foi de natureza essencialmente económica. Os Estados Unidos aproveitaram a instabilidade interna para apoiar um movimento de revolta e posteriormente assinar com ele um acordo que assegurava aos Estados Unidos e aos empresários norte-americanos um controlo considerável sobre os destinos do país. B ib liog raf i a Anon, s.d. Casa Historia. [Online] Disponível em: http://www.casahistoria.net/ Carr, C., 2012. About Economics. [Online] Disponível em: http://economics.about.com/od/useconomichistory/a/industrial.htm Healy, D., 1970. U.S. Expansionism: The Imperialist Urge in the 1890's. Madison: s.n. LaFeber, W., 1994. The American Age. Second Edition ed. New York: The Maple-Vail Book Manufacturing Group. Lodge, H. C., 1895. Our Blundering Foreign Policy. In: American Nation: In the Modern Era. s.l.:s.n., p. 326. Naipaul, V., 1984. Among the Republicans. New York: New York Review of Books. Pendle, G., 1963. História da América Latina. Lisboa: Ulisseia. Perkins, D., 1943. Hands Off: A History of the Monroe Doctrine. Boston: s.n. 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