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Artigos
O Sol é para Todos: uma reflexão
a partir do III Plano Nacional
de Direitos Humanos
Larissa Rodrigues Vacari de Arruda
Bacharel em Sociologia e Política pela FESPSP.
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política na UFSCAR. Bolsista da Fapesp.
Email: [email protected].
Artigo apresentado originalmente na ACIEPE
(Atividade Curricular de Integração Ensino,
Pesquisa e Extensão) Direitos Humanos pelo
Cinema (2011), realizada na UFSCar pelo
Departamento de Sociologia.
Resumo
Os Direitos Humanos são uma tentativa de
impedir que diversos abusos, recorrentes
historicamente, ocorram ferindo a dignidade
da pessoa humana. Com objetivo de explicitar a
questão foi acionado o filme O Sol é Para Todos,
dirigido por Robert Mulligan. O presente artigo
analisa os Direitos Humanos através do filme o
Sol é Para Todos, essa produção cinematográfica
baseia-se no romance To Kill a Mockingbird,
publicado em 1960 pela escritora Happer Lee. O
Sol é Para Todos se passa no início do século XX
e narra o julgamento de um homem negro que na
tentativa de ajudar uma jovem branca foi flagrado
no momento em que essa tentava lhe beijar, Tom
Robinson, o homem negro em questão, é então,
acusado de estupro. Mesmo sendo deficiente em
um braço, o que lhe impossibilitaria de cometer o
crime, é condenado. Após tentativa de assassinato
pelos homens brancos da cidade, Tom Robinson
é morto quando tentou fugir. A simples ideia
da união entre branco e negro era inadmissível.
O presente trabalho objetiva analisar o filme no
que se refere à temática dos Direitos Humanos,
para isso será utilizado o III Plano Nacional de
Direitos Humanos elaborado em dezembro de
2009, durante o governo Lula.
Palavras -Chave
Direitos Humanos, Negros, Brancos, III Plano Nacional de Direitos Humanos.
Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 74-83.
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“O sol é para todos, mas os homens não
nascem iguais.”
Happer Lee, To Kill a Mockingbird.
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos”
Artigo I da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, proclamada pelas
Nações Unidas em 1948.
Introdução
O Sol é para Todos é uma excelente
produção a respeito da temática dos Direitos
Humanos. O filme de 1962 tratou do julgamento
de Tom Robinson, um homem negro acusado de
ter estuprado uma mulher branca. Essa alusão a
um negro estuprando uma mulher branca incutiu
uma terrível ideia na pequena cidade Maycomb,
no Alabama: a ousadia de um negro cogitar
possuir uma branca, já que estas estavam restritas
aos homens brancos.
O filme originalmente baseia-se no
romance To Kill a Mockingbird, publicado em 1960
pela escritora Happer Lee. To Kill a Mockingbird
recebeu em 1961 o prêmio Pulitzer, e vendeu
mais de 30 milhões de cópias, traduzido em 40
idiomas. Em 1962 foi lançado o filme O Sol é
Para Todos, dirigido por Robert Mulligan e teve
grande sucesso. Gregory Peck, ator que interpreta
Atticus - um dos personagens centrais da história
- ganhou o Oscar, tendo o filme recebido várias
indicações ao prêmio.
A história é narrada pela jovem Scout
numa pequena cidade do Sul conservador dos
Estados Unidos. Sergio Vaz (2010) considera
um ambiente muito semelhante ao vivido
pela escritora, embora ela negue que o livro
seja autobiográfico. Happer Lee nasceu em
Monroeville, no Alabama, em 2000 essa cidade
possuía pouco mais de 6 mil habitantes. O pai da
escritora era advogado e membro da Assembleia
Legislativa, assim como o de Scout. Na trama
Scout tem um amigo chamado Dill, que foi
inspirado no amigo de infância de Happer Lee,
Trumam Capote. A jovem sulista também foi
uma leitora precoce como Scout.
Diante da reflexão sobre os Direitos
Humanos abordado pelo filme, esse trabalho
pretende analisá-lo no que se refere à temática dos
Direitos Humanos. Para tal será utilizado o III
Plano Nacional de Direitos Humanos elaborado
em dezembro de 2009, durante o governo Lula.
Para isso a próxima seção tem como
foco O Sol é para Todos. Será tratada a história
do homem que perdeu a vida pela inadmissível
ideia de um negro ter um relacionamento com
uma branca. Na seção a seguir serão feitas breves
considerações a respeito dos Direitos Humanos,
o porquê da sua existência e como surgiram. Em
seguida será analisado o filme sob a perspectiva
do Plano de Direitos Humanos vigente no país.
O Sol é Para Todos
A temática da injustiça imposta aos
negros abordada na obra é lançada em um
contexto de intensa efervescência cultural,
quando estavam ocorrendo inúmeros protestos
em que se exigiam os direitos dos segmentos
marginalizados pela sociedade. Desde os anos
50 já havia nos Estados Unidos reivindicações
pelos direitos civis dos negros. Em fevereiro de
1960 aconteceram movimentações por parte
da população negra contra discriminação racial,
tais protestos espalharam-se pelo sul do país
provocando conflitos e prisões em várias cidades.
Em 1963 ocorreu a Marcha pelos Direitos Civis,
a qual Martin Luter King participou. Em 1964
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o chamado Verão da Liberdade se dá quando o
movimento de estudantes universitários do norte
vão para o sul lutar por direitos políticos.
Nesse contexto, livro e filme, fazem parte
do processo de luta pelos direitos dos negros. O
Sol é para Todos gira em torno do julgamento de
Tom Robinson, um homem negro acusado de
estuprar a jovem branca, Mayella.
A história é narrada pela garotinha Scout
e desenrola-se no início do século XX na cidade
fictícia Maycomb no interior do Alabama, sul
dos Estados Unidos. Atticus Finch, pai de Scout,
enfrenta a missão de defender Tom Robinson da
acusação, mesmo sofrendo retaliações diversas,
inclusive contra seus filhos.
Tom Robinson tinha uma posição
econômica melhor do que a família de Mayella.
Ele tinha pena da jovem, pois seu pai era
alcoólatra, e a ajudava nos trabalhos de sua casa,
em uma dessas vezes Mayella tentou beijá-lo,
Tom Robinson assustado saiu correndo, e assim
foi acusado de estupro pelo pai de Mayella.
O filme mostra a determinação dos
habitantes da cidade em fazer justiça com as
próprias mãos. Os homens brancos armados
tentaram assassinar o réu antes do veredito final,
foram interrompidos por Scout e seu irmão
Jem, que seguiram o pai e dialogaram com o
grupo de homens brancos, fazendo com que eles
desistissem do intento.
Tom Robinson foi julgado por um júri
de brancos. Durante o julgamento Mayella
testemunhou de forma confusa e contraditória.
Tom Robinson tinha paralisia em um dos braços,
ou seja, era impossível devido a sua condição física
deixar a marca de agressão que se encontrava no
rosto da jovem, muito menos dominá-la com
apenas um braço para assim cometer o crime.
Mesmo diante desse fato foi condenado.
Interessante notar a relação entre a
comunidade negra e o advogado Atticus. O ilustre
advogado branco defensor dos negros foi tratado
por estes com respeito e admiração, assim como
seus filhos também foram. As crianças assistiram
ao julgamento na parte circunscrita aos negros, já
que o tribunal tinha nítidas divisões espaciais para
brancos e negros.
O resultado do julgamento seguiu-se
ao fim trágico de Tom Robinson. Condenado
injustamente, Robinson tentou fugir e foi
assassinado pelos policiais.
Direitos Humanos
Diante de frequentes atos bárbaros
cometidos entre os homens, tais como escravidão,
assassinatos, tortura, etc., foi pensada uma forma
de assegurar a dignidade da pessoa humana. Não
sendo somente uma garantia contra atrocidades,
mas um direito merecido por todo ser humano.
A condição única para usufruir dos
Direitos Humanos é estar vivo, eles são estendidos
a todos, e podem ser vistos como um guia de
conduta para todos. Assim, todas as pessoas
nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Ninguém será mantido escravo, submetido à
tortura, nem a tratamento ou castigo cruel.
Ninguém será arbitrariamente preso, degradado,
exilado.
É latente o abismo existente entre o que
está na lei e a prática, mesmo que tais direitos
tenham sido pensados para evitar situações
degradantes aos seres humanos, ainda são
freqüentes os casos de assassinatos, tortura,
estupro, tráfico de pessoas, etc.
Os Direitos Humanos foram pensados
durante a Revolução Francesa, a partir daí os
direitos do homem foram incluídos nas cartas
políticas. Porém, esse direito restringia-se apenas
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aos seres do sexo masculino. Olympe Gouges
escreve a Carta de Direitos da Mulher e foi
guilhotinada, mesmo que as mulheres tenham
participado ativamente da Revolução.
Apesar da participação das mulheres na
Revolução, sua organização em clubes
e sua reivindicação de igualdade —
particularmente manifesta na Declaração
dos Direitos da Mulher e da Cidadã de
Olympe de Gouges (1791), as mulheres
são excluídas da cidadania política, os
clubes femininos são fechados e Olympe
é guilhotinada (Thébaud, 2005, p.4).
Em 1948 foi divulgada a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, no contexto do
pós Segunda Guerra Mundial, quando 6 milhões
de judeus foram exterminados. Preservava o
direito à vida, à liberdade, à educação, ao trabalho,
à organização política e social.
Os Direitos Humanos englobam os
Direitos Civis, Políticos, Sociais, e também os
Direitos Difusos, que tratam de questões tais
como: os animais, natureza e os embriões, por
exemplo, direito à paz, ao desenvolvimento, ao
meio ambiente protegido (RABENHORST,
1996).
Direitos Sociais referem-se à participação na
riqueza coletiva, o direito à educação, à saúde, à
aposentadoria.
Carvalho (2009) aponta que a ordem dos
direitos de Marshall, sobre o caso da Inglaterra,
ocorreu aqui de forma inversa. No Brasil
primeiro vieram os Direitos Sociais, depois os
Direitos Políticos e os Direitos Civis, com grande
ênfase nos Direitos Sociais. Enquanto que na
Inglaterra primeiro instituiu-se os Direitos Civis,
os Políticos, e por último, os Direitos Sociais.
Embora os esses direitos fossem previstos
pela Constituição de 1891, foi a partir de 1930
que Vargas institucionalizou as reivindicações que
ocorriam em torno da efetivação de direitos. Os
Direitos Sociais são, assim, institucionalizados
antes dos Direitos Civis! Essa inversão dá um
caráter de privilégio à política social, não se
tem conotação de direito. O direito assume um
caráter de dádiva, de favor que necessita de uma
contraprestação.
Segundo a clássica definição de Marshall
(1967) a cidadania é dividida em: Direitos Civis,
Políticos e Sociais. Os direitos se consolidaram
na Inglaterra na seguinte ordem: primeiro os
Direitos Civis no século XVIII, depois os Direitos
Políticos no século XIX, e em seguida os Sociais
no século XX, no contexto pós- Segunda Guerra
Mundial.
Soma-se a isso também o fato dos
Direitos Sociais abrangerem as pessoas que
trabalham com carteira assinada, excluindo
os trabalhadores rurais. A cidadania brasileira
vincula-se ao trabalho legal, portanto não são
todos que tem direito a participar da riqueza
coletiva, só os que têm carteira assinada. Carvalho
(2009, p.126) analisando o contexto brasileiro
afirma que a era Vargas foi um avanço se for
considerado que “trouxe as massas para a política
e um atraso porque o cidadão estava em posição
de dependência perante líderes”.
Os direitos Civis fundam a própria ordem
burguesa e se assentam na liberdade individual.
Por exemplo, no direito de ir e vir, direito à
propriedade privada, direito à vida, etc. Já os
direitos Políticos são aqueles que concernem
ao direito de votar e ser votado. Por último, os
Quanto aos Direitos Políticos, eles são
efetivados de fato a partir dos anos de 1946 a
1964 em diante, tendo ápice na Democratização
dos anos 1985 a 1990. Em 1946 o presidente
da República volta a ser eleito de forma direta,
a despeito de na República Velha (1889-1930)
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existirem fraudes e manipulação de votos, e
na Era Vargas existir um período em que não
houve eleições durante o Estado Novo (19371945). Na Ditadura Militar algumas cidades não
tiveram eleições, eram eleitos de forma indireta
os presidentes da República e governadores.
Carvalho (2009) ressalta que os Direitos Civis são
deficientes até hoje, principalmente no que diz
respeito ao direito à vida, à segurança e ao direito
à justiça.
Novamente quero destacar a contradição
entre o que está na lei e o que realmente acontece.
Essa contradição tão abordada por diversos
autores, mas ainda não resolvida no mundo
concreto. Carvalho (2009) aborda ao longo de sua
obra o difícil caminho da construção da cidadania
no Brasil, um caminho ainda em construção
devido à fraca noção de igualdade de direitos que
historicamente existe no país.
Um dos principais fatores que dificultam
a construção da cidadania no Brasil seria o
embaralhamento entre o público e o privado, ou
seja, uma fraca noção de ordem pública. A ordem
pública ainda está afastada de alguns segmentos
sociais, de modo que toda a vida desses
segmentos é mediada pela ordem privada, tornase difícil participar do processo estando aquém
dele. Também existe uma fraca noção de direitos
igualitários e mesmo que todos soubessem das
leis, elas não estão no cotidiano das instituições.
Ainda existem pessoas que possuem mais
direitos que outras, a igualdade de direitos não é
inteiramente vivenciada.
Portanto, no Brasil e no mundo, há muito
a ser desenvolvido no que diz respeito aos direitos
humanos, pois eles devem ser um referencial de
luta para que a vida humana seja respeitada.
Todos iguais, mas uns mais iguais que os
outros
A afirmação de Happer Lee “O sol é para
todos, mas os homens não nascem iguais”, se
encarada perante a crua realidade das sociedades
é a mais simples constatação dos fatos.
Foi achado indícios de que na ilha de
Creta na Grécia, antes da invasão dos Dórios
existiu uma civilização onde reinava o que mais
se aproxima da igualdade. Nas escavações feitas
no local as casas não divergiam em sua estrutura,
homens e mulheres ocupavam altos postos
religiosos (EISLER, 1989).
Mesmo que exista essa possibilidade, de
ter existido uma sociedade em que um grupo não
subjugou um outro grupo, só conhecemos de
fato o contrário. Nobert Elias (2000) se atenta a
constante de que nas civilizações que conhecemos
sempre existiu um grupo que se sobrepôs a outro.
O autor investiga uma pequena cidade de
nome fictício Winston Parva. Nessa comunidade
mesmo que os moradores fossem da mesma cor,
status e classe havia um grupo de estabelecidos
que menosprezava os outsiders pelo simples fato
dos estabelecidos terem chegado primeiro ao
local. Assim, os estabelecidos evitavam contato
com os outsiders e dominavam os melhores
postos da comunidade, se autodenominando
como um grupo diferenciado.
No posfácio da edição alemã de Os
Estabelecidos e os Outsiders o autor se atém
ao modelo de Maycomb criado por Happer
Lee. Enquanto que em Wiston Parva o direito
era imparcial, ou seja, era o mesmo tratamento
para todos e todos sofreriam as mesmas
sanções legais; em Maycomb não há nenhuma
igualdade simbólica, o tratamento é nitidamente
diferenciado.
Outro filme que pode exemplificar o
modelo de Maycomb é o filme Mississipi em
Chamas (Mississippi Burning, 1988). O filme narra
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a história de jovens brancos que vão ao estado do
Mississipi promover os Direitos Humanos dos
negros e são assassinados. Quando as pessoas
são indagadas sobre o que teria acontecido
aos mesmos, nota-se que não havia nenhuma
sombra de dúvida quanto à morte dos defensores
dos negros. Ressalto o caráter de legitimidade
atribuído pela população na defesa de atos que
mantenham a ordem.
Elias nota o papel insignificante que a
riqueza tinha tanto em Winston Parva quanto em
Maycomb. A família de Tom Robsinson pertencia
ao mais elevado estrato da comunidade negra,
enquanto a família de Mayella era pobre, mesmo
assim os homens brancos se incomodaram com a
possibilidade de uma moça pobre, mas branca ter
tido relações sexuais com um negro.
O que realmente incomodava os homens
brancos quanto ao caso de Tom Robinson não
era o estupro, tampouco a concretude ou não dos
fatos. O que os mobilizava era a simples hipótese
de que um homem negro tinha se unido a uma
mulher branca e este fato quebraria a estrutura
de privilégios que cabiam somente aos homens
brancos.
Era intolerável viver em um local onde
se podia encontrar a qualquer momento
um homem negro que era suspeito de
ter dormido com uma mulher branca.
Dormir com mulheres brancas constituía
um dos mais importantes privilégios
dos homens brancos. Se começassem a
aceitar retalhos nesses privilégios, logo
toda estrutura de privilégios estaria
esmigalhada e destruída (ELIAS, 2000,
p.203).
Somente os homens brancos poderiam
possuir mulheres brancas. Cabia também aos
homens brancos o monopólio da violência,
apenas eles poderiam ter armas. Portanto, armas
e mulheres brancas faziam parte do sistema de
privilégios que somente os brancos poderiam
desfrutar.
O filme retrata a exclusão de um grupo
pelo outro, o motivo é construído socialmente
de forma que seja percebido como algo natural,
como algo que sempre foi assim e sempre será.
No caso de Winston Parva salta aos
olhos que qualquer motivo possa ser usado
para justificar que um grupo subjugue o outro,
estabelecendo um sistema de privilégios para si
e que um simples motivo se torna plausível para
discriminar um grupo. Poderia ser os negros
dominando os brancos, poderia ser as mulheres
subjugando os homens, mas no caso em questão
eram os moradores antigos discriminando os
novos.
Infelizmente essa situação gera várias
consequências, inclusive quanto ao acesso de
oportunidades
acarretando
consequências
econômicas. Por exemplo, os homens brancos
ganham mais que os demais.
Para reverter à discriminação, a
segregação, a diferença de acesso aos aparatos
educacionais e etc., tanto a Constituição de 1988 e
o atual III Plano Nacional dos Direitos Humanos
prevêem um série de medidas.
O III Plano Nacional dos Direitos
Humanos (PNDH-3) tem seis eixos orientadores:
1. Interação Democrática entre Estado e
sociedade civil.
2. Desenvolvimento e Direitos Humanos
3. Universalizar Direitos em um contexto
de Desigualdade
4. Segurança Pública, Acesso à Justiça e
Segurança Pública
5. Educação e Cultura em Direitos
Humanos
6. Direito à Memória e a Verdade
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Guardadas as devidas proporções podese considerar que existam semelhanças entre
Maycomb e o Brasil. É claro que os dois países
possuem contexto histórico diferenciado, quero
apenas ressaltar a tensão que existe nos dois casos
entre a legalidade e a realidade, explícita na latente
diferenciação social que existia na Maycomb
narrada por Happer Lee e a gritante diferença
entre negros e brancos no Brasil.
Essa disparidade liga-se ao primeiro eixo
orientador do PNDH-3. A interação democrática
entre Sociedade Civil e Estado exige garantia
de participação e controle social por parte
de todos os cidadãos. Assim, de acordo com
Dahl o pressuposto chave de uma Democracia
é “a contínua responsividade do governo às
preferências de seus cidadãos, considerados como
politicamente iguais” (DAHL,1997, p.25).
Portanto, esse princípio orientador
tem três pontos chave: o primeiro ponto chave
é que essa interação fortalece a democracia
participativa, no segundo os direitos humanos
devem orientar as políticas públicas e por fim,
deve integrar sistemas de informação e direitos
humanos, com o objetivo de controlar as políticas
púbicas de direitos humanos e monitorar o
Estado brasileiro quanto ao cumprimento de
tratados internacionais.
As conseqüências dessa relação de
estabelecidos e outsiders geram inúmeras
assimetrias. “No fundo sempre se trata do fato
de que um grupo exclui o outro das chances de
poder e de status, conseguindo monopolizar essas
chances” (ELIAS, 2000, p.208).
Isso era nítido em Winston Parva, em
Maycomb e qualquer outra sociedade que o
esforço analítico se volte. O Brasil não escapa a
essa regra, que tenta ser remediada no PHDH-3
através do segundo e terceiro eixo orientador.
O segundo eixo objetiva sanar a
desigualdade gerada por essa dominação de
um grupo sobre outro, descrita por Elias,
promovendo inclusão social e econômica,
valorização da pessoa humana no processo de
desenvolvimento. Também aqui o plano trata dos
direitos ambientais como sendo direitos humanos.
O terceiro eixo trata de medidas mais
efetivas, tais como acesso a moradia, alimentação,
trabalho decente, saúde e educação de qualidade,
prevenção do trabalho escravo, direito ao lazer e a
participação política.
Historicamente os aspectos abordados
pelo terceiro eixo foram problemáticos em boa
parte dos países. Nos Estados Unidos e no Brasil,
além dos anos de escravidão, podemos destacar a
intensa luta pelo voto.
Os Estados Unidos, exaltado por seu
aspecto democrático por Tocqueville (1987),
só permitiram o voto dos negros em 1965, e o
voto feminino em 1920. No Brasil os negros não
foram excluídos legalmente, mas foram também
impedidos através de leis que exigiam renda
mínima, proibiam o voto aos analfabetos e nos
recorrentes períodos ditatoriais.
No Brasil Colônia votavam apenas os
chamados “homens bons”, aqueles pertencentes
às oligarquias. Durante o Império havia uma
série de restrições ao voto, critérios quanto à
renda, mas os analfabetos votavam. Em 1881 a
Lei Saraiva restringe o voto dos analfabetos e o
voto de quem não comprovasse um valor anual
mínimo de renda.
A República em nada altera essa situação,
apenas abaixa o critério de renda. A renda não era
impedimento, o real empecilho era a exclusão dos
analfabetos. Dessa forma votava uma parte muito
pequena da população, sendo que a maioria era
analfabeta e também eram excluídas as mulheres.
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As mulheres passam a votar em 1934, e aos
analfabetos só foi permitido votar novamente
depois da Constituinte de 1988. Acrescente-se a
essa conjuntura os anos de ditadura civil e militar
que o país vivenciou.
É também uma forma de combater as
conseqüências da desigualdade o quarto eixo
orientador do PNDH-3. O quarto eixo foca
o acesso à justiça, segurança e o combate à
violência, e como já foi apontado por José Murilo
de Carvalho este tema tem muito a se desenvolver
no que concerne os Direitos Civis.
Em Maycomb pouco importava se um
homem do estrato subjugado era inocente ou
não, porque ele já estava condenado à morte.
Os homens que pretendiam matar Tom
Robinson, condená-lo à morte e depois
atirar nele, não fizeram tudo isso por
saberem, no fundo de seus corações, que
ele era inocente, fizeram porque estavam
profundamente convencidos de que ele
era culpado (ELIAS, 2000, p.203).
Foi negado a Tom Robinson julgamento
justo, ele foi julgado por homens brancos que
temiam a perda dos seus próprios privilégios,
portanto diretamente interessados em sua
condenação.
Esse sistema limitava a ação do demais
envolvidos. Durante o julgamento Tom Robinson
afirma que Mayella tentou beijá-lo, seu pai os
surpreendeu nessa cena e ele então não viu
outra solução a não ser sair correndo. Se Mayella
quisesse ter alguma relação com Tom Robinson
isso seria impedido. Da mesma forma que um
homem negro se encontrava em delicada situação
quando uma mulher branca manifesta a intenção
ter relações com ele, pois seria iminente sua
morte.
Um momento de choque por parte
dos ouvintes do julgamento foi quando Tom
Robinson declara que sentia pena da jovem, pois
seu pai era alcoólatra e frequentemente a agredia.
A platéia se choca considerando inadmissível um
negro sentir pena de uma branca, mesmo que
a vida do acusado tivesse melhor estabilidade
econômica que a de Mayella.
Outra questão relevante no que se refere
ao acesso à justiça, e que não é considerado, é a
reparação da subordinação história aos negros
imposta. Os sistemas de cotas entram nessa lógica,
mas o que deveria haver é uma conscientização
dos erros históricos e da dívida para com os
negros.
O PNDH-3 tem no quinto eixo
importantes medidas para promover a dignidade
da pessoa humana, diz respeito à educação e
cultura em Direitos Humanos. O primeiro passo,
creio que seja maior conhecimento dos Direitos
Humanos por parte da polícia, professores,
funcionários públicos, população em geral, etc.
Entretanto, é frequente que atos que ferem aos
Direitos Humanos sejam justificados pelo (“mau”)
comportamento de determinado indivíduo, assim
tornam-se justificáveis e aplicáveis a uns e a
outros não.
E o último eixo aborda o Direito à
Memória e à Verdade. Esses direitos tratam das
“histórias oficiais” que foram contadas, ou seja,
o governo não foi transparente na divulgação de
suas ações para com cidadãos, principalmente no
período da Ditadura Militar.
Um filme que exemplifica essa situação
é A História Oficial (La historia oficial, 1985).
Na produção cinematográfica uma professora
adota uma criança sem saber que ela era filha
de pessoas que se posicionaram contrariamente
ao regime. Devido a esse posicionamento foram
sequestrados, torturados, mortos e os bebês
foram entregues a outras famílias. Na Ditadura
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brasileira o governo também tinha um discurso
oficial, porém a prática era plenamente diferente
da realidade.
O III Plano Nacional dos Direitos
Humanos visa combater tanto a continua
capacidade dos homens infligirem mal aos
seus semelhantes, quanto às consequências da
subordinação de um grupo ao outro.
Elias (2000) procurou entender o porquê
dessa constante de dominação nas sociedades
humanas. “Ao que parece, quase todos os grupos
humanos tendem a perceber determinados
grupos como pessoas de menor valor do que eles
mesmos” (ELIAS, 2000, p.199).
O autor aponta para a necessidade humana
de sempre querer melhorar o valor de sua própria
pessoa e de seu grupo, a “... autovalorização só
é possível desvalorizando outra pessoa” (ELIAS,
2000, p.209). O ato de promover a autoestima
coletiva fortalece e une ainda mais o grupo.
Um grupo coeso apresenta maiores chances de
sobrevivência. Da exclusão de um grupo o outro
grupo ganha préstimos consideráveis.
Para Elias a sociedade é repleta de
conflitos internos porque os grupos se temem
mutuamente, ou seja, vivem “(...) nesse temor
que os diversos grupos despertam uns nos outros
permanentemente. Eles temem ser escravizados,
espoliados, despojados ou destruídos pelos
outros” (ELIAS, 2000, p. 212-213).
Considerações Finais
O Sol é para Todos deixa inúmeras lições
sobre os Direitos Humanos. Quando um grupo
se autointitula melhor, ele necessariamente está
denominando outro grupo como pior.
Em todas as sociedades humanas
podemos encontrar resquícios de etnocentrismo,
ou seja, quando uma pessoa ou um grupo se julga
superior ao outro, de modo que ela não pode
compreender tudo que está fora de sua cultura.
Elias também afirma que essas diferenciações
entre grupos não passa de uma forma do grupo
dominante legitimar e se perpetuar no poder.
No filme os indivíduos não são sujeitos
do direito civil, não podem livremente escolher
seus parceiros devem respeitar um sistema
próximo a um sistema de castas. Por isso foi tão
grave a hipótese de união entre duas pessoas de
cor diferente, hoje é sabido que a diferenciação
entre raças não existe, a humanidade é uma só.
Outra falta grave aos direitos humanos
foi quanto ao acesso à justiça, Tom Robinson não
teve o devido julgamento, seu júri tinha interesse
em sua condenação. O sistema de privilégios que
o júri usufruía deixaria de existir com a brecha da
não condenação de Tom Robinson.
O filme também mostra as sanções graves
impostas àqueles que ousam afrontar o sistema
pré-estabelecido. Atticus quase perdeu sua
filha, se não fosse o personagem Boo, também
marginalizado, salvá-la.
Os Direitos Humanos devem ser
encarados como meta a ser cumprida, eles foram
estabelecidos para que as atrocidades contínuas
que os homens cometem fossem impedidas.
Porém também é de praxe os contínuos
desrespeitos aos Direitos Humanos, no Brasil e
em qualquer lugar.
Ainda são mutiladas meninas na
África, assim como no ocidente em nome da
normalidade, também se submete recém-nascidos
à cirurgia para que sejam claramente definidos
como homem ou mulher. No interior do Egito
existem cidades em que as mulheres são proibidas
de sair de casa, nem para fazer compras ou ir ao
hospital. No Brasil também é freqüente, continuo
e corriqueiro o cárcere privado de mulheres,
Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 74-83.
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Artigos
O Sol é para Todos: uma reflexão a partir do III Plano Nacional de Direitos Humanos
Larissa Rodrigues Vacari de Arruda
algo absolutamente legitimado como direito do
homem sobre a mulher.
Portanto, ainda há muito a ser feito para
que todos os seres humanos sejam respeitados na
plenitude de seus direitos.
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