O CARTAZ PUBLICITÁRIO NA BELLE ÉPOQUE
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O CARTAZ PUBLICITÁRIO NA BELLE ÉPOQUE
O CARTAZ PUBLICITÁRIO NA BELLE ÉPOQUE (UMA LEITURA DA ARTE DE HENRI TOULOUSE-LAUTREC) Diego Piovesan Medeiros1 RESUMO A arte sempre esteve ligada à vida do ser humano e na publicidade não é diferente. É neste contexto em que se entrelaçam arte e publicidade onde o presente artigo propõe uma leitura do cartaz publicitário na Belle Époque, criado por Henri Toulouse-Lautrec, um dos mais famosos artistas da Europa do século XIX. Para sua realização, foi selecionado um cartaz de ToulouseLautrec, cuja análise é elaborada a partir da articulação entre o contexto em que está inserido e os fatores persuasivos que anunciam as especificidades da publicidade dessa época. Palavras-chave: Arte, Toulouse-Lautrec, Publicidade e Persuasão. INTRODUÇÃO A arte sempre esteve ligada à vida do ser humano. Nas campanhas publicitárias e nas propagandas, pode-se perceber também que sua influência faz-se marcante. Os registros da história das artes mostram que, no século XIX, os artistas influenciados por mudanças culturais e sociais foram impulsionados a procurar outras saídas além da arte para sua sobrevivência. Neste artigo, procura-se evidenciar, como objetivo inicial, características importantes do contexto da França no século XIX, das mudanças na sociedade, do despontar de Paris na Belle Époque, onde os espetáculos e a busca pelo prazer e pelo entretenimento ganhavam força e tornava a cidade um local procurado por artistas, escritores e intelectuais da época. Na abordagem, traz-se à cena também o surgimento das vanguardas entre os artistas, a busca pelo novo e a necessidade de diferenciação dos demais. Nesta perspectiva, tenciona-se, com o presente estudo, destacar a importância e o papel da arte na propaganda, em especial a arte de Henri Toulouse-Lautrec no cartaz analisado a partir dos elementos semânticos e estéticos, como tentativa de promover e comprovar reflexões sobre os elementos persuasivos e sua influência neste contexto. 1 Graduado em curso de Comunicação Social - Habilitação Publicidade e Propaganda pela Unisul. 1 1 A FRANÇA E O SÉCULO XIX Com a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, acontecendo a priori na Inglaterra, o despontar do capitalismo transformava completamente a sociedade da época. Foi com a Revolução Industrial que houve um avanço de técnicas de aperfeiçoando dos métodos produtivos, tendo com imensa grandeza, a invenção de máquinas. A produção passou por etapas bem distintas: a artesanal, a manufatureira e a mecanizada. Segundo Hobsbawm (1996), no início do século XIX, tudo parecia calmo para as elites. Até mesmo os ideais iluministas da Revolução Francesa estavam sendo sufocados. Novamente, com a queda de Napoleão, o rei, a nobreza e o clero começaram a tomar o poder. A França, segundo os pensadores da época, estava se tornando um barril de pólvora, pois nela, no início do século, passaram várias revoluções. A França, mais precisamente sua capital Paris, começou a tomar força culturalmente nas décadas de 1880 e 1890, com o surgimento da Belle Époque. Foi nessa época que nem mesmo os aparentes escândalos vividos pelo poder abalaram a burguesia que procurava os prazeres da vida. Na Belle Époque, a França se torna uma sociedade moderna, pois nela se consolida uma imprensa de massa, uma literatura voltada ao povo e nasce a cultura do entretenimento. A Belle Époque pode ser considerada como o “abrir os olhos” para as esperanças e decepções que explodirão nos tempos modernos (ORTIZ, 2001, p. 54). Culminando pelo alto desenvolvimento do país, a sociedade francesa necessitava de entretenimento e de espetáculos. Em todas as partes da sociedade, onde se desenvolviam modernas condições de produção, apresentava-se uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente virou uma representação. O espetáculo não era um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens. O espetáculo em geral era a reprodução do não-vivido, de um sonho, uma projeção que o povo necessitava naquela conturbada época. Enquanto as indústrias produziam um desenvolvimento econômico para o país, o espetáculo produzia um desenvolvimento natural, algo que o ser humano necessitava para o seu prazer. A arte dos espetáculos da época também pode ser considerada como forma de alienação. Quanto mais o espectador contemplava o acontecimento, menos ele vivia, quanto mais aceitava projetar-se nas imagens apresentadas, menos compreendia sua própria existência e seu próprio desejo. Por isso, pode-se dizer que, 2 na sociedade, o espetáculo correspondia a uma fabricação concreta de alienação (DEBORD, 1997, p. 13-15). A valorização do espetáculo, a arte em cena e a vida de prazer e riquezas tornaram-se, assim, características da sociedade francesa na Belle Époque. A França refletia uma força acima de qualquer outro país quando se tratava de arte. Os pintores e escritores da França na época se destacavam dos outros países, tendo em vista o amadurecimento de todo o valor cultural já vivido. Nessa época, ainda se destacava um pintor que, com sua baixa estatura e traços elogiados por Degas, ganhava espaço e reconhecimento: Henri Toulouse-Lautrec. Mesmo não tendo nenhum contato significativo com o Impressionismo do “ar livre”, hoje é considerado um dos maiores pintores franceses de sua época, merecendo destaque com seus cartazes para o Moulin Rouge, pela sua rebeldia e sua paixão pela vida moderna (HARRIS, 1994, p. 21). Pode-se dizer que a França, mais especificamente Paris e a arte das décadas de 1880 e 1890 eram, respectivamente, um lugar pequeno em um tempo breve. Mas, a arte não estreita quando se fala nesses vanguardistas, principalmente em se tratando de ToulouseLautrec. 2 HENRI TOULOUSE-LAUTREC Toulouse-Lautrec cresceu em uma atmosfera de luxo e mimos, onde nada lhe era negado. Em ambas as famílias o trabalho não era necessário para viver, cada um cultivara seus interesses com talentos e inteligência. De acordo com Pereira (1998), o pai de Henri Toulouse-Lautrec era escultor, um verdadeiro excêntrico e observador de gente e costumes exóticos, vivendo a maior parte do tempo em Paris. Ainda segundo Pereira (1998), enquanto crescia, Toulouse-Lautrec conservara o charme, a vivacidade e a inteligência dotada de sua família. Passava os dias recebendo uma fina educação, desenhando, cavalgando e estudando inglês e latim com a mãe. Ainda na infância, para que continuasse os estudos, foi mandado a Paris. Lá conheceu Maurice Joyant, outro estudante, o qual seria seu amigo pela vida inteira. Toulouse-Lautrec era apaixonado por atividades esportivas ao ar livre, mas com 10 anos já possuía saúde frágil, por isso seus pais decidiram que o clima quente da cidade de Nice seria mais agradável que o de Paris. Na época em que esteve morando em Nice com sua avó, Toulouse-Lautrec não perdeu sua forte 3 personalidade e seu humor, mesmo assim a falta que seus pais faziam o deixavam muitas vezes triste e quieto. Em julho de 1881, em Paris, depois de uma de suas estadas no litoral para tratamento, Toulouse-Lautrec tentou os exames de bacharelado, mas não foi aprovado. Conforme Pereira (1998), nas férias, o jovem garoto voltou a estudar com rigor e nos exames de outono tentou novamente e passou. Na época, bacharelado, coroava os estudos de um jovem bem nascido, e não se esperava que ele fosse além disso. Uma das mais famosas casas de espetáculos que Henri Toulouse-Lautrec e seus amigos freqüentavam chamava-se Moulin de la Galette. Entre as dançarinas, destacava-se La Goulue (A Gulosa). Ela havia recebido este apelido pelo apetite voraz pelos prazeres da vida, inclusive bebida e comida. Muitas vezes ela se distinguia por andar pelos salões esvaziando os copos dos clientes. Graças a La Goulue, a quadrille transformou-se em um verdadeiro espetáculo. Esta dança surgiu como o cancã e havia se tornado, sobretudo, uma dança exclusivamente para mulheres. Henri Toulouse-Lautrec, que amava um espetáculo, gostava particularmente de La Goulue. Ele se sentia atraído pela sua gula voraz perante a sorte e o prazer. Seus desenhos capturaram suas silhuetas, suas afetações e sua arrogância. Pelo fato de La Goulue ser tão conhecida em Montmatre, Henri Toulouse-Lautrec ganhou fama e ficou conhecido como pintor de rostos da região (FREY, 1997, p. 78). Mesmo nunca parando de acrescentar elementos ao seu repertório de recursos artísticos, ele não eliminava nenhum, dando a seu trabalho diversidade e riqueza. ToulouseLautrec desenhava compulsivamente, não importando o material ou o local em que estava. Desenhava no guardanapo e até mesmo nos tampos das mesas dos bares que freqüentava. Dentro do Moulin Rouge, Toulouse-Lautrec se sentia em casa. Ele era o único pintor que suportava e gostava do cheiro forte de tabaco e pó-de-arroz que lá cercava. A primeira pintura de Toulouse-Lautrec feita para o Moulin Rouge fazia parte da decoração, ficando dependurada em cima do bar. Não há registros completos comprovando se a pintura havia sido comprada ou encomendada pelos donos. Nos próximos seis anos, faria mais de trinta pinturas do Moulin Rouge e de seus freqüentadores. Tornou-se tão famoso lá dentro quanto o moinho que dava nome ao local. Sua paixão pela casa de espetáculos e sua amizade pelos proprietários deram-lhe a responsabilidade de criar cartazes vendendo as atrações do Moulin Rouge. Quando Toulouse-Lautrec recebeu a incumbência de criar o primeiro cartaz, La Goulue era a única artista mencionada no mesmo (FREY, 1997, p. 150). 4 Em 1891, quando o seu primeiro cartaz foi fixado pelas ruas de Paris, nascia ali um novo conceito publicitário que imortalizou as dançarinas de cancã, já famosas naquela época. O nome de Toulouse-Lautrec começava a ligar-se indelevelmente à vida noturna e ao mundo dos bordeis parisienses. (CYBERLAND, 2005). Para Frey (1997, p. 150), a responsabilidade de criar um cartaz fê-lo concorrer diretamente com o mestre das técnicas cartazistas, Jules Chéret, criador do cartaz de abertura do local. Seu êxito significava o reconhecimento do artista e a popularização de um trabalho que se espalharia em vários cantos da cidade. Toulouse-Lautrec compreendeu que a essência do cartaz era uma simplicidade corajosa que prendesse a atenção e transmitisse a sua mensagem instantaneamente, antes que o passageiro fosse levado adiante pelo ônibus, ou pela carruagem, ou o pedestre fosse distraído por outra visão de sua tumultuada cidade. (HARRIS, 1994, p. 44). A mensagem escrita em seu primeiro cartaz era objetiva: “Moulin Rouge – Toda noite – La Goulue!”. Tendo descoberto suas vantagens, Toulouse-Lautrec iria trabalhar com litografia até o resto de sua vida. Esses cartazes constituíam uma produção bem pequena entre suas criações, mas foram elas que lhe deram muita fama e reconhecimento (HARRIS, 1994, p. 46). Foi no Moulin Rouge que Toulouse-Lautrec conheceu a dançarina Jane Avril, com a qual desenvolveu uma grande amizade e um grande carinho, dando destaque a ela muitas vezes em suas obras. Na primavera de 1893, ela lhe encomendou a produção de um cartaz publicitário para que seus fãs pudessem comprar. Na primeira edição, o cartaz teve 20 tiragens, cada uma assinada por Toulouse-Lautrec. Mas quando Toulouse-Lautrec estrelou no Jardin de Paris, para multidão, a casa solicitou mais duas cópias do cartaz. Naquela mesma época, os cartazes de Jane já estavam espalhados por toda Paris (FREY, 1997, p. 212). Em 1901, Toulouse-Lautrec já não tinha mais escapatória e quem estava do seu lado sabia. Havia sofrido dois ataques de paralisia e estava cada vez mais debilitado. Não bebia mais, mas, mesmo assim, estava fraco e, em agosto de 1901, teve um colapso total, resultando em uma paralisia. Em 9 de setembro de 1901, o mundo perdeu um de seus maiores artistas: Henri Toulouse-Lautrec. 5 3 ARTE E PERSUASÃO NOS CARTAZES 3.1 Os símbolos e a persuasão Cada vez mais novos símbolos vão aparecendo. No âmbito da comunicação, mais especificamente a Publicidade, verifica-se que existe uma necessidade de dominar os repertórios de signos que envolve a relação mensagem e receptor. Para que a Publicidade cumpra seu papel, ela deve seguir modelos diretos de linguagem e semiótica, os quais conduzem na escolha e na organização de sistemas de signos codificadores das mensagens. Bochman (1975) comenta que: “Ora a força persuasiva não está apenas nas palavras que fazem referência ao produto, ou suas qualidades, mas está também nos signos dirigidos, diretamente ao consumidor virtual do qual se espera determinado comportamento”. (1975, p. 34). 3.2 O cartaz Ao enfocar-se o contexto da França, por conseqüência do crescimento econômico, social e cultural, pelo desenvolvimento das indústrias, do comércio e pelo aumento populacional, cabe aqui destacar que Paris transformou-se em um pólo de desenvolvimento da Europa, fazendo que houvesse o despontar dos cartazes. Atraídos para o glamuroso centro do comércio e da indústria, os habitantes da zona rural passaram a receber salários para comprar. Com isso, novas necessidades e novos desejos surgiram. Os cartazes foram criados para divulgar peças de teatro, eventos públicos e produtos. Em conseqüência de alguns fatores econômicos, urbanos e estéticos, o cartaz começou a ganhar vida própria. Tornou-se um importante instrumento da Publicidade e da Propaganda. De acordo com Moles, teve seu crescimento no momento em que a técnica de impressão de imagens havia efetuado progressos suficientes e havia uma necessidade de passar para o receptor mais elementos em menos tempo (MOLES, 1974, p. 51). Segundo ele, o cartaz possui algumas funções essenciais: 1- Função de informação: cujo papel didático é mais importante, mostrando um produto e seu preço, o lugar em que é vendido, agindo como um anúncio; 6 2- Função de Publicidade ou Propaganda: a qual busca persuadir a sociedade através de uma linguagem sedutora e expressionista; 3- Função educadora: o cartaz apresenta fatores culturais importantes para a população; 4- Função do ambiente: ele é um elemento do contexto urbano, mas isso foge às regras, pois o cartaz não possui nenhum estilo adaptado para a colocação nas cidades; 5- Função estética: igual à poesia, o cartaz sugere mais do que diz. A grande regra é agradar, e isso significa possuir um valor estético. O jogo das cores, formas, tipologias e imagens são fatores estéticos; 6- Função criadora: possui a capacidade de criar desejos e transformá-los em necessidade que faz girar o mecanismo de consumo. (MOLES, 1974, p. 53). Ressalta-se que o cartaz leva consigo a vontade de transmitir, desejando ser eficaz e não importando sua finalidade, pois se tornou um mecanismo de comunicação de massa. 3.3 Sobre a Arte Procura-se destacar que, neste estudo, a arte pode ser definida também como um fazer. A arte é, assim, considerada uma produção, conseqüentemente, trabalho. Segundo Bosi (1999. p. 14), é um conjunto de atos pelos quais se transforma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura. Nesse sentido, qualquer atividade humana que envolva criatividade, originalidade, dentro de uma perspectiva estética, pode chamar-se artística. Bosi afirma que: A palavra latina ars, matriz do português arte, está na raiz do verbo articular, que denota a ação de fazer junturas de parte de um todo. Porque eram ações estruturantes, podiam receber o mesmo nome de arte não só as atividades que visavam o comover da alma (música, poesia, teatro), quanto os ofícios de artesanato, a cerâmica, a tecelagem, que aliavam o útil ao belo (BOSI, 1999, p.14). De acordo com Read (1976, p.34), a arte é pura expressão, é a fuga do caos. É um movimento ordenado em números, uma massa limitada em medidas, uma indeterminação de matéria à procura do ritmo da vida. 7 Na Era Industrial, o advento dos meios mecânicos ganhou força, surgindo a possibilidade das cópias, e a arte se limitava a uma “limitação natural”. Destaca-se que o capitalismo não é uma força social que necessita de arte. Na medida em que o capitalismo se utilizava da arte de algum modo, precisava dela como embelezamento de sua vida privada ou como bom investimento. Mesmo assim, libertou para a produção artística forças poderosas comparadas com a produção econômica. Deu aos artistas novos meios de expressar seus sentimentos e suas idéias. Sendo assim, ao mesmo tempo em que o capitalismo era contra a arte, favoreceu seu crescimento em grande quantidade (FISCHER, 1987, p. 59). Os quadros eram idealizados para serem contemplados apenas por um público restrito, mas como conseqüência da Revolução Industrial e do desenvolvimento do capitalismo, meios como a litografia no século XIX, tornaram os cartazes uma obra de arte para as massas. Para Ficher (1987), com a litografia, as técnicas de reprodução fizeram um progresso decisivo. Esse processo era muito mais fiel que a xilogravura (gravura em metal e água-forte), pois confiava o desenho à pedra, ao invés de entalhá-lo na madeira ou gravá-lo no metal, permitindo que, pela primeira vez, a arte gráfica não apenas entregue ao comércio reproduções em série, mas ainda reproduza diariamente novas obras. A litografia abriu caminho para o jornal ilustrado, onde Henri Toulouse-Lautrec até participou com seus traços. Com certeza, a litografia foi uma parceira muito forte na divulgação dos cartazes de Toulouse-Lautrec. 4 O CARTAZ PUBLICITÁRIO NA BELLE ÉPOQUE (UMA LEITURA DA ARTE DE HENRI TOULOUSE-LAUTREC) 4.1 Reflexões iniciais Toulouse-Lautrec2 correspondeu bem a essa evolução acompanhando às tendências de seu tempo, dando um valor inigualável a um meio de comunicação que estava apenas nascendo: o cartaz. Neste capítulo propõe-se desenvolver uma análise do cartaz “Jane Avril”(1899), levando-se em conta que tem relação do artista com o Moulin Rouge e com a mulher que marcou sua vida. 2 Toulouse-Lautrec produziu cerca de 37 cartazes. 8 A obra em análise promove várias informações e reflexões. Por uma questão metodológica, torna-se significativo, inicialmente, destacar que se privilegiou uma leitura semântica e estética dessa obra. Moles (1974, p. 49) considera importante que seja avaliada a semântica, ou seja, uma análise que explicite e que tente traduzir, não importando qual seja, o esquema lingüístico utilizado e baseando-se em um repertório de signos cujos elementos são enunciáveis pelo emissor e pelo receptor, conhecidos antes do ato de comunicação. Neste sentido, a leitura deve acontecer sob a ótica da estética (ou conotativa), que se baseia em um estudo de elementos perceptíveis armazenados pelo observador. No processo de comunicação, esses são ignorados pelo receptor como signos, uma sobrecarga na comunicação, um acréscimo que intervém na percepção. Entre todos os pontos privilegiados em uma análise semiótica-estética, foram apontados vários fatores persuasivos, destacados na seqüência. Salienta-se que todos eles compõem o cartaz, sendo diferenciados em cinco categorias: • Ponto persuasivo nº1 – As mulheres. As mulheres da França do século XIX não possuíam muitas opções. Na sua maioria casavam, constituíam família e viviam à mercê de seus maridos, chefes da família e donos da razão. Cuidavam basicamente dos afazeres domésticos e algumas trabalhavam em tecelagens e fábricas de costura. Mas, aquelas que fugiam dos moldes tradicionais de cultura procuravam sua independência e eram totalmente 9 avessas ao fator família, entregando-se ao mundo como meretrizes e dançarinas em casas de espetáculos. • Ponto persuasivo nº2 – O movimento. Como a obra de Toulouse-Lautrec em análise foi criada para uma casa de espetáculo, o Moulin Rouge, a dança e o movimento são fatores importantes para a leitura que se desenvolve. • Ponto persuasivo nº3 – As cores. Neste estudo, evidencia-se que a cor não é apenas um elemento decorativo ou estético. Para Farina, a cor é o fundamento da expressão e está ligada à expressão de valores espirituais e sensuais. Afirma que, na força comunicativa da imagem, o que predomina é o impacto exercido pela cor (FARINA, 1994, p. 25). Conforme Farina (1994, p. 24), no século XIX, a cor atravessou uma nova fase em sua aplicação, de uma certa forma despertou a sensibilidade do espectador ao colocar em cena a natureza. Com essa nova fase, a cor teve um crescimento em pesquisas e estudos científicos com a participação de filósofos e escritores. Nesta leitura, procura-se sublinhar as referências simbólicas que advêm das cores. Ressalta-se que a cor é um elemento extremamente significativo na constituição de um cartaz, ou em qualquer outro material. A cor pode ser capaz de chamar a atenção à distância e, muitas vezes, até despertar gostos, por isso pode ser considerada um importante instrumento persuasivo-estéticos. A significação aparece em várias obras teóricas. E, levando em consideração que é uma pesquisa estético-semântica, o significado das cores foi fundado segundo o livro Psicodinâmica das Cores de Modesto Farina (1994, p. 112-115). • Ponto persuasivo nº4 – As tipologias. Cada palavra possui uma forma que, dentro do contexto, de um cartaz mais especificamente, se une à imagem de forma harmônica e persuasiva. Segundo Munari (1993, p. 47), não apenas cada letra de uma palavra possui uma forma; o conjunto das letras que compõem a palavra proporciona uma forma global que vem a ser da própria palavra. As duas principais intenções são chamar a atenção e facilitar a leitura. • Ponto persuasivo nº5 – Objetos em cena. Nesta análise, alguns objetos no cartaz de Toulouse-Lautrec torna-se marcante pela sua vivacidade e contextualização na obra. 10 Demarcadas as reflexões iniciais da leitura do cartaz de Toulouse-Lautrec, evidencia-se, a relação do referido artista com a arte e a propaganda, e seus fatores persuasivos na influência do meio em que vivia. 4.2 Pontos Persuasivos 4.2.1 Ponto Persuasivo nº1 – A mulher. No cartaz Jane Avril, verifica-se que o elemento central é a atriz Jane Avril. Nessa época, era evidente a paixão Toulouse-Lautrec pela artista. Em muitas de suas obras pode-se verificar a presença de Avril. A mesma sabia que seu sucesso era fruto da publicidade dos cartazes de Toulouse-Lautrec, que também ganhou fama com os trabalhos para a dançarina. Neste cartaz, ela aparece sozinha em uma pose sensual, com um vestido que cobre todo o seu corpo. Mesmo com um olhar profundo, um rosto fino, Jane mostra sua postura e altivez. A presença das mulheres nos cartazes de Toulouse-Lautrec sinaliza a importância dessas artistas para o pintor. Apropriando-se da fama de algumas e da sensualidade de todas, Toulouse-Lautrec conseguiu despertar o desejo nas pessoas, persuadindo-as a freqüentarem as casas de espetáculos de sua época. 4.2.2 Ponto persuasivo nº2 – O movimento A especialidade de Jane Avril era o cancã, entretanto pode-se constatar que este não é o tema apreendido por Toulouse-Lautrec no cartaz. Nesta obra, nota-se um movimento de medo e defesa. Seu corpo está curvado para a esquerda, destacando toda sua forma sensual. Suas mãos sobre a cabeça representam fragilidade, ao mesmo tempo, que tocam seu chapéu de plumas, que envolve sua mão direita. Aqui, Toulouse-Lautrec optou por evidenciar a sensualidade de Jane, não só como dançarina, mas também como atriz. 11 4.2.3 Ponto persuasivo nº3 – As cores O cartaz geralmente é visto com rapidez, por isso ele tem que ser simples e possuir um grande contraste. O amarelo, segundo pesquisadores, é a cor que garante uma visualização de maior distância e junta com o preto do vestido, causando um contraste quase que imperceptível. O preto, aqui, revela temor, dor, angústia, contextualizando com o medo que ela passa pela cobra que aparece em seu vestido. Ao contrário, a cobra possui um “degrade” do amarelo para o verde, representando desejo e suavidade, ódio e idealismo. O chapéu possui a cor laranja junto com a parte inferior do vestido, completando com o fundo em tom-sobre-tom, mas dando o simbolismo de advertência, tentação e prazer. É de se notar que esta cor aparece nas partes externas de Jane Avril, como no chapéu, final do vestido e mangas. Além disso, a fonte escrita em preto ganha um destaque forte, sobressaindo-se do fundo amarelo. 4.2.4 Ponto persuasivo nº4 – As tipologias Neste cartaz, apenas o nome da atriz tem destaque. “JANE Avril” vem escrito com fontes serifadas e de formas diferentes. O nome “JANE” está em caixa alta, dando-lhe um ar de maior importância, já o sobrenome “Avril” está apenas com a inicial maiúscula. No canto direito existe, em tamanho reduzido, uma espécie de assinatura: “H. Stern, Paris”. Segundo Frey (1997, p. 336), foi uma dedicatória a Stern, quando ele tirou a primeira impressão deste cartaz, e onde também citou: “Stern, na emoção de um começo”. Compondo o canto inferior direito está a assinatura de Toulouse-Lautrec. 4.2.5 Ponto persuasivo nº5 – Os objetos em cena Jane parece ser o único elemento da obra, mas outros três ainda se destacam: Chapéu: Seu grande chapéu laranja ganha espaço no cartaz e parece dar um ar de desconforto à Jane, que enrosca sua mão direita em uma de suas plumas. 12 Vestido: Escondendo a vulgaridade, todo prazer que a dançarina proporcionava e representava na época, entrou em cena o vestido preto que cobre totalmente seu corpo. Cobra: Talvez este seja o elemento com maior peso depois de Jane, que, mesmo formando o vestido, ganha um destaque especial. A cobra, envolvendo a atriz, está pronta para o “bote” com a cabeça bem à altura dos seus seios. A cobra, sinônimo de pecado e de prazer, causa espanto em Jane, que fica com as mãos sobre a cabeça em sentido de fragilidade. Em uma analogia entre o prazer e o pecado da carne, liga-se a relação da cobra com a profissão de Jane, que nada mais é do que a busca pelos prazeres da carne e do próprio pecado do homem. 4.3 Arte, publicidade e persuasão Ao mesmo tempo em que Toulouse-Lautrec era aclamado por muitos, também era criticado seriamente por outros que não consideravam seus trabalhos como obras de arte, mas publicidade, arte suja que servia apenas para a venda. Toulouse-Lautrec respondia às críticas com sua forma brilhante de criar. O pintor, antes de fazer um cartaz, passava por todos os passos para a criação de uma obra, em algumas vezes, ele até criava telas completas, produzindo verdadeiras obras de arte, para depois reproduzi-las de forma mais simples na litografia. Essa massificação de suas obras, a utilização de elementos persuasivos e de contexto da época fizeram dos cartazes de Toulouse-Lautrec, uma obra de arte que vendia, um cartaz publicitário. Salienta-se que os cartazes de Toulouse-Lautrec são um elo perdido entre arte e propaganda. Ele estabeleceu esta ligação através de pontos estéticos e persuasivos que lhe deram fama e reconhecimento aos retratados pelo próprio pintor. Pelos seus acidentes na infância e por tudo que vivera na vida, Toulouse-Lautrec era desprovido de preconceitos e censura. Assim, deu ao cartaz um tom de dramaticidade, com uma forma persuasiva e sutil publicidade. O referido pintor dava a mesma importância para o cartaz perante suas demais obras artísticas e assim também criou elementos conceituais para a própria publicidade. Toulouse-Lautrec deixou bem claro em suas obras que o desenho e seu traço são a pura forma de expressão, esta que deu o toque na vida e na própria obra. Toulouse-Lautrec apresentava, em seus cartazes, uma mensagem usando imagens e texto, sabendo da rapidez com que as pessoas ficarão expostas aos mesmos. Ele usa uma técnica de publicidade, a de ser o mais simples e objetivo possível. Mas, dentro dessa simplificação, também ocasionada pelo meio de reprodução utilizado, a litografia, Toulouse- 13 Lautrec apresentou uma gama de símbolos persuasivos que despertam a atenção de quem os observa, desenvolvendo uma linguagem simbólica das imagens. Como símbolos persuasivos retratados, citam-se as mulheres, as cores, a tipologia, o movimento e os demais objetos em cena, o que concretiza que o maior símbolo de persuasão foi o das mulheres. Foi nelas que Toulouse-Lautrec buscou inspiração maior e, de uma certa forma, representaram o “produto” que despertou o interesse dos homens da época para freqüentar as casas de espetáculos do século XIX. Os cartazes publicitários existiam antes de Toulouse-Lautrec mas eram meramente informativos. Com ele criou-se a publicidade que tenta o convencimento e busca um cliente para o produto. Essa tentativa de persuadir com imagens e pouquíssimo texto é ainda uma maneira atual do trabalho publicitário e essa foi a grande inovação provocada pelo artista. Nesse sentido praticou realmente uma arte nova e diferente do que existia. As imagens prometiam sexo e divertimento e tinham uma mira certa: os homens com algum dinheiro para gastar. Contestados como pecaminosos pela sociedade, perigosos para a juventude e os bons costumes, esses cartazes seriam inocentes nos dias de hoje, mas foram extremamente ousados em sua época. (CYBERLAND, 2005). De uma certa forma, tomando como partido as mulheres apresentadas por Toulouse-Lautrec, conclui-se que Jane Avril foi diretamente afetada pelos cartazes do pintor. A fama dessa dançarina se constituiu e proliferou graças aos seus trabalhos. O grande Moulin Rouge teve um sucesso arrebatador devido aos cartazes, desenvolvidos pelo referido pintor. Obras de arte que, por meio da massificação dos cartazes, se transformaram em meio publicitário, o qual foi obtido de valores persuasivos e subjetivos que influenciaram diretamente a sociedade envolvida neste contexto de prazer e entretenimento. CONCLUSÃO Estudar a arte é, ao mesmo tempo, surpreendente e encantador. A arte é o território dos sonhos, da realidade, das paixões, das incertezas, da representação humana em sua plenitude. No percurso para realização desta pesquisa, deparava-se, muitas vezes, com a complexidade de interpretações, sentimentos, informações, impressões, histórias de vidas, de tempos. Observa-se, assim, a importância de se adentrar no contexto artístico que antecedeu a este tempo para melhor apreender e entender o século XXI no contexto da Comunicação Social, em especial da Publicidade e Propaganda. 14 Nesta perspectiva, procurou-se evidenciar, através da análise do cartaz publicitário intitulado “Jane Avril” o papel e a importância de seu criador, Henri Toulouse-Lautrec para a Publicidade. Essa massificação, como se destacou neste estudo, advém do processo de crescimento possibilitado pela indústria da época. A cópia dos cartazes tornou-se possível com tamanha qualidade graças à litografia, que tornava a arte de Toulouse-Lautrec uma publicidade para os diversos cantos da sociedade. Observou-se, nesta pesquisa, que não foi apenas à litografia que transformou os cartazes publicitários de Toulouse-Lautrec em peças reconhecidas e famosas, sendo arrancados dos muros por colecionadores e admiradores de sua arte. Evidenciou-se, nas análises, que é a arte persuasiva, destacada pelos elementos e pela maneira de ToulouseLautrec anunciá-los, representá-los, por sua criatividade artística peculiar. Dos cinco pontos que envolvem a mulher, as cores, a tipologia, o movimento e os demais objetos em cena, merecem ser destacadas como principal ponto persuasivo a mulher retratada. É ela a principal representação em seu cartaz. Ela é o foco das atenções e a principal fonte de inspiração de Toulouse-Lautrec. Jane Avril contribuiu para que Toulouse-Lautrec obtivesse fama em seu tempo. E, também, foi Toulouse-Lautrec quem as imortalizou em suas obras. Um outro aspecto também significativo foi a importância dos cartazes de ToulouseLautrec para o Moulin Rouge. A obra deste artista certamente contribuiu para que o Moulin Rouge se destacasse das demais casas de espetáculo de Montmatre. Evidenciou-se que Toulouse-Lautrec foi mais longe em sua arte. Soube agir como um grande publicitário, mostrando o produto certo para o público certo, homens de alta classe com dinheiro para gastar. Soube ser persuasivo em usar imagens e pouco texto. Enfim, Toulouse-Lautrec foi um gênio para sua época, agindo de forma diferente e inovadora de tudo o que existia. Com este artigo, tenciona-se demarcar que Toulouse-Lautrec usou elementos persuasivos em seus cartazes, tornando-os publicitários, influenciando quem estava em sua volta, como Jane Avril e o próprio Moulin Rouge, transgredindo e transcendendo ao seu tempo. 15 REFERÊNCIAS BOSI, Alfredo. Reflexões sobre arte. 6.ed. São Paulo: Ática, 1999. DEBOARD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. 4.ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. FARINA, Modesto. Psicodinâmica das cores em comunicação. 4.ed. São Paulo: Edgar Blücher Ltda., 1994. FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. FREY, Julia. Toulouse-Lautrec: uma vida. 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