TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES

Transcrição

TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES
A Prática Clínica em Psicossomática
Abram Eksterman
Centro de Medicina Psicossomática e de Psicologia Médica
Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia, RJ
12/nov/2010
O Clínico
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Fundamentos Psicodinâmicos da
Prática em Psicologia Médica
 Campo transferencial na relação médico/ paciente
 Dinâmica da equipe de saúde
 Intervenção psicoterápica do médico- prático
 Dinâmica da iatropatogenia na relação médico/ paciente
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
1899
Influência das emoções
nos processos
fisiológicos
Ivan Petrovich Pavlov
Иван Петрович Павлов
1849 - 1936
1885
Conversão
Sigmund Freud
1856 - 1939
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Transferência
Contratransferência
Sigmund
1856 - 1939
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Freud
1912
Locus minoris resistentiae
Alfred
Adler
1870 - 1937
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Hic ET Nunc
Melanie
Klein
1882 - 1960
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Holding
Donald Woods Winnicott
1896 - 1971
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Conduta de
Apego
John
Bowlby
1907 - 1990
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Willie
Baranger
Campo transferencial
Isaac León Luchina
Interconsulta
“O prognóstico e o curso de uma
enfermidade pode estar
determinando pela organização
da relação médico-paciente.”
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Modelo Biopsicossocial
Crescer, sobreviver, adaptar

Genéticos

Ambientais
George Liebman
Engel
1913 - 1999
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
A Medicina da Pessoa
Relação transpessoal
“A doença, portanto, não é algo que vem de fora e se
superpõe ao homem, é sim um modo peculiar de a
pessoa se expressar em circunstâncias adversas.
É, pois, como suas várias outras manifestações um
modo de existir, ou melhor, de coexistir, já que,
propriamente, o homem não existe, coexiste.
E como o ser humano não é um sistema fechado, todo
o seu ser se comunica com o ambiente, com o mundo,
e mesmo quando aparentemente não existe
comunicação, isto já é uma forma de
comunicação, com o silêncio, às vezes, é mais
eloqüente do que a palavra.”
Danilo Perestrello 1916-1989
A Psicodinâmica
 Da necessidade biológica ao objeto
 Estudo das tensões que produzem significado
 Consciência
 Conceito: estudo das transformações neurobiológicas
da informação para a representação
destinadas a otimizar o vínculo humano e sua
adaptação à realidade.
Abram Eksterman
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A Psicodinâmica
NECESSIDADE
BIOLÓGICA
( representação da necessidade
biológica )
FANTASIA
Impulso
AFETO
Distúrbio corporal
(manifestações psicossomáticas)
Impulso
Processo Primário de Pensar
inconsciente
--------------------------------------------------------------------------------------Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
---------------------------------------------------------------------------------------Pré-consciente
EMOÇÃO
distúrbio simbólico
corporal
psíquico
Impulso
Processo secundário de Pensar
SENTIMENTO
distúrbio social (psicopatia)
Impulso
OBJETO
SATISFAÇÃO
(necessidade biológica)
PRAZER
(cultural)
REALIZAÇÃO
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
C
O
N
S
C
I
Ê
N
C
I
A
Intervenções Estratégicas da
Psicodinâmica
 Nas emergências irracionais em:
 Conflitos assistenciais
 Relação terapêutica perturbada
Técnicas assistenciais:
 Psicoterapia dinâmica focal
Individual
Grupal
 Grupo Balint
 Interconsulta médico-psicológica
Abram Eksterman
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Relação perturbada
 Quando há corrupção do objetivo terapêutico
 Ignorância
 Contaminação irracional
Transferência
Fantasias
 Indução iatropatogênica
A intervenção psicodinâmica reorganiza o espaço
terapêutico na medida em que recupera a configuração
adequada desse espaço
Abram Eksterman
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Tensões Psicológicas na
Assistência
 Angústia no contexto assistencial
 Tensões regressivas
Dissociação do eu
 Tensões de aniquilamento
Morte
 Tensões diante do sofrimento e da desamparo
 Tensões diante das limitações assistenciais
 O Homem e sua alienação
anonimato assistencial
protocolos
tecnologias
Abram Eksterman
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Fundamentos Psicodinâmicos em
Psicologia Médica ( cf. FREUD)
Inconsciente
1ª Tópica
Préconsciente
Consciente
( Força)
Dinâmica
Id
2ª Tópica
Superego
Ego
( Sentido )
Identidade
Abram Eksterman
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Diagnóstico Fenomenológico e
Psicodinâmico
 Fenomenológico
dados clínicos
quadro clínico
diagnóstico
 Psicodinâmico
fala
diálogo
Abram Eksterman
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história
História da Pessoa
 da anamnese pessoal à “história da pessoa”
 1974: documento aprovado na UFRJ
 usos
 desusos
 incompreensões
Abram Eksterman
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O que é
 Aplicação:
Medicina Antropológica; Medicina
Psicossomática; Medicina Integral
 Histórico:
Remonta à Medicina Hipocrática
de Cós.
 Conceito:
Instrumento anamnéstico e diagnóstico
que permite o ato assistencial apoiado
na singularidade existencial de cada
doente
Abram Eksterman
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Para que serve
 Estabelecer e garantir vínculo terapêutico
 Discriminar distúrbios circunstanciais (funcionais de
patologia somática)
 Prevenir intercorrências iatropatogênicas inconscientemente
induzidas dentro da relação médico- paciente.
 Singularizar o caso clínico
 Reduzir o custo da ação médica
Abram
Eksterman
Abram
Eksterman
CMP-Santa
Casa
CMP-Santa
Casa
Elementos Técnicos
 Biografia apreendida - anamnese não dirigida
 Circunstâncias do adoecer
 Estudo da relação terapêutica
(relação médico- paciente)
Abram
Eksterman
Abram
Eksterman
CMP-Santa
Casa
CMP-Santa
Casa
História da Pessoa
 Anamnese do ser (#TER)
 Instrumento de apreensão da pessoa
AbramEkstercman
Eksterman
Abram
CMP-SantaCasa
Casa
CMP-Santa
Diferenças entre Psicanálise e
Psicologia Médica
PSICANÁLISE
PSICOLOGIA MÉDICA
OBJETO
INCONSCIENTE
PROCESSO TERAPÊUTICO
INTERVENÇÃO
CAMPO
TRANSFERENCIAL
CAMPO ASSISTENCIAL
MÉTODO DE
INTERVENÇÃO
HERMENÊUTICO
HERMENÊUTICO
INSTR. DE
INTERVENÇÃO
DIAGNÓSTICO
OBJETIVO
PALAVRA
RELAÇÃO
PSICODINÂMICO
PSICODINÂMICO E
FENOMENOLÓGICO
TRANSFORMAÇÃO
MENTAL
DES - IRRACIONALIZAÇÃO
DO CAMPO ASSISTENCIAL
Abram Eksterman
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Intervenções Diádicas
(estruturais)
 Díada:
Conjunto de duas pessoas em relação
(mãe/filho; marido/mulher; professor/aluno;
terapêuta paciente)
 Constituição: Espaço terapêutico produzido
predominantemente pela relação
de duas estruturas históricas.
 Técnicas
 Objetivos
 Intervenções
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Processo Psicoterápico
ESTABILIDADE
SIMBÓLICA
ELABORAÇÃO
ESPAÇO
TERAPÊUTICO
REGRESSÃO
REORGANIZAÇÃO
PSÍQUICA
T
Processo I
Abram Eksterman
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INSTABILIDADE
CRIATIVA
A Interpretação: questões paradigmáticas
 O consciente como mentira
 A realidade do inconsciente
 A transformação psíquica
 As defesas contra o saber
SABER = SANIDADE?
NÃO - SABER = LOUCURA?
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
A Interpretação
(interlocução transformadora terapêutica)
 Distingue-se de:
 Informação
 Sugestão
 Construção
 Expressão (acting-out)
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Interpretação em Psicologia
Médica
Intervenções psicológicas objetivando:
 Organização do espaço de segurança
 Comunicação clínica
 Interlocução
 Elaboração
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Equipe de Saúde: organização
Equipe
Multisetorial
( auditorial )
Multifuncional
( funcional )
Integrada
( psicossomática )
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Equipe de Saúde
MÉDICO
PSICÓLOGO
ENFERMEIRO
NUTRICIONISTA
ENF
PS
ASSISTENTE SOCIAL
CORPO
MED
NUTR
A. SOC
Abram Eksterman
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Equipe de Saúde: RELAÇÃO COM O
DOENTE
e doença
 Doente e família
/ doença/ família/ grupo social
Pessoa
Organização
Equipe de saúde
Desorganização:
patologias
Abram Eksterman
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Equipe de Saúde: integração
 Equipe integrada
defesas exitosas
Pessoa
especialização
( fragmentação )
coisificação
(objetivação)
dissociação
( repúdio )
 Equipe desintegrada
defesas não exitosas
Defesas
tensões grupais
regressão
iatrogenia
culpa/expiação
estresse – patologias físicas
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Relato de um caso clínico da Unidade de Psicologia Médica
associada ao Serviço de Cirurgia da 23ª enfermaria
Serviço do Professor Dr. José Geraldo Loures Pereira
Supervisor:
Dr. Decio Tenenbaum
Coordenação: Psicóloga Ana Cristina de Souxa Teixeira
Apresentação: Psicóloga Simonete Damaceno de Almeida
Rio de Janeiro
10.04.2003
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro
Centro de Medicina Psicossomática e Psicologia Médica
Identificação:
nome: Júlia
sexo: Feminino
cor: Branca
idade: 61 anos
nacionalidade: brasileira
estado civil: separada
nível social: bom
diagnóstico: hipertiroidismo
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
História da Pessoa
A) Biografia do doente:
Júlia é uma mulher de 61 anos, separada, tem uma filha, trabalha como
auxiliar de farmácia. Relatou ser filha de um pai que não conheceu, pois
quando sua mãe engravidou, ele a abandonou deixando-a com uma barriga de
3 meses de gravidez. Logo depois sua mãe se casou com um homem que lhe
apresentou como pai e por quem ela tinha um grande carinho.Dessa união
nasceram 13 filhos, dos quais 7 estão vivos. É a filha mais velha e ajudou a
mãe a criar os irmãos. Aos 9 anos soube que não era filha de seu pai quando
brincava na rua com outras crianças; um homem alto a abordou dizendo-se
seu verdadeiro pai. Ela não acreditou nele, mas foi questionar a mãe, porém,
mesmo assim não ficou muito claro para ela na época, e só quando estava um
pouco mais velha, é que a mãe lhe confirmou a história.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Júlia gostava muito do pai e era a filha preferida. Embora não fosse
comum ter pressentimentos, pressentiu que ele ia morrer. Falar da morte da mãe
causa-lhe muita tristeza. É ressentida com os irmãos por não terem ajudado a
mãe financeiramente. Júlia queria ser mãe de menino, pois sempre gostou de
menino. Antes da gravidez perdeu uma gestação de gêmeos. Tem um neto de 3
anos o qual chama de “meu bebê” e uma neta de 9 anos. O ex-marido é músico e
freqüenta sua casa assiduamente. Antes de se casar avisou- o de que só queria ter
um filho apesar dele querer ter vários por ser de uma família com muitos irmãos,
contudo, ele teve mais 2 filhos com a atual mulher. Júlia se incomodava quando
era questionada sobre a presença constante do ex marido na sua casa uma vez
que não eram mais casados, porém não se importava,disse que ele é e sempre foi
muito bom para ela, a trata muito bem e sempre que precisa de dinheiro ele
ajuda. Ajuda também a filha que é separada do marido e tem dois filhos que não
sustenta.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
B) Circunstâncias do adoecimento:
Embora soubesse que havia um problema no pescoço desde os quinze
anos, não providenciou atendimento médico porque não a incomodava. Há cerca
de um ano porém, surgiram dois caroços, um de cada lado, e então procurou
ajuda. Se preocupou enquanto aguardava o resultado do exame de biópsia pois
temia ser um câncer, contudo o diagnóstico foi benigno.
C) Aspectos significativos da relação terapêutica:
Paciente demonstrou interesse para conversar em todos os atendimentos.
Apresentava um curso de pensamento um pouco acelerado demonstrando
excitação ao falar. Era cordata ao se dirigir à equipe de enfermagem e às colegas
de leito.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Primeiro atendimento: 16-07-02 - terça-feira
Paciente estava deitada de lado com apenas o rosto descoberto. Eu sabia que ela
estava acordada, pois pouco antes circulava pela enfermaria. Embora ela estivesse
com os olhos fechados, me aproximei, chamei-a pelo nome, e ela se assustou
dizendo que estava acordada, porém viajando.
P- Sou Simonete, psicóloga da enfermaria. Por onde viajava?
J- Eu estava em minha casa com o bebê.
P- A viagem estava boa? Você estava sorrindo.
J- Estava. Eu brincava com o meu bebê, eu adoro ele.
P- Com o seu bebê?
J- É, ele é meu neto de 3 anos. Ele é especial para mim porque eu sempre quis ter
um filho, mas tive uma filha. Eu adoro minha filha Valéria, claro, e minha neta
Bruna de 9 anos também, mas eu gosto é de menino.
P- Do jeito que você falou eu pensei que era mesmo um bebê.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
J- Eu sei que não é bebê, mas é assim que eu falo dele. Meus netos são tudo para
mim, a minha filha também… Eles são a minha família.
P- Parece que você queria ter mais filhos.
J- De jeito nenhum. Eu sempre quis ter um só e meu marido sabia desde que a gente
se juntou. Eu tinha 22 anos e eu já tenho quase 62, olha quanto tempo! Mas eu perdi
uma barriga nesse tempo, eram gêmeos, ainda estava no comecinho da gravidez.
Fiquei mal, chorei muito. Se os gêmeos vingassem, eu não teria a minha filha,
porque eu queria ser mãe de um filho só, eu sempre disse isso para o meu marido.
Ele queria mais filhos porque a família dele é grande. Mas ele teve os filhos que
queria.
P- Como assim?
J- É tão enrolado!
Júlia diz isso e ri.
P- Então me fala desse rolo.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
J- Eu sou separada mas não sou. Júlia ri novamente e prossegue...
J- Ele é músico. Eu sempre soube das suas escapadas e sempre relevei; as
pessoas falavam comigo que ele estava com outra mulher e eu não via. Mas
como ele é uma boa pessoa, sempre foi correto com os compromissos da casa, eu
fui levando. Até hoje ele me dá pensão, nem eu mesmo entendo. Eu acho que eu
não queria é enxergar. P- Enxergar é tomar alguma atitude?
J- Com certeza. Por isso que quando ele falou que já tinha um filho, eu não
segurei, chorei muito... Depois toquei minha vida para frente. As pessoas ficaram
horrorizadas comigo porque eu aceitei essa relação. Mas ele me tratava e me
trata como esposa. Ele me trouxe aqui para operar, você viu? Tem uma cara de
sonso... Se você visse ele ia logo perceber. Mas ele é bom para mim, se preocupa
comigo e com os netos. E eu não devo satisfação da minha vida a ninguém, não
falo da minha intimidade com as pessoas.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
P- De que relação você está falando?
J- Ele tem outra família. Depois que eu soube do segundo filho que ele tinha com a
mesma mulher, aí não deu para segurar, eu mandei ele embora de casa. Só que ele
não me deixou de vez, ele fica um pouco comigo também. Mas eu não ligo. Ele me
dá isso (faz sinal de dinheiro com os dedos).
P- Isso é dinheiro? (Repito seu gesto)
J- É. Ele sempre dá o que eu preciso. A gente só não transa mais. Depois da
separação ainda teve transa e era bom, mas somos mesmo grandes e fortes amigos.
Júlia abaixa a cabeça e silencia. A seguir prossegue:
J- A minha filha também passou por isso, só que ela reagiu diferente de mim. Eu
perdoei várias vezes o Zé (marido), e ele só foi embora depois que eu soube dos
filhos dele; mas minha filha quando descobriu que o marido dela tinha outra
pessoa, mandou ele sair de casa na mesma hora. Hoje o meu ex genro tem mais
dois filhos, igual meu marido.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Na época eu insisti tanto com ela para pensar mais um pouco antes de mandar ele
ir embora, mas ela dizia que não era igual a mim. Isso tudo aconteceu quando ela
engravidou do segundo filho. Ela ficou muito insegura e quis tirar a criança, que
hoje é o Diego, mas eu e o pai dela aconselhamos a não fazer isso que a gente ia
ajudar ela.
P- Vocês não são a mesma pessoa. Por que ela tinha que reagir como você?
Júlia ainda de cabeça baixa, disse:
J- Eu não pensei nisso que você falou... Eu só achei que ela devia relevar como eu
fiz. Olha que eu insisti tanto com ela para fazer o mesmo que eu... Como é bom
conversar, tá vendo? E o meu genro era um cafajeste... Há um ano não dá a pensão
dos filhos. Mas também minha filha é uma lerda. O pai dela é que dá as coisas para
as crianças e aí eu acho que é por isso que ela se acomodou. Eu já nem falo mais
nada sabe, eu acho que muito problema deixa a gente doente, e agora eu só quero é
operar logo.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
P- Você tem pressa para se operar?
J- Ah, eu estou com pressa mesmo, isso já me acompanha desde os 15 anos
(mostra um volume no pescoço). Nunca me incomodou, por isso que não fui ao
médico. Só que há 1 ano e eu vi 2 caroços no meu pescoço, um de cada lado, aí
eume assustei e procurei um médico. Consultei com a Dra. M, aqui na Santa
Casa, conhece? Ela me pediu uma biópsia. Eu fiquei muito preocupada com
medo de ser câncer, enquanto não saiu o resultado eu não fiquei sossegada.
Quando saiu o resultado, a Dra. M. me tranqüilizou dizendo que não era o que eu
pensei, mas que eu tinha que fazer a cirurgia.
P- Você pensou que podia morrer de câncer?
J- Pensei sim, mas graças a Deus não é,e eu quero operar logo para voltar para
minha casa, para meus netos. Eu sou muito feliz meu Deus, gosto demais deles.
Júlia diz isso com uma expressão de alegria e prossegue...
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
J- Eles moram no quintal que eu, sabe. Eu moro em cima e eles em baixo, é uma
casa de dois andares, mas independentes. Eles não saem lá de casa, por isso é que
estão acostumados comigo e eu com eles. Minha filha trabalha com o padrinho
dela e às vezes viaja a serviço. E eu também trabalho, só que apenas dois dias na
semana, aí minha irmã é que fica com eles, graças a Deus ela adora eles também.
Eu botei os dois no meu convênio médico, porque minha filha é separada do
marido e ele não dá assistência aos filhos, aí eu fico preocupada deles precisarem
de repente.
Júlia sorriu. Me despedi dizendo que a veria novamente na 5ª feira para
continuarmos o atendimento. Ela disse que queria me ver sim.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Segundo atendimento: 18-07-02 - quinta-feira
Quando entrei na enfermaria, Júlia estava sentada na cama com os pés
pendurados envolta no edredom. Me aproximei e a cumprimentei.
P- Bom dia, Júlia.
J- Bom dia , tá frio não tá?
P- Hoje está frio mesmo. Como está?
J- Estou ansiosa porque sou a próxima a operar e quero operar hoje mesmo.
Essa expectativa da espera é muito ruim. Já liguei para minha família e está tudo
bem. Perguntei pelo meu bebê, quer dizer o Diego. Lembrei até de você na hora.
P- Por que de mim?
J- Porque eu falei para você que ele tinha 3 anos e eu ainda falo dele como se
fosse um bebê. (Júlia sorri para mim) Minha irmã está lá em casa com eles e tá
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
tudo bem. Ela queria chamar o Diego, para falar comigo também, mas eu não
quis que chamasse.
P- Por que não?
J- Porque é pior. Eu vou me emocionar e ficar com mais saudade.
P- Parece que seu neto é o menino que você queria e não teve.
J- É verdade, eu falo isso mesmo para as pessoas, e engraçado é que minha filha
gosta é de menina. Ela diz isso da mesma forma que falo que gosto de menino. Eu
sinto que ela é mais chegada na Bruna. Eu acho que toda mãe que tem mais de um
filho tem preferência por um. Esse negócio de dizer que gosta de todos igual, eu
não acredito.
P- Por que você diz isso?
J- Pelo menos foi assim com meu pai. Ele dizia que eu era o xodó dele. E eu era
mesmo, ele gostava mais de mim.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
P- Como assim?
J- Ele mesmo falou para mim. Nós somos 7 filhos. Minha mãe teve 13, mas só
vingaram 7 e eu sou a mais velha. Eu acho que é por isso que eu só quis ter um
filho, porque eu já cuidei muito de criança pequena. Eu ajudei muito minha mãe
olhar eles por ser a filha mais velha. Silêncio. J- Isso me faz lembrar meu pai...
Júlia chora.
J- Ele ficou doente e eu não morava perto dele. Meus pais moravam em Niterói
nessa época e eu não podia ir sempre lá. Eu já tinha a Valéria quando ele
morreu. Eu adorava meu pai...Eu não sou filha dele.
P- Eu não entendi.
J- Ele é meu pai adotivo. Quando a minha mãe foi morar com ele, eu estava na
barriga dela. Ela se apaixonou pelo meu pai verdadeiro que prometeu casar com
ela, mas ele foi embora deixando minha mãe com 3 meses de gravidez.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Quando eu soube que meu pai era adotivo, eu não acreditei, sabe por que? Eu
tinha 9 anos e estava brincando com umas colegas na rua quando chegou um
homem alto e falou para mim assim: “Você sabe que eu sou seu pai?” Eu disse:
“Claro que não, meu pai tá lá em casa”. Ele falou: “Sou sim, eu é que sou seu
pai”. E eu falei novamente para ele que eu já tinha pai e que ele estava lá em casa.
Aí eu sai correndo para casa e contei para o meu pai o que tinha acontecido. Ele
saiu furioso para tirar satisfação com ele. Eles moravam perto pelo que eu entendi.
Eu não sei dessa história direito, acho meio enrolado. Eu nem lembro o que minha
mãe falou quando eu contei para ela o que tinha acontecido, eu acho que ficou por
isso mesmo. Quando eu estava mais velha, foi que ela confirmou essa história de
que eu não era filha do meu pai. (Júlia chora novamente) Meu pai... Engraçado, eu
não era assim com minha mãe.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
P- Assim como?
J- Olha só que interessante. Quando o meu pai adoecia, eu sentia, quer dizer,
eu de repente queria ver ele. Com a minha mãe, eu não tinha isso. Só quando
ela morreu que eu tive; mas depois eu te conto. Quando eu pressentia alguma
coisa com meu pai, eu queria porque queria ver ele e eu sempre dava um jeito
de ir na casa dele, e numa dessas eu encontrei ele mal. Nessa época a minha
situação financeira e a do Zé era difícil e eu fiz algumas unhas para ganhar um
dinheiro a mais e ir até ele. Quando cheguei na casa dele, minha mãe me
recebeu dizendo que eu tinha adivinhado, pois ele não estava nada bem.
Encontrei ele deitado na esteira forrada de bananeira; ele estava todo
manchado de bolas vermelhas. Disseram que era “bexiga branca”, a varíola.
Foi difícil, mas ele saiu dessa. Quando eu falo dele eu choro porque ele sofreu
tanto para dar conta de sustentar os filhos. Era um homem dos sete
instrumentos.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
P- o que é um homem dos sete instrumentos?
J- É o homem que faz de tudo um pouco e ele fazia muita coisa para sustentar a
família. Ele morreu do pulmão quando trabalhava no frigorífico transportando
carne, pois era muito frio o lugar que ele trabalhava.
Júlia silencia.
P- E sua mãe, você disse que ia me contar quando ela morreu...
J- Eu não sei exatamente do que minha mãe morreu, eu só sei que ela era
diabética. Ela morreu uns 6 anos depois do meu pai. Ela morava numa casa
pobre, mas nós gostávamos de ir lá, era gostoso ficar lá. No Natal e no Ano
Novo a gente se reunia na casa dela. Na última festa de fim de ano antes dela
morrer, ela morreu dia 16 de janeiro, nós fizemos uma festa boa, levamos cada
um uma comida, era só alegria e farra. Na madrugada que ela morreu, já estava
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
quase amanhecendo o dia, meu irmão Nivaldo, aliás o que eu gosto mais,
chegou para dar a notícia de que minha mãe tinha morrido. Eu não acreditei, eu
só lembro que disse: “como se no Ano Novo ela estava boa?” Nessa noite eu
acho que tive um pressentimento como tinha sempre com o meu pai, porque eu
sonhei que estava sendo jogada num buraco e uns bichos que pareciam
lagartos,ajudavam a me enterrar. Muito esquisito esse sonho. Horrível.E eu
acordei dizendo que precisava ver minha mãe. (Júlia tem lágrimas nos olhos)
Eu fiquei foi revoltada com meus irmãos, são uns vagabundos. Só o Nivaldo
que não. Eu me dou muito bem com ele.
P- Por que a revolta com os irmãos?
J- Meus irmãos são malandros, nunca ajudavam minha mãe com dinheiro. Ela
já estava velha, cansada de tanto dar duro e ainda trabalhava mesmo assim. Um
deles hoje tem 42 anos, o caçula, em vez de dar dinheiro, tirava o que ela tinha.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
(Júlia está séria e de cabeça baixa)
J- Nessa época eu ainda não podia ajudar muito financeiramente, mas
sempre que ia lá, eu levava alguma coisa. Eu me sinto culpada às vezes, por
não ter feito mais por ela.Depois que ela se foi, é que eu e o Zé melhoramos
um pouco, mas aí não dava para fazer mais.
P- E o que mais você faria?
J- Ela não ia dar duro daquele jeito naquela idade, Deus me livre. Júlia
ainda de cabeça baixa levanta o rosto e diz com expressão de alegria:
J- Mas você precisa ver a Nanci ela é minha irmã caçula e é igual a minha
mãe, igualzinha. Eu adoro olhar para ela.
P- Olhar para ela é olhar para sua mãe?
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
J- É isso mesmo! Os gestos, a voz, o cabelo. Ela é linda! Ela fala como minha
mãe falava, é calma, não se irrita fácil. As pessoas podem brigar com ela, gritar
com ela, que ela sabe levar numa boa. Minha mãe era assim. Eu vou fazer por ela
tudo que não pude fazer pela minha mãe caso ela precise.
Ela faz um breve silêncio, e a seguir prossegue:
J- Quando eu era mais jovem, até mesmo depois de já ter minha filha, eu não
pensava que meus pais iam morrer. Que doidera né?
P- E agora, você está pensando que pode morrer?
J- Estou, mas eu posso morrer. Minha filha é que fica danada comigo quando eu
falo isso.
P- Será que você pensou que ia viver para sempre como um dia achou que seus
pais também viveriam?
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
J- Eu acho que é isso....
P- E na hora de fazermos uma cirurgia, é mesmo difícil não pensar que também
podemos morrer...
J- É verdade.
Ao me despedir, ela falou da insatisfação em passar o fim de semana
na enfermaria caso não fosse operada. Eu disse que apenas o Dr. J.G. resolve
essa situação e que ele mesmo fala com as pacientes após a decisão tomada.
Disse que voltaria a falar com ela na segunda-feira caso a cirurgia não fosse
realizada.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Terceiro atendimento: 22-07-02 - segunda-feira
Ao entrar na enfermaria, Júlia estava deitada e coberta em seu leito. Antes de me
aproximar da paciente fui até o Dr. J.G. perguntar-lhe se a paciente foi passar o
fim de semana em casa. Ele disse que sim e que ela já retornara atendendo sua
recomendação de chegar pontualmente às 8 h.
P- Bom dia Júlia, como está?
J- Bom dia. Ah, vou te contar, eu fui em casa, o professor te falou?
P- Falou sim.
J- Na sexta feira ele me disse: “não mate, não morra e não roube, por favor,
você está sob a minha responsabilidade.” Ela ri e prossegue:
J- Mas eu não gostei der ido, preferia ter ficado aqui, foi só aborrecimento. A
colega que operou ficou sozinha aqui (aponta para o leito ao lado), e se eu
ficasse teria feito companhia a ela.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
P- O que houve que a aborreceu?
J- Cheguei lá e minha parede estava toda rabiscada. Fiquei muito danada com o
Zé. Foi o Diego que rabiscou, claro o Zé tinha que olhar o menino. Quando o
Diego vai lá em casa, eu olho ele, porque tem que tomar conta o tempo todo.
Falei com o Zé e ele ficou me olhando como quem diz: “pois é, tem que olhar”.
Só que não olhou. E o pior é que o Diego me ouviu falando com o Zé e ainda
disse: “Foi sem querer querendo vó”. Acabei brigando com o Zé.
P- Você viu que as coisas não são como você gostaria que fosse...
J- É mesmo. E eu gosto das minhas coisas tão no lugar..Acabei brigando com a
minha irmã também, a Nanci, quer dizer, eu dicuti com ela. Eu gosto muito
dela,mas também brigo. Eu disse para ela ir para casa dela no final de semana,
afinal eu cheguei na sexta feira à tarde e só ia voltar para cá na segunda feira
cedo. Ah, tenho uma novidade para te contar, minha filha denunciou o ex marido
dela, até que enfim!
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
P- Como assim?
J- Pediu a pensão das crianças na justiça. Eu não falei para você que tem um ano
que ele não dá nada! Eu gosto dele, ele me respeita até mais do que minha filha,
mas é o que eu sempre dizia para ela: “você não tem pena do seu pai?”Eu não
acho justo o avô dar tudo para as crianças. Ele é bom e sempre deu o que as
crianças precisavam e dá até hoje, só que as crianças têm pai, ora. P- E por que
sua filha esperou tanto?
J- Eu acho ela muito sem iniciativa, lerda. Quer ver uma coisa? Da última
cesariana que ela fez, restou um vazamento no corte dela e eu fico falando para
ela ir ao médico ver isso. Tem três anos já! Ela não arruma namorado por conta
disso, mas também não toma providência nenhuma.
P- Isso me lembra você dizendo que não foi ao médico quando viu o primeiro
caroço no pescoço...
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
J- É, foi isso mesmo. Mas eu não tinha as facilidades de hoje em dia, as coisas
eram mais difíceis. Mas também reconheço que sempre fiz tudo para ela, todo
mundo fala isso para mim.
Nesse momento o Dr. J.G. me interrompeu delicadamente, pedindo que
eu esperasse alguns minutos para que ele e seus alunos examinassem Júlia. É raro
acontecer esse tipo de interrupção, pois procuro atender as pacientes após os
médicos e internos terminarem seus procedimentos e se dirigirem para o centro
cirúrgico.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Quarto atendimento: 23-07 -02 - terça- feira
Ao chegar na enfermaria Júlia estava na maca sendo levada para o centro
cirúrgico.
Quinto atendimento: 25-07-02 - quinta-feira
Quando entrei na enfermaria, vi o Dr. J.G. trocando o curativo de Júlia. Logo
depois ela se aproximou de mim e me cumprimentou, dizendo que se sentia bem e
que já havia andado bastante pela manhã como o médico pedira. Ela disse com
entusiasmo que a irmã estava a caminho da Santa Casa para buscá-la. Júlia falava
baixo e com dificuldade. Disse-me que sentia um incômodo na garganta ao
engolir, porém, já havia falado com o médico e ele dissera que é normal esse mal
estar no pós operatório. Ao nos despedirmos, ela disse estar com muita vontade de
voltar para casa. Não tivemos mais contato.
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
“Sem amor,
não tendes nada”
São Paulo
1620
Valentin de Boulogne 1591 - 1632
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Sem relação humana
não há terapêutica
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa
Obrigado
[email protected]
www.medicinapsicossomatica.com.br
Abram Eksterman
CMP-Santa Casa

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