TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES
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TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES
A Prática Clínica em Psicossomática Abram Eksterman Centro de Medicina Psicossomática e de Psicologia Médica Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia, RJ 12/nov/2010 O Clínico Abram Eksterman CMP-Santa Casa Fundamentos Psicodinâmicos da Prática em Psicologia Médica Campo transferencial na relação médico/ paciente Dinâmica da equipe de saúde Intervenção psicoterápica do médico- prático Dinâmica da iatropatogenia na relação médico/ paciente Abram Eksterman CMP-Santa Casa 1899 Influência das emoções nos processos fisiológicos Ivan Petrovich Pavlov Иван Петрович Павлов 1849 - 1936 1885 Conversão Sigmund Freud 1856 - 1939 Abram Eksterman CMP-Santa Casa Transferência Contratransferência Sigmund 1856 - 1939 Abram Eksterman CMP-Santa Casa Freud 1912 Locus minoris resistentiae Alfred Adler 1870 - 1937 Abram Eksterman CMP-Santa Casa Hic ET Nunc Melanie Klein 1882 - 1960 Abram Eksterman CMP-Santa Casa Holding Donald Woods Winnicott 1896 - 1971 Abram Eksterman CMP-Santa Casa Conduta de Apego John Bowlby 1907 - 1990 Abram Eksterman CMP-Santa Casa Willie Baranger Campo transferencial Isaac León Luchina Interconsulta “O prognóstico e o curso de uma enfermidade pode estar determinando pela organização da relação médico-paciente.” Abram Eksterman CMP-Santa Casa Modelo Biopsicossocial Crescer, sobreviver, adaptar Genéticos Ambientais George Liebman Engel 1913 - 1999 Abram Eksterman CMP-Santa Casa A Medicina da Pessoa Relação transpessoal “A doença, portanto, não é algo que vem de fora e se superpõe ao homem, é sim um modo peculiar de a pessoa se expressar em circunstâncias adversas. É, pois, como suas várias outras manifestações um modo de existir, ou melhor, de coexistir, já que, propriamente, o homem não existe, coexiste. E como o ser humano não é um sistema fechado, todo o seu ser se comunica com o ambiente, com o mundo, e mesmo quando aparentemente não existe comunicação, isto já é uma forma de comunicação, com o silêncio, às vezes, é mais eloqüente do que a palavra.” Danilo Perestrello 1916-1989 A Psicodinâmica Da necessidade biológica ao objeto Estudo das tensões que produzem significado Consciência Conceito: estudo das transformações neurobiológicas da informação para a representação destinadas a otimizar o vínculo humano e sua adaptação à realidade. Abram Eksterman CMP-Santa Casa A Psicodinâmica NECESSIDADE BIOLÓGICA ( representação da necessidade biológica ) FANTASIA Impulso AFETO Distúrbio corporal (manifestações psicossomáticas) Impulso Processo Primário de Pensar inconsciente --------------------------------------------------------------------------------------Abram Eksterman CMP-Santa Casa ---------------------------------------------------------------------------------------Pré-consciente EMOÇÃO distúrbio simbólico corporal psíquico Impulso Processo secundário de Pensar SENTIMENTO distúrbio social (psicopatia) Impulso OBJETO SATISFAÇÃO (necessidade biológica) PRAZER (cultural) REALIZAÇÃO Abram Eksterman CMP-Santa Casa C O N S C I Ê N C I A Intervenções Estratégicas da Psicodinâmica Nas emergências irracionais em: Conflitos assistenciais Relação terapêutica perturbada Técnicas assistenciais: Psicoterapia dinâmica focal Individual Grupal Grupo Balint Interconsulta médico-psicológica Abram Eksterman CMP-Santa Casa Relação perturbada Quando há corrupção do objetivo terapêutico Ignorância Contaminação irracional Transferência Fantasias Indução iatropatogênica A intervenção psicodinâmica reorganiza o espaço terapêutico na medida em que recupera a configuração adequada desse espaço Abram Eksterman CMP-Santa Casa Tensões Psicológicas na Assistência Angústia no contexto assistencial Tensões regressivas Dissociação do eu Tensões de aniquilamento Morte Tensões diante do sofrimento e da desamparo Tensões diante das limitações assistenciais O Homem e sua alienação anonimato assistencial protocolos tecnologias Abram Eksterman CMP-Santa Casa Fundamentos Psicodinâmicos em Psicologia Médica ( cf. FREUD) Inconsciente 1ª Tópica Préconsciente Consciente ( Força) Dinâmica Id 2ª Tópica Superego Ego ( Sentido ) Identidade Abram Eksterman CMP-Santa Casa Diagnóstico Fenomenológico e Psicodinâmico Fenomenológico dados clínicos quadro clínico diagnóstico Psicodinâmico fala diálogo Abram Eksterman CMP-Santa Casa história História da Pessoa da anamnese pessoal à “história da pessoa” 1974: documento aprovado na UFRJ usos desusos incompreensões Abram Eksterman CMP-Santa Casa O que é Aplicação: Medicina Antropológica; Medicina Psicossomática; Medicina Integral Histórico: Remonta à Medicina Hipocrática de Cós. Conceito: Instrumento anamnéstico e diagnóstico que permite o ato assistencial apoiado na singularidade existencial de cada doente Abram Eksterman CMP-Santa Casa Para que serve Estabelecer e garantir vínculo terapêutico Discriminar distúrbios circunstanciais (funcionais de patologia somática) Prevenir intercorrências iatropatogênicas inconscientemente induzidas dentro da relação médico- paciente. Singularizar o caso clínico Reduzir o custo da ação médica Abram Eksterman Abram Eksterman CMP-Santa Casa CMP-Santa Casa Elementos Técnicos Biografia apreendida - anamnese não dirigida Circunstâncias do adoecer Estudo da relação terapêutica (relação médico- paciente) Abram Eksterman Abram Eksterman CMP-Santa Casa CMP-Santa Casa História da Pessoa Anamnese do ser (#TER) Instrumento de apreensão da pessoa AbramEkstercman Eksterman Abram CMP-SantaCasa Casa CMP-Santa Diferenças entre Psicanálise e Psicologia Médica PSICANÁLISE PSICOLOGIA MÉDICA OBJETO INCONSCIENTE PROCESSO TERAPÊUTICO INTERVENÇÃO CAMPO TRANSFERENCIAL CAMPO ASSISTENCIAL MÉTODO DE INTERVENÇÃO HERMENÊUTICO HERMENÊUTICO INSTR. DE INTERVENÇÃO DIAGNÓSTICO OBJETIVO PALAVRA RELAÇÃO PSICODINÂMICO PSICODINÂMICO E FENOMENOLÓGICO TRANSFORMAÇÃO MENTAL DES - IRRACIONALIZAÇÃO DO CAMPO ASSISTENCIAL Abram Eksterman CMP-Santa Casa Intervenções Diádicas (estruturais) Díada: Conjunto de duas pessoas em relação (mãe/filho; marido/mulher; professor/aluno; terapêuta paciente) Constituição: Espaço terapêutico produzido predominantemente pela relação de duas estruturas históricas. Técnicas Objetivos Intervenções Abram Eksterman CMP-Santa Casa Processo Psicoterápico ESTABILIDADE SIMBÓLICA ELABORAÇÃO ESPAÇO TERAPÊUTICO REGRESSÃO REORGANIZAÇÃO PSÍQUICA T Processo I Abram Eksterman CMP-Santa Casa INSTABILIDADE CRIATIVA A Interpretação: questões paradigmáticas O consciente como mentira A realidade do inconsciente A transformação psíquica As defesas contra o saber SABER = SANIDADE? NÃO - SABER = LOUCURA? Abram Eksterman CMP-Santa Casa A Interpretação (interlocução transformadora terapêutica) Distingue-se de: Informação Sugestão Construção Expressão (acting-out) Abram Eksterman CMP-Santa Casa Interpretação em Psicologia Médica Intervenções psicológicas objetivando: Organização do espaço de segurança Comunicação clínica Interlocução Elaboração Abram Eksterman CMP-Santa Casa Equipe de Saúde: organização Equipe Multisetorial ( auditorial ) Multifuncional ( funcional ) Integrada ( psicossomática ) Abram Eksterman CMP-Santa Casa Equipe de Saúde MÉDICO PSICÓLOGO ENFERMEIRO NUTRICIONISTA ENF PS ASSISTENTE SOCIAL CORPO MED NUTR A. SOC Abram Eksterman CMP-Santa Casa Equipe de Saúde: RELAÇÃO COM O DOENTE e doença Doente e família / doença/ família/ grupo social Pessoa Organização Equipe de saúde Desorganização: patologias Abram Eksterman CMP-Santa Casa Equipe de Saúde: integração Equipe integrada defesas exitosas Pessoa especialização ( fragmentação ) coisificação (objetivação) dissociação ( repúdio ) Equipe desintegrada defesas não exitosas Defesas tensões grupais regressão iatrogenia culpa/expiação estresse – patologias físicas Abram Eksterman CMP-Santa Casa Relato de um caso clínico da Unidade de Psicologia Médica associada ao Serviço de Cirurgia da 23ª enfermaria Serviço do Professor Dr. José Geraldo Loures Pereira Supervisor: Dr. Decio Tenenbaum Coordenação: Psicóloga Ana Cristina de Souxa Teixeira Apresentação: Psicóloga Simonete Damaceno de Almeida Rio de Janeiro 10.04.2003 Abram Eksterman CMP-Santa Casa Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro Centro de Medicina Psicossomática e Psicologia Médica Identificação: nome: Júlia sexo: Feminino cor: Branca idade: 61 anos nacionalidade: brasileira estado civil: separada nível social: bom diagnóstico: hipertiroidismo Abram Eksterman CMP-Santa Casa História da Pessoa A) Biografia do doente: Júlia é uma mulher de 61 anos, separada, tem uma filha, trabalha como auxiliar de farmácia. Relatou ser filha de um pai que não conheceu, pois quando sua mãe engravidou, ele a abandonou deixando-a com uma barriga de 3 meses de gravidez. Logo depois sua mãe se casou com um homem que lhe apresentou como pai e por quem ela tinha um grande carinho.Dessa união nasceram 13 filhos, dos quais 7 estão vivos. É a filha mais velha e ajudou a mãe a criar os irmãos. Aos 9 anos soube que não era filha de seu pai quando brincava na rua com outras crianças; um homem alto a abordou dizendo-se seu verdadeiro pai. Ela não acreditou nele, mas foi questionar a mãe, porém, mesmo assim não ficou muito claro para ela na época, e só quando estava um pouco mais velha, é que a mãe lhe confirmou a história. Abram Eksterman CMP-Santa Casa Júlia gostava muito do pai e era a filha preferida. Embora não fosse comum ter pressentimentos, pressentiu que ele ia morrer. Falar da morte da mãe causa-lhe muita tristeza. É ressentida com os irmãos por não terem ajudado a mãe financeiramente. Júlia queria ser mãe de menino, pois sempre gostou de menino. Antes da gravidez perdeu uma gestação de gêmeos. Tem um neto de 3 anos o qual chama de “meu bebê” e uma neta de 9 anos. O ex-marido é músico e freqüenta sua casa assiduamente. Antes de se casar avisou- o de que só queria ter um filho apesar dele querer ter vários por ser de uma família com muitos irmãos, contudo, ele teve mais 2 filhos com a atual mulher. Júlia se incomodava quando era questionada sobre a presença constante do ex marido na sua casa uma vez que não eram mais casados, porém não se importava,disse que ele é e sempre foi muito bom para ela, a trata muito bem e sempre que precisa de dinheiro ele ajuda. Ajuda também a filha que é separada do marido e tem dois filhos que não sustenta. Abram Eksterman CMP-Santa Casa B) Circunstâncias do adoecimento: Embora soubesse que havia um problema no pescoço desde os quinze anos, não providenciou atendimento médico porque não a incomodava. Há cerca de um ano porém, surgiram dois caroços, um de cada lado, e então procurou ajuda. Se preocupou enquanto aguardava o resultado do exame de biópsia pois temia ser um câncer, contudo o diagnóstico foi benigno. C) Aspectos significativos da relação terapêutica: Paciente demonstrou interesse para conversar em todos os atendimentos. Apresentava um curso de pensamento um pouco acelerado demonstrando excitação ao falar. Era cordata ao se dirigir à equipe de enfermagem e às colegas de leito. Abram Eksterman CMP-Santa Casa Primeiro atendimento: 16-07-02 - terça-feira Paciente estava deitada de lado com apenas o rosto descoberto. Eu sabia que ela estava acordada, pois pouco antes circulava pela enfermaria. Embora ela estivesse com os olhos fechados, me aproximei, chamei-a pelo nome, e ela se assustou dizendo que estava acordada, porém viajando. P- Sou Simonete, psicóloga da enfermaria. Por onde viajava? J- Eu estava em minha casa com o bebê. P- A viagem estava boa? Você estava sorrindo. J- Estava. Eu brincava com o meu bebê, eu adoro ele. P- Com o seu bebê? J- É, ele é meu neto de 3 anos. Ele é especial para mim porque eu sempre quis ter um filho, mas tive uma filha. Eu adoro minha filha Valéria, claro, e minha neta Bruna de 9 anos também, mas eu gosto é de menino. P- Do jeito que você falou eu pensei que era mesmo um bebê. Abram Eksterman CMP-Santa Casa J- Eu sei que não é bebê, mas é assim que eu falo dele. Meus netos são tudo para mim, a minha filha também… Eles são a minha família. P- Parece que você queria ter mais filhos. J- De jeito nenhum. Eu sempre quis ter um só e meu marido sabia desde que a gente se juntou. Eu tinha 22 anos e eu já tenho quase 62, olha quanto tempo! Mas eu perdi uma barriga nesse tempo, eram gêmeos, ainda estava no comecinho da gravidez. Fiquei mal, chorei muito. Se os gêmeos vingassem, eu não teria a minha filha, porque eu queria ser mãe de um filho só, eu sempre disse isso para o meu marido. Ele queria mais filhos porque a família dele é grande. Mas ele teve os filhos que queria. P- Como assim? J- É tão enrolado! Júlia diz isso e ri. P- Então me fala desse rolo. Abram Eksterman CMP-Santa Casa J- Eu sou separada mas não sou. Júlia ri novamente e prossegue... J- Ele é músico. Eu sempre soube das suas escapadas e sempre relevei; as pessoas falavam comigo que ele estava com outra mulher e eu não via. Mas como ele é uma boa pessoa, sempre foi correto com os compromissos da casa, eu fui levando. Até hoje ele me dá pensão, nem eu mesmo entendo. Eu acho que eu não queria é enxergar. P- Enxergar é tomar alguma atitude? J- Com certeza. Por isso que quando ele falou que já tinha um filho, eu não segurei, chorei muito... Depois toquei minha vida para frente. As pessoas ficaram horrorizadas comigo porque eu aceitei essa relação. Mas ele me tratava e me trata como esposa. Ele me trouxe aqui para operar, você viu? Tem uma cara de sonso... Se você visse ele ia logo perceber. Mas ele é bom para mim, se preocupa comigo e com os netos. E eu não devo satisfação da minha vida a ninguém, não falo da minha intimidade com as pessoas. Abram Eksterman CMP-Santa Casa P- De que relação você está falando? J- Ele tem outra família. Depois que eu soube do segundo filho que ele tinha com a mesma mulher, aí não deu para segurar, eu mandei ele embora de casa. Só que ele não me deixou de vez, ele fica um pouco comigo também. Mas eu não ligo. Ele me dá isso (faz sinal de dinheiro com os dedos). P- Isso é dinheiro? (Repito seu gesto) J- É. Ele sempre dá o que eu preciso. A gente só não transa mais. Depois da separação ainda teve transa e era bom, mas somos mesmo grandes e fortes amigos. Júlia abaixa a cabeça e silencia. A seguir prossegue: J- A minha filha também passou por isso, só que ela reagiu diferente de mim. Eu perdoei várias vezes o Zé (marido), e ele só foi embora depois que eu soube dos filhos dele; mas minha filha quando descobriu que o marido dela tinha outra pessoa, mandou ele sair de casa na mesma hora. Hoje o meu ex genro tem mais dois filhos, igual meu marido. Abram Eksterman CMP-Santa Casa Na época eu insisti tanto com ela para pensar mais um pouco antes de mandar ele ir embora, mas ela dizia que não era igual a mim. Isso tudo aconteceu quando ela engravidou do segundo filho. Ela ficou muito insegura e quis tirar a criança, que hoje é o Diego, mas eu e o pai dela aconselhamos a não fazer isso que a gente ia ajudar ela. P- Vocês não são a mesma pessoa. Por que ela tinha que reagir como você? Júlia ainda de cabeça baixa, disse: J- Eu não pensei nisso que você falou... Eu só achei que ela devia relevar como eu fiz. Olha que eu insisti tanto com ela para fazer o mesmo que eu... Como é bom conversar, tá vendo? E o meu genro era um cafajeste... Há um ano não dá a pensão dos filhos. Mas também minha filha é uma lerda. O pai dela é que dá as coisas para as crianças e aí eu acho que é por isso que ela se acomodou. Eu já nem falo mais nada sabe, eu acho que muito problema deixa a gente doente, e agora eu só quero é operar logo. Abram Eksterman CMP-Santa Casa P- Você tem pressa para se operar? J- Ah, eu estou com pressa mesmo, isso já me acompanha desde os 15 anos (mostra um volume no pescoço). Nunca me incomodou, por isso que não fui ao médico. Só que há 1 ano e eu vi 2 caroços no meu pescoço, um de cada lado, aí eume assustei e procurei um médico. Consultei com a Dra. M, aqui na Santa Casa, conhece? Ela me pediu uma biópsia. Eu fiquei muito preocupada com medo de ser câncer, enquanto não saiu o resultado eu não fiquei sossegada. Quando saiu o resultado, a Dra. M. me tranqüilizou dizendo que não era o que eu pensei, mas que eu tinha que fazer a cirurgia. P- Você pensou que podia morrer de câncer? J- Pensei sim, mas graças a Deus não é,e eu quero operar logo para voltar para minha casa, para meus netos. Eu sou muito feliz meu Deus, gosto demais deles. Júlia diz isso com uma expressão de alegria e prossegue... Abram Eksterman CMP-Santa Casa J- Eles moram no quintal que eu, sabe. Eu moro em cima e eles em baixo, é uma casa de dois andares, mas independentes. Eles não saem lá de casa, por isso é que estão acostumados comigo e eu com eles. Minha filha trabalha com o padrinho dela e às vezes viaja a serviço. E eu também trabalho, só que apenas dois dias na semana, aí minha irmã é que fica com eles, graças a Deus ela adora eles também. Eu botei os dois no meu convênio médico, porque minha filha é separada do marido e ele não dá assistência aos filhos, aí eu fico preocupada deles precisarem de repente. Júlia sorriu. Me despedi dizendo que a veria novamente na 5ª feira para continuarmos o atendimento. Ela disse que queria me ver sim. Abram Eksterman CMP-Santa Casa Segundo atendimento: 18-07-02 - quinta-feira Quando entrei na enfermaria, Júlia estava sentada na cama com os pés pendurados envolta no edredom. Me aproximei e a cumprimentei. P- Bom dia, Júlia. J- Bom dia , tá frio não tá? P- Hoje está frio mesmo. Como está? J- Estou ansiosa porque sou a próxima a operar e quero operar hoje mesmo. Essa expectativa da espera é muito ruim. Já liguei para minha família e está tudo bem. Perguntei pelo meu bebê, quer dizer o Diego. Lembrei até de você na hora. P- Por que de mim? J- Porque eu falei para você que ele tinha 3 anos e eu ainda falo dele como se fosse um bebê. (Júlia sorri para mim) Minha irmã está lá em casa com eles e tá Abram Eksterman CMP-Santa Casa tudo bem. Ela queria chamar o Diego, para falar comigo também, mas eu não quis que chamasse. P- Por que não? J- Porque é pior. Eu vou me emocionar e ficar com mais saudade. P- Parece que seu neto é o menino que você queria e não teve. J- É verdade, eu falo isso mesmo para as pessoas, e engraçado é que minha filha gosta é de menina. Ela diz isso da mesma forma que falo que gosto de menino. Eu sinto que ela é mais chegada na Bruna. Eu acho que toda mãe que tem mais de um filho tem preferência por um. Esse negócio de dizer que gosta de todos igual, eu não acredito. P- Por que você diz isso? J- Pelo menos foi assim com meu pai. Ele dizia que eu era o xodó dele. E eu era mesmo, ele gostava mais de mim. Abram Eksterman CMP-Santa Casa P- Como assim? J- Ele mesmo falou para mim. Nós somos 7 filhos. Minha mãe teve 13, mas só vingaram 7 e eu sou a mais velha. Eu acho que é por isso que eu só quis ter um filho, porque eu já cuidei muito de criança pequena. Eu ajudei muito minha mãe olhar eles por ser a filha mais velha. Silêncio. J- Isso me faz lembrar meu pai... Júlia chora. J- Ele ficou doente e eu não morava perto dele. Meus pais moravam em Niterói nessa época e eu não podia ir sempre lá. Eu já tinha a Valéria quando ele morreu. Eu adorava meu pai...Eu não sou filha dele. P- Eu não entendi. J- Ele é meu pai adotivo. Quando a minha mãe foi morar com ele, eu estava na barriga dela. Ela se apaixonou pelo meu pai verdadeiro que prometeu casar com ela, mas ele foi embora deixando minha mãe com 3 meses de gravidez. Abram Eksterman CMP-Santa Casa Quando eu soube que meu pai era adotivo, eu não acreditei, sabe por que? Eu tinha 9 anos e estava brincando com umas colegas na rua quando chegou um homem alto e falou para mim assim: “Você sabe que eu sou seu pai?” Eu disse: “Claro que não, meu pai tá lá em casa”. Ele falou: “Sou sim, eu é que sou seu pai”. E eu falei novamente para ele que eu já tinha pai e que ele estava lá em casa. Aí eu sai correndo para casa e contei para o meu pai o que tinha acontecido. Ele saiu furioso para tirar satisfação com ele. Eles moravam perto pelo que eu entendi. Eu não sei dessa história direito, acho meio enrolado. Eu nem lembro o que minha mãe falou quando eu contei para ela o que tinha acontecido, eu acho que ficou por isso mesmo. Quando eu estava mais velha, foi que ela confirmou essa história de que eu não era filha do meu pai. (Júlia chora novamente) Meu pai... Engraçado, eu não era assim com minha mãe. Abram Eksterman CMP-Santa Casa P- Assim como? J- Olha só que interessante. Quando o meu pai adoecia, eu sentia, quer dizer, eu de repente queria ver ele. Com a minha mãe, eu não tinha isso. Só quando ela morreu que eu tive; mas depois eu te conto. Quando eu pressentia alguma coisa com meu pai, eu queria porque queria ver ele e eu sempre dava um jeito de ir na casa dele, e numa dessas eu encontrei ele mal. Nessa época a minha situação financeira e a do Zé era difícil e eu fiz algumas unhas para ganhar um dinheiro a mais e ir até ele. Quando cheguei na casa dele, minha mãe me recebeu dizendo que eu tinha adivinhado, pois ele não estava nada bem. Encontrei ele deitado na esteira forrada de bananeira; ele estava todo manchado de bolas vermelhas. Disseram que era “bexiga branca”, a varíola. Foi difícil, mas ele saiu dessa. Quando eu falo dele eu choro porque ele sofreu tanto para dar conta de sustentar os filhos. Era um homem dos sete instrumentos. Abram Eksterman CMP-Santa Casa P- o que é um homem dos sete instrumentos? J- É o homem que faz de tudo um pouco e ele fazia muita coisa para sustentar a família. Ele morreu do pulmão quando trabalhava no frigorífico transportando carne, pois era muito frio o lugar que ele trabalhava. Júlia silencia. P- E sua mãe, você disse que ia me contar quando ela morreu... J- Eu não sei exatamente do que minha mãe morreu, eu só sei que ela era diabética. Ela morreu uns 6 anos depois do meu pai. Ela morava numa casa pobre, mas nós gostávamos de ir lá, era gostoso ficar lá. No Natal e no Ano Novo a gente se reunia na casa dela. Na última festa de fim de ano antes dela morrer, ela morreu dia 16 de janeiro, nós fizemos uma festa boa, levamos cada um uma comida, era só alegria e farra. Na madrugada que ela morreu, já estava Abram Eksterman CMP-Santa Casa quase amanhecendo o dia, meu irmão Nivaldo, aliás o que eu gosto mais, chegou para dar a notícia de que minha mãe tinha morrido. Eu não acreditei, eu só lembro que disse: “como se no Ano Novo ela estava boa?” Nessa noite eu acho que tive um pressentimento como tinha sempre com o meu pai, porque eu sonhei que estava sendo jogada num buraco e uns bichos que pareciam lagartos,ajudavam a me enterrar. Muito esquisito esse sonho. Horrível.E eu acordei dizendo que precisava ver minha mãe. (Júlia tem lágrimas nos olhos) Eu fiquei foi revoltada com meus irmãos, são uns vagabundos. Só o Nivaldo que não. Eu me dou muito bem com ele. P- Por que a revolta com os irmãos? J- Meus irmãos são malandros, nunca ajudavam minha mãe com dinheiro. Ela já estava velha, cansada de tanto dar duro e ainda trabalhava mesmo assim. Um deles hoje tem 42 anos, o caçula, em vez de dar dinheiro, tirava o que ela tinha. Abram Eksterman CMP-Santa Casa (Júlia está séria e de cabeça baixa) J- Nessa época eu ainda não podia ajudar muito financeiramente, mas sempre que ia lá, eu levava alguma coisa. Eu me sinto culpada às vezes, por não ter feito mais por ela.Depois que ela se foi, é que eu e o Zé melhoramos um pouco, mas aí não dava para fazer mais. P- E o que mais você faria? J- Ela não ia dar duro daquele jeito naquela idade, Deus me livre. Júlia ainda de cabeça baixa levanta o rosto e diz com expressão de alegria: J- Mas você precisa ver a Nanci ela é minha irmã caçula e é igual a minha mãe, igualzinha. Eu adoro olhar para ela. P- Olhar para ela é olhar para sua mãe? Abram Eksterman CMP-Santa Casa J- É isso mesmo! Os gestos, a voz, o cabelo. Ela é linda! Ela fala como minha mãe falava, é calma, não se irrita fácil. As pessoas podem brigar com ela, gritar com ela, que ela sabe levar numa boa. Minha mãe era assim. Eu vou fazer por ela tudo que não pude fazer pela minha mãe caso ela precise. Ela faz um breve silêncio, e a seguir prossegue: J- Quando eu era mais jovem, até mesmo depois de já ter minha filha, eu não pensava que meus pais iam morrer. Que doidera né? P- E agora, você está pensando que pode morrer? J- Estou, mas eu posso morrer. Minha filha é que fica danada comigo quando eu falo isso. P- Será que você pensou que ia viver para sempre como um dia achou que seus pais também viveriam? Abram Eksterman CMP-Santa Casa J- Eu acho que é isso.... P- E na hora de fazermos uma cirurgia, é mesmo difícil não pensar que também podemos morrer... J- É verdade. Ao me despedir, ela falou da insatisfação em passar o fim de semana na enfermaria caso não fosse operada. Eu disse que apenas o Dr. J.G. resolve essa situação e que ele mesmo fala com as pacientes após a decisão tomada. Disse que voltaria a falar com ela na segunda-feira caso a cirurgia não fosse realizada. Abram Eksterman CMP-Santa Casa Terceiro atendimento: 22-07-02 - segunda-feira Ao entrar na enfermaria, Júlia estava deitada e coberta em seu leito. Antes de me aproximar da paciente fui até o Dr. J.G. perguntar-lhe se a paciente foi passar o fim de semana em casa. Ele disse que sim e que ela já retornara atendendo sua recomendação de chegar pontualmente às 8 h. P- Bom dia Júlia, como está? J- Bom dia. Ah, vou te contar, eu fui em casa, o professor te falou? P- Falou sim. J- Na sexta feira ele me disse: “não mate, não morra e não roube, por favor, você está sob a minha responsabilidade.” Ela ri e prossegue: J- Mas eu não gostei der ido, preferia ter ficado aqui, foi só aborrecimento. A colega que operou ficou sozinha aqui (aponta para o leito ao lado), e se eu ficasse teria feito companhia a ela. Abram Eksterman CMP-Santa Casa P- O que houve que a aborreceu? J- Cheguei lá e minha parede estava toda rabiscada. Fiquei muito danada com o Zé. Foi o Diego que rabiscou, claro o Zé tinha que olhar o menino. Quando o Diego vai lá em casa, eu olho ele, porque tem que tomar conta o tempo todo. Falei com o Zé e ele ficou me olhando como quem diz: “pois é, tem que olhar”. Só que não olhou. E o pior é que o Diego me ouviu falando com o Zé e ainda disse: “Foi sem querer querendo vó”. Acabei brigando com o Zé. P- Você viu que as coisas não são como você gostaria que fosse... J- É mesmo. E eu gosto das minhas coisas tão no lugar..Acabei brigando com a minha irmã também, a Nanci, quer dizer, eu dicuti com ela. Eu gosto muito dela,mas também brigo. Eu disse para ela ir para casa dela no final de semana, afinal eu cheguei na sexta feira à tarde e só ia voltar para cá na segunda feira cedo. Ah, tenho uma novidade para te contar, minha filha denunciou o ex marido dela, até que enfim! Abram Eksterman CMP-Santa Casa P- Como assim? J- Pediu a pensão das crianças na justiça. Eu não falei para você que tem um ano que ele não dá nada! Eu gosto dele, ele me respeita até mais do que minha filha, mas é o que eu sempre dizia para ela: “você não tem pena do seu pai?”Eu não acho justo o avô dar tudo para as crianças. Ele é bom e sempre deu o que as crianças precisavam e dá até hoje, só que as crianças têm pai, ora. P- E por que sua filha esperou tanto? J- Eu acho ela muito sem iniciativa, lerda. Quer ver uma coisa? Da última cesariana que ela fez, restou um vazamento no corte dela e eu fico falando para ela ir ao médico ver isso. Tem três anos já! Ela não arruma namorado por conta disso, mas também não toma providência nenhuma. P- Isso me lembra você dizendo que não foi ao médico quando viu o primeiro caroço no pescoço... Abram Eksterman CMP-Santa Casa J- É, foi isso mesmo. Mas eu não tinha as facilidades de hoje em dia, as coisas eram mais difíceis. Mas também reconheço que sempre fiz tudo para ela, todo mundo fala isso para mim. Nesse momento o Dr. J.G. me interrompeu delicadamente, pedindo que eu esperasse alguns minutos para que ele e seus alunos examinassem Júlia. É raro acontecer esse tipo de interrupção, pois procuro atender as pacientes após os médicos e internos terminarem seus procedimentos e se dirigirem para o centro cirúrgico. Abram Eksterman CMP-Santa Casa Quarto atendimento: 23-07 -02 - terça- feira Ao chegar na enfermaria Júlia estava na maca sendo levada para o centro cirúrgico. Quinto atendimento: 25-07-02 - quinta-feira Quando entrei na enfermaria, vi o Dr. J.G. trocando o curativo de Júlia. Logo depois ela se aproximou de mim e me cumprimentou, dizendo que se sentia bem e que já havia andado bastante pela manhã como o médico pedira. Ela disse com entusiasmo que a irmã estava a caminho da Santa Casa para buscá-la. Júlia falava baixo e com dificuldade. Disse-me que sentia um incômodo na garganta ao engolir, porém, já havia falado com o médico e ele dissera que é normal esse mal estar no pós operatório. Ao nos despedirmos, ela disse estar com muita vontade de voltar para casa. Não tivemos mais contato. Abram Eksterman CMP-Santa Casa “Sem amor, não tendes nada” São Paulo 1620 Valentin de Boulogne 1591 - 1632 Abram Eksterman CMP-Santa Casa Sem relação humana não há terapêutica Abram Eksterman CMP-Santa Casa Obrigado [email protected] www.medicinapsicossomatica.com.br Abram Eksterman CMP-Santa Casa
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