Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias
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Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias
Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias organizacionais Lisiane Priscila Selau1 Resumo Neste artigo, a proposta é estudar o processo de tomada de decisão sob condições de risco. Para tanto, pretende-se focar o mercado de concessão de crédito. Nesse sentido, o objetivo é discutir como as teorias organizacionais (Teoria dos Jogos, Racionalidade Limitada, Teoria Institucional e Estratégia Empresarial) podem contribuir na avaliação, por parte das empresas de concessão de crédito, e como essa avaliação influencia as decisões referentes à estratégia de risco. Propõe-se, como base para essa discussão, o exemplo referente à revolução do mercado de concessão de crédito a partir do crescimento da demanda por crédito à pessoa física de baixa renda no Brasil, avaliando como as teorias explicam a adequação das empresas do setor com relação aos sistemas de crédito e à tecnologia para suporte à concessão. Como as pessoas possuem percepções diferentes acerca do risco, o comportamento dos decisores deve ser analisado com o objetivo de verificar como as variações de comportamento afetam o processo de tomada de decisão, identificando como fatores relacionados às teorias apresentadas interferem na qualidade da decisão. Palavras-chave: Decisão de crédito. Teoria dos jogos. Racionalidade limitada. Teoria institucional. Estratégia empresarial. Decision making regarding credit lending: a discussion under the light of organizational theories Abstract The objective of this essay is to study the process of decision making under conditions of risk, therefore, focusing on credit-lending companies. In this sense, it discusses how organizational theories (Game Theory, Bounded Rationality, Institutional Theory and Business Strategy) can contribute to the evaluation made by credit-lending companies, and how this assessment influences decisions related to risk strategy. In order to do that, it is proposed as the basis for this argument the example of the market revolution in lending which happened in Brazil as the demand for loans to low income individuals rose, evaluating how the theories explain the adjustment of this kind of company in relation to credit systems and technology to support the grant. As people have different perceptions regarding risks, the behavior of decision makers should be analyzed in order to determine how changes in behavior affect the process of decision making, identifying how factors related to the theories presented affect the quality of the decision. Keywords: Credit decision. Game theory. Bounded rationality. Institutional theory. Corporate strategy. 1 Doutoranda em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora Assistente do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: [email protected] Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> 125 Lisiane Priscila Selau Introdução Em nossas vidas, tomar decisão é algo constante. Em vários momentos, é necessário avaliar e decidir, dentre várias alternativas, qual a melhor solução para os problemas. Tal avaliação é feita, muitas vezes, de forma empírica, considerando nossas experiências e sentimentos. De acordo com Kardes e Kalyanaram (1992), as decisões são tomadas tendo por base informações limitadas ou incompletas, e, além disso, não é simples perceber quais informações relevantes estão faltando, o que pode levar a julgamentos equivocados. Um exemplo de decisão sob condições de risco é a concessão de crédito. Conforme afirma Schrickel (1997), a análise de risco envolve a habilidade de fazer uma decisão de crédito, dentro de um cenário de incertezas, de constantes mutações e de informações incompletas. Essa habilidade depende da capacidade de analisar logicamente as situações, não raro complexas, e chegar a uma conclusão prática e capaz de ser implementada. De acordo com Silva (2006), em muitas empresas, a avaliação de crédito é feita com base em uma enorme variedade de informações, vindas das mais diversas fontes. Os gerentes analisam essas informações de maneira bastante subjetiva e, muitas vezes, não conseguem explicar os processos de tomada de decisões, embora consigam apontar os fatores que influenciam as decisões. Além disso, esses ambientes são dinâmicos, devendo as decisões ser tomadas rapidamente. Um exemplo recente de má avaliação de risco para tomada de decisão que justifica este estudo é a crise do mercado financeiro americano. A causa dessa crise foi a súbita ascensão e a subsequente queda nos preços dos imóveis residenciais, que, juntamente com práticas danosas de financiamento (subprime), levaram a grandes perdas em muitas instituições. A crise é o resultado de uma explosão de crédito caracterizada pela avaliação errada de risco, por excessivo alavancamento e pela dependência de instrumentos financeiros complexos e de baixa transparência. A consequência desses fatos foi um grande aperto nas condições de crédito que contiveram o crescimento econômico. Para contextualizar a questão da tomada de decisão no cenário organizacional atual, faz-se necessária uma retomada histórica do tema. Um grande problema na tomada de decisão sob condições de risco está no uso de informação de qualidade para definir e parametrizar o processo de tomada de decisão. 126 Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias organizacionais Neste artigo, a proposta é estudar o processo de tomada de decisão sob condições de risco. Para tanto, pretende-se focar o mercado de concessão de crédito. Nesse sentido, o objetivo é discutir como cada teoria organizacional (Teoria dos Jogos, Racionalidade Limitada, Teoria Institucional e Estratégia Empresarial) pode contribuir na avaliação, por parte das empresas de concessão de crédito, e como essa avaliação influencia as decisões referentes à estratégia de risco. Propõe-se, como base para essa discussão, o exemplo referente à revolução do mercado de concessão de crédito a partir do crescimento da demanda por crédito à pessoa física de baixa renda no Brasil, avaliando como as teorias explicam a adequação das empresas do setor com relação aos sistemas de crédito e à tecnologia para suporte à concessão. 1 A decisão de crédito Define-se crédito como o ato de vontade ou disposição de alguém ceder, temporariamente, parte do seu patrimônio a um terceiro, com a expectativa de que essa parcela volte a sua posse integralmente depois de decorrido o tempo previamente estipulado. Essa parte do patrimônio pode ser materializada por dinheiro (empréstimo monetário) ou bens (venda com pagamento parcelado ou a prazo). Sendo um ato de vontade, sempre caberá ao cedente do patrimônio a decisão de cedê-lo ou não (SCHRICKEL, 1997). Segundo Silva (2008), o crédito é um dos principais meios disponíveis para que as pessoas possam adquirir a enorme gama de bens e serviços disponibilizados pela sociedade moderna. Na intenção de atender suas necessidades básicas e desejos, as pessoas acabam por comprometer boa parte do rendimento mensal. O crédito tem um papel econômico e social muito importante na vida das empresas e das pessoas. Possibilita às empresas aumentar seu nível de atividade, estimula o consumo, influenciando a demanda, ajuda as pessoas a obterem moradia, bens e até alimentos e facilita a execução de projetos para os quais as empresas não dispõem de recursos próprios suficientes. Todavia, cabe salientar que o uso inadequado do crédito pode levar uma empresa à falência ou um indivíduo à insolvência, assim como pode ser parte de um processo inflacionário (SILVA, 2008). Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> 127 Lisiane Priscila Selau Observa-se um contra-senso no mercado de crédito à pessoa física de baixa renda no Brasil. De um lado, um grande número de pessoas recebe uma renda que compromete o equilíbrio orçamentário básico; de outro, várias empresas oferecem promessa de crédito fácil e desburocratizado. Porém, essa perspectiva de crescimento teve uma recente desaceleração, principalmente em função da crise mundial de crédito de 2008, como é possível observar na Figura 1. % 50 45 40 31,4 35 30 24,7 25 20 20,2 15 10 14,7 abr. 08 jun. 08 ago. 08 out. 08 dez. 08 fev. 09 abr. 09 jun. 09 Crédito pessoal (1) Consignado (2) Pessoa física Leasing + Aquisição de veículos Figura 1 – Evolução do saldo das operações de crédito com recursos livres (variação em 12 meses). Fonte: BACEN. Para se adaptarem às turbulências decorrentes da crise, as instituições financeiras têm a vantagem de conhecer os erros cometidos pelos bancos americanos que foram imprudentes na concessão de crédito ao setor imobiliário. Nesse sentido, a regulamentação do Acordo de Basileia tem como objetivo limitar o risco excessivo que essas instituições assumiram no período que antecedeu a crise financeira mundial de 2008. Para Mesquita e Torós (2010), no Brasil, os reflexos da crise só não foram mais expressivos em função da atuação do Banco Central, que controla a aquisição de subprime pelos bancos, devido ao elevado risco desses títulos. 128 Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias organizacionais Garcia (2008) ressalta que os bancos estão adotando critérios mais seletivos na concessão de crédito, para evitar problemas com inadimplência futuramente. Essa seletividade dos bancos vem em boa hora, tendo em vista o crescimento mais lento das economias brasileira e mundial. De acordo com Silva (2008), nos últimos anos, as instituições financeiras e as pessoas têm, cada vez mais, se preocupado com a chamada educação financeira. Esse avanço tem levado o tomador de crédito a avaliar previamente sua capacidade de pagamento, priorizando seus gastos. Por outro lado, as metas das instituições financeiras podem ser incompatíveis com a racionalidade da análise de crédito. Se a concessão do crédito fosse baseada somente na análise desenvolvida pelos analistas, a decisão seria apenas uma consequência do resultado da análise. No entanto, as decisões de crédito dependem da cultura organizacional, sendo que os componentes racional e político podem distorcer os objetivos da decisão. Nesse sentido, é importante avaliar como as teorias (Teoria dos Jogos, Racionalidade Limitada, Teoria Institucional e Estratégia Empresarial) explicam a adequação das empresas com relação aos sistemas de crédito e à tecnologia para suporte à concessão. 2 As teorias de base 2.1 Teoria dos Jogos A origem da Teoria dos Jogos está relacionada ao trabalho do matemático John Von Neumann e do economista Oskar Morgenstern, que escreveram juntos a obra intitulada Theory of Games and Economic Behavior. A contribuição de Nash, fundamental para o desenvolvimento da teoria, está relacionada a uma noção de equilíbrio para modelos de jogos, que não se restringia apenas aos jogos de soma zero. Nash (1951) conseguiu demonstrar que, em alguns casos, quando cada jogador escolhe racionalmente aquela estratégia que seria a melhor resposta em relação à estratégia dos demais, pode ocorrer que o resultado final para todos os jogadores seja insatisfatório e que, portanto, nem sempre a busca do indivíduo pelo melhor para si resulta no melhor para todos (HARFORD, 2009). Segundo Fiani (2004), a teoria dos jogos é um método racional de modelar os processos de tomada de decisão, descrevendo situações em Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> 129 Lisiane Priscila Selau que a decisão de um agente econômico influencia a decisão do outro. Por esse motivo, é uma ferramenta bastante importante para o sucesso de um bom gestor de crédito. Quando se entende os mecanismos que agem na relação concessor-tomador, torna-se muito mais fácil formular as estratégias de ação. No contexto organizacional, um jogador é o tomador de decisão, como, por exemplo, um executivo ou um dirigente, que pode ser considerado individualmente ou em equipe. O decisor analisa as alternativas, considera os riscos envolvidos e toma sua decisão, tendo em vista a interação com outros decisores. Assim, o resultado da sua decisão pode influenciar, e ser influenciado, positiva ou negativamente, pelas decisões dos outros tomadores de decisão, que têm também interesses em jogo (KREPS, 1990). Marinho (2005) ressalta a relação entre a Teoria dos Jogos e os estudos evolucionistas, pois considera que a premissa básica é semelhante à da seleção natural. Sob o ponto de vista da Teoria dos Jogos, considera-se que os jogadores buscam maximizar os ganhos ou minimizar as perdas, enquanto, na visão da seleção natural, os bons jogadores sobrevivem. Em outras palavras, os bons jogadores, do ponto de vista da seleção natural, são os indivíduos mais capazes de sobreviver e reproduzir em determinado ambiente; já na Teoria dos Jogos, os bons jogadores são aqueles que, em termos de resultado final do jogo, ganham mais que os outros. De acordo com Marinho e Blanco (2008), os relacionamentos de crédito podem ser vistos como jogos, em que cada jogador tem duas alternativas: cooperar ou trair. Do ponto de vista do concessor, cooperar significa conceder um empréstimo e trair significa não conceder; já para o tomador, a cooperação acontece se ele honra o acordo de pagar o empréstimo tomado, ao passo que a traição é representada pela inadimplência. A operação de crédito que acontece uma única vez não pode ser chamada de relacionamento de crédito, muito embora seja algo possível de ocorrer na prática. De qualquer forma, operações desse tipo tendem a apresentar um equilíbrio não cooperativo, isto é, tanto o tomador quanto o concessor terão altos incentivos para trair um ao outro, daí o motivo de esse tipo de operação ser bem menos comum. Como um jogador sabe que o outro também é um agente econômico racional, deverá realizar o mesmo raciocínio e concluir que deve trair. Assim, os dois jogadores concluem que a única decisão racional 130 Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias organizacionais é trair, pois, se um cooperar, sofrerá a traição do outro, que o presume traidor. Esse é o equilíbrio proposto por Nash (1951), razão pela qual os negócios de crédito de rodada única não são tão usuais, pois os riscos, tanto para quem concede como para quem toma, são muito mais elevados. Conforme Silva (2008), é comum as empresas organizarem-se em convênios para a troca de informações comerciais, possibilitando detectar com certa rapidez quando um cliente começa a atrasar ou entrar em dificuldade financeira. Outra grande fonte de informação são os Serviços de Proteção ao Crédito (SPCs), que registram as pessoas que estão em atraso. Para o comércio, por exemplo, os SPCs são as grandes fontes de informação, pois o cliente, ao solicitar uma compra a prazo, tem seu nome consultado pela empresa junto ao SPC, que responde sobre a existência ou não de registro negativo. Tais sistemas de proteção possibilitam ao concessor de crédito uma decisão com menor risco. Isso se deve ao fato de que a possibilidade de registro negativo no SPC pode inibir o cliente a optar pelo não pagamento, ou seja, pela decisão de trair. Porém, não é raro identificar casos de clientes que podem pagar, mas que só pagam mediante pressão, muitas vezes retardando o pagamento para tirar proveito em uma negociação com desconto. Há ainda o caso de que, ao se ver em dificuldade financeira, o cliente pode não atrasar os pagamentos junto a todos os seus credores, mantendo-se pontual em relação àqueles que julgar mais importantes, como, por exemplo, o supermercado, que supri suas necessidades básicas. Contudo, a Teoria dos Jogos também pode ajudar a explicar outro tipo de relação: empresa-concorrente. É possível, dessa forma, avaliar circunstâncias que levam as empresas a decidir por expandir o crédito, conduzindo-as, muitas vezes, a situações de risco, por negligenciar práticas de proteção; ou ainda, o outro extremo, em que as empresas decidem pelo racionamento das concessões, perdendo mercado para a concorrência. O concessor de crédito deve estar preparado para aproveitar as oportunidades que o mercado oferece, ao mesmo tempo em que deve desenvolver mecanismos de proteção contra as ameaças que decorrem do próprio mercado. É necessário, portanto, identificar quem são os concorrentes e determinar a participação destes no mercado, com o objetivo de definir metas a serem alcançadas em relação à concessão de crédito. Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> 131 Lisiane Priscila Selau Em termos de política de crédito, quanto mais rigorosos forem os critérios de uma empresa para a seleção de clientes, menor poderá ser seu volume de vendas a prazo, podendo chegar ao extremo de só vender à vista. Entretanto, à medida que seus concorrentes forem mais flexíveis, estes poderão ganhar parte do mercado que seria da empresa. O grau de exigência ideal na seleção dos clientes é algo relativamente difícil, pois vender e não receber também poderá levar a empresa à falência (SILVA, 2008). 2.2 Racionalidade Limitada O modelo de decisão racional adota como pressuposto que os indivíduos têm informações completas para tomar suas decisões, permitindo alcançar a utilidade máxima em suas escolhas. Dessa forma, qualquer limitação na capacidade de processamento dos indivíduos é ignorada. Uma visão mais realista é a da racionalidade limitada (bounded racionality), proposta por Simon (1957). Este argumenta que os tomadores de decisão ficam restringidos por sua própria racionalidade, com limitações em suas habilidades no processamento das informações. Na Teoria da Racionalidade Limitada, o tomador de decisão é limitado por sua capacidade cognitiva, sendo o processo decisório também limitado por essa capacidade. Em outras palavras, o tomador de decisão é um indivíduo que possui uma racionalidade limitada, apresentando limitação no seu conhecimento em relação aos aspectos sobre os quais as decisões serão tomadas. Isso deriva, entre outros fatores, da incapacidade do ser humano em organizar grandes quantidades de informação e trabalhar com elas, o que se deve essencialmente aos seus limites cognitivos. Aliado a isso, o indivíduo é limitado pelos seus valores e pelos conceitos de finalidade que o influenciam na tomada de decisão. Assim, em vez de buscar a decisão perfeita, ou ideal, os administradores aceitam uma decisão apenas satisfatória (SIMON, 1970). A hipótese da racionalidade limitada implica admitir que os agentes envolvidos nas transações de crédito possuem uma capacidade limitada de obter e processar informações. Segundo Aguiar (1998), uma consequência direta dessa hipótese é que os tomadores de decisão não têm habilidade para considerar todas as possíveis situações que podem requerer mudanças em relação a uma transação de crédito, o que limita a possibilidade de contratos de longo prazo. 132 Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias organizacionais Kahneman e Tversky (1979), inspirados na noção de racionalidade limitada de Simon (1957), propuseram a avaliação da influência de aspectos psicológicos no processo de decisão. Os estudos discutiram a temática por meio da contabilidade comportamental e das finanças comportamentais. Tais abordagens ganharam destaque em função, principalmente, de ir contra a ideia de que os decisores dessas áreas não seriam expostos a esse tipo de influência, dada sua tendência a usar um processo de decisão totalmente racional. A assimetria de informação está por trás da questão fundamental da concessão de crédito: como ter certeza se o crédito concedido será honrado pelo cliente, conforme o combinado? Assim, quanto maior for a segurança de quem concede crédito, maior será a chance de aprovar o empréstimo e com condições bastante vantajosas para o cliente em termos de prazos e taxas de juros. Stiglitz e Weiss (1981) argumentam que as informações são distribuídas de forma assimétrica entre os agentes econômicos e, portanto, os retornos esperados pelas instituições financeiras nas operações de crédito não são uma função monotonicamente crescente em relação às taxas de juros, devido ao fenômeno chamado seleção adversa. Esse fenômeno ocorre porque, quando as taxas de juros são muito altas, bons pagadores preferem não tomar crédito, fazendo com que as concessões de crédito se concentrem em clientes de maior risco. Dessa forma, ainda que haja tomadores dispostos a pagar taxas de juros mais altas, as instituições financeiras preferem simplesmente não conceder o crédito, em função do risco de inadimplência, gerando um racionamento de crédito. Segundo Marinho e Blanco (2008), as operações de crédito são as mais afetadas pelos efeitos da seleção adversa, uma vez que não há como os concessores terem certeza sobre a qualidade dos tomadores. Um cliente pode ser ótimo pagador, mas o concessor de crédito, não tendo certeza disso, poderá atribuir um limite de crédito inadequado, ou até mesmo não conceder. 2.3 Teoria Institucional As organizações optam por determinadas estruturas e procedimentos, transferidos por normas e costumes e aceitos coletivamente com o objetivo de alcançarem a legitimidade. Dessa forma, é possível Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> 133 Lisiane Priscila Selau observar um conflito no que tange à tomada decisão, entre a almejada legitimidade e as exigências técnicas. De modo geral, a organização age de modo a garantir a sua legitimidade institucional, podendo até ter impacto negativo na eficiência (MEYER; ROWAN, 1977). Segundo Machado-da-Silva e Gonçalves (2007), as organizações interagem com seu ambiente à procura de legitimação. Nesse sentido, a tomada de decisão é influenciada por uma inércia ambiental no que diz respeito à conformidade às regras e às crenças (mitos) institucionalizadas, em conflito com critérios de eficiência. Em razão desse posicionamento, é possível verificar diferenças entre a estrutura formal e as práticas realmente adotadas. De acordo com Guerreiro e colaboradores (2004), existe uma aparente incoerência entre técnicas e procedimentos disponíveis aos tomadores de decisão e o real processo de tomada de decisão adotado. Segundo Aguiar e Guerreiro (2007), isso acontece pela facilidade de utilizar métodos mais convencionais e familiares em vez de partir para mudanças. Segundo a teoria institucional, isso explica o uso de heurísticas de julgamento. Se, por um lado, os fatores ambientais pressionam uma homogeneização das formas e práticas organizacionais, por outro, a atuação dos mecanismos isomórficos não exclui o sistema de interpretação de cada organização. Segundo DiMaggio e Powell (2005), o isomorfismo constitui um processo de restrição que força uma unidade a se assemelhar a outras unidades que enfrentam o mesmo conjunto de condições ambientais. As organizações não competem somente por recursos e clientes, mas por poder político e legitimação institucional, por adequação social, assim como por adequação econômica. O isomorfismo é uma ferramenta utilizada para entender a política e a legitimação institucional. Três mecanismos de isomorfismo são definidos: coercitivo (resultante de influências políticas e do problema da legitimidade); normativo (derivado da profissionalização); e mimético (decorrente de respostas às incertezas). O isomorfismo institucional poderia ajudar a entender por que as organizações estão se tornando cada vez mais homogêneas, o que interfere em seu processo de tomada de decisão (DiMAGGIO; POWELL, 2005). De acordo com Machado-da-Silva e Fonseca (1993), é mediante a interpretação das demandas competitivas e socioculturais de seu contexto institucional que a organização se estrutura e define suas estratégias de ação. Nesse sentido, a tecnologia se torna o elemento que pres134 Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias organizacionais siona as instituições financeiras a exercerem o isomorfismo mimético, ou seja, a se assemelharem no que diz respeito ao uso da teoria institucional. A legitimação institucional das instituições financeiras parece decorrer de sua capacidade de ajustar-se ao ambiente específico e aos padrões de regulação do sistema financeiro. Essa não é uma tarefa fácil, uma vez que a incerteza presente no ambiente em que atuam leva os formuladores de políticas de crédito a optarem por uma espécie de isomorfismo institucional, ou seja, a reproduzir modelos formatados e testados por outras instituições ao estabelecerem as ações a serem implementadas. Analisando mais a fundo a situação, o que se verifica é uma extensão do argumento original de Meyer e Rowan (1977), de acordo com os quais, as organizações têm a tendência a manter estruturas isomórficas com o objetivo de alcançar a legitimação. A adoção de um comportamento isomórfico por parte das empresas de concessão de crédito pode ser vista como uma forma de se protegerem de situações de risco. Porém, com isso, podem se tornar estagnadas, perdendo a oportunidade de inovar e, consequentemente, perdendo clientes. O que se verifica é um enrijecimento das políticas de créditos, deixando as empresas pouco aptas para reagir frente às oportunidades. Silva (2008) comenta a respeito da adoção de comportamentos isomórficos por parte de empresas de crédito, considerando, por exemplo, a questão da cultura da região ou do país em que a empresa irá atuar. Há casos de empresas estrangeiras que se instalaram no Brasil e tiveram insucessos por trazerem executivos de suas matrizes, sem conhecimento da realidade brasileira e sem facilidade para assimilação dos costumes e padrões locais. Esse fato muitas vezes leva, no mínimo, a perdas de negócios ou perdas com maus créditos. Mesmo dentro do próprio Brasil, transferências de executivos entre regiões chegam a gerar dificuldade de ambientação, prejudicando o desempenho operacional. As políticas e as normas em geral deverão estar ajustadas às condições operacionais das empresas. O tipo de análise, a amplitude da análise, o valor das operações e o processo de concessão de crédito deverão ser implementados para atender às necessidades da organização. Segundo Silva (2008), copiar tais políticas e normas de outra empresa tende a não ser eficaz. Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> 135 Lisiane Priscila Selau 2.4 Estratégia Empresarial A formulação da estratégia compreende a escolha de uma direção, avaliando as oportunidades e as ameaças presentes no ambiente, de forma a adaptar-se a ele. Machado-da-Silva e Barbosa (2002) destacam que, no processo de tomada de decisão estratégica das organizações, as mudanças ambientais devem ser consideradas, já que afetam os padrões de competitividade empresarial. Ainda de acordo com os autores, é essencial conciliar padrões concorrenciais e padrões institucionais, visto que o ambiente exerce pressão não só para que as empresas tenham alto desempenho, mas também para que se ajustem aos padrões considerados legítimos pela sociedade. O surgimento do cenário competitivo do século XXI tem feito com que a natureza fundamental da concorrência se modifique. Esse cenário desafia os responsáveis pelas decisões estratégicas a adotar uma nova mentalidade, através da qual a empresa aprenderá a concorrer em ambientes turbulentos e caóticos, que geram desordem e incerteza (HITT; IRELAND; HOSKISSON, 2005). Dada a aceleração constante da economia, torna-se necessária a adoção de estratégias empresariais mais adequadas para que as empresas consigam se manter no mercado. Segundo Santi Filho (1997), um dos pontos mais importantes a ser observado na concessão do crédito é a estratégia empresarial, a qual está condicionada aos objetivos da instituição. Assim, se a meta é aumentar a fatia do mercado, a estratégia é a necessidade de uma forte oferta de crédito. De acordo com Silva (2008), a política de crédito, também conhecida como padrões de crédito, tem por objetivo básico a orientação nas decisões de crédito. Fatores como o perfil dos clientes que se quer atingir, a área de atuação geográfica, o segmento de mercado e os produtos financeiros a serem disponibilizados são também decisivos para a determinação das políticas. O autor ainda destaca que os bancos costumam ter critérios rigorosos na concessão de crédito. Afinal, o prejuízo decorrente do não pagamento representa a perda total do montante emprestado. Já para empresas que concedem crédito como forma de financiamento de seus produtos, a perda referente a um não recebimento refere-se somente ao valor da mercadoria. Assim, quanto maior for a margem bruta da empresa, maior é a flexibilidade na definição das políticas de crédito. 136 Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias organizacionais Para instituições financeiras que, por sua natureza, são empresas altamente alavancadas, a decisão de concessão de crédito para grande volume de clientes pode ser considerada estratégica, pois pode comprometer parte substancial do patrimônio dessas instituições. Em outras palavras, administrar bem o processo de concessão de crédito implica a própria sobrevivência da instituição financeira (PERERA et al., 2003). De acordo com Scherr (1989 apud ROGERS et al., 2004), outro aspecto importante diz respeito à grande sazonalidade nas vendas de empresas comerciais. Nesse caso, uma solução estratégica para o problema é utilizar o crédito como um incentivo para que os clientes comprem de forma mais regular, de forma a evitar a concentração das vendas somente em alguns períodos. Assim, a redução dos lucros decorrente do alavancamento do crédito pode compensar os custos associados à manutenção de estoques. Portanto, a gestão de crédito a pessoas físicas requer uma visão estratégica, atentando para a necessidade de definir adequadamente o público-alvo, bem como os riscos a serem assumidos e as taxas a serem praticadas. Além disso, faz-se necessária uma adequação organizacional e tecnológica que possibilite a operacionalização do negócio (SILVA, 2008). Considerações finais Analisando mais profundamente a Teoria dos Jogos, mais especificamente o dilema do prisioneiro, é possível identificar uma situação comum na realidade empresarial. Consideremos que, ao invés de prisioneiros, temos empresas interagindo estrategicamente no mercado de crédito. É plausível admitir que elas não possam comunicar-se, devido a suas políticas de concorrência, e assim são levadas a definir políticas de concessão de crédito audaciosas para conquistar uma fatia maior do mercado. No limite, ambas seguirão estratégias tão perigosas até frustrar completamente suas perspectivas de lucro. O curioso desse resultado é sua semelhança com o resultado do equilíbrio perfeito, previsto pela teoria econômica clássica, em que agentes em situação de equilíbrio não conseguem alcançar nenhum lucro econômico. Dessa forma, apesar da situação descrita ser mais complexa que um simples jogo, por não envolver, na realidade empresarial, exataGestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> 137 Lisiane Priscila Selau mente uma decisão dicotômica (expandir/não expandir o crédito), ela pertence, sim, a uma classe estratégica de situações que remete à base da Teoria dos Jogos. Apesar de não sermos capazes de avaliar todos os detalhes de contextos complexos de várias situações, ao aprofundar nossa compreensão teórica sobre a dinâmica dos decisores, podemos apontar os aspectos estratégicos básicos de várias situações econômicas, facilitando o entendimento sobre a dinâmica de competição entre empresas concorrentes. As decisões tomadas sob condições de risco são caracterizadas por informações incompletas. O processo tradicional de análise das decisões está baseado no modelo normativo regulado pelo pressuposto da racionalidade. Porém, pesquisadores como Kahneman e Tversky têm mostrado que os comportamentos dos indivíduos em suas decisões se desviam sistematicamente das diretrizes normativas. Analisando os aspetos relacionados ao processo de tomada de decisão, advindos da Teoria Institucional, é possível verificar o uso de heurísticas de julgamento. O que se observa é uma contradição entre adoção de técnicas e procedimentos disponíveis aos gestores e a rotina do processo de tomada de decisão. Isso deriva da adoção de práticas tidas como mais conhecidas, em vez de investir em mudanças, que poderiam trazer resultados melhores. Assim, diferentemente do que propõe, por exemplo, a moderna teoria de finanças, o mercado não pode ser considerado eficiente, seja em função da assimetria informacional, ou pelo fato de que as pessoas possuem percepções diferentes acerca do risco, ou devido às estruturas de poder dentro das instituições, ou, ainda, por razão dos posicionamentos estratégicos em relação à concorrência. O comportamento dos decisores deve ser analisado na busca pela verificação de como as variações de comportamento afetam o processo de tomada de decisão, buscando a identificação de como esses fatores afetam a qualidade da decisão. Recebido em setembro de 2011. Aprovado em novembro de 2011. 138 Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 8, n. 10, p. 125-140, jul./dez. 2011 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> Tomada de decisão de crédito: uma discussão sob a luz das teorias organizacionais Referências AGUIAR, D.R.D. Modelo Estrutura-conduta-desempenho. In: Workshop para o repasse de metodologia do projeto sistema agroindustrial do leite. Viçosa, UFV, 1998. AGUIAR, A.B.; GUERREIRO, R. Processo de persistência e mudança de sistema de contabilidade gerencial: Uma análise sob o paradigma institucional. Anais... do X ISEOR. Lyon, França, 2007. ANGELONI, M.T. Elementos intervenientes na tomada de decisão. Ciência da Informação, v.32, n.1, 2003. DiMAGGIO, P.J.; POWELL, W.W. A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de Empresas – RAE, v.45, n.2, 2005, p.74-89. FIANI, R. Teoria dos Jogos: para cursos de Administração e Economia. 2.ed. 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