A Psicopedagogia Institucional e a Educação Infantil - NEAD
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A Psicopedagogia Institucional e a Educação Infantil - NEAD
A Psicopedagogia Institucional e a Educação Infantil Maria Melania Wagner F. Pokorski 1 Resumo Nosso artigo objetiva analisar duas áreas da Psicopedagogia, bem como enfatizar a importância da prática pedagógica na educação infantil, como um período básico para a constituição do sujeito. A primeira parte examina a história e o significado da Psicopedagogia Clínica e Institucional, uma vez que o curso de pós-graduação da Faculdade Porto-Alegrense (FAPA) prepara o psicopedagogo como especialista nas áreas clínica e institucional. A segunda parte aborda um pouco da realidade de escolas de Porto Alegre e da Grande Porto Alegre, locais dos estágios de Psicopedagogia Institucional em 2007. Pretendemos analisar as duas últimas categorias das que foram indicadas na demanda das instituições de estágio: relações interpessoais afetadas, transição entre 4a e 5 a séries, laboratório de aprendizagem, desenvolvimento moral e cognitivo, indisciplina e um repensar sobre a educação infantil. A partir dessa demanda escolar, cabe-nos buscar algum referencial teórico que possa indicar alternativas para entendimento do ser humano no século XXI e, por conseguinte, para poder contribuir mais efetivamente na formação dos alunos envolvidos na educação infantil. Palavras-chave: Psicopedagogia Clínica e Institucional. Histórico. Realidade. Indisciplina. Educação infantil e alternativas. 1 Introdução O presente texto é dirigido aos estudantes de Psicopedagogia e aos profissionais da educação. A partir da visita de pesquisa feita pelos estagiários de Psicopedagogia Institucional da FAPA, em 2007, a 22 escolas do município de Porto Alegre e da Grande Porto Alegre, pensamos em transformar os dados coletados em um projeto, procurando ver como a prática da Psicopedagogia Institucional pode contribuir para o desenvolvimento bio-psicossocial e sexual salutar, principalmente na educação infantil, que se caracteriza como uma etapa fundamental da constituição do sujeito. Nosso texto resgata a história e o conceito de Psicopedagogia; diferencia o que cabe à Psicopedagogia Clínica e à Institucional; aponta as principais características do aprendente com dificuldades de aprendizagem; caracteriza a prática da Psicopedagogia Institucional com 1 Mestre em Educação, Psicopedagoga, Psicanalista – Membro Efetivo do Círculo Psicanalítico do RS, Professora da FAPA da Graduação e Pós-Graduação. E.mail:[email protected] Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 309 enfoque preventivo; analisa categorias indicadas na demanda escolar do estágio de Psicopedagogia da FAPA e, aprofundando duas delas, reflete sobre o que pode estar contribuindo para as situações de indisciplina dos alunos nas escolas, bem como o que colabora para a constituição do sujeito no século XXI. O texto aponta também alternativas de práticas pedagógicas preventivas para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental. 2 Histórico e conceito da Psicopedagogia Um dos principais objetivos do surgimento da Psicopedagogia foi investigar as questões da aprendizagem ou do não-aprender em algumas crianças. Por um longo período, atribuía-se exclusivamente à criança a patologia do não-aprender. Sequer questionavam-se a família, a escola, ou seja, as questões externas à criança. As pesquisas sobre aprendizagem baseavam-se na concepção apriorista, isto é, a criança já nasceria prédeterminada para aprender ou não. Foi na Europa, no século XIX, que médicos, pedagogos e psiquiatras levantaram questões sobre o não-aprender; entre eles: Maria Montessori, Decroly, Janine Mery e George Marco. Os dois últimos criaram, na França, o primeiro Centro Médico-Psicopedagógico, articulando conhecimentos de Psicanálise, Pedagogia, Psicologia, Medicina, tentando buscar soluções para as dificuldades de relacionamento e/ou de aprendizagem na escola. Para Bossa (1994), deve-se a Claparède e a Neville a criação de classes especiais nas escolas públicas, o que deu origem, no início do século XX, às consultas médico-pedagógicas, que objetivavam o encaminhamento de crianças diagnosticadas com alguma “deficiência” às classes especiais. No Brasil, a Psicopedagogia surge a partir da segunda metade do século XX, com contribuições de autores da Argentina; entre eles, Sara Paín, Jorge Visca e Alícia Fernández. Estes ministraram cursos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, destaca-se o Centro de Pesquisa em Orientação Psicopedagógica – CPOP, que, no final da década de 1980 e início da de 1990, oferecia o curso de Psicopedagogia Operativa e Clínica, coordenado pelas Dras. Vanda Spieker e Dorothy Fossati Moniz. Nesse período, nenhuma faculdade ou universidade oferecia o curso de Psicopedagogia. O primeiro curso de Psicopedagogia da FAPA ocorreu em 1995. Para Moojen (1999), a Psicopedagogia, no Brasil, apresenta três momentos históricos. O primeiro refere-se à década de 1960, quando a criança com “distúrbios de aprendizagem” é considerada inapta ao sistema convencional de educação. Uma equipe multidisciplinar faz o diagnóstico e encaminha a criança para um trabalho de reeducação, muitas vezes utilizando o exercício da repetição ou do treino referente ao tema da dificuldade de aprendizagem. 310 Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> O segundo momento corresponde às décadas de 1970 e 1980, quando a Psicopedagogia redefine o seu objeto de estudo, que deve ser ocupar-se com a compreensão da aprendizagem humana. Para isso busca fundamentos interdisciplinares, recorrendo principalmente à Psicanálise, à Psicologia Genética, à Lingüística, à Psiconeurologia, à Sociologia e à Filosofia. A concepção de aprendizagem passa a ser interacionista. Em 1980, é criada a identidade da Psicopedagogia, formando-se a Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp, com sede em São Paulo, sendo que hoje vários estados possuem sua Seção Regional. No ano de 1980, ocorre o primeiro Encontro Nacional de Psicopedagogia, com o tema “Experiências e perspectivas do trabalho psicopedagógico na realidade brasileira”, sendo que, a partir dele, outros encontros ocorrem a cada dois anos, em São Paulo, além de encontros regionais. O terceiro momento, segundo Moojen (1999), está ainda muito ligado ao segundo, porém com ênfase no “ser em processo de construção”- esse sujeito entendido como um ser pluridimensional – que pensa, deseja, relaciona-se e está contextualizado. Nesse terceiro momento, para Fagali (1998), a Psicopedagogia pensa a sua prática, tanto clínica quanto institucional, num enfoque transdisciplinar, sendo necessário aprofundar e analisar os princípios que regem o processo de aprender. Princípios esses que estão presentes na existência do homem, na sua constituição, na sua modalidade de aprender e/ou ensinar, em suas diferenças e singularidades. O enfoque transdisciplinar volta-se para um processo plural, complexo, considerando as capacidades humanas, as diferentes maneiras de elaborar, simbolizar, captar, criar, mostrar e expressar-se. Mas o que caracteriza o trabalho psicopedagógico clínico e institucional? A Psicopedagogia Clínica, como mencionamos anteriormente, tem seu referencial teórico com base nos autores argentinos Sara Paín, Jorge Visca e Alícia Fernández. Esses autores criaram a matriz para o diagnóstico e a intervenção psicopedagógica. O arcabouço teórico organizou-se a partir dos referenciais, principalmente, da Psicanálise e da Psicologia Genética. Segundo Fernández (1995), para o diagnóstico é importante identificar o sujeito aprendente no contexto familiar e no que é externo a esta família. As dificuldades de aprendizagem podem ser entendidas como um sintoma, uma inibição cognitiva, sendo manifestações inconscientes, ou como um problema de aprendizagem reativo. Este último pertence à instituição escolar e não à criança. É a instituição que “falha” em seu processo de ensinagem àquela criança e não chega a aprisionar a inteligência de quem aprende. Além do sintoma, da inibição cognitiva e do problema de aprendizagem reativo, Fernández (1995) destaca o fracasso escolar de portadores de necessidades educacionais especiais – PNEE, que podem apresentar uma deficiência (visual, auditiva, motora, mental) ou um Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 311 comprometimento na estrutura psíquica, com uma evidência psicótica. Essas crianças necessitam de compreensão da maneira como percebem a realidade e como se comunicam com ela. Segundo BRASIL (2005), para entendermos como a criança vê o mundo, precisamos atentar a três estruturas: a biológica, a psíquica e a mental. A estrutura biológica compreende a maturação ou os danos do Sistema Nervoso Central – SNC. Convém assinalar a noção da neuroplasticidade, descrita por Vygotsky (2005), cuja descoberta possibilita intervenções precoces, nos primeiros meses ou anos de vida, podendo reverter quadros que eram vistos, aparentemente, como irreversíveis. Um dos principais ingredientes nessa intervenção, além do conhecimento teórico, é o “investimento afetivo”, que possibilita ressignificar o lugar da criança no contexto familiar e escolar. Todo ser humano é capaz de aprender, no seu tempo. A estrutura psíquica compreende os aspectos subjetivos do sujeito, constituídos no aparelho psíquico ou anímico, que é formado pela primeira tópica (consciente, pré-consciente e inconsciente) e pela segunda tópica (Isso = Id, Eu = Ego e Supereu = Superego). A primeira diz respeito ao funcionamento dinâmico e a segunda representa as suas diferentes instâncias. O significado da “dinâmica estrutural psíquica” foi descrito por Freud (1996), que a caracteriza por psicose, neurose e perversão. A perversão é a manifestação bruta e não-recalcada da sexualidade infantil, considerada como um desvio em relação a uma norma social e sexual. Psicanalistas americanos, em 1949, acrescentaram o estado fronteiriço, ou borderline. O estado fronteiriço situa-se, ao mesmo tempo, entre a estrutura neurótica e psicótica, também conhecida como uma doença do “narcisismo”, hoje muito presente. Freud (1996) defende que é o desejo que coloca o pensamento em funcionamento. Ele chama de “inibição” quando há um bloqueio de alguma função do eu (ego). As funções do eu (ego) são estas: perceber, pensar, planejar, lembrar, decidir e prestar atenção. Esta última nos leva a questionar que o tão falado “Déficit de Atenção” pode ser uma questão psíquica e não apenas neurológica, como muitos defendem. Para Lacan (apud BRASIL, 2005), a “debilidade” diz respeito à maneira como a pessoa lida com o saber, ou seja, querer saber ou não saber algo. Lacan define como patologia quando o sujeito “se fixa numa posição débil, recusando-se a qualquer apropriação do saber.” Nesses casos, é fundamental examinar o “lugar” que essa criança ocupa no meio familiar. Às vezes, como destaca Mannoni (1999), ocupar o lugar de débil é a única alternativa para a criança sentir-se viva nessa família. No consultório, observamos, com freqüência, que uma melhora significativa na aprendizagem de uma criança, principalmente se for portadora de necessidades educacionais especiais (PNEE), deixa a família atrapalhada, porque o “débil”, muitas vezes, ocupa 312 Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> o lugar de depositário das mazelas da família. A melhora abre espaço para a necessidade de ressignificar esse lugar. A estrutura mental compreende os processos mentais que serão utilizados para construir o conhecimento. Envolve os estágios do desenvolvimento cognitivo descritos por Piaget – sensório-motor, préoperatório, operatório concreto e formal - sendo que este último não é universal. O espaço escolar/acadêmico precisa desafiar o aluno para que desenvolva seu nível operatório formal. Para Inhelder (apud BRASIL, 2005), as pessoas com deficiência mental não desenvolvem o nível operatório formal. Constata que chegam, no máximo, ao operatório concreto. Além disso, apresentam flutuações entre os diferentes níveis operatórios, bem como uma viscosidade cognitiva, envolvendo lentidão, fixações em níveis arcaicos de organização, dificuldade de generalização e de transposição das aprendizagens realizadas. Para Weiss (1994), uma minoria de casos de fracasso escolar (10 a 20 %) necessita de atendimento clínico, por questões de história pessoal e/ou de dificuldades cognitivas. A maioria dos casos desse tipo de fracasso são relativos a questões culturais, políticas e pedagógicas da instituição escolar. A autora acrescenta que a origem da Psicopedagogia Institucional tem a ver com os estudos da Psicologia Social de Pichón-Rivière, da Psicologia Institucional de Bleger e da Análise Institucional de Lapassede. Para Fernández (apud BARBOSA, 2001), o espaço na instituição requer maior preparo do psicopedagogo do que o espaço da clínica. Na instituição estão envolvidos o aprendente, o ensinante, as relações entre ambos e seus pares, as famílias, as equipes e o próprio psicopedagogo. A ação do psicopedagogo na instituição deve ser um trabalho preventivo em relação às dificuldades de aprendizagem, envolvendo toda a dinâmica escolar. O psicopedagogo deve ter o entendimento do Projeto PolíticoPedagógico, do Regimento e de toda a estrutura física e documental da instituição, intervindo nas diferentes instâncias que veiculam o conhecimento, como este transita, como é apresentado aos alunos, avaliado, transformado, enfim, analisando os processos e as modalidades de ensinar e de aprender. Além disso, deve observar como ocorrem as relações de poder, o que interfere nas relações interpessoais dos diferentes grupos e como estes procuram dar conta dos conflitos do dia-a-dia. Através do Projeto Político-Pedagógico e da prática educativa, a instituição persegue determinados princípios e concepções. As concepções de ensino e aprendizagem mais utilizadas nas últimas décadas são o empirismo (abordagem comportamentalista), o apriorismo (abordagem humanista) e o interacionismo (abordagem cognitivista e históricocultural). A Psicopedagogia Institucional abrange vários contextos, podendo ser oferecida na escola, na empresa, no hospital, na família. O objetivo, nesses contextos, pode ser examinar como ocorrem as relações interpessoais, como os conhecimentos circulam, que alternativas são pensadas para Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 313 determinados conflitos. Assim, por exemplo, no trabalho hospitalar, podem ser oferecidas oficinas ou trabalhos lúdicos para os internos. Com as famílias pode ser oportuno um trabalho sobre a importância das funções materna e paterna, resgatando-se o papel educacional da família, hoje tão esquecido. Na escola, o psicopedagogo pode analisar a identidade da instituição, os papéis e as funções na dinâmica relacional, os conceitos de aprendizagem, ensino, inclusão; o diálogo com as famílias, etc. Portanto, nesses diferentes contextos da escola, da empresa, da família, do hospital, para cada situação conflitiva diagnosticada pelo psicopedagogo, torna-se imprescindível pensar, planejar, pesquisar e executar, com o grupo envolvido, um plano de intervenção que possa ressignificar o que atrapalha o bem-estar. Nesse caso, o papel do psicopedagogo é o de “mediar” ou “ensinar a pensar” as alternativas para determinada situação. 3 Psicopedagogia Institucional: a realidade nos estágios Nessa seção, pretendemos descrever e analisar as principais categorias apontadas pelas escolas. Estas categorias foram indicadas como a demanda mais urgente, nas instituições onde os estudantes do curso de Psicopedagogia da FAPA realizaram os seus estágios, em 2007. Após a disciplina teórica de Psicopedagogia Institucional, os alunos iniciam o estágio, visitando a instituição onde pretendem realizar a pesquisa. A equipe diretiva da instituição indica para a pesquisa algum grupo com maior necessidade de intervenção psicopedagógica. Normalmente isto envolve alguma(s) série(s) ou grupo de professores. Para a avaliação psicopedagógica institucional, o estagiário, além da observação e de entrevistas, pode utilizar algum instrumento compatível com a demanda indicada. Por exemplo, pode aplicar dinâmica de grupo, teste projetivo (par educativo, desenho prognóstico de eu agora e eu daqui a 10 anos, desenho livre, etc.), ditado balanceado, provas piagetianas, vínculo professor/alunos, etc. Após o período de coleta de dados, da avaliação psicopedagógica institucional, o estagiário realiza a tabulação e a análise dos dados, para chegar a um diagnóstico e poder levantar quais as hipóteses, ou seja, o que está contribuindo para que a demanda manifeste-se. Em seguida, elabora um plano de intervenção psicopedagógico, contendo a justificativa, os objetivos e a operacionalização da intervenção para o grupo, que pode ser de alunos, professores e/ou famílias. Além do Plano de Intervenção, a instituição pesquisada recebe do estagiário, ao final do processo, uma fundamentação teórica referente à situação diagnosticada. Lembramos que os estagiários da FAPA, até 2005, realizavam uma pesquisa mais abrangente, envolvendo aspectos da estrutura física e documental da instituição, além do grupo específico. Porém, como 314 Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> constatamos que o tempo na instituição é bastante exíguo, o trabalho atualmente está mais direcionado a um grupo, conforme a demanda. Em 2007, o estágio de Psicopedagogia Institucional foi realizado em escolas estaduais de Porto Alegre e da Grande Porto Alegre; escolas municipais de Viamão, Gravataí, Sapucaia do Sul e escolas particulares de Porto Alegre, perfazendo um total de 22, sendo uma de educação infantil; dez de ensino fundamental, quatro de ensino médio e sete da EJA. As principais demandas indicadas e confirmadas após o diagnóstico envolvem as categorias apresentadas no Quadro a seguir. Demanda Indisciplina Relações interpessoais afetadas Transição da 4ª para 5ª Série Laboratório de aprendizagem Desenvolvimento moral e cognitivo Repensar sobre a educação infantil Número de ocorrência por escola 08 07 03 02 01 01 A (in)disciplina foi diagnosticada como uma característica com maior evidência, uma vez que a “violência” é um dos assuntos mais veiculados pelos meios de comunicação na atualidade. O tema dessa primeira categoria será aprofundado posteriormente, tentando entender o que leva a pessoa a essa atitude ou conduta de transgressão. Na segunda categoria, envolvendo a Educação de Jovens Adultos – EJA, a demanda tem a ver com as relações interpessoais afetadas (professor– aluno ou entre os alunos), envolvendo desinteresse, falta às aulas, mútuo desrespeito, o que gera, de certa forma, falta de disciplina para uma adequada aprendizagem. Os professores, muitas vezes, não acreditam que cada um pode aprender, sendo que o conteúdo precisa ser condizente com as possibilidades do aprendiz naquele período da construção de suas aprendizagens. Lembramos que os alunos que buscam a EJA estão resgatando um tempo não bem aproveitado em outra ocasião, por falta de condições, de interesse ou até de persistência no estudo. Como sabemos, o estudo exige tempo, dedicação, muito empenho e as gratificações intensificam-se com a maior apropriação do conhecimento. Na terceira categoria, encontramos o tema da transição da 4a à 5a série do ensino fundamental, que foi investigado em duas escolas estaduais e em uma escola particular de Porto Alegre. É um tema antigo, mas ainda está presente nas escolas. O aspecto que pode estar contribuindo é o número de professores que aumenta, a maioria atendendo o aluno de uma forma mais ampla, num período menor que o das séries iniciais, bem como a maior preocupação com os objetivos e conteúdos da série. Os alunos necessitam de organização maior dos materiais das diferentes disciplinas, o que, muitas vezes, é um grande desafio para assumir o estudo com mais responsabilidade. Além disso, o aluno, em seu desenvolvimento bioCiênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 315 psicossocial e sexual, está atravessando uma etapa muito intensa, na qual os hormônios estão em maior ebulição; o crescimento físico chega a ser um estiraço, em muitos casos; os jogos corporais entre os pares passam a ser freqüentes, como que experimentando as sensações e os sentimentos com a reação do outro, bem como confirmando a identidade sexual. A quarta categoria refere-se à necessidade de organizar, numa escola particular e numa estadual, um laboratório de aprendizagem, para enfrentar o fracasso escolar. Não é raro ouvirmos, especialmente de professores de escolas públicas do ensino fundamental, que alunos freqüentando 3a, 5a ou até 8a série apresentam leitura muito ineficiente ou que lêem, mas recusam-se a escrever. Como a escrita é simbólica, fica complicado registrar, no papel, o pensamento, uma vez que a identidade sexual ainda está muito confusa, com as questões edípicas conturbadas. Rappaport (1981, p.40), analisando as dificuldades acentuadas de escrita, mostra que “Se seu sexo não teve uma marca simbólica configuradora, como marcar o papel com seu pensamento? A dislexia pode estar como o sintoma, o símbolo, o enigma proposto por um eu que busca se configurar, mas não pode.” Sem falar das quatro operações matemáticas, nas quais, desde o valor posicional do número, algumas crianças ficam confusas. Em sua maioria, estas operam no estágio infralógico, ou seja, pré-operatório. A quinta categoria aponta o desenvolvimento moral e cognitivo. O estágio em questão foi realizado numa 2a série, de uma escola particular de Porto Alegre. A queixa da professora referia-se aos alunos distantes, desinteressados, agitados, sendo difícil para ela poder desenvolver suas aulas. A estagiária verificou algumas situações de aprendizagem (escrita, cálculo, entre outras), bem como observou as relações professor/aluno e entre os alunos em algumas aulas. A partir do diagnóstico e das hipóteses, a estagiária elaborou um plano de intervenção e o fundamentou teoricamente. Seu caminho foi aprofundar o desenvolvimento moral e cognitivo, a partir da teoria de Piaget, criando várias historietas para ajudar as crianças a decidir e a tomar maior consciência sobre fatos do dia-a-dia. Além disso, resgatou a história de Pinóchio–Gepetto, fundamentada em Corso e Corso (2006). A última categoria aponta para repensar a prática docente da educação infantil. Em estágio realizado numa pequena escola particular de Porto Alegre, a demanda indicada referia-se ao trabalho e ao planejamento mais integrados e partilhados entre as professoras de níveis iguais. Esse tema será retomado posteriormente. Enfatizaremos, basicamente, a criança do século XXI, bem como os aspectos que devem ser observados na constituição do sujeito e qual o papel da escola, a partir dessa realidade. Até aqui fizemos apenas um breve comentário, inclusive superficial, das categorias analisadas pelos estagiários da Psicopedagogia Institucional, do ano de 2007. Nossa intenção, a partir de agora é aprofundar as categorias de “(in)disciplina” e “repensar a prática da educação infantil”. 316 Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> Faremos a análise das duas categorias de forma conjunta, porque muitas vezes a (in)disciplina manifestada nas séries posteriores tem a ver com “falhas” na primeira infância. A escolha dessas duas categorias, entre as demais, deve-se ao fato de a indisciplina ter sido a queixa mais freqüente das escolas visitadas pelos estagiários. A educação infantil, mesmo que tenha aparecido apenas em uma das escolas visitadas pelos estagiários de Psicopedagogia Institucional da FAPA, refere-se a uma etapa fundamental da constituição do sujeito, sendo assim um período de desenvolvimento bio-psicossocial e sexual, que marca a estrutura de identidade desse sujeito. Como sabemos, praticamente todas as concepções psicológicas defendem que a estrutura da “personalidade” forma-se nos primeiros seis anos de vida; a adolescência é a confirmação dessa identidade, iniciada antes do nascimento. 3.1. A indisciplina e o repensar a prática da educação infantil Que mudanças têm ocorrido para a indisciplina/violência ser mais freqüente e em maior intensidade? Por que o fenômeno Bullying nas escolas? Em que tipo de família a criança nasce hoje? Como são exercidas as funções materna e paterna? Como está acontecendo a formação continuada dos professores? Qual o investimento financeiro das Secretarias Municipais e Estaduais de Educação? Em que medida os meios de comunicação, a mídia, o mundo globalizado auxiliam na constituição do sujeito? Quais as principais patologias e qual o reflexo delas em sala de aula? O que, disso tudo, faz parte da natureza humana? São muitas as indagações que nos surgem. Se voltarmos um pouco no tempo, percebemos que as mudanças, no final do século XX, foram gigantescas. Por exemplo, na década de 1970, a televisão começou a fazer parte da maioria dos lares, porém com programas controlados pela censura brasileira. Na década de 1980, a moda trouxe o videogame e o videocassete e, com este último, o número de filmes “pornôs” cresceu nacional e internacionalmente. O que era mais censurado/proibido para crianças até então passou a ser explícito nas novelas de qualquer horário. Na década de 1990, entraram as televisões a cabo, o computador tornou-se mais difundido. As escolas particulares passaram a oferecer cursos a seus professores para maior domínio da “máquina”. A comunicação via Internet cada vez mais vai preenchendo os intercâmbios das relações humanas. As crianças das últimas décadas nascem informatizadas, ou seja, desde cedo dominam o mundo virtual. Com tudo isso, a família também tem mudado muito. Segundo Roudinesco (2003), há três momentos históricos. O primeiro momento é denominado de “família tradicional”, em que os casamentos davam-se a partir de arranjos entre os pais dos noivos. O objetivo principal era a Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 317 transmissão de um patrimônio. Nessa época, a família tradicional encontrava-se submetida à autoridade patriarcal, de ordem imutável. No segundo momento, do final do século XVIII aos meados do XX, o amor romântico e a lógica afetiva passaram a vigorar na “família moderna”. A atribuição de autoridade ficava dividida entre o Estado e os pais. Na “família contemporânea”, a partir dos anos 1960, as relações são “enquanto durar o sentimento que os une”. A questão da autoridade fica cada vez mais problemática, em função das recomposições conjugais. Para Bauman (2004), as relações são cada vez mais flexíveis, tecidas e desmanchadas com igual facilidade. Isso traz, como conseqüência, maior nível de insegurança nos relacionamentos. Os laços afetivos são mais frágeis. O autor inclusive os chama de “amor líquido”. Apesar das grandes mudanças nas últimas décadas, que, com certeza, têm trazido muitos benefícios em relação ao tempo, à amplitude de contatos, à veiculação das informações, etc., não podemos esquecer que, para Winnicott (1982), a criança, nas primeiras fases do desenvolvimento emocional, precisa viver num círculo de amor e de conforto “estável”, pois sua personalidade não está integrada ainda e o “amor primitivo tem uma finalidade destrutiva” (WINNICOTT, 1982, p. 257). Nesse período, a criança precisa aprender a tolerar frustrações, a conhecer a realidade interna e externa, a estabelecer vínculos de continuidade. Caso contrário, no futuro, essa criança poderá sentir medo de seus próprios pensamentos, de sua imaginação, e não tolerar as menores frustrações do dia-a-dia. Além disso, esse sujeito, para constituir-se, necessita, segundo Winnicott (1983), de uma mãe “suficientemente boa”, que gratifica numa medida acertada, nem de mais, nem de menos, que se ocupa com esse bebê e lhe possibilita o desenvolvimento sadio do seu self ; uma presença continuada da mãe que atenda as necessidades básicas do bebê. Porém, essa presença, com o passar do tempo, precisa ser intercalada com a ausência, para que o bebê compreenda que quem se ausenta vai reaparecer daqui a pouco. Esse é um passo importante para a independência, para o fortalecimento do eu, bem como para as progressivas desilusões do bebê. Segundo Bion (apud ZIMERMAN, 1999), a mãe precisa ser continente às angústias do bebê, devendo devolvê-las desintoxicadas, transformadas, decodificadas e nomeadas no entendimento do bebê. Assim, num pequeno acidente caseiro, a mãe tranqüiliza a criança - “isso vai passar ou sarar logo mais”- , isto é, a mãe não se apavora com situações do dia-a-dia. Mas para a constituição desse sujeito, essa mãe precisa nomear o terceiro, o pai, que até agora foi mais uma proteção a ela. Nomeá-lo para que ocupe o lugar e as funções que cabem a ele desempenhar. Uma das funções do pai é a da lei, da interdição a essa relação mãe-bebê, bem como às fantasias edípicas que afloram durante a primeira infância. Para Zimerman (1999, p. 107, grifo nosso em itálico e do autor em negrito), “é o pai que no papel de ‘terceiro’, interpondo-se como uma cunha normatizadora e delimitadora entre a mãe e o bebê, irá propiciar a 318 Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> necessária passagem de Narciso a Édipo”. E acrescenta “as frustrações promovem um estímulo às funções do ego da criança, especialmente a formação da capacidade de pensar.” Mas o que significa a afirmativa de Winnicott (1982) citada anteriormente, “o amor primitivo tem uma finalidade destrutiva”? Essa frase nos remete ao conceito de Freud de pulsão de morte. As pulsões são forças existentes para além do aparelho psíquico e são a “causa última” de toda atividade psíquica, a qual se situa nos limites do corpo e do psiquismo. Para Garcia-Roza (2004), “a pulsão de morte é concebida como vontade de destruição”. Conforme o autor, Freud dez anos após o livro Além do princípio do prazer, em O mal-estar da cultura, afirma a autonomia da pulsão de morte, entendida como pulsão de destruição. Garcia-Roza (2004, p. 144) acrescenta que “Enquanto pura potência, a pulsão é vazia de forma, de sentido, não é nem sexual nem agressiva, nem de sociabilidade, mas pulsão, pura e simplesmente.” Em seu livro, Garcia-Roza (2004) analisa “O mal radical em Freud”, descrevendo a natureza humana, a partir dos filósofos, desde Platão até a Psicanálise. Aponta que, para Kant, a tese do “mal radical” é ser uma tendência, uma propensão ao mal. O homem sabe da lei moral, mas a transgride. A isso Kant chama de propensão à transgressão. Freud, porém, retoma essa questão e cria o conceito de pulsão de morte, afirmando que é uma “pulsão de destruição”. Lacan, em O seminário, 30 anos mais tarde, caracteriza o “mal radical” como “vontade de destruição”, a qual pode ser concebida também como vontade de recomeçar, de criar e recriar. Segundo Garcia-Roza (2004, p. 160), em O mal-estar na cultura, Freud aponta a destrutividade como a “fonte do sentimento de culpa”: “Da tensão entre o supereu tirânico e o eu que a ele se submete, resulta o sentimento de culpa.” Assim, o sentimento de culpa pode ser entendido como uma reação à destrutividade, à maldade presente no ser humano. Mas, então, podemos dizer que sentir culpa faz parte da passagem da criança biológica/ natural para a criança de uma cultura, de uma civilização, passagem do Narciso para o Édipo? Freud, em Introdução sobre o narcisismo (1996), descreve “o objeto de amor escolhido pelo bebê”: a mulher que o alimenta e o homem que o protege. É isso que a pessoa teme perder, esses imagos introjetados, uma angústia frente à perda do amor. Essa angústia obriga a criança a uma renúncia pulsional. A cada renúncia alimenta a consciência moral, tornando-a mais severa. Portanto, o sentimento de culpa representa um conflito ambivalente da luta entre Eros e a pulsão de morte. Mas como fica o “sentimento de culpa” ou a “consciência moral”, quando a frase mais comumente utilizada hoje é “não dá nada”? O que o adolescente denominado pelos professores de “indisciplinado” quer dizer, muitas vezes, em sua linguagem pré-verbal? Não podemos generalizar, mas é fato que, atualmente, há desencontro entre alguns professores e alunos, principalmente nas Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 319 realidades visitadas por um expressivo número de estagiários de Psicopedagogia Institucional, em 2007. Quem é esse sujeito do século XXI, o que a educação infantil e o ensino em geral podem fazer? A psicanalista, representante da Europa para a International Psychoanalysis Associaton (IPA), Marília Aisenstein (apud ROCHA, 2006, p. 40), em resposta à pergunta se a estrutura familiar, no mundo contemporâneo, mudou, afirma que sim: “estamos diante de uma sociedade sem pai, a autoridade familiar está destruída, o que, no meu ponto de vista, não mudou a teoria de Freud, mas muda a organização psíquica de muitos jovens, o que pode gerar pessoas com mais dificuldades, mais casos limítrofes etc.” E acrescenta que uma das descobertas fundamentais de Freud é “como a sexualidade infantil influencia a organização psíquica e o processo de pensamento.” Segundo Rocha (2006), a psicopatologia tem a ver com a história e a cultura em que estamos inseridos, há uma manifestação de sintomas, e, na atualidade, o que mais ocorre são problemas de adição (drogas), distúrbios alimentares (obesidade, anorexia, bulimia), doenças psicossomáticas relativas aos processos mais primitivos da organização psíquica. Esses sintomas diferem das doenças neuróticas, uma vez que, nas patologias atuais, há = pobreza nos processos de simbolização. Para Rocha (2006, p. 36), “O corpo fala de algo que o psiquismo não consegue nomear ou expressar com palavras”. O que é denominado de “patologia do vazio”. A maioria das patologias da atualidade não são produzidas por um “recalque das fantasias edípicas”, da sexualidade infantil; são relativas à falha na capacidade de o bebê processar suas angústias primitivas, pois, muitas vezes, elas não estão sendo nomeadas e os vínculos estão sendo muito passageiros, sem continuidade ou escassos. Parece que estamos nos encaminhando para uma cultura narcísica, na qual o corpo é hipervalorizado. As crianças, antes de poderem compreender, vivenciam cenas sexuais, tendo acesso livre à Internet ou à televisão, o que as deixa erotizadas. A busca do conhecimento não lhes provoca o desejo de saber. As fantasias, tão próprias do mundo infantil, ficam embotadas. Com o mundo dos adultos à disposição da criança, não lhe falta nada que possa desejar. O desejo brota da falta, não há mais um “fruto proibido a desejar”. Assim, a individualidade não será mais perseguida como outrora, marcar a diferença já não é tão importante, basta a massificação: “todo mundo faz, todos são assim”. Monteiro (2007, p. 117, grifo do autor), analisando “o mal do século” destaca: No momento em que, a versão patriarcal não mais se sustenta, porém, a perversão surge como via de saída, mas ao mesmo tempo, encurrala o homem em sua própria angústia. A angústia de se saber dono e senhor absoluto do nada que pretende alcançar e controlar, mas que lhe escapa, impreterivelmente, sem lhe deixar a sensação de novas possibilidades. 320 Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> A falha na função paterna faz-se tão presente que, conforme exemplifica Adriano Duarte (2007), 71% dos internos do Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de Caxias do Sul – RS não tiveram a presença paterna durante a primeira infância e a adolescência. Ainda nesse sentido, Outeiral (2007) chama atenção para os “Adultos: uma espécie em extinção”. Assim, as crianças e os adolescentes têm dificuldades em encontrar com quem fazer suas identificações estruturantes e saudáveis. Acrescenta ele em seu artigo que “No embate entre civilização e barbárie, esta última está com evidente vantagem.” Talvez o fenômeno bullying, tão freqüente nas escolas, seja um exemplo deste encaminhamento para a barbárie. Bullying é uma prática de violência nas relações interpessoais, provocando sistematicamente um sofrimento físico ou psicológico. Esse comportamento toma várias formas, desde violência física a ameaças verbais, intimidação, exclusão do grupo. O alvo pode ser apenas uma pessoa ou um pequeno grupo, mas, de qualquer forma, com poucas condições de se defender. Bullying é uma expressa inglesa, na qual bully significa “valentão”. Tudo indica que a passagem de Narciso para Édipo tem-se modificado. Para Nasio (2007), o Édipo atinge todas as crianças de três a seis anos de idade, caracterizando-se por fantasias, desejos e identificações. Inicia com a sexualização dos pais pela criança e acaba com a dessexualização, sendo que essa última organiza a identidade sexual adulta. Para a dessexualização dos pais ocorrer são necessários três processos na organização edípica. As fantasias e os desejos edípicos precisam ser interditados pelo genitor, impedindo a realização do incesto, pois esse não pertence à organização social humana. Com a interdição, as fantasias e os desejos ficam recalcados, a criança identifica-se com o genitor do mesmo sexo e sublima as fantasias e os desejos sexuais. O essencial da crise edipiana é aprender a canalizar esses desejos e essas fantasias transbordantes para atividades sociais, culturais e intelectuais. Porém, com as falhas na função paterna constatadas na atualidade, o processo de pensamento e a organização psíquica funcionam de forma bastante primitiva. Para Levisky (2006), estamos vivendo um período de “genocídio de almas”, no qual crianças e adolescentes não estão podendo contar com vínculos afetivos mais sólidos, mas os vínculos são fundamentais para a constituição do sujeito; inclusive afetam o desenvolvimento do potencial afetivo, cognitivo, conativo, criativo e reparador. A educação deverá ocupar, com urgência, seu papel. Carvalho (2007), em seu artigo Entre o divã e a sala de aula, esclarece, em primeiro lugar, a diferença entre Psicanálise e Educação. A Psicanálise lida com o inconsciente do sujeito, com o imprevisível, o não-planejado e, muitas vezes, o nãopensado. A Educação lida com o previsto, com o planejado. Ela necessita atentar para a construção civilizatória, lidar com a consciência e a razão do sujeito. Sua metodologia prevê ordem, estabilidade, previsibilidade, Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 321 mesmo sendo o planejamento algo flexível. Sem dúvida, Psicanálise e Educação são áreas muito distintas, mas a Psicanálise pode auxiliá-la a entender o que o sujeito necessita para se constituir e a Educação não deixar de exercer o seu papel. A instituição escolar é a “segunda família” para a criança, ou seja, como diz Winnicott (2005), se a família falhar, a escola é a segunda oportunidade para a criança estabelecer seus vínculos e aprender a viver em sociedade, se a escola falhar, resta a sociedade ou o juiz. Nas palavras de Carvalho (2007, p. 312-313), “a Educação precisa ainda produzir o represamento moral do inconsciente, estabelecendo normas para coibir o indivíduo. Esse é o caminho para a civilização.” Acreditamos que não faltam recursos para a Educação pôr em prática as mudanças necessárias. Por exemplo, um recurso fantástico para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental é o trabalho com os contos infantis. As crianças aprendem a discriminar a virtude da parte malvada; a vislumbrar a dimensão do encantamento e do maravilhoso; a projetar suas angústias e medos; a identificar-se com os heróis; enfim, os contos, para Bettelheim (1995), têm o papel de “ajudar a criança a colocar ordem em sua casa interior.” Para isso os professores, em sua formação continuada, devem apropriar-se dos significados desses contos para a criança, entendendo por que eles se tornaram universais, o que eles representam para o psiquismo humano. Respostas podem ser encontradas em Bettelheim (1995), Corso e Corso (2006), Gillig (1999), entre outros. Outra atividade de que a escola não pode abrir mão é refletir, a partir de reuniões e seminários, sobre as mudanças na realidade e buscar alternativas entre professores e/ou com as famílias que atende, analisando o que cabe à família e o que compete à escola quanto à formação do sujeito. Além disso, para poder aprender, é necessário um ambiente de respeito mútuo (professor-aluno e entre alunos), de diálogo e, por que não, de disciplina. As regras de convivência precisam ser combinadas na educação básica (educação infantil ao ensino médio) e até na educação superior. Nenhum projeto comunitário sobrevive sem algumas limitações aos indivíduos nele envolvidos. Para De Vries e Zan (1998), estabelecer regras com alunos os auxilia na tomada de decisões; favorece o respeito mútuo, a cooperação e a auto-regulagem. Essas regras devem ser retomadas e avaliadas com o grupo sistematicamente, decidindo o que está bem e o que deve melhor e por quê. A educação infantil, embora conste como fazendo parte da educação básica, como o ensino fundamental e o ensino médio, na LDBEN 9394/96 não tem previstas sua obrigatoriedade e gratuidade. É lastimável que não haja uma previsão de investimento para essa etapa do desenvolvimento da criança, a mais propícia para “semear” e organizar as três estruturas – a biológica, a psíquica e a mental. A educação infantil é o período básico para brincar. Para a 322 Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> Psicanálise, o brincar e o jogar são formas utilizadas pela criança para dramatizar, descarregar, comunicar suas fantasias, bem como uma possibilidade de elaborá-las. O brincar é necessário porque o eu (ego) primeiro é corporal, implica o auto-erotismo, ou seja, o bebê brinca com partes de seu corpo e, em seguida, o eu (ego) nasce, o que é caracterizado como o “narcisismo”. O narcisismo divide-se em primário e secundário. No narcisismo primário, predomina a onipotência denominada de “eu ideal” que funciona no registro imaginário. O narcisismo secundário corresponde a ser reconhecido pelos e aos outros; é a etapa do “ideal do eu” e funciona, no registro simbólico, como projeto de vir a ser, com obrigações e expectativas para um projeto de vida, ou seja, o que era biológico transforma-se em cultural. Para Winnicott (1975), o prazer no brincar é um indicador de saúde de quem brinca e a criança desatenta tem um déficit no brincar. Como a criança de hoje nasce num mundo virtual, isso requer da escola uma aproximação pedagógica dos avanços tecnológicos, dando espaço ao recurso digital, a projetos de pesquisa, desde a educação infantil, aproveitando a etapa de curiosidade da criança que quer saber o porquê de tudo. É importante que, na educação infantil, as atividades sejam planejadas e combinadas a partir de uma “rotina”. Saber o que vai acontecer numa seqüência diminui a ansiedade da criança em relação ao desconhecido. Prever espaços próprios para brincar de casinha, para o faz de conta; espaço para desenhar/pintar, outro para jogar; espaço para o teatro, a fantasia, a cozinha, a informática; espaço do(s) espelho(s), que ajuda na conquista da representação de si: a imagem é ela, mas não é ela. Esses diferentes espaços auxiliam na estruturação psíquica e mental da criança. Além disso, reforçam o espaço simbólico, ou seja, aquela atividade acontece sempre naquele lugar. Em todos esses espaços é fundamental que os materiais/jogos que foram utilizados/espalhados, sejam devolvidos ao local de origem. O esvaziar e não guardar reforça a dispersão interna. Não poderíamos deixar de mencionar o espaço da “rodinha” das combinações e novidades, onde a criança aprende a se expressar no grupo, a organizar as idéias, a ouvir o colega, a esperar a vez, a ouvir histórias, a aumentar o vocabulário etc. 4 Conclusão Pelo exposto até aqui, parece que apresentamos uma realidade pessimista, sem saída. Mas é justamente dessa realidade que as escolas visitadas pelos estagiários de Psicopedagogia Institucional de 2007 manifestaram suas queixas, pedindo alternativas. Falamos de uma parte da sociedade, principalmente de uma parcela que parece encontrar-se “atrapalhada”. Talvez seja um reflexo do próprio meio ambiente que está Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 323 em perigo ou com o tempo contado, se não houver uma grande mudança. Isso, possivelmente, também está afetando os projetos de futuro desses jovens. Porém, não podemos esquecer que uma grande parte das crianças e dos adolescentes reconhece na escola um lugar gostoso de estudo e de encontros com colegas e professores. É salutar que o espaço oferecido para ensinar e aprender seja acolhedor, limpo, organizado, que os corredores e paredes falem por si só. Ou seja, a escola pode ter alguns espaços/paredes, com registros da história da instituição: fotos, pequenos textos, quadros. Oferecer salas ambiente, com todo material possível e imaginável sobre Artes, Matemática, Línguas, Informática, História, Filosofia, bem como Ludoteca e Biblioteca com bom acervo também é importante O espaço da educação infantil, com corredores decorados com contos infantis, onde cada conto possa retratar situações e etapas da evolução psíquica da criança, igualmente merece destaque. Além disso, um vínculo saudável e um grau de empatia são fundamentais, como nos lembra Fernández (2001, p. 30): “Mais do ensinar (mostrar) conteúdos de conhecimentos, ser ensinante significa abrir um espaço para aprender. Espaço objetivo-subjetivo em que se realizam dois trabalhos: a) construção de conhecimentos; b) construção de si mesmo, como sujeito criativo e pensante.” Sem dúvida, um trabalho efetivo na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental com os “contos infantis” ajudaria a criança a discernir entre fantasia e realidade, o bem e o mal; trabalharia a imaginação; abriria um leque de sugestões para poder elaborar os conflitos do dia-a-dia. A escola, em seu Projeto Político-Pedagógico, deve prever e aplicar, em sua prática, uma intenção na construção de um projeto de vida, no qual as relações interpessoais saudáveis entre professores, alunos e famílias sejam privilegiadas. Às vezes, investimos muito no planejamento de conteúdos e objetivos, mas esquecemos as relações afetivas, o acolhimento daquele aluno que chega pela primeira vez à escola, cheio de sonhos e expectativas. Até então ele estava acostumado a ser quase o centro das atenções; a partir dali vai ter que dividir isso com 20 ou 25 ou 40 colegas. Essa criança vai ter que se adaptar ao jeito de ser do professor e dos colegas, aos comentários, às piadas. Acreditamos que são muitas as variáveis que acompanham os processos de ensinar e aprender, que parecem infindáveis, mas pensamos ser oportuno lembrar alguns. Acreditamos que o psicopedagogo, na escola, exerce um papel fundamental na criação e no aperfeiçoamento do clima relacional entre professores, alunos, funcionários e famílias, muitas vezes, sendo necessário desmistificar a manifestação de sentimentos primitivos como a inveja, a competição, que impedem a prática educativa; examinar com a equipe diretiva e/ou professores aspectos que são destrutivos para as relações interpessoais, diagnosticando e intervindo nos sintomas e/ou discursos que são mantidos vivos e se repetem, não colaborando para o crescimento 324 Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> do grupo; analisar onde a pulsão de morte atua de forma apenas destrutiva e sem possibilidade do novo, do recriar e do recomeçar. Além disso, dar atenção à “identidade” dessa instituição: qual sua história, o que há de significativo nela, o Projeto Político-Pedagógico e o Regimento. Para Butelman (1998), o “ato de recordar como uma forma de apropriação dos atos executados; é uma forma de apropriar-se psiquicamente das instituições.” Finalizando, queremos enfatizar que o Psicopedagogo pode fazer muita diferença numa instituição, com uma escuta e um olhar mais sensível quanto às demandas de professores, alunos e famílias. Lembramos que, no Rio Grande do Sul, o serviço ainda é pouco conhecido; porém, em outros estados brasileiros, há muita procura, principalmente, para os serviços de assessoramento às instituições. Cremos que o psicopedagogo na instituição pode contribuir significativamente, lembrando que, conforme um pensamento de Einstein, (cujas referências não conseguimos recuperar), “A mente que se abre a uma idéia, jamais voltará ao seu tamanho original.” Recebido em março de 2008. Aprovado em abril de 2008. Title: Institutional Psychopedagogy and Childhood Education Abstract Our article aims at analyzing two areas of Psychopedagogy as well as emphasizing the importance of the educational practice in the Childhood Education, as a fundamental period to the constitution of the human being. The first part examines the history and the meaning of Clinical and Institutional Psychopedagogy, since the Post-graduation course of Faculdades Porto –Alegrenses (FAPA) prepares the psycho-pedagogue as a clinical and institutional specialist. The second part approaches the reality of schools in Porto Alegre and Great Porto Alegre, where the practical work in Institutional Psychopedagogy was carried out, in 2007. We intend to analyze the last two of the following categories: affected interpersonal relations, transition from the 4 th to the 5 th grade, learning laboratory, moral and cognitive development, indiscipline, and rethinking childhood education. From this school demand it is important to choose theoretical reference which will indicate alternatives to the understanding of human being, in the twenty-first century, in order to contribute to the formation of students more effectively. Key words: Clinical and Institutional Psychopedagogy. Demand. History. Reality. Indiscipline. and alternatives. Referências BARBOSA, Laura M. Serrat. A psicopedagogia no âmbito da Instituição Escolar. Curitiba: Expoente, 2001. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. Ciênc. let., Porto Alegre, n. 43, p. 309-327, jan./jun. 2008 Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras> 325 BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fada. São Paulo: Paz e Terra, 1995. BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artmed, 1994. BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Educação Inclusiva: documento subsidiário à política de inclusão. 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