Enciclopédia dos animais e dos homens Jakob
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Enciclopédia dos animais e dos homens Jakob
• _os Animais." e dos Homens ·_~ ". /. I I LBL ENCICLOPÉDIA I l f ' A Enciclopédia LBL será uma autêntica enciclopédia do saber contemporâneo e não apenas uma colecção de divulgação científica. Através de uma série de livros de pequeno formato.. . seleccionada por um escol intelectual da. mais alta categoria, e incluindo estudos da maior importância, escri. \ tos pelos mais ilustres e internacionalmente respeitados especialistas, a Enciclopédia LBL porá a ciência do século xx ao alcance de todos. Cada volume conterá, assim, as últimas aquisições da investigação e do conhecimento humanos. f' 7/i . I jAKOB VON UEXKÜLL Dos Animais e dos Homens LBL Digressões pelos seus mundos próprios ENCICLOpEDIA A Ciência do Século ao alcance de t od os Doutrina do Significado xx Tradução Alberto de Candeias e Anibal Garcia Pereira LIVROS DO BRASIL . LISBOA DIRECTOR CIENTfmco: íNDICE Prof. Ernesto Grassi, Munique CONSELHO CONSULTIVO: lJ M PRECURSOR Franz AItheim, Berlim I Henri Bedarida, Paris-Sorbonne / RI'I1Nt Benz, Marburgo / Carl J. Burckhardt, Basileia / Enrico Castell/] Roma I Francisco Javier Conde Garcia, Madrid / Alois D 'mpl, Munique I Mircea Eliade, Bucareste-Paris / Vicente Ferreira da Silva, São Paulo I Hugo Friedrich, Friburgo I Hans-Georg Gadamer, Heidelberga I Eugenio Garin, Florença I Adolfo Gomes Lassa, Sautiago do Chile / Juan Gomez Millas, Santiago do Chile I Henri Gouhi 't:, Paris-Sorbonne / Rudolf Grossmann, Hamburgo / Romano Guardini, Munique I Hermann Heimpel, Catinga I Georg Henneberg, Berlim / M. P. Hornik, Oxónia I Ernst Howald, Zurique I G. Frhr. v. Kaschnitz-Weinberg, Francfort-Roma / Karl Kerényi, Zurique I Lawrencc S. Kubie, rale / Pedro Lain Entralgo, Madrid / Karl Loewith, Heidelberga / Arthur March, lnsbruque / Hans Marquardt, Friburgo / Adolf Meyer-Abich, Hamburgo / Alexander Mitscherlich, Heidelberga / J. Robert Oppenheimer, Princeton I Walter F. Otto, Tubinga / Enzo Paci, Pavia / Massimo Pallottino, Roma / Adolf Portmann, Basileia I Emil Preetorius, Munique I Hans Rheinfelder, Munique / Salvatore Riccobono, Roma I David Riesman, Chicago / J an Romein, Amsterdão / Fritz Schalk, Colónia I Helmut Schelsky, Hamburgo / Gunter Schmõlders, Colônia I Percy Ernst Schramm, Catinga / Hans Sedlmayr, Munique / Wilhelm Szilasi, Friburgo I Giuseppe Tucci, Roma / Thure von Uexküll, Giessen / Giorgio dei Vecchio, Roma / Centre International des Etudes Hurnanistiques, Roma / Centro Italiano di Studi Umanístici e Filosofici, Munique / DA NOVA BIOLOGIA A AUTONOMIA DO SER VIVO-CICLO-DE-FUNçÃO E MUNDO-PRÓPRIO- OS«PAPÉIS DASCOISAS NO CENÁRIO DA VIDA; O ESTUDO DO SEU SIGNIFICADO-O MUNDO-PRÓPRIO E O HOMEM-NA SENDA DO ESTUDO DO COMPORTAMENTO-A INVESTIGAÇÃO PROSSEGUE-O DIGRESs'ÓES PELOS MUNDOS-PRÓPRIOS r. . OS ESPAÇOS DOS MUNDOS-PRÓPRIOS-= 2. O os - 5. Direitos reservados pela legislação em vigor Edição feita por acordo com. a ROWOHLTS DEUTSCHE ENZYKLOPADIE 20 INTR.ODUÇÃO A PERCEPÇÃO MUND0S-PRÓPRIOS FORMA E -7. TEMPO ELEMENTARES FINALIDADE E PLANO IMAGEM-PERCEPTIVA TORA-S. DO MOVIMENTO COMO SINAIS CARACTERÍSTICos-6. Capa de Karl Grõning Jr. I Gisela Pferdmenges DO RO- MEM E DOS AL'l"IMAIS ..•................................. -4. STREIFZUGE DBRCH DIE UMWELTEN VON TIEREN UND MENSCHEN PROBLEMA DA ORGANIZAÇÃO SEGUNDO UM PLANO HORIZONTE-3. Título da edifão original: 7 E IMAGEM-EFEC- O CAMINHO APRENDIDO-g. E PÁTRIA-IO. O COMPANHEIRO- -PRETENDIDA E TEOR-PRETENDIDO- MUNDOS-PRÓPRIOS LAR I I. lMAGEM- IMAGINÁRIOS - 12. OS 13. O MESMO SUJEITO COMO OB]ECTO EM DIFERENTES MUNDOS-PRÓPRIOS- 14. CONCLUSÃO 23 DOUTRINA L DO SIGNIFICADO . OBJECTOS SrGNIFICANTES-2. PRIO E REVESTIMENTO PROTECTOR - TEIA MORFOGENÉTICA E 6. DE LEI 3. LEI DO SIGNIFICADO- A LEI DO SIGNIFICADOCOMO ELO DE LIGA- çÃO ENTRE DUAS LEIS ELEMENTARES-7. A DOUTRINA DA «COMPOSIÇÃO» DA NATUREZA -8. A TOLERANCIA DO SIGNIFICADO-9. TÉCNICA DA NATUREZA PONTO, 10. A O CONTRA- CAUSA DETERMINANTE DA CONSTI- TUIÇ'ÃO DA FORMA- I r. O PROGRESSO- 12. RESUMO E CONCLUSÃO INTRODUÇÃO À EDIÇÃO EXPLANAÇÃO ENCICLOPÉDICA I'; (I lJ R fi R DA NOVA ORIGINAL . 180 A bra de Jacob von Uexküll veio a ter resultados fecundos lias id ias e nas tarefas da biologia actual. As investigações dos nossos dias falam de mundos-próprios dos animais no sentido particular que Uexküll atribuiu a este conceito e apresentam ciclos-de-função do ser vivo exactamente como ele no-los tinha definido em dezenas de anos de labor intenso. Se hoje encaramos os fenómenos da vida, não só como causa de certos efeitos mas também como partes componentes de um conjunto pré-existente, devemo-lo principalmente ao seu trabalho. A nova geração que agora começa a trabalhar já não teve oportunidade de o conhecer e quase não mantém com a sua obra relações directas. Uexküll morreu durante os anos negros do fim da Segunda Grande Guerra e, na confusão desse período, muitos investigadores se esqueceram de quanto ficaram devendo a esse homem que foi, simultâneamente, um grande biólogo e um génio de forte personalidade. Vamos acompanhar a elaboração e a influência desta obra notável, para entrarmos depois na própria natureza dos dois trabalhos mais recentes, reunidos neste volume. . A AUTONOMIA DO SER ACERCA DO AUTOR LISTA DOS ESCRITOS UEXKULL íNDICE vrvo 192 E LIVROS DE JAKOB ...................................................... DE ASSUNTOS BIOLOGIA A A INTER- ARANHA-S. 11MI'l por Adoif Portmann MUNDO-PRÓ- UTILIZAÇÃO DO SIGNIFICADO-4. PRETAÇÃO DA Il3 195 . 200 O que Uexküll trouxe de novo ou simplesmente aprófundou, a partir de investigações já feitas, teve o seu início na última década do século passado, nos anos que se seguem imediatamente aos sugestivos estudos de Hans Driesch. As experiênciasde Driesch com as primeiras formas embrionárias do ouriço-do-mar tinham revelado particularidades de desenvolvimento que deixavam transparecer nitidamente a autonomia do ser vivo e contribuíram também de maneira definitiva para que, na-busca de uma interpretação do ser vivo, se afirmasse, com nova força,.1!p~ da interpretação mecanista do~nte, a outra 'ossibilida e: o~tf!Jismo. Se, daí em diante, caem em desuso os termos mecanismo e viiãlismo, por se ter reconhecido amplamente a existência de uma autonomia relativa, de uma independência, do ser vivo, 7 I 11111" !li 1"1111 11' I" 10 I; () importante deu larga contribuiçí () 11•.I"lho C'dadol' ele j acob Ucxküll, 1\ sua obra foi muito particularmente sugerida pela vida do] animais marinhos. E é mais uma vez a utilização genial deste campo das formas animais marinhas que lhe revela novos factos acerca da função dos músculos e nervos e das relações com o meio. Os movimentos d03 espinhos do ouriço-da-mar, os movimentos das lapas ou ela medusa, o estímulo da sombra que actua no ouriço-do-mar, a maneira como os vermes ou os espatangóides se ocultam na areia, a observação da vida dos chocos e das lagostas-cada um destes estudos é um raio de luz que ilumina as densas trevas da vida marinha. Já nestes primeiros trabalhos de fisiologia se desenham os contornos de uma concepção de organismo que está em flagrante oposição com as ideias ainda largamente aceitas no seu tempo, que vêem no organismo o resultado de processos ocasionais de transformação, dos quais a selecção natural manteve os favoráveis, permitindo assim a evolução das formas vivas. Desde o princípio, Uexküll dirige a atenção do observ.ador para as propriedades superrnecânicas da matéria viva, para o facto misterioso de que no organismo adulto se nos apresenta um todo organizado segundo um plano. Nós verificamos, impressionados e surpreendidos, que este plano já actua no óvulo e continua no desenvolvimento individual deste. Uexküll já tinha mostrado há muito, em expressivas descrições, o que existe de extraordinário na matéria viva, no protoplasma. Esta necessidade de expor com clareza impeliu-o toda a sua vida para o género de comunicação mais capaz de atingir um largo círculo de pessoas interessadas no assunto. Tornou-se um mestre na exposição arguta e incisiva da sua concepção da natureza. Era-o na explanação oral e é-o também, com igual vigor e poder de sugestão, nos seus escritos. O nunca se ter integrado nas verdadeiras actividades da ciência académica retardou, porventura, a expansão das suas ideias no campo espiritual da Universidade, mas permitiu, por outro lado, que tirássemos proveito de muitos trabalhos seus, estimulantes e combativos, que POSSIvelmenteseriam incompatíveis com a faina do ensino. CICLO-DE-FUNÇÃO E MUNDO-PRÓPRIO li e) A concepção de ser vivo, de Uexküll, encontrou a sua integral planação nas obras Umwelt und Inncnuielt der Tiere, 1921 e Theorfli.!dle Biologie. A primeira trata com mais por~eno~ da obsernção de factos particulares da vida das mais diversas formas nimais; a segunda, mais abstracta, é uma tentativa para ajustar estudo da vida animal, p2::incip~mente com a..l2Q~k~~ ~ " inspirada em ~ant. exküll tem o seu lugar histórico na s~ão ~_antig~ querela _. travada à volta das concepções meconista e vi/alista do ser vivo. Pe a influência da época, da 7scola, c d; natureza fisiológica cio trabalho, est.á ligado de várias maneiras-e mais solidamente do que ele próprio era capaz de ver- à interpretação mecanista, para a qual, aliás, era solicitado pelo mais íntimo do seu ser. Verifica, assim, como eminente fisiólogo da vida animal inferior, as grandes possibilidades da simplificação mecanista, que concebe, por vezes, como mecânico cada um dos sistemas da vida animal. Ele considera como maquinismos as estruturas mais evoluídas. Assim, para ele, «a amiba é menos maquinismo que 0 cavalo» porque dispõe de menos estruturas adultas. Finalmente, Uexküll também se aproxima da interpretação mecanista qttando isola a substância e_a,concebe como dirigida l20ru!ruÚ9I!!!a de actividade I não dimensional. São pois os «impulsos»-agentes não espaciais de"'ôCõITências espaciais - que, por um processo morfogenético conferem à ~bst~cia uma 5<9E!exturamecânica. O protoplasma, como um todo, é sempre supermecânico, Na luta que travou por esta concepção, UexküIl emparelha com Hans Driesch. Mas' em breve se manifesta a originalidade tias suas investigações, quando, no núcleo do seu trabalho, se começa a levantar, a cada passo, uma questão soberana: ~o deve então entender-se a relação entre o ser vivo' e o meio ue o circunda. A partir de 1910, co-;;eça tan:i"béma expor, de ~aneira ma~isiva, as suas ideias fundamentais, com que ajudou a formar, tão decididamente, a biologia dos tempos futuros. Duas dessas ideias directrizes vieram a tornar-se particularmente importantes. UexküIl verificou uma correlação estrutural, já existente no óvulo, entre o corpo do animal e certos factores do ambiente, .,.. ... sejam estes de natureza inanimada, organismos ou até inimigos e chamou a essa correlação «ciclo-de-função». O ambiente tem > ---- ----_ (I) 8 Ouriços-do-mar de simetria bilateral. ----- 9 ln li ,110 I 111 di I" I IItlelo lI< IUK palavras: strutur I I \ lU \1 1111 111 do 1'11'101 (J~ ~ msoriais constituídos I h fi I 1\ 1(11\1 MI rluboram respostas e r a ,ç< ,'H I I1 I 1111 111 11\ 11I11. 11 mto às possibilidades de relaçí O do 1111111I 111 1110 I '"11 1/ unhi mie, elas estão já determinadas segundo 1111 IId"eI, < 111 usidade, por estruturas previamente organizadas. () diversos cielos-de-função, no seu conjunto, determina/li 11Il1I1 s .cção de propriedades com significado na vida do anim J. Elas são, no âmbito mais largo da natureza, a parte que no cas respectivo forma o ambiente limitado e típico de uma espécie animal. os «PAPÉIS» DAS COISAS NO CENÁRIO DA VIDA; O ESTUDO DO SEU SIGNIFICADO Na vida animal, as coisas são portadoras de significados, têm r--a éis a desempenhar. Ao referir-se a este facto potencial , e real, U exküIl revelou à investigação biológica um aspecto do ser vivo que, nas Ciências Naturais do século XIX, alguns tinham votado a inteiro esquecimento e outros simplesmente banido, como não científico, do domínio dos estudos biológicos. Guiados por UexküIl, encontramos circunstâncias que•. não pode~ar, reduzidas a medidas e números, numa explicação matemática da natureza, circunstâncias que dizem respeito a um aspecto da vida que é complementar de todas as conclusões obtidas por métodos quantitativos. ~~ das qualidades experimentadas, com as suas cores e formas, os seus sons e aromas, as suas dores e os seus prazeres, aparece então como o objecto primacial da investigação biológica. C~xküIl, o sujeito percipiente é tomado, pela primeira vez, como objecto de inves~o positiva. Neste ~lUndo comp~e~en,tar, torna-se, e.sse~ci~l \ o que no outro não passa de secundano; e, pelo contrario, mSIgnificante o que ali se tomava como decisivamente importante. Sucede assim, ser indiferente no mundo dos sujeitos se uma cor, como, por exemplo, o azul do céu, depende do carácter de uma combinação química ou se resultou de determinadas estruturas físicas. O importante, neste mundo, é que o azul se apresenta como fenómeno experimentadO e que, como tal, .2:.esempe~ha no cenário da vida yapéis diversos e rigorosamente determinados. --Ecom que sagacidade dirige UexküIl esta introdução do sujeito na biologia! Ele afirma que as coisas do ambiente possuem '> 1 nela 10 prático, quer dizer, que lhes pertence, conforme (llp<,l, uma qualidade que nós verdadeirarnenje não conheIII()~ 110 H( U conteúdo subjectivo mas cuja actividade é possível 11 ('<,mil' através do comportamento do animal. Com o rel~vo c1ulll a sta tonalização dos objectos inicia-se uma orientação 111\ inv stigação que teve finalmente de reconhecer, como uma daR últimas realidades biologicamente inteligíveis, o complemento I' a correspondência interiores dessa tonalização: a dispogção fntimª,<-111I 11)111 1111 «tI:()J"» • li A tonalização, atribuição dos teores, eis uma das primeiras veriflcãções no caminho da subjectividade oculta. Uexküll remonta, muito conscientemente, ~de ---- - biólogo Joh. Müller . (I ~5.ê1 cuja concepção da vida comentou mais tarde com desenvolvimento e cujo conceito de energia específica dos sentidos cedo se revelou um pode~estímulo no seu pensamento. «Qualquer que seja o meio por que se excite um olho»-escreve Müller -«seja ele esfregado, puxado, comprimido, galvanizado ou receba estímulos que de outros órgãos lhe são transmitidos por simpatia, em resultado de todas estas causas diferentes, como se se tratasse de causas idênticas, meramente estimulantes, ~ óptico~ ~ re _~fectado sob a form~ ~ ~nsaçã0...l!E.!linosa, considerando-se a si próprio mergulhado na escuridão, quando ~_repouso.~Ta~ém cedo exküIl .acentuolL2.pape~tado interior» como um dos fáCtores decisivos para a tonaliza ão das 'coisas do mundo-próprio. Limit~tão o c2ncelto a disposição ~às influências naturais no equipamento mterno e define-o 'pela designação de «~içã0.....5!.uímica». --- O MUNDO-PRÓPRIO E O HOMEM A doutrina de Uexküll ~rca do mundo-próprio, caracterí~ticoCfeCãda espé..cie-.amm<!bveio a constituir uma parte fundamental da biologia moderna mas a extensão que o autor fez da sua doutrina até o homem foi, desde o início, justamente contestada. Como a digressão aqui publicada conclui com uma aplicação pormenorizada desta doutrina ao homem, é necessário que nos detenhamos por um momento neste caso limite . O que há de fundamental na teoria do mundo- róprig,. de UexküIl, é que, segundo e a, es;:e-mund"O-Próp;:iotem_paLê um gato, para u~ ~alo ou um, macaC9,~SJ.la forma específica, não 11 obsianrc as ~cteris.1icas comuns_ de mmuíferos. Do mesmo modo, é também específico o mundo da gralha, o da galinhade-água, o do falcão, apesar das suas características comuns de aves. Trata-se de uma particularidade qereditária, tipicamente específica, invariável. Se no mundo do cão ou no do papagaio que habita connosco o mesmo quarto podem aparecer coisas do mundo do homem, elas transformam-se em coisas do papagaio ou do cão, com as suas tonalidades inteiramente próprias. Mas, para ilustrar o seu conceito de mundo-próprio, Uexküll também põe em relevo o mundo diferente em que, separadamente, se mov~_cada pessoa e mostra, com o exemr:>loda' árvore,,S,omo a (' mesma coisa toma, co~~nte o g~nero de vida da pessoa, tonaI lidades abso~entc difr.r~ntes. Aqui, escapa-lhe, no entanto, \ ürn'pórmenor: que todas essas maneiras diversas de ver o mundo '\ !azem parte de um munão 'comum à espécie, que é possível uma compreensão desses vários mundos-próprios da mesma espécie, que é possível, enfim, ~rem contrastes de interpretação. Estas esferas de afinidade do mundo do homem, nas quais \ se incluem os mundos individuais com as suas peculiaridades -grandes peculiaridades como Uexküll e nós próprios reconhecemos-esta amplitude da possibilidade fundamental de compreensão cria uma situação particular para o homem. Por muito acentuados que se considerem os contrastes dos mundos humanos, filhos da tradição ou das diferenças de factores hereditários, o certo é que todos se contêm na mesma esfera. Toda a poesia vive da representação dessas variadas maneiras de ver o mundo e das suas coincidências. Mas precisamente a poesia assenta no princípio da última possibilidade de compreensão dos outros. ~ eXEr~~ão «mundo-próprjo» ~ e acentua a separação de mundos es ecíficos dos animais, como esferas particulares e, exactamente por isso, devemos excluir este conceito na caracte) rização dos contrastes de visão do mundo entre os homens. Toda, VIa, o homem pêí'e à antropologia filosófica do nosso tempo um "\ J5í'õl:i ema particularíssimo, que se avoluma ainda com a carac\ terização do nosso comportamento como independente do ~u,p.do, , em oposição à conduta das espécies animais, estritamente obrigadas ao mundo-próprio. Rejeitando os excessos do conceito 'd~do-próprio, a biologia e a antropologia modernas defendem o que há de mais original na obra de Uexküll contra os seus impulsos temperamentais. 12 NA SENDA DO ESTUDO DO COMPORTAMENTO A influência das ideias de Jacob Uexküll alarga-se ao esmdo do comportamento nos nossos dias. A sua acção, embora velada, . é 'tanto maior, quanto estimula, de maneira decisiva, o começo de uma nova orientação no campo da investigação alemã. O que O. Heinroth e K. Lorenz, o que H. Hediger e Frau M~r--",.. -Holzapfel, entre outros, lograram descobrir de essencial durante a tercei;; década do século, pressupõe a fermentação das ideias de Uexküll, até onde elas se não encontram expressamente mencionadas. Uexküll não é o fundador do estudo do comportamento, produto colectivo de várias fontes. Vamos indicar mais uma vez, apenas algumas destas fontes, para mostrar o' maior âmbito de ideias em que a obra de Uexküll exerceu influência de relevo. Num trabalho notável, o americano Craig sah~nta ~9l.§, a imPortância do estudo das coisas do mundo-próprio, estudo que, por sua vez, faz intervir o ciclo-de-função do animal. Designa O estado que conduz a determi~ fus por al!etência, paralelamente ao que sucede no fenômeno elementar da nutrição e reconhece, assim, a validade de uma generalização que já era corrente n~tiguidade (em Santo A ostin~or exemplo). A apetência é um tipo de comportamento:' corresponde-lhe um estado interior special. Lembremo-nos de que também Uexküll já reconhecera distintamente este aspecto do fenómeno vital. Pela mesma época, o ornitólogo inglês E. Howard (1922) provou que as aves, no período de incubação, reivindicam e defendem uma porção de espaço, um território-observação que ntão ocasionou uma imensidade de outras verificações, como, pOL" exemplo, a descoberta da distância rigorosamente mensurável do voo e da resistência, etc., devida a Hediger. A explicação de' muitos destes factos estava confiada, desde os tempos rimit" os, aos ca adores familiarizados com a Natureza. A importância do « efes,2»para as aves 'á foi posta em relevo por B. von tum, na Alemanha, na sexta década do século passado. Assim, quando Howard é hoje apontado como o «descobridor» da posse territorial, isso significa que ele pôs o facto em evidência num momento particularmente «exacto» e que desempenhou papel preponde-' rante no reconhecimento da sua importância. Já em 1912, Juliam Huxley observara e dçscrevera pormenorizadamente em Inglaterra, pela primeira vez, a cópula dos mcrgulhões, que ele depois interpretou com notável clareza. ~-- 13 \) Abriu-se, assim, à investigação científica um vasto campo de trabalho. Desde tempos imemoriais que estes factos se tinham observado repetidas vezes. Desde os tempos primitivos que o homem observava a cópula do galo e outros fenómenos semelhantes. Mas a consideração conscenciosa da sua significação e a clara ordenação de conceitos que agora se apresentava tiveram importância decisiva. O. Heinroth actuou no mesmo sentido mas a contribuição de Huxley quase não é citada por ele. Por volta de Ig20, Thorleif Schjelderup-Ebbe começou a estudar em Greifswald a hierarquia social num pátio de criação de aves. Mostrou então que um grupo qualquer de aves de criação se encontra solidamente organizado; que os vários indivíduos se dispõem numa hierarquia só deles próprios dependente e que esta hierarquia é muito complicada e variável, isto é, depende da condição dos indivíduos. Como consequência desta primeira investigação, surgiu grande número de estudos sobre a ordem de precedência observada no exercício das actividades vitais dos animais de várias espécies. Muitos biólogos ficaram tão surpreendidos com a novidade que foram levados à generalização precipitada que via nessa hierarquia uma lei geral. Só mais tarde se impôs uma observação dirigida em- maior número de sentidos, a qual revelou a existência de grupos de animais sem tal escala de categorias. Para a investigação biológica, estes trabalhos significam o início e uma revalorização das formas de vida an~q~~t;nto mais Importante quãiltO mais profundamente a fatuidade da teoria mecanísta" menosprezara o animal. -mr8gg, o biólogo dinamarquês Mortensen introduziu a marcação individual das aves por meio de anilhas. Desde então, inúmeras aves isoladas da multidão anónima, por meio de anilhas numeradas, transformaram-se para nós, observadores humanos, em indivíduos e o número de aves marcadas é hoje tão extraordinário como o de conhecimentos que devemos a este método. Algumas conclusões fundamentais dos nossos investigadores do comportamento animal assentam exactamente na marcação do indivíduo isolado, pelo que a «história natural» geral e vaga de uma espécie pôde transformar-se na descrição fiel da vida do animal individualizado. Por isso, a marcação de animais de todos os grupos, do insecto ao morcego, se tornou um dos processos técnicos importantes da biologia e fonte de perspectivas inésperadas. Além destas, outras tendências de valia se podiam ainda mencionar, se o nosso intento não fora apenas apontar que, das 14 111 \H I .ntativas, resulta, enfim, uma nova orientação investi- IlIr I, Uma destas fontes abriu a muitos investigadores o cami- II li de xitos futuros e veio aumentar a possibilidade de aceitar concepções: foi a doutrina de U exküll, com os seus ramos ~ üuulum mtais na apresentação dõSCi~ã0 e FIad~undo-' .--. -'" 1\ V " \ prtlpl'I(), - - -- .-- A INVESTIGAÇÃO PROSSEGUE A importância da obra de Uexküll reside principalmente na luta tenaz em favor da actual posição biológica, que reconhece I rticularidade da esfera da vida e a autonomia relativa do ser - -x-;:-~=-~=::: - .••... "!C""'~:"".---". • S suas contriowções foram dominadas pelo método fisio11\l(lro pelo exame da natureza especial do ser vivo como objecto cI Investigação. O desejo de se limitar aos métodos científicos I u-o à rejeição total de qualquer afirmação sobre o aspecto Jl rimental do sujeito e, implicitamente, à renúncia a ualquer • cie de sicologia animal, que ele considerava situada para! 1 m To «biológico». O~ camin~y~chegar à comJ2reeIISão> "I mimal era, portanto, 0 eStu.~a harmonia entre. a estrutura com ortamento. ão esqueçamos' que, exactamente no seu I po, era particul;rmente vivo o clamor erguido a propósito 1 avalo sábio e de outros cavalos calculadores e de cães que ·iocinavam. A liumanização do animal encontrava-se então no ponto culminante: Esta coincidência temporal havia de forI cer, no pensamento de Uexküll, todas as tendências contrárias I na verdade, o seu temperamento combativo fê-lo, às vezes, I cer quase mecanista, muito mais- singularmente do que seria 1 sperar da sua concepção da natureza, que neconhecia sempre acção qualquer coisa de supernatural. A missão do biólogo r ia-l~e residir na busca ~tru~gue O!; exeI!lPl2lYo -' ma nervoso central, determinavam a gé~ese do mundoprlO e o comportamento do animal. Tão longe foram os seus 'pu os perante os resultados de carácter experimental- que, n verdade, por um lado, classificava a «tonalidade» das coisas mundo-próprio como descritível, corno parte cio mundo exter, por outro, nunca deixa de mencionar, cautelosamente, a r spondente «disposição» complementar e, como já vimos, ntua bem o q~ nela hà de «químiCo», a natureza material u condicionamento, não fossem torná·lo suspeito de imRulsos nticos, \I 15 ;> A evolução mais significativa, a partir de yexküll é ~ apr~fundamento dos estudos da autonomia do ser VIVOpela venfic~çao mais intensa de todas as provas que apresentam o orgam~mo como centro especial de actividade e simultâneamente de um VIver que, embora veladamente, é apa~eI:ta~o c0':l o ~ue. melhor tconh~cemos do nosso próprio ser mais íntimo. E principalmente pe o estudo desta «intimidade», desta maneira de ser peculiar do ser vivo e do animal em especial que aquilo que é observável de .f~ra recebe a sua mais ampla interpretação. T~.~ez, o SUjeito para objecto da investigação biológica,. eis o ~~ ~ •.. desconhecidÕque a obra deuexküIl prrncrpa ment~ preparou. . oestuci;d;resença desta subjectividade é a caracte!ístIca do t<;:~b3.lfío biológico aos nossãs""dias.Mas tão peculiares como isso \ são as consequências meto õlógiCas desta atitude. Em vez de introduzirmos no jogo de factores do fenómeno vital um. ag~nte misterioso, que interviesse em toda a parte como factor explicativo, nós vemos nesta sujectividade uma das incógnitas que o nah~ralista procura abordar, objectivamente, pelo estud~ das :namfestações. Pela observação rigorosa de todas as manifestações do animal de todas as suas respostas, nós avançamos cautelosamente para r:sultados que descrevem a des:oberta e ?cupaçào ~le espaço, ou compreendem a relaç-ão com o ntmo do dia e da noite e .com o das estações do ano, exactamente como também desc?~nmos nas hierarquias da vida social a subjectividade de um sujeito em cção. grande lista de «manifestaçõ~s» ~ue ~os dão t~ste~unho da subjectividade é uma das mais sIgmncatIvas realizações da r biologia contemporânea. .' O estudo do comportamento já hoje não se desvia dos problemas que o duplo aspecto do ser vivo nos apresenta: a.b~rda-?s por vários, caminhos e cautelosamente. Apr~ndemos a ~Is;l~gUlr, no estabelecimento de correlações, o que é mato, hereditário, de o que tem de ser aprendido e transformado em hábito. Apre~demos a discernir as estruturas tr.ansmitidas, relativamente rígIdas,. das outras , mais flexíveis. Sabemos como estímulos .iguais podem .actuar de maneira tão diversa e reconhecemos aSSIma van~çao dos estados interiores. Por sua vez, nestes estados, nestas «disposições», entramos em contacto com um último elemento, ?ara além do qual a investigação não P' ssa, por ~nquanto. ASSIm, numa época em que a própria filosofia descobnu-?u melhor. red~scobriu o papel fecundo da a~~ptibil~ade pcrf-ita (Befindlzchkett) os que se dedicavam ao estudo do comportamento chegaram, por 16 I' minhos absolutamente diferentes, 'a estSErincí.eio fundamenta! d r nduta e, desse modo, a uma manifestação obkctiva da m ru ira de ser, desconhecida para nós, como ex eriência da Auh.ir tividade QS --ªJ1imais. O ~tu o ;:!2§ e~dos interiores e do rnmportamento elimin.slU um J~r~ incon~ie.!l!S:..: uperou a .Ii tinçáõ entre corpo e alma co~o subs,!!-ncias distintas. que, IlIulaR, constituem o-ser vivõ-separação que rad~m tradições nut iquíssimas da nossa V'ida"represent;tiva, da nossa imaginação. biologia contemporânea não ~studa separadamente 0- aspecto • orpórco ou somático, por um lado, e o espiritual ou psíquico, por nut ro, Pelo estudo do comportamento, ,nós procuramos hoje surprccnd r, na sua pureza, a realidade desconhecida e, antes de qu rlqu r divisão mais ou menos estabelecida, conhecê-Ia na sua • tividade, como a unidade ue ori irialmente nos é dada, Do rn srn modo; a nova clencia do l:illmem-a an,!!'o.l'ologia-tamb<i...m ( I começa a dirigir-se ara o comportamento do homem, para a JI rticularidade d~ seus modos de relação e não reconhece, n~ste I mpo, discutíveis esquematizações de «componentes» do género irpo-alma-espírito ou «bios» ê «logos», como partes do ser vivo. ',Rta orientação tem urri"a'longa história que se' não pode I 01' aqui. Ela ultrapassa também a posição atingida pela obra I LJ xküll que preparou este passo em frente ao considerar com I1 r za inexcedível e graças a um trabalho insano, não só a actihlurlc do centro vital como a de um sujeito criador de mundos' I também o entrelaçament~rínseco o ser vivo com Eartes I seu amhiente. ~ o PROBLEMA DA ORGANIZAÇÃO SEGUNDO UM PLANO Ainda noutro sentido o estudo da vida, no nosso tempo, está a transpor a posição em que O pensamento. de Uexküll se I t ve há cerca de vinte anos. Trata-se da superação do conceito {« laneam~to» ao ser vivo;> xküll mostrou incansàvelmente, em repetidos exemplos, que plano de construção de um organismo não está situado (ora I I como o de uma máquina. A sua obra descreve, com grande lnú ia, como os organismos se constroem por si próprios, como • tádios de desenvolvimento se sucedem, ordenados corno ~ 111111,11 melodia e como o plano d~~madurecimento da forma / I (1111I1\1 é um proces.!iOde autoc~strução e auto·.I:.eg);llaçiLo. / p Alr8 ,11. 17 Mas o «planeamento», operante, por si mesmo, no organismo, acabou por se tornar, na sua exposição, um factor particular, uma forma de actividade do género supermecânico e inespacial. Outra não cra a posição do vitalismo, que, na verdade, tinha superado a estreiteza do mecanismo mas que, ao fazê-lo, tinha também ultrapassado, na sua ânsia de esclarecimento completo, os limites da possibilidade científica. A panaceia de Driesch era o princípio orgânico individual da enteléqüia; a solução de Uexküll era a orga~zação segundo um p ano ~2 à~ pOEção tomada pelo auto~,_p-assava .;- ser factor explicativo, uma das qualidades reconhecidas no_ser vivo. A biologia admite hoje esta dificuldade. Como W. Szilasi afirma radicalmente numa importante exposição, o «plano» do comportamento animal formula, nem sempre com felicidade, esta questão: «Como é que, por exemplo, a abelha é exactamente uma abelha ou como é que o anima~ é,"" ~ma, um animal» Y:;zincza e FzlQs.o:/J4-;-Z;;;f;: ue Nova Iorque~ 1945,> pág. 72). Na afirmação de que determinada coisa é susceptível de plano, é «planeável», atribui-se a esse «alguma coisa» uma qualidade, um predicado, o que sugere a ideia de que, com isso, alguma coisa é esclarecida ou explicada. Na realidade, a expressão aponta o grande e obscuro enigma, exactamente aquilo que escapa à compreensão: o mesmo enigma que nós também designamos, sim, mas não explicamos, com a palavra «vida». Vemos hoje mais claramente que não podemos ocultar o mistério que envolve o problema do ser vivo com uma palavra que finge de predicado. Sentimos, de novo, o que há de obscuro na realidade, em todo o seu poder misterioso e procuramos descobrir, pela investigação cautelosa das propriedades reconhecíveis, o que é investigável. Assim, fala-se hoje menos de totalidade e de organização segundo um plano do que habitualmente 'se falava há vinte anos e por isso vamos pondo, a pouco e pouco, a descoberto o conjunto de factores, por meio de cuja acção uma coisa se nos apresenta como um todo ou procuramos determinar a espécie de estrutura que sugeriu a existência de um plano. É uma ciência do ser vivo na sua evolução, ciência que não é ,uma mecânica, nem uma pneumá~, para empregar uma expre~ de E. Heuss (1939). A nova noção de realidade. explica também a atitude perante o problema da organização segundo um plano. O próprio UexküIl diz algures: «O Sol que proporciona a < ---- - dança de uma nuvem de mosquitos um so ~[õs mosquitõs q:;u;;;e~s~ó~e~x~i:st~e~==~"-!!..~~:!...!~c...E~' Nada porém, podemos dizer do sol dos mosquitos sem ter' ~I'~~ro~i ~~ano ~e organização do mundo-próprio dos mosq:~:~ ', o_og., pago 233)· E aqui se nos apresenta, com clareza a flr~anJzaçao segundo um )2Iano como aquilo que é para nós' ~m ~lgmdaque s~ entrevê de uma para outra espécie animal . I 1I ca a vez, Importa resolver. e que, O próprio Uexküll acentuou mais de uma vez ser a . plan d . pesquisa o a rrussao a biologia : «Todos os planos se enquad num plano de organi -. ram • ,o nrzaçan extraordmàriamente vasto que até ROI a, tem SIdo negado obstinadamente Por muito c' do ••() fosse, já hoje, porém não é ad . ,. 1 C orno o que I' B' rmssive ». om estas palavras rmina a iologia Teórica de Jacob U küll EI ' ex U. as apontam 1·(1IIo para a 1 ém do horizonte q 1" I I . ue irmta o campo de trabalho o ógl~~ e atest~m a atitude do investigador que durante toda .u~ v; ~ pesqw.sou os modos de ordenação do mundo orgânico IU~ a or ~rr~Igou cada vez mais a sua convicção acerca das I' I nuçlões cosmIcas: Os trabalhos reunidos' neste volume ta~_} , m a udem, repetidas vezes, à concepção da Nat xküll r E ureza que cpresentou. ssa concepção não se 1 it 6. d irru a a ver nos 11 menos a natureza só os aspectos pesquisados mas também nern O segredo que se fecha em cada ser vivo à mossa volta. I ftt o - o ' 0 _...-. 18 19 DIGRESSÕES DO PELOS HOMEM Por J. MUNDOS-PRÓPRIOS E DOS ANIMAIS v. UexkllU e Georg Kriszat PREFÁCIO O presente livrinho não tem a pretensão de servir de guia de uma ciência nova. Limita-se, antes,a incluir o que podia chamar-se a descrição de um passeio por mundos desconhecidos. Estes mundos não são apenas desconhecidos, são também invisíveis; mais do que isso: o seu direito de existir é-Ihes, em geral, contestado por muitos fisiólogos e zoólogos. Esta bem, curiosa atitude é, para quem conheça esses mundos, perfeitamente compreensível, pois que o caminho que a eles conduz não é transitável para quem sofra de certos preconceitos capazes de obstruírem a porta que Ihes dá acesso, tão impenetràvelmente que nem um raio da luz esplendorosa que os inunda a pode atravessar. Quem se agarrar ao preconceito de que todos os seres vivos são apenas máquinas, perde toda a esperança de vir jamais a lobrigar os seus mundos-próprios (1). Mas quem ainda não se ajuramentou na doutrina mecanista dos seres vivos, pode prosseguir nas suas especulações. Todos os nossos dispositivos e todos ós nossos maquinismos não passam de meios auxiliares das actividades do homem. E, efectivamente, há certos meios auxiliares de trabalho-os chamados instrumentos de trabalho-em que se incluem todos os complicados maquinismos que servem, nas nossas fábricas, para a laboração de matérias-primas, e ainda caminhos de ferro, automóveis, aviões... Mas há também meios auxiliares de controlo, a que podemos chamar instrumentos-indicadores, como telescópios, óculos, microfones, aparelhos de rádio, etc. De sorte que é, então, óbvio admitir que um animal não é mais do que um conjunto de instrumentos-de-trabalho e de instrumentos-indicadores que, pela intervenção de um dispositivo coordenador, constituem um todo, que, na realidade, não deixará de ser um maquinismo, ainda que adequado ao desempenho da função. É esta, de facto, a maneira de ver de todos os mecanistas teóricos, (I) O termo Umwelt corresponde em português a ambiente, mundo ambiente ou, com menos propriedade, meio ambiente. No sentido, porém, em que o autor o emprega, ele significa qualquer coisa que depende do ser vivo considerado, e resulta de uma como que selecção por este realizada, dentre todos os elementos do ambiente, em virtude da sua própria estrutura específica-o seu mundo-próprio. 20 quer, até certo ponto, se inclinem mais no sentido de pensar num mecanismo rígido, quer no de um dinamismo plástico. Os animais ficam, pois, taxados de meros objectos. Com o que se esquece que, desde logo, se pôs de parte o que é essencial, isto é, o sujeito, o qual se utiliza do instrumento auxiliar, com ele assinala e com ele actua. A partir da concepção inadmissível de um instrumento simultâneamente de assinalamento e de acção, não se limitaram aqueles a fazer passar os órgãos dos sentidos e os órgãos de movimento por peças de uma máquina (sem atenderem ao seu assinalar e actuar) mas foram mais longe', mecanizaram o homem, reduzirap1 o homem a uma' máquina. Segundo os beaviouristas, as nossas sensações e a nossa vontade são meras aparências, no melhor dos casos vêm a valer como acidentes incómodos. Quem, porém, ainda considera que os nossos órgãos dos sentidos servem para o nosso assinalar e os nossos órgãos de movimento servem para o nosso actuar, verá nos animais, não apenas um sistema mecânico, más discernirá também o maquinista que se aloja nos órgãos, como nós próprios no nosso corpo. Então considerará os animais, não já como meros objectos, mas como sujeitos, cuja actividade essencial consiste em assinalar e actuar. Com o fazê-Io abre-se já a porta que conduz aos mundos-prõprios animais, porque tudo aquilo que um sujeito assinala passa a ser o seu mundo-de-percepção, e o que ele realiza, o seu mundo-de-acção. Mundo-de-percepção e mundo-de-acção constituem uma unidade íntegra-o mundo-próprio do sujeito. Os mundos-próprios, que são tantos quantos os próprios animais, oferecem a qualquer admirador da Natureza novas terras, tão ricas e tão belas que compensam bem uma excursão através delas, mesmo quando elas se não patenteiem aos nossos olhos materiais mas somente à nossa visão espiritual. As melhores condições para iniciar tal digressão são um dia de verão, e um prado coberto de flores, ressoante de zumbidos de coleópteros e pululante de adejares de borboletas; então construiremos para cada animal dos que povoam o prado, uma como que bola de sabão, que represente o seu mundo-próprio, preenchida por todos aqueles sinais característicos que são acessíveis ao sujeito. Logo que entremos numa dessas bolas de sabão transfigura-s~ completamente o mundo ambiente (1) que se abria ·(1)' rola, Umgebung, erri alemão; na acepção independentemente de o impressionar de tudo que em volta ou o estimular, do sujeitose deeen- ou não. 21 vomelta do sujeito. Muitas qualidades do variegado prado desaparecem inteiramente, outras perdem as suas propriedades gerais; surgem novas correlações. Em cada bola de sabão passa a existir um mundo novo. Para atravessar connosco estes mundos convidamos o leitor a acompanhar a descrição que se segue. Os autores, ao prepa- . rarem este livro, distribuíram as suas tarefas; de modo que um (Uexküll) encarregou-se do texto, e o outro (Kriszat), do material das gravuras. Esperamos dar, com esta descrição de viagem, um decisivo passo em frente, e assim convencer muitos leitores que existem, com efeito, mundos-próprios, e que com isso se abre um novo e inesgotável campo de investigações. Simultâneamente, este livro testemunhará o espírito de investigação colectiva dos activos colaboradores do Instituto de Investigação do Mundo-Próprio, em Hamburgo (1). Agradecemos em particular ao Dr. K. Lozenz, que enviando-nos as gravuras que ilustram as suas fecundas experiências sobre gralhas e estorninhos, favoreceu o nosso trabalho. O Prof. Eggers cedeu-nos amàvelmente um relato pormenorizado dos seus estudos sobre borboletas nocturnas. O conhecido aguarelista Franz Hutk esboçou para 110SS0 uso os desenhos do quarto e do carvalho. A todos deixamos aqui expressos os nossos cordiais agradecimentos., Hamburgo, v. Uexküll (r) Comp. Friedrich Brock: Verzeichnís der Schriften J; J .•. Uexkülls und der aus dem Instiuü fur Umweltforschung zu Hamburg heruorgegangenen Arbeiten. Sudhoffs Archiv fur Gesch. d. Medizin und d. Naturwiss. Bd, 27, H. 3-4, [934. J. A. Barth, Leipzig. (Jv'ota da ed, 22 Não há, certamente, camponês que tendo batido com o seu cão matos e bosques não tenha travado conhecimento com um animalzinho que, suspenso dos ramos dos arbustos, espia a sua vítima, homem ou bicho, para sobre ela se precipitar e se saciar com o seu sangue, inchando, das dimensões de, o máximo, dois milímetros, até ao volume de uma ervilha (fig. I). Fig. I-Carraça Dezembro, 1933. J. alemã) INTRODUÇÃO A carraça, ou carrapato, nomes por que se designa esse animal, não é realmente perigosa, mas nem por isso deixa de ser um hóspede incómodo dos mamíferos, e mesmo do homem. O seu ciclo biológico foi de tal modo esclarecido por trabalhos recentes que dele podemos traçar um relato exacto. Do ovo sai um pequeno ser ainda não completamente desenolvido, a que faltam um par de patas e os órgãos da reprodução. N sta fase já pode atacar animais de temperatura variável como, p r xemplo, lagartos, que espera emboscado na extremidade da h Iftl de uma erva. Depois de sofrer algumas mudas, os órgãos qu lhe faltavam acabam por se desenvolver, passando então a ar animais de temperatura constante. Já fecundada, a fêmea b , com as suas já então oito patas, até à parte superior de um busto que lhe agrade, para, de altura conveniente, se deixar 23 cair sobre pequenos mamíferos furtivos que passem ao seu alcance, ou arrastar por animais de maior porte. O caminho para a sua torre de vigia descobre-o o animalzinho, que é desprovido de olhos, valendo-se do seu tegumento, sensível à luz. A aproximação da vítima é revelada ao salteador, que além de cego é também surdo, pelo seu sentido do .olfacto. As emanações de ácido butírico que provêm das glândulas da pele dos mamíferos, serve, para a carraça, de sinal de advertência. para abandonar o seu posto de vigia e lançar-se sobre a presa. Se vem a cair sobre qualquer animal de temperatura constante, que um apurado sentido térmico lhe denunciou-então atingiu a sua vítima, e só falta agora, ainda com o auxílio do seu sentido do tacto, encontrar uma zona tanto quanto possível livre de pêlos, para se introduzir até para trás da cabeça, nos tecidos cutâneos daquela; e põe-se a sugar lentamente o sangue quente que jorra. Experiências feitas com membranas artificiais e com outros líquidos que não sangue, mostraram que a carraça é desprovida de sentido do gosto, pois que depois de perfurar a membrana absorve qualquer líquido, contanto que este esteja a temperatura conveniente. Se a carraça cai sobre qualquer coisa fria, depois de o sinal de ácido butírico ter funcionado, então errou de hospedeiro, '. e tem de voltar a trepar para o seu posto de espia. O lauto festim de sangue que a carraça goza é, simultâneamente, o seu último repasto, pois que agora nada lhe resta senão deixar-se tombar no chão, fazer a postura e morrer. Os breves acidentes da vida da carraça dão-nos uma adequada pedra-ele-toque da solidez do ponto de vista biológico, comparado com o método fisiológico, como até aqui se tem aplicado. Para o fisiólogo, cada ser vivo é um objecto que se situa no seu mundo-próprio do homem. Examina-lhe os órgãos e o seu funcionamento total, como um técnico examinaria urna máquina que seja nova para ele. O biólogo, ao contrário, toma em conta que cada ser vivo é um sujeito, que vive num mundo que lhe é particular, de que ele constitui o centro; e, por isso, pode comparar-se, não a uma máquina, mas apenas ao maquinista que maneja a máquina. Resumindo, a questão pode pôr-se assim: a carraça é uma máquina ou um maquinista? É um mero objecto ou um sujeito? A fisiologia interpretará a carraça em termos de uma máquina e dirá: na carraça podem-se distinguir receptores, isto é, órgãos 24 dos sentidos, e efectores, isto é e órgãos de acção, que, por meio de dispositivo coordenador no sistema nervoso central, estão mutuamente relacionados. O conjunto é urna máquina de que se não discerne o maquinista. «É exactamente nisso que está o erro», objectará o biólogo. «Nenhuma das partes do corpo da carraça tem as características de uma máquina, em toda ela o que actua são maquinistas.» O fisiologista continuará inabalável: «Na carraça, precisamente, verifica-se que todas as actividades assentam exclusivamente em reflexos (1), e o arco-reflexo constitui a base de cada máquina animal (fig. 2). Este começa por um receptor, isto é, um dispositivo que só admite certas influências exteriores, como ácido butírico e calor, mas rejeita tudo mais. E termina num músculo que põe em actividade um efector, o dispositivo locomotor, ou o dispositivo perfurador. As células sensoriais que libertam a excitação dos sentidos, e as células motoras que libertam o impulso de movimento funcionam apenas como peças conectoras que conduzem as ondas excitadoras, absolutamente materiais, que são originadas nos nervos, sob a acção do choque exterior. Todo o arco reflexo trabalha com transmissão de movimento, como qualquer máquina. Nenhum factor subjectivo, como seja, um ou mais maquinistas, intervém no fenómeno, seja como for.» «O que se passa é exactamente o contrário», replicará o biólogo. «Do que se trata, principalmente, é de maquinistas e não de partes de máquinas. Porque todas e cada uma das células do arco-reflexo funcionam não com transmissão de movimento, (I) Reflexo, originalmente, significa a captação e reenvio de um raio de luz por um espelho. Aplicado aos seres vivos, o termo reflexo significa a captação de um estímulo terior por um receptor e a resposta provocada pelo estímulo, do efector do ser vivo. No fenômeno o estímulo transforma-se em excitação nervosa, que tem de passar por V riaa estações para ir do receptor ao efector. O caminho assim seguido designa-se por ar o-reflexo. (Nota da ed. alemã) 25 mas com transporte de estímulo. Um estímulo, porém; deve ser notado por um sujeito e essencialmente não provém de, um, objec~o}>" Qualquer parte, de uma máquina, um badalo dum jsino; por exemplo, trabalha apenas maquin~lmente' quan~o de det:rminada maneira é posto a oscilar. Quaisquer outras mtervenço~s despertam nele respostas como o fariam em qualquer mero pedaço de metal. Ora, desde John Müller (1) nós sabemos que um músculo se comporta de uma forma completamente diferente. A q:ualquer intervenção exterior ele responde sempre da mesma maneira: por uma contracção. Toda a intervenção exterior é por ele transformada no mesmo estímulo; a todas responde com o mesmo impulso que obriga o corpo da célula à contracção. . John Müller demonstrou ainda, que todas as acções exteriores que incidem nos nossos nervos visuais, sejam elas ondas do éter, compressões ou correntes eléctricas, produzem uma sensação visual, isto é, as nossas células sensoriais visuais respondem '>com o mesmo sinal-perceptivo. Disto devemos concluir que cada célula viva é um maquinista, que assinala e actua, e por isso possui «assinalarnento» ou percepção e «activação» ou impulso. As múltipla~ marc~s ~ a.cções do sujeito-animal total são, por consequência, atn~Ulvels ao , trabalho de conjunto de pequenos maquinistas celulares, cada um dos quais somente decide sobre um sinal-perceptivo ou ub sinal-de-impulso. pára que seja possível uma cooperação ordenada, o organismo serve-se das células do cérebro (que são também maquinistas elementares), e agrupa metade delas como «células assinaladoras» ou células-de-percepção na parte do cérebro receptara de ~stímU!lo~: isto é, no «órgão-assinalador, ou de-percepção», em faixas mais ou menos extensas. Estas faixas correspondem a grupos de estímulos exteriores que entram como perguntas no sujeito-animal. A outra metade das células do cérebro utiliza-os o organismo como «células a~tivadoras» ou células-de-impulso, e agrupa-as 'em faixas com que comanda os movimentos dos efectores, que comunicam ao mundo exterior as respostas do sujeito-animal. . As faixas das células-de-percepção constituem o «órgão-de-percepção» do cérebro, e as faixas das células-de-impulso, o «órgão-de-impulso». _' Se, pois, nos permitimos imaginar um órgão-de-percepção (1) 26 Fundador da moderna fisiologia (1801-1858). (Nota 'do ed, alemã) como um centro de faixas de percepção alternadas e maquinistas celulares que são os portadores de percepções específicas, no entanto elas conservam-se entidades espacialmente distintas. Os s~us sinais-perceptivos permaneceriam também distintos, se não tivessem a possibilidade de se fundirem em novas unidades, fora do órgão-de-percepção, espacialmente fixado. Ora tal possibilidade existe 'efectivamente. Os sinais-perceptívos de um grupo de células-de-percepção reunem-se fora do órgão-de-percepção, na realidade fora do corpo de animal, em unidades que passam a ser atributos dos objectos situados fora do sujeito-animal. Este facto é bem conhecido de todos. Todas as nossas sensações humanas, que figuram os nossos assinalamentos, ou percepções, específicos; convergem nos atributos dosobjectos exteriores, que nos servem como sinais-característicos que utilizamos. A sensação «azul» passa a ser a «cor azul» do céu; a sensação «verde» passa a ser a «cor verde» da ~lva, etc. No sinal-característico, ou carácter, azul, reconhecemos' o céu, no carácter verde reconhecemos a relva. Outro tanto, exactamente, se passa no órgão-de-impulso. Nele as células-de-impulso desempenham o papel de maquinistas elementares, que, neste caso, consoante as suas actividades, ou impulsos, se ordenam em grupos bem articulados. Também aqui existe a possibilidade de os impulsos individualizados se concentrarem em unidades que actuam sobre os músculos, a elas subordinados, como impulsos encadeados, ou melodias de' impulsos, ritmicamente articulados. Depois do que os' efectores postos em acção pelos .músculos imprimem aos objectos situados fora do sujeito a sua realidade. A marca-de-acção que os efectores imprimem ao objecto é directamente reconhecível- como a ferida que o ferrão da carraça produz na pele do mamífero por ela atacado. Mas, primeiro, a difícil descoberta dos sinais característicos do ácido butírico e do calor completou o quadro da carraça laboriosa no ,seu mundo-próprio. Em sentido figurado, pode dizer-se que cada sujeito-animal apreende o seu objecto com as duas hastes de úma tenaz-uma haste de perceber outra de impulsionar. Com uma confere-lhe um atributo, com a outra, uma marca-de-acção, Por este meio certas propriedades do objecto passam a ser portadoras de de sinal-característico, certas outras, de marca-de-acção, Como todas as propriedades de um objecto estão ligadas umas às outras pela estrutura deste, as atingidas pelo sinal-de-impulso rlevcm exercer' no objecto a sua influência sobre as portadoras 27 d I de sinal-característico e também actuar sobre estas modificando-as, o que resumidamente melhor se exprime dizendo: a marca-de-acção cancela o sinal-característico. O número e a ordenação das células-de-percepção que por meio dos seus sinais-perceptivos assinalam os objectos do seu mundo-próprio com sinais-característicos, e o número e ordenação das células-de-impulso que por meio dos seus sinais-de-impulso dão aos mesmos objectos marcas-de-acção, são, principalmente, e a par da selecção de estímulos que os receptores realizam e da ordenação dos músculos que permite aos efectores manifestarem-se, decisivos no desenrolar de cada forma de comportamento de todos os sujeitos animais. O objecto, somente no que respeita ao comportamento, é como se devesse possuir as propriedades necessárias, que por um lado pudessem servir como portadoras de sinais-característicos, e por outro de portadoras de marcas-de-acção que devessem estar em associação por ajustamento mútuo. As relações de sujeito com objecto estão ilustradas no esquema do ciclo de função (fig. 3). Ele mostra como sujeito e objecto se Mundo de Percepção E agora situemos no esquema do ciclo de função a carraça como sujeito e o mamífero como objecto. Verifica-se imediatamente que decorrem segundo um plano três ciclos-de-função, e uns a seguir aos outros. As glândulas cutâneas do mamífero constituem o portador de sinal característico do primeiro ciclo, pois o estímulo ácido butírico liberta no órgão-de-percepção sinais-perceptivos, específicos, que são transportados para a periferia como carácter olfactivo. Os fenómenos que se passam no órgão-da-percepção provocam por indução (em que tal consiste, ignoramo-Io) no órgão-de-impulso, impulsos correspondentes, que produzem o movimento dos membros locomotores e a queda do animal. A carraça ao cair, confere aos pêlos do mamífero a marca-de-acção do choque, que então, por seu turno, liberta um carácter táctil pelo que o carácter olfactivo do ácido butírico é cancelado. O novo carácter provoca um movimento de vaguear até que, na primeira zona sem pêlos é remido pelo carácter calor, e aí começa o trabalho de perfuração. Sem dúvida trata-se aqui de três reflexos que se vão anulando sucessivamente e são sempre desencadeados por acções físico-químicas objectivamente determináveis. Mas quem se contente om esta verificação e julgue ter com ela resolvido a questão, mostra apenas que não alcançou o verdadeiro problema. Não é estímulo químico do ácido butírico que se debate, nem tão-pouco o estímulo mecânico (desencadeado pelos pêlos), nem ainda stímulo térmico da pele, mas apenas o facto de saber por quê, ntre as centenas de acções que resultam das propriedades do orpo do mamífero, só três se tornam portadoras de sinais caracteI"ti os relativamente à carraça, e por quê essas três e não outras. ão se trata de qualquer reciprocidade de forças entre dois bjectos, mas sim das correlações entre um sujeito vivo e o seu I ~ cto, e estas manifestam-se num plano inteiramente diferente, saber entre as percepções do sujeito e o estímulo do objecto. carraça está suspensa, imóvel, da extremidade de um ramo clareira. Pela sua situação oferece-se-lhe a oportunidade de Ir obr um mamífero que por ali passe. De todo o ambiente não 11 obre ela nenhum estímulo. Então, aproxima-se um mamíI, cI cujo sangue ela necessita para o desenvolvimento da sua ° Órgão de Percepçàf) marca de acção Órgão de impulso Mundo de acçõa Fig. 3-Ciclo-de-Função ajustam reciprocamente e constituem um todo que obedece a um plano, Se além disso, se supõe que um sujeito se liga a um ou vários objectos por vários ciclos-de-função, fica-se, então, fazendo uma ideia do conceito fundamental da doutrina do mundo-próprio, a saber : todos os sujeitos animais, os mais simples como os mais complexos, estão ajustados com a mesma perfeição aos seus mundos-próprios. Aos primeiros correspondem mundos-próprios simples, aos segundos, mundos-próprios complexos. 28 I. orn qualquer coisa de bem maravilhoso se passa: de todas N provenientes do corpo do mamífero só três passam a consIluiuloa, e, essas, em sequência bem determinada. Dovasto: 29 mun 10 que rodeia a carraça fulguram três estímulos, cama sinais luminosos dentre as trevas, e servem à carraça de guias, que ela confiadamente segue até atingir a seu abjectiva. Para tal ser possível as carraças são. datadas, além, da seu carpa com as seus receptares e efectores, de três sinais-perceptivos que pode utilizar como três sinais característicos. E é par meio destes que à carraça o fluir da seu comportamento é tão determinadamente prescrito que ela só pade realizar actos perfeitamente determinados. Tedo o opulenta mundo. ambiente que rodeia a carraças e contrai e se transforma num quadra mesquinha que essencialmente consiste ainda em três sinais características e três marcas de acçãa-a seu mundo-próprio. A indigência desse mundo-próprio ajusta-se, porém, estreitamente à segurança da comportamento, e segurança vale mais que riqueza. Da exemplo. da carraça pode deduzir-se a que é fundamental na estrutura das mundos-próprios das diferentes seres, e é válida para todos as animais. Mas a carraça possui uma faculdade muita notável, que nos desvenda uma perspectiva muito mais vasta das mundos-próprios. É imediatamente evidente que a inesperada fortuna da passagem de um mamífero por sab o ramo sobre que a carraça -se encontra é muito rara. Este inconveniente nem pelo grande número. de carraças que se emboscam nas arbustos é suficientemente compensado para assegurar a subsistência da espécie. A faculdade de a carraça poder viver muita tempo. sem se 'alimentar, aumenta as probabilidades de vir a passar uma presa ao seu alcance. Essa faculdade possui-a a carraça em grau invulgarmente elevado. No Instututo Zoológico de Rostock conservaram-se vivas carraças que chegaram a jejuar durante dezoito. anos (1). Isso.a nós, homens, (I) A carraça está) sob todos os pontos de vista, organizada para resistir a um longo período de jejum. As células seminais que a fêmea recebeu e conserva dentro de si durante o período de espera, estão contidas dentro de cápsulas, até o sangue do mamífero chegar ao estômago da carraça. Quando isso se dá elas são postas em libérdade e fecundam os óvulos que esperavam nos ovários. Em contraste com a adaptação perfeita da carraça ao seu objecto-presa, que ela acaba por encontrar, está a fraquissima probabilidade de que tal. suceda, mesmo apesar do longo tempo de espera possível. Bodenheimer tem perfeitamente razão quando fala de um péssimo, isto é, de um mundo rec(:mf1ecidamen~e desfavorável em que vive a maioria dos animais. Somente, este mundo não é o"mundo~ ..próprio de cada um deles, mas (). "mundo ambiente de todos. Mundo-próprio óptimo~ isto é, reconhecidamente favorável, e mundo ambiente jJéssz'mo, pode considerar-se a regra geral. .Porque sucede" sempre deverem tombar muitos indivíduos para que a espécie subsista. Se o mundo ambiente não fosse, para certa espécie, péssimo, então esta, devido ao seu mundo-próprio. óptimo, podia conquistar a supremacia sobre todas as outras, (Nota do autor) 30 ser-nos-ia impossível. O tempo. no nosso mundo-humano é constituído par uma série de momentos curtíssimos, durante os quais a mundo. ,não manifesta qualquer mudança. Durante um momento. a mundo. conserva-se invariável. O momento do homem é de 1/18 segundas (l). Veremos adiante que a duração. dornomcnte varia com as. diferentes animais, mas seja qual for o -valor que queiramos estabelecer para a caso da carraça,' a possibilidade de suportar um mundo-próprio invariável durante dezoito. anos está fora da alcance de todas as probabilidades, Admitiremos, pois, que a carraça durante a seu período de espera se encontra como que num estado de letargia, que também em nós interrompe a tempo par horas. Somente, o tempo na mundo-própria da carraça pára, durante ,a seu período de espera, não par horas apenas, mas par vánios anos, e ela volta à actividade quando o sinal de' avisa «ácido butírico» a desperta para a nova fase de actividade. Que ganhámos com esta noção ? Alguma coisa muito signíficativa, tempo, que serve de moldura a todo o acontecer, apresenta-se cama a única constante objectiva perante a variada mudança da seu conteúdo, e agora vemos que o sujeito controla a tempo da seu mundo-própria. Ao passo que até agora dizíamos: sem tempo não. pode existir nenhum sujeito vivente, devemos agora dizer: sem um sujeito vivente não pode existir qualquer tempo. Na próximo capítulo. veremos que outra tanta sucede com o espaço: sem um sujeito vivente não pode exisitr nem qualquer espaça nem qualquer tempo, Com isto encontrou a biologia unidade definitiva na doutrina de Kant, unidade que elaaproveitará no aspecto científica-natural da doutrina dos mundos-próprios, ao. acentuar-se o papel decisiva do sujeita. a I. os ESPAÇOS DOS MUNDOS-PRÓPRIOS Assim como um gastrónomo, do balo só escolhe as passas, assim também a carraça, das coisas do seu ambiente s6 seleccionou (1) Demonstra-o o cinema. Na passagemde um filme, os quadros devem suceder-se e deter-se altcrnadamente. Para que apareçam com perfeita nitidez, as exposições instantâneas e distintas devem ser: ocultadas por um anteparo. A ocultação produzida, verdadeiramente passa despercebida, se entre a ocultação e a exposição medear um intervalo de tempo de I I I 8 segundos. Se esse tempo fosse mais longo resultaria uma tremulação insuportável. (Nota do autor) 31 o ácido butírico. Não nos interessa saber que sensação gustativa as passas despertam no gastrónomo, mas apenas o facto de as passas se tornarem sinais-característicos do seu mundo-próprio, pois que, para ele, são dotadas de significado biológico especial; assim, também, não perguntamos como o ácido butírico cheira ou sabe à carraça, mas registamos apenas o facto de o ácido butírico ter passado a ser biolàgicamente significante como sinal-característico carraça. Contentamo-nos com o admitir que no órgão-de-percepção da carraça devem existir células de percepção que manifestam os seus sinais-perceptivos, como o admitimos igualmente relativamente ao órgão assinalador do gastrónomo. A única diferença é que a percepção do ácido butírico passa a ser um sinal característico do seu mundo-próprio, ao passo que é a percepção das passas o que, no gastrónomo, passa a ser um sinal característico do seu. O mundo-próprio do animal, que exactamente pretendemos estudar, é apenas uma fracção do mundo ambiente que nós vemos desenrolar-se em volta do animal-e este mundo ambiente não é mais que o nosso mundo-próprio humano. O primeiro problema no estudo dos mundos-próprios consiste em escolher, dentre os sinais característicos do mundo que o rodeia, aqueles que são particulares ao animal e com eles construir o seu mundo-próprio. O sinal característico «passas» deixa a carraça perfeitamente indiferente, ao passo que o sinal característico ácido butírico desempenha no seu mundo-próprio um papel importante. No mundo-próprio do gastrónomo o que tem significado acentuado é, não o sinal característico ácido butírico mas o sinal característico «passas». Cada sujeito fia as suas correlações como os fios de uma aranha, relativamente a determinadas propriedades das coisas, e tece-as numa sólida teia que suporta a sua existência. Quaisquer que possam ser as correlações entre o sujeito e os objectos do seu mundo ambiente elas ocorrem sempre exteriormente ao sujeito em que temos de escolher os sinais característicos. Os sinais característicos, ou qualidades são, por- isso, sempre de qualquer modo espacialmente ligados, e pois que eles se libertam uns aos outros numa certa ordem, são também ligados temporalmente. Só por excessiva leviandade alimentamos a ilusão de as correlações do sujeito, outro que não nós, com as coisas do seu mundo-próprio existirem no mesmo espaço e no mesmo tempo que as que 32 nos ligam às coisas do nosso próprio mundo humano. Esta ilusão é alimentada pela suposição da existência de um mundo único em que todos os seres vivos estão encerrados. Daí, a convicção geralmente aceite, de que deve haver um único espaço e um único tempo para todos os seres vivos. Só recentemente surgiram no espírito dos físicos dúvidas sobre a existência de um universo com um espaço válido para todos os seres. Que tal espaço não pode existir resulta já do facto de cada homem viver em três espaços que se penetram mutuamente, completando-se, mas que também até certo ponto se contrapõem. a) O espaço-de-acção Quando, de olhos fechados, movemos livremente os nossos membros, estes movimentos, tanto em direcção como em extensão são-nos exactamente conhecidos. Abrimos com as nossas mãos caminho num espaço a que damos o nome de âmbito dos nossos movimentos, ou, abreviadarnente espaço-de-aeção. Todos estes caminhos são por nós seguidos a pequenas passadas a que chamamos passos-de-orientação, porque a direcção de cada uma delas nos é rigorosamente conhecida mercê de uma sensação de orientação ou sinal-de-orientação. E, na realidade, distinguimos seis orientações, que se opõem duas a duas: para a direita e para a esquerda, para cima e para baixo, para diante e para trás. Têm-se feito estudos que provam ser de cerca de dois centímetros as passadas mais curtas que podemos dar, avaliadas pelo avanço do dedo indicador com o braço estendido. Estas passadas não dão, como se vê, uma medida exacta do espaço em que elas são seguidas. Cada um de nós pode fazer uma ideia aproximada desta inexactidão, procurando levar ao contacto uma da outra, as pontas dos dois indicadores das mãos. Verificaremos que a maior parte das vezes isso não se consegue e que aquelas passam à distância de dois centímetros uma da outra. É, para nós, do mais alto significado o poder muito fàcilmente reter de memória o deslocamento uma vez seguido, o que nos permite escrever às escuras. Chamamos a esta capacidade «cinestesia», designação que nada de novo nos diz. Ora, o espaço-de-acção não é meramente um espaço de movimento constituído por milhares de passadas-de-orientação que se 3 -A. H. 33 11 I cruzam, mas possui um sistema de referência formado por planos perpendiculares entre si, que definem o conhecido sistema de coordenadas, que serve de base a todas as determinações espaciais. É de fundamental importância que quem se ocupa do estudo do problema do espaço se compenetre deste facto. Que é tudo que há de mais simples. Basta mover-nos para um e outro lado, com os olhos fechados e as palmas das mãos verticais e perpendiculares à testa, para, sem mais nada, podermos fixar o limite entre direita e esquerda. Este limite coincide aproximadamente com o plano mediano do corpo. Se nos deslocamos com as palmas das mãos colocadas horizontalmente e à altura dos olhos, para cá e para lá, podemos anàlogamente determinar onde se encontra o limite entre abaixo e acima. Este limite está, na maioria das pessoas situado à altura dos olhos; mas em muitas encontra-se à altura do lábio superior. O limite entre o anterior e o posterior, que se determina com as palmas das mãos voltadas para a frente de um e outro lado da cabeça e deslocando-as para trás e para diante, está situado, em grande número de pessoas, à altura do orifício do ouvido, noutras, à altura da arcada zigomática, e ainda noutras, à altura da ponta do nariz. Cada pessoa normal dispõe de um sistema de coordenadas formado por estes três planos, estritamente relacionado com a cabeça (fig. 4) e com que confere ao seu espaço-de-acção o quadro fixo em que se dão os passos de orientação. No labirinto confuso dos passos-de-orientação, que como elementos de deslocamento não podem conferir ao espaço-de-acção nenhuma fixidez, os planos fixos de referência fornecem uma estrutura segura que garante a ordem no espaço-de-acção. A grande contribuição de Cyon (1) consistiu em referir a tridimensionalidade do nosso espaço a um órgão sensorial situado no nosso ouvido interno-os canais semicirculares (fig. 5), cuja posição corresponde aproximadamente aos três planos do espaço-de-acção. Esta correspondência mostram-na tão claramente numerosas experiências, que podemos formular a seguinte proposição: todos os animais que possuem três canais semicirculares dispõem (I) Elie v. Cyon (1842-1912), fisi61ogorusso, descobridor de nervos e funções nervosas muito importantes. (Noto. da edição alemã) 34 Fig. 4-Sistema de planos coordenados do homem Fig. 5-Canais semicirculares do homem 35 também dum espaço tridimensional. A figo 6 representa os canais semicirculares de um peixe É evidente que estes devem ser da máxima importância para o animal. Em apoio disto se pronuncia também a sua estrutura interna, que neles tem um sistema de canais ,": '. «, .. / ..... .' . '. 2m I ,/Posição anterior do. colmeia Fig. 7-Espaço-de-acção da abelha '-----,~------------' Fig. 6-Canais semicirculares de um peixe em que, 'sob o controlo dos nervos, se desloca um fluido nas três direcções do espaço. O movimento do fluido reflecte fielmente os movimentos de todo o corpo. Isto mostra-nos que o órgão, além da função de deslocar os três planos no espaço-de-acção, tem ainda um outro significado. E, de facto, parece que ele desempenha ainda o papel de bússola. Não uma bússola que se oriente sempre na direcção norte-sul, mas na direcção das «portas de entrada». Quando todos os movimentos do corpo em bloco, se decompõem e são registados em três direcções nos canais semicirculares, o animal deve encontrar-se no ponto de partida, quando, por meio de vibrações, os sinais nervosos tenham voltado ao zero. É indubitável que uma bússola que indique as portas de entrada deve ser, para todos os animais que disponham de um lugar onde se recolham, ninho ou local de postura, um recurso indispensável. A garantia de terem à sua disposição as portas que lhe dão acesso, obtida por sinais ópticos no espaço visual, não é, em geral, suficiente, porque eles devem poder reencontrá-Ias mesmo quando elas tenham mudado de aspecto. A capacidade de redescobrirem as portas de entrada no espaço-de-acção p,UJ;O, pode demonstrar-se q.ue existe também 3B: -========~.. Fig. 8-Descobc,!a do lar, pela lapa. 87 nos insectos e moluscos, apesar de estes animais não possuírem canais semicirculares. . A seguinte experiência é bem convincente (fig. 7). Enquanto a maior parte das abelhas de uma colmeia voam pelo campo, desloca-se esta do seu lugar habitual para uns dois metros de distância. Verifica-se então que, de volta a ela, se acumulam pairando no ar, no lugar em que ela antes se encontrava e com ela o orifício de acesso-o seu ponto de partida. Só passados uns cinco minutos elas se resolvem a voar para aquela sua nova situação. Levando mais longe esta experiência demonstrou-se que aquelas abelhas a que se tinham cortado as antenas se dirigiam sem se deterem para a colmeia deslocada, o que significava que, só enquanto as possuíam se orientavam no espaço-de-acção, Sem elas orientam-se à custa dos sinais visuais do campo. As antenas da abelha devem, pois considerar-se como órgão que, de qualquer modo, desempenha o papel de bússola da porta de acesso na sua vida normal, e lhe indica o caminho de regresso com mais certeza que os sinais visuais. Ainda mais surpreendente é a análoga descoberta-da-lar, que os Ingleses designam pelo termo homing, por parte da lapa (1) (fig. 8). A lapa vive entre as zonas das marés, sobre as rochas. Os grandes exemplares da espécie gravam na rocha para seu uso e com a sua concha dura, um leito em que, aderindo fortemente a ela, passam o período da baixa-mar. No período da preia-mar começam a deslocar-se e a pastar nas rochas dos seus arredores. Logo que a maré começa a baixar buscam de novo o seu leito, não seguindo sempre o mesmo caminho. Os olhos da lapa são tão rudimentares que o molusco, só à custa deles, muito dificilmente consegue reencontrar o seu ponto de partida. A existência de qualquer indício de olfacto é tão improvável como a de um sentido de visão. Só resta admitir a existência de uma como que bússola orientadora no espaço-de-acção, de que todavia não podemos fazer a mínima ideia, b) O espaço tâctil A pedra de fundação do espaço táctil não é nenhuma grandeza cinemática como a passada-de-orientação, mas sim uma grandeza (I ~ 38 Molusco gastrópode marinho do género Paulla, estática, isto é, o local. O local também deve a sua existência a um sinal-perceptivo do sujeito e não é qualquer aspecto inerente matéria do ambiente. Foi Weber (1) quem o demonstrou . Quando se colocam as pontas de um compasso, afastadas de um centímetro uma da outra, (fig. 9) sobre o pescoço de uma Fig. g-Compasso de Weber pessoa, elas são apercebidas como distintas uma da outra. Cada uma delas encontra-se num local diferente do da outra. Quando se transportam, sem alterar a sua distância, as duas pontas do compasso para as costas e para pontos cada vez mais afastados do pescoço, é como se elas estivessem cada vez mais próximas uma da outra, até que, com esse mesmo afastamento, é como se duas pontas tocassem a pele no mesmo ponto. (I) Emest Heinrich Weber (1795'1878), contribuiu para a fundação da fisiologia moderna. Estudou o sentido do tacto na pel~. (Nola da ed, alema) 39 Daqui se conclui que além do sinal-perceptivo ela sensação do tacto possuímos sinais-perceptivos para a sensação do local, a que chamamos sinais do local. Cada percepção-de-localização corresponde, exteriorizada, a um local em espaço-táctil. Os territórios da nossa pele que, ao serem tocados, produzem a mesma percepção-de-localização, variam largamente de extensão, conforme a importância que tem para o tacto a região da pele que é tocada. A par da ponta da língua, que tacteia a cavidade bucal, as extremidades dos nossos dedos possuem os territórios de menor extensão, e podem, por isso, distinguir uns dos outros a maior parte dos locais. Quando tocamos com os dedos um objecto, atribuímos, por intermédio destes, à sua superfície um delicado mosaico de locais. O mosaico de locais dos objectos dos lugares frequentados por um animal é, tanto no espaço táctil como no espaço visual, uma atribuição feita pelo sujeito às coisas do seu mundo-próprio, que, de modo nenhum existe no ambiente. Ao tocarem-se pontos diferentes, os locais relacionam-se com as passadas-de-orientação e juntos servem para o esboçar da forma. O espaço táctil desempenha um papel muito importante em muitos animais. Os ratos e os gatos continuam a des-, locar-se sem hesitar, mesmo quando cegos - contanto que conservem os seus pêlos tácteis. Todos os animais nocturnos e todos os que habitam em grutas vivem essencialmente em espaço táctil, que uma fusão de localizações e passadas-de-oritentação delimita. c) O espaço-visual Os animais desprovidos de olhos, que, como a carraça, possuem pele sensível à luz, é de presumir que possuam as mesmas zonas tegumentares para a realização de localizações, tanto por meio de estímulos luminosos como por meio de estímulos tácteis. Localizações ópticas e localizações tácteis coincidem no seu mundo-próprio. Só nos animais providos de olhos, o espaço visual e o espaço táctil se distinguem um do outro. Na retina do olho os pequeníssimos territórios elementares-os elementos visuais-dispõem-se muito densamente uns em relação aos outros. A cada elemento visual corresponde um acidente local no mundo-próprio, pois que se provou que a cada elemento visual corresponde um sinal-do-local. 4Q A. figo 10 representa o espaço VIsual de um inseclo voado!'. • fácil de ver que, em consequência da forma convexa do olho território do mundo exterior que atinge um elemento visual umenta com a distância, e por cada local é discernida uma \ \ \ , I \ \ \ I ! I \ I / / / / / / / / / / , / / / '" " Fig. to-c-Espaço visual de um insecto voador rte do m.undo ambiente cada vez mais vasta. Disto resulta que lodos os obJ?ctos que ficam mais afastados do olho se apresentam da vez mais pequenos até desapareceram no interior de um local. modo '!.ue o local represe~ta a menor porção de espaço dentro qual nao há qualquer diferenciação. A aparente diminuição de grandeza dos objectos não se dá O espaço táctil. E é neste ponto que espaço visual e espaço táctil I op~e~: Quando pegamos numa chávena com o braço estendido Q dIrlglm~s para a boca, ela aumenta de dimensões aparentes m ~spaço Visual, mas não em em espaço táctil. Neste caso o espaço til tem vantagem sobre o espaço visual pois que o aumento tamanho da chávena passa despercebido a um observador o atento. Como a mão que palpa, o olho que olha em volta estende 41 sobre todas as coisas do mundo-próprio um delicado mosaico de locais, cuja finura depende do número de elementos visuais que atingem as mesmas secções do ambiente. Pois que o número dos elementos visuais varia muito de animal para animal, o mosaico-de-Iocais deve também variar. Quanto menos fino for tanto maior número de particularidades das coisas devem perder-se, e o mundo, visto por um olho de mosca deve parecer muito mais grosseiro do que o visto por um olho humano. Como cada imagem pode variar por sobreposição de uma rede fina num mosaico de locais, o método da rede proporciona-nos a possibilidade de realizar a representação dos mosaicos de locais dos diferentes animais. Basta, para tanto, reduzir sucessivamente a mesma representação, vê-Ia depois através da mesma rede, fotografá-Ia e depois ampliá-Ia. Assim aquela se pode transformar num mosaico cada vez mais grosseiro, reproduzindo-o em aguada, sem rede, que tornaria confuso o seu aspecto. As figs. I I a-d são aqui representadas tal como se obtiveram pelo método da rede, e dão-nos a possibilidade de se obter um aspecto do mundo-próprio de um animal, quando se conhece o número de elementos visuais do seu olho. A figo I I C corresponde aproximadamente à reprodução fornecida pelo olho da mosca doméstica. É fácil de compreender que num mundo próprio que apresenta tão poucas particularidades, os fios de uma teia de aranha devem passar completamente despercebidos, e é legítimo dizer: a aranha tece uma teia que é completamente invisível à sua presa. A última figura (I I d) corresponde aproximadamente à representação da impressão dada por um olho de molusco. Como se vê, o espaço visual das lapas e dos mexilhões contém apenas algumas manchas escuras e claras (1). Como no espaço. táctil, as conexões no espaço visual são feitas por passadas de orientação de local para local. Quando fazemos uma preparação à lupa, que tem por função discernir um grande número de locais em uma pequena área, podemos verificar que não é só a nossa vista, mas também a nossa mão, que guia a agulha de dissecção, realiza passadas-de-orien(r) Estas representações indicam apenas o processo que leva a fazer uma primeira ideia das diferenças dos aspectos sob que vários animais vêem os objectos exteriores. Quem queira ficar com uma ideia das particularidades desses aspectos dinâmicos, no caso dos insectos, terá um guia na obra de K. v. Frísch Aus dem Leben der Bienen «<Acerca da vida das Abelhas"), ed, Springer, 5." edição, 1953. (Nota da ed, alemã) I I 42 Fig. Fig. H I I a-Fotografia b-Rua de uma rua de aldeia de aldeia obtida com uma rede 43 ção muito mais curtas, correspondentes a locais tornados muito ais próximos uns dos outros. 2. Ii Fig, Fig. 44 II 11 c-A d-A mesma para" um olho de mosca mesma para um olho -de moluseo o HORIZONTE Ao contrário do espaço-de-acção e do espaço táctil, o espaço lsual é limitado em toda a volta por uma parede impenetrável, que chamamos o campo longínquo, ou o horizonte. 01, Lua e estrelas movem-se, sem distância em profundidade I ntre si, sobre o mesmo horizonte, que inclui tudo o que se abrange , m a vista. A situação do horizonte não é invariàvelmente fixo. uando depois de uma grave febre tifóide, eu dei o meu primeiro p sscio fora de casa, o horizonte pendia como uma colgadura riegada a uns vinte metros de distância, sobre a qual tudo o u eu via se delineava. Para além de vinte metros não havia uaisquer objectos mais próximos ou objectos mais afastados, ns só objectos maiores ou menores. A lente do nosso olho (o cristalino) tem a mesma função ue a de uma câmara fotográfica: a de projectar nitidamente retina, que corresponde à placa fotográfica, os objectos situados frente dos nossos olhos. A lente do olho humano é elástica pode, pela acção de músculos próprios a ela ligados, variar is ou menos de curvatura (o que corresponde à focagem da 11 te da câmara fotográfica). Em virtude da contracção dos músculos do cristalino manitam-se sinais de orientação no sentido de trás para diante do olho. uando esses músculos, relaxando-se, se alongam pela acção da 1 ticidade da lente, os sinais dados indicam o sentido de diante ra trás. Quando os músculos estão completamente relaxados, o olho tá acomodado para a distância desde dez metros até ao infinito. Dentro de um círculo de dez metros, as coisas no nosso mundoróprio, em virtude da acção dos movimentos dos músculos do istalino, apresentam-se-nos como próximas ou afastadas. Para além c círculo dá-se, naturalmente, apenas um aumento ou dirrlÍnuido tamanho dos objectos. Nas crianças de peito o espaço visual mina àquela distância, limitado por um horizonte que tudo I'ange. Só depois, a pouco e pouco, começamos a aprender, iusta de sinais-de-distância, a alargar cada vez mais o nosso rizonte, até que, ainda gradualmente com o nosso desenvolvi45 ento, este limita o espaço visual a uma distância de seis a oito uilómetros, em que aquele começa. A diferença entre o espaço visual de uma criança e o de um dulto, está figurada na figo I2, que reproduz gràficamente uma periência comunicada por Helmholtz (1). Relata ele que, ainda pequeno, ao passar pela igreja da guarnição de Potsdam, notara na galeria da torre daquela alguns operários. Pediu então a sua mãe que lhe fosse buscar um daqueles bonequitos pequenos. A igreja e os operários já estavam contidos no seu horizonte, por isso não estavam afastados, eram apenas pequenos. Tinha pois toda a razão para admitir que sua mãe podia, com os seus ~raços compridos, tirar os bonecos da galeria. Ele não sabia que O mundo-próprio de sua mãe a igreja tinha dimensões perfeitaente diferentes das que tinha no seu, e que na galeria o que avia era homens, não, pequemos, mas, afastados. Quanto aos nimais, a situação do horizonte nos seus mundos-próprios é ifícil de determinar, porque a maior parte das vezes não é fácil de experimentalmente verificar quando é que um objecto do mbíente, ao aproximar-se do sujeito não só passa a ser maior as também a ficar aparentemente mais próximo. Estudos de aptura de moscas domésticas, mostram que só quando a nossa ão se aproxima até cerca de meio metro de distância, esta foge oando. Por conseguinte é de admitir que o horizonte da mosca deverá estar a esta distância aproximadamente. Mas outras experiências realizadas ainda com a mosca domésca deixam entrever que DO seu mundo-próprio o horizonte se vela de outra maneira. Sabe-se que as moscas não só giram em volta de uma lâmpada suspensa ou de um lustre, mas interrompem voo, sempre recuando, quando se tenham afastado de meio rnetro essas fontes luminosas, para depois fugirem para o lado ou para; I\ixo delas. De modo que se comportam como um homem do ar que, no seu barco à vela não quer perder uma ilha de vfsta. Ora, o olho de uma mosca é constituído de modo tal que os I us elementos visuais (rabdomas) (fig. I3) apresentam estruturas ongadas nervosas que a imagem dada pelas suas lentes devem travessar até diferentes profundidades, correspondentes às dís- (r) Hermann v. Helmholtz (1821-1894), fislologista e físico, inventor do oftalmos.. da teoria ondulatória de Maxwell; autor de interpretações sobre a natureza oncrgia, ete. (Nota da ed, alemã) 6plol defensor Fig. 12-0 46 horizonte de um adulto (em baixo) e de uma criança (em cima) 47 tâncias dos objectos vistos. Exner (1) sugeriu que neste caso podia tratar-se de um dispositivo que substituiria os músculos do cristalino do olho humano. Se admitirmos que o dispositivo óptico dos elementos visuais funciona como uma lente, o lustre, a UIJ)acerta distância deixava u as vacas que pastam no prado, todos estão constantemente cerrados nas suas «bolas de sabão» que limitam o espaço. Se tivermos estes factos bem presentes na mente, reconhecere- Cor Fig. 14-Lustre, para um homem Fig. 15-Lustre, para uma mosca Fig. rg-c-Forma de um olho composto de uma mosca. Representação esquemática: a) o olho de que se destacou um sector (segundo Hesse); b) duas omatídeas: Cor, córnea, quitinosa; K, núcleo; Kr, cone cristalino; Kf'z, célula desse cone; Nf, fibra nervosa; P, pigmento; P;;, célula pigmcntar; Retl, rerínula; Rh, rabdoma; Se, célula visual de ser visto; e a mosca voltava a aproximar-se. Comparem-se a este respeito, as figs. 14 e 15, que representam um lustre visto sem ou com uma lente interposta. Se, seja como for, o horizonte encerra, incluindo-o, o 'espaço visual-ele existe sempre. De modo que devemos considerar todos os animais que à nossa volta animam a natureza,-os coleópteros, borboletas, moscas, mosquitos, libelinhas que povoam um prado, -como que encerrados numa «bola de sabão» que limita o seu espaço-visual e em que tudo o que é visível para o sujeito está contido. Cada «bola de sabão» aloja um local diferente dos das outras, e em cada uma delas existem ainda os planos de referência dos espaços-de-acção que conferem ao espaço uma estrutura permanente. As aves que esvoaçam, os esquilos que saltam nos ramos, a também a «bola de sabão» do nosso mundo-próprio-que volve cada um de nós. Então veremos todos os nossos semeh nt s encerrados em «bolas de sabão,» que se interceptam sem resis- (r} Siegrnundo Exner (1846-1926), desde 1875 professor do «Physiologischen Instituo>, Viena. Publicou trabalhos sobre óptica-fisiológica assim como sobre a função I do córtex cerebral. (Nota da ed. alemã) 48 ias, porque são constituídos por sinais-perceptivos subjectivos. existe, de modo nenhum, espaço independente do sujeito. porém, nós nos agarramos à ficção de um espaço universal, • A.lI. 49 é apenas porque recorrendo a essa mentira convencional conseguimos compreender-nos melhor uns aos outros. 3. A PERCEPÇÃO DO TEMPO É a Karl Ernest v. Baer (1) que cabe o mérito de ter considerado evidente ser o tempo uma criação do sujeito. O tempo como sequência de momentos varia de um mundo para, os outros, consoante o número de momentos que os sujeitos vivem no mesmo intervalo de tempo. Os momentos são os mínimos, indivisíveis, continentes de tempo, pois que são a expressão de sensações elementares indivisíveis, os chamados sinais instantâneos. No homem, como já dissemos, a duração de um momento' é de r/r8 do segundo. E, na realidade, é o mesmo para todos os domínios sensoriais, porque todas as impressões dos sentidos são acompanhadas por os mesmos sinais instantâneos. Dezoito vibrações. do ar por segundo já não se ouvem como sons separados, mas como um som contínuo. Demonstrou-se que nós sentimos dezoito choques que nos afectem a pele num segundo, como se fosse uma pressão constante. A cinematografia torna possível projectar na tela movimentos do mundo exterior no ritmo que nos é habitual. As imagens destacadas seguem-se ali com pequenos intervalos de r/ r8 do segundo. Se quisermos seguir movimentos que, para a nossa vista, fluem com demasiada rapidez, temos de nos servir da lupa-de-tempo. Chama-se lupa-de-tempo ao procedimento que consiste. em tirar um grande número de negativos por segundo, projectando-os depois no ritmo normal. Deste modo alargamos o decorre'!" do movimento por um maior intervalo de tempo, e teremos a possibilidade de distinguir acontecimentos que para o nosso ritmo de tempo (de dezoito por segundo) são demasiado rápidos, como o bater de asas das aves e insectos. Assim como a lupa-de-tempo retarda o fluir do movimento, assim também este é apressado' pelo redutor-de-tempo. Quando registamos gráficamente hora a hora um ,acontecimento, e depois projectamos as (I) 1792-1876. Zoólogo, fundador de uma doutrina da evolução diferente da Darwin. (Nota da rd. alemã) 50 de • diferentes fases com intervalos de r/r8 de segundo, conaImo-lo num certo intervalo de tempo e assim conseguimos a lIibiJidade de distinguir acontecimentos que para o nosso ritmo t mpo são muito lentos, como o abrir de uma flor.. Põe-se a questão de saber se há animais cuja percepção do tempo nha momentos mais longos ou mais curtos do que os nossos, m cujos mundos próprios, por isso, os decursos de movimento ~lIm mais lentos ou mais ràpidos que no nosso. Os primeiros estudos feitos a este respeito foram realizados I' um jovem investigador alemão, que cl.;is tarde teve a colar ção de um outro, principalmente no estudo da reacção do I -lutador â sua própria imagem dada por um espelho. Este I não reconhece esta quando ela que é apresentada dezoito • 8 por segundo; para a reconhecer necessita que o seja o ínlmo trinta vezes por segundo. Um terceiro investigador ensio peixe-lutador a abocar o isco quando por trás dele se fazia r um disco cinzeneo. Quando, porém, se fazia girar lentamente .E 116-0 momento do caracol. B=esfera; E=engrenagem; N=varazinha; S=caracol disco com sectores negros e brancos funcionando como «qua-d -aviso», imediatamente o peixe tinha um ligeiro sobressalto ndo se aproximava o isca. Aumentando então a velocidade iração do disco, as reacções tornam-se meHOSregulares a : 51 uma certavelocidade para logo depois suceder o contrário quando aquela aumenta. Isto começava a dar-se só quando os sectores negros seseguiam uns aos outros com um intervalo de I/50 do segundo. O quadro de aviso branco-negro tornava-se então cinzento. Daqui se conclui com certeza que, nestes peixes, os quais se alimentam de presas que se deslocam ràpidamente, todos os fen6menos de movimento no seu mundo-próprio se passam, como na lupa-de-tempo, retardadamente. Um exemplo de contracção de tempo está representado na figo 16, tirada d~ obra antes citada. Sobre uma bola de borracha que, flutuando na água, pode nela escorregar pràticamente sem atrito, coloca-se um caracol, que se fixa pela concha, com uma pinça, a um suporte. Deste modo ele não é impedido de rastejar, conservando-secontudo sempre no mesmo lugar. Se agora pusermos em contacto com a palmilha do caracol uma varazinha, este rastejará sobre ela. Se aplicarmos um a três toques da vara, por segundo, sobre o caracol, ele reage afastando-se dela, mas se os to'ques se repetirem quatro ou mais vezes por segundo, então o caracol começa a arrastar-se ao longo da varazinha. No mundo-próprio do caracol, uma vara que vibra com o período de quatro vezes por segundo é como se estivesse em repouso. De onde devemos concluir que o tempo do caracol flui num ritmo de três a quatro momentos por segundo. Isto tem como consequência que no mundo-próprio do caracol todos os fenómenos de movimento se passam muito mais ràpidamente do que no nosso.Além disto os movimentos típicos do caracol não fluem, para ele, mais lentamente do que os nossos para nós. 4- os MUNDOS-PRÓPRIOS biente, o seu mundo-próprio apreende apenas a característica, mpre a mesma, pela qual a paramécia quando quer que seja eja como for e onde for, é estimulada a desencadear o mesmo ELEMENTARES Espaçoe tempo não são de qualquer préstimo imediato para o sujeito. S6 adquirem significado quando muitas característica, que, sem quadro temporal e espacial ruiriam, têm de ser dife: renciadas. Um tal quadro, em mundos-próprios elementares, em que há um único sinal-característico, não é, porém, necessário, A figo17 representa par a par o mundo ambiente e o mundo-próprio da paramécia, um pequeno ciliado. A paramécia é revestida de densas fiadas de cílios, por meio de cuja agitação se move . rapidamente na água, girando em torno do seu eixo maior. De todas as diferentes coisas que se encontram no seu mundo ° 52 Fig. 17-Mundo I ambiente e mundo-próprio da paramécia nto .. O mesmo carácter de obstáculo provoca sempre o movimento de fuga. Este consiste em um movimento de a que depois se segue um desvio lateral, seguido de novo , de modo que o obstáculo é ultrapassado. Pode dizer-se 53- I I I I! que, neste caso, o mesmo sinal característico é cancelado pela mesma marca-de-acção. Quando o animalzinho contacta corri uma partícula das que lhe servem de alimento (l)-as bactérias de decomposição, que, de entre tudo que existe em todo o mundo-ambiente, não determinam qualquer estímulo-o animal detem-se. Estes factos mostram-nos como a natureza consegue estruturar a vida segundo um plano com um único ciclo-de-função. Alguns animais pluricelulares, como as medusas pelágicas do género Rhizostoma, também podem bastar-se a si próprias com um único ciclo de função. Neste caso o organismo consiste num dispositivo hidráulico natatório que recolhe em si a água do mar não filtrada, rica I ~ .... Fig. 18-Medusa pelágica com corpos marginais em plancton, e a reexpele filtrada. A única manifestação de vida na medusa consiste em oscilações, para um e outro lado, da umbela gelatinosa e contráctil. Por meio de uma pulsação sempre igual, o animal mantem-se nadando à superfície do mar. Ao (,) 54 Na figura 17, Nahrung. mesmo tempo, o intestino, membranoso, dilata-se e contrai-se alternadamente, assim entr~ndo e saindo a água do mar, por pequenos poros nele existentes. O conteúdo fluido do intestino é impelido ao longo de extensos canais digestivos, cujas paredes absorvem os alimentos e o oxigénio arrastado. Natação, preensão dos alimentos e respiração mecanica todas são realizadas pela contracção rítmica dos músculos existentes nas margens da umbrela. Para que estes movimentos se continuem sem interrupção, existem nas ;:)margns da umbela oito órgãos campanuliformes (corpos marginais), (convencionalmente representados na figo 18), cujos badalos, a cada pulsação, chocam com uma papila nervosa. O estímulo resultante do choque, provoca a pulsação seguinte da umbela. Deste modo a medusa provoca em si própria a sua marca-de-acção, e esta liberta o sinal característico, que provoca de novo o mesmo acto e assim ad infinitum. No mundo-próprio da medusa soa sempre a mesma badalada, que governa o ritmo da vida. Todos os outros estímulos se apagam. No caso em que um único ciclo-de-função se manifesta, como em Rhizostoma, pode realmente falar-se de um animal reflexo, porque o mesmo reflexo se desencadeia desde cada campânula até à faixa muscular na margem da umbela. Deveremos, porém, falar de animais reflexos, quando existem ainda outros arcos reflexos, como sucede em outras medusas, quando eles se conservam completamente independentes. Assim há medusas que possuem filamentos pescadores que contêm em si a fonte de arcos reflexos que se fecham sobre si próprios. Muitas possuem ainda um manúbrio bucal móvel, provido de musculatura própria, que está ligado aos receptores da margem da umbela. Todos estes arcos reflexos funcionam com perfeita independência uns dos outros, não sendo controlados por nenhum órgão central. Quando um órgão exterior é a sede de um arco reflexo, diz-se que é como se fosse um «indivíduo reflexo». Os ouriços-do-mar são constituídos por um grande número desses indivíduos reflexos, cada um dos quais, por si e sem coordenação central, desempenha a sua função reflexa. Para tornar claro o contraste entre os animais assim constituídos e os animais superiores, formulei a proposição seguinte: quando um cão se desloca, o animal move as pernas, quando um ouriço-do-mar se desloca, as «pernas» movem o animal. Os ouriços-do-mar possuem, como o ouriço-cacheiro, muitos espinhos, que, contudo, fazem parte de indivíduos reflexos autónomos. Além dos espinhos rígidos e picantes que assentam numa 55 superfície articular esférica do testo e estão prontos a opor uma floresta de lanças a qualquer objecto, capaz de provocar qualquer irritação, que se aproxime do testo, existem ventosas pediceladas (pés ambulacrários) moles, longas e musculosas, que servem para a locomoção. Além disto, muitos ouriços-do-mar, possuem ainda, espalhadas por toda a superfície do testo, quatro tipos de. pinças (pinças ornamentais, pinças percussoras, pinças preensoras e pinças venenosas) cada tipo com a sua utilização especial. Apesar de muitos indivíduos-reflexos funcionarem em conjunto, as suas actividades são absolutamente independentes umas. das outras. Assim, actuados pelo mesmo estímulo químico proveniente do inimigo do ouriço-a estrela-do-mar-os espinhos divergem subitamente e em vez deles surgem as pinças venenosas que encarniçadamente se lançam contra os pés ambulacrários daquela. Pode-se, pois, neste caso, falar de uma «república reflexa», em que, porém, apesar da independência de todos os indivíduos reflexos, reina um «espírito cívico» perfeito. Porque os próprios pés ambulacrários, moles, do ouriço-do-mar nunca são atacados pelas pinças preensoras, que aliás mordem qualquer objecto próximo. Este «espírito cívico» não é ditado por qualquer posto central, como sucede com o homem, onde também, os dentes cortantes constituem um perigo para a língua, o qual só é evitado mediante a intervenção da sinal-perceptivo do perigo de dor no órgão central. Porque o perigo de dor impede o acto que o provoca. Na república de reflexos do ouriço-do-mar, que não possui nenhum centro superior de coordenação, o «espírito cívico» tem de ser atribuído por outros meios. É a substância, autodermina, , que o consegue. Não diluida, ela não paraliza os receptores dos indivíduos reflexos. Nos tegumentos existe em diluição tão elevada que é inactiva quando ao contacto de um objecto estranho. Logo, porém, que dois pontos do tegumento contactam, a sua actividade manifesta-se e impede o desencadear do reflexo. Uma república de reflexos, como é o ouriço-da-mar, pode perfeitamente admitir no seu mundo-próprio várias notas, ou sinais característicos, se se compuser de vários indivíduos-reflexos. Tais notas, porém, devem manter-se completamente isoladas, pois que todos os ciclos-de-função se realizam, completamente isolados uns dos outros. Já a carraça, cujas manifestações vitais consistem, como vimos, em três reflexos, representa um tipo mais elevado, pois 56 que os ciclos-de-função não se utilizam desses arcos reflexos isolados, mas possuem um órgão-de-percepção comum. Existe, por isso, a possibilidade de, no mundo-próprio da carraça, o animal-presa, embora consista apenas em estímulo do ácido butírico, estímulo do tacto e estímulo do oalor, constituir, não obstante, uma unidade. Tal possibilidade não existe no caso do ouriço-do-mar. Os seus sinais característicos, que se compõem de estímulos graduados de pressão e estímulos químicos, constituem grandezas completamente isoladas. Muitos ouriços-da-mar respondem a qualquer obscurecimento do horizonte com um movimento dos espinhos que, como o mostram as figs. 19 a e 19 b, se verifica igualmente como resposta contra uma nuvem, um navio, e o seu verdadeiro inimigo, um peixe. Mas a representação do mundo-próprio ainda não está suficientemente simplificada. Não é o caso de o sinal característico sombra ser transferido pelo ouriço-do-mar para o espaço, pois que este não possui nenhum espaço visual, e as sombras só se efectivam como por uma leve passagem de um floco de algodão sobre o tegumento, sensível à luz. Representar isto gràficamente era tecnicamente impossível. 5. FORMA E MOVIMENTO COMO S1NAlS-CARACTEIÚsTICOS Mesmo que se quisesse admitir que, no caso do mundo-próprio ouriço-do-mar, todos os sinais-característicos, ou notas, dos diferentes indivíduos-reflexos são dotados de uma representação em espaço, e por isso cada um se encontra num local diferente do de cada outro-não havia, contudo, nenhuma possibilidade relacionar estes locais uns com os outros. Por isso a este mundoróprio devem necessàríamente faltar os sinais característicos forma e de movimento que pressupõem a ligação de vários cais de uns com os outros-e é isso o que se dá. Forma e movinto aparecem pela primeira vez em mundos de percepção periores. Ora nós estamos habituados a admitir, graças às eriências adquiridas no nosso mundo-próprio, que a forma um objecto é a nota, ou sinal-característico, dada em primeiro ar, e que o movimento sobrevem ocasionalmente como sinalracterístico secundário. Isto porém não é·o que se passa em uitos mundos-próprios dos animais. Neles, forma em repouso do 57 •• ----- _._-~ . e forma em movimento não são dois sinais-característicos inteiramente independentes um do outro, podendo também ocorrer o movimento sem forma, corno sinal-característico independente. A figo 20 representa a gralha-de-bico-vermelho, ou corvacho, caçando gafanhotos. A gralha é completamente incapaz de descobrir um gafanhoto em repouso, e s6 o ataca quando ele salta. ""i'/.~ ! ., ._.•...... ~.-=-=-..• ._. .•... : .... ,.:. ___._--t '-- .' \", ,.' .. .... .. ' ' Fig. 2o-Gralha·de·bico·vermelho Fig. 19 a-Mundo ambiente do ouriço-do-mar ~-_. _ - --_o ~_.. _ .. ,. - - .•. - "-:-:-='"o •• " .: ~I::. •• .. ' ·~~:, •..• ,.~cr..::::' 58 e gafanhoto "·':.":i··:;::·f:.S'j~J··~""·"· . ".'1>rCJ'· . Nestas circunstâncias conjecturamos imediatamente que a forma do gafanhoto em repouso é bem conhecida da gralha, mas. por causa da erva que dissimula não é por aquela reconhecida como unidade, exactamente como nós só com dificuldade conseguimos destacar num desenho-quebra-cabeças uma forma onhecida. Segundo esta maneira de ver, a forma só ao saltar se distingue das dissimuladoras imagens circumvizinhas. Mas segundo outras experiências é de admitir que a gralha não reconhece a forma do gafanhoto em repouso mas apenas está adaptada a reconhecer a forma em movimento. Isto expli-. caria «a simulação da morte» de muitos insectos. Quando a sua forma imóvel não existe essencialmente no mundo de percepção' do inimigo perseguidor, eles por meio desse subterfúgio,escapam-se a salvo desse mundo de percepções do inimigo e nunca podem ser descobertos quando ele os procura. Eu construí um «anzol» para moscas, que se compõe de uma varazinha de que suspendi por um fio fino uma ervilha revestida de visco. Se por meio de uma leve vibração da varazinha pusermos a ervilha em movimento no parapeito de uma janela' sobre que haja muitas moscas, sempre algumas se lançarão sobre a ervilha, ficando' pegadas a ela, podendo depois verificar-se que são sempre machos. 59 o fenómeno representa uma espécie de falsas núpcias. No caso de moscas que voam em volta de um lustre, é ainda de machos que se lançam sobre fêmeas que por ali voam, que se trata. A ervilha ao agitar-se imita o sinal-característico de fêmea que V0a e por isso é tomada, nunca tal sucedendo quando está imóvel, do que se pode ainda concluir que fêmeas imóveis e fêmeas a voar são dois sinais-característicos distintos. Mas que o movimento independente de forma pode figurar como sinal. característico, pode-se concluir da figo 2 I que representa comparadamente o que se passa com a vieira no seu mundo ambiente e no seu mundo-próprio. No mundo ambiente do molusco, e ao alcance da vista dos seus cem olhos, encontra-se o seu mais encarniçado inimigo, a estrela-do-mar, Asterias. Enquanto esta se conserva imóvel, não tem qualquer acção sobre o molusco. A sua forma característica não é para ele um sinal. Mas logo que ela se põe em movimento, o molusco estende, como reacção, os seus longos tentáculos, que funcionam de órgãos do olfacto; aproximando-se da estrela-do-mar e recebem o novo estímulo. A seguir, o molusco ergue-se e afasta-se nadando. As experiências tem mostrado ser indiferente a forma ou a cor que um objecto móvel possua. Pois que, no mundo-próprio do molusco,ele manifesta-se sempre como sinal característico, se o seu movimento é tão lento como o da estrela-do-mar. Os olhos da vieira não são adequados para distinguir a forma ou a cor mas, exclusivamente, um certo ritmo de movimento, ti ritmo próprio do seu inimigo. Mas este não fica, por este meio, completamente caracterizado: para que o segundo ciclo-de-função se desencadeie é preciso que, primeiro, sobrevenha um sinal olfactivo; então o molusco afasta-se da proximidade do inimigo, fugindo, e, por meio deste sinal-de-acção, o sinal característico do inimigo é finalmente anulado. Durante muito tempo supos-se que no mundo-próprio da minhoca existia um sinal característico para a forma. Já Darwin sugerira a esse respeito que a minhoca se comportava como se reagisse à forma tanto de folhas, como de agulhas de pinheiro. A minhoca transporta para a sua alongada moradia, folhas e agulhas de pinheiro (fig. 22), que lhe servem indiferentemente de protecção e de alimento. Verifica-se que quando se tentam fazer entrar numa galeria estreita e com o pecíolo para a frente, a maior parte das folhas, elas encontram certa resistência. Pelo. 60 " '.;.~ ....• ,:' ....~ .." .........•..•• ~-". ', ' Fig. 21-Mundo .......• , , ambiente e mundo-próprio da vieira "1 contrário enrolam-se fàcilmente e não se nota qualquer resistência quando é'o vértice que vai à frente. Quanto às agulhas de pinheiro, que se desprendem dos ramos sempre aos pares, essas devem fazer-se entrar na galeria n~o com o vértice mas com a base para a frente. I Do facto de a minhoca se utilizar, sem encontrar dificuldades, de folhas e de agulhas de pinheiro, concluíra-se que a forma Fig. 22-A capacidade de discernimento pelo gosto, na minhoca destes objectos, que no mundo-de-acção da minhoca desempenham um papel tão importante, devia existir no seu mundo-de-percepção como nota-característica. Verificou-se que esta conclusão era incorrecta. Pôde demonstrar-se que as minhocas arrastam para dentro das suas galerias '62 .pequenas varazinhas, todas com a mesma forma e que se tinham revestido de gelatina, indiferentemente com uma ou a outta extremidade para a frente. Mas quando se polvilha com pó de um vértice de folha de cerejeira uma das extremidades da varazinha, e a outra com pó da sua parte basilar, as minhocas distinguem perfeitamente as duas extremidades como se fossem o vértice e a base da própria folha. Apesar de a minhoca se comportar perante as folhas de maneira relacionada com a sua forma, não é realmente pela forma, mas pelo gosto, que ela se orienta. Este arranjo é muito feliz, porque os órgãos-de-percepção da minhoca são constituídos segundo um modelo demasiado simples para produzir sinais de forma. Este exemplo mostra-nos como a natureza sabe evitar dificuldades que a nós parecem insuperáveis. No caso da minhoca também nada havia de percepção de forma. Tanto, pois, mais instante mente se põe a questão de saber -em que animais é legítimo conjecturar que a forma existe originalmente como sinal-característico do seu mundo-próprio? Esta questão foi resolvida mais tarde. Foi possível demonstrar que as abelhas pousam de preferência em coisas cujas recortadas, formas são virtualmente decomponíveis em outras mais simples, como estrelas e cruzes, evitando, pelo contrário formas inteiriças, como círculos e quadrados. A figo 23 apresenta uma comparação imaginada, do mundo-ambiente e do mundo-próprio da abelha, para ilustrar o que Se passa. Vemos a abelha no seu mundo ambiente de um prado florido, distinguir entre as flores abertas e os botões. Situada a abelha no seu mundo-próprio e reduzindo as flores, segundo a sua forma, a estrelas ou cruzes, os botões passarão a ter a forma não recortada de círculos. Daqui concluiremos ainda o significado biológico desta nova particularidade das abelhas, assim revelada. Só as flores abertas, não os botões, têm para elas um significado. Mas as correlações de significado são, como nós Ja vimos na carraça, os únicos guias seguros na exploração dos mundospróprios. Para o caso é perfeitamente indiferente que as formas cliscontínuas, decomponíveis, sejam fisiologicamente eficientes. O problema-da-forma foi reduzido por estes trabalhos a uma ormula mais simples. Basta admitir que as células de percepção ara os sinais locais se articulam em dois grupos no órgãodeercepção, urnas. segundo o esquema «deco~posta», ou aberta, 63 outras segundo o esquema «não decomposta», ou fechada. Não há quaisquer outras distinções. Se os esquemas se afastam disto, então resultam deles «imagens perceptivas» que se conservam inteiramente gerais, que, como novas e muito belas investigações mostram, incluem no caso das abelhas, cores e cheiros. Nem a minhoca, nem a vieira, nem a carraça, dispõem desses esquemas. Carecem, por isso, no seu mundo-próprio,de verdadeiras imagens-perceptivas. 6. FINALIDADE E PLANO Como nós, homens, estamos habituados a prosseguir penosamente a nossa existência, de finalidade em finalidade, estamos por isso convencidos que com os animais se passa o mesmo. Ora isto é um erro fundamental, que leva as investigações até aqui realizadas por caminhos falsos. Na realidade ninguém atribuirá finalidades a um ouriço-do-mar ou a uma minhoca. Mas já na descrição da vida da earraça nos referimos a o ela «espiar a sua presa». Por esta expressão já introduzimos, indevídamente ainda que involuntàriamente, as nossas mesquinhas preocupações diárias, na vida da carraça, que é dominada por um plano puramente natural. Fig, 23-Mundo 64 ambiente e mundo-próprio da abelha O nosso primeiro cuidado deve, pois, ser o eliminar da interpretação dos mundos-próprios a falácia da finalidade. S6 assim poderemos chegar a pôr certa ordem, no ponto de vista da existência de um plano natural, nas manifestações da vida dos animais. Talvez mais tarde se considerem como tendo finalidade certos comportamentos dos mamíferos superiores, que, mesmo eles, estão por sua vez subordinados ao plano natural de conjunto. Em todos os outros animais não existem comportamentos orientados no sentido de um fim. Para demonstrar esta proposição lerá necessário que o leitor lance 'um golpe de vista por alguns mundos-próprios que não levantem quaisquer dúvidas. A figo 24 funda-se nas curiosas interpretações a que cheguei, sobre a perepção dos sons pelas borboletas nocturnas. Como nela se dá a tender, é perfeitamente indiferente que o som a que os animais tão submetidos, seja o produzido por um morcego ou o resultante O atrito de uma rolha de vidro: a acção é sempre a mesma. quelas borboletas nocturnas que em virtude da sua brilhante oIoração são bem visíveis, afastam-se, voando; pela acção de -A. H. 65 sons altos, ao passo que as que possuem colorações dissimuladoras se aproximam deles. A mesma nota ou sinal-característico provoca resultados opostos. A alta conformidade com um plano patenteia-se nos dois modos opostos de comportamento. Não pode tratar-se aqui de qualquer discriminação ou intenção, pois que nenhuma borboleta nocturna jamais viu a cor do seu próprio tegumento. O que há de pasmoso na conformidade com um plano torna-se neste caso ainda mais impressionante ao verificarmos que a engenhosa estrutura microscópica do órgão da audição da borboleta nocturna é exclusivamente receptiva destes sons altos emitidos pelo morcego. São absolutamente surdas para os outros sons. A oposição entre finalidade e plano já resulta de uma bela observação feita por Fabre (1). Este pôs a fêmea de uma borboleta nocturna, olhos-de-pavão, em cima de uma folha de papel branco, sobre que aquela fez, durante algum tempo, certos movimentos com o abdómen. Depois pôs a mesma fêmea ao lado da folha de papel sob uma campânula de vidro. Durante a noite entraram pela janela verdadeiros enxames de machos desta espécie muito rara de borboleta, e pousaram todos sobre a folha de papel branco. Nem um único notou a fêmea que estava próxima, sob a campânula de vidro. Que espécie de acção física ou química se devesse atribuir ao papel; eis o que iFabre não pôde averiguar. 'I' .\ r I", /:/ i' . ~.. ' '.. l" • ~". ~ Fig. 24-Acção 66 de um som alto sobre borboletas nocturnas A este respeito são muito elucidativas as experiências, que a figo 25 ilustra, feitas com saltões-do-feno e grilos. Num quarto, diante de um microfone receptor, coloca-se um exemplar vivo a fretenir, uma fêmea, por exemplo. Se num outro quarto se puserem machos próximos de um outro telefone, estes, ao ouvirem o fretenir da fêmea, aproximam-se do telefone, sem darem atenção a uma outra fêmea que fretene sob uma campâula de vidro, para fora da qual o som não pode passar. A imagem ptica não exerce qualquer acção, As duas experiências provam o mesmo. Em nenhum dos .casos e trata de atingir um fim. O comportamento aparentemente tranho dos machos explica-se, porém, sem dificuldade, se o tudarmos na sua conformidade com um plano. Nos dois casos ectua-se, através de um sinal característico, um ciclo-de-função, as com a ausência do objecto normal nada se dá quanto à (I) J. Remi Fabre (1823-1915), entomologista francês. (Nota da ed, alemã) 67 111,/'1 S'If, JII,I,I,I, 111,;,1,1, diante do microfone Fig. 25- Sa ICo-do-feno a 68 Fig. 26-Galinha e pintos 69 r '0 para produção do sinal-de-acção ap:opriado, qu; ~ra ~ce;san deste I to do primitivo smal caractenstlco. o ugar ~e~::c:::~mente, surgir um outro sinal característico e desedn, -' S' qual for este segun o cadear-se o ciclo-de-funçao segumte. eja d d . b os ser estu a o mais sinal característico, deve, em am os os ca~ ~ecessário na cadeia detidamente. Em qualquer caso, ele é um e o . em o acasalamento. dos ciclos-de-funçao que serv . tos? Eles são Para quê dir-se-á, atribuir finalidade aos msec os. b I determinado~ imediatamente pelo pl~no ~atural, que esta e~~: • • r • Já VImos na carraça. os seus smais caracterIstlCOs, como . a alinha quem já reparou no que se pas~a n~ma cap_oelr~d~~:~uvrdar de se apressa a socorrer os seus pmtamhos, na~ P fi r dade ExacverdadeIra na ~ '. que há no seu comportamento. uma , todo o rigor curiosas tamente sobre este caso realizamos com r.. experiências. id do se prende A fig. 26 ilustra os resultados nelas obti os.. ~uan o que faz que a um pintainho por uma perna, ele começa a pIar, campânula, de modo que ela o possa ver mas sem o ouvir, 11 galinha conserva-se perfeitamente calma perante o espcctá ul . Também aqui se não trata de finalidade, mas sim, ainda, de uma cadeia de ciclos-de-função. O sinal de piar provém normalmente, de forma indirecta, de um inimigo que prende o pintainho. Este sinal característico será eliminado pelo sinal-de-acção da picada que porá o inimigo em fuga. O pintainho que se debate, mas não se ouve piar, não é um sinal característico que produza qualquer efeito particular; além de ser completamente fútil, pois que a galinha não tem condições para desfazer um laço. Ainda mais singular e desprovida de fim foi a maneira como a galinha, representada na figo 27, se comportou. Esta galinha chocara uma postura de ovos de galinhas brancas, mas em que havia um da sua própria raça negra. A forma como ela se comportou com o pintainho preto que saiu deste ovo foi perfeitamente absurda. Quando o ouvia piar, a galinha acorria imediatamente ao sinal, mas se o via entre os brancos, corria-o às bicadas. Os sinais acústico e óptico característicos, do mesmo objecto, provocavam nela o desencadear de dois ciclos-de-função opostos. Manifestamente os dois sinais, no mundo-próprio da galinha, não se fundiam numa só unidade. . 7. Fig. 27-Galinha e pinto preto . di .. de penas eriçadas na direcção de que os pios galinha se IrIJa . . h L que o avista partem mesmo que não veja o pl.nta!I~ o'. ogo começa a dar bicadas num inimigo lmagmáno. d b uma . . h que se pren eu so Se, porém, se puser o pmtam o, ' IMAGEM-PERCEPTIVA E IMAGEM-EFECTORA A oposição entre finalidade do sujeito e plano da natureza dispensa-nos também de considerar a questão do instinto, em que ninguém ainda deu os primeiros passos certos. Será necessário à bolota qualquer instinto para vir a ser um carvalho, ou trabalha instintivamente uma multidão de células ósseas para formar um osso? Se se responde a isto negativamente e, em vez de instinto se postula como factor ordenador um plano de natureza, então há que reconhecer no tecer da teia de aranha, ou na construção do ninho das aves a intervenção do .plano da natureza, pois em ambos os casos não é de um fim particular que se trata. Instinto é apenas um termo que resulta da perplexidade a que se põe quem contesta o plano da natureza, super-individual. E este 6 contestado porque dele, que é um plano, não se pode formar qualquer ideia adequada, pois não é uma substância nem uma força. 71 70 E no entanto não é difícil, partindo do conceito de plano, ficar com uma ideia acerca da questão, quando nos apoiamos num exemplo intuitivo. Para pregar um prego não basta o mais belo dos planos, se não se tem um martelo. Mas também 'não basta o mais belo dos martelos se se não tem qualquer plano e nos entregamos ao acaso. Porque, nesse caso, batemos com o martelo nos dedos. Sem plano, isto é, sem o todo-poderoso poder de ordenação que tudo domina na natureza, não há qualquer espécie de natureza ordenada, mas apenas um caos. Todo o cristal é o fruto de um plano natural, e quando os físicos apresentam o mais belo modelo do átomo, como é o de Bohr, revelam os planos da natureza inanimada que buscam desvendar. Assim, também, o poder dos planos da natureza viva recebe do estudo dos mundos-próprios a interpretação mais clara que é possível. Estudá-Ios, eis a mais interessante das tarefas. Por isso não queremos deixar-nos perturbar, e tranquilamente prosseguimos a nossa rota através dos mundos-próprios. Os casos ilustrados na estampa superior a cores, entre as páginas 104 e 105 representam um resumo dos resultados obtidos nos estudos do crustáceo, casa-roubada. Verificou-se que o casa-roubada necessita, como imagem-perceptiva, um esquema espacial extremamente, simples. Cada objecto de uma certa ordem de grandeza, com um contorno de entre um cilindro e um cone, pode ter para ele significado. Como se traduz nas figuras, o mesmo objecto de aspecto cilíndrico, como é o caso da anémona-do-mar, muda de significado no mundo-próprio do casa-roubada, conforme as circunstâncias, (a disposição) em que o casa-roubada se encontra. Nós vemos sempre o mesmo casa-roubada e a mesma anérnona-do-mar. Ora, no primeiro caso representado, tinha-se destacado esta da concha, em que aquele se alojara. No segundo, tinha-se tirado o casa-roubada de dentro da concha, e no terceiro tinha-se feito jejuar um casa-roubada instalado dentro de uma concha, a que estavam fixadas anémonas-do-mar. Isto basta para pôr o casa-roubada em três circunstâncias diferentes. Conforme as diferentes disposições, o significado da anémona-do-mar em relação ao crustáceo, varia. No primeiro caso, em que à concha que alojava o crustáceo faltava a protecção que a anémona-do-rnar lhe prestava' contra o choco, a imagem perceptiva da anémona-do-mar assume um «teor de protecção», Isto manifesta-se no comportamento do casa-roubada, que põe ao alto a concha que lhe serve de abrigo. 72 Se privamos desta o mesmo casa-roubada, a imagem perceptiva da ~némona-do-mar assume um «teor de habitação», o que se manifesta em o ele tentar, ainda 'que sem êxito entrar para dentro ?ela. No terceiro caso, em que o crustáceo está esfomeado, aquela Imagem passa a ter um «teor de alimento» e este começa a devorar a anémona-do-mar. Estas experiências têm, por isso, particular importância pois mostra~ que já n.os mundos-próprios dos artrópodos a im~gem-perceptiva, fornecida pelos órgãos dos sentidos, pode ser substituída por uma imagem-efectora, dependente da função que nela se contém. , As investigações tendentes a interpretar este singular estado de coisas têm-se realizado com cães. A maneira como se pôs a questão foi muito simples e as respostas dos cães, unívocas. Ensinou-se um cão a saltar para cima de uma cadeira colocada em frente ?ele, quan~o se dava a voz de «cadeira». Depois, tirou-se a cadeira e repetia-se, «cadeira». O resultado foi o cão comportar-se com todos os objectos que julgava poderem servir de assento, Como se comportara com a cadeira, e saltar para cima deles. Todos eles, pois nos queremos referir a objectos como arcas «étageres», bancos voltados, tinham um certo «teor de assento»' , de facto, um teor de assento-de-cão, e não de assento-de-home~ Porque certas destas cadeiras-de-cão não eram absolutamente nada p~óprias para serem como tal utilizadas pelo homem. Podia ainda mostrar-se que também «mesa» e «cestinho» possuiam para o cão um teor especial, que dependia dos serviços que lhe prestavam. Mas o problema já mesmo nos homens pode ser acentuado. orno vemos nós, no caso da cadeira, o sentar, no da chávena, beber, no da escada, o trepar, funções que em caso nenhum os são denunciadas pel~s.sentidos? Nós vemos em todos os objec08 que aprendemos a utilizar, o préstimo que deles aproveitamos, U8ta~ente com a mesma certeza que a sua forma e a sua cor. TIve um negro, oríginário do interior da África, de perto de ar~ssala~, rapaz ainda novo, muito inteligente e hábil, a quem úníca coisa qU(~faltava era o saber como se utilizavam os objectos rop_eus.Um dia que lhe disse para subir a uma pequena escada mao, ele perguntou-me; «Como é que o posso fazer se só vejo vessas.separadas por i?tervalos?» Logo, porém, que outro neg~o e~plIcou como devia proceder, nada mais foi preciso. Daí diante os dados dos sentidos «travessas e intervalos» assumi- 73 ram o teor de «subir» e passaram a ser considerados como uma escada. A imagem-perceptiva das travessas e intervalos foi completada pela imagem-efectora dà sua própria utilização, adquiriu um novo significado, e este revelou-se como uma nova qualidade, corno teor de utilização ou «teor-efector». Por esta experiência com o negro somos levados a notar que nós elaboramos para todas as utilizações que aproveitamos no nosso mundo-próprio uma imagem-efectora que necessàriamente fundimos tão intimamente com a imagem-perceptiva fornecida pelos nossos órgãos dos sentidos, que elas adquirem por esse meio uma nova qualidade que nos torna conhecido o seu significado ,e que logo 'pretendemos caracterizar como seu teor-efector. O mesmo objecto pode, se tiver diferentes préstimos, possuir várias imagens-efectoras, que então emprestam à mesma imagem-perceptiva, outros tantos teores correspondentes. Uma cadeira pode, ocasionalmente, ser aproveitada como arma de arremesso, e possui então uma nova imagem-efectora que se revela como «teor de agressão». Também neste caso, bem humano, a situação do sujeito é, por isso, como no exemplo do casa-roubada, tendente a escolher que imagem-efectora atribui teor à imagem-perceptiva. Só se podem pressupor imagens-efectoras onde existirem órgãos efectores que comandem os comportamentos do animal. Tod~s os animais que funcionam de forma puramente reflexa, como o ouriço-do-mar, são, por consequência, excluídos dessa possibilidade. Mas, como o casa-roubada mostra, a sua importância é muito profunda no reino animal. Se queremos aproveitar o conceito de imagens-efectoras na interpretação dos mundos-próprios, mesmo noe animais muito diferentes de nós, nunca devemos esquecer que elas são utilizações dos animais projectadas nos mundos-próprios, que, por intermédio dos teores-efectores, conferem às imagens perceptivas apenas o seu significado. Se quisermos representar o que no mundo-próprio de um animal é vital, proveremos de um teor-efector a imagem-perceptiva que lhe é dada pelos órgãos dos sentidos, para que possamos compreender 'completamente o seu significado. Mesmo nos casos em que não se trata de uma imagem espacialment organizada, como na carraça, deveremos dizer que nos três estímulos que nela incidem como únicos denunciadores da sua presa, o significado dos teores-efectores (com eles relacionados) resulta da queda sobre ela, de o correr sobre ela de um para outro lado e de o nela penetrar. Certamente a actividade selectiva dos receptores, 74 • que represent.am as portas de entrada dos estímulos, desempenha o papel d~mlllante, mas só o teor-efector, que está relacionado com os estímulos, lhes confere a certeza infalível. Com~ as. ima~e.ns efectoras se podem deduzir das utilizações pel~s ~mmals, f'àcilmente reconhecíveis, as coisas no mundo-propno de cada novo sujeito tornam-se muitíssimo evidentes. Quand? uma libelinha voa para um ramo para nele pousar, o ramo ~xlste no seu mundo-próprio, não apenas como imagem-perceptrva, mas também se denota por meio de um teor de «assento», que a distingue de todas as outras hastes. Só quando tomamos em consideração os teores-efectores se compreende a alta eficiência que o mundo oferece aos animais ; que nele ~anto admiramos. Devemos dizer: um animal pode reali:ar ta~to maior número de utilizações quanto maior for o número de o?Je~tos que ele p~de distinguir no seu mundo-próprio. Se ele dls~oe de poucas imagens-perceptivas com poucas utilizações, entao também o seu mundo-próprio se reduz a poucos objectos. Ele é, por esse facto, realmente mais pobre, mas, proporcionalmente, goza de maior segurança. Porque é muito mais fácil orientar-se, entre po~cos objectos do que entre muitos. Se a paramécia possUlsse ~m~ imagem-efectora de utilidade para ela, todo o seu mundo-próprio se comporia de objectos todos iguais que teriam tod~s ~ mesmo te.or de obstáculo. Seja·como for, um tal mundo-propno nada deixaria a desejar. Com o número de capacidades de um animal aumenta o número de objectos que povoam o seu mundo-próprio. Elas levam-se no decorrer .~a :ida individual de cada animal, que pÔde. acumular experiencias. Porque cada experiência nova mplica .0 assumir. o sujeito nova posição perante novas sensações. ém dISSOadquirem-se novas imagens-perceptivas, com novos ores-efectores. Isto observa-se principalmente nos cães que aprendem a anejar certos objectos usados pelo homem e que eles, por sua z, utilizam também. No ent.anto. o número de objectosno mundo-próprio do cão sempre inferior aos do nosso mundo-próprio. Isto é ilustrado ~ clareza nos três desenhos coloridos idênticos, 2, 3, 4 (entre glll~s 104 e uoy). Representa-se neles o mesmo aposento. Mas objectos que nele se encontram têm cores diferentes conforme teores-efectores que correspondem respectivamente ao homem cão e à mosca doméstica. ' 75 - .' No mundo-próprio do homem os teores-efectores sao representados, na cadeira pelo teor de assento (acastanhado) na mesa pelo teor de refeição (amarelo) e nos pratos e copos por outros Tudo o mais tem uma tonalidade de obstáculo. O banco giratório, em virtude do seu polimento não tem para o cão teor de assento. Finalmente vê-se como, para a mosca, tudo possui somente um teor de movimento, sobre cujo significado já se falou. Com que segurança a mosca se orienta no mundo ambiente do nosso aposento, mais pormenorizadamente se esclarecerá por meio da fig. 28. Logo que a cafeteira com café quente se coloca sobre a mesa, as moscas juntam-se em volta dela, porque o calor constitui para elas um estímulo. Deslocam-se sobre o tampo da mesa porque esta tem para elas um teor de movimento. E como as moscas têm nas patas órgãos do gosto, cuja irritação desencadeia o desenvaginar do proboscis, elas fixam-se no alimento de que se utilizam, ao passo que todos os outros objectos determinam o 'prosseguirem nas suas deambulações. Neste caso é fácil de distinguir o mundo-próprio da mosca do seu mundo ambiente. 8. o Fig. 28-05 objectos no mundo-próprio da mosca 'Jeores-efectores (castanho-claro teor de comer, e vermelho, teor de -beber). O soalho possui o teor-de-marchar, ao passo que a estante de livros (lilaz) tem o teor de ler, e a escrevaninha um teor de -escrever (azul). A parede tem um teor-de-obstáculo (verde) e o candeeiro, o teor de iluminação (branco). No mundo-próprio do cão os mesmos teores são representados pelas mesmas cores; nele só existem os de comer, de sentar, etc. CAMINHO. APRENDIDO A melhor maneira de nos convencermos da variedade de mundos-próprios do homem é seguir um guia num caminho q).le desconhecemos (1). O guia segue com segurança um caminho que mós próprios não discernimos. Entre todas as numerosas rochas e árvores que nos rodeiam, há, no mundo-próprio do guia, algumas que se sucedem, distinguindo-se de todas as outras como balizas, apesar de, aos olhos de quem não conhece o caminho, elas se não singularizarem por nenhuma indicação. O caminho aprendido é-o apenas para determinado indivíduo, e é, por isso, um problema típico do mundo-próprio. É um problema de espaço, e diz respeito tanto ao espaço visual como ao espaço-de-acção do sujeito, e resulta imediatamente de como se caracteriza um espaço conhecido-o que se faz pouco mais ou menos assim: voltar à direita por trás da casa vermelha, depois andar a direito duzentos passos e então voltar à esquerda. Utilizamos três caracteres para marcar um caminho: 1.° um caracter óptico, 2.° os planos de orientação, 3.° o número de passos. Neste caso não recorremos ao número de passadas (I) Sobre o problema dos «mundos-próprios» Nota da ed. alemã) dos homens comp. a pág. I I e 13- 77 76 elementares, 'isto é, à mimma possível unidade de passos, mas sim à soma dos impulsos elementares que nos é habitual e que são necessários para constituir um passo normal. O passo, ou passada, em que uma perna se desloca com uniformidade para trás e para diante, é em alguns indivíduos tão bem determinada, e em muitos mede tão aproximadamente o mesmo comprimento, que mesmo ainda hoje serve de medida vulgar. Quando se diz a alguém que deve andar cem passos, quer-se com isto significar que deve imprimir cem vezes às suas pernas o mesmo impulso de movimento. O resultado obtido será sempre aproximadamente a mesma extensão percorrida. Quando percorremos repetidas vezes um certo espaço, ficam-nos na memória os impulsos comunicados à marcha, como 'indicação de direcção, de modo que paramos maquinalmente no mesmo lugar, mesmo quando não actuamos recorrendo às indicações ópticas. Os sinais de orientação desempenham, pois um papel saliente no caminho aprendido. Tinha grande interesse determinar como se apresenta o problema do caminho aprendido no mundo-próprio dos animais; sem dúvida, que, no mundo-próprio de vários animais, desempenham um papel importante na reconstituição do caminho aprendido sinais olfactivos e sinais tácteis. Numerosos investigadores americanos procuraram, durante dezenas de 'anos, estabelecer, em milhares de sentidos em que os mais diferentes animais tinham .de se orientar num labirinto, com que rapidez cada animal podia reconhecer um determinado caminho. O problema do caminho aprendido de que aqui se trata passou-lhes despercebido. Também não estudaram os sinais visuais, tácteis ou olfactivos, nem se lembraram do aproveitamento pelo animal, dos sistemas de coordenadas: que a questão de direita ou de esquerda é' um problema independente, nunca os impressionou. Também nunca discutiram a questão do número de passadas, porque não viam que também entre os animais a passada pode ser utilizada como medida de distância. Em resumo; o problema do caminho conhecido, apesar da vastidão do material de trabalho já acumulado, deve ser reconsiderado. A 'descoberta do caminho já trilhado, no mundo-próprio do cão, a par do seu interesse teórico, tem também um grande alcance prático, quando se toma em consideração as questões que o cão-guia dos cegos tem de resolver. 78 A ~g, 29 representa um cego a ser guiado por um cão, O mundo-próprio do cego é muito limitado; só na medida em que pode tactear. o seu caminho com a bengala e com os pés, toma dele conhecimento. A rua que atravessa está mergulhada em trevas. Fig. 29-0 cego e o seu cão O seu cão, porém, é quem o guia até casa, seguindo um caminho determinado. A dificuldade do adestramento de um cão está por isso, em fazer entrar no seu mundo-próprio certos sinais que s~o de interesse para o cego mas não para o cão, Assim, o caminho ao longo do qual ele guia o cego terá de rodear obstá~ul.os em que o cego podia tropeçar. É particularmente difícil ~nsmuar no cão um sinal de um marco do correio ou de uma Janela aberta, pelos quais, aliás, ele passaria indiferente. Mas também a margem do passeio, em que o cego podia dar um passo 79 em falso, é difícil de fazer entrar no mundo-próprio do cão, como sinal característico, pois que normalmente mal se apercebe dele quando corre à solta. A figo30 representa uma experiência feita com gralhas-de-bico-vermelho. Como nela se vê, a gralha voa em volta da casa, dá-lhe de novo volta em sentido contrário e utiliza no regresso .orif'ício, para a apanhar. Então mostrava-se-Ihe a comida laternlmente em relação ao orifício' e. o peixe logo lhe seguia no encal 'I'. Fi~almente mantinha-se a comida em frente do segundo orifício; .pOISapesar disso o peixe passava sempre pelo' primeiro 'orifício, que já sabia utilizar, sem' se .utilizar .do que até aí não tinha usado. Colocou-se, então, como o representa a figo 3 I, um tabique do lado da placa de. vidro com orifícios, donde se mostrava 0· engodo ao peixe.' Mostrava-se esteagora do lado que o tabique ,.- .. , ,, , \ \ , . . .i : ~ \ !I • , I ,: I , , I ---~ ' , Fig. 30-0 caminho- aprendido da gralha o caminho que lhe é conhecido, para voltar a entrar por onde tinha saído, pois que, vindo no outro sentido não podia ter reconhecido a entrada. Recentemente averiguou-se que as ratazanas continuam a utilizar por muito tempo o mesmo rodeio, mesmo quando o caminho directo esteja livre. Pôs-se então novamente o problema do caminho aprendido, no caso dos peixes lutadores, e chegou-se aos seguintes resultados: em primeiro lugar estabeleceu-se que o desconhecido exerce sobre eles uma acção repulsiva. Introduziu-se no aquário uma placa de vidro em que se tinham feito dois pequenos orifícios, pelos quais os peixes podiam passar com facilidade. Quando se oferecia comida a um peixe-lutador do outro lado do orifício decorria algum tempo antes de ele se introduzir, hesitante, pelo 80 Fig. 31-0 • '::~. T í '1 " caminho aprendido do peixe lutador ocultava; o peixe nadava ao longo do caminho aprendido; mesmo quando o tabique estava .colocado de modo que ele podia ter alcançado o engodo directamente passando a nadar entre a placa perfurada e o tabique. No caminho aprendido entraram, assim, sinais visuais e sinais-de-orientação, Resumindo pode dizer-se que o caminho aprendido funcionou como um curso de um meio muito .fluido através de uma massa viscosa. 9. LAR E PÁTRIA o problema do 'lar e da pátria está in:timamente relacion~d~ orn o, caminho ,aprendid9. ,. Como ponto de partida o melhor é escolherem-se os estudos 8 -A. H. SI feitos sobre os esgana-gatas. (1) O macho da espécie constrói um ninho cuja entrada prima em marcar com alguns fios de várias cores-sinal visual de direcção para a criação. No ninho, os filhos Crescem sob a vigilância do pai. Este ninho é o seu lar. Mas cá fora, abre-se a sua pátria. A figo 32 representa um aquário em cujos cantos opostos dois esgana-gatas construíram os seus ninhos. No aquário existe uma fronteira invisível que o divide em duas zonas, cada uma das quais corresponde a um ninho. Esta zona corresponde a cada um dos ninhos, é a pátria do esgana-gatas, que ele defende vigorosa e tenazmente, mesmo contra esgana-gatas maiores. Na sua pátria o esgana-gata é rei. Eig, 32-Lar JPm R e pátria de esgana-gata A pátria é uma pura questão de mundo-próprio, porque representa uma produção puramente subjectiva, para cuja existência nem o mais estrito conhecimento do mundo ambiente oferece o mínimo ponto de apoio. Pergunta-se, então, quais os animais que possuem uma pátria e quais os que a não possuem? Uma mosca doméstica que em voos sUCesSIVOS, para um lado e para o outro, abrange uma certa porção de espaço em volta de um lustre não possui o que se chama uma pátria. Pelo contrário, uma aranha que constrói o seu ninho, em que permanentemente vive, possui um lar que é igualmente a sua pátria. O mesmo se passa com a toupeira (fig. 33). Também ela 'constrói a sua habitação e estabelece a sua pátria. Sob o solo estende-s um sistema de túneis como uma teia de aranha. Mas não são só (I) Pequenos peixes de águas salobras, doces ou marinhas, com espinho. muito fortes anteriores à barbatana dorsal e às pélvicas. 82 os set.1Scaminhos individuais que formam o âmbito do d ,. . d t d r seu ommio, mas am a .0 a a area .dentro da qual exerce a sua actividade. QuajIdo cativa, a toupeira es.boça os seus caminhos de tal modo que parece formarem uma tela. Podíamos provar que a toupeira, Fig. 33-Lar e pátria da toupeira açaS aos seus órgãos olfactivos, muito desenvolvidos é capaz pro~ur~r os s~us alimentos dentro de um raio de' cerca de nco a seis centrmetros. Num sistema de carnirihos t d O' aper a os, 0_ ~ue ela c~nstróI, quando cativa, as zonas situada sentre S silOainda domInadas pelos seus órgãos dos sentidos ao passo e na natureza, onde a toupeira estabelece os seus túneis mais tados uns dos outros, ela pode ainda controlar pelo olfacto 101o, num certo . raio em volta de cada galeria' . Co mo uma' ha, a toupeira percorre muitas vezes esta rede de gal . e t d' erras, eu!!. ' u o o que a~ ficou disperso como despojo. No centro te sistema de galerias a toupeira constrói uma cova forrada folhas secas-o seu lar individual, no qual passa as horas 83 de.repouso. Para ela todos os corredores subterrâneos são caminhos aprendidos que é capaz de percorrer sempre com a mesma rapidez e facilidade em qualquer sentido. O seu campo de rapina chega. até onde eles chegam. Este coincide com a sua pátria, que ela defende, para a vida ou para a morte, de qualquer toupeira vizinha. , É admirável a destreza com que a toupeira, cega como é, se orienta, sem nunca se enganar, num terreno para nós perfeitamente uniforme. Se se lhe ensinar qual o lugar em que conserva os seus alimentos, ela acerta com ele, mesmo quando se obstruam todos os caminhos que a ele conduzem. O que demonstra que a toupeira pode ser guiada por sinais olfactivos. O seu espaço é um puro espaço-de-acção. Temos de admitir que a toupeira é capaz de redescobrir um caminho uma vez utilizado, à custa da reprodução dos passos-de-orientação. Além disso, os sinais tácteis, que se relacionam com os passos-de-orientação, nela como em todos os animais cegos, desempenharão um papel importante. É de admitir que sinais de orientação e passos de orientação se combinam' como base de um esquema espacial. Destrua-se o seu sistema de caminhos, ou parte dele, e ela será capaz de restabelecer, com o auxílio de um esquema adequado, um novo sistema que se assemelha ao antigo. As abelhas também constróem um lar, mas a zona, em volta da colmeia, em que buscam o alimento é, com efeito, o seu campo de caça, sem, no entanto, constituir uma pátria que seja defesa aos intrusos. No caso das pegas, ao contrário, pode falar-se de lar e de pátria, pois que elas constróem o seu ninho dentro de uma zona em que não consentem quaisquer pegas atrevidas. Provàvelmente far-se-á em muitos animais a experiência de ver se eles defendem o seu campo de caça contra os seus sernelhantes e fazem dele a sua pátria. Uma zona preferida por cada espécie animal, assemelhar-se-á, quando nela se quiser traçar o âmbito da pátria, a uma como que carta política dessa espécie, cujo limite será estabelecido por meio do ataque e da defesa. Em muitos casos também se verificará que já quase não existe qualquer espaço disponível, mas que por toda a parte uma pátria colide com outra pátria. É muito notável a observação que mostra que entre o ninho de muitas aves de rapina e o seu campo de caça se estende circularmente uma zona neutra em que elas não' abatem qualquer presa. Os ornitologistas julgam, com razão, que esta constituição do mundo-próprio tem sido a' cite pela natureza para impedir que as aves de rapina destruam a própria criação. Quando o ninhego de falcão abandona 0 ninho para passar o dia a saltar, de ramo em ramo, na proximidade dele;. correria fàcilmente o perigo de, por lapso, ser atacado' pelos' próprios pais. De modo que, assim, na zona neutra do campo" defeso passa o seu tempo em segurança. O campo defeso é utilizado por muitas aves canoras para aninhar e chocar, podendo aí criar os seus filhos ao abrigo do ataque das grandes rapaces. A forma e os meios utilizados pelos cães para darem fàcilmente a conhecer aos indivíduos da sua espécie a sua pátria, merecem atenção especial. A figo34 representa a carta do Jardim Zoológico Fig. 34-Carta do Jardim Zoológico de Hamburgo, com os arruamentos em que estão marcados os sítios em que nos seus dois passeios diários à trela os cães urinavam. Eram sempre os sítios, também especialmente notados pela; Vista do homem, que eles impregnavam com o cheiro que os denunciava. Se dois cães eram conduzidos juntos, ordinàriamente urinavam ao mesmo tempo. 85. Um cão ladino manifesta sempre, tendência para, quando um outro cão estranho o encontra, deixar o seu cartão de, visita noobjecto' mais próximo que ,lhe salta à vista. Por seu turno,: quando entra .na pátria de outrocão,'denunciacla por 'essas marcas alheias, farejará sucessivamente esses vestígios alheios' e esgiu:-a: vatará cuidadosà.mente os pontos onde eles existem. Mas um cão de fraca qualidade passará cem medo por tais, vestígios e não denunciará a sua presença por nenhum sinal olfactivo. A delimitação da pátria também, como o mostra a fig, 35, empregada pelos grandes ursos da América do Norte: Para isso .é I I I ,I' I I Fig. 35-Um urso assinala a sua pátria. '~ o urso ergue-se nas patas traseiras a toda a sua altura e esfrega o. dorso o focinho na casca de um pinheiro isolado, vísivel de 10ng~.Isto' indica 'aos outros ursos que devem passar ao largá' do, pinheirn.evitando assim toda a zona em que um urso delimita a sua pátria. ; i":': e 10. O CÓMPANHErRO Tenho bem presente na minha memona a imagem de um pobre patinho chocado juntamente com uma ninhada de perus e que 'vivia tão ligado à família adoptiva, que nunca entrara na água e que evitava escrupulosamente os outros animaizinhos da sua espécie, que saíam da água frescos e limpos. Por essa ocasião ofereceram-me um pato-bravo que me seguia por toda a parte. Quando eu me sentava, encostava a cabeça aos meus pés. Eu tinha a impressão que eram as minhas botas que exerciam essa atracção, pois que também corria atrás dos baixotes pretos. Daí concluí que qualquer coisa preta em movimento bastava para lhe sugerir a imagem .da mãe e mandei-o .Iargar próximo do ninho materno para recuperar as ligaçõesfamiliares que tinha perdido. Hoje duvido 'que fosse essa a explicação, porque a este respeito fui informado de que para que certas crias de ganso-cinzento :;cabadas de nascer se juntem espontâneamente a uma família de gansos e a sigam, devemos metê-los logo que nascem numa bolsa de caça e largá-los junto dela. Se vivem durante algum tempo na companhia do homem não aceitam, depois, associar-se com os seus semelhantes. Em todos estes casos trata-se de uma mudança de imagens perceptivas, que frequentemente se dá, em particular, no mundo-próprio das aves. O que se sabe das percepções das aves é ainda insuficiente para se poderem tirar conclusões seguras a esse respeito. Na figo 20 já nos foi dado ver a \gralha-de-bico-vermelho caçando o gafanhoto, e ficámos com a impressão que, essencialmente, ela não tinha qualquer percepção do gafanhotoe m repouso, S por isso este não existia no seu mundo-próprio. As figs. 36 a 'e,36 b representam-nos uma outra experiência respeitante às percepções das gralhas. Nela vê-se uma gralha em atitude agressiva perante um gato que traz na boca outra gralha. Uma gralha nunca ataca um gato que nã6 tragana boca 'úrnh-' presa. Só quando o perigo dos dentes afiados do gato-está afastado;' domo suc'ede,'qlland@ estes estão ocupados em abocar a presa, ele passa a ser objecto ,de ataque' da parte da gralha. ",;) . Isto pareceser UII1 comportamento altamente prático da-parte da gralha; Mas, ria realidade, não passa de umareacção perfeita> znente:de 'acordo GOIÍ1 um plano-que flui com absolutaindependên-: aia, de qualquer espécie de inteligência' da .gralha. Porque ela:' sumiria a "mesma atitude se se lhe acenasse-com uns calções 87· Nas aves, porém, não nos subtraímos à dificuldade recorreu lo a urna explicação tão simples. . Sobre o que' se passa com. as aves que vive~ em sociedade há.uma multidão de experiências.contraditórias acercade mudanças deimagens-perceptivas. Só ~e~ente~ent~ se conseguiu. pôr em relevo num caso típico de uma gralha domesticada, chamada Tschock, o ponto de vista mais importante, As gralhas que. vivem em, sociedade têm durante ia vida um companheiro. próprio, com que se comportam das mais diversas maneiras. Se se educa isoladamente uma gralha, ela de manei.r~ nenhuma renuncia ao companheiro, e quando não dispõe de um da sua espécie adopta um «companheiro-substituto», e, de facto, pode, para cada nova demonstração, surgir «um compaFig, 36 a-Gralha em atitude agressiva perante um gato J Fig. 36 b-Gralha em. atitude agressiva perante uns calções de banho de banho. E ela também não atacaria o gato se em vez de uma gralha preta trouxesse nos dentes uma gralha branca . . A percepção de um objecto preto que se mova diante do animal desencadeia só por si a atitude agressiva. . Uma percepção de valor tão geral pode prestar-se sempre a confusões, como já pudemos verificar a propósito do ouriço-do-mar, em cujo mundo-próprio nuvens e navios são confundidos com 0,. peixe, seu inimigo, pois que o ouriço-do-mar reage sempre da mesma maneira contra o obscmec:imento do horizonte. Fig. 37 a ~ b-A gral?a Tschock e os .se~s quatro companheiros 89 I I nheiro ' substituto» novo. Lorenz (1) teve a amabilidade de me enviar as figs. 37 a e 37 b, em que se podem, de um golpe, ver as relações para com o companheiro. 'A gralha Tschock teve; quando jovem, como companheiro-maternal o próprio Lorenz. Seguia-o por toda a parte, gralhava para que lhe desse a comida no bico. Quando já aprendera a buscar por si os alimentos, escolheu como companheiro preferido a: criada dos quartos, diante de quem executava os seus característicos baiiados-de-amor. Mais tarde adoptou como companheiro uma gralha muito jovem a que ela própria dava de comer. Quando Tschock se preparava para mais largos voos tentou levar o próprio Lorenz a voar em sua companhia à maneira das gralhas, quando arrancava para o voo mesmo por trás das costas dele. Como isto não desse resultado, juntou-se com as gralhas que voavam, as quª,is p<!S§arama ser os seus companheiros de voo. Como se vê não existe no mundo-próprio da gralha nenhuma imagem-perceptiva única de companheiro. Tal não é também possível, porque o papel do companheiro muda constantemente. A imagem-perceptiva do companheiro-maternal parece, na maior parte dos casos, que não se estabelece logo ao nascer, no que Ilespeita à forma e à cor. O contrário se dá com a voz m~terna. Lorenz escreve: «Devia, em cada caso especial de companheiro-maternal pôr-se em relevo quais os caracteres maternais que são inatamen.te apercebidos, quais os que são percepções adquiridas pelo indivíduo. A dificuldade está, precisamente, em os aspectos maternais adquiridos logo após alguns, poucos, dias, e mesmo só algumas horas (ganso-cinzento, v. Heinroth) ficarem tão profundamente gravados que, quando se separam os filhos das mães, dir-se-ia que são inatos. mesmo se passa na escolha do companheiro-dilecto. Também aqui os earacteres do companheiro-substituto que passam a ser, apercebidos pelo indivíduo, se gravam tão fortemente que do facto resulta a aquisição por ele de uma percepção definitiva depois de se ter efectuado a primeira mudança. Donde, até os animais da mesma espécie serem rejeitados como 'companheiros- a -dilectos. Isto foi posto em evidência por um incidente curioso. Havia no Jardim Zoológico de Amsterdão um casal de abetouros jovens cujo macho se tinha enamorado do director do Jardim. Para não (1) Konrad Lorenz (1903). Zo61ogo'e zoopsicolo~i.ta. prejudicar o acasalarnento este nâ O muito tempo. De modo q ,a h ap~receu ao macho durante ue o mac o afeiçoo ' r.' surtiu efeito' e como a fêmea caí u-se a emea, e o facto , I' ea calsse no choc di voltar a aparecer d o, o irector resolveu . que suce eu? Muit . maio macho avistou . . W o. simplesmente que, fêmea do ninho, e por m:i~e~e ~:n:p~nhel.ro-~Iiecto, escorraçou a der que o director podia o p ltldos smais parecia dar a enten. cupar o ugar a q ti h di . tmuar a chocar os ovos. ue mha drreito e con- a A percepção, do .. parece ser a . .pelo indivíduo ,companhclro-de-mfância , maior parte das vezes a ...' fica gravada. Prova'velm t d que mais mcisivamente en e o gran e a tit f as goelas aos jovens deserr h ?e 1 e que az escancarar Mas também neste c~so s:mpen a aqw o papel determinante. como as galinhas prova que em raças muito apuradas rpmgton estas d h ' gatos e cães jovens como filh ' , quan o c ocas, adoptam os. companheiro-substituto para os . adoptado mais largament voos livres é, por seu turno , e, como o caso d T h k Quando se id e se oc mostra. consi era que os cal d b à gralha passaram a ser I ç ~ . e anho apresentados para e a um muni .' passaram a ter para ela t r go a ata,car, Isto é, . o eor-etector de .. . dizer-se que se trata aqui d . .. «irurrugo», poderá 1 e um mimrgo bsti mundo-próprio das gralhas, h' it .. ~u sntuto. Como no . . . a mw os Inlffil<TOSo . es . 1 "" aparecimento d o~ inimigo-substituto " peCla mente quando d nao teve qualquer influência sobr . se eu uma ~ó vez, verdadeiro inimigo No d e a imagem-perceptrva do .' caso o compa n h erro . '. e outra Este é o ' .. a coisa umco que existe de cad . atribuição do teor-efector a a vez no mundo-próprio, e a tornar impossível o . um companheiro substituto deve aparecimento posteri d nheiro verdadeiro. error ,e um cornpa- a . a õ Depois de a imagem . d . rido no mundo-próprio -dPeerTcePhtlvak a criada de quarto teradquisc oc o «teor d fei ~ . odas as outras imagens' e a elçao» exclUSIVO, fi, d , . '. -perceptivas perderam eficácia' do,><-uano o ser vivoconsideramos i que .nos mundos-próprios "da. gralha . ' sto é, aquelas coisas que são capazes de m . se reduzem a gralhas e _ . ovimento 6p~o, analogia com o q nao gralhas (o que não deixa de ue se passa com os h . .. ' quando, depois, e já de acordo ome~ ~nffiltlVos), neira de fazer a distinçã com a experiência pessoal, nde-se que se possam ao passou a ser outra, então comcometer erros C .dí ul acabamos de referir. Não ' , a~ rr c os 'como ps ta de gralhas ou não gralh é so a percepçao ~ue decide se se as, ma~ também a imagem-efectora (Xota da .ti. alm.à) 91 90 do próprio ajustamento. Só esta decide qual ~ Imagem-perceptivà que' mantém' o respectiv0' teor-me-companheIro. . ,.1 L IMA;GEM-PRETE-NDIDA' E TEOR-PRETENDIDO 'Volte a duas' experiências pessoais que explicarão melhor que tudo, o que, como factor importante para o mundo-próprio, se deve entender por imagem pretendida. Quando, por largo diam sobre facas e garfos através do ar se combinaram e formaram a garrafa de vidro. A figo 38 deve exprimir esta experiência. A imagem .procurada anula a imagem perceptiva .. A outra experiência foi a. seguinte: entrei .um .dia em um estabelecimento em que tinha a liquidar uma conta, e tirei: da carteira uma nota de cem marcos. A nota' era absolutamente nova e estava pouco amarrotada, e em vez de ficar aberta e estendida sobre a balcão, ficou ao alto apoiada sobre as margens em ângulo, Pedi à caixeira para me dar o -troco e ela respondeu-me que eu ainda lhe não dera o dinheiro. Disse-lhe que o tinha na sua frente, mas da, agastada, repetiu 'que, se queria o troco, desse primeiro o dinheiro. Toquei então com um dedo na nota, que caiu e ficou bem, visível. A pequena soltou um gritinho, pegou' na nota e " ••.J..t. .•. Sinal,' '", ',' 1 característico ~---- I \ I --_ , 1:'::-tI':-::~ FontedeD estimulo . . . '.... )))) I _----v".----,.,),,"'._---Processo fisico 1 'I y".------~ ,/ Processo fisiól6gico I Ponto de excitação Fig. 38-A imagem pretendida elimina a imagem perceptiva tempo, fui hóspede de certo amigo meu, todos o~ dias ao almoço colocavam diante do meu lugar à mesa um prro com água. Um dia o criado partiu o jarro, e a substituí-Io pôs no· lugar por ele habitualmente ocupado, uma garrafa de vidro ~om água. Durante a refeição procurei com a vista o jarro e não notei a garrafa de.vidro. Só quando o meu amigo me ~segurou que a água es~av~ nO'seu;lugar habitual é que subitamente certos clarões que moi- 92: Fig. 39-0S processos perceptivos palpou-a com todo o cuidado,nâo fosse ela esvair-se de novo O ar. Também neste caso, é manifesto,' a imagem-pretendida liminara a imagem-perceptiva. Todos os leitores terão passado por casos como estes que rece serem bruxarias. Na minha doutrina-da-vida publiquei a fig. 39, aqui reproduIda, que explica os diferentes processos que se entrelaçam nás 93 nossas percepções. Quando colocamos diante de qualquer pessoa uma campainha, e a fazemos soar, ela entra no seu· mundo ambiente como fonte de um estímulo, que penetra no seu ouvido transportado por ondas do ar (processo físico). Dentro dele as ondas sonoras transportadas pelo ar transformam-se em estimulas nervosos, que atingem o órgão-de-percepção do cérebro (processo fisiológico). Aí as células de percepção reagem por meio de percepções e transferem para o mundo-próprio do sujeito um sinal-característico (processo fisiológico). . Se a par de ondas sonoras transportadas pelo ar até ao ouvido, entram nos olhos ondas de éter, que, semelhantemente, determinam no órgão-de-percepção excitações, então, os seus sinais perceptivos de sons e de cores constituem-se segundo um certo esquema num conjunto unitário, que é projectado no mundo-pródrio do sujeito com oimagem-perceptiva. A mesma representação gráfica pode. aplicar-se à explicação do chamado teor-pretendido. Neste caso a campainha deve encontrar-se fora do campo de visão. As percepções sonoras.são, só elas, transportadas para o mundo-próprio do sujeito. Ligadas com elas há, porém, uma imagem perceptiva óptica invisívelçque funciona como imagem-pretendida. Se a campainha depois de procurada entra no campo de visão, então a imagem-perceptiva associa-se com a imagem-pretendida. Afastadas excessivamente uma da outra, pode suceder que a imagem-pretendida anule a imagem-perceptiva, como resulta dos exemplos dados. No mundo-próprio do cão há imagens-pretendidas perfeitamente determinadas. Quando o dono manda o cão buscar uma bengala, o cão dispõe de uma imagem-pretendida bem determinada da bengala, como o mostram as figs. 40 a e 40 b, Também aqui há oportunidade. de verificar até que ponto a imagem-pretendida corresponde à imagem-perceptiva. O sapo fornece algumas informações neste sentido: um sapo que, depois de um prolongado jejum, comeu uma minhoca, lançou-se igualmente sobre um fósforo, que tem certa semelhança de forma com uma minhoca. Daqui se conclui que a minhoca que ele acabara de devorar lhe serviu de imagem-pretendida como se traduz na figo 41. Se o sapo tivesse primeiro comido uma aranha, a imagem-pretendida seria diferente, porque então lançar-se-ia porventura sobre um fragmento de um musgo ou sobre uma formiga, o que lhe assentaria muito mal. 94 "1\\\" •. \'''', \\\'" < •• ,,\\\11' ".. h''',.. . .,.,,/ ".. "'\\\\\\\', ~. . Fig. 40 a e b-O cão e a imagem-pretendida 95 Ora nós nem sempre buscamos determinada coisa à custa de uma imagem-perceptiva, mas muito mais frequentemente buscamos um objecto que .corresponde a uma imagem-efectora. I2. os MUNDOS-PRÓPRIOS IMAGINÁRIOS Sem dúvida existe, dominando tudo, uma oposição entre o mundo ambiente que nós, homens, vemos abrir-se em torno .dos animais, e os' nossos mundos-próprios, que eles próprios construíram, e que preencheram com as coisas de que tiveram percepção. Até aqui -os mundos-próprios eram, em regra, o resultado das percepções despertadas por estímulos exteriores. A essa regra fizeram já excepção a imagem-pretendida assim como a determinação do caminho aprendido e a delimitação da pátria, que não resultam de qualquer espécie de estímulo exterior mas são produtos autônomos de actividades subjectivas. Estes produtos subjectivos constituíram-se custa da reunião de repetidas experiências pessoais do sujeito. Se agora prosseguirmos neste caminho, deparamos com mundos-próprios em que surgem aspectos de grande eficácia, mas que só são apercebidos pelo sujeito e que não estão ligados a quaisquer experiências, ou, quando muito se relacionam com um acontecimento excepcional. Tais mundos-próprios designamo-los por mundos-imaginários. Para ver até que ponto muitas crianças vivem em mundos-próprios-imaginários pode servir o seguinte exemplo: Frobenius (1) â Fig. 41-Imagem.p;:etendida do sapo Assim não buscamos, olhando em volta de nós, uma determiüapa cadeira, mas sim um móvel que sirva para nos sentarmos, isto é, uma coisa a que corresponde determinado teor-de-utilização. Neste caso pode tratar-se, não de uma imagem--pretendida mas de um teor-pretendido. Quão importante é o papel desempenhado pelo teor-pretendido no mundo-próprio de cada animal ressalta do exemplo citado a respeito do casa-roubada e da anémona-do-mar. Aquilo a que então chamámos a condição, ou disposição, do casa-roubada, que era diferente de caso para caso, podemos agora designar, com mais 'propriedade, por teor-pretendido, diferente de caso para caso, com que o casa-roubada aborda a mesma imagem-perceptiva e lhe atribui ora um teor-de-agressão, ora um teor-de-protecção, ora ainda um teor-de-alimento. O sapo esfomeado começa por partir para a busca dos alimentos dispondo apenas de vago teor-de-saciar-a-fome, e só depois de ele devorar uma minhoca ou um fósforo se constitui determinada , imagem-pretendida. . Fig. 42-0 aspecto imaginário da bruxa refere-se no seu Paideuma a uma rapariguinha que com uma caixa de fósforose três fósforosrepresentou às escondidas, só para si, a (I) Leo Frobenius (1873-1938). Etnologista e explorador em África. (Nota da Id. alemã) 96 7 - A. H. 91 história da casinha feita de bolo que Hansel e Gretel (1) encontraram na floresta, e da bruxa má, e que inesperadamente se pôs a gritar: «Levem-me daqui a bruxa; já não posso ver a sua face horrenda.» Este caso, tipicamente do campo da imaginação, está representado na figo 42. Seja como for, a bruxa má entrou em pessoa no mundo-próprio da rapariguinha. Casos como este apresentam-se muitas vezes perante os exploradores de povos primitivos. Afirma-se que estes vivem em um mundo de imaginação, em que aos aspectos captados pelos se!,!tidos se misturam no seu .rnundo aspectos imaginários. Quem reparar melhor verá que o mesmo se dá em muitos mundos-próprios de europeus cultos. Ora pode perguntar-se se os animais também vivem em mundos-próprios imaginários. A propósito de cães contam-se muitos casos de imaginação. Mas tais relatos não foram até hoje ~nalisados com suficiente sentido crítico. De uma maneira geral, \ nhado pelo dono no mundo-próprio do cão, compreende-se fenómeno de imaginação do cão, não se explica em termos de e de consequência. ' G~ I • : \ ••••• Fig. 43-Estornínho e mosca imaginária porém, e aproximadamente, deve-se admitir que os cães associam as suas experiências umas com as outras de uma maneira que tem mais um carácter imaginativo que lógico. O papel desempe(1) 98 Personagens dum conto dos Irmãos Grimm. mo Um investigador meu amigo relata, a respeito de um aspecto sem dúvida imaginário 'no mundo-próprio de uma ave: tinha criado em casa um estorninho que, por isso, nunca tivera ensejo d,e ver limá mosca, muito menos de a apanhar. Ora o meu amigo ooservou (fig. 43) que uma vez o estorninho se lançara subitamente sobre qualquer coisa invisível, «apanhara-a» no ar e «trouxera-a» para o sítio em que costumava estar pousado, «dando-lhe» bicadas, como todos os estorninhos fazem às moscas que caçam, e. acabar:~o por «engoli-Ia». Não pode haver dúvida que o estorIll~O vrsionara no seu mundo-próprio uma mosca imaginária. EVIdentemente todo o seu mundo-próprio estava tão ocupado pelo teor comestível, que, ainda mesmo na ausência do estímulo sensorial, a imagem-efectora preparatória da caça da mosca extraíra a aparição da imagem-perceptiva, o que provocou o desencadear de toda a série de actos correspondentes . . Esta experiência dá-nos uma indicação que nos explica, aliás. atitudes enigmáticas de vários animais. I I I.; : C CaU8(1, Fig. 44-0 caminho imaginário da larva do gorgulho-da-ervilba A figo 44 representa o modo de comportamento, já estudado por Fabre, da larva do gorgulho-da-ervilha, que, no momento próprio, abre uma galeria na polpa ainda mole do grão da ervilha, até à superfície, e que aquela só utiliza depois de chegar a gorgulho adulto para sair de dentro da' ervilha entretanto endurecida. Está perfeitamente averiguado que se trata de uma conduta exactamente planeada, ainda que, do ponto de vista da larva do gorgulho, completamente independente do jogo dos sentidos, pois que nenhum estímulo sensorial do futuro gorgulho pode incidir sobre a sua larva. Nenhum sinal-perceptivo indica à larva o caminho, que ela nunca seguira e que, no entanto, tem de seguir, de modo que, depois da sua transformação em gorgulho adulto, não venha a perecer miseràvelmente. As figs. 45 e 46 mostram dois outros exemplos do caminho inato. A fêmea do enrolador-de-folhas começa a cortar, em determinado ponto da folha da bétula (que talvez lhe seja denunciado pelo seu gosto), uma linha curva de forma predeterminada, que lhe, permite depois enrolar a folha em forma de funil, dentro do qual o insecto fará a sua postura. Este, apesar de nunca antes ter seguido esse expediente e de a folha da bétula não oferecer dele qualquer indicação, apresenta-se à imaginação do insecto de uma maneira perfeitamente nítida. O mesmo se passa com a rota de voa das aves migradoras. Os continentes só às aves revelam o caminho' inato. Isto é válido, certamente, para aquelas aves jovens que se aventuram ao caminho não guiadas pelos pais,' pois que, para as outras, não se exclui a possibilidade da utilização de um caminho aprendido. Como o caminho aprendido, de que já tratámos, também o caminho inato é seguido tanto à custa do espaço-visual como do espaço-de-acção. A única diferença entre os dois reside em que no caminho aprendido se desenrola uma série de sinais perceptivos e de impulso que saem uns dos outros, os quais foram retidos por experiências anteriores, ao passo que no caminho inato a mesma série de representações é dado imediato da imaginação. Para o observador que está de fora, o caminho aprendido num' mundo-próprio de outro animal é quase tão indiscernível como O inato. E quando se admite que o caminho aprendido surge no mundo-próprio do sujeito estranho - do que não há que duvidar-então não há qualquer razão para negar o aparecimento do caminho inato, pois que ele se organiza à custa dos Fig. 45 -c- O caminho Imaginário do enrola.. dor-de-folhas . \ Fig. 46 - O caminho imaginário das avCl migradoras 100 101 mesmos elementos-sinais-perceptivos e impulsos exteriorizados. Num caso originaram-se em estímulos sensoriais, no outro soarão em conjunto como uma melodia inata. Se determinado caminho fosse, numa pessoa, inato, Jl'oder-se-ia aescrever como o caminho-aprendido ; cem passos até à casa vermelha, depois voltar à direita, etc. Se se chamar sensorial só àquilo que é dado ao sujeito pelas experiênciaS dos, sentidos, então só o procedimento aprendido se deverá chamar sensorial, não o inato. Mas é por isso que este se mantém em alto grau de acordo com um plano. Que os aspectos imaginários desempenham no mundo animal um papel muito mais vasto do que se supõe di-lo uma experiência notável relatada por um investigador recente. Este costumava dar de comer a uma galinha num certo estábulo, e enquanto ela debicava nos grãos introduziu no estábulo um porquinho-do-mar. 'A galinha perdeu a cabeça e começou a esvoaçar de um lado para pairava como sombra fantástica, o que a figo 47 pretende representar. . Is~o faz supo~ que, quando a galinha acorre para junto dos pmtamhos qduepIa~" e afugenta um inimigo às bicadas, é porque no seu mun o-próprio entrou uma aparência imaginária. Quanto mais tivermos aprofundado o estudo dos mundos-próprios, mais nos devemos ir convencendo de que neles se introduz~m actuantes a que não se pode atribuir qualquer :ealidade obJectl~a. A começar pelo mosaico de lugares que a vista mtroduz nas COIsas do mundo-próprio e que não existem no mundo ambiente, como também ali não existem os dados-de-orientação que contêm o espaço do mundo-próprio. Do mesmo. modo, foi impossível encontrar no mundo ambiente um facto!" ~ue _corresp~n~a ao procedimento aprendido do sujeito. A distl~çao ~e pátria e campo de caça não existe no mundo ambiente. ~ao existem no ~1Undo ambiente quaisquer vestígios da importante imagem-pretendida. ' • S~mos pois levados, finalmente, a aceitar o fenórneno ' de lI~agmação do caminho inato que desdenha de qualquer objectividade e que, no entanto, intervém no mundo-próprio de acordo com um plano. Há ainda nos mundos-próprios puras realidades subjectivas. ~as também as realidades objectivas do mundo ambiente, como tais, ~un:a entram nos mundos-próprios. São sempre transformadas. em sinais-característicos ou imagens-perceptivas e providas de um teor-efector, que as transforma em objectos reais, apesar de nos estímulos nada existir que seja teor-efector. E, finalmente, o simples ciclo de função ensina-tios que tanto .i~a~s-característicos como marcas-de-acção, são exteriores ao IUJelt.o, ~ que as propriedades do objecto, que o ciclo-de-função íncluí, so podem ser consideradas como seus veículos . Assim, pois, chegamos à conclusão que cada' sujeito vive um mundo ~m. que só existem realidades subjectivas e que até os mundos-propnos, ele mesmos, só apresentam realidades subjectivas. Quem nega a existência de realidades subjectivas é porque não econheceu os fundamentos do seu mundo-próprio. =r-. ..:§~~~~~#? : - .- -'- - .. Fig- 47-A sombra imaginária o outro. A partir de então nunca mais conseguiu que II galinha comesse no estábulo. Entre os mais apetitosos grãos, era capaz de morrer de fome. É evidente que a cena do incidente anterior 108 102 13. o MESMO SUJEITO COMO OB]ECTO EM DIFERENTES r----- =.---. MUNDOS-PRÓPRIOS Os capítulos anteriores referiram-se a digressões singulares em diferentes direcções, na terra desconhecida do mundo-próprio, Ordenaram-se conforme os problemas, para em cada caso se conseguir uma maneira de tratamento uniforme. Ainda que alguns problemas fundamentais tenham assim sido tratados, nunca se chegou, nem se pretende ter-se chegado a qualquer resultado completo. Muitos problemas aguardam interpretação reflectida, e outros ainda não passaram da fase de formulação. De modo que ignoramos ainda que parcela do próprio corpo do sujeito passou a fazer parte do seu mundo-próprio. Nem uma só vez a questão do significado da própria sombra no mundo visual foi experimentalmente abordada. O tratamento de problemas particulares é tão importante para o estudo do mundo-próprio, como insuficiente para se chegar a uma visão de conjunto das interdependências ·dos mundos-próprios. Uma tal visao é talvez possível, quando abranja apenas um campo restrito, se explorarmos a questão: como é que em diferentes mundos-próprios em que ele desempenha um papel importante, o próprio sujeito passa a ser objecto? Como exemplo escolho um carvalho em que vivem diferentes sujeitos do reino animal, e que em cada mundo-próprio vem, além disso, a desempenhar um papel diferente. Como o carvalho também faz parte de vários mundos-próprios humanos, conforme o observador, começo por estes (1). As figs. 48 e 49 são reproduções de dois desenhos que devemos ao talento dó artista Franz Huths. (Fig. 48). No mundo-próprio perfeitamente razoável do velho couteiro, que resolveu quais as árvores da sua coutada que estão boas para o corte, o carvalho destinado ao machado não passa de umas braças de madeira que ele mede com todo o cuidado. Por isso as rugosidades da casca que, acidentalmente, parece representarem um rosto humano, não são por ele notadas como tal. A figo 49 representa o mesmo carvalho no mundo-próprio imaginário de uma rapariguinha para quem a coutada ainda é povoada de gnomos e fantasmas, e que fica muito assustada (I) Comp., porém, o que se notou nas págs, 11 e segs. da Introdução. (N. do A.) 104 " -~~'" - -- ~.! " Ht -~"," '.~ - \:, - ,:;', '" - (:---""7"'---::-::-==-=..;' -----=. - ....• Fig. 48-0 Fig. 49-A rapariguinha e o carvalho couteiro e o carvalho como se o carvalho a olhasse com o seu mau cariz. Todo o carvalho, para ela, passou a ser um perigoso demónio. Na coutada de um primo meu, da Estónia, há uma velha macieira sobre que se desenvolveu um grande cogumelo que apresentava uma vaga semelhança com um clown, o que até Fig, 50-A raposa e o carvalho Flg. 51-0 mocho e o carvalho Fig. 52-A formiga e o carvalho altura ninguém tinha notado. Um dia meu primo contratou doze trabalhadores russos para fazerem a colheita, os quais 166 107 descobriram a macieira e passaram a reunir-se todos os dias em volta dela para cumprir uma cerimónia em que rezavam e se benziam. Explicavam eles que o cogumelo devia ser uma figura maravilhosa, pois não era obra do homem. Para eles, acontecimentos maravilhosos naturais eram coisas evidentes em si. . Mas, voltemos ao carvalho e aos seus habitantes. Para a raposa (fig. 50) que construira a sua cova entre as raízes do carvalho, este passou a ser um abrigo seguro que a protegia das intempéries, a ela e à sua família. Para ela o carvalho não possuia o mesmo teor de utilidade prática que tinha para o couteiro, nem o teor de ameaça que tinha para a rapariguinha, mas sim, é evidente, um teor de abrigo e nada mais. Semelhantemente, no mundo-próprio do mocho o carvalho tem um teor de refúgio (fig. SI). Somente, agora, não são as raízes, completamente fora do mundo ambiente, mas os troncos vigorosos, que constituem para ele uma como que muralha defensiva. Para o esquilozinho o carvalho adquire, comi as suas numerosas frondes, que lhe proporcionam trampolins apropriados para saltarem, um teor de trepar, e para as aves canoras, que constroem os seus ninhos nas ramarias, o teor de suporte necessário. Correspondentemente aos diferentes teores de utilização, diferem umas das outras as imagens-perceptivas. Cada mundo-próprio aproveita do carvalho uma certa parte das suas propriedades, adequada à formação tanto dos veículos de sinais-característicos como dos de marcas-de-acção dos seus ciclos-de-função. No mundo-próprio da formiga (fig.52) tudo o que não é a casca com as suas anfractuosidades desaparece, tornando-se aquelas o seu campo de pilhagem. Por baixo da casca, que ele destaca, o longicórneo (fig. 53) procura o seu alimento e aí põe também os seus ovos. As larvas que deles resultam abrem no lenho galerias, e abrigados nelas dos perigos do mundo exterior, banqueteiam-se em segurança. Mas a sua protecção não é absoluta. Porque não é só o pica-pau que com as suas fortes bicadas fende a casca e as persegue, mas também o icnêumon (fig. 54), que, com o seu fino ovopositor perfura O duro lenho do carvalho como se ele fosse manteiga, e as aniquila, introduzindo-Ihes no corpo os seus ovos, dos quais virão a resultar larvas, que, por. seu turno, engordam à custa daquelas outras. Em todas as centenas de mundos-próprios diferentes, o car ..• valho desempenha, como objecto, um papel altamente variado , ora com uma ora com outra das suas partes. Umas destas são extensas, outras, reduzidas. Umas vezes, a madeira é dura outras mole. Um~s vezes serve de protecção, outras de campo de' ataque: Se quiséssemos resumir as particularidades opostas que, Fig. 53-0 longicórneo e o carvalho 108 109- como objecto, o carvalho apresenta, o que resultaria seria um caos. E, no entanto, todas elas são apenas partes de um Fig. 54-0 bilidades de um sujeito humano. Com diminutas modificaçõe, pode-se aproveitar o quadro do astrónomo para obter uma representação do mundo-próprio de um investigador das profundidad s marinhas. Sõmente, agora, o que se move em volta do seu obser- icnêumon e o carvalho sujeito estritamente ordenado, que contém todos os mundos-próprios -nem conhecidos nem conhecíveis por todos os sujeitos destes mundos-próprios. 14. CONCLUSÃO o que, em ponto pequeno, reconhecemos no carvalho, passa-se, ampliado, na árvore da vida da natureza. Dos milhões de mundos-próprios, cujo número nos confundiria, só escolhemos aqueles que se destinam ao estudo da natureza-, os mundos-próprios do naturalista. A figo 55 representa o mundo-próprio dos astrénomos, de todos -o mais fàcilmente representável. Em uma torre muito elevada, possivelmente muito afastada da superfície da Terra, senta-se um ser humano que, por meio de dispositivos ópticos, apropriados, transformou a sua vista, capaz depenetrar o universo até às últimas estrelas. No seu mundo-próprio giram sóis e planetas em feérico movimento. A luz, rapidíssima, leva milhões de anos a atravessar este universo. E contudo todo o mundo-próprio em volta não passa de uma insignificante secção da natureza, feita de acordo com as possi110 Fig. 55-0 mundo-próprio dos astrônomos vatório não são astros, mas formas fantásticas de peixes das profundidades, com as suas fauces horrendas, as suas longas antenas e os seus órgãos luminosos brilhantes como estrelas. Também lU aqui nós relanceamos um mundo real que representa uma pequena secção da natureza. O mundo-próprio de um químico, que, a partir dos elementos químicos, como se fossem noventa e duas letras, tentasse ler e escrever as enigmáticas correlações das substâncias da natureza, é difícil de traduzir inteligivelmente. É mais fácil de descrever o mundo-próprio de um físico-atómico, porque assim como as estrelas dos astrónomos giram, assim também, para ele, giram os electrões. Somente aqui reina, não a calma universal, mas uma agitação frenética das partículas materiais mínimas, que o físico se propõe fazer explodir bombardeando-as com pequeníssimos projécteis. Quando um outro físico estuda no seu mundo-próprio as ondas do éter, recorre ainda a meios auxiliares completamente diferentes que lhe revelam uma imagem das ondas. Agora ele pode afirmar que ondas luminosas que afectam os nososs órgãos da visão se assemelham às outras ondas sem manifestarem quaisquer diferenças. São ondas e nada mais. No mundo-próprio dos fisiologistas dos sentidos, as ondas luminosas' desempenham um papel completamente diferente. Agora passam a ser cores, que têm as suas leis próprias. Vermelho e verde associam-se e dão branco, e as sombras projectando-se num fundo amarelo dão azul. Fenómenos, que, nas ondas, elas próprias, não se passam; e contudo as cores são tão perfeitamente positivas como as ondas do éter, Os mesmos contrastes se revelam nos mundos-próprios de um investigador das ondas do ar e de um investigador da música. Num, só há ondas, no outro só há sons. Ambas as coisas são porém igualmente reais. E assim por diante. No mundo-próprio da natureza, dos beauioristas, o corpo cria o espírito, e no do psicólogo é o espírito que cria o corpo. O papel que a natureza como objecto desempenha nos diferentes mundos-próprios do naturalista é eminentemente contraditório. Se se quisessem resumir as suas particularidades objectivas caía-se no caos. E no entanto todos estes diferentes mundos-próprios estão incluídos e arrastados num uno que se conserva eternamente vedado a todos os mundos-próprios. Por trás de todos os mundos por ele criados, oculta-se eternamente o sujeito inatingível-a Natureza. DOUTRINA DO P jAKOB 8 - A. H. v. SIGNIFICADO o R UEXKÜLL I. Aos meus adversários em Ci8ncia, para que usem de amigável atenção OBjECTOS SIGNIFICANTES (1) Um golpe de vista pelos insectos voadores, como as abelhas, os zângãos e as libélulas, que se agitam num prado florido, desperta· sempre em nós a impressão de que o mundo inteiro se mantém aberto a estes seres tão invejáveis. Até os animais adstritos à terra, como as rãs, os ratos, os caracóis e os vermes parecem mover-se livremente na Natureza livre. Esta impressão, porém, é enganadora. Na verdade, cada um destes animais, que se movem livremente, está preso a um determinado mundo que ele habita e cujos limites compete aos ecólogos pesquisar. À priori, não temos a menor dúvida de que existe um mundo imenso que se desdobra ante os nossos olhos e do qual cada animal destaca o mundo que habita. Aparentemente, cada animal dentro do mundo em que vive, depara com grande número de objectos, com os quais mantém relações mais ou menos estreitas. Daqui parece resultar automàticamente, para cada biólogo experimental, que a sua missão é colocar diferentes animais perante o mesmo objecto, a fim de estudar as relações entre animal e objecto, operação em que o mesmo objecto serve de padrão em todas as experiências com animais. Assim, os investigadores americanos, em milhares de experiências, iniciadas com ratos brancos, têm procurado incansàvelmente examinar os mais diversos animais, nas suas relações com um labirinto. A mediocridade dos resultados obtidos com estes trabalhos, ecutados, aliás, segundo os mais rigorosos métodos quantitativos os cálculos mais perfeitos, podia tê-Ia previsto quem se desse onta de que é falsa a pressuposição implícita de que um animal ode alguma 'Vezentrar em relação com um objecto. (I) A breve introdução à «doutrina do significado», polêmica genial de J acob von küll com o seu grande adversário científico Max Hartmann, s6 para o especialista C ter interesse e talvez; até causasse confusão ao leigo no assunto. Por outro lado, palavras introdutórias dão um retrato tão relevante e impressívo do naturalista bativo e original que é von Uexküll , que não queremos privar dela os nossos leitores. r Isso a oferecemos a seguir à doutrina do significado, como epílogo. A controvérsia, aliás, significativa em si, mesmo que tenha perdido actual idade, está encerrada. (Nota da ed. alemã) 115 É fácil apresentar, por meio de um exemplo simples, _a prova desta afirmação, talvez surpreendente. Na estrada, um cao ladra furiosamente contra mim. Para me libertar dele, pego nu~a pedra do caminho e atiro-a ao assaltante, num golpe certe:ro. Ninguém, que tivesse observado a cena e apanh~sse depois a pedra, duvidaria então de que ela er~ o mesmo .0bJect~ «pedra» que fora levantada do pavimento e atirada depois ~o cao. ,. Nem a forma, nem o peso, nem as outras propnedades fIsl:as e químicas da pedra se alteraram. A cor, a d~'eza, as formaçoes cristalinas conservaram-se as mesmas e, todavia, operou-se nela uma transformação fundamental: mudou de significação ou melhor, de significado. . Enquanto a pedra fazia parte do pav~m~nto da estrada, servia de apoio ao pé do viandante. O ~eu slgn~ficado estava ~a parte que lhe cabia na função do cammho. Tinha, para assim dizer um sentido ou «teor de caminho». Tudo se modificou radicalmente quando apanhei a ~e~a para a atirar ao cão. Ela transformou-se então num projéctil: foi-lhe atribuído um novo significado. A mesma pedra recebeu um «teor de arremesso». A pedra que, como objecto neutro, está na mão do observad~, transforma-se num objecto significante logo que entra em relaçao com um sujeito. Como os animais nunca se apresentam como observadores, pode afirmar-se que nenhu~ ani~al pode. entrar em relação com um objecto. Só pela relac.lO~açao, o objecto s~ transforma em qualquer coisa com um slgmficado, que lhe e atribuído por um sujeito. . • Dois outros exemplos podem esclarecer-nos acerca da influência que a mudança de significado exerce ~as propriedades d~s objectos. Eu pego numa concha larga de Vidro, que pode COnsiderar-se um mero objecto, por isso que não entrou em qualqu~r espécie de relação com uma actividade humana. Encaixo-a de~Ols na parede exterior da minha casa, transformando-a, desta m~nelra, numa janela que deixa penetrar a luz do sol mas que, devido aos seus reflexos faz desviar a vista às pessoas que passam. Posso ainda oolocar a concha em cima da mesa e enchê-Ia de água, para a utilizar como vaso de flores. . As propriedades do objecto não se alteram c~m ISSO. Mas logo que ele se transformou num objecto significante <~anela» ou «vaso», reconhece-se uma diferenciação das suas propnedades, consoante a função que passa a desempenhar. Para a janela, é a transpa- 116 rência a propriedade essencial, ao passo que a curvatura r ']}I' • senta a propriedade acessória. Este exemplo permite compreender melhor por que razões O~ escolásticos classificavam as propriedades dos objectos em esseniia e accidentia. Ao fazerem esta classificação, eles só tinham em mente objectos significantes, pois as propriedades de objectos sem significado não admitem qualquer ordenação hierárquica. Só a ligação mais ou menos estreita do objecto significante com o sujeito permite dividir as propriedades em essenciais (essentia) e acessórias (accidentia). Como terceiro exemplo, tomemos um objecto constituído por duas barras compridas e várias outras mais curtas que, .com intervalos regulares, liguem as duas primeiras. A este objecto pode atribuir-se o teor de «trepar», de uma escada, quando se encostam ao alto, a uma pai ede, as duas barras compridas; mas também posso atribuir-lhe o teor correspondente à sua utilidade como vedação, se fixar no solo, horizontalmente, uma das barras maiores. Imediatamente se verifica que o afastamento entre si das barras transversais desempenha papel secundário no caso da vedação mas que, no caso da escada, esse intervalo deve corresponder a um passo. Já se reconhece, assim, no objecto significante «escada», um plano simples de construção geométrica que torna possível a acção de trepar. Em linguagem pouco rigorosa, nós designamos todas as coisas que nos são úteis (embora elas comportem, colectiva e individualmente, significação humana) simplesmente por objectos, como se de meros objectos autónomos se tratasse. Com efeito, não é raro tratarmos uma casa, com tudo que ne.la se encontra, como se ela existisse objectivamente, sem considerarmos as pessoas que habitam essa casa e utilizam as coisas nela contidas. Verificaremos imediatamente quanto é errada esta maneira de ver se, em lugar de uma pessoa, imaginarmos um cão como habitante da casa e atentarmos nas suas relações com as coisas. Sabemos, pela experiência de Sarris (1) que um cão que aprendeu a sentar-se numa cadeira quando lhe dão a ordem «cadeira I» procura outra coisa para se sentar, se aquela lhe tiver sido retirada, e até outra coisa que possa servir-lhe de assento a (I) E. G. Sarr is, colaborador de Uexküll, que desde 1931. se tem dedicado ao estudo do comportamento e ao ensino de cães e também ao treino de cães de cego. (N. da ed. alemã) 117 ele, sem que tenha de ser, necessàriamente, assento próprio para pessoas. As coisas que podem ser aproveitadas para assento contém todas um significado comum, possuem todas o mesmo teor 'de assento, pois podem substituir-se· arbitràriamente umas pelas outras que o cão servir-se-á delas, sem distinção, à voz de comando «cadeira !». Se imaginarmos, pois, o cão como habitante da casa, poderemos verificar a existência de um grande número de coisas' com o teor de «assento». Haverá, do mesmo modo, muitas coisas que apresentam um teor de «comida» ou um teor de «bebida» de cães. A escada tem, por certo, uma espécie de teor de «trepar»; mas a maioria dos móveis têm, para o cão apenas um teor de «estorvo», mesmo quando cheios de livros ou roupas. Todos os pequenos utensílios domésticos, como colheres, garfos, fósforos, deixam, por inúteis, de existir para o cão. Ninguém contestará que a impressão deixada pela casa, com todas as coisas que só ao cão podem interessar, é extremamente desoladora e não corresponde, de modo algum, ao seu verdadeiro significado. . , Não poderemos daí concluir que, por exemplo, a floresta, cantada pelos poetas como a mais bela estância para o homem, não é, de forma alguma, concebida no seu verdadeiro sentido; quando a relacionamos só connosco? Antes de desenvolvermos esta ideia, seja-nos permitido citar aqui uma frase do capítulo sobre o mundo-próprio, no livro de Sombart (1) Acerca do Homem: «Não existe nenhuma floresta como mundo-próprio objectivamente bem determinado, mas sim uma floresta do couteiro, do caçador, do botânico, do passeante, do amante da Natureza, do homem que vai à lenha ou do que anda às bagas, pu a floresta da fábula em que Hansel e Gretel se perdern». Os significados da floresta contam-se por milhares, se nos não limitarmos às suas relações com sujeitos humanos e se também tomarmos em consideração os animais. É, todavia, inútil extasiar-nos com o número extraordinário de mundos-próprios que se contêm na floresta. Será muito mais elucidativo tomar um caso típico, para então lançarmos um golpe de vista pela teia de relações dos mundos-próprios. Observemos, por exemplo, o pedúnculo de uma flor dos prados, (I) Werner Sombart, 118 sociólogo alemão (1863-1941). (N. da ed. alemã) qu; desabrocha, e procuremos verificar que papéis lhe são ntri. buídos nestes quatro mundos-próprios' r) o de uma a . , . r panga qu anda a colher flores e, COm algumas delas, de várias cores faz um ramo que depois põe, como adorno, na cintura do cor;ete' 2) o ~e uma for~iga que utiliza o desenho regular da superfície super~or do pedunculo corno piso ideal para atingir a zona rica de alimento, dentro das pétalas da flor; 3) o de uma larva de aphrophora spumaria, que perfura os vasos condutores da seiva do pedúnculo e o utiliza como fonte de material emulsionável com qu: constrói o seu abrigo aéreo; 4) o de uma vaca que ceifa, com a lmgua, o pedúnculo e a flor e os mete na enorme boca para os utilizar como alimento. ' ? mesmo pedúnculo de uma flor desempenha, conforme o oenario do mundo-próprio em que se encontra, o papel de adorno de passagem, de reservatório ou, finalmente, de bocado de comida: , Isto .. é verdadeiramente espantoso. O pedúnculo da flor , em SI. p~opno, como parte de uma planta viva, é formado por elementos dispostos segundo um. plano, .uns em relação aos outros, que c~nstrtuem um mecamsmo mais perfeito que todas as máquinas feitas pelo homem. . Os mesmos elementos que no pedúnculo da flor estão submetidos a um acertado plano de construção são separados uns dos o~tros, levados. para os quatro mundos-próprios e perfeitamente ajustados, com Igual certeza, a outros planos de construção. , ~ogo que cada componente de um objecto orgânico ou inorga.n~cosur!5e, comoobjecto significante, no cenário da vida de um s~Jelto animal, esse componente é posto em contacto com um digamos, «co::u:plemento», situado no corpo do sujeito que inter~ vém como utrhzador do significado. Este facto chama a nossa atenção para um aparente contraste nos caracteres fundamentais da natureza viva. A concordância com um plano na estrutura do corpo e 'a concordância com um plano na estrutura do mundo-próprio situam-se frente a frente e parecem contradizer-se. E ilusória seria a impressão de que a concordância com um ~lano na estrutura do mundo-próprio é, de algum modo, menos rigorosa do que na estrutura do corpo. ' Cada mundo-próprio em tod~s ~s suas partes é lhe atribui, Consoante o nário da vida abrange é, e.m si" uma unidade fechada, que dominada pelo significado que o sujeito significado que tem para o animal o um espaço amplo ou limitado, cujos 119 lugares dependem inteiramente, em número e grandeza, da capacidade de diferenciação do órgão sensorial do respectivo sujeito. O espaço visual da rapariga, no exemplo anterior, assemelha-se ao. nosso; o espaço visual da vaca estende-se para além da planície em qUI; o prado está sítuado, .ao passo que o seu diâmetro, 1110 mundo da formiga não vai além de meio metro e será de alguns centímetros apenas no da aphrophoraEm cada espaço, é diferente a distribuição dos lugares. O piso macio que a.formiga tateia, ao passar pelo pedúnculo da flor, não existe para as mãos da rapariga e ainda menos para a boca da vaca. O esquema estr-utural do pedúnculo da fiar e a sua constituição química não desempenham qualquer papel no cenário da vida da rapariga ou no da formiga. A digestibilidade dos colmas, pelo contrário, é essencial para a vaca. Dos vasos condutores, delicadamente estruturados, do pedalo, a aphroPhora extrai a seiva que lhe convém. Com efeito, ela é capaz, segundo Fabre, de obter, à custa do leite venenoso da erva-leiteira, um suco inofensivo para a sua habitação de espuma. .Tudo quanto cai na esfera de um mundo-próprio, ou 'desaparece totalmente ou é adaptado e transformado até se converter num objecto com sigIúficado útil. Os elementos iniciais são então muitas vezes separados uns dos outros, sem atender ao plano de construção que até aí os regulava. Dentro dos vários mundos-próprios, os objectos significantes são tão diferentes pelo seu centeúdo quanto se assemelham pela natureza da sua estrutura. Algumas das suas propriedades apresentam-se sempre ao sujeito como portadoras de sinais-característicos e outras como portadoras de sinais-de-impulso. ou acção. A cor das fiares actua como nota (ou sinal) visual IlO mundo-próprio da rapariga do exemplo dado; o estriamento da superfície superior do pedúnculo como nota táctil, no mundo-próprio da formiga, e o ponto em que a aPhroPhora o perfura denuncia-se -lhe, talvez, como nota olfativa; e no mundo-próprio da vaca, a seiva do pedúnculo dá a nota gustativa. A maior parte das vezes, os sinais de acção são atribuídos pelo sujeito a outras propriedades do objecto significante. É quebrando-a pela região mais delgada do pedúnculo que a rapariga colhe a fior. O estriamento da superfície superior do pedúnculo serve à formiga para provocar não só o sinal táctil das suas antenas mas também o da acção das suas pernas. . O reservatório de seiva, denunciado 120 pelo cheiro, é perfurado pela aphrophora e a seiva que de ele brota serve como material para a construção do seu ninho. espumoso. _ ' _ - ' -.f A dnota gustativa do 'pedúnculo fazque a vaca ' ao pastar,' vá cer an o sempre mais calmos' com a língua. ,_ -.. ' . Com~, ~m .cada caso, o. -sinal-de-impulso aplicado: 'sobre o objecto significante anula o sinal-perceptivo que p rovoca o comportamento, sucede que, com esse 'sinal-de-impulso, termina todo o comportamento, qualquer que ela seja. a flor transforma esta- num adorno ,mun no d 0•O .colher d' -propno a raparIga; .a passagem ao longo do pedúnculo transf~rma este num caminho, no mundo-próprio da formiga e a picada daI'larva , transforma-o numa fonte de m a t erra 'I d e constru~ çaoI que e a utiliza, Finalmente ao ser comido pela d fi ' vaca, o pe dúuneu o ~ ar passa a ser um alimento próprio do gado. Assim, .. , cada. acto de comportamento ,oconstituíd por SInaIS-perceptivos e irn ulsos, im rime ao obiecto neutro o seu SI . ca. o e transforma-o, com isso,SInum obiecto . 'ficante r laciona o com o su eIto, no seu res ectivo mundo- ró rio om,o cada act~ de comportamento se inicia pela p~odução de ~m sinal-perceptivo e termina com a «cunhagem» de um sinal.~e-Impulso ~o mesmo o?jecto significante, é possível falar de um cIclo-de-f~nçao que relaciona o objecto significante com o sujeito Os ciclos-de-função mais importantes, pelo seu significado' qu~ se nos de?aram na maior parte dos mundos-próprios são: O CIclo . G do habitat, ' .o da nutrição, o do inimigo e o d o sexo. . . raças a sua mtegração num ciclo-de-função cada objecto Ilgmficante •torna-se " complemento do suieit .' I e por.Isso .. . ~ 10 amma ertas tpropriedades individuais, consideradas portadoras de' smaIS. carac erísncos e efectores desempenham então u m pape Iessenciar, .I nquanto outras, pelo contrário, têm apenas papel secundá' equentemente, a maior parte do corpo de um objecto signic~nte, como ~strutura não diferenciada, serve apenas para tIcular entre SI as partes portadoras de sinal-perceptivo com as artes portadoras de sinal-de-acção, (Comp. pág. 28, figo 3) r • 2. MUNDO-PRÓPRIO E REVESTIMENTO PROTECTOR Ta~to os anim~is como as plantas dotam o corpo de proteces ~Ivas, ao abrigo das quais passam a sua existência . Sao todas construídas rigorosamente segundo um plano, mas 121 distinguem-se, todavia, em pontos essenciàis. Em volta do revestimento animal há um espaço mais ou menos amplo, em ~ue abundam os objectos significantes do sujeito? todos, porém, ligados a este, por meio dos ciclos-de-função. ' O comando de cada ciclo-de-função, tal como ele se exerce no corpo de um animal é o sistema nervoso que, começan~o pelos receptores (os órgãos dos sentidos) e passando pelos ór~ao: cen~ trais da percepção e da acção, conduz a corrente de excitaçao ale os efectores. O revestimento das plantas carece de sistema nervoso; faltam-lhe os órgãos da percepção e da acção e, consequentem:nte, - h' para as plantas .nem objectos significantes, nem ciclosnao a, ' .,_ -de-função nem sinais-característicos, nem smals-de-acçao. ,. O exterior dos animais é capaz de se mover e, com auxílio dos músculos, pode pôr em movimento os seus receptores em todos os sentidos. . ._ O das plantas não dispõe de mobilidade própria, pOISnao possui nem órgãos receptores nem efectores com que elas possam construir e regular o seu mundo-próprio. ,.' . A planta não possui órgãos especiais de mundo-propno: vive solitária, dentro do mundo que habita. As relaçõe~ das planta~ cor~ , esse mundo são totalmente diferentes das que. h~am os ammais ao seu mundo-próprio. Apenas num ponto cOJllCldem os planos de organização dos animais e das plantas: ambas consegu?m fazer uma rigorosa selecção das acções que o mundo exterior exerce sobre elas. Apenas uma parte das acções do exterior é c~ptada pelos órgãos dos sentidos dos animais e tratada como estlII~ulos. Estes estímulos são ronvertidos em excitações nervosas que sao, por ::.,ua vez, transmitidos aos órgãos centrais de percepção. Nos ór~aos de percepção soam então os correspo~dentes smals-perc.eptiVo~ que são depois transferidos para. o exte~JOr.como notas e transfor mados em propriedades dos objectos slgmfic~ntes.. . No órgão de percepção, os sinais-perc~ptlvos induzem, digamos assim no órgão central da acção, os Impulsos correspondentes, os quais se tornam fontes dos fluxos de excitação que acorrem aos efectores. Quando se fala tivos não deve cep " ção eléctrica entre se dá na sequência . . de uma indução de impulsos, pelos smal~-perde maneira nenhuma, entender-se uma indu. d e dois condutore~ paralelos, mas a m uçao qu de uma melodia, de nota para nota. Também para as plantas não existem estímulos de ÍtlllH)1 tância vital que se salientem, como factores significant 5, do conjunto de acções que de todos os lados incidem sobre elas. A planta não defronta asacções exteriores por meio de órgãos receptores ou efectores; mas, graças a uma camada de células vivas, ela, de dentro do seu revestimento, é capaz de seleccionar estímulos. Nós sabemos, desde Joh. MüIler, que é falsa a ideia do fluir mecânico dos fenómenos vitais. O próprio reflexo, tão simples, de uma pálpebra que se agita, à aproximação dum corpo estranho, não é o efeito duma cadeia de causas ~ efeitos físicos mas um ciclo-de-função simplificado, que começa com a percepção e acaba com a acção. O facto de, neste caso, o ciclo-de-função não atingir o cérebro e abrir caminho através dos centros inferiores nada altera quanto à sua essência. O reflexo mais simples é, também, fundamentalmente, um acto do tipo percepção-acção, mesmo que o arco reflexo devesse implicar apenas uma cadeia de células individuais. .Podemos estar absolutamente seguros desta afirmação, desde que Joh. MüIler mostrou que qualquer estrutura viva se distingue de todos os mecanismos inanimados por possuir, além da energia física, uma energia vital «específica». Para ficarmos inteiramente elucidados, comparemos um músculo vivo com um sino. V ~rifica-se então que só se consegue que o sino exerça a sua função-tocar -fazendo-o oscilar, de certa maneira, num sentido e noutro. Falhará qualquer tentativa para, de outro modo qualquer, fazer tocar o sino: nem o aquecimento, nem o arrefecimento, nem a acção de ácidos ou alcalinos, nem os efeitos magnéticos, nem a produção de correntes eléctricas-nada tem influência, de qualquer natureza, sobre a função do sino, que permanece mudo. Pelo contrário, um músculo vivo cuja função vital é a contracção será levado a contrair-se, por meio de todas as acções exteriores, desde que estas sejam próprias para, de modo geral, actuar sobre ele. O sino comporta-se como objecto inanimado que recebe apenas acções, enquanto o músculo vivo se comporta como sujeito que transforma todas as acções exteriores no mesmo estímulo, o qual, por sua vez, provoca o seu funcionamento. Se possuíssemos um certo número de sinos vivos que produzissem, todos eles, sons diferentes uns dos outros, poderíamos tormar com eles um carrilhão que funcionasse por meios mecânicos, eléctricos ou químicos, pois cada' sino teria de respond r , 123 122 com o seu som próprio, especial, a qualquer espécie de estimulação. Mas isto não seria ainda um carrilhão vivo, pois também este, afinal,-fosse ele movido eléctrica ou quimicamente-continuaria a ser um simples mecanismo, provido de sons individuais e inúteis. Um carrilhão constituído por sinos vivos, deveria possuir a faculdade de executar a sua música, não só movida por impulso mecânico mas também regulada por uma simples melodia. Ora é isto exactamente que se passa em todo o corpo vivo. Sem dúvida, poderá mostrar-se que em todos os casos-e particularmente na transmissão da excitação do nervo ao músculoo jogo vivo da sucessão dos sons diferentes passa a ser substituído por um encadeamento químico-mecânico. Mas esse facto continua a ser, essencialmente, a consequência duma mecanização acessória. Na origem, todos os germes do organismo se compõem de células de protoplasma livres, que só obedecem à indução melódica dos seus sons individuais. A prova concludente deu-a Arndt (1), no filme em que faz passar ante os nossos olhos o desenvolvimento do bolor-viscoso. Os germes deste tipo de fungos são, inicialmente, células que se movem em liberdade, com movimentos amibóides (mixamibas) em busca da flora bacteriana de que se alimentam, sem se importarem umas com as outras. Essas células amibóides multiplicam-se produzindo uma massa de protoplasma multinucleado (plasmódio). Quanto mais alimento existe, mais ràpidamente progride a reprodução. Daí resulta que os alimentos começam a faltar em toda a parte ao mesmo tempo. Verifica-se então um facto espantoso: todos os elementos dessa massa se isolam uns dos outros, em formações equivalentes e, dentro de cada formação, todos eles se dirigem para um ponto central comum. Chegados aí, arrastam-se uns sobre os outros e então, os que chegaram primeiro transformam-se em células fixas de suporte, que servem de escada aos que vêm depois. Logo que é atingida a altura definitiva do talo, ainda fino como um cabelo, as células que se apresentam em último lugar transformam-se num corpo frutífero em cujas cápsulas se contêm (I) Walter Arndt (1891-1944), zoólogo e médico, conservador do Museu de Zoologia de Bcrlim fez, na década de trinta, um filme notável sobre o desenvolvimento do bolor -viscoso, (N. da ed, alemã) os ésporos vivos. As cápsulas são depois espalhadas pelo V('IIIO, que as transporta a novos locais de nutrição. Ninguém põe em dúvida, neste caso, que a mecamca subrilmente trabalhada do corpo do bolor-viscoso é um produto d células livres, que só obedecem a uma melodia ordenadora dOA seus sons individuais. A demonstração de Arndt é tão particularmente importante, por se tratar aqui dum organismo que, no primeiro período da sua existência, pelos seus movimentos e pelo seu modo de alimentação, se comporta como animal e depois, no segundo período, se converte em planta. Não é para iludir que nós atribuímos às células amibóides do bolor-viscoso um mundo-próprio que, embora limitado, é comum a todas e no qual as bactérias são destacadas do ambiente como objectos significantes e como tais são notadas e tratadas. Mas o ser adulto é uma planta, que não possui qualquer mundo-próprio de animal: . é simplesmente envolvida por um revestimento protector , constituído por factores significantes. O factor significante que tudo domina no organismo adulto é o vento, contando com o qual ele se desenvolve com admirável segurança. Embora não sejam tão engenhosamente construídas corno os capítulos do dente-de-leão, as cápsulas de esporos do bolor-viscoso são presa fácil do vento que, assim, garante uma larga disseminação. 3· A UTILIZAÇÃO DO SIGNIFICADO O mundo que um animal habita e que nós vemos abrir-se à sua volta, transforma-se, quando observado pelo sujeito animal, no seu mundo-próprio, um mundo em que se agitam os mais variados objectos significantes. O mundo habitado por uma planta e que nós podemos delimitar à volta do lugar em que ela cresce, traneforma-se, quando observado pelo sujeito-planta, num revesumento protector que se compõe de diversos factores significantes, submetidos a uma mudança regular. A função vital do animal e da planta consiste em utilizar, eonsoante o seu plano subjectivo de organização, os objectos lignificantes, no primeiro caso e os factores significantes, no legando. Falarrios correntemente da utilização de alimentos 1;24 125 mas, a maior parte das vezes, damos a este conceito demasiada estreiteza. Por utilização significante dos alimentos deve entender-se, não só a trituração com os dentes e a preparação química operada no estômago e nos intestinos mas também o reconhecimento dos alimentos por meio dos olhos, do nariz e elo paladar. Com efeito, no mundo-próprio dos animais, cada objecto significante é utilizado por meio da percepção e da acção. Em cada ciclo-de-função, repete-se o mesmo processo percepção-acçãoPodemos, na verdade, considerar os ciclos-de-função como ciclos de-significado, cuja missão se completa na utilização dos objectos significantes. . Não faz sentido falar de ciclos-de-função nas plantas e, todavia, o significado dós seus órgãos, igualmente constituídos por células vivas, reside na utilização dos factores significantes do seu revestimento protector. Elas realizam esta função graças à sua forma organizada segundo um plano e à ordenação, levada aos últimos pormenores, da sua substância. Quando contemplamos o espectáculo das nuvens ao sabor do vento, podemos atribuir significados diferentes às difere;:ltes formas que as nuvens tomam. Isto, porém, não passa dum Jogo da fantasia, pois as diferentes formas das nuven~ são simples~ent~ o resultado de ventos variáveis e obedecem ngorosamente a lei da causa e do efeito. Quadro totalmente diverso é o que se nos oferec.e qua~do acompanhamos o pairar, 'ao sabor do vento, do gracioso p~ra-quedas do fruto do dente-de-leão, ou a rotação em espiral, do fruto das aceríneas ou das tílias. Aqui, não é o vento, de modo nenhum, a causa da constituição das formas, como no caso das nuvens: as f~r~as é ~ue se insinuam no factor significante «vento», que elas utilizam diversamente para a disseminação das sementes. Há, porém, quem prefira considerar o vento como causa determinante das formas porque, durante milhões de anos, ele actuou sobre o objecto planta. Ora há mais tempo ainda que o vento actua 'nas nuvens, sem que dessa acção tenha resultado qualquer forma defimitiva.· ._ A forma significante permanente é sempre o produto da acçao dum sujeito e nunca o de um objecto trabalhado sem plano mesmo durante tanto tempo. O que se diz do vento, pode também dizer-se dos outros .factores significantes das plantas. A chuva é aparada pelas goteiras das f-olhas da copa e desce até' às finas extremidades da raiz, dl'blll •• da terra. A luz do Sol é absorvida pelas células provi Ia, dI' clorofila e utilizada na execução dum processo químico complirndu, A clorofila não é fabrica da pelo Sol como a goteira o não é 1)/'1.1 chuva. Todos os órgãos-os das plantas e os dos animais-c devem a forma e a distribuição da substância ao seu significado ('01110 utilizadores dos factores significantes que até eles chegam do exterior. Em todos os organismos, portanto, o problema primacial é o do significado e só depois de ele resolvido faz sentido investigar os processo, causais, que são sempre extremamente limitados, visto a a tivi. dade das células vivas ser dirigida pelos seus teores individuais. Pode falar-se duma melodia de crescimento ou duma detem i· nação do crescimento, que regula os teores individuais dos esporos, Esta determinação do crescimento é, como já vimos no filme de Arnt, em primeiro lugar, uma determinação da constituição dI' formas que articula as partes e estabelece depois em cada umn delas um centro para que tendem todas as células. O que derivn das células germinais individualmente depende apenas do lugnr que elas tomaram na forma em organização. A equivalência original das células germinais individuais, demonstrada com toda a evidência no filme de Arnt, já tinha si lo descoberta por Driesch (1), nas suas famosas experiências em germe, do ouriço-do-mar. As células germinais da maior parte dos animais tomam primeiro a forma duma amora, depois a duma bola oca, a qual se invagina num polo e passa, simultâneamente, a ser constituída por três folhetos. Surge, assim, a «gástrula» que, com os trl'H folhetos iniciais, constitui a forma original da maioria dos animais, Com esta simples sequência de tons se inicia toda a vida animal mais elevada. Existem animais, como as hidras de água doce que arrastam sua vida simples com a forma simples da gástrula. Tal como O bolor-viscoso, também neste caso se colhe a impressão de que basta a realização do determinismo morfogenético para qu SI' tabeleçam as suas relações de significado. (I) Hans Driesch (1867-1941), filósofo e biologista alemão, discípulo c dell"l" esítor de Ernst Haeckel. Ligou a experimentação biológica à biologia teórica f' ofia natural. (N. da ed, alemã) 127 126 Não tivemos razão até aqui, para, além do determinismo morfogenético, aceitarmos também' um determinismo de signi~ca~o. Mas aprendemos alguma coisa de melhor com ~SA eX?enenClas me -Spernann e dos seus discípulos, Estas expenencias foram executadas pelo método de enxertia, elaborado I.'0r .Spem~n~; que consiste em tirar a um embrião, no seu p.nme~ro estádio de gástrula, uma pequena fracção da camada exteno.r e Implantar, no seu lugar uma fracção idênticà de outro embrião. Verifica-se então que o novo enxerto se desenvolve, não de acordo com a sua origem mas segundo o lugar onde se enxertou. Com efeito a estrutura do enxerto, que foi transplantado para. a região ce~ebral e que, normalmente, se teria t:ansformado em epiderme, transforma-se agora em cérebro .e vI~e-versa. , O determinismo morfogenético segue as directrizes dum plano que já é reconhecível no est:àdio de gástrula. Neste e~tádi.o, é possívelenxertar pedaços de tecido de embriões de espécies diferentes. Esta experiência notável dá também resultado q~aFldo se trocam fragmentos de tecido de embriões de outra esp~Cle. ._ , Interessam-nos aqui, em especial, as enxertias na regiao oral dos girinos de, rã e das larvas do tritão. , Spemann escreve sobre este assunto: (<Alarva do tritão, ~omo se sabe, tem na' boca verdadeiros dentículos, da mesma ongem e constituição que os dentes de todos o~ vertebrado~; a boca do girino de rã, pelo contrário, é provida de maxI:as e ponta~ córneas que são absolutamente diferentes, quanto a forma e a constituição, aos dentes verdadeiros. . . . Ora resolveu-se fazer uma enxertia de tecido dum glrmo de rã na região oral da larva do tritão. . , ,«Num caso»- prossegue Spemann (1) - «em que o enxer~o cobria toda a região oral surgiu, exactamente no lugar próprio, uma típica boca' de girino de rã, com maxilas córneas, armadas de ~ontas córneas. Noutro caso, porventura aind~ mais interessante, metade da boca desenvolveu-se, sem alteraçoes, numa boca de tritão com dentículos verdadeiros.» D~í conclui Spemann: «Duma maneira geral, já podemos afirmar afoitamente, acerca do estímulo indutor, que, qu~nto àquilo que sucede, deve ser de natureza perfeitamente especI~ca mas quanto ao modo como sucede, deve ser de natureza perfeI.tamente geral. Tudo se passa como se, em sentido figurado, a deixa {Il Hans Spemann {186g-I04Il, zoólogo, prémio Nobel de Medicina. (N •• d. alemIJ) fosse entendida no significado perfeitamente genenco de «armadura bucal» e esta fosse então fornecida pela ectoderme, na realização dum plano já contido na hereditariedade da sua espécie. Haveria, por certo, grande 'surpresa num 'teatro se, durante uma representação do Guilherme TeU, na cena de Küssnachi, o intérprete de TeU fosse substituído pelo intérprete do Hamlst e este, à deixa «monólogo», começasse, não com as palavras. «Aqui executarei o meu plano. A ocasião é favoráveb>, mas com o conhecido «Ser ou não ser, eis a questão». Seria, do mesmo modo, grande surpresa, se um animal carnívoro, que é constituído para cravar os dentes aguçados na presa estrebuchante, possuísse boca de herbívoro, com pala tino córneo, próprio apenas, para arrancar as partes brandas das plantas. Como é tal permuta possível? Não esqueçamos que o tecido celular implantado representa um carrilhão vivo, em que os sons de cada sino, estavam antecipadamente introduzidos na melodia «boca de herbívoro», quando receberam a determinação do significado «boca». Donde se conclui que determinismn de significado e determinismo morfogenético não são a mesma coisa.' No desenvolvimento normal, o material celuIarque era, primitivamente, da mesma natureza, articula-se em esboços, que recebem o seu deterrninismn de significado consoante o plano original-pois que o organismo se compõe de utilizadores de significado. Só então a melodia específica dos esboços começa a soar e constitui a forma dos utilizadores de significado. Se trocarmos os esboços de diferentes espécies animais, cada um deles recebe, na sua nova posição, um determinismo de significado correspondente ao lugar que tem no plano de organização: «torna-te boca, olho, ouvido, etc.». O esboço transplantado obedece ao determinismo de significado do hospedeiro, e mesmo que fosse enxertado noutro lugar, dentro do corpo maternal, teria recebido outro determinismo de ignificado, correspondente à sua nova posição. Mas, neste llltimo caso, segue a melodia morfogenética materna e torna-se, na verdade, boca mas boca de girino de rã e não boca de tritão. Como resultado final temos uma 'deformidade, pois um animal rnívoro com boca de herbívoro é um absurdo. Nós ficamos tão desorientados com esta deformidade que ulta do desacerto entre o determinismo de significado; de arácter geral, e o determinismo morfogenético, porque essa 128 129 desarmonia não nos é familiar na nossa vida corrente. Ninguém se lembraria de encomendar, duma maneira imprecisa, numa marcenaria, «um móvelql,leservisse de, assento», pois correria o "risco de lhe trazerem, para a sala, um banco, para mungir vacas no estábulo ou, para o estábulo, uma poltrona. Mas aqui, estamos em presença dum fenômeno natural, em que se ordena, duma maneira perfeitamente geral, um «dispositivo para comer», a um tecido celular heterogéneo, cujo significado ainda não está determinado e se vê depois surgir um dispositivo para comer absolutamente inadequado. , Todo aquele que, por exemplo, já tenha reflectido nas razões por que os peixes achatados, como as raias e as solhas, cujas condições de vida se assemelham tanto, são construídas segundo princípios totalmente diferentes, terá de admitir que a determinação do significado não coincide com a determinação morfogenética. fim é igual mas o meio é diferente. As raias são achatadas do dorso para o ventre e os olhos ficam, assim, na parte superior. As solhas são achatadas lateralmente, daí resultando que um dos lados toma a função do dorso. Desse modo, um dos olhos ficaria na parte inferior, onde não teria função; desloca-se, porém, devido a uma torção da cabeça que lhe permite também ficar a ver na parte superior. meios morfológicos usados para permitir que os diferentes animais possam subir por uma parede lisa são variadíssimos, embora conduzam todos ao mesmo fim: utilizar como caminho o objecto significante-a parede lisa. As moscas domésticas têm, nas plantas das patas, membranas marginais que, espalmando-se durante a marcha, com o peso do corpo, formam ventosas que fixam as moscas aos vidros das janelas: As lagartas das borboletas movem-se, como as sanguessugas com auxílio de duas ventosas e os caracóis arrastam-se, sempre colados, indiferentes â inclinação da pista. Em todos os casos, a função é a mesma e só difere inteiramente o modo de a exercer. exemplo mais flagrante deste facto fornecem-no-Io as pinças venenosas dos ouriços-do-mar de espinhos curtos que têm todas a mesma função: atacar com" as suas pinças venenosas o objecto significante «inimigo», seja ele uma estrela-do mar ou qualquer molusco secretor de ácidos, Em todos eles, o inimigo caracteriza-se pOJ', ao aproximar-se, emitir um estímulo de natureza química e depois, ao estabelecer contacto, um estímulo mecânico, Pela acção do estímulo químico, a as a 130 abrem-se as pinças venenosas dos oc:ariços-do-mar de todas as espécies; pela acção do segundo-o estí.-nulo mecânico-fecham-se e expelem o seu veneno. Todas as' espécies de ouriço-do-ma:r (com excepção de uma) resolvem este .problema por, meio durrs reflexo em que, ao abrirem-se, estendem um tentáculo ao inirnígo. Logo que o inimigo toca este tentáculo, dá-se a captura a~tornàticamente. Só uma espécie de ouriço-do-mar procede de outro modo. Ao abrirem-se, as três pontas da pinça retroflectem-se tanto, que ficam tensas como o arco duma besta e não precisam, portanto, de nenhum reflexo para se fecharem abruptamente à mais pequena pressão. Ambos os processos, afinal, conduzem ao mesmo fim, pois em qualquer deles o objecto significa nte «inimigo» é assaltado e envenenado pelo órgão utilizador do significado. A determinação de significado é sempre a mesma, só muda radicalmente a determinação morfogerrética. A magnífica descoberta de Spemann encontra confirmação em todos os casos em que acções semelhantes, praticadas pelos animais, são executadas por processos diferentes e pode servir ainda para uma melhor compreensão da diferença fundamental entre a construção dum mecanismo e a estruturação dum organismo. mecanismo duma máquina qualquer, digamos, dum relógio de algibeira, é sempre constituído «centripetamente», quer dizer, as peças do relógio-os ponteiros, a corda, as rodas-têm de ser aprontadas primeiro, individualmente, antes que sejam ligadas a uma peça central. A estruturação dum animal, pelo contrário, faz-se sempre «centrifugamente», a partir do germe, que assume primeiro a forma de gástrula e continua depois a adicionar novos esboços de órgãos. Em ambos os casos, há um plano que preside à transformação: o plano do relógio dirige um fenômeno centrípeto, o plano do tritão dirige' fenômeno centrífugo. Segundo parece, as partes ajustam-se umas às outras, de harmonia com princípios diametralmente opostos. Como, porém, todos nós sabemos-embora com muita facilidade o esqueçamos também-o organismo, ao contrário de todos os-mecanismos, não consiste de peças, mas de órgãos e um 6rgão,é sempre uma, estrutura, formada de células vivas, todas com o seu teor individual. órgão, como um todo, possui o seu a um a 131 teor orgamco, que é o seu teor significante. É este teor orgânico que dirige, como se pode concluir das afirmações de Spemann, os teores particulares das células do órgão-semelhantemente ao plano significante do bolor-viscoso de Arnt, que le."a .células amibóides a construírem o corpo do bolor. O teor ·sIgmfica~te estabelece-se subitamente e liberta a determinação morfogenétlca nos teores individuais dos elementos celulares, até então semelhantes, que agora se dividem em vários teores harmonizados uns com. os outros e dão início à constituição da forma, segundo uma melodia prêviamente estabelecida. , _ Com a experiência de Spemann, aprendemos que os orgaos do organismo, ao contrário de o que sucede com as partes duma máquina, possuem um teor significante original e q,-;e, porta~t?, não podem constituir-se senão centrifugamente. E necessano que se passem as três fases do desenvolvimento do germe, para ~ue comece a formação dos esboços e cada esboço deve ~e: recebIdo o seu teor orgânico, antes que as suas células se dIVldam e se transformem. À custa dos teores orgânicos constitui-se, finalmente, o teor vital do animal completo. O animal é, na verdade, mais ~o :que o seu mecanismo material, construído pela células orgamcas, de harmonia com a determinação morfogenética. Quando se extingue o teor vital, o animal morre. O mecanismo material pode continuar a funcionar durante mais algum tempo, graças à sobrevivência de alguns órgãos. É evidente que a concepção geral da Natureza com base no significado exige uma investigação rigorosa. No entant~, o cére~ro, que deve possuir um teor de pensar, não nos pode serv~r de mUlt~. Mas também aqui o significado lança a ponte que liga os fen~meROS materiais e imateriais, tal como já o fizera entre a partitura e a melodia. 4. A INTERPRETAÇÃO DA TEIA DE ARANHA Quando quero mandar fazer um fato, dirijo-me ao. alfaia:e, que me tira as medidas e exprime em centímetros as dImen~oes mais importantes do meu corpo. Feito isto, transporta as medidas para um papel ou, se está bem seguro do seu ofício, d~rectamente para a fazenda, que ele agora talha conforme os numeros que tomou. Depois, cose as partes cortadas da fazenda e, após a prova, 132 entrega finalmente 'o fato, que traduz o retrato mais 0\1 IJl('II()~ perfeito das formas do meu corpo. Muito suspreendido ficaria.rse um alfaiate me fizesse um f: to que assentasse bem, sem previamente me ter tirado medidas e feito a prova. Poderia, contudo, admitir que ele tivesse consegui lu as medidas exactas no seu próprio corpo, visto que todos os corj ON humanos, de certo modo, se assemelham. Por isso podem também usar-se fatos feitos, que reproduzem, em vários tamanhos, as proporções humanas normais. Assirn, cada loja de fanqueiro apresenta uma galeria de modelos vazios do corpo humano. Nem todas estas condições preliminares se aplicam aranha e, todavia, ela consegue oferecer, na sua rede, um padrão vazi , eficiente, duma mosca. Ela utiliza-o, não no interesse da mos a, mas com o fim de a destruir. A teia de aranha funciona como utilizador do significado do objecto significante «vítima» 110 mundo-próprio da aranha. Este utilizador de significado é tão rigorosamente adequado ao objecto significante, que nós podemos descrever a teia da aranha como réplica fiel da mosca. A aranha-alfaiate, que cria esta réplica fiel da mosca, está privada de todos os meios auxiliares de que o alfaiate de homens dispõe. Não pode tomar medidas no próprio corpo, que possui formas totalmente diferentes das do corpo da mosca. Apesar disso, determina as dimensões das malhas segundo as dimensões do corpo desta. Calcula a capacidade de resistência dos fios, que tece segundo a força viva do corpo da mosca em movimento. Retesa mais os fios da rede do que os fios circulares, para que a presa no embate, seja envolvida por estes, mais elásticos, e fique imobilizada nas suas gotinhas viscosas. Os fios radiais não são tão glutinosos e servem à aranha como trajecto mais curto para chegar junto da vítima aprisionada, que então é envolvida e reduzida à impotência. As teias de aranha encontram-se, as mais das vezes, em lugar 'S que podemos designar por lugares de trânsito das moscas. O mais extraordinário é que os fios da teia são tecidos tão finos, que os olhos da mosca, com os seus imperfeitos elementos visuais, não podem distinguir a rede e o insecto voa inadvertidamente para a morte, exactamente como nós, desprevenidos, bebeos a água infestada de bacilos da cólera, invisíveis aos nossos olhos. â 183 Já é um modelo requintado da mosca o que a aranha esboça na sua teia . . .Mas alto lá! Não~,na,da:,çlis&o o-que ela-realmente faz .. Na verdade, ela c~nstrói a -sua-teia-antes-de ter encontrado qualquer mosca; logov-a teia .não pode', ser- 0, retrato de lima mosca real.: Ela apresenta, pelo contrário, o desenho de um modelo de mosca que não existe em parte nenhuma. «Ora vamos»-já eu estou ouvindo os mecanistas clamar. -;<Aqui a doutrina ciosI]1undoscpróprios denuncia-se como teoria metafísica, pois é metafísico todo aquele que procura os factores actuantes para além do mundo material». Pois bem .. Mas nesse caso, logo depois da teologia, é a física moderna a mais pura das metafísicas. Eddington (1) declara abertamente que possui duas secretárias: uma que utiliza normalmente e que pertence ao seu mundo dos sentidos; outra; uma secretária física, cuja substância constitui' apenas a bilionésima parte da secretária material, pois não é, de modo .nenhum, feita de madeira, mas de um número imensamente grande de elementos pe,queníssimos, dos quais se não sabe ao certo se são partículas ou movimentos e que circulam à volta uns dos outros com inconcebível velocidade. Estes elementos não são substâncias mas as suas actividades simulam, no mundo dos sentidos, a existência de substâncias. Eles prosseguem na sua agitação numa extensão espaço-tempo tetradimensional, que deve possuir uma curvatura eé simultâneamente infinita e limitada. A biologia não. reivindica uma metafísica tão audaciosa. Pretende apenas aludir a factores que existem no sujeito, deste lado da aparência sensorial e que hão-de servir para tornar intelegíveis as conexões do mundo dos sentidos. Não pensa, de modo algum, em revolucionar o mundo dos sentidos, como a nova física se esforça por fazer. A biologia parte do facto da formação dos germes, segundo um plano, que começa em todos os animais multicelulares com os três compassos de uma simples melodia: mórula, blástula, gástrula. Depois, como sabemos, vem a formação dos esboços dos órgãos que é, em cada espécie animal, previamente determinada. Este facto mostra-nos que a sequência morfogenética não é, (I) Sir Arthú'r Stanley Eddington (1882-1944), astrônomo e físico inglês, adepto e pioneiro da teoria da relatividade. (N, da ed, alemã) na verdade, reconhecível pelos sentidos mas que possui uma partitura em harmonia com o mundo sensorial. A mesma partitura "dirige também :o 'crescimento espacial e -ternporal do seu equipamento celular; assimccomoias suas propriedades; Existe, pois, lima partitura inicial para a<mosca, tal' comó existe uma partitura inicial para a aranha. Ora eu afirmo que a partitura inicial da mosca (que também podemos designar por protótipo) actua na partitura inicial da aranha, de modo que a teia teci da por esta resulta «própria para capturar moscas». Oculta sob a cortina das aparências, realiza-se a conexão dos vários protótipos ou melodias iniciais, segundo um vasto plano significante. No caso particular, basta procurar os utilizadores correspondentes aos objectos significantes, para obter uma visão da contextura dos mundos-próprios. A estrela orientadora pela qual a biologia se tem guiado é o significado e não a insuficiente lei de causalidade, que não consegue ver mais do que um passo para diante ou para trás e deixa inteiramente ocultas as grandes correlações. Quem pede aos naturalistas investigadores que sigam uma nova linha directiva, não se obriga só a convencê-los de que essa orientação abre novos caminhos, capazes de levarem o nosso conhecimento mais longe do que os actuais. Deve também indicar-lhes os problemas que ainda não encontraram solução e que só com auxílio dessa nova linha directiva poderão ser resolvidos. A um desses problemas se referiu o grande mestre da biologia dos insectos, Jules Fabre. A pequena fêmea do gorgulho-da-ervilha põe os ovos sobre as vagens da ervilha nova. As larvas que daí resultam perfuram a parede da vagem e introduzem-se na ervilha, ainda tenra. A larva que se aninhou mais perto do ponto central da ervilha é a que cresce mais ràpidamente. As outras que, com ela, ali se introduziram, em breve renunciam à competição, deixam de se alimentar e morrem. A única sobrevivente mina, primeiro, o' centro do grão mas abre, depois, um túnel até à superfície superior da ervilha e, à saída dele, faz uma incisão circular no tegumento, de modo a ábrir uma porta. Em seguida, a larva arrasta-se novamente para a sua câmara de alimentação e continua a crescer, até que a ervilha, depois de ter atingido o tamanho definitivo, endurece. Este endurecimento seria fatal para o novo escaravelho, resultante da larva, pois a ervilha endurecida forma à sua volta uma camada protectora que, por outro 18~ lado, se converteria. em sepul tura, se a larva. não se tivesse encarregado de abrir o túnel e a porta, . .' • . de tenta. '. . ão rsode intervir qualquer e~penel1ela. . Neste caso, nae P. .. d Seria frustrada qual. t itida pelosantepassa os. tiva e erro, ransrmtn '. ..d id Não' o dispo. . . ara sair da ervilha en ureCl a. '. . quer· tentativa p '., .. .. I ente no plano mOIsitivo túnel-porta deve Ja existir, oIl~ma: D~ve ter-se dado, é . d cada larva em crescimen . fogen nco e . _ d . nificado do protótipo do gorgulhoortanto Uma transrrnssao e Slg or p .' -da-ervilha, de mo d o a est a belecer um ajustamento entre o g .gulho e a erv~ha. I I' do túnel e da saída, que são necessáA construçao, pe a alva, . os o aniquilamento deste. . , id d gulho é em muitos cas , nos a VI a o gor '. tilizando o seu fino C efeito' há um pequeno icneumon que, u 'I om, . _ mortal a porta e o tune, para aguilhão. ataca comI pr:C1::~efes~ do gorgulho-da-ervilha. Deste introduzir o ovo na arv I de icnêumon que vai devorando, . uma pequena arva , ovo irrompe trida hospedeira, cresce até se tornar de dentro para fora, ~ sua ndu T do o caminho aberto pela adulto e alcança a liberda e, uti izan A sua Neste vítima.caso, podemos falar de um trio de conexões de significado destas partituras iniciais. 5. LEI MORFOGENÉTICA E LEI DO SIGNIFICADO Não será fácil adaptar as Iidei el~s metafísicas recentemente I .d às dos biólogos actuais. des~v:;uê~cia principal na biologia .mai~ recente exerceu-a a . . (1) de Jacques Loeb ( ). teorra dos troplsmo~ .' '. hecia a acção recíproca L b era um fíSICOmato, que so recon entre o:bjectos e n.ada sabi~ da tfl~ê~~~adeu:m ~~:~~_~~~:;ç~~ fenómenos naturais. Segun o e e, s f' . químicos Um todos os fenómenos ISICOSe . e~e~~ea~~u~:~;:r: outro como o martelo sobre a bigorna ou co~o o }a 'lha no barril de pólvora. A reacção depende. da ener~~ acruel transportada pelo objecto actuante e da energia potencia armazenada no objecto actuado. (I) . TropismoJ-movimentos orientados segun d o leis nas plantas e animais inferiores, J~ como reacções a determinados estímulos, (N. da ed. a/mia) da ed akmã) (a) Biologista germano-americano (1859-19'4). (N. . 136 Nas plantas, a reacção surge COnsoante a forma c a ordcnuç o dos tecidos nos órgãos. Basta que pensemos nas goteiras das folh)~ e: l!-0s.grã?~. de ..amido do..g~~e do tr:igo,: que também pocl m incluir-se no conceito _de energia potencial. .Sem -dúvida, desprezamos, neste caso,~a conformação geral das plantas, a qual d VI' a sua constituição à acção, segundo um plano, dos impulsos ele sujeitos .celulares vivos. Nas plantas, não há, evidentemente, órgãos de sentidos nem nervos, de modo que toda a sua existência parece deçorrer num mundo-de-acção. A teoria de Loeb consistia em também reconhecer no mundo animal apenas o mundo-de-acção, ignorando o mundo-de-per_ cepção. Isto passava-se devido a uma simples habilidade. Por muito complicado que se apresente o comportamento de um animal, este acabará sempre por se aproximar ou por se afastar do objecto actuante. Esta COmponente espacial, tão simples, de todo o comportamento interpretou-a Loeb como o próprio comportamento e dividiu, assim, todos os Comportamentos em actos de aproximação e actos de afastamento. Em lugar dos comportamentos, surgiram então os tropismos, por meio dos quais Loeb transformou todos os sujeitos animais vivos em máquinas inertes que se devem também explicar espacialmente. Até o magneto simples, que atrai o ferro, se comporta Como ferrótropo positivo e a agulha magnética como polótropo negativo, relativamente ao positivo. Esta doutrina tornou-se decisiva para a concepção geral do mundo de toda uma geração de biólogos. Quando nos detemos em frente dum prado, onde as flores bundam e as' abelhas zunem em todas as direcções; onde as boroIetas se recreiam e as libélulas fogem, frem~ntes; em cujas ervas á os seus grandes saltos o gafanhoto, os ratos se esgueiram e os acóis rastejam lentamente-insensívelmente fazemos a nós prios esta pergunta: o prado oferecerá aos olhos de tão diversos . ais o mesmo aspecto que apresenta aos nossos? A esta pergunta responderá quem for ingénuo, sem hesitação: videntemente, é sempre o mesmo o prado que todos vêem!» Responderá, porém, de modo totalmente diverso o adepto victo de Loeb, Como todos os animais são simples mecanismos, dirigidos por ões físicas ou químicas, o prado consiste num entrelaçamento ondas de' éter e vibrações de àr,' nuvens de s~bstâ~ciá súbtil- de 137i mente dividida e de contactos mecânicos: que actuam entre uns e outros objectos. -Contra -arribas as concepções do prado, mtiridos-pl-óp~iõs,:pois,parâ salienta~Um que 'suga o néctar não vê6 prado com _ . ergue-se a d~utrma dos só exemplo, a abelh~ olhos humanos nem e insensível como uma máquina. .' As cores são ondas de éter captadas pelos sentidos, quer dizer, não são' excitações eléctricas das células do nosso cérebro, mas os teores individuais deitas mesmas células. A prova disto dá-no-Ia a fisiologia dos sentidos. Nó.s sabe~os, desde Goethe e Hering (1) que as cores seguem as suas leis própnas, leis que' são totalmente diferentes das leis físicas das ondas de éter. As ondas de éter que, por meio dum prisma, são força.das a decompor-se segundo o seu comprimento de onda, constituem então uma espécie de escada, por ordem decrescente da largura dos seus degraus. Os degraus mais curtos encontram-se numa extremidade' da escada, enquanto os mais largos ficam na extremidade oposta. _ Nesta escala a nossa vista separa uma curta secçao que as nossas células ~erebrais transformam numa faixa, constit~ída pelas sensações das cores que nós distinguimos. Nesta faixa, as cores simples seguem-se uma após outra: vermel~o-amarelo-verde-azul, com as cores mistas que entre elas se mterc~lam. Ao contrário da escala das ondas 'de éter, de estrutura.lmear, o espectro das cores forma, em si, um círculo fechado, pOISa c~r mista entre o vermelho e o azul-o violeta-une as duas extremIdades do espectro. , . Aliás, o espectro das cores apresenta particularidades notáveis de observância à lei, que faltam na escala das ondas de éter. Assim, as cores contíguas no espectro não se misturam, produzem a impressão de branco. , Estas cores complementares não se evocam reCIprocamente, como não é raro acontecer com as sensações opostas, facto que contradiz todas as experiências mecânicas. Nas cores, como dissemos, não se tratá de acções materiais mútuas das célula~ c~r~braísvivas, mas de relações de sensibilidade dos seus .tons indivíduais que, todavia, são igualmente fix~dos segu~do leis. . ., Assim como as cores são as energIas espeCIficas (tons indivi. (I) Ewald Hering (I834~I9I8). fisiolog~ta alemão que se dedicou em particular ao sentido espacial da visão e à percepção das cores. (N. da ed, alema) 138 duais) das células cerebrais que estão sob a influência do Ól'g< o da visão, o qual, por sua vez, .selecciona as ondas de éter e as envia ao cérebro, transformadas em excitações nervosas, assim também os .sons .são as energias específicas.das .células cerebrais, que estão .sob a influência do ouvido, que capta certas vibrações do ar. .. \ As leis dos sons estão submetidas à teoria da música. As consonâncias, dissonâncias, oitavas, quartas, quintas, devem todas a sua existência às sensações sonoras e não têm materialidade. Tentemos reconduzir a' sequência dos sons duma melodia. à lei da causalidade, que é válida para todos os fenômenos materiais. Os nossos órgãos dos sentidos-os olhos, os ouvidos o nariz o palato e a pele-são construídos segundo o princípio' da caix~ de fósforos sueca, cujos fósforos só respondem a determinadas acções do mundo exterior. Estas acções produzem, nos nervos, ondas de excitação que são conduzidas ao cérebro. Até aqui, tudo se passa mecânicamente, segundo a lei da causa e do efeito. Mas no cérebro encontra-se a face interior dos órgãos dos sentidos, com a forma dum carrilhão vivo, cujas células individuais-os sinos -tocam com diferentes sons individuais. ' Em que medida existe também este género de estrutura' nos animais? Da analogia da parte mecânica dos órgãos dos sentidos ninguém duvida. São por isso designados órgãos-de-recepção. Mas quanto à face interior? Embora não conheçamos as sensações dos nossos semelhantes, não. duvidamos, no entanto, de que, por meio dos olhos, eles recebem sinais visuais a que chamamos cores e tão-pouco duvidamos de que, por meio dos ouvidos, recebem sinais auditivos a que chamamos sons. Do mesmo modo, atribuímos ao seu nariz a faculdade de despertar sinais olfactivos; ao seu palato, a de despertar sinais gustativos e à sua pele a de despertar sinais tácteis, todos eles, sem excepção, constituídos por teores individuais. Nós reunimos todas as impressões dos sentidos-qualitativamente diferentes-sob a designação geral de sinais-perceptivos, que, .projectados no .exterior, são transformados em notas-características das coisas. Vejamos agora: aparecem também entre os animais, na excitação dos seus órgãos-de-recepção, os sinais correspondentes às energias sensoriais específicas das suas células dos centros cerebrais, sinais-perceptivos que eles igualmente trasladam e utilizam 139 como notas-características, na construção' das propriedades de todas ,as coisas que intervém no seu cenário da vida? , ' ", Os mecanistas puros negam esta hipótese e sustentam que os órgãos dos animais não possuem face interior e servem apenas para' pôr em comunicação os diferentes estímulos do mundo exterior, consoante a sua natureza específica, com as partes correspondentes do cérebro. , São os órgãos dos sentidos a expressão de vários ciclos sensoriais ou, como órgãos de recepção, serão apenas a' expressão de várias espécies de acção físico-química do mundo exterior? O órgão da visão foi construído pelas ondas de éter ou pelas cores? O da audição foi construído pelas vibrações do ar, ou pelos sons? É o órgão do olfacto um produto do ar saturado ,em certas .pr~porções, de gases e partículas olfactivas ou Um pro.duto ,dos sm.alS olfactivos do sujeito? O órgão do gosto deve a sua origem a substancia química dissolvida em água ou aos sinais gustativos do sujeito? Os órgãos receptores dos animais são produtos da face corpórea exterior ou da face sensível, incorpórea e interior? Como os órgãos dos sentidos, no homem, representam órgãos que ligam a face exterior à interior, é possível que, também nos animais, tenham de exercer a mesma função e que, portanto, devam a sua construção tanto à face exterior como à interior. Que os órgãos de recepção dos animais não devem considerar-se apenas como produto da face exterior, provam-no, sem sombra de dúvida, os peixes que, embora só entrem em contacto com substâncias solúveis na água, possuem, não obstante, um nítido órgão de audição, além do órgão do olfacto. As aves, pelo contrário, que teriam as melhores condições para aperfeiçoar ambos os órgãos, não têm o órgão do olfacto. Só quando tivermos reconhecido claramente a função dos órgãos dos sentidos, poderemos compreender a estrutura de todo o organismo. Frente à face exterior" eles servem de crivo às acções físico-químicas do mundo exterior. Só as acções que têm significado para o sujeito serão convertidas em excitações .nervosas. E~tas, ~or seu lado, evocam no cérebro os sinaís-perceptivos da face mterior. Deste modo a face exterior influi também na interior e determina o número de sinais visuais, auditivos, olfactivos, tácteis e gustativos que podem entrar nos ciclos sensoriais do ~espectivo anim_al. Assim se distingue, ao mesmo tempo, o upo de construçao dos mundos-próprios, pois cada sujeito só pode transformar em 140 características do seu mundo-próprio, são postos à sua disposição. os sinais-pcl'ceptivoR qw' Depois de observarmos um grande número de quadr s !lu mesmo pmtor, nós falamos da «sua paleta», significando Com iHNO aquelas cores de que o artista dispunha 'para executar os ~t~IIS quadros. .Esta~ relações tornam-se, porventura, ainda mais clarns, se Imagmarmos que cada célula sensitiva do cérebro faz soar, graças ao seu' teor individual, um determinado sinal perceptívo. Cada um destes sinos vivos está agora ligado, por meio dum corclí O nervoso, à frente exterior e aqui se decide quais os estímul s exteriores que são admitidos ao «toque» e quais os que não são. Os teores individuais dos sinos celulares ligam-se uns aos outros por ritmos e melodias ,e são estes que os fazem SO<;1r no mundo-próprio. Depois das investigações de Mathilde Hertz, podemos admitir que a faixa de cores do espectro, nas abelhas, quando referida mesma escala das ondas' de éter que serviu para o homem, S(' desloca uns degraus para o lado da cor violeta. A face exterior do olho da abelha não se ajusta perfeitamente à do homem, ao passo que as duas faces interiores parecem corresponder-se. Acerca do significado deste desvio, não se foi, até agora, 'além de meras hipóteses. Não deixa dúvidas, pelo contrário, o significado da pal 'ta de perc~pçõ~s, nas borboletas nocturnas. Como Eggers mostro 11 , estes animars possuem, no seu órgão de audição, apenas dois filetes retesados, como ressonadores. Com este dispositivo, é-Ih('s possível r~conhe~er. vibrações do ar que representam, para o nosso OuVl~O,o Iimite superior da audição. Estes sons correspondem ao «pIO» do morcego, que é 'o principal inimigo das borboletas. Só ?s sons emitidos pelo seu inimigo específico são captados por elas. Afora esses sons, o mundo é, para elas, silencioso. No mundo-próprio dos morcegos o pio serve de sinal de reconhecimento na escuridão. O mesmo som atinge umas vezes o órgão auditivo de UI1I ,tnorcego, outras vezes o de uma borboleta nocturna. Nos dois casos, ~orcego que «pia» aparece como objecto significante, ora como mrgo ora como inimigo, conforme o utilizador de significad ue se lhe depara. Como a paleta de percepções d~ morcego é rica, Q som agudo ptado é apenas um entre muitos. Mas .a paleta da borbole: ti 141 nocturna é muito limitada e no seu mundo-próprio existe apenas um teor-o teor de inimigo. O «pio» do morcego é um produto simples do morcego, a teia de aranha é um produto muito engenhoso da aranha. Mas em ambos existe alguma coisa de comum. Nenhum deles é moldado sobre uma forma individual determinada, materialmente presente, mas sobre a estrutura comum a todos os animais da mesma espécie. Como se realiza então, na estrutura da borboleta, um dispositivo para captar os sons emitidos pelo morcego? A lei morfogenética das borboletas já implica a determinação de construir um órgão auditivo adequado ao pio dos morcegos. Não pod~ restar dúvida de que é esta a lei do significado que actua na Iei morfogenétiea, de medo que ao portador do significado corresponda o seu utilizador e vice-versa. A lei morfogenética, como vimos, dota o girino de rã, que é herbívoro de uma boca com maxilares córneos e o tritão, que é carnívoro: de uma boca com verdadeiros dentes. A lei do significado intervém sempre na formação do germe de modo determinante e promove a urdidura de um órgão da nutrição que, no lugar conveniente, se desenvolve em correspondência com o conveniente objecto portador do significado: o alimento veget~l ou animal. Se, todavia, a lei morfogenética é orientada num carmnho falso, por meio de. uma enxertia, não há lei de significado que a faça recuar. Assim não é a própria morfogénese que é influenciada pelo significado: a lei morfogenética-e só ela-é que fica na integral dependência da lei do significado. 6. A LEI DO SIGNIFICADO COMO ELO DE LIGAÇÃO ENTRE DUAS LEIS ELEMENTARES Quando, num passeio pela floresta, apanhamos uma glande que caíu de um frondoso carvalho e escapou, talvez,_a algum esquilo, nós sabemos que deste germe vegetal res~tarao células de diferentes tecidos que formarão, em parte, o raiz ame subterrâneo e em parte o tronco, com a sua copa, segundo uma lei morfogenética característica do carvalho. Sabemos que na glande se oculta o esboço dos órgãos que permitirão ao carvalho travar a luta pela vida contra centenas de acções do mundo exterior. Mentalmente, nós vemos o futuro carvalho defrontando a futura chuva, a futura. tempestade, o futuro sol. Vemo-Io sobreviver a futuros verões e· a futuros Invernos. Para se desonvolverem sob todas as influências· do mundo exterior, as vicejantes células do carvalho têm de diferencia;-se na raiz, no caule e na copa, que intercepta os raios do sol e cujas folhas, ténues como bandeiras, se inclinam ao vento, a que os ramos nodosos oferecem resistência. Ao mesmo tempo,. a copa serve de guarda-chuva, que encaminha para as finas extremidad~s da raiz, debaixo da terra, a preciosahumidade do céu ..As folhas contêm a clorofila, substância maravilhosa, que utiliza os raios solares para transformar energia em matéria. A copa desaparece no inverno, quando o solo gelado impede as raízes de fazerem subir até às folhas a correntefluidasaturada dos sais da terra. Nenhuma destas futuras acções sobre o futuro carvalho é capaz de, sob o ponto de vista causal, influenciar a morfogénese do carvalho. Igualmente inoperantes são, também, outras acções semelhantes do mundo exterior antes exercidas so?r? a árvore-mãe, pois nessa altura ainda a glande não existia. Assim, em presença da glande, nós deparamos com o mesmo enigma que já tínhamos encontrado, ao observar o germe de qualquer planta ou o ovo de qualquer animal. Em caso nenhum podemos falar de um encadeamento causal de acções exteriores sobre um objecto, na pré-exist~ncia ou post-existência deste. Só é possível considerar uma conexão causal, quando causa e efeito concorrem, temporal e espacialmente. Também não é de prever a solução do problema ,quando ela se proc,ura nas circunstâncias mais remotas. Uma glande apresenta a nossa compreensão, desde há um milhão de anos as mesmas dificuldades que apresentará daqui a cem mil anos. . t;aí se conclui que tínhamos caído num beco.sem saída,.ql,lando Julgavamos poder estabelecer, por meio de construções engenhoIas, ~ma cadeia causal entre o embrião da gÍande e as acções tenores de natureza físico-química. Com efeito, não estamos ~ui em prese~ça ~e um problema susceptível de solução mecâ~ ca, a que a história genealógica possa fornecer a chave. Temos, portanto, de. abordar oproblelTIa. p~r. outro o. 142 :1;43 Se nós, como observadores humanos da 'situação do carvalho, examinarmos as acções do mundo exterior sobre ele, logo descobriremos que elas estão submetidas a uma lei natural de' carácter geral. O sol, a lua e as estrelas seguem, no céu, caminhos fixos sobre o carvalho. Sob a influência deles, sucedem-se as estações do ano. Calmarias, tempestades, a chuva e a neve alternam-se no decorrer das estações. O ar, que se tinha impregnado dos aromas da Primavera, em breve exala os cheiros ares do Outono. Em cada Primavera, a floresta ressoa com o canto das aves. O próprio carvalho oferece, na copa, como na casca, asilo infinitamente variado às centenas de animais (aves e outros) que a ele se acolhem, no Verão e no Inverno. A esta lei 'natural, tão velha como Noé, também o carvalho está submetido, embora muitos dos factores naturais que nos são familiares não o penetrem. A lua, as estrelas, e a esfera solar não se encontrarão no número dos factores significantes que formam o revestimento protector do carvalho mas, por outro lado, certos raios luminosos quimicamente activos chegam até à elorofila das folhas e certos raios caloríficos promovem, pelá sua acção sobre os novos rebentos, o seu crescimento, A queda das gotas de chuva é convenientemente, desviada e a tempestade' encontra, da parte dele, a mais desesperada resistência. Nem os aromas, nem as ondas sonoras, todavia, têm qualquer influência sobre o carvalho. É sempre a mesma lei do significado que, hoje como há milhões de anos, realiza a selecção dos factores naturais elementares e os faz soar, em melodia própria, no carrilhão vivo das células do carvalho e, por fim, faz surgir das células protoplásmicas do germe os órgãos respectivos. Graças ao filme de Arndt, não temos de limitar-nos a meras hipóteses. Podemos observar como, das primeiras células gerrninais, resultam, por divisão, numerosas células amibóides independentes que, à semelhança das suas irmãs livres, se apropriam, como sujeitos autónomos, dos alimentos que se lhes apresentam. Só 'depois de esgotados os alimentos, se 'estabelece a formação de um novo indivíduo. As células amibóides que se agruparam para formarem um novo indivíduo homogéneo, um novo sujeito, deixam de ser adequadas ao objecto portador do significado «alimento», passando a sê-Io ao factor significante «vento», para ,enfrentar o qual se desenvolveram. O carrilhão do estádio arni1414 .bóide, que se manifesta por um soar desordenado das células-sinos segue subitame~te uma melodia una, uma nova lei de significado: que reune as leis elementares do vento, por um lado, e as da livre formação de células, por outro, conduzindo assim a uma nova unidade subjectiva. . Nunca será possível produzir um bolor-viscoso pela acção directa da pressão do vento, por muito rigorosamente doseada que seja, sobre as células amibóides móveis. Ao contrário do bolor-viscoso, que une as suas células pretoplásmicas móveis num só talo que, por sua vez, depois da constituição completa da sua forma, representa, um indivíduo, constituído por um único sujeito orgânico, a glande desenvolve numerosos bO,tõe~,cada um dos quais dá origem a um sujeito orgânico, que esta ajustado a um ou mais factores significantes-e, deste modo, a folha do carvalho não serve apenas de goteira para a chuva mas também de receptor dos raios luminosos, graças às suas células clorofilinas. Todos os sujeitos orgânicos, com as suas melodias orgâ.nicas, se integram na sinfonia do organismo «carvalho», sinfonia que podemos também designar por protótipo do carvalho. O processo da subjectivação sublimada, de teor celular em melodia do órgão, em melodia do organismo, está em directa oposição com todo o processo mecânico, que postula a acção de objecto sobre objecto. Ele encontra-se, pelo contrário, no mesmo nível de qualquer composição musical. A relação de factores significantes, nas plantas, e de objectos significantes, nos animais, para com os respectivos utilizadores de significado, constitui prova particularmente clara de o que se afirma. Assim como na composição de um dueto, as duas partes têm de ser compostas uma para a' outra, nota por nota, ponto por ponto, assim também na Natureza os factores significantes devem estar para os utilizadores numa relação de contraponto. Só poderemos compreender melhor a constituicão da forma do organismo se, a partir dela, nos for possível construir uma doutrina da composição da Natureza. 7· A DOUTRINA DA «COMPOSIÇÃO» DA NATUREZA A expressão «doutrina da composição da Natureza» pode induzir em erro, visto que, de uma maneira geral, a Natureza não 10 - A. H. 145 oferece doutrinas. Assim, por doutrina, deve apenas entender-se uma generalização das regras que julgamos descobrir no 'estudo da composição da Natureza. Está, portanto, indicado que partamos de exemplos particulares e que estabeleçamos as suas leis para, deste modo, chegarmos a uma doutrina da composição da Natureza. Como modelo, podem servir-nos as regras da composição musical, que parte do princípio de que são necessários, pelo menos, dois sons para formar uma harmonia. Na composição de um dueto, as duas partes que se devem fundir numa harmonia são compostas nota por nota, ponto por ponto, uma para a outra. Nisso se baseia a teoria do contraponto, na música. Em todos os exemplos extraídos da Natureza temos, igualmente, de procurar dois factores que, juntos, constituam uma unidade. Portanto, partimos sempre de um sujeito, situado no seu mundo-próprio e examinamos as suas relações harmónicas com os objectos particulares que, como objectos significantes, convergem no sujeito. O organismo do sujeito representa o utilizador do significado ou, pelo menos, o seu receptor. Se estes dois factores se reunem no mesmo significado é porque foram compostos simultâneamente pela Natureza. Saber que leis aí se revelam, eis o assunto da doutrina da composição da Natureza. Sempre que dois organismos se encontram, um para o outro, numa relação harmónica de significado, é necessário averiguar qual dos dois devemos considerar como sujeito ou como utilizador do significado e a qual cabe o papel de portador do significado (objecto significante). Em seguida, procuraremos as propriedades recíprocas que se encontram relacionadas duas a duas, como ponto e contraponto. Se possuirmos, no caso em questão, um conhecimento suficiente dos ciclos-de-função, que ligam o respectivo sujeito com o seu objecto significante e que podem tomar-se como ciclos significantes, encontramo-nos então em condições de procurar os contrapontos, tanto no campo da percepção, como no campo da acção, para, finalmente, concluirmos acerca da lei do significado específica que presidiu à composição. Para me referir ao exemplo, já citado, da glande, começo por apresentar a formulação esquemática do problema da composição da glande e um dos seus factores significantes-a chuva. 146 Folhagem do carvalho Receptor de significado Chuva Factor de significado Ponto Contraponto Disposição em forma de telhado das folhas com goteira Gotas de chuva que caem Lei morfogenética da glande Lei comum Lei física da formação das gotas do significado: Captação do fluido e sua distribuição pelas extremidades da raiz A folhagem do carvalho actua mecânicamente na distribuição das gotas de chuva, ao passo que a lei da formação das gotas intervém como compositor na melodia do carrilhão vivo das células do carvalho. Se nos voltarmos para os animais e procurarmos discernir cada um dos ciclos de significado, toparemos no ciclo do habitat relações semelhantes às que encontramos no carvalho e na chuva. Tornemos para primeiro exemplo o polvo gigante, como sujeito, nas suas relações com a água do mar, como objecto significante e imediatamente encontraremos relações do tipo contrapontal. A incompressibilidade da água constitui a condição necessária para a construção de um saco natatório musculoso. Os movimentos compressores do saco actuam mecânicamente sobre a água incompressível e impelem o animal para trás. A lei da constituição da água do mar intervém, como compositor, no carrilhão vivo das células protoplásmicas do embrião do polvo gigante e impõe à melodia morfogenética os contrapontos que correspondem às propriedades da água. Em primeiro lugar, forma-se o órgão, cujas paredes musculosas admitem e expelem a água, incornpressível. A lei do significado, que neste caso liga ponto e contraponto, torna possível o acto de nadar. A mesma lei do significado, sob numerosas variantes, preside à construção da forma de todos os animais nadadores. Nadam para diante, para trás ou para o lado, executam movimentos ondulantes com a cauda, são impelidos através da água pelas barbatanas ou pelas pernas mas sempre as propriedades do organismo se harmonizam com as propriedades da água e subsistem como o ponto para o contraponto. Em todos os casos é reconhecível uma composição orientada no sentido de um significado comum. 147 o mesmo pode dizer-se de todos os varios ciclos do habitat, quer se trate de animais aquáticos, terrestres ou aéreos. Sempre os órgãos efectores, destinados a correr, saltar, trepar, plan~r, voar e velejar, são construídos em contraponto, com as propnedades do respectivo habitat. Com efeito, em muitos insectos, que começam por viver na água e mais tarde vivem no ar, pode:nos verificar com que facilidade, no segundo estádio larvar, a lei da constituição elimina os órgãos velhos e faz surgir os novos. . . Mas também o exame das relações receptivas entre sujerto e habitat confirma o facto. Para cada obstáculo que se levante ao sujeito, existe sempre um órgão sensor~al construido, em contraponto. Quando à luz, é o órgão da VIsta, quando as escuras, o órgão do tacto ou o do ouvido. ., Desde o início, o morcego, tal como a andorinha, esta adaptado, por outros meios, à percepção dos obstáculos que encontra no voo. Mas isso-dir-me-ão-são puras vulgaridades. E, na verdade, são experiências de todos os dias, que podem fazer-se em toda a parte. Mas por que motivo não havemos nós de tirar destas experiências a única conclusão possível-a de que, na Natureza, nada é deixado ao acaso, mas, pelo contrário, em todas as circunstâncias uma lei intrínseca do significado liga o animal e o seu meio, une os dois num dueto, em que as propriedades de ambas as partes são compostas uma para a outra, em contraponto? Só quem negue obstinadamente o significado como facto r natural ousará contestar, no ciclo-de-função do sexo, que macho e fêmea são constituídos, quanto ao significado, um para o outro e sustentar que o dueto de amor que, em mil variações, entrelaça todo o mundo vivo, surgiu independentemente de qualquer plano. No dueto de amor dos animais e das pessoas enfrentam-se dois parceiros equivalentes, um dos quais, no seu mund.o-~róprio, domina como sujeito e intervém como receptor de sIgruficado, enquanto ao outro cabe o papel de portador, de significado, isto é, de objecto significante. _ Tanto os órgãos de percepção como os órgãos de acção estao, nos dois parceiros, coordenados em contraponto. A primeira condição que deve pôr-se numa co~p~sição ~~tural bem sucedida é que o objecto significante se distinga nítidamente no mundo-próprio do receptor de significado. Para isso, podem utilizar-se os mais variados sinais-característicos. Acerca da borboleta nocturna chamada pavão, conta Fabre que a fêmea executa movimentos de vai-vem com o abdómen, de 148 , modo a comprimir contra o solo as glândulas odoríferas. O cheiro que então jorra para o chão é tão activo no mundo-próprio dos machos, que estes acorrem, voando de todos osJados, ao local de onde o cheiro provém, sem serem desviados por outros cheiros, que se perdem, abaixo do limiar de percepção. . O poder de atracção desta nota olfactiva é tão forte que os machos, na sua ânsia de atingirem o solo odoroso-o objecto significante-não modificarão o seu itinerário, ainda que lhe coloquemos no caminho uma fêmea, metida em gaiola de vidro, de modo que seja visível, mas imperceptível pelo cheiro. Infelizmente, não se fez ainda a mesma experiência com cadelas no período do cio; mas é possível que os cães se comportem exactamente como as borboletas machos. Num caso muito interessante relatado por Wunder (1), o parceiro sexual não intervém como objecto significante directo: insere-se, no ciclo do sexo, um segundo objecto significante. O macho da carpa-pequena, peixe de água doce, reveste-se, na época das núpcias, de um brilhante traje nupcial. Isso, porém, não acontece quando avista a fêmea, mas sim quando avista o mexilhão dos tanques e principalin.ente quando sente as correntes de água aspiradas e expelidas por esse mexilhão. Ao mesmo estímulo, a fêmea desdobra o seu longo ovipositor. Enquanto o macho lança o seu esperma na água, a fêmea fixa o ovo fecundado na guelra do mexilhão, onde a larva pode crescer dentro de uma corrente alimentar e protegida de todos os perigos. O significado do trajo nupcial do macho não está relacionado naturalmente com o mexilhão; ele serve, sim, para afugentar as outras carpas. Que nós temos no significado a verdadeira chave para a compreensão das composições naturais da vida sexual, provam-no aqueles exemplos em que o objecto significante em nada se modifica e, todavia, experimenta da parte do sujeito o tratamento oposto, só porque este sujeito se transformou quando recolheu um significado diferente. Ao falar da vida dos escaravelhos, diz Fabre que, ao princípio, machos e fêmeas saem juntos para a caça, mas que depois se unem sexualmente. Concluída a cópula, e embora a conduta dos machos para com as fêmeas não se modifique absolutamente (I) \·v. Wunder (N. da ed. alemã) (* 18g8), zoólogo especialista em ictiologia geral e piscicultura. 149 nada, estas lançam-se com verdadeira fúria devoradora sobre eles e despedaçam-nos, sem que eles, mais fracos; possam evitá-lo. O objecto significante «amigo» transforma-se, no mundo-próprio das fêmeas, no objecto significante «alimento», sem que, no restó, a constituição deste se tenha alterado em qualquer pormenor. É .exactamente o que se passa com a pedra do caminho que, sem se modificar, se despoja, afinal, do seu significado de «elemento do caminho» para se converter em «projéctil» quando varia a disposição íntima do sujeito «homem» que imprime então à pedra um significado diferente. O misterioso comportamento, descrito por Lorenz (1), dos jovens gansos cinzentos, consiste igualmente numa «cunhagem» de significado. O gansozinho cinzento assinala-na expressão do próprio Lorenz-para «companheira maternal», que ele segue constantemente, o primeiro ser vivo que os seus olhos descobrem, ao sair do ovo. Neste caso, o próprio homem fica tendo, para o ganso, o significado de «mãe». «Que aspecto terá, para o ganso, a pessoa assinalada como «mãe»?-eis a questão que principalmente preocupou Lorenz. Não devíamos esquecer, creio eu, que até no mundo-próprio do nosso cachorrinho, não é como «mãe» que nós aparecemos e somos farejados mas sim como portadores do significado «aquilo ou aquele que traz o leite» e isto sem que, por tal motivo, assumamos, para ele, a forma de cão. Von Korff fala de um bufo que tinha chocado dois ovos de pata e tratava os patinhos como se fossem pequenos bufos. Tentara alimentá-Ias, pelo bico, com carne crua, sem resultado, e observava-os durante o dia, pousado num ramo que se estendia por cima do tanque. À noite, regressava com eles para a sua gaiola. Quando outros patinhos se lhes juntavam, eram imediatamente mortos e devorados pelo bufo. Neste caso, os filhos adoptivos do bufo distinguiam-se dos seus semelhantes apenas pelo significado que o bufo lhes atribuia. Ao passo que todos os outros patinhos entravam como portadores do significado «vitima» no mundo-próprio do bufo, os dois qu~ ele tinha chocado desempenhavam o papel de bufozinhos. A amplitude da lei que tem de harmonizar as diferenças entre o portador de significado e o receptor de significado é muito pequena no ciclo sexual ou no da infância, visto que se trata, na maior (1) v. 150 págs. 90 e 91. parte dos casos, de indivíduos da mesma espécie. A observação dos ciclos.de-função «inimigo» e «alimento», pelo contrário, mostra-nos que essa amplitude não conhece limites e que as qualidades das coisas mais remotas podem ser ligadas umas às outras, em contraponto. Já falei da harmonização da lei da constituição do morcego com a lei da constituição das borboletas, por meio da lei do significado. De um lado, temos o morcego, como objecto significante, que só produz um som; do outro lado, a borboleta nocturna, que em virtude do seu órgão auditivo muito especializado, só pode captar um som. Este som é, nos dois animais, o mesmo. A lei do significado, segundo a qual esta correspondência surgiu, reside na relação entre o ataque do inimigo e a defesa da vítima. O som que, como sinal de reconhecimento, se estabelece, passando de morcego para morcego, serve, ao mesmo tempo, às borboletas nocturnas, de sinal para a fuga. No mundo-próprio do morcego, é um sinal de amigo; no da borboleta nooturna é um sinal de inimigo. O mesmo som torna-se, consoante o seu diferente significado, criador de dois órgãos auditivos totalmente diferentes. Gomo o morcego é capaz de ouvir muitos sons, o seu órgão auditivo dispõe de uma ressonância de larga extensão. Mas só pode, por outro lado, produzir este único som. É igualmente interessante seguir a adaptação da carraça ao mamífero pela lei do significado. Carraça Receptor de significado Qualquer mamífero Portador de significado Pontos Contra pontos I. O órgão olfativo está adaptado a um só cheiro - o do ácido butírico. 2. Existe um órgão táctil que permite á carraça evitar os pêlos da sua vítima. 3· Um órgão sensível à temperatura, que faz soar os sinais perceptivos do calor. I. O único cheiro que é comum a todos os mamíferos é o ácido butírico do suor. Todos os mamíferos pêlos. têm 3· Todos os mamíferos pele quente. têm 2. 151 4. Um. ferrão próprio para perfurar a pele de qualquer mamífero e que serve, ao mesmo tempo, de bomba propulsora de fluidos. 4. Todos os mamíferos posbem suem pele branda, irrigada pelo sangue. Lei de significado _geral Reconhecimento da vítima, ataque e absorção do sangue por parte da carraça A carraça põe-se imóvel na ponta de um ramo, até que um mamífero passe por baixo dela. É então despertada pelo cheiro do ácido butírico e deixa-se cair. Fica suspensa no pêlo da sua vítima e tem de abrir caminho através dele, para chegar à pele quente, na qual introduz o ferrão, para absorver o sangue. Não existe nela um órgão do. gosto. A observância desta lei de significado, tão simples, ocupa quase a vida inteira da carraça. ,.' A constituição desta, que é cega e surda, esta delmeada simplesmente no sentido de permitir que no seu mundo-pró~ri~, qualquer mamífero surja sempre como portador do mesmo slgmfica.do. Podemos considerar este como um mamífero extremamente simplificado que não possua nenhuma das propriedades visu~is ou auditivas, pelas quais se distinguem as diferentes espécies .de mamíferos. Este objecto significante da carraça tem um úmco cheiro: o que provém do suor dos mamíferos e é comum a todos. Além disso, é táctil, quente e deixa-se perfurar, de modo que a carraça lhe sugue o sangue. Assim, todos os mamíferos - tão diferenciados entre SI pela forma, pela cor, pelos sons que emitem ou pelo cheiro que exalam) tal como se apresentam no nosso mundo-próprio; podem agora ser reduzidos a um mesmo denominador, cujas características, à aproximação de cada um deles-seja homem, cão, corça ou rato-surgem em contraponto e denunciam a lei vital da carraça. No nosso inundo-próprio-o humano-não existe nenhum mamífero em si próprio, isto é, como objecto real; existe, sim, como abstracção mental, como conceito taxonómico que nunca encontramos na vida. É completamente diferente o que sucede com a carraça: no seu mundo-próprio existe um mamífero composto de poucas 152 propriedades mas perfeitamente real, que corresponde exactamente às necessidades da carraça, pois estas poucas propriedades servem, em contraponto, as suas capacidades. O acomodamento do casa-roubada na concha do búzio, fenómeno que não pode explicar-se como qualquer modificação anatómica por adaptação gradual, parecer-nos-á particularmente e~tranho, enquanto insistirmos na procura de explicações mecâmcas. Mas se abstrairmos dessas tentativas inúteis e nos limitarmos a verificar que o casa-roubada não utiliza a cauda como órgão natatório, como fazem os caranguejos de cauda comprida , mas . sim como órgão de preensão para as conchas de búzio, já a cauda preensora do casa-roubada não parecerá mais enigmática do que a cauda natatória do caranguejo-do-rio. A cauda preensora está tão harmànicamente construída para as conchas do búzio como a cauda natatória para a água. Mathilde Hertz fez esta interessante descoberta: as abelhas que colhem o néctar só são capazes de descobrir duas formas de flores: formas decomponíveis ou com recortes, e formas fechadas ou íntegras. As formas estreladas e poligonais de qualquer espécie atraem as abelhas, enquanto as formas fechadas, como os círculos e os .quadrados as repelem. Este facto atribuem-no os teóricos da conformação (Gestalt) a um maior poder de estimulação das formas abertas e temos de admiti-lo ; mas que é que isto significa? A resposta acorre imediatamente: todos os botões impenetráveis que as abelhas desprezam apresentam formas fechadas. Pelo contrário, as flores desabrochadas, que oferecem o seu néctar, têm formas abertas. Na lei da conformação das abelhas incluem-se dois esquemas espaciais de percepção para flores e botões, graças à lei do significado, segundo a qual se faz a colheita do néctar. Assim, os dois esquemas encontram-se em estreita relação de contraponto com as duas formas principais das flores. Mas como é que a natureza procede, se um sujeito animal, no seu comportamento, tem de distinguir formas mas possui, por ?utro lado, um sistema nervoso central absolutamente primitivo, incapaz de criar esquemas de forma? A minhoca, que arrasta para a sua estreita galeria folhas de tília e de cerejeira (que lhe servem, simultâneamente, de alimento e protecção) tem de tomar as folhas pelo vértice, para que estas possam enrolar-se com facilidade. Se ela tentasse segurar 153 as folhas pela base, estas embaraçar-se-iam na entrada e não obedeceriam à força que as puxava. Pela .sua constituição . geral, a minhoca não está em condições de criar esquemas 'de forma; mas possui, em comperisação, um órgão sensorial particularmente apurado para o gosto. Devemos a Mangold (1) a descoberta de que, até nas folhas partidas em pequenos pedaços, a minhoca continua a ser capaz de distinguir os pedaços que pertencem à base daqueles que pertencem ao vértice. Com efeito, os vértices das folhas e as suas bases têm, para as minhocas, sabores diferentes. E isso basta para serem tratados diferentemente. Em vez de esquemas de forma, surgem, pois, erd contra ponto, notas gustativas que tornam possível o acto de armazenamento de folhas, tão importante para a vida das minhocas. Com razão se pode aqui falar de uma requintada composição natural. O pescador humano sabe, por experiência, que, para apanhar peixes particularmente vorazes, não precisa de iscar o anzol com uma representação perfeita da sua vítima e que lhe basta apresentar ao lúcio, como isca, uma simples amostra de prata, isto é, a imitação muito genérica de uma carpa pequena. Ora a Natureza não precisa destas experiências. O Lophius piscatorius, - o tamboril-, é um peixe de grande boca que, próximo do lábio superior, tem um apêndice ósseo, comprido e móvel, que ele faz ondular, como se fosse uma fita prateada. Tanto basta para atrair peixes vorazes, mais pequenos, que, ao abocarem a isca, são precipitados nas profundidades da enorme boca pelo redemoinho que subitamente se forma. A amplitude da lei do significado alarga-se, neste caso, ainda mais, pois liga a lei da conformação do lophius não com a figura da presa perseguida pelo peixe voraz mas com a imagem muito simplificada dessa presa no mundo-próprio daquele que vem a ser apanhado pelo lophius. Exemplo semelhante oferecem as borboletas, ornamentadas com manchas ocelares brilhantes, as quais, ao abrirem as asas, afugentam as pequenas aves que as perseguem, pois estas, quando (I) Otto August Mangold (* 18gl), zoólogo, discípulo de Spemann, chefe de departamento do Instituto Max-Planck, de Hcidelberg, desde 1946. Trabalhou em células embrionárias e ainda noutros campos. (.Nota da ed. alemã) 154 se lhes deparam os olhos de pequenos animais caçadores põem-se imediatamente em fuga.. ' N~m o lophius sabe que aspecto tem a presa no mundo-próprio do peIx.evoraz que ele apanha, nem a borboleta sabe que o pardal foge, diante dos olhos do gato. Mas o Autor destas composições dos mundos-próprios deve sabê-lo. Não se trata de conhecimento humano, que possa ser adquirido pela experiência. Sobre este ponto, já nos elucidou a abertura do túnel pela larva do gorgulho-da-ervilha. Essa larva executa como vimos, um comportamento que é determinado por um' saber super-sensorial, independente do tempo. Graças a este saber, é possível ao compositor fazer da futura necessidade vital de um gorgulho que ainda não nasceu, a causa do comportamento da larva desse gorgulho. 8. A TOLERÂNCIA DO SIGNIFICADO No exemplo do pedúnculo da flor, cuja diferenciação conhecemos já nos quatro mundos-próprios da rapariga, da formiga, da larva da aphophora, e da vaca, aquele, como objecto significante, encontrava-se, em cada caso, perante um novo receptor de significado que podemos também designar por utilizador do significado, visto que o pedúnculo é utilizado como adorno como caminho, como fonte de material de construção ou como bocado de alimento, consoante o caso. Mas este exemplo oferece ainda outro aspecto, que se manifesta quando nós, em vez do pedúnculo, introduzimos, como sujeito, toda a planta a que ele pertence e lhe juntamos os quatro sujeitos anteriores como factores significantes. Não se trata então de uma utilização do significado por parte da planta. Receber o significado só pode, neste caso, equiparar-se a sofrê-Ia. Esta tolerância apresenta várias graduações. A diferenciação do pedúnculo em caminho de formigas é fácil de tolerar. Também a extracção do suco para a construção da casa da larva da aphrophora se traduz apenas por um ligeiro dano. Mas o corte da fiar, por parte da rapariga, e a ceifa da mesma fiar por parte da vaca, podem, pelo contrário, ser prejudiciais à planta. Em nenhum dos quatro casos se descobre uma lei do significado adequada ao interesse da planta. Do mesmo modo, o papel significante que a teia de aranha 155 desempenha na vida da mosca não é, por forma nenhuma, aproveitada no interesse da mosca e' opõe-se, até, a este interesse. A mosca que se enreda na teia de aranha não pode, de modo nenhum, utilizar este objecto significante, mas apenas tolerá-lo, sofrê-lo. Da mesma maneira, a larva do gorgulho-da-ervilha que, cuidando do futuro, abriu o seu túnel através desta, em devido tempo, isto é, antes de esta endurecer, fica indefesa perante o objecto significante «icnêumon» e só lhe resta suportar o causador da sua morte. O sentido destes aparentes antagonismos de significado torna-se imediatamente claro, quando nós abstraímos do indivíduo em particular e consideramos a unidade superior da espécie. O princípio de tudo o que é vivo estabelece na espécie, que é duradoira a existência de indivíduos, que são transitórios. Os indivíduo~ de cada geração emparelham-se, para produzirem uma nova geração e o número dos filhos excede sempre o dos pais. Para que a espécie mantenha o mesmo número de indivíduos, têm de sucumbir os excedentes. Junta-se assim, na nova geração, o mesmo número de pr<;>genitorespara a manutenção da espécie. A exterminação dos excedentes opera-se de maneiras muito diversas. Na maior parte das espécies, a longevidade dos indivíduos é determinada pela mudança das estações. É evidente que todos os indivíduos que vivem só um ano, cedem o seu lugar, todos os anos, à nova geração. Extinguem-se assim completamente as sociedades de vespas, todos os Outonos, com os seus milhares e milhares de indivíduos e apenas algumas fêmeas sobrevivem ao Inverno para, no próximo ano fundarem o mesmo número de novos enxames. No Outono, morrem tantas das nossas moscas domésticas, que nós poderíamos considerá-Ias extintas e todavia, logo no princípio do ano seguinte, elas aparecem de novo e em número igual. O número de moscas que prematuramente encontram a morte na teia da sua inimiga-a aranha-desempenha neste balanço um papel insignificante. A migração das aves aniquila, ano após ano, os indivíduos excedentes que não estão à altura do enorme esforço por ela requerido. . Não é só o número de indivíduos que conta para a espécie mas também a sua capacidade de resistência. Nisto reconhecemos o alto significado que tem a incidência, nos indivíduos, de danos 156 -que sucessivamente excluem os mais fracos, da procriação de descendentes menos bem dotados. Ao arrebatarem as suas débeis presas, os açores e as raposas tornam-se beneficiadores das espécies que perseguem. Nos lugares onde as raposas são aniquiladas, as lebres sucumbem às epidemias, porque os animais atacados de doença não são eliminados a tempo. Os animais a que a doença tolheu os movimentos têm sobre os seus inimigos uma atracção especiaL Disso tiram partido muitas aves. Assim, o abibe cuja postura é ameaçada pela aproximação de um inimigo, não se limita a fugir: finge também manquear e, com esta aparente incapacidade para o voa, atrai a si o inimigo, até se encontrar suficientemente afastado do ninho e só então voa e se põe a salvo. O icnêumon, que ataca traiçoeiramente a larva do gorgulho-da-ervilha é, ele próprio, o protector das ervilhas que, se não fora ele, seriam sacrificadas ao excedente dos seus inimigos. A Austrália oferece-nos um exemplo notável de como é importante para a vida .vegetal e animal a intervenção desses inimigos específicos. Há cem anos, uma camponesa que emigrou da América do Sul para a Austrália, levou consigo uma estaca de figueira-da-Índia, que se deu admiràvelmente na nova pátria. Em breve se reconheceu a grande utilidade desta planta, eriçada de picos, para a _vedação de jardins e fazendas. Plantaram-se então figueiras-da-India por toda a parte. Ora esta planta, que começou por ser tão útil, acabou por se transformar numa praga. Invadiu os jardins e os campos que devia proteger. Espalhou-se pelas florestas e, onde quer que chegava, destruia toda a vegetação. Quando já vastas áreas se encontravam devastadas, intervieram as autoridades, que mandaram atacar o novo inimigo a machado e por meio do fogo. Como o processo não surtisse efeito, mandaram-se aviões espargir tóxicos sobre as florestas atingidas pelo cacto. O resultado foi que todas as outras plantas morreram e o cacto continuou a prosperar. No seu desespero, as autoridades dirigiram-se então aos institutos botânicos das Universidades. E estes enviaram um grupo de i?vestigadores qualificados à pátria de origem da' figueira-da-Iridia, na América do Sul. Foi possível a estes observadores experimentados descobrir uma pequena lagarta, do grupo das traças, que se alimenta exclusivamente dos tecidos daquela planta. 157 Depois de expenencias que duraram anos, cultivaram-se milhões de ovos deste inimigo do cacto, que se espalharam pelas regiões ermas onde este se desenvolve e, em poucos anos, foi possível destruir os cactos devastadores e conquistar novamente o solo para a C1,lltura. É altamente apaixonante seguir as composições da Natureza e averiguar que significado convém a cada tolerância de significado. Dois pontos de vista importa, então considerar: ou o excesso de indivíduos é eliminado pela tolerância do significado, no interesse da própria espécie-e, neste caso: todos os indivíduos doentes e de limitada resistência são segregados-ou então a eliminação dos indivíduos em excesso faz-se no interesse da economia da Natureza. Assim, segundo K. E. Baer (1), o excedente das larvas de mosquito serve de alimento aos peixes e o mesmo parece poder dizer-se do excedente de girinos de rã. Foi um. erro basilar de Herbert Spencer (2) interpretar o aniquilamento dos descendentes em excesso como «sobrevivência dos mais aptos» para, sobre essa ideia, fundamentar o progresso na evolução dos organismos. Não se trata, de modo algum, de uma «sobrevivência dos mais aptos» mas de uma sobrevivência dos indivíduos normais, em benefício da subsistência imutável da espécie. 9. A TÉCNICA DA NATUREZA Era, se bem me lembro, uma sinfonia de Mahler, que Mengelberg dirigia, de forma arrebatadora, no Conzertgebouw, de Amsterdão. A grande orquestra, reforçada por coros masculinos e femininos elevava-se irresistivelmente, em esplendor e magnificência. Perto de mim, estava sentado um jovem, completamente mergulhado na partitura, a qual fechou, com um suspiro de satisfação, quando se ouviu o último acorde. Na minha falta de preparação musical, perguntei-lhe que prazer podia sentir em acompanhar com os olhos, na partitura, o que os ouvidos podiam captar directamente. Todo ardendo em zelo, assegurou-me então que só quem segue a partitura pode atingir a visão integral duma obra de arte musical. Cada vo d . z, e pe~soa ou Instrumento, representava um ser em si próprio que, todavia, se fundia, em ponto e contraponto, com outras vozes, num~ forma superior que, por seu lado, se ampliava, ganhava em r,lq~eza e beleza, para nos dar, por fim, no seu conjunto, a propna alma do compositor. Lendo a partitura, podia acompanhar-se o crescendo e o decrescendo das vozes individuais que, como as colunas duma catedral, suportam a abóbada omnipotente. Só assim se podia ter uma perspectiva da complexa formação da obra de arte executada. Esta ~issertação, feita em termos muito convincentes, despertou e.m mim un; problema: se, porventura, será missão da biologia escrever a partitura da Natureza, Já então me eram familiares as relações harmónicas em contraponto, de mundo-próprio para mundo-próprio e retomei o exemplo do pedúnculo da flor, nas 51,lasrelações com os quatro mundos-próprios mencionados. O ramo de flores que a rapariga ofereceu ao namorado era ag~ra usado por este como adorno e o pedúnculo da flor veio assim ,a entrar num dueto de amor. A formiga que utilizava o pedunculo como passagem, corria ao longo dele até o ovário ?a flor e aí mungia as suas «vacas leiteiras»-os p~lgões. Quant; a vac~, essa transformava, finalmente, em leite o pasto de que o p.edunc~lo fazia parte. A larva da aphrophora crescia no seu abrigo, felt~ do suco que o pedúnculo lhe tinha fornecido e em breve enchia o prado com o seu doce canto de amor. Outros mundos-próprios se vieram juntar a estes. As abelhas que estavam associadas, em contraponto, com o aroma, a cor e a forma das flores, acorriam a elas e, depois de se terem saciado de néctar, comunicavam às companheiras a nova fonte descoberta, por meio de danças impressionantes, que von Frisch (1) descreve pormenorizadamente. Na verdade, a cor das flores não é, para as abelhas a mesma que é para nós; serve-Ihes, no entanto de certa característica pois a flor e a abelha estão compostas uma para a outra em contraponto. fi . (I) (2) V. nota Herbert pago 50' Spencer (I820~I903), 1(I) . SJOogra I filósofo inglês) adepto do conceito de evolu .. •.d alemã) VOll Frisch (1886) ' zoo'1ago que r' tez Importantes investigações sobre a os sentidos nas abelhas e nos peixes. Ver também nota I pág 42 (N d. , ... a dKarl ção. (N. da ed. alemã) 159 158 .'" Trata-se, evidentemente, duma tentativa modesta mas, de qualquer modo, duma tentativa, para resolver o problema que uma partitura da Natureza põe perante nós. Nós podemos reduzir a um mesmo denominador todos os instrumentos musicais, se dispusermos, como num carrilhão, os sons que eles produzem. Teremos então, para o violino, um jogo de sons riquíssimo, constituído exclusivamente por sons de violino; para os sons da harpa; estabeleceremos um jogo diferente e mais simples, que, no caso dos ferrinhos, desce até o mínimo indispensável. A cada composição musical é posto o problema de escolher, do jogo de sons de cada instrumento, aqueles que formam uma sequência melódica e, ao mesmo tempo, ligá-Ios harmónicamente com os sons dos «repiques» de outros instrumentos. Tudo isto se passa segundo a teoria do contraponto, que estabelece as regras, de acordo com as quais se podem combinar numa partitura os sons de várias vozes. Mas ao compositor fica a liberdade de ligar, em contraponto, os sons dum instrumento com os de qualquer outro. Para pôr em paralelo o que se passa com os animais e o que se passa com os instrumentos musicais, bastará considerar o sistema nervoso central como um carrilhão. Chamaremos então «sons perceptivos» aos sinais perceptivos das suas células vivas que são projectados no exterior como notas características e designaremos por «sons efectores» os impulsos que provocam a execução de movimentos. 'Cada animal é capaz, como qualquer instrumento, dum determinado número de sons, que entram em relação contrapontal com os sons, de outros animais. Não basta, como os mecanistas faziam, tratar os instrumentos de música como simples produtores de ondas de ar. Com essas ondas, ninguém pode criar uma melodia ou uma harmonia, nem compor com elas uma partitura. Só a relação das ondas do ar com o órgão auditivo do homem, onde estas se transformam em sons, pode tornar possível a produção de melodias e harmonias e a composição de partituras. Também não basta atribuir aos animais e às plantas dum prado a função de espalhar no espaço as cores, os sons e os o.dores que lhes são particulares e que, afinal, só nos mundos-próprios de outros animais são captados e depois transformados em percepções. Podemos, .então, transpor as relações dos organismos para 160 relações musicais e falar de tons ou teores perceptivos ede tons ou teores efectores dos vários sujeitos animais que se ligam uns aos outros em contraponto. Só então podemos chegar a uma, partitura da Natureza. . ~a Natureza, os teores perceptivos de vários animais podem ser utilizados em contraponto. Assim o som de chamamento emitido pelo morcego no seu mundo-próprio é, simultâneamente um som de aviso no mundo-próprio da borboleta.', ' A concha que o búzio transporta tem, para ele, um teor de habitação; mas depois de morto o búzio, a sua concha esvaziada passa a ter para o casa-roubada, um novo teor de habitação. Esta identidade de teores é aproveitada na composição búzio-casa-roubada. Tal como ao compositor duma sinfonia não são postos limites na escolha de .instrumentos, também a Natureza é completamente livre na escolha dos animais que pretende ligar em contraponto. O apêndice pescador do lophius está constituído em contraponto com o teor de preensão do esquema que deve atrair o peixe, sua presa. As designações de teor de preensão e teor de habitação mostram que, na aplicação da comparação musical ao caso dos animais, nós abandonámos, de vez, a pura teoria da música, pois segundo esta, pode falar-se, dum som de violino ou dum som de harpa mas nunca dum teor de «preensão da vítima» ou dum teor de «habitação» duma casa, ou do teor de «beber» duma taça ou teor de «assento» duma cadeira. E todavia, a grande aplicabilídade da comparação musical ao campo biológico reside na extensão do conceito «som», do simples som audível ao teor significante dos objectos que aparecem como portadores de significado no mundo-próprio dum sujeito. ~? Quando dizemos que o teor de habitação da concha, no mundo-próprio do búzio, pode representar-se em contraponto com o teor, de habitação, no mundo-próprio do casa-roubada, queremos dizer com isso .que cada um dos dois teores, sem se identificar com o outro, pode, no entanto, ser transferido para esse outro, pela composição da Natureza, visto terem ambos o mesmo significado. . . Em lugar da harmonia, na partitura muscial , intervém o significado, na partitura da Natureza, que serve de elo de ligação, ou melhor, de ponte, para ligar dois factores naturais. Com efeito, tal como uma ponte tem, em cada' margem do rio, os seus apoios, que ela liga em ponto e contraponto, assim também são estes ligados, na música, pela harmonia' e na Natureza, pelo mesmo significado. 11- A. H. 161 Em numerosos exemplos, que podem até ter fatigado o leitor, já demonstrei que, neste caso, se trata de verdadeiros factores naturais e não apenas de conceitos biológicos. Nós fomos já tão longe, que podemos considerar a partitura do significado como interpretação da Natureza, a qual pode pôr-se a par duma interpretação, em música, por meio da partitura traduzida em notas. Se agora atentarmos numa orquestra, veremos, em cada um dos papéis que se encontram nas estantes individuais, em escrita musical, as partes dos diferentes naipes, enquanto a partitura total repousa na estante do regente. Mas vemos também os próprios instrumentos e perguntamo-nos se estes, porventura, não se ajustarão uns com os outros, não só pelo som que cada um produz, mas também por toda a sua estrutura, isto é, se não constituirão uma unidade, não só musical como tecnicamente. Como a maior parte dos instrumentos da orquestra são, por si próprios, capazes de produções musicais, não se pode responder afirmativamente a essa pergunta sem hesitações. Mas quem já tenha ouvido palhaços-músicos, que se servem de instrumentos para, com eles, produzirem ruídos (pentes, chocalhos, etc.) convencer-se-á de que é possível, sim, com tal orquestra, executar uma cacofonia, mas nunca uma sinfonia. Os instrumentos duma verdadeira orquestra, se os observarmos com mais rigor, apresentam, logo na sua estrutura, uma relação em contra ponto. Isto revela-se-nos ainda com mais clareza numa orquestra natural, como um prado no-Ia apresenta. Basta que pensemos na flor integrada nos quatro mundos-próprios. Essa relação revela-se-nos ainda mais flagrantemente entre a estrutura da flor e a da abelha e dela se pode dizer: Se na flor não houvesse qualquer coisa de abelha E na abelha não houvesse qualquer coisa de flor, Nunca o acorde seria possível. Nestes versos se exprime o princípio fundamental de toda a técnica da Natureza. Nele reconhecemos, mais uma vez, a sabedoria de Goethe: Se nos olhos não houvesse qualquer coisa de Sol, Nunca eles poderiam uê-lo, 162 Mas nós podemos agora completar dizendo: a sentença de Goethe, Se no Sol não houvesse qualquer coisa de olho, Em nenhum céu ele emitiria raios. O Sol é uma luz celestial. Mas o céu é um produto dos olhos, que dele fazem o seu horizonte mais distante-aquele que envolve o espaço do seu mundo-próprio. Os organismos sem olhos não conhecem o céu nem o Sol. 10. o CONTRAPONTO, CAUSA DETERMINANTE DA CONSTITUIÇÃO DA FORMA Podemos agora aplicar também aos outros exemplos aduzidos a regra técnica fundamental que se exprime na conformidade da abelha com a flor e na conformidade da flor com a abelha. É claro que a teia de aranha é de estrutura ajustável à mosca, porque a própria aranha já o é também. Ser ajustável à mosca significa, neste caso, que, na sua estrutura, a aranha adoptou certos elementos da mosca. Não duma determinada mosca mas do seu protótipo. Para nos exprimirmos melhor: quando dizemos que a aranha é ajustável à mosca, queremos significar que, na sua constituição corpórea, aquela adoptou para si certos motivos ou determinismos da melodia da mosca. É muito nítida a interferência dos determinismos particulares de certos mamíferos no plano somático da carraça. Mais nítido que em qualquer caso é a acção do determinismo do morcego na estruturação do órgão auditivo da borboleta nocturna. Em toda a parte, é o contraponto que se manifesta, como causa determinante da constituição das formas, o que, aliás, já nos devia ser familiar a partir da estrutura dos objectos úteis ao homem. Uma chávena de café, com a sua asa, mostra-nos imediatamente as relações em contraponto, por um lado, com o café e, por outro lado, com a mão do homem. Estes contrapontos influenciam, em primeiro lugar, as causas determinantes no fabrico da chávena. Até são, na verdade, mais importantes do que o material de que a chávena é feita. Parece duma evidência vulgar o dizer-se a frase: a chávena de café é, constituída para o café. A frase, todavia, significa mais 163 do que parece. Ela diz que a função da chávena consiste em conter café e, mais ainda, que esta função foi o motivo do seu fabrico; A doutrina do significado culmina na revelação desta correlação. . O significado do nosso objecto de utilidade reside, para nós, na sua função, que é sempre possível fazer remontar a uma ligação do contraponto existente nesse objecto com o homem. Essa ligação cria simultâneamente o motivo para o seu próprio lançamento. A cadeira, no seu significado de dispositivo que se ergue acima do solo para servir de assento, é constituída por claros meios de ligação com vários contrapontos no corpo do homem. O assento propriamente dito, as costas e os braços encontram no corpo humano os eleme~tos correspondentes com que estão relacionados, enquanto os pés da cadeira formam nítidas ligações com o contraponto solo. Por sua vez, todos estes contrapontos são, para o marceneiro, causas determinantes da construção da cadeira. Levar-nos-ia demasiado longe, aduzir mais exemplos como este. Deve ser bastante a indicação de que, com todos os objectos . que utilizamos, lançamos pontes que ligam a nossa pessoa com a Natureza, da qual, todavia, não nos aproximámos mas, pelo contrário, nos afastámos cada vez mais. Começámos então, em ritmo cada vez mais lesto, a lançar pontes para outras pontes que, já na construção de máquinas simples não são ignoradas pelo homem ainda próximo da Natureza. Na grande cidade, nós vivemos rodeados só de coisas artificiais, pois as próprias árvores e flores dos nossos jardins, que nós arrancamos e transplantamos a nosso bel-prazer, foram arrebatadas ao conjunto da Natureza e transformadas por nós em objectos úteis ao homem. A tão prezada técnica do homem perdeu, para a Natureza, todo sentido, pois propõe-se resolver os mais profundos problemas da vida, como as relações do homem para com a natureza de Deus, C0m a sua matemática insuficiente. Tudo isto é secundário. Muito mais importante é obter uma ideia dos caminhos que a Natureza segue para derivar, do germe não diferenciado, as suas criaturas, que ela, ao contrário de nós, não estrutura separadamente. O filme de Arnt, acerca do bolor-viscoso, mostrou-nos, como primeira fase da vida, uma acumulação cada vez maior de formas amibóides autónomas, que são constituídas em contra ponto com a sua alimentação de bactérias. Esgotados os alimentos, intervém subitamente um novo contraponto, como causa determinante, que transforma as células amibóides que se acumularam umas . sobre. as outras, em células, u~das em tecido, duma planta exposta ·acr..vento. Se olharmos para o pequeno mundo do bolor-viscoso que, como ténue cabeleira encima um montículo de estrume seco de cavalo, nós descobrimos que, além do corpo do bolor, portador de germes, só existe outro factor natural actuante: o vento que dispersa esses germes. O portador e o dispersador de germes fundiram-se num dueto. São, antes de mais nada, as formas amibóides livres que, com os seus teores individuais semelhantes, constituem um carrilhão VIVO. A Natureza joga com elas, transforma-as em células constitutivasde tecido, segundo novo determinismo, e constrói com elas uma forma portadora de germes que se expõe ao vento. Este fenômeno é, para nós, tão inconcebível como a mudança de motivo numa sonata de Beethoven. A nossa missão, porém, não é compor uma sonata da Natureza mas somente escrever a sua partitura. Logo no princípio, começamos por pôr, ainda entre os vertebrados, o que respeita às questões técnicas. Podemos relacionar o despontar dos órgãos que estão sujeitos a um plano elementar com o facto de o significado de cada esboço de órgão ser fixado pela sua situação no todo, de modo que não pode dar-se qualquer erro de significado ou qualquer duplicação. Esta fixação é tão segura que, como Spemann mostrou, um enxerto de epiderme de girino de rã feito no germe do tritão, no lugar da futura boca deste, transforma-se realmente em boca, mas numa boca de girino de rã, porque a partitura de formação da boca da rã foi transmitida simultâneamente com as células desta. Se arrancássemos uma folha ao caderno com' a parte do primeiro violino e a colocássemos no lugar correspondente ao papel .do violoncelo, produzir-se-ia uma discrepância semelhante àquela. Para o caso das partituras da estruturação de formas é muito elucidativaa abertura do túnel pela larva do gorgulho-da-ervilha. Aqui, o ·contraponto, que se torna causa determinante da abertura do túnel, é a verdadeira forma, que só mais tarde aparece, do gorgulho adulto, o qual, sem a saída preparada pela larva, teria .de sucumbir. Pode, pois, a forma futura desempenhar um papel, como causa determinante, na metamorfose? 164 165 II Isto abre outras possibilidades. Se a forma futura que estabelece o objectivo da conformação pode, ela própria, tomar-se a causa detenninante, então tem razão K. E. von Baer, quando fala dum finalismo na formação dos organismos. Simplesmente, ~le não abrange, com isso, a totalidade dos factos. Quando a aranha tece 'a sua teia, as várias fases da construção da rede e a sua disposição em forma radiada podem considerar-se, simultâneamente, como objectivo e causa determinante da moldagem da rede. Pode, talvez, designar-se a rede, mas nunca a mosca, como objectivo da construção. Esta última, porém, serve, possivelmente, de contraponto e causa determinante para essa construção. O exemplo dos tortricídeos mostra-nos eloquentemente quantos enigmas ainda nos guardará a técnica da Natureza. Situam-se frente a frente dois concorrentes constituídos em contraponto: o pequeno rinóptero, provido duma serra, que utiliza como ferrão e a folha grande da bétula, que há-de ser serrada. O percurso seguido pela serra deve ser tal que, em seguida, o coleõptero possa enrolar, sem dificuldade, a parte inferior da folha, em forma de funil alongado, onde põe os ovos. Este percurso, que apresenta uma curvatura característica, tem extensão constante para todos os tortricídeos, embora não exista na folha da bétula qualquer vestígio dum traçado indicativo do caminho a percorrer. Será o próprio «percurso constante» a causa determinante do seu estabelecimento? Isso faz parte dos segredos de composição natural que nós, no estudo da técnica da Natureza, encontramos a cada passo. O primeiro investigador que se ocupou dos problemas da técnica da Natureza parece ter sido Lamarck (1). De qualquer modo , a tentativa que empreendeu para harmonizar o desenvol. vimento do longo pescoço da girafa com o alto tronco das acácias, constitui a primeira indicação dum comportamento contrapontal. Perdeu-se, mais tarde, completamente, o interesse pela técnica da Natureza, que foi substituído por especulações sobre a influência dos antepassados, principalmente por iniciativa de Haeckel (2). Ninguém poderá reconhecer uma actividade técnica na afirmação (I) Jean Baptiste Antoine Pierre de Monet de Lamarck (1744-1829), zoólogo francês, introduziu um novo Sistema do Reino Animal, elaborou a primeira doutrina da descendência dos organismos, seguiu o ponto de vista da transmissão hereditária dos caracteres adquiridos. (N. da ed, alemã) (2) Ernst Haecke! (1834-1919), zoólogo alemão, renovador da Biologia, adepto de Darwin. (N. da ed, alemã) de que os anfíbios derivaram dos peixes. Particularmente as COl1cepções acerca dos chamados órgãos «rudimentares» encarregaram-se de desviar as atenções dos verdadeiros problemas técnicos. , Só a demonstração, feita por Driesch, de que, dum germe de owiço-do-mar cortado ao meio resultam, não duas metades d de ouriço mas dois ouriços inteiros, com metade do tamanho do primitivo, veio abrir caminho para uma compreensão mais profunda da técnica da Natureza. Tudo que é material se deixa cortar com uma faca. Mas uma melodia é diferente. A melodia duma canção, que é executada por, um carrilhão autónomo de sinos vivos, permanecerá invariável, mesmo que ela dirija apenas metade do número inicial de sinos. I I. o PROGRESSO Desta vez foi na bonita igreja de S. Miguel, em Hamburgo, ao ouvir a Paixão de S. Mateus que se me revelou novamente o paralelo, no campo da biologia. Esta obra sublime, entretecida dos mais belos cânticos, desenvolvia-se em ritmo fatal, irresistível. Mas não se tratava, certamente, do progresso que os investigadores julgaram descobrir no desenrolar, no tempo, do fenómeno natural. Por que razão é que o grandioso drama da Natureza, que se desenrola desde o aparecimento da vida na terra, não havia de ser em sublimidade e profundeza, uma única composição, como a Paixão? A evolução, tão altamente encarecida, que devia conduzir os organismos, de início tão imperfeitos, à organização cada vez mais perfeita não passava então duma especulação mesquinha sobre as imposições prementes do próprio problema? A mim, nunca se me deparou, nem mesmo nos animais mais simples, o mais pequeno vestígio de imperfeição. Tanto quanto eu podia julgar, o material disponível para a construção tinha sido utilizado da melhor maneira. Cada animal tinha provido o seu cenário de vida com todas as coisas e todos os outros animais que, para a sua vida, tinham significado. As propriedades do animal e as propríedades dos seus comparsas ajustavam-se perfeitamente, em todas as circunstâncias, como pontos e contrapontos dum coro de muitas vozes. Era como se a mesma mão de mestre corresse, desde tempos imemoriais, por sobre as teclas da vida. As composições seguiam-se 166 167 I" umas às outras, em número infinito, graves e ligeiras, esplêndidas e horríveis. __ Nas ondas do mar ..primitivo, moviam-se crustáceos, simples, sim,' mas de 'organização perfeita. Decorreram grandes períodos e chegaram os dias do reinado dos cefalópodos que os tubarões fizeram desaparecer. Dos pântanos quentes da terra firme, surgiram os sáurios que, com as suas dimensões gigantescas, elevaram a vida até ao maior grotesco. Mas a mão do Mestre continuou a correr sobre os seres. Do antigo tronco, surgem, em novas melodias de vida, novas formas que se desenrolam em centenas de variações, sem nunca revelarem a passagem do incompleto para o mais completo. É certo que os mundos-próprios foram, no princípio do drama universal, mais simples do que haviam de ser mais tarde; mas sempre neles se opunha um receptor de significado ao objecto significante. Tudo estava submetido ao significado e este adoptava órgãos diferentes ao habitat variável. O significado ligava o alimento . e aquele que o devora, o inimigo e a presa, e principalmente o macho e a fêmea em assombrosa diversidade. Em todos os casos se nota uma progressão mas nunca um progresso, no sentido da sobrevivência do adaptado, nunca uma selecção do mais dotado, por meio duma furiosa luta pela existência, desprovida dum plano. Em vez disso, reinava uma melodia em que vida e morte se entrelaçavam. Decidi apresentar ao nosso maior historiador esta questão: poderá falar-se dum progresso na história da humanidade? Leopoldo von Ranke, nas suas Épocas da Hist6ria Moderna, escreve: «Se admitíssemos que este progresso consistia apenas em a vida da humanidade se elevar, em cada época, a um nível mais alto, em que, portanto, cada geração ultrapassa inteiramente a anterior e a última é sempre a preferida, em prejuízo das outras, que se limitam a trazer, em si, a geração seguinte, admitiríamos, implicitamente, uma injustiça da divindade. Uma tal geração, esporádica, descontínua, não teria significado nem em si nem por si pois só significaria alguma coisa na medida em que fosse degrau de acesso para a geração seguinte e não estaria em relação directa com a divindade. Todavia, eu afirmo: cada época está imediatamente em Deus e o seu valor não reside, de modo algum, naquilo que produz mas na sua própria existência, no seu próprio ser.» Ranke rejeita o progresso na história da humanidade, porque 168 I .todas as épocas remontam directamente a Deus e, consequente,me~te,.::Qenhu.ma pode ser mais perfeita que a outra, Que podemos nós entender por uma época no sentido que ,Ranke' lhe atribuiu, senão um grupo homogéneo de mundos'-próprios do homem dentro dum limitado espaço de tempo? Daí se conclui que cada mundo-próprio deste grupo remonta directamente a Deus, visto que todos eles pertencem à mesma composição, cujo autor é Deus, na expressão de Ranke. Ora a, palavra Deus é exactamente aquilo com que investe todo o materialista, o qual admitiria uma composição ao acaso, no decurso de larguíssimos espaços de tempos, se lhe quiséssemos conceder que a força e a matéria se mantiveram as mesmas desde o princípio do mundo e que a lei da conservação da energia tem valor eterno e universal. No princípio da minha discussão, mostrei que o estudo dos mundos-próprios prova, em primeiro lugar, a inconstância dos objectos, que dentro de cada' mundo-próprio, mudam também de conformação, sempre que mudam de significado. O mesmo pedúnculo da flor passou a ser, nos quatro mundos-próprios, quatro objectos diferentes. Só resta agora mostrar, com auxílio dos exemplos já mencionados, que também a constância da matéria é uma ilusão. As propriedades da substância dum objecto dependem das escalas sensoriais do sujeito, cujo mundo-próprio estamos a analisar. Se observarmos a cor, aos nossos olhos amarela, duma flor em que certa' abelha poísou, podemos dizer afoitamente que, no mundo-próprio da abelha, a flor não é amarela (é talvez o que nós chamamos vermelha) pois a escala das cores nos olhos da abelha corresponde a uma escala de ondas de éter que é diferente da dos nossos olhos. Sabemos, também, que a escala de sons na borboleta rrocturna, a escala de odores numa carraça, a escala de gostos duma' minhoca e as escalas de forma da maior parte dos invertebrados são completamente diferentes das do homem. A própria escala de dureza deve ser totalmente diferente para os icnêurnones que perfuram, como se fosse manteiga, a mais rija madeira de pinho. Nem uma única propriedade da matéria se conserva a mesma quando percorremos a série, de mundos-próprios das diferentes espécies. De mundo para mundo, em cada um dos objectos que observamos muda, não só o teor significante mas também o arranjo de todas as suas propriedades, tanto materiais como formais. 169 ! 1 A matéria é, no mundo-próprio do homem, o rocher de bronz« .~obre o qual parece assentar todo o Universo quando, afinal, ele se ·v'olatiliza dum mundo pata outro. Não! A imutabilidade da matéria, em que os materialistas s entrincheiram não constitui base sólida para uma concepção geral do mundo. Muito mais bem fundamentada que a imutabilidade da matéria é a imutabilidade dos sujeitos. Mas os sujeitos também se compõem de matéria-objectarão os materialistas. É certo. Mas a matéria dos corpos, que é própria dos sujeitos, tem de ser reconstituída em cada geração. Aquilo que cada indivíduo, em particular, recebe de seus pais sob a forma de matéria, é extremamente insignificante: reduz-se a uma célula germinal divisível e a um «teclado» de corpúsculos estimulantes chamados genes que, no acto da divisão· da célula é recebido por cada uma das células filhas. Com efeito, esse «teclado» torna possível às melodias morfogenéticas fazê-Io soar, como nas teclas dum piano e deste modo realizar a estruturação das formas. Cada corpúsculo estimulante que é posto em acção insinua-se, como impulso diferenciado, no protoplasma da sua célula, para promover a estrutura correspondente. As melodias morfogenéticas que, deste modo, se estruturam, vão buscar os seus motivos às melodias morfogenéticas de outros sujeitos que elas encontrarão nos seus cenários de vida: Se na flor não houvesse qualquer coisa de abelha Se na abelha não houvesse qualquer coisa de flor, Nunca o acorde seria possível. Os motivos são tirados, ora do ciclo da nutrição ora do ciclo da defesa, ora do ciclo do sexo. É do ciclo do habitat que a melodia morfogenética tira a maior parte dos seus motivos e por isso a estrutura dos nossos olhos é ajustada à luz do sol, e a da folha do bordo, com as suas goteiras, é ajustada à chuva. Graças à captação de motivos exteriores, o corpo de cada sujeito constitui-se receptor de significado daqueles objectos significantes cujas melodias estruturadoras adquiriram, como motivos, conformação no seu corpo. A flor actua, portanto, sobre a abelha como um feixe de contrapontos, porque a sua melodia estruturadora, rica de motivos, intervém na estruturação da abelha e vice-versa. 170 O sol, das alturas do céu, -emite os seus raios sobre mim, 'ÍlllJ:>lesmente porque ele, o posso mais importante componente da Natureza, entra, como motivo principal, na estruturação dos meus olhos. O sol parece tanto maior e mais· radiante no céu do mundo-próprio dum olho, quanto maior é a sua influência na estruturação deste; e parece tanto menor e mais insignificante quanto menor mais insignificante é a parte que tomou nessa estruturação (como na toupeira). Se considerarmos agora a lua, em vez do sol, podemos igualmente afirmar que, quanto maior é o significado da lua para O olho dum animal, mais importante é o seu significado, como motivo, na estruturação do olho. Quanto mais amplo é o significado dos mamíferos no mundo-próprio da carraça, mais importante é também a participação da melodia morfogenética dos mamíferos como determinante da estruturação da carraça, nomeadamente como cheiro do ácido butírico, como resistência dos cabelos, como calor e penetrabilidade da pele. À carraça é totalmente indiferente que os mamíferos possuam milhares de outras propriedades. S6 aquelas que são comuns a todos os mamíferos intervêm como causas determinantes na estruturação da carraça, tanto no que respeita aos seus órgãos-de-percepção como aos seus õrgãos-de-impulso, Seríamos constantemente induzidos em erro, se quiséssemos introduzir a medida-padrão deste nosso mundo na apreciação dos mundos dos animais. Poderia, no entanto, afirmar que toda a Natureza participa, como motivo, na formação da minha personalidade, no que respeita ao meu corpo e ao meu espírito-pois se não fosse assim; faltar-me-iam os órgãos para reconhecer a Natureza. Posso, porém, exprimir-me mais modestamente, dizendo: «Eu participarei da Natureza, na medida em que ela me tenha feito intervir numa das suas composições. Eu não serei então exactamente um produto da Natureza toda, mas apenas o produto da natureza humana, para além da qual me não é dado possuir qualquer conhecimento. Tal como a carraça é apenas um produto da natureza da carraça, assim também o homem permanece ligado à sua natureza humana, da qual cada indivíduo vem, por sua vez, a resultar. A nossa vantagem sobre os animais está em que podemos ampliar os limites da natureza inata do homem. É certo que não 171 nos é possível criar novos órgãos; podemos, no entanto, muni-lu de -meios auxiliares.Criámos instrumentos de percepção e tr I b~o que oferecem, àqueles de nós que saibam utilizá-leis, a pOSM bilidade de aprofundar e ampliar o seu mundo-pr-óprio. M os limites desse mundo-próprio ninguém os ultrapassa. Só o reconhecimento de que tudo, na Natureza é criado ~egil~do o seu significado e que todos os mundos-próprios SUl inseridos, como vozes, na partitura do mundo nos abre o caminho para a evasão da estreiteza do nosso mundo-próprio. Não é a dilatação do espaço do nosso mundo-próprio em milhõt-s de anos de luz que nos eleva acima de nós próprios mas o reconh . cer que, além do nosso mundo pessoal, também os mundos-próprios dos nossos irmãos humanos e irracionais estão contidos num plano que tudo abrange. 12. RESUMO E CONCLUSÃO Se compararmos o corpo dum animal com uma casa, diremos que, até hoje, os anatomistas e os fisiologistas têm estudado com . . ' rigor, respectivamente, o tipo de estrutura e as possibilidades de funcionamento da casa. - Mas os ecólogos sempre têm descrito o jardim como ele se apresenta aos nossos olhos-os olhos humanos-sem descrever também o aspecto que ele oferece quando observado_pelo sujeito que habita a casa. E, todavia, este aspecto tem mais largo alcance do que pode parecer. O jardim da casa não se confina, como a nossos olhos se afigura, a um mundo que tudo abrange mas do qual nos mostra apenas uma pequena parte; é, antes, circundado por um horizonte que tem a casa como centro. Cada casa tem a sua própria abóbada celeste, onde se movem o sol, a lua e as estrelas, que também directamente lhe pertencem. . ?ada c~a tem um certo número de janelas, que dão para o ja~dlm: a janela da luz, a janela do som, a janela do cheiro, a janela do gosto e um grande número de janelas do tacto. Visto de casa, o jardim muda de aspecto consoante a estrutura da janela. Não se apresenta, de modo nenhum, como simples parcela dum mundo maior, mas como um mundo único parti• ' cul ar a casa: O' seu mundo-próprio. O jardim que os nossos olhos vêem é fundamentalmente 172 f< rente de o que se oferece aos habitantes da casa, em especial que respeita às coisas que nele se encontram. Enquanto nós distinguimos no jardim milhares de pedras, ntas e animais diversos, os olhos do habitante da casa só enxerm um número limitado de coisas no seu jardim-só aquelas, verdade, que têm significado para o sujeito que habita a casa. se número pode reduzir-se a um mínimo, corno no mundo-próprio da carraça, no qual surge sempre o mesmo mamífero om um número perfeitamente limitado de propriedades. De todas • coisas que nós descobrimos em volta da carraça=-flores odorosas coloridas, folhas que ramalham, aves canoras-nem uma só xiste no mundo-próprio da carraça. Mostrei como o mesmo objecto, transferido para quatro mundos-próprios diferentes, adquire quatro significados diferentes como, em cada caso, -as suas propriedades mudam radicalmente. O facto só pode ser eXE>licadodeste modo: fundamentalmente as,~da ~as coisas nlo são mais do 9.l:!enotas-característi~_ atrib~~;~~_ .:~.sascoisa~ E.elo"suj~!"to ~.2~ ~e s]as enJ,raram em re açao. ' •...•' ara cO~Preender isto, devemos recordar-nos ,de que cada corpo dum organismo é constituído por células vivas que no seu ' conjunto, formam um carrilhão vivo. A célula viva possui uma energia específica que lhe permite responder, com o seu teor individual, a toda a acção exterior que com ela entra em contacto. Os teores individuais podem ligar-se entre si, por meio de melodias e não precisam da conexão mecânica dos seus corpos celulares para actuarem uns sobre eis outros. Nos seus traços essenciais, os corpos da maior parte dos animais assemelham-se neste aspecto: possuem, como peças basilares, órgãos que servem para a transformação de, substância e que fornecem à actividade vital a energia proveniente dos alimentos. A actividade vital do sujeito animal, como receptor de significado, consiste na percepção e na acção ou impulso. . _. A percepção obtém-se através dos órgãos sensoriais que servem para seleccionar os estímulos vindos de toda a parte, para eliminarem os estímulos inúteis e transformarem os que são úteis ao corpo em correntes nervosas que, ao atingirem o centro, fazem tocar o carrilhão vivo das células cerebrais. Os teores individuais que então foram evocados actuam como sinais-perceptivosdofenómeno exterior e conforme são auditivos , visuais , gustativos ,., etc ~ ~ w -- ' . 173 I' assim são «gravados- como notas-características da correspondente fonte de estímulo. ' Ao mesmo tempo, os «sinos» celulares, que soam no órgão de ~rcepção, induzem os «sinos» do órgão central-de-acção qu enviam os seus teores individuais como impulsos os quais, por sua vez, desencadeiam e dirigem os movimentos dos músculos efectores. Temos, assim uma espécie de fenómeno musical que, provindo inicialmente das propriedades do objecto significante, a est reverte novamente. E legítimo, portanto, tratar como contrapontos, tanto os órgãos receptores como os órgãos efectores do receptor de significado, em relação com as correspondentes propriedades do objecto significante. Como em quaisquer circunstâncias se pode verificar, a condição prévia para que na maior parte dos animais o sujeito se ajuste perfeitamente ao seu objecto significante é a existência duma estrutura corpórea muito complexa. Ora essa estrutura nunca existe logo desde o princípio. Pelo contrário, cada corpo inicia o seu arranjo como «sino» celular especial que se liberta e se integra num carrilhão, segundo uma determinada melodia de estrutura. ' Como é possível que duas coisas de origem tão diferente, com~ são, por exemplo, o abelhão e a flor da boca-de-lobo, sejam constituídas de modo que, em todos os pormenores, se ajustem uma à outra? Sem dúvida porque Ias duas melodias de estrutura se influenciaram reciprocamente: a melodia da boca-de-lobo inter:eio como motivo na melodia do abelhão e vice-versa. O que se disse do abelhão, pode também dizer-se da abelha vulgar: se o seu corpo não estivesse ajustado à flor, a sua estrutura seria inviável. Com a aceitação deste princípio basilar da técnica da Natureza fica já resolvida em sentido' negativo a questão da existência dum progresso do mais simples para o mais complexo. Com efeito, se são motivos de significados adventícios, intervindo em vários sentidos que modelam a estrutura dos animais, não se concebe o que nela poderia alterar uma série, mesmo tão grande, de gerações. Se pusermos de parte as especulações sobre os antepassados, entramos no terreno firme da técnica da Natureza. Mas aqui espera-nos grande decepção. Os sucessos da técnica da Natureza estão patentes à nossa vista mas a sua elaboração de melodias é para nós perfeitamente impenetrável. 174 A~cnica da Natureza tem isso de comum com a prOdU~ã~ qualquer obra de arte. Nós vemos muito bem como a mão do or istrr Ul na tela manchas de cor, umas após as outras t6 .q~e o quadro s: nos apresenta pronto; mas a melodia da comosiçao, a melodia que move a mão, escapa-nos absolutaente. Compreendemos perfeitamente como a caixa de mUSlca xecuta as suas melodias mas nunca compreenderemos como uma melodia preside à construção da caixa de música. Sucede exactamente o mesmo com a estruturação de cada; organismo. Em cada célula germinal existe o material, como nos germes também existe o «teclado». Falta apenas a melodia para realizar a sua estruturação. Donde deriva ela? Encontra-se em cada caixa de música dum relógio um tambor provido de pontas. Quando se põe o tambor a rodar, essas pontas fazem vibrar palhetas de metal de comprimentos diferentes e as vibrações de ar assim produzidas são captadas pelo nosso ouvido como sons. Qualquer músico reconhecerá com facilidade, pela posição das pontas no tambor, a partitura da melodia que é executada pela caixa de música. Esqueçamos agora, por um momento, a pessoa que construiu a caixa de música e admitamos que esta é um produto da Natureza. Poderemos então dizer que estamos em presença duma partitura materialmente tridimensional que é a concretização da próprio melodia, por isso que a melodia representa o germe de significado da caixa de música em que entroncam todas as partes desta, supondo que existe material suficiente e dúctil. No Museu Nacional de Estocolmo encontra-se um pequeno quadro de Ivar Arosenius, chamado JuZ (Natal) que mostra uma mãe ainda jovem, irradiando ternura, sentada, com um filho ao colo. Por cima da cabeça da mãe, paira a claridade suave e ténue que aureola os santos. A cena passa-se numa pequena mansarda. Tudo, em volta da madonazinha, é tirado da vida diária mas todos os objectos que se encontram à frente dela, em cima da mesa, o candeeiro, o cortinado, a prateleira com a louça, actuam como motivos sugestivos, que realçam a santidade humilde e comovedora. O quadro está composto com tal perfeição, que nós nos esquecemos do pintor e julgamos estar a ver uma pequena maravilha da Natureza. Neste caso, o germe do. significado é l75 IL «Madona», Dele provém tudo o mais, espontâneamente, como numa melodiosa cristalização. Ao mesmo tempo, julgamos observa I um mundo-próprio' puro, em que não existem· coisas estranhas e supérfluas. Todos os elementos se ajustam reciprocamente, em ponto e contra ponto. O material utilizado foi escasso mas apropriado-um pedaço de tela e algumas cores discretas foram bastantes para plasmar esta pequena obra de arte. A quantidade de material desempenha um papel muito secundário. Com mais ou menos material, em maiores ou menores dimensões, o artista poderia ter obtido o mesmo resultado. Mas outro artista, com o mesmo material, teria feito surgir do mesmo germe de significado-Madona-um quadro de Madona inteiramente diferente. Ora utilizemos a criação duma obra de arte para mostrar até que Ponto a estruturação dum organismo se realiZã""~odo m ante. Não resta dúvida de que podemos considerar a glande como o germe de significado de carvalho e um ovo como germe de significado da galinha. O material é, em ambos os casos, o mais plástico de que a Natureza dispõe, isto é, o protoplasma vivo que admite qualquer estruturação, quando ela sai dos teores individuais e está em condições de manter qualquer forma em que se modele. O carvalho realiza-se a partir do germe significante da glande exactamente como a galinha a partir do ovo; mas como é que isso acontece? Surgem sempre, como já vimos, novos esboços de órgãos, que se completam exclusivamente por si. Em cada um desses esboços, encontra-se um germe de significado que, do material que lhe é dado, faz que se desenvolva completamente o órgão definitivo. Se o privarmos duma parte do material de construção, o órgão estruturar-se-á, porventura, em todos os seus pormenores mas apresentará menores proporções que os órgãos ·normais. Braus (1) mostrou que a cabeça do úmero deixa de se ajustar à cavidade cotilóide, se esta, por falta de material de construção, não atinge o tamanho normal. (I) Hermann Braus (1868-1924,), naturalista e médico, professor da Universidade de Heidelberg, um dos fundadores da mecânica da evolução, autor duma anatomia muito considerada. (N. da ed. alemã) 176 E Spemann, como já vimos, demonstrou que um enxerto de outra espécie animal toma, sim, o germe de significado correspondente à posição no corpo que o recebe, mas desenvolverá um órgão inteiramente diferente, que talvez possa ter utilização no animal de que provém mas não no que o recebe, pois os dois animais executam a mesma função de maneira totalmente diversa. Em.ambos os casos, o germe de significado era «ingestão de alimentos»; a rã, todavia, tem um tipo de alimentação diferente do do tritão. Do mesmo modo, dois quadros que representem uma ma dona, se são obra de dois pintores diferentes, terão, é certo, o mesmo germe de significado mas serão diferentes um do outro. Logo que. os órgãos tenham concorrido no sentido duma função colectiva do corpo, deixarão de surgir formações defeituosas por falta de material de construção, como Braus as identificou. Wessely conseguiu mostrar que, em coelhos novos, que regeneram o cristalino, em maior ou menor escala, todos os órgãos que tomam parte na função da visão aumentam ou diminuem na mesma proporção, de modo que, em todos os casos, aquela continua a exercer-se, sem ser perturbada. Também aqui; é o significado que dirige a regeneração. Que na verdade assim é, conclui-se flagrantemente duma experiência de Nissl (1). O crânio dos marrúferos tem, sem dúvida nenhuma, o significado. de «sólida protecção do cérebro» que debaixo dele se abriga. O crânio também em breve se regenera nos coelhos novos, desde que o cérebro não tenha sido atingido. Se, pelo contrário, uma operação extrair metade do cérebro, o crânio que a cobria já não se regenerará em virtude de ter perdido o seu significado. Neste caso, verifica-se apenas uma simples cicatrização. Como se vê, o significado intervém sempre· como factor natural decisivo, sob aspectos sempre novos e surpreendentes. Se passarmos em revista, mentalmente, os mundos-próprios; encontraremos nos jardins, que circundam as casas «corpóreas dos sujeitos, as mais maravilhosas estruturas, que se comportam como objectos significantes e cuja interpretação oferece, muitas vezes, grandes dificuldades. Tem-se então a impressão de que os objectos significantes apresentam aspectos misteriosos, símbolos, que só pelos indivíduos da mesma espécie são apreendidos, (I) Franz Nissl (1860.1919), psiquiatra. Estudou as modificações patológicas, particularmente das células ganglionares. (N. da ed, alemã) 12 - A. H. 177 / ficando absolutamente indiscerníveis para os componentes de outras espécies. O contorno do mexilhão dos tanques e as correntes de água por ele produzidas oferecem à carpa pequena o símbolo da amizade. A diferença de gosto do vértice e do pecíolo das folhas passa a ser o símbolo de forma para a mínhoca. O mesmo som torna-se símbolo de familiaridade para o morcego e símbolo de perigo para a borboleta nocturna e assim por diante, indefinidamente. Se em face do enorme número de exemplos, acabamos por nos Íconvencer de que, fundamentalmente, cada mundo-próprio está preenchido apenas por símbolos de significado, impõe-se-nos um. segundo facto ainda mais surpreendente: cada símbolo de significado relativo a um sujeito é, ao mesmo tempo, motivo de significado para a configuração corpórea do sujeito. ' L A casa «corpórea» é,· por um lado, criadora dos símbolos que povoam o jardim e, por outro lado, o produto dos mesmos símbolos, os quais intervêm como motivos na estrutura da casa. À janela «visual» da casa deve o sol o seu brilho e a sua configuração nas alturas do céu que é como que abóbada do jardim. Mas ele é também a causa deterrninante ' na estruturação dessa janela. Isto que se passa com os animais, passa-se igualmente com o homem e só pode resultar de o factor natural que se manifesta em ambos os casos ser o mesmo. Admitamos que, por qualquer fenómeno da Natureza, tinham morrido todas as borboletas nocturnas e que nos incumbiam da missão de preencher esta lacuna no «teclado» da vida. Como procederíamos em tal emergência? Tomaríamos, possivelmente, um lepidóptero diurno e habituá-lo-íamos às flores que abrem à noite, pelo que teríamos de dar à constituição das antenas maior importância que à constitj.iição dos olhos. Como, porém, as novas borboletas nocturnas ficariam à mercê dos morcegos, de voo tão rápido, ter-se-ia de criar, 'para este inimígo, um sinal de reconhecimento que permitisse à maioria das borboletas escaparem-se a tempo. Como símbolo de perigo, de inimígo, o melhor seria utilizar o pio do morcego, que o próprio morcego usa sempre como símbolo de familiaridade. Para poder captar o pio do morcego, a borboleta teria de ser reconstruída e dotada dum órgão auditivo 178 que a pusesse em comunicação com o símbolo do perigo. Isto quer dizer que o símbolo intervém como causa de terminante no plano de construção. Se na borboleta nocturna não houvesse qualquer coisa de morcego, A sua vida pouco duraria. Podemos muito bem pensar que a carraça apareceu para preencher uma lacuna no «teclado» da Natureza. Neste caso, o objecto significante, constituído pelas propriedades gerais dos mamíferos, seria, ao mesmo tempo; símbolo para a vítima e causa determinante no plano estrutural da carraça. Para terminar, procuremos agora observar, de fora, a nossa própria casa corpórea, com o seu jardim, Sabemos já que o nosso sol, o nosso céu, juntamente com o jardim cheio de plantas, animais e pessoas, são apenas símbolos duma composição natural que tudo abrange e tudo ordena, segundo a categoria e o significado. r-- Com esta noção, nós adquirimos também o conhecimento dos limites do nosso mundo. Podemos, com efeito, aproximar-nos de todas as coisas ou penetrar nelas, com auxílio de aparelhos cada vez mais perfeitos, mas nem por isso passamos a ter algum novo órgão sensorial e, por muito que desdobremos as propriedades das coisas nos seus últimos elementos-em átomos, em electrõesl~~as nunca deixarão de ser simples notas particulares dos nossos Entidos e das nossas representações. Sabemos que 'este Sol, este Céu e esta Terra 'desaparecerão com àiiõSsã morte; continuarão, porém,-; eristir--;-em formas -semeIliantes, nos mundos-próprios das gerações futuras. Não-existem só asmultiplicídades de espaço e tempo, em que coisas podem alargar-se; existe também a multiplicidade dos mundos-próprios, em que as coisas subsistem sob formas sempre novas. . Nesta,' terceira multiplicidade, todos os mundos-próprios oferecem o «teclado» em que a Natureza executa a sua supertemporal e super-espacial sinfonia de significados. A nós, durante toda' a nossa vida, cabe-nos a missão de; com o nosso mundo-próprio, constituir uma tecla, no gigantesco teclado que mão invisível percorre. -- ~---- G 179 INTRODUçko À EDIÇÃO ORIGINAL Epígrafe: Uns-os materialistas-tudo arrastam do céu e do mundo do invisível para a terra, como se quisessem apertar nas mãos fechadas rochedos e carvalhos. Depois pegam em tudo e sustentam a todo o. transe que só existo o que é palpâoel e inteligível. Tomam a existência material como a única existência e olham com desdém para os outros, os que, além do material admitem ainda outro domínio do ser, e não querem dar ouvidos a qualquer opinião diferente da sua, seja ela qual for. (PLATÃO, Sofistas. Traduzido para alemão por Karl Kindt, Platão, Antologia. Karl Rauch Verlag) Max Hartmann (1) é, sem dúvida um investigador eminente, que goza merecidamente de grande reputação. Por esse motivo não deve ignorar-se, de ânimo leve, um reparo que dele venha. Ora Hartmann, num escrito muito divulgado, acusou-me de induzir o público em erro. Se eu o entendo bem, a. sua censura resulta de eu, com a teoria da obediência da Natureza a um plano, ter despertado esperanças vãs em círculos de leigos. Esta acusação de eu ter induzido 'em erro já uma vez me fora feita, embora noutras circunstâncias. Na ilha de Íschia, onde passei uns belos dias de primavera, . encontrei um velho conhecido que me pediu indicações sobre o caminho. Dei-lhe a informação de que no ponto onde havia uma .roseira em flor, devia voltar à esquerda. Mais tarde, encontrámo-nos, por acaso, junto da mesma roseira e o meu conhecido recriminou-me por' tê-Io enganado, visto que a roseira não tinha rosas nenhumas. Daí se concluiu que sofria da. cegueira das cores e não podia distinguir as rosas vermelhas que sobressaíam de entre a verdura das folhas. A censura que Hartmann me dirigiu parece-me assentar numa deficiência constitucional semelhante à do meu conhecido de Ischia. Este era cego para as cores, Hartmann é cego para o significado. Ele .contempla a face da Natureza como o químico contempla a Madona Sistina. Vê as cores, sim, mas não vê o quadro. O químico pode, sem dúvida, ir muito longe na análise (I) das cores mas isso nada tem que ver com o quadro. Apesar de ser citologista distinto e químico, os seus trabalhos nada têm que ver com a biologia considerada doutrina da vida. Só é biologista quem investiga o plano a que obedecem os fenómenos vitais. Perdeu-se quase por completo esta concepção da biologia e, principalmente. a obediência das relações dos significados à lei é «terra incognita» para a maioria dos investigadores. Vejo-me, assim, obrigado a começar com os exemplos mais simples, para oferecer ao leitor apenas uma ideia ele o que se entende por significado e, finalmente, para mostrar que tudo que é vivo só pode ser compreendido se lhe tivermos descoberto o significado. Devo principalmente observar que é erro: primeiro, encarregar u~ químico, em vez de um historiador de arte, de criticar um quadro; segundo, confiar a apreciação de uma sinfonia a um físico, em vez de a confiar a um músico; terceiro, em vez de chamar um biologista, conceder a um mecanista o direito de apreciar a realidade dos comportamentos de todos os organismos, apenas na medida em que elas obedecem à lei da conservação da energia, Os comportamentos não são simples movimentos ou tropismos: consistem em apercebere actuar e são regulados não apenas mecânicamente mas também segundo o significado. Esta concepção contraria, evidentemente, a «lei da economia mental» com que os mecanistas tornaram tão fácil a investigação. Mas ladear problemas não é resolvê-Ios . Se considerarmos os progressos realizados durante as últimas décadas da investigação ela vida, na medida em que eles obedecem à senha do beaviorismo e dos reflexos condicionados, bem podemos dizer que o experimentar se tornou cada vez mais complicado ao passo que o pensar se tornou cada vez mais simplista e mais fácil. O pensar fácil actua como doença contagiosa e afoga todas as iniciativas duma concepção .autónoma do mundo, no grande público: «Deus é espírito e espírito é nada» diz a sabedoria barata com que hoje em dia o homem simplistá se dá por satisfeito. Esta sabedoria é de tão baixo preço que bem lhe podemos chamar pura ignorância. Eu pergunto a Max Hartmann, se é este o objectivo a que ele pretende conduzir o público. J. von Uexküll Zoólogo e filósofo. Director, desde 1914, do Instituto Max Planck de Biologia. 180 .181 1I E X P L A N A çà O v zcs até aos campos da anatomia E N C I CL O P É D I GA e da fisiologia sm primeiro lugar devem citar-se Hipócrates dOI I111 11111 ~, (século v E «BIOLOGIA DOUTRINA DO MUNDO - PRÓPRIO» (I.) 11. mais tarde Galeno (130-200 d. C.), cujos escritos foram I tOllllldOlI m consideração ainda para aquém da Idade Média. Com 0 fim da Antiguidade a Biologia entrou em decadência. No princípio da Idade Média o saber ocidental toma de novo Jacob von Uexküll foi o próprio a afirmar um dia, que a tradução do termo «Biologia» por «Lebenslehre» ontacto com os escritos dos autores clássicos gregos, por inter- (ciência da vida) pode induzir em erro, se se tomar esta última expressão na acepção médio dos Árabes (Avicenna, 980-1037 de «conhecimento da essência da vida». Disse ele: «A vida é um passando aqueles a constituir fenómeno irredutível, universidades. como o peso. Nada sabemos do que venha a ser o peso mas apenas alguma coisa a respeito do peso dos corpos. e Averroes, 1126-1198), matéria A ciência então dominante, de 'estudo nas escolas e a Escolástica, limitava-se, aliás; 'Também nada sabemos do que venha a ser a vida mas apenas à reprodução e ao comentário dos escritos transmitidos, ordenados alguma coisa a respeito dos seres vivos, A ciência dos seres vivos num sistema de ideias de acordo com as doutrinas é uma pura ciência natural e tem um único objectivo: o estudo dominantes. Tomás de Aquino é um dos escolásticos mais repre- da organização do corpo dos seres vivos, da sua origem e do seu sentativos (1225-1274) funcionamento», morte, c~mo fenómenos irredutíveis, passaram a ser para o homem Deve citar-se ainda, como um dos mais notáveis representantes da sua época, Alberto Magnus (c.a I'I93-1280), que, como o seu os acontecimentos discípulo Tomás de Aquino, pertencia à ordem dos Dominicanos. 1 Com o despertar de máxima do espírito humano, importância vida c nas suas relações As Universidades, com a natureza. Por isso a biologia deve também ser considerada, nas suas origens, como a primeira para chegar a adquirir tentativa um conhecimento crição dos seres vi:"os e a sua anatomia culturas pré-cristãs feita pelo homem da natureza. A des- aparece já nas elevadas dos Babilónios, Egípcios e Chineses. Os pri- buiram para religiosas e comentou os ensinamentos de Aristóteles. fundadas uma expansão a partir do século XII, contri- e intensificação do conhecimento dos animais e das plantas. As novas descobertas no campo da Astronomia, da Matemática consequências, tanto e da Física, tiveram de método como desenvolvimento Grécia teocêntrica do mundo foi orientada num sentido físico-matemático, teles (384-322 Um dos seus mais notáveis cultores foi Aristóa. C.), discípulo de Platão Alexandre o Grande. e futuro mestre de Aristóteles fundou uma escola própria e em que forças cientificamente exactas; importantes no posterior mórdios de uma Zoologia científica surgem pela primeira vez na antiga. das ciências naturais teóricas, determináveis passa no macrocosmos. Mas também a representação regulam o que se nos aspectos relativos ao é cONsid~rado o pai da Ciência 'Natural. A par dele deve citar-se microcosmos se iniciou análoga transformação, COm0,priméire em virtude dos aperfeiçoameneos dos métod~s ópticos de inves- enciclopedista nesse campo, Plínio (23-79 d. C.), sem se ter notabilizado como investigador, compilou as descrições tornada tigação e pela invenção do microscópio e sua aplicação aos estudos feitás por outros, na sua Naturalís Historia em trinta e sete volumes. biológicos. As descobertas de Malpighi, Swammerdame Os seus escritos e os de Aristóteles exerceram até ao século XVl,1I hoek, nos séculos XVII e XVIII, marcam decidida influência sobre as descrições da natureza. As investiga- época. A interpretação ções, de' médicos notáveis da antiguidade nos aspectos imediatos, sem intervenção 182 alargaram-se muitas viável Q Loewen- início de uma' nova da natureza começara por se fundamentar de instrumentos auxi- ,183 liares. o mundo, tal como os sentidos,dele tomavam conhecimento, e a.sua representação eramidênticos, Darwin (180g-1882),0 À visão, agora enorrnemenu reforçada pelos meios auxiliares que a física punha ao serviço da ciência, revelava-se agora um, mundo novo, micro e -macro- r ditariedade dos caracteres adquiridos como da variabilidade espécies, a origem da diferenciação destas. O princípio em cebida. Isto não quer de modo nenhum significar que se pudessem se baseia a hipótese de Darwin é o aparecimento ocasional variações de diferente natureza nos seres vivos, variações que H seres vivos a processos físicos e químicos. Contudo, já no século' XVJl O .se revelou a tendência para interpretar riações era atribuído os processos da vida em na selecção natural, através da luta pela existência deveria ser a causa tanto da -ffsico que constituía uma nova realidade, a par da até aí ap r· muito simplesmente reduzir todos os fenérnenos manifestados n mais notável defensor do Eoolucionismo tempos modernos, viu principalmente depois submetidas à selecção.natural. O aparecimento dessas a factores de natureza causal; pelo con- termos exclusivamente físico-químicos. Tal concepção revela-se ário, a evolução propriamente também na filosofia desse século, principalmente I, de sorte que é o acaso que desencadeia a selecção natural, em René Des- dita não obedeceria a nenhuma cartes (15g6-1650), cuja explioação mecanista dos processos qu terminando se passam nos seres vivos influiu nitidamente eias .de Darwin exerceu forte influência: sobre a sistemática, a tempo. A orientação lhada no século de um XVIII da explicação nos estudos do seu muito largamente espa- comparada e as tentativas de considerar os seres vivos modo puramente tendência. Simultâneamente mecanista são características desta estabelece-se nessa época uma espe- cialização cada vez maior da biologia, que dificultou cada vez mais uma visão de conjunto. Carl von Linné (1707- 1778) estabelece no seu System der Natur uma ordenação de alto significado assim o formação de espécies novas. O curso das que se buscaram e o estudo da hereditariedade, disciplinas provas .em favor da teoria da evolução. esencadeou-se, então, uma batalha pró e contra o darwinismo, atalha que-ainda hoje duravUm.dos mais ardentes adeptos da oria foi o zoologista Ernest Hae€kel(1834-1919), o .qual, no que se refere às suas consequências, foi .muito mais longe doque arwin, e que no seu trabalho capital Die Weltrãtsel (Os .enigrnas e fundamental no reino animal e vegetal, pelo que é considerado do o pai da sistemática moderna. Buffon (1707-1788), ao contrário particulas elementares dotadas de vida .. As consideráveis conse- de Linné, considera que os problemas dos estudos da natureza quências que Haeckel- e os seus adeptos deduziram da teoria de consistem antes numa vasta caracterização descritiva dos seus aspectos, como se conclui da sua enciclopédia, a Histoire Naiurelle. U niverso) procurou 'explicar a origem do mundo a partir- de Darwin encontraram, em parte, urna acerada critica. Ao número destes críticos de Darwirr pertenceu, entre outros, August Weiss- No século XVHl, a par de uma biologia nnais sistemática, comparada mann e descritiva, desenvolve-se urna série de especulações sobre a origem caracteres adquiridos' e em seu lugar propôs uma teoria própria, (1834-1914), que rejeitou a teoria da hereditariedade das espécies, que exerceram sobre a orientação dos estudos bio- chamada teoria do plasma lógicos o aparecimento uma influência muito importante. Cuvier (1769-1832), germinativo, dos com que procurou explicar de novos caracteres. Nem esta nem .a teoria das um dos mais notáveis zoologistas do seu tempo e um dos criadores mutações, da anatomia brusco e constante de espécies novas, puderam explicar a evolução bilidade chamado comparada, defende o ponto de vista da invaria- das espécies. Foram evolucionismo, seus antagonistas Lamarck os adeptos do (1744-182g) e St. Hilaire (1772- 1884), que se podem' considerar precursores de Darwin. 184 formulada mais· tarde' e que' admite -o aparecimento das espécies, a sua multiplicidade e a sua integração numvplano natural, pois que, em organismos emIuta tunidadec de concorrência; opor- plano ordenado constituem o pressuposto da viabilí- 185 1"1 I dade e, deste modo, de estarem em condições de tomarem parte matemática tudo, ab initio, é intel1.pretado por um princípio geral de massa, número e lei, em biologia a interpretação Johannes Du Bois-Reymond numa luta pela existência e numa selecção. Ao passo que na física, na. química ena fundadores, dos aspectos da vida foi-se tor- MüIler (1801-1858). Os seus discípulos, (1818-1896) e Helmhollz (1821-1894), foram, pelo contrário, adeptos da explicação mecano-física. Já nessa altura se revelava na fisiologia dos sentidos a tendência não só para explicar os processos vitais e de desenvolvi- nando, com o decorrer do tempo, cada vez mais difícil. Desde que mento, mas também o comportamento se descobriu a célula e os elementos que a constituiam, o interesse recorrendo à influência das forças químicas e físicas do ambiente especial dos biologistas fixou-se no seu estudo. Da citologia, ou estudo dos organismos. da célula, derivou um grande número de campos de investigação, que as energias que afectavam cujo fim comum era o conheoimento em acção. As designações «positiva» e «negativa» estrutura. Procurou-se da sua função e da sua O animal era dos animais e das plantas, concebido como um mecanismo os órgãos dos sentidos punham estabelecidas para as diferentes formas de energia, como luz, gravidade, decompor o que se passa na célula, e também deviam explicar o comportamento perante etc., os estímulos do am- o que se passa na totalidade do organismo, em processos cada vez biente, como mais tarde se julgou consequente mais simples. Para isso recorreu-se aos mais modernos métodos pismos de Jacques Loeb (1859-1924). Como essa teoria não fosse da suficiente para explicar o comportamento técnica de determinações quantitativas químicas e físicas (métodos bioquímicos, emprego dos isótopos na pesquisa do modo teriormente como as substâncias von Kühn se transformam electrofisiológica, etc.). Recorrendo nos organismos, técnica aos raios X e a requintados completada e ampliada resultante dos animais, foi pos- por outros, por exemplo,· (n. 1885), que interpretava como essencialmente na teoria dos tro- o comportamento animal de actos reflexos. O fisiologista métodos ópticos, e ao microscópio electrónico, estudou-se a estru- russo Pawlow (.1894-1936), desenvolveu de uma forma pronun- tura fina da célula, e atingiu-se o nível macromolecular, progresso ciadamente não desprovido de perigo pois que ameaça fazer da biologia uma reflexos-condicionados. química e uma física aplicadas, e esgotar energias na formulação uma solução para dos seus problemas. mente me canis tas, no seu beaúiorismo, em que elevou à categoria O problema da inquirição das eausas em mecanista uma concepção semelhante no âmbito dos Watson (n. 1878), pretendeu as dificuldades biologia não pode, porém, ser a redução dos processos vitais a de princípio processos físico-químicos. Estes só nos podem fornecer o conheci- animal. Os pontos de vista intuitivos defendidos mais tarde por mento dos elementos cuja ordenação e mútua dependência Jacob deter- minam ·apenas o que há de específico nos processos vitais. Quando fundamental von Uexküll consideração a pura encontrar destas explicações unilateral- passam a situação descrição do comportamento se se toma em em que a biologia se encontrava a compreender-se no se pro,cura reduzir o sistema altamente complicado dos fenómenos dobrar do século. O darwinismo perdia-se em largas especulações, biológicos a acontecimentos enquanto causais, fica, no fim, sempre alguma a fisiologia,' dominada pelos mecanistas, se afun- das transformações da subs- coisa não analisável. Foi isso que se deu com as funções específicas dava cada vez mais nos problemas da célula, assim como com os fenómenos morfológicos e de desen- tância e da energia. Jacob von Uexküll sentiu-se particularmente volvimento, e ainda com as correlações mútuas dos seres vivos. atraído por Johannes Que outro tanto. se passou na fisiologia, que trata das correlações dos órgãos no corpo, afirmou-o claramente 186 um dos s<,;!1S Müller (1801-1858) e Karl Ernst von Baer (1792-1786), cujas ideias tinham afinidades com as suas próprias. Karl E. von Baer fundando-se nos seus estudos de' embriologia 187 .,J chegara a conclusões diferentes das de Darwin. Admitia uma dife- renciação gradual no reino animal, que, porém, devia ter-se dado exemplos sempre novos, fez entrar esta interpretação ejustificou-a. Pela natureza da sua atitude teórica e metodológica, o estudo do apenas em alguns tipos, não segundo uma ininterrompida cadeia mundo-próprio abrange não só o campo da fisiologia dos nervos e de evolução. dos sentidos mas também a psicologia animal e o estudo de compor- Jacob von Uexküll opôs à concepção da época, que considerava os seres vivos como máquinas com reflexos, uma nova teoria. Partindo da afirmação de Kant, que tempo e espaço são conceitos su,bj;;;ivos, chegou à convic~de seu próprio esp;'Ç'o su~~ q"ue~da eo se~~róprio tamento. Deve por isso acrescentar-se ainda em que relação está exactamente o estudo do mundo-próprio capítulos da biologia. Uexküll, ser vivo possui o com estes últimos Beer e Bethe tomaram, no dobrar do século, posição contra uma psicologia animal que confere aos animais sentimentos tempo s~bj=vo. Partindo desta ideia, o comportamento dos animais pode expli- humanos e emprega expressões como «uma formiga desesperada» car-se não pelas acções físicas e químicas acidentais exerci das e «um cão acobardado», pelo mundo exterior, mas apenas pelos fenómenos que se passam ainda não constituia uma ciência independente, e eram relativa- no seu mundo-próprio, mente poucas as observações experimentais. subjectivo. Este só pode ser formado por os fenómenos que o animal pode «aperceber» a partir dos seus I Por essa altura ai psicologia animal Entretanto, no intervalo de alguns anos estas passaram a cons- órgãos dos sentidos, que possuem qualquer significado específico tituir para -a sua vida e que são ordenados segundo as escalas do seu colocaram a psicologia animal perante circunstâncias diferentes , uma massa inaudita de dados. As novas investigações espaço e do seu tempo subjectivos. Segundo UexküIl a tarefa com o que sé demonstrou que os conceitos usados pelos teóricos da biologia deve, por isso" consistir antes de tudo na exploração dos_tropismos.e os fisiologistas dos reflexos, assim como as interpre- dos mundos-próprios subjectivos dos seres vivos. A doutrina do mundo- taçoes mecamstas do princípio' da economia de pensamento eram -próprio, por ele proposta, é a mais vasta de todas as concepções Ínsatisfatórias na explicação até aqui apresentadas sobre o animal e as suas funções, porque, Chegou-se ao estabeleeimento de uma série de orientações e de do comportamento· dos animais. baseando-se na ideia da conformidade com um plano, procura con- es~ol~s, que, fundando-se em diferentes postulados teóricos' prosse- siderar o animal como sujeito, e apresentar este correlacionado com gU1a~ na busca do seu objectivo, como, por exemplo, as que o seu mundo-próprio. Esta teoria serve para explicar os processos admitiam no primeiro plano das suas considerações o problema biológicos no quadro de um acontecer totalmente biológico, da '~(totalidad~», o qual também e, por isso, veio a ser a doutrina do «significado». Jacob von Uexküll desempenha um papel pri- ~acIaI ~a pSicologia geral. O princípio da totalidade já fora tem muitas vezes chamado aos seus antagonistas, cegos-ao-signi- Introduzido ficado, porque se comportam perante a natureza fundamental foi, além disso, mais tarde elaborada em diferentes direcções por Alverdes, Jordan, Haldane e Kôhler .. como alguém que num livro estudasse a forma do tipo em que está impresso e a tinta usada em vez de procurar compreender o que ele quer por Driesch nos conceitos biológicos. A sua ideia O moderno estudo do comportamento abriu ,um novo caminho significar. A natureza é para ele uma peça teatral em que cada metodológico para estes problemas; e primeiro que tudo forneceu um dos actores tem o seu papel e em que tudo está mutuamente valiosos pontos de vista relativos à natureza do instinto nos animais. ligado C0m -vista a um resultado rico de sentido e de significado. Os instintos dos animais sempre tinham despertado o interesse dos A peça prescreveu, os personagens obedecem. Em varjantes e zoologistas. Os estudos de Wasmann (1859-1931) 188 e Fabre (1823189 -1915) Ja haviam mostrado quão multiar:ticuladamente são construídos os 'instintos dos insectos. As investigações sobre factores ambientais levaram também ao conhecimento de grande número de factos importantes, como, entre outras, os estudos feitos sobre a vida das abelhas, devidas a Frischs. Actualmente estão em curso sobre o comportamento dos vertebrados e os seus instintos, o processo de aprendizagem, estudos pormenorizados o adestramento, a orientação, etc., com resultados que demonstram peran'te o meio ambiente. O actual estudo do comportamento situa-se n~ lin~a os métodos de trabalho divisória entre seguidos em ~slOlogla e aqueles que procuram a consolidação de uma forma de ~nvestigação independente, e com isso se esforçam com o mesmo Il1teresse por evitar os perigos da redução de tudo ao ponto de vista humano do antropocentrismo, e os perigos igualmente uma singular obediência a leis e uma variedade até aqui não igualada, como Dr. Georg Kriszat, Estocolmo se conclui dos trabalhos de Tinbergen, Lorenz, Hediger e Portmann. Deve-se principalmente a Konrad Lorenz e Nikolaus Tinbergen, o terem compreendido. o estudo dos estímulos necessários para o desencadear do comportamento pormenorizadamente comunitária instintivo, o papel do instinto e terem analisado no quadro da vida dos animais, em especial por meio dos seus estudos sobre o comportamento social e individual das aves umas em relação às outras. Mostram eles que os comportamentos instintivos são tão específicos para cada espécie animal, como a sua estrutura física, e que entre espécies semelhantes se manifesta certa afinidade de instintos. Só agora se revela em toda a sua extensão a obra de pioneiro realizada por Jacob von Uexküll, não só no campo da biologia geral .como no caso especial ,da psicologia animal, em que estabeleceu os alicerces' teóricos e práticos de uma ciência que actualmente, do comportamento, com o material de factos carreados pelo estudo adquire novos elementos O -rnoderno estudo do comportamento do mundo-próprio numerosos estímulos e para. à sua estruturação. foi buscar à doutriná constantemente conceitos práticos' e -teóricos. A importância acentuada dos métodos de investigação fisiológica, já por Uexküll, conduziu, em 'vários sentidos, as investi- gações 'sobre' o comportamento a insistirem nos aspectos fisioló- gicos, o que, de facto; fornece dados de grande valor, mas resultou do problema central do estudo do comportamento. Este é, e continua a ser o papel <1'0 animal como sujeito grandes da redução do animal à categoria de um complicado mecanismo. que se «comporta» 1f'lO 191 apresentada nos seus fundamentos no seu livro Umwelt und Innenwelt A.CERCA DO AUTOR der Tiere, foi desenvolvida numa série de trabalhos concludentes. Nos Bausteinen zu einer biologischen Welt (Fundamentos para um Mundo Biológico) e nas Biologischen Briefen an eine Dame (Cartas ]acob von Uexküll" nasceu na herdade de Keblas, na .Estónia, 8 de Setembro de 1864. Depois de frequentar sobre Biologia a uma Senhora) expõem-se as suas ideias essenciais, o liceu em em id d Coburgo e, depois, em Reval, estudou zoologia na Universi a ~e que tem na sua obra capital Theoretische Biologie (Biologia Teórica) de Dorpat e aí terminou os seus estudos fazendo as provas entao Doutor habituais. No instituto do conhecido fisiologista Kühne, em a formulação definitiva. Em 1907 recebeu a honra do grau de delberg. em Medicina Mas honoris causa pela Universidade continuou a ser-lhe negado de Hei- o reconhecimento Heideiberg, começou a trabalhar no estudo do aparelho loc~~otor oficial de qualquer instância superior, sob a forma de uma cátedra dos animais. Desenvolveu então noções novas sobre a actividadc de professor. Se, por um lado, não lhe foi possível ascender ao nos d o músculo e o fluxo do estímulo no sistema nervoso. Apoiado . seus estudos, erigiu uma nova fisiologia comparada dos inverte- professorado, anularam brados. Esta fisiologia biológica de novo tipo simultâneamente dedicação de trabalhador apresentava meios de fortuna. Só em 1926 foi criado para ele um lugar de o animal como um organismo ligado segundo um plano ao seu mundo-próprio e lançava os alicerces para o estu~o- I. as consequências da Primeira Guerra Mundial a possibilidade de fazer progredir a ciência com a sua professor honorário privado, em virtude da perda dos seus na Universidade de Hamburgo, onde, em _do_mundo-próprio, mais tarde por ele e1aborado com ~s c~nceltos condições extraordinàriamente de Plano, Ciclo-de-Função jür Umweliforschung (Instituto para o Estudo do Mundo-Próprio). e Mundo-Próprio. Os notáveis re.sultados dos seus trabalhos realizados de 1892 a 1909 estão reum~os err: Leitfaden in das Studium der Experimentellen Biologie (Guia do Estudo da Biologia Experimental = ~assertw~e dos Animais a:u~- modestas, foi organizado o Institut Em condições primitivas e com grandes dificuldades, conseguiu elevar o Instituto a uma categoria de instituto de investigação científica digna de nota. A sua forte originalidade e a sua riqueza ticos) e na obra Umwelt und lnnenwelt der Tiere (Mundo-Pr~.pno de ideias, e a profusão de problemas científicos que o ocupavam, e Mundo-Interior não tardaram romperam-se delberg dos Animais). Depois da morte de Kuhn.e os laços que ligavam Uexküll ao ,I~stituto d~ Hel- e pouco depois, com a Estação Zoologlca de Napoles, em qu~ t;abalhara a trabalhar regularmente até 1903. Desde então passou como investigador privado livre e escolheu os se~s próprios problemas e colaboradores, independentemente de qual- a atrair um círculo de discípulos que ele soube reunir numa comunidade de trabalhadores que constituía como que uma família. Quando o «Instituto para o Estudo do Mundo-Próprio» festejou, em 8 de Setembro de 1934, o septuagésimo aniversário de] acob von Uexküll, pôde-se fazer um balanço de uma preparação, em menos de dez anos, de setenta trabalhos, em um quer instituto. Em 1909 empreendeu uma viagem ~ai~ longa pel~ terço dos quais von Uexküll aparecia como autor. A Universidade África, que foi para ele rica de ensinamentos hlst~nco-na~u~als . , q e vtrra.rn e nele deixou sugestões e vestígios de alta lmportancla u de Kiel galardoou-o a revelar-se nos seus trabalhos posteriores. Outras viagens de estudo de Utrecht o diploma de honra de Doutor em Ciências Naturais. o levaram a Nàpoles, a Beaulieu, Berck-sur-Mer, Mónaco, Roskoff As várias distinções sob a forma do grau de Doutor honorário, e Biarritz. , ." Por essa ocasião, a teoria do mundo-propno, que recebeu em vida, mostram bem significativa e simbolicamente ja por Uexküll sofia honoris causa. Alguns anos mais tarde recebeu da Universidade 13 - A.H. 192 nesse dia com o título de Doutor em Filo- 193 LISTA DOSESCRITOS E LIVROSDE JAKOB UEXKÜLL o seu valor em três ramos da ciência que serviu, tanto por um trabalho individual notável como também por uma visão cada vez mais precisa do que é significante. Nessa época publicou Livros também as suas memórias, das quais se conclui quanto era activo o intercâmbio espiritual em que intervinha, para além do círculo dos seus colegas de profissão, e com que profunda penetração ele compreendia , os mundos-próprios dos seus semelhantes. Os seus últimos anos passou-Os Jacob von Uexküll com sua esposa em Capri. Aí concluiu com perfeita frescura de esp.írito e incansável energia os seus últimos trabalhos, uma 'Vez mais fez .uma recapitulação em que ainda e revisão da sua obra. Em 25 de Julho de 1944, antes de completar oitenta anos, a morte arrancou-lhe a pena 1905 Leitfaden in das Studium 1909 Umwelt und lnnenwelt der Tiere, Berlim ; 2.a ed. Berlim zu einer biologischen Weltanschauung. Col. de artigos pub. e pref. por Felix Gross. Munique. 1919. Biologische Briefe an eine Dame, Março/Junho; Staates). Dr. Georg Kriszat, Estocolmo Biologie 1921. 1913 Bausteine (Anatomie, Berlim, separata Hamburgo, 1920 Theoretische em Deutsche Rundschau, em livro: Berlim, 1920. 1920 Staatsbiologie da mão. der experimentellen der Wassertiere. Wiesbaden. Physiologie, Pathologie des de Deutsche Rundschau ; em livro: 1933. Biologie. Berlim; 2.a ed. 1928, com índices de nomes e de assuntos de Friedrich Brock. 1928 Housten Stewart Chamberlain. 1930 Die Lebenslehre. Natur und Leben. Munique, Potsdam. 1934 com G. Kriszai, Streifzüge durch die Umwelten von Tieren and Menschen. Livro ilustrado de mundos invisíveis. Compilação: Verstãndliche Wissenschaft. Berlim. 1936 Nie geschaute Welten. Berlim; 2.a ed. Berlim, 1939; 3.a ed. Berlim e Francfort, 1949. 1940 Der Stein von Werder. Hamburgo. 1940 Bedeutungslehre, Bios, vol. X. Leipzig. 1942 Der Sinn des Lebens. Reflexões sobre os problemas Biologia, comunicado em uma interpretação da da prelecção de Johannes Midler realizada em Bonn em 1824 «Von der Bedurfniss nach der Naturbetrachtung», Physiologie com uma einer revista philosophischen de THURE VON UEXKÜLL;em livro, Godsberg, 1947. ·1944 com THURE VON UEXKÜLL, Die ewige Frage. Variationen über einen platonischen Dialog. Biologische Hamburgo. 195 194 1946 Der unsterbliche Geist in der Natur. Discursos. Hamburgo. 1950 Das allmachtige Leben. Hamburgo. 3· Biologia e Psicologia Animal Selecção da lista de escritos abrangendo mais de cem trabalhos individuais 19°0 Úber de Jakob Uexkull rue Stellung der vergleichenden Physiologie zur Hypothese von de Tierseele. Biol. Zbl. VoI. 20. págs. 497-502. I. 19°2 Irn Kampf um rue Tierseele. Erg. Physiol. Parte 2. Ano 1 página 24. ' No campo da fisiologia dos nervos e músculos de 1892-1915 Z. Bio., B. 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37; 39, 40, 44, 46, 49, 50, 55, 56, 58, 60, 65· 1926 Pfiügers Archiv, voI. 212. Deutsch. Revue. Stuttgart, 1937 Das Problem des Heimfindens hei Mensehen und Tieren- 1929 Das Gesetz der gedehnten Muskeln. Tratado de Fisiologia normal e patológica. V. 9. Pág. 741. der primâre und sekundãre wissensch. Fase. 12, pág. 452. Raum. Zeitschr. f ges. Natur- 1938 Tier und Umwelt. Zeitschr f Tierpsychol. VoI. 3, fase. 1933 Pfiügers Archiv, voI. 232. 2. 1912 Die Merkwelten der Tiere. Setembro, págs. 349-355. Para a teoria e definição da Biologia 1899 BEER,TH., BETHE,A. e UEXKÜLLJ. v.: Vorschlãge zu einer objeetivierenden Nomenklatur in der Physiologie des Ner- vensystems. Zool. Anz. voI. 22. págs. 275-280. 1922 Technische und meehanisehe Biologie. Erg. Physiol. 20.0 ano, págs. 129-16 I. 1922 Wie sehen wir die Natur und wie sieht die Natur sieh selber? Naturwissenschaften, 10.0 ano, fases. 12-14. 1925 Die Bedeutung der Planmassigkeit für die in der Biologie. Archiv für Fragestellung Entwicklungsmechanik, voI. 106, pág.6. 1927 Definition des Lebens und des Organismus. Fisiologia Normal e Patológica. VoI. Die Einpassung. Ibd. VoI. I, I, pág. Tratado de I. pág. 693. 1928 Giebt es ein Himmelsgewõlbe? Archivfur Antrop. (2). VoI. 21, pág. 40. 1935 Vorsehlãge zu einer subjektbezogenen Nomenklatur in der Biologie. Com F. Brock. Zeitschr. f ges. Naturwissensch. Fases. 1-2. 196 197 2. íNDICE DE ASSUNTOS A Adaptibilidade perfeita, 16. Ambiente, 9, 10, 17, 21, 30 (nota), 31 s 40, 47, 60, 82, 97, ro3, 125. Amiba, 9. Amiboides (movimentos), 124. (células), 125, 132, 144, 145, 165. Anatomia, 176, 183. comparada, 184 s. Anatomista, 172. Anémona-do-mar, portador-de significado, 72. Antropocentrismo, 191. Antropologia, 12, 17. Apetência, 13. Arndt (filme de), 124, 125, 127, 164. Astrónomo, 110, 134. B 8eaviorismo, 181, 187. eavioristas, 23, II 2. iologia, 9 ss, I I s, 17, 31, 181, 182. experimental, 115. (missão da), I6s. 159. 24, 25· c Caminho aprendido do peixe lutador, 80, 81. Caminho imaginário da larva do gorgulho-da-ervilha, 81 s, 135 s. Caminho imaginário da larva do enrolador-de-folhas, 100, 101. Caminho imaginário das aves migradoras, roo, 10I. Caminho inato, 100, 101 s. Campo defeso, 85. Canais semicirculares do homem, 34, 35· Canais semicirculares de um peixe, 36. Caracteres (V. sinais característicos). Carraça, 23 s. Células de impulso, 26 s. CicIos-de-função, 7 s, 13 s, 28 s, 54 s, 60, 67, 71, rog, ro8, 121, 126, 146, 192. Cinema, 31 (nota). Cinematografia, 50. Cinestesia, 33. Citologia, 186. Companheiro, 87 s. maternal, 90, 150. substituto, 89, 90. Compasso de Weber, 39. Comportamento instintivo, I'go Conformidade com um plano, 17 s, 62, 65, 67, 119, 180, 188. D aminho aprendido, 77 s, 97, 100. minho aprendido da gralha, 80. Dados de orientação, rog, Darwinismo, 187. Defeso para as aves, 13, 85. 201 Determinação da constituição das formas, 127 s. Disposição, . rr , 13, 15, 72, 96: Disposição íntima (V. disposição). '. _ Doutrina da composição da natureza; 145 s. Doutrina do mundo próprio, I I, 28, 31, 134, 182, 188 S. E Ecólogos, 115, 172. Efector, 25 (nota)s, 13, 122, 174· Elemento visual, 41 s, 48. Electrónico, 186. Encadeamento causal, 143. . Energia específica dos sentidos, I I. . _. Energia (lei da conservaçao da), 169, I8r. Energia vital específica, 123, 173· Enteléquia, 18. Escolásticos, I 17. Escolástica, 183. Espaço-de-acção, 33 s, 45, 7'7, 84, 100. da abelha, 37, 38. da lapa, 37, 38. Espaços-dos-mundos-próprios, 31 s, i-63. Espaço tactil, 38 s, 42. Espaço e tempo, 31 s, 52. Espaço tridimensional, 34, 36. Espaço visual, 40 s, 42, 48, 77, 100," 120. Espaço visual da abelha, 38. da carraça, 40. Espaço visual de um insecto voador, 4r. de um molusco, 44· da mosca, 44. Estado interior (V. disposição). Estímulo, 16, 26, 40, 54, 60, 74 s, 94, 99, 122, 128, 130, . 140, 173 s. Esttido do comportamento, 13, 189. Estudo do mundo-próprio, 32, . 104, 189, 193· . Estudo do mundo-próprio (Instituto para o), 22, 193 s. Evolução (teoria da), 185. Génese da forma do carvalho, 143· Germes (formação dos), 134. H Habitat, 147 s, 168 s. Hereditariedade dos caracteres adquiridos, 185. Hierarquia social no mundo animal, 14 s. Horizonte, 45 s, 48, 163. I ,I F Falsas núpcias das moscas, 60. Finalidade, 65, 67, 70. Filosofia natural, 127. Física, 134, 183, 186. Físico-atómico, 112. Físicos, 33 (nota), 47, 112, 134 (nota), 136. Fisiologia 8, 24, 26 (nota), 34 (nota), 186 s, 190. Fisiologia dos nervos, 189. Fisiologia dos sentidos, 138, 189. Fisiologista dos sentidos, 112. Fisiólogos, 20, 24, 34 (nota), 47 (nota) 138, 172. _ • Forma como sinal-característico 57 s. ! G Gástrula, 127 s, 13r. Imagem-efectora, 7 I S, 9 I, 96, 99· Imagem-perceptiva, 65, 7 I S, 90, 96, 103, 108. Imagem-pretendida, 92 s, !O3. do cão, 92, 95· do 96. Indução, 29, 122, 124. Inimigo-substituto, 9!. Instinto, 7 I S, 189 s. Interpretação, 9, 7 I. sapo, L Lar das abelhas, 84. Lar e pátria, 81 s. da aranha, 82, do esgana-gata, do esgana-gata, 82 das pegas, 84. Lei da causalidade, 135. Lei morfogenética, 136, 142. Lupa-de-tempo, 50, 52. M Marca-de-acção (V. sina!-de-acção) . Mecanismo, 7 s, 18. Mecanismo (construção de um), I3I. (animal como) , 187. Mecanista (interpretação dominante), 7 s, 184_, 188. Mecanistas, 134, 140. Mecanização, 124. Medusa pelágica (ciclo de função de uma), 54. Metafísica, 134. Método dos enxertos (Spemann) , 128, 129, 132. Modelo do átomo, de Bohr, 72. Momento de tempo, 31 s, 50. Mosaico de locais, 40 s. Mosca, 47 s, 133. Motoras (células), 25. Movimento como sinal-característico, 57 s. Mudança de imagem perceptiva, 87, 89. Mundo-de-acção, 21, 136 s. da minhoca, 62. Mundo ambiente, 63, 64. da carraça, 30 s. do ouriço-do-mar,58. da paramécia, 53. Mundo habitado, dos seres, 115, -125. das plantas, 122. 202 203 Mundo-de-percepção, 21, 57, 62, 137. Mundo-próprio, 9 s, 15, 20 S, 31, 42, 47, 49, 52 s, 60, 63, 65, 72, 74 s, 84, 91, 96, 100, 103, 104, 108, 118 s, 125, 140, r 59 s, 168, 169, 172, 176, 188, 192. Mundo-próprio da abelha, 63, 64· Mundo-próprio do cão, 75 s, 79 s, 94, 98. Mundo-próprio do caracol, 52. da carraça, 23 s, 27· do casa-roubada, 72. do cego, 79. €IO estorninho, Mundo-próprio 107, lO8. Mundo-próprio 71. Mundo-próprio 99· da da, formiga, galinha, da gralha, 59. do homem, 32, 76, lO4· Mundo-próprio da medusa (Rhizostoma), 53, 54· Mundo-próprio da minhoca, 60 s. Mundo-próprio da mixamiba do bolor-viscoso, 124. Mundo-próprio do ouriço-do-mar, 56 s, 88. Mundo-próprio da paramécia, 52, 53· Mundo-próprio 61. Mundo-próprio II, 32, 122. ( 204 da vieira, 60, dos animais, 7, Mundos-próprios-imaginários, 97 s. Mutações (teoria elas), 185. N Notas-características (V. sinais-característicos ou caracteres). o Observador das profundidades marinhas, I I I. Organismo (estruturação de um), 131 s. Órgão-de-acção (V. órgão de impulso). Órgão-de-impulso, 26, 28, 29, 148, 171, 174· Órgão-de-percepção, 26 s, 29, 32, 57, 93 S, 122, 148, 171, 174· Órgãos-de-recepção, 139 s. Ornitologistas, 84. Percepção de localização, 40. Percepção de sons, na borboleta nocturna, 65, 6'7. Percepção do tempo, 50 s. Plano (organização segundo um). (V. conformidade co~ um plano). Plano morfogenético, 136. Plano natural, 65 s. Plasmódios, 124. Protoplasma, 8 s, 170, 176. Portador de sinal-de-acção, 27, 120 s. Portador de sinal-característico, 27s, 120 s. Produção de sons pelo morcego, 65. Psicologia animal, 15, 18'9. Psicólogo (V. fisiolista dos órgãos dos sentidos). Psiquiatrista, 177 (nota). Q Química (biologia como), 186. Químico (mundo-próprio do), I 12. R p Paleta de percepções dos morcegos, 14I. das borboletas nocturnas, 14I. Passadas de orientação, 33 s, 77 s, 84· Passos de orientação (V. passadas de orientação). Pátria, como problema do ambiente, 81 s. Pátria do cão, 85 s. Pátria do urso, 85. Rabdoma (V. elemento visual). Raios X, 186. Receptores, 24 s, 28, 30, 55, 74, 122. Redutor de tempo, 50. Reflexos, 25, 123, 13 I, 187. da carraça, 56. condicionado, 181, 187. Reflexos 2S, 123, 131, 187. (arco), 25 s, 55, 123. (fisiologia dos), 189. Reflexos (indivíduo), 55 s. (ouriço-do-mar como) 55· (república de), 55. Revestimento protector, 12 I, 125 144· Rota das aves migradoras 100. s Selecção natural, 18S. Sensação do tacto, 40. Simulação da morte, 59 s. Significado, 63, 72 s, 115 s. (correlações de) , 63· (determinismo do) , 127, 129 s. Significado (lei do), 136, 142 5, 1465, ISI s, 154 s. Significado (portador de), 10, 142, 144, I 6) r,. Significado (receptor de), 146, 148, 155, 168, 170, 173, 174· Significado (tolerância de) , IS5 s. Significado (transmissão de) , 136. Significado (utilização de), 1255. ISS· Significado (utilizador de), 119 133, 141 s, 145, 146, 155· Significante (factor), 123, 12S 5 144 s. Significan te (Plano), 132, I 35. (objecto), IIS s, 122 ~ 130 ~ 141 ~ 145 ~ 155, 168, 174, 177· Sinal-de-acção, 27, 28 S, 52 5, 57, 63, 64· 205 Sinal-de-activação (V. sinal de impulso). Sinal (V: sinal característico). Sinal de impulso, 27, 29, 94· Sinal-característico, 10, 27, 28 s 52, 54, 57 s, 60, 63, 67, 7 I, 77 s, 140.' Sinal-do-local, 40. Sinal-de-orientação, 33, 78, 81, 84· Sinal-perceptivo, 27, 30, 32, 39 s, 94, 100, 102, ~, 139· Sinal táctil, 84. Sinal-visual, 38, 8 I. Sistema de coordenadas, 34, 35, 78. Sistema' nervoso central, 15, 25, 160. Sons perceptivos, 160. Sujeito como objecto de investigação biológica, 10, 16. T Técnica da natureza, 158 s. Teia de aranha (interpretação da), 132. Tempo e espaço, (conceitos subjectivos de) 188. Tempo, criação do sujeito, 50 s. Teor efector (V. teor de utilização). Teor efector da carraça, 74 s. orgânico, 132. prático, I I. pretendido, 92 s, 96. Teor-de-utilização vital, 132. Teor-de-utilização, 74 s, 96, 108, 161. Teoria do plasma germínativo, 185. v COM P ° S TOE NAS OFICINAS 1M P R E S S O. GRÁFICAS DE LIVROS DO BRASIL, LDA. Vitalismo, 7, 18. z Zoologia, 182, 189, 192. Zoologista (V. zoólogos). Zoólogo, 20, 90 (nota), 124 (nota), 128 (nota), 149 . (nota), 154 (nota), 184, 185. Zoopsicologia, 90. RUAPOS CAETANOS, 22-LISBOA