O contrato de aprendizagem e as alterações a partir da Lei 1097
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O CONTRATO DE APRENDIZAGEM E AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 10.097/2000 Grasiele Augusta Ferreira Nascimento1 Introdução Um dos temas mais debatidos em Direito do Trabalho refere-se à proteção ao trabalho da criança e do adolescente no Brasil. Com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 20/98, a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho passou a ser aos 16 anos e aos 14 anos para a aprendizagem. Mesmo com toda a proteção dedicada pela legislação atual ao trabalho infantil, é notória a intensa participação de crianças e adolescentes no mercado de trabalho, na maioria das vezes de maneira irregular e sem expectativas de crescimento intelectual e profissional. Com a intenção de possibilitar a qualificação profissional e o engajamento correto no mercado de trabalho, inúmeros tem sido os esforços dos legisladores para estruturar a profissionalização dos adolescentes. A Lei 10.097/2000 trouxe várias alterações à Consolidação da Leis do Trabalho sobre o tema, as quais serão objeto do nosso estudo. Conceito, requisitos de validade e duração do contrato de aprendizagem Oris de Oliveira define a aprendizagem como “a fase primeira de um processo educacional (formação técnico-profissional) alternada (conjugam-se ensino teórico e prático), metódica (operações ordenadas em conformidade com um programa em que se passa do menos para o mais complexo), sob orientação de um responsável (pessoa física ou jurídica) em ambiente adequado (condições objetivas: pessoal docente, aparelhagem, equipamento”.2 Ensina-nos o citado autor que o adolescente pode profissionalizar-se de dois modos, ou em escolas técnicas, aprovadas e supervisionadas pela autoridade competente, ou na empresa. Há, portanto, duas modalidades de aprendizagem: uma escolar, outra empresária, que diferem substancialmente, uma vez que na primeira a natureza da relação jurídica é a de escola-aluno e, na segunda é de empresa-empregado. O objeto do nosso estudo é a aprendizagem profissional ou empresária, ou aprendizagem em sentido estrito. A Portaria n. 127, de 1956, do Ministério do Trabalho, define aprendizagem empresária como “processo educacional, com desdobramento do ofício ou da ocupação, em 1 Doutora em Direito do Trabalho pela PUC/SP, Professora e Coordenadora do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – U. E. de Lorena. 2 Oris de OLIVEIRA, O trabalho da criança e do adolescente, p. 89. operações ordenadas de conformidade com um programa, cuja execução se faça sob direção de um responsável, em ambiente adequado à aprendizagem”. Na lição de Octávio Bueno Magano, a “aprendizagem pode ser definida como sistema em virtude do qual o empregador se obriga por contrato, a empregar um jovem trabalhador e a lhe ensinar ou a fazer que se lhe ensine metodicamente um ofício, durante período previamente fixado, no transcurso do qual o aprendiz se obriga a trabalhar a serviço de dito empregador”.3 Nos termos do artigo 428 da C.L.T., com a nova redação dada pela Lei 10.097/2000, “contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação”. É importante ressaltar que para a validade do contrato de aprendizagem devem ser observadas as três condições impostas pelo parágrafo 1o do art. 428 da C.L.T.: 1) anotação na Carteira de Trabalho de Previdência Social; 2) matrícula e freqüência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental; 3) inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualidicada em formação técnico-profissional metódica. O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de 02 (dois) anos, sob pena de estar sujeito às regras do contrato de trabalho por prazo indeterminado em geral. Natureza Jurídica A natureza jurídica do contrato de aprendizagem não é pacífica entre os doutrinadores. Como esclarece Ricardo Tadeu Marques da Fonseca4, existem três correntes diversas a respeito. Alguns doutrinadores consideram a aprendizagem um contrato sui generis, cujo objetivo principal é a instrução técnica do aprendiz, e não o trabalho subordinado. Daí negar a relação de emprego. Outros doutrinadores como Amauri Mascaro Nascimento5 e Oris de Oliveira6, defendem a natureza jurídica de vínculo de trabalho, com cláusulas especiais destinadas à formação profissional do prestador de serviço. Existem adeptos, ainda, de uma corrente mista, entendendo que a natureza jurídica da aprendizagem é tanto civilista quanto trabalhista, dependendo do local em que o trabalho é prestado. Predomina no Brasil o entendimento, com o qual concordamos, de que o contrato de aprendizagem inclui-se entre os contratos especiais de trabalho, uma vez que a subordinação do aprendiz empresta fator preponderante ao contrato, que tem por objeto a prestação de serviço remunerada e dirigida para o mister da profissionalização. Observe-se 3 Octávio Bueno MAGANO, Manual de Direito do Trabalho: Direito Tutelar do Trabalho, p. 145. Ricardo Tadeu Marques da FONSECA, A proteção da criança e do adolescente no Brasil: O direito à profissionalização, p. 175-178. 5 Amauri Mascaro NASCIMENTO, Curso de Direito do Trabalho, p. 752. 6 Oris de OLIVEIRA, op. cit., p. 89. 4 que o próprio artigo 428 da C.L.T. conceitua o contrato de aprendizagem como “contrato de trabalho especial”. Normas gerais de contratação De acordo com o disposto no artigo 429 da C.L.T., os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem7 número de aprendizes equivalente a 5% (cinco por cento), no mínimo, e 15% (quinze por cento), no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. É importante observar, contudo, que o limite fixado pelo artigo 429 da C.L.T. não se aplica quando o empregador for entidade sem fins lucrativos, que tenha por objetivo a educação profissional. O artigo 430 da C.L.T. também foi alterado pela Lei 10.097/2000, possibilitando, na hipótese de insuficiência dos Serviços Nacionais de Aprendizagem (Sistema “S”), o preenchimento dos percentuais indicados no art. 429 da C.L.T. por meio de terceirização, patrocinada por entidades sem fins lucrativos, que tenham como finalidade a profissionalização dos adolescentes. Desta forma, “preferencialmente, os cursos serão ministrados pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem, e, supletivamente, pelas Escolas Técnicas de Educação ou pelas entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e 7 SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem na Indústria), SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem no Comércio) e SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte). à educação profissional, desde que registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente”.8 Ressalte-se que as mencionadas Escolas Técnicas de Educação ou as entidades sem fins lucrativos deverão apresentar estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem, com o objetivo de manter a qualidade do processo de ensino, sendo também responsáveis pelo acompanhamento dos adolescentes e pela avaliação dos resultados obtidos. Nos termos do art. 431 da C.L.T., “a contratação do aprendiz poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem ou pelas entidades mencionadas no inciso II do art. 430, caso em que não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora dos serviços”. Outras inovações introduzidas pela Lei 10.097/2000 Pela antiga redação do art. 80 da C.L.T., revogado pela Lei 10.097/2000, durante a primeira metade do curso de aprendizagem, o adolescente deveria receber 1/2 salário mínimo e, na segunda metade, 2/3 do salário mínimo. Com a nova redação do art. 428 da C.L.T., é assegurado ao adolescente aprendiz o salário mínimo hora, salvo condição mais favorável. A jornada de trabalho do adolescente aprendiz será de até 06 (seis) horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada. A jornada diária poderá ser de 8 Hélio Mário de ARRUDA, O novo contrato de aprendizagtem (L. 10.097/00), Revista Síntese Trabalhista, 146:23. 08 (oito) horas para os aprendizes que já tiverem completado o ensino fundamental, se nelas foram computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica (art. 432 da C.L.T.). O depósito do FGTS será somente no percentual de 2% (dois por cento) da remuneração paga ou devida, no mês anterior, de acordo com o parágrafo 7o do art. 15 da Lei 8.036/90, introduzido pela Lei 10.097/2000. Extinção do Contrato de Aprendizagem De acordo com o art. 433 da C.L.T., o contrato de aprendizagem extinguir-se-á nas seguintes situações: a) término do prazo contratual; b) quando o aprendiz completar 18 (dezoito) anos de idade; c) antecipadamente, nas seguintes hipóteses: desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; falta disciplinar grave; ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; ou a pedido do aprendiz. É importante observar, ainda, que não se aplica o disposto nos arts. 479 e 480 da C.L.T. às hipóteses de extinção antecipada do contrato de aprendizagem. Conclusão Sempre acreditamos que uma das grandes soluções ao problema da exploração do trabalho infantil no Brasil é a profissionalização dos pequenos obreiros. Sem a formação profissional o destino dos adolescentes é permanecer no mercado de trabalho informal e irregular, distante da proteção integral prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Acreditamos que as inovações referentes ao contrato de aprendizagem introduzidas pela Lei 10.097/2000, principalmente em virtude da possibilidade de suplementação da aprendizagem pelas entidades sem fins lucrativos e escolas técnicas de educação, possibilitarão uma maior participação dos adolescentes em programas de formação e abrirão um novo caminho para o trabalho infantil no Brasil. Referências bibliográficas ARRUDA, Hélio Mário de. O novo contrato de aprendizagem (L. 10.097/00). Revista Síntese Trabalhista, São Paulo, vol.146: 23-25, agosto 2001. BARROS, Alice Monteiro de. O Trabalho do menor e as inovações introduzidas pela Lei 10.097/2000. Revista Síntese Trabalhista, vol. 144: 5-26, junho 2001. FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A reforma no instituto da aprendizagem no Brasil: anotações sobre a Lei n. 10.097/2000. Revista LTr, vol. 65:140-147, fevereiro 2001. __________. A proteção ao trabalho da criança e do adolescente no Brasil: o direito à profissionalização. Dissertação de mestrado. FADUSP, 1995. MAGANO, Octávio Bueno. Manual de Direito do Trabalho: Direito tutelar do trabalho. São Paulo, vol. 2, 1992. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Altas, 2001. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, Saraiva, 2001. OLIVEIRA, Oris. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo, Ltr, 1994.
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Disponível em http://www.salta21.com/Los-Contratos-de-Aprendizaje-en-el.html. Acesso em 09.03.2013 às 17:50 h. BARROS, Alice Monteiro. Op. cit., p. 561.
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