requalificação do antigo teatro thalia

Transcrição

requalificação do antigo teatro thalia
DONO DE OBRA
SECRETARIA-GERAL DO MINISTÉRIO DA CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR
PROJECTO DE ARQUITECTURA
GONÇALO BYRNE ARQUITECTOS, LDA
PATRÍCIA BARBAS E DIOGO LOPES ARQUITECTOS, LDA
COORDENAÇÃO PROJECTOS DE ESPECIALIDADES
AFACONSULT
CONSTRUTORA
ARLINDO CORREIA & FILHOS S.A.
FISCALIZAÇÃO
PROMAN
REPRESENTANTE TÉCNICO DO DONO DE OBRA
LABORATÓRIO NACIONAL DE ENGENHARIA CIVIL
REQUALIFICAÇÃO DO ANTIGO TEATRO THALIA
TEATRO THALIA
PROJECTO DE REQUALIFICAÇÃO
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E ENSINO SUPERIOR
I. A QUINTA DAS LARANJEIRAS
Um jornal descreveu assim o aspecto das salas:
“As ricas inumeráveis luzes de gás que iluminavam esses salões, as ricas toilettes
e as magníficas pedrarias de que elas faziam valer todo o brilho; os uniformes, as
insígnias das ordens e os trajes da corte, de que os mais eminentes personagens,
tanto portugueses como estrangeiros, se tinham revestido; os espelhos gigantescos nas molduras douradas, que enchiam os muros multiplicando os objectos; os
florões do tecto, tão delicadamente desenhados e de uma douradura admirável,
de onde pendiam três soberbos lustres; os ornamentos, os vasos de flores e a
galeria circular, que, pela altura da sua cornija, parecia coroar todas estas maravilhas; essa reunião de objectos sedutores dava lugar às mais deliciosas
sensações, e admirava-se, ao mesmo tempo, que esse palácio de Armida
estivesse cheio de gosos mais reais e mais palpáveis.”
Pinto de Carvalho, Lisboa d´outros tempos volume XIV, As festas do Farrobo.
A Quinta das Laranjeiras, inicialmente denominada Quinta de Santo
António, pertencia no final do século XVII a Manuel da Silva Colaço.
Passou depois para a posse de Luís Garcia Bívar em 1760 e, posteriormente, para Francisco Azevedo Coutinho. O Desembargador Luís Rebelo
Quintela adquiriu-a a este último em 1779, herdando-a em 1802 o seu
sobrinho Joaquim Pedro Quintela, feito 1º Barão de Quintela quatro anos
mais tarde. A edificação do seu palácio, substituindo as decrépitas casas
existentes, esteve a cargo do Padre Bartolomeu Quintela, tio do 1º Barão.
Por esta razão, palácio e quinta foram reconstruídos segundo a traça do
Congregado do Oratório. Contudo, foi o 2º Barão de Quintela, 1º Conde de
Farrobo, quem promoveu no Palácio das Laranjeiras os melhoramentos
cujo fausto e bom gosto deram brado em Lisboa. Acumulando desde muito
novo a administração do morgado de Farrobo com a enorme fortuna de
seu pai, o Conde ficou famoso pelas suas extravagâncias. Durante a
primeira metade do século XIX mandou vir leões, tigres e panteras para
exibir em jaulas e encomendou estátuas, bustos e fontes para embelezar a
Quinta, cujo brilho iluminou a época. No último quartel desse século, a
Quinta das Laranjeiras foi vendida em hasta pública em 1874 ao fidalgo
espanhol Duque de Abrantes e Liñares, que a mandou restaurar após
ruína do seu anterior proprietário. A 11 de Abril de 1877 foi novamente
comprada pelo Comendador José Pereira Soares, que adquiriu também as
quintas contíguas das Mata das Águas Boas e Quinta dos Barbacenas.
Em 1903, o Conde de Burnay comprou o conjunto das quintas e do
palácio. Dois anos mais tarde, cedeu os jardins da Quinta das Laranjeiras
e Águas Boas ao Jardim Zoológico, que antes ocupava um local no
Parque da Palhavã. Os restantes espaços ficaram na posse da sua família
até 1940, ano em que para efeitos de partilhas se procedeu à venda dos
mesmos. O Palácio das Laranjeiras foi adquirido pelo Ministério das
Colónias, para aí instalar o Museu da Marinha. Desde então vários
ministérios tiveram sede no edifício sendo que, desde Abril de 2005, nele
se encontra o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
II. O TEATRO THALIA
O entusiasmo do Conde de Farrobo pelas manifestações das artes
cénicas levou-o à construção de um teatro junto ao Palácio das Laranjeiras, oposto a uma das suas faces laterais. A primeira versão do Teatro
Thalia, a musa da comédia na mitologia grega, data de 1820. Em 1842
foi reedificado e renovado sob o risco de Fortunato Lodi, o autor do
Teatro Dona Maria II. Na sua inauguração, a 26 de Fevereiro de 1843, foi
oferecida uma grande festa à Rainha Dona Maria II. Teatro e palácio
foram iluminados a gás em 1830, vinte anos antes de Lisboa o ser por
esse meio. Dezanove anos depois, teatro e sala de baile eram destruídos
por um incêndio a 9 de Setembro de 1862, motivado pelo descuido de
um operário que soldava uma clarabóia. A falência do Conde de Farrobo,
que morreu em completa miséria, deixou o Teatro Thalia abandonado à
sua sorte e à inclemência do tempo. Os restauros e readaptações
executados, sobretudo a partir do momento em que o Estado tomou
posse do conjunto, incidiram quase exclusivamente no antigo palácio e
nos seus jardins. Em 1978 procedeu-se à demolição da cobertura do
Teatro Thalia e respectivos anexos, o que agravou a sua condição de
ruína. Sem qualquer intervenção desde essa altura, ficou a beleza do
que é essencial e sólido nessa construção: os volumes do Foyer, Plateia
e Cena. O que deles permanece referencia aquilo que já não existe e
que se percebe por ausência.
III. ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO
A análise do que resta do Teatro impressiona pela austeridade duma
construção visivelmente sacrificada pelo fogo onde a dimensão dum
esqueleto construtivo resistente revela uma tectónica muito marcante,
majestosa na sua verticalidade e materialidade. Trata-se dum edifício
obsoleto e em risco de colapso, onde o fausto de outrora foi com as
suas cinzas, deixando impresso numa imponente nudez a potencial
capacidade de renascer. Desta reabilitação devem surgir espaços
flexíveis no uso e sustentáveis na gestão, já não de uso doméstico e
festivo nos termos do séc. XIX mas de desempenho político,
administrativo e representativo do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior. Reciclar os espaços para dignificar os novos usos.
Revelar o passado para protagonizar o futuro ou pelo menos o presente
nas suas diversas matizes. Não é necessário usar meios desmesurados:
as estruturas mantêm-se, ou completam-se, renovam-se as
infra-estruturas. Segundo a sua tipologia, o edifício original era um
pequeno teatro, de cena italiana, com reduzida área de plateia, e duas
ordens ou níveis de galerias. Crónicas da época referem uma
capacidade de 560 lugares para esta plateia, certamente impossível
segundo os padrões dimensionais actuais. A caixa de palco, demasiado
generosa para a dimensão total do teatro, pode explicar-se pela
versatilidade e engenho da sua máquina cénica. A proposta agora
avançada aponta numa direcção diversa do uso original do Teatro
Thalia. Ou seja, pretende viabilizar a sobreposição dos usos distintos
que foram solicitados pelo seu futuro ocupante: de conferências e
seminários a reuniões de trabalho, de recepções a concertos ou mesmo
representações cénicas. Quer na sua dimensão, quer no tipo de espaço,
esta estrutura virá a ganhar com a acumulação de usos para o exterior. O
Teatro Thalia passará a funcionar como interface público do Ministério
com a rede de serviços externos que controla, orienta ou simplesmente
estimula: instituições de ensino superior, centros de investigação,
iniciativas
científico-culturais,
inter-câmbios
comunitários
e
extra-comunitários, etc. É um programa misto de usos diversos, só
parcialmente sobreponíveis, ao qual os espaços existentes podem
responder com enorme adequação e dignidade.
IV. CONCEITO ARQUITECTÓNICO E FUNCIONAL
Como referido, a metodologia de intervenção adoptada assenta em
manter intactas as estruturas existentes dos espaços cénicos primitivos –
Foyer, Plateia e Cena – para fins de conferências, seminários, reuniões
de trabalho, recepções, concertos ou mesmo representações cénicas.
Salvaguardar os espaços cénicos primitivos, na sua plena expressão
espacial, mas devidamente equipados das infra-estruturas necessárias ao
futuro uso polivalente. Assim, propõe-se a demolição das construções
anexas aos três corpos que constituem o espaço cénico primitivo, bem
como a construção de uma estrutura nova que responda eficazmente às
exigências técnicas das utilizações previstas e deixe revelar para o
exterior o porte monumental do edificado existente. As construções
adjacentes, com o seu carácter provisório e traça modesta, comprometem
a leitura dos atributos dos espaços nobres como a sua verticalidade e
composição volumétrica. O novo embasamento, criado por uma praça e
um volume em L, envolvem a construção existente a nascente, na
Estrada das Laranjeiras, e a norte permitindo valorizar a relação do
Teatro Thalia com a via pública e com os seus espaços servidores. A
configuração da proposta distribui o programa por forma a privilegiar a
relação dos espaços de circulação e permanência de público com os
jardins e com o palácio, protegendo-os da frente mais ruidosa da Estrada
das Laranjeiras. Para tal, localiza-se o programa de apoio numa
construção de um só piso que inclui portaria, instalações sanitárias
públicas, arrumos e zonas técnicas na frente virada para o arruamento e
ainda uma cafetaria e zonas de apoio, com ligação directa ao jardim. A
sua forma em L foi determinada de modo a preservar o maior número de
árvores e delimitar, com as traseiras da Cena, uma praça ligeiramente
elevada em relação à cota do jardim. Esta praça tem uma das frentes
abertas para os jardins e pode também ser utilizada como espaço exterior
de recepções. O acesso automóvel é feito no topo norte da nova
construção, para não interferir com o terreiro que serve o Palácio e o
peristilo do Teatro. O corpo novo foi concebido como um pavilhão com
uma cobertura uniforme que abriga três volumes onde o programa se
encontra compartimentado. A transparência da sua pele exterior,
integralmente em vidro e perfis metálicos, bem como o tratamento unitário
dos volumes e dos pavimentos, serve de enquadramento à construção
primitiva e permite estabelecer relações entre dentro e fora,
transparências e reflexos, peso e leveza, cidade e parque. Todos os
espaços interiores são tratados de forma unitária, com as paredes e
pavimentos em betão colorido terracota e tectos falsos em chapa metálica
a permitir a distribuição e o acesso às infra-estruturas até aos espaços
principais. As portas são executadas em carpintarias de madeira de
mutene aparente e algumas áreas sociais revestidas a pedra. Na sua
fisionomia e atmosfera, este novo equipamento integra-se e revela o
jardim, sem presença pública neste momento. Nos espaços cénicos
primitivos, está prevista a recuperação integral das cantarias e das
paredes em estuque no Foyer, bem como o uso de pavimentos em
pedra que prolongam o espaço coberto do peristilo. No seu desenho
mais minucioso e reconhecível, entende-se este volume como a frontaria
do Teatro Thalia. Ela evoca a memória do que outrora ali aconteceu e
serve de entrada formal para o conjunto edificado. Na Plateia e na Cena,
os volumes da estrutura são salvaguardados na sua leitura pelo recurso
a infra-estruturas no pavimento e sistemas de suspensão nas novas
coberturas. Estas garantem a delimitação dos espaços, adaptação de
iluminações diversas e mesmo a eventual aposição de cenografias e a
conservação das paredes à vista em alvenaria de pedra e tijolo maciço,
preservados no seu valor patrimonial de ruína. O chão é tratado como
superfície uniforme, em marmorite polida, cor negra, que contrasta com
a rugosidade dos panos de alvenaria. A consolidação destes, quando
exposta no interior, é revestida com projecção acústica à cor terracota.
IV. ASPECTOS CONSTRUTIVOS
O risco de colapso da estrutura existente, a necessidade de voltar a
construir as coberturas e, principalmente a vontade de manter intacta a
ruína pelo seu interior, cuja textura constituirá o acabamento final das
novas salas, reduziram as possibilidades do modo de consolidação da
construção. Estando prevista a utilização dos volumes antigos na sua
totalidade, não se poderá contar com as estruturas intermédias de piso
para travamento das paredes, pelo que se optou por soluções de
consolidação e reforço através da intervenção pelo exterior, não por
estruturas metálicas de consolidação que implicariam revelar as ancoragens no interior mas, pela construção de uma pele em betão que
envolve a construção primitiva. Estas paredes em betão armado,
atirantadas à face exterior das paredes existentes, garantem que em
conjunto possuem a resistência necessária para fazer face às acções
horizontais por um lado, e por outro lançar as coberturas novas de forma
independente da estrutura original. O betão armado pretende-se colorido
e à vista, com acabamento lavado de forma a não revelar as juntas dos
painéis de cofragem e aproxima-se, quer pela cor, quer pela textura de
uma argamassa bastarda, semelhante às existentes. Este mesmo betão
é usado nos volumes da construção nova que servirão de apoios
intermédios dos pórticos metálicos propostos, muitos esbeltos,
constituídos por pilares em chapa de aço inox de 16 mm de espessura e
vigas em perfis de aço IPE 200. Esta estrutura será fechada com vidro
conformando a pele transparente de enquadramento à construção
primitiva.
V. CONCLUSÃO
A definição de objectivos específicos para o edifício existente e para o
edifício proposto pretende exprimir uma relação clara entre o novo e o
antigo no Teatro Thalia, no sentido de lhe conferir uma funcionalidade
perdida. Assume-se a ruína como uma entidade autónoma, válida por si
própria enquanto corpo imponente que é preservado e protegido na sua
integralidade. Em contrapartida, o novo volume é um pavilhão de apoio,
leve e transparente, que remete para as construções de recreio e lazer
que existiram na Quinta das Laranjeiras. A nova imagem urbana do Teatro
Thalia é assinalada pelos volumes dos espaços cénicos primitivos e pela
frente dos novos espaços de apoio, que deixam ver para a Estrada das
Laranjeiras os seus interiores bem como a paisagem dos jardins. Neste
território qualificado, a intervenção sublinha os eixos de composição e
promove uma relação franca com os espaços verdes. Nas suas diversas
intervenções, o Projecto de Requalificação do Teatro Thalia procura
consolidar a história de um lugar e de um edifício num equipamento que
reavive essas memórias.
GONÇALO BYRNE
PATRÍCIA BARBAS
DIOGO LOPES
0
2
5
10 m
PLANTA DE IMPLANTAÇÃO
C2
3
14
C1
1
2
4
10
16
6
5
9
15
17
13
3
7
8
9
9
9
0
2
5
10 m
PLANTA DO PISO 0
11
10
12
9
1_perístilo; 2_foyer; 3_plateia; 4_cena; 5_antecâmara; 6_área técnica; 7_circulação; 8_arrumos; 9_instalações sanitárias;
10_sala de apoio; 11_arrumos; 12_átrio/portaria; 13_área coberta; 14_cafetaria; 15_cozinha; 16_zona técnica; 17_praça
0
2
5
10 m
ALÇADO NASCENTE E CORTE C1
0
2
5
10 m
ALÇADO SUL E CORTE C2
LETRAS FUNDIDAS EM BRONZE A COLOCAR NO FRONTÃO