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Revista Científica ISSN 2179 6513 A AMAZÔNIC Faculdades Integradas do Tapajós Revista Científica ISSN 2179 6513 A AMAZÔNIC Faculdades Integradas do Tapajós Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Biblioteca Ubaldo Corrêa – Santarém/Pa PERSPECTIVA AMAZÔNICA-Revista de Publicação Acadêmica da FIT. Santarém Pará: FIT,v.7, n.4, 2014. 118p. Semestral ISSN 2179-6513 1. Estudos multidisciplinares. 2. Amazônia. 3. Faculdades Integradas do TapajósFIT. CDD 050 “Contribuir para o entendimento aprofundado das questões amazônicas nos diversos campos do conhecimento mediante a divulgação de produção científica local que possa subsidiar as atividades acadêmicas e práticas tendo em vista o estudo da Amazônia para o progresso da humanidade e o aumento da qualidade de vida da população Amazônica”. Escopo e Foco A revista Perspectiva Amazônica publica trabalhos teóricos e teórico-empíricos nas seguintes modalidades: artigo original, artigo de revisão, resenha, relato de caso e ensaio, em qualquer área do conhecimento e preferencialmente que tenham relação com a região Amazônica. Público alvo O público-alvo é constituído principalmente de profissionais e estudantes da academia amazônica e brasileira, e, paralelamente, de todas as pessoas interessadas nas questões da Amazônia nos diversos campos do conhecimento. Requisitos Os artigos originais, artigos de revisão, resenhas, relatos de caso e ensaios submetidos à apreciação da revista “Perspectiva Amazônica” devem ser inéditos, nacional e internacionalmente, não estando sob consideração para publicação em nenhum outro veículo de divulgação. Trabalhos publicados ou em consideração para publicação em anais de congressos podem ser considerados pelo Conselho Editorial e pelos Avaliadores, desde que estejam em forma final de artigo. Os artigos e documentos podem ser redigidos em língua portuguesa, inglesa ou espanhola. Para serem publicados, os trabalhos deverão adequar-se às normas para publicação da revista e serem aprovados pelos Avaliadores. PERSPECTIVA AMAZÔNICA Missão Conselho Mantenedor Paulo Roberto Carvalho Batista Presidente Antônio de Carvalho Vaz Pereira Vice-Presidente Ana Paula Salomão Mufarrej Edson Raymundo Pinheiro de Sousa Franco Etiane Maria Borges Arruda Marlene Coeli Vianna Direção Geral da FIT Helvio Moreira Arruda Direção Financeira William José Pereira Coelho Direção do Centro de Estudos Sociais Aplicados Ana Campos da Silva Calderaro Direção do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde José Almir Moraes da Rocha Editor Responsável (Coordenação de TCC e Pesquisa) Gabriel Geller Conselho Editorial Ana Campos da Silva Calderaro Gabriel Geller Helvio Moreira Arruda José Almir Moraes da Rocha Concepção gráfica e Coordenação Gráfica Publicittá Agência de Comunicação da FIT Thais Helena Medeiros Capa Lígia Augusta Aluna Curso de Publicidade e Propaganda da FIT Foto da capa Arquivo HMA Por do Sol no Rio Tapajós visto da orla de Santarém Diagramação Karen Juliana P. de Azevedo Impressão: Gráfica Global Nesta sétima edição, temos a satisfação de contar com 80% de artigos diretamente relacionados ao contexto regional Amazônico, comprovando o compromisso da FIT com a pesquisa para o desenvolvimento sustentável. Acreditamos que este periódico tem estimulado e contribuído de forma relevante para o debate científico de alto nível na região, e esperamos ver os artigos aqui publicados cada vez mais reconhecidos e citados nas suas áreas de conhecimento, tornando a Perspectiva Amazônica uma referência em produção científica na Região Norte do Brasil. Gabriel Geller Editor Geral Revista Perspectiva Amazônica EDITORIAL Em 2014 a Revista Perspectiva Amazônica continua a crescer e inovar, aprimorando sua identidade visual, reforçando seu corpo de avaliadores e contando agora com classificação Qualis C em uma área do conhecimento (Sociologia), e classificações Qualis B em duas outras áreas (Antropologia/Arqueologia e Medicina Veterinária), que esperamos que em breve seja estendida a outras áreas. AVALIADORES Alexandre Rodrigo Batista de Oliveira FIT/UEPA Mestre 20000006. Ciências Biológicas; 40000001. Ciências da Saúde; 90000005. Multidisciplinar (Ensino de Ciências) Ana Karine Albuquerque de Alves Brito, 00005. Ciências Sociais Aplicadas FIT, Mestre, 60000007. Multidisciplinar (Ensino de Ciências) Edivaldo da Silva Bernardo, FIT, Doutor, 80000002. Linguística, Letras e Artes Francisco Edson Sousa de Oliveira, FIT, Doutor, 60000007. Ciências Sociais Aplicadas; 70000000. Ciências Humanas; 80000002. Linguística, Letras e Artes; 90000005. Multidisciplinar (Sociais e Humanidades) Gabriel Geller, FIT, Mestre, 60000007 Ciências Sociais Aplicadas. 90000005. Multidisciplinar (Sociais e Humanidades) Hipócrates Menezes Chalkidis, FIT, Mestre, 20000006. Ciências Biológicas; 40000001. Ciências da Saúde; 90000005. Multidisciplinar (Ensino de Ciências) José Almir Moraes da Rocha FIT/UEPA/UFOPA,Doutor, 20000006. Ciências Biológicas; 40000001. Ciências da Saúde; 90000005. Multidisciplinar (Ensino de Ciências) José de Lima Pereira, FIT, Mestre, 60000007. Ciências Sociais Aplicadas Lidiane Nascimento Leão, UFOPA, Mestre, 60000007. Ciências Sociais Aplicadas; 70000000. Ciências Humanas; 90000005. Multidisciplinar (Sociais e Humanidades) Mara Rejane Miranda de Almeida,FIT, Mestre, 80000002. Linguística, Letras e Artes Maria Irene Escher Boger, FIT, Doutora, 60000007. Ciências Sociais Aplicadas; 70000000. Ciências Humanas; 80000002. Linguística, Letras e Artes; 90000005. Multidisciplinar (Sociais e Humanidades) Marla T. Barbosa Geller, CEULS/ULBRA , Mestre, 10000003. Ciências Exatas e da Terra (Computação); 30000009. Engenharias Martinho Leite, FIT, Mestre, 10000003. Ciências Exatas e da Terra (Computação); 30000009. Engenharia Maura Cristiane e Silva Figueira, FIT, Mestre, 40400000. Enfermagem Raimunda Nonata Monteiro, UFOPA, Doutor, 50000004. Ciências Agrárias; 60000007. Ciências Sociais Aplicadas Robinson Severo, UFOPA, Doutor, 50000004. Ciências Agrárias Rodrigo Tenório Padilha, FIT, Mestre, 50500007. Medicina Veterinária Rubens de Oliveira Martins, Ministério da Ciência e Tecnologia, Doutor, 7000000. Ciências Humanas Síria Lissandra de Barcelos Ribeiro, FIT, Doutora, 20000006. Ciências Biológicas; 40000001. Ciências da Saúde; 90000005. Multidisciplinar (Ensino de Ciências) Roberto Cesar Lavor dos Santos, FIT, Mestre, 60000007. Ciências Sociais Aplicadas Thais Helena Medeiros, FIT, Mestre, 60000007. Ciências Sociais Aplicadas 7000000. Ciências Humanas. Exortismo e Exotismo da Amazônia Francisco Edson Sousa de Oliveira Redes de Sociabilidade e Comércio na Floresta Artesanías em Palha deTucumã Entrançam Grupos e Vidas nas Enseadas do Rio/Arapiuns em Santarém/PA. Thaís Helena Medeiros; Kátia Helena S. C. Schweickard Ethos Amazônida e Dialética da Nova Colonização Ivair da Silva Costa O Negro nas Lendas e Mitos de Monte Alegre 10 20 36 49 Sales Martins da Silva Incidência e Distribuição Espacial de Acidentes de Trânsito nos Bairros do Município de Santarém-Pará, no Período de 2007 a 2009 5 Rafael Gibson O. da Silva; Tayná Matos do Vale; Rodrigo Luis Ferreira da Silva Políticas Públicas para o Turismo no Município de Santarém: Uma Análise do Trade Turístico sobre o Pólo Tapajós 66 Áurea Siqueira de Castro Azevêdo As Mídias Digitais como Facilitadoras no Contexto Educacional Rosane Tlentino Gusmão Maia 79 ciências biológicas e da saúde Fauna Parasitária de Micrurus Hempricii (Jan,1958) ( Serpente Elapidae) da Floresta Nacional do Tapajós, Belterra, Pará Pedro Henrique Salomão Ganança; Tisla Carol Marialva Camargo; Hipócrates de Menezes Chalkidis; Lincoln Lima Corrêa O Stress Como Fator Agravante em Portadores de Psoríase Kaio Vinícius Paiva Albarado; Parado Spinola da Rocha Potencialidades e Fragilidades na Aplicação Prática da Sistematização da Assistência de Enfermagem Jonata Ribeiro de Soua; Luiz Antônio Bergamim Hespanhol; Isabela Vanessa Sampaio dos Reis; Natália Miranda Monteiro; Pablison Cardim Coelho; Paula Simone Barbosa Cardoso; Kaio Vinícius Paiva Albarado; Sheyla Mara de Oliveira Normas para Publicação 86 97 105 114 SUMÁRIO ciências humanas e sociais aplicadas Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.10-19 EXORTISMO E EXOTISMO DA AMAZÔNIA Francisco Edson Sousa de Oliveira* RESUMO A invenção exótica e exortada da Amazônia são construtos o para refletir sobre os mitos e lendas que fertilizaram diários de viajantes por grande parte do ocidente durante o período das Grandes navegações, principalmente pelas Américas. O referido estudo pretende trazer reflexões que ajudem sobre a compreensão dessa espacialidade e também mostrar os desdobramentos que isso pode ter causado na formação social e cultural da paisagem amazônica ao longo da história. Fazer considerações pertinentes em relação ao enigmático, ao fantasioso, e ao frenético como sendo procedimentos causadores de um caráter superficial descaracterizado de propósitos já arraigado na paisagem primitiva da Floresta. Palavras-chave: Exortação e Exotismo, Amazônia, Invenção. ABSTRACT The invention urged da Amazonia is a construct to reflect about the myths and legends that have enriched daily travelers in much of the West during the period of the great navigations, mainly through the Americas. This study aims to bring reflections to help on the understanding of this spatiality and also show the consequences that this may have caused on social and cultural formation of the Amazonian landscape throughout history. Make relevant considerations in relation to the enigmatic, fanciful, and frantic as a superficial character causing procedures mischaracterized of purpose already ingrained in primitive forest landscape. Key words: advocacy, Amazon, Invention. *Possui graduação em Letras pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Santarém (1994), mestrado em Gestão do Desenvolvimento e Cooperação Internacion pela Universidade Moderna (1999) e Doutorado em Literatura Geral e Comparada – Universite de Limoges (2006). Atualmente professor – Faculdades Integradas do Tapajós. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Escolar, escola rural e comunidades. 10 Introdução Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.10-19 Contrariamente ao que se possa pensar, a Amazônia não foi descoberta, não com a mesma ideia do descobrimento do Brasil, sequer foi construída; na realidade sua idealização se dá a partir da construção da Índia, construída pela história grecoromana, pelo relato de missionários e viajantes comerciantes. Nesse bojo inclui-se, também a mitologia Indiana que, a partir de uma natureza variada, delicia e apavora os homens medievais. A tal conjunto de maravilhas anexam-se as monstruosidades animais e corporais, incluídas tãosomente enquanto a posição ao homem considerado adamita normal e habitante de um mundo delimitado por fronteiras orientais por tradições religiosas (GONDIN, 1994). O referido artigo apresenta contornos que influenciaram arquétipos, principalmente, aqueles que fertilizaram os sonhos do Eldorado amazônico delineados nos mapas econômicos dos arrivistas de forma exortizada e exótica. A primeira viagem ao novo mundo fez-se a acompanhar por esse imaginário e influenciou a visão Europeia sobre aquelas terras jamais vistas. A descoberta de terras que completavam as secularmente conhecidas, originou tensões que acarretam especulações, as quais, as poucas vão sendo aglutinadas em temas que se cristalizam em torno de uma expressão: a raça humana. Motivo de enormes controvérsias, essa expressão acompanha os séculos, oriundos dela constroem-se ciências, especula-se a natureza para atingi-la, aceitá-la ou refutá-la a partir de prisma da sociedade que conheciam, ou seja, e dos próprios questionadores, atitude que origina nova visão desfocada (BACHELARD, 1989). Pressionados por adversidades comuns à época, os homens sonham encontrar o paraíso e a fonte de eterna juventude. A tradição religiosa que um grande rio nascia naquele local aprazível, cujas águas encobriam riquezas, e não muito longe, uma fonte considerada para a total supressão dos males sociais, onde a fome, as doenças e as pestes continuamente dizimavam respeitáveis contingentes humanos. Esse local foi encontrado pelos expedicionários de Orellana e se localizava na região Amazônica. Sucessivamente visitada, principalmente depois de liberada a navegabilidade do Rio Amazonas pelo governo português, para aquela região composta de enormes rios e florestas compactas, dirigem-se às atenções e erigem-se verdades; confrontam-se teorias e refutam-se ou confiam-se hipóteses. Como justificar a presença de animais gigantescos até tinham seu habitat? Possivelmente havia gigantes entre o intricado vegetal, não havia, outrossim, homens com rabo? E as mulheres brancas, altas e guerreiras, não guardavam a prodigiosa cidade de ouro, próxima a um lago dourado, onde banhava um rei muito rico? Certamente, o clima, deveria ser o responsável pelos atos bestiais, endurecimento do caráter e envelhecimento precoce do autóctone. Essas perguntas geralmente acompanham os viajantes e as respostas não se encaixavam na vertente infernista, ora na edênica, ou ainda justificavam a catequese. (GONDIN, 1994) Essa contextualização histórica reporta-nos para uma reflexão atual sobre o grande luxo de narrativas romanescas que transportam as mazelas sociais, econômicas e políticas para as asas do condor e os lábios de mel do Condoreirísmo e de "Iracema". Com a visão de enaltecer a terra, foram lançadas muitas estratégias de manobras, com a preocupação de não dividir o "cobiçado" muitas figuras mitológicas passaram pelo processo da transformação animalesca do monstro promiscuído vivente dessa terra. A ideia de exótico exortizado apresenta-se arbitrariamente no pensamento e na imaginação poética, como nas paisagens imaginárias da Antiguidade e Idade Média, 11 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.10-19 proporcionando um delimitamento nas estrofes e nos limites geográficos, porém alargando sempre mais, o mito herói anti-herói escondido no sonho compadecido dos românticos. A geografia do exótico exortizado se fixou de uma maneira incisiva com o processo de ocidentalização do mundo, com a demarcação e a acentuação da fronteira ocidente-oriente que ocorreu nos últimos quatro séculos, mas que se concentrou no século XX. (IDEM, 1994). A Construção da Exortização Amazônica Nas comunidades da Amazônia convive-se com realidade nativa e por outro, mantidas pelo assistencialismo político trazido pelas ONG's e intervindo ideologicamente com objetivo de justificar interesses externos sobre as reservas naturais da humanidade existente no mundo ocidental. (GONDIN, 1994). Para atender as dinâmicas em curso nesses processos, podemos nos limitar a observar a tradicional equação que projeta o ocidente como modernidade e pósmodernidade, e o oriente e outros espaços e nações correspondentes ao distante e diferente, como os outros, portanto exóticos. Estamos nos referindo aos fatos recentes da emergência na nova ordem econômica também, como monstros exóticos morando e contribuindo com a formação de caricaturas mitológicas provenientes dos lados do ocidente. Nessa linha de compreensão, um dado importante em relação à EXÓTICO EXORTIZADO é que esta tem sido com muita frequência um dos vetores do processo de incorporação e diferenciação cultural, mas certamente não o único. Na verdade, o exótico exortizado se relaciona e se combina com outros processos como o da transculturação que é um dos meios de adaptação de culturas vistas como distantes, indígenas, primitivas, rústicas aos valores naturais e culturais de outras latitudes. (IDEM, 1994). A exortação a que determinadas sociedades, países, regiões e grupos humanos recorrem para tratar seus próprios constituintes culturais tem sido na verdade um recurso usual ocasionado para processar, ao mesmo tempo, suas relações com os padrões envolventes da civilização ocidental moderna, a partir da qual afinal se disseminam ideias como a de exótica, primitivo e selvagem, sem que tal recurso venha a representar uma ameaça aos seus modos de ser, suas raízes profundas, seus mitos e valores livres. O que significa admitir que a exortização exótica é via de mão dupla e que em determinadas situações funciona como o principal elemento de reconfiguração da identidade cultural. Tantos "Eus Poéticos" historicamente construídos e naturalizados em temáticas exuberantes, felicitadas em canto e prosa nas redondezas do encanto da Floresta Verde Oliva. Os séculos podem variar e os cronistas serem originários das mais diferentes nacionalidades, no entanto, diante do rio e da mata amazônicas, quase genericamente, nenhum se isentou de externalizar sentimentos que variavam do primitivismo préedênico ao infernismo primordial. Ainda que familiarizados com a região ou mantendo o tom frio e distanciado do pesquisador, esse objetivo móvel, essa natureza grandiosamente avassaladora, em algum momento fez com que esses homens parassem e a escutassem, e a sentissem, muitas vezes deixando para trás olhares já estruturados, visões já vividas, para pensarem nas selvas renascidas, na contemplação extasiada da grandiloquência natural. São momentos que destacam quase unicamente a natureza, muitas vezes explicitando seu ordeirísmo, outras somente aludindo à sua primordialidade, mas cada um registrando imagens particulares ou quase arguetípicas, extraídas da Idade de Ouro ou mesmo das maravilhas e monstruosidades indicas (RANGEL, 2001). O intrigante para a antropologia é o poder de magia que paira sobre a climatologia que cobre os contrastes, formadores do cenário marcante que simboliza o enigmático. 12 Mesmo quando se observa a razão no realismo narrado em prosa, prescreve-se o envolvimento irracional, emotivo na descrição precisa do ambiente observado, com essas controvérsias a imagem magnética vai comboiando rio abaixo enturvando a ideia do objeto. Dificilmente se encontrará um relato de um viajante sobre a Amazônia que não mostre o paraíso transformado em inferno pela ação dos mosquitos. A diversidade e a grande quantidade de drogas medicinais, conservada pelos naturais. A madeira: jacarandá, cumaru, pequiá, angelim, ipê, castanheira e maracatiara, maravilhas gratuitamente oferecidas pela natureza, aqui na Amazônia e extinta na Europa há séculos (DIAS, 1999). São tantas as narrativas que analiticamente ou racionalmente tentam mostrar esse fenômeno planetário, entre as sugestões incrivelmente atuais de aproveitamento das riquezas naturais insinuam-se as histórias fantásticas, impregnando o arcabouço narrativo, alargando suas possibilidades, fugindo tempos imemoriais com o estupor da sucessão de coisas novas, pontuadas, sempre, pelas causas e efeitos, pela reflexão linearizantemente concludente (PADURA, 1989). "Além do que, se o Lago Dourado tem o ouro que a opinião lhe atribui; se as Amazonas habitam, conforme o testemunho de muitos, entre as maiores riquezas do Orbe; se os Tocantins em pedras preciosas e abundância de ouro são tão afamados do Francês; se os Omáguas com os seus haveres alvorotam o Peru, e um Vice-rei logo mandou o Pedro de Orsua com grosso exército à procura deles; neste grande Rio tudo se encontra: aqui o Lago Dourado, aqui as Amazonas, aqui os Tocantins e aqui os ricos Omáguas (...). E aqui finalmente está depositado o imenso Tesouro que a Majestade de Deus tem guardado para enriquecer com ele a do nosso grande Rei e Senhor Felipe Quarto. O lago dourado estava localizado - segundo Acuña - a vinte léguas abaixo do Rio Tapi, no Catuá, que deságua no Amazonas, as margens densamente povoadas por diferentes nações, e: "Entre estas nações, que todas são de diferentes línguas, segundo as notícias que se têm pelo novo Reino de Granada, está o desejado Lago Dourado, que tão inquieto traz o espírito de toda a gente do Peru. Não o afirmo com certeza, mas um dia permitirá Deus que saiamos desta perplexidade”. 1(GONDIN, 1994). As Índias gigantes eram as curiguerês, habitantes do rio cachinguarará, as quais: "Segundo as informações dos que os tenham visto, e que se ofereciam para levar-nos a suas terras, são gigantes de dez e seis palmos de altura, muito valentes, que andam nus, trazem grandes argolas de ouro nas orelhas e nariz, e para chegar às suas aldeias 2 são necessários dois meses contínuos de viagem desde a boca do Cuchiguará”. As coordenadas geográficas são os artifícios de que o autor lança mão para tornar verossímeis as notícias fantásticas. Notícias fantasmas chegadas para o mundo dão conta de que o inusitado continua a acontecer aqui em terras Amazônicas: Existe um sujeito chamado Carlos Medeiros, em nome de quem estão registradas 120.000 quilômetros quadrados de terras espalhadas por este pedação de planeta chamado Amazônia. Isso dá 1,5% do território nacional. Para compreender a grandiosidade dessa extensão de terra, vale dizer que equivale à soma dos territórios de Portugal e Bélgica. É verdade que as terras ficam no fim do mundo, no meio do matão amazônico. Mas o conjunto das áreas de Carlos Medeiros é tão gigantesco. Podendo-se supor que por lá exista riqueza mineral significativa, que o acaso ganha um destaque obrigatório. Pois bem: o mais incrível nessa história nem é o tamanho das clebas do Senhor Medeiros. Mais do que isso, espanta o fato de que ele Carlos Medeiros, não existe. É um fantasma criado por aquele que o Ministério Público Federal, e a Polícia Civil acreditam ser a maior quadrilha de grilagem de terra em atividade no país. omo se pode justificar como uma quadrilha tão ativa permanece intocada durante tanto tempo, mata virgem adentro? Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.10-19 1 Gondin, Neide. A invenção da Amazônia. São Paulo, Marco Zero 1994; p.101. 2 Entrada de um Rio. 13 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.10-19 3 Falta de juízo. 14 Esses fatos canalizam ideias que proporcionam criações em série, de narrativas míticas inimagináveis sobre o que de fato ser esse Pedaço de Planeta (TOCANTIS, 2000). A Amazônia brasileira sempre exerceu um grande fascínio sobre o alienígena. A exuberância de suas florestas, os grandes rios sempre proporcionam um universo de mitos em que os relatos dos primeiros navegantes vislumbrados com impressões apressadas, desprovidas de fundamento, como é o caso da visão Romanesca das lendas Amazônicas (IDEM, 2000). Para muitos narradores de prosa poética, aquela era uma região misteriosa e sem dano, aspecto esse de nome prejuízo, porque atesta a postura preconceituosa em relação ao nativo e que veio a influenciar no desenvolvimento nacional da literatura. Outra situação é a negação do elemento índio, registrado em narrativas pelos viajantes, como um problema dentro de um processo considerado normal na conquista territorial. A comercialização dos bens nativos feita pela Europa fez com que países mais novos, como é o caso dos Estados Unidos da América do Norte, vissem a região como um legado geográfico naturalmente seu. A cobiça que a região despertou no Espírito do Estrangeiro distanciou cada vez mais o silvícola e o contato entre as duas civilizações resultou na transformação cultural e consequente mudança comportamental do autóctone. Os índios jamais foram vistos como elementos que impulsionaram a decadente economia portuguesa do século XVIII, através da coleta gratuita das "drogas do sertão”. Escravos dentro de suas terras, presenciaram a desmistificação de seus mitos seculares executada pelos missionários a serviço da coroa portuguesa. Com o branco tornaram-se alcoólatras e passaram a exercitar a rapinagem. O primeiro documento que se conhece sobre a penetração do europeu no maior rio da Amazônia, data de 1541-2 e foi redigido pelo dominicano Frei Gaspar de Carvajal, expedicionário às ordens de Francisco Orellana, governador da cidade de Santiago de Guayaquil. Seguindo a tradição dos cronistas viajantes, Carvajal inicia seu Descobrimento do Rio de Orellana assegurando que “tudo que eu vou contar daqui por diante será como testemunha de vistas e homem a quem Deus quis dar parte de um tão novo e nunca visto descobrimento, como é esse que adiante direi” (CARVAJAI, 1991). Era governador das províncias de Quito, o espanhol Gonçalo Pizarro, pretendendo conquistar as terras do Eldorado e da canela, depois de setenta dias de marcha, somente encontrou poucas e dispersas árvores dessa especiaria. Em Quema, povoado de pequeno número de cabanas, distando cento e trinta léguas de Quito, no Peru, Francisco de Orellana encontra-se com a expedição malograda de Pizarro (IDEM, 1994). Em vez de retroceder, Pizarro resolve explorar um grande rio no qual as informações diziam existir índios vestidos. Navegam umas vinte léguas e encontram novas povoações. Nesse local, a mando de Pizarro, constroem um barco e com ele percorrem mais cinquenta léguas totalmente despovoadas. Sem comida, Orellana propõe seguir em frente à procura de alimentos, mas antes, combina que se demorasse, Pizarro deveria retroceder. Com cinquenta e sete homens, algumas canoas tomadas de índios e o barco recém-construído, parte Orellana rio abaixo. Andam duzentas léguas sem que alimentos conhecidos fossem vistos. Impossibilitados de retroceder devido às correntezas e ir por terra ser tarefa impraticável, seguem em frente, cada vez mais famintos, alimentando-se de couros, cintas e solas de sapatos cozidos com algumas ervas, de maneira que era tal a nossa fraqueza, que não podíamos ter em pé. Um dos gatinhos, outros arrimados a bordões, meteram-se pelas montanhas em busca de raízes comestíveis, e houve alguns que comeram algumas ervas desconhecidas, ficando às portas da morte, pois estavam com loucos e não tinham miolo .3 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.10-19 (...) disseram que eram vassalos de um grande senhor, e que por seu mandado vinham ver que éramos ou que queríamos e para onde íamos. Recebeu-os muito bem o Capitão e, antes que lhes falasse, lhes mandou dar muitas joias, que eles apreciaram muitíssimo. 7 O cronista não detalha o tipo de joia, minúcia que deveria ser explicitada, uma vez que os nativos se apresentaram enfeitados e vestidos, fato esse que justificaria o término da viagem, objetivo de Francisco Pizarro. A expedição de Orellana não retrocede; pelo contrário, no bergantim novo vai enfrentar o desconhecido. O encontro com esses índios ataviados com joias de ouro, o modo humilde em nativos tão altos que, espontaneamente, colocam-se como servos daqueles estrangeiros, contradiz as informações repassadas no reino de Apária sobre a belicosidade que os nautas enfrentariam se adentrassem ainda mais aquela região dominada pelas Amazonas. A informação sobre a cor e o tamanho desses índios que se foram e nunca mais soubemos de onde eram nem de que terra tinham vindo8, aproxima-se da primeira carta de Vespucci, que registrou a presença de Antes no Novo Mundo (GONDIN, 1994). À medida que as "províncias" vão sendo deixadas para trás, mais dificuldades se apresentam para a expedição de Orellana. O relato é enriquecido com descrições que, aos poucos, adquirem o tom fantástico nos reinos onde tudo pode acontecer, apesar dos ataques ininterruptos de mais de dez mil índios por água e por terra (... e não davam um só momento de descanso)9. Tentam cozinhar em uma ilha aparentemente deserta, mas são observados por milhares de olhos e atacados outra vez por: Mais de 130 canoas, nas quais havia mais de 8.000 índios e por terra era incontável a gente que aparecia. Entre esta gente e Canoas de guerra andavam quatro ou cinco feiticeiros, todos pintados e com as bocas cheias de cinza que atiravam para o ar, tendo nas mãos uns 10 bissopes com os quais atiravam água no rio, à maneira de feitiços. Extenuados e famintos, entram no rio da Trindade (Purus), terra dos Omágua, e encontram em uma aldeia que resistiu por uma hora. Numa casa de diversões, dentro da qual encontrávamos muita louça dos mais variados feitios: havia telhas e cântaros enormes, de mais de vinte e cinco arrobas, e outras vasilhas pequenas, como pratos, escudelas, candieiros, tudo da melhor louça que já se viu no mundo, porque a ela nem a de Málaga se iguala. É toda vidrada e esmaltada de todas as cores, tão vivas que espantam, apresentando, além disso, desenhos e figuras tão compassadas, que naturalmente eles trabalham e desenham como o romano. Disseram-nos ali os índios que tudo o que havia naquela casa, feito de barro, se encontrava terra adentro, feito de ouro e prata, e que eles nos levariam lá, pois era perto. Encontramos nessa casa dois ídolos, tecidos de palha de diversos modos: eram de estatura de gigantes e tinham metidas no moledo dos braços uma roda, a modo de braceletes e outras panturrilhas, perto dos joelhos; as orelhas eram perfuradas e muito grandes, parecendo as dos índios de Cuzco, porém maiores.11 Nesse território de guerra, aportam em terras dos pacíficos servos de Paguana, ricas em prata. A terra é muito alegre e aprazível e abundante em todas as comidas e frutas, tais como pinhas e peras, que na língua da Nova Espanha se chamam abacates, e ameixas, guanas e muitas outras frutas excelentes. Penetram em um rio tão preto como tinta, batizado por eles de Rio Negro. Corria ele tanto e com tal ferocidade que em mais de vinte léguas fazia uma faixa na outra água, sem misturar-se com o mesmo.12 A proximidade do reino dos Amazonas é antecipada por mais indícios. O cronista deixa a impressão de que era um território diferente o daquelas mancebas, comprovado pelas descrições e dos costumes dos vassalos das Pentasiléias. A miniatura de uma cidade é a amostra que se completa com a descrição de um reino diferente dos demais. 7 Espécie de presentes que ajudaria na aproximação aos nativos sem que estes expressem alguma reação. 8 Assim eram as notícias do desaparecimento de nativos sem nenhuma repercussão, pois os mesmos não representavam interesses de maior significação. 9 Reação insignificante dos índios em relação ao poderio ideológico de manobras sobre as caravanas de navegadores durante a colonização. 10 Feiticeiros, figuras antropofágicas que se contrapunham aos atos humanos. 11 Comparação estabelecido entre povos de polos distintos mas que simbolicamente deveriam valer como referência de informações. 12 Rio Negro conhecido em decorrência de suas águas escuras e seus volumes de água e que desemboca no Amazonas e banha a grande capital da Amazônia o "Amazonas". 15 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.10-19 4 Comidas típicas. 5 Pena aos que detivessem conhecimentos sobre as raízes das Amazonas. 6 Espécie de autoridade, voz de comando nas obrigações dos senhores e que detinham os planos de manobras sobre as províncias a serem procuradas. 16 No início do ano de 1542 ouvem tambores e dias depois vêem uma povoação e a atacam. A fome aumentava a coragem. Os conhecimentos rudimentares daquela língua permitem a comunicação de Orellana com os nativos, que os suprem com tartarugas, perus, manatis, perdizes, gatos, pescados e monos assados.4 Diante de treze caciques, presença exigida pelo capitão, Orellana toma posse das terras em nome da Coroa Espanhola. Nesse local permanece o tempo suficiente para a fabricação de cravos de ferro que seriam utilizados, posteriormente, na construção de um bergantim (IDEM, 1991). Durante esse tempo, não deixavam os índios de acudir, trazer comida farta e com tanta ordem como se toda a sua vida tivessem servido. Vinham com suas joias e arrecadas de ouro, e nunca o Capitão consentiu que se tornasse coisa alguma, nem mesmo que mirássemos, para que os índios não entendessem que lhe dávamos apreço. E quanto mais nisto nos descuidávamos, mais ouro punham em cima de si. Aqui nos deram notícias das Amazonas e das riquezas que há mais abaixo, e quem o fez foi um índio chamado Apária, velho que dizia ter estado naquela terra, e também nos deu notícia de outro que estava apartado do rio, metido terra adentro e que ele dizia possuir enorme riqueza do outro. Este senhor se chama Ica; nunca o vimos porque, conforme disse, ficou desviado do rio (IDEM, 1991) Os expedicionários reencontram e esqueciam o imaginário dos antigos viajantes, cujas histórias sobre fortunas incríveis - lá Preste João, Grão Khan ou as áreas contíguas ao Éden, aqui o Eldorado, lugar fabuloso e a cidade Mamoa das lendárias mulheres guerreiras - estão sempre presentes na invenção da Amazônia. Ao longo da narrativa, o cronista vai utilizar as mesmas expressões de Marco Polo sobre os reinos que pagavam vassalagem a Gengis Khan. Divide a extensão do rio em vários reinos, dominados por um número pequeno de senhores, sobressaindo um principal entre os demais, técnica que, de certa forma, facilita a compreensão de uma área inexplorada, desconhecida e imensa. Quando não compara, iguala ou privilegia os frutos, os animais e as terras aos da Espanha. A maneira de conseguir comida seguia o mesmo ritmo, o ataque e a pilhagem das casas dos nativos ou, como sucedeu a alimentação era garantida pelos nativos, prática que foi alterada por Orellana - após um jejum forçado durante a Semana Santa - ao designar oficialmente um dos expedicionários como provedor da despensa de bordo. Apesar da fartura das doações ou da pilhagem, os viajantes estão sempre famintos. A fome, aliás, e as batalhas são os temas mais recorrentes na viagem inaugural. Talvez o cronista quisesse encaminhar o relato para o tema principal, ou seja, a presença das Amazonas na América espanhola. Um dos indícios é o fato de a existência dessas mulheres já ser conhecidas em Quito (IDEM, 1991). No reino de Apária, o primeiro que encontram, possivelmente depois de perguntarem pelas Amazonas, Ouvindo o que o Capitão lhes dizia e lhes recomendavam que, se fossemos ver as Amazonas, que chamam na sua língua coniupuiara, que quer dizer grandes senhoras, que víssemos o que fazíamos, porque éramos poucos e elas muitas, e que nos matariam. Que não parássemos em sua terra, porque eles nos dariam tudo de que tivéssemos mister. 5 Nesse local constroem um bergantim mais resistente e Orellana outra vez toma posse das terras, agora diante de Apária6 e mais vinte e seis "senhores”. À posse seguese o fincamento de enorme cruz, prática comum entre os conquistadores. O bem-estar dos expedicionários não se completa devido à praga de mosquitos. Enquanto construíam o bergantim, quatro índios foram conhecer Orellana. Tendo de altura um palmo a mais que o mais alto cristão. Eram muito brancos, de cabelos bastos que lhes chegavam até a cintura, com roupa e joias de ouro, e trazendo muita comida. Chegaram com tanta humildade, que todos ficamos pasmos de suas disposições e boa educação. Revista Perspectiva Amazônica Em uma: Aldeia de medíocre tamanho (...) havia uma praça muito grande e no meio da praça um grande pranchão de dez pés em quadro, pintado e esculpido em relevo, figurando uma cidade murada, com a sua cerca e uma porta. Nessa porta, haviam duas altíssimas torres com as suas janelas, as torres com portas que se defrontavam, cada porta com duas colunas. Toda esta obra era sustentada sobre dois ferocíssimos leões que sustinham nos braços e nas garras. Havia no meio desta praça um buraco por onde deitavam, como oferenda ao sol, a chicha, que é o vinho que eles bebem, sendo o sol que eles adoram e têm como seu Deus. Era esse edifício coisa digna de ser vista, admirando-se o Capitão e nós todos de tão admirável coisa. Perguntou o Capitão a um índio o que era aquilo e que significava aquela praça, e o índio respondeu que eles são súditos e tributários das Amazonas, e que não as forneciam senão de penas de papagaios e guacamaios para forrarem os tetos dos seus adoratórios. Que as povoações que eles tinham eram daquela maneira, conservando-o ali como lembrança e o adoravam como emblema 13 de sua senhora, que é quem governa toda a terra das ditas mulheres. A sucessão de embates com índios mais belicosos indicia a proximidade com o reino das temidas mulheres. Redobram os cuidados a fim de evitarem emboscadas, enforcam alguns prisioneiros de guerra, penetram em um rio "poderoso”, batizado de rio Grande (madeira), saqueiam os alimentos, encontram muito milho (e também muita aveia), de que os índios fazem pão, e vinho muito bom, parecendo cerveja.14 Na província de São João, no dia 24 de junho, entram "de chofre" na boa terra e senhorio das Amazonas. O cronista adianta que os índios já estavam de sobreavisos; tentam estabelecer contato com os nativos, mas são recebidos com escárnio pelos vassalos assim interpreta Orellana que os aguardavam mais abaixo. Diante de tamanho desrespeito, o Capitão manda abrir fogo. Nessa batalha, cinco espanhóis morrem e abatidos a pauladas os que abandonavam a guerra, por dez ou doze delas, que guerreavam à frente, como capitães. Afinal, diz o cronista, as Amazonas estavam ali atendendo ao pedido de socorro de seus súditos e tributários. As Amazonas são as guardiãs desse Édem tropical (CARVAJAI, 1991). Por intermédio do índio que aprisionaram, conhecem em detalhes a vida das mulheres varonis. Questionado pelo Capitão com um vocabulário que havia feito, disse o índio que eram umas mulheres que residiam no interior, a umas sete jornadas da costa, e por ser este senhor Couynco seu súdito, tinha vindo guardar a 15 costa. Explicou que as mulheres não eram casadas, viviam no interior e que lá ele já estivera muitas vezes pagando vassalagem. Ao todo havia setenta aldeias, construídas em pedra e com portas. Os caminhos que as ligavam eram guardados por sentinelas que cobravam a entrada. As celibatas só coabitavam quando sentiam desejo e com homens de um povo vizinho com os quais guerreavam, levando-os à força. Ficavam com eles o tempo que quisessem até engravidar. Depois deixavam-no morto o pai, mas, se fosse filha, era bem criada e educada na arte guerreira. A principal delas chamava-se Conhori. Os homens guerreiros, escolhidos para o ato sexual, eram altos de corpo e muito brancos, e muito numerosos. Conhecidos desde Quito, muitos andavam 1.400 léguas para vê-las. A terra é fria (...) há pouca lenha, sendo muito abundante em todas 16 as comidas. A cidade das Amazonas é a utopia de Carvajal, diferente da utópica cidade de Tomás Morus, erigida provavelmente na aprazível e desértica Ilha de Fernando de Noronha, inspirada na Mundus Novus de Vespucci. 17 Na construção da cidade das Amazonas não há lugar para bons e pacíficos selvagens. Nela o cronista projeta a sociedade que conhece, rigidamente Ano4 N° 7 p.10-19 13 Informações sobre a força das mulheres guerreiras em relação ao seu poderio de comando, por isso, as conquistas de espacialidades como a Amazônia. 14 Grande rio que também desemboca no rio "Amazonas" rico pelos minérios e pela estratégia comercial, que serviu para o surgimento da cidade mineradora de Porto Velho. 15 Regiào de fronteira na Amazônia que limita o Brasil a outros países. 16 Função reprodutora de força referente nos homens por isso, as atividades de força destinadas a eles. 17 Função reprodutora de força referente nos homens por isso, as atividades de força destinadas a eles. 17 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.10-19 18 Período útil de vida deveria ser destinado exclusivamente ao trabalho em prol da defesa da terra. hierarquizada, medieval, dividida entre plebeias e nobres, dominada por uma matriarca, cercada por uma corte feminina, e obviamente possuindo um corpo de guerreiras e sentinelas.É um castelo medieval ao qual se adicionou o culto inca de adoração ao sol. Os camponeses e os vassalos, com seus tributos, mantêm a corte em troca de proteção. O império, composto por mulheres brancas que só mantinham contato sexual com homens igualmente brancos, os mais valentes da região, pressupõe a criação de uma outra raça forte, guerreira. Ainda que cercada por pequenos edens ou feudos circunvizinhos, a população é produtiva, queima os campos para o plantio ou trabalha as terras mais centrais, prática que facilitou, muitas vezes, a incursão dos espanhóis para a rapinagem de alimentos nas aldeias ribeirinhas. É uma terra primaveril, edênica, rica em caça, pesca e frutos, esconde tesouros indescritíveis muito bem guardados pela sociedade de cestas dominada por Conhori, a matriarca das mulheres lendárias. As Amazonas escolheram um local frio para construir em pedra um reino mais duradouro e mais civilizado. As casas tinham portas e eram assoalhadas. As "vergonhas" não ficam expostas nem seus corpos são mutilados - mantêm os seios intactos - demonstrativo de que são as responsáveis pelo processo civilizatório da região com o alargamento de seus domínios. Mas são mulheres e temidas pelos autóctones, e fortes o suficiente para abatêlos a pauladas e enfiarem a um palmo de profundidade suas flechas na madeira resistente do bergantim. Carvajal mapeia e descreve a estratégia guerreira feminina, seus usos e costumes, incluindo os povos limítrofes. Por outro lado, pontua a cada investida do nativo, a superioridade bélica e coragem heroica do europeu, faminto, penetrando o desconhecido e abatendo a quase totalidade dessas Amazonas na pior e mais feroz batalha já realizada na imensidão de um território aprazível, fértil, rico em minérios, habitado por índios extremamente belicosos, mas não impossível de ser conquistado. O trabalho consistira somente em descobrir a sede de onde provinha o comando, localizado a umas sete jornadas da costa, tão distante, tão inacessível, que os índios da parte superior do rio já asseguravam que quem tivesse de descer à terra destas mulheres tinha de ir rapaz e voltar velho.18 Conclusão Diante dessa contextualização, visualiza-se mundos e mitos imaginários e imaginários, convivendo naturalmente no mesmo habitat, expondo particularidades e encantos. O mito religioso justifica-se pela interpretação apresentada nos relatos missionários e viajantes e contada sintetizadamente pelas nativas, o herói, resultado das cantigas épicas das Guerreiras Amazônicas, lendárias afamados habitantes do grande rio. O mito existe na realidade, estruturado para a verdade dos fatos e para invenção destes, daí as controvérsias narrativas extraídas de um ambiente que pode se tornar ao mesmo tempo, o paraíso edêmico e o infernismo do rio negro A amplificação do mito tem sido conduzida geralmente pelos interesses econômicos, são utilizados artifícios, manobras através do jogo de palavras e dos recursos linguísticos, assim como as lendas que propiciaram uma possibilidade fértil, embora, ilusória para conduzir o imaginário e fazer dele um trunfo para explorar a Amazônia, os personagens sustentar a ilusão do Fausto no contexto dessas narrativas, transportam-se para uma possibilidade real e que são recheados de ironias e crônicas com o intuito de iludir e induzir para uma literatura que esteja à serviço dos interesses dos arrivistas. A história da Amazônia nesta fase, praticamente foi construída por elementos externos, ao contrário do que se pensa hoje sobre o grande interesse e cobiças internacionais ter sido construída sobre a égide do neoliberalismo atual, a Amazônia 18 Revista Perspectiva Amazônica do passado teve sua história escrita e narrada pelos arrivistas, que traziam consigo os mapas de uma região nativa e próspera. Verifica-se, no desenvolvimento da região uma delimitação de tempo e de espaço, em primeiro lugar os assentamentos localizados no seio da mata e dos grandes rios de difícil acesso. Em segundo lugar os períodos, que nomeadamente, determinaram a história econômica em um cenário de desenvolvimento em ciclos. E em cima disso, seguiram-se outros aspectos da vida na Amazônia. Alguns pesquisadores chamam isso de dominação, outros preferem chamar de exploração, pois, consideram esta fase, como sendo negra para os nativos, que tiveram suas culturas praticamente sucumbidas pelo poder econômico internacional e pelo cinismo político do momento nacional. Assim, mensura-se que o exótico aumentado estruturadamente, construiu contornos inimagináveis na paisagem amazônica identificados no tempo moderno. Ano 4 N° 7 p.10-19 Referências BACHELARD, Gaston, A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo; Martins Fontes, 1989. BENCHIMOL, Samuel. Amazônia Formação Social e Cultura. Manaus. Valer, 1999. CARVAJAI, Gaspar de. Descobrimento do Rio Orellana. São Paulo, Nacional, 1941. CORDEIRO, Saint – clair e et. Cidade e Empresa na Amazônia. Belém. Editora Paka-Tatu, 2002. DIAS, Edinea Mascarenhas. A Ilusão do Fauto. Manaus 1980-1920- Manaus: Editora Valer, 1999. GONDIN, Neide. A Invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994. OLIVEIRA, José Aldemir. 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O trabalho imbuiu-se do compromisso em olhar as relações socioculturais das redes de sociabilidade e comércio das artesanías em palha de tucumã. As mesmas que apoiam, definem e constroem a paisagem cultural que hoje se espraia no território. A metodologia está amparada nos referenciais sociológicos e etnográficos, tendo como método principal a memória coletiva. Palavras-chave: Artesãs(ãos) de palha de tucumã – objetos culturais – Rio Arapiuns – redes de sociabilidade ABSTRACT The article presented here is a summary of the dissertation in sociology, defended at UFAM in 2013. The work is imbued commitment to looking at sociocultural relations of sociability and commerce of Artesanías straw tucuma. The same support that, define and build the cultural landscape that today spreads in the territory. The methodology is supported by the sociological and ethnographic references, having as main method to collective memory. Key words: Artisans of palm straw - cultural objects - Arapiuns rivers – Sociability network *Mestre em Sociologia (PPGS/UFAM), especialista em ecoturismo pela UFLA/MG e jornalista (FACHA/RJ). Atualmente, é professora e coordenadora do curso de jornalismo das Faculdades Integradas do Tapajós (FIT). **Doutora em sociologia e antropologia pela UFRJ, mestre pela UFAM, graduada em agronomia/UFRRJ e ciências sociais/UFAM. É professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais/UFAM. 20 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.20-35 Introdução As argumentações que seguem aqui conformam a síntese da pesquisa do mestrado em sociologia que defendi na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em abril de 2013. O trabalho imbuiu-se do compromisso em olhar as 1 relações socioculturais das redes de sociabilidade e comércio das artesanías em palha de tucumã. As mesmas que apoiam, definem e constroem a paisagem cultural que hoje se espraia no território. Nesse sentido, investiguei os processos de ressignificação em torno da intensificação e transformação das elaborações dos objetos resultantes do labor e trabalho que exige a habilidade das mãos de uma tecedeira(o). Em uma teia intrincada de relações parentais, o conjunto cesteiro está presente apoiando processos de significação e de tessitura2 de lugares de convivência social como São Miguel, Vila Gorete, Vila Brasil, Vila Coroca, Arimum, Urucureá e 3 sítios. Afora São Miguel, que está situado na Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós Figura 1 –Um Rio, vários Lugares Culturais. Mapa produzido em 15 de março de 2012, pelo técnico em georeferenciamento do PSA, Ney Rafael Gomes Monteiro, para este trabalho 1 Inspirei-me na noção de artesanía ao tecer as análises em torno das relações socioculturais empreendidas pelas artesãs(ãos) de objetos em palha de tucumã, por entender que a definição de artesanato da língua portuguesa não daria conta do objetivo. Vem da língua espanhola e refere-se tanto a trabalhos manuais como intelectual resultante das elaborações humanas. Está delineado por Octávio Paz (2011) em O uso e a contemplação, quando diz que a peça de artesanato “(...) preserva as impressões digitais – reais ou metafóricas – do artesão que a criou. Essas impressões não são a assinatura do artista; elas não são um nome. Nem são uma marca registrada. Antes, são um signo: a cicatriz quase invisível que denota a irmandade original dos homens, e sua separação. Além de ser feito por mãos humanas, o artesanato também é feito para mãos humanas: não apenas podemos vê-lo, mas tocá-lo com nossos dedos (p.01).” 2 Arapiuns, margem direita do curso de águas pretas e bem menor que o Rio Tapajós e Amazonas, as demais localidades estão fundeadas na grande extensão de terra que compreende o Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande (PAE Lago Grande) (Figura 1). Nesse sentido, os sujeitos atuantes se mostram na arena de conflitos tendo em sua base dois elementos históricos cruciais para a humanidade: a posse e o uso da terra e seus recursos naturais. Arena expressa na paisagem social onde estão edificados os lugares, configurando em espaços sociais de ruralidade. Mais do que diferenças, esses lugares demonstraram ser base da existência e do modo da vida possível. Nesse sentido, antes conectados aos mercados modernizados através dos regatões e da ida das pessoas pela via fluvial aos centros mais próximos, como Santarém, hoje veem esses mesmos mercados se fixarem em seus domínios espaciais e temporais. O mundo global chega pela conectividade da telefonia móvel e pela diversidade de mobilidade por intermédio da Rodovia Translago (PA 257). Mas, também e principalmente, pelo conduto da energia que chega pouco a pouco vinda dos motores de combustível 4 fóssil do município de Juruti, onde está instalada a mineradora Alcoa Inc. , e 5 trazida pelo Programa Luz Para Todos, a qual é gerenciada pela Celpa. Considero, aqui, tessitura como a “organização, contextura” (Ferreira, 2004, p.1942). Utilizo esta terminologia no sentido figurativo para referir-me à organização, ao arranjo físico do lugar empreendido pelas relações socioculturais em torno das artesanías em seu contexto territorial material, simbólico e artístico. Faço esta relevância, pois ao abordar tecedura, reportome ao significado em si, ato de tecer os fios que atravessam ou cruzam a urdidura (Ferreira, 2004). 3 Os sítios abarca o lugar que está fora do círculo que define a localidade –igreja e barracão comunitário; escola, quando possui; o posto de saúde; as tabernas e as casas que circundam essas edificações. São considerados localmente como o agrupamento de uma parentagem (categoria local). Tem denominações próprias como o sítio Santíssima Trindade e Aratapi, respectivamente pertencentes às localidades de Vila Gorete e Vila Brasil 21 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.20-35 4 Mineração de bauxita: alcoa.com/brasil/pt/info_page/Ju ruti.asp 5 celpa.com.br O mundo está impresso pelos veículos e gêneros comunicacionais como a televisão, os DVDs e o velho já conhecido rádio. A diferença de hoje é que estão ligados desde que o dia amanhece ao recolherem-se a noite. Interpretei que é nessa confluência de processos sociais e econômicos interligando culturas, que permaneceu naqueles lugares a técnica de elaborar objetos de palha. Paisagens culturais em que o mundo global e o local transformam e agenciam a existência dos grupos sociais e suas artesãs(ãos). Mesmo assim, a principal mercadoria de troca ainda é a farinha. No total, as outras modalidades sazonais, bem como o conjunto cesteiro complementam a receita familiar, ao lado dos programas de transferência de renda dos governos. SE antes o dinheiro dos objetos compravam alimentação, roupas e material escolar, hoje em dia, também consomem bens que substituem os trabalhos diários. São os eletrodomésticos como o tanque de lavar roupas, liquidificados e fogão a gás. Na lista do consumo estão inscritos os mobiliários como sofás e cama [apesar de não desconsiderarem a tradicional ini (Cascudo, 1983) ou a rede de dormir]. Assim, na seção que segue, relato o aparato metodológico com ênfase na interpretação etnográfica da cultura. Posteriormente, faço uma síntese das argumentações concebidas na dissertação, em torno do teçume em palha de tucumã como elemento de autorepresentação, confrontando traços culturais que persistem no entrelaçamento das inovações na contemporaneidade. No prosseguimento, parto para as considerações finais. O Percurso Sociológico e Etnográfico No entendimento de que a ciência, sob a égide do encontro entre saberes, pode apoiar a transformação da realidade na busca de bem estar e viver, o conhecimento científico pode e deve se aproximar dos conhecimentos produzidos no mundo vivido. Garcia Canclini (2006) alerta que precisamos de ciências sociais dinâmicas, com transversalidade, nômades e capazes de percorrer pavimentos múltiplos do saber num redesenho desses planos no sentido horizontal. Sem arrogâncias, sem universalismos como bem demonstra Santos (2000, 2006) por meio de seus textos e dos profícuos debates no âmbito da academia, prossegui oportunizando voz a outras epistemologias locais. Por isso, insisto como técnica do desenvolvimento local, que todo o conhecimento gerado a partir das alças desta ciência ocidental (muitas vezes antropocêntrica) pode ser utilizado para atender às demandas sociais, culturais e ambientais dos povos na contemporaneidade. Aproximo-me de Tuan (1983) para entender o lugar como sendo “uma classe especial de objeto [material]. É uma concreção de valor, embora não seja uma coisa valiosa, que possa ser facilmente manipulada ou levada de um lado para o outro; é um objeto no qual se pode morar” (p.14). Na visão do lugar determinado pela presença das relações socioculturais e simbólicas ancoro-me em Ribeiro (1992-93), ao discorrer que (...) o lugar está intimamente ligado ao estar no mundo. No caso da espécie humana, dado o nosso caráter gregário, o estar no mundo tem uma implicação social. Quem está no mundo só o é em algum lugar. O reconhecimento de estar e/ou ser no mundo por um outro ser cria a medida da definição do lugar de um ser perante o outro. Assim, o lugar define-se a partir de relações sociais entre seres que estão interagindo, que podem ganhar qualquer qualitativo, como relações culturais, de trabalho, políticas, amorosas, entre tantas outras. (...) Desse modo, o lugar deixa de ser um mero reflexo do local, pois os seres que o definem podem estar distantes. Ou seja, os seres não se relacionam apenas com quem está no local, diante de si, mas sim com quem possui um instrumento técnico para manipular e transmitir códigos de informações que possibilite a interação (p.238). 22 Revista Perspectiva Amazônica A experiência de estudar, pesquisar e dissertar com outras lentes a compreensão do modo de vida das artesãs(ãos), se deu num esforço contínuo e sistemático de reflexão sobre a complexificação da vida e das relações sociais e culturais, a partir dos fluxos que interligam os lugares às pessoas e as pessoas a seus objetos, que por sua vez se conectam as pessoas. Essas que selecionam e elaboram objetos materiais na mediação da vida imantando-os de significados materiais e simbólicos. Afinal, “tudo são misturas”, “misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as coisas na alma”, profetizou Marcel Mauss em seu Ensaio sobre a dádiva (2003, p.212). Assim entendido, os objetos materiais ou as artesanías em palha de tucumã objetivados em culturais daquela territorialidade no Arapiuns agenciam-se no interior das expressões subjetivas. Os mesmos que influem sobre o modo de existência, defrontam-se com a memória coletiva e remodelam grupos sociais; envolvem-se de contrato e troca transmutando-se em mercadorias da vida social e cultural. No prolongamento da ideia de Vaz (2011, p.3), no artigo que trata sobre o movimento cabano ressignificado, aqui estendendo-se ao Rio Arapiuns, habilito-me a apontar que aqueles povos respondem às pressões externas, buscando mais intensamente “pelas suas origens e pela sua história enquanto fazendo parte de um território ou uma região muito particular”.6 O mesmo que, como descreve o autor em suas reflexões, “funciona como o mito de origem dos quilombolas, indígenas, ribeirinhos e até setores das classes médias urbanas” (p.3). Belezas naturais, esconderijo, resistência e uma avantajada biodiversidade podem ter contribuído para os processos migratórios na formação social e cultural daquelas paragens no tempo presente (Benchimol, 2009). Voltando às delimitações e conceituações dos termos aqui empregados e apropriados, ressalto que teçume, com ç, é uma adequação da linguagem local e que representa e apreende o resultado do ato de tecer (verbo transitivo que também origina tecedura definida na página 14) a palha de tucumã, originando o tecido que formará o objeto escolhido: um uru, porta panela ou um cestão. Ao contrário de Carvalho (2011, 2004) que o escreve com ss, preferi traduzi-lo graficamente com ç, pois entendi que além de ser uma transcrição linguística é tão mais fonética, originária do discurso oral. Principalmente se retratado, e como é retratado aqui, a partir da fonética indígena onde o som de çu é muito comum; vide cupuaçu, babaçu, jacaré açu, carauaçu. Ao utilizar, aqui, o termo tessitura com dois ss refiro-me à organização, à contextura social e cultural empreendida pelas artesãs(ãos). Filio a cartografia sociocultural a um espaço contraditório no qual o poder desenha caminhos sutis. Emergindo os sujeitos sociais, sobressaem desejos e vontades ao definirem territórios legítimos na contraposição à violência simbólica (Bourdieu, 1997; Schweikardt, 2012). É representativo como uma prática de concepção local, fixa redes de sociabilidade abarcando sujeitos sociais diversos. Impondo, dessa forma, racionalidades residuais que dantes escondidas, agora, expõem-se ao turbilhão social. A pesquisa está organizada no enfoque interativo nas ciências sociais, a partir do referencial teórico interpretativo. Nesse empenho em compreender as relações socioculturais que regem a ressignificação do teçume em palha de tucumã, me ancorei em Geertz (1989) quando ensina que a etnografia é uma atividade interpretativa numa descrição densa. A ênfase recai não simplesmente na comunicação simbólica e suas significações, estruturas e produção de sentidos dos objetos. Mas, concomitantemente na “agência, intenção, causação, resultado e transformação” que estão impressas nas relações socioculturais da arte de trançar a Ano 4 N° 7 p.20-35 6 Destaque do autor. 23 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.20-35 palha ou no “sistema de ação cujo fim é mudar o mundo”, e não somente “codificar proposições simbólicas a respeito do mundo”, acordando com a posição de Alfred Gell (2009, p.251). Antes de realizá-la, Cardoso de Oliveira (2006) convidou-me a olhar, ouvir e escrever o mundo do outro. James Clifford (1998) propõe a escrita etnográfica enquanto construção de empreendimentos textuais nessa historicidade e cultura própria. Assim, além de interpretar, a etnografia é a escrita que persegui neste trabalho, buscando o conhecimento na convergência da ciência e dos saberes locais (Geertz, 1997), onde o familiar e exótico tem caráter relativo (Da Mata, 1978). Nesse contexto, a simultaneidade e instantaneidade da comunicação colaboram para a familiarização de sociedades e culturas distantes (McCraken, 2003), dinamizando e acarretando transformações sociais, dramáticas ou suaves que, nos diferentes grupos, permitem um remapeamento societário. Procurei exercitar o olhar antropológico voltado em perceber a mudança social não apenas ao nível das grandes transformações históricas, mas como resultado acumulado e progressivo de decisões e interações cotidianas. Interagindo com as análises sociológicas da realidade que permitem a compreensão da rede de sociabilidade, percorri o caminho dos sistemas relacionais, entendido por Michel Maffesoli (2006) como a “multiplicidade de situações, de experiências, de ações lógicas e não lógicas que constituem a socialidade” (p.32). Campus, locus, mergulho, emersão... Locais onde se encontram as diferenças antropológicas. Modos de viver e conviver muito diferentes daquele que está gravado em minha bagagem social, cultural e ambiental. Nesse sentido, posicionei-me vigilante, enquanto uma técnica do desenvolvimento, na tarefa intelectual dolorosa de cunhar o conhecimento. Não foi fácil, como já assinalado anteriormente, ir ao encalço das lições dos sentidos de olhar e ouvir tão necessários à condição da pesquisadora. No processo de construção, empreguei a oralidade no recurso da transmissão dos saberes que advêm das experiências sociais. Nessa aventura, sobressai o método da memória coletiva, como resultante das mudanças que ocorrem nas relações entre os grupos, onde apreciei as ideias de Halbwachs (2006), quando insere que a memória pressupõe a reconstrução dos dados no presente da vida social projetando-os no passado reinventado. Para o autor, a memória coletiva “magicamente recompõe o passado” (p.13), sendo que entre uma e outra é onde se desenvolvem as diversas formas de memória. Estando a rememoração pessoal situada na encruzilhada das redes de solidariedades múltiplas em que estamos envolvidos no agora, podem emergir as lembranças que a externamos na linguagem (Halbwachs, 2006). O método apoiou as lembranças e recordações, pois compartilham de um mesmo núcleo social. Dirá o autor que para que nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser reconstruída sobre uma base comum (Halbwachs, 2006,p.39). Introduzo, ainda, a harmonia que faço com as análises da memória pela lente da hermenêutica da condição histórica em Paul Ricouer (2007) no decorrer das análises de campo. Nessa linha de reflexão, relevo que as pessoas esquecem o sentimento, mas não o fato histórico, quando este deseja também ser esquecido, mas não o fazemos porque temos a garantia de que os recursos da amnésia são postos em reserva. A partir dessas noções previamente estudadas e analisadas, inicialmente, realizei uma revisão e análise bibliográfica do estado da arte então produzida, 24 Revista Perspectiva Amazônica seguida de entrevistas com alguns representantes das organizações não governamentais de apoio as iniciativas do teçume da palha do tucumãzeiro junto aos grupos de artesãs(ãos) e lideranças do movimento social. Na visita ao ICMBIO, foram-me repassados alguns documentos sobre diagnóstico socioeconômico da RESEX Tapajós Arapiuns, dos quais utilizo como dados secundários na distinção daquela unidade de conservação. Apesar de afeita com a realidade pesquisada, executei um estudo exploratório com o grupo de artesãs(ãos) na localidade de Urucureá, em setembro de 2011, e duas entradas em campo para a pesquisa. Portanto, o trabalho foi recortado nas tecedeiras Josefa Cardoso, Lenir Cardoso, Zilda França, Ana Sousa Castro –São Miguel; Nair Santos Lopes, Rosalina (Rosa) de Sousa Castro, Antonia Castro (Dondon), –Vila Gorete; Maria Emília Mota, Alzira Lopes, Izolina da Cruz –Vila Brasil; Maria Nei Viana da Silva, Neide Viana, Elenira Viana da Silva, Maria Lucinete Viana da Silva –Arimum; Doralice Silva, Rosangela Tapajós, Maria Zeneide de Sousa Tapajós, Amélia Rodrigues, Maria Elsa Rodrigues, Anadir de Oliveira, Maria Eunice de Oliveira, Alvina Ferreira Rodrigues –Urucureá. Bem como, nas(os) narradoras Józima Nunes (dona Miloca) –São Miguel; Januário Cardoso e Carmem Santos–Vila Gorete; Jonas Dias –Vila Brasil; Júlio Ferreira da Silva, Elias dos Santos Lopes e Zenaide Viana –Arimum. Com Ana Sousa Castro, Jonas Dias e Alzira Lopes utilizei do caderno de campo para guardar as conversas. Em Arimum observei, vivenciei e conversei casualmente nos dias que passei em campanhia da vida ativa das artesãs, o que vale para o período que fiquei na casa de Maria Emília Mota. Com as(os) demais entrevistados realizei conversas formalizadas com o uso do gravador. Ressalto que, as transcrições foram feitas somente das falas que foram enxertadas neste trabalho. Realizei conversas com observação direta que me foram expressivas ao interpretar e traduzir o modo de vida e as significações do mundo material dada pelas artesãs(ãos). Valeram-me também as companhias e os diálogos com as minhas condutoras, guias locais, e companheiras na composição do conhecimento sobre as relações socioculturais entre as artesãs(ãos) e suas artesanías: Dilair Santos Lopes –Vila Gorete; Maria Luzia dos Anjos –São Miguel; Ana Maria Dias Cardoso, Juliana Pereira Oliveira e Dinaiara Nogueira Dias –Vila Brasil; Luziete da Silva Correa –Vila Coroca; Odenilda Gama Silva (Deca) –Urucureá. Mas, foi ao encontrar com Josefa Cardoso que erigi a arquitetura da pesquisa. Tecia uma cesta, sem o uso de óculos que me surpreendeu para sua idade. Ao ser apresentada para ela, perguntei, em voz alta por estar levemente surda, como tinha aprendido a tecer. Sem olhar para mim, ouviu a pergunta e em silêncio ficou até responder dirigindo-me o olhar na pergunta: “Japiim não tem cabeça?”, voltou-se para o entrançamento, teceu um ponto e retornou a olhar para mim, perguntando e afirmando: Japiim tem cabeça!”. Repete o movimento e afirma de novo: Japiim tem cabeça!”. Japiim ou o xexéu de peito amarelo (Cacicus cela) é habilidoso na construção de seu ninho. Tramando fios, concebe um saco longo pendurado nas árvores, com uma pequena entrada redonda na parte mais fina e onde logo acima está preso ao tronco do galho. Geralmente, na época de porem os ovos, o fazem em coletivo numa mesma árvore. Nas pesquisas in situ, investiguei as interações e as relações sociais das e entre as pessoas que fazem com que as artesanías sejam elaboradas. E a lente utilizada para essas análises foi a cultura, o modo e os códigos internalizados que regem e ordenam o mundo e a rede social em que estão incluídas(os) as artesãs(ãos) naquele recorte do Rio Arapiuns, agenciando e mobilizando as pessoas. É uma interpretação dos aspectos dos grupos de parentagens de cada localidade personificado pelas artesãs(ãos). Um trabalho contínuo e exaustivo de Ano 4 N° 7 p.20-35 25 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.20-35 observação do mundo em que estão envoltas as artesãs(ãos) e suas artesanías, registrando fatos aparentes, mas, também buscando aqueles que estão representados nas profundezas da realidade social, nas combinações não-previstas de elementos (Mills, 2009). Esses foram exaustivamente inscritos no caderno de campo, desconstruindo representações superficiais, buscando a realidade tal como ela é e não como se ela fosse. A observação, aqui, assumiu o sentido de complementar as entrevistas que partiram de uma lista dos temas geradores, que tinha em mente e na mão. Apesar de manter a preferência por entrevistas espontâneas ou despadronizadas, houve momentos em que senti necessidade de um formulário de orientação com perguntas abertas. Assim, tive que recorrer a alguns telefonemas, emails e a ajuda de barqueiros levando e trazendo cartas para suprir essas lacunas que por ventura ficaram abertas. Identifiquei as entrevistas espontâneas e visitas como conversas causais que aconteciam nas cozinhas ou varandas, e que são geralmente fora das casas. Com as artesãs que me hospedaram, tivemos um período de convivência seguido, sempre que possível, de longas conversas e observação do dia a dia em lugares distintos. No encontro com as artesãs(ãos), que compõem a memória coletiva, utilizei de gravação para não perder o diálogo na construção do discurso oral inserido no corpo da dissertação, ajudando a minha memória e os escritos –apressados e mal rascunhados– nos cadernos de campo. Usei o gravador MP3, de alta definição, somente com as artesãs(ão) que considerei foco do trabalho. Fundamentação Teórica O desenvolvimento teórico perpassa pelas narrativas entre a empiria do campo realizado em contraste com as teorias da sociedade, das diversidades físicas e culturais. O primeiro capítulo abre com uma contextualização da opção teórica em torno dos grupos sociais domésticos (Fortes, 2011), e “como unidades de análise enquanto sistema social (unidade demográfica), unidade econômica e unidade de manejo” (Almeida, 2007, p.164), distinguindo a construção categórica das artesãs(ãos). Entendi que podem estar agrupadas em torno do campesinato histórico de acordo com as noções de Chayanov (1924) e Shanin (2005), o que compreendi. Mas, principalmente, priorizando as diferenças do sistema adaptativo dos povos das águas amazônicas, a partir de trabalhos como o de Lima (1999) e Wagley (1988). Em seguida, traço uma morfologia social (Mauss, 2012) das localidades e redes de sociabilidade das artesãs(ãos) entremeadas por seus objetos materiais e culturais, abalizando os aspectos ambientais, econômicos e culturais e de significações simbólicas. Em síntese, o estudo está recortado em torno dos laços familiares da parentagem de Josefa Cardoso, uma artesão de 94 anos, ligando tecedeiras(ores) de outras parentelas que na mobilidade edificaram lugares culturais, moradia da técnica manual e da arte de trançar a palha de tucumã. Ao empreender as reflexões respaldada pelas relações de parentesco, Josefa Cardoso foi o fio condutor para o desvelar da pergunta que orienta esta pesquisa. Ao me sentir desolada em campo com tantas informações que a priori pareciam desconexas, ainda em Vila Gorete, subitamente revelou-se diante das minhas ansiedades Januário Cardoso, sogro da artesã Rosalina (Rosa) de Sousa Castro. Artesã e narrador que abriram o caminho da pesquisa com suas memórias e histórias, e mais uma vez distinguindo Josefa Cardoso, que é sua tia. Assim, descrevo algumas particularidades e semelhanças das localidades. No segundo capítulo, a narrativa depreende que a memória coletiva reconstrói a mobilidade entre as margens do Arapiuns moldando novos agrupamentos societários, ou territórios culturais. A mobilidade, que tem como característica a 26 Revista Perspectiva Amazônica fronteira [(re)territorialização (Litlle, 2012; Hannerz, 1997), erige espaços de ruralidade (Hébette & Moreira, 2004), na construção de um espaço rural. Na ampliação dos núcleos principais, entre outros motivos, está associada à satisfação das necessidades individuais de se alimentar, vestir e abrigar; reprodução social e econômica. Nesse sentido, descrevo a ressignificação desse padrão de teçume, conformando o conjunto cesteiro local, mediando e mesclando desejos e sentimentos às coisas, traduzindo a interpretação dos enunciadores aos significados que os objetos carregam de vida social. Desse contexto, abrem-se duas seções: na primeira onde discuto sobre o trabalho manual na elaboração de objetos únicos (Mills, 2009). Como observa Paz (2012), as artesanías estão intrinsicamente ligadas a pessoas, a alma, aos saberes, a criação e habilidade. As mãos que tecem em “movimentos similares” indicam um trabalho intenso elaborado pela “dupla gestualidade” (Velthen, 1998, p.126); edificam objetos culturais e reconstroem dinâmicas sociais nem tão coerentes, nem tão intencionais (Gonçalves, 2007; Douglas, 2009). Nesse entorno, relações de reciprocidade e solidariedade são erigidas a partir dos laços parentais. Em seguida, discorro sobre alguns objetos que marcam a memória das artesã(ãos), que são o uru, o cestão e o chapéu (Fotografia 1). Explorando esse universo simbólico cristalizado no uru, na suposição de objeto primordial, de forma primeira, chego à difusão que hora se realiza na diversidade criativa de outros objetos e pigmentação da palha, traços culturais que permaneceram enquanto outros foram se modificando, tornando-se mais complexos. Ao deslindar aquele universo objetal, cheguei às taxonomias realizadas por Ribeiro (1985) identificando as semelhanças do entrançamento com povos indígenas. Bem como, autenticando a transculturalidade (Hannerz (1997) e Sahlins (1997a, 1997b)) histórica no aporte dos europeus e nordestinos com ênfase nas periodicidades. Nessas análises, percebi que a ampliação das elaborações das artesanías em palha de tucumã expõe revalorização do patrimônio cultural material e simbólico na pluriatividade da plataforma de desenvolvimento ecoturística, reorientando atividades de cunho florestais manejados, e que não advém somente da produção agrícola. A interpretação deixa transparecer os objetos como resultado da interação contínua de um sistema de práticas sobre um sistema de técnicas vivenciadas no cotidiano (Baudrillard, 2008). Nesse sentido, objetos, pessoas e lugares empreendem suas histórias entrecruzando-se ou interagindo-se umas com e nas outras (Douglas, 2009). Ano 4 N° 7 p.20-35 Figura 1 –a primeira imagem mostra o tradicional uru. Em seguida, pequenos porta sabonetes. As três fotos posteriores, demonstram tipos de chapéus. E por último, jovens artesãs tecem nas sombras dos tucumãzeiros no terreiro 27 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.20-35 Para chegar à compreensão desses objetos na vida das pessoas, inspirei-me nas representações sociais de literatos amazônicos como Galvão (1976), Jurandir (1995), Veríssimo (1970), Inglês de Sousa, (1968), Tocantins (1968). Além dos relatos de naturalistas como Bates (1979); Daniel (2004) e Agassiz & Agassiz (1975). O terceiro capítulo, apoderando-me de uma escrita conjugada entre o campo da pesquisa e o conjunto teórico eleito, considero as oposições dialéticas entre o novo e o velho, o moderno e o tradicional diante de uma realidade social em transição; colocando os objetos culturais difundidos no Arapiuns rolando na vida como mercadorias (Douglas, 2006). Principalmente ancorada nas análises da modernidade em Williams (2011, 2005) e Paz (1984). As barreiras que dantes dividiam bruscamente urbanicidade e ruralidade, são agora transpostas, revirando as categorias capitais econômicas e as relações de trocas entre o (pós)moderno (ou pós-industrial?) mundo contemporâneo e agrupamentos societários que ainda mantêm outras formas de relações econômicas e socioculturais (Bourdieu, 1979; Almeida, 2008a, Barth,1998). As análises centraram-se na contradição entre a realidade do mundo da vida das(os) artesãos de palha de tucumã e a condição global, a mercantilização e os objetos. Os pontos de contato e as disparidades sociais e políticas, econômicas e ambientais. Concluindo que esse conjunto das artesanías demarca vida, mas também demarca território sociocultural e geopolítico. Na primeira seção deste capítulo, seguem argumentações em torno das teorias antropológicas do consumo, e como se dá na prática social das artesanías. Em seguida, contextualizo a realidade social das artesãs(ãos) dialogando com as questões da modernização e modernidade do mundo ocidental capitalista. E, fechando o tópico, algumas considerações sobre o comércio de artesanato local e global. Considerações Finais Pondero, primeiramente, que a força motivadora da proposta e desenvolvimento deste trabalho foi o belo, a trama colorida que imanta os objetos elaborados em palha de tucumã. Resultado da criação de artesãs(ãos) que apreendem as técnicas de colheita da palha, dos pigmentos e do entrançamento do saber local, sobressaindo-se como elementos que não permitem cingirem-se na transculturalidade dos povos. Considerei que esta produção, além de ser um estudo com bases etnográficas 28 Revista Perspectiva Amazônica Constatei na pesquisa que o aprendizado da prática do teçume é desenvolvido no seio do grupo familiar, e tido como uma elaboração feminina aprendendo com as avós e mães. O que percebi ser um traço distintivo do entrançamento da palha, pois além de receberem como herança, a interação cultural aponta que as novas artesãs apreendem a técnica ao olharem as tecedeiras amigas, ao serem motivadas pelas vizinhas e amigas que conformam a rede de sociabilidade em torno das artesanías em palha de tucumã. Interpreto que marca um traço cultural que persiste, interagindo com a heterogeneidade do mundo. Dos urus, cestas e cestões, chapéu e o ponto “furadinho” ou “de olho” abrem-se às possibilidades de inovação, aprimoramento e melhoria da qualidade dos objetos, teçume e pigmentação; as artesãs(ãos) e seus grupos mostram que desejam expandir os mercados de oferta para a comercialização e, principalmente desejam alcançar melhores preços para os objetos culturais. Ao proporem-se uma organização que foge aos modos da organização da vida diária, percebem que no conjunto podem alcançar meios de expansão do teçume em valores para troca. Ao analisar os objetos, a pesquisa deparou-se com a influência dos traços indígenas marcados nos objetos atuais de interação cultural. A forma e teçume do uru e do cestão da trama do folíolo largo foram encontradas nos objetos dos povos que habitam o norte do Pará, Parque do Tumucumaque e Xingu. Assim como ficou demonstrado que o entrançamento “de olho”, ou de “buraco” é influência direta dos trançados em palha do nordeste, até mesmo a matéria prima pode ser a mesma. A diferença marcante das artesanías em palha de tucumã do Arapiuns é o entrançamento que as tecedeiras chamam “de miúdo”, “escaminha” ou “miudinho”. O estudo não identificou esse teçume nas artesanías dos povos amazônicos e no artesanato do nordeste. Outro traço marcante são os pigmentos “do mato”. Da pesquisa, é interessante notar que os povos indígenas pigmentam as talas de arumã pintando-as antes de entrançar, tal como a palha. Porém, as artesãs(ãos) do Arapiuns cozinham a palha. Não detectei na bibliografia consultada sobre os povos indígenas tingindo palha no cozimento, tampouco tingiam a palha. Entendi que talvez seja um traço cultural português ou europeu. Observei que nessa rede de organizações em que se colocam, possibilita acessarem o mundo do consumo. Ao comercializarem os objetos de palha de tucumã agregam valores adicionais à renda familiar. E nesse sentido, a dinâmica da economia doméstica privilegiou a artesanía substituindo os ganhos que o extrativismo da borracha havia eliminado em meados do século XX. A principal mercadoria de troca ainda é a farinha, outras modalidades sazonais e os objetos de palha de tucumã complementam a receita familiar ao lado dos programas de transferência direta de renda do governo brasileiro. Na aquisição de bens via o consumo de mercadorias na substituição de alguns trabalhos manuais diários, os eletrodomésticos como o tanque ou máquina de lavar, liquidificador e fogão a gás; bem como, os mobiliários são os principais exemplos que a facilidade de acessos e a energia proporcionaram à esses grupos sociais. A escolha dos trançados em palha de tucumã reflete uma associação entre a disponibilidade dos recursos naturais pelo manejo sem complexidade da palheira e a carga simbólica com que os povos na floresta tropical manipulam as fibras, talas e palhas. Condição artesanal exibida pela habilidade e criatividade das mãos que tecem a palha, deixaram-se notar através da memória dos contemporâneos. Este estudo projeta a possibilidade real da salvaguarda e gestão do patrimônio cultural, calcado na continuidade da prática como resguardo de bens materiais e imateriais, enquanto marca coletiva e indicação geográfica. Sobressaindo nas Ano4 N° 7 p.20-35 29 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.20-35 30 sociológicas, é, em sua origem, um ensaio. Coloquei-me nele, mostrei-me ao buscar compreender as bases teóricas mescladas à empiria que regem as relações socioculturais das artesanías em palha de tucumã. Não foi uma viagem fácil, tampouco sem dor. O estudo que desenvolvi é um debate interno das ideias que fundamentam a compreensão das relações socioculturais nos processos de ressignificação do conjunto cesteiro em palha de tucumã. Discorri que objetos carregam e comunicam símbolos (magia e encantamento, experimentação e prática), compondo uma rede de sociabilidade e comércio da floresta, na tessitura da vida e da trama desta história. Ao interpretar as relações socioculturais em torno da comercialização desses objetos, na atualidade, insiro que na descentralização das tomadas de decisões previstas da Constituição de 88 pelos conselhos paritários, o Estado Brasileiro expande as relações com a sociedade representada pelos movimentos sociais e organizações privadas. Com isso, a base da organização regulariza-se em organizações coletivas, na proteção dos conhecimentos e direitos aos territórios dos povos indígenas, quilombolas e das múltiplas formas autoidentitárias. Assim, a pesquisa possibilitou as análises teóricas e narrativas que permeiam a vida humana e biodiversa numa nova paisagem amparada na emergente discussão em torno do desenvolvimento local, a qual se afinam no debate. O foco centrou olhar sob os significados, mecanismos ou modos de organização do mundo ao redor das artesanías, que concorrem para dar sentido ao lugar do artesanato em palha de tucumã e suas relações nesta realidade globalizante contemporânea. Dentre os caminhos apontados pela investigação, a mobilidade ao remodelar territórios possibilitou que a prática do teçume estabelecesse os lugares culturais que foi o recorte do trabalho. Nesse processo, a compreensão dos laços parentais e de compadrio definindo as relações sociais e geográficas configurou o que a pesquisa identificou como o ponto difusor, compreendido por essas localidades e seus sítios, personificado na presença da artesã Josefa Cardoso. Tendo como característica focal a intensificação das elaborações do entrançamento e o comércio local, regional e nacional, principalmente. O translado da várzea do Amazonas para o interior, pode ter sido motivada pela ocupação secular desenhada na calha daquele rio. O deslocamento para o Rio Arapiuns tem motivos nas relações sociais, festas e matrimônio; e nas atividades econômicas. Ao contraírem o casamento, que não tinha regras rígidas, era do fica, escolhiam uma ponta de areia e fundeavam a parentela, tendo como labor primordial a farinha e o extrativismo vegetal. Ou ganhavam em troca um pedaço de terra na parentagem nominando seu sítio. Como as ilhargas daquele rio também já comportavam ocupações ancestrais e de fluxos migratórios, os homens muitas vezes encontravam trabalho nas atividades de capina e derruba de capoeira, como também no trato com o gado. Ao mesmo tempo, em que foi transformando-se na arena dos conflitos sociais que abarcam as questões cruciais para a humanidade: acesso à terra e aos recursos naturais. Os conflitos sociais não cessaram, permanecem, pois as características de fronteira estão marcadas nos acessos terrestres à essas localidades, adentrando os territórios de reprodução material e simbólica. Nos interstícios desses acessos, o mundo se instala: é o mercado que intercala bens, mercadorias, pessoas e grupos. É onde estão correlatos a comercialização dos objetos florestais de palha de tucumã, e onde misturam-se as pessoas e estas nas coisas. Na busca da diversidade de estratégias econômicas, as artesanías seguem aquele mundo marcando uma maneira de ser, interagindo culturas e intensificando a mobilidade, deslocando imaginários, seus símbolos e geografando territórios. Revista Perspectiva Amazônica dinâmicas e práticas, suas organizações e movimentos sociais estão entremeados no sistema capitalista. Objetos que ao serem retirados, retiram-se também os elaboradores. Entendo que as reflexões desenvolvidas neste trabalho, perfizeram as premissas que envolverão estudos mais amplos sobre as relações socioculturais percorridas pelo conjunto cesteiro e suas artesãs(ãos). Por outro lado, a geopolítica deverá dar conta de negociar um novo modelo de desenvolvimento local (econômico, social e ambiental) que transcendam as linhas tradicionais de comando e controle, e que possam induzir aos setores produtivos, comportamentos ambientais, potencializando as ações participativas de governança entre os vários setores da sociedade. Investigações futuras que envolvem aprofundamento sobre a intersecção do conjunto cesteiro cultural do Arapiuns em palha de tucumã e o conjunto cesteiro dos povos que estão territorializados ao norte do Estado do Pará e a sudeste, no Parque Nacional do Xingu, são propositivas focando as formas e usos de cestos e objetos de barro naquele contexto cultural. Aponto também que investigações onde a biologia intersecciona sociologia e antropologia serão bem vindas no desenvolvimentos de fixadores e impermeabilizantes dos corantes naturais. Bem como, pesquisas vindouras em torno do consumo entendido como cultura material na atualidade em seus diferentes usos, pressupondo-se formas de autonomia frente a realidade dada. Este estudo fortalece questões a serem investigadas em torno do encadeamento sociológico dos objetos e suas relações mediando dimensões culturais e produção de subjetividades em diferentes contextos sociais. A cultura olhada não como algo a ser perdido ou adquirido, mas sim como um mecanismo em que os povos buscam significar o mundo e suas instituições. Estados que investiguem a interação de um mundo expresso em grandes transformações onde o produtor, produto e consumo estão intrinsecamente correlacionados. Entendo, também, que análises onde a possibilidade da interconexão entre consumo e gênero são de importância relevante, bem como consumo e parentesco. Ano 4 N° 7 p.20-35 Referências AGASSIZ, Luiz & AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem Ao Brasil, 1855-1865. Editora da Universidade de São Paulo. Livra. 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Por outro lado, a análise constata a construção de um novo ethos insurgente no homem regional formado por novos elementos reflexivos e novas atitudes em cuja concepção de mundo subsiste a visão do homem como sujeito histórico, social e ético capaz de questionar os rumos do desenvolvimento adotado e transformar a realidade na qual está inserido Palavras-chave: globalização, degradação ambiental, ethos amazônida ABSTRACT The present text tries to realize that fact of environmental degradation seen several parts of the world also is present in the Amazon region. In several forms, not only the ecosystems are being destroyed, but equally the world vision of the inhabitants, when modern-powders are stipulating the region to a reality of paradigm and cruel victim of the exploration, becoming a fertile field for the installation of the capital and of the globalization. In the same way the reflection does a criticism to the globalization and his processes that there imposes a type of development that influences the quality and the quantity of the biotic potential Amazonian and in the relation manenvironment shut in the technological rationality and with tragic consequences for the nature and for the man. On the other side, the analysis notes the construction again ethos insurgent in the regional man formed by new reflexive elements and new attitudes in which world conception there exists the vision of the man as historical, social and ethical subject able to question the courses of the adopted development and to transform fact which is inserted. Key words: globalization, environmental degradation, ethos Amazonian *Doutor pela PUC/SP, professor de filosofia, ética, ciência política nas Faculdades Integradas do Tapajós. 36 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p .36-48 Introdução Depois da Segunda Guerra Mundial, poluição e degradação ambiental se tornaram preocupação da humanidade por adquirirem dimensões planetárias. Os processos tecnológicos e industriais, em conjunto com a globalização, motivaram debates mundiais em torno dos problemas ambientais e propostas foram idealizadas em vista da unificação ecológica do mundo. Os efeitos destrutivos provocaram questionamentos como: qual o critério de desenvolvimento adotado pela humanidade no seu processo de crescimento econômico? Que concepção de desenvolvimento adotar para a modificação do quadro atual, em vista de uma harmonia entre os povos e na oferta das mesmas oportunidades para todos? Movida pela ideia de desenvolvimento ilimitado e pela expansão técnicoindustrial a humanidade tem feito um caminho histórico de degradação dos ecossistemas planetários que se agrava a cada ano. Na Amazônia a história não é diferente. As ameaças aos ecossistemas aqui são frutos dos impactos ambientais impostos pela globalização. Esses impactos têm se apresentado de diversos modos o que tem provocado na rica variedade ambiental e cultural faces diferentes da exploração. A globalização, aliada à ideia de desenvolvimento ilimitado e necessário e a “qualquer custo”, se caracterizam como os principais fatores da degradação socioambiental, do desperdício e principal ameaça à vida na Amazônia. Globalização e Desenvolvimento Ilimitado Globalização é um tema convergente que está intrinsecamente ligado às questões socioambientais e é apontado como um dos responsáveis pela situação degradante vivida pela humanidade. O termo oferece uma variedade de interpretações, por estar envolvido em um debate onde são contrapostas duas visões diferentes: de um lado, um fenômeno real; de outro, por parte dos céticos, tudo não passa de ilusão (VEIGA, 2006). Sem entrar no mérito dessas questões, a análise do termo aqui recai sobre o significado para as relações da humanidade com a natureza, na tentativa de perceber o entendimento e o alcance dos efeitos desse processo da pós-modernidade, também na região amazônica. Segundo Robertson (ROBERTSON, 1999), globalização repousa sobre duas ideias principais: uma basicamente econômica, e se refere à emergência da economia capitalista global dominada por um pequeno número de empresas multinacionais e pelos estados-nação; outra entende globalização como uma ameaça não apenas ao futuro econômico de muitas nações, mas também às suas tradições culturais e identidades. Nesse contexto, ela não se refere aos processos de ocidentalização, americanização, modernização ou “imperialismo cultural”, mas “à compressão, temporal e espacial, do mundo como um todo.” (ibidem, p. 12). Para Wanderley (WANDERLEY, 2003, p. 213), globalização é “um processo de aumento gradativo de relações, contatos e fluxos que se estabeleceram entre povos os mais variados, ocupando regiões dispersas pelo mundo, no campo econômico, político, cultural e religioso.” Dessa concepção, constata-se a quase certeza que a globalização, enquanto processo transmundializado, já penetrou quase todos os cantos do mundo ou está em vias de penetração, alcançando os recantos mais distantes. Além desse alcance mundial, ela abarca todas as dimensões da vida humana, desde o micro até ao macro da sociedade. A tomada de consciência dos efeitos do processo globalizatório e sua influência em todas as camadas sociais têm favorecido o despertar mundial para as situações de destruição dos recursos naturais globais e da Amazônia em particular. 37 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.36-48 p.36-49 1 O relatório foi resultado de um encontro em Estocolmo, patrocinado pela Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente (PNUMA). Sabendo que o culpado por esses processos é o modelo de desenvolvimento adotado pelas nações pós-modernas, negociações são feitas, acordos são assinados, tratados são assumidos e ações são implementadas no intuito de solucionar as crises provocadas pelos efeitos universais da denominada “crise ecológica” global. No nível mundial, o relatório intitulado Los Limites del crecimiento1, de 1972, marca o início de um pensamento mundial em relação à crise ambiental e à necessidade de conservação dos diversos ecossistemas (COSTA, 2006). A humanidade se conscientiza, por exemplo, que a crise ecológica não se restringe somente a alguns ecossistemas, mas ao conjunto da biosfera e da humanidade toda. Com isso, temas capitais para a humanidade são reincorporados nas discussões políticas, além de reintegrar temas socioambientais na consciência antropológica e social. Afirma Morin (MORIN, 1997). “A ciência da ecologia diz-nos, com efeito, que, além de um certo limite, a degradação da natureza é também a degradação da vida humana...” Descobriu-se, ainda mais, que as disparidades do desenvolvimento mostradas na crescente diferença entre o número daqueles que são abastados e aqueles que vivem na extrema miséria, colocam em cheque a pós-modernidade e tudo o que ela representa de novidade pela tecnologia avançada e pelos projetos de desenvolvimento. Para Peña-Veja (PEÑA-VEJA, 1997), esses projetos desenvolvimentistas são frutos do “mito do crescimento”, cujo princípio fundamental se baseia na exploração máxima dos recursos naturais para a promoção do desenvolvimento humano. No pensamento político, a ideia de um desenvolvimento simplificador e mutilador dominante determina as relações de dependência dos países ricos com os países pobres e a submeter uns em relação aos outros, transformando-se em uma ideia-força. Afirma Peña-Veja (ibidem, p. 204): Sabemos que a noção de desenvolvimento […] desta metade de século, é uma palavra mestra na qual se depositaram todas as vulgatas ideológicopolíticas dos anos 50 e 60. Basta ver a abundante literatura publicada durante este período para perceber como o trono comum da ideologia técnico-industrial e econômica é uma ideia-força 2 Apesar do mito do progresso e seus princípios não terem ainda sido abandonados, ficaram claras as carências e os limites da noção de desenvolvimento implantado nas sociedades ocidentais. 38 Por outro lado, a mentalidade implantada no ocidente procurou racionalizar o ser humano para desenvolver a técnica, e não desenvolver a técnica para a promoção do homem. Com isso, o desenvolvimento entrou em crise, juntamente com a crise do grande mito moderno do homem ocidental de conquistar a natureza, tornando-se o soberano do mundo2. Caiu-se na ilusão de que a ciência/técnica/indústria cumpriria o papel histórico de realização do homem (PEÑA-VEJA, 1997). O Desenvolvimento Ilimitado na Amazônia No caso brasileiro e especialmente na região amazônica, aspectos diferentes da mentalidade desenvolvimentista devem ser levados em conta. Primeiramente é preciso fazer uma reavaliação do contexto no qual o Brasil se inseriu para entrar no chamado processo de desenvolvimento e perceber quais as estratégias que teve que criar para ser introduzido no rol dos países em desenvolvimento e quais as consequências que sofreu e está sofrendo para se manter em tal colocação. As respostas podem ser buscadas na história dos vários ciclos econômicos e da implantação dos vários projetos impostos na região ao longo do período pósguerra (SAUER, 2005). Acompanhando a definição dos caminhos da política e da economia mundial, a nova relação surgida entre a sociedade brasileira e a natureza foi regida por uma questão mais ampla que a territorial, configurada a partir de um novo padrão de inserção dos países nas relações mundiais (BECKER & GOMES, 1993). Revista Perspectiva Amazônica Pretendendo alcançar estágios que o equiparasse aos países desenvolvidos, o Brasil seguiu uma trajetória semelhante à dos demais países em desenvolvimento (MAY, 2001), conquistando etapas de crescimento científico e tecnológico que superaram outros do mesmo nível. Com isso, novos elementos se configuraram no cenário nacional, em que o ambiente foi sendo alterado na perspectiva de desenvolvimento e a ciência apareceu como capaz de oferecer fundamento para essa perspectiva. As primeiras tentativas de exploração da Amazônia foram realizadas pelos colonizadores que vieram atraídos pelas lendas das riquezas minerais, pela busca de conhecimento de interesse científico e pelo patriótico ideal de defesa contra os invasores (BRANCO, 1995). A colonização que marcou o início da depredação do ecossistema amazônico demonstrou, em seu processo, diversos períodos cuja pressão exploratória ora ia se acirrando, ora diminuindo, mas, de modo progressivo e permanente, afirmou-se com projetos desenvolvimentistas para a região inexplorada. Assim, a inserção da Amazônia no mundo se deu através de “ondas históricas”, todas justificadas também por invocações ideológicas (MENDES & SACHS, 1997). Desde as sesmarias, passando pela coleta das “drogas do sertão”, extração mineral, extração de madeiras, pelo estímulo para o plantio e cultivo de monoculturas, caso da soja atualmente, a Amazônia vem sofrendo investidas do capital exterior que nunca respeitou e nem levou em conta a biodiversidade e a constituição geofísica da região. Aspectos da colonização antiga, realizada com a cruz e a espada, são mostrados atualmente numa nova fase de modernização agregando o dinheiro e a escravidão como móveis da colonização (GONÇALVES, 2005). Paralelamente aos fatores estratégicos, a coleta dos produtos da floresta foi um dos principais elementos do processo de ocupação das terras e da formação da economia da região. Atualmente, a racionalidade tecnológica e o poder do capital, juntamente com o processo de globalização, subordinando o poder político ao econômico, garantem a exclusividade da exploração dos recursos locais de acordo com modelos e relações socioeconômicas que perpetuam os processos de declínio ecológico e de pobreza humana. A exploração sistemática que caracteriza a fase moderna foi implantada no final do século XIX e início do século XX, ao surgir uma economia baseada na atividade extrativista e mercantilista, cujo produto principal deu nome ao período: ciclo da borracha. Ao lado da castanha, da juta e de outros produtos de grande valor comercial, a extração do látex foi o responsável pelo notável surto econômico da época, registrado no desenvolvimento urbano, político e cultural não só das capitais Belém e Manaus, mas de outras cidades e vilas da região (ASSAYAG HANAM & BATALHA, 1999). 3 Esta fase áurea da economia regional denominada Belle Époque teve sua decadência quando os países desenvolvidos começaram a incrementar a plantação de seringueiras e produção do látex em lugares considerados mais favoráveis aos seus interesses. Além disso, a fabricação da borracha sintética impôs um período de estagnação da economia gomífera na região. No entanto, passando essa fase de euforia, na metade do século passado outros fatores comerciais são inseridos na Amazônia, com destaque para a retomada dos projetos de integração no todo nacional pelo Governo Federal, cujo principal interesse era tirar a região do abandono e promover o desenvolvimento (ASSAYAG HANAM & BATALHA, 1999).4 Fruto desse projeto começou-se a construção da rodovia Belém-Brasília que conduziria à expansão da fronteira agrícola e industrial Ano 4 N° 7 p .36-48 3 “Este foi um período de utilização racional dos bens naturais renováveis, cujo aproveitamento econômico gerou investimentos de infra-estrutura adequados ao crescimento demográfico da região. O Estado do Amazonas chegou a arrecadar, em um ano, 40% da receita tributária nacional e contava com serviços de comunicação telegráfica, navegação fluvial, porto, águas e esgotos. Manaus, classificada então como a segunda cidade do Brasil, possuía uma usina elétrica”. (ASSAYAG HANAN & BATALHA, 1999. p. 63). 4 “Pode-se balizar a década de 50 como a da retomada da integração física da Amazônia ao restante do território brasileiro [...] naquela época, os poderosos da comunidade internacional incentivavam o crescimento material de um pós-guerra, envolviam-se em conflitos localizados e desdenhavam qualquer preocupação ambiental”. (ibidem, p. 64ss). 39 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.36-48 p.36-49 para o coração da Amazônia, projeto amplamente apoiado pela comunidade internacional do pós-guerra que aparece como uma das principais incentivadoras. Afirmam os autores (ibidem, p. 64): Esse comportamento desenvolvimentista refletiu-se e ainda se reflete no território nacional, em particular naquilo que se convencionou tratar como Amazônia Legal [...] A expansão da fronteira econômica do Brasil na Amazônia estende-se ao longo dos principais eixos rodoviários que cortam a região: as estradas Belém-Brasília, Cuiabá-Porto Velho (BR364); Cuiabá-Santarém e Transamazônica. 5 “Os governos [...] pós-64 definiram como estratégia a integração nacional, que foi iniciada pela “operação Amazônia”, cuja ideologia serviu de lema ao chamado Projeto Rondon: “integrar para não entregar”. (SAUER, 2005, p. 51-66) Ver, sobretudo, o capítulo II: “As políticas governamentais para a Amazônia e o Pará.” 6 “As políticas governamentais para a Amazônia mesclaram a visão de que era necessário explorar o imenso potencial natural da região com a idéia de 'domesticar o ambiente', transplantando o modelo de desenvolvimento do sul do país, calcado principalmente na necessidade de urbanização.” (ibidem, p. 51ss). 40 Estes fatores de desenvolvimento repercutiram no todo nacional, aumentando ainda mais a situação de agressão à natureza e a escassez de seus recursos. No período subsequente, o processo da globalização marca a penetração do capital na região amazônica de modo mais concreto e amplia sua ação quando a racionalidade do mercado se impôs por intermédio das novas fronteiras econômicas voltadas, sobretudo, para grandes projetos regionais (SAUER, 2005).5 Esta situação também favoreceu a descaracterização da cultura regional que, em alguns aspectos, se enfraqueceu ou sofreu dispersão, e, em outros, influenciou na criação de novas posturas do amazônida frente à natureza. Grandes projetos como hidrelétricas, fábrica de celulose, exploração de bauxita, ferro, alumínio, exploração do ouro, extração da madeira, incentivados pelos investimentos nacionais e estrangeiros colocaram a Amazônia no giro do capital financeiro internacional, a partir de parâmetros mundiais de desenvolvimento. Com o slogan “desenvolvimento com segurança” teve início um intencionado e amplo projeto de inserção da Amazônia no âmbito nacional e internacional, criando um corolário de realidades adversas e desafios insuperáveis relacionados à fauna, flora e água, fontes naturais de vida, que passaram a exigir atenção e cuidado para serem preservados. A ameaça permanente de extinção da rica biodiversidade, os desequilíbrios ambientais e sociais em conjunto com a biopirataria de material genético e o extravio do conhecimento ancestral das populações nativas para as mãos dos laboratórios estrangeiros colaboraram para o arrefecimento do processo da globalização presente na Amazônia. O capital atuante encontrou campo fértil na região por causa de sua riqueza em recursos naturais e pela facilidade de sua exploração, o que trouxe profundas alterações para a natureza e para as populações. Com isso, surge como resultado, nos aglomerados urbanos, violência urbana e rural com cifras assustadoras, além de grande quantidade de pessoas sujeitas à fome e às carências materiais e espirituais, e a proliferação de novas formas de exploração motivadas pelo fácil acúmulo de 6 riquezas (SAUER, 2005). Para Hogan (HOGAN, 1993), o crescimento demográfico é identificado como o principal vilão provocador de todo esse impacto. Este não se restringe somente às pressões da população sobre os recursos naturais em busca de sustento e desenvolvimento, embora tenha sido considerado o maior culpado pelo esgotamento dos recursos e pela degradação ambiental. Esta versão de entendimento e de conhecimento do causador do impacto, no entanto, tornou-se agravante, deslocando o foco de atenção da tríade população/meio ambiente/desenvolvimento para os processos que advém de um histórico caracterizado fortemente pela migração (HOGAN, 1993). Paralelamente a isso, foi adotado um caminho do “desenvolvimento a qualquer custo” onde o Brasil, querendo sair do atraso e, sem clareza dos objetivos que seriam alcançados com as ações tomadas e sem modelos sobre os quais se pautar, Revista Perspectiva Amazônica acelerou um processo de exploração da natureza sem respeitar o limite de capacidade de recarga dos ecossistemas. Dessa forma, a Amazônia, detentora das maiores reservas de recursos naturais do planeta, representada, sobretudo, pela grande riqueza florestal e pela biodiversidade, foi sendo ocupada sem planejamento e sem estudo da vocação natural do solo. Atividades de grande impacto como a extração de madeira, produção de carvão vegetal para a indústria de ferro-gusa, instalação de empresas de mineração, exploração de petróleo e as hidroelétricas, em conjunto com a ganância e a busca do lucro fácil, levaram também para a região a garimpagem, a pesca e a caça predatórias, contribuindo para os processos de degradação. Pela imposição de proibições para a exploração dos recursos naturais para não depredá-los, ou pela não obtenção de recursos para viabilizar a sustentabilidade dos projetos, o que acaba ocorrendo na região “é a exploração clandestina dos recursos naturais, gerada pela pressão antrópica descontrolada” (ASSAYAG HANAN & BATALHA, 1999, p. 66). O histórico dos megaprojetos mostra que alguns fatores devem ser levados em conta quando se trata de discutir os movimentos de industrialização de algumas áreas da Amazônia, como aquelas favorecidas pelo estabelecimento de grandes empresas de extração de minérios, em que os impactos provocados por essas atividades se manifestam com uma proporção tal que é impossível serem imaginados. Caso recente é o relatório apresentado na audiência pública realizada no mês de maio de 2007, no município de Juruti/PA, onde foi instalada uma grande empresa exploradora de bauxita (FRENTE DE DEFESA DA AMAZÔNIA, CEAPAC, 2007). A Procuradoria de Justiça da região constatou e lamentou o fato de a empresa, na fase do licenciamento, haver abandonado o diálogo com o Ministério Público, por causa do cumprimento do cronograma de instalação. Isso levou a empresa a omitir, nos mapas oficiais que se encontravam na internet, várias comunidades da região do lago de Juruti Velho. Cerca de nove mil pessoas se encontravam apagadas nos planos de instalação da obra. Além disso, outros agravantes como o aumento populacional da cidade de Juruti e um grande impacto nas contas públicas, a necessidade da construção de estradas e hospital para acolher a população que acorreu para a região, juntamente com o aumento da violência, provocou alterações nas relações sociais da população. Porém, a principal violência, conforme relatório da Procuradoria foi a destruição da base de sobrevivência pela invasão de terrenos e plantações e pelo aproveitamento, por parte da empresa, da água, da terra e da biodiversidade da região, em detrimento da população que ficou à margem do projeto. Por ocasião da audiência pública foi denunciado também o assoreamento dos igarapés do Jará e do Fifi que foram, por um grande período, os destinatários finais dos dejetos oriundos da higiene pessoal dos funcionários da empresa em seus alojamentos. Além disso, as nascentes do igarapé do Prudêncio, em Juruti Velho, sofreram erosão e tiveram suas águas poluídas em razão das obras realizadas pela mineradora. Do mesmo modo, têm acontecido em outros municípios da região Oeste do Estado do Pará grilagens de terra e extração desordenada de madeira para preparar o terreno para o plantio de soja motivado, sobretudo, pela instalação na cidade de Santarém, de um porto graneleiro. Aliadas a esse fator, as políticas públicas do Governo Federal para assentamentos na região têm provocado desentendimentos quanto às responsabilidades de cada órgão pelos conflitos que deles decorrem. Há um permanente “jogo de empurra-empurra” entre os órgãos federais e estaduais, o que Ano 4 N° 7 p .36-48 41 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.36-48 acaba beneficiando os grileiros de terras públicas (SAUER, 2005). O desenvolvimento aplicado na Amazônia vem acompanhado de uma carga preconceituosa, o que favorece a instalação de projetos empresariais e leva à exploração da mão de obra local, além da degradação dos ecossistemas. Grandes empreendimentos de capital nacional e internacional, quase sempre apoiados pelo Governo brasileiro, favorecem ações degradantes à natureza e colaboram para a penetração de novos mecanismos de exploração como o capital especulativo e a monocultura de exportação. Embora a globalização com suas características tenham contribuído para o desenvolvimento regional, pois acalentam diversos segmentos sociais e aumentam as expectativas de rápida industrialização regional, contribuem e muito para os processos destrutivos. Afirma Monteiro (MONTEIRO, 2005, p. 157): “...as dinâmicas derivadas das atividades voltadas à extração e à transformação industrial de minerais incluem-se, seguramente, entre os mais expressivos elementos que contribuíram e contribuem para a efetivação de significativas mudanças na Amazônia oriental brasileira”. Para piorar ainda mais a situação o desenvolvimento descontrolado, além de desestabilizar os ecossistemas, cria uma nova realidade caracterizada pelo abandono das populações que se tornam joguetes nos projetos das grandes incorporadoras financeiras, produzindo situações de desumanização e colaborando para o aceleramento das condições de miséria das populações e de destruição dos ecossistemas. Ethos Amazônida e Crítica ao “Desenvolvimento Ilimitado” A análise da realidade amazônica faz ver que o ethos regional está passando por grandes transformações, não somente pelas provocadas pela globalização, mas por outras que mostram o despertar crítico diante da história e uma maior organização e participação na reivindicação de seus direitos sociais. Isso se dá, por exemplo, quando o homem regional totalmente integrado ao mundo natural tem receio de sua destruição total. Para Oliveira (OLIVEIRA, 2000), esta realidade demonstra ser um espaço contraditório, pois nesse “universo simbólico”, entrecruzam-se elementos de caráter crítico em relação à vida, motivados pela mentalidade técnico-científica globalizada que se universaliza, com elementos mais tradicionais, de caráter prémoderno, mais ético e religioso. De fato, no relacionamento com o mundo, com o outro e com a realidade que o cerca, o ser humano gera valores segundo os quais organiza a sua vida econômica, política e cultural. Ao realizar essa organização não prescinde daquilo que vai adquirindo ao longo da construção de sua história, e, na reação aos estímulos e conteúdos, dá também a sua contribuição. Desse modo, ele pode fundamentar seu agir dentro de valores que garantam os direitos da pessoa, a construção de uma sociedade justa e solidária, a verdade e a paz. Antes de analisar alguns conteúdos que determinam o novo ethos do homem amazônida revelador do compromisso com a história e uma visão crítica diante da situação desumana vivida, é necessário apresentar os elementos formadores da cosmovisão amazônica e que são aproveitados pela ideologia da globalização, em sua dinâmica de manutenção da população cada vez mais aprisionada e alienada por um discurso de falsas promessas. Os pontos que merecem destaque são os seguintes: 1. Uma forte referência do amazônida à natureza, à terra-mãe, que mantém e envolve sua vida ao próprio lugar onde mora. Dessa concepção, advém como atitudes submissão aos ciclos e passividade diante das leis que fazem funcionar a sociedade, consideradas imutáveis; 2. O entendimento de si mesmo como uma peça do mundo, submetido a suas 42 Revista Perspectiva Amazônica leis imutáveis e a seu destino. Daí a crença de que sua ação já está estabelecida pela própria ordem cósmica, de modo que ele se sente mais objeto do que sujeito do mundo; 3. A concepção do trabalho como uma espécie de necessidade ou mesmo de servidão, dentro de uma vida experimentada originalmente como passiva e submetida ao que é fora do homem. Assim, com esse pensamento, interpreta a sua vida e a história coletiva como o cumprimento de um destino, de um plano estabelecido por Deus desde toda a eternidade; 4. Sentindo-se parte da natureza como um todo, ele se sente também parte da sociedade humana, também ela entendida como totalidade orgânica, hierárquica e imutável, que tem uma estrutura semelhante à ordem natural. A atitude diante disso é a resignação, a obediência diante das autoridades constituídas e das instituições vigentes; Grandes grupos econômicos e parte do Governo se aproveitam desse conhecimento para implantar uma ideologia de fortalecimento desta visão em função de seus interesses. Através de parcerias com o poder público, com grupos empresariais e com alguns meios de comunicação, realizam e divulgam ações sociais em favor de pequenos grupos de riscos, como formas de mascarar e até mesmo ocultar os processos destrutivos com suas intervenções na região, que são bem mais amplas que aquelas. Porém, outra realidade está surgindo, graças às intervenções de vários atores, fazendo despertar na região uma nova visão de mundo cujo resultado é a construção de um ethos que assume papel diferente. Inverso daquele primeiro, o novo que se insurge passa a criticar as atitudes de inércia diante da situação de degradação e a fortalecer aquelas que cooperam para a manutenção do equilíbrio na relação homem-natureza. Trata-se de uma nova consciência social e política, embasada na dimensão ético-religiosa, que ajuda a confrontar projetos do homem que vão de encontro às situações degradantes que proliferam na região. Para Leonardo Boff, constitui-se da inauguração de uma nova aliança para com a terra, residindo no resgate da dimensão do sagrado. De fato: “sem o sagrado, a afirmação da dignidade da Terra e do limite a ser imposto ao nosso desejo de exploração de suas potencialidades permanece uma retórica sem efeito” (BOFF, 2004, p. 160). Além disso, acredita-se ser um despertar da sociedade amazônica que ao longo de sua história foi sempre envolvida por interesses externos e viveu subordinada aos projetos econômicos de fora que buscam, de modo permanente em seu território, as riquezas para continuar a dinâmica do capital internacional A análise de um documento intitulado “Carta de Santarém”, fruto de uma audiência pública promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB Subseção Santarém e com a participação de mais de vinte entidades representativas da sociedade do Baixo Amazonas, ilustra a tomada de consciência e o novo ethos que está surgindo. A audiência pública ocorreu no dia 30 de agosto no auditório da Universidade Federal do Oeste do Pará, UFOPA, que tratou das hidrelétricas no rio Tapajós, com o t e m a “ H i d r e l é t r i c a s n o Ta p a j ó s , p e r s p e c t i v a s e i m p a c t o s . ” (www.ihu.unisinos.br/noticias/523271 - hidreletricas-no-tapajos-audiencia-publica Acessado dia 15 de setembro de 2013). Foram enviadas cópias da “Carta de Santarém” às Comissões de Direitos Humanos da OEA, ONU, MPF, Presidente Dilma e seus associados. A carta é um grito de resistência, resultado do aprofundamento das organizações sociais Ano 4 N° 7 p .36-48 43 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.36-48 e no envolvimento das mesmas, nos debates acerca da degradação da dignidade humana que se concentra na região. A carta deixa claro que cresce entre as populações da região a conscientização da falta de sensibilidade e respeito por parte do Governo Federal e de outros setores da sociedade, em relação aos povos e ecossistemas da Amazônia. Após a leitura da íntegra do documento, será feita a análise pertinente ao tema proposto. CARTA DE SANTARÉM “Nós da sociedade civil organizada de Santarém e região, povos e comunidades tradicionais, reunidos em Audiência Pública, realizada em Santarém - PA, no dia 30 de agosto de 2013, convocada pela OAB Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção Santarém e pelos Movimentos Sociais da região, com o tema: HIDRELÉTRICAS NO TAPAJÓS: PERSPECTIVAS E IMPACTOS, por meio desta carta, manifestaram que NÃO CONCORDAMOS COM A CONSTRUÇÃO DAS HIDRELÉTRICAS NO RIO TAPAJÓS! Na Audiência Pública representantes da Eletrobrás/Eletronorte e de empresas contratadas para a realização do empreendimento, tentaram convencer que as hidrelétricas na Bacia do Rio Tapajós são uma necessidade para o Brasil. Cerca de 180 participantes, vindos de terras indígenas, comunidades rurais e cidades da região, aprenderam detalhes da perversidade do plano do Governo Federal para barramento do Rio Tapajós e seus afluentes. Os argumentos dos representantes do governo revelaram que as hidrelétricas seriam construídas em sacrifício dos povos e comunidades tradicionais e em beneficio de uma pequena elite de grandes empreiteiras e mineradoras. Questionados sobre a invasão do governo nos territórios Munduruku e nos territórios tradicionalmente ocupados, com aparato militar em operação de guerra, os representantes do governo e seus técnicos contratados responderam que é “apenas” uma questão de “discreta e democrática” proteção ao trabalho de pesquisa para o EIA/RIMA esperado pelo IBAMA. No entanto, para os representantes dos povos e comunidades tradicionais presentes isso é uma agressão arbitrária e intimidatória. Em resposta, manifestaram-se representações dos povos e comunidades Tradicionais: “Vocês são um bando de covardes, pois entram em nossa casa. Vocês têm medo de nós. Nós não somos ameaça. Vocês são ameaça, pois só estamos defendendo o que é nosso.” (liderança Munduruku). “Estamos representando mais de 20 mil pessoas da RESEX TapajósArapiuns. Viemos aqui dizer que não queremos as hidrelétricas, não precisamos dessas hidrelétricas.” (liderança ribeirinha). “Queremos o direito de viver, de criar nossos filhos, de trabalhar. Não queremos morrer afogados. O recado está dado: Nós vamos resistir até o fim. A luta continua!”(liderança indígena). “Vamos lutar até a morte para não acontecer essas hidrelétricas. Ninguém é bandido, nós ficamos espantados com tanta polícia.” (liderança beiradeira). As falas aqui transcritas manifestam a indignação da população do Tapajós, agredida, porém resistente frente à ofensiva que está acontecendo de maneira violenta e autoritária. Denunciamos o claro descumprimento da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. O Brasil assumiu o compromisso de realizar consultas prévias em qualquer projeto ou decisão de governo que venha a afetar, modificar, de forma permanente e irreversível, a vida de povos indígenas, tribais e tradicionais. Trata-se, portanto, de um direito constituído que tem sido violado pelo governo por meio de decisões autoritárias de membros do judiciário. Em vergonhosa e covarde afronta à dignidade dos indígenas e à seriedade do Estado brasileiro, os mais de 140 índios presentes em uma 44 Revista Perspectiva Amazônica reunião em Brasília, em junho de 2013, ouviram do ministrochefe da Secretaria Geral da Presidência da República que: “mesmo após consulta pública, os índios não terão poder de veto à construção das hidrelétricas”. A autoritária e equivocada política energética do governo brasileiro oprime os povos indígenas e as organizações da sociedade que estão cientes de seus direitos e das obrigações do Estado. As ações do governo brasileiro tem sido típicas de regimes totalitários e ditatoriais que, recentemente, levaram à morte dois indígenas (Munduruku e Terena) e instalaram um clima de terror em seus territórios. Ao mesmo tempo em que denunciamos as arbitrariedades do Governo Federal, que impõe seu projeto de crescimento econômico a qualquer custo e sem respeito aos direitos humanos dos povos do Tapajós, manifestamos completa rejeição à implantação de hidrelétricas, as quais trarão impactos irreversíveis aos povos e à natureza na região do Tapajós. Requeremos do Supremo Tribunal Federal que exija da presidência da república o respeito aos direitos humanos como manda a Constituição Federal, como a consulta prévia antes de iniciar obras de tão grandes impactos como as hidroelétricas na bacia do Tapajós que ameaçam de forma irreversível os ciclos naturais das áreas de maior biodiversidade do planeta. Solicitamos também aos órgãos de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos - OEA e da Organização das Nações Unidas ONU que intervenham junto ao Governo Federal brasileiro por desrespeitar tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Santarém, Pará, 30 de agosto de 2013. 1. Associação Comunitária de Montanha e Mangabal 2. FAMCOS 3. International Rivers 4. Movimento Tapajós Vivo – MTV 5. Centro de Estudo, Pesquisa e Formação dos Trabalhadores do Baixo Amazonas – CEFTBAM 6. Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP/Santarém 7. Projeto Saúde e Alegria – PSA 8. Colônia de Pescadores Z- 20 9. Comunidade Indígena de Pinhel – Rio Tapajós IAPAPI 10. Movimento de Trabalhadores por Luta e Moradia – MTLM 11. Associação indígena Pahyhyp – ITAITUBA 12. GCI/CITA 13. Grupo de Defesa da Amazônia-GDA 14. Movimento Salve o Juá 15. Associação Maira – Resex Tapajós 16. Ecotore 17. FAOR 18. OAB subseção Santarém 19. CEAPAC 20. Movimento Roda de Curimbó 21. Associação da Comunidade de Nuquini – Tapajós 22. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém 23. ASBAMA 24. SINSOP 25. Associação Irmã Dulce 26. UES Ano 4 N° 7 p .36-48 45 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.36-48 A carta é fruto do despertar das consciências das pessoas acerca das formas de destruição que se desenvolveram na Amazônia nas últimas décadas, cujo resultado é a mobilização dos grupos sociais reivindicando direitos. Encontros como esses acontecem em toda a região, tendo como motivação principal o engajamento dos movimentos de defesa dos direitos humanos, pastorais sociais, minorias étnicas, Ministério Público, OAB, sindicatos, associações e etc. Os elementos a serem destacados dizem respeito a uma pedagogia que provoca novos comportamentos, alimenta novos sonhos e reforça uma nova benevolência para com a criação (BOFF, 2004). Ao mesmo tempo em que provoca atitudes de veneração, respeito para com a natureza, por isso, fundamentalmente ética, incute na pessoa a consciência de ser sujeito responsável por sua vida e pela criação e que a realidade social é uma produção histórica que pode ser transformada (OLIVEIRA, 2000). A análise deixa explícito um eixo central revelado pelo ethos amazônida que exprime, antes de tudo, uma intelecção do mundo enriquecido com os conteúdos éticos revelados pelo imaginário simbólico e pelas práticas decorrentes da situação vivida. Percebe-se assim, que as novas posturas e novos modos de ser e de reagir diante da realidade são assumidos, deixando transparecer frutos como resultados de uma luta contra as forças destrutivas na região. E, a partir daí, “o ser humano se autocompreende a si, suas relações com seus outros irmãos na vida humana, com a natureza e todo o universo das coisas” (LIBANIO & MURAD, 1996, p. 289). O ethos regional bastante caracterizado se encontra no modo de se relacionar com a natureza, onde o sagrado e o profano, o mito e a religião, embora com linguagens diferentes, constroem as relações sociais e decodificam os signos inserindo-os no cotidiano. Imbuídos dessa realidade rica e sugestiva, os povos da Amazônia percebem o conflito permanente entre as situações de destruição e negação do humano e as lutas em defesa da vida e do ambiente natural nela presente. Por isso, hoje, mais do que em outros tempos, é urgente juntar os esforços em vista do resgate do verdadeiro sentido que o imaginário amazônico exprime, para garantir a fonte de valores defensivos da natureza presentes nele. Considerações Finais Entre os elementos destacados na “Carta de Santarém” que mostram valores autóctones reveladores da nova postura das populações amazônicas que se juntam organizadamente em defesa da vida em todos os seus aspectos, projetam-se os seguintes: 1. Na denúncia dos interesses do Estado voltados para a aprovação de grandes projetos em vista do favorecimento de grupos econômicos, percebe-se a gestação de um novo ambiente cultural entre impactados, começando a situar-se diferentemente no mundo social. As populações não se consideram mais simplesmente como peças de uma máquina, mas tomam consciência da organização da sociedade e seu funcionamento. Passam a ter uma visão histórica da vida. “Queremos o direito de viver, de criar nossos filhos, de trabalhar. Não queremos morrer afogados. O recado está dado: Nós vamos resistir até o fim. A luta continua!” (liderança indígena). 2. A consciência de que são povos que lutam contra aqueles que destroem a vida e os recursos naturais faz surgir nas pequenas comunidades uma nova tarefa a ser executada: defender os direitos conquistados na esfera nacional e internacional, em vista da construção de uma sociedade organizada a partir da solidariedade universal, em que haja a participação e não a exploração e a dominação. O Brasil assumiu o compromisso de realizar consultas prévias em qualquer projeto ou decisão de governo que venha a afetar, modificar, de forma permanente e irreversível, a vida de povos indígenas, tribais e 46 Revista Perspectiva Amazônica tradicionais. Trata-se, portanto, de um direito constituído que tem sido violado pelo governo por meio de decisões autoritárias de membros do judiciário. Ano 4 N° 7 p.36-48 3. A luta pela defesa e igualdade dos direitos humanos, como valor-eixo, exclui qualquer tipo de discriminação de qualquer povo provocada por qualquer tipo de projeto. Vínculos de solidariedade e comunhão com a criação hoje e no futuro aparecem como constitutivos da vida do dia a dia, que contrariam os projetos que trazem impactos irreversíveis à natureza e às pessoas. Ao mesmo tempo em que denunciamos as arbitrariedades do Governo Federal, que impõe seu projeto de crescimento econômico a qualquer custo e sem respeito aos direitos humanos dos povos do Tapajós, manifestamos completa rejeição à implantação de hidrelétricas, as quais trarão impactos irreversíveis aos povos e à natureza na região do Tapajós. 4. As atitudes tomadas resultam em organizações de resistência, com ênfase na participação, na espontaneidade, e na valorização da diversidade. Aumenta-se a sensibilidade diante dos problemas socioambientais e a necessidade do diálogo com as diversas tradições culturais, salvaguardando sua autonomia e a maior biodiversidade do planeta. A autoritária e equivocada política energética do governo brasileiro oprime os povos indígenas e as organizações da sociedade que estão cientes de seus direitos e das obrigações do Estado. As ações do governo brasileiro tem sido típicas de regimes totalitários e ditatoriais que, recentemente, levaram à morte dois indígenas (Munduruku e Terena) e instalaram um clima de terror em seus territórios. 5. O surgimento de uma nova imagem de Deus, não mais como o Senhor todopoderoso que garante a ordem cósmica e social, mas como aquele que intervém na história coletiva para libertar os grupos humanos oprimidos e fazer deles um povo de homens livres e solidários, isto é, um povo de irmãos e irmãs. Com isso, crescem os apelos em favor da justiça, redescobre-se o sentido da festa, valorizam-se os símbolos e a gratuidade nas relações humanas. As atitudes ressaltadas no documento contrariam a visão de mundo envolvida pela globalização e seu sistema propagado, ao mesmo tempo em que a combatem. Ao criticar o sistema propagado pela globalização e seus efeitos, o novo ethos pode ser condensado nas seguintes proposições: a) o ser humano não está sozinho no mundo. Ele é filho da terra e com ela mantém uma relação mediatizada pela subjetividade; b) o caráter de religação que cada ser humano tem com a imensa cadeia viva da terra, o que faz nascer o sentimento de auto-estima e de descoberta do próprio sagrado que produz intimidade. Referências ASSAYAG HANAN, S.; BATALHA, B. H. L. Amazônia. Contradições no paraíso ecológico. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1999. BECKER, B. K. GOMES, P. C. da C. Meio ambiente: matriz do pensamento geográfico. In: VIEIRA, P. F.; MAIMON, D (orgs.). As ciências sociais e a questão ambiental. Rumo à interdisciplinaridade. Belém-PA: APED e UFPA, 1993. BOFF, L Ecologia: grito da Terra, grito dos Pobres. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2004. BRANCO, S. M. O desafio amazônico. São Paulo: Moderna, 1995. COSTA, I. S. 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Uma vez que a sociedade brasileira vive um novo contexto em relação à história e cultura afro-brasileira é pertinente analisar as personagens e averiguar existência de discriminação, simultaneamente a investigação contribuirá para a utilização das lendas e mitos como ferramentas pedagógicas que auxiliarão o ensino de história, levando os alunos da parte para o todo e do todo para a parte, ou seja, o estudo aprendizagem se dará do simples para o complexo e do complexo para o simples. As fontes de pesquisa, analisadas e contextualizadas por meio da historiográfica. O município de Monte Alegre, no Oeste do Pará, assim como em todo o Brasil, possui um conjunto de lendas e mitos, que fazem parte da sua manifestação cultural pela qual expõe a sua identidade, revelando assim a sua posição referente aos afro-brasileiros no passado, especificamente na antes e depois da abolição da escravatura no século XIX. As narrativas locais refletem a mentalidade da sociedade hierárquica brasileira, portanto retratam o preconceito, ou seja, as relações sociais entre brancos e negros, mas também é possível encontrar aspectos da cultura afro-brasileira. Palavras-chave: Lendas. Mitos. Monte Alegre. Afro-brasileiro. Ensino. ABSTRACT The purpose of this article is to interpret how the image of blacks is placed in the narratives from Monte Alegre that feature characters with African-Brazilian characteristics. Once the Brazilian society lives a new context in relation to the African-Brazilian history and culture it will be pertinent to analyze the characters and ascertain whether discrimination, simultaneous to an investigation will contribute to the use of the legends and myths as pedagogical tools that will aid in the teaching of history, taking the students from a piece to the whole and from the whole to a piece, in other words, the study learning will take one from the simple to the complex and from the complex to the simple. The research sources, analyzed and contextualized by historiography. The municipality of Monte Alegre, in the West of Pará, just like in all of Brazil, has a set of legends and myths, that are a part of its cultural manifestation which exposes its identity, revealing the city's position in reference to the African-Brazilians in the past, specifically in before and after the abolition of slavery in the nineteenth century. The local narratives reflect the mentality of the hierarchical Brazilian society, and therefore portray prejudice, in other words, the social relations between whites and blacks, but it is also possible to find aspects of African-Brazilian culture. Key words: Legends. Myths. Monte Alegre. African-Brazilian. Teaching. *Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, aluno do curso de pós graduação Lato sensu em História e Cultura Afrobrasileira da FINON, atua como professor da rede estadual nas turmas de ensino médio da Escola Francisco Nobre de Almeida e Pretextato da Costa Alvarenga. 49 Revista Perspectiva Amazônica Introdução Ano 4 N° 7 p.49-56 Neste trabalho o enfoque são as personagens negras, encontradas nas lendas e mitos do município de Monte Alegre, Oeste do Pará, que se passam durante o século XIX. Pela possibilidade das narrativas serem utilizadas nas aulas de história e cultura afro-brasileira, elas podem expor uma figura estereotipada do negro, diminuindo a autoestima de alunos do ensino fundamental, já que as histórias possuem características de um período histórico onde a cultura negra foi menosprezada por uma minoritária elite de brancos. A condição do negro, no passado, pode ser analisada através dos mitos e lendas, que permite compreender como as personagens afro-brasileiras estão inseridas nas histórias de uma sociedade hierárquica. Verificar a existência ou não do descaso com o negro, na sociedade montealegrense, manifestada nas lendas mitológicas, devido expressarem a identidade social de um grupo sempre aceito pelo seu todo e perceber a cultura afro-brasileira. Além disso, o contexto educacional no ensino da história e cultura afrobrasileira nas escolas torna pertinente averiguar a existência do preconceito racial com o negro nas lendas e mitos locais, pois são ferramentas que devem ser trabalhadas de maneira que não venham ofender os discentes afro-brasileiros. A discriminação racial e social com o negro e as tentativas coletivas ou individuais desse grupo para fugir do preconceito são realidades encontradas nas narrativas populares, manifestações culturais, acarretadas de significados que demonstram essa dinâmica. Então analisá-las e captar as personagens, neste caso os afro-brasileiros das histórias de Monte Alegre, é entender qual o olhar dos montealegrenses sobre eles, no decorrer da sua história. Desde quando o negro chegou ao Brasil, para suprir a necessidade da mão de obra, a sua força de trabalho predominou em nossa sociedade, não só no setor econômico, mas no social e cultural também. “As relações entre brancos e negros, ou seja, senhor e escravo levaram a sociedade escravista brasileira a ter preconceito próprio contra os negros.” (ALGRANTI, 1997, p.143). Neste sentido, a posição que era imposta aos afro-brasileiros, no meio social, revela o perfil de uma sociedade preconceituosa, sendo esta uma das suas marcas, expressadas nas manifestações culturais, entre elas, as narrativas populares. “As lendas e mitos fazem parte das culturas e só possuem entendimento quando relacionadas à realidade de um grupo da qual faz parte da sua história.” (SANTOS, 1994, p. 143). Por está razão as lendas analisadas neste trabalho serão contextualizadas com o período histórico em que elas ocorrem, para acompanhar a situação dos negros e como eram vistos na sociedade controlada pelos brancos. Monte Alegre, assim como em todo o Brasil, possui na sua formação a mescla das três culturas, branca, indígena e negra, fazendo parte da sua identidade à diversidade cultural, entretanto, sendo mais predominante a cultura indígena. No seu conjunto de lendas e mitos são perceptíveis os traços dos três grupos étnicos, onde é possível observar a condição social das pessoas de cor negra, idealizada e materializada pela classe dominante. Diante disto, existe a possibilidade das personagens que remetem a figura do negro estarem inseridas de forma preconceituosa, demonstrando o racismo e por isso aparecem de forma inferior. Por outro lado, as narrativas podem estar apenas reproduzindo contemporaneidade da época. E por último podem, por ventura, estar nas histórias, com a finalidade de serem valorizados e repassar esse ideal a sociedade local. 50 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.49-56 Cultura O entendimento do termo cultura é fundamental para realização desta pesquisa, pois elementos culturais, mitos e lendas, serão utilizados como objeto de estudo. Santos (1994, p. 47) ressalta que: Lendas ou crenças, festas ou jogos, costumes ou tradições esses fenômenos não dizem nada por si mesmos, eles apenas o dizem enquanto parte de uma cultura, a qual não pode ser entendida sem referencia a realidade social de que faz parte, à história de sua sociedade. Compreende-se então, que tudo que está relacionado à cultura deve estar ligado ao passado e ao presente de um povo. “Pois a cultura é antes de tudo uma obra coletiva” (MELLO, 1982, p. 60). Burke (1989, p. 25) “hoje contudo seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam o termo "cultura" muito mais amplamente, para referir-se a quase tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade, como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante.” Assim, pode-se definir cultura como o modo de ser de um povo, envolvendo tudo o que produzem; leis, comidas, religião, ideologia, natureza e outros fatores, representados nas manifestações culturais, que contribuem para que um grupo social seja único. Folclore Muito se discutiu sobre o significado da palavra folclore, mas foi no o VIII Congresso de Folclore Brasileiro em 1995, que surgiu o conceito que será utilizado neste trabalho. O folclore então foi definido como: o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas individualmente ou coletivamente, representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica : aceitação coletiva, tradicionalidade, diminamicidade e funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia como preconiza a Unesco. A expressão cultura popular manter-se-a no singular, embora entendendo-se que existem tantas outras culturas quantos sejam os grupos que as produzem em contextos naturais e econômicos específicos. (CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO, 1995) Delbem (2007), define folclore como um produto do meio social, que é acolhido pelo todo e manifestado no dia a dia. Neste mesmo sentido, Trindade (2010, p. 08) descreve folclore como “a ciência humana e social que estuda os fatos e as relações, os processos e as realizações de um grupo social [...] resultantes da difusão no tempo e no espaço”. Diante disso, folclore, neste artigo, é definido como um conjunto de representações de elementos culturais que identifica um grupo social. Lendas e Mitos: Representação do Real Compreendendo que o modo de ser de um povo, entendido neste trabalho como cultura, é representado por meio do folclore, torna-se pertinente utilizar como fonte de pesquisa as narrativas populares, com personagens negros, encontradas na biblioteca municipal da cidade de Monte Alegre, onde estão registradas as lendas e mitos locais. Mas antes de fazer a revisão literária é preciso compreender o conceito de lenda e mito e a sua importância neste artigo. 51 Revista Perspectiva Amazônica Cascudo (1979, p. 439 - 440) afirma que Ano 4 N° 7 p.49-56 Lenda é a mistura do real com a imaginação humana que repassam episódio heróico ou sentimental com elemento maravilhoso ou sobre humano, que são transmitidos e conservado pela oralidade de geração em geração e o mito um sistema de lendas, que não possui fixação, ou seja, ocorrem antes dos fatos históricos. O autor confirma que as lendas e mitos possuem o mesmo sentido, entretanto ocorrem em tempos diferentes, onde as lendas acompanham o decorrer da história e os mitos ocorrem antes dos acontecimentos históricos. Embora o autor confirme o elemento fantasioso existente nas narrativas, ele também afirma que a realidade está presente nelas. Com isso, as estórias, possuem um fundo de verdade, pois antes de receberem as características fictícias eram fatos reais e não duvidosos. Já Pereira (2008, p. 18) em seu trabalho do Painel de Lendas e Mitos da Amazônia entende que “lendas e mitos são símbolos diferentes para identificar a mesma coisa, mas são sinônimos, sendo que a lenda possui um termo poético”. As narrativas são distintas, entretanto caminham para o mesmo lugar, mas o que deve ser dado ênfase na fala deste autor é a sua afirmação quanto as narrativas serem símbolos que identificam algo. Assim, as conclusões dos dois autores dão suporte para que as lendas e mitos, tomadas como fonte de pesquisa, sejam analisadas não como verdades, mas pela sua representação do real, transmitida por meio de elementos que auxiliam a identificar algo, neste caso a forma que o negro está inserido nas narrativas montealegrenses. Lendas e Mitos de Monte Alegre “As lendas e mitos de Monte Alegre são contadas de geração para geração e são tidas como fato real por muitos montealegrenses. Antigos moradores locais confirmam a veracidade de todas elas”. (BAIA, 1997, p.100) As lendas e mitos montealegrenses mais conhecidas pela população local são: A cidade Encantada do Gurupatuba, A Cobra Grande Rainha da Serra do Paytuna, A Fortuna do Pote, A Infeliz Perpetua, A lenda do Paytunaré, A Lenda da Serra Azul, A Lenda da Tapiira – iauara, A Sereia do Gurupatuba e O Coronel e a Cobra Grande. Dentre as narrativas citadas acima, foram diagnosticadas duas lendas com personagens negros, entre elas: Fortuna do Pote e A Lenda da Serra Azul. Imagem do Negro nas Lendas de Monte Alegre As lendas, A Fortuna do Pote e a Lenda da Serra Azul, mostram duas personagens de cor negra, onde uma está na condição de escravo e outra personagem de homem livre. Neste sentido, é possível dizer que na primeira lenda a imagem do negro está inserida de forma discriminatória, pois, além de ser um prisioneiro, a narrativa não cita o seu nome, sendo mencionado na lenda apenas como o escravo, indicando ser uma figura sem importância. Já a segunda personagem, por não ser um cativo e possuir nome, “Bandeira”, e até apelido, “Preto Velho”, aparenta estar em uma posição melhor ou mais valorizada, em relação à personagem da Fortuna do Pote. Entretanto, em um segundo olhar, verifica-se que o escravo possui uma forte relação de amizade com o seu patrão. A afinidade é descrita quando a lenda expõe os motivos pelo qual o cativo revelou a localização do tesouro ao seu senhor. Enquanto que Bandeira, apesar de ser um homem livre, encontra-se desempregado, situação identificada pelo fato de nenhum outro indivíduo da estória, aceitar realizar a tarefa de solucionar o mistério da fazenda. 52 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.49-56 Deste modo, o “trabalho” rejeitado pelos outros foi à oportunidade para obter reconhecimento. Diante destas observações, verifica-se uma inversão, na qual o escravo encontra-se em situação mais vantajosa comparada a de “Bandeira”. No entanto, vale ressaltar, que o patrão da Lenda da Serra Azul, mandou buscar o “Preto Velho”, que estava perdido nas matas, indicando uma valorização desta personagem dentro da estória. No término das narrativas averigua-se que o cativo morre, enquanto que o “Preto Velho” consegue o seu objetivo, tornando-se um curandeiro famoso. Assim os finais das personagens seguem caminhos diferentes, mas ambos ligados ao sobrenatural. O destino final não é a chave para indicar a valorização de um e o desprezo de outro, aliás, nenhuma das situações descritas, das personagens, revelam discriminação. Entretanto, a contextualização histórica das narrativas, abre caminho para compreender de que forma as figuras afro-brasileiras estão inseridas. As duas lendas se passam durante o século XIX, em anos distintos. A Fortuna do Pote ocorre na primeira metade do século, período em que o Brasil é uma sociedade escravocrata, onde nela o preconceito é expresso pela discriminação racial, nesse contexto a cultura negra é olhada como insignificante. Para Gilberto Freyre, autor do livro, Casa-Grande & Senzala, a relação na sociedade escravista, entre senhor e escravo, é harmoniosa. “O escravo negro no Brasil parece-nos ter sido, com todas as deficiências do seu regime alimentar, o elemento melhor nutrido em nossa sociedade patriarcal” (FREYRE, 2006, p. 107). Neste trecho o autor exemplifica a suposta harmonização, através da alimentação, colocando que o escravo alimentava-se melhor que o seu senhor. A primeira lenda apresenta elementos, que promovem a existência do paternalismo ou uma relação amigável entre o branco e o negro na sociedade montealegrense, como a descrita por Freyre (2006), o que justificaria o “amor” e o “carinho” do escravo pelo seu senhor, citado na lenda. O paternalismo não é visto de um ângulo cordial e harmonioso por todos. “Na obra de Freyre o paternalismo é, sem dúvida alguma, um termo descritivo e impreciso, que oferece uma perspectiva de análise da sociedade 'a partir de cima'” (LARA, 1995, p. 48). “Entenda-se por paternalismo, não concessão fácil, mas uma forma de controle mais eficaz do que o chicote do feitor” (REIS e SILVA, 1989,102). Nessa perspectiva, o paternalismo é entendido como o método de dominação do negro, pelo qual o escravo se deixa dominar e não laços fraternais. Essa relação, entre senhor e escravo, também é entendida como forma de resistência, por onde muitos negros buscavam melhorias ou até mesmo a sua alforria. “Os escravos, no entanto, traduziam o paternalismo numa doutrina diferente da imaginada pelos senhores” (LARA, 1995, p. 47). Para Reis e Silva (1989.p. 102) esse tipo de escravo não estava satisfeito com a vida, mas estavam familiarizados com o que tinham e procuravam não arriscar a sorte. O cenário feliz caracterizado anteriormente, da narrativa a Fortuna do Pote, torna-se o inverso, onde a dominação camuflada, do branco sobre o negro, mais eficaz que o chicote está presente, assim como, a busca do criolo para obter melhorias, vantagens ou até mesmo a sua liberdade. Já a Lenda da Serra Azul se passa no final do século XIX e início do XX, período histórico, em que a libertação dos escravos está recente, assim como discriminação com o homem negro livre. Azevedo (2004, p. 217), explica o porquê dessa desvalorização a esta incômoda herança dos tempos de trabalho escravo devia-se a marginalização do negro, bem como a simultânea ascensão social do imigrante europeu, portador das virtudes do trabalho disciplinado, responsável, regular. 53 Revista Perspectiva Amazônica A marginalização do homem negro parece ser a razão, que colocava a personagem “Bandeira”, na condição de desempregado, transmitindo estar conformado, com a posição que a sociedade montealegrense, reflexo da nacional, tinha lhe imposto. No entanto, existe outra justificativa para o negro não estar trabalhando na fazenda descrita na narrativa. Embora esteja relacionado com o branco, não é por imposição dele, mas simplesmente pelo fato de não querer, uma questão de orgulho, “é duvidoso que, após anos de servidão, os escravos estivessem dispostos a ficar em situação não muito diversa que tinham” (FAUSTO, 1994. p. 113). A busca por um estilo de vida distinto da escravidão era o seu objetivo, se deparar com a realidade ou qualquer semelhança com o passado não estava no seu novo modo de vida. Assim, o que caracteriza esta personagem não é a passividade, diante do desprezo da sociedade, mas sim o seu direito de escolher o que fazer, a liberdade de ir e vir. Ano 4 N° 7 p.49-56 As Lendas no Ensino de História Seguindo a nova tendência no ensino de história nas salas de aula, o que consiste nas abordagens temáticas, pesquisadores educacionais afirmam que a aprendizagem ocorre através de uma dinâmica pedagógica, “se faz num movimento constante que vai tanto das partes para o todo como do todo para as partes, ao longo de todo o seu processo” (DUPAS, 1994. P. 44). Neste contexto, as lendas tornam-se ferramentas pedagógicas que facilitam o entendimento da história local, a parte, além disso, proporciona a contextualização do período histórico, o todo. Uma vez que a história local é imagem da história nacional, as lendas se encaixam perfeitamente para ser a ponte entre as peculiaridades da identidade do educando e os acontecimentos de proporções maiores, historicamente falando, que também influenciam na compreensão da identidade e na cidadania do mesmo. Entretanto, para que as aulas sejam bem sucedidas devem ser planejadas, pois as lendas locais não devem ser apenas expostas para os alunos. É necessário enfocar um tema, escolher as narrativas adequadas e é claro transportar o aluno das partes para o todo e do todo para as partes. Conclusão Diante dessas abordagens é considerado que o município de Monte Alegre espelhavase na ideologia da sociedade brasileira do século XIX, onde o preconceito com os africanos e afro-brasileiros, representados nas lendas, estava presente. Então, não existe a possibilidade da inexistência de preconceito nas lendas locais, pois as duas personagens, analisadas, simbolizam o olhar preconceituoso da sociedade antes e depois da abolição dos escravos. Entretanto, não é só o discriminação que é representado. É possível perceber também as estratégias utilizadas pelos negros como forma de resistência, contra a dominação do branco e a tentativa de sufocar a cultura afro, como por exemplo, a escolha pelo ócio após a libertação, vista não como uma imposição e sim por opção. Insígnias da determinação e autoestima afro-brasileira nas narrativas locais. Portanto, a resistência do negro contra a dominação, de uma sociedade branca minoritária e a situação de ócio por escolha e não por imposição são produtos criados pelos negros, entendidos como elementos da cultura afro-brasileira, podendo ser trabalhado na disciplina de história e cultura afro-brasileira na escolas do ensino fundamental, não só da cidade de Monte Alegre, mas de qualquer município, através de temas, hora trabalhando o próximo dos discentes, lendas locais e hora o distante, entendido como a contextualização dos fatos da história nacional e mundial. 54 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.49-56 Referências ALGRANTI, Leila Mezan. Familias e Vida Domestica. In: História da Vida Privada no Brasil. (org. Laura de Mello e Souza). São Paulo: Cia das Letras, 1997 AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. 2a Edição. São Paulo: Annablume, 2004 BAÍA, Edmundo da Silva. Alma Pinta-Cuia. Santarém. Global Gráfica e Editora, 2003. ________ Poemas e Lendas de Monte Alegre. [s. ed.], 1997. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. N° 9394, 20 de dezembro de 1996 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2011 BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.. CASCUDO, Luís Câmara Dicionário do Folclore Brasileiro. 4a ed. rev. e aum. São Paulo: Melhores Momentos; Brasilia INL/MEC, 1979. DAMATA, Roberto. Digressão: A Fábula das três raças ou o problema do racismo a brasileira. In: Relativizando. Ed. Rocco, 1990. DELBEM, Danielle Conte. Folclore, Identidade e Cultura. Araras. Disponível em: http://fcla.edu.br/unar2007/revista/pdf_V1_2007/5.DELBEM,%20D.C.%20Folclor e,%20identidade%20e%20cultura.pdf. Acesso em 03 de Jan. de 2009 FAUSTO, Boris. O Brasil Monarquico (1822 – 1989). In Brasil Republçica. São Paulo: Átíca,1994 FOLCLORE , Comissão Nacional de. CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO. 1995 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. São Paulo: Global Editora, 2006. 51ª ed. LARA, Sílvia Hunold. Blowin' in the wind: E. P. Thompson e a experiência negra no Brasil. Projeto História, nº 12, São Paulo, PUC-SP, out. 1995. MELO, Luiz Gonzaga de Antropologia Cultural. Petrópolis: Vozes, 1982. PENTEADO, Heloisa Dupas. Metodologia do Ensino de História e Geografia. São Paulo: Cortez, 1994. PEREIRA, Franz Kreüther Painel de Lendas & Mitos da Amazônia. In: http://209.85.173.132/search?q=cache:VJo_UvMztwEJ:vbookstore.uol.com.br/nacio nal/misc/painel_de_lendas.PDF+painel+de+lendas+e+mitos+da+amaz%C3%B4nia +wikip%C3%A9dia&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br, em 27 de Dezembro de 2008. 55 Revista Perspectiva Amazônica REIS, Jõao José & SILVA, Eduardo. “O Levante dos Malês”:uma interpretação. In: Negociação e Conflito: resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras,1989. Ano 4 N° 7 p.49-56 REIS, Artur Cezar Ferreira. Monte Alegre: aspectos de sua formação. Belém [s. ed.], 1942. TEIXEIRA, Lygia Conceição L. Marambiré: o negro no folclore paraense. Belém: SECULT; FCPTN, 1989. TRINDADE, Patrícia dos Santos. Cultura e folclore: construindo relações no espaço escolar. Disponível em: < http://www.relem.info/edicoes/ed1/art6.pdf>. Acesso em 04 de Jan. de 2009. 56 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.57-65 Incidência e distribuição espacial de acidentes de trânsito nos bairros do município de Santarém-Pará, no período de 2007 a 2009 Rafael Gibson O. DA SILVA* Tayná Matos DO VALE** Rodrigo Luis FERREIRA DA SILVA*** RESUMO O Ministério da Saúde do Brasil publicou, em junho de 2009, que os acidentes de transporte terrestre matam anualmente mais de um milhão de pessoas em todo o mundo, resultando um grande número de feridos e sequelados. O objetivo deste estudo foi identificar a incidência e distribuição espacial dos acidentes de trânsito nos bairros do município de Santarém-PA, em uma série histórica abrangendo o período de 2007 a 2009. A pesquisa desenvolvida teve o caráter quantitativo e de levantamento retrospectivo, sobre os dados secundários do Sistema Integrado de Segurança Pública do Departamento de Trânsito do Estado do Pará, localizado na cidade de Belém-PA. Em seguida, os dados encontrados foram dispostos em forma de tabela para sua melhor interpretação. Foi possível constatar durante este estudo, que os principais bairros acometidos foram Aparecida, Caranazal e Aldeia, tendo o município de Santarém um expressivo número de acidentes de trânsito, ressaltando que esse número teve um crescimento no período de 2007 a 2008 e um declínio entre os anos de 2008 a 2009. Os resultados demonstram a necessidade de ações e campanhas educativas junto aos órgãos públicos voltados para o trânsito no sentido de minimizar essa expressiva incidência dos acidentes de trânsito na cidade de Santarém. Palavras-chave: Acidentes de trânsito, epidemiologia, incidência. ABSTRACT The Brazilian Health Department published in june of 2009, that traffic accidents kill annually more than one million of people in whole world, resulting a great number of wounded and sequel persons. The objective of this study was to identify the incidence and space distribution of the traffic accidents in the quarters of the Santarém-Pará city, in the period from 2007 to 2009. The research was quantitative type and retrospective survey, about secondary data of the Integrated System of Public Security of the Transit Department of the Pará State, located in Belém city. After that, the joined data had been organized in table for better interpretation. During this study it was possible to evidence an expressive number of traffic accidents in Santarém city, with a rise in the period from 2007 to 2008 and decline between 2009 and 2008. The main reached quarters had been Aparecida, Caranazal and Aldeia, in this period. The results demonstrate that more educative actions and campaigns about transit are necessary, with objective to minimize this expressive incidence of the traffic accidents in Santarém city. Key words: advocacy, Amazon, Invention. *Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará. **Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará. ***Fisioterapeuta; Professor da Universidade do Estado do Pará e das Faculdades Integradas do Tapajós; Mestre em Ciências da Motricidade Humana pela Universidade Castelo Branco/RJ; Doutorando em Doenças Tropicais do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará. 57 Revista Perspectiva Amazônica Introdução Até o ano de 2009, Santarém possuía uma frota de aproximadamente 45 mil veículos, distribuídos entre automóveis, caminhões, caminhonetes, micro-ônibus, motocicletas, motonetas e ônibus (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 2010a). Para seu tráfego estes veículos dispunham de apenas pouco mais de 200Km de vias pavimentadas que não correspondiam nem a 30% dos 670,41Km de vias públicas existentes na cidade, que em sua grande maioria eram, e ainda são, de piçarra (PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTARÉM, 2010). Contudo, seguramente o dado mais preocupante sobre o trânsito de Santarém, diz respeito ao elevado índice de Acidentes de Trânsito (AT) que diariamente são assistidos nas ruas da cidade. Segundo dados oficiais os acidentes envolvendo transporte terrestre matam anualmente mais de um milhão de pessoas em todo o mundo, resultando um grande número de feridos e sequelados (BRASIL, 2009). Em outra estimativa a Organização Mundial de Saúde calcula que em 2020 os AT serão a 2ª causa de morte prematura no mundo (DAVANTEL et al., 2009; SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2004). Dentro desta realidade, o trânsito brasileiro é considerado um dos piores e mais perigosos do mundo, com um índice de 1 AT para cada 410 veículos em circulação. Para fins de comparação, exemplifica-se a incidência de AT na Suécia, aonde a relação é de 1 AT para cada 21.400 veículos em circulação (DEPARTAMENTO NACIONAL DE TRÂNSITO, 1997). No Brasil, a cada ano, os AT aumentam a sua importância enquanto problema social e econômico, sobretudo em decorrência de seu grande impacto enquanto causa de morte, representando mais de um quarto das mortes violentas no país (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004). As condições estruturais e econômicas da grande maioria das cidades brasileiras agravaram ainda mais os problemas gerados pelos AT. Na maioria estas cidades foram construídas acompanhando o crescimento de sua frota de veículos e construindo grandes redes viárias, muitas vezes sem o planejamento adequado ou o investimento suficiente para a manutenção dessas vias que deterioram rapidamente e criam condições inseguras para o trânsito de veículos e pessoas (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 2010b). Vale ressaltar a grande preocupação que os AT têm causado no Brasil e no mundo devido ao elevado número de vítimas jovens que atingem e pelos impactos sociais, econômicos e pessoais que provocam. Nas duas últimas décadas, os AT foram a principal razão das mortes por causa externa, somente sendo superado pelos homicídios (BRITO et al., 2009; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004; BRASIL, 2004; SCALASSARA et al., 1998; SÖDERLUND; ZWI, 1995). Além de representar um grave problema de saúde pública, os AT implicam em um custo anual de 1% a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) para os países menos desenvolvidos (SODERLUND; ZWI, 1995). Em relação ao Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), numa estimativa conservadora, calcula que o custo social e material dos AT é de R$25,7 bilhões por ano, que representa 1,39% do PIB nacional (IPEA, 2006). Nos EUA, uma análise da Administração da Segurança no Tráfego nas Estradas Nacionais concluiu que os principais custos em decorrência de AT correspondem a: dano de propriedade (33%); perda de produtividade no trabalho (29%); despesas médicas (10%) e perdas de produtividade no lar (8%) (CENTER FOR DESEASE CONTROL AND PREVENTION, 1992). As estimativas da Organização Pan-Americana de Saúde apontam ainda que 6% das deficiências físicas, no mundo, são causadas por AT. Ano 4 N° 7 p.57-65 58 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.57-65 No Brasil, esses números ainda não são totalmente conhecidos, contudo do total de portadores de deficiências atendidos pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, 5,5% são casos de vítimas de AT (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1993). Cerca de dois terços dos leitos hospitalares brasileiros dos setores de ortopedia e traumatologia são ocupados por vítimas de AT, com média de internação de vinte dias, gerando um custo médio de vinte mil dólares por ferido grave (PIRES et al., 1997). O Departamento Nacional de Trânsito registrou, em 1994, mais de 22 mil mortes no trânsito no país e mais de 330 mil feridos. O custo anual estimado ultrapassa três bilhões de dólares (DENATRAN, 1997). Para uma boa parte de especialistas os AT não são uma fatalidade, como a maioria da população insiste em acreditar, mas ocorrem pela deficiência na conservação de veículos e estradas ou ainda são provocadas pelos pedestres e condutores, aonde as falhas humanas se sobrepõem aos demais determinantes dos acidentes (SCALASSARA et al., 1998; SCIESLESKI, 1982a; SCIESLESKI, 1982b). Buscando reduzir este alarmante cenário, medidas educativas sobre o comportamento da população no trânsito são cada vez mais incentivadas nas diferentes regiões do planeta e em todas as esferas de governo, para criar uma nova cultura no trânsito (MARÍN; QUEIROZ, 2000). Contudo, para que estas ações educativas sejam verdadeiramente efetivas e auxiliem a reduzir o número de AT, o conhecimento sobre os dados epidemiológicos desta condição de risco se faz extremamente necessária. Diante disto, idealizou-se esta proposta da pesquisa que buscou conhecer a incidência e a distribuição espacial dos acidentes de trânsito (automobilístico, motociclístico e atropelamento) no município de Santarém-PA, no período compreendido entre 2007 a 2009. Metodologia Para alcançar este objetivo foi desenvolvida uma pesquisa de levantamento, quantitativa, de caráter retrospectivo, tipo série histórica, abrangendo o período de 2007 a 2009. A coleta de dados foi realizada no Sistema Integrado de Segurança Pública do Departamento de Trânsito do Pará (DETRAN) da cidade de Belém-PA, tendo como alvo o número de acidentes notificados, por bairro, no município de Santarém. Após a coleta dos dados, foi utilizado o programa Microsoft Excel® 2007 para tabulação e organização dos mesmos, que posteriormente foram dispostos em forma de tabela para sua melhor interpretação. Resultados e Discussão T a b e la 1 . A c id e n te s d e trâ n s ito p o r b a irro n o m u n ic íp io d e S a n ta ré m . A n o 2007 B a ir r o Q td (% ) A e ro p o rto ... A e ro p o rto v e lh o 3 7 ( 6 ,0 8 ) A ld e ia 4 1 ( 6 ,7 3 ) A p a re c id a 5 7 ( 9 ,3 6 ) C a m b u q u ira ... C a ra n a z a l 5 6 ( 9 ,2 0 ) C e n tra l ... C e n tro ... D ia m a n tin o 2 8 ( 4 ,6 0 ) E sp e ra n ç a 2 2 ( 3 ,6 1 ) F á tim a ... In te rv e n to ria 2 5 ( 4 ,1 1 ) L ib e rd a d e 1 7 ( 2 ,7 9 ) L iv ra m e n to 1 2 ( 1 ,9 7 ) N o v a re p ú b lic a 1 7 ( 2 ,7 9 ) M a ra c a n ã 1 3 ( 2 ,1 3 ) M a ra rú ... M a tin h a 1 1 ( 1 ,8 1 ) P ra in h a 2 5 ( 4 ,1 1 ) S a n ta c la ra 3 1 ( 5 ,0 9 ) S a n ta n a ... S a n ta re n z in h o 1 4 ( 2 ,3 0 ) S a n tís s im o 2 1 ( 3 ,4 5 ) U ru m a ri ... O u tro s b a irro s * 9 8 ( 1 6 ,0 9 ) N ã o in fo rm a d o 8 4 ( 1 3 ,7 9 ) T o ta l 6 0 9 (1 0 0 ) ... : N ã o fo ra m c o n ta b iliz a d o s b a irro s ” o u e m “ N ã o in fo rm a d o * : B a irro s q u e a p re s e n ta ra m m e 59 A n o 2008 A n o 2009 B a ir r o Q td (% ) B a ir r o Q td (% ) A e ro p o rto 1 0 ( 1 ,4 5 ) A e ro p o rto 2 8 ( 4 ,2 2 ) A e ro p o rto v e lh o 4 1 ( 5 ,9 3 ) A e ro p o rto v e lh o 3 5 ( 5 ,2 7 ) A ld e ia 5 1 ( 7 ,3 8 ) A ld e ia 3 6 ( 5 ,4 2 ) A p a re c id a 6 5 ( 9 ,4 1 ) A p a re c id a 5 2 ( 7 ,8 3 ) C a m b u q u ira 1 3 ( 1 ,8 8 ) C a m b u q u ira ... C a ra n a z a l 4 7 ( 6 ,8 0 ) C a ra n a z a l 4 3 ( 6 ,4 8 ) C e n tra l C e n tra l 1 0 ( 1 ,5 1 ) ... C e n tro 3 4 ( 4 ,9 2 ) C e n tro 8 5 ( 1 2 ,8 0 ) D ia m a n tin o 1 8 ( 2 ,6 0 ) D ia m a n tin o 4 0 ( 6 ,0 2 ) E sp e ra n ç a 1 6 ( 2 ,3 2 ) E sp e ra n ç a ... F á tim a 1 6 ( 2 ,3 2 ) F á tim a 1 9 ( 2 ,8 6 ) In te rv e n to ria 1 6 ( 2 ,3 2 ) In te rv e n to ria 1 2 ( 1 ,8 1 ) L ib e rd a d e 1 4 ( 2 ,0 3 ) L ib e rd a d e ... L iv ra m e n to 1 3 ( 1 ,8 8 ) L iv ra m e n to 1 0 ( 1 ,5 1 ) N o v a re p u b lic a 1 7 ( 2 ,4 6 ) N o v a re p ú b lic a 1 6 ( 2 ,4 1 ) M a ra c a n ã 1 2 ( 1 ,7 4 ) M a ra c a n ã ... M a ra rú 1 1 ( 1 ,5 9 ) M a ra rú ... M a tin h a M a tin h a ... ... P ra in h a 4 1 ( 5 ,9 3 ) P ra in h a 2 2 ( 3 ,3 1 ) S a n ta c la ra 4 7 ( 6 ,8 0 ) S a n ta c la ra 4 1 ( 6 ,1 7 ) S a n ta n a S a n ta n a 1 0 ( 1 ,5 1 ) ... S a n ta re n z in h o 2 1 ( 3 ,0 4 ) S a n ta re n z in h o 2 6 ( 3 ,9 2 ) S a n tís s im o 2 9 ( 4 ,2 0 ) S a n tís s im o 2 2 ( 3 ,3 1 ) U ru m a ri U ru m a ri 1 0 ( 1 ,5 1 ) ... O u tro s b a irro s * 9 5 ( 1 3 ,7 4 ) O u tro s b a irro s * 1 0 7 ( 1 6 ,1 1 ) N ã o in fo rm a d o 6 4 ( 9 ,2 6 ) N ã o in fo rm a d o 3 9 ( 5 ,8 7 ) T o ta l 6 9 1 (1 0 0 ) T o ta l 6 6 4 (1 0 0 ) A T n e s te a n o o u o s s e u s v a lo re s e s tã o in c lu íd o s e m “ O u tro s ”. n o s d e 1 0 a c id e n te s p o r a n o . Revista Perspectiva Amazônica A tabela anterior demonstra que no triênio investigado, observou-se um número bastante expressivo de AT em Santarém, contabilizando um total de 1964 eventos, sendo que em todos os 3 anos investigados o número de ocorrências foi sempre superior a 600, o que resultou em uma média de quase 1,8 acidentes a cada dia. Sobre este comportamento é interessante constatar que os resultados deste estudo coincidem com os dados regionais referentes à primeira década após a incorporação do novo código de trânsito brasileiro, que foi instituído em setembro de 1997 pela Lei no 9.503 (BRASIL, 1997), que apontam altos índices de AT no Norte do Brasil (BRASIL, 2004). Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde do Brasil as regiões Norte e Nordeste foram às únicas regiões do Brasil que não demonstraram redução significativa do número de AT após o novo Código de Trânsito (BRASIL, 2004). Este cenário coincide com a afirmativa de Marín e Queiroz (2000), ao concluírem que somente as grandes cidades do Brasil têm encontrado condições satisfatórias para implantar programas educativos a fim de criarem uma nova cultura de trânsito para suas populações. Santarém, infelizmente não se encontra dentro deste seleto grupo de cidades. Localizada na região oeste do Pará, a cidade de Santarém possui um PIB de R$ 1.654.644,55 (PIB per capita de R$ 6.004,42), sendo apenas o 7o de todo o Pará (3,22%) (BRASIL, 2008) e apresenta um índice de desenvolvimento humano de 0,746 que é considerado médio (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2000). Ainda analisando o comportamento geral dos números da tabela 1, observouse que no intervalo entre os anos de 2007 e 2008 houve aumento do número de AT, enquanto que entre os anos de 2008 a 2009, houve um decréscimo neste número. Esta oscilação entre aumento e redução do número de AT entre anos consecutivos, também já foi observada em outros levantamentos como o de Santos e Júnior (2012) ao estudar o comportamento dos AT na cidade de Belém. Tal comportamento pode estar demonstrando uma tendência de manutenção dos elevados números de AT nestas duas cidades. No ano de 2009 um achado que se destaca entre os números da tabela 1, diz respeito à diminuição do número de bairros não informados, o que pode representar uma maior eficiência dos serviços de informação e consequentemente uma sinalização de um maior controle do Estado sobre o acompanhamento dos AT que acontecem no município de Santarém. Em relação ao aumento da incidência nos outros bairros de Santarém, que se refletiu pelo maior número de bairros que tiveram menos de 10 acidentes, é possível que este fato esteja relacionado ao surgimento de novos bairros da zona urbana de Santarém ou a maior urbanização de bairros considerados periféricos, fragmentando ainda mais as taxas de incidência de AT. Ainda quanto ao cenário dos bairros de Santarém, de acordo com a tabela ilustrada, pode-se perceber que no ano de 2007, o número de AT predominou sobre os bairros Aldeia, Caranazal e Aparecida apresentando mais de 40 acidentes cada um. Os dois últimos bairros tiveram cerca de 10% dos acidentes notificados neste ano e o primeiro demonstrou aproximadamente 7% do total de notificações daquele ano. No ano de 2008 foi possível perceber que estes bairros mantiveram-se entre os mais acometidos por AT. Contudo, percebeu-se ainda que neste ano de 2008, houve a inclusão dos bairros Santa Clara (6,8%), Aeroporto Velho (5,93%) e Prainha (5,93%) como os que mais registraram AT. No ano de 2009 a realidade permaneceu a mesma sobre os bairros prevalentes, Ano 4 N° 7 p.57-65 60 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.57-65 com exceção do bairro Aldeia que, neste ano, apresentou diminuição de sua incidência (5,42%). Esse fato ocorreu também nos bairros Aeroporto Velho, e Prainha. Por outro lado o bairro Centro destacou-se neste ano por ter apresentado o maior índice de acidentes desde o ano de 2007, totalizando 85 casos das 664 notificações realizadas. Ao longo da série histórica, os bairros Aparecida e Caranazal apresentaram, portanto, importante relevância no contexto dos AT ocorridos no município de Santarém. Além deste fato, uma observação que teve grande destaque neste estudo foi o aumento expressivo do número de AT no bairro Centro, no ano de 2009 como já foi destacado anteriormente. Apesar de ser difícil estabelecer uma precisa relação entre os AT em Santarém e suas causas, sobretudo de forma específica para cada bairro, existem vários fatores que seguramente podem ser listados como influenciadores de seu surgimento. A elevação do número de AT em alguns bairros de Santarém pode estar relacionada ao crescente número de veículos transitando nestes bairros, sobretudo motociclistas. Segundo o Relatório Estatístico de Trânsito no Estado do Pará para estes 3 anos de estudo a elevação do índice de motorização em Santarém foi de 25,93%, sendo 12,34% para motocicletas e 13,59% para carros (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 2010a). Um achado preocupante sobre este cenário revela que embora as motocicletas representem menor frota em relação aos automóveis elas contribuem com o maior número de vítimas (56%), devido a sua maior vulnerabilidade e mortalidade nos AT (SOARES et al., 2010; BRASIL, 2005; BRASIL, 2003). Especificamente em relação aos bairros mais populosos de Santarém (Centro e Aparecida, por exemplo), destaca-se o crescimento do fluxo de serviços e mercadorias em suas ruas. Scalassara et al. (1998) e Minayo (2004), já destacaram que a elevação da ocorrência de AT, sobretudo os que envolvem vítimas fatais, está frequentemente associada ao crescimento urbano e consequente aumento do fluxo de veículos como foi observado em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Vale destacar que o município de Santarém tem apresentado um dos maiores crescimentos de frota de veículos de todo o Estado do Pará com um incremento de 16% ao ano. Em uma estimativa do Núcleo de Acompanhamento e Monitoramento Estatístico de Trânsito do Estado do Pará (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 2010a), para o aumento da frota de Santarém esperase um salto de 44714 veículos em 2009 para 146975 em 2017, o que chama atenção para um cenário futuro de aumento dos AT, caso medidas de prevenção não sejam implementadas agora. Outra possibilidade que também não pode deixar de ser mencionada, como possível motivação para o crescimento do número de AT em alguns bairros de Santarém, diz respeito à falta de infraestrutura e manutenção adequada das vias públicas. Segundo dados da própria Prefeitura Municipal de Santarém menos de 30% das ruas de Santarém são pavimentadas (PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTARÉM, 2010) e além disso, muitas das ruas pavimentadas encontram-se em péssimas condições de conservação. Apesar de não se ter levantado quais bairros de Santarém apresentam o maior número de vias não pavimentadas ou em precárias condições de dirigibilidade, é notório pelo frequente noticiamento nos principais jornais impressos que circulam na cidade, que suas vias públicas, em geral, não contribuem para um tráfego seguro nas ruas de Santarém. Este conjunto de condições desfavoráveis já foi mencionado por Santos e Júnior (2012) ao afirmar que as condições de pista possuem grande influência sobre a ocorrência de AT, por criarem condições inseguras para dirigibilidade. Fatores relacionados ao mau comportamento de motoristas e pedestres que transitam pelas ruas de Santarém, certamente também possuem expressiva colaboração sobre os resultados apresentados na tabela. Contudo, talvez este possa ser o fator mais democraticamente envolvido para a ocorrência dos AT nos diferentes bairros de Santarém. Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.50-57 60 61 Revista Perspectiva Amazônica Assim sendo, a ascensão do número de acidentes ocorridos entre o ano de 2007 e 2008 pode ter sido fortemente influenciada por políticas educacionais insuficientes relacionadas ao trânsito, sobretudo aquelas que deveriam ensinar medidas preventivas, assim como aquelas destinadas a simples informação em relação as suas consequências para o condutor e os passageiros. Segundo o Relatório Estatístico de Trânsito no Estado do Pará para estes 3 anos de estudo, houve no Pará um significativo número de AT que tiveram como causa: desrespeito a preferencial, manobra irregular, perda de controle do veículo, falta de atenção, avanço de sinal, embriaguez alcoólica, sonolência, dentre muitas outras causas relacionadas a imprudência, ao desrespeito das leis e regras de trânsito e ao comportamento de risco no trânsito (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 2010b). Neste contexto, Juncal (2009) salienta que o repasse de conhecimentos e do processo educativo relativo ao comportamento no trânsito não deve ser responsabilidade apenas das instituições diretamente ligadas ao trânsito, e sim de todas as instâncias da sociedade, incluindo instituições de ensino fundamental, médio e superior. Logicamente que além de suas causas, outro aspecto de grande relevância no que tange ao debate dos AT em uma cidade ou país, diz respeito as suas desastrosas consequências. Analisando este prisma, talvez uma das mais imediatas consequências negativas que os AT determinam, diga respeito à sobrecarga dos serviços de saúde, desde os voltados para o atendimento de urgência e emergência, assim como os grandes hospitais de referência em traumatologia e neurologia, e os centros de reabilitação, em todo o país (MELLO JORGE, 1997). Diante deste contexto e partindo-se do princípio de que os AT são, em sua grande maioria, fruto de falhas humanas e que, portanto, são em maior ou menor grau, previsíveis e preveníveis (SCALASSARA et al., 1998; SCIESLESKI, 1982a; SCIESLESKI, 1982b), a sua ocorrência revela falhas na estruturação geral do trânsito local, refletindo a necessidade urgente de medidas de organização do trânsito e consequentemente de controle sobre os AT. A definição destas medidas inicia-se pela determinação do quadro epidemiológico local, pelos serviços de saúde, reconhecendo os pontos críticos que envolvem esta problemática. Em seguida faz-se o levantamento de todos os setores que podem estar envolvidos, de alguma maneira, em sua gênese ou em sua resolução. Por fim, se estabelecem metas pontuais de curto, médio e longo prazo que possam modificar os principais fatores causais. Entre os principais e mais viáveis mecanismos para evitar a morbi-mortalidade destes eventos destacam-se as ações educativas para o trânsito (MELLO JORGE, 1997). Vale ressaltar que estas medidas educativas não devem dirigir-se apenas à prevenção do acidente propriamente dito, mas devem envolver também ações mais amplas, como a maior regulação e fiscalização sobre a liberação de veículos e carteiras de trânsito, assim como a melhor manutenção das vias públicas e o adequado cumprimento da legislação vigente. Sobre este conjunto de ações argumenta-se, portanto, que somente a implementação de campanhas de prevenção de AT, certamente não alcançará o resultado desejado no que diz respeito à redução do número destes eventos. A atuação do poder público, ou seja, uma vontade política para a ação é imprescindível para o fechamento deste ciclo de morbi-mortalidade que hoje se constitui o trânsito brasileiro. Ano 4 N° 7 p.57-65 62 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.57-65 Conclusão De acordo com a proposta da pesquisa, pôde-se concluir que é alarmante a prevalência de AT nos bairros da área urbana da cidade e que apesar de se observar uma diminuição da incidência no ano de 2009, o número de AT no município de Santarém ainda é bastante significativo, devendo ser uma das principais preocupações do poder público e da população. Além disso estes resultados revelam a necessidade da implantação de novas e mais efetivas ações e campanhas educativas por parte dos órgãos reguladores do trânsito municipal, enfatizando-se, porém, que não há necessidade de novas leis, mas de cumprimento efetivo das já existentes. Percebe-se, então, que há necessidade de um trabalho que envolva desde a conscientização e orientação da população por parte das autoridades de trânsito, professores de escolas a partir da mais tenra idade da criança, continuando em todos os níveis e profissionais de saúde, assim como a participação mais efetiva do poder público em relação à gestão do trânsito municipal sobre o risco de um número maior de vidas perdidas. Referências BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produto Interno Bruto dos Municípios 2004-2008. Brasília, 2008. BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Impactos sociais e econômicos dos acidentes de trânsito nas aglomerações urbanas brasileiras: relatório executivo. IPEA/ANTP. Brasília, 2003. BRASIL, Ministério da Saúde. Análise de série temporal da mortalidade por acidentes de transporte terrestre no Brasil e regiões, 1981-2001. In: Temas especiais: análise de séries temporais de causas de morte selecionadas. 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A partir dos dados coletados, mediante a aplicação de 24 questionários, constatou-se que apenas 50% dos informantes da pesquisa são conhecedores sobre o que se constitui o Polo Tapajós e sua importância para o desenvolvimento turístico. Outro resultado relevante é o fato de que somente 8,3% dos pesquisados conhecem o Programa de Regionalização do Turismo e, consequentemente, os benefícios advindos deste. Com isso, conclui-se que os agentes do trade pouco estão cientes da realidade nacional no âmbito do turismo e que o Polo Tapajós está inserido neste contexto. Palavras-chave: mercado turístico, programa, desenvolvimento. ABSTRACT The research entitled “Public Policies for tourism in the city of Santarém: an analysis of the tourist trade about the Tapajós Pole” had as objective to analyse the knowledge of the tourist trade about the Tapajós Pole, once it is included in the current tourist development program: Tourism Regionalization Program- “ Brazil Itineraries”. This way, the research fits in the explanatory category, where bibliographic and documentary researches were developed, which supported the theoretical content, besides a field research. Therefore, 24 questionnaires were applied and, from the data collected, it was verified that only 50% of the informers are aware of what constitutes the Tapajós Pole and its importance for the tourist development. Other relevant result is the fact that just 8,3% of the informers know the Regionalization Program and, consequently, the benefits that come from it. So, it is concluded that the agents on the tourist market are not so conscious of the national reality in the tourist scenario and that the Tapajós Pole is included in this context. Key words: tourist market, program, development. *Especialista em Educação e Gestão Ambiental. Turismóloga. Acadêmica de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Oeste do Pará-UFOPA. 66 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 Introdução O Brasil é possuidor de uma grande variedade de riquezas naturais, gastronômicas e histórico-culturais, recursos suficientes para desenvolver o turismo e, por conseguinte, segmentar a atividade. Na Região Amazônica, que integra nove estados brasileiros, incluindo o Pará, foram desenvolvidas diretrizes para a exploração do ecoturismo sustentável realizadas pelo Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal- PROECOTUR. Na ocasião, o referido programa dividiu o Estado do Pará em polos turísticos, entre eles o Polo Tapajós, cuja sede é Santarém. Em 2003, um programa a nível nacional foi proposto que concerne ao ordenamento da atividade turística do país. Assim, considerando que cada Estado tem a sua peculiaridade em relação à atratividade turística e, por conseguinte, seus municípios também, foi lançado o Programa de Regionalização do Turismo “Roteiros do Brasil”, visando explorar o desenvolvimento sustentável do turismo nas regiões, valorizando a vocação que cada uma possui. Através deste programa, a oferta turística tanto no Brasil quanto nos Estados vem sendo diversificada com ênfase ao desenvolvimento regionalizado, no qual o Estado do Pará está inserido através dos polos turísticos que outrora foram definidos pelo PROECOTUR. Desta forma, diante da possibilidade de explorar turisticamente as regiões, levando em consideração a sua geografia e seu potencial turístico, torna-se vantajoso para o agente do trade turístico desenvolver ideias e ações que possibilitem a formatação de serviços compatíveis com o que o turista procura na região visitada. E a isto, some-se o fato de valiosa contribuição para a motivação de todos os agentes envolvidos direta ou indiretamente no universo do turismo para a construção coletiva do desenvolvimento sustentável. Assim, é relevante a necessidade de realizar um estudo e investigação sobre “Políticas Públicas para o turismo no município de Santarém: uma análise do trade turístico sobre o Polo Tapajós” porque muitas das ações promovidas pelo Governo Federal em relação ao turismo servem como um subsídio para a comercialização do produto turístico que uma região possui, cabendo aos envolvidos que comungam destas ações o seu conhecimento e a posterior interpretação para o benéfico aproveitamento tanto para a empresa em que atuam, quanto à região em que ela se encontra, a fim de favorecer o desenvolvimento turístico da região. Desta forma, torna-se importante saber se os agentes envolvidos no trade turístico de Santarém detêm conhecimento acerca da inclusão do Polo Tapajós no Programa de Regionalização, este sendo um resultado de políticas públicas aplicadas para o crescimento da atividade turística no país. Com isso, uma das propostas do Programa é a integração da sociedade, do Poder Público, das instituições de ensino e agentes inclusos no trade turístico para que, juntos, promovam o desenvolvimento nos estados brasileiros aos quais pertencem. A nível local, tomando por base este raciocínio, sendo o município de Santarém a sede do Polo Tapajós, os agentes que atuam no trade turístico detêm conhecimento em relação às políticas públicas para o turismo local representadas pelo Programa de Regionalização? Neste sentido, a presente pesquisa teve como objetivo geral investigar o conhecimento dos agentes que atuam no trade turístico da sede do Polo Tapajós, Santarém, sobre as políticas públicas desenvolvidas para o turismo. Ademais, como objetivos específicos, buscou-se investigar qual o entendimento do trade turístico sobre o Polo Tapajós e sua importância para o turismo no mesmo e em Santarém, identificar a visão dos envolvidos no trade turístico quanto à importância do Programa de Regionalização- “Roteiros do Brasil” como uma política pública de turismo para o Polo Tapajós e verificar se os envolvidos no trade turístico se reconhecem como sujeitos contribuintes para o desenvolvimento do turismo local e do Polo Tapajós. 67 Fundamentação Teórica Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 Políticas Públicas e o Turismo Dias (2003) define políticas públicas como as atividades que, exclusivamente, o Estado executa a fim de realizar objetivos que se verificam na sociedade como um todo. Ou seja, os elementos que as constituem são o fim da ação governamental, as suas metas que norteiam o desdobramento para a finalização, os meios estabelecidos para a realização de metas e os processos de sua realização. A necessidade de políticas públicas surge então, quando se buscam formas para a concretização da vontade de uma coletividade, ao passo que esta entende o que lhe é necessário no presente, atuando as políticas como um trabalho operacional, através de ações, em busca de um bem comum. De acordo com Cruz (2002), a história do turismo organizado no país é bastante recente e inexperiente em relação a outros países por ter começado na década de 1950. Nesta época, organizavam-se e cresciam de maneira significativa as classes sociais notadamente nos centros urbanos e, aos poucos, começariam a incorporar entre os seus valores socioculturais a ideologia do lazer e do turismo, fato esse já existente no Primeiro Mundo. A partir de então, a preocupação com as políticas públicas do turismo no Brasil começou a ganhar projeção perante os governantes. Para Dantas (2005), o turismo pode gerar efeitos positivos como o crescimento econômico, melhoria da qualidade de vida da população, a geração de emprego e renda e até mesmo a conservação dos valores naturais e socioculturais, desde que haja uma sensibilidade do governo na formulação de políticas públicas de turismo, fornecendo subsídios para seu planejamento e execução e esclarecendo a área de atuação do Poder Público sobre a atividade. Com isso, o governo deve atuar com mais intensidade principalmente em lugares em que não há capital e mão de obra especializada, por intermédio das políticas públicas. Porém, somente atuar sobre o turismo não é o suficiente para o fortalecimento da atividade, visto que o turismo não se evidencia de forma isolada, necessitando, por isso, de outras políticas. Nesse aspecto, uma ligação entre os diversos setores da política nacional é necessária para que a própria política pública de turismo seja articulada e reconhecida como tal. Desta forma, o turismo requer uma política que, efetivamente, realize as ações que lhe são inerentes, já que, “ao assumir papéis que não lhe cabem, as políticas nacionais de turismo deixam de cumprir funções que lhes são inerentes, como, por exemplo, aquelas relativas à democratização do turismo interno” (CRUZ, 2002, p.37). As políticas públicas de turismo têm por objetivo primordial modificar positivamente a realidade do local onde são implementadas. Entretanto, precisam ser de fato concretizadas em muitos outros lugares dentro do território nacional, de pluralidade cultural imensa e uma vasta alternativa de potencialidades turísticas a serem trabalhadas, a fim de que a atividade se consolide uma atividade importante economicamente (BARROS, 2005). Neste sentido, Dias (2003) afirma que as políticas direcionadas ao desenvolvimento do turismo devem, primeiramente, passar por um processo de planejamento, pois, uma vez elaboradas e traçadas as estratégias para a implementação de ações, haverá um contínuo processo de tomadas de decisões que possibilitem a orientação da atividade presente para atingir um determinado futuro. Ao contrário, a simples adaptação a presente realidade de planos elaborados sem um devido planejamento são considerados uma improvisação, correndo o risco, ainda, de não serem totalmente concretizados ou acontecerem de maneira errônea. 68 Revista Perspectiva Amazônica Ano4 7 7p. p.66-78 Ano N° 4 N° O turismo, então, pode ser considerado positivo quando ele é capaz de, não só criar lucros para as empresas envolvidas, mas também elevar a satisfação da população local. Para que isso possa ocorrer tem que haver políticas públicas tais como: uso da infraestrutura e do equipamento pela população local (hotel, restaurante, espaço de esporte, lazer e cultura), o seu acesso aos recursos naturais e a cargos de chefia, criação de emprego para a mão de obra local, utilização de forma responsável dos recursos naturais, respeito e ajuda na preservar da cultura local e contribuição para melhoria das redes de educação, saúde, saneamento e transporte da localidade. O Polo Tapajós De acordo com Faria (2005), devido ao fato de a Amazônia brasileira apresentar variados recursos naturais houve a necessidade de implantação de políticas públicas que melhor gerenciassem estes recursos, minimizando os impactos negativos sobre eles, ao passo que também favoreceriam o incentivo à implantação do ecoturismo na região. Uma das ações de grande amplitude realizadas na região foi o desenvolvimento do Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo da Amazônia Legal - PROECOTUR. Como um de seus resultados, houve a criação de polos turísticos nos estados de sua atuação. Neste sentido, para o Ministério do Meio Ambiente (2006), a criação dos polos possibilitaria a competitividade da região como um destino de ecoturismo, além de que a concorrência entre os Estados seria minimizada, já que cada um adotaria a exploração de um nicho de mercado que fosse mais conveniente aos seus objetivos. Desta forma, segundo a Companhia Paraense de Turismo- PARATUR (2006), há seis polos que possibilitam explorar o destino Pará turisticamente, agregando maior valor ao produto e contemplando as características que o Estado possui, não ficando, assim, restritos às atividades de ecoturismo. São eles: Polo Belém, Polo Amazônia-Atlântica, Polo Marajó, Polo Araguaia-Tocantins, Polo Xingu e Polo Tapajós. O Polo Tapajós, cuja sede é Santarém, apresenta rica variedade em atrativos naturais e histórico-culturais. Um dos grandes espetáculos encontrados no Pólo é o encontro dos rios Amazonas e Tapajós, provocado pela diferença de densidade, velocidade e temperatura dos rios, correndo juntos por quilômetros sem se misturar, em frente à cidade de Santarém, conhecida como “Pérola do Tapajós”. Segundo Leite (2001), Santarém é a cidade mais importante do Oeste do Pará e é uma das fortes potências para o turismo paraense. E, em Santarém, as opções de turismo se apresentam principalmente em suas praias de areias brancas, expostas ao longo de 1.992 Km, como Alter do Chão, situada na vila de mesmo nome. Localizada a 33 km da cidade, a vila de Alter do Chão, antiga aldeia dos índios Boraris, é palco da maior festa folclórica do oeste paraense, a festa do Sairé, que mescla o religioso e o profano, marcando a disputa dos botos Tucuxi e Cor de Rosa. No Polo Tapajós, de acordo com a PARATUR (2006), também se encontram atrativos históricos notadamente representados pelo Quartel de Óbidos, cuja arquitetura revela os traços portugueses e a exuberância de uma grande obra do século XIX, e pelo Forte Pauxis no mesmo município, que remonta a época em que a Coroa Portuguesa viu seu poderio ameaçado com a presença de ingleses, holandeses e franceses, dentre outros, na região amazônica. Conforme a mesma Companhia, os portugueses deixaram muito mais que o patrimônio histórico: trata-se do Carnapauxis, uma atração festiva que ocorre anualmente no período carnavalesco, reunindo milhares de pessoas. Já no município de Monte Alegre, segundo Leite (2001), encontram-se serras 69 com inscrições rupestres, como as serras do Ererê e da Lua, porém, como as visitas, por vezes, são feitas sem nenhum tipo de controle para minimizar os impactos, algumas inscrições estão danificadas. Isso implica em uma melhor administração do local e utilização do espaço pelos visitantes, para que estes atrativos não venham a ser degradados. As atrações de Alenquer remetem à natureza da Amazônia. As cachoeiras Preciosa, de 45 metros e Véu de Noiva, de 25 metros, possuem em seu entorno trilhas compostas por bromélias e orquídeas, que embelezam e tornam mais agradáveis as caminhadas ali feitas. Todavia, foi da ação dos ventos que resultou o atrativo mais impressionante de Alenquer: a Cidade dos Deuses, um conjunto de formações rochosas onde povos primitivos fizeram pinturas e inscrições, servindo de curiosidade aos que visitam a região (PARATUR, 2006). De acordo com Busman (2006), em Oriximiná ocorre, às margens do rio Trombetas, o Círio Fluvial de Santo Antônio, Padroeiro da cidade, uma manifestação de fé que ocorre há mais de 50 anos. A imagem de Santo Antônio é transportada pelo rio em uma balsa motorizada, formando a “berlinda do Santo”, ornamentada conforme o tema do Círio e que ganha mais brilho com luzes coloridas ao seu redor. As “barquinhas”, ornamentadas e iluminadas com diversas cores, acompanham a balsa, proporcionando uma visão ímpar. Conforme a Resolução 001/2009 da Paratur, que dispõe sobre a adequação dos polos turísticos, considerando o objetivo geral do Programa de Regionalização do Turismo, o Polo Tapajós detém uma área de influência, além das cidades já citadas, sobre os municípios que compõem a Região Baixo Amazonas (Almerim, Belterra, Juruti, Curuá, Faro, Porto de Moz, Prainha e Terra Santa) e Região Tapajós (Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis e Trairão). Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 Programa Regionalização do Turismo - “Roteiros do Brasil” O Turismo brasileiro contempla as diversidades regionais, fator capaz de proporcionar, com boa administração, a geração de emprego e redução de desigualdades sociais. De acordo com o Ministério do Turismo (2004), com a criação do Ministério do Turismo no início de 2003, houve também a elaboração do Plano Nacional de Turismo, que dentre seus objetivos estão: interiorização e segmentação da atividade turística, diversificação dos mercados, produtos e destinos, desconcentração de renda por meio da regionalização, incremento do turismo interno. Com o Plano Nacional de Turismo criado, buscou-se pela criação de uma proposta que fosse capaz de unir a sociedade como um todo para, então, promover uma ação produtiva que remetesse ao desenvolvimento sustentável de forma coletiva. E, de acordo com o Beni (2003), considerando que o turismo é o mercado que mais tende a crescer no Brasil, devido aos recursos que apresenta, o Ministério do Turismo observou a necessidade de analisar com cautela o modelo de desenvolvimento do turismo no país e averiguar os meios possíveis de combater os principais impasses que retardavam o crescimento do turismo. Diante disso, em 2004, conforme o mesmo autor, o Ministério do Turismo lança o Programa de Regionalização do Turismo- “Roteiros do Brasil”, levando em consideração as orientações presentes no Plano Nacional de Turismo, a fim de contribuir com a visão dos que participam do processo de formulação e comercialização do produto turístico, promovendo o desenvolvimento da atividade turística de forma regionalizada, unindo os municípios em roteiros integrados. Desta forma, atuando no âmbito turístico, o Programa de Regionalização do Turismo se constitui em “um modelo de gestão descentralizada, coordenada e 70 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 71 integrada, baseada nos princípios de flexibilidade, articulação, mobilização, cooperação intersetorial e interinstitucional e na sinergia de decisões” (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2004, p.11). É um modelo em que todos que atuam com o turismo estão envolvidos, abrangendo também, outros agentes sociais, pertencentes à destinação onde o turismo efetivamente acontece. Como exigências para a adoção do novo modelo, conforme o mesmo Ministério, estão as mudanças de relação entre o poder público e a sociedade civil, a mobilização e organização social e, acima de tudo, o entendimento da macrodivisão administrativa adotada no País (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste). Além disso, o Programa assimila a noção de território e espaço, no qual o homem se relaciona com a cultura e com os recursos que a natureza dispõe, ou seja, o indivíduo está em interação constante com o meio, podendo fazer uso dele para promover o bem estar social. Segundo o Ministério do Turismo (2004), a estruturação do Programa observou as seguintes estratégias: •Gestão coordenada, em que foi necessária formação de parceria para atuar nas ações de concretização do programa, compreendendo os governos federal, estadual e municipal, unido a comunidade nas etapas de planejamento, implementação e avaliação. •Planejamento integrado e participativo, pois a ação pública, seja ela estatal ou privada, detém espaços necessários para a participação política no processo de organização e gestão do território. Logo, a elaboração, de forma participativa, de planos que assegurem o desenvolvimento do turismo regional representa tornar os espaços e mecanismos de representação política da sociedade civil em aspectos democráticos, permitindo, assim, as mudanças estruturais almejadas. •Promoção e apoio à comercialização, pois o programa defende a participação e o reconhecimento de que o País possui inúmeras particularidades que servem para o incremento da oferta turística e em seu modo de comercializar, alcançando resultados no mercado. Conforme Beni (2003), o objetivo do Programa de Regionalização“Roteiros do Brasil” é estruturar, ampliar, diversificar e dar maior qualidade a oferta turística do Brasil, promovendo a inserção competitiva do produto turístico no mercado internacional e, ao mesmo tempo, aumentando o consumo do mesmo no mercado nacional. Tal objetivo baseia-se no incentivo dado aos municípios, para que os mesmos organizem-se em consórcios para formar roteiros integrados, a fim de compor o conjunto nacional de produtos turísticos. Com base nisso, o Pará formatou onze roteiros integrados, envolvendo seus polos turísticos. Destes onze roteiros, foram escolhidos três para serem trabalhados para o mercado internacional, a saber: •Roteiro Amazônia Quilombola - envolve os municípios de Belém, Acará e Ponta de Pedras, ou seja, tal roteiro passa pelos Polos Belém, Araguaia-Tocantins e Marajó, respectivamente; •Roteiro Amazônia do Marajó- envolve os municípios de Belém, do Polo Belém, Salvaterra e Soure, do Polo Marajó, e •Roteiro Tapajós: Amazônia, Selva e História - abrangendo os municípios de Santarém e Belterra, ambos do Polo Tapajós. Desta forma, o Polo Tapajós fora contemplado com a formatação de um roteiro turístico integrado, a fim de que tal destino seja conhecido nacionalmente e internacionalmente em paralelo com as ações que serão realizadas, devendo, inclusive, contar com a colaboração de todos os agentes envolvidos, especialmente do trade turístico. Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 Metodologia No que se concerne aos objetivos, a referida pesquisa situa-se na categoria exploratória, pois, de acordo com Lakatos e Marconi (2006), buscou-se investigar um fenômeno desconhecido para torná-lo mais explícito, não excluindo a possibilidade de uma modificação futura na pesquisa. Ademais, foi realizada uma investigação acerca do tema proposto através de uma pesquisa bibliográfica e pesquisa documental e, por fim, foi feita uma pesquisa de campo com a aplicação de questionários. De pronto, o estudo realizou-se na cidade de Santarém, localizado no Estado do Pará, sendo que o espaço utilizado para tal foi o centro comercial, compreendendo a pesquisa em 30% de cada segmento de empresas que compõem o trade turístico: hotéis, restaurantes e agências de viagem. Neste sentido, de acordo com a Secretaria Municipal de Turismo - SEMTUR (2006), o município possui dentro da área urbana 35 restaurantes, 21 agências e 22 hotéis. Com a porcentagem de 30% sobre cada segmento, os informantes da pesquisa foram empresários e funcionários de 11 (onze) restaurantes, 06 (seis) agências de viagens e 07 (sete) hotéis localizados no centro da cidade, escolhidos pela fácil localização e por serem de bastante representatividade quanto ao fluxo de demanda para Santarém, perfazendo um total de 24 participantes. Outrossim, em função da abordagem, a pesquisa possuiu caráter qualitativo, pois, segundo Dencker (2002), neste estudo se procurou o aprofundamento da compreensão de um fenômeno, além de interpretá-los em termos do significado dado pelos participantes da pesquisa. Também possuiu caráter quantitativo, pois permitiu mensurar opiniões e quantificar valores sobre o tema em questão através de uma amostra representativa dos agentes que atuam no trade turístico. Resultados Conhecimento sobre o Polo Tapajós Quando interrogados sobre em que consistia o Polo Tapajós, dos participantes entrevistados, 58,3% (n= 14) nunca ouviram falar no mesmo, ao passo que 41,7% (n= 10) afirmaram saber do que se trata o Polo. Assim, 30% (n= 3) destes últimos afirmaram que o Polo remete ao desenvolvimento turístico através de divulgação, apoio e implantação de projetos que fortifiquem o destino. Já 70% (n= 7) acreditam ser a região de turismo em que Santarém está inclusa, juntamente com as cidades cercanas (Gráfico 1). As duas colocações expostas têm relação com o que se trata o Polo, visto que, conforme o Ministério do Meio Ambiente (2006), este objetiva a promoção e desenvolvimento do turismo nas cidades nele inseridas, formando uma destinação turística de alta potencialidade e competitividade na região. Assim, Santarém, unida às cidades adjacentes, forma o Polo Tapajós, destino com alta capacidade de atratividade turística e que requer, como qualquer outra destinação, incentivos para o seu desenvolvimento. Porém, há que se pôr atenção no fato de que o número dos que conhecem o Polo Tapajós é menor quando comparado com o número dos que dizem não saber nada a respeito do assunto. Gráfico 1- Conhecimento sobre o Polo Tapajós Fonte: Dados do estudo 72 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 O Polo Tapajós e o desenvolvimento turístico nas cidades Interrogados se o Polo Tapajós é capaz de proporcionar o desenvolvimento do turismo nas cidades que o compõem, 50% (n= 12) dos informantes não opinaram, enquanto que 50% (n= 12) acreditam que através do Polo Tapajós o turismo será mais desenvolvido em tais cidades. Porém, 50% (n= 6) dos que responderam “sim” não souberam justificar a resposta (Gráfico 2). Os 50% (n= 6) que justificaram, afirmaram que o Polo Tapajós é relevante para turismo nas cidades que o integram porque: • Incentiva e organiza melhor as cidades; • Promove o destino, através do planejamento da atividade, englobando governo e município e • Torna as cidades mais conhecidas, atraindo turistas. Certamente, segundo o Ministério do Meio Ambiente (2006), foi com o propósito de desenvolver o turismo mediante um planejamento da atividade, organização das cidades e atração de investimentos em empreendimentos turísticos que os pólos turísticos foram criados. Logo, percebe-se que as respostas dos informantes estão interligadas, já que são consequências do planejamento da atividade. Se o turismo é desenvolvido em parceria com o governo e com as cidades, a tendência é que estas se organizem, divulguem e desenvolvam turisticamente o destino, o que, por conseguinte, atrairá mais turistas para região. Gráfico 2- O Polo Tapajós e o desenvolvimento turístico nas cidades Fonte: Dados do estudo Conhecimento sobre o Programa de Regionalização 73 Segundo os dados coletados, 91,7% (n= 22) dos informantes não sabem o que é o Programa de Regionalização do Turismo- “Roteiros do Brasil”, enquanto que 8,3% (n= 2) dos participantes souberam dizer em que este se constitui (Gráfico 3). Segundo estes, o Programa de Regionalização é um programa criado pelo Ministério do Turismo com o intuito de viabilizar, desenvolver e divulgar um destino, através da criação de roteiros integrados. Certamente, de acordo com o Ministério do Turismo (2004), ao se criar o Programa de Regionalização do Turismo- “Roteiros do Brasil” o objetivo se constitui em estruturar melhor a oferta turística brasileira, dando maior qualidade do produto turístico, à medida que este produto é diversificado mediante a integração das cidades que compõem as regiões turísticas, formando roteiros integrados. Desta forma, é um programa que está sendo desenvolvido atualmente em todas as Unidades Federativas do Brasil, requerendo a participação e interação de todos os agentes que estão inseridos no mercado turístico juntamente com a comunidade de cada local, mas que a maioria dos agentes do trade turístico santareno demonstra não conhecer. Isso demonstra a fragilidade e falta de atenção dos atores que trabalham com o turismo na cidade pesquisada em relação às alternativas propostas para o desenvolvimento do destino. Gráfico 3- Conhecimento sobre o Programa de Regionalização Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 Fonte: Dados do estudo Programa de Regionalização e desenvolvimento do Polo Tapajós Quando perguntados se Programa de Regionalização tende a desenvolver o Polo Tapajós turisticamente, naturalmente por desconhecerem do que se trata, 91,7% (n= 22) dos entrevistados preferiram não opinar, ao passo que 8,3% (n= 2) disseram que o destino será mais desenvolvido mediante a inclusão no referido Programa (Gráfico 4). Desta forma, estes justificaram a resposta afirmando que, com o suporte do governo federal através dos investimentos no âmbito do turismo, a atividade no destino passará a ser mais estruturada e organizada, além de ser uma forma do Polo Tapajós ser conhecido e divulgado nacionalmente. Sem dúvida, as justificativas procedem com as finalidades do Programa de Regionalização. Uma vez unidas, as cidades integrantes das diversas regiões turísticas, de acordo o Ministério do Turismo (2004), terão apoio do Governo Federal que dará suporte para a atividade, desde que estas estejam cientes das reais necessidades e entraves enfrentados para o desenvolvimento do turismo, uma vez que se objetiva obter a qualidade do produto turístico nacional. Desta forma, o programa tende a fortalecer o Polo internamente, desenvolvendo seu potencial e externamente, perante divulgação nos limites nacionais. Porém, ao mesmo tempo, frente ao desconhecimento do trade, é questionador até quando o governo passará a criar mais programas se os agentes que estão inseridos neste meio os desconhecerem, uma vez que estes atores são fundamentais para o processo de promoção turística nos destinos. Assim, é necessário que um trabalho mais ordenado seja executado, para que as políticas de turismo sejam, de fato, consideradas pelos agentes que atuam diretamente no setor. Gráfico 4- Programa e o desenvolvimento do Polo Tapajós Fonte: Dados do estudo 74 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 Competitividade com a Formatação do Roteiro Turístico Interrogados se a formatação do Roteiro “Tapajós: Amazônia, selva e história” torna Santarém e Belterra mais competitivos, 83,33% (n= 20) dos informantes não responderam e 4,2% (n= 1) afirmaram que não, visto que acreditam que a criação de um roteiro não é o primeiro passo para desenvolver o turismo. Os informantes que responderam “sim” perfazem um total de 12,5% (n= 3), pois acreditam que é o único roteiro no referido Polo e tem prioridade para ser trabalhado com a ajuda federal. Ademais, Santarém possui vários atrativos e a sua união com Belterra, só fortifica o roteiro (Gráfico 5). É evidente que as cidades escolhidas para serem trabalhadas pelo governo federal através dos roteiros integrados têm maior capacidade para serem fortificadas e, consequentemente, mais competitivas no mercado estadual e nacional. Isso porque, segundo o Ministério do Turismo (2004), as cidades que compõem os roteiros escolhidos para a obtenção do padrão internacional de qualidade, receberão investimentos que visem a este fim. Ademais, Santarém possui recursos que a tornam atrativa e, juntamente com Belterra, o roteiro fica mais diversificado, tornando-o mais competitivo. Novamente, a falta de opinião acerca da realidade turística local é o que chama a atenção nos resultados da pesquisa. Gráfico 5- Competitividade com a formatação do roteiro turístico Fonte: Dados do estudo Contribuição Para o Turismo Local Quando perguntados se se consideram agentes contribuintes para o desenvolvimento do turismo local, 12,5% (n= 3) dos entrevistados não responderam à questão, enquanto que 87,5% (n= 21) afirmaram contribuir para o turismo. Destes últimos, 38,1% (n= 8) responderam que são contribuintes para o turismo através da divulgação da cidade e das do entorno aos clientes, 23,8% (n= 5) através da terceirização de serviços turísticos, 23,8% (n= 5), oferecendo boa estrutura física na empresa para que o cliente goste e decida voltar e 14,3% (n= 3), através da montagem de pacotes turísticos (Gráfico 6). Percebe-se que a maioria dos informantes se considera contribuinte para a atividade turística da cidade, inclusive pela divulgação “boca a boca” aos clientes de suas empresas. Conforme Dias (2002), a comunicação via oral (boca a boca) é a principal forma de promoção do turismo junto aos amigos, parentes e colegas de trabalho, ou seja, hoje em dia é um método muito eficaz de divulgar. No entanto, não compete apenas aos empresários e funcionários do mercado turístico a função de desenvolver o turismo, uma vez que cada cidadão contribui com pequenas ações, como por exemplo, não jogando lixo no chão e zelando pelos locais públicos e privados. O importante é que todos se sintam responsáveis pela promoção do turismo na região, cuja contribuição é relevante para a atividade. Logo, o desenvolvimento de uma destinação turística “ocorre não só devido à participação 75 governamental, mas também com a colaboração da iniciativa privada e da comunidade local” (DIAS e AGUIAR, 2002). Assim, é um erro pensar que o turismo depende só do Poder Público. Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 Gráfico 6- Contribuição para o turismo local e do Polo Tapajós Fonte: Dados do estudo Realização de Outras Ações Pela Empresa para o Turismo Quando questionados se a empresa realiza outros tipos de ações em benefício do turismo local e do Polo Tapajós, apenas 29,2% (n= 7) dos pesquisados buscam realizar ações novas para desenvolver o turismo na região, sendo que 28,6% (n= 2) destes terceirizam serviços turísticos para outras empresas e 71,4% (n= 5) beneficiam o turismo através da capacitação profissional. Já 70,8% (n= 17) não realizam outros tipos de ações, cujas justificativas foram: 58,8% (n= 10) afirmaram faltar capital e incentivos para tal, 23,6% (n= 4) disseram que não compensa investir sem saber se haverá retorno e 17,6% (n= 3) não realizam outras ações porque tem interesse (Gráfico 7). Certamente a falta de capital é um fator que inibe a mobilização de qualquer ação (MONTEJANO, 2001). Porém, a maioria das empresas, pelo exposto, trabalha apenas para si e não para a região como um todo. Havendo qualquer tipo de reação para a captação ou até mesmo para o aumento de visitantes na região, não somente um empreendimento turístico será beneficiado. O que falta é um pensamento positivo e esclarecimento maior acerca do turismo e o estímulo para promover benefícios à região e a sua empresa. Gráfico 7- Realização de outras ações para o turismo Fonte: Dados do estudo Conclusão Dentro da promoção da atividade turística tanto a nível nacional quanto municipal, o Poder Público assume um papel de suma importância. Porém, também cabe ao trade turístico a discussão e elaboração de propostas inerentes ao setor, já que 76 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 os vários segmentos que o compõem compreendem melhor a realidade do local em que atuam. Contudo, em Santarém, a participação do trade turístico em sua totalidade não é efetiva no âmbito do turismo o que, sem dúvida, dificulta e retarda o desenvolvimento da atividade turística. Acreditando que a região tem potencial para o crescimento do turismo, o imprescindível seria que todos os que estão envolvidos neste processo tenham conhecimento sobre o cenário atual, fato que não ocorre no mercado santareno. O Polo Tapajós ainda é de desconhecimento da maioria dos agentes do mercado turístico, refletindo a ideia de que tais agentes não estão no processo turístico e que, por conseguinte, desconhecem a importância do Polo para impulsionar o turismo regional. E, ainda que alguns, de maneira coerente, o considerem oportuno para a captação de investimentos turísticos na região, o turismo está comprometido pela falta de união participativa que o setor exige. De forma mais intensa, o Programa de Regionalização- “Roteiros do Brasil”, instrumento viável para fortificar os incentivos turísticos no Polo Tapajós, é de desconhecimento da maior parte do trade turístico. Nada pode justificar tal desconhecimento, pois, uma vez inseridos no mercado turístico, os empresários e funcionários têm por obrigação assumir o compromisso de desenvolver o meio em qual estão inseridos, conhecendo o ambiente regional e nacional, para enfim, reivindicar e propor soluções compatíveis com o que é almejado por todos. Mas, se não há esta integração, como saber o que é almejado por todos? Claro que se espera o desenvolvimento do turismo. Porém o que ocorre, é que, enquanto se espera, não há nenhuma mobilização para que o tal desenvolvimento se concretize. Isso justifica a falta de conhecimento sobre os projetos para a promoção do turismo. Assim, é de suma importância sensibilizar os empresários turísticos para que atuem de maneira crítica e significativa para a promoção do crescimento do turismo na região, favorecendo a realização da atividade com base no cumprimento das responsabilidades a que a atividade se destina e não somente para satisfazer um contrato de comércio. Desta forma, o maior investimento não se resume somente na concretização de grandes empreendimentos para a promoção de oferta e captação de demanda. É necessário, pois, um investimento que abarque os envolvidos no trade turístico para uma atuação conjunta, como parte da comunidade onde está instalado, identificando os problemas existentes e reivindicando-os a fim de que se convertam em reais possibilidades de exploração turística. Todavia, antes de tudo, é preciso que cada agente tenha em mente a importância de sua atuação, bem como a vontade de querer contribuir mais com a atividade turística. Referências BARROS, Patrícia Mattos. Indicadores necessários para a formulação de políticas públicas locais para o turismo sob a ótica dos stakeholders institucionais estratégicos. 2005. 265f. Tese (PósGraduação em Engenharia de Produção)- Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Disponível em: <http://teses.eps.ufsc.br/>. Acesso em: 20 de março de 2010. BENI, Mário Carlos. Globalização do turismo: megatendências do setor e a realidade brasileira. São Paulo: Aleph, 2003. BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Governo brasileiro promove ecoturismo na Amazônia. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.mma.gov.br>. Acesso em 02 de abril de 2007. 77 BRASIL. MINISTÉRIO DO TURISMO. Programa de Regionalização do Turismo. Brasília, 2004. Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.66-78 BUSMAN, Aline a princesinha do Trombetas. Belém, 2006. Disponível em: <http://www.orm.com.br>. Acesso em: 05 de dezembro de 2009. CRUZ, Rita de Cássia Ariza. Políticas públicas de turismo no Brasil: significado, importância, interfaces com outras políticas setorias. In: SOUZA, Maria José (org.). Políticas Públicas e o lugar do turismo. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2002. DANTAS, Ana Lúcia de Faria Lucena O uso de indicadores socioambientais para análise da atividade turística na Ilha de Santa Catarina, município de Florianópolis/ SC. 2005. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção)- Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Disponível em: <http://teses.eps.ufsc.br/>. Acesso em: 20 de março de 2010. DENCKER, Ada de Freitas Maneti. Métodos e técnicas de pesquisa em turismo. 6.ed. São Paulo: Futura, 2002. DIAS, ReinaldoAGUIAR. Marina Rodrigues de. Fundamentos do turismo: conceitos, normas e definições. Campinas: Alínea, 2002. FARIA, Ivani. Ecoturismo: desenvolvimento social no Amazonas. Manaus, 2005. Disponível em: <http://www.pasosonline.org/>. Acesso em: 27 de março de 2010. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. 3 reimpres. São Paulo: Atlas, 2006. LEITE, Emanuel Júlio. Turistificando um caminho da Amazônia. São Paulo: Ícone, 2001. MONTEJANO, Jordi Montaner. Estrutura do mercado turístico. 2. ed. São Paulo: Roca, 2001. PARÁ. Companhia Paraense de Turismo. O Estado do Pará. Belém, 2006. Disponível em: <http://www.paraturismo.pa.gov.br>. Acesso em: 06 de dezembro de 2009. SANTARÉM. SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO E INTEGRAÇÃO REGIONAL- SEMTUR. Inventário da oferta e infraestrutura turística de Santarém. Divisão de Planejamento turístico: Atualização, 2006. 78 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.79-85 AS MÍDIAS DIGITAIS COMO FACILITADORAS NO CONTEXTO EDUCACIONAL Rosane Tolentino Gusmão Maia* RESUMO Hoje as salas de aula deixaram de ser um local em cujo espaço o professor é o único responsável pelo processo de ensino e aprendizagem. Os alunos passam de receptores de informação, para construtores do conhecimento, tendo como principais aliadas, as novas tecnologias. O professor passa de ator para mediador desse processo e busca alicerçar a eficiência da sua atuação na interação constante. Dentro desse novo contexto, torna-se necessária uma readaptação às novas formas de aprendizado. Este trabalho objetiva avaliar as vantagens da utilização das mídias digitais nas salas de aula. Através de uma pesquisa descritiva e um método de abordagem qualitativo foram avaliadas as funcionalidades destas ferramentas no contexto educacional. Foram enumeradas e descritas as principais características das mídias existentes atualmente, cuja utilização pode ser direcionada para o processo de ensino e aprendizagem. Relacionou-se a utilização dessas mídias ao impacto causado na motivação, na criatividade e no senso argumentativo dos discentes nas salas de aula. Palavras-chave: Ensino. Aprendizagem. Mídias digitais. ABSTRACT Today's classrooms are no longer a local area in which the teacher is solely responsible for teaching-learning process. Students go from receivers of information to builders of knowledge, and its main allies, the new technologies. The teacher is acting as mediator in this process and seeks to underpin the efficiency of its operations in constant interaction. Within this new context, becomes a necessary readjustment to new ways of learning. This study evaluates the advantages of using digital media in classrooms. Through a descriptive approach and a method of qualitative features were evaluated these tools within the educational context. Were listed and described the main characteristics of media available today, whose use can be directed to the teaching-learning process. Related to the use of such media to the impact on motivation, creativity and sense of argumentative students in classrooms Key words: Knowledge. Learning. Digital Midias. *Mestranda em Recursos Naturais da Amazônia; Especialista em Docência Superior; Tecnóloga em Processamento de Dados; Coordenadora e docente dos cursos de Tecnologia em Redes de Computadores e Tecnologia em Gestão da Tecnologia da Informação das Faculdades Integradas do Tapajós. 79 Revista Perspectiva Amazônica Introdução Ano 4 N° 7 p.79-85 A revolução tecnológica dos últimos anos não deu início apenas a mais um ciclo, mas a uma nova era chamada digital. Vive-se hoje, por conta disso, uma razão de máxima mudança, com uma avalanche de informações e inovações surgindo em curtos espaços de tempo, gerando a necessidade de uma readaptação continuada a essa nova “sociedade da informação”. Desde muito cedo percebeu-se que as novas tecnologias iriam provocar grandes alterações socioeconômicas [...] (RIBEIRO, 2009). Um dessas mudanças deu-se no contexto educacional. Novos conceitos como mídias sociais, aprendizado colaborativo, e-learning, m-learning, educação a distância, ambientes virtuais de aprendizagem, tornaram necessária uma adaptação das diretrizes metodológicas de ensino. Em pouco tempo, o domínio da tecnologia certamente deixará de ser apenas um “diferencial” e passará a ser uma “exigência” nos currículos dos educadores. Não se pode, entretanto, pensar em tecnologia como solução, mas como um meio produtivo de alcançar a excelência em qualquer ação desempenhada. Segundo Souza (2009), não são as tecnologias que mudam a sociedade e sim os modos com que as pessoas se apropriam delas e as utilizam. Esta é a proposta apresentada nesta pesquisa, que traz como tema central as mídias digitais e a sua utilização como ferramentas auxiliares no processo ensinoaprendizagem. O objetivo principal é avaliar a maneira que essas mídias podem atuar como “facilitadoras” desse processo. Através de uma pesquisa descritiva e um método de abordagem qualitativo foram avaliadas as funcionalidades dessas ferramentas no contexto educacional. Mudanças nos Paradigmas Educacionais A “era da informação” exige dos docentes uma nova postura. Hoje surge uma nova geração denominada “Geração C”1, a geração da comunicação, da conectividade, da colaboração, da cocriação, da vida em comunidade, disposta a participar ativamente dos processos de transformação do mundo que os cerca. Não se pode fechar os olhos para as transformações na educação, que vislumbram os alunos, não mais como meros “receptores”, mas como “produtores” de informação no mundo acadêmico. Para Freire (2010, p.35-50), 1 Conceito criado por Dan Pankraz, diretor de planejamento e estratégias para o público jovem da agência de marketing digital DDB Sydney. ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação [...] como professor crítico, sou um “aventureiro” responsável, predisposto à mudança, à aceitação do diferente. Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente repetir-se. Surge, então, a necessidade de se trabalhar com novas competências no novo contexto educacional. Perrenoud (2000) destaca algumas competências como o trabalho em equipe, a utilização de novas tecnologias e a capacidade de envolver os alunos em suas aprendizagens e no trabalho. As Mídias Digitais no Processo Ensino-Aprendizagem O que são Mídias Digitais Considera-se mídia digital todos os meios de comunicação baseados em tecnologia digital como computador, telefone celular, cd, vídeo digital, blue ray, internet, world wide web, televisão digital , data show, lousas eletrônicas e outras mídias interativas. 80 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.79-85 Postura do Educador Frente às Mídias Digitais Existem dois tipos de educadores: os modernos e os tradicionais. O grande problema não é lidar com as diferenças no âmbito pedagógico, mas com a forma preconceituosa de “enxergarem” uns aos outros. Diante disso, cria-se uma barreira gerando dois lados distintos que ganhariam muito mais se compartilhassem os seus conhecimentos e experiências. Ainda existe uma resistência grande por parte de alguns educadores sobre a utilização das novas tecnologias na sua vida profissional. Basta visitar os sites de algumas instituições de nível superior e verificar o espaço destinado aos docentes. É muito frequente encontrar espaços que nem sequer foram visitados e muito menos utilizados para promover uma interação com os alunos. Diante desse quadro, é extremamente necessário que as instituições educacionais incentivem os seus professores a fazer da tecnologia uma aliada nas suas atividades docentes. As semanas pedagógicas e cursos de extensão seriam uma oportunidade de promover ações dentro das instituições com o objetivo de estimular os professores a incluírem a utilização das mídias digitais em seus planejamentos didáticos. Principais Mídias Digitais Utilizadas no Contexto Educacional No contexto educacional pode-se utilizar uma variedade de mídias como mediadoras e facilitadoras do processo ensino-aprendizagem. Internet - A Web 2.0 2 Plano do Governo Federal que pretende levar, até 2014, banda larga a todos os municípios brasileiros por preços acessíveis pelas populações de baixa renda. De todas, talvez possa ser considerada como a mídia mais acessível, uma vez que a inclusão digital passou a ser um item integrante das propostas governamentais de inclusão social. Com o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)2, instituído em 2010, espera-se uma redução dos preços e um aumento expressivo de usuários na web. Nos anos 90, surgiu a “primeira geração” da internet que disponibilizava uma gama imensa de informações que poderiam ser acessadas, atendendo à solicitação dos usuários. Com o passar dos anos e o desenvolvimento de novos conceitos, visando a construção coletiva do conhecimento, percebeu-se que haveria a necessidade de transformar o atual ambiente web em um ambiente mais dinâmico. Surgiu então, o conceito de Web 2.0. Considerada como a segunda geração da World Wide Web, veio com a proposta de criação e uso de ferramentas colaborativas. Seu conceito baseia-se no “CoLearn”, ou aprendizado colaborativo, que objetiva dinamizar o ambiente on-line, através da socialização e troca de informações, possibilitando aos internautas a sua participação direta na atualização e organização do conteúdo. Dentre as ferramentas mais utilizadas na web 2.0 destacam-se: Wikis 81 Wiki, que significa “extremamente rápido” no idioma havaiano, é o nome dado aos sistemas cujos programas são baseados em ferramentas que permitem a criação coletiva de documentos. Funcionam como uma enciclopédia, por permitir o armazenamento de um grande número de informações sobre as mais variadas áreas. Como são programas abertos, as suas ferramentas são aperfeiçoadas continuamente pelos programadores, a fim de impedir o surgimento de problemas como a postagem proposital de informações inadequadas feitas por usuários mal intencionados. Nos ambientes wiki, os textos postados podem ser alterados de forma simples, permitindo a sua otimização a cada alteração feita. Revista Perspectiva Amazônica Dessa forma, as informações tornam-se cada vez mais completas e apresentam um conteúdo com maior qualidade. Atualmente a Wikipédia3 é o ambiente wiki de maior destaque na web 2.0 e já chegou a quase 300 mil artigos publicados em Português e a mais de 4 milhões de artigos em outros idiomas. No mundo acadêmico cada vez mais essas ferramentas ganham adeptos. Ao se implantar um ambiente wiki em uma instituição de ensino, trabalha-se com a habilidade de síntese de textos e o hábito pela leitura dos alunos na busca de informações, que tornam a pesquisa elemento prazeroso da sua rotina, o que irá contribuir para torná-los mais críticos, argumentativos e reflexivos. Ano 4 N° 7 p.79-85 Computação em Nuvens (Cloud Computing) No contexto educacional, a computação em nuvens chega como uma grande aliada para os estudantes. Os trabalhos acadêmicos podem ser produzidos, armazenados e acessados diretamente da rede, o que dispensa o seu armazenamento em dispositivos de memória, como pen drives, por exemplo. Além disso, poderão ser compartilhados com os demais usuários da rede, criando uma “rede social de conhecimento”. A computação em nuvem é mais ou menos o que sua mãe faz com as roupas sujas que você deixou espalhadas no chão do quarto e, dias depois, como que por encanto, encontra no armário limpas, passadas, cheirosas e cuidadosamente dobradas nas gavetas certas, sem que você tenha ideia de como isso aconteceu. A computação em nuvem faz isso com seus arquivos de internet – ela os armazena – e com suas necessidades de processamento – ela roda seus programas sem que você precise sequer estar com seu PC ligado. Isso significa que uma porção crescente das informações digitais produzidas por pessoas e empresas está sendo processada e guardada em descomunais centros de computação espalhados pelo mundo, mas conectados entre si. (RYDLEWSKI. 2009) Esse novo conceito transforma a rede em um tipo de computador comunitário gigante que pode ser acessado a qualquer momento, de qualquer lugar, bastando para isso ter uma conexão com a internet. 4 Existem vários aplicativos gratuitos disponíveis como o Google Docs , o 5 6 Skydrive , o Ubuntuone , entre outros, que permitem a criação, a edição e o armazenamento de documentos na web e oferecem suporte aos formatos mais utilizados de arquivos. Vários usuários podem compartilhar um mesmo documento em um dado momento. O usuário não precisa ter necessariamente um computador com um editor de texto ou uma planilha eletrônica instalados, ele poderá ter acesso aos documentos de qualquer máquina, bastando para isso ter criado uma conta e gerado uma senha de acesso. Estes aplicativos permitem uma interação maior entre alunos e professores dentro da comunidade acadêmica e também fora dela, pois os documentos armazenados on-line são de livre acesso e suas alterações podem ser feitas simultaneamente. Poderão ser feitos uploads e downloads de arquivos a qualquer momento e trabalhadas atividades como: enquetes, criação de projetos em grupo, fóruns de discussão, socialização de arquivos, entre outros. A maior vantagem é que esse feedback permitirá ao professor avaliar o grau de participação dos alunos e, caso essa participação seja aquém do esperado, implementar as mudanças necessárias no planejamento de suas atividades para incentivá-los. 4 https://docs.google.com 5 https://skydrive.live.com 6 https://one.ubuntu.com/ Blogs Os blogs são cada vez mais utilizados no meio acadêmico para divulgação de notícias, propor debates, socializar material, entre outras atividades. 82 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.79-85 A vantagem dos blogs é o teor eclético dos conteúdos que são veiculados através deles. Professores e alunos das mais variadas culturas podem socializar as suas experiências através de uma linguagem mais dinâmica e estimulante, porém não desprovida de coesão e coerência, pois quando se escreve sabendo que muitas outras pessoas terão acesso ao conteúdo, o cuidado com a forma certamente será levado em conta por quem está escrevendo, trazendo como consequência um aprimoramento da escrita e da argumentação. Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) 7 8 moodle.org.br Código aberto. O avanço tecnológico trouxe com ele uma nova realidade educacional, o ensino mediado por computador. A Educação a Distância (EaD), segundo RomiszowskI (2005), teve seus tempos áureos na segunda metade do século 20 período em que ganhou um certo grau de respeito e reconhecimento na educação pública. Algum tempo depois, foi marcada pela síndrome da descontinuidade. Na era do e-learning a EaD ressurge com força total. Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) ganham uma nova roupagem e passam a ser ferramentas complementares poderosas de apoio para o desenvolvimento de habilidades como a criatividade e o pensamento crítico no processo ensino-aprendizagem presencial tradicional. Através da integração de diversas mídias, linguagens e recursos, professores e alunos interagem em ambientes individuais e coletivos que diferem das salas de aula pela dinâmica de estudo proposta. Dentre as vantagens trazidas nesse tipo de atividade, destaca-se a possibilidade de se obter um feedback imediato por parte dos professores, que avaliam as atividades postadas, e dos alunos, que passam a sentir-se mais estimulados e seguros a produzir, uma vez que terão acesso às eventuais críticas e sugestões atribuídas ás suas produções antes de socializá-las. Nesses ambientes as informações são de acesso fácil, atuais, confiáveis e estão todo o tempo disponíveis, distribuídas em arquivos para downloads, wikis, salas de aula virtuais, chats, blogs, entre outros recursos. Um ambiente muito utilizado atualmente é o Moodle7 por ser um aplicativo gratuito, contemplar inúmeros recursos de fácil utilização e permitir a adequação das necessidades das instituições e dos usuários (open source).8 Segundo Guidi (2010) um AVA de qualidade é fundamental para uma universidade, na medida em que o ambiente representa a própria instituição no mundo virtual, uma vez que acabam agregando valor ao processo de ensino-aprendizagem, fortalecendo a imagem das instituições. Mídias Sociais Existe atualmente uma gama de mídias sociais como Orkut, Facebook, LinkedIn, My Space, Twitter, YouTube, Flickr, entre outras, que podem ser utilizadas no contexto educacional com resultados muito positivos. O LinkedIn é uma rede social profissional com mais de 120 milhões de pessoas cadastradas. Através dessa rede são feitos contatos, surgem oportunidade de trabalho e respostas para dúvidas em todos os setores, pela diversidade de profissionais que fazem uso dela. As demais mídias, além de espaços para interagir, promover debates e socializar ideias, são poderosas ferramentas para divulgação de eventos institucionais como jornadas acadêmicas, seminários e palestras, de forma gratuita e com possibilidade de um alcance de um número expressivo de pessoas. Mídias na Sala de Aula 83 O retroprojetor, as leituras de textos apostilados e a cópia de longos textos no quadro tendem, cada vez mais, a cair em desuso nas salas de aula. O aluno da “Geração C” está cada vez mais interessado em “ser” parte atuante do processo educacional do que simplesmente “fazer” parte dele. Ele precisa ser estimulado a participar ativamente e é nesse momento que as mídias digitais assumem o seu papel de parceiras nessa conquista. Não se pode pensar, em qualquer que seja a mídia, como o elemento central do processo ensino-aprendizagem, mas sim como “auxiliar” desse processo. Revista Perspectiva Amazônica Existe hoje disponível uma variedade de mídias de manuseio simples, cuja utilização promove um interesse maior e aumenta a produtividade dos alunos nas salas de aula. Ano 4 N° 7 p.79-85 Data Show O uso pedagógico do data show nas salas de aula ainda provoca muitas discussões dentro da comunidade docente. O que ocorre com o data show, muitas vezes, é a subutilização dos seus recursos. Ele não deve ser utilizado somente para projetar textos e fazer a leitura destes na tela. Os editores gráficos atuais permitem a criação de slides com textos, imagens, vídeos e hiperlinks, melhorando a dinâmica das apresentações, que poderá ser aprimorada utilizando-se um apontador a laser, pois dessa forma o apresentador poderá circular mais livremente pelos espaços na sala de aula. Dependendo do conteúdo trabalhado, poderão ser utilizados filmes, imagens, músicas e até mesmo a internet, se houver uma rede wireless (sem fio) ou um modem para a conexão, aumentando o dinamismo, o interesse e a participação dos alunos nas aulas. Lousa Digital As lousas digitais chegam às salas de aula como mais uma alternativa de promover a motivação e a interação dentro delas. O professor ao utilizar esse recurso tem ao alcance, em um mesmo instante, arquivos de áudio e vídeo, a internet para acesso imediato e vários outros tipos de conteúdo que no final da aula poderão ser gravados e enviados instantaneamente, via e-mail, para o aluno. O contato com as novas tecnologias e a possibilidade de interagir com elas certamente desperta nos alunos um interesse maior pelas aulas, aumentando o seu rendimento. Podcasts Os podcasts são programas que envolvem produção, transmissão e distribuição na Internet de arquivos de áudio ou vídeo que podem ser ouvidos ou vistos em aparelhos móveis, como MP3, telefones celulares (iPhone, iPods, por exemplo) ou computadores pessoais. (MORÁN, 2009). Existem hoje no mercado softwares gratuitos e de fácil manuseio para o desenvolvimento desse tipo de mídia. Os professores poderão produzir podcasts para gravar e disponibilizar as suas aulas para os alunos acessarem quando acharem necessário e estes poderão produzir e divulgar os seus trabalhos acadêmicos exercitando a capacidade de trabalho em equipe, a organização e a criatividade. Screencasts São aplicações que permitem a gravação digital das ações feitas na tela do computador. Pode-se adicionar áudio às gravações dando origem a tutoriais que poderão ser disponibilizados como uma vídeo-aula. Existem aplicativos gratuitos e de uso muito simples disponíveis para download. Esse tipo de arquivo certamente chamará mais a atenção e promoverá um interesse maior do aluno do que as tradicionais apostilas. Tecnologia Móvel Nesse grupo de mídias estão incluídos o notebook, o celular, o iPod, os tablets, o MP3 player, o Iphone, entre outros. Eles são os elementos base do móbile learning (aprendizado móvel), um novo conceito no contexto educacional, que tem como principal característica a ubiquidade, ou seja, a possibilidade de estar disponível em qualquer lugar a qualquer momento. 84 Revista Perspectiva Amazônica Professores e alunos cada vez mais vêm fazendo uso dessas ferramentas, aumentando, dessa forma, as possibilidades de acesso e socialização de conteúdos, de estreitamento dos laços entre a comunidade acadêmica e de otimização do tempo pela abrangência do número de pessoas que recebe a informação em um único momento. Ano 4 N° 7 p.79-85 Conclusão As transformações sociais, ao longo do tempo, determinaram as mudanças nos paradigmas educacionais. Atualmente vive-se uma dessas mudanças provocada pela revolução tecnológica. Um novo perfil de educador está sendo exigido diante desse novo panorama educacional. O professor, nesse novo contexto, deve buscar uma adequação dos seus métodos pedagógicos ao perfil dessa nova geração de discentes que utilizam as mídias digitais como ferramentas de suporte para a promoção da interação e do aprendizado. Existe uma variedade de mídias digitais que, se utilizadas de forma apropriada, podem trazer resultados muito positivos no contexto da educação. A utilização de recursos tecnológicos como os de multimídia em sala de aula e a internet em atividades extraclasse que explorem a coerência e a objetividade, aumentam o interesse dos alunos e incentivam a criatividade e o senso de argumentação dos mesmos. O sucesso do processo ensino-aprendizagem, porém, não pode se restringir ao manuseio dessas ferramentas, muito menos o seu insucesso ser atribuído à sua não utilização. Deve existir, por parte dos educadores, o cuidado e o bom senso na hora da escolha da mídia adequada ao contexto de suas aulas. A finalidade deverá ser sempre a de compartilhar o conhecimento de forma dinâmica, interativa e reflexiva. Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 41ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. MORAN,José Manuel O vídeo e a TV na educação. Disponível em: http:// www.eca.usp.br/rof/moran.htm. Acesso em: [...]. ___________. Desafios da televisão e do vídeo à escola.Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran.htm. Acesso em: [...]. PERRENOUD, P. Dez novas competências para ensinar. 3 ed. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. RIBEIRO, Nuno O início da Era Digital. Disponível em: http://cibertransistor.com/2009/06/26/oinicio-da-era-digital. Acesso em: [...] RYDLEWSKI, Carlos. Computação sem fronteiras. Veja Vida Digital. Edição 2125. 12 de agosto de 2009. Disponível em: http://veja.abril.com.br/120809/computacao-sem-fronteiras-p-062.shtml. Acesso em [...]. Revista Perspectiva Amazônica Ano4 N° 7 p.XX-XX xx 85 ROMISZOWSKI, Alex. A história da evolução da educação a distância. Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a D i s t â n c i a - Vo l . 2 / N º 4 . D e s p o n í v e l e m : http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ler.php?modulo=11&texto=612. Acesso em: [...] TAVARES, Alexandre Te c n o l o g i a n a e s c o l a : p r o b l e m a o u s o l u ç ã o . D i s p o n í v e l e m : http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/artigos/tecnologia-na-escola-problemaou-solucao.php. Acesso em:[...] Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.86-96 Fauna Parasitária de Micrurus hemprichii (Jan, 1958) (Serpente: Elapidae) da Floresta Nacional do Tapajós, Belterra, Pará Pedro Henrique Salomão Ganança* Isla Carol Marialva Camargo** Hipócrates de Menezes Chalkidis*** Lincoln Lima Corrêa**** RESUMO A infestação por helmintos em serpentes ocorre através da ingestão de presas contaminadas e tipo de hábitat. O objetivo do estudo foi analisar a fauna parasitária de Micrurus hemprichii coletados na Floresta Nacional do Tapajós, Belterra, Pará. Foram analisados (n=48) espécimes, foram coletados os dados morfométricos, sexo e sítios de infecção. Os parasitas foram separados por Filos e analisados conforme a intensidade de infecção (I), abundância (A) e prevalência (P). Para a análise dos dados, foi usado os testes de Coeficiente de Correlação de Pearson, rs (intensidade de infecção) e teste de U Mann-Whitney ( diferenças de intensidade de infecção entre sexos) do programa BioEstat 5.0. A biometria de M. hemprichii apresentou comprimento médio de x=481,67±10,29 mm e peso médio de =24,94±73,42 g. O Filo Nematoda foi predominante com (I=4; A=0,17; P=4,17%) e Plathyhelminthes foi representado pela Classe Cestoda com (I=10; A=0,21; P=2.08%). A intensidade de infecção não influenciou no comprimento (n(A+B)=48; rs=0.1080; p=0.0225) e no peso (n(A+B)=48; rs=0,07; p=0.0622) da serpente. Houve diferenças significativas das intensidades dos Nematodas (Z(U)=7.8625; p<0.0001) e Cestoda (Z(U)=8.0897; p<0.0001) quando comparadas aos sexos do hospedeiro. O hábito fossorial e a dieta específica podem ter favorecido para a baixa intensidade parasitária encontrada em M. hemprichii. Palavras-chave: Flona do Tapajós, endoparasitas, hábito alimentar ABSTRACT Endoparasite infestation occurs in snakes through ingestion of contaminated prey and habitat type. The aim of the study was to analyze the parasitic fauna of Micrurus hemprichii collected in the Floresta Nacional do Tapajós, Belterra, Pará. Were analyzed (n=48) specimens were collected morphometric data, sex and infection sites. The parasites were separated and analyzed by Phylum according to the intensity of infection (I) abundantly (A) and prevalence (P). For data analysis, we used tests of Pearson Correlation Coefficient rs (infection intensity) and test of Mann-Whitney U (differences in intensity of infection between sexes) of BioEstat 5.0. Biometrics M. hemprichii showed average length x=481,67±10,29 mm and average weight =24,94±73,42 g. The Phylum Nematoda was predominant (I=4; A=0, 17; P=4, 17%) and Plathyhelminthes was represented with the class Cestoda (I=10; A=0, 21; P=2.08%). The intensity of infection did not affect the length (n (A+B) =48; rs=0.1080; p=0.0225) and weight (n (A+B) =48; rs=0, 07; p=0.0622) from serpent. There were significant differences of the intensities of nematodes (Z (U) =7.8625; p<0.0001) and Cestoda (Z (U) =8.0897; p<0.0001) when compared to the sexes of the host. The fossorial and specific diet may have favored for low parasitic intensity found in M. hemprichii. Key words: Flona Tapajos , endoparasite , feeding habits *-**Acadêmicos do Curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas. Faculdades Integradas do Tapajós (FIT). Email: [email protected] & [email protected] *** Mestre em Biociências (Zoologia) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor titular das Faculdades Integradas do Tapajós.. **** Mestre em Parasitologia-UNICAMP, Mestrado em Gestão e Cooperação Internacional-Universidade Moderna de Lisboa, reconhecido pela Universidade do Vale do Itajai-UNIVALI. Atualmente é Professor Titular II das Faculdades Integradas do Tapajós. 86 Revista Perspectiva Amazônica Introdução Ano 4 N° 7 p.86-96 Serpentes da espécie Micrurus hemprichii são encontradas na Bolívia, leste da Colômbia, Equador, Peru, Sul da Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. No Brasil é registrada para os Estados do Amazonas, Rondônia, Pará, Maranhão e provavelmente Roraima e Amapá (ABUYS, 1987; PEREZ-SANTOS & MORENO, 1988; CAMPBELL & LAMAR, 1989; HARVEY et al. 2003). Essa serpente é conhecida popularmente como coral-verdadeira. É fossorial, criptozóica e ocasionalmente terrícola, sendo encontrada tanto em ambientes florestados como em áreas antropizadas. Possui hábitos diurno e noturno e sua alimentação é considerada especialista, sendo a única espécie do gênero Micrurus que se alimenta quase que exclusivamente de onicóforos na natureza (CUNHA et al., 1978; ROZE, 1982), predando também lagartos (Leposoma), anfisbênios e serpentes (MARTINS & OLIVEIRA, 1998; BERNARDE, 2004). A região amazônica abriga uma ofídiofauna muito rica e diversificada, com aproximadamente 149 espécies descritas (ÁVILA et al., 2007). Devido aos diferentes modos de vida, forrageamento, morfologia, reprodução e interações tróficas esses animais são mais vulneráveis a infestações por parasitas (AHO, 1990). Parasitas podem afetar o crescimento do hospedeiro e podem reduzir sua capacidade de sobrevivência (RAWSON, 1977; KABATA, 1981), afetando sua morfologia, aparência externa, bem como reduzindo a fecundidade e a dieta do hospedeiro, comprometendo a dinâmica parasito-hospedeiro e podendo ocasionar a mortalidade dos hospedeiros (MARCOGLIESE, 2004), além de facilitar o aparecimento de infecções secundárias por fungos e bactérias (THATCHER, 2006). Os parasitos compõem uma diversidade de organismos que são especificamente adaptados para viver em outro organismo vivo (GOATER & GOATER, 2001). Eles são divididos em endoparasitas e ectoparasitas, dependendo da sua localização na superfície ou dentro dos seus hospedeiros (POULIM & MORAND, 2004), eles possuem adaptações que lhes permitem otimizar a vida parasitária (THATCHER, 2006). A composição da comunidade parasitária depende da interação de alguns fatores como: o ambiente (temperatura, pluviosidade e umidade); o hospedeiro (tamanho corporal, sexo, dieta, hábitat) e o número de parasitas (HAMANN et al., 2006; TAKEMOTO et al., 2004). E através dessa composição é possível conhecer melhor a ecologia, história natural, ciclo de vida e evolução tanto do parasita quanto do hospedeiro (MELLO, 2013). O impacto do parasitismo em seus hospedeiros e suas populações é significante. Parasitos podem afetar a vida dos seus hospedeiros de diversas formas, por exemplo, agindo sobre o comportamento, a fisiologia, a morfologia ou reprodução (MARCOGLIESE, 2004). A ação do parasitismo vai além de agir individualmente em seu hospedeiro ou em suas populações, indica também um importante papel na estrutura ecológica das comunidades (MARCOGLIESE, 2004). George-Nascimento (1987) propôs que os parasitas são bons indicadores de interações ecológicas persistentes, pois seu ciclo de vida envolve a relação presa predador e é adaptado aos relevantes padrões de sazonalidade. No entanto, apesar da elevada diversidade de helmintos nos vertebrados, pouco se conhece em relação à riqueza de espécies (HUGOT et al., 2001 apud MELLO, 2013), biogeografia e patologias originadas pelos parasitos. Considerando que o parasitismo constitui um dos fatores que podem interferir na estrutura de comunidades e também fornecer informações relevantes sobre o hospedeiro e o ecossistema, este estudo tem como objetivo descrever a composição de helmintos da serpente Micrurus hemprichii e determinar sua prevalência, abundância e intensidade de infecção. 87 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.86-96 88 Referencial Teórico O parasitismo é uma associação estreita de dois organismos co-evoluindo, em que um (o parasita) retira do outro (o hospedeiro) algum benefício (PLATT, 1992). De acordo com Poulim e Morand (2004), os parasitos podem ser classificados como endoparasita e ectoparasita, e passam um período significante de suas vidas associados a um hospedeiro, com os quais mantém dependência metabólica e que por serem muitas vezes ocultos, diminuem a estimativa de biodiversidade. Em répteis, a infecção por endoparasitos esta muito relacionado à dieta, tipo de hábitat e modo de forrageamento do hospedeiro (ANDERSON, 2000). Nesses animais, o trato gastrointestinal é o sistema mais comumente afetado pelo parasitismo, e os endoparasitas mais relatados, pertencem aos Filos Platelminthes, Nematelminthes e Acantocéfalas (BENSON, 1999; WILSON & CARPENTER, 1996). No Filo Platyhelminthes, destacam-se as classes Trematoda e Cestoda, como as que mais acometem serpentes. Dentre os trematódeos, os pertencentes à Classe Digenea são os mais importantes. Os digenéticos apresentam ciclo de vida complexo (heteroxênico), caracterizados por uma série de estágios, envolvendo hospedeiros invertebrados (hospedeiros intermediários) e vertebrados (hospedeiros definitivos) (TAKEMOTO et al., 2004; PAVANELLI et al., 2008). Os endoparasitas da Classe Cestoda na sua maioria apresentam ciclo de vida heteroxeno (TAKEMOTO et al., 2004; PAVANELLI et al., 2008). O modo de infecção é através da relação predador – presa, sendo os répteis hospedeiros intermediários ou paratênicos (GOATER & GOATER, 2001). Da mesma maneira, os indivíduos adultos do Filo Nematelminthes, podem viver em uma variedade de tecidos no hospedeiro definitivo, embora o intestino delgado seja o hábitat mais comum para esses parasitas. Ao contrário dos trematódeos, muitos nematoides evoluem de ciclos de vida diretos, apesar de várias ordens de nematóides terem vida complexa com ciclos com hospedeiros intermediários (GOATER & GOATER, 2001). Em geral, a ação patogênica da maioria dos parasitas varia muito de uma espécie para outra e depende de diferentes fatores como intensidade do parasitismo, órgãos afetados, grau de especificidade de hospedeiro, presença de infecções concomitantes, fatores genéticos e condições ambientais (GARCIA et al., 1993; SANTOS et al., 2002). No entanto, os principais efeitos relatados do parasitismo em serpentes são anorexia, alteração na morfologia e no comportamento, redução da sobrevivência e competitividade e nas fêmeas, redução de fecundidade (VITT & CALDWELL, 2009; MARGOGLIESE, 2004). Trabalhos relacionando o parasitismo e serpentes de ambiente natural são escassos. Há estudos enfatizando a descrição de novas espécies e novos hospedeiros, que hoje são a base de estudos recentes, como o de Yamaguti (1971); Travassos et al., (1969); Correa (1980); Thatcher (1993) são as principais revisões sobre trematódeos; Yamaguti (1961) e Vicente et al. (1993) são importantes trabalhos sobre nematódeos; e Yamaguti (1959) e Schmidt (1986), sobre cestódeos. Os principais estudos recentes sobre a composição da parasitofauna de serpentes brasileiras foram o de Rossellini (2007), que caracterizou a helmintofauna de Helicops leopardinus do Pantanal Sul - Matogrossense, além de proporcionar uma visão geral sobre a parasitofauna das serpentes brasileiras. Melo (2013), que caracterizou endo e ectoparasitas de Crotalus durissus (Linnaeus, 1785) de localidades de Minas Gerais e Siqueira et al., (2005) descreveu uma nova espécie de ascarídeo parasito de Bothrops jararaca. Não existem estudos acerca da helmintofauna da serpente Micrurus hemprichii e estudos envolvendo endoparasitas do gênero Micrurus são poucos. Revista Perspectiva Amazônica Destacam-se Silva e Barrella (2002), que descreveram a espécie Micrurus frontalis como novo hospedeiro de Haplometroides buccicola; Rossellini (2007), que citou a ocorrência de Ophiotaenia macrobothria e Almeida et al., (2007) que descreveu a ocorrência de pentastomídeos em Micrurus ibiboboca. Ano 4 N° 7 p.86-96 Materiais e Métodos Descrição da Área de Coleta A Floresta Nacional do Tapajós tem uma área estimada de 600.000 hectares, abrangendo quatro municípios: Aveiro, Belterra, Rurópolis e Placas no oeste do estado do Pará (COHENCA, 2007). Segundo a classificação de Köppen o clima é do tipo AmW (clima tropical com temperatura média do dia mais frio do ano superior a 18 °C). Tem dois períodos sazonais bem definidos, um período sazonal seco (Janeiro–Junho) e outro chuvoso (Julho–Dezembro) (ESPIRITO SANTO, 2005). Foram abertas quatro trilhas em ambientes distintos, localizadas no km 83 da BR 163 (Santarém-Cuiabá). Sendo duas áreas de baixio e duas de platô. As trilhas localizavam-se nas seguintes coordenadas: AAP: Área Alterada Platô (S=03°02'; W=054°56'); APP: Área Platô Preservado (S=03°04';W=054°58'); e duas áreas de baixios: AAB: Área Alterada Baixio (S=03°01';W=054°59'), APB: Área Preservada Baixio (S=03°03'; W=054°57') (Figura 1). A coleta ocorreu no período de dois anos de Dezembro de 2009 a Dezembro de 2011. Método de Coleta Armadilha de interceptação e queda (pitfall) (CECHIN & MARTINS, 2000) Foram instaladas nas áreas de coleta, armadilhas de interceptação e queda (pitfall). Essas armadilhas consistem em recipientes como baldes plásticos (100 L), enterrados no chão, dispostos em intervalos de 10 m ao longo de uma linha e interligados por uma cerca guia constituída de uma lona plástica de 1,60 metros de altura (HEYER et al., 1994; CECHIN & MARTINS, 2000). 89 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.86-96 Análise das Serpentes As serpentes capturadas foram mortas através de punção cardíaca com 01 ml de anestésico (Cloridrato de Lidocaína e Epinerfrina), de acordo com a resolução nº. 301 de 08 de dezembro de 2012. Os dados biométricos como CRC (comprimento rostro-cloacal), CC (comprimento da cauda) e peso, eram anotados. Em seguida, os espécimes eram fixados com formol a 10 % e conservados em álcool a 70%. A licença para a captura dos exemplares foi expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), SISBIO nº 14018-6. As serpentes foram depositadas na Coleção Herpetológica das Faculdades Integradas do Tapajós - FIT. Coleta de Parasitas Foi analisado o trato gastrointestinal de espécimes de Micrurus hemprichii (n=48). O trato digestivo foi seccionado da região oral ao intestino grosso, os parasitas foram coletados com auxilio de estereomicroscópio (Zeizz SV11). Os parasitas foram coletados e acondicionados em microtubos com álcool à 70%, devidamente identificados. Os parasitas foram identificados e separados por Filo Plathelmintes (Classes Cestoda e Trematoda) e Nemathelmintes. E de acordo com Bush et al., (1997), foi determinada a prevalência, intensidade média e abundância média parasitária. Análise Estatística Usou-se Análise de Variância com o teste estatístico ANOVA um critério para avaliar a intensidade de infecção dos grupos de parasitas com o peso e o tamanho do hospedeiro. O teste de Correlação de Pearson rs, foi utilizado para medir as diferenças de intensidade de infecção em relação ao comprimento e peso. Para medir as diferenças de intensidade de infecção com sexos dos hospedeiros usou-se o teste U Mann-Whitney. Os resultados foram tabulados por meio do Microsoft Office Excel 2007 e os cálculos estatísticos foram realizados através do Programa Bioestat 5.0 (AYRES et al., 2007). Para as estimativas de diversidade de parasitas foi calculado o índice de Simpson com o auxílio do software PAST. O índice de Simpson indica a dominância, e está voltado para a abundância da espécie mais comum do que para medir a riqueza (diversidade) das espécies. (MAGURRAN 1988). O índice de Simpson (1-D) varia de 0 (baixa diversidade) a quase 1 (alta diversidade) (KREBS,1989). 90 Revista Perspectiva Amazônica Resultados e Discussão Ano 4 N° 7 p.86-96 No presente trabalho, foram analisados 48 espécimes de Micrurus hemprichii, sendo 14 machos e 34 fêmeas. Em relação ao tamanho dos espécimes, os mesmos apresentaram comprimento médio de (x= 481,67; ±10,29 mm) e peso médio de (= 24,94; ±73,42g). De todos os indivíduos analisados, apenas 3 apresentavam parasitas em seu trato-gastrointestinal, representando 6,2% da amostras. Dos espécimes parasitados, dois estavam infectados por helmintos do Filo Nemathelmintes e um indivíduo encontrava-se parasitado pelo Filo Plathelminthes (Figura 3). Figura 3: 1 Visualização de Nemátodas (20X esterioscópio). 2 Exemplar de Nemátoda. 3 Exemplar de Cestoda (20X esterioscópio). 4 Exemplar de Cestoda (40X esterioscópio). A distribuição dos parasitas encontrados de acordo com seus respectivos hospedeiros, estão descritos no Gráfico 1. No total, foram identificados 18 espécimes de helmintos, sendo 55,6% espécimes de Cestodas e 44,4% espécimes de Nematodas, com uma média parasitária de 0,37 parasitos/serpentes. Todos os helmintos encontrados estavam no intestino dos hospedeiros (Tabela 1). Tabela 1: Prevalência, intensidade média de infecção, abundância média e parasitária e órgãos associados à infecção dos helmintos parasitas de Micrurus hemprichii procedentes da Floresta Nacional do Tapajós, Belterra, Pará. 91 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.86-96 Metazoários SI P (%) IM A Cestodas Intestino 2.08 10 0.21 Nematodas Intestino 4.16 4 0.17 Sítio de Infecção; P: Prevalência; IM: Intensidade Média; A: Abundância e AP: Abundância parasitária A intensidade de infecção não influenciou no comprimento (n(A+B) = 48; rs= 0.1080; p= 0.0225) e no peso da serpente (n(A+B) = 48; rs= 0,07; p=0.0622). A maior prevalência foi de Nematodas (P= 4.16 %), devido à maioria dos indivíduos desse grupo possuir ciclo de vida direto com transmissão pela ingestão de ovos larvados ou penetração ativa pela pele ou orifícios (ANDERSON, 2000). A alta prevalência desse grupo de parasitos não interferiu no metabolismo do animal, não havendo assim uma ação expoliativa por parte da fauna parasitária. Em relação ao sexo, os machos foram mais infectados por Nematodas (Z(U)=7.8625; n(A+B)=48; p<0.0001) e as fêmeas por Cestoda (Z(U)=8.0897; n(A+B)=48; p<0.0001). Mesmo tendo baixa intensidade de parasitismo nessas serpentes analisadas, pode-se verificar uma prevalência para os tipos de parasitos distribuídos pelo sexo. Em Prado (2003), foi constatado que a intensidade de infecção por Nematodas diminuiu a fecundidade das fêmeas da espécie de Erytrolamprus miliaris (=Liophis miliaris) no Domínio Atlântico do interior do Paraná, o que afirma que o parasitismo afeta a fecundidade do hospedeiro (MARCOGLIESE, 2004). O presente trabalho apresentou uma baixa diversidade, conforme o Índice de Simpson S (1-D) = 0,21/ Nematodas e S (1-D) = 0,18/ Cestodas. De acordo com Aho (1990), os répteis apresentam uma helmintofauna empobrecida quando comparados a outras classes de vertebrados. Segundo Rocca (1999) e Rocca & Hornero (1991) répteis herbívoros apresentam uma fauna parasitária maior e mais diversa que répteis carnívoros. A baixa diversidade de parasitas deve-se ao hábito alimentar de Micrurus hemprichii, a qual possui dieta específica, alimentando-se de vertebrados (ofiófogas), sendo a única espécie do gênero Micrurus a alimentar-se de invertebrados (Onicóforos) (CUNHA et al. 1978; ROZE, 1982; MARTINS & OLIVEIRA, 1998, BERNARDE, 2004). Almeida et al. (2007), em um estudo sobre prevalência e intensidade de infecção por pentastomídeos em duas espécies de serpentes do nordeste brasileiro, observou uma alta prevalência desses parasitas em Philodryas nattereri e uma taxa relativamente leve de infecção para Micrurus ibiboboca, com uma prevalência de 25%. O que se percebe é que nas espécies analisadas de Micrurus hemprichii a prevalência foi bem menor quando comparadas à Micrurus ibiboboca, isso provavelmente está relacionado ao fato de habitarem em diferentes áreas. Ainda segundo o autor a baixa infecção em M. ibiboboca é atribuída ao hábito fossorial e ao tipo de alimentação (vertebrados serpentiformes) (VANZOLINI et al., 1980). Conforme Aho (1990), além da alimentação, a abundância de parasitos é uma variável que pode estar relacionada ao tipo de hábitat do hospedeiro (fossorial, arbóreo, terrestre, semi-aquático e aquático) e também pela possibilidade do hospedeiro em adquirir parasitos, que por sua vez é influenciada pelas exigências fisiológicas e ecológicas de cada espécie hospedeira, especialmente à disponibilidade de hábitats com adequadas condições hídricas e de temperatura. Conclusão Os resultados do presente estudo demonstram uma taxa relativamente baixa de parasitos quando comparada com outros estudos de endoparasitas de Micrurus 92 Revista Perspectiva Amazônica ibiboboca quando comparadas com a intensidade de infecção em M. hemprichii, o que provavelmente pode ser atribuída a fatores como hábito fossorial e principalmente a dieta especializada dessa serpente. Pode-se verificar que a prevalência de Nematoda foi o dobro quando comparada com os Cestodeos. Ano 4 N° 7 p.86-96 Agradecimentos O autor principal agradece o apoio das Faculdades Integradas do Tapajós (FIT) na cessão da Bolsa de Iniciação Científica. Os autores agradecem o apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxinas (INCTTox) pelo financiamento; à Embrapa e LBA pelo apoio nas atividades de campo. Aos revisores pelas sugestões. Ao ICMBio pelas autorizações de coleta e permanência na Flona do Tapajós. Referências ABUYS A. 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Já no que tange ao desencadeamento para o agravamento dessa doença, que parte do princípio da troca de informação do meio externo com o meio interno através da pele, pelos sensores neurais, na qual estímulos são enviados para o sistema neuro-endócrino, deixando em alerta o sistema imune que manda leucócitos para os lugares onde, possivelmente, seria o lugar da lesão. Portanto, através dos achados bibliográficos, constatou-se que a pele é o principal órgão transmissor de sinais do meio exterior para o sistema nervoso central, que em um estado de stress, pode influenciar na piora do paciente psoriático. Palavras-chave: Psoríase, stress, dermatose. ABSTRACT One of the most important dermatoses and discussed in the clinical dermatological is psoriasis. This disease is due to various skin inflammations which are characterized by disordered proliferation of keratinocytes. Thus , this review article aims to analyze the influence that stress is worsening in patients with psoriasis, watching through a literature search , its physiological mechanism , trying to understand the operation of the trigger . Referring to stress, it can be said that it is a state of tension that can be pathogenic organism , which causes an internal imbalance therein, causing discomfort for these patients. Now regarding the trigger for the worsening of the disease, which assumes the exchange of information from the external to the internal environment through the skin, by neural sensors, in which stimuli are sent to the neuro-endocrine system , leaving on alert the immune system sends white blood cells to the places where they possibly would be the place of injury. Therefore, through the bibliographic findings, it was found that the skin is the main body of the transmitter signals from the outside to the central nervous system, which in a state of stress can influence the deterioration of the psoriatic patient. Key words: Psoriasis, Stress, Dermatosis *Acadêmico do Curso de Bacharel em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará-UEPA- Campus XII Santarém. [email protected]. **Mestra em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Pará-UFPA- Especialista em Genética e Biologia Molecular pelo Instituto Esperança de Ensino Superior-IESPES- e Bióloga pela UFPA. 97 Revista Perspectiva Amazônica Introdução Ano 4 N° 7 p.97-104 A psoríase caracteriza-se por ser uma doença de pele inflamatória crônica, aparecendo placas eritematoescamosas com prevalência na região dos joelhos e cotovelos e no couro cabeludo. Ela pode aparecer nos homens e nas mulheres, sendo mais comum na faixa etária dos 30 anos (SILVIA; CASTRO, 2010; PORTH; MATFIN, 2010). Vários fatores são de extrema relevância para o agravamento dessa patologia. Uma delas é o stress emocional que está intrinsicamente ligadas pela alteração na relação com as outras pessoas, que devido ao aparecimento dessas placas, elas podem sentir-se rejeitadas ou abandonadas (SILVA; SILVA 2007; AZULAY, 2008). Diante desse exposto, o stress pode prejudicar o estado de equilíbrio do organismo de maneira que este funciona em total harmonia. Quando ocorre essa “reação de alarme” o corpo em resposta, desencadeia interferências fisiológicas para tentar diminuir os sinais físicos dessas ações externas (LIPP, 2000; ZUARDI, 2009). Assim, pessoas que são acometidas com psoríase têm um agravamento mais frequente ao aparecimento dos sinais dessa doença, pois, acontece o desequilíbrio no organismo, sendo que o stress tem influência no sistema imune humano, desencadeando reações em nível de sensores neurais (SOUZA et al.2005; OLYMPIO; AMORIM; LIMA, 2012). Desse modo, a pele é um elo que comunica o meio interno com o externo e no momento em que se dá o stress, durante esse período ocorre uma transmissão nos sensores de nervos localizados na região periférica do sistema nervoso central (SNC), acometendo a aproximação do psicológico com o meio exterior (AZULAY, 1997 apud SOUZA et al. 2005;). Perante todos os acometimentos mostrados acima, este artigo teve como objetivo analisar a influência que o stress tem no agravamento em pacientes portadores de psoríase, observando através de outros estudos, o seu mecanismo fisiológico, tentando entender o funcionamento desse desencadeamento. Metodologia Este artigo de revisão é de cunho qualitativo que segundo Rodrigues (2006), se dá quando o pesquisador faz uma análise mais subjetiva sobre o seu estudo, sendo que este não pode ser quantificado, o que pode envolver questões psicológicas, comportamentos e até opiniões, ou seja, tudo o que for inerente ao ser humano. Desse modo, o presente estudo foi realizado através de uma pesquisa bibliográfica, na qual são feitos a partir de outras fontes de dados como livros, artigos publicados em periódicos, dissertações, teses, dentre outras, para que o pesquisador possa ter um embasamento teórico reforçando, assim, a sua ideia do assunto estudado (MARCONI; LAKATOS, 2011). Com isso, foi feito uma procura no banco de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) para se adquirir artigos com as palavras–chave: stress e psoríase. Realizada a busca dos dados secundários, foram verificados os estudos mais recentes e relevantes do tema proposto. Feito isso, começou a análise profunda das pesquisas científicas com leituras minuciosas, visando verificar os pontos importantes para compreensão dos mecanismos fisiológicos da patologia, com autores que abordam sobre o agravamento que o stress causa em portadores de psoríase. Concomitante a leitura desses documentos científicos, efetivou-se os fichamentos dessas obras, que constitui em destacar trechos de importância para este estudo, facilitando o entendimento do leitor para colocar em ordem as análises efetuadas, possibilitando uma melhor organização neste trabalho (MARCONI; LAKATOS, 2011). 98 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.97-104 Resultados e Discussão - Características Gerais da Psoríase Uma das dermatoses mais importantes e discutidas dentro dos aspectos clínicos é a psoríase. Esta é uma doença que atinge a pele devido às várias inflamações que são caracterizadas pela proliferação desordenada dos queratinócitos (WOLTERS, 2005 apud HOBOLD, 2012). Essas lesões eritematoescamosas aparecem devido a alguns fatores internos e externos como a influência do sistema imunológico, alterações bioquímicas e vasculares (TORRES et al. 2011 apud HOBOLD, 2012). Desse modo, estudos feitos por Arruda et al.,(2011) afirmam que essa doença não é contagiosa, mas crônica atingindo cerca de 1 a 3% de toda a população mundial, podendo atingir pessoas de todas as idades dentre eles homens e mulheres, afetando os dois sexos em uma proporção igual, de modo que a população da cor branca são mais susceptíveis a desenvolver esta patologia (ROBBINS; COTRAN, 2010). Entretanto, Araújo, Burgos e Moura (2009) apud Hobold (2012), mostram que não existe um estudo no Brasil de sua prevalência, porém a nível mundial, a psoríase pode afetar 2% da população o que pode variar entre 0,6% a 4,8% dessa população. Esta dermatose tem características peculiares, fazendo com que seja detectada ao exame clínico, sendo caracterizadas pelo aparecimento de lesões róseas ou de cor avermelhada, das quais são cobertas por escamas secas com a aparência branca que se alternam nos períodos da fase aguda quando esta melhora ou piora. As principais regiões do corpo, em que aparecem esses sintomas com mais frequência, são os joelhos, cotovelos, couro cabeludo, palmas das mãos e sola dos pés. Portanto, pelo fato dessa doença ser crônica, ela não tem cura, mas pode ser tratada (ARRUDA et al. 2011). No que tange a imunopatogênese da psoríase, Lowes (2007) apud Sanchez (2010), mostra que essa doença é complexa, envolvendo afecções do sistema imune inato que envolve os queratinócitos, as células dendríticas, os macrófagos, neutrófilos, mastócitos e células endoteliais e o sistema imunológico adquirido, abrangendo também, os linfócitos T. Desse modo, pode-se observar que as células do sistema imune inato, quando são ativadas, produzem fatores de crescimento que são as quimiocinas e as citocinas, das quais agem em cima das células do sistema imune adquirido mantendo esse sistema de reciprocidade (GUTTMAN-YASSKY; KRUEGER, 2007 apud SANCHEZ, 2010). Estudos feitos por Moreira e Souza (2008) existem vários tipos de psoríase, mas podemos destacar a vulgar, a guttata, a eritrodérmica e a pustulosa. A do tipo vulgar que de acordo com Silva e Da Silva (2007) apud Moreira e Souza (2008) é a mais comum, com lesões delimitadas que podem variar de tamanho, apresentando colorações avermelhadas, com as escamas aderentes e secas, com cor prateada ou acinzentada, tendo a sua localização na região dos joelhos, cotovelos e couro cabeludo. Já a psoríase do tipo guttata é a que atinge mais as crianças da qual, podem aparecer algumas pápulas e placas de tamanho pequeno, podendo surgir após uma infecção nasal causado por algum tipo de bactéria. No entanto, a psoríase do tipo eritrodérmica é a forma mais grave, pelo fato desta abranger praticamente todo o corpo (cerca de 90%) que caracteriza-se por possuir eritema e descamação. Nesse contexto, a psoríase do tipo pustulosa também pode ser generalizada ou localizada atacando as palmas das mãos e plantas dos pés (CUCÉ; FESTA NETO, 2001, FITZPATRICK et al.2005 apud CARVALHO et al. 2010). 99 Revista Perspectiva Amazônica Ao falar sobre o tratamento da psoríase, Carneiro (2007) relata que existem medicações tópicas, no caso dos emolientes, que agem como hidratantes para aliviar os sintomas, onde estes são empregados nos pacientes em que a doença está de forma mais leve. Nesse contexto, o autor ainda afirma que a fototerapia também pode ser utilizada como forma de tratamento, na qual é feito através da utilização de luz ultravioleta que irá causar alterações de imediato inibindo a mitose, de modo que este é feito apenas em pacientes com a forma disseminada ou grave da doença. Estes tipos de tratamentos corroboram com estudos feitos por Barros e Lopes (2002) apud Moreira e Souza (2008), no qual utilizam-se de medicações tópicas, hidratações de pele e exposições moderadas a luz solar. Ano 4 N° 7 p.97-104 Características Extrínsecas do Stress Existem fatores intrínsecos e extrínsecos que podem comprometer o estado de um paciente psoriático. Um desses fatores extrínsecos é o stress. De acordo com Lipp (2000) a palavra, stress, é de origem latina que já foi usada há muitos séculos atrás, mas que somente no ano de 1926, foi descrita pelo dr. Hans Selye como um estado de tensão do organismo que pode ser patogênico, o que causa um desequilíbrio interno no mesmo. Lipp (2003) apud Silva e Silva (2007, p. 260), também afirmam que o stress[...]é uma reação com componentes físicos, químicos, mentais e emocionais do organismo, causada pelas alterações psicofísiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que possa irritá-la, amedrontá-la, confundi-la ou fazê-la feliz. Já para Jesus (2010), o estado de stress também pode ser entendido como algo subjetivo de cada ser humano. O autor mostra que um simples ruído pode ser agradável para um, mas incômodo para outra pessoa, dependendo da situação. O corpo humano vive em constante homeostase e cada órgão interno tem o seu próprio ritmo de entrosamento, mas quando ocorre um episódio de stress, este fica em total desarmonia, fazendo com que cada um deles trabalhe mais do que o outro, suprindo a necessidade dos que pouco trabalham (LIPP, 2000). O meio social do qual o indivíduo está inserido, também pode interferir na sua vida particular, afetando o seu bem-estar e colocando em risco a sua saúde. Assim, Batista (2011, p. 30) em seus estudos afirma que “[...] o stress tem uma relação dinâmica e recíproca entre o indivíduo e o ambiente”. Corroborando com o autor citado anteriormente, Bianchi (1990), apud Batista (2011, p. 31) o stress é considerado “[...] como uma alteração no ambiente interno ou externo de tal magnitude, qualitativa ou quantitativa, que requer do organismo uma maior adaptação, promovendo a reação de defesa para manter a vida em homeostase”. Desse modo, o stress pode causar certo desconforto para as pessoas que são acometidas de psoríase, pois como relata Torrezan (1997) apud Silva e Silva (2007), quando o stress torna-se exagerado, pode comprometer as funções do sistema imune do ser humano, evidenciando ainda mais o aparecimento da doença. Com isso, pode-se perceber que o stress age como um catalisador, cooperando na baixa qualidade de vida do ser humano, fazendo com que este esteja inserido em programas de prevenção para a saúde no combate a este “mal do século”. (SILVA; MULLER, 2007). 100 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.97-104 Desencadeamentos Fisiológicos do Stress na Psoríase Partindo do princípio que a psoríase é uma doença crônica dermatológica, percebe-se que o principal órgão afetado é a pele, pois ela tem um maior contato com o meio externo, sendo uma de suas funções fazer o revestimento de todo o corpo, que facilitará a proteção do organismo, podendo também ser um componente que regula a temperatura corpórea, realizando um equilíbrio do meio interno com o externo (SOUZA et al. 2005). Nesse contexto, Azulay (1997) apud Souza et al.,(2005.p. 168), afirma que a: [...] “inter-relação pele-psiquismo é estreita desde a sua origem embrionária, pois tanto a epiderme quanto o sistema nervoso têm a sua origem no mesmo folheto embrionário, o ectoderma”. Sendo assim, existe na pele uma transmissão sensorial com seus nervos situados na região periférica do sistema nervoso central (SNC), fazendo com que haja uma aproximação do psicológico com o meio exterior. Silva e Silva (2007) corroboram com o autor citado acima, garantindo que as células que dão origem a pele, tem uma relação muito próxima com as células nervosas. Estes também afirmam que existe uma aproximação nas alterações emocionais do indivíduo que está acometido com alguma doença da derme, no qual o emocional do sujeito pode interferir no quadro clínico de algumas patologias a nível tegumentar. Essas alterações se dão por consequência do estado de atenção que o stress causa, pois este afeta todo o equilíbrio das funções do organismo devido às reações fisiológicas ocasionadas por ele, tendo em vista restabelecer os níveis de normalidade que o corpo encontrara outrora (ZUARDI, 2009). Compreende-se que a psique humana pode afetar na homeostasia corpórea, pelo fato de que os pacientes portadores de psoríase, ao perceberem a presença dessa dermatose pelo corpo, poderão sentir-se constrangidos por conta dos sinais desta doença, de maneira que eles podem adquirir um nível de stress elevado, colocando em risco a piora dessa enfermidade (STEINER; PERFEITO, 2003 apud SILVA; SILVA, 2007). Esse desequilíbrio no organismo, por causa do stress, pode ter influência no sistema imune humano, pois ela irá desencadear reações em nível de sensores neurais, o que pode acarretar o agravamento de algumas doenças da pele. Assim, a patologia se desenvolverá quando o organismo não se adapta a situação de stress (SOUZA et al. 2005; OLYMPIO; AMORIM; LIMA, 2012). Dessa forma, o autor acima ainda afirma que o desencadeamento do stress se dá, quando um estímulo do agente estressor é ativado, no qual essas informações possam ser transcritas para o sistema límbico-hitpotalâmico. Essas partículas serão repassadas para todo o organismo em forma de transmissões sensoriais, onde acontecerão vários eventos. As glândulas supra-renais e a hipófise são acionadas liberando os hormônios adrenalina e cortisol, respectivamente. Estes irão ativar órgãos como o coração e o pulmão, de maneira que as células do sistema imune receberão informações por meio de receptores e só funcionarão conforme a mensagem recebida. Essas células transmitirão dados para o sistema neuroendócrino, pelos neurotransmissores, que serão captados pelo encéfalo e produzirão mensageiros de tensão para os órgãos alvos, onde estes poderão ser mantidas ou inibidas (AZAMBUJA, 2000 apud SOUZA et al. 2005). Condizendo com o autor citado, Dias (2007), afirma que esse entendimento do stress a nível fisiológico, é de suma relevância para a compreensão de alguma mudança no tegumento humano, no que se refere a patologias da pele. Sendo assim, Jesus (2010. p. 17) mostra que “O stress psicológico afeta a patofisiologia de doenças infecciosas, inflamatórias e auto-imunes”. 101 Revista Perspectiva Amazônica No entanto, Jesus (2010) ainda afirma que existem stress do tipo agudo e crônico, na qual a primeira dura num curto período de tempo e o segundo num tempo mais prolongado, podendo ultrapassar anos. Ainda de acordo com Jesus (2010), o desencadeamento da sua resposta patofisiológica pode fazer alterações na imunobiologia da pele, na qual o stress agudo pode dar um estímulo na função imunecutânea, já o tipo crônico atua como imunossupressivo. Nesse contexto, Wiswanathan e Dhabhar (2005) apud Jesus (2010), relataram em seus estudos o quanto o sistema nervoso humano pode ter um domínio sobre todo o organismo numa situação de stress. Eles descrevem que o cérebro transmite dados de perigo por todo o organismo e através de estímulos enviados para o sistema neuroendócrino, faz deixar em alerta o sistema imune que manda leucócitos para os lugares onde, possivelmente, seria o lugar da lesão. Assim, ao realizarem seus estudos experimentais e após testarem as suas hipóteses, eles chegaram a uma conclusão, onde Ano 4 N° 7 p.97-104 [..] o stress agudo inicialmente aumenta o tráfico de todas as subpopulações de leucócitos até ao local de uma cirurgia ou ativação imune, mas apesar de não alterar a sequência de entrada (neutrófilos e macrófagos precedem os linfócitos), aumenta significativamente a magnitude de infiltração de cada subpopulação. A segunda conclusão diznos que este aumento de leucócitos induzido pelo stress é um mecanismo de resolução (o número de leucócitos decresce 72h após o implante). E finalmente os quimio-atratores derivados dos antigénios ou patogênios resultantes de lesão tecidular, seletivamente mobilizam subpopulações específicas. Estes achados revelam-nos um importante mecanismo através do qual stressores agudos alteram o curso das diferentes respostas imunes (inata vsadaptativa; precoce vstardia; aguda vscrónica) (WISWANATHAN; DHABHAR, 2005 apud JESUS, p. 18, 2010). Este achado científico foi de grande valia, pois durante as cirurgias ele pode ajudar como imunoprotetor, protegendo o organismo de alguns patógenos, mas este poderá provocar o agravamento de reações inflamatórias como a gengivite e as autoimunes, no caso a psoríase (WISWANATHAN; DHABHAR, 2005 apud JESUS, 2010). Desse modo, Jafferany (2007) apud Jesus (2010) confirma que a psoríase tem o seu agravamento ocasionado pelo stress, pelo fato deste interferir na permeabilidade da barreira da epiderme. Jesus (2010) ainda ressalta que existem estudos comprovando que substâncias interferem na deterioração do desequilíbrio dessa barreira na altura do tecido cutâneo, mas esse mecanismo ainda continua uma incógnita para os pesquisadores da área. Considerações Finais Ao analisar os estudos referentes ao agravamento da psoríase por conta do stress, primeiramente, observou-se que ela é uma doença sem distinção de sexo, cor e não se tem uma expressiva proporção em escala global, levando em consideração outras dermatoses. Outra observação feita foi sobre a psoríase vulgar como a mais comum nesses pacientes, sendo que em crianças, a mais frequente é a guttata. Pelo fato de ser crônica, ela não tem cura, mas existem tratamentos para aliviar os seus sinais e sintomas. Em relação ao stress, as pesquisas mostraram-se relevantes no que diz respeito à influência do meio externo para o desequilíbrio da homeostase no organismo humano, de maneira que cada um tem uma reação diferente em uma determinada situação estressante. Desse modo, a situação de “alarme” passa a ser um catalisador no agravamento dessas pessoas que são acometidas de psoríase. Assim, os sinais da doença passam a ser vistos com mais frequência. 102 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.97-104 Ao observar esse desencadeamento para o agravamento da psoríase, constatouse que a pele é o principal órgão transmissor de sinais para o sistema nervoso central, sendo que este, em resposta ao stress, irá ativar o sistema imune e as suas principais células de defesa irão atingir os locais em que está se instalando uma possível inflamação, acarretando na piora do estado de saúde do paciente psoriático. Levando em consideração todos os estudos aqui analisados, é importante ressaltar que ainda há poucos trabalhos abordando o tema da psoríase sendo agravada pelo stress. Outro ponto de suma relevância nesse artigo foi à interessante relação do psíquico com o meio externo, ocasionando o agravamento dessa patologia. Referências ARRUDA, C. S et al. Avanços e desafios da enfermagem na produção científica sobre Psoríase. RevBrasEnferm, Brasília 2011 jan-fev; 64(1): 168-75. 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O estudo teve por objetivo conhecer a percepção dos acadêmicos do 5° ano do curso de Bacharelado em enfermagem sobre as potencialidades e fragilidades do método (SAE), através de pesquisa qualitativa, descritiva de abordagem crítico-interpretativo, utilizando-se um questionário semiestruturado para coleta de dados. Os resultados revelaram que as potencialidades estão relacionadas ao conhecimento proporcionado ao enfermeiro para identificar as situações de saúde/doença de seu cliente; contribui para promoção, prevenção, recuperação e reabilitação na saúde do indivíduo; baseia-se em um método científico, voltado à assistência com o público e possui etapas para melhorar os serviços de enfermagem e a qualidade da vida dos pacientes. As fragilidades implicam diretamente em ausência de conhecimentos; excessos de atribuições dadas ao enfermeiro (assistência e administração); método recémintroduzido; debilidade da estrutura hospitalar e recursos humanos insuficientes, contribuindo para o fracasso de sua implantação. Conclui-se que a SAE, consiste em um método científico organizado, que capacita o enfermeiro a atuar de forma significativa, melhorando os cuidados de enfermagem e contribuindo para a qualidade na vida da população. Palavras-chave: Enfermagem, Sistematização da assistência de enfermagem e Qualidade de vida. ABSTRACT The systematization of nursing care (NCS) is regulated by law and is a private assignment nursing, taking responsibility for the implementation, planning, organizing, implementing and evaluating health services. The study aims to identify the perceptions of academics the 5th year of the Bachelor of Nursing about the strengths and weaknesses of the method (NCS) through qualitative, descriptive of critical-interpretive approach, using a semi-structured data collection. The results revealed that the potentials are related to the knowledge provided to nurses to identify situations of health / illness of his client; contributes to promotion, prevention, recovery and rehabilitation in the health of the individual, based on a scientific method, targeted assistance with the public and has steps to improve nursing services and quality of life of patients. Weaknesses involve directly in the absence of knowledge; excesses of assignments given to nurses (servicing and administration); newly introduced method; weakness of hospital infrastructure and insufficient human resources, contributing to the failure of its implementation. We conclude that the NCS is organized on a scientific method, which enables the nurse to act significantly improving nursing care and contributing to the quality of life of the population. Key words: Nursing, Systematization of nursing care and quality of life. *Acadêmico de Medicina da Universidade do Estado do Pará-Campus XII-Santarém-Pará. **Acadêmicos do curso de Bacharel em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará-Campus XII-Santarém-Pará. ***Bióloga, Enfermeira, Especialista em Saúde da Família pela Universidade do Estado do Pará. Especialista em Enfermagem em Nefrologia pelo Centro Universitário Geraldo Di Biase e Mestra em Doenças Tropicais pela Universidade Federal do Pará.5 105 Revista Perspectiva Amazônica Introdução Ano 4 N° 7 p.105-113 A Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) em ambientes hospitalares, públicos ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de enfermagem, é regulamentada pela Resolução COFEN-272/2002. Tal resolução determina que a SAE seja uma incumbência privativa do enfermeiro, cabendo-lhe a implantação, planejamento, organização, execução e avaliação de tal processo. Sendo assim, a SAE deve ser desenvolvida em todas as áreas de atuação da enfermagem para garantir a qualidade e efetividade do cuidado ao paciente/cliente. A SAE é uma forma organizada de estabelecer a atuação de enfermagem, tendo o completo domínio do campo teórico e das habilidades práticas, sendo fundamentada pelo processo de enfermagem, no qual, o enfermeiro tem a oportunidade de prestar seus cuidados de forma holística contemplando as necessidades humanas básicas de cada indivíduo. Além do mais, a elaboração da sistematização da assistência de enfermagem é um dos meios que o enfermeiro dispõe para aplicar seus conhecimentos técnico-científicos e humanos na assistência ao paciente/cliente e caracterizar sua prática profissional, colaborando na definição do seu papel, de profissão independente, frente à sociedade (TANNURE; GONÇALVES, 2008). Nunes (2009) aprofunda a discussão quando enuncia que a SAE deve ser aplicada pelo profissional da enfermagem de maneira organizada, para que este possa garantir um atendimento holístico ao paciente/cliente, de modo a identificar as suas necessidades básicas. Através da SAE é assegurada uma prática assistencial adequada e individualizada ao paciente (AMARANTE; ROSSETO; SCHNEIDER, 2009). Nesse sentido, quando refletimos sobre a qualidade da assistência à saúde, no que tange ao cuidado de enfermagem, percebemos que a SAE não se comporta apenas como um método/modelo de cuidado, mas, sobretudo como um elo entre o desenvolvimento científico e profissional de enfermagem e a qualificação do serviço de saúde. Segundo Felix, Rodrigues e Oliveira (2009), a implementação da SAE é imprescindível para diferenciação e valorização dos profissionais da enfermagem, sendo que essa sistematização, embasada cientificamente, proporciona assistência individualizada e de excelência para o paciente/cliente. Não obstante estar assegurada pela Resolução COFEN-272/2002, existem percalços que atrapalham e até inviabilizam a efetivação da SAE. Vários fatores têm dificultado a elaboração e avaliação da SAE, como sobrecarga de trabalho, pessoal insuficiente e despreparo profissional além dos fatores inerentes ao processo gerencial. O que reflete frequentemente na forma adotada pelos enfermeiros em realizar a assistência não planejada, mecanizada, repetitiva não respeitando a individualidade do paciente. Atualmente, há uma tendência mundial em se estabelecer a sistematização da assistência de enfermagem na prática profissional: o diagnóstico, as prescrições e os resultados das intervenções, proporcionando um atendimento com excelência em qualidade ao cliente submetido à assistência de enfermagem (FELIX; RODRIGUES; OLIVEIRA, 2009). Ao se refletir sobre as desvantagens da prática de enfermagem não sistematizada, percebe-se o quanto se deixa de valorizar a própria profissão colaborando para a sua estagnação. Portanto, diante de todo o contexto que envolve a SAE, tais como: teoria, importância, e as dificuldades de aplicação na prática profissional, o presente estudo tem como objetivo conhecer a percepção dos acadêmicos do 5° ano do curso de Bacharelado em enfermagem sobre as potencialidades e fragilidades da SAE. 106 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.105-113 Fundamentação Teórica A eficácia do atendimento ao paciente vem se aprimorando com o passar dos anos, principalmente, no que se refere aos cuidados da enfermagem. Nesse sentido, o cuidar dos clientes de maneira holística é indispensável, pois “a necessidade de capacitar os profissionais da Enfermagem para uma assistência sistematizada, de qualidade, tem sido objeto de preocupação, tanto de instituições formadoras quanto das entidades de classe (MALUCELLI et al. 2010, p. 230). Por isso, a SAE, se consolida como um instrumento metodológico capaz de gerar novos conhecimentos, visando à melhora do paciente/cliente. Desse modo, a SAE está composta por cinco etapas: a investigação, diagnósticos de enfermagem, planejamento dos resultados esperados, prescrição de enfermagem e a avaliação da assistência de enfermagem, tendo como “líder”, nesse processo, o enfermeiro ( S I LVA , 2 0 0 4 a p u d Z A N A R D O , Z A N A R D O ; K A E F E R , 2 0 1 1 ; TANURE;PINHEIRO, 2011). Conforme Tanure e Pinheiro (2011), o primeiro passo para a realização do processo de enfermagem é a investigação, que consiste em fazer a anamnese e exame físico do paciente, afim de que as informações, sobre o estado de saúde deste, possam ser verdadeiras para tornar o atendimento eficaz e preciso. O segundo passo são os diagnósticos de enfermagem, de maneira que a coleta dos dados feita durante a investigação possa ser analisado minunciosamente. Estes se baseiam em problemas que estão ocorrendo no momento para que possa ser prevenida uma possível piora futuramente, porém, este profissional deve ter um embasamento teórico no seu diagnóstico, visão crítica e decisiva, além de uma boa observação possibilitando-o uma ágil interpretação nos seus dados. Cabe ressaltar, que uma informação errada, nessa fase, poderá ocasionar falhas nas fases seguintes (TANURE;PINHEIRO, 2011; SILVA;OLIVEIRA, 2007). No que se refere ao segundo passo da SAE, o profissional da enfermagem que identificou os problemas, deve fazer uma listagem dos acometimentos que vão dos mais graves até os mais brandos, para que possam ser dadas prioridades aos casos de maior urgência de tratamento (TANURE;PINHEIRO, 2011). No que diz respeito à terceira fase do processo de enfermagem, isto é, o planejamento dos resultados esperados, consiste em um “[...] estabelecimento de prioridades para os problemas diagnósticos; fixação de resultados com o paciente, se possível a fim de minimizar ou evitar problemas” (ALFARO-LEFEVRE, 2005;IYER;TAPTICH;BERNOCCHILOSEY,1993 apud TANURE;PINHEIRO, 2011.p. 83). Isso se deve a sequência lógica de um tratamento sistematizado para o que o paciente/cliente, tenha uma melhora rápida e significativa da sua saúde, de maneira mais humanizada. Já a prescrição de enfermagem, que é a quarta etapa desse processo, é por em prática as ações de enfermagem para que o paciente obtenha a sua recuperação, ou seja, são intervenções necessárias para que ele chegue aos resultados esperados da sua prescrição (TANURE;PINHEIRO, 2011). A quinta e última etapa desse processo é a avaliação da assistência de enfermagem, que visa à obtenção de respostas positivas, dadas pelo paciente, sobre o tratamento do qual foi submetido, chegando ao resultado esperado pelo enfermeiro, que foram feitas através de anotações no próprio prontuário ou por uma boa observação do profissional (TANURE;PINHEIRO, 2011). Assim, é possível se ter um atendimento organizado para suprir as necessidades desse paciente, a fim de que sejam amenizadas, com rapidez, os seus problemas, tanto físico quanto psicológico. Com isso, o profissional da enfermagem deve ter um fundamento teórico para saber o que fazer e o por que fazer tal procedimento, visando o bem-estar de seus pacientes (MALUCELLI et al. 2010). 107 Revista Perspectiva Amazônica Além disso, “a prática da assistência de enfermagem vai além do modelo médico, ela é baseada e instrumentalizada por um referencial próprio, criado e construído pelos profissionais de enfermagem, o qual possibilita a união da teoria à prática” (REPPTTO;SOUZA, 2005, p. 326). Nesse contexto, esse modelo de assistência não deve ser somente o biomédico, de modo que os profissionais da enfermagem possam ter a oportunidade para colocar em pauta, novos conhecimentos para uma assistência mais humana e de qualidade. Esses conhecimentos são empregados de acordo com uma teoria de enfermagem, e dependendo da realidade, poderá ser aplicada os mecanismos profissionais necessários para um atendimento mais humanizado em seus pacientes, utilizando-se de um planejamento e de uma organização para garantir uma recuperação rápida e de qualidade (KRAUZER,2009; CUNHA;BARROS, 2005). Ano 4 N° 7 p.105-113 Metodologia A metodologia empregada foi pesquisa qualitativa, descritiva de abordagem crítico-interpretativo. Para Marconi e Lakatos (2008), a pesquisa descritiva é aquela que delineia o tema, e busca abordar também quatro aspectos: descrição, registro, análise e interpretações de fenômenos atuais, objetivando seu funcionamento no presente. Tais elementos contemplam o tipo de abordagem explícita na pesquisa, bem como sustenta seus objetivos. Amostra O universo ou população da presente pesquisa foram discentes da Universidade do Estado do Pará, Campus XII, situada na Avenida Plácido de Castro, N° 1399, bairro de Aparecida, Santarém-PA, Brasil. A amostra ou subgrupo da população estudada foram 10 alunos, na faixa etária de 20 (vinte) a 28 (vinte e oito) anos, que estivessem matriculados no quinto ano do curso de Bacharelado em Enfermagem, de qualquer gênero. Os critérios de exclusão da pesquisa foram: acadêmicos desistentes do curso ou que estivessem em estágio rural (estágio curricular em parceria com outros municípios). Protocolos utilizados Foram tomadas todas as providências necessárias, para realização da pesquisa, previstas na lei 196/96, que regulamenta a pesquisa com seres humanos, como a adoção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), procurando preservar a dignidade do público da pesquisa, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade. Além disso, ocorreu ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos; garantir que danos previsíveis serão evitados (não meleficência) e cuidar da relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio humanitária (justiça e equidade). A coleta das informações foi feita por meio da aplicação de um questionário semi-estruturado, que segundo Marconi e Lakatos (2008) é constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador. O local da aplicação do instrumento foi acessível ao sujeito da pesquisa com disponibilidade de dia e horário combinado com o pesquisado. 108 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.105-113 Análise de dados Para a análise dos dados foi utilizado o método de análise de conteúdo, que segundo as proposições de Bardin (2002) apud Goldemberg e Otutumi (2008), tratase do desvendamento de significações de diferentes tipos de discursos, dentre eles o questionário, baseando-se na inferência ou dedução, mas que, simultaneamente, respeita critérios específicos propiciadores de dados em frequência, em estruturas temáticas, entre outros. O exame das informações foi sequenciado em três polos cronológicos: pré análise: leitura flutuante do material constituinte do corpus; exploração do material: codificação e recorte dos elementos constitutivos do objeto de estudo; tratamento e interpretação: processo analítico de significação e validação dos resultados. O presente estudo se processou em três fases principais: pesquisa bibliográfica, coleta de dados e análise das informações obtidas. O levantamento bibliográfico ou pesquisa bibliográfica de acordo com Marconi e Lakatos (2011) consistiu na análise de documentos expressos em livros, teses, artigos científicos e outros; a coleta de dados foi evidenciada pela realização da aplicação do questionário e a análise de dados se processou mediante a aplicação do método científico análise de conteúdo, para a interpretação dos dados coletados. Os resultados da pesquisa são descritos, aqui, principalmente na forma de construções textuais, destacando a percepção dos acadêmicos sobre a SAE, evidenciando suas potencialidades e fragilidades. Resultados e Discussão Potencialidades As potencialidades são um conjunto de possibilidades que aguardam realizações, ou seja, o vir a ser (LOUZADA;NETO, 2010). No contexto da sistematização da assistência de enfermagem (SAE) as potencialidades dizem respeito, principalmente, aos benefícios que a sua aplicação trará para a prática assistencial. A SAE é um método científico que traz uma abordagem diferenciada, onde existe uma evolução crescente e contínua em direção a uma assistência integral ao paciente/cliente (CUNHA;BARROS, 2005). Além do mais, na tentativa de conceituar o cuidado, devemos considerar, entre outras coisas, como afirma Silva, Porto e Figueiredo (2008), que ele é parte integrante da vida humana, e que nenhuma vida pode subsistir sem ele, reforçando a importância do cuidado diferenciado inerente a SAE. Quanto à análise das potencialidades, os depoimentos revelaram que a SAE “Permite, ao enfermeiro, identificar as situações de saúde/doença de seu cliente; contribui para a promoção, prevenção, recuperação e reabilitação na saúde do indivíduo, consistindo em um modo organizado de trabalho, voltado à assistência com o público e possuindo etapas para melhorar os serviços de enfermagem e a qualidade da vida dos pacientes”. Tais enunciados se complementam nos estudos de Bitta, Pereira e Lemos (2006) que a caracterizam como modelo metodológico ideal para o enfermeiro aplicar seus conhecimentos técnico-científicos na prática assistencial, favorecendo o cuidado e a organização das condições necessárias para que ele seja realizado. Por esse prisma, a SAE pode ser interpretada como determinante no processo saúde doença, dando suporte, tanto ao profissional de enfermagem no exercício do cuidado, quanto para o paciente, que recebe um atendimento diferenciado. “A SAE contribui para a qualidade da assistência prestada ao paciente, porque permite uma visão completa (holística) da situação do paciente, não apenas a patologia, mas todo 109 aspecto emocional e social, capacitando os enfermeiros e humanizando a assistência”. A SAE é regulamentada através da Resolução COFEN-272/2002 sendo responsabilidade do enfermeiro aplicá-la em todos os níveis da assistência à saúde e, segundo os acadêmicos “é importante a sua aplicação em todos os setores hospitalares e ambulatoriais, sendo um caminho ao progresso da assistência de enfermagem e a finalidade da formação do enfermeiro, que é cuidar de quem precisa de cuidado especializado a SAE é um processo investigativo e científico”. Para os acadêmicos, outra potencialidade que a aplicação da SAE traria para a prática profissional é a que ela “estimula o enfermeiro a conhecer uma diversidade de patologias e a planejar os possíveis cuidados, permite resolver problemas relacionados à assistência, contribui para planejamento da assistência, permite ao enfermeiro conhecer seu tino de observação, investigar necessidades humanas básicas afetadas, não só a doença e planejar cuidados que reduzirão o tempo de internação, pois evitam problemas relacionados à falta de assistência”. Para Bitta, Pereira e Lemos (2006) trata-se de uma abordagem deliberativa de solução de problemas, que exige habilidades cognitivas, técnicas e interpessoais, e estando direcionada para a satisfação das necessidades do cliente e da família. Além disso, foi destacado que a SAE aumenta a criticidade do profissional, permite que o profissional ou o acadêmico tenha uma compreensão mais clara dos problemas apresentados pelo cliente, demonstra que a enfermagem é uma peça fundamental na equipe multiprofissional e permite o fortalecimento da classe de enfermeiros. Estes relatos reforçam mais uma vez, a importância da aplicação da SAE e seus benefícios, tanto para o paciente que terá um atendimento diferenciado, quanto para o profissional enfermeiro que se fortalecerá tanto na teoria, quanto na prática, permitindo realizar um atendimento de qualidade nos serviços de saúde, culminando com a melhora de vida da população. Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.105-113 Fragilidades As fragilidades são entendidas como um conjunto de fatores que impedem ou retardam a realização de algo. Ao se refletir sobre as desvantagens da prática de enfermagem não sistematizada, percebe-se o quanto se deixa de valorizar a própria profissão colaborando para sua estagnação, comprometendo o desenvolvimento da ciência do cuidar, a enfermagem, como ressalta Felix, Rodrigues e Oliveira (2009). Atualmente muitos são os profissionais de enfermagem que não sistematizam sua assistência, deixando assim de oferecer um plano de cuidados individualizados e integral que vise o bem estar do cliente e que atenda suas necessidades básicas (VASCONCELOS et al., 2009). Nesse sentido, relatos como: “a ausência de conhecimentos, excesso de atribuições dadas ao enfermeiro (assistência e administração), modo de assistência recente para os profissionais, debilidade da estrutura hospitalar, falta de apoio dos demais enfermeiros, poucos enfermeiros para muitos pacientes”, foram percebidos como fragilidade que se correlacionam, impedindo ou dificultando a aplicação na prática profissional da sistematização da assistência (SAE). Outras fragilidades na aplicação da SAE, na visão dos acadêmicos, envolvem o ambiente de trabalho que dificulta a aplicação da SAE pela grande demanda de pacientes a serem atendidos, os enfermeiros se prendem mais à administração do hospital, a falta na grade curricular de disciplinas que ensinem o desenvolvimento da SAE , professores qualificados e falta de apoio das instituições hospitalares para a aplicação da SAE. Tais evidências, encontradas nos relatos, corroboram com o estudo de Boaventura (2006) no qual ele afirma que a SAE tem encontrado obstáculos para a 110 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.105-113 sua efetiva operacionalização na prática diária do profissional alegando as mais diversas razões, dentre elas a falta de conhecimento e prática na realização da SAE exigindo do profissional mais tempo para desenvolvê-la, tempo esse consumido pela sobrecarga de trabalho e número insuficiente de profissionais na unidade de trabalho. Hermida e Araújo (2006) fazem uma revisão sistemática dos fatores contribuintes para a implementação da SAE e elencam diversos itens como: reconhecimento da realidade institucional; sensibilizar toda a equipe de enfermagem para a implantação da SAE; definir a missão, filosofia e objetivos do Serviço de Enfermagem da instituição; preparo intelectual (teórico) da equipe de enfermagem; elaboração dos instrumentos do Processo de Enfermagem e preparo prático para a implementação da SAE. Se tais fatores, considerados imprescindíveis, não se fizerem presentes dentro de uma instituição de saúde em que se almeje a SAE, todo o arcabouço discutido e evidenciado nas potencialidades fica inutilizado na prática do cuidado de enfermagem. Conclusão Verificar as potencialidades e fragilidades da sistematização da assistência de enfermagem (SAE) permeou as análises dos questionários, com objetivo de conhecer a percepção dos acadêmicos concluintes do curso de enfermagem quanto ao tema proposto. Portanto, concluímos que a SAE consiste em um método organizado para melhorar os serviços de enfermagem, contribuindo para a qualidade na vida dos pacientes, já que permite investigar necessidades humanas básicas afetadas com uma visão holística da situação de saúde/doença do mesmo. Com isso, a SAE mostra-se como finalidade da formação do enfermeiro, demonstrando que a enfermagem é uma peça fundamental na equipe multiprofissional, representando assim, as potencialidades para que a SAE seja aplicada nos diversos serviços de saúde. São colocados pelos acadêmicos como fragilidades para a implementação da SAE, a falta de preparo e corporativismo dos profissionais, somado ao excesso de atribuições dadas aos enfermeiros e o pequeno número destes para o atendimento de muitos pacientes, além da ausência de apoio por parte das instituições que prestam serviços de saúde. Os resultados esperados foram alcançados, confirmando que a SAE (na percepção dos acadêmicos) possibilita melhor atendimento ao paciente, melhorando a qualidade da assistência de enfermagem e que certas dificuldades de entendimento, conhecimento e confiança sobre a SAE, contribuem para a não aplicação desta. Por fim, para que ocorra sistematização da assistência de enfermagem é fundamental a capacitação dos enfermeiros, tanto na grade curricular, quanto na prática profissional, o que proporciona conhecimentos científicos e metodológicos para a aplicação da SAE. É necessário também o dimensionamento e engajamento da equipe profissional de enfermagem, para dinamizar os serviços de saúde e, apoio das instituições de saúde, que, passam a evitar gastos adicionais com materiais e tempo de internação em consequência do déficit da assistência de enfermagem. Pesquisas, no sentido de investigar os problemas e potencialidades da SAE, contribuem para fortalecer seu embasamento teórico e possibilitam discussões e reflexões que podem contribuir para a melhoria da qualidade da assistência prestada. Referências AMARANTE, L. N.; ROSSETO, A. P.; SCHNEIDER, D. G. Sistematização da Assistência de Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva sustentada pela teoria de Wanda Horta. 2009. Disponível em: 111 h t t p s : / / w w w. s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r r t e x t & p i d = s 0 0 8 0 62342009000100007 Acesso: 17 de Novembro de 2010. BITTA, D. B.; PREREIRA, L. V.; LEMOS, R. C. A. Sistematização da assistência de enfermagem ao paciente crítico: proposta de instrumento de coleta de dados. Revista Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, 2006 Out-Dez; 15(4): 617-28 Revista Perspectiva Amazônica Ano 4 N° 7 p.105-113 BOAVENTURA, A. P. 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A revista “Perspectiva Amazônica” publicará artigos originais, artigos de revisão, resenhas, relatos de caso e ensaios, desenvolvidos por pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa, que tenham caráter científico, sejam inéditos e versem sobre qualquer área do conhecimento e preferencialmente que possuam alguma relação com a realidade Amazônica. Artigo científico “é parte de uma publicação com autoria declarada, que apresenta e discute ideias, métodos, técnicas, processos e resultados nas diversas áreas do conhecimento” (ABNT. NBR 6022, 2003, p. 2). Os artigos originais apresentam temas ou abordagens inéditas, ao passo que os artigos de revisão analisam e discutem trabalhos já publicados sobre um determinado tema. Resenhas são revisões críticas de livros e de publicações científicas ou de interesse científico, nacionais ou estrangeiros. Uma resenha deve resumir, analisar, comparar e opinar sobre a obra em questão, constituindo portanto contribuição teórica ou científica ao campo. Relatos de caso são relatos de experiências vivenciadas adaptadas ao uso didático. Os relatos devem analisar a situação em exame e propor questões para reflexão, contextualizando o caso dentro da área do conhecimento e suas implicações nesta área. Ensaios são opiniões aprofundadas obtidas através da análise de um assunto. São exposições objetivas, lógicas, críticas e originais sobre determinado tema, pelo qual o autor pode transmitir informações e ideias. 2. Os trabalhos serão submetidos ao Conselho Editorial da revista que os encaminhará a dois Avaliadores conforme área de conhecimento e disponibilidade, para que emitam o parecer favorável ou desfavorável à publicação do artigo. O(s) avaliador(es), ao apreciar(em) o trabalho, não terá(ão) conhecimento de sua autoria. 3. O encaminhamento do manuscrito deverá ser acompanhado de carta assinada por todos os autores, reafirmando que o material não foi publicado e nem está sendo submetido a outro periódico. 4. Ao enviar o trabalho para análise o(s) autor(es) concorda(m) com todos os termos das normas de publicação e abre(m) mão de qualquer ação com relação a estes. As Faculdades Integradas do Tapajós, o Conselho Editorial e os Avaliadores da Revista “PERSPECTIVA AMAZÔNICA” não se responsabilizam, nem de forma individual nem de forma solidária, pelas opiniões, ideias e conceitos emitidos nos textos, que são de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es). 5. As pesquisas que envolvam seres humanos ou animais devem apresentar na metodologia que os experimentos foram realizados em conformidade com a legislação vigente sobre o assunto adotada no país, de preferência com prévia aprovação do Comitê de Ética correspondente. 6. Os Avaliadores podem aceitar ou não os trabalhos submetidos e, eventualmente, sugerir modificações ao(s) autor(es), a fim de adequar os textos à publicação. Nesse sentido, só serão publicados os trabalhos que recebam parecer favorável, e que tenham sido ajustados conforme indicação dos avaliadores. 7. Os trabalhos não aceitos para publicação ficarão à disposição do autor até três meses após a comunicação do resultado. 8. Os autores terão direito a dois exemplares da revista na qual seu trabalho foi publicado. 9. Os trabalhos serão aceitos em fluxo contínuo e caso aprovados publicados conforme a edição semestral. NORMAS PARA PUBLICAÇÃO GERAIS 114 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 115 ESPECÍFICAS Na primeira página do arquivo deverá constar: a) título e subtítulo (se houver); b) autoria: nome completo do(s) autor(es) na forma direta, acompanhados de um breve currículo que o(s) qualifique na área do artigo; c) órgão financiador (se houver); d) resumo e abstract (máximo de 200 palavras); e) palavras-chave (no mínimo três); 2. O corpo do texto dos artigos originais deve apresentar, sempre que possível, a seguinte estrutura: a) introdução; b) fundamentação teórica; c) metodologia ou material e métodos; d) resultados; e) discussão; f) conclusões; h) referências. 3. Nos artigos de revisão, resenhas, relatos de caso e ensaios não será exigida a estrutura comum aos artigos originais. 4. As referências devem ser apresentadas conforme norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), em ordem alfabética, com entrada pelo último sobrenome do (s) autor (es). Quando houver mais de um trabalho do mesmo autor citado, deve-se seguir a ordem cronológica das publicações. 5. As figuras e tabelas devem ser sempre em preto e branco, apresentadas em folha separada do texto e com numeração específica para cada categoria, acompanhadas das legendas, créditos e fonte. As tabelas e figuras devem ser executadas no mesmo programa usado na elaboração do texto. 6. As características técnicas dos trabalhos devem ser as seguintes: a. Editor de texto: Word 97 ou superior b. Fonte: Times New Roman, 12 c. Espaçamento: 1,5 linhas d. Papel: A4 e. Alinhamento: Justificado f. Margens: Superior: 3cm, Inferior: 3cm, Esquerda: 2cm, Direita: 2cm g. Extensão: De 08 a 20 páginas, incluindo a primeira página (título, autor, abstract, conforme item 1.) 7. Os trabalhos deverão ser enviados em arquivo MS WORD para os e-mails [email protected] e [email protected] , acompanhados dos demais documentos exigidos, que deverão ser encaminhados em arquivo “PDF”. Revista “PERSPECTIVA AMAZÔNICA” Faculdades Integradas do Tapajós Coordenação de Pesquisa e TCC Rua Rosa Vermelha, 335 – Aeroporto Velho 68010-200 Santarém – Pará – Brasil e-mail: [email protected]