Línguas ferinas: um estudo sobre a polêmica e os
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Línguas ferinas: um estudo sobre a polêmica e os
LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Chanceler: Dom Dadeus Grings Reitor: Joaquim Clotet Vice-Reitor: Evilázio Teixeira Conselho Editorial: Antônio Carlos Hohlfeldt Elaine Turk Faria Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jaderson Costa da Costa Jane Rita Caetano da Silveira Jerônimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente) José Antônio Poli de Figueiredo Jussara Maria Rosa Mendes Lauro Kopper Filho Maria Eunice Moreira Maria Lúcia Tiellet Nunes Marília Costa Morosini Ney Laert Vilar Calazans René Ernaini Gertz Ricardo Timm de Souza Ruth Maria Chittó Gauer EDIPUCRS: Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-chefe JACQUES A. WAINBERG LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Porto Alegre 2010 © EDIPUCRS, 2010 Capa: Deborah Cattani Diagramação: Deborah Cattani Revisão: Rafael Saraiva Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) W141l Wainberg, Jacques A. Línguas ferinas : um estudo sobre a polêmica e os polemistas [recurso eletrônico] / Jacques A. Wainberg. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2010. Modo de Acesso: World Wide Web: <http://www.pucrs.br/orgaos/edipucrs/> ISBN: 978-85-7430-945-3 (on-line) 1. Linguística. 2. Retórica. 3. Oratória. 4. Análise do Discurso. I. Wainberg, Jacques A. III. Título. CDD 418.2 Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33 Caixa Postal 1429 90619-900 Porto Alegre, RS - BRASIL Fone/Fax: (51) 3320-3711 E-mail: [email protected] http://www.edipucrs.com.br JACQUES A. WAINBERG Doutor em Comunicação. Professor Titular dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. Pesquisador CNPq. Esta obra expande o artigo Polemista, o Personagem Esquecido do Jornalismo publicado em coautoria com Jorge Campos e Edelberto Behs na Revista Brasileira Comunicação, v. XXV, n.1, janeiro/junho de 2002, p. 47- 68. de Este livro é uma homenagem à minha esposa Helen e a todos que como ela são capazes de conviver amorosamente com espíritos inquietos. Talvez, algum dia, uma longa história terá que ser escrita sobre a polêmica, a polêmica como uma figura parasita na discussão e um obstáculo à busca da verdade. MICHEL FOUCAULT SUMÁRIO _______________________________________________________________________________________ Apresentação ........................................................................................ 9 As Controvérsias e os Tipos de Discurso ................................................. 14 As Estratégias Retóricas e a Etiqueta Linguística ...................................... 21 O Clima Psicossocial e as Emoções ........................................................ 29 Os Elementos da Erística: o ceticismo, a ironia e o humor ........................ 35 A Vigilância e a Punição à Dissidência .................................................... 44 O Papel Social, Cognitivo e Emocional dos Dilemas .................................. 49 O Debate e a Mídia .............................................................................. 54 A Natureza da Polêmica ........................................................................ 60 O Papel Marginal do Polemista .............................................................. 69 O Intelectual: entre a Fé e a Descrença .................................................. 80 O Refúgio Universitário ........................................................................ 95 As Ideias Perigosas e o Pensamento .................................................... 105 A Cantoria dos Sabiás e dos Rouxinóis nos Pampas ............................... 110 Conclusão e Discussão ....................................................................... 119 Anexos ............................................................................................. 124 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS APRESENTAÇÃO _______________________________________________________________________________________ Incomodados, os intelectuais ou pegam em armas ou escrevem livros. Em geral, escrevem livros. Como os dragões, cospem fogo. As palavras incandescentes os aliviam. O efeito é catártico. Por bom senso e gosto pela sobrevivência eles preferem a guerra das ideias às balas perdidas. Como pregadores, escolhem o púlpito à trincheira. No entanto, o objetivo de ambas as guerras, a retórica e a dos tiroteios, é igual: vencer o inimigo a qualquer custo. Por decorrência, esses pensadores devem ser vistos como soldados de uma batalha. No fundo, dizem com algum exagero os mais cínicos, nesse tipo de confronto pouco lhes interessa a verdade. Portanto, é compreensível a natural tendência dos observadores ficarem à segura distância desses espadachins da palavra. De longe, observa-se com mais facilidade o gingar de seus corpos e o zigue-zague de seus discursos. Esse tipo de confronto tende a se alastrar “em extensão e em profundidade”. 1 Está presente em praticamente todas as áreas, inclusive na ciência, na qual o debate põe em xeque os dados coletados, a metodologia, os pressupostos teóricos do adversário, a interpretação das evidências e a teoria sugerida. As reclamações de parte a parte não cessam. Os antigos gregos denominaram esse tipo de polêmica de ”erística”. Nela a resolução das controvérsias não é feita pela lógica, pelo raciocínio e pela razão. Prepondera a emoção e o desejo de persuasão. O que os contendores querem é a vitória, mesmo que a ferro e fogo. Trata-se de uma deformação da dialética. A conversação transforma-se nesse caso numa discussão belicosa. Como propõe Schopenhauer, referindo-se às recomendações de Maquiavel ao Príncipe, se existisse no debate lealdade e boa fé, as coisas seriam diferentes. 2 Na verdade, o que está em jogo nesse tipo de enfrentamento é o desejo dos contendores em conquistar algum grau de poder e controle sobre o clima de 1 Ver os textos de Marcelo Dascal: Epistemology, Controversies and P ragmatics e How rational can a polemic across the analytic-continental 'divide' be? em www.tau. ac.il/humanities/Philo/ dascal/papers/dascal3.htm e www.tau.ac.il/humanities/Philo/dascal/papers/divide.html 2 SCHOPE NHAUE R, Arthur. Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão em 38 Estratagemas. TopBooks 2003, p.197. 9 JACQUES A. WAINBERG opinião pública. Por isso a luta retórica parece ser tão dramática. O que mais importa aos polemistas é simplesmente o desejo de superar o adversário. A boa vontade em ouvir a verdade e a humildade em admitir o equívoco num debate de ideias é tão difícil e as consequências são tão duras, que os envolvidos nas disputas fazem de tudo um pouco para postergar esse momento cruel de revelação. Nesse tipo de controvérsia predomina mais a apologia e a pregação e menos o diálogo; mais a oratória, menos a audição; mais a imposição, menos o consenso; mais a certeza do orador e menos as dúvidas da audiência; mais o carisma do polemista e menos o espírito crítico do receptor, seja ele leitor, ouvinte, espectador ou fiel seguidor. O choque entre os interlocutores pode ter trajetórias variadas. Por vezes começa como uma mera discussão. Pode evoluir a uma controvérsia culminando por fim numa disputa. Nesse caso mais grave o embate pode se eternizar por gerações. O confronto torna-se tão profundo e enredado que os pacificadores têm dificuldade em evitar que predomine a ruminação. A situação gerada lembra a de um trauma. Os fantasmas do passado não deixam os rebentos recém nascidos sossegados. Falam e sussuram aos ouvidos das novas gerações. Enorme energia é canalizada para entender e dar continuidade a essas lutas dos pais e avós. Por isso, há que se ter cuidado com a importância e a relevância que se dá por vezes à discórdia. Por ser tão intensa torna-se difícil domar aquele tipo de discurso que eterniza o mal-entendido, não deixa sossegada a imaginação, impede a inovação, e torna o culto a certa versão da história, a certo desencanto, a certo infortúnio, a certo rancor em fator decisivo na elaboração de uma identidade. Remete-o ao núcleo duro das crenças cristalizadas na cultura de um povo. Impede uma rota de fuga através da qual os jovens podem se encaminhar para construir uma vida disponível a um novo recomeço. Em determinadas circunstâncias, esse tipo de discurso evocado sem cessar em disputas de aparência épica só consegue ser superada com o esquecimento forçado, com o desinteresse que permite a sobrevivência psíquica de um indivíduo, de um grupo e dos povos. Assim, todos os que querem viver uma nova vida são obrigados matar pela heresia os seus mortos. Só assim eles próprios conseguem renascer sem os vícios de linguagem, sem os ódios 10 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS enraizados. No entanto, tal tarefa de não dialogar com a tradição e a memória é difícil. Na maior parte dos casos, impossível. Em decorrência, há um fator dramático e explosivo nesses desencontros intergeracionais em que surgem mandatos e obrigações que comprometem os mártires do amanhã. Aparentemente, esse é o poder que a palavra tem. Por isso, o exercício da fala é tão delicado que deveria ser exercido com os compromissos éticos de autorizarem sempre a vida e a paz. Mas não é o que ocorre com frequência. Os pais querem legar aos filhos uma memória. Educam e doutrinam para isso. A cultura que lhes serve de amparo funciona como um programa cujo efeito operacional é formatar desempenhos e buscar certo grau de eficiência. Mudar a programação da mente, os valores e as atitudes, é tarefa dura na qual se envolvem muitos atormentados por sua própria infelicidade, ou pelas dores que suas recordações em flashback trazem à luz. Tipos de Polêmicas: Discussão, Disputa e Controvérsia. 1. Discussão 2. Disputa 3. Controvérsia SOLUÇÃO: Trata-se de uma interlocução cujo objetivo se restringe a um problema específico. À medida que a discussão avança os debatedores reconhecem que a raiz do problema é algum erro. A discussão permite encontrar uma solução. Ela v isa remediar o equívoco. O que se quer aqui é a verdade. A oposição entre as posições é lógica, não emocional. O debatedor trata de comprovar a veracidade de seu argumento ou a falsidade da apresentada pelo opositor. Ele está disposto a admitir derrota quando defrontado com argumentos indiscutíveis. DISSOLUÇÃO: Trata-se de uma interlocução que apresenta igualmente uma divergência bem definida. Mas não há acordo sobre a existência de um determinado erro a ser superado. A diferença entre os debatedores reside em atitudes, sentimentos e/ou preferências distintas. A disputa não pode ser solucionada. No máximo, pode-se pôr fim à disputa com sua dissolução. Ela poderá retornar em novas versões em torno de outros tópicos uma vez que as diferenças persistem. O que se quer aqui é a vitória. A oposição entre as posições é ideológica. O ambiente é competitivo. O debatedor espera ser apontado como vencedor, independentemente da veracidade de seu argumento. Ele começa e termina o embate convencido de que está certo. Utiliza-se retórica inflamada. O sarcasmo dos discursos não tem piedade. Não há esperança de se vencer racionalmente o embate nem de persuadir o adversário. RESOLUÇÃO: Trata-se de uma interlocução que se posiciona entre a discussão e a disputa. Pode começar com um problema específico, mas rapidamente alcança outras questões e revela as profundas divergências de atitudes e preferências que separam os contendores 11 JACQUES A. WAINBERG sobre os métodos de se resolver o dilema. Não visa corrigir erros, o que provoca a continuidade do confronto de ideias e sua recorrência. Os debatedores acumulam argumentos capazes de aumentar o peso e a força de suas posições, visando mover a balança da razão em seu favor. Controvérsias não são nem solucionadas nem dissolv idas, mas podem ser resolvidas. Os argumentos acumulados por uma das partes podem se tornar indiscutíveis, ou, graças à controvérsia, podem surgir posições aceitáveis às duas partes. O que se quer aqui é a persuasão do adversário e/ou do público que acompanha ao vivo ou através da mídia o embate. A oposição entre as posições envolve um amplo leque de divergências quanto à interpretação dos fatos relevantes, avaliações, atitudes, objetivos e métodos. O ambiente é deliberativo. O debatedor se esforça para apresentar razões para que seu argumento aparente superioridade, muito embora elas não sejam conclusivas. Mas ele está disposto também a reconhecer a importância dos argumentos do opositor. Em suma, a controvérsia é um quase-diálogo constituído e elaborado por peças de discurso. Envolve uma ou mais de uma inconsistência entre as declarações de dois personagens que são oponentes. Nesse caso o princípio de cooperação entre eles é bloqueado e o que geralmente é deixado implícito numa conversação precisa, nesse caso, ser amplamente negociado. A controvérsia não consegue ser resolvida no nível do conteúdo, pois envolve uma dimensão existencial (a reputação do debatedor). No fundo, o que se busca é a legitimidade social e por isso mesmo toda declaração se dirige não ao oponente, mas ao público que opera qual uma audiência de um espetáculo. No campo da ciência, as controvérsias são indispensáveis para a formação, a evolução e a avaliação das teorias. A crítica pública permite o controle e o seu aperfeiçoamento. O estudo de tais embates teóricos oferece uma descrição da história e da prática da ciência. Esse é o ambiente natural em que devem viver os pesquisadores. Assim, as teorias vão se sucedendo até que se cristalizem. Mudança e inovação são autorizadas, desde que consigam vencer as resistências. Há controvérsia quando há pelos dois interlocutores que utilizam algum tipo de linguagem para se dirigir ao outro. Assim, confrontam opiniões, argumentos, teorias, etc. Há nela a dimensão lógica e afetiva do emissor e a recepção crítica pelo público ou adversário. Na controvérsia há sempre um elemento de imprevisibilidade já que se assegura ao adversário o direito de resposta. E sua reação é desconhecida. Acaba se tornando ‘um jogo estratégico’, um dá lá toma cá. Inclui documentos e referências a estudos passados dos interlocutores. Um amplo leque de fontes pertinentes ao embate é trazido à tona, visando sustentar um ponto de vista. Assim, o público é levado a navegar numa larga tradição de pensamento e saber. Fontes: Adaptado de DASCAL, Marcelo. Types of Polemics and Types of Polemcial Moves. In: C. MEJRKOVÁ, S.; H OFFMANNOVÁ, J.; MÜLLEROVÁ, O. & SVETLÁ, J. (eds.) (1998). DialoganalyseVI. Referate der 6. Arbeitstagung, Prag 1996. Beiträge zur Dialogforschung. Tübingen: Niemeyer, 2 volumes./ Sara Greco. Dascal on Interpretation and Understanding. Studies in Communication Sciences 5/1(2005) 217-230 12 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Aquela descrição da memória traumática serve para os quadros mais sérios de frustração e depressão coletiva. Sua solução passa pelo desaquecimento do embate, tornando a disputa uma controvérsia e esta por fim numa discussão. Como referido, o oposto também pode ocorrer, e com frequência acontece. É o que se vê nas fases anteriores e posteriores aos conflitos abertos, em muitos casos armados. Todas as técnicas de propaganda e incitação são utilizadas para fazer o ódio ao inimigo crescer. Há acusações e ameaças de parte a parte até que se consiga um cessar-fogo, algum tratado e acordo. Na verdade, o conflito aberto é um tipo de comunicação que todos entendem. A incapacidade de ouvir atentamente o outro marca esse período em que todos dizem alguma coisa e ninguém ouve. As variadas técnicas de resolução de conflitos foram desenvolvidas exatamente para permitir que surja um campo intermediário de interesses mútuos capaz de fazer a violência cessar. A paz é o resultado mais dramático desse processo que começa com o silenciar das línguas ferinas. Entre as técnicas usualmente utilizadas nesse esforço de desacelerar o choque e evitar o infortúnio estão as reparações e restituições, o perdão mútuo, a penitência, o julgamento e a punição, a anistia, as comissões de diálogo e verdade, a dramaterapia, o luto conjunto, a reconstrução e a convivência e o karma. 3 Também as variadas formas de negociação, mediação, arbitragem, e curas por técnicas orientais como o Ho’o Pono Pono têm oferecido exemplos de esforços bem sucedidos no alívio às crises e confrontos entre os seres humanos. 4 3 Recolhemos em nossas vidas aquilo que semeamos em nosso passado. Senão entendermos isso não escaparemos à cadeia de consequências e não saberemos o porquê dos nossos sofrimentos. Quando uma pessoa semeia desgraças, provocando dano aos demais, colherá ela própria os efeitos deste infortúnio. Essa é a lei do Karma. Ela ajusta o efeito a sua causa. 4 GALTUNG, Jonah. Pax Pacifica. Pluto Press. 2005. 13 JACQUES A. WAINBERG AS CONTROVÉRSIAS E OS TIPOS DE DISCURSO _______________________________________________________________________________________ Portanto, pode-se afirmar que esses dois personagens querem coisas distintas do mundo. De um lado, está o polemista inquieto, que visa solapar a paz que o irrita. Ele a considera inadmissível. Pretende com sua agitação provocar alguma mudança. As consequências de sua intervenção nas controvérsias naturais da vida podem ser boas, mas podem ser igualmente devastadoras. Nesse caso, sua cara metade – o pacificador – entra em cena. Seu labor é mais difícil. Construir pontes é sempre tarefa mais ingrata do que destruí-las. Demanda muito mais humildade que as ações revolucionárias para as quais sempre há candidatos disponíveis. O passo lento e não heroico da produção da paz afasta esse tipo de gente imediatista que imagina ser capaz de produzir um novo mundo desferindo um único golpe. Mesmo a imprensa não dá atenção ao pacificador. Como se sabe, ela é turbinada em boa medida pela violência humana e social. A felicidade das redações é a dor do mundo. Às vezes é difícil saber o que o enfrentamento de fato é. Possui um pouco da controvérsia, outro pouco da discussão e por vezes também elementos da disputa. Também é verdade que o discurso interageracional de tom polemista pode aparecer sob os disfarces de um discurso proferido no palco mágico de um evento e momento histórico; de uma nota de aparência despretenciosa publicada na imprensa ou num panfleto; de uma carta aberta assinada em favor de uma causa, pronunciando uma queixa e clamando por alguma solução; de uma cartatestamento de despedida, usual nos casos de morte desesperançada; em debates públicos televisionados, e das músicas de protesto em que a letra e o ritmo se combinam para evocar a emoção do público. Boa parte dessas manifestações funciona como tipos diferenciados de testamento ético que às vezes os pais deixam aos filhos e netos em sua velhice. A força de tais falas é conhecida. Esses momentos são de encantamento. O debatedor envolvido numa celeuma pública encontra as palavras certas, o slogan mágico, o público-alvo sedento por sua orientação e o contexto disponível a sua pregação. Assim, a manifestação acaba adquirindo a força de uma revelação. Consegue reunir nos parágrafos o dilema de um tempo e encaminha sua superação, ou ainda trata de 14 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS remeter ao futuro certa interpretação de um instante, de uma vida e de suas experiências. São falas estratégicas que possuem uma coloração profética, redentora, amorosa e intimista que expressam uma força comunicativa que ultrapassa as fronteiras geográficas e do tempo. É verdade também que o tom melancólico de despedida acompanha certas manifestações como são os casos das cartas dos suicidas. Desencontros amorosos, ciúme, doença avançada, remorso, raiva, vingança, vergonha, orgulho ferido, solidão, problemas financeiros, dívidas, entre outras razões são apontadas para esse tipo de situação. 5 Sendo pessoas comuns e sem projeção social essas declarações acabam não interessando à história. Mas o curioso é que mesmo não suicidas são mobilizados com frequência a deixar aos herdeiros não só bens materiais como mensagens ”espirituais” desse tipo. Gravam depoimentos, depõem com entusiasmo em projetos de história oral, organizam acervos fotográficos, e escrevem cartas, os testamentos éticos que surgiram na tradição judaica. Esse hábito continua até hoje em várias partes do mundo. A prática foi recomendada pela revista BusinessWeek e pela American Bar Association como um elemento a ser agregado aos testamentos tradicionais de repartição de bens entre herdeiros. Muitos escritórios de advocacia têm ajudado e sugerido aos clientes incorporarem nesse tipo de documento tais falas com mensagens capazes de influenciarem as decisões das futuras gerações das famílias. Usualmente, na origem, na tradição judaica, tais textos éticos eram escritos na calma da idade madura, antes ainda da morte se aproximar do indivíduo. Faziam referências a tratados e ensinamentos variados. Eram peças filosóficas destinadas ao consumo interno dos lares. O hábito se difundiu principalmente entre os judeus a partir do século XIII. No Brasil, ele é também conhecido e tem sido utilizado. A carta testamento de Mário de Andrade de 1944 é um exemplo. Ela serve como referência ao estudo de sua obra até hoje. 6 Já personagens históricos preocupados em legar também uma mensagem política e em buscar um lugar nobre nas páginas da história escrevem cartas5 Fragmentos (auto) biográficos nas mensagens de adeus de suicidas, Yonissa Marmitt Wadi /Keila Rodrigues de Souza. Em: http://www.anpuh.uepg. br/xxiiisimposio/anais/textos/YONISSA%20MA RMITT%20WADI%20E%20KEILA%20RODRIGUES%20D E%20SOUZA.pdf 6 ANDRADE, Mário. In Correspondência Mário de Andrade & Manuel B andeira. (Org.) MORAES, Marcos Antonio de. São Paulo: Editora EDUSP; IEB. 2ª Ed. – 2001 – p. 556. 15 JACQUES A. WAINBERG testamento. Elas tentam projetar ao futuro seu dizer sobre o sentido da vida social. Assim como os anciões tribais de antigamente, que falavam e contavam as histórias comunais como narrativas de encantamento e doutrinação dos jovens, essa peça de oratória tenta comprometer os seguidores de uma liderança qualquer a certos vínculos morais que dão identidade a um grupo. Ela é uma tentativa de manter vigoroso um tipo de discurso, permitindo que o orador, mesmo que do além, continue a influenciar as controvérsias dos novos tempos. Tais falas vêm disfarçadas por vezes de conversas de aparência casual. A longa entrevista que Fidel Castro deu a Ignácio Ramonet, o editor espanhol do Le Monde Diplomatique, em várias oportunidades no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2008, tem sido interpretada como um testamento político desse tipo. Já a mensagem oferecida em 20 de novembro de 1975, pelo Generalísimo de los Ejército de Tierra, Mar y Aire, Caudillo de España por la Gracia de Dios, Vencedor Invicto por Dios y por España Francisco Franco Bahamonde foi mais formal. Seu testamento político é uma breve, mas categórica declaração ao povo da Espanha. Resume sua mensagem num parágrafo grave e solene: Não esqueçam que os inimigos da Espanha e da Civilização Cristã estão alertas. Mantenham a vigilância e abram mão de todos seus interesses pessoais em nome dos interesses supremos da pátria espanhola. Não enfraqueçam na busca de alcançar a justiça social e a cultura para todas as pessoas da Espanha, e façam disso seu principal objetivo. Mantenham a unidade das terras espanholas, exaltando a rica variedade de suas regiões como fonte de força e unidade da pátria. Saddam Hussein divulgaria em 2006 uma carta de despedida similar. Um dia antes de ser ferido em combate, o herói cubano José Marti escreveu uma carta a seu amigo mexicano Manuel Mercado na qual faz revelações que são hoje consideradas seu testamento político. Muitos interpretam os discursos sobre o Estado da União proferidos pelos presidentes americanos e realizados todos os anos com imponência imperial no parlamento como uma oportunidade para que fique gravado à história seu ideário. Outro exemplo ainda é o documento escrito em 1752 por Frederico o Grande, o déspota esclarecido da Prússia entre 1740- 16 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS 1786, no qual descreve sua teoria política e refere o papel do soberano. 7 Em 29 de abril de 1945, pouco antes de se matar, Hitler deixaria o seu testamento político pronto para a posteridade. Refere sua história pessoal, culpa os judeus dos infortúnios da Alemanha, interpreta os principais fatos do período de seu governo, e se despede do povo alemão. No Brasil a Carta-testamento de Getúlio Vargas é o documento desse tipo mais famoso. Aparentemente essa declaração política de despedida foi escrita por um ghost-writer, José Soares Maciel Filho, o que leva a crer que a redação do documento não foi um ato intempestivo e inesperado. A análise de sua retórica tem dado oportunidade a todo tipo de inferência e interpretação. Diz o documento numa das passagens mais marcantes: Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo supor tando em silêncio, tudo esquecendo a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liber to para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Também o Novo Testamento acabaria eternizando epístolas. Treze foram escritas (aparentemente) por Paulo. Nove são doutrinárias com lições práticas. Três foram práticas e pastorais. Uma é fraternal. Algumas foram dirigidas a igrejas locais, outras a grupos e a pessoas. Outras ainda escritas por líderes cristãos acabaram não integrando o Novo Testamento. Os A Pedidos publicados na imprensa hoje em dia por grupos de pressão variados são outra forma muito comum de intervenção nos debates públicos e que acabam tomando por vezes 7 Frederick II, Political Testament, in Europe in Review, eds. MOSSE, George L. et al. (Chicago: Rand MacNally, 1957), p. 110-112. Reprinted in S HERMAN, Dennis, ed., Western Civilization: Sources, Images, and Interpret ations, Vol. II, (New York; McGraw-Hill, 1995) p. 41-42. 17 JACQUES A. WAINBERG um caráter histórico cuja influência se eterniza num tempo indeterminado. É o caso do panfleto Eu Acuso de Émile Zola que marcou sua posição no famoso Caso Dreyfus. A Carta da Prisão escrita por Martin Luther King em 1963 após ser preso numa manifestação contrária à segregação racial em Birmingham é outro exemplo. Com menos impacto, mas igualmente relevante ao objetivo de documentar as formas através das quais o polemista intervém nas controvérsias públicas, é a música Dear Mr. President de autoria de Pink, nome artístico de Alecia Moore e gravada pelas Indigo Girls no álbum I’m Not Dead. Trata-se de uma carta aberta ao Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Esse tipo de música de protesto desenvolveu-se amplamente no período da ditadura no Brasil. Intérpretes nacionais como Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Toquinho e Gilberto Gil entre outros marcaram época fazendo declarações políticas nesse tipo de manifestação. Tal forma de intervir na polêmica foi marcante pelo efeito que teve na cultura popular e no imaginário social brasileiro do período. O rap e o funk são as manifestações desse tipo de expressão no século XXI. Há nessas obras uma queixa e uma denúncia. Blown’In the Wind de Bob Dylan e Imagine de John Lennon protestaram contra a intervenção americana no Vietnã. Depois In a World Gone Mad dos Beastie Boys e To Washington de John Mellencamp protestaram contra a presença das tropas do país no Iraque. Além dos Testamentos Éticos, dos A Pedidos, das Cartas-Testamentos e das músicas também os discursos formais frente às multidões têm ensejado a participação marcante de personalidades na vida política e na história. Em oportunidades graves tais pronunciamentos adquirem um tom épico. Por isso, passam a fazer parte do patrimônio não só de uma nação como da humanidade. Na Grécia antiga a prática foi estabelecida no fim do século V. Nos funerais públicos dos mortos nas guerras de Atenas, os restos eram deixados três dias numa tenda. Oferendas eram oferecidas à memória dos falecidos. Depois um funeral levava cada corpo a uma das tribos. No túmulo era proferido então um discurso por um cidadão proeminente. O julgamento que acabaria condenando a morte Sócrates foi eternizado no discurso ”Apologia de Sócrates” escrito por 18 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Xenofon de Atenas. Platão escreveria igualmente em ”Apologia” relato similar. 8 Ambos visavam defender e inocentar o filósofo das acusações. O poder de uma fala desse tipo pode também ser ilustrado pelo discurso proferido por Winston Churchill. ”Sangue, Suor e Lágrimas”, as três palavras que ele emprestou do ex-presidente americano Theodore Roosevelt que as utilizou em 1897 numa manifestação ao Colégio Naval, surtiram efeito mágico em 1940. Nesse ano, o novo Primeiro-Ministro da Inglaterra, em substituição ao fracassado Neville Chamberlaim, inspiraria seus soldados e os civis do país a enfrentar os inimigos nazistas que estavam naquele momento invadindo a França. Nesse mesmo ambiente do conflito internacional, a referência ao ataque japonês a Pearl Harbor como o ”Dia da Infâmia” no discurso proferido em 8 de dezembro de 1941, pelo presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt aos seus habitantes, marcaria a história para sempre. Outros exemplos de manifestações memoráveis desse tipo não faltam. George Wallace diria em 1963, logo após ser eleito governador do Alabama, em protesto a uma lei federal que punha fim a segregação racial nas escolas do país, pronunciou o slogan que nunca mais abandonaria a sua imagem de homem público: Segregation Now, Segregation Tomorrow, Segregation Forever. Na verdade, este slogan foi incluído no seu discurso por um assessor racista e antisemita, membro da Ku Kux Klan, Asa Carter. Em Berlim, John Kennedy diria, em 26 de junho de 1963, “Ich bin ein Berliner” (Eu sou um berlinense). Aquelas palavras ficaram eternizadas e marcaram o início da fase mais dura da Guerra Fria em que os americanos declararam apoio à Alemanha Ocidental. O slogan e o discurso foram pronunciados no exato momento em que o muro erguido pelos soviéticos dividiria o país até 1989. I Have a Dream, o sonho de Martin Luther King, expresso em seu discurso a um público de 250 mil manifestantes no Lincoln Memorial, é outro exemplo desse tipo de manifestação que encontra eco no espírito de um tempo e que perdura na história como marco moral indestrutível. Salvador Allende se despediria da história e da vida num último discurso proferido em 11 de setembro de 1973 no qual procurava legar às futuras gerações sua mensagem derradeira, mas essencial. Agradece o apoio da população. Acusa o capital estrangeiro, o 8 Ver http://socrates.clarke.edu/aplg0100.htm 19 JACQUES A. WAINBERG imperialismo e os setores reacionários da sociedade chilena de fazerem o exército do país quebrar a tradição de respeitar a Constituição. Por fim, cabe referir o debate público como uma das técnicas mais usuais e poderosas de argumentação e persuasão utilizadas para perpetuar uma mensagem e uma presença no palco da história. Nele, a polêmica rapidamente aflora, se expande, toma conta da audiência que observa o confronto entre os oradores com a mesma expectativa que aguarda a derrapagem numa corrida de automóveis numa pista molhada. Exemplo da história brasileira é o embate que reuniu em 1985, Luis Carlos Prestes, o carismático líder comunista brasileiro, e seu adversário ideológico mais poderoso, Roberto Campos, à frente das câmeras de televisão. Depois, em 1988, foi a vez do sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva enfrentar Theóphilo de Azeredo Santos, representante dos banqueiros. No debate reina todo o poder da retórica. Consistência lógica e apelo à emoção da audiência combinam-se como que num petardo poderoso dirigido à mente e ao coração dos observadores. Tem uma aparência de espetáculo e os falantes na verdade interpretam papéis cênicos. Muitos parlamentares, advogados e promotores, candidatos a algum cargo de governança, falam em contextos mediados por tais regras dramatúrgicas de interpretação. Mesmo assim o conflito de ideias foge com frequência do seu controle. No campo da ciência, da cultura, da política e da religião não faltaram momentos como esse. Por exemplo, a polêmica produzida pelo físico Alan Sokal que desmoralizou a revista de estudos culturais Social Text ao remeter um artigo non-sense, mas compatível com os slogans tradicionais da publicação. Como se sabe, o mesmo foi aceito e publicado. Outro debate célebre desse tipo é o confronto realizado entre Noam Chomsky e Jean Piaget em 1975. 20 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS AS ESTRATÉGIAS RETÓRICAS E A ETIQUETA LINGUÍSTICA _______________________________________________________________________________________ Considerando essas e muitas outras evidências disponíveis um observador vê-se forçado a admitir que o conflito aflora mais facilmente entre as pessoas que a cooperação. Ele acaba bloqueando a comunicação, impedindo a ponderação desapaixonada e racional. E quanto maior for a diferença entre os interlocutores mais esforço de tolerância será exigido dos mesmos. Os atributos altruístas concentrados num único ator não são fáceis de conseguir. Nem todos nascem com esse grau de virtudes. Uma larga maioria dos indivíduos é naturalmente egocêntrica. Já as qualidades humanistas resultam do esforço que se faz para controlar essa vocação que todos têm de se sentirem o centro do mundo. Como se vê, a santidade demanda formação e treino. Outra dura constatação é que a maior parte das pessoas teme a liberdade. Sabem que o preço a pagar por ela é alto. O ceticismo com frequência gera o ostracismo, como se aprende do treino escolar. Produz eventualmente o exílio, a excomunhão e a abominação. A maior parte prefere, por isso mesmo, seguir os passos do líder e da tradição. É menos sofrível. A obediência aos dois remunera sempre com o apreço, a sensação de conforto e o acolhimento comunitário. Esse fato explica também porque as pessoas preferem em suas vidas seguir sendo crianças. Não por acaso a deusa da polêmica é Éris. Irritada por não ter sido convidada à festa de casamento de Peleus e Thetis, jogou a fruta da inimizade entre os convidados. Seu nome latino é Discórdia. Seu oposto grego é Harmonia que em Roma foi denominada Concórdia. Éris ensina que as disputas só podem ser resolvidas por combate frontal. Suas filhas são a Fadiga, a Fome e a Dor. A deusa da Discórdia foi a responsável pela Guerra de Tróia. Sempre que entra em ação produz com seus dilemas a angústia, a ansiedade, a agonia, a suspeita e a incerteza. Assim, ao contrário da lógica, a erística cultiva a dúvida e o enfrentamento incessante. Segundo Zeno, considerado o inventor da dialética, a verdade só é alcançável através da razão. Pergunta e resposta foi o método utilizado por Sócrates na sua consecução. Testa-se uma proposição visando apontar suas 21 JACQUES A. WAINBERG falhas. Aos olhos de Platão a dialética era a única forma segura de se alcançar o verdadeiro objetivo da filosofia. Ao contrário da erística, a conversação em torno de proposições (tese) e contra proposições (antítese) em busca de uma síntese deve estar (como dito) despojada de sentimentos. Por isso, o raciocínio deve estar atento à esperteza e aos jogos de linguagem. Busca identificar os objetivos dos participantes em diferentes tipos de diálogo. Depois observa a conclusão oferecida e as premissas em que o argumento está baseado. Exige de quem fala provas capazes de sustentar a veracidade da afirmativa. Busca falhas na argumentação, ora atacando suas premissas, ora oferecendo contraexemplos, identificando falácias ou ainda demonstrando que a conclusão oferecida não deriva das proposições apresentadas. As Estratégias Retóricas: a Prova, o Estratagema e o Argumento 1. Prova 2. Estratagema 22 A VERDADE ACIMA DE TUDO: Visa eliminar qualquer dúvida sobre certa proposição. Utiliza regra de inferência capaz de levar de forma explícita e reconhecível à conclusão a ser provada. A regra e a evidência devem ser aceitas e reconhecidas pelo opositor. A prova não se refere à demonstração dedutiva formal, como utilizado em lógica e matemática. Refere-se a outras formas de inferência (indutiva e presuntiva, por exemplo) capazes de afirmar a verdade de uma declaração. Não se refere também à comprovação como a obtida num experimento, numa observação, num testemunho e no senso comum. Deve ser neutro em relação às crenças e interesses dos interlocutores. A verdade deve ser fator decisivo em afirmar determinada crença. Para fazer frente às provas o interlocutor deve ser capaz de oferecer contraprovas. SEM FALA: Visa provocar no público certa reação induzindo-a a crer que certa proposição é verdadeira. Pode eventualmente fazer uso da inferência, mas não obrigatoriamente. Caso faça uso, nem a inferência nem a evidência precisam ser consideradas de antemão LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS 3. Argumento verdadeiras. Precisam acima de tudo ser efetivas. O estratagema pode envolver a farsa e a dissimulação. Não precisa ser nem explicíta nem reconhecível pela audiência desde que alcance seu efeito. Visa deixar o opositor sem argumentos, ‘sem fala’, incapaz de reação. Schopenhauer descreve o estratagema como um truque desonesto. PERSUASÃO: Visa fazer o opositor crer que certa proposição seja verdadeira. Apresenta razões para induzi-lo a ter certos desejos. O argumento não precisa estar baseado em inferência ou evidência. Apresenta proposições que o opositor possa aceitar. Leva-o a uma espécie de obrigação a acolher sua conclusão e a cooperar. Difere da prova por poder ser logicamente inválido. Exemplo do campo da política é o argumento relativo ao “efeito dominó". Logicamente ele não se sustenta. O efeito em cadeia pode ser interrompido em qualquer ponto. No entanto, no período da Guerra do Vietnã, serviu como argumento potente. Mesmo uma falácia pode ser persuasiva. Fonte: Adaptado de DASCAL, Marcelo. Types of Polemics and Types of Polemcial Moves. In: C. MEJRKOVÁ, S.; H OFFMANNOVÁ, J.; MÜLLEROVÁ, O. & SVETLÁ, J. (eds.) (1998). Dialoganalyse VI. Referate der 6. Ar beitstagung, Prag 1996. Beiträge zur Dialogforschung. Tübingen: Niemeyer, 2 volumes. Já na erística o gozo está mais na disputa que no desenlace da controvérsia. As polêmicas que se observam no dia a dia vêm geralmente cobertas pela tintura dissimuladora da lógica. Mas na verdade, o que os polemistas como intérpretes da realidade querem é simplesmente o suspiro final do oponente. Não raro, na falta de melhor alternativa repetem sem cesssar como tagarelas o mesmo argumento. Sabe-se da experiência que essa estratégia funciona. Se não fosse isso, que justificativa se teria para a publicidade e a propaganda que incessantemente martelam em nossos ouvidos o mesmo e incessante tilintar? O apelo à razão, cabe repetir, requer disciplina, capacidade de introspecção e desejo honesto de ceder à evidência. Não é o que ocorre usualmente com as pessoas, possuídas por crenças, sonhos e esperanças, e especialmente com estas envolvidas no jogo da sedução. 23 JACQUES A. WAINBERG A verdade é que a retórica desfruta hoje muito pouco da confiança que sofistas como Protágoras, Górgias e Isócrates costumavam lhe dar na Grécia antiga. Seu prestígio perdurou em graus variados nas universidades europeias até o século XVIII. Ocupava lugar de destaque ao lado da teologia, da ciência natural e moral e do estudo da lei. Por fim, sua reputação cairia em desgraça com a ascensão do positivismo e do empirismo. A retórica passou a ser vista como uso manhoso da linguagem. Um discurso que em suma é vazio e ineficiente embora eloquente e que visa simplesmente produzir efeito encantador. Abdica, pois da busca da verdade. Foi reduzida pelos sofistas a um sistema que podia ser ensinado. A ”invenção” era sua primeira parte. Tratava da descoberta de material relevante à argumentação. À organização ou arranjo cabia sua estruturação. Depois vinha a dicção, preocupada com o estilo da oratória; a memória, interessada em estratagemas que ajudassem o orador a lembrar o discurso, e por fim a apresentação que se dedicava a explorar as técnicas de discurso. Uma das causas do descrédito popular a tal tipo de prédica é a insistência com que os sofistas afirmavam que todo argumento pode ser contrariado por argumento oposto. Para eles o relevante é a maneira como ele é apresentado à audiência. O que deveria pesar é que o dito parecesse verdadeiro. Sem dúvida, os demagogos daquele tempo e do nosso aprenderam bem a lição. O que explica o interesse renovado que a temática do discurso e da hermenêutica acabaria tendo na modernidade. Nietzche, Foucault e muitos outros filósofos, pensadores e autores denunciariam a relação existente entre linguagem e poder. É o caso também de George Orwell. Em seu livro 1984 ele critica a pobreza do inglês coloquial de seu tempo. Diz que esse fato impedia o pensamento crítico e a capacidade expressiva dos indivíduos. Ou seja, a destruição das palavras acaba servindo aos propósitos dos regimes totalitários. Sugere naquela novela uma língua fictícia adequada ao reino da opressão. Entre outras medidas, ela deveria ser mais enxuta eliminando os sinônimos e os antônimos. Palavras com significados opostos seriam removidas como redundantes. O objetivo era empobrecer o vocabulário e por decorrência o próprio pensamento, pois o que não pode ser pensado não existe. No seu ensaio Politics and the English Language de 1946, escrito após lançar com sucesso A Revolução dos Bichos, e pouco antes de completar 1984, Orwell vai direto ao ponto: a 24 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS limitada amplitude do pensamento das pessoas de seu tempo acabava permitindo e autorizando a prática de uma política desonesta. Diz que há uma associação perversa entre a prosa desqualificada e a ideologia desumana. Esse tipo de denúncia fez parte de seu esforço particular de combater o comunismo. Denunciou em 1949 numa lista secreta enviada ao Ministério do Exterior inglês 38 intelectuais simpatizantes de Moscou, entre eles Charles Chaplin. Seu livro A Revolução dos Bichos receberia ajuda do IRD (Information Research Department), órgão secreto do governo inglês, para ser editado em Burma, na China e nos países árabes. Da mesma forma, ajuda foi dada à edição deste livro no formato de revista infantil (o porco maior receberia uma barba tipo Lênin e o porco Napoleão um bigode tipo Stalin). Esse é um detalhe de uma vasta batalha cultural, ideológica e de palavras desencadeada já no alvorecer da guerra fria, termo criado por Orwell e depois popularizado por Wiston Churchill num de seus veementes discursos. Como muitos outros intelectuais, Orwell participou do enfrentamento aos comunistas temendo que as nações democráticas perdessem o conflito. Três livros de Bertrand Russel (Why Communism Must Fail, What Is Freedom? e What Is Democracy) foram igualmente patrocinados pelo IRD. Da mesma forma The Democratic Revolution de Bryan Magee. Tal artifício de patrocinar autores e obras foi amplamente utilizado igualmente pelos sovéticos e pela CIA em várias partes do mundo ao longo do tempo. No pós-guerra havia grande simpatia da opinião pública e dos intelectuais aos soviéticos pelo papel que desempenharam na vitória sobre o nazismo. Preponderava nos meios escolarizados um entendimento que Orwell considerava inocente do regime comunista. A Revolução dos Bichos era panfleto contra o regime de Moscou. 9 Outra forma ainda de ressaltar a relevância que a palavra tem é destacar sua capacidade de incitar e influenciar o comportamento humano. As palavras podem mover montanhas, diz o dito popular. Podem também fazer a paz e a guerra. Ou seja, os conflitos nos quais os polemistas se envolvem geralmente são iniciados com ”palavras incendiárias”. Esse tipo de declaração quando dita em lugar público não está protegida pela Primeira Emenda da Constituição dos 9 Ver ASH, Timoth Garton. Orwell’s List. The New York Review of Book s. V.50, n.14. 25 de setembro de 2003. 25 JACQUES A. WAINBERG Estados Unidos (Chaplinsky versus New Hampshire, 1942) que define e protege a liberdade de expressão. É considerada uma agressão que visa provocar a violência. O mesmo ocorre no Canadá (seção 319 do Código Criminal), embora nesse país se enfatize o tipo de risco que o discurso poderá causar. Por exemplo, é crime advogar o genocídio e incitar e promover publicamente o ódio contra algum grupo identificável. A apologia pública (instigar, provocar e excitar por qualquer meio, inclusive a internet, ou forma) à prática de qualquer fato delituoso tipificado também é crime segundo o Código Penal do Brasil. A doutrina o qualifica como ”crime sem fronteira”. Mesmo o indivíduo que simplesmente se vangloria de algum ato desse tipo é considerado culpado. Nesse tipo de situação não é necessário que a declaração provoque qualquer resultado prático que perturbe a paz pública. Esse cuidado com a palavra explica ainda porque a Presidência do Brasil publicou em 2004, uma cartilha denominada Politicamente Correto & Direitos Humanos. Diz seu preâmbulo que todos nós – parlamentares, agentes e delegados de polícia, guardas de trânsito, jornalistas, pr ofessores, entre outros profissionais com grande influência social utilizamos palavras, expressões e anedotas, que, por serem tão populares e corriqueiras, passam por normais, mas que, na verdade, mal escondem preconceitos e discriminações contra pessoas ou grupos sociais. Muitas vezes ofendemos o “outro” por ressaltar suas diferenças de maneira francamente grosseira e, também, com eufemismos e formas condescendentes, pater nalistas. A cartilha propõe então um glossário de termos espinhosos que deveriam ser ou banidos do vocabulário dos servidores públicos do país ou referidos com cuidado, evitando conotações e eufemismos pejorativos de forma a “eximir o falante de qualquer tipo de prejuízo quanto ao entendimento daquilo que ele pretende informar.” 10 São eles: A coisa ficou preta, Africano, Aidético, Aleijado, Analfabeto, Anão, Barbeiro (para motorista inábil), Beata, Bebum, Branquelo, Bugre, Burro, Caipira, Ceguinho, Comunista, Coxo, Crioulo, De menor, Denegrir, Elemento, Está russo, Fanático, Gilete, Judiar, Macumbeiro, Mongoloide, Perneta, Samba do crioulo doido, Turco, Vadia e Xiita. 10 ROSS ONI, Roberta Justo. A Escolha Lexical do Uso da Linguagem Politicamente Correta: uma análise de acordo com a teoria das implicaturas de Grice. Dissertação de Mestrado. Fac uldade de Letras. PUCRS. 2008, p.7. 26 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS A cultura popular brasileira tem sido igualmente vigiada. Algumas expressões foram denunciadas por esse novo tipo de mentalidade que tenta purificar não só o discurso político e coloquial como o das artes. Por exemplo, letras de músicas têm sido criticadas por seu conteúdo machista. 11 Exemplos são ”Se Essa Mulher Fosse Minha” (Sinhô, 1926), ”Ai que Saudades da Amélia” (Mário Lago, 1941), ”Os Homens são uns Anjinhos” (Zeca Ivo e Custódio Mesquita, 1932), ”Mulher Indigesta” (Noel Rosa, 1932), ”Minha Namorada” (Vinicius de Moraes e Carlos Lyra, 1962), ”Silvia” (Marcelo Nova, 1983), ”Loira Burra” (Gabriel, o Pensador, 1993), ”Mesma que Seja Eu” (Roberto e Erasmo Carlos, 1982), ”Eu Gosto é de Mulher” (Ultraje a Rigor, 1987), ”Vou Contar Tintim por Tintim” (Cartola, década de 1950). O politicamente correto fez também com que a cantiga infantil ”Atirei o Pau no Gato” se tranformasse na nova versão em ”Não atire o Pau no Gato”. Palavras problemáticas em certos contextos agem que nem pólvora. Noutros, elas adormecem e hibernam. ”Como as pessoas, textos podem viver ou morrer”, diz Philip Jenkins em Does the harsh language in the Koran explain Islamic violence? Don't answer till you've taken a look inside the Bible.12 Nestes tempos de terrorismo islâmico é comum a referência ao Alcorão como um livro que comanda o martírio e o assassinato. Mas a verdade é que passagens igualmente numerosas desse tipo aparecem na Bíblia. E no passado, elas foram utilizadas como justificativas a morticínios variados. Ao que parece, seus efeitos dependem também do leitor e da forma como as ideias e os argumentos são apresentados. O fato explica o fenômeno da polissemia. Frente a um mesmo estímulo há sempre uma variedade de entendimentos e julgamentos de valor. No caso da Bíblia, por exemplo, as palavras ”guerra” e “batalha” aparecem cada uma mais de 300 vezes no texto, além de outras ações violentas como estupros e decapitações. Tudo leva a crer, portanto que a maldição ocorre quando o discurso odioso encontra a interpretação maligna na hora certa e no lugar exato para provocar o desastre. O mesmo poder-se-ia dizer de qualquer doutrina, mesmo as 11 O Sul. Porto Alegre, 4/10/2008, p.8. Texto publicado em 8 de março de 2009. P rofessor da P enn State University. É autor de The Lost History of Christianity: The Thousand-Year Golden A ge of t he Church in the Middle East, Africa, and Asia - and How It Died. O Alcorão (5.33) diz: “Aqueles que combatem a Deus e seu apóstolo (...) deve ser morto ou crucificado.” Um texto da Sura (capítulo 47) começa: “O fiel crente, quando você encontrar o infiel, corte fora sua cabeça.” Na Bíblia, nos livros de Samuel e Reis, inúmeros versíc ulos justificam a morte dos inimigos de Deus. Ver igualmente Deut. (33:42). 12 27 JACQUES A. WAINBERG ideológicas, que têm servido de justificativa e têm sido acusadas de promover e justificar a violência. Ocorre que esse desejo de imposição de uma etiqueta linguística é indi gesto aos polemistas. Usualmente, uma de suas marcas mais características é a subversão desse tipo de expressão asséptica cuja pretensão máxima é ser neutra. Críticos afirmam que o movimento PC (Politicamente Correto) é na verdade um tipo dissimulado de censura que quer em última instância limitar a liberdade de expressão. Hoje em dia parece predominar o ponto de vista de que a linguagem é de fato poderosa porque tem a capacidade de controlar o pensamento (hipótese de Whorf-Sapir). Os linguistas cognitivistas afirmam que a escolha das palavras não é inocente e tem importantes efeitos no enquadramento das ideias, da memória e no condicionamento das atitudes e das ações de uma pessoa. Denunciam, portanto, a rotulação, a estereotipia e o preconceito que vêm juntos com termos e expressões. De qualquer forma, o embate em torno do movimento PC não se encerrou. No campo da ciência, por exemplo, há uma tendência que se opõe a esse tipo de disciplina. Por exemplo, Tom Bethell divulga no Guia Politicamente Incorreto à Ciência sua voz dissidente às teorias e paradigmas científicos convencionais, como é o caso da teoria evolucionista, o aquecimento global, a AIDS e o fumo passivo. Outros inúmeros polemistas editaram guias similares em outras áreas. 13 Há inclusive um manifesto rebelde que ironiza o movimento PC (Anexo 1). 13 The Politically Incorrect Guide to American History por Thomas E. Woods ; The Politically Incorrect Guide to Islam (And the Crusades) by Robert Spencer; The Politically Incorrect Guide to Women, Sex, and Feminism by Carrie L Lukas; The Politically Incorrect Guide to Darwinism and Intelligent Design by Jonathan Wells; The Politically Incorrect Guide to E nglish and American Literature by Elizabeth Kantor; The Politically I ncorrect Guide to the Sout h (and Why It Will Rise A gain) by Clint Johnson; The Politically Incorrect Guide to Global Warming and Environmentalism by Christopher C Horner (February 2007) ISBN 1596985011;The Politically Incorrect Guide to Capitalism by Robert P. Murphy (April 2007); The Politically Incorrect Guide to the Constitution by Ke vin R.C. Gutzman; The Politically Incorrect Guide to Hunting by Frank Miniter;The Politically Incorrect Guide t o the Bible by Robert J. Hutchins on;The Politically Incorrect Guide to t he Middle East by Martin Sief; The Politically Incorrect Guide to Western Civilization by Anthony Esolen; The Politically Incorrect Guide to the Civil War by Harold William Crocker III; The Politically Inc orrect Guide to the Vietnam War by Phillip Jennings. 28 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS O CLIMA PSICOSSOCIAL E AS EMOÇÕES _______________________________________________________________________________________ Cabe salientar que por vezes a polidez reflete menos um esforço artificial para evitar um discurso ofensivo e mais uma tendência natural de certa sociedade indisposta a expressar abertamente desconforto, emoções e disposição ao embate teórico. Estudos interculturais têm feito comparações dos traços dessas “personalidades coletivas”. Uma das pioneiras contribuições a essa temática dos marcadores culturais dos povos foi a obra de E. T. Hall, The Silent Language de 1959, considerada uma das mais influentes no estabelecimento da área dos estudos interculturais. O livro chamou a atenção às distintas formas de comunicação não verbal dos grupos humanos. Referiu-se à variedade dos tipos de linguagens corporais, de organização dos espaços e dos signos paralinguísticos, entre outros fatores. Depois, em 1969, em The Hidden Dimension, este autor classificou e diferenciou as culturas humanas como Altamente Dependente de Contexto e Levemente Dependente de Contexto. No primeiro caso, os interlocutores levam em conta o não dito. É o caso de culturas tradicionais usualmente referidas como as existentes nos países árabes e mediterrâneos além do Japão, da França, da Alemanha e da Rússia entre outros. Nas Culturas Levemente Dependentes de Contexto seria o contrário, ou seja, a maior parte da informação que está sendo transmitida precisa estar na mensagem. Precisa ser explicitada. Exemplos referidos desse tipo de cultura são as existentes em países como os da Escandinávia, a Alemanha, a Suíça, a China e os Estados Unidos. Nessas culturas nacionais, o que vale é o que está escrito e afirmado às claras. Tais sociedades são contratuais e o peso dos usos e costumes é menor. As tensões políticas internacionais e as trocas comerciais mobilizam e motivam agora também os negociadores globais a levarem em consideração esas máximas dos estudos interculturais. Muitos desses levantamentos comparados entre povos, nações e grupos humanos são realizados por pesquisadores das relações internacionais, do comércio internacional e de áreas afins como o marketing e a publicidade internacional. Na verdade, predomina nesses ambientes acadêmicos e científicos o interesse aplicado pelas temáticas da 29 JACQUES A. WAINBERG cooperação, resolução de conflitos e persuasão. O que está em jogo é a capacidade desses homens e mulheres de negócios e da política levar em conta fatores subjetivos e comportamentais graves de seus interlocutores. Os autores do livro Riding the Waves of Culture, F. Trompenaars e C. Hampden-Turner, denominaram tal habilidade de “competência transcultural”, a única que, em suas opiniões, realmente importa para um administrador e/ou negociador global e que permite em última instância conciliar dilemas e/ou integrar opostos. 14 Afinal, é através do estabelecimento de alianças, dizem eles, que se produzem riquezas e “70% do fracasso de tais associações ocorre em conseqüência de causas relacionais”, como, por exemplo, a falta de confiança mútua. 15 Os autores daquela obra constituíram um banco de dados baseando-se nas informações coletadas através de um questionário aplicado a 70 mil executivos de um vasto número de organizações de países diversos. As culturas foram então classificadas considerando-se os padrões de comportamento e os valores desses respondentes. Percentual dos respondentes que afirmam não estarem dispostos a mostrar emoções em público Kuwait Argentina Brasil Inglaterra Portugal Austrália Áustria Etiópia 15 28 40 45 47 48 59 81 Fonte: F. Trompenaars e C. Hampden-Turner O mais antigo estudo comparado desse tipo foi realizado no período de 1967 a 1973, por Geert Hofstade. 16 O autor descreveu as culturas nacionais com base nos dados coletados pela IBM entre seus funcionários de 64 países. 14 Esta é a temática da obra 21Leaders for the 21st Century dos autores. Culture Club: an interview with Fons Trompenaars. Business Strategy Review, 2002, V olume 13 Issue 1, p. 31-35. 16 Professor Emérito de A ntropologia Organizacional e Administração Internacional da Universidade de Maastricht da Holanda. 15 30 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Posteriormente, esse levantamento foi expandido para 75 países, sendo replicado por outros pesquisadores. As Categorias de Hofstade: Indiv idualis mo/Colet iv is mo (em % dos respondentes) No que se refere à dimensão Individualismo, o Brasil tem escore superior à média da população latino-americana (38 contra 21). No entanto, esse levantamento considera todas as sociedades desse continente, a brasileira inclusive, coletiv ista. Ou seja, preferem assumir compromissos de longo prazo junto a seus grupos de pertinência que são coesos (como, por exemplo, a família) e ao qual estão integradas e que os protege, exigindo em troca lealdade. O termo coletiv ismo não tem aqui sentido político e não se refere ao estado. Nas sociedades indiv idualistas os laços entre os indivíduos são tênues. Nesse caso, espera-se que os indiv íduos cuidem mais de suas próprias vidas do que de suas famílias. Indiv idualismo é contrastado com coletiv ismo e diz respeito ao grau que se espera que as pessoas atuem com autonomia ao contrário do que propõe o conceito coletiv ista que espera que as pessoas atuem em organizações ou grupos. As culturas latinoamericanas apresentam os mais baixos indicadores de indiv idualismo. Estados Unidos 91, Austrália 90, Bélgica 75, Irlanda 70, Suíça 68, África do Sul 65, Áustria 55, Espanha 51, Argentina 46, Irã 41, BRASIL 38, Turquia 37, México 30, Portugal 27, Chile 23, Singapura 20, Colômbia 13, Guatemala 6. As Categorias de Hofstade: Masculinidade/Feminilidade Masculinidade diz respeito a valores como competitividade, decisão, ambição, acumulação de riqueza e bens materiais, enquanto os valores opostos, geralmente descritos como femininos, valorizam mais os relacionamentos e a qualidade de vida. Quanto mais alto o escore mais alto o grau de ”masculinidade”. O Brasil está numa posição bem intermediária entre o Feminino (valores de modéstia e fraternidade) e o Masculino (assertivo e competitivo). Japão 95, Hungria 88, Itália 70, México 69, Filipinas 64, Estados Unidos 62, Índia 56, Bélgica 54, Líbano 52, Paquistão 50, BRASIL 49, Nigéria 46, Gana 46, Irã 43, Espanha 42, Zâmbia 41, Guatemala 37, Chile 28, Dinamarca 16, Noruega 8. 31 JACQUES A. WAINBERG As Categorias de Hofstade: Intolerância à Incerteza Já o indicador de Intolerância à Incerteza mostra em que medida uma cultura programa seus membros a sentirem-se confortáveis ou desconfortáveis em situações desestruturadas, novas, desconhecidas e surpreendentes. O estudo de Hofstede mostra que o Brasil tem baixo nível de tolerância à incerteza. Para minimizar ou reduzir esse efeito é necessário a adoção de regras claras, leis, políticas, medidas de segurança, regulamentações e crença religiosa na verdade absoluta. Tais populações são mais emocionais, e motivadas por uma energia interna. O objetivo final dessa população é eliminar ou ev itar o imprev isível. O dado revela que o Brasil tem uma sociedade adversa ao risco e indisposta à mudança. Distinta, portanto, dos grupamentos que toleram outras opiniões, e que tenta regular o mínimo possível o ambiente social. Sociedades que são mais relativistas e autorizam que circulem lado a lado correntes opostas. Esse tipo de cultura tende a ser fleumática e contemplativa, não autorizando às pessoas a expressão de suas emoções em público. Reflete o grau que uma sociedade tenta enfrentar a ansiedade minimizando a incerteza. As culturas com grau elevado de intolerância à incerteza preferem as regras claras e as estruturas, e os empregados tendem permanecer mais tempo vinculados aos seus empregadores. Quanto mais alto o escore mais alta a Intolerância à Incerteza. Grécia 112, Guatemala 101, Japão 92, Argentina 86, Coréia do Sul 85, Hungria 82, BRASIL 76, Paquistão 70, Egito 68, Tailândia 64, Finlândia 59, Suíça 58, Quênia 52, Austrália 51, Nova Zelândia 49, Estados Unidos 46, Malásia 36, Dinamarca 36, Singapura 8. No Brasil o apego a formulações que dão ênfase a tais marcas subjetivas das nações é antigo. Seus cronistas e comentaristas do cotidiano têm apelado por vezes ao conceito de “mentalidade” para explicar um sem número de mazelas e qualidades dos cidadãos do país. Noutros casos, obras clássicas da sociologia, história, economia, psicologia e antropologia nacional elaboraram sobre o papel que o “imaginário social” tem tido na vida política, econômica e social do Brasil. Autores como Gregório de Matos, Mario de Andrade, Gonçalves Dias, José de Alencar, Castro Alves, Octavio Ianni, Sílvio Romero e Euclides da Cunha trataram de maneiras distintas da mesma temática da ”identidade brasileira” e dos traços do ”caráter” dos habitantes do país. Exemplos clássicos desse tipo de formulação são obras, como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, na qual se divulga a figura do ”homem cordial”; Retrato do Brasil, de Paulo Prado, ensaio no qual o autor criticava em 1928 os ufanistas e expunha as mazelas da sociedade brasileira, entre elas a exploração social, o conformismo e os desmandos; Etnias e Culturas no Brasil, obra na qual Manuel Diégues Junior elabora sobre o pacifismo brasileiro, seu espírito de liberdade e a mestiçagem. 32 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS A verdade é que o grau de violência da sociedade brasileira torna difícil defender o argumento amplamente difundido de que há um traço cordial na mentalidade brasileira. Medido por esse parâmetro a cordialidade seria característica de outros povos e culturas. Como visto nos dados apresentados nas tabelas, o que certamente existe no país é à disposição de 60% de sua população de expressar abertamente as emoções, algo incomum e inaceitável em muitas sociedades. A mentalidade brasileira é tida como mais coletivista do que a existente em muitos outros povos. Ou seja, o cidadão brasileiro dá proteção a seus compadrios e espera reciprocidade. Mas paradoxalmente os mesmos dados coletados revelam que a competição também é bem vinda no país. Aparentemente essa situação não causa desconforto moral e espiritual à população. Ela aprendeu a viver e a valorizar esse ambiente complexo. Há em sua mentalidade ainda uma leve tendência conservadora, favorável às velhas ideias e sensível às mudanças bruscas na rotina da vida. Examinando também alguns dos indicadores coletados nas duas versões da pesquisa realizadas pelo Ibope no Brasil em 1991 e 1997 para o World Values Survey é possível dizer também que entre as marcas culturais de sua população está a moderação política. Embora haja mais pessoas posicionadas na extrema direita e na extrema esquerda do que a média de uma amostra de 61 países examinada, o posicionamento político do brasileiro é de centro (com leve tendência à direita). Sua moderação é expressa igualmente na sua oposição à violência política à semelhança do que ocorre em boa parte do mundo, como indica uma média de 89 países. Tolera muito mais que uma média de 31 países a extrema esquerda, e muito mais que uma média de 33 países a extrema direita. Da mesma forma não se atormenta com raças diferentes (o que ocorre segundo os dados do WVS em grau maior com belgas, finlandeses, italianos, japoneses, noruegueses e suecos, por exemplo). 33 JACQUES A. WAINBERG Os valores do brasileiro. 1991/1997. Em % do total de respondentes. Ideias que resistiram ao tempo são geralmente melhores que as novas 1. 23,5 2. 4,7 3. 5,4 4. 5,1 5. 14,8 6. 5,8 7. 6,4 8. 9,1 9. 5,0 Competição é algo bom e positivo Devemos ser cautelosos sobre mudanças bruscas em nossas vidas Preocupo-me com as dificuldades que as mudanças podem causar 41,9 8,8 8,7 9,4 10,6 3,2 3,2 3,4 2,4 40,3 6,5 6,7 7,3 12,6 4,0 4,6 5,2 2,3 Novas ideias são geralmente melhores que as velhas Competição é algo prejudicial Devemos ser corajosos na busca de realizações 20,1 Total/Base: 2868 Média: 5,42 8,5 2839 3,51 10,4 2875 3,88 18,2 3,7 3,8 4,2 10,0 5,0 6,7 11,6 7,7 Dou boas-vindas à possibilidade de que algo novo possa começar 29,1 1730 6,34 Autoposicionamen to numa escala política Esquerda 11,5 3,9 7,3 6,3 28,7 7,8 6,7 7,2 3,4 Direita 17,4 2501 5,65 Fonte: World Values Survey (WVS) Em suma, o que estes dados querem salientar é a necessidade de se definir o clima psicossocial de determinada sociedade. Em algumas há clara propensão à controvérsia (exemplo é a sociedade israelense). Noutras a tendência é ao consenso (o exemplo é a sociedade japonesa). Nesse último caso, a polidez social não só previne a confrontação aberta, mas também esconde a polêmica. 34 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS OS ELEMENTOS DA ERÍSTICA: O CETICISMO, A IRONIA E O HUMOR _______________________________________________________________________________________ É possível ressaltar ainda que o polemista com frequência lança mão de artifícios retóricos variados. Esse tipo de jinga verbal é bastante comum na tradição da política brasileira disponível aos discursos utopistas, salvacionistas, estatistas, messiânicos e populistas. Com frequência, esse tipo de retórica mistura maliciosamente em sua argumentação “maçãs com laranjas” para confundir. Apela a meias verdades para enganar. Apoia-se em fontes que desfrutam de nenhuma autoridade. Propõe falsos dilemas. Aponta bodes expiatórios e os demoniza. Afirma sem provas que o opositor tem determinada posição a qual passa a criticar. Faz ataques pessoais e emocionais. A propósito cabe lembrar que os talmudistas, em seus estudos bíblicos, teológicos e filosóficos, criariam um método exegético polêmico e igualmente controverso. O denominaram Pilpul. O termo hebraico tem como raiz a palavra pilpel (pimenta). Avot (6:5) (um dos tratados do Talmud) considera esse método hermenêutico como uma das 48 virtudes que permitem um estudioso adquirir a sabedoria da Torá. Ou seja, a função de um debatedor é jogar pimenta na controvérsia visando eternizá-la. O pilpulista por hábito e costume tem que olhar nesta e naquela direção, nisto e naquilo. Busca examinar as discrepâncias existentes entre diretivas legais contraditórias e nos paradoxos existentes nas falas dos sábios ao longo dos tempos, visando de alguma forma conciliar suas máximas numa norma. Cabe a esse tipo de debatedor primeiro constatar as falas dos intérpretes bíblicos eternizadas nas páginas talmúdicas. Depois, e só depois, pode e deve afirmar o que os sábios pretendiam ter dito, o que os sábios poderiam ter dito e o que os sábios poderiam ter evitado dizer. Dessa forma, constroem uma ampla argumentação, etapa por etapa, apoiando logicamente a nova tese na precedente. Em muitos casos, vista como um todo, a peça retórica de um pilpulista acaba culminando num absurdo. Exemplo é apresentado na Guemara (Eruvin 13b) (outro tratado do Talmud). Nessa porção um estudante da Academia de Iavne produziu 150 provas de que um roedor é ritualmente puro. 35 JACQUES A. WAINBERG Esse tipo de conclusão é inimaginável e inaceitável, pois se sabe perfeitamente que a Torá o considera treif ou impuro. Essa tradição de estudo propõe ainda dois personagens. O primeiro é o polemista ponderado e circunspeto, o douto-sábio, de bagagem enciclopédica. O segundo é o debatedor agudo, ferino e cortante qual o fio de uma navalha. A mesma porção da Guemará (uma das porções dos comentários talmúdicos) diz: “Foi revelado pelo Poderoso que criou o mundo, que não houve em sua geração outro igual ao Rabino Meir. Por que então a Halachá (a lei judaica) não foi determinada de acordo com o ponto de vista de R’ Meir?” Diz a resposta: “Porque seus colegas não puderam imitar a extensão de seu raciocínio.” O mesmo realce à existência de intérpretes da lei que se destacavam por sua profunda capacidade hermenêutica, e por isso mesmo incompreendidos, é assinalada noutros comentários que tentavam entender a disputa pelo cargo de diretor de uma Ieshivá (escola religiosa) entre Rabino Yosef e o Rabbah, um amora ( 17) babilônico que dirigira a academia de Pumbedita. Num deles pergunta-se: “Entre os de ‘Sinai’ (alguém que sabe toda a Torá, o douto sábio) e um ‘desgarrado das montanhas’ (o polemista agudo e ferino), qual é preferível?”. Por fim, a tradição consolidada transformou esse tipo de embate entre polemistas ferinos e enciclopédicos numa atividade meramente educativa e acadêmica. Dela não se poderia esperar muito, e muito menos tomar decisões práticas e legais. Afinal, as controvérsias nas quais se engalfinhavam uns e outros não visavam encontrar a verdade e não provavam nada. O “pilpul” tornou-se proeminente em muitas escolas religiosas da Polônia e Lituânia até a Segunda Guerra Mundial e é praticada hoje em muitas dessas academias religiosas em várias partes do mundo. Na visão dos críticos, esse entusiasmo em comparar as falas de sábios de diferentes períodos acaba geralmente culminando num ”bilbul”, na confusão pura e simples. Em suma, tal esforço exegético seria perda de tempo. Mero exercício de erudição desprovido de sentido e rumo. O famoso Rabino Yehudah ben Bezalel Levai de Praga (15251609) chegou a comentar que “aqueles que vêm a essência do estudo na esperteza do pilpul revelam desrespeito à Torá e estão perdendo seu tempo erroneamente, e fariam melhor se aprendessem carpintaria”. 17 Professores de Mishná, a lei oral, no período de 219 a 500 a.e.c. 36 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Hábito exegético similar ao pilpul é denominado hoje no ambiente jurídico de “epiqueia”. Frente à ambiguidade, vazio e contradição da lei o intérprete passa a afirmar o não dito. Os manuais realçam o perigo de seu uso. Temem o desvio e o enfraquecimento do direito positivo. Por outro lado, afirmam que a epiqueia “convida o homem a ultrapassar a letra da lei”. A razão disso deveria “ser buscada no desejo de uma maior justiça em situações concretas forçosamente imprevistas pela lei positiva”. 18 Menos por seus méritos e mais por seus vícios o hábito de debater um tema à exaustão acabou também sendo rotulado pejorativamente como ”casuística”. O conceito remete à ideia de que os envolvidos nas controvérsias utilizam as mais variadas sutilezas que visam justificar determinada ação ou ponto de vista. Também os gregos viram-se autorizados a preencher as lacunas do discurso e a resolver contradições e enigmas da linguagem. Aristóteles diz que quando a lei estabelece uma regra geral, e aparece em sua aplicação um caso não previsto por esta regra, então é correto, onde o legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação, suprir a omissão, dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente, e o que teria incluído em 19 sua lei se houvesse previsto o caso em questão. Desconfiado por práticas discursivas em que a vitória sobre o oponente é o objetivo único do debatedor, o já referido filósofo alemão Arthur Schopenhauer identificou na sua Dialética Erística 38 estratagemas retóricos desonestos utilizados pelos polemistas 20 (Anexo 2). Portanto, a dissidência parece ser o rebento nobre de Éris. O que mobiliza esse tipo de manifestação é o ceticismo. Tal estado de espírito, ora expressa a descrença, ora a desesperança de que o conhecimento seja possível, ou ainda algo mais modesto, a dúvida. O cético incomoda. Sua implicância é notória não só na prática do colunismo jornalístico contemporâneo, mas também em áreas como a moralidade, a ciência, a religião, a política e muitas outras. Filósofos como Michel de Montaigne (1533-1592), Pierre Bayle (1647-1706) e David Hume (171118 JUNQUEIRA, Luís Zenun. Dano Moral. Breves Anotações. Ajuris. Ética a Nicômano 1137f. 20 Optamos em manter os títulos dados às categorias na obra Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão. No original nem todas as categorias foram tituladas. E vitamos criar novos títulos para não confundir os leitores. 19 37 JACQUES A. WAINBERG 1776) são alguns dos pensadores que seguiram os passos de Pirron de Elis (360272 a.C), referido como o pai do ceticismo. Pirron renunciou ao desejo de buscar a verdade considerado um objetivo inalcançável. Suspendeu assim qualquer julgamento. Sua posição extrema acabaria gerando o pirronismo ou ceticismo pirrônico, corrente fundada por Enesidemo de Cnossos (I d.C) e difundida na Renascença graças ao trabalho realizado por Sexto Empírico (200 d.C). Na origem, seu método tratava de abalar as verdades estoicas. A suspensão de julgamento dos pirronistas acabou gerando um estilo de vida que chamaríamos hoje de contemplativo, usual em ambientes místicos e nos ermos destinos dos eremitas. Montaigne popularizou o ensaio, o gênero preferencial dos polemistas desde os seus dias. Mesclou a especulação teórica com a ruminação, anedotas e autobiografia. Julgava que a única forma de capturar a verdade era seu próprio julgamento. Bayle, por sua vez, ao retornar ao calvinismo após breve conversão ao catolicismo, acabaria perseguido como herético. Nessa oportunidade familiarizou-se com as ideias de René Descartes o que lhe ajudou a consolidar um temperamento crítico. Seu racionalismo visava subverter a autoridade eclesiástica e filosófica dos seus antecessores. Tal visão contribuiu para seu alinhamento a uma concepção humanista em ascensão à época. Ela afirmava a tolerância intelectual, política e religiosa. Já Hume foi figura proeminente do iluminismo escocês tornando-se polêmico por sua rejeição do deísmo. Era favorável aos métodos empíricos e de observação como únicas formas de obter o conhecimento. Um curioso subproduto contemporâneo dessa tradição rebelde, de crítica incessante, geraria nos Estados Unidos ”A Sociedade dos Céticos” que visa agora desmascarar a pseudociência, a superstição, e as crenças irracionais em todo o mundo. A revista Skeptic tem tratado de temas como percepção extrassensória, teorias conspiratórias, o monstro do Lago Ness, o poder da pirâmide, criacionismo, histeria de massa, gênios, bruxaria e a pseudo-história. A Sociedade afirma que ceticismo é a aplicação da razão e o reconhecimento da necessidade de se coletar evidência para sustentar ideias. Outro resultado igualmente contemporâneo dessa tradição é a ”publicidade subversiva” que faz paródia dos anúncios publicitários das grandes corporações. Seus autores 38 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS definem a subvertsing como produto de resistência cultural que denuncia o consumismo e a imagem das empresas. A deformação da logotipia das marcas dessas organizações famosas é frequente nesse tipo de ativismo político. Portanto, o ceticismo se expressa de formas e maneiras distintas. Entre elas está, além da exemplificada paródia, também a sátira. Ambas andam muito próximas no seu objetivo comum de caricaturar. Costuma-se afirmar que a sátira é pretensiosa, pois almeja certo grau de mudança da realidade enquanto a paródia brinca com os fatos não por despeito e oposição, mas pelo afeto que cultiva ao objeto ironizado. A sátira expõe e ridiculariza as falhas e os limites de personagens do cotidiano e da sociedade. Sua função é política. Tem pretensão cívica, pois reflete certo grau de indignação pública. Sua origem é romana enquanto que a paródia já era conhecida dos gregos. Nesse caso, o da paródia, o épico era imitado através de um tratamento jocoso e carnavalesco. A obra era retirada do contexto e não raro, contrastada com um novo ambiente e um novo tempo. Emergem dessas comparações as diferenças e são elas que servem de objeto à reflexão. James Joyce, por exemplo, fez isso em ”Ulisses” ao incorporar elementos da Odisséia de Homero ao ambiente escocês do século XX. Fica claro à audiência que há um parodiado. E é a ele que são dirigidas as críticas. A paródia pode ocorrer também nas circunstâncias em que elementos que caracterizam uma obra são utilizados noutra com fins humorísticos e irônicos. Não raro, sua reputação é maior do que a obra original que a inspirou. É o caso da fama de Dom Quixote (1605) muito superior a da novela Amadis de Gaula. O cinema tem utilizado esse recurso para ironizar os clássicos que a maioria do público conhece. Não raro, um cineasta faz numa nova obra-paródia de suas próprias obras anteriores. Da mesma forma, as peças e as obras burlescas dos séculos XVII e XVIII costumavam ridicularizar na Inglaterra e nos Estados Unidos um tema ou um personagem solene num estilo indigno. O burlesco também tratava com seriedade indevida um assunto trivial. Essa forma de comédia alcançava seus objetivos através da caricatura e de distorções ridicularizando com frequência os hábitos sociais da aristocracia. Ao contrário da sátira, não tem compromissos éticos. A crítica é exposta por esse contraste e incongruência entre o alvo do humor e o 39 JACQUES A. WAINBERG tratamento que lhe era dado. O show burlesco tipicamente costumava incluir a comédia, a dança, o strip tease e a linguagem rude. Muitos comediantes, entre outros atores desse gênero, acabariam migrando ao vaudeville, uma forma de entretenimento similar, mas mais respeitado socialmente. Ele tornou-se popular nos séculos XIX e início do XX nos Estados Unidos. Incluíam em cada ato de 10 a 15 quadros de mágicos, acrobatas, comediantes, animais treinados, cantores e dançarinos. Hoje há certo renascimento do gênero – o neoburlesco – que apela menos para a crítica social e mais para a ação cênica, de dança e strip tease. Já o que caracteriza a sátira é o seu tom. Ele pode variar desde um polo no qual predomina a crítica moderada a outro em que expressa uma ríspida e amarga indignação. Ela é encontrada na literatura, na cinematografia, nas artes visuais, nos panfletos, no jornalismo, na música, na poesia, no teatro, entre outras formas de comunicação, confundindo-se por vezes com a comédia. Ela combina a amargura e a raiva com o humor servindo frequentemente a propósitos políticos variados. Visa ridicularizar o opositor de alguma forma. Exemplo moderno é o filme de Charles Chapplin, O Grande Ditador, no qual a vítima de sua ironia é Adolf Hitler. South Park é outro exemplo. Esta série de TV satiriza o cristianismo, o catolicismo, o mormonismo, o judaísmo, a cientologia e o Islã entre outras religiões. Outro exemplo, ainda, são as caricaturas de Maomé que publicadas em vários jornais, em 2006, causaram emotivas reações por parte das comunidades islâmicas em várias partes do mundo. Da mesma forma, o filme Borat provocou indignação de grupos distintos. A Família Simpson igualmente faz alguma sátira, no caso religiosa, através do Ramo Ocidental da Igreja Reformista Americana Presbiluteranista, denominação a qual pertence a maioria dos habitantes de Springfield, a fictícia cidade em que vivem esses personagens. É uma paródia das denominações protestantes dos Estados Unidos. Seria uma divisão da Igreja Católica durante o também fictício “Cisma de Lourdes” em que os rebelados lutaram pelo direito de irem à igreja com o “cabelo molhado”. Também o filme A Vida de Brian satiriza temas bíblicos. Outra película, Dogma, faz ironia religiosa ao brincar com a ideia de que o último descendente de Jesus Cristo é uma mulher que trabalha numa clínica de aborto de Illinois. 40 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Em 2001, após intensa campanha realizada pela internet, 0,7% da população britânica declarou nos censos que sua religião era ”Jedi”, ou seja, uma fé originária do filme Guerra nas Estrelas. Tratava-se de uma brincadeira. No entanto, antes ainda do filme, desde o fim da década de 50, surgiram várias ”religiões parodiadas” similares. Entre elas estão o ”Eventualismo” (uma paródia da Cientologia), a “Igreja do Monstro Espaguete Voador” (uma paródia à teoria do design inteligente como forma de explicar o surgimento da vida), o “Invisível Unicórnio Cor-de-Rosa” (uma paródia das definições deístas), “Kibologia” (paródia da Cientologia), a “Igreja do Google” (paródia que afirma haver mais evidência de que o Google é Deus do que existe para a existência dos deuses de outras religiões), e o “Discordianismo”. Essa fé reconhece o caos, a discórdia e a dissidência como qualidades válidas e desejáveis. Contrasta assim com a harmonia e a ordem pregadas pelas igrejas convencionais. Como não poderia deixar de ser, a deusa Eris reina nesse universo em que o jocoso é sério. Na verdade, é indisfarçável a motivação anarquista nesse tipo de pregação. Nela, incentivam-se os cismas, as intrigas e as conspirações. O sarcasmo e a ironia também andam com frequência de mãos dadas. A primeira é uma forma de expressão intencional que visa insultar de alguma forma o opositor. Já a ironia lhe fornece o humor como companhia. Ameniza-lhe a agressividade. É uma discrepância entre o que é dito e o que isso significa. Dito de outra forma há uma evidente contradição e incongruência entre a intenção do discurso e o que é realmente pronunicado. Há um autor e uma vítima. O interesse pela função social do humor presente na maioria dessas manifestações é antigo. Hipócrates (460-377 a.C), o pai da medicina, costumava afirmar que a fleuma, o sangue, a bílis amarela e a bílis negra determinavam a saúde, a doença, a dor e o temperamento das pessoas. Mais tarde, Galeno de Pérgamo, outro médico influente da antiguidade, os relacionou com o fogo, a água, o ar e a terra. Da combinação desses oito elementos teriam surgido os tipos de humor: o sanguíneo, o fleumático, o colérico e o melancólico. Na verdade, essa capacidade de provocar o sorriso, por vezes a gargalhada do público e dos interlocutores, é uma potente arma de arsenal retórico do polemista. O sorriso obtido da audiência simboliza sua vitória. É também uma espécie de escudo que parece proteger a parte que se considera a 41 JACQUES A. WAINBERG mais fraca no embate. Nas disputas retóricas o humor é bem vindo ainda porque aumenta a tolerância à dor e provê energia ao público estimulando-lhe o prazer de viver. Ao relaxar a mente e o corpo 21 , dá vazão à ansiedade do público. O ouvinte ri provocado por vários estímulos, entre eles a tragédia e a deformidade alheia, o ridículo, o absurdo, a incongruência entre um conceito e um objeto real, o exagero, a distorção, a malícia e a hostilidade, entre outras causas. Em todas elas o sorriso surge numa fração de segundo, pois é propriedade do humor surpreender e ser decodificado sem dificuldades. Como afirmado, através de suas “tiradas”, o polemista provoca a sensação no ouvinte de que triunfou e se sobrepôs ao adversário. Por isso, o humor é visto como uma atividade social e uma arma intelectual que serve de vetor à agressividade dos debatedores. Eleva o polemista a um nível superior a do rival que lhe serve de alvo. Na imprensa brasileira contemporânea um exemplo desse gênero de crítica bem-humorada é a coluna de José Simão, na Folha de São Paulo. Um dos segredos é que este gênero comunica muito mais do que diz através de implícitos variados. Além disso, o alcance de suas máximas é universal. Ou seja, (1) o humor é um fenômeno inato, e que é essencial à sobrevivência das espécies (o humor existe também em primatas e outros animais); (2) é uma das emoções mais primitivas; (3) os sorrisos e as gargalhadas expressam prazer; (4) cada proposição humorística é de certa forma ilógica, por vezes contraditória. No entanto, (4) a piada é percebida diferentemente pelo humorista e seus ouvintes de um lado, e o “objeto da agressão” do outro. As razões do humor COGNITIVA Incongruência Contraste SOCIAL Hostilidade Agressão Superioridade Triunfo Escárnio Depreciação PSICOA NA LÍTICA Alívio Sublimação Liberação Economia Fonte: S. Attardo (1994) 21 Foi estimado que rir 100 vezes ao dia equivale a 10 minutos de esteira de ginástica ou a 15 minutos de bicicleta estacionária. Rir exercita o diafragma, o abdômen, a respiração, a face, as pernas e os músculos das costas. Alivia a ansiedade, prot ege o coração, diminui o nível de açúcar no sangue, melhora o fluxo sanguíneo, o sistema imunológico, o sono, a disposição física, embora desencadeie em ¾ dos casos a asma. 42 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS O que provoca o humor Absurdo Ambiguidade Conclusões inesperadas Trocadilho Alegoria Contraste Simplicidade aparente Caricatura Similaridade Contradição Expectativa não resolvida Ironia Metáfora Escárnio Ditos populares Surpresa Subestimação Compreensão literal das palavras Paradoxo Exager o (hipérbole) Eufemismo Conexão entre termos incompatíveis Mistura de estilos Pista a uma cadeia de associações Repetição Duplo sentido Contradição Incompatibilidade Fuga do perigo Estabelecimento da superioridade Transferência Excessiva racionalidade Desvio do senso comum Rima imprópria Grotesco Fontes: Cicero em “O Orador”; Thomas C. Veatch: A Theory of Humor; Miroslav Voinarovsky: http://psi-logic.narod.ru/steb/steb.htm 43 JACQUES A. WAINBERG A VIGILÂNCIA E A PUNIÇÃO À DISSIDÊNCIA _______________________________________________________________________________________ Há um preço a pagar pela ousadia de não temer a liberdade. Michel Foucault realizou em sua obra ampla denúncia dos mecanismos de vigilância e punição social aplicados aos desviantes. Instituições como a prisão e o sistema judicial foram analisados. Não só a opinião, como também a loucura e a sexualidade foram vistas pelo filósofo francês como comportamentos a serem, ora dominados e coagidos ao enquadramento e ora banidos. Exemplos de punição a essa ousadia de caminhar por rotas desconhecidas não faltam. O “cherem” foi aplicado no caso célebre de expulsão do filósofo judeu holandês, de origem portuguesa, Baruch Spinoza da vida comunitária. O conceito cristão equivalente é excomunhão. Por vezes utiliza-se em sua tradução o termo anátema que no Novo Testamento implica em denúncia e banimento. Em Romanos (9:3) a expressão “anátema de Cristo” significa excluído da aliança. Em I Coríntios (16:22) o termo denota entre outras interpretações a que afirma que os que não amam o Senhor devem ser execrados de todas as coisas sagradas, merecendo a mais severa das condenações. Entre as ofensas puníveis estão: pregar outro evangelho (Gálatas 1:8-9), não amar a Deus (I Coríntios 16:22) e a blasfêmia contra o Espírito Santo (Mateus 12:31). O termo passou a significar a extrema medida tomada pela Igreja contra os hereges. O Papa de Alexandria (378-444) pronunciou 12 anátemas contra Nestório (340-451), um monge que se tornaria o patriarca de Constantinopla. No século V consolidou-se uma distinção entre anátema e excomunhão. A primeira passou a significar o afastamento de uma pessoa ou grupo do rito da Eucaristia e a segunda a completa separação do dissidente da Igreja. O dissidente pecador pode ainda ser abominado. O ato de ”Pulsa DeNora” embora controverso e mesmo negado pelas correntes e autoridades religiosas judaicas de maior prestígio, possuí hoje um tom secreto e mágico usualmente referido como cabalístico. Sua origem está no tratado Hagigah 15A do Talmud Babilônico. Na passagem há uma referência a 60 maldições que visavam disciplinar o anjo Metatron. É também referido no Zohar, um dos principais livros do misticismo judaico. Adquiriu proeminência após a morte do ex-Primeiro- 44 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Ministro de Israel, Itzhak Rabin. A mídia desse país acusou grupamentos da direita de terem ”abominado” a figura do líder nacional incitando seus inimigos a assassiná-lo. Aparentemente, o mesmo ritual de ”Pulsa DeNora” foi realizado contra Ariel Sharon, visando evitar que ele pusesse fim às colônias judias instaladas em Gaza. Ainda no século V, outro tipo de punição à dissidência foi utilizado na Grécia antiga. O indivíduo que se aventurasse ao populismo e tendesse à tirania corria o risco de ser banido por 10 anos. Ou seja, o objetivo principal da democracia ateniense era menos estabelecer o governo do povo pelo povo e mais evitar a ditadura. Nas assembleias de cidadãos a penalidade era votada. Cada um escrevia numa espécie de cédula o nome do indivíduo que considerava um perigo ao bem-estar social e colocava sua sugestão na urna. Se no mínimo seis mil cidadãos escolhessem a mesma pessoa esta era então desterrada. Não havia necessidade de acusação formal. E ao condenado não se permitia a defesa. Entre as 13 personalidades que sofreram essa pena estão Tucídides, líder da oposição aristocrática ao imperialismo ateniense; o pai de Péricles, Xanthippus (em 484), que nas Guerras Persas tinha comandado a frota ateniense; Aristeides, estadista ateniense que acabou sendo desterrado em 482 após ter entrado em conflito com o influente Themistoclés, um dos principais idealizadores da construção da frota ateniense. Este por sua vez acabaria igualmente em desgraça e no ostracismo em 472. O general Cimon, um dos heróis da Batalha de Salamis contra os persas, se indispôs contra Péricles que o acusou de colaborar com a Macedônia e Esparta acabando igualmente em desterro em 461. Esses e outros condenados ao ostracismo tinham 10 dias para abandonar a cidade. Se voltassem antes do fim da pena eram condenados a morte. Desafiados pelas ameaças militares dos vizinhos, os atenienses promulgaram uma anistia, permitindo que seus militares exilados Xanthippus, Aristides o Justo e Cimon, retornassem a tempo de participar das batalhas. A ideia de marginalizar os indivíduos por algum tempo ou para sempre como se vê nesses distintos casos e tradições, tem função disciplinar, visa preservar e sustentar a solidariedade comunitária assim como alterar o comportamento de um membro ou afasta-lo do convívio. Ou seja, o dissidente pode ser visto pelo poder e pela sociedade constituída como ameaça. 45 JACQUES A. WAINBERG Na União Soviética comunista, muitos dissidentes acabaram exilados na Sibéria, como se sabe. A medida foi aplicada em especial no período de 1965 a 1985. A crítica interna ao regime levada a cabo por essa gente, muitos deles intelectuais, acabaria produzindo a imprensa alternativa e dissidente samizdat. Nela os próprios autores editavam artesanalmente seus livros. Obras banidas começaram a circular clandestinamente principalmente em Moscou e Leningrado (atual São Petersburgo), em cópias de carbono e datilografadas. Entre os autores underground famosos do período estão Alexander Solzhenitsin e Andrei Skharov, rotulados posteriormente como refuseniks. Outro autor, ganhador do prêmio Nobel de Literatura, Boris Pasternak, não conseguiu publicar em 1958, em seu país a obra Dr. Jivago. Ela acabaria sendo intensamente difamada apesar do sucesso internacional. Outros autores ainda foram presos e condenados a períodos de trabalho forçado em campos de prisioneiros (são os casos de Andrei Sinyavsky e Yuli Daniel). Como no Brasil, no período da ditadura, essa imprensa alternativa cresceria à medida que a repressão aumentava. A militância samizdat alterou o significado pejorativo que era dado até então ao termo ”dissidente”. Passou a nomear menos os criminosos e mais os não conformistas. Nesse caso, como noutros (os expedientes do ostracismo, desterro e trabalho forçado foram usados também na China maoísta), o controle do pensamento pela ameaça e coerção policial parece ter sido bastante aplicado. O efeito em muitos desses casos foi devastador. Noutros foi libertador, tornando o herege em divulgador da ideia rebelada. Radicalizou os pontos de vista na sociedade, provocando a ira crescente da opinião pública. Costuma-se referir a esse estágio de ruptura social como “cisma”. Ele tem ocorrido também em grupamentos políticos e religiosos variados em praticamente todas as tendências ideológicas e teológicas. Na história das religiões um dos principais temores das burocracias eclesiais foi sempre a possibilidade de ocorrência desse tipo de divisão, o que explica o feroz combate à apostasia, à idolatria e ao sectarismo. O termo takfir (herege) tornou-se conhecido no Ocidente depois que os grupamentos da ortodoxia islâmica não só festejaram os ataques terroristas realizados pela Al Qaeda contra as torres gêmeas de Nova York em 2001, como difundiram a ideia da guerra civilizacional contra os hereges. Ele foi usado contra o escritor Salman 46 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Rushdie autor de ”Versos Satânicos”, à somali Ayaan Hirsi Ali, autora de ”Infiel”, e à Tasleema Nasreen, de Bengladesh, autora de ”Lajja”. Muitos teólogos muçulmanos liberais e pensadores como estes se refugiaram em países democráticos de onde continuam a desferir – alguns deles protegidos pela polícia – seus petardos retóricos. Tal confronto não é novo no Islã. Exemplo de polemista ferrenho do século XI na Espanha moura é Ibn Hazm. É descrito nas fontes islâmicas como debatedor feroz, dotado de uma virulência incomum que atacava seus opositores com veemência e ardorosamente. Faltava-lhe tato e delicadeza. Acabou, como é usual nesses casos, isolado, excomungado, perseguido e odiado. No Islã a apostasia é denominada ”ridda”. Embora o Alcorão não defina quais punições devam ser aplicadas aos apóstatas, o ato é visto como insultante. Os que rejeitam o Islã nascidos no seio da ”ummah” (a comunidade islâmica mundial) são denominados pejorativamente como ”murtad fitri” e os que se converteram e após se arrependeram são nomeados como ”murtad milli”. Não raro, e segundo algumas interpretações teológicas, a pena de morte pode ser aplicada aos homens apóstatas (é o que ocorre na Arábia Saudita, Iêmen, Irã, Sudão, Afeganistão, Mauritânia e Camarões) e prisão perpétua às mulheres. Os literalistas aplicam o hadith “Quem mudar sua religião, mate-o”. Alguns interpretam essa tradição como traição e não somente apostasia. A medida é bastante controversa e teólogos liberais islâmicos recusam essa leitura da passagem. No judaísmo ele é rotulado como yetzia bisheila, o que abandona o pacto. No período da Guerra Fria, o traidor da fé política era usualmente rotulado como “desertor”. Foram os casos de inúmeros alemães e soviéticos (entre outros) que partiram rumo aos países democráticos, e de ocidentais que se refugiaram no oriente, entre eles, 21 prisioneiros americanos e um britânico que desistiram da repatriação após a Guerra da Coréia, elegendo permanecer na China. Foi o caso também do espião britânico Kim Philby. Ele fugiu em 1963, após ser descoberto que trabalhava para a KGB soviética. Morreria na Rússia em 1988. Nesse país o destino destes pensadores polemistas tem sido mais cruel. No alvorecer do regime comunista, cerca de dois terços deles pereceram ao lado das forças opositoras aos comunistas ou emigraram rumo aos países bálticos 47 JACQUES A. WAINBERG vizinhos. Lênin costumava definir essa inteligentsia como “podre” e Stalin, após perseguir e assassinar muitos deles iria substituí-los por uma nova classe de autores e pensadores fíéis, disciplinados e acima de tudo temorosos de seu governo. No Camboja, onde igualmente se instalou um cruel regime comunista, a hostilidade aos intelectuais era tanta que em alguns setores do regime do Khmer Rouge (1975-1979) pessoas que usassem óculos eram mortas. Ou seja, os óculos eram interpretados como marcas de educação, refinamento, elitismo e intelectualismo. O regime islâmico do Irã provocaria também uma nova onda de emigrados entre seus mais importantes intelectuais. Entre 1980 e 1982, o currículo universitário foi ”purificado” e autores foram perseguidos e mortos (o poeta Said Soltanpour, por exemplo, foi executado). 48 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS O PAPEL SOCIAL, COGNITIVO E EMOCIONAL DOS DILEMAS _______________________________________________________________________________________ Pode-se afirmar que na essência da vida cultural e espiritual estão as escolhas que os dilemas nos oferecem. Por isso, tende-se a pensar sempre em duas alternativas de curso à solução dos desafios intelectuais e existenciais. Na verdade, esta é uma simplificação rude. Com frequência, ocorrem também trilemas, tetralemas e assim por diante. E nesses casos o número de opções é maior. Exemplo de trilema na religião foi formulado por Epicuro ou Carneades, um escritor cético. Ele diz: 1. 2. 3. se Deus é poderoso, mas incapaz de prevenir o mal, ele não é onipotente; se Deus é capaz, mas não deseja prevenir o mal, ele não é bom; se Deus é poderoso e capaz de prevenir o mal, então por que há o mal? Outro exemplo: ao ponderar sobre a declaração feita por Jesus, implícita ou explicitamente, de que ele era Deus, o pensador cristão (anglicano) C.S.Lewis (1898-1963) diz que para isso ser verdade, uma das três alternativas abaixo tem que ser verdadeira: 1. 2. 3. Lunático: Jesus não era Deus, mas acreditava equivocadamente que era; Mentiroso: Jesus não era Deus, mas afirmava que era apesar de saber que não era; Senhor: Jesus é o Senhor. A moderna educação aos valores tem feito uso da polêmica e de seus dilemas. Evita assim a pregação pura e simples de códigos de postura. Parece ser mais produtivo o monitoramento dos enfrentamentos teóricos em torno de controvérsias existenciais, científicas, filosóficas e morais do que a ineficiente imposição de mandamentos às pessoas. O sentido da vida e sua dimensão sagrada aparecem mais facilmente aos olhos do educando quando ele acompanha passo a passo os embates que procuram dar solução a algum tipo de controvérsia. A estratégia evangelizadora é autoritária. Geralmente encontra ouvidos surdos. Não há envolvimento afetivo e intelectual por parte do público. A 49 JACQUES A. WAINBERG passividade do receptor deriva do espírito dogmático do pregador. Já a segunda alternativa é mais envolvente, pois enriquece o ouvinte tornando certo elenco de preceitos relevante. Ou seja, é a existência de dilemas e do debate em torno deles o que estimula e permite a sociedade refletir sobre seu destino e o significado de sua própria existência. Hoje em dia não faltam controvérsias capazes de provocar ansiedade moral. Aborto, suicídio assistido, ação afirmativa, clonagem, mutilação genital feminina, criacionismo e darwinismo, imigração ilegal, multiculturalismo, separação entre estado e religião, gravidez na adolescência, corrupção, pobreza e riqueza são alguns entre milhares de temas capazes de dividir a opinião pública. Confrontados com desafios existenciais deste tipo os educandos podem ser expostos aos ensinamentos dos sábios, ao debate filosófico e moral entre eles e às diferentes opções de solução aos paradoxos e dilemas éticos. Para este objetivo de se educar aos valores, os polemistas e a polêmica parecem ser indispensáveis. A Teoria dos Jogos é outra área que se interessou pelos dilemas. Desenvolveu empiricamente modelos de comportamento e decisão. Seu interesse está no entendimento do tipo de cálculo que uma pessoa faz ao adotar certo percurso e rota. Deseja entender a lógica das decisões dos indivíduos nas suas interações sociais, ora competindo, ora colaborando, e ora, ainda, adotando posturas surpreendentemente altruístas. Seus ensinamentos têm sido utilizados em inúmeras áreas, entre elas a estratégia militar, a economia, o comércio e as relações internacionais. O Dilema do Prisioneiro concebido na Rand Corporation por Merril Food e Melvin Dresher, em 1950, é um dos mais conhecidos e difundidos. Outros jogos similares são o Dilema de Platonia, o Dilema do Viajante, o Dilema de Segurança, o Dilema do Porco-Espinho e o Dilema de Warnock. Nestes desafios de laboratório, assim como nas situações reais da vida, as pessoas são constrangidas a tomarem decisões quando enfrentam escolhas difíceis. A opção preferencial acaba expondo o indivíduo e os valores que o constituem. A escolha desnuda seu caráter. As situações extremas são especialmente reveladoras. Nelas, a decisão do jogador vem envolta em agonia e ambiguidade. O que muda nesse caso é o grau máximo de sofrimento provocado 50 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS ao ator. Revela o princípio moral que por fim é consagrado ou ferido na trilha e no percurso adotado pelo indivíduo. Por isso, os livros de ética estão cheios de exemplos de dilemas radicais. O exame dos casos permite observar a polêmica e o cálculo moral dos envolvidos na controvérsia. Os exemplos de dilemas morais ponderam sobre os limites e as possibilidades da ação humana. Aos nossos fins, cabe simplesmente assinalar essa virtude do dilema: gera discussão, produz a dúvida, e não raro, predomina na sua solução o desejo das pessoas em não se distinguirem com sugestões atípicas e originais. Tendem a dizer o que o senso comum diz; repetem o que ouvem; seguem as lideranças. Certamente esse não é o caso dos polemistas que vieram ao mundo para divergir e atormentar o comportamento de horda das multidões. A vocação e ação subversora dos polemistas vêm por isso envolta em certa angústia moral, e produz sempre sua consequência inevitável – a dissonância cognitiva que abala o comportamento de parcela do público envolvido na celeuma. Ela permite que se vislumbre alternativas e que se rompa com a tradição dos costumes. No caso das disputas teológicas a hostilidade entre os debatedores foi denominada de Odium theologicum. Ele esteve presente, por exemplo, em inúmeros embates que teólogos judeus e cristãos travaram ao longo do tempo, mas em especial nos realizados em Paris em 1240, em Barcelona em 1263, em Burgos em 1375, em Tortosa em 1413, em Roma em 1450 e na Alemanha em 1500. Foram na verdade espetáculos realizados em praça pública, assistidos por multidões e pelos dignitários da Igreja, que visavam acusar o Talmud de ser uma peça literária que em essência era difamatória de Jesus e do dogma cristão. Visavam também amedrontar as comunidades judaicas forçando-as à conversão ou à expulsão. Certamente não foram os únicos embates do tipo. O conflito entre cristãos e muçulmanos foi intenso na Península Ibérica durante o período do domínio mouro da região. Hostilidade similar desenvolveu-se também entre os dissidentes protestantes e a Igreja. E agora, mais intensamente, o mesmo tipo de ódio teológico prevalece entre os diversos ramos do islamismo. Por isso, inúmeras vozes falam hoje da necessidade de aparecer no seio da ummah uma espécie de ecumenismo islâmico, principalmente entre xiitas e sunitas. 51 JACQUES A. WAINBERG Na análise das disputas teóricas e entre paradigmas, o historiador e filósofo da ciência americano Thomas Samuel Kuhn afirmou, em 1962, em seu estudo seminal ”A Estrutura das Revoluções Científicas” que afinco ”teológico” similar surge nos embates entre correntes teóricas. Afirmou que raramente os cientistas debatem explicitamente sobre suas decisões mais básicas de pesquisa e que os consensos são construídos menos por observações e evidências e mais por cometimento de grupo. Ou seja, o autor identificou um amplo campo de preconceitos partilhados que controlam as expectativas dos pesquisadores. Ele chamou esse campo de ”matriz disciplinadora”. Imre Lakatos faz afirmação similar. Para ela, programas de pesquisa são constituídos tomando por base crenças metafísicas. Não raro, tais crenças resistem à falsificação devido ao desejo do cientista em sustentar sua crença apesar dos problemas ou apesar da descoberta de evidências opostas à crença original. Muitos desses embates científicos, filosóficos, políticos e teológicos resultam de falsos dilemas, litígios que apontam para um desenlace que autoriza somente uma de duas opções excludentes. A controvérsia fabricada teria assim a função estratégica de retardar a consolidação na opinião pública de certa convicção. Para isso, o debatedor amplifica a incerteza em torno do tópico em debate e demanda que se dê guarida ao ponto divergente e desprestigiado. Protágoras ensinava que sempre há duas rotas de solução a uma questão e que a missão do sofista era fazer o lado mais fraco parecer mais forte. Incomodado com tal arte do engano é que Aristóteles acabaria escrevendo sua obra Retórica. Esse tipo de ilusionismo verbal tem sido bastante utilizado em temas graves como o tabagismo, a existência do holocausto judeu, a AIDS e o aquecimento global. No primeiro caso é conhecido o esforço da indústria do cigarro em postergar, sufocar e impedir o debate sobre os malefícios do fumo, optando por fim e em desespero colocar em dúvida as evidências científicas que denunciam esse hábito e esse vício como causadora de inúmeras doenças fatais. No segundo, os revisionistas históricos contestam a veracidade da ”solução final” de Hitler e seu projeto de extermínio dos judeus nas câmaras de gás dos campos de concentração, apesar das evidências documentais existentes. No terceiro exemplo, em 2000, o presidente da África do Sul colocou em dúvida a relação entre HIV e AIDS e a própria epidemia que contaminava boa parcela da 52 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS população de seu país. Depois, comportamento similar ocorreu em 2008 no Zimbabwe quando denúncias (verdadeiras) apontavam para uma epidemia de cólera no país, amplamente desmentidas pelas autoridades locais. Polêmica similar sobre o aquecimento global tem postergado em alguns países a adoção de medidas que evitam o agravamento do problema. A espetacularização obtida de muitos desses embates entre atores que disputam as preferências das audiências em enfrentamentos realizados nos palcos montados pela mídia (entrevistas coletivas, discussões políticas, mesasredondas, colóquios, etc.) tem uma clara repercussão social inexistente nas discussões entre indivíduos na intimidade de seus lares. A argumentação sobre temas públicos apresentada por tais personagens em tais contextos é cada vez mais comum. Ouvintes e telespectadores acompanham tais discursos despertos em boa medida pela dúvida sobre o que é dito como também pela simpatia e a hostilidade ao que é pronunciado. O ruído dessas vozes na TV e no rádio é incessante e crescente. Com tantas horas à disposição em centenas de canais, há certamente hoje um vazio na programação das emissoras em todo o mundo. Aparentemente, o mais fácil é pôr no ar gente a falar. Gente com boa e consistente opinião, mas também gente com ideias superficiais, impressões coletadas aqui e ali para impressionar. E como se observa facilmente, tagarelam sem parar. 53 JACQUES A. WAINBERG O DEBATE E A MÍDIA _______________________________________________________________________________________ Nem o tema polêmico nem a cobertura polêmica demandam uma mídia polemista. Ela existe, mas esse é um terceiro e distinto caso. Na história do jornalismo sempre foi possível distinguir esse segmento da contracultura e de oposição política na qual se confunde a informação com a propaganda. A imprensa polemista vive desses embates e seu público é sectário sempre. Vale recordar a experiência da imprensa partidária da República de Weimar e de Viena no entre-guerras. Os jornalistas tornaram-se nesse curto e trágico período mais militantes de partidos políticos em luta pelo poder e bem menos agentes do esclarecimento público. Suas coberturas jornalísticas mesclavam intencionalmente fatos e opiniões, o que resultou no abalo da ética e minou a crença do público na informação difundida pelos jornais. Não são poucos os autores que apontam essa prática como uma das causas da crise moral da Alemanha e da Áustria, o que justificou a intervenção de censores e “reeducadores” aliados na imprensa daqueles países e no Japão no pós-guerra. 22 A ação de um tipo de imprensa sensacionalista marcou também a história norte-americana. Os jornais de propriedade de William Randolph Hearst e Joseph Pulitzer no fim do século XIX representavam o desejo de seus editores de pagar qualquer preço na ampliação do mercado leitor, mesmo ao custo da verdade e da manipulação dos eventos e dos fatos. A imprensa socialista e radical daquele país igualmente escreveu um capítulo de polêmicas históricas. Entre os personagens dessa fase radical da década de 1910 destacam-se as revistas denominadas muckrackers, em especial a McClure's Magazine de forte apelo político em defesa dos trabalhadores. Hoje em dia não faltam nos Estados Unidos exemplos de revistas devotadas à militância e ao engajamento ideológico, político e filosófico. Uma delas, The American Dissident, fundada em 1998, afirma que se enquadra na categoria da tradição samizdat estimulando ”Ensaios Contra a Máquina”. Sua missão prioritária é denunciar o lado corrupto do Complexo Industrial/Literário/Acadêmico. Retoma para isso o conceito grego de parresía, a 22 Ver A nova Imprensa da nova/ velha Alemanha. Revista B rasileira de Comunicaç ão. Intercom, v. XV III, n. 1, Jan/Julho de 1995, São Paulo/SP, p. 50-66 54 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS ousadia de alguns poucos cidadãos de criticar o poder, mesmo ao preço de arriscar a vida e a sobrevivência, o que nesse ambiente significa ser despojado de anos sabáticos, editores, financiamento de pesquisa, estabilidade no emprego, convites para palestras e bancas de avaliação, tudo o que faz e constitui o ambiente universitário. Outro exemplo é a revista Dissent, devotada à temática da política, cultura e sociedade. Fundada em 1954, deu voz a um número expressivo de intelectuais de Nova York desde então. Embora classificada usualmente como de esquerda, na verdade adotou uma postura de centro. No período da Guerra Fria seus ensaístas foram críticos mordazes da URSS e China, dos experimentos comunistas em Cuba, Vietnã e muitos outros lugares do mundo. Seu objetivo era divulgar ideias pouco ortodoxas que não encontravam espaço na mídia convencional. Outros exemplos desse tipo de mídia, por vezes rotulada também como independente e engajada, são as revistas de esquerda New Politcs, The Progressive e The Nation. No lado oposto do espectro ideológico estão publicações como The American Interest, The American Spectator, The National Interest, The New American, Commentary, entre outras. Na lista de publicações alternativas geralmente aparecem publicações como Mother Jones, Boston Phoenix e Whole Earth. Já o Village Voice é exemplo de revista usualmente referida como underground. Noutros países democráticos como a Inglaterra, a Austrália e a França experiências similares ocorrem. Esse amplo mercado editorial da dissidência e do protesto encontra também guarida qualificada nos blogs e sites que se multiplicam rapidamente na Internet. É nesse ambiente virtual que se desfraldam hoje bandeiras diversas em confronto direto e mortal. Recorda o espírito anárquico e mágico da panfletagem de antigamente. Esse tipo de literatura possuía muito dos elementos que constituíram o polemismo, em especial sua virulência. Na origem, animou-se dos conflitos do seu tempo, em especial as guerras religiosas e os debates filosóficos e teológicos. A panfletagem, desde então, serve aos fins da persuasão e da incitação. Exemplo de panfleto foi a publicação de La Satyre Ménippé de la vertu du Catholicon d’Espagne, publicado em Tours em 1594. Trata-se de uma crítica 55 JACQUES A. WAINBERG política contra a Liga Católica e as pretensões da Espanha na França neste período da Guerra das Religiões. Defendia a ideia de uma França independente, mas católica. Seu título derivou de um gênero relevante ao estudo da polêmica, a sátira menipeia. Ela está diretamente relacionada aos cínicos, escola de pensamento fundada em III a.C por Diógenes. O cão é o emblema dessa corrente. Ou seja, afirmava o ponto de vista de que a filosofia deveria ser acessível, assim como deveria despojar-se de seus ornamentos, de sua aura e arrogância. O mundo deveria ser visto desde baixo, desde o chão, como faz o cachorro. Expunha o que havia de pior nas pessoas e na sociedade. Pregava a renúncia ao prazer, ao dinheiro, à propriedade, ao casamento, à família, à educação e à pátria. Por isso, Diógenes vivia num tonel. Seu pensamento foi resgatado por Luciano de Samósata, em Diálogo dos Mortos. São trinta diálogos entre as figuras mais famosas da Grécia antiga. Neles predominam a sátira, o humor e a ironia. Desmascaram a cultura de seu tempo. Profanizam seus valores mais caros. Como toda e qualquer paródia, carnavalizam o senso comum. Não poupam ninguém. O cinismo, a virulência e o sarcasmo são respostas aos diálogos platônicos e sua esperança na razão, no equilíbrio e na harmonia interior. Os cínicos realçam o grotesco contrapondo-se ao saber e ao ideal filosófico. O panfleto também deu vazão aos debates literários do século XVII e permitiu na França, em 1655, o ataque de Blaise Pascal aos jesuítas em defesa de Antoine Arnauld que havia sido condenado pela Sorbonne por heresia. Na verdade, esse era um capítulo a mais do embate entre o movimento fundado por Cornelis Jansen e a Igreja Católica que não aceitava sua ênfase na predestinação, negação do livre arbítrio, e sua descrença na bondade da natureza humana. O panfleto foi também o canal para o debate sobre o ”quietismo”, uma corrente mística fundada no seio da Igreja Católica por Miguel de Molinos no século XVII. Sua reputação crescente e suas ideias sobre submissão à vontade divina, com humildade e passividade, provocaram a oposição de alguns jesuítas e dominicanos que temiam um novo cisma no seio da Igreja. Depois, no século XVIII, autores como Voltaire e Abbé Sieyés e vários outros no período revolucionário francês e napoleônico fizeram amplo uso da tipografia para divulgar em panfletos impressos suas ideias. O Caso Dreyfus 56 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS constituiu-se em verdadeiro laboratório para uma guerra de incitação e propaganda levada a cabo por uma panfletagem virulenta e agressiva. Emile Zola sairia em defesa de Dreyfus publicando brochuras. Depois, esse tipo de manifestação migraria aos jornais, tornando desde então articulistas variados em celebridades por vezes internacionais. Os jornais acabariam igualmente acolhendo em suas páginas a crítica musical que até então circulava igualmente em panfletos, dando vazão aos gritos, ora de simpatia e ora de hostilidade entre grupos opostos, os simpatizantes da ópera italiana e da francesa. O mesmo passou a ocorrer na Alemanha, na Inglaterra e noutros países. O primeiro crítico musical foi contratado pelo The Times de Londres, em 1845. Publicações especializadas de crítica musical e de arte começaram a circular a partir de então. No século XIX, muitos compositores tornaram-se eles próprios críticos musicais. Na Europa os nomes de George Bernard Shaw, Hugo Wolf, Smetana, Tchaikovsky e Debussy passaram a ser conhecidos nos círculos especializados. Cabe ressaltar, portanto, que a música ajudou a abrir espaço na mídia à controvérsia e acostumou aos poucos o público leitor aos embates teóricos e de opinião que se alastraram à literatura, à arte e ao cinema, entre outras formas de expressão e comunicação. No Brasil foi igualmente longo o período da imprensa polemista. Hipólito José da Costa, desde o alvorecer, e do exílio inglês, discute com veemência em artigos interpretativos as diretivas do rei português que se refugiara no Rio de Janeiro. Gregório de Matos tornar-se-á o poeta panfletário do Brasil colônia. Após escrever a sátira “Juízo Anatômico dos Achaques que Parece o Corpo da República em todos os seus Membros, e Inteira Definição do que em todos os Tempos é a Cidade da Bahia," Matos é preso incomunicável e degradado para Angola, e anos depois só volta com a condição de não mais fazer versos. 23 Já o padre Antônio Vieira fará em sua época um discurso mais circunspeto e reflexivo, mas igualmente controverso. Pequenos veículos envolver-se-ão em disputas políticas após 1822. Símbolos dessa época são A Malagueta, de Luís Augusto May, e Aurora Fluminense, de Evaristo Veiga. Destacam-se ainda O Buscapé, o Doutor Tirateimas, O Narciso, o Novo Conciliador e O Enfermeiro dos Doidos que circulam nos últimos meses do Primeiro Reinado. 23 Jornal, História e Técnica- História da Imprensa Brasileira. São Paulo: Ed. Ática. 1990. p.32. 57 JACQUES A. WAINBERG Em especial, a panfletagem constituiu-se na marca da imprensa brasileira no período de 1808 a 1880. A restauração e a liberdade dos negros da escravidão são alguns dos dilemas daquela época que alimentavam as disputas. Cipriano José Barata de Almeida tornar-se-á no campeão das liberdades públicas. Surge à época a caricatura que introduz a sátira na reportagem gráfica. Nos tempos bem mais recentes apareceria fenômeno similar com a imprensa alternativa cujo papel histórico foi o de criticar e desvendar a lógica e os desmandos do regime militar iniciado no país em 1964. Tais publicações provocaram o “establishment”, fizeram crítica social e tentaram alterar o ambiente político através da denúncia e da cobertura engajada. Os que temem o polemista, e eles não são poucos, manterão sua pena sob judice e seu espaço sempre será precário e provisório. O jornalismo comunitário é um bom exemplo desse tipo de tratamento. A matéria jornalística nessa mídia que inclui a pequena imprensa interiorana, o jornalismo étnico e religioso, e a panfletagem política e sindical dos nossos dias, visa mais o congraçamento e a retórica evangelizadora, e menos o debate de assuntos controversos, seja na regular e inevitável cobertura de todos os dias, seja na verbe afiada de tais personagens malditos. A meta desses veículos é dar ao leitor a sensação de pertinência ao corpo orgânico da comunidade. Deseja-se aqui o consenso e o estreitamento de laços. Serve mais aos fins da animação cultural e menos, outra vez, aos fins da reflexão crítica. Uma palavra inovadora, uma ideia não trivial e um tema polêmico geram nesse tipo de contexto enorme mal-estar. O gatekeeper desse tipo de veículo sabe de antemão que ele serve mais aos fins educacionais. Por isso, um veículo comunitário perde em grande medida seu poder comunicacional. O jornalismo é polêmico por natureza, cercado por opinião dilacerante. No comunitário a margem para tal provocação é estreita e o conteúdo vigiado. Trabalha-se na esfera do consenso. Trata-se de um discurso que se destina a ouvidos que buscam o conforto e a paz. Como afirmado, hoje em dia muitos polemistas buscam espaço e alcançam repercussão na Internet. Nas eleições à presidência dos Estados Unidos de 2008, por exemplo, esse novo canal de comunicação tornou-se a mídia preferencial de 24% dos norte americanos, o dobro da audiência verificada na campanha de 2004. O impacto é especialmente forte entre os jovens. Na faixa etária de 18 a 29 58 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS anos conquistou 42% de preferência, um crescimento de 22% desde 2004. A nova geração usa a Internet mais intensamente também para socializar, ver vídeos e se informar. Um total de 8% do público declarou que visitou sites satíricos relacionados à temática eleitoral. Onde o Público Norte-A mericano se Infor mou sobre a Campanha Presidencial de 2008 2000 2004 2008 2008/2004 Idade: 18/29 2008/2004 Idade: 30/49 2008/2004 Idade: 50+ Noticiário de TV local 48% 42% 40% 25% - 39% - 50% - Noticiário de TV a Cabo 34% 38% 38% 35% - 36% - 41% - Noticiário de fim de noite na TV 45% 35% 32% 24% - 28% - 40% - Jornal Diário 40% 31% 31% 25% - 26% - 38% - Internet 9% 13% 24% 42% 20% 26% 16% 15% 7% Documentários de TV 29% 25% 22% 21% - 19% - 25% - Programas Matutinos de TV 18% 20% 22% 18% - 21% - 25% - Rádio Nacional Pública 12% 14% 18% 13% - 19% - 19% - Programas de Entrevista e Debate no Rádio 15% 17% 16% 12% - 16% - 17% - 14% 14% 15% 12% - 11% - 18% - 15% 13% 14% 4% - 12% - 21% - 12% 15% 11% 10% 12% 11% 6% 8% - 12% 9% - 14% 13% - 9% 9% 9% 10% - 8% - 9% - 7% 9% 6% 5% 8% 8% 9% 8% 8% 7% 5% 6% 12% 7% - 8% 9% 7% 5% - 12% 9% 6% 8% - Programa de Entrevista e Debate Político na TV a Cabo Programas Políticos de TV aos domingos Programas na TV Pública Revistas Programas de Entrevistas de Fim de noite na TV Rádios religiosas CSPAN Programas de humor na TV Lou Dobbs Tonight Fonte: Pew Research Center for the People & the Press 59 JACQUES A. WAINBERG A NATUREZA DA POLÊMICA _______________________________________________________________________________________ Do que foi dito até aqui cabe recordar a mensagem de que a polêmica pública envolve uma dimensão educativa que visa influenciar de algum modo o estado de espírito das pessoas que observam o embate. Não é por consequência um mero diálogo ou uma conversação intimista. Simples discordância de opinião não é fator suficiente para evocar uma polêmica. O que entra em jogo aqui é a potencialidade de seus efeitos. A controvérsia deve ter um peso maior. Deve envolver uma quantidade de tópicos entrelaçados. Deve provocar a polarização dos pontos de vista. Suas consequências são existenciais. Há acusadores e há defensores que buscam, ora negar a suspeita, ora apresentar desculpas e ora ainda justificar determinado comportamento, decisão, ideia e preferência. Como afirmado, é condição da polêmica a existência de um dilema 24, natural ou provocado. A ambiguidade inerente a tais impasses do pensamento provoca ansiedade, e por decorrência desejo de resolução. É esse fator que dá ânimo ao embate. Tem-se aqui, por isso mesmo, gladiadores em luta, com a agressividade que caracteriza tais disputas. No caso, há uma simulação de um jogo de vida e morte. A agonia esportiva que atrai multidões aos ginásios e estádios é o mesmo fator mágico que anima o toma-lá-dá-cá de tais falas. Sabese de antemão que haverá sempre torcidas em oposição. Para cada ginga de corpo da pena haverá sempre um suspiro de surpresa do público, que treme, ora de prazer, ora de ódio com o tilintar dos verbos. Ao contrário da referida agonia esportiva, a da polêmica não tem hora para acabar. O espetáculo proporcionado é a exegese, a capacidade de espremer a palavra. É isso que diverte as massas. O espetáculo do embate é público, mas geralmente não é frontal. Como os diplomatas, raramente um polemista enfrenta seu adversário como boxeador num ringue. O choque é indireto, geralmente 24 No campo científico a opção por modificar genes de vacas leiteiras para permitir que um rebanho produza em média 60 litros por dia tem como ameaça a possibilidade de que um determinado vírus passe automaticamente de um animal para outro. Outro exemplo: já se tornou comum a produção de certos medicament os, como a insulina, por bactérias modificadas com o implante de genes humanos. O próximo passo é a implantação de porções de DNA humano em grandes mamíferos, para produção de compostos sanguíneos úteis. Ovelhas modificadas já produzem experimentalmente o fator de coagulação humano, usado para tratar hemofílicos. O dilema é que como o DNA não é uma molécula estável, teme-se sua contaminação por genes animais. 60 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS através da mídia. Esse fato torna o polemista em personagem da indústria cultural. Ao explicar porque não tolerava enfrentamentos desse tipo, Michel Foucault afirma que o polemista comporta-se como se estivesse numa guerra. A pessoa que lhe enfrenta é vista como um adversário, um inimigo que está errado e cuja simples existência constitui uma ameaça. O desejo é aboli-lo como um interlocutor de qualquer diálogo imaginável. Para ele tudo isso não passa de teatro. “Anátemas, excomunhões, condenações, batalhas, vitórias e derrotas não são outra coisa do que formas de expressão”. Classifica o embate como uma comédia em que se imita a guerra, aniquilamentos e rendições incondicionais. O que os polemistas expressam com mais clareza é seu instinto assassino. 25 Já o exercício da inquirição é de outra natureza, diz ele. No diálogo, o questionador tem o direito “de permanecer em dúvida, de perceber a contradição, de demandar mais informação, de enfatizar diferentes postulados, de assinalar falhas na argumentação, e assim por diante”. Esse tema, o do diálogo, ocupou igualmente outros filósofos. Gabriel Tarde, por exemplo, pondera que o mesmo não tem propósito imediato. 26 É aberto, espontâneo, ao contrário do monólogo usual dos discursos persuasivos. Todos os participantes têm o direito a se pronunciar. A audição lhes é assegurada. O diálogo emerge da conversação, muito embora nem toda conversação o produza. Não visa à deliberação. Portanto, predomina no diálogo a reciprocidade. Entra-se nele admitindo como pressuposto que pode se estar errado. 27 Ao que parece, toda mediação vê-se obrigada a utilizar esse único canal disponível para a construção da paz. Nesse tipo de ambiente menos propício à confrontação as partes buscam encontrar áreas de interesse comum. Tentam contemplar os justos interesses da outra parte. Evitam o exercício do ódio e do autoódio. Esforçam-se em evitar que a violência, sempre à espreita, possa pôr fim a reconciliação. 25 Entrevista concedida a Paul Rabinow em maio de 1984, pouco antes de sua morte. TA RD, G. L’Opinion et la foule. Paris:Presses Universtaires de France. 1989 p. 87 In K IM, Joohan; KIM, Eun Joo. Theorizing Dialogic Deliberation. Coomunication Theory v.18, n.1, feb 2008. p. 51-70. 27 WELSH, S. Deliberative democracy and rethorical production of political culture. Rethoric and Public Affairs 5, p.682 In NOLA, J. Heidlebaugh. Invention and Public Dialogue. Communication Theory. V.18, n.1, feb 2008, p. 27-50. 26 61 JACQUES A. WAINBERG O diálogo é, de acordo com a obra de Martin Buber, um dar e um receber cooperativo no qual se tem plena consciência do interlocutor. Não é um jogo narcíseo no qual impera o silêncio tático, em que jogador espera o momento certo para dar o bote. Afinal a ausência de expressão também comunica e não deve ser vista simplesmente como o contexto do discurso. 28 Não é também o silêncio obsequioso que tão bem caracteriza o repentino cessar das prédicas e tagarelices dos intelectuais engajados. Exemplo desse tipo de recolhimento à quietude ocorreu em 2005, no Brasil, após a imprensa ter desmascarado a profunda corrupção da administração federal. O silêncio de proeminentes intelectuais que apoiavam fervorosamente o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e que tão cheios de si costumavam em governos anteriores disparar receitas salvacionistas, chamou a atenção, provocou a ira de muitos e despertou o debate sobre o papel que eles devem desempenhar na sociedade brasileira. Por que calaram, logo agora que a realidade lhes desmentia o verbo e a estampa, perguntavam articulistas e comentaristas. É verdade também que nem todo diálogo é honesto. Nele pode imperar a manipulação, a mentira e a distorção. Pode ocorrer um tipo de cálculo no qual o interlocutor é classificado como amigo ou inimigo dependendo do interesse do que está em jogo e de como ele atua na conversação. 29 Nesse caso de comunicação teleológica, de acordo com a formulação de Habermas, o sucesso é avaliado se certo efeito ou resultado é obtido. Já o autêntico “diálogo comunicativo” ocorre quando os atores envolvidos estabelecem relações interpessoais, visando a compreensão mútua. Habermas alerta, no entanto que falhas podem ocorrer, especialmente nas discussões e debates, pois nesses casos acaba-se bloqueando e confundindo ”a ação social”. 30 Dito de outra forma, esse tipo de ponderação filosófica almeja um resultado terapêutico cuja obtenção não é nem fácil nem simples. Não esconde, por isso mesmo, sua natureza utópica face à dificuldade que os indivíduos têm de colocálo em prática. Como referido, o diálogo nesses termos ideais serve aos fins da 28 ACHESON, Kris. Silence as Gestura: Rethinking the nature of communicative silences. Communication Theory. v.18, n.4. nov. 2008, p. 535. 29 HABERMAS, J. The theory of communicative action. Vol.1: Reason and the rationalization of society. Boston. Beacon Press. In Joohan Kim and Eun Joo Kim. Theorizing Dialogic Deliberation. Coomunication Theory v.18, n.1, Feb 2008. p.51-70. 30 HOVE, Thomas. Understanding and Efficiency: Haberma’s Conc ept of Communication Relief. Communication Theory, v.18, n.2, maio de 2008. p.240-254. 62 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS resolução de conflitos variados, seja no âmbito familiar, seja entre grupos humanos e nações. Tem sido utilizado com frequência por mediadores sociais. O que se observa, no entanto, é que há sempre uma causa, uma ideia e um interesse caro e distinto que comove sobremaneira os que estão interagindo, dividindo-os. O afago e a tolerância pela ponderação alheia muitas vezes ou vem cercado pela polidez do politicamente correto (que disfarça certo tipo de cálculo egoísta) ou surge falsamente na ruminação da militância. Em suma, a polêmica sobrepõe-se com facilidade ao diálogo. A guerra é mais facilmente obtida que a paz. Essa tem sido uma das críticas mais frequentes às formulações esperançosas de Habermas. O ”diálogo comunicativo” demanda um tipo de discurso racional, difícil de obter e produzir. Ele deve ser não ideológico e livre de restrições e disponível ao melhor argumento. 31 Contrariado com o papel desempenhado por boa parte dos intelectuais nesse tipo de desencontros e noutros, Karl Popper manifesta mal-estar contra a ”arrogância dos pretensamente instruídos”. Denuncia a ”verborreia”, definida por ele como “o pretensiosismo de uma sabedoria que não possuímos. 32” Rejeita as palavras grandiloquentes, obscuras, impressivas e ininteligíveis, um “estilo que deveria deixar de ser admirado ou sequer tolerado pelos intelectuais. 33” Diz que o verdadeiro iluminista, o racionalista genuíno, jamais pretende persuadir. “Na realidade ele nem sequer deseja convencer, pois está sempre consciente de que pode enganar-se. 34” Rejeita intensamente o utopismo presente no discurso de muitos desses pregadores, uma espécie de doença que acaba afetando o linguajar e o trejeito dos falsos messias. 35 Por isso dá ênfase ao esforço crítico que deve colocar em xeque formulações teóricas. Isso é mais importante do que tentar colecionar evidências em seu favor. Não se deve justificar teorias. Deve-se tentar refutá-las. As que sobreviverem ao bombardeio crítico são as que devem ser saudadas. O papel em boa medida diversional que esse tipo de confronto entre polemistas acabou assumindo aos olhos do público é uma mutação que responde 31 Ver WEHRE NFE NNIG, Daniel. Conflict Management Communication Theory. V.18, n.3, agosto de 2008. p. 356-377. 32 Em busca de um mundo melhor. p. 90. 33 Ibid, p.173. 34 Ibid, p.187. 35 A Sociedade Democrática e Seus Inimigos. p.179. and Communic ative Action. 63 JACQUES A. WAINBERG ao novo contexto social que obrigou a retórica política a se adaptar às condições do público receptor. Cabe recordar que mais de 42 milhões de adultos norteamericanos, 20% dos quais terminaram 12 anos de escolaridade básica, não conseguem ler. Outros 50 milhões leem como se lê na quarta ou quinta série. Um terço da população dos Estados Unidos é levemente alfabetizada. Um terço dos graduados das escolas médias junto com 42% dos graduados universitários nunca leram um livro depois que terminaram a formação escolar. Em 2007, 80% das famílias dos Estados Unidos não compraram um único exemplar. Esses dados ilustram o tipo de linguagem que os persuasores são obrigados a utilizar por decorrência em seus enfrentamentos levados a cabo de forma indireta geralmente através da mídia. Um estudo da revista The Princeton Review analisou as transcrições dos debates entre Al Gore e George Bush, em 2000, entre Bill Clinton e Ross Perot, em 1992, entre John Kennedy e Richard Nixon, em 1960 e entre Abraham Lincoln e Stephen A. Douglas, em 1858. Utilizando um vocabulário padrão, capaz de indicar um nível mínimo que habilita um indivíduo compreender a leitura de um texto, o estudo concluiu que George Bush falou como se fala aos estudantes da sexta série (6.7) e Al Gore aos alunos da sétima (7.6). Em 1992, Bill Clinton falou no nível da sétima série (7.6) enquanto George H.W. Bush falou no nível da sexta (6.8) assim como H. Ross Perot (6.3). Kennedy e Nixon falaram no nível dos estudantes que completaram 10 anos de escolaridade. Lincoln e Douglas por sua vez falaram respectivamente num padrão de vocabulário equivalente a 11ª. série e a 12ª. série. Ou seja, a retórica política de hoje naquele país está no nível médio aproximado de um jovem com até 10 anos de estudos ou de um adulto com capacidade de leitura equivalente à sexta série. Segundo Chris Hedges, no blog Truthdig (12 de novembro de 2008), isso ocorre porque esse é o padrão linguístico que a maioria dos cidadãos dos Estados Unidos utiliza nas suas conversações, nas suas reflexões e com o qual se diverte. Isso também explica porque a obra cultural mais sofisticada está sendo marginalizada. Chris Hedges diz com ironia que enquanto no século XVIII Voltaire era o personagem mais famoso hoje em dia ele é Mickey Mouse. A situação brasileira é ainda pior. Dados de 2007 do PNDA mostram que 21,6% dos brasileiros são analfabetos funcionais e 10% são analfabetos 64 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS absolutos. Ou seja, 31,6% da população do país não possui domínio pleno da leitura, da escrita e das operações matemáticas. Estima-se que entre 800 e 900 milhões de pessoas no mundo estejam nesta situação, ou seja, não podem ler uma história para seus filhos, não podem consultar o cardápio de restaurantes, não podem ler os ingredientes de uma embalagem de alimento ou remédio, não podem ler e entender um jornal ou uma revista, não podem ler as instruções de segurança de um equipamento. Por tudo isso, Chris Hedges denomina esse novo tempo de pós-literário. Nele as ideias mais complexas são inacessíveis a maior parte das pessoas. Estímulos frequentes e incessantes são sempre necessários para atrair e dominar a atenção do público. O produto cultural é julgado não por seu mérito, mas por sua capacidade de entreter. Deriva desse fato a ojeriza que este e outros intelectuais sentem em relação a esse tipo de ambiente em que a cultura denominada de elite tornou-se inacessível e impenetrável a maior parte das pessoas. Ele recorda que Hanna Arendt já tinha chamado a atenção ao fato de que a mercantilização da cultura poderia por fim degradá-la. Nessas condições a capacidade de um indivíduo conseguir pensar com autonomia e divergir fica muito restrita ou até mesmo inviabilizada. Agora que a mídia audiovisual deslocou a imprensa e abalou a tradição da leitura, além da imprensa radical, alternativa e independente também a nova e emergente blogosfera serve de abrigo e refúgio aos comentaristas mais indispostos e arredios ao enquadramento que o gênero infotainment procura fazer desses personagens. Tornando-os celebridades da TV e do rádio, tornam-se palatáveis ao público. Convertem-se também em estrelas de um firmamento que alimenta o cardápio de atrações das emissoras e de seus departamentos de marketing. Nessas circunstâncias de exposição massiva, as línguas ferinas são geralmente dobradas. O apelo ao senso comum é quase irresistível, e o tratamento que dão a temas graves ocorre entre quadros de receitas de bolo, a cantoria de alguma estrela da música rancheira e o desfile de lingeries da nova estação. Essa limitação explica porque agora a blogosfera é uma das novas fronteiras do polemismo mais autêntico. Ela autoriza a expressão e o pensamento sem as limitações que o caráter diversional da televisão impõe aos comentaristas sociais mais críticos e inquietos. 65 JACQUES A. WAINBERG O tom de aparência anárquica das postagens de mensagens, informação, comentário e crítica na web prometem ao polemista grau superior de liberdade e ousadia. Não raro, eventual sucesso nesse ambiente virtual remete o blogueiro a uma exposição maior na mídia convencional. Curiosamente, há hoje um crescente tráfego entre as emissoras tradicionais e esse ambiente alternativo. Celebridades da televisão lançam blogs triviais e os ácidos críticos sociais convertem-se em personagens do jornalismo eletrônico e da imprensa. Alguns deles lançam livros que vendem como best-sellers. Foram os casos de Salam Pax, Ellen Simonetti e Jéssica Cutler. Hoje há inclusive um prêmio para este tipo de obra, o Blooker Prize, cujo vencedor de 2007 foi Colby Buzzell, autor de My War – Killing Time in Iraq. O protesto blogueiro permite a muitos desses personagens evitarem o filtro usual exercido ao fluxo das informações nas redações de jornais, revistas e emissoras de rádio e TV. Respeitando hábitos e costumes da rotina diária, jornalistas vinculados à mídia tradicional acabam produzindo blogs comedidos enquanto outros abandonam as empresas e encontram nesse espaço virtual uma rota de fuga ao jornalismo independente. Outra experiência bem sucedida desse mundo virtual foi realizada por John Brockman, fundador do site Edge (http://www.edge.org). É na verdade um dos mais consagrados endereços intelectuais da web. Nele reúnem-se para conversar personagens de todas as ciências, as humanas, as sociais, as tecnológicas e as científicas. E os temas são os palpitantes, os capazes de provocar a curiosidade, a ira e a incerteza de muitos. Com frequência, ficcionistas encontram-se com biólogos num tipo de evento raro de acontecer. Esses ”intelectuais públicos” incluem hoje também autores interessados em temas bem distantes das reflexões utópicas, ensaísticas e políticas tão comuns no ambiente latino-americano e brasileiro. Bronckman denomina essa tendência de ”Terceira Cultura”. Ela reúne cientistas e outros pensadores do mundo empírico que em sua opinião estão tomando o lugar dos intelectuais tradicionais na tarefa de tornar visível o sentido mais profundo de nossas vidas. Afirma que nos Estados Unidos o intelectual tradicional está sendo marginalizado. Hoje, já não basta uma qualificação sobre os ensinamentos de Freud, Marx e outros pensadores. Diz que os intelectuais de seu país estão tornando-se 66 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS reacionários e orgulhosamente ignorantes de muitas realizações marcantes de nosso tempo. A cultura que eles praticam desconsidera a ciência e com frequência não é empírica. Usam um jargão superado. Fazem comentários de comentários perdendo-se qual pilpulistas pós-modernos. Brockman rebela-se contra a aplicação do termo intelectual somente aos autores ”literários”. Agora é a hora de incluir no termo cientistas como o astrônomo Edwin Hubble, o matemático John von Neuman, o pai da cibernética Norbert Wiener, o físico Albert Einstein e outros como Niels Bohr e Wener Hsisenberg. Agora a ciência tornou-se visível, ao contrário de décadas passadas. Revistas e jornais estão dando a atenção devida aos ensinamentos dessa nova classe de pensadores. E os cientistas começaram a se comunicar diretamente com o grande público numa forma compreensível e inteligente. O termo ”Terceira Cultura” acabou emprestado de C.P. Snow que propôs na segunda edição de seu livro The Two Cultures (1963) o surgimento dessa nova categoria. No caso, a ciência e os seus protagonistas, os cientistas. Temas como a biologia molecular, a inteligência artificial, vida artificial, a teoria do caos e redes neuronais já são de domínio público. Da mesma forma tópicos como fractais, sistemas complexos adaptativos, biosfera espacial, realidade virtual, ciberespaço tornaram-se igualmente populares. E o que diferencia esses ”intelectuais públicos” de outros é que eles ”podem tolerar desacordos sobre que ideias podem ser consideradas sérias”. Não há dogmas nem cânones. A ”Terceira Cultura” não resulta de questões menores e marginais, mas de problemas que afetam a vida de todos no planeta. Para Bronckman, um intelectual deve se comunicar e assim formatar os pensamentos de sua geração. É um sintetizador de ideias e do conhecimento. Agora, no entanto, não é um pequeno grupo de pessoas que tem essa capacidade de influenciar a sociedade. A tocha do saber estaria trocando de mãos. Das mãos dos literatos a dos cientistas, os personagens centrais da ”Terceira Cultura”. E os que estão presentes no Edge são estes. São eles que estão na fronteira do saber. Por isso, intelectual é um termo que inclui hoje biólogos como Stephen Jay Gould e Richard Dawkins, essa última celebridade que aparece nas listas dos autores mais influentes do mundo na atualidade; psiconeurologistas como Daniel 67 JACQUES A. WAINBERG C. Dennet e Steven Pinker; físicos como Murrey Gell-Mann e Stephen Hawking e pesquisadores de sistemas complexos como Stuart Kauffmann e W. Daniel Hillis. Por fim, cabe assinalar o mérito que Edge tem: proporciona ao público aquilo que os pesquisadores universitários têm tanta dificuldade de realizar em seus estudos, a interdisciplinaridade. 68 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS O PAPEL MARGINAL DO POLEMISTA _______________________________________________________________________________________ A missão de um polemista é romper com o trivial. Tal tarefa é ameaçadora, pois desqualifica em certa medida o equilíbrio existente. Torna o senso comum absurdo. Abala a autoestima de quem se considerava donatário de verdades absolutas. Verdades estas, muitas vezes, obtidas com esforço existencial. Por isso há sempre uma dimensão afetiva em tais conflitos de ideias. A torcida se apega emocionalmente à fala de um debatedor tornando-se surda à argumentação do outro. Busca reforço às suas crenças, multiplicando anticorpos (racionais e afetivos) capaz de fazer frente ao que lhe é estranho. É propriedade do pensamento o conservadorismo, e qualquer distúrbio a tal estrutura através da qual vemos o novo com as lentes embaciadas pelo velho faz o corpo todo adoecer. Tal exposição seletiva às mensagens é, em certa medida, uma reação física do aparelho perceptor que, como antessala da recepção, torna o emergente nalgo ameaçador. Sabe-se há muito tempo que a comunicação humana está permeada por tais obstáculos, por essa rara incapacidade humana de ouvir verdadeiramente o outro. O que não é trivial tem, como se vê, forte barricada a enfrentar. Nela habita em especial o amor próprio, fustigado, nesses casos, pelo dissabor de ver a incerteza chegar. É o posicionamento estratégico do polemista no sistema que lhe assegura a ousadia e a coragem que tal tarefa demanda. Como malabarista da fala, cabelhe sempre surpreender a guarda, seja do inimigo, seja da audiência. É próprio de quem vive ou se coloca à margem ser um fronteiriço, ser alguém que está na beirada de vários mundos ao mesmo tempo. É um inovador que junta peças dispersas e cria um novo ser. A polêmica, por isso, é sempre um show de esgrima no qual o inimigo é visível, mas distante para conseguir mobilizar seus efeitos de cólera e paixão, tal controvérsia é pública sempre e não titubeia em aprisionar no alvo o opositor. Ele é inimigo mesmo, cabe ressaltar. A disputa é pessoal, raivosa. A luta disfarça-se da retórica da razão, mas é cabra mandada do coração. O opositor é citado à exaustão. Não cabe nesse tipo de confronto disfarces em profusão. Ao contrário: 69 JACQUES A. WAINBERG a troca de farpas é frontal, sempre. Nessas condições, provocações são feitas de ambas as partes. É da natureza da performance o dedo acusador e a fala rotuladora. É mais fácil assim: revela-se ao público o que se espera mesmo de galos de rinha – bico afiado e coragem teatral. Ou seja, observando-se os insultos fica-se a pensar que tais personagens não medem as consequências de suas aparições. O rompante é uma verdadeira avalanche simbólica. Passa como um estrondo, atordoante. Deixa marcas, feridas. Pretende-se arrasador. O opositor não lhe foge à mira: é tratado de forma rude. Nesse ambiente viciado, todos são impiedosos. O polemista com frequência faz também o papel de Advogado do Diabo (Advocatus Diaboli). Em poucas ocasiões como essa o Diabo é tão celebrado. A imagem cabe-lhe perfeitamente. Curiosamente, esse realce foi dado pela própria Igreja Católica preocupada em evitar que alguém fosse beatificado e canonizado sem os devidos méritos. Para testar a santidade do candidato um advogado canônico era apontado para fazer o papel de contestador. Tinha a obrigação de examinar e duvidar dos méritos e das evidências do provável santo e de seus milagres. Esse rito foi estabelecido em 1587 pelo Papa Sisto V, sendo finalmente abolido pelo Papa João Paulo II em 1983. Isso lhe permitiu canonizar mais rapidamente quase 500 pessoas e beatificar mais de 1300 (os papas que o tinham antecedido no século XX tinham canonizado somente 98). Ao longo da história o apologista lhe fez oposição. Este tipo de polemista tem missão contrária, a de defender uma fé. Exemplos foram os apologistas judeus em seus enfrentamentos teológicos e políticos contra o helenismo, o paganismo e o cristianismo entre outros alvos. Eles apareceram também nas páginas do Talmud, nos embates filosóficos travados entre rabinos e pagãos. Na Idade Média e Renascença destacaram-se ente muitos David Kimhi, Jospeh Kimhi, Judá Halevi e Moises Mendelson. A estratégia retórica destes sábios, entre outros, utilizada à exaustão até hoje por debatedores variados (editorialistas, por exemplo), foi citar o argumento opositor e refuta-lo integralmente. Defenderam-se de acusações, explicaram sua crença, denunciaram calúnias. Na verdade, essas ações são típicas de apologistas variados que atuam hoje nos programas evangelizadores do Islã 36 e de outras religiões. Exemplos são o anglicano C. S. 36 Ver o site http://www.examinethetruth.com/ 70 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Lewis, o evangélico Norman Geisler, o luterano John Warwick Montgomery, o presbiteriano Francis Schaeffer, e os calvinistas Gordon Clark e Cornelius Van Til. Na Igreja Católica obras como Cidade de Deus de Santo Agostinho e Summa Teológica de Santo Tomás de Aquino são referidas como exemplos do seu esforço apologético. Como mencionado, o catolicismo enfrentou ao longo da história disputas, ora contra os judeus, ora contra os protestantes, e ora ainda contra os muçulmanos, ateus, comunistas, agnósticos e muitos outros. Hoje tais disputas envolvem igualmente enfrentamentos de seus teólogos e filósofos com atores variados e sobre temas controversos do cotidiano. E da mesma forma que polemistas seculares e agnósticos tornaram-se celebridades da indústria cultural contemporânea por exercerem esse papel arisco de provocar e rebater, os apologistas tornaram-se na história da Igreja celebridades exatamente por exercerem a missão oposta, ou seja, a da defesa do cristianismo. Tal debate de ideias ideológicas e teológicas não cessou, embora apareça hoje em dia sob o disfarce da polidez e do politicamente correto. Ele é intenso e mais agressivo hoje em dia na web. O número de sites dedicados tanto à difusão dessas visões religiosas e ideológicas como de combate a elas não para de crescer. Como insinuado nas linhas anteriores, há quem provoca o embate com prazer e com sabor, a despeito da existência de tema polêmico, da imprensa antiestablishment e de eventuais coberturas jornalísticas controversas. Por isso, o polemista é um personagem raro para existir independe desses três fatores. É, na verdade, um ser sui generis: deseja estar onde todos recusam ficar, na margem do que se convenciona chamar "senso comum." Sobre esse tema cabe lembrar o que nos diz Jody Berland, especialista em geografia das comunicações da York University. “Que é uma margem?”, perguntou ele, a um amigo seu. 37 “É o que está fora do corpo do texto”, respondeu-lhe o amigo. “É o que mantém a página unida. É também onde você escreve as notas”. A reflexão da autora sobre tal descrição da margem permitiu-lhe listar uma série de perguntas que ajudam a construir uma teoria do polemista como 37 Space at the Margins: critical theory and colonial space after Innis, In ACLAND, Charles & Buxton, WILLIAM, J. Harold I nnis in the New Century. Reflections and Refractions. McGill-Queen’s University Press, 1999. p.281-308. 71 JACQUES A. WAINBERG marginal. Pergunta-se ela: “que texto está na margem, e como lá se mantêm? Em que medida a forma da margem é determinada pelo texto? E o texto, é definido também por sua margem? Ainda: o texto marginal reivindica posicionamento e inclusão no corpo principal do texto do qual ele está distante, observando?”. O polemista ao desempenhar o papel marginal trata de por em contato mundos entre si, geralmente o conhecido com outro que está por vir, vivo somente em sua mente de profeta maldito. Tais personagens agitam a vida comunitária, causam desconforto e vivem a ambígua situação de serem amaldiçoados e venerados ao mesmo tempo. Ao longo da história da imprensa brasileira essa figura do polemista surgiria no cenário jornalístico repetidamente. Ele se destaca por uma rara habilidade: animar-se do tempo e problematizar, por vezes com ousadia e falta de decoro, a rotina mesma de todos os dias, ocupando por vezes espaço nas publicações mainstream. É seu repentino surgimento no jornalismo de aparência circunspeta que dá a sua intervenção um vigor que tais manifestações usualmente não possuiriam. Ou seja, uma aparência de nítido caráter oposicionista ou crítico. Sua arte é peculiar: faz emergir a disputa onde ninguém esperava. Por hipótese, qualquer tópico tem a potencialidade da controvérsia. Basta, para isso, que intervenha esse agente perturbador. Ele possui a rara habilidade de propor a ambiguidade onde antes reinava a certeza. Se ele ali não estivesse, não haveria naturalmente o embate. É sua provocação que faz eclodir o confronto. Age sempre embalado por causas de aparência nobre, como que disfarçado de um civismo radical. A tese é que também no jornalismo tal personagem consagrou um gênero especial de narrativa. Por isso, cabe a poucos o rótulo de polemista. Embora comentaristas possam se valer de temas polêmicos, da imprensa polêmica ou ainda de coberturas polêmicas, a marca do polemista é original: esse personagem vive no seio do sistema para dele nutrir-se e apresentar, qual sanguessuga, um olhar inesperado sobre o mais usual dos hábitos e costumes sociais. Afirma-se aqui, por decorrência, que há no jornalismo em geral, e no brasileiro em particular, um gênero esquecido. Figuras como Assis Chateaubriand, Samuel Wainer, Odorico Mendes, Eça de Queiroz, Plínio Correa 72 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS de Oliveira, Paulo Francis, Machado de Assis, Glauber Rocha, Nelson Rodrigues, Roberto Campos, Carlos Lacerda, Hélio Fernandes, Rui Barbosa, Gregório de Matos, Olavo de Carvalho, José Guilherme Merquior entre outros, em diferentes períodos da história da imprensa brasileira, têm algo em comum: como articulistas e cronistas provocaram e desafiaram as certezas estabelecidas. É disso que trata a polêmica na qual todos foram e são mestres. Um dos exemplos marcantes desse tipo de personalidade é Paulo Francis. Ele afirmava que era um saltimbanco que gostava de uma plateia. Sua conversão do trotskismo ao conservadorismo foi provocadora. Uma conversão em largo estilo. Ao optar por seguir os passos de Roberto Campos, o polemista que habitualmente fazia contraponto à esquerda brasileira, trocou de plateia e manteve a audiência sob êxtase, como sempre. A semelhança dos polemistas em geral, não agiu como repórter. Por vezes, desconsiderava totalmente a coleta de dados. O que importava eram as imagens que tinha do mundo. Sua língua era agressiva, como agressivos são os polemistas. Disse que a Avenida Brasil tinha fedor de carniça; acusou o embaixador do Papa de garantir um descontrole da natalidade; lembrou que em seu tempo de vida no Rio Copacabana era limpa, "chique até e habitada por gente que parecia banhada e vestida decentemente (...). O chiqueiro atual é fruto da referida ignorância, pobreza e doença (...)." Após sua morte, o galardão de principal polemista do país tornou-se emblema em disputa. Passaram a concorrer com estilos diferentes ao título Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Arnaldo Jabor e Olavo de Carvalho, entre outros. Este último, ao criticar a esquerda brasileira, a quem fustiga permanentemente em seus ácidos artigos, diria, por exemplo, ao estilo de Francis: "(...) meus objetores pertencem em geral a um mesmo grupo social, pelo qual não se poderia avaliar a inteligência dos demais brasileiros: o grupo dos intelectuais esquerdistas e das pessoas afetadas, de algum modo, pela linguagem deles. Não me surpreende que esse grupo reúna o grosso do contingente de cretinos e incapazes, pois as formas direitistas de cretinice saíram da moda e refluíram para o círculo fechado dos grupelhos pseuso-esotéricos que vivem de uma inofensiva auto-adoração.” 38 38 O Irracional Superior, Época 12 de fevereiro de 2001. Seus livros de filosofia são Aristóteles em Nova Perspectiva, O Jardim das Aflições, O Futuro do Pensamento Brasileiro. Suas traduções 73 JACQUES A. WAINBERG Outro personagem ferino, de outro tempo, marcou a paisagem brasileira. Carlos Lacerda ficou conhecido pelo seu gênio e humor. Por exemplo, ao criticar a televisão, diria: A geração que cresce com os olhos pregados na televisão, ouvindo a voz dos estranhos mais do que a do pai, mãe e professora, tem o direito de esperar que façamos da eletrônica um instrumento da educação e não da cretinização. A tevê não é, não pode ser apenas um meio de alguns ganharem dinheiro, com intervalos lúcidos. A famosa ’civilização cristã’ não pode ser defendida o dia inteir o pelo Batman e, de vez em quando, pelo monólogo de um figurão que vende seu peixe, ou um debate que usa muitas palavras para dizer coisa nenhuma, lançando mais confusão 39 do que idéias. O já referido Gregório de Matos, de formação nobre e sofisticada, também surpreendeu. Sua sátira marcou época. Rompeu com a Corte e libertou-se dos controles. Posicionou-se estrategicamente, na margem: ao lado dos brasileiros e das classes pobres. Em “Torna a Definir o Poeta os Maos Modos de Obrar na Governança da Bahia, Principalmente Naquela Universal Fome, que Padecia Cidade” Gregório de Matos diz: Epílogos 1. Que falta nesta cidade? ................................. Verdade Que mais por sua desonra.............................. Honra Falta mais que se lhe ponha .......................... Vergonha O demo a viver se exponha Por mais que a fama a exalta, Numa cidade onde falta Verdade, Honra, Ver gonha. 2. Quem a pôs neste socrócio? ............................ Negócio Quem causa tal perdição? ............................... Ambição E o maior desta loucura? ................................ Usura. Notável desaventura De um povo néscio, e sandeu Que não sabe, que o perdeu Negócio, Ambição, Usura. anotadas são Como V encer um Debate S em Precisar Ter Razão, de Schopenhauer. Entre seus livros de polêmica está O Imbecil Coletivo. 39 Rosas e pedras do meu caminho. 74 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Sua popularidade entre os marginalizados vem daí. Escreve para eles. A igreja tenta calar-lhe o verbo. Oferece-lhe a batina. Ele a recusa. E vai além: abandona a mulher e filho, fecha o escritório de advocacia, deixa-se absorver pela civilização baiana de seu tempo. Clama em seus versos sua opção, a denúncia social. Como diz seu comentarista, James Amado: "Os engenhos são seu hotel; ele come, bebe e ama sem ter dinheiro, a poesia esquece a sátira moralizante e assume a alegria saudável dos novos valores.” 40 Assis Chateaubriand marcou igualmente sua época. Sua lista de inimigos é infindável. Sua tática: a guerrilha difamatória e o achaque econômico. É o ator estratégico de um tempo no qual tal personagem era híbrido, verdadeiramente: visão profética de um Brasil que se faz cultivada num espírito de bandoleiro que massacra com prazer. Em mais de 20 mil artigos desenvolve esse espírito de cabra da peste. Esse polemista cria o maior conglomerado de comunicação do país para fazer valer a sua voz – e a de seus articulistas, que lhe multiplicam o verbo. Verdadeira artilharia pesada que desenha uma ideologia, um mesmo sonho e lista os mesmos inimigos para desmanche. Nesses textos estão presentes todos os elementos da polêmica acima assinalados. Aproveita-se do trivial e problematiza o senso comum. Aponta o dedo acusador e desfere com vigorosa voz impropérios à direita e esquerda, qual um esgrimista. Seu inimigo preferido: Getúlio Vargas. Mas também Samuel Wainer, Roberto Marinho e tantos outros. Quem, num dia, lhe faz afagos na esperança de obter salvo-conduto, poderá repentinamente receber traição ampla, como muito bem sabem os militares brasileiros, que lhe cultivaram apoio em 1964, para em seguida terem-no como inimigo na trincheira. Nesse zigue-zague no tempo cabe um retorno aos anos de 1800. No caso, o mestre Machado de Assis também nos ensina algo sobre polêmica em suas mais de 600 crônicas, da série Bons Dias, publicadas na Gazeta de Notícias. Como nos diz a resenha de John Gledson, 41 tais textos não foram escritos para a posteridade e sim para os leitores que partilhavam esse tempo. Interessava a Machado de Assis os escândalos triviais de 1889. De resto, é o que i nteressa a qualquer cronista – esse é o estilo que dá conta do tempo corrente. Sob 40 41 Crônicas do viver baiano seiscentista. 1969. ASSIS, Machado de. Bons Dias. Ed. Hucitec/Unicamp. SP:1990. 75 JACQUES A. WAINBERG pseudônimo, abandona a ficção. Seus textos "pretendem sacudir o leitor e levá-lo a uma consciência crítica de que elas não são meras apresentadoras da realidade", diz Gledson. Entre seus temas preferidos estava seu ceticismo em relação a certos tipos de medicina; caçoava do político César Zama; do pedantismo linguístico de Antônio de Castro Lopes e do espiritualismo. Outro polemista oitocentista é Rui Barbosa. Elabora no Radical Paulistano – ”A Emancipação Progride”. No Diário da Bahia alardeia ”Pelos Escravos”. NO País afirma em ”O Bezerro de Palha” que Há, entre as populações rurais da Escócia, um costume singular que os partidos políticos parecem ter parodiado em algumas das suas artes. Quando a teta, mungida com insistência, recusa ao campônio o leite saboroso, um couro de novilho, ajeitado e recheado de palha, basta para fazer verter copiosamente. Há espantalhos contra o progresso das boas causas, que são ver dadeiros empalhamentos, ou empalhações partidárias, amanhadas para extrair à população incauta e honesta o leite da sua força sob a forma de votos. No Diário de Notícias argumenta sobre ”O Nosso Rumo, Nossa coerência, Nossa veracidade, Nossa democracia, Nossa Ingratidão”. Nesse mesmo tempo Tobias Barreto também lançava mão da polêmica para fazer circular no nordeste brasileiro e no país suas ideias reformadoras. Os comentaristas chamam atenção para o caráter ”azedo e acintoso de seus textos, a visão asperamente depreciativa do seu meio cultural” e seu deslumbramento com a filosofia europeia. 42 Afirma, ao ponderar criticamente sobre a situação de isolamento do Brasil no século XIX, que “é preciso sujeitar-se à dolorosa operação de si mesmo, a fim de conseguir uma cura radical”. 43 Também Silvio Romero, mestre e companheiro de Barreto na Escola do Recife 44, era um polemista inveterado que depenava “quem lhe caísse nas unhas”. José Veríssimo afirma que “a tinta de escrever embriagava-o” a ponto de perder a cabeça. Araripe Júnior, companheiro de Veríssimo na Faculdade de Direito, costumava comentar que quando historiador sergipano chegou ao Rio de Janeiro comentava-se “que 42 CALAFA TE, Pedro. O Pensamento filosófico de Tobias Barreto. Universidade de Lisboa. BARRE TO, T. S obre a Filosofia do Inconsciente 1874. Estudos de Filosofia, edição dirigida por Luiz Antonio Barreto. SP, p.181 In Ibid. 44 Trat a-se de um frente formada por intelectuais reunidos na faculdade de Direito de Recife. Inspira-s e nas ideias de Comte, Darwin, Taine e na filosofia evolucionista de Spencer entre autores e pensadores. Advoga também o monismo e reage à filosofia oficial do império. Sua missão política era opor-se à monarquia. 43 76 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS uma cascavel, vinda dos sertões de Sergipe, tinha-se emboscado à rua do Ouvidor e ameaçava a todo mundo com a violência de sua mortífera peçonha”. Era nessa rua, em seus cafés, confeitarias e na Livraria Garnier 45 que se reuniam em ”igrejinhas” esses intelectuais venenosos que utilizavam a polêmica para desbancar os inimigos de ideias. Ali, no aconchego, costumavam elogiar os amigos do clube, sempre considerados gênios. Aos inimigos do lado sobravam os impropérios. Ou seja, esse estado de coisas foi a marca daquele tempo no qual a polêmica constituiu um tipo de diversão dessas ”panelinhas literárias” que lutavam entre si pelo escasso público leitor então existente. O espírito belicoso desse tempo foi registrado nos depoimentos coletados por João do Rio em O Momento Literário. “Quem deseja vencer, deverá começar demolindo”, diz nessa obra Félix Pacheco. Já Elísio de Carvalho se define como ”um homem de ideias extremas.” 46 Outra coletânea 47 reuniu 16 polêmicas não políticas que movimentaram o Brasil num século. Ali estão registrados os artifícios retóricos já referidos nesse tipo de enfrentamento. Por exemplo, José de Alencar agride em cartas remetidas ao Diário do Rio do Janeiro o poema épico ”A Confederação dos Tamoios”, de Gonçalves de Magalhães que por sua vez ganharia o apoio de vários aliados, entre eles até mesmo de Dom Pedro II. O embate se alastraria aos jornais Correio da Tarde e Jornal do Commercio. Joaquim Nabuco, por sua vez, enfrenta José de Alencar. Em pauta estava a influência da Europa na literatura brasileira. Outros personagens envolvidos nesse tipo disputa naquele período são, como já mencionado, Rui Barbosa (que enfrenta seu ex-aluno, o linguista baiano Carneiro Ribeiro), Oswald de Andrade e Monteiro Lobato. João do Rio é atacado em 1925, pelo cronista Antônio Torres que o chama de “uma manta de toucinho com dois olhos”. Sílvio Romero e Lafayette Rodrigues Pereira debatem com fervor sobre Machado de Assis. 45 Machado de Assis ia às tardes à Livraria para se encontrar com José Veríssimo, Lúcio de Mendonça e vários outros. Desse grupo e desses encontros nasceria a Academia Brasileira de Letras. 46 PEREIRA, Milena da Silveira. A Polêmica no final do oitocentos brasileiro. http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao20/materia01/texto01.pdf 47 BUENO, A. e E RMKOFF, G(org) Duelos no serpentário: uma antologia da polêmica inetelectual no Brasil 1850-1950. RJ: G. Ermakoff Cas a Editorial, 2005. 77 JACQUES A. WAINBERG Uma forma doce de polêmica e de aparência inocente acabaria sendo incorporada à cultura popular brasileira através da literatura de cordel e dos embates rimados entre repentistas. A característica central dos repentes é o desafio improvisado e trovado através do qual os músicos fazem suas apresentações, ora com instrumentos (viola, sanfona e pandeiro), ora sem eles (como ocorre no nordeste), com letras que, ora insultam, ora fazem adivinhações, tratam de enigmas, de histórias sagradas e de outros assuntos diversos. A prática já era comum na Idade Média quando então os trovadores perambulavam entre os feudos cantarolando seus versos satíricos. Cabe perguntar agora por que tais polemistas são populares? Por que gozam de status social? Por que balançam na corda bamba entre a veneração e o descrédito odioso de opositores ferrenhos? Que efeitos são esses que tornam o polemista uma celebridade? Há que se assinalar que como gênero é um sucesso, embora seja temido e, por isso mesmo, raro na imprensa brasileira atual. A Folha de São Paulo diz em seu Manual de Redação que "estimula polêmicas em suas páginas. Elas devem estar presentes em artigos e críticas, assim como refletir-se em reportagens e entrevistas. A Folha publica também discordâncias conceituais entre seus jornalistas". Esse jornal, à semelhança de vários outros, remete a presença do polemista e da polêmica em suas páginas à própria ideia de pluralismo e democracia. Simula nesses debates a controvérsia existente sobre os mais diversos assuntos na sociedade. Ao dar guarida a tais personagens vê cumprir seu papel de vigiar o meio ambiente, retratar a complexidade dos fatos e evitar um jornalismo panfletário e sectário. A verdade é que o polemista sente-se mais confortável no polo indisciplinado desse continuum que se origina no politicamente correto e termina no incorreto. Por isso, pelo menos no Brasil, sua presença é escassa na televisão, rara no rádio, ausente no jornalismo comunitário. Na mídia convencional, seu reduto são alguns jornais diários, geralmente das grandes capitais do país (como exemplificado), algumas poucas revistas semanais e alguns programas de jornalismo na televisão a cabo e emissoras de TV educativa e universitária. Depois lhe resta a mídia engajada, a imprensa alternativa (também escassa no Brasil democrático), a produção editorial e a Internet. O que se vê em profusão 78 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS são cronistas disciplinados que criticam o que todos criticam, dizem o que todos dizem, exaltam-se quando todos se exaltam, calam quando todos calam. Evitam migrar – nem que seja por descuido – ao pantanoso campo das ideias inesperadas. 79 JACQUES A. WAINBERG O INTELECTUAL: ENTRE A FÉ E A DESCRENÇA _______________________________________________________________________________________ É possível, portanto, acomodar o polemista na já referida categoria “intelligentsia”, palavra russa criada em 1860 e que remetia tanto aos pensadores independentes como aos oposicionistas. Ou ainda, na de ”homem de letras”. Depois, o já referido conceito “intelectual” passou a distinguir a classe de pessoas envolvida na produção de ideias e teorias, na sua disseminação e produção e que eventualmente possui uma especialidade que lhe provê a condição de autoridade cultural. Embora impreciso esse último termo permanece carregado de pompa, aura e veneração pública. Isso parece se justificar pela reverência que a sociedade tem dado ao longo da história aos pregadores em geral, os que denotam ou aparentam ter sabedoria, autoridade, segurança e, sobretudo confiança e ousadia profética. É verdade que certo percentual de intelectuais de boa aparência acrescenta pouco ou nada ao saber e à ilustração pública. Jogam o jogo da influência pública com a pose de douto sábio, muito embora se nutra simplesmente do aplauso da confraria e da estima dos afiliados. Por isso, o termo assumiu também tom pejorativo pelo descrédito público ao dilentantismo de muitos deles, assim como pela ojeriza que a gente comum sente à verborragia estéril. O termo foi também abalado pelo preconceito marxista ao ”intelectual orgânico”, o pensador que está a serviço dos poderosos e do ”sistema” político. Gramsci difere os intelectuais tradicionais (que como os professores, clérigos e administradores fazem durante uma vida e durante gerações a mesma coisa), dos que estão ligados a classes ou empresas na luta por mais poder e controle. Deve-se recordar que mesmo os intelectuais críticos não foram exceção a essa relação promíscua denunciada. Muitos deles serviram como cordeirinhos às ditaduras comunistas e outras em várias partes do mundo. Deram como ainda dão em muitos casos álibi moral à opressão política e ao terrorismo político e religioso. Essa denúncia não é nova e foi formulada em 1927 pelo crítico cultural e novelista francês Julien Benda (1867-1956) em sua obra A Traição dos Intelectuais. Ele celebrizou o ponto de vista oposto ao de Gramsci. A traição a qual ele se refere dizia respeito ao abandono à razão por pensadores 80 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS autodenominados radicais/críticos/progressistas que aderiram cegamente às paixões e ódios nacionais, de raça e de classes. Não raro as três apareciam juntas numa espécie de coquetel explosivo. Tal ódio serve, diz Benda, de amálgama à constituição de massas compactas e homogêneas, devotadas à disciplina, à militância e à ação. Os intelectuais denunciados não só tinham deixado de se interessar pela verdade como passaram a negá-la. As turbas enfurecidas e mobilizadas por essa gente passaram à luta de conquista de territórios, de conforto material e de poder. Estavam contaminados com as ideias do martírio e da honra. Benda criticou Nietzsche, Kipling, D'Annunzio, Sorel, Péguy, Maurice Barrès e a Ação Francesa liderada pelo direitista Charles Maurras. Reagiu também com vigor aos seus comentaristas, entre eles Gabriel Marcel, Jacques Maritain, Daniel Halévy e Jacques Rivière. Propôs algo difícil de imaginar hoje em dia: o afastamento do intelectual da temática mundana. O reino do pensamento é outro, propõe ele. A missão de um intelectual é apresentar os ideais de justiça e moralidade que não podem ser traídos por reis, monarcas e assemelhados. Esse tipo de militância no mundo celestial da cátedra têm sido repelido pelos engajados apaixonados e pelos intelectuais públicos midiáticos de hoje. Segundo Benda (1927), Os intelectuais não só adotam paixões políticas, mas o fazem com todos os traços de paixão: tendência à ação, avidez do resultado imediato, preocupação única com o objetivo, desprezo pelo argumento, exagero, ódio, idéia fixa. A adesão dos intelectuais a esta paixão serve como fortalecimento dessas paixões no coração dos leigos, pois além de remover o obstáculo de considerar interesses acima do mundo, ainda contribui com sua sensibilidade, sua força persuasiva e seu prestígio moral. No Brasil, mal-estar similar foi expresso pelo professor Roberto Romano. Em ”Intelectuais e Universidade” 48 ele afirma: Os intelectuais pretendem atingir o conceito mesmo do universal, com ele confundindo a sua pessoa particular. Deste modo, ser “crítico” significa anunciar, sem interrupção, a “verdade” do próprio discurso, e a mediocridade alheia. Este tipo interessante de pessoa forma-se na luta 48 Palestra proferida em 18 de junho de 1998 em debate promovido pela Associação de Docentes da UE RJ. 81 JACQUES A. WAINBERG para “ter razão” em todos os níveis da cultura, das ciências à ética. Mas como o universal concreto, o Eterno, não se abala com esta guerra de formigas (satirizada pelo riso amargo de Luciano, de Erasmo, de Diderot, de Voltaire, de Swift, de Joyce, de Kafka...) os intelectuais, rápido, dãose conta que suas “ver dades” limitam-se ao tempo, e com ele desaparecem. Donde a invenção de conceitos fantasmagóricos: a hispóstase das ver dades na Verdade, em maiúscula, seguida pela Beleza, pelo Bem. Assim, os intelectuais nunca se interessariam pelas pequenas coisas, eles se dirigem ao Absoluto. Donde, imaginariamente, seria uma perda de substância, de sua par te, “tomar partido”, ou se prender a esta ou aquela causa “mesquinha.” Todos os intelectuais autênticos julgam-se puros, dignos de unirem seu nome às divindades acima indicadas, ou seja, ao verdadeiro com maiúscula, ao belo, ao bom. Mas como todos estão imersos no tempo, e todos querem, simultaneamente, atingir o Absoluto, todos passam a maior parte de seu trabalho procurando destruir a obra dos demais. Sua realização, ilusória, passa pelo suicídio coletivo. Rápido, todos descobrem que o “desinteresse” alegado é uma impostura (Betrug). “Assim, o intelectual, sobretudo o que se deseja grande e célebre”, não se interessa de fato pela sociedade, pelo Estado, etc. Ele sonha com o "sucesso de sua obra; ele quer atingir uma 'situação', ter um 'lugar', um 'posto', no mundo dado (natural e social). Assim, ele não se sacrifica pelo Verdadeiro, pelo Belo, pelo Bem (...) o universo ideal que ele opõe ao mundo é fictício. O que o intelectual oferece aos outros não possui valor efetivo; ele os engana, pois. E os outros, admirando ou invectivando a obra e o autor, o enganam por sua vez, pois não o ‘levam a sério’. Eles enganam a si mesmos, pois acreditam na impor tância de seu ofício (a ‘elite intelectual’). A república das letras é um mundo de ladrões roubados”. Aos olhos do economista Friedrich Hayek, o intelectual é um vendedor de ideias de segunda mão, orgulhoso de “não possuir um conhecimento especial de algo em particular”, que não “assume responsabilidade direta pelos assuntos práticos” e que não necessita ser “nem mesmo particularmente inteligente” para levar a cabo sua “missão”. Outra razão de hostilidade aos intelectuais rebeldes é a percepção pública de que esses personagens são elitistas, dominam o cenário público com pompa e boa dose de falsidade. São vistos como pessoas que não são do povo e que não sentem os problemas comuns das camadas mais pobres e marginalizadas. Por isso, a perseguição aos mesmos não encontra por vezes reação popular. Em culturas religiosas, são percebidos com hostilidade como ateus indispostos às tradições mais caras das comunidades. Noutras são atormentados por desafiarem ditaduras e governos teocráticos, trazendo ideias cosmopolitas e universais hostis ao nacionalismo; por desviarem os jovens de uma educação prática, contaminando suas mentes com teorias e ideias radicais e pouco aplicadas. 82 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Exemplo recente de crítica desse tipo é a militância do intelectual David Horowitz nos Estados Unidos. Ex-trotskista, convertido ao neoconservadorismo, tem denunciado o que ele considera ser a doutrinação dos jovens do país a uma postura antiamericana por uma militante classe de acadêmicos de esquerda. Sua lista na qual denúncia 100 professores (The Professors. Most Dangerous Academics in America) provocou intensas discussões e fortes reações. Horowitz afirma que os radicais dos anos 60 obtiveram estabilidade funcional nas cátedras universitárias e agora transformam seus cursos em atividade ideológica e doutrinária. Diz que numa democracia deve-se ensinar os estudantes a pensar, e não o que pensar. Rebela-se contra iniciativas do tipo que transformou na Universidade da Califórnia (Santa Cruz) o Departamento de Estudos sobre a Mulher em Departamento de Estudos Feministas. Diz que há uma politização dos currículos. A liberdade de expressão deve ser assegurada a todos os cidadãos e aos professores para expressar-se em espaços públicos fora da sala de aula. Dos professores se espera, no entanto, que mantenham, como no caso de outras atividades, um comportamento profissional que os habilite aos privilégios do emprego. Em temas controversos sempre há dois lados e eles precisam ser equilibradamente apresentados, o que não ocorre em muitos casos, diz ele. A esquerda tem dada uma vigorosa réplica a esse tipo de afirmativa. O anti-intelectualismo dessa gente conservadora seria cobra mandada dos poderosos. Fazem de tudo para justificar o poder econômico e político concentrado em suas mãos. Manufaturam o consenso. A democracia liberal seria por decorrência uma falsa democracia. No caso brasileiro, os filósofos conservadores Olavo de Carvalho e Denis Rosenfeld são exemplos de alvo desse tipo de campanha de esquerda. No caso norte-americano não faltam exemplos, sendo Rush Limbaugh e Bill O’Reilly dois dos mais aguerridos comentaristas conservadores profundamente hostilizados pelos radicais e liberais do país. Na definição de Edward Said 49 um intelectual é um indivíduo dotado de uma vocação para representar, dar corpo e articular uma mensagem, um ponto de vista, uma atitude, filosofia ou opinião para (e também por) um público. E esse papel encerra uma certa agudeza, pois não pode ser desempenhado sem a consciência de se ser alguém cuja função é levantar publicamente questões embaraçosas, 49 Representações do Intelectual, Cia das Letras. 83 JACQUES A. WAINBERG confrontar or todoxias e dogmas (mais do que produzi-los); isto é, alguém que não pode ser facilmente cooptado por governos ou corporações, e cuja raison d'être é representar todas as pessoas e todos os problemas que são sistematicamente esquecidos ou varridos para debaixo do tapete. Assim, o intelectual age com base em princípios universais: que todos os seres humanos têm direito de contar com padrões de comportamento decentes quanto à liberdade e à j ustiça da parte dos poderes ou nações do mundo, e que as violações deliberadas ou inadvertidas desses padrões têm de ser corajosamente denunciadas e combatidas. Para este autor e pensador a morada de um intelectual é a fronteira. Vive entre mundos, como um náufrago e exilado. Desacomodado, inquieto, perturbado deve se empenhar em “não sentir-se em casa em sua própria casa”. Como um Sartre, como um Bertrand Russel, Susan Sontag e Theodor Adorno. Irritava-lhe a alma tanto o profissionalismo acadêmico que parecia poder domar o espírito endiabrado tão vocacionado ao controverso, como a especialização que impede a opinião fora de um campo específico de conhecimento. Atormentava-lhe o pragmatismo e os valores da competência. Na verdade, ”intelectual” é um termo que surgiu em ambiente inóspito, no fogo cerrado dos debates franceses sobre cidadania no já referido Caso Dreyfus. Ali a erudição de Émile Zola serviu ao propósito da crítica social, a despeito do senso comum e da adversidade política. Superou a mesquinhez e denunciou a mediocridade. Sua carta J’Acuse, publicada no L’Aurore, ganhou o apoio de escritores como Proust e Anatole France que junto com Zola assinaram o ”Manifesto dos Intelectuais” em defesa de Dreyfus. A partir dali o engajamento de pensadores e autores em causas públicas e políticas passou a ser tradição especialmente no campo da esquerda. O filósofo francês Jean Paul Sartre tem sido referido como exemplo recente mais bem acabado de ”intelectual engajado”. Envolveu-se na luta anticolonial ao lado dos argelinos, apoiou o regime comunista russo no pósguerra, distanciou-se de Raymond Aron por divergências ideológicas, tornou-se maoísta e manifestou-se sobre praticamente todos os problemas de seu tempo. No caso dos Estados Unidos termo similar e mais difundido é o já referido ”intelectual público”. Ele foi lançado por Russel Jacoby em seu livro de 1987, The Last Intellectuals: American Culture in the Age of Academe. 50 O conceito foi amplamente utilizado pelas revistas Foreign Policy (FP) e Prospect para organizar 50 Ver The Chronicle Review. Volume 54, Issue 18, Page B5. 84 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS os rankings dos intelectuais mais influentes do mundo, na Inglaterra e no espaço ibero-americano. O mesmo fez a revista O Debatedouro no Brasil. FP e Prospect definiram intelectual público como alguém que ”possui uma sólida obra e tem a habilidade de comunicar idéias e influenciar o debate internacional em temas distintos ao de sua especialidade”. Além disso, os incluídos nos rankings precisavam estar vivos e ativos na vida pública no momento da compilação dos nomes. Portanto, as listas (veja anexos) expressam a influência pública, e não o mérito de uma realização acadêmica ou científica. Ou seja, o que é realçado no conceito e avaliado no ranking é seu traço de polemista vibrante. Na obra, Jacoby lamentou a falta de sucessores a uma geração de pensadores que tinha dominado a cena por mais de 20 anos. Na sua visão a profissionalização acadêmica estava pondo a pique uma tradição de especulação teórica que tinha produzido autores originais e autodidatas do porte de um Daniel Bell, Gore Vidal e Kenneth Galbraith. Ele lembrou que Lewis Mumford e Edmund Wilson se distanciaram propositadamente da universidade e de seus hábitos. A prosa de ambos destinava-se a ganhar a popularidade de uma audiência não profissional. Recorda que Edmund Wilson remetia a todos que lhe pediam algo um postal no qual estava impresso: “Edmund Wilson não escreve artigos ou livros sob encomenda; não escreve prefácios ou introduções; não dá entrevistas ou aparece na televisão, e não participa de simpósios”. Não é o que se vê hoje em dia. Poucos intelectuais querem abandonar o conforto das universidades. Na verdade, dizem os críticos, estão entricheirados nela. Outro autor, o jurista Richard A. Posner, é ácido igualmente contra essa tendência. Na obra Public Intellectuals: a Study of Decline (2001) afirma que quanto mais atenção os intelectuais públicos ganham menos credibilidade acaba tendo o trabalho científico e teórico por eles produzido. Quanto mais eles se referem a temas fora de seu campo de especialidade, menos servem de referência aos colegas, “e por boas razões”. Na verdade, esse é um fenômeno cada vez mais comum nos países democráticos. A mídia distribui à população muita opinião, mas não qualquer opinião. Esses intelectuais são fontes consultadas porque aparentam ter alguma dose de credibilidade. Mas o que falta nesse mercado dos palpites é “controle de qualidade”, diz Posner. Com frequência tais pensadores acabam tendo algo a dizer sobre qualquer coisa, 85 JACQUES A. WAINBERG “muitas vezes de forma irresponsável”. E a audiência tem demonstrado dificuldade em avaliar com inteligência as opiniões que essa gente lhes oferece. Em boa medida, o que atrai os ouvidos e os olhos do público são a fama e o currículo desses falantes que passam a ocupar um papel similar aos dos astros do cinema. O que dizem e argumentam fica em segundo lugar. O que as pessoas buscam nesse tipo de manifestação é mais apoio as suas próprias crenças do que ilustração. Posner sente saudades dos livre-pensadores que não dependiam das regras universitárias. Hoje, ao contrário, é o professor o que ocupa com mais frequência esse palco dos microfones. Esse tipo de intelectual público, diz Posner, está numa posição muito confortável para dizer besteira e sair impune. “Não são cautelosos o suficiente.” Aponta como exemplo os truques de retórica de Noam Chomsky. "Seu método de discussão consiste simplesmente em mudar de assunto. Se alguém afirma que a intervenção ocidental em Kosovo foi um esforço justificável, ainda que ineptamente implementado, de evitar o genocídio da população albanesa, sua resposta é perguntar por que falhamos em proteger os curdos dos turcos". Paradoxalmente, apesar de ser crítico dos rankings dos intelectuais mais influentes, Posner acabaria criando sua própria lista dos mais citados (anexo 3). 51 No exame realizado por Dawisson Belém Lopes ( 52) da lista dos ”50 intelectuais públicos mais influentes do Brasil contemporâneo” de 2005, (anexo 4) foram assinaladas várias características desse novo personagem no país. Ele destaca o fato de que, de uma forma geral, os intelectuais públicos nacionais também se adaptaram aos meios de comunicação. Por isso, são por vezes depreciados e chamados pejorativamente de ”papagaios da mídia”. 53 A opção por essa ave que fala sem originalidade, repetindo o que outros já disseram, é intencional, como se vê. Como ela, esses oradores parecem dóceis e sedutores. Quando movem a cabeça e os músculos do pescoço demonstram afeto. Quando se esfregam querem dizer que gostam do interlocutor. Quando exibem a cauda querem afirmar que estão emocionados. Se arrancarem as asas é porque estão estressados. Estes traços que parecem ser as marcas desse 51 Como todos os rank ings desse tipo também o apresentado no livro de P osner encontrou fort e reação e crítica. Ver Reactions to Richard P osner’s Public Int ellectuals. Complete Review Quarterly. V. III n.2, may 2002. 52 Observatório da Imprensa. Int electuais Bons de Mídia. 7/11/2005. 53 Ver BELÉM, Euler de França. Chomsk y não é o int electual mais important e. Jornal Opção. 20 a 26 de novembro de 2005. 86 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS personagem em outros países foi lamentado por Russel Jacoby. Este comentarista parece ver a imprensa como um agente corruptor de um espírito que por vocação deve ser modesto e que no passado se mantinha propositadamente distante das discussões mundanas. Alguém que não se interessava em intervir nos debates corriqueiros da pauta jornalística e que concentrava sua energia na produção de uma obra capaz de sobreviver ao desgaste do tempo. O novo intelectual público da era eletrônica por vezes tem ou deseja ter igualmente uma obra pretenciosa, mas sua prosa alimenta e nutre agora em especial o que se convencionou chamar de jornalismo de opinião. Tornou-se por isso muito mais engajado, militante e participativo do que os pensadores da era tipográfica. O fato é comum também e em especial na França onde o intelectual desfruta de uma reverência pública excepcional. A geração de Sartre (Barthes, Althuser, Lacan, Foucault, Lévy-Strauss, Aron) já dava sinais de que os encontros nos salões literários e conferências intimistas entre ilustres não bastavam mais. Passaram a frequentar as páginas dos jornais e os debates públicos sobre os temas palpitantes, escrevendo, falando e também liderando manifestações de rua. Aprenderam como ninguém a utilizar os novos meios de comunicação para popularizar suas ideias e livros. Deram exemplo à nova geração de filósofos do país que se tornaram agora celebridades midiáticas por excelência. No caso brasileiro, boa parcela dos listados é de acadêmicos que ao atuar também como colunista e/ou articulista tenta influenciar o debate político do país. São os casos, por exemplo, de Marilena Chauí, Roberto DaMatta, Renato Janine Ribeiro, Emir Sader, Demétrio Magnoli, Marcelo Gleiser, José Murilo de Carvalho, Roberto Mangabeira Unger e Boris Fausto. Outras características assinaladas por Lopes na nominata apresentada no ranking nacional são: (1) a personalidade versátil do intelectual público do país (Chico Buarque de Holanda, Arnaldo Jabor, Ariano Suassuna, Jô Soares, Fernando H. Cardoso, Antônio Delfim Neto e Millôr Fernandes); (2) o fato de que a maioria é paulista e carioca, estados que desfrutam dos principais veículos nacionais de comunicação. A lista apresenta ainda (3) um traço de ”homem cordial”, graças à presença de personagens de aparência dócil e doce como Chico Buarque de Holanda, Luis Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro, Ariano Suassuna, Caetano Velloso e Paulo Coelho. No caso brasileiro, (4) os 87 JACQUES A. WAINBERG cientistas ”duros” permanecem bastante distantes da arena pública (somente Marcelo Gleiser, físico que conquistou certa notoriedade graças à sua coluna na Folha de São Paulo, aparece no ranking). A lista (5) é machista, com uma única mulher (Marilena Chauí) presente. A maioria está ligada (6) à esquerda brasileira, muito embora o intelectual ibero-americano escolhido pelos leitores em 2008, Reynaldo de Azevedo, seja um crítico ferrenho do PT e da esquerda brasileira e latino-americana, em geral. Sua antiga revista, Primeira Leitura, expressava esse ponto de vista arredio aos gritos de guerra lançados desde as barricadas chavistas, lulistas, petistas e comunistas. Sua prosa é crítica, afiada e sarcástica. Quando apresenta suas lições de como um polemista deve se comportar é irônico. Recomenda que ele deve ser “O primeiro a acusar o outro de agressivo”. O polemista deve “mudar sempre o objeto da polêmica”. O interlocutor deve ser acusado de vaidoso. “Diga que ele invadiu sua privacidade”, recomenda. Nas lições seguintes sugere: “Faça da dúvida sua única certeza”, “Seja um cosmopolita”, “Abuse do futuro-do-pretérito”, “Acuse o outro de fazer apenas o debate ideológico”, “Seja um bom pessimista”, “Renuncie ao triunfo, mesmo que (e especialmente), de fato, você não tenha triunfado”. 54 Já os dados do Google mostram a frequência e o grau de exposição dos personagens do telejornalismo brasileiro na web. O físico Alan Lightman 55, professor do MIT, descreve três níveis nos quais atua o intelectual público. Ele o define como uma pessoa treinada numa disciplina, pertencente a uma instituição, e que decide em certo momento de sua carreira comunicar-se com uma audiência muito maior do que a usual no ambiente universitário. O nível mais baixo é o restrito ao seu campo de especialidade. Limita-se a escrever e a se manifestar sobre temáticas limitadas a ele. O segundo nível é aquele no qual o intelectual faz relações entre seu campo de conhecimento e o ambiente social, cultural e político circundante. No terceiro e mais alto nível ele passa a simbolizar algo maior do que sua disciplina. Fala a grandes audiências sobre uma variedade de temas. É o caso de Einstein. Depois 54 www.supersitegood.com/atento/texto.php?mat=503 Alan Lightman é Professor de humanidades do MIT. É autor de duas novelas, Einstein's Dreams e Good B enito. Seus títulos de obras que não são de ficção incluem Origins: the Lives and Worlds of Modern Cosmologists (com R. Brawer), Ancient Light: Our Changing View of the Universe, e Great Ideas in Physics. Ver também The Role of the Public Intellectual. 55 88 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS de 1919 começou a se pronunciar sobre religião, educação, ética, filosofia e política internacional. O ensaísta e polemista Christopher Hitchens pondera que é necessário distinguir entre o ”verdadeiro intelectual” e os demais líderes de opinião, especialmente os vinculados ao mundo da televisão. 56 Ele se refere ao tipo de pensador que se estabelece fora da academia, sem ligação com editoras poderosas, e que inicia uma carreira de forma independente ou ligado a revistas alternativas. Ele recorda que Daniel Bell acabou entrando na universidade, mas só depois de receber o título de doutor (PhD) em reconhecimento a sua obra já produzida. Susan Sontag nunca teve um emprego regular, nem uma fonte de renda estável. Gore Vidal nunca estudou na universidade. O professor Ulrich Oslender, da Universidade de Glasgow, afirma que os intelectuais franceses estão cometendo um ”harakiri” coletivo. Não haveria em sua opinião um novo nome capaz de ocupar o lugar do falecido Pierre Bordieu, por exemplo. 57 O tão celebrado Bernard-Henri Lévy não passaria de um acomodado, um personagem da mídia. Nesse mesmo espírito de repulsa aos ”novos filósofos” o Le Monde Diplomatique tem manifestado sua repulsa aos novos filósofos franceses. Eles (André Glücksman, Philippe Sollers, Alain Minc, Pascal Bruckner, André ComteSponville, Luc Ferry, Lévy, Jean-Paul Dollé, entre outros) deram uma guinada à direita, lamenta o periódico. Repudiam a figura do intelectual engajado. Refugiamse na universidade. Estão confinados em seus gabinetes. Dedicam-se à “pesquisa da verdade”. Dão ao capitalismo um aspecto humano. São ”intelectuais de paródia”. Poucos se dedicam ao trabalho minucioso de investigação e coleta de dados, correndo riscos. Não estão a serviço de uma causa. São narcisistas. Promovem-se nas empresas. As acusações não cessam. São comparados aos gigantes. Zola teve que se exilar. Saint-Exupéry, George Bernanos, François Mauriac e André Malraux, entre outros, denunciaram o fascismo. François Mauriac, André Mandouze e Pierre-Henri Simon denunciaram a tortura do exército francês na guerra da Argélia. Estes e mais 121 outros intelectuais apoiaram os 56 Ver seu texto How t o be a public intellectual. www.prospect.magazine.co.uk/article_det ails.php?id=10163 57 Ver seu texto The Resurfacing o the P ublic Intellectual: towards the proliferation of public spaces of critical intervention. www.acme-journal. org/ vol6/UO.pdf 89 JACQUES A. WAINBERG desertores nesse conflito. A nostalgia por aqueles dias é grande. O luto e a saudade por aqueles tempos heroicos ainda perdura. Para o sociólogo Sérgio Miceli uma das marcas dos intelectuais mais ”populares” do Brasil é sua cooptação pelo Estado. Cita como exemplo clássico o Estado Novo, um dos regimes mais hábeis na atração, sedução e controle do verbo dos bem-pensantes da história do Brasil. O mecanismo da cooptção nunca foi desligado, diz ele. O fato explica porque intelectuais engajados ficam no Brasil engasgados, optanto, como dito, pelo ”silêncio obsequioso” nos casos em que seus protegidos são desmascarados. Comenta em sua obra Intelectuais e a Classe Dirigente no Brasil (1979), vários exemplos, entre eles o do poeta Carlos Drumond de Andrade, que foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, e Fernando Henrique Cardoso, que após o retorno do exílio saiu do Departamento de Sociologia da USP (onde reinava Florestan Fernandes) e se fixou na ciência política. Acabou virando político profissional, abandonando a academia e seus requintes de soberba imparcialidade. Em muitos casos, no entanto,não procede a usual afirmativa de que os intelectuais só têm compromissos com as ideias e com nada mais. O fato parece ser verdade também nos Estados Unidos onde o fenômeno da ”porta giratória” já foi registrado por inúmeros analistas. Ou seja, numa administração o acadêmico deita o verbo na sua cátedra universitária. Na outra, assume o poder em distintos órgãos governamentais. Na seguinte, volta para a sala de aula, seu refúgio permanente. Isso também ocorre com inúmeras personalidades da imprensa nos dois países. Na língua ferina de Olavo de Carvalho, a intelectualidade brasileira é constituída por ”idiotas presunçosos”. A prédica desses personagens resulta de ”uma quantidade ínfima ou nula de conhecimentos”. Nunca sabem responder como chegam a determinadas conclusões, não sabem responder. Improvisam justificativas. Confundem o presente com o passado. Já Noam Chomsky é outro engodo. É o que é porque é o intelectual com maior presença na mídia, o mais citado em trabalhos estudantis nos Estados Unidos e o mais permanente ativista em campanhas políticas. Têm um corpo permanente de colaboradores, editores, tradutores, divulgadores e relações públicas que o acompanham, disseminando cada vocábulo que sai de sua boca por todo o mundo. “Nem mesmo Voltaire, o Chomsky do século XVIII, teve uma infra-estrutura tão sólida e tão vasta à sua 90 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS disposição. No mínimo, ele teve de escrever pessoalmente cada palavra dos cento e tantos volumes de suas Obras Completas. Chomsky apenas ejeta pela boca a matéria-prima. A indústria faz o resto. Por esses detalhes mede-se a hipocrisia do sujeito quando, notificado da vitória (no ranking dos mais influentes), declarou que ’não presta atenção nessas coisas.’ Na verdade, ele nunca presta atenção em nada mais (ou seja, no que a mídia publica). 58” No passado, eram doadores privados que mantinham em suas cortes e áreas de influência os intelectuais de sua preferência. Autores célebres como Marx, Spencer, Shakespeare, Goethe, Descartes, Locke e mesmo os críticos contemporâneos afiliados à Escola de Frankfurt (Theodor Adorno e Max Horkheimer principalmente) não fugiram a essa regra de dependerem da boa vontade de algum financista, seja ele pertencente à nobreza real ou econômica. Quando um falhava, logo procuravam outro. Com frequência moviam-se na busca de um bom e confortável padrinho. Hoje em dia muitos entre eles tornaram-se empregados públicos beneficiados com a estabilidade funcional. Esse fato torna suspeita suas posições ideológicas. Por exemplo, muitos deles suportam e advogam numa bem elaborada retórica o estatismo. Rebelam-se contra as regras do mercado (competição, produtividade e eficiência), justificando a posição como sendo de interesse público e progressista. Aos olhos de Friedrich Hayek (18991992), economista austríaco-britânico, o pecado original de ser pago pelo Estado torna o labor de muitos intelectuais suspeito. Não são neutros. Preferem ideias que lhes dão emprego, renda, poder e prestígio. Como não são responsáveis diretos pelas consequências de suas ideias, gastam o tempo com visões e utopias. E o socialismo apela a esse tipo de prédica redentora. Raymond Aron é outro autor que bateu forte nesse vício que torna dependente o intelectual moderno do aparato estatal. Em O Ópio dos Intelectuais ele compara as doutrinas reformista e revolucionária. 59 Mostra que o que falta no primeiro sobra no segundo: o discurso grandioso pela boa nova. Esses intelectuais mais radicais criticam a economia de mercado e sua distribuição injusta da riqueza, em especial a dirigida aos seus próprios bolsos vistos por eles 58 A origem das opiniões dominantes. 25 de outubro de 2005. Diário do Comércio. The Intellectuals and Socialism: As Seen from a Post-Communist Country Situated in Predominantly Post-Democratic Europe. Václav Klaus, Coment ários preparados para o Mont Pelerin Society Regional Meeting, Reykjavik, Iceland, august 22, 2005. 59 91 JACQUES A. WAINBERG próprios muito mais meritórios do que quaisquer outros. Como o regime comunista sucumbiu de vez esse tipo de discurso acabou migrando à socialdemocracia que aprendeu da experiência que a melhor maneira de calar essa gente é financiá-la em alguma medida. Como o mundo ocidental é rico, pelo menos mais rico que outras partes do mundo, ele pode se dar ao luxo de manter viva essa tradição do mecenato do século XIX. Esse tipo de denúncia sobre tal relação promíscua tem sido feita por uma geração de intelectuais-anti-intelectuais liberais. 60 Mas a verdade é que mesmo intelectuais liberais célebres foram financiados por fundações privadas. São os casos Ludwig Von Mises que recebia seu salário do Lawrence Fertig e William Volker Fund (que financiava sua cátedra na Universidade de Nova York). Essa prática não cessou até hoje, como se sabe. Há nos comentários críticos publicados sobre essas listas e rankings de intelectuais influentes uma nostalgia pelo tempo dos ”gigantes”. No caso brasileiro, nomes como Gilberto Freyre, Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Roberto Campos, Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade e Paulo Francis são referidos. No caso inglês a saudade é por gente do porte de Isaiah Berlim, Boek Wittgenstein e Eric Hobsbawn. Na lista inglesa há poucos jovens. Predominam cientistas e historiadores. O escritor americano David Herman rotula esses autores como “as crianças de Orwell, falando de temas graves em boa prosa”, todos eles partilhando um sentido de moralidade política e internacionalismo. O ranking da FP e Prospect de 2008 mostra que os únicos intelectuais que mantiveram as mesmas posições de 2005 foram Samuel Huntington (28ª.) e Harold Varnus (94ª.). Os que mais ascenderam foram Yusuf Al Qaradawi que passou da 56ª. à terceira posição. A maior queda foi o do já referido Richard Posner que passou da 32ª. à 84ª. Naomi Klein, uma das mais bem posicionadas em 2005, não foi incluída em 2008. Sessenta nomes apareceram nas duas listas, o que mostra estabilidade no grau de influência que esses intelectuais públicos exerceram no período. Por aparecerem em várias listas os mais influentes entre 60 HOPPE, Hans -Hermann. Nat ural Elites, Intellectuals, and the State. Hans-Hermann Hoppe, professor de economia da University of Nevada, Las Vegas. Pertence ao Ludwig von Mises Institute e é coeditor de Review of Austrian Economics. Concluiu seu doutorado e pós-doutorado na Goethe University de Frank furt, Germany, e é autor, entre outros trabalhos de A Theory of Socialism and Capitalism e The Economics and Ethics of Private Property. 92 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS todos parecem ser Noam Chomsky, Richard Dawkins, Salman Rushdie, Vargas Llosa e Ayaan Hirsi Ali. O que lhes dá destaque é a obra intelectual, a biografia e a militância, juntas ou em separado. Ayaan Hirsi Ali aliou intensa militância contra os preceitos islâmicos à sua história pessoal (seu drama apresentado na obra autobiográfica Infiel tornou-a celebridade internacional). Rushdie, por sua vez, desfruta, como Ali, dessa especial condição de perseguido político devido à fatwa iraniana que, como já referido, o condenou à morte por seu romance: Versos Satânicos (1988). Os outros três, Chomsky, Dawkins e Vargas Llosa combinam suas obras acadêmicas com a militância política e social. Todos os cinco despertam fortes simpatias e críticas. Dividem as opiniões. Causam celeumas. Noam Chomsky, professor do MIT, tornou-se celebridade do mundo da linguística quando em 1957 publicou em seu livro Syntatic Structures sua teoria sobre gramática transformacional generativa. Depois gradativamente fez o que se espera que faça um intelectual público: passou a publicar e opinar sobre temas políticos e sociais variados. Tornou-se também um ativista. E foi mais nesta condição de socialista libertário, anarquista, ou liberal radical (os rótulos variam) que passou à condição de celebridade internacional. Denunciou em vários de seus livros a mídia, as corporações e a política externa americana. Os livros Manufacturing Consent (1988), Propaganda and the Public Mind (2001), American power and the new mandarins (1969), For Reasons of State (1973), entre outros o tornaram uma espécie de novo guru intelectual da esquerda no mundo. Dawkins, por sua vez, dedicou sua carreira em Oxford aos estudos zoológicos. Sua obra The Selfish Gene (1976) tornou-o uma celebridade científica. Nesse estudo descreveu o comportamento altruísta de pássaros que sacrificavam suas vidas para alertar os bandos da aproximação de um predador. O fato foi apresentado pelo autor como o comportamento de um gene egoísta interessado em assegurar sua sobrevivência. Aplicaria depois a teoria evolucionista ao estudo da difusão das ideias (a teoria da ”meme”). Sua fama se ampliaria ainda mais com a militância social e política na promoção do ateísmo, combatendo o criacionismo e difundindo o racionalismo. Como Chomsky, tem um estilo vigoroso que confronta e ataca opositores. 93 JACQUES A. WAINBERG O caso de Salman Rushdie é, como dito, peculiar. A perseguição que lhe foi desferida pelo regime islâmico do Irã em decorrência da forma como apresentou em sua obra figuras centrais do islamismo, entre elas Maomé, o tornaram paradoxalmente uma celebridade internacional solicitada agora a se pronunciar sobre inúmeros temas graves do cenário internacional. Além de ficcionista tornou-se, como não poderia deixar de ser nessa circunstância, também num ensaísta de renome. Da mesma forma, a referida Ayaan Hirsi Ali, refugiada da Somália na Holanda, tornou-se personagem da mídia internacional. Militava, em 2008, sob a proteção do American Enterprise Institute, um think thank conservador norte-americano. Seu estilo vigoroso, ácido e corajoso lhe proporcionou ao mesmo tempo muitas simpatias e forte oposição. Sua denúncia de que o Islã ortodoxo é uma nova forma de fascismo a obrigou a viver como Rushdie sob proteção policial em muitas partes do mundo. Finalmente temos o caso de Mario Vargas Llosa, um dos mais renomados ficcionistas peruanos e latino-americanos, que abandonaria em certo momento sua carreira de ficcionista para envolver-se com os destinos políticos de seu país. Livros como La ciudad y los perros (1963/1966), La casa verde (1985/1968), Conversación en la catedral (1969/1975) o consagraram em todo o mundo. Ao abandonar a esquerda e o fascínio, que cultivava pela revolução cubana, passou a advogar um ideário liberal. Ajudou a criar o Movimento Liberal em seu país. Foi candidato à presidência da República do Peru em 1990, recebendo 34% dos votos, sendo derrotado por Alberto Fujimori. 94 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS O REFÚGIO UNIVERSITÁRIO _______________________________________________________________________________________ A despeito do mau humor de Lewis Munford e Edmund Wilson à universidade, a verdade é que boa parte dos 361 polemistas listados nos rankings dos intelectuais mais influentes do mundo se abriga (em não poucos casos se refugia) hoje em dia naquela instituição (Anexo 5). É bom salientar criticamente que uma fração dos mesmos, inclusive e em especial no Brasil, transforma o aluno em público cativo, a sala de aula num púlpito e sua docência numa prática evangelizadora. Face à diversidade de ideias e teorias que circulam nos campi, a instituição fez por bem (embora em muitos casos a contragosto) advogar em muitos países a causa da liberdade acadêmica. Na verdade, não teve escolha. O que está em jogo nesse caso é o livre fluxo de informação e ideias na sociedade. Por isso a universidade trata de protegê-lo. Esse tipo de postura começou a se consolidar a partir do século XVI e XVII em algumas academias como é o caso da Universidade de Leiden (1575). Esse espírito de tolerância emergiu também do cansaço europeu da luta travada entre católicos e protestantes. Depois foi impulsionada com o amadurecimento do estado liberal e de sua concepção e valorização da competição comercial e de ideias. Hoje está claro que tal liberdade acadêmica protege o direito do professor estudar, investigar, expressar o que pensa e apresentar a verdade como ele a entende. Da mesma forma, consolidou-se em muitos países também o direito dos alunos aprenderem. A premissa que sustenta ambas as liberdades afirma que a única forma de obter a verdade e fazer avançar o saber é com o livre confronto de ideias, com a investigação liberta de constrangimentos em que o erro pode ser exposto, “por colisão de mente com mente, e do conhecimento com o conhecimento.” 61 Ou seja, a erudição é incompatível com um ambiente de desconfiança e suspeita. Nessa visão, a sala de aula deve funcionar como uma espécie de mercado no qual se troca, se observa, se namora e se compra ideias. Na universidade ideal e livre o direito de divergir deve ficar assegurado a professores e a alunos. Não é possível nem desejável evitar dentro de seus muros a controvérsia. Ela é condição para uma sociedade saudável. Sem uma 61 Cardinal Newman. What is a University? Historical Sketches [1872], I, 16. 95 JACQUES A. WAINBERG não há a outra. Sabe-se que a liberdade do professor está sob fogo cerrado de diferentes grupos de pressão e interesses e a Instituição vê-se forçada de tempo em tempo fazer valer com vigor esse princípio que é sua marca registrada nas democracias. No entanto, e como exposto, a coerção e a perseguição ao pensamento livre existe há tempo e em muitos lugares. Na China, por exemplo, durante a Dinastia Qin (213 e 206 a.C.) todas as publicações clássicas foram queimadas, visando suprimir a liberdade de expressão, unificar o pensamento e as opiniões políticas. Motivado pelo medo à dissidência, o primeiro imperador do país, Qin Shi Huang resolveu escrever seus próprios livros de história. Os que debatessem as obras do seu índex deveriam ser mortos. Os que utilizassem exemplos antigos para satirizar a política daqueles dias deveriam igualmente ser eliminados. E os que não queimassem os livros listados em 30 dias seriam remetidos ao exílio como condenados a trabalhar na construção da Grande Muralha. Em 213 a.C. todos os livros de Confúcio foram igualmente queimados, com exceção de uma cópia de cada obra guardada na biblioteca estatal. Mas como acontece com frequência, o que é banido e perseguido num regime, torna-se culto no próximo. O confucionismo superaria as demais escolas de pensamento, tornando-se a ideologia oficial do estado imperial chinês após a queda da Dinastia Qin. A fuga desde regimes fechados aos abertos tem sido a rota comum de pensadores e autores na história, em especial a partir do século XV quando acadêmicos gregos se dirigiram à Itália. Esse tipo de perseguição aos intelectuais foi intenso no período da Segunda Guerra Mundial, em que luminares de todas as áreas do conhecimento deixaram o Velho Mundo fugindo do nazismo em direção à América, em especial a do norte. Depois, continuou com a eventual fuga do regime comunista, das ditaduras militares da América Latina e de regimes autoritários de outros continentes e mais recentemente de países árabes e islâmicos. Por outro lado, entre as críticas mais comuns que se ouve em muitas partes é a de que os professores doutrinam os alunos, apresentando um único ponto de vista de uma controvérsia ou de um tema polêmico; que enganam disfarçando nos seus roteiros de cursos suas verdadeiras intenções ideológicas; que colocam suas atividades docentes a serviço de causas pelas quais militam 96 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS fora do campus; e de que sofrem influência também de grandes empresas e de órgãos do governo que patrocinam seus projetos de pesquisa. O conceito filosófico referente à liberdade acadêmica que protege o professor, a despeito daquelas críticas (por vezes procedentes), foi consolidado aos poucos nos tribunais superiores dos Estados Unidos. No período do Macartismo, o termo ”liberdade acadêmica” surgiu no parecer minoritário do juiz William O. Douglas no caso Adler versus Board of Education de 1952. Discordou da maioria que manteve a proibição das escolas públicas de Nova York de contratar professores que pertencessem a ”organizações subversivas”. Hoje em dia, a decisão de Adler não é mais acompanhada pela jurisprudência do país. Os funcionários públicos, incluindo os professores, têm o mesmo direito de expressão dos demais cidadãos. No famoso caso Sweezy versus New Hampshire (1957) a corte aceitou que um professor marxista recusasse responder perguntas sobre suas crenças políticas. Hoje em dia, em muitos países, a liberdade acadêmica está diretamente relacionada à estabilidade no emprego. Ela é oferecida ao professor após um período probatório. Depois, ele só perderá sua posição caso seja condenado em processo legal que determine seu afastamento por razões que não estejam diretamente ligados as suas opiniões e visões. Pode-se verificar que em 5 dos 23 países da Comunidade Europeia há um alto nível de proteção à liberdade acadêmica. Curiosamente, três deles são originários do antigo bloco soviético. Na Finlândia, por exemplo, a liberdade de expressão e acadêmica estão protegidas na Constituição. Leis específicas asseguram nesse país que os funcionários das universidades tenham maioria nas decisões institucionais. O reitor é eleito e apontado internamente sendo oferecida estabilidade no emprego a todos os acadêmicos. Os professores têm status de servidores públicos. Já a Inglaterra oferece o caso mais complexo, já que não há proteção constitucional nem à liberdade de expressão nem à liberdade acadêmica. Os professores e pesquisadores têm um papel pequeno na tomada das decisões administrativas. O reitor é nomeado por órgãos externos. A estabilidade é oferecida somente a poucos acadêmicos. Em 13 países há um alto nível de proteção constitucional à liberdade de expressão, um baixo nível em dois, enquanto nos demais há um nível médio. No 97 JACQUES A. WAINBERG que se refere à legislação específica, protegendo ambos os direitos, ela ocorre em 11 estados. Em outros seis esse nível de proteção por lei específica é baixo. Os demais têm um nível médio de proteção legal. Por fim cabe assinalar que, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, é pouco frequente a oferta de estabilidade no emprego aos acadêmicos. Isso acontece somente em 11 nações. Há uma proteção média do emprego em nove. Ou seja, a sala de aula é outro dos poucos refúgios que restou a esse tipo de personagem inquieto. Grau de Proteção Const itucional e Específica à Liberdade de Expressão e Acadêmica e Estabilidade no Emprego ao Professor Universitár io na Comunidade Europeia Finlândia Proteção Constitucional Alta Proteção Legis lat iva Específica Alta Eslovênia Rep. Checa Alta Alta Alta Alta Alta Alta Hungria Alta Alta Alta Espanha Alta Alta Alta País Estabilidade no emprego Alta Lituânia Alta Alta Média Lituânia Alta Alta Média Eslováquia Polônia Alta Alta Alta Média Média Alta Áustria Alta Média Alta França Média Alta Média Portugal Alta Média Alta Itália Alta Baixa Média Estônia Grécia Alta Média Média N/D Média Alta Alemanha Média Alta Média Irlanda Luxemburgo Média Média Alta Média Alta Média Suécia Média Baixa Alta Malta Dinamarca Média Média N/D Média Baixa Baixa Holanda Baixa Baixa Média Inglaterra N/D Baixa Baixa Fonte: KARRAN, Terence. Academic Freedom in Europe: A Preliminary Comparative Analysis. Higher Education Policy (2007) 20, 289-313. A despeito da incompreensão de muitos, a universidade não só continua a acolhê-lo em boa parte do mundo democrático, como continua a protegê-lo do mau tempo, dando ao polemista prestígio, evitando sua extinção por perseguição. 98 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS É bem verdade que paga o preço de nem sempre acalentar o mais lúcido, o mais ilustrado e equilibrado. É verdade que a docência acaba se transformando no reino de uma só pessoa. E o que se vê nela então, é um pouco de tudo: educação, mas também alguma dose de alucinação. Por serem narcisistas e personagens de si próprios, os polemistas não se caracterizam num bom número de casos pela modéstia. Acompanham-lhe os passos por decorrência as já mencionadas ”palavras grandiloquentes" e suas coirmãs, as ”incendiárias”. Aparentemente, esse é o preço que a sociedade é obrigada a pagar por ter que tolerar tais línguas ferinas. Tolerar não é gostar, cabe recordar. É aprender a suportar a diferença. O preço é pago porque com a tolerância pode se obter algum benefício, certamente. No caso, é a inovação, sempre tão necessária, sempre tão temida. Os que favorecem esse ponto de vista afirmam que sem a ousadia, a liberdade e a tolerância não teriam surgido notáveis contagiados pelo espírito da desconfiança e da rebeldia. A premissa é conhecida. Como o sistema social é formado por pessoas pensantes, ele depende do que essas pessoas pensam. O fato explica porque tanto esforço é feito pelos atores sociais e políticos para influenciar as imagens que carregamos em nossas mentes. Afinal, todos sabem que há uma interação entre ação e pensamento. Se mudarmos o que pensamos mudaremos da mesma forma a maneira como nos comportamos. Se essa mudança atingir um grande número de pessoas haverá uma alteração no próprio sistema. O papel que líderes de opinião têm na manutenção da ordem e na provocação da desordem dos sistemas parece compreensível. O desempenho desses personagens que atuam em nossas cabeças é estratégico e o que sai de suas bocas em direção aos nossos ouvidos é com frequência matéria de disputa. Por ser combustível puro, seus efeitos são conhecidos, desejados por uns e temidos por outros. As ideias que tais polemistas difundem através de movimentos intelectuais variados podem, por consequência, ser monitoradas. Podemos perguntar que ideias novas tais movimentos advogam? Por que pensam que o que dizem é importante? Que novo problema ou perspectiva nova de um velho problema eles percebem? Que tipo de grupo a nova ideia apoia ou se opõe? Quem é o alvo de sua pregação persuasora? Em que direção a sociedade se encaminhará uma vez aplicada a nova ideia? Que tipo de lacuna a nova ideia pretende preencher? 99 JACQUES A. WAINBERG Compreendendo e Criando Movimentos Intelectuais 1. Qual é o problema? O que é necessário? 2. Por que o problema é importante? Quem o considera importante? 3. O problema ainda não é reconhecido como impor tante pelas pessoas? Por que não? Que tipo de valor ou crença impede que ele seja reconhecido como tal? 4. Em vez de atentar para o novo problema, no que a atenção das pessoas está interessada então? 5. Por que no passado o foco da atenção direcionado a outro tema era adequado? 6. Que razões levam agora à exigência de mudança do foco da atenção das pessoas? 7. A mensagem capaz de conquistar a atenção ao novo problema é adequada? Há uma filosofia, uma teoria e um método de comunicação apr opriada? 8. A frequência da emissão da mensagem ao público-alvo é suficiente? Os canais dessa difusão de ideias são adequados? Quais são eles? 9. A difusão das novas mensagens está sendo monitorada e avaliada? Como? 10. Quais são as evidências que revelarão a obtenção dos objetivos desejados pelo persuasor? Em quanto tempo se espera que os primeiros resultados sejam obtidos? 11. Que mudanças de comportamento são esperadas caso as pessoas de fato alterarem crenças e valores? Adaptado de Stuar t A. Umpleby. T he design of intellectual movements. Research Program in Social and Or ganizational Learning. T he George Washington University É bom salientar que num bom número de casos a irritação que essa gente causa nos leitores, nos alunos, nos telespectadores e nos crentes é justificável. Com frequência os polemistas são implicantes e rabugentos. Alguns escondem nas profecias alguma dose de melancolia por sonhos acalentados e frustrados, por fantasias revolucionárias e decepções políticas e existenciais. Como incendiários, também escondem o prazer que sentem em ver a agitação tomar conta do ambiente. E não são poucos entre eles que atuam também como se mafiosos fossem: caridosos em casa e cruéis nas páginas dos jornais no embate aos inimigos. Noutros casos são as ideias as culpadas. Elas são subversivas mesmo. Teme-se nelas o ”efeito galileu”. Honra ao mérito é dada a Galileu Galilei (15641564), o primeiro a confirmar a teoria de Copérnico (1473-1543), o astrônomo que em seu tempo havia sugerido que a Terra não era o centro do universo. Por perspicácia, e sabedor das consequências de tal ideia perigosa, Copérnico evitou divulgar sua publicação com essa notícia até os últimos dias de sua vida. Trabalhou em segredo. Durante 30 anos coletou informações. Propositadamente 100 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS sua explanação foi confusa. Dissimulou as evidências para assim evitar a perseguição da Inquisição. Sua obra Revolutionibus orbium coelestium (Sobre as Revoluções das Esferas Celestes) entraria por fim na lista dos livros proibidos, no Índex Librorum Prohibitorum da Igreja Católica em 1616. “No meio de tudo habita o sol”, disse ele. “Sentado no trono real, ele rege a família dos planetas que circulam à sua volta (...) Encontramos, assim, neste arranjo a harmonia do mundo.” 62 Já Galileu, mesmo sendo amigo do Papa Urbano VIII e um dos mais famosos cientistas de sua época, não conseguiu evitar o choque com a Igreja Católica. Pensou que sua forma de apresentar no livro Diálogo os dois grandes sistemas do mundo, o de Ptolomeu e o de Copérnico, não causaria celeuma. Estava enganado. Dez cardeais o acusaram de heresia 63. Para sobreviver, voltaria atrás em sua convicção heliocêntrica. Não foi o caso de Giordano Bruno (1548-1600), considerado um dos primeiros mártires da ciência. Seus dois livros baseados na obra de Copérnico o levariam à fogueira. Recusou-se a compatibilizar a ciência de Copérnico com a crença no Deus católico. Ao longo do tempo, outras 87 pessoas seriam queimadas nas fogueiras da Inquisição, 9 hereges foram executados pela Igreja Anglicana, 3 pelas Igrejas ortodoxas e 1 pelos calvinistas. Como exemplificado, naquele tempo e em todos os tempos ”ideias perigosas” causam temor e fortes reações. Cada tempo e cada comunidade têm 62 Esta lista inclui, entre inúmeras obras e autores, as seguintes: Rabelais (CW) Montaigne (Essais), De scarte s (Méditations Métaphysiques et 6 autres livres, 1948), La Fontaine (Contes et Nouvelles), Pascal (Pensées), Monte squieu (Lettres Persanes, 1948), Voltaire (Lettres philosophiques; Histoire des croisades; Cantiques des Cantiques), Jean-Jacques Rousseau (Du Cont rat Social; La Nouvelle Héloïs e), Denis Diderot (CW, Encyclopédie), Helvétius (De l'Esprit; De l'homme, de ses facultés intellectuelles et de son éducation), Ca sanova (Mémoires), Sade (Justine, Juliette), Mme De Stael (Corinne ou l'Italie), Stendhal (Le Rouge et le noir, 1948), Balzac (CW), Victor Hugo (Notre Dame de Paris; Les misérables jusqu'en 1959), Gustave Flaubert (Mme Bovary; Salammbô), Alexandre Dumas (divers omans) Emile Zola (CW), Maeterlinck (CW), Pierre Larousse (Grand Dictionnaire Universel), Anatole France (prix Nobel en 1921, CW à l'Index en 1922), Andre Gide (prix Nobel, CW à l'Index en 1952), Jean Paul Sartre (Prix Nobel (refus é), CW à l'Index en 1959), Peter Abelard, Erasmus, Nicholas. Machiavelli, John Calvin, John Milton, Malebranc he, Baruch Spinoza, John. Locke, Bishop Berk eley, David Hume, Condillac d'Holbach, d'Alembert, La Mettrie, Condorc et, Daniel. Defoe, Jonathan. S wift, S wedenborg Laurence. Sterne Emmanuek. Kant, H. Heine, J. S. Mill, G. D'Annunzio, H. Bergson. 63 Os moviment os heréticos são os seguintes: Anabaptistas, Paulícianos, Montanismo, Ofismo, Marcionismo, Adocionismo, Adamismo, Monarquianismo, Gnosticismo, Sabelianismo, Maniqueismo, Donatismo, Arianismo, Apolinarianismo, Monotelismo, Nestorianismo, Pelagianismo, Monofisismo, Catarismo, Bogomilismo, Socianismo, Quietismo, Americanismo, Calvinismo, Lut eranismo e Protestantismo. 101 JACQUES A. WAINBERG atores que acabam tornando-se porta-vozes da novidade. Como alertado, nem todas as ”ideias perigosas” promovem o progresso. As mudanças podem também levar a humanidade para trás. Com frequência também boas ideias têm um mau destino. Sem Einstein muito provavelmente não haveria a bomba atômica. Outro exemplo são as ideias de Charles Darwin. Hoje em dia, ele continua provocando furiosos debates. O neodarwinista Daniel C. Dennet descreve A Origem das Espécies (1859) como um “ácido universal; corroe todo e qualquer conceito tradicional e deixa no seu rastro uma visão de mundo revolucionada”. 64 Não é o que pensa o pensador brasileiro José Osvaldo de Meira Penna. E seu livro Polemos. Uma Análise Crítica do Darwinismo é, segundo suas palavras introdutórias, “Uma modesta tentativa de contrariar a tese de Wilson (Edward Wilson, entomólogo de Harvard, fundador da sociobiologia), segundo a qual a moral, o sentimento de ‘altruísmo’ ou, em outras palavras, a ética se pode e deve sustentar sobre premissas materialistas.” Polêmica deriva de polemos, termo referido no título e que expressa o grau de violência presente nesse tipo de enfrentamento. É uma arte do ataque e contra-ataque que se distingue do diálogo. Também Olavo de Carvalho é um crítico feroz do darwinismo. 65 O apreço que Hitler demonstrou às ideias evolucionistas não foi acaso, diz ele. O darwinismo é um esforço para camuflar a ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico admitem a contragosto que a evolução ’foi usada’ para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstr uosa hipocrisia. O darwinismo é genocida em si mesmo, desde a sua própria raiz. Ele não teve de ser deformado por discípulos infiéis para tornar-se algo que não era. Passagens de Darwin como a que segue é referida pelo polemista brasileiro para comprovar aquela tese: Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão cer tamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos (...) serão sem dúvida exterminados. A distância entre o 64 65 JOHNSON, Phillip E.. Daniel Dennett ’s Dangerous Idea. University of California. Por que não sou um fã de Charles Darwin. Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009. 102 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila. Diz Darwin ainda: “Olhando o mundo numa data não muito distante, que incontável número de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças civilizadas mais altas!” Para completar, diz Carvalho, há ainda um apelo explícito à liquidação dos indesejáveis: Entre os selvagens, os fracos de cor po ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento (...). Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prej udicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem. Outra fonte de reação ao darwinismo resiste à capacidade dessa teoria ser capaz de explicar a qualidade mental do ser humano, em especial a linguagem. São os casos de Noam Chomsky e Stephen Jay Gold, por exemplo. Há também círculos de opinião que querem de alguma forma manter viva a necessidade de um Criador. Para Daniel C. Dennet, autor de Evolution and the Meaning of Life (1995), O deus bondoso que amorosamente moldou cada um de nós e salpicou o céu com estrelas brilhantes para nosso encanto – esse deus é um mito da infância, nada em que um adulto de mente sã e sem ilusões possa acreditar literalmente. Essa polêmica sobre o ”design inteligente” é hoje uma das mais intensas e envolve um esforço concentrado de instituições, intelectuais e igrejas variadas em todo o mundo que se articulam contra a militância crescente de ateístas e agnósticos, muito deles posicionados nos círculos científicos. O Discovery Institute, um think thank cristão e conservador dos Estados Unidos, criaria a International Society for Complexity, Information and Design, uma sociedade 103 JACQUES A. WAINBERG profissional dedicada a tomar parte nessa disputa, criticar o darwinismo e promover o design inteligente. Também o Center for Science and Culture, fundado em 1996, faz parte daquele Instituto. Seu objetivo é militar pela inclusão do criacionismo no currículo das escolas públicas e fazer com que a descrição bíblica seja uma explicação aceitável da origem da vida e do universo. Em torno dessa instituição circulam todos os intelectuais envolvidos na luta contra o darwinismo no país, entre eles, por exemplo, Stehpen Meyer, Phillip E. Johnson, Michael Denton, Michael Behe e William Dembski. O objetivo dessa instituição e desses personagens é, de acordo com a estratégia montada por eles, “derrotar o materialismo científico e seu legado moral, cultural e político destrutivo”. Segundo o New York Times, entre 2004 e 2005, os criacionistas promoveram 78 campanhas em 31 estados, gastando mais de um milhão de dólares ao ano. Oferecem bolsas de estudo e suas atividades incluem também a gravação de especiais de TV, patrocínio de exposições públicas e a publicação de livros. Em resposta, seus críticos dizem que não há controvérsia a enfrentar já que o evolucionismo está consagrado no ambiente científico. Essa disputa é fabricada e falsa. Acusam aqueles militantes de serem intelectualmente desonestos. 104 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS AS IDEIAS PERIGOSAS E O PENSAMENTO _______________________________________________________________________________________ O que é certo é que ”ideias perigosas” sempre estão à espreita para atormentar. Hoje em dia, são os cientistas que promovem uma revolução sem precedentes nas crenças habituais. Suas ideias são explosivas e politicamente incorretas. Despertam o rancor e o ódio de grupos variados. Seus estudos e visões têm promovido modificações profundas na forma como entendemos a sociedade, a natureza e o universo. As ”ideias perigosas” são motivo de grande agitação e especulação também no Edge. Cientistas, autores e pensadores têm sido estimulados por este site a apresentar suas ideias malditas. Entre as que surgiram em 2006, por exemplo, está a de que os seres humanos não terão problemas para se adaptar na utilização de um corpo não humano. Seria uma questão de tempo antes que a Realidade Virtual ou a Engenharia virtual ou a Robótica produza algo assim. Irene Pepperber afirma que não há diferença real entre os humanos e os animais. Os bancos tornar-se-ão irrelevantes no futuro, diz Douglas Rushkoff. Juan Enriquez afirma que a tecnologia destruirá os Estados Unidos. Judith Rich Harris polemiza ao afirmar que os pais não têm qualquer influência na forma como os filhos se tornam adultos. Em breve a manipulação de genes será tão trivial como manipular os códigos de computador hoje em dia, afirma Freeman Dyson. As bombas de plutônio podem explodir a qualquer momento uma vez que não entendemos como funciona esse elemento químico (o alerta é de Jeremy Bernstein). Outras provocações são afirmações como “antidepressivos que aumentam a produção de serotonina (como o Prozac) podem colocar em xeque sentimentos de amor romântico e podem acabar com o amor materno” (Helen Fisher, antropóloga da Universidade de Rutgers); “a revelação da base genética da personalidade criará conflitos sociais” (J. Craig Venter); “o livre-arbítrio está desaparecendo” (Clay Shirky, da Universidade de Nova York); “o governo é o problema, não a solução” (Matt Ridley); “a escola faz mal para as crianças – as deixam tristes e não ensinam muito” (Roger C. Schank, da Universidade Trump); “se o que você entende por alma é algo imaterial e imortal, que funciona de forma independente do nosso cérebro, então alma não existe” (Paul Bloom, 105 JACQUES A. WAINBERG Universidade Yale); “povos tribais também destróem o meio ambiente e travam guerras” (Jared Diamond, geógrafo, autor de Colapso). Com esse mesmo espírito de provocar e surpreender, Richard Dawkins (Universidade de Oxford), diz: Pergunte às pessoas por que elas apóiam a pena de morte ou longas prisões e as razões normalmente envolverão retribuição. Elas querem matar um criminoso como troco pelos horrores que fez, ou para dar "satisfação" às vítimas do crime. Mas retribuição como princípio moral é incompatível com a visão científica do comportamento humano. Acreditamos que nossos cérebros – ainda que não funcionem como computadores – são gover nados pelas leis da física. E, quando um computador não funciona, não o punimos: o consertamos. Será que um assassino não é apenas uma máquina com um componente defeituoso? Ou uma educação defeituosa? Ou genes defeituosos? A Revista Foreign Policy (edição de setembro/outubro de 2004) provocou oito intelectuais de renome a proporem as ideias mais perigosas e destrutivas que a humanidade está condenada a enfrentar nos próximos anos. Francis Fukuyama, por exemplo, chamou a atenção para a revolução na biotecnologia. Como decorrência da mesma poderia surgir em breve o transhumanismo, uma modificação grave e profunda em nossos corpos e cérebros. “Nossas boas características estão intimamente conectadas com as más: se não fossemos violentos e agressivos, não seríamos capazes de nos defender; se não tivessemos sentimentos de exclusividade, não seríamos leais aos que estão próximos de nós; se não sentíssemos ciúmes, também, não sentiríamos amor” diz ele. Cabe explicar que essa tendência ao pós-humanismo, ou humanismo transitório (transhumanismo), é hoje um movimento intelectual e cultural que visa ampliar a capacidade física e mental das pessoas. A bioteconologia e outras tecnologias emergentes como a nanotecnologia, a biotecnologia, a tecnologia da informação, a ciência cognitiva, a realidade virtual, a inteligência artificial, a superinteligência e a criônica serviriam a este propósito. Tal corrente futurista está hoje bem estabelecida na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Ela crê que será possível transformar o ser humano em algo maior, mas que a nova criação respeitará a liberdade morfológica e a liberdade dos seres. Espera-se que o desempenho prático desse novo ser humano seja de grau superior ao atual. Foca 106 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS sua atenção no corpo individual, visando melhorar sua qualidade de vida. Alguns, como o teórico Raymond Kurzweil, acreditam que haverá nos próximos 50 anos uma mudança real na natureza humana. Os perigos que cercam essa nova tendência de ”se brincar de Deus” provocaram uma série de tendências, entre elas a abolicionista (uma ideologia que visa aplicar as novas tecnologias para aliviar o sofrimento humano), o transhumanismo democrático, o extropianismo (defende uma postura pró-ativa sobre a evolução humana); o imortalismo (uma ideologia baseada na fé que a imortalidade tecnológica é possível e desejável), o transhumanismo libertário (conjuga libertarianismo e transhumanismo), o pósgênero (deseja eliminar a diferenciação entre homem e mulher através da aplicação de avanços da biotecnologia e tecnologias reprodutivas), o singularitarianismo (ideologia moral baseada na crença de que a singularidade tecnológica é possível), e o tecnogainismo (uma ideologia ecológica sobre o poder que as tecnologias têm de restaurar o ambiente). Esse tipo de provocação do Edge continuou em 2009 com a pergunta feita a 151 cientistas: ”O que modificará tudo? Que ideias científicas e desenvolvimento você espera viver para ver?”. (Anexo 6) O livro Grandes Idéias Perigosas apresenta uma boa coleção desse tipo de profecias e alertas. Geralmente elas vêm sob a forma de perguntas. Por exemplo, Steven Pinker questiona: “terão os homens aptidões e emoções diferentes das mulheres?” (SIM); “os acontecimentos descritos na Bíblia são fictícios?” (SIM); “as vítimas de estupro sofrem conseqüências por toda a vida?” (NÃO); “os homens têm uma tendência ao estupro” (NÃO); “o estupro cairá quando a prostituição for legalizada?” (SIM); “a sociedade teria mais benefícios se a heroína e a cocaína forem legalizadas?” (SIM); “as pessoas religiosas mataram mais pessoas que os nazistas?” (SIM); “mais pessoas seriam salvas se um livre mercado de comércio fosse implantado para órgãos a serem transplantados?” (SIM) “as pessoas deveriam ter o direito de se clonar e melhorar as características genéticas dos seus filhos?” (SIM). Saber perguntar parece ser um mérito e um atributo de polemistas vocacionados ao embate erístico e aos cientistas dispostos a abalar crenças com ideias ”tóxicas”. É a pergunta que anima qualquer tipo de investigação, seja ela jornalística, acadêmica, médica, policial ou científica. A vocação de todas é a 107 JACQUES A. WAINBERG mesma. Para que se cumpra sua missão não cabe a pergunta retórica e protocolar. A que se impõe nesses casos é a que permite acesso à informação relevante, o primeiro e decisivo degrau rumo ao conhecimento. Os demais estágios do pensamento, a compreensão, a aplicação, a análise, a síntese e a avaliação derivam dessa decisiva fase que está na base do pensamento. Quem não pergunta não conhece, não pensa e não sofre. Quem não sabe perguntar não descobre. Essa propriedade, é bom reconhecer, é de poucos. A maior parte pensa como ”empilhador”. Põe dado recém coletado sobre dado já arquivado e tenta com dificuldade fazer sentido dos mesmos. Com frequência, apela a intérpretes e provedores de pistas. É uma minoria que pensa como ”cartógrafo”, capaz de descobrir novos mundos e de criar novos mapas mentais para orientar as pessoas a trilharem novos caminhos, chegando muito provavelmente onde outros nunca estiveram antes. É uma jornada perigosa que a maioria das pessoas tenta evitar. Outra tendência natural é evitar também de pronunciar a opinião dissidente quando os indivíduos percebem que estão em minoria. Por isso, no conflito entre a fala e o silêncio, o que é sufocado leva por vezes uma centena de anos para mover a balança da opinião pública a seu favor. As pessoas tendem a se proteger na zona de conforto. O desconforto acaba surgindo na voz desses personagens todos, e dependendo do vigor do novo discurso a fé pública na tradição acaba aos poucos combalida. E até que a maioria se torne minoria muito embate, e com frequência, muito sangue corre solto nas páginas dos jornais. Como é comum em muitas organizações, em muitas universidades e na sociedade em geral, os servis concordinos parecem avançar mais facilmente e rapidamente nas carreiras. Encorajar a dúvida e ensinar a perguntar é missão escolar e educativa com frequência traída. Eterniza-se em muitos desses ambientes concorridos não só a polidez, mas o hábito. Aprende-se por fim a dizer o que todos querem ouvir. Predomina o wishful thinking. A boa investigação demanda outra coisa. A dúvida fertiliza a mente. Ela provoca as boas perguntas. Traz a novidade a tona. A boa dúvida é construtiva e está animada pelo encanto de uma nova verdade. As mentes duras e as personalidades rígidas e inflexíveis acusam incomodadas essas mentes inquietas de serem desleais, infiéis, destrutivas e hostis. 108 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Exemplos de pensamentos: a diferença entre absorver e aprender MEMORIZA R E ABSORVER 1. Arquivar 2. Calcular 3. Incorporar 4. Condensar 5. Abstrair 6. Memorizar 7. Compreender APRENDER, GERA R E PRODUZIR 1. Julgar 2. Suspeitar 3. Desafiar 4. Persuadir 5. Rejeitar 6. Destruir 7. Descobrir 8. Revelar 9. Teorizar 10. Generalizar 11. Planejar 12. Prever 13. Criar 14. Adaptar 15. Inventar Fonte: MCKENZIE, Jaime. Lear ning to Question to Wonder to Learn. Em suma, o medo as ideias ”tóxicas” pode ser comprensível, mas não é aceitável, segundo Steven Pinker, professor de psicologia da Universidade de Harvard. Por isso “a luz do sol é o melhor desinfetante”. Esta declaração proferida pelo juiz norte-americano Louis Brandeis (1856-1941) numa de suas sentenças, envolvendo um caso sobre liberdade de expressão e pensamento é referida por Pinker em sua argumentação contra a intimidação intelectual que os inovadores sofrem. Afinal, a ciência não leva e não pode levar em consideração se e que sentimentos são feridos. Por vocação, ela é fonte de heresia. E graças à internet os heréticos têm hoje mais condições de se encontrarem, fortalecerem, solidarizarem e apoiarem. Eles foram combatidos no passado e são perseguidos na atualidade porque as pessoas ”comuns” temem pelas consequências da sua pregação. Pinker admite que o tabu é inaceitável no esforço que se faz para descobrir como o mundo funciona e como se governa um país. “É difícil imaginar algum aspecto da vida pública onde a ignorância e a enganação sejam melhores que a consciência à verdade, mesmo que não prazeirosa”. Somente crianças envolvemse em ”pensamento mágico”, diz ele. 66 66 Ver In Defense of Dangerous Ideas. 15 de julho de 2007. 109 JACQUES A. WAINBERG A CANTORIA DOS SABIÁS E DOS ROUXINÓIS NOS PAMPAS _______________________________________________________________________________________ Como exposto, a polêmica é um fenômeno complexo de conversação. Entre todos os seus tipos, a que ocorre através da mídia tem especial relevância política e social. É por vocação um mecanismo público de ponderação. Os debatedores funcionam como provedores de pistas e intérpretes da realidade à população. Para muitos telespectadores e ouvintes essas vozes são as mais influentes na formulação de uma visão de mundo e na consolidação de uma opinião. Por isso, cabe salientar o fato de que toda sociedade tem sempre um estoque de vozes à sua disposição. Vozes em posição stand by e a um braço dos microfones para entrar em ação. Como recusamos acima a imagem do papagaio para descrever essa gente propomos outras aves nessa catagolação. Operam como os sabiás. O canto que lhes sai da boca se parece a de uma flauta doce. É um canto sem cortes, agradável, nem muito alto, nem muito baixo. O timbre é constante e inspirador. Mesmo com toda sua agitação, muitos querem tê-lo por perto. Gostam de ouvir o seu vozeio e o cantarolar dos seus versos. Quando choca algum ovo, fase em que a libido está em alta, quase não canta. Quando regurgita alguma prosa, ela nos chega embalada. Em volume baixo, é raiva. Num tilintar como o das castanholas é provocação. Em volume alto, é discurso desafiador. Quando mia quer seduzir. O levantamento dessas vozes em confronto nos programas de debate mais expressivos na mídia de uma determinada comunidade num período de tempo permite que se tenha ideia do perfil desses debatedores e dos temas em discussão. Esse tipo de cadastro esclarece quem fala, com que frequência e porque razão. Logo fica claro que em todo lugar há sempre um limite a esse estoque de discursos predispostos à pregação. Percebe-se também que quem fala tende a falar periodicamente, em inúmeros lugares, ao longo do tempo e por muito tempo sobre tópicos variados, além dos que envolvem sua especialidade de origem e vocação. Sua exposição cumulativa à mídia acaba lhe conferindo reputação. Isso ajuda a dar a essa gente certa aura e por decorrência produz veneração. São vozes que querem falar, mas que aprenderam a esperar. De tempos em tempos, por necessidade mesma da programação, a mídia os incita à 110 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS confrontação. Provocadas, elas saem então da toca e passam a tagalerar. São vozes que contam um conto. Vozes que são dispostas ao consumo e que gozam desse especial privilégio de também cantar um canto. São vozes por vezes ambíguas por serem muito precavidas. Algumas são vozes didáticas. Outras são teatrais, eventualmente coléricas. Não são vozes inocentes. Para melhor cantoria, aprenderam a se posicionar nos arbustos mais altos. Levantam bandeiras, provocam conflitos, evitam a negociação, eternizam a ruminação só para continuar a falar. Noutras oportunidades buscam ”sarna para se coçar”. Assim, tornam-se porta-vozes e dizem o que todos pensam, mas temem afirmar. Nem sempre falam o que têm a dizer para convencer. Preferem irritar, discordar, retrucar. Visam, sobretudo, eternizar o embate, e assim a própria voz, e o interesse dos veículos de comunicação no seu discursar. Há certamente, vozes bem intencionadas, que desejam também elucidar. Ao produzir o seu coquetel diário de vozes os programas de debate escolhem assim uma variedade de sons. Vozes carismáticas. Vozes cínicas. Vozes bem humoradas. Vozes cheias de pompa e autoridade. A arte, a boa arte da mídia é saber misturar. O exame empírico de tal cantoria permite observar que lá no meio dos sabiás estão cheios de prosas outros pássaros, os rouxinóis da mídia. São cantores ainda mais notáveis. São conhecidos pela pureza de suas notas e pela variedade de suas melodias. Têm um extenso repertório, com trinados fluidos terminando em crescendo. Ficam muito no solo, observando e buscando alimento. Adoram engolir em especial os insetos. Perambulam muito. Estão na Europa. Foram vistos na África tropical. No verão migram à Ásia Menor. Frequentam lugares estranhos: charnecas, matas e bosques. O rouxinol é um cosmopolita. Seu ninho, no entanto, é montado sempre no mesmo lugar. Perambula, mas sabe de onde veio e para onde deve voltar. Esse grupo, o dos rouxinóis, é formado por número restrito de debatedores. Por alguma razão é provocado numa frequência superior a dos sabiás da mídia. A verdade é que tanto entre os sabiás como entre os rouxinóis há vozes que falam sem parar. Há também vozes que costumavam assobiar, mas que de repente, sem se saber bem porque, calam sem esperar. Há vozes que hibernam para se pronunciar. Na sociedade, há também outras vozes que cantam e das quais nunca se ouve falar. Há vozes fóbicas, que têm medo de se expressar. Há 111 JACQUES A. WAINBERG vozes pernósticas que só dizem o que tem a dizer com muito floreio e jinga de corpo nas salas de estar. Há vozes que só falam aos sussurros, queixosas. Há vozes que fazem um jogo de esconde-esconde, como crianças a brincar. Há vozes rimadas, vozes mimadas e agitadas, vozes que se escondem na ficção e na imaginação. Vozes que só falam por via indireta, por metáforas, através de personagens, alguma trama e à prestação. Para elas a realidade é a fantasia. Na verdade, são vozes que vivem no mundo da lua. Para dizer às claras o que pensam demoram um tempão. Até lá fica esse jogo de faz de conta a exigir muita interpretação e concentração. Debatedor x polemista etc. Exemplo de aplicação dessa metodologia é o cadastro realizado pelo autor de todas as vozes convocadas, em 2008, por dois programas de debates da mídia eletrônica de Porto Alegre. O estoque de vozes no mercado de Porto Alegre. Polêmica e Conversas Cruzadas. 2008 Número de edições do programa Polêmica da Rádio Gaúcha em 2008 Número de Vozes que falaram no Programa Polêmica da Rádio Gaúcha em 2008 Número de debatedores que falaram no Programa Polêmica da Rádio Gaúcha em 2008 Número de edições do programa CC da TV Com em 2008 Número de Vozes que falaram no Programa CC da TV Com em 2008 1. 2. 3. 4. 5. 249 980 636 286 902 Média de debatedorPrograma Polêmica Média de Vozes/ CC 10. (2/1) 11. (3/1) 12. (5/4) 13. (6/4) Número de debatedores que participaram em mais de um debate 14. 4 Número de Vozes que falaram no Programa CC da TV Com em 2008 5. 902 2,5 3,0 2 1128 Número de debatedores que falaram no Programa CC da TV Com em 2008 Total de programas Total de vozes Total de debatedores 6. 572 7 (1+4) 535 8.(2+5) 1882 9 (3+6) 1208 Média de vozes/ Programa Polêmica 112 Média de debatedor/ Programa CC LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Número de debatedores que participaram em mais de um debate 14. 1128 Média geral de debatedor repetido por programa Número de debatedores com participação nos dois programas Média geral de debatedor por programa 15. (14/7) 2,1 16. 62 17. (9/7) 2,25 Os sabiás da mídia – Porto Alegre. 2008. Tipos de debatedores Os mais frequentes: número de participações no Polêmica Os mais frequentes: número de participações no CC Total Ranking Professor/Acadêmico 113 80 193 2º. Parlamentar 110 186 296 1º. Advogado 91 70 161 4º. Func. Público 63 122 185 3º. ONG/Associação 57 53 110 5º. Jornalista 52 15 67 10º. Médico 52 18 70 9º. Cientista Político 42 5 47 11º. Economista 41 66 107 6º. Sindicalista 40 60 100 7º. Juiz 32 39 71 8º. Psicólogo 30 12 42 14º. Psiquiatra 29 7 38 15º. Militante 25 21 46 12º. Policial 24 20 44 13º. Militar 20 15 35 15º. Promotor 12 20 32 16º. Procurador 8 14 22 17º. Fonte: FP em Espanhol / Obs: Criadores (Autores e Artistas) Observa-se que essa espécie de ave que canta e assobia muito na mídia é fenômeno mundial. No exame comparado entre esse vozerio dos pampas e os dos intelectuais mais influentes no mundo parecem estar representados, entre outros, principalmente, os cientistas políticos, os economistas, os filósofosos, ativistas/militantes e os jornalistas. O que faltou na lista gaúcha são os cientistas. Sua influência parece ser menor que a observada no cenário internacional. 113 JACQUES A. WAINBERG 100 Mais influentes em 2008 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 C. P ol Ec ítico on o Fi m . ló Ci so fo en Jo tist rn a a Cr list ia a Hi do st r e or s ia d At o r iv Re ist l a Ec ig io ol so og ist a Série1 A Origem dos 100 Mais Influentes o iá tic Áf r ic a S. As a A. La tin éd io O .M Ás ia Série1 Eu ro pa A. N or te 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Fonte: FP em Espanhol. 2008. Um total de 1.882 vozes de 1.208 debatedores foi listado nas 535 edições do “Polêmica” da Rádio Gaúcha e ”Conversas Cruzadas” da TVCom. Ou seja, uma média de 2,25 debatedores por programa. É fácil entender que o número de vozes superou o número de debatedores, porque 1.128 debatedores participaram mais de uma vez nos debates ao longo do ano. Um total de 62 debatedores frequentaram ambos os programas. É verdade que outros programas similares existem noutras estações de TV e rádio de Porto Alegre. Também é verdade que estes números (1.208 debatedores) não incluem fontes exclusivas de outras 114 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS emissoras. De qualquer forma, considerando a importância jornalística do ”Polêmica” e ”Conversas Cruzadas”, sua periodicidade diária, sua sólida audiência, afirmamos que esse total é relevante e serve como banco de dados confiável ao fim de se avaliar as principais características desses protagonistas da controvérsia naquela cidade. Portanto, os dados coletados revelam que: (1) entre as mais frequentes vozes presentes nesse tipo de debate na mídia gaúcha estão a dos parlamentares (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e muito raramente senadores), a dos professores (principalmente acadêmicos), a dos funcionários públicos (geralmente representantes de todos os níveis e órgãos do poder executivo), a dos advogados e a dos representantes de associações e órgãos de classe. Por terem preferências editoriais distintas o recrutamento das vozes pelos dois programas também se distingue. Geralmente quem fala num programa não fala no noutro. Geralmente quem fala o faz mais de uma vez ao longo do tempo (somente 80 não participaram em mais de um programa). Somente uma minoria, cerca de 5% (62 debatedores) participou dos dois programas. Ou seja, as vozes escolhidas constituem uma espécie de acervo intelectual acionado pela produção. São vozes mobilizadas em rotação. O que se vê também é que a pauta que os mobiliza gira principalmente em torno de temas ligados aos atos de governo, às crises sociais, econômicas e políticas e aos dilemas existenciais do cotidiano das pessoas como educação, amor, segurança e comunicação. Os parlamentares e os advogados são os que mais se parecem com os polemistas. Acima de tudo, desejam a vitória nos embates. Os professores carimbados pelos amuletos de prestígio de suas cátedras e universidades batem o ponto com alguma pose de saber e pompa. Aparentam ser intelectuais persuasivos, alguns exibidos, dispostos a troca de farpas embora sob o disfarce da lógica e da razão. Os funcionários públicos são os mais angustiados. Tem a dura tarefa de justificar, defender, levar trombadas de todos que têm queixas e lamúrias a cultivar. Por fim, é a vez dos representantes de classe. A missão desse personagem é a ruminação. Queixam-se exigindo reparação. Esse tipo de palco tem muitas outras atrações. O cardápio completo tem outros pratos além da política, sindicatos, leis e constituição. Entre eles estão o 115 JACQUES A. WAINBERG medo à insegurança e a catarse da corrupção. Na sobremesa surge a política e tudo que diga respeito à saúde e ao corpo são. Ou seja, em boa medida as controvérsias mediadas por rádio e televisão são um tipo de embate destinado a formar cidadãos. Como dito, o cardápio é variado o que facilita a digestão. No entanto, a presença deste trio – segurança, escândalo e política – parece fazer parte de boa parte da transmissão (Anexo 7). Percebe-se que (2) na ”gaiola” em que estão reunidos os rouxinóis da mídia (anexo 8) há cantores com timbres variados. Fazem parte dessa nobre estirpe os representantes de oito categorias de personagens: os economistas, os cientistas políticos, os professores, os psiquiatras, os parlamentares, os militantes, os advogados e os policiais militares. O que distingue os indivíduos desse grupo varia. Alguns são virtuosos da boa retórica. Outros funcionam como símbolos. Ou seja, representam algo além deles próprios. Os acadêmicos tentam dar um tom sóbrio aos embates. Já os militantes, os advogados e os parlamentares são ”galos de rinha”. Do outro lado do picadeiro estão os psiquiatras a balancearem em voz pausada esse tipo de apetite por luta e algum sangue. Dois personagens posicionados em primeiro lugar entre os rouxinóis são acadêmicos de boa prosa. Quando solicitados demonstram sabedoria. Falam com calma sem afetação. Têm aparência de bonachão. Em seus discursos, parece imperar sempre o cálculo frio da boa argumentação. O que lhes acompanha o passo nessa posição de liderança é personalidade distinta, representa e simboliza claramente uma facção. Por isso, é provocado a fazer o contraste, iniciar a labareda e alguma confusão. Já o número dois é chamado assim porque quando fala representa um povo e uma multidão. Seu verso é ideológico, claro e cristão. O outro é duro no jargão. O Militar, representa uma instituição. O número três, o advogado, é craque da polêmica. Diz o que diz com senso de humor, mesmo não agradando os companheiros de partido que estão de plantão. Dá a impressão de ser honesto e sincero, qualidades muito úteis à persuasão. São algumas características que podem eventualmente explicar porque esses personagens são os preferidos pela produção. O temário exclui uma ampla agenda de tópicos que poderia acolher mais facilmente o ‘intelectual público’ ausente nesse tipo de transmissão. Como se 116 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS sabe, esse tipo de gente está menos interessada na pequenez do dia a dia e mais focada nas tendências, na memória, no futuro, na ciência, nos sonhos e fantasias. Nesse cardápio diário de controvérsias provocadas há até mesmo esporte, mas muito pouco de arte, literatura, ciência, biografia e antropologia. Esse tipo de temário encontrou um restrito refúgio nas emissoras educativas. Mas nada que se compare ao gosto pelo desgosto da mídia massiva. Tipologia das vozes Tipos de vozes 1. Institucional 2. Militante 3. Independente 4. Simbólica Características Representa figura jurídica, sela ele o gover no ou sindicatos. Engaja-se no debate para explicar seus atos, justificar ações fazer e responder às críticas. Representa parte interessada. Usualmente se queixa e rumina. Exige reparação. O discurso é em boa medida emocional. Mantém equidistância das partes envolvidas na celeuma. Faz o papel crítico. Analisa friamente o dilema. Sua postura aparenta ser racional. Seu prestígio provém de sua expertise. Esse atributo parece estar presente e bem distribuído em todas as categorias anteriores. Ou seja, todo debatedor deve representar algo além dele próprio. Por vezes há vozes convocadas por terem esse atributo mais forte. Atores Est ilos de Vozes Representantes de instituições políticas e/ou representativas que se enfrentam no cenário público. Carismática Representantes de ONGs, associações, independentes ideologicamente comprometidos, parlamentares e advogados. Intelectuais engajados. Os acadêmicos com frequência buscam esse espaço do analista. Mas outros personagens podem igualmente exercê-lo. Títulos acadêmicos, história de vida, e honrarias ajudam dar credibilidade ao orador. São atributos de prestígio. Mas o importante é que seu discurso remeta a audiência para algo maior e mais importante do que sua figura particular. Quanto mais dotado for o orador desta virtude mais apelo terá sua figura à participação nesse tipo de programação. Humorada Crítica Sarcástica Afetiva Provocadora Diplomática Humilde 117 JACQUES A. WAINBERG Cabe afirmar, por fim, que o polemismo é a circunstância do maldito que vive sempre à beira dos desfiladeiros. Ora nele cai. Ora dele se recupera. Mas é ali, sempre à disposição do desastre, que se anima e encontra o que de melhor tem de si para dar ao público. 118 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS CONCLUSÃO E DISCUSSÃO _______________________________________________________________________________________ No cerne de tudo há sempre um tema sobre o qual os polemistas pensam que vale a pena sustentar um confronto. Por ser um embate aberto a controvérsia acaba adquirindo uma relevância política e social. Diferencia-se daquele outro tipo de desassosego, a conversa intimista em que o caloroso diálogo é intrapessoal. Na meditação inaudível o indivíduo pondera e sofre. Mas ao sair da toca, ao aparecer à vista, esse personagem adquire uma aparência nada discreta. Acusa o opositor e defende suas ideias num jogo usualmente referido como estratégico. Justifica, apresenta provas, dá exemplos, faz analogias, discorda, objeta, critica, ironiza e espera em posição de defesa o revide do adversário. Envolve-se na ponderação sobre a resolução de dilemas que por natureza são complexos. O debate traz a tona tópicos entrelaçados e divergências polarizadas. Desde uma perspectiva otimista, esse tipo de interlocução não deixa de ser uma conversação. É verdade que é uma troca de ideias atormentada, movida à paixão e pelo gosto nem sempre sereno de se vencer e superar o adversário a qualquer custo. As discussões, as controvérsias e as disputas são fenômenos de aparência universal. Não se pode fugir a essa circunstância vital e humana da discórdia, sempre presente em nossas vidas. Em algumas culturas ela existe, mas é constrangida. Quando aparece, vem tímida e pálida. Seu aparecimento no meio social provoca medo e apreensão. Temem todos que possa provocar a deserção e a desagregação. Noutros ambientes, mais coléricos, o choque é explícito. Nas nossas sociedades massivas a polêmica e os polemistas estão presentes na mídia, nos tribunais, nas salas de aula, nos parlamentos, nos colóquios científicos, nos artigos dos articulistas, nos ensaios filosóficos e agora, principalmente, também nos sites e na blogosfera. Aparentemente, é isso o que as pessoas querem. Precisam consumir palavras. Desejam poder fazer sentido dos fatos e das ocorrências que estão à volta. E se nutrem com frequência dessas vozes que falam sem cessar. Com frequência, lhes impressiona também a aparência, a petulância, a soberba e o verbo frequentemente ríspido de tais línguas ferinas – isso quando elas não se curvam 119 JACQUES A. WAINBERG envergonhadas no silêncio obsequioso ou amedrontadas pela ameaça da perseguição, da abominação e do exílio. Portanto, cabe ressaltar, que a distância entre o pilpul (a interpretação) e o bilbul (a confusão de ideias) é pequena. Basta observar que qualquer diferença de forma (como a existente entre P e B) é capaz de gerar a controvérsia. Basta uma sutil alteração de sonoridade (como entre [P] e [B]) para que a labareda se forme. Talvez esse caos potencial seja o que atraia ao ringue midiático os polemistas, os gladiadores da palavra. O que eles gostam mesmo, o que os anima, é o embate. O que os provoca é o dilema. O que essa gente parece fazer melhor é trocar farpas. A existência de uma corrente de pensamento origina de imediato o aparecimento de outra, no outro lado da barricada. E logo se formam as seitas de seguidores e as cátedras como que cultos a obras e autores. Nesses ambientes de compadrio, o polemista com frequência atua caridoso com os companheiros que lhe bajulam o verbo e violento com os que lhe desafiam a estampa. Sua presença no palco social tem efeito paradoxal. Por vezes, anima a conversação comunal. Desafia verdades estabelecidas. Rompe com o trivial. Noutras, faz de tudo para eternizar embates que clamam por solução. Sua voz antes bem-vinda torna-se rabugenta. Nesse caso mais pernicioso, seu discurso desmoraliza os esforços de pacificação. O que explica porque o intelectual é ao mesmo tempo venerado e odiado. Hoje em dia esse ”homem de letras”, originário da tradição renascentista, parece mesmo fadado a dar lugar ou juntar-se numa coabitação pouco confortável ao cientista. As ”ideias perigosas” e ”tóxicas” parecem se originar agora com mais intensidade nos silenciosos laboratórios de pesquisa do que nos exercícios diletantes da pura retórica erística. Como exposto, a voz do polemista é pronunciada também sob disfarces variados. Nas cartas-testamento, nas notas de imprensa, nos debates públicos televisionados e nos discursos frente às multidões sua verbe parece evocar uma mensagem que se propõe à eternidade. Há nela sempre um tom profético, não raro épico. Noutras oportunidades mais modestas trata de contestar o dito e o repetido. Rompe com o senso comum e com a linguagem polida. 120 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Ameaçado pela tradição, o polemista busca refúgios, espaços de sobrevivência. Os mais tradicionais, que ainda cultuam a imagem dos livrepensadores do passado, se irritam com esse esforço dos novos rebentos da oratória grandiloquente de buscar na universidade guarida e conforto. Ficam bravas porque, na verdade, essas personalidades, hoje eméritas em muitas oportunidades do passado, tiveram elas próprias que pedir talvez constrangidos o carinho e o patronato de alguma alma caridosa. Na imprensa são eventualmente bem-vindos embora temidos. Esse tipo de jornalismo polemista é subproduto do articulismo. O que se observa é que com sua presença a circulação e audiência aumentam na proporção direta da raiva e do amor que esses debatedores envolvidos em controvérsias provocam no público. No entanto, o que predomina é a timidez de muitos veículos no acolhimento de tais profetas malditos. O polemista não nasceu para aquela linha de conforto da mesmice. Seu espaço é outro: viverá sempre distante do consenso e do debate burocrático e enfadonho usual no cotidiano das pessoas. Seu mundo é o da transgressão dos sentidos. A polêmica pública estimulada por esse tipo de personagem não é fenômeno recente. A panfletagem mostra que houve na história universal e brasileira, inúmeros confrontos de ideias estimulados por debatedores que se deleitavam com os embates públicos. A erística, por sua vez, revela que ocorreu no alvorecer da história ocidental uma ruptura profunda entre a filosofia mobilizada pela razão e a retórica persuasiva que movida à paixão caracteriza a guerra de nervos dos propagandistas, as operações psicológicas dos exércitos em combate, e a guerra de ideias levada a cabo por intelectuais armados com sonhos, ideias, visões e palavras, muitas palavras. Hoje em dia sabe-se também que é um traço das democracias a defesa desses dissidentes e a proteção de suas opiniões por vezes minoritárias. Apesar de doloroso e difícil de suportar, as democracias aprenderam a lição de que a verdade é fruto do choque entre narrativas dominantes e periféricas. A polêmica vive esparramada em vários recantos. Na ficção televisiva e cinematográfica, nos programas jornalísticos de debate, na produção fonográfica, na boca de personagens irônicos e debochados que desafiam os costumes. Ela varia de cultura a cultura. Em algumas é dura e inflamada. Noutras a emoção 121 JACQUES A. WAINBERG arrebatada é contida e aprisionada. Este estudo mostrou que entre tantos tipos de polemistas há um em especial cujo atributo intelectual é demandado. Combina uma obra de fôlego com sua capacidade e desejo de influenciar o destino comunitário. Aparentemente, o ”intelectual público” está em todos os lugares, no ocidente e no oriente, e não raro, coagido, foge em direção às sociedades livres de onde, protegido, continua a disparar seus petardos retóricos contra seus opositores, por vezes inimigos. Nesse tipo de discurso há de tudo um pouco: sátira, ironia, sarcasmo e humor. O polemista com esse tipo de coquetel retórico e politicamente incorreto e indisciplinado cumpre um papel que cabe ao diabo. Atormenta a sociedade ora com ideias brilhantes, ora com alucinações inconsequentes. Foi dito e é agora repetido que os polemistas tornam-se por vocação celebridades da mídia. Ao contrário dos autores da era tipográfica, acostumados ao silêncio das bibliotecas e a sisudez de maçantes e por vezes incompreensíveis compêndios, os de agora, os deste tempo eletrônico, assumiram um papel menos austero e mais disponível às massas. Servem-lhes como conselheiros e intérpretes da realidade. Como exposto, há quem não goste do rebaixamento vocabular a que se submetem para se comunicar. No entanto, é da adequação de seu verbo às audiências superficialmente educadas que depende esse seu papel de guia e pároco das sociedades secularizadas. A luta entre o velho e o novo encontra assim esse mediador e interlocutor. O fato de sofrer o ostracismo, a perseguição, a abominação, o exílio e eventualmente a morte por pensar e dizer o impensável é preço a pagar em certos ambientes por deflagrar uma luta incerta por corações e mentes. Até que vença e faça sucumbir seu opositor entricheirado na tradição, no senso comum e nas verdades incontestáveis terá que suportar estoicamente a desconfiança pública. Ao desafiar o senso comum, o polemista faz surgir o novo. Mas o novo não surge nunca facilmente. Muitos o temem pelo efeito devastador que pode causar nos equilíbrios existentes. Tal dinâmica pode ser observada nos comportamentos humanos, nas opiniões expressas sobre temas públicos, nos hábitos cotidianos, e na ruminação psicológica que impede as pessoas verem os velhos problemas de um novo jeito. O polemista tem a coragem que falta à maioria dos indivíduos. Na 122 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS verdade, a torcida vibra em seu favor por expressar o que essa parcela da opinião pública sente, mas evita pronunciar. Esconde-se atrás de sua verbe, como que entrincheirada num silêncio sepulcral. E há certo gozo nesse desfrute da petulância de se dizer o indizível. Como paladino do não dito, mas existente, desafia o establishment. Esse efeito é surpreendente. Há uma ousadia que encontra ouvidos desconfiados, de mentes que abominam o jogo de forças que nas sombras empurram a história de um lado para o outro. O polemista educa, pois estimula o embate. Acorda mentes adormecidas como que narcotizadas pelo que é usual. Ele está presente nas disputas teológicas, nas controvérsias científicas, políticas, literárias, culturais e sociais. Afinal, é a diferença sempre que é percebida. É o estranho que faz os olhos ver por vezes o que estava já a nossa disposição, mas era desconsiderado. A sociedade da informação não assegura esse efeito mágico do encantamento que o entendimento dos fenômenos e processos produz. Como exegeta, sua ação tem também efeito terapêutico. Com frequência o polemista também irrita. Desafia e desacomoda com a inquietude o padrão moral estabelecido pela tradição. Em boa medida, como todo intelectual é um atormentado. Os genuínos pensadores estão em sofrimento. A busca da cura os leva a problematizar os dilemas visando à resolução dos impasses humanos. Nesse sentido, a obra, o discurso, o que sai da alma desses personagens expressa a luta que sustentam contra os fantasmas que habitam seus espíritos. 123 JACQUES A. WAINBERG ANEXOS _______________________________________________________________________________________ ANEXO 1 O MANIFESTO PC Saul Jerushalmy & Rens Zbignieuw X. “Para forjar um acordo cósmico sobre uma unidade e harmonia sem precedentes, o Movimento do Politicamente Correto exige que todas as pessoas, a despeito de suas condições sociais, aceitem a incipiente or dem mundial que oferecerá felicidade e alegria ilimitada. Dammit.” Prof. Dr. Skipyy “Houng Lau” Whitmore Berkeley CA, 1965 O que é PC? PC significa Politicamente Correto. Nós, da filosofia Politicamente Correto, acreditamos na tolerância crescente para uma diversidade de culturas, raças, gêneros, ideologias e estilos de vida alternativos. O Politicamente Correto é a única perspectiva social e moral aceitável. Quem discordar dessa filosofia é um fanático, preconceituoso, sexista, e/ou conser vador. Por que eu dever ia ser PC? Ser PC é legal. O PCismo é não só uma atitude, é um estilo de vida! PC oferece a satisfação de saber que você está combatendo as maldades sociais de séculos de opressão. Sou um homem branco. Ainda assim posso ser PC? Certamente. Na verdade, a maior par te da vanguarda do grande destino PC são homens brancos. Mas lembre, como homem branco, você deve sempre sentir-se culpado. Por quê? Se você é um homem branco, seus ancestrais foram responsáveis por praticamente todas as injustiças do mundo: escravidão, guerra, genocídio e os xales dos casacos espor tivos. Isso significa que você é parcialmente responsável por estas atrocidades. Agora é tempo de equilibrar as balanças da justiça para os descendentes daqueles indivíduos cujos ancestrais seus ancestrais oprimiram. Como ? É simples. Você tem que ser cuidadoso com o que diz, com o que pensa, e com o que faz. Você não quer ofender a quem quer que seja. Você quer dizer que devo evitar ofender alguém? Exato. Ser ofensivo é destrutivo, e não tornará o mundo uma Utopia harmoniosa, como em Imagine de John Lennon. O que mais posso fazer para ser um PC? Oh, há muitas maneiras. Por exemplo, por que comprar sorvete se você pode comprar algo comestível da Floresta Amazônica? Segregue – opa-opa – separe tudo em diferentes containers: vidro, metal, papel, plástico, etc. Tenha certeza que sua maquiagem não foi testada em animais. Tente encontrar pelo menos 60 maneiras de usar sua água, quando você toma banho, escove os dentes na mesma hora. Então não deixe a água escoar, use-a para irrigar seu gramado. Ou melhor ainda, troque seu gramado por uma horta. Não use aerosol. De jeito algum, não queime ou deforme nossa bandeira. Lembre, como cidadão dos Estados Unidos, você está vivendo no país de Deus. [Na versão brasileira poderíamos sugerir: Lembre-se que Deus é brasileiro.] Se você for suficientemente afortunado em saber sua origem étnica, vista-se de acor do. Não use drogas. Você deve ouvir a pelo menos um dos seguintes músicos PC: U2, REM, Sinead O’Connor, Sting ou k d lang. Assedie as pessoas que usarem casacos com peles de animais. Lembre-se que uma inocente foquinha foi espancada sem misericór dia. Ou simplesmente grite, “FUR!” Eles odeiam este grito. E nunca coma carne. Nunca comer carne? Por que não? Vacas são animais, assim como seres humanos são animais. Isso significa que eles têm direitos. Quando você come car ne, você está oprimindo os animais! Então toda matança é ruim? 124 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Não, não sempre. Às vezes a matança pode ser justificada, como no Golfo Pérsico. Você tem que ser capaz de dizer quando um animal tem direito, e quando não. Como posso saber quando um animal tem direitos? A regra geral é a seguinte: se o animal é raro, bonito, grande, simpático, peludo, doce ou amável, então ele tem direitos. Examine a lista abaixo: DIREITOS vacas coelhos baleias esquilos vermelhos corujas marinheiros SEM DIREITOS baratas mosquitos tubarões esquilos cinzas madereiros crustáceos Ufa. O que mais posso fazer para ser um PC? Suba numa ár vore. Alegre-se todos os dias por conta de nossas diferenças culturais, já que elas dão sabor a nosso grande país. Tome consciência de sua identidade sexual. Dê uma olhada no seu refrigerador para ver se há vazamento de gás. Assine a National Geographic. Procure nela as tradições culturais e costumes não ocidentais. Depois de lê-la, use o papel como fonte de energia alternativa. Tente vestir roupas com a letra X gravada nelas se elas forem de fibras naturais. Acima de tudo, sempre desafie a autoridade! Espere um pouco, pensei que — Não se preocupe, isso não é impor tante. Bem, não estou convencido disso. Se você está inseguro sobre sua motivação, basta recordar. Você está certo. É simples. Você, como um guerreiro PC, está certo. Como posso saber quando uma ação é ant i-PC? Boa pergunta. É importante saber quando alguém está dizendo algo inadequado de forma que você possa afastar essa pessoa da sociedade. A orientação é a seguinte: O confronto é entre duas pessoas brancas? Sim: o liberal está cer to. Não: o branco está oprimindo o outro. Aqui está um exercício legal para você: Veja quantos artigos de jornal você pode escrever sobre histórias preconceituosas. É legal! Alguns PCistas são tão bons que eles conseguem tornar a previsão do tempo parecer um panfleto da Klu Klux Klan! O que posso fazer se vejo alguém fazer algo que não seja PC? Tudo dependerá da situação. Se você está numa posição de autoridade, trate de imediato de comunicar o fato a seja lá quem for o responsável. Se o líder de sua escola, empregador, ou superior for simpático às tendências dos anos 90, ele ou ela adotará as medidas necessárias contra o agressor. Mas isso não é censura? A Constituição nunca pretendeu que o racismo, o sexismo e a insensibilidade fossem defendidos por alguém. Não é disso que trata a liberdade de expressão. Dizer algo negativo sobre uma determinada raça ou gênero é tão prej udicial como, digamos, dar-lhes um soco na cara. Não podemos admitir esse tipo de assalto verbal. Ouv i muito dizer que o PC está substit uindo palavras como ”Negro”, ”Índio”, etc. Sim. Isso faz parte do movimento PC. Você vê, parte do que pensamos sobre as pessoas vem diretamente das palavras que usamos para descreve-la. Veja ”negro”, por exemplo. Por que uma pessoa deve ser julgada pela cor de sua pele? Você quer dizer que é preferível ser julgado pelo conteúdo de seu caráter? Não, quis dizer que eles devem ser julgados pela origem de seus ancestrais. Se seus avós tiverem vindo da África, ou Ásia, ou seja lá de onde for, então você deve ser identificado por este fato. Você pode inclusive se candidatar a bolsas de estudo! Sou uma mistura de francês, alemão, inglês e russo. Como posso ganhar uma? Não, não há bolsas de estudo para este tipo. Mas se você for mulher poderá haver. 125 JACQUES A. WAINBERG Opa, uma pessoa branca da Líbia ou Egito tecnicamente poderá ser afro-amer icano? Tecnicamente sim. Mas não é este tipo de afro-americano que eles se referem. Referimos-nos a afro-americanos negros. Outro exemplo: um imigrante branco da África do Sul também não é afroamericano. Gostaria que meu filho fosse PC. O que devo fazer? Bem, deveríamos encorajar os estudantes a dedicar de forma voluntária seu tempo com filantropia. Também, deveríamos reenfatizar perspectivas não ocidentais da história. Finalmente, deveríamos reestruturar testes e questionários para reflet ir preconceitos cult urais. Não entendi. Bem, este é o jeito que o sistema funciona agora, “selecione” as minorias sub-representadas que tendem a se sair pior nos testes de seleção, que têm os piores desempenhos na escola e no trabalho e eles recebem tratamento preferencial. Isso é injusto e errado. É? Sim. O verdadeiro jeito PC de ser tem um escala de avaliação para grupos diferentes de grupos que dá ou subtrai pontos do escore final, dependendo quem está fazendo o teste. Se você é branco, então você foi beneficiado pela sociedade durante sua vida. Isso significa que você perde de dez a quinze pontos para tornar o teste j usto para todos os demais. Suspeito que isso seja correto. Está correto. Isso é que é belo no PC. Com que mais devo tomar cuidado? Humor. O pessoal PC leva todo comentário muito seriamente. Não aceitamos qualquer comentário, piada, consideração, ou qualquer coisa que pareça ser insulto racial ou étnico. Isso é tudo? Sim. A crença Politicamente Correto é essencialmente o reconhecimento que as pessoas são diversamente iguais. Alegramos-nos nesta igualdade tratando as pessoas diferentemente baseada em sua individualidade igualitária. Seja bem-vindo no nosso trem... Seja PC. Ou então você é um intolerante, racista, sexista e um porco insensível. ANEXO 2 Estratégias retóricas segundo Arthur Schopenhauer Estratagema Retórico 1. Extensão 2. Homonímia 126 Conceituação Objetivo Alguns exemplos Levar a afirmação do adversário para além de seus limites naturais. Toma-lo no sentido mais amplo possível. Por outro lado, restringir ao máximo a própria afirmação. Quanto mais geral uma afirmação se torna mais ataque pode se dirigir a ela. Eu disse: “Os ingleses são a primeira nação no gênero dramático.” O adversário: “Todo mundo sabe que na música e, por conseguinte na ópera, eles nunca foram importantes.” Repliquei: “a música não está compreendida no gênero dramático; este corresponde unicamente à tragédia e à comédia.” Tornar a afirmação apresentada extensiva àquilo que pouco ou nada tem em comum com a coisa de que se trata. Isso permite refutar a segunda afirmação dando a impressão de ter refutado a primeira A: “Você ainda não está iniciado nos mistérios da filosofia de Kant.” B. “Ah! De mistérios nem quero saber.” LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Estratagema Retórico 3. Mudança de Modo 4. PréSilogismos 5. Uso Intencional de premissas falsas Conceituação A afirmação que foi apresentada em modo relativo é tomada como se tivesse sido apresentada em modo absoluto. Se quiser chegar a certa conclusão, devemos evitar que esta seja prevista. Temendo a ar gúcia do adversário, apresentaremos as premissas das premissas, fazendo présilogismo. Se o adversário não quiser aceitar as proposições verdadeiras, fazer uso de proposições falsas Objetivo Alguns exemplos A afirmação relativa pode ser assim refutada com base neste segundo contexto. Numa conversação sobre filosofia, reconheci que meu sistema defendia e elogiava os quietistas. Pouco depois surgiu uma conversa sobre Hegel e afirmei que grande parte dos seus escritos não tem sentido ou, ao menos, em muitas de suas passagens o autor colocava as palavras e o leitor tinha de colocar o sentido. Meu adversário não tentou refutar esta crítica. Disse que eu havia elogiado os quietistas embora estes escreveram também muitas coisas sem sentido. Aceitei este fato, mas corrigi sua afirmação dizendo que não elogiara os quietistas enquanto filósofos e escritores, mas como pessoas, por seus atos, apenas sob ponto de vista prático. Mas no caso de Hegel, ao contrário, de realizações práticas. Deste modo, o ataque cessou. Deve-se atuar de modo que o adversário admita as premissas uma de cada vez e dispersas e sem ordem na conversação. Procura-se fazer com que admita as premissas de muitos dos présilogismos, sem ordem e confusamente, ocultando o nosso jogo. Adotaremos proposições que são falsas em si mesmas, mas verdadeiras e argumentaremos a partir do modo de pensar do adversário. Se alguém é militante de alguma seita com a qual não estamos de acordo, podemos adotar contra ele, as máximas dessa seita. 127 JACQUES A. WAINBERG Estratagema Retórico Conceituação 6. Petição de princípio oculta Ocultar o que se quer afirmar. 7. Perguntas em desordem Fazer de uma só vez muitas perguntas pormenorizadas. Em contrapar tida, expor rapidamente a sua própria argumentação, fundada nas concessões da outra parte. 8. Encolerizar o adversário Provocar a raiva do adversário com algo injusto, humilhando-o e tratando-o com insolência. 9. Perguntas em ordem alterada Fazer as perguntas numa or dem distinta da exigida pela conclusão que dela pretendemos. 128 Objetivo Para isso deve se usar um nome distinto ou conceitos intercambiáveis para fazer com que se aceite o que parece controvertido e que na verdade quer se afirmar. Ocultar o que queremos que seja admitido. Os que compreendem com lentidão não conseguem acompanhar a discussão e não se darão conta das eventuais falhas e lacunas da demonstração. Enfurecido o adversário não é capaz de raciocinar o que o impede eventualmente de ver sua vantagem no embate. O adversário não conseguirá saber onde queremos chegar e não poderá prevenir-se. Poderemos ser virnos de suas respostas para tirar várias conclusões, até mesmo contraditórias, conforme as respostas o permitam. Alguns exemplos “Boa reputação” em vez de “honra”; “virtude” em vez de “virgindade.” LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Estratagema Retórico Conceituação Objetivo 10. Pista Falsa Se o adversário responde pela negativa às perguntas cuja resposta afirmativa poderia confirmar nossas proposições, então devemos perguntar o contrário da proposição que queremos usar, como se quiséssemos que fosse aprovada, ou então por as duas à escolha. Impede que o adversário perceba qual proposição queremos afirmar. 11. Salto Indutivo Se fizermos alguma indução e o adversário admitir os casos particulares em que esta se baseia, não devemos perguntar-lhe se admite também a verdade geral que deriva desses casos. 12. Manipulação Semântica 13. Alternativa Forçada Este é o que mais se usa de maneira instintiva. É preciso escolher a metáfora que mais favoreça a nossa tese. Apresentar a tese contrária a nossa e deixar que o adversário escolha. 14. Falsa proclamação de vitória Tratar como prova o que não é prova. 15. Anulação do paradoxo Propor ao adversário para que aceite uma proposição correta cuja exatidão não é totalmente evidente. Ou então aplicaremos o estratagema anterior. Devemos introduzir a verdade geral desde logo como se estivesse estabelecida e aceita, pois às vezes ele poderá crer que a admitiu, e o mesmo pode acontecer aos ouvintes. Aquilo que se quer dizer é intr oduzido já na palavra, na denominação, da qual se deriva por um simples juízo analítico. Ressaltar com veemência a oposição entre as duas teses de modo que escolha a nossa por ser muito mais provável. Se o adversário for tímido ou tolo poderá aceitar o golpe. Se ele suspeitar e recusar, provaremos o absurdo da tese, mostrando que ela leva a pelo menos uma consequência absurda. Alguns exemplos O nome ”protestante” foi escolhido por eles mesmos. O nome herege, em contrapartida, foi escolhido pelos católicos. Desejamos que alguém admita que um homem tem que fazer tudo o que seu pai lhe ordene. Para isso, perguntamos: “Deve-se obedecer ou desobedecer aos pais em todas as coisas?” 129 JACQUES A. WAINBERG Estratagema Retórico 16. Modalidades do argumentum ad hominem 17. Distinção de emergência 18. Uso Intencional da mutatio controverse Conceituação Se fizer uma afirmação devemos perguntar-lhe senão está de algum modo em contradição com algo que anteriormente disse ou aceitou, ou com princípios de uma escola ou seita que ele elogie ou aprove. Quando a questão admite algum tipo de dupla inter pretação ou dois casos diferentes, fazer alguma distinção sutil. Evitar e interromper o debate a tempo de não ser derrotado, ou desvia-lo de rumo. Objetivo Alguns exemplos De uma maneira ou de outra sempre estamos sujeitos a nos deixar apanhar por semelhante tramoia. Se alguém defende o suicídio, logo gritamos: “Por que você não se enforca?” Responder a uma prova contrária a nossa apresentada pelo adversário. Responder ao uso de argumentação que ameaça nos abater. 19. Fuga do específico para o geral Enfocar o aspecto geral da tese e ataca-la assim. Responder à objeção do adversário contra um ponto concreto da tese. 20. Uso da premissa falsa previamente aceita pelo adversário Se já interrogamos o adversário acerca de nossas premissas e ele as aceitou não devemos perguntar-lhe mais nada. 21. Preferir o argumento sofístico Responder o argumento sofístico com outro argumento sofístico Devemos tirar nós mesmos a conclusão dessas premissas. A presumiremos como aceita e tiraremos a conclusão. 22. Falsa alegação de petitio principii 130 Se o adversário exigir que admitamos algo do qual deriva o problema em discussão devemos recusar. O objetivo não é a verdade, mas a vitória. Nosso adversário e os ouvintes enxergarão como sendo idêntica ao problema uma proposição que lhe seja muito afim. Desse modo lhe subtrairemos seu melhor argumento. Se tivermosmos de dizer por que uma determinada hipótese física não é crível, falaremos da incerteza geral do saber humano, ilustrando-a com toda sorte de exemplos. LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Estratagema Retórico 23. Impelir o adversário ao exagero 24. Falsa redução ao absurdo 25. Falsa instância 26. Retorsio argumenti 27. Provocar a raiva 28. Argumento ad auditores Conceituação Objetivo Podemos provocar o adversário contradizendo-o e induzindo-o ao exagero para além do que é verdade uma afirmação que em si pode ser verdadeira. Quando o adversário nos contradisser devemos cuidar para não exagerar nossa tese. Tiram-se falsas consequências da proposição do adversário e fazem-se distorções dos conceitos. Apresentar um único caso para o qual o princípio não seja válido. Ao refutar o exagero parece termos refutado também a proposição original. Com frequência o adversário buscará também nossa afirmação para além do que havíamos expressado. Considerar o argumento do adversário para seus fins de ar gumentação. Alguns exemplos Tira-se a força dos argumentos do adversário. Assim, o argumento é demolido. O argumento que o adversário usa a seu favor pode ser usado com mais razão contra ele. Frente a um argumento o adversário fica nervoso. Nesse caso devemos usar o argumento com frequência já que ao que parece tocamos seu lado fraco. Assim, dominamos a situação. No caso de uma pessoa culta discutir com um auditório inculto faz-se uma objeção inválida a um argumento. Tal invalidade só um conhecedor do assunto pode captar. E esse não é o caso dos ouvintes. O adversário estará assim derrotado aos olhos do público. Todos os ruminantes têm chifres. Mas o camelo é ruminante e não tem chifres. O adversário diz: “É apenas um menino, devemos deixá-lo fazer o que quiser.” Retorsio: “Precisamente porque é um menino, deve-se castigá-lo para que não persevere em seus maus hábitos.” Na formação da crosta r ochosa primária, a massa que mais tarde se cristalizou para formar o granito e outras rochas por efeito era líquida e teria que ser fundida. O falso ar gumento é: a temperatura a 250 graus teria feito a água evaporar. A explicação esconde que a ebulição depende também da pressão atmosférica. 131 JACQUES A. WAINBERG Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos 29. Desvio Se percebermos que vamos ser derrotados, recorremos de forma modesta ou insolente a um desvio. Podemos falar de algo totalmente diferente como se fosse pertinente à questão e constituísse um argumento contra o adversário. Na discussão só se deve usá-lo na falta de algo melhor. Se um debatedor lança ao outro reprovações pessoais, este não responde com uma refutação, mas sim com reprovações pessoais ao primeiro, deixando subsistir os lançados contra ele e, portanto, quase os admitindo. 30. Argumento que apela à credibilidade e à honra de alguém Utilizamos uma autoridade que é respeitada por nossos adversários para estar ao nosso lado. Ou a citamos. Ou podemos falsificá-lo para os nossos fins. As pessoas comuns têm profundo respeito pelos especialistas. Para evitar ter de pavimentar a rua em frente a sua casa um padre francês citou uma frase da Bíblia: paveant illi, ego non pavebo (“eles que se apavorem, eu não me apavorarei”). Para os ouvintes de língua francesa, paver soou como pavimentar. 31. Incompetênci a irônica Declara-se frente ao adversário como incompetente 32. Rótulo odioso Reduzir o ar gumento do adversário a uma categoria odiosa. 33. Negação da teoria na prática Pode ser verdadeiro em teoria, mas na prática é falso. 34. Resposta ao meneio de esquiva Se o adversário não dá uma informação ou uma resposta direta a uma questão ou a um argumento e se esquiva significa que encontramos um ponto fraco no seu argumento. 132 Damos a impressão de que o argumento do adversário é insensato. Esse passo pode ser dado quando temos a certeza de que o público tem estima maior por nós do que pelo adversário. Assim, tornamos suspeita a afirmação do adversário. Aceita-se os fundamentos, mas negam-se as consequências. Refugia-se numa proposição que não tem nada a ver com o tema. Isso corresponde a um mutismo relativo. “O que você diz ultrapassa minha débil capacidade de compreensão. Não posso compreendê-lo e renuncio a todo julgamento.” “Isso é maniqueísmo”, “Isso é panteísmo”, “Isso é ateísmo”. Contradiz a regra: da premissa à consequência a conclusão é obrigatória. Devemos persistir no ponto e não deixar o adversário sair do lugar LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos 35. Persuasão pela vontade Em vez de fornecer razões ao entendimento, influi-se com motivações na vontade, e o adversário e os ouvintes são ganhos para a nossa opinião. Fazemos o adversário perceber que sua opinião faria um dano notável a seus próprios interesses. Um eclesiástico defende um dogma religioso. Fazemo-lo observar que isso está indiretamente em contradição com um dogma fundamental de sua igreja, e ele o abandonará. Podemos impressionar o adversário oferecendo, com ar grave, um absurdo que soe como algo douto e pr ofundo, e como se fosse prova incontestável de nossa própria tese. 36. Discurso incompreensí vel Aturdir o adversário com um caudal de palavras sem sentido. 37. Tomar a prova pela tese Se o adversário tem razão, mas escolheu para defender-se uma prova ruim, será fácil refutar, e daremos isto como refutação da própria tese. Se ao adversário ou aos ouvintes não lhes vem à mente uma prova melhor, então vencemos. Se alguém emprega, para provar a existência de Deus, o argumento ontológico que é fácil refutar. Essa é a forma pela qual bons advogados perdem uma causa boa. Querem defendê-la com uma lei que não é aplicável e aquela que é aplicável não lhes vem à mente. 38. Último estratagema. Quando percebemos que o adversário é superior e que acabará por não nos dar razão, então nos tornamos pessoalmente ofensivos, insultuosos, grosseiros. Já que a par tida está perdida, atacase a pessoa do opositor para assim evitar o objeto da discussão. Essa regra é popular e todo mundo é capaz de aplicá-la. ANEXO 3 Lista dos intelectuais mais citados na mídia e na academia segundo Richard Posner Os intelectuais mais citados na mídia americana Richard Posner/Lista Publicada na Revista Veja* 1. Henry Kissinger 2. Daniel Moynihan 3. George F. Will 4. Lawrence Summers 5. William J. Bennett 6. Robert Reich 7. Sidney Blumenthal Os intelectuais mais citados na academia americana Richard Posner/Lista publicada na Revista Veja* Michel Foucault Pierre Bordieu Jürgen Habermas Jacques Derrida Noam Chomsky Max Weber Anthony Giddens 133 JACQUES A. WAINBERG Os intelectuais mais citados na mídia americana 8. Arthur Miller 9. William Safire 10. George Orwell 11. Alan Dershowit z 12. Toni Morrison 13. Antonin Scalia 14. Tom Wolfe 15. Norman Mailer. 16. George Bernard Shaw 17. Václav Havel 18. William Kristol 19. William F. Jr. Buckley 20. Kurt Vonnegut 21. H.G. Wells 22. John Steinbeck 23. Stephen G. Breyer 24. Gore Vidal 25. Robert Bork 26. Herbert Stein 27. Timothy Leary 28. Thomas Friedman 29. E.J. Dionne 30. C.S. Lewis 31. Philip Roth 32. John Silber 33. Milton Friedman 34. Bill Moyers 35. Doris Kearns Goodwin 36. H.L. Mencken 37. Jonathan Turley 38. W.H. Auden 39. Saul Bellow 40. Arthur Jr. Schlesinger Jr. 41. Joyce Carol Oates 42. Bertold Brecht 43. Ayn Rand 44. Benjamin Spock 45. Gabriel García Marquez 46. David Halberstam 47. Betty Friedan 48. Paul Krugman 49. Aldous Huxley 50. Thomas Mann 51. Anthony Lewis 52. James Baldwin 53. E. M. Forster 54. Henry Louis Gates Jr. 55. Stephen Jay Gould 56. Susan Estrich 57. Susan Sontag. 58. Rachel Carson 59. Ezra Pound 60. E. L. Doctorow 61. Gloria Steinem 62. Richard Dawkins 134 Os intelectuais mais citados na academia americana Stephen Jay Gould Stephen Posner John Dewey Cass Sunstein Roland Barthes Amartya Sen Erik Erikson. Richard Rorty William James Jerome Bruner James Coleman Paul Krugman Edward Wilson Edward Said Carol Gilligan Theodor Adorno Milton Friedman William Justus Wilson Judith Butler Paul Ehrlich Ronald Dworkin Claude Levi-Strauss Jared Diamond Charles Taylor Jean-Paul Sartre Robert Putman. Robert Merton George Stigler Joseph Stiglitz James Q. Wilson Samuel Huntington Richard Lewontin Richard Epstein Paul Samuelson Richard Dawkins Umberto Eco Hilary Putnam William Eskridge Jr. Raymond Willians Albert Hirschman. Homi Bhabha Akhil Amar John Seymour Lipset John Maynard Keynes Friedrich Hayek Howard Gardner. Richard Herrnstein Laurence Tribe Michael Walzer Amitai Etzioni Martha Nussbaum Martin Feldstein Do 60º a 100º Bruce Ackerman, Robert Solow, Theda Skocpol, E.J. Hobsbawm, Herbert Simon, James Buchanan, Stanley Fish, Thomas Schelling, Catharine MacKinnon, H.L.A LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Os intelectuais mais citados na mídia americana Do 63º a 100º Jean-Paul Sartre, John Maynard Keyne, Camille Paglia, Oliver Wendell Holmes, Andrew Ross, John Kenneth Galbraith, Richard Posner, Ralph Ellison, Aleksandr Solzhentsyn, Lillian Helmann, Ann Coulter, David Horwit z, Albert Camus, Christina Hoff, W.E.B. Du Bois, Allen Ginsburg, Archibald Cox, Jeffrey Sachs, Marshall Mcluhan, Zbigniew Brzezinky, Laurence Tribe, David Brooks, Henry Luce, Pauline Kael, Paul Johnson, Garry Wills, Isaiah Berlin, Noam Chomsky, Floyd Abrams, John Hope Franklin, Margaret Mead, James Q. Wilson, David Frum, William Butler Yeats, Alan Wolfe, Lanu Guinier, George Stigler. Os intelectuais mais citados na academia americana Hart, Hannah Arendt, Robert Nozick, Robert Bellah, Francis Fukuyama, Thomas Nagel, Daniel Bell, Ernest Gellner, Cornel West, Eve Kosofsky, Georg Lukacs, Kenneth Boulding, Erich Fromm, Cristopher Jencks, C. Wright Mills, Henry Louis Gates Jr., Robert Reich, Michael Sandel, Duncan Kennedy, Guido Calabresi, Isaiah Berlin, Robert Bork, Owen Fish, E.P. Thompson, Robert Frank, Michael McConnell, Lawrence Lessig, Gunnar Myrdal, Antonin Scalia, Jeffrey Sachs, Alfred Kinsey. * O critério de Posner para a inclusão de um nome em sua lista foi uma combinação de menções na mídia, referências na web e citações em publicações acadêmicas. ANEXO 4 Os intelectuais brasileiros mais influentes Os Líderes Intelect uais do Bras il Os 50 intelectuais brasileiros mais influentes Fonte: Revista O Debatedouro (506 respondentes que votaram). Ano da divulgação: 2005 Fonte: Google (Número de referências encontradas) Ano de Divulgação: 2007 Fonte: Revista O Debatedouro (720 respondentes que votaram). Ano da divulgação: 2008 1. Arnaldo Jabor/ TV Globo 1. Paulo Coelho 1. Fernando Henrique Cardoso - 2. Chico Buarque de Holanda 3. Arnaldo Jabor 4. Luís Fernando Veríssimo e Olavo de Carvalho 2. Reinaldo Azevedo 3. Diogo Mainar di 4. Luís Fernando Veríssimo 5. Marilena Chaui 5. Olavo de Carvalho 6. Ariano Suassuna 7. Rober to DaMatta Jô Soares 8. Millôr Fernandes Renato Janine Ribeiro 9. Emir Sader 6. Emir Sader 7. Paulo Henrique Amorim 10. Demétrio Magnoli Os intelectuais mais influentes do mundo iberoamericano Fonte: Foreign Policy /edição em Espanhol 2. Chico Buarque de Holanda 3. Oscar Niemeyer Ano da divulgação: 2008 1. Reinaldo de Azevedo Eleito o Intelectual Ibero-Americano pelos leitores da Revista. 2. Gabriel Garcia Marques 3. Mario Vargas Llosa 4. Ariano Suassuna 4. Fidel Castro 5. Luis Fernando Veríssimo 6. Cristóvão Buar que 7. Arnaldo Jabor 5. José Saramago 6. Yoani Sánchez 7. Fernando H. Cardoso 8. Franklin Mar tins 8. Marilena Chauí 8. Eduardo Galeano 9. Elio Gaspari 10. Carlos Heitor Cony 9. Diogo Mainar di 10. Fernando Henrique Cardoso 9. Fernando Savater 10. Carlos Fuentes 135 JACQUES A. WAINBERG Os intelectuais brasileiros mais influentes 11. Cristovam Buarque Francisco de Oliveira João Ubaldo Ribeiro Rubens Ricupero 12. Eduardo Suplicy Marcelo Gleiser 13. José Murilo de Carvalho Roberto Mangabeira Unger 14. Alberto Dines Elio Gaspari Paulo Coelho 15. Antônio Augusto Cançado Trindade Antônio Delfim Netto Caetano Veloso Dalmo de Abreu Dallari Diogo Mainardi 16. Boris Fausto Eduardo Giannetti da Fonseca Fernando Morais Ives Gandra Martins Leonar do Boff Rubem Alves 17. Celso Lafer Clóvis Rossi Luiz Felipe de Alencastro Luiz Gonzaga Belluzo Roberto Pompeu de Toledo Aziz Nacib Ab'Saber Miguel Reale 18. Luiz Carlos Bresser-Pereira José Sarney Mino Carta Reinaldo Azevedo José Ângelo Gaiarsa Boris Casoy Enéas Carneiro Manfredo Araújo de Oliveira Paulo Ghiraldelli Jr. Os Líderes Intelect uais do Bras il Os 50 intelectuais brasileiros mais influentes Os intelectuais mais influentes do mundo iberoamericano 11. Augusto Nunes 11. Millor Fer nandes 11. Felipe Gonzalez 12. Tereza Cruvinel 12. Ferreira Gular 13. Alexandre Garcia 13. Boris Fausto 14. Clóvis Rossi/ Folha de S. Paulo/ 14. Eduardo Suplicy 15. Eliane Castanhede 15. Olavo de Carvalho 16. Boris Casoy/ Jornal do Brasil 16. Tom Zé 17. Stephen Kanitz 17. Reinaldo de Azevedo 18. Joelmir Beting/ 18. Roberto DaMatta 19. Fausto Wolff/ Jornal do Brasil 20. Maur o Santayana/ Jor nal do Brasil 19. João Ubaldi Ribeiro 20. Aziz Ab’Saber 21. Caetano Velloso 136 LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Os intelectuais brasileiros mais influentes Os Líderes Intelect uais do Bras il Os 50 intelectuais brasileiros mais influentes Os intelectuais mais influentes do mundo iberoamericano 22. Gilberto Gil 23. José Murilo de Carvalho 24. Tostão 25. Ali Kamel 26. Antônio Ermírio de Moraes 27. Fernando Meirelles 28. Lilia Morits Schwartz 29. Demétrio Magnoli 30. Antônio Delfim Neto 31. Carlos Heitor Cony 32. Elio Gaspari 33. Fernando Novais 34. José Serra 35. Marcelo Gleisser 36. MV Bill 37. Renato Janine Ribeiro 38. Roberto Pompeu 39. Rui Castro 40. Soninha 41. Carlos Lessa 42. Celso Laffer 43. Eduardo Gianetti 44. Gilberto Dimenstein 45. José Arbex Jr. 46. Luis Felife de Alencar 47. Mano Brown 48. Miriam Leitão 49. Nelson Motta 50. Roberto Schwar tz ANEXO 5 100 Intelectuais mais influentes no mundo Fonte: Foreign Policy/Prospect** Ano da divulgação 2005 1. Noam Chomsky 2. Umberto Eco 3. Richar d Dawkins 4. Václav Havel 5. Christopher Hitchens 6. Paul Kr ugman 100 Intelectuais mais influentes no mundo Os 100 intelect uis mais influentes da GrãBretanha Fonte: Foreign Policy/Prospect Fonte: Prospect Ano da Divulgação: 2008 1. Fettulah Güllen 2. Muhammad Yunnis 3. Yusuf Al-Qaradawi 4. Orhan Pamuk 5. Aitzaz Ahsan 6. Amr Khaled Ano da Divulgação: 2004 1. Tariq Ali 2. Martin Amis 3. Perry Anderson 4. Karen Armstrong 5. Colin Blakemore 6. Philip Bobbitt 137 JACQUES A. WAINBERG 100 Intelectuais mais influentes no mundo 100 Intelectuais mais influentes no mundo 7. Jür gen Habermas 8. Amartya Sem 9. Jared Diamond 10. Salman Rushdie 11. Naomi Klein 12. Shirin Ebadi 13. Hernando de Soto 14. Bjørn Lomborg 15. Abdolkarim Soroush 16. Thomas Friedman 17. Papa Benedict XVI 18. Eric Hobsbawm 19. Paul Wolfowitz 20. Camille Paglia 21. Francis Fukuyama 22. Jean Baudrillard 23. Slavoj Zizek 24. Daniel Dennett 25. Freeman Dyson 26. Steven Pinker 27. Jeffrey Sachs 28. Samuel 29. Mario Vargas Llosa 30. Ali al-Sistani 31. E.O. Wilson 32. Richard Posner 33. Peter Singer 34. Bernard Lewis 35. Fareed Zakaria 36. Gary Becker 37. Michael Ignatieff 38. Chinua Achebe 39. Anthony Giddens 40. Lawrence Lessig/Estados 41. Richard Rorty 42. Jagdish Bhagwati 43. Fernando H. Car doso 44. J.M. Coetzee 45. Niall Ferguson 46. Ayaan Hirsi Ali 47. Steven Weinberg 48. Julia Kristeva 49. Germaine Greer 50. Antonio Negri 51. Rem Koolhaas 52. Timothy Garton Ash 53. Martha Nussbaum 54. Orhan Pamuk 55. Clifford Geertz 56. Yusuf Al- Qaradawi 57. Henr y Louis Gates, Jr. 7. Abdolkarim Soroush 8. Tariq Ramadan 9. Mahmood Mamdani 10. Shirin Ebadi 11. Noam Chomsky 12. Al Gore 13. Bernard Lewis 14. Umberto Eco 15. 16. 17. Fareed Zakaria 18. Garry Kasparov 19. Richard Daw kins 20. Mario Vargas Llosa 21. Lee Smolin 22. Jürgen Habermas (7) 23. Salman Rushdie 24. Sari Nusseibeh 25. Slavoj Zizek 26. Vaclav Havel 27. Christopher Hitchens 28. Samuel Huntington 29. Peter Singer 30. Paul Krugman 31. Jared Diamond 32. Papa Benedict XVI 33. Fan Gang 34. Michael Ignatieff 35. Fernando Henrique Cardoso 36. Lilia Shevtsova 37. Charles Taylor 38. Martin Wolf 39. E. O Wilson 40. Thomas Friedman 41. Bjørn Lomborg 42. Daniel Dennett 43. Francis Fukuyama 44. Ramachandra Guha 45. Tony Judt 46. Steven Levitt 47. Nouriel Roubini 48. Jeffrey Sachs 49 Wang Hui 50. VS Ramachandran 51. Drew Gilpin Faust 52. Lawrence Lessig 53. JM Coetzee 54. Fernando Savater 55. Wole Soyinka 56. Yan Xuetong 57. Steven Pinker 138 Os 100 intelect uis mais influentes da GrãBretanha 7. Samuel Brittan 8. Gordon Brown 9. Ian Bur uma 10. Melvyn Bragg 11. AS Byatt 12. David Cannadine 13. John Carey 14. Linda Colley 15. Robert Cooper 16. Michael Craig-Mar tin 17. Bernard Crick 18. Matthew D’Ancona 19. Richard Daw kins 20. Terry Eagleton 21. David Elstein 22. Brian Eno 23. Niall Ferguson 24. Michael Frayn 25. Lawrence Freedman 26. Timothy Garton Ash 27. Anthony Giddens 28. Paul Gilroy 29. Charles Grant 30. John Gray 31. AC Grayling 32. David Green 33. Susan Greenfield 34. Germaine Greer 35. Fred Halliday 36. David Hare 37. Seamus Heaney 38. Peter Hennessy 39. Christopher Hitchens 40. Eric Hobsbaw n 41. Richard Holmes 42. Michael Howard 43. Will Hutton 44. Michael Ignatieff 45. Lisa Jardin 46. Charles Jencks 47. Anatole Kaletsky 48. John Kay 49. Frank Kermode 50. Mer vyn King 51. Thomas Kir kwood 52. Richard Layar d/ 53. Julian Le Grand 54. James Lovelock 55. Noel Malcolm 56. David Mar quand 57. Peter Maxwell-Davies LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS 100 Intelectuais mais influentes no mundo 100 Intelectuais mais influentes no mundo 58. Tariq Ramadan 59. Amos Oz 60. Lawrence Summers 61. Hans Küng 62. Robert Kagan 63. Paul Kennedy 64. Daniel Kahneman 65. Sari Nusseibeh 66. Wole Soyinka 67. Kemal Der vis 68. Michael Walzer 69. Gao Xingjian 70. Howard Gardner 71. James Lovelock 72. Robert Hughes 73. Ali Mazrui 74. Craig Venter 75. Martin 76. James Q. Wilson 77. Robert Putnam 78. Peter Sloterdijk 79. Sergei Karaganov 80. Sunita Narain 81. Alain Finkielkraut 82. Fan Gang 83. Florence Wambugu 84. Gilles Kepel 85. Enrique Krauze 86. Ha Jin/ Novelista 87. Neil Gershenfeld 88. Paul Ekman 89. Jaron Lanier 90. Gordon Conway 91. Pavol Demes 92. Elaine Scarry 93. Robert Cooper 94. Harold Varmus 95. Pramoedya Ananta Toer 96. Zheng Bijian 97. Kenichi Ohmae 98.Wang Jisi 99.Kishore Mahbubani 100.Shintaro Ishihara 58. Alma Guillermoprieto 59. Sunita Narain 60. Anies Baswedan 61. Michael Walzer 62. Niall Ferguson 63. George Ayittey 64. Ashis Nandy 65. David Petraeus 66. Olivier Roy 67. Lawrence Summers 68. Martha Nussbaum 69. Robert Kagan 70. James Lovelock 71. J Craig Venter 72. Amos Oz 73. Samantha Power 74. Lee Kuan Yew 75. Hu Shuli 76. Kwame Anthony Appiah 77. Malcolm Gladwell 78. Alexander De Waal 79. Gianni Riotta 80. Daniel Barenboim 81. Thérèse Delpech 82. William Easterly 83. Minxin Pei 84. Richard Posner 85. Ivan Krastev 86. Enrique Krauze 87. Anne Applebaum 88. Rem Koolhaas 89. Jacques Attali 90. Paul Collier 91. Esther Duflo 92. Michael Spence 93. Robert Putnam 94. Harold Varmus 95. Howard Gardner 96. Daniel Kahneman 97. Yegor Gaidar 98. Neil Gershenfeld 99. Alain Finkielkraut 100. Ian Buruma Os 100 intelect uis mais influentes da GrãBretanha 58. Robert May 59. Ian McEwan 60. Neil MacGregor 61. Mar y Midgley 62. Jonathan Miller 63. George Monbiot 64. Geoff Mulgan 65. VS Naipaul 66. Tom Nairn 67. Onora O’Neill 68. David Pannick 69. Bhikhu Parekh 70. Adam Phillips/ 71. Melanie Phillips 72. Philip Pullman 73. Martin Rees 74. Matt Ridley 75. Richard Rogers 76. Steven Rose 77. WG Runciman 78. Salman Rushdie 79. Malise Ruthven 80. Jonathan Sacks 81. Ziauddin Sardar 82. Simon Schama 83. Roger Scruton 84. Amartya Sen 85. Gitta Sereny 86. Robert Skidelsky 87. Quentin Skinner 88. David Starkey 89. George Steiner 90. Tom Stoppard 91. Raymond Tallis 92. Adair Tur ner 93. Mar y Warnock 94. David Willetts 95. Rowan Williams 96. Robert Winston 97. Jeanette Winterson 98. Martin Wolf 99. Lewis Wolpert 100. James Wood 139 JACQUES A. WAINBERG ANEXO 6 As ideias tóxicas Nome 1. Kevin Kelly 2. Howard Gardner 3. Timothy Taylor 4. John Gottamn 5. Ed Regis 6. Douglas Rushkoff 7. Juan CEO Enriquez 8. Roger C. Schank 9. Stuart Kauffamn 10. Karl Sabbagh 11. Marc Hauser 12. Rodney Brooks 13. Marcelo Gleiser 14. Nick Bostrom 15. William Calvin 16. Chris Anderson 17. Gregor y Paul 18. George Dyson 19. Michael Shermer 20. Daniel Everett 21. Thomas Metzinger 22. Jesse Bering 23. Richard Foreman 24. Clifford A. Pickover 25. Nicholas Humphrey 26. Freeman Dyson 27. Ian Mcewan 28. Irene Pepper berg 29. Haim Harari 30. Paul Steinhardt 31. Mar k Pagel 32. Brian Goodwin 33. Carlo Rovelli 34. Jonathan Haidt 35. Andy Clar k 36. Leo Chalupa 37. Laurence Smith 38. Alison Gopnik 39. John D. Barrow 40. Lawrence Krauss 140 Tema Um novo tipo de mente Abrindo o cofre dos talentos Colônias terrestres no espaço A manufatura molecular Descobrindo vida inteligente em algum outro lugar A evolução humana O renascimento da sabedoria O universo aberto O adeus à ofensa O real, o possível e o inimaginável A vida (ou não) em marte Administrando a morte Superinteligência Mudança climática mudará tudo Uma mudança no ensino graças a web O primeiro grande avanço no cérebro humano e a mente desde o pleistoceno Vírus interestelar Energia e economia: o caminho à civilização Desfazendo a Babilônia Viagem da alma ao altruísmo Deus não precisa ter existido para evoluir Nada mudará tudo Prova da hipótese de Riemann Por que a natureza humana irá se rebelar Radiotelepatia: a comunicação direta de sentimentos e pesnamentos de cérebro à cérebro. O florescimento da teconologia solar Pensando pequeno: compreendendo o cérebr o Finalmente: teconologia mudará a educação Os buracos negros: a última fronteira Estamos aprendendo a fazer fenótipos O próprio organismo como significante emergente E se a grande mudança não ocorrer? Evolução mais veloz significa mais diferenças étnicas Auto re-enegenharia celebratória Controlando a plasticidade do cérebro Antártica occidental e sete outros gigantes adormecidos A infância que nunca acaba Uma bateria muito, muito boa O uso das armas nucleares contra a população civil LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS Nome 41. Stephen H. Schneider 42. Aubrey de Grey 43. Donald D. Hoffman 44. James J. O’Donnell 45. Gregor y Benford 46. Steve Nadis 47. Barry Smith 48. Susan Blackmore 49. Kenneth W. Ford 50. Er nst Poppel 51. Charles Seife 52. Gino Segre 53. Steven Pinker 54. Lewis Wolpert 55. Stephon H. Alexander 56. Robert R. Provine 57. Alan Alda 58. Gerald Holton 59. David Darrylmple 60. Keith Devlin 61. Frank J. Tipler 62. Terrence Sejnowski 63. Helen Fisher 64. Lera Boroditsky 65. Tor Norretranders 66. Emanuel Derman 67. Gregor y Cochran 68. Howard Rheingold 69. Brian Knutson 70. Eric Drexler 71. Nicholas A. Christakis 72. Neil Gershenfeld 73. Anton Zeilinger 74. Yochai Benkler 75. Paul Davies 76. Stewart Brand 77. David Myers 78. Martin Seligman 79. Max Tegmar k 80. Stephen M. Kosslyn 81. Lee Smolin 82. Marti Hearst 83. April Gomik 84. Joel Garreau Tema Conservando o clima Desmascarando a verdadeira natureza humana O laptop quantum África Viver até os 150 Descobrindo outro universo em nosso universo Pequenas modificações fazem as maiores diferenças Máquinas de memes artificiais e autoreprodutoras Lendo as mentes O futuro como presente: um experimento final A fome por informação malthusiana A existência de dimensões adicionais de espaçotempo Se você insistir: genômica pessoal? Fazendo a computação do cérebro No campo do basquete e a ciência O que muda tudo? Cercando um círculo vicioso sem fim O transporte de um significativo aparato nuclear nocivo Escapando o tonel da gravidade O telefone móvel Mas nós todos devemos nos modificar Computadores são os novos microscópios Os persuasores escondidos O conhecimento sobre como nós sabemos o que modificará tudo Dentro e fora: a epistemologia de tudo ”No more time decay” Formas melhores de medir A alfabetização social sobre a mídia Neurofenomenologia + estimulação direcionada = otimização psicológica? A disseminação do conhecimento A antroposfera A re-implantação da vida em materiais inventados O colapso de todos os computadores Recombinações do pr óximo possível A biosfera na escuridão Clima Barato, consumível, interativo e textos para o uso global Pessoas muito mais inteligentes Uma guerra nuclear acidental Superando as diferenças A liberação do tempo O declínio do texto Os sentimentos dos animais A erupção das novas religiões causada pela revolta 141 JACQUES A. WAINBERG Nome 85. Rupert Sheldrake 86. Roger Highfield 87. Alun Anderson 88. Patrick Bateson 89. David Gelernter Tema O crédito ao materialismo “Star Power” O óleo verde Adotando a racionalidade e a sustentabilidade ”Tracks & Clusters” O aumento no tempo de vida dos indivíduos constrangido pela diminuição do tempo de vida das espécies 90. Monica Narula ANEXO 7 Os tópicos mais populares de debates Tópico 1. Segurança Pública 2. Escândalos 3. Política Estadual 3. Comportamento 4. Política Nacional Frequência 53 46 38 38 34 5. Ciência e Saúde 28 6. Porto Alegre 24 Tópico 7. Regras e Leis 8. Educação 9. Transporte 10. Esporte 11. Economia Intern. 12. Movimentos sociais/sindicais 13. Ambiente/ Pol. Municipal/ Crise/Litoral Frequência 19 18 14 12 10 11 8 ANEXO 8 Os Rouxinóis da Mídia Gaúcha. 2008 Nome Atividade Freqüência Total: Polêmica e CC 1. Paulo Moura Cientista Político e acadêmico 13 1. Marcelo Portugal 1. Raul Pont 2. Percival Pugina 3. Cel. Paulo Mendes 2. Ricardo Giugliani 3. Rogrigo Gonzáles 3. André Azevedo 4. André Marenko 4. Ibsen Pinheiro 4. Fabiano Pereira 4. Fernando Ferrari Filho 5. Ático Chassot 6. Gabriel Camargo 7. Zila B. Economista e acadêmico Parlamentar Colunista e Militante Militar Advogado Cientista Político Economista Cientista político Parlamentar Parlamentar Parlamentar Acadêmico Psiquiatra Parlamentar 13 13 12 12 12 11 11 10 10 10 10 9 9 9 142