texto 6 - Universidade de Évora
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1 TEXTO 6 B) ESTUDOS COMPARATIVOS Há uma importante diferença entre o estudo de área e a abordagem comparativa. O informe relativo a um país está dentro do conceito de estudo de área, quer seja feito num estilo puramente descritivo, quer como análise explanatória. A repetição dos métodos de estudo de área para vários países ainda não será mais do que abordagem de área, se o resultado for uma simples sucessão de países, um atrás do outro. Quando pomos uma série desconexa de capítulos, parágrafos ou até sentenças, como: a escola japonesa ensina o arranjo de flores; o cheder judeu faz aprender de cor o Talmude; alguns currículos universitários norte-americanos incluem aulas de boliche [bowling] nada estamos comparando, pelo contrário, pedimos ao leitor que faça a comparação e tire as conclusões. Justaposição e comparação. A abordagem comparativa começa com a justaposição. A seqüência acima, em alguns compêndios chamada erradamente “Educação Comparada”, leva-nos nesta fase à busca de um conceito e uma hipótese capazes de dar unidade. A enumeração de práticas educacionais de diferentes países feita com o fim específico de ressaltar, por exemplo, o princípio de ensino compulsório, ou a presença do nacionalismo, seria considerada tratamento comparativo se precedida de declaração definidora, à luz da qual a matéria deva ser comparada. Retomam-se os dados em confronto com o tema, sumariam-se na hipótese que abrange o essencial da análise comparativa e, afinal, esta passa a ser feita. As três sentenças acima citadas se apresentariam, na fase da justaposição, como segue: À procura de traços “menos comuns” dos programas de ensino do mundo, observamos várias práticas em programas formais: a escola japonesa ensina o arranjo de flôres; o cheder judeu faz aprender de cor o Talmude; alguns currículos universitários norte-americanos incluem aulas de boliche. esses traços singulares são indício de caráter mais geral dos sistemas que os praticam e das nações que os adotam. Esta abordagem, concretizando, como faz, uma ideia condutora, é preliminar à redação do material comparativo. A próxima etapa, a comparação impõe o tratamento simultâneo de todos os países estudados para comprovar a hipótese derivada da justaposição1. Comparação é, na análise final, um processo ordenador; mas significa, não o dispor e sim o realçar os dados educacionais 1 Mais adiante no cap. II é discutida a natureza da “comparação simultânea” e ilustrada nos capítulos IV e VI. Casimiro Amado, Textos de Educação Comparada – Guião para acompanhamento das aulas, Universidade de Évora, 2008 2 previamente processados. O exemplo dado acima soaria, numa análise comparativa completa, mais ou menos assim: Traços menos comuns de programas de ensino, às vezes fornecem, na perspectiva comparativa, indícios de características educacionais mais gerais. Observamos, por exemplo que a escola japonesa ensina o arranjo de flores, o cheder judeu insiste na memorização do Talmude, alguns programas universitários norte-americanos incluem aulas de boliche. De tais fatos podem-se deduzir noções mais gerais da tendência japonêsa à contemplação do belo, da dedicação judaica ao rigor intelectual, da preocupação norte-americana com a educação para o lazer. Atravessar a ponte que une os estudos de área, até aqui descritos, nos estudos comparativos propriamente ditos é a tarefa mais difícil da Educação Comparada. De certo modo o hábito de pensar em têrmos nacionais nos torna mais fácil tentar compreender a educação em uma área do que cruzar e recruzar fronteiras nacionais para entregar-nos logo à comparação de vários países. Mas para apresentar devidamente os aspectos geográficos dos muitos sistemas de educação, cumpre fazer seguir aos estudos de área a justaposição e a comparação de cada um com os outros. Mesmo uma comparação superficial abre os olhos do estudante a panoramas realmente amplos. Esta dimensão a mais nos processos totais do pensamento é a contribuição mais substancial que os estudos comparativos em geral têm a oferecer. Passamos agora à discussão detalhada da comparação completa. Aqui é comum distinguir duas abordagens. A primeira, a abordagem do problema, habilita o estudante a examinar os elementos comparativos em pequenos segmentos. A segunda, a abordagem total, considera todo o panorama educacional. a) ABORDAGEM DE PROBLEMA. — Nenhum estudante de Educação Comparada poderá tentar a abordagem comparativa total, descrita na ação seguinte, sem uma preparação de toda a vida e de todas as horas para essa tarefa. Daí a justificativa para a abordagem de problemas2. A análise de problemas é aprendizado para a análise total e ao mesmo tempo coroamento das etapas de pesquisa a que nos referimos antes. Implica a escolha de um tema ou de um ponto importante, e o exame de sua persistência e variabilidade em todos os sistemas educacionais representativos. Seriam objetos adequados para uma análise de problemas as questões, por exemplo: o que é educação para o desenvolvimento; o que é ensino das ciências; ou quais os métodos de ensino das línguas, num grupo relevante de países. A maneira mais frutuosa de estudar problemas é escolher aqueles que são questões vivas e importantes dentro do próprio país do estudante. (...) Podemos obter elementos de compreensão e solução dessas questões disputadas examinando como, pelas diferentes regiões do mundo, foram resolvidos problemas semelhantes, em circunstâncias semelhantes ou diferentes. (...) Assim, chegamos à tipologia dos problemas educacionais3, valiosa em si mesma como um processo de catalogação, e potencialmente instrutiva para cada país considerado. A Educação 2 Ver também Brian HOLMES, A abordagem de problema na Educação Comparada...”. Os organizadores do Year Book of Education (para uma descrição do mesmo, ver cap. 11) foram pioneiros em tratar a abordagem de problema concebida como a adoção de um assunto ou tema geral sobre o qual são convidados a escrever especialistas de vários países. Como são tratados por HANS, op. cit., problemas são categorias sociológicas que servem como marcos para a análise qualitativa de uma série de países a que a categoria se aplica. Os capítulos II-VI deste livro tratam de problemas internacionais numa forma sistematizada e simultânea. 3 Ver ANDERSON, “The Utility of Typologies in Comparative Education”. Casimiro Amado, Textos de Educação Comparada – Guião para acompanhamento das aulas, Universidade de Évora, 2008 3 Comparada fornece aos planejadores da educação uma série de alternativas para escolherem, a partir delas, a praxe [actuação] apropriada. Os russos poderiam achar, por exemplo, que em vez de aderirem ao ateísmo absoluto em educação, seria possível, caminhando na direção da separação da Igreja e do Estado, conservar o domínio ideológico das escolas sem terem de combater eternamente os sentimentos religiosos persistentes e renascentes. Os Estados Unidos, sob grande pressão para abandonar o sistema de separação da Igreja e do Estado poderiam escolher entre fusão controlada das escolas, como na Inglaterra, e financiamento paralelo e independente para as escolas públicas e da Igreja, como na Holanda ou no Canadá. Pode-se trazer prova de que o acordo inglês, pelo qual as escolas da Igreja recebem ajuda do Estado proporcional ao controle do Estado, funciona bem. A questão poderia limitar-se então, a determinar se a transplantação do acordo inglês iria causar maior comoção social do que as atuais pressões para mudança. Seria também examinada a íntima conexão entre a ajuda económica às escolas da Igreja e o princípio do controle federal. A comparação mostraria que, por trás da manipulação dos vários planos técnicos esconde-se a questão central, comum a todos os países — que[m] deve dirigir a educação moral da juventude. A decisão dos norte-americanos poderia, assim, penetrar esclarecidamente o emaranhado dos argumentos específicos pró e contra, resolvendo essa questão. Problemas como educação seletiva versus educação para todos; condição do professor; delinqüência juvenil; controle escolar local versus controle central; discriminação racial na educação; condição da mulher na educação: todos podem ser estudados com proveito. Em cada caso procuram-se, entre os sistemas do mundo, modelos extremos para os problemas de importância, e discutem-se entre essas polaridades as variações do tema (...). Assim entendido, é evidente o valor da abordagem de problemas. É um tirocínio necessário à aplicação do método verdadeiramente comparativo. b) ABORDAGEM TOTAL. — Só depois de aplicar-se a grande número de problemas e acumular obstinadamente a experiência de pesquisa, devem os educadores comparativos dedicar-se à análise total. A preocupação com o impacto global da educação sobre a sociedade em perspectiva mundial é o ponto culminante desta disciplina. Ëste é o campo adequado para o magnum opus da carreira de um pesquisador. Com efeito, só os mais eminentes comparatistas de nossa época — como por exemplo Kandel, Schneider, Ulich, Rosselló e Lauwerys o tentaram. Como em todas as ciências sociais, esta fase final da disciplina ocupa-se com a formulação de “leis” e “tipologias” que permitam uma compreensão internacional e definição da complexa inter-relação as escolas e do povo a que estas servem. A análise total, como indica o termo, trata das forças gerais imanentes sobre que se constroem todos os sistemas. O valor da abordagem de problemas, há pouco descrita, é que, pela expansão constante do seu âmbito, ela se transforma quase imperceptivelmente em análise total. Um exemplo servirá de ilustração. O financiamento da educação é um problema que está agora recebendo bem merecida atenção. O sputnik soviético desencadeou nos Estados Unidos o grande debate sobre as percentagens de renda nacional (ou orçamento) gastas no ensino pelos Estados Unidos e pela URSS4. (...) . Com os progressos da industrialização está tomando enorme importância o problema de quanto, da riqueza nacional, deva ser aplicado no ensino. Isso leva diretamente a questões ligadas à situação existente. Que lições se devem tirar do grau de comprometimentodos diferentes países para com a educação? Pouco falta a que este problema se amplie até tornar-se um inquérito total. Em todo o mundo, mas particularmente nas chamadas nações novas, é limitado o numerário disponível para o 4 Seguiu-se um despertar geral do interesse dos economistas pela educação, repercussão na obra de homens como Theodore SCHULZ e Jean BOWMAN, na Universidade de Chicago; Frederick HARBISON, em Princeton; Nicholas DEWITT, na Universidade de Indiana; Adam CURLE e Russell DAVIS, em Harvard; e Harold CLARK e Harold NOAH na Universjdade de Colúmbia. Casimiro Amado, Textos de Educação Comparada – Guião para acompanhamento das aulas, Universidade de Évora, 2008 4 ensino seja de fonte nacional seja por ajuda estrangeira. No investimento total, cada nação pode gastar tanto, e não mais. A questão que imediatamente se impõe é onde melhor aplicar o dinheiro. Devem, essas nações pobres, concentrar-se na produção de bens de consumo, na construção de estradas, no investimento de capital em fábricas e indústria pesada, na esperança que tais coisas trarão prosperidade e permitirão, assim, que elas mais tarde possam dar mais instrução ao povo? Ou devem pôr todo o seu dinheiro nas escolas, na convicção de que o povo mais instruído promoverá o progresso económico? E se fazem ambas as coisas, como hão de repartir o bolo? Merece análise comparativa a conexão entre educação e economia. Hoje e no futuro, homens que aparentam ter respostas definidas para essas questões se reunirão nos legislativos da Indonésia, do Tanganica ou do Brasil e votarão investimento para a educação baseando-se unicamente em suas intuições. A perspectiva comparativa alargaria sem dúvida a sua visão. Precisa-se urgentemente da análise comparativa das responsabilidades financeiras tomadas pelos países pobres e ricos, no passado e no presente, de um inquérito sobre a conexão entre padrões de ensino e bem-estar nacional. Nas reformas da era Meiji o Japão construiu suas escolas e floresceu. Em nosso século, o México igualmente construiu suas escolas, mas não floresceu. Terá sido porque o Japão adaptou o ensino à indústria, enquanto o México se concentrou nas escolas rurais? Então, por que floresceu a Dinamarca, depois que Grundtvig ajustou a escola secundária popular à economia agrícola? Essencialmente, a análise total deve levantar questões como essas e fornecer algumas respostas mediante comparação geográfica. Deve ir ainda mais além, até a compreensão total de interdependência de todos os aspectos da educação e da sociedade que a rodeia. A ilustração seguinte (tab. 4) apresenta em traços largos um método possível de pôr em relação as diversas variáveis implicadas. Mostra como um objetivo dinâmico, que acentua o progresso através do individualismo, produziu nos Estados Unidos uma série de consequências que levaram à permissividade nas escolas, enquanto na Inglaterra um fim mais estático, o ideal da sociedade ordenada, acentua, pelo contrário, a autodisciplina; ao mesmo tempo, o coletivismo da União Soviética, um fim funcional, conduziu à disciplina funcional, enquanto a idealização dos deveres, um fim estático, causou no Japão a disciplina pela disciplina. TABELA 4 EDUCAÇÃO E SOCIEDADE EM COMPARAÇÃO TOTAL EUA INGLATERRA Fins da sociedade Progresso através Ordem e lei do individualismo URSS JAPÃO Progresso através Cumprimento dos do coletivismo deveres do homem Fins da educação Desenvolvimento Formação individual caráter do Saber efetivo Apetrechamento social Progressivo prático Académico analítico Enciclopédia formal Cumprimento individual Permissivo Autodisciplina Disciplina um objetivo Contemplação Estético tradicional para Disciplina por si mesma Não está livre de objeções metodológicas a tentativa de justapor, pela generalização, os ideais centrais de cada nação e traçar o modo como se refletem na educação. As categorias apresentadas são tão amplas que podem surgir discussões sobre o porquê de seu uso num país antes Casimiro Amado, Textos de Educação Comparada – Guião para acompanhamento das aulas, Universidade de Évora, 2008 5 que noutro18. Certamente todas as sociedades. compartilham fins sociais e educacionais, mas cada qual os sublinha de maneira diferente. A análise total da tab. 4 é reveladora porque tenta colher qual seja o real comprometimento de cada sociedade com um fim social definido, de primeira prioridade. Mostra como se manifesta nas escolas esse fim social. Indica, além disso, como o programa escolar é influenciado pelos controles sociais e educacionais e quais exigências por sua vez são feitas ao indivíduo. Mesmo que esse esquema comparativo seja examinado apenas para ser rejeitado, o seu valor didático é substancial. Primeiro a descrição, coleta sistemática de informações pedagógicas de um país; a seguir, a interpretação, análise em termos de ciências sociais, depois, a justaposição, vista simultânea dos vários sistemas para determinar o quadro em que compará-los; e, por último, a comparação, primeiramente de problemas escolhidos e, depois, de tudo o que for relevante na educação dos vários países. Esses quatro passos ou etapas (fig. 3) apontam caminho para o futuro da Educação Comparada. BEREDAY, George Z. F., Método comparado em educação, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1972, pp. 51-59. Casimiro Amado, Textos de Educação Comparada – Guião para acompanhamento das aulas, Universidade de Évora, 2008
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