artigo 185 - Hospital IPO

Transcrição

artigo 185 - Hospital IPO
Videolaringoscopia em professoras
da rede pública de ensino de
curitiba/pr: principais alterações
e revisão de literatura
Artigo Original
Recebido em 03/08/2010
Aprovado em 19/10/2010
Videolaryngoscopy teachers’ of public education network from
curitiba/pr: major changes and review of literature
Thanara Pruner da Silva1, Eduardo Baptistella2, Daniel Zeni Rispoli3, Diego Augusto Malucelli4, Fabiano de Trotta5,
Fernanda Fabri5, Ana Cristina Silvestri6, Renata Vecentin Becker 7, Stephanie Saab7, Gustavo Sela7
1)Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital da Cruz Vermelha.
2)Mestrado, Médico Otorrinolaringologista e Preceptor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Angelina Caron e do Hospital da Cruz Vermelha - Filial
do Paraná.
3)Médico Otorrinolaringologista e preceptor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Angelina Caron e do Hospital da Cruz Vermelha - Filial do
Paraná.
4)Médico Otorrinolaringologista e preceptor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital da Cruz Vermelha - Filial do Paraná.
5)Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital da Cruz Vermelha).
6)Médico
7)Acadêmico da Universidade Federal do Paraná.
Centro Médico Especializado Baptistella (CMEB)
Correspondência: Eduardo Baptistella Avenida João Gualberto, 1795, Conjunto 01 Juvevê, Curitiba - PR. CEP: 80 030-001 - E-mail: [email protected]
Resumo
Summary
Introdução: A voz é o principal meio de comunicação existente
e também quesito essencial para algumas profissões, como professores. Esse grupo está sujeito a alterações vocais que podem
prejudicar seu desempenho no trabalho.O artigo objetiva relatar
as lesões mais frequentes encontradas nesse grupo de trabalhadores. Material e Métodos: Análise de 229 videolaringoscopias de
professoras da rede pública de ensino de Curitiba, com mais de
cinco anos de profissão, realizadas entre o período de julho de
2009 e março de 2010, no Centro Médico Especializado Baptistella (CMEB). Resultados: 48 pacientes (20,96%) apresentaram
alteração ao exame. Em ordem de frequência: nódulo em 37
(77,08%) pacientes, edema de Reinke em 8 (16,66%), cisto em
2 (4,16%) e sulco em 1 (2,08%). Discussão: Há relação entre o
abuso vocal em professoras e as lesões fonatórias. Nas variáveis
analisadas, há concordância com a literatura.
Introduction: The voice is the primary means of communication existing item and also essential for some professions,
like teachers. This group is subject to changes that may harm
your vocal performance work. The article aims to report the
most frequent lesions found in this group of workers. Methods: Analysis of 229 videolaryngoscopy of teachers in public
school in Curitiba, with more than five years of occupation,
held during the period between July 2009 and March 2010,
at Medical Center Baptistella (CMEB). Results: 48 patients
(20.96%) showed abnormalities on examination. In order of
frequency: nodule in 37 (77.08%) patients, Reinke edema in 8
(16.66%), cyst in 2 (4.16%) and in a groove (2.08%). Discussion: There is a relation between the vocal abuse in teachers
and vocal injuries. In those variables, there is agreement with
the literature.
Palavras-chave: Videolaringoscopia, Alterações estruturais mínimas, Laringe, Disfonia, Professores
Keywords: Laryngoscopy, Minor structural alterations, Larynx,
Dysphonia, Teachers
ACTA ORL/Técnicas em Otorrinolaringologia - Vol. 28 (3: 99-102, 2010)
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Introdução
A voz é fundamental para o ser humano se comunicar, transmitindo seus pensamentos e idéias, e constitui uma das extensões mais fortes da personalidade. Ela é peculiar ao sujeito e
varia de acordo com o sexo, a idade, a profissão, a personalidade e o estado emocional do falante, bem como a representação
social sobre a sua voz, a intenção com a qual é utilizada e o tipo
de interlocutor1.O avanço tecnológico permite cada vez mais a
compreensão da dinâmica fonatória, da estrutura da laringe e
das pregas vocais em particular2,3,4. Diversos estudos tem relacionado a atividade ocupacional com disfonia, e acredita-se
que o principal fator esteja relacionado ao uso excessivo da voz,
ocasionando trauma das pregas vocais5,6.
Costa et al.7 apresentam categorias de uso vocal pelo trabalhador e definem quatro fatores a serem observados: demanda, requinte, dependência e repercussão no trabalho.
Quanto à demanda, observam-se o tempo e a intensidade de uso
da fala, o local e as condições de trabalho; quanto ao requinte,
observam-se o grau de controle e expertize necessários para o
uso da fala, local e condições de trabalho; quanto à dependência,
observa-se se a atividade profissional é limitada pelas dificuldades vocais e quanto à repercussão, observa-se o impacto que a
fala traz nos resultados das atividades profissionais.
Diante disto, estabeleceu-se a divisão categorias profissionais em níveis:
Nível I - demanda leve e/ou repercussão indiferente;
Nível II - demanda moderada e/ou dependência;
Nível III - demanda severa e/ou requinte e/ou repercussão
determinante.
Koufman & Isacson8 apresentaram uma classificação do uso
da voz, considerando a demanda vocal de cada trabalhador,
assim como o impacto do distúrbio de voz na comunicação no
seu trabalho:
Nível I - cantores e atores profissionais de elite, para os
quais uma alteração vocal de grau discreto pode trazer sérias
consequências para a carreira;
Nível II - demais profissionais da voz falada, para quem
uma alteração de grau moderado causaria impacto profissional
negativo;
Nível III - profissionais como médicos, advogados, vendedores e outros que não conseguiriam exercer suas funções em
caso de disfonia de grau severo;
Nível IV - diversas profissões que não sofreriam limitações
mesmo em condições extremas de comprometimento vocal.
Em levantamento realizado pelo Departamento de Saúde do
Trabalhador - DESAT - da Prefeitura do Município de São Paulo9,
constatou-se que as licenças médicas e as readaptações funcionais por distúrbios de voz tiveram distribuição irregular entre as
profissões dos servidores municipais, apresentando-se relacionadas à função do ensino, ou seja, ao uso da voz e, portanto,
com forte nexo com a atividade laboral. Observou-se que 97%
das readaptações funcionais por distúrbios da voz estão concentradas entre as profissões relacionadas ao ensino (professor,
auxiliar de desenvolvimento infantil, coordenador pedagógico,
entre outros). Em relação às licenças médicas, houve aumento
100
de aproximadamente 62%, comparando-se os números levantados em 1999 com os de 2002.
Esta situação é a mesma encontrada na literatura internacional. Smith et al.10 referem que os professores apresentam
alto risco de desenvolver distúrbio vocal de ordem ocupacional,
apontando a referência de 60% dos professores pesquisados à
voz alterada como problema de desempenho profissional.
Os professores têm sido identificados como tendo a maior
incidência de distúrbios da voz11, que aumenta com a idade e
os anos de atividade letiva12. Estima-se que 2% dos professores brasileiros serão afastados em alguma época da vida por
problemas relacionados ao aparelho vocal13.
A disfonia pode ocorrer como resultado de uma interação entre fatores hereditários, comportamentais, estilo de
vida, e ocupacionais. Diversos estudos tem relacionado a
atividade ocupacional com disfonia, e acredita-se que o
principal fator esteja relacionado ao uso excessivo da voz,
ocasionando trauma das pregas vocais, sendo a laringite
o achado mais frequente12,13.
É importante ressaltar diversos fatores ambientais que podem estar relacionados ao trabalho indiretamente e contribuem
para o problema: exposição a irritantes químicos (como formaldeído, cromo, mercúrio, ácido sulfúrico), condições inadequadas
de temperatura e umidade, ruídos de fundo, e acústica ruim
(sendo esses relatados principalmente pelos professores, atores, cantores e profissionais de telemarketing)11,12.
Tempo limitado de recuperação e estresse também são
considerados fatores de risco para a laringopatia ocupacional11 .Fatores relacionados ao estilo de vida também podem ser prejudiciais à voz. Entre esses, podemos citar o
tabagismo, uso excessivo de álcool, refluxo laringofaríngeo
(frequentemente relacionado a comportamentos e hábitos
alimentares inadequados)12.
O conhecimento da composição estrutural das pregas vocais
é essencial para se identificar os desvios na estrutura aparentemente normal, resultantes de patologias, que acarretam
alterações nas características vibratórias.
Histologicamente, a prega vocal humana adulta, é composta
por cinco camadas14,15.
1) O epitélio da mucosa: resistente ao trauma constante da
fonação. Este epitélio é do tipo celular escamoso estratificado
ao redor da borda da prega vocal, diferenciando do epitélio
ciliado do resto do trato respiratório. Logo abaixo do epitélio
escamoso está a membrana basal, responsável pela aderência do epitélio à lâmina própria. A membrana basal é formada
de proteínas (fibras de ancoramento e fibronectina) e consiste
em área transicional entre o epitélio e a camada superficial da
lâmina própria.
2) A camada superficial da lâmina própria da mucosa ou espaço de Reinke: muito flexível e solta em componentes fibrosos,
com poucos fibroblastos (fibroblastos são células responsáveis
pela reposição de tecido cicatricial). Esta camada vibra intensamente durante a fonação. Torna-se enrijecida perante patologias,
inflamações, tumores ou tecido cicatricial, prejudicando os seus
movimentos vibratórios resultando em disfonias.
ACTA ORL/Técnicas em Otorrinolaringologia - Vol. 28 (3: 99-102 2010)
3) A camada intermediária da lâmina própria da mucosa:
formada de fibras elásticas semelhantes a tira de borracha
macia, contendo um pouco mais de fibroblastos.
4) A camada profunda da lâmina própria da mucosa constituída de fibras colagenosas semelhantes a fios de algodão,
rica em fibroblastos.
5) O músculo vocal (tireoaritenóideo): é o corpo da prega vocal,
quando contraído parece um feixe de tiras de borracha rígida.
Dentre as alterações de laringe mais frequentes encontradas
nos profissionais da voz estão as alterações estruturais mínimas da laringe (AEM). As AEM’s são pequenas alterações na
configuração estrutural da laringe, que incluem desde simples
variações anatômicas até malformações congênitas menores,
cujo impacto, quando existente, restringe-se à fonação. A disfonia é resultante da quantidade do uso, do comportamento vocal
e do grau de alteração apresentado pelo indivíduo. As alterações
estruturais mínimas são consideradas um desarranjo estrutural
que ocorre durante a embriogênese e que frequentemente se
manifestam clinicamente na faixa etária de maior produtividade
ocupacional, entre 25 e 50 anos, quando há uma maior solicitação vocal15. As AEM podem ser classificadas em quatro categorias: assimetrias laríngeas, fusão posterior incompleta, desvios
na proporção glótica e alterações estruturais mínimas da cobertura das pregas vocais (AEMC). As AEMC caracterizam-se
por desarranjos histológicos indiferenciados ou diferenciados,
que prejudicam o ciclo vibratório. Dentre as AEMC diferenciadas temos: sulco vocal, cisto epidermóide, ponte de mucosa,
microdiafragma laríngeo e vasculodisgenesia16.
O tratamento das alterações encontradas é normalmente
combinado, podendo incluir orientação, reabilitação vocal, terapêutica medicamentosa e procedimentos cirúrgicos15,17,18. No
entanto, programas de prevenção são importantes e devem
focar na conscientização dos problemas pelos profissionais,
reconhecimento dos sintomas precoces (fadiga vocal e tosse
seca), e também na orientação sobre uma boa higiene vocal, o
que inclui boa hidratação, afastamento de irritantes como o tabagismo ativo ou passivo e poeira, dieta adequada com controle
do refluxo gastroesofágico e, diminuição da atividade letiva em
quadros de infecções das aéreas superiores6,19,20.
O artigo objetiva relatar as alterações mais frequentes encontradas em 229 videolaringoscopias realizadas no Centro
Médico Especializado Baptistella (CMEB) entre o período de
julho de 2009 e março de 2010 referentes a professoras da rede
pública de ensino de Curitiba.
Todas as pacientes foram submetidas à exame de imagem
videolaringoscopia rígida.
Resultados
Foram incluídos no estudo 229 pacientes que realizaram
videolaringoscopia por indicação de disfunção fonatória.
Desse total, 48 pacientes (20,96%) apresentaram algum tipo
de alteração ao exame (Gráfico 1).
O achado mais prevalente foi o nódulo vocal, presente em
37 (77,08%) pacientes. Na sequência, encontram-se 8 pacientes
com edema de Reinke (16,66%), 2 com cisto (4,16%) e 1 com
sulco (2,08%) - (Tabela 1, Gráfico 2).
Com lesão
21%
Sem lesão
79%
Gráfico 1 – Percentual de lesões encontradas na videolaringoscopia em
professores.
Tabela 1 – Alterações encontradas na videolaringoscopia de professores
com queixas fonatórias.
Alteração da Laringe
Número de casos
Percentual
Nódulo
37
77,08
Edema de Reinke
8
16,66
Cisto
2
4,16
Sulco
1
2,08
Total
48
99,98
4,16%
2,08%
Nódulo
Edema de Reinke
Cisto
Sulco
16,66%
Material e Métodos
Amostra
Foram avaliados 229 prontuários de pacientes atendidas no
CMEB, na cidade de Curitiba. Pacientes, todas do sexo feminino,
com idade variando entre 25 e 53 anos.
Professoras com mais de cinco anos de profissão, com
queixas fonatórias, triadas com anamnese, exame físico e
exame otorrinolaringológico entre o período de julho de 2009
e março de 2010.
ACTA ORL/Técnicas em Otorrinolaringologia - Vol. 28 (3: 99-102, 2010)
77,08%
Gráfico 2 – Porcentagem de alterações encontradas na videolaringoscopia
de professores com queixas fonatórias.
101
Discussão
A literatura mostra que até 80% dos professores apresentam
queixas vocais8,21, sendo encontrada lesão visível à laringoscopia em até 20% dos casos. Entre as afecções mais frequentes
através de exame de nasofibrolaringoscopia encontram-se nódulos (43%), edema de Reinke (17%), hipertrofia de bandas
(12%), pólipos (8,7%), cisto em 4,2% dos casos21. No entanto,
Fortes et al.22 obteve os seguintes resultados: alteração estrutural mínima - AEM - (33%), nódulos (22%), edema de Reinke
(10%) e pólipos (6%). As AEM são lesões que causam alteração da estrutura da mucosa cordal, envolvendo seu epitélio e
camada superficial da lâmina própria23.
Na pesquisa realizada em nosso serviço, no que se refere
à porcentagem de professores com queixas vocais, há concordância com a literatura, já que se obteve cerca de 20% de lesão
visível à videolaringoscopia, o que representa 48 pacientes.
Tais dados corroboram a relação existente entre abuso vocal e
lesões laríngeas. Desse conjunto, o achado mais prevalente foi
o nódulo, presente em 37 (77,08%) pacientes, dado concordante
com o já citado estudo de Urrutikoetxea et al.21. A segunda maior
prevalência foi de edema de Reinke, totalizando 8 pacientes, ou
seja, cerca de 16,66% das lesões. Essa ordenação também vai
ao encontro da pesquisa referida.
Fortes et al.22 também encontraram porcentagens notá-
veis de lesões caracterizadas como nódulo ou edema no
espaço de Reinke. Em nosso estudo ainda, tivemos como
lesões menos prevalentes, cistos (4,16%) e sulco (2,08%).
A porcentagem obtida de cistos, se relaciona intimamente
com dados presentes na literatura. Urrutikoetxea et al.21 calcula que 4,2% dos seus pacientes em estudo apresentavam
alguma forma de cisto vocal.
Fuess et al.24 analisaram 451 professores, sendo que 87
(19,3%) negaram a ocorrência de disfonia, 257 (57,0%) relataram presença de disfonia eventual, 70 (15,5%) apresentavam
episódios frequentes de disfonia e 37 (8,2%) referiam ser constantemente roucos. Análise semelhante não foram realizadas em
nossa pesquisa. O estudo obteve ainda associação significativa
entre a presença de sintomas de rinite alérgica e a frequência
de disfonia (p < 0,001), ou seja, os sintomas de rinite alérgica
se mostraram muito mais comuns em professores com disfonia
frequente ou constante. Variáveis essas que também não foram
objetivo no nosso trabalho.
Fortes et al.22 observaram correlação com tabagismo
(p=0,002), sexo (p=0,004) e idade (p<0,001), com tendência
para associação do tabagismo com edema de Reinke e leucoplasia; sexo feminino com AEM, nódulos e edema de Reinke;
pacientes acima de 40 anos com edema de Reinke, e dos mais
jovens com nódulos, cordite e AEM. Essas correlações, no entanto, não foram meta em nosso estudo.
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