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Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 ANÁLISES METAFÓRICAS E TRADUÇÕES DE MÚSICAS Karina Antonia Fadini1 RESUMO Este artigo se propõe a analisar e validar a importância da produção dos sentidos metafóricos durante o processo de tradução de músicas apresentadas em sala de aula. Para tanto, traduções da música “Firework”, de Katy Perry, feitas por usuários de internet, serão utilizadas como exemplificação. Dessa forma, busca-se entender de que forma (e se) os tradutores podem controlar expressões metafóricas e que efeito isso tem para o próprio texto traduzido. Nessa perspectiva, a metáfora é compreendida dentro dos processos histórico-sociais e culturais que lhe são dados como suporte para a produção de seus significados. Palavras-chave: metáfora, tradução de músicas. ABSTRACT This article intends to analyze and to validate the importance of the production of the metaphorical senses during the process of translation of music presented in classroom. For so much, it will be necessary to exemplify with translations of the song “Firework”, by Katy Perry, previously done by internet users. This way, it is intended to understand how (and if) the translators may control metaphorical expressions, and what effect they 1 Docente do Núcleo de Educação da Faculdade Castelo Branco Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 1 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 have over the translated text. In that perspective, the metaphor is understood inside the historical-social and cultural processes which are given as support for the production of their meanings. Key-words: metaphors, translation of songs. 1. Introdução Segundo Arrojo (1986:22), a tradução “não pode ser meramente o transporte, ou a transferência, de significados estáveis de uma língua para outra [...]” e “a tradução é uma atividade essencialmente inferior, porque falha em capturar a “alma” ou o “espírito” do texto literário ou poético”. Assim, a tradução não é vista como uma atividade exata, um terreno onde tudo é claro, definido e inequívoco, pois, se assim o fosse, como exclama Travaglia (2003:190), “não haveria espaço para a reflexão.” De acordo com Venuti (1995) apud Arrojo, também, “a tradução é a substituição forçada das diferenças culturais e linguísticas do texto estrangeiro para um texto que será inteligível ao leitor da língua alvo”. Fica evidente aí que a tradução é permeada por especificidades culturais que, ao serem traduzidas, podem constituir uma transposição forçada em razão das diferenças entre as duas línguas. No entanto, o tradutor não pode simplesmente se ater à sintaxe e aos itens lexicais, pois língua e cultura estão intrinsecamente ligadas. Partindo-se, então, dessa teoria de tradução como um processo de (re)cria2 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 ção, em que traduzir é interpretar, o presente trabalho pretende destacar e analisar numa música (já traduzida por usuários de internet) a presença de diversos níveis de metáforas, um dos grandes desafios enfrentados pelos tradutores, devido à indissociabilidade entre os elementos lingüístico e cultural mencionada acima e, assim, contribuir para a ampliação das discussões das diversas teorias sobre o processo da atividade tradutória e, posteriormente, servir de base também para aplicação prática em sala de aula. Para tanto, são observadas implicações de ordem psicológica e cognitiva presentes na teoria e na prática de tradução de metáforas, com a identificação dos contextos histórico e social em que ela foi empregada e, assim, a necessidade de reconhecimento deles é justificada. 2. Metáforas e tradução “Metáfora é principalmente um modo de conceber uma coisa em termos de outra, e sua função primordial é a compreensão.” (Lakoff e Johnson) A metáfora, que consiste na comparação de dois termos sem o uso de um conectivo, tão conhecida como “figura de linguagem” ou, mais especificamente, “figura de palavra” dentro da tradição aristotélica de estudos da linguagem, hoje tem sido encarada como processo cognitivo ou processo de produção de sentido, com efeitos de sentidos social e histórico bem demarcados. Tal concepção mais abrangente de metáfora surgiu a partir do final dos anos 70 no âmbito da ciência cognitiva. Segundo George Lakoff, um de seus principais teóricos, a metáfora não é só uma figura de linguagem ou de Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 3 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 retórica. Ela, que era considerada um desvio da linguagem usual e própria de linguagens especiais (como a poética), e tão indesejável no discurso científico, tornou-se agora uma operação cognitiva fundamental, que está subjacente à linguagem. O conhecimento da realidade, tenha sua origem na percepção, na linguagem ou na memória, precisa ir além da informação dada. Ele emerge da interação dessa informação com o contexto no qual ela se apresenta e com o conhecimento preexistente do sujeito conhecedor. (Lakoff e Johnson, 2002:13) Sendo assim, os processos de produção de sentido em linguagem se estruturam a partir de sujeitos historicamente determinados em função de um momento específico, mas dentro das possibilidades que o sistema linguístico oferece. Os indivíduos também são, porém, responsáveis por provocar determinados efeitos de sentido pouco previstos ou inusitados, ainda que possíveis. Desse modo, eles se constituem como suporte para os processos de significação das metáforas. Um olhar metafórico sobre a realidade é, portanto, um olhar que transcende a realidade imediata invadindo mesmo outras realidades experimentadas pelos sentidos. Essa perspectiva da linguagem como constituidora dos sujeitos sociais é encontrada já em Wundt, nos seus escritos de Psicologia datados de 1863, para quem a linguagem de um povo, sua gramática e seu vocabulário particular é o que determina a “constituição psíquica” desse povo, constitui seu “gênio”, seu “espírito” próprio, é o “corpo” de sua “alma coletiva”. (Wundt, apud Abrahão) Para Lakoff & Johnson, as metáforas “não são ocorrências casuais ou alea4 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 tórias para serem tratadas como exemplos isolados.” (2002: 94). Para eles, trata-se de processos sistemáticos que organizam nossos pensamentos e ações e que se baseiam nas nossas experiências. Ao mesmo tempo, Reddy (1979) desenvolveu quatro categorias para constituírem o que ele chama de metáfora do canal: (1) a linguagem funciona como um canal, transferindo pensamentos corporeamente de uma pessoa para a outra; (2) na fala e na escrita, as pessoas inserem seus pensamentos e sentimentos nas palavras; (3) as palavras realizam a transferência ao conter pensamentos e sentimentos e conduzi-los às outras pessoas; (4) ao ouvir e ler, as pessoas extraem das palavras os pensamentos e sentimentos novamente. (Reddy 1979:290, apud Lakoff & Johnson, 2002:16) Assim, com essa forma idealizada de se pensar a comunicação, ela teria sucesso garantido, no qual o ouvinte (ou leitor) teria o simples trabalho de pegar o significado que está nas palavras e colocá-lo na sua cabeça. Dentro desse ponto de vista, a metáfora é percebida como uma construção de realidade que nem sempre passa pelo consciente. Seguindo o caminho aberto por Reddy, Lakoff e Johnson deram um tratamento mais explícito à metáfora do canal, considerando-a como uma metáfora complexa, constituída por uma rede do que eles chamam de metáforas conceptuais. Isso ocorreu na década de 80, quando, através de análises de expressões linguísticas, inferiram um sistema conceptual2 metafórico subjacente à linguagem, o qual influencia nossos pensamentos e nossas ações. Na linguística cognitiva, os conhecimentos prévios são chamados de modelos cognitivos ou esquemas conceptuais. 2 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 5 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Além disso, os dois pesquisadores colocam a existência de três tipos de metáforas: as orientacionais, as ontológicas e as estruturais, as quais serão explicadas posteriormente, com a análise musical contida neste artigo. Desde então, em sua obra Metaphors we live by (e em sua versão traduzida Metáforas da Vida Cotidiana), eles dizem acreditar que as pessoas não possuem as mesmas metáforas conceptuais no mesmo grau de elaboração, e que não se assuma que os resultados de observações sistemáticas da língua necessariamente impliquem que todo indivíduo possua todas as complexas metáforas conceptuais por eles descobertas. Além disso, defendem que “as representações de metáforas conceptuais podem não necessariamente estar pré-armazenadas em sua totalidade no léxico mental das pessoas; partes delas podem ter que ser (re)construídas de diferentes maneiras em diferentes ocasiões. Ao mesmo tempo, metáforas conceptuais pré-armazenadas podem não necessariamente ser imediatamente ativadas quando as pessoas compreendem linguagem metafórica.” (Lakoff & Johnson, 2004:31) Enquanto isso, Gibbs (1999) se apoia numa abordagem sociocultural da cognição e não vê necessidade de “tirar a metáfora da mente e colocá-la no mundo”; para ele “as teorias da cognição não deveriam insistir que as estruturas cognitivas estão ‘na cabeça’, mas deveriam reconhecer quão ‘abrangente’ ou ‘distribuída’ no mundo a cognição pode ser.” (Lakoff & Johnson, 2004:32) Talvez por essas razões, conforme afirma Schäffner (2004), “o fenômeno da metáfora frequentemente tem sido motivo de preocupação entre os estudiosos da tradução, que discutem sobre os problemas de transferência das 6 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 metáforas de uma língua e cultura para outra”. O trabalho mais importante do tradutor consiste em escolher, dentro do polissistema da língua de chegada, a forma que melhor representa o original, uma vez que a variação (...) é um espelho que reflete o contexto sócio-cultural em que foi produzido o original.” (Travaglia, 2003:41) Com relação à tradução de metáforas também, portanto, nem sempre o procedimento stricto sensu conseguirá solucionar os problemas, visto que, ao “transferir” sentidos de um idioma para outro, a pessoa pode se sentir impedida por diferenças linguísticas e culturais. “O sentido, entretanto, não é esse algo fixo, pré-determinado e único. Pode estar sujeito a muitos fatores que são variáveis, condicionados pelo tempo, pelo espaço, pelas experiências e conhecimento de cada leitor e pelas condições de produção de cada texto tanto na língua de partida quanto na língua de chegada.” (Travaglia 2003:40) Na linguística cognitiva, os conhecimentos prévios são chamados de modelos cognitivos ou esquemas conceptuais. São sugeridos, então, pelas teorias de tradução, vários procedimentos para lidar com esse problema, por exemplo: substituição (de uma metáfora por metáfora diferente), parafraseamento (explicação da metáfora), ou apagamento (tirando a metáfora, por não existir correspondência na outra língua). Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 7 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Via online, porém, aos próprios usuários de certos websites é permitida a exposição de letras musicais que são, muitas vezes, traduzidas “ao pé da letra”, enquanto suas metáforas, que nem sempre têm valor correspondente na língua materna, não são explicadas, fazendo com que a produção do sentido feita pelos que pesquisam a tradução da música seja afetada e/ou insuficiente, já que muitas vezes a correlação entre as duas línguas nem sempre ocorre em nível de palavras, mas sim em nível de frases, e/ou num contexto histórico-sócio-cultural. Nas salas de aula, especialmente nas aulas de Língua Inglesa, onde muitas dessas traduções vão parar, então, a questão pode ser ainda pior, pois existem alunos que têm limitações quanto à interpretação de metáforas, principalmente por causa de distúrbios neuropsíquicos e de cognição, tais como autismo, afasias, síndrome de Asperger, etc. Por essa razão, o intuito aqui é a exemplificação de implicações de ordem cognitiva presentes na teoria e na prática de tradução de metáforas. Para tanto, são analisadas ilustrações de fonte autêntica a fim de entender de que forma os tradutores controlaram expressões metafóricas e que efeito isso tem para o próprio texto traduzido, para a recepção do texto pelos destinatários e para desenvolvimentos discursivos subsequentes. Assim, o presente artigo pretende investigar os procedimentos utilizados nas traduções para Português das metáforas encontradas na música “Firework”, de Katy Perry, e ilustrar alguns dos desafios linguísticos e culturais que elas apresentam. 8 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 3. Na prática Professores de línguas em todos os lugares se esforçam para fazer o ensino pertinente ao interesse de seus alunos, buscando em situações do dia a dia algo que lhes chame atenção e os faça refletir sobre algum tópico quanto ao estudo da linguagem. A música, muito difundida em qualquer região, é um dos principais recursos utilizados pelos professores de Língua Inglesa e, através dela, muitas vezes se tem a possibilidade de demonstrar aspectos culturais de um país. Ela está presente em todos, ou quase todos, os momentos da vida do ser humano e representa um grande fator de integração entre grupos de pessoas, variando conforme o estilo. Através da música vagam muitos pensamentos e sentimentos, sejam de épocas passadas ou presentes, mesmo aquelas compostas em outros idiomas, os quais, muitas vezes, nem se compreendem. A tradução de textos musicais se torna, portanto, um fator muito importante dentro do contexto social, sendo esse um trabalho que deve ser realizado com muita responsabilidade e conhecimentos específicos em tradução, para haver uma maior sensibilidade no que diz respeito ao discurso poético. Observa-se que as características individuais de cada idioma são aspectos que devem ser vistos e estudados com cautela, pois cada língua tem a sua própria identidade, e essas características podem gerar vários conflitos na tradução de um texto. Dentro dessa perspectiva é que se propõe aqui a interpretação das metáforas sob a ordem dos conceitos básicos da linguística cognitiva sobre a construção do significado. Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 9 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 É importante deixar claro, então, que, nesse ponto de vista, o significado metafórico não está nas palavras, ele é uma construção mental produzida pelo sujeito, em que significar é ter referência. Assim, o estabelecimento e a interpretação de uma relação metafórica estão vinculados a conhecimentos prévios3 possuídos pelo emissor da metáfora (que é quem estabelece a relação metafórica) e pelo receptor da metáfora (que é quem interpreta a relação metafórica), conhecimentos esses que precisam ser compartilhados no momento da interação. O papel da linguagem é, assim, puramente o de fornecer pistas para suscitar e enquadrar os nossos conhecimentos prévios, levando-nos à construção do significado. 4. Uma Exemplificação Analisemos, então, duas traduções da canção “Firework” (“Fogos de artifício”), da cantora Katy Perry, cuja letra original se encontra em anexo: TRADUÇÃO 1: (Vagalume.com.br) Fogos de artifício Você já se sentiu como um saco de plástico Voando com o vento querendo começar de novo A área dos nossos conhecimentos prévios que é enquadrada e considerada como sendo mais importante para a construção do significado é chamada de frame (moldura). 3 10 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Você alguma vez já se sentiu Se sentiu tão frágil Como um castelo de cartas A um simples sopro de desmoronar Você alguma vez já se sentiu Como se estivesse enterrado A sete palmos Você grita, mas parece que ninguém ouve nada Você sabe que há Uma chance para você Pois você tem um brilho Você só tem que... Acender a luz E deixá-la brilhar Seja o dono da noite Como o dia da independência Pois, baby, você é como fogos de artifício Venha e mostre do que você é capaz Deixe todos boquiabertos falando “oh, oh, ooooh” Enquanto você cruza o céu Baby, você é como fogos de artifício Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 11 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Venha e deixe as suas cores explodirem Deixe todos boquiabertos falando “oh, oh, ooooh” Você vai deixá-los todos supresos, surpresos, surpresos Você não precisa se sentir Como um desperdício de espaço Você é original Não pode ser substituído Se você ao menos soubesse O que o futuro lhe aguarda Depois do furacão vem o arco-íris Talvez a razão, por quê Todas as portas se fecharam Seja pra você poder abrir uma Que te leverá ao rumo perfeito Como um relâmpago o seu coração reluz E você saberá quando chegar a hora Você só tem que Acender a luz E deixá-la brilhar Seja o dono da noite Como o dia da independência REFRÃO e REPETIÇÃO 12 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 TRADUÇÃO 2: (Letras.mus.com.br) Fogo de Artifício Você já se sentiu Como um saco plástico Flutuando pelo vento querendo começar de novo? Você já se sentiu, Com um papel bem fino Como um castelo de cartas A um sopro de desmoronar? Você já se sentiu Como se estivesse enterrado ao fundo Gritando sob seis palmos Mas ninguém parece ouvir nada? Você sabe que ainda Há uma chance para você? Porque há uma faísca em você Você só tem Que acendê-la E deixá-la brilhar Apenas domine a noite Como no dia da independência Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 13 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Porque, baby, você é um fogo de artifício Vá em frente, mostre o que você vale Faça-os fazer “Ah, ah, ah!” Enquanto você é atirado pelo céu “Ah, ah!” Baby, você é um fogo de artifício Vamos, deixe suas cores explodirem Faça-os fazer “Ah, ah, ah!” Você vai deixá-los dizendo “awe, awe, awe” Você não tem que se sentir Como um desperdício de espaço Você é original, Não pode ser substituído Se você soubesse O que o futuro guarda Depois de um furacão vem um arco-íris Talvez a razão pela qual Todas as portas estejam fechadas É que você possa abrir uma que te leve Para a estrada perfeita Como um relâmpago, seu coração vai brilhar E quando chegar a hora, você saberá Você só tem que Acender a luz 14 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 E deixá-la brilhar Apenas domine a noite Como o dia da independência REFRÃO e REPETIÇÃO Metáforas estruturam parcialmente nossos conceitos da vida diária e essa estrutura se reflete em nossa linguagem literal. A metáfora principal apresentada por essa música é a idéia filosófica de que POTENCIAL É LUZ. Ou seja, toda pessoa tem um grande potencial, que é cheio de “brilho” e esplendor, e deve ser demonstrado a todos, como fogos de artifício. Tal idéia se repete em várias partes da música, seja de forma literal, ou idiomática, como nos dois últimos exemplos: There’s a spark on you (tem uma faísca em você) Ignite the light (acenda a luz) Let it shine (deixe brilhar) Lightning bolt (relâmpago) Your heart will glow (seu coração reluzirá) Brighter than the moon (mais brilhante que a lua) Fourth of July (4 de Julho, dia da Independência Americana, quando muitos fogos de artifício reluzem nos céus) Do you ever feel...buried deep? (já se sentiu enterrado bem profundamente? = ausência de luz) Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 15 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Segundo a linguística cognitiva, para chegarmos a essa interpretação, nós acessamos o nosso esquema conceptual, dentro do qual temos o nosso frame de que “fogos de artifício são bonitos, coloridos, são usados para comemorações, etc” é recortado, e considerado como o conhecimento mais importante para efeito de interpretação da metáfora. A partir desse ponto, nós nos servimos de um conector que, após enquadrado o nosso conhecimento sobre o elemento fogos de artifício, possa fornecer referência para os ouvintes da música. E o conector utilizado é exatamente a descrição de como você (ouvinte da música) deve se sentir, ou seja, uma pessoa cheia de luz e cores, e por isso deve comemorar. Daí, por meio de um mapeamento entre os domínios do real e da metáfora, o que nos permite estabelecer uma comparação entre as características dos elementos pertencentes a cada um deles, nós construímos o significado dessa metáfora, que é o de que você deve soltar essa sua beleza interior. Esse caso sutil de como um conceito metafórico pode esconder um aspecto de nossa experiência foi chamado, por Michael Reddy, de “metáfora do canal” (conduit metaphor), já citada anteriormente. Reddy observa que “o falante coloca ideias (objetos) dentro de palavras (recipientes) e as envia (através de um canal) para o ouvinte que retira as ideias-objetos das palavras-recipientes” (Lakoff & Johnson, 2004:54). Assim, a grosso modo, a nossa linguagem sobre a linguagem é assim estruturada: Ideias (ou significados) são OBJETOS Expressões Linguísticas são RECIPIENTES Comunicação é ENVIAR Essas metáforas do canal são adequadas em muitas situações, mas isso 16 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 implicaria, porém, dizer que palavras e sentenças tenham significado em si mesmas, independente do contexto ou do falante. Portanto, elas não se aplicariam a casos nos quais o contexto é necessário para determinar se a frase tem ou não significado e, se tiver, que significado tem. Por essa razão, Lakoff & Johnson (2004:57) concluem que: Conceitos metafóricos podem ser estendidos para além do domínio das formas literais ordinárias de se pensar e de se falar, passando-se para o domínio do que se chama de pensamento e linguagem figurados, poéticos, coloridos ou fantasiosos. […] Dessa forma, quando dizemos que um conceito é estruturado por uma metáfora, queremos dizer que ele é parcialmente estruturado e que ele pode ser expandido de algumas maneiras e não de outras. Obviamente, os autores da música abraçam e entendem o poder das metáforas e símiles4, e ainda mais impressionante, é o fato de levarem isto para o nível visual através do vídeoclip (disponível em “http://www.vagalume.com.br/katy-perry/firework.html”) produzido pela cantora e o diretor Dave Meyers, o qual demonstra, através de exemplos reais de questões atuais e conhecidas, tais como problemas familiares, obesidade, doenças, homossexualismo e bullying, quando uma pessoa precisa sentir essa “luz” e se deixar “brilhar” no meio da escuridão da noite, ou seja, em meio aos problemas. Símiles são comparações feitas entre dois elementos que não pertencem à mesma categoria, feita por meio de um conectivo: Like a plastic bag (como um saco plástico) Like a house of cards (como um castelo de cartas) Like the fourth of July (como quatro de julho) Like a wasted space (como um desperdício de espaço) Like a lightning bolt (como um relâmpago) 4 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 17 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Os fogos de artifício aparecem aí possivelmente como representações das filosofias orientais, lembrando a luz interior, revelada pela inspiração ou conexão com o divino, aquilo que está num plano superior, espiritual, quando o ser humano alcança uma visão de si mesmo integrada com a visão do mundo. Então, essa luz seria a expressão dessa condição interior que é exposta, colocada para fora no momento em que a pessoa resolve dar valor a essa própria luz interior que possui, e que isso faz diferença na vida das pessoas a sua volta e também no seu próprio equilíbrio interno, alcançando o “nirvana”, palavra indiana que quer dizer “paraíso”, ou estado de graça, de suprema realização espiritual. Toda essa informação, portanto, pode ser passada (ou ‘canalizada’, seguindo o conceito de ‘metáfora do canal’), em mais ou menos detalhes, simplesmente através da frase “you’re a firework” (você é fogos de artifício). Contudo, no momento da criação da música, os valores referidos são geralmente característicos da cultura referente à língua em que ela foi escrita. Assim, no momento da tradução, podem ocorrer conflitos entre as metáforas associadas a eles, se tais valores forem culturalmente divergentes. Por exemplo, na tradução 1 foi falado sobre se estar enterrado “a sete palmos”, enquanto a tradução 2 falou “a seis palmos”. A tradução 2 foi feita literalmente como é dito na letra original. Já na tradução 1, em contrapartida, escolheu-se seguir a ideia de que na cultura brasileira as pessoas são enterradas a “sete palmos”. Outros exemplos disso é a falta de explicação, na tradução 2, do que seriam as interjeições contidas nas frases “Faça-os fazer ‘Ah, ah, ah!’’ e “Você vai deixá-los dizendo ‘awe, awe, awe’’, enquanto na tradução 1 recebemos a ‘referência’ do sentido que elas devem indicar: “Deixe todos boquiabertos falando ‘oh, oh, ooooh’” e “Você vai deixá-los todos ‘supresos, surpresos, surpresos’”. 18 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Isso ocorre provavelmente porque os autores de cada tradução não possuem as mesmas metáforas conceptuais no mesmo grau de elaboração. Então, para continuar analisando os tipos de metáforas presentes nessa música e mostrar o que pode ter passado despercebidamente por eles, faz-se necessária uma breve definição sobre cada um, segundo Lakoff & Johnson, em seu livro já mencionado: As metáforas estruturais ocorrem quando um conceito é estruturado metaforicamente em termos de outro, como A VIDA É UMA VIAGEM. Nessa metáfora, entendemos que estruturar é corresponder os elementos similares de um domínio e de outro. Exemplo: Maybe a reason why All the doors were closed So you could open one That leads you to the perfect road Talvez a razão por quê Todas as portas se fecharam Seja pra você possa abrir uma que te leve Para a estrada perfeita Já as metáforas orientacionais organizam um sistema de conceitos em relação a um outro (e não ‘em termos de outro’, como as estruturais), e estão relacionadas à nossa orientação espacial como para cima – para baixo, dentro – fora, frente – trás. Nesse tipo de projeção metafórica a base física são as experiências corporais do aparelho sensório-motor como FELIZ É Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 19 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 PARA CIMA e TRISTE É PARA BAIXO, o que leva a expressões como: One blow from caving in (a um sopro de desmoronar) Buried deep (enterrado profundamente) Six feet under (a seis/sete palmos abaixo da terra) = para baixo Drifting through the wind (flutuando pelo vento) = sem rumo certo Shoot across the sky (atirado/cruzando o céu) = para cima Por fim, as metáforas ontológicas são utilizadas de forma ampla e são a base para “conceber eventos, atividades, emoções, ideias, etc. como entidades e substâncias.” (LAKOFF, 2002:76) Nossas experiências com os objetos e as substâncias físicas auxiliam na compreensão de conceitos. Ao identificarmos nossas experiências, podemos categorizá-las, agrupá-las e quantificá-las e, por conseguinte, raciocinar sobre elas. De acordo com os autores, as metáforas ontológicas são necessárias para tentar lidar racionalmente com nossas experiências, como no exemplo abaixo, em que há a tentativa de se fazer entender ou definir determinada emoção: Your heart will glow (seu coração reluzirá) A maioria das expressões ontológicas não são sequer percebidas como sendo metafóricas em nosso dia a dia, provavelmente por servir meramente para objetivos limitados, como referir-se, quantificar, identificar aspectos, etc. Porém, temos ainda a personificação de entidades, talvez a metáfora ontológica mais óbvia, aquela em que objetos físicos são concebidos como pessoas, com a qual nos permitimos compreender uma grande variedade de experiências concernentes a entidades não humanas em termos de moti20 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 vações, características e atividades humanas (Lakoff & Johnson, 2002:87). Aqui estão alguns exemplos: If you only knew what the future holds. (Se você soubesse o que o futuro guarda) After a hurricane comes a rainbow. (depois do furacão vem o arco-íris) So you could open one (door) that leads you to the perfect road. (então você poderia abrir uma (porta) que te leva à estrada perfeita) Existem, portanto, valores que são profundamente enraizados em nossa cultura e que são compatíveis com nosso sistema metafórico. Na tradução, porém, pode haver conflitos entre os valores das metáforas associadas à língua fonte e à língua alvo. Para explicá-los, precisamos encontrar as diferentes prioridades atribuídas a esses valores e suas metáforas pela cultura que os utiliza. E, com essa análise, pode-se perceber que, assim como na vida cotidiana há um uso abundante de metáforas, também há tal uso de forma expansiva em canções, sendo fundamental estruturá-las com expressões metafóricas, principalmente para a compreensão e definição de conceitos relacionados a sentimentos e experiências. Explicar a maneira como as pessoas compreendem suas experiências, porém, exige uma concepção de definição muito diferente da tradicional. Nessa proposta de Lakoff e Johnson, os conceitos individuais não são definidos de uma forma isolada, mas, ao contrário, eles são definidos em termos de seus papéis nos tipos naturais de experiências e em termos de interação. Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 21 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Assim, em lugar de serem rigidamente definidos, os conceitos que brotam de nossa experiência são “abertos”. Dependo do ouvinte/leitor/receptor, portanto, é preciso ter suas metáforas conceptuais elaboradas o suficiente para compreendê-las de forma ampla. E cabe ao tradutor ter a sensibilidade e responsabilidade de pensar, no momento da tradução, naquele leitor que possivelmente não as tenha. Ou seja, é como se “a habilidade de compreender a experiência por meio da metáfora fosse um dos cinco sentidos: como ver, ou tocar, ou ouvir” (2002:358) e, já que nós só percebemos e experienciamos boa parte do mundo por meio das metáforas, seria de fundamental importância desenvolvê-la. Referências ABRAHÃO, Virgínia B. B. A metonímia em London London, conto de caio fernando abreu. Disponível em http://www.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/sell/article/view/11. Acesso em 9 abril 2011. ARROJO, Rosemary. Oficina de Tradução: A teoria na prática. São Paulo: Ática, 1986. FAWCETT, Peter. Translation and language: linguistic theories explained. UK: St. Jerome, 2003. 22 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 GRAÇA, A. Cultura e tradução: o contexto cultural como categoria translatória. Nova, 2003. Disponível em http://www.fcsh.unl.pt/deps/estudosalemaes/Pubs/P_Aires_Graca_14_Jan_2003.asp. Acesso em 24 maio 2011. PERRY, Katy; ERIKSEN, Mikkel; HERMANSEN, Tor; DEAN, Ester; WILLELM, Sandy J. Firework. 2010. Disponível em <http://www.vagalume.com.br/katy-perry/firework.html> e <http://letras.terra.com.br/katy-perry/1731882/>. Acessos em 24 jun 2011. LAKOFF, G. & JOHNSON, M. Metáforas da vida cotidiana. SP: Mercado das Letras, 2002. LAKOFF, G. & JOHNSON, M. Metaphors we live by. University Of Chicago Press. 2nd edition, 2004. PEREIRA, Marcio da Silva. Música e Metáfora – um estudo do discurso sobre a música. Caderno do colóquio, 2007. 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ANEXO: Firework Katy Perry Do you ever feel Like a plastic bag Drifting through the wind Wanting to start again Do you ever feel Feel so paper-thin Like a house of cards One blow from caving in Do you ever feel Already buried deep Six feet under Screams but no one seems to hear a thing Do you know that there’s Still a chance for you 24 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 ‘Cause there’s a spark in you You just gotta Ignite the light And let it shine Just own the night Like the Fourth of July ‘Cause baby, you’re a firework Come on show ‘em what you’re worth Make ‘em go, “Aah, aah, aah” As you shoot across the sky Baby, you’re a firework Come on let your colors burst Make ‘em go, “Aah, aah, aah” You’re gonna leave them all in awe, awe, awe You don’t have to feel Like a wasted space You’re original Cannot be replaced If you only knew What the future holds After a hurricane Comes a rainbow Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 25 Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 Maybe a reason why All the doors were closed So you could open one That leads you to the perfect road Like a lightning bolt Your heart will glow And when it’s time you’ll know You just gotta Ignite the light And let it shine Just own the night Like the Fourth of July ‘Cause baby, you’re a firework Come on show ‘em what you’re worth Make ‘em go, “Aah, aah, aah” As you shoot across the sky Baby, you’re a firework Come on let your colors burst Make ‘em go, “Aah, aah, aah” You’re gonna leave them all in awe, awe, awe Boom, boom, boom Even brighter than the moon, moon, moon 26 Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Revista Faculdade Castelo Branco científica ISSN 2316-4255 It’s always been inside of you, you, you And now it’s time to let it through ‘Cause baby, you’re a firework Come on show ‘em what you’re worth Make ‘em go, “Aah, aah, aah” As you shoot across the sky Baby, you’re a firework Come on let your colors burst Make ‘em go, “Aah, aah, aah” You’re gonna leave them all in awe, awe, awe Boom, boom, boom Even brighter than the moon, moon, moon Boom, boom, boom Even brighter than the moon, moon, moon Fonte: www.vagalume.com.br Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br 27
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