- Departamento de Puericultura e Pediatria
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Highlights As Múltiplas Faces da Nutrição do Lactente Pérsio Roxo Júnior Fernanda Luisa Ceragioli Oliveira Luiz Antonio Del Ciampo Highlights – Nutrição Infantil Nutrição Infantil 1 Parte I: Leite materno e crescimento infantil Dr. Luiz Antonio Del Ciampo E mbora seja adequado considerar diversos aspectos relativos aos contextos histórico, social e cultural, é possível, simplificadamente, entender a criança como um ser humano que se encontra em uma fase da vida caracterizada pelo rápido crescimento e desenvolvimento. Portanto, durante essa fase que se inicia com a concepção e se estende até o início da adolescência, a criança necessita que lhe sejam proporcionadas, entre outras, condições adequadas de alimentação, higiene física e emocional, segurança e proteção, de modo a permitir que sua expressão genética manifeste-se plenamente. O crescimento, mais do que representar um aumento em tamanho da massa corpórea e do número de células, deve ser entendido como um processo complexo, contínuo e dinâmico de interação entre a criança e seu ambiente, influenciado por inúmeros fatores de ordem biológica, ambiental, emocional, cultural e social. Trata-se, portanto, de uma adequação da composição corporal que resulta de todos os processos vitais envolvidos na construção do corpo humano1-5. Durante a fase de lactência, e principalmente ao longo do primeiro ano de vida, o crescimento está diretamente relacionado à nutrição e a diversos fatores ambientais. Desse modo, a alimentação adequada em quantidade e em qualidade é um elemento fundamental para o crescimento visto que, por meio dela, a criança deverá receber toda a energia e os cerca de cinqüenta nutrientes essenciais que serão utilizados para as transformações e diferenciação de estruturas, a consolidação das reservas, reparação dos tecidos e também para a proteção do organismo contra doenças infecciosas e crônico-degenerativas6- 8. 1. Necessidades nutricionais do lactente Devido ao seu grande metabolismo e rápido crescimento nos dois primeiros anos de vida, as necessidades nutricionais da criança são elevadas. Aos 4 meses de idade, cerca de 30% da energia ingerida é utilizada para o crescimento, o que se reduz para 5% no final do primeiro ano de vida e para 2%, aos 3 anos. Ao nascimento, por exemplo, o encéfalo é responsável por cerca de 65% da taxa metabólica basal, reduzindo-se para 50% ao final de primeiro ano de vida9. Para atender às demandas de um organismo que cresce cerca de 3,5 kg de peso e 50 cm de comprimento ao nascimento, para quase 13 kg e 87 cm ao completar dois anos de vida, são necessários macro e micronutrientes em quantidade e qualidade adequados. De modo geral, uma criança em boas condições de saúde e bem alimentada, deve ganhar entre 25 a 30 gramas por dia no primeiro trimestre de vida, dobrando seu peso de nascimento entre os 4 e 5 meses de idade, triplicando entre 11 meses e 1 ano e quadruplicando entre 2 anos e 2 anos e 3 meses. Quanto ao comprimento, deve ganhar 15 centímetros no primeiro ano de vida e 10 centímetros no segundo ano10. Para que tais modificações somáticas ocorram adequadamente devem ser observadas algumas recomendações no sentido de satisfazer as necessidades nutricionais da criança em cada fase do seu crescimento, associadas às suas características de vida, visto que o período que se estende dos seis meses aos três anos de vida é aquele em que a criança está mais sujeita a riscos nutricionais. A quantidade necessária de calorias diárias pode variar en- Highlights – Nutrição Infantil Tabela 1. Consumo energético diário do lactente. 2 Consumo de energia Kcal/kg/dia Metabolismo basal Crescimento 1º ano de vida Crescimento 2º ano de vida Atividade física Ação dinâmica específica dos alimentos Excreções 50 - 55 15 - 20 8 - 10 20 - 30 5 - 8 8 - 10 tre 125 kcal/kg/dia para o recém-nascido, 110 kcal/kg/dia aos seis meses e de 95 a 100 kcal/kg/dia entre seis meses e dois anos de idade 11,12. O consumo dessa energia será distribuído conforme apresentado na Tabela 1. As necessidades protéicas variam entre 1,8 g/kg/dia para os primeiros seis meses, 1,5 g/kg/dia no segundo semestre e 1,2 g/kg/dia no segundo ano de vida, considerando-se as proteínas de alto valor biológico, que devem ser responsáveis por cerca de 15% do total calórico ingerido diariamente13. Os lipídeos devem corresponder a cerca de 30% a 35% do total calórico diário, fornecendo os ácidos graxos essenciais, linoléico e linolênico, em quantidades adequadas, enquanto que os hidratos de carbono são responsáveis por cerca de 50% a 55% das calorias diárias. Além desses nutrientes, a alimentação deve suprir também as necessidades de água (150 ml/ kg/dia), de vitaminas e minerais13, conforme especificado na Tabela 211-15. Tabela 2. Recomendações nutricionais para lactentes menores de um ano de idade e composição bioquímica do leite materno. Energia (kcal/kg/dia) Proteína (g) Gordura * Carboidratos ** Água (ml/kg/dia) Cálcio (mg) Ferro (mg) Iodo (μg) Cobre (mg) Cromo (mg) Manganês (mg) Selênio (mg) Flúor (mg) Zinco (mg) Magnésio (mg) Potássio (mg) Sódio (mg) Cloro (mg) Fósforo mg/dl Vitamina A (μg) Vitamina D (μg) Vitamina E (mg) Vitamina K (μg) Vitamina C (mg) Vitamina B1 (mg) Vitamina B2 (mg) Vitamina B6 (mg) Vitamina B12 (mg) Ac. Pantotênico (mg) Ácido Fólico (μg) Niacina (mg) * 35% das calorias totais diárias ** 50% das calorias totais diárias 0-6m 110 2,1 35 % 50 % 150 400 6 40 0,4 - 0,6 10 - 40 0,3 - 0,6 10 0,1- 0,5 5 40 500 120 180 300 375 7,5 3 5 30 0,3 0,4 0,3 0,3 2 25 5 Leite Materno (quantidade/100ml) 7 - 12 m 100 - 110 2,1 35 % 50 % 150 600 10 50 0,6 - 0,7 20 - 60 0,6 - 1,0 15 0,2 - 1,0 5 60 700 200 300 500 375 10 4 10 35 0,4 0,5 0,6 0,5 3 35 6 71 kcal 1,2 g 3,8 g 7g 87,6 g 33 mg 0,07 - 0,15 μg 7 μg 40 μg 50 ng 0,6 μg 1 μg 16 μg 300 μg 3 mg 58 mg 15 mg 42 mg 15 mg 53 μg 0,04 μg 0,34 mg 0,2 μg 4,0 mg 0,02 mg 0,03 mg 0,01 mg 0,3 μg 0,25 mg 5 μg 0,2 mg Highlights – Nutrição Infantil Recomendações nutricionais/dia Nutriente 3 Highlights – Nutrição Infantil 4 2. Crescimento Existe uma íntima relação entre crescimento físico e estado nutricional, que pode ser compreendido como o reflexo quantitativo da alimentação consumida diariamente pela criança. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)16, a alimentação infantil adequada deve fornecer quantidade de alimentos suficientes para contemplar as necessidades nutricionais, proteger as vias aéreas contra aspiração de substâncias estranhas e não exceder a capacidade metabólica e funcional do trato digestório e do sistema renal da criança. Atualmente, há um consenso de que o leite materno como alimento exclusivo e oferecido em horário livre satisfaz todas as necessidades da criança durante os seis primeiros meses de vida, sendo o único alimento ideal para o crescimento e o desenvolvimento da criança10,17,18. Universalmente apoiada e difundida pela Organização Mundial da Saúde, no Brasil a prática do aleitamento materno encontra importantes aliados no Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM) do Ministério da Saúde e nos Departamentos de Aleitamento Materno e de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Dessa maneira, pode-se entender que o leite materno garante, pela sua qualidade, completude, complexidade biológica e balanceamento adequado de nutrientes, o estado nutricional, o crescimento e o desenvolvimento do lactente nos primeiros meses de vida19-23, ainda que em condições não favoráveis24, não se encontrando benefícios que superem os riscos e as desvantagens de se introduzir, antes dos seis meses de vida, alimentos complementares que, além de serem de qualidade nutricional inferior à do leite materno, podem estar associados com contaminação, desencadeamento de doenças alérgicas, interferência na absorção de nutrientes essenciais como ferro e zinco e, portanto, aumentando a morbimortalidade infantil 25. Diversos estudos publicados na literatura especializada mostram associação positiva entre a duração do período de amamentação e o crescimento de lactentes26-32. Motil et al33 não observaram diferenças significativas entre crianças alimentadas com leite materno exclusivo e com fórmulas lácteas, concluindo que a quantidade de proteína encontrada no leite materno não limitou o crescimento. Kramer et al34 demonstraram que crianças com tempo maior de aleitamento exclusivo podem acelerar o ganho de peso e do comprimento nos primeiros meses de vida, não apresentando déficit de crescimento com um ano de idade, ou até crescer mais que aquelas alimentadas com leite artificial, durante a adolescência21, 35. Por tratar-se de um alimento espécie-específica, balanceado e equilibrado para atender às necessidades da criança e que contém todos os nutrientes indispensáveis ao seu crescimento e desenvolvimento, o leite materno é uma das prioridades no combate à desnutrição infantil36-38, sendo a prática do aleitamento materno estabelecida e amplamente divulgada como uma das Ações Básicas em Saúde da Criança, desde a Conferência de Alma-Ata, em 197839. Ainda relacionado aos distúrbios da nutrição e que se reveste de grande importância na prevenção de problemas de saúde da criança e na sua vida futura, o leite materno ocupa papel importante quando o problema é excesso de ganho de peso. Estudos realizados por vários autores têm demonstrado o papel protetor do leite materno contra obesidade na infância e na adolescência40-42. Outros estudos também verificaram associação entre redução da prevalência de sobrepeso e obesidade com as diferentes práticas alimentares, evidenciando efeito protetor do leite materno contra obesidade43-47. O crescimento humano, entendido como fenômeno sazonal e pulsátil, caracterizado por apresentar diferentes velocidades ao longo do tempo, pode ser avaliado com a utilização de curvas de crescimento que fornecem referências, tanto para o crescimento corporal como um todo, quanto para as distintas partes do organismo, como o segmento cefálico, o comprimento dos membros, comprimento do tronco, etc. Os instrumentos utilizados para a avaliação do crescimento têm sido modificados ao longo do tempo no sentido de melhor se adequar às condições das populações infantis, visto que ainda existe discordância entre os autores em torno do que deve ser adotado como referência ou padrão para crescimento infantil. As diferentes curvas de crescimento classicamente utilizadas, construídas com grande variação de grupos pediátricos, ao serem tomadas como referência nem sempre retratam a realidade de cada criança em particular, visto que questões como tipo de alimentação, condições de nascimento e de saúde nos primeiros anos de vida, por exemplo, podem modificar os parâmetros analisados. A partir de 2006, com a divulgação das novas curvas de crescimento da OMS para crianças com menos de cinco anos de idade, construídas com critérios mais bem definidos (filhos únicos, nascido a termo, sem doenças, mãe não-tabagista, recebendo leite materno exclusivo no primeiro semestre de vida e vivendo em condições ambientais e econômicas adequadas) e, portanto, admitindo-se que todas tenham o mesmo desenvolvimento, pode-se utilizar um instrumento que melhor representa a descrição do crescimento fisiológico dessas crianças, desde o início da vida. Mais do que uma referência, essas curvas representam um padrão de crescimento para as crianças nessa faixa etária1. Parte II: Leite materno e imunidade Dr. Pérsio Roxo Júnior 1. Imunidade inespecífica celular Macrófagos: são as células preponderantes, com elevada função fagocitária sobre Staphilococcus aureus, Escherichia coli e Candida albicans53. Esta atividade torna-se mais eficaz através da opsonização, uma vez que estas células apresentam receptores para o fragmento Fc de IgG e para o componente C3b do complemento. Foi demonstrado que estas células também apresentam atividade citostática sobre uma linhagem de células neoplásicas mamárias, especulando-se que estas células poderiam ser responsáveis pela menor prevalência de tumores de mama em mulheres que amamentam54. Também têm relevante participação no seqüestro de alérgenos presentes no tubo digestivo, impedindo sua fixação à mucosa e posterior sensibilização53. Neutrófilos polimorfonucleares: participam ativamente na fagocitose de bactérias extracelulares capsuladas, através da opsonização53. 2. Imunidade inespecífica humoral Lisozima: é uma proteína específica do leite, com propriedades anti-bacterianas direta e indireta, contribuindo para o estabelecimento da flora característica do leite materno55. Apresenta ação lítica sobre bactérias gram-positivas e algumas gram-negativas, hidrolizando a ligação beta-1,4 entre o ácido N-acetilmurâmico e o 2-acetilamino-2-desoxi-d-glucose, presentes nas paredes das células bacterianas56. Lactoferrina: é uma 80-KD glicoproteína encontrada em altas concentrações no leite humano, variando entre 5-7mg/ml no colostro e aproximadamente 1mg/ml no leite maduro. Apresenta reconhecida capacidade de inibir o crescimento bacteriano in vitro57. Recentemente foram descritos receptores de ligação específicos para lactoferrina em diversos patógenos bacterianos, assim como atividade inibitória sobre a adesão intestinal pela Escherichia coli e propriedades bactericida, anti-viral, anti-inflamatória e moduladora sobre a função de certas citocinas58. Complemento: o componente C3 do complemento tem papel importante na lise e destruição de bactérias piogênicas55. Foi documentada importante atividade funcional dos componentes das vias clássica e alternativa do complemento, presentes no leite humano, com eficaz proteção contra infecções entéricas e respiratórias59. A detecção de componentes na fase fluida do leite materno, como moléculas de gordura e grandes micelas de caseína, com atividade inibitória sobre a ativação do sistema complemento, demonstra uma possível ação anti-inflamatória, prevenindo contra lesão tecidual do trato gastrintestinal do recém-nascido e da glândula mamária materna60. Interferon: é provável que esta substância exerça importante ação antiviral55. Fator de resistência: este fator é um ácido gorduroso termoestável, relacionado com uma maior resistência das crianças amamentadas ao seio às infecções parenterais, especialmente as relacionadas ao Staphilococcus aureus55. Hormônios e fatores de crescimento: são substâncias estimuladoras do crescimento e proliferação de células epiteliais, desempenhando papel importante no desenvolvimento do trato gastrintestinal da criança58. Em contraste com o leite artificial, o Highlights – Nutrição Infantil A lém da IgG transplacentária, a mãe oferece ao recémnascido vários fatores de proteção, através do colostro e posteriormente do leite materno, que é um verdadeiro “suplemento imunológico”, especialmente em uma época da vida onde há uma franca imaturidade imunológica48, 49. Além destes fatores imunológicos, o leite humano é rico em receptores análogos a certas estruturas epiteliais, utilizadas na aderência e penetração tecidual de certos patógenos, como Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae, inibindo de forma eficiente a aderência destes agentes às células da retrofaringe50. A literatura científica tem confirmado o fato de que crianças aleitadas ao seio materno adoecem menos freqüentemente por infecções de vias aéreas e gastrintestinais, especialmente a diarréia51. Há evidências, também, que o aleitamento natural promove proteção com duração de anos após à lactação contra infecções e quadros alérgicos, além de resposta mais eficaz às vacinas52. Os principais fatores de proteção relacionados ao leite materno serão discutidos a seguir: 5 leite humano contém uma quantidade suficiente de hormônios (cortisol, insulina, tiroxina) e de fatores de crescimento (fator de crescimento epidermal, fator de crescimento de nervos, fator de crescimento transformante), promovendo a maturação gastrointestinal e contribuindo para o desenvolvimento da própria imunidade intestinal no neonato61. Oligossacarídeos, Glicoconjugados e Lipídeos: moléculas de oligossacarídeos e glicoelementos presentes no leite humano inibem a ligação de certos patógenos bacterianos entéricos ou respiratórios e de suas toxinas à mucosa62, prevenindo a infecção do epitélio respiratório pelo Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae. Ácidos graxos insaturados causam significante efeito inibidor sobre a aderência da Giardia intestinalis63. Os ácidos linoleico e láurico, responsáveis por 15% e 5% do total de ácidos graxos no leite humano, inativam vírus encapsulados (HIV e herpes simplex tipo 1), bactérias gram-positivas e gramnegativas, fungos e protozoários, como a Giardia lamblia58. Mucina: desempenha importante ação na defesa contra o rotavírus64. Highlights – Nutrição Infantil Mediadores antiinflamatórios: consistem de substâncias antioxidantes (vitaminas A, C e E, catalase e glutationa-peroxidase); prostaglandinas E1 e E2 (ação citoprotetora); inibidores enzimáticos (inibidor do fator ativador de plaquetas, um potente ulcerogênico associado com desenvolvimento de enterocolite necrotizante em recém-nascidos); inibidores de proteases, que bloqueiam a ação inflamatória da tripsina, quimiotripsina e elastase; e citocinas antiinflamatórias (especialmente IL-10), que suprimem a ação de macrófagos, células NK e linfócitos T. Embora estas evidências tenham sido obtidas de estudos in vitro e modelos animais, a baixa prevalência de enterocolite necrotizante e a ausência de reação inflamatória, associada com resposta imune às infecções, em recém-nascidos em aleitamento natural, sustentam o conceito que tais substâncias antiinflamatórias também exerçam importante papel in vivo65. 6 3. Imunidade específica humoral e celular Os linfócitos T e B exercem importante papel na prevenção contra infecções mamárias e na colonização do trato intestinal do recém-nascido, sendo encontrados em número aproximado de 1000 a 4000/mm355. Os linfócitos B são os mais numerosos e responsáveis pela síntese de imunoglobulinas, onde a IgA secretora é o componente mais abundante e mais bem estudado48, 53, correspondendo a 90% das imunoglobulinas do leite 66. Estima-se que o neonato receba, aproximadamente, 0,5 a 1,0g de IgA secretora diariamente, o que pode ser comparado com a produção diária desta imunoglobulina pelo adulto50. Esta é seletivamente produzida no plasma e levada para a superfície das células epiteliais da mama. As células linfóides migram para a mama a partir do tecido linfóide intestinal materno e do centro da árvore brônquica, fato conhecido como caminho êntero-brônquico-mamário de migração de linfócitos48. Estudo realizado em 3 grupos de mulheres com nacionalidades diferentes (Sri Lanka, Ásia e Inglaterra) demonstrou que os 2 primeiros apresentaram os maiores níveis de IgA específica contra14 antígenos de Escherichia coli no colostro, assim como as maiores concentrações destes antígenos, sugerindo que a IgA no colostro possa ser um marcador epidemiológico de infecção por patógenos intestinais67. Esta imunoglobulina é transferida para o neonato principalmente durante os três primeiros dias após o nascimento, sendo a mesma constituída por2 monômeros de IgA , ligados por 2 polipeptídios (o componente secretório e a cadeia de junção). Isto permite à IgA secretora atravessar o tubo intestinal sem modificações em sua estrutura, promovendo proteção contra vários patógenos, tendo sido demonstrada atividade contra Escherichia coli, Shigella sp, Salmonella sp, Campylobacter sp, Vibrio cholerae, poliovírus I, II e III, coxsackie B1, B6, B9, ECHO 6 e 9, rotavírus, Giardia lamblia e Entamoeba histolytica 48, 55, 68 . Foram detectados, também, anticorpos desta classe contra patógenos respiratórios, como Haemophylus influenzae, Streptococcus pneumoniae e vírus sincicial respiratório69, especulando-se que estes anticorpos espalhados pela mucosa do trato respiratório possam impedir a aderência e proliferação destes patógenos, tanto em vias aéreas superiores como inferiores70. Foi demonstrado, também, efeito protetor do leite humano contra o síndrome de morte súbita da infância, devido à presença de níveis satisfatórios de IgA secretora contra toxinas de Staphylococcus aureus e Clostridium perfringens71. Outra importante função da IgA secretora é evitar a penetração de antígenos alimentares através das mucosas, reduzindo o risco de doenças alérgicas nos primeiros anos de vida, como eczema e asma48, 55. A IgG e a IgM são encontradas em quantidades mínimas no leite humano, sendo que os níveis de IgG encontram-se entre 1 e 5 mg/dl e os de IgM acima de 25 mg/ dl. A IgG pode ativar o complemento e participar da citotoxicidade anticorpo – dependente72, ao passo que a IgM forma anticorpos contra bactérias e vírus72, permitindo a proteção inicial do neonato exposto à infecção materna. IgE e IgD são encontradas em níveis de 6 UI/ml e 2mg/dl, respectivamente73, 74. Com relação à imunidade celular, foi demonstrado que o timo de crianças amamentadas naturalmente apresenta tamanho duas vezes maior que de crianças alimentadas com fórmulas75. No tocante às subpopulações de linfócitos T, são encontradas células com o fenótipo CD4 (atividade auxiliadora) e CD8 (atividade citotóxica ou supressora). A relação CD4/CD8 geralmente é similar ao sangue periférico, embora o número de células com fenótipo CD4 seja menor nas crianças em aleitamento natural76. A colonização seletiva da glândula mamária durante a lactação por células T de memória pode representar um dos mecanismos por meio do qual o lactente se beneficia da experiência imunológica da mãe, repercutindo em uma melhor resposta do lactente frente às infecções e às vacinas52. Parte III: Alimentação no primeiro ano de vida A visão atual de alimentação nos primeiros anos de vida está relacionada com a capacidade de desenvolvimento e crescimento do lactente, envolvendo sua aquisição neurológica, motora, cognitiva, social e emocional. Além disso, o conceito de programação metabólica, que compreende no fato que algum tipo de agressão ou privação em idade precoce poderia acarretar prejuízo ou deleção ou indução no desenvolvimento de uma estrutura somática permanente, podendo acarretar alterações nos sistemas fisiológicos, resultando em efeitos que podem persistir até a vida adulta77, 78. Assim, a importância da alimentação apropriada nos primeiros anos de vida tem sido tema de inúmeros estudos, visando não só garantir seu pleno crescimento e desenvolvimento, mas também prevenir o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. A alimentação adequada do lactente acarreta benefícios em curto, médio e longo prazo. O alimento ideal para os lactentes nos primeiros seis meses de vida é o leite materno, que deve ser mantido até os dois anos de vida. A introdução de alimentos complementares deve ser preconizada a partir dos seis meses de vida [Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) - Departamento de Nutrologia77; Academia Americana de Pediatria (AAP)79 e Sociedade Européia de Gastrenterologia e Nutrição Pediátrica- ESPGHAN80)]. Os benefícios do leite humano incluem fatores nutricionais, imunológicos e emocionais. As características nutricionais do leite humano consistem em nutrientes específicos como ácido graxo poliinsaturado ômega-3, enzimas, hormônios e fatores de crescimento81, além da capacidade dinâmica desses nutrientes, pois há variações na composição do leite materno segundo necessidade do lactente como sua idade gestacional. Os aspectos imunológicos englobam fatores de defesa, agentes antiinflamatórios, indutores e moduladores do sistema imune81. O vínculo mãe-filho torna-se forte durante o período do aleitamento materno. Diretamente relacionada ao tempo de aleitamento materno exclusivo, o aleitamento materno também está associado à prevenção de doenças crônicas como dislipidemia82, obesidade83, diabetes mellitus tipo II84, hipertensão arterial85, asma86, dermatite atópica87, doença célica88, doença inflamatória intestinal89 e neoplasia pediátrica90. O aleitamento materno deve ser estimulado na fase prénatal, orientando-se a mãe a iniciar o ato de amamentar na hora do parto, desde que a mãe tenha condições clínicas e o lactente esteja ativo e com movimentos de sucção. A necessidade da mãe e do bebê determinará o horário e o tempo da mamada, sendo recomendado o regime de livre demanda, ou seja, sem fixação de horários regulares para cada mamada. A mãe que amamenta deve consumir líquidos em abundância a fim de garantir adequada produção de leite. Recomenda-se o consumo de 3,8 litros de água por dia, incluindo aquela proveniente de alimentos e da preparação dos mesmos. Além do consumo de água, fatores ambientais podem ser decisivos para uma boa amamentação. A nutriz deve ser monitorada visando hábitos nutricionais saudáveis, sono tranqüilo e ambiente favorável. Apoio do profissional da saúde quanto à parte emocional da família, à adequação das técnicas corretas e à intervenção precoce nas dificuldades colaboram para o êxito da amamentação exclusiva. A mãe deve obter dos familiares e dos profissionais de saúde apoio emocional para realização do ato de amamentar. Preconiza-se que o lactente tenha consulta com algum profissional da saúde antes do 7º dia de vida para encorajamento do aleitamento materno. Recomenda-se que o aleitamento materno seja mantido até dois anos de vida, sendo exclusivo até os seis primeiros. Nos casos de impossibilidade da prática do aleitamento materno, deve-se utilizar fórmulas infantis que supram as necessidades das crianças menores de seis meses, conforme recomendação nacional e internacional (Sociedade Brasileira de Pediatria - Departamento de Nutrologia77; Academia Americana de Pediatria79 ; ESPGHAN80). Utiliza-se a fórmula de partida nos primeiros seis meses e recomenda-se fórmula infantil de seguimento a partir desta idade. A introdução de alimentos complementares deverá seguir a mesma preconização das crianças em aleitamento materno. O leite de vaca “in natura” na forma líquida ou desidratada (em pó) não consiste em alimento adequado para crianças menores de um ano, sendo desaconselhável o seu uso para lactentes menores de seis meses. O menor custo do leite de vaca não justifica seu uso indiscriminado em países em desenvolvimento, perante aos agravos cientificamente comprovados aos lactentes em relação ao crescimento e ao desenvolvimento90-95. A Sociedade Brasileira de Pediatria, Academia Americana de Pediatria e a ESPGHAN advertem a respeito dos riscos Highlights – Nutrição Infantil Dra. Fernanda Luisa Ceragioli Oliveira 7 Highlights – Nutrição Infantil associados ao uso de leite de vaca no primeiro ano de vida. Ressaltam-se também as inadequações nutricionais relatadas abaixo79, 96: Energia: valor energético inferior (cerca de 60 Kcal por 100 mL) ao leite materno, que corresponde a 75 Kcal por 100 mL. Gorduras: contém baixos teores de ácido linoléico (10 vezes inferior às fórmulas), sendo necessário o acréscimo de óleo vegetal para o atendimento das necessidades energéticas e qualitativas (ácidos graxos essenciais: linoléico e alfalinolênico) dos recém-nascidos. Carboidratos: quantidade insuficiente, sendo necessário o acréscimo de outros açúcares, freqüentemente mais danosos à saúde, como a sacarose, com elevado poder cariogênico. Proteínas: fornece altas taxas de proteínas (32,9 g/L ou 5,9 g por 100Kcal), que acarreta elevação da carga renal de soluto. Apresenta relação caseína/proteínas do soro inadequada, comprometendo a digestibilidade. A ingestão excessiva de proteínas e sódio está relacionada com o desenvolvimento de hipertensão arterial97-99. Minerais e eletrólitos: fornece altas taxas de sódio contribuindo para elevação da carga renal de solutos, principalmente dos recém-nascidos de baixo peso. Vitaminas e Oligoelementos: baixos níveis de vitaminas D, E e C. Fornecidas quantidades insuficientes de oligoelementos com baixa biodisponibilidade, salientando-se o ferro e o zinco. Em lactentes, o leite de vaca em pó ou “in natura” deve ser medicamentosamente suplementado de vitaminas e de oligoelementos. Carga de Soluto Renal: 308 mOsm /L. Alianças devem ser efetuadas entre profissionais de saúde das universidades, sociedades civis, políticos e indústrias de alimentos para solucionar o problema do uso do leite de vaca para menores de um ano, que se torna cientificamente inaceitável no primeiro ano de vida. 8 1. Fórmulas Infantis As fórmulas infantis podem ser classificadas: pré-termo, partida, seguimento e especiais. Essa classificação está relacionada com a faixa etária e necessidades nutricionais específicas nas três primeiras fórmulas e as especiais, com especificidade de corrigir dificuldades de aproveitamento de nutrientes diretamente associadas com doenças. As fórmulas de pré-termo suprem as necessidades das crianças nascidas prematuramente, que não possam receber leite materno. Podem ser utilizadas até o segundo mês de vida de idade corrigida (dois meses após a data das 40 semanas de gestação). Suas características principais são: Energia: apresenta maior densidade energética por volume, possui cerca de 80 Kcal por 100ml. Gordura: quantidade de gordura saturada de origem animal (3% a 20%) e de poliinsaturadas provenientes de óleos vegetais (80% a 97%). Maior acréscimo de ácidos graxos essenciais: ácido linoléico (18:2n-6) e ácido alfa-linolênico (18:3n-3), além de ácido docohexanóico (DHA) e ácido ara- cdônico (AA). Os ácidos graxos muito longos (DHA e AA) devem ser suplementados no recém nascido pré-termo por imaturidade enzimática desta população na elongação dos ácidos graxos essenciais. Ressalta-se a importância da relação omega 6 (ácido linoléico) e omega 3 (ácido alfa-linolênico) de cerca de 10:1. Nestas fórmulas infantis, há presença de triglicérides de cadeia média (20% a 40%) a fim de favorecer a gordura como substrato energético. Carboidratos: as fórmulas contêm associação de lactose (40% a 89%) com polímeros de glicose (maltodextrina) (11% a 60%). Proteínas: relação de soroproteína/caseína (60:40). As fórmulas infantis contêm maiores quantidades de proteínas (2,9 a 3,0 g por 100 Kcal de fórmula) em relação às demais fórmulas infantis96. Minerais: Relação cálcio/fósforo (2:1) mais adequada para suprir às necessidades do recém nascido pré-termo. A quantidade de cálcio e fósforo apresenta-se adequada às necessidades do recém-nascido pré-termo (cálcio 70 -140 mg por 100 kcal e fósforo 50 a 80 mg por 100 kcal)96. O teor de sódio e potássio variam entre 1,0 a 2,3 mMol por 100 Kcal e 15 a 25mMol por 100 Kcal, respectivamente 96. Vitaminas e Oligoelementos: atendem às necessidades vitamínicas do recém nascido pré-termo a partir cerca de 150 a 200 ml por dia, pois a quantidade ingerida determina a quantidade dia de vitaminas. Há necessidade de suplementação medicamentosa de vitaminas em quantidades menores de 100 ml por dia. A recomendação de ferro, zinco, cobre nas fórmulas infantis para pré-termo variam entre 1,0 a 1,3 mg por 100 Kcal, 0,55 a 1,1 mg por 100Kcal e 90 a 120 mcg por 100 Kcal, respectivamente 96. Carga de Soluto Renal: cerca de 150 mOsm/L, compatível com o leite humano prematuro 96 a 147 mOsm/L. As fórmulas infantis são seguras e adequadas para o crescimento e desenvolvimento das crianças77, 79, 80. As fórmulas de partidas ou denominadas1 devem ser fornecidas para lactentes até o sexto mês de vida. As fórmulas de seguimento ou denominadas2 são utilizadas após a introdução de alimentos complementares (após o sexto mês de vida). As fórmulas infantis têm as seguintes características gerais 79,100: Energia: segundo as normas da ESPGHAN79, uma fórmula infantil deve conter 60 a 70 Kcal por 100 ml. Ganho de peso elevado nesta faixa etária tem sido associado com aumento de risco de obesidade80. Gordura: redução da quantidade de gordura saturada de origem animal e acréscimo de gorduras poliinsaturadas originárias de óleos vegetais. A quantidade de gordura deve variar entre 4,4 a 6,0 g por 100 Kcal 80, correspondendo a 40% a 54% do valor energético total da fórmula infantil, mimetizando os valores energéticos do leite materno. Acréscimo de ácidos graxos essenciais: ácido linoléico (18:2n-6 0,3 a 1,2 g por 100 Kcal) e ácido alfa-linolênico (18:3n-3 mais que 50mg por 100 Kcal). Ressalta-se a importância da relação ômega 6 (ácido linoléico) e ômega 3 (ácido alfa-linolênico) de 5:1 a 15:1. Limitação da quantidade máxima de ácidos graxos láurico e mirístico (20%), ácidos graxos trans (3%) e ácido 2. Alimentação complementar Define-se alimentação complementar alimentos ricos em energia e micronutrientes (ferro, zinco, cálcio, folatos e vitaminas A e C) em quantidade adequada, sem contaminação, com poucos condimentos e sal, fácil preparo e boa aceitação pela criança25. A alimentação complementar deve ser sempre oferecida à criança utilizando-se copo ou colher, para que se possa atingir o objetivo de nova aquisição de desenvolvimento neuropsicomotor77. Após o sexto mês de vida, o lactente necessita de alimentos complementares para atingir completamente suas necessidades nutricionais77, 104. Ao iniciar a alimentação complementar, devese considerar a maturidade fisiológica e neurológica da criança e suas necessidades nutricionais105. A velocidade de ganho pondero-estatural do lactente diminui no segundo semestre em relação ao primeiro. Deve-se manter o aleitamento materno, pois o lactente necessita de um período de adaptação entre a dieta exclusivamente láctea e a boa aceitação dos alimentos complementares104, 105. O leite materno ou o uso de fórmulas infantis modificadas devem contribuir com a quantidade de energia, de macro e de micronutrientes nesta fase de transição. O primeiro ano de vida caracteriza-se por fase de aquisições de funções motoras devido ao amadurecimento do sistema nervoso central e periférico. Assim, a introdução de alimentos deve ser progressiva quanto a sua consistência, iniciando-se com alimentos pastosos evoluindo para os sólidos. O lactente tem dificuldade em se concentrar na alimentação, atingindo precocemente sua saciedade conforme a densidade energética da refeição, sendo considerado normal que ele não ingira toda alimentação em todos os horários104, 106, 107. É importante frisar a característica do alimento de possuir adequada densidade energética, pois o lactente possui limitação devida sua baixa capacidade gástrica. A alimentação complementar compreende alimentação variada e colorida, preparada em condições apropriadas de higiene, com quantidades adequadas de energia, macro e micronutrientes 77,104-106. Deve ser de fácil preparo, utilizando alimentos habituais da família, com custo aceitável, sem excesso de sal ou condimentos e que tenha boa aceitação pela criança 77,105-106. Não se deve substituir os alimentos complementares por alimento lácteo após a fase de transição, que compreende somente o período de adaptação do lactente. Assim, o bebê atento ao mundo tem dificuldade de concentrar-se na alimentação, atingindo precocemente sua saciedade conforme a densidade energética da refeição, sendo considerado normal que ele não ingira toda alimentação em todos os horários. O fato de “rapar” o prato em todas as refeições, na maioria das vezes consiste em necessidade do cuidador, devendo ser orientado para não forçar a criança a se alimentar, correndo o risco de além de tornar a refeição um momento desagradável, acostumar a criança desde cedo a se alimentar no limite da capacidade gástrica104 (Quadro 1). Highlights – Nutrição Infantil graxo erúcico (1%). Carboidratos: as fórmulas contêm lactose exclusiva ou associação de lactose com polímeros de glicose (maltose-dextrinas), não necessitando de adição de açúcar ou farinha. A quantidade de carboidratos pode variar em 9,0 a 14,0 g por 100 Kcal79. Segundo ESPGHAN80, não deve ser recomendada a adição de frutose, sacarose e glicose em fórmula infantil nos primeiros quatro a seis meses de vida. Proteínas: quantidade adequada de proteína com desnaturação protéica (quebra da caseína, em cadeias menores, formando proteínas solúveis, favorecendo a digestão e absorção) e relação proteína do soro/caseína na fórmula de partida e seguimento é 23/77 ou 60/40 e 40/60 ou 20/80 ou 23/77, respectivamente. As fórmulas devem conter 1,8 a 3,0 g por 100 Kcal de fórmula 80. A ESPGHAN80 recomenda que a quantidade máxima de proteínas nas fórmulas infantis seja 3,0 g por 100 Kcal. Minerais: há modificação nos teores dos minerais tentando aproximar os seus teores aos do leite materno. Relação cálcio/ fósforo adequada (25 a 90 mg por 100 Kcal de cálcio e 30 a 100 mg por 100 Kcal de fósforo, oferecendo a relação 1:1 a 2:1) 80, favorecendo a mineralização óssea. A quantidade de sódio, potássio e cloro na fórmula infantil devem variar entre 20 a 60 mg por 100 Kcal, 60 a 160 por 100Kcal e 50 a 160 mg por 100 Kcal, respectivamente. Vitaminas e Oligoelementos: atendem às necessidades da criança sadia79. Nos primeiros seis meses, a ingestão de 800 ml por dia de fórmula infantil garante as necessidades de vitaminas e oligoelementos em crianças sadias. Após o sexto mês de vida, com a introdução de alimentos complementares, a quantidade de fórmula infantil para suprir as necessidades de micronutrientes reduz para 500 ml ao dia. Carga de Soluto Renal: 90 a 100 mOsm/L. Componentes especiais: nutrientes presentes no leite humano podem ser acrescidos às fórmulas infantis como ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa - LCPUFA (composição do cérebro e desenvolvimento neurológico), probióticos e prebióticos (modificação da flora intestinal, contribuindo com a defesa local intestinal) e nucleotídeos (favorecimento da resposta imunológica)80, 101. As fórmulas infantis especiais compreendem as fórmulas isentas de lactose, as contendo amido pré-gelatinizado, as que contêm proteínas parcialmente hidrolisadas, proteínas isoladas de soja, as que apresentam proteínas sob a forma de hidrolisados protéicos (soro, soja / colágeno e caseína) e sob a forma de aminoácidos. A maior parte destas fórmulas é destinada para lactentes com doença do trato gastrintestinal relacionada com determinada forma de má-absorção. A fórmula parcialmente hidrolisada deve ser utilizada em crianças com antecedentes familiares positivo de alergia. A fórmula de soja não é indicada na prevenção102 e no tratamento na fase aguda da terapia nutricional da intolerância ao leite de vaca, em vigência de lesão de mucosa intestinal. Não se recomenda à utilização de fórmulas de soja sem critérios bem definidos de alergia, especialmente relacionados aos sistemas extra-digestórios103. 9 Quadro 1. Estimulando a alimentação saudável (AAP/AHA). • Manter aleitamento materno exclusivo até 6º mês. • Atrasar a introdução de sucos para o 6º mês de vida, limitar o volume do suco de frutas por dia (100ml/dia) e oferecê-lo por meio de copinhos. • Aceitar a saciedade da criança, evitando a superalimentação, pois as crianças costumam regular a ingestão energética diária. Não forçar terminar toda refeição se ela não estiver com fome. • Oferecer sempre alimentos saudáveis e oferecê- lo novamente em outro momento, mesmo após as primeiras recusas. • Não introduzir alimentos com alta densidade energética apenas para aumentar a ingestão energética do dia. American Academy of Pediatrics/American Heart Association, 2005 104 Não está determinado qual alimento deve ser iniciado primeiro, o importante é que a introdução de alimentos seja gradual em quantidade e qualidade, respeitando a aceitação da criança, pois a mesma determinará a quantidade e o ritmo de sua refeição77, 104-106. O esquema da introdução dos alimentos complementares está descrita na Tabela 3. A fruta, sob a forma de papa ou suco, consiste no primeiro alimento complementar a ser oferecido ao lactente, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria77. Podem estar na forma de sucos, papas amassadas ou raspadas. Ao adquirir as frutas observar a sua regionalidade e sazonalidade, pois essas frutas além de mais saborosas e nutritivas, apresentam menor custo106. Sucos e papas de frutas devem ser preparados próximos ao momento do consumo, preferencialmente, sem adição de açúcar. Atualmente, segundo a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pediatria, o consumo de suco de frutas tem sido preconizado após o sexto mês de vida, por meio de copos, limitando sua ingestão a 100 ml por dia 77, 104. Sabe-se que entre os benefícios do consumo de suco de frutas, ressaltase o fato de ser alimento fonte de vitaminas, principalmente a vitamina C, mas a desvantagem do excesso de volume oferecido, por sua excelente palatabilidade, acarreta diminuição da ingestão de outros alimentos, fontes de macro e micronutrientes108. O suco de fruta apresenta grande quantidade de água e carboidratos (frutose, glicose, sacarose, sorbitol), apesar de conter baixa quantidade de proteínas e minerais. Outro ponto importante é a utilização indiscriminada do suco de frutas naturais, que por sua maravilhosa palatabilidade e facilidade de consumo, acarreta ingestão diária de grandes volumes, prejudicando a variedade da dieta, contribuindo para deficiência de micronutrientes109, favorecendo a obesidade110 e aparecimento de cáries dentárias108. Assim, a primeira opção de fornecimento de frutas ao lactente torna-se a papa de frutas, por sua maior densidade energética por volume, por sua melhor qualidade nutricional devido à presença de fibras, além de que requer a utilização da colher, estimulando a aquisição motora do lactente. A papa salgada será iniciada, logo após a criança estabelecer o controle da deglutição e aceitação das frutas, entre 7 e 15 dias do início da alimentação complementar, retirando-se a mamada do horário do almoço77. Para mantê-la consistente, será elaborada com alimentos cozidos, amassados com garfo e quantidade mínima da água do cozimento. Colaboram com a oferta de energia e nutrientes essenciais para o crescimento e desenvolvimento, como o ferro e os ácidos graxos essenciais. Para o seu preparo recomenda-se restrição às quantidades de sal e condimentos. A papa de legumes dos lactentes com idade entre seis e doze meses77 deve incluir: cereais/tubérculos/raízes (carboidratos complexos); gorduras (energia, ácidos graxos essenciais); carnes em geral (proteínas de alto valor biológico, ferro hemínico, zinco, cobre); leguminosas (proteínas de baixo valor biológico ferro não hemínico, fibras e vitaminas); legumes e verduras (vitaminas, minerais e fibras). Os grupos de alimentos estão descritos na Tabela 4 e um exemplo de quantidade referido na Tabela 5. Esses alimentos serão incluídos gradativamente, um alimento novo de cada vez, associando-se a outro previamente tolerado. As repetidas ofertas de alimentos colaboram para a formação de hábito alimentar, como também auxilia na distinção do alimento não tolerado. Após o rodízio dos alimentos será possível compor o prato completo. A partir do momento que a criança aumentar a quantidade consumida e apresentar boa aceitação será possível incluir o jantar, geralmente entre o 7º e o 8º meses de vida 77. Tabela 3. Introdução de alimentos e faixa etária. Highlights – Nutrição Infantil Faixa Etária 10 Tipo de Alimento Até 6º mês 6º mês 6º ao 7º mês 7º ao 8º mês 9º ao 11º mês Leite materno Introdução de frutas (suco e/ou papa) Introdução da primeira papa salgada Introdução da segunda papa salgada Gradativamente passa para a comida da família 12º mês Comida da família Modificado do Manual de Orientação da alimentação do lactente do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria 77. Tabela 4. Grupo de Alimentos Tubérculos, cereais e raízes arroz, macarrão, polenta, batata, mandioca Leguminosas Carnes Legumes Verduras Gordura feijão, ervilha, lentilha, soja, grão de bico boi, frango, peixe, miúdos cenoura, mandioquinha, abóbora, abobrinha, chuchu, nhame beterraba couve, escarola, espinafre, couve flor, brócolis óleos vegetais: soja, canola e oliva Modificado do Manual de Orientação da alimentação do lactente do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria 77. Tabela 5. Refeição de lactentes: papa salgada. Faixa Etária Até 6º mês 6º mês 6º ao 7º mês 7º ao 8º mês 9º ao 11º mês 12º mês Tipo de Alimento Leite materno Introdução de frutas (suco e/ou papa) Introdução da primeira papa salgada Introdução da segunda papa salgada Gradativamente passa para a comida da família Comida da família Modificado do Manual de Orientação da alimentação do lactente do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria 77. Tabela 5. Refeição de lactentes: papa salgada. Mandioca cozida Frango desfiado Abóbora cozida Feijão cozido Brócolis cozido picadinho Cebola Óleo de soja (para refogar) Sal 2 colheres de sopa 2 colheres de sopa 1 colher de sopa 1 colher de sopa 1 colher de sopa 1 colher de chá ½ colher de sobremesa 1 colher de café Não há evidência científica atual que a introdução tardia de alimentos como ovo, peixe e glúten possa prevenir a gênese de doenças atópicas. Assim, a recomendação atual sugere a introdução desses alimentos em pequenas quantidades após a 17ª até a 26ª semana de vida111. A partir de 1 ano, avaliação da alimentação da família deve ser realizada previamente à liberação do lactente para recebêla. Muitas vezes, a alimentação da família não é saudável e não consegue suprir as necessidades exatas dos lactentes quanto à qualidade e quantidade de macro e micronutrientes. Ressalta-se a alta prevalência de anemia carencial ferropriva em lactentes no Brasil, que pode ser evitada com o estímulo ao aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida, o uso de fórmulas infantis (na impossibilidade do aleitamento materno), a introdução adequada de alimentos complementares após o sexto mês de vida e o uso diário de ferro profilático112. Outros distúrbios nutricionais decorrentes da deficiência de micronutrientes também podem ocorrer, como a hipovitaminose A e a deficiência de zinco113. A proposta realizada pelo Ministério de Saúde/OPAS106 reflete os objetivos da alimentação saudável do lactente, seguindo os dez passos: Highlights – Nutrição Infantil Valor Energético: 276 Kcal; Carboidratos 29 g; Proteínas 16,9 g; Lipídios 10,2 g Ferro 2,5 mg; Vit A 80 mcg RE; AG Saturados 2,2 g; Colesterol 45 mg. 11 Passo 1. Dar somente leite materno até os seis meses, sem oferecer água, chás ou quaisquer outros alimentos. Passo 7. Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições. Passo 2. A partir dos seis meses, introduzir, de forma lenta e gradual, outros alimentos, mantendo o leite materno até os dois anos de idade ou mais. Passo 8. Evitar guloseimas como açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos nos primeiros anos de vida. Usar sal com moderação. Passo 3. Após os seis meses, dar alimentos complementares (cereais, tubérculos, carnes, leguminosas, frutas, legumes), três vezes ao dia se a criança receber leite materno, e cinco vezes ao dia, se estiver desmamada. Passo 9. Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos; garantir o seu armazenamento e conservação adequados. Passo 4. A alimentação complementar deverá ser oferecida sem rigidez de horários, respeitando-se sempre a vontade da criança. Passo 5. A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e oferecida com colher; começar com consistência pastosa (papas/ purês) e, gradativamente, aumentar a consistência até chegar à alimentação da família. Passo 6. Oferecer à criança diferentes alimentos ao dia. Uma alimentação variada é uma alimentação colorida. Passo 10. Estimular a criança doente e convalescente a se alimentar, oferecendo sua alimentação habitual e seus alimentos preferidos, respeitando a sua aceitação. A fim de prevenir as doenças crônicas não transmissíveis, torna-se necessário atentar para o Passo 8, que orienta a utilização de sal e de açúcar com moderação, além de restringir o uso de alimentos industrializados, devido à grande quantidade de sódio, açúcar e gordura contida nestes alimentos. Os familiares devem ser orientados para lerem os rótulos dos alimentos consumidos em casa. Parte IV: Considerações finais Dr. Pérsio Roxo Júnior Dra. Fernanda Luisa Ceragioli Oliveira Dr. Luiz Antonio Del Ciampo Highlights – Nutrição Infantil O 12 incentivo à prática do aleitamento materno e a busca de condições ideais para o seu pleno sucesso são metas prioritárias da pediatria e de todas as áreas e profissões ligadas à saúde infantil. O leite materno é o alimento ideal para lactentes nos primeiros seis meses de vida, sendo perfeitamente adaptado para as necessidades nutricionais nesta faixa etária. Ao contrário das fórmulas lácteas artificiais, o leite materno possui vários agentes bioativos, com função moduladora sobre o sistema imunológico, antiinflamatória e ativadora sobre o desenvolvimento. Desta forma, o aleitamento natural tem sido responsável por significativa redução dos índices de morbimortalidade, assim como por um adequado desenvolvimento neuropsicomotor. Desta forma, o aleitamento natural representa uma fonte extremamente rica de componentes bioativos, transferidos pas- sivamente para o neonato, muito contribuindo para a defesa do novo ser contra vários processos infecciosos, alérgicos e inflamatórios, e conseqüentemente para a preservação da vida. As recomendações brasileiras, americanas e européias são unânimes em desaconselhar o uso do leite de vaca em pó ou “in natura” no primeiro ano de vida. Afirmam baseadas em evidências científicas, que quando o melhor alimento do lactente, leite materno, não puder ser utilizado, a fórmula infantil deve ser a primeira escolha. A alimentação adequada do lactente propiciará seu crescimento e seu desenvolvimento pleno, além de ensiná-lo a aceitar alimentos variados e com qualidade nutricionais, que resultará em dieta saudável visando suprir suas necessidades, além de reduzir os fatores de risco para doenças crônicas. 1. Barbieri MA, Gutierrez MR, Bettiol H, Tomita I, Almeida LAA, Del Ciampo LA. 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Endorsed by AAP in August 24, 2005. Docente do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo. Co-responsável pelo Serviço de Imunologia, Alergia e Reumatologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo. Membro do Departamento Científico de Alergia e Imunologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e Sociedade de Pediatria de São Paulo. Especialista em Alergia e Imunologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria. 2. Fernanda Luisa Ceragioli Oliveira Doutor em Pediatria pelo Departamento de Pediatria UNIFESP/ EPM. Título de Especialista em Pediatria com área de atuação em Nutrologia Pediátrica e Nutrição Parenteral e Enteral em Pediatria. Chefe do Setor de Suporte Nutricional da Disciplina de Nutrologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da UNIFESP/EPM. Assessora do Núcleo de Nutrição do Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) do Hospital Israelita Albert Einstein. Diretora Clínica da Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional do Hospital São Paulo.Vice Presidente do Departamento de Nutrologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo. Membro Participante do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. 3. Luiz Antonio Del Ciampo Doutor em Pediatria pela Universidade de São Paulo. Especialista em Nutrologia pela Associação Brasileira de Nutrologia. Docente do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo. Highlights – Nutrição Infantil 86. Gdalevich M, Mimouni D, Mimouni M. Breastfeeding and the risk of bronchial asthma in childhood: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. J Pediatr 2001:139:261-6. 15 NOTA IMPORTANTE AS GESTANTES E NUTRIZES PRECISAM SER INFORMADAS QUE O LEITE MATERNO É O IDEAL PARA O BEBÊ, CONSTITUINDOSE A MELHOR NUTRIÇÃO E PROTEÇÃO PARA O LACTENTE. A MÃE DEVE SER ORIENTADA QUANTO À IMPORTÂNCIA DE UMA DIETA EQUILIBRADA NESTE PERÍODO E QUANTO À MANEIRA DE SE PREPARAR PARA O ALEITAMENTO AO SEIO ATÉ OS DOIS ANOS DE IDADE DA CRIANÇA OU MAIS. O USO DE MAMADEIRAS, BICOS E CHUPETAS DEVE SER DESENCORAJADO, POIS PODE TRAZER EFEITOS NEGATIVOS SOBRE O ALEITAMENTO NATURAL. A MÃE DEVE SER PREVENIDA QUANTO À DIFICULDADE DE VOLTAR À AMAMENTAR SEU FILHO UMA VEZ ABANDONADO O ALEITAMENTO AO SEIO. ANTES DE SER RECOMENDADO O USO DE UM SUBSTITUTO DO LEITE MATERNO, DEVEM SER CONSIDERADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS FAMILIARES E O CUSTO ENVOLVIDO. A MÃE DEVE ESTAR CIENTE DAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS DO NÃO ALEITAMENTO AO SEIO – PARA UM RECÉM-NASCIDO ALIMENTADO EXCLUSIVAMENTE COM MAMADEIRA SERÁ NECESSÁRIA MAIS DE UMA LATA POR SEMANA. DEVE-SE LEMBRAR À MÃE QUE O LEITE MATERNO NÃO É SOMENTE O MELHOR, MAS TAMBÉM O MAIS ECONÔMICO ALIMENTO PARA O BEBÊ. CASO VENHA A SER TOMADA A DECISÃO DE INTRODUZIR A ALIMENTAÇÃO POR MAMADEIRA É IMPORTANTE QUE SEJAM FORNECIDAS INSTRUÇÕES SOBRE OS MÉTODOS CORRETOS DE PREPARO COM HIGIENE, RESSALTANDO-SE QUE O USO DE MAMADEIRA E ÁGUA NÃO FERVIDAS E DILUIÇÃO INCORRETA PODEM CAUSAR DOENÇAS. OMS – CÓDIGO INTERNACIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO DE SUBSTITUTOS DO LEITE MATERNO. WHA 34:22, MAIO DE 1981. PORTARIA Nº 2.051 – MS, DE 08 DE NOVEMBRO DE 2001, RESOLUÇÃO Nº 222 – ANVISA – MS, DE 05 DE AGOSTO DE 2002 E LEI 11.265/06 – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, DE 04.01.2006 – REGULAMENTAM A COMERCIALIZAÇÃO DE ALIMEN- Highlights – Nutrição Infantil TOS PARA LACTENTES E CRIANÇAS DE PRIMEIRA INFÂNCIA E TAMBÉM A DE PRODUTOS DE PUERICULTURA CORRELATOS. 16 Informações destinadas exclusivamente ao profissional de saúde. Impresso no Brasil.
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