por uma cidade moderna
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por uma cidade moderna
Fábio José Martins de Lima POR UMA CIDADE MODERNA: IDEÁRIOS DE URBANISMO EM JOGO NO CONCURSO PARA MONLEVADE E NOS PROJETOS DESTACADOS DA TRAJETÓRIA DOS TÉCNICOS CONCORRENTES (1931-1943) São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo 2003 ii Todos os direitos reservados Encaminhada para a Secretaria da PPGFAUUSP, em 30 de setembro de 2003 e defendida a 19 de novembro de 2003 Fabio Jose Martins de Lima Departamento de Arquitetura e Urbanismo . Faculdade de Engenharia UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA . UFJF Endereço residencial: Rua Jose Gasparette, 400 . Vale do Ipê . Juiz de Fora . MG . CEP 36035-790 e-mail: [email protected] iii Fábio José Martins de Lima POR UMA CIDADE MODERNA: IDEÁRIOS DE URBANISMO EM JOGO NO CONCURSO PARA MONLEVADE E NOS PROJETOS DESTACADOS DA TRAJETÓRIA DOS TÉCNICOS CONCORRENTES (1931-1943) Tese apresentada no Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Área de Concentração: Estruturas Ambientais Urbanas. Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina da Silva Leme. FAUUSP São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo 2003 iv LIMA, Fabio Jose Martins de. Por uma Cidade Moderna: Ideários de Urbanismo em jogo no Concurso para Monlevade e nos projetos destacados da trajetória dos técnicos concorrentes (1931-1943) / Fabio Jose Martins de Lima – São Paulo, 2003. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo – USP Referências bibliográficas - Acervos pesquisados - Anexos Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Faculdade e Urbanismo / Universidade de São Paulo – PPGFAUUSP de Arquitetura Orientadora: Maria Cristina da Silva Leme 1. Urbanismo; 2. Planos Urbanos; 3. Cidade; 4. Arquitetura Moderna; 5. Biografias. Autorizo a reprodução total deste documento, por processos fotocopiadores ou eletrônicos, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos. São Paulo, 30 de setembro de 2003 Fabio Jose Martins de Lima Departamento de Arquitetura e Urbanismo . Faculdade de Engenharia UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA . UFJF Endereço residencial: Rua Jose Gasparette, 400 . Vale do Ipê . Juiz de Fora . MG . CEP 36.035-790 e-mail: [email protected] Por uma Cidade Moderna: Ideários de Urbanismo em jogo no Concurso para Monlevade e nos projetos destacados da trajetória dos técnicos concorrentes (1931-1943) Fabio Jose Martins de Lima Tese submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Aprovada por Profª. Drª. Maria Cristina da Silva Leme . FAUUSP ____________________________________________________________________ Prof. Dr. Celso Monteiro Lamparelli . FAUUSP ____________________________________________________________________ Profª. Drª. Telma de Barros Correia . EESCUSP ____________________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Roberto Monteiro de Andrade . EESCUSP ____________________________________________________________________ Profª. Drª. Rosélia Piquet . FAUUFRJ ____________________________________________________________________ Em São Paulo, na FAUUSP, 19 de novembro de 2003 vi vii Dedico esta tese, de maneira especial, à minha orientadora, Profa.Cristina Leme; aos meus pais e irmãos; à minha esposa Raquel e à minha filha Ana Raquel; aos meus tantos outros parentes; aos meus amigos; ao Adelmo, grande amigo, que, inesperadamente, nos deixou… viii Agradecimentos Foram alguns anos de pesquisa, incontáveis dias e noites de virada, muitas madrugadas; não poderia deixar de aqui expor os meus agradecimentos. À minha orientadora, Profa. Cristina Leme, pelas várias conversas, orientação e compreensão da pesquisa. Ao Prof. Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes, da FAUFBa, grande amigo, desde os primeiros passos, neste percurso acadêmico-profissional. À Profa. Margareth da Silva Pereira, da FAUUFRJ. Aos amigos da rede Urbanismo.br. Aos Profs. Celso Lamparelli e Carlos Lemos da FAUUSP. Às Profas. Maria das Graças e Beatriz Couto, pelas metodologias do urbanismo na graduação da EAUFMG. Aos bibliotecários, por tudo o que diz respeito às fontes documentais. Aos funcionários da FAUUSP. Aos professores e funcionários da EAUFMG, onde cursamos a graduação. Aos funcionários e diretores da CSBM, que apoiaram a pesquisa abrindo os arquivos da companhia. À Sra. Odília e ao Prof. Danilo Ambrósio, da Associação dos Ex-Alunos e Professores da EEUFMG. À Profa. Antoinette Lorang e ao Prof. Jacques Maas, pelos dados sobre a ARBED no Luxemburgo. À Profa. Maria José, da UFRRJ, pelos dados sobre a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica/RJ. À Sra Cármen Regina Maia, da UFMG, pelos dados funcionais de Lincoln Continentino. Ao Prof. Léo Nascimento, Gerente do Parque Nacional do Itatiaia, que forneceu o Abrigo 3 e à Profa. Maria Helena Sleutjes, responsável pela biblioteca, em Itatiaia/RJ. À Arquiteta Maria Elisa Costa, pela conversa à beira-mar, no Rio de Janeiro/RJ. Ao Carlos Murgel e à Eugênia, pelos dados preciosos sobre Angelo Murgel, em São Paulo/SP. À Sra. Celina Continentino, pela conversa sobre o seu pai, em Belo Horizonte/MG. Ao Prof. Bernard Crochet, da UFJF, pelas lições de francês. Ao Jose Carlos Loures de Oliveira, funcionário da UFJF, pela tradução dos textos, no idioma alemão. Ao Max Russo, pelo apoio incontável na editoração final. Ao Adolfo von Randow, pela tradução de parte da tese para o idioma inglês. À Sra. Luzmar von Randow, minha sogra, pela revisão ortográfica de última hora e aconselhamentos gerais. À Raquel von Randow, companheira de todos os dias, pela fotografia, arte e composição gráficas. À minha filha Ana Raquel, que por vezes, me fez distanciar da pesquisa, para brincar como criança. Aos meus pais, amigos e parentes, que souberam me suportar. Aos alunos e colegas do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de Engenharia da UFJF. Aos apoios concedidos pela UFJF, por meio do afastamento integral para a pesquisa, e à bolsa concedida pela CAPES. A um tanto de gente que eu conheço e agradeço... ix xi “…Embora interessem profundamente aos municípios, sómente nos ultimos tempos, vêm sendo convenientemente discutidos e divulgados os assumptos de administração municipal, principalmente as idéas de urbanismo que apaixonam ás nações mais civilizadas do globo. Entre nós torna-se necessario incrementar e estimular as energias civicas latentes dos municipes, transformando-as, de estado potencial em energia dynamica, visando o beneficio da collectividade. Procurando conhecer e elucidar convenientemente as questões de administração municipal e urbanismo, está o cidadão no exercício de um dever cívico. A opinião publica deve constituir uma força preponderante para transformar em realidade os melhores ideaes; e cumpre a ella zelar ainda pela fiel execução, por parte das administrações eventuaes, dos planos de urbanisação das cidades. Ao se transformar em censor das administrações municipaes, deve vizar o cidadão exclusivamente, o interesse collectivo e não o pessoal ou da facção politica a que pertence.” (Lincoln Continentino: Administração municipal e urbanismo, 1933) “…O architecto é também um urbanista, porque, na verdade, o urbanismo não é outra cousa senão uma especialização technica da profissão do architecto.” (Angelo Murgel: As finanças do arquiteto, maio de 1937) “…É este o segredo de toda a nova arquitetura. Bem compreendido o que significa essa independência, temos a chave que permite alcançar, em todas as suas particularidades, as intenções do arquiteto moderno: porquanto foi ela o trampolim que, de raciocínio em raciocínio, o trouxe às soluções atuais – e não apenas no que se relaciona à liberdade de planta, mas, ainda, no que respeita à fachada, já agora denominada ‘livre’: pretendendo-se significar com essa expressão a nenhuma dependência ou relação dela com a estrutura.” (Lúcio Costa: Razões da nova arquitetura, 1934) xii xiii SUMÁRIO Resumo/Resumé.........................................................................................................................xiii Abstract/Sintesi............................................................................................................................xv INTRODUÇÃO............................................................................................................17 CAPÍTULO 1 . Entre o ideal e o real: um recuo pelas teorias e práticas sobre as cidades...........................................................................................................................31 1.1. Das críticas à condição da classe operária às utopias socialistas do século xix. ....................................................................................................................................35 1.2. Das iniciativas empresariais: propostas e realizações sobre as cidades européias 1.3. Das teorias sobre as cidades: entre a cidade-jardim e a cidade-verde..........55 e norte-americanas.......................................................................................................43 CAPÍTULO 2 . Cidades novas no Brasil: cidades empresariais em questão.................63 2.1.Sobre os conceitos e os enfoques empregados...........................................67 2.2. Dos núcleos industriais às cidades empresariais..........................................75 CAPÍTULO 3 . O Concurso para Monlevade..............................................................81 3.1.A Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira - CSBM........................................83 3.1.1. ARBED: Cidades operárias e habitações econômicas na Europa...............87 3.1.2. CSBM: Vilas Operárias em Siderúrgica, Sabará/MG...................................91 3.2.O edital, a comissão julgadora e o programa para a nova cidade................97 3.3.Os concorrentes, os projetos desenvolvidos e a classificação................101 3.3.1. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, por Lincoln Continentino e João Penna Filho............................................................................................105 xiv 3.3.2. Projeto da Cidade Operaria de Monlevade, por Ângelo Murgel................115 3.3.3. Anteprojeto para a Vila de Monlevade, por Lúcio Costa.............................129 3.4.S o b r e o s e s t u d o s q u e s e r e f e r e m a o C o n c u r s o p a r a M o n l e vade...........................................................................................................................151 CAPÍTULO 4 . Idealizações e realizações na trajetória dos técnicos.......................161 4.1.Questões de saneamento e urbanismo na atuação de Lincoln Continenti- no..............................................................................................................................163 4.1.1. Plano de Urbanismo da Colônia Santa Isabel.............................................187 4.1.2. Estância Hidro-Mineral de Araxá.................................................................193 4.1.3. Plano de Urbanismo de Belo Horizonte......................................................197 4.2. Tradição e modernidade no percurso de Ângelo Murgel..........................207 4.2.1. Penitenciária Agrícola do Estado de Minas Gerais.....................................219 4.2.2. Universidade Rural do Brasil.......................................................................223 4.2.3. Sedes dos Parques Nacionais.....................................................................235 4.3. Presença da Arquitetura Moderna no trajeto de Lúcio Costa.................249 4.3.1. Gamboa: apartamentos proletários.............................................................261 4.3.2. Cidade Universitária da Universidade do Brasil..........................................265 4.3.3. Parque Guinle.............................................................................................273 CAPÍTULO 5 . Por uma Cidade Moderna: Ideários de Urbanismo em jogo.................279 5.1.A engenharia sanitária e o urbanismo moderno de Lincoln Continentino...281 5.2.As grandes composições e o urbanismo moderno de Ângelo Murgel........ 291 5.3.A nova arquitetura e o urbanismo moderno de Lúcio Costa.......................301 CONCLUSÕES.........................................................................................................309 Referências Bibliográficas.........................................................................315 Anais de seminários e congressos, artigos de periódicos..........................315 Atas, correspondências, ofícios e relatórios................................................323 Livros..........................................................................................................327 Monografias, dissertações e teses............................................................335 Plantas, projetos, planos e mapas.............................................................337 Entrevistas..................................................................................................341 ACERVOS PESQUISADOS......................................................................................343 ANEXOS...................................................................................................................347 Anexo 1: Lista de ilustrações…..................................................................349 Anexo 2: A cidade como um fato urbanistico: João Monlevade..................357 Anexo 3: Entrevista com Maria Elisa Costa….............................................371 Anexo 4: Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade............393 Anexo 5: Projecto da Cidade Operária de Monlevade................................403 Anexo 6: Ante-projecto para a Villa de Monlevade......................................415 xv xvi RESUMO O estudo aborda as visões de urbanismo desenvolvidas por engenheiros e arquitetos. Pretendemos enfocar os planos elaborados pelo engenheiro Lincoln Continentino e pelos arquitetos Ângelo Murgel e Lúcio Costa. Buscamos discutir a trajetória destes profissionais pela análise das propostas desenvolvidas por eles. O trabalho pretende apresentar os planos definidos para a Cidade Industrial de Monlevade no concurso promovido pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira - CSBM, em 1934, em Minas Gerais, e outras propostas desenvolvidas por estes técnicos entre os anos de 1930-40, no Brasil. O concurso para Monlevade e os seus desdobramentos se colocam como um laboratório para as reflexões sobre as cidades e a distinção sobre a ação dos técnicos em função de diferentes pontos de vista. Estes planos foram elaborados em sintonia com o que de mais atual se fazia nos grandes centros urbanos. O objetivo deste estudo é a compreensão do processo de incorporação e de elaboração dos paradigmas em jogo, por estes técnicos, considerando as particularidades de cada caso. Pretendemos discorrer sobre os embates de visões de urbanismo, na idealização de uma cidade nova no Brasil. RESUMÉ L’étude examine les différents points de vue de l’urbanisme développé par des ingénieurs et des architectes. Nous avons l’intention de se concentrer sur les plans préparés par l’ingénieur Lincoln Continentino et les architectes Angelo Murgel et Lucio Costa. Nous discutons la trajectoire professionnelle des propositions élaborées par eux. Le document a l’intention de soumettre les plans fixés pour la ville industrielle de Monlevade au concours organisé par la société Companhia Siderurgica Belgo-Mineira - CSBM en 1934 dans l’ État de Minas Gerais, et d’autres propositions élaborées par ces techniques entre les années 1930-40 au Brésil. La compétition pour Monlevade et ses conséquences se poser en tant que laboratoire de réflexion sur les villes et la distinction sur l’action des techniciens pour les points de vue différents. Ces plans ont été établis en conformité avec celle de plus de courant a été fait dans les grands centres urbains. L’objectif de cette étude est de comprendre le processus d’acquisition et le développement des paradigmes en jeu dans ces techniques, en tenant compte des particularités de chaque cas. Nous avons l’intention de discuter les conflits de visions d’urbanisme, l’idéalisation d’une nouvelle ville au Brésil. xvii xviii ABSTRACT The study approaches the urban planning visions developed by engineers and architects. We are going to restrain to the plans designed by the engineer Lincoln Continentino and the architects Angelo Murgel and Lúcio Costa. We intend to discuss the trajectory of those tecniciens by the analysis of the proposals developed by them. The study intents to present the plans for the Industrial City of Monlevade developed in contest sponsored by Belgo-Mineira Metallurgy Company in 1934 and others proposals developed by those tecniciens between 1930-40. Monlevade and its consequences place itselfs more like a laboratory for reflections about the city besides distinguishing the urban planners’ action in their differentet view point. Those plans were tuned with the more actual that was being done in the greatest urban centers. The purpose of this study is to comprehend the incorporation and elaboration process of paradigms involved, by those tecniciens, placed where both occur. We intend to discuss the confronts of different views to planning a new city in Brazil. SINTESI Lo studio analizza i punti di vista del urbanistica sviluppato da ingegneri e architetti. Abbiamo intenzione di concentrarsi sui piani preparati da l’ingegnere Lincoln Continentino e architetti Angelo Murgel e Lucio Costa. Discutiamo la traiettoria professionale sviluppate da loro. Il lavoro presenta i piani stabiliti per la città industriale di Monlevade nel concorso indetto dalla Companhia Siderurgica Belgo-Mineira - CSBM nel 1934 a Minas Gerais, e le proposte sviluppati tra il 1930-40 anno in Brasile. Il concorso per Monlevade e le sue implicazioni nascono come un laboratorio per riflettere sulla città e la distinzione circa l’azione dei tecnici per i punti di vista diversi. Questi piani sono stati elaborati in linea con quello del più attuale è stata effettuata in grandi centri urbani. L’obiettivo di questo studio è quello di capire il processo di acquisizione e lo sviluppo dei paradigmi in gioco in queste tecniche, in considerazione delle peculiarità di ciascun caso. Abbiamo intenzione di discutere il conflitto di visioni di urbanistica, l’idealizzazione di una nuova città in Brasile. xix xx INTRODUÇÃO O estudo aborda a atuação de engenheiros e arquitetos, no Brasil, com a finalidade de estabelecer uma compreensão sobre os ideários de urbanismo presentes nas trajetórias de cada um. A ênfase da pesquisa recai sobre a produção do engenheiro Lincoln Continentino e dos arquitetos Angelo Murgel e Lúcio Costa, tendo em vista o percurso acadêmico e profissional desenvolvido por estes técnicos. Enfocamos, inicialmente, os projetos apresentados por estes profissionais para o concurso promovido pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira (CSBM) para a cidade operária de Monlevade, em Minas Gerais, no ano de 1934. O concurso foi estudado através de três propostas, a primeira delas intitulada “Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade”, projeto apresentado pelos engenheiros Lincoln Continentino e João Penna Filho (com a colaboração de outros engenheiros, Alberto Peres, Agostinho Catella e Nelson Cesar Pereira, além dos arquitetos Shakespeare Gomes e José Cantagalli). A segunda proposta compõe-se do “Projecto da Cidade Operária de Monlevade”, apresentado pelo arquiteto Angelo Murgel. O “Ante-projecto para a Villa de Monlevade”, de autoria do arquiteto Lúcio Costa, constitui a terceira proposta analisada. Em seguida, enfocamos as biografias destes técnicos, compostas pelas suas trajetórias acadêmicas e profissionais, dentre as quais destacamos outros projetos para análise. Estes projetos compõem-se, respectivamente, do “Plano de Urbanismo da Colônia Santa Isabel”, em 1931, da proposta para a “Estância Hidro-Mineral de Araxá”, em 1933, e do “Plano de Urbanismo de Bello Horizonte”, em 1934-41, referentes à atuação de Continentino. Os projetos de Murgel, referem-se às propostas para a “Penitenciária Agrícola do Estado de Minas Gerais”, em 1932, para a “Universidade Rural do Brasil”, em 1938, e para as “Sedes dos Parques Nacionais”, em 1939-41. Por fim, os projetos desenvolvidos por Costa, a “Gamboa: apartamentos proletários”, em 1932, a “Universidade do Brasil”, em 1936-37, e o “Parque Guinle”, em 1943. O objetivo principal desta tese é possibilitar a ampliação do entendimento das vertentes urbanísticas, que se formaram no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Interessa aqui entender os mecanismos de circulação de idéias, a difusão e a transferência de modelos, bem como a sua reinterpretação em contextos particulares, através do que foi proposto por estes urbanistas. Pretendemos, também, melhor situar o caso de Monlevade, no âmbito das cidades novas brasileiras, além de demonstrar a importância do concurso, como a primeira iniciativa desencadeada por uma empresa 17 18 privada, neste sentido, com as ressalvas a serem apontadas em relação à especificidade desta nova “cidade”. Trata-se, assim, de uma incursão regional, a partir de um caso específico ocorrido em Minas Gerais, ampliado pelo estudo das idealizações e realizações dos técnicos envolvidos no concurso. Outra hipótese, a ser demonstrada, refere-se ao papel destes profissionais para a formação de um pensamento urbanístico, em função do que foi produzido por eles. Neste ponto, fomos conduzidos ao estudo das biografias e trajetórias de vida intimamente ligadas aos ideais e às práticas sobre as cidades. Verificamos que, apesar das formações diferenciadas, as matrizes teórico-conceituais empregadas guardam semelhanças em alguns momentos. Compor as visões destes urbanistas em Monlevade e nos projetos destacados da sua produção, também tem a finalidade de contribuir para uma revisão dos procedimentos atuais, no que se refere às metodologias para as intervenções sobre as cidades. Pretendemos demonstrar, que muito do que foi discutido por estes personagens, em relação aos problemas enfrentados pelas cidades, permanece bastante atual, mesmo com a complexidade destes problemas ampliada, e com as dificuldades que envolvem a própria conceituação da palavra “cidade”, nos dias de hoje. O período definido, para atingir estes objetivos, compreende o intervalo entre os anos de 1931 e 1943, demarcado pelos planos para a Colônia Santa Isabel, de autoria de Continentino, e para o Parque Guinle, de autoria de Costa. Neste intervalo constatamos a apropriação de ideários urbanísticos e a sua utilização, em face dos problemas colocados pelas cidades. Buscamos nesta sincronia, apreender as visões de urbanismo desenvolvidas por estes profissionais. Procuramos, assim, identificar nos percursos de cada um as traduções e apropriações das idéias urbanísticas que circulavam. O recorte privilegiou o momento inicial, referente à formação do pensamento urbanístico destes técnicos, tendo em vista os conceitos e referenciais empregados para a construção de uma cidade moderna. Esta periodização, portanto, não abrange a totalidade da produção destes técnicos. Entretanto, com o intuito de um panorama sobre esta produção, ao apresentarmos as biografias intelectuais destes protagonistas, extrapolamos estes limites temporais. Continentino e Murgel atuaram até os anos 70. Costa desenvolveu propostas até os anos 80. Ao discorrer sobre estas trajetórias, privilegiamos as questões de urbanismo, sem desprezar outros temas abordados ao longo do percurso de cada um. Concepções distintas de cidade se inserem neste período. Como veremos, 19 o momento é essencial para o entendimento da constituição do urbanismo e a sua consolidação, como campo de conhecimento e de prática profissional.1 A partir dos anos 30, as preocupações voltadas para o controle urbanístico das cidades, recorrentes no discurso dos técnicos na passagem do século XIX para o século XX, irão marcar definitivamente o cenário urbano brasileiro. Embora a questão sanitária ainda esteja presente, esta passará para um segundo plano, com a ampliação dos debates e das proposições para as cidades. Temas como a circulação viária, a habitação e a legislação urbanística, dentre outros, comparecem nestas discussões e se revelam nas intervenções que marcam o compasso do segundo ciclo de modernização das cidades brasileiras. Vale dizer que o primeiro ciclo de modernização configurou-se na passagem do século XIX para o XX, período no qual os desejos de se projetar a cidade para o futuro, com uma imagem renovada, parecem ter superado, muitas vezes, as necessidades reais, em termos de resolução dos problemas urbanos ali presentes. Higiene, embelezamento e circulação constituiram as bases para as intervenções. As proposições destes técnicos para as cidades, representadas por meio de desenhos e escritos, buscavam a materialização de uma “cidade moderna”, cada qual com uma visão particular. Nestas visões diferenciadas, no entanto, os planos urbanísticos se colocavam como um pressuposto para a organização dos aglomerados urbanos. Estes planos projetavam uma realidade a ser alcançada, como uma projeção virtual de um novo modo de vida urbano. Como veremos, esta materialização não ocorreu plenamente, sendo que muitas destas propostas ficaram no papel. E o que foi implementado, em sua grande maioria, não seguiu plenamente o que foi projetado. Com isso, constatamos também que a transposição das idéias que circulavam ocorreu de maneira fragmentada, tanto no que se refere ao idealizado, quanto ao que foi realizado. Os planos para Monlevade foram estudados através do que foi publicado, em particular os memoriais justificativos dos projetos compostos por textos e desenhos técnicos. No caso destes desenhos, alguns deles constituiram reproduções das pranchas apresentadas no concurso. Esta estratégia permitiu uma leitura indireta do edital do concurso e do programa definido para a nova “cidade”, preenchendo uma das lacunas do levantamento documental. Vale ressaltar que, além da documentação publicada, conseguimos localizar apenas os projetos originais dos perfis dos arruamentos, da casa tipo “A” e da escola, de autoria de Continentino e Penna Filho. Neste sentido, não localizamos documentação específica relativa ao concurso, tanto nos acervos pessoais de Continentino, Murgel e Costa, quanto nos outros acervos pesquisados.2 LEME, Maria Cristina da Silva (org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999. 2 No âmbito da companhia, a pesquisa documental foi encaminhada, de início, no Arquivo Geral Inativo da Usina de Siderúrgica da CSBM, em Sabará, e, posteriormente, no Arquivo Técnico da Usina de Monlevade da CSBM, em Monlevade. Os acervos pessoais foram pesquisados na seguinte ordem, a saber, o de Continentino no material doado pela família, na Associação dos Ex-Alunos e Professores da Escola de Engenharia da UFMG, em Belo Horizonte; o de Murgel, junto ao material guardado pelo seu filho Carlos Murgel, em São Paulo; e o de Costa em entrevista com a sua filha Maria Elisa Costa, no Rio de Janeiro. Nas bibliotecas e nos arquivos pesquisados, que listamos nos anexos desta tese, também não localizamos material específico relativo ao edital do concurso. 1 20 CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade. REVISTA DA ESCOLA DE MINAS, ano I, maio de 1936, p.123. 4 Além dos acervos mencionados pesquisamos bibliotecas e arquivos em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em São Paulo, como listado nos anexos desta tese. 5 Empregamos estes termos, ressonância e apropriação, evitando utilizar a palavra influência, no estudo dos referenciais teóricos relacionados com as propostas urbanísticas analisadas. O termo ressonância ao invés de influência, de acordo com Andrade, é empregado para “…nos referirmos aos modos de difusão e influência de idéias urbanísticas, de acordo com o seu significado no âmbito da acústica, isto é, fenômeno pelo qual um corpo sonoro vibra ao ser atingido pelas vibrações produzidas por outro corpo”. Por isso o autor vai buscar, com a sua incursão, as vibrações de matrizes teóricas que ressoam no pensamento do urbanismo no Brasil. Ver: ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo. São Paulo: 1998, Tese de Doutorado – FAUUSP; nesta mesma via, o termo apropriação, empregado por Salgueiro, contrapõe-se ao “…emprego de categorias como ´influência´, ´reflexo´, ´derivação´, consideradas ultrapassadas para a análise sobre a transferência de discursos e imagens reveladas no âmbito das cidades brasileiras”. Ver: SALGUEIRO, Heliana Angotti. Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1997. 6 LANARI, Amaro. Os grandes empreendimentos em torno da indústria siderúrgica: a usina de Sabará já produz mais de trinta toneladas por dia. O JORNAL. Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1921, entrevista concedida pelo diretor da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. Esta entrevista foi publicada também em outro periódico, ver: ___. A Indústria Siderúrgica: a produção da usina de Sabará, palavras do dr. Amaro Lanari. ESTADO DE MINAS. Belo Horizonte, 13 de outubro de 1921. 7 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln Institute, 1998, p.23. 3 De acordo com Continentino, treze candidatos se apresentaram para esta disputa, “…como sabeis, em concurso memoravel, instituido para a edificação da cidade de Monlevade”.3 Entretanto, não tivemos acesso às outras propostas, muito menos ao rol de concorrentes envolvidos. Com relação aos outros projetos destacados da trajetória destes técnicos, além do que foi publicado a respeito dos mesmos, nos apoiamos em documentação original composta também por textos e desenhos técnicos. Este material foi levantado nos acervos pessoais, citados há pouco, e em outros acervos pesquisados, os quais relacionaremos mais adiante.4 Sobre estas propostas urbanísticas relativas ao concurso e aos projetos destacados da produção dos técnicos, desenvolvemos análises, numa perspectiva de comparação, com aproximações do global para o particular. Apresentamos os componentes projetuais configurados, bem como os indícios das referências teóricas utilizadas. Os recortes para estas análises foram definidos na implantação geral, no parcelamento, no sistema viário, no zoneamento, nos tipos de habitação, nos equipamentos públicos, nas áreas verdes, bem como nos materiais empregados e no sistema construtivo adotado. Estudamos ainda as soluções em planta e o partido arquitetônico das edificações. Por meio destas análises pretendemos identificar os conceitos estruturados de “cidade” e as ressonâncias e apropriações relacionadas com as práticas e o pensamento urbanístico.5 O termo “cidade” foi empregado numa acepção bastante particular, tendo em vista os interesses específicos da empresa. Em Monlevade, a Belgo-Mineira não contava com mão-de-obra livre e especializada, pela localização do empreendimento em relação a outros centros urbanos. Prover o alojamento dos operários, funcionários especializados e técnicos se mostrava indispensável para a empresa. A ampliação da usina e a implementação da nova cidade já constavam dos relatos que anunciavam a formação da companhia, como veremos adiante, com a previsão de “…toda uma série de officinas e construcções outras inclusive villas operarias, que transformarão a velha usina de Monlevade, numa pequena cidade industrial.”6 Para a Belgo-Mineira, esta “cidade” se equiparava às suas próprias realizações antecedentes a esta experiência, seja na configuração de conjuntos de habitações econômicas, seja na implementação de “cité-ouvrières”, tanto em Sabará/MG, quanto em Luxemburgo, na Europa. Monlevade se caracterizava, assim, como uma “localização urbana”, termo que buscamos em Villaça, referente a um tipo específico de localização, “…na qual as relações não podem existir sem um tipo particular de contato: aquele que envolve deslocamentos dos produtores e dos consumidores entre os locais de moradia e os de produção e consumo.”7 E como 21 tal, esta “cidade”, como veremos, configurou-se, de início, como um “núcleo urbano”, expressão utilizada também por Villaça referente a um “…aglomerado urbano que apresenta um mínimo de atividades centrais, sejam religiosas, administrativas, políticas, sociais ou econômicas, ou seja, que têm vida própria, por menor que seja, organizada em torno de um centro polarizador. Esta expressão é sinônimo de ‘aglomerado urbano nucleado’, para distingui-la dos ‘aglomerados não-nucleados’, a que chamaremos áreas urbanas; a rigor, não existe área urbana não polarizada.”8 A construção de Monlevade estendeu-se por décadas, sendo que, a emancipação deste núcleo urbano como um município autônomo, ocorreria apenas no ano de 1962, já com a denominação de João Monlevade. Com relação aos projetos aqui abordados, incluindo as propostas para Monlevade, estes foram analisados tendo em vista a temática das cidades novas. Estas proposições compreendem uma dinâmica urbana específica, por vezes abrangendo partes significativas do espaço, com uma lógica que se sobrepõe à própria lógica da cidade, ou mesmo referentes a intervenções sobre áreas rurais, que modificam as suas características, em função do processo de urbanização. Para estas intervenções, que se colocavam como importantes desafios, os conceitos e referenciais urbanísticos estudados por estes profissionais foram de muita valia. Assim, tínhamos a especificidade referente a cada situação e a possibilidade de ensaiar soluções técnicas e testar a aplicação das idéias numa escala urbanística. Vale ressaltar as várias categorias de cidade construídas ex-novo, ou seja, cidades construídas por meio de um plano urbanístico, que surgiram no período aqui enfocado. Como ressalta Andrade, além dos exemplos vinculados a projetos industriais, cidades de colonização no Paraná, Santa Catarina e São Paulo e cidades balneárias em Minas Gerais ampliavam o leque de realizações.9 Em Monlevade, tivemos a possibilidade de uma exposição de visões diferenciadas de urbanismo, a partir dos mesmos condicionantes. O mesmo sítio de implantação e o mesmo programa colocado pela companhia, foram explorados por Continentino, Murgel e Costa. Cada um destes técnicos considerou estes aspectos de modo particular, seja o projeto de uma cidade industrial, seja a proposição de uma cidade-operária ou mesmo o anteprojeto de uma vila operária; o que importava era a tradução, por meio de uma representação gráfica, dos componentes preestabelecidos pela empresa. Para estes técnicos era uma oportunidade pioneira, em termos de escala urbanística, por meio de um concurso. Como verificamos no trabalho de Flynn10, antes de Monlevade, os concursos realizados no Brasil envolveram intervenções em cidades existentes, como ocorreu, em 1922, VILLAÇA, Flávio, op. cit., pp.52-53. ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo, op. cit.. 10 FLYNN, Maria Helena de Moraes Barros. Anotações para uma História dos Concursos de Arquitetura no Brasil: 1857-1985. São Paulo: 1987, Dissertação de Mestrado – FAUUSP. 8 9 22 no concurso para a Remodelação da Cidade do Rio de Janeiro/ Morro do Castelo e Aterro do Calabouço, e no processo desencadeado a partir de 1928, no concurso para a Universidade de Minas Gerais, em Belo Horizonte/MG. Assim, até Monlevade, os concursos não abrangiam partes significativas da cidade, priorizando intervenções em termos de edificações ou conjuntos isolados. Os perfis destes técnicos foram definidos pela sua formação acadêmica e atuação nos meios acadêmico e profissional. Estas biografias revelam uma vasta produção intelectual, em particular nas questões relacionadas com as cidades. Lúcio Costa já é bastante conhecido. Já Continentino e Murgel foram muito pouco estudados. Continentino nos remete ao ensino da Escola de Engenharia da Universidade de Minas Gerais; Murgel e Costa oriundos da Escola Nacional de Belas Artes, da Universidade do Brasil. Engenheiros e arquitetos não compartilhavam da mesma visão de urbanismo, tendo em vista a própria orientação dos cursos. O leque de propostas e realizações destes técnicos, incluindo o concurso para Monlevade, constitui material relevante para entendermos as metodologias distintas para o enfrentamento dos problemas urbanos. Continentino teve uma atuação destacada em Belo Horizonte, tendo alcançado uma posição de relevo, como professor e urbanista, além de ter desenvolvido projetos para cidades do interior de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Murgel também atuou bastante em Belo Horizonte, tendo se transferido, posteriormente, para o Rio de Janeiro, onde elaborou diversos projetos, dentre os quais aqueles vinculados ao Ministério da Agricultura. Tanto Continentino quanto Murgel tiveram uma contribuição importante no curso de arquitetura da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, onde lecionaram. Costa manteve a sua base de trabalho no Rio de Janeiro, com atuação diversificada, incluindo a direção da Escola Nacional de Belas Artes. Foi funcionário do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), e desenvolveu inúmeros projetos urbanísticos, com destaque para o Plano Piloto de Brasília, além de realizações no exterior. A tese foi dividida em cinco capítulos, além desta introdução e das conclusões ao final. No capítulo 1, Entre o ideal e o real: um recuo pelas teorias e práticas sobre as cidades, buscamos compor um quadro referencial assentado nas repercussões sobre as cidades do processo de industrialização que ocorreu na Europa, a partir do final do século XVIII. Pretendemos compreender as idealizações e realizações, motivadas pelas críticas às condições precárias do operariado nos centros 23 urbanos. Várias iniciativas foram desencadeadas sobre as cidades européias, muitas delas constituindo verdadeiras utopias, permanecendo como tal, ou se revelando de maneira fragmentada. Para esta abordagem, nos referimos, inicialmente, à crítica desenvolvida por Friedrich Engels sobre as propostas dos utopistas socialistas, como Robert Owen, Charles Fourier, entre outros. Dentre as propostas urbanísticas, ressaltamos as implementações empresariais que introduziram modelos de ocupação com “…profundas implicações nas realizações de arquitetura e urbanismo do século XX, antecipando muitas das inovações atribuídas ao movimento das cidades-jardins e à arquitetura moderna.”11 Este capítulo foi subdividido em três partes, a primeira delas sobre as críticas à condição da classe operária, com recorte sobre as utopias socialistas do século XIX. A segunda, a respeito das iniciativas empresariais, em termos de idealizações e realizações, como um desdobramento destas utopias. Privilegiamos aqui a implantação de núcleos industriais, company towns, cité ouvrières, etc. Por fim, abordamos algumas teorias desenvolvidas para as cidades, que decorreram também desta série de intervenções propostas, entre a cidade-jardim e a cidade-verde. Percorremos, assim, particularmente o ideário garden city e as idéias de Le Corbusier voltadas para a concepção de cidades novas. Para o entendimento destas utopias e das propostas e realizações sobre as cidades recorremos à historiografia da arquitetura e do urbanismo através dos escritos de autores como Carlo Aymonino, Françoise Choay, Fernando de Téran, Kenneth Frampton, Leonardo Benevolo, além de Manfredo Tafuri e Francesco Dal Co. Procuramos ainda entender o fenômeno urbano, face ao processo de industrialização através da leitura de Henri Lefebvre. Além destas referências consultamos também teses e dissertações que abordaram esta temática, como os trabalhos de Carlos Roberto Monteiro de Andrade e Telma de Barros Correia.12 Em seguida, no capítulo 2, intitulado Cidades novas no Brasil: cidades empresariais em questão, o intuito foi provocar uma reflexão com ênfase para o tema das cidades novas no Brasil, em particular sobre a questão das cidades empresariais projetadas na primeira metade do século XX. Dada a diversidade das estratégias empresariais desencadeadas neste campo, desde pequenos núcleos atrelados às fábricas, em meio urbano ou rural, até mesmo à configuração de novas cidades, estudamos os conceitos empregados e os enfoques privilegiados, em autores como Carlos Roberto Monteiro de Andrade, Nabil Bonduki, Telma de Barros Correia, Geraldo Magela Costa, Phillip Gunn, Rosélia Piquet e Flávio Villaça. As iniciativas empresariais voltadas para a criação de cidades constituem referências essenciais CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão – o projeto urbano de Delmiro Gouveia. São Paulo: s.n., 1995, Tese de Doutorado – FAUUSP, p.19. 12 As principais fontes utilizadas para este capítulo foram as seguintes: AYMONINO, Carlo. Origenes y desarrollo de la ciudad moderna. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1972; BENEVOLO, Leonardo. As origens da Urbanística Moderna. Lisboa: Editorial Presença, 1981; CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades, uma antologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979; ENGELS, Friedrich. El Problema de la Vivienda y las Grandes Ciudades. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1977; ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Global Editora e Distribuidora, 1984; FRAMPTON, Kenneth. Historia Crítica de La Arquitectura Moderna. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1993; LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Editora Documentos, 1969; TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Architecture Contemporaine. Paris: Gallimard/Electa, 1991; TERÁN, Fernando de. Ciudad y Urbanización en el mundo actual. Madrid; Barcelona: Editorial Blume, 1969. Das teses e dissertações estudadas destacamos os seguintes trabalhos: ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. A peste e o plano: o urbanismo sanitarista do Engº Saturnino de Brito. São Paulo: 1992, Dissertação de Mestrado – FAUUSP; e CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão – o projeto urbano de Delmiro Gouveia, op. cit. 11 24 PIQUET, Rosélia. Cidade-Empresa: Presença na paisagem urbana brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998; ver também da mesma autora: PIQUET, Rosélia. O papel da cidade-empresa na formação urbana brasileira. Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro: PROURB/UFRJ, 1996. 14 CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão – o projeto urbano de Delmiro Gouveia, op. cit.. E ver também: CORREIA, Telma de Barros. De Vila Operária a Cidade-Companhia: as aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular. Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais, nº 4, maio de 2001; ver ainda: CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip. O mundo urbano das Casas Pernambucanas: as cidades empresariais de Paulista e Rio Tinto. Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro: UFRJ/PROURB, 1996. 15 COSTA, Geraldo Magela. Processo de Formação do Espaço das Cidades Mono-Industriais: um estudo de caso. Rio de Janeiro: 1979, Tese de Mestrado - COPPE/UFRJ. 16 BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna. Lei do Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade; FAPESP, 1998, p.47. 17 VILLAÇA, Flávio, op. cit., p.20. 13 para o entendimento do processo de urbanização brasileira. O capítulo foi subdividido em duas partes, a primeira delas, abordando os enfoques e os conceitos trabalhados pelos autores e, a segunda, as realizações de cidades empresariais no Brasil, desde os primeiros núcleos industriais instalados, até as implementações de cidades empresariais, no intervalo temporal aqui privilegiado. De acordo com Piquet, o conceito de cidade-empresa, ou mesmo “company-town”, estava relacionado ao princípio do controle do território pela fábrica, e neste sentido, estas realizações se configuravam como núcleos urbanos fechados.13 Outra definição para estes assentamentos industriais, elaborada por Correia, referese a estes conjuntos como núcleos fabris. O objetivo foi distinguir estes tipos de organização em relação aos casos de vilas operárias localizadas dentro de uma cidade ou na sua periferia, em subúrbios. Por esta via, o núcleo fabril constituia uma vila isolada no campo, como uma “cidade nova” administrada pela fábrica com grande autonomia.14 Costa empregou o termo “cidade mono-industrial”, ao se referir ao tipo de organização resultante de um grande projeto industrial relacionado com os ramos metalúrgico, transformação dos minerais não metálicos ou de extração de minerais, que se aplicava ao caso de Monlevade.15 Já Bonduki utilizou o termo “vila-cidadela” para se referir às iniciativas de empresas na implementação de conjuntos operários com vários equipamentos coletivos. Este processo se revelava nas ações que visavam a industrialização de maneira simultânea à urbanização, com a geração de cidades em torno de fábricas.16 Ainda ressaltamos o termo “cidades industriais”, empregado por Villaça, mesmo que se tratando de um estudo com enfoque em fenômenos distintos aos trabalhos aqui elencados. A abordagem de Villaça trata de conceitos relacionados com a segregação, em análises sobre o espaço intra-urbano, este “…estruturado fundamentalmente pelas condições de deslocamento do ser humano, seja enquanto portador da mercadoria força de trabalho – como no deslocamento casa/trabalho -, seja enquanto consumidor – reprodução da força de trabalho, deslocamento casacompras, casa-lazer, escola, etc. Exatamente daí vem, por exemplo, o enorme poder estruturador intra-urbano das áreas comerciais e de serviços, a começar pelo próprio centro urbano.”17 No capítulo 3, abordamos O concurso para Monlevade, enfocando a constituição da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, e os seus antecedentes em termos de realizações de cidades operárias e habitações econômicas, bem como o processo desencadeado a partir do concurso. Apresentamos o edital, a comissão julgadora, o programa para a nova “cidade”, as equipes técnicas concorrentes e os projetos desenvolvidos, com as ressalvas já feitas sobre as dificuldades para esta abordagem. Discorremos também sobre a classificação no concurso. Neste capítulo, apresentamos também uma revisão sobre os estudos referentes ao concurso Monlevade. Na grande maioria dos trabalhos, o concurso constituiu um objetivo secundário ou nem mesmo foi tratado; o que não ocorreu em relação ao projeto de Lúcio Costa, bastante explorado. Assim, temos a abordagem da Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais –SAGMACS18, que não se detém nas propostas, voltada para a compreensão de questões relacionadas com as políticas habitacionais, estudo encomendado pela Companhia Ferro e Aço de Vitória/ES, em 1963.19 Já Bruand insere o caso de Monlevade, a partir do projeto de Costa, no período que ele considera de assimilação do ideário corbusieriano, entre os anos de 1931 a 1935, essencial para a arquitetura brasileira, pela ampliação dos horizontes conceituais para as intervenções sobre as cidades.20 Martins analisa a solução projetual de Costa, à luz da historiografia da arquitetura, em particular, a partir do próprio estudo de Bruand.21 Silva discute os aspectos projetuais desenvolvidos por Lúcio Costa, buscando inserir o concurso na trajetória deste arquiteto.22 Segawa faz referência esparsa ao concurso sem se ater a nenhuma das propostas, ressaltando que o projeto de Costa foi classificado em último lugar.23 Andrade aborda o concurso a partir das propostas dos arquitetos Angelo Murgel e Lúcio Costa, relacionando as mesmas às ressonâncias do tipo garden-city no Brasil, dentre as inúmeras propostas e concepções de cidades novas delineadas até os anos 50.24 Correia aborda as propostas do concurso, discutindo os projetos de Murgel e Continentino, atendo-se à solução de Costa, na qual enfatiza a influência do pensamento de Gilberto Freyre com a noção de “plasticidade”, além da maneira como o arquiteto promove a articulação da proposta com a arquitetura moderna.25 Flynn permite a visualização do concurso Monlevade no panorama dos concursos realizados no Brasil, entre os anos de 1857 e 1985.26 As questões enfatizadas nestes trabalhos contribuem para as nossas análises, primeiramente, no sentido de uma melhor compreensão do processo desencadeado pela empresa para a implementação do concurso propriamente dito. Em seguida, o entendimento mais amplo das propostas apresentadas pelos técnicos, numa perspectiva de comparação e a inserção destes projetos nas suas trajetórias profissionais. No capítulo 4, intitulado Idealizações e realizações na trajetória dos técnicos, apresentamos as trajetórias profissionais, como já anunciado, compostas a partir da formação e atuação dos técnicos, além de discorrer sobre os projetos destacados da sua produção. Abordamos a trajetória destes técnicos, enfatizando 25 Sobre a SAGMACS, ver: LAMPARELLI, Celso Monteiro. O Ideário do Urbanismo em São Paulo em meados do século XX; Louis-Joseph Lebret e a pesquisa urbano-regional no Brasil. CADERNOS DE PESQUISA DO LAP/REVISTA DE ESTUDOS SOBRE URBANISMO, ARQUITETURA E PRESERVAÇÃO. São Paulo: FAUUSP, março/abril de 1995. Ver ainda: LEME, Maria Cristina da Silva. A politização do urbanismo no Brasil: a vertente católica. ANAIS DO IX ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Rio de Janeiro: ANPUR; IPPUR/UFRJ, 28 de maio a 1 de junho de 2001. 19 AMBROSIS, Clementina Delfino Antonia de et al. Estudos para uma política habitacional. São Paulo: SAGMACS, 1963, estudo desenvolvido para a Companhia Ferro e Aço de Vitória. 20 BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981, pp.74-75. 21 MARTINS, Carlos Alberto Ferreira. Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma investigação sobre a constituição do discurso modernista no Brasil; A obra de Lúcio Costa 1924-1952. São Paulo: 1988, Dissertação de Mestrado – FFLCHUSP. 22 SILVA, Maria Angélica da. As formas e as palavras na obra de Lúcio Costa: 1924-1952. São Paulo: 1998, Dissertação de Mestrado - PUC/ RJ. 23 Sobre este dado, que contradiz o próprio Lúcio Costa, segundo o qual o seu projeto foi rejeitado, Segawa afirma que trata-se de informação coletada com o arquiteto Raphael Hardy, em Belo Horizonte. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil: 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997, p.79. 24 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo, op. cit. 25 CORREIA, Telma de Barros. O modernismo e o núcleo fabril: o anteprojeto de Lúcio Costa para Monlevade. ANAIS DO VI SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO. Natal, 24 a 27 de outubro de 2000. 26 FLYNN, Maria Helena de Moraes Barros, op. cit. 18 26 primeiramente, os componentes da sua formação, juntamente com o percurso de cada um relacionado com o ensino e a participação em eventos técnico-científicos. Compõem esta primeira parte, os principais trabalhos acadêmicos, as conferências e palestras ministradas e os estudos publicados. Em seguida, discorremos sobre a atuação destes profissionais através das propostas que elaboraram, seja vinculados ao serviço público, seja junto à iniciativa privada. Planos e projetos compõem o rol de trabalhos a serem expostos. Dentre estes trabalhos, enfocamos em um terceiro momento, aquelas intervenções com maior abrangência territorial, inseridas no período privilegiado para as nossas análises, entre os anos 30 e 40. Buscamos uma compreensão sobre os componentes projetuais configurados e os indícios de referenciais teóricos utilizados. Analisamos os projetos citados inicialmente, no caso de Continentino os planos para a Colônia Santa Isabel, para o Barreiro do Araxá e para Belo Horizonte. Em relação a Murgel, os projetos para a Penitenciária Agrícola, para a Universidade Rural e para as sedes dos parques nacionais. Por fim, as propostas desenvolvidas por Costa para a Gamboa, para a Universidade do Brasil e para o Parque Guinle. Recuperamos, assim, questões de saneamento e urbanismo na atuação de Lincoln Continentino, tradição e modernidade no percurso de Angelo Murgel e a presença da arquitetura moderna no trajeto de Lúcio Costa. No capítulo 5, com o título Por uma cidade moderna: ideários de urbanismo em jogo, discorremos sobre as visões urbanísticas dos técnicos, à luz do que foi analisado nas trajetórias de cada um. Pretendemos entender os principais conceitos abordados, assim como os referenciais teóricos utilizados. Buscamos também vincular as estratégias projetuais destes urbanistas às vertentes de urbanismo em jogo, no Brasil, no período demarcado para a tese. Além disso, pretendemos expor as contradições entre o discurso e as práticas, através da comparação entre o que foi teorizado e o que foi proposto para as cidades. Interessa também, estabelecer os pontos de contato e as diferenças, cada qual à sua maneira, com metodologias de abordagem para os problemas urbanos. Ainda pretendemos discorrer sobre a concepção de cidade e urbanismo modernos presentes na atuação destes profissionais. Abordamos, assim, a engenharia sanitária e o urbanismo moderno de Lincoln Continentino, as grandes composições e o urbanismo moderno de Angelo Murgel e a nova arquitetura e o urbanismo moderno de Lúcio Costa. Em seguida, nos anexos apresentamos as referências bibiliográficas, subdivididas por tipos de documentos, a saber anais de seminários e congressos, artigos de periódicos, atas, correspondências, ofícios e relatórios, livros, monografias, dissertações e teses, plantas, projetos e mapas e entrevistas. Apresentamos também, nestes anexos, a listagem de figuras, subdividida por capítulos, além de uma narrativa sobre a realização da cidade e a sua consolidação como um fato urbanístico. Percorremos, assim, o processo desencadeado no seguimento do concurso, desde a construção da nova cidade, até a emancipação do município, nos anos 60, como a cidade de João Monlevade. Ainda nos anexos, apresentamos uma entrevista com Maria Elisa Costa e os memoriais publicados das propostas para Monlevade. A pesquisa bibliográfica para a elaboração da tese, apoiou-se em fontes primárias e secundárias. Estudamos documentos como apostilas, atas de reuniões, correspondências, ofícios e relatórios. Consultamos também livros, revistas, jornais, bem como anais de seminários e congressos, teses, dissertações e monografias. Além desta documentação, trabalhamos com esboços de desenhos, plantas, projetos, e fotografias. O registro das informações foi feito por meio de fichamentos e, para o cadastramento das imagens, recorremos aos recursos disponíveis na computação gráfica. Os acervos pesquisados envolveram bibliotecas e arquivos públicos, além dos arquivos técnicos da Belgo-Mineira e dos arquivos pessoais dos técnicos, estes já citados. Em Belo Horizonte, consultamos o Arquivo Público Mineiro, o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, a biblioteca da Escola de Engenharia da UFMG, incluindo o arquivo da Associação dos Ex-alunos e Professores desta escola, a biblioteca da Escola de Arquitetura da UFMG, a biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, a biblioteca da Fundação João Pinheiro e a Biblioteca Pública Municipal Luiz de Bessa. No Rio de Janeiro, foram consultados a Biblioteca Nacional e as bibliotecas do IPPUR e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, além do acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no campus de Seropédica/RJ e a biblioteca do Parque Nacional de Itatiaia, em Itatiaia/MG. Em São Paulo, pesquisamos as bibliotecas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e a Hemeroteca da Biblioteca Mário de Andrade. Em Sabará e Monlevade, como já dito, pesquisamos os arquivos técnicos da Belgo-Mineira. Com relação aos acervos pessoais, sobre os quais fizemos referência anteriormente, estes foram consultados por intermédio dos filhos dos técnicos, respectivamente, Celina Continentino, em Belo Horizonte, Carlos Murgel, em São Paulo, e Maria Elisa Costa, no Rio de Janeiro. Com relação ao método de abordagem para esta investigação histórica, julgamos oportuno tecer algumas considerações. A noção de aproximações sucessivas sobre determinados horizontes históricos foi essencial para buscarmos as especificidades do objeto de estudo. De início, o concurso e os seus desdobramentos, ampliado depois, 27 28 FERNANDES, Ana & GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras. A pesquisa recente em história urbana no Brasil: percursos e questões. In: PADILHA, Nino (org.). Cidade e Urbanismo: história, teorias e práticas. Salvador: Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da FAUFBa, 1998, pp.13-28. 28 Na perspectiva da duração dos tempos, em particular a história de longa duração preconizada por Braudel, cuja denominação ele vai mudar para o interminável, como força de expansão e força de estagnação e de recuo. Ver: BRAUDEL, Fernand, Reflexões sobre a história. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 332. E ver também: FERNANDES & GOMES, op cit., p.23. 27 para as trajetórias dos técnicos e as suas repercussões. O interesse voltou-se para a apreensão das formulações destes técnicos, idealizações e realizações situadas em horizontes de tempo e espaços. O tempo, considerado como fonte de mudanças e permanências, também. Para a história, e em particular para a história do urbanismo, este se coloca como uma variável fundamental e uma grande questão téorica, sendo que cada momento pode ser entendido como a síntese dos tempos que nele confluem.27 Vale ressaltar que este estudo não parte de uma perspectiva de análise linear, ou seja, não pensamos os fatos encadeados numa linha do tempo de maneira evolutiva. Ao mesmo tempo, não temos a pretensão de esgotar as possibilidades de abordagem do tema e das questões correlatas. Temos consciência das nossas próprias limitações e dificuldades. Buscamos um enfoque particular, como já dito, como uma contribuição que não se esgota nesta incursão. A produção dos técnicos e o próprio processo relacionado com o caso de Monlevade, envolvem muitas descontinuidades. Do mesmo modo, não buscamos explicações a partir de um começo remoto, isto é, tendo um ponto original longínquo para os fenômenos analisados. Em outras palavras, não tivemos a intenção de uma busca das origens para o encaminhamento da tese. Fundamentações foram desencadeadas, com o sentido de uma introdução e a composição de um quadro de referências para o trabalho. Por outro lado, consideramos o aspecto interminável28 dos fatos históricos e o recorte aqui empreendido, em algumas décadas, se insere nesta longa duração. Não buscamos também relações de causa e efeito para alicerçar esta investigação histórica, tendo em vista as permanências e as mudanças decorrentes das transformações ao longo do tempo. Os antecedentes foram analisados como um instrumento para o conhecimento histórico, alguns mais particulares, outros mais gerais, com os seus desdobramentos possíveis. Por fim, não buscamos com este trabalho enumerar soluções a partir das experiências relatadas, ao contrário, o intuito foi recolocar questões já vivenciadas. Se estas permanecem na atualidade, isto é um outro problema a ser enfrentado. O que foi pensado para as cidades se coloca, assim, como um referencial de trabalho, a ser considerado nas difíceis tarefas do presente, em face da complexidade dos problemas urbanos a nos desafiar. Finalmente, o estudo destes ideários urbanísticos, constitui uma continuação de trabalhos anteriores, em particular no que diz respeito à investigação histórica dos fatos urbanos. Em 1994, na defesa da dissertação de mestrado intitulada “Bello Horizonte: Um Passo de Modernidade”, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBa), retratamos a criação e a consolidação da cidade de Belo Horizonte como a nova capital do Estado de Minas Gerais, sob o ponto 29 de vista do urbanismo. Já em 1995, prestamos apoio técnico no “Subprojeto Belo Horizonte”, coordenado pelo Prof. Dr. Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes (FAUFBa), projeto vinculado à pesquisa intitulada “Levantamento Documental sobre Urbanismo e Planejamento Urbano no Brasil: 1900-1950”, coordenada pela Profª. Drª. Maria Cristina da Silva Leme (FAUUSP) que aqui nos orientou. A participação nesta rede de pesquisa, na qual ainda estamos vinculados, foi fundamental para a construção deste objeto de estudo. A rede foi organizada em 1992, “…desenvolvendo com o apoio do CNPQ, o levantamento dos documentos sobre o urbanismo e planejamento urbano, do final do século 19 aos anos 60.”29 A experiência de trabalho junto à Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, muito contribuiu também para esta abordagem, em particular, as pesquisas de conjuntos urbanos desenvolvidas pelo Departamento de Memória e Patrimônio Cultural. Além disso, as discussões assentadas nas teorias e na história da arquitetura e do urbanismo, junto aos alunos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora, permitiram reconsiderar muitas questões aqui colocadas. 29 LEME, Maria Cristina da Silva, op. cit., p.15. 30 31 CAPÍTULO 1 . Entre o ideal e o real: um recuo pelas teorias e práticas sobre as cidades “…A industrialização caracteriza a sociedade moderna. O que não tem por consequência, inevitàvelmente, o têrmo ‘sociedade industrial’, se quisermos defini-la. Ainda que a urbanização e a problemática do urbano figurem entre os efeitos induzidos e não entre as causas ou razões indutoras, as preocupações que essas palavras indicam se acentuam de tal modo que se pode definir como sociedade urbana a realidade social que nasce à nossa volta. Esta definição contém uma característica que se torna de capital importância.” (Henri Lefebvre: O direito à cidade, 1968) O recuo que aqui estabelecemos, tem a finalidade de compor um quadro referencial, a partir das repercussões do processo de industrialização, no âmbito do pensamento e das práticas urbanísticas ao longo do século XIX, e os principais desdobramentos no início do século XX. A referência ao processo de industrialização, pressupõe o entendimento do mesmo como consequência das mudanças relacionadas com a Revolução Industrial. Nos horizontes da sociedade industrial, na passagem do século XVIII para o século XIX, as fábricas acelerariam o tempo da produção e multiplicariam os problemas urbanos. Assim, estas mudanças relacionadas com o modo de produção irão repercutir sobremaneira pelas principais cidades européias e também sobre as novas cidades norte-americanas. Em jogo o interesse de grandes capitalistas industriais e uma classe operária que crescia com o próprio desenvolvimento industrial.1 Procuramos entender a emergência do problema da moradia desta classe operária e o aporte de idealizações e realizações geradas como formulações de conjuntos operários e até mesmo de novas cidades fabris. Além disso, discorremos sobre algumas das teorias que serão empregadas nas elaborações desenvolvidas para as cidades brasileiras no início do século XX. Partimos das principais críticas às condições precárias do operariado e das iniciativas desencadeadas sobre as cidades européias e norte-americanas. Muitas destas iniciativas ressoavam como verdadeiras utopias, permanecendo como tal, ou se revelando de maneira fragmentada.2 Outras irão se materializar por meio de reformas urbanas ou mesmo de criação de cidades novas, ampliando o leque de experiências urbanísticas. Como cidades ideais, realizadas ou não, ou mesmo exemplos de reformas, serviram para alimentar novas teorias. Enquanto nos Estados Unidos a urbanização do território vinculava-se ao próprio desenvolvimento econômico, na estruturação do ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Global Editora e Distribuidora, 1984, p.21. 2 O conceito de utopia nos remete ao inglês Thomas More, que publicou ainda em 1516 um livro no qual retrata de modo idílico a vida dos habitantes da ilha de Utopia, em algum lugar do mundo; na verdade revelando o não-lugar ou mesmo lugar nenhum, dadas as dificuldades e porque não dizer impossibilidades de se alcançar esta vida melhor. More cunhou esta palavra a partir do “…advérbio grego ou – ‘não’ – ao substantivo topos – ‘lugar’ –, dando ao composto resultante a terminação latina”. Ver: MORE, Thomas. Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 1999, organização de George M. Logan & Robert M. Adams, p.XIII. Ver também: COELHO NETO, José Teixeira. O que é Utopia. São Paulo: Brasiliense, 1980. 1 32 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Architecture Contemporaine. Paris: Gallimard/Electa, 1991, p.12 e p.20. 4 TERÁN, Fernando de. Ciudad y Urbanización en el mundo actual. Madrid; Barcelona: Editorial Blume, 1969, p.42, “…es precisamente el paternalismo filantrópico de las clases capitalistas, conmovidas o alarmadas, el que va a dar lugar a las primeras realizaciones del urbanismo moderno, pequeñas colonias o barrios para poblaciones obreras segregadas y alejadas, en las cuales, en cierto modo, se adelantan los conceptos de ciudad jardín y ciudad satélite, aunque estos nombres no se incorporan hasta algo más tarde.” 5 CHOAY, Françoise. O urbanismo: utopias e realidades, uma antologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979, p.10. 6 CHOAY, Françoise, idem, p.22. 3 capitalismo americano, na Europa, a questão da moradia, como veremos adiante, vai ser colocada em primeiro plano. Nos Estados Unidos, as “company towns” tiveram um papel fundamental neste processo. Na Europa, as proposições se vinculavam a amplos projetos de reforma social atreladas a um pensamento de cunho socialista, cujos exemplos de realizações, em sua grande maioria por iniciativas de industriais, servirão como laboratório para estas proposições.3 Destacamos o papel fundamental das colônias operárias modelo como as “company towns”, as “cités ouvrières”, as “arbeiterkolonien”, dentre outros. Na visão de Terán, “…é precisamente o paternalismo filantrópico das classes capitalistas, sensibilizadas ou assustadas, que irão gerar as primeiras realizações do urbanismo moderno, pequenas colônias ou bairros para populações operárias segregadas e afastadas, nas quais, de certo modo, se antecipam os conceitos de cidade-jardim e cidade-satélite, denominações que virão bem mais tarde.”4 Outras reflexões poderiam ser buscadas sobre os ideários urbanísticos que se formam na cultura ocidental, através deste recuo feito sobre determinados horizontes históricos. Vale ressaltar que o recorte aqui definido, foi estruturado através do próprio entendimento da produção de Continentino, Murgel e Costa, em termos de pensamentos e práticas sobre as cidades. Ou seja, buscamos fundamentar as análises que desenvolveremos sobre a produção destes técnicos, tendo em vista as citações feitas pelos mesmos, ampliadas para propiciar o entendimento do processo de uma maneira mais global. Como veremos, tanto os modelos propostos pelo pensamento utópico, quanto as realizações implementadas pelos industriais, foram importantes para a construção dos ideários transpostos para a nossa realidade. Choay vai se referir às experiências utópicas como modelos de modelos, por anunciar o próprio método do urbanismo do século XX. Assim, a proposta cooperativa dos socialistas utópicos comparece na concepção howardiana de cidade jardim. Por esta via prevalece o princípio da fragmentação, de acordo com Choay, na medida em que “…o conceito clássico de cidade desagrega-se, ao passo que se estimula o de cidade-campo (…).”5 Exemplos de realizações como Port Sunlight e Bournville irão se colocar como antecipações do modelo garden city. Do mesmo modo, muitos dos componentes desenvolvidos por Le Corbusier na sua proposta para a Ville Radieuse, já haviam sido anunciados anteriormente. Neste sentido, temos o zoneamento proposto por Garnier para a sua Cité Industrielle, de acordo com Choay, “…separando cuidadosamente as zonas de trabalho das zonas de habitat, e estas dos centros cívicos ou dos locais de lazer”6, incorporado nos princípios corbusierianos. Além disso, Le Corbusier vai recuperar também conceitos presentes em Fourier, desenvolvidos por Considérant, como o falanstério e a rua-galeria. Ainda de acordo com Choay, 33 as unidades de habitação propostas por Corbusier abrigavam o mesmo número de famílias e a rua-galeria consistia numa versão atualizada em relação ao proposto por Fourier.7 Também podemos buscar outras relações, como a proposta do teto-terraço de Cabet para a sua Icara, retomada no terraço-jardim de Le Corbusier. Por meio desta compreensão, pretendemos explicitar alguns critérios para as análises que empreenderemos, sobre a produção destes técnicos. Estes critérios referem-se, primeiramente, às questões relacionadas com o agenciamento de uma cidade-operária em torno de uma fábrica. Ou seja, ao programa estabelecido pela empresa, composto basicamente por equipamentos sociais e moradias, o que foi a tônica das experiências listadas em termos de pensamento e práticas. Outro critério pode ser definido sobre o desenho da cidade, ou seja, o seu partido global, que insere uma forma urbana diferenciada. E este critério nos serve para o entendimento da visão de cidade destes técnicos, através das propostas urbanísticas desenvolvidas pelos mesmos. Afinal, qual o conceito de cidade moderna se apresentava nos discursos e, em função dos enfoques distintos, quais as representações foram materializadas em termos de realizações? Ainda como um desdobramento desta interrogação podemos definir outros critérios, a partir do sistema viário, das áreas verdes, dos próprios equipamentos sociais e das soluções de habitação. E por que não buscar o entendimento do modo de vida, proposto nas idealizações e realizações destes urbanistas? É o que buscaremos desenvolver no seguimento deste quadro dividido em três partes, a primeira delas sobre a condição da classe operária, a segunda a respeito das propostas idealizadas e realizações e, por fim, sobre algumas teorias desenvolvidas para as cidades, entre a cidade-jardim e a cidade-verde. 7 CHOAY, Françoise, idem, p.24. 34 1.1 . 35 Das críticas à condição da classe operária às utopias socialistas do século XIX A dinâmica das transformações nos grandes centros europeus, na passagem do século XVIII para o século XIX, estava vinculada à aceleração do tempo da produção por parte das fábricas. Nos horizontes da sociedade industrial, a progressiva multiplicação dos problemas urbanos, gerou críticas com manifestações de natureza diversa, “…ora, no momento em que a cidade do século XIX começa a tomar forma própria, ela provoca um movimento novo, de observação e reflexão. Aparece de repente como um fenômeno exterior aos indivíduos a que diz respeito. Estes encontram-se diante dela como diante de um fato natural, não familiar, extraordinário, estranho.”8 A começar pelo afluxo de grandes contingentes populacionais, gerando a escassez de moradias. Dentre as questões emergentes, em primeiro plano, temos a condição de uma classe operária mal alojada, tanto no que diz respeito às próprias habitações, quanto às distâncias que separavam esta população em relação aos locais de trabalho. A presença do operariado em formação, aos poucos vai ser notada, como uma população marginalizada. Os bairros proletários cresciam sem controle urbanístico, segundo a lógica da especulação imobiliária, com construções de baixa qualidade e carência de infra-estruturas de saneamento. Nos aglomerados industriais, contíguos à cidade antiga ou mesmo inseridos na sua estrutura enraizada no passado, a segregação espacial era evidente em relação aos bairros habitados pelas classes mais abastadas. Becos insalubres ocultavam a realidade dos amontoados humanos, termo apropriado para nos referirmos a esta situação, como cita Engels, sobre as cidades inglesas. As piores casas nos piores locais da cidade, “…no geral, se tratam de construções em alvenaria, de um ou dois pavimentos, dispostas em fileiras, possivelmente com os porões habitados e, geralmente, divididas de maneira irregular. Estas casas simples formadas por três ou quatro cômodos e uma cozinha se denominam cottages e representam em toda a Inglaterra – com exceção de alguns setores de Londres – o tipo normal de moradia da classe trabalhadora. Habitualmente, estas construções não são revestidas, acumulando detritos e repletas de restos de vegetais e de dejetos de animais, sem banheiros, nem tanques, cobertas de lama fedorenta.”9 As dificuldades de aeração devido à concentração de um enorme contingente populacional, aliada a uma trama espacial caótica, aumentava o grau de insalubridade nestes bairros. Estes becos, ainda segundo Engels, CHOAY, Françoise, op. cit., p.4. ENGELS, Friedrich. El problema de la vivienda y las grandes ciudades, op. cit., pp.96-97, “…por lo general, se trata de edificios de ladrillo, de una o dos plantas, dispuestos en largas filas, posiblemente con los sótanos habitados y, generalmente, distribuidos de forma irregular. Estas pequeñas casas formadas por tres o cuatro habitaciones y una cocina se llaman cottages y constituyen en toda Inglaterra – a excepción de algunas zonas de Londres – el tipo normal de vivienda de la clase trabajadora. Las casas están habitualmente sin pavimentar, formando pendiente, sucias, llenas de deshechos vegetales y animales, sin cloacas ni alcantarillado, cubiertas de charcos malolientes.” 8 9 36 funcionavam como verdadeiras extensões das moradias, com roupas estendidas de um lado para o outro em varais, e detritos acumulados no percurso. Os salários escassos e a prolongada jornada de trabalho, como agravantes para esta condição, tornavama vida do proletariado ainda mais desconfortável . Ao contrário de muitos pensadores, que vislumbravam uma solução para o problema da moradia por meio de intervenções, no sentido de ampliar a quantidade de habitações ou mesmo a proposição de colônias-modelo, Engels e Marx postulavam a necessidade de uma revolução social como meio de se modificar o sistema de produção. Além disso, de acordo com Choay, estes não recorriam ao mito da desordem para se referir à crise das grande cidades. Neste sentido, uma das medidas essenciais era suprimir a oposição entre o campo e a cidade. A intervenção do Estado sobre a propriedade privada era colocada como essencial, indo de encontro aos postulados do pensamento liberal. Por esta via se colocavam os princípios do socialismo científico defendido por Engels e Marx, “…expressão teórica do movimento proletário, destina-se a pesquisar as condições históricas e, com isso, a natureza mesma deste ato, infundindo assim à classe chamada a fazer essa revolução, à classe hoje oprimida, a consciência das condições e da natureza da sua própria ação.”10 Ações paliativas somente serviriam para diminuir o poder de luta do proletariado. Além disso, se a construção de moradias fosse a solução para o problema da classe operária, a questão não teria ficado tão complexa. Já no final do século XVIII, fábricas rurais na Inglaterra promoviam a construção de alojamentos para os seus operários. O que era para ter resolvido a questão, em muitos dos casos gerou mais problemas, como ressalta Engels, “…muitos destes conjuntos industriais se converteram em núcleos, ao redor do qual, formou-se uma cidade industrial, com todos os problemas que isto acarreta. Estas colônias não resolveram, pois, o problema da moradia, ao contrário, foram elas que introduziram este problema em cada localidade.”11 ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico, op. cit., p.79. 11 ENGELS, Friedrich. El problema de la vivienda y las grandes ciudades, op. cit., pp.52-53, “…muchos de esos pueblos industriales se han convertido en el núcleo alrededor del cual se ha aglomerado después una ciudad industrial, con todos los males que ello acarrea. Estas colonias no han resuelto, pues, el problema de la vivienda, sino que, por el contrario, son ellas las que lo han creado, en cada localidad.” 10 Pensadores como Saint-Simon, Owen e Fourier foram criticados por Engels, que, no entanto, não desprezava a contribuição destes precursores para a construção do socialismo. Engels referia-se aos três como grandes utopistas, numa tradição de pensamento que reinvindicava a igualdade estendida às condições sociais de todos os indivíduos. Owen, em particular, ao buscar a abolição das diferenças de classe, em um país onde a produção capitalista estava mais desenvolvida. Engels destacava a amplitude genial da visão de Saint-Simon, que antecipava muitas idéias dos socialistas posteriores. Ao mesmo tempo, elogiava o aspecto crítico de Fourier e a liderança e a praticidade de Owen. O mérito destes pensadores foi colocar em 37 evidência os desenganos da sociedade urbana, ainda nos primeiros anos do século XIX, quando os conflitos ainda começavam a se desenvolver. Conforme Engels, estes fundadores do socialismo refletiam sobre a situação histórica em que se encontravam, na qual emergia a necessidade de se “…descobrir um sistema novo e mais perfeito de ordem social, para implantá-lo na sociedade vindo de fora, por meio de propaganda e, sendo possível, com o exemplo, mediante experiências que servissem de modelo. Esses novos sistemas sociais nasciam condenados a mover-se no reino da utopia; quanto mais detalhados e minuciosos fossem, mais tinham que degenerar em puras fantasias.”12 Engels destacava também que as idéias destes utopistas dominaram por muito tempo o pensamento de cunho socialista no século XIX, sem contar as suas repercussões, por meio dos seguidores destas doutrinas, e outras reflexões que também se situavam numa dimensão utópica. Segundo Choay, apesar da lucidez pela qual percebiam os problemas da sociedade industrial, vinculando os problemas das cidades “…ao conjunto das condições econômicas e políticas do momento não persistem na lógica da sua análise.”13 O que se revelava no ambiente das cidades era a própria lógica do capitalismo industrial, com a nova organização imposta para atender às necessidades produtivas. Em outras palavras, o que estes pensadores interpretavam como desordem, de acordo com Choay, era na verdade “…o inverso de uma ordem nova, de uma nova organização do espaço urbano, promovida pela revolução industrial e pelo desenvolvimento da economia capitalista. Eles não imaginam que o desaparecimento de uma ordem urbana determinada implica o surgimento de uma ordem outra.”14 Engels ressaltava que, para estes pensadores utópicos, o socialismo era defendido como expressão de uma verdade absoluta, da razão e da justiça, sem a necessidade de uma ruptura social, “…e, como a verdade absoluta não está sujeita a condições de espaço e de tempo nem ao desenvolvimento histórico da humanidade, só o acaso pode decidir quando e onde essa descoberta se revelará.”15 A renovação proposta, então, se rebateria sobre o tecido urbano através da concepção de comunidades ideais, como colônias-modelo, que proporcionariam a reforma necessária da sociedade, “…em todos os casos, a cidade, ao invés de ser pensada como processo ou problema, é sempre colocada como uma coisa, um objeto reprodutível. É extraída da temporalidade concreta e torna-se, no sentido etimológico, utópica, quer dizer, de lugar nenhum.”16 A crítica de Engels resvalava também em outras propostas idealizadas como a de Proudhon, sobre a qual estabelecia uma interlocução direta e oposta. Na França, de acordo com o próprio Engels “…entre os trabalhadores, ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico, op. cit., p.35. 13 CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades, uma antologia, op. cit., p.6. 14 CHOAY, Françoise, idem. 15 ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico, op. cit., p.44. 16 CHOAY, Françoise, idem, p.14. 12 38 Figura 1: Proposta para comunidade ideal por Owen, exposta em 1817. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna, p.172. BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna. Lisboa: Editorial Presença, 1981, p.55. 17 ENGELS, Friedrich. El problema de la vivienda y las grandes ciudades, op. cit., p.7, “…entre los obreros, Proudhon ha sido completamente liquidado, y no tiene ya adeptos más que entre los burgueses radicales y los pequeños burgueses, los cuales, en tanto que proudhonianos, se llaman también ´socialistas´, pero que combatem con la máxima violencia a los obreros socialistas.” 18 Proudhon foi completamente eliminado, e já não tem mais adeptos a não ser entre os burgueses radicais e entre os pequenos burgueses, os quais, apesar de se taxarem proudhonianos, se denominam também ‘socialistas’, mas que combatem com a maior violência os trabalhadores socialistas.”17 Robert Owen foi um dos pioneiros na busca de uma solução concreta para a melhoria das condições do operariado. A sua colônia-modelo de New Lanark, na Escócia, nos primeiros anos do século XIX, tornou-se uma referência no meio industrial. Ali, uma população que chegou a dois mil e quinhentos habitantes, trabalhava em situação privilegiada, com jornadas mais reduzidas em relação às outras fábricas. Além disso, atenção especial era dedicada às crianças que dispunham de escola desde os dois anos de vida. A proposta de um sistema de colônias cooperativistas, exposta pela primeira vez em 1817, visava dar seguimento à sua empreitada, para uma reforma social ampla, incluindo planos definitivos com apurado detalhamento técnico. O modelo idealizado tinha um perfil semi-rural e de dimensões reduzidas, considerando uma população média de mil e duzentas pessoas. A organização das edificações deveria ser funcional, assentada na figura de um paralelogramo, evitando-se o desenho de ruas como nas cidades tradicionais. Os equipamentos públicos seriam instalados no eixo central deste paralelogramo e as moradias privadas ocupariam as suas extremidades.(Figura 1) Assim, “…três lados das construções periféricas são destinados às casas, sobretudo para as pessoas casadas, cada uma composta por quatro alojamentos. O quarto lado é reservado aos dormitórios de todas as crianças que excedam o número de duas por família ou que tenham mais de três anos. Ao centro deste lado situam-se os alojamentos para os vigilantes do dormitório, com a enfermaria numa das extremidades e na outra uma hospedaria para os visitantes. Ao centro de outros dois lados situam-se os alojamentos do superintendente geral, do sacerdote, do mestre-escola, do médico, etc., e no terceiro lado os armazéns de todas as coisas necessárias ao agregado. Fora das casas e pelo lado de trás, a toda volta, existem hortas-jardins circundadas pelas ruas. Imediatamente atrás, de um dos lados, estão os edifícios destinados aos trabalhos mecânicos e produtivos, aos estábulos, ao matadouro, etc., separados por plantações; do outro lado a lavanderia, etc., e a maior distância as construções rurais, com as instalações necessárias ao fabrico do malte, da cerveja e à moagem do trigo; em redor encontram-se os campos cultivados, as pastagens, etc., cuja periferia é plantada com árvores de fruto…”18 A cooperação se colocava como um dos mais importantes princípios para estas comunidades. Depois de várias tentativas de colocar em prática a sua cidade ideal, Owen adquiriu a cidade de Harmony, nos Estados Unidos, em 1825, 39 onde fundou a colônia rebatizada como New Harmony, com traçado em xadrez e uma praça central. Dificuldades econômicas e discórdias internas não permitiram o sucesso desta nova empreitada. Outra vertente utópica se inseriu a partir da cultura francesa, com a teoria social de Saint-Simon, desenvolvida após 1830. Este, postulava a tomada do poder pelos industriels, de acordo com Benevolo, reunindo os técnicos e a classe operária. Na verdade, conforme Engels, em Saint Simon, “…no conceito de ‘trabalhadores’ não entravam somente os operários assalariados, mas também os fabricantes, os comerciantes e os banqueiros.”19 A tomada do poder viria, assim, por uma associação entre a ciência e a indústria, “…unidas por um novo laço religioso, um ‘novo cristianismo’, forçosamente místico e rigorosamente hierárquico, chamado a restaurar a unidade das idéias religiosas, destruída desde a Reforma.”20 Um grupo de discípulos de Saint-Simon daria continuidade às suas idéias, sem abordar, no entanto, questões urbanísticas. Mesmo assim, Benevolo destaca a importância desta contribuição, que teve desdobramentos na questão das obras públicas, no sentido de uma visão mais global da cidade. Conforme o mesmo Benevolo, Saint-Simon e os seus discípulos “…transmitiram à cultura francesa um objectivo a realizar em grande escala e uma ênfase moral sobre o valor das obras públicas – os grands travaux – que vieram a revestir-se de grande importância.”21 Charles M. Fourier desenvolveu um sistema filosófico-político específico para o desenvolvimento humano, composto por etapas, pelo qual se alcançaria um ideal de ordem e racionalidade. O ensaio “Le Nouveau monde industriel” foi publicado em 1829. A cidade ideal, para Fourier, “…ao contrário da cidade atual, privada da forma, (…) será construída de acordo com um esquema concêntrico: no meio, a cidade comercial e administrativa; em torno, a cidade industrial e, depois, a agrícola. Na primeira, a superfície livre deverá ser igual àquela ocupada pelas casas, na segunda, deverá ser o dobro; e na terceira, deverá ser o triplo. A altura das casas será regulada segundo a largura das ruas, enquanto que os muros deverão ser abolidos e substituídos por sebes; os direitos dos proprietários deverão entrar em ‘composição’ com os direitos dos demais, e a valorização que as obras públicas produzirão nos imóveis circundantes deverá ser em parte restituída à comunidade.”22 Estas cidades se organizariam como falanges abrigando cerca de mil e seiscentos indivíduos, associados à produção da fábrica, num esquema de vida comunitária que incluiria serviços coletivos. Para alojar esta população, foram previstos edifícios coletivos, compostos como falanstérios.(Figura 2) Figura 2: Plano do Falanstério de Fourier. Fonte: TERÁN, Fernando de. Ciudad y Urbanización en el mundo actual, p.37. ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico, op. cit., p.36. 20 ENGELS, Friedrich, idem. 21 BENEVOLO, Leonardo, op. cit., p.65. 22 BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, pp.177-178. 19 40 Figura 3: Esquema representando a implantação geral do Familistério de Guise, por Godin. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. História da cidade, p.570. Figura 4: Vista geral do Familistério de Guise, por Godin. O complexo fabril composto pelos galpões industriais, o familistério e as construções em anexo para escola e teatro. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, pp.80-81. CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades, uma antologia, op. cit., p.14. 24 BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, op. cit., p.70. 23 Projetado como uma unidade social, com características autônomas, o Falanstério foi esboçado inicialmente no “Traité de l’Association Domestique-Agricole”, de 1822. O programa do Falanstério incluiria uma ala central destinada às funções públicas, e alas laterais, uma delas destinadas aos ateliês e salas de reunião; a outra, destinada aos eventos sociais, composta por salas para relações públicas ou mesmo reunião. As falanges constituiriam, assim, pequenas cidades com falanstérios e outros componentes marcadas por anéis concêntricos destinados aos diversos usos. O primeiro contendo a cité ou cidade central, o segundo concentrando os subúrbios e as fábricas, e o terceiro contendo as avenues e a periferia. Nestas aglomerações, os deslocamentos seriam feitos por meio de ruas-galeria, evitando-se o emprego de ruas exteriores e descobertas. De acordo com Choay, Fourier desenvolveu a idéia de cidades-modelo visando a fruição, por parte dos seus habitantes, de uma cidade diversificada, o que asseguraria o prazer destes. Assim, “...ele critica a ordem monótona , imperfeita, das cidades civilizadas que se conhece de cor ao ter visto duas ou três ruas”23, numa interlocução direta, segundo Choay, com os escritos de Camillo Sitte, que preconizava uma modernidade assentada no passado, enfatizando as qualidades do desenho das cidades antigas. Os ideais de Fourier não se concretizaram plenamente, mesmo com as várias tentativas encaminhadas por seus seguidores. De acordo com Benevolo, no período compreendido pelos anos de 1830 a 1850, foram cerca de cinquenta, as iniciativas neste sentido; estas foram encaminhadas em diversas regiões, na França, na Rússia, na Argélia e na América do Norte.24 Dentre as propostas realizadas, destacamos a iniciativa de Jean Baptiste Godin, em Guise, na França, com a construção de um falanstério, iniciada em 1859. O programa desenvolvido por Godin introduzia modificações no modelo de Fourier, dentre as quais, acomodações individuais para as famílias operárias. O Familistério de Godin era constituído por um edifício dividido em três blocos, destinado às moradias, sendo que, em cada um destes blocos, um páteo central coberto desempenhava o papel das rues intérieures de Fourier. Outras edificações complementavam o familistério, sem uma ligação abrigada com o edifício principal, o que também alterava a idéia de Fourier. Assim, temos as edificações destinadas aos serviços gerais, à creche e ao jardim-escola, às escolas, ao teatro e à lavanderia. Estas edificações se situavam em frente ao familistério, à exceção da lavanderia, colocada na outra margem do rio que atravessava o conjunto, contígua aos galpões que estendiam o panorama do complexo fabril. Este conjunto edificado viria a ser administrado por uma cooperativa de operários, após 1880.(Figuras 3 e 4) 41 Pierre-Joseph Proudhon publicou o seu “Essai de Grammaire Generale” em 1837. Neste ensaio anunciava as suas idéias socialistas, as quais revelavam as suas propostas de resolução dos problemas da classe operária. Posteriormente, no ano da sua morte, em 1865 o seu escrito “Du Principle de l’Art et de sa destination sociale” incluía algumas preocupações urbanísticas sintetizadas na “…necessidade de uma luta contra a nostalgia do passado para promover uma forma global de existência moderna; necessidade de uma racionalização do meio de comportamento; papel da indústria na nova cidade.”25 Para Proudhon, a cidade ideal se constituiria por um princípio cooperativo, aproveitando os recursos tecnológicos disponíveis para uma melhor qualificação do ambiente construído. A preocupação com a habitação era evidente, sendo que Proudhon preconizava a moradia individual, “…uma aglomeração de mil pequenos proprietários, alojados em suas próprias casas, explorando, cultivando, cada um valorizando seu patrimônio, sua indústria e seu capital, que se administrem e julguem-se por si mesmos, essa é a obra-prima política, da qual todas as outras não passam de acessórios, que nunca soubemos realizar.”26 Étienne Cabet publicou o romance intitulado “Voyage en Icarie”, em 1840, no qual desenvolveria um socialismo de Estado, nas palavras de Choay. E pelo papel atribuído à educação e pela crítica ao trabalho industrial, Choay também destacou, que as idéias de Cabet guardavam semelhanças, primeiramente, ao que foi proposto por Owen, e, de maneira mais geral às idéias de Fourier e de Considérant. Já Benevolo, ressaltava que a Voyage teve uma provável inspiração na Utopia de Thomas More. Cabet desenvolveria no romance a concepção da cidade de Ícara, a partir de um traçado ortogonal, atravessada por um rio retificado, de modo retilínio, e recortada por dois bulevares em anel. As ruas retas arborizadas também foram pensadas como bulevares. Os bairros ou comunas incluiriam equipamentos públicos como escolas, hospitais e templos, além de oficinas, lojas e locais para reuniões. Fora do centro desta cidade ideal foram instaladas as fábricas, em meio a grandes espaços verdes. Os partidários de Cabet transferiram-se para os Estados Unidos, em 1848, onde tentaram implementar o programa para a “Réalization de la Communauté d’Icarie”. Posteriormente, o próprio Cabet, foi se juntar ao grupo, mas em função de diversas dificuldades, não conseguiria alcançar os seus objetivos. O que se revelou neste processo foi “…uma espécie de reductio ad absurdum do ambicioso programa de Cabet, e a idéia da grande metrópole conduz à formação de aldeias rurais cada vez mais exíguas, até atingir as dimensões de empreendimentos privados normais.”27 Outras idéias utópicas foram abordadas pela historiografia, as quais não CHOAY, Françoise, idem, p.95. CHOAY, Françoise, idem, p.98. 27 BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, op. cit., 25 26 p.88. 28 BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, op. cit.; Ver também: CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades, uma antologia, op. cit.; Ver ainda: TERÁN, Fernando de. Ciudad y urbanización en el mundo actual, op. cit. 42 BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, idem. BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, idem, p.116. 29 30 nos deteremos. Além do que foi exposto, encontramos referências às propostas de Buckingham, com o plano de Victoria, em 1849; Richardson, com a concepção de Hygea, em 1876; também aos escritos de Pugin, Hansom, Goldwin, Kropotkin, Landauer e Júlio Verne, além de Ruskin e Morris.28 Para além destas idealizações, no sentido de uma melhoria das condições do operariado, as iniciativas para que fossem transpostos os limites entre o ideal e o real se multiplicavam. Entretanto, conforme Benevolo, “…o relato das dificuldades e das derrotas com que depararam os promotores das utopias oitocentistas faz pensar numa grande soma de energias desperdiçadas; os insucessos no plano concreto parecem confirmar exactamente o duro juízo teórico sobre eles expresso pelos escritores marxistas.”29 Estas utopias ressoavam nos textos literários, no compasso das transformações, “…surge por vezes a imagem daquilo que poderia ser o ambiente de vida e de trabalho de uma moderna comunidade industrial, se as relações sociais fossem baseadas na benevolência e não no antagonismo económico.”30 Neste sentido, a questão da moradia, tema relevado pelo pensamento de cunho político reformista, vai ser priorizada nas propostas e realizações implementadas nas cidades européias, no curso do século XIX. O que vai surgir no começo do século de maneira isolada, vai se transformar, cada vez mais, em modelos largamente difundidos e aperfeiçoados. 1.2 . 43 Das iniciativas empresariais: propostas e realizações sobre as cidades européias e norte-americanas Nas propostas e realizações sobre as cidades européias, constatamos a presença de pelo menos duas matrizes teóricas, a primeira ligada à tradição do pinturesco e a segunda assentada numa visão racionalista.31 De acordo com Andrade, estas duas correntes comparecem nas intervenções do urbanismo moderno. Assim, “…a tradição pinturesca, que se desenvolveu na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX, definiu uma relação com a paisagem, e mesmo um conceito de paisagem, que promoveram a observação e a separação entre os modos de visibilidade. A arquitetura paisagística visava a criação de locais específicos para se admirar formas e movimentos da natureza.”32 Esta tradição teve um percurso longo, como ressalta Andrade, penetrando na cidade de diversos modos, primeiramente, pela percepção do seu sistema de ruas e dos jardins fechados. Através destes componentes se colocava a idéia do subúrbio-jardim. Ou mesmo pelos parques urbanos, como uma solução aos problemas das grandes cidades. Outra via de entrada para o pinturesco, configurou-se a partir da noção de melhoramentos, de acordo com Andrade, “…fundamental para a urbanística do século XIX e início do século XX (…)”33, implícita na estratégia de embelezamento dos centros urbanos. Projetos como os desenvolvidos por John Nash, no início do século XIX, em Londres, foram importantes. O programa para o Regent’s Park, que contou com a contribuição de Humphry Repton, envolveu uma verdadeira concepção de cidade nova. O projeto iniciado em 1812, segundo Benevolo, foi pensado “…como uma cidade ideal, idílica e abstrata, alheando-se dos verdadeiros problemas da cidade que se iam agravando naqueles anos (…).”34 (Figura 5) Como destaca Andrade, a tradição do pinturesco vai ser definitivamente incorporada na teoria da construção das cidades, a partir dos escritos de Camillo Sitte.35 A vertente racionalista, por sua vez, vai se apoiar numa visão em que a cidade era tratada “…como uma totalidade, considerações higiênicas, isolamento funcional e arquitetônico dos edifícios, autonomia da arquitetura como disciplina e liberdade dos elementos arquitetônicos, com a consequente redefinição de sua composição, e igualdade entre os edifícios, com o fim da hierarquia entre eles, (…)”36. Estes princípios se colocavam de maneira oposta, ao que nos referimos, em relação à tradição do pinturesco. Por esta via, de acordo com Andrade, temos uma ruptura com o passado, na qual se destacava a difusão do sistema de blocos de edifícios isolados na paisagem, Figura 5: O projeto de John Nash, com a colaboração de Humphry Repton, para o Regent’s Park, cuja construção foi iniciada em 1812. Fonte: ROSENEAU, Helen. The ideal city: in its architectural evolution, p.103. Com relação ao termo pinturesco, Andrade ressalta que a opção por este termo e não o emprego da palavra pitoresco, normalmente empregada, deve-se à maior abrangência de significados do mesmo, tendo em vista o sentido da abordagem de Camillo Sitte para as cidades. Ver: ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. A peste e o plano: o urbanismo sanitarista do Engº Saturnino de Brito. São Paulo: 1992, Dissertação de Mestrado – FAUUSP, p.80. 32 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, idem, p.43. 33 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, idem, p.49. 34 BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, op. cit., p.30. 35 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. A peste e o plano: o urbanismo sanitarista do Engº Saturnino de Brito, op. cit., p.50. 36 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, idem, p.55. 31 44 Figura 6: Vista da cidade ideal de Chaux, por Ledoux, em 1804. Fonte: FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna, p.8. ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, idem, p.51. FRAMPTON, Kenneth. Historia crítica de la arquitectura moderna. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1993, pp.7-8. 39 FRAMPTON, Kenneth, op. cit., p.6. 40 KAUFMANN, Emil, citado por: ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. A peste e o plano: o urbanismo sanitarista do Engº Saturnino de Brito, op. cit., p.52. 37 38 com a perda do sentido da forma urbana. Estes componentes irão transformar o conceito de espaço público, “…que havia sido parte integrante da própria concepção de cidade, fazendo com que a cidade moderna represente meramente um inventário de objetos de riqueza material, ao contrário da cidade antiga, rica em monumentos públicos.”37 Espaços abertos e blocos isolados revelavam também uma intenção utilitarista no delineamento das cidades. Outro ponto refere-se ao isolamento dos edifícios que gerava a sua indiferenciação no conjunto urbano. Um novo desenho estruturava as intervenções sobre as cidades, através do qual se vislumbrava a racionalidade do espaço urbano. Esta nova metodologia já podia ser constatada, em 1804, no projeto publicado de Claude-Nicolas Ledoux para a cidade de Chaux, como uma ampliação do que idealizara para uma fábrica de sal. Além disso, o projeto antecipava as utopias urbanas que, como vimos, se multiplicaram no curso do século XIX. A proposição para a fábrica, cujo projeto remonta ao período compreendido entre os anos de 1773 e 1779, configurou-se como “…um dos primeiros experimentos de arquitetura industrial, já que integrou conscientemente unidades produtivas e alojamentos operários.”38 Ledoux fazia parte de uma geração de arquitetos visionários, cuja atuação nos remete ao final do século XVIII e início do século XIX. Além de Ledoux, esta geração incluía os arquitetos Étienne-Louis Boullée, Jacques Gondoin, Pierre Patte, Marie-Joseph Peyre e Jean-Baptiste Rondelet.39 Na verdade foram dois projetos elaborados, “…o primeiro com uma planta rigorosamente geométrica, tendo uma fonte em seu centro, e o segundo, em forma elíptica, conforme o curso do Sol, com a casa do diretor ao centro. Tão marcantes quanto a forma pura da elipse, que possibilitava a Ledoux a adoção de princípios higiênicos, sobressaiam-se no segundo projeto o isolamento prático e a independência formal.”40 A proposta imaginária de Ledoux para a cidade ideal, como uma reelaboração do projeto para uma fábrica, teve a sua configuração definida a partir deste centro elíptico, de onde irradiavam os conjuntos edificados numa linguagem neoclássica. O que era o centro da fábrica, passou então, a constituir o núcleo da cidade. Vias radiais arborizadas, como bulevares e um imenso anel de contorno, faziam a ligação entre os blocos. Outro bulevar conduzia à parte central, onde se intercalavam construções concentradas com páteos extensos e pórticos colocados de maneira simétrica.(Figura 6) Sobre esta idealização de cidade, Andrade vai ressaltar os seus principais aspectos, “…em primeiro lugar, o surgimento, no lugar da unidade barroca, calcada em princípios heterônomos, do sistema de pavilhões (Pavillonsystem), com a livre associação de el- 45 ementos independentes. (…) Em segundo lugar, a correspondência entre o princípio da autonomia na arquitetura e uma nova atitude do homem frente à natureza.”41 Conforme Andrade, nesta configuração se esboçava a visão de futuro de Ledoux, “…antecipando Haussmann e todo o século XIX, ao pretender desobstruir a cidade, abrindo ‘magníficos bulevares’, está sobretudo em conceber uma nova idéia de forma urbana.”42 Outro aspecto a ser ressaltado sobre as transformações das cidades européias, neste período, refere-se à preocupação com a higiene que marcou sobremaneira as primeiras iniciativas, dada a necessidade de um controle sanitário feito com maior rigor, em função dos inconvenientes causados pelas grandes aglomerações. Inconvenientes que irão se tornar intoleráveis com as epidemias que dizimavam populações. No que se refere às cidades operárias o ideal de normatização dos espaços, como um dos meios de manutenção da força de trabalho, já estava presente nas iniciativas dos industriais no final do século XVIII e início do XIX. Assim, veremos a preocupação com “…a localização dos diferentes bairros, sua umidade, sua exposição, o arejamento total da cidade, seu sistema de esgotos e de evacuação de águas utilizadas, a localização dos cemitérios e dos matadouros, a densidade da população constituem fatores que desempenham um papel decisivo na mortalidade e morbidade dos habitantes. A cidade com suas principais variáveis espaciais aparece como um objeto a medicalizar.”43 A higiene comparece como um meio necessário de se disciplinar as funções urbanas e decorre disso um controle social mais efetivo fazendo com que a arquitetura se especialize mais , “…ao se articular com os problemas da população, da saúde, do urbanismo.”44 A edificação das cidades operárias dos anos 1830 a 1870, como ressalta Foucault, estava relacionada diretamente a uma organização do espaço com objetivos econômico-políticos, o que fez com que este aos poucos se tornasse mais específico e funcional. Assim, “…a família operária será fixada; será prescrito para ela um tipo de moralidade, através da determinação de seu espaço de vida, com uma peça que serve como cozinha e sala de jantar, o quarto dos pais (que é o lugar da procriação) e o quarto das crianças. Às vezes, nos casos mais favoráveis, há o quarto das meninas e o quarto dos meninos”.45 Atrelada a esta questão higiênica, comparece nestas cidades a preocupação de um controle total por parte da companhia, cujas origens remontam ao final do século XVIII, no projeto do “panopticon” de Bentham traduzido por Foucault. O panótico se configurava como uma construção circular, dividida em compartimentos, todos visualizados por um único ponto através de efeitos de luz e sombras. Segundo Foucault, o inglês Jeremy Bentham idealizou “…uma construção em anel; no centro, uma torre; ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, idem, p.54. O autor retoma aqui os aspectos principais da análise de Emil Kaufmann sobre o projeto de Ledoux. 42 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, idem. 43 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições GRAAL, 1993, p.201. 44 FOUCAULT, Michel, op. cit., p.211. 45 FOUCAULT, Michel, idem, p.212. 41 46 FOUCAULT, Michel, idem, p.210. BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, op. cit., p.94. 48 BENEVOLO, Leonardo, idem, p.99. 49 BENEVOLO, Leonardo, idem, pp.103-121. 50 BENEVOLO, Leonardo, idem, p.108. 46 47 esta possui grandes janelas que se abrem para a parte interior do anel. A construção periférica é dividida em celas, cada uma ocupando toda a largura da construção. Estas celas têm duas janelas; uma abrindo-se para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, dando para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de um lado a outro. Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancafiar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um estudante. Devido ao efeito de contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se na luminosidade, as pequenas silhuetas prisioneiras nas celas da periferia. Em suma, inverte-se o princípio da masmorra; a luz e o olhar de um vigia captam melhor que o escuro que, no fundo, protegia.”46 Estas questões destacadas por Foucault vão ser acrescidas por uma forma diferenciada de controle, este relacionado com o progressivo aperfeiçoamento dos instrumentos urbanísticos. Conforme Benevolo, “…a legislação sanitária torna-se o precedente directo da moderna legislação urbanística e cedo se generalizou a noção de expropriação, estendendo-a das obras públicas a todo o corpo da cidade.”47 Na Inglaterra teremos as primeiras tentativas voltadas para a melhoria das condições de higiene das cidades, destacando-se a ação de Edmund Chadwick, na formulação de leis e reformas no campo da higiene social. O “Public Health Act”, de 31 de agosto de 1848, conforme Benevolo, introduz “…um novo conceito de controle público, num campo até então não regulado, ou regulado por prescrições discordantes e antiquadas.”48 Em 1851, quando ocorre a exposição universal, outras medidas foram tomadas para regulamentar construções subsidiadas, como a “Labouring Classes Lodging Houses Act” e a “Common Lodging Houses Act”. Ainda em 1845, foram criadas sociedades voltadas para a redução do custo da moradia, como a “Society for Improving the Dwellings of the Labouring Class”. Através da legislação, teremos importantes desdobramentos sobre a moradia proletária. A criação da “Local Government Board”, que tinha jurisdição sobre a sanidade e sobre a assistência aos mais pobres e uma nova lei sanitária, em 1875, demarcavam o processo na Inglaterra, sendo que em 1890, o “Housing of the Working Classes Act” unificava as leis referentes às construções subsidiadas e sobre a sanidade.49 Ainda conforme Benevolo, na França, as condições higiênicas das cidades e dos aglomerados industriais eram idênticas ao que se observava na Inglaterra. A primeira lei urbanística francesa remonta ao ano de 1850 e “…o seu conteúdo é mais restrito do que o da lei inglesa, limitando-se a disciplinar as características dos alojamentos de aluguer e confiando a execução da lei a serviços comunais, não assistidos por um órgão central coordenador e dinamizador.”50 Entretanto, Benevolo ressalta que apesar de ter um conteúdo mais restrito, a legislação francesa era mais eficiente no 47 que se refere à questão da expropriação, o que vai ser fundamental para as reformas urbanas que virão, como a de Haussmann, com repercussões diretas sobre a habitação proletária. Também têm sua origem na Inglaterra, como já fizemos referência, as primeiras soluções voltadas para o alojamento da classe operária, através da construção de conjuntos de moradias em torno de fábricas. Na configuração destas moradias, predominavam aspectos higiênicos além da proteção em relação aos malefícios da cidade. Estas iniciativas, também questionadas por Engels, eliminavam a concorrência do mercado imobiliário, através do monopólio dos custos da construção, e permitiam ao industrial um amplo controle sobre a mobilidade e o poder de combatividade dos trabalhadores. Os trabalhadores ficavam isolados das contradições e dos conflitos que assolavam as grandes cidades industriais. Com isso, se alcançava a eliminação dos conflitos sociais e do trabalho, a interferir nos sistemas produtivos. Por esta via, “…a tentativa de uma gestão capitalista do território propriamente dito, marcada por uma separação política e funcional entre a cidade e o campo urbanizado. A ideologia anti-urbana não se colocava, então, como uma utopia, ao contrário, constituia um instrumento político em sentido próprio.”51 E muito do que foi implementado, seguiu este modelo inglês de ocupação. As realizações de cidades por parte de empresários, no triângulo formado pelas cidades de Bradford, Halifax e Leeds, em Yorkshire, um dos mais importantes centros têxteis do mundo, foram significativas. Copley foi construída por etapas, de 1844 até 1853, próximo de Halifax, por George Gilbert Sott e W. H. Crossland no entorno do complexo industrial de Akroyd. A concepção de Saltaire, nas proximidades de Bradford, pelos arquitetos Lockwood e Mawson, em traçado ortogonal com as moradias ligadas diretamente à via férrea, por encomenda de Titus Salt, nos remete ao ano de 1850, com programa envolvendo equipamentos públicos como escolas, igreja, hospital, banheiros públicos, asilos e parque.(Figura 7) Outras cidades surgiram nesta mesma acepção, como Akroydon, entre 1861-63 nas imediações de Halifax, pela Halifax Building Society, constituída por um quadrilátero cercado por uma dupla fila de moradias, com um parque central. O parque estabelecido em 1863 foi projetado por Paull e Aycliffe e construído por John Crossley.(Figura 8) Já no final do século XIX, as cidades de Port Sunlight e Bournville constituem exemplos representativos de company towns, como antecipações do ideário garden city, desenvolvido por Ebenezer Howard, que veremos adiante.52 A cidade de Port Sunlight, (Figura 9) situada próximo de Liverpool, foi realizada a partir de 1888, pelo fabricante de sabão W. H. Lever, com projeto de William Owen. Também TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, op. cit., p.21, “…tentative de gestion capitaliste directe du territoire lui-même, marquée par une séparation politique et fonctionnelle entre la ville et la campagne urbanisée. L’ideologie anti-urbaine n’est donc plus une utopie mais un instrument politique au sens propre.” 52 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, idem, p.25. 51 48 Figuras 7 e 8: Plano da cidade-operária de Saltaire, em 1850. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, p.123. Plano da cidade-operária de Akroidon, entre 1861-63. Fonte: TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Architecture contemporaine, p.22. 49 Figura 9: Plano da cidade-operária de Port Sunlight, em 1887. Fonte: TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Architecture contemporaine, p.23. 50 inserida em uma paisagem idílica, teve o primeiro conjunto de moradias premiado, em 1910, com o Grand Prix à l’Exposition de Bruxelles. Este conjunto, em estilo Tudor, foi reproduzido no ambiente da exposição. As exposições internacionais, vale ressaltar, possibilitavam o confronto de metodologias e das realizações vigentes nos diversos países. Em Port Sunlight, a sinuosidade das ruas, o agrupamento de edificações em meio aos espaços verdes, o cuidado com a paisagem, ressoavam, segundo Tafuri & Dal Co, como produtos exclusivos das usinas Lever.53 A cidade de Bournville, em Birmingham, também na Inglaterra, projetada por W. Alexander Harvey e A. P. Walker em 1897, foi fundada por George Cadbury. As construções foram dispersas num sistema de parques conjugado com equipamentos sociais e uma taxa de ocupação abaixo de 25 %, “…fábrica e paisagem formam assim os dois extremos de uma dialética que privilegia a importância do ambiente na formação do trabalhador: darwinismo e utilitarismo são mais uma vez apropriados para Cadbury que fixa os modelos urbanísticos de Bournville assegurando a cada moradia operária uma horta e um jardim particular.”54(Figura 10) Figuras 10: Plano da cidade-operária de Bournville, em 1897. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, p.127. TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, idem. 54 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, idem, “…usine et paysage forment ainsi les deux pôles d’une dialectique qui privilégie l’importance formative de l’environnement: darwinisme et utilitarisme sont encore vivants pour Cadbury, qui fixe les standards urbanistiques de Bournville en assurant à chaque habitation ouvrière un potager et un jardin particulier.” 55 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, idem, p.20. 56 BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, idem, p.131. 53 Ainda em 1847, na Alemanha, Victor Aimé Huber desenvolveu propostas para a resolução do grave problema da habitação, fundando em Berlim, juntamente com o arquiteto C. A. Hoffmann, a primeira sociedade considerada de utilidade pública, para combater a especulação imobiliária, por meio da construção de habitações cooperativas. O resultado não foi muito eficaz, entretanto, o modelo proposto teve importantes repercussões.55 Definidos como Siedlungen, estes conjuntos eram compostos por blocos residenciais, dispostos em anel, ao redor da cidade, a uma distância razoável dos locais de trabalho. O grupo de habitações operárias construído pelo aglomerado dos Krupp, entre os anos de 1863-75, configurou-se como um outro exemplo. Este conjunto de moradias se situava nos arredores de Essen, compreendendo os núcleos de Westend, Nordhof, Baumhof, Kronenberg.(Figura 11) Na França, teremos iniciativas similares voltadas para o alojamento da classe operária, como a criação da “Société Mulhousienne des Cités Ouvrières”, em 1853 “…financiada quer pela poupança privada quer pelo Estado, que pagou a despesa dos arruamentos e dos espaços verdes.”56 Com o apoio desta sociedade, foram construídas diversas casas, mais de mil unidades até o ano de 1867. Temos também a cité ouvrière de Mulhouse, construída em Alsace por intermédio de Louis Bonaparte. Em Noisiel sur Marne, ainda em 1864, a implementação da cidade de Menier, (Figura 12) com programa que abrangia a construção da casas operárias, bem como a inserção 51 Figuras 11 e 12: Planos das cidades-operárias de Kronenberg e de Menier, em Noisiel sur Marne, em 1864. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística moderna, p.135; p.125. 52 de equipamentos públicos e comércio. Outros países da Europa desencadeavam também ações voltadas para a questão da moradia operária. Na Bélgica, desde 1825, acompanhando o desenvolvimento da indústria, teremos a construção do conjunto operário constituído pelo Grand Hornu, por intermédio do industrial Degorge. Em 1833, foi construída em Verviers uma cidade-fabril. Veremos ainda, mais adiante, as realizações do grupo ARBED, no Luxemburgo e na Bélgica, na configuração de habitações econômicas e cidades operárias, que remontam às primeiras décadas do século XIX. Na Itália, uma aldeia-modelo foi implementada pelo grupo dos Poma, industriais de Biella, em Val d’Andorno.57 Esta série de iniciativas setoriais se conjugava com transformações urbanísticas de larga escala, implementadas em grandes cidades, como os trabalhos de Georges-Eugène Haussmann58 prefeito do Sena de 1853 até 1869, para a reordenação de Paris. Do mesmo modo destacamos o plano de extensão de Barcelona, no ano de 1857, pelo engenheiro Ildelfonso Cerdà, incluído na sua “Teoria General de la Urbanización”, de 1867. O plano para Barcelona marcou uma etapa essencial para a introdução do urbanismo, através da sistematização de um método para as intervenções, de acordo com Andrade, temos “…o surgimento e a consolidação do urbanismo como campo disciplinar autônomo (…) como fruto das inúmeras tentativas de se dar resposta à crise da cidade moderna.”59 Proposições que mesclavam teorias e práticas, pela construção de uma nova ordem espacial urbana, numa perspectiva de reordenamento da sociedade, alicerçada no sistema capitalista industrial. BENEVOLO, Leonardo, idem, p.132. Haussmann nasceu em Paris, “...il fut successivement sous-préfet de Nèrac (1833), de Saint-Girons (1840) et de Blaye (1842) (...) sous la présidence de Louis-Napoléon, M. Haussmann occupa successivement les préfectures du Var, de l’Yonne et de la Gironde (1850-1852). Lors de son passage à Bordeaux, quelques semaines avant le rétablissement de l’Empire, le président apprecia son devouement et ses aptitudes administratives et quelques mois plus tard, il l’appela à prendre à Paris la sucession de M. Berger, comme préfet de la Seiine (23 juin 1853)“. Ver: DICTIONNAIRE UNIVERSAL DES CONTEMPORAINS. Paris, s.e., s.d., pp.38-39. 59 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, op. cit., p.36. Sobre a Teoria ver: CERDÀ, Ildefonso. La théorie générale de l’Urbanisation. Paris: Éditions du Seuil, 1979. 60 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, op. cit., pp.12-19. 57 58 A experiência urbanística desencadeada nos Estados Unidos, ao longo do século XIX, se desenvolveu de maneira paralela, em relação ao que ocorria nas cidades européias, ampliando o leque de referenciais para a formação de uma cultura urbana.60 Por volta de 1860, o desenvolvimento econômico norte-americano e a urbanização do território constituiam fenômenos estreitamente ligados. Um dos fatores determinantes para o desencadeamento do processo de urbanização configurou-se pela propagação das company towns, implementadas exclusivamente para atender às necessidades fabris. Na origem deste processo, Tafuri & Dal Co nos conduzem à tentativa empreendida por Alexander Hamilton, de colocar em prática um plano de urbanismo elaborado por Charles L’Enfant e N. Hubbard ainda nos anos 1791-92, em Paterson, com o apoio da “Society for Establishing Useful Manufactures”. Entretanto, a primeira realização voltada para o agenciamento de um programa industrial, viria apenas em 1823 com a cidade fabril de Lowell, construída às margens do rio Merrimack, tendo à frente Kirk Boot, diretor da Merrimack Manufaturing Co. Neste sentido, “…a concepção urbana de Lowell, reproduzia, então, a composição da força de trabalho empregada na indústria. O próprio arranjo arquitetural da comunidade, que em 1845 contava com 30.000 habitantes, foi, ele mesmo, influenciado. O exemplo de Lowell é bastante significativo: o plano reproduzia exatamente a estrutura da organização produtiva, resultado de uma coexistência ambígua das aspirações filantrópicas com as formas de gerenciamento, que não chegavam a sintetizar os aspectos financeiros da gestão industrial e os aspectos especulativos da gestão urbana.”61 Outro ponto a considerar neste processo, refere-se à vasta extensão da malha ferroviária americana, que permitiu o desenvolvimento progressivo de zonas industriais avançadas, o que provocou fenômenos de urbanização e concentração urbana. A ocupação do território estava intrinsecamente relacionada com o prolongamento dos eixos ferroviários, como o que ocorreu com a linha férrea Illinois Central, na qual tivemos a organização da cidade do Cairo, segundo o plano traçado em xadrez por William Strickland, entre os anos de 1838-40. Aliado a um desenvolvimento urbano, que se projetava em escala regional, com grande margem de lucro, as company towns ferroviárias se proliferaram, “…numa disputa umas com as outras e sem nenhuma outra lógica, a não ser aquele relativo ao lucro”.62 Assim, de acordo com Tafuri & Dal Co, temos a cidade de Tacoma, segundo o traçado de Frederick Law Olmsted, em 1873, que não foi realizada, por intermédio da North Pacific Railroad. Outras iniciativas desta companhia referem-se às comunidades implantadas no Kansas e nas montanhas rochosas da Califórnia. O mais representativo exemplo de company town, segundo o espírito ideológico do capitalismo norte-americano da segunda metade do século XIX, de acordo com Tafuri & Dal Co, refere-se à cidade operária de Pullman, próxima de Chicago.(Figura 13) Construída em 1880 pelo empresário George M. Pullman, incluía no seu programa equipamentos como escola, teatro e biblioteca, além de playgrounds e parques. O plano de urbanismo concebido por Solon Beman e Nathan F. Barret mesclava uma linguagem eclética com paisagens pitorescas. Para além das suas qualidades formais, a intenção era possibilitar o afastamento da classe operária das instabilidades relacionadas com o ambiente político e social das grandes cidades. Sob o ponto de vista exclusivamente urbanístico, Pullman oferecia “…um modelo de habitat e de servicos sem igual na América: os críticos da época chegaram a pensar em uma convergência decisiva entre os interesses da empresa e as inovações urbanas.”63 Além da estratégia relacionada com o modelo utilitarista configurado pelas 53 Figura 13: Plano da cidade-operária de Pullman, em 1880. Fonte: TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco. Architecture contemporaine, p.14. 61 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, idem, p.12, “…la conception urbaine de Lowell, reproduit donc, rigidement, la co position de la force de travail utilisée dans l’industrie. L’assise architecturale de la communauté qui compte, en 1845, 30.000 habitants en sera elle-même influencée. L’exemple de Lowell est très significatif: le plan restitue exactement la structure de l’organisation productive, résultat d’une coexistence ambigue des aspirations philanthropiques avec des formes de management qui ne parviennent pas encore à synthétiser les aspects financiers de la gestion industrielle et les aspects spéculatifs de la gestion urbaine.” 62 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, idem, p.14. “…en compétition les unes avec les autres et sans autre logique que celle du profit.” 63 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, idem, “…un standard d’habitat et des services sans égal en Amérique: les commentateurs de l’époque peuvent croire à une convergence décisive entre les intérêts de l’entreprise et les innovations urbaines.” 54 TAFURI, Manfredo & DAL CO, Francesco, idem, p.18, “...dans la tradition du «pittoresque» anglais, est composé comme un spetacle continuellement varié, comme un lieu où la métropole reprend son équilibre. Il s’agit d’une succession d’équipements sociaux, pour le sport de masse, pour les loisirs, pour l’éducation, traversée par quatre rues qui assurent un intégration parfaite du parc à la ville, sans interrompre la continuité du paysage.” 64 company towns, uma outra tendência vai se projetar na cultura urbanística norte-americana, a partir do movimento assentado nos modelos do landscape gardening inglês e das intervenções urbanísticas nos grandes centros europeus. As propostas desenvolvidas pelo arquiteto Frederick Law Olmsted, citado anteriormente, irão se destacar, dentre as quais o projeto do Central Park, em Nova Iorque, juntamente com Calvert Vaux, em concurso realizado em 1862. O desenho do parque “...vinculado à tradição do «pitoresco» inglês, foi composto como um espetáculo repetidamente variado, como um lugar onde a metrópole recuperava o seu equilíbrio. Ele se compõe de uma sucessão de equipamentos sociais, para os esportes de massa, para o lazer, para a educação, atravessados por quatro vias que asseguram uma integração perfeita entre o parque e a cidade, sem interromper a continuidade da paisagem.”64 A partir da tematização do parque, segundo Tafuri & Dal Co, temos a introdução de questões relacionadas com a reestruturação da cidade e de suas instituições. Assim, o que emerge no final do século XIX, nos Estados Unidos, como questão central, ainda segundo Tafuri & Dal Co, é a necessidade de uma reforma do aparelho institucional do sistema político-econômico norte-americano. Os problemas urbanos passariam a ser conjugados, então, com projetos de reformas gerais capazes de adaptar o modo de vida urbano às exigências das novas formas de desenvolvimento capitalista. Estas experiências desdobradas a partir de eixos culturais distintos, nas vertentes européias e norte-americana, contribuiram para uma maior especialização profissional e um aperfeiçoamento progressivo das técnicas de intervenção sobre as cidades. Na passagem do século XIX para o século XX, novas proposições foram acrescentadas ao leque da cultura urbanística. Como teorias, tiveram uma grande repercussão, mesmo com a sua materialização de maneira fragmentada. Além disso, perceberemos os múltiplos desdobramentos, em termos de transferências de modelos, apropriados para a realidade brasileira. Neste sentido, os ideários do urbanismo se introduziram por diversas vias, a começar pelas instituições de ensino, como parte da formação dos técnicos. Outra via de transferência ocorreria por meio de palestras e trabalhos conjuntos, envolvendo urbanistas estrangeiros. Publicações e debates em congressos possibilitaram também a difusão destes ideários, que abordaremos em seguida. 1.3 . 55 Das teorias sobre as cidades: entre a cidade-jardim e a cidade-verde A formulação do ideário Garden City, desenvolvido por Ebenezer Howard, publicado como Tomorrow: a Peaceful Path to Real Reform, em 1898, configurou-se como importante referencial para as intervenções sobre as cidades, em particular para as propostas desenvolvidas para as cidades brasileiras na primeira metade do século XX. As bases conceituais para a obra de Howard nos remetem ao movimento Arts and Crafts, tendo como representantes John Ruskin e William Morris; este último preconizava uma sociedade centrada numa cooperativa de artesãos, em agrupamentos de pequeno porte. Do mesmo modo, Howard imaginava a sua proposta de maneira cooperativa, em núcleos satélites limitados, para uma população de trinta e dois mil habitantes, ligados aos grandes centros por meio de transporte ferroviário.(Figura 14) A idéia da cidade-jardim envolvia uma reforma social de maneira a tornar mais confortável a vida do proletariado industrial. O modelo proposto por Howard foi definido de modo radioconcêntrico, em anéis que mesclavam áreas edificadas e cinturões verdes, a partir de um centro cívico, no qual foram instalados os equipamentos públicos. O verde permeava as vias e os quarteirões residenciais, possibilitando a separação em relação à indústria, colocada no último anel. Com isso, Howard buscava uma síntese entre as vantagens do campo e da cidade.65 Como um desdobramento do ideário howardiano, em 1899, a criação da Garden City Association, permitiu a difusão destas idéias em escala mundial. Já em 1904, foi iniciada a construção da primeira cidade-jardim, Letchworth, projetada por Raymond Unwin e Barry Parker.(Figura 15) Entretanto, esta realização se distanciava bastante do modelo proposto por Howard, de acordo com Frampton, “…a estrada de ferro divide a cidade ao meio, a zona comercial é exposta ao tempo e a indústria misturada com as áreas residenciais de uma maneira totalmente utilitária.”66 Uma segunda cidade-jardim foi implementada a partir de 1920, com a constituição da Welwyn Garden City Limited. A concepção de Welwyn, projetada por Louis de Soissons, previa o assentamento de cinquenta mil habitantes, situada nas proximidades de Londres e cortada em duas partes pela via férrea.(Figura 16) Assim como Letchworth, esta realização não representava o ideal pensado por Howard, o que vai ser uma constante nas diversas formulações materializadas posteriormente, dada a repercussão pelo mundo do ideário Garden City. Figura 14: Diagrama do modelo garden city, proposto por Ebenezer Howard, em 1898. Fonte: HOWARD, Ebenezer. Garden cities of tomorrow, p.53. HOWARD, Ebenezer. Garden cities of to-morrow. London: Faber and Faber Ltd., 1945, esta edição foi publicada originalmente em 1902, com revisões feitas sobre a primeira publicação de 1898. 66 FRAMPTON, Kenneth, op. cit., p.47. 65 56 Figuras 15 e 16; Plano da cidade-jardim de Letchworth, em 1904 e plano da cidade-jardim de Welwyn, em 1920. Fonte: HOWARD, Ebenezer. Garden cities of to-morrow, p.105; p.129. Outro importante referencial urbanístico configurou-se pela proposta desenvolvida por Tony Garnier para a Cité Industrielle, em 1904, publicada apenas em 1917, a qual buscava uma integração global entre as unidades fabris e os espaços públicos e moradias. A intenção do controle destas funções por parte do poder público não tinha a pretensão de fundar uma nova sociedade. O que diferenciava o projeto de Garnier, em relação às tentativas anteriores, de acordo com Aymonino, era exatamente esta peculiaridade, a partir de uma perspectiva realista, “…a possibilidade de permitir um desenvolvimento posterior, como crescimento possível e necessário de uma aglomeração inicial inteiramente planejada.”67 Garnier inseriu no seu plano, a diferenciação das funções urbanas, o que antecipava alguns princípios adotados nas décadas seguintes, com a difusão internacional dos ideários urbanísticos do Movimento Moderno, em particular nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna - CIAM´s. Vale ressaltar que, ainda em 1907, Garnier recebeu a visita de Le Corbusier, com o qual manteve contatos posteriores. A cidade imaginária previa o assentamento inicial de trinta e cinco mil habitantes, com expansão possível e ligação ferroviária. A implantação deste novo centro considerava a preexistência de uma cidade antiga, a ser preservada. O programa incluia hospital, estação ferroviária, equipamentos como escolas, incluindose o ensino profissionalizante, e edifícios administrativos, além da própria localização das instalações industriais. Foram estudados diversos tipos residenciais, em função da insolação, aeração e áreas verdes, com altura média de dois pavimentos.(Figuras 17 e 18) Conforme Frampton, em 1932, Garnier complementou estes estudos para permitir ocupações com densidade mais alta, além de prever diferentes categorias de escolas distribuídas pelos bairros residenciais. Com Le Corbusier, a funcionalidade estampada no projeto de Garnier vai ser desdobrada na proposta intitulada Une Ville Contemporaine, apresentada no “Salon d’Automne”, em 1922.(Figura 19) A cidade projetada para três milhões de habitantes conjugava os princípios considerados fundamentais por Le Corbusier para o desenvolvimento urbano, deixando de lado o que já fora experimentado, tanto no que se refere às grandes cidades, quanto aos pequenos lugarejos. A concepção adotada evidenciava a necessidade do descongestionamento do centro e o aumento da densidade, o aumento dos meios de circulação e o aumento das superfícies arborizadas. O traçado preconizava o uso da rua reta, como meio de permitir maiores velocidades de percurso, e um parcelamento centrado no módulo de quatrocentos metros, com diferenciação da ocupação para o centro de negócios e para as unidades habitacionais. Para os bairros industriais, foram propostas novas soluções, parte construída por meio de componentes 57 Figura 17: Esquema da Cidade Industrial de Tony Garnier, em 1904. Fonte: FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna, p.104. Figura 18: Perspectiva dos blocos residenciais da Cidade Industrial de Tony Garnier, em 1904. Fonte: PEVSNER, Nikolaus. Os pioneiros do desenho moderno, p.207 AYMONINO, Carlo. Origenes y desarrollo de la ciudad moderna. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1972, p.55, “…la posibilidad de aceptar un desarollo ulterior como crecimiento posible y necesario de un asentamiento inicial enteramente proyectado.” 67 58 Figura 19: Plano da cidade para três milhões de habitantes, Une Ville Contemporaine, por Le Corbusier, em 1922. Fonte: BOESIGER, Willy. Le Corbusier, p.15. padronizados, em série, evitando-se a desordem, a sujeira e o imprevisto comum nos grandes centros. A proposta buscava ultrapassar os limites da cultura urbanística, pela inserção de uma nova metodologia para as intervenções sobre as cidades. Ao mesmo tempo, evidenciava de modo contundente, a oposição em relação ao ideário garden city, em particular na vertente dos urbanistas ligados à Société Française des Urbanistes, da qual Alfred Hubert Donat Agache era um dos representantes.68 Este modelo, assentado numa intervenção a partir do centro, vai ser abandonado por Le Corbusier, alguns anos depois, na proposta para a Ville Radieuse, desenvolvida em 1930.69 Conforme Frampton, mudanças significativas se inserem nesta nova concepção, pela opção por um conceito ilimitado, de acordo com o ideário presente na Ciudad Linear de Arturo Soria y Mata, na sua versão soviética, em particular na cidade linear de Milytiun.70 A versão de Le Corbusier, ainda de acordo com Frampton, tirava partido de um zoneamento por faixas paralelas, que incluia um setor para as cidades-satélites, dedicadas à educação, uma zona de transporte, incluindo trens e transporte aéreo, uma zona de hotéis e embaixadas, uma zona residencial, uma zona verde, uma zona para a indústria leve, o setor destinado aos armazéns e trens de carga, e uma zona para a indústria pesada.(Figura 20) Ao invés da cidade-jardim, assentada no passado, o que se pretendia era uma “cidade-verde”, com os pilotis liberando a superfície do terreno e permitindo a permeabilidade e a penetração do verde. A unidade de habitação exprimia no seu conjunto, blocos residenciais à redent com serviços comuns acima dos pilotis, estacionamento de veículos e ligação com as vias de trânsito rápido, configurando um parque amplo total, no nível do pilotis. Le Corbusier ainda previa a circulação vertical e a circulação horizontal de pedestres, o lazer e os esportes no térreo dos blocos, e para a cobertura a solução do tipo telhado-jardim. Para além do pilotis, no centro dos blocos, foram previstas escolas e creches. Cada unidade residencial da Ville Radieuse contemplava uma população de dois mil habitantes. Esta solução trabalhava, numa escala monumental, o conceito de unidade de vizinhança, desenvolvido por Robert Whitten no plano regional de Nova Iorque, ampliado por Clarence Stein e Henry Wright no plano de Radburn. Na origem, a proposta envolvia a delimitação de uma zona residencial, com as habitações dispersas num grande parque. Moradias individuais e coletivas foram dispostas num traçado adaptado ao sítio, com a previsão de um centro social compreendendo igrejas, escolas, bibliotecas, etc.71 A densidade de população proposta para a Ville Radieuse, esta como uma cidade verde, era de mil habitantes por hectare, folgada segundo ele, em relação aos grandes centros como Londres, Berlim e Paris.(Figura 21) O seu objetivo princi- 59 68 Esta aversão por parte de Le Corbusier, às soluções do tipo garden city, se manifestou com clareza quando da sua visita ao Brasil em 1929, momento em que Agache desenvolvia uma proposta urbanística para o Rio de Janeiro. 69 LE CORBUSIER. La Ville Radieuse: éléments d’une doctrine d’urbanisme pour l’équipement de la civilisation machiniste. Paris: Édition Vincent, Fréal &Cie., 1964. 70 FRAMPTON, Kenneth, op. cit., p.219. 71 BARDET, Gaston. L´urbanisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1947, pp.88-89. 60 Figuras 20, 21 e 22: Esquemas do zoneamento, dos blocos a redent e perspectiva, para a Ville Radieuse, por Le Corbusier, em 1930. Fonte: LE CORBUSIER. La ville radieuse: éléments d’une doctrine d’urbanisme pour l’équipement de la civilisation machiniste, p.170; p.162; p.109. pal era evitar o desenvolvimento horizontal, uma expansão desenfreada e de baixa densidade, e, neste sentido, preconizava a dissolução do modelo de desenvolvimento urbano tradicional “…eliminemos, eliminemos as cidades-jardins com a sua natureza inventada; suprimemos, interditemos as cidades-jardins; não tocaremos mais na crise dos transportes.”72 Assim se configurava, então, a sua Ville Verte=Ville Radieuse cujo programa incluía ainda uma rua interior ou rue en l´air, com tipos diferenciados de circulações, exteriores com separação de veículos e pedestres.(Figura 22) Além disso, foram previstas circulações verticais para acesso aos blocos à redent, com cinquenta metros de altura. Outro componente da nova cidade foi definido por meio de um centro de negócios, com torres cruciformes atingindo o gabarito de duzentos e vinte metros interligadas ao sistema de metrô, este situado no primeiro subsolo, sendo o térreo inteiramente dedicado aos pedestres e na cota de cinco metros as auto-estradas e estacionamentos de veículos, evitando-se cruzamentos. O esquema preconizado para a Ville Radieuse permitiria, assim, o seu desenvolvimento linear, como um grande parque, este entendido como un parc ininterrompu, sendo que jamais o pedestre cruzaria com um automóvel. 61 Entre a cidade-jardim howardiana e a cidade-verde corbusieriana, esta como um parque contínuo, interceptamos importantes vertentes teóricas apropriadas para as cidades brasileiras. Estas idealizações revelam componentes já experimentados, ao longo do século XIX, em termos de pensamentos e práticas, como vimos anteriormente. E, como veremos adiante, as visões de cidade implícitas nestes modelos foram transpostas para a realidade brasileira, como referenciais que se mostraram oportunos para os técnicos. É o que passaremos a discutir através da produção destes urbanistas. 72 LE CORBUSIER, idem, p.106, “…Liquidons, liquidons les cités-jardins avec leur fausse nature; supprimons, interdisons les cités-jardins; on ne 62 CAPÍTULO 2 . 63 Cidades novas no Brasil: cidades empresariais em questão “... A cidade é uma mediação entre as mediações. Contendo a ordem próxima, ela a mantém; sustenta relações de produção e de propriedade; é o local de sua reprodução. Contida na ordem distante, ela a sustenta; encarna-a; projeta-a sobre um terreno (o lugar) e sobre um plano, o plano da vida imediata; a cidade descreve esta ordem, prescreve-a, escreve-a, texto num contexto mais amplo e inapreensível como tal a não ser para a meditação.” (Henri Lefebvre: O direito à cidade,1968) A criação de cidades por iniciativa de empresas constituiu um importante momento no processo de urbanização brasileira a ser analisado, considerando a multiplicidade de exemplos e as especificidades regionais. O que distingue estas realizações das outras categorias de cidades, como das cidades capitais, das cidades balneárias ou mesmo das cidades de colonização, refere-se primeiramente à sua vinculação a um projeto industrial. A iniciativa para a construção de uma cidade empresarial leva em conta determinados interesses relacionados com a fábrica, seja para a ampliação das suas atividades, seja para a sua própria instauração. Interesses que privilegiam a produção, envolvendo particularmente a dotação de moradias para os seus técnicos, trabalhadores especializados e operários. Como objeto de estudo, as cidades empresariais se inserem na temática das cidades novas, ou seja, cidades construídas ex-novo, por meio de um plano urbanístico. Mesmo com a ampliação dos estudos voltados para este tema, a ênfase permanece centrada nos projetos para as cidades-capitais, como Belo Horizonte (1897), Goiânia (1933) e Brasília (1957). Várias categorias de cidade surgiram no período aqui enfocado, o que nos permite afirmar que este ainda é um capítulo da historiografia do urbanismo a ser melhor compreendido. De acordo com Andrade, “…na historiografia do urbanismo no Brasil são ainda reduzidos os trabalhos que têm como objeto a rica e diversificada experiência, que se verificou desde o advento da República, de construção de cidades novas a partir de uma tabula rasa. Essa pouca atenção dos historiadores das cidades brasileiras, para com uma cultura de fundação de cidades novas planejadas, causa estranheza exatamente pela relevância e importância – tanto quantitativa, pelo número de cidades novas criadas, quanto qualitativa, do ponto de vista do seu urbanismo – dessas múltiplas realizações ex-novo que marcaram a história da cidade ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Ressonâncias do tipo cidade-jardim no urbanismo de cidades novas no Brasil. ANAIS DO VI SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO. Natal: PPGAU/UFRN, 24 a 27 de outubro de 2000. 1 64 moderna no Brasil.”1 A opção por uma abordagem sobre os projetos das cidades-capitais já havia sido feita por Bruand, ao deixar de lado diversos casos de cidades novas planejadas e, como ele mesmo se refere, uma série de intervenções de urbanização de regiões, por não considerar válidas estas contribuições para o urbanismo contemporâneo. Diversas propostas e realizações não foram estudadas, como as cidades projetadas no Oeste do Estado de São Paulo e no Estado do Paraná, como Marília e Londrina, fundadas em 1933, e Maringá nos anos 20, bem como o projeto desenvolvido por Mindlin, para o Guarujá, em 1953, e o plano piloto regional englobando a península de Cabo Frio e Búzios, pelo escritório M.M.M. Roberto, nos anos 50.2 Os estudos na atualidade têm revelado a importância destas realizações, afinal “…nesse quarto de século, entre os projetos de Goiânia (1933) e Brasília (1957), o Brasil construiu o maior número de cidades novas de sua história. É importante ressaltar que outras cidades também foram construídas ex-novo no período abrangido, destacando-se aquelas associadas a projetos de colonização agrícola em áreas de expansão de fronteira, como o oeste de Santa Catarina e do Paraná e a Alta Paulista, além de outras vinculadas a atividades de mineração em outros estados.”3 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981, p.345. 3 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo. São Paulo: 1998, Tese de Doutorado – FAUUSP, p.394. 4 MENEZES, Ulpiano Toledo Bezerra de. In: SALGUEIRO, Heliana Angotti (org.). Cidades Capitais do Século XIX: Racionalidade, Cosmopolitismo e Transferência de Modelos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 10. 2 Abordaremos aqui as realizações de cidades empresariais, buscando em um primeiro momento, entender os conceitos empregados e os enfoques privilegiados na bibliografia específica, em trabalhos que trataram deste assunto. Em seguida, discorreremos sobre as idealizações e realizações de núcleos industriais e cidades empresariais, a partir do final do século XIX e no começo do século XX. Esta aproximação se coloca como mais uma contribuição em termos de referenciais para as as análises a serem desenvolvidas. A questão conceitual, em termos de uma classificação dos tipos de ocorrência destes casos, é bastante relevante para estudarmos este tema. Entender o conceito de “cidade” nos parece revelador, na medida em que a nomenclatura empregada nos diversos casos não corresponde a este conceito. De acordo com Menezes, o termo “cidade” é polissêmico e delicado, muitas vezes empregado como uma categoria universal que embota a historicidade do seu processo.4 Mesmo com as dificuldades para a noção de cidade, nos dias de hoje, devido à complexidade dos problemas urbanos, a possibilidade da fruição cívica da coletividade se coloca como um dos seus componentes essenciais. Outro componente refere-se à heterogeneidade sócio-econômica e cultural dos seus habitantes. Estes, contando com uma administração pública à frente da gestão dos interesses coletivos, representados por indivíduos eleitos democraticamente. Os enfoques aqui estudados permitem visualizar como estas experiências foram tratadas, revelando metodologias de análise distintas. Seja por meio de iniciativas empresariais, seja por meio de projetos inseridos em programas de governo, temos demarcadas ações voltadas para a criação de cidades nucleadas por fábricas. O recorte sobre os projetos urbanísticos não impede a compreensão mais ampla, multidisciplinar, no que se refere ao processo de urbanização. Pelo contrário, abre diversas possibilidades no tocante à constituição do urbanismo, como campo disciplinar e de práticas profissionais. Neste sentido, se coloca o entendimento das trajetórias dos técnicos e dos mecanismos de circulação de idéias urbanísticas, o que aqui nos parece essencial. 65 66 2.1 . 67 Sobre os conceitos e os enfoques empregados A temática das cidades novas comparece “…enquanto fronteira econômica e enquanto fronteira cultural, enquanto território de embate entre a cidade ideal e a cidade real, enquanto utopia e enquanto lugar.”5 Entre o ideal e o real constatamos o distanciamento entre o pensamento e as práticas, na própria compreensão do que foi proposto pelos urbanistas e do que foi materializado. Neste sentido, vários são os recortes proporcionados pelo tema neste campo, desde análises específicas sobre a idealização de uma nova cidade, com aberturas para a circulação das idéias urbanísticas e as trajetórias profissionais dos técnicos envolvidos, até mesmo abordagens sobre o processo desencadeado para a construção das cidades. Podemos ainda situar as idealizações no leque de experiências correlatas, ou mesmo na própria produção destes profissionais. E outros tantos recortes possíveis, sobre o zoneamento, sobre o parcelamento, sobre a circulação viária, sobre os tipos de habitação e sobre os equipamentos públicos e áreas verdes, etc. As cidades empresariais, muitas delas originadas de pequenos núcleos urbanos, irão alcançar o título de “cidade de fato” depois de um longo processo. Por esta via, o gerenciamento a cargo da empresa vai ser transferido para uma municipalidade. E este controle estabelecido pelas empresas, sobre a propriedade das moradias e sobre as atividades de comércio e serviços, quando da criação dos núcleos industriais, dificulta a caracterização destes assentamentos como “cidades”. As fábricas acabam privando os seus moradores do devido afastamento em relação aos locais de trabalho. Estas aglomerações se alinhavam, assim, segundo a dinâmica do cotidiano fabril. Outro componente a ser destacado aqui, refere-se à segregação do espaço intra-urbano, uma segregação presente na realidade das cidades brasileiras, que entretanto, revela-se de modo contundente na configuração geral dos conjuntos fabris. O conceito de segregação urbana buscamos em Villaça, como “…um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da metrópole.”6 Villaça ressalta três tipos de segregação urbana, a partir da distinção de Lojkine; o primeiro referente à separação entre as moradias das camadas sociais mais privilegiadas e as moradias mais populares; os outros dois referem-se, primeiramente, à oposição entre centro e periferia, na qual interfere o preço do solo, mais alto no centro e mais acessível na periferia. Em seguida, o processo de esfacelamento das funções urbanas em zo- GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras. Cidades novas latino-americanas. ANAIS DO IV SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO. Rio de Janeiro: PROURB/UFRJ, 1996, p.629. 6 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln Institute, 1998, p.142. 5 68 VILLAÇA, Flávio, op. cit., p.147. CAMARGO, Azael Rangel, et al. Nota Introdutória sobre a Construção de um Objeto de Estudo: o Urbano. CADERNO DE PESQUISA DO LAP/ Revista de Estudos sobre Urbanismo, Arquitetura e Preservação. São Paulo: FAUUSP, 1997, pp.18-19. 9 PIQUET, Rosélia. Cidade-Empresa: Presença na paisagem urbana brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, pp.14-15. 10 CORREIA, Telma de Barros. De Vila Operária a Cidade-Companhia: as aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular. Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais, nº 4, maio de 2001, p.83. 11 CAMARGO, Azael Rangel et al., op. cit., p.19. 12 CAMARGO, Azael Rangel et al., idem. 13 CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip. O mundo urbano das Casas Pernambucanas: as cidades empresariais de Paulista e Rio Tinto. Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro: UFRJ/PROURB, 1996, pp.390-403. 7 8 nas distintas, com um nível de especialização marcado por zonas de escritórios, zona industrial, zonas de moradias, etc.7 Através destas distinções, podemos melhor situar estas proposições, na formação das cidades brasileiras, no quadro da historiografia do urbanismo no Brasil. A idéia de uma cidade nucleada por fábricas compreende um “...fenômeno novo que é a unidade produtiva tipo fábrica, ou seja, a aglomeração de meios de produção e força de trabalho num ponto do espaço.”8 A experiência brasileira no tocante à industrialização nos remete ao final do século XIX e início do século XX. O que se destacou neste processo foi a tendência para um relativo isolamento industrial, com a construção de aglomerações fabris.9 De acordo com Correia, “…no Brasil, a partir da segunda metade do século XIX difundiu-se largamente a prática da construção, por empresas, de moradias para seus operários em cidades ou em localidades rurais. Tal prática deu origem a comunidades habitadas principalmente por empregados de uma única companhia que possuía parte substancial do mercado imobiliário e das casas e com, frequência, também detinha o controle sobre os equipamentos e serviços coletivos.”10 O fenômeno é inovador, diga-se, pelas transformações que alteraram o ciclo agrárioexportador das cidades brasileiras. No momento em que temos “…esse simples (?) fato (…) toda uma série de fenômenos (…) irão modificar profundamente as cidades e criar, genericamente, o urbano hodierno. A concentração de meios de produção num só lugar implica que a população, enquanto força de trabalho, se concentre também. Isso faz com que tenha necessariamente que viver num espaço relativamente próximo do local de trabalho, na cidade (ou na área onde está a fábrica).”11 E as condições para o abrigo desta população trabalhadora, enquanto classe operária, se relacionam com a dotação de habitações, o provisionamento de gêneros alimentícios, a possibilidade do transporte, a geração de energia, a assistência à saúde, os intervalos para o lazer, as facilidades de comunicações, a disposição de infra-estruturas, como o abastecimento de águas, o tratamento de esgotos, etc.12 Para Correia & Gunn, a abordagem sobre o tema das cidades empresariais constitui um capítulo da história do urbanismo ainda por ser concluído.13 Na acepção destes autores, fazer a história das ações voltadas para a construção destas cidades e dos aglomerados industriais que justificaram a sua criação nos remete à própria história da industrialização brasileira, Diversas correntes interpretativas perpassam este tema. Desde biografias empresariais, centradas na figura do industrial, nas quais uma experiência pessoal resulta em uma trajetória empresarial, até mesmo no enfoque de questões relacionadas com as “…formas de exploração da força de trabalho e das 69 formas de mando, numa sociedade nos primórdios da industrialização. Trabalhos que abordam os temas paternalismo industrial e superexploração da força de trabalho são constantes na vasta literatura existente. Com estes enfoques a literatura permite uma compreensão bastante abrangente das questões envolvidas na forma de gestão do trabalho no sistema fábrica-vila operária.”14 Piquet também ressalta que este tema não constitui um capítulo encerrado na formação urbana brasileira. Destaca ainda que na bibliografia sobre o tema “...predominam estudos de caso desvinculados de análises que os relacionem ao contexto histórico, econômico, social e político vigente, parecendo tratar-se de experiências esporádicas que pouco iluminariam a história da ocupação do território nacional”15. O termo cidades empresariais, aqui empregado sem ressalvas, conjuga uma série de estratégias que, guardadas as diferenças culturais, particularidades locais e escalas de intervenção, nos remetem a um processo relacionado com um programa industrial voltado para o assentamento de uma população operária em torno de uma unidade fabril. A própria palavra “cidade”, neste caso, merece uma aproximação mais apurada, dada a diversidade das estratégias empresariais desencadeadas neste campo. Este termo vai ser empregado, muitas vezes, numa acepção bastante particular, mais como uma “localização urbana” ou mesmo um “núcleo urbano” do que como uma “cidade” na sua real dimensão. A denominação “localização urbana”, de acordo com Villaça, refere-se a um tipo específico de localização, “…na qual as relações não podem existir sem um tipo particular de contato: aquele que envolve deslocamentos dos produtores e dos consumidores entre os locais de moradia e os de produção e consumo.”16 O termo “núcleo urbano”, expressão também utilizada por Villaça, diz respeito a um “…aglomerado urbano que apresenta um mínimo de atividades centrais, sejam religiosas, administrativas, políticas, sociais ou econômicas, ou seja, que têm vida própria, por menor que seja, organizada em torno de um centro polarizador. Esta expressão é sinônimo de ‘aglomerado urbano nucleado’, para distingui-la dos ‘aglomerados não-nucleados’, a que chamaremos áreas urbanas; a rigor, não existe área urbana não polarizada.”17 As cidades empresariais se distinguem em relação às outras categorias de cidades pela vinculação a um projeto industrial, ou seja, como suporte para um empreendimento fabril, “...organizadas em função das necessidades das empresas que as construíram, visavam atender às demandas da reprodução coletiva da força de trabalho dessas empresas, assim como aos requisitos mais amplos das condições de produção exigidas pela produção industrial. Nesses casos, a inclusão da força de CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip, op. cit., p.391. PIQUET, Rosélia, op. cit., pp.3-4. 16 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln Institute, 1998, p.23. 17 VILLAÇA, Flávio, op. cit., pp.52-53. 14 15 70 trabalho no espaço da cidade é sua própria condição de existência. Por outro lado, o espaço urbano produzido pela indústria apresenta maior rigidez e controle pois que é uma extensão do espaço da produção da fábrica/usina. A exclusão de parte da força de trabalho não diretamente contratada pela indústria do seu espaço urbano precípuo tem também sido uma constante nas estratégias capitalistas de gestão da força de trabalho.”18 Muitos destes núcleos urbanos originaram cidades, como veremos no próprio exemplo de Monlevade. Temos também cidades que foram absorvidas por núcleos industriais, instalados nos seus arredores, como Timóteo, distrito de Coronel Fabriciano, em Minas Gerais, onde foi instalada a Aços Especiais Itabira - ACESITA, em 1944. Neste sentido, conforme Correia, “…considerar aglomerações com tais características como cidades significa, em muitos casos, desprezar elementos essenciais ao estatuto de uma cidade. Vários critérios podem ser utilizados para se definir uma cidade: uma aglomeração com, no mínimo, quatro mil habitantes; uma aglomeração com população não rural – não comprometida com trabalhos agrícolas; um lugar que é sede de bispado ou da administração civil; um lugar que garante autonomia individual e coletiva aos seus moradores. Uma aglomeração isolada, fundada por empresa, dificilmente reúne todos esses atributos: pode atingir mais de quatro mil moradores, sua população pode estar envolvida com atividades urbanas, pode ser sede de um município, mas dificilmente oferece autonomia a seus moradores.”19 Por isso, nos parece fundamental o entendimento do processo desencadeado para a construção destas cidades, nos seus vários horizontes históricos. A partir desta compreensão, podemos identificar as designações específicas utilizadas e o estatuto de tais denominações. COSTA, Heloisa Soares de Moura & MONTE-MÓR, Roberto Luís de Mello. Cidades industriais planejadas e a exclusão da força de trabalho. ANAIS DO VI ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Brasília: 1995, pp. 420-421. 19 CORREIA, Telma de Barros. De Vila Operária a Cidade-Companhia: as aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular, op. cit., p.90. 18 No estudo em questão, dependendo do autor, do enfoque, quanto pela iniciativa das empresas, as denominações nem sempre coincidem com suas formulações iniciais. Aliás, no panorama retratado sobre a cultura urbanística, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, esta diversidade já se revelava nos vários tipos configurados como cité ouvrière, company town, arbeitenkolonie ou mesmo città operaia. Numa primeira aproximação, nos defrontamos com casos que se assemelham e que constituem exemplos vinculados ao tema das cidades empresariais. Por outro lado, envolvem experiências distintas. Termos como “cidade-operária”, “cidade-empresa” e “cidadecompanhia” traduzem estas denominações estrangeiras para a realidade brasileira. Entretanto, outras expressões vão ser empregadas. Como veremos, as realizações da ARBED, na Europa, não constituiram efetivamente exemplos de cidades novas, apesar de, na maioria dos casos, a companhia empregar o termo cité ouvrière para se referir 71 aos mesmos. Correia aponta várias designações utilizadas na literatura específica, dentre as quais destacamos a “vila operária”, o “núcleo industrial”, a “cidade-companhia” e a “cidade nova”. Ainda acrescentamos os termos “cidade industrial”, “cidade jardim industrial” e “cidade mono-industrial” utilizados na bibliografia sobre este assunto. Tanta nomenclatura diferente revela a complexidade em torno deste tema e, ao mesmo tempo, dificulta as análises dos casos numa perspectiva de comparação. Especificidades locais e particularidades regionais devem ser buscadas para o tratamento das questões relacionadas com as cidades empresariais. Além disso, as implantações industriais devem ser entendidas como um processo situado no próprio tempo em que tais fenômenos ocorrem. De acordo com Correia, o tratamento generalizante, com um mesmo termo vinculado às múltiplas experiências, se mostra inadequado por ocultar diferentes formas de gestão, a depender da localização industrial numa cidade ou isolada em relação a outros centros urbanos.20 Correia vai discorrer sobre as diferentes denominações a partir do momento e do contexto em que foram utilizadas. Assim, o termo “vila operária” foi amplamente utilizado para designar os conjuntos de moradias em torno de fábricas, tanto no vocabulário especializado quanto no popular.21 De início “…para nomear um grupo de moradias destinadas a operários de um mesmo empreendimento fabril, (…) logo seria estendido para designar grupos de casas modestas semelhantes produzidas por outros agentes. Sob a denominação ´vila operária´, eram reunidas no país, até os anos trinta, as experiências mais diversas: conjuntos construídos por empresas imobiliárias para aluguel ou venda a proletários urbanos, por empresas ferroviárias para seus funcionários, por indústrias, minas, frigoríficos e usinas para seus operários, técnicos e administradores, e pelo Estado.”22 Entretanto, Correia ressalta que mesmo tendo se difundido como tal, esta forma de designação como vila operária encontra outras variantes, principalmente em se tratando de localidades rurais, nas quais encontramos termos como “…´povoado´ ou ´vila´ - indicando sua população reduzida e sua subordinação política a uma cidade, sede de um município – ou como ´fazenda´ – , indicando o vínculo agrário do empreendimento industrial.”23 No caso de conjuntos de moradias nucleados em fábricas nas cidades, o uso de termos como “bairro proletário”, “bairro popular” e “vilas populares” vai ser comum, a partir da década de 30, revelando a falta de prestígio da forma “vila operária” a partir deste período. Com o intuito de buscar uma denominação mais apropriada, Correia vai se referir ao termo “núcleo fabril”. Os núcleos fabris se diferenciam em relação aos casos CORREIA, Telma de Barros, idem, p.85. Sobre a questão das vilas operárias, dentre outros, ver: BLAY, Eva. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1985. E ver também: ROLNIK, Raquel. Cada um no seu lugar. São Paulo: 1981, Dissertação de Mestrado – FAUUSP. 22 CORREIA, Telma de Barros, idem, p.84. 23 CORREIA, Telma de Barros, idem, p.88. 20 21 72 CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão – o projeto urbano de Delmiro Gouveia. São Paulo: s.n., 1995, Tese de Doutorado – FAUUSP. E ver também: CORREIA, Telma de Barros. De Vila Operária a Cidade-Companhia: as aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular, op. cit.. 25 CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão – o projeto urbano de Delmiro Gouveia, op. cit., pp.13-14. 26 CORREIA, Telma de Barros. De Vila Operária a Cidade-Companhia: as aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular, op. cit., p.89. 27 CORREIA, Telma de Barros, idem, pp.90-91. 28 BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna. Lei do Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade; FAPESP, 1998, p.53. 24 de vilas operárias localizadas dentro de uma cidade ou na sua periferia, em subúrbios. Por esta via, o núcleo fabril constitui uma vila isolada no campo, como uma “cidade nova” administrada pela fábrica com grande autonomia.24 Correia entende o núcleo fabril “…como um equipamento de arregimentação, fixação e controle do trabalhador, em cuja organização a segurança da propriedade e a produtividade do trabalho foram as questões centrais.”25 Estes se caracterizam também pela dimensão reduzida e isolamento espacial em relação a outras cidades, com o monopólio da empresa sobre a propriedade imobiliária. Além disso, a empresa mantém o controle político e econômico destes aglomerados industriais. O termo “cidade operária”, também abordado por Correia, guarda semelhanças com o significado do núcleo fabril. A partir de 1930, a expressão torna-se corrente, denotando, uma mudança de escala na estratégia empresarial “…tanto decorrente do crescimento de alguns (núcleos fabris) e de sua emancipação e conversão em sedes de municípios, quanto do surgimento de novos lugares com grandes dimensões, alguns decorrentes de iniciativas governamentais.”26 Como extensão da expressão “cidade operária”, temos os termos “cidade-empresa” e “cidadecompanhia”, que enfatizam os vínculos estreitos entre as aglomerações implementadas e a companhia que as originou. Entretanto, tais designações se mostram inadequadas, por atribuir o estatuto de “cidade” a núcleos urbanos privados, nos quais o controle da empresa dificulta sobremaneira a fruição livre da urbe pelos seus habitantes.27 Bonduki utiliza o termo “vila-cidadela”, para se referir às iniciativas de empresas na implementação de conjuntos operários, com vários equipamentos coletivos, em locais isolados. A vila-cidadela, nesta acepção, coincide com a expressão núcleo fabril há pouco discutida. Este processo ocorre, quando temos a industrialização simultânea à urbanização, com a geração de cidades em torno de fábricas. Neste sentido, a vila-cidadela, se origina de uma prática que era comum nas cidades, através das vilas operárias, com a dotação de moradias e equipamentos sociais, por parte dos empresários, para os seus funcionários. Assim, as vilas operárias se conjugavam como um “…modelo de moradia ideal para os higienistas, pois era salubre e continha equipamentos sanitários em cada unidade; para o poder público, que as incentivava com isenções de impostos; e para os industriais, que chegaram a construir vilas que eram verdadeiras cidades em miniatura.”28 Nas vilas-cidadelas, escolas, igrejas, enfermarias, clubes e pequeno comércio eram administrados exclusivamente pela empresa que controlava também o tempo livre e a jornada de trabalho dos seus funcionários. Como exemplos de inserção de vilas-cidadelas, temos as cidades de Paulista, em Pernambuco e Votorantim, em São Paulo. 73 Piquet vai se referir às “cidades-empresa” ou company-towns, que nos remetem a uma multiplicidade de práticas empresariais. Segundo a autora estas não se reduzem apenas à primeira associação que se faz aos termos “…de uma ‘minicidade’, na qual um conjunto de equipamentos comunitários incluindo habitações, edifícios de pequeno comércio, escola, hospital e áreas de lazer pertencem a uma companhia e onde é exercido controle sobre a entrada e saída de pessoas, configurando um núcleo urbano ‘fechado’.”29 Piquet acrescenta que, em alguns casos, a empresa tem o interesse deliberado da criação de uma “cidade aberta”, já na concepção do projeto. Assim constatamos no caso da implementação da cidade de Ipatinga, em Minas Gerais, de acordo com o delineamento do arquiteto Raphael Hardy, no final dos anos 50. A nova cidade serviria para abrigar os técnicos, funcionários especializados e operários da Usina Siderúrgica de Minas Gerais - USIMINAS. Piquet destaca também, que a classificação destes assentamentos, segundo parâmetros preestabelecidos, consiste numa tarefa pouco relevante. Para além de buscar tipos diferenciados, o que se mostra mais importante para esta autora é entender o processo em que os mesmos se constituem, no quadro da urbanização brasileira. Já no estudo de Costa30, o termo “cidade mono-industrial” foi empregado para denominar aquelas aglomerações, que resultaram de um grande projeto industrial. Este, relacionado com os ramos metalúrgico, de transformação dos minerais não metálicos ou de extração de minerais. Assim, a formação destas cidades, estava vinculada a determinados tipos de empreendimentos industriais. Para este autor, o espaço urbano resultante se mostra bastante segregado, no qual percebemos com clareza a separação entre uma “cidade privada”, construída pela empresa, “locus” da reprodução da força de trabalho, e uma “cidade pública”, na qual se estabelece o contingente populacional atraído pelo empreendimento, em busca de emprego. Em seu estudo, Costa conclui que não existem grandes diferenças, entre a realidade de uma cidade mono-industrial, e aquela referente às demais cidades brasileiras. Neste sentido, se coloca a maior dificuldade para a implementação de instrumentos de controle urbanístico, nestas ocorrências de cidades, devido ao monopólio da empresa, tanto no que se refere à propriedade da terra, quanto no que diz respeito às decisões relativas aos usos do solo urbano. O estudo de Costa trata de modo comparativo o conjunto de cidades formadas pela implementação de três conglomerados siderúrgicos. As cidades de Timóteo e Ipatinga, as quais já nos referimos anteriormente, a primeira, relacionada com a instalação da Aços Especiais Itabira - ACESITA, em 1944, e, a segunda, com a PIQUET, Rosélia, op. cit., p.4. COSTA, Geraldo Magela. Processo de Formação do Espaço das Cidades Mono-Industriais: um estudo de caso. Rio de Janeiro: 1979, Tese de Mestrado - COPPE/UFRJ. 29 30 74 implementação da Usina Siderúrgica de Minas Gerais - USIMINAS, em 1958; e a cidade de Ouro Branco, que remonta ao ano de 1976 com a implantação da Aços Minas Gerais - AÇOMINAS. Por fim, a abordagem de Villaça sobre o espaço intra-urbano, que emprega o termo “cidade industrial”. Como já dito, os estudos deste autor não incidem diretamente sobre as realizações de cidades empresariais. A sua importância decorre dos conceitos definidos, que nos parecem adequados, para um melhor posicionamento em face da realidade colocada por estas aglomerações. Para este autor, duas vias se colocam para a localização das indústrias, a primeira refere-se à localização dentro do espaço intra-urbano, a segunda nos remete a uma localização regional. No caso de uma localização regional, que é o que nos interessa, a própria indústria vai estruturar o espaço em função do deslocamento das matérias primas e da sua força de trabalho. Assim, mesmo que não tenha o atributo de uma “cidade” de fato, esta estruturação define um espaço urbano, e como tal “…espaço estruturado pelas condições de deslocamento da força de trabalho enquanto tal e enquanto consumidora (deslocamentos casa-escola, casa-compras, casa-lazer e mesmo casa-trabalho).”31 Por esta via, núcleos fabris, vilas-cidadelas, cidades-operárias, cidades-empresa, cidades-companhia, constituem localizações urbanas e dependem do agenciamento de um núcleo urbano para a sua sociabilidade. Mesmo que não possam ser considerados como cidades, na sua origem envolvem aglomerações urbanizadas que, como veremos no caso de Monlevade, podem vir a tornar-se centros urbanos emancipados, com uma organização político-administrativa independente do controle da empresa. 31 VILLAÇA, Flávio, op. cit., p.330. 2.2 . 75 Dos núcleos industriais às cidades empresariais As primeiras experiências de implantação de núcleos industriais, no Brasil, remontam ainda ao século XIX. De 1899 a 1906, o engenheiro Aarão Reis32 dirigiu a Empresa Industrial Serra do Mar, uma fábrica de fósforos próximo a Mendes, no município de Vassouras, no Rio de Janeiro, na qual pôde ensaiar a construção de uma comunidade-modelo incluindo habitações operárias, escola primária, parque e usina hidro-elétrica. A iniciativa de Reis ocorreu em período posterior ao seu desligamento da Comissão Construtora da Nova Capital do Estado de Minas Gerais, com a idealização de Belo Horizonte, em 1895. Daí a importância desta realização. A fábrica instalada ainda em 1892, pela Companhia Brazil Agrícola, encontrava-se em estado de abandono. Em menos de seis meses Reis conseguiu reverter este quadro transformando a mesma “…em uma das mais acreditadas emprezas nacionaes do seu genero, industria genuinamente nacional porque fabrica tudo, desde os palitos até as caixinhas com madeira nacionaes, dando trabalho a dezenas de familias que ora vivem, alegres, satisfeitas e prosperas, constituindo em torno da fabrica Serra do Mar interessante Villa a que não faltam escolas primarias, nem modesto parque para diversões e exercícios physicos, e uma excellente banda de musica (…).”33 Outras realizações podem ser listadas, demonstrando a multiplicidade de casos que tiveram lugar, a partir do final do século XIX, como o núcleo envolvendo a dotação de moradias para trabalhadores e áreas de mineração implementado pela Fábrica de Tecidos Santanense; a implantação de casas para operários, pela Fábrica de Tecidos Cachoeira; o núcleo constituído pela Fábrica Cachoeira Grande, com casas para os seus empregados; a Fábrica de Tecidos Brazil Industrial, com casas para operários e equipamentos de apoio como enfermaria, escola e capela; a construção de residências pela Companhia Morro Velho, em Nova Lima/MG, além de outros equipamentos.34 Ainda podemos citar o processo de assentamento de imigrantes que originou o núcleo urbano do Alto da Serra, relacionado com a construção da Estrada de Ferro “The São Paulo Railway Co. Ltd.”, complexo ferroviário instalado a partir de 1867, num percurso entre Santos e Jundiaí, incluindo São Paulo.35 A realização dos núcleos fabris de Paulista, em Pernambuco, e Rio Tinto, na Paraíba, ambos fundados pelo Grupo Ludgren, nos remete aos anos de 1904 e 1924.(Figuras 1 e 2) A organização espacial destes núcleos revelava uma dispersão espacial, com grandes vazios inseridos no conjunto edificado, envolvendo praças, gramados e áreas rurais. Esta conformação urbanística foi consolidada de maneira Engenheiro diplomado pela Escola Central do Rio de Janeiro, Aarão Leal de Carvalho Reis recebeu o grau de engenheiro civil em 1874. Teve intensa atuação profissional com projetos diversificados. A sua contribuição ao urbanismo se refletiu de maneira decisiva no delineamento de Belo Horizonte, quando dirigiu as comissões responsáveis pela idealização e construção da nova cidade. Em 1892 assumiu a Comissão d’ Estudo das Localidades indicadas para a Nova Capital e, em 1894 a Comissão Construtora da Nova Capital. Ver: LEME, Maria Cristina da Silva (org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999., pp.448-451. 33 FIGUEIRA, Manuel Fernandes. Memoria Historica da Estrada de Ferro Central do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908, p.600. 34 Estes casos, os quais são enquadrados com a designação de ´fazenda´, são relacionados por Correia. Ver: CORREIA, Telma de Barros, De Vila Operária a Cidade-Companhia: as aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular, op. cit., p.88. 35 MINAMI, Issao. Vila Martin Smith no Alto da Serra em São Paulo: um exemplo do Model Company Town. São Paulo: 1994, Tese de Doutorado – FAUUSP. 32 76 Figura 1: Edificações construídas no núcleo fabril de Paulista. Fonte: CORREIA, Telma de Barros, Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão – o projeto urbano de Delmiro Gouveia, p.184. Figura 2: Edificações construídas no núcleo fabril de Rio Tinto. Fonte: CORREIA, Telma de Barros, Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão – o projeto urbano de Delmiro Gouveia, p.184. CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip, op. cit., p.397. CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip, idem. 38 CORREIA, Telma de Barros & GUNN, Philip, idem. 39 CORREIA, Telma de Barros, Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão – o projeto urbano de Delmiro Gouveia, op. cit., p.181. 40 CORREIA, Telma de Barros, idem. 36 37 progressiva, sem a definição prévia de um plano, assim “…a construção de novos grupos de casas e equipamentos acompanhava as necessidades de mão-de-obra das fábricas, intensificando-se nos momentos de expansão da produção.”36 No caso de Paulista, temos a concentração, em uma parte central, das fábricas, do comércio, dos equipamentos coletivos, das residências dos técnicos especializados e da moradia do patrão. No entorno deste núcleo central, em meio a matas e áreas agrícolas, foram dispersos vários grupos de casas, cuja conexão a este núcleo era feita por meio de uma via linear. Já em Rio Tinto, foram definidos três núcleos com relativa autonomia, o principal, a Vila Regina e a Vila dos Pescadores. O núcleo principal “…reunia a fábrica, a igreja, a residência de diretores e engenheiros, equipamentos de lazer como cinema e clube, escolas, hospital, barracão e casas destinadas a operários e pessoal de segurança e escritório.”37 A Vila Regina, como um núcleo menor, incluia “…uma unidade fabril subsidiária, as casas dos operários que trabalham nela, escola, posto de saúde, clube e uma capela.”38 A Vila dos Pescadores abrigava os trabalhadores que não atuavam nas atividades fabris, voltados para a agricultura e a pesca. Correia ressalta que, “…no Brasil, não temos conhecimento de núcleo fabril construído no século XIX e início do século XX, com plano pré-concebido por profissional.”39 A exceção recai, então sobre o núcleo implementado por Reis, sobre o qual fizemos referência há pouco. Outros exemplos de núcleos fabris se constituiram, como a Vila Operária de Camaragipe, construída pela Companhia Industrial Pernambucana, cujo projeto foi apresentado na Exposição Nacional de 1908. Preocupações como a dispersão das habitações, regularidade das ruas, quebra da monotonia, valorização do verde, dentre outros, revelavam a intenção de uma ordenação espacial do núcleo fabril, mesmo sem a elaboração de um plano prévio. Ainda temos o núcleo de Passagem, cuja construção a partir do ano de 1907, em Sergipe, às margens do São Francisco, demonstrava também a intenção de uma certa ortogonalidade na disposição das ruas. Correia refere-se ainda aos núcleos de Moreno e Fernão Velho, criados em meados do século XIX em Alagoas, tendo o sítio acidentado, ao que parece, determinado um traçado mais irregular.40 Outros exemplos de núcleos fabris se constituiram nas primeiras décadas do século XX. Já em 1912, no sertão de Alagoas, o núcleo fabril de Pedra, foi implantado por Delmiro Gouveia como um ambiente modelar com habitações, escolas, área de lazer, dotadas de infraestrutura composta por eletricidade, abastecimento de água e um sistema de limpeza urbana. Correia ressalta ainda que “…se era possível chamar Pedra de cidade, tratava-se de uma cidade singular. Dela foram abolidas as relações 77 intensas e o movimento próprio ao ambiente das cidades. Aboliu-se, também, a idéia de cidade como morada, abrigo e refúgio, com suas casas como lugares de autonomia da família e seus inúmeros pontos de parada no trajeto ao trabalho, à escola e às compras. Da cidade, buscou-se eliminar tudo que fosse considerado favorável à propagação de doenças, de vícios e de comportamentos independentes.”41 Na sua organização urbana e social, este núcleo fabril incorporou noções e técnicas preconizadas por sanitaristas, tornando-se um símbolo de progresso e paz social, admirada por seu espírito de comunidade ordeira, disciplinada e civilizada. As condições para o perfeito funcionamento da fábrica estavam garantidas com esta ordenação. Entre a segunda década do século vinte e o final dos anos 50, Pimenta ressalta o aspecto pioneiro da região oeste do Estado de Santa Catarina, tendo em vista a rede de cidades novas consolidada por importantes centros regionais e implantações industriais.42 O processo de colonização desencadeado por iniciativa do governo do estado, gerou diversos municípios através da ação de empresas colonizadoras. Para isto, contribuiu sobremaneira a construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, concluída em 1910. Na formação desta rede de cidades, além de uma ocupação caracterizada por uma adaptação natural ao sítio de implantação, há casos configurados por meio de um traçado em xadrez. Comparecem tradições distintas que irão consolidar a forma urbana; de um lado, a de origem luso-brasileira, com a presença marcante da praça, da igreja e, de outro, a alemã, na qual sobressai-se a rua comercial, constituindo o centro da vida urbana. Dentre essas cidades, destaca-se a criação de Chapecó, pela empresa Bertaso, num traçado em xadrez. A partir de uma praça central, irradiam-se largas avenidas que interrompem a continuidade das quadrículas. Além disso, a cidade foi dividida em lotes urbanos, com área em torno de mil a mil e duzentos metros quadrados, e suburbanos, com dois hectares.43 Vários estudos abordaram o caso de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, cujo plano foi desenvolvido pelo arquiteto Attílio Corrêa Lima, em 1941. A proposta inicial para a cidade, relacionada com a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), consistia num plano regional, que previa a localização das funções urbanas e a dotação de infraestruturas necessárias. Este plano foi estudado por Lopes, visando a compreensão da evolução urbana da cidade, para criar uma base empírica capaz de explicar as relações entre a forma estruturada e os processos sociais que a originaram e lhe deram continuidade.44 Lopes refere-se a esta realização como a experiência de uma cidade operária, vinculando o plano de Lima à Cidade Industrial de Tony Garnier, cujos princípios foram citados anteriormente. Estrutura, forma e função, segundo Lopes, se CORREIA, Telma de Barros, idem, p.460. PIMENTA, Luís Fugazzola. Cidades Pioneiras: identidade e modernização no Oeste de Santa Catarina. Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro: UFRJ/ PROURB, 1996. 43 PIMENTA, Luís Fugazzola, op. cit., p.291. 44 LOPES, Alberto Costa. A aventura da Cidade Industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. Rio de Janeiro: 1993, Dissertação de Mestrado – Instituto de Ciências/UFRJ. 41 42 78 colocam como representações definidas no plano, visando uma fuga das imperfeições do mundo real. Além do projeto urbanístico da cidade operária, foi definido um plano diretor que incluia a cidade de Barra Mansa. Outro trabalho que também abordou a criação de Volta Redonda foi o estudo de Silva.45 O interesse recai sobre as referências urbanísticas relacionadas com este projeto, além de tratar do caso relacionado com a instalação da Refinaria Duque de Caxias (REDUC) que também gerou uma aglomeração urbana. Estes dois projetos industriais vão ser comparados: Enquanto “...os objetivos da CSN eram os de gerir e controlar o espaço da cidade em todos os seus aspectos, proporcionando um elevado padrão de vida a seus empregados (...) a implantação da REDUC, duas décadas depois, se dá em um período em que o Brasil rompia com as bases econômicas essencialmente agrícolas, passando a direcionar os investimentos para a industrialização sem preocupação em atender os aspectos sociais e trabalhistas a ela relacionados”46. A principal referência, como no estudo de Lopes, nos remete ao projeto de Tony Garnier. Entretanto, Silva destaca que entre o que foi idealizado, e o que se realizou, “...Volta Redonda difere substancialmente do modelo de Garnier. Ela surgiu planejada nos moldes de uma cidade industrial, onde os objetivos da CSN, eram os de gerir e controlar o espaço da cidade, na qual a rua e a casa seriam a extensão da siderúrgica, e proporcionaria um elevado padrão de vida a seus empregados. Garnier idealiza La Cité Industrielle como uma cidade autônoma e autosuficiente, aonde a atividade industrial seria subordinada às necessidades da cidade, diferentemente do que foi proposto para Volta Redonda, aonde a cidade foi concebida subordinada aos desígnios da indústria siderúrgica”47. 45 SILVA, Rachel Coutinho Marques da et al. Volta Redonda e Duque de Caxias: Dois Modelos Urbanísticos de Implantação de Projetos Industriais. Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro: UFRJ/PROURB, 1996. 46 SILVA, Rachel Coutinho Marques da et al., op. cit., p.149. 47 SILVA, Rachel Coutinho Marques da et al., idem, p.157. 48 CORREIA, Telma de Barros. O modernismo e o núcleo fabril: o plano de Attílio Correia Lima para Volta Redonda. Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro: ANPUR; IPPUR/UFRJ, 2001. 49 CORREIA, Telma de Barros, op. cit., p.774. O estudo de Correia sobre Volta Redonda pretende compreender o processo desencadeado, a partir do projeto urbanístico, nos anos 40, com a implementação da cidade empresarial e a sua conversão em “cidade pública”, já em estado avançado nos anos 90.48 Com relação ao plano de Lima, “…enfatiza-se a forma como (este) incorpora de maneira radical os propósitos de rebatimento da hierarquia industrial sobre o espaço urbano, através de um rígido zoneamento social. Na análise da ordem formal e funcional proposta, investiga-se a maneira como adota procedimentos inerentes às experiências de vilas, núcleos e cidades fabris e como traduz modelos ideais de cidades nos quais o seu autor buscou inspiração.”49 Além de vincular esta concepção ao esquema de Garnier, já citado, Correia destaca outra fonte de inspiração relacionada com as company towns, em especial as criações de cidades empresariais norte-americanas. Outro caso de implementação de cidades empresariais, diz respeito à ação da Fábrica de Papel e Celulose Klabin, a partir da década de 1940, no estado do Paraná. Correia também abordou este caso, que remonta ao ano de 1934, com a aquisição de terras do governo, por parte da companhia e a construção da fábrica, iniciada em 1944.50 As terras da Fazenda Monte Alegre propiciavam a instalação da indústria e das moradias para os operários e residências para os técnicos estrangeiros, além de equipamentos e infra-estrutura necessários. Três núcleos residenciais maiores e vários pequenos acampamentos rurais, irão se consolidar, segundo Correia. Lagoa, o primeiro núcleo, incluía instalações administrativas, habitações para os trabalhadores, hotel, escolas, grêmio recreativo, capela e armazém. Outro núcleo, denominado Mauá, junto à usina hidrelétrica, consistia em alojamentos para o pessoal da barragem. A partir de 1943, ocorre a construção do núcleo constituído por Harmonia, “…junto às instalações fabris, é o maior dos núcleos, reunindo inicialmente casas de gerentes, técnicos especializados, mestres, contra-mestres, motoristas, vigias e operários da indústria. Nele hotéis, pensões, igreja, hospital, escolas, armazém, cinema, clubes, padaria e um pequeno comércio local, distribuíam-se em meio a imensas áreas ajardinadas.”51 Várias colônias agrícolas e acampamentos rurais foram implantados no interior da área da fazenda. Há a descrição dos núcleos e do cotidiano do conjunto fabril, sobretudo no tocante à gestão dos espaços, culminando com o desmonte dos núcleos fabris nos anos 90, devido à criação de loteamentos fora da área citada. Em Minas Gerais, além do caso de Monlevade, pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, em 1934, que abordaremos no capítulo seguinte, constatamos a criação do núcleo industrial da ACESITA - Aços Especiais Itabira, em 1944, como já ressaltado. A implementação deste complexo industrial, envolveu a construção de moradias e outros equipamentos, situado nas proximidades de Timóteo, distrito de Coronel Fabriciano/MG. Com a emancipação deste núcleo, nos anos 50, a denominação do aglomerado urbano como ACESITA preponderou sobre a antiga Timóteo. A Cidade dos Motores, na primeira metade dos anos 40, em Xerém, no Rio de Janeiro, constituiu uma outra referência importante. Desenvolvida para sediar a Fábrica Nacional de Motores, envolveu três versões distintas, dentre as quais figuram os nomes do já citado Attílio Corrêa Lima, do brigadeiro Guedes Muniz e dos arquitetos Paul Lester Wiener e José Luis Serte. O estudo de Gimenes abordou estas propostas.52 A primeira delas remonta ao ano de 1943, quando Corrêa Lima elaborou um parecer sobre o plano, formulando diretrizes para o projeto da cidade, defendendo a habitação coletiva como solução e tecendo comentários sobre o conceito moderno de alojamento para 79 50 CORREIA, Telma de Barros. Núcleo Fabril x Cidade Livre: os projetos urbanos da Klabin do Paraná. Anais do V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. CAMPINAS: FAU/PUC, 1998. 51 CORREIA, Telma de Barros. Núcleo Fabril x Cidade Livre: os projetos urbanos da Klabin do Paraná, op. cit. 52 GIMENES, Francisco Carlos. A Cidade dos Motores entre o civil e o civilizado. Anais do V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. CAMPINAS: FAU/PUC, 1998. Sobre a Cidade dos Motores, ver ainda: FREIXA, Jaume. Josep Ll. Sert. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1979, 243 p.; SERTE, José Luís & LESTER, Paul. La Cité des Moteurs. L´Architecture d´Aujourd´hui – Brésil, nº13-14, pp.99-119. (L´exposition Internationale de l´urbanisme et de l´habitation, Grand Palais, Juillet 1947), na mesma revista ver o artigo La Cidade dos Motores por Le Corbusier, p.98. Ver também: SERTE, José Luís & WIENER, Paul Lester. Une cité nouvelle au Brésil: Cidade dos Motores. L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI, nº 7-8, pp.363-368. Ver ainda: LIMA, Attilio Correia. Plano da Cidade Operária da F. N. M. Arquitetura, nº 14, agosto de 1963, pp. 3-9. 80 Figuras 3 e 4: Implantação geral e perspectiva da Cidade dos Motores (Pilot Plan of Cidade dos Motores), pelo escritório Town Planning Associates, de Paul Lester Wiener e José Luis Serte. Fonte: WIENER, Paul Lester & SERT, Jose-Luis. La Cité des Moteurs. L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI-BRÉSIL, n.13-14, p.100. 53 CORREIA, Telma de Barros. O modernismo e o núcleo fabril: o plano da cidade operária da F.N.M. de Attílio Correia Lima, op. cit. 54 O Town Planning Associates - T.P.A., escritório de planejamento, com sede em Nova Iorque, voltado para o desenvolvimento de projetos na América Latina, foi fundado por Wiener associado a Serte, juntamente com Paul Schulz, em 1942. 55 GIMENES, Francisco Carlos, op. cit., p.3. trabalhadores, com indicações aos postulados dos CIAM’s. A propósito, Correia também analisou o projeto para a Cidade dos Motores, em especial a proposta desenvolvida por Corrêa Lima, citada anteriormente, com as diretrizes gerais para a cidade.53 Em 1944, outra proposta foi elaborada, tendo à frente o engenheiro aeronáutico, Brigadeiro do Ar Antônio Guedes Muniz, responsável pela comissão encarregada da construção da nova cidade e o arquiteto Otto da Rocha e Silva, da Escola Nacional de Belas Artes, cuja construtora teria a responsabilidade pela execução da obra. Neste mesmo ano, o arquiteto norte-americano Paul Lester Wiener do Town Planning Associates – TPA54 entregou um relatório com a representação da cidade, incluindo estudo comparativo entre esta proposta e os projetos iniciais.(Figuras 3 e 4) Gimenes ressalta que a proposta de Wiener seguia com fidelidade os princípios dos CIAM´s, semelhante ao projeto de Le Corbusier, de 1934, para a cidade de Nemours no norte da África. Ainda conforme Gimenes, a nova cidade “…planejada para 25.000 habitantes, (…) sediaria a fábrica e seu contingente operário, foi concebida pelo poder federal como cidade estratégica num duplo sentido: o da industrialização do Brasil, contribuindo para a satisfação das primeiras necessidades de um país em desenvolvimento - os transportes e os equipamentos agrícolas; e o da defesa militar, provendo a inspeção aérea próxima às linhas marítimas do Atlântico Sul.”55 CAPÍTULO 3 . 81 O Concurso para Monlevade “... Como sabeis, em concurso memoravel, instituido para a edificação da cidade de Monlevade, ao qual se apresentaram 13 candidatos e, dentre elles, alguns profissionaes dos mais abalisados no paiz, mereceu o nosso trabalho a distincção de ser classificado em primeiro logar.” (Lincoln Continentino: Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, 1934) O concurso para Monlevade representou uma das etapas do processo desencadeado pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira para a instituição de uma cidade-operária, no ano de 1934, em Minas Gerais. Empregamos o termo “cidade operária” considerando-se as referências da empresa para esta iniciativa, além do enfoque de alguns concorrentes, dentre os quais Continentino e Murgel, que abordaram o concurso na perspectiva da construção de uma cidade nova. Apesar destas referências, como veremos adiante, o estatuto de “cidade” não pode ser conferido a esta realização. Tratava-se, na verdade, de um núcleo urbano anexado às atividades da fábrica e controlado por esta. Os projetos apresentados para o concurso, no entanto, incorporavam uma visão de “cidade moderna”. O que atesta a realização do concurso são os memoriais publicados por estes técnicos. Não podemos afirmar que esta concorrência foi feita por meio de um edital público, tendo em vista que não localizamos o mesmo em periódicos, muito menos nos acervos documentais da companhia. O mais provável é que o concurso tenha sido instituído através de uma carta-convite. Daí o interesse em selecionar técnicos de renome para a disputa, visando assegurar a qualidade das soluções e, também, para que houvesse maior repercussão dos trabalhos nos meios técnicos. A opção por um concurso se insere nas experiências anteriores da companhia, como veremos adiante, além de possibilitar uma maior visibilidade ao empreendimento. Além disso, a estratégia da empresa na busca da solução da moradia operária se conjugava com as políticas desencadeadas pelo governo de Getúlio Vargas, no período do Estado Novo de 1930 a 1945, na promoção da habitação popular.1 Isso tornava mais fácil o apoio governamental, em termos de incentivos e benefícios. Neste período vale ressaltar também, as ações para o desenvolvimento da indústria siderúrgica no Brasil, atestadas pelos contratos entre a companhia e os governos estadual e federal concedendo isenções de impostos e de taxas de importação de equipamentos. BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna. Lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade; FAPESP, 1998, p.73. 1 82 FLYNN, Maria Helena de Moraes Barros, Anotações para uma história dos concursos de arquitetura no Brasil: 1857-1985. São Paulo: 1987, Dissertação de Mestrado – FAUUSP. 3 SANTOS, Paulo F. Quatro séculos de Arquitetura. Vassouras: 1977, p.109. 4 SANTOS, Paulo F., op. cit. p.110. 5 O IAB/Departamento MG publicou um detalhado Manifesto sobre a Construção da Cidade Universitária da UMG, na edição de julho e setembro de 1951 da revista Arquitetura & Engenharia. O impacto das críticas feitas leva a Comissão de Planos a constituir uma comissão de peritos, composta pelos professores Paulo Santos (Faculdade Nacional de Arquitetura), Adolfo Morales de los Rios (presidente do Conselho Federal de Engenharia) e Álvaro Vital Brazil, para examinar a situação. Concluiu-se pela necessidade de revisão do plano o que foi feito por outra comissão da qual participou o engenheiro Lincoln Continentino, que levou à constituição do Escritório Técnico da Cidade Universitária, tendo à frente o arquiteto Eduardo Mendes Guimarães Junior, responsável pelo planejamento e construção da Cidade Universitária. Ver: CONTINENTINO, Lincoln et al.. Cidade Universitária: Memorial da Comissão Técnica de Revisão – Legislação, Contratos e Pareceres sobre o planejamento e organização atuais. Belo Horizonte: UMG, 1955. Ver também: GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras & LIMA, Fabio Jose Martins de. Pensamento e prática urbanística em Belo Horizonte: 1895-1961. In: LEME, Maria Cristina da Silva (org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965, Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999, p.130. Uma primeira versão deste texto foi apresentada no IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, organizado pelo PROURB/UFRJ, no Rio de Janeiro, entre 27 e 29 de novembro de 1996. 2 Assim, serão apresentadas as propostas desenvolvidas pelos técnicos, dentre os treze prováveis concorrentes, a saber, o “Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade”, projeto de autoria dos engenheiros Lincoln Continentino e João Penna Filho; o “Projecto da Cidade Operária de Monlevade”, elaborado pelo arquiteto Ângelo Murgel; e o “Ante-projecto para a Villa de Monlevade”, de autoria do arquiteto Lúcio Costa. Primeiramente, pretendemos entender como se constituiu a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira e os seus antecedentes em termos de realizações de cidades operárias e habitações econômicas. Em seguida, discorreremos sobre o processo desencadeado pelo concurso, analisando o provável edital, a comissão julgadora e, também, o programa para esta nova “cidade”. Devido à impossibilidade, até o presente momento, da análise da documentação referente ao concurso, faremos uma leitura indireta, por meio dos memoriais apresentados pelos técnicos concorrentes. Neste capítulo, buscaremos também uma revisão sobre os estudos referentes ao concurso Monlevade, com o objetivo de entender os enfoques distintos, a respeito do mesmo. A importância do concurso para a historiografia da arquitetura e do urbanismo, decorre do seu aspecto pioneiro, tendo em vista que não encontramos experiências correlatas neste período. Os concursos realizados, até então, envolviam propostas de intervenção sobre cidades existentes.2 No Rio de Janeiro, em 1922, na administração do prefeito Carlos Sampaio (1920-1922), a idéia de um plano de remodelação para a cidade “…só adquiriu sentido quando para a urbanização da grande área de terreno resultante do desmonte do Morro do Castelo e aterro do Calabouço, abriram-se concursos”.3 Destacaram-se as propostas apresentadas pelos arquitetos Angelo Brunhs e W. Preston, sendo que “…a publicidade feita em torno das soluções desses arquitetos para os limitados problemas que lhes foram propostos, pôs em termos realistas a necessidade de um plano de remodelação de toda a Cidade.”4 Já o processo desencadeado a partir de 1928, no concurso para a sede da Universidade de Minas Gerais, em Belo Horizonte/MG, gerou discussões polêmicas que se estenderam até os anos 50. O concurso contou com a participação de vinte e três concorrentes, dentre os quais os arquitetos Angelo Bruhns, Eduardo V. Pederneiras e Flávio de Carvalho. A proposta vencedora do Escritório Eduardo V. Pederneiras, do Rio de Janeiro, foi muito criticada pela solução global e pelo partido adotado para as unidades, o que gerou a revisão do projeto e o seu posterior abandono.5 3.1 . 83 A Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira - CSBM A Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira (C.S.B.M.) resultou da associação de capital europeu, representado pela sociedade metalúrgica Aciéries Reunies de Burbach-Eich-Dudelange (A.R.B.E.D.), de Luxemburgo, com a Companhia Siderúrgica Mineira, em 1921.6 A Companhia Siderúrgica Mineira, fundada em 1917, por dois engenheiros da Escola de Minas de Ouro Preto, Christiano França Teixeira Guimarães e Amaro Lanari se localizava na cidade de Sabará, situada a quinze quilômetros de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. O projeto da usina coube ao engenheiro Luís Orsini de Castro, também diplomado pela Escola de Minas. Já a ARBED resultou da fusão de empresas belgo-luxemburguesas, ainda em 1911, a saber a Société des Hauts Fourneaux Luxembourgeois, a Société des Forges D’Eich, a Société Anonyme des Mines du Luxembourg et des Forges de Sarrebruck e a Société des Hauts Fourneaux et Forges de Dudelange. Apenas em 1922, com a conclusão das obras dos seus novos prédios administrativos, o grupo transferiu-se de Düdelinger, para a avenue de la Liberté, no Luxemburgo. Para a associação do grupo ARBED com a Companhia Siderúrgica Mineira, foram importantes as diligências feitas pelo governo do estado, junto ao Rei Alberto II da Bélgica, quando da sua visita ao Brasil, no ano de 1920. De um lado os industriais brasileiros e, de outro lado, os engenheiros da sociedade metalúrgica luxemburguesa, tendo à frente o engenheiro Gaston Barbanson. Os diretores da Companhia Siderúrgica Mineira, em carta aos acionistas ressaltavam que “…depois de termos bem estudado as propostas que nos foram feitas e que acabamos de vos comunicar, chegamos à convicção de que, quer para a nossa Companhia, quer para os nossos acionistas, elas não trazem senão vantagens e, por isso, convém aceitá-las. Podemos mesmo acrescentar que todo o Brasil também tem o máximo interesse na sua realização, afim de ver utilizadas as suas riquíssimas jazidas de ferro, incomparáveis no mundo, e das quais até hoje ainda não pôde tirar o menor proveito.”7 Dentre os pontos acertados, constava a ampliação e a modernização da usina de Monlevade. O engenheiro Barbanson já vinha estudando a possibilidade do grupo ARBED explorar o potencial siderúrgico brasileiro. Juntamente com o engenheiro Émile Mayrisch, impressionados pelas riquezas minerais do Brasil, constituiram a sociedade Sindicato do Brasil, com o intuito de atestar a possibilidade da exploração No âmbito da ARBED, esta iniciativa constituiu uma ampliação dos acordos de integração que já se desenvolviam na Europa. No mesmo ano de 1921, ocorreu o tratado de união econômica entre a Bélgica e Luxemburgo, que vai se desdobrar como a «experiência Bénélux», incluindo-se os Países-Baixos, que teve uma importância capital para o desenvolvimento destes países. A indústria siderúrgica constituia um dos setores mais influentes para esta aliança. 7 GOMES, Francisco Magalhães. História da siderurgia no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1983, p.190. 6 84 destas riquezas. No mesmo ano de 1920, enviaram missão técnica chefiada pelo siderurgista luxemburguês Jean Pierre Arend que desenvolveu estudo a este respeito com observações coletadas in loco. A comissão técnica permaneceu quatro meses no Brasil, incluindo a região de Monlevade, tendo constatado a existência de jazidas ferríferas consideráveis. Entretanto, a falta de carvão mineral e a inexistência de vias de comunicação, dificultavam a exploração. O novo grupo, tendo à frente o mesmo Gaston Barbanson, tornou-se proprietário da usina de Sabará e da propriedade de Monlevade, em São Miguel de Piracicaba/MG, além das jazidas de minério de ferro e de manganês de Andrade, contígua a Monlevade.8 O consórcio de empresas adquiriu, assim, “…do snr. Barbanson a propriedade de ‘Monlevade’, nas mesmas condições em que este a adquiriu de seus anteriores proprietários; dos snrs. Jules Bernard Mathieu Goudchaux & Cia a propriedade do ‘Andrade’, no estado em que esta se encontra; do snr. Barbanson os estudos e trabalhos feitos por elle e seu grupo por occasião da formação do negocio.”9 As notícias da imprensa davam conta das negociações envolvendo a formação da Belgo-Mineira, com a associação dos capitalistas belgo-luxemburgueses aos industriais mineiros.10 Figura 1: O Estado de Minas Gerais no Brasil e a região do estado onde se localizavam as terras pertencentes à C.S.B.M., englobando Andrade e Monlevade, próximas do município de Rio Piracicaba (no mapa de 1935 a denominação ainda é Villa de Rio Piracicaba) em recorte extraído de mapa referente à Bacia do Rio Doce. Fonte: MINAS GERAIS. IGA, e MINAS GERAIS. Bacia do Rio Doce, 1935. A freguesia de São Miguel do Piracicaba foi criada pelo alvará de 3 de novembro de 1750 e, em 1865, já se encontrava bastante povoada. Ainda em 1713, o capitão-mor João dos Reis Cabral, aventureiro paulista chegou à região em busca de ouro; no ano seguinte, fundou o arraial com o mesmo nome. O lugarejo tomou a denominação de Rio Piracicaba quando da criação do município pela Lei Estadual nº 556, de 30 de agosto de 1911. 9 Conforme Ata da Primeira reunião do Conselho de Administração da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, realizada em 20 de dezembro de 1921. 10 Periódicos como “A Notícia” e o “O País” do Rio de Janeiro, além de jornais locais abordavam os progressos da indústria siderúrgica no Brasil. Ver: A Siderurgia Nacional. A Notícia, 13 de outubro de 1921 e O problema da siderurgia. O País, 18 de outubro de 1921. 8 A região de Monlevade(Figura 1) tomou esta denominação em homenagem ao francês Jean Antoine Félix Dissandes de Monlevade, engenheiro diplomado pela Escola Politécnica de Paris em 1812, que chegou ao Brasil ainda em 1817. Em 1825, este engenheiro instalou uma fábrica de ferro, cuja finalidade era a fabricação de utensílios, ferragens e ferramentas para o consumo local, como enxadas e ferraduras, foices, machados, facas, martelos e até mesmo máquinas e engenhos agrícolas. O empreendimento prosperou por um período, atingindo, por volta de 1854 expressiva produção, entrando em declínio posteriormente, com falência decretada após a morte do seu fundador. As terras de Monlevade eram recortadas pelo Rio Piracicaba; e por Andrade serpenteava o Rio Santa Bárbara, o que permitiria a instalação de hidro-elétricas capazes de fornecer a força motriz necessária para a nova usina. As florestas que cobriam a região permitiriam o suprimento de combustível, em substituição ao carvão mineral. Os incentivos concedidos pelo governo brasileiro contribuiram para esta operação, cujos objetivos principais, como já mencionado, se resumiam na modernização das instalações da usina de Sabará e na exploração das propriedades de Monlevade e Andrade, através da criação de uma moderna usina siderúrgica. Por meio de decretos, o governo concedia favores à empresa, que incluiam a isenção de impostos 85 por quarenta anos e empréstimos concedidos, de acordo com o Decreto nº16.103 de 18 de julho de 1923; ainda, os decretos anteriores, Decreto nº12.944, de 30 de março de 1918 e o Artigo Primeiro, do Decreto Legislativo nº4246 de 6 de janeiro de 1921, para o desenvolvimento da indústria siderúrgica nas propriedades em Sabará. As ingerências políticas e o apoio do ministro da Viação e Indústria, Pires do Rio, foram importantes neste momento, para viabilizar o novo emprendimento.11 Além disso, o governo se comprometera a fazer o prolongamento do ramal férreo da Central do Brasil, partindo da localidade de Santa Bárbara/MG, além da implementação da estrada de ferro VitóriaMinas, a fim de permitir o acesso ao mar pelo porto de Vitória, no Espírito Santo. Neste sentido, a empresa “…está actualmente tratando, com o Governo Federal e o de Minas, de obter a construcção de uma ferrovia entre Santa Barbara e um ponto da linha da Victoria a Minas que se dirige para Itabira de Matto-Dentro.”12 Posteriormente, o traçado desta via férrea foi modificado, visando o prolongamento do ramal de Santa Barbara até São José da Lagoa, atravessando a região de Monlevade. Estas medidas revelam o interesse do governo Vargas no desenvolvimento da indústria siderúrgica no Brasil. O próprio Vargas compareceu por duas vezes, em Monlevade, quando do lançamento da pedra fundamental da nova usina, em 1935, e no momento da inauguração da primeira etapa executada, em 1940. Somente em 1935, com a inauguração do eixo ferroviário ligando Santa Bárbara a São José da Lagoa (atual Nova Era), junção da Central com a Estrada de Ferro Vitória-Minas, o programa inicial para a construção da usina e da cidade de Monlevade pôde ser efetivado. COMPANHIA SIDERURGICA BELGO-MINEIRA. Contrato com o Governo Federal. Rio de Janeiro: Typographia Marlicléa, 1940. 12 COMPANHIA SIDERURGICA BELGO-MINEIRA. Rapport de la Direction à la première assemblée générale extraordinaire. Sabará: 1921, p.2, “…est actuellement en pourparlers avec le gouvernement Fédéral et celui de Minas, afin d’obtenir la construction d’une ligne de chemin de fer entre Santa Barbara et un point de la ligne de Victoria-Minas à Itabira do Matto-Dentro.” 11 86 3.1.1. 87 ARBED: Cidades operárias e habitações econômicas na Europa13 A idéia da implementação de conjuntos operários já era corrente, junto aos grupos industriais que deram origem à sociedade ARBED – Aciéries Réunies de Burbach-Eich-Dudelange, fundada em 1911, como já dito, no compasso das iniciativas desencadeadas na Europa.(Figura 2) Casas padronizadas, construídas em série, com programa mínimo buscavam atender as necessidades de alojar a classe trabalhadora. Com a formação do consórcio de empresas, esta prática teve continuidade com soluções diversificadas, desde série de habitações localizadas até conjuntos mais amplos constituindo cidades operárias. Vale ressaltar aqui o significado destas experiências, no que se refere à sua caracterização como “cidade”, tendo em vista que, como veremos, a denominação de cidade se mostra inadequada. Mesmo com a proposta de conjuntos de moradias e equipamentos, estas cidades operárias, como veremos no caso de Monlevade, estavam vinculadas ao cotidiano fabril. Constituiram núcleos urbanos segregados, isolados por assim dizer, de acordo com os interesses produtivos da empresa, em consonância com o processo de industrialização desencadeado na Europa. Assim, as primeiras experiências do grupo ARBED na construção de moradias remontam ao ano de 1912, em Schifflingen, com o emprego de tecnologia de aço laminado. Neste mesmo ano, temos a construção de um conjunto de habitações econômicas na Avenue de la Libération e na Rue Mathias Koener, composto numa disposição retilínea, ao longo das vias, para abrigar trinta e duas famílias. As casas do conjunto Meisterhaüser, em dois pavimentos, eram geminadas, com programa incluindo cozinha, despensa, sala, quartos, banheiro, porão e sótão. A varanda e a disposição do jardim, no acesso frontal, criavam uma descontinuidade na composição das fachadas. Nos fundos, foi instalado o estábulo. A cobertura em telhas planas, constituída por placas de ardósia, apresentava o recurso de águas-furtadas ou mansarda, para iluminação do sótão. Conjuntos de casas semelhantes foram construídas na Cité Tresson em Herserange.14 Em 1913, o grupo implementou um grande assentamento, constituindo a “Cité Emile Mayrisch”, que englobava cento e noventa e oito unidades de moradias em tipologias diversificadas. O partido assentado em terreno com declividade suave, em local próximo ao antigo escritório da companhia, também em Schifflingen, foi definido por grandes blocos, intercalados de maneira independente, com áreas livres para jardim Figura 2: Região englobando o Luxemburgo, na Europa, na qual se situavam as iniciativas da ARBED em termos de conjuntos operários. Fonte: Die Erde - Atlas International. München: Verlagsgruppe Bertelsmann International Gmbh,1988, pag.51 A pesquisa documental junto à ARBED foi feita a partir de correspondência e utilização de meios eletrônicos. Conseguimos contactar o responsável pelos Archives Industrielles Luxembourgeoises asbl: Centre de documentation en histoire économique et sociale, no Luxemburgo, o Sr. Jacques Maas, o qual nos forneceu alguns dados sobre a empresa. Ao mesmo tempo, contactamos a Profª Antoinette Lorang que desenvolveu estudo específico sobre a questão habitacional em Luxemburgo, incluindo realizações da ARBED, que nos foi enviado por correspondência. Ver: LORANG, Antoinette. Luxemburgs Arbeiterkolonien und billige Wohnungen: 1860-1940. Luxemburg: Ministère du Logement. 14 LORANG, Antoinette, op. cit., pp.221-224. 13 88 Figura 3: Conjunto de casas operárias construídas pela ARBED para a Cité Emile Mayrisch, em Schifflingen, em 1913. Fonte: LORANG, Antoinette. Luxemburgs Arbeiterkolonien und billige Wohnungen: 18601940, p.221. LORANG, Antoinette, idem, pp.222-223. LORANG, Antoinette, idem, p.224, “...Die ARBED war offensichtlich zu diesem Zeipunkt nicht bereit, viel in den Arbeitwohnungsbau zu investieren. Die ‘Cité Emile Mayrisch’ ist weder städtebaulich noch bautypologisch besonders fortschrittlich. Die Wohnungsgröße lag im Bereich des für Werkswohnungem üblichen.” 17 LORANG, Antoinette, idem, pp.223-224. 15 16 ou quintal. Seguindo o disposto na Avenue de la Libération e na Rue Mathias Koener, estes blocos de dois pavimentos e sótão foram implantados paralelamente em linha reta, com um anexo em frente abrangendo banheiros e estábulos.(Figura 3) Além disso, as casas divididas em sete tipos construtivos, a saber os tipos E, E2, F, G, K1, K2 e L, incluiam programa com cozinha, sala e quartos, com variações referentes ao número de quartos e à disposição dos cômodos. Os tipos construtivos variavam também em função do número de famílias, enquanto as casas para apenas uma família possuiam cerca de sessenta e quatro a sessenta e oito metros quadrados de área construída, as casas para duas famílias foram definidas com apenas quarenta e seis metros quadrados. Os tipos E e L apresentavam telhado com frontão, sendo que para os demais, o telhado apresentava o recurso de águas-furtadas ou mansarda para iluminação dos sótãos. Na articulação dos tipos E e E2 encontramos cozinha e sala no primeiro pavimento e no segundo pavimento foram dispostos dois quartos. O acesso a estas unidades era feito por meio de uma escada central, evitando-se o uso de circulações do tipo corredor. A área dos quartos foi definida em dezesseis metros quadrados. Para os tipos F e G foi definida uma outra disposição, com a escada lateral e o acesso dos quartos para a sala feito pela cozinha. O tipo L, para uma família, é o que apresentava a melhor condição de iluminação, além dos estábulos estarem situados na sua parte posterior, o que não ocorria com os demais tipos. Os tipos K1 e K2 eram destinados à ocupação por duas famílias, com o mesmo programa composto por cozinha, dois quartos e uma sala. O tratamento das fachadas não apresentava diferenciação em relação às tipologias com revestimento, imitando a textura de tijolos e tratamento rústico na base.15 A maior parte das moradias foi concebida como casas no sistema “back to back”, de acordo com modelos de casas populares inglesas, isto é, por meio de alinhamentos simples de edificações, geminadas e dispostas no mesmo bloco, sem recuos nos fundos. Esta solução urbanística gerava problemas de iluminação e aeração tendo em vista o acesso exclusivo pela parte frontal dos blocos. Do mesmo modo, a colocação dos banheiros externos e dos estábulos em frente ao conjunto não se mostrava adequada. Conforme Lorang, “…a ARBED não estava claramente preparada, naquele momento específico, para investir na construção de casas populares. A ‘Cité Emile Mayrisch’ não era desenvolvida nem urbanística e nem tipologicamente, além do tamanho das unidades deixarem a desejar”.16 O sistema “back to back” seria deixado de lado nas realizações posteriores, devido aos problemas higiênicos. Neste processo, ao invés de blocos compactos construídos, a opção do grupo ARBED no tocante às moradias operárias, vai ser a implementação de cidades-jardim.17 No período compreendido entre os anos 1915/16 e 1922, ainda numa disposição urbanística compacta, sem o artifício do sistema “back-to-back” no entanto, foi construído o Werkssiedlung com aproximadamente noventa e oito unidades, por iniciativa da SAMOD – Société anonyme pour la construction de maisons ouvrières à Dudelange, cuja fundação nos remete ao ano de 1910. Esta sociedade ligada inicialmente à Société de Hautes Fourneaux et Forges de Dudelange, posteriormente ARBED, se encarregaria da construção de diversos conjuntos operários. No caso do conjunto de Werkssiedlung, as moradias foram dispostas em três blocos nas rue de la Forêt e rue des Aulnes, em Schfflingen. Parte do conjunto, na rue de la Forêt, foi implantado com afastamento frontal, com programa envolvendo cozinha, sala, dois quartos de dormir, porão e sótão, além de uma dispensa e estábulo. As unidades tinham áreas de setenta e quatro metros quadrados, com o estábulo e o banheiro localizados próximo da entrada. Para a implantação do grupo de casas na rue des Aulnes, foi buscado um outro sentido, a partir de casas geminadas com elemento de transição com ajardinamentos, que interrompiam a continuidade do bloco. As unidades foram definidas para uma e duas famílias, a primeira com quatro cômodos também com área de setenta e quatro metros quadrados, a segunda com quarenta e oito metros quadrados tinha um quarto a menos. Na parte posterior destas unidades, foram definidos cozinha, banheiro e estábulo. Em 1922, o grupo ARBED ampliou o conjunto com a construção de um grupo de casas no outro lado da rue des Aulnes. Com relação a este conjunto, uma comissão do governo de Luxemburgo considerou o mesmo como a melhor solução de moradias operárias implementada, “…foi , sobretudo, a Arbed que demonstrou as melhores intenções e é necessário reconhecer que as edificações construídas por ela, juntamente com a sociedade de construção Samod em Schifflange durante os anos de 1915 e 1916, apresentaram a melhor solução em relação a todas as colônias operárias da região.”18 Outra realização do grupo ARBED configurou-se pela Colonie du Brill, em Düdelingen, a partir do concurso “Brill-Siedlung” instituído em 1919, no qual participaram vários arquitetos luxemburgueses.(Figura 4) Dentre estes, Léon Muller, que recebeu o primeiro prêmio, Jos. Jentgen e Nic. Petit, que receberam respectivamente o segundo e o terceiro prêmios. A iniciativa de abrir uma concorrência, partiu do engenheiro Emile Mayrisch, diretor geral da ARBED. A construção do conjunto, constituído por cento e uma moradias foi desencadeada entre os anos de 1919 e 1926. O edital do concurso determinava que as habitações deveriam ser econômicas. O programa para as unidades residenciais incluia cozinha, sala, três quartos e banheiro, este, anexado do lado 89 Figura 4: Proposta vencedora do concurso “Brill-Siedlung”, pelo arquiteto Léon Muller, em 1919. Fonte: LORANG, Antoinette. Luxemburgs Arbeiterkolonien und billige Wohnungen: 1860-1940, p.260. Citação do parecer da comissão (Regierungskommission), por: LORANG, Antoinette, idem, pp.258-259,“…c’est surtout l’Arbed qui a fait preuve des meilleures intentions, et il faut reconnaître que les constructions élevées pour elle par la société de construction Samod à Schifflange pendant les années 1915 et 1916, présentent la meilleure solution de toutes les colonies ouvrières du bassin.” 18 90 Figura 5: Conjunto de casas construídas, em 1921-26, a partir do concurso “Brill-Sidelung”. Fonte: LORANG, Antoinette. Luxemburgs Arbeiterkolonien und billige Wohnungen: 1860-1940, p.261. Figura 6: Conjunto de casas operárias construídas pela ARBED e pela Société Métallurgique des Terres Rouges para a Colonie Weierwues, nos anos 20, em Esch/Alzette. Fonte: LORANG, Antoinette. Luxemburgs Arbeiterkolonien und billige Wohnungen: 1860-1940, p.265. LORANG, Antoinette, idem, pp.259-260. LORANG, Antoinette, idem, pp.261-262. 21 LORANG, Antoinette, idem, p. 262. 22 LORANG, Antoinette, idem, pp.264-266 19 20 do estábulo. Para estas habitações, era determinante também que fossem estudadas condições de iluminação propícias para os compartimentos, em especial para a cozinha. Na composição das edificações deveria se evitar o emprego de ornamentações. A implantação geral deveria ser agenciada de maneira a buscar uma adequação do partido ao terreno. Os projetos deveriam considerar desde o global até o particular, incluindo-se o mobiliário.19 O arquiteto Léon Muller, vencedor do concurso, acabara de concluir o curso na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts de Paris. A proposta desenvolvida para o conjunto compõe-se de um assentamento de casas em dois pavimentos, com afastamento frontal e previsão de recuos folgados nos fundos.(Figura 5) As habitações geminadas envolviam três ou quatro moradias com jardins na parte frontal e quintais nos fundos. O programa, desenvolvido a partir do edital do concurso, conjugava cozinha e sala no térreo, dois quartos e uma sala no primeiro pavimento, com ocupação de mais um quarto na mansarda. A área de cada moradia ficava em torno de setenta a oitenta e cinco metros quadrados. O vestíbulo de acesso e a escada eram amplos, permitindo um acesso confortável para as residências. Muller não seguiu o pressuposto do edital que previa apenas uma cozinha; ao contrário, dividiu a cozinha em dois ambientes, como exposto anteriormente.20Na configuração urbanística do conjunto, destacam-se os passeios alargados, a disposição das casas em torno de um grande jardim e a própria concepção dos blocos de edificações, que não segue uma orientação rígida para a sua implantação. Lorang ressalta que a proposta de Muller se aproxima das soluções desenvolvidas por Herman Muthesius, na sua concepção para a cidade jardim Helerau, projetada em 1910, em Dresden. O conjunto guarda proximidade também com a “Cité Pulventeux”, realizada na mesma época, em Longwy.21 Nos anos 20, a ARBED e a Société Métallurgique des Terres Rouges em Esch/Alzette desencadearam um grande programa de construção de moradias operárias. Foram construídos trezentas e dezoito unidades em blocos de habitações coletivas e moradias individuais, configurando-se a colônia operária de Weierwues, posteriormente denominada Clairchêne.(Figura 6) Os blocos, edificados com três ou quatro pavimentos, foram compostos de maneira compacta e alongada, no sentido do alinhamento das ruas. Foram previstos ainda, recuos nos fundos, sendo que, em alguns quarteirões, as áreas de uso comum foram rebaixadas em relação ao nível térreo das moradias. No período compreendido pelos anos de 1922-23, uma igreja e um convento foram construídos e passaram a integrar a colônia operária. Linguagens diferenciadas foram empregadas na construção desta colônia operária. Os jardins internos foram previstos para uma maior sociabilidade entre as famílias operárias. Além disso, a multiplicidade de tipos de moradias buscava atender às demandas variadas, em função dos níveis de renda familiar.22 3.1.2. 91 CSBM: Vilas Operárias em Siderúrgica, Sabará/MG A preocupação em alojar os trabalhadores, sempre esteve presente na administração da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, tendo em vista a necessidade da mão-de-obra operária para as suas atividades fabris. Esta preocupação se materializava através de planos e projetos desenvolvidos com critérios urbanísticos, mesmo que a organização espacial segregada, recorrente nas experiências anteriores no Brasil, se repetisse aqui. A prioridade eram os empregados mais graduados e aqueles mais especializados. Com relação às habitações operárias, os conjuntos eram projetados tendo por princípio a hierarquização funcional progressiva, desde os operários, passando pelos contra-mestres, até os trabalhadores especializados. Ainda em 1922, uma das primeiras providências do grupo recentemente formado pela ARBED e a Companhia Siderúrgica Mineira, foi a construção de habitações e a melhoria dos alojamentos existentes. Os trabalhadores brasileiros ou indígenas, como eram denominados, tinham por abrigo um bloco edificado com cinco cômodos grandes e dez compartimentos menores. Para os engenheiros casados, foram edificadas duas casas isoladas no interior da usina, sendo que os solteiros ficavam alojados no casino existente, que foi ampliado. Este funcionava como um hotel, compreendendo oito quartos, um salão de jogos, uma sala de jantar, uma cozinha e uma sala de banho.23 (Figura 7) Na implantação do programa habitacional da companhia, o princípio da hierarquização funcional se reproduzia através de uma ocupação espacial segregada. Assim foi pensado o “Plan de Siderurgica avec Projet d’Habitations Ouvrières”, datado de 18 de fevereiro de 1932.24 O plano idealizado situava as residências dos diretores contíguas à fábrica, com a denominação de “Cité europèene”. (Figura 8) Estas, eram constituídas por blocos únicos e inseridas em um parque arborizado, situadas em uma encosta. O conjunto operário foi situado entre o rio Sabará e a estrada que fazia a ligação entre as cidades de Sabará e de Caeté/MG. Neste trecho, a estrada acompanhava o ramal da Estrada de Ferro Central do Brasil, passando pela estação de Siderúrgica, em frente aos portões de acesso à fábrica. As casas “…apresentam um aspecto alegre e risonho e toda a cidade dá uma impressão de ordem e de propriedade completamente saudável. Eu entrei em algumas destas casas, nas quais os moradores se mostravam encantados pela sua moradia. Estas residências, evidentemente, não são muito espaçosas: como tal, elas atendem à sua destinação e podem servir como modelo no Figura 7: Vista noturna do Casino da Usina de Siderúrgica, em Sabará/ MG. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, 1953. O termo “casino”, de origem italiana, era usado para denotar uma pequena casa no campo ou uma edificação na cidade, na qual se organizavam salas de leitura, de jogo, de concertos musicais, de dança e outros tipos de eventos. A palavra é uma derivação do termo casa, como um diminutivo da mesma, entretanto, pode ser buscada outra procedência no vocábulo “Montecasino”, que refere-se a um mosteiro beneditino situado na região de Nápoles, na Itália. Para ali se deslocavam os interessados em desfrutar um ambiente integrado com a natureza, propício para reuniões e, mesmo, tratamento médico, similar ao que se busca, nos dias de hoje, nas estações balneárias. Por esta via, “Casini” era a denominação para a lembrança destas reuniões. Na França e na Suiça, os “cercles” agregavam um sentido similar aos casinos, como os “clubs” na Inglaterra. Ver: NUOVA ENCICLOPEDIA POPOLARE: OVVERO DIZIONARIO GENERALE DI SCIENZE, LETTERE, ARTI, STORIA, GEOGRAFIA, ECC. ECC. Torino: Giuseppe Pomba e Comp. Editori, Tomo Terzo, 1843, p.551. 24 Neste mesmo ano foi iniciado um programa de melhoramentos incluindo a construção de moradias, serviço médico e clubes esportivos e recreativos. Ver: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Relatório sobre a marcha da exploração e das novas construções durante o ano de 1932. Sabará: 1932. 25 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Rapport sur la Belgo-Mineira. Sabará: setembro de 1935, “…sont d’un aspect gai et riant et toute la cité donne une impression d’ordre et de propreté tout à fait réjouissante. Je suis entré dans quelques-unes de ces maisons, dont les habitants paraissent enchantés de leur logis. Ces maisons ne sont évidemment pas très spacieuses: telles quelles, elles répondent a leur destination et peuvent servir de modèle au Brésil où l’on n’est guère habitué à pareil confort” 23 92 Figura 8: Projeto de conjunto operário contíguo à usina de Siderúrgica em Sabará/MG, de 1932. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGOMINEIRA. Plans de Siderúrgica avec Projet d’habitation ouvrières. Brasil, onde não se está habituado a conforto semelhante.”25 As vias configuravam um traçado em quadrículas ortogonais deslocadas, acompanhando as sinuosidades do rio. Foram projetadas duas avenidas arborizadas, uma delas beira-rio, com a largura variável; e a outra, de acesso à fábrica, com a largura de seis metros e passeios de dois metros de cada lado. As vias secundárias tinham a largura de três a quatro metros, sem a previsão de arborização. Os quarteirões irregulares conjugavam lotes com áreas variáveis, sendo os menores com setenta metros quadrados e os maiores, com trezentos e sessenta metros quadrados. O conjunto operário foi projetado com recuos laterais e de fundos, com habitações geminadas, algumas delas no alinhamento da rua. As moradias foram também projetadas como casas individuais, sendo que, ao longo da avenida de acesso à fábrica, foi previsto um afastamento frontal de dois metros. Duas praças centrais com arborização e ajardinamentos, possibilitavam uma área aberta em frente ao acesso principal da fábrica. A estação ferroviária da usina de Siderúrgica, foi prevista de frente para este largo. Em uma destas praças, foi projetada a escola. Outras pequenas praças ampliavam os jardins do conjunto. Ainda foi projetado na outra margem do rio um clube esportivo, com campo de futebol e instalações de apoio para o lazer dos operários. Entre o setor destinado à “cité europèene” e o conjunto operário, acompanhando a estrada de ligação Sabará-Caeté, foi pensada a construção de um novo casino. O velho casino permaneceria como alojamento para empregados solteiros e para hospedagem de visitantes, como engenheiros ou mesmos especialistas estrangeiros, para os quais não era necessário residência fixa. Em fevereiro de 1933, a proposta de um conjunto operário de grandes dimensões foi abandonada. Assim, numa aproximação mais detalhada do projeto de habitações operárias, na planta da Vila Operária de Siderúrgica, foram introduzidas modificações na implantação das casas da parte sul do conjunto, com ampliação da área de praças ajardinadas.(Figura 9) O recorte feito previa a implementação de seis tipos construtivos de casas em lotes variáveis, alguns regulares, com pequenas alterações em relação às áreas projetadas inicialmente. Do que foi pensado no plano geral de habitações, além desta parte sul e da “Cité Européene”, foram construídos outros grupos de moradias, sendo que estes não seguiram a concepção definida inicialmente no “Plan de Siderurgica avec Projet d’Habitations Ouvrières”. Nos anos seguintes, ao invés da idéia de um plano de conjunto, a companhia desencadeou a construção de diversos núcleos isolados nas proximidades da 93 Figura 9: Parte sul do conjunto operário contíguo à usina de Siderúrgica em Sabará/MG, de 1932. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGOMINEIRA. Vila operária de Siderúrgica. 94 parte do núcleo urbano colonial de Sabará área da usina da C.S.B.M. Figura 10: Aspecto parcial de Sabará com a localização da usina em relação ao núcleo preexistente da cidade e as diversas iniciativas habitacionais construídas pela Belgo-Mineira. Fonte: Google maps acessado em janeiro de 2011. fábrica.(Figura 10) Assim, teremos a Vila Santa Cruz, composta por diversas casas geminadas, dispostas em um platô no lado oposto do rio Sabará. No traçado desta vila operária predominavam vias paralelas, com as moradias assentadas no alinhamento, em lotes com dimensões reduzidas e, ao mesmo tempo, variadas. Na extremidade da vila operária foi reservada área para parque. A implantação da Vila das Campinas seguiu esta mesma configuração, com casas geminadas, ocupando lotes de onze por vinte metros e casas isoladas, ocupando lotes variáveis, em torno de onze por dez metros de profundidade.(Figura 10a) 95 Outro conjunto de moradias operárias foi definido ao longo da estrada de ligação com a cidade de Sabará, em terreno situado a cavaleiro do rio. Foram projetados dois tipos de casas, individuais e geminadas, com implantação em lotes reduzidos. No caso das moradias individuais, estes tinham as dimensões de quinze por vinte metros; para as casas geminadas os lotes perfaziam as dimensões de dezoito por vinte metros. Em frente a este conjunto, numa colina foram dispostas casas para engenheiros, em lotes com dimensões maiores, em torno de vinte por trinta metros de profundidade. A simplicidade construtiva das casas operárias, acrescida dos cômodos restritos ao necessário, quartos, cozinha e banheiro, contrastava com o programa e o partido arquitetônico das casas dos engenheiros, estas conjugadas com amplas salas, cozinha, quartos e banheiros, além de abrigo de veículos. Além destes núcleos de habitações, que ampliavam a área urbana da antiga Sabará, a Belgo-Mineira também distribuiu os seus operários por loteamentos configurados em glebas contíguas ao centro histórico. Neste sentido, teremos um conjunto de moradias dispostas na praça da igreja de Nossa Senhora do Ó. Seguindo os mesmos princípios definidos para as vilas operárias, vão ser implementadas casas isoladas e geminadas. No período compreendido pelos anos 30-40, as realizações da Belgo-Mineira em Sabará, no sentido da dotação de moradias para os seus operários e trabalhadores especializados e técnicos atingiu um total de trezentas casas para operários, quarenta e cinco casas para funcionários e sete casas para engenheiros. Ainda teremos a criação de uma escola profissionalizante, uma pensão-hotel, uma maternidade, além do próprio casino-hotel que foi mantido, como tal, com a função de hospedagem de visitantes e de engenheiros solteiros.(Figura 10b) Figura 10a: Implantação geral da Vila das Campinas (planta parcial do projeto). Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Planta parcial de Sabará localizando propriedades da C.S.B.M.. 96 Figura 10b: Vista geral dos núcleos habitacionais e da Usina de Siderúrgica, em Sabará/MG. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGOMINEIRA, 1953. 3.2. 97 O edital, a comissão julgadora e o programa para a nova cidade O concurso para a nova cidade operária teve as suas regras definidas por meio de um edital bastante minucioso, conforme constatamos nas referências feitas pelos concorrentes aqui estudados. Pelo que levantamos, o edital não foi divulgado pela imprensa, tendo sido, provavelmente, instituído por meio de carta-convite. Assim sugeria o próprio Lincoln Continentino, quando afirmava que teve apenas quinze dias para desenvolver os projetos, pela demora no recebimento do edital, “…devido a um atrazo de correspondencia, só dispuzemos de um espaço de 15 dias – de 5 a 20 de Março – para a organização de todos os projectos, especificações geraes, orçamentos”26. A companhia colocou o mesmo problema como desafio, ou seja, a dotação da usina de um núcleo operário moderno com moradias e equipamentos públicos. A princípio, não havia a previsão de uma hierarquização funcional estabelecida no programa das habitações. Como ressaltamos anteriormente, na pesquisa sobre a documentação da companhia não localizamos o edital ou mesmo alguma referência específica ao concurso. Também não conseguimos localizar o edital nos acervos pessoais dos técnicos. As discussões relacionadas à criação de Monlevade no âmbito da companhia, priorizavam as questões técnicas referentes à usina, deixando em segundo plano o programa para a nova cidade. Neste sentido, as abordagens sobre o edital, sobre a comissão julgadora e sobre o programa para a nova cidade, foram definidas a partir de citações nos próprios memoriais apresentados, e nas referências à nova cidade, feitas pela empresa. Os principais pontos definidos pelo edital envolviam o seguinte: - Os concorrentes se encarregariam do projeto de uma cidade operária compreendendo trezentas moradias, uma escola, uma igreja, um armazém, um cinema e um clube; - O terreno consistia numa gleba contígua às instalações da usina de Monlevade, numa encosta que desaguava no vale lindeiro ao rio Piracicaba, em Minas Gerais; o sítio de implantação constituia-se de uma espécie de esplanada tendo como único inconveniente, como constatado na planta topográfica anexada ao material, ser acidentado. Além disso, a beleza do local constituia um elemento fundamental para a elaboração do plano para a nova cidade, como destacado no texto do edital; CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade. Revista da Escola de Minas, ano I, nº4, maio de 1936, p.123. 26 98 - Para as casas operárias deveriam ser considerados sete tipos construtivos, a saber: tipos A, B, C, D, E, F e G. No agenciamento dos cômodos os quartos deveriam ter comunicação direta para a sala comum, a fim de evitar espaço perdido; foram apresentadas sugestões de modelos em plantas anexas; - A nova cidade deveria, segundo o edital, transpirar a alegria de viver e o contentamento de seus habitantes, dando uma impressão risonha e clara; - As construções deveriam ser projetadas com simplicidade, levando-se em conta o fator econômico; - A arborização existente deveria ser preservada e o arruamento deveria ser adaptado ao sítio de implantação evitando-se movimentos de terra desnecessários; - A margem oposta do rio deveria ser reservada para a expansão futura da nova cidade. - A tarefa de desenvolver os projetos definitivos e os cadernos de encargos para a execução das obras, ficaria a cargo da equipe vencedora. Este dado trata-se de uma suposição, em função da anotação feita por Alberto Melchiades Xavier, sobre a premiação de quinze mil cruzeiros para o primeiro colocado. Convertemos este valor para a unidade monetária que vigorava naquele momento, pois, na verdade, o prêmio foi pago em contos de réis. O cruzeiro entrou em vigor apenas em novembro de 1942, substituindo o mil-réis. Considerando esta cifra, o prêmio teria sido de quinze milhões de contos de réis, o que revela que este dado, provavelmente, não corresponde à realidade do concurso. Entretanto, como o cruzeiro foi desvalorizado em 1967, passando a valer mil cruzeiros antigos, o prêmio poderia ter sido na verdade de quinze mil réis, o que também representava uma quantia muito alta. Para efeito de comparação, veremos mais adiante, que, em 1942, Agache pedira um contrato de cem contos de réis para desenvolver estudos sobre o Barreiro do Araxá, em Minas Gerais. Sobre a premiação de quinze mil cruzeiros, ver: XAVIER, Alberto Melchíades. Levantamento sobre Lúcio Costa: relação e histórico. Brasília: 1976. 28 O engenheiro Louis Jacques Ensch nasceu no Grão Ducado do Luxemburgo, a 25 de junho de 1895 e ali faleceu em 9 de setembro de 1953. A sua contribuição para o desenvolvimento da indústria siderúrgica no Brasil foi fundamental, particularmente no que se refere ao desenvolvimento da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. Diplomou-se em engenharia pela Escola Politécnica de Aix-la-Chapelle, em 1920, e, em 1921, associou-se ao consórcio Aciéres Réunies de Burbach-Eich-Dudelange-ARBED. Em 1927, dada a sua atuação destacada como técnico, foi convidado, por Emile Mayrisch, Gaston Barbanson e Aloyse Meyer, para a direção da Belgo-Mineira. Ver: MINAS GERAIS. Louis Jacques Ensch: 1895-1953. Belo Horizonte: Estabelecimentos Gráficos Santa Maria, 1954. 27 - O prêmio para o primeiro colocado seria de quinze contos de réis.27 Pelo que analisamos, a data provável de entrega dos projetos, foi em 21 de março de 1934. Estes deveriam ser encaminhados para o escritório técnico da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, na Usina de Siderúrgica em Sabará/MG. A companhia destacava ainda que, em caso de dúvidas ou complementações de dados necessários, os concorrentes poderiam recorrer ao referido escritório técnico. Vale ressaltar aqui a experiência da companhia, na construção de conjuntos operários, considerando o que já havia sido feito no Brasil e, mesmo, na Europa. Como foi exposto, em Sabará foram desenvolvidos projetos e implementadas diversas vilas operárias. Em Luxemburgo, além das iniciativas de construção de moradias operárias, a estratégia de um concurso envolvendo diversos profissionais já havia sido desencadeada, como citado anteriormente, no concurso “Brill-Siedlung” em 1919. Vários arquitetos luxemburgueses concorreram, com destaque para Léon Muller, que recebeu o primeiro prêmio. À frente desta iniciativa, o engenheiro Emile Mayrish, que contou com a colaboração do engenheiro Gaston Barbanson. Estes engenheiros, juntamente com Aloyse Meyer, foram os responsáveis pela indicação de Louis Ensch para assumir a direção da Belgo-Mineira, tendo acompanhado todo o processo de ampliação das instalações de Monlevade.28 No período da realização do concurso para Monlevade, 99 Barbanson como presidente da companhia, em Luxemburgo, tomava as decisões referentes aos assuntos discutidos com os administradores da empresa sediados na Europa e no Brasil. Ocorriam reuniões, lá e cá, com atas escritas em dois idiomas, o francês e o português. Além disso, a referência feita pelo próprio Continentino, no seu memorial justificativo, de que “…a própria empreza que agora constroe Monlevade, já organizou na Bélgica uma cidade industrial de grandes proporções.”29 Entretanto, na abordagem dos antecedentes urbanísticos, feita anteriormente, não conseguimos identificar esta cidade nova aqui apontada. A área destinada à implantação do núcleo urbano, como já dito, consistia numa gleba contígua às instalações da fábrica, numa encosta que desaguava no vale lindeiro ao rio Piracicaba. A margem oposta do rio foi reservada para a expansão futura da nova cidade. Foi anexada ao edital, uma planta do terreno na escala de um para mil (1:1000), com curvas de nível de metro em metro. Além disso, de acordo com Continentino, caberia à equipe vencedora, a tarefa de desenvolver os projetos definitivos e os cadernos de encargos para a execução das obras. Já Murgel faz referência às “…exigências do programma imposto pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira”30 e Costa destaca que o novo conjunto urbano, por determinação do edital, “…deverá transpirar a alegria de viver e o contentamento de seus habitantes… dar uma impressão risonha e clara”31. Havia a indicação de tipos construtivos, configurando um total de trezentas residências, como nos informam os memoriais técnicos de Continentino e Murgel. O programa definido estipulava ainda o projeto de sete tipos de casas para operários, bem como o projeto dos edifícios públicos como escola, igreja, cinema, clube e armazém. Segundo Costa, “…os modelos apresentados junto ao programa, a título de esclarecimento, sugeriram, para casas, a adoção do seguinte sistema, aliás muito em voga: quartos em comunicação direta para a sala comum, a fim de evitar espaço perdido.”32 A companhia forneceu também esquemas de habitação com as dimensões mínimas consideradas necessárias. Além disso, segundo Costa uma outra exigência colocada pelo edital referia-se à preservação da arborização existente. A comissão julgadora foi constituída por personalidades conhecidas no estado como o engenheiro Caetano Lopes, antigo diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil e da Rede Mineira de Viação, o cirurgião e higienista Borges da Costa, diretor do Instituto do Rádio de Minas Gerais e um técnico estrangeiro, o arquiteto belga Leopoldo Bouvier, chefe do Departamento de Metalurgia da ARBED. O julgamento do concurso pela comissão, foi feito provavelmente em abril de 1934, com a indicação do plano desenvolvido pela equipe do engenheiro Lincoln Continentino, em primeiro lugar. CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, op. cit., p.124. 30 MURGEL, Angelo A. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, vol.3, nº 5, 1936, p.270. 31 COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, nº3, vol.3, maio de 1936, p.117. 32 COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, op. cit., p.116. 29 100 Consideramos que, para o desenvolvimento deste programa, definido posteriormente em relação ao concurso, foram aproveitados os pontos principais provavelmente inseridos no edital, bem como as idéias apresentadas pelos concorrentes. Ver: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Notes sur la construction d´une usine siderurgique d´une production annuelle de 50.000 tonnes a Monlevade. Sabará: outubro de 1934. 34 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Notes sur la construction d´une usine siderurgique d´une production annuelle de 50.000 tonnes a Monlevade, op. cit., p. 2, “…il sera servi par le chemain de fer ´Central do Brasil´ raccordé au ´Victoria-Minas´ dés l´achévement d´un tronçon d´environ 100 kms en Juillet 1935”. 35 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Notes sur la construction d´une usine siderurgique d´une production annuelle de 50.000 tonnes a Monlevade, idem, “…c´est une espèce d´esplanade d´une longueur de 1.300 mètres pour une largeur de 350 mètres. Son seul inconvénient – apparaissant dans la carte topographique – est d´être accidenté, ce qui demandera des travaux de terrassement assez importants”. 33 O programa para a nova cidade, aqui estruturado a partir do Projet d´une Usine Siderurgique a Monlevade, definido pelo engenheiro Louis Ensch, era composto por vários itens, incluindo equipamentos públicos, moradias para engenheiros e funcionários e habitações operárias.33 Inicialmente, a realização da usina foi pensada em três etapas. A incumbência do projeto foi dada ao engenheiro Ensch, pelo presidente da empresa, o engenheiro Gaston Barbanson, em julho de 1934, alguns meses depois da data provável da realização do concurso, conforme destacamos, a partir do memorial de Continentino. A localização a ser implementada na região de Monlevade, era considerada estratégica pois “…ela será servida pela estrada de ferro ‘Central do Brasil’ numa junção com a ‘Vitória-Minas, pela conclusão do trecho de aproximadamente 100 quilômetros em julho de 1935”34 Com relação ao sítio de implantação, “…constitui-se como uma espécie de esplanada que se estende por 1300 metros, com largura de 350 metros. O único inconveniente – que se percebe na planta topográfica – é ser acidentada, o que demandará vultosos trabalhos de terraplanagem”35. O aspecto acidentado do terreno tornou necessária a composição de grandes taludes, como veremos, e a execução de outras obras de engenharia como pontes e até mesmo túneis, devido aos cortes e aterros indispensáveis. Para a implementação da nova usina era necessário o alojamento do pessoal dividido em três categorias, a começar pelo corpo técnico, em torno de vinte e um funcionários, constituído por engenheiros, contra-mestres e especialistas. Em seguida, o pessoal administrativo, composto por quatorze funcionários, e, por fim, a mão-de-obra operária, envolvendo aproximadamente oitocentos trabalhadores. Foram previstas, assim, moradias para engenheiros e médico, residências para técnicos e agentes da administração, casino para os solteiros, e uma cidade operária compreendendo trezentas casas e dez alojamentos para os trabalhadores. Nesta programação persistia o mesmo tratamento segregado para as moradias operárias, pelas duas “cidades” projetadas, a dos técnicos e funcionários especializados e a dos operários. 3.3. Os concorrentes, os projetos desenvolvidos e a classificação do concurso Os concorrentes, dentre os treze prováveis participantes, e os projetos a serem estudados, como já nos referimos anteriormente, merecem algumas distinções. A experiência destes técnicos, no momento do concurso, era bastante diferenciada. Continentino já era reconhecido nos meios técnico e acadêmico, com especialização nos Estados Unidos, além da elaboração de várias propostas voltadas para as cidades. Murgel, como arquiteto vinculado a uma empresa conceituada, alcançava uma posição de relevo em Belo Horizonte. Lúcio Costa enfrentava momentos difíceis, ainda influenciado pela sua demissão do cargo de diretor da ENBA e pela falta de clientes no seu escritório. A participação destes técnicos, no concurso da Belgo-Mineira, também ocorreu de maneira diferenciada. Enquanto Continentino contava com uma equipe multidisciplinar, Murgel e Costa atuaram de modo independente. A equipe formada por Continentino era composta pelos engenheiros João Penna Filho, como colaborador do projeto, e Alberto Peres, Agostinho Catella e Nelson Cesar Pereira. Além destes técnicos, participavam também o arquiteto italiano José Cantagalli e o, então, estudante de arquitetura Shakespeare Gomes. Alberto Peres e José Cantagalli eram vinculados à Secretaria de Agricultura do Estado de Minas Gerais e já haviam prestado contribuição em outros projetos de Continentino. Cantagalli nasceu em 1897, na Itália, e faleceu em 1983, em Belo Horizonte, tendo se diplomado pela Academia Real de Bolonha. Este arquiteto desenvolveu vários projetos para a cidade, além de ter prestado serviços para a Inspetoria de Engenharia do Estado. Shakespeare Gomes nasceu em Belo Horizonte, em 27 de março de 1915 e faleceu na mesma cidade, tendo se diplomado em 29 de novembro de 1937 pela Escola de Arquitetura. Passou a ingressar o corpo docente desta escola, à frente da disciplina Pequenas Composições de Arquitetura. Foi responsável por diversos projetos na cidade, dentre os quais, juntamente com o arquiteto Eduardo Mendes Guimarães, a própria sede da Escola de Arquitetura. Os projetos desenvolvidos para o concurso compõem-se de três propostas, a primeira delas intitulada “Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade”, projeto apresentado pelo engenheiro Lincoln Continentino com a colaboração do engenheiro João Penna Filho. A segunda proposta estudada compõe-se do “Projecto da 101 102 Cidade Operária de Monlevade”, apresentado pelo arquiteto Angelo Murgel. O “Anteprojecto para a Villa de Monlevade”, de autoria do arquiteto Lúcio Costa constitui a terceira proposta analisada. Os planos definidos por Continentino e Murgel apresentavam uma grande proximidade conceitual, além de buscarem atender todas as exigências que identificamos no edital da companhia. O único ponto do edital desconsiderado por Murgel refere-se à necessidade de sete tipos de habitações, estas pensadas em termos de famílias pequenas, médias e grandes. Continentino e Murgel também consideraram o concurso como um desafio para a concepção urbanística de uma cidade nova, o que para Costa tratava-se de uma vila operária. No anteprojeto de Costa, este desconsiderou alguns pontos do edital, no que se refere aos modelos de habitações fornecidos pela companhia, além de não ter elaborado o orçamento preliminar da proposta. O plano de Continentino era composto, primeiramente, pelo partido global da cidade, com as justificativas conceituais para as soluções adotadas, inclusive com o tipo de zoneamento proposto. Em seguida, discorria sobre os componentes desenvolvidos, como os tipos de habitações, o parcelamento, o sistema viário, o abastecimento de água, o tratamento de esgotos, o fornecimento de energia, a iluminação, dentre outros itens. Também foram desenvolvidos os cálculos referentes ao movimento de terra e aos projetos hidráulicos e sanitários. Além disso, Continentino já pensava na expansão futura da cidade prevendo a implantação de equipamentos como hospital, cemitério e aeroporto, fora da área definida no edital. Assim, a proposta urbanística de Continentino se colocava de maneira completa, envolvendo questões de urbanismo, arquitetura e saneamento urbano. O plano foi representado através de plantas de implantação do conjunto e perspectivas gerais. Na pesquisa desenvolvida no acervo técnico da companhia, em Monlevade, identificamos outras plantas que não haviam sido publicadas. Estas referem-se a projetos específicos como as casas-tipo “A”, o grupo escolar e os perfis do sistema viário. O projeto desenvolvido por Murgel também era bastante completo, abrangendo diversas questões. A proposta foi dividida em duas partes, a primeira delas referente ao urbanismo e a segunda à arquitetura. Na primeira parte, numa aproximação com a metodologia estabelecida por Continentino, discorria sobre o partido geral da cidade englobando itens como o tipo de loteamento, o sistema viário, as soluções para o abastecimento de água e o tratamento de esgotos, a instalação elétrica, etc. Em seguida, discorria sobre a linguagem adotada para os projetos de edificações, tanto os referentes às moradias quanto aos prédios públicos, e detalhava as soluções técnicas empregadas para a sua composição arquitetônica. O projeto de Murgel foi 103 representado por meio de plantas de implantação geral, perpectivas, maquete e projetos arquitetônicos específicos, tanto para as moradias, quanto para as edificações públicas. Escola, armazém, cinema e clube foram reunidos em um único bloco definido como edifício central. Já o anteprojeto de Costa se desenvolveu de maneira bastante distinta em relação aos projetos de Continentino e Murgel. Costa discorria sobre o partido geral para o novo conjunto operário, sem tecer detalhes sobre questões técnicas de saneamento e urbanismo. A exceção ficava por conta da solução em pilotis, como um importante componente da implantação urbanística. A preocupação maior de Costa voltava-se para as inovações tecnológicas, assentadas na tradição construtiva colonial, a serem incorporadas nas edificações, incluindo-se as habitações operárias, divididas em três tipos apenas. Atrelada a estas inovações, uma linguagem moderna buscava projetar o novo núcleo operário para fora dos seus horizontes. Também vale ressaltar a intenção de Costa em qualificar a moradia do trabalhador através da inserção de equipamentos, como lareira e banheiro interno às casas, inclusive com banheira. Para cada edifício público, além dos tipos de moradias, Costa desenvolveu um projeto composto por plantas, cortes, fachadas e perspectivas. A proposta global foi definida em uma perspectiva de conjunto, com a implantação das casas nas encostas dos morros e os equipamentos públicos reunidos em um centro elíptico. Costa ainda apresentou um detalhamento voltado para as habitações e especificações técnicas gerais, envolvendo sistemas construtivos, coberturas, forros, esquadrias, pinturas, etc. Das propostas desenvolvidas para o concurso, que apresentaremos em seguida, prevaleceu o projeto do engenheiro Lincoln Continentino, que foi classificado em primeiro lugar. O plano de Continentino foi implementado com diversas modificações, em particular no que se refere à tipologia dos equipamentos comunitários como escola, cinema, armazém e clube. Estes equipamentos foram instalados numa praça central, tendo sido construído, também no entorno desta praça um casino. Ao invés da cidadeoperária projetada, a denominação de Vila Operária de Monlevade, reduzia a escala da intervenção. Entretanto, a implantação geral foi orientada de acordo com os princípios estabelecidos por Continentino, que, como veremos, dividiu o novo núcleo urbano em duas partes, atravessadas pela via férrea, denominadas cidade baixa e cidade alta. A tipologia das moradias operárias também foi executada a partir das plantas-tipo apresentadas por Continentino. O sistema viário hierarquizado em passagem de pedestres, ruas e avenidas com arborização e previsão de iluminação, tudo isso foi definido de acordo com os perfis de Continentino. A cidade idealizada configurava, na verdade, Para a compreensão do processo desencadeado com a construção do novo núcleo operário, emancipado como a cidade de João Monlevade nos anos 60, apresentamos, nos anexos, um enfoque sobre a consolidação da cidade como um fato urbanístico. Procuramos expor o processo desencadeado, desde o início da construção da cidade até a sua emancipação como município autônomo em relação à empresa. 36 104 um núcleo urbano fechado de propriedade da empresa, contíguo às instalações fabris, implantado numa região rural.36 3.3.1. 105 Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, por Lincoln Continentino e João Penna Filho A proposta aqui apresentada, compõe-se do memorial para o concurso e das alterações posteriores desenvolvidas por Continentino, na realização do plano, tendo em vista a classificação do seu projeto em primeiro lugar. Como não tivemos acesso à documentação original encaminhada para a companhia, analisamos uma conferência realizada na Sociedade Mineira de Engenheiros, na qual o vencedor do concurso discorreu sobre a elaboração da nova cidade industrial. Nesta conferência, Continentino explicava o que representou no meio técnico o concurso instituído pela Belgo-Mineira, e em seguida, os pontos capitais da sua proposta, bem como as alterações inseridas posteriormente. Continentino utilizou diversos termos para se referir à nova cidade projetada, assim temos: Os termos “cidade industrial”, “cidade jardim industrial”, “cidade operária” e “vila operária”. Esta conferência foi publicada em duas revistas e no livro de autoria do próprio Continentino, intitulado Saneamento e Urbanismo.37 No que se refere aos projetos específicos, como já ressaltado, nos acervos técnicos da companhia, conseguimos localizar os projetos para a Escola, para a Casa Tipo “A” e os esquemas dos perfis do sistema viário. O plano encaminhado por Lincoln Continentino e João Penna Filho teve como base os componentes necessários para configurar o que eles entendiam como uma cidade industrial moderna. O fator econômico colocado em primeiro plano, buscava reduzir os custos para a realização desta cidade, com particular atenção para os movimentos de terra necessários.(Figura 11) Atendendo ao edital, a nova cidade transpirava “…a alegria de viver e o contentamento dos seus habitantes.”38 O plano de urbanismo abrangia diversos itens, desde implantação geral, perspectivas, projetos e cálculos de abastecimento de água e esgotos, projeto de iluminação, cálculo do movimento de terra, projetos dos edifícios públicos e das habitações, além do orçamento global dos trabalhos. Na configuração geral “…procurou-se tirar o melhor partido da natureza luxuriante e do local montanhoso, dando ao conjuncto uma impressão risonha e clara.”39 A proposta urbanística revelava também uma grande preocupação com o saneamento urbano, este relacionado com os princípios da engenharia sanitária, motivo de estudos aprofundados por Continentino, inclusive, como veremos, com especialização nos Estados Unidos. Estes princípios foram introduzidos no plano, como componentes dos serviços públicos. Assim, Continentino destacava de maneira minuciosa, as soluções técnicas adotadas para o abastecimento de água, para o sistema de esgotos, para a Figura 11: Perspectiva do terreno com a composição dos taludes e outras obras de engenharia necessárias, na proposta de Lincoln Continentino e João Penna Filho. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, p.131. CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, op. cit.. Ver também: CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanisação da Cidade Operaria de Monlevade. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, nº3, vol.5, 1936, pp.282-287. E ver ainda: CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e Urbanismo. Belo Horizonte: Livraria Editora Médica, 1937, pp.348-358. 38 CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, op. cit., p.125. 39 CONTINENTINO, Lincoln, idem. 37 106 pavimentação, para o fornecimento de energia elétrica e para a iluminação pública, para as instalações sanitárias, para o abastecimento de gêneros alimentícios, para a limpeza pública e para o saneamento rural. Para estas definições, Continentino valeuse também da sua experiência à frente do Serviço de Saneamento e Urbanismo do Estado, onde foram desenvolvidos diversos projetos-modelo para as cidades pequenas e médias de Minas Gerais. As características irregulares da topografia do terreno, fizeram com que Continentino evitasse um sistema de vias com declividades acentuadas. Ao invés de “…um sistema rígido geométrico de arruamentos rectilíneos, formando polygonos regulares,(…) foram estabelecidos perfis racionaes para os arruamentos, segundo as regras dominantes de urbanismo, applicadas ás cidades-jardins”40. Com declividades máximas de 15 % , as vias foram hierarquizadas segundo a sua função e capacidade de tráfego, sendo que “…as ruas estrictamente residenciaes têm a pista de 6.00 ms. de largura; a avenida marginal ao rio Piracicaba tem a pista de 9.00 ms. de largura, porque deve supportar o trafego da estação até a Uzina Siderurgica”41. Devido às restrições de áreas que atendessem ao programa da companhia, havia a dificuldade do emprego do sistema em “cul-de-sac” para as vias; estas eram arborizadas, com previsão de área gramada nos passeios ao longo das mesmas. Para Continentino a rede elétrica deveria ser subterrânea, embora determinasse o emprego de linhas aéreas por motivos econômicos. Outros pontos merecem destaque no seu plano: Figura 12: Perfis do sistema viário proposto por Lincoln Continentino e João Penna Filho. Fonte: Continentino, Lincoln & PENNA FILHO, João. Vila Operária de Monlevade. - Para o sistema viário, foram criadas passagens de pedestres, definidas por aléias de quatro metros de largura, facilitando assim a circulação entre os setores da nova cidade.(Figura 12) - A avenida beira-rio foi pensada como uma obra de embelezamento, com as margens do rio trabalhadas tendo a iluminação e a arborização projetadas em lados distintos e integrados aos elementos da infraestrutura. - As canalizações deveriam ser divididas e enterradas sob a faixa gramada, antes da pavimentação, evitando futuras remoções de pavimentos e passeios como acontecia frequentemente nos sistemas de arruamento. - As tubulações de água, luz e telefone ficavam localizadas de um lado; já as de esgoto sanitário e pluvial do outro lado. 40 41 CONTINENTINO, Lincoln, idem, pp.125-126. CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.126. Na configuração da cidade, foi estabelecido zoneamento que abrangia dois setores residenciais e uma parte comercial, atravessados pela Estrada de Ferro 107 Figuras 13 e 13a: Implantação geral na proposta de Lincoln Continentino e João Penna Filho, com recorte ampliado. Na parte superior o título CIDADE-OPERÁRIA-MONLEVADE: PLANO DE URBANISMO, escala graphica 1:1000, projecto apresentado por Lincoln Continentino e João Penna Filho, engenheiros-civis. Na parte inferior, legenda apresentando os seguintes equipamentos: 1. Igreja; 2. Armazém; 3. Clube ; 4. Cinema; 5. Escola; 6. Administração; 7. Delegacia, Correios e Telégrafos; e outros trechos ilegíveis. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, p.131. 108 Figura 14: Perspectiva geral na proposta de Lincoln Continentino e João Penna Filho. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da Cidade Industrial de Monlevade, p.132. 109 Central do Brasil. (Figuras 13, 13a e 14) Para cada um destes setores, foi pensada uma praça de convívio. Numa dessas praças, em forma elíptica, ficaria localizado o centro comercial e administrativo, cujo perfil era o de um centro cívico. Ali seriam instalados equipamentos essenciais para as atividades dos operários em sua urbe, sendo que estes eram controlados pela empresa, tais como o armazém, o clube, o cinema, a padaria e a administração, dentre outros. Este zoneamento foi estabelecido sem perder de vista a ligação com a área industrial representada pela usina. Os estudos de Continentino não se limitavam ao que fôra definido pelo edital, tendo em vista a previsão de outros equipamentos como aeroporto, hospital, matadouro, cemitério, bem como parques e jardins. Para as habitações operárias, Continentino sugeriu “…estylo architectonico (…) de bom gosto, elegante, simples e despretencioso, em harmonia com o scenario local. As fachadas das casas serão revestidas a rustico ou apresentarão côres claras”42. A construção das edificações foi projetada a partir de sete tipos de casas, “…amplas e confortáveis, bem ventiladas e insoladas, (sendo que) as poucas (…), cujas frentes estão dirigidas para o sul, são convenientemente insoladas pelas outras faces”43. Uma preocupação importante estava relacionada com os inconvenientes proporcionados pela proximidade da fábrica. Neste sentido, as casas operárias “…foram protegidas contra os ruídos exaggerados, agitações, poeiras, fumaça, recuando-as convenientemente em relação ao alinhamento das ruas, rodeando-as de jardins e áreas grammadas, afastando-as da uzina siderurgica e estabelecimentos industriaes”44. O partido arquitetônico definido em bloco único, com um pavimento, previa cobertura em duas águas, recuos de quatro metros, no mínimo, entre duas residências e fechamentos por meio de cercas vivas ou gradis em estrutura metálica. Ao mesmo tempo, ressaltava que as moradias não incorporavam barracões ou anexos, os conhecidos “puxados” da tradição construtiva mineira. Neste sentido, o projeto da casa tipo “A”, foi definido em bloco único, com varanda frontal, dois quartos, sala, cozinha e banheiro externo, além de cobertura, composta por telhado principal em duas águas, recortado por avanços menores. Este foi o único modelo de moradia que tivemos acesso, como ressaltado na introdução desta tese.(Figura 15) A linguagem empregada para esta casa-tipo e, ao que parece, para os outros modelos, nos remete ao bungalow norte-americano.45 O plano estabelecido previa a subdivisão das quadras em lotes mínimos, com larguras que variavam, sendo que, no geral, eram menores do que doze metros, com previsão de afastamento frontal de cinco metros. Em alguns casos, este afastamento poderia ser reduzido para três metros. Continentino ressaltava que as dimen- CONTINENTINO, Lincoln, idem. CONTINENTINO, Lincoln, idem. 44 CONTINENTINO, Lincoln, idem. 45 A partir de 1918, uma variante do “bungalow“ norte-americano foi muito difundida em Belo Horizonte, constituído de casa com partido simples de apenas um pavimento, com um alpendre frontal e uma cobertura, em telhas, com uma forte inclinação. Nos fundos, uma latrina separada e um tanque de lavar roupas davam para os fundos do lote. 42 43 110 Figura 15: Projeto da Casa tipo “A” proposto por Lincoln Continentino e João Penna Filho, plantas, cortes, fachada e cobertura, a catalogação L4-4, trata-se de convenção do Arquivo Técnico da companhia. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln & PENNA FILHO, João. Monlevade – Casa typo -A-. 111 sões dos lotes não poderiam ser maiores, tendo em vista a necessidade de atender ao programa, composto por trezentas residências operárias. Caso fossem aumentadas as testadas, isso prejudicaria o plano. Entretanto, mesmo trabalhando com estas relações, as soluções eram superiores aos esquemas apresentados como modelo pela companhia. Desta condição mínima, decorreu uma implantação das casas nem sempre a mais adequada, estas “…não puderam ser dirigidas sempre no sentido mais econômico em relação ao terreno, de modo que o maior lado da construcção coincidisse com a linha de menor declive do terreno.”46 Na implantação do centro comercial e administrativo, optou-se por uma parte plana do terreno, na qual foi projetada a construção de “…um grande edifício commercial, com entrada e sahida para o interior, permitindo a descarga de mercadorias pelo pateo interno”47. O prédio apresentava partido constituído por bloco simétrico e compreendia “…armazem, deposito de generos, leiteria, açougue, installação frigorifica, armarinhos, barbearia, sapataria e pequenas officinas. Em frente a este edificio, em local mais discreto, ha uma construcção destinada á padaria.”48 Na área central da praça, foi colocada a igreja, com orientação para o nascente e frente voltada para o rio. Também, ao redor da praça, foram dispostos o clube com área ajardinada e local para estacionamento de veículos e o cinema. Outros equipamentos que não estavam previstos no edital, foram projetados, como o prédio da administração, a delegacia e os correios e telégrafos, todos dispostos, do mesmo modo, no entorno da praça. Os setores residenciais tinham a comunicação assegurada com a estação ferroviária e com a usina, por meio de duas vias, sendo que uma delas partia diretamente do centro comercial e administrativo. Outras ligações eram feitas pela parte alta da cidade e, no prolongamento da antiga estrada, que conduzia a São José da Lagoa. Esta via, projetada na parte alta, tinha uma solução variante, em “cul-de-sac” que visava interromper a comunicação com a usina, caso esta fosse desnecessária. Com isso, era possível a ampliação do conjunto em cinco lotes edificáveis. A estação ferroviária ficava localizada fora da área da nova cidade, num percurso de trezentos metros. Para a ligação com a parte baixa do conjunto, na margem oposta do rio Piracicaba, reservada para futura expansão, foi prevista a construção de uma ponte, nas proximidades da praça marginal projetada. A escola foi disposta no meio de uma pequena praça, na qual se previa a instalação de um playground, como um campo de recreio para as crianças.(Figura 16) Implantada fora do centro comercial e administrativo, em terreno triangular, o raio CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.127. CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.128. 48 CONTINENTINO, Lincoln, idem. 46 47 112 Figura 16: Projeto da escola proposto por Lincoln Continentino e João Penna Filho, planta, cortes, fachada e cobertura, a catalogação L111, trata-se de convenção do Arquivo Técnico da companhia. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln & PENNA FILHO, João. Monlevade – Grupo Escolar. 113 de ação da escola, não excedia a distância de setecentos metros, como recomendado pelas normas técnicas, tendo em vista o percurso “a pé” dos alunos. Esta foi projetada em bloco único, com partido em “U”, com circulação interna e acesso externo por meio de varanda. As salas de aula e os banheiros foram dispostos nas extremidades. A linguagem arquitetônica acompanhava a tipologia das casas, tendo sido empregados os mesmos materiais, como pedra de mão na base, alvenaria com revestimento, mesclada com alvenaria aparente, e cobertura em telhas planas. Fora do perímetro estabelecido no edital, como já dito, foram também projetados um hospital, um cemitério e um aeroporto. Ao mesmo tempo, Continentino fêz considerações sobre o tráfego e a ambientação paisagística da cidade, “... observadas as condições de circulação facil dos vehiculos e dos transeuntes (…) as ruas principaes são largas, delineadas de modo a permitir circulação desembaraçada e visibilidade sufficiente para evitar accidentes. Nas ruas estrictamente residenciais, visou-se criar difficuldades e obstaculos ao trafego rapido e intenso de automoveis, antes que facilital-o, com prejuizo para os habitantes.”49 O projeto de arborização, foi estudado criteriosamente “...localizando-se, de preferencia, uma arvore em frente de cada residencia, mas de modo a não difficultar a illuminação nocturna, nem a visibilidade nas esquinas e cruzamentos. As arvores a serem plantadas nos arruamentos e logradouros não devem ter raizes horizontaes, como o ficus, o platano e as saponareas que são damnosas aos passeios e calçamentos.”50 Os serviços públicos contemplavam as questões relacionadas com o saneamento urbano. Estes foram descritos em seguida, com as justificativas para os sistemas de abastecimento de água e de tratamento de esgotos, assim como a pavimentação, o fornecimento de energia, as instalações sanitárias, o abastecimento de leite e carne, a limpeza urbana e o saneamento rural. Posteriormente, Continentino fez algumas modificações no seu plano “…visando melhorar as condições de urbanismo da futura localidade.”51 Estas alterações foram possíveis pela ampliação da área destinada à nova cidade, por parte da companhia, mantendo-se o mesmo programa inicial, considerando o agenciamento de trezentas moradias. Com isso, a área do parcelamento foi aumentada, gerando lotes mínimos com testada de doze metros. Outro componente introduzido, refere-se às casas geminadas, para duas famílias, o que possibilitou a ampliação dos recuos entre as edificações, melhorando as condições de insolação e aeração. No que se refere ao centro comercial e administrativo, ao invés de localizá-lo na parte alta, foi determinado pela companhia que o mesmo ficasse na praça marginal ao rio. Esta alteração decorria da previsão de ampliação futura da cidade, o que permitiria uma maior centralidade para CONTINENTINO, Lincoln, idem. CONTINENTINO, Lincoln, idem. 51 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.130. 49 50 114 os equipamentos compostos neste núcleo. Ainda foi definido o local para o parque e a praça de esportes da cidade, no extremo da parte alta em posição dominante sobre a cidade e a usina. O fato de ter vencido esta concorrência, juntamente com o engenheiro João Penna Filho, implicava o detalhamento dos projetos e o acompanhamento das obras, uma das prescrições do edital. Entretanto, não encontramos nenhuma referência ao trabalho de Continentino e Penna Filho junto ao canteiro de obras. Os trabalhos de execução ficaram a cargo do engenheiro Louis Ensch, do qual nos referimos anteriormente, o qual assumiu para si a responsabilidade pela implementação das instalações da usina e da cidade nova. Esta passagem entre o ideal e o real permanece como uma lacuna, a ser melhor esclarecida, tendo em vista que, como podemos constatar, a configuração do núcleo inicial da cidade operária, seguiu as determinações desta proposta desenvolvida por Continentino, que acabamos de descrever. 3.3.2. Projeto da Cidade Operária de Monlevade, por Ângelo Murgel 115 A proposta apresentada pelo arquiteto Angelo Murgel foi publicada na revista da Prefeitura do Distrito Federal, constando de memorial com desenhos.52 O conjunto de pranchas apresentado para a companhia, também não foi localizado. O plano foi dividido em duas partes, sendo a primeira delas referente ao saneamento e ao urbanismo, e a segunda para a arquitetura. Murgel iniciou o seu memorial abordando o urbanismo, no qual definia a estratégia para o plano geral, que incluia o loteamento, o sistema viário, a rede geral de esgotos, a instalação elétrica, o abastecimento de água e, por fim, o escoamento das águas pluviais. Na parte referente à arquitetura, justificava a linguagem e o partido definidos para os edifícios públicos e os tipos de habitação propostos. As condições da topografia também se colocavam como um dos condicionantes mais desafiadores para o projeto, além da proximidade do sítio em relação às instalações da fábrica. Outra dificuldade para Murgel estava relacionada às exigências impostas pelo programa definido pela companhia, este considerado muito extenso para a área destinada ao projeto. O fato do terreno ser atravessado por duas vias férreas e pelo curso do rio Piracicaba também representava uma situação desfavorável para a concepção da nova cidade. Para Murgel, estas imposições e condicionantes limitavam a ação do urbanista, “…impondo um partido sem muitas variantes, de respeito absoluto á sua notavel accidentação”53. O plano geral definido para a futura cidade dividia a gleba em três partes: a superior, a do meio e a marginal ao leito do rio. Nesta configuração em setores, Murgel evitou a utilização de passagens de nível sobre a linha férrea e o emprego de passagens elevadas, através de uma ligação comum entre estes setores através de uma única via de trânsito de veículos.(Figura 17) O projeto previa a possibilidade de expansão futura, como ressaltava Murgel, o que pode ser constatado pela malha viária em aberto nos limites da gleba parcelada. O sistema viário foi estudado de modo a permitir uma adequação do traçado aos condicionantes do terreno, evitando-se movimentações desnecessárias de terra. A adoção de rampas suaves, com greides máximos de 12 %, visou facilitar o trânsito de veículos, acrescida de uma preocupação com “…visibilidade grande, confluencias simples, e accessos directos tanto quanto possível”54. As curvas prevaleciam no traçado adotado em relação à rua reta. Foram previstos dois tipos de ruas, “…como medida de economia e com a intenção de integrar o mais possivel a 52 MURGEL, Angelo A. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, op. cit., pp.270-281. 53 MURGEL, Angelo A., idem, p.270. 54 MURGEL, Angelo A., idem, p.271. 55 MURGEL, Angelo A., idem, p.278. 116 Figura 17: Implantação geral proposta por Angelo Murgel; os quarteirões foram numerados com letras de A a Z e os edifícios públicos indicados, bem como a instalação depuradora, marginal ao rio. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.275. 117 cidade com a natureza”55. Murgel considerava o tipo de via com planos diferenciados, do leito de carroçamento em relação aos passeios, com taludes intermediários, mais adequado para a topografia, pois estes propiciavam a separação do tráfego de veículos do percurso de pedestres. Com isso, os passeios que faziam a transição dos lotes para a rua, ficavam ao nível das casas e os taludes delineados “…serão consolidados pela gramma do tapete verde e pelas raizes das arvores da arborização publica”56 Em alguns casos, onde não fosse possível a implementação deste tipo de via estudado, as ruas teriam um perfil plano, com os inconvenientes apontados por Murgel, da necessidade de maior movimentação de terra e do assentamento desfavorável das edificações. Foram ainda delineadas vias restritas para o percurso dos pedestres, que atravessavam os quarteirões em determinados trechos.(Figuras 18 e 19) No parcelamento adotado, os quarteirões acompanhavam o desenho das ruas, com profundidade máxima de trinta e dois metros, o que representava a extensão de dois lotes, “…afim de se evitarem os inconvenientes dos lotes de pouca frente e grande profundidade”57. Além disso, a preocupação com um loteamento racional, destacada por Murgel, revelava-se na disposição dos lotes nas divisas da gleba “…de modo que todas as ruas projectadas são utilisadas em seus dois lados”58. Ele preocupou-se também em manter os cursos d´água existentes com os seus leitos livres em relação ao conjunto, “…embora collocados algumas vezes no interior dos quarteirões, os quaes atravessam marginados pelas passagens secundarias ou atravessando pequenos parques internos”59. Estas áreas remanescentes acrescidas dos terrenos com declividades altas, incompatíveis para o loteamento, foram destinadas aos jardins. Neste sentido, ele enfatizava o aspecto de cidade jardim a ser alcançado pelo conjunto, “…sommando tal reserva de vegetação aos contingentes constituidos pela arborização das ruas e pela dos quintaes”60. A nova cidade foi pensada com um núcleo central para interação social e esportiva, que agregava os principais edifícios públicos, instalado em duas praças. Além disso, foram previstos treze parques, um jardim marginal ao rio Piracicaba, uma avenida, ruas-estradas, passagens de pedestre e trezentos e dois lotes edificáveis. Murgel destacava que “…os jardins e pequenos parques são constituidos por agrupamentos densos de arvoredos de modo a determinarem postos umbrosos e frescos grandemente apraziveis e de trato e conservação economicos e faceis.”61 Para o projeto dos edifícios, ele evitou fazer reconstituições históricas, preferindo empregar padrões atuais, tanto no que diz respeito às formas quanto ao sistema construtivo utilizado. Figura 18: Perfil das ruas propostas por Angelo Murgel, comparado com o arruamento tradicional. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.278. MURGEL, Angelo A., idem. MURGEL, Angelo A., idem, p.271. 58 MURGEL, Angelo A., idem. 59 MURGEL, Angelo A., idem. 60 MURGEL, Angelo A., idem, p.272. 61 MURGEL, Angelo A., idem. 56 57 118 Figura 19: Perspectiva da proposta de Angelo Murgel com os planos diferenciados de vias. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.270. 119 O apego às linguagens do passado significava um retrocesso, “…seria abdicar das conquistas penosamente feitas”62. Mesmo tendo feito esta opção, Murgel não descartava a lição de bom senso e propriedade a ser buscada nos sistemas tradicionais “…para applical-a, evolutivamente, ás condições actuaes para determinação dos typos de nossos dias”63. Ao mesmo tempo, destacava a inconveniência da importação de modelos para as soluções adotadas, ao contrário, “…para o caso presente, porém, só a obediencia aos factores locaes tanto materiaes, industriaes, economicos, climaticos como sociaes, poderá nos conduzir a uma architectura viva, logica, e verdadeira, cujas raizes mergulhem profundamente no sólo patrio”64. Através desta estratégia conceitual, foram desenvolvidos os projetos dos edifícios públicos e das unidades habitacionais. As habitações foram distribuídas pelo terreno de acordo com os tipos construtivos, para famílias pequenas, médias e grandes.65 Cada parte da gleba subdividida (superior, do meio e marginal ao rio) foi parcelada em lotes proporcionais ao tamanho das casas, em quarteirões irregulares, com vias arborizadas e áreas destinadas para pequenos parques. A parte superior da gleba foi reservada para a implantação dos tipos de casas menores, em lotes com dimensões de onze metros de frente e profundidade média de dezesseis metros. No meio, foram implantadas as casas maiores, sendo que a parte central deste setor foi destinada aos edifícios públicos de uso comum, separados em dois blocos; o primeiro deles composto pela igreja, e o segundo conjugando o cinema, a escola, o clube social e esportivo, o armazém, etc. Este núcleo foi projetado como um parque arborizado, com os blocos de edificações distribuídos em meio ao verde. Na parte marginal ao rio Piracicaba, foram implantadas as casas de tamanho médio. Para Murgel, “…essa distribuição, além de racional concorda em necessidades de áreas com as divisões naturaes constituidas pelas linhas ferreas.”66 As soluções habitacionais definidas por Murgel, foram compostas por um partido em bloco único, com cobertura em duas águas. O partido adotado buscava atender ao padrão social dos seus moradores, com a articulação em planta pensada de maneira funcional. A varanda frontal elevada, permitia o acesso abrigado, dando para a sala, que se comunicava diretamente com os outros compartimentos. Evitou-se, assim, o uso de corredores de circulação em prejuízo da privacidade dos quartos. A circulação fazia a ligação entre as áreas íntimas, comuns e de serviço. Os banheiros internos tinham acesso direto, ora com a cozinha, ora com a sala e os quartos. Na base das edificações, elevadas em relação ao terreno, o emprego MURGEL, Angelo A., idem, p.280. MURGEL, Angelo A., idem. 64 MURGEL, Angelo A., idem. 65 Esta diferenciação por famílias de tamanho pequeno, médio e grande não foi detalhada por Murgel, além da variação do número de quartos das habitações. Ao mesmo tempo não existe indicação de hierarquização funcional, em termos de ocupação na empresa, na espacialização proposta. 66 MURGEL, Angelo A., idem, p.270. 62 63 120 de pedras aparentes dava um aspecto rústico às casas. Aberturas em ângulo reto aumentavam a transparência das salas, sendo que em algumas variantes do projeto, apresentavam o inconveniente de devassar os quartos para a varanda. No que se refere à orientação dos quartos, “…foi prevista sempre que possível, para um mesmo lado afim de se poder voltal-os para o nascente. Nos casos porém de dupla insolação localisamos os dormitórios nos lados oppostos afim de permittir a insolação matinal para uns e vespertina para outros.”67 Anexada à cozinha, nos fundos, uma área de serviço abrigada, com tanque. Murgel ressaltava que para a construção era recomendável que “…fossem adoptados materiaes faceis e abundantes na região, trabalhados com a technica usual do interior de Minas, afim de facilitar a mão de obra.”68 Destacava também, que os materiais e os sistemas construtivos adotados, se adequassem às condições climáticas, à insolação e à umidade do solo. Além disso, buscava-se adequar as soluções às possibilidades oferecidas pela indústria, em termos de standardização racional dos componentes construtivos. As casas menores, para famílias pequenas, tinham aproximadamente cinquenta metros quadrados, conjugando dois quartos, sala com varanda, cozinha, banheiro e área de tanque.(Figura 20) Em seguida, as casas para famílias médias, com aproximadamente sessenta metros quadrados, distribuídos em três quartos, sala, cozinha, área de tanque, varanda e banheiro.(Figura 21) Por fim, um terceiro tipo para famílias médias e grandes, com variações em torno de sessenta a setenta metros quadrados, abrigando três ou quatro quartos, sala, varanda, cozinha, banheiro e área de tanque.(Figura 22) As casas seriam implantadas, respectivamente, em lotes com testada de onze, quatorze e quinze metros. 67 68 MURGEL, Angelo A., idem, p.281. MURGEL, Angelo A., idem, p.280. Os equipamentos públicos, à exceção da igreja, foram agrupados em um edifício único que agregava o cinema, a escola, o clube social e esportivo e o armazém.(Figuras 23 e 23a) A intenção de Murgel, no agrupamento destas funções, era permitir economia na construção, bem como importância na paisagem e o que ele entendia por serventia comum, visando a cooperação entre as unidades e o fácil acesso às mesmas. O bloco edificado teve o seu acesso principal protegido por marquise e entrada exclusiva para a escola. Este edifício central, inserido no parque, em frente à igreja, abrigava, primeiramente, o armazém geral: Um grande galpão, onde foram previstos o compartimento para comércio de gêneros propriamente, o depósito do estoque, o gabinete de provas, os banheiros de empregados e o escritório. Lateralmente, foi projetada uma marquise que protegia o acesso ao armazém. 121 Figura 20: Perspectiva e planta da proposta de Angelo Murgel para casas de famílias pequenas. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.271. 122 Figura 21: Perspectiva e planta da proposta de Angelo Murgel para casas de famílias médias. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.272. 123 Figura 22: Perspectiva e plantas da proposta de Angelo Murgel, variante de projeto para casas de famílias grandes e médias. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.273. 124 Figura 23: Planta baixa e cortes do edifício central proposto por Angelo Murgel. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.282. 125 Figura 23a: Planta do andar superior do edifício central proposto por Angelo Murgel. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.280. 126 Figura 24: Proposta para a igreja por Angelo Murgel. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Projecto da Cidade Operaria de Monlevade, p.281. MURGEL, Angelo A., idem, p.280. MURGEL, Angelo A., idem. 71 MURGEL, Angelo A., idem. 72 MURGEL, Angelo A., idem, p.273. 73 MURGEL, Angelo A., idem, p.274. 69 70 Contíguos ao galpão-armazém, foram dispostos os compartimentos do clube, como confeitaria, bilhares e serviço de cozinha, além dos banheiros, tudo no andar térreo. Ainda no andar térreo, temos o cinema, a escola e o pavilhão de esportes. O cinema era composto por uma platéia, com capacidade para um público de quinhentas e vinte e oito pessoas e possibilidade de ampliação para seiscentas e sessenta e oito pessoas, além da cabine de projeção, orquestra e cena. O acesso ao cinema e ao clube, era feito por meio do hall geral, com banheiros. A escola, com capacidade para cento e noventa e dois alunos, tinha a previsão de sala para diretoria e secretaria, banheiros e salas de aula. O pavilhão de esportes contíguo ao cinema, era composto pelos vestiários, banheiros e rouparia, com acesso direto para o campo de esporte. No pavimento superior, o programa do clube se estendia aos compartimentos para diretoria e secretaria, no cômodo de serviço de buffet, ao salão de festas com balcão e terraço, além dos banheiros com ante-salas para homens e mulheres. Para a implantação deste bloco, Murgel considerava o aproveitamento do declive natural, sendo que, no caso do cinema, a solução otimizava a visibilidade da tela. A igreja foi projetada como “…uma obra perfeitamente actual, um monumento social e religioso”69, também aproveitando o desnível do terreno. O partido compreendia uma nave única ladeada por paredes estruturais reforçada por pilares, com “…ventilação e illuminação abundantes”70. Tanto na parte interna quanto na parte externa, as paredes não apresentavam elementos decorativos, a não ser “…como motivos symbolicos duas imagens collocadas em pleno relevo sobre o grande painel liso da fachada e uma grande cruz de ferro, illuminada á noite por tubos de gaz néon”71. O bloco em linhas retas tinha iluminação lateral modulada por planos de vidro alongados e um rasgo vertical na fachada frontal, acima da portada de acesso.(Figura 24). O sistema de abastecimento de água e a rede de esgotos foram também definidos por Murgel, em concordância com o que de mais atual era preconizado. Para a rede geral de esgotos foram “…observadas as condições topographicas locaes, segundo aconselha Saturnino de Brito.”72 Assim, a coleta das águas servidas era feita por gravidade, com declividade máxima de 5%, com a separação das águas sanitárias e pluviais definida por meio de três tipos distintos de coletores. Esta estratégia composta para a cidade, se traduzia no sistema separador absoluto, preconizado por Brito. O coletor principal recebia as águas servidas dos ramais secundários, conduzindo as mesmas para uma estação de tratamento ou estação depuradora, localizada na parte baixa do conjunto projetado, no parque marginal ao rio Piracicaba. A intenção de Murgel era dotar a nova cidade “…uma rêde geral de esgotos accorde com as modernas con- 127 quistas neste complexo ramo de hygiene collectiva”73. Ele explicitava o processo de tratamento final das águas servidas, descrevendo todos os seus componentes, como caixa de areia, poço digesto-decantador “OMS” (Otto Mohr System), tanque fluxível, filtro biológico, tanque clorador, depósito de cloro, dosador de cloro, tanque de retenção de cloração e tanque de secagem. Todos estes componentes seriam construídos em cimento armado. Apresentava ainda os cálculos necessários, com as vantagens da implementação do sistema preconizado. As águas pluviais foram canalizadas para os cursos naturais evitando-se a execução de obras onerosas. A respeito do abastecimento de água, o mesmo contava com um tronco distribuidor principal, por meio de um reservatório geral, “…em local apropriado para perfeita distribuição d´água em toda a cidade com pressão conveniente”74 Murgel detalhava ainda a instalação elétrica, necessária para o funcionamento da nova cidade. Com isso, a sua proposta se completava numa abordagem ampla e, ao mesmo tempo detalhada, nos aspectos arquitetônicos, urbanísticos e da técnica sanitária. 74 MURGEL, Angelo A., idem, p.278. 128 3.3.3. 129 Anteprojeto para a Vila de Monlevade, por Lúcio Costa O memorial descritivo elaborado pelo arquiteto Lúcio Costa, como o de Murgel e o de Continentino, também foi publicado na revista da Prefeitura do Distrito Federal, além de ter sido reproduzido em livros, incluindo o seu Registro de uma vivência.75 Como já dito, não localizamos a proposta original apresentada por Costa para a empresa. O seu anteprojeto apresentava uma epígrafe, logo no começo, na qual foram citados trechos de escritos de Roy Nash, John Nolen e Frederick Law Olmstead. De Olmstead, destacava que “...the demands of beauty are in large measure identical with those od efficiency and economy, and differ mainly in requiring a closer approach to perfection in the adaptation of means to ends than is required to meet the merely economic standard. So far as the demands for beauty can be distinguished from those of economy, the kind of beauty most to be sought in the planning of cities is that which results from seizing instintively, with a keen and sensitive appreciation, the limitless opportunities which present themselves in the course of the most rigourously practical solution of any problem, for a choice between decisions of substantially equal economic merit, but of widely differing aesthetic quality. Regard for beauty must neither follow after regard for the practical ends to be obtained nor precede it, but must inseparably accompany it”76. Estas citações visavam uma fundamentação maior da proposta, como uma indicação das bases para o desenvolvimento do novo conjunto operário, tendo os atributos relacionados ao belo e ao funcional, como um “pano de fundo” para as soluções preconizadas. Outros aspectos ressaltados por Costa, referem-se, primeiramente, à impossibilidade de ter ido ao local do projeto, que já era do seu conhecimento pelas viagens anteriores feitas ao interior de Minas. Além disso, ressaltava que não tinha sido possível desenvolver um estudo orçamentário da proposta elaborada, o que era uma das determinações colocadas pelo edital da companhia. Aqui também, a topografia se colocava como um dos pressupostos para a formulação do anteprojeto, tendo em vista a configuração acidentada do sítio. Neste sentido, Costa buscou um delineamento “elástico”, com vistas a uma implantação mais adequada. Decorria disto a intenção de um mínimo de movimentação de terra possível, como já constatado nas propostas dos outros concorrentes, bem como a inserção do conjunto no ambiente natural constituído pela área do projeto e o seu entorno. Por meio destes princípios, Costa ressaltava o emprego de um “...systema constructivo ha cerca de vinte annos preconisado por Le Corbusier e P. Jeanneret, e já hoje por assim dizer incorporado como um dos princípios fundamentaes da architectura moderna – os pilotis: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, op. cit., pp.115-130. Ver também: COSTA, Lúcio. Sobre Arquitetura, 1º vol. Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962, pp.42-55. E ver ainda: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1997, pp.90-99. 76 COSTA, Lúcio, op. cit., p.115. Citação extraída por Costa do texto “City Planning” de F. Law Olmstead, original em inglês, “...os requisitos de beleza são, em grande parte, idênticos aos de eficiência e economia; a principal diferença dêstes é que requerem uma interpretação mais acurada - na transformação de meios em fins - do que é necessário para atender um padrão meramente econômico. Tanto quanto nos é possível distinguir entre os requisitos de beleza e os de economia, o tipo de beleza mais almejado no planejamento das cidades deve ser aquêle que resulta da avaliação instintiva - com um agudo senso crítico - das ilimitadas oportunidades que se apresentam no curso da solução dos problemas mais práticos, no sentido de uma escolha acertada entre soluções que têm, fundamentalmente, o mesmo mérito econômico, mas de qualidades estéticas muito diferentes. Os aspectos práticos não devem ser considerados nem antes nem depois dos objetivos práticos visados, mas de qualidades estéticas muito diferentes.” Tradução publicada em: COSTA, Lúcio. Sobre Arquitetura, 1º vol, op. cit, p.42. 77 COSTA, Lúcio, idem. 75 130 Figura 25: Perspectiva do térreo com os pilotis, no projeto apresentado por Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.90. COSTA, Lúcio, idem. COSTA, Lúcio, idem, p.117. 80 COSTA, Lúcio, idem. 78 79 ‘on ne se trouvera plus devant ou derrière la maison, mais sous la maison”77. Assim, o componente que estruturava e definia a sua composição era o “piloti”. Este elemento se mostrava bastante apropriado para o que colocava, além de reduzir o custo das fundações. Os pilotis também propiciavam o emprego de sistemas construtivos tradicionais acima das lajes, facilitando a manutenção das casas. Ainda, segundo Costa, esta opção tecnológica restituia ao morador a área ocupada pela construção, com a possibilidade de utilização do térreo. Nesta estratégia, Costa tirava partido da técnica moderna aproveitando-se das vantagens do diálogo estabelecido com a tradição construtiva brasileira, pelo uso do barro armado, a taipa, tão conhecida em Minas Gerais. As vantagens pelo uso do pilotis foram elencadas por ele, traduzidas numa “…economia nos movimentos de terra, economia nas fundações, economia na construcção das paredes tanto externas quanto divisorias, economia na armação da cobertura, melhor orientação, augmento no valor locativo e, ainda, “de quebra”, a economia de uma porta – a da cosinha – compensam de sobra o pequeno augmento inicial de despesa que representariam (…).”78 O partido geral assentado nesta idéia buscava uma concepção atual e ao mesmo tempo inusitada, no que se referia a este diálogo proporcionado com a tradição. O conjunto foi pensado em consonância com o estabelecido pela companhia no edital, conforme Costa, para a alegria e o contentamento dos seus moradores, “…e isto, não que tivessemos em vista a ‘leica’ dos turistas bem nutridos e apressados que lhe poderão vir a percorrer, acaso, as ruas, mas a unica felicidade possivel daquelles que, certamente, nella terão de viver todos os seus dias, contribuindo em silencio ao bem-estar de tantos outros e collaborando, de maneira decisiva, para a prosperidade sempre crescente da Companhia Siderurgica Belgo-Mineira S.A..”79(Figura 25) Neste sentido, foi pensada a preservação da arborização existente, uma das determinações do edital, além da indicação da necessidade de um controle maior, por parte da empresa, sobre os jardins das casas. Ao mesmo tempo, sugeria-se a proibição da poda das árvores usualmente feita, buscando formas geométricas ou bizarras. Para eliminar a interferência da via férrea no conjunto foi proposta a criação de uma cortina verde com o emprego de bambús, o que contribuiria, também, para a diminuição dos ruídos e a eliminação da poeira. O arruamento definido por Costa, também buscava um diálogo com a tradição, ao invés de “…calçadas, simples caminhos de placas de concreto fundidas no lugar e com juntas de grama para se evitarem as trincas futuras: actualização das velhas capistranas”.80 Para a área de expansão prevista pela companhia, na outra margem do rio, sugeria-se a criação de hortas e pomares para usufruto dos moradores, 131 sob a administração de uma cooperativa. A implantação geral previa um centro de convívio, em torno do qual foram dispostos os equipamentos públicos.(Figura 26) Estes equipamentos foram conjugados em meio a uma arborização frondosa. O volume da igreja se destacava em posição dominante, com acesso por meio de rampa elípitica. Conjugada com o cinema, o armazém e o clube, esta caracterizava o núcleo central da vila operária, composto por uma praça com espelho d’água circular e bancos ao redor. O coreto foi deslocado, tendo sido agregado ao clube, este em dois pavimentos, num desnível que se abria para o campo de esportes. Afastada, a escola foi disposta no outro lado deste campo. No entorno mais distante do centro de convívio, vencendo a topografia das encostas acidentadas, foram situadas as residências operárias, em meio a espaços também arborizados. Os componentes projetuais das soluções definidas para as moradias e para os edifícios públicos, foram descritos com precisão de detalhes. Ainda foi incorporado ao memorial, um tipo econômico de mobiliário considerado mais adequado às casas projetadas. O projeto das casas operárias apresentado por Costa foi definido em partido único, como moradias individuais geminadas, assentadas sobre pilotis. As habitações foram agrupadas por motivos de ordem econômica e plástica, ao invés de dispersas,”...porquanto soltas umas das outras, pequenas demais como são, poderiam parecer mesquinhas na paysagem. Assim, aquella fila de casas que serpenteia hombro a hombro ao longo das ruas e tão bem caracteriza as cidades do nosso interior, foi voluntariamente quebrada, para permitir maior intimidade, relativo isolamento – pois talvez já não tenha sentido, para os operários de uma indústria tão ruidosa, aquelle gosto da vizinhança de que Roy Nash soube dizer tão bem: Why set my house on the middle of a garden when I can build so near my friend, João, that I can counsel with him about cattle and crops without getting out of my hammock?… God knows there is enough of silence and loneliness in the sertão!”81 À economia de fundações e à flexibilidade da implantação das unidades, geradas pelo uso do pilotis, somavam-se as vantagens do conforto ambiental, proporcionadas pelo emprego de laje elevada “...livre portanto de qualquer humidade.”82 Aliado a isto o emprego de sistemas construtivos leves e independentes da sub-estrutura. A cobertura em uma água, ou meia água na acepção popular, foi pensada em concordância com a declividade das encostas. Foram definidos três tipos de moradias, a saber, os tipos “A”, “B” e “C”, com variações relacionadas com o número de quartos.(Figuras 27 e 28) 81 82 COSTA, Lúcio, idem. COSTA, Lúcio, idem, p.115. 132 Figura 26: Perspectiva geral do projeto apresentado por Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.114. 133 Figura 27: Plantas das casas-tipo, apresentadas por Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, pp.118-119. 134 Figura 28: Perspectivas e Fachadas das casas-tipo apresentadas por Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, pp.118-119. 135 A linguagem moderna ressoava na composição arquitetônica das habitações, pelo emprego de linhas retas, despojado de elementos decorativos e beirais reduzidos ao mínimo. No térreo, uma área coberta ajardinada, com tanque de serviço, permitia o acesso às residências. O primeiro pavimento foi composto por cozinha, sala, banheiro e quartos. Estes últimos, definindo uma área íntima bem demarcada, inclusive com divisão por biombo sanfonado, isolando a circulação do tipo corredor. Na casa tipo “A” a ligação desta área íntima ficou restrita, permitindo acesso direto ao banheiro e aos quartos, sem a necessidade de corredor. A solução em planta das casas, buscava evitar o inconveniente dos “…quartos em communicação directa para a sala commum afim de evitar espaço perdido”83. Neste sentido, Costa contrariava as indicações feitas pela companhia, no edital, pelos modelos sugeridos, que levavam em conta este tipo de comunicação. Para justificar tal solução, ressaltava-se que se deve “…attentar no seguinte: 1º a sala para a qual se abrem directamente tantas portas é de pequenas dimensões; 2º é a única da casa, deverá servir, portanto, de sala de estar e jantar a um tempo; dahi se deduz que, além da impossibilidade de uma arrumação conveniente das peças, toda e qualquer intenção de socego – já não diremos aconchego – se acharia de ante-mão compromettida pelo vae-vem da circulação obrigatoria, abertura de portas, ruidos, etc”84. Esta circulação foi pensada como mais um compartimento e não simples passagem, afinal “…um espaço interno para o dégagement (…), é, nestes casos, não apenas legitimo, mas indispensavel ao conforto dos moradores – mesmo operarios – porquanto, longe de ser perdido, será, de todos, o mais servido, com a vantagem de restituir, além do mais, á sala commum – que, de outra fórma, se teria transformado ella toda em corredor – a sua principal finalidade, ou seja: um lugar onde se possa estar, ao menos, tranquilamente”85. Alguns equipamentos, como o fogão à lenha e a banheira, pensados por Costa, revelavam o seu despojamento ideológico na qualificação da moradia operária. Com relação ao banheiro, buscou-se uma inovação em relação ao “…clássico metro quadrado com latrina e chuveiro por cima – os moradores é que se arranjem”86. O banheiro mínimo, indiferente para todas as casas, se colocavava como uma inovação pertinente para o conforto dos operários. Propunha-se, ainda, o arranjo do mobiliário de modo criterioso, camas, escrivaninhas, cadeiras e mesas, sofás, peças e geladeiras. A este programa foi incorporado também, “…um typo economico de mobiliario adequado ás casas projectadas e composto de peças de grande simplicidade de execução”87. A intenção era não permitir uma ocupação “…com o mobiliario disparatado de que habitualmente se entulham as casas operarias á imitação dos não menos entulhados COSTA, Lúcio, idem, p.116. COSTA, Lúcio, idem. 85 COSTA, Lúcio, idem. 86 COSTA, Lúcio, idem. 87 COSTA, Lúcio, idem, p.117. 88 COSTA, Lúcio, idem. 83 84 136 interiores burgueses”88. Para isso, foi proposta a realização de uma exposição que pudesse comparar o arranjo caótico, comum nestes casos, a uma arrumação com os móveis “Standard” recomendados. Previa-se ainda, que “…a arrumação da casa-modelo poderia ser completada com utensilios de uso domestico, economicos e despretenciosos, vendidos no armazem local: esteiras ou tapetes de corda, linon com desenhos simples de pintas ou xadrez, louça toda branca, vasos de barro, etc., etc”89. Para coibir a colocação de adornos ou “enfeites” agregados às novas unidades residenciais, ressaltava-se a necessidade da “…administração da villa simplesmente prohibir a venda no referido armazem de setinetas, falsos brocados e toda essa quinquilharia de máo gosto com que industrias baratas costumam innundar os suburbios e o interior.”90 E visando estimular o interesse pela conservação das casas, “…seria curioso applicar-se a Monlevade o exemplo da S.K.F. na Suecia: todos os annos em dias não estabelecidos previamente, uma commissão examina as casas, conferindo como premio, ás melhor conservadas, dispensa do aluguel por prazo que varia de um a doze meses”91. Nos equipamentos públicos projetados por Costa, simplicidade e clareza constituiam elementos essenciais, mesmo “…attribuindo a cada edifício o caracter proprio á sua finalidade, procurámos manter, em todos, aquella unidade, aquelle ar de família a que já nos temos referido e que, repetimos, caracteriza os verdadeiros estylos”92. Cada edifício foi definido de maneira independente. O prédio do armazém nos remete ao programa dos velhos mercados do interior de Minas Gerais, dentre os quais destacamos o mercado de Diamantina, referência importante para Costa, como veremos adiante.(Figuras 29 e 30) Contribuiu para isso o elemento contínuo, que arrematava a parte superior das paredes de vedação, como uma reminiscência dos muxarabi utilizados na arquitetura colonial, também presentes em Diamantina. O acesso projetado através de pórtico avarandado, conduzia a um balcão estendido, com compartimentos para escritório de um lado e sanitários no outro lado. Atrás do balcão foram instaladas prateleiras, ocupando todo o pé direito do armazém, para o acondicionamento dos produtos. Na sobreloja, foram instalados depósitos. A cobertura apresentava um movimento de telhado em quatro águas, com calhas longitudinais. COSTA, Lúcio, idem. 90 COSTA, Lúcio, idem. 91 COSTA, Lúcio, idem. 92 COSTA, Lúcio, idem 89 Já o cinema, foi definido para abrigar quinhentos e sessenta e seis expectadores, em bloco único, com pórtico de acesso, este como uma marquise-foyer aberta.(Figuras 31 e 32) O pórtico nos conduz às entradas, passando pela bilheteria. O projeto, com cobertura em duas águas, foi pensado para abrigar outras atividades 137 Figura 29: Projeto para o Armazém apresentado por Lúcio Costa, perspectivas. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.121. 138 Figura 30: Projeto para o Armazém apresentado por Lúcio Costa, plantas, corte e fachada. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.120. 139 Figura 31: Projeto para o Cinema apresentado por Lúcio Costa, perspectivas. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.124-125. 140 Figura 32: Projeto para o Cinema apresentado por Lúcio Costa, plantas, cortes e fachada. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.124-125. 141 como representações teatrais, com camarins e instalações sanitárias contíguos ao palco. A galeria era marcada por colunatas, que definiam o espaço da platéia e alas laterais com saídas no sentido longitudinal. Sobre esta galeria, um balcão ampliava o número de expectadores, conjugando também o escritório e a cabine de projeção, além de instalações sanitárias. O clube projetado em dois pavimentos, também com cobertura em duas águas, aproveitava o desnível do terreno, assentado em pilotis. O coreto circular, como nos referimos, deslocado da praça central foi anexado na parte superior, contíguo ao salão de festas. Este último compreendia um amplo compartimento, com extensas aberturas para a praça e para o campo de esportes, configurando espaço permeável e transparente. No pavimento inferior, outro salão conjugava atividades de jogos e alimentação, com cozinha e balcão anexos, bem como vestiários e sanitários. A ligação entre os dois pavimentos foi feita por meio de confortáveis escadas laterais.(Figuras 33 e 34) A escola também foi pensada em dois pavimentos, na parte inferior um salão aberto para recreio e na parte superior com acesso central distribuiam-se as salas de aula, sala de professoras e instalações sanitárias nas extremidades. A ligação entre estes dois pavimentos foi feita através de rampas. A cobertura em duas águas protegia também os acessos rampados.(Figuras 35 e 36) O projeto da igreja foi assentado em um platô elípitico, que se destacava no conjunto, acessado por meio de rampas. A torre do sino, na parte frontal, como um campanário com elementos vazados, marcava o acesso ao bloco onde foram instaladas a galeria de fiéis, o batistério, o altar e as capelas laterais. Este bloco, com cobertura em duas águas, era vazado lateralmente e nos fundos. O arremate côncavo nos tetos e na parede do altar, quebrava a ortogonalidade do partido.(Figuras 37 e 38) Para todas as construções, foi adotado o mesmo sistema construtivo, baseado no concreto armado que “…não deveria levar qualquer revestimento, mas simples caiação ou pintura adequada”93. A cobertura prevista também para todas as edificações era “…uniforme de Eternite não somente devido á leveza, durabilidade e apreciaveis qualidades isothermicas desse material, como por ser elle de procedencia belga e de acquisição possivelmente vantajosa para a Companhia (…)constando de uma agua apenas a cobertura das casas e de duas as dos demais edifícios, as calhas e conductores foram reduzidos ao minimo”94. Costa ainda especificava outros detalhes 93 94 COSTA, Lúcio, idem. COSTA, Lúcio, idem. 142 Figura 33: Projeto para o Clube apresentado por Lúcio Costa, perspectivas. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.122-123. 143 Figura 34: Projeto para o Clube apresentado por Lúcio Costa, plantas, cortes, fachada. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.122-123. 144 Figura 35: Projeto para a Escola apresentado por Lúcio Costa, perspectivas. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.126-127. 145 Figura 36: Projeto para a Escola apresentado por Lúcio Costa, plantas, corte, fachada. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.126-127. 146 Figura 37: Projeto para a Igreja apresentado por Lúcio Costa, perspectivas. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.128. 147 Figura 38: Projeto para a Igreja apresentado por Lúcio Costa, planta, cortes, fachada, perspectiva interior. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.128. 148 gerais, como forros e esquadrias, nos quais sobressaiam, além das inovações possibilitadas pelo uso do concreto armado, o uso de sistemas tradicionais, como elementos vazados treliçados e taipa. No caso dos forros, “…seria adoptado o seguinte criterio: cinema e igreja – lage de concreto com espessura minima e trabalhando á face inferior das vigas; armazem e club – caiação directa sob as chapas de eternite; escola e casas – taquara convenientemente esticada sob barroteamento de 1’’ x 3’’ afastado cerca de 0m,50 de eixo a eixo, tendo para o remate com a parede e á guisa de mata-junta uma simples ripa de 0m,01 x 0m,04”95. No caso das habitações operárias também foram previstos elementos uniformes. A distribuição das esquadrias levava em conta janelas moduladas em 1 metro por 1 metro, com peitoril a 0,95 metros, com caixilho e veneziana trabalhando externamente, do tipo guilhotina, com previsão de saída de ar junto ao forro em todos os cômodos. As portas foram previstas em cedro, com folhas de 0,75 metros por 1,95 metros, sem pintura, apenas enceradas. O clube teria venezianas fixas na parte superior dos vãos e caixilhos na parte inferior do tipo guilhotina. Na escola seriam empregados caixilhos do tipo basculante. Finalmente, o armazém e a igreja, teriam “…caixilhos de concreto Casa Sano, de 0m,30 x 0m,30, com vidros fixos ou laminas formando veneziana; na igreja taes vidros poderiam ser de côr azul para fazer contraste com as paredes caiadas de branco, contribuindo, além disso, para crear uma certa atmosphera de recolhimento – aconselhavel, ao que parece, nesse genero de edificios”96. Por fim, com relação às esquadrias, Costa ressaltava que “…excluidas as venezianas, todos os demais caixilhos destinados á ventilação, seriam tratados á maneira das janellas de rotula tão commum nas antigas casas da região”97.(Figura 39) COSTA, Lúcio, idem. COSTA, Lúcio, idem. 97 COSTA, Lúcio, idem. 95 96 149 Figura 39: Detalhes arquitetônicos apresentados por Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio. Ante-projecto para a Villa de Monlevade: Memorial Descritivo, p.119. 150 3.4. Sobre os estudos que se referem ao Concurso para Monlevade 151 Os estudos que se referem ao concurso para Monlevade abrangem temas diversificados, revelando os diferentes enfoques possíveis para um mesmo objeto. Políticas habitacionais, história da arquitetura e do urbanismo modernos, trajetórias biográficas, habitação social, núcleos fabris, constituem os principais temas através dos quais o concurso foi estudado. Como veremos, livros, teses, dissertações, comunicações de seminários e congressos compõem o material analisado. A grande maioria destes trabalhos não teve por objetivo o estudo do concurso propriamente dito, deixando de lado a abordagem sobre o processo estabelecido pela Belgo-Mineira e a concorrência proporcionada para os urbanistas. Nestes estudos, predominaram análises sobre o anteprojeto desenvolvido por Lúcio Costa. Com isso, constatamos que as outras propostas foram pouco estudadas, na perspectiva do entendimento dos ideários urbanísticos em jogo. O que pretendemos aqui foi buscar uma revisão bibliográfica sobre os enfoques dados ao concurso e sobre as questões mais discutidas para subsidiar as nossas análises. Primeiramente, para uma melhor compreensão do processo desencadeado pela empresa, para a implementação do concurso e para a construção da nova cidade operária. Em seguida, o entendimento mais amplo das propostas apresentadas pelos técnicos, numa perspectiva de comparação e a inserção destes projetos nas suas trajetórias profissionais. A começar pelo estudo encomendado pela Companhia Ferro e Aço de Vitória/ES, desenvolvido pela Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais –SAGMACS, voltado para a compreensão de políticas habitacionais, no qual foram analisados planos, estudos, políticas e experiências concretas, elaborados e adotados pela CSN, pela USIMINAS e pela COSIPA.98 Este trabalho identifica os problemas de alocação dos operários pela fábrica, a partir das estratégias empregadas por empresas, dentre as quais a própria Belgo-Mineira. Foi aproveitada experiência adquirida em trabalho semelhante, realizado pela própria SAGMACS, por solicitação da USIMINAS. Naquela oportunidade, os técnicos visitaram regiões onde se inseriam grandes projetos industriais, tendo realizado entrevistas e coletado documentação, não apenas em Volta Redonda e Ipatinga, mas também em Monlevade, na Acesita e na Fábrica Nacional de Motores. Nas análises, constatou-se que as usinas siderúrgicas brasileiras lo- 98 AMBROSIS, Clementina Delfino Antonia de et al.. Estudos para uma política habitacional. São Paulo: SAGMACS, 1963. 152 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981. 100 BRUAND, Yves, op. cit., p.75. 99 calizam-se, em geral, em áreas afastadas de centros urbanos, de tamanho médio ou grande. Decorre disso a impossibilidade de recrutar todo o pessoal necessário nas próprias redondezas das obras, o que obriga a buscar trabalhadores de regiões mais distantes. A presença no local de trabalho, faz com que sejam providenciadas instalações provisórias, que constituem os chamados acampamentos de obras, construídos no próprio canteiro de serviços ou em suas proximidades. Esta forma de alojamento provisório, provoca sérios problemas sociais, que se manifestam durante o período de construção das instalações da indústria. No que se refere ao alojamento dos operários, com a finalidade de resolver os problemas habitacionais, soluções semelhantes foram adotadas por siderúrgicas, dentre as quais a própria Belgo-Mineira. A implementação de vilas operárias constitui um processo no qual existem poucas diferenças, no que se refere ao grau de participação das empresas nas suas construções e, na gestão de seus serviços públicos, seu comércio e seus equipamentos sociais. Entretanto, o estudo destaca que a iniciativa da Belgo-Mineira se coloca num extremo, com o máximo de participação da empresa, comparada com outras realizações, como a da USIMINAS, a qual nos referimos, onde tentou-se reduzir a interferência da companhia na construção e na gestão das vilas operárias. Neste sentido, os problemas sociais relacionados com a construção e administração de vilas operárias, por parte de empresas, foram classificados pela SAGMACS segundo três títulos: O primeiro deles, relacionado ao excesso de encargos econômicos e administrativos na construção e gestão da cidade. O segundo, diz respeito aos problemas sociais que se manifestam nas próprias vilas e, por fim, a diversidade de condições geradoras de conflitos entre essas vilas e as áreas vizinhas. Bruand insere o concurso para Monlevade a partir do projeto de Lúcio Costa.99 Destaca que o momento foi importante para a arquitetura brasileira, tendo sido alargados os horizontes conceituais para as intervenções sobre as cidades. Entre 1931 e 1935, conjugam-se os primeiros passos para a assimilação da arquitetura moderna, a partir da obra de Le Corbusier, que foi sistematicamente analisada e aceita. Nesta acepção, o anteprojeto apresentado por Lúcio Costa para o concurso Monlevade revelava um pouco das conquistas deste período. As soluções preconizadas por Costa para este conjunto habitacional, como se refere Bruand, evidenciavam o próprio método preconizado por Le Corbusier, “…preocupações sociais, evidentes em todo o memorial descritivo, análise das condições naturais, emprego vantajoso da técnica moderna, sem o culto do material artificial, e o propósito de impor-se ao meio circundante, característicos da obra de Le Corbusier. Esta não era considerada como 153 um modelo a ser seguido literalmente, nem como a única fonte de inspiração.”100 Além disso, as vantagens do uso do pilotis, também em concordância com o preconizado por Le Corbusier, no caso de Monlevade, “…por constituir a solução mais lógica para o terreno acidentado: reduzia-se os trabalhos de preparação do terreno, o que compensava o elevado custo local do concreto armado; o emprego deste revelou-se até mesmo econômico, já que a criação de um piso artificial isolado da umidade do solo natural permitiu retornar, especialmente para as residências, o processo tradicional e econômico, de execução de paredes de pau a pique, sem os incovenientes de fragilidade e insalubridade.”101 A referência à obra de Perret, no projeto da igreja inspirado na de Rancy, se colocava também como uma das referências empregadas por Costa. Outros pontos de convergência de linguagem, em Monlevade, vão ser evocados por Bruand, como “…ausência de opinião preconcebida, informação proveniente das mais diversas fontes, utilização de soluções simples e claras, adaptadas ao meio e à função, pesquisas modernas sem excluir técnicas tomadas de empréstimo ao passado, quando ainda adequadas para o caso específico, simplicidade, elegância, leveza.”102 Bruand vai ressaltar ainda que, apesar do aspecto original da solução de Costa para Monlevade, esta se tratava de uma exceção no período, pelo funcionalismo destituído de qualquer pesquisa plástica que predominava naquele momento. Martins103 também analisou a solução desenvolvida por Lúcio Costa, à luz da historiografia, em particular, pelas análises de Bruand. Para este autor, a leitura de Bruand, sobre a proposição de Costa para o concurso Monlevade, ficou restrita ao exposto no memorial descritivo, particularmente no que se refere à assimiliação do método proposto por Le Corbusier. Conforme Martins, a implantação geral definida por Costa não correspondia às propostas urbanísticas de Le Corbusier, ao contrário, buscava atender às dificuldades impostas impostas pela topografia do sítio, seguindo a tradição construtiva de Minas Gerais. As evidências no texto do memorial, em termos de pressupostos racionalistas, revelam, para Martins, além da busca pela aplicação deste ideário, o interesse na sua própria divulgação. Ainda segundo Martins, no uso do pilotis para a solução das unidades residenciais é que vamos encontrar a referência explícita a Le Corbusier. Além disso, em termos de referência projetual, as soluções de moradias comparecem como uma alusão às casas Loucher desenvolvidas em 1929 por Le Corbusier.(Figura 40) Entretanto,na medida em que Costa não empregava o sistema do pilotis para liberar a circulação, Martins observa que não se pode apontar aqui uma aplicação estrita das noções corbusianas. Ao contrário, a opção por este sistema teve a finalidade de evitar dispendiosos movimentos de terra, com fundações mais simples, Figura 40: Projeto das Casas Loucher, por Le Corbusier, em Pessac, na França, em 1929. Fonte: BOESIGER, Willy. Le Corbusier, p.30. BRUAND, Yves, idem. BRUAND, Yves, idem. 103 MARTINS, Carlos Alberto Ferreira. Arquitetura e Estado no Brasil: Elementos para uma investigação sobre a constituição do discurso modernista no Brasil; A obra de Lúcio Costa 1924-1952. São Paulo: 1988, Dissertação de Mestrado – FFLCHUSP. 101 102 154 acrescida da possibilidade de liberação do térreo para serviços e estar, bem como das vantagens do emprego de sistemas construtivos leves, como o barro-armado, acima das lajes, livres de umidade. Por fim, Martins vai destacar ainda que a característica de Costa como pensador da arquitetura brasileira, deve ser considerada, sendo que, os seus projetos têm um caráter de teses, “…neste caso, uma demonstração projetual da sempre afirmada compatibilidade entre arquitetura tradicional brasileira e as propostas da vertente corbusiana ao nível da racionalidade dos sistemas construtivos.”104 Costa e Monte-Mór105 analisaram o caso de Monlevade, em estudo voltado para o entendimento da exclusão da força de trabalho nas cidades industriais, planejadas pela comparação deste com outros exemplos, a saber, o caso da USIMINAS, com a criação da cidade de Ipatinga, e a CENIBRA, que não desenvolveu proposta para uma cidade nova. O estudo amplia a visão da exclusão dos trabalhadores como um componente relacionado com as origens da cidade, “...de fato, integra mesmo o conceito de cidade como o “locus” do excedente econômico, do poder social e institucional e da “festa” cultural e religiosa, isto é, como o espaço da concentração dos elementos estruturadores de uma formação social. Em sociedades agrárias, a cidade templária, a cidade político-militar, e mesmo a cidade comercial integram o circuito da produção econômica apenas no momento de sua apropriação, circulação e/ou consumo. É a cidade industrial que traz para dentro de si a produção, conseqüentemente justapondo ao espaço do excedente/poder/festa o espaço do trabalho.”106 Este princípio da exclusão sempre esteve presente no planejamento das cidades modernas brasileiras, de acordo com Costa e Monte-Mór, como podemos constatar nos planos de Belo Horizonte e de Brasília, cujos projetos se caracterizaram por “um “urbanismo de luxo” voltado para a expressão monumental do poder de Estado.”107 MARTINS, Carlos Alberto Ferreira, op. cit., p.162. COSTA, Heloisa Soares de Moura & MONTE-MÓR, Roberto Luís de Mello. Cidades industriais planejadas e a exclusão da força de trabalho. ANAIS DO VI ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Brasília: 1995. 106 Segundo Costa e Monte-Mór, tal concepção se origina nos estudos urbanos neo-marxistas, tendo Henri Lefèbvre como seu representante principal, ver: COSTA, Heloísa Soares de Moura & MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo, op. cit. 107 COSTA, Heloísa Soares de Moura & MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo, op. cit. 108 COSTA, Heloísa Soares de Moura & MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo, op. cit. 109 COSTA, Heloísa Soares de Moura & MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo, op. cit. 104 105 No caso das cidades industriais planejadas, termo empregado para a referência aos casos de Monlevade e Ipatinga, “...organizadas em função das necessidades das empresas que as construíram, visavam atender às demandas da reprodução coletiva da força de trabalho dessas empresas, assim como aos requisitos mais amplos das condições de produção exigidas pela produção industrial. Nesses casos, a inclusão da força de trabalho no espaço da cidade é sua própria condição de existência.”108 A abordagem do concurso para Monlevade, por parte de Costa e Monte-Mór, destaca que o projeto da “cidade operária” constituiu na verdade a proposição de uma “vila operária” devido ao “...seu caráter simples e nuclear, com um único equipamento coletivo por tipo (cemitério, igreja, escola, centro comercial e administrativo, cinema, etc.) e dada a própria condição legal de área pertencente ao município de Rio Piracicaba, situação que se 155 manteve até 1962 quando da emancipação do município de João Monlevade.”109 Como nos outros casos estudados, a estratégia diferenciada das empresas visava garantir a disponibilidade e a adequação da sua força de trabalho às necessidades da produção. No momento inicial, os encargos referentes à implantação e à consolidação das cidades novas, foram assumidos pelas empresas, e ao longo do tempo, esta responsabilidade vai ser repassada para o município que se constitui, então, por uma cidade planejada e outra que se estende, de maneira ilimitada, para além dos limites projetados. O estudo conclui, em primeiro lugar, sobre a impossibilidade do controle do espaço urbano em função das carências inseridas no contexto em que nos situamos. Assim, a “luta inglória” revela-se em todos os casos, seja nos que envolveram a construção de novas cidades, seja nos que não optaram por esta iniciativa. Cidades espontâneas surgem, com populações atraídas pelas expectativas criadas pelas fábricas. Costa e Monte-Mór destacam ainda, que o processo de estruturação micro-regional, parece ter sido a tônica em vários processos de urbanização no Brasil, como foi o caso da região polarizada pelo núcleo da Belgo-Mineira, gerando transformações cuja complexidade revela-se nos problemas urbanos desencadeados. Silva discute a proposta para a Vila Monlevade, inserindo este projeto na trajetória de Lúcio Costa.110 O pequeno povoado projetado por Costa vai ser comparado com outra realização de Le Corbusier, a proposta para a “Ferme Radieuse”, também de 1934. Neste sentido, discute os aspectos programáticos de Monlevade, fazendo aproximações com a concepção de Le Corbusier. Destaca que ambos estão regidos pelos mesmos paradigmas, pela solução econômica, pelo uso do pilotis e pelos vários equipamentos públicos propostos. Para Silva, em Monlevade é como se Costa retomasse a sua fase neocolonial, “...quando há um esforço de resguardar um tipo de sociabilidade absolutamente associada à condição de edificar valores perenes. Evoca-se épocas de plenitude, sem progresso, épocas sólidas, redondas, solidárias com a tradição.”111 A abordagem de Segawa112 sobre a arquitetura brasileira no período de 1900 a 1990, destaca que “…até fins de 1935, ao ser convocado para fazer o novo projeto da sede do Ministério da Educação e Saúde, Lúcio Costa permaneceu no ostracismo, com pouco serviço no escritório e com participação malsucedida em concursos, como o projeto da cidade de Monlevade em Minas Gerais, classificado em último lugar.”113 Sem abordar o programa definido por Costa, Segawa situa o concurso atrelado à modernidade recorrente, no período compreendido entre os anos de 1929 e 1945. Dentre outros eventos, neste período, temos as duas visitas de Le Corbusier, em 1929 SILVA, Maria Angélica da. As formas e as palavras na obra de Lúcio Costa: 1924-1952. São Paulo: 1998, Dissertação de Mestrado - PUC/ RJ. 111 SILVA, Maria Angélica da, op. cit., p.103. 112 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil: 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997. 113 De acordo com Segawa, esta informação sobre a classificação de Costa foi levantada junto ao arquiteto Raphael Hardy, em Belo Horizonte. Não conseguimos cotejar esta informação com Hardy, no entanto, ela não corresponde ao que Costa afirma sobre o seu projeto ter sido recusado no concurso, ver: SEGAWA, Hugo, op. cit., p.79. 110 156 e 1936, a reforma na Escola Nacional de Belas Artes, em 1930-31, as propostas para a Cidade Universitária, nos anos de 1937-38, e para a sede do Ministério da Educação e Saúde, em 1936, além do pavilhão brasileiro na Feira Mundial de Nova York, em 1938, e o conjunto urbanístico da Pampulha, em 1942.114 Andrade faz referência às propostas dos arquitetos Ângelo Murgel e Lúcio Costa para Monlevade, relacionando as mesmas às ressonâncias do tipo garden-city no Brasil.115 Como destacamos anteriormente, Andrade ressalta que o anteprojeto de Costa é lembrado muito mais pelo emprego do pilotis, um dos princípios fundamentais da arquitetura moderna, do que pela sua concepção paisagística. Neste sentido, “…percebe-se uma certa influência do tipo norte-americano de ´garden city´, apesar de sua solução incorporar elementos da tradição de morar brasileira. As memórias do arquiteto a respeito desse projeto confirmam sua filiação, ao citar, na abertura do capítulo em que apresenta sua proposta, os arquitetos paisagistas John Nolen e Olmsted, mas também Roy Nash, com uma frase de seu The conquest of Brazil - ´construiu-se a aldeia para o convívio e o calor humano´, sugerindo ser este também seu objetivo primordial no projeto de uma vila para trabalhadores.”116 A solução sobre pilotis, conforme Andrade, se justificava por diversas razões, dentre elas a que visava atender às exigências de adequação impostas pelo próprio sítio de implantação caracterizado pelas encostas íngremes que margeavam o rio Piracicaba. Além disso, Andrade ressalta que, “…o pilotis, que aqui comparece como meio para atender o genius loci, embora não libere totalmente o solo, já promove a elevação do plano das moradias distribuídas ao longo das encostas”117. SEGAWA, Hugo, op. cit., p.79. ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo. São Paulo: 1998, Tese de Doutorado – FAUUSP. 116 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, op. cit., p.390. 117 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de, idem. 118 NOGUEIRA, Aida Pompeo. Projeto moderno e cidade real: habitação social no Brasil dos anos 30. ANAIS DO V SEMINARIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO. Campinas: 14, 15 e 16 de outubro de 1998. 114 115 Já Nogueira relaciona a importância de Monlevade ao tema da habitação social no Brasil, nos anos 30.118 Centrada no projeto delineado por Lúcio Costa, ressalta que o projeto, apesar de não ter sido implementado, testemunhava a busca de uma arquitetura em consonância com uma sociedade, supostamente em transformação. Neste sentido, o acesso à cultura e, por extensão à arquitetura, de acordo com Nogueira, faziam parte de um projeto mais amplo de emancipação social. O projeto para Monlevade, de 1934, teve a sua importância relacionada à própria formação do arquiteto Lúcio Costa, como um ensaio que permitiu também, segundo Nogueira, um encaminhamento voltado para a formação de uma moderna arquitetura brasileira. As soluções preconizadas por Costa, revelavam a opção pela simplicidade, como solução estética. O que se buscava era o equíbrio entre a racionalização econômica, esta, para Nogueira, inevitável e empobrecedora, e o desejo de viabilizar um conjunto que permitisse evidenciar uma arquitetura compatível com a busca da emancipação 157 cultural dos trabalhadores. Em Monlevade, o forte componente nacional inserido na proposta, expressava a intenção de um moderno, adaptado às condições climáticas e ambientais, bem como ao padrão de desenvolvimento tecnológico do país. Para Nogueira, no sistema construtivo proposto, que mesclava o concreto armado com a taipa, temos a manifestação da cultura moderna no Brasil, a partir da combinação do novo com o tradicional, ou seja, a associação do moderno ao nacional e ao popular. O desafio que se colocava para o arquiteto, naquele momento, era, de acordo com Nogueira, uma oportunidade de colocar “a arte e a racionalidade“ em prol da concepção das habitações operárias com um custo reduzido. O fator econômico, entretanto, não era determinante, tendo em vista o seu equacionamento a partir da conjugação dos aspectos estéticos e culturais. Nogueira vai destacar ainda, que Lúcio Costa não se curvou ao programa definido pelo edital do concurso, que previa a disposição dos quartos em comunicação com a sala, gerando circulação inadequada em um espaço de estar. Costa ressaltava a necessidade de prover o mínimo existencial, que leva em conta a programação dos cômodos de modo qualificado, bem como a possibilidade de dispor o mobiliário e as peças, no caso dos banheiros. Na defesa deste mínimo existencial, segundo Nogueira, o projeto de Costa adotava os princípios do movimento moderno, propagados a partir dos CIAM´s, em particular no que se refere à habitação mínima, tema central do II CIAM, realizado em Frankfurt, em 1929. Por fim, Nogueira se refere aos edifícios comunitários, compostos pelo armazém, escola, clube, cinema e igreja cujo programa seguia a simplicidade da concepção das moradias, através da qual Lúcio Costa desenvolveu o sentido da arquitetura moderna no Brasil. No estudo desenvolvido por Correia, o concurso e as propostas de Continentino, Murgel e Costa foram abordados, sendo que a ênfase também volta-se para o projeto deste último.119 Correia analisa o projeto de Lúcio Costa enfatizando a influência do pensamento de Gilberto Freyre, evidenciada na recuperação da noção de “plasticidade” como uma qualidade essencial ao plano, bem como a maneira como o arquiteto promove uma articulação entre a forma dos núcleos fabris e a arquitetura moderna. Conforme Correia, a expressão “elástico”, empregada por Costa no seu memorial, para definir o delineamento pretendido, é esclarecedora a este respeito. Outro ponto de convergência destacado por Correia, refere-se à mistura de técnicas construtivas artesanais e modernas, como uma busca de estabelecer elos entre o novo e o tradicional, entre o local e o internacional, central nas qualidades atribuídas por Freyre ao conceito de “plasticidade”. Correia destaca ainda que “…no projeto das mo- CORREIA, Telma de Barros. O modernismo e o núcleo fabril: o anteprojeto de Lúcio Costa para Monlevade. ANAIS DO VI SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO. Natal, 24 a 27 de outubro de 2000. 119 158 radias o “delineamento elástico” postulado por Costa se expressa no uso de pilotis que permite pousar a casa sobre um solo em declive sem maiores obras de terraplanagem. Também se manifesta na disposição dos blocos de duas casas em ruas irregulares, dotadas, conforme o autor da “feição despretenciosa peculiar às estradas”. O pilotis foi justificado tanto por questões econômicas - a dispensa de movimento de terras em locais de grande declividade e a economia nas fundações -, quanto por questões de conforto ao permitir afastar o piso do solo, eliminando a umidade e ao criar no térreo um amplo espaço útil coberto, agradável para trabalhos caseiros, recreio e repouso.”120 Apesar das inovações que caracterizavam o projeto de Costa, a concepção geral, de acordo com Correia, revela uma total adesão à velha lógica dos núcleos fabris. Neste sentido, os princípios caracterizados pela dispersão, pela neutralização das ruas, pelas moradias econômicas, confortáveis, higiênicas e protegidas dos estranhos, pensadas como lugar de repouso e vida familiar, cujo contraponto é a rua deserta, embutidos na concepção de Costa, são básicos para a organização espacial de núcleos fabris. Além disso, a intromissão da empresa na ordem doméstica revela-se na proposta de controle sobre o que é comercializado, bem como sobre o mobiliário e a decoração interior das habitações. Correia ainda destaca que a “fria lógica contábil que preside o mundo industrial” tem lugar nas propostas desenvolvidas para os prédios de uso coletivo, compostos pela igreja, mercado, clube, escola e cinema.121 Ainda destacamos o estudo de Flynn que, mesmo não abordando nenhuma das propostas, insere o concurso para Monlevade no panorama dos concursos realizados no Brasil, no período compreendido pelos anos de 1857 e 1985.122 A referência ao concurso indica apenas que, em 1934, a Companhia Belgo-Mineira realizou um concurso para a Cidade Operária de Monlevade. A importância deste trabalho coloca-se na constatação de que o concurso foi o único promovido por uma empresa na dotação de moradias e equipamentos sociais para os seus operários. CORREIA, Telma de Barros, op. cit. CORREIA, Telma de Barros, op. cit. 122 FLYNN, Maria Helena de Moraes Barros. Anotações para uma História dos Concursos de Arquitetura no Brasil: 1857-1985, op. cit. 120 121 Outros estudos abordaram o concurso para Monlevade, todavia, o quadro exposto se mostra bastante representativo para o desenvolvimento desta tese. Como já dito, verificamos que o concurso não foi abordado enquanto processo, e ao mesmo tempo, a preocupação em distinguir a experiência de Monlevade em relação a outros casos correlatos, foi pouco explorada. Do mesmo modo, a maioria dos trabalhos não se ateve aos termos empregados, tanto pela companhia, quanto pelos concorrentes, para uma discussão sobre o estatuto desta “cidade”. A formulação de uma “vila operária”, por Lúcio Costa sobressaiu nestes estudos. Constatamos que algumas questões merecem ser enfocadas, como, por exemplo, o equacionamento dos problemas relacionados com a instalação de um novo núcleo urbano, com os vários componentes necessários para o seu funcionamento. Por extensão, entender as idéias urbanísticas, que serviram como fundamentos para as proposições desenvolvidas pelos técnicos. Em Monlevade, o confronto de ideários urbanísticos ofereceu uma oportunidade para a aplicação de princípios que vinham sendo estudados pelos técnicos. Assim, buscar as apropriações e as referências, a partir da própria trajetória destes profissionais e do que era veiculado na cultura urbanística brasileira, nos parece bastante oportuno. É o que nos propomos, no seguimento, para o entendimento das visões diferenciadas, apresentadas pelos técnicos concorrentes para a resolução dos problemas urbanos. 159 160 CAPÍTULO 4 . Idealizações e realizações na trajetória dos técnicos “...Dentre os novos objetos da reflexão histórica internacional, afigura-se a biografia intelectual, cujos enfoques vêm sendo discutidos numa série de trabalhos ao longo dos dois últimos decênios. Os textos metodológicos atestam também as relações entre a biografia intelectual e a micro-história. A proposta desta última, que consiste em fazer do ‘nome’ – próprio, individual, único – o ponto de partida para a construção de uma nova modalidade de história social, marcou época.” (Heliana Angotti Salgueiro: Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão,1997) O estudo da trajetória dos técnicos nos remete à sua formação acadêmica e à sua atuação profissional, esta última com vínculos estabelecidos junto à administração pública e, na esfera privada, através de escritórios de engenharia e arquitetura. A experiência acumulada por Continentino, Murgel e Costa, numa vasta trajetória, revelase através de idealizações e realizações sobre as cidades, como intervenções globais ou localizadas, representadas por meio de inúmeros desenhos e escritos. Como nos referimos anteriormente, para a composição destas biografias intelectuais, extrapolamos os limites temporais definidos para a tese, com a finalidade de proporcionar uma visão de conjunto sobre a produção destes técnicos. A formação destes profissionais, no caso dos arquitetos Lúcio Costa e Angelo Murgel, nos conduz ao curso da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro. Ambos diplomaram-se por esta escola, o primeiro em 1922 e o segundo em 1931, além de terem desempenhado um papel importante no ensino da ENBA. Costa esteve à frente da direção entre os anos de 1930-31, tendo sido responsável por uma reforma profunda, sem, no entanto, ter assumido qualquer disciplina. Neste período, Murgel alcançava a sua diplomação. No período compreendido entre os anos 50 e 70 Murgel integraria o corpo docente desta escola. Já o engenheiro Lincoln Continentino diplomou-se pela Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte em 1923. Em 1927, já atuava como docente, permanecendo até os anos 70. Em Belo Horizonte, Continentino e Murgel integraram a Comissão Técnica Consultiva, criada em 1934, na gestão do prefeito José Soares de Mattos (1933-35). Além disso, ambos pertenceram ao quadro de professores da Escola de Arquitetura da UMG, Murgel ainda nos anos 30 e Continentino em 1941. No Rio, além de ter lecionado na Universidade do Distrito Federal, Costa desempenhou um importante papel na criação do Serviço do Patrimônio Histórico 161 162 e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937. Continentino desenvolveu importantes projetos para Belo Horizonte, além de proposições para cidades do interior de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Murgel também elaborou diversos projetos para Belo Horizonte tendo se transferido, posteriormente, para o Rio de Janeiro, com várias propostas vinculadas ao Ministério da Agricultura. Costa, por sua vez, manteve escritório no Rio de Janeiro, responsável pelo desenvolvimento de um grande número de projetos. Inicialmente, apresentaremos os componentes da sua formação, juntamente com o percurso de cada um, relacionado com o ensino e a participação em eventos técnico-científicos. Aqui, discorreremos sobre os principais trabalhos acadêmicos, as conferências e palestras ministradas e os estudos publicados. Em seguida, discorreremos sobre a atuação destes profissionais através das propostas que elaboraram, sejam vinculados ao serviço público, sejam junto à iniciativa privada. Planos e projetos compõem o rol de trabalhos a serem expostos. Dentre estes trabalhos nos deteremos, em um terceiro momento, sobre aquelas intervenções com maior abrangência territorial inseridas no período privilegiado para as nossas análises, entre os anos 30 e 40. Buscaremos uma compreensão sobre os componentes projetuais configurados e os indícios de referenciais teóricos utilizados. Assim, destacaremos, respectivamente, o “Plano de Urbanismo da Colônia Santa Isabel”, em 1931, a proposta para a “Estância Hidro-Mineral de Araxá”, em 1933, e o “Plano de Urbanismo de Bello Horizonte”, em 1934-41, referentes à atuação de Continentino. Em seguida os projetos de Murgel, como a “Penitenciária Agrícola do Estado de Minas Gerais”, em 1932, a “Universidade Rural do Brasil”, em 1938, e as “Sedes dos Parques Nacionais”, em 1939-41. Por fim, as propostas desenvolvidas por Costa, a “Gamboa: apartamentos proletários”, em 1932, a “Universidade do Brasil”, em 1936-37, e o “Parque Guinle”, em 1943. Através destes projetos, pretendemos ampliar o entendimento da estratégia destes urbanistas, no tocante a uma concepção urbanística, tanto nas intervenções em contextos preexistentes, quanto naquelas intervenções em situações inéditas. Além das trajetórias distintas a serem esboçadas e do que foi composto para Monlevade, como já ressaltado, destacaremos os principais componentes presentes na produção destes técnicos. Presentes e ausentes, diga-se, como referenciais que permaneceram, ou mesmo que foram descartados ao longo do percurso. Recuperaremos, assim, as questões de saneamento e urbanismo na atuação de Lincoln Continentino, a tradição e a modernidade no percurso de Angelo Murgel e a presença da arquitetura moderna no trajeto de Lúcio Costa. 4.1. 163 Questões de saneamento e urbanismo na atuação de Lincoln Continentino Lincoln de Campos Continentino nasceu em Oliveira/MG, em 17 de maio 1900, e faleceu em Belo Horizonte, em 19 de agosto de 1976.1 Diplomou-se em engenharia civil, em 1923, pela Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte.2 Já em 1927 foi contratado como professor para a disciplina de Geometria Descritiva. Entre os anos de 1927 e 1929, cursou a especialização em engenharia sanitária da Universidade de Harvard nos Estados Unidos, como uma missão do governo do Estado, com o apoio da Fundação Rockefeller. Esta especialização, oferecida pelo curso de engenharia, envolvia questões relacionadas com o saneamento urbano, abordando o State and Municipal Sanitation, priorizando temas relativos ao abastecimento de água e ao tratamento de esgotos das cidades. O curso constava de aulas com seminários e provas específicas, bem como trabalhos práticos de laboratório, o que envolvia análises globais sobre projetos. Estas análises eram desenvolvidas por meio de exemplos práticos de cidades como Cleveland, Milwaukee e Buffalo, dentre outras.3 Os tópicos estudados por Continentino foram os seguintes, “Requisite Qualities of Water Supplies, The U.S. Treasury Standards, Natural Purification, Control of Catchment Areas and Reservoirs, Sanitary Control of Water Supplies; Sedimentation and Coagulation; Dosing Apparatus, Mixing Devices, Sedimentation and Coagulation Basins; Filtration, Analysis of Filtering Materials, Sand Handling and Sand Washing, Laboratory Control of Filtration Plants; Design of Slow Sand Filters; Design of Rapid Sand Filters; Iron Removal, Water Softening, Disinfection, Iodization; Sewage Disposal by Dilution, Screening and Grit Chambers; Tank Treatment including Activated Sludge; Design of Settling Tanks and Activated Sludge Tanks; Sewage Filters; Quality of Water Supplies, (…) Planning catchment areas and reservoirs, Sanitary control of water supplies, Scoring systems; Aeration, Corrosion.” Além destes temas estudados, Continentino destacava também outros relacionados com o urbanismo como airports, de Hubbard e colaboradores, Neighborhoods of Small Homes, por Robert Whitten e Thomas Adams e Urban Land Uses, por Harland Bartholomew. (Figura 1) Esta especialização constituiu um referencial dos mais importantes na trajetória de Lincoln Continentino. Neste sentido, a estratégia de aproximação sobre os problemas urbanos de uma maneira prática e objetiva, como apreendido em Harvard, sempre esteve presente na atuação deste técnico. Em Monlevade, como constatamos, esta estratégia Lincoln de Campos Continentino (Oliveira/MG, 1900 - Belo Horizonte/MG, 1976) Os dados biográficos de Lincoln Continentino foram estudados, inicialmente, na pesquisa “Levantamento Documental sobre Urbanismo e Planejamento Urbano no Brasil: 1900-1964”, coordenada pela Profa Maria Cristina da Silva Leme, que tivemos oportunidade de participar vinculados ao “Subprojeto Belo Horizonte” coordenado pelo Prof. Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes da UFBa. Posteriormente, retomamos os levantamentos documentais no seu acervo pessoal junto à Biblioteca da Associação dos Ex-alunos e Professores da Escola de Engenharia da UFMG. Consultamos também o Departamento de Pessoal da UFMG e conversamos com a filha de Continentino, Celina Continentino, em Belo Horizonte. 2 A criação da Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte remonta ao ano de 1911, sendo que o curso foi equiparado ao da Escola Politécnica do Rio de Janeiro no ano de 1917. Em 1927 a escola foi incorporada à Universidade de Minas Gerais, sendo que, em 1949, a universidade foi federalizada recebendo a denominação de Universidade Federal de Minas Gerais. 3 Os dados referentes ao curso de especialização de Continentino nos Estados Unidos foram conseguidos através de correspondência enviada diretamente para a Universidade de Harvard, além de consulta ao seu acervo pessoal como nos referimos na nota 1. 1 164 Figura 1: Anotações de estudos manuscritos de Continentino no curso de especialização em Harvard, Methods of controlling rate of filtration (S.M.Fair), march 16. Fonte: Acervo pessoal de Lincoln Continentino. Esta escola foi fundada em 1930, com a denominação de Escola de Belas Artes de Belo Horizonte, logo transformada em Escola de Arquitetura, a 5 de agosto de 1930, vinculada à Prefeitura. Apenas em 3 de agosto de 1946 deu-se a incorporação da escola à Universidade de Minas Gerais, federalizada em 1949 como nos referimos na nota 2. Já na sua fundação, no sexto ano do curso, a escola previa no seu programa a disciplina de urbanismo. No momento da sua federalização a escola formava engenheiros arquitetos e urbanistas, através do curso de urbanismo criado no ano anterior, em 1948. Em 1952 Continentino proferiu a aula inaugural deste curso. 4 foi essencial. Do mesmo modo, perceberemos aproximações semelhantes nos outros projetos destacados da sua trajetória. Em 1932, Continentino defendeu tese de livre-docente intitulada O problema da limpeza pública, para a Escola de Engenharia da UMG. Este estudo reuniu as informações coligidas por Continentino nos Estados Unidos e em várias cidades mineiras, por meio de observações pessoais e da compilação de livros, revistas, regulamentos, etc.. Da bibliografia anexada listamos os livros Saneamento de Recife e de Santos, por Saturnino de Brito, e La science des plans des villes, de Rey, Ridoux e Barde. Já no período compreendido pelos anos de 1936-39, ele assumiu interinamente a disciplina Higiene geral; higiene industrial e dos edifícios; saneamento das cidades; urbanismo, para a qual prestaria concurso, tendo sido aprovado em 1939 com a tese intitulada Tratamento de esgotos de Belo Horizonte. Esta disciplina, no seu formato original, era ministrada pelo engenheiro Lourenço Baeta Neves com a denominação de Navegação interior e portos do mar; astronomia e geodésica; higiene e traçados de cidades. O programa de Continentino foi dividido em quatro partes, a primeira delas abordando o tema da higiene, a segunda o saneamento, a terceira o urbanismo e a quarta a estatística. Quanto aos referenciais apresentados, no tocante ao urbanismo, a listagem não era extensa, entretanto, estes conduziam a fontes diversificadas. A começar pelo seu próprio livro Saneamento e Urbanismo, publicado em 1937, no qual discorria sobre vários temas, apresentando, ao final os planos para Belo Horizonte e para Monlevade, além de uma conferência sobre administração municipal e urbanismo, realizada no Rotary Club em 1933. A bibliografia ao final do livro relacionava diversos autores brasileiros, como Saturnino de Brito, Aarão Reis, Prestes Maia, Lourenço Baeta Neves, dentre outros, e vários livros e revistas, incluindo-se Der städtbau, de J. Stübben, Town planning in practice, de Raymond Unwin, Urbanisme e Ville radieuse de Le Corbusier. A este elenco de fontes Continentino acrescentava ainda as indicações dos livros Vida e crescimento das cidades, de Joaquim de Almeida Matos, City planning, de Harols Lewis, Recent advances on town planning, de Thomas Adams, Plano das grande avenidas de São Paulo, de Prestes Maia, Remodelation d’une capital, por Agache, Harvard city planning studies, e a President Hoover’s conference on housing. Outras disciplinas foram assumidas por Continentino, como a cadeira de Hidrologia do curso de engenharia e, na Faculdade de Filosofia, a cadeira de Estatística geral e aplicada. Merece destaque a cadeira Urbanismo – Arquitetura paisagística, da qual, no ano de 1941, foi contratado pela Escola de Arquitetura.4 Esta disciplina, compreendia diversos aspectos referentes ao urbanismo complementados por alguns conceitos de paisagismo, com trabalho prático composto pela elaboração de projetos, resolução de problemas específicos, estudos gerais de planos urbanísticos e gráficos. O material didático destas matérias era reunido em apostilas, nas quais apresentava os conteúdos tratados através de interpretações pessoais e compilações da bibliografia que indicava, como nos referimos anteriormente. Além desta experiência didática ele esteve à frente da direção do curso de Engenharia Sanitária e do Instituto de Engenharia Sanitária, tendo sido o fundador de ambos.5 Este percurso revela a sua presença marcante no ensino, em particular nas questões relacionadas ao saneamento e urbanismo, com repercussão direta sobre as cidades. 165 Neste período, ele manifestava o seu descontentamento, por não ver as suas propostas materializadas. Ainda em 1940, cogitou transferir-se para São Paulo, tendo participado de concurso para professor catedrático, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, como candidato à cadeira nº 11 - Hidráulica urbana e saneamento, com a tese “Teoria da filtração das aguas. Filtros lentos, tratamentos preliminares, tipos diversos de filtros lentos. Qualidade da areia, rendimento, orgãos acessórios e pormenores de construção”.(Figura 2) O desencanto com Belo Horizonte vai provocar a sua transferência para o Rio de Janeiro, “…tendo deixado o Estado (de Minas Gerais) e abandonado uma colocação que me garantiria o futuro, cansado de lutar em vão pela causa pública, tive de começar a vida de novo em um grande centro onde tudo é difícil para os principiantes e até hoje prevalece esta situação.”6 Exerceu atividades profissionais na Capital Federal por dez anos, em projetos e construções de saneamento e urbanismo. Mesmo distante, não perderá os seus vínculos com os mineiros, como veremos mais adiante. A participação em eventos técnico-científicos constituiu uma outra frente importante desencadeada por Continentino. Merece destaque a sua presença no 1º Congresso Brasileiro de Urbanismo, realizado no Rio de Janeiro, em 1941, no qual discorreu sobre o seu Plano de Urbanização de Belo Horizonte. Este plano composto como uma proposta de expansão racional para a cidade foi apresentado, ainda em 1935, à Comissão Técnica Consultiva, como veremos mais adiante. A proposta vai ser desenvolvida em outros trabalhos, como no texto Urbanização de Belo Horizonte e seu Saneamento, contribuição ao 2º Congresso Nacional de Municípios Brasileiros e ao 10º Congresso Brasileiro de Higiene, em São Vicente, São Paulo, no ano de 1952. Já em 1954, apresentou o trabalho Urbanismo e Saneamento de Belo Horizonte, no II Con- Figura 2: Capa da tese Teoria da Filtração das Águas. Filtros lentos, tratamentos preliminares, tipos diversos de filtros lentos. Qualidade da areia, rendimento, orgãos acessórios e pormenores de construção apresentada em 1940, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln, 1940. 5 Sobre o Instituto de Engenharia Sanitária, ver: CÂMARA, Marcos Costa. Dados informativos do Instituto de Engenharia Sanitária. Belo Horizonte: 1963. 6 Em correspondência endereçada à Prefeitura de Belo Vale, ver: CONTINENTINO, Lincoln. Carta ao Prefeito de Belo Vale. Rio de Janeiro: 7 de fevereiro de 1945. 166 gresso Nacional dos Municípios e no 10º Congresso Brasileiro de Higiene. As questões relacionadas com o planejamento de Belo Horizonte eram recorrentes nestes trabalhos, nos quais eram descritas as soluções necessárias para a cidade e as dificuldades para a sua implementação, além de abordar outros temas nestes eventos. Ainda em 1935, na III Conferência Pan-Americana da Cruz Vermelha, realizada no Rio de Janeiro, apresentou o trabalho intitulado Saneamento. Contribuição da Engenharia Sanitária para a melhoria das condições de salubridade das cidades. Neste período apresentou a tese Organização de Leprosarios no Congresso de Unificação do Combate á Lepra no Brasil. Este trabalho reunia os componentes projetuais aplicados nos planos desenvolvidos por Continentino para leprosários, os quais eram pensados como núcleos urbanos autônomos, em relação a outras cidades. A segregação dos doentes constituia um elemento vital para a organização destes conjuntos. Assim foram concebidos o Plano Geral do Leprosário de Ibiá/MG, e o Plano de Urbanismo da Colônia Santa Isabel, como analisaremos adiante. O plano para Ibiá envolveu diversas modificações no projeto do arquiteto Aurélio Lopes para a, então, Colônia São Francisco.(Figura 3) Em 1938, Continentino apresentou tese no Congresso Americano de Higiene, em Bogotá, intitulada Saneamento rural – abastecimento d’água – esgotos – coleta de lixo e detritos – o que se faz, se pretende e se pode fazer no Brasil sobre o assunto. Já em 1958, foi promovido em Belo Horizonte, o III Seminário de Professores de Engenharia Sanitária, que contou com a participação de especialistas norteamericanos. Continentino foi o principal responsável pela organização do seminário, tendo proferido o discurso de abertura, no qual fêz um apanhado sobre a questão sanitária no Brasil. Em 1960 participou do I Congresso da Associação Interamericana de Engenharia Sanitária (AIDIS), realizado juntamente com o V Congresso de Professores de Matérias Relacionadas com Engenharia Sanitária, no Rio de Janeiro. Também foi realizado neste evento o Seminário de Controle de Poluição da Água. Continentino apresentou os trabalhos intitulados Água Potável, e Proposta de Criação do Ministério das Municipalidades. Em 1963, dissertou sobre o Abastecimento d’água de Belo Horizonte 167 Figura 3: Plano Geral do Leprosário de Ibiá/MG (Colônia São Francisco), por Lincoln Continentino, desenhado por José Cantagalli, com as modificações sobre o projeto original do arquiteto Aurélio Lopes. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, 1937. 168 – Reservas para quatro milhões de habitantes, no II Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária, realizado em Porto Alegre. Em 1966, participou do 1º Simpósio de Redes Hidrológicas, realizado em Belo Horizonte, com o trabalho Planejamento Global das Obras Hidráulicas e Superestradas de Minas Gerais. Neste mesmo ano, participou do 1º Simpósio de Engenharia Sanitária de São Paulo, com o trabalho Serviços de Água e Esgotos no Brasil: Tendências modernas. Figura 4: Fachada lateral da Uzina-Entreposto de Leite de Bello Horizonte, projeto desenvolvido por Lincoln Continentino para o governo do Estado, em 1932, com desenhos de José Cantagalli. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, 1937. No ano seguinte, no Simpósio sobre Esquistossomose, realizado em Belo Horizonte, apresentou o trabalho Primeira experiência sistemática de profilaxia da esquistossomose do Brasil em Belo Horizonte com a criação do Laboratório de Saneamento da Prefeitura, em 1937. Já em 1971, discorreu sobre o Aproveitamento preferencial dos mananciais das cabeceiras ou bacias altas de rios pouco poluídos, para o abastecimento de águas das grandes cidades, especialmente das metrópoles brasileiras, no VI Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária realizado, realizado em São Paulo. Continentino proferiu ainda diversas conferências e palestras, também com abordagens sobre temas diversificados. Ainda em 1932, a conferência Pasteurização do leite. Plano de Uzina-Entreposto de Beneficiamento de Leite para Bello Horizonte abordou o projeto de sua autoria, na Sociedade Mineira de Agricultura.(Figura 4) Em 1933, discorreu sobre o tema Administração Municipal e Urbanismo, em palestra no Rotary Club de Belo Horizonte, como nos referimos anteriormente. Era a segunda vez que Continentino tratava deste tema, que “…embora interessem profundamente aos municípios, sómente nos últimos tempos, vêm sendo convenientemente discutidos e divulgados os assumptos de administração municipal, principalmente as idéas de urbanismo que apaixonam ás nações mais civilizadas do globo.”7 CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, Belo Horizonte: Livraria Editora Médica, 1937., p.317. 7 Em 1936, na Sociedade Mineira de Engenheiros, discorreu sobre o Plano de urbanismo da cidade industrial de Monlevade. Este projeto desenvolvido em 1934, como analisamos, lhe ofereceu uma oportunidade sem igual. Apesar de ter sido classificado em primeiro lugar, o que lhe valeu a tarefa de desenvolver os projetos definitivos, a descontinuidade que envolveu a realização da cidade e os desvios em relação ao plano original, certamente foram motivos que lhe causararam muitos desapontamentos. 169 Em 1938, outra palestra no Rotary Club abordava os serviços da Inspetoria de Engenharia Sanitária da Diretoria de Saúde Pública de Minas Gerais, naquele momento, sob sua direção. Como percebemos, as preocupações de Continentino centradas em problemas localizados, como intervenções propostas para cidades existentes ou para a criação de cidades novas, foram ampliadas de maneira progressiva. Questões abrangendo problemas regionais se tornariam frequentes na sua atuação. Estas questões também iriam muito além do planejamento urbano penetrando nas esferas da economia, do transporte e da política. No final dos anos 50, os seus alunos da Escola de Engenharia e da Faculdade de Filosofia da UFMG, encaminharam aos candidatos ao governo do Estado, planos e memoriais de projetos desenvolvidos por ele, com proposições para cidades, na qual destacavam que o seu professor era um “…urbanista e sanitarista experimentado que já planejou dezenas de cidades e bairros residenciais, quartéis, entrepostos de leite, matadouros e construiu barragens, viadutos, usinas hidroelétricas, canais, grandes e pequenos edifícios, serviços de água, esgotos, drenagem e arruamentos. Organizou o Instituto de Engenharia Sanitária, o Laboratório de Saneamento da Prefeitura, os Serviços de Cloração da Água e o Plano Diretor de Belo Horizonte.”8 Neste período, em conjunto com outros engenheiros mineiros, Continentino propôs a organização do Departamento de Saneamento e Urbanismo do Estado de Minas Gerais. Em 1952, discorreu sobre o projeto para A construção da Usina Hidroelétrica de Três Marias, na Associação Comercial de Minas Gerais, trabalho relacionado com Comissão do Vale do Rio São Francisco, da qual fazia parte, como veremos nos projetos desenvolvidos mais adiante. No ano seguinte, entregou ao presidente da República, por intermédio da Sociedade Mineira de Engenheiros, o memorial justificativo intitulado Usina Hidroelétrica de Três Marias; Nova Ferrovia Belo Horizonte – Rio de Janeiro, bem como proferiu uma conferência na Associação Comercial de Minas Gerais abordando os Problemas Econômicos de Minas Gerais. Em 1961, apresentou parecer sobre o Desvio parcial do rio Grande para o São Francisco em Furnas, para os deputados membros de uma comissão sobre este assunto, o qual foi também apresentado em Recife, durante o VI Seminário de Professores de Engenharia Sanitária. Neste mesmo ano, encaminhou ofício ao governador do Estado, José de Magalhães Pinto, no qual oferecia os seus serviços como sanitarista, Texto sem autoria e sem data, do acervo pessoal de Lincoln Continentino, provavelmente escrito entre os anos de 1958-59, durante a campanha para o governo do Estado; dos candidatos que receberam o documento foi eleito o sr. José de Magalhães Pinto. 8 170 num momento em que a capital mineira atravessava uma epidemia de gastroenterite. O governador receberia também uma solicitação, por parte de um grupo de engenheiros mineiros, no sentido de uma participação mais efetiva dos técnicos no governo. Mais uma vez foram listados os trabalhos de Continentino, além de ressaltarem os Círculos de Estudos de Saneamento e de Urbanismo, promovidos pela Sociedade Mineira de Engenheiros. Sobre estes círculos não identificamos nenhum trabalho ou mesmo participantes. Em 1964, Continentino proferiu a conferência Planejamento das principais vias de transporte e aproveitamento integral dos recursos hídricos do Brasil para energia hidroelétrica, abastecimento d’água, irrigação, navegação, proteção contra enchentes e saneamento, na Academia de Ciências de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Dos trabalhos publicados por Lincoln Continentino, já nos referimos ao livro Saneamento e Urbanismo, em 1937, uma de suas contribuições mais expressivas para a difusão do urbanismo. Em 1938, o artigo Urbanismo; O plano de Belo Horizonte; Impressões de uma viagem recente à Argentina, destacava as viagens feitas aos estados do Sul, ao Uruguai e à Argentina, além de abordar mais uma vez, o plano para Belo Horizonte, desenvolvido, então, com o apoio do prefeito José Oswaldo de Araújo (1938-40). Este artigo foi publicado novamente em 1940. Neste mesmo ano publicou também o artigo Urbanismo; Generalidades; Subdivisão de terrenos; Vias públicas; Sistemas de transportes; Tráfego urbano, no qual discorria sobre vários aspectos relacionados com o urbanismo, com a indicação de exemplos significativos como o Plano de Avenidas, desenvolvido por Prestes Maia, para São Paulo. A responsabilidade pela organização das cidades cabia ao urbanista. O termo “organizar” sempre foi evidenciado por Continentino nos seus planos, em particular nas intervenções voltadas para a criação de cidades novas ou mesmo envolvendo áreas de expansão das existentes. Este termo estava relacionado com a concepção de um plano de conjunto que envolvia o zoneamento (zoning), o código de edificações (housing), o tráfego, o transporte e o sistema de parques e jardins. A atuação profissional deste grande engenheiro, como uma extensão ao seu percurso acadêmico, além do que já citamos, compreendeu a elaboração de inúmeros projetos. Esta atuação era dividida por trabalhos desenvolvidos pelo Escritório Lincoln Continentino, voltado para a engenharia, o urbanismo e o saneamento, com sede em Belo Horizonte9, e por encargos junto ao poder público, como consultor técnico, nas esferas federal, estadual e municipal. 171 Quando da sua transferência para o Rio de Janeiro, constituiu a Empresa Técnica Lincoln Continentino & Cia. Ltda, com sede nas cidades de Niterói e do Rio de Janeiro, respectivamente.10 Através destes escritórios, incluindo-se o de Belo Horizonte, ele efetuou projetos para prefeituras de cidades mineiras e do interior do Estado do Rio de Janeiro. No Rio, de acordo com seus princípios, sempre esteve em contato com ministérios e órgãos técnicos. No tocante à estratégia para divulgar o escritório, ele próprio enviava cartas de apresentação às prefeituras, nas quais resumia o seu currículo profissional, com propostas para a execução de serviços. Nem todas estas propostas foram aceitas. Em Minas Gerais, Continentino enviou cartas de apresentação para as cidades de Além Paraíba e Porto Novo, distrito desta, Barbacena, Belo Vale, Curvelo, Diamantina, Dores de Boa Esperança, Governador Valadares, Itajubá, Poços de Caldas, Prata, São Lourenço e Vigia. Dentre os trabalhos desenvolvidos por este urbanista, identificamos o projeto para o hospital municipal da cidade de Vassouras e estudos para a Uzina Hidrelétrica de Petrópolis, cidades localizadas no Rio de Janeiro. Em Minas Gerais, vários foram os projetos desenvolvidos por ele. A começar pelo plano de urbanização da cidade de São Lourenço, “…como V. Excia. está informado, executei o plano de urbanização da cidade, baseado nas folhas cadastrais realizadas pelo Departamento Geográfico do Estado e no cadastro urbanístico da cidade e da região que a circunda, feito cuidadosamente por mim em duas longas viagens que fiz a São Lourenço. O trabalho penoso e de grande interêsse dos proprietários particulares com os da cidade, sem prejuizo para as suas condições urbanísticas, foi bem recebido e aceito finalmente pela administração.”11 Para estes planos Continentino sempre contou com a participação de outros profissionais, com os quais dividia as tarefas necessárias para viabilizar a aplicação das suas idéias urbanísticas. Os planos de urbanização envolviam intervenções sobre determinadas realidades existentes, estas estudadas através de visitas in loco e por meio de levantamentos reunidos em plantas cadastrais. Considerava-se, que quanto mais precisos estes levantamentos, maior era o nível de detalhamento das soluções técnicas definidas no plano. Dando sequência aos seus planos, em 1942, concretizou-se a proposta Na documentação levantada, o escritório funcionou nos seguintes endereços: à Rua Gonçalves Dias, nº 320; e, nos anos 50, à Av. Bias Fortes, nº 583. 10 O escritório se localizava à Av. Almirante Barroso, nº90 - 6º andar, em Niterói, e à rua General Câmara, nº 8 - 2º andar, no Rio de Janeiro. 11 CONTINENTINO, Lincoln. Carta ao prefeito de São Lourenço. Rio de Janeiro: sem data. 9 172 Figura 5: Carta ao prefeito Joaquim Rodrigues Silva, de 17 de agosto de 1944, solicitando o pagamento dos serviços prestados na elaboração do Plano de Urbanismo de Belo Vale. Fonte; CONTINENTINO, Lincoln. Carta ao prefeito municipal de Belo Vale, 1944. CONTINENTINO, Lincoln. Carta ao prefeito municipal de Belo Vale. Rio de Janeiro: 17 de agosto de 1944. 13 TEIXEIRA, Romeu Duffles. Carta a Lincoln Continentino. Belo Horizonte: 16 de novembro de 1942. 14 TEIXEIRA, Romeu Duffles, op. cit.. 12 de um plano de urbanização para a cidade de Belo Vale, “…o projeto desenhado pelo distinto engenheiro Romeu Duffles Teixeira, foi um dos melhores trabalhos organizados no estado de Minas.”12 (Figura 5) Ao se referir aos problemas relativos ao pagamento dos serviços para Belo Vale, Teixeira destacava a visita de Agache a Belo Horizonte, “…para opinar sobre Araxá. Esteve lá uma semana recolhendo dados e se ambientando e passou por B. Horizonte. Pela manhã o secretário levou-o ao nosso serviço. 20 minutos depois o Odilon pediu licença para se retirar porque tinha de ir a Pará de Minas. O Agache porém pediu licença para ficar e ficou 2 horas, colhendo com o máximo interesse informação de tudo e tal foi o seu interesse que pediu photographia dos planos para publicar em França. No fim da visita expus ao Agache a planta de Araxá. O Otto Jacobs perguntou-lhe quaes as suggestões que elle dava? Elle respondeu que poderia fazer o projecto completo, o ante-projecto e como viu que havia gente competente, poderia vir aqui de 15 em 15 dias para orientar o estudo. Mas de graça não quis adiantar nada. Disse-me o Peres, que no encontro posterior com o Secretário o Agache pediu 100 contos, só para dar uma idéa. Não o projecto. Ora veja v. meu caro Lincoln, o homem leva idéa de graça e pede 100 contos por uma. Eu acho que elle fez bem. Uma idéa boa de facto, uma solução magistral, pode valer centena de contos. A vinda do Agache foi benéfica, pois mostrou aos nossos homens o alcance e o valor dos trabalhos urbanísticos.”13 Este episódio é revelador do prestígio alcançado por técnicos estrangeiros como Agache, junto aos órgãos públicos, convidados para os mais diferentes empenhos. Ao mesmo tempo, constatamos a maneira pela qual estes eram vistos pelos técnicos brasileiros. O desdém embutido nestes comentários, reflete as dificuldades para a interlocução envolvendo trabalhos conjuntos. Sobre a visita de Agache a Belo Horizonte, o mesmo Teixeira ressaltava que não aprendera nada com o francês e ressaltava a opinião do prefeito de Curvelo, “…eu prefiro mil vezes o urbanismo do Lincoln. A minha impressão é que o Agache é mais paysagista do que urbanista. A sua attenção se fixa demasiadamente em problemas paysagísticos. Assim aconteceu com Cambuquira (plano). Elle continua com aquella idéa de ser o maestro. Das competências que existem no paiz. Não aprendi em duas horas de palestra e debates nada de novo. Apenas vi confirmada a excellente orientação que V. nos deixou.”14 Teixeira destacava ainda o papel de Continentino, como pioneiro na difusão das idéias de urbanismo em Minas Gerais.(Figura 6) O não recebimento dos serviços prestados para Belo Vale, ainda era reclamado, “…treis anos depois da entrega e aprovação do projeto, depois de V. Excia. estar já construindo hà longo tempo obras municipais de acordo com o projeto (…).”15 173 Neste mesmo ano de 1942, o prefeito de Dores de Boa Esperança acusava o recebimento do plano de urbanização desenvolvido por Continentino. O plano se ajustava às demandas para a cidade, atendendo à expectativa da administração pública, “…a planta da cidade: ótimo trabalho, aliás digno de quem o executou.”16 Ainda em 1942, realizou o plano de urbanização da cidade do Prata, além dos projetos para uma praça de esportes e de um hospital, para esta mesma cidade. Outra incumbência, neste mesmo ano, foi o projeto do hospital municipal da cidade de Governador Valadares. Colaboraram neste projeto o engenheiro João Penna Filho e o arquiteto José Cantagalli, este último responsável pela linguagem neocolonial do conjunto. Para Além Paraíba, a proposta de um plano de urbanização não implementada, em 1943, compreendia “…a) uma planta na escala de 1:1000 e outra na escala de 1:2000, contendo todos os novos arruamentos, praças, jardins e parques; b) – uma planta na escala de 1:2000 contendo a divisão da cidade em zonas destinadas às residências, comércio, indústria, vias férreas, parques e jardins e serviços públicos, tais como cemitério, matadouro, mercado, aeroporto, reservatórios d’água, etc.; c) Perfis longitudinais e transversais dos arruamentos, desenhados em papel milimetrado.”17 O plano de urbanização para a cidade de Curvelo, também em 1943, gerou muitas polêmicas, devido às críticas lançadas na administração seguinte, pelos opositores ao ex-prefeito Viriato Mascarenhas Gonzaga. Os componentes definidos por Continentino foram contestados pelo engenheiro Arlindo Araújo, como a avenida de contorno, considerada desnecessária, a ocupação inapropriada de vertentes, o excesso de ruas curvas, ruas retas em topografia acidentada, etc. Para referendar as suas críticas, particularmente ao traçado sanitário de algumas vias, que deveria ter sido respeitado, Araújo se apoiava nos escritos de Saturnino de Brito.18 Continentino tinha muito orgulho da sua elaboração tendo cogitado, inclusive, a publicação do referido plano no “…Suplemento Técnico de Engenharia e Arquitetura, que é uma espécie de anuário das melhores publicações de urbanismo e arquitetura feitas no país (…)”19. Ele ressaltava que várias cidades iriam publicar trabalhos idênticos, como Goiânia, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Em vista destas controvérsias a prefeitura solicitou um parecer técnico à Divisão de Urbanismo do Estado, do qual foi incumbido o engenheiro Romeu Duffles Teixeira. Em correspondência enviada a Continentino, Teixeira elogiava a elaboração do plano “...como sempre, resolveu com economia e elegancia os intrincados problemas da velha cidade.”20 Ao mesmo tempo, Teixeira indagava sobre os perfis transversais Figura 6: Trecho da carta de Romeu Duffles com referência à visita de Agache em Belo Horizonte. Fonte: TEIXEIRA, Romeu Duffles. Carta a Lincoln Continentino, 1942. CONTINENTINO, Lincoln. Carta ao prefeito municipal de Belo Vale. Rio de Janeiro: 7 de fevereiro de 1945. 16 VILLELA, Joaquim. Carta a Lincoln Continetino. Dores de Boa Esperança: 01 de dezembro de 1942. 17 CONTINENTINO, Lincoln. Carta ao prefeito municipal de Além Paraíba. Rio de Janeiro: 1943. 18 ARAÚJO, Arlindo. Urbanismo. Curvelo: s.d.. 19 CONTINENTINO, Lincoln. Carta ao prefeito municipal de Curvêlo. Rio de Janeiro: 10 de outubro de 1944. 15 174 das ruas e avenidas projetadas, necessários para a elaboração do parecer, e solicitava esclarecimentos a respeito de alguns aspectos das soluções definidas. Além disso, desejava saber se havia alguma memória sobre o plano o que seria bastante oportuno naquele momento. Vale ressaltar que Teixeira era amigo pessoal e admirador dos critérios urbanísticos desenvolvidos por Continentino com quem já havia trabalhado, inclusive no próprio Departamento de Urbanismo. No ano seguinte, o engenheiro responderia ao velho amigo, por meio de um relatório contendo os principais esclarecimentos sobre o plano. Para responder às críticas apoiava-se na própria experiência e os seus argumentos se limitavam aos aspectos técnicos das soluções. Assim, justificava a não definição do parcelamento proposto devido à imprecisão da planta cadastral fornecida pela prefeitura. Além disso, listava os pontos criticados, elencando as respectivas soluções projetadas. Quarteirões longos e quarteirões de dimensões excessivas, drenagens, secções de vias, extensão do plano de urbanização e plano ferroviário constituiam os principais aspectos abordados na crítica ao plano. Com relação aos quarteirões longos, acima de duzentos metros, ressaltava a necessidade da introdução de passagens intermediárias para facilitar o deslocamento de pedestres. Já os quarteirões de dimensões excessivas seriam aproveitados para a instalação de chácaras. As drenagens seriam resolvidas por meio de canalizações e as secções de vias constavam dos desenhos em anexo. Sobre a extensão do plano na área não alcançada pelo levantamento altimétrico, “...foram feitas observações que permitiram realizar-se o prosseguimento do traçado das várias ruas e avenidas de importância relevante para o plano de urbanização da cidade, as quais ficarão enquadradas dentro das condições recomendáveis pela técnica moderna.”21 O plano ferroviário envolvia a implementação de um novo traçado para a via férrea, com a previsão de cruzamentos em desnível. O relatório de Continentino atendia aos pedidos de Teixeira e do ex-prefeito Mascarenhas Gonzaga, este último tendo solicitado também títulos, trabalhos executados e informações sobre o curso de urbanismo da Escola de Minas. Estes dados serviriam para que o mesmo pudesse fundamentar a sua resposta ao relatório de Araújo. TEIXEIRA, Romeu Duffles. Carta a Lincoln Continentino. Belo Horizonte: 18 de novembro de 1944. 21 CONTINENTINO, Lincoln. Relatório contendo os principais esclarecimentos sobre o plano geral de urbanização de Curvelo. Rio de Janeiro: 2 de janeiro de 1945. 20 Outra linha de trabalho desenvolvida por Continentino compreendia a consultoria para órgãos públicos. Em Minas Gerais, ainda em 1933, realizou estudos sobre a Desinfecção d’água, para a Divisão de Negócios Municipais, da Secretaria do Interior do Estado de Minas Gerais. Outra incumbência por este órgão, também em 1933, foi a organização do plano de urbanismo Estância Hidro-Mineral de Araxá, o qual nos deteremos mais adiante, realizado sobre o projeto do arquiteto Aurélio Lopes. 175 Continentino integrou uma comissão técnica designada pelo Governo do Estado, para a remodelação da cidade-balneária. Neste mesmo ano, ambos desenvolveram a proposta Um grande hospital moderno para o Rio de Janeiro, memorial justificativo para o projeto do hospital do funcionário público, no Rio de Janeiro, em concurso aberto pelo Instituto Nacional de Previdência.(Figura 7) Em 1934, na administração do prefeito José Soares de Mattos (1933-35), Continentino integrou a Comissão Técnica Consultiva, instalada sob a presidência do engenheiro Lourenço Baeta Neves. A comissão se inspirava “…no exemplo mais feliz das mais prosperas cidades norteamericanas e de muitas européas”22, dividida em cinco subcomissões com o perfil de um Conselho Técnico de Governo, por isso não tendo sido denominada de Comissão do Plano da Cidade. Integrando a subcomissão de arquitetura e urbanismo, juntamente com Fábio Vieira Marques, Luiz Signorelli e Angelo Murgel, além de ter defendido o seu plano de urbanismo para Belo Horizonte perante a comissão, como citado anteriormente, Continentino apresentou relatório sobre a Chloração d’água, para a mesma cidade.23 Ainda em Belo Horizonte, na administração do prefeito José Oswaldo de Araújo (1938-40), também atuou como consultor, tendo desenvolvido, nesta oportunidade o plano para o Bairro Cidade-Jardim “Fazenda Velha”. A concepção do bairro, nos anos 1937/38, se inseria no plano de urbanização de Belo Horizonte, que Continentino dava continuidade naquele momento.24(Figura 8) A implantação do bairro em terrenos pertencentes ao Ministério da Agricultura, situados fora do perímetro delimitado pela avenida do Contorno, mas dando para ela com uma frente de cerca de quinhentos metros, considerava “…uma cidade jardim provida de um parque local, atravessado pelo córrego do Leitão, correspondente a 15% de sua área e envolvendo a sede da Fazenda Velha, único prédio remanescente do antigo arraial do Curral d’El-Rey”.25 Os lotes tinham mil metros quadrados de área e frente mínima de vinte e cinco metros. As edificações deveriam ainda obedecer a um afastamento mínimo de dez metros em relação aos arruamentos. Além disso, não era permitida a vedação dos terrenos por muros altos, com as ruas “…projetadas (...) em cul-de-sac nas extremidades de grotas ou depressões bruscas de terreno. Quando os fortes acidentes naturais não permitiam o traçado de quarteirões retangulares longos e de profundidade reduzida, as áreas em excesso, dos fundos de lotes foram reservadas para pequenos parques internos”.26 Na esfera estadual, desempenhou as funções de engenheiro-chefe da Inspetoria de Engenharia Sanitária da Diretoria de Saúde Pública e diretor do Serviço Figura 7: Projeto do hospital do funcionário público para o concurso instituído em 1933 pelo Instituto Nacional de Previdência, por Lincoln Continentino e Aurélio Lopes. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, 1937. NEVES, Lourenço Baeta. Palavras sobre a Commissão. In: MATTOS, Jose Soares de. Commissão Technica Consultiva da Cidade de Bello Horizonte. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1935, p.17. 23 MATTOS, Jose Soares de, op. cit.. ver também: GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras & LIMA, Fabio Jose Martins de. Pensamento e prática urbanística em Belo Horizonte: 1895-1961. In: LEME, Maria Cristina da Silva (org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999, p.120. 24 GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras & LIMA, Fabio Jose Martins de, op. cit., p.129. 25 CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanização de Belo Horizonte. Revista MINEIRA DE ENGENHARIA, nº25-26, vol.3-4, 1941, pp.41-49. 22 176 Figura 8: Localização do traçado do bairro Cidade Jardim “Fazenda Velha”, por Lincoln Continentino, em 1937/38, em mapa de 1964. Fonte: MINAS GERAIS. Cidade de Belo Horizonte, 1964. 177 de Saneamento e Urbanismo da Secretaria de Viação e Obras Públicas, no período de 1936 a 1941. Em 1939, à frente deste Serviço, desenvolveu o Plano de Urbanismo de Tremedal, cuja concepção previa um traçado jardim, com avenida de contorno, recuos de cinco metros e passeios com faixa gramada e arborização. Continentino já havia realizado outros trabalhos para este órgão, como os planos para os leprozários de Ibiá e Santa Isabel, citados anteriormente. Além destes relacionamos o projeto para Hospital padrão para pequenas cidades, em 1933, desenhado pelo arquiteto José Cantagalli, em linguagem art decó, com programa que incluia um páteo central, um pavilhão de isolamento e um laboratório. E o projeto para o Sanatório de Belo Horizonte, em 1934, também desenhado por Cantagalli, com partido definido por um bloco único em dois pavimentos. Ainda no período de 1936-37, atuou como consultor técnico do Ministério da Educação e Saúde, tendo integrado a comissão do projeto para a Universidade do Brasil, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Também prestou consultoria para as administrações de Américo René Gianetti (1951-55) e Celso Mello de Azevedo (1955-59). Em 1954, foi nomeado pelo prefeito Américo Renê Giannetti para integrar a Comissão de Inquérito e Investigações sobre o desastre da Barragem da Pampulha, juntamente com os engenheiros Milton Vargas, Antônio Costa Nunes, Carvalho Lopes e Dante Frederico. A ruptura da Pampulha causou diversos problemas para Belo Horizonte. No ano seguinte, Continentino vai integrar o quadro da Comissão Técnica da Cidade Universitária de Minas Gerais, juntamente com o engenheiro Adhemar Rodrigues e os arquitetos Eduardo Mendes Guimarães Júnior, Italo Pezzuti e Sylvio de Vasconcellos.(Figura 9) Com relação à Cidade Universitária, a comissão recebera a incumbência da revisão dos antigos planos, bem como da elaboração de outros mais recentes, caso fosse necessário.27 Ainda em 1951, Continentino integrou a Comissão do Vale do São Francisco, tendo colaborado para a realização de planos de urbanização para várias cidades, dentre as quais Pirapora/MG, Petrolina/PE, Juazeiro/BA, Propriá/SE e Penedo/AL. À frente desta comissão, o engenheiro Francisco de Paula Marques Lopes que contava com a colaboração de outros profissionais, dentre os quais listamos os arquitetos Hélio Modesto, Israel de Barros Correia, Francisco de Paula Lemos Bolonha e Vicente Gambardella, além do engenheiro Daniel Martinho da Rocha e do advogado Paulo Paulista de Ulhôa Cintra, este último especialista em legislação urbanística. A comissão tinha por tarefa o estudo dos “…problemas urbanísticos das cidades e suas soluções, dentro dos preceitos modernos.”28 Figura 9: Esquema do projeto da Cidade Universitária da UMG, de Eduardo V. Pederneiras analisado pela Comissão Técnica. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln et al. Cidade Universitária, 1955. CONTINENTINO, Lincoln, op. cit. CONTINENTINO, Lincoln et al. Cidade Universitária: Memorial da Comissão Técnica de Revisão – Legislação, Contratos e Pareceres sobre o planejamento e organização atuais. Belo Horizonte: UMG, 1955. 26 27 178 LOPES, Francisco de Paula Marques. Comissão do Vale do São Francisco: plano de urbanização; Pirapora/MG, Petrolina/PE, Juazeiro/BA, Propriá, Penedo/AL. Rio de Janeiro: 1951, p.11. 29 LOPES, Francisco de Paula Marques, op. cit., p.85. 28 O método de abordagem foi o mesmo para todos os municípios, tendo sido elaborados planos de urbanização, considerando as especificidades de cada realidade local. Nas conclusões do estudo era apontada a necessidade da criação de uma Comissão do Plano da Cidade com a finalidade de assegurar a continuidade na execução das obras dos planos. Assim, “…se por um lado, ao urbanista cabe o estudo dos problemas urbanos, que se traduzem no Plano Diretor, com todos os seus detalhes técnicos, à – “Comissão do Plano da Cidade” incumbe a interpretação dêsse conjunto de elementos em face das necessidades locais e regionais, determinando a seriação e sequência da execução das obras, ao mesmo tempo que adaptando-se às contingências e possibilidades financeiras e a todos os elementos mutáveis com o tempo.”29 Outras sugestões diziam respeito à publicidade do plano e à legislação urbanística adequada para desenvolver uma consciência urbanística na população e permitir traçar as normas diretoras do plano. Ao final, foi anexado um modelo de código de obras dividido por seções abrangendo diversos dispositivos relacionados com a construção de edificações isoladas ou mesmo a implementação de conjuntos urbanísticos. As cinco cidades foram visitadas por Continentino, à frente dos trabalhos de organização dos respectivos planos diretores. Os mesmos componentes projetuais foram utilizados na elaboração destes planos que levavam em conta as características, possibilidades, necessidades e tendências de cada localidade. Por meio destas análises, foram definidas as linhas geradoras da proposta de intervenção. O plano de urbanização compreendia diversos aspectos, o primeiro deles envolvendo os seus elementos funcionais relacionados com a circulação e o tráfego. A seguir, eram abordados os bairros novos e a remodelação das zonas existentes, assim como os espaços livres para recreação e esportes. Por fim, a previsão de uma zona de expansão, que incluia estes novos bairros, e o zoneamento proposto. Nestes planos, sobressai a idéia da ampliação das áreas verdes pela criação de parques, praças e jardins. Avenidas parque (parckway) foram empregadas pelo urbanista para uma maior penetração do verde no ambiente urbano. O zoneamento composto por áreas residenciais, comerciais, industriais e de lazer considerava as tendências reveladas naquele momento pelas diferentes realidades estudadas. As preocupações com o saneamento não comparecem como nos projetos desenvolvidos no período anterior, compreendido pelos anos 30-40. Por outro lado, a questão viária sobressai nestas propostas, pela ênfase dada à circulação e ao tráfego urbanos. Para Pirapora/MG, o plano previa a integração entre o porto e a rede ferroviária. Estes dois equipamentos se colocavam como importantes elementos fun- 179 cionais inseridos na cidade baixa, esta de características predominantemente comerciais e portuárias.(Figura 10) Na cidade alta prevalecia o uso residencial. Ali, foram propostas modificações no esquema do traçado preexistente em quadrículas com o intuito de permitir uma circulação de veículos mais adequada. Estas modificações se traduziam na colocação de rótulas nos cruzamentos e nas vias de penetração. Foram definidos ainda uma avenida perimetral e proposta de criação de novos bairros. Estes bairros conservavam “...o espírito do traçado geral em xadrez, tendendo para quadras alongadas e com parques centrais, destinados ao recreio de seus moradores.”30 Além da criação de bairros novos o plano envolvia a remodelação das zonas existentes. A circulação e o tráfego urbano, como elementos funcionais do plano constituindo a rede de viação englobavam os projetos do aeroporto, da estação ferroviária, do porto fluvial, do estádio municipal interligados de maneira eficiente pelo sistema viário. Com relação aos espaços livres para recreação e esportes estes foram ampliados, sendo que para a praça de maiores dimensões existentes foi previsto “...um projeto de ajardinamento com paisagismo-modernista.”31 Foi definido ainda um zoneamento para a cidade considerando as tendências demonstradas em termos de áreas comerciais e residenciais, bem como zonas de transição, tendo sido, assim, evitado o estabelecimento de um zoneamento rígido. O plano para Petrolina/PE, teve como linhas mestras a intercomunicação entre o porto e o aeroporto, de maneira integrada com a cidade existente. O sistema viário foi determinante composto por cinco avenidas: Beira-rio, Perimetral, Marginal ferroviária, uma ligando a Estação Ferroviária ao Aeroporto e a quinta, ligando este ao Porto. Do mesmo modo, estes componentes relacionados com a circulação e o tráfego tiveram um tratamento especial.(Figura 11) Foram previstos também os projetos do porto, do aeroporto, da estação ferroviária e do estádio. Em seguida foram abordados os bairros novos e a remodelação das zonas existentes, com uma clara preocupação na ampliação dos espaços livres incluindo-se a criação de um parque municipal. Além da expansão proporcionada pela criação destes bairros, foi sugerido o incentivo à ocupação da fraca densidade das edificações na área central. Neste sentido, a extensão da cidade não deveria ser permitida pela municipalidade, a não ser “...quando as condições permitirem, será então projetada esta extensão, dentro das normas do urbanismo, atendendo-se às necessidades da época.”32 Para Juazeiro/BA, o centro comercial da cidade foi determinante para o plano que envolveu a inserção de avenidas de grande capacidade de tráfego nesta área central.(Figura 12) A necessidade de ampliação dos espaços livres, também se mostrou 30 31 LOPES, Francisco de Paula Marques, op. cit., p.18. LOPES, Francisco de Paula Marques, op. cit., p.25. 180 Figura 10: Plano Geral de Pirapora/MG. Fonte: LOPES, Francisco de Paula Marques. COMISSÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO, p.16a. 181 Figura 11: Plano Geral de Petrolina/PE. Fonte: LOPES, Francisco de Paula Marques. COMISSÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO, p.31a. 182 necessária, com a previsão de um parque municipal de grandes proporções. As áreas verdes deveriam penetrar “...através da cidade, por meio de Avenida Parque (Parckway), cujas extremidades se apoiam em jardins, formando um ‘sistema de parques’.”33 O Porto, a estação ferroviária e o estádio foram configurados. A circulação e o tráfego também foram estudados para a melhoria das condições de circulação, com destaque para a avenida perimetral de contorno envolvendo a cidade. Novos bairros foram previstos com espaços livres para recreação e esportes, bem como a criação de museu e parque zoológico e botânico. O zoneamento também considerava as tendências reveladas pela cidade, com a previsão de uma zona portuária e uma zona industrial ligadas por um ramal ferroviário. Em Propriá/SE, o plano foi estruturado por meio de uma via mestra de penetração na cidade.(Figura 13) Esta via constituia um prolongamento de percurso existente, reestruturado para permitir a ligação facilitada entre os contrafortes adensados que caracterizavam a ocupação da cidade. Também foram previstas vias marginais à ferrovia e uma perimetral ligando as partes baixas. Os bairros novos compreendiam um bairro residencial de traçado simples e um bairro proletário. Foram pensados também o porto, a estação ferroviária, o estádio e o aeroporto, bem como a integração destes equipamentos por meio de uma melhoria na articulação do sistema viário. Os espaços livres para recreação e esportes também tiveram um tratamento diferenciado, com a proposta de um clube náutico às margens do rio São Francisco. Mais uma vez o zoneamento acompanhou as tendências demonstradas pela cidade, com previsão de área de expansão em sistema de vias adequado à topografia. O plano para Penedo/AL, também partiu de uma diretriz viária, através de uma avenida que ligaria o porto e a zona comercial à zona residencial.(Figura 14) Esta avenida faria a ligação entre as áreas existentes e as futuras áreas de expansão. Foram pensadas também as instalações do porto, do aeroporto e do estádio, bem como melhorias para o sistema viário. Além disso, foi considerada a proposta de bairros novos e de remodelação das zonas existentes. Parques, praças e jardins foram dispostos para a recreação e os esportes. Foi proposta ainda a criação de um clube náutico. Núcleos comerciais foram dispostos em determinados pontos para o abastecimento local. As tendências demonstradas na cidade serviram como referencial para a definição do zoneamento. 32 33 LOPES, Francisco de Paula Marques, op. cit., p.39. LOPES, Francisco de Paula Marques, op. cit., p.48. Já em 1955, Continentino encaminhou à comissão a proposta de plano de urbanização para a cidade de Januária/MG. Neste mesmo ano, também desenvolveu 183 Figura 12: Plano Geral de Juazeiro/BA. Fonte: LOPES, Francisco de Paula Marques. COMISSÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO, p.46a. 184 Figura 13: Plano Geral de Propriá/SE. Fonte: LOPES, Francisco de Paula Marques. COMISSÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO, p.61 a. 185 Figura 14: Plano Geral de Penedo/AL. Fonte: LOPES, Francisco de Paula Marques. COMISSÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO, p.73 a. 186 estudo para o plano de urbanização da cidade de Capitólio/MG. Para esta cidade, introduzia-se um cinturão verde, marginal ao rio e a criação de uma avenida beira-rio, que se prolongava contornando o centro urbano. A vila de trabalhadores existente, afastada deste centro, seria transformada em vila-jardim. Ainda foram projetados parques, praças e, para uma das vias, foi adotada a solução em “cul-de-sac”. Foram previstos também equipamentos públicos como hospital, posto de saúde e matadouro, além de uma praça de esportes. Ainda identificamos o projeto para o Bairro Minas-Brasil, em Belo Horizonte, que também remonta ao ano de 1955, com traçado adaptado ao sítio, em terreno contíguo ao mosteiro Imaculada Conceição. Para as ruas foi sugerida a solução do tipo “cul-de-sac”, acrescida de praças e intensa arborização. 4.1.1. 187 Plano de Urbanismo da Colônia Santa Isabel A proposta desenvolvida para o leprosário Colônia Santa Isabel, em 1931, envolveu um plano geral, em área localizada a quarenta e cinco quilômetros de Belo Horizonte, com traçado ortogonal e vias com solução do tipo cul-de-sac, além de unidades habitacionais, administrativas e comerciais, capela, cemitério e campos de recreação. A colônia abrigaria dois mil habitantes, dentre os quais mil doentes, sendo que posteriormente, foi desenvolvido estudo para ampliar a capacidade da colônia para dois mil doentes. O terreno, situado no município de Santa Quitéria/MG se configurava como uma encosta que desaguava no rio Paraopeba. O plano de Continentino organizado junto ao Serviço de Saneamento da Secretaria de Viação e Obras Públicas aproveitava teses já defendidas pelo próprio autor sobre leprosários. Nesse sentido, “…quanto mais effectivo o caracter de cidade, peculiar a um leprosario, tanto mais restricta deve ser a applicação ao mesmo, das regras de urbanismo.”34 Este plano foi apresentado em uma conferência, pronunciada em 1932, na Sociedade Mineira de Engenheiros, motivada pelos protestos do engenheiro J. Fulgêncio de Paula, expressos nesta mesma sociedade, contra a execução da Colônia. Continentino abordou, inicialmente, questões gerais, referentes à localização da colônia, como um leprosário regional. Ressaltava a importância da segregação dos doentes, a partir de outros exemplos, e o problema das fugas, que interferia na segurança dos leprosários, também elencando vários exemplos. Em seguida, passava a discorrer sobre o plano, que fôra sintetizado em um álbum, “…compreendendo 79 desenhos, 50 dos quaes executados pela Inspectoria de Engenharia Sanitária, nos últimos 8 mezes, em que os serviços de conclusão da construcção e installação estiveram sob a minha orientação e onde tive o prazer de contar com a competente collaboração do collega dr. José Guimarães de Almeida, para tal fim commissionado pelo director da Secretaria da Agricultura. Os desenhos da Inspectoria de Engenharia foram executados pelo sr. José Cantagalli.”35 Na configuração da Colônia Santa Isabel, de acordo com o próprio Continentino, foram observados os princípios de urbanismo para a organização de leprosários.(Figura 15) Ressaltava-se a necessidade de um aproveitamento das condições naturais da topografia, na implantação dos arruamentos, devendo-se evitar a disposição em quadrículas, a não ser nos casos em que os terrenos possibilitassem 34 35 CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, op. cit., p.247. CONTINENTINO, Lincoln, idem., p.259. 188 Figura 15: Plano de urbanismo para a Colônia Santa Isabel, por Lincoln Continentino, em 1931. Fonte: Continentino, Lincoln. Saneamento e urbanismo. 189 este tipo de solução. Além disso, a inserção dos equipamentos públicos deveria ser feita de maneira a facilitar o acesso, por parte dos doentes. Considerava também que a proporção das áreas deveria ser de 20 % para as ruas, os mesmos 20 % para os parques e jardins, de 57 % para as edificações e de 3 % para as instalações de comércio, indústria e oficinas. No que se refere ao parcelamento, os lotes da zona residencial deveriam ter profundidade em torno de trinta a quarenta e cinco metros, com ocupação que considerasse recuos laterais e afastamento frontal de cinco metros. Em determinadas situações, caso não fosse possível manter estes recuos, Continentino recomendava a construção de casas geminadas ou mesmo habitações coletivas para evitar a proximidade entre os blocos edificados. Outro ponto abordado, tratava da beleza natural dos terrenos, a ser aproveitada, incluindo-se as áreas não edificáveis, que deveriam ser destinadas à implantação de parques. A declividade das vias não deveria exceder os 8 %, com tolerância de até 12 %. O zoneamento se colocava como um instrumento de segregação dos doentes em relação ao pessoal administrativo. Entre estes dois setores, Continentino recomendava uma faixa neutra de aproximadamente trezentos metros. Com relação aos doentes, preconizava a separação entre os doentes do sexo masculino, em relação às mulheres, crianças e famílias. Esta setorização incluia também áreas reservadas para higienização, para serviços, para tratamento, para lazer, para estudos experimentais e para culturas e criação. Para a parte habitacional, tanto dos doentes quanto do pessoal administrativo, “…convem adoptar-se arruamento do typo de ‘cidades-jardins’, (onde haja faixas gramadas e canteiros no centro ou junto aos passeios) ou ainda melhor, do typo de bairros (‘neighbourhood units’)”.36 Para o plano da Colônia Santa Isabel, Continentino aplicou estes princípios, procurando uma adequação do partido global ao sítio de implantação. O programa do conjunto era extenso e foi definido por meio de um zoneamento funcional, para possibilitar o isolamento total dos doentes, com relação aos centros urbanos circunvizinhos (Brumadinho e Sarzedo). A colônia era totalmente cercada, com acesso apenas por um portão principal, que conduzia à zona de administração composta pela residência do médico-diretor, prédio da administração e internos,bem como residências de funcionários.(Figura 16) A zona de estudos era composta pelo laboratório de pesquisas, usina elétrica, farmácia e posto policial. Contíguos a esta zona, uma instalação para purificação e elevação de água potável e o pavilhão de observação de doentes. Outras zonas definidas foram as de culturas, hortas e pomares e as de criação e pastagens. A zona de doentes era confinada entre o rio e as outras zonas, com cerca reforçada Figura 16: Portal de acesso da Colônia Santa Isabel, por Lincoln Continentino, em 1931. Fonte: Registro fotográfico por Raquel Portes, em 2002. 36 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.250. 190 Figura 17: Esquema da instalação frigorífica da Colônia Santa Isabel, por Lincoln Continentino, em 1931. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, 1937, p.160. CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.263. CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.267. 39 CONTINENTINO, Lincoln, idem. 37 38 e faixa de proteção arborizada aproximadamente com trezentos metros de largura. Ele ressaltava que “…a zona dos doentes é uma verdadeira cidade, com arruamentos de 15 metros de largura, macadamizados lateralmente, e ajardinados ao centro. Há illuminação publica.”37 Uma via principal fazia a ligação entre a zona de administração e a dos doentes, com os prédios do refeitório geral, da policlínica, da lavanderia, do desinfectório. As habitações foram dispostas de maneira diferenciada: De um lado, as casas geminadas para os casados, as moradias coletivas para as mulheres, além das casas para mulheres solteiras e uma enfermaria. Do outro lado da via, as residências para os homens, configurando trinta moradias e, também, uma enfermaria. No extremo da colônia, foi localizado o cemitério. Além da organização do plano de urbanismo, considerando os princípios para a configuração de uma cidade nova, foram abordadas também, questões referentes ao abastecimento de água, aos esgotos e às instalações elétricas. Diversos componentes foram projetados como instalações frigoríficas, filtros e cloradores para água, etc.(Figura 17) Foram previstos equipamentos públicos como igreja, cemitério e necrotério, dentre outros. Assim, “...ficará a Colônia Santa Isabel perfeitamente apparelhada para realizar a grande obra de reclusão dos doentes, sem nenhum perigo para as populações circumvizinhas e particularmente para a Capital do Estado. Ainda poderá todos os annos dar alta a muitos doentes que, si não ficarem definitivamente curados, deixam, comtudo, de constituir uma ameaça á saude publica, pois não serão contagiantes.”38 (Figura 18) Nas suas conclusões, Continentino reiterava a necessidade da criação da colônia, por parte do governo do Estado, e refutava os argumentos contrários à sua instalação, destacando que “...o plano geral da colonia offerece garantias sufficientes para evitar a contaminação do pessoal administrativo, uma vez que sejam mantidas medidas de hygiene rigorosas.”39 191 Figura 18: Vista da Colônia Santa Isabel na década de 30. Fonte: RUGANI, Jurema Marteleto. Betim no caminho que vai das Minas à industrialização: a lógica da organização do espaço dos centros industriais metropolitanos, p.158. 192 4.1.2. 193 Estância Hidro-Mineral de Araxá O plano para o Barreiro de Araxá, envolveu a necessidade da urbanização de uma área de expansão no entorno da cidade balneária do Araxá, em Minas Gerais. Já havia um estudo desenvolvido para o local, esboçado pelo arquiteto e urbanista Aurélio Lopes, que trabalhara com Continentino em outros projetos, como nos referimos anteriormente, em relação ao concurso para o Hospital do Funcionário Público, no Rio de Janeiro, no mesmo ano de 1933.40 A proposta desenvolvida por Continentino aproveitava muito pouco da situação existente, envolvendo uma intervenção de requalificação, por meio de um plano de urbanismo, para a área destinada à implantação do projeto.(Figura 19) Esta incumbência foi deliberada pelo governo do estado de Minas Gerais que, em 1933, designou uma comissão especial para realizar os estudos preliminares, visando a remodelação geral da Estância Hidromineral de Araxá.41(Figura 20) O pressuposto para o plano, foi que a área proporcional destinada aos logradouros públicos, parques e jardins, deveria ser naturalmente maior do que as cidades tradicionais. O projeto envolveu a divisão da gleba em três áreas: A zona residencial, que abrangeria cerca de mil lotes, com capacidade para abrigar seis mil habitantes, a zona comercial disposta em dois quarteirões e, por fim, a zona de parques e jardins, com destaque para o parque da estância hidromineral. O parque foi situado no centro da estância, limitado por uma avenida de contorno, sendo que, ali foram localizados os principais equipamentos, como o Grande Hotel, o Cassino, as Fontes, o Balneário, a Praça de Esportes com a piscina e o campo de recreio para as crianças. O traçado buscava uma adequação com o sítio, sendo que “…os perfís dos arruamentos foram organizados de acordo com as condições de tráfego máximo previsto. Tratando-se verdadeiramente de uma cidade-jardim, foi previsto o máximo possível de área gramada e ajardinada. (…) Outra norma geral seguida no projeto dos arruamentos foi aproveitar os leitos dos inúmeros e abundantes córregos da bacia do Barreiro, para projetar, ao longo deles, avenidas canalizadas. (…) Adotou-se várias vezes em condições especiais do terreno, em zona residencial, o sistema de arruamentos cul-de-sac, quando se pôde realizar melhor aproveitamento do terreno loteado e facil drenagem de aguas”42. As margens das avenidas foram previstas com forração em grama e arborização, reservando-se diversos trechos para estacionamento. Para a parte residencial, foram estabelecidos parâmetros urbanísticos específicos como uma taxa de ocupação de 25 % da área dos lotes e distância mínima Figura 19: Aspecto da locação dos equipamentos na área destinada à Estância Hidro-Mineral. Fonte: MINAS GERAIS. Barreiro do Araxá – área destinada à Cidade Balneária. O papel de Aurélio Lopes, no caso do Barreiro do Araxá, se resumiu ao esboço inicial do projeto, tendo em vista que coube ao próprio Continentino aprofundar o programa de necessidades para o projeto definitivo, como exposto no seu memorial, bem como estruturar as diretrizes urbanísticas para a estância balneária. 41 Da comissão faziam parte também, além do próprio Continentino, os engenheiros Andrade Junior, do Serviço Geológico Federal, David Mourão e Carvalho Lopes, do Departamento de Comércio, Indústria e Estâncias Hidro-Minerais, e Fábio Vieira Marques vinculado, como Continentino, à Inspetoria de Engenharia Sanitária da Diretoria de Saúde Pública. 42 CONTINENTINO, Lincoln. Estância Hidro-Mineral de Araxá: memorial justificativo do plano de urbanismo da cidade balneária. Belo Horizonte: 1933, pp.3-4. 40 194 Figura 20: Barreiro do Araxá, Lista das áreas do plano geral da Estância Hidro-mineral do Barreiro do Araxá, com indicações de quarteirões e áreas, compreendendo áreas das ruas e praças, áreas dos parques, áreas dos quarteirões. A lista foi arquivada em duas partes como apresentado acima. Fonte: Continentino, Lincoln. Estância Hidro-Mineral do Barreiro do Araxá. 195 de cinco metros, tanto para o afastamento frontal, quanto para os recuos laterais. Os loteamentos foram projetados com dimensões devido às necessidades de maior conforto e às imposições do terreno acidentado. A parte comercial foi projetada em dois quarteirões, com acesso facilitado para a carga e a descarga de mercadorias, sendo que um destes quarteirões foi destinado a abrigar as instalações do mercado. Ressaltava-se ainda a inserção na área central, do centro cívico, composto pela Prefeitura, os Correios e Telégrafos e a Clínica Crenológica. Fazendo a ligação da Estância Balneária com a cidade de Araxá, previu-se a construção da Estação Terminal Rodoviária, sendo que o leito da estrada de acesso deveria aproveitar o leito abandonado da Rede Mineira de Viação. A proposta de Continentino considerava também a necessidade da instalação de um aeroporto fazendo esta ligação, tendo em vista que este “…virá a constituir em futuro não muito remoto, um dos principais meios de comunicação da estância com os grandes centros do país, pelo conforto e rapidez da viagem.”43 No seu programa estava incluída ainda uma reserva florestal, nas proximidades do conjunto, há cerca de três quilômetros. Previu-se também a construção de uma vila operária, uma escola, uma igreja, um sanatório e um cemitério. No seguimento, havia a preocupação com uma infra-estrutura necessária para o bom funcionamento da estância hidromineral. Neste sentido, fazia indicações com relação ao abastecimento de água, ao sistema de esgotos, ao fornecimento de energia elétrica, às instalações sanitárias, ao abastecimento de leite e de carne (matadouro), à limpeza pública e ao saneamento rural. Em 1942, como nos referimos anteriormente, o urbanista francês Agache, foi convidado pelo governo do Estado para opinar sobre Araxá.44 Permaneceu por uma semana na cidade, recolhendo dados, e na passagem por Belo Horizonte, consultou o material já produzido sobre a estância balneária, o que muito o impressionou, tendo cogitado a sua publicação na França. Ele condicionou as suas opiniões sobre o projeto a um contrato estipulado em cem contos de réis, que parece não ter sido acertado, “... não sei si o Secretário combinou os 100 contos pela idéa, mas dizem que ele ficou desapontado, naturalmente achava que o homem aqui viria pelo prazer do passeio, honra do convite e vantagem da propaganda.”45 Como constatamos, a proposta desenvolvida por Continentino permaneceu no papel, “...e no final a gente lamenta, que CONTINENTINO, Lincoln op. cit., p.6. Conforme correspondência enviada pelo engenheiro Romeu Duffles a Continentino, em 16 de novembro de 1942, como citado na nota 13, ver: TEIXEIRA, Romeu Duffles, op. cit.. 45 TEIXEIRA, Romeu Duffles, op. cit.. 43 44 196 46 TEIXEIRA, Romeu Duffles, op. cit.. durante tantos annos de sua desvelada actividade profissional em Minas, os nossos administradores o não tenham aproveitado. Em todo o caso em seu trabalho pioneiro, v. deixou a semente e os primeiros fructos já vão apparecendo.”46 4.1.3. 197 Plano de Urbanismo de Belo Horizonte Os anos 30 representaram um momento de inflexão na urbanística de Belo Horizonte. Como uma cidade nova, cuidadosamente planejada por uma comissão técnica, a capital mineira revelava o fracasso e a descontinuidade do seu planejamento. A cidade inaugurada a 12 de dezembro de 1897, expandira os seus horizontes sem limites, dificultando o controle urbanistico por parte do poder público. Os efeitos da forma de crescimento desordenado, provocavam uma postura mais crítica com relação a este desenvolvimento urbano. Novas oportunidades de formação profissional e novos foruns, ampliavam os debates nos quais a cidade passava a ser discutida e reproposta.47 O plano para Belo Horizonte se insere nestes debates. Para Continentino, este constituiu um desafio dos mais importantes, como uma oportunidade para jogar com a sua experiência e o seu prestígio consolidados. Ao mesmo tempo, as dificuldades para a implementação do plano, contribuiram para aumentar o seu descontentamento com a cidade. Como nos referimos anteriormente, a transferência deste técnico para o Rio de Janeiro, nos anos 40, foi motivada, principalmente, pela não materialização das suas idéias. A proposta pensada de maneira global para a cidade vai ser aplicada de modo fragmentado, estendendo-se por vários anos, entre os anos 30 e 40, avançando pelo início dos anos 50. Em diversos momentos, Continentino dará continuidade ao plano, por meio de consultorias que prestará nas administrações que se seguiram, além de exposições em eventos técnico-científicos e publicações. Já em 1934, Continentino abordava questões relacionadas com o desenvolvimento da cidade e a necessidade da elaboração de um plano de urbanismo, o qual já havia sido explorado em conferência realizada no Rotary Club de Bello Horizonte, no ano anterior. Ele discorria sobre a hipótese da mudança da capital da República para Belo Horizonte.48 Como outros grandes centros urbanos, Belo Horizonte evidenciava a necessidade de um plano para responder aos problemas enfrentados pela administração pública. Neste sentido se colocava “…o plano geral de remodelação e extensão das cidades ou plano de urbanismo (…) de importância capital, pois elle permittirá orientar o desenvolvimento e crescimento da «urbs» segundo normas pre-estabelecidas e indicadas pela technica e pela experiencia, como sendo as mais aconselhaveis.”49 Ao invés de uma expansão descontrolada, “…em vez da cidade crescer e se desenvolver ao acaso, desorganizadamente, passará a obedecer a regras seguras de orientação para o futuro. A influencia do plano de urbanismo sobre as cidades modernas é acentuada e GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras & LIMA, Fabio Jose Martins de. Pensamento e prática urbanística em Belo Horizonte: 1895-1961. In: LEME, Maria Cristina da Silva (org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965, op. cit. 48 Conforme entrevista A mudança da Capital da República para Bello Horizonte – Interessantes considerações de Ordem Technica expostas pelo Dr. Lincoln Continentino, em torno das Condições Urbanísticas da Metrópole Mineira, publicada no jornal Estado de Minas, ver: ESTADO DE MINAS, 20 de fevereiro de 1934, p.5. 49 CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, op. cit., p.321. 47 198 de um modo geral, os serviços públicos da água, esgotos, saneamento, limpeza pública, electricidade, tráfego, etc ., devem ser devidamente estudados para a confecção do plano que depende íntimamente de todos os serviços públicos municipaes.”50 Antes de abordar os componentes e as diretrizes para o seu plano, o engenheiro elencou várias definições para o termo “urbanismo”. Para estas definições, apoiado nas visões de Thomas Adams, Anhaia Mello, Nelson Lewis, dentre outros, apontava as dificuldades que envolviam a formulação de um conceito. Entendia o urbanismo como ciência e arte, que “...comprehende pois, a systematização e coordenação de todas as funcções municipaes (ahi abrangidos os serviços publicos e todas as actividades urbanas) orientadas no sentido do progresso material e social da communidade e por conseguinte, do bem estar dos indivíduos que nella vivem.”51 Apresentou ainda, um quadro sobre o que ocorria em outros países e a situação brasileira referente à elaboração de planos. Para Continentino, o plano de urbanismo envolvia uma tarefa especializada e multidisciplinar com cada profissional responsável pela sua parcela de trabalho, “…ao engenheiro architecto e paisagista organizar o systema recreativo, os centros cívicos, os regulamentos de edificações, etc.; ao engenheiro sanitário incumbe o estudo dos serviços de água, esgotos, limpeza pública, saneamento geral; o technico em trafego estuda o systema de circulação, pavimentação e coordenação do systema de transportes, incluindo os aero-portos; o engenheiro de estradas, estuda o traçado das vias de communicação; o fornecimento de energia ficará a cargo do especialista no assumpto.”52 Além disso, os aspectos jurídicos eram motivo de preocupação, acrescidos dos aspectos social, sanitário, econômico e estético. Continentino definia a sua proposta como um plano de remodelação e expansão ou plano de melhoramento e expansão, a ser delineado a partir da planta cadastral da cidade e do que ele denominava de “…circumvizinhanças com a mesma relacionadas”53. CONTINENTINO, Lincoln, idem. CONTINENTINO, Lincoln, idem. 52 CONTINENTINO, Lincoln, idem. 53 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.322. 50 51 Previa-se a divisão da cidade em zonas específicas, com usos, coeficientes e taxa de ocupação determinados, bem como a hierarquização do sistema viário e a implementação das obras de infra-estrutura, além da definição das áreas verdes e de lazer, estas conjugadas como um sistema recreativo.(Figura 21) Outros elementos incluídos no plano, eram os aeroportos e os serviços de uso coletivo públicos ou privados. O zoneamento era um dos principais componentes para o controle urbanístico. As matrizes norte-americanas eram evidenciadas pelo uso de termos como zoning, housing e park-ways. O primeiro referente às diversas zonas da cidade, o segundo relacionado com os gabaritos e usos das edificações e o terceiro envolvendo a penetração das áreas verdes na cidade, este traduzido como avenidas parque. Continentino destacava ainda 199 Figura 21: Plano de Urbanismo da Cidade de Belo Horizonte, 1940, escala 1:5.000. Constitui a primeira proposta global de revisão do plano elaborado para Belo Horizonte, desenvolvido por Continentino a partir de 1933. Fonte: CONTINENTINO, Lincoln. Urbanismo; O Plano de Belo Horizonte: impressões de uma viagem recente á Argentina. ARQUITETURA & ENGENHARIA, julho e agosto de 1940, p.38. 200 que os problemas relativos a um grande centro como Belo Horizonte se colocavam em termos regionais, tornando-se necessários estudos abrangentes, que possibilitassem a abordagem da cidade e da sua região. A necessidade da formação de uma comissão de urbanismo também era destacada, esta “…incumbida de zelar pela fiel execução do plano, resolvendo superiormente todas as questões que ocorram eventualmente em consequência do mesmo, de acordo com a legislação própria”54. Em 1935, numa das reuniões da Comissão Técnica Consultiva, a qual fizemos referência anteriormente, quando estavam presentes quatro ex-prefeitos da cidade, novamente Continentino retomava a discussão sobre a necessidade de um plano de urbanismo para a capital mineira, apresentando justificativa para a sua organização.55 A proposta se traduzia num plano de expansão racional para a cidade, contando com a participação de outros técnicos, que deveriam ser consultados, dentre os quais citava Anhaia Mello, Armando de Godoy, Washington Azevedo e Prestes Maia. Figura 22: Esboço manuscrito por Lincoln Continentino com a estruturação da proposta para Belo Horizonte. Fonte: Acervo pessoal de Lincoln Continentino. 54 55 CONTINENTINO, Lincoln, idem. CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.334. Belo Horizonte apresentava condições urbanísticas muito favoráveis, em relação às outras cidades brasileiras, por se tratar de uma cidade nova. Dos problemas que se colocavam, o primeiro deles era relativo à subdivisão de terrenos suburbanos e aos novos loteamentos surgidos na zona urbana da cidade. A falta de critérios urbanísticos e o emprego de traçados retilíneos em terrenos de topografia acidentada, geravam problemas para a abertura de vias e para a própria ocupação dos lotes. Os parcelamentos implementados envolviam movimentos de terra desnecessários, ruas estreitas e edificações sem afastamentos nas divisas. Lotes com dimensões mínimas, em torno de trezentos metros quadrados, alongavam a malha urbana sem a dotação de infra-estruturas e áreas verdes, multiplicando as vilas nos arredores da cidade. Estes loteamentos irregulares dificultavam, ou até mesmo impossibilitavam pensar os rumos futuros da cidade, levando-se em conta a necessidade de prolongamentos de vias, ou até mesmo a inserção de novos equipamentos públicos como praças, parques, etc. Os componentes relacionados com o plano original da cidade, como o cinturão verde pensado em termos de colônias agrícolas para o abastecimento, também ficavam bastante prejudicados neste processo de expansão descontrolada. Outras questões elencadas envolviam os edifícios públicos, o sistema de parques e jardins, o sistema viário, em particular as avenidas e artérias de grande tráfego, o tráfego e o transporte, o aeroporto, o código de edificações, o zoneamento e o saneamento.(Figura 22) Para estas questões, Continentino desenvolveu propostas visando a defesa da “...cidade contra futuros attentados urbanísticos e procuremos concertar e 201 remediar as lacunas existentes, dotando a cidade de um plano de urbanismo”56. Quanto aos edifícios públicos deveriam ser pensados por meio de critérios urbanísticos, por meio de estudos minuciosos, visando a escolha dos locais mais adequados para a sua implantação.(Figura 23) O sistema geral de parques e jardins públicos compreenderia os playgrounds, para crianças, os parques de recreio, as praças e as avenidas-parque, o jardim botânico, o zoológico, os hortos, museus e cemitérios. A área destinada aos parques e jardins deveria corresponder a cerca de 15 a 20% da área total da cidade. Os novos loteamentos deveriam ser projetados com a “…exigência urbanistica que se deve tornar obrigatória é que os edifícios não occupem mais de 40 % e, de preferência, sómente 25 % da área dos lotes em que estejam situados.”57 O sistema de quadrículas deveria ser evitado na configuração dos quarteirões e o traçado das ruas deveria ser adaptado à topografia. As avenidas e as artérias de grande tráfego deveriam ser estudadas para possibilitar a integração entre o centro e a periferia, bem como às cidades vizinhas e outros estados. Apontava também a necessidade da implantação de um aeroporto comercial em área adequada. Para isso sugeria alguns terrenos de dimensões suficientes e localização próxima ao centro urbano. Em seguida, ressaltava a necessidade da organização de um novo código de edificações, que estabeleceria parâmetros específicos para o controle da forma, das dimensões e dos usos, em função do novo zoneamento pensado. A divisão da cidade em três zonas principais, a residencial, a comercial e a industrial era uma das medidas mais importantes, para evitar efeitos indesejáveis de vizinhanças incompatíveis, como por exemplo, entre indústria e habitação. No que se refere ao tráfego e aos transportes, outro ponto abordado no seu plano, destacava a necessidade de estudos que possibilitassem uma integração maior entre estes sistemas. Considerava inconvenientes as travessias em nível da via férrea, as quais deveriam ser substituídas por viadutos ou passagens inferiores. Por fim, abordava o saneamento, incluindo os serviços de abastecimento, purificação e desinfecção da água, os esgotos, a limpeza pública, o abastecimento de leite e carne e as piscinas de natação. As questões de saneamento deveriam ser resolvidas de acordo com o plano de urbanismo. Nas suas conclusões acerca do plano para a cidade, Continentino destacava que “...em todas as cidades do mundo tem-se verificado a repetição dos mesmos erros e falhas que agora focalizamos em Bello Horizonte; e isto pela falta de visão de conjuncto, ou melhor, pela falta de previsão dos seus administradores eventuaes e pela 56 57 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.340. CONTINENTINO, Lincoln, idem. 202 Figura 23: Plano de Urbanismo da Cidade de Belo Horizonte, 1940. Perspectiva mostrando-se o centro urbano, em particular o encontro das avenidas arteriais na região central. Fonte: CASTRIOTA, Leonardo Barci. Arquitetura da modernidade, p. 137. 203 solução de continuidade entre as administrações.”58 Considerava essencial a abordagem global da cidade, tendo em vista os problemas que surgiam e a melhor solução para o seu enfrentamento. Soluções, diga-se, que deveriam levar em conta o aspecto econômico, evitando-se “...prescrever a adopção de medidas de natureza sumptuaria, principalmente em uma phase de depressão financeira, como a que atravessamos e vamos percorrer por um longo periodo, segundo todas as previsões.”59 Mesmo constatando a difícil realidade da capital mineira, Continentino reiterava a sua admiração e afeto pela cidade, “...certamente uma bella cidade, moderna e cheia de encantos. Os amplos panoramas e o maravilhoso horizonte que se deparam ao observador, a arborização intensa da ‘cidade vergel’, o esmero nas construcções dos melhores bairros, dando-lhe por vezes a apparencia de ‘Cidade Jardim’, são todos dotes que ninguém lhe pode negar e que devem constituir legítimo orgulho dos bellorizontinos e dos mineiros em geral. Sobretudo o progresso vertiginoso de nossa Capital surprehende a todos forasteiros que nos visitam.”60 A iniciativa da realização do plano foi deflagrada pelo prefeito José Oswaldo de Araújo (1938-39), no curto período da sua administração, tendo prosseguido nas administrações seguintes, “...felizmente a compreensão do ex-Prefeito Oswaldo de Araujo não foi modificada pelo atual Prefeito Juscelino Kubitschek, que com alta visão executa obras de vulto, em obediência ao traçado do Plano Diretor, onde se destacam os prolongamentos das Avenidas Amazonas, Affonso Penna e Tocantins.”61 Estas intervenções relacionadas com o sistema viário da cidade integravam uma rede radio-concêntrica de grandes avenidas fazendo a ligação entre as zonas urbana e suburbana permitindo o acesso às cidades vizinhas. Além disso, foi projetada uma via arterial periférica envolvendo a avenida de contorno, designada como Circuito de Turismo. Ainda foi pensada a reestruturação da avenida beira-rio, marginal ao ribeirão Arrudas, sendo que esta teria o perfil de uma avenida-parque (park way). A idéia consistia na criação de um conjunto contínuo de parques, parques contemplativos e jardins de recreio ativo, permitindo a ligação de vários parques, integrados ao parque municipal no centro da cidade. Entre os anos de 1937-38, Continentino desenvolveu o projeto para o bairro Cidade-Jardim “Fazenda Velha”, como nos referimos anteriormente, que se inseria na proposta de bairros novos pensada para a cidade. O novo loteamento já havia sido anunciado em 1935, “...a prefeitura dispõe de uma grande área urbana não utilizada, inclusive a da Universidade. Seria muito possível e aconselhável proceder-se, nestes locaes, a uma modificação da forma dos quarteirões, do systema de arruamentos, CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.344. CONTINENTINO, Lincoln, idem. 60 CONTINENTINO, Lincoln, idem. 61 CONTINENTINO, Lincoln. Plano de urbanização de Belo Horizonte. URBANISMO E VIAÇÃO, no13, março de 1941, p.54. 58 59 204 Figura 24: Planta parcial da área de intervenção para a retirada das vias férreas do centro urbano. Fonte: O DIÁRIO EM REVISTA, 1 de maio de 1960. CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, op.cit., p.340. CONTINENTINO, Lincoln. Plano de urbanização de Belo Horizonte. op. cit., p.57. 64 CONTINENTINO, Lincoln. Urbanismo. SEGUNDO SALÃO DE BELAS ARTES DA CIDADE DE BELO HORIZONTE. Belo Horizonte: outubro de 1938, p.61. 65 CONTINENTINO, Lincoln, op. cit.. 66 CONTINENTINO, Lincoln. Plano de retirada das linhas férreas do centro urbano. REVISTA MINEIRA DE ENGENHARIA, ano 25, no86, 1964, p.34. 67 CONTINENTINO, Lincoln. Urbanização de Belo Horizonte e seu saneamento. ARQUITETURA & ENGENHARIA, março e abril de 1954, p.66. 62 63 etc.”62 E foi exatamente numa destas áreas que o bairro-jardim foi implementado, em terrenos adquiridos do Ministério da Agricultura, situados fora do perímetro delimitado pela avenida do Contorno, mas dando para ela com uma frente de cerca de quinhentos metros. Além da realização deste novo loteamento, foi pensada a reformulação dos arruamentos existentes, “...estudou-se também a parte econômica das desapropriações e outros problemas complementares. O saneamento e o ‘housing’ não produziram resultados práticos. Porém, o novo regulamento de construções já limita a altura de edifícios. Ponto importante diz respeito com a fixação das zonas destinadas ás principais atividades urbanas e que não podem ser misturadas e aglomeradas umas com as outras, sem prejuizo para toda a comunidade.”63 Com relação ao tráfego urbano Continentino desenvolveu proposta detalhada para o problema das vias férreas, que não foi realizada, dentre “...os principais estudos e projetos que estão sendo realizados nesta fase preliminar do plano de urbanismo de Belo Horizonte”64.(Figura 24) A alternativa para o problema do ramal levava em conta a “...coordenação dos sistemas de transportes (...) (que) está sendo feita de acôrdo com as diretorias das estradas de ferro Central do Brasil e Rêde Mineira de Viação. Pretende-se evitar os cruzamentos de nível de estrada de ferro com os arruamentos da cidade e deixar perfeitamente isolado e protegido o leito das vias férreas”65. Foi elaborado um projeto para o enterramento das linhas férreas, que acarretava a construção de dois túneis e a colocação das linhas em uma faixa única. Outras soluções foram estudadas, então, como a passagem das vias férreas em viadutos, também considerada de difícil implantação, “...pelos inconvenientes do barulho, vibração, poeira e fumaça decorrentes de uma linha férrea elevada”66. Em 1952, mais uma vez Continentino discorreu sobre o seu plano, já na administração do prefeito Américo René Gianetti (1951-55). Quase vinte anos haviam se passado, desde que esboçara as suas primeiras idéias. Belo Horizonte revelava uma realidade muito mais complexa, “...a cidade já vai estendendo seus tentáculos até atingir os municípios vizinhos. (...) Os municípios vizinhos estão aprovando grandes projetos de loteamento em terrenos limítrofes de Belo Horizonte, que irão criar sérias dificuldades à expansão racional das sédes de todos êles, impondo-se a realização urgente de convênios, para estabelecimento de um plano regional, que solucione devidamente os problemas urbanísticos de cada um, sem prejuízo para o conjunto.”67 O urbanista tinha plena consciência de que o plano deveria considerar a escala metropolitana dos problemas do município. A proposta assumiria, então, o perfil de um plano regional com vários aspectos a serem abordados. Dentre estes, destacamos os 205 parques e jardins, os logradouros públicos compreendendo praças, ruas e avenidas, o sistema de transportes, o zoneamento, as cidades industriais, a universidade e o saneamento. Nestes aspectos listados por Continentino, identificamos os componentes do seu plano de urbanização, alguns mais relacionados com a realidade local, outros atingindo a escala do município. Além disso, constatamos as referências empregadas, em particular, aquelas relacionadas com o ideário garden city, e as dificuldades para a transposição deste ideário para a realidade brasileira. Apontava ainda a necessidade da ampliação das áreas destinadas aos parques e jardins. Os parques existentes já não atendiam à demanda da ocupação da cidade. Estes tiveram reduzidas as suas proporções e, por conseguinte, as suas áreas verdes. Os novos parques projetados compensariam estas perdas e restabeleceriam o título de “cidade vergel” à capital mineira. Com relação ao sistema viário, este deveria ser reformulado para facilitar as condições de tráfego. O prolongamento das avenidas para fora da avenida de contorno, já implementado em administrações anteriores, deveria ser executado através dos planos de novas avenidas pelas zonas suburbana e rural. Assim, foram projetadas diversas vias arteriais, algumas delas com repercussões no âmbito regional, permitindo a ligação com outras cidades. A avenida periférica à avenida do contorno, o circuito do turismo que nos referimos anteriormente, deveria percorrer “...gargantas e pontos dominantes da cidade.”68 Também foram projetadas avenidas sanitárias, estas de acordo com o pensamento de Saturnino de Brito, como “...os park-ways inglezes que são as avenidas por cujos eixos passam os cursos dágua que banham as cidades. A técnica nos ensina que no traçado econômico de uma cidade ou de um novo bairro, sempre que possível, devemos conservar o ‘talweg’ ou leito dos cursos dágua na sua posição natural, realizando somente os desvios indispensáveis para não prejudicar o traçado das avenidas. Os desvios de leito são onerosos e podem acarretar modificações desaconselháveis no regime dos cursos dágua.”69 Com relação ao traçado predominante em Belo Horizonte, por meio de quadrículas retilíneas, Continentino ressaltava que, no momento em que se projetou a cidade, “...ainda não se tinha idealizado o traçado da cidade jardim residencial, cercada de avenidas ou artérias de tráfego intenso, mas tendo em seu interior somente ruas curtas e estreitas, com curvas e ‘cul de sacs’ ou viradouros, tendo em vista restringir a velocidade e a intensidade do tráfego privativo de cada núcleo residencial.”70 Neste sentido, destacava as vantagens do traçado de cidades-jardins, como Welwin e CONTINENTINO, Lincoln, op. cit., p.69. CONTINENTINO, Lincoln, idem. 70 CONTINENTINO, Lincoln, idem. 68 69 206 CONTINENTINO, Lincoln, idem. CONTINENTINO, Lincoln, idem, pp.69-70. 73 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.70. 74 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.71. 75 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.73. 71 72 Letchworth, cujas residências ficavam resguardadas do tráfego intenso e do excesso de ruídos, dentre outros. Ressaltava que a moderna concepção de Howard “...a mais simples e econômica para áreas residenciais, ainda não obteve no Brasil, a consagração merecida, isto porque, por incrível que pareça, ainda não foi aplicada integralmente entre nós.”71 Para Continentino, os exemplos brasileiros configurados pelos bairros Jardim Europa e Jardim América, em São Paulo, assim como os bairros Cidade Jardim e Pampulha, em Belo Horizonte, não tiveram as recomendações principais referentes às cidades jardins implementadas, “...talvez nenhuma cidade jardim brasileira contenha ainda o parque interior central com cêrca de 10% da área total do terreno, onde ficam situados a escola primária, a igreja, o centro social, o playground e pequeno centro de esportes para adulto, constante de pequena piscina, campo conjunto de voley e basket e outro de tenis.”72 Ressaltava ainda, que os conjuntos residenciais operários em vias de execução em Belo Horizonte, obedeciam a estes critérios, com ênfase para o centro social, este integrado com um posto de saúde. Para o sistema de transportes, enfatizava a necessidade de resolver o problema dos cruzamentos em nível com a via férrea. Continentino retomava aqui o seu projeto para o cruzamento ferroviário em desnível, de difícil realização naquele momento, com uma alternativa visando a retirada de parte das linhas férreas do centro urbano. Em seguida, abordava a questão do zoneamento por meio da divisão da cidade em ”...zonas residenciais (de habitações e apartamentos), comerciais, industriais (de diversas categorias), centros cívicos, hospitalares e universitários, parques e reservas florestais, áreas para lavouras e pastagens.”73 Atrelado a estes critérios, o código de obras e de posturas estabelecendo os parâmetros de ocupação para os vários setores da cidade. A localização das indústrias constituia um problema dos mais sérios, tendo em vista os inconvenientes do lançamento de resíduos poluentes no leito dos rios, particularmente no ribeirão Arrudas que atravessava a cidade. Sugeria-se que as fábricas deveriam ser subordinadas a exigências severas, que englobavam a “...obrigatoriedade do tratamento dos refugos de tôdas as indústrias da cidade.”74 Já a localização da universidade, no bairro da Pampulha, não apresentava inconvenientes; entretanto, para uma integração maior com a cidade indicava a necessidade da construção de uma via de ligação. Por fim, foram abordadas questões relacionadas com o saneamento, envolvendo o abastecimento de água, o tratamento dos esgotos e do lixo e diversos equipamentos como o matadouro, o mercado, o cemitério e os hospitais. Ele concluia destacando as dificuldades para a realização dos “...melhoramentos indispensáveis e obras de saneamento e urbanismo que não mais se podem adiar.”75 4.2. 207 Tradição e modernidade no percurso de Ângelo Murgel O arquiteto Ângelo Alberto Murgel teve uma atuação dividida entre trabalhos acadêmicos, como professor, e vasta incursão no meio profissional. Murgel nasceu em Cataguases/MG, em 8 de agosto de 1907, e faleceu no Rio de Janeiro, em 20 de agosto de 1978.76 Diplomou-se pela Escola Nacional de Belas Artes - ENBA , em 24 de dezembro de 1931, onde retornaria como professor. Destacou-se como estudante, quando obteve a grande medalha de ouro de 1932. A tese Um edifício para os Correios Geraes e Telegraphos do Rio de Janeiro, datada de 1932, foi apresentada no Concurso de Grau Máximo à Comissão Técnica e Didática da ENBA. Murgel discorreu neste trabalho final de curso sobre o programa e o local definido para a implantação do edifício, além de apresentar o desenvolvimento detalhado do projeto, inclusive com a apresentação dos cálculos estruturais. O trabalho ainda introduzia alguns princípios de arquitetura, com diversas citações, dentre as quais o texto Bauhausbucher, de 1924, de Walter Gropius e a referência a Hermann Muthesius, de que “…o movimento moderno não é senão a tendência para uma certa typificação, resultante de uma concentração salutar, d’onde provirá um gosto seguro e um estylo de autoridade para todos.”77 (Figura 25) Esta aproximação inicial de Murgel, que se projetava para o meio profissional, revelava a sua adesão aos pressupostos da arquitetura moderna, no cenário de renovação em pauta. Ao invés da importação de modelos, que caracterizou o emprego de linguagens como o ecletismo e o art déco, ou mesmo a tentativa de recuperação dos fragmentos do passado colonial, como materializado nas experiências do neocolonial, buscava-se a incorporação dos sistemas de produção industrial na composição dos ambientes urbanos. Racionalidade, padronização e abolição de elementos decorativos, constituiam os principais componentes vinculados ao ideário do Movimento Moderno difundido naquele momento. Como ressaltado anteriormente, o ideário modernista era divulgado em escala mundial, através de textos como os que foram empregados por Murgel, além da difusão proporcionada pelos CIAM´s, Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, o primeiro realizado em La Sarraz, em 1928; além disso, o contato direto com os mestres do movimento foram possibilitados por meio de visitas como a de Le Corbusier, em 1929 e, como veremos a seguir, com a vinda do arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright, em 1931. Como constataremos, mesmo que conceitualmente Murgel estivesse assumindo este ideário, as suas respostas projetuais revelavam o Angelo Alberto Murgel (Cataguases/MG, 1907 - Rio de Janeiro/RJ, 1978) Os dados biográficos de Angelo Murgel foram pesquisados no acervo pessoal guardado pelo seu filho Carlos Murgel, em São Paulo/SP. Pesquisamos também os acervos da UFRRJ, por intermédio da Profa Maria José, em Seropédica/RJ, e a biblioteca do Parque Nacional do Itatiaia, em Itatiaia/RJ, com a acolhida do Prof. Léo Nascimento e da bibliotecária Sra. Maria Helena Sleutjes; Ainda tivemos uma conversa com o Prof. Adolfo Polilo,contemporâneo de Murgel na UFRJ. 77 MUTHESIUS, Hermann, citado por: MURGEL, Angelo A.. Concurso de grao maximo: um edifício destinado aos Correio Geraes e Telegraphos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 1932, p.X. 76 208 seu apego aos arranjos na linguagem art déco, estes caracterizados pelo emprego da linha reta, composição simétrica e prevalência dos cheios sobre os vazados. Posteriormente, como veremos, os projetos de Murgel serão desenvolvidos ora empregando os princípios do modernismo, representados por uma arquitetura com estruturas aparentes e transparência pelos panos de vidro, ora recuando por opções voltadas para o neocolonial, com o uso de fragmentos do passado colonial. No tocante aos arranjos para as cidades o ideal de conjuntos dispersos pelo verde, como constatamos em Monlevade, predominou nas suas propostas urbanísticas. Figura 25: Estudo em perpectiva do edifício para os Correios Gerais e Telegrafos, na tese de grau máximo defendida por Angelo Murgel, em 1932, na ENBA. Fonte: MURGEL, Angelo A. Concurso de grao maximo: um edifício destinado aos Correio Geraes e Telegraphos do Rio de Janeiro. Ainda como estudante, em 1931, Murgel expressava as suas preocupações quanto às alternativas possíveis para a arquitetura brasileira. Aproveitando-se da presença, naquele momento, do arquiteto Frank Lloyd Wright, em palestra na ENBA, dirigiu uma pergunta ao arquiteto norte-americano, sobre os novos rumos da arquitetura: O que estava em jogo era o melhor caminho a seguir, entre copiar o modernismo estrangeiro ou criar um estilo de acordo com as necessidades locais? Wright estava no Brasil, como convidado pela União Pan-Americana, para participar como jurado do Concurso Internacional para o Farol de Colombo, em São Domingos. A exposição do pensamento de Frank Lloyd Wright, a 13 de outubro de 1931, deu-se por convite do Diretório Acadêmico da ENBA, num momento em que os alunos, incluindo Murgel, promoviam uma greve.78 De acordo com Murgel, Wright, então, “…passou, em termos categoricos, respondendo a uma minha pergunta, o attestado de obito, a essa architectura commoda e inconsciente de reproducções desaconselhadas.”79 Na resposta, Wright introduzia o conceito de arquitetura orgânica, que, em função das condicionantes locais, poderia oferecer múltiplas soluções e abordagens. Assim, “…para cada região do globo terrestre deve haver uma expressão particular da architectura, que corresponda ás necessidades peculiares daquella zona, attendendo aos diversos factores”.80 Esta referência foi importante para Murgel, tanto no seu trabalho final de curso, quanto ao longo da sua atuação profissional, na busca de uma adequação das suas propostas de intervenção às condições locais, considerando determinadas especificidades regionais. IRIGOYEN, Adriana. Wright e Artigas: Duas Viagens. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002, pp.25-32. 79 MURGEL, Angelo A.. Architectura IV, Estado de Minas, 1 de abril de 1933, p.4. 80 MURGEL, Angelo A.. Architectura IV, op. cit.. 78 Já em 1952, contratado como docente da Faculdade Nacional, apresentou tese intitulada: Grandes Composições de Arquitetura, no concurso para Livre Docente, na Faculdade Nacional da Universidade do Brasil. Neste trabalho, discutia a forma e as suas determinantes, “…da expressão plástica própria a cada uma de suas 209 manifestações, considerando-se que vivemos uma época de profunda renovação e em que, portanto, para bem cumprirmos o nosso destino devemos agir com plena ciência dos puros princípios inerentes à própria essência dessa arte, devemos estar armados com o conhecimento completo e íntimo de todos os fatores que interferem no ato da criação, para que essa seja uma ação consciente, lógica e segura, e não a simples decorrência do temperamento dirigido a fantasia.”81 Em 1957, Murgel novamente prestou o concurso para Livre Docente, concorrendo com Hélio Queiroz Duarte, tendo sido classificado em primeiro lugar. Em 1961, Murgel defendeu a tese A análise do Belo, sendo aprovado no concurso para provimento da cadeira Grandes Composições de Arquitetura. No mesmo concurso foi admitido o arquiteto Henrique Ephin Mindlin. Em 1974, Murgel assumiu o cargo de vice-diretor da, então, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participou, ainda, de inúmeros eventos técnico-científicos, como no V Congresso Pan-Americano, onde apresentou trabalho com o título A profissão do arquiteto: considerações sobre sua legislação. Este congresso, tinha a previsão de ocorrer na capital de Cuba, Havana, em 1933, organizado apenas sete anos mais tarde, em 1940, na cidade de Montevidéu, no Uruguai. Para este técnico, “…a verdadeira função do arquiteto é a de crear. Crear utilidade e beleza. Todas as suas obras são concebidas para satisfazer inúmeras necessidades do homem, a satisfaze-las cada vez melhor, física, moral, social e espiritualmente.”82 E dentro das suas atribuições o “…estudo, projeto, direção e fiscalisação dos edifícios e de urbanismo e seus trabalhos complementares.”83 Em 1941, participou do I Congresso Brasileiro de Urbanismo realizado no Rio de Janeiro, como membro titular, vinculado ao Ministério da Agricultura. Em 1952, apresentou as teses A Casa Rural Brasileira, e A Casa Rural Brasileira, subsídio para o govêrno, no II Congresso Nacional dos Municípios Brasileiros, realizado em São Vicente/SP. Foi um dos membros colaboradores do congresso, na Subcomissão de Habitação e Favelas da Comissão Nacional do Bem-Estar Social. Escreveu, também, artigos para jornais e revistas, abordando problemas de arquitetura e urbanismo. Publicou ainda, esboços de projetos e croquis de viagens nos quais ensaiava soluções arquitetônicas e estudava composições diversificadas, através de exemplos das várias regiões visitadas por ele. Divulgou textos com impressões de viagens, como o A Lisboa Moderna, renovações na arquitetura sem revolução – o problema da casa popular – a fisionomia da capital lusa, no qual discorreu sobre questões referentes às intervenções de renovação implementadas na capital MURGEL, Angelo A.. Tese: Grandes composições de arquitetura. Rio de Janeiro: 1952, p.1. 82 MURGEL, Angelo A. A profissão de arquiteto: considerações sobre sua legislação. ARQUITETURA & URBANISMO março e abril, 1940, p.100. Ver também: OUTTES, Joel. “Personne n´est prophète que dans son pays” ou “Santo, só faz milagre em casa”: Les urbanistes sud américains dans les congrès internationaux et les congrès internationaux pour la réforme urbaine en Amérique Latine (1909-1941). Seminário Internacional As Origens das Políticas Urbanas Modernas na América Latina: 1900-1945. Rio de Janeiro, 29 de agosto a 2 de setembro de 1994, ANPUR; IPPUR/UFRJ; CSU/CNRS. 83 MURGEL, Angelo A., op. cit., p.100. 81 210 portuguesa. Do mesmo modo, publicava as suas Observações de viagem, a respeito da cidade de Montevidéu, no Uruguai. Em 1941, escreveu, referindo-se às Cataratas do Iguaçu, “...de qualquer ponto ou ângulo que se observe o fantástico espetáculo, o desdobrar de mais de duzentas e cincoenta quédas que se projetam da altura de 75 metros num cenário de 2.700 metros de extensão, simples homem do campo ou supercivilizado que seja, é sempre com o mesmo mutíssimo de emoção vivíssima temente do poder da Natureza, que o espectador pára extasiado ante a grandiosidade da cena onde todos os elementos se congregaram para constituir o mais belo espetáculo do mundo!”84 As intalações do Parque Nacional do Iguaçu encontravam-se em construção naquele momento. Ainda em 1933, iniciou série de artigos semanais no jornal Estado de Minas, nos quais abordava aspectos teóricos e práticos da arquitetura com exemplos de projetos de edificações.85 Os artigos iniciavam com conceitos esboçados a partir de vários autores passando por filósofos, como Platão, Aristóteles e críticos, como Vitruvius e Alberti. O arquiteto deveria ter uma visão ampla, que possibilitasse a conjugação dos diversos saberes, no enfrentamento das questões relacionadas com a sua profissão. Ao abordar o problema da composição, Murgel ressaltava que “…na elaboração das plantas os eixos têm uma importancia capital para a bôa orientação dos serviços e para a logica do funccionamento: é esse um legado indestrutível da architectura classica.”86 Preconizava ainda a necessidade de um novo tipo de arquitetura mais adaptada ao seu tempo, que levasse em conta a possibilidade de estandardização.(Figura 26) Figura 26: Perspectiva e plantas de projeto apresentado por Angelo Murgel, em artigo de jornal. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Architectura. ESTADO DE MINAS, 17 de maio de 1933. MURGEL, Angelo A. Observações de viagem IV: Cataratas do Iguassú. CORREIO DA MANHÃ, 11 de maio de 1941. 85 MURGEL, Angelo A.. Architectura. Estado de Minas, 11 de março de 1933, p.6. Ver também, do mesmo autor, os seguintes artigos no Jornal Estado de Minas: Architectura II, 17 de março de 1933, Architectura III, 25 de março de 1933, Architectura IV, 1 de abril de 1933, Architectura V, 23 de abril de 1933, Architectura, 17 de maio de 1933, Architectura, 23 de julho de 1933. 86 MURGEL, Angelo A. Architectura II: composição. Estado de Minas, 17 de março de 1933, p.4. 87 MURGEL, Angelo A. Architectura. Estado de Minas, 17 de maio de 1933, p.5. 84 Para ele, a arquitetura moderna se traduzia como aquela “…que se forma pelo aproveitamento racional dos materiaes disponiveis, pela utilização maxima dos recursos da industria e da technica, pela intima harmonia com o meio social e geographico, pela propriedade com que satisfaz a sua finalidade, pela economia dos seus processos e pela expressão de belleza a que chega, resultante natural de sua propria constituição.”87 Discorria sobre a construção de casas racionais e econômicas, por meio de processos de fabricação e padronização dos seus componentes com fornecimento direto da fábrica ao proprietário, citando Walter Gropius, a partir do Catálogo do 1º Salão de Architectura Tropical, realizado no Rio de Janeiro, em 1933. Outro conceito desenvolvido por Murgel refere-se à arquitetura rural. Em 1939, no seu artigo Arquitetura Rural, fazia comparações entre uma construção edificada no meio rural e as casas urbanas. Neste trabalho, elaborou um panorama sobre a habitação no campo, percorrendo diversas regiões brasileiras, para destacar a peculiariedade dos tipos edificados, com características muito específicas e adaptadas às condições dos 211 diferentes sítios. Além de ressaltar o descaso dos poderes públicos e dos arquitetos, em relação a esta arquitetura espontânea e racional, apresentava um projeto, que será tratado mais adiante, destinado a abrigar a sede de um instituto de pesquisas sobre as pragas do campo, vinculado ao Ministério da Agricultura, no Rio de Janeiro, no qual tentava conjugar estes princípios.88 A atuação profissional de Murgel teve início em Belo Horizonte, para onde se transferiu logo após a diplomação, tendo alcançado uma posição de destaque na cidade. Estabeleceu o seu escritório à rua Rio de Janeiro, nº385, 2º andar, vinculado à firma Carneiro de Rezende & Cia..89 Além de ter desenvolvido várias propostas arquitetônicas, a sua participação nas discussões urbanísticas de Belo Horizonte foi intensa. Neste período, fêz parte do corpo docente da Escola de Arquitetura e integrou o o quadro da Comissão Técnica Consultiva, criada em 1934, na gestão do prefeito José Soares de Mattos (1933-35). Juntamente com Continentino, como nos referimos anteriormente, participava da subcomissão de arquitetura e urbanismo. Esta comissão agregava os profissionais mais especializados da cidade, opinando sobre os mais variados assuntos, dentre os quais aqueles relacionados com os problemas de urbanismo.90 Ainda em 1932, quando se pensava a reformulação do edifício dos correios, instalado na avenida Afonso Pena, Murgel apontou os principais aspectos que deveriam ser considerados nesta intervenção, estes relacionados com a composição arquitetônica, sobre o tríplice aspecto da técnica, da construção e da estética.91 No ano seguinte, responderia à enquete Que falta a Belo Horizonte para ser uma grande cidade?. Nesta oportunidade, discorreu sobre os principais problemas da cidade, revelando a sua visão de progresso “…mas tudo mudará. Belo Horizonte tem recursos para um desenvolvimento rápido. Breve veremos tudo mudado: Essas ruas largas e retas cheias de veículos rápidos, de povo, dessa massa anônima das metrópoles, de grandes magazins abrindo suas vitrinies vistosas, de luz intensa e faiscante. Os prédios altos afogarão com suas linhas retas e suas massas impressionantes a paisagem bucólica e ‘vergel’ de hoje. E os nossos hábitos também mudarão, seremos mais alegres, iremos mais ao cinema, ao teatro, às casas de chá, nos ‘footings’, aos clubes, faremos ‘sport’ e seremos ‘standardizados’ como todos os habitantes das grandes cidades. Tempo virá.”92 Em outra entrevista, destacava a necessidade da elaboração de um plano de desenvolvimento para a cidade, “…para que o crescimento de Bello Horizonte, cidade MURGEL, Angelo A. Arquitetura Rural. Arquitetura e Urbanismo, nº 5, ano IV, set./out. de 1939, pp.607-611. 89 A firma Carneiro de Rezende & Cia. foi organizada pelo engenheiro Alvimar Carneiro de Rezende, em 1926, responsável por diversos empreendimentos, edificações públicas e particulares, que contavam com a participação de outros sócios. A empresa funcionou até o ano de 1943, quando ocorreu o falecimento do seu fundador. Ver: MINAS GERAIS. Dicionário biográfico de construtores e artistas de Belo Horizonte: 1894/1940. Belo Horizonte: IEPHA/MG, 1997, pp.225-228. 90 Sobre a Comissão Técnica Consultiva, ver as notas no22 e 23, na trajetória de Lincoln Continentino. 91 MURGEL, Angelo A.. Um problema de esthetica urbana numa obra de utilidade publica. DIÁRIO DA TARDE, 10 de novembro de 1932, entrevista concedida por Murgel ao jornal. 92 MURGEL, Angelo A.. Que falta a Belo Horizonte para ser uma grande cidade? Responde-nos o arquiteto Angelo Murgel. CORREIO MINEIRO, 22 de junho de 1933. 88 212 Figura 27: Edifício do Cine Brasil, projetado por Angelo Murgel em 1932. Fonte: CASTRIOTA, Leonardo. Arquitetura da Modernidade, p.156. 93 MURGEL, Angelo A.. A expansão suburbana de Bello Horizonte e os problemas que della decorrem: a necessidade da creação de uma commissão de urbanismo, na Prefeitura da Capital. ESTADO DE MINAS, recorte do acervo pessoal do autor, sem data, entrevista concedida por Murgel ao jornal. 94 BRANDÃO, Carlos Antônio Leite et al. Arquitetura Vertical. Belo Horizonte: AP Cultural, 1992, p.14. Sobre o Cine Brasil, ver também: CASTRIOTA, Leonardo (org.). Arquitetura da modernidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, pp.155-156. 95 Na ação, o juiz condena o réu a indenizar o autor do projeto original, no caso Murgel, por perdas e danos decorrentes do processo. Ver: ESTADO DE MINAS, 22 de dezembro de 1944. 96 MURGEL, Angelo A.. O mais alto edificio de Minas.DIÁRIO DA TARDE. s. d., recorte de jornal do acervo pessoal de Murgel. 97 MURGEL, Angelo A., op. cit. que se ufana de ter sido feita sob um traçado regular não esbarre, mais tarde, com os impecilhos que têm encontrado outras, como o Rio de Janeiro e São Paulo, construídas e desenvolvidas sem nenhum critério urbanístico.”93 Em 1935, como representante da Escola de Arquitetura de Belo Horizonte, fez parte da comissão julgadora do concurso para o novo prédio da prefeitura, juntamente com Alfredo Ernesto Becker, J. Amaral Neddermayer, Paulo Costa e Octavio Penna. No mesmo ano de 1932, Murgel projetou o edifício para o Cine Brasil vinculado à linguagem art déco.(Figura 27) De acordo com Brandão, o projeto revelava uma adequada composição ao lote de esquina com implantação monumental, como um verdadeiro foco visual de orientação e identificação dentro da cidade. A ênfase na vertical contribuia para esta referência.94 Também em 1932, desenvolveu o projeto para a Penitenciária Agrícola do Estado de Minas Gerais com partido em bloco horizontal composto em cinco pavimentos, como veremos mais adiante. Além deste bloco prisional, o conjunto penitenciário se configurava como um núcleo urbano autônomo, com setores para residência e comércio, estes pensados num esquema de traçado jardim, com as vias adaptadas ao sítio de implantação e as edificações dispersas pelo verde. Em 1934, desenvolveu a proposta para o concurso da Cidade-Operária de Monlevade, que analisamos anteriormente. A configuração urbanística adotada para a nova cidade revelava a capacidade técnica do arquiteto, pelas soluções bastante detalhadas e pela visão de conjunto demonstrada. Neste mesmo ano projetou o edifício para o Brasil Palace Hotel, que foi plagiado pelo arquiteto Bruno Graeflinger, o que motivou uma ação judicial, favorável a Murgel.95 O edifício de escritórios Ibaté de 1935, outro prédio desenhado por Murgel, constituiu o primeiro arranha-céu de Belo Horizonte, com os seus dez pavimentos vazados em panos de vidro, que se abrem para a avenida Afonso Pena e o coroamento feito por meio de um guarda-corpo metálico. O prédio construído pela firma Carneiro de Rezende & Cia., teve a sua denominação inspirada na linguagem indígena, “…’Ibaté’, quer dizer (…) longo, esguio, alto, e é o nome escolhido para substituir os innumeros appellidos com que o ‘humour’ do povo anda brindando o novo edifício.”96 O esquema adotado é moderno, com ”planta livre”, “…sua planta foi feita de modo a poder ser utilizado como escriptorios ou mesmo como appartamentos, dependendo isso de pequenas modificações fáceis. As installações e encanamentos já estão todos embutidos nas lages e paredes.”97 Conforme Brandão, a solução de partido adotada pelo seu autor “…mesmo simétrica, a composição é fraca e a forma final, claramente modernista, resulta mais da função interna e técnica do que do interesse em enriquecer nossa paisagem. A continuidade das lajes horizontais dos pavimentos caracteriza-o mais como um ‘empilhamento’ de caixas de vidro obviamente repetidas na extensão de sua altura.”98 Entretanto, pelo aspecto inovador e concordância com os pressupostos relacionados com o ideário do movimento moderno, particularmente no tocante ao processo construtivo e à concepção do programa, o projeto antecipava várias questões que se tornariam comuns na cidade. Ainda foram projetados por Murgel o prédio do Centro dos Chauffers, de 1937, a capela do Colégio Santa Maria, de 1938, e a Casa de Saúde São Lucas, de 1939, esta última, como um bloco contínuo em linguagem art déco implantada em quarteirão triangular. Murgel projetou também, neste período, o prédio para o Hospital Imaculada Conceição. O prédio em dois pavimentos com partido horizontal, assentado no art déco , teria capacidade para abrigar cem doentes tuberculosos pobres.(Figura 28) Em meados dos anos 30, Murgel se transferiu para o Rio de Janeiro, tendo instalado o seu escritório no Edifício Nilomax, situado na esquina de Nilo Peçanha com México. Vários projetos foram desenvolvidos, como o edifício de apartamentos em linguagem neo-colonial, em 1946, no Leblon. Em 1956, desenvolveu o projeto urbanístico para um loteamento em Cabo Frio/RJ, o Week end Campo-Mar, localizado em área de expansão da cidade, próximo da praia do Peró. No ano seguinte, juntamente com Ulisses Burlamaqui, projetou a Igreja de São Judas Tadeu, que se destacava pela adoção de uma linguagem modernista marcada por marquise em balanço e estrutura vazada.(Figura 29) Neste mesmo período, desenvolveu os projetos para uma residência em Petrópolis/RJ e para o Edifício sede da Companhia Vale do Rio Doce, em Vitória/ ES. Nestes projetos, também desenvolveu os partidos arquitetônicos, empregando princípios relacionados com a arquitetura moderna. Para a sede da Vale do Rio Doce o bloco edificado era marcado por elementos vazados e estrutura aparente, demarcando a opção pela linguagem modernista. Ainda em 1939, na cidade de São Lourenço/MG, projetou o Novo Hotel das Nações, com partido em bloco único de cinco pavimentos. A partir de 1937, como servidor contratado pelo Ministério da Agricultura vai desenvolver uma série de projetos, dentre os quais, propostas de grande impacto urbanístico como o campus da Universidade Rural do Rio de Janeiro, em 1938, e as sedes dos Parques Nacionais, em 1939, como veremos adiante.99 Desenvolveu ainda o projeto para a Estação de Investigações Fitossanitárias, no Rio de Janeiro, concluída em 1940. O projeto foi definido de maneira monumental com partido em “U”, em dois pavimentos e composição simétrica, numa linguagem neocolonial, com grandes avarandados e telhado aparente. O programa extenso envolvia diversos laboratórios, salão 213 Figura 28: Perspectiva do projeto para o Hospital Imaculada Conceição, por Angelo Murgel, nos anos 30. Fonte: MURGEL, Angelo A.. ESTADO DE MINAS. BRANDÃO, Carlos Antônio Leite et al, op. cit. Além de projetos de edificações e de intervenções em grande escala, desenvolveu projetos para instalações rurais como silos, estrumeiras, estábulos, currais, banheiros, dentre outros, estes datados de 1935-36, arquivados no Núcleo de Documentação e Pesquisa da FAU-UFRJ. 98 99 214 de conferências, salas para administração, biblioteca e serviços. A estação compreendia a instalação de um imenso parque destinado ao estudo das pragas na lavoura. Outras propostas foram desenvolvidas por Murgel neste período, como o Núcleo agro-industrial em Itaparica desenvolvido por ele, em 1942, que constituiu uma proposta de conjunto urbano completa. A área destinada à implantação da nova cidade agro-industrial, englobava glebas situadas na divisa dos estados da Bahia e de Pernambuco. Para este projeto urbanístico, adotou um traçado ortogonal baseado em quadrículas regulares. O programa foi composto por diversos loteamentos, áreas residenciais, praças e parques, além da dotação de equipamentos públicos e áreas de comércio. Estes loteamentos foram divididos em dois tipos de parcelamento, o primeiro mais fragmentado, com as casas implantadas com recuos e afastamentos, e o segundo composto por áreas maiores, também estabelecido a partir das quadrículas, sem a definição do tipo de ocupação. Merece destaque a racionalidade deste conjunto e a inadequação da proposta ao cenário de topografia acidentada em que foi inserido. Atributos distintos, relacionados com a eficiência e a funcionalidade podem tê-lo levado a adotar esta solução. Como um núcleo agro-industrial, a proposta revelava também uma dispersão da sua área urbanizada, com baixa densidade de ocupação. O princípio da desurbanização comparece neste conjunto, o que nos permite fazer uma relação com as teorias de Frank Lloyd Wright desenvolvidas na sua Broadacre de 1930, na qual buscava eliminar as contradições entre a vida rural e a vida urbana.(Figura 30 e 30a) Figura 29: Maquete do projeto para a igreja de São Judas Tadeu, por Angelo Murgel e Ulisses Burlamaqui, em 1957. Fonte: MURGEL, Angelo A.. Analise do Belo, p.112. O plano da Cidade das Meninas, um complexo para abrigar moças órfãs, com extenso programa, constituiu outra proposta de conjunto desenvolvida por Murgel. A colônia foi projetada nos anos 40, no município de Nova Iguaçu, numa antiga fazenda, com previsão para abrigar cem moradias e alguns equipamentos de apoio. O projeto obedecia “…em seu conjunto ao tipo dos ‘parck-way’ norte-americanos, possuindo as casas jardim, horta, pomar, aviário e apiário. O plano agro-pecuário referido é completo. Consta da organização uma seção de plantas ornamentais para cada residência, pomar contendo árvores frutíferas tropicais e exóticas, parques de grama-seda para aves domésticas, que habitarão casa-colônia modelo. Haverá instalações para sericultura, existindo já uma plantação de amoreiras com meio milhão de pés, (…). O plano estabelece mais a parte relativa à zootecnia, montando a Cidade das Meninas com instalações para gado leiteiro e outras depêndencias destinadas a reprodutores e bezerros novos. Uma seção de suinocultura servirá para o aproveitamento de todas as obras da parte de agro-histologia e do plantio de ramas de tubérculos organizados para auxiliar o forrageamento dos animais em meia estabulização. Conta ainda os técnicos 215 Figuras 30 e 30a: Implantação geral do Núcleo Agro-industrial em Itaparica, por Angelo Murgel, em 1942. No detalhe ampliado a localização do núcleo. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel 216 Figura 31: Perspectiva do projeto para o Entreposto Geral de Gêneros, por Angelo Murgel. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel, sem data. 100 MURGEL, Angelo A.. O grandioso plano de construção da Cidade das Meninas. O GLOBO, s. d., recorte de jornal do acervo pessoal de Murgel. fazer o reflorestamento de diversas áreas com eucaliptos, sendo que, para atender ás necessidades da destilaria de álcool a ser ali instalada, 20 mil metros cúbicos de lenha por ano.”100 Aqui, os referenciais empregados por Murgel também se assemelhavam às fontes de Continentino, como constatamos em Monlevade. Esta “Cidade das Meninas” apresentava componentes relacionados com a idéia de um núcleo urbanizado disperso no verde, de acordo com o ideário garden city; e as avenidas parque possibilitavam a penetração neste ambiente, integrando os seus setores residenciais como um grande parque. O projeto dialogava também com o conceito de arquitetura rural desenvolvido por ele, no sentido de uma intervenção adequada ao lugar, tirando partido dos seus condicionantes naturais. Houve outras propostas elaboradas, na sua atuação vinculada ao Ministério da Agricultura, como o Entreposto Geral de Gêneros, definido em um bloco contínuo, com cobertura em arco, vazado por aberturas nas fachadas e na cobertura.(Figura 31) O entreposto apresentava uma linguagem funcional, com linhas retas, como um galpão que lembrava um hangar de aviões. Brises nas laterais e aberturas no telhado abobadado permitiam a aeração do conjunto. Outro projeto desenvolvido por Murgel, no Rio de Janeiro, refere-se ao projeto para o Parque de Pecuária. Para este parque, nos terrenos do antigo Jardim Zoológico, na Quinta da Boa Vista, ele também seguiu uma orientação moderna, como trabalhada no entreposto de gêneros. A proposta envolveu um conjunto edificado com blocos compostos por grandes galpões e anfiteatro, além de uma torre e um pórtico de acesso. A linguagem do conjunto assentada em linhas retas e planos defasados marcava a composição monumental do parque. O bloco principal em seis pavimentos foi definido de modo descontínuo, com panos horizontais de aberturas. O térreo apresentava marquise no sentido longitudinal. O pórtico de acesso tangenciava este bloco principal com a torre e o anfiteatro na continuação. Ao fundo, renque de palmeiras imperiais foi preservado. (Figura 32) Estes projetos constituiram intervenções de grande impacto, que entretanto, não foram executadas. As soluções adotadas revelam a orientação do arquiteto, no que se refere às grandes composições aplicadas à escala urbana. Estas intervenções se colocavam na perspectiva da arquitetura como “...arte e ciência de conceber e construir os abrigos necessários e próprios às múltiplas atividades da vida do homem, da maneira a mais fácil, a mais estável, a mais durável, a mais cômoda, a mais econômica e a mais bela, em perfeita correspondência com seus ideais, hábitos e habitat.”101 Para dar conta do seu ofício, como artista, técnico e sociólogo, o arquiteto deveria desenvolver uma capacidade cultural “...polimórfica e universal, suas atividades intelectuais 217 Figura 32: Perspectiva do projeto para o Parque de Pecuária, por Angelo Murgel. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel sem data. 218 MURGEL, Angelo A.. Tese: Grandes composições de arquitetura, op. cit., p.36. 102 MURGEL, Angelo A., idem, p.56. 103 MURGEL, Angelo A., idem, p.61. 104 MURGEL, Angelo A., idem. 105 MURGEL, Angelo A. et al. As finanças do architecto. O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO, ano II, no16, maio de 1937 p.40. 101 devem envolver tôdas as manifestações do espírito humano.”102 Assim, para Murgel, o trabalho de criação do arquiteto se distinguiria da atuação dos artistas devido ao entendimento da arquitetura como uma “arte não livre”, e como tal dependente de “... inúmeros fatores e de um progresso que muito lentamente se tem processado através dos séculos na conquista de novos materiais, de novos processos, de novas técnicas, progresso intimamente ligado ao da indústria e da ciência.”103 Além destas questões relacionadas com os materiais e tecnologias, ressaltavam-se as limitações do trabalho do arquiteto, devido à “...série de imposições sociais, econômicas, utilitárias, climáticas e de destinação.”104 Por sua vez, o urbanismo para ele constituia uma especialização do trabalho do arquiteto. Os problemas relativos à construção de cidades constituiam mais uma atribuição do meio profissional, afinal “...o architecto é também um urbanista, porque, na verdade, o urbanismo não é outra cousa senão uma especialização technica da profissão do architecto.”105 4.2.1. 219 Penitenciária Agrícola do Estado de Minas Gerais O projeto para a Penitenciária Agrícola constituiu o primeiro desafio de um plano de conjunto para Murgel, em gleba composta por terrenos desmembrados de uma fazenda. Até então, ele havia projetado apenas edificações isoladas em terrenos urbanos. A penitenciária configurava um núcleo isolado em relação à cidade que incluia várias funções urbanas a serem incorporadas para permitir as suas atividades. A construção do conjunto prisional envolveu concorrência pública organizada pelo Governo do Estado, em 1932, vencida pela firma Carneiro de Rezende & Cia. Tal projeto contou a participação do engenheiro Walter Euler. A proposta teve a sua implantação numa área rural composta pela “Fazenda Mato Grosso” com a finalidade de “…dotar Minas de um estabelecimento único no paiz, e que assignalará uma notável evolução no regime penitenciario nacional.”105 As terras da fazenda pertenciam à localidade de Ribeirão das Neves, distante cerca de vinte quilômetros de Belo Horizonte. O conjunto presidiário era composto por pavilhões e cercado por dois altos muros, sendo que o primeiro pavilhão abrigava a administração.(Figuras 33 e 34) O bloco administrativo, em primeiro plano, foi definido em dois pavimentos. Dois outros pavilhões, com seis pavimentos, compreendiam celas individuais, com capacidade para seiscentos detentos. Outros blocos conjugavam o hospital, a escola, as oficinas e o refeitório. Além destes, foi reservada uma área para a construção de um quartel para a força policial e a área em torno do conjunto foi destinada para atividades agrícolas envolvendo os presidiários. A proposta ainda envolvia um setor de habitações englobando as moradias para o pessoal da administração. Foram projetadas casas para o diretor do presídio, para o médico, para o dentista e para os demais funcionários. As residências eram “…confortaveis, dotadas de todos os requisitos hygienicos, situadas em ruas calçadas a parallelepipedos e dispostas a cavalleiro do local em que está sendo construído o presidio”106. Murgel ressaltava que o projeto deixava de lado os modelos inquisitoriais da tradição portuguesa e a solução relacionada com o Panopticom de Jeremias Benthan para adotar o partido originado na França, com a prisão de Fresnes, em 1898. Desenvolvida na América do Norte a solução recebeu a denominação de “Poste Telegráfico”, pela sua disposição geral, “…em que as differentes dependencias vêm todas inserir-se transversalmente a um corredor longitudinal de communicação, dando-lhe (em planta) uma apparencia bastante suggestiva”.107 Esta solução visava conjugar os itens Figuras 33 e 34: Projeto para a Penitenciária Agrícola de Neves, por Angelo A. Murgel, em 1932, fachada e plantas. Fonte: MINAS GERAIS. A Penitenciária Agrícola do Estado de Minas. ESTADO DE MINAS, 10 de fevereiro de 1933. MINAS GERAIS. A Penitenciaria Agricola do Estado de Minas. Estado de Minas, 10 de fevereiro de 1933. 106 MINAS GERAIS, op.cit. 107 MINAS GERAIS, idem. 105 220 Figura 35: Vista da Penitenciária Agrícola de Neves, por Angelo Murgel, em 1932. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel, sem data. 221 de segurança, higiene e saúde, administração e seleção, bem como as disposições de penalidades incluindo repouso, estudo e diversão.(Figura 35) A idéia era evitar a segregação dos presos, por meio de um partido que possibilitasse a integração entre os diversos setores definidos. Neste sentido, tudo foi estudado para que as estruturas prisionais fossem incorporadas no projeto, tendo em vista o “…completo e desejavel parallelismo entre o plano architectonico e as necessidades administrativas”.108 O partido definido para a penitenciária em blocos maciços alongados contrastava com a implantação da parte residencial. As casas baixas desenvolvidas além dos muros do presídio, foram dispostas em traçado sinuoso e ajardinado. O aspecto de bairro jardim caracterizava, assim, o setor destinado a abrigar os funcionários do conjunto prisional. As moradias foram pensadas de maneira hierarquizada, com destaque para a residência do diretor, em parte dominante do terreno, distanciada do restante do conjunto. Vias locais faziam a ligação entre os setores residenciais e o presídio e uma via principal conectava com a região permitindo o acesso para Belo Horizonte. 108 MINAS GERAIS. A Penitenciaria Agricola do Estado de Minas, idem. 222 4.2.2. Universidade Rural do Brasil A proposta elaborada para o campus da Universidade Rural compreendeu um trabalho extenso, desenvolvido por equipe multidisciplinar, a partir de 1938. O projeto estava vinculado, inicialmente, ao planejamento do Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas – CNEPA, para um terreno situado no quilômetro 47 da antiga rodovia Rio-São Paulo, no município de Itaguaí/RJ.(Figura 36) A área pertencente ao Ministério da Agricultura englobava as terras da Fazenda Nacional de Santa Cruz, no distrito de Seropédica/RJ. A localização era estratégica com acesso facilitado para as diversas regiões do estado do Rio de Janeiro e também para São Paulo, sendo que a topografia apresentava características de baixada como parte da extensa planície que se alongava até o mar. O campus integrava o programa do CNEPA que abrangeria a Escola Nacional de Agronomia, a Escola Nacional de Veterinária, Cursos de Extensão e Especialização, Serviço Escolar e Serviço de Desportos. 223 Figura 36: Localização do campus da Universidade Rural, no Estado do Rio de Janeiro. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Apenas no ano de 1948, a universidade teria as suas atividades plenamente iniciadas, apesar da sua criação desde o ano de 1943, pelo Decreto nº 6155 do governo federal, como Universidade Rural do Brasil. A denominação atual – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – veio pela Lei nº 4759, de 1965. As principais atribuições do CNEPA estavam relacionadas com o estudo das espécimes botânicas brasileiras, “...do ponto de vista de seu melhoramento por isolamento de novas linhagens ou criação de novas variedades que se destaquem por mais elevada produtividade ou resistência a doenças e a introdução, no país, de plantas alienígenas susceptíveis de adaptação e exploração rendosa.”109 A implementação da, então, Escola Nacional de Agronomia e anexos, contígua ao CNEPA, era considerada uma grande conquista, “...uma das maiores realizações do Ministério da Agricultura, por isso que se trata de um estabelecimento básico para formação de valores indispensáveis ao desenvolvimento racional das nossas riquezas naturais. Obra grandiosa, já pelo seu aspecto arquitetônico, já pelas instalações que foram projetadas tendo em vista os progressos do ensino agronômico, ela há de marcar uma época nesta fase de renovação econômica do país.”110 O plano elaborado para o conjunto contou com a participação do arquiteto Angelo Murgel, como integrante da comissão responsável pelo planejamento e construção do complexo.(Figura 37) Este plano que foi “...organizado segundo as exigências da técnica moderna, compreendia numerosos edifícios dispostos em zonas 109 COSTA, Fernando. O Ministério da Agricultura no primeiro decênio governamental do presidente Vargas: 1930-1940. Rio de Janeiro: 1940, p. 29, conferência realizada no DIP em 20 de dezembro de 1940. 110 COSTA, Fernando, op. cit., p. 9. 224 Figura 37: Implantação geral do campus da Universidade Rural, por Angelo A. Murgel junto à Comissão de Construção, já com os trabalhos da Superintendência dirigida pelo arquiteto Eduardo da Veiga Soares. Fonte: SOARES, Eduardo da Veiga. Comissão de Construção do Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas – Obra do Ministério da Agricultura no Município de Itaguaí, Distrito de Seropédica,1953. 225 distintas, ligadas por um grande parque paisagístico.”111A comissão desenvolveu um programa extenso para abrigar os blocos institucionais de ensino, de pesquisa e as instalações de apoio, tendo sido desdobrada em três subcomissões, a primeira delas, de planos e coordenação, a segunda, de arquitetura e a terceira, a da superintendência, fiscalização e orçamentos, bem como projetos complementares.112 Esta comissão foi nomeada pelo ministro Fernando Costa e incluía também o professor Heitor Grillo, Diretor da Escola Nacional de Agronomia, e o oficial administrativo Roberto Borges, todos funcionários do Ministério da Agricultura. Ainda auxiliavam a comissão os engenheiros Francisco Fernandes Leite, Ernesto Luiz Greves e Henrique Vaz Corrêa, com os serviços de topografia, de fiscalização das construções e dos projetos de concreto armado. Murgel assumiu a direção da segunda, de arquitetura, responsável pela “…elaboração dos planos, projetos e detalhes necessários ao normal andamento das construções, sob a orientação de programas fornecidos pela primeira comissão, e das solicitações ditadas pela necessidade da terceira comissão”.113 Participavam desta subcomissão os arquitetos Eduardo da Veiga Soares e José Teodulo da Silva. A administração da execução das obras foi contratada junto à firma Mario Waterly & Cia, com escritório em São Paulo. O partido adotado foi definido em blocos, que concentravam atividades afins, dispersos pela área abrangendo as terras da fazenda transformada num imenso parque.(Figura 38) Vários setores compreendiam o complexo distribuídos por seções, “...a de Avicultura, cujos edifícios formam uma cidade avícola, onde o ensino e a experimentação concorrerão para formar os técnicos e também para resolver os problemas avícolas de interesse econômico e científico; - a Sericultura, representada por 4 grandes edifícios, onde o bicho da seda e a sua indústria merecerão cuidados especiais, visando a difusão dessa riqueza no país; - As máquinas agrícolas e oficinas, onde serão estudados os importantes problemas de mecanização da lavoura, e as máquinas mais apropriadas aos nossos solos, além de preparar os técnicos nessa especialidade; a Zootecnia, está representada por vários edifícios e abrange extensa área, permitindo o eficiente ensino da arte de criar economicamente os animais domésticos e, finalmente, os edifícios escolares, em número de três, com os seus numerosos laboratórios e gabinetes, onde os estudantes adquirirão os métodos científicos e técnicos da moderna ciência agronômica.”114 A implantação geral apresentava disposição setorizada com os blocos enquadrados de maneira simétrica, numa perspectiva monumental. O arruamento foi definido de maneira a fazer a ligação entre os blocos com destaque para as Figura 38: Projeto original para o campus da Universidade Rural, por Angelo Murgel, em 1938. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. COSTA, Fernando, op. cit., p. 36. SOARES, Eduardo da Veiga. Comissão de Construção do Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas – Obra do Ministério da Agricultura no Município de Itaguaí, Distrito de Seropédica. Rio de Janeiro: maio de 1953. 113 SOARES, Eduardo da Veiga, op. cit., p.2. 114 COSTA, Fernando, op. cit., p. 36. 111 112 226 Figuras 39 e 40: Perspectiva e Vista mostrando a implantação dos pavilhões e uma das zonas residenciais da Universidade Rural. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. alamedas de acesso principal, a partir da rodovia. Os setores residenciais receberam um tratamento diferenciado, algumas residências ligadas diretamente aos institutos, outras agrupadas por setor, como foi o caso dos alojamentos estudantis e do conjunto de moradias de funcionários e professores, separado das casas de trabalhadores. Os blocos institucionais foram dispersos pela área do campus, este atravessado pela rodovia.(Figura 39) Parte do setor residencial, foi disposto segundo um traçado adaptado à topografia, com intensa arborização.(Figura 40) Ainda foram projetados equipamentos como escola, clube esportivo e praças, para atender aos funcionários e trabalhadores. As vias foram pavimentadas e tratadas com ajardinamentos e arborização. Outros serviços de infra-estrutura foram necessários, como o abastecimento de água e a captação de esgotos. O conjunto foi pensado de maneira monumental, o que possibilitava ao mesmo uma total dominância em relação ao terreno englobando a antiga fazenda. (Figuras 41 e 42) Inicialmente foram projetados três pavilhões, o primeiro conjugando o curso de Agronomia, o segundo para as disciplinas relacionadas com a Química e o terceiro com a Biologia. A linguagem adotada para os blocos foi o neocolonial, com volumetria imponente em planta de disposição quadrada com páteo central. Assim se colocavam os projetos para os pavilhões 1, 2 e 3, correspondentes a estas unidades.(Figuras 43, 44 e 45) A cobertura em telhado aparente era coroada por pináculos e frontões com volutas. Portadas de acesso foram definidas de maneira marcante intercaladas pela composição de chafarizes ornamentados. Os panos das aberturas em arco foram dispostos por meio de arranjos ritmados buscando um equilíbrio na relação entre os cheios e os vazios. Extensas galerias em arco com vasta ornamentação possibilitavam a ligação abrigada no interior dos pavilhões, por vezes possibilitando o acesso externo. Na parte interna, os páteos receberam tratamento paisagístico com forrações diferenciadas e espelhos d´água, intercalados por pavimentação. As edificações ostentavam a importância da realização deste complexo universitário e centro de pesquisas, pelo apuro nos seus acabamentos e pelo emprego de materiais requintados. Foram projetados também, com a mesma linguagem e preocupação formal, vários blocos para abrigar os institutos, como os de Ecologia Agrícola, de Zootecnia, de Biologia Animal, de Avicultura, de Sericultura, de Metereologia, de Apicultura e também uma Escola para Aprendizado Agrícola. Outras instalações gerais foram previstas, além de unidades esportivas e residenciais distintas, estas incluindo os alojamentos estudantis e as residências de professores e funcionários, bem como as casas de trabalhadores. O Instituto de Ecologia Agrícola foi definido como um bloco único, em dois 227 Figura 41: Perspectiva geral do campus da Universidade Rural. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 228 Figura 42: Perspectiva geral do campus da Universidade Rural. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 229 Figuras 43, 44 e 45: Fachadas dos pavilhões 1, 2 e 3, correspondentes à Escola Nacional de Agronomia. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 230 Figura 46: Vista do Instituto de Ecologia Agrícola, nos anos 40. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. pavimentos, apresentando composição simétrica, com marcação do eixo principal por meio de frontão ornamentado e acesso através de pórtico avançado e abrigado. O bloco era todo vazado, com planos de fachada diferenciados e galerias cobertas no primeiro e no segundo andar. O Instituto de Zootecnia apresentava os mesmos componentes, definido em pavimento único. Os institutos seguiam esta conformação, com as adaptações necessárias em função dos programas diferenciados. Na implantação dos blocos efeitos de perspectiva eram propiciados pela localização dos mesmos em posição dominante, proporcionada por trabalhos de movimento de terra. Além disso, regras de composição para grandes conjuntos eram aplicadas com o intuito de estabelecer relações de simetria.(Figura 46) A Escola de Aprendizado Agrícola apresentava partido em “U” com modulação ritmada das aberturas interrompida por vão em arco que marcava o acesso ao edifício. O tratamento diferenciado dado a este edifício composto de maneira assimétrica, contrastava com a disposição dos outros blocos do campus. O páteo aberto também constituia um outro diferencial deste projeto, seguramente desenvolvido por Murgel.(Figuras 47 e 48) A hierarquia funcional da universidade se reproduzia na definição destas moradias, tanto no tocante aos partidos arquitetônicos, quanto ao uso dos materiais e acabamentos. As residências destinadas ao reitor da Universidade e ao diretor do CNEPA foram definidas de maneira isolada, contíguas à Escola de Agronomia, como verdadeiros palacetes. O rebuscamento da linguagem neocolonial ampliava a monumentalidade do conjunto constituído pelos pavilhões. O programa destas residências era extenso, incluindo quartos de hóspedes, abrigos de veículos e folgados acessos avarandados, além dos cômodos separados por áreas íntima, estar e serviços. O partido arquitetônico definido em dois pavimentos era composto por bloco único com planos diferenciados e telhados deslocados. Os conjuntos de casas para professores e funcionários eram muito mais simples, com telhados em duas águas e garagem anexa. Na parte frontal, um vestíbulo de acesso foi definido pelo avanço da cobertura, como uma varanda fechada. Já os conjuntos de moradias para trabalhadores foram compostos através de casas mínimas, também definidas em partido de pavimento único com cobertura em duas águas.(Figuras 49, 50, 51 e 52) No caso dos alojamentos para estudantes, estes foram dispostos em bloco único, com apartamentos individuais e coletivos, concentrados ao lado do refeitório numa diagonal em relação ao pavilhão principal destinado ao curso de Agronomia. Em 1938, foram iniciados os trabalhos topográficos, as obras de terraplenagem e a instalação do canteiro de obras. No ano seguinte, foram iniciadas 231 Figuras 47 e 48: Fachada da Escola de Aprendizado Agrícola, por Angelo A. Murgel, em 1939, e vista do prédio, em 1940. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 232 Figura 49: Projeto de Casa para Trabalhadores, nos anos 40. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. diversas construções compostas pelos pavilhões escolares, pelos edifícios residenciais para o diretor e para a administração, bem como pelas edificações que abrigariam os órgãos complementares. As obras tiveram continuidade nos anos seguintes extendendose até as décadas de 50 e 60.115 No ano de 1941, várias construções já haviam sido concluídas, abrangendo as várias seções da Universidade e do CNEPA, e as obras de infraestrutura estavam bastante adiantadas. Já se encontravam concluídas as obras das seções de Sericultura, de Avicultura, de Oficinas, os institutos de Ecologia Agrícola e de Experimentação Agrícola, bem como a Escola de Aprendizado Agrícola, o Serviço de Metereologia e alguns trabalhos de infra- estrutura. Estes blocos institucionais incluiam instalações de apoio e residência, bem como a ambientação do parque e a criação de dois lagos. As obras continuaram nos anos seguintes, com a criação de uma Superintendência de Obras, tendo à frente o arquiteto Eduardo da Veiga Soares. Esta fase inicial da implementação do campus da Universidade Rural e do CNEPA foi descrita de maneira detalhada pelo arquiteto Soares.116 A iniciativa por parte do governo em desencadear tais realizações, representou um momento dos mais importantes para o desenvolvimento do ensino e das pesquisas agronômicas para o Brasil, centrada em uma política de planejamento, que se integrava com outras ações distribuídas pelo país. Figura 50: Vista da residência para professores e funcionários. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 115 116 SOARES, Eduardo da Veiga, op. cit.. SOARES, Eduardo da Veiga, idem. 233 Figura 51: Vista do conjunto de casas para trabalhadores da Universidade Rural. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 234 Figura 52: Vista do conjunto de casas para professores e funcionários da Universidade Rural. Fonte: Acervo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 4.2.3. 235 Sedes dos Parques Nacionais Os projetos desenvolvidos para as sedes dos Parques Nacionais foram definidos a partir de um plano de conjunto, incluindo diversas instalações, para permitir o funcionamento dos mesmos como centros de estudo, de educação e de entretenimento. A criação dos parques integrava as ações do Ministério da Agricultura, no tocante à conservação dos recursos naturais. Para o arquiteto Angelo Murgel era mais uma oportunidade para colocar em prática as suas idéias arquitetônicas e urbanísticas.(Figuras 53 e 54) As dificuldades relacionadas às fontes referentes ao assunto, o levaram a desenvolver estudos e pesquisa ampla, para desenvolver as suas propostas. O parque era considerado de modo mais abrangente por este arquiteto, além da idéia comum de “…hôrto botânico, de bosque ou jardim, de reserva florestal, cuja diferença dos seus congêneres urbanos residisse mais na escala de suas proporções e na obrigatória localização em regiões afastadas dos grandes centros, que em qualquer outra razão de diferenciação essencial, o que não é exato.”117 Outras funções estavam relacionadas com os parques, além das atividades de pequisas botânicas ou de proteção e de reservas florestais, como o uso, o entretenimento e a educação pela população. Na implementação dos parques, de acordo com a experiência norte-americana, era ressaltada a necessidade prévia de um estudo criterioso, “…por uma equipe de técnicos de tôdas as especialidades a fim de se constituir o ‘master plan’, plano diretor.”118 Os parques nacionais brasileiros foram criados nos anos de 1937 e 1939, por decretos do governo federal. Pelo Decreto nº 1713, de 14 de junho de 1937, foi criado o Parque Nacional do Itatiaia, na região das Agulhas Negras, na Serra da Mantiqueira, compreendendo área situada nos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro; pelo Decreto nº 1035, de 10 de janeiro de 1939, o Parque Nacional do Iguaçu, localizado no extremo oeste do estado do Paraná, na divisa do Brasil com a Argentina e o Paraguai; pelo Decreto nº 1822, de 30 de novembro de 1939, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, situado entre as cidades de Teresópolis e Petrópolis, abrangendo também terras pertencentes aos municípios de Guapimirim, Magé. Para Murgel, o projeto dos parques envolvia um trabalho contínuo e homogêneo, “…em trabalhos de tal natureza os erros se não corrigirem e qualquer medida extranha aos estritos interêsses do Parque podem comprometer definitivamente Figuras 53 e 54: Projetos elaborados por Angelo Murgel para os parques nacionais. Fonte: Acervo da Biblioteca do Parque Nacional do Itatiaia. MURGEL, Angelo A.. Parques Nacionais. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, pp.3-4 118 MURGEL, Angelo A., op. cit., p.7. 117 236 Figura 55: Projetos de Casa para Trabalhador Rural: Modelo Presidente Vargas, por Angelo A. Murgel, em 1943. Fonte: Biblioteca do Parque Nacional do Itatiaia. Figura 56: Projeto de casa para administradores de parque, por Angelo A. Murgel. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel. 119 120 MURGEL, Angelo A., idem, p.8. MURGEL, Angelo A., op. cit., pp.11-12. a obra. É necessário que se reúna um grupo de zoólogos, botânicos, arquitetos, engenheiros, paisagistas, etc., com pendores pessoais para êsse assunto, a fim de que se constitua a escola brasileira de parques nacionais, de que se crie entre nós a mentalidade própria do colaborador de parque, com que se poderá então, dispondo de necessária autonomia administrativa, promover com sucesso a formação dos nossos parques.”119 Como em trabalhos anteriores, Murgel fazia parte de uma comissão encarregada do planejamento global dos parques. No caso do Parque Nacional do Itatiaia, a comissão estava subordinada ao Ministério da Agricultura, composta pelo Diretor de Serviços de Estradas de Rodagem, do Ministério da Viação e Obras Públicas, do Diretor do Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural do Ministério da Justiça e do Superintendente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, do Ministério da Agricultura. No projeto destes conjuntos, “…o que se procura e o que se deve preservar é exatamente o caráter original dos panoramas e aspectos. Por isso uma estrada interna de um parque nacional não precisa se subordinar às leis e preceitos rodoviários, mas aos de paisagismo; rampas suaves obtidas ao preço de grandes cortes, de desmontes ou aterros devem ser preteridas por outras de condições de tráfego inferiores mas que não causem tais danos nem firam a terra a ponto de tirar-lhe o interêsse e a beleza. Uma árvore pode ser deixada no eixo da estrada, uma curva pode ser menos técnica, mas as suas obras de arte devem harmonizar-se com a natureza e aproveitar-se dos materiais da região a fim de que nela não pareçam extranhas.”120 Os planos desenvolvidos para os parques consideravam programas semelhantes, em função da dinâmica dos parques, abrangendo serviços e moradias, hospedagem, centros de estudos e lazer. No caso do Iguaçu, o plano envolveu também as intalações referentes ao aeroporto. A implantação geral envolvia o traçado de uma via de penetração que conduzia às diversas instalações, com vias secundárias para acesso local. Para a composição das edificações e equipamentos, assim como para a abertura do sistema viário, buscou-se uma adequação à topografia do lugar. Na linguagem empregada para o conjunto arquitetônico, cujas construções foram dispersas pelas áreas dos parques, predominava o neocolonial, cujas origens remontam à tradição construtiva brasileira, particularmente no repertório da arquitetura colonial portuguesa.(Figuras 55, 56 e 57) Além de ter feito uma opção por esta linguagem, Murgel acrescentava materiais e acabamentos rústicos enfatizando o vínculo destes componentes ao lugar. Tanto para os equipamentos quanto para as moradias de técnicos e diretores, bem como abrigos e alojamentos, a concepção seguia esta orientação. A exceção, ficava por conta das 237 Figura 57: Projetos de Casas para guardas florestais. Fonte: Biblioteca do Parque Nacional do Itatiaia. 238 moradias de trabalhadores, projetadas com simplicidade, com programa mínimo composto por quartos, cozinha e banheiros, e cobertura em duas águas. Além disso, ele ressaltava a necessidade de se “…obedecer estritamente às condições mesológicas e apresentar um caráter e aspecto ‘sui generis’, o aproveitamento dos materiais locais e dos próprios sistemas consagrados pelo bom senso popular da região impõe-se ao profissional, cumprindo-lhe compor suas construções, com tais elementos, dentro das formas gerais estabelecidas para os parques.”121 Figura 58: Localização do Parque Nacional do Itatiaia. Fonte: Acervo da Biblioteca do Parque Nacional do Itatiaia. Os atributos de racionalidade e funcionalidade se colocavam “…dentro da sua verdadeira acepção, sem falseamento ou compromissos dos inexplicáveis e injustificáveis grupos partidários em matéria de arquitetura; o trabalho deverá ser feito com essa simplicidade e com essa naturalidade com que o homem nos seus estágios mais primitivos sempre resolveu o problema de suas habitações.”122 Apenas o essencial, em termos de materiais, deveria ser trazido de fora, tendo em vista que os principais componentes para as construções eram obtidos “…’in loco’ lançando mão dos recursos regionais e aplicando-os de modo a obter o máximo efeito, consoante uma técnica adequada.”123 A comodidade da composição, bem como o conforto das edificações, estavam centrados no aspecto de rusticidade. Os planos para os parques consideravam estes princípios, aplicados para a harmonização dos conjuntos, independente de se tratarem de edificações ou obras de arte, como pontes, aquedutos, ou mesmo coletores de águas pluviais. O que se pretendia, com isso, era uma adequação do partido global, com o seu entorno natural. Assim, “…os interessantes efeitos dos madeiramentos brutos, empregados quase que ‘in natura’, deixando visíveis os sinais da ferramenta que os trabalhou na mata, as telhas assinaladas pelas impressões digitais dos oleiros, as pedras rústicas, de aparelhamento ‘opus incertum’, encangicadas, ora com os retalhos da própria exploração da pedreira, ora com seixos rolados dos ribeiros vizinhos, são aspectos que sempre encantam e sugestionam quantos visitam as obras dos nossos parques nacionais. Critério e discernimento são escalas que deverão sempre pautar o seu emprêgo, dosando-os e juntando-os em associações felizes e lógicas, onde o observador sinta o acêrto das soluções e a convicção de que não teria procedido de outro modo se a êle competisse fazê-lo.”124 MURGEL, Angelo A., idem, p.25. MURGEL, Angelo A., idem, p.26. 123 MURGEL, Angelo A., idem. 124 MURGEL, Angelo A., idem. A sede do Parque Nacional do Itatiaia foi assentada na encosta do Monte Serrat, a oitocentos e trinta e um metros acima do nível do mar, já na Serra do Itatiaia. Neste mesmo local, estava situada a Estação Biológica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que antecedeu ao Parque.(Figura 58) O termo “Itatiaia” nos remete à idéia de um penhasco cheio de pontas, relacionado com o aspecto maciço do topo mais alto 121 122 239 da Serra das Agulhas Negras. A instalações do parque, em meio aos remanescentes da Mata Atlântica, tinha o sentido da preservação deste patrimônio cultural, ameaçado pela exploração predatória de palmito e culturas de subsistência. O conjunto planejado envolveu um edifício-sede, concentrando os serviços de administração, técnicos e auxiliares, os estudos botânicos, zoológicos e geológicos, o auditório, a biblioteca, o museu e o centro de informações. Ainda foram projetados abrigos para visitantes, moradias, pavilhões de oficinas e almoxarifado, escola e igreja. Estes equipamentos foram distribuídos pela área do parque para permitir o acesso aos seus encantos naturais. O edifício-sede, hoje centro de visitantes, foi definido em bloco único assentado numa encosta dominante, configurando um “…moderno e adequado prédio, no qual funcionam os serviços administrativos, técnicos e auxiliares, direção, secretaria, biblioteca, estudos botânicos, zoológicos e geológicos, além de contar com salas para projeção e conferências, museu e centro de informações.”125 Este edifício, em quatro pavimentos localizado numa encosta, contava ainda com apartamentos para hóspedes e biblioteca.(Figuras 59, 59a, 60 e 61) O acesso principal a esta edificação era feito por pórtico circular como um grande átrio abrigado. Na parte posterior o acesso também era abrigado, através de galeria-varanda que possibilitava a ligação entre os diversos compartimentos. O platô superior, onde foi implantado o edifício, recebeu tratamento paisagístico que penetrava no páteo dos fundos. Nos pavimentos superiores, era possível uma visão de 360º da área do parque, em particular através do terraço-mirante, em partido circular definido por Murgel. Figuras 59 e 59a: Fachada e planta do projeto para o edifício-sede do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo A. Murgel, em 1940. Fonte: Biblioteca do Parque Nacional do Itatiaia. Em 1940, o edifício-sede já estava concluído, sendo que a implementação global do plano, ainda dependia de inúmeras desapropriações de terrenos, estes encravados na área destinada ao parque. Esta situação persistirá, fazendo com que o conjunto do parque englobasse propriedades particulares, algumas delas transformadas em hotéis e pousadas para o lazer. Os abrigos para os visitantes, tanto na área próxima ao edifício-sede e adjacências, quanto nos pontos mais altos do parque, não apresentavam a mesma imponência e monumentalidade que caracterizou a concepção do edifício-sede. Estes abrigos eram marcados pela rusticidade e pelo despojamento, no tratamento e emprego dos materiais, como construções utilitárias. A sua finalidade era servir de pousada, como refúgios coletivos com dormitórios, banheiros e áreas de serviço, incluindo cozinhas. BARROS, Wanderbilt Duarte de. Parque Nacional do Itatiaia. Rio de Janeiro: Serviço de Informação Agrícola, 1955, p.7. 125 240 Figuras 60 e 61: Vistas do edifício-sede do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo A. Murgel, em 1940. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel. Assim foram dispostos os abrigos Massenas, Rebouças e Lamego, equipados com fogões a lenha e instalações sanitárias. 241 Para os outros equipamentos como oficinas e pavilhões de apoio, foram seguidas estas mesmas orientações no tocante ao emprego e ao tratamento dos materiais. Construções alongadas, para atender ao programa necessário, com cobertura em duas águas marcavam o partido destas edificações. Revestimentos de pedra, madeiramentos aparentes, dentre outros componentes, davam o caráter de rusticidade, acompanhando a linguagem estabelecida para o conjunto.(Figura 62) As moradias dispersas pela área do parque, revelavam a hierarquia funcional, na estrutura de trabalho do conjunto ecológico. As casas serviriam para a acomodação do administrador do parque, dos funcionários e trabalhadores, bem como de pesquisadores. A começar, pela residência do administrador, marcada por apuro e sofisticação no emprego dos materiais e acabamentos. O projeto foi definido em linguagem neocolonial com telhado aparente e beirais, além do páteo avarandado que fazia a ligação dos compartimentos. A edificação apresentava partido em blocos defasados, o que reforçava o contraste da sua presença, na paisagem natural do parque. Acrescida a esta composição, a solução fragmentada do telhado, conferindo movimento ao volume definido para esta moradia. O programa incluía quartos de hóspedes, salas e garagem, composto pela articulação de extensos ambientes. Já as moradias de funcionários, pesquisadores e trabalhadores, apresentavam um programa bem mais reduzido. O partido composto em bloco único, com cobertura em duas águas, dava a estas residências o aspecto de uma casa campestre, como um chalé. A rusticidade era enfatizada pelo emprego de madeiramento aparente, sem aparelhamento. As casas dos trabalhadores apresentavam maior simplicidade, sem uma preocupação com os detalhes arquitetônicos, como estampado nas anteriores, e com os compartimentos mais reduzidos. Para estas moradias, tanto as de funcionários e pesquisadores, quanto as de trabalhadores, o telhado se prolongava na parte frontal, conformando um alpendre de acesso.(Figuras 63 e 64) Já em 1955, Murgel desenvolveu o projeto para uma capela rústica, a ser instalada no parque.(Figuras 65 e 66) A proposta, não construída, apresentava partido definido em bloco único, com telhado em duas águas e em níveis diferenciados. Esta edificação era marcada pelo volume da torre para os sinos. O partido adotado revelava o emprego de uma linguagem adaptada ao lugar, como esboçado nos projetos anteriores, pela utilização de materiais e acabamentos rústicos. Além da igreja, não Figura 62: Vista do pavilhão de oficinas. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel. Figura 63: Vista de casa de funcionário do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo A. Murgel , em 1940. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel. 242 Figura 64: Fachada do projeto para a casa do administrador do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo A. Murgel, em 1940. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel. 243 Figuras 65 e 66: Fachadas do projeto de Capela Rústica para o Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo A. Murgel, em 1955. Fonte: Biblioteca do Parque Nacional do Itatiaia. 244 construída, o mesmo ocorreu com a escola, sobre a qual não foi possível identificar dados do projeto. A realização do Parque Nacional do Itatiaia antecipava a discussão sobre a necessidade da preservação do meio ambiente para as gerações posteriores. O conjunto projetado revela soluções técnicas pensadas numa perspectiva global, considerando-se as peculiaridades locais, em função dos aspectos relacionados com o lugar. O longo intervalo de tempo decorrido, que nos separa, no presente, das primeiras medidas para a incorporação deste patrimônio natural, como um bem coletivo, não nos faz perder de vista os seus objetivos iniciais, “...tudo deverá ser feito para transformá-los em santuários de beleza, em hinos à Pátria, à Natureza e à Criação, para que nêles possam ser admiradas a flora e a fauna em sua vida e ´habitat´ naturais e para que as maravilhas panorâmicas não percam o seu aspecto primitivo e original. Tal será a função daqueles a quem foi confiada a difícil tarefa.”126 E esta tarefa persiste na atualidade, com a complexidade dos problemas ampliada. A consideração destes princípios, que nortearam a formação dos primeiros parques, em particular do Parque Nacional do Itatiaia, se insere, assim, na realidade atual, tendo em vista a conservação destes conjuntos, enquanto patrimônio natural e construído. Figura 67: Cataratas de Foz do Iguaçu no Parque Nacional do Iguassu, por Angelo A. Murgel. Fonte: Acervo pessoal de Ângelo A. Murgel. 126 127 MURGEL, Angelo A., op. cit., p.8. MURGEL, Angelo A., idem, p.16. O Parque Nacional do Iguaçu teve a sua sede instalada em relevo relativamente plano, entre duzentos e cinquenta e trezentos e cinquenta metros de altitude.(Figura 67) Além do aeroporto, foram projetados o edifício-sede, os alojamentos para pesquisadores, o museu, as residências de funcionários e as instalações sanitárias. Ainda foram projetados um hotel, com garagem e oficinas, um centro de esportes, um horto botânico, um jardim zoológico, um almoxarifado e oficinas. A viagem ao parque, por via aérea, constituia um momento especial para Murgel, “…o dinâmico panorama do progresso da Paulicéa, as vistas aéreas da Serra do Mar, Curitiba com seus graciosos arrabaldes, os pinheirais paranaenses, as muralhas chinesas e os castelos feudais das curiosíssimas formações areníticas de Vila Velha, a mata virgem e impenetrável que se estende de Guarapuava até a Foz do Iguaçu, e, por fim, quando o aéromoço anuncia ‘falls at the left’ ou, descendo mais o avião, ‘now, at two side’, pelas minúsculas janelas do ‘clipper’ descortina-se o que nunca antes se pudera conceber: o panorama completo das Cataratas do Iguaçu!”127. O aeroporto foi pensado a partir do prédio da Estação de Passageiros.(Figuras 68, 69, 70 e 71) Com um forte apelo paisagístico, marcado por caramanchões, lago e fonte, estes componentes serviam para emoldurar a chegada ao parque. O edifício já 245 Figuras 68, 69 e 70: Aeroporto do Parque Nacional do Iguassu, por Angelo A. Murgel, em 1941, vista geral, fachada e planta. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel. 246 Figura 71: Aeroporto do Parque Nacional do Iguassu, por Angelo A. Murgel, em 1941, perspectiva. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel. estava concluído em 1940. Construído em bloco único, o prédio tinha amplos beirais e portada de acesso dos passageiros, como um vestíbulo abrigado, esta última coroada por um frontão. Na parte superior, logo abaixo do volume destacado da torre-mirante, foi disposto um avarandado com acesso privativo aos técnicos do controle. 247 O hotel foi definido como um bloco horizontal, em dois pavimentos. Este bloco principal era interrompido por torre de marcação vertical, com vista privilegiada para as Cataratas do Iguaçu. Além disso, foi definido um anexo, com páteo interno, no qual foram instalados os serviços. O prédio foi composto a partir de um partido em “U”, com os quartos dispostos ao longo do conjunto. A hospedagem era privilegiada pela visão direta para as cataratas e pela área de lazer, aos fundos, contígua à reserva florestal.(Figura 72) A localização do Parque da Serra dos Órgãos era a mais facilitada, pela proximidade com a Capital Federal, em terras pertencentes aos municípios de Guapimirim, Magé, Petrópolis e Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro. No relevo acidentado inserido na Serra do Mar, os destaques ficavam por conta das formações rochosas inéditas do Dedo de Deus e da Pedra do Sino. O plano geral compreendia um edifício-sede, casas para guardas florestais, funcionários e diretor, além de um hotel de montanha e abrigos para visitantes. Este último equipado com instalações completas, conforme Murgel, prevendo-se a prática de esportes compatíveis com a região. Foram projetadas, ainda, choupanas rústicas para alojamento de visitantes. A sede do parque foi instalada com acesso para a rodovia Rio-Teresópolis, próxima da antiga sede da Fazenda Barreiras, cuja construção remontava ao século XIX, transformada em museu e, posteriormente, em centro de visitantes. Uma capela, datada de 1713, completava o conjunto do parque, projetado por Murgel. Nos anos 40, o plano ainda se encontrava em vias de execução. Figura 72: Vista do hotel do Parque Nacional do Iguassu, com anotações de Murgel, em 1970. Fonte: Acervo pessoal de Angelo A. Murgel. 248 4.3. 249 Presença da arquitetura moderna no trajeto de Lúcio Costa Lúcio Ribeiro da Costa nasceu em Toulon, na França, em 27 de fevereiro de 1902, e faleceu no Rio de Janeiro, em 13 de junho de 1998.128 Os estudos iniciados na Inglaterra e na Suiça tiveram prosseguimento no Brasil, para onde se transferiu em 1916. A diplomação como arquiteto, pela Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), ocorreu em 1922, e o primeiro escritório foi montado ao lado da Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, em sociedade com o colega de turma, Fernando Valentim. A seguir, o escritório foi transferido para a avenida Rio Branco, no edifício Docas de Santos. Para Costa, este era um momento no qual predominava a linguagem do ecletismo arquitetônico, “…os estilos ‘históricos’ eram aplicados sans façon de acordo com a natureza do programa em causa. Tratando-se de igreja, recorria-se ao receituário românico, gótico ou barroco; se de edifício público ou palacete, ao Luis XV ou XVI; se de banco, ao Renascimento italiano; se de casa, a gama variava do normando ao basco, do missões ao colonial.”129(Figura 73) Em 1924, conheceria Diamantina, tendo ficado encantado pela simplicidade e originalidade do casario colonial. Encarregado pela Sociedade Brasileira de Belas Artes, de estudar a arquitetura dos edifícios públicos e particulares da cidade, a experiência possibilitou um contato direto com Diamantina.(Figura 74) Foram inúmeros desenhos e caminhadas pelas capistranas, que motivaram a revisão dos rumos da tendência neocolonial que vinha seguindo, “…aí ele me disse o seguinte, a primeira coisa, a coisa básica, foi o encontro dele com Diamantina, em 1924; ele era um arquiteto neocolonial de sucesso e desenhava divinamente, mas ele era muito moço; tinha só 22 anos, os mais velhos foram para Ouro Preto, Mariana, não sei o que… e ele foi para Diamantina, porque era longe. E quando ele narra aquele susto é impressionante. Chegou lá e caiu em cheio num passado, num passado de verdade, que era novo em folha para ele. E ele comentava esse encontro com Diamantina como se fosse ontem e, no final, ele dizia uma frase definitiva, ‘…era aquela beleza sem esforço’. Para ele bateu uma coisa… ‘ôpa, o que é isso, nós neocoloniais fazemos um supremo esforço não é, você pega coisa de igreja e bota em casa, não é!? E de repente chega aqui tá tudo normal, lindo e sereno e compatível com a tecnologia de construir’. Isso instalou dentro dele uma perplexidade, digamos, um desconforto extremamente poderoso, porque perdurou…”130 Esta ida a Diamantina, prolongada pelo trajeto demorado do trem, foi essencial para Costa, que destacava, “…caí em cheio no passado no seu sentido mais despojado, mais puro: um passado de verdade, que eu ignorava, um passado que Lúcio Ribeiro da Costa (Toulon/França, 1902 - Rio de Janeiro/RJ, 1998) Os dados para a compreensão da trajetória de Lúcio Costa foram pesquisados em autores que escreveram sobre ele, e nos seus próprios escritos publicados, particularmente no livro Registro de uma Vivência. Além disso buscamos acessar o seu acervo pessoal na fundação Casa de Lúcio Costa, o que foi feito por intermédio da exposição Lúcio Costa: 1902-2002, no Rio de Janeiro, em 2002. Nesta oportunidade, aproveitamos para realizar uma entrevista com a filha de Lúcio Costa, Maria Elisa Costa, em 30 de abril de 2002. Em maio do mesmo ano, participamos do seminário internacional Um século de Lúcio Costa, também realizado no Rio de Janeiro. Aproveitamos para uma conversa com Yves Bruand, que ministrara uma das palestras, sobre os dados a respeito do concurso para Monlevade, no seu livro Arquitetura Contemporânea no Brasil, o que não acrescentou muito em relação ao que já havíamos levantado. 129 COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1997, p.15. 130 COSTA, Maria Elisa. Entrevista realizada em 30 de abril de 2002, no Leblon, de frente para o mar... 128 250 Figura 73: Primeira obra de Lúcio Costa, Casa Rodolfo Chambelland, em colaboração com Evaristo Juliano de Sá, na rua Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, em 1921-22 . Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.14. Figura 74: Aquarela do colégio de freiras com passadiço, em Diamantina, por Lúcio Costa, em 1924. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.29. COSTA, Lúcio, op. cit., p.27. COSTA, Lúcio, idem, p.16. 133 COSTA, Lúcio, idem, p.68. 134 Natural de Odessa/Rússia, onde iniciou os estudos de arquitetura, interrompidos em 1917. Concluiu o curso na Itália, em 1920, tendo atuado como assistente do arquiteto Marcelo Piacentini. Em 1923, transferiuse para São Paulo, vindo para o Brasil contratado pela Companhia Construtora de Santos. Desenvolveu diversos projetos em São Paulo, além da associação com Costa no Rio, a qual citaremos a seguir. Faleceu em 1972. Ver: CARDOSO, Anna Beatriz Ayroza Galvão. Warchavchik: uma arquitetura a ser preservada. RUA: Revista de Arquitetura e Urbanismo, nº 1, ano 1, dezembro de 1988, pp.73-88. 131 132 era novo em folha para mim. Foi uma revelação: casas, igrejas, pousada dos tropeiros, era tudo de pau-a-pique, ou seja, fortes arcabouços de madeira – esteios, baldrames, frechais – enquadrando paredes de trama barreada, a chamada taipa de mão, ou de sebe, ao contrário de São Paulo onde a taipa de pilão imperava.”131 Em 1926, empreendeu viagem de estudos pela Europa, e ao regressar ao Brasil, por motivos de saúde, hospedou-se no Caraça, em Minas Gerais. Aproveitou para estender o percurso por outras cidades mineiras, como Sabará, Mariana e Ouro Preto, o que contribuiu para reforçar a sua percepção sobre os equívocos do neocolonial “…lamentável mistura de arquitetura religiosa e civil, de pormenores próprios de épocas e técnicas diferentes, quando teria sido tão fácil aproveitar a experiência tradicional no que ela tem de válido para hoje e para sempre.”132 Esta referência aos materiais e sistemas construtivos empregados na arquitetura mineira vai ser recorrente nas propostas desenvolvidas por Costa. A trajetória deste arquiteto envolveu uma intensa e extensa atuação, presente em diversos setores da sociedade, como veremos adiante. A sua presença no âmbito acadêmico foi importante, mesmo não tendo dado prosseguimento a esta atividade. Lúcio Costa teve um papel fundamental na reforma do ensino da Escola Nacional de Belas Artes - ENBA, quando em 1930, a convite de Rodrigo M. F. de Andrade, assumiu a direção da mesma. O objetivo da reforma instituída era proporcionar o acesso dos alunos à modernidade em voga, através da contratação de professores mais jovens, sem deixar de lado a tradição acadêmica já consolidada. A transformação inserida no ensino teve o sentido de “…aparelhar a escola de um ensino técnico-científico tanto quanto possível perfeito, e orientar o ensino artístico no sentido de uma perfeita harmonia com a construção. Os clássicos serão estudados como disciplina; os estilos históricos como orientação crítica e não para aplicação direta”133. Sua nomeação como diretor da escola, em 8 de dezembro de 1930, levou à contratação de novos professores. Para a área de arquitetura, foram designados Alexander S. Buddeus e Gregori Warchavchik134, que tinha como assistente Affonso Eduardo Reidy. As reações contrárias aos novos rumos do curso, mesmo que as mudanças contassem com o apoio maciço dos alunos, levaram à demissão de Costa, em 18 de setembro de 1931. Ainda como diretor da ENBA, promoveu o Salão de 31, que possibilitou a exposição de diversos trabalhos de artistas, comprometidos com a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, ainda em 1922. A idéia era romper com o círculo de exposições, envolvendo sempre os mesmos protagonistas, através da apresentação 251 de experiências, que buscavam romper com as regras acadêmicas. A convocação dos artistas, dentre os quais Di Cavalcanti, foi feita diretamente, em São Paulo, pelo próprio Lúcio Costa. Para ele, o Salão de 31 era “…o canto de cisne da tentativa de reforma e atualização do ensino das artes no país, e, no que se refere à arquitetura, da reintegração plástica – ou seja da arte – na nova tecnologia construtiva.”135(Figura 75) Entretanto, a frustrada reforma, nas suas palavras, foi empreendida, fora do ambiente acadêmico, em trabalhos que buscavam uma síntese entre a tradição local e uma arquitetura inovadora. Em 1934, escreveu o texto Razões da Nova Arquitetura, publicado em 1936, no qual expõe as suas teses referentes à renovação da arquitetura. Este texto resumia a sua única experiência didática, como professor da Universidade do Distrito Federal, com destaque para a nova técnica, a partir de uma estrutura independente, elemento que comandava a transformação radical de todos os antigos processos. No texto, ressaltava a liberdade de composição das fachadas e o arranjo das plantas que este sistema inovador proporcionava. Lúcio Costa teve uma participação ativa nas questões relacionadas com o patrimônio cultural, com inúmeros pareceres técnicos, sendo que, a sua primeira incumbência, em 1937, foi uma viagem ao Rio Grande do Sul, para levantamentos e estudo de proposta para as ruínas dos Sete Povos da província jesuítica espanhola, como remanescentes deste período, no lado brasileiro. O Museu das Missões foi projetado com o intuito de preservar a memória do que restou destas ruínas. No texto Os Sete Povos das Missões: Província espanhola, de 1939, Costa citou o relatório elaborado para o SPHAN, em 1937, bem como acrescentou outros comentários sobre a arquitetura deste assentamento jesuítico. No texto A arquitetura dos jesuítas no Brasil, de 1941, fazia considerações sobre o legado da Companhia de Jesus. Ainda vinculado ao patrimônio desenvolveu estudos abordando a arquitetura de Antônio Francisco Lisboa, nos quais buscava caracterizar a originalidade da composição presente nas obras deste artista. Em 1938, elaborou o texto Documentação Necessária, no qual tecia comentários sobre as transformações da arquitetura brasileira. No ano seguinte desenvolveu estudo sobre o mobiliário brasileiro, buscando também entender as suas transformações, ao longo do tempo. Em 1940, escreveu o texto intitulado Do Desenho, no qual desenvolvia um programa, para a reformulação do ensino do desenho no curso secundário. No mesmo ano, formulou as Considerações sobre arte contemporânea, publicado apenas em 1952. Figura 75: Bilhete enviado a Di Cavalcanti, por Lúcio Costa, referindose ao Salão de 31. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.71. 135 COSTA, Lúcio, op. cit., p.71. 252 Em 1948, no texto Depoimento, respondeu a uma interpelação: Como situava o seu papel, no quadro da renovação da arquitetura brasileira, desencadeado nos anos 30? À qualificação de pioneiro, destacava a contribuição das visitas de Le Corbusier, ao permitir o acesso, em primeira mão, às referências do Movimento Moderno. A primeira delas, tendo ocorrido em 1929, e, a segunda, em 1936. Entretanto, ressaltava também, a importância da atuação de Warchavchik, a irreverência de Flávio de Carvalho e a espetacular arrancada de Oscar Niemeyer, sendo que, esta última, realmente lançou moderna arquitetura brasileira no cenário internacional. Além disso, Costa enumerava os pontos que considerava mais importantes, no que dizia respeito à sua própria contribuição, a começar pela tentativa de reforma da ENBA; a iniciativa de promover a vinda de Le Corbusier, na sua segunda visita, em 1936, como citado anteriormente; a disposição de sempre favorecer o surgimento de novos valores, como Niemeyer, por exemplo; a importância dada ao patrimônio cultural, na sua acepção antiga e nova, colocados no mesmo patamar; e o reconhecimento da legitimidade da intenção plástica no fazer arquitetônico, erudito ou popular. Em 1951, fêz um retrospecto da assimilação dos princípios modernistas, por parte dos arquitetos brasileiros, no texto Muita construção, alguma arquitetura e um milagre: depoimento de um arquiteto carioca. Em 1952, escreveu o texto O arquiteto e a sociedade contemporânea, por solicitação da UNESCO, para a Conferência de Veneza. Em 1960 recebeu o título de Doctor of Arts, pela Harvard University, com a concepção de Brasília, Lucio Costa: Brazil’s new capital rises from the soaring design of this gifted city planner. Em 1961 elaborou o texto O Novo Humanismo Científico e Tecnológico, por solicitação do Massachussets Institute of Technology, em função da comemoração do centenário desta instituição. Na XIII Trienal de Milão, em 1964, organizou o Tempo livre, Pavilhão do Brasil: RIPOSATEVI. Em 1967, escreveu o texto Formes et Fonctions, para o anuário Architecture, Formes, Fonctions, de Anthony Kraft, em Lausanne. No ano seguinte, com a mesma finalidade, abordou o tema Art, manifestation normale de vie. Em 1983, escreveu o texto Arquitetura bioclimática, para as comemorações dos setenta anos da invenção do ar condicionado. Como arquiteto, desenvolveu inúmeros projetos de edifícios públicos e privados, além de planos para cidades novas e propostas de intervenções em contextos já existentes. Nesta atuação ampla, procurava aperfeiçoar a sua prática, tendo em vista a seguinte interrogação: Afinal, qual seria o moderno para o seu tempo? Esta pergunta o conduziria a um trajeto enraizado no passado e, ao mesmo tempo, voltado para a atualidade. A pesquisa projetual visando uma linguagem moderna, o levaria a 253 abandonar as suas próprias opções, ligadas ao emprego do neocolonial. A partir dos anos 30, a adesão irrestrita ao ideário do Movimento Moderno, em particular às teses defendidas por Le Corbusier, marcou a produção de Costa. O encontro com a obra de Warchavchik foi decisivo, “…em Correias, num período anterior à reforma da escola e tinha uma revista em casa, uma revista comum não de arquitetura, que se chamava Para Todos; e ele folheando essa revista viu a foto da casa que chamam de Casa Modernista que estava exposta, do Gregori Warchavchik. Ele percebeu, então, a partir daquela fotografia, e isso ele conta com a maior tranquilidade, ‘…engraçado dá para ser bonita’.”136 Esta mudança, já se revelava nas suas primeiras manifestações, vinculadas à renovação técnica na arquitetura, em projetos como a Casa E.G. Fontes, de 1930, na Tijuca, no Rio de Janeiro.(Figuras 76 e 76a) A versão final deste projeto, originalmente desenhado em linguagem neocolonial, apresentava um partido composto em pilotis, com extensos panos de vidro e o emprego do concreto armado aparente. Tambem destacamos neste período, projetos nos quais sobressaia esta linguagem, como a Casa Carmem Santos, a Casa Maria Dionésia, a Casa Álvaro Osório de Almeida, a Casa Genival Londres e a Chácara Coelho Duarte. Além da admiração pela obra de Warchavchik, como citado anteriormente, ambos estabeleceram uma sociedade, neste mesmo período, num momento em que Costa desenvolvia projetos com a colaboração do arquiteto Carlos Leão. A firma Warchavchik-Costa produziu diversos projetos, em sintonia com a modernidade, já experimentada nos trabalhos de Warchavchik, em São Paulo. O escritório, instalado no edifício A Noite, permaneceu até o começo do ano de 1933. O papel predominante de Warchavchik se revelava pela “…simplicidade racional da planta e da elevação – baseada na utilização quase exclusiva da linha reta, às vezes atenuada por uma ligeira curva dos elementos secundários –, o mesmo jogo de volumes cúbicos e prismáticos, a mesma superposição de terraços que asseguravam ao conjunto o essencial do seu caráter, a mesma nudez absoluta das paredes e, finalmente, o emprego dos mesmos elementos de detalhe, em particular das janelas com caixilhos metálicos”137. Do que foi produzido em conjunto com Warchavchik, destacamos o conjunto de apartamentos proletários da Gamboa, em 1932, o qual será analisado mais adiante. Nos anos seguintes à interrupção desta sociedade, Costa daria continuidade à sua postura inovadora. O anteprojeto para Monlevade, em 1934, como vimos anteriormente, ofereceu uma oportunidade sem igual. E o fato do projeto ter sido COSTA, Maria Elisa, op. cit. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981, p. 70. 136 137 254 Figura 76 e 76a: Perspectivas do projeto para a Casa E.G. Fontes, versão inicial em linguagem neo-colonial e o seu desdobramento como a primeira proposição em sentido contemporâneo, por Lúcio Costa, em 1930. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, pp.57;60-61. 255 recusado, como ele mesmo se referiu, não diminuiu o apreço especial, que guardava em relação a esta experiência frustrada. Afinal, a disputa permitiu ensaiar uma solução inusitada de conjunto, “…o meu pai tinha um enorme carinho pelo projeto Monlevade, isso é bom anotar… porque eu acho que ele fêz isso numa época que ele estava sem trabalho, você entende!? Ele deve ter investido muito e querendo mostrar além da coisa da arquitetura como construção, ele estava querendo mostrar como era possível você atender às necessidades sociais com bom gosto, ou seja, você usar a arte a favor da sociedade...”138 O momento em que se inseriu a proposta para Monlevade era delicado, pela falta de clientela. Nesta fase, denominada de chômage, Costa desenvolvia projetos aleatórios, casas sem dono, para terrenos convencionais de doze por trinta e seis metros.(Figura 77) Estes ensaios de projetos, como “…‘Casas sem dono’ é porque ele estava sem trabalho e não conseguia ficar sem projetar; então ele pegava um lote padrão do Rio de Janeiro e desenvolvia vários projetos para vender em banca de jornal, no formato de álbum; eram álbuns completos com numeração. E foi nesse período, logo depois que ele saiu da escola, que ele mergulhou na obra do Le Corbusier e se apaixonou perdidamente pela coisa.”139 A ocasião permitiu o aprofundamento dos estudos sobre a obra de Le Corbusier, além de outros arquitetos consagrados, como Mies van der Rohe e Walter Gropius. Neste sentido, “...o Mies também ele sempre gostou muito, Gropius e tudo mais… mas o Corbusier seduziu ele mais, porque sempre falou do lado plástico, falou do lado funcional, do lado social. E eu acho que ele ficou seduzido inclusive porque ele encontrou na doutrina do Le Corbusier uma resposta àquelas inquietações despertadas em Diamantina. Eu acho que aquilo ficou fermentando dentro dele, tudo bem com o Warchavchik, com a Casa Modernista dá para fazer alguma coisa, mas de repente quando ele mergulhou na leitura do Le Corbusier ele descobriu que existia uma doutrina pronta e completa, que batia com as coisas que ele acreditava.”140 Figura 77: Casas sem dono, por Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.89. Este percurso, marcado por dificuldades pessoais, contribuiu para a consolidação das idéias de Costa, referentes ao Movimento Moderno. Entre as propostas, que não se materializavam, e as teorias, que as sustentavam, identificamos as bases para os desdobramentos seguintes. Em 1936, o processo desencadeado para os projetos do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde e do conjunto da Cidade Universitária, contou com COSTA, Maria Elisa, op. cit. COSTA, Maria Elisa, op. cit. 140 COSTA, Maria Elisa, op. cit. 138 139 256 Figura 78: Desenho mais recente feito por Lúcio Costa do edifício do Ministério da Educação e Saúde. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.123. O projeto para o Ministério foi palco de um concurso realizado em 1935, cujo vencedor foi o arquiteto Archimedes Memória, com um projeto acadêmico, recusado pelo ministro Capanema, que solicitou ao arquiteto Lúcio Costa a elaboração de um novo projeto. Costa, entretanto, sugeriu que fosse composta uma equipe com os outros concorrentes, vinculados a uma linguagem moderna, o que foi acatado pelo ministro, assim como a vinda de Le Corbusier, como consultor do projeto. 142 BRUAND, Yves, op. cit., p. 83. 143 BRUAND, Yves, idem. 144 COSTA, Maria Elisa, idem. 141 a participação direta de Le Corbusier. E esta presença foi possível, pela insistência de Costa, junto ao ministro Gustavo Capanema, na presença do próprio presidente Getúlio Vargas.141 Neste processo, a transposição do ideário internacional, ocorria de maneira transparente, através da apreensão de uma metodologia de trabalho para o desenvolvimento de projetos. A colaboração de Le Corbusier materializava os anseios pela ruptura com o método acadêmico conservador através do “…contato íntimo que se estabeleceu com os arquitetos do grupo, graças ao trabalho conjunto, desenvolvido sob sua liderança, de 1º de julho a 15 de agosto de 1936.”142 A proposta desenvolvida, para o prédio do Ministério, representava para Costa, um marco de uma época, em um excepcional momento de idealismo e lucidez.(Figura 78) A equipe foi composta pelos arquitetos Carlos Leão, Affonso Eduardo Reidy e Jorge Moreira, acrescida posteriormente dos arquitetos Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer. Paralelamente ao projeto do ministério, a proposta para a Cidade Universitária na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro, como veremos adiante, foi importante por permitir a aplicação, numa escala urbanística, de alguns princípios ensaiados em projetos anteriores. Assim, “…durante um mês e meio, os dois projetos foram executados, alternadamente: um era o do ministério, outro o da Cidade Universitária. Eram dois ateliês distintos: a equipe contava também com outros jovens arquitetos membros dos C.I.A.M. (Firmino Saldanha, José de Souza Reis e Angelo Bruhns).”143 Em 1938, o projeto para o Pavilhão do Brasil, em colaboração com Oscar Niemeyer, na Feira Mundial de Nova York, que se realizou no ano seguinte, mais uma vez consolidava o emprego de uma linguagem moderna. Em 1940, Costa desenvolveu o projeto para o Park Hotel, na cidade de Nova Friburgo/RJ.(Figura 79) A pousada se localizava num loteamento, em fase de incorporação, de propriedade de César Guinle, para hospedagem dos eventuais compradores de terrenos. O projeto foi implantado em parte da área pertencente ao Parque São Clemente, nesta cidade, O partido, em dois blocos contínuos, com telhado aparente, demonstrava as possibilidades do diálogo entre o tradicional e o contemporâneo. O projeto “…é de uma fidelidade absoluta aos princípios modernos, a estrutura independente; e aí tem essa coisa que eu estava me referindo das visadas, das diagonais, você repara bem, tem dois gestos naquele projeto, ele botou a sala de comer um pouco mais alta e ele fêz aquilo assim… aquele chanfro na fachada, o que muda tudo, é inacreditável, eu fiquei algumas vezes lá olhando, tentando entender, como é que pode, é uma planta tão simples...”144 Os componentes aplicados no Parque Hotel, envolveram um sistema construtivo em madeira, com pilotis, 257 além de efeitos de transparência, pelo uso de grandes panos de vidro, treliçado no guarda-corpo da varanda e mobiliário adequado à funcionalidade do conjunto. Neste mesmo período, Costa elaborou diversos projetos, tirando partido de uma linguagem moderna, dentre os quais, algumas residências unifamiliares, como revelado pelos projetos da Casa Hungria Machado e da Casa Saavedra. Merece destaque, a proposta desenvolvida para o Parque Guinle, em 1943, sobre a qual também nos deteremos mais adiante. O plano de conjunto, serviu para uma aplicação sistemática, dos princípios que vinha discutindo, relacionados com as idéias de Le Corbusier. O partido foi definido, por meio de blocos de seis pavimentos alongados, soltos do chão, com recursos de brise-soleil, como um prenúncio do que viria a ser implementado em Brasília. Já em 1951, desenvolveu o anteprojeto para a “Casa do Estudante Brasileiro”, para a Cité Universitaire, em Paris, cuja incumbência, foi delegada diretamente à Costa, pelo governo brasileiro. Para o projeto definitivo e as instalações complementares, indicou-se o “…atelier Le Corbusier pois me pareceu justo caber a incumbência ao velho atelier da rua de Sèvres 35, onde nasceram as idéias que foram dar vida nova à arquitetura brasileira contemporânea.”145 Mesmo que a proposta final tenha sido bastante alterada, a concepção deste edifício, além de revelar a gratidão ao mestre, provocava uma certa inversão no processo de incorporação de idéias. Ao invés da transposição de modelos importados, tínhamos a transferência para o estrangeiro de uma idéia-base desenvolvida no Brasil. O plano piloto para o concurso de Brasília, desenvolvido para o concurso da nova capital do Brasil, instituído em 1957, incorporou, definitivamente, o ideário do Movimento Moderno, na cena urbana brasileira.(Figura 80) A concepção urbanística definida para a nova cidade, consolidava a aplicação dos princípios, já esboçados anteriormente, “…graças ao ordenamento verde das quadras e já que se tratava de uma capital – aos ‘velhos’ princípios dos CIAM, do urbanismo aberto, da cidadeparque.”146 A idéia de unidade de vizinhança foi aplicada com a integração das moradias e dos equipamentos de apoio, distribuídos pelas superquadras. Estas configuravam quadras de duzentos por duzentos metros, densamente arborizadas, com os blocos de apartamentos, escolas, ajardinamentos e play-grounds, com separação do tráfego de veículos, em relação ao percurso dos pedestres. Brasília foi inaugurada em 1960, segundo as diretrizes estabelecidas pelo plano piloto definido por Lúcio Costa, que nos anos seguintes vai defender veementemente a sua elaboração. Em 1967, justificava Figura 79: Plantas do projeto para o Park Hotel, por Lúcio Costa, em Nova Friburgo/RJ, em 1940. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.215. 145 146 COSTA, Lúcio, idem, p.231. COSTA, Lúcio, idem, p.304. 258 Figura 80: Plano Piloto de Brasília, por Lúcio Costa, em 1957. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.295. a concepção adotada para a nova capital, no texto O urbanista defende sua cidade, citando problemas enfrentados pelo desenvolvimento urbano, com uma periferia que escapava à racionalidade do plano. Outros artigos foram escritos, nas décadas seguintes, abordando questões relacionadas com a cidade, em sua maioria, explicações e esclarecimentos, acerca do que foi previsto e, mesmo, dos imprevistos, que se colocavam na consolidação da nova capital. 259 Outras propostas urbanísticas foram desenvolvidas por Lúcio Costa. Em 1969, elaborou o Plano Piloto para a urbanização da baixada compreendida entre a Barra da Tijuca, o Pontal de Sernambetiba e Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Foi estabelecido uma plano diretor para o desenvolvimento desta região, a fim de integrá-la de forma adequada à paisagem natural, levando-se em conta a proteção do meio ambiente. Nos anos 70 e 80, desenvolveu outros projetos, além de estudos para o Rio de Janeiro, nos quais citava a sua proposta para a Barra da Tijuca, incluindo o projeto para o Museu de Ciência e Tecnologia. Em 1972, desenvolveu proposta para os Alagados, em Salvador/BA, na qual elaborava soluções de moradia para a população ali instalada de modo precário. Tal projeto foi reaproveitado para a criação das Quadras Econômicas, em 1985, em Brasília. Ainda em 1976, participou de uma concorrência para a construção da nova capital da Nigéria, composta pelo trabalho Theoretical Urban Conception and Regional Grid Scheme for the New Capital City of the Federal Republic of Nigeria. Em 1979, desenvolveu a proposta para o novo polo urbano de São Luis, no Maranhão, em área afastada da cidade, a convite do prefeito. No projeto, ressaltava a necessidade de um diálogo entre o novo e o tradicional, representado pelo conjunto arquitetônico, situado há cerca de quatro quilômetros do novo polo urbano. As inovações, propostas para o novo centro, deveriam abranger a recuperação do velho casario.(Figura 81) Figura 81: Idéia geradora da proposta desenvolvida para os Alagados, em Salvador, por Lúcio Costa, em 1972. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.334. 260 261 4.3.1. Gamboa: apartamentos proletários O projeto dos apartamentos proletários na Gambôa, em 1932, de autoria de Lúcio Costa, conforme grifo seu “...projeto meu. Construção Warchavchik & Lucio Costa”147, ofereceu a primeira oportunidade, para a configuração de um conjunto urbano. A proposta, desenvolvida para um terreno localizado na rua Barão da Gambôa, esquina com a rua Cardoso Marinho, no Rio de Janeiro, de propriedade do médico Fábio Carneiro de Mendonça, se colocava, como uma continuidade de trabalhos anteriores, realizados para este cliente.148 A construção feita com apuro técnico, pela firma Warchavchik-Costa, também aproveitava experiências anteriores do próprio Warchavchik. Em São Paulo, este arquiteto já havia desenvolvido soluções para habitações econômicas, como o conjunto realizado à rua Barão de Jaguara, na Moóca, com partido composto em série contínua, num terreno regular. Ali já se apresentavam alguns componentes trabalhados na Gambôa, como o refinado detalhamento e o emprego de uma linguagem racional. Para o conjunto da Gambôa, foi adotado um sistema construtivo tradicional, reintroduzido numa acepção moderna, com o uso do concreto armado.(Figura 82) O bloco movimentado dos apartamentos, foi definido com o emprego de “…couçoeira à moda antiga; taboado em cima e metal de ployer embaixo para fazer o forro e o terraço. A cobertura era também em couçoeiras; elas apoiavam-se na parede, deixando uma folga de 2 cm em relação à mureta, porque a parede fazia um dente. A folga para a madeira mexer sem trincar ficava cheia de jornal amassado e depois levava o metal de ployer. A impermeabilização era no sistema John Mansvill, uma companhia americana que tinha representante aqui. Essa impermeabilização era muito bem feita, utilizava bobinas de amianto embebidas em betume e depois derramavam o betume e iam sobrepondo as várias camadas para uma impermeabilização do tipo comum. Era o que eles chamavam de twoply, quando em duas camadas, e threeply, quando era para levar terra em cima. Por fim davam a camada total do betume e jogavam pedrisco miúdo.”149 Na execução, foram empregados materiais sofisticados, como piso corrido de ipê-tabaco, portas folheadas em sucupira, ferragens da marca La Fonte, além de uma preocupação com o uso das cores, com os panos externos de paredes pintados em verde e havana e o passadiço branco de trama metálica. Figura 82: Vista dos apartamentos proletários da Gamboa, por Lúcio Costa e Gregori Warchavchik, em 1932. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. O arquiteto e a habitação popular. PROJETO: REVISTA BRASILEIRA DE ARQUITETURA, PLANEJAMENTO, DESENHO INDUSTRIAL, CONSTRUÇÃO, nº103, set. 1987, p.143. COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, op. cit., p.75. Em 1930, Costa projetou a casa de campo para este médico, em linguagem neocolonial, apoiada na tradição construtiva colonial. 149 COSTA, Lúcio, citado por PESSOA, José Simões de Belmont & ARAÚJO, Maria Silvia Muylaert de. Vila Operária da Gamboa, Rio de Janeiro 1933/83. MÓDULO/ARQUITETURA E ARTE, edição 76, julho de 1983, p.54. 147 148 O terreno era de difícil aproveitamento, dadas as suas dimensões reduzidas e forma curva irregular, para o qual optou-se por uma ocupação no sentido longitudinal. A implantação, com afastamentos frontais e de fundos, favorecia a insolação e a 262 aeração. Uma circulação externa comum, com marquises de proteção, fazia a ligação entre os blocos contínuos e geminados. Foram projetados quatorze apartamentos, com cômodos definidos a partir de uma planta quadrada, evitando-se a circulação do tipo corredor. Esta solução, buscava “…racionalidade, trazendo, porém, para o interior de um dos cômodos a cozinha e o banheiro e utilizando os cantos dos cômodos para criar uma circulação entre eles.”150 O agenciamento proposto, com programa mínimo, considerava dois tipos construtivos, o primeiro, mais simples, conjugando balcão, quarto e banheiro. O segundo tipo compreendia sala, quartos, cozinha, banheiro e área de serviço. O acesso aos apartamentos era feito pelas extremidades do terreno, sendo que a circulação da parte superior funcionava como uma marquise de proteção para o térreo, acompanhando a convexidade do terreno. O conjunto foi implantado de maneira a permitir a iluminação direta de todos os compartimentos, tanto no térreo quanto no primeiro pavimento.(Figura 83) O projeto para a Gamboa constituiu uma das manifestações de Costa, na perspectiva da renovação, em termos de linguagem arquitetônica e partido urbanístico. Como já fizera no projeto para a Casa E. G. Fontes, em 1930, considerada por ele a sua primeira proposição de sentido contemporâneo, era evidente a intenção de ensaiar um novo vocabulário. A proposta, voltada para um programa de habitações econômicas, trabalhava soluções otimizadas em um programa mínimo. Como nos outros projetos, desenvolvidos no período da sociedade com Warchavchik, a proposta para a Gambôa revelava o papel predominante deste arquiteto, pelos “…volumes puros, lajes em balanço sobre as portas, esquadrias basculantes em ferro”.151 No entanto, o projeto guardava uma íntima relação, em relação às próprias pesquisas desenvolvidas por Costa. De um lado, a intenção de um partido enraizado na tradição colonial; de outro lado, a possibilidade da transposição de novos ideários, em particular os princípios difundidos pelo Movimento Moderno, naquele momento. A tecnologia explicitada no memorial e as vinculações possíveis, com a obra de Le Corbusier, particularmente às habitações estandardizadas de Pessac, em Bordeaux, na França, em 1925, demonstram estas colocações.152 PESSOA, José Simões de Belmont & ARAÚJO, Maria Silvia Muylaert, op. cit., p.55. 151 PESSOA, José Simões de Belmont & ARAÚJO, Maria Silvia Muylaert, idem, p.52. 152 PESSOA, José Simões de Belmont & ARAÚJO, Maria Silvia Muylaert, idem. 150 263 Figura 83: Planta baixa e perspectivas dos apartamentos proletários da Gamboa, por Lúcio Costa e Gregori Warchavchik, em 1932. Fonte: COSTA, Lúcio. Apartamentos econômicos Gambôa. REVISTA da Diretoria de Engenharia da PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL, nº1, julho de 1932, p.6. 264 4.3.2. 265 Cidade Universitária da Universidade do Brasil O projeto para a Cidade Universitária da Universidade do Brasil, na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro, envolveu um processo longo, que estendeu-se por décadas. A idéia de um conjunto universitário, coube ao ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, que em 1935, recorreu ao arquiteto italiano Marcello Piacentini, para a elaboração do projeto. Piacentini desenvolveu as suas idéias, no ano seguinte, sem que as mesmas fossem implementadas. Neste mesmo ano, a tentativa frustada teria seguimento, como nos referimos, com a vinda de Le Corbusier ao Brasil, para a elaboração de um novo projeto. A proposta desenvolvida por Le Corbusier, contou com a colaboração dos arquitetos brasileiros, ocasião em que foi definido, também, o projeto para o edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde - MES. A coordenação dos trabalhos coube a Lúcio Costa, que contava com os arquitetos Affonso Eduardo Reidy, Ângelo Bruhns, Carlos Leão, Firmino Saldanha, Jorge Moreira, José de Souza Reis, e Oscar Niemeyer, como colaboradores destes projeto. A equipe contava ainda com o apoio do engenheiro Paulo Fragoso, que desenvolveu os projetos estruturais para as unidades escolares. Tanto a proposta desenvolvida por Le Corbusier, quanto o projeto alternativo desenvolvido sob a orientação de Lúcio Costa, como veremos, foram recusados pelas comissões de professores. Apenas em 1955, ocorrerá a implementação do projeto para a Cidade Universitária, entretanto, além de ter sido escolhido um outro terreno, localizado na Ilha do Governador, a proposta foi desenvolvida por uma equipe distinta, tendo à frente o arquiteto Jorge Machado Moreira. Figura 84: Perspectiva geral da proposta de Le Corbusier para a Cidade Universitária, no trabalho conjunto com os arquitetos brasileiros, em 1936. Fonte: BOESIGER, Willy. Le Corbusier, p.163. A versão do projeto para a Cidade Universitária, elaborada por Le Corbusier, envolveu um processo de reflexões conjuntas, no qual os arquitetos brasileiros, tiveram a oportunidade de apreender a metodologia do mestre, que “…ensinou-lhes o modo de abordar um programa, partindo dos princípios de ordem geral, adaptando-as a seguir concretamente à situação ou às situações dadas; insistiu na prioridade que devia ser dada ao urbanismo, do qual a arquitetura era apenas um elemento; finalmente, e acima de tudo, proporcionou uma demonstração prática de seus métodos pessoais de trabalho, o que não podia ser transmitido unicamente por seus escritos.”153 Os cinco pontos, que faziam a ligação entre a arquitetura moderna e as inovações tecnológicas, defendidos por Le Corbusier, foram aplicados numa escala urbanística.(Figura 84) Estes, representados pelos “…pilotis, terraço jardim, planta livre, janelas na horizontal – eram do conhecimento dos jovens arquitetos brasileiros”154 153 154 BRUAND, Yves, op. cit., p.90. BRUAND, Yves, op. cit., p.83. 266 Figura 85: Esboço da implantação do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37. Fonte: COSTA, Lúcio et al.. Universidade do Brasil: Anteprojeto. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, 1937, COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, op. cit., pp.173174. 156 COSTA, Lúcio, idem, p.183. 155 O partido geral, na proposta de Le Corbusier, apresentava os blocos educacionais distribuídos pelo terreno, com grandes áreas verdes e espaços de circulação de pedestres, e as vias para o tráfego de veículos elevadas em relação a estas últimas. Renques de palmeiras imperiais acentuavam a monumentalidade da composição, enriquecida pela indicação de espécies locais para o paisagismo. O programa desenvolvido por Le Corbusier, era composto pelas faculdades de Medicina, incluindo um hospital e uma maternidade, pelas faculdades de Filosofia, Ciência e Letras, de Direito, pelas escolas de Arquitetura, Artes e Engenharia e pelo Centro dos Serviços Comuns; este último, dividido em vários blocos, que conjugavam o Auditório, a Biblioteca, as atividades relacionadas com a Música e o Teatro, o Museu, as atividades esportivas e as residências estudantis. O projeto foi submetido a uma comissão de professores e rejeitado, sendo que o próprio ministro Gustavo Capanema encomendou a Lúcio Costa um novo estudo para o mesmo local. A proposta alternativa, desenvolvida por Costa e equipe, nos anos de 1936-37 levava em conta as mesmas condicionantes, “…de um lado o morro dos Telégrafos (M), do outro a Quinta da Boa Vista (Q), ao fundo a pequena colina (C) e, cortando a parte restante, as linhas da Estrada de Ferro Central do Brasil e da Leopoldina Railway.”155(Figura 85) Assim como no projeto de Le Corbusier, a opção pelo automóvel era clara, sem nenhuma referência à ferrovia, esta atravessada em nível superior por uma via que marcava o eixo monumental do conjunto, isolada pelo emprego “…de cada um dos seus lados e em todo o percurso, duas faixas de 50 metros para formar a indispensável cortina contínua de touceiras de bambus gigantes, como ocorre nas divisas de propriedades rurais, o que muito atenuará os inconvenientes do ruído – motivo ainda do afastamento das escolas.”156 O programa também guardava muita semelhança ao que foi trabalhado, inicialmente, por Le Corbusier, inclusive adotando algumas soluções projetuais, como foi o caso do auditório, dos sistemas construtivos em monobloco, e mesmo no que se refere ao paisagismo, com as palmeiras imperiais marcando os eixos longitudinal e transversal de percurso.(Figura 86) Uma das particularidades deste programa, segundo Costa, elaborado por uma comissão de professores, incumbida da coordenação das propostas das várias congregações, era a padronização das escolas. A concepção do projeto foi dividida em duas partes, numa aproximação do global para o particular, tendo sido estudado o partido geral e, em seguida, definidos estudos específicos voltados para o programa das unidades educacionais e para os outros prédios. Inicialmente, foram abordadas questões relacionadas com a orientação, 267 Figura 86: Implantação geral do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37. Fonte: COSTA, Lúcio et al.. Universidade do Brasil: Anteprojeto. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, 1937, p.131. 268 Figura 87: Perspectiva dos blocos do auditório, reitoria e biblioteca, do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37. Fonte: COSTA, Lúcio et al.. Universidade do Brasil: Anteprojeto. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, 1937, p.123. Figura 88: Pórtico do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37. Fonte: COSTA, Lúcio et al.. Universidade do Brasil: Anteprojeto. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, 1937, p.122. 157 158 COSTA, Lúcio, idem, p.175. COSTA, Lúcio, idem, p.175. com a circulação e com a localização dos edifícios centrais, estes definidos no eixo principal da composição, de modo a permitir o acesso e o escoamento de grandes massas. Como um dos pressupostos para esta abordagem, destacava-se a localização do hospital, este tendo sido composto no limite extremo do conjunto em relação à entrada principal da Universidade. A configuração projetada permitia, assim, que “…da entrada (E) um eixo principal (E-H) que alimentará naturalmente as escolas no seu percurso até o hospital, fecho da composição, e um braço secundário (E-S) conduzindo ao setor esportivo, também previamente localizado, o que forma uma composição em L, tendo como centro natural a interseção dos seus dois braços, principal e secundário – ponto em que se vem arrumar logicamente os edifícios centrais.”157 A localização das escolas de Música e de Enfermagem levou em conta a situação especial que demandavam, assim como o setor residencial e o de lazer e esportes, este composto pelos clubes. A Escola de Música foi implantada de maneira contígua ao setor de esportes, nas vizinhanças do estádio. A parte relacionada com o curso de Enfermagem, que envolvia escola e alojamentos, foi instalada em platô próximo do hospital, aproveitando-se renque de palmeiras existente para a comunicação com os outros blocos. Os blocos do auditório e do planetário foram instalados logo no acesso principal, depois do pórtico, contíguos ao prédio da reitoria e da biblioteca.(Figura 87) Os blocos residenciais foram dispostos de maneira a formar um conjunto com os clubes e os campos de recreio, em posição dominante numa encosta voltada para o nascente, ao longo de uma via adequada à topografia do local. Para o acesso principal, foi definido um pórtico de passagem, como uma entrada que conduzia ao renque de palmeiras no sentido longitudinal.(Figura 88) A seguir, Costa voltava a sua preocupação para os blocos educacionais, privilegiando questões relacionadas com a orientação, isolamento no conjunto, independência inter-departamental, elasticidade de planta, articulação entre departamentos e aula teórica, independência de circulação e acessos. Na composição dos partidos, evitava o emprego de páteos, tendo em vista que “…construção de pouca altura – quase sempre vazada no térreo – perde esse caráter de aconchego e recolhimento que lhe é peculiar à medida que se aumenta o número de pavimentos, adquirindo, então, esse aspecto fechado e sombrio da área interna.”158 Aqui, justificava o emprego dos pilotis, com a liberação do térreo, para compor espaços abertos limitados por pórticos e murados de ligação. Esta solução, de acordo com as inovações tecnológicas propiciadas pelo uso do concreto armado, vinculava-se também aos esquemas do passado, quando “…as construções apoiavam-se tradicionalmente sobre as paredes; paredes estas indispensáveis – condição primeira da existência do prédio. Como, porém, o rés-do-chão apresentasse inconvenientes, foi o piso útil transferido para certa altura, surgindo assim, logicamente, os chamados porões, mais ou menos habitáveis – aproveitamento racional desses grandes espaços obrigatoriamente fechados (a segurança estrutural do prédio impunha poucas aberturas) entre o terreno e o pavimento.”159 Por esta via, o que antes configurava um porão fechado, com a possibilidade de vedação apenas do que fosse indispensável, se transformava num amplo páteo avarandado, por onde se dava o acesso aos blocos. Para estes blocos, foi adotado um sistema uniforme de estrutura, sendo que, aqueles compartimentos, que exigissem um tipo de estrutura diferenciado foram soltos do corpo principal dos edifícios. Assim, foram dispostas as salas de aulas teóricas, as salas da congregação, etc., sem o prejuízo da disposição geral do conjunto. O projeto para o hospital universitário foi abordado por Costa no seguimento. Desenvolvido por Reidy, destacava-se pela sua imponente concepção, em lâmina vertical, acentuada pela disposição normal em relação ao eixo principal.(Figura 89) O partido, em monobloco, era composto por uma administração, pelos serviços gerais, pelas enfermarias, pelos ambulatórios, pelo centro cirúrgico, bem como pela clínica psiquiátrica e pelo necrotério, estes últimos, colocados de maneira independente e deslocados, espacialmente, em relação ao prédio. A preocupação maior na composição do hospital, além da orientação adequada com compensações pelo uso de varandas, foi permitir o seu funcionamento de maneira independente, a partir de acessos e circulações horizontais e verticais autônomos, tendo em vista a incorporação do edifício à Universidade. Por fim, Costa percorreu o conjunto universitário definido, do pórtico de entrada até o hospital, explorando os seus componentes espaciais.(Figura 90) O intuito era revelar a expressão arquitetônica da proposta, qualificada pela variedade de impressões conjugadas neste trajeto. A Cidade Universitária, se inseria, tendo como pano de fundo, a paisagem atormentada do Rio, esta como um elemento de composição, impondo um partido no qual predominava a horizontal, e, como tal um “…conjunto de edifícios de caráter monumental, ricos de expressão plástica; a seguir, entre a Quinta e o morro, em cadência, as escolas, e, fechando a composição, a massa imponente do hospital.”160(Figura 91) Esta proposta, como uma alternativa à primeira proposta rejeitada, tirava partido da “…técnica contemporânea, por sua própria natureza eminentemente internacional”161, deixando de lado, entretanto, os exemplos já consolidados de outras universidades. E, pelas suas especificidades em termos de 269 Figura 89: Perspectiva do centro médico, com destaque para o bloco do hospital, do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37. Fonte: COSTA, Lúcio et al.. Universidade do Brasil: Anteprojeto. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, 1937, p.128. Figura 90: Alameda de acesso do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37. Segundo Costa o prenúncio do eixo monumental de Brasília. Fonte: COSTA, Lúcio et al.. Universidade do Brasil: Anteprojeto. Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, 1937, p.131. COSTA, Lúcio, idem, p.176. COSTA, Lúcio, idem, p.182. 161 COSTA, Lúcio, idem, p.186. 159 160 270 162 COSTA, Lúcio, idem. soluções em planta, articulação dos espaços, usos de materiais e paisagismo, viria a adquirir, segundo Costa, “…um caráter local inconfundível, cuja simplicidade, derramada e despretenciosa, muito deve aos bons princípios das velhas construções que nos são familiares.”162 Assim como a primeira proposta, esta alternativa foi sumariamente recusada, tendo sido abandonada a idéia da construção da Cidade Universitária neste terreno. 271 Figura 91: Perspectiva do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: Registro de uma vivência, p.172. 272 4.3.3. 273 Parque Guinle A proposta desenvolvida para o Parque Guinle, no início dos anos 40, serviu para Lúcio Costa aplicar de modo sistemático a solução de pilotis, em um conjunto urbanístico, materializando o método, proposto por Le Corbusier, para as intervenções sobre as cidades.(Figura 92) O projeto foi premiado na Primeira Bienal, realizada em São Paulo, em 1951, recebendo o primeiro prêmio de projetos para apartamentos, do júri presidido por S. Giedion. Com relação à elaboração deste projeto, em trabalho recente, Comas ressaltou que a sua aprovação na Prefeitura do Distrito Federal foi em 1943; outros escritos como os de Mindlin e os de Bruand, destacam a data de construção dos prédios construídos entre os anos 1948-54; entretanto, a publicação do projeto na revista Architecture d’Aujourd’hui, em 1948, já revelava o novo quarteirão residencial em avançado processo de construção.163 O projeto buscava atender aos desejos dos herdeiros da família Guinle que, inclusive, já dispunham de uma versão afrancesada para a intervenção, como se refere Costa, que visava um diálogo com o palacete eclético pré-existente.164 Esta não se mostrava conveniente, pois “…a vinculação de uma coisa com a outra resultaria numa espécie de ‘casa grande e senzala’, relação de dependência que talvez não agradasse aos futuros moradores”165. A urbanização da gleba constituia um verdadeiro desafio. Em primeiro lugar, a própria topografia do sítio, composto por encostas de morro, que desaguavam num vale. Outra dificuldade, era a intenção de preservar as áreas verdes, o palacete e seus jardins, conjugando-se este conjunto preexistente, com o novo loteamento residencial, composto por prédios de apartamentos e casas individuais. Sobre a parte do loteamento, destinada à implantação de casas individuais, não conseguimos levantar maiores informações, além do exposto, de acordo com o trabalho de Mindlin, citado anteriormente. Na concepção geral, a inserção dos lotes na parte alta das encostas e os prédios escorrendo para o fundo do vale, mostrou-se bastante adequada, para a diluição do conjunto, na paisagem da cidade. No tocante aos prédios, Costa conseguiu engendrar uma solução engenhosa, sem desprezar estes condicionantes específicos, relacionados ao diálogo entre o novo e o existente. Assim, ao longo do arruamento proposto, foram definidos cinquenta e seis lotes, sendo que destes, onze receberam os blocos de apartamentos.166(Figura 93) O partido definido para os apartamentos foi estruturado em blocos de sete e oito pavimentos alongados, com o aproveitamento do terraço. Os blocos foram soltos Figura 92: Fotografia dos blocos de apartamentos do Parque Guinle, projeto de Lúcio Costa, em 1943. Fonte: MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil, p.93. Sobre esta imprecisão nas datas ver: COSTA, Lúcio. Parque Guinle. In: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, op. cit., pp.205-213. Ver ainda: COMAS, Carlos Eduardo Comas. Os apartamentos do Parque Guinle e a cidade moderna brasileira. IV Seminário DOCOMOMO Brasil. Caderno de resumos. Viçosa; Cataguases: UFV; Prefeitura Municipal de Cataguases, 2001, p.26. Ver também: MINDLIN, Henrique E.. Modern architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Colibris Editora Ltda., 1956, p.90-93. E ver: BRUAND, Yves, op. cit., p.135-136. Ver: Un nouveau quartier résidentiel: Parc Eduardo Guinle. Architecture d’Aujourd’hui: BRÉSIL, nº16, ano 19, janeiro de 1948, pp.32-35. 164 O palacete era a residência de Eduardo Guinle, atualmente o Palácio das Laranjeiras, residência do Governador do Estado; anteriormente, residência oficial do Presidente da República, quando o Rio abrigava o Distrito Federal. 165 COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, op. cit., p.205. 166 Os lotes demarcados no plano geral, na escala de um para mil (1:10.000), apresentam a situação geral dos blocos e o palacete eclético. Ver: MINDLIN, Henrique E., op. cit., p.90. 163 274 Figura 93: Implantação geral do loteamento do projeto do Parque Guinle, por Lúcio Costa, em 1943. Fonte: MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil, p.90. COSTA, Lúcio, op. cit., p.212. COSTA, Lúcio, idem. 169 COSTA, Lúcio, idem. 167 168 do chão com pilotis, como já dito, tendo sido empregados recursos de brise-soleil e painéis vazados, em uma linguagem de arquitetura contemporânea, segundo Costa, mais adaptada ao parque do que ao palacete. A implantação dos blocos acompanhava encosta com arborização intensa, no sopé do Morro de Santa Teresa, em área transformada em parque, este traçado, ainda em 1916, pelo paisagista Cochet, que aproveitou parcialmente a vegetação existente. Na verdade, a construção do parque já havia sido iniciada em 1909, com a aquisição dos terrenos por Eduardo Guinle, que confiara o projeto e a direção dos trabalhos a artistas e arquitetos franceses. O novo parque teve o paisagismo de Burle Marx. Dos seis prédios projetados, apenas três deles foram construídos, denominados de Nova Cintra, Bristol e Caledônia. Para os blocos, optou-se por uma estrutura livre, em concreto armado, o que permitiu maior flexibilidade, para o agenciamento dos programas, que incluiam apartamentos com arranjos diferenciados. Apenas os pilares principais e as colunas de instalações sanitárias foram fixados. Abaixo do térreo, foram dispostas as garagens, sendo que, no caso do Nova Cintra, estas se localizavam atrás do bloco. O acesso aos apartamentos, pelo térreo, foi feito a partir do parque, tanto para os pedestres quanto para os veículos, exceção também feita ao mesmo Nova Cintra, que contava com acesso de pedestres, tanto pelo parque quanto pela rua Gago Coutinho, e de veículos, exclusivamente por esta via. O agenciamento em planta dos apartamentos, definido em quatro tipos, recuperava elementos da tradição brasileira de morar, de acordo com Costa, “…as duas varandas, a social e a caseira – dois espaços, um à frente, para receber, outro aos fundos, ligado à sala de jantar, aos quartos e ao serviço.”167 A referência dialogava com o habitar do colonizador, que incorporou nas suas feitorias o partido da casa indígena, e “…à medida que o programa social evolui e a casa adquire sentido familiar, a planta se define. O centro do primitivo retângulo de quatro águas passa a ser amplo recinto fechado, de telha-vã e chão de terra batida ou piso de lajotas de barro, contido por duas varandas, uma à frente, outra aos fundos, e por sua vez entaladas entre corpos laterais compartimentados.”168 Este esquema vai se desenvolver, segundo Costa, no transcurso dos séculos seguintes, reintroduzido no Parque Guinle, de maneira que “…uma espécie de jardim de inverno, contíguo à sala de estar e um cômodo sem destino específico, ligado aos quartos e ao serviço; um mais formal e outro mais à vontade, correspondendo assim à varanda caseira.”169 A disposição dos apartamentos nos blocos evitou o emprego de circulações do tipo corredor, com acesso por meio de hall, interligado aos elevadores e à caixa de escada.(Figura 94) As duas caixas da circulação vertical, do Nova Cintra, receberam 275 Figura 94: Planta do térreo e dos pavimentos superiores do projeto do Parque Guinle, por Lúcio Costa, em 1943. Fonte: MINDLIN, Henrique E. Modern Architecture in Brazil, p.92. 276 Figura 95: Perspectiva mostrando o primeiro bloco e o pórtico de entrada do projeto do Parque Guinle, por Lúcio Costa, em 1943. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, p.213. um tratamento distinto, com o seu desenvolvimento helicoidal, em concreto armado e revestimento de vidro transparente. No interior dos apartamentos, as circulaçõescorredores foram diluídas pela disposição dos cômodos, alguns deles articulados em duplex. O programa conjugou sala de estar, varandas, estúdio, cozinha, despensa, lavanderia, dependências de empregada e quartos. Com relação ao compartimento de estúdio, que se ligava diretamente ao hall de acesso, este não era comum a todos os apartamentos. A sala de estar ampla, poderia ser subdividida, a critério do seu morador, em sala de jantar, estar íntimo, biblioteca, etc. Os quartos também eram amplos, com janelas em guilhotina, agrupados em área íntima, com banheiro externo. O conjunto foi composto de modo a preservar as áreas verdes e permitir a privacidade entre os seus moradores, pela inserção na paisagem, com vistas garantidas para o parque, à exceção do Nova Cintra.(Figura 95) Este bloco foi implantado de modo a permitir a conexão com a trama preexistente da cidade, com lojas no térreo, de frente para a rua Gago Coutinho, uma delas projetada como um restaurante. Na implantação geral do conjunto, a orientação dos blocos não foi a mais favorável, em termos de insolação, o que foi compensado pelo tratamento das fachadas, com o uso de brises e de painéis de elementos vazados. Estes componentes também contribuiram para uma maior privacidade dos moradores. O partido composto, em rua sinuosa, pela encosta do morro, contrastava com os modelos difundidos pelo mercado imobiliário, dispostos por meio de ruas tradicionais, com afastamentos padronizados. A inserção do Parque Guinle, no Rio de Janeiro, mesmo com a sua realização fragmentada, qualificou o ambiente de modo diferenciado, em relação à dinâmica especulativa, voltada para o aproveitamento máximo dos coeficientes dos terrenos, o que prevaleceu nas expansões urbanísticas da cidade.(Figura 96) 277 Figura 96: Perspectiva geral do projeto do Parque Guinle, por Lúcio Costa, em 1943. Fonte: COSTA, Lúcio & NIEMEYER, Oscar. Parc Eduardo Guinle: Un nouveau quartier résidentiel. Architecture d’Aujourd’hui: BRÉSIL, nº16, ano 19, janeiro de 1948, p.35. 278 CAPÍTULO 5 . Por uma Cidade Moderna: Ideários de Urbanismo em jogo “…A primeira maneira de transposição é a importação direta de métodos e práticas de planejamento de outros países com a presença de equipes responsáveis que coordenam estudos e formulam propostas e soluções a partir de suas experiências nos seus meios de origem (…). A segunda maneira de transposição é a difusa: se processa pela absorção de idéias, teorias, métodos, modelos ou soluções captadas por antenas privilegiadas. Antenas pessoais ou institucionais que exercem uma influência dispersa e incremental nas formas usuais de difusão renovadora, de formação de quadros técnicos ou aplicação concreta na solução dos problemas locais. A terceira maneira se processa por rupturas causadas pelo surgimento de situações-problemáticas inéditas que exigem soluções a partir do confronto de paradigmas concorrentes. A assimilação crítica e a apropriação consciente e experimental de teorias e soluções, sem mimetismo ou pura rejeição, resultam em conhecimentos mais adequados e eficazes. É neste último tipo que encontramos todas as teorias análogas, onde modelos de outras ciências são transpostos para problemáticas novas ou para campos interdisciplinares.” (Celso M. Lamparelli: O ideário de Urbanismo em São Paulo em meados do século XX, 1994) A instituição do urbanismo como um campo de saber, nas primeiras décadas do século XX, vinculou-se à ação de técnicos, especialistas dos problemas das cidades. Gerações de urbanistas contribuiram para a consolidação desta disciplina e campo de atuação profissional. Vertentes diferenciadas de pensamento se inserem neste processo, em particular aquelas ligadas ao ideário garden city, cujas origens nos remetem à concepção de Howard, no final do século XIX, e ao Movimento Moderno, em suas várias vertentes, difundido pelos CIAM´s, a partir do final dos anos 20. Os componentes aplicados às cidades, relacionados com estas linhagens urbanísticas, foram utilizados de maneira diferenciada, em alguns casos de modo simultâneo. Continentino, Murgel e Costa desempenharam um importante papel para a formação do urbanismo no Brasil, como constatamos, pela análise das suas trajetórias acadêmicas e profissionais. A presença destes urbanistas, nos principais eventos decorridos, entre os anos 30 e 40, revelava o interesse pelos temas relacionados com o urbanismo. A larga produção destes técnicos se insere no ambiente de reflexões que marcou o cenário urbano neste período. Estes profissionais contribuiram para os debates, cada qual à sua maneira e de acordo com a sua formação. A experiência de outros países, em particular o que se fazia nas grandes cidades, constituia um assunto rotineiro como referencial para o que se deveria colocar em prática nos centros urbanos brasileiros. 279 280 A recorrência destes técnicos, a um saber específico, se inscreve com o próprio aumento do grau de complexidade, das questões relacionadas com as cidades. Dentre estas questões “...o saneamento, a circulação, a legislação urbanística. A organização dos espaços públicos - praças, avenidas, edifícios correspondendo a referências estéticas.”1 Entre os anos 30 e 40, problemas como a expansão descontrolada, habitação e transportes urbanos, etc., foram discutidos de modo sistemático em reuniões, conferências, encontros e congressos promovidos por associações de profissionais ou de homens de negócio, além de uma propaganda difundida através de revistas especializadas e artigos de jornais. Nestes debates, intercalados por proposições urbanísticas, colocava-se o ideal de uma cidade moderna. Esta, como uma cidade planejada, com o seu sistema urbano funcionando e o pressuposto do ordenamento da sua expansão. Pretendemos discorrer, neste capítulo, sobre o pensamento urbanístico destes profissionais, com a finalidade de estabelecer os pontos de contato e as diferenças, no que diz respeito às metodologias de abordagem para os problemas urbanos. Para isso, levantaremos questões relevantes, destacando os temas e os conceitos trabalhados, além das principais fontes e referenciais empregados. Pretendemos, também, esboçar a visão de cidade de cada um, relacionando os mesmos, com as linhagens de urbanismo que se formaram neste período. Abordaremos, assim a engenharia sanitária e o urbanismo moderno de Lincoln Continentino, as grandes composições e o urbanismo moderno de Angelo Murgel e a nova arquitetura e o urbanismo moderno de Lúcio Costa. LEME, Maria Cristina da Silva (org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999. 1 5.1. A engenharia sanitária e o urbanismo moderno de Lincoln Continentino As preocupações do engenheiro Lincoln Continentino, com relação aos problemas das cidades, remontam ao final dos anos 20. Este engenheiro e urbanista soube aproveitar muito bem o caminho percorrido por seus antecessores. ampliando os seus estudos de saneamento para o campo do urbanismo. Continentino sempre procurava se atualizar em relação às idéias urbanísticas. A especialização, nos Estados Unidos, como vimos, em muito contribuiu para isso. As soluções estudadas no curso de Harvard, aplicadas à realidade das cidades norte-americanas, permitiram uma convivência direta com temas bastante atuais, dentre os quais aqueles relacionados com a administração pública. De início, o interesse de Continentino estava centrado nas questões de higiene urbana, como atestam as suas primeiras publicações, as quais versavam sobre temas como a limpeza pública e a pasteurização do leite, etc. Seguindo a tradição dos engenheiros sanitaristas que atuaram em Minas Gerais, desde Aarão Reis e Francisco Bicalho, até Lourenço Baeta Neves, Continentino voltaria o seu olhar para os problemas urbanísticos. Os primeiros eram respeitados pela criação de Belo Horizonte, ainda no final do século XIX. Já Baeta Neves atuara como engenheiro-chefe da Comissão de Melhoramentos Municipais, instalada em 1911, com várias propostas para pequenas e médias cidades mineiras. Assim, Continentino também iria além das questões de higiene, buscando compreender o significado dos planos de urbanismo e os seus componentes. No período compreendido pelos anos 30 e 40, verificamos, na trajetória deste urbanista, a elaboração de inúmeras propostas para as cidades, marcadas pelo interesse na definição do termo “urbanismo”, bem como pela divulgação das idéias relacionadas com o tema. Várias foram as definições elencadas, as quais serviam para introduzir as suas proposições. Dentre os autores brasileiros sobre saneamento e urbanismo, listava diversos profissionais, com formações diferenciadas, como engenheiros civis, engenheiros arquitetos e médicos. O primeiro da lista era Saturnino de Brito, cuja obra constituiu um importante referencial para o trabalho de Continentino. Outros técnicos foram também listados, por terem escrito sobre o assunto ou por terem desenvolvido projetos específicos para as cidades, como Lourenço Baeta Neves, 281 282 Washington de Azevedo, Prestes Maia, Anhaia Mello, Domingos Cunha, Armando de Godoy, Antônio de Siqueira, Attílio Correia Lima, Francisco Baptista de Oliveira, Eduardo de Menezes, Fernando Xavier, etc. Além dos brasileiros, a listagem incluia trabalhos de autores estrangeiros, como J. Stübben, Robert Whitten, John Nolen, Hubbard & Hubbard, Nelson P. Lewis, Thomas Adams, Raymond Unwin, Olmstead and Kimbal, René Danger, Marcel Poëte, Alfred Agache, Bennoit-Levy, Le Corbusier, Camilo Sitte, Patrick Abercombrie, etc. Como percebemos, o leque de referenciais era amplo e não fazia distinção entre vertentes de urbanismo específicas. Entretanto, na aplicação deste ideário, as preferências de Continentino se alinhavam com o pensamento dos engenheiros sanitaristas, dentre os quais faziam parte Saturnino de Brito e Lourenço Baeta Neves. BRITO, Francisco Saturnino de. Urbanismo: traçado sanitário das cidades, estudos diversos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944, Obras completas de Saturnino de Brito, vol. XX, p.29,“...de manière à mettre d’accord le schéma du plan à tracer et la topographie du terrain, pour faciliter considérablement les projets d’égouts et permettre d’économiser beaucoup dans les travaux de construction et même dans l’exploitation.” 3 NEVES, Lourenço Baeta. Commissão de melhoramentos municipaes. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1914, p.6. 4 CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo. Belo Horizonte: Livraria Editora Médica, 1937, p.317. 2 Dos componentes defendidos por Brito, Continentino privilegiava o traçado das cidades, visando a adequação das vias à topografia do lugar. Na organização dos planos, esta adequação visava facilitar a execução dos trabalhos sanitários, “... de maneira a ajustar o esquema do plano a traçar e a topografia do terreno, para facilitar consideravelmente os projetos de esgotos e permitir economizar bastante nos trabalhos de construção e mesmo na sua exploração.”2 Este princípio, aliado a outros sistematizados por Saturnino de Brito, foi apropriado por Continentino, nas suas propostas voltadas para as cidades. Na certa, ele dava continuidade ao que já fôra esboçado por Baeta Neves, o qual também adotara a técnica sanitária de Brito, nas suas propostas de melhoramentos para as cidades mineiras. À frente da Comissão de Melhoramentos, Neves ressaltava, que os trabalhos desta comissão “...tiveram nos ultimos tempos um consideravel desenvolvimento só conseguido graças as normas que lhe assegurastes, approvando o criterio technico que para a mesma trouxe o seu engenheiro chefe, inspirado nos trabalhos do grande brasileiro dr. Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, eminente especialista a quem o Brasil deve a systematização dos seus serviços de engenharia sanitária.”3 No tocante à administração municipal, além das próprias referências trazidas dos Estados Unidos, Continentino seguia os passos de Anhaia Mello, destacando o exemplo deste engenheiro “...que, em São Paulo, realizou varias conferencias no Instituto de Engenharia e no Rotary Club, tendo-as posteriormente enfeixado em varios volumes, impressos sob o título «Problemas de Urbanismo».”4 Outras preocupações se colocavam, na sua estratégia para o enfrentamento das questões relacionadas com as cidades, como o financiamento dos serviços públicos municipais, afinal “...como norma 283 geral, não se deve perder de vista que todo serviço publico precisa ser «self-suporting», isto é, que as despesas com projecto, construcção, installação e custeio dos mesmos, devem ser proporcional e equitativamente distribuídas por aquelles que auferem directa e indirectamente os benefícios do serviço.”5 A autonomia municipal constituia outro tema discutido por Continentino, com base na experiência norte-americana, “...nos Estados Unidos a noção de autoridade e força de governo evoluiu consideravelmente nos ultimos tempos, em detrimento da liberdade individual, mas visando-se o interesse collectivo.”6 Ressaltava ainda que o critério técnico deveria prevalecer sobre os critérios políticos, nas questões relacionadas com a administração pública, “...por mais que queiram apressados e superfluos argumentadores criticar, diminuir o valor dos especialistas, é certo e infallivel que sobre a civilização moderna, a technica especializada exerce uma influencia marcada, preponderante.”7 Para ele, os municípios deveriam ser subordinados ao estado, pois este concentrava os técnicos mais habilitados e familiarizados com os problemas urbanos, através de órgãos técnicos, que coordenariam as ações na esfera municipal. Esta ingerência, por parte do estado, abrangeria diversas atividades, em particular aquelas relacionadas com o urbanismo. Os problemas referentes à gestão administrativa das cidades se originaram a partir de múltiplos olhares, como “…a lei de zoneamento de New York de 1916 e sua disseminação, o Regional Plan of New Yok and its Environs, as soluções para inserção dos arranha-céus, as soluções para o tráfego de veículos na experiência de Radburn, as Comissões de Planos, os Planning Boards, passam a ser referências largamente abordadas.”8 Outros profissionais, como Armando de Godoy, Washington de Azevedo e Prestes Maia, técnicos experientes, esboçavam preocupações semelhantes, sendo que, para Continentino, as realizações destes urbanistas eram consideradas exemplares. Continentino também ressaltava, o estágio avançado da legislação urbanística em países como Itália, Prússia, Holanda e Suécia, com destaque para o Town Plan Act, elaborado na Inglaterra em 1919. Considerava, ainda, que nos Estados Unidos, o progresso urbano havia atingido a sua máxima perfeição, sendo que, a cidade norte-americana, se colocava como um verdadeiro laboratório de ciência política. Destacava as realizações no Brasil, como o Plano Agache no Rio de Janeiro, a conclusão do Plano de Avenidas, por Prestes Maia, em São Paulo, além dos planos de Recife e Porto Alegre, estes últimos elaborados em 1932. CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, op. cit., p.326. CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.327. 7 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.328. 8 FELDMAN, Sarah. Os anos 30 e a difusão do urbanismo americano. Anais do V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. CAMPINAS: FAU/PUC, 1998, p.2. 5 6 284 Além destas referências, o contato com outros urbanistas, proporcionava importantes trocas de experiências, uma prática que Continentino sempre soube cultivar. As impressões de uma viagem, que fez aos estados do sul e à Argentina, em 1938, revelam o seu encontro com Carlos della Paolera, diretor técnico do Plano de Urbanismo de Buenos Aires. Os símbolos do urbanismo, representados pelo ar, sol e vegetação, defendidos por Paolera, já haviam sido incorporados aos trabalhos de Continentino. Também era do conhecimento deste técnico, um dos principais componentes do plano de Buenos Aires, representado pela implantação de um grande parque, bem como de um sistema completo de parques e jardins (park-ways), estendendo-se por toda a cidade. Por esta via, Continentino adotaria os princípios do ideário garden city reintroduzidos na realidade das nossas cidades. Os exemplos ingleses, representados por Letchworth e Welwyn, e a matriz norte-americana, ligada ao subúrbio jardim de Radburn, serviam como modelos urbanísticos para Continentino. Este elenco, representado por urbanistas e modelos, não significava uma aplicação direta dos seus princípios. Ao contrário, ele buscava adaptar as soluções técnicas para cada caso, vislumbrando a construção de uma cidade moderna, apesar de estar consciente das dificuldades implicadas. O distanciamento, entre o real e o ideal, era do seu pleno conhecimento, pois “...a concepção moderna de Howard, das cidades jardins, a mais simples e econômica para áreas residenciais, ainda não obteve no Brasil, a consagração merecida, isto porque, por incrível que pareça, ainda não foi aplicada integralmente entre nós.”9 Estas considerações valiam para as suas elaborações, materializadas de maneira incompleta ou mesmo permanecendo no papel. CONTINENTINO, Lincoln. Urbanização de Belo Horizonte e seu saneamento. ARQUITETURA E ENGENHARIA, ano V, no5-6, março e abril de 1954, p.69. 10 CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, p.319. 11 CONTINENTINO, Lincoln, op. cit., p.248. 9 Para Continentino, o urbanismo abrangia um vasto campo de ação, tendo como principal objetivo o aperfeiçoamento dos aglomerados urbanos. O urbanismo compreenderia a sistematização e a coordenação de todas as funções municipais, incluindo os serviços públicos e todas as atividades urbanas, estes orientados no sentido do progresso material e social das comunidades, visando o bem estar dos seus cidadãos. Ressaltava ainda que o urbanismo consistia em um saber específico como “…sciencia e arte ao mesmo tempo, estylo seculo XX, epocha de collaboração e trabalho de conjuncto, deve-se recorrer aos conhecimentos oriundos de todas sciencias e artes, afim de utiliza-los em prol do desenvolvimento racional das cidades modernas.”10 E as responsabilidades pela elaboração do plano deveriam ser distribuídas como um trabalho multidisciplinar, desenvolvido por uma equipe técnica, afinal “…o plano geral racional de urbanismo, (deve ser) estudado conveniente e demoradamente por autoridades medicas, engenheiros sanitarios e urbanistas.”11 A implementação do plano, deveria ser feita pela administração municipal, que mobilizaria os técnicos, para a elaboração da legislação necessária, além de proporcionar a divulgação dos trabalhos para a conquista da opinião pública. O plano era considerado como uma concepção técnica altamente especializada, que no entanto, se caracterizava também como uma obra de arte. Os estudos preliminares incluiam uma planta cadastral planimétrica e altimétrica da região, o que era fundamental para a elaboração do plano. Este deveria assegurar a melhor distribuição das indústrias e da população, como ele se referia, “intra, inter e extraurbana”. Para isso, a concepção do plano de urbanismo envolveria o estudo adequado das condições sociais e econômicas, bem como das tendências do desenvolvimento urbano. Por esta via, almejava-se o progresso cívico, na perspectiva de uma verdadeira economia e de condições de vida salubre. Os problemas de urbanismo, deveriam ser estudados, levando-se em consideração as especificidades de cada caso e os fatores relacionados com os mesmos, em face da complexidade da vida moderna. O espírito científico e o critério técnico eram preconizados por Continentino, além da necessidade do estudo dos métodos de urbanização do passado, para a solução dos problemas físicos e econômicos das cidades. Um aspecto importante para atingir estes objetivos era a cooperação entre o poder público, a iniciativa privada, os técnicos, os proprietários e os cidadãos comuns. As regras do urbanismo moderno deveriam ser aplicadas para que as cidades não se desenvolvessem de maneira “tumultuária e desorientadamente”. As propostas urbanísticas desenvolvidas por Lincoln Continentino buscavam orientar o desenvolvimento das cidades, por meio da organização de um plano geral, cuja incumbência caberia a um especialista. Isso se aplicava tanto para as intervenções sobre as cidades existentes, quanto para a concepção de cidades novas. Os componentes do plano de urbanismo estavam diretamente relacionados à ampliação das áreas verdes das cidades, incluindo taxas de ocupação mais reduzidas, com a criação de parques, interligados por avenidas arteriais. Tais técnicas possibilitariam a introdução de novas idéias urbanísticas, representadas pelo zoneamento, pela circulação e pelo tráfego urbano, pela regulamentação das edificações e pelo sistema recreativo de parques e jardins. O zoneamento (zoning) previa a divisão da cidade por setores funcionais, 285 286 estes classificados, de maneira geral, em zonas residencial, comercial e industrial. Boulevares e avenidas parques ou park-ways, conjugados com avenidas de contorno, integravam o sistema viário. Os parâmetros urbanísticos deveriam considerar as edificações no seu conjunto, umas em relação às outras e não individualmente. Esta regulamentação (housing) proporcionaria maiores benefícios para a coletividade. Os sistemas de recreio, compostos por campos de recreio para crianças, campos de atletismo, jardins, parques, bosques e reservas florestais na periferia reforçavam o caráter de cidade-jardim do conjunto urbano. Somava-se a estes componentes a opção por um traçado adequado ao sítio de implantação, na medida em que “…os typos rigidos de arruamentos, dispostos segundo um systema quadrangular, triangular, ou em xadrêz (gridiron system) não mais se justificam a não serem em condições muito especiaes. A inserção de um systema de ruas em xadrêz, sem entrar em consideração com as condições topographicas locaes, acarreta varios erros, condemnados pelo urbanismo, principalmente o de rampas excessivas.”12 Continentino ressaltava também que os distritos residenciais deveriam compor “...cidades cellulares de vida autônoma neighborhood units.”13 A unidade de vizinhança era um componente essencial para o desenvolvimento mais qualificado das cidades. O sistema viário destes setores deveria obedecer aos tipos de arruamentos das cidades-jardins, evitando-se o emprego de muros confinantes, e, quando possível, deveria ser empregada a solução do tipo “cul-de-sac”. Outro ponto a considerar, refere-se ao aspecto regional do plano de urbanismo, antecipando discussões, que seriam debatidas apenas nos anos 50, no Brasil, na medida em que “…as questões municipaes affectam por vezes a varios municipios em conjuncto. São pois inter-municipaes. Outras vezes as grandes cidades tentaculares extendem seus serviços a cidades vizinhas menores, alargando assim, sua esphera de acção.”14 Como solução para o problema das grandes metrópoles, cuja expansão urbana ampliava de maneira ilimitada os seus horizontes preconizava a descentralização, por meio de cidades-jardins satélites, “...afim de tornar mais econômicos os serviços públicos, que encarecem extraordinariamente quando as cidades se extendem em demasia.”15 CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, op. cit., p.322. 13 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.323. 14 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.321. 15 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.325. 12 As propostas elaboradas por Continentino eram precedidas de estudos minuciosos, nos quais discorria sobre os principais aspectos, que interfeririam nas soluções. Assim, procurava destacar os problemas mais evidentes, no quadro de preexistências, como um diagnóstico preliminar. Através destes estudos, eram 287 introduzidos os princípios básicos e as idéias gerais a serem aplicados, com vistas à especificidade de cada caso. Sendo assim, definiam-se os componentes necessários para a organização dos planos, com ênfase para a necessidade da aplicação das regras do urbanismo moderno. Continentino estruturava a sua composição urbanística, em função destas normas referentes à porcentagem de áreas, ao parcelamento, ao zoneamento, ao sistema viário, aos tipos de habitação e equipamentos públicos e à infraestrutura urbana. Mesmo buscando uma adaptação, de acordo com os condicionantes locais, várias destas regras eram reproduzidas em contextos distintos. Assim, verificamos o mesmo enfoque para situações diversas, como na organização de leprosários, materializada pelas colônias de Ibiá e Santa Isabel/MG; a criação de uma cidade operária, como no concurso para Monlevade; e também para as intervenções em centros urbanos preexistentes, como no Barreiro do Araxá/MG, e no plano para a capital mineira. O plano para a Colônia Santa Isabel foi precedido de recomendações sobre a organização de leprosários no Brasil. A proposta foi definida como um trabalho de engenharia sanitária em colaboração direta com a medicina, evidenciando a relação de Continentino com a linhagem dos engenheiros sanitaristas. Além dos médicos e dos engenheiros sanitários, ressaltava-se que o plano deveria incluir a participação de urbanistas. Adequação ao sítio, traçado sanitário das vias, separação por zonas, criação de um centro administrativo, com o perfil de um centro cívico, dentre outros, configuravam os elementos básicos do plano. O arruamento do tipo “cidades-jardins”, composto por faixas gramadas e canteiros no centro ou junto aos passeios, foi também preconizado, em particular o tipo relacionado com as unidades de vizinhança ou “neighbourhood units” conforme a experiência norte-americana. Neste sentido, destacava-se que “...as ruas secundarias residenciaes podem apresentar, de accordo com o terreno, varios trechos em curvas, constituindo um obstaculo ao trafego exagerado e tendo ainda a vantagem de ser um derivativo para o systema por vezes monotono e insipido do traçado de ruas em xadrez ou rectangular (“gridiron system”).”16 No plano para o Barreiro do Araxá/MG, Continentino também previa a implantação pautada nos princípios do ideário garden city, com as áreas destinadas aos parques e jardins e aos logradouros públicos ampliadas, em relaçào às cidades tradicionais. Assim, “...a área destinada aos parques e jardins corresponde a 23% da área total da cidade balneária. É esta uma percentagem muito elevada que só se justifica em uma estância balneária ou em uma cidade jardim.”17 Os mesmos princípios de urbanismo, já discutidos nos planos para a Colônia Santa Isabel e para Monlevade, CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.328. CONTINENTINO, Lincoln. Estância Hidro-Mineral de Araxá: memorial justificativo do plano de urbanismo da cidade balneária. Belo Horizonte: 1933, p.3. 16 17 288 foram novamente apresentados com destaque para o centro cívico, este compreendendo o centro administrativo “...em um quarteirão central ao lado do parque da estância e contém o prédio da Prefeitura, dos serviços de correio e telégrafo, assim como o centro de clínica crenologica.”18 Para Monlevade, Continentino mais uma vez reiterava a aplicação dos preceitos do urbanismo moderno, este vinculado a um traçado jardim, visando atender à iniciativa da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, na implantação de uma cidade industrial. Antes de apresentar os componentes do plano, foram feitas breves considerações sobre os aspectos a considerar, numa proposta de cidade nova, incluindo exemplos afins. Na organização do plano, buscava-se uma solução racional, visando o crescimento ordenado da cidade, ainda, que “…a etapa inicial, a primeira phase da construcção de uma cidade, mesmo havendo um projecto perfeitamente detalhado, especificado e orçado, precisa ser de perto acompanhada por um urbanista, pois que se impõe a orientação technica especializada para o solucionamento exacto de todos os problemas, de natureza as mais diversas, que se apresentam no decorrer dos trabalhos e que desde início precisam ser orientados em seu sentido exacto.”19A nova cidade se colocava à altura de outras importantes realizações, “Bello Horizonte e Goyania foram as primeiras cidades executadas no Brasil sob projecto previamente estabelecido e Monlevade será a primeira cidade industrial.”20 Continentino destacava, também, outras realizações do urbanismo, particularmente aquelas relacionadas com um programa industrial, como foram na Inglaterra as cidades erigidas por Lever e Cadbury, respectivamente Port Sunlight e Bournville, exemplos, como vimos importantes e antecipadores do ideário garden city. Outra referência nos remete à cidade construída por Krupp, nos arredores de Essen, na Alemanha e a uma realização da ARBED na Bélgica, que não conseguimos identificar. Letchworth e Welwyn também foram citadas, bem como o subúrbio-jardim de Radburn, nos Estados Unidos. CONTINENTINO, Lincoln, op. cit., p.5. CONTINENTINO, Lincoln. Saneamento e urbanismo, p.124. 20 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.123. 21 CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.124. 18 19 A experiência norte-americana novamente era evidenciada pois lá, “…estão, mais do que em qualquer paiz, espalhadas em todas as direções, as cidades jardins, bellas, confortáveis, alegres, salubres e prehenchendo integralmente aos altos objectivos visados pelos seus organizadores.”21 Além deste elenco de referenciais, Continentino fazia menção à sua própria experiência em Minas Gerais, no Plano de Urbanismo da Cidade dos Lázaros, em Ibiá, no Plano de Urbanismo da Cidade Balneária de Araxá, em colaboração com Aurélio Lopes, e no plano e na construção da Colônia Santa Isabel. Tal elenco de urbanistas revelava a vasta amplitude dos seus referenciais, “foram aproveitadas no plano de Monlevade, que obedece á características fundamentaes de 289 uma cidade jardim industrial moderna, as licções dos maiores urbanistas hodiernos, taes como, Thomaz Adams, Bartholomeu, Nolen, Unwin, Delano, Hubbard, Mme. Hubbard, Right, Ford, Agache, Benoit-Levy, Wudke e muitos outros urbanistas brasileiros Armando Godoy, Anhaia Mello, Prestes Maia e Washington Azevedo.”22 Foi incorporado ao seu memorial um longo trecho de palestra de Armando de Godoy, sobre o problema da habitação, com indicações de realizações norte-americanas e inglesas, com referências diretas a Ebenezer Howard, além das experiências de loteamentos em São Paulo, por Parker e Unwin. Em Belo Horizonte, Continentino aplicaria este ideário numa proposta que, ao longo dos anos, assumiria cada vez mais o caráter de um plano regional. Ele dizia que “...em todas as cidades do mundo tem-se verificado a repetição dos mesmos erros e falhas que agora focalizamos em Bello Horizonte; e isto pela falta de visão do conjuncto, ou melhor, pela falta de previsão dos seus administradores eventuaes e pela solução de continuidade entre as administrações.”23 Naquele momento, a capital mineira se caracterizava como uma “cidade nascente”, cujos problemas não se revelavam tão difíceis como evidenciado nas “cidades tentaculares metropolitanas”. O plano da cidade possibilitaria a solução racional para estes problemas, “...como povo culto, cumpre-nos, no entanto, não esmorecer, procurando melhorar e aperfeiçoar sempre mais a nossa urbs. Com este intuito é que eu proponho, a quem de direito, a organisação do plano de urbanismo de Bello Horizonte.”24 Os principais argumentos, que compõem o ideário urbanístico de Lincoln Continentino, aqui analisados, revelam a importância da contribuição deste técnico para o pensamento e para as práticas sobre as cidades brasileiras. Urbanistas brasileiros e estrangeiros, autores que escreveram sobre saneamento e urbanismo, foram citados, como referenciais para as intervenções propostas. Diversos exemplos de idealizações, realizações, e modelos apropriados para a realidade brasileira, foram também empregados. Neste sentido, reintroduziam-se os ideários de urbanismo que circulavam pelos fóruns de conhecimento. Com um enfoque vinculado à linhagem dos engenheiros sanitaristas, pioneiros no urbanismo brasileiro, Continentino nos remete aos conceitos de cidade-jardim de Howard e à sua versão norte-americana representada pelo subúrbio-jardim de Radburn, desenvolvido por Clarence Stein e Henry Wright. A formação de Continentino, assentada nos princípios da engenharia sanitária, foi marcada por uma visão prática e objetiva dos problemas, não deixando que ele se abatesse pelas dificuldades interpostas na aplicação das suas idéias. E, CONTINENTINO, Lincoln, idem. CONTINENTINO, Lincoln, idem, p.344. 24 CONTINENTINO, Lincoln, idem. 22 23 290 como constatamos, foram vários os obstáculos enfrentados por este urbanista, cujo apelo à neutralidade científica e crença no progresso alicerçado pela ciência eram recorrentes. Os inúmeros projetos urbanísticos e textos, particularmente aqueles escritos e desenhados no período aqui analisado, comprovam o papel deste profissional para a formação do urbanismo no Brasil. Neste sentido, vale ressaltar a busca incessante de soluções para as cidades, assim como o interesse, demonstrado pelo ensino e pela pesquisa, voltado para os problemas urbanos. Nos anos 50 e nas décadas seguintes, Continentino continuaria a empregar os mesmos argumentos para o desenvolvimento das cidades. Entretanto, constatamos o seu interesse progressivo para questões mais abrangentes, numa escala nacional, como por exemplo a transposição das águas do rio São Francisco, a construção de barragens e ligações regionais, por meio da implementação de vias férreas. Os problemas mais específicos, relacionados com a urbanização de cidades, ou mesmo a criação de cidades novas, pelas quais tanto se debateu durante anos, permaneceriam em segundo plano. Tanto as questões de caráter nacional, quanto aquelas relacionadas com a especificidade das cidades, permanecem em aberto, como campo de trabalho na atualidade. 5.2. As grandes composições e o urbanismo moderno de Angelo Murgel O principal interesse de Angelo Murgel estava relacionado com a compreensão da arquitetura e do seu significado para a transformação das cidades. Tradição e modernidade se conjugavam nos fundamentos desenvolvidos para justificar as suas propostas. Por diversas vezes ele procurou definir o conceito de arquitetura moderna, tema já trabalhado, em 1932, na sua tese de conclusão de curso apresentada à Comissão Examinadora e à Comissão Técnica e Didática da Escola Nacional de Belas Artes - ENBA. O apelo aos componentes estéticos sempre esteve presente nas suas propostas, o que revelava a sua formação acadêmica centrada nos problemas artísticos das composições arquitetônicas. A solução dos problemas urbanísticos era decorrente da consideração de determinados princípios de arquitetura. Ou seja, as questões relacionadas com o urbanismo moderno estavam vinculadas ao uso de uma linguagem arquitetônica de acordo com a atualidade e à correta elaboração das edificações, considerando-se aspectos técnico-construtivos e de composição. O urbanismo, assim, não se colocava em primeiro plano nos trabalhos de Murgel, tendo em vista que o tema era considerado como uma especialização da arquitetura. Os referenciais empregados na sua obra nos conduzem, em primeiro lugar, ao ideário do Movimento Moderno na sua acepção germânica através dos escritos de Walter Gropius e Hermann Muthesius. Os métodos modernos de produção, de fabricação e de construção eram preconizados para que fossem alcançadas as formas ideais. Estes poderiam abranger desde mobiliários até mesmo edificações. Por esta via se colocava a estandardização dos componentes arquitetônicos, bem como a idéia da abolição da ornamentação externa em prol da essência das obras. Ao repassar os conceitos relacionados com a arquitetura, Murgel enfatizava componentes ligados à arte de construir. Através de pontos de vista distintos, incluindose idéias filosóficas, apoiado em tratadistas como Vitruvius e Alberti e filósofos como Platão e Aristóteles, ele definia o seu ofício ressaltando que “...não é sufficiente, portanto, como se affirma, que uma construcção, para ser considerada como obra de architectura seja feita de bom material, que tenha seus elementos de sustentação bem calculados, a planta bem resolvida para o fim a que se destina, que as imposições da physica e da hygiene sejam satisfeitas, que o orçamento corresponda ao programma. 291 292 Além de todos estes requisitos, para bem merecer o nome de architectura, ella deve, por outros elementos affectar a sensibilidade e a intelligencia, ser a imagem da vida e da belleza.”25 Por meio deste arcabouço teórico, Murgel resolvia os problemas relacionados com a inserção dos edifícios na cidade, sob o ponto de vista da composição arquitetônica, cujos princípios definia por meio da leitura de teóricos como Choisy, Beltcher e Guadet.26 Assim, as regras de composição arquitetônica também compareciam na busca de uma conceituação para a arquitetura. Dentre os princípios que regiam as cogitações do arquiteto discorria sobre a verdade, a beleza e a identidade da obra arquitetônica. O primeiro relacionado com o partido adotado pelo arquiteto, “... não só sob o aspecto puramente estatico mas também sob o symbolico, devendo elle procurar imprimir ás suas obras um caracter proprio á sua finalidade, quer se trate de um edificio profano ou religioso, publico ou privado. A obra de architectura deve estar em intima harmonia com seu destino com a sua utilidade, deixando transparecer nas linhas e no aspecto a expressão sincera da sua funcção.”27 Forma e função estavam intrinsicamente ligadas de acordo com este princípio. A beleza se colocava como uma finalidade, pois “...as obras architectonicas não devem somente satisfazer uns tantos requisitos praticos de conveniencia, economia e estatica: ellas devem, sobretudo, constituir expressões de belleza. E o papel do architecto é exactamente esse de conciliar as imposições da technica com as da esthetica, tornando agradaveis e bellas as suas obras.”28 No tocante à identidade, ressaltava que “...pelo caracter, pela disposição apropriada, pelas linhas estheticas, todo edificio deve revelar claramente a sua finalidade, bem como o funccionamento de suas peças. Interna e externamente taes funcções devem ser observadas com facilidade e expressas com simplicidade e evidencia.”29 Ele ainda realçava a importância dos eixos na composição dos edifícios visando a sua funcionalidade, como um legado da arquitetura clássica. MURGEL, Angelo A.. Concurso de grao maximo: um edifício destinado aos Correios Geraes e Telegraphos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 1932, p.17. 26 Murgel introduzia nos seus escritos longas citações de autores como Auguste Choisy e Julien Guadet, dentre outros. O primeiro tornou-se referência para a teoria da arquitetura através do seu Histoire de l’architecture, de 1899, e o segundo com o curso Eléments et théorie de l’architecture. Ver: FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 27 MURGEL, Angelo A., op. cit., p.20. 28 MURGEL, Angelo A., idem, p.21. 29 MURGEL, Angelo A., idem, p.22. 30 MURGEL, Angelo A., idem, p.30. 25 Com relação ao problema da “forma” na arquitetura, Murgel repassava a produção arquitetônica, nos diversos horizontes históricos da civilização, desde as pirâmides do Egito até a diversidade da cultura européia, com destaque para as vanguardas do século XX. Murgel ressaltava que “...varios movimentos renovadores se fizeram sentir, nos principios deste seculo, na França e na Allemanha, sem que vingassem successo por não se constituirem de uma maneira logica e natural uma vez que se preocupavam exclusivamente com a forma novidade e extravagancia, com novos motivos plasticos, olvidando que, como em todas as epocas de grandes realisações, a architectura deve resultar de principios bem mais seguros e estaveis, os principios 293 constructivos.”30 Além de ressaltar a série de equívocos, que tiveram lugar com estas tentativas de renovação, ele enfatizava a necessidade da criação de um novo tipo de arquitetura, em consonância com a atualidade, na perspectiva de “...um ideal moderno, conduzindo as tendencias artisticas para a ´standardização´ sensata e logica que fará do nosso trabalho obra segura e definitiva.”31 Dando continuidade à importância da “forma”, Murgel dizia que a arquitetura deveria se adequar ao meio geográfico e material, respeitando-se os materiais fornecidos pela natureza. Assim, para cada lugar teríamos uma expressão própria e peculiar, de acordo com as possibilidades delimitadas pelo meio, o que determinaria manifestações diversas de arquitetura. Neste sentido, o arquiteto deveria considerar “...as imposições do scenario geographico, utilisando de maneira logica e sincera, os materiaes mais accessiveis que a natureza lhe fornece. A forma deve ser a ultima cogitação do architecto. Será a funcção final dos diversos factores. E nisso consiste a importancia do seu papel: coordenar e harmonisar as exigencias dos diversos elementos constitutivos do problema architectonico, dando-lhe uma apparencia agradavel e bella, dentro da utilidade, da necessidade e da logica. As formas de pura fantasia devem ser regeitadas a priori.”32 Nesta tomada de posição ele se aproximava das teses de Frank Lloyd Wright, as quais nos referimos anteriormente, que ressaltava a necessidade de uma adaptação da arquitetura às condições locais, na busca de soluções adequadas às características particulares das regiões, “...a luz, defficiente numa e exaggerada noutra, a temperatura, tão differente nas diversas latitudes, os ventos reinantes, asperrimos em certos logares, a neve ou a chuva, o grao de humidade, são tantas outras variaveis que entram na formação da equação architectonica determinando resultados os mais differenciados.”33 Murgel destacava ainda o equívoco de se querer fazer uma arquitetura sem considerar estes princípios, uma arquitetura “...facil de accomodação, de copia do passado ou do estrangeiro, architectura sem expressão e sem raizes, a que muitos architectos se entregam, vencidos pelas difficuldades ingentes da profissão, talvez a que mais cultura exige do profissional.”34 Neste sentido, entendia a arquitetura como “…producto da arte e da technica, apreciavel objetiva e subjectivamente, segundo a observamos sob o lado formal ou sob o symbolico, creada para uma finalidade ás vezes pratica, outras simplesmente votiva ou commemorativa, offerece para cada um dos technicos, o artista, o engenheiro, o sociologo, o estheta, o economista um aspecto particular em que predominam os requisitos peculiares ás suas respectivas especialidades.”35 MURGEL, Angelo A., idem, p.33. MURGEL, Angelo A., idem, pp.36-37. 33 MURGEL, Angelo A., idem, p.38. 34 MURGEL, Angelo A., idem, p.39. 35 MURGEL, Angelo A. Architectura II: composição. Estado de Minas, 17 de março de 1933, p.4. 31 32 294 36 MURGEL, Angelo A.. Um problema de esthetica urbana numa obra de utilidade publica. DIARIO DA TARDE, 10 de novembro de 1932. 37 MURGEL, Angelo A.. Architectura. ESTADO DE MINAS, 17 de maio de 1933, p.5. 38 MURGEL, Angelo A.. Concurso de grao maximo: um edifício destinado aos Correios Geraes e Telegraphos do Rio de Janeiro, op. cit., p.50. 39 MURGEL, Angelo A.. A architectura em Bello Horizonte. ESTADO DE MINAS, recorte de artigo de jornal, sem data, no acervo pessoal de Angelo A. Murgel. Quanto ao conceito de arquitetura moderna, de acordo com os problemas mais atuais colocados pelas cidades, Murgel ressaltava que esta arquitetura se faria“... pela utilização racional do nosso adiantamento industrial, pelo systema constructivo adoptado e pelas tendencias plasticas resultantes de taes imposições do meio e da época.”36 Através destes princípios se poderia alcançar o ideal de cidade moderna composto por arranjos arquiteturais expressivos, cuja materialidade evocasse os aspectos peculiares da cada lugar. O que se buscava era uma apropriação qualificada dos ambientes urbanos, contrária àquela “...architectura de empirismo e falsidade, de pura fantasia de forma, capricho sem gosto e sem originalidade: o ´falso modernismo´.”37 Mais uma vez, as idéias de Gropius foram evocadas por Murgel, no tocante à produção em série, ao emprego de novos materiais, à fiscalização racional da obra, às plantas baixas estudadas detalhadamente e ao fornecimento direto da fábrica. Estes componentes visavam uma arquitetura funcional que tirava partido das conquistas tecnológicas em pauta. Entretanto, ele via com restrições o uso de determinados materiais, como o vidro por considerar este material inadequado para as condições do nosso meio, “... que não permitte a ‘architectura do vidro’ tão propria para a Europa, e que é algumas vezes imitada por aqui, sob o rotulo de ‘estylo moderno’.”38 Ainda em 1932, na discussão sobre a construção do novo edifício dos correios e telégrafos em Belo Horizonte, Murgel preconizava uma modernidade utilitária. A nova edificação se colocava como uma obra de expressão arquitetônica, intimamente ligada ao desenvolvimento da cidade. O programa deste edifício deveria atender a todas as conveniências visando o seu melhor funcionamento, por isso se justificava o emprego de uma arquitetura nova. No ano seguinte, acrescida à defesa de uma arquitetura moderna, Murgel opinava sobre o que faltava a Belo Horizonte para ser uma grande cidade. O ideal de uma metrópole moderna não tinha nada de pitoresco, constituído por ruas largas e retas, permitindo o trânsito rápido de veículos, e os arranha-céus, que alterariam o panorama provinciano da capital mineira. A modernidade almejada se introduziria por meio de inovações levando-se em conta que “…o moderno não é mais uma experiência em que todo o mundo poderia dar opinião: é hoje um movimento seguido e recommendado pelos maiores architectos e pensadores de todos os continentes, por homens que dedicam a vida, intelligencia e postura ao estudo da architectura: é um movimento plenamente victorioso! O moderno também não é estylo, porque estylo é tudo que já tem elementos e feições instituídas como dogmas, ao passo que a architectura sadia de hoje procura resolver cada caso de accordo com as suas necessidades peculiares. É a architectura funccional, a architectura da machina.”39 A estandardização 295 não seria limitada às construções, esta penetraria também nos hábitos das pessoas. Os prédios altos ressoavam a modernidade presente nas propostas para os grandes centros urbanos, “…mesmo a cidade ideal do professor Agache, de Le Corbusier e de Perret, a ‘Ville-tour’, é constituída de immensos edifícios, conservando entre si largas e determinantes distâncias, em cujos valles são localizados enormes parques; não ha poeira, que tem o seu logar delimitado ao centro das ruas, a ventilação é integral e a solaridade completa.”40 Murgel não chegou a elaborar uma proposta urbanística para a cidade, discorrendo, no entanto, sobre aspectos que considerava importantes, confirmando a sua adesão ao ideário do Movimento Moderno, como já ressaltado. Por esta via, Murgel se alinhava com as tendências modernas visando a renovação da arquitetura, extensiva à cidade. Ainda como estudante, como constatamos anteriormente, Murgel participou da greve em apoio a Lúcio Costa, no ambiente da ENBA. Nesta mesma ocasião teve contato com Gregori Warchavchik, um dos professores contratados por Costa. O manifesto publicado ainda em 1925 por Warchavchik, com o título Acerca da Arquitetura Moderna, já antecipava os princípios da nova arquitetura. A lógica da racionalidade na composição era preconizada, em oposição à prática assentada na imitação de estilos históricos. Como referencial para esta arquitetura nova, a ação de um “...pequeno grupo de architectos que appareceram primeiramente na Europa e na America do Norte e, depois nas outras partes do mundo, (que) faz o possivel para tirar a architectura do ponto morto... Tratam de substituir os processos antiquados pela organização industrial contemporanea e encontrar novas e sólidas bases para o seu trabalho.”41 Posteriormente, ele se distanciaria deste ideário, por considerar que a arquitetura funcional atrelada a estes conceitos não atenderia aos ideais artísticos que preconizava para as cidades. Além deste olhar voltado para os princípios da arquitetura e, em particular, das bases conceituais para a arquitetura moderna, Murgel se preocupava também com as atribuições profissionais do arquiteto. A falta de uma regulamentação para o exercício da profissão gerava muitos problemas, “...com isso soffrem as cidades, que se formam de edificações excentricas, concebidas pelo mau gosto dos proprietarios, pelo preciosismo de sua vaidade que a ignorancia e interesse dos falsos profissionais insufla e incensa; sofre com isso o proprio publico, de todos o menos culpado, por ter assim tão mal empregada a sua economia; soffrem com isso os authenticos architectos que vêm os seus esforços inutilisados, suas conquistas falseadas e reproduzidas com alterações que as tornam condemnaveis, seus interesses fundamente prejudicados e seus direitos espoliados.”42 O que se pretendia era uma distribuição mais racional dos MURGEL, Angelo A.. A expansão suburbana de Bello Horizonte e os problemas que della decorrem. ESTADO DE MINAS, recorte de artigo de jornal, sem data, no acervo pessoal de Angelo A. Murgel. 41 CONSTANTINOWSKY, Wladimir, citado por: ABREU, Jayme Cunha da Gama e. Relatorio dos successos mais importantes verificados no IV Congresso Pan-Americano de Architectos apresentado ao Exmo. Sr. Governador do Estado da Bahia. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1930, p.41. 42 MURGEL, Angelo A. A profissão de arquiteto: considerações sobre sua legislação. ARQUITETURA & URBANISMO março e abril, 1940, p.98. 40 296 atributos da profissão, tendo em vista a cooperação entre a arquitetura e os diversos ramos da engenharia, para reverter o quadro de competição instaurado naquele momento. A profissão do arquiteto era considerada distinta das demais, em especial com relação à engenharia. A atuação de Murgel em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro foi intensa, como ressaltado na sua trajetória. Vários foram os projetos de edificações atrelados a planos de conjunto, nos quais manifestava as suas preocupações estéticas. Os seus projetos urbanísticos, desde a Penitenciária Agrícola de Minas Gerais, passando por Monlevade e pela Universidade Rural, até as sedes dos Parques Nacionais, se caracterizavam por serem implantações de núcleos urbanos em áreas rurais. Prevalecia nestas propostas um ideal de cidade, composto pela dispersão dos conjuntos edificados em meio ao verde e por arruamentos adaptados ao sítio. No caso dos parques nacionais, preconizava um anti-urbanismo em favor dos ambientes naturais. A desurbanização se colocava como um componente essencial para a preservação dos parques. Assim, teremos os equipamentos públicos, as instalações de apoio e as próprias moradias implantados de modo a interferir o menos possível na fruição dos parques. O projeto para a Penitenciária Agrícola de Neves/MG, como o primeiro desafio de um plano de conjunto para Murgel, analisado anteriormente, envolveu a definição de um bloco edificado para o complexo prisional e anexos dispersos no entorno deste conjunto. A penitenciária e os seus anexos constituiam um núcleo urbano isolado, cuja concepção extrapolava o campo da arquitetura. O complexo penitenciário era dominante em relação ao conjunto residencial, este definido como uma vila-jardim contígua ao presídio. Murgel teve que elaborar um plano que englobava componentes urbanísticos como parcelamento, sistema viário e infraestruturas urbanas. Sobressaem na disposição destes componentes, além do maciço prisional edificado, o aspecto de bairro-jardim dos anexos do conjunto. Estes serviram para que ele aplicasse, de modo incipiente, aquilo que viria a utilizar de modo sistemático no projeto para Monlevade. Em Monlevade, Murgel desenvolveu uma proposta que refletia as suas inquietações com relação à arquitetura e ao urbanismo modernos. A exemplo do conjunto prisional de Neves, o traçado jardim foi definido com maior precisão para a adequação das ruas ao sítio de implantação e para a inserção das edificações nos espaços verdes, compostos por pequenos parques. A denominação de cidade-jardim empregada por Murgel constituiu a única referência clara ao ideário garden city, materializada na configuração arborizada pelas ruas e pelos quintais, somados às reservas de vegetação 297 do entorno. Com constatamos anteriormente, a proposta foi desenvolvida com precisão de detalhes dividida por temas, a primeira parte enfocando questões de urbanismo e saneamento e a segunda dedicada à arquitetura. Murgel buscava em Monlevade alcançar uma modernidade enraizada na tradição, evitando a aplicação direta do repertório estilístico do passado. Neste sentido evitava o artifício de reconstituições históricas, buscando padrões atuais para a composição do conjunto. Com a mesma ênfase evitava-se a importação de modelos na busca de soluções adequadas ao contexto brasileiro. Racionalidade, funcionalidade e estandardização adaptadas às condições locais, estavam presentes na sua concepção, princípios relacionados com o ideário do movimento moderno. O mesmo pode ser dito com relação aos projetos desenvolvidos, sem o emprego de elementos decorativos, com predominância de linhas retas como evidenciado no partido adotado para a igreja. No tocante ao saneamento urbano, Murgel apontava as suas principais referências, em particular a técnica sanitária de Saturnino de Brito. No que se refere aos esgotos, por exemplo, ressaltava o sistema “tout a l’égout” lançado na França por Durand Clay. Este sistema conhecido também como separador absoluto previa canalizações distintas para os esgotos sanitários e pluviais. Destacava também o sistema “OMS” (Otto Mohr System), originado na Alemanha, que fazia o tratamento dos esgotos antes dos mesmos serem lançados nas águas do rio Piracicaba.43 No mesmo ano em que apresentou a proposta para o concurso Monlevade, Murgel reiterava a necessidade de um plano de desenvolvimento para Belo Horizonte. O prestígio alcançado como arquiteto na capital mineira, que como vimos, o levaria a ser convidado para compor o quadro da Comissão Técnica Consultiva de Belo Horizonte, fazendo com que, por diversas ocasiões, fosse consultado sobre os problemas urbanísticos da cidade. Como um “técnico da cidade grande”, ele sentia a necessidade de se instaurar uma Comissão do Plano da Cidade, evitando-se, assim, as dificuldades enfrentadas por grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, pela falta de critérios urbanísticos para o seu desenvolvimento. Nestes apelos por uma comissão especializada no planejamento da cidade, Murgel lançava críticas ao plano original de Belo Horizonte. Para ele, o plano de Aarão Reis já se mostrava obsoleto, em relação ao desenvolvimento alcançado pela cidade. A expansão urbana sem regras urbanísticas gerava diversos problemas, além de ultrapassar as previsões iniciais de crescimento, “... por um lado, a parte urbana, com traçado uniforme e rectilíneo, e por outro a suburbana, cujo nascimento se está processando no descaso completo das modernas conquistas Sobre estes componentes técnicos da proposta de Murgel ver o capítulo três, no qual abordamos o concurso e, em particular, o projeto de autoria deste técnico para Monlevade; ao final da tese, o memorial do plano em anexo. 43 298 da architectura e do urbanismo, perdendo-se assim essa opportunidade de corrigir, no desenvolvimento actual, os erros de hontem.”44 No Rio de Janeiro, as incumbências de Murgel junto ao Ministério da Agricultura o levariam a desenvolver o conceito de arquitetura rural, o qual foi aplicado em vários de seus projetos. As propostas buscavam uma adaptação às circunstâncias locais, tendo em vista as imposições da natureza, pelo uso de tecnologias e materiais disponíveis na região. Os planos para a Universidade Rural e para as sedes dos Parques Nacionais se enquadravam neste conceito, como implantações de núcleos urbanizados em áreas rurais. Para a Universidade Rural, ele definiu uma inserção monumental para os blocos da reitoria e das faculdades na área do campus. Estes blocos foram compostos numa linguagem neocolonial de proporções colossais, tendo em vista a escala monumental e alturas desmedidas para os seus componentes. No agenciamento geral do conjunto, atravessado pela rodovia, os blocos institucionais foram dispersos de maneira simétrica definindo uma implantação geométrica para a universidade. Já as instalações de apoio e o setor residencial, foram dispostos segundo um desenho adaptado à topografia com intensa arborização, interrompendo esta simetria. Para este setor residencial, mais uma vez, a opção pelo traçado de bairro-jardim. Ainda foram projetados equipamentos como escola, clube esportivo e praças para atender aos funcionários e aos trabalhadores. As vias foram pavimentadas e tratadas com ajardinamentos, tendo sido providenciados outros serviços de infra-estrutura, como o abastecimento de água e a captação de esgotos. MURGEL, Angelo A.. A expansão suburbana de Bello Horizonte e os problemas que della decorrem: a necessidade da creação de uma commissão de urbanismo, na Prefeitura da Capital. ESTADO DE MINAS, recorte do acervo pessoal do autor, sem data, entrevista concedida por Murgel ao jornal. 44 Para os Parques Nacionais, Murgel aplicaria o conceito de arquitetura rural com maior rigor, como já ressaltamos, buscando um sistema anti-urbano para a composição destes conjuntos. O que importava era o predomínio da natureza em relação ao edificado. Assim foram pensados os parques nacionais do Itatiaia, do Iguaçu e da Serra dos Órgãos. A experiência norte-americana na implantação de parques já era do conhecimento de Murgel, que ressaltava o pioneirismo e a amplitude daquelas realizações. Os parques norte-americanos, que lhe serviram como referenciais, foram definidos por meio de planos gerais, estes denominados ‘master plans’ , elaborados por equipes multidisciplinares. No caso brasileiro Murgel, coordenaria os trabalhos integrando comissões técnicas o que considerava mais adequado, em vista da escala dos problemas a enfrentar. O programa para os parques envolveu museus, centros de visitantes, núcleos de pesquisa, residências de técnicos e diretores, bem como abrigos e alojamentos, além de moradias para trabalhadores. Estes componentes foram projetados numa perspectiva de racionalidade e funcionalidade aproveitando materiais locais com o sentido de rusticidade. Os blocos edificados foram dispersos pelas áreas destes parques tirando partido de uma linguagem neocolonial interligados por um sistema viário adaptado às imposições da topografia e ambiente natural. Nestes projetos para a Universidade Rural e para os os parques nacionais configurados por meio de planos de conjunto, ele deixou de lado os princípios e idéias defendidas ao longo da sua atuação, em particular os argumentos voltados para a introdução de uma arquitetura moderna. Constatamos nestes projetos a intenção deste arquiteto em desenvolver uma linguagem própria aplicada aos sistemas urbanos, que se adaptava à finalidade específica de cada situação enfrentada, com as implicações políticas que estas propostas representavam. A importância da contribuição de Murgel para as idéias do urbanismo é inegável. A formação em arquitetura, em especial aquela referente ao ensino da ENBA, constitui um elemento essencial para entendermos a trajetória deste profissional. Decorre daí a ênfase nas questões estéticas evidenciadas pelo emprego de determinadas linguagens e pelo uso de materiais e tecnologias segundo as regras da composição. Neste sentido, o urbanismo moderno preconizado por ele se colocava como uma questão relacionada com as grandes composições arquitetônicas. De início, aderiu aos princípios difundidos pelo Movimento Moderno na sua vertente germânica, em particular as idéias de racionalização e padronização de Walter Gropius. Ao mesmo tempo, não desprezava outros referenciais, como a visão de Frank Lloyd Wright, no sentido de uma arquitetura adaptada às especificidades locais. Neste sentido, sempre se mostrou contrário à uma arquitetura ou mesmo a um estilo internacionais. Atento ao ideário difundido pelos foruns de conhecimento, a adoção de princípios modernos configurou um processo marcado por contradições, em que as teorias não se evidenciavam plenamente nas suas propostas. A modernidade anunciada, no período em que manteve o seu escritório em Belo Horizonte, deu lugar à tradição, quando da sua transferência para o Rio de Janeiro. Assim constatamos pela racionalidade estampada nos projetos desenvolvidos nos anos 30 e pelo aspecto artesanal das propostas elaboradas nos anos 40. O conceito de arquitetura rural foi apropriado para as implantações de núcleos urbanos em áreas rurais. Verificamos que, neste intervalo, no tocante à arquitetura, as suas opções estilísticas trafegaram entre o art déco e o neocolonial. No leque de proposições, o projeto para Monlevade representou um momento de passagem mesclando o tradicional e o moderno, servindo também para que Murgel desenvolvesse com rigor técnico uma proposta urbanística. Se as idéias da arquitetura moderna o sensibilizaram, o mesmo 299 300 pode ser dito a respeito do ideário garden city para o arranjo das cidades. Este último, sempre presente nas suas elaborações, no tocante à dispersão das edificações em meio ao verde. Nos anos 50, Murgel aprofundaria os seus estudos relacionados com o conceito de arquitetura rural, discorrendo sobre a Casa Rural Brasileira, priorizando o enfoque sobre os sistemas construtivos tradicionais. As preocupações referentes à forma prevaleceram nos seus trabalhos, o que culminou na tese intitulada Análise do Belo, desenvolvida em 1962, que discorreu sobre questões estéticas, segundo olhares múltiplos, e em particular na visão filosófica sobre o “belo”. A contribuição de Murgel incide também na constituição de um campo profissional específico relativo à arquitetura e ao urbanismo, além de ter contribuído para a formação acadêmica de inúmeros profissionais. Os projetos e planos que elaborou são reveladores das possibilidades do diálogo entre a tradição e a modernidade na configuração dos ambientes urbanos. Ao mesmo tempo constatamos nos seus projetos as contradições inerentes à prática profissional pelo distanciamento do discurso em relação às práticas. Estas propostas, em sua maioria materializadas, extrapolaram o âmbito regional, pela sua importância no cenário nacional. Por fim, vale dizer, que a agenda de Murgel, também permanece em aberto, no diálogo entre o passado e o presente, a provocar reflexões nos dias de hoje. 5.3. A nova arquitetura e o urbanismo moderno de Lúcio Costa Lúcio Costa foi perseverante na busca de uma nova arquitetura para a renovação das cidades brasileiras. De um lado esta renovação se traduziria pela inserção de novos paradigmas nas composições arquitetônicas, de outro lado se colocava a recuperação de sistemas construtivos tradicionais brasileiros. Esta nova arquitetura integrava os domínios das belas artes, juntamente com a escultura e a pintura possibilitando a transformação dos ambientes urbanos. A transformação que se almejava era apoiada na tradição, mesmo que tirando partido das inovações tecnológicas da atualidade. Além disso simplicidade, clareza, elegância e economia, caracterizavam esta arquitetura, moderna por excelência, em contraposição aos esquemas adotados para a composição no âmbito acadêmico. Assim como Murgel, a ênfase nas questões relacionadas com a forma refletiam o ensino preconizado na ENBA. Costa dividiu a sua atividade profissional em várias fases, a partir do período eclético-acadêmico que marcou o início da sua atuação. A fracassada reforma da ENBA, o período de chômage que resultou nos projetos das Casas sem dono, o encontro definitivo com Le Corbusier no projeto para o edifício sede do MES, etc. Neste longo trajeto, o interesse de Costa ampliou-se de maneira progressiva das soluções de edificações isoladas para os conjuntos urbanos. Assim, constatamos que as suas preocupações no campo do urbanismo decorreram de um aprofundamento conceitual sobre a relação da arquitetura com a cidade. A arquitetura moderna para Costa significava uma intervenção qualificada plasticamente, como um componente fundamental para a obra de arquitetura. De acordo com Costa, as bases para esta arquitetura foram lançadas pelos Congressos de Arquitetura Moderna - CIAM´s, através dos quais Costa buscava os fundamentos para as propostas sobre as cidades. As idéias de Gropius e Mies van der Rohe também foram estudadas por Costa que, no entanto, ressaltava o papel essencial de Le Corbusier, considerado como um arquiteto de gênio, pela sua extraordinária capacidade e originalidade. Outra referência mencionada eram as experiências iniciais do construtivismo russo. De Le Corbusier o apelo para que as condições utilitárias não prevalecessem, ao contrário, para que fossem considerados os componentes plásticos e poéticos no trabalho do arquiteto. Além disso, o maior apego ao pensamento de Le 301 302 Corbusier se justificava pelo enfoque abrangente deste arquiteto que incluia a técnica, o social e a composição plástica. Estes referenciais serviram para que Costa ressaltasse o aspecto internacional da nova arquitetura. A aplicação deste ideário por Costa viria pelo restabelecimento do diálogo entre o novo e o antigo, com as inovações inseridas através da recuperação de componentes da tradição construtiva colonial brasileira. A ênfase na arquitetura vai ser progressivamente ampliada pela incorporação de idéias urbanísticas. O conceito de arquitetura cunhado por Costa refere-se a uma “...construção concebida com a intenção de ordenar e organizar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica e de um determinado programa.”45 Na verdade, tratava-se de um processo no qual também se inseriam os componentes artísticos, desde a concepção inicial até a conclusão da obra. E o que distinguiria esta obra das outras construções era exatamente a intenção plástica da composição. Mas esta composição não se traduzia como o que era experimentado de maneira conservadora no ambiente acadêmico. Neste sentido Costa ressaltava que “...aquilo que os senhores acadêmicos - iludidos na própria fé - pretendem conservar como a deusa em pessoa, não passa de uma sombra, um simulacro; nada tem a ver com o original do qual é apenas o arremedo em cera. Ela ainda possui aquilo que os senhores acadêmicos já perderam, e continua a sua eterna e comovente aventura. Mais tarde, enternecidos, os bons doutores passarão uma esponja no passado e aceitarão, como legítima herdeira, esta que já é uma garota bem esperta, de cara lavada e perna fina.”46 COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995, p.246. 46 COSTA, Lúcio, op. cit., p.111. 47 COSTA, Lúcio, idem, pp.246-247. 48 COSTA, Lúcio, idem, p.247. 45 Para um melhor entendimento do que representava as inovações proporcionadas pela arquitetura moderna, distinguia os conceitos de orgânico-funcional e de plástico-ideal. O primeiro tendo por pressuposto “...a satisfação das determinações de natureza funcional, desenvolvendo-se a obra como um organismo vivo onde a expressão arquitetônica do todo depende de um rigoroso processo de seleção plástica das partes que o constituem e do modo como são entrosadas.”47 O segundo no qual temos “...o estabelecimento de normas plásticas a priori, às quais se viriam ajustar, de modo sábio ou engenhoso, as necessidades funcionais (academismo), em todo caso, a intenção preconcebida de ordenar e organizar racionalmente as conveniências de natureza funcional, visando a obtenção de formas livres ou geométricas ideais, ou seja, plasticamente puras.”48 Estes conceitos antes desvinculados se fundiam na arquitetura moderna, através das novas técnicas construtivas, possibilitando o encontro da arte com a técnica. E isto seria alcançado através de uma revisão dos valores plásticos 303 tradicionais pelo emprego da “...ossatura independente. Tradicionalmente, as paredes, de cima abaixo do edifício cada vez mais espessas até se esparramarem solidamente ancoradas ao solo, desempenharam função capital: formavam a própria estrutura, o verdadeiro suporte de toda a fábrica. Um milagre veio, porém, libertá-las dessa carga secular. A revolução, imposta pela nova tecnologia, conferiu outra hierarquia aos elementos da construção, destituindo as paredes do pesado encargo que lhes fora sempre atribuído. A nova função que lhes foi confiada - de simples vedação - oferece, sem os mesmos riscos e preocupações, outras comodidades.”49 A independência da estrutura, que poderia ser em concreto armado ou metálica, liberando as paredes para vedação, constituía a chave para a nova arquitetura e, por extensão, para os novos arranjos para as cidades. As estruturas aparentes provocariam uma mudança significativa na fruição do espaço urbano, até então composto por estruturas carregadas por uma falsa historicidade materializada pelos adereços que ornamentavam as fachadas. Ao invés de uma fachada, principal todas as vistas das edificações receberiam o mesmo tratamento. A ênfase na técnica, no entanto, não deixava de considerar determinados aspectos de composição, assim, “...a nova arquitetura não se pretende furtar - como levianamente se insinua - às imposições da ‘simetria’, senão encará-la no verdadeiro e amplo sentido que os antigos lhe atribuíam: com medida - com metro - tanto significando o rebatimento primário em torno de um eixo, como o jogo de contrastes sabiamente valorizado em função de uma linha definida e harmônica de composição, sempre controlada pelos traçados reguladores, esquecidos dos acadêmicos e tão do agrado dos velhos mestres.”50 A aplicação destes princípios serviria para os programas mais variados, desde habitações, passando por grandes equipamentos, até mesmo fábricas. Outro componente essencial para este processo estava relacionado com a ausência de ornamentação, como uma consequência lógica do emprego das novas técnicas. Assim Costa destacava que “...o ‘enfeite’ é, de certo modo, um vestígio bárbaro - nada tem a ver com a verdadeira arte, que tanto se pode servir dele como ignorá-lo. A produção industrial tem qualidades próprias: a pureza das formas, a nitidez dos contornos, a perfeição do acabamento.”51 Nas intervenções urbanísticas, Costa incluia o tratamento dos espaços verdes como um complemento natural da composição arquitetônica. Assim, a concepção moderna de urbanismo se estenderia da cidade aos subúrbios englobando também o meio rural, caracterizada pela abolição do “pitoresco” e pela incorporação do bucólico ao monumental. A presença do monumental não se limitava a determinados setores COSTA, Lúcio, idem, p.112. COSTA, Lúcio, idem, p.114. 51 COSTA, Lúcio, idem, p.115. 49 50 304 como centros cívicos ou de administração, mas abrangeria toda a estrutura urbana. Esta incorporação incluiria equipamentos como barragens, usinas, estabelecimentos industriais, estações, pontes, autoestradas, etc., além de hangares, silos e outros conjuntos industriais, sendo que estes últimos seriam dotados de centros de cultura e lazer para as populações rurais.52 Ao estabelecer os postulados para a renovação da arquitetura Lúcio Costa deixava clara a metodologia para a abordagem dos problemas urbanos. Para a Gamboa, associado a Warchavchik, como abordamos, Costa desenvolveu a primeira proposta envolvendo um conjunto edificado. Até então, os projetos elaborados por Costa se traduziam em residências unifamiliares isoladas. O projeto para os apartamentos proletários, inserido em um quarteirão na Gamboa, buscava atender a um programa de habitações econômicas sem desqualificar a moradia operária. Os apartamentos projetados apresentavam uma disposição funcional, com iluminação adequada numa configuração de planta mínima que incluía a previsão de banheiras nas instalações sanitárias. Costa evitou a definição de circulação do tipo corredor, com o compartimentos em comunicação direta, o acesso frontal por meio de um balcão-varanda na parte frontal e área de serviço nos fundos. A linguagem racional do conjunto assentada em linhas retas, atenuadas pelo passadiço curvilíneo, estava de acordo com as soluções já desenvolvidas por Warchavchik em São Paulo. Entretanto, o partido adotado também resultava da pesquisa desenvolvida por Costa, já aplicada nos seus projetos de residências, visando a renovação da arquitetura e da cidade. Tanto Warchavchik quanto Costa vislumbravam uma arquitetura moderna que transformasse o panorama das cidades, cujas referências nos conduziam aos protagonistas do movimento moderno representados por Le Corbusier, Gropius, Mies van der Rohe, já citados. COSTA, Lúcio. idem, p.257. O texto a que se refere esta nota foi escrito nos anos 40, publicado inicialmente, em 1952, nos ´Cadernos de Cultura´do Ministério da Educação. Posteriormente, nos anos 60, foi publicado na revista Architecture d´Aujourd´hui, ver: COSTA LÚCIO. Imprévu et importance de la contribution des architectes brésiliens au développement actuel de l’architecture contemporaine. Architecture d’Aujourd’hui: Brésil, vol.8, nº46, julho de 1964. 53 COSTA, Maria Elisa. Entrevista realizada em 30 de abril de 2002, no Leblon, de frente para o mar... 52 Já em 1934, na disputa proporcionada pelo concurso para Monlevade, Lúcio Costa se deu conta de que o processo voltado para uma linguagem moderna era irreversível. O programa para o novo conjunto operário serviria para que Costa pudesse experimentar algumas inovações, no difícil período que atravessava, classificado por ele como de chômage. A recusa do projeto pela comissão julgadora certamente causou uma enorme decepção em Costa, “…e depois em 1934, você pensando bem, ele tinha acabado de sair da escola, não tinha o Ministério da Educação, não tinha nada disso, quer dizer, era a época da recusa, das pessoas não quererem fazer projeto”53. Apesar de ter enviado desenhos e memorial com explicações minuciosas, como analisamos, Costa desconsiderou vários pontos colocados pelo edital. Costa não apresentou estimativa de custos para o conjunto projetado, além de não ter seguido os modelos de habitação oferecidos pela Belgo-Mineira. Em Monlevade a implantação urbanística priorizava os detalhes de conjunto, com particular atenção para os partidos arquitetônicos das edificações e equipamentos públicos. Neste sentido, os componentes relacionados com o parcelamento, como o sistema viário e também a dotação de infraestruturas urbanas não foram abordados por Costa. Dentre os referenciais empregados identificamos, por um lado, a concepção de cidade jardim presente no ideário garden city, no viés norte-americano, e, por outro lado, a presença do ideário corbusieriano, pelo uso do “piloti” como elemento estruturador da proposta. Assim deduzimos pelas citações feitas no memorial, tanto a autores como Roy Nash, John Nolen e Frederick Law Olmsted, quanto a Le Corbusier, cujas idéias foram reintroduzidas por Costa no novo conjunto. As referências aos primeiros compareciam, na verdade, para dar uma maior sustentação conceitual ao projeto, enquanto o método de Le Corbusier foi aplicado na concepção geral e nas soluções particulares referentes ao edificado. O conceito de cidade se revelava pela dispersão das moradias e dos equipamentos públicos pelo verde, como já dito, buscando uma adequação do construído em relação ao sítio de implantação. Ao mesmo tempo, a solução desenvolvida para o conjunto evidenciava a busca de uma linguagem assentada na tradição construtiva brasileira. Assim, as inovações propostas, em termos de ideários, se entrelaçavam no passado,”...nesse projeto ele tem a singeleza, que ele aprendeu em Diamantina; esse resgate de tecnologias tradicionais com uma idéia que muitos anos depois lançaram como se fosse novidade, mas que não era. Ele propôs primeiro a coisa do pilotis, você usar o chão protegido da chuva como quintal coberto, de certa maneira, e acima da laje você usar o pau a pique. Assim, dá uma caprichada, bota madeira aparelhada e usa a tecnologia do pau-a-pique, que é uma coisa tradicional que permaneceu e permanece até hoje no interior do Brasil. Em qualquer lugar que você vai o pau-a-pique está lá firme e forte; e aí a outra coisa que eu percebo também é que esse projeto talvez tenha sido, isso eu não posso afirmar porque eu não tenho informação bastante, mas me parece que foi o primeiro projeto brasileiro que deliberadamente incorporou certos ingredientes da tradição colonial, sobretudo mineira, deliberadamente. Ele fala no texto, ele cita a gelosia e não sei o que mais... Ele usou todo o know how, que ele tinha de observador e de conhecedor da coisa tradicional, para ver o que que tinha ali e que era válido; sabe não é o inglês, não é o chantily, é o leite, você entende? É uma outra maneira de ver, 305 306 que ele guardou a vida inteira, em todos os projetos sempre tem…”54 O projeto para a Cidade Universitária, especificamente a versão desenvolvida pelos brasileiros, tendo à frente Lúcio Costa, dava continuidade à assimilação do ideário corbusieriano, em termos de propostas urbanísticas. A solução desenvolvida se colocava como uma alternativa ao que foi proposto conjuntamente com Le Corbusier, tendo sido adotados os mesmos princípios conceituais. Todos os condicionantes do projeto foram repassados por Costa, tendo em vista a maior adequação possível dos componentes da Cidade Universitária à área destinada à implantação do conjunto. Mesmo empregando sistemas inovadores como o uso de pilotis e extensos panos de vidro, estes dialogavam com o tradicional que se colocava pelo uso de pátios, varandas para circulação de massas, touceiras de bambús para evitar ruídos e vegetação apropriada, buscando “…um caráter local inconfundível, cuja simplicidade, derramada e despretenciosa, muito deve aos bons princípios das velhas construções que nos são familiares.”55 O conjunto universitário se colocava como uma cidade-verde, com os prédios dispostos numa composição racional, ao longo de um eixo monumental. Apenas os blocos residenciais escapavam a esta racionalidade, dispostos em via sinuosa, na encosta do Morro do Telégrafo. Esta disposição para a zona residencial vai ser retomada por Costa na proposta para o Parque Guinle, que também se vinculava a esta idéia de cidade-verde que remonta às idéias de Le Corbusier. De acordo com Costa, a linguagem adotada para o Parque Guinle visava uma adequação maior ao parque, de maneira que “…os prédios alongados, de seis andares, fossem soltos do chão e dispusessem de ‘loggias’ em toda a extensão das fachadas, com vários tipos de quebra-sol, já que davam para o poente.”56 Aqui também, mesmo com as inovações, Costa dialogava com o passado, seja no agenciamento proposto para os apartamentos, seja na sua materialidade estampada pelos painéis de elementos vazados, que ressoavam os muxarabis de Diamantina, além do uso de cores. Conforme Bruand, “…os prédios do Parque Guinle, concebidos na mesma escala do contexto a que deviam adaptar-se, preenchem admiravelmente sua função, tanto no plano urbanístico, quanto no puramente arquitetônico.”57 COSTA, Maria Elisa, op. cit.. COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência, op. cit., p.186. 56 COSTA, Lúcio, idem, p.205. 57 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981, p.137. 54 55 Desde as citações feitas à linhagem norte-americana do ideário garden city, como vimos em Monlevade, conjugadas com os princípios de Le Corbusier, o que estava em jogo era a inserção adequada de um programa, em função dos condicionantes estudados. Costa procurava tirar partido da paisagem natural na resolução dos problemas arquitetônicos e urbanísticos. É o que nos informam os seus estudos de implantação e as soluções definidas para os seus projetos. Os seus memoriais 307 explicativos abordavam questões gerais para justificar as suas soluções, sem deixar de lado detalhes específicos e até mesmo o arranjo do mobiliário. Tudo se destacava pela clara intenção didática, particularmente nas propostas para Monlevade e para a Cidade Universitária. O pitoresco que nos remete ao ideário garden city, esboçado em Monlevade vai se transformar progressivamente no bucólico-monumental, mais de acordo com a cidade-parque ou cidade-verde de Le Corbusier, como evidenciado nos projetos para a Cidade Universitária e para o Parque Guinle. Nestes projetos Lúcio Costa desenvolveu uma visão urbanística pessoal, a partir de ideários distintos, mesmo com os vínculos relacionados com o pensamento de Le Corbusier. Segundo Bruand, Costa elaborou uma versão nova e personalizada em relação à escola racionalista, aplicada à realidade brasileira. Os projetos desenvolvidos para Monlevade, para a Cidade Universitária e para o Parque Guinle anunciavam o que viria, de maneira apoteótica, em Brasília, “…exatamente, são os três, que eu me lembre. E o que eu acho curioso é que Monlevade foi aquela coisa inicial, bem incipiente e, se você pensar bem, a pessoa ao longo da vida vai guardando uma espécie de disco rígido das coisas, as suas referências… Assim, o eixo monumental de Brasília começou a nascer no projeto da Cidade Universitária. Você tem o eixo, você tem a tônica na entrada que seria em Brasília a Praça dos Três Poderes, você tem lá no fundo o hospital, que seria a torre de televisão e as aulas que são análogas, são iguais… perpendiculares ao eixo, quer dizer, como os ministérios, ou seja, o mesmo partido de implantação. Eu comentei isso com ele e ele assumiu. E o Parque Guinle obviamente é o pai das superquadras, isso é óbvio, é tão na cara que não precisa nem dizer. Mas é curioso isso e eu acho que tudo veio a partir de Monlevade. Veja bem, o tratamento paisagístico faz parte do projeto, em Monlevade, no Parque Guinle e na Cidade Universitária. Você vê as palmeiras não sei das quantas, e em Brasília sem dúvida, em Brasília a diretriz paisagística é a do Plano Piloto, quer dizer, ele usou árvore para cercar as quadras como instrumento para você estabelecer uma relação entre a escala monumental e a escala residencial. Ele deixou aquele gramado vazio porque quis, é uma afirmação, são coisas assim que não vêm depois (…)”58 58 COSTA, Maria Elisa, op. cit.. 308 CONCLUSÕES O percurso definido para esta tese proporcionou o enfoque de determinados episódios que ocorreram no Brasil, entre os anos 30 e 40, relacionados com a transposição e a apropriação de ideários urbanísticos por parte de engenheiros e arquitetos. Aproximações sucessivas nos conduziram aos fatos e aos protagonistas das idéias relacionadas com as cidades, especialistas nas questões relacionadas com a arquitetura e o urbanismo. A ênfase inicial no concurso para Monlevade desdobrou-se na compreensão das trajetórias acadêmicas e profissionais de Lincoln Continentino, Ângelo Murgel e Lúcio Costa. A recuperação das trajetórias destes urbanistas, assim como o entendimento do processo configurado pelo concurso, constituem as principais contribuições desta tese. As possibilidades de atuação profissional dos arquitetos e dos engenheiros, neste período, revelam uma disputa que, de um lado consolidava o papel de destaque dos engenheiros, nas intervenções sobre as cidades, e, por outro lado, anunciava o novo papel que caberia aos arquitetos na renovação destas. Verificamos como a formação diferenciada destes técnicos interferiu no seu enfoque sobre os problemas urbanos, que nos informam sobre a maneira de ver, pensar e intervir sobre as cidades. Percebemos uma visão mais realista, por parte dos engenheiros, e mais ampla. A começar pela preconização de um trabalho multidisplinar, o que não se traduzia apenas em discurso, com experiências concretas neste sentido. Outro ponto refere-se à preocupação com a gestão das cidades, tendo em vista a discussão de problemas relativos à administração municipal. Assim, se coloca o percurso desenvolvido pelo engenheiro Lincoln Continentino, no contato direto com engenheiros atuantes, com preocupações urbanísticas evidentes, acrescido do curso de especialização em Harvard, nos Estados Unidos, que permitiu estudos sobre outras realidades. No caso dos arquitetos, as preocupações destes profissionais se prendiam muito às questões formais, relacionadas com as regras de composição. Murgel e Costa enfatizavam estas questões, ressaltando que o Clássico deveria servir como exemplo. E isto valia tanto para o edifício isolado, quanto para os conjuntos urbanos. O urbanismo era considerado como uma especialização da arquitetura. Por esta via, a renovação das cidades, era decorrente muito mais da aplicação de princípios arquitetônicos e tecnologias construtivas, do que das teorias urbanísticas em pauta. 309 310 As soluções para questões relacionadas à dinâmica da vida nas cidades, como a moradia, o controle urbanístico, etc. se desenvolveram como modelos largamente difundidos e aperfeiçoados. O desdobramento destes modelos, definidos através de experiências diferenciadas, resultou numa maior especialização profissional e no aperfeiçoamento progressivo das técnicas de intervenção sobre as cidades. Como referenciais teóricos, oriundos de realizações e idealizações, nos principais centros urbanos europeus e nas cidades novas norte-americanas, foram apropriados pelos técnicos e transpostos para a realidade brasileira. Constatamos a reintrodução de princípios vinculados ao ideário garden city, na atuação destes profissionais, e, da parte dos arquitetos, a assimilação das idéias do Movimento Moderno difundidas pelos CIAM´s. Percebemos, no entanto, que as apropriações se apoiavam em múltiplos referenciais, adaptados a cada situação particular. Mesmo no tocante a estas duas principais vertentes de pensamento, as referências eram amplas. Os aportes conceituais incluiam indicações do urbanismo norte-americano, à concepção de Howard, bem como aos pontos defendidos por Le Corbusier, às idéias de Frank Lloyd Wright, ao pensamento de Walter Gropius e Mies van der Rohe, dentre outros. Constatamos, com isso, as dificuldades de relacionar a atuação destes urbanistas aos ideários, pelos vários modelos que sustentavam as propostas para as cidades. Assim, o amálgama de referências empregado pelos profissionais aqui estudados se mostra revelador dos matizes diferenciados de pensamentos e práticas que sustentavam as intervenções sobre as cidades brasileiras. Esta fusão de paradigmas nos faz pensar na associação das vertentes de urbanismo às formações dos técnicos, no caso de Continentino relacionado com a linhagem dos engenheiros sanitaristas e, no caso de Murgel e Costa, intimamente ligados ao Movimento Moderno. Sobre o concurso para Monlevade, este se coloca com distinção em relação aos exemplos de realizações de cidades novas no Brasil, particularmente no que se refere aos casos de cidades empresariais. O processo desencadeado para a construção deste núcleo urbano possibilitou o embate de visões diferenciadas, antecipando discussões que ocorreriam nas décadas seguintes, em particular no que se refere às atribuições dos engenheiros e dos arquitetos relativas ao campo do urbanismo. Como verificamos, o concurso foi pioneiro, tanto no tocante à escala de intervenção, quanto realização, por parte de uma empresa privada. Tradição e modernidade se inserem com as propostas desenvolvidas pelos técnicos, possibilitando uma aproximação sobre os ideários de urbanismo em jogo na concepção de uma cidade nova. Vale ressaltar que a grande maioria dos estudos que se referiram ao concurso não destacou estes aspectos, tendo em vista a ênfase nos componentes da solução programática desenvolvida por Lúcio Costa. O concurso se mostrou importante, também, nas trajetórias de Continentino, Murgel e Costa, como um ensaio de soluções urbanísticas. Ao longo da carreira destes profissionais os temas, ali presentes, foram aprofundados por estes técnicos. Vale dizer que a disputa envolvendo os mesmos condicionantes gerou propostas que guardavam uma certa semelhança. Assim, temos a adequação do sistema viário ao sítio de implantação, presente nas três propostas estudadas, bemo como a concepção de uma praça cívica agregando os principais equipamentos comunitários. Percebemos também um maior apuro técnico, por parte de Continentino, no enfrentamento das questões, como a previsão de grandes equipamentos compostos por aeroporto e hospital, dentre outros. Já a solução projetual de Costa buscando um diálogo com os sistemas tradicionais de construção no Brasil, teve uma inserção do conjunto na paisagem que se distinguia em relação às soluções de Continentino e Murgel pela sua flexibilidade e inovações propostas. Os problemas enfocados por estes profissionais, a partir do programa definido pela companhia, não se limitavam ao cumprimento das exigências do edital, chegando ao ponto de contrariar estas exigências. Enquanto Costa chegava a tecer detalhes a respeito do sistema construtivo das moradias, Continentino e Murgel enfatizavam as soluções de infra-estrutura, como a previsão do tratamento dos esgotos antes do seu despejo no rio Piracicaba. Nestas propostas, a escala dos problemas considerada pelos técnicos, tem o perfil de uma “cidade nova”, apesar da denominação dada por Costa em termos de uma vila operária. Os novos conceitos de morar revelam-se, assim, em escalas diferenciadas, num plano mais global, no caso das propostas desenvolvidas por Continentino e Murgel, e com um enfoque mais detalhado, no âmbito das edificações propriamente, no caso de Costa. Em sua proposta, sobressai o emprego de pilotis, de uma maneira deliberada, liberando circulações, seja nas moradias, seja nos equipamentos comunitários, como o clube, além de possibilitar maior adequação ao terreno, de acordo com as idéias de Le Corbusier. Este componente se mostraria essencial para a renovação proposta por Lúcio Costa para as cidades, também como uma recuperação dos sistemas construtivos tradicionais brasileiros. Vale ressaltar que, mesmo com a segregação que caracterizou a implantação de núcleos industriais no Brasil, este aspecto parece ter sido desconsiderado pelos técnicos. Os equipamentos e os tipos de moradias propostos vislumbravam um 311 312 convívio social sem a divisão de classes. Assim, este convívio idealizado não se conjugava com a hierarquia funcional definida nos exemplos visando a dotação de moradias para os operários, particularmente em relação às iniciativas da Belgo-Mineira, como uma repetição do ambiente fabril dividido entre técnicos, especialistas e operários. Isso foi constatado no estudo dos antecedentes da companhia em relação a Monlevade, no Luxemburgo e em Sabará/MG. Para a Belgo-Mineira o concurso constituiu um meio de difusão e respaldo, junto ao governo, para a ampliação das suas atividades com a usina de Monlevade. Mais do que isso, o convite feito a especialistas teve o sentido de garantir a qualidade das soluções técnicas que seriam implementadas, bem como um maior respaldo junto ao meio profissional para esta realização. Entretanto, destacamos o descaso da BelgoMineira com relação à documentação do concurso, o que tem sido revisto na atualidade com a criação do projeto Memória Belgo. Constatamos, na pesquisa aos acervos da companhia, a ausência de referências ao concurso, no período da sua realização, assim como não localizamos as pranchas apresentadas pelos concorrentes. Para além da experiência de Monlevade, percebemos também que a reintrodução das teorias que circulavam, por parte destes profissionais, foi bastante distinta. Cada qual empregou os conceitos de uma maneira particular, com o mesmo intuito da construção de uma cidade moderna. Este nos parece ser o fio que faz a ligação entre o que se pensou e o que foi materializado por estes urbanistas. Mesmo com formações diferenciadas, com visões e metodologias distintas, o ideal de uma cidade moderna era o que motivava a busca de soluções para os problemas urbanos. Entretanto, a concepção de cidade moderna não era a mesma, tendo em vista os princípios adotados por cada urbanista, estes desdobrados em escalas urbanas diferenciadas. Assim, Continentino considerava os problemas de urbanismo no mesmo patamar que as questões de saneamento, tendo, algumas vezes, colocado estas em primeiro plano. O emprego correto da técnica sanitária era a chave para se alcançar os próprios símbolos do urbanismo representados pelo ar, sol e vegetação. Murgel, apesar de ter demonstrado preocupações com o aspecto sanitário, enfatizava os problemas estéticos para as grandes composições arquitetônicas. Estes possibilitariam novos arranjos para as cidades. Já Lúcio Costa, além de ressaltar a importância dos aspectos estéticos, como Murgel, destacava a necessidade da transformação do pitoresco, atrelado ao urbanismo das cidades-jardim, no bucólico-monumental, ou seja, na cidade verde Corbusieriana. Ainda destacamos o interesse na fundamentação das propostas, por meio de conceitos, no campo do urbanismo, por parte de Continentino, e na busca de uma arquitetura moderna, por parte de Murgel e Costa. Com relação às trajetórias profissionais nos parece relevante a inserção da atuação de Murgel e a ampliação do conhecimento sobre Continentino e Costa, no quadro da historiografia do urbanismo no Brasil. A vasta produção intelectual destes técnicos e os projetos destacados da sua atuação comprovam esta observação. Em Monlevade estas trajetórias se interceptaram numa disputa, na qual sobressaiu o trabalho de Continentino. Além deste confronto no concurso para Monlevade, outros pontos coincidentes na atuação destes profissionais se caracterizaram pelo envolvimento no meio acadêmico, pela participação nos fóruns de discussão e pela atuação junto ao poder público. Analisando-se os projetos destacados da produção destes urbanistas, percebemos que as soluções desenvolvidas não se esgotavam nos projetos apresentados, ao contrário, eram aperfeiçoadas e reinterpretadas a cada nova situação. Como vimos, vertentes distintas de urbanismo interpõem-se nas formulações para as cidades brasileiras no período compreendido pelos anos 30 e 40. As diferentes representações para a cidade moderna guardavam pontos comuns, tendo por pressuposto as tentativas da sua ordenação por meio de um plano urbanístico. A adaptação do traçado ao sítio se colocava como um pressuposto comum, resolvido por meio de técnicas urbanísticas diversas. Do mesmo modo, os princípios do urbanismo citados anteriormente, centrados na luz, na aeração e no verde eram componentes essenciais. Nestas representações sobressaem apelos a determinados princípios relacionados ao ideário garden city, reinterpretados para contextos específicos, em confronto com o ideário ville radieuse, na acepção de Le Corbusier. A primeira delas priorizada pelos engenheiros nas suas propostas, mas empregada também pelos arquitetos. A segunda, atrelada ao ideário do Movimento Moderno, defendida de maneira enfática por uma corrente dos arquitetos, à qual Costa vai aderir e ditar as suas regras. Constatamos também que a circulação de idéias ocorreu por meio de múltiplos mecanismos, desde debates em congressos, passando pela leitura de periódicos e livros, até mesmo o contato direto com urbanistas estrangeiros. Nestas formas de assimilação os técnicosurbanistas se apropriavam de teorias para reintroduzi-las no cenário brasileiro. Muito mais pode ser dito. Apresentamos as principais conclusões que se somam ao que já foi discutido no encaminhamento dos capítulos, com o intuito de demonstrar as hipóteses lançadas inicialmente. As trajetórias destes profissionais nos servem como um valioso exemplo. A recorrência à história foi determinante nesta tese, o que permitiu apreender as especificidades inerentes aos processos. 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Entrevista realizada em 25 de novembro de 2002, em São Paulo. 341 342 Acervos pesquisados Belo Horizonte Arquivo Público Mineiro (APM) Rua dos Aimorés, 1450 Bairro de Lourdes Belo Horizonte / MG Cep 30.140-071 Biblioteca da Escola de Engenharia da UFMG Endereço: Rua dos Guaicurús, 175 Centro Belo Horizonte / MG Cep 30.160-010 Biblioteca da Associação dos Ex-Alunos e Professores da Escola de Engenharia da UFMG Endereço: Rua Espírito Santo, 35 Centro Belo Horizonte / MG Cep 30.160-010 Biblioteca da Escola de Arquitetura da UFMG Endereço: Rua Paraíba, 697 Bairro dos Funcionários Belo Horizonte / MG Cep 30.130-140 Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa Endereço: Praça da Liberdade, 21 Bairro dos Funcionários Belo Horizonte / MG Cep 30.140-010 Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) Endereço: Rua Itambé, 227 Bairro Floresta Cep 30.150-150 343 344 João Monlevade Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira Usina de Monlevade Avenida Getúlio Vargas, 100 João Monlevade / M.G. Cep. 35930-395 Rio de Janeiro Biblioteca Nacional – Ministério da Educação e Cultura Avenida Rio Branco, 219 – Térreo Rio de Janeiro / R.J. Cep. 20040-008 Biblioteca do Parque Nacional de Itatiaia Parque Nacional de Itatiaia, Caixa Postal 83657 Itatiaia / R.J. Cep 27580-970 Universidade Rural do Rio de Janeiro Km 7 da Rodovia BR 465 (Km 47 da Antiga Estrada Rio-São Paulo) Seropédica/ R.J. Cep 23890-000 Sabará/MG Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira Usina de Siderúrgica Arquivo Geral Inativo (AGI) Rua da Ponte, 12 Sabará / M.G. Cep. 30000-000 São Paulo/SP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP Rua Maranhão, 88 - Higienópolis São Paulo / S.P. Cep. 01240-000 Rua do Lago, 876 – Cidade Universitária São Paulo / S.P. Cep. 05508-900 Biblioteca Mário de Andrade Rua da Consolação, 94 São Paulo / S.P. Cep. 01302-000 345 346 ANEXOS 347 348 Anexo 1: Lista de Ilustrações CAPÍTULO 1 . Entre o ideal e o real: um recuo pelas teorias e práticas sobre as cidades Figura 1: Proposta para comunidade ideal por Owen, exposta em 1817...............................................38 Figura 2: Plano do Falanstério de Fourier................................................................................................39 Figura 3: Esquema representando a implantação geral do Familistério de Guise, por Godin.................40 Figura 4: Vista geral do Familistério de Guise, por Godin. O complexo fabril composto pelos galpões industriais, o familistério e as construções em anexo para escola e teatro................................................40 Figura 5: O projeto de John Nash, com a colaboração de Humphry Repton, para o Regent’s Park, cuja construção foi iniciada em 1812.................................................................................................................... 43 Figura 6: Vista da cidade ideal de Chaux, por Ledoux, em 1804.............................................................44 Figura 7: Plano da cidade-operária de Saltaire, em 1850....................................................................... 48 Figura 8: Plano original de Akroidon, entre 1861-63............................................................................... 48 Figura 9: Plano da cidade-operária de Port Sunlight, em 1887.............................................................. 49 Figura 10: Plano da cidade-operária de Bournville, em 1897................................................................. 50 Figura 11: Plano de Kronenberg..............................................................................................................51 Figura 12: Plano da cidade-operária de Menier, em Noisiel sur Marne, em 1864...................................51 Figura 13: Plano da cidade-operária de Pullman, em 1880.....................................................................53 Figura 14: Diagrama do modelo garden city, proposto por Ebenezer Howard, em 1898....................... 55 Figura 15: Plano da cidade-jardim de Letchworth, em 1904................................................................... 56 Figura 16: Plano da cidade-jardim de Welwyn, em 1920.........................................................................56 Figura 17: Esquema da Cidade Industrial de Tony Garnier, em 1904......................................................57 Figura 18: Perspectiva dos blocos residenciais da Cidade Industrial de Tony Garnier, em 1904............57 Figura 19: Plano da cidade para três milhões de habitantes, Une Ville Contemporaine, por Le Corbusier, em 1922....................................................................................................................................................58 Figura 20: Esquema do zoneamento proposto para a Ville Radieuse, por Le Corbusier, em 1930........60 Figura 21: Perspectiva dos blocos a redent da Ville Radieuse, por Le Corbusier, em 1930...................60 Figura 22: Esquema dos blocos a redent da Ville Radieuse, por Le Corbusier, em 1930.......................60 349 350 CAPÍTULO 2 . Cidades novas no Brasil: cidades empresariais em questão Figura 1: Edificações construídas no núcleo fabril de Paulista................................................................76 Figura 2: Edificações construídas no núcleo fabril de Rio Tinto. ...........................................................76 Figura 3: Implantação geral da Cidade dos Motores (Pilot Plan of Cidade dos Motores), pelo escritório Town Planning Associates, de Paul Lester Wiener e José Luis Serte. ..............................................................80 Figura 4: Perspectiva geral da Cidade dos Motores, pelo escritório Town Planning Associates, de Paul Lester Wiener e José Luis Serte. .............................................................................................................80 CAPÍTULO 3 . O Concurso Monlevade Figura 1: Região do estado de Minas Gerais onde se localizavam as terras pertencentes à C.S.B.M., englobando Andrade e Monlevade, próximas do município de Rio Piracicaba (no mapa a denominação ainda é Villa de Rio Piracicaba) em recorte de mapa referente à Bacia do Rio Doce........................................84 Figura 2: Região englobando o Luxemburgo, na Europa, na qual se situavam as iniciativas da ARBED em termos de conjuntos operários..................................................................................................................87 Figura 3: Conjunto de casas operárias construídas pela ARBED para a Cité Emile Mayrisch, em Schifflingen, em 1913....................................................................................................................................................88 Figura 4: Proposta vencedora do concurso “Brill-Siedlung”, pelo arquiteto Léon Muller, em 1919.......89 Figura 5: Conjunto de casas construídas, em 1921-26, a partir do concurso “Brill-Sidelung” ................90 Figura 6: Conjunto de casas operárias construídas pela ARBED e pela Société Métallurgique des Terres Rouges para a Colonie Weierwues, nos anos 20, em Esch/Alzette.................................................................90 Figura 7: Vista noturna do Casino da Usina de Siderúrgica, em Sabará/MG..........................................91 Figura 8: Projeto de conjunto operário contíguo à usina de Siderúrgica em Sabará/MG, de 1932.........92 Figura 9: Parte sul do conjunto operário contíguo à usina de Siderúrgica em Sabará/MG, de 1932......93 Figura 10: Planta parcial de Sabará com as diversas iniciativas habitacionais construídas pela Belgo-Mineira, datada de 11 de junho de 1960......................................................................................................94 Figura 10a:Implantação geral da Vila das Campinas (parcial).................................................................95 Figura 10b: Vista geral dos núcleos habitacionais e da Usina de Siderúrgica, em Sabará/MG.............96 Figura 11: Perspectiva do terreno na proposta de Lincoln Continentino e João Penna Filho................105 Figura 12: Perfis do sistema viário proposto por Lincoln Continentino e João Penna Filho..................106 Figura 13: Implantação geral na proposta de Lincoln Continentino e João Penna Filho.......................107 Figura 13a: Recorte ampliado da implantação geral na proposta de Lincoln Continentino e João Penna Filho............................................................................................................................................................107 Figura14: Perspectiva geral na proposta de Lincoln Continentino e João Penna Filho.........................108 Figura 15: Projeto da Casa tipo “A” proposto por Lincoln Continentino e João Penna Fil ho................110 Figura 16: Projeto da escola proposto por Lincoln Continentino e João Penna Filho............................112 Figura 17: Implantação geral proposta por Angelo Murgel.....................................................................116 Figura 18: Perfil das ruas propostas por Angelo Murgel, comparado com o arruamento tradicional.....117 Figura 19: Perspectiva da proposta de Angelo Murgel com os planos diferenciados de vias...............118 Figura 20: Perspectiva e planta da proposta de Angelo Murgel para casas de famílias pequenas.......121 Figura 21: Perspectiva e planta da proposta de Angelo Murgel para casas de famílias médias...........122 Figura 22: Perspectiva e planta da proposta de Angelo Murgel, variante de projeto para casas de famílias grandes e médias....................................................................................................................................123 Figura 23: Planta baixa e cortes do edifício central proposto por Angelo Murgel..................................124 Figura 23a: Planta do andar superior do edifício central proposto por Angelo Murgel..........................125 Figura 24: Proposta para a igreja por Angelo Murgel...........................................................................126 Figura 25: Perspectiva do térreo com os pilotis, no projeto apresentado por Lúcio Costa....................130 Figura 26: Perspectiva geral do projeto apresentado por Lúcio Costa...................................................132 Figura 27: Agenciamento em planta, das casas-tipo apresentado por Lúcio Costa..............................133 Figura 28: Perspectivas e fachadas das casas-tipo apresentadas por Lúcio Costa.............................134 Figura 29: Projeto para o Armazém apresentado por Lúcio Costa, perspectivas.................................137 Figura 30: Projeto para o Armazém apresentado por Lúcio Costa, plantas, corte e fachada................138 Figura 31: Projeto para o Cinema apresentado por Lúcio Costa, perspectivas.....................................139 Figura 32: Projeto para o Cinema apresentado por Lúcio Costa, plantas, cortes e fachada.................140 Figura 33: Projeto para o Clube apresentado por Lúcio Costa, perspectivas........................................142 Figura 34: Projeto para o Clube apresentado por Lúcio Costa, plantas, corte, fachadas......................143 Figura 35: Projeto para a Escola apresentado por Lúcio Costa, perspectivas.......................................144 Figura 36: Projeto para a Escola apresentado por Lúcio Costa, plantas, corte e fachada....................145 Figura 37: Projeto para a Igreja apresentado por Lúcio Costa, perspectivas.........................................146 Figura 38: Projeto para a Igreja apresentado por Lúcio Costa, planta, cortes, fachada, interior...........147 Figura 39: Detalhes arquitetônicos das casas apresentados por Lúcio Costa......................................149 Figura 40: Projeto das Casas Loucher, por Le Corbusier, em Pessac, na França, em 1929................153 351 352 CAPÍTULO 4 . Idealizações e realizações na trajetória dos técnicos Figura 1: Anotações de estudos manuscritos de Continentino no curso de especialização em Harvard, Methods of controlling rate of filtration (S.M.Fair), march 16..........................................................................164 Figura 2: Capa da tese apresentada por Continentino, em 1940, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, intitulada Teoria da Filtração das Águas. Filtros lentos, tratamentos preliminares, tipos diversos de filtros lentos. Qualidade da areia, rendimento, orgãos acessórios e pormenores de construção....................................................................................................................................................165 Figura 3: Plano Geral do Leprosário de Ibiá/MG (Colônia São Francisco), por Lincoln Continentino, desenhado por José Cantagalli, com as modificações sobre o projeto original do arquiteto Aurélio Lopes....167 Figura 4: Fachada lateral da Uzina-Entreposto de Leite de Bello Horizonte, projeto desenvolvido por Lincoln Continentino para o governo do Estado, em 1932..................................................................................168 Figura 5: Carta ao prefeito Joaquim Rodrigues Silva, de 17 de agosto de 1944, solicitando o pagamento dos serviços prestados..................................................................................................................................171 Figura 6: Trecho da Carta de Romeu Duffles, datada de 16 de novembro de 1942, com referência à visita de Agache para opinar sobre o plano de Araxá......................................................................................172 Figura 7: Projeto do hospital do funcionário público para o concurso instituído em 1933 pelo Instituto Nacional de Previdência, por Lincoln Continentino e Aurélio Lopes...........................................................174 Figura 8: Localização do traçado do Bairro Cidade Jardim “Fazenda Velha”, por Lincoln Continentino, em 1937/38, em mapa de 1964....................................................................................................................175 Figura 9: Esquema do projeto da Cidade Universitária da UMG, de Eduardo V. Pederneiras analisado pela Comissão Técnica...................................................................................................................................176 Figura 10: Plano Geral de Pirapora........................................................................................................179 Figura 11: Plano Geral de Petrolina.......................................................................................................181 Figura 12: Plano Geral de Juazeiro........................................................................................................182 Figura 13: Plano Geral de Propriá..........................................................................................................183 Figura 14: Plano Geral de Penedo.........................................................................................................185 Figura 15: Plano de urbanismo para a Colônia Santa Isabel, por Lincoln Continentino, em 1931........188 Figura16: Portal de acesso da Colônia Santa Isabel, por Lincoln Continentino, em 1931....................189 Figura 17: Esquema da instalação frigorífica da Colônia Santa Isabel, por Lincoln Continentino, em 1931....... ................................................................................................................................................................190 Figura 18: Vista da Colônia Santa Isabel na década de 30...................................................................191 Figura 19: Aspecto da locação dos equipamentos na área destinada à Estância Hidro-Mineral..........193 Figura 20: Listagem anexada ao Plano Geral da Estância Hidro-Mineral do Barreiro do Araxá, com indi- cações de áreas de quarteirões e espaços verdes.................................................................................194 Figura 21: Plano de Urbanismo da Cidade de Belo Horizonte, 1940, escala 1:5.000. Constitui a primeira proposta global de revisão do plano elaborado para Belo Horizonte pela Comissão Construtora da Nova Capital............................................................................................................................................................199 Figura 22: Esboço manuscrito por Lincoln Continentino com a estruturação da proposta para o Plano de Urbanismo de Belo Horizonte.....................................................................................................................200 Figura 23: Plano de Urbanismo da Cidade de Belo Horizonte, 1940. Perspectiva mostrando-se o centro urbano, em particular o início das avenidas arteriais, na região central.....................................................202 Figura 24: Planta da área de intervenção para a retirada das vias férreas do centro urbano...............204 Figura 25: Estudo em perpectiva do edifício para os Correios Gerais e Telegrafos, na tese de grau máximo defendida por Angelo Murgel, em 1932, na ENBA................................................................................208 Figura 26: Perspectiva e plantas de projeto apresentado por Angelo Murgel, em artigo de jornal...........................................................................................................................................................210 Figura 27: Edifício do Cine Brasil, projetado por Angelo Murgel em 1932.............................................212 Figura 28: Perspectiva do projeto para o Hospital Imaculada Conceição, por Angelo Murgel, nos anos 30..... ................................................................................................................................................................213 Figura 29: Maquete do projeto para a igreja de São Judas Tadeu, por Angelo Murgel e Ulisses Burlamaqui, em 1957..................................................................................................................................................214 Figura 30: Implantação geral do Núcleo Agro-industrial em Itaparica, por Angelo Murgel, em 1942..215 Figura 30a: Localização do Núcleo Agro-industrial em Itaparica, por Angelo Murgel, em 1942...........215 Figura 31: Perspectiva do projeto para o Entreposto Geral de Gêneros, por Angelo Murgel................216 Figura 32: Perspectiva do projeto para o Parque de Pecuária, por Angelo Murgel...............................217 Figura 33: Fachada do projeto para a Penitenciária Agrícola de Neves, por Angelo Murgel , em 1932............... ................................................................................................................................................................219 Figura 34: Planta do pavimento térreo, do projeto para a Penitenciária Agrícola de Neves, por Angelo Murgel , em 1932..................................................................................................................................................219 Figura 35: Vista da Penitenciária Agrícola de Neves, por Angelo Murgel, em 1932.............................220 Figura 36: Localização do campus da Universidade Rural, no Estado do Rio de Janeiro.....................223 Figura 37: Implantação geral do campus da Universidade Rural, por Angelo Murgel...........................224 Figura 38: Projeto original para o campus da Universidade Rural, por Angelo Murgel, em 1938..........225 Figura 39: Perspectiva mostrando a implantação dos pavilhões e uma das zonas residenciais da Universidade Rural...............................................................................................................................................226 Figura 40: Vista mostrando a implantação dos pavilhões e uma das zonas residenciais da Universidade Ru- 353 354 ral............................................................................................................................................................226 Figura 41:Perspectiva geral do campus da Universidade Rural, por Angelo Murgel, em 1938.............227 Figura 42: Perspectiva geral do campus da Universidade Rural, por Angelo Murgel, em 1938............228 Figura 43: Fachadas do pavilhão 1 da Escola de Agronomia.................................................................229 Figura 44: Fachadas do pavilhão 2 da Escola de Agronomia................................................................229 Figura 45: Fachadas do pavilhão 3 da Escola de Agronomia................................................................229 Figura 46: Vista do Instituto de Ecologia Agrícola, nos anos 40............................................................230 Figura 47: Fachada da Escola de Aprendizado Agrícola, por Angelo Murgel, em 1939.....................231 Figura 48: Vista da Escola de Aprendizado Agrícola, por Angelo Murgel, em 1939...........................231 Figura 49: Projeto de Casa para Trabalhadores, nos anos 40.............................................................232 Figura 50: Vista da residência para professores e funcionários. ..........................................................232 Figura 51: Vista do conjunto de casas para trabalhadores da Universidade Rural................................233 Figura 52: Vista do conjunto de casas para professores e funcionários da Universidade Rural...........234 Figuras 53 e 54: Projetos elaborados por Angelo Murgel para os parques nacionais.........................235 Figura 55: Projeto de Casa para Trabalhador Rural: Modelo Presidente Vargas, por Angelo Murgel, em 1943 ................................................................................................................................................................236 Figura 56: Projetos de casa para administradores de parque, por Angelo Murgel................................236 Figura 57: Projeto de casa para guardas florestais, por Angelo Murgel, em 1943...............................237 Figura 58: Localização do Parque Nacional do Itatiaia...........................................................................238 Figura 59: Fachada do projeto para o edifício-sede do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo Murgel, em 1940........................................................................................................................................................239 Figura 59a: Planta do projeto para o edifício-sede do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo Murgel, em 1940........................................................................................................................................................239 Figura 60: Vista do edifício-sede do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo Murgel, em 1940..........240 Figura 61: Vista do edifício-sede do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo Murgel, em 1940..........240 Figura 62: Vista do pavilhão de oficinas.................................................................................................241 Figura 63: Vista de casas de funcionário do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo Murgel, em 1940............. ................................................................................................................................................................241 Figura 64: Fachada do projeto para a casa do administrador do Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo Murgel, em 1940.....................................................................................................................................242 Figuras 65 e 66: Fachadas do projeto de Capela Rústica para o Parque Nacional do Itatiaia, por Angelo Murgel, em 1955.....................................................................................................................................243 Figura 67: Cataratas de Foz do Iguaçu no Parque Nacional do Iguassu, por Angelo Murgel..............244 Figura 68: Aeroporto do Parque Nacional do Iguassu, por Angelo Murgel, vista..................................245 Figura 69: Aeroporto do Parque Nacional do Iguassu, por Angelo Murgel,f achada.............................245 Figura 70: Aeroporto do Parque Nacional do Iguassu, por Angelo Murgel, planta................................245 Figura 71: Aeroporto do Parque Nacional do Iguassu, por Angelo Murgel, em 194, perspectiva.......246 Figura 72: Vista do hotel do Parque Nacional do Iguassu, com anotações de Murgel, em 1970........247 Figura 73: Primeira obra de Lúcio Costa, Casa Rodolfo Chambelland, em colaboração com Evaristo Juliano de Sá, na rua Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, em 1921-22...........................................................250 Figura 74: Aquarela do colégio de freiras com passadiço, em Diamantina, por Lúcio Costa, em 1924............. ................................................................................................................................................................250 Figura 75: Bilhete enviado a Di Cavalcanti, por Lúcio Costa, referindo-se ao Salão de 31...................251 Figuras 76 e 76a: Perspectivas do projeto para a Casa E.G. Fontes, versão inicial em linguagem neo-colonial e o seu desdobramento como a primeira proposição em sentido contemporâneo, por Lúcio Costa, em 1930........................................................................................................................................................254 Figura 77: Casas sem dono, por Lúcio Costa.........................................................................................255 Figura 78: Desenho mais recente feito por Lúcio Costa, do edifício do Ministério da Educação e Saúde........... ................................................................................................................................................................256 Figura 79: Plantas do projeto para o Park Hotel, por Lúcio Costa, em Nova Friburgo/RJ, em 1940.....257 Figura 80: Plano Piloto de Brasília, por Lúcio Costa, em 1957.............................................................258 Figura 81: Idéia geradora da proposta desenvolvida para os Alagados, em Salvador, por Lúcio Costa, em 1972........................................................................................................................................................259 Figura 82: Vista dos apartamentos proletários da Gamboa, por Lúcio Costa e Gregori Warchavchik, em 1932........................................................................................................................................................261 Figura 83: Planta baixa, perspectiva e vista dos apartamentos proletários da Gamboa, por Lúcio Costa e Gregori Warchavchik, em 1932...............................................................................................................263 Figura 84: Perspectiva geral da proposta de Le Corbusier para a Cidade Universitária, no trabalho conjunto com os arquitetos brasileiros, em 1936...............................................................................................265 Figura 85: Esboço da implantação do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 193637............................................................................................................................................................266 Figura 86: Implantação geral do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37.. ................................................................................................................................................................267 Figura 87: Perspectiva dos blocos do auditório, da reitoria e da biblioteca, do projeto da Cidade Universitária, 355 356 por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37...................................................................................................268 Figura 88: Pórtico do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37............268 Figura 89: Perspectiva do centro médico, do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37...................................................................................................................................................269 Figura 90: Alameda de acesso do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37.. ................................................................................................................................................................269 Figura 91: Perspectiva do projeto da Cidade Universitária, por Lúcio Costa e equipe, em 1936-37.....271 Figura 92: Fotografia dos blocos de apartamentos do Parque Guinle, projeto de Lúcio Costa, em 1943........... ................................................................................................................................................................273 Figura 93: Implantação geral do loteamento do projeto do Parque Guinle, por Lúcio Costa, em 1943............... ................................................................................................................................................................274 Figura 94: Planta do térreo e dos pavimentos superiores do projeto do Parque Guinle, por Lúcio Costa, em 1 943..........................................................................................................................................................275 Figura 95: Perspectiva mostrando o primeiro bloco e o pórtico de entrada do projeto do Parque Guinle, por Lúcio Costa, em 1943.............................................................................................................................276 Figura 96: Perspectiva geral do projeto do Parque Guinle, por Lúcio Costa, em 1943.........................277 Anexo 2:A cidade como um fato urbanístico: João Monlevade Figura 1: Aspecto da cidade nos dias atuais...........................................................................................361 Figura 2: Vista panorâmica da cidade nos dias atuais, na parte relacionada com a CSBM..................362 Figura 3: Aspecto da implantação geral de Monlevade em levantamento cadastral da companhia, com muita proximidade em relaçãoao partido geral definido, por Lincoln Continentino...........................................364 Figura 4: Vista da usina tendo à frente Louis Ensch, como o príncipe de Luxemburgo em visita às instalações e obras de construção da cidade............................................................................................................365 Figura 5: Vista das casas operárias construídas segundo a tipologia definida por Lincoln Continentino, com o casino ao fundo.......................................................................................................................................366 Figura 6: Vista da cidade de Monlevade, em 1940, com as moradias operárias na parte baixa, segundo a tipologia apresentada por Continentino, e o Casino e a usina ao fundo.....................................................368 Figura 7: Vista do Casino da Usina de Monlevade.................................................................................369 Figura 8: Vista da cidade com o sistema de ônibus em operação.........................................................370 Figura 9: Vista da Igreja, projetada pelo arquiteto Yaro Burian, com as moradias operárias nas suas proximidades......................................................................................................................................................371 Figura 10: Perspectiva do hall do Grupo Santana, pelo arquiteto Hugo Atella, em 1961......................372 Figura 11: Vista geral da Usina e da Cidade de Monlevade...................................................................373 357 Anexo 2: A cidade como um fato urbanístico: João Monlevade A realização da nova cidade como uma ampliação das atividades da BelgoMineira configurou-se como um processo longo, que atravessou a primeira metade do século XX. Pensada e anunciada como “cidade”, na sua construção encontramos várias referências à vila de Monlevade e não à cidade operária propriamente dita. Seja como “cidade-operária”, seja como “vila-operária”, Monlevade permanecerá como um núcleo urbano privado, administrado pela companhia até os anos 60. Este núcleo constituía um distrito vinculado ao município de Rio Piracicaba/MG. A concentração de uma população em um mesmo local, neste caso para o desenvolvimento de uma atividade industrial, tornava necessária a dotação de infra-estruturas urbanas. Mesmo configurada com espaços abertos, compostos por praças e áreas verdes, e espaços construídos, como centro de comércio e lazer, além das moradias, esta “cidade” gerenciada pela empresa tinha os seus espaços públicos controlados. Neste sentido, vários serão os obstáculos que irão se interpor para caracterizá-la como uma “cidade” de fato.(Figuras 1 e 2) O controle estabelecido pela Belgo-Mineira, que detinha a propriedade das moradias e o monopólio das atividades de comércio e serviços, se colocava como um destes obstáculos. Cidade e fábrica se confundiam privando os seus moradores do devido afastamento em relação aos locais de trabalho. Mesmo nas horas de folga e de lazer o ambiente citadino reverberava o barulho das máquinas. As chaminés da usina projetavam as suas sombras sobre os quintais, como torres panóticas. Este princípio da visibilidade da cidade impregnada pela luz da companhia constituia um grande obstáculo para a fruição da vida urbana. Trata-se, na verdade, de apenas um dos componentes presentes em Monlevade, que impediam a dimensão cívica da coletividade. O outro, refere-se à homogeneidade sócio-econômica deste núcleo urbano industrial, como um contraponto à heterogeneidade própria da noção de cidade. Todos os componentes da cidade se alinhavam, assim, segundo a dinâmica do cotidiano fabril. Ainda pode ser citada a segregação do espaço intra-urbano, que vai se revelar na configuração geral do núcleo industrial.1 Em Monlevade há de se notar a separação entre as moradias das camadas sociais mais privilegiadas e as moradias mais populares.2 Para a Belgo-Mineira, a “cidade-operária” não incluia todos os trabalhadores da usina. Assim, a “cité-ouvrière” idealizada e materializada considerava apenas as habitações dos trabalhadores não especializados, reservando para outras zonas as moradias dos técnicos e funcionários especializados. A aglomeração urbana reproduzia, assim, o ambiente hierarquizado da Figura 1; Aspecto da cidade nos dias atuais. Fonte: Registro fotográfico feito por Raquel Portes, 2000. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln Institute, 1998, p.142. 2 VILLAÇA, Flávio, op. cit., p.147. 1 358 Figura 2: Vista panorâmica da cidade nos dias atuais, na parte relacionada com a Companhia Belgo-Mineira. Fonte: Registro fotográfico feito por Raquel Portes, 2000. 359 fábrica. As referências à usina e ao aglomerado urbano como Monlevade, simplesmente, traduziam os anseios de modernização da companhia. Ainda em 1948, já com a denominação de João Monlevade, homenageando o pioneiro que explorou aquela região, foi transformada em distrito independente, ainda sob a administração da companhia. A emancipação viria apenas em 1962 com a Lei nº 2764, de 30 de dezembro que criou o município do mesmo nome. Neste momento, distinguiam-se dois aglomerados, o primeiro deles referente à área pertencente à Belgo-Mineira, já ampliada em relação ao núcleo original projetado. O segundo referente à região de Carneirinhos, configurando uma expansão com características autônomas, sem planejamento prévio, e o perfil de uma cidade satélite. A área inicialmente reservada para o concurso ainda se destacava, pela sua ocupação e equipamentos públicos constituindo o centro urbano, mesmo tendo sido reduzida pela ampliação das instalações da usina. Outros técnicos assumirão a responsabilidade pelos projetos arquitetônicos e urbanísticos.3 Ao longo do rio Piracicaba, abrangendo a margem oposta, foram construídos novos conjuntos de habitações e introduzidos novos equipamentos públicos, como igreja, clube de caça e pesca, sede do sindicato, grupo escolar, grêmio esportivo, posto de abastecimento, rodoviária e hotéis. Outras áreas foram também ocupadas por conjuntos residenciais, como a encosta do ribeirão de Carneirinhos, reservada para as casas de engenheiros, as casas de médicos e de contra-mestres, o hospital, o cemitério o clube social e o estádio, bem como um conjunto de casas geminadas para operários. Assim, “…usina e cidade dentro do sertão, Monlevade tem o prestígio dos sonhos que se realizaram e das utopias que se converteram em apoteoses.”4 Das propostas apresentadas no concurso, prevaleceu o projeto apresentado pelo engenheiro Lincoln Continentino, que, como já ressaltado, “…mereceu (…) a distincção de ser classificado em primeiro logar”.5 Seu plano foi implementado com diversas modificações, em particular no que se refere à tipologia dos equipamentos comunitários como escola, cinema, armazém e clube.(Figura 3) Estes equipamentos foram instalados numa praça central, tendo sido construído, também no entorno desta praça um casino. Ao invés da cidade-operária projetada, a denominação de Vila Operária de Monlevade, reduzia a escala da intervenção. Entretanto, a implantação geral foi orientada de acordo com os princípios estabelecidos por Continentino, que dividiu o novo núcleo urbano em duas partes, atravessadas pela via férrea, denominadas cidade baixa e cidade alta. A tipologia das moradias operárias também foi executada a partir das plantas-tipo apresentadas por Continentino. Também foi definido por ele, Como por exemplo o arquiteto Yaro Burian, autor de diversos projetos dentre os quais o da igreja, o do hotel novo, o da pensão para solteiros e o de casa econômica desmontável. 4 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. Rio de Janeiro: Gráficos Bloch, 1953, sem paginação. 5 CONTINENTINO, Lincoln. Plano de Urbanismo da cidade industrial de Monlevade. REVISTA DA ESCOLA DE MINAS, ano I, maio de 1936, p.123. 3 360 Figura 3: Aspecto da implantação geral de Monlevade em levantamento cadastral da companhia, com muita proximidade em relaçãoao partido geral definido, por Lincoln Continentino. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, Planta Geral da Usina Siderurgica C.S.B.M. e da Cidade de João Monlevade, 1968. 361 um tipo de sistema viário hierarquizado, em passagem de pedestres, ruas e avenidas com arborização e previsão de iluminação. A cidade idealizada configurava, na verdade, um núcleo urbano fechado de propriedade da empresa, contíguo às instalações fabris, implantado numa região rural. À frente dos trabalhos de construção o engenheiro Louis Ensch6 que, em diversas oportunidades, apresentara os seus estudos para a implementação da nova usina e, por extensão do novo núcleo operário.(Figura 4) Ensch contou com a colaboração decisiva de outro engenheiro luxemburguês, Albert Scharlé7. Além da participação destes técnicos, não encontramos referências ao trabalho de engenheiros brasileiros na realização das novas instalações da fábrica, muito menos aos trabalhadores envolvidos nas obras. O desafio para estes técnicos e trabalhadores era transpor para o real os planos idealizados. Ainda em agosto de 1935, com a presença do presidente Getúlio Vargas e do governador Antônio Carlos, foi lançada a pedra fundamental da futura usina. A visita serviu também para a inauguração do ramal ferroviário Santa Bárbara-São José da Lagoa, essencial para o escoamento da produção e o recebimento de matérias primas para a construção do complexo fabril. No ano seguinte, as obras prosseguiam, tendo sido cogitado que a usina poderia entrar em operação no começo do mês de julho de 1937.8 De fato, neste mesmo ano, “…registrava-se a primeira corrida de gusa da nova usina. Era 20 de julho, e o ritmo de progresso sempre crescente, muito afeito à busca de melhores produções, e sobretudo, de satisfação às necessidades brasileiras, não parou”.9 A topografia acidentada gerou movimentos de terra consideráveis, “…colocando as construções industriais no centro de um grande plateau, conseguido à custa de remoção de 2 milhões de metros cúbicos de terra, fez construir ao seu redor, à direita e à esquerda, acima e abaixo, os diferentes grupos residenciais, que se alicerçavam nas encostas dos morros”.10 As moradias foram implantadas ao longo de vias abertas com o sentido de adequação ao sítio, de acordo com o plano de Continentino.(Figura 5) Para os equipamentos públicos “…foi previsto um conjunto arquitetônico centralizando os principais edifícios da verdadeira cidade que surgiu, com prédios para Escola, Assistência, Cinema, Lojas, Mercado, etc.”11 Posteriormente, foram construídos uma igreja e um hospital, bem como praça de esportes e clubes. Como já dito, do plano desenvolvido por Continentino, foi seguida a configuração urbanística geral conforme o parcelamento e o sistema viário propostos, além de terem sido realizados os projetos das casas segundo a tipologia apresentada. A escola definida por Continentino não foi realizada, bem como os projetos referentes aos outros equipamentos públicos. Figura 4: Vista da usina tendo à frente Louis Ensch, com o príncipe de Luxemburgo em visita às instalações e obras de construção da cidade. Fonte: O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO, 1942. Sobre o engenheiro Louis Jacques Ensch, ver nota 28 do Capítulo 3. Natural de Steinfort, no Luxemburgo, diplomado em engenharia metalúrgica na mesma escola de Aix-la-Chapelle, em 1923, veio para o Brasil a convite de Louis Ensch, em 1929. Faleceu em 1 de julho de 1956. Ver: Revista Mineira de Engenharia. Ano XIX, julho de 1956, nº68, p.53. 8 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Acta da 42ª Reunião dos Administradores, residentes no Brasil. Sabará: 29 de julho de 1936. 9 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Os 50 anos de Belgo. Suplemento Especial, p.2. 10 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO MINEIRA. Companhis Siderúrgica Belgo-Mineira, op. cit.. 11 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO MINEIRA, idem. 6 7 362 Figura 5: Vista das casas operárias construídas segundo a tipologia definida por Lincoln Continentino, com o casino ao fundo. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, 1953. COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Andrade: étude sur un gisement ferrifère; mise en valeur par une exploitation approprise. Andrade: 22 de abril de 1940, documento datilogrado não publicado. 12 O projeto do casino que não constava do edital do concurso foi construído a partir da tipologia do mesmo edifício existente na usina de Siderúrgica em Sabará/MG. Para os outros equipamentos foi contratado o arquiteto Yaro Burian, que desenvolveu projetos de escolas, hospital, hotel e habitações. Para a edificação da nova cidade operária foram contratadas empresas estabelecidas em Belo Horizonte. Assim, na construção dos equipamentos sociais, a Belgo-Mineira contratou os serviços da empreiteira Carneiro de Rezende & Cia que contava com a participação do arquiteto Angelo Murgel. No ano de 1937, esta firma incumbiu-se de diversas obras, como o casino, a pensão para solteiros, o prédio abrigando o armazém, o açougue e a padaria. Ainda foram contratados a construção de cem casas de moradias, e os prédios para o grupo escolar e para um hotel. No que se refere a estas moradias, eram divididas em blocos individuais e blocos geminados, em três tipos construtivos diferenciados, casa tipo A, casa tipo B e casa tipo C. Outra firma, a Empreza de Construções Geraes Ltda, foi encarregada das obras do hospital, do escritório, das casas para médico e para engenheiro. Ainda em 1937, o empreiteiro Fernando de S. Mello Vianna assumiu a construção de seis casas para engenheiros. No ano seguinte, a construção do matadouro, bem como de trinta e seis casas econômicas, também lhe foi confiada. Do mesmo modo, estas moradias eram divididas em blocos individuais e blocos geminados, com dois e três quartos. Os contratos definidos para cada edificação ou conjunto de edificações, no caso das habitações, ressaltavam que os trabalhos seriam executados de acordo com as plantas apresentadas pela companhia, além de especificar detalhadamente todos os itens da construção, desde fundações até acabamentos. Ainda em 1938, o engenheiro Louis Ensch receberia correspondência do escritório da ARBED, na Europa, acerca das previsões financeiras sobre os trabalhos de construção, que extrapolavam os custos previstos inicialmente. Ao mesmo tempo, se questionava a necessidade da implementação de trezentas moradias operárias, ao invés de duzentas casas, como planejado anteriormente. Em 1940, com as obras em andamento, foram desenvolvidos novos estudos técnicos para a implementação da Cidade Operária considerando uma população de dois mil e duzentos habitantes.12 Outras alternativas foram pensadas em função da necessidade da criação de um quadro de funcionários mais estável e dotado de especializações. Persistia o programa desenvolvido no concurso de um mínimo de trezentas casas operárias, além de outras instalações de apoio como escola – passível de ser utilizada como igreja ou teatro – com previsão de alojamento para os professores. A escola teria o perfil de um grupo escolar com a previsão de dez salas de aula. Ainda foi pensada a construção de um armazém, uma farmácia, um posto médico, um posto policial, um hospital com maternidade e enfermaria, uma sapataria, um barbeiro, um alfaiate e lojas diversas. Com relação ao cemitério, este foi descartado, tendo em vista a possibilidade de utilização do existente no núcleo vizinho de Carneirinhos. 363 As discussões em torno das moradias revelavam a intenção de uma hierarquização funcional mais precisa rebatida sobre a espacialização da cidade operária. Assim, as habitações levariam em conta o nível técnico dos operários, bem como a sua condição social. Para os operários casados seriam reservadas casas individuais. Para os solteiros, além daqueles que estivessem vinculados às famílias, a alternativa estudada era a construção de um alojamento com a capacidade para cem trabalhadores. Este alojamento-pensão teria uma ala especial para os empregados graduados com sala de reunião. Já os empregados graduados casados seriam também alojados em casas individuais. Para a implantação da nova cidade outras áreas eram cogitadas, no entorno da usina, com capacidade para o suficiente abastecimento de água potável. O centro comercial com as lojas dispersas seria instalado na parte sul da cidade.(Figura 6) Mesmo com a proposta de uma cidade operária considerada necessária, a sua implementação não era simples, afinal “…tal como previamos, a urbanização de uma cidade constituirá uma enorme despesa.”13 Foi estudada uma alternativa denominada variante 1 que buscava reduzir as despesas com as instalações de pessoal. O que se pensava é que a iniciativa privada se encarregaria de colocar à disposição do pessoal os alojamentos necessários. Assim seria construído o que fosse indispensável para abrigar os trabalhadores especializados, os quais eram responsáveis por fazer funcionar os serviços eletro-mecânicos, bem como os empregados graduados. Apenas dez casas de operários e oito residências de empregados seriam construídas. Além disso, se cogitava ainda a construção de um armazém, de uma escola e de quatro edificações para usos diversos. A realização desta variante projetual era considerada a mais adequada, tendo em vista que “…ela será suficiente para o início dos trabalhos. Todavia, mais tarde, quando as necessidades de pessoal estável se mostrarem mais emergentes, nós pensamos que será do interesse geral a execução do primeiro projeto.”14 Mesmo com esta projeção futura, os gastos necessários para a construção de uma nova cidade apresentavam algumas vantagens relacionadas com a maior assiduidade dos trabalhadores e pelo retorno do investimento através do aluguel das habitações. Entretanto, prevaleceu a idéia da construção reduzida, ainda assim tratada como cidade operária e construções anexas de apoio, com previsão de ser implementada em dois anos, a partir do final do ano de 1940. Os trabalhos de “aménagement 13 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Andrade: étude sur un gisement ferrifere; mise en valeur par une exploitation approprise, op. cit., p.40, “…tel que nous l’envisageons, l’aménagement de la cité constituera une dépense très importante.” 14 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, idem, “…elle sera satisfaisante pour le début des travaux. Toutefois, plus tard, quand les besoins en personnel stable se feront sentir plus impérieusement, nous croyons qu’il sera de l’intérêt général d’exécuter le premier projet.” 364 Figura 6: Vista da cidade de Monlevade, em 1940, com as moradias operárias na parte baixa, segundo a tipologia apresentada por Continentino; o Casino e a usina ao fundo. Fonte: O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO, 1940. 365 de la cité” compreenderiam as tarefas de implantação de vias e nivelamentos, assim como a construção das habitações e das edificações anexas. Nesse mesmo período, a imprensa destacava as obras em andamento, “...está sendo edificada em Monlevade uma villa operaria que não tardará a ficar completamente prompta (...), já foram levantadas numerosas edificações para os operários, para os funccionarios de escriptorio e para os engenheiros casados.”15 O prédio do Casino abrigaria os empregados solteiros, “…um predio elegante, com os dormitorios no primeiro andar, verdadeiros apartamentos com quarto de banho completo, amplos, bem arejados e confortavelmente mobiliados.”16 Além disso o casino servia para eventos sociais, além da hospedagem de visitantes.(Figura 7) Para as casas operárias o programa previa o agenciamento de três quartos, sala, cozinha e banheiro, “…bem edificadas e higiênicas. 500 contos de réis por mês estão sendo gastos em Monlevade para construção de casas para os operários. Há ruas inteiras delas. A urbanização da localidade obedece a rigores técnicos. E é dificílima por causa da topografia do local. À margem do Rio Piracicaba há uma rua linda, que lembra a Avenida Beira-Mar.”17 Outras edificações foram construídas para os engenheiros e funcionários mais qualificados casados, sendo que os solteiros residiam no Casino com os apartamentos situados no primeiro andar. Além da cidade projetada que se revelava muitas cafúas abrigavam de maneira improvisada os operários, configurando uma população transitória, principalmente relacionada com as empresas envolvidas nos trabalhos de construção. Os equipamentos previstos para atender o núcleo operário englobavam um cine-teatro, um hospital, um ambulatório, um matadouro, um açougue, um armazém, uma farmácia, um barbeiro e uma escola. Esta última se instalava em “…um edificio construido mediante a technica moderna de aproveitamento da luz e do ar.”18 Com relação ao comércio a ressalva era de que todos os negociantes deveriam obter concessão, por parte da companhia, para exercerem as suas atividades. Outra visita do presidente Getúlio Vargas, no mesmo ano de 1940, serviu para a exaltação do empreendimento, afinal “…a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira está cumprindo, com brilho e eficiência, o compromisso assumido com o governo de fundar a siderurgia nacional.”19 Os trabalhadores recrutados pela Belgo-Mineira, em sua maioria, eram brasileiros. Em 1940, eram quatorze engenheiros brasileiros e oito estrangeiros, em sua maioria provenientes de Luxemburgo e, no que se refere à mão de obra especializada, o predomínio era europeu. Sobre o operariado da fábrica a companhia tinha Figura 7: Vista do Casino da Usina de Monlevade. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, 1953. MINAS GERAIS. Uma realidade a grande siderurgia nacional. FOLHA DE MINAS, 18 de maio de 1940, p.7. 16 MINAS GERAIS. Uma realidade a grande siderurgia nacional, op. cit.. 17 O OBSERVADOR ECONÔMICO E FINANCEIRO, ano IV, nº57, p.51. 18 MINAS GERAIS. Uma realidade a grande siderurgia nacional, idem. 19 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Os 50 anos da Belgo, idem. 15 366 Figura 8: Vista da cidade com o sistema de ônibus em operação. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, 1953. MINAS GERAIS. Uma realidade a grande siderurgia nacional, idem. O Observador Econômico e Financeiro, op. cit., p.50. 22 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Livro de Atas da Diretoria CSBM. Sabará: s.e., 1921-1940, p.6, “…a part les nombreuses absences aux peur de fête, le rendement du personnel indigène est bon. Le personnel européen donne toute satisfaction”. 23 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, op. cit., p.5, “…le personnel européen continue à donner satisfaction. Le recrutement du personnel indigène est plus difficile, par suite du renchérissement de la vie, del’émigration de l’ouvrier vers les grandes villes et de l’embauchage plus rémunérateur à la société anglaise que reprend l’exploitation de la mine d’or de São Bento. Pour ces raisons nous avons accordé à notre personnel indigène une augmentation de 8 a 10% à partir du mois de septembre”. 24 COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA. Os 50 anos da Belgo, idem. 20 21 um discurso ambíguo, na imprensa ressaltava que “…os dirigentes da empresa têm a melhor impressão do operário nacional, quer do ponto de vista technico ou moral. Em geral muito habeis, de um grande poder de appreensão, intelligentes, ageis, aprendem facilmente o que se lhes ensina e rendem tanto quanto o operario estrangeiro.”20 A multidão operária impressionava os visitantes “...no trabalho, atenta e rápida, executando os serviços com perfeição, elogiada pelos dirigentes técnicos da Companhia, que reconhecem no trabalhador brasileiro os predicados de inteligência, disciplina, probidade e resistência.”21 A falta de precaução na usina era um fator propício a muitos acidentes, agravada pelo desprezo aos equipamentos de segurança disponíveis como óculos, máscaras e botas. Além daqueles provenientes da lavoura, grande parte do operariado era formado na escola de técnicos, situada na usina de Siderúrgica em Sabará. Ainda em 1922, uma das dificuldades para a companhia em Monlevade refere-se à mão de obra operária devido à falta de alojamentos e, mesmo, aos hábitos do pessoal. A diretoria reclamava das faltas comuns em dias de chuva e por ocasião das festas religiosas. O que se colocava é que “…apesar das inúmeras faltas por motivo de festas, o rendimento do pessoal local é satisfatório. O pessoal europeu constitui motivo de muita alegria.”22 Neste mesmo período foram contratados funcionários especializados na Europa, além de um engenheiro para a elaboração de planos e projetos da companhia. As dificuldades persistiam para a contratação de trabalhadores brasileiros, “…o pessoal europeu continua a dar alegria. O recrutamento do pessoal local é mais difícil, em consequência do encarecimento da vida, da emigração do trabalhador para os grandes centros e da contratação melhor remunerada por parte da sociedade inglesa que retomou a exploração da mina de ouro de São Bento. Por estes motivos fizemos um acordo com o nosso pessoal local no sentido de um aumento de 8 a 10% a partir do mês de setembro”.23 Já em 1953, nas comemorações dos 25 anos da empresa, Monlevade se consolidava como “…uma aprazível cidade gozando de invejáveis condições de confôrto e higiene. Mais de 1.800 casas foram construídas entregues aos seus atuais moradores. Uma Igreja oferece à população local um centro de permanente irradiação do cultoreligioso. Cinema, Clubes recreativos e Praças de esporte são atrativos para as horas de lazer. Confortáveis Hotéis e um Centro Comercial rematam o conjunto urbanístico.”24 (Figura 8) A cidade configurada contava neste momento com uma população de cerca de quinze mil habitantes, distribuída em pequenos núcleos, espalhados pela área da companhia, estendendo bastante o núcleo original projetado. Estes núcleos, constituíam vilas residenciais que margeavam o rio Piracicaba e subiam pelas suas encostas. As 367 ruas Beira Rio e Siderúrgica nos remetem ao projeto de Continentino com as casas enfileiradas e arborização predominante. No centro urbano a praça do cinema com a sua monumentalidade, e outros equipamentos como grupo escolar, agência bancária, lojas, consultórios médicos e dentários, farmácia, bares, armazéns complementavam o conjunto. Ainda foram instalados neste centro o hotel-casino e mais dois outros hotéis. Do outro lado do rio, voltada para a encosta onde se situava a fábrica, foi construída uma igreja e novas moradias operárias.(Figura 9) Clubes esportivos foram instalados, para uso diferenciado, de acordo com as categorias funcionais da empresa, bem como escolas de ensino básico e profissionalizantes. O hospital foi construído ao lado da vila dos engenheiros e o aeroporto instalado no platô mais elevado em área de florestas remanescentes. Na verdade apenas a pista de pouso e decolagem foi definida para este aeroporto, que já constava na proposta apresentada por Lincoln Continentino. O sistema de transporte urbano por meio de ônibus fazia a ligação dos diversos núcleos residenciais. A propriedade e o gerenciamento da empresa sobre os equipamentos sociais e as moradias, seria enfrentado com uma nova política. Em função de problemas de ordem econômica e social, a companhia cogitava permitir a aquisição das moradias pelos operários. Até então, as casas eram alugadas, com a manutenção ficando sob a responsabilidade da empresa. Esta medida foi adotada nos anos seguintes. Em 1961, o Grupo Escolar Santana, a quarta escola construída pela BelgoMineira, teve o projeto desenvolvido pelo arquiteto Hugo Atella. A linguagem modernista ressoava o ideário pensado por Lúcio Costa, por meio de estrutura em pilotis, elementos vazados, painéis de brise soleil, rampas de ligação, etc.(Figura 10) Já no final dos anos 60, o escritório Interplanus, de Belo Horizonte, uma cooperativa envolvendo técnicos com formação diferenciada, desenvolveu diversos projetos para a Belgo-Mineira, desde intervenções pontuais como casas operárias, até planos de urbanização.25 À frente dos trabalhos o urbanista Radamés Teixeira. Com a emancipação do município de João Monlevade, na administração de Germin Loureiro, o escritório Interplanus continuaria a desenvolver propostas, em face dos novos problemas que se colocavam. A cidade operária se consolidava como uma “cidade real” e, como tal, como um fato concreto urbanístico.(Figura 11) Monlevade ampliou, por entre montes e vales, o seu traçado. Ao desenho inicial foram sobrepostos outros desenhos e redesenhos… A perda do referencial do plano de urbanismo, preconizado pelos técnicos como forma de orientar o desenvolvimento urbano, ampliou as dificuldades para a gestão da cidade. Entretanto, a cidade jardim industrial insiste e persiste, no passado e no presente…. Desafios de Figura 9: Vista da Igreja, projetada pelo arquiteto Yaro Burian, e as moradias operárias na encosta. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, 1953. O INTERPLANUS - Cooperativa Mista de Trabalho e Ensino Instituto de Tecnologia Regional, Planejamento e Urbanismo, funcionava à rua Santa Rita Durão, 1164, em Belo Horizonte e agregava vários professores da Escola de Arquitetura da UFMG, como o arquiteto e urbanista Radamés Teixeira. Sobre a biografia deste técnico, ver: LEME, Maria Cristina da Silva (org.). São Paulo: Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999. 25 368 Figura 10: Perspectiva do hall do Grupo Santana, pelo arquiteto Hugo Atella, em 1961. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, 1961 toda a ordem e natureza se colocam e se somam aos inúmeros problemas urbanos. Velhos e novos problemas… 369 Figura 11: Vista geral da Usina e da Cidade de Monlevade. Fonte: COMPANHIA SIDERÚRGICA BELGO-MINEIRA, 1953. 370 371 Anexo 3: Entrevista com Maria Elisa Costa…1 realizada, em 30 de abril de 2002, no Leblon, de frente para o mar… Fábio – Eu sou arquiteto formado pela Escola de Arquitetura da UFMG, atualmente lecionando no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF; desenvolvo uma pesquisa de doutorado orientada pela Profª Cristina Leme da FAUUSP que aborda o concurso Monlevade e, particularmente, a proposta desenvolvida pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa; gostaria que você discorresse um pouco sobre a trajetória do seu pai e sobre a importância de Monlevade neste longo percurso. Maria Elisa – São coisas que eu observo sobre as pessoas que cuidam, que tratam do Lúcio, que se interessam pelo Lúcio, mais velhas, formadas, professores e tudo tem sempre algumas informações faltando, que não fecham para você entender a cabeça dele. Você entende!? Tem certas coisas que dizem, que não correspondem à personalidade do Lúcio, ele sempre foi uma pessoa completamente livre, ele sempre fez tudo o que achava, acreditava... Para ele o dicernimento vinha de dentro, não era porque ninguém mandasse, isso nunca houve. Eu sempre tive essa curiosidade, mas como é que é isso, como é que acontesse, que de repente você aperta um botão e muda, como é que se processou; eu perguntei isso a ele. Aí ele me disse o seguinte, a primeira coisa, a coisa básica foi o encontro dele com Diamantina, em 1924, ele era um arquiteto neocolonial, de sucesso, desenhava divinamente, mas ele era muito moço, ele tinha só 22 anos, os mais velhos foram para Ouro Preto, Mariana, não sei o que… e ele foi para Diamantina porque era longe, e quando ele narra aquele susto é impressionante. Ele chegou lá e caiu em cheio num passado, num passado de verdade que era novo em folha para ele. E ele comentava esse encontro com Diamantina, como se fosse ontem, e no final ele dizia uma frase definitiva, ‘…era aquela beleza sem esforço’, entende, então para ele bateu uma coisa… ôpa, o que é isso, nós neocoloniais fazemos um supremo esforço não é, você pega coisa de igreja e bota em casa, não é, e de repente chega aqui tá tudo normal, lindo e sereno e compatível com a tecnologia de construir tudo, então, isso instalou dentro dele uma perplexidade, digamos, um desconforto extremamente poderoso, porque perdurou… ele continuou sendo arquiteto neo-colonial até 29, mas aquilo começou a incomodar cada vez mais, ficou aquela referência de base, e eu tenho a sensação sempre de que esse encontro com Diamantina foi também o caminho de chegar à coisa moderna. Na cabeça de uma pessoa bem informada como ele, com lastro cultural bom, todas as épocas tinham uma A entrevista foi publicada em 2009 no site www.vitruvius.com.br, ver: http://www.vitruvius.com.br/entrevista/mariaelisacosta2/mariaelisacosta2.asp, em jan./fev./mar. de 2009. 1 372 cara correspondente, como a mudança radical nas técnicas construtivas, em meados do século XIX, que, para ele, possibilitaram diversas fantasias, tudo lá dentro escondido, e ninguém estava preocupado com isso e de repente eu acredito que essa coisa com Diamantina, da coisa verdadeira, da coisa autêntica, colocou nele também o embrião da pergunta: Qual seria o moderno do meu tempo!? Qual seria a cara correspondente a essa tecnologia nova!? O que foi uma mudança enorme não é, você não tinha mais parede aguentando e de repente porão vira pilotis, pilotis é um porão sem parede, não precisa mais ter parede, porque o primeiro andar, o térreo nunca foi valorizado. Ou seja, você tinha sempre um porão, uma coisa qualquer, mas o primeiro andar sempre foi um pouco mais alto e isso era pertinente para ele. Uma simplicidade bela, e para ele coisa bonita… beleza sempre foi fundamental, como dizia o Vinicius. O encontro com Diamantina instaurou em Lúcio uma perplexidade, afinal, como é possível fazer uma coisa bonita de maneira simples!? Daí é que ele dá uma enorme importância a um outro encontro que foi logo que ele se casou, e ele se casou em 29. Eles estavam em casa, em Correias, num período anterior à reforma da escola e tinha uma revista em casa, uma revista comum não de arquitetura, que se chamava Para Todos, e ele folheando essa revista viu a foto da casa que chamam de Casa Modernista que estava exposta, do Gregori Warchavchik. Ele percebeu, então, a partir daquela fotografia, e isso ele conta com a maior tranquilidade, ‘…engraçado dá para ser bonita’. Quando ele foi chamado para dirigir a escola ele chamou o Gregori para ser professor. E ele foi pessoalmente a São Paulo fazer o convite, na casa da Dona Olívia Penteado. Fábio – E ele contactou diretamente o Warchavchik em São Paulo!? Maria Elisa – Ele foi a São Paulo para isso, para convidá-lo, aí chamou o Portinari, chamou os outros todos para fazer a coisa de dar um curso alternativo, quer dizer, isso é uma outra coisa que eu acho de uma competência didática incrível, ele não acabou o que havia, ele colocou ao lado uma opção para os meninos escolherem. Bom, no salão de 31 foi a mesma coisa, ele manteve o salão tradicional e botou ao lado o salão dos modernos, até para as pessoas perceberem a diferença. Fábio – E no que se refere à reforma da escola, como você se referiu, ele não assumiu disciplina, ele só organizou tudo como diretor… Maria Elisa – Isso, ele foi diretor, ele não foi professor, ele orientou o curso, deve ter estabelecido o currículo, mas nunca deu aula nessa época. Bom, mas aí, tem outra coisa que eu acho muito interessante dessa época toda dos anos 30 é que… você veja bem, quem chamou ele para dirigir a escola foi o ministro da educação, o Francisco Campos e o chefe de gabinete era o Rodrigo Melo Franco. E em 36, quem o convidou para fazer o projeto do ministério foi o Capanema e o chefe de gabinete era o Carlos Drummond de Andrade, quer dizer, você sente que, aí a impressão que me dá é de que todo esse grupo, eles tinham um recado para dar e eles sentiram que eles tinham que seduzir o poder e seduziram… e efetivamente seduziram porque o que frutificou daí, você tem todo esse movimento moderno, você tem o patrimônio, você tem muita coisa que surgiu desse momento por causa da convicção do grupo e, digamos, do espírito prático e objetivo dos intelectuais da época. Eles não se isolavam numa redoma nem na academia, eles queriam botar para fora o recado, eles queriam atuar, eles queriam resultados, eles não queriam só uma coisa teórica, isso eu acho muito curioso porque isso é muito dessa época. Você hoje não imagina assim, um poeta chefe de gabinete do Ministério da Educação, é pouco provável pelo menos, não seria natural, seria visto até com uma certa estranheza… agora voltando ao fio da meada, então depois que ele descobriu a obra do Warchavchik, o Warchavchik veio para cá dar aulas e ele e o Warchavchik tinham um projeto comum em obras e eles foram sócios um ano e meio ou dois e fizeram uns tantos projetos assim… Fábio – E era ele e o Warchavchik… Maria Elisa – O papai tinha sociedade também com o Carlos Leão, ele e o Gregori, então eram os dois, com o Carlos Leão… o papai vai continuar até o Ministério, aí muda tudo, a partir do Ministério muda tudo, o papai nunca mais teve escritório dele, cada escritório era para um determinado assunto. Antes, ele teve escritório pessoal também com o Fernando Valentim, na época eclética e com o Carlos Leão depois. Com este último durou até o Ministério, sem dúvida nenhuma mesmo. Fábio – Era como se montasse um atelier… Maria Elisa – Sim e aí tem aquele episódio do Oscar que é mais moço uns cinco ou seis anos e foi bater lá para trabalhar nessa época depois da direção da escola. Foi um momento difícil, porque os clientes, a clientela que eles tinham, que era muito grande, queria o que eles não faziam mais. Inclusive, para você ter uma idéia, uma senhora pediu o projeto de uma casa e ele fêz aquela casa enxuta não é, aí ela chegou para ele e disse, eu vim lhe encomendar uma carruagem e o senhor quer me impingir um automóvel. Isso eu acho genial, eu acho maravilhoso porque é revelador… e aí nessa época ele fêz as ‘Casas sem dono’ , porque ele estava com tanta vontade 373 374 de projetar nessa linguagem que ele tinha acabado de descobrir e estava apaixonado por ela. guagem… Fábio – Quer dizer, ele já estava experimentando ali a nova lin- Maria Elisa – Os projetos das ‘Casas sem dono’ é porque ele estava sem trabalho e não conseguia ficar sem projetar, então ele pegava um lote padrão do Rio de Janeiro e desenvolvia vários projetos para vender em banca de jornal, no formato de álbum; eram álbuns completos com numeração. E foi nesse período, logo depois que ele saiu da escola, que ele mergulhou na obra do Le Corbusier e se apaixonou perdidamente pela coisa. Fábio – Principalmente o Le Corbusier… Maria Elisa – Isso, mas o Mies também ele sempre gostou muito, Gropius e tudo mais… mas o Corbusier seduziu ele mais, porque sempre falou do lado plástico, falou do lado funcional, do lado social. E eu acho que ele ficou seduzido inclusive porque ele encontrou na doutrina do Le Corbusier uma resposta àquelas inquietações despertadas em Diamantina. Eu acho que aquilo ficou fermentando dentro dele, tudo bem com o Warchavchik com a Casa Modernista dá para fazer alguma coisa, mas de repente quando ele mergulhou na leitura do Le Corbusier ele descobriu que existia uma doutrina pronta e completa, que batia com as coisas que ele acreditava e aí tem um outro ingrediente também nesta época, porque tudo é muito simultâneo, 29, 30, 31… que eu também perguntei para ele, escuta uma coisa, porque a família dele sempre foi muito conservadora, entendeu, de formação, o pai dele era engenheiro naval… escuta uma coisa, como é que você fez a cabeça socialmente, quer dizer, como? O que aconteceu para você ter uma posição como sempre teve, nunca foi de partido, porque jamais seria de nenhum partido, porque era a favor da liberdade, mas sempre foi uma pessoa com óbvia preocupação social, evidente, quer dizer a coisa socialista… Fábio – Gamboa se insere nesta fase… Maria Elisa – Sim, fêz Gamboa nesta fase; toda a preocupação, nos textos e na atitude, é muito claro; aí ele me disse também engraçado, como que para ele, que era uma pessoa aberta a receber o que vem de fora, aberto a olhar revista, aberto ao olhar de Diamantina e tal, ele dizia, e essa coisa social acontece logo quando ele se casou com a minha mãe, eles moraram em Correias numa casa até que ele mesmo projetou, ainda em 28, e aí ele subia de trem todo dia, na Leopoldina, na Estação da Leopoldina, e ele dizia que era uma coisa chocante porque na mesma plataforma você tinha os veranistas, todos bacanas, de guarda-pó de seda e tal, e na outra, do outro lado da mesma plataforma, você tinha o trem de subúrbio absolutamente apinhado, e isso marcou ele tanto que quando ele esteve em Nova York, em 38, no Pavilhão do Brasil, ele comprou uma câmera de 35 mm e ele chegou a filmar, só que não saiu, saiu tudo preto, e isso eu morro de pena, mas era uma coisa que realmente marcava, uma discrepância que na mesma plataforma tinha meia dúzia de gente chiquérrima e do outro lado a galera toda, entendeu, então, eu acho que essa concomitância… quer dizer, aconteceram dentro dele muitas coisas importantes nesse começo dos anos 30, até 35; então, na hora que ele foi convidado para fazer o Ministério ele estava em ‘ponto de bala’, se você quiser entender assim, estava maduro para isto, e, ao mesmo tempo, com aquela coisa convicta da necessidade de convidar o Le Corbusier. O Capanema ficou desesperado e disse, ‘não posso chamar mais ninguém de fora, porque veio o Piacentini para opinar sobre a Cidade Universitária’, e Lúcio insistiu de tal maneira que o Capanema levou ele ao Getúlio, ‘a única coisa que eu posso fazer é levar você ao Catete’, você fala com ele, e ele tarará, tarará, tarará… e o Getúlio dizia, não tá aprovado? Mas não tá aprovado… para que!? E o Lúcio insistia tanto… a ponto do Capanema puxar o paletó dele, como quem diz, ‘meu amigo…’ e ele continuou a insistir e ele conta, isto não tá escrito, mas ele adorava contar que no final da conversa o Getúlio virou e falou assim: ‘…tá bom, se é tão importante assim traga o homem’; isso eu acho genial, e aí começou tudo, as gestões com fulano e sicrano, para o Corbusier vir, e o Corbusier veio de Zepelin, de Graff Zepelin, na segunda visita, e pousou aqui em Santa Cruz, e aí passou quatro semanas, fêz aquele estudo para o outro terreno que era muito bonito, e depois não era viável porque não era municipal, estadual ou federal, aí ele fêz um projeto ruim para o atual terreno, um bloco ao contrário, que, segundo meu pai, não agradou nem ao próprio Corbusier, tanto que ele não tratou como ele tratava os detalhes, aí ele voltou; e nessa época foi que a coisa do Oscar desabrochou, o Oscar era um desenhista discretíssimo, desenhava lindamente, mas era uma pessoa completamente discreta e ele ficou à disposição do Le Corbusier. Ele teve a oportunidade de receber a influência Corbusieriana ao vivo, direto assim, e deu no que deu, graças a Deus… inclusive tem uma coisa, quer dizer, no escritório do Le Corbusier em Paris nunca trabalhou um brasileiro, e foi aqui que a coisa dele deu fruto, quer dizer, e isso é muito curioso, porque fora daqui… na América Latina de uma certa maneira, mas mais aqui no Brasil, mas muito por conta dessa conjuntura… e aí eles 375 376 zeraram, consideraram o projeto no outro terreno como uma referência de origem. Aliás é muito curioso, porque é um projeto comprido que tem um corpo deitado… e uma vez eu perguntei para o papai, como é que é esse projeto… aí ele me disse, faz assim, aí você tampa as duas pontas e sobe porque já tem o corpo atravessado, não é, aquela penetração no meio, tinha piloti duplo e tal, então é muito curioso, aí eles zeraram, começaram do zero, deliberadamente, a mais total e completa fidelidade à doutrina Corbusieriana, como ninguém jamais fez, inclusive o próprio, eu acho, acho que eles foram mais religiosos do que ele, em matéria de cumprir à risca… mas o Corbusier não viu o projeto, ele só viu depois de pronto, ele não participou, ele participou como autor da doutrina, que eles obedeceram por opção, ninguém impôs e, ao mesmo tempo, eles introduziram essa coisa do sotaque brasileiro, que já vinha de Monlevade, entende, você olha para o Ministério e vê uma coisa do Brasil, não sei o que, mas ele não podia ser mexicano, francês nunca, entende, tem uma coisa que eu não sei, é a escala, um pouco os azulejos, eu não sei definir o que… Fábio – Uma materialidade brasileira… Maria Elisa – Mas ele é uma coisa brasileira… Fábio – Ainda sobre Monlevade, gostaria que você discorresse um pouco sobre a importância de Monlevade na trajetória do Lúcio Costa… Maria Elisa – Pois Monlevade, o meu pai tinha um enorme carinho pelo projeto Monlevade, isso é bom anotar… porque eu acho que ele fêz isso numa época que ele estava sem trabalho, você entende, ele deve ter investido muito e querendo mostrar além da coisa da arquitetura como construção, ele estava querendo mostrar como era possível você atender às necessidades sociais com bom gosto, sabe, você usar a arte a favor da sociedade… Fábio – Como um espaço qualificado para uma cidade operária… Maria Elisa – Era uma coisa que não nivelava por baixo, ao contrário, ele sempre foi contra nivelar pelo terceiro subsolo, você tem que trazer para o alto, então, nesse projeto ele tem a singeleza, que eu acho adorável, que ele aprendeu em Diamantina, ele tem esse resgate de tecnologias tradicionais com uma idéia que muitos anos depois lançaram como se fosse novidade, mas que não era, quer dizer, ele propôs primeiro a coisa do pilotis, você usar o chão protegido da chuva como quintal coberto, de certa maneira, e acima da laje você usar o pau a pique, dá uma caprichada, bota madeira aparelhada e usar a tecnologia do pau-a-pique que é uma coisa tradicional que permaneceu e permanece até hoje no interior inteiro do Brasil. Em qualquer lugar que você vai o pau-a-pique está lá firme e forte, não é; e aí a outra coisa que eu percebo também é que esse projeto talvez tenha sido, isso eu não posso afirmar porque eu não tenho informação bastante, mas me parece que foi o primeiro projeto brasileiro que deliberadamente incorporou certos ingredientes da tradição colonial, sobretudo mineira, deliberadamente, ele fala no texto, ele cita a gelosia e não sei o que mais... Ele usou todo o know how, que ele tinha de observador e de conhecedor da coisa tradicional, para ver o que que tinha ali e que era válido, sabe não é o inglês, não é o chantily, é o leite, você entende, é uma outra maneira de ver e que isso ele guardou a vida inteira, em todos os projetos sempre tem…, você tá aqui tem a trelicinha aí atrás, sabe, quer dizer, essas coisas ele sempre teve uma liberdade enorme e como, Monlevade foi em 1934, acho engraçado fazer a sequência das coisas, nesse período foi o período das ‘Casas sem dono’, do conhecimento mais fundo, Gamboa é um pouco antes, foi com o Gregori, era ainda uma outra coisa. Então, dois anos depois de Monlevade veio o Ministério, e três anos depois, quer dizer, em 1937, veio o patrimônio; é tudo muito sequenciado e aí, do patrimônio tem uma coisa, digamos assim, simétrica com a abordagem da arquitetura propriamente dita, com a questão de Monlevade, é que ele foi lá para ver o que fazer das ruínas. Para Lúcio, a ruína tinha que ser preservada como ruína, não adianta querer reinterpretar que não vai dar… então ele tinha muito resto de escultura e resolveu fazer o museu e o museu o que ele fez, ele recuperou a coisa com os cacos e completou o que precisava do módulo do aldeamento e botou uma parede de vidro dentro,é o inverso do que ele fez em Monlevade, ou seja, no Museu das Missões ele inseriu o moderno sobre o tradicional com uma esquadria de vidro como a do Ministério. Fábio – Não tem uma receita de bolo para as soluções… Maria Elisa – Exatamente, não tem uma receita de bolo, ao contrário, ele incorporou as soluções a cada momento, em função do problema que se colocava. E neste sentido, ele tinha uma grande liberdade, como quando ele rompeu com a coisa neocolonial, como num jogo de labirinto, na medida que você vai andando, é como se ele tivesse se dado conta que aquele caminho que ele estava seguindo ia dar num beco sem saída, quer dizer, ele rompeu para retomar uma ligação… que é uma ligação perene, da coisa como ele costumava dizer ‘arquitetonicamente saudável’. De hoje, de ontem e de sempre, sabe como é, a ruptura foi na vida profissional dele, mas na 377 378 verdade, na minha visão foi muito mais um reestabelecimento de um elo, de um nexo entre passado, presente e futuro e isso foi possível no Brasil, inclusive não era só ele, era todo um grupo, desde o Mário de Andrade, porque a gente era um país novo que estava construindo uma identidade, ao contrário da Europa que o passado pesa uma tonelada, onde quem conserva não é quem renova, são dois times antagônicos, e essa fusão das duas coisas é que dá uma marca, aqui e no México também eu acho, que é uma marca interessante dessa coisa de terra nova, não é, que a gente é país novo. Fábio – E como você citou, uma apropriação do moderno, de uma modernidade sem um clichê, sem o querer ser modernista… Maria Elisa – Claro, e isso é importante, essa coisa do modernista é algo que eu gosto de dizer, que há uma tendência a achar que é uma certa frescura porque ele não gostava da palavra, não é propriamente a palavra, quer dizer, se hoje a palavra modernista significa um certo arquiteto de um determinado momento, na época, para ele, moderno era uma coisa que tinha uma razão de ser verdadeira e profunda e modernista era como se fosse a pessoa querer ter cara de moderno e não ser, quer dizer, não mergulhar, ou seja, ficar na superfície, aí você faz uma gracinha com cara de moderno e aí emplaca tanto quanto qualquer estilo… e isso é o que incomodava e tinha muito. E esta distinção já era apontada no período da direção da escola, em um bilhete, que foi apresentado na exposição (Lúcio Costa: 1902-2002) sobre um concurso não sei lá das quantas, que ele diz, ‘não tudo bem, eu respeito que escolheram o projeto do Wladimir Alves de Souza, eu acho para ganhar, mas eu recomendo aos alunos que prestem atenção no projeto do Reidy, porque ele é o único que é mais fiel aos princípios modernos e não à visão modernista que esta direção pretende erradicar, pretende evitar’. Isso tá num papelzinho de bloco que apareceu nessa montanha de papel que eu tenho aqui, quer dizer, isso é claro que na época havia, quando começou a fazer sucesso a coisa moderna, todo mundo quis ter cara de moderno; quer dizer, a palavra modernista era para separar porque era uma coisa que incomodava a eles loucamente, ou seja, o fato das pessoas, o público, misturar alhos com bugalhos. Neste sentido se colocavam os comentários, quando se fêz o Ministério da Educação, ‘…que sorte que não dá sol na fachada sul ‘; além disso, achavam o paraíso dos cachorros, porque tinha uma porção de colunas, para cachorro fazer xixi, era uma coisa de deboche, assim, era uma linguagem muito nova... e mal compreendida. Outra coisa inacreditável é que aquele prédio foi construído sem empreiteira, pela Secretaria de Obras. Eles eram todos muito moços, o meu pai tinha 34 anos, era o mais velho… o mais velho tinha 34 anos, quer dizer, você diz o que é isso, e deram conta por paixão exclusivamente, quer dizer, eles contaminavam com a paixão deles, passaram para o Capanema que era uma pessoa brilhante, sensível. Por isso que eu digo que Minas Gerais é um lugar fundamental para o Brasil; eu tenho saudade imensa porque realmente você pensa bem, pensa bem, não é pouco em termos de Brasil, nossa mãe, o que fêz o Juscelino, sabe, é muita coisa… é uma coisa séria, …e essa história de Monlevade eu tenho certeza que, ele deve ter feito Monlevade… foi assim pura intuição, acreditando que ele ia conseguir fazer a cabeça das pessoas, sabe como, ele fêz para isso, ele fêz para seduzir e ganhar… os desenhos, aquele clube com as pessoas dançando, eu tenho certeza pelo que eu conheço da coisa que ele deve ter feito assim…, e aí foi a primeira recusa, que magoou, depois teve a Cidade Universitária que também foi outra recusa, que também ele fêz certo de que ia conseguir... Fábio – E se a gente considera Monlevade como o primeiro projeto que ele trabalha numa escala maior, de conjunto, o outro vai ser a Cidade Universitária e depois o Parque Guinle, não é mesmo!? Maria Elisa – Isso mesmo, o projeto para a Cidade Universitária e depois o Parque Guinle… exatamente, são os três, que eu me lembre, e o que eu acho curioso, Monlevade foi aquela coisa inicial, bem incipiente, e se você pensar bem, a pessoa ao longo da vida vai guardando uma espécie de disco rígido das coisas, as referências… o eixo monumental de Brasília começou a nascer no projeto da Cidade Universitária. Você tem o eixo, você tem a tônica na entrada que seria em Brasília a Praça dos Três Poderes, você tem lá no fundo o hospital, que seria a torre de televisão, não é isso, e as aulas que são análogas, são iguais… perpendiculares ao eixo, quer dizer, como os ministérios, ou seja, o mesmo partido de implantação. Eu comentei isso com ele e ele assumiu, eu adorei e o Parque Guinle obviamente é o pai das superquadras, isso é óbvio, é tão na cara que não precisa nem dizer. Mas é curioso isso, e eu acho que tudo veio a partir de Monlevade. Veja bem, o tratamento paisagístico faz parte do projeto, em Monlevade, no Parque Guinle e na Cidade Universitária. Você vê as palmeiras não sei das quantas, e em Brasília sem dúvida, em Brasília a diretriz paisagística é a do Plano Piloto, quer dizer, ele usou árvore para cercar as quadras como instrumento para você estabelecer uma relação entre a escala monumental e a escala residencial. Ele deixou aquele gramado vazio porque quis, é uma afirmação, são coisas assim que não vêm depois, sabe como, vêm depois em trechos, quer dizer, o Roberto fêz algumas quadras, o Burle Marx fêz os jardins internos do Itamarati, fêz o parque, mas a concepção paisagística é do Lúcio, como a volumetria toda. E isso as pessoas esquecem um pouco, quer dizer, ele começou a construir do chão, suspendeu a praça, suspendeu 379 380 a esplanada... Outro dia eu estava em Brasília com uns amigos e disse, faz de conta, esvazia, faz de conta que está no nível do chão natural…, some, é impressionante; ele determinou a volumetria, baixo aqui, baixo ali, alto ali, é diferente nos prédios também e sabia, certamente, que ia contar com a arquitetura do Oscar, que é indispensável no caso, porque você não pode, em cidade aberta, se é ruim é péssimo, se é bom é ótimo, não é como a cidade tradicional que absorve as bobagens… Fabio – Uma coisa vai se encaixando na outra… Maria Elisa – Vai, e depois fica diluído. Agora essa coisa de cidade aberta que você tem quatro fachadas, na qual a relação entre as coisas tem uma outra linguagem, se você tem uma coisa de má arquitetura você não escapa… Fábio – Se bem que esse conceito de cidade aberta, podemos dizer que ele já está presente no projeto do Lúcio para Monlevade, na implantação, pois você pega o projeto do Murgel, por exemplo, ele é concentrado, os equipamentos, o cinema, o armazém, Maria Elisa – Já está presente em Monlevade, sem dúvida, porque aí ele já estava contaminado pelo ideário Corbusieriano…, a idéia da cidade-parque, da coisa aberta, ele já estava contaminado, não é, pela coisa Corbusieriana, sem dúvida nenhuma…isso aí sem dúvida nenhuma, agora é curioso porque que ele sempre lidou com esses conceitos, assim de cidade aberta; lidou com uma liberdade enorme, papai tinha um lado absolutamente importante, para quem quiser conhecer ele, é que ele tinha uma informação enorme, um lastro cultural enorme, mas ele sempre foi movido à realidade, quer dizer, ele não usou a realidade para demonstrar uma tese, entende, ele usou a tese para resolver o problema real, isso é uma coisa típica, assim, Brasília é exatamente isso, quer dizer, cinco anos antes de Brasília, em Veneza, num congresso em Veneza, ele tinha defendido brilhantemente a unidade de habitação do Le Corbusier, prédio alto, moderno, adensado; um dia eu cheguei para ele e disse, você heim!!! Cinco anos depois, quando você foi fazer, você botou prédio de seis andares, altura normal, sabe, e comércio lá na rua, não é… Ele não usou Brasília para demonstrar nenhuma tese, ele usou Brasília para conseguir ajudar o Juscelino a fazer uma mudança definitiva, quer dizer, ele levou o Juscelino a sério, ele levou a sério mesmo, afinal, como é que a gente pode fazer, primeiro, não é um plano, é um projeto, um projeto feito como ele dizia muito, feito em estado definitivo, quer dizer, feito com uma roupa de adulto e colocou um bebê lá dentro, porque o bebê ia encher, você não tinha nenhum dado, nenhum referencial, você não sabia o que ia acontecer, depois, então você tem que assumir a invenção. E a outra coisa é que tinha que ser bacana, com um eixo monumental, e tinha que propor um novo modo de convívio urbano, que não assustasse as pessoas, que fosse assimilável, digamos assim, porque se ele tivesse feito uma estrutura urbana padrão, rua normal, ia ser visto por aqui pelo sul como uma cidadezinha do interior qualquer, durante anos. Então ele bolou essa coisa brilhante, que é a coisa da quadra porque a quadra, o fato dela ser delimitada dela ter uma população em torno de 2000, 2500 a 3000 habitantes, dava uma certa flexibilidade ao projeto. Fabio – Com uma certa autonomia… Maria Elisa – Você tem uma entrada independente para carro, quer dizer, as crianças brincam a vontade. Além disso, ele incorporou o pilotis aberto, e quatro quadras fazem uma unidade de vizinhança. As pessoas assimilaram isso em dois minutos. De repente, o convívio na quadra, e eu acompanhei tudo porque eu tenho uma cunhada que mora lá desde os anos 60… eu vi os meninos crescerem e terem filhos… Fabio – Vocês chegaram a morar lá… Maria Elisa – Eu morei só durante dois anos, muito indo e vindo… mas enfim, tinha time de futebol da quadra, igual em rua de cidade menor, porque depois que a densidade das cidades daqui por exemplo, cresceu demais; quando eu era menina a gente tinha um clube aqui na esquina, hoje as meninas…, as minhas netas são amigas de pessoas que moram em lugares mais distantes; não tem mais essa coisa porque a rua já ficou com gente demais, você não conhece o seu vizinho, antigamente, você conhecia o seu vizinho e na quadra teve essa coisa que foi assimilado em cinco minutos… é impressionante a rapidez com que as pessoas assimilaram isso; e aí tem uma outra coisa de Brasília… de 64 a 68 eu morei na França e trabalhei num escritório lá e era época em que eles faziam aqueles ‘grands ensembles’ que eles denominava, aqueles grandes conjuntos na periferia de Paris; e me dava uma aflição porque aquilo era completamente invertebrado, sabe como, você põe um bloco aqui, aí respeita o afastamento, bota outro bloco aqui, mas você não tem nada que estruture; e eu acho que foi isso que me fêz perceber como é importante… e no caso de Brasília essa coisa de você ter um esqueleto, que é o sistema viário que estrutura, que amarra as coisas, é extremamente importante. Em Paris, eu me lembro, às vezes… nos fomos visitar um amigo que morava numa torre, de um lado tinha uma estradinha que dava uma volta, uma se chamava Allez Camilo Pizarro, a outra Allez Degas, a outra Allez… mas não 381 382 era algo que referenciava. Agora, no caso de Monlevade é mais solto… tudo, é mais rural, se você quiser entender assim... Fabio – E o memorial revela a intenção do que ele vai desenvolver… Maria Elisa – Tem tudo, e ele quer dar uma aula. Lendo o memorial para Monlevade, como o da Cidade Universitária, e é onde eu vejo a analogia dos dois projetos e a análoga frustação nos dois casos, é que ele quer dar uma aula, ele quer explicar, ele quer que as pessoas entendam. É uma coisa assim, são os dois memoriais mais didáticos, nos quais ele faz questão de explicar o porque das soluções adotadas. Fabio – E ele toca sempre na questão da arquitetura moderna, de ser moderno, de fazer uma arquitetura moderna e… tá presente nesse conceito de arquitetura moderna o próprio conceito de urbanismo, não é... Maria Elisa – Eu acho que na época o urbanismo era uma coisa absolutamente indissociável da arquitetura, era multidisciplinar, mas com o comando do arquiteto. Hoje em dia não, hoje em dia já é uma coisa muito diferente, a abordagem é outra. Eu acho que nessa coisa de urbanismo, você tem que saber a situação, se você tá lidando com uma cidade que existe, é uma coisa, se você tá aumentando é outra coisa. O papai, em termos de cidade que existe, por exemplo o Rio de Janeiro, ninguém sabe as muitas interferências dele nesta cidade, quando houve o Conselho Superior de Planejamento Urbano, aqui nos anos 70. Um dos exemplos refere-se à garagem do Meneses Portes, na cidade, onde tem um edifício-garagem, bem no centro da Praça São José. Ali tem um pedaço que é aberto, uma área meio triangular, que teve um projeto que não foi executado. Havia um projeto enorme para aquele local, com altos prédios, e o meu pai fazia parte desse conselho; foi ele quem impediu e ninguém sabe disso, e ele impediu porque precisava ter uma visada, ele usava muito essa palavra, um desafogo visual que você visse o Convento de Santo Antônio lá longe; como na arquitetura, olha ali para aquele canto, ele sempre faz a arquitetura com as visadas, quer dizer, a coisa sempre vai um pouco mais longe, e usa isso para a cidade também, quer dizer, ele tem várias interferências assim; ele sempre foi e se meteu em tudo que deu pé e sempre soube do limite, não deu não deu, paciência, não ficar lamentando, nunca foi uma pessoa de se lamentar, nem de dizer ‘…no meu tempo é que era uma maravilha’; Fabio – Aquela coisa nostálgica com relação ao passado… Maria Elisa – Não, uma pessoa realista e, ao mesmo tempo, é por isso que eu acho interessante, que eu uma vez defini ele como poeta pragmático… porque não abriu mão do vôo, mas conhecendo os limites; tem essa chance, então dentro dessa chance eu vou até onde for possível… como no caso do Catete, chama outro, sabe; mas não é uma coisa utópica no sentido babaca da palavra, é utópica no bom sentido da palavra, ou seja, eu quero ir além mas eu sei até onde eu posso, sempre soube sair, soube tirar o time em tempo… Fábio – Então, para ele se existia uma arquitetura moderna, se ele trabalhava na direção dessa arquitetura moderna, o urbanismo não poderia ser um urbanismo modernista, seria um urbanismo moderno… Maria Elisa – Seria moderno tudo pois a palavra modernista para ele tinha esse ranço… o problema todo é esse, eu acho pois a palavra modernista hoje tem um sentido de definir uma época e um tipo de arquitetura que está numa época definida no tempo, não é isso; e na época que estava começando a surgir esse movimento, essa palavra tinha uma conotação diferente que ela dava… ela apontava para esse lado de fazer uma coisa na moda e não uma coisa porque era verdade, você entende; tem lá na exposição do Paço (Lúcio Costa: 1902-2002), você vai ver, tem uma parede enorme: ‘…ser moderno é conhecendo a fundo o passado, ser atual e prospectivo’, por isso a diferença entre o ser moderno e o modernista… Isso é uma coisa que eu acho que a ambiguidade vem de duas definições para a palavra modernista, em última análise, a palavra modernista hoje é usada correntemente, o arquiteto modernista você coloca aí imediatamente dos anos 30 aos 50, não é, aos 60… Fabio – Aí caimos naquele problema que você mesma citou, porque o seu pai diferenciava, não é mesmo!? Maria Elisa – Ele diferenciava de origem e o que é curioso é isso; quando você passar lá na exposição (Lúcio Costa: 1902-2002) você olha o bilhete que eu me referi, nunca foi publicado, porque apareceu só meia hora antes da exposição; esse documento eu considero importante porque é um testemunho dele, tá manuscrito a lápis quase ilegível, é ele dizendo em 31… 30. Ali ele ressaltava a diferença que para ele havia, entre o ser moderno e o modernista. Ele diz muito no livro também (Registro de uma vivência), sobre essa coisa do modernista, especificamente em um trecho que ele diz que tinha uns ares afetados de trocadilho, ou qualquer coisa assim, ou seja, era uma coisa que para eles era perigoso pois se a intenção deles era divulgar, fazer as 383 384 pessoas entenderem uma coisa para eles séria, funda e verdadeira, então quando as pessoas… outras se apropriavam daquela cara e começavam a propor coisas equivocadas isso incomodava muito. Para ele era tão importante distinguir porque estava ameaçando, era como se você estivesse botando um outro canal, que não deixa você ouvir. E a generalização era muito mais fácil, porque virou moda e aí como virou moda todo mundo, gente que não tinha nada com isso, passou a defender, a projetar… Fábio – Você pega os projetos do Murgel, ele também tem um momento que é neocolonial e eu levantei agora, recentemente, depois ele vai passar a defender uma linguagem moderna… Maria Elisa – Modernista!!! Isto, aí está a diferença, nessa tese se você colocar o Angelo Murgel e o Lúcio Costa fica claro como água, entende, fica transparente, mesmo usando os elementos, tentando compor… mas não adianta porque ele não tem a convicção; ele faz um estilo moderno, uma coisa com cara de moderno; aliás, tem uma outra frase que a gente botou na parede, que eu acho adorável, que também saiu de uma carta que eu botei nesse livro (Com a Palavra: Lúcio Costa), de um artigo de jornal da época da briga com o José Mariano, no qual ele diz que, referindo-se ao edifício da Escola Normal, considerado um dos exemplos da arquitetura neocolonial, que o mesmo ‘…é como um bicho empalhado: parece que vive; parece que morde, mas não morde’. Fabio – E no que se refere ao contato dele com o Rio, a formação… Maria Elisa – Ele morou no Rio, voltou para casa que ele tinha morado até os oito anos de idade, ele ficou absolutamente apaixonado pelo Rio de Janeiro e é a tal coisa, ele reencontrou aquela velha raiz, tendo já na mão adquirido o ensino básico, ele não fêz pós-graduação, ele fêz pré-graduação; e depois, a qualidade do ensino era outra… a cem anos era o que a gente hoje acha possível conseguir aqui não é, primeiro mundo não é primeiro mundo à toa… Fábio – Porque quando você fala que ele foi à Europa, ele já foi como arquiteto, não é, ele fez então um mergulho no passado, então… Maria Elisa – Ele foi para isso, é o seguinte, ele ganhou um prêmio de viagem que dava a passagem e ganhou um dinheiro na loteria, isso é que é genial; ele foi passear na Europa, ele resolveu passear porque ele tinha um drama pessoal, é que ele namorava a minha mãe e a prima da minha mãe, todas as duas se chamavam Julieta e, ao mesmo tempo, ele estava sem saber como resolver esta parada, então quando ele escreve as cartas ele diz, ‘…por motivo de razões sentimentais insolúveis’ então ele estava querendo era ver os lugares, ele foi visitar a casa onde ele nasceu, os lugares onde ele morou… só que não foi à Inglaterra nessa época… foi à França, viajou pela Itália toda, entende, mas uma coisa é dizer que ele tinha conhecimento profundo dessa coisa da história da arte e para ele era um prazer ver aquelas coisas todas, sabe, não era uma coisa turística só, era um pouco mais, mas sem nenhuma curiosidade pela coisa moderna… Fábio – E ainda sobre o concurso, como você imagina que ele tomou conhecimento do concurso, foi por meio de carta-convite, jornal… tem algum documento a respeito? Maria Elisa – Não tem nada de Monlevade aqui, por enquanto, porque tem uma montanha de papel e como as coisas aparecem surpreendentemente é possível que ainda apareça, mas eu não tenho idéia… tanto como eu te disse, eu não sabia que foi um concurso, quer dizer, Monlevade para ele era uma coisa tão dele que os outros sumiram na memória, quer dizer, ele descartou… inclusive isso é importante para mim, ter essa informação a respeito dos outros, porque aí entra esse dado de querer demonstrar… de ter doído, sabe, faz mais sentido, não foi um convite…, taí uma coisa que eu poderia ter perguntado para ele, porque eu achava um pouco estranho, pois se chamaram para fazer um projeto qual o motivo de terem recusarado. Isso era uma coisa que ficava assim, bom vai ver que não gostaram do jeito das coisas, porque queriam uma coisa diferente ou desistiram de fazer, mas eu não perguntei, lamento… Fábio – …Mas foi feito e o que foi feito foi o que ganhou, o Lincoln Continentino… pelo menos parcialmente. Maria Elisa – Taí, agora você me disse uma coisa que deve ter sido tão difícil… deve ter doído tanto que ele zerou, deletou o resto, não é!? Fábio – Ele não faz referência aos outros concorrentes, não é!? Maria Elisa – Não, e depois em 1934, você pensando bem, ele tinha acabado de sair da escola, não tinha o Ministério da Educação, não tinha nada disso, quer dizer, era a época da recusa, das pessoas não quererem fazer projeto; a gente 385 386 tem dificuldade de imaginar assim, como batia nas pessoas daquela época essa coisa despojada, devia ser estranho, deveria soar uma coisa muito esquisita, um pouco longe demais, do hábito das pessoas… Fábio – Ainda também sobre a questão dos interlocutores, além do Le Corbusier, no Brasil tinha outros… Maria Elisa – Era o pessoal do patrimônio, porque ali se juntavam as pessoas modernas e todos… quer dizer, era em torno deste pessoal. O grande amigo era o Rodrigo, sem dúvida; e dentro do patrimônio tinham vários, os poetas, dentre outros intelectuais. Aqui em casa era assim, em casa era casa, inclusive ele nunca fêz com a gente essa crueldade dos intelectuais que fazem com os filhos, que é querer transformar a criança num gêniozinho, nunca, a gente cresceu na praia, solta, não teve nada dessas coisas, e, ao mesmo tempo o patrimônio era o território da pesquisa, da especulação intelectual, do estudo, dos encontros. Tem uma coisa curiosa quando ele ganhou o concurso para Brasília, o Oscar foi para lá para tomar conta do Departamento… da Divisão de Arquitetura, encarregado das obras; e o desenvolvimento do plano piloto foi feito aqui, com a supervisão dele, feita por um engenheiro que é uma pessoa maravilhosa, chamada Augusto Guimarães Filho, que está vivo e mora em Niterói… que ele conheceu porque foi quem construiu o Parque Guinle. Ele chamou o Guimarães para chefiar a Divisão de Urbanismo que funcionava na sobreloja do Ministério. Fábio – O Parque Guinle eu li na revista Architecture d’Aujourd’hui com uns dados imprecisos apontando a participação do projeto como sendo dele e do Niemeyer, isso não está correto, não é!? Maria Elisa – Não, foi ele sozinho mesmo, não teve a participação de outros… nenhuma. dade… Fábio – E ele trabalhou na perspectiva de um conjunto inserido na ci- Maria Elisa – Sim e era para serem construídos seis edifícios. Tem uma perspectiva que ele gosta muito, uma perspectiva de conjunto, na qual ele mostra o palácio e o parque com os edifícios no entorno. Ali tem o olhar do urbanista e do paisagista, quer dizer, ele não espalhou os blocos pela área do parque, ao contrário, ele fêz uma inserção a partir de uma coisa envoltória com o palácio preservado, uma coisa feita sob medida para o lugar. Esta visão sempre esteve presente nas suas propostas. Quando ele definiu a quadra em Brasília, teve uma relação direta com o Parque Guinle, pela opção por prédios longos de seis andares com pilotis e uma fachada despojada. E isso influenciou os projetos que não foram feitos por ele, tanto do Oscar quanto de outros arquitetos, mas a experiência do Parque Guinle foi marcante. Isso pela influência óbvia nos projetos dos edifícios residenciais, pelo menos os mais antigos de Brasília, com a opção pelo combogó, que é uma solução genial, para lá inclusive, porque atrás a pessoa pode fazer o que bem entender… até mesmo secar roupas que ninguém vê… Fábio – E tem o Parque Hotel que é uma outra referência importante… Maria Elisa – Sim, o Parque Hotel é uma glória e é tudo… ele é de uma fidelidade absoluta aos princípios modernos, a estrutura independente; e aí tem essa coisa que eu estava me referindo das visadas, das diagonais, você repara bem, tem dois gestos naquele projeto, ele botou a sala de comer um pouco mais alta e ele fêz aquilo assim… aquele chanfro na fachada, o que muda tudo, é inacreditável, eu fiquei algumas vezes lá olhando, tentando entender, como é que pode, é uma planta tão simples… Fábio – É o risco do arquiteto… Maria Elisa – Exatamente, é o risco que sabe onde quer chegar porque ele sempre teve a noção das coisas nas três dimensões, ele sempre lidou nas três dimensões. E eu acho isso inacreditável, meu Deus do céu, como enriquece o espaço, as três dimensões, não apenas a coisa das texturas e tudo mais. Com essas duas coisas, quer dizer, subiu aqui e fêz assim, e a coluna vai reta, ele afirma, ele usa aquilo para definir o partido arquitetônico. E ainda tem aquelas escadas, ninguém nunca fêz escadas tão inacreditavelmente bem, desde essa daqui que você subiu até a do Ministério; a do Ministério, aquela escada, eu vou te contar… eu era estudante no tempo de Brasília, e quando eu me formei eu trabalhei lá no Ministério um tempo e a gente subia aquilo todo dia, você tem um pé direito de uns quatro metros e não tem um patamar e você não chega em cima cansado; como é que pode, é um saber... e ele nunca fêz uma escada que não fosse confortável. Eu acho que isso deve vir, eu acho que ele teve um grande ganho por ter sido um arquiteto eclético porque ele se habituou a prestar atenção em tudo, como quem vai copiar entende, que você presta atenção mesmo. Tem uns desenhos que eu vi agora, que vão para Diamantina para o museu do Juscelino, os levantamentos que ele fêz do casario, desde esquadrias, 387 388 passando por beirais, inclusive das igrejas, com toda precisão… um milímetro e meio, dois milímetros, uma coisa que você não acredita; então eu acho que isso educou o olho, para saber… e as escadas, por exemplo, aquelas escadas romanas, aposto que ele mediu tudo, sabe como… é impressionante! Fábio – E eu acrescento ainda a questão da luz, da iluminação, veja por exemplo a circulação no Parque Hotel, é tudo iluminado naturalmente, ao contrário do Grande Hotel do Niemeyer em Ouro Preto… Maria Elisa – Sim, ele nunca deixava de pensar este aspecto. O Grande Hotel é um equívoco; e depois, o hotel de Ouro Preto foi feito errado, na minha opinião, porque não está na escala, ele é grande... Eu uma vez disse ao papai, vou confessar pela primeira vez aqui, em público, eu disse ao papai uma certa vez, sabe o que que eu acho, pode até ser inconsciente, mas quando você fêz o Parque Hotel você queria mostrar como se faz um hotel comprido, não é; impressionante, porque os quartos, aquela dupla altura não interessa, não acrescenta nada, o espaço embaixo, foi por isso que eu saquei o detalhe do chanfro do Parque Hotel; eu fiquei no hotel do Oscar em Ouro Preto quando eu estava fazendo um trabalho lá, nos anos 80 e eu disse, meu Deus como é que pode, uma coisa tão pobre, o partido é o mesmo e resultou em algo pior. O Oscar não é dessa linha de coisa, não tinha essa preocupação com o detalhe, não é a dele e depois não é o tipo de coisa que ele se apaixone, entende, porque o Oscar quando ele se apaixona pelo que ele faz não tem para ninguém, mas no caso era uma coisa direita, foi a época que ele estava envolvido com a Pampulha, o que motivou ele era outra coisa, então ficou uma coisa esquemática, parece um esquema, o hotel de Ouro Preto parece um esquema… encosta… Fabio – E o Parque Hotel tem a questão da implantação também naquela Maria Elisa – E tem a coisa da luz, no que se refere ao corredor, é uma coisa característica da arquitetura do Lúcio é… nunca são mesquinhos os corredores, sabe como é, não são, pode virar uma galeria, pode ter um truque assim é claro, essa coisa que todo mundo faz porque não importa… mas ele nunca fez corredor, não é corredor, tem muito mais o aspecto de uma galeria e de repente tem umas pausas, umas coisas assim que você vê aqui, depois eu te mostro, aí você vai, tá vendo ele recuou esta parede, não chega a 20 centímetros, em termos funcionais não faz diferença nenhuma porque eu não uso, mas em termos visuais muda tudo… basta você imaginar a parede indo de coluna a coluna; imagina, é a coisa das três dimensões e essa coisa da luz sempre… que ele sempre teve muito, de controle da luz, por meio do combogó, das venezianas, é uma coisa para tornar aconchegante e ele sempre adorou projetar casas… Fabio – As varandas dos quartos no Parque Hotel… Maria Elisa – Tudo é feito para te emocionar… Fabio – Nos remete a Diamantina… Maria Elisa – É isso, literalmente… Mas isso é uma coisa que eu acho também, ele sempre gostou de projetar casas, sabe como é… o grande prazer sempre foi projetar o lugar para a pessoa morar. Como ele sempre gostou de projetar casas, os interiores sempre foram muito considerados como lugares que você percorre, que você anda dentro, então, a arquitetura dele você sente que conta com isso, quer dizer, ele sabe que você vai percorrer, não é uma coisa fixa como um objeto só e, ao mesmo tempo, por fora também é cuidado, não é uma coisa ou outra, mas ele sempre teve um enorme prazer em projetar casas… Fabio – E ele está sempre trabalhando a questão da arquitetura relacionada com a cidade; mesmo o Parque Hotel você tem a visão de uma implantação adequada… Maria Elisa – A implantação para ele sempre foi parte inerente; aleatório… Fabio – Que envolve uma inserção no urbano pensada, nada Maria Elisa – Sem a menor dúvida, sempre, nunca foi uma coisa dissociada, entende; da mesma maneira, tanto a implantação em relação ao entorno como a ambientação interna, dentro do projeto, quer dizer, tudo é muito ligado. E ele nunca deixou de considerar essa coisa de você estar inserido num contexto. Essa coisa de você olhar em volta é fundamental, é o começo, não é, sempre foi, tanto que esse é o princípio dos projetos que ele chamava de projetos esquecidos. Podemos perceber isso nos croquis que selecionou para o livro (Registro de uma vivência), que estão na exposição também. São os croquis feitos da rua Saint Roman, ele foi lá para fazer os 389 390 croquis para projetar a Casa Hamann. São estudos de implantação, ou seja, ele foi lá antes de pensar no projeto, ele estava indo projetar e foi lá para olhar como era… onde era, as vistas, são uns croquis a lápis muito discretos em papel e isso está relacionado com o que você estava dizendo… Fabio – O Parque Hotel não foi um conjunto urbano não, ele projetou somente o hotel… Maria Elisa – Não, o Parque Hotel foi só o hotel mesmo. No empreendimento do Dr. César Guinle sobrou aquela nesga de terra, onde se quis fazer uma pousada para durar 10 anos, para vender os lotes. O papai não participou do loteamento, ele fêz exclusivamente o projeto do hotel que é uma das coisas mais bonitas que eu considero e foi feito… ele conta que foi feito no tempo da guerra. Ele atravessava a baía de Guanabara e iam de gasogênio, carro com aqueles troços que não tinha gasolina, tem o texto dele no livro (Registro de uma vivência), contando a coisa… depois ele e o Dr. César, quando pronto, foram comprar lençol, cobertor, toalha... ele lembra disso. No texto ele narra o episódio com detalhes, os cobertores eram mantas lisas de um lado escocesas do outro, as toalhas eram brancas e grandes porque o Dr. César fazia questão, mas isso é demais, imaginar os dois, não é… agora, essa sintonia, foi, assim, uma benção, eu fico pensando, porque o papai não ia atrás das coisas, as coisas aconteciam, a única coisa que ele propôs foi Brasília, porque o resto veio até ele, a não ser esse começo, não é, Monlevade… mas depois, ele foi convidado para o Ministério, foi tudo assim, o Parque Guinle chamaram, o Jóquei chamaram… o prédio do Jóquei aqui na cidade tinha um projeto e o pessoal não estava satisfeito, aí, através de pessoas conhecidas chamaram e ele propôs aquela coisa inédita que depois também não fizeram, o prédio era o quarteirão inteiro era a sede social do Jóquei Clube, as salas que se alugam são em volta, a sede do clube é em cima e o miolo é garagem, em todos os andares, é uma coisa, uma solução que podia ter sido mais aproveitada, como receita inclusive, porque é genial você tem 700 vagas e sem ninguém ver, e com as salas em volta, quer dizer, você não está somando ao invés de você fazer um estacionamento, porque o terreno era um quarteirão, era uma quadra quadrada… Fabio – Bom, já esclareceu muito para mim, muito mais do que o caso de Monlevade, eu gostaria que você ressaltasse ainda a questão da experiência acadêmica, para finalizar… Maria Elisa – A experiência única foi na Universidade do Distrito Federal, como professor, era um curso de pós-graduação e durou pouco, o texto Razões da Nova Arquitetura foi, digamos, o resumo do que ele lecionou, surgiu por causa da Universidade. Ele não teria escrito Razões da Nova Arquitetura se não fosse como professor, mas foi a única vez, muita gente dizia, professor… professor… Fabio – E sobre a documentação dele como diretor, ainda na reforma da ENBA, tem alguma coisa levantada neste material documental que está na exposição… Maria Elisa – Nada, o que tem na exposição (Lúcio Costa: 1902-2002) é o que apareceu, tem recortes de jornal, mas documentação específica não tem, por enquanto não, mas pode ser que apareça, viu… porque essas coisas… você não tem idéia da mistura de coisas que tem aqui. Eu consegui, mas quando a gente tiver a nossa sede de verdade isso vai ser tratado, vai ser digitalizado porque a intenção é disponibilizar este acervo aberto ao público, a idéia é esta, não é dificultar o acesso. Enquanto a gente não tem a Casa, sem as condições físicas de fazer uma coisa assim, eu estou fazendo um trabalho que é muito útil para depois, porque como eu ajudei ele a fazer o livrão eu fiquei com uma enorme intimidade, eu quase digitei aquilo tudo, sabe, você fica com uma intimidade com os textos, com a letra, eu entendo a letra dele tranquilamente, e como eu li demais estes textos, aí realmente a letra dele é fácil de ser compreendida. Eu levo muito menos tempo para identificar, porque é tudo muito confuso, então você pega um papel e você lê três parágrafos, aí você vê, isso é Considerações, ou isso é não sei o que, entende, então eu estou separando, grosso modo, por assunto porque eu cheguei à conclusão que era a única maneira, porque você tem cartas, coisas mais variadas, ligadas a um determinado assunto... No começo eu ficava pensando, eu vou separar manuscrito, eu vou separar cartas, eu vou… mas se a carta é pertinente a um assunto, para mim, na hora de organizar, claro você vai ter um acesso de acordo com o que estiver pesquisando mas o assunto, porque às vezes tem coisas inesperadas, sabe, você não imagina que vai ter, porque você pode estar estudando Monlevade e achar que uma carta… que não vai ter carta nenhuma e a gente tem… se aparecer vai para Monlevade; agora sobre Monlevade, a única coisa que tem e que serviu de original foi aquela revista da Prefeitura, a PDF, que publicou os dois recusados… agora é engraçado que a gente estava falando disso, uma de capa laranja e a outra de capa verde, a de capa laranja eu acho que é de Monlevade e a de capa verde é o da Cidade Universitária… Fabio – E publicou os projetos dos outros concorrentes também… o do 391 392 Murgel e o do Lincoln Continentino. Maria Elisa – É mesmo!? Eu me lembro que esta revista era só para servir de original para o livro porque não tem desenho, entende, pelo menos por enquanto ainda não… Fabio – Bom, eu quero dizer que tudo o que conversamos vai ser importante para a minha pesquisa e quero agradecer pela sua disponibilidade para me receber aqui… muito obrigado, muito obrigado mesmo! café… Maria Elisa – Espero que tenha contribuído, então vamos tomar um Anexo 4: Plano de Urbanismo da cidade industrial de Monlevade Engenheiros Lincoln Continentino e João Penna Filho 393 394 395 396 397 398 399 400 401 402 Anexo 5: Projecto da cidade operária de Monlevade Arquiteto Angelo Murgel 403 404 405 406 407 408 409 410 411 412 413 414 Anexo 6: Ante-projecto para a Villa de Monlevade Arquiteto Lúcio Costa 415 416 417 418 419 420 421 422 423 424 425 426 427 428 429 430