Soeur Emmanuelle
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Soeur Emmanuelle
Soeur Emmanuelle - Articulação profunda entre a fé em Deus e a fé no ser humano Jésus s’est incarné dans ma propre personne pour poursuivre son aventure de pauvreté et d’amour. Quem é Soeur Emmanuelle? Nascida em 16 Novembro de 1908, a sua vida estende-se até 20 Outubro 2008, quase 100 anos de uma existência sempre marcada por uma busca incessante da verdade da sua fé e coerência de vida, busca que a impele a ir ao encontro dos mais pobres e a fazer-se sua próxima, levando dignidade humana a milhares de vidas desconsideradas e investindo os recursos da sua rica personalidade (inteligência, afecto, conhecimento, capital social) em empreendimentos que salvem essas vidas do círculo de ferro da extrema pobreza. Soeur Emmanuelle é conhecida, sobretudo, pelo testemunho do seu empenhamento solidário com os mais pobres: junto dos trapeiros de um gueto do Cairo onde viveu 22 anos, partilhando a miséria, as alegrias e as dores de quem nos anos setenta habita Ezbet-Al-Nakchi, as vítimas da guerra no Sudão, nomeadamente os refugiados no Cairo e as crianças órfãs a quem proporciona meios de sobrevivência e ajuda para recuperarem o sentido de vida, depois de uma guerra atroz. Ou, ainda, quando regressa a França e já com 90 anos, a acção junto dos sem abrigo de quem se torna próxima e, respeitando a liberdade de cada um, procura encontrar oportunidades para uma vida mais humana. Soeur Emmanuelle faz-se próxima dos pobres, a ponto de partilhar as suas condições de vida, mas não descarta a visão de que, possuindo ela recursos de conhecimento e relacionamento social, a sua acção tem de estender-se aos dirigentes políticos, egípcios, franceses ou belgas, junto de quem advogava, com determinação e sem cerimónias, a causa dos mais vulneráveis, reclamando a defesa dos seus direitos a uma vida digna e apresentando propostas concretas de irrecusáveis melhorias básicas para os locais onde tudo faltava: água, electricidade, saneamento, escolas e creches, dispensários de saúde e, sobretudo, a oportunidade de um outro modo de vida que não a lixeira e a escolha dos lixos. Soeur Emmanuelle preocupa-se ainda em sensibilizar a opinião pública através de conferências, escritos, campanhas de solidariedade e assim consegue reunir os recursos financeiros para as obras que empreende e, do mesmo passo, abre caminho à conversão dos corações no sentido de uma maior atenção e sensibilidade ás necessidades dos mais desfavorecidos. É esta corrente de gente solidária que permite criar a “Associação dos amigos” e assegurar a continuidade da obra iniciada. Não faltam escritos e documentários que permitem conhecer melhor o alcance da vida centenária desta mulher católica, de tripla nacionalidade (belga por nascimento, francesa e egípcia, por adopção) e religiosa (Congregação das Filhas de Sião) desde os 22 anos, mas é o seu livro publicada como obra póstuma, “Confessions d’une religieuse”, que nos dá a chave de leitura para melhor entender o fio da sua vida e descobrir a fonte da sua grande fecundidade humana, espiritual e social. Como ela própria escreve: “Neste livro, procurei dar testemunho do misterioso chamamento a um maior amor que nem dificuldades nem conflitos puderam vencer”( p 265). É o apelo a um amor maior que nela se converte em dom absoluto de si mesma e a leva a escutar o clamor dos que sofrem e, como diz numa entrevista, já no fim da vida, é esse “amor maior” que a move a acolher o sofrimento do mundo no seu coração e a não descansar de lhe procurar alívio e superação. É a sua fé que a ajuda a não vacilar diante das dificuldades, as incompreensões e os obstáculos. É a luta incansável contra as suas próprias paixões que a aproximam dos outros e lhe dá um olhar que descobre capacidades e talentos escondidos e gera ambientes de fraternidade operante. Testemunhos de vida, como os de Soeur Emmanuel, são luz e caminho para o nosso tempo. Nesta primeira década do século XXI, apesar de tantos prodígios da ciência, da tecnologia e do progresso material, deparamo-nos com um enorme défice de esperança no futuro. Precisamos de reforços de confiança e de solidariedade, de ousadia e determinação pessoal em tornar o nosso mundo uma casa para todos, onde seja bom viver. Não basta resignarmo-nos a que as crises passem ou esperar que os governos ditem novas e mais justas regras de convivência democrática. A mudança começa com o nosso próprio caminho, feito ao andar, com as escolhas que vamos fazendo, as pessoas que vamos encontrando e as alianças que com elas vamos tecendo, com a orientação e os meios que pomos no nosso trabalho quotidiano e o empenhamento solidário e cívico a que nos devotamos. Neste percurso individual, ainda que não necessariamente solitário, bem pode inspirar-nos a última frase das “Confissões de uma religiosa”: C’est toujours le temps du plus grand amour. Manuela Silva Maio 2009