Jornal Brasileiro de Psiquiatria
Transcrição
Jornal Brasileiro de Psiquiatria
DIA GR A PHIC ® ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX E D I T O R A Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 2 • Março - Abril 2003 Jornal Brasileiro de Psiquiatria Brazilian Journal of Psychiatry v o l u m e 52 • mar/abr 3 mar/abr-- 2 0 003 P u b l i c a ç ã o bimestral Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB J.B. Sem título, 19/5/1986 Guache sobre papel 2 Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX volume 52 • mar/abr 2003 J.bras.psiquiatr. 52 (2): 87-160, 2003 Publicação bimestral Órgão Oficial do Instituto de PPsiquiatria siquiatria da Universidade FFederal ederal do Rio de Janeiro – IPUB UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PESQUISA Av. Venceslau Brás, 71 Fundos 22290-140 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel: (5521) 2295-2549 Fax: (5521) 2543-3101 www.ufrj.br/ipub e-mail: [email protected] DIRETOR Márcio Versiani [email protected] JORNAL BRASILEIRO DE PSIQUIATRIA [email protected] EDITOR João Romildo Bueno [email protected] EDITORA ASSISTENTE Gláucia Azambuja de Aguiar [email protected] EDITORES ASSOCIADOS E. Portella Nunes Filho [email protected] João Ferreira da Silva Filho [email protected] EDITOR EXECUTIVO Newton Marins CORPO EDITORIAL Naomar de Almeida Filho Márcio Amaral Thomas A. Ban Othon Bastos J. M. Bertolote Neury José Botega Marco Antônio Alves Brasil Max Luiz de Carvalho Roosevelt M.S. Cassorla Juarez Oliveira Castro Aristides Cordioli Jurandir Freire Costa Paulo Dalgalarrondo Carlos Edson Duarte Luiz Fernando Dias Duarte Wiiliam Dunningham Claudio Laks Eizerick Helio Elkis Eliasz Engelhardt Rodolfo Fahrer Marcos Pacheco de Toledo Ferraz Ivan Luis de Vasconcellos Figueira Josimar Mata de Farias França Ricardo Gattass Wagner F. Gattaz Valentim Gentil Filho Clarice Gorenstein Mauro Gus Luiz Alberto Hetem Miguel Roberto Jorge Flávio Kapczinski Julio Licinio Carlos Augusto de Mendonça Lima Maurício Silva de Lima Pedro A. Schimidt do Prado Lima Ana Carolina Lobianco Mário Rodrigues Louzã Neto Theodor S. Lowenkron Nelson Maculan Jair de Jesus Mari Paulo Mattos Celine Mercier Eurípedes Constantino Miguel Filho Talvane M. Morais Antônio Egídio Nardi Irismar Reis de Oliveira Marcos Palatinik Antônio Pacheco Palha Roberto Ayrton Piedade João Ismael Pinheiro Ana Maria Fernandes Pitta José Alberto Del Porto Branca Telles Ribeiro Fábio Lopes Rocha Jane de Araújo Russo Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. Benedetto Saraceno Itiro Shirakawa Jorge Alberto Costa e Silva João Ferreira da Silva Filho Fábio Gomes de Matos e Souza Ricardo de Oliveira Souza Yves Thoret Gilberto A. Velho Walter Zin Antonio W. Zuardi [email protected] CIP-BRASIL-CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Programação Visual e Produção Gráfica DIA GR A PHIC 071 Jornal brasileiro de psiquiatria / Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. — V.1, nº 1 ( ). — Rio de Janeiro: ECN-Ed. Científica Nacional, 2000 v.50 ® E D I T O R A Diagraphic Editora Av. Paulo de Frontin 707 – Rio Comprido CEP 20261-241 – Rio de Janeiro-RJ Telefax: (21) 2502.7405 e-mail: [email protected] www.diagraphic.com.br Pede-se permuta Se solicita el canje Exchange requested Man bittet um Austausch On prie l’échange Si prega lo scambio Mensal Editado pela Diagraphic a partir do V.49 (10-12), 2000 Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998) ISSN 0047-2085 98-1981. 1. Psiquiatria - Periódicos brasileiros. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria CDD 616.89 CDU 616.89 Nossa Capa J.B J.B.. Sem título, 19/5/1986 Guache sobre papel Durante sua nona e mais longa internação no Ipub, J.B. apresentou, ao lado de sintomas esquizofrênicos já conhecidos, “quadro depressivo-ansioso com humor depressivo, idéias delirantes de culpa, ausência de planos para o futuro e parcial consciência da doença”. O relatório do monitor de praxiterapia assinala: “Paciente participa pouco das atividades programadas, não demonstra interesse por sua pintura, retraído e triste. Ao contrário de outras internações, não orienta os colegas nem tenta explicar sua produção”. Devido à seqüência de internações do paciente, torna-se difícil inferir se este surto foi uma recaída ou recidiva, com episódio de depressão pós-psicótica. De qualquer modo, além dos antipsicóticos, adicionou-se ao esquema terapêutico associação de 100mg/dia de imipramina e 400mg/dia de carbamazepina. A partir daí, o paciente voltou a freqüentar as sessões de psicoterapia de grupo e seu rendimento na praxiterapia melhorou, tornou-se comunicativo, voltou a ajudar os colegas, sugerir motivos para pinturas e passou a explicar aos monitores o conteúdo daquilo que produzia. Quando questionado ou quando alguém fazia reparos à sua pintura, rasgava o papel, limpava os pincéis e voltava imediatamente para a enfermaria. O quadro foi evoluindo favoravelmente e, ao final da internação, em 21/7/1986, o paciente teve alta “melhorado, em condições de permanecer em tratamento ambulatorial e continuar o grupo de psicoterapia do ambulatório”. O importante a se notar nesta instância é a aparição de sintomas depressivo-ansiosos em paciente esquizofrênico cronificado, após repetidas internações motivadas exclusivamente por sintomas esquizofrênicos e agitação psicomotora. O acerto das medidas terapêuticas adotadas é confirmado pelo comportamento do paciente na praxiterapia e pela retomada de sua produção artística, mais complexa, sem céu estrelado e arco-íris, tema recorrente em seus quadros que se encontram no acervo do Ipub. É uma pena que, por falta de programas de reinserção, as internações seguintes de J.B. não tenham sido evitadas. 84 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Sumário 87-96 Erikson Felipe Furtado Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância: um modelo conceitual para a psicopatologia do desenvolvimento Infant development of cognition and language: a conceptual framework in developmental psychopathology 97-107 Gabriel Ferreira Pheula; Cláudio Eduardo Müller Banzato; Paulo Dalgalarrondo Mania e gravidez: implicações para o tratamento farmacológico e proposta de manejo Mania and pregnancy: issues related to pharmacologic treatment and management proposal 109-116 Leconte de Lisle Coelho Júnior; Bernard Gontiès; Valdiney V. Gouveia Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes (Posit): adaptação brasileira Questionnaire to detect potential use of drugs among adolescents (Posit): an adaptation to the Brazilian reality 117-126 Marco Antônio Brasil; Julieta Mejia-Guevara Hepatite C, interferon e depressão: uma revisão (da série Depressão Induzida por Substâncias) Hepatitis C, interferon and depression: a review (from the Substance-Induced Depression series) 127-135 Flavio Jozef; Jorge Adelino Rodrigues da Silva Doença mental e comportamento violento: novas evidências da pesquisa Mental disease and violent behavior: new evidence from research 137-142 Douglas Dogol Sucar; Ewerton Botelho Sougey; Amaury Cantilino; Riane Marinho Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Drug interactions of noradrenergic/serotonergic antidepressants 143-158 Lúcia Abelha Lima; Marina Bandeira; Sylvia Gonçalves Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente (ILSS-BR) para pacientes psiquiátricos Transcultural validation of the Independent Living Skills Survey (ILSS-BR) for psychiatric patients Fontes de referência e indexação: Academia de Ciências da Rússia Biological Abstracts BLDSC – British Library Document Supply Center CAS – Chemical Abstracts Service of American Chemical Society Chemical Abstracts Embase/Excerpta Medica EMDOCS – Embase Document Delivery Service IBICT – Sumários Correntes Brasileiros INIST – Institute de L’information Scientifique et Technique KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences LILACS – Index Medicus Latino-Americano NISC Pennsylvania, Inc. Periódica – CICH-UNAM Psychoinfo – American Psychological Association Ulrich’s International Periodicals Directory UMI – University Microfilms International J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 85 Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância: um modelo conceitual para a psicopatologia do desenvolvimento Infant development of cognition and language: a conceptual framework in developmental psychopathology Recebido em: 25.09.02 Erikson Felipe Furtado Aprovado em: 11.12.02 Resumo O desenvolvimento da linguagem tem se tornado um tema muito importante para pesquisas no campo da psicopatologia do desenvolvimento. Este artigo faz uma revisão extensa sobre os processos mais importantes que estão envolvidos nos mecanismos da aquisição da linguagem pela criança no seu primeiro ano de vida, seguida de uma discussão sobre a relação entre estes processos e a ocorrência de psicopatologia na infância. Alguns achados das pesquisas nesta área têm oferecido suporte à hipótese de uma continuidade, ao invés de uma descontinuidade, que parece existir entre os primeiros sinais comunicativos do lactente, tais como gestos, expressão facial e vocalizações pré-verbais, e os marcos mais conhecidos do desenvolvimento da linguagem na criança. Os aspectos particulares concernentes à origem de um código simbólico – a origem da linguagem – são apresentados ao leitor. Unitermos desenvolvimento; linguagem; cognição; psicopatologia; infância Summary The issue of language development became a very important topic of research in the field of developmental psychopathology. The present article makes a comprehensive review on the most important processes underlying the mechanisms of infant language acquisition in the first year of life followed by a discussion on their relation to child psychopathology. Some research findings in this area have brought support to the hypothesis of a continuity instead of a discontinuity, that seems to exist from the infant initial communicative signals, such as gesture, facial expression and preverbal vocalizations, to the best known milestones of the child language development. The particular aspects concerning the origin of a symbolic code – the origin of language – are introduced to the reader. Uniterms development; language; cognition; psychopathology; infant development Professor-doutor do Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (2): 87-96, 2003 87 Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância Introdução A relação entre distúrbios da comunicação ou da linguagem e a ocorrência de psicopatologia na infância tem sido mencionada com freqüência na literatura especializada. Entretanto os aspectos particulares do desenvolvimento psicolingüístico envolvidos neste processo são menos conhecidos5. O nosso objetivo com o presente texto é apresentar uma revisão extensa do conhecimento atual sobre o tema, com o intuito de discutir um modelo conceitual sobre o desenvolvimento precoce da competência comunicativa humana e sobre os respectivos processos cognitivos relevantes associados ao surgimento de psicopatologia na infância. Nosso tema ocupa-se principalmente com o desenvolvimento da competência comunicativa no lactente, isto é, com o desenvolvimento prélingüístico nos primeiros doze meses de vida. Portanto os conceitos comunicação e competência que serão aqui utilizados devem ser primeiramente definidos de forma clara para o leitor: • comunicação significa um intercâmbio de informações35; • competência, por sua vez, representa uma capacidade inata, a qual evolui diante de exigências ambientais. A competência comunicativa é decisiva para os processos de socialização, pois já nos primeiros estágios de vida o recém-nascido envia seus primeiros sinais comunicativos que possibilitam o desencadeamento da interação entre o bebê e a pessoa que lhe presta cuidados. Isto fica mais claro através da seguinte afirmação feita por Brazelton: “Um bebê não é tão indefeso quanto parece, e existem sinais e mensagens de um bebê que podem guiar uma mãe e um pai iniciantes”11. Brazelton afirma que bebês silenciosos e passivos não têm sucesso em atrair a atenção dos adultos “cuidadores” e, portanto, apresentam um risco elevado para adoecimento11. Isto nos leva à consideração de que a competência comunicativa possui um significado evolutivo, pois aumenta as chances de sobrevivência de um bebê. A competência comunicativa tem como sua incumbência evolutiva obter, manter e assegurar a atenção das pessoas “cuidadoras”, além de permitir da 88 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Furtado parte destas a produção de reações adequadas de acordo com as necessidades do bebê13, 63. O conceito competência comunicativa, tal como será usado neste texto, não exige uma estrutura mental ou cognitiva que seja exclusiva e separada das demais funções mentais. A competência comunicativa deve ser compreendida muito mais como o resultado de um sistema, para o qual contribuem processos sensoriais, motores e cognitivos, de tal forma que desta associação se desenvolve uma função que serve ao estabelecimento da comunicação. Comunicação supõe motivação, assim como intencionalidade, atenção e reatividade. Visto que o conceito comunicação significa um intercâmbio de representações e/ou intenções entre pelo menos dois interlocutores, levanta-se a questão de se os lactentes de fato participam da interação como interlocutores. O requisito para isto é que as crianças reconheçam os esforços comunicativos de seu parceiro. A linguagem é uma ferramenta da comunicação. Entretanto, bem antes de obtermos o seu domínio, já existe comunicação53. Linguagem, portanto, é uma designação que não indica somente um canal vocal. Ela exige o conhecimento de um código para as representações de idéias sobre o mundo através de um sistema convencional de sinais atributivos57. Assim sendo, referimonos ao conceito de fala para designar as formas de comportamento motor relacionadas à comunicação verbal. A linguagem ocorre também na ausência da fala, como, por exemplo, na linguagem de sinais usada por deficientes auditivos, em que a mímica e os gestos, ou seja, o canal visual, incluem em si o caráter da linguagem, a propriedade de um código. Tem sido postulada uma continuidade entre a fase pré-lingüística, na primeira infância, e o posterior desenvolvimento da linguagem5. A fase prélingüística é caracterizada pela ausência de indicação objetiva de intencionalidade. Mais do que intencionalidade, esta fase é caracterizada por um apetite, uma ânsia de comunicar. Do ponto de vista da psiquiatria infanto-juvenil, para uma melhor compreensão dos processos psicopatológicos na infância, o desenvolvimento do uso da linguagem, ou o que se convencionou chamar de pragmática, é o que Furtado Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância mais nos interessa. Portanto, associaremos aqui o conceito de competência comunicativa com a pragmática da linguagem. Aquisição da linguagem no lactente Esquemas sensório-motores precoces A competência comunicativa pode ser postulada como uma capacidade primariamente inata em que esquemas sensório-motores interagem para propiciar o seu desenvolvimento diante das demandas ambientais. A capacidade de um lactente para comportamento conjunto (matching behavior), sobretudo para comportamento carregado de significado comunicativo, sustenta-se em esquemas sensório-motores que précondicionam a comunicação. A capacidade para atenção seletiva e para reação discriminativa, especialmente dos canais auditivo e visual, é a base para os esquemas que se desenvolverão a seguir48. Lactentes, já aos dois meses de idade, apresentam diferenças importantes quanto à sua reatividade para pessoas e objetos58. Isto indica uma atenção seletiva para sinais visuais e auditivos de origem humana. Em um estudo sobre comportamento imitativo em recém-nascidos, foram observados 40 recém-nascidos saudáveis com 72 horas de vida, que apresentaram comportamento imitativo para movimentos de cabeça e movimentos da língua. Os autores concluíram que mesmo recémnascidos são capazes de produzir coordenação motora e acoplamento de movimentos selecionados em situações de comportamento conjunto (joint behavior)41. Em situações reais, entretanto, são as mães que parecem mais ser imitadoras de seus bebês. A expressividade e a reatividade comunicativa da criança exigem uma alta complexidade da coordenação sensório-motora correspondente. Assim, tem sido defendida a existência de padrões de comportamentos inatos pré-programados, necessários para o estabelecimento do comportamento comunicativo, os quais não se deixam esclarecer somente pela limitada capacidade de aprendizagem do recém-nascido59, 60. Pesquisas em primatas reforçam a hipótese do desenvolvimento filogenético da competência comunicativa humana. Entretanto existe uma enorme diferença entre a linguagem humana e os sinais comunicativos do repertório de primatas, tanto natural quanto aprendido em laboratório50. Em resumo, a filogenia é responsável pela base da competência comunicativa humana, no entanto é a socialização no interior de uma determinada comunidade que determina o desenvolvimento posterior da competência comunicativa. A questão do papel dos problemas da interação entre forças filogenéticas e aprendizado social para a produção de distúrbios da comunicação permanece como uma questão aberta para futuros esforços de pesquisa. Desenvolvimento da linguagem perceptiva A avaliação da capacidade de percepção da fala pelo bebê é feita através das suas características isoladas, sobretudo pela sensibilidade sonora (capacidade de captação de ondas sonoras), e da capacidade de diferenciação e de localização de fontes sonoras. Nos últimos meses da gestação o feto já manifesta movimentos em resposta a estímulos sonoros suaves51. Vários estudos, apoiados nos resultados obtidos das modificações da freqüência cardíaca ou da presença de potenciais acústicos evocados, têm indicado que já algumas semanas antes do nascimento o feto possui um sentido auditivo funcionante2. Uma característica importante da percepção auditiva humana é demonstrada pelo bebê já nos primeiros meses através de sua marcada preferência pela voz humana. A discriminação entre ruídos do ambiente e vocalizações de uma pessoa conhecida inicia-se cedo no desenvolvimento61. Pode-se dizer então da existência de um apetite, de um desejo direcionado para as expressões vocais humanas, especialmente das vocalizações maternas32. De fato, recém-nascidos demonstram um evidente interesse pela voz humana, como também por alguma melodia a que tenham sido expostos antes ainda do nascimento20, 45. Mais tarde, a atenção do lactente será alcançada e mantida através das características prosódicas ou melódicas da fala (tempo, duração e freqüência), quando sob a forma da fala de bebê pelo adulto19, 23, 27. Tem sido verificado que recémJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 89 Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância nascidos e lactentes possuem a capacidade de percepção auditiva categorial. Esta é a base para a capacidade discriminativa para fonemas e sílabas de cada idioma falado no ambiente imediato da criança2, 22, 34, 42. O que provocam as vocalizações humanas nos lactentes? Um estudo procurou investigar as reações corporais de 16 recém-nascidos diante de vocalizações de adultos18. Os autores relataram uma sincronização das vocalizações dos adultos com a atividade motora da criança. Este efeito pôde ser confirmado tanto na situação em que a criança ouvia as vocalizações a partir de uma fita gravada de audiocassete, na ausência de qualquer pessoa, quanto também, da mesma forma, se lhe apresentava uma gravação de vocalizações em um idioma estrangeiro. O efeito não pôde ser confirmado, entretanto, diante de vocalizações isoladas18. A reação do bebê a vocalizações de adultos se manifesta preponderantemente através de comportamentos motores complexos e inter-relacionados. Estes são, sobretudo, a produção de sons vocais, a mímica facial e os movimentos das mãos, ou, mais precisamente, vocalizações positivas, sorriso, direcionamento do olhar e pointing (posicionamento do dedo indicador na forma de apontar)16, 21, 28, 30, 40, 58, 60. Sinais comunicativos provenientes de adultos podem provocar reações comportamentais no lactente, e estas podem ser interpretadas como sinais comunicativos do bebê, pela sua semelhança com o repertório comportamental comunicativo humano. Isto possibilita a interação e fala a favor de uma função senso perceptiva básica de valor comunicativo. As primeiras vocalizações Quando nasce uma criança, esta é indefesa e completamente dependente de auxílio externo. Isto leva-nos à compreensão do significado da primeira vocalização inata humana: o choro. Da mesma forma que para outros seres vivos, os sinais acústicos humanos são veículos de comunicação que têm o poder de transmitir informações35. Choro e gemidos são as vocalizações mais freqüentes do recém-nascido, sinalizando para a mãe o estado de fome, dor ou desconforto do bebê. A fre- 90 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Furtado qüência em que ocorre o choro inato reduz-se logo após as primeiras semanas de vida4. Suas características (intensidade, ritmo, etc.) tornam-se gradativamente diferenciadas com o tempo36. Mesmo que o choro inato do bebê e os ruídos fisioló- gicos pareçam contribuir pouco para o desenvolvimento posterior da linguagem44, eles pertencem ao repertório comunicativo do bebê e têm um caráter comunicativo para os pais e demais adultos. Tem sido verificado que a interpretação subjetiva, feita por adultos, em relação ao significado do choro do bebê ocorre mesmo em adultos sem experiência anterior12. De acordo com Herzka, as mães classificam a produção vocal de seus bebês em três categorias: • choros e gemidos; • balbucios; • gritos e risos36. Os bebês produzem também ruídos fisiológicos tais como espirros, suspiros, soluços, arrotos, etc., e vocalizações motoras, ou seja, sons vocais produzidos durante o esforço físico. As vocalizações do lactente podem ser classificadas também segundo o seu caráter informativo do estado emocional do bebê. Desta forma, surge uma classificação que divide as expressões vocais precoces da criança em vocalizações positivas ou negativas, vocalizações de bem-estar ou de desconforto36, 38, 62. Tem sido verificado que, mesmo em bebês de dois meses, as demais vocalizações diferentes do choro, especialmente as negativas, também recebem um valor comunicativo por parte dos pais47. Em um estudo sobre a relação entre vocalizações de lactentes nos primeiros quatro meses de vida e as reações dos pais, foi verificado que diferentes vocalizações, já nas primeiras duas semanas de vida, eram interpretadas como formas de expressão do estado emocional do bebê38. Sobretudo as vocalizações positivas do lactente revelaram-se capazes de provocar reações vocais e verbais dos pais. Enquanto que a freqüência dos sons vocais negativos e fisiológicos reduz-se drasticamente até o fim do terceiro mês, são produzidas cada vez mais vocalizações positivas. Principalmente afeto positivo, estimulação verbal, o uso da fala de bebê e a correta colocação de pausas, por parte dos Furtado Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância pais, auxiliarão a criança a produzir mais sílabas e consoantes no terceiro mês de vida8, 9, 36. No terceiro mês, o bebê demonstra surpresa com suas próprias vocalizações e começa a brincar com elas46. Esta atenção dirigida à própria voz é vista por muitos autores como um importante pré-requisito para o desenvolvimento da linguagem. Antigos estudos supunham o desenvolvimento fonológico do lactente normal como relativamente semelhante ao desenvolvimento de lactentes com deficiências auditivas, pelo menos em sua fase inicial. Pesquisas mais recentes33, 44 mostraram, no entanto, que a fase de lalação, ou balbucio, torna-se atrasada e prejudicada qualitativamente na presença de deficiência do sistema sensorial auditivo. O surgimento da produção canônica de sílabas (canonical babbling) apresenta, em lactentes saudáveis, uma variabilidade tão baixa, que foi recomendado como uma medida para o diagnóstico precoce de deficiências auditivas44. Assim, verifica-se que, embora a competência comunicativa esteja fundamentada em atributos inatos, a organização da fala é conseqüência de ambos, uma organização sensóriomotora íntegra e um aporte de estímulos auditivos adequado. Comunicação não-vocal através de mímica e gestos Padrões de movimentos musculares coordenados transmitem informações sobre o estado emocional e sobre o estado de vigilância da criança. Nossa atenção dirige-se, sobretudo, para a face, na busca dessas informações. Fronte, sobrancelhas, olhos, lábios e boca são os pontos de referência a partir dos quais movimentos musculares coordenados espelham e informam sobre o estado emocional de uma pessoa. Da mesma forma, os movimentos e o posicionamento da cabeça, das mãos e dos braços também podem auxiliar no reconhecimento de estados emocionais. Em indivíduos adultos, tais movimentos reforçam ou negam as expressões verbais. Isto é chamado de metacomunicação35. As formas de comportamento comunicativo não-verbal durante o primeiro ano de vida, excetuando-se o sorriso inato, o choro e a direção do olhar, têm sido pouco estudadas, mesmo apesar da comprovação, desde já algum tempo37, da capacidade do lactente de produção de expressões faciais representativas de estados emocionais. A capacidade do bebê de expressar emoções torna-se gradativamente mais diferenciada de acordo com o seu desenvolvimento cognitivo. Este processo pode ser descrito de maneira sucinta: a transição da expressão de dor, já presente ao nascimento (e exclusivamente sendo uma reação visceral), para uma expressão de desconsolo ou frustração no segundo ou terceiro mês ocorre em conseqüência do aparecimento dos processos de reação circular primária e antecipação simples29. Mais posteriormente, no primeiro ano de vida, a evolução algo tardia da primitiva expressão de dor em expressão de raiva decorre provavelmente da crescente capacidade da criança de apreensão de causalidade e intencionalidade. Nesta mesma direção, em conseqüência do desenvolvimento do processo de permanência de objeto, evolui a expressão de preocupação para incluir a expressão de medo. Entre o terceiro e o sexto mês de vida a criança já sorri ao ver sua mãe, mais freqüentemente do que o faria ao observar objetos. Na idade de seis meses o sorriso acompanha os atos espontâneos e intencionais de busca e alcance de objetos, e da mesma forma o sorriso passa a ser utilizado regularmente no controle de interação social, ao provocar adultos trazendo-os para situações de jogos, como, por exemplo, no ato de experimentar objetos29. Enquanto as formas de expressão não-verbais ocorrem preponderantemente diante de estados emocionais positivos ou negativos, existem outras formas de expressão que ocorrem especialmente diante de estados neutros de vigilância atenta (attentional state), como, por exemplo, o pointing, a extensão do dedo indicador no ato de apontar. Lactentes mais velhos e crianças pequenas utilizam-se de outros gestos como auxílio para diferentes propósitos de comunicação. Quando da ocasião do surgimento das primeiras palavras, a criança utiliza-se de gestos, que servem para que objetos e situações possam ser identificados, descritos, solicitados, rejeitados ou, ainda, servem para atribuição de predicados1, 5, 6, 13, 14, 57. O uso de mímica e gestos pode ser observado em crianças surdas que desenvolvem espontaneamente uma linguagem de sinais, que, tal como a linguagem verbal, está representada no hemisfério cerebral esquerdo. Diante de uma lesão do J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 91 Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância hemisfério esquerdo pode ocorrer uma afasia para linguagem de sinais. Lactentes saudáveis, tendo aprendido uma linguagem de sinais no primeiro ano de vida, encontram-se em melhores condições para a produção de mensagens com simbolismo1. Disto se infere, para alguns autores, que estes achados constituem-se em indicadores da precondição temporal dos símbolos gestuais no repertório comunicativo da criança1. Principalmente o pointing confirma-se como uma habilidade ou competência que, surgida precocemente, revela-se significativa para o posterior desenvolvimento da linguagem. Tem sido observado que a criança começa, no segundo mês de vida, a produzir movimentos coordenados de mãos, braços e dedos em situações de interação social 58, 60. Semelhantemente, têm sido relatadas observações dos movimentos de mãos e dedos, em interações sociais, de lactentes cegos desde o nascimento31. Aos dois e três meses de vida, o pointing ocorre freqüentemente antes e após vocalizações e movimentos bucais (mouthing), e aos seis meses, diante de comportamento de orientação frente a um objeto29. No último trimestre do primeiro ano de vida, o pointing evolui como uma forma específica de nomeação e indicação gestual. A avaliação de algumas formas de comunicação não-verbal pode ser utilizada como meio diagnóstico auxiliar, com possível aplicação prática57. Entre os gestos utilizados na comunicação é sobretudo o pointing o melhor preditor do desenvolvimento da linguagem a partir do início da fase de palavras isoladas, aos nove meses de idade57. Cognição e aquisição da linguagem no primeiro ano de vida A capacidade para discriminação de categorias e classes de fonemas é importante para o surgimento da competência lingüística. O desenvolvimento cognitivo encontra-se associado ao desenvolvimento da percepção seletiva visual e auditiva através do processo de construção de classes categoriais. Inicia-se cedo no desenvolvimento do bebê uma forma de ordenação e classificação de fenômenos acústicos e visuais, que revela a presença e a importância dos processos cognitivos para o desenvolvimento posterior da linguagem22. Mesmo que não se possa falar propriamente da ocorrência de linguagem nos primeiros meses de vida, podem-se encontrar aí os seus primeiros 92 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Furtado traços. Conforme Bruner, para o estudo dos precursores da linguagem, devemos dirigir nossa atenção para o problema da construção das relações entre sinais e objetos ( reference production)14, 15. O desenvolvimento de processos para a apropriação e utilização de uma taxonomia delimitada seria, a seu ver, o problema psicológico principal do período prélingüístico. Estes processos são por ele denominados de indicating, deixis e naming. Indicating refere-se aos gestos e vocalizações que produzem o direcionamento da atenção do interlocutor para um objeto, uma ação ou um estado. Deixis referese à manipulação de contextos temporoespaciais, os quais contribuem para o surgimento de um sistema de referência conjunta (joint reference). Naming refere-se a um léxico padrão, o qual é utilizado no ambiente familiar da criança e de seu cuidador. Conforme achados de observações, pode-se identificar a presença do processo de indicating em lactentes já aos quatro meses de idade14. A fim de exemplificar melhor os conceitos acima tomaremos a situação habitual de um bebê faminto, o qual procura informar sua mãe de que tem fome através de movimentos do olhar em direção à cozinha, alternando com curtas vocalizações lamentosas (indicating). A mãe, ao acompanhar o insistente olhar de sua criança, traz-lhe então algo para comer. Toda a situação em si oferece um contexto global, no qual hora, local e objetos contribuem para a referência ao horário da comida e ao comer (deixis). Assim formam-se associações entre comportamento, contexto e palavras (sinais acústicos), fechando o processo do naming. Resumindo, o papel do desenvolvimento cognitivo para o desenvolvimento da linguagem, no lactente, pode ser compreendido através do desenvolvimento da capacidade de imitação ativa, da integração sensorial, da intencionalidade e da apreensão de causalidade, os quais conduzem a competência comunicativa na direção do desenvolvimento da linguagem verbal. Desenvolvimento da linguagem e psicopatologia Tem sido discutida intensamente a questão da relação entre as formas de comportamento comu- Furtado Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância nicativo que se iniciam nos primeiros meses de vida e o desenvolvimento de psicopatologia29. A competência comunicativa de um bebê aos três meses deve, no entanto, sobretudo influenciar o seu momento atual do desenvolvimento muito mais do que demonstrar utilidade para qualquer outro momento no desenvolvimento futuro. As possíveis conseqüências futuras acontecerão através de um complexo mecanismo de interação entre fatores individuais e condicionantes ambientais49. O significado atual da interação social para lactentes aos três meses foi investigado através da observação experimental do desempenho de lactentes em um exercício de contingência nãosocial, logo após uma interação com suas mães. Através disto foi confirmada uma relação entre a duração de episódios de diálogo vocal mãe–filho e o desempenho do bebê21. Isto fala a favor de uma relação precoce entre operações comunicativas e favorecimento de competência cognitiva. Durante a fase pré-lingüística, são encontrados problemas do desenvolvimento da linguagem junto a determinados transtornos psicopatológicos precoces, sobretudo nos chamados transtornos globais do desenvolvimento52. Autismo é um exemplo extremo da relação entre prejuízo da competência comunicativa e surgimento de um complexo quadro de adoecimento psíquico. A produção de sílabas em crianças portadoras da síndrome autista apresenta-se prejudicada qualitativa e quantitativamente já no primeiro ano de vida53. Cerca de 15% dos irmãos de crianças autistas apresentam transtornos da linguagem, dificuldades de aprendizagem e/ou um retardo52. Distúrbios da comunicação são encontrados com maior freqüência em famílias que possuem um membro portador de autismo52. O papel da competência comunicativa e da linguagem para o desenvolvimento de transtornos psicopatológicos pode ser reconhecido através da alta prevalência de problemas psiquiátricos em crianças com distúrbios da linguagem7. A maioria dos estudos que se ocuparam desta questão foi realizada com crianças em idade escolar e pré-escolar26. Se incluirmos também o grupo das crianças com transtornos cognitivos parciais ou específicos, os quais são em boa parte caracterizados por apresentarem distúrbios da fala e da linguagem, reconheceremos que não somente a psicopatologia atual, mas tam- bém características de desempenho (as quais servem corriqueiramente como preditores que prognosticam problemas psiquiátricos), incluem freqüentemente transtornos da linguagem25. Transtornos da leitura e da escrita podem ser compreendidos, da mesma forma, como problemas das funções responsáveis pela linguagem39. Em vista disto, tem-se um largo espectro em que os elementos da competência comunicativa em evolução (a pragmática, a percepção, a expressão, etc.) relacionam-se de alguma forma com o desenvolvimento de psicopatologia. A presença de processos lingüísticos prejudicados ocorrendo em variados padrões de transtornos17 torna a nossa procura de uma relação direta entre ambos os fenômenos mais difícil. Entretanto é óbvio que com a progressão do desenvolvimento da criança as relações entre linguagem e cognição aumentam de forma crescente55. A linguagem incorpora-se como uma ferramenta preciosa para o desenvolvimento cognitivo, influenciando o raciocínio, as concepções de tempo e espaço, a expressão de sentimentos e a formação de conceitos. A linguagem participa ainda como uma ferramenta fundamental para a formação de categorias mentais, idéias e conceitos17, 53, 55. Ao considerarmos os precursores da linguagem, através da avaliação da competência comunicativa no bebê, poderemos mapear os processos psicopatológicos ao longo do desenvolvimento. Os fatores que contribuem para desvios do desenvolvimento normal da competência comunicativa no primeiro ano de vida podem ser classificados em primários ou secundários, ou, ainda, condicionados hereditariamente ou ambientalmente. No bebê, encontramos variações normais do desenvolvimento cognitivo41, da reatividade diante de interação humana, da sensibilidade social, da produção vocal, etc. Lactentes são parceiros ativos em uma interação e, portanto, suas características de desempenho podem influenciar a qualidade da interação mãe–filho. Bebês que produzem mais vocalizações positivas recebem mais freqüentemente uma resposta verbal e, através disto, são conseqüentemente mais estimulados. Portanto as vocalizações positivas do bebê têm conseqüências para o desenvolvimento de uma boa interação mãe–filho e, por conseguinte, para o seu próprio bom desenvolvimento da linguagem38. A J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 93 Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância interação desses fatores, em situações de déficits, pode contribuir para o desenvolvimento de psicopatologia. A constatação de uma continuidade dos elementos pré-lingüísticos até a linguagem presente na idade escolar e pré-escolar5 e a sua relação com psicopatologia3, 10, 17, 24, 43 falam a favor de um maior investimento em pesquisas no campo da comunicação e da psicopatologia no primeiro ano de vida. Furtado O investimento na investigação de processos patológicos do desenvolvimento, reconhecido hoje como uma disciplina acadêmica autônoma, a psicopatologia do desenvolvimento, poderá contribuir ainda mais para o desenvolvimento de meios e instrumentos mais efetivos para o diagnóstico e tratamento precoces de transtornos psiquiátricos da infância e da adolescência54, 56. Referências 1. Acredolo L, Goodwyn S. Symbolic gesturing in normal infants. Child Development 1988; 59: 450-66. 2. Aslin RN. Visual and auditory development in infancy. In: Osofsky JD, editor. Handbook of infant development, 2nd ed. New York: John Wiley & Sons; 1987. 3. Baker L, Cantwell DP. Psychiatric disorder in children with different types of communication disorders. Journal of Communication Disorders 1982; 15: 113-26. 4. Barr RG. The normal crying curve: what do we really know? Developmental Medicine and Child Neurology 1990; 32: 356-62. 5. Bates E, O’Connell B, Shore C. Language and communication in infancy. In: Osofsky JD, editor. Handbook of infant development, 2 nd ed. New York: John Wiley & Sons; 1987. 6. Bates E, Thal D, Fenson, L, Whitesell K, Oakes L. Integrating language and gesture in infancy. Developmental Psychology 1989; 25(6): 1004-19. 7. Berger F, Amorosa H, Scheimann G. Psychiatrische Auffälligkeiten bei sprachauffälligen Kindern mit und ohne minimale zerebrale Dysfunktion. Zeitschrift für Kinder-undJugendpsychiatrie 1990; 18: 71-78. 8. Bloom K. Duration of early vocal sounds. Infant Behavior and Development 1989; 12: 245-50. 9. Bloom K. Quality of adult vocalizations affects the quality of infant vocalizations. Journal of Child Language 1988; 15: 469-80. 94 14. Bruner JS. Early social interaction and language acquisition. In: Schaffer HR, editor. Studies in mother–infant interactions. London: Academic Press; 1977. 15. Bruner JS. The ontogenesis of speech acts. Journal of Child Language 1975; 2(1): 1-19. 16. Bruser E. Intradyadische Abstimmungsprozesse: Zur Entwicklung der frühen face-to-face Interaktion von Säugling und Bezugsperson [dissertation]. Berlin: Freie Universität Berlin; 1985. 17. Cantwell DP, Baker L. Speech and language: development and disorders. In: Rutter M, Hersov L, editors. Child and adolescent psychiatry – modern approaches, 2nd ed. Oxford: Blackwell Scientific Publications; 1985. 18. Condon WS, Sander LW. Synchrony demonstrated between movements of the neonate and adult speech. Child Development 1974; 45: 456-62. 19. Cooper RP, Aslin RN. Preference for infant-directed speech in the first month after birth. Child Development 1990; 61: 1584-95. 20. Decasper AJ, Spence MJ. Newborns prefer a familiar story over an unfamiliar one. Infant Behavior and Development 1986; 9: 133-50. 21. Dunham P, Dunham F. Effects of mother–infant social interactions on infants’ subsequent contingency task performance. Child Development 1990; 61: 785-93. 22. Eimas PD, Siqueland ER, Jusczyk P, Vigorito J. Speech perception in infants. Science 1971; 171: 303-6. 10. Bosch G. Störungen der Sprachentwicklung aus kinderpsychiatrischer Sicht. Zeitschrift für Kinder-undJugendpsychiatrie 1974; 2: 42-58. 23. Elias G, Hayes A, Broerse J. Aspects of structure and content of maternal talk with infants. Journal of Child Psychology and Psychiatry 1988; 29(4): 523-31. 11. Brazelton TB. Behavioral competence of the newborn infant. Seminars in Perinatology 1979; 3(1): 35-44. 12. Brennan M, Kirkland J. Classification of infant cries using descriptive scales. Infant Behavior and Development 1982; 5: 341-46. 24. Esser G, Lehmkuhl G, Schmidt M. Die beziehung von sprechstörungen und sprachlichem entwicklungsstand zur zerebralen dysfunktion und psychiatrischen auffälligkeiten bei 8jährigen grundschülern. Sprache – Stimme – Gehör 1983; 7: 59-62. 13. Bruner J, Roy C, Ratner N. The beginnings of request. In: Nelson KE, editor. Children’s language, v. 3. London: Lawrence Erlbaum Associates; 1982. 25. Esser G. Bedeutung und langfristiger verlauf umschriebener entwicklungsstörungen [dissertation]. Mannheim: Fakultät für Klinische Medizin Mannheim der Universität Heidelberg; 1990. J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Furtado 26. Esser G. Über den zusammenhang von verhaltens – und leistungsstörungen (und grundschulalter) [dissertation]. Mannheim: Universität Mannheim; 1980. 27. Fernald A. Intonation and communicative intent in mothers’ speech to infants: is the melody the message? Child Development 1989; 60: 1497-510. 28. Fogel A, Hannan TE. Manual actions of nine-to-fifteen-weekold human infants during face-to-face interaction with their mothers. Child Development 1985; 56: 1271-79. 29. Fogel A, Thelen E. Development of early expressive and communicative action: reinterpreting the evidence from a dynamic systems perspective. Developmental Psychology 1987; 23: 747-61. 30. Fogel A. Early adult–infant face-to-face interaction: expectable sequences of behavior. Journal of Pediatric Psychology 1982; 7: 1-22. 31. Fraiberg S. Blind infants and their mother: an examination of sign system. In: Lewis M, Rosenblum LA, editors. The effect of the infant on its caregiver. New York: John Wiley & Sons; 1974. 32. Friedlander BZ. Receptive language development in infancy: issues and problems. Merril-Palmer Quarterly 1970; 16: 7-51. 33. Gilbert JHV. Babbling and the deaf child: a commentary on Lenneberg et al. (1965) and Lenneberg (1967). Journal of Child Language 1982; 9: 511-15. 34. Golinkoff RM, Hirsh-Pasek K. Let the mute speak: what infants can tell us about language acquisition. Merril-Palmer Quarterly 1990; 36(1): 67-92. 35. Helversen OV, Scherer KR. Nonverbale kommunikation. In: Immelmann K, Scherer K, Vogel C, Schmock P, editors. Psychologie – Grundlagen des Verhaltens. Stuttgart: Gustav Fischer. New York/Weinheim: Psychologie Verlags Union; 1988, p. 609-47. 36. Herzka HS. Gesicht und sprache des säuglings. Basel: Schwabe & Co.; 1979. Desenvolvimento da cognição e da linguagem na infância 42. Miller JL, Jusczyk P. Seeking the neurobiological bases of speech perception. Cognition 1989; 33: 111-37. 43. Nijokiktjien C. Dysphatische entwicklung: klinische bedeutung und neurologische hintergründe. Acta Paedopsychiatrica 1990; 53: 126-37. 44. Oller DK, Eilers RE. The role of audition in infant babbling. Child Development 1988; 59: 441-9. 45. Panneton RK. Prenatal experience with melodies: effect on postnatal auditory preference in human newborns [dissertation]. Greensboro: University of North Carolina at Greensboro; 1985. 46. Papousek M, Papousek H. Stimmliche kommunikation im frühen säuglingsalter als wegbereiter der sprachentwicklung. In: Keller H, editor. Handbuch der kleinkindforschung. Berlin: Springer; 1989. 47. Papousek M. Determinants of responsiveness to infant vocal expression of emotional state. Infant Behavior and Development 1989; 12: 507-24. 48. Petersen GA. Cognitive development in infancy. In: Wolman BB, editor. Handbook of developmental psychology. New Jersey: Prentice-Hall; 1982. 49. Remschmidt H. Developmental psychopathology as a theoretical framework for child and adolescent psychiatry. In: Schmidt MH, Remschmidt H, editors. Needs and prospects of child and adolescent psychiatry. Toronto-Lewiston: Hogrefe & Huber Publishers; 1989. 50. Rumbaugh DM. Comparative psychology and the great apes: their competence in learning, language and numbers. The Psychological Record 1990; 40: 15-39. 51. Rutter M, Bax M. Normal development of speech and language. In: Rutter M, Martin JAM, editors. The child with delayed speech. London: Simp; 1972. 52. Rutter M. Autism. In: Rutter M, Hersov I, editors. Child and Adolescent Psychiatry – Modern Approaches. 2nd ed. Oxford: Blackell Scientific Publications; 1985. 37. Izard CE, Hübner RR, Risser D, McGuinnes GC, Dougherty LM. The young infant’s ability to produce discrete emotion expressions. Developmental Psychology 1980; 16(2): 132-40. 53. Rutter M. Clinical assessment of language disordes in the young child. In: Rutter M, Martin JAM, editors. The child with delayed speech. London: Simp; 1972. 38. Keller H, Schölmerich A. Infant vocalizations and parental reactions during the first four months of life. Developmental Psychology 1987; 23(1): 62-7. 54. Schmidt MH, Remschmidt H. Forschung in der kinder-und jungendpsychiatrie. Deutsche gesellschaft für kinder-und jungendpsychiatrie; 1989. 39. Lapadat JC. Pragmatic language skills of students with language and/or learning disabilities: a quantitative synthesis. Journal of Learning Disabilities 1991; 3(24): 147-58. 55. Schmidt MH. Entwicklung und ihre varianten in der k i n d h e i t . I n : K i s k e r K P, e d i t o r. P s y c h i a t r i e d e r gegenwart – band 7: kinder-und jugendpsychiatrie. Berlin: Springer; 1988. 40. Legerstee M, Corter C, Kienapple K. Hand, arm and facial actions of young infants to a social and nonsocial stimulus. Child Development 1990; 61: 774-84. 41. Meltzoff AN, Moore MK. Imitation in newborn infants: exploring the range of gestures imitated and the underlying mechanisms. Developmental Psychology 1989; 25(6): 954-62. 56. Schmidt MH. Epidemiology: perspectives of future research. In: Schmidt MH, Remschmidt H, editors. Needs and prospects of child and adolescent psychiatry. TorontoLewiston: Hogrefe & Huber; 1989. 57. Thal D, Bates E. Language and communication in early childhood. Pediatric Annals 1989; 18(5): 299-305. J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 95 58. Trevarthen C. Descriptive analyses of infant communicative behaviour. In: Schaffer HR, editor. Studies in mother–infant interactions. London: Academic Press; 1977. 62. Young G, Decarie TG. An ethology-based catalogue of facial/ vocal behaviour in infancy. Animal Behavior 1977; 25: 95107. 59. Trevarthen C. Language mechanisms in the brain development. In: Adelman G, editor. Encyclopedia of neuroscience v. 1. Basel: Birkhäuser; 1987. 63. Zukow PG, Reilly J, Greenfield PM. Making the absent present: facilitating the transition from sensorimotor to linguistic communications. In: Nelson KE, editor. Children’s language. v. 3. London: Lawrence Erlbaum Associates; 1982. 60. Trevarthen C. The psychobiology of speech development. Language and brain: developmental aspects. Neurosciences Research Program Bulletin 1974; 12: 570-85. 61. Walk RD. Perception. In: Rutter M, editor. Scientific foundations of developmental psychiatry. London: William Heinemann Medical Books; 1980. Jornal Brasileiro de Psiquiatria Endereço para correspondência Erikson Felipe Furtado Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo Av. dos Bandeirantes 3.900 – Campus da USP CEP 14049-900 – Ribeirão Preto-SP e-mail: [email protected] 96 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Mania e gravidez: implicações para o tratamento farmacológico e proposta de manejo Mania and pregnancy: issues related to pharmacologic treatment and management proposal Gabriel Ferreira Pheula1; Cláudio Eduardo Müller Banzato2; Paulo Dalgalarrondo3 Recebido em: 06.11.02 Aprovado em: 09.12.02 Resumo O tratamento de doenças psiquiátricas na gravidez é complexo, implicando decisões clínicas difíceis, sem contar-se com dados da literatura que embasem amplamente estas decisões. O transtorno afetivo bipolar é comum em mulheres em idade fértil, e há alto risco de ocorrência de manifestações clínicas na gravidez e no período pós-parto. Os autores revisam o conhecimento atual sobre o uso de psicotrópicos para episódio maníaco na gravidez e o efeito no desenvolvimento fetal e da criança. Enfatizam que, hoje, o uso de psicotrópicos na gravidez é apropriado em muitas situações clínicas, mas nenhuma decisão é completamente isenta de risco. Também apresentam uma proposta de manejo da doença em relação ao uso de psicotrópicos na gravidez, para pacientes com transtorno bipolar, e para aquelas que desejam engravidar. Unitermos mania; transtorno bipolar; gravidez; psicofarmacologia; manejo; tratamento Summary The management of psychiatric disorders during pregnancy is complex, including clinical decisions which are difficult, and there is no sufficient data regarding this management in medical literature. Bipolar disorder occurs commonly in women during childbearing years, and there is high risk of recurrence during pregnancy and postpartum period. The authors review the existing data regarding the use of psychotropic agents in mania, and the impact on infant and childhood development. It is emphasized that nowadays the use of psychotropic medications during pregnancy is appropriate in many clinical situations, but no decision is risk-free. Moreover, a guideline is presented for psychotropic drug use during pregnancy and for bipolar women who wish to conceive. Uniterms mania; bipolar disorder; pregnancy; psychopharmacology; management; treatment ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Introdução Transtornos psiquiátricos graves causam uma série de riscos para a mulher gestante e para o feto, sendo estes proporcionais a fatores como intensidade dos sintomas e do descontrole compor- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tamental associado ao transtorno mental40. Estes efeitos incluem recusa a cuidados pré-natais, incapacidade de seguir orientações médicas, desnutrição, abuso e dependência de álcool e drogas, tabagismo, risco de suicídio e de auto-indução de parto, além de alteração da ca- 1Pediatra; residente de Psiquiatria do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 2Professor-assistente; doutor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. 3Professor livre-docente do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (2): 97-107, 2003 97 Pheula et al. Mania e gravidez pacidade de julgamento, incluindo risco de relação sexual sem proteção. Desta forma, são relativamente previsíveis os riscos de uma gestante com transtorno psiquiátrico grave sem tratamento1. Existem poucos estudos a respeito da evolução e do tratamento do transtorno bipolar na gravidez, assim como sobre os quadros maníacos e hipomaníacos que eclodem especificamente durante a gestação. Dados iniciais indicaram que a gravidez seria considerada fator de proteção para doenças afetivas em geral, além de diminuir o risco de suicídio22. No entanto, atualmente estes dados são questionados, e há evidências de alto risco da ocorrência de transtornos de humor em mulheres em idade fértil, com o pico de prevalência ocorrendo entre 25 e 44 anos35. A conduta médica padrão tradicionalmente incluía até há pouco tempo a suspensão da medicação3. Entretanto é sabido que pacientes psiquiátricos constituem população com alta prevalência de gravidez indesejada40 devido à freqüente falta de insight da doença, menor planejamento e controle comportamental, além da possível interação medicamentosa entre anticoncepcionais e psicotrópicos, reduzindo a efetividade daqueles35. Preocupados com a carência de dados sobre este tema, Viguera et al.40 estudaram a evolução da doença bipolar em 101 pacientes divididas entre gestantes e não-gestantes, todas mantidas sem medicação por 40 semanas. Verificaram que o risco de recorrência foi igual entre as duas populações durante a gravidez, mas foi maior no período pós-parto do que nas pacientes não-grávidas. Também constataram que o risco de recorrência foi maior em pacientes que fizeram retirada rápida da medicação (menos de duas semanas) e em pacientes que tiveram quatro ou mais episódios de doença afetiva anterior. Desta forma, a retirada abrupta da medicação pode contribuir para um alto risco de recorrência. Kastrup et al.18 verificaram um aumento de oito vezes nas admissões hospitalares de pacientes bipolares no primeiro mês de gestação. Assim, considera-se que, em média, com a retirada lenta da medicação, o risco de recaída é igual entre gestantes e controles nos primeiros seis meses, sendo de cerca de 50%39. Sharma et al. relataram os casos de três pacientes portadoras de transtorno bipolar do tipo II que se mantiveram eutímicas e sem medicação durante a gestação, sugerindo que, possivelmente, pacientes com transtorno 98 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 bipolar do tipo II talvez tenham uma melhor resposta a esta conduta34. A exposição a drogas psicotrópicas envolve uma série de riscos ao feto, os quais incluem malformações orgânicas decorrentes da exposição no período da embriogênese (primeiras 12 semanas), síndromes perinatais pelo uso da droga no período próximo ao parto, além de alterações neurocomportamentais de aparecimento tardio, geralmente no período escolar, surgindo na forma de retardo de amadurecimento comportamental e problemas de aprendizagem1, 3. O objetivo deste estudo é fazer uma revisão de literatura sobre o tema, apresentar alguns casos ilustrativos e formular uma proposta de manejo de mania na gestação, considerando o conjunto de evidências atuais à disposição na literatura. Uso de psicotrópicos em episódio maníaco na gestação As drogas utilizadas em episódios maníacos incluem os estabilizadores do humor, que compreendem o lítio e os anticonvulsivantes, notadamente a carbamazepina e o ácido valpróico, além de outros mais recentes: a lamotrigina, o topiramato e a gabapentina. Também são utilizados os antipsicóticos para controle de sintomas psicóticos e agitações psicomotoras graves, além de benzodiazepínicos em quadros de inquietude e agitação importantes33. A Food and Drug Administration (FDA) não aprovou nenhuma das drogas psicotrópicas para uso na gestação, a despeito do uso freqüente35. Logo, constitui-se em um dilema, nestes casos, verificar a relação entre o risco de exposição aos efeitos teratogênicos de uma droga contra o impacto da doença não-tratada, em relação ao prognóstico materno e fetal. Baseada nesta premissa, a FDA elaborou um protocolo de estratificação de risco na gestação, a fim de auxiliar na decisão Quadro 11). clínica (Quadro Os estudos sobre as estimativas de risco materno-fetal na gestação são, na sua maioria, dos tipos caso-controle ou coorte retrospectivo e, devido à limitação metodológica inerente, apresentam maior freqüência de bias e fatores de confusão, com menores validades interna e externa35. Não há ensaios clínicos randomizados, do tipo duplo-cego, prospectivos e controlados sobre o as- Pheula et al. Mania e gravidez Quadro 1 – Estratificação de risco na gravidez, segundo o FDA3 A – Estudos controlados não mostram risco. Estudos adequados e bem controlados em mulheres grávidas não demonstraram risco no feto. B – Não há evidência de risco em humanos. Os estudos em animais ou não mostram riscos, ou mostram, mas não em humanos. C – Risco não pode ser descartado. Não existem estudos em humanos, e os estudos em animais ou mostram riscos no feto ou não existem. Entretanto os benefícios podem superar os riscos. D – Evidência positiva de risco. Dados de investigação ou pós-comercialização mostram risco para o feto. Entretanto os benefícios podem superar os riscos. X – Contra-indicada na gravidez. Estudos em animais ou humanos, ou dados de investigação ou pós-comercialização, mostram risco fetal que claramente supera qualquer benefício ao paciente. sunto, devido ao imperativo ético. Considerandose isto, tem-se discutido a real validade de uma estratificação de risco conforme a descrita acima, pois na época ainda não havia metanálises sobre o assunto, as quais aumentaram o poder estatístico destes estudos pelo aumento da amostra. Baseados nisto, Viguera et al.38 propuseram, em 2002, uma nova classificação das drogas psicotrópicas conforme o potencial teratogênico. O Quadro 2 apresenta as propostas de classificação das drogas utilizadas em quadros maníacos de transtorno bipolar, considerando as duas formas de estratificação citadas. A seguir, é feita uma breve revisão das evidências disponíveis sobre risco de uso dos principais psicofármacos utilizados nos episódios maníacos de transtorno bipolar. Neste trabalho, o risco de uso de um psicofármaco será muitas vezes exposto utilizando-se o conceito de risco relativo (RR). O risco relativo é a medida de associação comumente utilizada nos estudos de coorte, compreendendo a relação entre a incidência de malformação, ou outro desfecho clínico, em fetos expostos ou não ao fármaco, e o fator em estudo. Desta forma, o valor expressa a força ou magnitude da associação entre o fator e a resultante clínica. Assim, valores menores que 1 indicam que o fator confere proteção para o desfecho (a ocorrência de malformações). Caso o valor seja igual a 1, não há relação entre os dois, e, se for maior do que 1, indica um risco maior para o evento clínico. Quadro 2 – Classificação das drogas utilizadas em episódios maníacos, segundo as formas de estratificação9, 38 Droga Lítio Carbamazepina Ácido valpróico Anticonvulsivantes novos Gabapentina Lamotrigina Benzodiazepínicos Clonazepam Alprazolam Clordiazepóxido Diazepam Lorazepam Antipsicóticos típicos Haloperidol Clorpromazina Levomepromazina Tioridazina Trifluoperazina Antipsicóticos atípicos Risperidona Olanzapina Quetiapina Clozapina Classificação do FDA (2000) Classificação de Viguera et al. (2002) D C D Risco moderado Alto risco Alto risco C C Risco desconhecido C D D D D Não-avaliado C C C C C Baixo risco (preferir os de alta potência) C C C B Risco desconhecido J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 99 Pheula et al. Mania e gravidez Lítio e gravidez Em relação ao lítio, os relatos iniciais do International Register of Lithium Babies revelaram taxas significativas de malformações cardíacas em fetos expostos no período pré-natal, principalmente anomalia de Ebstein (má disposição dos folhetos tricúspides, com decorrente insuficiência tricúspide, dilatação de ventrículo direito e, ocasio- nalmente, defeito de septo ventricular), sendo o risco relativo (RR) de 40031. Estudos mais recentes revelaram que houve limitações metodológicas, com superestimação dos efeitos, pois os dados analisados eram provenientes de relatos voluntários dos médicos25. Cohen11 avaliou todos os estudos publicados até 1994, com delineamento de coorte e caso-controle. Deste, o único estudo de coorte com validade interna foi o de Kallen17, que encontrou um RR de 3 para malformações gerais e de 7,7 para malformações cardíacas, sendo que os outros apresentaram baixa prevalência de casos. O outro estudo, de Jacobson16, avaliou 148 usuárias de lítio no primeiro trimestre, pareado com controles, tendo encontrado um feto com anomalia de Ebstein entre os casos e um lactente no grupo de controle com defeito de septo ventricular. Na revisão de Cohen, os quatro estudos de caso-controle avaliados totalizaram 200 crianças com anomalia de Ebstein, sendo que nenhuma delas apresentou mãe usuária de lítio. Concluiu, então, que existe um maior RR com o uso de lítio (incidência de 1/1.000-1/2.000) em relação à população geral (incidência de 1/ 20.000, ou seja, risco de 10 a 20 vezes). Desta forma, identificou-se que a prevalência de anomalia de Ebstein em usuárias de lítio é de 0,05% a 0,1%, de tal forma que o risco absoluto foi considerado pequeno. O risco absoluto considera a magnitude do risco relativo em termos populacionais, sendo pequeno pela baixa prevalência do efeito teratogênico. Em termos gerais, considera-se que a melhor estimativa do risco de malformações congênitas maiores em fetos de usuárias de lítio na gestação situa-se entre 4% e 12%, sendo de 2% a 4% na população geral11. O uso de lítio não foi associado a alterações neurocomportamentais. Existem dois relatos de associação de poliidrâmnio com uso de lítio no segundo trimestre, possivelmente relacionados com a ocorrência de diabetes insípido nefrogênico5. Em um deles, o neonato apresentou sinais de intoxicação ao nascimento, conforme descrito abaixo. No entanto o uso no terceiro trimestre pode estar associa100 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 do, principalmente em níveis tóxicos, com bócio fetal, além de efeitos no neonato decorrentes de intoxicação, incluindo cianose, hipotonia, hepatomegalia, sangramento gastrintestinal, convulsões e alterações cardíacas (bradicardia, flutter atrial, inversão de onda T), os quais são reversíveis em sete a 14 dias3. Anticonvulsivantes usados como estabilizadores do humor e gravidez A carbamazepina, na gestação, está associada a um risco duas vezes maior de malformações, particularmente espinha bífida35. Ocorre em 1% dos casos, sendo que, na população geral, a incidência é de 0,03%35. Esta malformação, que ocorre após exposição nos dois primeiros trimestres, é ainda mais prevalente com o ácido valpróico, ocorrendo em 3% a 6% dos casos. Também há relatos de autismo associado a exposição ao ácido valpróico no primeiro trimestre, além de malformações cardíacas e de ossos longos42. Os dois fármacos podem causar a chamada face anticonvulsivante, antigamente relacionada apenas com a fenitoína. Esta caracteriza-se por hipoplasia de região média de face, com nariz curto, narinas evertidas e lábio superior longo. Não há evidências de alterações neurocomportamentais relacionadas a anticonvulsivantes usados para o tratamento de doença bipolar, ao contrário da fenitoína, cujo uso na gestação está associado a retardo de desenvolvimento neuropsicomotor no lactente1, 32. A carbamazepina, usada no terceiro trimestre, também pode causar uma deficiência reversível e transitória de fatores de coagulação dependentes de vitamina K, com risco de hemorragia cerebral no neonato24. Além disso, uma paciente que usou, para profilaxia de doença bipolar na gravidez, 400mg/ dia de carbamazepina na gestação, deu à luz um neonato apresentando neuroblastoma de supra-renal com metástases cutâneas, não sendo, entretanto, encontrada possível relação causal entre as duas condições clínicas7. Em uma recomendação publicada em 2002, a Academia Americana de Psiquiatria5 preconiza que mulheres que mantiverem o uso de estabilizadores de humor na gestação devem realizar dosagem de alfafetoproteína para triagem de defeitos do tubo neural antes da 20ª semana de gestação, com realização de amniocentese em caso de valores alterados. Também indica a realização de ecocardiografia fetal de alta resolução entre 16 e 18 semanas para detecção de anomalias cardíacas. Deve ser feita dosagem sérica fre- Pheula et al. Mania e gravidez qüente da medicação, pois as alterações hemodinâmicas da gravidez predispõem à intoxicação. A Academia Americana de Pediatria3 orienta o consumo diário de 0,4mg de ácido fólico em mulheres em idade fértil, para prevenção de defeitos de tubo neural. Se houver história de feto anterior portador destes defeitos ou uso de medicação que os predisponha, aumentar a dosagem para 4mg/dia. Como as drogas anticonvulsivantes estão associadas a maior incidência de malformações do que o lítio, elas não são, em princípio, recomendadas na gravidez31. Além disso, em casos de retirada do lítio, não é recomendada a troca de estabilizador do humor em pacientes sem resposta a outras medicações, pois a gravidez não é, reconhecidamente, um momento para experimentar novos fármacos35. Não existem estudos com uso de anticonvulsivantes novos também usados como estabilizadores do humor, como lamotrigina, gabapentina e topiramato35. Antipsicóticos e gravidez O uso de antipsicóticos pode ser considerado em pacientes bipolares que apresentam piora clínica na gravidez, não estando em uso de estabilizador do humor, principalmente para episódios maníacos e para pacientes com história de transtorno bipolar e predomínio de episódios maníacos. Além disso, os antipsicóticos podem ser considerados substitutos do lítio no tratamento de episódios maníacos na gestação5. No entanto estas drogas não têm eficácia na prevenção de episódios depressivos. Os antipsicóticos são considerados classe C na escala do FDA, ao contrário dos estabilizadores de humor, que são, com exceção da carbamazepina, classe D. Há um leve aumento de risco, não-específico, para malformações induzidas por exposição, no primeiro trimestre, a antipsicóticos de baixa potência1. Este estudo foi realizado com uso de clorpromazina para gestantes com hiperêmese, cujas doses são, geralmente, menores do que para episódios maníacos27. Estudos retrospectivos e prospectivos não revelaram relação do haloperidol com ocorrência de malformações. Existem dois relatos, com avaliação de alguns lactentes expostos, que não mostraram evidência de malformações com risperidona e clozapina21, 41. Não há consenso sobre a ocorrência de alterações na avaliação neurocomportamental a longo prazo. Desta forma, considera-se que os antipsicóticos sejam efetivos como substitutos do lítio no tratamento de episódios maníacos durante a gestação, com eficácia discutível na profilaxia5, 11 . Entre eles, são preferidos os antipsicóticos de alta potência, pois, além de terem menores efeitos anticolinérgicos, anti-histamínicos e hipotensores, não há evidência de malformações com uso de haloperidol, tiotixeno, trifluoperazina e flufenazina3, 5. O uso de preparações de longa ação (depot) deve ser evitado pelo risco de efeitos tóxicos no neonato3. Da mesma forma, o uso de antipsicóticos deve ser evitado no terceiro trimestre, pelo risco de efeitos extrapiramidais no neonato. Benzodiazepínicos e gravidez Também os benzodiazepínicos têm sido propostos para o tratamento de episódios maníacos5. Os benzodiazepínicos foram, em estudos realizados com o diazepam, tradicionalmente associados com a ocorrência de anormalidades orofaciais, principalmente fenda palatina28. Uma metanálise que examinou os estudos caso-controle realizados mostrou um aumento do risco relativo de fenda palatina, embora com risco absoluto pequeno12. Entre os vários benzodiazepínicos, o alprazolam mostrou maior associação, com incidência de 0,7% em casos de exposição no primeiro trimestre contra 0,06% na população geral1. No entanto dois estudos prospectivos, que avaliaram cerca de 250 gestantes usuárias de alprazolam no primeiro trimestre, não verificaram alterações no neonato30, 36. O clonazepam, um dos benzodiazepínicos considerados de escolha em pacientes maníacos, em virtude de sua maior potência para controle de ansiedade e agitação, é o único considerado classe C pelo FDA, devido à ausência de estudos do tipo caso-controle em humanos, sendo os outros da classe D9. Um estudo com limitações metodológicas observou, em 19 grávidas usuárias de clonazepam, a presença de malformações em três neonatos26. Desta forma, como verificou-se alguma evidência de relação com malformações, pode estar indicada, em usuárias de clonazepam, triagem com ecografia fetal entre 18 e 20 semanas de gestação3. Os benzodiazepínicos podem causar efeitos neonatais, incluindo a síndrome floppy infant (hipotonia, baixo escore de Apgar, hipotermia e baixa tolerância ao frio), ocorrendo logo após o parto em J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 101 Pheula et al. Mania e gravidez lactentes que desenvolveram dependência intra-útero da droga. Além disso, podem ser observados, no neonato, sintomas de abstinência, que geralmente ocorrem por até três semanas após o parto. A fim de diminuir a prevalência dos efeitos neonatais, sugere-se retirada lenta da medicação nas duas semanas anteriores ao parto, sendo esta retirada mais lenta quanto mais grave for o transtorno de ansiedade da paciente, de tal forma que, a pacientes graves ou com dependência importante da medicação, é recomendada a manutenção da medicação, pelo alto risco de síndrome de abstinência ou retorno dos sintomas na gestante3. Não há consenso sobre a ocorrência de alterações neurocomportamentais induzidas por benzodiazepínicos3. Desta forma, os benzodiazepínicos mais indicados na gestação são os de meia-vida curta e com ausência de metabólitos ativos. Preenchem estes critérios o alprazolam e o lorazepam. Como o primeiro tem maior associação com fenda palatina, além de, pela maior potência, estar associado à síndrome de abstinência mais intensa, o lorazepam é preferido3. Em pacientes portadores de transtornos de ansiedade, tem se dado preferência ao uso de antidepressivos tricíclicos ou inibidores de recaptação de serotonina, os quais não têm demonstrado relação com a ocorrência de malformações20. ECT e gravidez Em virtude do exposto acima, que evidencia a existência de poucos estudos a respeito do efeito de medicações psicotrópicas em fetos expostos, tem ocorrido uma discussão referente ao uso de ECT em gestantes em episódio maníaco. Considerando-se a teratogênese, o uso de anestésicos de ação curta para o ECT pode trazer menor risco ao feto do que o uso de estabilizadores do humor, podendo ser considerado uma alternativa para o caso de episódios graves de transtorno do humor na gravidez5. Em relação às respostas hormonais na gravidez, um relato revelou aumento do nível sérico de vários hormônios durante ECT, incluindo ocitocina15. Teoricamente, então, poderia haver indução de contrações miometriais durante a crise convulsiva. No entanto, em uma revisão de 300 casos de ECT na gestação, houve dois casos de contrações uterinas iniciadas logo após o ECT, sem desencadeamento de parto prematuro, além de cinco casos de arritmias fetais transitórias29. Os 102 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 casos com precipitação de parto ocorreram no terceiro trimestre: em um, houve hipertensão transitória após o ECT (180 x 90mmHg), com descolamento prematuro de placenta em uma mãe de 35 anos; no outro, houve contrações uterinas e sangramento vaginal após o ECT, com parto sendo desencadeado após realização de um enema. Este último relato data de 1948, quando as técnicas de realização eram diferentes10, 29. Não existem estudos controlados realizados sobre o assunto, sendo todos relatos de caso, os quais também não encontraram malformações que possam ter sido relacionadas ao procedimento, considerando a época e o tipo de anomalia. Desta forma, os relatos são favoráveis ao uso de ECT. Considerando-se os riscos do uso de psicotrópicos e a ausência de tratamentos que sejam, simultaneamente, seguros e com alta eficácia na gravidez, pode ser um tratamento factível. Assim, a gestação é um fator relevante para a indicação de uso de ECT em episódios maníacos graves29. Atualmente, considera-se que, pelo fato de proporcionar uma resposta em curto prazo, o ECT deve ser considerado em casos de instabilidade importante da doença psiquiátrica, com risco fetal imediato13. Em 1990, a Academia Americana de Psiquiatria elaborou uma série de recomendações sobre o uso de ECT na gestação6, que inclui avaliação obstétrica prévia para verificação de fatores de risco materno e fetais, inclusão de obstetra na equipe do procedimento, decúbito lateral esquerdo e elevação do quadril em gestantes acima de 20 semanas (diminui a compressão aortocava, com menor hipoperfusão uterina), fazer tocodinamometria antes do ECT (para verificar a ocorrência de contrações, em casos de difícil anamnese e exame físico), monitoração contínua da freqüência cardíaca fetal durante o procedimento, hidratação prévia por via parenteral, realização em sala de parto (com equipe preparada para desencadeamento de trabalho de parto), administração de betametasona para maturação pulmonar fetal. Ressalta, também, que o consentimento informado é essencial, com participação ativa da família na decisão terapêutica. Relato de casos ilustrativos A seguir será relatado um caso da literatura que evidencia decisão clínica de tratamento de transtorno afetivo na gravidez. Após, dois casos acompanhados em nosso serviço são apresentados. Pheula et al. Mania e gravidez Finnerty et al.14, em 1996, relataram um caso de uma paciente de 33 anos com diagnóstico de transtorno bipolar do tipo I. A paciente usava, como manutenção, valproato e lorazepam, sendo suspensos no quarto mês de gestação, quando esta foi descoberta. Tinha história de sete hospitalizações por quadros de mania, dois dos quais se resolveram apenas com ECT. Logo após a retirada da medicação, começou com insônia e humor exaltado, sendo indicada hospitalização para manejo. Iniciou com uso de haloperidol 10mg/dia, sendo aumentado para 20mg/dia após três dias, juntamente com clonazepam 2mg/dia. Paciente evoluiu com piora do quadro, com episódios freqüentes de agitação psicomotora. Tentou-se a troca do antipsicótico para clorpromazina 400mg/dia, por boa resposta em episódios anteriores, mas a paciente desenvolveu hipotensão grave. A dose do haloperidol foi, então, aumentada até 28mg/dia e trocado o benzodiazepínico para lorazepam 14mg/dia, sem melhora. Além disso, a paciente era portadora de diabetes melito e, devido ao padrão irregular de dieta, houve piora do controle glicêmico. Após dez dias de evolução, foi indicado iniciar ECT, por piora clínica. Decidiu-se que o ECT seria administrado em sala de parto, com equipe obstétrica e neonatal presente, e administração prévia de betametasona. No entanto a paciente, antes da primeira sessão, teve ruptura prematura de membranas e oligoidrâmnio grave, sendo realizada cesariana com 29 semanas de gestação. No pós-parto imediato, foi iniciado haloperidol 28mg/ dia, valproato 500mg/dia e lorazepam 4mg/dia. Houve piora abrupta do quadro maníaco a partir do segundo dia do puerpério, sendo que na semana seguinte foi aumentado o valproato até 1.000mg/dia, e trocado o antipsicótico para clorpromazina 2.600mg/dia, em virtude de resposta em episódio anterior. Como se manteve a piora do quadro, foi iniciado ECT no 12º dia pós-parto. Foi submetida a 17 sessões de ECT, com melhora do quadro. A paciente reiniciou o uso de valproato após, sendo necessário aumento da dose até 2.000mg/dia para controle total do quadro. No seguimento, quatro meses após, a paciente mantinha quadro estável, recebendo tratamento de manutenção com valproato 1.250mg/dia e lorazepam 2mg/dia. Casos do serviço da Unicamp Caso 1 Paciente com 26 anos, casada, do lar, primeiro grau completo, com diagnóstico de transtor- no afetivo bipolar do tipo I. O diagnóstico foi feito quando a paciente teve um episódio maníaco com sintomas psicóticos há dois anos e meio, tendo melhora com lítio 600mg/dia, haloperidol 10mg/dia e clonazepam 4mg/dia. Manteve a mesma dosagem de lítio como tratamento de manutenção. Há um ano e meio, teve um episódio depressivo moderado, com uso de fluoxetina 20mg/dia por 30 dias. Há seis meses, a paciente referiu atraso menstrual, sendo feita a retirada imediata do lítio e solicitado teste de gravidez, cujo resultado foi positivo. A paciente manteve-se eutímica até 18 semanas de gestação, quando iniciou com quadro de insônia, distratibilidade, mais comunicativa que o usual, aumento da auto-estima e elação (dizia que falava sete línguas, que podia curar as pessoas). Foi iniciado haloperidol 3mg/dia e, em 14 dias, aumentado para 5mg/dia por ausência de resposta. Em nova avaliação após duas semanas, a paciente mantinha o mesmo quadro, sendo indicada internação. Nesta, a dose de haloperidol foi aumentada até 10mg/dia, sendo que após cinco dias a paciente começou a ter melhora do padrão de sono e melhora da capacidade de concentração. Evoluiu com remissão completa do quadro, estando, atualmente, com 34 semanas de gestação, com plano de manter a dose de antipsicótico até o terceiro trimestre de gravidez (atualmente, usando 2,5mg/dia, com plano de suspensão em sete dias). Caso 2 Paciente com 32 anos, casada, nível educacional universitário, secretária executiva, com diagnóstico de transtorno bipolar do tipo I. Apresenta desde a adolescência períodos de apatia, inapetência e descuido consigo mesma, alternados com períodos de loquacidade, gasto excessivo de dinheiro e redução do sono. Ambos os períodos duravam duas a quatro semanas, com remissões espontâneas. Desde os 18 anos de idade foi diagnosticado hipotireoidismo, fazendo ela uso de Puran T4 com controle adequado dos sintomas. Há cinco anos, com 27 anos de idade, apresentou um episódio com diminuição progressiva e marcante da necessidade de sono, agitação psicomotora intensa, logorréia, ideação deliróide (afirmava estar grávida, sem atraso menstrual e os testes sendo negativos) e ouvia a voz da mãe morta há um ano. O episódio durou cerca de três meses e remitiu com o uso de risperidona e clonazepam. Após o episódio, passou a fazer J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 103 Pheula et al. Mania e gravidez psicoterapia de orientação analítica duas vezes por semana. Foi introduzido o carbonato de lítio, mas ela não tolerou os efeitos colaterais, nem tolerou antidepressivos tricíclicos prescritos. Desde há cerca de quatro anos passou então a fazer uso de carbamazepina (CBZ) 1.200mg/dia, tolerando bem esta medicação. Há três anos teve um quadro depressivo leve após a morte de um irmão. Intensificou-se a psicoterapia e o quadro remitiu sem medicação psiquiátrica. Há um ano e meio manifestou desejo de engravidar e de suspender a medicação, pois afirmava ser extremamente preocupada com possíveis danos da medicação ao bebê. Foi então retirada gradativamente, em um mês, a medicação. Engravidou há cerca de um ano. Passou a gestação completamente eutímica, sem o uso do estabilizador do humor. Cinco dias após o parto passou a sentir-se progressivamente irritada, com redução do sono, agitação psicomotora, cada vez mais ansiosa e preocupada. Passou a apresentar idéias de morte e descuido com o bebê, além de desinibição social. Nos dias seguintes se intensificou o quadro com ideação paranóide e confusa, labilidade afetiva e idéias agressivas em relação ao bebê. Foi suspensa a amamentação e introduziu-se CBZ 800mg/dia, olanzapina 10mg/dia e clonazepam 1mg/dia. Em um mês a paciente apresentou remissão completa de seus sintomas e voltou ao estado eutímico. A olanzapina e o clonazepam foram retirados em um mês e meio após a remissão. Manifesta nas consultas atuais forte desejo de voltar a amamentar o bebê. Em acordo com o pediatra, tentou-se, sem sucesso, reintroduzir a amamentação com a manutenção de CBZ. Proposta de manejo Resumindo o que foi exposto acima, os autores elaboraram uma proposta de manejo de pacientes portadoras de transtorno bipolar que desejam engravidar, além de diretrizes em relação ao uso de psicofármacos em episódio maníaco na gravidez, conforme já feito por outros autores1-4, 8, 19, 23, 31, 37. Desta forma, os autores elaboraram quadros, cujo objetivo é servir como guia prático e de consulta rápida, a fim de facilitar o manejo do transQuadros 3 a 99). torno bipolar na gravidez (Quadros Quadro 3 – Recomendações para pacientes bipolares que desejam engravidar 1 – Fornecer aconselhamento genético, incluindo esclarecimento sobre a hereditariedade da doença. 2 – Verificar a gravidade da doença e a capacidade de tolerância a sintomas leves com manejo psicoterápico, a fim de indicar ou não a possibilidade de gravidez. 3 – Reavaliar padrão sazonal da doença, para planejamento da época da concepção. 4 – Iniciar uso de 0,4mg/dia de ácido fólico. Se em uso de carbamazepina ou ácido valpróico ou história de feto anterior com defeito de tubo neural, aumentar a dose para 4mg/dia. 5 – Discutir, com o paciente e a família, os riscos e benefícios do uso de medicação para gravidez. Enquanto os benefícios incluem a prevenção de recaída de quadros depressivos e maníacos, os riscos compreendem a maior probabilidade de intoxicação materno-fetal pelo lítio, além do potencial teratogênico dos estabilizadores de humor. Desta forma, prefere-se a ausência de medicação ou o uso de medidas alternativas, incluindo o emprego de antipsicóticos ou ECT. 6 – Em pacientes com transtorno bipolar do tipo II, preferir a suspensão da medicação, pelo baixo risco de recaída da doença. Quadro 4 – Recomendações gerais para pacientes bipolares grávidas 1– 2– 3– 4– 5– Suplemento nutricional adequado. Orientação sobre risco de álcool, tabagismo e cuidados pré-natais irregulares. Intensificação de manejo psicoterápico, a fim de abordagem precoce de estressores. Acompanhamento psiquiátrico com maior proximidade, com retornos ambulatoriais mais freqüentes. Atenção para a recomendação universal de que, na gravidez, são preferíveis medicações mais antigas, com maior experiência no uso e conhecimento dos possíveis efeitos no feto. 6 – Também é importante considerar o bom senso de minimizar a exposição, com o uso de menores doses, no menor tempo possível. 104 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Pheula et al. Mania e gravidez Quadro 5 – Recomendações quanto à manutenção do uso de estabilizador do humor na gravidez 1 – Em pacientes com períodos longos de eutimia, fazer retirada gradual da medicação, preferentemente no período pré-concepção. 2 – Em pacientes às quais a retirada de medicação confere um risco alto de recaída, manter sem medicação, no mínimo, durante o período da embriogênese (entre quatro e 12 semanas). Constitui uma estratégia continuar a medicação até a ausência do primeiro período menstrual, fazendo retirada gradual da medicação após a presença de um teste de gravidez positivo. 3 – Em pacientes para as quais a retirada da medicação representa um risco muito alto de recaída, considerar manutenção, com substituição pelo uso de antipsicóticos de alta potência no período da embriogênese. Retornar o uso do estabilizador de humor no segundo e terceiro trimestres, no caso do lítio, ou apenas no terceiro trimestre, no caso dos anticonvulsivantes. 4 – Em pacientes sem medicação e que apresentam recaída do quadro, preferir, para episódios maníacos, o uso de antipsicóticos e/ou benzodiazepínicos e, para episódios depressivos, o uso de antidepressivos. Em ambos os casos, considerar o uso de ECT na hipótese de deterioração clínica grave da mãe (como desnutrição ou extrema recusa à medicação) ou risco grave para o feto. 5 – Não há indicação clínica de retirada abrupta de medicação, pois o elevado risco de recaída, nestes casos, supera qualquer benefício. Quadro 6 – Recomendações para pacientes usuárias de lítio na gravidez 1 – Atentar precocemente para sinais de intoxicação por lítio, como tremor, diplopia, náusea, vômitos, diarréia, disartria e ataxia. 2 – Fazer ecocardiografia fetal entre 16 e 18 semanas de gestação, para triagem de anomalias cardíacas e, se houver presença de alterações, amniocentese. 3 – Preferir preparações de liberação lenta, com o menor nível sérico possível para controle dos sintomas. 4 – No segundo e terceiro trimestres, monitorizar funções endócrinas materna e fetal (verificar presença de hipotireoidismo), além de função renal fetal, e realizar ecografia para triagem de poliidrâmnios (relacionados à ocorrência de diabetes insípido nefrogênico). 5 – No terceiro trimestre, pela maior hemodiluição da gravidez, podem ser necessárias doses mais altas de lítio. No período periparto, as doses devem ser reduzidas em 30%, pois as perdas de líquido nesta fase predispõem à intoxicação materno-fetal. Reiniciar em doses terapêuticas no pós-parto imediato, sendo contra-indicada a amamentação, pelo alto risco de recaída no primeiro ano após o parto. 6 – No neonato, observar sinais de intoxicação e fazer dosagem de função tireoidiana (para verificar ocorrência de hipotireoidismo). Quadro 7 – Recomendações para pacientes usuárias de carbamazepina e ácido valpróico na gravidez 1 – Considerar, se houver necessidade de uso de estabilizador de humor, a troca para lítio, caso haja história de resposta anterior a este, pois já poderia ser utilizado a partir do segundo trimestre, além de evidência de melhor relação custo/benefício. 2 – Diminuir para a dose mínima necessária, pois o risco de espinha bífida está, no caso do ácido valpróico, relacionado à dose. 3 – Lembrar que o risco de malformações do sistema nervoso central e do tubo neural ocorre com o uso destas medicações no primeiro e segundo trimestres. Portanto recomenda-se o uso apenas no terceiro trimestre. 4 – Administrar 4mg/dia de ácido fólico, iniciando quatro semanas antes da concepção até, no mínimo, o final do primeiro trimestre. 5 – Fazer triagem ultra-sonográfica entre 16 e 19 semanas de gestação, além de dosagem de alfafetoproteína por volta de 20 semanas, ambas para detecção de defeitos de tubo neural. 6 – Usar vitamina K no neonato, caso haja doença hemorrágica do recém-nascido relacionada ao uso de carbamazepina. J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 105 Pheula et al. Mania e gravidez Quadro 8 – Recomendações para pacientes usuárias de antipsicóticos na gravidez 1 – Os antipsicóticos são preferidos, em relação ao uso de estabilizadores de humor, em casos de recaída na gravidez, principalmente no primeiro e segundo trimestres. Tal fato se deve à eficácia no tratamento, principalmente, de episódios maníacos. 2 – Preferir o uso de antipsicóticos de alta potência (haloperidol, flufenazina e trifluoperazina), pela ausência de efeitos teratogênicos. 3 – É indicada a retirada no terceiro trimestre, pelo risco de efeitos extrapiramidais no neonato. 4 – Evitar o uso de preparações de depósito. 5 – Existem poucos estudos em relação ao uso de antipsicóticos atípicos na gravidez, sendo considerados de risco desconhecido, portanto não-indicados. Quadro 9 – Recomendações para pacientes usuárias de benzodiazepínicos na gravidez 1 – A princípio, não é recomendado o uso no primeiro trimestre, em virtude de alguma evidência de associação com fenda palatina. 2 – Também é indicado evitar o uso no final do terceiro trimestre, pelo risco de sintomas de abstinência e de síndrome do lactente frouxo (floppy infant). 3 – A redução da dose na gestante deve ser mais lenta quanto maior for a intensidade dos sintomas de ansiedade ou da dependência da droga, sendo indicado manter a medicação em casos graves. 4 – Preferir o uso de medicações que tenham meia-vida curta e sem metabólitos ativos, como o lorazepam. O alprazolam deve ser usado como segunda opção, em virtude do maior risco de fenda palatina e de causar uma síndrome de abstinência mais intensa. 5 – Se em uso de clonazepam, fazer triagem ecográfica entre 18 e 20 semanas de gestação, em virtude de alguns relatos demonstrarem associação com malformações. Referências 1. Altshuler LL, Cohen L, Szuba MP, Burt VK, Gitlin M, Mintz J. Pharmacologic management of psychiatric illness during pregnancy: dilemmas and guidelines. Am J Psychiatr 1996; 153: 592-606. 2. Altshuler LL, Hendrick V, Cohen LS. Course of mood and anxiety disorders during pregnancy and the postpartum. J Clin Psychiatry 1998; 59: 29-33. 3. American Academy of Pediatrics, Committee on Drugs. Use of psychoactive medication during pregnancy and possible effects on the fetus and newborn. Pediatrics 2000; 105: 880-87. 4. American Psychiatry Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – TR. Porto Alegre: Artmed; 2002. 5. American Psychiatry Association. Practice guideline for the treatment of patients with bipolar disorder. Am J Psychiatry 2002; 159: 1-50. 6. American Psychiatry Association. The practice of electroconvulsive therapy: recommendations for treatment, training, and privileging. Convulsive Therapy 1990; 6: 85120. 7. Baptista T, Araujo H, Ruda P, Hernández L. Congenital neuroblastoma in a boy born to a woman with bipolar disorder treated with carbamazepine during pregnancy. Progress in Neuro-Psychopharmacology & Biological Psychiatry. 8. Baugh CL, Stowe ZN. Treatment issues during pregnancy and lactation. CNS Spectrum 1999; 4: 34-39. 106 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 9. Bazire S. Psychotropics in problem areas – Pregnancy. In: Bazire S. Psychotropic Drug Directory. London: Mark Allen Publishing Ltda; 2000, p. 200-11. 10. Boyd BA, Brown DW. Electric convulsive therapy in mental disorders associated with childbearing. Journal of Missouri. State Medical Association 1948; 45: 573. 11. Cohen LS, Friedman JM, Jefferson JW, Johnson EM, Weiner ML. A reevaluation of risk of in utero exposure to lithium. JAMA 1994; 271: 146-50. 12. Dolovich LR, Addis A, Vaillancourt JMR, Power JDB, Koren G, Einarson TR. Benzodiazepines use in pregnancy and major malformations or oral cleft: meta-analysis of cohort and case-control studies. BMJ 1998; 317: 839-43. 13. Ferrill MJ, Jacsin JJ, Kehoe WA. ECT during pregnancy: physiologic and pharmacologic considerations. Convulsive Ther 1992; 8: 186-200. 14. Finnerty M, Levin Z, Miller LJ. Acute maniac episodes in pregnancy. Am J Psychiatry 1996; 153: 261-63. 15. Griffiths EJ, Lorenz RP, Talon NS. Acute neurohumoral response to eletroconvulsive therapy during pregnancy. Journal of Reproductive Medicine 1989; 34: 907-11. 16. Jacobson SJ, Jones K, Johnson X. Prospective multicenter study of pregnancy outcome after lithium exposure during first trimester. Lancet 1992; 339: 530-33. 17. Kallen B, Tandberg A. Lithium and pregnancy: a cohort study on maniac-depressive women. Acta Psychiatr Scand 1983; 68: 134-39. Pheula et al. 18. Kastrup M, Lier L, Rafaelsen OJ. Psychiatric illness in relation to pregnancy and childbirth, I: methodologic considerations. Nordisk Psykiatrisk Tidsskrift 1989; 43: 531-34. 19. Knoppert-van der Klein EAM, Kolling P, van Gent EM, van Kamp IL. Consequences of a bipolar disorder and of use of mood stabilizers for pregnancy management. Ned Tijdschr Geneeskd 1997; 141: 1960-65. 20. Kuller JA, Katz VL, McMahon MJ, Wells SR, Bashford RA. Pharmacologic treatment of psychiatric disease in pregnancy and lactation: fetal and neonatal effects. Obstet Gynecol 1996; 87: 789-94. 21. MacKay FJ, Pearce WGL, Freemantle SN, Mann RD. The safety of risperidone: a post-marketing study of 7,684 patients. Human Psychopharmacol Clin Exp 1998; 13: 413-18. 22. Marzuk PM, Tardiff K, Leon AC, Hirsch CS, Portera L, Hartwell N, Iqbal MI. Lower risk of suicide during pregnancy. Am J Psychiatry 1997; 154: 122-23. 23. Miller LJ. Psychopharmacology during pregnancy. Prim Care Update Ob Gyns 1996; 3: 79-86. 24. Moslet U, Hansen ES. A review of vitamin K, epilepsy and pregnancy. Acta Neurol Scand 1992; 85: 39-43. 25. Perez V, Laya M. Lithium and pregnancy, a review of teratogenic effects of lithium salts. Revis Psicofarmacol 1999; 3: 27-31. 26. Rosa FW, Baum C. Computerized on-line pharmaceutical surveillance system (Compass) teratology. Reprod Toxicol 1993; 7: 639-40. 27. Rumcau-Roquette C, Goujard J, Huel G. Possible teratogenic effects of phenotiazines in human beings. Teratology 1977; 15: 57-64. 28. Saxen I, Saxen L. Association between maternal intake of diazepam and oral clefts. Lancet 1975; 2: 498. 29. Scalco AZ, Cabral ACJ. Eletroconvulsoterapia na gestação. In: Rigonatti SP, Rosa MA. Indicação e prática da eletroconvulsoterapia. São Paulo: Lemos Editorial; 2000, p. 131-144. 30. Schick-Boschetto B, Zuber C. Alprazolam exposure during early human pregnancy. Teratology 1992; 45: 460. Mania e gravidez 31. Schou M, Goldfield MD, Weinstein MR, Villeneuve A. Lithium and pregnancy, I: report from the Register of Lithium Babies. BMJ 1973; 2: 135-36. 32. Scolnik D, Nulman I, Rovet J, Gladstone D, Czachta D, Gardner HA. Neurodevelopment of children exposed in utero to phenytoin and carbamazepine monotherapy. JAMA 1994; 271: 767-70. 33. Shansis FM, Cordioli AV. Transtorno bipolar do humor. In: Cordioli AV. Psicofármacos – Consulta rápida. Porto Alegre: Artmed; 2000, p. 249-61. 34. Sharma V, Persad E. Effect of pregnancy on three patients with bipolar disorder. Ann Clin Psychiatry 1995; 7: 39-42. 35. Soares CN, Viguera AC, Cohen LS. Mood disturbance and pregnancy: pros and cons of pharmacologic treatment. Rev Bras Psiquiatr 2001; 23: 48-53. 36. St Clair SM, Schirmer RG. First trimester exposure to alprazolam. Obstet Gynecol 1992; 80: 843-46. 37. van Gent EM, Verhoeven WMA. Bipolar illness, lithium prophylaxis and pregnancy. Pharmacopsychiatry 1992; 25: 187-91. 38. Viguera AC, Cohen LS, Baldessarini RJ, Nonacs R. Managing bipolar disorder during pregnancy: weighing the risks and benefits. Can J Psychiatry 2002; 47: 426-36. 39. Viguera AC, Cohen LS. The course and management of bipolar disorder during pregnancy. Psychopharmacol Bull 1998; 34: 339-46. 40. Viguera AC, Nonacs R, Cohen LS, Tondo L, Murray A, Baldessarini RJ. Risk of recurrence of bipolar disorder in pregnant and nonpregnant women after discontinuing lithium maintenance. Am J Psychiatry 2000; 157: 179-84. 41. Waldman MD, Safferman MZ. Pregnancy and clozapine (letter). Am J Psychiatry 1993; 150: 168-69. 42. Williams PG, Hersh JH. A male with fetal syndrome and autism. Dev Med Child Neurol 1997; 39: 632-34. Jornal Brasileiro de Psiquiatria Endereço para correspondência Paulo Dalgalarrondo Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria Faculdade de Ciências Médicas Universidade Estadual de Campinas Caixa Postal 6111 CEP 13081-970 – Campinas-SP Tel.: (19) 3788-7206 Fax: (19) 3289-4819 e-mail: [email protected] J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 107 Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes (Posit): adaptação brasileira Questionnaire to detect potential use of drugs among adolescents (Posit): an adaptation to the Brazilian reality Leconte de Lisle Coelho Júnior1; Bernard Gontiès2; Valdiney V. Gouveia3 Recebido em: 24.01.03 Aprovado em: 27.01.03 Resumo A presente pesquisa teve como objetivo a adaptação brasileira do Posit (Problem Oriented Screening Instrument for Teenagers), que indica a potencialidade do futuro consumo (tendência ao consumo) de bebidas alcoólicas e de outras drogas entre a população adolescente. Especificamente, pretendeu-se comprovar a validade de construto desta medida. Participaram 1.531 jovens, estudantes do ensino médio de escolas públicas e particulares da cidade de João Pessoa, sendo a maioria do sexo feminino (59,8%), com uma média de idade de 17 anos. Como era teoricamente esperado, foram encontrados sete fatores de primeira ordem, os quais explicaram conjuntamente 27,7% da variância total. Seus índices de consistência interna (Alfas de Cronbach) variaram de 0,65 a 0,8. A extração de um único fator geral permitiu explicar 12,1% da variância total, apresentando um Alfa de Cronbach de 0,85. Concluiu-se que o Posit pode ser útil na população adolescente brasileira como um instrumento de triagem, identificando potenciais consumidores de drogas. Recomendam-se, porém, estudos futuros que comprovem outros parâmetros métricos (por exemplo, validade preditiva) e estabeleçam suas normas diagnósticas. Unitermos drogas; álcool; maconha; consumo; adolescência; Posit Summary This present research aimed the adaptation of Posit (Problem Oriented Screening Instrument for Teenagers) to the Brazilian reality. This instrument indicates the future potential (tendency to the consumption) use of alcohol and other drugs among adolescent population. The specific intention of this study is to confirm the construct validation of this measure. The sample accounted the participation of 1,531 young students of private and public high schools located in the city of João Pessoa; most of them were women (59.8%) with average age of 17 years old. As it was theoretically expected, seven high order factors which together explained 27.7% of total variance were found. Their internal consistence index (Cronbach’s Alpha) ranged from .65 to .80. The extraction of a sole factor permitted to explain 12.1% of total variance, presenting a Cronbach’s Alpha of .85. The conclusion was that the Posit as an assigning instrument may be useful for the Brazilian adolescent population once it can identify potential drug users. Nonetheless, further studies are recommended to confirm other measures parameters (e.g.: predictive validation) and to establish its diagnostic norms. Uniterms drugs; alcohol; grass; consume; adolescence; Posit 1Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); professor do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê). do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 3Coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Universidade Federal da Paraíba (UFPB); pesquisador do CNPq, 2B. O presente artigo corresponde a parte da dissertação do primeiro autor, sob a orientação dos outros dois autores. Contou com apoio da Capes, através de bolsa de mestrado concedida ao primeiro autor. Os autores agradecem a esta instituição. 2Professor J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (2): 109-116, 2003 109 Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes Considerações gerais acerca do consumo de drogas entre adolescentes As drogas em geral podem ser divididas em dois grandes grupos: as chamadas lícitas, como o álcool e o tabaco, por exemplo, e as ilícitas, como a maconha e a cocaína. As drogas lícitas são mais aceitas pela sociedade e têm um consumo muito maior que as ilícitas, pois estas últimas não têm amparo legal para serem produzidas e seus consumidores geralmente são hostilizados pela sociedade por sustentarem tal hábito2, 12. As substâncias químicas que são aceitas legalmente na sociedade, diferente do que alguns podem pensar, têm um poder acentuado de provocar danos entre os adolescentes. Isto é especial- mente válido pela facilidade de acesso desses jovens, tornando social e/ou culturalmente aceito o seu consumo, principalmente em eventos festivos. Contrariamente, quando se trata das drogas ilícitas, parece haver uma necessidade ímpar de mostrar seu caráter maléfico, sendo destacadas como prejudiciais à saúde em geral, provocando um estado de decadência psíquica, física e moral. Neste sentido, evidencia-se uma grande guerra pelo mercado de consumo entre os produtores de drogas lícitas e ilícitas, tendo os adolescentes como personagens principais no centro deste embate. Newcomb e Bentler (1989) entendem que a mídia é uma das principais culpadas pelo aumento do consumo de substâncias psicoativas entre os jovens, induzindo-os para que façam uso destas. Por exemplo, como assinalam estes autores, isto é evidente no homem da Marlboro e na mulher do Virgínia Slim, os quais são vistos como modelos, sendo as drogas lícitas o remédio para os males que podem sofrer, como o estresse, a depressão, o cansaço físico, entre outros. Ora, quando a mídia mostra personagens perfeitos que assim o são por causa do consumo de substâncias lícitas, evidentemente ela está promovendo este consumo que tanto condena. Em outras palavras, os adolescentes ficam, com muita razão, confusos quando a mídia (representando a sociedade) promove a permissividade para o consumo de drogas lícitas ao mesmo tempo em que dá uma enfática negativa com relação às drogas ilícitas. Hurrelmann e Engel (1992) acentuam que as drogas servem de objeto para uma transcendência das normas e dos valores que regem a sociedade com a finalidade de que os adolescentes que consomem 110 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Coelho Júnior et al. drogas (principalmente as ilícitas) possam tentar vislumbrar uma melhor perspectiva para si, tendo em vista que a sociedade não lhes dá oportunidades. Embora possa esta ser uma explicação para o consumo de drogas entre os adolescentes, certamente a crise de identidade vivenciada nesta fase do desenvolvimento e a orientação ao hedonismo que a caracteriza5 contribuem para fazer este um aspecto crítico. Os adolescentes, embora possa isto parecer absurdo, apresentariam uma tendência natural ao consumo de drogas, sendo impedidos ou tolhidos em função da adesão a valores humanos mais tradicionais (por exemplo, conformidade, tradição)3, 5, 8, 15. A partir destas considerações gerais sobre o consumo de substâncias psicoativas na juventude, percebe-se um problema social iminente, cuja dimensão é especulada, mas raramente delimitada. Um aspecto preponderante para tanto é a escassez de indicadores objetivos de consumo de drogas entre tais jovens, o que motivou o presente estudo. Seu objetivo principal foi adaptar para o contexto brasileiro uma medida de potenciais adolescentes com problemas de consumo de drogas, lembrando-se de que o termo potencial tem o mesmo significado que tendência a, seguindo uma perspectiva que entende a importância do aspecto preventivo do consumo de drogas1-3. Medidas de potenciais usuários de drogas: a proposta do Posit Embora existam medidas adaptadas ao contexto brasileiro sobre o uso de drogas4, 7, estas compreendem índices simples, com poucos itens, em geral abaixo de dez, onde se pergunta diretamente sobre o seu consumo. Estes aspectos impõem maior possibilidade de erro na estimação de potenciais usuários de drogas, fazendo com que o próprio pesquisador não se sinta seguro sobre os resultados obtidos. Neste sentido, a avaliação do consumo de drogas tem se fundamentado algumas vezes em entrevistas, procurando perguntar diretamente se o respondente usa ou não uma série de drogas6, 10. Diante deste contexto, parece apropriado contar com uma medida como o Questionário de Triagem de Problema de Adolescentes (Posit). Este foi originalmente criado pelo National Institute of Drugs Abuse (Nida), órgão do governo dos Estados Unidos. Nesse momento constava de 139 itens de forma interrogativa, aos quais os Coelho Júnior et al. respondentes deveriam dizer sim ou não. Mariño, González-Forteza, Andrade e Medina-Mora (1998) realizaram sua adaptação ao contexto mexicano, procurando eliminar os itens que não discriminavam, de modo estatisticamente satisfatório e na direção esperada, aqueles jovens adolescentes com e sem problemas relacionados ao consumo de drogas. Deste total de itens, 81 foram mantidos por serem satisfatórios. A versão mexicana avalia sete áreas principais da vida dos adolescentes, as quais podem indicar potenciais usuários de drogas. Tais áreas, com exemplos de itens entre parênteses, são identificadas a seguir: uso e abuso de substâncias (Teve alguma dificuldade porque consome drogas ou bebidas alcoólicas na escola? Tem dificuldade em sua relação com seus amigos devido às bebidas alcoólicas ou às drogas que consome?), saúde mental (Age impulsivamente sem pensar nas conseqüências dos seus atos? Sente-se nervoso a maior parte do tempo?), relações familiares (Seus pais ou responsáveis discutem demasiado? Seus pais ou responsáveis sabem na maioria das vezes onde você está ou o que está fazendo?), relações com os amigos (Seus amigos faltam à escola sem autorização com muita freqüência? Tem amigos que roubaram?), nível educativo (Sabe ler bem? Tem boa ortografia?), interesse vocacional (Teve algum trabalho eventual com salário? Faltou ou chegou atrasado ao trabalho com freqüência?), conduta agressiva e delinqüência (Você é arrogante? Ameaça outras pessoas dizendo que lhes fará dano?). Como na versão original, os itens apresentam duas alternativas de respostas: sim vs. não, as quais receberam as pontuações 1 e 2, respectivamente. Além de demonstrar que os 81 itens do Posit apresentam poder discriminativo satisfatório, o estudo de Mariño et al. (1998) revelou índices de consistência interna (Alfas de Cronbach) aceitáveis para o conjunto de fatores/áreas da vida dos adolescentes. Estes foram os seguintes: interesse vocacional (0,64), relações com os amigos (0,64), conduta agressiva/delinqüência (0,7), nível educativo (0,73), relações familiares (0,74), saúde mental (0,8) e uso e abuso de substâncias (0,87). Apesar destes parâmetros métricos, não se comprovou empiricamente a estrutura fatorial desta medida; isto poderia auxiliar na avaliação da sua validade de construto, acrescentando provas de sua adequação. Considerando os aspectos antes mencionados, decidiu-se comprovar a viabilidade de extrair os Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes sete fatores (áreas temáticas) sugeridos para o Posit. Se este instrumento apresentasse realmente validade de construto, seria viável esperar que os seus 81 itens fossem agrupados nestes fatores teorizados, com Alfas de Cronbach similares aos apresentados na sua versão mexicana11. A propósito, decidiu-se utilizar esta versão do Posit por uma presumível maior proximidade cultural entre Brasil e México. Além do mais, os dados específicos sobre os parâmetros desta medida podem ser encontrados mais facilmente na amostra mexicana. O estudo sobre a adaptação desta medida é descrito a seguir. Adaptação brasileira do Posit As bebidas alcoólicas e a maconha estão entre as substâncias psicotrópicas mais consumidas pelos jovens adolescentes brasileiros2, 16. Apesar deste aspecto, muito pouco tem sido efetivamente feito para estimar o seu potencial consumo. Neste contexto, a adaptação do Posit à realidade brasileira pode se constituir num primeiro passo nesta direção. A seguir se descreve o estudo realizado para a comprovação da sua validade de construto. Método Amostra Participaram do estudo 1.531 alunos de dez escolas do ensino médio (antigo 2º grau). Estas foram escolhidas aleatoriamente a partir de uma lista cedida pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba. Seguindo o critério de proporcionalidade, considerando que em João Pessoa existem 23 escolas públicas e 37 privadas, selecionaram-se quatro e seis destas escolas, respectivamente. De cada uma foi retirada uma amostra acidental de aproximadamente 150 sujeitos (de ambos os sexos), sendo que nenhuma das escolas dos dois grupos foi do mesmo bairro. Decidiu-se escolher sujeitos do ensino médio por duas razões: 1) na época da realização do estudo, não havia em João Pessoa instituições próprias para indivíduos adolescentes que tivessem problemas com bebidas alcoólicas e/ou maconha; 2) devido à complexidade e à extensão do questionário Posit, muito provavelmente os adolescentes que vivem na rua teriam dificuldade de ler e compreender os seus itens. É importante igualmente frisar que neste nível educacional se enJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 111 Coelho Júnior et al. Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes contram as pessoas na faixa etária ou de desenvolvimento que interessa ao presente estudo, isto é, jovens adolescentes. Os participantes foram em sua maioria do sexo feminino (59,8%), com a média de idade de 17 anos (DP = 3,5). Quanto à escola onde estudavam, a maioria dos sujeitos era do turno da manhã (43,4%) e matriculada na rede pública de ensino (53,2%). estudantes que a sua participação era voluntária, e que suas respostas seriam tratadas em seu conjunto, assegurando o caráter de anonimato do estudo. Era também enfatizado que as respostas deveriam ser individuais, que não deixassem nenhum item em branco e que respondessem o mais honestamente possível. Uma média de 50 minutos foi suficiente para concluir sua participação. Análise de dados Instrumentos Os participantes responderam a um bloco de questionários descritos a seguir. Questionário de TTriagem riagem de Pr oblema de AdoProblema lescentes (Posit) – Utilizou-se sua versão mexicana11, como antes descrito. Assumiu-se o mesmo conjunto de itens e alternativas de respostas. Sua tradução foi inicialmente levada a cabo por um psicólogo bilíngüe, sendo posteriormente revisada por dois professores universitários também bilíngües. Questionário dos valores básicos – Compõe-se de 24 valores humanos específicos, cada um dos quais com etiqueta correspondente e dois itens que evidenciam o seu conteúdo (por exemplo, Poder: ter poder para influenciar os outros e controlar decisões; ser o chefe de uma equipe. Tradição: seguir as normas sociais do seu país; respeitar as tradições da sua sociedade)8. Inicialmente o respondente precisa considerar cada valor e avaliar o seu grau de importância como um princípio que guia a sua vida, utilizando uma escala de sete pontos, com os extremos 1 = nada importante e 7 = muito importante. Posteriormente, precisa indicar o valor menos e mais importante de todos, os quais recebem os pesos 0 e 8, respectivamente. Esta medida não será analisada no presente artigo. Informações demográficas – Os participantes responderam a uma lista com dez perguntas (por exemplo, sexo, idade, religiosidade, escolaridade dos pais, etc.). Entre tais perguntas figurava o quanto eles se sentiam identificados com nove pessoas e/ou grupos de pertença, a saber: pai, mãe, irmãos, familiares, vizinhos, namorada/esposa, amigos e professores. Suas respostas eram dadas em uma escala de cinco pontos, com os seguintes extremos: 0 = nada identificado; 4 = totalmente identificado. Procedimento Os questionários foram contrabalançados e aplicados coletivamente em sala de aula. Informou-se aos 112 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Utilizou-se o pacote estatístico SPSS para Windows, versão 10. Foram computadas estatísticas descritivas (média, desvio padrão, freqüência, etc.), bem como foi efetuada uma análise de componentes principais (PC) com os itens do questionário Posit. Neste caso, decidiu-se adotar uma rotação varimax, estabelecendo o critério de extração de sete componentes, correspondendo às sete áreas temáticas teoricamente cobertas por esta medida. Resultados No presente estudo se procurou verificar a estrutura fatorial (validade de construto) do Posit. Inicialmente, comprovou-se a adequação de se efetuar este tipo de análise estatística, tendo sido obtidos os seguintes indicadores: KMO = 0,82, teste de esfericidade de Bartlett, χ2 = 20162,70, p < 0,001, os quais dão prova de ser esta uma decisão aceitável. Neste sentido, realizou-se primeiro uma PC, com rotação varimax, sem fixar o número de fatores a serem extraídos. O resultado indicou a presença de até 23 fatores ou componentes com valor próprio (eigenvalue) igual ou superior a 1. Estes explicaram conjuntamente 51,1% da variância total. Considerando os objetivos deste estudo, fixou-se a extração de sete fatores; os resultados a respeito podem ser vistos na Tabela 11, que compreende um resumo dos resultados. Nela constam o conteúdo e a carga fatorial dos três itens que saturaram mais fortemente em cada um dos sete fatores, bem como os indicadores de adequação destes, isto é, porcentagem de variância total explicada, Alfa de Cronbach, etc. Uma tabela completa com os resultados desta análise poderá ser obtida mediante solicitação aos autores deste artigo. A identificação de cada um dos fatores é realizada a seguir: Fator I: Potencial consumo de álcool e maconha – Este fator reúne 18 itens que tocam diretamente a questão do consumo, uso/abuso de dro- Coelho Júnior et al. Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes Tabela 1 – Estrutura fatorial da medida de potencial uso de drogas (Posit) Itens I P57 Pedidos para diminuição 0,56* P62 Perda de controle 0,53* P33 Obtenção de efeitos desejados 0,52* P77 Amigos que roubaram P67 Amigos que são violentos P19 Amigos que causam danos P55 Sente-se triste P75 Desejo de chorar freqüente P10 Sente-se só P31 Tem mau gênio P30 Briga muito P40 Impulsivo com freqüência P32 Atenção dos pais P52 Pais conversam com os filhos P71 Os pais concordam com a educação dos filhos P79 A escola é difícil P61 Dificuldade com trabalho escrito P72 Dificuldade em se organizar P36 Já teve trabalho P16 Teve trabalho remunerado P44 Trabalho remunerado por 1 mês Número de itens: Eigenvalue % da variância Alfa de Cronbach 18 8,66 10,7 0,8 II III IV Fatores V VI VII 0,59* 0,53* 0,51* 0,59* 0,56* 0,54* 0,52* 0,47* 0,47* 0,6* 0,57* 0,56* 0,52* 0,46* 0,45* 0,82* 0,78* 0,72* 10 3,93 4,8 0,71 8 2,29 2,8 0,72 13 2,2 2,7 0,72 8 2,07 2,6 0,66 11 1,71 2,1 0,66 4 1,63 2 0,65 *Saturação considerada satisfatória (ai.t > ± 0,3). gas pelo respondente (por exemplo: Começou a consumir maior quantidade de álcool ou droga para obter o efeito que deseja? Seus familiares ou amigos lhe disseram alguma vez que deve diminuir o uso de bebidas alcoólicas ou drogas? As bebidas alcoólicas ou as drogas o induziram a fazer algo que normalmente não faria, como desobedecer a alguma regra ou lei, ou a hora de chegar em casa ou mesmo a ter relações sexuais com alguém?). Seu eigenvalue foi 8,66, explicando 10,7% da variância total das pontuações no questionário; observou-se uma consistência interna (Alfa de Cronbach) de 0,8. Fator II: Delinqüência juvenil compartilhada – Um total de dez itens apresentou saturações aceitáveis neste fator, isto é, igual ou maior que ± 0,3 (por exemplo: Tem amigos que intencionalmente causam danos ou destruição? Tem amigos que bateram ou ameaçaram alguém sem justificativa? Tem amigos que roubaram?). O eigenvalue deste fator foi de 3,93, correspondendo à explicação de 4,8% da variância total, sendo seu Alfa de Cronbach de 0,71. Fator III: Desequilíbrio emocional – Neste fator apresentaram-se oito itens com saturações iguais ou maiores que ± 0,3 (por exemplo: Sentese triste a maior parte do tempo? Sente desejo de chorar freqüentemente? Sente-se só na maior parte do tempo?). O eigenvalue deste fator foi de 2,29, explicando 2,8 % da variância total e apresentando um Alfa de Cronbach de 0,72. Fator IV IV:: Conduta anti-social – Saturaram com carga igual ou superior ao preestabelecido 13 dos 81 itens do Posit (por exemplo: Tem mau gênio? Briga muitas vezes? Age impulsivamente com freqüência?). Seu eigenvalue foi de 2,2, representando a explicação de 2,7% da variância total. O Alfa de Cronbach deste fator foi de 0,72. Fator VV:: Dificuldades no rrelacionamento elacionamento com os pais/responsáveis – Este fator reuniu oito itens que possuem saturações aceitáveis (ai.t • ± 0,3) (por exemplo: Seus pais ou responsáveis presJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 113 Coelho Júnior et al. Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes compartilhada e fator IV – conduta anti-social). A única exceção foi o fator VII (trabalho e desempenho), que apresentou correlação significativa unicamente com os fatores I, II e V (dificuldades no relacionamento com os pais/responsáveis); tais correlações foram, no entanto, baixas, variando de - 0,09 a 0,15. Este último fator se correlacionou negativamente com todos os demais fatores, reforçando a necessidade de se inverter sua pontuação. tam atenção quando você fala? Seus pais ou responsáveis gostam de conversar ou de estar com você? Seus pais ou responsáveis estão de acordo a respeito da forma que devem lidar com você?). As pontuações para estes itens são invertidas. O eigenvalue deste fator foi de 2,07, o que corresponde à explicação de 2,6% da variância total, sendo o seu alfa de Cronbach de 0,66. Fator VI: Dificuldades na apr endizagem – Tal aprendizagem fator reuniu onze itens possuindo saturações que atendem ao critério previamente estabelecido (por exemplo: A escola é difícil? Tem dificuldade com trabalhos escritos? Tem dificuldade de organizar planos ou atividades?). O eigenvalue deste fator foi de 1,71, sendo responsável pela explicação de 2,1% da variância total, com um índice de consistência interna de 0,66. Analisados os resultados acima, parece eminente a presença de um grande fator subjacente ao Posit. Neste sentido, decidiu-se realizar uma nova análise de componentes principais, onde se fixou a extração de um único fator. Com exceção dos itens que saturaram com exclusividade no fator VII, dos quais foram eliminados todos os pertencentes, os demais fatores foram considerados nesta análise. Fator VII: TTrabalho rabalho e desempen ho – Este fator desempenho concentrou quatro itens que apresentam saturações iguais ou maiores que ± 0,3 (por exemplo: Teve alguma vez ou tem atualmente um trabalho? Teve algum trabalho eventual com salário? Teve alguma vez um trabalho remunerado que durou ao menos um mês?). O eigenvalue de tal fator foi de 1,63, correspondendo à explicação de 2% da variância total, sendo seu Alfa de Cronbach de 0,65. Este fator geral apresentou um eigenvalue de 7,88, explicando 12,1% da variância total das pontuações neste instrumento. Considerando o critério de carga fatorial igual ou superior a ± 0,3, foram reunidos neste fator 49 itens. Deste total, a maioria pertence ao fator I (12 itens), sendo que todos os demais fatores considerados apontaram pelo menos cinco itens. Tendo em conta as maiores saturações dos itens (referência ait • ± 0,4), tal fator pode ser denominado Índice de Potencial Uso de Drogas (por exemplo: o uso de álcool ou das drogas produz em você mudanças repentinas de humor, como passar de estar contente a estar triste ou vice-versa? Começou a consumir a maior quantidade de álcool para obter o efeito que deseja? As bebidas alcoólicas ou as drogas o induziram a fazer algo que normalmente não faria, como desobedecer a alguma regra ou lei, ou a hora de chegar em casa ou mesmo a ter relações sexuais com alguém?). Seu alfa de Cronbach, considerando a amostra de 12 itens, foi de 0,74; com todos os 49 itens, este índice de consistência interna ficou em 0,85. Conhecida a estrutura fatorial de primeira ordem, decidiu-se comprovar em que medida os fatores resultantes estariam correlacionados entre si. Neste sentido, procedeu-se ao cálculo de correlações de Pearson para as pontuações totais de cada um dos fatores do Posit. Os resultados são apresentados na Tabela 22. Como é possível observar na tabela anterior, seis dos sete fatores estão significativamente correlacionados entre si (p < 0,01), com coeficientes de correlação variando de 0,12 (fator I – potencial consumo de álcool e maconha e desequilíbrio emocional) a 0,47 (fator II – delinqüência juvenil Tabela 2 – Correlação entre os fatores de primeira ordem do Posit II III IV V VI VII I II III 0,45** 0,12** 0,27** - 0,24** 0,24** 0,15** 0,16** 0,47** - 0,3** 0,29** 0,14** 0,43** - 0,32** 0,41** 0,02* *p < 0,01; **p < 0,001 (teste bicaudal, eliminação pairwise de missing). 114 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Fatores IV - 0,33** 0,41** 0,05* V VI - 0,23** - 0,09** 0,03* Coelho Júnior et al. Discussão O objetivo principal do presente estudo, lembrando, foi comprovar a validade de construto para a medida Posit, utilizada para estimar o potencial consumo de drogas pelos jovens. Este foi cumprido. Corroborando a classificação de Mariño et al. (1998), o instrumento em pauta demonstrou poder ser representado por diferentes áreas da vida dos adolescentes, as quais são importantes para o estudo dos comportamentos de risco referentes ao consumo de drogas, como o álcool e a maconha. Não obstante, comprovouse também que é possível trabalhar com uma medida unidimensional, correspondendo a um fator geral de potencial consumo de drogas. Em termos da estrutura fatorial encontrada no Brasil e a classificação que Mariño et al.11. realizaram no México, os resultados denotam bastante correspondência. Uma análise do conteúdo dos sete fatores e das sete áreas releva o seguinte: o fator I (potencial consumo de álcool e maconha) corresponde à primeira área funcional (uso e abuso de substâncias) do Posit; o fator II (delinqüência juvenil compartilhada) se relaciona com a área funcional relações com os amigos; o fator III (desequilíbrio emocional) é bastante equivalente à área funcional saúde mental; o fator IV (conduta antisocial) se assemelha à área funcional conduta agressiva/delinqüência; o fator V (dificuldade de relacionamento com os pais/responsáveis) corresponde à área funcional relacionamento com os familiares; o fator VI (dificuldade na aprendizagem) representa a maioria dos itens que figuram na área funcional nível educativo; e, finalmente, o fator VII (trabalho e desempenho) traduz o significado da área funcional denominada de interesse laboral. Percebe-se, portanto, bastante similaridade entre as duas classificações, com a diferença de que a aqui apresentada foi comprovada empiricamente, através das respostas dos jovens. Quanto aos índices de consistência interna, alfas de Cronbach (α), os encontrados no presente estudo também são similares aos que relataram Mariño et al.11. No Brasil, o fator que demonstrou maior confiabilidade foi potencial consumo de álcool e maconha (fator I, α = 0, 8), correspondendo à primeira área funcional no México, denominada uso e abuso de substâncias, que também apresentou o maior índice de consistência, α = 0,87. Do mesmo modo, o fator que apresentou a menor confiabilidade no Brasil Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes (fator VII – trabalho e desempenho, α = 0,65) corresponde àquela área cuja confiabilidade foi a menor entre as sete áreas funcionais (interesse laboral, α = 0,64). O conjunto dos resultados apresentados sugere que o Posit apresenta validade de construto no Brasil, tendo demonstrado estrutura fatorial e índices de consistência interna que corroboram os achados com amostras mexicanas 11. Não obstante, é impossível deixar de assinalar duas das principais limitações desta medida: Amostra de itens utilizados – O Posit é composto por muitos itens, 81 no total, inviabilizando estudos de triagem que poderiam ser feitos tanto no âmbito ambulatorial como no clínico, ou mesmo no educacional. Alguns dos itens que o compõem são também extensos (por exemplo: O uso do álcool ou das drogas produz em você mudanças repentinas de humor, como passar de estar contente a estar triste, e vice-versa? As bebidas alcoólicas ou as drogas o induziram a fazer algo que normalmente não faria, como desobedecer a alguma regra ou lei, ou a hora de chegar em casa, ou mesmo a manter relações sexuais com alguém?). Isto dificulta a compreensão dos jovens e torna praticamente inviável sua aplicação em populações com baixa escolaridade. Natureza do conteúdo abordado – Embora outros estudos nesta área considerem de modo indiferenciado as drogas lícitas e ilícitas, tendo em vista que estas podem igualmente causar um mal de saúde nos jovens adolescentes3, 14, em termos de uma medida de triagem de potencial consumidores, pareceria fundamental não misturar os diferentes tipos de drogas. Certamente seria mais apropriada uma medida que tratasse separadamente o álcool e a maconha e outros tipos de drogas. Não necessariamente o consumo de uma está atrelado ao consumo da outra, sendo que sua junção em um mesmo item pode produzir ambigüidade nas respostas dos jovens. Apesar do que antes se comentou, Mariño et al.11 apresentam suficientes provas de que o Posit permite eficazmente diferenciar não-usuários de usuários de drogas. No caso da população brasileira, será preciso comprovar este aspecto no futuro. A propósito de estudos que deveriam ser realizados, além do que já foi sugerido, seria interessante averiguar em que medida as pontuações no Posit estariam correlacionadas aos valores humanos adotados pelos jovens ou mesmo à sua idenJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 115 Questionário para detectar potencial uso de drogas entre adolescentes tificação com os diversos grupos que os cercam. Segundo Petraitis, Fly e Miller (1995), o compromisso com os valores convencionais, que garantem a manutenção do status quo, e o apego à família são fatores preponderantes que inibem a possibilidade de uso de substâncias psicoativas. Finalmente, procurou-se considerar aqui uma amostra representativa de jovens escolarizados da cidade de João Pessoa. O tamanho da amostra foi suficientemente grande (n = 1.531), considerando o tamanho da população, que se situa em aproximadamente 500 mil habitantes. Contudo deve-se reconhecer que este número não torna possível generalizar os resultados para além dos limites amostrais. Portanto novos estudos deverão ser empreendidos, considerando sujeitos de outras cidades e fazendo um esforço por incluir aqueles que não estão atualmente em sala de aula ou com um trabalho fixo. Sobre este aspecto é importante lem- Coelho Júnior et al. brar que duas áreas funcionais que definem o potencial usuário de drogas, como estimado por Mariño et al.11, são nível educativo e interesse laboral. Possivelmente só então se poderiam estabelecer normas diagnósticas de aplicação mais ampla. Finalizando, tentou-se neste espaço trazer uma contribuição ao tema das drogas, porém de uma maneira mais preventiva, lançando vistas a uma explicitação da tendência ao consumo de drogas na faixa etária da adolescência. Tal tendência não deve ser assumida como tabu; deve, sim, ser discutida a fim de que se otimizem os esforços de triagem no que concerne aos problemas vividos pelos jovens adolescentes. Na medida do possível, tal estudo se caracteriza pela tentativa de lançar luz sobre a necessidade de se trabalhar mais ainda na prevenção do consumo a fim de que os esforços sobre a cessação da dependência sejam minimizados. Referências 1. Bergeret J, Leblanc J. Toxicomania: uma visão multidisciplinar. Porto Alegre: Artes Médicas; 1991. 2. Bucher R. Drogas e sociedade nos tempos da Aids. Brasília: Edunb; 1996. 3. Coelho Júnior LL. Uso potencial de drogas entre adolescentes: suas correlações com as prioridades axiológicas. Dissertação de Mestrado. João Pessoa: UFPB; 2001. 4. Costa MRS. Influência dos pais e amigos sobre a representação da maconha por adolescentes secundaristas de João Pessoa. Dissertação de Mestrado. João Pessoa: UFPB; 1995. 5. Ferreira PA. Atitudes perante a vida, moralidades e éticas de vida. In: Pais JM.(org.). Gerações e valores na sociedade portuguesa contemporânea. Lisboa: Gradegráfica; 1998, (p. 61-145). 6. Frank SJ, Jacobson S, Tuer M. Psychological predictors of young adults drinking behaviors. J Person Soc Psychology 1990; 59(4): 770-80. 7. Gouveia VV, Vasconcelos TC, Jesus GR. Índice de potenciais bebedores-problema: uma estimativa com base no Cage. Temas 1999; 29(56-57): 44-53. 8. Gouveia VV. La naturaleza de los valores descriptores del individualismo y del colectivismo: una comparación intra e intercultural. Tese de Doutorado. Madrid: Universidad Complutense de Madrid; 1998. 9. Hurrelmann K, Engel U. Delinquency as a symptom of adolescents orientation toward success. J Youth Adolesc 1992; 21(1): 119-38. 10. Kandel DB, Raveis VH. Cessation of illicit use in young adulthood. Arch Ge Psychiatry 1989; 46(10): 109-16. 11. Mariño MC, González-Forteza C, Andrade P, Medina-Mora ME. Validación de un cuestionário para detectar adolescentes com problemas por el uso de drogas. Salud mental 1998; 21(1): 21-36. 12. Newcomb MD, Bentler PM. Substance use and abuse among children and teenagers. American Psychologist 1989; 44(2): 242-48. 13. Petraitis J, Flay BR, Miller TQ. Reviewing theories of adolescent susbstance use: organizing pieces in the puzzle. Psychological Bulletin 1995; 117(1): 67-86. 14. Roazzi A. Considerações sobre o significado ideológico das toxicomanias. Arquivos Brasileiros de Psicologia 1987; 40(4): 48-60. 15. Tamayo A, Nicaretta M, Ribeiro R, Barbosa, L. Prioridades axiológicas y consumo de drogas. Acta Psiquiát Psicol Am Lat 1995; 44(4), 300-07. 16. Zagury T. O adolescente por ele mesmo. Rio de Janeiro: Record; 1996. Jornal Brasileiro de Psiquiatria Endereço para correspondência Leconte de Lisle Coelho Júnior Av. Tabelião José Ramalho Leite 1.212/403 Cabo Branco CEP 58045-230 – João Pessoa-PB e-mail: [email protected] 116 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Hepatite C, interferon e depressão: uma revisão (da série Depressão Induzida por Substâncias) Hepatitis C, interferon and depression: a review (from the Substance-Induced Depression series) Marco Antônio Brasil1; Julieta Mejia-Guevara2 Recebido em: 16.12.02 Aprovado em: 05.01.03 Resumo Objetivo: Numa revisão bibliográfica sobre hepatite C foi feita uma avaliação dos critérios utilizados para o diagnóstico de depressão em cada artigo revisado. Método: A pesquisa inicial no Silver Platter Medline, para os idiomas inglês, espanhol e francês no período compreendido entre 1991 e 2001 forneceu dados e permitiu a seleção de artigos. Usamos as palavras: depressão e interferon. Cada artigo foi lido procurando-se o número de pacientes que participaram, o método de diagnóstico, as escalas de intensidade dos sintomas usadas e qual o profissional que fez a avaliação psíquica. Resultados: Inicialmente, na década de 1980, foram descritos sintomas depressivos, como relatos de casos, em pacientes utilizando interferon. Posteriormente, foram descritos casos de suicídio entre estes pacientes, motivo pelo qual se procurou fazer uma pesquisa sistematizada para determinar dados que permitissem estabelecer quais pacientes poderiam vir a desenvolver depressão ou ideação suicida. O resultado foi a exclusão dos pacientes com histórico psiquiátrico do tratamento, já que não valeria a pena correr o risco, levando-se em conta que a resposta terapêutica ao interferon seria de apenas 20% (considerando resposta virológica mantida como: nível indetectável de vírus C, RNA – menos de cem cópias/ml). Quando se adicionou ao tratamento um nucleosídeo análogo sintético, a ribavirina, o índice de resultados positivos do tratamento aumentou (aproximadamente 50%); com a melhora da resposta a longo prazo, uma tentativa de tratamento para estes pacientes passou a ser justificada. Os artigos mais recentes relatam que é possível monitorar estes pacientes e incluí-los em protocolos de tratamento usando medicação antidepressiva. Atualmente, trabalha-se com a sugestão de que estes pacientes deveriam ser avaliados por equipe psiquiátrica para acompanhar e tratar, se for o caso, para, assim, não os excluir do uso de interferon. Conclusão: A incidência de depressão para pacientes em uso de interferon varia entre valores de 3% até 57%. Poderíamos atribuir esta oscilação à seleção da população, como, por exemplo, quando incluímos usuários de drogas, ou, dependendo de qual doença em estudo, já que a incidência de depressão é maior na hepatite C e na esclerose múltipla, mesmo sem tratamento. O método de estudo, a sensibilidade do instrumento empregado e o treinamento do entrevistador também explicariam números tão divergentes. Os estudos comparativos entre os diversos tipos de interferon mostram que há uma diferença de incidência de depressão entre eles. Unitermos interferon; depressão; hepatite C Summary Objective: A bibliographical review on hepatitis C, evaluating the diagnostic criteria for depression in each of the articles. Method: A search of the Silver Platter Medline, 1991-2001, for English, Spanish and French furnished the data from which the articles were selected. The key-words used were depression and interferon. Each article was read to find how many patients were studied, which diagnostic methodology and scales of symptom intensity were used, and the name of the professional responsible for the psychiatric evaluation. 1Doutor 2Mestre em Psiquiatria; professor-adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). em Psiquiatria. J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (2): 117-126, 2003 117 Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão Results: Initial data from the eighties describe depressive symptons as part of the case histories of patients using interferon. After that, cases of suicide within this patient group were seen. This led to more systematic research to identify factors which might predict which patients could eventually develop depression or suicidal ideation. Consequently, patients with prior psychiatric histories were removed from the study. This considers a therapeutic response to interferon as barely 20% (defining an undetectable viral response as maintenance of fewer than 100 copies/ml of virus C, RNA). When ribavirin, an analog nucleoside, was added to the treatment, the rate of positive results from the treatment increased by approximately 50%; this improvement in the long-term response justified its use as a viable treatment option for these patients. More recent articles report that it is now possible to monitor these patients and include them in treatment protocols using antidepressant medication. To avoid ruling out interferon as a treatment option, patients should be evaluated by a psychiatry before initiating treatment. This allows for follow-up and treatment, when necessary. Conclusion: The incidence of depression in patients treated with interferon varies from 3% to 57%. We can attribute these variations to several factors, including the selection of the population, when drug-users were included in the studies, the disease being studied (the incidence of depression is greater in hepatitis C than in multiple sclerosis, even when untreated). The method of study, differing sensitivities of the instruments used and variations in interviewer training also help to explain the divergent numbers reported. Comparative studies between varying types of interferon show that variations in the incidence of depression among them do exist. Uniterms interferon; depression; hepatitis C ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Introdução Este artigo revisa a relação entre a hepatite C, seu tratamento e a depressão. Uma prevalência maior de depressão tem sido encontrada em pacientes com hepatite C6, 18, 33. O porquê desta relação e a natureza da mesma estão sendo pesquisados. Quando as citocinas, como o interferon, começaram a ser usadas na hepatite, os relatos de caso na literatura sobre um aumento da incidência de transtorno do humor depressivo e de sintomas relacionados se fizeram mais freqüentes. A depressão é freqüentemente apontada como causa de exclusão para pacientes candidatos a usar interferon alfa ou de suspensão em relação àqueles que já o usavam. As terapias imunomoduladoras que usam citocinas como interleucinas ou interferon estão aumentando sua freqüência de uso. A toxicidade psiquiátrica destes agentes é ainda pouco compreendida, e o diagnóstico correto do transtorno psíquico detectado e o seu tratamento se fazem cada vez mais necessários. As citocinas, mediadoras solúveis secretadas pelo tecido imune, são promissoras para o tratamento de uma ampla variedade de neoplasias, doenças infecciosas e neurodegenerativas. São usadas com sucesso em câncer de células renais, melanoma maligno e leucemias, promovendo resposta imune contra as células neoplásicas via alteração de eventos bioquímicos no ciclo de replicação celular. Em in118 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ fecções virais, interrompem vias essenciais para a replicação viral15. O interferon é uma citocina que pode pertencer a três famílias de moléculas proteínicas: alfa, beta e gama. A maioria das células no corpo pode ser estimulada para produzir estas proteínas. Estas moléculas unem-se aos receptores de superfície nas células-alvo e induzem a síntese de proteínas intracelulares ou para modificar vias de replicação viral ou para prolongar o ciclo de multiplicação de células neoplásicas porque depletam a célula de metabólitos essenciais, como o triptofano, ou porque promovem a lise de células tumorais por meio da ativação de resposta imune. Os tipos de interferons alfa avaliados em pacientes infectados com hepatite C incluem interferon alfa 2-b, alfa 2-a, alfa n-1 (interferon alphan 1 ou linfoblastóide), interferon consensual alfacon 1 (C-interferon) e o interferon pegilado (Peg IFN alfa 2-a) que, na realidade, é um interferon ao qual foi agregada uma molécula de polietilenoglicol, conferindo-lhe uma média de vida maior com administração permitida uma vez por semana11, 35. Mesmo com as diferenças de cada um dos anteriores, todos foram incluídos com eficácia comparável para o tratamento da hepatite C crônica pela conferência do National Institutes of Health1. Além do interferon alfa, existe o beta, usado para esclerose múltipla desde 1995 e, ainda, o gama, aprovado em 1990 para doença granulo- Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão Tabela 1 – Doses aprovadas pelo FDA para a terapia com interferon na hepatite C crônica Nome da substância Laboratório Dose aprovada Schering Plough 3MU 3x/semana x 18-24 meses IFN alfa 2-a (Roferon A ) Roche 3MU 3x/semana x 12 meses IFN alfacon 1 (Infergen®) C IFN Amgem 9-15MU 3x/semana x 6 meses IFN alpha n-1 (Wellferon®) Linfoblastóide Glaxo-Wellcome Feito por subtipos múltiplos de IFN alfa IFN alfa 2-b (Intron A®) ® IFN alfa 2-b + ribavirina (Rebetron®) Schering Plough Peg IFN alfa 2-a (Peg Intron) Schering Plough IFN 3MU 3x/semana + ribavirina 1.000-1.200mg/dia x 12 meses 180µg SC 1x/semana22 FDA: Food and Drug Administration; MU: million units; IFN: interferon. Ahmed A, Keeffe E. Clinics in Liver Disease, 1999. matosa crônica. A terapia com interferon ocasiona sintomas depressivos, mas o quadro depressivo maior com tentativa de suicídio ou suicídio completo seria apenas de 4% do total dos relatos de reação adversa à medicação18. Em um estudo, onde se compararam dois diferentes tipos de interferon na mesma população de pacientes de hepatite C, detectou-se que os sintomas depressivos foram mais freqüentes no subtipo alfa em comparação ao beta18. O estudo de Malaguarnera et al.17 apontou que o interferon alfa, derivado dos leucócitos, seria o que menos produziria sintomas depressivos, comparado a outras citocinas de origem diferente, administradas na mesma dose por seis meses. Existem várias teorias a respeito de como poderia ser produzida a depressão quando uma citocina está sendo usada. Uma delas é a desregulação do eixo hipotálamo-hipófise15 (aumentando a secreção de hormônio liberador de corticotropina); a outra se refere ao interferon alfa, que pode alterar a regulação do sistema de dopamina fronto-subcortical através do mecanismo associado a opiáceos, quando se une a receptores opiáceos cerebrais18, 32,. Sua ação no sistema nervoso central pode ser revertida pelo antagonista opióide naltrexona. Existe alguma evidência pré-clínica de que o óxido nítrico poderia mediar a toxicidade em nível central. A síndrome clínica observada na neurotoxicidade do interferon alfa (lentidão psicomotora, disfunção cognitiva e disforia) é semelhante à clínica de algumas doenças associadas à depleção de dopamina6, 15, 18. O transtorno do humor permanece como uma das causas mais freqüentes para a suspensão do tratamento com interferon, e não é sempre resolvido com a sus- pensão do mesmo. Infelizmente, a maioria das depressões não é reconhecida nem tratada por médicos não-especializados em psiquiatria. As indicações mais freqüentes para o interferon são a esclerose múltipla cujas exacerbações estejam sendo freqüentes, ou a esclerose, onde se faz necessário tornar o processo de progressão da doença mais lento, nas diversas neoplasias e na hepatite C. Nos dois grupos, o interferon é apontado como causador da depressão. Por este motivo, os pacientes com algum histórico de depressão vêm sendo excluídos deste tipo de tratamento. Desde o início da década de 1990, diversas referências foram feitas em forma de relato de caso pelas equipes de gastroenterologistas. Nesta época, a única opção de tratamento era suspender o interferon. Os estudos conjuntos com psiquiatras são mais freqüentes a partir de 1997, quando se iniciou a aplicação de instrumentos e entrevistas semiestruturadas na avaliação da alteração do humor, pensando-se em esquematizar, a fim de buscar uma forma de tratamento. Introduzir a citocina junto à terapia com antidepressivos foi uma opção lógica. Foram usados diversos antidepressivos nesses grupos de pacientes10, 16, 34. Faremos uma revisão do material publicado recentemente a respeito. Revisão histórica Levenson e Fallon16, em 1993, publicaram um relato de caso de um paciente de 40 anos tratado com fluoxetina 20mg/dia para depressão. Fizeram também uma breve revisão bibliográfica onde apontaram que a incidência média para efeito colateral J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 119 Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão psiquiátrico foi de 17% nos pacientes tratados com interferon alfa. Neste caso em particular, tratava-se de um paciente com longo histórico de abuso de álcool, cuja anamnese nega depressão ou tratamento psiquiátrico anterior, exceto por vários meses de aconselhamento matrimonial. Na sua família havia casos de transtorno do humor e alcoolismo. A dose de fluoxetina teve uma redução para 20mg três vezes por semana, porque apresentou leve discinesia oral e anorexia importante. Os pesquisadores agruparam os efeitos psiquiátricos produzidos pelo interferon em três: depressão, delirium e mudança orgânica da personalidade. Dusheiko8 publica uma revisão, em 1997, sobre os efeitos colaterais do interferon alfa, na qual faz referência aos efeitos colaterais neuropsiquiátricos como sendo imprevisíveis. Compara o interferon alfacon (um composto sintético que foi formado pela combinação das posições de aminoácidos mais comuns em vários subtipos nãoalélicos do interferon alfa para originar uma seqüência consensual, por isso é dado o nome de alfacon1) nas doses de 3µg e 9µg ao interferon alfa 2-b em dose de 15µg. Foi relatado maior número de casos de depressão, nervosismo, fadiga, ansiedade e labilidade emocional para as doses maiores do alfacon. O próprio Dusheiko recomenda administrar a dose à noite para reduzir a freqüência destes efeitos. Ele considera grave a depressão, e, diante da ideação suicida, recomenda que o tratamento deva ser suspenso. O autor levanta a possibilidade de que a ideação suicida possa ser mais freqüente em pacientes com histórico positivo para depressão; mostra também que foi reportada em pacientes sem história psiquiátrica anterior. Não existe referência no artigo se foi feito um acompanhamento psiquiátrico destes pacientes durante ou depois do tratamento com interferon. Nesse mesmo ano, foi apresentada uma revisão sobre o uso de interferon beta em pacientes com esclerose múltipla 24, comparando-se os subtipos beta 1-a e beta 1-b. A própria doença tem sido freqüentemente vinculada à depressão, mas o grupo de pacientes que usou o interferon beta 1-b mostrou maior incidência de depressão em relação ao grupo do subtipo 1-a. Os autores associam ao tratamento da depressão uma satisfação maior do paciente no seu tratamento com interferon. É mencionado dentro do artigo o uso do inventário de Beck para os dois grupos de pacientes, mas não determinam os métodos diagnósticos usados. 120 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Numa carta publicada em dezembro de 1998, Monji e Yoshida22 relataram o caso de um homem de 40 anos sem história pessoal ou familiar psiquiátrica que desenvolveu sintomas diagnosticados como transtorno bipolar quando usou interferon alfa para hepatite C. O tratamento foi iniciado em maio de 1993, sendo suspenso em março de l994, pouco antes de ser internado na vigência de crise maníaca. Estabilizou-se em 1997 com lítio e amitriptilina. Não existem dados suficientes dentro deste relato para determinar se não é uma co-morbidade na qual o paciente de qualquer maneira iria desenvolver a oscilação do humor compatível com o diagnóstico acima. É um caso onde se sugere uma relação de causalidade entre mania e interferon. Nas publicações do início da década de 1990, associavam-se delirium e encefalopatia15, 16, 18 com doses altas de interferon. Posteriormente começaram a aparecer os artigos com relatos de transtorno orgânico do humor em doses mais baixas do mesmo10, 33, 34. Yates e Gleason34, dois dos autores que mais publicam sobre o assunto, num artigo sobre cinco casos onde usaram diferentes antidepressivos junto ao tratamento da citocina, empregaram sertralina, imipramina e paroxetina com bom resultado em três dos pacientes que precisaram de medicação. Acompanharam 72 pacientes com hepatite C, dos quais 14 estavam recebendo interferon e 7 chegaram já deprimidos na primeira entrevista. Neste artigo, eles não fazem referência a materiais e a métodos empregados na avaliação do quadro depressivo, como também não excluem abuso de drogas recente e só um dos cinco não tinha história pessoal para problemas psiquiátricos. Ao longo da discussão os autores fazem referência a uma incidência de depressão de 24% na população de pacientes com hepatite C. Apresentaram um pôster no congresso americano da Associação Americana em 2000 onde avaliaram a qualidade de vida, a depressão e a melhora após introdução do antidepressivo em 11 pacientes em um estudo aberto de quatro semanas10. Borras e Rio2, na unidade de neuroimunologia em Barcelona, avaliaram pacientes com esclerose múltipla e uso de interferon beta 1-b. Usaram a escala Hamilton e o inventário Beck junto a outro inventário para ansiedade e traço de ansiedade. Questionaram a exclusão de pacientes deprimidos da oportunidade de usar interferon e, por considerar que faria falta uma avaliação longitudinal, fizeram dois anos e meio de seguimento. As entrevis- Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão tas foram feitas pelo neuropsicólogo da unidade no dia anterior à primeira dose, no final do primeiro ano e um ano depois (24 meses). Oito por cento dos pacientes não retornaram no primeiro ano e 64% de 90 pacientes forneceram dados psicológicos. Mencionaram dois pacientes que foram incluídos usando fluoxetina e amitriptilina, medicações que foram mantidas até o final do estudo. A pontuação obtida para a escala Hamilton em 97,8% dos pacientes foi de menos de 18 pontos usandose a escala de 23 itens. Para o questionário auto-administrado de Beck, com 21 perguntas, consideraram depressão mínima (pontuação de 10-15); leve (pontuação de 16-19); moderada (20-29) e severa (3063). Dentro destes parâmetros, deduziram que 18% teriam sinais de depressão mínima; 6,7% corresponderiam à depressão leve e 4,4%, à moderada. Na escala de ansiedade, apontaram que as mulheres tiveram pontuação maior que a dos homens. Esta escala considera ansiedade e traço de ansiedade, sendo maior a percentagem para traço do que para ansiedade propriamente dita. Após a análise estatística, não observaram piora no estado emocional e, pelo contrário, relataram uma melhora significante durante o tratamento. Na discussão, consideraram que deveriam ter usado controles, mas optaram por não ferir a ética incluindo pacientes sem tratamento. Finalizaram considerando que os sintomas físicos poderiam influir na avaliação subjetiva dos pacientes, sendo que, no início do tratamento, eles usaram esteróide para evitar o mal-estar físico ocasionado pelo interferon. Os autores analisaram os dados do segundo ano encontrando uma percentagem de 22,6% na ansiedade do grupo feminino em comparação a 15,1% relatados no primeiro dia. O estudo não prosseguiu após este tempo, e não foi determinado o método pelo qual foi estabelecido o diagnóstico do estado mental. Brasil34, em uma revisão sobre efeitos psiquiátricos das medicações clínicas, comenta o efeito estimulante que o corticóide pode ter em alguns pacientes. Este poderia ser um fator contribuinte para não encontrar maior incidência de depressão moderada a grave. O estudo de Mohr21, realizado em 1997, usou um questionário de quatro perguntas, contactando os pacientes pelo correio num ensaio clínico realizado em pacientes com esclerose múltipla. Observaram um aumento da adesão ao tratamento com interferon beta naqueles pacien- tes com queixas depressivas que receberam tratamento antidepressivo, terapia de suporte ou ambos. No comentário final, apontaram que a depressão encontrada na esclerose múltipla quase nunca preenche critérios para o diagnóstico de transtorno depressivo maior do DSM-IV. Eles esclareceram que seu estudo não foi desenhado para determinar se os sintomas depressivos refletem a história natural da esclerose múltipla ou uma reação ao interferon beta-1b ou, talvez, um desapontamento nas expectativas criadas antecipadamente ao tratamento. Os resultados sugerem que a adesão ao tratamento com a citocina pode ser melhorado com a identificação e tratamento dos pacientes com sintomas subjetivos de depressão. Mohr acompanha os pacientes que não completaram o tratamento de um estudo e pesquisa o porquê. Em 1998, aponta novamente a depressão como causa de descontinuação do interferon beta 1-a20. Lerner15, em um artigo sobre a toxicidade das citocinas, aponta que o hipotireoidismo acontece com freqüência duas a três vezes maior que o hipertireoidismo. Vincula a depressão à alteração da tireóide, apontando como obrigatório avaliar função tireoidiana, porque a citocina induz autoanticorpos por volta do segundo ao quarto mês de tratamento. Okanue et al.25, num estudo usando-se altas doses de interferon para hepatite C crônica, durante um percurso de três anos (1992-1995), estudaram 987 pacientes, sendo que um terço dos pacientes (310) teve a dose reduzida por causa de efeitos colaterais como: leucopenia, trombocitopenia, diabetes melito e problemas tireoidianos. Concluíram que a severidade dos sintomas é diretamente relacionada à dose e à freqüência da administração, mas existe uma acentuada variabilidade individual. Neste estudo, 23 pacientes apresentaram sintomas depressivos; seis deles receberam diagnóstico de depressão. Não foi especificado o tratamento, mas consta no relato que se recuperaram de seu transtorno psicológico. Dois dos pacientes tentaram suicídio e na discussão os pesquisadores enfatizaram a necessidade de monitorar cuidadosamente este aspecto entre os efeitos colaterais. Consideraram que a toxicidade do interferon para o sistema nervoso central foi relacionada à dose e aumentou junto com a duração do tratamento. Também observaram uma freqüência mais alta em pessoas da terceira idade. J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 121 Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão Em um artigo sobre hepatite C, em um hospital de nível III, com 500 pacientes, Lee et al.14 encontraram uma incidência de 24% para sintomas depressivos em pacientes com hepatite C sem tratamento. Sugeriram como assunto para uma pesquisa futura que as manifestações extra-hepáticas são dependentes do genótipo da doença – atualmente se considera que a progressão para cirrose e a falha hepática são mais freqüentes no genótipo 1a do que no 1b. Trata-se de um estudo retrospectivo onde 60% dos pacientes que apresentaram sintomas estavam recebendo tratamento antidepressivo quando foram vistos pela primeira vez. Consideram que a alta aparição de sintomas depressivos poderia ser atribuída à reação depressiva porque estavam lidando com um nível de fadiga incomum e/ou preocupados com a saúde. Na discussão final apontam que fadiga e depressão são comuns em hepatite C e poderiam ser variáveis dependentes. Avaliaram casos de pacientes, de 1975 a 1995, revisando seus prontuários médicos. Este é um dos estudos, cuja revisão abrange um prazo mais longo, no qual sugerem que a hepatite C sozinha poderia ter uma incidência maior de sintomas depressivos14, 29. Não encontraram relação entre idade e depressão, nem os pacientes com histórico de dependência química apresentaram uma incidência maior de sintomas depressivos. Não mencionaram os métodos usados para o diagnóstico da depressão nem como estabeleceram a diferença entre a mesma e a reação depressiva. A relação entre usuários de droga, interferon e hepatite C foi revisada por Johnson e Fisher13 em um artigo realizado no Departamento de Psicologia da Universidade de Alaska. Na introdução do artigo, os autores comentaram que a literatura deveria avaliar se a depressão é preexistente à introdução do interferon ou se é um efeito colateral do mesmo ou ainda seria uma característica comum a usuários de drogas. Examinaram 310 usuários de drogas com pelo menos 30 dias de abstinência comprovada por exame físico e análise em urina de metabólitos para morfina, cocaína ou anfetamina. O objetivo do estudo era determinar o tipo de intervenção que ajudaria os usuários de drogas a prevenir a disseminação do vírus do HIV e, como parte de sua participação, deveriam preencher o questionário CES-D: escala do centro para estudos epidemiológicos de depressão. Este instrumento, preenchido pelos próprios pacientes, consta de 20 itens, cada um com 122 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 quatro opções, oscilando entre zero – nunca – até três – quase todo o tempo. Avalia também quatro subescalas: somática/retardo na atividade; afeto deprimido; afeto positivo e interpessoal. Dentro dos resultados, não encontraram diferença estatística na pontuação para depressão entre pacientes com o vírus C e aqueles sem ele. Quando aplicaram Manova, usando as subescalas do CES-D como variáveis dependentes e a hepatite C como variável independente, encontraram alguma diferença nas duas primeiras subescalas (qualidade deprimida do afeto e retardo na atividade/somática). Devemos levar em conta que a hepatite C produz fadiga como sintoma. Na discussão, colocaram uma série de dúvidas sobre a complexa relação existente entre a depressão, a hepatite C e o uso de drogas mesmo sem o uso do interferon. Em uma carta aos editores, Capuron e Ravaud4 relataram que em dez pacientes com melanoma em uso de interferon alfa como terapia coadjuvante à imunoterapia, três aumentaram a pontuação da escala Montgomery Asberg Rating Scale (Madrs) após quatro semanas de uso da citocina, entre os que apresentaram pontuação maior na escala no primeiro dia do estudo. Postularam que o estado do humor no início do tratamento poderia nos predizer como o mesmo evoluiria junto ao tratamento com interferon. Excluíram pacientes com histórico positivo para depressão e acompanharam o grupo por quatro semanas. Segundo a mesma linha de raciocínio, Cotler e Wartelle5 mencionaram que os efeitos colaterais podem ser uma exacerbação de sintomas preexistentes. Numa tentativa de predizer a resposta ao tratamento com interferon, acompanharam 222 pacientes avaliados na linha de base e, seis meses depois, para sintomas como fadiga, mialgia, artralgia, depressão, febre, náusea, calafrios, vômito e cefaléia. Acompanharam pacientes na França e nos Estados Unidos. Propuseram aumentar a dose do interferon no quarto mês caso a prova para detecção do vírus C (RNA) no soro pelo PCR ( polimerase chain reaction ) fosse detectável. Consideraram que a piora dos sintomas estava relacionada à quantidade do interferon, mas não ao regime de administração. No uso diário, os pacientes toleravam-no melhor do que na administração de três vezes por semana. Não aplicaram escalas de acompanhamento da intensidade da depressão; usaram medicação antidepressiva apoiada nos sintomas relatados Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão pelos pacientes e na avaliação clínica dos investigadores. Perguntaram sobre o uso atual de drogas ou álcool, mas não o padrão de uso anterior. Mulder e Ang23 seguiram 63 pacientes em seis meses de tratamento, os quais, na primeira entrevista, foram avaliados pela psiquiatria, usando SCID pelo DSM III-R. Posteriormente, foram vistos mensalmente pela enfermagem, receberam uma escala para preenchimento (SCL-90: Hopkins Symptom Checklist), que foi respondida por 49 pacientes. Relataram ainda que 75% dos pacientes da amostra teriam feito uso de drogas endovenosas. Avaliaram depressão, ansiedade e raiva, não encontrando um aumento significativo até o final do estudo. Naqueles que tiveram pontuação alta nos sintomas depressivos no início do estudo, a pontuação continuou alta, mas não mudou significativamente. Os dez pacientes que apresentaram sintomas depressivos ou depressão não foram relacionados diretamente com o tratamento com interferon. Cinco dos pacientes foram tratados para depressão sem ser especificado com qual medicamento. Não existe referência a nenhum seguimento psiquiátrico posterior. Miyaoka e Otsubo19 compararam dois tipos diferentes de interferon em 66 pacientes pelo espaço de um ano. Fizeram avaliação psiquiátrica ao ingressar no estudo, antes de iniciar qualquer tratamento e depois, no final do primeiro mês, após um ano e dois anos. Usaram os critérios do DSM III-R e a escala Hamilton, encontrando que: 27,1% dos pacientes satisfaziam critérios para episódio depressivo; dois dos pacientes apresentaram ideação suicida, mas nenhum tentou de fato o suicídio. Sobre o interferon pegilado, Zeuzem e Feinman35 publicaram um artigo recente onde 531 pacientes terminaram o acompanhamento demonstrando uma eficácia superior ao interferon alfa 2-a sozinho, com incidência de 16% de depressão. Deste grupo, os autores consideraram que seis tiveram efeito adverso psiquiátrico grave: quatro com depressão grave, um com psicose e outro que morreu de overdose de heroína, porém, como já tinha histórico de uso EV de drogas, foi uma morte considerada não-relacionada à citocina. Taruschio30, 31 apresentou um trabalho no congresso de gastroenterologia, em 1996, onde analisou 30 pacientes com hepatite C aplicando as seguintes escalas BDI, Madrs, Stai, Hama, BPRS, Staxi, CGI. Encontrou que 20% teriam diagnóstico de ansiedade generalizada e 10%, de transtor- no do humor. Considerou que a astenia, a cefaléia, a dor muscular, as dificuldades de concentração e as alterações da libido poderiam ser sintomas da depressão não-diagnosticada. No resumo não determinaram o tempo do estudo nem se foi feito algum seguimento depois. Já Taruschio, Sica e Migliorini31, do departamento de psiquiatria de Bologna, publicaram uma referência aos efeitos psiquiátricos do interferon como sendo mais freqüentes em idosos com neoplasias após uso endovenoso de doses altas. Sobre a terapia para o vírus da hepatite C fazem três relatos de caso onde foram feitos os diagnósticos de: psicose, pânico e depressão. Não relataram o uso de nenhuma entrevista semi-estruturada nem determinaram se essas manifestações teriam aparecido antes da entrada da citocina. Em outro estudo, os italianos Fattovich e Giustina 9 fizeram uma retrospectiva usando interferon alfa, dividindo sua toxicidade em hepática e extra-hepática. Em uma amostra de 11.241 pacientes de 73 centros italianos, mencionam dois casos onde detectaram depressão que levou a tentativa de suicídio. Dez pacientes desenvolveram psicose, não especificando o tratamento utilizado para a remissão do quadro. Concluem que os efeitos colaterais do interferon tiveram uma incidência considerada baixa (0,04% para efeitos fatais e 0,07% para efeitos colaterais de longo prazo). Heeringa e Honkoop12 relatam seis casos psiquiátricos de depressão e de psicose ou delirium desenvolvidos após o começo do interferon alfa 2b. Dois dos pacientes teriam tido sintomas descritos como psíquicos previamente. Depois de parar a medicação, quatro se recuperaram. Um paciente cometeu suicídio e outro não foi possível acompanhar. Em outro estudo com interferon alfa para 18 pacientes com uveíte auto-imune, Sanchez Roman e Pulido Aguilera 27 colocaram depressão endógena entre os critérios de exclusão. Mesmo assim, encontraram depressão em três casos, a qual melhorou após a suspensão do tratamento com a citocina. O tempo de tratamento foi de um ano. Não mencionaram acompanhamento posterior nem se os pacientes foram avaliados antes pela psiquiatria. Dieperink, Willenbring e Ho6, em um artigo sobre sintomas neuropsiquiátricos, em pacientes J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 123 Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão com uso de interferon em hepatite C, fizeram uma revisão da doença, da história natural, do tratamento, da qualidade de vida e dos efeitos colaterais. Focalizaram os mecanismos das mudanças neuropsiquiátricas associadas ao interferon e propuseram tratamentos a partir de cuidadosa revisão bibliográfica. Apontaram que os sintomas neurológicos associados à citocina seriam: parestesias, confusão, afasias, cegueira cortical, delirium, síndromes extrapiramidais como ataxias e acatisias. Fizeram referência a dois artigos que documentam ondas lentas na atividade eletrofisiológica do EEG e estes sintomas seriam mais comuns na velhice e nos pacientes oncológicos. Documentam, numa tabela, os estudos, o instrumento usado e os achados quanto à depressão ou ansiedade (TTabela 22). Dentro do corpo do artigo fazem uma divisão dos sintomas produzidos pelo interferon como: cognitivos, afetivos e o componente comportamental. Rifflet26 reportou cinco casos de efeitos psiquiátricos em pacientes tratados com interferon alfa para Tabela 2 – Alterações psiquiátricas em pacientes com hepatite C, com ou sem interferon alfa Estudo Ano n Instrumentos Tratamento Renault et al. 1987 58 IFN-α Davis et al. 1989 166 SCL-90-R Cons. psiquiátrica Relato subjetivo Placebo/IFN-α Poynard et al. Okanue et al. 1996 1996 303 677 Relato subjetivo Relato subjetivo IFN-α IFN-α Fattovich et al. Lee et al. 1996 1997 11.241 359 Otsubo et al. 1998 85 Entrevista retrospectiva IFN-α Medical Chart Review Dados iniciais DSM-III-R, HDRS (1) Dados iniciais IFN-α Malaguarnera et al. 1998 114 Zung Self Rating Dep. Scale Maunder et al. Davis et al. 1998 1998 3 345 Série de casos Relato subjetivo McHutchinson et al. 1998 912 Relato subjetivo IFN-α IFN-α IFN-α IFN-α/ribavirina IFN-α IFN-α/ribavirina Pariante et al. 1999 50 SCID for DSM-III-R (2) Dados iniciais IFN-α Singh et al. 1997 82 Beck Dep. Inventory (BDI) Sem tratamento Hunt et al. 1997 38 BDI, HADS (3) Sem tratamento Johnson et al. 1998 309 CES-D Scale (4) Sem tratamento Resultados Efeito colateral neuropsiquiátrico em 17% Sem diferenças entre os grupos quanto a depressão, fadiga e irritabilidade: depressão em 8%-14% Astenia em 50%, depressão em 9% Desordens psicológicas em 24 (3,5%), tentativa de suicídio em dois (0,3%) Psicose em dez pacientes, tentativa de suicídio em dois Depressão em 24% dos pacientes não-tratados; dois terços precisaram de antidepressivos Depressão maior em dois; média da Hadrs: 3 Pontuação da HADRS e 37,3% (31 dos 83) desenvolveram depressão Média de pontuação > 50 (depressão moderada) Aumentou a pontuação para todo o grupo tratado com IFN Originou sintomas de PTSD (5) Depressão em 11%, insônia em 23% Depressão em 16%, insônia em 20% Ansiedade em 13%, piora da concentração em 14%, depressão em 37%, labilidade emocional em 8%, insônia em 27%, irritabilidade em 32% e fadiga em 70% Ansiedade em 18%, piora na concentração em 14%, depressão em 36%, labilidade emocional em 11%, fadiga em 70%, insônia em 39% e irritabilidade em 32% Diagnóstico psiquiátrico atual em 16 (32%) Dos pacientes com hepatite B e/ou C, 11 (22%) desenvolveram condições psiquiátricas: depressão (n = 5), depressão sem especificação (n = 3), severa disforia (n = 2), t. de ansiedade generalizada (1) Pacientes na fila do transplante com hepatite C apresentaram níveis de depressão significativamente maiores do que aqueles sem o vírus C HADS: 7% (2 de 28) possivelmente deprimidos, 4% (1 de 28) deprimidos BDI: 30% (9 de 28) moderadamente deprimidos Sintomas depressivos em 57,2% dos usuários de drogas com hepatite C e em 48,2% daqueles sem hepatite C (1) Hamilton Depression Rating Scale; (2) Structural Clinical Interview for DSM-III-R non patient edition; (3) Hospital Anxiety and Depression Scale; (4) Center for Epidemiological Studies Depression Scale; (5) Posttraumatic Stress Disorder. Dieperink E, Willenbring M, Ho S. American Journal of Psychiatry, 2000. 124 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão hepatite viral C. No primeiro dos casos, em um paciente com ideação suicida, ainda sem tentativa, foi possível retornar ao tratamento com interferon. No segundo e no terceiro caso, a depressão aconteceu durante o tratamento com a citocina, mas não desapareceu depois da parada do interferon. No total, houve duas mortes em quatro tentativas de suicídio depois da retirada do interferon. A prevalência de tentativas de suicídio nos primeiros seis a 12 meses de tratamento com interferon foi zero comparada a 1,3% durante os seis meses após a terapia em 306 pacientes com hepatite C crônica. Concluiu-se que a depressão não desaparece após a retirada do interferon, justificando um seguimento clínico especializado até mais freqüente após a suspensão do tratamento. Durelli e Bongioanni7 apontaram a depressão como efeito colateral de interferon alfa 2-a (Roferon-A da Roche) num total de 46 pacientes com diagnóstico de esclerose múltipla. Schwid28, em outro estudo feito por neurologistas sobre o interferon beta 1-b em esclerose múltipla, enfatiza a aparição de hipertireoidismo sintomático em dois dos casos, os quais já faziam uso de imipramina, sem apontar no comentário porque foi indicado o tricíclico. Discussão Quando se relacionam sintomas depressivos com a hepatite C, devemos nos lembrar de que a principal via de contaminação é o uso de drogas endovenosas. Entre os usuários de drogas, incluindo álcool, existe uma grande co-morbidade com transtornos do humor. A contaminação com vírus do HIV dar-nos-ia particularidades diferentes da população exposta ao risco, assim como das medicações necessárias para o seu tratamento, sem contar as infecções oportunistas às quais os portadores do vírus já estão expostos. Dependendo da população em estudo, estabelece-se um viés de seleção quando focalizamos no interferon, já que a esclerose múltipla e a hepatite C foram relacionadas, mesmo sem medicação com a depressão, fazendo-se necessário es- tabelecer um grupo de controle, sem usar interferon, para determinar a incidência do transtorno afetivo na doença de base. O paciente que recebe um diagnóstico de neoplasia pode fazer uma reação depressiva que só será diferenciada de um episódio depressivo maior por um especialista da área. Um outro médico pode nem notar a mudança de humor. A depressão induzida pelo interferon começou a ser mais intensamente pesquisada após os relatos de suicídio que apareceram na literatura. Todos os artigos são unânimes em afirmar a necessidade de um trabalho conjunto para melhor avaliação. Anteriormente, as recomendações para pacientes com histórico de transtorno psiquiátrico eram as de suspender o tratamento ou excluir pacientes com anamnese positiva para depressão da terapia com a citocina. Trata-se de um problema complexo, mas não é por isso que não poderá ser tentado um atendimento conjunto para o benefício de todos os pacientes. Na literatura mais recente, são comuns os relatos de tratamentos simultâneos da citocina com antidepressivo, obtendo-se bons resultados. É importante o subtipo do interferon a ser usado no estudo, e sua comparação com outro seria de valor, para ver se faz diferença na aparição de depressão ou não. Alguns dos estudos comparando as diversas classes de interferon mostram prevalência diferente para o transtorno afetivo, sendo que o tipo alfa é o mais vinculado à depressão. Finalmente, o desenho do estudo, caso seja prospectivo, poderá definir as ferramentas usadas para coletar a informação. Por exemplo, uma entrevista semi-estruturada para padronizar os dados, mesmo com entrevistador experiente, aumentará a confiabilidade no diagnóstico do sintoma observado dentro do estudo. As escalas determinam só a intensidade da depressão. Se o estudo for retrospectivo, não se tem nenhum controle sobre as variáveis a serem analisadas. Só poderá ser um estudo descritivo, confiando que o quadro diagnosticado como depressivo venha a se confirmar caso seja feito um acompanhamento depois do estudo. Referências 1. Ahmed A, Keeffe E. Overview of IFN therapy for chronic hepatitis C. Clin. in Liver Dis. 1999; 3(4): 757-73. 2. Borras C, Rio J et al. Emotional state of patients with relapsingremitting MS treated with interferon beta 1-b. Neurology 1999; 52(8): 1636-9. 3. Brasil M. Depressão decorrente de medicamentos. In: Fraguas JR, Figueiredo et al. Depressões secundárias – Depressões associadas a condições clínicas e medicamentos. São Paulo: Atheneu, 2000. 4. Capuron L, Ravaud A. Prediction of the depressive effects of J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 125 Brasil et al. Hepatite C, interferon e depressão interferon alfa therapy by the patient´s initial affective state Nej of Med 1999; 340(17): 1370. 5. Cotler SJ, Wartelle CF et al. Pretreatment symptoms and dosing regimen predict side effects of IFN therapy for hepatites C. J of Viral Hepatitis, 2000; 7(3): 211-7. 6. Dieperink E, Willenbring M. Neuropsychiatric symptoms associated with hepatitis C and interferon alfa: a review. Am J Psych 2000; 157(6): 867-76. 7. Durelli L, Bongioanni M, Ferrero B et al. Long term recombinant IFN alpha treatment in MS with special emphasis to side effects. Mult Scler 1996; 1(6): 366-71. 8. Dusheiko G. Side effects of IFN alfa in chronic hepatitis C. Hepatology, 1997; 26(3 suppl. 1): 112s-21s. 9. Fattovich G, Giustina, Favarato S, Ruol A. A survey of adverse events in 11,241 patients with chronic viral hepatitis treated with alfa interferon. J Hepatol 1996; 24: 38-47. 10. Gleason O, Yates W. An open label trial of citalopram for major depression in hepatitis C. Presented at the Annual Meeting of the Am Psych Assoc. Chicago, Illinois, EUA, 2000, 13-8. 11. Glue P, Rouzier-Panis R, Raffanel C et al. A dose ranging study of pegylated interferon alfa 2-b and ribavirina in chronic hepatitis C. Hepatology 2000; 32(3): 647-53. 12. Heeringa M, Honkoop P, De Man RA, Feenstra J, Smits CM. Major psychiatric effects of interferon alpha-2b (Abstract). Ned Tijdschr Geneeskd 1998; 142(28): 1618-21. 13. Johnson ME, Fisher DG.Hepatitis C virus and depression in drug users. Am j Gastroenterology 1998; 93(5): 785-9. 14. Lee D, Hyder J. Morbidity of chronic hepatitis C as seen in a tertiary care medical center. Dig Dis and Science 1997; 42(1):186-91. 15. Lerner D, Stoudemire A. Neuropsyhiatric toxicity associated with cytokine therapies. Psychosomatics 1999; 40(5): 428-35. 16. Levenson J, Fallon H. Fluoxetina treatment of depression caused by interferon alfa. Am J of Gastroenterology 1993; 88(5): 760-1. 17. Malaguarnera M, Di Fazio I et al. Interpheron alpha-induced depression in chronic hepatitis C patients: comparison between different types of interferon alpha. Neurosychobiol 1998; 37(2): 93-7. 18. Menkes DB, McDonald JÁ. Interferons, serotonin and neurotoxicity. Psychological Medicine 2000; 30(2): 259-68, Cambridge University Press. 19. Miyaoka H, Otsubo T.Depression from interferon therapy in patients with hepatitis C. Am J Psychiatry 1999; 156: 1120. 20. Mohr D, Likowsky, W. Side effect profile and adherence to in the treatment of MS with interferon beta-1-a. Mult Escl 1998; 4(6): 487-89. 21. Mohr D, Goodkin D et al. Treatment of depression improves adherence to interferon beta 1b therapy for multiple sclerosis. Arch Neurol 1997; 54: 531-3. 22. Monji A, Yoshida I. A case of persistent maniac-depressive Illness induced by interferon-alfa in the treatment of chronic hepatitis C. Psychosomatics 1998; 39(6):562-4. 23. Mulder RT, Ang M, Chapman B et al. Interferon treatment is not associated with a worsening of psychiatric symptoms in patients with hepatitis C. J of Gastroenterol Hepatol 2000; 15(3): 300-3. 24. Munchshauer F III, Kinkel R. Managing side effects of interferon beta in patients with relapsing-remitting multiple scleroses. Clinical Therapeutics, 1997; 19(5): 883-93. 25. Okanue T, Sakamoto Y, Itoh Y et al. Side effects of high dose interferon therpy for chronic hepatitis C. J Hepatol 1996; 25(3): 283-91. 26. Rifflet H.Pulsions suicidaires chez des maladies attains d’hepatite chronique C au cours ou au decours du traitment par l’ínterferon alpha. Gasroenterol Clin Biol 1998; 22(3): 3537. 27. Sanchez Roman J, Pulido Aguilera C et al. Utilización de interferon alfa 2 recombinante en el tratamiento de las uveitis autoinmunes. Rev Clin Esp 1996; 196: 293-8. 28. Schwid SR, Goodman AD. Autoinmune hyperthyroidism in patients with MS treated with interferon beta-1b. Arch Neurol 1997; 54(9): 1169-90. 29. Singh N, Gayowski T et al. Psychologic stress, depression and quality of life in patients with liver disease due to hepatitis C virus. Hepatology 1996; 24: 295 A. 30. Taruschio G, Santarini G et al. Psychiatric disorders in hepatitis C virus related chronic liver disease. Gastroenterology 1996; 110(4): A1342. 31. Taruschio G, Sica G, Migliorini C et al. Psychiatric adverse reaction during interferon alpha treatment. Gastroenterology, 1996; 110(4): A1342. 32. Valentine AD, Meyers CA et al. Mood and cognitive side effects of IFN alfa therapy. Semin Oncol 1998; 25: 39-47. 33. Yates W, Gleason O. Hepatitis C and depression. Depress Anxiety 1998; 7(4): 188-93. 34. Yates W, Gleason O. Five cases of INF induced depression treated with antidepressants. Psychosomatics 1999; 40: 510-2. 35. Zeuzem S, Feinman V et al. Peginterferon alfa-2 a in patients with chronic hepatitis C. NEJM 2000; 343(23): 1666-72. Jornal Brasileiro de Psiquiatria Endereço para correspondência Marco Antônio Brasil R. Voluntários da Pátria 455 – Botafogo CEP 22270-000 – Rio de Janeiro-RJ Tel.: (21) 2527-3996 e-mail: [email protected] 126 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Doença mental e comportamento violento: novas evidências da pesquisa Mental disease and violent behavior: new evidence from research Flavio Jozef1; Jorge Adelino Rodrigues da Silva2 Recebido em: 04.02.03 Aprovado em: 10.03.03 Resumo Foi efetuada uma revisão crítica da literatura pertinente, distribuindo-se os estudos por suas três vertentes principais: os de prevalência de comportamento violento em doentes mentais, os de prevalência de doenças mentais em populações violentas e estudos baseados na comunidade. Independentemente da linha de investigação, boa parte dos estudos atuais aponta para a presença de uma associação significativa entre doença mental e comportamento violento. Há, portanto, evidências de uma importante associação entre doença mental e comportamento violento, comparativamente a populações normais, qualquer que seja a vertente estudada. A presença de co-morbidade com uso/abuso de álcool/drogas aumenta o risco de tais comportamentos. Unitermos doença mental; comportamento violento; criminosos; homicídio Summary A critical review of the literature was conducted on this subject and studies were divided in three categories: studies on the prevalence rate of violent behavior among psychiatric patients, studies of psychiatric illness among violent populations, and also community-based studies. Irrespective of the line of investigation, the review of the literature suggests that violent behavior is significantly associated with mental illness. So, there is evidence that a strong association exists between mental illness and violent behavior. Comorbidity with substance/ alcohol use/abuse raises significantly the risk of violence. Uniterms mental disease; violent behavior; offenders; homicide ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Introdução Freqüentemente, quando ocorrem episódios de violência com grande repercussão na mídia envolvendo pacientes psiquiátricos, coloca-se em questão a relação entre violência e doença mental. Assim se passou com o recente homicídio de ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ um médico, no Rio de Janeiro, cometido por um paciente seu, doente mental, bem como com fatos posteriores, ocorridos em São Paulo, envolvendo um estudante de medicina, então sob tratamento psiquiátrico, e que se revelou um mass murder. Como acontece nestas ocasiões, estabeleceu-se o debate sobre a questão da (eventual) 1Doutor em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Programa de Estudo e Assistência em Psiquiatria Forense, Instituto de Psiquiatria da UFRJ. 2Professor-adjunto de Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Este artigo foi elaborado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) (processo E-26/ 170.129/2001) e faz parte do Projeto de Estudo da Violência Criminal e Psicopatia na Cidade do Rio de Janeiro. J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (2): 127-135, 2003 127 Doença mental e comportamento violento periculosidade dos doentes mentais. Assim, pensamos ser adequado tentar contribuir para o esclarecimento da questão empreendendo uma revisão da pesquisa relevante ao tema. Nos últimos anos, porém, qualquer que seja a definição empregada para comportamento violento*, sofreu uma radical modificação a visão, antes amplamente difundida e aceita, de que doença mental não está relacionada a qualquer aumento no risco de comportamento violento34. Os principais arautos desta opinião foram Monahan e Steadman30, considerados os decanos da epidemiologia criminal. Em seu clássico estudo, de 1983, estes autores, tranqüilizadoramente, asseguravam que, uma vez ajustados estatisticamente, com relação às características demográficas, dados que já apontavam para uma maior prevalência de criminalidade em doentes mentais tenderiam, então, a nivelá-los à população geral. Eles concluíam “não haver evidência consistente de que a prevalência real de comportamento criminoso entre ex-pacientes psiquiátricos” excedesse tal “prevalência na população geral, pareada para fatores demográficos e criminalidade prévia”. Porém esta opinião chocava-se com a de inúmeros psiquiatras, que se baseavam em sua prática clínica. Posteriormente, Monahan28 retificou sua posição, considerando-a prematura e incorreta, ao concluir que estabelecer controles para classe social e institucionalização seria um equívoco, pois, sendo estes fatores altamente relacionados a doença mental, atenuar-se-ia, artificialmente, esta relação. Efetivamente, com o passar do tempo, em fenômeno raro na história da medicina, não só esta visão prévia foi perdendo apoio, como foi-se consolidando outra, diametralmente oposta: a de que, de fato, existe uma ligação entre grandes psicoses e comportamento violento. A respeito, Marzuk25 considerou cegueira** a dificuldade de muitos psiquiatras em aceitar a existência desta relação, lembrando que, para o público em geral, este fato há muito já havia sido reconhecido. Para este novo consenso concorreram, basicamente, recentes pesquisas epidemiológicas, que vieram coroar uma série de estudos, analisados a seguir. Jozef & da Silva Método Na presente revisão foram incluídos trabalhos representativos de diversas fases da pesquisa sobre o tema, selecionados por sua relevância, de autores universalmente considerados referência sobre o tema, com artigos publicados em revistas importantes e de grande repercussão. Adicionalmente, foi consultada a base de dados eletrônica Medline, que forneceu 258 trabalhos, empregando as palavras-chave violence e mental disease. Detenção de pacientes psiquiátricos Uma das primeiras estratégias empregadas no estudo da questão foi a avaliação das taxas de detenção policial de ex-pacientes psiquiátricos. Na década de 1970, Steadman et al.37 apontaram, pela primeira vez, para um incremento nos números, apesar de equivocarem-se nas explicações para este achado. Segundo Asnis et al.4, a maioria dos estudos revela taxas (de detenção de ex-pacientes) muito maiores do que as da população geral, variando entre 1,2 e 29 vezes. Para Rabkin35, adicionalmente, esta diferença se acentuaria ao estudarmos especificamente as detenções policiais por crimes violentos. Um problema destes estudos, especialmente os iniciais, dizia respeito ao não-pareamento, quanto às características sociodemográficas, de pacientes psiquiátricos e população geral. Estudos posteriores23, 50 preocuparam-se em corrigir esta deficiência, confirmando a presença de taxas de detenção policial significativamente mais elevadas para ex-pacientes psiquiátricos. Exemplificando, Wessely et al.50 identificaram os pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, parafrenia e outras psicoses não-orgânicas (n = 583), residentes na área de Camberwell, Londres, atendidos pelo Maudsley Hospital, entre 1975 e 1984. Eles foram comparados a grupocontrole de pacientes não-esquizofrênicos (n = 583), pareado por idade, sexo e data da primeira consulta. Todos os diagnósticos foram revistos, *Definimos comportamento violento como o uso intencional de força ou ação física contra uma pessoa, seja como coação, seja como um fim em si, provocando dano físico ou moral na vítima, sendo que, necessariamente, este comportamento será criminoso. **“Ironically, it is only in recent years that we, mental health professionals and advocates for the mentally ill, have begun to appreciate the association between violence and mental illness, a link that has been recognized by the general public for centuries. What took us so long? Why were we so blind?” (Marzuk PM, op. cit., p. 481). 128 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Jozef & da Silva Doença mental e comportamento violento empregando-se critérios do DSM-III-R. O período de tempo sob risco de detenção criminal foi calculado subtraindo-se os períodos sob internação psiquiátrica. Não houve diferenças entre os dois grupos no que diz respeito às taxas de detenção em geral. Porém, quanto a detenções por agressão e outras formas de violência graves, homens com esquizofrenia obtiveram taxas três vezes maiores do que o grupo controle. Para mulheres com esquizofrenia, tanto as taxas de detenção em geral quanto as por violência foram maiores. Os índices do grupo-controle foram similares aos da população geral. Uma limitação, porém, que pode ser apontada neste estudo, é o fato de considerar apenas crimes que levaram a detenções. Porém ele tem a vantagem de, controlando gênero, idade e data da primeira consulta, afastar fatores generacionais, que influenciam sabidamente a conduta. Uma crítica que tem sido feita a tais estudos diz respeito à chamada criminalização dos doentes mentais, que consistiria em uma tendência do aparato jurídico-policial no sentido de deter mais doentes mentais29. Ocorre que, inúmeras vezes, tais pacientes seriam internados em hospitais psiquiátricos, ao invés de detidos, ao cometer atos violentos. Na realidade, há indicações de que a polícia, na maior parte dos casos, estaria pouco inclinada a deter doentes mentais, especialmente sendo os delitos cometidos de pequena gravidade 8. Também, argumenta-se, ocorreria uma psiquiatrização do comportamento criminal27, ou seja, uma tendência a um maior influxo de indivíduos com passado criminal para os hospitais psiquiátricos. Assim, gradativamente, tornou-se claro que a melhor forma de a pesquisa escapar dos sofismas inerentes a tais críticas, bem como de vieses causados por processos de seleção, seria a realização de estudos epidemiológicos mais amplos, especialmente os baseados na comunidade. Doença mental em prisões Outra abordagem da questão foi o estudo da proporção de doentes mentais nas chamadas populações violentas, como, por exemplo, criminosos detidos por crimes violentos. Guze et al.13, em seu estudo pioneiro, de 1969, examinou criminosos detidos, encontrando grande prevalência de sociopatia, alcoolismo e drogadicção, bem superior à população geral, achado que foi con- firmado em nosso meio por Silva36, pesquisando delinqüentes juvenis. A visão de Guze e de seu grupo, de St. Louis, era a tradicional, ou seja, a de que não haveria entre os criminosos detidos qualquer excesso de doentes mentais. Novamente, porém, isto não é o que parece ser observado usualmente na prática. Importantes estudos foram empreendidos a partir da década de 1980 por Pamela Taylor, na Prisão de Brixton, Grã-Bretanha. Dos indivíduos para lá transferidos, 9% apresentavam algum quadro psicótico e 6%, esquizofrenia, que estava, portanto, super-representada nesta amostra. Entre os homicidas, particularmente, 8% apresentavam esquizofrenia43. Com viés algo diverso, na mesma época outros autores avaliaram o aumento relatado nas detenções de doentes mentais. Para Teplin44, o alto índice de detenções de ex-pacientes psiquiátricos verificado em uma grande cidade norte-americana envolveria, freqüentemente, situações de risco para os pacientes (como perambular por vias expressas, exposição, enfim, a situações perigosas). Porém estudo posterior da mesma autora, em 199045, avaliou, por meio do DIS, uma amostra de 627 detidos em fase de pré-julgamento, na Cook County Jail, comparada a dados da população geral, obtidos na pesquisa da ECA (Epidemiological Catchment Area Study), e demonstrou prevalência duas a três vezes maior para depressão maior, mania e esquizofrenia entre os detidos. À medida que neste estudo foram controladas as diferenças demográficas entre os dois grupos, afastaram-se quaisquer dúvidas sobre a efetiva ocorrência do fenômeno. Andersen et al.2, estudando 228 presos na Dinamarca, com emprego do PSE, PCL-R e DIS (Diagnostic Interview Schedule), encontraram as presenças elevadas de 8% de espectro esquizofrênico, 11% de transtornos afetivos, 18% de transtornos psiquiátricos menores e 53% de abuso de substâncias. Sessenta e seis indivíduos receberam mais de um diagnóstico, abuso de substâncias era co-mórbido em 61 casos e personalidade anti-social foi encontrada em 26. Investigações recentes de amostras representativas de presos canadenses e norte-americanos6, 31 também revelaram taxas de prevalência de doença mental, particularmente esquizofrenia e transtornos afetivos maiores, mais elevadas que na população geral. Este último estudo, de Hodgins e Côté16, avaliou, por meio do DIS, amostra de 456 presos de uma penitenciária de J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 129 Doença mental e comportamento violento Quebec. Destes, 107 receberam diagnóstico de doença mental grave (major mental disease – MMD) e 71 também foram diagnosticados como sofrendo de transtorno de personalidade anti-social. A prevalência para transtornos squizofrênicos foi sete vezes maior do que a da população geral e, para depressão maior, duas vezes. Outro estudo, realizado com mulheres detidas31, encontrou uma prevalência significativamente maior de esquizofrenia e depressão maior, diversamente de transtornos ansiosos. Em nosso meio, estudo com homicidas normais (em princípio, isentos de doença mental), detidos em delegacia policial no Rio de Janeiro, indicou a presença, em 79,3% dos indivíduos, de diagnósticos psiquiátricos, sendo 55% de transtornos de personalidade e 53% de diagnósticos ligados a álcool/drogas (31% possuíam mais de um diagnóstico)21. Questiona-se, porém, o chamado viés de seleção, mecanismo pelo qual o aparelho jurídico-criminal promoveria a chamada criminalização dos doentes mentais. Pode-se ponderar ser pouco provável que tanto as estruturas policiais quanto as penais em diferentes países (lembrando-se que ambas são, geralmente, bastante independentes entre si) sofressem deste viés em comum. Para Hodgins et al.17, tal possibilidade seria “possível, embora altamente improvável”. Ademais, os números evidenciados em estudos mais recentes não dão margem a dúvidas. Para Wessely49, é incontestável o fato de que indivíduos psicóticos, na realidade, tendem a ser menos detidos, processados e aprisionados, apesar de serem os mesmos mais fáceis de apreender, no sentido literal da expressão. Ele considera tal fato desejável, evidentemente, do ponto de vista humanitário, mas problemático no que tange à realização de estudos epide- miológicos fidedignos. Outra forma de enfocar o problema foi o exame do seguimento de ex-pacientes psiquiátricos, ou, ainda, do passado criminal violento de pacientes internados. Hodgins et al.17 afirmam que, revendo 12 estudos norte-americanos e escandinavos de seguimento de pacientes psiquiátricos após alta, comparados a pessoas da comunidade, todos apontavam para uma proporção maior de ex-pacientes sendo condenados por crimes violentos. Jozef & da Silva Grossman et al.11 investigaram o passado criminal de 172 pacientes internados com doenças mentais graves. Destes, 27% haviam cometido crimes violentos. Comportamento violento associouse, de forma decrescente, aos diagnósticos de transtorno esquizoafetivo (40%), esquizofrenia (28%), transtorno bipolar (24%), transtorno unipolar (12,5%). Pacientes com psicose em atividade eram mais inclinados a possuir um histórico de crimes violentos do que os demais. Modestin et al.26 examinaram um universo de 282 esquizofrênicos hospitalizados em um período de três anos, em Berna, comparados a grupo controle, pareado por idade, sexo, situação marital e status social. Trinta e quatro por cento dos pacientes e 35% dos controles possuíam registros criminais, comparados a 15% da população geral masculina. Os pacientes masculinos possuíam uma maior proporção de detenções por crimes violentos que os controles. Separadamente, os resultados para esquizofrenia e transtornos afetivos não alcançaram significância estatística, mas, ao se somarem, o risco (odds ratio) para detenções por violência atingiu 4,53 comparativamente aos controles. Estudos na comunidade Empregando outra estratégia, epidemiológica, pesquisadores tentaram verificar, na comunidade, a ocorrência comum de violência e transtornos mentais. De forma pioneira, Swanson40 utilizou dados da ECA nesta investigação. Por influência de Lee Robins, um dos coordenadores da ECA, haviam sido incluídas no mesmo questões relativas a comportamento violento. Das pessoas saudáveis entrevistadas, 2% admitiram ter se comportado violentamente no ano anterior, contra 12% dos esquizofrênicos. Surpreendentemente, também houve uma associação importante entre mania/depressão e violência, mas a associação mais forte foi para abuso de álcool/drogas. Tais dados levaram Swanson à conclusão de que haveria uma associação entre doença mental e comportamento violento maior do que a esperada. Para Swanson, doença mental adquiria o valor de fator significativo para a ocorrência de violência*. Segundo Volavka48, este estudo, particularmen- *“...Several important findings emerge here. First, people who assaulted others were indeed significantly more likely to have psychiatric disorders, with odds ratio typically in the range of 2.5 to 4. This pattern held up irrespective of which index was used to identify violence or mental illness” (Swanson JW. op. cit., p. 109). 130 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Jozef & da Silva Doença mental e comportamento violento te, foi responsável por uma ruptura, na medida em que demonstrou, pela primeira vez, que a associação entre doença mental e comportamento violento não era um mero artefato, criado por vieses envolvidos na seleção de amostras ou em procedimentos policiais*. Isto se deu, como ressalta Hodgins15, apesar de limitações que têm sido atrubuídas ao estudo da ECA, tais como o emprego de um instrumento diagnóstico, o DIS, que subestima a prevalência dos grandes transtornos mentais, bem como a sub-representação de indivíduos com sintomas paranóides, menos inclinados a participar da entrevista diagnóstica, ou ainda o sub-registro dos sem- teto. Também, como mostram Eronen et al.8, pessoas oriundas da comunidade mas residindo em instituições no momento do estudo ficam excluídas, o que pode ter descartado justamente doentes e indivíduos violentos de forma grave. Já os estudos citados a seguir contornaram este problema baseando-se em registros de nascimento e incluindo tanto indivíduos em residências particulares quanto em instituições como prisões ou hospitais. Exemplificando, Link et al.23 compararam uma amostra de moradores de um bairro de Nova York, Washington Heights, com um grupo de pacientes psiquiátricos em tratamento ambulatorial na mesma localidade. Foram controlados fatores sociodemográficos, tais como situação econômica e educacional, bem como os étnicos, mantendo-se, ainda assim, o grupo de pacientes como bem mais inclinado a cometer violências do que o grupo-controle, resultando significativamente em mais detenções por crimes violentos. Foram examinados dados oficiais, bem como informações de auto-relato, tais como participação em disputas físicas, emprego de armas ou provocação de lesões. Em todas as medidas de violência os pacientes psiquiátricos apresentavam, consistentemente, participação maior – em alguns casos, duas ou três vezes maior. A presença de atividade delirante, especialmente delírio de cunho persecutório, de controle ou de inserção de pensamentos, correlacionava-se positivamente com comportamento violento, independentemente de diagnóstico ou vinculação a tratamento. O fato de pacientes mais psicóticos serem os mais perigosos significou uma confirmação adicional da hipótese de que esta periculosidade devia-se a sintomas psicóticos, e não a quaisquer outros fatores, como idade, classe social ou gênero. Estudo posterior utilizando a mesma metodologia foi realizado em Israel39. Os transtornos psiquiátricos foram divididos em cinco categorias: 1) transtornos psicóticos incluindo esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo ou psicose funcional inespecífica e depressão maior com psicose; 2) transtorno bipolar; 3) depressão maior sem psicose; 4) transtorno de ansiedade generalizada; 5) fobias. Encontrou-se que o risco relativo de comportamento violento para indivíduos apresentando transtorno psicótico de qualquer tipo, após ser feito controle para abuso de substâncias, transtorno de personalidade anti-social e características demográficas, era de 3,3 para disputas físicas e de 6,6 para emprego de armas. De forma contrastante, entre os diagnosticados com depressão nãopsicótica, transtorno de ansiedade generalizada ou fobias não houve aumento discernível do risco para violência, em comparação à população geral. Finalmente, o clássico estudo levado a efeito por Hodgins et al.17 examinou a prevalência e distribuição de criminalidade e doenças mentais em uma coorte de nascimentos, não-selecionada, na Dinamarca, grupo este seguido do nascimento até a idade de 43 anos e incluindo 358.180 indivíduos. O grande número de indivíduos envolvidos e a faixa etária ampla, englobando as faixas de risco para criminalidade e para as grandes psicoses, mas excluindo as enfermidades envolvidas no envelhecimento, foram algumas das vantagens do desenho deste estudo, realizado em um país com detalhados registros, tanto criminais quanto de saúde da população. Este estudo indicou que os indivíduos com história de hospitalização psiquiátrica e com diagnóstico de transtorno mental maior, tanto homens quanto mulheres, estavam mais inclinados a terem uma condenação por crime. Já mulheres com um transtorno mental maior apresentavam um risco para violência especificamente, maior do que para criminalidade em sentido amplo. Com relação à faixa etária, chamou a atenção dos autores o fato de que 34% dos pacientes masculinos e 67% dos femininos com transtorno mental maior que delinqüiram fizeram-no pela primeira vez entre 30 e 46 anos, o que indicaria uma subestimação da violência em estudos voltados para populações jovens (a *Volavka J. Neurobiology of violence. Washington: Am Psychiatric Press; 1995. p. 224. J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 131 Doença mental e comportamento violento exemplo de Eronen et al.9), abarcando a faixa até 25 anos. Adicionalmente, os autores comentaram haver um bom número de delitos não conduzindo a processo ou prisão devidos ao estado psicótico dos perpetradores. Posteriormente, Hodgins15 especulou, com relação aos cinco grandes estudos epidemiológicos com coorte de nascimentos pós-Segunda Guerra Mundial, que o maior risco de comportamento criminal, violento ou não, apontado por todos estes estudos, para pessoas com transtorno mental maior aplicar-se-ia apenas às gerações estudadas, indivíduos nascidos entre o final da década de 1940 e as décadas de 1950 e 1960, especulando que tais pacientes teriam recebido cuidados psiquiátricos inadequados e inapropriados e que incluiriam indivíduos com comportamento anti-social constante, desde a infância até a maturidade, de uma forma inédita, tanto em relação às gerações prévias quanto às posteriores. Homicídio e doença mental Uma estratégia que tem a vantagem de permitir uma focalização mais precisa do problema é o estudo da relação entre homicídio e doença mental19. Homicídio, neste contexto, torna-se um paradigma de comportamento violento, sua forma mais visível e grave, a ponta do iceberg do montante de violência de uma dada sociedade. Seu grande impacto psicológico e social faz com que as estatísticas que a ele se referem tendam a ser as mais precisas, com conseqüências inestimáveis para a pesquisa. Diversos autores têm defendido a presença de uma associação entre esquizofrenia e comportamento violento5, 33, 41. O estudo clássico de Hafner e Boker14, de 1973, avaliou os registros de todas as tentativas de homicídio por doentes mentais em um período de dez anos na então República Federal Alemã. Eles concluíram de forma otimista que as doenças mentais maiores e esquizofrenia não aumentavam o risco de criminalidade violenta. Contudo, uma reanálise de seus dados14 demonstrou que os esquizofrênicos efetivamente possuíam um maior risco para o cometimento de violência criminal. Eronen et al.9 reviram dados relativos a todos os homicídios cometidos na Finlândia entre 1984 e 1991, sendo os 693 homicidas avaliados e acompanhados por oito anos. Estatisticamente ajustado para idade, este grupo continha oito vezes mais 132 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Jozef & da Silva esquizofrênicos do que a população geral. Concluíram os autores que esquizofrenia aumentava a taxa de risco (odds ratio) para o cometimento de violência homicida em oito vezes para homens e 6,5 vezes para mulheres. A realização deste estudo foi facilitada pela elevada taxa de esclarecimento de homicídios por parte da polícia daquele país, bem como pela realização rotineira de exame psiquiátrico em homicidas detidos. Para os autores, os dados encontrados apoiavam os resultados de um estudo preliminar51, com amostra de um ano, de homicidas finlandeses. O mesmo grupo avaliou o risco para o cometimento de homicídios em um grupo de 281 expacientes psiquiátrico-forenses47. Para os esquizofrênicos, o risco detectado foi 50 vezes maior do que para a população geral. A avaliação de 21 homicidas recidivistas suecos1 demonstrou que a maioria apresentava transtornos de personalidade, muitos possuíam diagnósticos ligados a álcool/drogas e 10% sofriam de esquizofrenia. Estudo similar realizado na Finlândia46 (n = 13) demonstrou que todos sofriam de transtornos mentais, 11 apresentavam transtornos de personalidade associados a alcoolismo e dois eram esquizofrênicos. Para Gottlieb et al.10, a taxa para o aumento do risco (odds ratio for the risk increase) em homicídio cometido por psicóticos foi de seis para homens e de 16 para mulheres. Naturalmente, a etapa seguinte da pesquisa seria a investigação dos mecanismos que mediariam este maior risco. Os estudos apontam para os sintomas delirantes42, especialmente os relacionados a vivências de ameaça (sintomas persecutórios) ou de perda de controle24 (idéias de controle ou inserção de pensamentos, por exemplo).. Nestor et al.32 delinearam o perfil clínico de homicidas internados em manicômio judiciário. Uma grande proporção de tais pacientes possuía convicções delirantes sistematizadas, relacionadas a pessoas específicas, como, por exemplo, familiares. Outra revisão do tema22 confirmou a grande proporção de atos violentos cometidos por pacientes psiquiátricos motivados por crenças delirantes voltadas para alvos específicos. Com efeito, já o estudo de Hafner e Boker14 apontava para o fato de que mais de dois terços dos homens e 71% das mulheres que mataram (ou quase) haviam estabelecido uma relação delirante com suas vítimas na ocasião do crime. Jozef & da Silva Doença mental e comportamento violento Discussão Assim, número crescente de autores foi sendo levado a aceitar a existência de uma relação consistente entre comportamento violento e doença mental. Justapondo-se os achados de diferentes estudos, malgrado os diferentes procedimentos ou estratégias metodológicas, surge quadro similar com resultados surpreendentemente semelhantes. A hipótese negativa foi contraditada, especialmente pelos estudos mais recentes, com menos falhas metodológicas e conceituais, referentes tanto à abrangência das amostras estudadas quanto aos grupos-controle e à operacionalização de variáveis-chave38. Alguns autores são taxativos, afirmando, por exemplo, que “há evidências convincentes de que comportamento violento/homicida está associado, de forma significativa, à doença mental”23 ou ainda que “a relação entre violência e doença mental existe”*. homicídio (termômetro da violência universalmente adotado), descrito na década de 1980, na Dinamarca 10, é fato preocupante, por deixar transparecer as repercussões que uma sociedade globalmente violenta poderia produzir em seus doentes mentais desinstitucionalizados. Afinal, eles seriam submetidos aos mesmos fatores socioculturais que os seus concidadãos saudáveis. Analisando esta questão, Gudjonsson12 apontou diretamente a desinstitucionalização como responsável por um incremento na violência por expor pacientes a um maior número de situações de risco. Sendo este um fenômeno recente e em curso, abre-se a possibilidade de evoluções desfavoráveis. Sociedades mais violentas tenderiam a expor os seus doentes mentais a mais situações de risco, e isto, em um país sabidamente violento como o nosso18, merece cuidadosa reflexão. Podemos citar revisão empreendida por Arboleda-Flórez3, que integrou as três categorias de estudos (estudos de comportamento violento e criminoso entre pacientes psiquiátricos, estudos sobre a incidência de doença mental em criminosos e estudos epidemiológicos, baseados na comunidade, correlacionando doença mental e violência). Malgrado seu viés diverso, este autor também se viu forçado a admitir a existência de uma associação entre doença mental e violência, ressaltando, porém, as incertezas quanto à sua previsibilidade, devido às inúmeras co-variáveis que interfeririam na equação. A valorização do fator doença mental, no que diz respeito à violência, é fato que deve ser enfrentado pela psiquiatria. Isto não significa que qualquer doente mental esteja inclinado a cometer crimes violentos: a vasta maioria não o fará. Lem- bremos, também, que outros grupos existem bem mais perigosos para a sociedade, como os psicopatas violentos20. E nunca é demais repetir que o grande problema de saúde pública da atualidade, envolvendo psiquiatria e violência, diz respeito ao abuso de álcool. No entanto coloca-se a questão da efetiva participação dos doentes mentais na violência global em uma dada sociedade. Para Link et al.23, esta contribuição seria trivial, quase irrelevante. Swanson40 estimou que somente 3% da violência na comunidade seria produzida por doentes mentais. Afinal, mesmo sendo mais violentos, eles são relativamente poucos. Por outro lado, devido à incidência constante das principais psicoses através das diversas sociedades (o que contrasta com a forma como a violência se distribui), seria de se esperar uma maior participação relativa da violência produzida por doentes mentais nas sociedades menos violentas. Porém o aumento na participação de doentes mentais nos índices de Devemos também lembrar que a resposta para os riscos de comportamento violento no âmbito das doenças mentais não está no retorno a práticas antigas, ao isolamento ou estigmatização, mas na melhoria do cuidado, em apoio e tratamentos dispensados, sendo que a atenção prioritária deve se voltar para aqueles de alto risco, os pacientes psiquiátricos avaliados como potencialmente violentos. Aí, abordagens clínicas, socioambientais, bem como técnicas atuariais de previsão, devem ser empregadas de uma forma integrada. Estes pacientes devem receber, prioritariamente, manejo amplo e intensivo7, sob pena de vir a sofrer conseqüências indesejáveis como uma maior carga de violência a ser suportada pela sociedade. Conclusão *“... Since epidemiological methods have improved, more reliable and scientifically valid data on the possible association between violence and mental illness have been obtained, indicating that such a relationship exists” (Eronen M, Hakola P, Tihonen J. Mental disorders and homicidal behavior in Finland. Arch Gen Psychiatry 1996; 53: 497-501). J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 133 Doença mental e comportamento violento Jozef & da Silva Referências 1. Adler H, Lindberg H. Characteristics of repeat killers in Sweden. Crim Behav Ment Health 1995; 5: 5-13. 2. Andersen HS et al. Prevalence of ICD-10 psychiatric morbidity in random samples of prisoners on remand. Int J Law and Psych 1996; 19(1): 61-74. 3. Arboleda-Flórez J. Mental illness and violence: an epidemiological appraisal of the evidence. Can J Psychiatry 1998; 43: 10; 986-96. 4. Asnis GM, Kaplan ML, Hundorfean G, Saeed W. Violence and homicidal behaviors in psychiatric disorders. Psychiatric Clin of N Am 1997; 20(2): 405-25. 5. Craig TJ. An epidemiologic study of problems associated with violence among psychiatric inpatients. Am J Psychiatry 1982; 139: 1262-6. 6. Daniel AE, Robins AJ, Reid JC, Wilfley DE. Lifetime and six-month prevalence of psychiatric disorders among sentenced female offenders. Bull Am Acad Psychiatry Law 1988; 16: 333-42. 7. Dvoskin JA, Steadman HJ. Using intensive case management to reduce violence by mentally ill persons in the community. Hosp Community Psychiatry 1994; 45(7): 679-84. 8. Eronen M, Angermayer MC, Schulze B. The psychiatric epidemiology of violent behavior. Psychiatry Epidemiol 1998; 33: 13-23. 9. Eronen M, Hakola P, Tihonen J. Mental disorders and homicidal behavior in Finland. Arch Gen Psychiatry 1996; 53: 497501. 10. Gottlieb P, Gabrielsen G, Kramp P. Increasing rate of homicide in Copenhagen from 1959 to 1983. Acta Psychiatrica Scan 1988; 77: 301-8. 11. Grossman LS, Haywood TW, Cavanaugh JL et al. State psychiatric hospital patients with past arrests for violent crimes. Psychiatr Serv 1995; 46: 790-95. 12. Gudjonsson GH. Homicide in the Nordic countries. Acta Psychiatrica Scan 1990; 82: 49-54. 13. Guze SB, Goodwin DW, Crane JB. Criminality and psychiatric disorders. Arch Gen Psychiatry 1969; 20: 583-91. 14. Hafner H, Boker W. Crimes of violence by mentally abnormal offenders. Cambridge: Cambridge University Press; 1982. 15. Hodgins S. Epidemiological investigations of the associations between major mental disorders and crime: methodological limitations and validity of the conclusions. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1998; 33: S29-S37. 16. Hodgins S, Côté G. The prevalence of mental disorders among penitentiary inmates. Canada’s Mental Health 1990; 38: 1-5. 17. Hodgins S, Mednick SA, Brennan PA, Schulsinger F, Engberg M. Mental disorder and crime: evidence from a Danish birth cohort. Arch Gen Psychiatry 1996; 53: 489-96. 18. Jozef F. Homicídio e doença mental. Rio de Janeiro: Forense; 2001. 19. Jozef F, Silva JAR. Homicídio e doença mental. Psiq Prat Med 2002; 34(4): 106-11. 20. Jozef F, Silva JAR. Homicidio y Psicopatía en Brasil: estudio clínico y neuropsicológico de un grupo de homicidas en 134 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Río de Janeiro. Rev Española de Psiq For Psicol For Criminol 1999; 9: 19-42. 21. Jozef F, Silva JAR, Greenhalgh S, Leite MED, Ferreira VH. Comportamento violento e disfunção cerebral. Rev Bras de Psiquiatria 2000; 22(3): 23-29. 22. Junginger J. Psychosis and violence: the case for a content analysis of psychotic experience. Schizophr Bull 1996; 22: 91-1093. 23. Link BG, Cullen F, Andrews H. Violent and illegal behavior of current and former mental patients compared to community controls Am Soc Ver 1992; 57: 272-92. 24. Link BG, Stueve A, Phelan J. Psychotic symptoms and violent behaviors: probing the components of “threat/controloverride” symptoms. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1998; 33: S55-S60. 25. Marzuk PM. Violence, crime and mental illness: How strong a link? – Editorial. Arch Gen Psychiatry 1996; 53: 481-86. 26. Modestin J, Ammann R. Mental disorder and criminal behaviour. Br J Psychiatry 1995; 166: 667-75. 27. Monahan J. Limiting therapist exposure to Tarasoff liability: guidelines for risk containment. Am Psychol 1993; 48: 242-50. 28. Monahan J. Mental disorder and violence: another look. In: Hodgins S, editor. Mental disorder and crime. Newbury Park, CA: Sage Publ.; 1993, p. 287-302. 29. Monahan J. Mental disorder and violent behavior: perceptions and evidence. Am Psychol 1992; 47: 511-21. 30. Monahan J, Steadman HJ. Crime and mental disorder: an epidemiological approach. In: Tonry M, Morris N, editors. Chicago: Univ. Chicago Press; 1983. 31. Neighbors HW, Williams DH, Gunnings TS, Lipscomb WD, Broman C, Lepkowski J. The prevalence of mental disorder in Michigan prisons. Final report submitted to the Michigan Dep. of Corrections; 1987. 32. Nestor PG, Haycock J, Doiron S, Kelly D. Lethal violence and psychosis: a clinical profile. Bull Am Acad Psychiatry Law 1995; 23: 331-41. 33. Pearson et al. A study of violent behaviour among in-patients in a psychiatric hospital. Br J Psychiatry 1986; 149: 232-5. 34. Phillips MR, Wolf AS, Coons DJ. Psychiatry and the criminal justice system: testing the myths. Am J Psychiatry 1988; 145: 605-10. 35. Rabkin J. Criminal behavior of discharged mental patients: A critical appraisal of the research. Psychol Bull 1979; 86: 1-29. 36. Silva JAR. Criminalidade e distúrbio mental. [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1981. 37. Steadman HJ, Cocozza JJ, Melick ME. Explaining the increased arrest rate among mental patients: the changing clientele of state hospitals. Am J Psychiatry 1978; 135: 816-20. 38. Steury, EN e Choinski M. “Normal” crimes and mental disorder: a two-group comparison of deadly and dangerous felonies. Int J Law and Psych 1995; 18(2): 183-207. Jozef & da Silva 39. Stueve A, Link BG. Violence and psychiatric disorders: results from an epidemiological study of young adults in Israel. Psychiatr Q 1997; 68: 327-42. 40. Swanson JW. Mental disorder, substance abuse and community violence: an epidemiological approach. In: Violence and Mental Disorder. Monahan J, Steadman HJ, editors. Chicago: Univ. Chicago Press; 1994. 41. Tardiff K, Swellam. Assault, suicide and mental illness. Arch Gen Psychiatry 1980; 37: 164-9. 42. Taylor PJ. When symptoms of psychosis drive serious violence. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1998; 33: S47-S54. 43. Taylor PJ, Gunn J. Violence and psychosis: risk of violence among psychotic men. British Medical Journal 1984; 288: 1945-9. 44. Teplin L. The criminality of the mentally ill: a dangerous misconception. Am J Psychiatry 1985;142(25): 593-9. 45. Teplin LA. The prevalence of severe mental disorder among male urban jail detainees: Comparison with the Epidemiologic Catchment Area Program. Am J Public Health 1990; 80: 663-69. Doença mental e comportamento violento 46. Tihonen J, Hakola P. Psychiatric disorders and homicide recidivism. Am J Psychiatry 1994; 151: 436-38. 47. Tihonen J, Hakola P, Eronen M. Risk of homicidal behavior among discharged forensic psychiatric patients. Forensic Sci Int 1996; 79: 123-29. 48. Volavka J. Neurobiology of violence. Washington: Am Psychiatric Press; 1995. 49. Wessely S. The Camberwell Study of Crime and Schizophrenia. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1998; 33: S24-S28 50. Wessely SC, Castle D, Douglas AJ et al. The criminal careers of incident cases of schizophrenia. Psychol Med 1994; 24: 483502. 51. Wessely S, Taylor PJ. Madness and crime: criminology versus psychiatry. Crim Behav Ment Health 1991; 1:193-228. Jornal Brasileiro de Psiquiatria Endereço para correspondência Flávio Jozef Instituto de Psiquiatria da UFRJ Avenida Venceslau Brás 71 – Fundos CEP 22290-140 – Rio de Janeiro-RJ Tel.: (21) 2295-2549 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 135 Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/ serotoninérgicos Drug interactions of noradrenergic/serotonergic antidepressants Douglas Dogol Sucar1; Ewerton Botelho Sougey2; Amaury Cantilino3; Riane Marinho4 Recebido em: 07.10.02 Aprovado em: 19.12.02 Resumo O objetivo do presente estudo foi identificar, descrever e correlacionar com o quadro clínico as principais interações medicamentosas da venlafaxina, da mirtazapina e do milnaciprano, antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos mais específicos comercializados no Brasil. Com esta finalidade, foi realizada uma revisão da literatura baseada em relatos de casos bem documentados e em estudos farmacológicos selecionados a partir das monografias dos produtos. Uma tabela contendo as principais interações e os seus mecanismos, elaborada para permitir consultas rápidas, reforça a importância desta revisão, no sentido de permitir ao clínico uma maior segurança e um melhor manuseio desta nova classe de antidepressivos, principalmente quando estes forem utilizados em associação com outros medicamentos da clínica médica. As interações mais importantes foram com os anti-hipertensivos, antianginosos, metildopa, depressores do sistema nervoso central e com a digoxina. As interações medicamentosas ainda não são suficientemente valorizadas pelos clínicos no momento do planejamento terapêutico, devendo o médico estar atento, principalmente em relação a esta nova classe de antidepressivos, pela possibilidade de provocarem interações com graves efeitos indesejáveis, que poderão causar conseqüências clínicas danosas ao paciente. Unitermos interação medicamentosa; venlafaxina; mirtazapina; milnaciprano Summary This study intended to identify the principal possibilities of drug interactions of venlafaxine, mirtazapine and milnacipran, the main selective serotonin/noradrenaline antidepressants traded in Brazil. For this purpose, a bibliographical review was made based on pharmacological studies selected from the monographs of the products and from good case reports. A table for quick consultation that contains the drug interactions and their mechanisms was prepared. This table permits a safer and better use of these antidepressants by the physician, especially when they are used in association with other drugs of internal medicine. The most important interactions were with antihypertensives, drugs used to angina, metildopa, digoxin and central nervous system depressants. Drug interactions aren’t enough appraised by physicians when they plan their treatment. Physicians must be aware that this new group of drugs can have interactions with harmful outcomes. Uniterms drug interactions; venlafaxine; mirtazapine; milnacipran 1Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Utad/Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); mestre em Neuropsiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 2Departamento de Neuropsiquiatria; mestrado em Neuropsiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 3Mestre em Neuropsiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 4Residência em Psiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (2): 137-142 , 2003 137 Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Introdução Há uma grande preocupação, no momento atual, em se descobrirem novos medicamentos antidepressivos que combinem o máximo de eficácia com um mínimo de efeitos adversos. Tal fato se justifica pelo motivo de a depressão ser uma doença de alta incidência e prevalência, além de se constituir em fator significativo de morbidade, que vem acometendo uma população cada vez mais jovem e em fase produtiva4. Nesta perspectiva foram sintetizados os antidepressivos com atuação simultânea e mais seletiva sobre dois sistemas de neurotransmissão: o serotoninérgico e o noradrenérgico, uma vez que os conhecimentos mais recentes indicavam uma interligação dos dois sistemas na constituição dos transtornos depressivos26, 35. Entretanto até o momento nenhuma teoria baseada exclusivamente nos neurotransmissores foi capaz de abranger e justificar os vários achados clínicos e farmacológicos. Os três principais representantes desta classe de antidepressivos noradrenérgicos/ serotoninérgicos comercializados no Brasil são a venlafaxina, a mirtazapina e o milnaciprano. A venlafaxina é muito bem absorvida por via oral, principalmente na sua formulação de liberação controlada, uma vez que proporciona uma menor velocidade de absorção, diminuindo tanto a incidência quanto a intensidade da náusea comumente vista com o comprimido de liberação imediata, além de permitir uma maior estabilidade em suas concentrações plasmáticas, tendo como resultante uma melhor tolerabilidade e uma melhor eficácia clínica21, 34. Sua ligação às proteínas plasmáticas é muito baixa, em torno de 30%. Sofre intenso metabolismo logo após sua absorção. Seu principal metabólito ativo é a O-desmetilvenlafaxina (ODV), que tem perfil semelhante à venlafaxina, embora tenha menor potência. A venlafaxina é metabolizada pelo sistema citocromo P450, preferencialmente pela isoenzima 2D6, e o seu metabólito ODV, pela 34A. Sua rota primária de excreção é a via renal18, 20. Seu principal mecanismo de ação consiste na inibição seletiva da recaptação de serotonina (5-HT) e de noradrenalina (NA), podendo, principalmente em função de suas concentrações mais elevadas, inibir a recaptação de dopamina (DA), não apresentando efeito farmacológico significa138 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 tivo sobre receptores colinérgicos, histaminérgicos e alfadrenérgicos. Apresenta, de um modo geral, uma eficácia clínica bem diferenciada em função de uma resposta clínica mais precoce e proporcional à dose empregada3, 17. A mirtazapina é bem absorvida por via oral, ligando-se em torno de 85% às proteínas plasmáticas; é intensamente metabolizada no fígado através do sistema CP450, preferencialmente pela isoenzima 2D6, seguida pela 1A2 e 3A4, e o seu principal metabólito, a desmetilmirtazapina, praticamente não apresenta efeito biológico e é excretada por via renal11, 16. Seu principal mecanismo de ação consiste em aumentar de modo específico a neurotransmissão noradrenérgica através do bloqueio dos auto-receptores alfa-2. O aumento da transmissão noradrenérgica conduz à estimulação, pela NA, dos receptores alfa-1 pós-sinápticos dos neurônios serotoninérgicos, produzindo aumento na liberação de serotonina, que é potencializada ainda mais, pela capacidade da mirtazapina de bloquear os heterorreceptores alfa-1, e com isto inibir a recaptação da serotonina. A mirtazapina, como parte do seu efeito terapêutico, bloqueia os receptores 5HT2 e 5HT3 pós-sinápticos8. Apresenta baixa afinidade pelos receptores alfadrenérgicos, colinérgicos e dopaminérgicos, não apresentando efeito farmacológico significativo, porém possui alta afinidade pelos receptores histaminérgicos H110. De um modo geral, se mostra eficaz no tratamento da depressão, principalmente em doses mais elevadas, provavelmente pelo aumento da transmissão noradrenérgica superar o efeito sedativo H116, 26, 36. O milnaciprano é muito bem absorvido por via oral, com uma biodisponibilidade em torno de 90%. Sua concentração plasmática de equilíbrio é alcançada em torno do terceiro dia de uso e apresenta uma meia-vida plasmática em torno de oito horas. Apresenta um excelente perfil para associações com outros medicamentos, por apresentar uma baixa ligação às proteínas plasmáticas, em torno de 13%, e não ter metabólitos ativos25. Aproximadamente 60% da dose ingerida são excretados na urina sem nenhuma alteração; o restante sofre um processo de conjugação e de N-desalquilação. Apresenta potente ação inibidora da recaptação de noradrenalina e serotonina, aparentemente de forma equivalente. Não apresenta, em Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Principais possibilidades de interações doses usuais, nenhum efeito clinicamente significativo em outros receptores15. O fato de o clínico, no seu planejamento terapêutico, ainda não valorizar o suficiente as interações medicamentosas propicia com maior freqüência associações incompatíveis ou pouco adequadas de medicamentos, que terminam por conduzir ao aparecimento de efeitos indesejáveis que poderão causar danos ao paciente e, em alguns casos, até conduzir ao óbito. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi o de identificar, descrever e estabelecer correlações com o quadro clínico das principais interações medicamentosas desta nova classe de antidepressivos com outros medicamentos da clínica médica (TTabela bela). Para atender a este objetivo, foi realizada uma revisão da literatura fundamentada em relatos de casos e em estudos farmacológicos que foram selecionados a partir das monografias destes produtos. Tal conhecimento torna-se um importante instrumento de referência para que o clínico possa utilizar estes antidepressivos de forma mais segura e mais eficaz. Sítio de absorção A venlafaxina e o milnaciprano, mais raramente, e a mirtazapina, de forma mais constante e intensa, produzem, através de um mecanismo ainda não conhecido, ressecamento da cavidade oral9, 16. Muito embora não haja nenhum relato na literatura, o clínico deve estar atento, pois é possível que o ressecamento da cavidade oral diminua a velocidade de absorção de medicamentos administrados por via sublingual, como é o caso dos nitratos, da nifedipina e do captopril. Tal fato poderá retardar o início do efeito farmacológico destes medicamentos em uma situação clínica que exija um rápido início de ação, principalmente nas crises de angina pectoris. Sítio de ligação às proteínas Este é um sítio que praticamente não apresenta nenhuma possibilidade de interação medica- Tabela – Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos mais específicos Medicamento A Medicamento B Desfecho da interação Milnaciprano (+) Mirtazapina (+++) Venlafaxina (+) Nitratos Nifedipina Captopril A resseca a cavidade oral e retarda a absorção de B Milnaciprano (++) Mirtazapina (++) Venlafaxina (+++) Anti-hipertensivos Milnaciprano (++) Mirtazapina (++) Venlafaxina (+) ISRSs Sibutramina acentuado de serotonina poderá ocorrer síndrome serotoninérgica Mirtazapina (+++) Clozapina Somação dos efeitos sedativos Venlafaxina Clozapina Potencialização dos efeitos antipsicóticos de B Mirtazapina Clonidina Metildopa A bloqueia os receptores alfa-2 pré-sinápticos e antagoniza os efeitos de B Simpatomiméticos A potencializa os efeitos pressores de B Mirtazapina Levodopa Aumento da probabilidade de surto psicótico Venlafaxina (+) Cimetidina Milnaciprano (++) Mirtazapina (++) Venlafaxina (++) Mirtazapina Tabaco Milnaciprano (+++) Digitálicos Milnaciprano Diuréticos + Pequena intensidade; ++ média intensidade; +++ alta intensidade; ISRSs: inibidores seletivos da recaptação de serotonina. aumenta; ¬ diminui. A neurotransmissão noradrenérgica e antagoniza B recíproco de suas concentrações plasmáticas B o metabolismo de A e ¬ seu efeito terapêutico hipotensão ortostática B excreção de A e ¬ seu efeito terapêutico J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 139 Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos mentosa, uma vez que a venlafaxina, o milnaciprano e a mirtazapina se ligam pouco às proteínas plasmáticas: a venlafaxina em torno de 30%, o milnaciprano, 13%, e a mirtazapina, um pouco mais, em torno de 85%. Não é esperado, em condições usuais, que estes medicamentos desloquem outros dos seus pontos de ligação às proteínas e, ao contrário de serem deslocados por outros medicamentos, o aumento de suas concentrações livres nestas condições praticamente não teria importância clínica, em função da margem de concentração/ligação permitir um suficiente equilíbrio, uma vez que haveria também um aumento do metabolismo, excreção e distribuição. Sítio de ação A venlafaxina, apesar de não apresentar praticamente nenhum risco de efeito cardiotóxico indesejável, pelo menos nas doses usuais recomendadas, entre 75mg/dia e 150mg/dia, poderá elevar a tensão arterial e até antagonizar o efeito hipotensor dos medicamentos anti-hipertensivos. Sua ação farmacológica de inibir principalmente a recaptação de noradrenalina aumenta acentuadamente e de forma crescente, com a dose utilizada, a neurotransmissão noradrenérgica central, com anulação do principal mecanismo de sua regulação, que é a recaptação22, 29. Na literatura especializada, os relatos sobre as possibilidades de esta interação vir a ocorrer indicam a necessidade de doses elevadas de venlafaxina, em torno de 300mg/dia7, 13; entretanto documentamos no nosso serviço a antagonização do efeito hipotensor do captopril pela venlafaxina, com doses em torno de 100mg/dia29, 30. Deve-se evitar o uso da venlafaxina em associação com os antidepressivos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRSs), outros medicamentos que também possam elevar os níveis de serotonina na fenda sináptica, e os IMAOs, pela possibilidade de ocorrer a síndrome serotoninérgica, convulsões e picos hipertensivos23, 24, 28. Numa situação clínica específica, e estando o paciente acometido por um transtorno depressivo grave, resistente aos tratamentos usuais, uma associação com um ISRS poderá ser feita, de preferência com o paciente internado em um hospital geral, iniciando-se com as menores doses possíveis, principalmente de venlafaxina, já que os ISRSs poderão diminuir seu metabolismo. Fazer, quando necessário, aumentos gradativos das doses e manter rigoroso controle das funções vitais. Uma outra associação que poderia ser benéfica seria com a clozapina, pelo fato de se produzir um 140 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 incremento na neurotransmissão noradrenérgica através de dois mecanismos diferentes: a clozapina pelo bloqueio do receptor alfa-2 pré-sináptico, e a venlafaxina pelo bloqueio de recaptação da noradrenalina, com possibilidade de acentuar a melhora dos sintomas negativos e a socialização do paciente. Entretanto os cuidados com as doses empregadas e a monitorização dos sinais vitais deverão ser rigorosos, pela possibilidade de elevação da TA, que poderia ser compensada pelo efeito alfa-1 adrenérgico da clozapina e pelo risco aumentado para ocorrer agranulocitose. A mirtazapina teoricamente poderá também antagonizar o efeito hipotensor dos anti-hipertensivos de um modo geral; entretanto haverá menor possibilidade de este fato ocorrer, uma vez que não interfere no mecanismo de recaptação da noradrenalina e tem algum efeito bloqueador alfa-1 adrenérgico9, 26. Por bloquear o receptor alfa-2 présináptico, poderá antagonizar o efeito hipotensor da metildopa e da clonidina, que atuam estimulando estes receptores10, 16. De um modo geral, deverá ser evitada ou administrada sob rigorosa supervisão e monitoramento dos valores pressóricos. A mirtazapina, quando associada com a clozapina ou com outros medicamentos que tenham ação depressora sobre o sistema nervoso central, poderá apresentar somação dos efeitos sedativos por conta do seu fortíssimo efeito bloqueador histaminérgico H1. Entretanto o seu efeito sedativo poderá ser suprimido pelo efeito estimulante de doses mais elevadas8, 16, 26, desde que o paciente possa tolerar. Além do mais, do ponto de vista farmacológico, o mais provável é que se mantenha ou se eleve ainda mais o efeito sedativo, em função do maior bloqueio H1. Assim como a venlafaxina e o milnaciprano, a mirtazapina não deve ser associada com a sibutramina, pela possibilidade de se elevarem acentuadamente as concentrações sinápticas de noradrenalina e serotonina, com risco de ocorrer síndrome serotoninérgica, convulsão e psicoses, entre outros efeitos5, 6, 27, 31. Ainda em relação ao sítio de ação, é provável que a mirtazapina, a venlafaxina e o milnaciprano potencializem os efeitos pressores dos simpatomiméticos, com possibilidade de vasoconstrição acentuada no cérebro, diversos órgãos e taquicardia, podendo conduzir a conseqüências clínicas graves, com risco de vida. Abo-Zena et al.1 relataram um caso de urgência hipertensiva que ocorreu quando um paciente, com seu quadro clínico estabilizado com o uso da Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos clonidina, começou a fazer uso da mirtazapina. Os autores concluíram que provavelmente o bloqueio dos receptores alfa-2 pré-sinápticos pela mirtazapina, com conseqüente aumento de liberação da noradrenalina na fenda sináptica, angonizou o efeito hipotensor da clonidina, por impedir ou diminuir a sua ligação e estimulação destes receptores. Em outro relato de caso, Norman et al.19 descrevem a ocorrência de um transtorno psicótico em um paciente logo após a mirtazapina ter sido adicionado ao seu tratamento, que constava anteriormente do uso crônico de levodopa. Segundo os autores, este parecia ter sido, até então, o primeiro caso publicado sobre a interação medicamentosa da mirtazapina com a levodopa, e o segundo caso relatado de psicose induzida por um antidepressivo desta classe. Os autores concluíram que este fenômeno provavelmente ocorreu em decorrência da hipersensibilização dos receptores serotoninérgicos pós-sinápticos em pacientes com doença de Parkinson em tratamento. Entretanto Kunsman et al.14 relataram o caso de uma mulher de 52 anos com história prévia de ameaças e tentativas de suicídio por monóxido de carbono e corte dos pulsos, tendo sua última tentativa êxito letal, através da ingesta de uma overdose de verapamil e venlafaxina. A morte, segundo os autores, foi atribuída em última instância aos efeitos tóxicos do verapamil sobre o aparelho cardiovascular, levando a um infarto da parede posterior do ventrículo esquerdo. Ainda segundo os autores, a gravidade do verapamil foi provavelmente agravada pela associação com altas doses de venlafaxina, que nesta situação especial seria capaz de inibir a isoenzima CP450 – 3A3/4, responsável pela metabolização do verapamil. e o da mirtazapina possam ser diminuídos por quinidina, verapamil, diltiazem e ISRSs, com aumento de suas concentrações e possibilidades maiores para ocorrer efeitos indesejáveis35. Deve ser lembrado que o cigarro, por estimular a isoenzima 1A2, poderá aumentar o metabolismo da mirtazapina e diminuir seu efeito terapêutico; entretanto o fato de ser metabolizada por várias isoenzimas, quase que na mesma intensidade, poderá fazer com que não se tenha nenhuma repercussão clínica importante2, 11, 20. A utilização conjunta de venlafaxina e cimetidina conduziu ao aumento recíproco de suas concentrações plasmáticas, pela inibição mútua dos seus metabolismos, com a potencialização dos seus efeitos terapêuticos e tóxicos12. Sítio de excreção Até o presente momento não é possível estabelecer possibilidades de interações medicamentosas, neste sítio, com a venlafaxina e a mirtazapina. Sendo a via renal um importante meio de excreção, o clínico deverá estar atento, pois diminuições no volume excretado poderão elevar as concentrações plasmáticas destes antidepressivos. O principal cuidado deverá ser com o milnaciprano, que é totalmente excretado pela via renal, sendo 60% de forma inalterada. É provável que os diuréticos possam aumentar sua excreção e, por conseguinte, diminuir sua concentração plasmática e efeito terapêutico. Conclusão Sítio de metabolismo A venlafaxina, a mirtazapina e o milnaciprano apresentam um bom perfil em relação às interações medicamentosas, podendo ser associados com segurança a diversos outros medicamentos. Entretanto algumas associações devem ser evitadas, entre as quais se destacam: venlafaxina com antihipertensivos, IMAOs e cimetidina; a mirtazapina com antianginosos administrados por via sublingual, metildopa, clonidina, medicamentos depressores do sistema nervoso central e levodopa. E o milnaciprano, apesar de ainda carecer de mais estudos, deverá ser evitado com anti-hipertensivos, simpatomiméticos, digitálicos e diuréticos. De um modo geral não parece haver possibilidades, em condições usuais, de interações medicamentosas de significado clínico no nível deste sítio. A venlafaxina, mais do que a mirtazapina, pode inibir o metabolismo mediado pela isoenzima 2D6; entretanto este efeito não parece ser significativo33. O mais provável é que o metabolismo da venlafaxina Deve ser considerado ainda que os estudos sobre as possibilidades de interações medicamentosas com estes antidepressivos ainda são bastante escassos, e a sua fundamentação ainda é, na sua maior parte, teórico-hipotética, carecendo ainda de um conteúdo prático fundamentado em um maior número de relatos bem documentados. Ainda em relação ao sítio de ação, há uma recomendação na monografia do produto no sentido de não se fazer uso do milnaciprano nos pacientes em tratamento com digitálicos, pela possibilidade de ocorrer acentuada hipotensão ortostática32. J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 141 Sucar et al. Interações medicamentosas dos antidepressivos noradrenérgicos/serotoninérgicos Referências 1. Abo-Zena RA, Bobek MB, Dweik RA. Hypertensive urgency induced by interaction of mirtazapine and clonidine. Pharmacotherapy 2000; 20: 476-78. 2. Bazire S. Psychotropic drug directory: the professionals’ pocket handbook & aide memoire; 2000. 3. Borgherini G, Conforti D, Cognolato S et al. Efficacy and tolerability of venlafaxine in patients hospitalized with moderate to severe depression: an open-label pilot study. Curr Ther Res 1999; 60: 672-80. 4. Boyo JH, Weissman MM. Epidemiology of affective disorders. Arch Gen Psychiatry 1981; 38: 1039-46. 5. Buckett WR, Thomas PC, Luscombe GP. The pharmacology of sibutramine hydrochloride (BTS 54524), a new antidepressant which induces rapid noradrenergic downregulation. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry 1998; 12: 575-84. 6. Cole JO, Friedman L, Kaiser PE, DeHaan HA. Sibutramine hidrochloride: evaluation of abuse potential. Psychopharmacol Bull 1995; 31: 557. 7. Danjou P. Hackett D. Safety and tolerance profile of venlafaxine. Inter Clin Psychopharmacol 1995; 10 (suppl 2): 15-20. 8. DeBoer T. The effects of mirtazapine on central noradrenergic and serotonergic neurotransmission. Int Clin Psychopharmacol 1995; 10 (suppl 4): 19-24. 9. DeBoer T. The pharmacologic profile of mirtazapine. J Clin Psychiatry 1996; 57 (suppl 4): 19-25. 10. DeMontigny C, Haddjeri N, Mongeau P, Blier P. The effects of mirtazapine on interactions between central noradrenergic and serotonergic systems. CNS Drugs 1995; 4 (suppl 1): 13-17. 11. DeVane CL. Pharmacokinetics and drug metabolism of newer antidepressant agents. J Clin Psychiatry 1994; 55 (suppl 12): 38-45. 12. Feighner JP. O papel da venlafaxina no racional da terapêutica antidepressiva. J Clin Psychiatry 1994; 55 (suppl A): 62-68. 13. Feighner JP. Cardiovascular safety in depressed patients: focus on venlafaxine. J Clin Psychiatry 1995; 56: 574-79. 14. Kunsman GW, Kunsman CM, Presses CL, Garavaglia JC, Farley NJ. A mixed-drug intoxication involving venlafaxine and verapamil. J Forensic Sci 2000; 45: 926-28. 15. Montgomery SA, Kasper S. Comparison of compliance between serotonin reuptake inhibitors and tricyclic antidepressants: a metaanalysis. Int Clin Psychopharmacol 1995; 9 (suppl 4): 33-40. 16. Montgomery SA. Safety of mirtazapine: a review. Int Clin Psychopharmacol 1995; 10 (suppl 4): 37-45. 17. Moyer JA, Andree TH, Haskins JT et al. The preclinical pharmacological profile of venlafaxine: a novel antidepressant agent. Clin Neuropharmacol 1992; 15 (suppl): 435. 18. Muth EA, Moyer JA, Haskins JT, Andree TH, Husbanos GEM. Efeitos bioquímicos, neurofisiológicos e comportamentais do Wy-43.233 e outros metabólitos identificados do antidepressivo venlafaxina. Drug Dev Resch 1991; 23: 191-99. 19. Normann C, Hesslinger B, Fravenknecht S, Berger M, Walden S. Pharmacopsychiatry 1997; 30: 263-65. 20. Otton SV, Ball SE, Cheung SW. Venlafaxine oxidation in vitro is catalysed by CYP2D6. Br J Clin Pharmacol 1996; 41: 149-56. 21. Pocket DEF. Dicionário de Especialidades Farmacêuticas. 29a ed. Rio de Janeiro: Editora de Publicações Científicas; 2000/2001. 22. Preskorn SH. Antidepressant drug selection: criteria and options. J Clin Psychiatry 1994; 55: 6-24. 23. Preskorn SH. Pharmacokinetics of antidepressants: why and how they are relevant to treatment. J Clin Psychiatry 1993; 54 (suppl 9): 14-34. 24. Reynolds RD. Serotonergic drugs and the serotonin syndrome. Am Fam Physician 1994; 49: 1083-86. 25. Spencer CM, Wilde MI. Milnacipran. A review of its use in depression. Drugs 1998; 56: 405-27. 26. Stahl SM. Psychopharmacology of antidepressants. London: Martin Dunitz; 1997. 27. Sucar DD, Sougey EB, Neto JB. Surto psicótico pela possível interação medicamentosa de sibutramina com finasterida. Rev Bras Psiquiatr 2002; 24: 30-33. 28. Sucar DD. Inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRSs): perfil das interações medicamentosas. J Bras Psiquiatr 2000; 49: 255-60. 29. Sucar DD. Interação medicamentosa de venlafaxina com captopril. Rev Bras Psiquiatr 2000; 22: 134-37. 30. Sucar DD. Protocolo de documentação dos efeitos adversos induzidos pela interação medicamentosa dos psicotrópicos com outros medicamentos utilizados na clínica médica geral. Natal-RN. Brasil: Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol); 1998. 31. Sucar DD. Protocolo de documentação dos efeitos adversos induzidos pela interação medicamentosa dos psicotrópicos com outros medicamentos da clínica médica geral. Natal-RN. Brasil: Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol); 2000. 32. Summary of product characteristics. Pierre Fabre Medicament, Castres, France; 1998. 33. Tollefson GD. Adverse drug reactions/interactions in maintenance therapy. J Clin Psychiatry 1993; 54 (suppl 8): 48-58. 34. Troy SM, Dilea C, Martin PT, Leister CA, Fruncillo RJ, Chiang ST. Pharmacokinetics of once-daily venlafaxine extended release in healthy volunteers. Curr Ther Res 1997; 58: 504-14. 35. Wamsley JK, Byerley WF, McCabe RT, McConnel EJ, Dawson TM, Grosser BI. Receptor alterations associated with serotonergic agents: an autoradiographic analysis. J Clin Psychiatry 1987; 48 (suppl 3): 19-25. 36. Zivkov M. Jongis GD. Org 3770 versus amitriptilina: estudo multicêntrico, duplo-cego randomizado de 6 semanas em pacientes internados por depressão. Human Psychopharmacol 1995; 10: 173-80. Jornal Brasileiro de Psiquiatria Endereço para correspondência Douglas Dogol Sucar Rua Açu 419 – Tirol CEP 59020-110 – Natal-RN Tel./fax: (84) 217-2696 e-mail: [email protected] 142 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente (ILSS-BR) para pacientes psiquiátricos Transcultural validation of the Independent Living Skills Survey (ILSS-BR) for psychiatric patients Lúcia Abelha Lima, Ph.D.1; Marina Bandeira, Ph.D.2; Sylvia Gonçalves3 Recebido em: 28.09.02 Aprovado em: 24.01.03 Resumo Este artigo apresenta os resultados referentes à análise psicométrica da versão brasileira da escala Independent Living Skills Survey (ILSS), que avalia a autonomia de pacientes crônicos em diversas áreas do funcionamento social. O estudo de tradução e adaptação dos questionários foi realizado pelo Núcleo de Pesquisa do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM), no Rio de Janeiro, e a coleta de dados foi feita nas unidades assistenciais do IMASJM. A análise das qualidades psicométricas das escalas foi realizada pelo Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental da Universidade Federal de São João delRei (Funrei/MG). O Inventário de Habilidades de Vida Independente foi submetido a uma tradução e a uma retrotradução, assim como um estudo piloto, e foi avaliado por uma comissão de especialistas, a fim de adaptá-lo ao contexto brasileiro. O ILSS-BR se mostrou uma escala com qualidades psicométricas de validade e fidedignidade satisfatórias no que se refere à consistência interna das suas subescalas, assim como à sua validade discriminante e validade de construto. A validade concomitante só poderá ser verificada após a validação, para o Brasil, de uma escala que avalie um construto semelhante ao do ILSS. Estudos futuros deverão aprofundar a investigação das qualidades psicométricas da presente escala no que se refere à sua estabilidade temporal, assim como à consistência interna da escala global e à estrutura fatorial dos seus itens, embora estas análises não tenham sido realizadas para a versão original. A escala ILSS-BR é um instrumento de medida que poderá ser importante para o planejamento e a avaliação de programas relacionados à reabilitação psicossocial de pacientes psiquiátricos. Unitermos ILSS; validade e fidedignidade; habilidades de vida independente; avaliação de serviços de saúde mental; pacientes psiquiátricos Summary This article describes the psychometric properties of the Brazilian version of the Independent Living Skills Survey (ILSS) scale, developed to provide global assessments of functional living skills in chronically mentally ill individuals. The Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira/RJ (IMASJM) has conducted the questionnaires translation and adaptation and the data collection took place in the health 1Psiquiatra; pesquisadora do Núcleo de Pesquisa do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM); doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). 2Psicóloga; pesquisadora e docente da Universidade Federal de São João del-Rei (Funrei); doutora pela Université de Montréal; pós-doutora pelo Psychosocial Research Centre da McGill University e pelo Centre de Recherche Fernand Séguin, Canadá. 3Psicóloga; pesquisadora do Núcleo de Pesquisa do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM); especialista em Saúde Mental pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). J . b r a s . p s i q u i a t r. vol. 52 (2): 143-158, 2003 143 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos care units of IMASJM. The Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental of Funrei/MG has conducted the analysis assessing the scale psychometric properties. The scale was submitted to a translation, a backtranslation and was evaluated by an expert committee. A pilot study was made in order to implement its adaptation to the Brazilian context. The results showed good psychometric properties of reliability and validity in terms of the internal consistency of the sub-scales, construct validity of the scale and its discriminant validity. The concomitant validity will only be assessed after the validation, in Brazil, of a scale with a similar construct. Future studies should investigate the temporal stability, the internal consistency of the global scale and the scale factorial structure, although this analysis has not been done in the original version. The ILSS-BR scale is an important instrument for planning and evaluating psychosocial rehabilitation programs for psychiatric patients. Uniterms ILSS; validity and reliability; independent living skills; evaluation of mental health services; psychiatric patients ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Introdução A partir da década de 1960, com o movimento de desinstitucionalização psiquiátrica, vários países passaram por uma reforma no setor de saúde mental, dando prioridade ao tratamento na comunidade. Apesar dos avanços obtidos com a reforma psiquiátrica, no que diz respeito à reintegração do paciente na comunidade, às melhorias na qualidade de vida e aos direitos de cidadania, o tratamento do paciente crônico ainda representa um dos maiores desafios da reforma, pois, devido às suas deficiências persistentes, estes pacientes necessitam de suporte social, assim como de assistência e acompanhamento intensivos e constantes2, 3, 8, 10, 13. A saída dos pacientes graves do hospital demanda a existência de residências terapêuticas na comunidade, com diversos níveis de proteção. A qualidade e a intensidade da assistência fornecida aos pacientes nestas residências contribui para sua reinserção social e diminui suas reospitalizações1. Além disso, estes pacientes precisam de programas de reabilitação psicossocial através do treinamento das habilidades da vida diária, principalmente nas áreas em que apresentem maior dificuldade11. Esta mudança no local de tratamento vem exigindo uma avaliação do impacto das intervenções, ao mesmo tempo em que a avaliação da autonomia passa a ter um papel fundamental, não só na escolha do nível de proteção que a moradia deverá oferecer ao paciente mas também nas decisões sobre o tipo de programa de reabilitação psicossocial em que ele deverá ser inserido. O aumento de oportunidades no am144 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ biente, a diminuição do estresse, acrescidos do estímulo à aprendizagem das habilidades individuais, podem contribuir para um melhor funcionamento dos pacientes12. Um número considerável de instrumentos de medida foi desenvolvido para avaliar o funcionamento dos pacientes, a maioria deles destinada a pacientes agudos23. Dentre as escalas desenvolvidas para avaliar pacientes crônicos, a Independent Living Skills Survey (ILSS)20, 21 foi criada para medir as habilidades de vida independente dos pacientes com doença mental grave e persistente, em diversas áreas do seu funcionamento na vida cotidiana. Há uma escassez de instrumentos de medida validados no Brasil para avaliar a autonomia dos pacientes. A adaptação de instrumentos internacionais à nossa cultura e à nossa realidade é de fundamental importância para subsidiar a saída dos pacientes do hospital para alternativas de atendimento na comunidade e para a comparação de estudos brasileiros com estudos feitos em outros países. Método Local de estudo O Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM) é um hospital psiquiátrico localizado em Jacarepaguá, RJ, fundado em 1924, e tem como clientela 905 pacientes institucionalizados por muitos anos e que perderam seus vínculos familiares e sociais devido aos longos anos de institucionalização. O IMASJM tem a ca- Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos racterística de um pequeno bairro, pois atualmente residem no seu perímetro cerca de 20 mil moradores, fruto de invasões das terras da antiga Colônia Juliano Moreira6. O instituto é composto por seis unidades assistenciais: 173 (19%) pacientes no Núcleo Franco da Rocha (NFR); 169 (19%) no Núcleo Ulisses Viana (NUV); 344 (38%) no Núcleo Teixeira Brandão; 102 (11%) no Núcleo Rodrigues Caldas e 64 (7%) no Pavilhão Agrícola (PA) e 53 (6%) no Centro de Reabilitação e Integração Social (Cris). As diversas unidades do IMASJM oferecem atividades em oficinas, atendimento terapêutico, acompanhamento no Programa de Recursos Individuais, Residências Terapêuticas e Lares de Acolhimento e atividades de lazer. População Os pacientes participantes da presente pesquisa consistem na população total do IMASJM. Esta população é constituída de 530 (58,6%) mulheres e 375 homens (41,4%), com idades que variam de 24 a 98 anos, sendo a média de idade de 65,6 anos e o tempo médio de internação de 36,9 anos. O nível de escolaridade é baixo, com 342 (38,3%) pacientes analfabetos e 202 (22,6%) apenas alfabetizados. A maior parte da clientela não recebe visitas e não possui vínculo empregatício, embora 391 (43,4%) tenham renda fixa proveniente de bolsa auxílio do IMASJM e previdência social. Quanto ao perfil diagnóstico, 568 (63%) têm diagnóstico de esquizofrenia, transtornos esquizotípicos ou transtornos delirantes; 173 (19%) têm retardo mental e 55 (6%) têm epilepsia; 109 (12%) têm outros diagnósticos. Instrumento de medida original A versão original da escala Independent Living Skills Survey (ILSS) foi elaborada por Wallace, Kochanowicz e Wallace (1985) e relatada por Wallace (1986). Esta escala foi feita para avaliar as habilidades de vida independente de pacientes psiquiátricos com distúrbios graves e persistentes. A escala possui duas versões: uma delas foi construída para ser aplicada diretamente aos próprios pacientes e a outra para ser aplicada a um informante, seja ele um membro da equipe de saúde mental envolvido no atendimento ao paciente ou um membro da família do paciente. A versão analisada no presente trabalho foi aquela a ser aplicada ao informante. A escala original contém 112 itens que avaliam o funcionamento dos pacientes psiquiátricos em nove áreas da vida cotidiana, em termos da freqüência em que eles apresentam as habilidades básicas para funcionar de forma independente na comunidade. As nove áreas avaliadas pelo ILSS se referem a atividades relacionadas a: alimentação, cuidados pessoais, atividades domésticas, preparo e armazenamento dos alimentos, saúde, lazer, transporte e emprego. Estas áreas foram selecionadas pelos autores com base na avaliação de 15 escalas de medida do funcionamento de pacientes psiquiátricos e na informação obtida através de entrevistas realizadas por cinco assistentes sociais e cinco coordenadores de residências comunitárias21. O ILSS avalia, em uma escala do tipo Likert de 5 pontos (nunca, algumas vezes, com freqüência, na maioria das vezes, sempre), a freqüência com que o paciente realizou, no último mês, as atividades cotidianas necessárias ao seu funcionamento independente na comunidade. Quando o paciente não teve oportunidade de apresentar a habilidade em questão, marca-se NO (nenhuma oportunidade). A escala original na língua inglesa apresenta propriedades psicométricas adequadas de consistência interna, uma vez que os coeficientes alfa de Cronbach variaram de 0,67 a 0,84. A avaliação da fidedignidade pelo método da correlação entre as duas metades das subescalas apresentou coeficientes de correlação entre 0,63 e 0,89. A escala original apresenta igualmente resultados positivos no que se refere à sua validade concomitante, tendo sido correlacionada positivamente com as subescalas de funcionamento social da escala Nosie9, a qual avalia o funcionamento e sintomatologia de pacientes psiquiátricos21. Procedimento Esta pesquisa envolveu duas etapas visando à validação transcultural da escala ILSS-BR. A primeira etapa da pesquisa incluiu a tradução e a adaptação das questões da escala original para o contexto brasileiro, assim como um estudo piloto visando a ajustar a formulação das questões à popu- lação-alvo. A segunda etapa envolveu o estudo das propriedades psicométricas da versão J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 145 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos adaptada para o contexto brasileiro e o reajuste final da escala em função das análises estatísticas. A primeira versão da escala adaptada brasileira ficou com 108 itens. Etapa I: adaptação transcultural da escala Estudo piloto Foi utilizada a versão original de língua inglesa da escala ILSS para se fazer a tradução para o português e a retrotradução (backtranslation), visando a obter uma primeira versão brasileira da escala. No processo de adaptação das questões para o contexto brasileiro foi igualmente consultada a versão franco-canadense do ILSS1, 4. O estudo piloto visou a ajustar a formulação das questões da versão preliminar do ILSS-BR, em função da população-alvo para a qual a escala seria aplicada, a fim de se assegurar uma boa compreensão e precisão do texto. A adaptação transcultural da presente escala para o contexto cultural brasileiro foi realizada segundo os procedimentos recomendados pela OMS (1996) e por Vallerand (1989) para a adaptação transcultural de instrumentos de medidas. Este procedimento consta das seguintes etapas: 1) tradução; 2) revisão da tradução por um grupo bilíngüe; 3) retrotradução; 4) avaliação da retrotradução; 5) estudo piloto I; 6) revisão das questões a partir do estudo piloto; 7) teste de campo ou estudo piloto II. Tradução, retrotradução e adaptação para o contexto brasileiro O primeiro procedimento realizado foi a tradução da escala, revisada por dois psiquiatras e um psicólogo bilíngües. A retrotradução da escala foi feita por um epidemiologista bilíngüe, tendo sido avaliada em seguida por um grupo de profissionais bilíngües com experiência na área: quatro psiquiatras, três psicólogos e um antropólogo. Na discussão de avaliação da retrotradução da escala, quatro itens foram suprimidos: na subescala relacionada à saúde, foi eliminado o item que dizia respeito ao uso adequado de planos ou seguros saúde pelo paciente; na subescala relacionada à administração do dinheiro, foi retirado o item que dizia respeito à requisição de título de eleitor pelo paciente; na subescala relativa a transporte, foi retirado o item relativo a contatos do paciente com companhias de ônibus para perguntar sobre itinerários; e na subescala relativa a lazer, foi retirado um item relativo a leitura de livros e revistas. Os itens foram suprimidos por não se ajustarem à nossa realidade sociocultural. Houve ainda uma modificação na subescala relativa a cuidados pessoais, no item que diz respeito ao banho: a freqüência foi modificada de duas vezes por semana para todos os dias. 146 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Este estudo foi feito com uma amostra de 20 pacientes, sendo dez homens e dez mulheres de duas diferentes unidades do IMASJM. As entrevistas foram realizadas por uma psiquiatra e uma psicóloga que participaram dos grupos de revisão da tradução e avaliação da retrotradução da escala. Foram entrevistados técnicos das unidades que conheciam bem a rotina de vida diária dos pacientes. A partir do estudo piloto, realizou-se uma reunião com representantes dos técnicos das unidades e um representante da associação de familiares dos pacientes, onde foram discutidas modificações na redação e em alguns termos da escala que facilitassem sua compreensão. As modificações feitas foram as seguintes: na subescala relativa a atividades domésticas, os três itens que diziam respeito a usar aspirador de pó, tirar poeira de superfícies e usar esfregão no chão foram transformados em um único item relativo à arrumação de sua moradia; na subescala relativa a atividades domésticas, nos itens que dizem respeito à colocação de roupas sujas na máquina de lavar foi acrescentado o tanque. Na subescala relativa a lazer, no item que diz respeito a jogos, o boliche foi substituído por futebol. A escala utilizada na segunda etapa da pesquisa continha 106 itens. Etapa II: estudo das propriedades psicométricas da escala A segunda etapa desta pesquisa envolveu a aplicação da versão adaptada da escala em toda a população do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM), com o objetivo de verificar suas propriedades psicométricas e de reajustar a escala em função dos resultados das análises estatísticas. O procedimento de aplicação da escala foi iniciado após o projeto ter sido aprovado pela comissão de ética em pesquisa do IMASJM, garantindo-se o consentimento, o sigilo e o anonimato Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos das respostas. A aplicação da escala foi realizada no período de um mês por dez pesquisadores graduados em psicologia, contratados pela Secretaria Municipal de Saúde para essa atividade e treinados por uma psiquiatra e uma psicóloga, co-autoras deste estudo. O treinamento foi constituído de três módulos e teve a duração de 12 horas: 1) discussão da escala, 2) aplicação piloto da escala; 3) painéis de discussão. Os entrevistadores foram alocados nas seis unidades do IMASJM e supervisionados pela mesma equipe do treinamento. Em cada unidade, as entrevistas foram realizadas com os técnicos da unidade que mais conheciam os pacientes nas suas atividades diárias. As instruções sobre as respostas (constantes no início do questionário) e cada um dos itens foram lidos pelo entrevistador para cada respondente e as respostas foram anotadas pelo entrevistador no próprio questionário. Resultados Freqüência das habilidades de vida independente O nível de habilidades de vida independente apresentado pelos pacientes pode ser avaliado através dos seus escores médios obtidos em cada subescala do ILLS-BR e através do seu escore médio global. A Tabela 1 apresenta as médias e desvios padrões obtidos na presente amostra. Pode-se observar, na Tabela 1, que o nível de funcionamento independente dos pacientes nas nove áreas da vida cotidiana variou de uma área para a outra. As médias mais baixas obtidas nas subescalas se referem às habilidades relacionadas ao trabalho (0,29) e ao lazer (0,67). Por outro lado, as médias mais elevadas se referem às habilidades relacionadas à alimentação (3,09) e à saúde (2,07). O escore médio global obtido pelos sujeitos foi bastante baixo (1,51), considerando-se que a escala de classificação varia de 0 a 4, o que indica uma baixa freqüência das habilidades de vida independente. Os valores de n variaram de uma subescala para a outra, devido à eliminação de sujeitos, em função do excesso de respostas em branco, que foi diferente entre as diversas subescalas. Consistência interna A fidedignidade da presente escala foi avaliada a partir da análise da consistência interna de suas nove subescalas. Para isto, foi feita a análise estatística do coeficiente alfa de Cronbach para cada subescala. A Tabela 2 apresenta os dados referentes aos coeficientes alfa e às correlações item/total obtidas. Os resultados da Tabela 2 mostram que todas as subescalas do ILSS-BR apresentaram coeficientes elevados de alfa de Cronbach. Os valores variaram de 0,753 a 0,959, o que indica uma boa homogeneidade e consistência dos itens de cada subescala, pois estes valores se situaram acima do critério estabelecido (critério mínimo = 0,7) para escalas contendo mais de dez itens, tal como sugerido por Gullikesen3 e por Martinez Arias5. As subescalas que apresentaram os coeficientes mais elevados de consistência interna foram as de cuidados pessoais, atividades domésticas, preparo e manutenção de alimentos, transporte e administração do dinheiro. As demais apresentaram valores de alfa abaixo de 0,9. Estes resultados demonstram que a consistência interna da escala ILSS-BR é satisfatória. Devido a este resultado, todas as nove subescalas originais foram retidas, indicando assim que os nove aspectos da vida cotidiana avaliados na escala original são igualmente relevantes no contexto brasileiro e que contribuem, portanto, para a avaliação do nível de habilidades de vida independente de pacientes psiquiátricos. A consistência interna da subescala cuidados pessoais foi calculada separadamente para os sujeitos dos sexos masculino e feminino, devido ao fato de que os itens respondidos por estes dois subgrupos não eram os mesmos nesta subescala em particular. Tabela 1 – Médias e desvios padrões dos escores dos sujeitos nas nove subescalas e na escala global do ILSS-BR Média Desvio padrão n Alimentação Cuidados pessoais Atividades domésticas Preparo de alimentos Saúde Administração do dinheiro Transporte Lazer Emprego 3,09 1,98 1,63 1,29 2,07 1,16 1,13 0,67 0,29 0,95 1,38 1,51 1,41 0,89 1,25 1,16 0,66 0,69 887 893 628 649 779 421 722 876 724 Escala global 1,51 0,76 873 Subescala J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 147 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Tabela 2 – Consistência interna do ILSS-BR: valores dos coeficientes alfa de Cronbach, correlações item/total, número de itens e número de sujeitos para cada subescala Valor de alfa Número de itens Correlação item/total n Alimentação 0,836 8 0,35-0,69 832 Cuidados pessoais (homem) 0,959 13 0,36-0,89 145 Cuidados pessoais (mulher) 0,918 13 0,34-0,84 278 Atividades domésticas 0,946 12 0,63-0,8 193 Preparo de alimentos 0,917 7 0,68-0,8 153 Saúde 0,675 8 0,2-0,69 260 Administração do dinheiro 0,949 12 0,36-0,89 227 Transporte 0,943 7 0,43-0,89 153 Lazer 0,753 9 0,28-0,57 222 Emprego 0,895 8 0,63-0,65 128 Subescala Para se fazer a análise do coeficiente alfa de Cronbach foi necessário eliminar os itens que apresentavam excesso de respostas em branco, de forma que a estatística pudesse ser calculada pelo menos com uma amostra acima de 100 sujeitos, o que resultou em valores variados de n nas subescalas. Outros itens foram eliminados em cada subescala como resultado da análise estatística de consistência interna, quando suas correlações item/total se situavam abaixo do critério mínimo requerido (r = 0,2) para uma consistência interna adequada, tal como sugerido por Gullikesen7 e por Martinez Arias14. Itens que não atingiram este critério não eram congruentes com os demais itens da sua subescala e, portanto, não estavam contribuindo para a medida do conceito de habilidades de vida independente daquela subescala. Apresentaremos abaixo o conteúdo de todos os itens que foram eliminados na análise de Cronbach, devido aos motivos expostos acima. Na subescala relacionada à alimentação foi eliminado apenas um item que visava a avaliar se o paciente usava guardanapo, quando necessário, ao fazer suas refeições. Na subescala de cuidados pessoais foram eliminados, para o sexo masculino, quatro itens que visavam a avaliar se o paciente trocava a roupa de baixo todos os dias, se não usava as roupas combinadas de modo grotesco, se não trocava excessivamente as roupas e se não usava roupas em excesso umas sobre as outras. Estes três últimos itens foram igualmente eliminados no caso das mulheres, além de dois outros itens que visavam a avaliar 148 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 se elas usavam maquiagem apropriada, sem excesso e se cuidavam de sua higiene íntima durante a menstruação. Na subescala de atividades domésticas foi eliminado apenas um item relacionado à utilização adequada da máquina de lavar. Na subescala referente ao preparo de alimentos foi eliminado o item que visava a avaliar se o paciente não usava inapropriadamente as coisas dos outros. Na subescala referente à saúde foram eliminados dois itens que visavam a avaliar se o paciente contatava as pessoas apropriadas para renovar a receita de seu medicamento e se fumava apenas em locais apropriados. Na subescala de administração do dinheiro, foram eliminados seis itens, visando a avaliar se o paciente comprava os medicamentos receitados, levava documentação apropriada para descontar cheque, descontava cheques apropriadamente, pagava contas com ordens de pagamento, fazia depósitos e saques em bancos e não usava inapropriadamente o telefone. Na subescala relacionada ao transporte foi eliminado apenas um item que visava a avaliar se o paciente possuía carteira de habilitação válida. Na subescala de lazer foram eliminados quatro itens visando a avaliar se o paciente freqüentava cultos religiosos e se se comportava adequadamente nestes locais, se ia sozinho ao cinema ou teatro e se praticava esportes. Na subescala referente às atividades de trabalho não foi necessário eliminar nenhum item. Os itens eliminados pelas razões descritas acima em geral se referiam a situações que não eram Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos pertinentes à realidade cotidiana dos pacientes, ao contexto brasileiro ou às condições de vida do meio institucional onde os pacientes viviam. tintas, compartilham um construto subjacente comum, presente na escala global de habilidades de vida independente. Validade de construto Validade discriminante A validade de construto da escala ILSS-BR pode ser avaliada constatando-se a presença de um construto comum subjacente às nove subescalas. A presença de um construto comum se observa quando a correlação obtida entre cada subescala e o escore total é mais elevada do que a correlação observada entre as subescalas. Para efetuar esta comparação foram calculadas as correlações de Pearson entre as nove subescalas, assim como suas correlações respectivas com o escore global. A Tabela 3 apresenta os coeficientes de correlação obtidos entre as subescalas e a escala global. A validade discriminante da escala ILSS-BR foi verificada comparando-se os escores obtidos pelos pacientes das seis diferentes unidades existentes no instituto psiquiátrico estudado. Uma vez que estas unidades abrigavam grupos de pacientes que diferem em termos de seu grau de autonomia, a presente escala deveria ser sensível para detectar diferenças entre eles, em termos de suas habilidades de vida independente, o que atestaria a validade discriminante do ILSS-BR. Esta comparação foi feita através da análise de variância (Anova). A Tabela 4 apresenta as médias e desvios padrões obtidos pelos seis grupos em cada subescala do ILSS-BR e no escore total. Os resultados da Tabela 3 mostram primeiramente que as nove subescalas apresentam correlações entre si altamente significativas (p = 0). Este resultado indica que, embora avaliem aspectos distintos das habilidades de vida cotidiana, as diversas subescalas do ILSS-BR apresentam uma relação entre elas. Além disso, os resultados mostram também que houve, em geral, correlações significativas mais elevadas de cada subescala com a escala global, variando de r = 0,519 a r = 0,869, do que das subescalas entre si. A única exceção se refere à subescala referente ao trabalho. Estes resultados confirmam, portanto, a hipótese inicial, demonstrando que as subescalas do ILSS-BR, embora representem dimensões dis- Os resultados indicaram que os grupos de pacientes das seis unidades do instituto apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre elas no escore total (F = 32,962; p = 0) e em todas as nove subescalas do ILSS-BR, sendo esta diferença maior em oito subescalas: administração do dinheiro (F = 32,25; p = 0), atividades domésticas (F = 13,63; p = 0), preparo e manutenção dos alimentos (F = 10,09; p = 0), cuidados pessoais (F = 21,97; p = 0), emprego (F = 113,82; p = 0), lazer (F = 30,33; p = 0) e transporte (F = 41,45; p = 0). A menor diferença entre os grupos foi observada para as atividades referentes à subescala de alimentação (F = 3,058; p = 0,01). Tabela 3 – Coeficientes de correlação de Pearson entre as nove subescalas e a escala global do ILSS-BR Subescala A B C D E F G H I J A B C D E F G H I 1 0,413* 0,362* 0,341* 0,364* 0,249* 0,237* 0,122* 0,112* 0,519* 1 0,714* 0,661* 0,622* 0,484* 0,487* 0,497* 0,359* 0,808* 1 0,826* 0,599* 0,656* 0,54* 0,498* 0,413* 0,869* 1 0,567* 0,633* 0,596* 0,471* 0,422* 0,845* 1 0,581* 0,522* 0,495* 0,412* 0,76* 1 0,67* 0,554* 0,53* 0,808* 1 0,602* 0,601* 0,764* 1 0,385* 0,656* 1 0,589* A: alimentação; B: cuidados pessoais; C: atividades domésticas; D: preparo de alimentos, E: saúde; F: administração do dinheiro, G: transporte; H: lazer; I: trabalho; J: global. *p = 0. J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 149 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos A Tabela 4 mostra que o grupo de pacientes do Cris apresentou os resultados mais elevados na maioria das áreas da vida cotidiana, com exceção da subescala que se refere às atividades de alimentação. Ao contrário, os pacientes do NTB apresentaram os escores mais baixos em quatro áreas da vida cotidiana, relacionadas às subescalas de administração do dinheiro, atividades domésticas, lazer e transporte. Os pacientes do NRC apresentaram os escores mais baixos nas duas subescalas de cuidados pessoais e emprego. Para a subescala de preparo e manutenção dos alimentos o grupo do NUV apresentou os escores mais baixos. Na subescala alimentação os resultados foram menos divergentes entre os grupos, o escore mais elevado sendo observado no NUV e o menos elevado, no Cris. O escore total mais elevado de habilidades da vida independente (2,44) foi o dos pacientes que habitavam no Cris, e o escore menos elevado (1,25) foi o do NTB. Foi feita, em seguida, uma análise discriminante das seis unidades de pacientes, a fim de se identificar as subescalas que mais discriminavam os grupos. Esta análise evidenciou uma função significativa diferenciando os grupos (qui-quadrado = 385,713; p = 0; lambda = 0,235; eigenvalue = 1,35), o que explicava 66% da variância dos dados. As correlações mais elevadas encontradas entre as subescalas e a função discriminante canônica padronizada foram referentes às atividades de emprego, transporte, administração e lazer (respectivamente 855, 587, 544, 455). Este resultado indica que foram estas quatro subescalas do ILSS-BR que mais diferenciaram os grupos de pacientes das várias unidades da amostra. Os resultados descritos acima são coerentes com as diferenças de nível de autonomia apresentadas pelos seis grupos de pacientes na sua vida cotidiana na instituição. Os resultados obtidos aqui indicam que a escala ILSS-BR apresenta validade discriminante adequada, uma vez que foi sensível para detectar diferenças significativas nos diversos grupos de pacientes da presente amostra. Avaliação do nível de habilidades da vida cotidiana independente Ao se utilizar o ILSS-BR para avaliar os pacientes de um dado serviço de saúde mental, deve-se seguir o procedimento de aplicação descrito neste artigo. Assim, a aplicação da escala deve ser feita em entrevista com a pessoa que mais conhece as atividades cotidianas do paciente, e o entrevistador deve ler as instruções e as questões da escala para esta pessoa e anotar as suas respostas no questionário, segundo as instruções que constam no início do questionário. Na correção dos resultados, para se avaliar o nível de funcionamento dos pacientes em relação às nove áreas de habilidades da vida cotidiana independente, calcula-se o escore médio das respostas obtidas em cada uma das nove subescalas do ILSS-BR. Esta média, que pode variar de 0 a 4, indicará um nível mais elevado de habilidades de vida independente quanto mais próxima ela estiver do valor máximo 4. O nível de funcionamento global dos pacientes nas habilidades da vida cotidiana pode ser estimado calculando-se a média das respostas obtidas nos 84 itens que compõem a escala ILSS-BR. Tabela 4 – Médias e desvios padrões dos escores de habilidades de vida independente apresentados pelos seis grupos de pacientes da amostra em cada subescala e no escore global do ILSS-BR Grupo Subescala 150 NFR NUV NTB NRC CRIS PA p Administração do dinheiro Alimentação Atividades domésticas Preparo de alimentos Cuidados pessoais Emprego Lazer Transporte 1,78 (1,2) 3,02 (0,89) 1,98 (1,65) 1,23 (1,36) 2,37 (1,2) 0,21 (0,44) 0,81 (0,68) 1,03 (1,03) 1,53 (1,15) 0,56 (1,02) 3,33 (0,86) 3,05 (1,07) 1,32 (1,39) 1,31 (1,45) 1,08 (1,23) 1,14 (1,49) 1,88 (1,36) 1,89 (1,32) 0,45 (0,69) 0,004 (0,18) 0,93 (0,66) 0,42 (0,56) 1,5 (1,19) 0,81 (0,95) 1,37 (1,44) 2,98 (0,93) 2,66 (1,25) 1,45 (1,37) 1,02 (1,47) 0,008 (0,34) 0,54 (0,69) 0,84 (1,03) 2,34 (0,93) 2,92 (0,67) 2,7 (1,07) 2,43 (1,03) 3,02 (0,76) 1,91 (1,35) 1,32 (0,55) 2,89 (0,85) 0,71(0,85) 3,12 (0,82) 1,55 (1,41) 2,26 (1,33) 2,28 (1,44) 0,87 (0,65) 0,59 (0,54) 0,89 (1,01) 0 0,01 0 0 0 0 0 0 Global 1,64 (0,66) 1,65 (0,8) 1,28 (0,77) 2,44 (0,64) 1,65 (0,68) 0 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 1,25 (0,64) Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Antes de se calcular a média dos escores de cada subescala e a média global, é necessário inverter os escores de alguns itens cujo sentido difere dos demais itens da escala, de modo que todos os escores da escala possam ser indicativos de maior independência dos sujeitos quanto maior o escore médio for próximo de 4. Os escores a serem invertidos se referem aos seguintes itens: os itens 5 e 8 da subescala alimentação; o item 13 da subescala de cuidados pessoais e o item 8 da escala de saúde. Nas demais subescalas não há itens a serem invertidos. Discussão O Inventário de Habilidades de Vida Independente, adaptado para o contexto brasileiro (ILSSBR), se mostrou uma escala com qualidades psicométricas de validade e fidedignidade satisfatórias no que se refere à consistência interna das suas subescalas, assim como a sua validade discriminante e validade de construto. Sua elevada consistência interna (a = 0,753 a 0,959), acima do critério requerido, indica um índice de fidedignidade ainda superior ao obtido para a versão original do ILSS (a = 0, 67 a 0,84). Devido a estes índices adequados todas as nove subescalas da versão original foram retidas na versão brasileira, que poderá, portanto, avaliar as habilidades de vida independente dos pacientes nas mesmas áreas de atividades cotidianas da versão original. Os resultados positivos obtidos para a validade discriminante desta escala indicam também que ela é sensível para discriminar grupos distintos de pacientes psiquiátricos. Como na versão original da escala este tipo de análise não foi efetuada21, não podemos fazer uma comparação dos presentes resultados com o estudo original para este aspecto em particular. A adaptação transcultural do ILSS-BR, tendo seguido as recomendações estabelecidas na literatura para este tipo de procedimento, através da participação de um grupo de especialistas e da aplicação de um estudo piloto na população-alvo, favoreceu a obtenção de itens cuja formulação fosse mais clara e de fácil entendimento e cujo conteúdo garantisse uma equivalência com a versão original, assegurando entretanto sua pertinência para o contexto cultural brasileiro. Estudos futuros deverão aprofundar a investigação das qualidades psicométricas da presente escala no que se refere à sua estabilidade temporal, assim como a consistência interna da escala global e a estrutura fatorial dos seus itens, embora estas análises não tenham sido realizadas para a versão original. Estas duas últimas análises requerem amostras que não forneçam excesso de respostas em branco ou não-aplicáveis, as quais inviabilizam as análises estatísticas, razão pela qual não foram realizadas no presente trabalho. A análise da estrutura dimensional da presente escala foi feita através da análise de consistência interna dos itens das subescalas identificadas no estudo original, desta forma retendo apenas os itens que se mostraram consistentes em relação às subescalas. Além disso, a análise comparativa das correlações das subescalas como o escore total e suas intercorrelações nos forneceu um bom indício da validade de construto desta escala. Quanto à validade concomitante da presente escala, ela só poderá ser verificada após a validação, para o Brasil, de uma escala que avalie um construto semelhantes ao do ILSS. No caso da versão original do ILSS21, a validade concomitante foi analisada através de sua correlação com uma subescala da escala Nosie, que ainda não foi validada para o Brasil. A escala ILSS-BR é um instrumento de medida que poderá ser importante para o planejamento e a avaliação de programas relacionados à reinserção social de pacientes psiquiátricos. Uma avaliação prévia dos pacientes com esta escala poderá fornecer informações básicas sobre seu nível de funcionamento cotidiano que são relevantes para o planejamento dos recursos necessários para sua reinserção na comunidade, tanto em termos de tipo de moradia e tipo de suporte social necessário quanto das intervenções e atividades a serem implementadas para a sua integração social. Além disso, avaliações posteriores dos pacientes com esta escala poderão servir para monitorar a sua evolução quanto ao nível de funcionamento cotidiano, evidenciando assim seu grau de adaptação aos programas de reinserção social implementados1. Do mesmo modo, esta escala poderá ser útil também em ensaios clínicos, visando a avaliar os efeitos de novos tratamentos medicamentosos, uma vez que ela poderá fornecer informações sobre o impacto dos medicamentos no nível de funcionamento dos pacientes nas atividades cotidiaJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 151 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos nas, de modo a indicar em quais áreas de habilidades da vida cotidiana eles apresentam uma melhora com a introdução de um determinado medicamento e também se algumas delas sofrem uma deterioração em função de efeitos colaterais. A concepção sobre a avaliação dos efeitos de tratamentos medicamentosos tem se ampliado nos últimos anos, de modo a incluir não somente uma avaliação da redução dos sintomas mas também do impacto dos medicamentos em diversos aspectos da vida dos pacientes, entre outros, o seu nível de funcionamento independente na vida cotidiana, que contribui para sua qualidade de vida15, 16. A presente escala poderá ser relevante igualmente para fornecer informações pertinentes à avaliação de serviços de saúde mental, evidenciando o impacto destes serviços no nível de habilidades de vida independente dos pacientes. Os próprios objetivos dos serviços de saúde mental devem incluir, segundo Mercier (1994), não só responder às necessidades dos pacientes mas também desenvolver suas habili- dades de modo a aumentar sua funcionalidade no seu meio ambiente. A Organização Mundial de Saúde tem estimulado a prática da avaliação contínua dos serviços de saúde mental com o objetivo de promover uma melhor qualidade destes serviços22. Entretanto uma tal avaliação requer o desenvolvimento de instrumentos de medida válidos e fidedignos, capazes de fornecer informações confiáveis e pertinentes. Alguns autores têm questionado a generalidade e validade dos resultados de avaliações de serviços que utilizaram questionários não-validados, muitas vezes apenas traduzidos, cujas propriedades psicométricas não foram investigadas e que não foram submetidos a procedimentos padronizados de adaptação transcultural17, 18. No nosso contexto há uma carência de instrumentos de medida válidos e fidedignos para avaliar o impacto dos serviços, em particular no nível de funcionamento dos pacientes psiquiátricos com distúrbios graves e persistentes. A escala ILSS-BR certamente servirá para preencher esta lacuna. Referências 1. Bandeira M, Lesage A, Morissete R. Desinstitucionalização: importância da infra-estrutura comunitária de saúde mental. J Bras Psiquiatr 1998; 4(12): 659-66. 2. Bandeira M, Gelinas D, Lesage A. Desinstitucionalização: o programa de acompanhamento intensivo na comunidade. J Bras Psiquiatr 1998; 47: 627-40. 3. Bassuk EL, Gerson S. Deinstitutionalization and mental health services. Scient Am 1978; 238: 46-53. 4. Cyr M, Lesage AD, Toupin J. L’évaluation des problèmes psychosociaux chez des personnes ayant des problèmes psychiatriques graves. Documento Inédito, Relatório de Pesquisa, 1992. ISBN 2-921486-00-8. 5. Fleck M, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, Pinzon V. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação da qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev Brasil Psiq 1999; 21:19-28. 6. Gonçalves S, Fagundes P, Lovisi G, Lima LA. Avaliação das limitações no comportamento social de pacientes psiquiátricos de longa permanência. Ciência e Saúde Coletiva 2001; 6(1): 105-13. 7. Gulliksen H . Theory of mental test. New York: John Wiley; 1950. 8. Hafner H, Heiden W. The evaluation of mental health care system. Br J Psych 1989; 155: 12-17. 9. Honifeld G, Roderic D, Klett JC. Nosie-30: a treatment sensitive ward behavior scale. Psychol Rep 1966; 19: 180-82. 10. Leff J, Trieman N. Long-stay patients discharged from psychiatric hospitals. Br J Psychiatry 2001; 176: 217-23. 152 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 11. Liberman RP, Mueser KT, Wallace CJ. Social skills training for schizophrenic individuals at risk of relapse. Am J Psychiatry 1986; 143: 523-26. 12. Liberman RP, Blackwell GA, Wallace CJ, Mintz J, Kopelowicz A, Vaccaro JV. Skills training vs psychosocial occupacional therapy for persons with persistent schizophrenia. Am J Psychiatry 1998; 155: 1087-91. 13. Lima LA, Lovisi G, Morgado AF. Questões da bioética no contexto da reforma psiquiátrica. J Bras Psiquiatr 1999; 48(1): 21-27. 14. Martinez AR. Psicometria: teoría de los tests psicológicos y educativos. Madrid: Editorial Sintesis; 1995. 15. Mercier C. La methodologie de l’évaluation de la qualité de vie subjective en psychiatrie. In: Terra JL, editor. Qualité de vie subjective et santé mentale: Aspects conceptuels et méthodologiques. Paris: Ellipses; 1994. 16. Mercier C, Corten P. Evaluation de la qualité de vie de patients psychotiques. In: Kovess, V. Evaluation de la qualité en Psychiatrie. Paris: Economica; 1994. 17. Ruggeri M. Patients’and relatives’satisfaction with psychiatric services: the state of the art of its measurement. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1994; 29: 212-27. 18. Vallerand R. Vers une methodologie de validation transculturelle de questionnaires psychologiques. Can Psychol 1989; 30: 662-80. 19. Wallace CJ, Kochanowicz N, Wallace J. Independent Living Skills Survey. Unpublished manuscript. Mental Health Clinical Research Center for the Study of Schizophrenia, West Los Lima et al. Angeles VA Medical Center, Rehabilitation Medicine Service (Brentwood Division), Los Angeles, CA, 1985. 20. Wallace CJ, Boone SE, Donahue PC, Foy DW. The cronically mentally disabled: Independent living skills training. In: Barlow DH, editor. Clinical Handbook of psychological disorders New York: Guilford; 1985, p. 462-501. 21. Wallace. Functional assessment in rehabilitation. Schizophr Bull 1986; 12: 604-23. 22. World Health Organization. WHO-Satis consumer’s and caregivers’ satisfaction with mental health services: a Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos multisite study. Geneva: Division of Mental Health. WHO; 1996. 23. Wykes T, Sturt E. The measurement of social behaviour in psychiatric patients: An assessment of the reliability and validity of the SBS schedule. Br J Psych 1986; 148: 1-11. Jornal Brasileiro de Psiquiatria Endereço para correspondência Lúcia Abelha Lima Núcleo de Pesquisa – Centro de Estudos Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira Estrada Rodrigues Caldas 3.400 CEP 22713-370 – Rio de Janeiro-RJ e-mail: [email protected] J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 153 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Anexo – Inventário de Habilidades de Vida Independente (ILSS-BR) Este questionário tem como finalidade obter seu ponto de vista sobre o ajustamento social de seu filho, parente ou residente em sua casa ou em serviços assistenciais. O ajustamento social pode ser avaliado pela maior ou menor capacidade de uma pessoa cuidar de si mesma e de seus interesses, como, por exemplo, alimentar-se, arrumar-se, realizar atividades domésticas e cuidados com a saúde, gerenciar suas finanças, utilizar transporte, realizar atividades de lazer e trabalhar. Este questionário abrange todas essas áreas de vida independente. Por favor, utilize a escala abaixo para marcar cada item. Observe com atenção enquanto você realiza sua classificação de cada um dos 84 itens listados neste questionário. Classifique cada um dos 84 itens de acordo com a freqüência de ocorrência deste comportamento, em particular durante o último mês. Cada item escolhido será mar cado no questionário pelo entr evistador marcado entrevistador evistador.. Nome da pessoa que está sendo avaliada Nome da pessoa entrevistada Relação entre o entrevistado e a pessoa que está sendo avaliada Data Escala: Freqüência da ocorrência do comportamento Para cada item deste questionário, por favor, registre na coluna à direita do questionário a freqüência da ocorrência de cada comportamento durante o último mês, segundo a escala abaixo. Se não houve oportunidade para o indivíduo se comportar de determinada forma (por exemplo, utilizar o ônibus quando não houve disponibilidade desse serviço), registre NA (não se aplica). Se não houve necessidade de que o indivíduo se comportasse desta forma (isto é, o parente ou encarregado das instalações, por exemplo, realiza as tarefas domésticas), também registre NA. 0_____________________1_____________________2_____________________3_____________________4 nunca algumas vezes com freqüência na maioria das vezes sempre I. Alimentação Freqüência do co mp ortamento no último mês comp mportamento 154 1. Alimenta-se asseadamente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 2. Usa utensílios adequados para se alimentar (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 3. Alimenta-se em ritmo normal, sem engolir às pressas nem demorar demais (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 4. Mastiga com a boca fechada (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Tira comida dos pratos de outras pessoas sem permissão 0 1 2 3 4 6. Come a quantidade de alimento apropriada (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 7. Demonstra ter bons hábitos nutricionais (isto é, tem uma dieta bem equilibrada – não vive de doces e refrigerantes) (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 8. Come comida que foi descartada (por exemplo, do chão ou do lixo) 0 1 2 3 4 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos II. Cuidados pessoais 1. Toma banho usando sabonete todos os dias (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 2. Lava os cabelos pelo menos uma vez por semana (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 3. Usa desodorante diariamente (sem supervisão) 0 1 2 3 4 4. Escova ou penteia os cabelos diariamente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Homem: barbeia-se quando necessário ou mantém sua barba aparada (sem supervisão) 0 1 2 3 4 6. Providencia o corte ou o penteado dos cabelos quando necessário (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 7. Escova os dentes ou dentadura ou faz higiene bucal pelo menos uma vez ao dia (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 8. Despe-se em horas e locais apropriados (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 9. Veste-se em horas e locais apropriados (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 10. Conserva-se limpo(a) e arrumado(a) o dia todo (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 11. Separa apropriadamente roupas sujas para serem lavadas por ele (ela) ou por outras pessoas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 12. Veste-se apropriadamente quanto ao clima ou eventos sociais (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 13. Quebra a etiqueta social em geral (por exemplo, coça partes inadequadas do corpo em público, arrota em público sem se desculpar) 0 1 2 3 4 III. Atividades domésticas 1. Arruma sua cama diariamente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 2. Mantém o quarto ou espaço individual limpo (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 3. Troca a roupa de cama sempre que necessário (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 4. Recolhe objetos que caem no chão (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Limpa líquidos derramados (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 6. Ocupa-se da arrumação de sua moradia quando necessário (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 7. Realiza tarefas domésticas que lhe foram atribuídas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 8. Coloca a roupa suja no tanque ou na máquina de lavar (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 155 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos 9. Usa a quantidade correta de sabão para lavar a roupa (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 10. Coloca as roupas para secar (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 11. Guarda as roupas limpas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 12. Dobra e/ou pendura as roupas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 IV. Preparo e armazenamento dos alimentos 1. Prepara refeições simples que não precisem ser misturadas ou cozidas (por exemplo, sanduíches, saladas ou cereal com leite) 0 1 2 3 4 2. Prepara e cozinha refeições simples (por exemplo, ovos fritos, macarrão, etc.) (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 3. Guarda os alimentos apropriadamente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 4. Pode identificar e jogar fora alimentos estragados (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Limpa a mesa (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 6. Lava e enxuga a louça e os utensílios de cozinha (caneca, prato, etc.) ou usa máquina de lavar louça (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 7. Guarda os utensílios de cozinha (caneca, prato, etc.) (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 V. Saúde 156 1. Relata apropriadamente seus problemas físicos (sem exagerar ou omitir) 0 1 2 3 4 2. Cuida de seus próprios problemas físicos mais leves de forma apropriada 0 1 2 3 4 3. Consegue ajuda de serviços públicos adequados (INSS, bombeiros, polícia, vigilância ou outros recursos), assistente social, médico, dentista, família, quando necessário 0 1 2 3 4 4. Segue a orientação dos serviços acima citados 0 1 2 3 4 5. Fuma respeitando as regras de segurança 0 1 2 3 4 6. Aceita tomar a medicação que lhe é administrada 0 1 2 3 4 7. Toma seu medicamento sem supervisão (horários e dosagens) 0 1 2 3 4 8. Contata serviços públicos (por exemplo, polícia, bombeiros, instituições para desabrigados) para fazer queixas ou pedidos impróprios (por exemplo, entra na delegacia para pedir uma carona para casa, telefona diariamente para instituições para desabrigados para relatar variados problemas sem importância) 0 1 2 3 4 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos VI. Administração do dinheiro 1. Compra a quantidade adequada de mercadorias (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 2. Compra suas próprias roupas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 3. Compra objetos de uso pessoal (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 4. Providencia o conserto de roupas e objetos (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Paga contas (inclusive aluguel, alimentos, roupas, transporte, atividades de lazer e bens pessoais) (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 6. Administra adequadamente seu orçamento (isto é, planeja suas despesas de acordo com seus recursos financeiros) 0 1 2 3 4 7. Procura ajuda ou informação, quando necessário, para planificação de seu orçamento (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 8. Compreende os termos tutela ou curadoria (se for aplicável ao caso) 0 1 2 3 4 9. Compra itens essenciais antes de gastar dinheiro com supérfluos (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 10. Utiliza o relógio para organizar sua programação diária 0 1 2 3 4 11. Devolve material defeituoso ou troca mercadorias em lojas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 12. Confere troco em lojas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 VII. Transporte 1. Anda de ônibus (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 2. Lê itinerários de ônibus (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 3. Vai a pé a locais da vizinhança (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 4. Respeita as normas para pedestres (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Informa-se e segue as indicações de um trajeto (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 6. Faz viagens de longa distância (de ônibus, trem ou avião) (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 7. Comporta-se apropriadamente em ônibus, trens ou aviões (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 VIII. Lazer 1. Ocupa-se regularmente com um passatempo (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 2. Passeia fora de seu local de residência (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 3. Cuida do jardim ou quintal (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 157 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos 4. Ouve rádio ou vê televisão (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Escreve cartas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 6. Assiste a atividades esportivas (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 7. Joga cartas ou outros jogos de mesa (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 8. Lê jornais habitualmente (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 9. Vai a reuniões de organizações cívicas ou outras (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 IX. Emprego 158 1. Procura emprego através de anúncios classificados 0 1 2 3 4 2. Contata empregadores em potencial para avaliar possíveis oportunidades de trabalho (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 3. Contata amigos/outros pacientes/assistente social/agência para indicações de empregos (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 4. Participa de entrevistas de seleção para obter emprego (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 5. Tem aspirações realísticas de emprego 0 1 2 3 4 6. Sai na hora certa para os compromissos (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 7. Sai na hora certa para o emprego (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 8. Chega na hora certa em seu emprego e respeita o horário de almoço (sem necessidade de orientação) 0 1 2 3 4 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 Lima et al. Validação transcultural do Inventário de Habilidades de Vida Independente para pacientes psiquiátricos Instruções aos autores No Jornal Brasileiro de Psiquiatria são publicados artigos relevantes em português, inglês ou espanhol. Os requisitos para apresentação de manuscritos foram estabelecidos de acordo com Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals do International Committee of Medical Journals Editors – Grupo de Vancouver – publicado em Ann Intern Med 1997:126:36-47, disponível em versão digital em http://www.acponline.org. Manuscritos e correspondências devem ser enviados para: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Venceslau Brás, 71 Fundos 22290-140 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel: (5521) 2295-2549 Fax: (5521) 2543-3101 www.ufrj.br/ipub e-mail: [email protected] Uma vez aceito para publicação, torna-se o trabalho propriedade permanente da Diagraphic Editora Ltda., que reserva todos os direitos autorais no Brasil e no exterior. Carta de autorização • Os manuscritos devem estar acompanhados de carta de autorização assinada por todos os autores. por dois pareceristas independentes. Estrutura do manuscrito • Os manuscritos devem ser enviados em formato eletrônico, acompanhados de quatro cópias impressas na última versão, e não serão devolvidos em nenhuma hipótese. • Todas as páginas devem estar numeradas, indicando na primeira o total de páginas. • A primeira página deve conter o título do trabalho, nome completo dos autores e filiação científica. • Os resumos devem ser apresentados no idioma do texto e em inglês, inclusive títulos, com, no máximo, 200 palavras. • Os unitermos, entre três e 10, devem ser apresentados nos dois idiomas. Recomenda-se o uso de termos da lista denominada Medical Subject Headings do Index Medicus ou da lista de Descritores de Ciências da Saúde, publicada pela BIREME, para trabalhos em português. • Tabelas e ilustrações devem estar numeradas e preparadas em folhas separadas, com as respectivas legendas em formato que permita sua reprodução e incluídas no disquete. Os locais sugeridos para inserção deverão ser indicados no texto, com destaque. • Ilustrações não serão aceitas em negativo e impressão de fotos em cores será cobrada do autor. • Agradecimentos deverão ser mencionados antes das Referências. Modelo “Os autores abaixo assinados transferem à Diagraphic Editora Ltda., com exclusividade, todos os direitos de publicação, em qualquer forma ou meio, do artigo..............., garantem que o artigo é inédito e não está sendo avaliado por outro periódico e que o estudo foi conduzido conforme os princípios da Declaração de Helsinki e de suas emendas, com o consentimento informado aprovado por comitê de ética devidamente credenciado.” (incluir nome completo, endereço postal, telefone, fax, e-mail e assinatura de todos os autores). Avaliação por pareceristas (peer review) • Todos os manuscritos submetidos ao JBP serão avaliados Referências Devem ser numeradas e apresentadas em ordem alfabética. Deve ser usado o estilo dos exemplos que se seguem: Artigos • Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, Keller M, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from ‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study of clinical and temperamental predictors in 559 patients. Arch Gen Psychiatry 1995; 52:114-23. Livro • Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New York: Oxford University Press; 1990. Capítulo de livro • Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments: literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope DA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosis assessment and treatment. New York: The Guilford Press; 1995, p. 261-309. J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 159 Instructions for authors The Jornal Brasileiro de Psiquiatria will consider for publication relevant articles in Portuguese, English or Spanish. The following guidelines for the submission of manuscripts are in accordance with the Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals of the International Committee of Medical Journal Editors – Vancouver Group – published in the Ann Intern Med 1997; 126:36-47, also available in http:/www.acponline.org. Send all manuscripts and correspondence to the following address: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Venceslau Brás, 71 Fundos 22290-140 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel: (5521) 2295-2549 Fax: (5521) 2543-3101 www.ufrj.br/ipub e-mail: [email protected] Once accepted for publication, the manuscript becomes permanent property of the Diagraphic Editora Ltda. which reserves all the rights in Brazil and in any other foreign country. Structure of the manuscript • The articles should be sent in electronic format plus four printed copies of the latest version, which will not be returned to the authors in any instance. • All pages must be numbered, indicating in the first page the total numbers of pages. • The first page must have: title of the manuscript, complete name of the authors and scientific affiliation. • Abstracts should be presented in the languages of the text and in english with the maximum number of 200 words. • Key words should be presented in two languages, the one of the text and in english (between 3 and 10). For the choice of terms, the list entitled Medical Subject Headings of the Index Medicus or the Lista de Descritores de Ciências da Saúde of BIREME, for portuguese scientific literature, are recommended. • Tables and illustrations should be numbered and placed in separate individual pages, with the legends, in a format that allows its reproduction, and its inclusion in a diskette. Places for insertion in the text should be highlighted. • Illustration in negative will not be accepted and the printing of coloured material will be charged to the author. • Acknowledgements should be placed prior to the References. Authorizing letter • Manuscripts should be accompanied by a letter authorizing the publications signed by all authors. Letter “The undersigned authors transfer to Diagraphic Editora Ltda., with exclusiveness, the copyright of the publication by any means of the manuscript entitled...................., guarantee that this article is not being evaluated by another periodical and that the study has been conducted according to the Declaration of Helsinki and its amendments with informed consent duly approved by an independent review board (IRB).” (include the complete name, addresses, telephone, fax, e-mail and signature of all authors). Peer review • All manuscripts submitted to this Journal will be reviewed by two independent reviewers. 160 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 2 • 2003 References Should be numbered and listed in alphabetical order. The following styles for the references should be employed. Articles Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, Keller M, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from ‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study of clinical and temperamental predictors in 559 patients. Arch Gen Psychiatry 1995; 52:114-23. Book Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New York: Oxford University Press; 1990. Book chapter Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments: literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope DA, Schneier FR, editors. Social phobia – Diagnosis assessment and treatment. New York: The Guilford Press; 1995, p. 261-309.