Mitos das Origens - Criação do Homem e Dilúvio
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Mitos das Origens - Criação do Homem e Dilúvio
Hesíodo, Teogonia 507-520 Jápeto tomou a jovem Oceânide de belos tornozelos, Clímene, e com ela partilhou um leito comum. Dela nasceu um primeiro filho, o corajoso Atlas. Depois deu à luz o ilustre Menécio e Prometeu, engenhoso e fértil em enganos, e o desastrado Epimeteu, que, desde o início, fora um mal para os homens que comem pão, pois foi ele o primeiro a receber, moldada por Zeus, a mulher virgem. Ao insolente Menécio, Zeus que vê ao longe enviou-o para o Érebo, atirando-lhe o seu raio incandescente, por causa da sua insensatez e enorme arrogância. Atlas segura o vasto céu, por imperiosa necessidade, nos confins da terra, defronte das Hespérides de voz cristalina; segura-o com a cabeça e com as mãos infatigáveis porque essa é a sorte que o prudente Zeus lhe destinou. Escultura da época romana tardia. Héracles, encarregado de trazer a Euristeu as famosas maçãs das Hespérides, as Ninfas do Ocidente, não pode ir ao Jardim onde elas se encontram e pede que Atlas o faça. Mas este tinha a missão de sugurar o mundo, pelo que Héracles tem de o substituir nessa função, ajudado por Atena. Este é o momento em que Atlas regressa com os pomos. Pormenor da métopa do trabalho em que Héracles vai buscar os pomos das Hespérides. Os olhos de Héracles, que ficara o segurar o céu, enquanto Atlas fora ao Jardim das Ninfas do Ocidente, convergem para as mãos do gigante que lhe traz as desejadas maçãs. Métopa do templo de Zeus em Olímpia em que Atlas, por castigo de Zeus, segura o mundo. Aqui é Héracles que ficou a substituí-lo, enquanto o gigante lhe foi buscar as maçãs do Jardim das Hespérides. Hesíodo, Teogonia 521-528 e 535-541 A Prometeu fértil em engenhos prendeu-o com indestrutíveis laços e dolorosas correntes colocadas no meio de uma coluna. Depois, lançou contra ele uma águia de longas asas; ela comia-lhe fígado imortal, e ele crescia outra vez, todas as noites, igual ao que, no dia anterior, comera a ave de asas velozes. Mas o valente filho de Alcmena de belos tornozelos, Héracles, matou-a, e afastou este terrível flagelo do filho de Jápeto, libertando-o dos seus tormentos, .......................................... De facto, quando os deuses e homens mortais se separaram, em Mecona, então, com o ânimo determinado, o Titã ofereceu grande boi, após o dividir, para pôr à prova a inteligência de Zeus: assim, num dos lados colocou as carnes e as vísceras gordas, debaixo da pele, escondendo-as no estômago do boi; no outro, num pérfido ardil, dispôs os ossos brancos do boi, 540 disfarçando-os com gordura brilhante e apresentou-lhos. Hesíodo, Teogonia 553-557 e 565-569 Com ambas as mãos levantou a branca gordura. Em simultâneo irou-se-lhe o espírito e a ira encheu-lhe o coração, quando viu os ossos brancos do boi, num pérfido ardil. Desde então, a raça dos homens que habita a terra queima aos Imortais os ossos brancos, sobre altares fumegantes. .................................. Assim falou, irritado, Zeus que conhece os desígnios imortais e, desde então, lembrando sempre este engano, negou aos freixos a força do fogo incansável para os homens mortais, que habitam sobre a terra. Mas, o nobre filho de Jápeto iludiu-o, roubando o brilho do fogo incansável que se vê ao longe numa cana oca. Assim, atingiu de novo o ânimo de Zeus que amontoa as nuvens e irritou-se-lhe o coração querido, quando viu, entre os homens, brilho de fogo que se vê ao longe. Esboço de Rubens Quadro de Cossiers Hesíodo, Teogonia 588-598 O espanto apodera-se dos deuses imortais e dos homens mortais quando viram o duro engano, irresistível para os homens. Pois dela provém a raça das delicadas mulheres, [Dela provém de facto a maldita estirpe e raça das mulheres] flagelo terrível que habita entre os homens mortais, não companheiras da Pobreza funesta, mas da Abundância. Hesíodo, Trabalhos e Dias 80-95 O arauto dos deuses deu a esta mulher o nome de Pandora, porque todos os habitantes das mansões do Olimpo doaram a dádiva, ruína para os homens comedores de pão. Em seguida, concluído o engano difícil e sem remédio, até Epimeteu envia o Pai dos numes o ilustre Argeifonte, arauto veloz dos deuses, a levar a dádiva; e Epimeteu não se recordou de que Prometeu lhe dissera para nunca aceitar qualquer dom vindo de Zeus Olímpico, mas lho mandasse de volta, para que não viesse qualquer mal aos homens: só depois de o ter recebido, quando já tinha o mal, se deu conta. Antes de facto habitava sobre a terra a raça dos homens, a resguardo de males, sem a penosa fadiga e sem dolorosas doenças que aos homens trazem a morte. Mas a mulher, levantando com a mão a grande tampa da jarra, dispersou-os e ocasionou aos mortais penosas fadigas. Homero, Ilíada 24. 525-533 Pois deste modo fiaram os deuses para os míseros mortais: viverem entre aflições. Eles, porém, vivem sem cuidados. É que duas vasilhas jazem no solo de Zeus, com os dons: uma contém os males que nos dão e o outro os bens. A quem Zeus tonitruante mistura a dádiva, esse encontra ora o que é mau ora o que é bom. Mas àquele a quem dá só desgraças, torna-o amaldiçoado, e a funesta demência arrasta-o pela terra divina e vagueia sem ser honrado quer por deuses, quer por mortais. Ovídio, Metamorfoses 1. 76-88 Faltava ainda um ser vivo que fosse mais nobre e mais dotado de actos elevados e capaz de exercer domínio sobre os outros: assim nasceu o homem, quer o criasse com divino sémen o artífice das coisas (opifex rerum), princípio de um mundo melhor; quer a terra, flamante e recém separada do alto éter, contivesse gérmens do céu seu familiar; essa terra que o rebento de Jápeto modelou, misturando-a com água das chuvas e dando-lhe figura de deuses que tudo governam; e enquanto os outros animais, inclinados, olham a terra, ao homem deu um rosto levantado e ordenou que olhasse o céu e que levasse o rosto erguido para os astros. Assim a terra, que antes era tosca e sem forma, revestiu-se de figuras humanas desconhecidas, transformou-se. O TEMA DO CASTIGO Os Dilúvios Há quem queira situar na região de Chipre a célebre e nunca encontrada Atlântida. Robert Sarmast, Discovery of Atlantis, localiza-a numa plataforma entre Chipre e a actual Síria e imagina assim aquela zona 10 000 anos a.C. Esquema da colina da Acrópole da Atlântida. Concepção de Bo Atkinson, com base na descrição do Crítias de Platão. Hesíodo, Trabalhos e Dias 180-201 Mas Zeus destruirá também esta raça de homens mortais, quando, ao nascerem, apresentam já brancas as têmporas. Nem o pai é semelhante aos filhos, nem ao pai os filhos, nem o hóspede ao hóspede e o amigo ao amigo, nem o irmão será caro ao irmão, como era antes. ...................................... Ninguém será fiel a um juramento ................. .......................... A justiça estará na força; e o respeito não existirá; e o malvado ofenderá quem é melhor, proferindo pérfidas palavras, que apoia com juramento. E todos os homens, desgraçados, acompanhará a inveja, de palavra amarga, feliz com o mal alheio, de olhar sinistro. Então partirão para o Olimpo, deixando a vasta terra, com alvas vestes ocultando o belo corpo, para junto da raça dos imortais, abandonando os mortais, a Vergonha e a Justiça. E as penosas dores restarão aos homens mortais. E contra o mal não haverá defesa. Júpiter narra a injustiça dos homens (Ovídio, Met. 1. 211-237) A má reputação desta época chegara-me aos ouvidos. Desejando que fosse falsa, deslizo do píncaro do Olimpo, e percorro as terras, deus sob uma aparência humana. Longo seria enumerar quantas malfeitorias eu descobri por toda a parte: a verdade era pior que a má reputação. .................................. Dei sinal de que era um deus que chegara e o povo desatou a rezar. A princípio, Licáon riu-se das suas devotas preces. Depois, disse: "Vou averiguar com um teste simples se este é deus ou mortal; o resultado será a verdade e indubitável." De noite, estava eu num sono profundo, planeia matar-me sem eu o esperar: este era o teste da verdade que planeara! E não ficou satisfeito com isto: com a ponta da espada degolou um certo refém enviado do povo dos Molossos, e dos membros ainda semi-vivos, parte deles cozinhou em água a ferver em cachão, parte deles assou sobre o fogo. Mal isto serviu à mesa, eu, com uma chama justiceira, desmoronei a casa sobre os Penates, dignos de tal senhor. Ele foge espavorido. Achando-se no silêncio dos campos, põe-se a uivar e em vão tenta falar. .... Tornara-se lobo. Júpiter decide o castigo Ovídio, Met. 1. 240-243 e 259-261 Uma casa derruiu, mas não era só esta a casa que merecia perecer; por onde a terra se espraia, reina, feroz, a Erínia. Julgá-los-ias conjurados para o crime: todos devem sofrer, quanto antes, o castigo que merecem. É a minha sentença. ................................. Pousando os raios fabricados pelas mãos do Ciclopes, decide então um castigo diverso: destruir o género humano sob as águas ........ Desencadear do dilúvio Ovídio, Met. 1. 262-269 e 288-292 De imediato, encerra nas cavernas de Éolo o Aquilão e todos os ventos que põem em fuga as nuvens amontoadas, e solta o Noto. De asas ensopadas, o Noto de lá sai a voar, de rosto medonho, coberto de uma névoa negra como o pez. Pesada de nuvens negras é a barba, torrentes jorram das cãs, na testa residem névoas, e asas e roupas vêem-se a pingar. Mal com a mão espreme as nuvens suspensas até lá longe, dá-se um estrondo, e densas nuvens derramam-se do céu. ....................................... Se alguma casa ficou de pé e pôde resistir ao desastre sem desabar, uma onda mais alta cobriu-lhe o telhado, os torreões ficam ocultos, esmagados sob a enxurrada. Já o mar e a terra não ofereciam qualquer distinção: tudo não era mais que mar. Mar a que faltavam costas. As águas começam a baixar Ovídio, Met. 1. 316-330 Aí uma alta montanha com dois picos sobe para os astros, de seu nome Parnaso, e o seu cume ultrapassa as nuvens. Quando Deucalião (pois todo o resto as águas cobriam) levado na pequena barca, aqui desembarca com a esposa, veneram as ninfas da Corícia, divindades dos montes, e a profética Témis, que então era a senhora dos oráculos. Homem algum houve melhor que ele, nem mais amante da justiça, nem outra houve mais temente aos deuses. Vendo o mundo imerso na transparente água estagnada, e que de tantos milhares de homens restava só um, e que de tantos milhares de mulheres só uma restava, ambos inocentes, ambos devotados crentes nos deuses, Júpiter dispersou o manto de nuvens, afastando as chuvas com o Aquilão, e mostra as terras ao céu, o éter às terras. A fúria do mar cessa. ................ O fim do dilúvio Ovídio, Met. 1. 343-348 Agora o mar tem litoral, o leito acolhe o rio, mesmo cheio, [as torrentes descem e vêem-se despontar os montes,] emerge a terra, crescem os montes, decrescendo as águas. E após um longo período, as árvores exibem os cimos desnudados, carregando o lodo deixado nas ramagens. O mundo fora devolvido. Deucalião lementa o fim da raça humana Ovídio, Met. 1. 363-368 e 375-380 “Oh! se eu pudesse, com as artes de meu pai, restaurar os povos e moldar as terras, e nelas instilar vida! Agora, o género humano sobrevive em nós dois apenas (tal decidiram os deuses): restamos modelos de homens.” Assim dissera; e eles choravam. Decidiram então ir orar ao poder celeste e buscar ajuda nos sagrados oráculos. ..................................... Ao chegarem à escadaria do templo, ambos se prostram de cara no chão, e, temerosos, beijam as frias pedras. Assim falaram: “Se com preces justas se deixam vencer e enternecer os deuses, se a cólera dos deuses se aplaca, diz, Témis, de que modo a perdição da nossa raça pode ser reparada e traz auxílio, gentilíssima, ao mundo submerso.” O Oráculo de Témis Ovídio, Met. 1. 381-387 A deusa comoveu-se e proferiu este oráculo: «Saí do templo e cobri a cabeça, desapertai as vossas cingidas vestes e lançai para trás das costas os ossos da grande mãe». Quedaram-se largo tempo estupefactos. Pirra é a primeira a romper o silêncio e recusa obedecer às ordens da deusa; de voz trémula de medo, roga que lhe perdoe: é que receia magoar a sombra da mãe ao andar a atirar os seus ossos. Deucalião interpreta o Oráculo de Témis Ovídio, Met. 1. 390-399 Até que o filho de Prometeu tranquiliza a filha de Epimeteu, e tais palavras diz: “Ou a minha perspicácia me engana, ou o oráculo não é ímpio nem exorta a sacrilégio algum. A grande mãe é a terra; no corpo da terra, as pedras, julgo, são os ossos; estas é que ela ordena lançar atrás das costas.” A interpretação do marido impressionou a neta do Titã; mas ela hesita no que esperar: a tal ponto não confiavam ambos no conselho celeste. Mas haveria mal em tentar? Afastam-se, cobrem a cabeça e desapertam as túnicas, e arremessam as pedras, como ordenado, para trás de si. A humanidade renasce das pedras Ovídio, Met. 1. 400-415 As pedras (quem creria se não o atestasse a antiguidade?) começaram a largar a dureza e a rigidez, e, com o tempo, a amolecer, e, uma vez amolecidas, a assumir uma forma. Depois, quando cresceram e uma natureza mais branda lhes tocou, certa forma humana, ainda não muito clara, podia perceber-se, mas como se esboçada em mármore, ainda não acabada e parecidíssima com uma estátua a meio. Porém, a parte deles de terra, impregnada de uma certa humidade, transformou-se e passou a servir de carne; o que era sólido e não podia dobrar-se torna-se ossos; o que antes era veio, permanece com o nome de veia. Em breve, pela vontade dos deuses, as pedras lançadas pela mão do homem assumem o aspecto de homens, e o que foi atirado pela mulher, reformata-se em mulher. Por isso somos uma raça dura que se mata a trabalhar, e fornecemos provas da origem da qual nós nascemos. Deucalião e Pirra refazem a humanidade (Rubens) Aparece a outra vida na terra Ovídio, Met. 1. 416-420 Os outros animais, nas suas formas diversas, gerou-os a terra espontaneamente, depois que foi aquecida a humidade antiga pelos raios do sol, depois que os campos encharcados e humosos se entumeceram por acção do calor e as férteis sementes no fecundante solo nutridas, como se no útero da mãe, desenvolveram-se
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