Um sonho para África: abolir a pena capital em todo o continente
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Um sonho para África: abolir a pena capital em todo o continente
2 suplemento 08.02.2008 Um sonho para África: abolir a pena capital em todo o continente - geografia da pena capital no continente africano África ganhou um novo primado nestes últimos anos: é o continente onde o progresso para a abolição da pena de morte marcou novas e significativas conquistas. Um exemplo disso é Moçambique, que aboliu a pena capital em 1990 com a emanação da nova Constituição. Esta, no artigo 70, significativamente diz: “ 1. Todo o cidadão tem direito À vida. Tem direito à integridade física e não pode ser sujeito a tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos. 2. Na República de Moçambique não há pena de morte”. Moratória das execuções A maioria dos países africanos, por lei ou por prática, não aplica a pena capital. Embora haja 16 Estados que a mantêm (30,18% do total), 14 Estados já têm cancelado nas suas constituições o recurso à condenação capital (26,41%), enquanto 23 países, 43,41%, são abolicionistas de facto: a pena de morte, mesmo quando ainda prevista pela lei, não é executada pelo menos há 10 anos e é geralmente comutada em outros tipos de penas, como a prisão perpétua. Dois destes países, Argélia e Mali, impuseram já por decreto há anos uma moratória das execuções. Em diversos países os chefes de estado, que devem assinar os mandatos de execução, mostraram grande relutância em fazê-lo. E isto é principalmente devido à consciência da confiança dúbia que têm a respeito do inteiro processo judiciário, a partir do acto de prender até à condenação. África é portanto o continente que, dados em mão, conta com o maior número de Estados abolicionistas de facto no mundo. Sob alguns aspectos trata-se de uma situação mais avançada em relação a outros continentes: como nas Américas, onde numerosos países, Estados Unidos inclusive, mantêm a vários títulos a possibilidade de executar condenações à morte; mas sobretudo na Ásia, o continente com a percentagem mais alta de países onde se mantêm o mais alto número de execuções. Geralmente o sistema judiciário em vigor nos países africanos baseia-se em códigos ocidentais implantados e praticados durante a época colonial. Nos países de maioria muçulmana, onde o Islão se enraizou bastante para se tornar a religião de Estado, sobre a lei ou sobre processos judiciários influencia de maneira determinante a Sharia, a lei divina contida no Alcorão. Todavia não se encontra uma correlação, pelo menos directa, entre a aplicação da pena de morte e a forma do Direito em vigor. Alguns países abolicionistas, de norma ou de facto, apresentam ordenamentos jurídicos de influência ocidental ou islâmica. Em algumas circunstâncias, até, existe uma mistura entre estes dois sistemas. É o caso, por exemplo, da Tunísia, país abolicionista de facto, ou a Argélia, que está a aplicar desde 1993 uma moratória das execuções, decretada pelo ex Presidente Zeroual. Pelo contrário, países como a Líbia ou o Egipto, com ordenamentos semelhantes, onde confluem as diversas componentes jurídicas, mantêm a pena capital nas sentenças dos seus próprios tribunais, utilizando-as às vezes de forma ambígua para fins internos ou como instrumento de pressão para com a comunidade internacional. Há países que a mantêm nas áreas de maioria islâmica bem como naquelas com ordenamentos mais semelhantes àqueles ocidentais. O mesmo vale para os abolicionistas. Em África a pena de morte é sempre mais residual: em 2004 foi activada em apenas quatro países – Uganda, Egipto, Sudão e Somália – onde foram registadas pelo menos 16 execuções contra as 56 de 2003 e as 63 de 2002 em todo o continente. Em 2005, regista-se uma retomada das execuções na Líbia e na Eritreia. Em 2006 a Guiné Equatorial e o Botswana retomaram as execuções, em triste companhia com o Egipto, a Somália, a República Democrática do Congo e o Uganda. Oficialmente, em 2006 registam-se 12 execuções. A Etiópia em 2007 praticou a sua segunda condenação à morte em dez anos. Há alguns anos, mais de 90 % das execuções de que se tem conhecimento foram praticadas num restrito número de países, entre os quais não consta nenhum país africano: Kuwait, China, Irão, Iraque (até Abril de 2003; restabelecida em Agosto de 2004 após um ano de suspensão da queda do regime de Saddam Hussein), Vietname, Estados Unidos. É oportuno, além disso, assinalar mais um dado encorajador registado nos últimos três anos: as numerosas comutações das condenações à morte em pena de detenção; foram decretadas por diversos países africanos, entre os quais, o Burundi, a Etiópia, o Gana, Marrocos, a Nigéria, a República do Congo, a Tanzânia, a Zâmbia, habitualmente por ocasião de festas nacionais, aniversários da independência ou datas particulares. Centenas de prisioneiros beneficiaram. São procedimentos emblemáticos do processo de humanização da justiça, que leva a considerar como intolerável o uso da morte como pena e contribuem a levar toda África a grande passos para a definitiva libertação da Itália: manifestação contra a pena de morte no mundo utilização da condenação capital. Portanto, África, apesar das suas feridas e os conflitos que a assolam, distingue-se por um desenvolvimento positivo na direcção abolicionista e se encaminha a assumir um papel determinante nesta batalha, decisiva para a inteira humanidade. Em 2007 foi lançado o significativo apelo do Primeiroministro italiano Romano Prodi aos líderes da União Africana, em Addis Abeba a 28 de Janeiro, com vista a apresentação à ONU da proposta de Moratória Universal da pena capital: “Devemos ser pela vida e contra a morte da mesma maneira como somos contra a injustiça e o sofrimento”. A transformação da campanha por uma moratória da pena de morte, da iniciativa global, com co-patrocinadores de todos os continentes foi a primeira e mais importante chave do sucesso da resolução aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas. Determinante o papel do continente africano com 17 votos a favor (mas também os 14 que abstiveram tiveram a sua importância), em particular a África do Sul, Moçambique, Gabão e Ruanda, onde o governo teve a grande coragem política em abolir a pena de morte, num país que ainda traz bem evidentes as marcas do genocídio de 1994. Cinco milhões em assinaturas Muitos dos votos a favor dos Estados africanos à moção apresentada às Nações Unidas, foram construídos durante estes últimos anos pelo paciente trabalho da Comunidade de Sant’ Egidio, com uma actividade de persuasão favorecida pela longa história de amizade e presença da Comunidade em África. No passado mês de Novembro, a Sant’ Egidio entregou em Nova Iorque, nas mãos do Presidente da AssembleiaGeral, cinco milhões de assinaturas recolhidas em muitos países do mundo, e muitas delas em África. Numerosas siglas e organizações estão envolvidas na grande batalha pela moratória, como se deduz pela composição da World Coalition against Death Penalty. Todavia a Sant’Egidio nunca se quis limitar apenas nas actividades de lobbying, para alcançar o objectivo desejado. Achou necessário operar em profundidade na sociedade, envolvendo os próprios africanos, os responsáveis políticos e institucionais, mas também os simples cidadãos e a opinião pública do continente. Esse trabalho tem sido feito sobretudo pelas comunidade africanas de Sant’Egidio, que se empenharam a falar contra a pena capital nas cidades e nas aldeias, a recolher as assinaturas pela moratória nas universidades e nos bairros populares, a falar com os chefes tradicionais e com os juízes, com os presidentes de municípios e com os líderes religiosos locais. O melhor testemunho do seu esforço é, além do trabalho diário, a presença continua em muitíssimas cadeias e nos corredores da morte. Em muitas partes do mundo esta luta é associada com a busca de um critério de justiça mais autêntico, não vingativo mas sempre reabilitativo. Liga-se com a aspiração a um mais alto nível de civilização e de defesa dos direitos humanos que englobe todos, vítimas e culpados dos crimes. Em muitas partes do mundo, assim como na consciência de uma multidão de pessoas, a pena de morte é sempre sentida como uma violação irreparável da sacralidade da vida e da dignidade humana, que embrutece e não protege as sociedades que a aplicam. Africa for Life Com a participação activa numa campanha “global” como aquela por uma moratória universal da pena de morte, África lançou ao mundo um forte sinal em sinergia com Europa. Estamos plenamente imergidos numa época, onde a consciência da interligação das relações a nível planetário gera motivações e instâncias sempre mais alargadas de unidade e cooperação. Euráfrica é um grande projecto – frisa Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant’Egidio – onde colocar as diversas identidades nacionais, europeias e africanas: “Euráfrica pretende ser uma política, mas também um conjunto de sentimentos e de ideias entre mundos que se descobrem próximos”. É uma visão evocadora de sentimentos de comunhão, que oferece “um quadro de digna reciprocidade ao interesse com que os africanos olham para Europa”. Para dar força a esta visão do futuro é preciso efectuar escolhas políticas, que desenvolvam ideias e sentimentos numa perspectiva de envolvimento dos países e das suas sociedades civis. Há tempo que está convicta disso a Comunidade de Sant’ Egidio que, à distância de dois anos, em Novembro de 2005 e Junho de 2007, promoveu em Roma dois colóquios internacionais sob o nome «Africa for life», que viram a participação de numerosos ministros da Justiça de países africanos, abolicionistas ou não, para um confronto e uma troca de experiências. Duas iniciativas surgidas da ideia de dar voz às experiências africanas de legislação respeitosa da vida, para que sirvam de modelo para os outros países do continente e para apoiar os processos já em curso para a suspensão das execuções e reforçar cada decisão nesse sentido. A situação onde estamos, no limiar deste novo milénio, diznos que não existem direitos conquistados em qualquer lado e para sempre. E que para tutelar e afirmar os direitos do homem é necessário um empenho constante e uma contínua busca dos meios mais apropriados. Se o direito à vida se tornar a “língua franca” do século XXI, com a proposição de forma de universalismo, capaz de vivificar as diversas identidades culturais, religiosas., políticas existentes e de exaltar as potencialidades de dignidade, liberdade e justiça em cada uma, isto quererá dizer que o desafio lançado em Dezembro de 1948 – com a Declaração Universal dos Direitos Humanos – será verdadeiramente ganha. A pena de morte irá desaparecer. Não sabemos ainda quando, mas acontecerá. suplemento 3 08.02.2008 A escolha capital - o papel dos países africanos para a moratória da pena de morte Andrea Riccardi * Desde o dia 18 de Dezembro de 2007 é possível esperar que a pena de morte se torne em breve história do passado. O êxito positivo do voto da Assembleia das Nações Unidas sobre a resolução que convida os Estados membros a aplicar uma moratória das execuções capitais, é uma viragem da qual talvez não consigamos ainda imaginar todas as consequências. É um marco que indica um novo padrão moral largamente partilhado e que será sempre mais difícil e embaraçoso ignorar a nível internacional. Será isso, por exemplo, para um país como os Estados de Unidos de América, que tem quase inscrito no seu código genético a difusão no mundo dos valores de liberdade e democracia. Talvez não se trate apenas de coincidências se só após quatro dias depois do voto das Nações Unidas, o Estado do New Jersey tenha abolido a pena de morte do seu ordenamento; e um amplo debate na opinião pública esteja a discutir os fundamentos da legitimidade das execuções capitais. Os sonhos mostram o caminho A Comunidade de Sant’ Egidio tem trabalhado por mais de dez anos para este extraordinário e altíssimo objectivo. Em 1996, quando começámos, parecia mesmo apenas um sonho. Os países que então tinham cancelado a pena de morte do seu código eram apenas 59. Hoje são 95, pouco menos que o dobro. A estes acrescentam-se os 30 que a aboliram de facto, isto é que a mantêm por lei, mas não a aplicam pelo menos há uma década. Muitas vezes são os sonhos a mostrarem o caminho a percorrer e não é ilusório ou vão viver para eles tentando, mesmo com os parcos meios que temos, de os transformarem em realidade. Não era começada assim a aventura das negociações de paz para Moçambique em Roma? O sonho de um mundo sem a pena de morte agora parece estar mais próximo da realidade. É uma conquista recente da nossa civilização. Desde sempre, infelizmente, o mundo viveu em companhia da pena de morte. As religiões do Mediterrâneo, a cultura grega, e durante muito tempo o melhor do pensamento ocidental, não só acharam que a pena de morte era correcta, mas até oportuna. Só no século XVIII o pensamento ocidental chegou ao limiar da sacralidade da vida de cada homem e de cada mulher. Com Cesare Beccaria assistimos ao primeiro questionamento sobre a pena de morte, considerada - não só inútil – são as penas ligeiras, mas certas, afirma Beccaria, a reduzir o crime – mas errada. É a premissa à primeira abolição por parte de um Estado, por iniciativa de Pietro Leopoldo, Grãoduque da Toscânia: isto foi a 30 de Novembro de 1786. Hoje o dia 30 de Novembro se tornou, por iniciativa da Comunidade de Sant´Egidio, a Jornada Internacional das Cidade pela Vida. Novembro de 2007: marco histórico Mas é com a Segunda Guerra Mundial que começa uma recusa mais radical da pena de morte e se criam as premissas para que a Europa seja o primeiro continente no mundo sem a pena capital. A viragem das Nações Unidas, cuja resolução viu 104 Estados votar a favor, 54 contra e 29 abster-se, confirma uma situação muito encorajadora, mesmo se entre os países que ainda a mantém, para além dos Estados árabes e com maioria muçulmana, fiquem grandes nações como os Estados Unidos, a Índia, a China e o Japão: a discriminante entre a pena de morte Andrea Riccardi, discursando no encontro "Homens e Religiões", em Nápoles, em Outubro passado e outras formas de justiça, não é, evidentemente, a democracia. Também a tortura e a escravidão pareciam naturais, necessárias, insubstituíveis. Mas não era assim. Hoje também a pena de morte pode fazer parte do depósito ideológico do passado. Há tempo a Igreja católica tornou-se – em particular com o pontificado de João Paulo II – a primeira grande “agência” moral internacional a opor-se em cada instância, também nos casos individuais, contra a pena capital. E existe um movimento de relevo em todas as culturas e as religiões que deseja uma justiça sempre capaz de respeitar a vida, como mostra também o apelo para a moratória universal promovida pela Comunidade de Sant´Egidio e que até hoje foi subscrito por quase cinco milhões de pessoas em 145 países do mundo. A pena de morte acrescenta sempre uma morte a uma morte já ocorrida e nunca devolve a vida. Congela no ódio as famílias das vítimas durante anos e promete uma recuperação impossível. Não é dissuasiva, não faz diminuir o número dos crimes, mas reduz o Estado ao nível de quem mata. Mesmo querendo afirmar uma cultura de vida, afirma uma cultura de morte a nível mais alto, ao do Estado e da comunidade civil. Atinge muitas vezes inocentes: eu os vi pessoalmente entrando nos braços da morte. Atinge os opositores políticos e as minorias sociais e religiosas em países totalitários, mas também democráticos. Custa muitas vezes mais do que as outras formas de justiça. Não é por acaso que, cinquenta anos depois da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Tribunal Penal Internacional Atrás das grades não prevê mais a pena de morte mesmo em caso de crimes contra a humanidade. Uma frente internacional polifónica Os países que se opuseram à Resolução sobre a moratória tentaram afirmar que ela foi fruto de uma ingerência neocolonialista dos valores ocidentais em detrimento das outras culturas e civilizações. Mas desta vez as teses de Huntigton foram clamorosamente desmentidas: países-guia de mundos diferentes alinharam-se na primeira fila, não só para defender, mas também para sufragar com grande energia as razões dos abolicionistas, ao lado dos europeus e contribuindo para alimentar uma frente internacional variada e extraordinariamente polifónica. Papel dos países africanos África desempenhou um papel decisivo. É um continente que sobre a pena de morte está a mudar mais rapidamente que os outros. Mesmo esgotada por conflitos e pobreza, distingue-se por uma tendência positiva, seja na diminuição constante do cômputo das execuções (oficialmente em 2006 contaram-se 12 em seis países), seja no aumento dos países abolicionistas ou que pratiquem a moratória da pena capital. As últimas boas notícias chegam do Ruanda, cujo Parlamento votou a 8 de Junho passado o cancelamento da pena de morte do seu ordenamento jurídico e do Gabão, que o fez em Novembro. Actualmente a situação no continente vê 15 países abolicionistas de jure (além do Ruanda e o Gabão, a África do Sul, Angola, Cabo-Verde, Costa de Marfim, Djibouti, Guiné Bissau, Libéria, Maurícias, Moçambique, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Senegal e Seicheles); outros 23 abolicionistas de facto (Argélia, Benin, Burkina Faso, Camarões, Comores, Etiópia, Gambia, Gana, Quénia, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Mali, Mauritânia, Níger, República Centro Africana, República do Congo, Suazilândia, Tanzânia, Togo, Tunísia e Zâmbia); em dois países (Argélia e Mali) a moratória foi accionada por lei; 16 são os países que a mantém. Em mais de metade dos países africanos ninguém é já condenado à morte. A resposta africana à cultura da vida faz esperar para um futuro melhor do continente e do mundo. Todos precisamos de África, para dar respiro a um humanismo mais apaixonado e com mais vitalidade. Em África existe abundância de vida. É uma ameaça? Não. É uma grande reserva de esperança. É necessário dar voz a multíplices experiências africanas para que sirvam de modelo para todos: cedo África pode tornarse o segundo continente no mundo sem a pena de morte. Gosto de salientar a exemplaridade, num acontecimento como este, de Moçambique, que aboliu a pena de morte em 1990: um grande país, há muitos anos exemplo continental sobre as grandes perspectivas da paz, da justiça e dos direitos humanos. Sinto-me emotivamente envolvido nesta bela aventura sob o signo da renascença, começada, pode-se dizer, a 4 de Outubro, há quinze anos atrás dentro das paredes de um antigo convento no bairro de Trastevere em Roma. Aquela “paz romana” foi verdadeiramente a origem de uma nova esperança para África inteira. Hoje faz da nação moçambicana um modelo a imitar. * Andrea Riccardi é o fundador da Comunidade de Santo Egídio 4 suplemento 08.02.2008 Autoretrato de um condenado à morte — Dominique Jerome Green “Gostava muito se a primeira coisa que a gente reparasse em mim fosse um sorriso luminoso. As condições em que vivo hoje privaram-me de qualquer traço de alegria que dantes eram o centro da minha existência. As únicas coisas que encontras aqui são cabeças baixas, caras tristes e pessoas derrotadas. Por isso só o facto de poder sorrir e levar-me pouco a sério faz de modo que eu possa atrair a atenção dos outros rapazes, mas não é uma coisa fácil. O terço das 101 contas As pessoas são, pelo contrário, atraídas pelo rosário azul e preto que trago no pescoço, composto de 101 contas. Tragoo fora da roupa, e, cumprido como é, acaba sempre por atrair a atenção. Todos aqueles que falam comigo acabam por me perguntar sobre o meu colar. No começo parecia-me esquisito mas estava errado. As perguntas são de vária natureza; simples curiosidade. Troças, perguntas sobre a minha religião, perguntas sarcásticas. Habitualmente não respondia às perguntas, ou, se respondia, fazia-o com piadas para tentar mudar de assunto. As razões pelas quais uso aquele rosário há assim tanto tempo são razões pessoais, algo que pertence só a mim. Chegou o momento de explicar cada coisa. Quando entrei no braço da morte era apenas um mocinho, confuso, agressivo e provocador. Pode comunicar com homens que viram em mim algumas possibilidades de crescimento. Estes homens falaram comigo, guiaram-me, ajudaram-me a reencontrarme. Mostraram-me como abrir os olhos e a mente. Hoje já não é assim. Hoje os ambientes comuns são nos negados e a possibilidade de crescer é negada a quem entra no braço da morte, gente que precisa de alguém que lhes ajude, de alguém que os guie e os ajude a crescer. Guias espirituais que lhes façam compreender que entrar aqui não o fim da vida mas simplesmente uma segunda oportunidade. No começo pensava: “Como se pode só apenas dizer que viver no braço da morte no Texas é uma segunda oportunidade?” Mas no fim, o que me fez verdadeiramente perceber, foi quando a um amigo meu, uma daquelas pessoas especiais que me ajudavam, foi comunicada a data da execução. Ele disse-me que, desde que ele não estaria mais vivo eu terei a possibilidade de transmitir tudo aquilo que ele me explicara aos outros condenados, para fazer mudar a sua vida também. Estas palavras mudaram também a minha vida. É mesmo daquele momento que comecei a fazer o meu rosário, conta após conta. Cada conta representa um dos meus amigos, guias e mestres, que já morreram, e que me deram a possibilidade de usar os seus conhecimentos e a sua sabedoria para tocar a vida dos outros prisioneiros. Nunca terei acreditado que o meu rosário se tornasse tão cumprido. Vistos os erros e a confusão que faz o sistema judiciário texano, esperaria que alguém teria feito algo para travar o que estava acontecer aqui... mas não aconteceu. E 11 anos depois o número das execuções continua a aumentar. Desde a minha chegada, foram mortas 250 pessoas... conhecia-as quase todas. Escolhi de parar o meu rosário a 101 porque mesmo naquela altura percebi finalmente como tocar a vida dos outros e marcar a diferença. Muitos homens aqui não têm tido a possibilidade de aprender o auto controlo e a disciplina por pessoas como Paul Rougeau; poder rir e brincar também quando as coisas não poderiam ser piores como fazia sempre Rick Jones; falar a nações inteiras, fazêlas lutar pela libertação da cadeia como Odel Barnes; tornar-se amigos, irmãos mais velhos mais de quem ninguém como fazia Vincent Cooks; fazer com que este lugar não destrua a tua cabeça, o teu corpo e teu espírito como Emerson Rudd; ser um guia sem comandar sobre ninguém como Ponchai Wilkerson; fazer mudar a muitos a sua opinião sobre a pena de morte, como no caso da injusta execução de Gary Graham; olhar a este lugar como a uma segunda possibilidade, como me ensinou David Atwood. Estas são as vidas que compõem o meu rosário. Por isso não me aflijo se as pessoas não ficam atraídas pelo meu sorriso… e se o meu sorriso não será nunca a mesma coisa em que reparam…no fundo o esplendor do meu rosto vem daquilo que está à volta do meu pescoço.” (Carta da cadeia do braço da morte – Livingstone, Texas) As suas últimas palavras “Há um montão de gente que me acompanhou até este ponto e não posso agradecêlos todos. Mas obrigado pelo vosso amor e pelo vosso apoio. Permitiram-me de fazer muito mais daquilo que teria conseguido fazer sozinho. Conquistei muito. Não estou zangado, estou ressentido porque me foi negada justiça. Mas estou feliz que me foram dados amigos como uma família. Amo-vos a todos. Por favor, mantenham viva a minha memória.” Marco Gnavi, de Sant'Egídio, em visita ao braço da morte Poesia Levaram mais um Encontrei uma mão que me ajuda Um ombro forte onde me encostar Um sorriso gentil que me dá alegria Uma amizade boa da qual depender Às vezes tenho medo que se possa dissolver Mesmo estando sempre nos meus pensamentos Enquanto passo os meus dias Embarrilado na escuridão Levaram mais um Um amigo que nunca mais verei Sou fraco, estou a enlouquecer O que posso fazer? Demasiadas coisas, em cadeia, não funcionam Em demasia para as poder contar Não consigo mais suportá-las … e tu? Dominique Green, 9 de Fevereiro de 1996 Do braço da morte do contado de Harris – Hudston (EUA) suplemento 5 08.02.2008 Para além da morte - História da amizade entre a Comunidade de Santo Egídio e Dominique Green, o jovem afro-americano executado a 27 de Outubro de 2004, depois ter vivido durante 13 anos no braço da morte A amizade e a fraternidade que ligam a Comunidade de Sant’ Egidio a Dominique Green, revelaram-se em toda a sua força nos dias dramáticos precederam a sua execução, nos quais nos uniu uma extraordinária e intensa oração. Contar sobre Dominique é um gesto de afecto por um jovem que se tornou nosso irmão e para o qual temos uma grande dívida: foi ele que, convidando-nos primeiro a entrar nos braços da morte e pedindo-nos para sermos seus companheiros na resistência contra o mal, empurrounos a engajar-nos a batalha contra a pena de morte, que hoje prossegue com maior determinação, também em nome dele. Tinha pouco mais de 18 anos quando entrou na cadeia; pouco mais de 31 na noite em que foi morto. Conhecemo-nos há dez anos, respondendo a uma carta dele publicada num diário italiano. Pedia-nos uma mão estendida para além das grades para não ceder às leis de embrutecimento que regulam e esmagam a vida dos condenados. Dominique quis “conquistar-nos”, recordando a ele mesmo e a nós, que a sua vida valia muito, mesmo se muito esgotada. Muitas vezes, aos contos da sua adolescência (a família, a mãe que sofria de problemas psíquicos e o pai alcoólatra, sobre os dois irmãos mais novos para proteger, os pequenos bandos de afro-americanos de Houston, a vida de rua), entrelaçou-se o conto dos esforços para manter – na cadeia – a sua dignidade. O milagre de um sorriso Era orgulhoso do seu sorriso: “um milagre” do qual era orgulhoso e que foi importante para muitos outros companheiros de cadeia. Sorrir apesar da trágica escola de dor e sofrimento que foi a “Polansky Unit” (este é nome da cadeia onde ficou detido Dominique): aqui viu morrer um a um mais de 150 pessoas, muitas das quais se tinham tornado seus amigos. O segundo “milagre” foi para ele o amor da Comunidade: no coração da sua batalha pela vida e contra o desespero encontrou o consolo de uma nova família. Através do rosto e das palavras de alguns de nós tornou-se irmão de todos. Ficamos surpreendidos uns dos outros: Dominque, em descobrir a Comunidade…. Era curioso, simpático, interessavalhe tudo de nós. Gostava de ouvir sobre as escolas da paz, sabia do nosso empenho nas cadeias africanas. emoções que corriam, pensei: e agora? Enquanto a minha alma sofria a miséria, as sensações de solidão e vazio enchiam o meu inteiro ser, fazendo-me sentir o mundo inteiro sobre as minhas costas, e uma lágrima rolou nos meus olhos. Como o morto pede a ressurreição a minha alma rogava a Deus, mesmo se não quisesse acreditar em nenhum deus, pelo menos o Deus que me foi dado quando era criança. A mente confusa, nenhum senso de paz, não posso repousar porque vejo a morte atrás da esquina. Estando aqui a pensar ao longo de toda a noite pergunto-me como encontrar uma casa para a minha alma, onde as noites sejam quietas e os dias não sejam longos, e não tenha de viver sozinho.”. A amizade e a fidelidade, o amor e a oração são uma casa para a alma destes prisioneiros, onde as noites sejam quietas e os dias não sejam longos e onde ninguém tenha de viver mais sozinho; é o amor que protege os pobres, e muitas vezes os condenados à morte são entre os mais pobres, derrubados do futuro. Dominique Green no braço da morte Ficou grato pela defesa legal, fruto dos esforços de todos nós, também dos mais pobres. E nós ficamos surpreendidos com ele. Ficamos abismados da sua capacidade de amizade, da sua tenaz vontade de combater, da sua sensibilidade. Começou a estudar Direito, queria viver a qualquer custo e, apesar de muitos períodos trágicos e de desconforto, tinha sempre recomeçado a esperar. Nunca renunciou a sorrir e a rir. Meteu-nos à prova muitas vezes. Queria estar certo de um amor fiel, que o estimava por aquilo que era e que o teria acompanhado através de todas as provas. Finalmente percebeu que nunca o teriam abandonado e encontrou a confiança. Em busca de uma luz Das suas cartas, dos seus poemas, dos seus desenhos transparece a profundidade do seu ânimo de jovem, obrigado a medir-se a cada dia com o problema da morte, em busca de uma luz de esperança. Dominique tornou-se uma referência e um amigo para muitos detidos, com as palavras trocadas entre uma cela e a outra, na hora de ar, e no raro tempo comum concedido aos prisioneiros. O tempo, num braço da morte assume um sentido diferente, e com o tempo cada palavra, cada carta, cada visita torna esses momentos mais importantes e decisivos. Kenneth é um destes amigos que Dominique salvou do desespero, escrevendo com ele algumas poesias e ajudando-o a vencer a raiva. Esta, escrita a duas mãos por ambos, conta do primeiro dia de Kenneth no corredor da morte: “A minha chegada no braço da morte ocorreu repentinamente, sentiame possuído por um mortal chamamento à paz. Sentei-me na cela n. 2 como um morto vivo, com a mente sem repouso com Um grande povo de mitos, de homens e mulheres O episódio violento que conduzira Dominique ao braço da morte (um roubo de poucas moedas conduzido juntamente com três outros jovens, durante o qual perdeu a vida um outro afro-americano), não foi a última palavra da sua existência. De si próprio dizia: “entrei que era um jovem violento, da língua afiada, raivoso”… Mas Dominique lutou para se desarmar da violência e armar-se da palavra e da amizade. Tornou-se “sábio”. Fez de maneira que o traço de bem que está escrito dentro dele não fosse cancelado pelo isolamento e pela brutalidade da detenção e tornou-se plenamente membro de um grande povo de mitos, de homens e mulheres determinados a lutar pela salvação da própria e da vida de outrem. Um povo que se revelou na noite de 27 de Outubro de 2004. Dominique rezou e nós com ele. A oração foi um grito de rebelião contra o mal; um grito que não se resigna perante da brutalidade das lógicas retributivas, vingativas, homicidas que invadem o nosso tempo. O Salmo 101 diz: “ um povo novo dará louvor ao Senhor. O Senhor debruçou-se do alto do seu santuário, do céu olhou para a terra para ouvir o gemido do prisioneiro, para libertar os condenados à morte”. É neste povo que Dominique recebeu consolo: dos condenados à morte de Tchollirè nos Camarões que rezaram para ele, dos idosos, dos jovens, das nossas comunidades. A oração foi como um abraço que infundiu tenacidade e esperança em Dominique, ajudando-o a entrever, além da morte, a visão da Jerusalém celeste, da qual tanto tinha falado com Marco Gnavi, durante a última visita. A batalha entre a morte e a vida, encontrou Dominique confiante também nos últimos instantes. A derrota dolorosa da sua morte revelou o mal em toda a sua brutalidade: um mal sem justificações: pela graça pedida pela família da vítima, pela revisão negada do seu processo apesar o empenho dos seus advogados e as muitas dúvidas sobre a sua culpabilidade, por uma parte da opinião pública texana, impressionada por Dominique, homem expressivo, doce, capaz de envolver quem o circundava, transformado e amadurecido no sofrimento, apesar da desumanidade dos seus carcereiros. Após a morte de Dominique, Kenneth escreveu-nos: “ quero chorar mas não consigo…Só Deus pode perceber a minha dor. Como posso ficar firme perante tantas mortes? A única maneira para não enlouquecer é amar até o último fôlego. Repousa em paz Dominique Green” Podemos ajudar a resistir, amando até o último fôlego, porque pela cruz podemos chegar à Ressurreição e com Dominique trabalhar e esperar porque a pena de morte seja cancelada para sempre. A batalha da Comunidade de Sant’ Egídio contra a pena de morte no mundo, a correspondência com mais de mil condenados, o nosso empenho são um fruto desta história apaixonante e viva para além da morte. 6 08.02.2008 suplemento Etapa histórica por um mundo sem pena de morte Antonio Salvati “Regozijo-me que o ano passado, a 18 de Dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas tenha adoptado uma resolução chamando todos os Estados a instituir uma moratória sobre a aplicação da pena de morte e eu faço voto que tal iniciativa estimule o debate público sobre o carácter sagrado da vida humana”: assim o papa Bento XVI saudou um dos acontecimentos mais bonitos destes últimos tempos, falando para o corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé a 7 de Janeiro. A aprovação da Resolução por uma Moratória Universal da pena capital na Assembleia-geral das Nações Unidas representa sem dúvida uma viragem histórica de enorme valor moral e marca uma etapa decisiva para a afirmação de uma justiça capaz de respeitar sempre a vida; de uma justiça sem morte. A resistência tenaz de muitos Estados, testemunhada pelo grande número de alterações contrárias, as campanhas por moratórias longas e esforçadas de muitos organismos não governamentais, que por mais de quinze longos anos têm mobilizado milhares de pessoas, são sinais inequivocamente da envergadura do acontecimento. O voto das Nações Unidas é um contributo decisivo para acelerar um processo que viu já a partir dos anos noventa mais de cinquenta países renunciar ao uso da pena de morte e o seu uso restringir-se em muitos países chamados “retencionistas”, leva um aumentado respeito pela vida humana e mostra como as crescentes dúvidas sobre a eficácia e correcção da sua aplicação, também nos sistemas judiciários mais evoluídos, fossem plenamente legítimos. É uma vitória do mundo e da vida, uma vitória da dignidade do homem e da defesa dos seus direitos fundamentais. A Comunidade de Sant’ Egidio tem trabalhado intensamente, há anos, juntamente com outros protagonistas históricos da campanha mundial, ou ao lado da Coligação Mundial contra a Pena de Morte (WCADP). A resolução indica novos e mais altos padrões de respeito da vida humana e uma cultura da vida que abre caminhos em todos os cantos do planeta. O caminho tem sido tortuoso, contrariado especialmente pelos Estados que têm tentado fazer passar a histórica decisão como uma ingerência nas questões internas dos países e como uma visão “eurocêntrica” dos direitos humanos. Cinco milhões de assinaturas Não foi assim. As mais de cinco milhões de assinaturas recolhidas em mais de 153 países em todos os continentes pela Comunidade de Sant’ Egidio, a criação de uma frente mundial inter religiosa e inter cultural, tornada evidente pela cerimónia de entrega das assinaturas nas mãos do Presidente da Assembleia Geral Srgjan Kerim por parte de uma delegação da Comunidade de Sant’ Egidio e pela WCADP a 2 de Novembro passado, no dia após da apresentação da resolução por parte de trinta e sete países, um número muito elevado de co-patrocinadores, testemunharam o carácter universal e inter-regional do texto da Resolução e também o sentimento de mudança de grande parte do planeta. A Resolução por uma Moratória Universal é agora uma proposta dirigida a todos os países membros das Nações Unidas e representa uma ponte também para os países que não votaram nela e que até a contrariaram, indicando uma justiça capaz de combater o crime mantendo intacto o limite absoluto do respeito da vida em todas as circunstâncias. Garante melhor o sistema judiciário, tornando-o imune contra os seus próprios erros. Permite introduzir medidas alternativas, sempre abertas à reabilitação do condenado, capaz ao tempo de ressarcir a a África do Sul, que saiu do regime brutal do apartheid sem pena de morte e indicando o caminho de uma justiça sem vingança. Um grande reconhecimento deve ser dirigido aos países que têm generosamente apoiado, nos cinco continentes, a Resolução: ao governo italiano, que se empenhou de forma determinante e à presidência da União Europeia, ao México, Brasil, Filipinas, Timor Leste, Croácia, Nova Zelândia, Albânia, Gabão e a quantos, durante os últimos meses ou Mario Marazziti da Comunidade de Sant’ Egídio e Sister Helen Prejan entregam as mais de 5 milhões de assinaturas ao Presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas, Srgjan Kerim. vítima do crime e de desencorajar qualquer sentido de vingança. Não se pode tirar o que não se pode devolver. Não se pode acrescentar uma morte à morte já ocorrida. Não se pode por um lado legitimar, por parte do Estado, o direito a infligir a morte, enquanto se queria por outro apoiar o direito à segurança e à vida. O Estado e a sociedade civil não podem nunca descer ao nível de quem mata. Uma justiça capaz de reconciliar países inteiros e povos após guerras sangrentas e sofrimentos atrozes, como mostra a opção decidida contra a pena capital de países como o Ruanda, o Burundi ou o Cambodja, que têm sofrido na sua história recente um verdadeiro genocídio; ou como indica Inauguração do Parque para Dominique Green no bairro de Primavalle, Roma. há anos, têm operado para aproximar países, culturas e mundos. A aprovação da Resolução representa a vitória da sinergia entre culturas diferentes, entre governos e organizações não governamentais; uma vitória que, por isso, não humilha ninguém, mas até marca o caminho por uma possível pacífica coabitação mundial, com a ambição de cancelar a guerra como instrumento de resolução de conflitos. Não há justiça sem vida A comunidade de Sant’ Egidio, de Roma, lançou em 2002 a iniciativa da Jornada Mundial contra a pena de morte a cada 30 de Novembro, “Cidades pela vida – Cidades contra a pena de morte. NO JUSTICE WITHOUT LIFE”. Durante estes cinco anos chegou a envolver mais de 750 cidades do mundo, entre as quais 33 capitais em 55 países, uma rede mundial em crescimento e que em 2007 teve momentos importantes em Barcelona, em Toronto, Bruxelas, nas Filipinas, em África, além de Roma, em grande parte de Itália e da Europa. Através das cidades, também em países que mantêm a pena capital, é a própria sociedade civil a se tornar protagonista desta batalha, dando vida a milhares de manifestações, assembleias, protestos pacíficos, concertos, sessões públicas de administrações de conselhos municipais, realizando assim a maior mobilização internacional jamais realizada para travar em qualquer lugar todas as execuções capitais. O ano de 2007 foi assinalado, a poucos dias do voto afirmativo da Terceira Comissão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, por uma Moratória Universal da pena capital e que acompanhou o processo até à votação definitiva na Assembleia-Geral. Muitíssimas têm sido as iniciativas, também de grande sugestão e impacto, como iluminar os monumentos mais significativos das cidades que aderiram: a partir do Coliseu em Roma, foram iluminados muitos outros lugares símbolo, como a Plaza de Santa Ana em Madrid, o obelisco central em Buenos Aires, o Palácio da Moeda em Santiago do Chile, o Atomium em Bruxelas, a catedral em Bukavu. Em Roma, também, pela primeira vez um parque público foi dedicado à memória de um condenado à morte, como tal: Dominique Green, vítima da pena capital no Texas. A presença de centenas de estudantes do liceu no evento é um dos outros sinais de grande esperança para o futuro. suplemento 7 08.02.2008 Escrever a um condenado à morte através da Comunidade de Sant’Egidio interesse, dignidade, afecto. A carta para um detido e sobretudo para um condenado à morte é muitas vezes o único relacionamento humano, o único fio com o Bem que parece perdido, é a confirmação que Deus não o esqueceu: “Caro Mauro, o meu primeiro dia no braço da morte foi como passar através de toda a minha vida. Estava sentado num quarto e era como se estivessem presentes duas pessoas, o bem e o mal... Desde que começaste a escreverme sinto-me em paz com a mente...” (Frank, Arizona) A falta de compaixão assinala todos os braços da morte: o serem tratados como lixo, o ser chamados monstros, a impossibilidade de resgatar a própria vida, a negação do futuro. “...sou um branco de 22 anos. Fui preso quando tinha 17 anos e condenado à morte aos meus 18. Fui o mais novo a receber uma sentença de morte naqueles anos. Lisa, quer dizer muito para mim teres escolhido escrever-me. Todos aqui na Virgínia desprezam o braço da morte como o pior dos piores.” (Steve, Virgínia ) Criou-se um movimento internacional muito grande, uma rede de amizade e de ajuda individual para o prisioneiro e ao mesmo tempo uma rede de apoio que atinge muitos outros. Muitos condenados à morte projectaram-se para a vida através de ligações que se têm tornado muito fortes e resistem ao tempo, como acontece às amizades mais verdadeiras. Para alguns, que infelizmente nos deixaram, duraram até ao último dia. Receber uma carta agrada a todos. Ainda mais se esta for a ocasião para começar uma amizade duradoura e sincera, de outra forma impossível. Ao mesmo tempo, quem recebe uma carta do braço da morte sente nascer sentimentos novos, compreende melhor o valor daquilo que cada um pode fazer. Também uma pequena coisa como escrever uma carta pode levar longe e fazer entrar o sonho de abolir a pena de morte em todo o mundo. Tino Veneziano Em qualquer lado no mundo nos braços da morte estão muitos pobres. Muitos rapazes são semi analfabetos, alguns deles aprendem a ler e escrever durante a detenção, mesmo pelo desejo de corresponder-se com alguém. Alguns deles não são nunca visitados por ninguém. Os parentes: mães, esposas, maridos, irmãs, irmãos, filhos muitas vezes vivem em localidades muitos distantes, tão longe que lhes é extremamente difícil até fazer uma visita. Muitas vezes os condenados à morte nem sequer têm família e antes da detenção nem tinham uma casa. Atrás deles, histórias de emigração ou problemas de álcool e de droga. Nos braços da morte estão também deficientes mentais e pessoas com distúrbios físicos. “...venho de uma família muito grande com 9 filhos, assim, sendo só o meu pai a trabalhar, crescemos na pobreza. Só uma das minhas irmãs vem visitar-me de vez em quando, minha mulher está doente e não pode viajar. A viagem para chegar aqui é muito cara: é preciso apanhar o avião e arranjar estadia e comida...” Paul, (Alabama) O primeiro passo para garantir os direitos vitais aos homens e às mulheres nos braços da morte é quebrar o isolamento. Nada é inútil, os esforços de todos são preciosos. No sítio da Comunidade de Sant’Egidio abrimos uma página para ajudar a realizar a correspondência com os condenados à morte. Através desta página milhares de pessoas vindas de 60 países do mundo, puderam ler, reflectir e conhecer melhor a realidade dos braços da morte e da solidão e da dor em que vivem muitos condenados. São mais de mil aqueles que decidiram aderir à proposta de gastar um pouco de tempo na amizade com uma pessoa que não se conhece e da qual só se sabe que está condenada à morte. Receberam um nome, um endereço, escreveram uma carta e entraram em contacto epistolar com outros tantos condenados à morte que se encontram nos braços da morte nos Estados Unidos, nos Camarões, na Guiné, na Zâmbia, na Rússia, e nas Caraíbas. Receberam uma resposta e se criou uma intensa corrente de cartas que percorreram o norte e o sul do mundo em todas as direcções, passaram pelos portões das prisões, mas, sobretudo, abateram o muro de desespero que o abandono tinha construído à volta de muitos condenados à morte. Esta “amizade de papel” é simples mas concreta: fotografias, notícias e sobretudo palavras que indicam Carta do braço da morte de uma prisão africana Queridas Joana, Júlia e Margarida, Bom-dia! As vossas palavras tãos gentis chegaramnos da Itália. Eu agradeço-vos com todo o meu coração. Como vós mesmo dizeis, encontrar um amigo é algo de maravilhoso e raro. Seja louvado o nosso Senhor. Como pudestes constatar eu cá tenho um amigo, um irmão na fé com o qual partilho tudo. Com efeito encontramo-nos em 1985 na cadeia central da capital do nosso País, e juntos, fomos transferidos em 1990 para esta cadeia. Não saberiamos como continuar esta carta sem dizervos que fomos condenados à morte e a pena foi comutada em prisão perpétua no ano passado. Para nós a vida não é fácil pois que fomos abandonados por todos e em tudo. Programa de ajuda nas cadeias Esta cadeia só acolhe condenados à morte. As visitas são raras por causa da distância e também por causa da triste reputação desta cadeia. Isto faz com que a vida aqui seja terrível! Todo o nosso vestuário está esfarrapado, consumido pelo tempo. Falta-nos o indispensável, a alimentação é problemática, sem falar dos cuidados médicos, do sabão etc... Tudo isto é muito triste. os detidos e levam-lhes comida. Este tipo de ajuda, no começo ligado às festas de Natal ou Páscoa, tornou-se um intervento regular, que atinge numerosas pessoas. 4. a ajudasanitária: Juntamente com a comida, o direito à saúde, também através de condições higiénicas humanas e garantendo a possibilidade de cura, é um outro direito inalienável de cadaum. A Comunidade intervém para melhorar as condições de saúde dos detidos através de pequenos projectos. Em algumas prisões foram possíveis interventos estruturais, como por exemplo, os dois postos de saúde, com 17 camas, construídos nas cadeias de Lichinga e Cuamba; a restruturação das 12 latrinas e a reabilitação da inteira canalização, e por fim, a instalação de algumas “cisternas”para recolher a água. Não obstante tudo, na nossa miséria, o Senhor nos procurou e passo a passo, nos conduziu ao baptismo para o meu amigo e ao Crisma para mim. Disto nasceu um grupo de oração e, a seguir o milagre de Sant’Egidio. Temos que vos dizer que esta Comunidade é muito presente aqui onde vivemos. Sejam benditos o seu fundador Andrea Riccardi e todas as almas de boa vontade que as animam. A oração e a leitura ocupam um lugar importante na nossa vida quotidiana. Lembrem-se que nós somos essencialmente francófonos, portanto se vos é possível mandem-nos alguns livros de literatura francesa, por favor. Antecipadamente vai o nosso agradecimento. Tino Veneziano Nas cadeias de muitas cidades de Moçambique, as locais Comunidade de Sant’Egidio estão presentes há muitos anos. Trabalham para melhorar a vida dos detidos, garantir e promover o respeito dos direitos humanos, começar projectos de formação e reabilitação, para prevenir o regresso às cadeias. Mas tentam também assegurar os direitos fundamentais de cada homem e de cada mulher, para garantir a sobrevivência e a dignidade: alimentar-se, vestir-se, curar a higiene. 1. direitos humanos: A presença nas cadeias, a visita, é o primeiro importante intervento de tutela dos direitos humanos, que permite tomar conhecimento de eventuais violações, detectar as necessidades mais urgentes, apoiar, onde for o caso, um processo legal. Não é raro que, por motivos sempre ligados à pobreza, alguns detidos fiquem na cadeia “esquecidos”, durante anos, à espera de julgamento ou já com pena cumprida, por falta de tutela legal. O intervento da Comunidade permitiu tomar conhecimento da situação e contribuir para resolver centenas de casos dessa natureza. 2. formação: Um outro direito fundamental é o da dignidade pessoal e da promoção da pessoa. Por isso são organizados: - cursos de alfabetização, que se concluem com um exame de nível elementar,efectuado nas escolas oficiais; - cursos profissionais para sapateiros, carpinteiros, trabalhadores de zinco, trabalhadores de terracotta. Esta formação profissional prepara a reinserção da pessos na sociedade quando acabar o cumprimento da pena. 3. a ajuda alimentar: A denutrição e a má nutrição representam uma pena acrescida, um surplus de injustiça. A comida pois é o primeiro direito a garantir, fundamental para a sobrevivência. Por isso, em muitas prisões africanas, as locais Comunidade de Sant’Egidio visitam regularmente E vocês o que fazem? Gostariamos que nos conhecessemos melhor. Terminamos por aqui e para hoje não falta que desejar-vos os nossos melhores votos de longa vida, de prosperidade e de todas ricas graças do Espírito Santo. Com desejos de ter vossas notícias e em grande comunhão sorridente dos doces corações de Jesus e Maria Por favor mandem-nos selos! Obrigado amiza os co quem 8 suplemento 08.02.2008 Cidades pela vida - não há justiça sem vida Em todo o mundo, 700 CIDADES PELA VIDA iluminam um monumento-símbolo contra a pena de morte para declarar a sua adesão à iniciativa “NO JUSTICE WITHOUT LIFE” (Não há justiça sem vida) Cidades pela Vida - 30 de Novembro Há poucos dias do voto positivo na Assembleia geral da ONU, da resolução por uma Moratória Universal das esecuções capitais, e na véspera da ratificação da Assembleia geral, a 30 de Novembro, mais de 700 cidades do mundo, 33 capitais, em 51 países de cinco continentes, deram vida à Festa pela Moratória Universal com a maior mobilitação internacional até então realizada para parar todas as esecuções capitais em todo o lado. A Jornada Internacional de 30 de Novembro: “Cidade pela Vida- Cidade contra a Pena de Morte” recorda o aniversário da primeira abolição da pena de morte do ordenamento de um estado europeu, por parte do Grão Duque de Toscânia em 1786. A iniciativa – já na sua sexta edição – foi promovida pela Comunidade de Santo Egidio em 2002 e é hoje apoiada pelas principais associações internacionais para os direitos humanos, reunidas na Coligação Mundial contra a Pena de Morte (entre as quais Amnistia Internacional, Ensemble contre la Peine de Mort, International Penal Reform, FIACAT). Roma, Bruxelas, Madrid, Toronto, Berlim, Barcelona, Cidade do México, Buenos Aires, Puerto Rico, Austin, Dallas, Antuérpia, Viena d’ Áustria, Paris, Copenhaga, Stocolmo, Bogotà, Santiago do Chile, Abidjan, Lomè, Conakry, Windhoek, Dakar, Praia, Nápoles, Florença, Reggio Emilia, Veneza… 700 cidades pequenas e grandes de 51 países do mundo tornaram-se “Cidades pela Vida – Cidades contra a Pena de Morte”! Todos os monumentos “ símbolo” foram iluminados – desde o Coliseu de Roma à Plaza de Santa Ana de Madrid, o Obelisco central de Buenos Aires eo Palácio da Moneda em Santiago, o Atomium de Bruxelas e a Praça da Sé de Barcelona - formando uma ampla frente moral mundial para pedir de parar todas as esecuções capitais. No sítio www.santegidio.org é possível encontrar todas as indicações para aqueles que queiram aderir com a sua cidade e está disponível a lista constantemente actualizada das Cidades pela Vida – Cidades contra a pena de morte. Serão fornecidas todas as actualizações, as imagens e as notícias que nos chegarem, para tornar visível o seu empenho por ocasião do dia 30 de Novembro Cidades pela vida - Moçambique Beira Chimoio Manjacaze Maputo Mocuba Mueda Nampula Pemba Quelimane Tete Xai-Xai Gent Monchengladbach Roma O conteúdo editorial deste suplemento é da responsabilidade da Bruxelas P.zza Sant'Egidio, 3a Roma Avenida 24 de Julho, 7 Maputo [email protected] wwwsantegidio.org