luiz jorge sant`anna de araujo - Direito Ambiental

Transcrição

luiz jorge sant`anna de araujo - Direito Ambiental
LUIZ JORGE SANT'ANNA DE ARAUJO
VÍCIO REDIBITÓRIO
Cuiabá, MT
Universidade de Cuiabá - UNIC
Faculdade de Direito
Campus Barão
2007/2
1
LUIZ JORGE SANT'ANNA DE ARAUJO
VÍCIO REDIBITÓRIO
Monografia apresentada à Faculdade de
Direito da Universidade do Cuiabá – UNIC
- Campus Barão, para obtenção do grau
de Bacharel em Direito, orientado pela
Profª. Marli Teresinha Deon Sette em
2007.
Cuiabá, MT
Universidade de Cuiabá - UNIC
Faculdade de Direito
Campus Barão
2007/2
2
UNIC
UNIVERSIDADE DE CUIABÁ
Reitor
DR. ALTAMIRO BELO GALINDO
Pró-Reitoria Acadêmica
Drª. CÉLIA CALVO GALINDO
FACULDADE DE DIREITO
Diretor
DR. ANTÔNIO ALBERTO SCHOMMER
Araujo, Luiz Jorge Sant' Anna de
Vicio Redibitório: Cuiabá: UNIC-Departamento de Direito. 2007.
Trabalho de Conclusão do Curso de Direito orientada pela Profª. MSc.
Marli Teresinha Deon Sette com defesa em banca ocorrida em.....................2007.
1. Direito Civil. Direito do Consumidor. Vício Redibitório
Coordenador da disciplina de Monografia Jurídica
FREDERICO CAPISTRANO DIAS TOMÉ
Professores da Banca:
__________________________
__________________________
___________________________
3
UNIVERSIDADE DE CUIABÁ – UNIC
VÍCIO REDIBITÓRIO
LUIZ JORGE SANT'ANNA DE ARAUJO
BANCA EXAMINADORA
_____
__________________________________
Profª. Orientadora
______________________________________
Profº.
______________________________________
Profº.
Cuiabá, ____ de dezembro de 2007
4
DEDICATÓRIA
A minha esposa Giselle e aos meus
filhos Alynne e Rodrigo pelo apoio e
incentivo para a realização deste
trabalho e chegar até aqui.
5
AGRADECIMENTO
A Deus pela vida e a meus pais que me deram a vida.
6
“De tanto ver triunfar as nulidades,
De tanto ver prosperar a desonra,
De tanto ver crescer a injustiça,
De tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
O homem chega a desanimar da virtude,
e rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto”
(Rui Barbosa)
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
8
CAPITULO I
10
1. CONTRATOS
10
1.1 CONCEITO
10
1.2 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS
11
1.3 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
13
1.4 PRINCÍPIOS DA PROBIDADE E DA BOA-FÉ
16
1.5 REGRAS INERENTES AOS CONTRATOS DE ADESÃO
19
1.6 CONTRATOS ATÍPICOS
20
1.7 CONTRATOS COMUTATIVOS
21
CAPITULO II
22
2. OS VÍCIOS REDIBITÓRIOS CONTRATUAIS
22
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
22
2.2 CONCEITO E AS CARACTERÍSTICAS DO VÍCIO REDIBITÓRIO
23
2.3 EXEMPLOS DE VÍCIOS E INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
33
2.4 PRAZOS
35
CAPITULO III
38
3. RESPONSABILIDADE POR VÍCIOS
NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
38
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
47
5. REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICAS
49
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa analisar e esclarecer o instituto dos vícios
redibitórios sem a intenção de esgotar o assunto, abordando, conceituando, e, em
alguns momentos comparando os vícios redibitórios no Código Civil com o Código
de Proteção e Defesa do Consumidor.
O instituto dos vícios redibitórios já é conhecido desde o Direito romano.
Inicialmente, os vícios redibitórios, através do edil curul (encarregados de
representar o povo nas assembléias), destinavam-se a regulamentar a venda de
escravos e de gado, que apresentavam vícios ocultos. Posteriormente, o instituto foi
estendido a todas as vendas tanto de coisas móveis como de coisas imóveis. Desde
o Direito romano já eram reconhecidas, em princípio, duas ações para o caso dos
vícios ocultos, isto é, dentro dos seis meses seguintes a contar da venda, cabia a
propositura da actio redhibitória (ação redibitoria), pela qual se podia pleitear a
extinção do contrato, e, decorridos um ano posterior ao da venda, cabia a demanda
da actio quantum minoris ou estimatória (Ação de Abatimento), por meio da qual se
podia pedir a diminuição do preço.
Destarte, o estudo sintetiza as mudanças introduzidas na teoria dos vícios
redibitórios, tendo em vista o advento do Código Civil (Lei nº. 10.406/02), e também
far-se-á uma análise comparativa com o Código de Defesa do Consumidor-CDC,
(Lei nº. 8.078/90). Tais mudanças com toda certeza tornarão os dispositivos legais
que regulamentam as referidas teorias mais eficientes que seus correspondentes no
Código Civil revogado.
Para o desenvolvimento desse trabalho foi realizada basicamente uma
pesquisa bibliográfica nas teorias disponíveis sobre o tema. E para alcançar os
objetivos propostos o mesmo foi divido em três partes.
Assim, a primeira parte do trabalho apresenta uma breve abordagem sobre
contratos visando elucidar os vícios redibitórios que nascem da relação do contrato
das relações de consumo.
Em sua segunda parte, uma abordagem dogmática dos vícios redibitórios,
apresentando seu conceito, natureza jurídica e regime jurídico, esclarece quais são
as espécies de vícios que podem afetar os produtos e serviços, e os requisitos
legais para sua configuração como tal. É também, a diferença entre os conceitos de
9
erro e vício oculto, em razão da diversidade de conseqüências jurídicas destes
institutos.
Na terceira parte, o trabalho enfoca a Responsabilidade Civil decorrente dos
vícios, confrontando alguns questionamentos com relação aos vícios do produto e
seu tratamento no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
10
CAPÍTULO I
1. CONTRATOS
1.1 CONCEITO
Contrato para o Dicionário Jurídico Brasileiro in verbis: vem do “Latim
contractu”, é o acordo entre duas ou mais pessoas, com a finalidade de adquirir,
resguardar ou extinguir direito. 1
Para a ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz, contrato é:
O acordo entre a manifestação de duas ou mais vontades, na
conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma
regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de
adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza
patrimonial. 2
Para Bessone pode-se definir o contrato como "[...] o acordo de duas ou
mais pessoas para, entre si, constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de
natureza patrimonial”. 3
O conceito clássico de contrato é aquele de Clóvis Bevilágua que diz:
“Acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir direito. Esse
acordo contratual entre duas ou mais pessoas produz efeitos jurídicos”. Pode-se
dizer, que quando o homem usa de sua manifestação e vontade com a intenção de
gerar efeitos jurídicos, à expressão dessa vontade constitui-se num negócio jurídico.
4
Podemos definir contrato como uma espécie de negócio jurídico, de
natureza bilateral ou plurilateral, dependente, para sua formação, do encontro da
1 SANTOS, 2001, p. 58.
2 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1993, vol. 1. p. 09.
3 BESSONE, Darcy. Dicionário Jurídico Brasileiro. Del Rey, 2001, p. 17 ,
4 SANTOS, Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Del Rey (Brasil), 2002. p. 58
11
vontade das partes, que cria para ambas uma norma jurídica individual reguladora
de interesses privados. Assim sendo, tem ele por fundamento a vontade humana,
atuada conforme a ordem jurídica vigente, que lhe dá força criativa. É norma jurídica
individual posto, que estabelece os direitos e obrigações, em regra, apenas entre os
contratantes. São, pois, dois os elementos componentes da noção de contrato: o
estrutural, que requer a convergência de duas ou mais vontades contrapostas; e o
funcional, que diz respeito à composição daqueles interesses contrapostos, contudo
harmonizáveis, com o fito de constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas de
natureza patrimonial.
1.2 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS
A característica do contrato é o acordo das vontades das partes envolvidas.
Entretanto, a vontade não manifestada é apenas um desejo na mente do homem,
sendo, dessa forma, incapaz de gerar efeitos no mundo jurídico.
Excepcionalmente, a manifestação da vontade poderá ser interpretada pelo
silêncio, conforme dispõe o artigo 111 do Código Civil a seguir transcrito: “O silêncio
importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa”.
Segundo os ensinamentos do Mestre Silvio Rodrigues:
A manifestação da vontade é „expressa‟ quando se revela através do
propósito deliberado, de uma das partes, de externar o seu
pensamento em determinado sentido. Pode-se revelar por meio da
palavra, escrita ou oral, como ainda por gestos. A última hipótese
encontra exemplo ilustrativo nos leilões, em que, com um sinal, o
licitante revela a intenção de oferecer ao leiloeiro lance mais elevado.
5
Os contratos são formados com a proposta efetuada pelo solicitante, a regra
geral é a de que proponente fica vinculado à proposta, conforme estabelecido no
artigo 427 do Código Civil, a seguir transcrito: “Art. 427. A proposta de contrato
5 Rodrigues, Silvio. Direito Civil volume 3, editora Saraiva, 29. edição, p. 80
12
obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do
negócio, ou das circunstâncias do caso”.
O artigo 428 do Código Civil estabeleceu hipóteses nas qual a proposta
deixa de ser obrigatória, como, por exemplo, “se, feita sem prazo a pessoa presente,
não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata
por telefone ou por meio de comunicação semelhante;” (inciso I).
Em diversos negócios é comum a concretização pela outra parte de uma
contraproposta. Nesses casos, aplica-se à regra do artigo 431 do nosso Diploma
Civil, onde é estabelecido que: “A aceitação fora do prazo, com adições, restrições,
ou modificações, importará nova proposta”. Ou seja, na hipótese do artigo
supracitado, aquele que recebeu a proposta (oblato) e fez a contraproposta, passa
para a condição de proponente.
Existem duas teorias fundamentais na ocasião em que se forma o contrato.
A primeira entende que o contrato se forma quando o proponente toma
conhecimento da aceitação (Teoria da Cognição), e, a segunda, considera o
nascimento do contrato a partir da manifestação de aceitação do oblato (Teoria da
Agnição).
O Código Civil recepcionou o ensinamento da agnIção. Contudo, levando em
consideração o tempo da expedição da aceitação, observe o que, determina o artigo
434:
Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a
aceitação é expedida, exceto: I – no caso do artigo antecedente;II –
se o proponente se houver se comprometido a esperar resposta;III –
se ela não chegar no prazo convencionado.
O mesmo artigo estabelece no inciso I que:
O aceitante poderá arrepender-se, desde que sua retratação chegue
ao conhecimento do ofertante antes da aceitação ou juntamente com
ela, pois se chegar tardiamente a seu destino, o remetente continuará
vinculado ao contrato.
13
1.3 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
A teoria contratual tem seu começo nas causas do alastramento das
relações jurídicas despidas das negociações em condições igualitárias. Regra geral
os contratos são de adesão, surgindo assim desequilíbrios, principalmente em
prejuízo dos direitos da parte contratual mais fraca.
No entanto não se pode desenraizar o contrato do mundo dos negócios,
uma vez que ele representa a principal ferramenta para a circulação de riquezas
tanto no modelo de Estado Liberal, quanto no modelo de Estado Social. Destarte,
como instrumento de circulação de riquezas, o contrato deve adotar a função de
circulação equânime de riquezas.
Se o contrato deixa de ser considerado um fenômeno
economicamente indiferente, como entendia a Teoria Contratual
Clássica, ele passa a produzir, segundo a sua Função Social, efeitos
distributivos. 6
Deste modo não pode o homem, ser visto como ser individual cujos atos
cometidos falam a respeito somente dele, no seu domínio patrimonial e moral, sem
atentar-se para as conseqüências, num espectro coletivo, de seus atos (dever
jurídico para com os demais indivíduos que compõem a sociedade). Como adverte
Mosset Iturraspe “o contrato não pode ser o centro do egoísmo, do puro interesse
individual, sem por em grave risco o bem comum e a paz social”. 7 Não se nega que
ainda vigora a autonomia privada, notadamente no ambiente contratual, conquanto
não se perca de vista a necessidade de condições isonômicas quando da ocasião
da contratação.
A autonomia privada não pode negligenciar as necessidades da vida social8
e o surgimento de um diferente modelo de Estado, o Social, faz com que o Direito
acabe tendo de priorizar preocupações da natureza coletiva (função social),
refletidas em princípios de solidariedade e alteridade, e, conseqüêntemente,
deparando-se com a eticização ou socialização do direito privado. 9-10
6 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 541-542. Neste sentido também: MARQUES, Cláudia Lima.
Contratos no código de defesa do consumidor. p. 573.
7 MOSSET ITURRASPE, Jorge. Justicia contractual. Buenos Aires: Ediar, 1977. p.79.
8 CALVÃO DA SILVA, João. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. Coimbra: Coimbra, 995. p, 36.
9 CALVÃO DA SILVA, João. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. p, 40.
10 LUIS EDSON FACHIN intitula este fenômeno como repersonalização e despatrimonialização do Direito Privado (A reforma no direito brasileiro: novas notas sobre um
14
O Direito Contratual, neste sentido, tem seus fundamentos indagados sob
ângulo coletivo, não mais como algo cuja relevância diz respeito somente às partes
(pretensão-obrigação), porque se assim fosse, o Direito o admitiria como instrumento
de opressão se partisse da falsa premissa de igualdade entre os contratantes. Não é
esse o viés moderno, o contrato passa a ter importância coletiva porque todo e
qualquer instituto jurídico há de cumprir a sua função social (poder-sujeição), não
sendo, portanto, cabível à tutela de interesses que flagrantemente afrontem a justiça
contratual.
É sob a perspectiva de que o contrato deve cumprir a sua Função Social,
que, segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, “sob a determinação de que os interesses
individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os
interesses sociais, sem que estes se apresentem”. Não pode haver confusão entre
eles, pois os negócios sociais devem sempre prevalecer. Todo contrato reflete no
ambiente social, ao promover peculiar e determinado ordenamento de conduta
ampliando assim o tráfico jurídico. 11
A Função Social do Contrato, no ordenamento jurídico brasileiro, foi
analisado no Código Civil, em seu art. 421, como princípio delimitador da liberdade
contratual. Esse dispositivo encontra-se em harmonia com o art. 112 do mesmo
estatuto. Levante último princípio básico comentado no
negócio
jurídico,
abandonando-se a investigação da intenção subjetiva dos autores em favor da
declaração objetiva, socialmente aferível, ainda que contrarie aquela12 e que já
constava do anterior Código Civil. A repetição não induz, todavia, o raciocínio de que
nada mudou porquanto o art. 113, da nova lei, dispõe: “Os negócios jurídicos devem
ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” não
deixando margem a dúvidas e apontando claramente para uma interpretação
objetiva do ato jurídico pautado pela conduta das partes (boa-fé), bem como pelos
usos do local em que foi praticado. “A função social do contrato prevista no art. 421
do novo Código Civil constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação
do contrato, assegurando trocas úteis e justas”. 13
E continua:
velho debate no direito civil. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra, V. 74, p. 153, 1998.)
11 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no código de defesa do consumidor e no novo código civil. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, V.
42, p.190, abr.-jun./2002.
12 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no código de defesa do consumidor e no novo código civil. p.192.
13 NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código Civil e Legislação em Vigor , 22. ed., editora Saraiva, em nota de rodapé ao artigo 421.
15
A função social do contrato prevista no art. 421. do novo Código Civil
não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz
o alcance desse princípio, quando presentes interesses meta
individuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa
humana.
Enfatizando assim, a relevância da cláusula geral da Função Social do
Contrato expressamente contida no Código Civil, mormente em função da alegada
restrição de sua escassa aplicação por falta de previsão legal, o que acabava
prejudicando a sua efetividade. Associada, a outros institutos jurídicos como o da
Função Social da Empresa, o Princípio da Conservação do Contrato (arts. 317 e
479), a Boa-Fé Objetiva, além de regras de interpretação de cláusulas ambíguas ou
contraditórias a favor daqueles que se submetem a contratos de adesão, a Função
Social do Contrato tem como escopo principal a implementação de parâmetros de
interpretação contratual fulcrado na solidariedade social, de modo a se permitir a
inserção efetiva na sociedade brasileira de direitos nominados como de terceira
geração.
14
A Função Social do Contrato consagra-se com a imposição do interprete
levar em consideração os interesses da coletividade15 de forma que se conjuguem
harmoniosamente todos os princípios que regem a ordem econômica e financeira do
país, bem como os interesses individualmente considerados relativos à dignidade da
pessoa humana.
14 TALAVERA, Glauber Moreno. Função social do contrato no novo código civil. Repertório Eletrônico de Jurisprudência IOB. Civil, Processual, Penal e Comercial.
Ementário 2002.
15 AMARAL NETO. Francisco. Autonomia privada. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Ferrer-Correia), p.
40, 989.
16
1.4 PRINCÍPIOS DA PROBIDADE E DA BOA-FÉ
A lei não contém palavras supérfluas, razão pela qual podemos
compreender como sinônimos os princípios da probidade e da boa-fé.
O primeiro está diretamente ligada ao conceito de honestidade, integridade
moral e dignidade, enquanto que o segundo é a qualidade daquele que tem pureza
nas suas intenções, ou seja, que pratica coisa lícita. Os princípios da probidade e da
boa-fé devem estar presentes não apenas na celebração do contrato, mas, durante
toda a sua duração; assim, por exemplo, um locatário que toma posse do imóvel, se
utiliza dele para os fins pretendidos, paga os aluguéis durante alguns meses, sendo
que posteriormente deixa de pagá-los, e, em sede de contestação de ação de
despejo por falta de pagamento, inveridicamente, alega vícios no prédio que
impediram a sua utilização, desrespeita os princípios da probidade e da boa-fé.
O princípio da boa-fé objetiva é de grande valor na aplicação do Direito
Privado, ganhando lugar de destaque onde se averigua o comportamento dos
contraentes, desde o momento da negociação preliminar até o término do contrato,
com efetivo adimplemento da obrigação, tendo-se em mente a visão da totalidade da
obrigação como um processo.
As duas partes devem atuar com lealdade e
cooperação, comprometendo-se, mutuamente, à garantia da palavra empenhada,
respeitando as respectivas expectativas criadas de modo a preservar o
comportamento ético que se pauta e se objetiva a fim de preservar a segurança
jurídica das relações negociais.
Há bastante tempo se fala sobre a boa-fé objetiva. Tal princípio, no entanto,
mostra-se hoje como importante base na defesa da teoria geral obrigacional, como
p. exemplo França, Itália e Alemanha que também disciplinaram a matéria.
16
Para
simplificar, se faz necessário trazer à colação a disposição respectiva no Código
Civil Alemão (BGB - Bürgerliches Gesetzbuch), notadamente o § 242, que prevê o
princípio da boa-fé objetiva (Treu und Glauben): "O devedor deve cumprir a
prestação tal como exige a boa-fé e os costumes do tráfego social".
16 O Novo Código Civil, com vigência a partir de janeiro de 2003, entretanto, disciplina o princípio da boa-fé objetiva: "Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar,
assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
17
Sobre o tema em discussão Judith Hofmeister Martins-Costa,17 a eminente
doutora ensina, citando expressão de Ernesto Wayar, que:
Cada pessoa deve ajustar a sua própria conduta a esse arquétipo,
obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade,
probidade; e mais adiante preleciona: Por este modelo objetivo de
conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais
como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo
uma aplicação mecânica do standard... o que vem a significar que, na
concreção da boa-fé objetiva deve o intérprete desprender-se da
pesquisa da intencionalidade da parte, de nada importando, para a
sua aplicação, a sua consciência individual no sentido de não estar
lesionando direito de outrem ou violando regra jurídica. O que importa
é a consideração de um padrão objetivo de conduta, verificável em
certo tempo, em certo meio social ou profissional e em certo momento
histórico. 18
O que se procura nos contratantes é o dever de lealdade, de probidade e de
honestidade. Como se disse, a busca da ética aos partícipes da relação negocial
(tanto o credor como o devedor), fixando-se uma situação de mútua assistência a
fim de atingir o objetivo comum, ou seja, o correto adimplemento da obrigação, que
é a sua finalidade. 19
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de
1990), insere a boa-fé objetiva no ordenamento jurídico pátrio (inc. III do art. 4º 20 e
inc. IV do art. 5121), e há quem entenda como Paulo de Tarso Vieira Sanseverino,
que possa ser aplicada, com fundamento no art. 4º da LICC, a todos os demais
setores22, oportunidade em que adquire importância de princípio supremo do direito
civil.
Ainda que não existisse tal regra no CDC, aliada a existência no Código Civil
de 1916 de dispositivo igual ao § 242 do BGB, ensina Clóvis do Couto e Silva23 que
motivo “não impede que o princípio tenha vigência em nosso direito das obrigações,
pois se trata de proposição jurídica, com significado de regra de conduta”. 24
17 in "O direito privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro", artigo publicado na Internet:
www.ufrgs.br/mestredir/doutrina/martins1.htm.
18 in Derecho Civil - Obligaciones, Tomo I, p. 19, apud Judith Martins-Costa in "O direito privado como....".
19 Clóvis do Couto e Silva in "A obrigação... ", p. 30.
20 Cláusula geral, na lição de Judith H. Martins-Costa, nas palavras de Ruy Rosado de Aguiar Júnior in "O Poder Judiciário e a Concretização das Cláusulas Gerais:
Limites e Responsabilidades" (artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFRGS Vol. 18 - 2000, p. 221).
21 Idem Conceito indeterninado,
22 In "Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor", Ed. Saraiva, 2002, p. 58.
23 "A Obrigação... .", p. 30
24 Quando num código não se abre espaço para um princípio fundamental, como se fez com o da boa-fé, para que seja enunciado com a extensão que se pretende,
ocorre ainda assim a sua aplicação por ser o resultado de necessidades éticas essenciais, que se impõem ainda quando falte disposição legislativa expressa." In "O
18
No caso em questão25, o princípio da boa-fé objetiva evidenciou-se antes
mesmo que se efetivasse o contrato (período pré-negocial), uma vez que a apelada,
pelos seus atos26 , fraudou as expectativas legitimamente criadas pela apelante de
que seria, oportunamente, celebrado o contrato, surgindo, daí, a responsabilidade
pré-negocial (culpa in contrahendo).
27
Da apelada esperava-se que, face à fundada
expectativa criada na contraparte, tivesse o comportamento pautado pela lealdade e
probidade, o que não se verificou na medida em que sequer informou qual o motivo
(qual o justo motivo) que a levara a romper abruptamente as tratativas e não
celebrar o contrato de locação com a apelante.
O direito à indenização, in casu (no caso), passar a existir, pois, em
face dessa abrupta ruptura das tratativas, procedida de forma injustificada e
arbitrária, aliada à circunstância de ter criado uma justa expectativa, na contraparte,
de que o negócio seria realizado.
Judith Martins-Costa, em sua obra "A Boa-fé no Direito Privado",
menciona, de forma sintética, as condições da responsabilidade pré-contratual,
ficando visível, a partir daí, o acerto da decisão comentada:
A existência de negociações, qualquer que seja a sua forma,
antecedente a um contrato; a prática de atos tendentes a despertar,
na contraparte, a confiança legítima de que o contrato seria
concluído; a efetiva confiança, da contraparte; a existência de dano
decorrente da quebra desta confiança, por terem sido infringidos
deveres jurídicos que a tutelam; e, no caso da ruptura das
negociações, que esta tenha sido injusta, ou injustificada – aí estão
sinteticamente postas, as condições da responsabilidade prénegocial.
Ante a boa-fé objetiva e da força obrigatória que ainda rege os contratos,
espera-se que o contratante cumpra com todas as suas obrigações perante o agente
Direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva", organizado por Vera Maria Jacob de Fradera, Livraria do Advogado, 1997, p. 49.
25
A apelação cível oriunda da 16ª Câmara Cível do TJRS, possui nº 598209179, figura como apelante Eunice Dias Casagrande e, como apelada, Acemil
Empreendimentos Imobiliários Ltda. A decisão proferida pelo colegiado, unânime, no sentido de prover em parte o apelo, é de 19 de agosto de 1998; a ementa respectiva
tem o seguinte teor:"RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL OU CULPA IN CONTRAHENDO. Tendo havido tratativas sérias referentes à locação de imóvel,
rompidas pela requerida sem justificativa e sem observância dos deveres anexos decorrentes do princípio da boa-fé objetiva, cabe indenização. Lições doutrinárias.
Apelo provido em parte."
26Elaborou, em seu computador, o contrato; garantiu preferência na locação à apelante; não teve o cuidado de esclarecer as razões de ter havido o rompimento das
tratativas e a desistência da locação, já assegurada verbalmente à apelante; deixou que a apelante providenciasse na documentação pertinente, inclusive com
localização de fiadores que firmaram o contrato e reconheceram as respectivas firmas, juntamente com a apelante; deixou que a apelante providenciasse e efetivasse a
ligação da luz no prédio em nome de seu companheiro
27 "Na culpa in contrahendo os deveres que se violam não são os deveres principais, mas, sim, deveres secundários, resultantes do imperativo de agir com boa-fé e
lealdade". Clóvis do Couto e Silva in "A Companhia Siderúrgica Mannesmann, Revista da Consultoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, v. 13, 1975, p. 207, apud
Judith Martins-Costa, "A Boa Fé no Direito Privado", RT, p. 508.
19
contratado, pagando pontualmente as parcelas do financiamento. Assim sendo, não
haverá maiores problemas.
1.5 REGRAS INERENTES AOS CONTRATOS DE ADESÃO
O Código Civil estabeleceu que nos contratos de adesão, quando houver
cláusulas confusas ou contraditórias, a interpretação deverá ser em benefício do
aderente; tal preceito se justifica porque nessa modalidade de contrato o aderente
não participa da elaboração, sua atuação restringe-se apenas em concordar com
aquilo que foi pré-estabelecido pela outra parte, como, por exemplo, um contrato de
fornecimento de energia elétrica onde a concessionária impõe todas as regras,
enquanto que o consumidor apenas tem a opção de anuir.
Seguindo a lição de Fernando Noronha, a designação “contratos de adesão
enfatiza a inexistência de negociações entre as partes”, decorrente da desigualdade
de poder negocial; são contratos que se rebatem aos contratos negociados, que
seriam os demais, paritários ou de livre discussão. Esta classificação enfatiza o
fenômeno do poder econômico de um dos contratantes. 28
Os contratos de adesão têm base subjetivista, sua particularidade básica
está no fato de o contratante ter ou não condições de debater as cláusulas. Contudo,
geralmente, o contrato padronizado é também de adesão e vice-versa, porque
ambas as figuras coincidem num mesmo contrato. São aqueles que agrupam
característica essencial do contrato de adesão, “a mera anuência a uma proposta de
contrato”, porque a parte não tem condições de discutir o conteúdo; e do contrato
padronizado, “cujas cláusulas hajam sido predispostas pela outra parte”. Reunindo
tais características, estes contratos são aqueles “unilateralmente impostos por uma
das partes à generalidade das pessoas interessadas em com ela contratarem”. 29
28 NORONHA, Fernando. Princípios dos contratos (autonomia privada, boa-fé, justiça contratual) e cláusulas abusivas. São Paulo: USP, 1991. Tese de doutoramento,
Universidade de São Paulo, 1991, p. 289 e segs. (obra que constitui um marco desta linha de estudos); NORONHA, Fernando. Direito do consumidor: contratos de
consumo, cláusulas abusivas e responsabilidade do fornecedor. (MIMEO), Florianópolis: UFSC, 2002, p. 224 e segs. A delimitação do objeto desse estudo não permite
examinar as categorias de contratos padronizados: 1) verbais e escritos; 2) normativos, regulamentados, sob modelos comerciais e de predisposição unilateral.
29 NORONHA, 2002, p. 235; NORONHA, 1991, p. 309
20
Por isso, devem ser condizer numa categoria unitária – dos “contratos de
adesão”
30
– e merecem destaque. Principalmente, pela crescente situação de
“subordinação” da parte mais fraca e da ampliação das possibilidades de imposição
de cláusulas abusivas. 31
O Código estabelece em seu artigo 424 que: “Nos contratos de adesão, são
nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito
resultante da natureza do negócio”. Ou seja, as cláusulas contidas em contrato por
adesão, que venham a estipular renúncia antecipada do aderente a direito que
advenha da própria natureza do negócio, serão consideradas nulas, pois a liberdade
de contratar deverá ser exercida dentro do princípio da função social do contrato, da
probidade e da boa-fé; tais cláusulas, além de serem abusivas ou leoninas, geram
insegurança contratual.
1.6 CONTRATOS ATÍPICOS
Na preparação de qualquer contrato atípico (ou inominado), cujas normas
não estão previstas na lei, devem ser respeitadas as normas gerais dos contratos
estabelecidas no Código Civil, conforme preceitua o artigo 425: “É lícito às partes
estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Em suma, contratos atípicos ou inominados são os não disciplinados
expressamente pelo Código Civil ou por lei extravagante, porém admitidos
juridicamente, ante o princípio da autonomia da vontade em que se desenvolvem as
relações contratuais, desde que observem as normas gerais estabelecidas pelo
Código Civil e não contrariem os bons costumes. Os particulares, dentro dos limites
30 A doutrina dominante utiliza apenas a expressão “contrato de adesão”. O termo concebido para rotular a nova realidade contratual reporta-se a Raymond Saleilles
que, a usou pela primeira vez em 1901 quando da publicação, em Paris, da obra De la déclaration de volonté (contribution à l‟étude de l‟acte juridique dans le Code Civil
allemand – art. 116 à 144). Neste estudo, com a designação “contrato padronizado e de adesão”, procura-se enfatizar que, na verdade, tratamse de duas realidades
diferentes: “padronizado”, porque as cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo predisponente, e “de adesão”, porque não há poder de negociação da parte do
aderente. Uma parcela de “adesão” parece ter sempre existido na contratação, porém, a padronização realmente é fenômeno novo (NORONHA, 2002, p. 235).
31 Essa subordinação chega a caracterizar uma verdadeira dependência, quando o contrato, além de ser padronizado e de adesão, é também “contrato relacional”.
NORONHA, 2002, p. 218 e 246 e segs.; MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 3. ed. São
Paulo: RT, 1998, p. 78; BITTAR, Carlos Alberto. As modalidades de contratos de adesão e seu regime jurídico. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 27, n.º 106,
p. 161-172, abr./jun., 1990, p. 171
21
legais, poderão criar as figuras contratuais de que necessitarem no mundo dos
negócios.
1.7 CONTRATOS COMUTATIVOS
Os
contratos
onerosos subdividem-se em
comutativos e
aleatórios.
Comutativos são os de prestações certas e determinadas. As partes podem antever
as vantagens e os sacrifícios, que geralmente se equivalem, decorrentes de sua
celebração, ou seja, é aquele em que os contraentes conhecem suas respectivas
prestações.
Os vícios redibitórios mencionam-se unicamente aos contratos comutativos.
Neste, cada uma das partes recebe, ou entende que recebe uma prestação mais ou
menos equivalente a sua, tendo conhecimento imediato, dessa equivalência, ou
seja, as partes têm conhecimento de plano e o que devem dar ou receber.
Os contratos comutativos são assinalados pela equivalência presumida das
prestações entre os contratantes; que, em face das mesmas gera uma
contraprestação. As prestações de ambos os contratantes devem ser certas e
compensar-se umas com as outras (Ex: compra e venda. O vendedor sabe que
receberá o preço e o comprador sabe que lhe será transferido o domínio da coisa
adquirida). 32
32 NORONHA, 2002
22
CAPITULO II
2. OS VÍCIOS REDIBITÓRIOS CONTRATUAL
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
As primeiras normas sobre vícios redibitórios estavam ligadas às atividades
da polícia no mercado romano. A responsabilidade pelos vícios redibitórios resultava
de uma estipulação expressa das partes, sendo facultativa, e tendo posteriormente,
sido transformada em estipulação obrigatória nas vendas de escravos. O edito
direcionou a regulamentação das vendas de escravos e de gados, obrigando os
vendedores a comunicar aos compradores a existência dos vícios ocultos. Em
virtude das determinações edilícias, o alienante comunicativo por meio de uma
tabulta comunicava aos possíveis adquirentes os defeitos cometidos pelo escravo.
Salvo convenção em contrário, o vendedor respondia pelos vícios não declarados
por ocasião de venda, desde que os mesmos não fossem ostensivos. A
jurisprudência romana ampliou as normas sobre a matéria, passando a aplicá-las
posteriormente a todas as espécies de vendas, de móveis ou imóveis. Na hipótese
de vício redibitório, o direito romano concedia ao adquirente duas ações para o caso
dos vícios ocultos, isto é, dentro dos seis primeiros meses, posteriores a data da
venda, caberia a propositura da ação redibitória (actio redhibitória), através da qual
era possível pleitear a resolução do contrato, e, decorridos um ano após o evento,
era viável a demanda da actio quantum minoris ou estimatória (ação de abatimento),
por meio da qual se podia pedir a diminuição do preço. A responsabilidade pelos
vícios redibitórios resultava de uma estipulação expressa das partes, sendo
facultativa, e tendo posteriormente, sido transformada em estipulação obrigatória
nas vendas de escravos.
As Ordenações Filipinas trataram da matéria no título XVII do Livro IV,
dedicando diversos artigos aos vícios redibitórios nas vendas de escravo e de gado,
aplicando a responsabilidade pelo vício da coisa a todos os bens, qualquer que seja
23
a natureza dos mesmos. Já encontramos nas ordenações os requisitos essenciais
que ainda hoje caracterizam os vícios redibitórios, declarando as leis portuguesas
que tais vícios devem ser ocultos distinguindo-se dos defeitos aparentes ou
ostensivos, sendo imprescindível que existam por ocasião da venda e que não
sejam do conhecimento do adquirente.
2.2 CONCEITO E AS CARACTERÍSTICAS DO VÍCIO REDIBITÓRIO
O Código Civil aborda, no Título V, Capítulo I, Seção V, referindo-se as
obrigações, dos vícios redibitórios, conceituando como aquele que deturpa de tal
forma a coisa, tendo em vista ao fim que se destina, ou a depreciar em tal extensão
que, se fosse conhecido, não teria ensejado o contrato.
Álvaro Villaça destaca:
O vício redibitório como defeito oculto em determinado objeto, em um
contrato comutativo, que passa despercebido pelas partes, ou só pelo
adquirente, na ocasião da concretização negocial, e que, pode tornar
a coisa imprestável ao uso a que se destina ou desvalorizada,
possibilitando ao mesmo adquirente redibir o negócio ou pedir o
quebramento no valor pago. 33
Com sua freqüente clareza, Silvio Rodrigues o define “como um defeito
oculto da coisa, não comum às congêneres, e que a torna imprópria ao seu destino
ou lhe diminuem sensivelmente o valor”. 34
De acordo com o ilustre Clóvis Beviláqua, “vícios redibitórios são os defeitos
ocultos, que tornam a coisa imprópria para o uso a que é destinada, ou, que a fazem
de tal modo frustânea, que o contrato não teria realizado, se fossem conhecidos”. 35
Para que ocorra, pois, o vício referido, consoante dispõe o art. 441 do CC, é
necessário que “a coisa recebida em virtude de contrato comutativo, pode ser
enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é
destinada ou lhe diminuem o valor”.
33 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral das obrigações. 2. ed. São Paulo: Hemeron, 1978.
34 in Direito Civil - Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, vol 03 , p. 10.
35 BEVILÁQUA, Clóvis,In código civil comentado, vol. 4, p.214, 11ª ed.)5, 24ª ed.).
24
Vícios redibitórios são defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto
de contrato comutativo, não comum às congêneres, que a tornam imprópria ao uso a
que se destina ou lhe diminuem sensivelmente o valor, de tal modo que o negócio
não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, dando ao adquirente ação
para redibir o contrato ou para obter abatimento no preço. Por exemplo, novilhas
escolhidas para reprodução de gado vacum, porém estéreis. O propósito do
legislador, ao disciplinar essa matéria, objetivou aumentar as garantias do
adquirente.
A coisa deve ser recebida por meio de um contrato. Não qualquer contrato,
mas somente o comutativo. Comutativo é o contrato sinalagmático, a título oneroso
e não aleatório, isto é, aquele “em que cada uma das partes, além de receber, da
outra prestação equivalente à sua, pode apreciar imediatamente essa equivalência”.
36
A maioria das outras legislações cuida dos vícios redibitórios no capítulo da
compra e venda, pois esse é o campo em que ordinariamente o problema se propõe.
O Código Civil, contudo, sistematizou a matéria dentro da parte dos contratos em
geral, admitindo seu aparecimento em todos os negócios comutativos. Aliás,
seguindo referida orientação, o artigo 441 estende as regras sobre vícios redibitórios
até mesmo sobre as doações.
Ainda que a doação seja contrato unilateral e benéfico, ou seja, a título
gratuito, dispõe o parágrafo único do art. 441 do CC, que a ação redibitória é
aplicável inclusive nos casos de doação onerosa.
Justifica-se tal disposição legal porque, nas doações gravadas de encargo, é
imposta ao donatário uma obrigação, razão pela qual deve ser classificada dentre os
contratos unilaterais.37
É mister, ainda, que o vício seja examinado, devendo ser empregado uma
diligência normal. Assim, se o defeito era aparente e o interessado não o percebeu
face a sua negligência, não poderá fazer uso da ação redibitória. Bem como,
também não poderá pleitear nenhum direito se conhecia o vício antes do
fechamento do contrato. Se a coisa se deteriorou em mãos do comprador por defeito
superveniente, não caberá ação redibitória.
36MONTEIRO, Washington de Barros. “Curso de Direito Civil - Direito das Obrigações, Vol. 2º, 2ª ed.
37 BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, edição história, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976
25
O vício deverá ser ainda, de tal ordem que torne imprópria a coisa à sua
natural destinação, ou lhe diminua o valor de forma acentuada. Deverá, pois, ser um
defeito grave, sendo irrelevante para acarretar o funcionamento da garantia, se
ocorrer um defeito de menos importância. Ensina, a propósito, Serpa Lopes, “que
não incidi o vício redibitório se a coisa for menos bela, menos agradável, menos
excelente, ou apenas se tenha em vista a ausência de uma qualidade que se
presumia investir”. 38
O artigo 442 do CC prescreve: “Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o
contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço”. A norma deixa
duas alternativas ao adquirente: a) rejeitar a coisa, rescindindo o contrato e
pleiteando a devolução do preço pago, mediante a ação redibitória; ou b) conservála, malgrado o defeito, reclamando, porém, abatimento no preço, pela ação quanti
minoris ou estimatória.
Pode o alienante eximir-se da responsabilidade, decorrente de seu perfeito
funcionamento. É o que ocorre repetidamente nas transações envolvendo veículos
usados, conforme jurisprudência sufragada pelo Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo
39
contudo, lembra Washington, “qualquer cláusula a respeito deve ser
clara e explicita, porque, com a da inserção no contrato, se visará à modificação do
direito comum”.
A ausência de conhecimento do alienante a respeito do vício, não o descarta
da responsabilidade da garantia redibitória, eis que esta não decorre de culpa ou
má-fé e sim da própria natureza do contrato comutativo. Pode, no entanto, o
alienante eximir-se da responsabilidade, fazendo inserir cláusula impressa no
contrato. Conforme já abordado, a responsabilidade por vícios redibitórios não se
lastreie na culpa ou má fé do alienante, esta se exacerba se tinha ele conhecimento
do defeito ao momento da transação. Assim, se tinha o conhecimento do vício, será
competido a devolver o que recebeu acrescido das perdas e danos sofridos pelo
adquirente. Se os ignorava, contudo, restituirá tão - somente o “quantum” recebido,
mais as despesas do contrato. É o que preceitua o art. 443 do CC. Justifica-se a
disposição legal, porque, evidentemente, o alienante de má-fé tem responsabilidade
maior, razão pela qual deve sofrer sansão mais severa, verberando o legislador,
destarte, a malícia e a dissimulação. Cumpre não confundir o vício redibitório com o
38 In aviso de Direito Civil, vol. 3º, parte primeira, p.156).
39 RT 420/126-127),
26
erro substancial, previsto no artigo 139 do CC, apesar de tal distinção ser tarefa das
mais difíceis, pois, além de ambos permitirem o desfazimento da avença, há casos
de erro que em muito se assemelham. Há três hipóteses de erro substancial: a) erro
sobre a natureza do ato negocial; b) erro sobre o objeto principal da declaração; e c)
erro sobre alguma das qualidades essências do objeto.
Ressalta Washington de Barros Monteiro que, “quem desempenha ação
redibitória, admite implicitamente que o contrato se constituiu de modo válido e ativo,
ao passo que o autor nega frontalmente tal validade”.
Evaristo dos Santos enumera outras distinções entre tais institutos, a saber:
a) O erro essencial, sendo vício de consentimento, é comum a todos
os contratos, enquanto o vício redibitório só aparece nos contratos
comutativos; b)- O erro substancial atua subjetivamente ao passo
que o vício redibitório, objetiva e economicamente; c)- O erro
substancial vicia o contrato desde a sua formação, enquanto que o
vício redibitório, apenas a execução, pois não passa de garantia; d)O erro incide sobre as qualidades essenciais ou substanciais
enquanto, que os vícios outros vícios redibitórios são meras
imperfeições, qualidade secundárias. 40
É viável distinguir o conceito de erro substancial para entendermos melhor
vício redibitório. Erro é informação falsa que o agente tem de qualquer dos
elementos do ato jurídico ou do negócio jurídico. Consiste numa falsa representação
da realidade.
O erro quanto à constituição volitiva da parte, torna-a imperfeito, mas não
elimina a vontade. Na verdade, trata-se de erro sobre as razões íntimas ou
psicológicas que determinaram à manifestação volitiva.
O erro de direito quando comprovado não retira a obrigação do sujeito em
obedecer à disciplina legal, salvo se quem o invoca, não pretende escapar a
aplicação da lei
41
demonstrando o desconhecimento de regra desse dispositivo que
lhe levou à prática de um ato que não se realizaria se conhecesse a realidade.
Alega-se o erro de direito como causa de anulação do ato jurídico que deu causa ou
por obtenção de efeitos da boa fé.
40 RT 195/3-10.
41 art. 139, III
27
O erro de acontecimento pode ser classificado ainda, em essencial ou
substancial e acidental
42
. Essencial é o erro que tão relevante sem este, o ato não
se realizaria. Diz respeito às qualidades essenciais da pessoa para quem se dirige à
vontade, ao objeto principal sobre o qual incide a vontade ou algumas de suas
qualidades essenciais, ou ainda, à própria natureza do ato43. Além de essencial deve
ser ainda desculpável. O erro de direito pode ser essencial quando tenha sido a
razão única ou essencial do negócio jurídico.
O erro substancial sobre a qualidade da pessoa é o erro in persona,
atingindo sua identidade física e moral, poderá tornar o ato anulável, desde que a
consideração pessoal era condição primordial para a efetivação daquele ato. Logo,
em negócio em que a prestação possa ser executada por qualquer pessoa, mesmo
que o tenha errado na designação desta, não será tal erro causa determinante da
anulação do ato negocial. Assim, se alguém num contrato de sociedade pensar que
se está associando a uma pessoa de reconhecida idoneidade moral, mas vem a
contratar com outra que, tendo o mesmo nome, é inidônea ou desonesta, anulável
será o ato.
Não há relevância do erro in persona nos negócios bilaterais onerosos, onde
existe contraprestação. Erro substancial no objeto principal de declaração (ou error
in corpore ou in substantia) que recai sobre a identidade ou qualidades da coisa.
Exemplo: se a pessoa pensa adquirir um relógio de prata que, ma realidade, é de
aço.
Há ainda, o erro substancial sobre a natureza do ato negocial (error in
negotium) quando se quer praticar um ato, efetivamente, se realiza outro. Exemplo:
se uma pessoa pensa que está vendendo uma casa e a outra a recebe a título de
doação. Não se terá real acordo volitivo, pois um dos contratantes supõe realizar um
negócio e o consentimento do outro se dirige a contrato diverso, manifestando-se
um error in ipso negotio, suscetível de anulação do negócio.
É familiar a relação dos erros com os chamados vícios redibitórios. No
entanto, o erro é de natureza subjetiva, referindo-se as qualidades que o sujeito
acreditava que a coisa tivesse, os vícios são de natureza objetiva constituindo
exatamente na ausência de qualidades que a coisa deveria ter.
Assinala Francisco Amaral:
42 arts. 138 e 142 C. C
43 art. 139 C. C.
28
Que existem defeitos de negócio jurídico na formação de vontade
(vícios de vontade ou consentimento) e aí se incluem o erro, dolo, a
coação enquanto que há erro incidente na declaração de vontade tais
como a fraude, simulação que atuam mui similarmente como a má fé.
44
É princípio informador do direito contratual que os negócios devem
processar-se num clima de boa-fé. Daí decorre que ao vendedor cumpre fazer boa a
coisa vendida. Ou seja, ele responde pela coisa que aliena, a qual deve
corresponder à justa expectativa do comprador. Evidentemente, a coisa pode ser
portadora de defeitos, como no caso de negócio sobre objeto usado. O comprador
sabe que não se trata de coisa nova, mas pressupõe que ela apresente as virtudes e
defeitos normais às congêneres; todavia não pode esperar que o objeto comprado
apresente um defeito oculto que o torne inútil ou lhe diminua sensivelmente o valor.
Sendo assim, caso ocorra a última hipótese, a lei confere ação ao prejudicado para
defender-se, visto que responsabiliza o alienante por esse defeito.
O Código de 1916 continha regra expressa a respeito (art. 1.102). O atual traz
o preceito do art. 443, que abrange o princípio do direito anterior.
“Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu
com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido,
mais as despesas do contrato”.
É de menor importância a questão da boa ou má-fé do vendedor, pois a
ignorância do vício não o exime da responsabilidade.
Efetivamente, a questão da culpa do alienante é secundária. Pois como a lei,
em matéria de vício redibitório, tem por escopo emprestar segurança às relações
jurídicas, é a justa expectativa do adquirente que ela visa assegurar. Dessa forma
que não obstante o alienante ignorar o defeito oculto as coisa, sua responsabilidade
persiste, já que o legislador almeja possibilitar ao adquirente a certeza de que
aquela sua expectativa normal não será frustrada.
Apenas, o legislador toma atitude mais severa se houver má-fé. Com efeito, e
como se viu no texto acima transcrito, se o alienante conhecia o vício ou defeito,
deve ele, restituir o que recebeu, compor as perdas e danos.
44
AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A autonomia privada. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Ferrer-Correia), p.
5-41, 1989.
29
Em suma: a sistematização das regras sobre vícios redibitórios se inspira na
idéia de segurança que deve rodear as relações contratuais e no dever de garantia
que incumbe ao alienante, nos contratos comutativos.
Se ambas as partes se encontrarem de boa-fé, se nenhuma delas atuou com
culpa, o negócio se desfaz e os contratantes são transportados ao estado anterior à
convenção; se entretanto, o alienante conhecia o vício e silenciou sobre sua
existência, sua má-fé se manifesta e, portanto, além de assistir ao desfazimento do
negócio, deve indenizar o prejuízo experimentado pelo adquirente.
Essa obrigação de garantia, que impõe ao vendedor o dever de fazer boa a
coisa vendida, vinha confirmada pela regra do artigo 1.106 do Código Civil de 1916,
que desonerava o alienante da responsabilidade pelos vícios redibitórios se a venda
fosse forçada.
Com efeito. Na alienação espontânea a lei pressupõe que o vendedor garante
ao comprador a normalidade do objeto vendido, visto que o negócio deve realizar-se
num clima de boa-fé. Mas na venda forçada, levada a efeito em hasta pública, tal
pressuposição não se pode apresentar, pos a vontade do alienante se omitiu.
O Código Civil excepciona no art. 447, formando a inocorrência da ação
redibitória ou estimatória para o abatimento do preço, se a coisa foi vendida em
hasta pública. A solenidade da hasta pública, e o fato de ser ele modo excepcional,
e muitas vezes, forçado de alienar justificam a exceção deste artigo. 45
Cunha Gonçalves, mencionado por Carvalho Santos, ensina no mesmo
sentido, como acentua o aresto do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, relatado
pelo Desembargador Aurélio:
Este preceito, porém, só diz respeito à hasta pública judicial ou
administrativa, efetuada em cumprimento da lei, quer com a direta
intervenção das autoridades, quer por intermédio de corretor, ou
leiloeiro; e não às vendas públicas e caráter particular e voluntário,
como o leilão e vendas pelos donos das casas. 46
45 BEVILÁQUA, Clóvis,In código civil comentado, vol. 4, p.214, 11ª ed.)5, 24ª ed.).
46 RT 485/169-170
.
30
Dá-se evicção quando o adquirente de uma coisa se vê total ou
parcialmente privado da mesma, em virtude de sentença judicial que atribui a
terceiro, seu verdadeiro dono. Portanto, a evicção resulta sempre de uma decisão
judicial.
Ela se configura, por exemplo, na compra feita de quem não era dono. Se o
verdadeiro proprietário da coisa vendida a reclama judicialmente e alcança êxito na
lide, o comprador sofre evicção. Ao reivindicante bem-sucedido chama-se evictor; ao
adquirente, vencido na demanda, dá-se o nome de evicto.
Com efeito, na compra e venda, bem como nos outros contratos onerosos
donde resulte a transferência do domínio ou posse, presume o legislador existir
sempre, expressa ou tácita, e a menos que o contrário se estipule, cláusula pela
qual o alienante se compromete a assegurar a posse pacífica da coisa vendida e a
garantir o adquirente contra os defeitos ocultos (CC francês, art. 1.625).
Na ação redibitória o prazo prescricional para o abatimento do preço, é de
15 (quinze) dias contados do conhecimento da coisa, em se tratando de coisa móvel
47
e de 6 (seis) meses, em se tratando de imóvel48. O Código Comercial coloca em
seu art. 211 que pode o comprador, em se tratando de gêneros que se entregam em
fardos ou debaixo de coberta que impeçam o seu exame e conhecimento, reclamar
do vendedor, falta de quantidade ou defeito na qualidade, no prazo de 10 (dez) dias.
O prazo prescricional para anular o contrato por erro substancial é de 4 (quatro)
anos, contados do dia em que se realizar o ato ou o contrato.49
É importante destacar o vício redibitório da qualidade garantida. Enquanto a
proteção contra o primeiro decorre da lei, salvo em convenção em contrário das
partes, a segunda é especificação contratual, decorrente do contrato, garantida pela
ação “Ex vi contractu”, (Em razão do contrato)
50
de acordo com o tradicional
princípio “pacta sunt servanda” (Os contratos devem ser cumpridos)
51
. Enquanto o
critério para a apuração do vício redibitório, baseado no “quod plerumque accidit
(prova consiste na formação do convencimento do juiz através de princípios práticos
47art. 178, 32º, do CC
48art. 178, 35º, IV, do CC.
49 art. 178, 39º, V, “b”, do CC.
50http://www.direitonet.com.br/dicionario_latim/x/61/44/614/
51 http://www.direitonet.com.br/dicionario_latim/x/61/44/614/
31
da vida e da experiência daquilo que geralmente acontece), o critério para
apreciação da qualidade garantida é fixado pelo próprio contrato”. 52
Em resumo, quando o objeto adquirido não é o que o comprador pretendeu
adquirir, ocorre e erro, passando a haver dolo quando falsa representação decorreu
de manobras ou ardis por parte do vendedor ou do terceiro. Na hipótese do vício
redibitório, o objeto é o pretendido, mas apresenta alguma falha, algum defeito,
alguma insuficiência não aparente no momento da aquisição e que o torna total ou
parcialmente imprestável para atender a sua finalidade comum. Por fim, se o
vendedor assegura ao comprador que o objeto tem certas qualidades, garantindo-as
por determinado tempo no contrato, cria uma proteção contratual dessas qualidades
garantidas, obedecendo a um critério fixando no próprio acordo das partes.
A análise da jurisprudência relativa aos vícios redibitórios revela a
insuficiência dessa garantia legal na solução dos litígios provenientes de
responsabilidade por vícios, especialmente em se tratando de relações de consumo.
Os casos de improcedência das ações redibitórias ou “quanti minori” (abatimento
menor), são muito mais numerosos que os de procedência. Essa insuficiência tem
como causa diversos motivos, indicados com muita propriedade. Dentre, podemos
destacar a “dificuldade da prova de vício, a iniqüidade dos prazos para reclamar, a
estreiteza do conceito de vício redibitório, a exclusão da garantia da durabilidade e a
disponibilidade da garantia”. 53
É importante prover à análise de algumas dessas causas de insuficiência
confrontadas com decisões a respeito da matéria, com a finalidade de demonstrar,
posteriormente, como a edição do Código de Defesa do Consumidor veio suprir as
falhas da aplicação da teoria dos vícios redibitórios na reparação efetiva de danos.
Carvalho Santos54 aponta um julgado do Tribunal de São Paulo, envolvendo
questão relativa à falta de pagamento do preço total de compra de uma máquina de
beneficiar arroz, tendo sido estipulado no contrato que a falta de pagamento
acarretaria de pleno direito, e como conseqüência, a restrição imediata da coisa
vendida e perda, em favor dos vendedores, de todas as quantias pagas até então. A
venda foi, ainda, convencional, com reserva de domínio, até o pagamento da última
prestação. O réu adquirente, em sua defesa, inclusive reconvencional, alega vício
52 AGUIAR, João Carlos Pestana de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT. 1977, 106-107.
53 VASCONCELOS E BENJAMIN Antônio Herman de, Comentário ao Código de Proteção do Consumidor, coordenação de Juarez de Oliveira, Ed. Saraiva, 1991
54 in código civil Brasileiro Interpretado, Freitas Bastos, 10ª ed., vol.XV.
32
redibitório,
pois
o
equipamento
adquirido
teria
apresentado
defeitos
de
funcionamento, razão pela qual não efetuou o pagamento do preço total.
Veja o seguinte trecho da decisão:
A ação é procedente... A defesa do réu é muito serôdia e, por isso,
inadmissível: dormienti bus hon. succurrit jus(o direito de não socorrer
os que estão dormindo). Ainda que se reconheça que os vícios
encontrados na máquina sejam de natureza tal que lhe dêem direito
de enjeitar a coisa comprada por vícios redibitórios, já ele era
carecedor da ação competente, atento o lapso de tempo decorrido da
data da escritura à da propositura da presente ação, pois aquela ação
estava prescrita.
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu uma questão semelhante,
envolvendo contrato de compra e venda mercantil com reserva de domínio, no qual
o adquirente alegou, em defesa por sua inadimplência, vício redibitório. Destaca-se
o seguinte trecho da decisão:
Entregue a coisa, todos os riscos passam desde já para o comprador,
que fica sujeito aos mesmos prazos como qualquer outro adquirente.
É a doutrina dominante... Seria, de fato, absurdo que o vendedor
entregasse a coisa e continuasse sujeito aos riscos da mesma... Se,
portanto os riscos da coisa passam com a tradição para o adquirente,
é claro que este fica em situação idêntica à de qualquer outro
comprador. Deve assim, denunciar os vícios da mercadoria no prazo
da data da entrega, quer se conte esse prazo da data da entrega,
quer se conte da montagem e funcionamento, caduco estava o direito
de reclamar por parte do apelante... Aliás, a máquina, atualmente,
como a maioria demonstrou, funciona de modo satisfatório.
Como se pode observar, as decisões acima transcritas, acerca da
exigüidade do prazo prescricional é o maior motivo da improcedência das ações.
“Questão envolvendo, compra de bem imóvel, e que revela a estreiteza do conceito
de vício redibitório, e as dificuldades que se apresentam na sua caracterização, foi
decidida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro nos seguintes termos”:
Compra e venda - Responsabilidade do vendedor em razão de
diferenças de metragens. Não está sujeito a qualquer
responsabilidade, se a metragem é inferior a mencionado na
escritura, quando o imóvel foi vendido apenas enunciativo a
referência às dimensões.
33
2.3 EXEMPLOS DE VÍCIOS E INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
Alguns exemplos ajudarão a esclarecer o tema.
O Tribunal de São Paulo já decidiu que o aquecimento excessivo do motor
de um automóvel, ao subir ladeiras, constitui defeito oculto, dando ao comprador o
direito de pedir a rescisão do contrato de compra e venda (RT, 77 / 116), como
também já decidiu ocorrer tal vício quando o adquirente obtém um prédio sujeito a
freqüentes inundações, em virtude de chuvas (RT, 218 / 265).
Nos dois casos, o defeito que apresentava a coisa vendida não podia ser
apreendido de pronto, pelo comprador; de resto, a aquisição se fez no pressuposto
da inexistência de tais defeitos, que, além de ocultos, não são comuns em objetos
daquela natureza, mas peculiares às unidades negociadas. De fato, não é natural
que todo motor esquente excessivamente nas ladeiras, ou que todos os prédios
fiquem inundados com as chuvas. Esses defeitos, ocultos decerto, tornarão a coisa
vendida inútil ao fim a que se destina, ou diminuindo-lhe o valor, tomam de surpresa
o comprador que com eles não pode contar, ainda que agindo diligentemente.
Nos exemplos citados, em ambos, existe a possibilidade do negócio de
resolver, no primeiro o contrato é cumprido de maneira imperfeita, enquanto no
segundo ele é descumprido.
Exemplo característico se encontra em outro julgado do mesmo Tribunal. O
autor alegava que os sacos de café, por ele adquiridos para embalar sua
mercadoria, impregnavam o produto de um cheiro intolerável. Esse defeito, oculto e
não comum às coisas dessa espécie, foi justamente considerado vício redibitório
(RT, 157 / 354).
Por essa razão, a lei confere ao adquirente a prerrogativa de rescindir o
negócio, ou de pedir abatimento no preço.
A possibilidade de rescisão do contrato, deferida à vítima de vício redibitório,
aproxima essa hipótese dos casos de inadimplência contratual e dos de erro
substancial. Tal vizinhança tem provocado alguma confusão na doutrina e na
jurisprudência, o que realça a importância de um cotejo entre referidos casos, para
marcar as diferenças existentes.
34
Se alguém compra café de um tipo e recebe de outro, não há vício
redibitório, mas inadimplemento contratual, pois o vendedor prometeu entregar uma
coisa e entregou outra.
Da mesma maneira, se alguém adquire um automóvel modelo 2000 e depois
descobre que o veículo comprado era de modelo correspondente ao ano anterior,
não há vício redibitório, mas inadimplemento contratual. O negócio pode ser
desfeito, com perdas e danos, por não haver uma das partes cumprido a sua
prestação, e no termos do artigo 389 do Código Civil.
No dois últimos exemplos acima formulados não há vício redibitório, porque
este só se apresenta quando o defeito, além de oculto, é excepcional em
mercadorias semelhantes, não podendo o adquirente, ordinariamente, contar com a
presença de tal defeito na coisa comprada. Nos casos figurados não se trata de
imperfeição na coisa comprada, mas de entrega de uma coisa por outra.
De acordo com Orlando Gomes contrato comutativo é aquele no qual "... a
relação entre a vantagem e sacrifício é subjetivamente equivalente, havendo certeza
quanto às prestações”. 55
O verbo redibir é sinônimo de devolver. Nosso Código Civil regulamenta nas
suposições nas quais aquilo que foi adquirido pode ser devolvido, com o
conseqüente desfazimento do contrato.
Nas dizeres do Mestre Caio Mário da Silva Pereira “vício redibitório é o
defeito oculto de que portadora a coisa objeto de contrato comutativo, que a torna
imprópria ao uso a que se destina, ou lhe prejudica sensivelmente o valor”. 56
O Código Civil estabelece em seu artigo 441 que:
Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser
enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao
uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo único. São
aplicáveis as disposições deste artigo às doações onerosas.
55 GOMES, Orlando. Contratos. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.74.
56 Pereira, Caio Mário da Silva, atualizado por Fichtener, Regis. Instituições de Direito Civil, volume III, 11. edição, editora Forense,
35
2.4 PRAZOS
O Código de 2002 considerou de decadência o prazo de quatro anos para
pleitear a anulação de negócio jurídico viciado em erro (art. 178, II), bem como, da
mesma natureza, o prazo para redibir o contrato ou pleitear o abatimento do preço,
no caso de vício redibitório (art. 445), conforme:
Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou
abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de
um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na
posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
§ 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais
tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até
o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens
móveis; e de um ano, para os imóveis.
§ 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por
vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta
desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo
antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.
Ademais, diferentes são os remédios judiciais, conforme seja uma ou outra
hipótese. No caso de erro, a ação cabível é a anulatória; no de vício oculto, além da
redibitória, que desfaz o contrato, cabe a quanti minoris para pleitear a redução do
preço.
A distinção oferece interesse teórico, também, porque, se no caso de vício
redibitório as ações deferidas decorrem da obrigação de garantia que tacitamente
figura em todo o contrato comutativo, na hipótese de erro a proteção conferida pela
lei, ao que errou, surge da circunstância de ser seu consentimento imperfeito,
viciando o ato jurídico no instante de sua constituição.
O Código de Proteção do Consumidor (Lei nº.8.078, de 11.9.1990)
estabelece, em seu art. 26, o prazo decadencial de trinta dias para reclamação
sobre vícios aparentes ou de fácil constatação em serviços ou produtos não duráveis
e de noventa dias para bens duráveis, a partir da entrega efetiva ou do término da
execução de serviço. No caso de vício oculto, inicia-se a contagem do lapso
temporal no momento em que ficar evidenciado o defeito. A responsabilidade por
36
vício do produto e do serviço, em relações de consumo, vem regulada nos artigos 18
a 25 do mesmo Código.
Entretanto, dependo da natureza do vício, o mesmo pode ser descoberto
somente posteriormente, com o prazo tendo sua contagem iniciada no instante em
que se tiver conhecimento desse defeito, não indefinidamente, mas até o prazo
máximo de 180 (cento e oitenta) dias (§ 1º, art. 445, CC)57, com relação aos bens
móveis, e em um ano (trezentos e sessenta e cinco) dias para os bens imóveis,
computado da data de sua efetiva entrega, mas se já se encontrava na posse do
adquirente, tal prazo contar-se-á da alienação, reduzindo à metade.
Havendo cláusula de garantia, não se aplicam, em seu período de vigência,
os prazos retro-mencionados, prevê o art. 446 do Código Civil, ou seja, os prazos do
artigo 445 não correrão na constância de cláusula de garantia, por ser causa
obstativa de decadência, prevista contratualmente. Contudo, o adquirente deve
denunciar a existência do vício ao alienante, tão logo seja conhecido o referido
defeito oculto, e, no prazo de trinta dias seguintes ao seu descobrimento sob pena
de decadência, abrindo, portanto uma exceção a benefício do adquirente.
Diferentemente do Código Civil português (art. 916) e italiano (art. 1945) que exigem
a denúncia qualquer que seja a hipótese de vício.
Os prazos são decadenciais, isto é, não cessam, nem suspendem, fluindo
fatalmente até o termo final, e ainda em razão da tutela pleiteada pelas ações
redibitória e estimatória. Há de se distinguir a pretensão da ação de redibição que
almeja a rescisão do contrato que é de natureza constitutiva negativa, restando
como evidente ser o prazo decadencial.
No entanto, o mesmo não se dá, quando se pleiteia um desconto no preço
por meio da ação estimatória ou quanti minoris, cuja natureza de sua pretensão é
condenatória e o prazo estabelecido legalmente é, portanto, prescricional, não
obstante a lei referir-se a este de forma duvidosa, dando a entender que é
decadencial.
O inicio do prazo decadencial se dá com entrega do bem, ou da alienação
do mesmo, se o adquirente já esta em posse do bem; e aquelas em que o vício, por
sua natureza, só pode ser conhecido mais tarde e, então, o prazo só se iniciará no
57 Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da
entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. § 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o
prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.
37
momento em que o adquirente tomar conhecimento do vício.
58
Há duas contagens
de prazo completamente distintas, pois o referido diploma legal cria duas espécies
diferentes de vícios ocultos.
O julgamento relacionado ao novo codex prende-se a separação dos vícios
ocultos em dois grupos: os desde logo constatados e os que, por sua natureza,
forem apenas detectados posteriormente. O início da contagem dos prazos poderia
ser adotado para toda e qualquer espécie de vício oculto, uniformizando-se o
tratamento legal perante o vício redibitório. Tal separação poderá trazer problemas
práticos que caberá a douta jurisprudência extirpar. “O vendedor, em princípio, não
saberá até quando perdurará sua responsabilidade e o adquirente, por sua vez, não
saberá precisar até quando poderá exercer sua garantia legal à redibição ou
abatimento do preço pago”.
O caput do art. 445 C.C. que desconsidera o conhecimento do vício e, se
junta a efetiva tradição, é menos justa, mas gera menor grau de insegurança
jurídica. Os vícios aparentes foram, expressamente, excluídos pelo art. 441 do C.C.
59
. Verifica a existência da cláusula de garantia e não do tratamento de suspensão e
nem interrupção dos prazos para ações edilícias. É uma nova regra que impede a
caducidade, que apenas começa a manar após o término da garantia. É cláusula
que impede a decadência e existem outras previstas nos arts. 197, I, 197, II, 198,
168 e 169 do Código Civil de 2002.
O legislador cria uma decadência intercorrente, pois fornece o prazo exíguo
de trinta dias para informar ao alienante sob pena de perder o direito de redibição ou
de abatimento. O dever de denúncia está restrito à existência de garantia.
Diferentemente o Código Civil português (art. 916) e o italiano (art. 1.495) exigem a
referida denúncia qualquer que seja a hipótese de vício.
58 art. 445, §1o, C.C./2002
59 Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe
diminuam
Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.
o
valor.
38
CAPITULO III
3. RESPONSABILIDADE
CONSUMIDOR
POR
VÍCIOS
NO
CÓDIGO
DE
DEFESA
DO
Os vícios dos produtos são tratados no artigo 18 da Lei nº. 8.078/90. Eles
podem ser aparentes ou ocultos.
O uso da expressão “vício aparente ou de fácil constatação” está no caput
do artigo 26, sendo aquele que aparece no singelo uso e consumo do produto (ou
serviço).
Já os vícios ocultos são aqueles que só aparecem algum ou muito tempo
após o uso e/ou que, por estarem inacessíveis ao consumidor, não podem ser
detectados na utilização ordinária.
Quando uma pessoa adquire um veículo, com defeitos, de um particular, a
reclamação rege-se pelas normas do Código Civil. Se, no entanto, adquire-o de um
comerciante estabelecido nesse ramo, pauta-se pelo Código de Defesa do
Consumidor.
Antes de adentrarmos no tema sobre a responsabilidade por vícios no
Código do Consumidor não podemos deixar de comparar os vícios redibitórios, os
quais imperavam, através do Código Civil, antes da instituição do Código de Defesa
do Consumidor.
Ao analisar o C.D.C.Roberto Brasilone Leite, assegura:
Que o mesmo possui a seguinte classificação a respeito das
imperfeições dos produtos e serviços: “(a) a dos vícios, previstos nos
arts”. 18 e 20; 60-61 e b) a dos defeitos, regulados nos arts. 1262 e 14”.
60 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem
impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes
do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição
das partes viciadas.
61 Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles
decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha.
62 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento
de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
39
63
A seguinte classificação corresponde à natureza e aos efeitos das
imperfeições 64, muitas vezes são utilizadas como sinônimas, as
palavras vício e defeito possuem conceituação diferenciada.
Como destaca Roberto Brasilone Leite:
Os vícios são as imperfeições que tornam o produto ou serviços
impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam,
diminuem-lhes o valor, ou, ainda, as que denotam disparidade com as
indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem ou da
oferta ou mensagem publicitária.
E continua:
Os defeitos dos produtos e serviços consistem em imperfeições de
natureza grave, capazes de causar dano à saúde ou à segurança do
consumidor. Na acepção legal, produtos e serviços defeituosos são
aqueles que não oferecem a segurança que deles legítima e
razoavelmente se espera (arts.12, parágrafo 1º, e 14, parágrafo 1º).
E nos dizeres J. M. Othon Sidou:
O entendimento de defeito, em cuja noção repousa a base do regime
de responsabilidade, o instrumento internacional arrima-se numa
definição negativa, ou seja, o não oferecer o produto à segurança que
dele se pode legitimamente esperar, em virtude de um critério
objetivo.
Já Ricardo Canguçu Barroso de Queiroz relaciona o conceito ao Código
Civil, da seguinte forma:
Para o C.C. as expressões "vício" e "defeito" são equivalentes,
enquanto que no sistema do C.D.C. "defeito" é vício mais dano à
saúde ou segurança, estando associado, portanto aos fatos do
produto ou serviço e "vício" está associado à deficiência de qualidade
ou quantidade do produto ou serviço.
63 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
64 LEITE, Roberto Brasilone. op. cit., p. 138.
40
Como ensina Luiz Antônio Rizzato Nunes:
O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço
em si. O defeito é um vício acrescido de um problema extra, alguma
coisa extrínseca, que causa um dano maior que simplesmente o mau
funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda
do valor pago.
De modo preciso, podemos concluir que, os vícios dizem respeito às
anomalias ocorridas no funcionamento do produto ou serviço, sem, contudo, colocar
em risco a saúde dos consumidores. Deste modo, defeituosos, são aqueles produtos
que não oferecem a segurança necessária que se espera deles, em função de seus
riscos, seja pela falta de informações, pela constatação de erro em seu conteúdo,
etc., correspondendo à deficiência, a qual é incluída o dano, que possa colocar em
risco a saúde dos clientes.
Vejamos o seguinte exemplo:
Uma consumidora e um consumidor comparecem no mesmo momento a uma
loja de departamentos para adquirir um liquidificador. Após escolherem, resolvem
comprar o mesmo produto, da mesma marca e modelo; ambas as unidades saíram
da fábrica na mesma série de fabricação.
Os dois vão para suas casas, cada um com o seu liquidificador. Cada um, em
sua residência, resolve utilizar o produto. Ele pretende fazer um bolo. Ela, um suco.
Retiram o aparelho da caixa, passam uma água e preparam-se para acioná-lo.
Ele pressiona o botão. O motor, de forma violenta, gira e uma das pás de
liquidificação se quebra e sai voando, fura o copo e entra na barriga do consumidor.
Ele tem de ser hospitalizado e por pouco não morre.
Ela, por sua vez, pressiona o botão. O motor, de forma violenta, gira, e uma
das pás de liquidificação se quebra e sai voando, fura o copo e cai no chão, sem
atingir a consumidora.
No primeiro caso, ele sofre acidente de consumo. É defeito. No segundo, ela
nada sofreu. Apenas o liquidificador deixa de funcionar. É vício.
Utilizando-se desse exemplo, teremos que, no caso do consumidor que foi
ferido, ele deverá acionar o fabricante do liquidificador para pleitear indenização
pelos danos materiais e morais sofridos, conforme disposto no caput do artigo 12 do
CDC:
41
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o
importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes
de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Já a consumidora poderá pedir a troca do aparelho viciado por outro idêntico,
mas funcionando adequadamente. Dessa maneira, a norma do caput do artigo 18 do
CDC coloca todos os partícipes do ciclo de produção como responsáveis diretos
pelos vícios, de forma que o consumidor poderá escolher e acionar qualquer dos
envolvidos, exigindo seus direitos.
Roberto Brasilone Leite, classifica os defeitos face à responsabilidade civil:
No que tange à responsabilidade civil, os defeitos classificam-se em
defeitos juridicamente irrelevantes e defeitos juridicamente relevantes. Os
defeitos juridicamente irrelevantes para a responsabilidade civil não
acarretam para o fornecedor a obrigação de reparação de danos. (São
encontrados no art. 12, parágrafo 1º, inciso II, III, e parágrafo 3º, inciso III;
art. 14, parágrafo 1º, inciso II e III e parágrafo 3º, inciso III). Os defeitos
juridicamente relevantes para a responsabilidade civil, ao contrário dos
anteriores, obrigam o fornecedor a reparar os danos causados. Os mesmos
são encontrados nos caputs dos arts.12 e 14.65
Os artigos 23 e 24 do CDC causam reflexões acerca da teoria do vício
redibitório e sua aplicação em relação à responsabilidade. 66
O vício oculto, o qual consiste em, aquele efetivamente desconhecido pelo
fornecedor, não o exime da responsabilidade; É vendida a exoneração contratual do
fornecedor quanto a esse vício oculto. Conseqüentemente, a ausência de
conhecimento do vício por parte do fornecedor, a partir da edição do CDC, não mais
poderá ser por ele alegada como causa excludente de sua responsabilidade. Isto
porque, como já se esclareceu anteriormente, o legislador adotou a teoria do risco
para fundamentar a responsabilidade pela reparação de danos, responsabilidade
esta que é objetiva. Em conseqüência, tenha ou não conhecimento do vício, o
fornecedor deve reparar o dano causado. Nem mesmo a ignorância é escusável.
A concessão, pelo legislador, dessa espécie de responsabilidade - objetiva está de acordo com os princípios e direitos do consumidor estabelecidos na Lei nº.
65 LEITE, Roberto Brasilone. op. cit., p. 139-140
66 Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade. Art. 24. A garantia legal
de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada à exoneração contratual do fornecedor.
42
8.078/90. Dentre os princípios mais importantes que norteiam o CDC, temos o
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4º,
I), ou seja, os consumidores serão tratados desigualmente, para que seja atingida a
igualdade real, isonomia, tal como consubstanciada no art. 5º, “caput” da CF.
Já no inc. VI do art. 6º, do CDC estabeleceu, como direito do consumidor a
efetiva reparação dos danos patrimoniais. O legislador não poderia dar margem ao o
descumprimento desse direito, consistindo a ignorância como causa excludente,
seja permitindo a liberdade para estipular cláusula de exclusão de responsabilidade,
em face da vulnerabilidade do consumidor e do seu direito à reparação integral dos
danos provenientes de vícios no produto ou serviço.
No CDC a responsabilidade imposta pelo sistema é objetiva, independe de
culpa. Basta o esclarecimento da existência de nexo causal entre o dano
experimentado pelo consumidor e o vício ou defeito no serviço ou produto.
Essa norma legislativa reflete a adoção feita pelo legislador da teoria do risco
do negócio, aqueles que exploram atividades econômicas devem arcar com os
danos causados por essa exploração, ainda que não tenha ocorrido de forma
involuntariamente para a produção dos danos. 67
Portanto, apresenta um aspecto subjetivo no elemento "ato antijurídico" do
tripé da responsabilidade civil (ato antijurídico + nexo de causalidade + dano),
apresenta-se desnecessário, e nem mesmo chega a ser investigada para fins de
apuração da responsabilidade do agente. Ainda que ele tenha pautado sua atuação
com diligência, não incorrendo em culpa em momento algum, poderá vir a ser
responsável pelo vício do produto ou serviço, ou ainda pelo acidente de consumo
causado pelo produto ou serviço.
Há uma exceção feita para a responsabilidade subjetiva: a responsabilidade
extracontratual (por fato do serviço) dos profissionais liberais depende do
aparecimento da culpa (CDC 14, §4º). A responsabilidade contratual (pela
adequação do serviço) é regulada pelo art. 20, onde não há referência a qualquer
exceção em favor dos profissionais liberais; admitir que nos casos de
descumprimento contratual a responsabilidade fosse subjetiva enquanto a
extracontratual é objetiva seria um contra-senso. 68
67 Cf. Rizzatto, Comentários, p. 154.
68 Cf. Rizzatto, Comentários, p. 211-212
43
Esse "direito", de somente responder se comprovado o elemento subjetivo,
e, é essa a posição prevalente na doutrina
69
, limita-se à responsabilização pessoal
do profissional liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas formadas por eles.
Contrário a esse posicionamento Rizzatto70, entende que:
O que descaracteriza a atividade como liberal não é a existência da
pessoa jurídica, simplesmente, mas a constituição de pessoa jurídica
que passe a explorar a atividade que era de prestação de serviços
liberais de maneira típica desenvolvida na sociedade de massa pelos
naturais exploradores: escolha da atividade, exame de mercado,
cálculo do custo, do preço, avaliação do risco, tendo em vista o
binômio custo/benefício, prestação do serviço em escala e utilização
dos instrumentos do marketing, especialmente a publicidade.
Da mesma forma, Denari
71
entende que ficam fora da incidência do §4º as
relações de consumo contratadas por adesão.
No entanto, não encontra um consenso na doutrina ao definir quem é
profissional liberal. Para Cavalieri F.
72
"é aquele que exerce uma profissão
livremente, com autonomia, sem subordinação. Em outras palavras, presta serviço
pessoalmente, por conta própria, independentemente do grau de escolaridade”.
Rizzatto
73
define, sem fornecer parâmetros precisos, "pelas características
de sua prestação de serviço e não pelo enquadramento na regulamentação legal".
Ressaltar a importância que a exceção contida no §4º não quebra a regra da
solidariedade entre os integrantes da cadeia produtiva – ainda que a sua
responsabilidade acoplada a demonstração de culpa, o profissional liberal segue
solidariamente ligado àqueles que respondem objetivamente pelos danos causados
ao consumidor.
Entendemos que a exceção inserida pelo §4º não autoriza a classificação das
obrigações entre de meio e de resultado para fins de expandir o rol dos
salvaguardados por esta regra. A lei somente faz referência aos profissionais
liberais, e em momento algum menciona o tipo da obrigação.
74
Não obstante, a
jurisprudência tem entendido que a partir do momento que o profissional liberal
assume uma obrigação de resultado sua responsabilidade passa a ser objetiva; na
69 Denari, Código comentado, p. 196; Cláudia Lima Marques, Comentários, p. 249
70Rizzatto, Comentários, p. 209.
71 Denari, Código comentado, p. 197.
72 Cavalieri Fº., Programa, p. 518.
73 Rizzatto, Comentários, p. 211.
74 Nesse sentido: Rizzatto, Comentários, p. 212.
44
verdade, seria mais correto fundamentar a responsabilidade nessas hipóteses como
vinculação do fornecedor à oferta – CDC, art. 30 – e aí estamos dentro do campo da
responsabilidade contratual (há descumprimento do avençado), que é sempre
objetiva.
No entendimento Cavalieri F.
75
sobre o assunto “o profissional liberal assume
obrigação de resultado e a culpa é presumida, mas a responsabilidade segue sendo
subjetiva”. A conseqüência desse posicionamento é permitir ao fornecedor a
possibilidade de se eximir da responsabilidade pela simples demonstração de
inexistência de culpa.
Destacando que esse tratamento diferenciado dado aos profissionais liberais
se limita ao fundamento da responsabilidade, estando sujeitos da mesma forma que
os demais fornecedores a todas as demais regras do CDC, tais como observância
aos direitos básicos do consumidor (inclusive quanto à inversão do ônus da prova),
práticas comerciais e proteção contratual do consumidor.
Os danos indenizáveis são todos aqueles sofridos pelo consumidor, sejam de
natureza material ou imaterial – CDC, art. 6º, VI. Entre os danos materiais está os
lucros cessantes (aquilo que deixou de auferir como conseqüência direta do
ilícito). Entre os danos imateriais temos o dano à imagem, o dano estético, e o dano
moral.
Este último "aquele que afeta a paz interior de cada um. Atinge o
sentimento da pessoa, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo
que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento. É,
pois, a dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo”.
76
Igualmente, a "pessoa jurídica não pode sofrer violação em sua
honra, nem em sua intimidade. Não sofre, também, dano estético.
Mas pode sofrer violação em sua privacidade, bem como dano à sua
imagem. (...) como de resto pode ter sua imagem utilizada sem
autorização (...). 77
Rizzatto relata “que a insuficiência da teoria do vício redibitório faz surgir,
portanto, nova teoria para reparação de danos nas relações de consumo”. Com base
75 Cavalieri F., Programa, p. 518.
76Rizzatto, Comentários, p. 69.
77 Rizzatto, Comentários, p. 76.
45
na nova sistemática, temos, agora, a “teoria da qualidade”, complementada pela
“teoria da quantidade”.
E continua:
Temos, então, duas espécies de defeitos que podem gerar o dever de
indenizar: aqueles provenientes do “fato do produto e de serviço”,
estando garantida a proteção da saúde do consumidor, e do serviço,
garantindo-se a proteção do patrimônio do consumidor.
Pela simples análise da nova sistemática legal a respeito dos vícios já se
pode prever que a proteção nas relações de consumo é infinitamente mais efetiva no
CDC do que a sistemática tradicional do Código Civil. Cabe aos tribunais harmonizar
os interesses e dirimir os conflitos nessa área.
A facilitação da defesa dos interesses do consumidor em juízo é direito
estabelecida pelo inc. VIII do art.6º do CDC, cujas regras, são de ordem pública e de
interesse social, insuscetíveis, portanto, de disposição ou de renuncio. Mesmo
sendo de edição recente (1990), já se pode falar em “jurisprudência” relativa ao
CDC, no tocante aos vícios do produto e do serviço nas relações de consumo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em questão relativa a vício na prestação
de serviço (lavagem de automotores), assim decidiu: “Restando caracterizada a
relação de causalidade entre a prestação de serviços e os donos ao consumidor,
devida é a indenização, nos termos do art. 4 da Lei 8.078/90”. No presente caso, o
consumidor, ao retirar o seu veículo entregue à empresa de lavagem, constatou ao
acionar a partida, que o motor estava fundido. A empresa tentou impulsionar a culpa
pelo ocorrido os seus prepostos, não conseguindo êxito, no entanto, tanto por não
conseguir comprovar motivo suficiente para excluir sua responsabilidade, como
porque testemunhas confirmaram que o veículo, quando entregue, estava em
perfeito funcionamento.
O Tribunal entendeu que “o bom senso indica que o fato aconteceu como
conseqüência do serviço, teria causado”. Poderia ser aquela apontada pelo autor ou
qualquer outra basta, porém, essa relação de causalidade (execução de serviço dono), pois a responsabilidade, no caso, é objetiva, disciplinada no art. 14 do Código
de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90, de 11/09/90).
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Cumpre ressaltar, nesse passo, que, embora as normas do CDC sejam de
ordem pública e de interesse social, característica essa que ensejaria a sua
aplicação obrigatória e imediata, os Tribunais, muitas vezes, aplicam aquelas
normas apenas subsidiariamente, ou então, ficam adstritos à sistemática do Código
Civil, utilizando-se do CDC apenas como referência.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste diapasão, mesmo antes do surgimento da Lei nº. 8.078/90, a teoria
dos vícios redibitórios, ao lado de outros conceitos e institutos do nosso direito
positivo, estava ultrapassada, não se prestando a solucionar os conflitos
provenientes de danos causados por vícios do produto ou do serviço. Além disso,
para que se configure vício redibitório será preciso: a) coisa adquirida em virtude de
contrato comutativo ou de doação onerosa, ou melhor, gravada com encargo (CC,
arts. 553, 539 e 562); b) defeito prejudicial à utilização da coisa ou determinante da
diminuição de seu valor; c) vício oculto.
Em 1990, seguindo o objetivo da Constituição Brasileira de implantar uma
política de relações de consumo, surgiu o CDC, que entrou em vigor em 1991. Sobre
ele esclarece Sergio CAVALIERI FILHO, “Seus princípios e normas são de ordem
pública e de interesse social, vale dizer, de aplicação necessária, conforme
expressamente disposto logo em seu primeiro artigo”. 78
Então, o Código de Defesa do Consumidor veio regular, essencialmente,
todas as áreas do direito nas quais ocorrem relações de consumo, possuindo por
isso, natureza multidisciplinar, sendo perfeitamente cabível em situações de caráter
público ou privado, de natureza contratual ou não, material e processual. Isso ocorre
porque, “[..] o Código de Defesa do Consumidor é lei principiológica, vale dizer,
estruturada em princípios e cláusulas gerais, e não em normas tipificadoras de
conduta”. 79
Ainda, grande parte dos danos decorre dos contratos de produtos e serviços
em massa, os quais propiciam a maior probabilidade de aparecimento de defeitos.
Assim, podemos dizer que o CDC é uma sobre estrutura aplicável nas áreas
do direito, onde houver relação de consumo inovando em Direito Penal, Comercial,
Processual e no Civil, o que faz com que sua abrangência e aplicabilidade sejam
extensas.
O consumo é parte ativo do cotidiano do ser humano. Nesse sentido, o
Direito do Consumidor pode ser considerado como um direito humano, não em sua
concepção individualista, mas como um conceito coletivo, segundo o qual não há
78 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 410.
79 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 413.
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violação apenas por atos do Estado, mas também por atos de outras entidades
sociais, tais como as empresas. A evolução da teoria da qualidade foi gradativa,
tendo como ponto de partida, principalmente, a conscientização da sociedade em
relação aos abusos cometidos na área das relações de consumo, bem como o
afundamento, pelos tribunais, na interpretação da lei aplicável a matéria.
É certo que o CDC não revogou as normas do Código Civil relativas ao vício
redibitório. Apenas colocou à disposição dos consumidores meios mais condizentes
com a realidade atual - consumo de massa - ampliando a garantia legal, de modo a
proporcionar a efetiva recuperação de dano. O Código Civil regula de modo geral o
instituto da Responsabilidade Civil, devendo ser aplicado subsidiariamente nas
omissões do Código de Defesa do Consumidor e de outros sistemas de igual
relevância que tratem do tema.
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