Revista Subtexto nº 10 (2013)

Transcrição

Revista Subtexto nº 10 (2013)
Sumário
Educação & Sustentabilidade
Diálogo entre Teatro e Educação
Teatro e Educação: nos rastros da utopia
Flávio Desgranges 17
A formação do público como uma forma de sustentabilidade na Cultura
Viviane da Soledade 27
O Festival do Teatro Brasileiro e suas ações de formação para alunos
da rede pública de ensino
Sérgio Bacelar 37
Patrocínio cultural, uma possibilidade de desenvolvimento local
Marcelo Santos 45
Sustentabilidade na Cultura
A insustentável “leveza” do teatro.
Cida Falabella 59
Essencialidade e Sustento
Jorge Braz 67
A sustentabilidade a partir da experiência da Cia. Teatral ManiCômicos
Juliano Pereira 73
Cultura e sustentabilidade: desafios, práticas e futuros
José Márcio Barros 83
III Seminário Subtexto em diálogo | Edição comemorativa – 2013
Teatro em MG: educação & sustentabilidade 90
Expediente
Teatro e Política:
Protagonismo Educativo em ações interministeriais contemporâneas:
O programa Mais Educação e o programa Mais Cultura nas Escolas
entrecruzando imaginações e conhecimentos autorais
Cíntia Inês Boll 97
Constelação
Rita Gusmão 103
Galpão em Foco
Teatro, crise e renovação
Eduardo Moreira 117
Cine Horto em Foco
Na dianteira das discussões e proposições acerca do teatro
contemporâneo: 15 anos de atuação do Galpão Cine Horto
Soraya Belusi 129
Subtexto – Revista de Teatro do Galpão Cine Horto - no. 10 – ISSN 1807-5959
Luciene Borges
Marcos Coletta
jornalista responsável: Luciene Borges (MG 09820 JP)
conselho editorial: Chico Pelúcio, Fernando Mencarelli, Leonardo Lessa e
Nina Caetano
colaboradores desta edição : Cida Falabella, Cíntia Inês Boll, Eduardo Moreira,
Flávio Desgranges, Jorge Braz, José Márcio Barros, Juliano Pereira, Marcelo
Santos, Rita Gusmão, Sérgio Bacelar, Soraya Belusi e Viviane da Soledade.
coordenação editorial:
produção editorial:
Fino Traço Editora
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Cláudia Rajão
projeto gráfico : Milton Fernandes
diagramação : Ana C. Bahia
produção editorial:
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Fossati 81 | Arquivo FTB 42, 43 | Arquivo Grupo Galpão 120 | Arquivo ManiCômicos 78
Arquivo Teatro de Tábuas 68, 72 | Arquivo Teatro Invertido 48 | Arquivo Teatro Kabana 51
Elenize Desgeniski 38 | Elvira Nascimento 49 | Felipe Freitas 70 | Guto Muniz 61, 84, 87,
122, 124, 125, 130-133, 135, 140 | Marcos Coletta 134 | Nathanael Andrade 74 | Pedro
Vilela 52 Priscila Natany 76 | Tiago Carneiro 19, 25 | Zé Evaristo 71 |
Fino Traço Editora
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A Revista Subtexto é uma publicação independente. Todas as opiniões expressas nos
artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores.
Esta publicação foi realizada com o patrocínio do Ministério da Cultura, Governo de Minas,
Usiminas, Petrobras, Cemig e Instituto Unimed BH através das Leis Federal e Estadual de
Incentivo à Cultura e do Fundo Estadual de Cultura do Estado.
tiragem 2.000 exemplares impressão Paulinelli dezembro de 2013
Editorial
Marcos comemorativos trazem consigo o reconhecimento da trajetória
empreendida, evidenciando os percalços, as adaptações e as conquistas
ocorridas ao longo do trajeto. E quando o balanço é positivo, também
reforçam o desejo e a necessidade de continuidade, fortalecendo ou
reinventando determinadas práticas. A continuidade tornou-se uma
palavra-chave nesse ano em que o Galpão Cine Horto comemorou seus
15 anos. É certo que o trabalho que fazemos, assim como o de inúmeras instituições similares, é fundamental para garantir o espaço da
formação, do fomento, da criação teatral em nossas cidades e estados.
Em certa medida, é política pública! Mas é certo também que vivemos
na corda bamba dos financiamentos, dinheiro público tratado como privado... Então, como garantir a longevidade do espaço e a continuidade
de cada projeto nesse contexto instável ("permanentemente instável"),
em que vive (ou sobrevive?), o teatro brasileiro? Como garantir a nossa
Sustentabilidade?
A partir dessas questões chegamos a um dos temas do III Seminário
Subtexto em Diálogo – Teatro em MG: Educação & Sustentabilidade,
do qual resulta essa edição da revista Subtexto. Nesse ano o evento teve
edição ampliada (porque comemorativa), com duração de 4 dias, que
contou com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura e com a presença
de palestrantes e debatedores de diversas cidades brasileiras, além de
representantes de grupos e instituições teatrais de 8 macro-regiões de
Minas. Parte do evento foi aberta ao público (palestras) e parte foi restrita aos inscritos e convidados (Grupos de Trabalho), de modo que se
alcançasse o aprofundamento da discussão e elaboração de propostas
concretas.
O tema da Sustentabilidade na Cultura foi inicialmente abordado por
especialistas a partir da nossa relação com quatro instâncias: poder
público, poder privado, terceiro setor e a articulação entre os próprios
agentes da cultura. Em seguida, público e participantes ouviram relatos
de experiências concretas e diversificadas empreendidas por grupos e
espaços em diferentes lugares do país. As informações compartilhadas
serviram de base para o debate dos Grupos de Trabalho, focados em
temas como Circulação, Formação, Manutenção de Espaços, entre outros. A nossa preocupação, desde a concepção do evento, era não cair
no lugar-comum do debate sobre as Leis de Incentivo à Cultura, que
já vem trazendo sua contribuição para a revisão das mesmas, mas sim,
"buscar caminhos que possibilitassem potencializar as experiências, estruturas e práticas desenvolvidas pelo setor teatral no Estado, alinhavando possibilidades de compartilhamento, comunicação, continuidade
e permanência".
O resultado desse debate pode ser conferido nos artigos da seção principal e da seção Teatro e Política dessa edição. A diretora e ativista política
da cultura Cida Falabella, no artigo "A insustentável 'leveza' do teatro.",
traz um instigante balanço dos dois dias de seminário dedicados ao
tema, o primeiro ocupado com palestras e relatos, o segundo dedicado
aos Grupos de Trabalho. O artigo "Cultura e sustentabilidade: desafios,
práticas e futuros", do prof. José Márcio de Barros, da PUC Minas e do
Observatório da Diversidade Cultural, mediador do evento, traz reflexões
preciosas sobre o tema, a partir das palestras e experiências compartilhadas com o público. Nos demais artigos, Jorge Luis Braz, do Teatro
de Tábuas de Campinas e Juliano Pereira do Grupo ManiCômicos de
São João Del Rey apresentam relatos de suas singulares experiências de
gestão e sustentabilidade.
Os outros dois dias do III Seminário Subtexto em Diálogo foram dedicados à discussão sobre possibilidades e alternativas de Diálogo entre
Teatro e Educação. Para apresentar um panorama de como o tema tem
sido abordado nas diferentes instâncias do poder público e da universidade, foram convidados representantes do MinC, do MEC, da SEE-MG e
da UFMG. As palestras foram contempladas por relatos de experiências
bastante diversas, de dentro e fora de Minas Gerais. Da mesma forma
que no eixo de sustentabilidade, as palestras e relatos serviram de base
para a discussão dos Grupos de Trabalho. Flávio Desgranges, professor
da USP e mediador das palestras desse tema, nos oferece um sensível
texto que nos torna testemunhas de uma marcante e poética experiência
de vida. Sérgio Bacelar, do Festival do Teatro Brasileiro, relata a experiência de ação educativa do Festival, enquanto Marcelo Santos defende o
investimento no crescimento endógeno das comunidades pelas empresas
patrocinadoras de cultura, no artigo “Patrocínio cultural, uma possibilidade de desenvolvimento local”, ilustrado pelos depoimentos do Grupo
Teatro Invertido e Grupo Kabana, ambos de Minas Gerais.
Os artigos da seção Teatro e Política dessa edição também decorrem
do Seminário. A prof. Cíntia Inês Boll, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, que esteve representando o MEC no evento, e a prof.
Rita Gusmão, da UFMG apresentam diferentes olhares sobre o edital
Mais Cultura nas Escolas, uma iniciativa do MEC em parceria com o
MinC, intensamente debatida nos dois dias de discussão sobre o tema
Diálogo entre Teatro e Educação.
Completando esta edição da Revista, a seção Galpão em Foco traz a
reflexão do ator Eduardo Moreira sobre os momentos de reinvenção e
riscos que fizeram parte da trajetória do Grupo.
Na seção Cine Horto em Foco, o artigo da jornalista Soraya Belusi faz um
balanço crítico sobre a trajetória do Galpão Cine Horto ao longo desses
quinze anos, apontando algumas das principais contribuições do espaço
para o cenário do teatro em Belo Horizonte.
Falando em 15 anos, não podemos deixar de lembrar que marcos comemorativos também implicam em festa, e esta é sempre feita com e
para os amigos. Ao longo de todo o ano de 2013, nosso aniversário foi
comemorado com edições especiais dos projetos artísticos, que contaram com a presença de amigos criadores, pensadores, companheiros de
estrada, e também público cativo de nossa programação. Foi assim que
os grupos Armazém (RJ), Clowns de Shakespeare (RN), Cia Brasileira de
Teatro (PR) e Espanca! (BH), participaram como convidados da edição
comemorativa do Festival de Cenas Curtas, apresentando cenas inéditas, compostas especialmente para o evento. Foi assim que o projeto
Cena-Espetáculo ganhou, nesse ano, um festival próprio, no qual se
apresentaram montagens produzidas dentro ou em proximidade com o
Galpão Cine Horto. O Oficinão também teve sua edição especial, realizada
somente com ex-participantes, dirigidos por Chico Pelúcio e Lydia Del Piccha,
que desde 2004 não atuavam no projeto, com a colaboração de um antigo
parceiro da casa, o dramaturgo Luís Alberto de Abreu. Por fim, o tão esperado livro comemorativo dos 15 anos do Galpão Cine Horto continua em fase
de produção, com lançamento previsto para o segundo semestre de 2014.
Vale dizer ainda que em 2013 o projeto Memória Feita à Mão, voltado para a
conservação e difusão do acervo de figurinos do Grupo Galpão, coordenado
pelo CPMT, contou com parceria exclusiva da UFMG para sua segunda edição, que contemplou os acervos dos espetáculos "Um Moliére Imaginário" e
"Romeu e Julieta". O Ateliê Aberto funciona no Centro Cultural da UFMG e
poderá ser visitado até agosto de 2014.
O portal Primeiro Sinal, também desenvolvido pelo CPMT em parceria com
a PUC Minas e o Curso de Teatro da UFMG deu continuidade, em 2013,
ao projeto "Memória em Movimento: resgate da história do teatro em Belo
Horizonte", levantando mais de 40 horas de entrevistas com os principais
artistas do teatro mineiro. Esse material dará origem a um documentário, com
lançamento previsto para 2015.
Como desdobramento de nosso ano comemorativo, entramos em 2014 com
significativas mudanças nos projetos de criação, que tem o objetivo de promover arejamento, renovação e compartilhamento. Desta forma, o Oficinão
e o Pé na Rua apresentam novos formatos, que serão nutridos por contribuições trazidas por outros artistas. Como filho que é do Grupo Galpão, o
Galpão Cine Horto traz em sua genética "o vírus" da reinvenção. Criar é
também romper com o estabelecido, arriscar, reinventar. Que venha 2014,
com cheiro de novidade e o sabor doce-amargo do coletivo!
Boas leituras!
Equipe do Galpão Cine Horto
** A programação completa do III Seminário Subtexto em Diálogo, assim com a
lista de grupos participantes, pode ser conferida no final da seção principal. Dados
relativos aos nossos projetos realizados em 2013 podem ser conferidos no final da
seção Cine Horto em Foco.
Educação &
Sustentabilidade
Diálogo entre
Teatro e Educação
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Teatro e Educação:
Nos rastros da utopia
Flávio Desgranges*
Meu companheiro menino,
perante o azul do teu dia,
trago sagradas primícias
de um reino que vai se erguer
de claridão e alegria.
É um reino que estava perto,
de repente ficou longe,
não faz mal, vamos andando,
porque lá é nosso lugar.[...]
Meu companheiro menino,
neste reino serás homem,
um homem como o teu pai.
Mas leva contigo a infância,
como uma rosa de flama
ardendo no coração:porque é da infância, menino,
que o mundo tem precisão.
Thiago de Mello
Cada vez que me questiono sobre a potência do teatro para transformar
as pessoas, e me pergunto se faz ainda algum sentido acalentar esta ideia,
e ainda por cima me propor a escrever sobre ela, recordo uma passagem
importante para mim mesmo, que suscita o vislumbre de como o encontro com a arte teatral, em momento oportuno, desencadeou uma série
de ocorrências que modificaram completamente minha trajetória nesta
vida. Sempre volto a esta ocasião marcante, em busca de recuperar algo
que parece frágil, que ameaça extinguir-se num sopro, e solicita ânimo
sempre renovado para manter-se aceso, atuante. Retomo esta história
* Professor do
Departamento de
Artes Cênicas da
USP, coordenador
do INERTE – Instável
Núcleo de Estudos
de Recepção Teatral,
e autor dos livros:
A Pedagogia do
Espectador, Pedagogia
do Teatro: provocação
e dialogismo e A
Inversão da Olhadela:
alterações no ato do
espectador teatral,
pela editora Hucitec.
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Educação & Sustentabilidade |
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
para tentar manter vivo isto que, como diz Barba, "está em nosso interior,
nessa parte de nós que vive exilada, que gostaria de reaparecer e viver
em sua própria terra, visível, mas continua lá, escondida".1 Tentarei, aqui,
retomar esse encontro significativo com o intuito de fomentar questões
e, quem sabe, reacender possíveis lampejos de utopia acerca de nossa
atuação cotidiana com o teatro.
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de um tempo torna-se vital para fazê-lo despertar, pois possibilita acessar
o sono profundo em que mergulha a consciência coletiva desse tempo.
Os conteúdos inauditos advindos da memória tornam-se fundamentais
para a revisão do presente, fazendo-o despertar do velho e mesmo sono
civilizatório, pois "a reforma da consciência consiste apenas em despertar
o mundo... do sonho de si mesmo".3
Como aponta Benjamin2, é sempre preciso desencantar o passado, deixando-o em aberta relação com o presente, capturando aquilo que foi
desejado, mas reprimido, despertando os sonhos adormecidos pelo véu
da história. Sonhos manifestos no passado e que foram sufocados. Reaver
os momentos em que o passado sonhou o futuro, e oxigenar estes sonhos
para que venham à tona, invadam e impulsionem o presente. Os sonhos
de ontem não cessam de esperar respostas e ressonâncias no momento
presente; sonhos frustrados historicamente e que buscam incessantemente
serem revitalizados, trazendo o seu potencial transformador.
Não se trata, pois, de um sentimento nostálgico em relação ao passado,
mas de um movimento dinamizador do presente que, para se libertar,
precisa reaver o seu passado. Os fatos históricos - mesmo individuais,
especialmente quando tocam questões de interesse coletivo - são encarados, assim, sob o ponto de vista do momento atual e propõe ao narrador
(e ao leitor) gestos contemporâneos de compreensão.
A noção de história, para Benjamin, neste sentido, pode se aproximar da
ideia de infância. Reaver os fatos significativos da história como quem
retoma a própria infância. A infância de um tempo, por sua vez, é feita
daquilo que o movimenta para o futuro, dotada do mesmo espírito infantil
do homem que crê nos seus sonhos e que perde o impulso de realizá-los
na fase adulta, submetido a uma passiva adaptação à realidade. A infância
de um homem pode ser relacionada à infância dos homens, e a infância de
um tempo pode ser relacionada à infância dos tempos. Acessar o sonho
1 Eugenio Barba. O Espaço Interno. São Paulo, Revista Sala Preta, Programa de PósGraduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo, nº8, pp 9-10, 2008.
2 Walter Benjamin. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo,
Brasiliense, 1993.
Se as demandas contínuas do presente assoberbado inibem o acesso
do psiquismo ao passado, este pode "recuperar a força de transpor o
limiar da consciência sempre que nos colocarmos, de algum modo, na
vida do sonho".4 Ou, como dito nas palavras de Henri Bergson em seus
estudos acerca das relações entre percepção e memória, "nosso passado
permanece quase inteiramente oculto para nós porque é inibido pelas
necessidades da ação presente".5
3 Karl Marx, apud Walter Benjamin, 2006, p. 499.
4 Henri Bergson. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito.
São Paulo, Martins Fontes, 2006, p. 180.
5 Idem, ibidem..
Flávio Desgranges
como relator do
III Seminário
Subtexto em
Diálogo. Foto:
Tiago Carneiro.
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O estreitamento da temporalidade, ante a pressa de um cotidiano que nos
oprime e condiciona a uma racionalidade operacional, pode ser pensado
também como desestímulo aos atos coletivos e aos eventos que promovam
a convivência e a comunicação humana. O que nos oferece ensejo para
pensar os processos artísticos como (re) encontro com a temporalidade
perdida, tanto na recuperação da experiência atemporal das manifestações
do inconsciente, quanto no fomento às relações humanas, possibilitando
que o saber extraído de uma vivência adquira o estatuto de experiência
no ato de transmissão, ao ser compartilhado com alguém.
Os choques provocados pelo cotidiano tenso da vida moderna - tal
como os traumas para Freud - acarretam uma fratura na experiência e
na linguagem6, pois fazem convite a uma função psíquica meramente
funcional. O que nos rouba o acesso ao tempo dilatado, tempo de vagar
da subjetividade, temporalidade própria à produção de conhecimentos;
e dificulta que nos disponibilizemos para os encontros, e deixemos de
perceber e retribuir o olhar que nos é dirigido por pessoas e objetos
durante a vivência cotidiana.
Tanto o passado individual, quanto o passado coletivo, em franca associação, são formados pelos detritos da história, por aquilo que passou
despercebido, que foi recalcado, que não se viu, não se leu, que talvez
nem tenha sido escrito. Ou seja, articular a linguagem no presente solicita apalpar o intangível, observar o invisível, ou "ler o que nunca foi
escrito".7 Os restos e detritos vivenciais lançados ao esquecimento são
justamente os elementos não percebidos pelo consciente operacional, as
cenas "que não demos atenção naquele momento, quando atravessamos
6 Acerca desse tema, podemos lembrar a pesquisa que o educador Philippe Meirieu
realizou com crianças desfavorecidas social e economicamente habitantes da periferia
da cidade Lião, França, que, em pesquisa em que lhes era pedido para falarem de suas
vidas, revelavam enormes dificuldades para falar de si, contar a própria história, articular
os fatos de sua existência. A relação que faziam entre os acontecimentos da própria vida
não estabelecia uma organização produtora de sentido. Meirieu destaca no texto que,
sem aptidão para compreenderem o passado, estas crianças teriam provavelmente muita
dificuldade de se situar no presente e se projetar no futuro (Meirieu, 1993, P. 14).
7 Hugo Von Hofmannsthal, apud Walter Benjamin, 2006, p. 461.
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pensando em outra coisa".8 Esse material rejeitado na vivência diária, que
se constitui como elemento vital para a produção de experiências, pode
ser acessado pela percepção, tornando-se visível.
O aprendizado, como assinala Deleuze9, surge da potência de um signo,
de um objeto ou situação que se interpõe ao fluxo perceptivo usual,
promovendo um encontro tão imprevisto quanto inevitável, que solicita
a produção do pensamento, forçando a realização de algo inédito. A
aprendizagem se afasta, pois, do mero reconhecimento ou da compreensão
objetiva de algo que nos foi transmitido, e se aproxima da invenção, de
um processo de produção de sentidos. E que não apenas é individual, já
que se produz de maneira sempre pessoal e intransferível, mas que propõe
a individuação, o estímulo à invenção de um jeito singular de estabelecer
sentidos a partir da relação com os acontecimentos da vida e da arte.
Meus companheiros do Caju
Na ocasião do encontro a que me refiro no início do texto, em 1985,
cursava a graduação em Direito na UERJ (Universidade do Estado do Rio
de Janeiro), que se apresentava como mais uma tentativa de encontrar
um campo de trabalho que me motivasse, pois acabara de abandonar
o curso de Engenharia Química, que fazia na mesma universidade. Mas
as aulas de Direito pareciam também bastante enfadonhas e resolvi, no
horário livre que dispunha durante o dia, me oferecer para trabalhar
como voluntário em uma instituição beneficente localizada no bairro
do Caju, na cidade do Rio de Janeiro, chamada SOS - Serviço de Obras
Sociais, e que atendia a uma média de quinhentas crianças e jovens social
e economicamente desfavorecidos.
A coordenadora pedagógica da instituição me propôs que assumisse uma
das turmas, com crianças entre 9 e 13 anos, e que naquele momento
estava sem professor. O objetivo das aulas era o de "reforço escolar", já
8 G. K. Chesterton, apud Walter Benjamin, 2006, p. 482.
9 Gilles Deleuze. Proust e os Signos. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2006.
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que as crianças estudavam na escola pública em um turno e no outro iam
para o SOS. A proposta era "reforçar" aquilo o que tinham aprendido,
ou deixado de aprender, na escola. Contudo, o grande serviço prestado
era mesmo a guarda e a alimentação daquelas crianças, que, muitas
vezes, não faziam outras refeições que não as ali oferecidas. A indisciplina e o barulho, por um lado, e o autoritarismo, por outro, imperavam
na instituição, e qualquer atividade organizada, que solicitasse maior
disponibilidade, concentração e atitude colaborativa, era rapidamente
boicotada pelos alunos e abandonada pelos professores.
O Caju é um bairro localizado no subúrbio do Rio de Janeiro, circundado
por quatro pontos que marcam o seu aspecto geográfico e social: a Avenida
Brasil, via intensa, ruidosa e com altos índices de poluentes; a Comlurb
(Companhia Municipal de Limpeza Urbana), que possui no bairro um
terreno amplo e com odor desagradável, onde lança e seleciona dejetos;
o cemitério do Caju; e a praia, pertencente à Baía de Guanabara, se
transformou em porto, e, desfigurada e poluída, perdeu a beleza natural
e as antigas condições de banho (era curioso e triste, observar que muitas
daquelas crianças, que moravam à beira-mar, diziam nunca ter ido à praia;
o que era compreensível, pois praia não existia mais naquele recanto).
Neste bairro, a partir da segunda metade do século XX, construíram-se
inúmeras favelas, habitadas em grande parte por imigrantes das regiões
norte e nordeste do país. As condições precárias em que se encontravam
aquelas crianças - desrespeitadas com frequência pelo Estado, que não
oferecia condições mínimas de moradia, transporte, saúde, segurança,
educação, cultura, e, por vezes, pelos próprios familiares, já que os relatos
de casos de violência doméstica eram costumeiros - talvez explicassem
a desconfiança com que recebiam qualquer proposta de afeto e cooperação. Afinal, por que esperar que estabelecessem relações de respeito
e confiança com qualquer pessoa ou instituição, se o desrespeito era a
tônica das relações cotidianas?
Foi nessas condições pouco convidativas, e de tanto tentar e fracassar nas
aulas de "reforço escolar" - tarefa que nenhum dos professores conseguia
realizar efetivamente; mesmo porque a zoeira que vazava de uma sala
para as outras impedia qualquer tentativa eficaz -, que me lembrei das
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aulas de artes cênicas que tinha tido a oportunidade de experimentar
quando criança na escola. Passei, então, a frequentar as bibliotecas da
UERJ em busca de livros sobre o ensino do teatro. As minhas idas para
a universidade ganhavam agora novo ânimo. Ao lado da minha sala, no
SOS, havia um grande espaço em que ficavam depositadas umas velhas
máquinas de escrever, remanescentes de um curso de datilografia já
desativado. Solicitei aquela sala à coordenação, e, depois da sala limpa,
passei a ir para lá com meus alunos. Ao invés de reforço escolar, teríamos
aula de teatro! Ciente da dificuldade generalizada em realizar de fato o
tal reforço escolar, a coordenação não fez qualquer oposição à minha
iniciativa.
A mudança de espaço, a inovação, foi, a princípio, muito bem recebida
pelos alunos do meu grupo, que invadiram a nova sala aos gritos, felizes
por aquela conquista. Ressalte-se que esta sala era muito maior que a
outra. A nossa alegria era evidente, agora precisávamos partir para o
próximo passo, organizar o grupo para as propostas e jogos teatrais. Aí
as coisas deixaram de funcionar como eu imaginara, como acontecera
nas minhas aulas de artes cênicas na escola, ou mesmo como estava escrito nos livros. Ou seja, a prática improvisacional proposta pelos autores
partia do princípio de que havia um grupo disponível, capaz de criar um
silêncio concentrado e prazeroso, de falar e de ouvir, e não de gritar; de
estabelecer uma relação, se não afetuosa, minimamente respeitosa ao
menos, e não de correr de maneira desvairada pela sala, sem condições
de ouvir qualquer proposta, mesmo que fosse uma simples sugestão para
sentarmos e fazermos uma roda. Este intento colaborativo estava muito
longe da disposição do meu grupo. No primeiro dia da nova etapa, depois
de várias tentativas de organizar as crianças, deixei-os sozinhos na sala,
fui para o banheiro e chorei copiosamente. O teatro solicitava uma disponibilidade e entrega que eles jamais seriam capazes. Nem eles, nem eu.
Mas o dia seguinte chegou e eu continuei tentando, e aos poucos (bem
aos poucos mesmo) eles demonstravam compreender o quão divertido
poderiam ser aqueles jogos; e entender que, por vezes, respeitar as regras
do jogo poderia ser muito mais prazeroso que uma zoeira permanente
e despropositada. O que não quer dizer que as crianças perderam a sua
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vitalidade e que a bagunça não se fazia presente, e, vez ou outra, era
mesmo muito bem-vinda na nossa sala.
uma pequena empresa; um outro se virava como traficante de drogas;
e assim por diante.
No final daquele ano, apresentamos um pequeno espetáculo para os
demais alunos da instituição. Foram vinte minutos de êxtase para mim,
momentos únicos em que pude ver meus alunos em cena, e aquelas tantas
crianças, pela primeira vez, em silêncio total e absoluto, assistindo a seus
companheiros. O vigor estético da arte teatral se configurava de modo
surpreendente para mim naquela tarde no Caju, tanto na potencialidade do processo em sala de aula, como o que realizei com meu grupo,
quanto na mostra de espetáculo para os alunos, que fizemos no final do
ano. Carrego viva ainda comigo aquela experiência fundamental, que
me deu norte na vida pessoal e profissional, e sou muito grato ao tanto
que aprendi com aquelas crianças; que logo depois se tornaram jovens
e adultos, pois continuei trabalhando lá com eles por cinco anos.
Contudo, para além da alegria de revê-los, me chamava a atenção o
fato de carregarem algo que nos marcava, que nos identificava, um algo
que certamente também estaria perceptível em mim, como se o espaço
conquistado pela experiência em comum, tal como um quintal invisível
a olho nu, concebido e acalentado por nós mesmos, ainda estivesse ali,
presente, pronto para ser revisitado a qualquer momento. O modo de
constituição desse lugar estético a partir de experiências artísticas, tal
como se dera com aqueles meninos, espaço poético, local de encontros
e descobertas, que solicita cuidado e revisão permanentes, tem, desde
então, me despertado o interesse. E uma questão permanece para mim
tão insondável quanto inquietante: o que terá ficado na alma daqueles
meninos, após anos de experiência com o teatro? Apesar da busca incessante, sinto apenas tangenciá-la, tocando-a, quem sabe, vez ou outra.
Em meu último ano no SOS, no processo de criação em que me despedi
do grupo, partimos divertidamente dos sambas que os alunos estavam
habituados a cantar, e, livremente inspirados na estética do teatro grego,
montamos um coro de pagodeiros. As canções costuravam a trama, estruturadas a partir de lances como: um bandido entra na casa do pobre
e toma um susto - "o ladrão foi lá em casa, quase morreu do coração" -,
e, apiedado ante a miséria com que se deparou, desce o morro clamando
aos policias para que o prendam - "pega eu, pega eu que eu sou ladrão".
O meu reencontro com alguns daqueles meninos, anos depois, se deu de
modo não menos inusitado. Estava no cemitério do Caju para o enterro
de um tio querido, e, como o velório se alongava por um tempo maior
que o esperado, decidi me afastar daquela situação angustiante e passear um pouco pela região. Foi nessa caminhada prosaica que encontrei
acidentalmente dois ex-integrantes do grupo. Alegres com o encontro
fortuito, os meninos, que já se mostravam jovens adultos, me deram
conta do que faziam os demais: um trabalhava agora em uma oficina de
automóveis da região; outro virara pescador, saindo nos pequenos barcos
ainda existentes na comunidade local; uma atuava como secretária de
Mesa do III Seminário Subtexto em Diálogo. Da esq. para dir.: Lúcia Pimentel, Américo Córdula, Flávio Desgranges,
Cíntia Inês Boll e Alícia Loureiro. Foto: Tiago Carneiro.
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Bibliografia
BARBA, Eugenio. O Espaço Interno. São Paulo, Revista Sala Preta, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São
Paulo, nº8, pp 9-10, 2008.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política.
São Paulo, Brasiliense, 1993.
________. Passagens. Belo Horizonte, Editora UFMG, São Paulo, Imprensa
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DELEUZE, Gilles. Proust e os Signos. Rio de Janeiro, Forense Universitária,
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MEIRIEU, Philippe. Le théâtre et la construction de la personalité de
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actuels du théâtre et ses rapports avec le public. Lyon, CRDP, 1993.
A formação do público
como uma forma de
sustentabilidade na Cultura
Viviane da Soledade*
O III Seminário Subtexto em diálogo promovido pelo Galpão Cine Horto
tinha como um de seus eixos temáticos a Sustentabilidade na Cultura. O
convite para participar de uma abordagem sobre o assunto, apresentando
o trabalho realizado na área de Cultura da Escola SESC de Ensino Médio
(RJ), me fez pensar o que seria essa sustentabilidade no campo cultural.
Sustentabilidade é um conceito muito utilizado para a reflexão sobre o
controle de recursos esgotáveis no Meio Ambiente. Influenciada por esse
conceito tão impregnado de uma preocupação com a escassez, imbuí-me
da urgência e da necessidade de novas possibilidades para a criação e a
manutenção da produção artística, de tal maneira que a criatividade e a
possibilidade de subversão artística não sejam minadas por uma indústria
cultural. Talvez a noção de sustentabilidade seja mais coerente ao pensarmos em produção artística, ao invés de produção cultural, pois a Cultura
possui o seu fluxo independente de uma necessidade de viabilização. É
característica da Cultura a condição de mudança e de consolidação. Já
a Arte precisa de recursos sustentáveis para a realização do seu ciclo de
criação, produção, difusão e recepção. Pensar em sustentabilidade na
Arte é pensar em ações que a torne sustentável, por isso visível.
Para refletir sobre o tema apresento o Clube de Espectadores, um projeto
de sistematização de público e acessibilidade à Arte e Cultura realizado pelo Espaço Cultural Escola SESC desde 2008, localizado na Escola
SESC de Ensino Médio em Jacarepaguá, Rio de Janeiro.A Escola SESC de
* Atriz formada pela
Casa das Artes de
Laranjeiras (CAL),
Bacharel em Teoria
do Teatro pela
Universidade Federal
do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO),
pós-graduada em
Arte e Cultura pela
Universidade Candido
Mendes (UCAM) e
mestranda em Bens
Culturais e Projetos
Sociais pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV).
Assessora Técnica
em Artes Cênicas da
Gerência de Cultura da
Escola SESC de Ensino
Médio e coordenadora
do Projeto Social (RJ).
Também integra a
comissão julgadora do
Prêmio Questão de
Crítica.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Ensino Médio é uma escola residência onde moram 483 alunos de todo
o Brasil, além de professores e seus familiares. O Espaço Cultural Escola
SESC é um lugar que promove atividades de fruição, ações formativas e
socioculturais para os alunos de todo Brasil e moradores da Zona Oeste
do Rio de Janeiro de maneira totalmente gratuita.
O projeto Clube de Espectadores foi uma estratégia para criar a sistematização de público por meio de ações que visassem a formação do
espectador/cidadão. A necessidade de desenvolver esse projeto partiu
da compreensão de que a função de uma programação é se adequar
ao seu público e às suas expectativas, ao mesmo tempo em que busca
proporcionar novas experiências artísticas e culturais. O objetivo inicial
era formar público apostando na possibilidade de se tornarem espectadores espontâneos desse espaço de cultura e de muitos outros da cidade.
A criação do hábito de frequentar um espaço cultural é o início para o
processo de formação de espectador e incentivo à produção artístico-cultural. Qualquer ação cultural para ser sustentável precisa considerar
o seu público, tendo em vista que toda a produção artístico-cultural tem
como finalidade atingir aquele que irá fruir a programação. Se não tiver
público não há forma de sustentabilidade. Ainda que o público não seja
pagante, qualquer investimento público ou privado para a realização de
Conversa com
o público após
a fruição. Foto:
Acervo da
Gerência de
Cultura da Escola
SESC
Educação & Sustentabilidade |
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uma programação gratuita só se viabilizará com a presença do público. O
sócio do Clube de Espectadores parece estar procurando um tratamento
diferenciado enquanto espectador por meio de valores simbólicos, já que
a programação é gratuita. Os princípios do projeto são: desenvolvimento
cultural da sociedade, democratização dos bens culturais, a ocupação e
utilização das potencialidades dos equipamentos culturais disponíveis,
pertencimento comunitário e a comunicação por meio da revista Clube
de Espectadores. Além das ações que oportunizem a ampliação do gosto
do espectador e da noção de qualidade para além do que é oferecido
pela indústria cultural.
Uma das ações específicas que tem como perspectiva a formação de
público e reforça a consciência de cidadania cultural dos espectadores,
desenvolvidas como um princípio do Clube de Espectadores é o Manual
de Fruição para espectadores iniciantes e alunos de rede de ensino público. Esse artigo pretende abordar rapidamente a questão da formação
do espectador enquanto processo de sustentabilidade cultural que se
concretiza com a realização de ações de sistematização de público criadas
pelo Espaço Cultural Escola SESC. O Clube de Espectadores e suas ações
consistem na criação de uma política cultural que tornou todo o trabalho
de Cultura da Escola SESC de Ensino Médio, sustentável.
A iniciativa de criar o Clube de Espectadores para constituir um público
assíduo à programação do espaço não atingiu o seu objetivo somente
com o cadastramento dos seus sócios. Torná-los espectadores estava para
além da iniciativa de gerar uma carteirinha e divulgar a programação, pois
isso não garantiria a ida dos sócios ao espaço cultural. Era preciso criar
uma política cultural que implicasse em ações de formação do hábito de
frequentar espaços de cultura, para posteriormente, incentivá-los enquanto espectadores. Foi então que o trabalho começou a ser delineado
com o público de escolas públicas. Como o Espaço Cultural Escola SESC
está localizado em uma escola de ensino médio, escolas do entorno com
demanda de programação artística se aproximaram, mas com poucas
(ou quase nenhuma) possibilidades de viabilizar o transporte de seus
alunos para frequentar a programação em período escolar. Os alunos não
tinham poder aquisitivo para arcar com os custos de transporte, muito
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Panorâmica do
Teatro do Espaço
Cultural Escola Sesc.
Foto: Acervo da
Gerência de Cultura
da Escola SESC
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
menos de ingresso. Como a programação do Espaço Cultural Escola SESC
sempre foi gratuita, faltava apenas viabilizar o transporte. A demanda
que surgia fez com que a equipe de cultura da Escola SESC desenvolvesse,
desde 2010, uma programação específica para escolas públicas, Escola
vai ao teatro1, que disponibilizava o transporte dos alunos e professores
e oferecia programações com horários adequados ao período escolar. A
programação do projeto Escola vai ao teatro é composta de linguagens
artísticas diversas com a intenção prioritária de ser formativa. Nesse
contexto surgia a proposição de parceria entre cultura e educação.
Para que o projeto Escola vai ao teatro atingisse êxito era necessário trabalhar junto com os professores das redes públicas. O objetivo inicial era
formar público, no caso os alunos das escolas, apostando na possibilidade
de se tornarem espectadores espontâneos desse espaço de cultura. No
1 Realização de apresentações artísticas e visitas a exposições para alunos da rede pública,
com o princípio de estimular e viabi­lizar a ida de estudantes ao teatro, objetivan­do dar
acesso a alunos de instituições formais e informais a uma programação diversificada e de
qualidade. Período de realização: março a novembro.
Educação & Sustentabilidade |
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entanto, a realidade que se apresentava era de um grande despreparo dos
professores enquanto formadores de atividades de fruição, pois muitos
tinham pouca experiência enquanto espectadores, bem como os alunos.
Tornava-se difícil a relação entre espectadores-alunos, espectadores-professores, artistas e mediadores do Espaço Cultural Escola SESC por uma
rejeição à programação que se desconhecia, por uma incompatibilidade
à expectativa de comportamento que se tinha e uma falta de entendimento dos professores de que a atividade de fruição também poderia ser
formativa. Muitas das linguagens apresentadas para eles estavam sendo
inaugurais e a questão do gosto em relação ao que se apresentava estava
sempre em jogo acompanhado de grande estranhamento.
Nesse contexto é criado pela equipe de cultura da Escola SESC o material
didático Manual de Fruição, um guia prático de como ser um espectador
melhor. A princípio o material didático era composto apenas de orientações comportamentais para o momento da apresentação artística que se
apresentava no formato de folheto com observações do tipo: desligar o
celular, não conversar, não se movimentar demasiadamente, não beber
e comer na sala de espetáculo, não fotografar sem autorização prévia e ir
ao banheiro antes ou depois da apresentação. A necessidade do Manual
de Fruição surgiu na medida em que o público das escolas públicas apresentava um grande desconhecimento dos códigos sociais constituídos
para espaços de cultura institucionalizados. A ideia era ensinar as regras
básicas de sociabilidade entre espectadores, artistas e mediadores de
espaço de cultura. Com o desenvolvimento do projeto Escola vai ao
teatro percebeu-se que também era preciso preparar os alunos para o
que iriam assistir, dando-lhes informações do que seria apresentado para
que os alunos pudessem criar alguma relação prévia com a programação.
Então foi incorporado ao Manual de Fruição informações sobre o que
seria assistido e enviado ao professor previamente para ser repassado aos
alunos em sala de aula. Nesse segundo momento foram incorporadas
sugestões aos professores de como deveriam ser trabalhadas previamente
as informações sobre o espetáculo de maneira a estimular o aluno a assistir a apresentação artística. Essa parte é um instrumento para auxiliar
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
o professor com propostas de jogos e abordagens de conteúdos sobre a
obra artística para serem trabalhadas junto aos alunos em sala de aula.
Devido ao fato de muitos alunos estarem lidando com a fruição de linguagens artísticas pela primeira vez surgiu a necessidade de incluir no
manual, informações sobre as apresentações artísticas que pudessem
evitar um estranhamento, em demasia causando uma profunda falta
de empatia entre o produto artístico e o espectador. Dessa maneira, o
manual contribui para a formação de público a partir do entendimento
de onde o espectador se encontra, de como proceder, qual a programação que irá assistir,uma introdução à temática do espetáculo e o que ele
pode fazer com o que lhe foi oferecido. O apoio dos professores, antes
e durante o espetáculo, na orientação dos alunos é imprescindível para
o bom andamento desse processo formativo.
Busca-se com isso que o ato de fruir arte possa contribuir de maneira
significativa para a construção da cidadania, oportunizando o convívio
entre os espectadores/frequentadores do Espaço Cultural Escola SESC,
gerando o pertencimento, exercitando a fala sobre a fruição e a discussão
sobre o gosto, elaborando ações de educação do espectador iniciante que
dizem respeito à criação de novos hábitos comportamentais, ampliação de
referenciais e do gosto. Essas ações são iniciativas que ajudam a reverter
a constatação de que na Cultura, assim como na área da sustentabilidade
ambiental "(...) muito pouco tem sido feito no sentido de se analisar as
práticas de consumo como uma forma de criação de redes de intercâmbio
de informação e de aprendizagem do exercício da cidadania." (PORTILHO,
2005. p. 10). Nesse caso a dimensão de consumo na Cultura está menos
atrelada à noção de compra e muito mais de fruição como um direito de
todo e qualquer cidadão.
Para o desenvolvimento do projeto Clube de Espectadores e da criação do
Manual de Fruição a noção de sustentabilidade cultural se faz pertinente
na medida em que era necessário estimular a formação de um público (ou
públicos) para viabilizar as políticas culturais desenvolvidas pelo setor de
cultura da Escola SESC. A sustentabilidade também pressupõe trabalhar
com recursos escassos como uma necessidade de promover,com pouco
Educação & Sustentabilidade |
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capital, o maior número de atividades culturais sem excluir o critério
de qualidade. Para isso, é necessário incentivar o desenvolvimento dos
grupos artísticos locais e a ampliação do conceito de Cultura do público
oferecendo-lhes uma programação fora de um eixo comercial. Mas pensar
em sustentabilidade na área cultural é, sobretudo, pensar em sustentabilidade social que, dada a abrangência desta atividade, deve atender à
comunidade receptora, ao patrimônio histórico-cultural e à sua interação
com os cidadãos, de forma a aumentar a auto-estima e o padrão de vida
das comunidades locais, respeitando as suas tradições culturais e o seu
direito de criação do novo.
Sustentabilidade na Cultura pode ser entendida como medidas que criam a
oportunidade de criação, manutenção, difusão e recepção na área cultural
de maneira que os recursos investidos sejam distribuídos sem centralização
e fomentem a produção artístico-cultural. Para isso é preciso pensar para
além de medidas que inibam a escassez de produção e difusão cultural,
mas que transformem os recursos aplicados em ações mais abundantes
e sistemáticas que alcancem o maior número de cidadãos-espectadores.
Conversa entre
artistas, público e
mediadores do Espaço
Cultural Escola Sesc.
Foto: Acervo da
Gerência de Cultura
da Escola Sesc.
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Educação & Sustentabilidade |
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Para isso é importante considerar a cadeia produtiva para o desenvolvimento de uma política cultural.
É preciso criar medidas que façam com que os recursos investidos na
área cultural sejam melhores distribuídos e aproveitados pelos artistas,
produtores culturais e fruidores. Ao mesmo tempo em que é necessário
o apontamento de novas medidas dos que promovem a distribuição da
cultura e dos que se beneficiam dessa distribuição para tornar a vida
cotidiana cultural sustentável. Para que essa investida se realize, é necessário refletir seriamente sobre a recepção artística. Sem público não
há possibilidade de realização de um trabalho artístico. Por essa razão
torna-se urgente uma relação mais próxima dos artistas para com os
espectadores, dos produtores culturais e do poder público para então
ratificar a importância do incentivo à cidadania e à "consciência cultural" e a criação de valores coletivos. Além disso, é preciso oportunizar
o diálogo do governo com a sociedade para a elaboração de medidas
com perspectivas de orientação da fruição e do hábito de consumo da
cultura, mais especificamente da Arte.
Essa seria uma perspectiva que tem, sobretudo, como foco de mudança,
a forma de relação entre espectadores, artistas e produtores de Arte e
Cultura. Para pensar mais especificamente na fruição da arte é fundamental considerar os hábitos e a acessibilidade. Há uma necessidade de
que a difusão do hábito de fruir arte seja estabelecida para classes mais
amplas. Quando isso acontece, a pressão comportamental aumenta, a
adesão em alguma medida também e a valoração dos gestos se estabelece. Portanto, é preciso estar disposto a negociar padrões de consumo
para melhorar a qualidade de vida da grande maioria da população em
situação desfavorável de acesso às produções culturais e artísticas, para
diminuir situações de contínua discriminação e exclusão social.
Promover o consumo sustentável cultural no Brasil significa, antes de
qualquer coisa, garantir que as populações de baixa renda tenham acesso
à fruição de produtos e serviços culturais contemplando assim as necessidades básicas como o direito de frequentar os espaços de cultura para
fruir teatro, cinema, música, artes plásticas... Não se gosta do que não
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se conhece. Quanto àqueles que já possuem condições econômicas para
garantir o atendimento de suas necessidades básicas precisam ampliar
as suas possibilidades de escolhas entrando em contato com uma maior
diversidade cultural; optando por produtos culturais que incentivem à
produção de grupos artísticos que não sejam midiáticos e, deste modo,
consequentemente, incentivando o surgimento de novos artistas fora de
um eixo comercial. Para a sustentabilidade de uma produção não comercial é necessário despertar as noções de coletividade e o sentimento de
comunidade nos consumidores/espectadores/cidadãos. Não se almeja
com isso a universalidade do gosto, mas a ampliação do mesmo e o
desenvolvimento de um hábito de fruir algo que não está legitimado
pela indústria cultural.
Bibliografia
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EBAPE.BR, 2006.
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São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
O Festival do Teatro
Brasileiro e suas ações de
formação para alunos da
rede pública de ensino
Sérgio Bacelar*
O Festival do Teatro Brasileiro (FTB) é um projeto de circulação interestadual que propõe a aproximação cultural entre os estados brasileiros. Ao
longo de suas 15 edições e desde 1999 foram realizadas a Cena Baiana
no DF, PE, CE e MA; a Cena Mineira no DF, RJ, SP, PR e RS; a Cena
Pernambucana no DF, SE e BA; a Cena Cearense em MG e ES; a Cena
Gaúcha no DF e GO; a Cena Paranaense no RS e em SP; a Cena Distrito
Federal no MS; e uma edição especial de Teatro de Rua no DF.
Além de apresentar um recorte da produção das artes cênicas do estado
que é o objeto da edição, o FTB, desenvolve outras ações. São realizadas
oficinas de qualificação profissional, encontros informais entre os grupos
dos estados envolvidos, encontros entre os departamentos de artes das
universidades, oficinas de introdução às artes cênicas, construção de
instrumentos e introdução de ritmos musicais para jovens em situação
de risco social, bate-papos após as apresentações, bem como ações de
formação de plateia para alunos da rede pública de ensino.
As ações de formação de plateia foram incorporadas pelo FTB para propor
soluções à algumas questões como: ampliação de público; proposição
de contrapartidas socioculturais; adequação às diretrizes culturais do
Governo Federal; e aumento das possibilidades de captação.
* Sérgio Bacelar é
Idealizador e captador
de projetos culturais,
especializado na
elaboração de projetos
nas linguagens de
teatro, música e
dança. Atualmente,
o gestor coordena
o Festival do Teatro
Brasileiro, o Festival
de Teatro de Rua
(DF) e a ocupação da
Sala Plínio Marcos da
Funarte, em Brasília.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Educação & Sustentabilidade |
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os atores-educadores e os diretores e atores dos espetáculos para que
se identificasse o que poderia ser destacado quando das rodas com os
alunos. Tal iniciativa foi elogiada pelos atores-educadores quando das
avaliações finais.
A frequência dos alunos foi muito boa. As rodas de conversa se mostraram
frágeis já que eram realizadas em locais improvisados com interferência
de ruídos. Levavam em média 15 minutos e os alunos ficavam em pé. Os
alunos eram em sua maioria frequentadores do Ensino de Jovens Adultos (EJA). Espetáculos como “Cabaré da rrrrraça” do Bando de Teatro
Olodum e R$ 1,99 conseguiram despertar um grande interesse. Em um
R$ 1,99 o ator Ricardo Castro, logo no início, troca de figurino em cena
com uma luz indireta. Naquele momento os alunos reagiram com gritos
e assobios que pareciam infindáveis. Foi necessário o ator interromper a
apresentação e propor cumplicidade para que o espetáculo fosse retomado. Foram momentos de muita apreensão da equipe de produção. O
espetáculo transcorreu bem apesar de uma pequena parte do público
continuar com os assobios. Ao final a plateia aplaudiu calorosamente e
por um tempo pouco visto.
Plateia no Festival
de Teatro Brasileiro
em 2011. Curitiba/
PR. Foto: Elenize
Desgeniski.
A primeira experiência com os alunos aconteceu na sétima edição, em
2008, quando da Cena Baiana em Pernambuco. A Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE) era parceira do
FTB. A instituição tinha um núcleo destinado às relações com as escolas
estaduais e ficou responsável pela escolha das escolas e o transporte dos
alunos. Foram contratados atores para acompanhar os alunos no percurso da escola até teatro. Quando da chegada dos alunos nos teatros os
atores formavam uma roda e conversavam sobre o espetáculo que seria
assistido, os profissionais envolvidos nas criações e sobre comportamento
nas salas de espetáculos. Imaginou-se que se poderia iniciar a conversa
já no ônibus, entretanto isso não foi possível em virtude da dispersão.
Como forma de preparação os atores receberam os DVDs com as imagens
corridas dos espetáculos e os releases. Foram realizados encontros entre
No ano seguinte foi a vez da Cena Pernambucana ser apresentada em
Sergipe e Bahia. Foi chamada para coordenar as ações de formação uma
arte-educadora que tinha uma larga experiência com grupos de alunos
em visitas guiadas em exposições de artes visuais. Decidiu-se que ela
coordenaria a ação nos dois estados. Na Bahia tentou-se uma parceria
com as Secretarias de Educação do Estado e do Município de Salvador.
Ambas as instituições não aderiram argumentando que não seria possível
transportar os alunos. A solução encontrada foi um contato direto com
as escolas próximas aos teatros. Em Sergipe a parceria com o Estado foi
muito bem recebida pela Secretaria de Educação.
Foram preparadas duas metodologias distintas. Uma destinada a um
contato direto com os alunos soteropolitanos e a segunda para os professores das escolas estaduais de Sergipe. A primeira seguiu o formato
de visitas guiadas e abordava temas da primeira experiência realizada em
Recife – cenografia, iluminação, figurino, direção, dramaturgia, etiquetas
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
para a frequência a teatros. E a segunda era mais teórica objetivando
capacitar os professores para transmitirem aos seus alunos assuntos introdutórios sobre a cultura pernambucana, história do teatro e os temas
sobre as diferentes criações artísticas que compõem um espetáculo e
comportamento.
Em Salvador, a frequência foi muito baixa. Era um período de chuvas intensas e muitos alunos deixaram de ir às aulas. Em Aracaju foi programado
um sábado em dois períodos para o contato com os professores de artes.
Esses encontros faziam parte da agenda dos professores do Estado que
se reuniam mensalmente para reciclagem. Participaram da capacitação
cerca de 40 professores. A Secretaria conseguiu mobilizar cerca de 7000
alunos, entretanto observou-se, já nas primeiras apresentações, que um
número pequeno dos professores capacitados foi com suas turmas. Uma
solução encontrada para os alunos do EJA foi realizar a mesma prática das
rodas de conversas de Recife. Para as apresentações realizadas no período
vespertino, exclusivas para os alunos, optou-se por se ter uma conversa
com as crianças e jovens antes dos espetáculos, agora dentro do teatro.
Em 2008 o FTB contou pela primeira vez com o patrocínio da Petrobras.
A parceria com a instituição tem sido um importante estímulo para o
aperfeiçoamento e continuidade das ações de formação para alunos da
rede pública de ensino. Nas edições seguintes continuaram as experimentações. A seguir, a metodologia considerada ideal pelo FTB.
No primeiro movimento, identifica-se um coordenador pedagógico no
estado que deve se destacar por ter um bom trânsito junto as Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação e núcleos de graduação. O profissional recebe os relatórios e os guias dos professores das ações anteriores.
Os curadores apontam espetáculos que têm boas possibilidades didáticas.
A definição dos que serão trabalhados na ação de formação passa a ser
uma escolha do coordenador pedagógico e da direção do FTB. Entende-se que ninguém melhor do que uma pessoa do estado para escolher o
espetáculo que pode gerar um resultado mais efetivo.
Educação & Sustentabilidade |
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O próximo passo é montar a equipe de arte-educadores que tenha vivência
como atores ou com alunos de graduação em licenciatura em teatro e um
produtor. Uma boa experiência é a parceria com as universidades e uma
seleção resultado de inscrições e entrevistas. Trabalhar com pessoas que
se dispõem a ter um envolvimento pessoal e apaixonado é um excelente
indicativo de bons resultados.
A definição da preparação dos arte-educadores é uma escolha da coordenação pedagógica que tem como referência as experiências dos
anos anteriores. O produtor fica responsável pelos agendamentos dos
encontros, deslocamento dos arte-educadores, preparação do material
de apoio didático e acompanhamento dos deslocamentos dos alunos.
A equipe de arte-educação faz a adequação do Guia do Professor, material de auxílio à preparação dos alunos com proposições pré-espetáculo,
durante e pós apresentação. Desenvolve-se também um material didático
complementar para os alunos.
A direção do FTB, em conjunto com a coordenação pedagógica, identifica, a melhor estratégia para a proposição da parceria - se direto com
as escolas ou com as Secretarias. Deve-se priorizar o contato com os
núcleos relacionados à arte -educação.
O primeiro contato deve ser com os professores das turmas que participarão da ação. Em um encontro de 2 horas dos professores com a
coordenação pedagógica e os arte-educadores é apresentado o Guia do
Professor e são demonstradas algumas das práticas sugeridas.
O próximo passo é o encontro dos arte-educadores com os alunos por
um tempo de 2 horas/aula. Neste momento, aplica-se a metodologia
sugerida pela coordenação e treinada com os arte-educadores. Após os
primeiros encontros ajusta-se a metodologia proposta.
O segundo movimento e o mais esperado é a apreciação do espetáculo.
A ida até o teatro para a vivência é muito rica, pois acrescenta elementos
outros. Informações sobre a história do local e uma visita a suas dependências são opções de ações complementares. A participação tanto dos
professores quanto dos arte-educadores deve ser proativa. A equipe deve
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
estar preparada para organizar a saída dos ônibus, o acesso à plateia e
a saída do teatro. Sugere-se que dois arte-educadores estejam no palco
para dar os avisos gerais e relembrar o que foi conversado em sala de aula.
Aproveita-se a oportunidade para falar sobre a rotina dos sinais sonoros
ou luminosos. Outra possibilidade já experimentada e bem sucedida é
levar espetáculos de rua para dentro da escola. Sempre que possível uma
conversa após o espetáculo entre os alunos e atores gera uma desmistificação da figura do ator e potencializa a ação de arte educação.
O terceiro movimento é o retorno dos arte-educadores às escolas. Essa é
a ação que melhor deve ser preparada em virtude das dificuldades a serem
transpostas. Até aquele momento a ação já tomou muito do tempo dos
professores e dos alunos. A interferência na grade curricular passa a ser
questionada. Os alunos do ensino noturno (EJA) não tem uma frequência
regular. Entretanto, quando o envolvimento dos professores, coordenadores e diretores da escola é pleno a ação final viabiliza a conclusão dos
objetivos. Neste último movimento, planejado e preparado previamente
pela coordenação pedagógica e arte-educadores, se conversa sobre
toda a vivência e principalmente sobre o espetáculo. Aplica-se também
um questionário que possibilitará a leitura do conjunto das percepções
dos alunos e se poderá avaliar a eficácia da ação, bem como os ajustes
necessários para a próxima edição.
Ação de Formação.
CEMEIT, Taguatinga/
DF. Foto: Arquivo FTB.
Educação & Sustentabilidade |
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Até hoje não se conseguiu desenvolver a metodologia na sua totalidade.
A realidade do sistema educacional é muito sofrida. Encontra-se um
grande número de profissionais sobrecarregados e desestimulados. As
greves dos professores são frequentes. Alunos também desestimulados
e com problemas de comportamento são muitos. Sensibilizar jovens,
jovens adultos e professores que têm nenhuma ou pouca vivência das
artes cênicas pode se tornar uma batalha.
Por outro lado os depoimentos dos envolvidos e resultados avaliados são
um estímulo para se dar continuidade à ação. É comum pelas cidades por
onde passa o FTB ser essa a primeira experiência de aplicação de uma
ação de formação para as artes cênicas considerando a metodologia,
quantitativo de horas de trabalho, número de alunos atendidos e formação
de equipe de arte-educação. Também é comum ouvir dos profissionais
envolvidos que a ação foi transformadora para suas carreiras.
Ação de
Formação. CEMEIT,
Taguatinga/DF.
Foto: Arquivo FTB.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Tem-se a compreensão que a ação proposta é pontual. Entretanto o
modelo apresentado se junta a outras iniciativas privadas e públicas para
tentar fazer ecoar a urgência de um engajamento amplo e sistematizado
para que se potencialize o diálogo entre o teatro e a educação, entre a
arte e a educação.
Patrocínio cultural,
uma possibilidade de
desenvolvimento local
Participar do III Seminário Subtexto em Diálogo – Teatro em MG: Educação e Sustentabilidade foi compreender que, apesar do assunto ser
uma preocupação de poucos, iniciativas preciosas e necessárias estão
acontecendo. A parceria do Ministério da Educação e o Ministério da
Cultura no Programa Mais Cultura Nas Escolas, que deve atingir 5000
escolas em 2014, aponta para uma mudança desejada nos processos de
educação.
Marcelo Santos*
O desenvolvimento constitui fator de grande relevância para as políticas
públicas contemporâneas, no Brasil. Seja sob a perspectiva ambiental
ou da inclusão social, as políticas públicas estão sempre orientadas para
o desenvolvimento nacional. Essa perspectiva está repercutida, também, no discurso de empresários e de representantes de instituições da
sociedade civil. A pauta do desenvolvimento é recorrentemente apresentada como condição sine qua non de políticas públicas e, por esse
motivo, deve ser evidenciada como resultado de ações, legislações e
planos de governo.
Por meio da Constituição Federal de 1988 o Estado promoveu avanços
em direção à democracia e preconizou um modelo de descentralização
político-administrativa que estimulou à participação da sociedade civil. Também indicou como competência da União o desenvolvimento
econômico e social (Brasil, 1988). Concomitantemente, a Organização
das Nações Unidas (ONU), por meio da Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco, 2002) e do PNUD (Pnud, 2011), defendeu
o princípio do desenvolvimento das comunidades como eixo estratégico
de planejamento. Na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural,
há referência explícita ao modelo de desenvolvimento “não somente
em termos de crescimento econômico” (Unesco, 2002) e do fortaleci-
* Gestor cultural,
Mestre em Gestão
Social pelo Centro
Universitário UNA.
[email protected]
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mento “[...] da função primordial das políticas públicas em parceria com
o setor privado e a sociedade civil” (UNESCO, 2002).
A revisão do papel do crescimento econômico em sua relação com o
desenvolvimento é importante porque muito embora haja evidência favorável do desempenho econômico brasileiro, não se pode comemorar
proporcional redução dos índices que apontam desigualdades sociais relevantes caracterizadas pela concentração de recursos em determinados
eixos de desenvolvimento. Segundo Celso Furtado:
O subdesenvolvimento tem suas raízes numa conexão precisa,
surgida em certas condições históricas, entre o processo interno
de exploração e o processo externo de dependência. Quanto
mais intenso o influxo de novos padrões de consumo, mais concentrada terá que ser a renda. Portanto, se aumenta a dependência externa, também terá que aumentar a taxa interna de
exploração. Mais ainda: a elevação da taxa de crescimento tende a acarretar agravação tanto da dependência externa como
da exploração interna. Assim, taxas mais altas de crescimento,
longe de reduzir o subdesenvolvimento, tendem a agravá-lo,
no sentido de que tendem a aumentar as desigualdades sociais.
(Furtado, 1974, p. 94).
As políticas públicas devem ser inovadoras ao propor formas de intervenção que não reproduzam as desigualdades de oportunidade de
acesso a melhores condições de vida. Nesse sentido, o desenvolvimento
local deve incorporar o desafio de contraposição aos modelos convencionais de crescimento e desenvolvimento. Deve ser orientado na produção de valores e condições propícias à construção de novas possibilidades socioeconômicas para as populações. Sob essa perspectiva, deve
ser entendido como objetivo qualitativo e quantitativo das políticas públicas. Nesse contexto é pertinente a questão de como isso será possível, sobretudo, a permanecer o intuito de considerar o desenvolvimento
como resultante da ação direta das comunidades envolvidas, ou, dito
de outra forma: desenvolvimento local endógeno, evitando os riscos de
hierarquização e de manutenção da hegemonia.
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A participação efetiva das comunidades impacta positivamente o ambiente político ao reequilibrar os interesses de classes, reforça princípios e valores democráticos, expande o exercício dos direitos civis e a
abrangência das políticas sociais colaborando mais fortemente para o
desenvolvimento humano. Se a participação nas políticas públicas tem
potencial para induzir a maior qualidade da democracia, há motivos
para se acreditar que deva ser estimulada também por meio de possibilidades pragmáticas incorporadas às políticas públicas. O processo de
desenvolvimento local endógeno seria, portanto, aquele que objetiva
um modelo de desenvolvimento caracterizado pela quebra de paradigmas e modelos exclusivamente econômicos, que pressupõe a agregação
de valores identitários das comunidades, que está estruturado a partir
de determinado grupo ou em região específica, planejado a partir de
elaboração e/ou assimilação pela própria comunidade.
É importante frisar, contudo, que a forma e o conteúdo da gestão social
decorrem da materialidade histórica em que vivem os participantes, no
sentido local e naquele mais amplo das relações sociais da sociedade
capitalista. Assim, a gestão é social porque, além de ser compartilhada, repousa no reconhecimento e legitimação dos interesses sociais dos
participantes, requisitos não isentos de conflitos e contradições.
O incentivo à cultura no Brasil, sobretudo por meio das legislações que
possibilitam a participação das empresas, deve ser analisado sob a perspectiva das políticas públicas e, por esse motivo, deveria, também, objetivar o desenvolvimento local endógeno como estratégia emancipatória.
A explicitação de um objetivo que unificasse as agendas da produção
cultural, das comunidades, dos governos e das empresas, por meio das
legislações culturais de incentivo, corroboraria a lógica sistêmica imprescindível a resultados palpáveis de desenvolvimento.
Foi nesse contexto que, no ano de 2008, a área de responsabilidade
social do segmento florestal de uma grande siderúrgica solicitou de sua
fundação que estudasse uma forma de contribuir para o desenvolvimento das pequenas cidades onde atua, por meio de ações beneficiadas
por leis de incentivo à cultura.
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A estratégia adotada foi a de estimular processos culturais formativos,
durante um período médio de quatro a seis anos, com foco nos resultados de mobilização sociocultural; valorização da identidade e da diversidade cultural local; formação e consequente formalização de grupos
artísticos; capacitação em planejamento, gestão e em conteúdos artístico-culturais e; estimulação da economia local. Para tanto, a empresa
deveria se comprometer a investir os recursos incentivados necessários;
abandonar modelos de decisão que lhe conferissem o status de protagonista; estimular a participação das comunidades nos processos de
formação e, ainda, avaliar, por meio de diálogos com a comunidade, os
resultados e aprendizados do processo. Esses princípios que orientaram
a elaboração, pela ArcelorMittal BioFlorestas, do programa “Desenvolvimento comunitário, educação e cultura”, que passou a ser realizado
nas cidades mineiras de Abaeté, Martinho Campos, Quartel Geral, Bom
Despacho e Dores do Indaiá (no vale do rio São Francisco) e Dionísio,
Marliéria, São José do Goiabal e São Pedro dos Ferros (no vale do rio
Doce), com a mediação da Fundação ArcelorMittal Brasil.
Oficina ministrada
pelo ator Camilo Lélis
na cidade de Marliéria.
Foto: Arquivo Teatro
Invertido.
Para realizar as atividades atinentes ao programa, a ArcelorMittal BioFlorestas prospectou e contratou, por meio da Lei Estadual de Incentivo
à Cultura de Minas Gerais, de 2008 a 2013, diversos projetos culturais
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que previam em seus planos de trabalho atividades que colaboravam,
diretamente, para os objetivos planejados.
O segmento de artes cênicas foi selecionado como eixo estruturante do
programa devido à oferta abundante de projetos disponíveis para apoio
por meio da Lei Estadual de Incentivo e, também, por sua característica
polissêmica. Essa polissemia foi estratégica, porque viabilizou o diálogo com inúmeras expressões artísticas locais: literatura, artes visuais,
música etc. A criação dos grupos culturais é um dos resultados do programa: Grupo Babilônia em Marliéria; Coração de Ferro em São Pedro
dos Ferros; Nossa Cia. em Dionísio; Cia. Doce em São José do Goiabal;
Sapere Arte em Dores do Indaiá; CenAção e Sorriso Feliz em Martinho
Campos; QG da Alegria e QG Mirim em Quartel Geral; Engenhos do
Teatro em Bom Despacho; e um grupo de estudos em Abaeté.
As etapas, descritas a seguir, estão sendo implantadas em períodos que
variaram de acordo com a apreensão das comunidades. Em média cada
etapa tem duração de seis a doze meses. Os grupos profissionais cujos
Grupo Teatro
Invertido (BH) e
atores da cidade de
Marliéria (Grupo
Babilônia). Projeto
de formalização de
grupos artísticos
da ArcelorMittal
BioFlorestas. Foto:
Elvira Nascimento.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
projetos são disponíveis para apoio por meio da LEIC se revezaram entre
as cidades e de acordo com a etapa de formação. O programa previu os
seguintes objetivos divididos em etapas complementares.
Sensibilização - Objetivo de apresentar, para a comunidade, conteúdos
artísticos que sejam de seu interesse e que gerem aproximação por afinidade. Nessa etapa as oficinas, geralmente de pequena duração, têm
o objetivo de atrair e despertar a atenção para os temas e para a linguagem artística. Foi adotado, como critério imprescindível, a comunicação prévia com o poder público (prefeitos e secretários de educação
e de cultura) quando foram apresentados os objetivos do programa, as
estratégias, os resultados esperados e, eventualmente, demandas específicas normalmente associadas à cessão de locais para oficinas e/ou
apresentações. Nessas ocasiões, sempre surgiram informações acerca
de artistas locais, jovens talentos, lideranças comunitárias, manifestações relevantes para a comunidade etc. A partir dessas informações,
muitas vezes houve direcionamento do programa para determinadas
regiões, bairros ou distritos ou foram privilegiadas parcerias com escolas
ou lideranças de forma a potencializar os ativos culturais locais.
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Produção de repertório local - Objetivo de consolidação dos coletivos
formados na etapa de Formação. É esperada, além de repertórios artísticos mais consistentes, a realização de apresentações dos grupos locais
em distritos e a participação dos integrantes em eventos artísticos como
Mobilização - Objetivo de identificar e mobilizar pessoas que querem
desenvolver habilidades no segmento das artes cênicas e instruí-las nos
conteúdos básicos por meio de oficinas de média ou longa duração conforme a identificação da demanda. Os conteúdos são debatidos com os
grupos profissionais formadores (contratados por meio da Lei) e exploram a cultura local.
Formação -Objetivo de intensificação dos conteúdos artísticos por meio
de oferta regular e de longa duração. Nessa etapa são propostas pesquisas, diagnósticos, diálogos com instituições e/ou grupos culturais,
debates, seminários e parcerias locais que tenham potencial de contribuir para a sustentabilidade do trabalho. As oficinas, dessa etapa, têm
carga horária superior a cem horas/aula. Os participantes são instados a
concluir o processo formativo por meio da eleição de uma causa cultural
que os motive, normalmente a produção de um trabalho de conclusão
que será apresentado à comunidade.
Oficina de Bonecos
feitos com Cabaça
ministrada pelo Grupo
Teatro Kabana em
Engenho Ribeiro. Foto:
Arquivo Teatro Kabana.
festivais, encontros e seminários.
Avaliação / continuidade - Objetivo de avaliação coletiva do processo
formativo e de assunção das responsabilidades de planejamento e gestão pelo grupo local. Nessa etapa são esperados os resultados de elaboração de projetos próprios das comunidades, prospecção de recursos
por meio de parcerias locais e participação em editais de microprojetos
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Mostra “Histórias de
Cá”. Encerramento
da oficina realizada
pelo Grupo Teatro
Kabana na cidade
de Engenho Ribeiro.
Foto: Pedro Vilela
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e, sobretudo, a formalização dos coletivos em formato jurídico (associação, ONG, microempresa etc.).
O GRUPO TEATRO INVERTIDO FALA SOBRE
SUA PARTICIPAÇÃO NO PROJETO
Desenvolvimento dos Grupos Profissionais Formadores - Objetivo de
contribuir, por meio do patrocínio regular, para que o planejamento dos
grupos profissionais possa ser feito em longo prazo, além de viabilizar
pesquisas e novas montagens, condição essencial à manutenção dos
grupos mas, também, à produção e difusão de conhecimento para os
grupos recém-formados nas cidades de atuação da empresa. Outro aspecto importante foi o aprendizado dos profissionais formadores a partir do contato com as realidades locais.
Teatro InCurso: Trilha para a transformação
Influência em políticas culturais - Objetivo de estimular os grupos formados e formalizados a influenciar as políticas culturais locais por meio
da inclusão de propostas junto ao Plano Municipal de Cultura; pleito de
orçamento específico da cultura nos planos plurianuais de gestão municipal e adesão ao Sistema Nacional de Cultura. Esta etapa ainda não foi
atingida pelo projeto.
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O projeto Teatro InCurso, idealizado pelo Grupo Teatro Invertido em
parceria com a Fundação ArcelorMittal Brasil e com patrocínio da ArcelorMittal BioFlorestas através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura,
iniciou suas atividades no ano de 2011 levando a duas cidades da região
do Vale do Rio Doce, Marliéria e São Pedro dos Ferros, uma vivência
criativa através dos elementos que constituem a linguagem cênica, tendo como meta a formação de grupos teatrais nessas localidades. Partindo da experiência coletiva do Grupo Teatro Invertido, que em 2014
completa uma década de atuação, o projeto tem como objetivo central
trabalhar a conscientização e a preparação do corpo como instrumento
criativo para uma vivência em longo prazo.
A sistematização de procedimentos colaborativos para a criação teatral,
bem como princípios de gestão, produção e organização internas, desenvolvidos intuitivamente ao longo de nossa trajetória, estabeleceu-se
como o grande desafio metodológico para a estruturação do projeto.
Toda a prática pedagógica tem se baseado na dinâmica própria de cada
comunidade, tendo como principal repertório criativo a cultura local e
o fortalecimento do vínculo dos grupos com suas cidades. Nesse processo didático continuado, os resultados têm sido alcançados no tempo
da artesania. Ao concluirmos seu terceiro ano já reconhecemos uma
apropriação autônoma dos alunos-atores, moradores de municípios distantes da capital mineira, portanto, com pouco acesso a programações
culturais.
Mais do que grupos teatrais atuantes temos testemunhado o surgimento
de artistas-cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, valendo-se
do teatro, arte coletiva, para expressarem-se sobre seu lugar no mundo.
É com muita satisfação que acompanhamos de perto o reconhecimento
de que o desenvolvimento local deve se dar não só sob o aspecto econômico. Na medida em que os grupos formados pelo projeto tornam-se
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mais ativos em suas comunidades, estabelecendo parcerias que garantam sua sustentabilidade, inclusive com os poderes públicos municipais,
vislumbra-se um caminho real de transformação que coloque a Cultura
como pauta prioritária nas políticas públicas de municípios do interior
de Minas Gerais.
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texto inspirados em suas telas e poemas, BURITI BRODOWSKI faz uma
ligação entre os dois povoados.
Os dois processos estão tendo continuidade.
Grupo Teatro Kabana, dezembro de 2013.
Grupo Teatro Invertido, dezembro de 2013.
Bibliografia
O GRUPO TEATRO KABANA FALA SOBRE SUA
PARTICIPAÇÃO NO PROJETO
Relato das oficinas no Centro-Oeste de Minas Gerais
Em maio de 2013 o Grupo Kabana deu início a duas Oficinas de Formação Teatral, ambas dirigidas a jovens moradores de duas pequenas comunidades do centro oeste de MG: Engenho do Ribeiro/Bom Despacho
e Buriti Grande/Martinho Campos.
Em ambas, o intenso processo de trabalho (120 horas cada), foi um
importante despertar para as artes, para a formação humana e um estímulo ao trabalho em grupo. Em pouco tempo, o som de tambores, cantos, jogos dramáticos, a confecção de bonecos, o circo e ensaios abertos,
muitas vezes realizados na rua ou nas escolas, deram novo ritmo e se
integraram à vida dessas comunidades.
Realizamos Mostras de encerramento com apresentação de dois trabalhos bastante distintos, HISTORIAS DE CÁ (Engenho do Ribeiro) é uma
coletânea de textos do Sr. Geraldo Rodrigues da Costa, escritor, morador do Engenho. Em cena, bonecos feitos com cabaça contam casos de
personagens que fazem parte da memória e da história do Engenho do
Ribeiro.
BURITI BRODOWSKI (Buriti Grande) é uma homenagem ao artista
Cândido Portinari que viveu na pequena cidade de Brodowski e dali
levou as lembranças, as imagens e as cores que pintou. Com música e
DEMO, Pedro. Dimensão Cultural da Política Social. Recife: Editora
Massangana, 1982.
Drástica, Cia. Relatório de Atividades. Marliéria, 2009.
ESTADO DE MINAS (Jornal) – Caderno Prazer em Ajudar – Página 24.
Título: Teatro que transforma realidades – ArcelorMittal investe em
projeto de artes cênicas como forma de promover a cultura, a educação e o desenvolvimento local tendo o grupo Terceira Margem
como condutor do processo. Texto: Cristiana Andrade. Belo Horizonte, 25/06/2013
FISCHER, Tânia. Gestão do Desenvolvimento e Poderes Locais: marcos
teóricos e avaliação. Salvador: Casa da Qualidade, 2002.
FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo:
Círculo do Livro, 1974.
INVERTIDO, Teatro. Teatro InCurso, Projeto Pedagógico para a região
do vale do rio Doce, 2011
INVERTIDO, Teatro. Relatório Final das Oficinas. São Pedro dos Ferros,
2011
KABANA, Grupo Teatro. Relatório de atividades formativas. São José
do Goiabal, 2009
MINAS GERAIS. Lei Estadual de Incentivo à Cultura nº 17.615/2008.
PNUD. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O PNUD e seus objetivos – mandato, objetivos e resultados.
Disponí­vel em <http://www.pnud.org.br/pnud>. Acesso em 8 mai.
2012.
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado.
Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reiventar a
emacipação social. São Paulo: Boitempo, 2007.
SEN, Amartya K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
TENÓRIO, F. G. (Re)Visitando o conceito de gestão social. In: Silva J. et
al. (Orgs.). Gestão social: práticas em debate, teorias em construção.
Fortaleza: Imprensa Universitária, 2008.
UNESCO. Declaração da Diversidade Cultural. 2002. Disponível em:
<http://www.unesco.org/new/en/unesco/>. Acesso em 1o fev. 2011.
SUSTENTABILIDADE
NA CULTURA
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A insustentável
“leveza” do teatro.
Cida Falabella*
Prólogo
(um dramaturgo lê o texto sentado numa cadeira próxima ao público)
Dramaturgo: Escrevo sob o impacto de uma plateia vazia. Não totalmente,
mas o suficiente para provocar dor no estômago. Divulgação razoável
nos jornais, site, redes sociais, panfletos e cartazes, que ficaram prontos
meio em cima da hora. Só faltou o carro de som dessa vez. “Pode ser
que isso tenha afetado”. O horário de verão começara na virada da noite
anterior. “Pode ser que isso tenha afetado”. Era dia de jogo, os dois
times rivais jogavam, alguns atores até ouviam pelo celular, mas que
dia não tem jogo, não é mesmo? “Pode ser que isso tenha afetado”. Era
um domingo. Não, não estava chovendo, tinha até lua no céu. Pode ser
que isso tenha afetado”. Perto dali se instalara o famoso “Circo”, onde
sua filha estava trabalhando, quase um trabalho escravo, é verdade, com
ingressos a módicos 200 e 100 reais, liquidação que se estendia ao mais
famoso ainda “tapis rouge”, realmente para ver tudo aquilo estava super
barato. “Pode ser que isso tenha afetado”. No resto da cidade rolava
uma ocupação, protestando contra um novo desvario do prefeito, que
detestava a arte, os artistas e talvez até mesmo as pessoas. “Pode ser
que isso tenha afetado”.
Tudo, absolutamente tudo, nos afeta.
* Cida Falabella é atriz,
professora e diretora.
Coordenadora da ZAP
18 – Zona de Arte da
Periferia. Mestre em
Artes pela Escola de
Belas Artes/UFMG.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
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A montagem dera bastante trabalho desde cedo, as pessoas nem imaginam o trabalho que o teatro dá, não é mesmo? Montagem de luz, cenário,
som, café, lanche, passar pano no chão, mais café, lanche, organizar o
bar, sim, tinha um bar no final pra ver se atraía mais gente, porque, afinal,
a cidade era a capital dos botecos. Em cada esquina.
Pessoas que conseguiram não ser afetadas por tudo isso foram. Ao todo,
juntando com a equipe, o namorado da bilheteira e os técnicos, eram oito.
Pedi que as pessoas se sentassem mais perto, porque era um monólogo
e não podiam deixar o ator mais sozinho do que já estava.
E então o espetáculo começou. Aconteceu aquela comunhão que não
possui fórmula. As pessoas se emocionaram, participaram, riram. Ali
nas bordas da cidade onde a borda transborda. Poucos viram, ficaram
sabendo. Afetados por tantos outros motivos, que não servem de desculpa para aquelas pessoas, que apesar de tudo, continuam fazendo uma
arte que interessa a poucos, mas que deve continuar a existir. Como um
balão de oxigênio dentro de uma UTI.
A palavra sustentabilidade foi dissecada durante dois dias entre
profissionais, estudantes, grupos e pesquisadores de teatro no III
Seminário “Subtexto em diálogo - Teatro em Minas Gerais: Educação e
Sustentabilidade”, subsidiando o material da presente edição. Passando
por abordagens que iluminaram diversos “pontos de mutação” com relatos de experiências ricas e criativas, o eixo Sustentabilidade na Cultura,
pretendeu apontar caminhos para potencializar as experiências, estruturas
e práticas desenvolvidas pelo setor teatral no Estado, alinhavando possibilidades concretas de compartilhamento, comunicação, continuidade e
permanência; com a firme mediação e reflexão crítica do Prof. Dr. José
Márcio Barros, da PUC Minas.
por Marcos Barreto do Instituto Pensarte; as iniciativas do terceiro setor
sobre ações de fomento teatral como a experiência pioneira da Escola
do SESC e seu Clube de Espectadores no Rio de Janeiro, apresentadas
por Viviane Soledade e por fim o relato de Chico Pelúcio, como artista e
agente cultural, abordando a dualidade do conceito e as tentativas que
ciclicamente ocorrem, quando grupos se juntam, como na Redemoinho e
no Movimento Brasileiro de Teatro de Grupos, para tentar “não sucumbir
às dificuldades” e questionar o espaço que tem “através de suas próprias
pernas para o fortalecimento coletivo de sua existência”.
Um primeiro painel trouxe a visão de diversos “lugares”: das ações
transversais no âmbito da arte e cultura, apresentadas por César Piva da
instigante Fábrica do Futuro, em Cataguases, e o êxito na construção
de parcerias público-privadas; a economia criativa vista de forma crítica, passando pelo mercado e suas relações com a cultura, apresentadas
No segundo momento cinco estudos de caso ampliaram e aprofundaram
o terreno da questão sustentabilidade e seus possíveis sentidos, tratando
mais especificamente do fazer teatral, indicando diferentes caminhos trilhados: o da formação, da circulação, do espaço cultural, da manutenção
de grupo e por fim a especificidade da gestão e planejamento para a área.
Mesa do primeiro
painel de
palestras sobre
Sustentabilidade: (esq
p/ dir) Viviane da
Soledade, César Piva,
José Márcio Barros,
Marcos Barreto e
Chico Pelúcio. Foto:
Guto Muniz.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
O panorama de possibilidades traçado e a energia de experiências tão
fantásticas como o caminhão-palco do Teatro de Tábuas (Campinas/SP)
e sua multiplicação; a longevidade do Teatro Vila Velha da Bahia, abrigando diversos grupos e estéticas, marco na cena cultural de Salvador
e do país, e a persistência criativa de grupos como Kabana, de Sabará e
Manicômicos de São João del Rey sobrevivendo ao alimentar a utopia de
se manter como grupo e formar jovens na arte, mostraram que a reinvenção constante das formas de fazer é uma característica fundamental
para sobreviver na atividade, desafiando regras e cartilhas de economia.
Educação & Sustentabilidade |
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giu com força: quando colocada ao lado da palavra teatro, o mundo do
sustento e o da antiga arte (artesanal) começam a se estranhar. Muitas
vezes ela embute, dentro dos compêndios dos planos de cultura em elaboração pelo país afora, o perigoso conceito de auto-sustentabilidade. E
a auto-sustentabilidade do (e no) teatro é quase uma utopia. Ou de certo
teatro, ligado à pesquisa, aos coletivos, aos trabalhos em longo prazo.
Essa forma de fazer teatro já nasce deficitária. Os espaços dos grupos
são pequenos, existe o desejo de ter uma relação mais próxima com o
espectador, o valor do ingresso e o seu poder de impactar a atividade
foram esvaziados pelas leis de incentivo, os processos de montagem
exigem tempo e pesquisa. A população mineira, que com a estabilidade
econômica vê aumentado o seu poder aquisitivo, não tem o hábito de ir
regularmente ao teatro. O binômio teatro-educação ainda é um esforço
isolado de professores, coordenadores, grupos culturais e alguns governos
mais sensíveis à causa.
Em 1920 o cômico alemão Karl Valentim, uma das principais influências
de Bertolt Brecht na elaboração do conceito de distanciamento se perguntava: “Porque os teatros estão vazios?” e defendia uma ideia singular:
Se cada um de nós se visse obrigado a ir ao teatro, as coisas mudariam
completamente. Por que não instituir o teatro obrigatório? Por que instituímos a escola obrigatória? Porque nenhum estudante iria à escola se
não fosse obrigado. [...]
Mesa do segundo
painel de
palestras sobre
Sustentabilidade:
(esq. p/ dir.) Romulo
Avelar, Jorge Braz,
José Márcio Barros,
Angela Andrade,
Mauro Xavier e
Juliano Pereira. Foto:
Alexandre Hugo
No segundo dia, com o acúmulo do compartilhamento das experiências proporcionadas, os grupos de trabalho previstos: Circulação e
Organização de Eventos, Intercâmbio e Compartilhamento, Políticas
Públicas, Financiamento e Fomento, Equipamentos, Infraestrutura e
Manutenção de Espaços foram fundidos em um só e trataram de suas
realidades. A questão subjacente às falas desde os primeiros painéis emer-
Instituindo Estado por Estado o teatro obrigatório, nós transformaríamos
completamente a vida econômica. Porque não é absolutamente a mesma
coisa se perguntar: “Será que eu vou ao “teatro hoje?”, ou dizer: “Eu
tenho que ir ao teatro.” O teatro obrigatório levaria o cidadão a renunciar
voluntariamente à todas as outras distrações estúpidas como, por exemplo
o jogo de peteca, de cartas, as discussões políticas de botequim, encontros
amorosos e todos esses jogos sociais que tomam e devoram nosso tempo.
É somente por lei que podemos obrigar nosso público a ir ao teatro. Nós
tentamos anos a fio convencê-los com boas maneiras, e eis o resultado.
Golpes publicitários para atrair a multidão, como: “Ar refrigerado perfeito”,
ou então: “É permitido fumar durante o intervalo”, ou ainda: “Estudantes,
professores, aposentados e militares, do general ao raso pagam meia.”
Com todos esses truques não conseguimos encher salas, vejam vocês. E
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tudo que iríamos gastar para fazer publicidade será economizado, pois o
teatro será obrigatório.
Peter Brook, em 1950, trilhando o mesmo caminho paradoxal, o de renegar a própria atividade, nos faz dialeticamente pensar na “inutilidade”
de nosso ofício:
Participantes do
Seminário discutem
a sustentabilidade no
teatro. Foto:
Alexandre Hugo
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A crise é evidente. Hoje em dia, é possível realizar de maneira
satisfatória uma grande variedade de peças; no entanto, quem
for honesto consigo mesmo há de saber muito bem, no fundo,
que o que está fazendo é totalmente inútil. O que nos move é
um simples impulso pessoal. Há cinquenta anos atrás, acreditava-se na arte pela arte e na arte para o artista, isto é, que o artista
existia tanto para si mesmo quanto para os outros. Hoje damo-nos
conta de que, individualmente, somos facilmente substituídos. [...]
A terrível verdade é que, se todos os teatros deste país fossem
fechados de repente, haveria apenas uma sensação coletiva e
cortês de falta de alguma comodidade civilizada, assim como
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nos fariam falta o ônibus ou a água da torneira. A emoção, a
indignação emanariam do contribuinte. Ter-se-ia talvez um assunto de conversa a menos. Mas será que haveria um verdadeiro
protesto, a sensação de que algo “está fazendo falta”? Uma
“fome”? (grifo meu)
Se parece que o teatro interessa a tão pouca gente de que sustentabilidade podemos falar? Na discussão dos grupos, seja da capital ou do
interior, presença forte no encontro, constata-se a sustentabilidade como
uma necessidade e esforço em manter vivo algo que a maior parte da
sociedade ignora, pensando a arte e o teatro como bem público. No século
XXI, o teatro só é sustentável, tanto econômica quando artisticamente,
se seus fazedores combatem, literalmente, em três frentes que dialogam:
- colaborando entre si, criando redes de trocas e criação compartilhada,
nas quais a moeda é o trabalho e os ativos de cada coletivo;
• organizando-se para elaborar, cobrar e fiscalizar a implantação de
políticas públicas eficazes para tratar a arte e dentre elas especificamente o teatro, por suas características intrínsecas, como direito do
cidadão, tal como saúde e educação.
• estabelecendo laços sólidos com a Educação, em âmbito municipal,
estadual e federal, para a realização de projetos permanentes de formação de plateias, e sensibilização estética através do teatro, oficinas
de teatro-educação para alunos e professores.
E continuar acreditando em um teatro utópico e possivelmente insustentável, fazendo coro às palavras do escritor brasileiro Luís Rufatto na
Feira do Livro em Frankfurt, quando atribui à arte, um papel capital
para transformar pessoas e, transformando-as, transformar a sociedade
desigual em que vivemos.
Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador
da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim,
balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato,
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode
alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita
de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos
tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto
ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais
que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as
costas ao outro --seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual-- como tentativa de nos preservar,
esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de
existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós
mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor,
modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu
sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último
de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a
felicidade na Terra. Aqui e agora.
Nesse contexto a existência de um teatro que se contrapõe ao mercado,
que questiona o modo como esse mercado se organiza, que revela o
processo de construção dos espetáculos e se preocupa com sua recepção,
ainda que tenha dificuldades na sua sustentabilidade, torna-se fundamental, resistindo contra tantas intempéries.
Bibliografia
BROOK, Peter. Em busca de uma fome. Cadernos de teatro, [s.l.], n. 96,
p. 1-8. jan. 1983
Discurso de Luiz Ruffato na Feira do Livro de Frankfurt 2013. Acesso em:
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,leia-a-integra-dodiscurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463,0.htm
VALENTIM, Karl. Porque os teatros estão vazios. Revista Ensaio Aberto/
MTG, nº 01. 2013.
Essencialidade e Sustento
Jorge Braz*
Algumas informações importantes e peculiares precisam ser postas antes
de se analisar a experiência de sustento de um coletivo. A primeira é que,
quase sempre, não é possível replicar o modus operandi, pois as soluções
encontradas, comumente, estão concentradas ou na natureza criativa, ou
na virtuose individual ou na complexa fotografia sociocultural do coletivo;
alicerçada na política pontual oportunizada nos momentos históricos destes grupos. A segunda, e fundamental, é que toda experiência negativa
destes coletivos é mais relevante que as positivas na análise e aprendizado
para outras abordagens. Pois é no entendimento daquilo que é obstáculo
comum que deve se basear a construção de qualquer outra experiência.
A Terceira e tão importante quanto as outras é a compreensão objetiva
(emocional e prática) de cada coletivo do que é “ sustento “ para seus
membros e a contabilização do que costumo chamar de ativos intangíveis
nos momentos de se analisar o balanço das atividades.
Posto estes preceitos, vamos navegar pela nossa interpretação do conceito de sustentabilidade. Minha compreensão de sustento está ligada,
diretamente, ao equilíbrio rígido entre: Ética, Estética, Dialética e Práticas.
Nunca nos seduziu separar quaisquer destas importantes metas na construção de um produto criativo. A diferença básica dos meios de sustento
da arte para outros segmentos da sociedade é que nosso maior valor é
o uso da propriedade imaterial que cerca nossas atividades. A confusão
e dificuldade dos coletivos entenderem seu papel na sociedade, suas
verdadeiras ambições e publicar interna e externamente seus valores,
desejos e objetivos dificulta ainda mais o equilíbrio necessário ao sustento
das práticas.
* Jorge Braz é fundador
do Teatro de Tábuas
(Campinas.SP).
Formado em Letras
e Artes Cênicas pela
Universidade Federal
de Pernambuco. Tem
seu trabalho voltado
para a criação de
coletivos artísticos
que promovam
ações e atitudes de
democratização do
acesso a bens culturais
de qualidade. Gestor
Cultural, dramaturgo
e diretor de vários
projetos ligados a
itinerância e ocupação
do espaço público.
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Educação & Sustentabilidade |
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
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debate interminável: O que é Arte e o que é produto? Como se houvesse
uma instância para decidir ou julgar!
Quando fundei nossa experiência, depois de longo período desgostoso
com outras formas de associação coletiva, me alimentei de vários desejos
e firmei alguns como essenciais. Feito isso publiquei, incisivamente, aos
que chegaram meus desejos principais, o que acabou se transformando
na ética e desafio da nossa história.
Foram estas nossas escolhas:
1. Trabalhar com não atores e desenvolver formação baseada na experiência do coletivo.
A carreta do Teatro
de Tábuas em
circulação pelo país.
Foto: Arquivo Teatro
de Tábuas.
A questão inicial, sempre é a mais difícil de se responder. Por que estamos juntos? Qual a essência criativa deste coletivo? Quais as regras que
regulam nossa ética artística diante da realidade social e financeira do
ambiente em que vivemos? Saber por que se está junto é fundamental
para a longevidade de um coletivo, pois é no tempo que são apuradas
as boas experiências criativas, é na lida com os desgastes impostos pelo
tempo que conquistamos a maturidade e a potência para transformar
criatividade em produto criativo.
Compreender a essência que une o coletivo é a única forma de coletivizar
as potências individuais e direcioná-las há um lugar central e invisível,
que alimenta as diferenças em prol de um bem artístico em construção.
Também nos alimenta e energiza para compreender a importância das
diferenças dentro de um processo coletivo. Um bom coletivo é aquele
que consegue superar crises baseadas nas diferenças e cria mecanismos
de valorizar a permanência delas, individualmente, como força motriz e
enriquecedora e que não tenta uniformizar seus indivíduos.
Por fim estabelecer, claramente, objetivos práticos e regras de como se
entrega o bem criativo deste coletivo ao mundo. Protegendo a todos das
dúvidas permanentes dos coletivos artísticos e do meio artístico sobre o
2. Inverter o fluxo da produção de bens culturais que sempre foi da
capital para o interior.
3. Circular e fazer fruir estes bens a cidadãos e localidades aonde eles,
tradicionalmente, nunca chegam!
4. Construir bens culturais em formatos que possam ser compreendidos
pela realidade das pessoas atingidas, pelos poderes públicos e apoiadores.
Gerando sustento e experiências que pudessem se tornar modelos de
políticas públicas.
Depois de 15 anos cravados com intensidade em nossos corpos e mentes
temos um balanço de conquistas que nos agradam. Nossa maior conquista, de longe, foi a formação ética, estética e humana dos que passaram
por aqui. Escolhemos como lema, registrado em nossas comunicações
diárias e internas o seguinte dizer: “Todas as dificuldades sempre. Paciente
e generosamente, pois sabemos onde queremos chegar!”.
Como frase obrigatória em cada movimento de comunicação interna.
Sempre nos lembrávamos de nossas escolhas. Escolhendo os caminhos
mais espinhosos, desenvolvemos uma braveza e rusticidade que se tornaram uma carapaça impenetrável que nos protegeu do mundo para o
mal e para o bem. A difícil escolha de fazer arte enquanto se constrói o
repertório do artista e sua formação humana foi uma desafiadora dinâmica e fez com que, rotineiramente, sofrêssemos com idas e chegadas. Mas
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
foi também esta escolha que nos permitiu romper com os mecanismos
tradicionais de sustento. Quando deixamos de nos importar com o que
as regras de Mercado impunham e com o que a realidade nos oferecia,
criamos um perigoso e delicioso jogo de criar utopias.
A carreta do
Teatro de Tábuas
se transforma em
estrutura inflável para
receber o público.
Foto: Felipe Freitas.
Foi assim, questionando o poder público pela ausência de políticas permanentes e ao mesmo tempo o chamando à parceria, provocando o setor
privado com propostas inovadoras e com alto grau de responsabilidade
corporativa, com um projeto de formação de público e inversão da lógica
capital-interior que, lentamente, fomos somando pequenas e penosas
conquistas ao nosso currículo. Fizemos da utopia e do impossível uma
realidade concreta! O fato é que isso implica na tomada de decisões
complexas e onerosas a um coletivo artístico. Tivemos que aprender
a administrar, a planejar, a construir, a gerir. Precisamos nos forçar a
desenvolver novas inteligências, novas tecnologias e mais responsabilidades civis, criminais e financeiras. Mesmo que no primeiro momento
nossas escolhas tenham sido meramente artísticas e sociais, tivemos que
acrescentar outras tantas escolhas no caminho e para idealizar e realizar,
sangrar as dores da generosidade.
Educação & Sustentabilidade |
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Claro que estas escolhas nos custaram uma lentidão maior nas buscas
internas e individuais, claro que “tudo ao mesmo tempo agora” não é
possível. Costumo dizer aos remanescentes da odisseia utópica deste
lugar que somos construtores de cenários… Precisamos construir nossa
casa para abrigar com segurança nossos sonhos criativos. Descobri logo
cedo, baseado na biografia de vários mestres que tive, que artistas que
esperam da realidade a viabilização de sua obra criativa, acabam martirizados e amargos nas margens da Estrada! Também olhamos para o
lado e percebemos um movimento histórico de coletivos que eclodiram
na década de 1980-1990 com os mesmos paradigmas, mesmo que com
escolhas diferentes. Enxergamos coisas maravilhosas em curso, que hoje
se tornaram ícones de um questionamento sobre o modelo de financiamento de coletivos artísticos. Não citarei nomes para não causar injustiças
com tantos outros.
Auto de Natal
realizado pelo Teatro
de Tábuas em 2008.
Foto: Zé Evaristo.
Pois bem, construímos parcerias públicas e privadas, tecnologias inovadoras e conseguimos materializar projetos que provem nossas expectativas artísticas e sociais, que agradam nossos apoiadores financeiros,
que apoiam positivamente políticas de formação de público. Somados
a isso construímos uma rede gigantesca de parceiros irmãos que lutam
por suas causas e essências e que trilham sua própria história e desafios
de sobrevivência. É bom lembrar que também criamos desafetos! Como
em todos os setores da vida. Colocar com propriedade e virilidade ideias
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no mundo é também oferecer a face à incredulidade, à imaturidade e ,
por que não dizer, às maldades e invejas alheias!
Hoje somos uma companhia que apesar de não estar assentada nos
grandes centros, não circular por eles, não possuir nomes estelares que
possuam força midiática, existe fortemente comprometida com as causas
da sua fundação. Possuímos três grandes projetos de criação e circulação
que tem agenda antecipada em um ano, portanto, segurança e desafios
permanentes para os envolvidos. Possuímos um extenso rol de boas práticas relacionadas a modelos de política pública, mesmo reconhecendo
a dificuldade de convencer os gestores a aplicá-las. Possuímos um sem
número de patrocinadores privados que confiam e nos apoiam nestas
experiências. Possuímos um invejável potencial de manter unidas pessoas que pensam mais no coletivo e na essência do que em seus projetos
pessoais e individuais. Possuímos o reconhecimento público sem nenhum
apoio midiático. Possuímos um desejo jovem e, ainda, fortalecido de
renovar nossas metas e ambições e continuar experimentando.
Público infantil
assiste a
espetáculo dentro
do teatro-carreta.
Foto: Arquivo
Teatro de Tábuas.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Ter todas estas posses em um país com hábito cultural inconsistente, em
um Mercado Cultural com regras duras, sem uma política pública alvissareira, segura e construtiva, é nossa grande contribuição na vida. Sem
romantismo exacerbado nem a sensação pessimista de que tudo está por
fim, sentimos que a casa permanece em construção.
A sustentabilidade
a partir da experiência da
Cia. Teatral ManiCômicos
Juliano Pereira*
No trajeto do convite ao encontro, o pensar amplo da sustentabilidade
nos 15 anos da Cia. Teatral ManiCômicos. No encontro com artistas e
pensadores, a reflexão se estende, se aprofunda. Na volta, tento organizar
a síntese: nesse momento da história do grupo, pensar na sustentabilidade
provoca a reflexão sobre quem somos e o que queremos. Sustentar o
quê? Não é uma crise, mas uma urgência em respirar, refletir, conversar.
Nas linhas abaixo, vou contar um pouco da trajetória desses 15 anos de
ManiCômicos, e olhar um pouco para alguns aspectos do grupo que
deram sustentação a essa trajetória, sendo eles: o desafio artístico, a
arte do encontro, a dinâmica da organização do grupo, a personalidade
jurídica, a capacidade de gerar e gerir recursos e, por fim, o convívio.
A história do ManiCômicos em 3 movimentos
Em 1998, cinco jovens artistas se uniram a um diretor de teatro para
fundar a ManiCômicos. Na bagagem dos jovens artistas, uma vontade
corajosa de se arriscarem pelos campos do teatro; na bagagem do diretor,
uma formação em Artes Cênicas pela USP, uma pesquisa em estudos do
movimento iniciada com Klaus e Rainer Vianna e continuada com alguns
discípulos de Rudolf Laban, e uma experiência de criação coletiva e de
jogo teatral em cinco intensos anos de Troupe de Atmosfera Nômade,
* Juliano Pereira é ator
e diretor. Fundador da
Associação Cultural
ManiCômicos – Arte
por Toda Parte (SJ Del
Rei/MG). Formado
em Artes Cênicas pela
Universidade de
São Paulo.
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Cia ManiCômicos
encena a peça ‘O
Grande Dia’. Foto:
Nathanael Andrade.
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Educação & Sustentabilidade |
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
significativo grupo paulistano dos anos 90 capitaneado por Cristiane
Paoli-Quito. No encontro dessas bagagens foi se desenrolando a pesquisa do jovem grupo, que cria um espetáculo, “A Farsa do Cangaço”,
uma adaptação livre da “Farsa do Advogado Patelin”. A decisão era: ao
invés de ir para o centro da cidade de São Paulo e provavelmente seguir
a lógica do nenhum dinheiro e quase nenhum público, fomos para a
periferia da zona sul da cidade, aonde também não teríamos nenhum
dinheiro, mas teríamos muito público. E fomos para as praças, escolas,
parques, ruas, centros comunitários, favelas. Apesar da simplicidade do
texto e da montagem, que queríamos que coubesse em qualquer lugar,
queríamos um encontro social, político, lúdico e estético.
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2005 (início do processo de mudança para São João del-Rei)
Em 2005, havíamos encerrado três anos de parceria com a Secretaria
Municipal de Educação da Região Sul da cidade de São Paulo, parceria
esta que proporcionou que levássemos espetáculos teatrais do grupo para
mais de 300 mil estudantes da rede pública. Na mesma parceria, o grupo
manteve, só em 2004, oficinas teatrais, com aulas todas as semanas ao
longo do ano, em 28 bairros da região.
Continuávamos nossa pesquisa teatral, nossa criação, produzindo espetáculos variados. Misturamos Brecht (Sr Puntila e seu criado Matti) a
Commedia dell’Arte, com máscaras em couro criadas e confeccionadas
por nós; Dostoievsky com o teatro popular; Durrenmat a um estudo sobre
a loucura. Mas foi inspirado pelo físico austríaco, Fritjof Capra, com um
roteiro baseado na “Peste” de Albert Camus que criamos o espetáculo
“Perfeição” que levava o caos de uma cidade sitiada para as ruas. Este
espetáculo abriu espaços para o grupo no Brasil e fora.
No entanto, em 2005, a vontade de alguns integrantes do grupo (3 dos
4 fundadores ainda presentes na época) de busca por uma qualidade de
vida melhor, fez com que o grupo começasse um movimento de mudança para São João del-Rei. Na partida, os remanescentes fundaram
outro grupo, e o ManiCômicos, com nova sede, começou o processo de
“mineirizar-se”, tanto nos processos, como nos conteúdos.
2013 (novas e próximas perspectivas)
Atualmente, em São João del-Rei, o grupo mantém o Espaço Cultural
ManiCômicos (Ponto de Cultura) que recebe eventos de música, cinema,
dança e teatro. O Projeto Arte por Toda Parte está presente em 13 cidades
da região, oferecendo aulas de artes (teatro, música, dança, circo, artes
plásticas, literatura) a mais de 2.000 crianças e jovens. Em parceria com
SATED – MG, o grupo oferece um curso técnico em teatro, que já está na
sexta turma. No último 25 de outubro, estreou em Barroso o espetáculo
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Educação & Sustentabilidade |
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
de circo teatro “A Flor de Manacá”. O Grupo Experimental ManiCômicos
tem se apresentado nas cidades da região com o também novo espetáculo “Terno” que traz três textos de Arthur Azevedo embalados por
músicas românticas da melhor qualidade. Os espetáculos “A Fada, a flor
e a princesa”, infantil, e “Domdeandar”, para a rua, continuam circulando. O ManiCômicos hoje, agrega mais de quarenta participantes, entre
educadores, artistas e produtores e prepara para o final de novembro e
início de dezembro de 2013 um Encontro de Grupos de Teatro.
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A sustentabilidade. Como e o que tem mantido
a Cia. Teatral ManiCômicos
A criação
Um dos principais sustentáculos do grupo, o que nos uniu a princípio e
reúne esse corpo artístico, que hoje é formado não só por atores, mas
também por músicos e artistas plásticos, é a criação. O desenvolvimento
de ideias e formas para a cena.
A criação em processo colaborativo entre diretor-dramaturgo e atores.
A pesquisa constante do estar em cena, do jogo, do improviso, de uma
técnica corporal baseada nos estudos de Rudolf Laban. E a pesquisa
não se encerra. Novos elementos são incorporados, ora no treinamento
semanal, ora na pesquisa de um espetáculo específico, tal como agora,
quando estamos recebendo periodicamente a visita de uma especialista
em Feldenkrais, técnica que acreditamos poder ser incorporada ao nosso
treinamento básico.
E os conteúdos – a cada novo espetáculo, um novo mergulho.
Como criamos? Pensamos num tema. Pesquisamos o máximo de coisas
relacionadas ao tema e depois experimentamos essas ideias na sala de
ensaio em um processo orgânico. Todos os elementos são explorados ao
mesmo tempo e a partir de criações de cenas, improvisos e jogos, vai se
costurando a trama, a história, os diálogos.
Paralelo a pesquisa, a Companhia sempre manteve cursos para jovens e
adultos interessados em teatro. Uma maneira de partilhar a experiência
criativa do grupo e de conhecer novos atores.
O encontro
Desde o início em 1998, a Cia. ManiCômicos resolveu ir ao encontro de
uma nova plateia. Levou o teatro para onde ele pouco ou nunca acontecia. Despertou o interesse e reafirmou-o com o retorno às mesmas
praças. Percebendo a avidez desta plateia, ofereceu em vários bairros
por onde passava oficinas teatrais, dando a oportunidade a crianças e
Juliano Pereira ministra oficina para educadores em São João Del Rey. Foto: Priscila Natany.
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jovens, principalmente àqueles oriundos de regiões economicamente
menos favorecidas, de criarem, inventarem, se expressarem por meio
do teatro. Este encontro com o público, principalmente em sala de aula,
foi determinante na caminhada. Despertou-nos para a realidade, nos
deu uma visão mais abrangente de nosso país e suas mazelas sociais,
econômicas e políticas, e isso dialogou e dialoga com a nossa criação.
Cia ManiCômicos
ministra oficina
de teatro em
comunidade. Foto:
Arquivo do grupo.
Educação & Sustentabilidade |
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Hoje, esses caminhos da arte e da arte-educação dentro do ManiCômicos
têm se encontrado cada vez mais, se informando e se transformando em
uma coisa só, num caminho só, no caminho do ManiCômicos, onde as
duas ideias, do artista e do educador, se completam.
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Organização
Somos pessoas de teatro, artistas. Então, como administrar um grupo?
Quem faz o quê?
O movimento constante de achar um jeito de se organizar – qual a dinâmica? Como dividir as funções? Qual modelo seguir ou descobrir o
nosso próprio modelo (que hoje é tema de estudo do curso de economia
da UFSJ)?
O sonho: que alguém venha resolver para a gente. Mas esse alguém
nunca chega.
E vamos construindo a nossa maneira, na maneira possível, de nos organizarmos. Nessas idas e vindas, o ManiCômicos vem sempre se reorganizando. Um troca de função com o outro; agimos ora vertical, ora
horizontal; chamamos especialistas ou assumimos a responsabilidade de
tudo. E temos que escrever projetos, fazer reunião de captação, preencher
planilha de prestação de contas...
Personalidade
Outro desafio para a nossa sustentabilidade é a definição de nossa personalidade jurídica. Encontrar a maneira para interagirmos com o Estado.
Já fomos grupo informal, mas com propostas de contratações, viramos
produtora. O trabalho voltado ao social nos convenceu a virar uma ONG,
entidade sem fins lucrativos, e desde esse ano, com título de OSCIP. Mas
uma ONG não contempla a participação efetiva dos sócios, e estamos
pensando em cooperativa. No entanto, estamos convencidos que falta
personalidade jurídica para nós. Um debate deveria se organizar para
que grupos de teatro pudessem ter uma personalidade jurídica que desse
conta exata de suas responsabilidades trabalhistas.
Recursos
Temos que viver do nosso trabalho!!! Isso é, pagar as nossas contas com
o dinheiro que ganhamos no trabalho do ManiCômicos. Esse princípio
tem nos orientado desde que decidimos viver só de ManiCômicos. Isso
tem tempo e significou algumas graves crises financeiras pessoais.
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Educação & Sustentabilidade |
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Atualmente, as atividades do ManiCômicos são possíveis graças a programas de doação de recursos, tais como Amigo do ManiCômicos (qualquer
quantia) e Adote uma turma (empresas e entidades que por R$ 300,00/mês
mantêm uma turma); parcerias com prefeituras e entidades na construção
de projetos comuns de acessibilidade à arte; e editais.
O desafio da sustentabilidade financeira é grande quando Estado e entidades promotoras da cultura mantêm políticas de balcão, esperando
os nossos projetos, ao invés de correrem o Brasil, percebendo o que já
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é feito e ajudando a esses heroicos grupos a manterem seus projetos.
Lutamos no ManiCômicos não só pela descentralização dos recursos, mas
também para que se enxergue esse país continente na sua grandiosidade
e pluralidade. As circulações e trocas são importantes, nós gostamos
bastante. Como desvelar esse país? Convidamos a vir a São João para
conhecer nosso trabalho.
Cia. ManiCômicos no espetáculo ‘Borgobandoballo’. Foto: André Fossati
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
O convívio
Por fim, o último pilar de sustentabilidade é o do convívio, do cuidado
das relações humanas. Construção constante e desafiadora, talvez o mais
complicado dos pilares.
Conclusão
Os desafios do ManiCômicos hoje, que a ida e a vinda do encontro
ajudaram a perceber, são: a necessidade de se reconhecer nas potencialidades (quem somos) e nas vontades (o que queremos). Olhar para
o futuro, após tantas chegadas e partidas importantes, perceber que
se antes éramos um grupo de amigos, outrora quase uma família, hoje
somos pessoas em torno de um ideal que o tempo ajudou a lapidar e
clarificar. E precisamos juntos desse novo coletivo, pensar os próximos
passos dessa caminhada.
Cultura e sustentabilidade:
Desafios, práticas e futuros
José Márcio Barros*
Este texto é um ensaio livre, fruto da escuta atenta que realizei das reflexões e experiências sobre o tema cultura e sustentabilidade, apresentadas por Cesar Piva, da Fábrica do Futuro de Cataguases (MG); Marcos
Barreto do Instituto Pensarte (SP); Viviane da Soledade do SESC (Rio);
Chico Pelúcio e Rômulo Avelar do Grupo Galpão de BH (MG); Juliano
Pereira do Associação Cultural ManiCômicos de São João Del Rey (MG);
Ângela Andrade do Teatro Vila Velha de Salvador (Ba); Jorge Luís Braz
do Teatro de Tábuas de Campinas (SP); Mauro Xavier do Grupo Kabana
de Belo Horizonte (MG).
Sua organização em três tópicos constitui apenas uma forma de organização linear de um texto que foi inspirado em um processo circular e
dinâmico de reflexão.
1. O cuidado conceitual: a necessidade de ampliação e
aprofundamento sobre sustentabilidade e cultura
Falar da relação entre a cultura e sustentabilidade hoje, é abordar mais do
que uma possibilidade: uma necessidade para muitos e já uma realidade
para alguns. Entretanto, apesar dos termos serem conjugados em nossos
discursos com muita facilidade e otimismo, articulá-los na prática, parece
não ser nada simples e imediato. Requer clareza conceitual, estratégia e
práticas coerentes.
* José Márcio Barros é
Professor e Pesquisador
da UEMG e PUC
Minas. Coordenador
do Observatório da
Diversidade Cultural.
josemarciobarros@
gmail.com
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Falar de sustentabilidade remete necessariamente a alguns valores, princípios e compromissos, independentemente do setor da realidade a que
está associado.
Mesa do II Seminário
Subtexto em Diálogo
com: Viviane da
Soledade, José
Márcio Barros
(centro) e Chico
Pelúcio.Foto:
Guto Muniz.
De forma genérica, é possível dizer que sustentável é aquilo que promove
as condições de continuidade. Na maioria das vezes, o termo está associado às questões ambientais e às questões orçamentárias. Sustentável
ora é tomado como aquilo que permite que a vida tenha prosseguimento.
Ora é visto como aquilo que não dá prejuízo financeiro. Tais concepções
são, contudo, insuficientes e, muitas vezes, redutoras. Mesmo assim, em
ambas encontramos uma mesma perspectiva: sustentabilidade como um
modelo de articulação renovável entre meios e fins, um “ciclo-de-vida”
que tende ao equilíbrio.
Sustentabilidade requer, portanto, a integração entre princípios humanistas
e pensamento holístico, ou seja, compromissos com o desenvolvimento
da condição humana e a capacidade de pensar e agir de forma articulada
entre as partes e o todo.
Educação & Sustentabilidade |
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No campo da cultura, sustentabilidade nos remete necessariamente ao
enfrentamento de desafios de renovação de valores e reinvenção de
práticas. Atualmente, essas são questões demasiadamente reduzidas
e esgarçadas pelo modelo dominante de financiamento e fomento às
atividades artísticas e culturais, centradas, de modo excessivo, nas leis
de incentivo fiscal e na dependência de ações governamentais.
Arriscaria dizer, que sustentável no campo da cultura, é aquilo que resulta de uma cultura da sustentabilidade. É a forma como adotamos, no
campo da cultura, os princípios básicos desse conceito, e a maneira como,
assim fazendo, contribuímos para a manutenção da condição humana.
Há aqui uma dupla implicação: o modo como a cultura se organiza de
forma sustentável e a maneira como contribui para a sustentabilidade.
Pensando desta forma, pode-se dizer que a articulação entre cultura
e sustentabilidade abarca, como propaga o documento Agenda 21 da
cultura1, um conjunto de 4 compromissos.
• com os direitos humanos;
• com a proteção e promoção da diversidade cultural;
• com a democracia;
• e com a paz social.
Resulta desses compromissos, um modelo de organização sistêmica que
trabalha com a complementaridade entre as dimensões econômicas, sociais e ambientais de forma a promover inclusão social, desenvolvimento
econômico e proteção dos recursos naturais.
Assim, a sustentabilidade no campo cultural demanda a capacidade de
articulação e convergência de forma a garantir o duplo sentido aqui
proposto, uma ação cultural sustentável e a contribuição da cultura para
um mundo sustentável.
1 IV Fórum de Autoridades Locais de Porto Alegre para a Inclusão Social, no marco do
Fórum Universal das Culturas – Barcelona 2004, disponível em http://pnc.culturadigital.
br/wp-content/uploads/2012/10/2-agenda-21-da-cultura.pdf
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
• Algumas perspectivas e ações estratégicas oferecem maior sustentabilidade, na medida em que: se articulam com o campo da educação,
seus sujeitos e instituições e priorizam o trabalho com a juventude;
• desenvolvem o compromisso com a inovação – a busca de soluções
que se apropria de novas possibilidades tecnológicas e científicas;
• compreendem a economia da cultura em seus diferentes setores
e arranjos produtivos;
• emergem de setores progressistas da sociedade civil, mas se relacionam com políticas públicas de cultura;
• trabalham com a perspectiva da interconectividade, priorizando as
ações que produzem efeitos de expansão rizomática;
• investem em ações locais, mas promovendo integração consorciada
entre instituições, com temporalidades e espacialidades diferentes e
complementares – consórcios intermunicipais, por exemplo;
• oportunizam ações de formação contínua e prática, de forma a
garantir alteração de valores e experimentação de soluções.
2. Os sentidos do que se busca fazer: cultura, arte e política
Os relatos sobre os caminhos de sustentabilidade nas ações culturais
evidenciaram outra questão central e geradora de desdobramentos: a
relação complexa entre o conceitual, o estratégico, o artístico e o político.
Nas trajetórias de trabalho relatadas, fica evidente que a estética se
configura como uma questão política, uma escolha ideológica e subjetiva nos modos de se fazer, de se buscar a fruição, nas maneiras de se
agenciar o possível e o transcendente. O trabalho artístico e cultural dos
diversos grupos revela uma ação estética tomada aos moldes de Deleuze
e Guattari, como potências que transbordam regimes de normalidades.
O que mais se ouviu no encontro, foi a busca da superação do previsível,
da ultrapassagem dos regimes tradicionais de representação, de forma a
Educação & Sustentabilidade |
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fazer da ação artístico-cultural, o compromisso com possibilidades criadoras e transformadoras. Aqui, sustentabilidade inclui todos os atores da
cena e da cadeia produtiva das artes. Para além de artistas, produtores e
patrocinadores, o público é central, não como alvo, mas como parceiro,
elo de expansão e concretização de possibilidades. Falar de formação
de públicos e viabilização de práticas culturais revelou-se como uma
das faces da perspectiva da sustentabilidade, entendida também como
diminuição dos riscos de existência. E isso, no campo da produção cultural
remete ao enfrentamento de questões como: De que forma diminuir a
dependência de editais de financiamento? Como romper o ciclo perverso
de calendários fiscais determinando processos criativos?
Dada a complexidade, uma questão parece ser óbvia: sustentabilidade
é construção de redes de sustentabilidade. Ninguém se afirma sustentável no isolamento e individualidade. Mas, ainda há espaço para recriar
práticas coletivas que agem no sentido de diminuir a vulnerabilidade?
A sustentabilidade como rede sugere uma capacidade de articulação
entre os diferentes e convergentes que possuem discernimento político
e cuidados conceituais e metodológicos.
O gestor cultural Cesar
Piva fala sobre sua
experiência à frente
do projeto ‘Fábrica do
Futuro – Incubadora
Cultural e Residência
Criativa’ no III
Seminário Subtexto em
Diálogo. Foto: Guto
Muniz.
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Educação & Sustentabilidade |
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Debater a sustentabilidade exige o reconhecimento de que o modelo
dominante de financiamento da cultura no Brasil formatou nossa subjetividade e nossos modelos de ação, tornados tímidos, oportunistas e
limitados. E isso afeta o estético, entendido como mais que o artístico, o
simbólico tecido junto ao político. Sustentabilidade não é uma questão
de sustentação, mas de permanência.
Se é possível reconhecer uma evolução nas práticas artísticas, culturais e
nos relacionamentos com as forças e instituições de fomento e financiamento à cultura, que respondem às transformações políticas, econômicas
e culturais da sociedade, tais mudanças, que se mostram radicais em
alguns setores, ainda permanecem exceções no todo. Aqui encontramos
limitações e desafios.
Isso nos leva a pensar que o problema não é o que alguns grupos, ou
algumas empresas e instituições realizam, mas aquilo que ninguém faz,
especialmente a ausência de políticas públicas permanentes e efetivas.
Para se transformar a realidade é necessário radicalidade e coragem. O
financiamento colaborativo só se apresenta como uma alternativa potente se for a expressão do protagonismo do “faça você mesmo”, com
os valores da economia solidária e a busca de autonomia. Do contrário,
corre o risco de ser uma ação social... Sustentabilidade deve ser medida
e qualificada pelo que desencadeia e não apenas pelo que oportuniza.
3. Do que fica....
Um grande e emocionante consenso. Para muitos o que garante a sustentabilidade é o estar junto, é o compartilhamento de ideias e práticas
que configura um modo de estar e fazer parte de um lugar.
Na apresentação de todos, outro traço comum. A fala foi sempre no
plural. As dúvidas, as certezas, os sonhos, foram sempre conjugadas na
primeira pessoa do plural. Na dimensão do “nós”, que tanto marca o
fazer do teatro, arte por excelência coletiva, quanto uma pragmática da
diversidade cultural. Conjugada no plural, a sustentabilidade no campo
89
da cultura também comprova a impossibilidade de se pensar caminhos
únicos e exclusivos. As práticas relatadas evidenciaram sempre o imperativo
de agir coletivamente, a partir de valores e ações que, além de constituir
a cada um como sujeito, inauguram a potência do coletivo. Trajetórias
pessoais foram sempre apresentadas como dimensões de percursos coletivos. Vida e trabalho se moldando e configurando modelos híbridos
de sobrevivência. Trajetórias que misturam o que nós escolhemos e o
que nos é ofertado pelo destino. Uma parte é procura objetiva, outra é
encontro. Daí a atualidade do bordão: dominar o objetivo e o tangível
para continuar existindo o subjetivo e o intangível.
Duas pontuações finais: em todas as experiências identifica-se não
apenas o idealismo de grupos, mas a capacidade de fazer e inventar.
Sustentabilidade como projeto político que, sem competência estética,
fica apenas no oportunismo ou case de gestão.
O que se discutiu aqui transcende, e muito, a busca do equilíbrio. Incide
sobre nossas escolhas.
Bibliografia
BARROS, José Márcio. A crise e a cultura. Políticas Culturais em Revista,
v. 2, p. 136-146, 2009, disponível em http://www.portalseer.ufba.br/
index.php/pculturais
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia,
São Paulo: Ed.34, 1997.
______ . O que é a Filosofia?, Rio de Janeiro: Ed.34, 1992.
MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. Seminário
Para navegar no século XXI – Tecnologias do Imaginário e Cibercultura,
disponível em http://www.uesb.br/labtece/artigos/da%20necessidade%20de%20um%20pensamento%20complexo.pdf
91
III SEMINÁRIO SUBTEXTO EM DIÁLOGO
EDIÇÃO COMEMORATIVA – 2013
TEATRO EM MG: EDUCAÇÃO &
SUSTENTABILIDADE
05 a 08 de setembro de 2013
Galpão Cine Horto. Belo Horizonte. Minas Gerais
Blog do Seminário: subtextoemdialogo.wordpress.com
seminÁRIO
PALESTRANTES
Américo Córdula (MINC)
Angela Andrade (Teatro Vila Velha/BA)
Angela Dalben (Magistra/MG)
César Piva (Fábrica do Futuro – Incubadora Cultural e Residência Criativa/MG)
Chico Pelúcio (Galpão Cine Horto e Grupo Galpão/MG)
Cíntia Inês Boll (MEC/MINC)
Jorge Luís Braz (Teatro de Tábuas/SP)
Juliano Pereira (Grupo Manicômicos/MG)
Lúcia Pimentel (UFMG)
Marcelo Santos (Gestão Cultural/MG)
Marcos Barreto (Instituto Pensarte/SP)
Mauro Xavier (Grupo Teatro Kabana/MG)
Reginaldo Santos (Galpão Cine Horto/MG)
Rômulo Avelar (Gestão Cultural/MG)
Samira Ávila (Valores de Minas/MG)
Sérgio Bacelar (Festival do Teatro Brasileiro/DF)
Viviane da Soledade (Escola SESC/RJ)
92 | Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
MEDIADORES
Flávio Desgranges (USP)
José Márcio Barros (Observatório da Diversidade Cultural/PUC Minas/
MG)
Seminário Subtexto em diálogo |
Grupontapé (Uberlândia/MG)
Instituto Unimed (BH/MG)
Os Teatráveis (Divinópolis/MG)
SATED MG (BH/MG)
Usiminas (BH/MG)
ZAP 18 (BH/MG)
RELATORES:
Cida Falabella (ZAP 18/BH)
Fernando Mencarelli (UFMG/BH)
GRUPOS E INSTITUIÇÕES CONVIDADOS PRESENTES:
Casa do Beco (BH/MG)
CEFAR – Palácio das Artes (BH/MG)
Cia Candongas (BH/MG)
Cia Clara (BH/MG)
Cia de Artes Asas do Invento (Governador Valadares/MG)
Cia dos Aflitos (BH/MG)
Cia Luna Lunera (BH/MG)
Cia Pierrot Lunar (BH/MG)
Cia Suspensa (BH/MG)
Cia Uno (Uberaba/MG)
Fundação ArcelorMittal (BH/MG)
Fundação Municipal de Cultura (BH/MG)
Grupo Divulgação (Juiz de Fora/MG)
Grupo In-Cena Teatro (Teófilo Otoni/MG)
Grupo Manicômicos (São João Del Rei/MG)
Grupo Maria Cutia (BH/MG)
Grupo Mayombe (BH/MG)
Grupo Mundo (Alfenas/MG)
Grupo Oficcina Multimedia (BH/MG)
Grupo Olho de Gato (Montes Claros/MG)
Grupo Primeira Campainha (BH/MG)
Grupo Teatro Kabana (Sabará/MG)
Grupo Teatro Invertido (BH/MG)
Além dos convidados presentes, o Seminário recebeu outros 29
participantes inscritos.
93
teatro & polÍtica
97
Protagonismo Educativo
em ações interministeriais
contemporâneas:
O programa Mais Educação e o programa
Mais Cultura nas Escolas entrecruzando
imaginações e conhecimentos autorais
Cíntia Inês Boll*
O Programa Mais Educação (PME) foi criado pela Portaria Interministerial
N° 17/2007 e regulamentado pelo Decreto N° 7.083, de 27 de Janeiro
de 2010. Os princípios orientadores desse programa objetivam desde
então a auxiliar na formulação de uma política nacional de educação básica que considere os pressupostos teóricos de uma educação em tempo
integral, no entendimento de que é preciso promover intensos diálogos
entre conteúdos escolares e territórios educativos e compartilhar saberes
entre professores, alunos e atores das próprias comunidades. Segundo
estes pressupostos, acredita-se que ao mesmo tempo em se dissemina
experiências educativas na escola e nos grupos sociais se desenvolvem
atividades contemplando políticas e programas de saúde, cultura, esporte,
direitos humanos, educação ambiental, divulgação cientifica e enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes.
Esta iniciativa político-pedagógica, a partir de 2011, passou a ser coordenada pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), em parceria
com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (SECADI/MEC), Secretarias Estaduais e Municipais de Educação
e suas escolas. Sua operacionalização, através do Programa Dinheiro
Direto na Escola (PDDE), é feita em parceria com o Fundo Nacional de
* Servidora Federal
na Secretaria de
Educação Básica-SEB/
MEC desde maio de
2013. Professora no
Departamento de
Estudos EspecializadosDEE na Faculdade de
Educação-FACED da
Universidade Federal
do Rio Grande do
Sul- UFRGS. Pedagoga,
Mestre e Doutora
em Educação pela
também Faculdade
de Educação-FACED,
Universidade Federal
do Rio Grande do
Sul-UFRGS, na linha de
Pesquisa de Educação,
Arte, Linguagem e
Tecnologia. Professora
no Ensino Fundamental
desde 1986 pela Escola
Estadual Dom Diogo de
Souza, Porto Alegre-RS,
e no Ensino Superior
desde 2000, atualmente
tem como foco estudos
em Formação de
Professores, Educação
Integral e Enunciações
Estéticas na Cultura
Digital.
98
|
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Desenvolvimento da Educação (FNDE) e busca incentivar o gerenciamento
financeiro do recurso pela própria escola (veja mais em [email protected]).
Aproximações entre as políticas do Programa Escola Aberta (PEA) criado
pela RESOLUÇÃO/CD/FNDE/N° 052, DE 25 DE OUTUBRO DE 2004,
e o PME estabeleciam objetivos específicos de promoção e ampliação
da integração entre escola e comunidade, apresentando oportunidades
de acesso a espaços de promoção da cidadania [...]. Em um esforço
conjunto, governo federal e secretarias de educação estaduais e municipais disponibilizaram, à época, técnicos com experiência para apoiar a
relação escola-comunidade e/ou a proposta de intersetorialidade com
ações objetivas nas áreas da cultura, saúde, meio ambiente, esporte,
desenvolvimento local e outras.
Várias escolas no país que abraçaram o PEA e hoje concentram esforços no
PME buscando integrar currículo e Projeto Político Pedagógico (PPP) têm
apresentado melhoria na frequência escolar, na aprendizagem, no aumento
no índice do IDEB (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica) e na
interlocução efetiva com outros atores da própria comunidade territorial.
Estudantes do ensino médio, universitários, graduandos e graduados
não só participam das atividades como contribuem no gerenciamento
dos recursos com pais, comunidade e conselho escolar. Teatros, cinemas,
parques, circos, museus, shows têm possibilitado perceber cada vez mais
o grande desafio que é o de desenvolver habilidades que colaborem para
o sucesso na vida e na escola de cada sujeito, de cada cidadão. Pois que
todo o sucesso na vida e na escola requer o necessário protagonismo
do saber entrecruzado à ousadia e à imaginação que é pensar o novo, o
desconhecido, o que não se sabe.
Pensar o novo é crer que o conhecimento em essência será sempre autoral, criação. E o protagonismo exigido nesta ação do pensar o novo
está diretamente relacionado com o território educativo que cada sujeito
compartilha com outros atores. Aprender, portanto, será tanto compartilhar
conhecimento como especialmente construí-lo no contexto cultural. E os
Teatro & polÍtica
| 99
programas Mais Educação e Mais Cultura nas Escolas1, em uma iniciativa
interministerial entre Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Cultura
(MinC), reconhecem não só a autonomia cultural dos territórios, com seus
saberes e dinâmicas de comunicação e expressão, mas especialmente esse
protagonismo educativo que nele se movimenta.
Cíntia Inês Boll
palestra no III
Seminário Subtexto
em Diálogo. Foto:
Tiago Carneiro.
Saberes, valores e práticas de comunicação e expressão cultural anunciam
singularidades de pensamentos que se desorganizam-reorganizam-adaptam para integrar a outros cada vez mais complexos. O protagonismo
do saber que se movimenta ao conhecimento do novo que se apresenta
será sempre entrelaçado, ininterrupto e singular tanto na relação que
o sujeito estabelece com ele mesmo quanto na relação com os outros
atores. Portanto, o processo da construção dos conhecimentos científicos
e culturais, éticos e estéticos neste contexto educativo do qual falamos
1 O Programa Mais Cultura surgiu em 2007 tendo por objetivo a integração e valorização
dos mais diversos segmentos artísticos e culturais deste país. Atualmente se estrutura para
incluir nos espaços escolares o conhecimento de artistas, grupos e mestres de cultura
popular e tradicional e toda uma profícua rede de arte-educadores. Veja mais em http://
www.cultura.gov.br/maisculturanasescolas .
100
|
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
exigirá sempre intensos diálogos entre conteúdos escolares e territórios
educativos.
Os programas Mais Educação e Mais Cultura nas Escolas corroboram para
que práticas docentes interculturais, flexíveis e inclusivas dialoguem com
saberes e atores em espaços cada vez mais ampliados e compartilhados.
Neste sentido e atendendo às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs)2,
normas que orientam o planejamento curricular das escolas e dos sistemas
de ensino, o ensino precisa ser proposto de forma a garantir a dinâmica
intensa da vida cultural e artística de cada território educativo.
Pensar o novo, a ousadia e a descontinuidade podem colaborar na criação
de outros sentidos e sensações atravessados pelo território educativo, pelo
entorno cultural ao que o sujeito está imerso. Iniciativas que intercambiem
sistema escolar e campo cultural, que agreguem museus, teatros, bibliotecas
e espaços comunitários aos conteúdos escolares podem se apresentar aos
espaços escolares na escrita autoral e inventiva. Neste sentido, contextos
culturais ampliam e colaboram para a alegria, o prazer e o deslumbramento
requerido pelo protagonismo de um sujeito em busca do conhecimento.
A escola precisa estar pronta para apreciar e não só analisar criticamente
esse protagonismo da ação educativa: outros olhares se apresentam na
composição autoral de um conhecimento.
A apreciação escolar pode potencializar os olhares de cada sujeito para
com seu contexto cultural e sua estética. Um sujeito educativo que, ao se
assumir como protagonista do conhecimento que se apresenta, assume
as rédeas da criação autoral, equilibrando-se entre o aprender e o desejo
do aprender atravessados pelos conceitos e princípios da comunhão e
do diálogo numa típica tentativa de coexistência pedagógica. Assim, o
bem-estar, a alegria e o prazer se espalham movimentando a busca pelo
conhecimento desejado entre conteúdos escolares e territórios educativos.
O Programa Mais Educação e o Programa Mais Cultura nas Escolas objetivam o encontro de processos educativos intensos, abrangentes e colabo-
2. Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article
&id=293&Itemid=358. Acessado em outubro de 2013.
Teatro & polÍtica
| 101
rativos entre escolas da rede pública e iniciativas culturais. Apresentam-se
como um convite estratégico à construção de espaços para diálogos entre
educação, arte e cultura a fim de reconhecer e contribuir para a formação
de territórios educativos onde saberes formais, saberes comunitários e
práticas artísticas e culturais se integrem aos planos de atividades das
escolas públicas. À construção de espaços educativos onde a liberdade
à invenção, à criação e ao pensar o novo possam ser apreciados em seu
caráter autoral pela busca do conhecimento.
103
CONSTELAÇÃO
Rita Gusmão*
O objetivo deste texto é registrar uma reflexão sobre a ação proposta em
conjunto pelos Ministérios da Cultura e da Educação, denominada Mais
Cultura nas Escolas, e suas prováveis influências na sustentabilidade
do campo de trabalho da Arte no país. As ideias das quais se parte
aqui são: primeira, que existe, sim, a necessidade de que os órgãos
governamentais desenvolvam ações integradas; segunda, de que a
educação é, ao mesmo tempo, uma manifestação cultural e o alimento
precípuo do processo de desenvolvimento da cultura de um país; e
terceira, que ambas são campos de trabalho que necessitam formação
e planejamento para a garantia de sua sustentabilidade.
Para iniciar a cartografia da influência do Mais Cultura nas Escolas,
far-se-á um breve panorama das funções de cada um dos Ministérios
envolvidos, de modo a reconhecer o papel que cada um desempenha
nesta ação. O Ministério da Cultura é um órgão da administração pública
federal direta, e tem como áreas de competência a política nacional de
cultura e a proteção do patrimônio histórico e cultural. Por meio da
sua Secretaria de Políticas Culturais, instituiu a Diretoria de Educação
e Comunicação para a Cultura, e adotou como um dos objetivos desta
promover a integração entre o PNC- Plano Nacional de Cultura e o PNEPlano Nacional de Educação. Segundo informações do sítio eletrônico
do Minc, esta integração está baseada na formulação e implementação
de uma política de interface entre educação e cultura, e suas ações se
propõem a desenvolver a formação para a cidadania, o ensino de arte
nas escolas de educação básica, o compromisso das universidades com
a promoção da cultura e da diversidade e o ensino profissionalizante
no que tange à economia da cultura (Acordo de Cooperação Técnica
Interministerial n. 001/2011).
* Professora Assistente
da Universidade Federal
de Minas Gerais, Escola
de Belas Artes, Curso
de Graduação em
Teatro, onde participa
das modalidades
Bacharelado e
Licenciatura. Tem
experiência nas
áreas de Teatro,
Performance, Videoarte
e videoinstalação.
Desenvolve trabalhos
como atriz, diretora
e produtora de
espetáculos e eventos
artístico- culturais.
104
|
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Para constituir o Plano Nacional de Cultura, desde o Decreto Lei que
o instituiu em 2006, o MinC estabeleceu sua concepção de cultura
articulada em três dimensões: simbólica, cidadã e econômica. A
dimensão simbólica considera que todos os seres humanos têm a
capacidade de criar símbolos que se expressam em práticas culturais
diversas como idiomas, costumes, culinária, modos de vestir, crenças,
criações tecnológicas e arquitetônicas, e também nas linguagens
artísticas: teatro, música, artes visuais, dança, literatura, circo, etc.
A dimensão cidadã entende a cultura como um direito básico do cidadão,
e para garanti-lo cabe ao MinC promover a participação de cada
brasileiro na vida cultural do país. Esta meta seria alcançada, segundo
o PNC, ao se criar e dar acesso a livros, espetáculos de dança, teatro
e circo, exposições de artes visuais, filmes nacionais, apresentações
musicais, expressões da cultura popular, acervo de museus, entre outros.
O acesso aos bens culturais, como descrito no Plano, não explicita ações
para o desenvolvimento da percepção artística ou da sensibilidade,
somente a garantia da oferta de eventos nos quais estes bens sejam
disponibilizados. Talvez, por esperar que a presença da disciplina Artes
nas escolas de educação básica cumpra este papel.
E, por fim, a dimensão econômica que busca o crescimento do vetor
econômico das atividades culturais, vendo-as como lugar de inovação e
expressão da criatividade brasileira e fazendo parte do novo cenário de
desenvolvimento econômico, socialmente justo e sustentável.
O Ministério da Educação, por sua vez, tem como função promover
a educação de qualidade, em todos os níveis nos quais esta se divide.
O Plano Nacional de Educação, instituído em 1998, aponta como
objetivos: 1) elevação do nível de escolaridade da população; 2) a
melhoria da qualidade de ensino em todos os níveis; 3) a redução das
desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência
com sucesso na educação pública; e 4) a democratização do ensino
público nos estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da
participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
Teatro & polÍtica
| 105
pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local
em conselhos escolares ou equivalentes.
A partir desta diretrizes, foi que os Ministérios tomaram a iniciativa do
Programa Mais Cultura nas Escolas, buscando incentivar o encontro
das experiências artístico-culturais em curso nas comunidades com
o projeto pedagógico das escolas de educação básica públicas. Estas
escolas devem estar ativas e vinculadas a outros dois programas, sejam
O Mais Educação e o Ensino Médio Inovador.
O Programa Ensino Médio Inovador- ProEMI, foi instituído em 2009
com o objetivo de integrar as ações do Plano de Desenvolvimento da
Educação – PDE, como estratégia para induzir a reestruturação dos
currículos do Ensino Médio. O objetivo do ProEMI é apoiar e fortalecer
o desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras nas escolas
de ensino médio, ampliando o tempo dos estudantes na escola e
buscando garantir a formação integral com a inserção de atividades que
tornem o currículo mais dinâmico, atendendo também as expectativas
dos estudantes do Ensino Médio e às demandas da sociedade
contemporânea. Para tanto, foram eleitos como macrocampos de
planejamento e atuação os seguintes: acompanhamento pedagógico;
iniciação científica e pesquisa; cultura corporal; cultura e artes;
comunicação e uso de mídias; cultura digital; participação estudantil
e leitura e letramento. A adesão ao Programa Ensino Médio Inovador
é realizada pelas Secretarias de Educação Estaduais e Distrital, e as
escolas de Ensino Médio recebem apoio técnico e financeiro, através
do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, para a elaboração e o
desenvolvimento de seus projetos de reestruturação curricular.
O Programa Mais Educação foi regulamentado em 2010 e constituiuse como estratégia para induzir a ampliação da jornada escolar e a
organização curricular na perspectiva da Educação Integral. As escolas
das redes públicas de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal
fazem sua adesão ao Programa e, de acordo com o projeto educativo
em curso, optam por desenvolver atividades nos macrocampos de
acompanhamento pedagógico, educação ambiental, esporte e lazer,
106
|
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
direitos humanos em educação, cultura e artes, cultura digital, promoção
da saúde, comunicação e uso de mídias, investigação no campo das
ciências da natureza e educação econômica.
Para o programa Mais Cultura nas Escolas estabeleceu-se que sua função
é inserir iniciativas artístico-culturais de artistas, mestres das culturas
tradicionais e populares, pontos de cultura, museus, bibliotecas, etc., no
projeto pedagógico das escolas, ou de um ou mais professores, por meio
de Planos de Atividade Cultural. Estes planos devem ser desenvolvidos
ao longo de, no mínimo, 6 meses, dentro ou fora do espaço escolar. O
objetivo central do programa é incentivar o cruzamento destes saberes,
para sublinhar a contribuição que as artes e a cultura podem dar para
tornar os processos de aprendizado mais efetivos, mais criativos, e mais
proveitosos, segundo as proposições disponíveis nos sítios eletrônicos
de ambos os Ministérios. Esta proposta define a escola como espaço
de circulação da cultura brasileira, de acesso aos bens culturais e de
construção do respeito à diversidade e à pluralidade desta.
Se pensarmos na estrutura de um Projeto Político Pedagógico de uma
escola de educação básica, podemos perceber a importância da ação do
Mais Cultura nas Escolas:
• É projeto porque reúne propostas de ação concreta a executar
durante determinado período de tempo.
• É político por considerar a escola como um espaço de formação de
cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que atuarão individual e
coletivamente na sociedade, modificando os rumos que ela vai seguir.
• É pedagógico porque define e organiza as atividades e os projetos
educativos necessários ao processo de ensino e aprendizagem.
Itens que devem ser descritos:
• Missão
• Clientela
• Dados sobre a aprendizagem
• Relação com as famílias
• Recursos
Teatro & polÍtica
| 107
• Diretrizes pedagógicas
• Plano de ação
(fonte http://gestaoescolar.abril.com.br)
Se a escola toma como sua a função de ser um centro irradiador dos
bens e valores culturais do país em sua comunidade, e vice-versa,
estimula uma relação mais viva e consistente com a contemporaneidade
e as possibilidades de atingir estudantes, profissionais e famílias, criando
um vínculo afetivo com o processo educativo. Isto porque o processo de
formação oferecido pela escola atual precisa considerar a necessidade
da multiplicidade de saberes que o mundo contemporâneo solicita, a
inquietude própria dos jovens e das crianças super-estimulados deste
mundo e a velocidade das mudanças que se dão nele cotidianamente.
O programa Mais Cultura nas Escolas pode ser um incentivo ao
compartilhamento da jornada escolar pelos vários atores sociais que
são responsáveis por sua qualidade: o professor que é o condutor dos
processos de ensino e aprendizado; os gestores que formam o elo com
as esferas decisórias dos governos; os produtores dos bens e símbolos
que compõem este universo do conhecimento. É muito interessante
que o desenho do Plano de Atividades Culturais seja aberto, não defina
previamente abordagens, metodologias ou usos para os recursos. Seu
eixo de vinculação se organiza a partir do diálogo com um ou mais
eixos temáticos propostos pelo programa: Residências de Artistas para
Pesquisa e Experimentação nas Escolas; Criação, Circulação e Difusão
da Produção Artística; Promoção Cultural e Pedagógica em Espaços
Culturais; Educação Patrimonial – Patrimônio Material, Imaterial,
Memória, Identidade e Vínculo Social; Cultura Digital e Comunicação;
Cultura Afro-brasileira; Culturas Indígenas; Tradição Oral e Educação
Museal. A questão que se coloca para que estes objetivos tão
interessantes sejam alcançados reside justamente no papel do Ministério
da Educação nesta articulação.
As escolas brasileiras não mantém em seu corpo docente um quadro
adequado de professores de Arte. Segundo o pesquisador Mozart Neves
Ramos (Conselheiro do Movimento Todos pela Educação), somente 27%
108
|
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
dos professores que oferecem aulas de artes nas escolas de educação
básica atendem aos critérios exigidos por lei para tal1. À parte o fato de
que todo e qualquer professor tem a ganhar ao interagir sua metodologia
de ensino com os processos culturais em curso na sua comunidade, para
que sejam desenvolvidas ações consistentes de aprendizado em cada
campo de conhecimento, sua formação específica é fundamental.
No programa Mais Cultura nas Escolas, cada escola pode planejar e
vivenciar processos de aprendizado criativo conforme suas escolhas,
poderá adequá-los às necessidades e interesses de seus professores e
estudantes, à realidade local e aos saberes disponíveis nas iniciativas
artísticas e culturais dos territórios em que está inserida. Mas a atividade
artístico-cultural necessita de continuidade para que seja efetiva na sua
influência sobre a educação da sensibilidade e sobre a sustentabilidade
dos seus profissionais. É bastante improvável que um professor ou um
gestor que não tenha formação nas áreas de artes esteja pronto e em
plenas condições de desenvolver um planejamento coerente e consistente
para a continuidade desta agenda na escola. Não por uma questão de
falta de vontade, mas porque este é um campo de conhecimento com
especificidades, ritmo e nuances próprias, que somente um estudioso
pode atender adequadamente.
O acesso aos bens culturais é, sem dúvida, uma necessidade do
desenvolvimento humano e da produção crítica de conhecimento. Mas
é o acesso contínuo e acompanhado do aprendizado da apreciação
que garante este desenvolvimento e problematiza a produção, não
permitindo que apenas a cultura de massa faça parte do cotidiano
dos cidadãos em geral. Continuidade, multiplicidade, integração e
autonomia são atitudes fundamentais para que a agenda artísticocultural das escolas realize o objetivo de formação que se espera dela.
Uma conquista importante para as atividades da escola como centro
irradiador de cultura e artes no programa Mais Cultura nas Escolas, é
1 http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-namidia/22908/professores-40-nao-sao-formados-na-area-em-que-ensinam.
Teatro & polÍtica
| 109
que suas atividades não precisam acontecer necessariamente nos cinco
dias da semana e em horário complementar ao das aulas. Podem cruzarse com as aulas regulares, podem acontecer nas atividades extraclasse
e podem compor um calendário de interação com a cidade, com as
famílias e com as atividades dos artistas envolvidos. Essa conquista
possibilita que as ações do Plano de Atividades Culturais se estendam
para novas perspectivas de ensino e aprendizado, possam funcionar
como experimentações metodológicas inovadoras e multifacetadas.
Esta prática de autonomia e integração com os vários campos de
conhecimento que compõem a escola é crucial para o sucesso desta
agenda. E neste particular também se mostra a necessidade de o
Ministério da Educação investir na alocação de professores efetivos de
Artes em todas as escolas.
Do ponto de vista da sustentabilidade dos profissionais de Artes, o
programa Mais Cultura nas Escolas contribui com esta esfera ao
determinar que artistas, grupos e mestres de cultura popular e tradicional,
arte educadores, cinemas, pontos de cultura, museus, bibliotecas, entre
outras iniciativas ou instituições, somente poderão participar a partir de
representantes devidamente documentados. Podem se caracterizar como
pessoas físicas ou jurídicas, mas deverão poder realizar um contrato de
serviços e de avaliação dos projetos. Não serão contemplados projetos
que não evidenciem as atividades desenvolvidas anteriormente pela
iniciativa cultural por meio de comprovação documental e registro, ou
ainda, sem detalhamento que relacione a experiência prévia da iniciativa
cultural parceira ao Plano de Atividade Cultural proposto e/ou com os
eixos temáticos nele escolhidos.
Também é importante ressaltar que o edital deixa bem claro que estes
contratos deverão responder a circunstâncias profissionais claras: O
PDDE/FNDE define que os recursos serão repassados às escolas em
parcela única. Há uma rubrica nomeada “contratação de serviços culturais
necessários às atividades artísticas e pedagógicas”, que garantirá que
a forma de pagamento seja protegida nos termos da lei e promova a
valorização do profissional, bem como a lisura da prestação de contas.
As iniciativas culturais parceiras deverão fornecer às escolas recibos que
110
|
Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
atestem o recebimento dos valores definidos no Plano de Atividade
Cultural. Estes processos contribuem de maneira muito importante para
a profissionalização e a saída da marginalidade dos envolvidos. Também
é importante ressaltar que a documentação do processo respeita a
informalidade, no sentido de pessoas físicas poderem prestar os serviços,
e a mobilidade, no sentido de que vários artistas diferentes podem
participar, prestando serviços diversos e em tempo descontínuo dentro
dos projetos, e estas são importantes características do campo.
Mesmo considerando a necessidade de incentivo à autonomia das
escolas em relação à definição de seus Planos e de sua coordenação,
e que o coordenador do programa possa ser ou não ligado ao quadro
de servidores da escola, somente sendo resguardada sua escolha em
comum acordo entre a escola e iniciativa cultural parceira, este formato
pode prejudicar seriamente a continuidade do Plano e da realização
da educação da sensibilidade. Poderão assumir esta função a própria
iniciativa cultural, um gestor da escola envolvido com os projetos de
Educação Integral em curso na mesma, um membro da comunidade
escolar envolvido com o projeto ou o professor da escola que se
identifique e seja parceiro do desenvolvimento do projeto. Não sendo
um docente da área de Artes, este coordenador pode não conhecer,
reconhecer ou mesmo conceber os processos que se desenvolvem na
relação com as atividades artístico-culturais. Estes processos não sempre
dóceis e calorosos, porque muitas vezes provocam o deslocamento
de zonas de conforto em seus envolvidos. Se o coordenador não tiver
conhecimento e atitude reflexiva para enfrentá-los, o Plano pode vir a
derrocar, ou manter apenas a cultura de massa em evidência. Com um
docente especialista existe uma tendência maior de que isto não aconteça.
A própria escolha das atividades propostas no Plano de Atividades pode
espelhar a experiência e a direção pedagógica destas, o que é enfatizado
pelo edital do programa. Infelizmente, a ausência dos profissionais
especializados pode provocar que estas não sejam pensadas com o
devido aprofundamento. Caberá aos avaliadores, sejam dos Planos
iniciais sejam dos resultados alcançados, a identificação da dimensão que
esta ausência terá. Do ponto de vista desta reflexão, fica evidente desde
Teatro & polÍtica
| 111
já que por mais inexperiente que um docente de Artes seja, sua visão do
contexto de formação será sempre mais completa. E suas relações com
os profissionais das iniciativas parceiras serão mais críticas e intensas.
Os números relativos às inscrições no programa evidenciam tanto a
quantidade de iniciativas culturais dispostas a interagir com as escolas
quanto a necessidade das escolas de desenvolver sua agenda artísticocultural. Conforme dados da Secretaria de Políticas Culturais do
Ministério da Cultura, 26,9 mil escolas fizeram inscrição e, destas, 14,3
mil unidades preencheram os requisitos e estão aptas a participar da
seleção. Do total de escolas habilitadas, 13,6 mil são da Educação em
Tempo Integral, 675 do Ensino Médio Inovador, e 251 unidades têm
Educação Integral e Ensino Médio Inovador. A Secretaria de Políticas
Culturais informa que 67% das unidades que concorrem aos recursos
têm estudantes do programa Bolsa Família. Entre as regiões, os projetos
estão assim distribuídos: 55% na região Nordeste, 16% no Sudeste,
14% no Norte, 10% no Sul e 5% no Centro-Oeste 2.
Cabe aqui uma reflexão sobre a diferença entre o desenvolvimento de
um programa pontual e o desenvolvimento de uma política pública.
O programa Mais Culturas nas Escolas é, sem dúvida, uma iniciativa
importante. O papel do Ministério da Cultura está mais bem realizado
no seu âmbito, que o papel do Ministério da Educação. O investimento
financeiro, por meio da liberação dos recursos do FNDE e do PDDE, é
parte de uma parceria que pensa a utilização integrada dos recursos para
o pleno desenvolvimento da educação, o que é uma ação importante e
coerente. Mas não é suficiente para realizar o papel de garantir processos
educativos de qualidade e completos. Uma política de geração de
emprego em renda para as iniciativas artístico-culturais e sua distribuição
nas regiões geopolíticas do país, amplia as possibilidades de manutenção
de profissionais em suas comunidades de origem, auxiliando a estabilizar
cada um dos mercados regionais. E isto cabe de fato ao MinC realizar.
2 ASCOM-Mec - http://aquiacontece.com.br/noticia/2013/10/06.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
A política pública de garantia de emprego para os docentes especialistas
egressos das licenciaturas da área de Artes cabe ao MEC. E esta política
precisa ser um reflexo da percepção de que a escola e a sociedade
se ressentem da falta de educação para a sensibilidade, e por isto
investem em todas as iniciativas que possam levar a isto. A aprovação
e a regulamentação de leis que estabeleçam um percurso efetivo de
ocupação pelos docentes de Artes de seus lugares na escola, por meio
da instituição de vagas e dos concursos seria um passo fundamental para
a realização desta política. E contribuiria para a continuidade consistente
dos Planos de Atividades Culturais das escolas de educação básica.
A guisa de informação, seguem alguns dados sobre a contratação de
professores de arte em MG. Na esfera estadual foi possível localizar um
concurso em 2011, que disponibilizou 21.337 vagas, sendo a maioria
delas para o cargo de Professor de Educação Básica (PEB)3. A previsão foi
que 13.993 postos seriam ocupados por professores das áreas de Artes,
Biologia, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua
Estrangeira Moderna – Espanhol, Língua Estrangeira Moderna – Inglês,
Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia. A remuneração
mínima prevista para esse cargo permanece de R$ 1.320,00 para uma
jornada de trabalho de 24 horas semanais. As nomeações têm acontecido
por todo o ano de 2013, nos seguintes termos:
Março 2013
Física: 739
Inglês: 542
Espanhol: 97
Português: 1179
Junho 2013
Educação Física: 134
Filosofia: 161
Geografia:175
3 (http://concursosnobrasil.com.br/concursos/mg)
Teatro & polÍtica
| 113
História: 220
Matemática: 79
Química: 30
Sociologia: 94
Ensino Fundamental: 729
Outubro 2013
Educação Física: 610
Química: 19
Sociologia: 06
Ensino Fundamental: 240
Como se pode perceber, ainda não foram nomeados professores de Artes.
Na esfera municipal, foi aprovado um concurso em agosto de 2013,
para o qual foi nomeada uma comissão que deverá organizá-lo. Serão
disponibilizados cargos de auxiliar de biblioteca, auxiliar de secretaria,
professor de educação infantil e professor de inglês; não há previsão
de vagas para professores de artes. O último concurso que abriu vagas
para Artes foi em 2011, no qual 177 profissionais foram aprovados e
nomeados no mês de junho; no concurso de 2010, não houve vagas
para Artes. Infelizmente, um levantamento informal feito por esta autora,
demonstrou que cerca de 20% dos nomeados abandonou as salas de
aula, por não concordar ou não suportar as condições de trabalho.
Sem um investimento real nos processos educativos da sensibilidade,
da apreciação e do conhecimento sobre a expressão artística, o MEC
não estará contribuindo para o desenvolvimento de uma educação de
qualidade no Brasil.
galpÃO EM FOCO
117
Teatro, crise e renovação
Eduardo Moreira*
Ao discorrer sobre o Galpão, nos inúmeros encontros, debates e oficinas
que conseguimos realizar por onde circulamos, uma das características
mais sublinhadas do grupo é a de sermos um coletivo de atores, sem
um diretor fixo. Isso traz como consequência uma natureza cambiante,
heterogênea e bastante suscetível `as transformações e `a variedade.
Em ciclos que muitas vezes se alternam entre movimentos centrípetos (de
fora para dentro) e centrífugos ( de dentro para fora), o grupo vive uma
dialética permanente entre recolher-se e expandir-se, buscando sempre
uma fidelidade ao princípio de que a arte se constrói com desafios e
travessias perigosas. Tais travessias, que podem também ser traduzidas,
como tentativas de saltos de renovação, têm sempre naturezas diversas.
Em linhas gerais, podem aprofundar a pesquisa sobre características
consolidadas e conhecidas do trabalho do Galpão e, por outro lado,
podem traduzir mudanças de rumo, rupturas e tentativas de encontro
como novas linhas de pesquisa.
A fim de ilustrar melhor essa característica, considero ser interessante
fazer um breve histórico de alguns momentos-chave em que o espírito
de ruptura e de renovação se impôs na história do Galpão.
Penso que tal espírito foi moldado desde a fundação do grupo e a formação de seus atores, no encontro com os diretores alemães do “Teatro
Livre de Munique”. Isso porque, levar o teatro para a rua, no Brasil, em
1982, significava uma ruptura com o “status quo” de uma sociedade
cuja expressão artística estava coibida e confinada por dezoito anos de
falta de liberdade e perseguições políticas. Se a opção pela rua marcou
o grupo como um coletivo disposto a romper com os limites dos espaços
convencionais, o segundo movimento interno de renovação se deu com
a montagem do espetáculo de palco - “De olhos fechados”. O Galpão
* Eduardo Moreira é ator,
diretor e dramaturgo.
Integrante e cofundador
do Grupo Galpão.
118
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
não só afirmava seu caráter de diversificação, levando o teatro para onde
fosse possível fazê-lo, mas também consolidava sua marca como um
coletivo movido pelo espírito camaleônico da transformação.
Logo em seguida, outra renovação se deu com a ampliação do Galpão
na montagem da peça “Ó prô cê vê na ponta do pé”. Com o convite
à entrada de novos integrantes, o grupo agregava `as suas técnicas de
teatro de rua impostas pelos alemães, novos elementos de circo,mímica,
pantomima e teatro de bonecos.
Uma renovação traumática se deu com o fracasso produzido pelo resultado
do espetáculo “Arlequim servidor de tantos amores”. Foi um momento
em que o coletivo por pouco não sucumbiu ao fiasco de público e a um
resultado artístico que não nos satisfazia. A sobrevivência ao fracasso
foi fundamental para que o grupo refletisse e se renovasse, deixando
de lado definitivamente as ilusões de um tipo de criação coletiva em
que todos faziam tudo e ninguém se responsabilizava por nada. A dura
realidade de um espetáculo que não se concatenava cenicamente nos
levou a repensar sobre a necessidade de funções e de responsabilidades
claras dentro de uma criação artística.
Este fracasso nos levou ao encontro com o diretor Ulisses Cruz que nos
trouxe, como modo de criação, o sistema de “workshops”: ideias cênicas desenvolvidas num curto espaço de tempo, usando-se o máximo de
recursos cênicos e que se viabiliza a partir de uma clara separação de
funções, especialmente entre aquele que concebe, tem a visão de fora e
a consciência do todo, o diretor, e aquele que executa, é o centro ativo
da criação, mas que tem uma visão parcial do todo, o ator.
Outro momento de intensa renovação na história do grupo, entendida
tanto como aprofundamento de tendências ,quanto de mudança mais
radical de rumo, se deu no encontro com o diretor Eid Ribeiro, com quem
fizemos os espetáculos “Corra enquanto é tempo” (texto do próprio Eid)
e “Álbum de família” (de Nelson Rodrigues). Era o início do deslocamento
do foco para uma dramaturgia brasileira e um teatro menos calcado na
expressão corporal e que se voltasse também para a questão da palavra.
Galpão em Foco |
119
No mesmo período, os encontros com grupos de teatro da Europa e da
América Latina, ligados à vertente do Teatro Antropológico de Eugenio
Barba, expandiam os horizontes de expressão do grupo, com a introdução da música executada ao vivo pelos próprios atores. O advento da
música representou uma revolução no nosso encontro com o público
da rua, estabelecendo uma relação muito mais íntima e epitelial com os
espectadores.
Já Gabriel Villela fez uma espécie de síntese barroca de todos os caminhos
trilhados e traçados pelo grupo para criar, com mãos mágicas, a epifania
teatral de “Romeu e Julieta”. A partir daí, o Galpão se consolida como um
grupo de atores que trabalha com diferentes diretores, buscando nesses
variados encontros uma permanente fonte de renovação. Não foi um
projeto pré-concebido, mas uma consequência natural.
Ainda que os encontros com diretores e artistas externos sempre provoquem transformações renovadoras, o Galpão continuamente reflete sobre
sua trajetória não apenas com os espetáculos dirigidos pelos próprios
integrantes, mas também com o permanente exercício dos “workshops”
conduzidos pelos atores. Entre rupturas e retornos à própria essência,
seguimos na tentativa de encontrar um ponto de equilíbrio, em que
se digladiam elementos como pesquisa e comunicação com o público,
busca de linguagem e sobrevivência financeira, interesses individuais e
espírito coletivo.
Depois da síntese de “Romeu e Julieta” e o mergulho no circo-teatro
e no melodrama proposto por Gabriel Villela em “A rua da amargura”,
os atores do Galpão seguiram buscando renovação com ações mais ou
menos abruptas.
“Um Molière Imaginário” (direção de Eduardo Moreira) foi uma espécie
de balanço e retomada das rédeas artísticas pelo próprio grupo. Em seguida, veio uma ruptura mais brusca, no encontro com Cacá Carvalho,
em “Partido”. Com a criação de uma dramaturgia que estabelecia uma
ponte entre o romance de Italo Calvino e o drama, feita a partir das
ações físicas criadas pelos atores, o espetáculo estabelecia um corte no
curso da linguagem do grupo.
120
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Coerente com a filosofia de pensar seus projetos artísticos a partir “daquilo
que nos falta” ou “daquilo de que somos carentes”, o Galpão vive numa
espécie de pêndulo artístico que oscila entre momentos de quebra e de
expansão de suas linguagens e momentos de aprofundamento das mesmas.
Em “Um trem chamado desejo” (direção de Chico Pelúcio) o grupo encaminha a construção cênica a partir dos exercícios de criação colaborativa
dos atores e, de certa forma, retorna à sua origem, com uma direção
interna e o mergulho no universo do musical brasileiro.
O diretor Paulo José
em processo de criação
com o Grupo Galpão.
Foto: Arquivo Grupo
Galpão.
Novas rupturas de renovação viriam com o minucioso trabalho sobre a
palavra em “O inspetor geral” e a imersão no universo épico de Brecht
em “Um homem é um homem”, ambos sob a direção de Paulo José.
Galpão em Foco |
121
Já “Pequenos milagres” (direção de Paulo de Moraes) trouxe uma guinada
em direção a um teatro realista que se opusesse à exuberância imposta
pelo teatro de rua. Era o caminho intermediário para chegarmos, posteriormente à obra de Tchekhov, nos encontros com Eduardo Coutinho e
Enrique Dias (“Moscou”), Yara de Novaes (“Tio Vânia (aos que vierem
depois de nós)”) e Jurij Alschitz (“Eclipse”).
No meio desse percurso acontece mais uma direção interna, em que o
grupo aprofunda sua linguagem popular, debruçando-se sobre a bufonaria
medieval em “Till, a saga de um herói torto” (direção de Julio Maciel).
É curioso notar que o autor desse texto, o dramaturgo Luis Alberto de
Abreu, é o mesmo de “Um trem chamado desejo”, as duas últimas direções internas de espetáculos do Galpão.
E para fechar esta breve retrospectiva histórica, chegamos ao último
espetáculo, “Os gigantes da montanha” (direção de Gabriel Villela) em
que o Galpão encara o desafio de levar a poesia de Pirandello para o
público da rua. É um processo em que a renovação se dá, por exemplo, no
encontro com as técnicas de espacialização da voz trazidas por Francesca
della Monica, que se somam e ampliam ao trabalho consolidado há mais
de vinte anos dentro do Galpão pelas mãos de Babaya e Ernani Maletta.
Na verdade, a renovação deve ser entendida como antídoto contra a
inércia e contra o estabelecimento de relações viciadas pelo previsível
e o burocrático. É um ideal a ser perseguido e que, muitas vezes, nos
escapa. É uma busca permanente por procedimentos e dispositivos que
injetem frescor e vida. Vinculada ao risco e ao salto no escuro, isto é, no
ir ao encontro do desconhecido e ao que não dominamos, ela é fruto da
nossa inquietação artística, elemento fundamental do espírito criativo.
Como elemento que nos conduz por caminhos onde nos sentimos perdidos,
a renovação também está intimamente ligada à possibilidade de morte
e de renascimento de um coletivo de teatro. Algo semelhante à dialética
do ator diante da construção de um novo espetáculo e um novo papel.
Para se criar algo é preciso se dispor a, diante de uma folha em branco,
esvaziar-se, retornar ao zero. De certa forma, morrer.
122
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Todo o processo de renovação expõe o coletivo à tensão provocada pelo
encontro com o desconhecido e aquilo que pode fugir ao nosso controle.
É o que gera a crise. A crise se instala pelo desejo e a incapacidade aparente de se chegar a outro lugar, que não sabemos bem onde está e nem
o percurso que devemos traçar para alcançá-lo. Por isso, toda tomada
de decisão coletiva sobre aquilo que se vai montar é um momento de
crise. Num grupo de atores, como é o caso do Galpão, as decisões dão
muitas voltas e são mais difíceis de serem pactuadas. Isso, certamente,
torna mais aguda a potência de crise.
O diretor Gabriel
Villela maquia o ator
Eduardo Moreira
para o espetáculo
“Os Gigantes da
Montanha”. Foto:
Guto Muniz.
Esses momentos criam uma espécie de suspensão, em que o coletivo
perde a base e se desinstitucionaliza. O institucional é uma moldura
cujos limites a crise deforma e amplia. Nessa dialética entre a crise e o
institucional, entre a moldura externa e a inquietação interna, entre o
estabelecimento de um conhecimento e sua transformação, o coletivo
caminha no fio da navalha.
Galpão em Foco |
123
A renovação ainda precisa desatar o complexo nó dos interesses artísticos
pessoais e a construção de um interesse coletivo. É um tipo de problema
que tende a se radicalizar com a consolidação do grupo e o avanço cronológico de seus atores. Quando se ultrapassa a casa dos cinquenta, a
urgência de fazer coisas e de cumprir desejos aumenta. Isso torna cada
vez mais difícil encontrar um denominador comum coletivo que satisfaça
as diferentes partes.
E, apesar de todas as dificuldades e perigos, é preciso que o coletivo e
as individualidades não se furtem a enfrentá-las. É preciso segurar o boi
pelo chifre sem fingir que ele não existe. Saber avançar e também recuar,
quando preciso for. Ter a consciência de que as coisas não se resolvem
num passe de mágica. E que, na verdade, elas não se resolvem nunca.
Por isso, é preciso ter tempo, dar tempo ao tempo, não exigir soluções
instantâneas e ter muita paciência e perseverança.
Depois de trinta e um anos de trabalho ininterrupto, com muitas dúvidas,
conquistas, alguns fracassos, uma boa dose de sucessos e de crises, me
pergunto para onde pode apontar a bússola de possibilidade de renovação do Galpão. É claro que podemos pensar em renovação no horizonte
de um próximo espetáculo e podemos fazê-lo com o horizonte para os
próximos dez ou vinte anos. Numa perspectiva de médio e longo prazo,
qualquer que seja o diagnóstico artístico, creio que o nosso coletivo não
pode se furtar ao desafio de novos atores. De preferência atores jovens,
que possam dar continuidade ao nosso projeto artístico.
O desafio será o de conciliar a transmissão de uma trajetória de conhecimento e de experimentação em busca de linguagens com a renovação
e a transformação dessa mesma trajetória. Essa necessidade traz o risco
de se criar definições e conceitos que emolduram e institucionalizam e
nos afastam do espectro da crise, tendendo a nos encaminhar para uma
atitude confortavelmente estruturada. É preciso estabelecer uma pedagogia que transmita nossos conhecimentos e experiência e, ao mesmo
tempo, nos transforme e nos revigore.
E, para concluir, é bom que se diga que essa tentativa de artigo também
está completamente contaminada pelo espírito da crise. As palavras
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
parecem flutuar, suspensas pela falta de exatidão e sem conseguir encontrar um pouso. Como o arriscado ideal da renovação, que nos tira
de um lugar aparentemente seguro e nos lança na incerteza de algo que
não sabemos bem o que pode vir a ser.
O Grupo Galpão ao lado de alguns de seus parceiros na estreia de “Os Gigantes da
Montanha” (da esquerda para direita): Ernani Maletta, Francesca della Monica, Babaya,
Paulo José e Gabriel Villela. Foto: Guto Muniz.
Cine Horto em Foco
129
Na dianteira das discussões
e proposições acerca do
teatro contemporâneo
15 anos de atuação do Galpão Cine Horto
Soraya Belusi*
Em 1982, a passagem de uma dupla de diretores alemães por Belo
Horizonte marcaria para sempre a vida de cinco atores. Mas não atingiria diretamente apenas a eles. Este encontro inaugural, digamos assim,
serviria também de referência para um projeto posterior, muito maior,
pautado no trabalho coletivo, na pesquisa e na experimentação cênica.
Foi sobre esses pilares que se iniciou a trajetória do Grupo Galpão e que,
há 15 anos, norteou também as colunas fundamentais do Cine Horto, o
que considero ser uma extensão pedagógica da prática da trupe.
Mas o Galpão nunca teve como proposta replicar um modelo “que deu
certo”. Sabe que seu percurso é único na cena teatral brasileira, mas
também tem consciência do impacto das mais diversificadas colaborações
artísticas que integrou ao seu trabalho ao longo de três décadas. O Cine
Horto traz implícito em suas origens esse mesmo espírito, a crença no
poder transformador do encontro, ideia que serve ao mesmo tempo de
princípio para o próprio fazer teatral à medida que é diante (e com) o
outro que esta arte se realiza.
São 15 anos de Galpão Cine Horto e incontáveis experiências bem-sucedidas, outras nem tanto, o que também faz parte do aprendizado.
Os números, por mais impressionantes e significativos que possam ser
(mais de 150 mil espectadores e mais de 100 edições de projetos variados), dão conta apenas de uma visão quantitativa sobre a atuação do
* Soraya Belusi é
mestranda em artes
pela Universidade
Federal de Minas Gerais,
jornalista e crítica
teatral. É editora do
blog Horizonte da Cena
e, desde 2002, atua
como jornalista cultural
em diversos veículos de
informação do país.
130
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Cine Horto e sua relação com a cidade. E não é neste lugar que residem
as principais competências desse polo multiplicador.
Cine Horto em Foco |
131
E a quantidade e relevância dos diferentes criadores e pesquisadores
que cruzaram sua história com a do Cine Horto garantiram um fluxo
permanente de troca de conhecimento, através de residências (como
o Cena 3x4), de oficinas, como as de dramaturgia e direção, conversas,
palestras e bate-papos, como no Sabadão, mostras de repertório como
as que acontecem no Galpão Convida, de fomento à criação – tanto
voltado para o trabalho do ator, como no Oficinão, quanto focando a
linguagem, caso do Festival de Cenas Curtas – e o acesso mais democrático ao teatro, como o Pé na Rua.
Segunda edição do
projeto Pé na Rua.
Espetáculo “No
Baile”. 2006. Foto:
Guto Muniz.
Primeira edição do
projeto Oficinão.
Espetáculo “Noite de
Reis”. 1998. Foto:
Guto Muniz
Em sua página na internet, o Cine Horto divulga aquelas que seriam suas
“missões”. Gostaria de fazer um panorama desse período através daquilo
que o próprio espaço se propôs a cumprir. A primeira delas e na qual
irei me concentrar, segundo o site, é “desenvolver, de forma continuada,
ações de fomento, formação, pesquisa, criação, compartilhamento de
conhecimento e difusão teatral”. Ao longo desses 15 anos, o Cine Horto
atuou de maneira ininterrupta. Poucos foram os projetos que, por falta
ou de incentivo financeiro ou demanda, tenham sido abandonados ao
longo do caminho.
Teria ainda que considerar, ao falar da atuação exercida pelo centro cultural, que incluir a área sociopedagógica, de pesquisa e memória (CPMT),
e, ainda em fase de implantação, a central de serviços, em que a equipe
do Cine Horto pretende prestar uma assessoria em gestão para outros
grupos e espaços culturais.
Mas, se nos ativermos apenas aos projetos na área do fomento à criação
– uma fatia considerável da atuação do Cine Horto, mas não o total –,
é possível constatar um dado interessante. Pretendo centrar meu olhar
sobre esse viés a partir do entendimento de que esta seja talvez a sua
mais visível faceta de atuação. Durante todos esses anos, o Cine Horto
132
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
sempre esteve na dianteira das discussões e proposições acerca do teatro
contemporâneo em Belo Horizonte. Atentos com as questões que vinham
(e continuam) tendo dimensão relevante na cena teatral, seus gestores
introduziram artistas e público a um ambiente propício para se investigar
outras formas de pensar, de fazer e de fruir teatro.
Espetáculo gerado
no projeto Cena
3x4, “Casa de
Misericórdias”,
Maldita Cia. de
Investigação Teatral.
2003. Foto: Guto
Muniz.
Tomemos o Cena 3X4 como exemplo, na minha opinião, um dos projetos
que mais reverberou na forma como vemos o fazer teatral hoje em Belo
Horizonte – junto, é claro, com ações realizadas por outros eventos e
espaços, entre os mais significativos o FIT-BH e o ECUM). Termos, jargões
e práticas que até então não faziam parte da “agenda” teatral mineira,
hoje habitam cotidianamente o linguajar de jovens criadores mineiros. Este
projeto reunia o dramaturgo Luis Alberto de Abreu e o diretor Antonio
Araújo como supervisores do “processo colaborativo” que foi experimentado por algumas companhias locais, entre elas, a Cia. Luna Lunera,
Teatro Invertido e Maldita Cia. de Teatro. É justamente sua atuação junto
a grupos, e não a indivíduos, que determinou sua verticalidade.
Cine Horto em Foco |
133
Essa experiência na forma de fazer, na organização do processo criativo
em grupo, marcaria para sempre os trabalhos desses coletivos. O mesmo
pode-se dizer da oficina de dramaturgia, ministrada pelo mesmo Luis
Alberto de Abreu, que também foi uma das responsáveis por reforçar
ainda mais na cidade a ideia da construção de uma dramaturgia própria,
em processo, contemporânea, também criada com a participação do
ator-criador, noção que faz parte do cotidiano artístico da grande maioria
dos jovens grupos belo-horizontinos.
Aliás, muitos desses jovens grupos nasceram ou se consolidaram como
desdobramento de experiências vividas no próprio Cine Horto. Além
das já citadas Luna Lunera e Maldita, outro projeto seria determinante
nesse sentido: o Festival de Cenas Curtas, no qual foi apresentado pela
primeira vez a cena “Por Elise”, do Grupo Espanca!, posteriormente
transformada em espetáculo e que se tornou um dos maiores sucessos
da última década. Esse “milagre do teatro” continua a ser perseguido
por dezenas de outros jovens que, a cada ano, inscrevem seus projetos
de esquetes de 15 minutos a fim de investigar a linguagem teatral em
suas nuances. Milagres não acontecem todo dia, diriam os mais realistas.
E tendo a concordar. Mas a multiplicação, esta sim, é possível de ser
feita, haja vista a quantidade de coletivos que hoje estão sólidos e com
relevância no mercado: só para citar mais alguns, que, de uma forma
ou de outra se relacionam com esse evento, Primeira Campainha, Cinco
Cabeças, Quatroloscinco – Teatro do Comum, Preqaria Cia. de Teatro,
dentre outras.
Público em uma das
noites do Festival de
Cenas Curtas 2013.
Foto: Guto Muniz.
134
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Cine Horto em Foco |
135
Outro fato curioso, mas que me parece ser também reflexo da convivência
propiciada por essas experiências, é a troca e o diálogo constante entre
esses grupos, com muitos deles compartilhando seus profissionais, que
trafegam de uma criação para a outra, criando um trânsito potencialmente
rico de informações.
O volume de produção realizada nesse período não “cabe” mais no Cine
Horto. Em algum tempo, talvez não tão longo assim, ele terá uma nova
casa e, assim se espera, poderá ampliar ainda mais suas ações. Um desafio
que se coloca é conseguir que essa produção – cada vez mais volumosa,
mas nem por isso mais instigante em suas propostas – mantenha-se com
a capacidade de extrapolar suas paredes e de ganhar autonomia artística
e, não menos importante, financeira.
Público no Sabadão
com Gero Camilo,
em 2012. Foto:
Marcos Coletta.
Nos últimos anos, de maneira mais direta, o Cine Horto passou também a
promover a fomentar a cena local fora de nossas fronteiras. Se antes cabia
ao espaço trazer o teatro que estava sendo feito e pensado no Brasil para
Belo Horizonte, agora, atua também na outra via, gerando visibilidade
às nossas produções em eventos de alcance nacional, como o Festival de
Curitiba, e tem como desafio expandir essa influência, agregando não
apenas os “filhos” de seus projetos.
Essa vertente para assumir uma dimensão de interferência na cena artística em âmbito nacional pôde ser percebida também em algumas ações
que envolveram a edição comemorativa do Festival de Cenas Curtas. Ao
convidar quatro coletivos de importante atuação no país (Espanca!, Cia.
Brasileira, Clowns de Shakespeare e Cia. Armazém) a criarem trabalhos
inéditos para o evento, o Cine Horto se posiciona como detonador de
novos processos criativos também fora de Belo Horizonte, onde já cumpria esta função. Além disso, a aproximação com o pensamento crítico
produzido ao redor do país tem sido marcante nas ações do espaço,
não apenas promovendo a formação de novos profissionais através do
Núcleo de Pesquisa em Jornalismo Cultural, que mantém desde 2009,
assim como agregando a seus projetos a participação frequente de jornalistas especializados e teóricos do teatro no exercício de reflexão sobre
a produção apresentada.
Fachada do Galpão
Cine Horto em
2013 e Mostra
do Núcleo de
Cenografia e
Figurino. Foto:
Guto Muniz.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Olhar retrospectivamente para os desdobramentos das ações promovidas
pelo espaço permite-nos constatar que estes formam um painel que pode
ser enxergado como uma síntese das principais “tendências” do que está
sendo feito e pensado na linguagem teatral na contemporaneidade. E isto
não é pouco e, à priori, nem estava nos “objetivos conscientes” quando
o espaço foi criado. Mas, assim como os encontros que vem promovendo
ao longo desses tempos, o Cine Horto parece também viver um momento
de transformação; e não digo isso apenas pela simbologia dos 15 anos.
Até porque reinventar-se sempre foi uma das formas de sobrevivência e
de afirmação do teatro.
Um balanço das ações realizadas
pelo Galpão Cine Horto em 2013
Oficinão – 16ª edição: espetáculo “Ensaio de Mentira ou O último ensaio
para dizer a verdade”, com dramaturgia de Assis Benevenuto e Vinícius
Souza. Direção de Chico Pelúcio e Lydia Del Picchia. Público de mais de
500 pessoas.
Pé na Rua – 9ª edição: espetáculo “Fábulas Errantes”, inspirado nos contos
dos Irmãos Grimm, com direção de Mariana Muniz. Cerca de 1550 espectadores em Belo Horizonte.
Dia do Teatro: Do Raiar ao Pôr-do-Sol: Apresentações gratuitas em três
cidades mineiras: Belo Horizonte, Ipatinga e Igarapé, dos espetáculos
“Como a gente gosta” (Grupo Maria Cutia), O “Santo e a Porca” (Cine
Horto Pé na Rua - 8ª edição), “Acontecimento em Vila Feliz” (Cia, Pierrot
Lunar) e “Manga Mangueira, Meu Pé de Brincadeira” (Conexão Galpão),
além da Mostra dos Rascunhos de Cena. Cerca de 1.000 espectadores.
Festival de Cenas Curtas - 14ª edição: 183 inscrições, 20 cenas. Além
de 4 cenas de grupos convidados: Grupo Espanca! (MG), Clowns de
Shakespeare (RN), Armazém Cia. de Teatro (RJ) e Cia. Brasileira de Teatro
(PR). Público de 1.639 pessoas.
Festival Cena Espetáculo: 15 espetáculos apresentados. Público de 1.355
pessoas.
Sabadão: 3 edições – com Soraya Belusi (MG), Luciana Buarque (RJ) e
Cia. La Minima (SP). Público de 115 pessoas.
Cursos Livres de Teatro : mais de 300 alunos, divididos em 19 cursos.
Público de 1.100 pessoas nas Mostras dos Cursos (1º e 2º Semestre).
Núcleos de Pesquisa: 3 Núcleos de Pesquisa: Cenografia, Figurino e
Jornalismo Cultura. Mais de 70 participantes e 270 espectadores nas
mostras do 1º e 2º semestre.
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Oficinas de Verão: “A Fotografia nas Artes Cênicas”, com Guto Muniz;
“Preparação do Ator”, com Lydia Del Picchia e “Treinamento Físico e Vocal
para Atores”, com Elisa Toledo. Público de 44 alunos.
Cine Horto na Estrada: mais de 600 espectadores em cidades do interior
de Minas Gerais.
Espetáculos na rua: público aproximado de 1500 pessoas.
Projeto Conexão: 77 Instituições participantes; público de 7.564
espectadores.
Ações Formativas: 7 oficinas realizadas para um total de 143 professores.
Projeto Grupo Galpão: Memória Feita à Mão: Mais de 200 visitas ao
Ateliê Aberto; mais de 4.000 visitas à exposição física no Galpão Cine
Horto; 2.109 visitas às exposições virtuais no Portal Primeiro Sinal; mais
de 2.000 acessos ao Blog do Projeto.
InspIrar é
transformar
vIdas.
—
Ver à frente, ter coragem, realizar. Foi sua inquietação
como artista que fez Marcus Faustini acreditar no
poder transformador das pessoas. Ao criar a Agência
de Redes para Juventude, ele inspirou os jovens das
comunidades a serem protagonistas da própria vida e
nunca desistirem dos seus sonhos. Essa é a nossa gente.
É ela que nos inspira a construir o futuro.
Investir em responsabilidade social
é inspirar histórias como essa.
Compartilhe inspiração.
petrobras.com.br/meinspira
#meinspira
Gente. É o que inspira a gente.
Portal Primeiro Sinal de Teatro: 13.034 visitas no site em 2013. 64 novos
conteúdos publicados (artigos, vídeos, exposições, entrevistas, periódicos).
E mais 13 espetáculos de fora ocuparam o Teatro Wanda Fernandes,
somando mais de 3.900 espectadores.
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EQUIPE GRUPO GALPÃO
Atores
Antonio Edson
Arildo de Barros
Beto Franco
Chico Pelúcio
Eduardo Moreira
Fernanda Vianna
Inês Peixoto
Júlio Maciel
Lydia Del Picchia
Paulo André
Rodolfo Vaz
Simone Ordones
Teuda Bara
Gerência executiva: Fernando Lara
Coordenadora de produção: Gilma Oliveira
Produtora executiva: Beatriz Radicchi
Assistente de produção: Evandro Villela
Consultor em planejamento: Romulo Avelar
Coordenação de planejamento: Ana Amélia Arantes
Assistente de planejamento: Natalha Abreu
Assessora de comunicação: Beatriz França
Assistente de comunicação: Ana Carolina Diniz
Coordenação administrativa e financeira: Wanilda D’Artagnan
Assistente administrativa: Andréia Oliveira
Assistente financeira: Renata Ferreira
Iluminação: Rodrigo Marçal
Cenotécnico: Helvécio Izabel
Sonorização: Vinícius Alves
Auxiliar Técnico: William Teles
Recepção: Edvânia Santos
Serviços gerais: Lê Guedes
EQUIPE GALPÃO CINE HORTO
Direção geral: Chico Pelúcio
Conselho gestor: Beto Franco, Chico Pelúcio, Leonardo Lessa, Lydia Del Picchia e Romulo
Avelar
Coordenação geral: Leonardo Lessa
Assistente de coordenação: Aretha Gallego
Coordenação de planejamento e projetos: Fernanda Werneck e Alexandra Abreu
Assistentes administrativos: Vanessa Fonseca e Jonathan Sobral
Assistente de planejamento: Ana Macedo
Coordenação de produção: Gustavo Ruas
Produção executiva: Graziella Medrado
Coordenação Técnica: Rodrigo Marçal
Técnicos: Carlos Antônio Santos (Cacá), Orlan Torres (Sabará) e Wellington
Santos (Baiano)
Coordenação do Centro de Pesquisa e Memória do Teatro (CPMT): Luciene Borges
Assistente de coordenação do CPMT: Marcos Coletta
Bibliotecário: Tiago Carneiro
Estagiária do CPMT: Bárbara Ribeiro
Assistente de implantação do CEDOC: Kalyana Pacheco
Pesquisador do projeto Memória em Movimento: Vinícius Souza
Bolsistas Extensão PUC Minas para o Portal Primeiro Sinal: Lucas Dolabella,
Lucas Magalhães, Bárbara Malafaia, Tamires Braga, Danielle Braga
Bolsista Extensão UFMG para o Portal Primeiro Sinal: Alexandre Hugo
Coordenação do Ateliê Aberto Memória Feita à Mão: Ana Luisa Santos
Assistente do Ateliê Aberto Memória Feita à Mão: Lira Ribas
Coordenação de Conservação e Restauro: Luciana Bonadio
Assistente de Conservação e Restauro: Gerusa Radicchi
Bolsitas Extensão UFMG para o Ateliê Aberto: Camila Trindade, Carlos Caetano, Marília
Dupin, Sarah Almeida
Coordenação pedagógica: Lydia Del Picchia
Coordenação pedagógica dos cursos e oficinas: Fábio Furtado
Coordenação pedagógica dos núcleos de pesquisa: Camila Morena
Coordenação pedagógica dos projetos especiais: Fábio Furtado
Secretária de cursos: Mirlene de Souza Silva
Equipe pedagógica: Camila Morena, Fábio Furtado, Gláucia Vandeveld,
Juliana Martins, Kelly Crifer, Leandro Acácio e Rita Maia
Coordenação do projeto sociocultural Conexão Galpão: Reginaldo Santos
Atores-monitores: Dayane Lacerda, Érica Hoffmann e Fabiano Lana
Gerência administrativa e financeira: Maria José dos Santos
Auxiliar administrativo: Leandro Dias
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Subtexto . Revista de Teatro do Galpão Cine Horto
Gerência operacional: William Gomes
Recepcionista: Dayane Nonato
Porteiro: Eberton Pereira
Serviços gerais: Juarez Pereira e Maria Márcia Bento
Assessoria de comunicação: Caio Otta
Assistente de comunicação: Thiago Moura
Criação gráfica: Filipe Costa (Espaço Lampejo)
Fotografia: Guto Muniz (Casa da Foto)
Cobertura audiovisual: Caturra Digital