Anais do Evento
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Anais do Evento
AO276 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - História do Pensamento Geográfico [1188] ABORD AGEN S D O CON CEI TO D E TERRI TÓRI O N A H I STÓRI A RECEN TE D A GEOGRAFI A MODERNA. MARCOS AURELIO SAQUET. UNIOESTE, FRANCISCO BELTRÃO, PR, BRASIL. Resumo: Em alguns países, como a Itália, por exemplo, a renovação da geografia, ocorrida a partir dos anos 1960-70, dá-se centrada no conceito de território. Há diferentes perspectivas epistemológicas, mas predomina a pautada no materialismo histórico e dialético. Já em outros países, como o Reino Unido, esse movimento acontece se revisitando e revendo conceitos como os de região e lugar. Na França, há uma centralidade para os conceitos de espaço e território. No Brasil, principalmente nos anos 1970-80, a renovação da geografia ocorre, sobretudo, destacando-se o conceito de espaço geográfico, numa perspectiva materialista. De maneira geral, evidenciam-se processos até então mascarados, como a atuação do Estado e dos agentes do capital em diferentes situações, na organização e diferenciação espacial. Tenta-se pensar e elaborar elementos teóricos que possam subsidiar a transformação social e a geografia, dessa maneira, assume um caráter político e ideológico importante, dito de ‘esquerda’. Nesse sentido, nos propomos a estudar as diferentes abordagens e concepções do conceito de território, em virtude de sua larga difusão nos últimos anos no Brasil. Para isso, fizemos o estágio de pós-doutorado, na Itália, onde encontramos uma gama bem diversificada de estudos territoriais, tanto na geografia como na sociologia e na economia. Nosso objetivo principal foi compreender as diferentes abordagens e concepções do conceito de território a partir dos anos de 1950-70, subsidiando a elaboração de uma abordagem territorial que reconheça as articulações existentes entre as dimensões sociais do território (economiapolítica-cultura), entre estas e a natureza exterior ao homem, e o processo histórico e multiescalar de processos territoriais. Dito de outra maneira estamos tentando contribuir para a elaboração de uma argumentação que reconheça as dimensões sociais e naturais da constituição do território no real, o processo histórico e a multiescalaridade, ou seja, uma abordagem (i)material do(s) território(s) e da(s) territorialidade(s). Para tanto, fizemos pesquisa bibliográfica, participamos de colóquios, seminários e outros eventos científicos. Também, efetivamos atividades conjuntas com outros pesquisadores do Brasil e do exterior, de atualização, cooperação e diálogos e, escrevemos diferentes textos sobre os resultados obtidos para socialização, debates e publicações. O principal resultado atingido se traduz numa abordagem de traços da história recente da geografia, destacando as abordagens e concepções de território, especialmente, na Itália e no Brasil. Ao mesmo tempo, contemplamos autores e obras da literatura francesa e de países de língua inglesa. Uma de nossas principais referências para realizar a pesquisa, foi o geógrafo italiano Massimo Quaini, que nos oferece alguns procedimentos basilares para uma pesquisa desta natureza. São eles: selecionar e utilizar as obras produzidas com bastante tempo e dedicação; narrar com reflexão (a história da geografia), mais como uma problemática do que como uma solução; apreender a complexidade de relações sociais existentes entre pesquisadores, grupos de estudos e universidades; identificar as categorias utilizadas, reconstruindo caminhos percorridos e entrevistar autores sobre sua história de vida e produção intelectual. Não se trata de compreender e narrar indivíduos singulares, mas suas obras, relações, grupos de pesquisas, enfim, os contextos, os lugares em distintas escalas (estadual, regional, nacional, internacional), nos quais se inserem e vivem, reconstruindo detalhes e sutilezas que, muitas vezes, as obras escritas e publicadas não deixam transparecer. As principais questões que orientaram nossa pesquisa e foram desenvolvidas são as seguintes: Como nascem as discussões e as abordagens renovadas do conceito de território nos anos 1950-70? Quais as principais implicações desse processo no pensamento geográfico? Quais os principais componentes da constituição do território no real? É possível pensar e substantivar uma abordagem (i)material do território que considere, ao mesmo tempo, as dimensões sociais e naturais do processo de territorialização? Como? Com a reelaboração da ciência geográfica a partir dos anos 1950-60 e, principalmente, durante os anos 1970, foi possível identificar e caracterizar, envolvendo outras ciências sociais e a filosofia, quatro tendências principais, que condensam estudos sobre o(s) método(s) de abordagem e sobre o conceito de território: a) uma centrada na discussão teórico-metodológica, a partir de obras de G. Dematteis, G. Deleuze, F. Guattari, M. Quaini, A. Bagnasco e C. Raffestin; b) outra, pautada na compreensão da dimensão geopolítica do espaço, como fazem J. Gottmann e E. Soja; c) outra, ainda, voltada à explicação do desenvolvimento territorial, da reestruturação do capital e de movimentos sociais, a partir dos estudos de C. Muscarà, A. Bagnasco, A. Magnaghi, G. Becattini, G. Dematteis e F. Indovina e, uma quarta, semiológica, como faz U. Eco, na década de 1970. No Brasil, as perspectivas efetivadas a partir do início dos anos 1980, vinculam-se, sobretudo, aos estudos de autores como Jean Gottmann, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Claude Raffestin e Robert Sack. Apenas mais recentemente efetivam-se algumas elaborações centradas em autores italianos, como Giuseppe Dematteis, Arnaldo Bagnasco e Giacomo Becattini, interligando a discussão do território à do desenvolvimento local. De maneira geral, há concepções distintas, que se excluem e se encontram em alguns aspectos e revelam, dessa maneira, uma problemática interdisciplinar (relacional), histórica e bem diversificada, no Brasil e noutros países. AO277 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - História do Pensamento Geográfico [1575] PAISAGEM: DO MATERIAL AO IMATERIAL. ULISSES DA SILVA FERNANDES. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: O presente trabalho é fruto de uma discussão acerca do conceito de paisagem empreendida ao longo da elaboração da dissertação de mestrado “A Natureza Monumental do Copacabana Palace Hotel: a Antevisão de uma Paisagem”, apresentada no ano de 2006 ao Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, para a obtenção do título de mestre em Geografia. O recorte espacial elegido, naquele momento, abarcava não apenas a edificação do hotel em si, mas todo o seu entorno, o que mobilizava uma discussão teórica acerca do conceito de paisagem. O estudo objetivava uma análise sobre toda uma gama de transformações de caráter material e imaterial concernente a uma das porções mais conhecidas da urbe carioca nos dias atuais, a praia e o próprio bairro de Copacabana. Neste ponto, as transformações da paisagem trespassavam a barreira do sensível, pois muitas das novas concepções em respeito à incorporação urbana de Copacabana à cidade do Rio de Janeiro estavam ligadas a uma resignificação simbólica de múltiplos elementos pertinentes à paisagem já ali presentes desde muito tempo. Isto posto, aponta-se para o fundamento do trabalho ora aqui pretendido, pois objetiva empreender um diálogo entre duas diferentes leituras inerentes a este conceito-chave da Geografia: a leitura enquanto elo sensível, pertinente ao desenvolvimento de um referencial teórico da Geografia respaldado pela análise espacial; a leitura do simbólico, onde abarca o imaterial, motivando novas concepções de interação entre o homem e o meio que o circunda. A paisagem surge enquanto um sensível objetivado e, assim, ao longo da história do pensamento geográfico acaba por ser atrelada à expressão concreta da interação espacial do homem enquanto ser social. Entretanto, a retomada da chamada Geografia Cultural reacende a importância do conceito, buscando nele a possibilidade de leitura de formas espaciais simbólicas, muitas delas mobilizadoras da ação dinâmica do homem na construção do espaço. O conceito de paisagem tem importância vital na identificação da Geografia enquanto ciência moderna. Sua compreensão advém de postulados anteriores ao seu próprio reconhecimento enquanto ciência individualizada, como nos estudos de Humboldt, onde desde pronto não se pode negar a influência do romantismo alemão. Em consonância com a escola determinista alemã e, fundamentalmente, com a escola possibilista francesa o conceito de paisagem permeia a construção de um discurso de leitura geográfica, onde na proposta dos gêneros de vida, na obra de Vidal de La Blache, adquire consistência para uma abordagem regional calcada na objetivação do sensível enquanto paisagem e transforma-se, conforme Horacio Capel, em “objeto essencial da investigação geográfica”. A partir do estabelecimento de uma Geografia Cultural – mormente aquela relacionada à Escola de Berkeley, nos Estados Unidos da América, com Carl Sawer – observa-se uma diminuição da tensão entre as diferenças de abordagem entre o humano e o físico, que antagonicamente, até então, se preconizavam enquanto Geografia. Neste ponto, o conceito acaba por também permitir condições objetivadas da análise para as duas linhas, sem, entretanto, por fim à postura dualista entre ambas. O conceito não subsiste à aceleração das transformações na relação entre o homem e a natureza e, por decorrência, da exacerbação dos vínculos entre o homem e o urbano. O esgotamento da análise dos gêneros de vida, prioritariamente associada a um modo de vida rural, leva a Geografia a buscar novos referenciais teóricos, onde a leitura da dinâmica espacial progressivamente transborda enquanto uma análise de compreensão geográfica. Paralelamente, o conceito de paisagem, acoplado à compreensão da dinâmica espacial, restringe-se, em acordo com Milton Santos, à possibilidade de identificação “de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam sucessivas relações localizadas entre o homem e natureza”. Entre a perda do referencial teórico centrado na leitura das paisagens e a incorporação de uma Geografia chamada de crítica ou radical, onde há ênfase em uma análise espacial, também ressurge um movimento culturalista, fundamentalmente a partir da década de sessenta, do século XX. Esta escola recompõe a abordagem geográfica a partir da leitura da paisagem, mas incidindo sobre ela uma conectividade abstrata, ou seja, uma percepção do simbólico inerente à própria interação entre o homem e o meio no qual se impõe. Uma revisão bibliográfica pertinente ao tema sustenta a discussão empreendida, ora suscitando confronto entre as duas concepções apresentadas, ora interagindo as duas possibilidades de leitura. Deste modo, se estabelece o questionamento norteador do trabalho, atrelado à pertinência – ou não – da interconectividade do conceito a partir de linhas de pensamento, por princípio, antagônicas. Este estudo vem sendo empreendido junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, enquanto um dos pilares de sustentação de anteprojeto de pesquisa apresentado no processo de seleção ao programa no final do ano de 2006. O estudo, motivado, como demonstrado, em questões norteadoras de trabalho anterior, encontra-se em processo de discussão crítica, de enfrentamento de novas bibliografias e de construção de um referencial teórico-metodológico capaz de sustentar a possível interação do conceito a partir das distintas concepções indicadas. Impõe-se como um estudo pertinente à História do Pensamento Geográfico, na medida em que busca respaldo na própria produção das idéias abarcadas pelo conceito ao longo do desenvolvimento da Geografia enquanto ciência. Por fim, sua apresentação junto ao VII Encontro Nacional da ANPEGE incide na possibilidade da contribuição crítica que a sua exposição, ao menos parcial, possa receber de seus pares em congresso, visto se pressupor ser este um norte motivador do encontro. AO278 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - História do Pensamento Geográfico [1945] HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO: NARRATIVA DE UMA PESQUISA. DANTE FLÁVIO DA COSTA REIS JÚNIOR. UNICAMP, CAMPINAS, SP, BRASIL. Resumo: Somando já um bom número de produtos acadêmicos, a linha de pesquisa denominada “História do Pensamento Geográfico” se ressente, contudo, de textos que registrem, com exclusivo interesse, o problema metodológico. Isto é, Monografias, Dissertações e Teses, ainda que fatalmente apresentem – em geral, numa seção introdutória – o percurso da pesquisa, este mesmo “passo a passo” não é replicado em publicações outras, nas quais (seria positivo) ele posasse assunto-cardeal. Esta comunicação deseja figurar como relato útil àqueles pesquisadores cujos estudos raiem direta ou indiretamente o aspecto (combinado) epistemológico/histórico do pensamento geográfico. Portanto, em tom admitidamente propedêutico, narraremos o procedimento que adotamos em nossa pesquisa no Doutorado. Pois, desde que fosse dado suficiente relevo, sobretudo ao encadeamento processual das etapas, nos pareceu que esta publicidade teria algo a dizer a quem, ansiando “melhor” decurso, vacila na hora de optar por alternativos itinerários. A sondagem, iniciada no segundo semestre de 2003, terminou por compreender soma de exames que se complementaram. Isto é, muito do resultado final – espectro amplo de assuntos, arregimentados a fim de elucidar tema central – teve de ser “pressentido”. E é bastante natural: na ausência de planos-protótipos já razoavelmente legitimados pela prática, convém ao menos intuir a amarração de elementos auxiliares na investigação (quer dizer, o ar tecidual que ela provavelmente terá de requerer). No nosso caso particular (inclinação temática manifesta desde o Mestrado), arquitetamos uma Tese norteada pelos espíritos contextual e teórico da chamada Geografia Teorética. Assim sendo, antevimos que os pré-requisitos teriam de substanciar um exame simultaneamente atento à historiografia (à cena dos episódios condicionantes) e à epistemologia (ao substrato filosófico, bem como às propensões que em virtude dele se seguem). Mas de que forma alinhavar duas espécies distintas de análise, contando que caminhem paralelas e – a despeito de certa independência nos tratamentos – que ainda aportem num mesmo ponto crucial? Quisemos coordenar dois estudos. Um de cunho epistemológico, especificamente interessado na questão das “explanações analógicas”; outro, de natureza historiográfica, previsivelmente preocupado com o fato de haver condicionamento contextual das idéias. Porque quando tais explanações suscitam com naturalidade o debate de fronteira e a causalidade histórica aponta o papel decisivo de autores e/ou instituições, fica mais que evidente o ensejo: aproximá-los num mote de explanação mútua pode se dar! Restaria apenas conceber esta mutualidade num programa de pesquisa “geográfico”. Manifestou-se aí (uma vez mais) aquela inclinação: o analogismo é facilmente detectado no discurso dos “novos geógrafos”; então, optar pela historiografia da Escola Teorética calharia ... e, quem sabe, mais bem acabada se conduzida pela seleção de um autor brasileiro seu partidário. Elegemos Antonio Christofoletti. A escola significou retorno à modelagem teórica; o que significou, em grande medida, reverência ao acervo conceitual das ciências naturais. Porém, um segundo motivo acrescenta-lhe justificativa: a incontestável insuficiência de obras que, em língua portuguesa, tratam de História do Pensamento Geográfico rendem – malgrado possível boa-intenção de seus pouco abundantes autores – abordagens reduzidas e reducionistas. Mas e o que validaria, por sua vez, a eleição de Christofoletti? Condição de tremendo receptor/difusor do supramencionado acervo e articulação teórica que pretendeu patrocinar – via resenhas, principalmente – entre os conceitos de “geossistema” e “sistema sócioeconômico” (ilustradores da assimilação de teoria naturalista pelo pensamento geográfico). Dado que o estudo seria dúplice, demarcamos dois objetivos atinentes. O objetivo epistemológico seria o de examinar a aproximação metodológica das disciplinas científicas e também a insinuação de que os fenômenos sobre os quais se debruçam poderiam apresentar similaridade funcional. Neste caso, coordenadamente, teríamos de detectar uma virtual admissão desta similaridade, no discurso do geógrafo brasileiro. Já o objetivo historiográfico seria o de expor como aparecem, ao longo da história da ciência, as alegações de afinidade inter-fenomênica, coligando o fato à comprovação de que toda a prédica de Christofoletti denotaria, na verdade, a causa de promover a dispersão, no tempo, dos valores caros à Nova Geografia (notadamente, a cláusula de uma linguagem lógica). A pesquisa, eminentemente bibliográfica, pressupôs a leitura de centenas de referências textuais; exercício que, de hábito, exige acurado critério seletivo. Sabíamos que teríamos de inspecionar a história do pensamento científico ocidental (ali identificando iniciativas de “parentesco” entre as fenomenologias física e humana) e, com eqüitativo esmero, vistoriar a produção intelectual do geógrafo (ali identificando, por sua vez, acordo com a idéia de monismo metodológico). Porém, à medida que a pesquisa adiantava-se, “implicações” deram de se mostrar. A convergência dos estudos só se sustentaria pela atenção a um vasto elenco de temas (da cautela hermenêutica ... ao caráter promissivo – mantido candente – da interdisciplinaridade). Nesta comunicação, iremos esmiuçar o processo da pesquisa (inclusive este transcurso inopinado), esquadrinhando, ao final, as conclusões que puderam ser feitas – tanto no que concerne à ocorrência mais contemporânea de uma comunhão teórico-conceitual entre as disciplinas, quanto no que diz respeito ao diagnóstico que Christofoletti faz desta mesma comunhão, mas no particular condado da Geografia. Pois que haveria claros sinais de que um empreendimento teórico em especial as poria em sintonia lingüística (modelagem neo-sistêmica); além do que, o geógrafo brasileiro parece realmente ter conseguido rastrear iniciativas recentes de explanar, com menor impasse, a interface físico|humano. AO039 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1170] GEOGRAFIA E LITERATURA: VISÕES DO ESPAÇO EM BANGÜÊ. MARCOS ANTÔNIO ALVES DE ARAÚJO. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, NATAL, RN, BRASIL. Resumo: Nos espaços da literatura, especificamente dos romances, o escritor, utilizando as cores de sua vivência, pinta suas obras de arte literárias, brinca com a textura de suas metáforas, eufemismos e hipérboles, tece, com dor e alegria, suas histórias, constrói, através das artes de dizer, suas representações e urde, com os fios da memória e da vida cotidiana, suas tramas romanescas. Nas linhas e entrelinhas do discurso literário, é possível descortinar, sentir e ler narrativas, que permeadas por conteúdos da existência do autor, expressam histórias de amor e de ódio, de vida e de morte, de sucesso e de fracasso, enfim, de sonhos, de fábulas e de fantasias. Essas histórias, protagonizadas por sujeitos criados pelo próprio autor, são tecidas sob um substrato espacial. Percorrer as trilhas literárias é adentrar nos espaços subjetivos do autor, reconhecer seus lugares de memória, incursionar em seus territórios afetivos, revisitar suas regiões vividas e descortinar suas paisagens culturais. Nesse sentido, o espaço, assim como o foco narrativo, o enredo, a estética, o narrador, o tempo, e o personagem, se constitui em um elemento relevante na formação da estrutura narrativa, tornando-se um dos vários dispositivos a serviço do romancista na composição de seu universo literário. O espaço na literatura é atinado como uma das categorias evocadas pelo escritor na construção de sua narrativa, sendo visibilizado como o cenário principal onde os personagens tecem seus pensamentos, suas vivências, seus sonhos, seus desejos, seus sentimentos, seu cotidiano, suas práticas corporais, enfim, suas múltiplas experiências com o ambiente. Nesse contexto, o espaço é uma construção social, uma produção cultural, uma representação da condição humana, imaginada e simbolizada, outrossim, no âmbito literário. Diante disso, as tramas romanescas são imbuídas de representações, imagens e percepções de espaços praticados, vivenciados e subjetivados pelo autor em suas experiências culturais, transformados em ficção literária. Portanto, as obras literárias ao aglutinarem elementos da existência do autor, refletem expressões, embora fragmentadas de uma determinada realidade social. Dessa forma, utilizando retalhos e partículas de seu cotidiano, de suas experiências, de conteúdos de sua existência e de suas práticas vivenciais, o escritor constrói sua narrativa literária, criando personagens, cenários e histórias, matizando seu enredo com os diversos símbolos auferidos de seu espaço vivido. Nessa perspectiva, partindo do pressuposto de que o espaço se caracteriza como um recurso preponderante no desenrolar da ação narrativa, estabeleceu-se como objetivo desse trabalho, atinar, ancorado nos baluartes teórico-metodológicos da Geografia Cultural, como o espaço é representado e percebido na trama romanesca de Bangüê, de autoria do escritor paraibano José Lins do Rego. Para a composição desse estudo, empregou-se como procedimento metodológico, a leitura, a releitura, a problematização e a análise do discurso literário de Bangüê, inspirado e respaldado por reflexões teóricas advindas de autores como: Gaston Bachelard, Antônio Dimas, Yu-Fu Tuan, Vernaide Wanderley e Carlos Augusto Figueiredo de Monteiro. Assim, diante da perspectiva de que o conhecimento cientifico se constrói através de inquietações, lançou-se o seguinte questionamento, norteador desse trabalho: como o espaço é representado e percebido na tessitura romanesca de José Lins do Rego, mais precisamente em sua obra Bangüê? A escusa de se perquirir as representações e as percepções do espaço na literatura, sobretudo no romance Bangüê, assim como o interesse em buscar possíveis respostas para essa pergunta, decorreu do fato de que é perceptível no contexto da produção do conhecimento cientifico geográfico, mormente brasileiro, uma visceral lacuna de investigações que abordem tais temáticas. Na literatura de Bangüê, o engenho Santa Rosa, incrustado nas terras férteis e úmidas da região do Agreste paraibano, compreende o espaço principal da trama romanesca, lugar de onde José Lins do Rego fala e protagoniza as histórias de angústias, de indecisão, de amores irrealizáveis, de sonhos e de fracassos do personagem-narrador Carlos de Melo. Através da análise do discurso narrativo presente em Bangüê, atinouse que o espaço é visibilizado por diversos ângulos e dizibilizado por uma única fala, ou seja, a do narrador. Em Bangüê, o escritor apresenta, através de uma linguagem forte, metafórica, poética e porosa, um espaço rural e regional perpassado pelo desenvolvimento do ciclo da cana-de-açúcar, diante do fim do patriarcado rural e do desmoronamento do mundo dos engenhos de açúcar da plaga nordestina, destacando os hábitos, costumes e comportamentos, principalmente, da sociedade açucareira do brejo paraibano, cenário utilizado pelo escritor para tecer sua ficção literária. Envolvido por uma força poética espacial de índole regional, por uma nostalgia da natureza, por um sentimento bucólico e por um senso de observação dos costumes campestres, José Lins do Rego, em sua narrativa Bangüê, trama uma obra urdida por fios de tensões que refletem os desajustes dos paradoxos, das discrepâncias e dos problemas sócio-espaciais da região Nordeste. Nesse aspecto, as obras de José Lins do Rego, em especial o romance Bangüê, são influenciadas pelos ditames da segunda fase do Modernismo e marcadas por uma escritura contestadora e crítica. Esse escritor, assim como outros que fizeram parte do elenco da segunda fase desse movimento, especialmente os oriundos do Nordeste brasileiro, voltou-se para as desigualdades sociais de sua plaga, para a situação da população e para os conflitos germinados, denunciando, através de uma linguagem coloquial, popular e espontânea, a seca, a fome, a miséria e a opressão social que circundavam a cartografia regional. Esse caráter é uma peculiaridade dos escritores da tão falada geração de 1930, fustigados por formas mais complexas de ler e narrar o cotidiano e por terem uma visão crítica das relações sociais. No romance do qual se fala, José Lins do Rego ainda tematiza a passagem do engenho para a usina de açúcar e a conseqüente mecanização do beneficiamento e do processamento da cana. Nessa obra, em que as experiências de vida do escritor circulam e pulsam nas “artérias textuais”, o espaço é percebido de uma maneira complexa e plural, em que ora são apresentados dispositivos de apreciação estética, ora destacados elementos de medo, de insegurança e de repulsa. Desse modo, o discurso literário, mais do que os cansativos levantamentos científicos, com seus métodos, tabelas, teorias, gráficos e fórmulas, pode revelar meticulosas informações acerca da percepção dos seres humanos sobre determinados recortes espaciais. Atinente ao romance Bangüê, este expressa idéias e visões para um espaço amalgamado de subjetividades, de angústias, de topofílias, de sonhos, de crises, de memórias, de loucuras, de paixões, de decadências, de conflitos, de misérias, enfim, de planos e projetos inexeqüíveis. AO040 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Espaço e Cultura [1549] CUNHA: ESPAÇOS E SOCIALIZAÇÕES PRETÉRITAS E PRESENTES. ÉRIKA MESQUITA. UNICAMP, CAMPINAS, SP, BRASIL. Resumo: Pretendemos neste trabalho analisar os espaços e sua relação com novas e velhas territorialidades expressas no lugar. Primeiramente analisaremos o espaço das casas e a sociabilidade criada em seu interior. Tomamos como base em nossa análise a paisagem, partindo da premissa de que os aspectos imateriais da cultura e também as experiências vividas e as percepções das pessoas do lugar estão em partes materializados no meio físico. Em cidades como Cunha verificamos que os elementos construídos estão ainda em grande interação com a sociedade, e a afetividade se verifica como traço cultural ligado à paisagem, e muitas vezes elementos da paisagem, quer natural ou edificada, são considerados patrimônio do lugar, selecionados pela memória de seus moradores. Logo, sem memória, o presente de uma cultura perde as referências ideológicas, econômicas e culturais que a originaram. O exercício da memória é, pois, o exercício da lembrança, que por sua vez, é o exercício do pensamento simbólico – característica fundamental do homem. São, portanto, distintos processos e práticas culturais. A memória individual ou coletiva é, pois, um sistema onde se cruzam estruturas culturais, políticas e econômicas enquanto códigos de representação. As representações do passado, do presente e as idealizações do futuro também convivem na memória coletiva do lugar, conferindo ao indivíduo identidade cultural. Buscaremos elencar as materialidades e aspectos culturais de Cunha e fazer uma análise de quais fatores contribuíram para preservar melhor a cultura local, denominada de tradicional caipira, e assim sendo conservando o patrimônio de pedra e cal e cultural e privilegiando as socializações e memórias ligadas ao lugar. Concomitante com a análise as novas territorialidades do lugar. A vastidão de seu território e as características geo-ecológicas contribuíram, em seu processo histórico, para que houvesse certo isolamento com relação aos centros metropolitanos do Vale do Paraíba. Essa peculiaridade faz com que os habitantes da cidade e principalmente da área rural vivam numa temporalidade bastante diversa dos centros industrializados. É mister lembrar que Cunha se caracteriza por uma localidade produtora de gêneros de subsistência que atende as diferentes localidades que se especializavam em café, silvicultura, e produtos industrializados. A tão aventada impressão de retorno no tempo não se reduz as sensações subjetivas e idílicas, pelo contrário, tal processo lento de inserção nas representações constitutivas das sociedades modernas é o que averiguamos no lugar. Para compreendermos a dinâmica sócio-espacial de Cunha, temos que entender o lugar. Para Milton Santos o lugar é o objeto ou o conjunto de objetos e de ações. Em algumas localidades podemos encontrar um feixe de forças sociais em atuação que as transformam em lugares. De modo a distinguir os conceitos, podemos conceber a localização como mais estática e o lugar como sendo mais dinâmico. O fenômeno que vem ocorrendo em Cunha é a desterritorialização das populações locais, e em contrapartida vem se erigindo novas territorialidades para o lugar. O problema é que essas novas territorialidades possuem características excludentes se contrapondo com a territorialidade vernácula do lugar, questão que abordaremos a posteriori. A mudança incide sobre os modos de ocupação e apropriação do espaço, sobre o universo de práticas econômicas e sociais, os valores e representações vinculados ao ecossistema local e conhecimento acumulado sobre os usos materiais e simbólicos da natureza. Um dos fenômenos decorrentes da apropriação do lugar por novas territorialidades é a dificuldade do restabelecimento das atividades produtivas daqueles que saíram em outro ambiente, que na maioria das vezes não é o natural, isso leva, conseqüentemente, à total transformação do modo de vida tradicional destes grupos. Notamos algo interessante na Cunha rural com relação ao espaço, para muitos dos caipiras que encontramos, percebemos que a distância e a noção de espaço entre as casas no ambiente rural é tomado na base do grito. Podemos notar que variados tipos de distâncias eram medidos e entendidos pelos caipiras de acordo com uma comunicação oral gritada ou assoviada, assim faziam cálculos da hora que chegariam, da “lonjura” entre a roça e a casa e entre uma casa e outra. Não compreendemos como esse grito ou assovio é transformado em horas (mais freqüentemente) e léguas, mas existe essa operação, que muitos caipiras mais antigos ainda utilizam. A sociabilidade na atual sociedade complexa é outra, apoiada no individualismo como um dos ícones da modernidade, as relações entre os vizinhos em Cunha se dão mais por parentesco ou amizade e menos por conta de um laço de compadrio. Verificamos atualmente uma menor importância na existência, principalmente nas áreas rurais, de relações de solidariedade entre as famílias vizinhas. As novas materialidades do mundo rural de Cunha implicam em construções de alto padrão, implicando em conforto e isolamento. Muitas casas, particulares ou tornadas pousadas primam para além da venda de um meio natural exuberante, em remeter o visitante aos “tempos de antigamente”, incorporando alguns aspectos residuais da cultura caipira ao período atual, como o fogão à lenha, colchas de retalhos, móveis rústicos, e uma culinária denominada tradicional, sempre aberta a incorporar o novo, como os pratos com pinhão, trutas, shitake, etc. Portanto, pretendemos expor as transformações sócio-espaciais de Cunha através deste nosso estudo, apresentando, de certa forma, as espacializações pretéritas e as novas espacializações e territorialidades. AO041 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Espaço e Cultura [1709] M ARGI N AI S N AS M ARGEN S: I N TERPRETAÇÕES GEOGRÁFI CAS CONTRABANDO. ADRIANA DORFMAN. PPGG- UFSC, FLORIANÓPOLIS, SC, BRASIL. Resumo: DE LI TERATURAS DE Aspectos da sociedade e do imaginário dos habitantes da fronteira Brasil-Uruguai, especialmente aqueles relacionados às práticas de contrabando, são investigados através da análise de cinco contos e uma novela escritos, ao longo do século XX, por autores da “comarca do Pampa” (regionalização literária proposta por Angel Rama em 1982). São construídas comparações com a literatura de contrabando escrita por autores franceses, ambientada nas fronteiras com a Espanha e com a Bélgica, a fim de investigar a relação entre os contextos geográficos e as representações literárias das práticas de contrabando. A elaboração de mapas auxilia na análise do objeto fronteira e das metáforas que a ele se aplicam em ambos casos. Os textos trabalhados dão testemunho da importância do contrabando para o imaginário local e regional, dos processos de transmutação do sentimento de marginalidade geográfica e social em particularidade cultural manifestos, por vezes, numa postura dissidente em relação ao interesses do centro político-cultural dos estados-nação. No caso gaúcho, desenha-se uma “linhagem” de contrabandistas: essa tradição constitui um tipo regional, subvertendo o heroísmo do gaúcho e valorizando traços como astúcia, honra e solidariedade. O (personagem) contrabandista pode ser, portanto, interpretado como um depositário de “verdades locais”, destacando a importância das passagens (vau, ponte, trem, atalho, paso) e dos pasadores como sujeitos dos “atos perpendiculares” ao objeto fronteira cotidiano. As tensões entre a legalidade estatal e as práticas consideradas como legítimas no cotidiano fronteiriço materializam-se também no (personagem do) guarda aduaneiro, fortemente tensionado entre lógicas pertencentes ao trabalho e à comunidade. AO042 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1720] SOBRE MUROS E GRAFFITI: AÇÃO E RESISTÊNCIA SOCIAL NA CIDADE. MARCELO MATHEUS MEDEIROS. IPPUR- UFRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: O presente trabalho busca analisar a apropriação do espaço público, notadamente os muros da cidade, pelo grafite. Nesse sentido, pretende-se verificar se essa forma de expressão corresponde a um novo tipo de discurso político emergindo na cidade. Contudo, o que estamos chamando de grafite é, especificamente, a forma de expressão plástica da cultura Hip-hop e não tudo que está inscrito nos muros, como é tido por alguns autores. A busca pelo grafite como objeto de estudo se explica pela grande disseminação do grafite pelos muros da cidade e, também, pelo seu forte impacto visual. É significativo ressaltar que essa forma de expressão – um dos elementos do HIP-HOP – entrou no Brasil com incrível força. O fato de ser uma “cultura importada” não invalida o processo, pelo contrário, já que possivelmente ocorrera um processo antropofágico. Ou seja, esse elemento externo é absorvido e (re)trabalhado para ser (re)inserido num contexto próprio. A mistura do hiphop com a cultura brasileira – sobretudo afro-brasileira como o samba, embolada e a capoeira – garante autenticidade ao movimento no Brasil. Outro fator, segundo o qual o trabalho se justifica, inscreve-se no fato de que a cultura HIP-HOP é uma expressão essencialmente urbana gestada nos guetos negros norte-americanos, que nos aparece como o mais recente movimento de irradiação da cultura negra norte-americana, reverberando, e não mais ficando pressa em círculos de uma elite mais “esclarecida”: esta chega ligando diferentes realidades por intermédio de algo que se constitui de diferentes formas de expressão. Contudo, essas diferentes realidades guardam dentro de si imensas similaridades. Em meio a outros fatores, passa a ter ressonância e a incorporar-se às diferentes culturas no mundo. Tem-se em vista, ainda, a significativa visibilidade social que esse meio de expressão detém, tanto positiva quanto negativamente. O trabalho está alicerçado, metodologicamente, a partir dos seguintes procedimentos. Primeiramente, procedemos a um levantamento bibliográfico, na tentativa de buscar um embasamento teórico que abarcasse e desse fundamento aos objetivos do estudo, tanto no que concerne aos conceitos quanto no que diz respeito a trabalhos, acadêmicos ou não, sobre o grafite. A seguir, realizamos tomadas de fotos, tentando relacionar ou captar os trabalhos (grafites) inscritos nos espaços públicos à dinâmica da cidade, seus discursos e a percepção que os transeuntes, entre outros, têm desses trabalhos – esta por meio de entrevistas informais. Para efeito de exemplificação, nos utilizaremos de dois eventos relacionados ao universo graffiti no Rio de Janeiro: o encontro internacional de graffiti, que ocorreu na Cruzada São Sebastião localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro e o evento Circulando: Dialógo e comunicação na favela, que teve lugar no Morro do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. Além desses eventos, que tiveram lugar em espaços tidos como não-cidade, o oposto da “cidade formal”, abordaremos os colocados nos espaços formais da cidade, seus discursos, ações, táticas. Como nossa preocupação está na visibilidade dos atores no espaço público, a disputa pelos espaços de visibilidade seria uma das formas, no nosso entender, de resistir a um discurso prenhe de preconceitos. Dessa forma, os muros da cidade transformam-se no lócus privilegiado para essa ação, já que podem, a todo momento, serem apropriados por outros discursos, por outros atores com propostas opostas àquelas dominantes. Dentro dessa perspectiva é que gira nosso quadro teórico e conceitual. É ter um olhar para a re(l)ação do social e o território. Assim, na leitura do território praticado, bucamos considerar, neste trabalho, as ações e re-ações sociais que historicamente vão sendo alisadas pelo discurso dominante, mostrando-se, contudo, resistentes. Atentar pra essas ações-re-ações empreendidas pelos “homens lentos” em seus “espaços opacos” e, bem como a construção de “espaços opacos” nos “espaços luminosos”, nos leva ao entendimento da dimensão do acontecer social: o cotidiano. Um cotidiano revelador da dialeticidade do território. Revelador, também, da existência de outros projetos portadores de outros discursos. Nesse sentido, admitimos que ações-re-ações que se dão no cotidiano garantem, de serta forma, a sobrevivência dos homens lentos no território: estas práticas e usos no/do território traduzen-se em contextos e possibilidades de ação. “Existem, portanto,” como nos fala Ribeiro (2000a: p.240), “atos a serem reconhecidos e valorizados e, ainda, vozes a serem ouvidas e inscritas na formulação dos fururos possíveis”. De alguma forma, esses movimentos questionam as formas de organização dominantes, suas formas de legitimação e os seus mecanismos de dominação cultural. Constituem um ato de transgressão à normatividade social e aos constrangimentos impostos pelo espaço, inserindo-se num movimento de redefinição do público e do privado. Novos movimentos e suas formas de expressão trazem algo novo ao cenário da cidade: o grafite, expressão plástica do Hip-Hop, apropria-se dos muros para transmitir um novo discurso, com uma nova forma de ação política que foge dos meios convencionais. É a arte na transformação da vida. É a resposta de um grupo excluído sócio-espacialmente de sua condição de cidadão. Os espaços desses grupos, seus territórios, condições sócio-econômicas, culturais, ideológicas e identitárias, guardam íntima relação com o teor de seus discursos. Daí, o que resulta saber é como identificar as ações e os discursos que têm repercussões políticas no espaço urbano hoje. Para tanto, busca-se entender o percurso desse discurso e dessas ações, os grupos ou os agentes da ação, onde são gestados, onde são colocados e de que forma se dão. Esse processo pode - e é no nosso entender - ser visto como uma forma de politizar o território, ocupando-o: é uma forma, por fim, de trazer a alteridade, a pluralidade do social à cena pública. AO043 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1770] GEOGRAFIA E LITERATURA: UNEM PASSADO E PRESENTE NO PELOURINHO. MARIA AUXILIADORA DA SILVA; HELOISA ARAÚJO ARAUJO. UFBA, SALVADOR, BA, BRASIL. Resumo: Objetivos: O Pelourinho, localizado na cidade do Salvador, Bahia, guarda em cada rua, ladeira e beco...segredos, encantos, desencantos, magias... Inspiração e fascínio de vários poetas, pesquisadores, pintores, escritores... dentre eles, o escritor Jorge Amado, é também o cenário de vários de seus romances. No século XX, em 1985, o Pelourinho foi tombado pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - como Patrimônio da Humanidade, em função da sua história, beleza arquitetônica e características culturais. Para Miranda e Santos (2002, p.37), “um espaço só chega à situação de centro histórico quando o tempo e a cultura do local deixam nele os seus vestígios através das mudanças que se sucedem na sociedade, refletindo na sua morada”. A pesquisa busca analisar o espaço do Pelourinho, como lugar de memória, na obra Suor do escritor baiano Jorge Amado e hoje, durante a 7ª etapa do processo de requalificação do Centro Histórico de Salvador (C.H.S). Jorge Amado criou seus textos através da apropriação do espaço vivido, percebido e sentido por ele... tudo isto adquirido através da experiência. Desta forma, o escritor mantém um diálogo íntimo com a cidade e seu cotidiano, aponta a compreensão da cidade, dando-lhe sentido. Ferrara (1993, p.202), em seu livro Olhar Periférico, salienta: As transformações econômico-sociais deixam na cidade marcas e sinais que contam uma história não verbal pontilhada de imagens, de máscaras, que tem como significado o conjunto de valores, usos e hábitos, desejos e crenças que misturam, através do tempo, o cotidiano dos homens. E como este patrimônio é sentido, vivido e percebido pelos moradores que vivenciaram, e vivenciam, a 7ª etapa da requalificação do Centro Histórico de Salvador? A 7ª etapa da requalificação do Centro Histórico de Salvador coincide com o cenário da obra Suor? Referencial Teórico e Conceitual Abordar-se-á o espaço do Pelourinho, sob o enfoque da Geografia Humanística, enfatizando a categoria lugar, como foco da afetividade e da relação com o meio ambiente. Uitlizar-se-á, como aporte teórico-metodológico, a Fenomenologia para a abordagem do lugar que visa a descrever qual o significado do Pelourinho como lugar de vivência. Neste viés, far-se-á a discussão acerca da importância das obras de Jorge Amado e do processo de requalificação do Pelourinho e de sua relevância, pois estes “carregam” o sentimento de pertencimento ao lugar. Ao se abordar o espaço, redirecionando-o ao conceito de espaço vivido, recorre-se a Tuan (1983), que ressalta que o espaço é mais abstrato do que o lugar. Pretende-se discutir o conceito de lugar à luz dos conceitos de Tuan, como norteadores do entendimento de como se dá esse sentimento dos moradores e turistas em relação ao Pelourinho, além de construir-se um diálogo com outros teóricos da Geografia e da Filosofia. Outros conceitos que se somam a esse debate são o de “memória” e “patrimônio” e referem-se ao pensamento de Le Goff e Carlos com suas considerações acerca do pensar e do conhecer, tendo como eixobase a preocupação com a memória, impedindo que os acontecimentos se percam no fluir do próprio tempo. Metodologia Diante do objetivo proposto, optou-se por uma metodologia de caráter qualitativo, mais apropriado à realização desse estudo, pois parte-se do pressuposto que o lugar de memória é aquele vivenciado e experienciado, dando àquele lugar sentimentos e significados. Esta pesquisa exploratória, segundo os meios citados por Vergara (1998, p. 44), será bibliográfica, documental e de campo. Os levantamentos bibliográficos dão base teórica para questões observadas, como as diferentes formas de ocupação e mudanças na funcionalidade das moradias do Pelourinho. A construção de mapas permitirá verificar quais os limites desse Pelourinho no romance Suor. E se coincidem com os limites da sua “requalificação”. As principais PELOURINHO: _ – – – – LUGAR DE Ocupação Jorge inicial Amado: Construção do Programa de requalificação O questões: Pelourinho do e valor da Pelourinho como CHS: planejamento e sob HISTÓRIA: o as expansão. memória cenário diversas fases olhar da vivida. em Suor. de implantação. cultura. Resultados Essa representação espacial e social, elaborada por Jorge Amado, poderá contribuir para se pensar e repensar esse Pelourinho, que ainda vive o processo de requalificação do CHS. Sua área central foi praticamente transformada. Mas, no aspecto social, sua realidade se confunde com ficção... Os despejos forçados das famílias até a 6ª Etapa implicaram violação do Direito à Moradia e desrespeito à história de vida desses moradores. Os pobres foram expulsos da “cidade histórica” para que uma nova imagem da cidade atenda o principal foco dado, que é o turista. Hoje, acontece a 7ª Etapa da requalificação do Centro Histórico, na qual a Associação dos Moradores e Amigos do Centro Histórico de Salvador (AMACH) conquistou a efetiva participação de seus moradores nas suas importantes decisões. Através do TAC, Termo de Ajustamento de Conduta, assinado pelo Ministério Público e a CONDER, Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia, foi garantida a permanência de 103 famílias em imóveis recuperados para uso habitacional. Le Goff, ao discutir o papel das cidades, contempla, de forma clara, a importância da memória: A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva... A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens (Le Goff, 1996, p. 476-477). A gestão participativa reflete novos paradigmas no planejamento das cidades. Desta forma, acredita-se que o método fenomenológico complementa e subsidia as práticas de planejamento urbano numa visão mais humanizada, baseadas nas experiências e vivências do homem no lugar. Que a requalificação dos centros históricos seja sinônimo de vida, e não de exclusão social, a fim de que o Centro Histórico de Salvador seja um lugar cheio de memória, de respeito e de vida. Palavras Chave: Geografia, Literatura, Lugar, Memória, Identidade AO235 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia do Turismo [1303] CARN AVALI ZAÇÃO E COM PLEXI D AD E TURÍ STI CA: UM A GEOGRAFI A D AS PAI SAGEN S RITUAIS NOS EVENTOS DA GRANDE FORTALEZA- CE. CHRISTIAN DENNYS MONTEIRO DE OLIVEIRA. UFC, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: O presente artigo corresponde aos resultados preliminares de uma investigação sistemática das interfaces de dois fenômenos contemporâneos em franca expansão metropolitana: A religiosidade e a turistificação. Estudos anteriores a respeito dos processos de modernização de espaços simbólicos (sagrados e profanos) permitiram a reorganização dessa pesquisa exploratória, na qual tem sido possível refletir e compreender o seguinte fenômeno. De que maneira a cultura metropolitana de Fortaleza consegue “carnavalizar” suas manifestações religiosas mais expressivas mesmo sem a projeção regional ou nacional de suas festividades carnavalescas? E por que razões os fatores que condicionam esse santuário metropolitano permanecem à margem da visibilidade turística? Partindo desses questionamentos, o trabalho discute, a formação das paisagens rituais em Fortaleza, por intermédio de uma hermenêutica das imagens híbridas (jornalísticas e empíricas), a fim de retratar a dinamismo das festas religiosas (São José, N. S. de Fátima, Iemanjá, Assunção, etc) e a diluição dos eventos profanos (o carnaval, o forró, a festa junina). Tudo em favor de uma hibridação cultural – simbólica e materialmente espacilizada – na construção de difusa de mega santuários. O grande problema é tentar percebê-los e registrá-los pelos apenas pelos fixos; quando constatamos que está na fluidez sua maior identidade. Os meios utilizados para desencadear essa hermenêutica – cartográficos, fotográficos e iconográficos – precisam suceder a uma breve reflexão metodológica a respeito do processo científico em diálogo permanente com o imaginário mítico-religioso. A pesquisa acadêmica lança um permanente desafio ao pesquisador contemporâneo: como tornar as investigações científicas um veículo de leitura do cotidiano? Pode parecer arriscado e ambivalente iniciar uma reflexão sobre formas simbólicas, no âmbito da geografia do turismo, destacando as necessidades consumistas da comunicação escrita. Mas um pensamento complexo na geografia (Silva; Galeano, 2004) com diretriz educacional, não pode furtar-se ao reconhecimento de que lidar com a ambivalência é tão científico quanto explorar a objetividade. O que recruta a interlocução dois tipos de leitores, em geral insensíveis às mutações do imaginário religioso na geografia da sociedade brasileira. Tanto os estudiosos de ciências humanas quanto a militância das organizações ambientalistas, teimam em reduzir o peso cultura religiosa na interpretação dos problemas sociais e ambientais de um território. Entretanto, por fatos ou metáforas, esse mesmo cotidiano cria e recria novos equipamentos especiais de ritualização, aqui reconhecidos pelo codinome de Santuário. O conhecimento das formas simbólicas – atualizadas pelo desafio da modernização do carnaval brasileiro – pode e deve pleno intercâmbio com os dilemas espaciais contemporâneos, dentro do contexto metropolitano. Os santuários carnavalescos trazem a reverência e a retórica das tradições; mas exploram o que há de mais acessível e tecnológico na dinâmica dos espetáculos. A espacialização dos fenômenos e processos culturais, na Grande Fortaleza-CE, continua apresentando situações diversas e aparentemente desconexas. Eventos lúdicos, cívicos, esportivos, são transformados em shows populares de forte apelo simbólico. Especialmente aqueles que se enquadram como “eventos religiosos” – sejam nos ginásios, estádios, praças públicas ou parques – adquirem uma substantiva expressão cultural, embora à margem do planejamento turístico setorial. As festas de N. S. da Assunção e de Iemanjá, realizadas no mesmo 15 de agosto, aparecem como um dos mais completos exemplos de contrastes criativo na construção de um santuário carnavalesco na metrópole. E sobre esse evento detalharemos como a pesquisa da complexidade do turismo, deixa escapar e faz incorporar (simultaneamente) estratégias de fomento à cultura turística em Fortaleza. Daí ser tão pertinente estabelecer indagações que vinculem a pesquisa com o cotidiano e abrir linhas de intercâmbio, no território cultural, entre religiosidade, festividade e práticas comunicacionais de entretenimento e turismo. No Brasil – e em boa parte da América Latina – são essas três forças que dinamizam a ambiência cultural do Carnaval. Muito se explorou o seu significado temporal. Contudo, sua densidade espacial contém muitas lacunas. Como fundamentação teórica, as análises antropológicas de Rita Amaral (2000) e político – comunicacional de Nazareth Ferreira (2001) estabelecem um ponto de partida para leitura estratégica da festa. Outras reflexões sobre a evolução histórica do carnaval brasileiro , no decorrer dos séculos XIX e XX, aparecem como demonstração de sua marca modelar e organizativa (Queiroz, 1992; Tramonte, 2001; Araújo, 2003) e produto de exportação da imagem nacional (Bignami, 2002), Mas é em sua reconstrução contemporânea como espetáculo de mídia (e turístico), para toda e qualquer época do ano, que se evidencia sua remete a sua “profanação” essencial. Embora, o geógrafo Felipe Ferreira, a instauração do Carnaval esteja intrinsecamente ligada à instauração da tensão por sua hegemonia e pela disputa do lugar carnavalesco. (Ferreira 2005, p.322), como pensar a valorização estratégica do modelo carnavalesco na religiosidade sem a contrapartida do cristianismo secular? Investigar o processo de carnavalização dos santuários e a densidade de suas manifestações como sínteses da contemporaneidade metropolitana, constitui o principal objetivo deste trabalho. Em termos específicos, os objetivos permitiram o desenvolvimento das três partes apresentadas nos parágrafos seguintes. Cumpre, porém, lembrar que os procedimentos metodológicos da pesquisa – até o presente – demarcaram as seguintes atividades: a) Revisão bibliográfica a respeito da modernização das festas e do carnaval; b) indicação das manifestações populares de interface religiosa, na área em estudo; c) registro dos depoimentos sobre a organização desses eventos; d) caracterização paisagística dos elementos (quantitativos e qualitativos) do processo de carnavalização; e) reflexão sobre a (des) articulação desses eventos em relação ao planejamento do turismo na metrópole. Inicialmente, é feita exposição conceitual sobre o campo religioso que dá origem às polaridades: sagrado X profano, e concebe veículos de mediação. Discute-se “lugares santos” diante da hegemonia secular, na construção pública e recente das paisagens metropolitanas. Fortaleza e região fornecem um palco privilegiado para verificação do fa festa religiosa como a exceção da festa profana, não o contrário como se espera. Na seqüência, são trabalhados exemplos, aparentemente desconexos, porém cumulativos, da concepção de santuário como espaço-ritual (simbólico) para a festa carnavalesca no Brasil. Expõe-se a necessidade de fixação e controle, da religiosidade manifesta pelo próprio Carnaval. Se em outras paisagens metropolitanas (Rio de Janeiro e São Paulo) isto demandou um equipamento simbólico (sambódromo e templos diversos), na metrópole cearense a demarcação é mais temporal: o calendário cíclico dos eventos. Por último, já estabelecendo um tratamento operatório que torna os Santuários carnavalescos espaços dialógicos (para visitação educativa) – utilizando a vertente da desconstrução educacional de Antoni Colom (2004) – o texto propõe múltiplas formas de inclusão dos novos espaços carnavalescos no circuito dos lugares turísticos. A significativa multiplicação de práticas locais e regionais dos processos carnavalescos ganha relevo na valorização do evento e projeção (paisagística) de sua efervescência. A observação da dinâmica metropolitana do carnaval em Fortaleza, comparativamente a outros centros, tem seu contraponto, não só na carnavalização, mas na construção “anárquica” de uma cultura turística. A gestão do Turismo que reconheça a produção desses novos santuários, pode articular-se de forma emancipadora mediante o estímulo à visitação, ao artesanato do intercâmbio permanente de grupos sociais mobilizados educação mais significativa. Em termos conclusivos o estudo explorou um sentido radicalmente geoeducativo. É possível enxergar no contato das paisagens rituais com a complexidade do turismo, os novos propulsores de um ordenamento cultural para a metrópole cearense. O Carnaval agora ultrapassa o estágio de festa religiosa da raça, como falava Oswald de Andrade, e se transmuta em estratégia simbólica das praças (ícones paisagísticos da democracia direta); um espaço-tempo de inclusão social, com sentido ritual. Algo que as políticas públicas mal conseguem entender. Que dirá administrar. Algo que precisa ser promovido com outras vertentes de interpretação; aquelas mais comprometidas com a construção de realidade do que com sua mera retratação. Estudos onde o futuro não seja apenas a repetição do passado, um museu de grandes novidades, nas palavras Palavras-chave: Bibliografia de Santuário, outro Carnaval, poeta Turismo, Religiosidade, contemporâneo. Complexidade Básica ARAUJO, Hiram. Carnaval: Seis milênios de História. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003. BARBOSA, Elyana; BULCÃO, Marly. Bachelard, Pedagogia da Razão, Pedagogia da Imaginação. Petrópolis-RJ: Ed. Vozes, 2004. BIGNAMI, Rosana. A imagem do Brasil no Turismo. 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AO236 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia do Turismo [1428] A NATUREZA E O MODO DE VIDA EM GUARAMIRANGA- CE. VILMA TEREZINHA ARAÚJO. UNESP, RIO CLARO, SP, BRASIL. Resumo: Um desafio histórico tem se colocado para as sociedades contemporâneas: como combinar as formas atuais de desenvolvimento com uma utilização racional e não predatória do meio-ambiente? E mais: como conciliar a conservação da natureza com o modo de vida de populações que dependem diretamente dos recursos naturais para sua sobrevivência física e social? (Cunha, 2004). A criação de Unidades de Conservação tem sido uma das principais formas de conservação da natureza no Brasil. No Ceará a discussão sobre a presença de populações humanas em áreas protegidas e no seu entorno ainda é incipiente. Apesar da Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), abordar essa problemática em vários de seus artigos, em raras ocasiões os impactos da criação de unidades de conservação (UCs) sobre o modo de vida das populações afetadas diretamente são avaliados. Dessa situação decorre que algumas UCs representam um considerável aumento nas restrições de uso dos recursos naturais. O Município de Guramiranga é um dos componentes da APA de Baturité, decretada pelo Governador do Estado do Ceará em 18 de setembro de 1990. Localiza-se na Microrregião de Baturité, a 4015’48” de latitude sul e 38055’59” longitude oeste de Greenwich. Possui uma extensão territorial de 107,6 Km2. A população, conforme censo do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2000 era de 5.712 habitantes, sendo 2.331 habitantes residentes na área urbana e 3.381 na área rural. A pesquisa tem como sujeitos as lideranças políticas e comunitárias, autoridades locais, moradores da zona rural, organizações não-governamentais, igrejas, órgãos públicos etc. A investigação está baseada na pesquisa qualitativa, tendo como procedimentos entrevistas semi-estruturadas e gravadas, observações diretas da ação cotidiana e pública, depoimentos registrados em diários de campo e análise de documentos. Desta forma, tem como objetivos: investigar as mudanças econômicas e demográficas que vêm ocorrendo no município de Guaramiranga após a criação da APA; investigar as transformações no modo de vida da população rural a partir do incremento do turismo; conhecer as condições socioeconômicas dos sitiantes e suas lógicas; detectar os efeitos para o meio ambiente dos novos modelos de ocupação e explorações do lugar. Brandão (1999) lembra que em um passado não muito distante, os homens podiam vivenciar a natureza como o lugar do exercício legítimo de seu domínio... o mundo natural era, então, duplamente próximo dos humanos: ele os envolvia diretamente e ele lhes pertencia. De uns 20 anos para cá, o mundo de natureza tornou-se uma espécie de “lugar retirado”. Foi deslocado para mais longe, desde que se o considere como a porção conhecida ou imaginada do ambiente ainda não incorporada à sociedade. Ele foi retirado, tomado dos homens do lugar como um cenário de direitos, e tornou-se um espaço dado ao dever de preservação por responsáveis agora não mais usuários. Para Tuan (1980), existe uma diferença no modo como o visitante e o nativo percebem o meio ambiente. O visitante e o nativo focalizam aspectos bem diferentes do meio ambiente.... Em geral, podemos dizer que somente o visitante (e especialmente o turista) tem um ponto de vista; sua percepção frequentemente se reduz a usar os seus olhos para compor quadros. Ao contrário, o nativo tem uma atitude complexa derivada da sua imersão na totalidade de seu meio ambiente. O ponto de vista do visitante, por ser simples, é facilmente enunciado. A confrontação com a novidade, também pode levá-lo a manifestar-se. Por outro lado, a atitude complexa do nativo somente pode ser expressa com dificuldade e indiretamente através do comportamento, da tradição local, conhecimento e mito. Coriolano e Marinho (2002) dizem que até a década de 70, o Ceará desenvolvia uma economia quase exclusivamente agrícola, sustentada fundamentalmente pela agropecuária, predominando a agricultura de subsistência. A partir da década de 80, o Estado experimentou uma transformação estrutural de sua economia, incluindo o turismo, com a instalação de equipamentos modernos com a intenção de atrair maior fluxo de visitantes. A área em estudo por está apenas 72 km de Fortaleza, com temperaturas amenas e paisagens serranas é uma área de lazer para a classe média e alta de Fortaleza, caracterizando o turismo de segunda ou terceira residência, com multiplicação de chácaras e sítios. Segundo Luchiari, (1997) a justificativa primeira da expansão do turismo é a preservação do recurso natural para ser usufruído pelo turista, ao passo que os empreendimentos imobiliários que vêm atrás dele vão destruindo os recursos naturais, privatizando-os e criando um ambiente artificial. Esse processo de destruição do meio ambiente destrói também a lógica do funcionamento e da expansão do turismo. Guaramiranga tem se destacado nos últimos anos pelo aumento da especulação imobiliária em função das suas potencialidades naturais e um calendário pleno de eventos culturais como festival de jazz e blues, festival de gastronomia, festival de flores, festival de teatro e até mesmo festival de vinho. Através de visitas a área percebe-se a pequena participação da população rural nesses eventos, identificando sua presença principalmente na prestação de serviços informais como caseiros/diaristas das casas de turistas/veranistas, garçons, trabalhadores da construção civil, etc. Também é fácil perceber as mudanças nas paisagens, onde os velhos sítios agora mais modernos e com portões sempre fechados, casas de morada que se transformam em casas de fim de semana. Os novos donos das terras, vindos de fora, procuram na área um local para descanso e lazer. Uma paisagem mercadoria. Palavras Chaves: turismo, unidade de conservação, população, APA de Baturité. AO237 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia do Turismo [1522] URBANIZAÇÃO TURÍSTICA E INCLUSÃO SOCIAL PRECÁRIA. GILMAR MASCARENHAS DE JESUS. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: URBANIZAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL TURÍSTICA PRECÁRIA Palavras-chave: inclusão social – urbanização turística – segregação socioespacial O turismo, notoriamente, tem se configurado como um poderoso agente de transformações territoriais e de estruturas sociais locais. No discurso oficial e empresarial, surge esta atividade como promissora fonte de renda e emprego para milhares de agentes espalhados pelos diversos destinos turísticos. Todavia, embora existam diversas experiências no Brasil a partir de projetos de inclusão social a partir do turismo, este continua sendo, majoritariamente, uma via de acumulação de capital. E como tal, uma engrenagem produtora de desigualdades e segregação socioespacial. Nosso estudo se dirige ao fenômeno da urbanização turística, isto é, à produção de espaços e urbanidades pelo turismo, à natureza da transformação de aglomerações urbanas quando turistificadas (Patrick MULLINS, 1991). Em particular, pretendemos refletir sobre os limites e possibilidades de inclusão social no âmbito da urbanização turística. Dirigimos nossa atenção ao território fluminense. Após um longo período de constante crescimento demográfico, a área metropolitana do Rio de Janeiro apresentou uma relativa redução na última década (1990-2000). Ao mesmo tempo, e devido ao turismo, a economia do interior fluminense começou a reverter seu processo de estagnação. Para além da reestruturação produtiva e das novas tendências de localização industrial, o que observa é que a urbanização turística vem cumprindo um importante papel neste processo. Não apenas no Rio de Janeiro, a urbanização turística vem se constituindo em todo o Brasil uma importante via de acumulação capitalista e de produção do espaço. Pretendemos analisar esta nova e impressionante forma de urbanização, identificando sua morfologia e funções, tomando a pequena aglomeração de Penedo, situada na Região Sul Fluminense, como estudo de caso. Pretendemos reconhecer a natureza segregacionista da urbanização turística e verificar suas reais possibilidades de oferecer condições de inclusão social. Beneficiando-se da proximidade dos grandes centros emissores de turistas (as duas metrópoles nacionais) e trabalhando a herança cultural finlandesa, Penedo converteu-se nas últimas três décadas em um dos mais importantes destinos turísticos fluminenses. Seu crescimento econômico e demográfico vertiginoso produziram uma paisagem repleta de contrastes sociais, que tenta tornar invisível a extrema pobreza, e prol do êxito do produto turístico. O texto se divide em dois segmentos: no primeiro, apresentamos o processo histórico de produção do lugar, de sua turistificação, e no segundo avaliamos o quanto a urbanização turística, por sua natureza intrínseca, condiciona a inclusão social local. Considerando-se que o processo de turistificação em Penedo foi acionado de forma intensa e em uma área ainda praticamente rural, a forma urbana resultante é basicamente produto do turismo, consistindo assim num dos mais acabados processos de urbanização turística em território fluminense. Tentaremos demonstrar não apenas a visibilidade de tal processo, mas sugerir o mesmo como eixo estruturante na produção do espaço em Penedo, conferindo ao núcleo em questão fisionomia, funções e inserção regional bastante singulares, com acentuado grau de exclusão. Para analisar a aglomeração urbana de Penedo, nos deteremos primeiramente nas atividades econômicas e sua espacialidade, para a seguir examinar a problemática social, que encontra na questão habitacional sua expressão mais dramática e ilustrativa da natureza por vezes perversa da urbanização turística. Em suma, a organização do espaço urbano em Penedo configura a existência de dois circuitos da economia local, cada um com sua espacialidade própria, claramente demarcada. Um setor destinado a turistas e indivíduos de médio/alto poder aquisitivo residentes nas proximidades (bairro Martinelli, Resende etc.), composto por bens e serviços mais sofisticados, destinados sobretudo ao prazer, e com preços praticamente inacessíveis aos segmentos populares da região. Um outro circuito, destinado aos pobres do lugar, caracteriza-se por baixos preços, organização informal ou rudimentar, abrangendo amiúde serviços de primeira necessidade. O primeiro circuito, sendo para clientes motorizados, se estende espaçosamente pela via principal até as zonas de baixa densidade populacional da Fazendinha e Alto Penedo, espaço alvo de intensa especulação imobiliária. O segundo se concentra no relativamente desvalorizado bairro Formigueiro. O fluxo migratório em direção a Penedo originou novas ocupações precárias, geralmente em áreas de encosta. Uma delas recebeu a denominação de África II, sugerindo certa continuidade em relação à antiga aglomeração de negros e pobres, supracitada. São também posseiros os migrantes que formaram Jambeiro e Vale do Ermitão, áreas de similar feição. O mais interessante é a localização destes espaços. Todos se encontram muito próximos ao eixo turístico de Penedo, mas a topografia permite que se mantenham \"escondidos\", preservando assim a paisagem romantizada, da alegria, do consumo, da atmosfera finlandesa...Trata-se de um arranjo altamente segregacionista, que exclui o pobre da paisagem turística, tornando-o adequadamente invisível. Recusamos a massificada e repetida noção de “exclusão social”, em favor da inclusão social precária. Concordamos com José de Souza Martins (1997:30-32): nos marcos da sociedade capitalista a inclusão existe, mas ela é marginal, precária, instável; ao passo que a categoria de exclusão social se apresenta “extremamente vaga (...) imprecisa e vazia”. Nossa pesquisa indicou que, enquanto processo de acumulação capitalista, o turismo cria uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político (Martins, 1997, pp. 33 e 34). AO238 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia do Turismo [1591] O TURISMO DE VERANEIO E AS TENSÕES ESPACIAIS EM MOSQUEIRO- PA. INDIRA CAVALCANTE DA ROCHA MARQUES. UFRJ, BELÉM, PA, BRASIL. Resumo: Objetivo: Analisar o veraneio e as transformações no espaço da ilha de Mosqueiro a partir de uma abordagem mais complexa da ciência e da crise ambiental atual, buscando colocar a geografia em diálogo com outros campos científicos. Referencial teórico-conceitual: A proposta da pesquisa nos colocou diante de uma nova forma interpretativa da problemática ambiental e da ciência. Fez-se necessário questionar o arcabouço teórico da ciência moderna e buscar novos caminhos metodológicos. Diferentemente da concepção dualista (homem versus natureza) Bensaid (1999) enfatiza a indissociabilidade das relações (complexas) entre sociedade e natureza, apoiandose na categoria trabalho de Marx. A exploração exacerbada da natureza passa pela relação social de produção capitalista. Defende ainda o diálogo entre economia política e ecologia política. Para Altvater (1995) a problemática ecológica é também social. Coelho (2000) questiona a concepção comum de impacto ambiental como uma relação de causa-efeito, apoiada em Milton Santos ela define o espaço como uma dimensão das relações entre sociedade e natureza. Os impactos são, então, as relações dinâmicas entre sociedade e natureza que reestruturam as classes sociais e o próprio espaço. Fratucci (2001), Rodrigues (2001) e Sánchez (1991) evidenciam esta interdependência, tomando o turismo como motivador da redefinição do espaço. Este é remodelado tornando-se um novo espaço, agora turístico, transformando além da feição biofísica a social. Medotodologia: Derrida (Alvim: 2000), Alexander (1987), Leopoldi (1998), Marcus (1998) empreenderam um movimento que questionou as “verdades absolutas”, relativizando e refletindo a relação entre sujeito e objeto de estudo. Essa nova postura permitiu não apenas buscar novas angularidades teórico-conceituais como possibilitou um melhor diálogo com o objeto, refletindo uma nova apreensão do mesmo. O trabalho de campo ganhou nova dimensão, os atores envolvidos passaram de meros informantes a elementos ativos na própria definição da pesquisa e de seus resultados. Os levantamentos de fotografias aéreas e dados sobre degradação do meio ambiente, sobre população e infraestrutura foram cruzados com um levantamento histórico-documental, buscando reconstituir a visão dos diversos atores sobre a ilha e sobre o veraneio, evidenciando subliminarmente uma visão sobre si e sobre os demais atores e as relações entre estes desenvolvidas (identidades). Para tal recorremos também a entrevistas diretas. Principais questões desenvolvidas: Analisamos as transformações do espaço na ilha e sua relação com o veraneio a partir de três recortes temporais: o primeiro, virada do século XIX para o XX, quando estrangeiros e elite da capital paraense passaram a freqüentar Mosqueiro e a organizar o espaço litorâneo da praia do Chapéu Virado de modo a usufruí-lo como espaço de lazer e veraneio, produzindo uma nova configuração espacial; as grandes mudanças estruturais (décadas de 1960 e 1970) decorrentes da prática de veraneio, marcam o segundo momento. É quando são construídas a rodovia e a ponte ligando por via terrestre definitivamente a ilha à Belém. Este momento caracterizou-se por uma forma de turismo de classe média, mudando não apenas a relação com o espaço, mas com o próprio veraneio. No terceiro período (a partir dos anos 1990) o veraneio popular representou não apenas uma nova prática de veraneio, mas também uma nova forma de se relacionar com a ilha, assim como novas visões e relações entre os diversos atores. Contribuíram para isso a redução da tarifa do ônibus e a expansão urbana de Belém. Resultados: A imagem de bucólica associada à Mosqueiro está restrita à orla do Chapéu Virado. Foi uma visão construída inicialmente pelos estrangeiros e, depois, incorporada pela elite belenense. A visão foi construída junto à prática social do veraneio. O espaço construído do Veraneio no Chapéu Virado contrasta com o ritmo e modo de vida da população nativa. A evidência de espaços diferenciados demonstra também a segregação espacial, onde o Chapéu Virado fica, de modo geral, reservado aos de fora, concentrando a disponibilidade de serviços. Identidades distintas (veranista e nativo) foram sendo construídas e remodeladas de acordo com as mudanças na prática do veraneio. Se no primeiro momento os de fora eram sinônimos de superioridade sócio-econômica, com o veraneio popular os “antigos de fora” passaram a falar como os de “dentro” e os de fora, agora os turistas de baixo poder aquisitivo, são vistos depreciativamente. O espaço turístico em Mosqueiro necessitou de características urbanas. É na conformação destas características, que encontramos a construção da rodovia e da ponte, entre outras, possibilitando a intensificação do fluxo veranista, impulsionando novos processos na ilha e no próprio veraneio, como a incorporação de uma parcela considerável da classe média de Belém e, por conseguinte, expansão da área destinada ao veraneio, com implicações sobre a apropriação do espaço e a sua degradação. A intensificação do veraneio nos anos 1990 levou a uma intensificação do uso do espaço da ilha a incorporação de novas áreas à prática turística. Por outro lado o que antes era visto como bucólica (a orla do Chapéu Virado) passou a ser compreendido como sinônimo de caos, transferindo às áreas mais distantes a visão de bucolismo. A apropriação do espaço e o impacto ambiental são intensificados havendo redução da vegetação nativa, exploração mineral (para construção civil) e ocupação urbana desordenada, além do aumento da violência e da poluição em suas diversas manifestações. O veraneio não é o único elemento de redefinição espacial em Mosqueiro, mas participa destacadamente desestruturando e reestruturando o espaço. Assim, o espaço é totalidade, é resultado e condição para os processos sociais, inclusive as identidades. AO239 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia do Turismo [1647] SI TUAÇÃO SOBRE ASPECTOS D A GEOGRAFI A E M EI O AM BI EN TE N A VI LA D E EN CAN TAD AS, ILHA DO MEL - PR. DANIEL HAUER QUEIROZ TELLES; JOSÉ MANOEL GANDARA. UFPR, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: Este estudo resulta da pesquisa realizada no Programa de Mestrado em Geografia pela Universidade Federal do Paraná. Traz a análise sobre a área de ocupação Vila de Encantadas, situada na Ilha do Mel, litoral paranaense. O espaço de suporte aonde ocorre as relações sociais e econômicas para esta localidade vem sofrendo pressão acima do suporte ambiental e de gerenciamento em infra-estrutura existentes. Tais relações estão diretamente relacionadas aos modos de vida da população local e são proporcionalmente resultantes da atividade turística. A forma de exploração turística no local não apresenta conformidades ambientais coerentes com o aspecto territorial. Trata-se de uma área de amortecimento de importantes Unidades de Preservação, marcada por um ambiente relativamente frágil, pelos aspectos físicos e culturais relacionados ao processo de formação da sociedade. Além das implicações ambientais existem fatores culturais importantes, que marcam a ocupação do local, e juntamente a este fator, o aspecto histórico que ilustra a renovação técnica como um dos principais impactos sociais e consequentemente ambientais. A comunidade habitante sofreu mudanças marcadas pela procura do local e de toda a ilha pelas belezas naturais e cênicas, sobretudo. Desta maneira o turismo passou a interferir cada vez mais no espaço local. Empreendimentos turísticos têm na prática de exploração econômica impulsionada pela importância da Ilha do Mel no contexto do turismo e da natureza, preocupações ligadas basicamente ao lucro imediatista e não sustentável. A partir de resultados de entrevistas com representatividades dos grupos sociais desta comunidade, bem como dos órgãos governamentais relacionados, foram analisadas questões que ilustrem tais afirmações. Foi utilizado para a pesquisa o método qualitativo, com aplicação de entrevistas baseadas em um roteiro pré-estabelecido e geração de uma matriz relacionando os temas abordados e os entrevistados. Na interpretação dos dados obtidos, observaram-se os discursos individual e coletivo para então descrever os resultados. A partir da análise sobre as colocações, e da relação com conceitos teóricos a respeito de temas correlatos, este trabalho pretende apresentar uma melhor compreensão da realidade territorial específica desta unidade geográfica de análise. A caracterização da opinião da sociedade mostrouse voltada para insatisfação e inconformidades no processo de gestão ambiental na área de ocupação, fato coerente com os problemas existentes em grau e origem. São considerados para sustentação dos resultados, aspectos teóricos de sustentação às discussões, tendo como suporte os estudos relacionados à geografia e as questões ambientais. Os resultados pretendem contribuir na evidência das problemáticas ambientais atualmente existentes no local. A forma como a exploração turística vem se procedendo nesta localidade levam a considerar que são necessárias medidas mitigatórias e preventivas no âmbito social, econômico e ambiental para a recuperação. Palavras chave: Meio ambiente, exploração turística, infra-estrutura, Encantadas. AO240 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia do Turismo [1698] A AM AZÔN I A RI BEI RI N H A E AS POLÍ TI CAS D E D ESEN VOLVI M EN TO D O TURI SM O N O MUNICÍPIO DE CAMETÁ- PA. JOSÉ CARLOS DA SILVA CORDOVIL. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, BELÉM, PA, BRASIL. Resumo: A AMAZÔNIA RIBEIRINHA E AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO DO TURISMO NO MUNICÍPIO DE CAMETÁ-PA. A prática do turismo se transformou numa atividade econômica capitalista organizada em meados do séc. XIX (CRUZ, 2000). Com o desenvolvimento dos transportes, a atividade se expandiu principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Hoje se apresenta como importante fator de atração de divisas para os países, estados ou municípios, atribuindo-lhes maior dinamismo econômico. Assim, de um ponto de vista econômico, o fenômeno turístico é responsável por um grande fluxo de capital, verificado pelo crescimento do setor no conjunto da economia mundial. Entretanto, analisando-o sob uma perspectiva geográfica, como prática social, o turismo provoca, pelas relações que são engendradas, repercussões no espaço promovendo a produção de diversas formas espaciais e a modificação de paisagens. Além disso, esse fenômeno também é político, porque ultrapassa o poder das instituições sobre o território repercutido, em novas formas de gestão como estratégias governamentais. Desse modo, a partir das práticas sociais que caracterizam a gestão do território, as ações de poder do Estado passam a ser exercidas para implementação e desenvolvimento do turismo. Surgem novas normas sociais e espaciais, estabelecendo-se novas regras de domínio e apropriação do território, tornando a atividade mais um agente condicionador de seu (re)ordenamento (CRUZ, 2001). Sendo assim, insere-se em nossa discussão o conceito de gestão do território que diz respeito à dimensão espacial do processo de gestão vinculado ao território, o controle exercido pelo Estado (CORRÊA, 1996). São essas ações, formas de gestão e controle do espaço, que se constituem em políticas públicas, que passam a ser desempenhadas para promover a instalação e desenvolvimento do turismo. As políticas públicas de turismo são entendidas por Cruz (2000, p. 40) como: [...] conjunto de intenções e estratégias estabelecidas e/ou ações deliberadas, no âmbito do poder publico, em virtude do objetivo geral de alcançar e/ou dar continuidade ao pleno desenvolvimento das atividades turísticas em um dado território. Essas políticas vêm sendo realizadas em diversos municípios incentivando-se o turismo como estratégia para o desenvolvimento. Deste modo, através de mecanismos de gestão do território, criados pelos governos do Estadual e Municipal, políticas têm sido pensadas e implementadas com vistas ao incentivo e desenvolvimento da atividade em Cametá . Assim, devido à crescente importância do turismo como estratégia de gestão para o desenvolvimento e pelas repercussões espaciais que o mesmo provoca, pretendemos realizar um estudo sobre as políticas de desenvolvimento do turismo em Cametá, como exemplo de um município que expressa uma das realidades da Amazônia, a ribeirinha, onde a dinâmica de relações se dá mediada pelos rios, pelos portos e trapiches (SILVA e MALHEIRO, 2006), produzindo uma das particularidades que definem a região, utilizada, em especial, como um dos elementos de atração turística (TRINDADE JR., 2002). Nesse sentido, este trabalho tem como objetivos analisar a partir da gestão do território as políticas pensadas e implementadas pelos governos do Estado e do Município para o Desenvolvimento do turismo em Cametá, através da identificação das políticas que vêm sendo planejadas e o modelo de turismo estimulado pelas mesmas, analisando do mesmo modo, as intervenções espaciais implementadas no Município em função das políticas voltadas para a atividade turística. Além disso, procura-se avaliar se o modelo de turismo estimulado pelas políticas adequa-se ao perfil de turista que tem procurado Cametá e ao potencial sóciogeográfico local. Como em Cametá, o desenvolvimento do turismo está também inserido nas políticas dos governos Municipal e Estadual, sendo desencadeado um conjunto de medidas de fomento à atividade como estratégia econômica para o desenvolvimento faz-se necessário, portanto, um estudo científico sob a perspectiva geográfica sobre essas políticas públicas que vêm sendo planejadas e implementadas pelo governo nas suas diferentes esferas de poder, especialmente em nível estadual e municipal. Assim, é preciso saber: que modelo de turismo está sendo estimulado para ser implementado no Município de Cametá através das políticas públicas pensadas pelos governos estadual e municipal? Que intervenções no espaço estão sendo implementadas em função dessas políticas públicas? O modelo de turismo estimulado pelas políticas adequa-se ao perfil do turista que tem procurado Cametá e ao potencial sócio-geográfico do Município? A partir da análise bibliográfica, e documental foram encontrados dados que permitiram identificar e analisar as políticas para o desenvolvimento do turismo em Cametá, como o Plano de Desenvolvimento do Turismo do Estado do Pará (PDT), onde se verificou que este expressa uma tendência atual, a emergência do paradigma do desenvolvimento sustentável, onde o turismo surge como uma alternativa possível, especialmente, o turismo ecológico. É nesse contexto que se insere as políticas concebidas para o desenvolvimento do turismo em Cametá, sendo incentivado, principalmente o modelo de turismo ecológico, por este ser um dos mais viáveis do paradigma do desenvolvimento sustentável, tão em voga na Amazônia. Tendo em vista as incidências espaciais do turismo, a partir do tratamento geográfico do fenômeno para compreender seu papel na organização dos espaços (RODRIGUES, 1997), através de políticas os governos estadual e municipal têm promovido o desenvolvimento do setor turístico, por meio de intervenções espaciais, que estão direta ou indiretamente ligadas à atividade. Assim, como expressão das políticas destaca-se a construção da orla da cidade, a pavimentação de vias de circulação (rodovias de acesso ao Município), revitalização de praças, a construção do novo aeroporto e do terminal hidroviário, assim como a construção de hotéis. O modelo de turismo estimulado pelas políticas concebidas pelo governo do Estado e do Município não adequa-se ao perfil de turista que visita o Município e principalmente ao seu potencial sócio-geográfico, pois não é considerada a totalidade dos dados sobre a demanda e a oferta turística existentes, ou seja, informações sobre o perfil dos turistas que freqüentam o município, e nem a caracterização e a potencialidade local para aquele fim. Portanto, as políticas pensadas e implementadas podem não levar aos resultados almejados, gerando como conseqüência seu lado perverso, como impactos ambientais, e descaracterização da cultura local, já que, não são consideradas as particularidades existentes, o potencial de atrativos naturais e culturais, ou seja, a realidade sócio-geográfica local, como expressão de uma Amazônia ribeirinha. Palavras-chave: Políticas de turismo, Amazônia ribeirinha e Cametá. AO241 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia do Turismo [1821] TURI SM O E D ESEN VOLVI M EN TO SUSTEN TÁVEL: ESTUD O D E CASO D AS AREAS D E PROTEÇÃO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE CAMPO MAGRO - PARANÁ. MARGARETE ARAUJO TELES. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: Os municípios que se localizam em áreas de proteção, buscaram no turismo uma alternativa econômica, tentando aproveitar os seus próprios recursos naturais e culturais para o desenvolvimento. Situa-se neste caso, o município de Campo Magro, localizado na Região Metropolitana de Curitiba, no Estado do Paraná, a cerca de 10 km da capital. Possui características socioeconômicas e ambientais complexas. Conta com aproximadamente 20.409 habitantes, cuja maioria mora na zona urbana, na área de Proteção Ambiental da Bacia do Passaúna(APA) e Unidade Territorial de Planejamento(UTP). A APA é a mais problemática, pois sofre grande pressão das indústrias. A UTP foi criada com objetivo de restringir o uso e a ocupação de solos em áreas de mananciais de abastecimento de águas, superficiais e subterrâneos.Por iniciativa de órgãos da administração estadual e municipal, foram propostos alguns projetos para Campo Magro, envolvendo o turismo como uma das alternativas econômicas viáveis ao seu porte. Foram sugeridos; turismo rural, o ecoturismo, o agroturismo e o turismo ecológico.Neste sentido, o objetivo principal desta pesquisa centrou-se numa análise crítica do potencial turístico do município de Campo Magro, apontando medidas para o desenvolvimento de atividades turísticas ambientalmente corretas. Os objetivos específicos consistiram em analisar os atrativos naturais e culturais, equipamentos a sua infra-estrutura básica, considerando as suas potencialidades para o desenvolvimento do turismo; além de verificar projetos e propostas de exploração turística no território e nas áreas de proteção ambiental do município; e em verificar o envolvimento da comunidade do município de Campo Magro, tendo em vista o desenvolvimento sustentável do turismo. São indicadas ainda, medidas para o aproveitamento dos recursos naturais e culturais, conciliando atividades turísticas com a conservação e preservação da Área de Proteção Ambiental do Passaúna, a Unidade Territorial de Planejamento e a zona rural do município de Campo Magro.No final, foram feitas as considerações e algumas recomendações, indicando medidas para o desenvolvimento turístico do município. Além da proposta por RUSCHMANN (1997, p.185), roteiro para diagnóstico turístico de localidades receptoras e o seu referencial teórico – metodológico, foram também utilizados referenciais teóricos metodológicos de autores que tratam da temática turística, Goodey(2002), Beni(2001), Swabrooke(2000), Rodrigues(2001), Petrocchi(2001), Boullón(2002), Silva(2001), Cooper Et Al(2001), Vera(1997), Lage E Milone(2000), Bahl(2000), Barreto(1996) e outros que embasaram a discussão dos resultados. Sabendo-se que o método para verificar o potencial do turismo inicia-se a partir do inventário procurou-se verificar por meio da coleta de dados na Prefeitura Municipal de Campo Magro, órgãos de planejamento e pesquisa do estado (COMEC, IPARDES, IBGE, EMATER) e da pesquisa de campo, dados gerias sobre o município e suas áreas de proteção, infra-estrutura, projetos , atrativos naturais e culturais e a participação da comunidade. De acordo com PETROCCHI (2001, p. 192), o processo de inserção da comunidade deve se iniciar com o planejamento participativo. Logo, ao planejar o desenvolvimento do turismo no município de Campo Magro, deve-se identificar as características sócioeconômicas da comunidade.Quanto os funcionários públicos, muitos não visitaram os atrativos mas acreditam na sua potencialidade, comentaram que basta criar infra-estrutura adequada. De acordo com BARRETO (1996, p. 52), ‘”a infra-estrutura turística de um núcleo turístico é a soma de todas as infra-estruturas: urbana, acesso, equipamentos e serviços turísticos, equipamentos e serviços de apoio e recursos turísticos”.Verificou-se que não houve um diagnóstico turístico da UTP e da APA do Passaúna. Consultaram-se os órgãos governamentais e identificou-se que estas recomendações, são baseadas em avaliações superficiais, sem rigor sistêmico. Ao finalizar a pesquisa, é possível tecer algumas recomendações, as quais ficam à disposição dos gestores públicos e privados do turismo: verificar se a atividade é prioritária, frente aos problemas sociais, econômicos e ambientais do município; verificar o modo como os proprietários de áreas potenciais envolveriam-se na atividade e se absorveriam as populações mais carentes;avaliar como o turismo se adequará às áreas de proteção ambiental, com o mínimo de impacto para o meio ambiente natural;avaliar os recursos financeiros disponíveis para pôr em prática as propostas em relação ao turismo;elaborar um plano de administração contínua do setor quando houver mudança dos gestores municipais;estabelecer diretrizes e padrões para planos detalhados de áreas com potencial turístico, tanto na área urbana quanto na área rural, e principalmente as áreas de proteção ambiental;incluir nos planos, a participação da comunidade, que deve ser envolvida por meio de um programa de sensibilização e conscientização através do enfoque participativo;integrar os departamentos da prefeitura direta ou indiretamente.Considerando que o município está inserido em áreas de mananciais sob a proteção de Lei Federal e Estadual, deve-se estabelecer com os órgãos de planejamento e controle destas áreas maior integração, para participar na elaboração dos diagnósticos e prognósticos, tendo em vista identificar os tipos de turismo que possa se adequar à área. Finalmente, deve-se pensar que o município de Campo Magro precisa desenvolver atividades econômicas para melhorar a qualidade de vida das pessoas que lá residem, para preservar e conservar o meio ambiente. Precisa-se de planejamento bem elaborado com previsão de longo prazo, que possa ser implantado aos poucos, sem causar impactos danosos ao meio ambiente natural, social e cultural. Palavras-chave: Turismo, Turismo Sustentável, Desenvolvimento, Município. AO298 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1557] LI M A BARRETO E UM A OUTRA GEOGRAFI A SOCI AL D O RI O D E JAN EI RO:REVEN D O O PROCESSO DE SEGREGAÇÃO DA CIDADE. ELIZABETH DEZOUZART CARDOSO; NELSON NÓBREGA FERNANDES. UFF, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: Lima Barreto e uma outra geografia social do Rio de Janeiro: revendo o processo de segregação na cidade. O objetivo deste trabalho é a revisão do processo de segregação residencial no Rio de Janeiro, a partir das abordagens que Lima Barreto fez sobre as diferentes partes da cidade em suas crônicas, nas duas primeiras décadas do século XX. Nossos pressupostos teóricos encontram-se especialmente em Villaça (1998;2000), considerando-se as observações que apresenta sobre a maioria dos modelos explicativos da segregação nas cidades brasileiras, particularmente o Rio de Janeiro. Na perspectiva deste autor, ao contrário do previsto pelos citados modelos, a separação entre as classes sociais não acontece necessariamente em áreas homogêneas e exclusivas. Assim, a segregação muitas vezes surge e se desenvolve apenas pela concentração em uma área da maior parte das classes altas e médias da cidade, na qual convivem com outros grupos e classes sociais, isto é, não requerendo um grau absoluto de exclusividade e homogeneidade social. Como em muitos outros casos, é de suma importância que a análise dos fenômenos considere a intensidade com que se manifestam no mundo real. No exame da segregação, Villaça nos ajuda, por exemplo, a superar o beco sem saída da idéia de que a presença das grandes favelas nos bairros da “zona sul” do Rio de Janeiro anula a possibilidade da existência da própria segregação; ou ainda, que o tema da segregação nas metrópoles brasileiras se deva apenas à importação a-crítica de temas e problemas da literatura estrangeira, notadamente norte-americana, onde em suas cidades a presença de guetos étnicos e raciais, isto é, de áreas com homogeneidade e exclusividade social, justificariam os estudos de segregação. De qualquer modo, o fato da área de segregação das classes mais altas não ser exclusiva e destas classes não ocuparem todo o espaço não impede que as mesmas exerçam grande influência sobre seus lugares de reprodução, se autosegreguem, se ocupem em produzir representações espaciais associadas ao seu domínio e modo de vida, bem como se dediquem a exercer pressões sobre o poder público pela melhoria deste setor da cidade e de sua acessibilidade ao centro. A metodologia adotada pelo trabalho consiste na releitura da obra em crônica de Lima Barreto, à luz dos pressupostos teóricos apontados. Partiu-se de uma seleção de crônicas sobre temas como, por exemplo, “o cotidiano da cidade”, “reforma urbana/modernização da cidade” e “subúrbios”, conforme encontrados em Rezende e Valença (2004). A escolha desta parte da obra de Lima Barreto se deve às seguintes razões: em primeiro lugar, parte das crônicas reunidas por Rezende e Valença não conheciam publicação ainda em nenhuma coletânea das obras do autor já editadas; segundo, por se tratar de escritor crítico, arguto e engajado nos assuntos mais palpitantes da cidade (Cf Sevcenko: 1985), de seus bairros, de sua gente, das transformações urbanas em curso; terceiro, por ter sido um intelectual que enfrentou as mais diversas polêmicas em um considerável número de periódicos, oferecendo assim, possibilidades de visões distintas das representações dominantes sobre o uso, a ocupação e a divisão da geografia social do Rio de Janeiro. As principais questões desenvolvidas dizem respeito ao exame das análises consagradas na literatura urbana carioca face à geografia social do Rio de Janeiro inferida a partir de Lima Barreto. Na literatura urbana carioca foram levantados três pontos fundamentais: a) o início da mudança no padrão de segregação definida a partir da Reforma Passos; b) a consagração de um padrão rígido e dicotômico de segregação correspondente a “zona sul” X “subúrbios”/”zona norte”.; c) o pressuposto de áreas segregadas de grande homogeneidade interna no Rio de Janeiro. A partir da obra de Lima Barreto pode-se rever aquelas teses até então consagradas sobre a segregação espacial carioca naquele período, podendo-se concluir que a Reforma Passos, ao contrário do que geralmente é reconhecido, contribuiu em muito para a consolidação do processo de auto-segregação das classes altas em direção à área que ficaria conhecida como “zona sul”, não sendo, entretanto, seu ponto de partida. Assim, a abertura da Avenida Central e a construção da Avenida Beira Mar vieram aproximar o centro dos bairros praianos, onde já se concentrava uma expressiva parte das classes altas, , melhorando sua acessibilidade, como bem explicita Villaça (op. cit.). Por outro lado, a “zona sul” não era de exclusividade da classe abastada, embora estivesse ali mais bem representada, enquanto os chamados “subúrbios” também não eram de exclusiva moradia dos desfavorecidos. Barreto, em suas crônicas, localiza membros das classes de status mais alto tanto na área da cidade que viria a ser conhecida como “zona norte” como nos próprios “subúrbios”, o que leva à conclusão da não existência de um padrão de segregação dicotômico e em áreas homogêneas. Pela obra de Lima Barreto, infere-se um “mapa social” bem mais complexo do que aquele que seria descrito por décadas. A obra de Lima Barreto permite não apenas extrair este complexo “mapa social” do Rio de Janeiro em princípios da República, mas também conhecer a geografia social em processo, que envolve não apenas o desejo de auto-segregação das classes mais altas como também sua capacidade de influência sobre o poder público, ao contrário da maior parte da população da cidade. Referências Rezende, B. e Sevcenko, N. Valença, R. Literatura Lima Barreto como – Toda Missão. Crônica. SP, RJ. Agir, Bibliográficas 2004. 2vol. Brasiliense, 1985. Villaça, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. Studio Nobel Editora/Fapesp/Lincoln Institute, 1998. ____________ Segregation in the Brazilian Metropolis. Trabalho apresentado no International Seminar on Segregation in the City. Lincoln Institute of Labour Policy. Cambridge. Mass. 2000. Disponível em: www.flaviovillaça.arq.br. Palavras-chave: Geografia Urbana; Segregação sócio-espacial; Rio de Janeiro. AO299 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1758] A CENTRALIDADE URBANA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CIDADE PEQUENA. ALEXANDRE BERGAMIN VIEIRA; CLAUDIA MARQUES ROMA. UNESP, PRESIDENTE PRUDENTE, SP, BRASIL. Resumo: A existência de um centro articula a concentração de atividades destinadas a favorecer a comunicação, a acessibilidade com referência ao conjunto da cidade, e que, por essa aglutinação de fixos, há um movimento dos fluxos que gera uma centralidade urbana. No entanto, o centro urbano, histórico ou tradicional, não significa necessariamente a expressão de centralidade, pois a centralidade é definida não apenas pelas localizações, mas pelo movimento dos fluxos, portanto, fixos e fluxos são indissociáveis, permitindo a “extrapolação” do centro, ou seja, a possibilidade de centralidades outras. A centralidade, que contém atributos econômicos, políticos, sociais, culturais e ideológicos, resultantes do conflito da luta de classes presente na sociedade capitalista, é essencial na compreensão do fenômeno urbano (LEFÈBVRE, 1999), pois, as cidades do capital existem sob a lógica de uma sociedade desigual, na qual cada vez mais se acirram as divisões sociais, técnicas e territoriais do trabalho. Isso gera a necessidade das cidades concentrarem, espacialmente, equipamentos, atividades e serviços para que as relações econômicas e sociais sejam maximizadas na reprodução do capital. Assim, compreendemos que a estruturação urbana e da cidade é um processo contínuo, múltiplo e contraditório que molda e é moldado pela segregação socioespacial, pela exclusão social, por diferentes agentes sociais, por processos de (re)descentralização, gerando elementos que constituem e redefinem os centros e as centralidades urbanas. Dessa forma, o tema proposto exige uma compreensão das relações capitalistas na produção das dinâmicas que envolvem o processo da urbanização, para que possamos compreender os arranjos espaciais da centralidade na estruturação urbana e da cidade. Urbana e da cidade devido à necessidade de articulação das escalas, ou seja, a relação entre urbanização e cidade, espaços intra e interurbanos e meso, macro e micro escalas (SPOSITO, 2004). Dentre esses apontamentos suscitamos algumas indagações que nos instiga investigar e analisar a realidade específica da centralidade intraurbana e interurbana de uma cidade pequena, pois, será que em uma cidade pequena podemos caracterizar centralidades multi(poli)nucleadas? Será que a centralidade de uma cidade pequena se dá apenas na escala da cidade ou à extrapola, irradiando-se para além das cidades? E como definir uma cidade pequena? Santos (1978) aponta-nos o que poderíamos considerar como uma cidade pequena ou local. Primeiro, as cidades regionais seriam aquelas “possuidoras de uma função de relação, desempenhando um papel regional”, em que uma boa parte do comércio de alimentos é oriunda da própria região, enquanto uma outra parte dos alimentos podem ser importados e são aquelas cidades onde se encontra um comércio tradicional, entre outras características. O autor classifica como cidade local, a “pequena cidade”, o aglomerado urbano que atende às necessidades básicas de sua população, ainda que esta recorra ou receba de outras cidades mão-de-obra, serviços e equipamentos mais especializados. Assim, Inúbia Paulista pode ser classificada como cidade local, pois é um aglomerado urbano que atende somente as necessidades básicas de sua população e que depende de outras localidades para suprir necessidades relativas a serviços mais especializados de educação, saúde além de demandar mão-de-obra especializada de outros municípios. No entanto, a cidade possui um hipermercado que exerce influência na rede urbana regional, abrangendo 49 municípios do seu entorno, gerando novos conteúdos ao centro urbano, originando múltiplas e diferentes centralidades, a partir das especializações produtivas e de novos padrões de consumo, propiciadas pela existência do hipermercado. Dessa forma, a centralidade exercida pela “cooperativa” na escala da cidade, não se restringe ao espaço intraurbano, ela está “para além da cidade”, pois representa um ponto de atração na rede urbana, enquadrando-se, portanto, no novo papel da rede urbana pautada na sociedade urbana do consumo. O papel de Inúbia Paulista, devido a centralidade exercida na rede urbana, caracteriza o processo de globalização e da intensificação da urbanização. Esse enfoque é importante para compreendermos os processos atuais que (re)configuram e redefinem as redes urbanas, principalmente no que se refere à (des)articulação/integração espacial. Ou seja, as novas formas de assentamento, a concentração com descentralização, as localizações com fluxos e a velocidade e flexibilidade das informações, transforma a cidade, antes monocêntrica, em uma cidade poli(multi)centrica (RIBEIRO, 2006). Este processo de descentralização e recentralização, que gera esta cidade contemporânea multi e policêntrica, ultrapassa a escala da cidade, combinando uma articulação entre o inter e o intraurbano, permitindo uma articulação de situações urbanas diferenciadas e uma combinação de localizações e situações que implicam em transformações nos fixos e fluxos de pessoas, capitais, mercadorias e informações. A poli(multi)centralidade se intensifica, cada vez mais, nas cidades devido à expansão urbana que descentraliza os assentamentos humanos rumo a periferias cada vez mais distantes das áreas centrais dotadas de serviços e equipamentos urbanos, essa descentralização gera concentração em outros pontos que necessidade de outras centralidades, modificando cada vez mais o par centro-periferia (SPOSITO, 2001). Essas dinâmicas, na maioria das vezes, vêm acompanhadas de novas centralidades como um reforço para o produto imobiliário da definição centro-periferia, caracterizando, assim, um novo espaço urbano. Entendemos, portanto, que a questão da polinucleação pode ser observada com maior intensidade nas metrópoles como também nas médias e pequenas cidades. Assim, apesar da aparente inexpressividade econômica, Inúbia apresenta não apenas uma monocentralidade, mas policentralidade na estruturação da cidade e “para além das cidades”. AO300 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1437] TRAN SFORM AÇÕES EM CURSO N O PERFI L ECON ÔM I CO E SÓCI O- ESPACI AL D E CI D AD ES D E PEQUENO PORTE: O EXEMPLO DE BOM JESUS DO ITABAPOANA NO NOROESTE FLUMINENSE. MARIA ALICE ALKMIM ANDRADE. UFRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: OBJETIVOS DO TRABALHO O presente trabalho se propõe a um esforço de compreensão e análise do atual perfil econômico e espacial das cidades de pequeno porte. Para tal, procura-se focalizar a atuação dos agentes e processos que redefinem o perfil atual de uma pequena cidade do Estado do Rio de Janeiro: Bom Jesus de Itabapoana. A escolha desta cidade justifica-se pela mudança de sua fisionomia urbana, através do incremento quantitativo e qualitativo das residências e da diversificação da atividade comercial, industrial e de serviços, fenômeno observado em visitas a esta cidade, desde 1990, ao ensejo de trabalhos de campo aí realizados. REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL Na era da revolução da informática, os fatos, eventos e ações ganham imediata ressonância na sociedade e no espaço de alcance planetário. A urbanização assume importância global e a cidade é o locus onde estas transformações eclodem com maior rapidez. No Brasil, o momento atual, “meio técnico-científicoinformacional” (Santos, 1993), remodela o espaço que se torna mais fluido e assume novas feições. Neste contexto, a urbanização brasileira vem apresentando mudanças em sua dinâmica, ditadas principalmente pelo novo modelo de acumulação técnico científico-informacional, entendido como o momento histórico no qual a construção ou reconstrução do espaço se dá com um crescente conteúdo de ciência, de técnicas e de informação (Santos, 1993). O território passa a receber maciços investimentos em infraestrutura, acelerando os progressos nos transportes, nas comunicações, com o uso cada vez mais freqüente da informática, gerando o que Santos (1993) denominou “aumento exponencial da fluidez do território”. Nesse sentido, a organização do espaço brasileiro vem apresentando inflexões em sua dinâmica dentre as quais destaca-se a valorização do papel das cidades de pequeno porte no desenvolvimento local, durante a última década. As mudanças no perfil econômico das cidades, particularmente, de pequeno porte, possuem uma acentuada importância no contexto da organizaçãoO quadro de mudanças que vem dinamizando as cidades de pequeno porte delineia-se a partir de algumas tendências sócio-econômicas engendradas pela amplificação da infra-estrutura de transporte, de comunicação, do desenvolvimento de novas tecnologias que permitem realocar recursos econômicos e humanos favorecendo a desconcentração espacial da atividade produtiva e da população. Além disso, do ponto de vista institucional, observa-se um processo de descentralização administrativa, fortalecido pela Constituição de 1988, que favorece as administrações públicas locais, ampliando-lhes as competências e a sua participação na distribuição dos recursos públicos. Cabe destacar, a importância que os agentes locais vem assumindo na promoção do desenvolvimento econômico. espacial do Estado do Rio de Janeiro, por ser este um estado que registra um relativo esvaziamento econômico e populacional do interior em função da pouca expressividade da atividade agrícola e industrial, em contraste com o processo histórico de concentração urbana na metrópole. METODOLOGIA O trabalho será dividido em três. Na primeira será feita uma breve discussão teórica sobre as mudanças da urbanização brasileira e sobre o papel da pequena cidade atualmente. Depois serão apresentadas as mudanças que estão ocorrendo no perfil da cidade de Bom Jesus do Itabapoana percebidas através das inúmeras saídas de campo feitas nesta região. Na conclusão serão discutidas as principais mudanças no perfil das cidades pequenas além do levantamento de novas questões. PRINCIPAIS QUESTÕES Dentre o quadro de mudanças responsáveis pela valorização do papel das cidades de pequeno porte no desenvolvimento dos lugares serão abordados as seguintes questões: a descentralização administrativa, o processo de desconcentração industrial e a deterioração da qualidade de vida nas metrópoles. Além disso, será desenvolvida uma breve discussão a respeito da refuncionalização destes núcleos urbanos. RESULTADOS ALCANÇADOS Foi possível constatar que o Estado do Rio de Janeiro, atualmente, está passando por um processo de revitalização econômica atingindo diversos setores da economia, tendo como uma de suas bases de sustentação a articulação entre o Governo Federal e instrumentos de coordenação, aplicação e pesquisa dos diversos agentes estaduais. Esta revitalização produtiva refletiu-se na cidade de pequeno porte através de transformações na organização espacial e na estrutura econômica. Cabe ressaltar que as cidades visitadas no decorrer da pesquisa ilustraram a importância de uma eficaz administração pública para o crescimento econômico municipal. Uma gestão pública em que as pessoas estão comprometidas com a melhoria econômica do município, através de uma parceria cada vez mais forte entre o público e o privado. É essencial um projeto de desenvolvimento local que seja gerado a partir de uma intensa mobilização dos segmentos organizados da sociedade civil em regime de pacto com as autoridades locais. Nesse sentido, a etapa de desenho e de execução de um projeto de mudanças econômicas e sociais em um município depende da qualidade de suas lideranças políticas e comunitárias: o seu nível de consciência social, de capacidade de gestão administrativa, de negociação em situação de conflitos, a sua capacidade de atrair recursos de instituições diversos, etc. AO301 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1281] ARRAN JOS PROD UTI VOS LOCAI S, APREN D I ZAGEM , I N OVAÇÃO E D ESENVOLVIMENTO TERRITORIAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS DEBATES RECENTES. EMÍLIO RAFAEL POLETTO. UNI VERSI DADE ESTADUAL PAULI STA - I NSTI TUTO DE GEOCI ÊNCI AS E CI ÊNCI AS EXATAS, I TAPI RA, SP, BRASIL. Resumo: O processo de racionalização do território, neste começo do século XXI, coloca-se acima da economia, da cultura e da política. A literatura especializada vem apontando para o fato de que o território, em certos lugares, acaba por tornar-se mais racional e mais produtivo, o que torna possível diferentes participações no processo de globalização. Nesta nova economia da informação, do conhecimento e do aprendizado, o território passar a ser visto como um campo de forças, um lugar que exercita a dialética entre a escala local e a escala global, entre o estado, o mercado e a sociedade. O território torna-se o quadro da vida de todos nós, na sua dimensão global, na sua dimensão nacional, nas suas dimensões intermediárias e na sua dimensão local, que constitui o traço de união entre o passado e o futuro imediatos. As características particulares de um determinado território devem ser utilizadas no processo produtivo, criando vantagens competitivas específicas, a serem utilizadas pelas empresas locais. Assim, termos como inovação tecnológica, aprendizagem, cooperação e competitividade tornaram-se recorrentes nos diversos trabalhos sobre desenvolvimento local e regional surgidos na última década. Os arranjos produtivos locais (APLs) passam a ser vistos como uma estratégia de desenvolvimento local a ser implementada em regiões que apresentam uma aglomeração produtiva que apresente potenciais de crescimento econômico. Os APLs podem ser designados como aglomerações de agentes econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território, com foco em um conjunto específico de atividades do setor produtivo e que apresentam vínculos expressivos de interação, cooperação e aprendizagem. Os APLs geralmente incluem empresas, que são aquelas que produzem os bens e serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviços, vendedoras, clientes, cooperativas, associações e representações. Além de diversas outras organização e instituições voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, informação, design, P&D, promoção e financiamento. A formação de APLs está associada às trajetórias históricas de construção de identidades e de formação de vínculos sociais, culturais, políticos e econômicos, dentro de uma base territorial local ou regional. São mais propícios a desenvolverem-se em ambientes favoráveis à interação, à cooperação e à confiança entre os atores. Assim, o território local compreende um determinado espaço institucional, social e cognitivo (pode ser um bairro, um município, uma rede de municípios, uma bacia hidrográfica, um vale, etc.), desde que possua sinais de identidade coletiva (sociais, culturais, econômicos e políticos) e a capacidade de promover uma convergência em termos de expectativas de desenvolvimento. A organização do território que objetiva o desenvolvimento local deve ter como ponto de partida um pacto territorial que viabilize a associação de interesses promovida entre os diversos atores regionais, que se conservam independentes, com vista a obtenção de determinados objetivos. Os objetivos deste trabalho são: fazer uma análise crítica sobre o debate recente em torno dos APLs e sobre as diferentes teorias do desenvolvimento local. Para a realização desta pesquisa selecionamos diversos trabalhos sobre os APLs e o desenvolvimento local (tanto da literatura nacional quanto internacional), aos quais pretendemos dar uma leitura crítica. Sempre focando na questão do território como suporte para as relações de produção, buscamos analisar a importância de elementos como cooperação, aprendizagem, conhecimento tácito e difusão de inovações. O que pretendemos abordar nas leituras dos trabalhos selecionados foram: a questão da validez do conceito de desenvolvimento local, o valor de incentivar os APLs e sua real eficiência para promover o desenvolvimento econômico e social e como ocorrem a cooperação, a aprendizagem e a difusão de inovações em aglomerações produtivas territoriais. Desse modo, a pesquisa chegou à conclusão de que a articulação da esfera local frente ao global, que há dentro do território, ocorre de forma dialética. Quando os investimentos são destinados a criar um entorno favorável aos negócios, se está subsidiando o capital e, portanto, contribuindo para o processo de restabelecimento do poder e dos privilégios de classe. Desse modo, há nestas estratégias de desenvolvimento certas contradições que devem ser analisadas minuciosamente a partir de seus aspectos histórico-geográficos. Fazer uma cidade única, especial e “autêntica” pode resultar em algo muito atrativo aos investimentos e por isso muitas planejadores estão começando a prestar atenção a suas heranças culturais ou a considerações culturais em geral, com o objetivo de realizar sua natureza comercial. Se o objetivo dos investimentos é atrair o turismo ou certos tipos de atividade empresarial, a construção de um entorno urbano tranqüilo, criativo, interessante, pode passar a formar parte do processo neoliberal. Por um lado, estas estratégias utilizam-se de um discurso voltado para o bem-estar da comunidade local e pretende que o desenvolvimento seja alcançado através de um esforço coletivo sinérgico entre os agentes locais, na esperança de que a utilização de certos recursos específicos a seus territórios torne-os mais competitivos no mercado. Por outro lado, é difícil enxergar que uma estratégia como esta obtenha sucesso, quando na verdade os recursos territoriais não estão sendo utilizados para a comunidade local, mas apenas para o capital. AO302 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1761] DINÂM I CA D A I N OVAÇÃO N A AGLOM ERAÇÃO D E OPTOELETRÔN I CA D O RECI FE: D I AGN ÓSTI CO/ CARACTERI ZAÇÃO D AS CON D I ÇÕES LOCAI S PARA O D ESEN VOLVI M EN TO D O SISTEMA LOCAL DE INOVAÇÃO. PRISCILA BATISTA VASCONCELOS; ANA CRISTINA DE ALMEIDA FERNANDES. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, RECIFE, PE, BRASIL. Resumo: O presente artigo resulta de pesquisa desenvolvida com o objetivo de identificar em que medida as condições sócio-econômicas e culturais do meio local facilitam ou dificultam a construção do sistema local de inovação em que se desenvolve o setor de optoeletrônica do Recife. Situa-se no campo temático dos sistemas de inovação, que surge na Europa na década de 80 com os estudos de Chris Freeman (1988) e Bengt-Ake Lundvall (1988; 1992). Esses primeiros estudos focaram a escala territorial nacional, reconhecida como a porta de entrada dos estudos sobre o fenômeno sistêmico e geograficamente distinto do processo de produção de novas tecnologias. Freeman concebe o sistema nacional de inovação (SNI) como uma rede de organizações e instituições nos setores público e privado, cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem novas tecnologias. Posteriormente percebe-se que o sistema de inovação (ou partes dele) acontece e apresenta peculiaridades em outras escalas, como a escala local, foco desta pesquisa. Observa-se que existem diferentes tipos de sistemas, e que tais diferenças derivam de condicionantes que operam muitas vezes na escala sub-nacional. São condicionantes de natureza histórico-cultural, sistema de valores e comportamentos que organizam a socioeconomia e orientam as relações entre os diversos agentes e entre estes e o espaço, mediadas por uma estrutura de poder específica aos diferentes lugares (RAFFESTIN, 1993). Como o território expressa um “sistema de relações existenciais e/ou produtivistas”, pode-se afirmar que o processo de formação do sistema de inovação varia de acordo com a própria história de formação do território, o que valida a compreensão de suas escalas sub-nacionais. Dentre as condições constituintes do SLI pode-se distinguir dois tipos: os agentes que são por natureza desempenhadores de funções no sistema (fundamentalmente as firmas e demais produtores de conhecimento, informação, políticas, regras), e os elementos que são por natureza estruturantes do sistema como a presença e natureza de instituições científicas e tecnológicas, a especialização regional da atividade econômica presente na localidade, a oferta de mão-de-obra profissional qualificada, a qualidade do sistema educacional, a cooperação entre os diversos agentes (Edquist, 1999; Hendry, 1999 e 2002; Howells, 1999; Morgan, 1997; e Fernandes e Lima, 2006). Com base nestas idéias, a pesquisa foi formulada metodologicamente em quatro etapas: as fases 1 e 2 centraram-se, especificamente, na pesquisa bibliográfica conceitual e naquela direcionada para a compreensão do objeto empírico do estudo; a fase 3 focou a identificação dos agentes do sistema, com base em cinco categorias: a dimensão urbana e econômica da cidade do Recife, a base de C&T ali presente, a indústria de optoeletrônica, a mão-de-obra especializada, e o sistema educacional. Resultou desse procedimento a identificação dos agentes e de características territoriais que interferem sobre a sua atuação. Entre estes agentes, destacam-se: Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade de Pernambuco, Universidade Católica de Pernambuco, Centro Federal de Ensino Tecnológico, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Instituto de Tecnologia de Pernambuco, e sete empresas; na fase 4, a pesquisa concentrou-se na análise dos elementos que compõem o sistema de inovação local. Chegou-se à evidência que existe em Recife uma incipiente concentração de empresas que utilizam a tecnologia da optoeletrônica. Estas empresas atuam em diferentes mercados, o que dificulta aproximação espontânea para desenvolvimento de projetos em cooperação. Percebe-se que o agente comum a todas é a UFPE. Estas empresas estão inseridas em um contexto de acentuada desigualdade social, expressa pela coexistência de vários grupos de pesquisa em optoeletrônica no Recife, acesso restrito à educação superior, baixa qualidade da educação formal e da formação profissional, elevada taxa de desemprego associada à histórica ocorrência de trabalho informal, assim como a baixa remuneração e participação do trabalho no produto regional. Forte polarização educacional e socioeconômica bloqueiam o desenvolvimento de um sistema produtivo inovativo. Este é, no entanto, imaturo e reduzido, em parte porque as interações que realiza entre seus agentes são limitadas, devido às acentuadas assimetrias existentes e ao desperdício do potencial criativo da população sem acesso à educação e formação profissional. Ademais, o sistema econômico historicamente consolidado, baseado em atividades tradicionais ou rentistas, não favorece o desenvolvimento de novas tecnologias. Com este padrão econômico-social, o que poderia ser uma oportunidade de desenvolvimento para o Recife, termina por favorecer a reprodução do atraso, assim como de uma elite conservadora, que bloqueiam a reconversão de sua economia para segmentos mais dinâmicos e inclusivos. Um outro aspecto observado se refere à falta de políticas governamentais que favoreçam o setor, como percebido nas entrevistas, o que se deve em parte à mencionada valorização de setores tradicionais e rentistas que vêm se reproduzindo na hegemonia da base produtiva local. Enfim, o sistema de inovação presente no Recife situa-se num contexto sócio-econômico em que o desenvolvimento de uma indústria de alta tecnologia encontra dificuldades particulares, além dos elementos da dinâmica macroeconômica e outros aspectos próprios da escala nacional, resultantes das características históricas da formação de seu território, em que pese a presença local de importantes instituições de C&T. O principal desafio do território consiste na superação desta desigualdade, de modo que os benefícios decorrentes da competência científica e tecnológica ali presentes sejam revertidos para seu desenvolvimento e apreendidos por uma crescente e ampla parcela da população. AO044 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1216] CONSTRUÇÕES CULTURAIS: REPRESENTAÇÕES FÍLMICAS DO ESPAÇO E DA IDENTIDADE. MARIA HELENA BRAGA E VAZ DA COSTA. UFRN, NATAL, RN, BRASIL. Resumo: Esse trabalho tem como objetivo tecer alguns comentários sobre o cinema enquanto meio de representação cultural e sua inserção no contexto de algumas teorias que elaboram sobre os conceitos de intertextualidade, construção das percepções do espaço, e identidade cultural. A idéia de uma constante e permanente troca entre textos e representações; a eterna correlação entre as construções reais e subjetivas no que toca tanto a visão quanto à construção de um imaginário coletivo regido pela percepção e pela construção do espaço; e a sensação de perda do controle do tempo e da história, a dificuldade de se manter um estilo individual e o entendimento de que existe hoje no contexto contemporâneo uma ‘crise de identidade’, são as diretrizes para a discussão e análise que pretendo apresentar nesse trabalho. Pensando: (1) no conceito de intertextualidade discutido por Barnes e Duncan (1992) que situa as representações de uma maneira geral como conjunções de uma variedade de textos, relações e referências; (2) no processo de construção (real ou fílmica) de visão e percepção do espaço discutida por autores como Stephen Heath (1993), Degli-Esposti (1998), Crang (1998) e Lury e Massey (1999); e (3) na pósmodernidade e no “aparecimento” de um novo formato para a identidade cultural (Stuart Hall, 2001; Fredric Jameson, 2004), esse trabalho mostrará, através da análise do filme brasileiro O Homem que Copiava (Jorge Furtado, 2002), como os conceitos elencados acima vêm sendo elaborados dentro da representação fílmica ajudando na construção de uma visão subjetiva e coletiva sobre a prática da percepção do espaço e a construção da identidade na pós-modernidade. Existe, obviamente, uma diversidade enorme de filmes, e na mesma medida, maneiras de “construir” e representar o espaço e as identidades culturais. A preocupação principal aqui será com a questão teórico-metodológica relacionada à análise de um texto fílmico sob uma perspectiva geográfica cultural dando ênfase às possíveis relações existentes entre o texto e a representação dos conceitos descritos acima como de interesse para a discussão proposta. As representações de uma maneira geral são construídas pela conjunção de uma variedade de textos e relações, isto é, fazem parte de um processo denominado intertextualidade que induz à compreensão de que o significado não é simplesmente produzido no contexto da relação entre um texto e o objeto que esse representa (“o mundo lá fora”), mas no resultado produzido no e pelo processo de conjunção das variadas referências (Barnes e Duncan, 1992). Dessa forma, levar a sério o processo da intertextualidade significa descartar o uso puro e simples de um texto fílmico como “objeto de verificação” através do qual se pode “checar” se a imagem fílmica do objeto “confere” com a dada em realidade. De acordo com o conceito do espaço narrativo, desenvolvido por Heath (1993), a construção do espaço pelo cinema advém de um discurso espacial projetado pela e através da visão e que está impregnado de formas simbólicas. A noção do espaço narrativo, do espaço fílmico no caso do cinema, se refere ao espaço imaginado. Se a experiência (do espaço como uma prática social e material) é percebida e representada por uma forma de representação visual e cultural, como é o caso do cinema, o resultado final desta representação espacial, o espaço fílmico, constituirá um espaço da representação que por sua vez produzirá novas formas de percepção do espaço. Isto é, a interação entre a “prática espacial”, a “representação do espaço” (que acontece com a percepção da realidade) e o “espaço da representação”, que é essencialmente o espaço “construído” pela imaginação, é responsável pela produção de novas formas de perceber, construir, entender e modificar o espaço. Existe uma forte relação entre a narrativa fílmica - enfatizando o enquadramento, o espaço, a arquitetura, a mise-en-scène e colocando os personagens dentro de locações geográficas específicas - e o mundo real das relações sociais (Crang, 1998; Lury e Massey, 1999). As construções fílmicas servem não somente como objeto de crítica, mas como re-ordenamento das “imaginações geográficas” que adquirimos do mundo. Como Crang (1998) explica: “o conhecimento da maioria das pessoas sobre a maioria dos lugares se adquire através da mídia de vários tipos, de maneira que, para a maioria das pessoas, a representação vem antes da ‘realidade’”(p.44, tradução minha). O cinema pode, portanto, ser considerado como um meio que assume um papel central na construção das imaginações geográficas dos indivíduos na medida em que ajuda a “inventar” esses lugares. Meu argumento central é que, através da relação com o espaço – e sua representação –,os discursos fílmicos podem ser interpretados e compreendidos. As representações fílmicas de nossas imaginações geográficas, por exemplo, aparecem dentro de uma “projeção” das paisagens, regiões, e lugares, relacionados ao contexto do espaço do real. As raízes dessas imaginações se deitam na história estrutural de um sistema formado pelo diálogo do espaço real com as imagens que construímos de nós mesmos através de meios de representação como o cinema, e nas visões proporcionadas pelo espaço concreto (arquitetônico) e o espaço de representação (fílmico) que – cada um ao seu tempo e a sua maneira –, nos coloca em posição “elevada” para ver e perceber o espaço “como um todo”, incorporando-o a nossas mentes como uma totalidade e permitindo que a experiência da vida urbana “adquira novos sentidos”(Costa, 2006). Pensando na construção da “identidade cultural na pós-modernidade” e na discussão promovida por Stuart Hall, esse trabalho procura discutir e demonstrar como o filme O Homem que Copiava (Jorge Furtado, 2002), através da representação de uma visão da prática do consumo, elabora sobre temas caros à pósmodernidade, mais especificamente sobre as questões de identidade. Nesse filme Jorge Furtado dá prioridade à noção de “identidade” como um “prêmio” a ser adquirido, e não uma necessidade intrínseca ao sujeito, e que vem atrelado a uma necessidade relacionada ao que Degli-Esposti (1998) designa de “consumo criativo”. A noção de “identidade pelo consumo”, no entanto, não é um tópico de interesse particularmente recente para a produção cinematográfica de uma maneira geral ou da brasileira de maneira particular. Mas nos filmes contemporâneos, naqueles considerados por alguns como “pós-modernos”, a representação da identidade e do consumo difere da construída por seus antecessores dramaticamente na sua representação da subjetividade. Então, essa re-configuração da subjetividade demanda necessariamente uma re-estruturação no que toca não apenas as estratégias narrativas mas a escolha de novas temáticas e estéticas. Da mesma forma que Blade Runner (Ridley Scott, 1982) se tornou um ícone para o estudo do pós- modernismo, penso que O Homem que Copiava, de maneira similar, deva ser entendido, dentro do contexto da produção cinematográfica brasileira contemporânea, emblematicamente no contexto do pós-modernismo apesar, é claro, de os dois filmes terem sido produzidos em contextos cinematográficos distintos e terem marcadamente visões e construções narrativas e estéticas completamente diferentes. A mise-en-scène no filme de Scott é indubitavelmente o exemplo supremo de uma visão fílmica pós-moderna saturada de “successive layers of urban history” (Collins, 1989, p.133), conseguida através de justaposições, bricolagens referentes a diferentes espaços e tempos. Dessa forma, a prática de análise intertextual aparece como primordial para a compreensão do processo de formação do pós-modernismo e a representação da produção cultural pós-moderna. O filme O Homem que Copiava, se envolve no jogo de narrar (e representar) uma cultura pós-moderna que acontece por meio da produção, construção, de uma “bricolagem de identidades”. O que encontramos no filme de Furtado é precisamente uma completa aplicação do termo “bricolagem” relacionada, produzida e construída a partir da produção cultural. Há um reconhecimento de que “os materiais” (elementos) com os quais os indivíduos constroem sua identidade nunca são aqueles de uma cultura homogênea, mas, ao contrário, são produtos de culturas díspares, compostos em si de fragmentos culturais. É nessa perspectiva, portanto, que irei examinar O Homem que Copiava e o processo de construção da identidade cultural na pósmodernidade. AO045 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1264] GRAN D TH EFT AUTO:REPRESEN TAÇÃO, ESPACI ALI D AD E E D I SCURSO ESPACI AL EM UM VIDEOGAME. ANDRÉ LIMA DE ALVARENGA. UFRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: a) Obj e t ivo Est e t r a ba lho in cor por a ndo tem com o pa r a b) obj e t ivo su a a m plia r área o e scopo de Re fe r e n cia l e x pe r im e nt a l pe squ isa da ge ogr a fia cu lt u r a l, os vide oga m e s. t e ór ico con ce it ua l O referencial teórico conceitual utilizado se divide em três partes. A primeira se enquadra na linha e pist e m ológica const r u t ivist a do e st udo da s r e pr e se n t a çõe s, de n t r o da qua l de st a ca m os: a se m iologia , a pa r t ir dos a u t or e s F. Sa u ssu r e , C. Pe ir ce e R. Ba r t he s; a psicologia cogn it iva , r e pr e se n t a da por J. Pia ge t , e a a n á lise discu r siva de M . Fou ca u lt . Em se gu ida , discu t im os a s possibilida de s da s nova s t e cnologia s infor m á t ica s, com P. Le vy, M . Silva , S. Joh n son , e dos vide oga m e s, com J. Ju u l, H . Je n k in s e B. Su it s. Por ú lt im o a na lisa m os dois con ce it os t e ór icos da ge ogr a fia r e conh e cidos n o j ogo, com o t e r r it ór io e t e r r it or ia lida de s, com ba se e m C. Ra ffe st in , M . Souza e R. Sa ck , e se gr e ga çã o u r ba na , a poia do e m D . H a r ve y, E. Soj a , G. Br idge , S. Sa sse n e P. Marcuse. c) M e t odologia D ividim os a m e t odologia em três e t a pa s: 1 – Apr e se n t a çã o da ba se t e ór ica u t iliza da . 2 – D e scr içã o de t a lha da do vide oga m e Gr a n d Th e ft Au t o, com ê n fa se nos a spe ct os e spa cia is a pr e se n t a dos: pa r a r e a liza r t a l de scr içã o pe n e t r ou - se o espaço virtual do jogo fazendo o reconhecimento das representações socioespaciais presentes. Os e le m e n t os a na lisa dos se divide m e m t r ê s se gm e n t os: a ) a r qu it e t u r a do e spa ço con st r u ído, b) dist r ibu içã o da popu la çã o de pe r sona ge n s figu r a t ivos, e c) r ot e ir o ficciona l. 3 – Por fim , a na lisa m os t a l e spa cia lida de com ê nfa se n o discu r so a pr e se n t a do pe lo j ogo sobr e a fr a gm e nt a çã o u r ba na da s cida de s a m e r ica n a s e a for m a çã o de t e r r it ór ios e t e r r it or ia lida de s n o t e cido socia l u r ba n o com o r e spost a a e ssa fr a gm e n t a çã o. Ut iliza m os, pa r a t a l, a s fe r r a m e n t a s t e ór icocon ce it ua is a pr e se n t a da s. d) 1 2 3 Pr in cipa is – – Qu e st õe s / Pon t os Com o é const r u ída e r e pr e se nt a da a e spa cia lida de no j ogo Gr a n d Que con ce it os ge ogr á ficos e st ã o pr e se n t e s no j ogo e com o se – Qua l é o discur so e spa cia l a pr e se n t a do por D e se n volvidos Th e ft Au t o? m a n ife st a m ? tal j ogo? A pa r t ir da se m iologia pode m os le r o vide oga m e com o um t e x t o. A in t e r pr e t a çã o de t a l t e x t o, apesar de variar com a experiência de cada indivíduo, tende a ser bastante semelhante na medida e m qu e a s pe ssoa s com pa r t ilha m va lor e s cu lt u r a is, fa t o fa cilit a do pe la indú st r ia de com u n ica çã o de m a ssa . A e spa cia lida de do vide oga m e Gr a n d Th e ft Au t o é con st r uída a ssim : há u m gr a n de ce n á r io vir t u a l pr oj e t a do e m t r ê s dim e n sõe s de for m a a pe r m it ir a im e r sã o do pe r sona ge m pr in cipa l, C.J., con t r ola do pe lo j oga dor . Ta l e spa ço, r e pr e se n t a do com o pa lco, é a lt a m e n t e com ple x o: con t a com t r ê s cida de s de por t e m e t r opolit a no, um in t e r ior ba st a n t e a m plo e é um a r e pr e se nt a çã o ca r ica t a e r e duzida dos e st a dos a m e r ica nos Ca lifór n ia e N e va da , be m com o da s cida de s de Sã o Fr a ncisco, Los Ange le s e La s Ve ga s. A r e fe r ê n cia a e st e s e st a dos e cida de s se de du z pe la t opon ím ia , que pa r odia os n om e s dos lu ga r e s a qu e se r e fe r e m , be m com o pe los e le m e n t os visua is a pr e se nt a dos n a pa isa ge m cr ia da . O ce n á r io se a pr e se n t a com o m a qu e t e e com o h ipe r t e x t o: a s con st r u çõe s r e pr e se n t a da s sã o com o ca ix a s e st a nqu e s, im pe n e t r á ve is, só a ce ssíve is a t r a vé s de lin k s pr e se n t e s n a pa isa ge m qu e t r a n sfe r e m o pe r sona ge m pa r a out r o ce ná r io r e pr e se nt a n do o int e r ior dos pr é dios. A dist r ibu içã o da popu la çã o e dos ve ículos no ce ná r io ocor r e pe lo m é t odo que Ch or le y e H a gge t t ch a m a m de M a t r iz Ge ogr á fica de D a dos: o ce ná r io é dividido e m á r e a s, e pa r a ca da á r e a sã o in dica dos t ipos de pe ssoa s e ve ícu los qu e pode m se r e n con t r a dos, a lé m da s pr oba bilida de s de a pa r içã o. D e t a l for m a , n os ba ir r os pe r ifé r icos e ncon t r a m os pe ssoa s e ve ícu los de e st e r e ót ipo m a is pobr e , e nqu a nt o nos ba ir r os r icos pr e dom ina m os t ipos de a pa r ê n cia r ica . H á ba ir r os de m a ior ia n e gr a , ou t r os sã o gu e t os la t inos, ou lu ga r e s on de e ncon t r a m os t ipos a lt e r n a t ivos com o h ippie s ou ca sa is ga ys. Assim , pode m os visu a liza r cla r a m e n t e o m ode lo a m e r ica no da fr a gm e n t a çã o u r ba na a pont a do por Pe t e r M a r cu se a o indica r qu a t r o pa dr õe s qu e de scr e ve m e ssa divisão: cla sse , r a ça e cor , e t n icida de e e st ilo de vida . Pode m os e n con t r a r n a s m e t r ópole s a pr e se n ça de ga ngue s de r u a , qu e cont r ola m dive r sos t e r r it ór ios u r ba nos. Com o CJ, o h e r ói da t r a m a , pe r t e n ce a um a ga ngue , t oda a ve z e m que se a pr ox im a de u m a ou t r a r iva l, e st a a va n ça pa r a a gr e di- lo. É possíve l r e a liza r u m a gu e r r a de ga ngu e s e t e n t a r t om a r um t e r r it ór io r iva l. H á , t a m bé m , á r e a s m ilit a r e s e de le ga cia s e n volvida s por ce r ca s e com dive r sa s pla qu e t a s a visa n do que in va sor e s se r ã o a ba t idos. N o ca so de inva sã o o FBI a pa r e ce im e dia t a m e n t e e a t ir a . Aqu i h á vá r ia s gr a da çõe s e for m a s de t e r r it or ia lida de com o in dica do por R. Sa ck . e) Re su lt a dos a lca n ça dos e con clu sões Con clu ím os qu e a pe sa r da n ovida de na for m a de r e pr e se n t a r o e spa ço e da u t iliza çã o de r e cu r sos bastan t e com ple x os pa r a se con st it u ir t a l e spa ço com a r e s de r e a lida de , possibilida de de in t e r a t ivida de e ca pa cida de de “livr e cir cu la çã o” do u su á r io pe r m it ida s pe lo vide oga m e , in clu in do a possibilidade de representação de uma série de conceitos e noções geográficas, o conteúdo final a pr e se n t a do t r a z um discu r so sobr e t a is e spa ços qu e pode se r e n con t r a do e m m u it a s ou t r a s for m a s de r e pr e se n t a çã o. Ta l discu r so é e st e r e ot ipa do e e st á pr e se n t e n a m a ior ia dos film e s policia is, pr in cipa lm e n t e os da in dú st r ia n or t e - amer ica na , m a s t a m bé m n a m a ior ia dos ca de r n os policia is dos j or na is e r e vist a s. N ã o pode m os dize r qu e o j ogo cr ia um fa lso olh a r sobr e a s cida de s, ou qu e t e n t a iludir se u s u su á r ios de for m a a in cu t ir qu a lqu e r t ipo de pr e con ce it o sobr e a e spa cia lida de ur ba n a a pr e se n t a da de for m a pr oposit a da . M a s pode m os dize r qu e o j ogo é m a is u m m e io de r e pr e se n t a çã o, que a t r a vé s de sign os ba st a n t e com ple x os, dinâ m icos e pe r sua sivos r e pr oduz u m a ce r t a visã o e st e r e ot ipa da da s cida de s, cola bor a n do n a n a t u r a liza çã o de t a l for m a de le r o e spa ço urbano. AO046 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1548] A FAVELA N A CI D AD E M ARAVI LH OSA: ELEM EN TOS PARA UM A H I STORI A AM BI EN TAL CONTADA PELO CINEMA NACIONAL. INÊS AGUIAR DE FREITAS; RACHEL DE ALMEIDA MOURA. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: Tendo a arte cinematográfica como suporte para a realização de uma história ambiental da favela carioca, sob a luz da Geografia, este trabalho tem o objetivo de identificar alguns elementos do imaginário social que constituem o “mito” da beleza da cidade do Rio de Janeiro. A História Ambiental, disciplina que considera a natureza, tanto como o homem, atores protagonistas na organização do espaço, apresenta-se como um conhecimento interdisciplinar que tem na natureza seu objeto de estudo, possuindo muitas características em comum com a geografia. De acordo com Worster (1991), a história ambiental apresenta-se em três níveis de análise: • O 1º nível compreende as questões referentes ao estudo das paisagens do passado e seus fatores bióticos e abióticos; • O 2º nível busca analisar as questões socioeconômicas e suas interações com o ambiente; • O 3º nível trata da ação da cultura sobre o meio físico-material, descobrindo na paisagem os usos e significados e vendo-os como elementos formadores da “memória” de um povo. Desta forma, utilizando-se da base metodológica correspondente ao 3º nível de questões, este trabalho busca o entendimento dos mitos, idéias, representações sobre a natureza carioca nas paisagens dos filmes Assalto ao Trem Pagador, Orfeu Negro e sua refilmagem Orfeu. Nesse sentido, a partir da leitura do conceito de paisagem alemã – Landschaft - que compreende a paisagem como um complexo natural total, representado, de forma integrada, pela natureza e pelas ações humanas (FREITAS, PERES e RAHY, 1999), e com uma visão de paisagem apresentada por Shama (1996, p.17). “Antes de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de rochas”, estamos aqui retomando o conceito de paisagem alemão a partir da ótica paisagem X memória proposta por Shama, ou seja, pensando a paisagem antes de tudo como resultante da memória. Assim, a paisagem da cidade é o elemento essencial na identidade carioca e, por conseguinte, na construção do discurso mítico da Cidade Maravilhosa, pautado na sua beleza natural. Essas idéias vêm sendo fundamentadas desde o período dos viajantes naturalistas que se encantavam com a paisagem, passando pelo Império Brasileiro, influenciado pelo romantismo alemão, no qual se exaltava a beleza dos trópicos, e, finalmente, chegando à primeira república, onde, como sede do Governo Federal surge a necessidade de adequar sua forma urbana à concentração e acumulação do capital. Ou seja, o Brasil precisava de uma cidade cosmopolita; o que será realizado na reforma urbanística da administração do prefeito Pereira Passos (ABREU, 1997). A idéia de uma “cidade maravilhosa”, consolidada com a música, de mesmo nome, de André Filho, de 1934, ainda hoje “hino” oficial da cidade, continua sendo alimentada pela mídia e pelas artes, através da música e, sobretudo, pelo cinema. Assim, todo trabalho realizado pela mídia e expressões artísticas influencia na representação da natureza, ajudando a formar a identidade do carioca, que tem por sua cidade um sentimento de pertencimento, baseado na sua relação com a natureza, reforçando a idéia de uma beleza singular. Embora saibamos que a história ambiental, no que concerne ao seu primeiro e segundo nível de análise, corresponda a uma história de degradação ambiental, o terceiro nível de uma História Ambiental do Rio de Janeiro, nos informa de um “mito” da beleza capaz de sustentar muitas práticas sócio-espaciais. Sendo assim, vejamos como este mito da beleza se apresenta nos filmes nacionais citados a partir das imagens da natureza carioca. Faremos está análise através de um dos cenários mais polêmicos do nosso espaço urbano – a favela que vista como um problema moral, político e social a favela é o lócus da marginalidade, do pobre, do trabalhador honesto, do samba, e, acima da tudo, a favela é vista como não-cidade. Mas, e a natureza na favela? Sob a ótica paisagem x memória há alguma representação? Com efeito, a favela surge em “espaços naturais”, até então, não ocupados. Portanto, conservava boa parte de sua paisagem natural. Nos filmes mais antigos, como Assalto ao Trem Pagador (1962) e Orfeu Negro (1959), várias paisagens demonstram a relação próxima do morador da favela com a natureza, revelando-a como um espaço que lembra o bucólico. No que concerne ao 3º nível da História Ambiental, a favela é representada no cinema ainda como parte da “cidade maravilhosa”; é ainda parte da cidade porque é “natural”. O carioca, sobretudo a elite, se identifica com o aspecto bucólico, com as belas paisagens que se descortinam do alto do morro como no filme Orfeu. No entanto, à medida que a cidade cresce, aumentam as diferenças sócio-espaciais, tornando a favela, em termos habitacionais a possibilidade viável para as camadas de baixa renda. Por essa razão, na refilmagem de Orfeu (1999), a natureza encontra-se cada vez mais longe. Se antes, os barracões distantes um dos outros apareciam na paisagem ainda repleta de vegetação, agora, onde está a natureza? O chão é cimentado, as casas estão “amontoadas”. Com tanta gente morando neste espaço, é preciso retirar a natureza. Temos então a morte da bela natureza, significando a desvalorização de tais espaços da cidade também no ponto de vista do imaginário. Estas porções da população carioca perdem direito ao mito da beleza urbana e, com ele, perdem parte da sua condição de “carioca”. Assim, este trabalho conclui que a favela, a praia, o pão-de-açúçar, são imagens que pertencem ao espírito carioca enquanto referência e marcam as relações do habitante com a natureza desta cidade, estando as mesmas imagens presentes nos filmes sobre o Rio de Janeiro. À medida que a natureza da favela se afasta desta relação, ao longo de um intenso processo de urbanização, há uma mudança na identificação do carioca com o morro habitado que nos permite entender como algumas práticas sócio-espaciais e discursos estigmatizados sobre a favela se constituíram no tempo. AO047 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1753] A REPRESEN TAÇÃO D OS ESPAÇOS D E FRON TEI RA N OS JORN AI S BRASI LEI ROS: UM A PROPOSTA METODOLÓGICA PARA O ESTUDO DA CARTOGRAFIA JORNALÍSTICA. ANDRÉ REYES NOVAES. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: A cartografia jornalística é uma das formas de representação dos espaços e fenômenos geográficos com maior difusão na sociedade contemporânea. Desde o início do século XX os avanços nas tecnologias de produção e reprodução vêm permitindo que os jornais utilizem sistematicamente os mapas para localizar os eventos e complementar as notícias com informações geográficas. De fato, através da cartografia jornalística, “a mídia impressa apresenta uma quantia significativa de informações geográfica para o público” (Kent e Sanders, 1993:95). No entanto, a geografia não tem dado uma atenção muito freqüente a esta forma de representação do espaço. Dois motivos principais podem justificar a ausência de um campo consolidado de pesquisas sobre a cartografia jornalística. Primeiramente deve-se reconhecer que este é um objeto de estudo relativamente novo, pois os mapas só intensificaram sua participação nos jornais na segunda guerra mundial, iniciando um processo que encontrou seu auge apenas nos anos 1980, quando a introdução dos computadores e novas tecnologias de impressão tornaram os mapas mais freqüentes do que nunca na imprensa. Por outro lado, a cartografia jornalística sempre foi considerada, na ótica de cartógrafos e geógrafos, como uma forma “inferior” de representação do espaço, já que esta não respeitava os cânones da cartografia tradicional. Nesta perspectiva, a cartografia jornalística só poderia ser estudada a partir de suas deformações, gerando estudos que enumeravam os erros cometidos que comprometeriam uma representação “correta” do espaço. De fato, ainda são raros os trabalhos que buscam considerar a cartografia jornalística como uma fonte de informação, um objeto de estudo privilegiado para compreender como a sociedade contemporânea percebe e representa espaços específicos. Considerando os mapas jornalísticos como “inovadores, únicos e esteticamente atraentes” (Green, 1999:141) podemos ir além de uma mera critica calcada nos cânones da cartografia tradicional, reconhece-os como um objeto de estudo que pode fornecer informações específicas sobre as construções sociais que atribuem significados aos espaços geográficos. O objetivo específico do presente trabalho de pesquisa é fazer da cartografia jornalística uma fonte de informação sobre como os jornais brasileiros percebem e representam os espaços de fronteira. De fato, como evidenciou Monmonier (1989), os espaços de fronteira foram muito freqüentemente representados nos mapas da imprensa, já que a maioria dos leitores não tem conhecimento geográfico suficiente para localizar um acontecimento noticiado fora do eixo central de circulação dos jornais. No Brasil, assim como em outros países, além de serem pouco conhecidos pelos leitores, estes espaços ainda são profundamente estigmatizados, sendo freqüentemente associados à ausência do estado, processos migratórios e atividades ilegais. A partir do caso específico da representação dos espaços de fronteira, buscou-se aqui desenvolver as bases para uma analise qualitativa da cartografia jornalística. De fato, a maioria dos trabalhos sobre estes mapas ou condena sua falta de cientificidade (Speier, 1941, Gilmartin, 1985, Porter, 1985), ou tem uma perspectiva mais histórica, tratando da evolução de sua freqüência a partir da introdução de diferentes tecnologias de produção e reprodução (Monmonier, 1989, Kent e Sanders, 1999). Ainda não são muito freqüentes os trabalhos que buscam estudar os significados das práticas cartográficas selecionadas para construir os mapas na imprensa, dialogando com as teorias sobre imagem e representação. A discussão sobre a problemática do presente artigo estará organizada em momentos diferenciados. Primeiramente buscarei fazer uma breve reconstituição da história da cartografia jornalística e seus principais estudos. Posteriormente pretende-se construir uma análise mais ampla sobre como a geografia tem introduzido teorias de outras áreas do conhecimento para trabalhar com a relação entre imagem e significado. A partir dos estudos desenvolvidos em minha dissertação de mestrado (Novaes, 2005), pude identificar duas matrizes que vem sendo mais freqüentemente utilizadas e podem ser definidas como as bases conceituais desta pesquisa. A História da Arte e a Semiologia são campos do conhecimento que tem geralmente fornecido um arcabouço conceitual muito utilizado pelos geógrafos quando estes estão preocupados em introduzir a questão do significado em seus trabalhos. O objetivo geral deste trabalho foi fazer uma avaliação das formas como estas matrizes têm sido utilizadas na geografia e na cartografia, para posteriormente encontrar bases sólidas para desenvolver uma análise qualitativa da representação dos espaços de fronteira na imprensa brasileira. O frutífero diálogo com a Semiologia e a História da Arte permitiu a consolidação de uma base conceitual para um estudo do significado das práticas cartográficas aplicadas nos mapas da imprensa. De forma geral, constatou-se que os mapas jornalísticos tendem a reproduzir as concepções sociais que têm alimentado as políticas públicas predominantes nos espaços de fronteira, apresentando uma visão pejorativa que estimula uma atitude jurídico-militar. A concepções de que os espaços de fronteiras são locais de perigo e de abandono, que devem ser, sobretudo, militarizados, tem estimulado muitos mapas jornalísticos, que utilizam setas, símbolos, cores, e uma infinidade de outras práticas cartográficas para comunicar informações sobre um espaço pouco conhecido pelo público leitor. AO048 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1915] GEOGRAFIA E CINEMA: DUAS LINGUAGENS E SUAS IMAGENS DE MUNDO. DENNIS ZAGHA BLUWOL. PUC- SP, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: Objetivos O objetivo da presente pesquisa (que se encontra em andamento) é sistematizar os elementos da linguagem cinematográfica que formam a geograficidade das imagens fílmicas. A partir deste conhecimento, pretendese analisar diferentes obras traçando paralelos entre a geograficidade destas representações, principalmente no que se refere à representação de ambientes urbanos, e a geograficidade urbana onde tais representações foram criadas. Referencial teórico e Conceitual A base da pesquisa, em sua primeira parte, é a teoria sobre linguagem cinematográfica. Para a aplicação da leitura geográfica dos filmes na discussão sobre a questão urbana, além dos textos de teoria de Geografia urbana, é dado muito valor às análises do sociólogo Zygmunt Bauman. Metodologia A pesquisa parte da análise da bibliografia sobre cinema, tentando perceber qual a dimensão geográfica dos elementos da linguagem cinematográfica. Após esta fase, as análises partem de análises fílmicas, identificando nas obras os elementos já estudados e associando-os à leitura da bibliografia sobre Geografia urbana e outros textos que auxiliem na compreensão do que é o mundo urbano na modernidade. Principais Questões As relações entre os filmes e a Geografia podem ir muito além do tradicional uso dos mesmos como simples ilustrações de questões, uso este muito praticado, principalmente no campo do ensino. Esta pesquisa parte do pressuposto que a imagem fílmica possui uma geograficidade e que tal geograficidade existe em relação dialética com a geograficidade vivida pelos feitores destas obras. Faz-se, então, necessário, como sistematização inicial da pesquisa, rastrear os elementos que formam a linguagem cinematográfica e apontar de que maneira cada um deles pode contribuir para a construção da geograficidade fílmica. São estes resultados que estão apresentados abaixo. Após esta fase inicial, já concluída, o prosseguimento desta pesquisa será a tentativa de revelar a relação dialética entre representações e mundos representados, no que se refere à vivência de ambientes urbanos em dois momentos muito diferentes: A U.R.S.S. de 1929 no filme Um Homem com uma Câmera, de Dziga Vertov e os E.U.A. de 2001 no filme Cidade dos Sonhos de David Lynch. Resultados alcançados A linguagem cinematográfica consiste em uma série de elementos que permitem criar imagens (e sons) portadores de significados. O meio principal de transmissão de informações no cinema é a imagem gráfica. Esta imagem possui uma organização espacial. Tal organização pode revelar uma geograficidade, na medida em que há motivos para que sua espacialidade se organize de certa maneira. Esta maneira, intencionalmente escolhida pelos feitores das obras, permite leituras e interpretações. A interpretação e significação da espacialidade fílmica é o que chamamos da busca da geograficidade fílmica. Um primeiro debate é sobre os limites do que se pode perceber em um filme, com as idéias de “quadro”, “campo” e “plano”. O quadro de um filme é o limite geométrico da imagem, limitando o campo, ou seja, aquilo que será percebido. Este limite não é apenas geométrico, na medida em que limita a percepção e, portanto, contribui para a significação que se pode fazer de tal imagem. Assim sendo, é também um limite geográfico. Uma certa porção do lugar filmado é escolhido para aparecer, enquanto o resto não. Aí entra também a discussão sobre o tipo de plano utilizado: dentro destes limites do quadro pode-se mostrar uma cidade inteira ou um detalhe de uma unha. Pode-se mostrar alguém de corpo inteiro, só acima do busto, só o rosto ou só o olhar. Cada uma destas escolhas pode ser considerada como um tipo de plano. Consideramos este procedimento como a escolha da escala que cada cena possuirá. Além disso, um plano pode possuir diferentes profundidades. Pode ser visto elementos apenas em um plano, ou, ao mesmo tempo, elementos que se distanciam em profundidade do primeiro plano. Esse procedimento amplia a espacialidade percebida, sem necessitar cortá-la para mostrar separadamente elementos que se localizam na frente e depois os que estão atrás. O modo como a câmera captura a imagem é também de suma importância para a criação da espacialidade fílmica. O ângulo que ela faz com os objetos filmados é a primeira questão. Ele pode ser, além de reto, inclinado para baixo (plongée) ou para cima (contre-plongée). O contre-plongée realça o objeto filmado, o engrandece. O plongée o diminui. Assim, a espacialidade de um objeto cria significados de grandeza, de poder, mas também de aflição, opressão. A câmera pode, ainda, se movimentar. Pode fazer um percurso (travelling) ou se mover em torno do próprio eixo (panorâmica), assim como misturar os dois movimentos. O modo como os lugares serão capturados pela câmera, ou seja, como a espacialidade desses lugares serão apresentadas no filme, depende, portanto, também dos movimentos, assim como, logicamente, os significados destas espacialidades (suas geograficidades). A iluminação é outro aspecto de importância central. A luz foca o olhar do espectador em certas porções dos lugares filmados. Realça umas e esconde outras; ajuda a dar forma aos objetos filmados. Vários são os exemplos clássicos de usos diferenciados da iluminação. O “Expressionismo Alemão”, por exemplo, usava-a para centrar a atenção em uma pequena parte da tela, não permitindo que o espectador se perdesse no resto, que, em total escuridão, era o caos completo, assim como a verdadeira Alemanha da época, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial. A iluminação, ainda, ajuda a criar a atmosfera emocional, ajudando assim no modo como o espectador interpretará o significado dos lugares mostrados. A montagem é a espinha dorsal da linguagem cinematográfica. Ela junta diferentes pedaços de imagem, além de imagens com sons. Juntar diferentes imagens é juntar diferentes lugares, formando um novo lugar fílmico. Kuleshov, famoso diretor e teórico de cinema soviético, chamou este procedimento de “Geografia Criadora”. A montagem cria unidades espaciais. A espacialidade fílmica é, portanto, resultado de junções de fragmentos criando unidades. Para que esta espacialidade possua sentido é necessário que haja uma organização espacial na ligação entre os diversos planos, entre as diversas cenas. É a isto que se chama de raccord espacial. Direções de movimentos, olhares e objetos, por exemplo, devem possuir um sentido entre os diversos planos, para que se compreenda a geograficidade da trama. A ausência intencional deste sentido pode ser também um discurso sobre a ausência de sentido do lugar apresentado. Estes são os elementos básicos da linguagem cinematográfica que criam a espacialidade de um filme e, portanto, sua geograficidade. Os pressupostos teóricos para se ler geograficamente um filme estão aí dados, portanto. Cabe agora aplicálos de acordo com o interesse do leitor. A pesquisa de mestrado que está em andamento os aplicará para tentar compreender os sentidos da geograficidade dos ambientes urbanos criados nas duas obras supracitadas. AO049 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1936] A FAVELA NA PAISAGEM CARIOCA E A FAVELA CARIOCA REPRESENTADA NO CINEMA. JOSÉ NAZARENO DA SILVA. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: INTRODUÇÃO Na história do pensamento geográfico, o interesse pela cultura sempre se fez presente na intenção de os geógrafos compreenderem a ação do homem sobre a superfície terrestre. Durante muito tempo, porém, fatos da cultura não foram analisados “sob o ângulo da atividade mental dos portadores da cultura nem das relações que se desenvolveram entre si em tal ou qual lugar”. (CLAVAL, 2001, p.35.) Tal perspectiva contribuiu para plasmar, na primeira metade do século XX, uma geografia cultural preocupada com a diversidade das paisagens, mas ainda incapaz de esclarecer plenamente a dinâmica dos comportamentos humanos. A originalidade de cada cultura, expressa nas paisagens, está no centro dessa nova geografia cultural que considera cultura não como categoria residual, mas como “meio pelo qual a mudança social é experenciada, contestada e constituída”. (COSGROVE; JACKSON, 2000, p.15.) A cidade e suas paisagens híbridas passam a ser um objeto privilegiado pelo interesse dos geógrafos movidos pela ótica da nova geografia cultural. Eles constroem representações e procuram significados nas diversas espacialidades existentes no território urbano, afinal estudar e “planejar a cidade é, ao mesmo tempo, pensar a própria pluralidade do real e dar efetividade a este pensamento do plural”. (DE CERTAU, 1978, p.172). O cinema, gerado na Segunda Revolução Industrial e alimentado pelas técnicas da Revolução Informacional, constitui um dos veículos mais expressivos para representar e compreender as nuanças culturais do espaço geográfico contemporâneo, particularmente “o cinema dos valores sociais, isto é, o cinema que liga os homens uns aos outros, o cinema que é de testemunho“. (ESCUDERO, s.d., p. 15). Há uma outra aproximação existente entre cinema e geografia: o cenário — fundamental no universo fílmico, ambiência em que as personagens se movimentam e movimentam seu destino — guarda certa semelhança com a categoria paisagem. ratificada pelos geógrafos Barbosa e Corrêa em A paisagem e o trágico em O amuleto de Ogum. A imbricação cultural entre favela e cinema no Rio de Janeiro não é acidental. A história da cidade teve a paisagem favela representada muitas vezes na tela: de Favela dos meus amores (1935), de Humberto Mauro até Quase dois irmãos (2005), de Lúcia Murat. Favela e cinema refletem cruzamentos culturais possíveis e presentes no tecido urbano do Rio de Janeiro. Possuem histórias desenvolvidas de forma quase simultânea à própria história da cidade que lhe serviu de berço, nos últimos anos do século XIX. A favela, em 1897, no morro da Providência, onde se instalaram “com a devida autorização dos chefes militares, os egressos da campanha de Canudos, no lugar que passou a ser chamado morro da Favela” (CHALHOUB, 2001, p.17); e o cinema, em 19 junho de 1898, “ao retornar da Europa (...) Afonso Segreto roda o primeiro plano em terras brasileiras, flagrando a entrada da Baia da Guanabara, a bordo do Brésil”.(MOURA, 1987, p.18) A favela tornou-se um dos signos mais conhecidos da cidade: um dos pólos da dualidade entre exclusão e inclusão, padrão informal de construção e formal, identidade afinada com um sentimento de pertencimento à comunidade ou com o outro, habitante do asfalto. Os filmes escolhidos para ilustrar as representações da paisagem da favela carioca: os dois Orfeus: O Orfeu negro (1959), de Marcel Camus, e o Orfeu (1999) de Cacá Diegues, partem do mesmo texto referência — Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, cuja trama transpõe o mito grego para uma favela carioca OBJETIVOS E METODOLOGIA A geografia cultural, apoiada em olhares interdisciplinares, fornece instrumental teórico para empreender o estudo do tema A favela na paisagem carioca e a favela carioca representada no cinema. Dessa forma, esse trabalho tem como objetivos: — compreender por que a favela real e a representada no cinema são categorias, cada vez mais presentes, na paisagem da cidade do Rio de Janeiro e no discurso fílmico; — compreender as diferenças das representações da favela carioca no cinema, em intervalo de quarenta anos, construídas pelos olhares estrangeiro e de pertencimento; — pesquisar e analisar as matrizes ideológicas que permeiam e possibilitam o cruzamento cultural existente entre habitantes da favela e do asfalto no território da cidade dual do Rio de Janeiro. A favela não está apenas presente fisicamente na paisagem urbana do Rio de Janeiro: ela produz fatos econômicos, políticos e culturais que influenciam diretamente o comportamento dos cidadãos e interferem no funcionamento da cidade. A favela é uma instituição ativa e criadora da qual emana grande apelo midiático. REFERÊNCIAS BARBOSA, Jorge Luiz; CORRÊA, Aureanice de Mello. A paisagem e o trágico em O amuleto de Ogum. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL Z. (org.) Paisagem, imaginário e espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. p.71102. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiço e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 250p. CLAVAL, Paul. A geografia cultural. 2. ed. Florianópolis:UFSC, 2001. 455p. COSGROVE, Denis; JACKSON, Peter. Novos rumos da geografia cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL Z. (org.) Geografia cultural: um século (2). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000. p. 15- 32. DE CERTAU, Michel. A invenção do cotidiano.:1. Artes de fazer. 3. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1998. 352p. ESCUDERO, José Maria García. O cinema social. Lisboa: Áster, s.d. 393p. MOURA, Roberto. A bela Época (primórdios- 1912). Cinema carioca (1912-1930)In: RAMOS, Fernão (org.) História do cinema brasileiro. São Paulo: Círculo do Livro, 1987. p. 9-72. AO050 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1953] CIDADE, CULTURA E PLANEJAMENTO EM TEMPO DE ESPETÁCULO. AMÉLIA CRISTINA ALVES BEZERRA. UERN, MOSSORÓ, RN, BRASIL. Resumo: Cidade, cultura e planejamento em tempo de espetáculo: Pensar a cidade na contemporaneidade nos coloca diante de uma nova questão, qual seja, a tendência do uso da cultura como um dos elementos norteadores do planejamento urbano. Uma das expressões dessa dinâmica tem sido os investimentos nas políticas de revitalização de centros históricos, na construção de equipamentos culturais e ainda na (re)invenção de festas -que têm assumido a característica de grandes espetáculos - reafirmando, desse modo, particularidades/singularidades regionais e locais, o que implica uma (re)elaboração das identidades que, não raramente, são vendidas no mercado de cidades. Essa “nova” dinâmica urbana que vem se materializando na cidade opera mediante a incorporação de novos valores culturais e de novos padrões de vida, ou a afirmação daqueles já existentes, pois no mundo global, a diferenciação buscada através da identidade local, se torna uma importante estratégia. E a identidade está fortemente ancorada na imagem da cultura local, que nessa fase histórica do capital, passa a ser utilizada como recurso como bem destaca Yúdice (2004), e, nesse processo, vem sendo apropriada como uma das formas de delimitação das particularidades locais frente ao mercado global. Ao falar sobre esse processo de mercantilização da cultura, Arantes (2002) argumenta que o “tudo é cultura”, inaugurado nos idos de 1960, teria, pois, se transformado de vez naquilo que a autora denomina de “culturalismo de mercado”. Esse processo ocorreu com tamanha intensidade que a cultura que havia se cristalizado como esfera autônoma dos valores antimercado torna-se imagem. Ao situar a questão urbana nesse processo, Vainer (2002) argumenta que se durante um longo período o debate sobre essa temática remetia a temas como crescimento desordenado, reprodução da força de trabalho, equipamentos de consumo coletivo, movimentos sociais urbanos, racionalização do uso do solo etc, a “nova” questão urbana (grifo nosso) teria, agora, como nexo central a problemática da competitividade urbana, em que a imagem e o marketing são acionados de forma agressiva. Essa centralidade que a imagem tem assumido na dinâmica das cidades é uma das expressões do processo de espetacularização que a sociedade tem vivenciado nas ultimas décadas. Esse processo que é percebido por Seabra (2002) como o excesso midiático contido nas relações nos produtos e nas coisas foi originalmente discutido por Debord (1997), onde afirma que toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos e tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação. Em se tratando da cidade, essas representações são expressas através dos rituais, dos eventos, das imagens que sintetizam a identidade local, que adquire sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais são representadas. Assim, as imagens construídas constituem um discurso sobre a cidade, são sínteses de representações ordenadas em linguagem visual e verbal. Já as intervenções espaciais são discursos em ação, expressões materiais de uma concepção de cidade. Pela midiatização que as cerca, são tornadas partes da imagem da cidade. .Assim, é possível dizer, baseado em Sanchez (2003) que há um complexo intercâmbio entre a transformação material e o simbolismo cultural, entre a reestruturação de lugares e a construção das identidades, na medida em que as representações que os sujeitos têm do real influem na construção da realidade, ao mesmo tempo em que as práticas materiais são as bases para novas representações do real. As formas de demarcação da identidade têm assumido características particulares nas cidades. Em Mossoró, cidade localizada no oeste do Rio Grande do Norte, esse processo tem se expressado tanto através da dinâmica urbana, como é o caso da recuperação de ambientes históricos e a construção de equipamentos culturais, a exemplo dos teatros, dos espaços destinados à realização de eventos, quanto da festa, como é o caso dos festejos juninos e da festa cívica denominada Auto da Liberdade. Ambas as festas têm se tornado grandes espetáculos e para estes têm sido destinados grandes investimentos. Nesse processo de (re)invenção da festa, os festejos juninos, que inicialmente possuíam um caráter quase espontâneo dos valores e das tradições populares, vêm sendo apropriados pelos administradores públicos e empresariais, transformando-se em megaeventos, cujo caráter de empreendimento econômico e comercial tornou-se muito acentuado. Essa (re)invenção das festas simultaneamente a (re)estruturação de áreas estratégicas da cidade, sobretudo a área central, faz parte de um mesmo processo, que, na nossa compreensão, converge para produção de uma imagem da cidade. Através dessa imagem aqueles que pensam Mossoró tentam projetá-la no cenário turístico estadual e regional. Para tanto, a cultura, projetada especialmente através da festa, representa uma das formas de diferenciá-la no mercado de cidades. Isso tem se traduzido inclusive no material publicitário que tem sido veiculado sobre a cidade, onde Mossoró é denominada a capital cultural do oeste potiguar. É neste quadro que se entrelaçam cidade, cultural e planejamento urbano, sendo este o tema do presente artigo, cujo objetivo específico é discutir a dinâmica sócio-espacial da cidade de Mossoró nos últimos dez anos, tentando entender como a cultura vem sendo apropriada pelo planejamento urbano e quais os impactos desse processo na dinâmica social local. Esse objetivo se insere dentro de uma pesquisa mais ampla desenvolvida ao longo do doutorado realizado na Universidade Federal Fluminense, através da qual realizamos observações, fizemos entrevistas com gestores e administradores da cidade, acompanhamos as festas que vêm sendo implementadas pelo poder público e ainda analisamos o material publicitário que vem sendo veiculado sobre a cidade. Essa pesquisa nos colocou diante da necessidade de discutir e analisar a relação do planejamento que vem sendo proposto para Mossoró, com esse momento histórico no qual a afirmação de uma singularidade local assume uma centralidade no mercado global de cidades. E essa singularidade está relacionada diretamente com a afirmação de uma cultura local que tem sido retomada no sentido de afirmar a identidade da cidade. Palavras chaves: Cidade, cultura, identidade e planejamento. AO285 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Mudanças no Sistema de Paisagens [1487] I M PACTOS AM BI EN TAI S EM PAI SAGEN S D E EXCEÇÃO: O BREJO D E ALTI TUD E D A SERRA D E BATURITÉ - CEARÁ. LUCIANA MARTINS FREIRE; MARCOS JOSÉ NOGUEIRA SOUZA. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: As paisagens de exceção representam configurações diferenciadas em relação ao seu entorno. Resultam de uma dinâmica isolada, oriunda de fatores naturais, sobretudo biogeográficas, ao longo do tempo geológico. Suas formas podem oferecer a resposta para estudos sobre a formação de ambientes existentes tanto no passado quanto no presente. Na Região Nordeste do Brasil, e mais especificamente no Estado do Ceará, as paisagens de exceção, segundo Ab’Sáber (2003), verificam-se ao longo de seu território, exemplificadas pelos: agrupamentos de inselbergs, sob a forma de “montes ou ilhas” rochosas que pontilham domínios das caatingas; e maciços elevados, voltados para ventos úmidos vindos do oceano Atlântico, resultando na constituição de florestas tropicais de cimeira, também denominados como “enclaves”, “ilhas úmidas”, ou mesmo “brejos de altitude”, que se apresentam dispostos em pleno sertões secos. A presente pesquisa desenvolve-se analisando o ambiente de uma das mais expressivas paisagens de exceção do nordeste brasileiro: os brejos de altitude, exemplificados aqui pela serra de Baturité. Segundo Ab’Sáber (1990), a expressão ‘brejos’, aplicada a ilhas de umidade no interior dos sertões secos, teve sua origem explicada através do entendimento na própria serra cearense. “Quem subia dos sertões secos dominantes nas terras baixas onduladas regionais, encontrava nos altos da serra úmida e florestada algumas planícies de formato alveolar, logo reconhecidas pela velha expressão portuguesa ‘brejo’”. A exuberância paisagística da serra de Baturité justifica-se pelo comportamento de um ambiente diferenciado, onde a altitude do relevo possibilita a existência de condições climáticas que potencializam favoravelmente a ocorrência de um enclave de mata úmida, no domínio semi-árido das caatingas, com formação influenciada pelos ventos que sopram do oceano Atlântico. As potencialidades dos recursos naturais favorecem a criação de condições propícias ao desempenho das atividades agrícolas e da fixação de populações. Assim, desde que começou a ser ocupada, por volta do século XVIII, iniciaram-se intensos processos de exploração, sob os quais a mata ali existente ia sendo continuamente retirada para dar lugar a espaços urbanos e áreas agrícolas, sem qualquer limite. Para deter o uso desordenado dos recursos naturais, criou-se uma Unidade de Conservação: a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra de Baturité, abrangendo parte do território de oito municípios cearenses, totalizando uma área de 32.690 ha. Mesmo com a existência do Código Florestal (Lei Nº 4.771, 1965) e com a criação da APA na Serra (Lei nº 6.902, 1991), a área delimitada pela Unidade de Conservação continua enfrentando problemas ambientais no que diz respeito às condições de uso e ocupação da terra. Esta pesquisa tem como objetivo precípuo avaliar o estado atual de conservação dos recursos naturais inseridos na serra de Baturité. O estudo requer não somente o conhecimento da área na sua integralidade, mas também a analise ecológica das compatibilidades de uso e ocupação a longo prazo, buscando-se conhecer as condições atuais de ocupação in loco e analisar os efeitos dessas transformações. A pesquisa desenvolveu-se a partir da análise integrativa da natureza, com base na concepção geossistêmica. Inicialmente, realizou-se um estudo do referencial teórico sobre o assunto em foco, o levantamento histórico da ocupação na serra de Baturité, exame de material cartográfico, bibliográfico e documental produzido por instituições oficiais. Na pesquisa de campo, fez-se a aplicação de entrevistas à população local, visita a órgãos e instituições públicas, reconhecimento da verdade terrestre e análise das condições físicas do meio. O conceito de paisagem é o elemento geográfico fundamental da pesquisa. Entre os principais geógrafos que abordaram o termo destaca-se o geógrafo norte-americano Carl Sauer (1925), trazendo a idéia de paisagem relacionada ao tempo e suas relações vinculadas ao espaço, estando sempre em constante desenvolvimento. Sauer foi um dos primeiros geógrafos a tratar a Geografia de maneira integrada, inserindo a visão fenomenológica no seu contexto e através de uma leitura crítica. Outro geógrafo a ser destacado é o francês Georges Bertrand (1972), trabalhando a paisagem em sua totalidade de modo homogêneo, porquanto a sociedade e a natureza estão relacionadas entre si, representadas em um mesmo espaço geográfico. Juntamente com as contribuições de Bertrand, outros autores consagraram-se pelo fato de operacionalizarem a paisagem por intermédio do desenvolvimento do conceito de geossistema. Para Sotchava, a identificação do geossistema ocorre mediante a homogeneidade e a diferenciação, por meio de classes hierarquizadas do ambiente natural. Pode-se, enfim, dizer que paisagem é o conjunto da relação entre elementos físicos, biológicos e humanos, que resultam em determinada configuração visual, estando sempre condicionada a transformações, sejam de origem local e/ou global. Dentre os impactos ambientais observados, assinala-se, como principal responsável, a devastação da cobertura vegetal, praticada indiscriminadamente em vertentes e nascentes fluviais, ocasionando a aceleração dos processos erosivos, ressecamento de fontes d’água naturais, ablação dos solos, assoreamento do fundo dos vales, empobrecimento da biodiversidade e descaracterização da paisagem serrana. Acrescenta-se a prática de técnicas agrícolas rudimentares, além do uso incorreto de agrotóxicos, o que vem comprometendo a qualidade das águas superficiais, dos solos e da saúde humana e ambiental. A infraestrutura de saneamento básico dos municípios da Serra é deficiente, causando a poluição de recursos naturais. A especulação imobiliária, resultado da elevação do valor da terra na serra de Baturité, consolidada como região de segunda residência e propícia a atividades turísticas, também caracteriza-se como fator de degradação da paisagem natural. AO286 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Mudanças no Sistema de Paisagens [1579] AS COM UN I D AD ES RURAI S TRAD I CI ON AI S E O USO D OS RECURSOS N ATURAI S N A SERRA DA PRATA – LITORAL DO PARANÁ. ADRIANO CÉSAR BUZZATO. UFPR, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: O objetivo da pesquisa foi analisar, no contexto de implantação do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, os impactos das populações humanas locais sobre os recursos naturais da UC. Os objetivos específicos foram: caracterizar as comunidades que podem ser afetadas pela legislação restritiva da UC e possíveis conflitos que possam ser gerados; definir o impacto das comunidades tradicionais sobre os recursos naturais presentes na área. O método mais apropriado para fundamentar os objetivos propostos neste trabalho é o enfoque sistêmico. A visão sistêmica permite analisar e entender o agroecossistema como um todo, de forma dinâmica, onde estão presentes e se relacionam componentes físicos, químicos e biológicos. Para se construir uma análise espacial que contemple de um lado, restrições ambientais e, de outro, comunidades que dependem dos recursos, é preciso conhecer o conceito de desenvolvimento sustentável em seus diferentes aspectos. Para RAYNAUT, ZANONI e LANA (2000; 2002), esse conceito permanece até hoje muito ambíguo, pois pode se referir a domínios bem diferentes da realidade e aplicado em níveis de análise tanto globais, quanto locais. Pode ainda contemplar diferentes escalas de tempo, desde as das gerações presentes até as das gerações futuras (RAYNAUT; ZANONI; LANA, 2002). No Relatório Bruntdland (1987) citado por OLIVEIRA (2002), desenvolvimento sustentável é definido como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades”. O conceito não se atém às reais necessidades do ser humano, nem à desigualdade social e não contempla, ainda, a definição de um nível equilibrado de consumo que não comprometa o futuro. Dessa forma, para OLIVEIRA (2002), “a noção de sustentabilidade só se torna real quando construída sobre uma verdadeira mudança de paradigma” que reconheça sua complexidade e seu enfoque pluridimensional. Para LEFF (2000, p.123), o desenvolvimento sustentável está ligado a uma cultura ecológica, definida como “um sistema de valores ambientais que reorienta os comportamentos individuais e coletivos, relativamente às práticas de uso dos recursos naturais e energéticos”. Para esse autor o desenvolvimento sustentável está ligado diretamente às práticas cotidianas das comunidades. Ele continua: “... os valores que mobilizam os processos sociais a uma gestão ambiental do desenvolvimento, definem-se através de racionalidades culturais que advém das formas de organização produtiva e estilos étnicos das sociedades tradicionais, povos indígenas e comunidades camponesas” (LEFF, 2000). Com isso o autor afirma que as comunidades que dependem dos recursos naturais são capazes de organizar suas formas de produção de maneira equilibrada e respeitando os ciclos naturais. A condição para implantar projetos de gestão ambiental e de manejo dos recursos naturais em escala local depende da preservação das identidades étnicas, dos valores culturais e das práticas tradicionais de uso dos recursos (LEFF, 2000). Assim, vislumbra-se no conceito de desenvolvimento sustentável um meio para se chegar a uma melhor eqüidade social e a um uso responsável dos recursos naturais. Partindo-se da idéia de que possa haver no futuro próximo uma mudança de paradigmas com relação à conservação ambiental, fez-se necessário complementar a pesquisa com a discussão do uso comunal dos territórios. Para MIRANDA (2003), “Diversas dessas comunidades que dependem diretamente dos recursos, mantém determinadas ações conservativas dos recursos explorados, ações essas moduladas por relações sócioculturais e econômicas, vinculadas inclusive aos saberes ecológicos comunais, indicando que as biodiversidades e as sociodiversidades co-evoluem e co-adaptam-se.” A autora utiliza, dessa forma, os conceitos de evolução e adaptação, consagrados na biologia, para defender a possibilidade da relação entre a população tradicional e uso dos recursos naturais, de maneira responsável e sem perdas, fato que, em geral, já acontece na prática, mas que não é considerado pela legislação ambiental. “O projeto de restaurar o equilíbrio perdido de um ecossistema e de assegurar a sustentabilidade futura do seu uso, graças a medidas coercitivas de controle, não condiz com o melhor conhecimento ecológico atual ou com o que se sabe do funcionamento dos sistemas sociais.” (RAYNAUT; ZANONI; LANA, 2002) Com base nesses autores é possível vislumbrar a possibilidade de adaptação entre comunidades humanas e ecossistemas, sem que haja perdas ambientais. Elas seriam, ao invés de expulsas de seus locais de origem, as responsáveis diretas pela conservação dos recursos naturais, mantendo assim a estreita relação que têm com o ambiente. Basicamente, dois tipos de comunidades rurais vivem na região de domínio da Serra da Prata: comunidades tradicionais com pouca ou nenhuma inserção no mercado e forte dependência dos recursos naturais como meio de subsistência e; comunidades rurais inseridas no mercado, que utilizam os recursos naturais como complementação alimentar. O primeiro oferece pressão sobre recursos naturais através do extrativismo e da caça. Serão mais afetados pela legislação restritiva. O segundo, inserido de alguma forma no mercado, oferece mais pressão sobre os recursos abióticos, como o solo e água, já que para atender o mercado é preciso uma área considerável de cultivos. Levando-se em conta que os cultivos nos sopés da Serra da Prata são em geral de banana e mandioca, pode-se considerar esse tipo de ocupação como de maior potencial de riscos ao ambiente, visto que essas culturas são degradantes do solo e contaminadoras da água. Palavras-chave: Recursos Naturais, Unidades de Conservação, Comunidades Tradicionais. AO287 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Mudanças no Sistema de Paisagens [1718] SUSTEN TABI LI D AD E AM BI EN TAL: UM ESTUD O D E PERCEPÇÃO N O EN TORN O D A RPPN D O CARAÇA/MG. MARGARETH ALVES CARVALHO; JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO. PUC MINAS, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: O tratamento das questões socioambientais na perspectiva da construção das sociedades sustentáveis coloca a participação comunitária como condição para assegurar legitimidade, representatividade e sucesso nos objetivos das ações e o estabelecimento de parcerias, sempre que necessário, como instrumento para viabilizá-las. No estado de Minas Gerais ente os municípios de Santa Bárbara e Catas Altas existe uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) que pretende coincidir a conservação com a sustentabilidade ambiental. Tratase da RPPN do Caraça. Uma área de proteção ambiental, pólo religioso, econômico, educacional e cultural local. O Santuário do Caraça, atual Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN do Caraça) foi fundado em 1774. A RPPN do Caraça está localizada nos municípios de Catas Altas/Santa Bárbara, Minas Gerais, distando 120 km de Belo Horizonte. O relevo, com altitudes variando de 800 a 2.050 metros, abriga nascentes com cachoeiras de enorme valor cênico. A RPPN do Caraça/MG Localiza-se nas coordenadas de 20°05’S e 43°28’W, Possui cerca de 11.233 hectares, onde 10.187,89 ha são área de preservação. Os restantes 1.045,11 ha são área de manejo (Plano de Ação da PBCN para o Caraça – 2003/2006) No entorno da RPPN do Caraça existem duas comunidades: Santana do Morro e Sumidouro. Nestas comunidades, foram observados fortes traços coloniais, de subserviência, de baixa auto-estima e uma ausência de planejamento e autoliderança que aliados a uma cultura de desenvolvimento social excludente e degradador, se tornam fortes entraves à participação e às parcerias. Este é o quadro cultural observado neste trabalho. A motivação científica é marcada pela idéia de defesa da diversidade cultural como elemento intrínseco em processos de conservação ambiental. Objetivos do trabalho O objetivo foi o de identificar a realidade socioeconômica e cultural e as percepções ambientais das comunidades do entorno da RPPN do Caraça, por meio da geração de um banco de dados digital, oferecendo subsídios metodológicos para a gestão participativa no processo de conservação da região. Para atingi-lo procedemos as seguintes etapas: 1 Identificação do perfil econômico, social e cultural dos moradores das comunidades do entorno; 2 Caracterização das condições de infra-estrutura e dos equipamentos coletivos existentes nas comunidades, bem como a avaliação que os moradores fazem destes equipamentos; 3 Levantamento dos principais problemas e demandas locais que os moradores apresentavam; 4 Identificação e análise das percepções que os moradores apresentavam em relação à RPPN do Caraça; 5 Identificação e análise dos principais problemas ambientais percebidos pelos moradores do entorno. Referencial teórico e conceitual O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu da Estratégia Mundial para a Conservação (World Conservation Strategy) lançada pela União Mundial para a Conservação (IUCN, 1991) e pelo Fundo Mundial para a Conservação (WWF, 1991), Apoiados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 1991). A Estratégia Mundial propunha uma harmonização entre o desenvolvimento socioeconômico com a conservação do meio ambiente, com ênfase na preservação dos ecossistemas naturais e na diversidade genética, para a utilização dos recursos naturais. Sendo assim, o conceito foi definido como “um processo que permite satisfazer as necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender as gerações futuras” (CMMAD, 1988 - Relatório Nosso Futuro Comum, também conhecido como Informe Bruntland). Os novos rumos para a conservação são marcados por uma mudança de postura diante do conhecimento e práticas das comunidades locais. A valorização dos saberes de caiçaras, camponeses, índios, passa por uma revisão da própria comunidade científica em relação à imagem da ciência como a única que detém o poder de indicar os caminhos da conservação. Além disso, os cientistas de diversas áreas do conhecimento, como mostra os trabalhos de Diegues e Arruda (2001), estão buscando construir um novo cenário teórico e metodológico que possa compreender as comunidades locais o mais próximo possível da lógica delas. Para essas comunidades a natureza é o lugar onde vivem, herdado dos antepassados e sujeito a transformações decorrentes de ações humanas e sobrenaturais. Esta visão não carrega a dualidade cultura-natureza que influenciou várias linhas de pensamento conservacionistas. Metodologia utilizada Foi realizada uma coleta de dados através de uma pesquisa descritiva que gerou um banco de dados georreferenciados. Esta coleta foi realizada por domicílio, por meio de entrevistas. Ao todo foram entrevistados vinte e nove (29) dos trinta e um (31) domicílios de Santana do Morro. Em Sumidouro um total de setenta (70) domicílios de moradores e oito (8) de moradores de fins de semana. De posse dos dados foi aplicado um estudo de percepção ambiental e a geração de mapas temáticos. Os mapas temáticos foram construídos com base na semiologia gráfica (Bertin, 1967). A cartografia temática, seguindo o método da representação qualitativa, foi escolhida para registrar e tratar os dados obtidos no trabalho de campo. Principais questões/pontos desenvolvidos Elaboração de um estudo de percepção ambiental e de mapas temáticos em duas comunidades do entorno da RPPN do Caraça/MG. Conclusões As pesquisas sobre percepção ambiental são fundamentais para identificar o uso do espaço, questões sociais e aspectos ambientais, subsidiando assim os programas de educação ambiental, o planejamento e a implementação de unidades de conservação, gestão governamental de áreas protegidas e de seu entorno. Nesta pesquisa, constatou-se que entre os moradores do entorno da RPPN do Caraça, 72% dos entrevistados em Santana do Morro e 64% em Sumidouro, associam os danos ambientais às atividades econômicas existentes na região. Assim a mineração e as indústrias são responsabilizadas pela poluição dos rios, do ar, desmatamento e plantas doentes. Também a atividade dos turistas que procuram a região para visitar o Caraça é considerada por alguns dos entrevistados como fonte de poluição, pois os resíduos produzidos são deixados nas matas, rios e estradas. Embora ainda incipiente, o turismo no município tende a aumentar bastante devido à proximidade com a Estrada Real. No estudo das comunidades de Santana do Morro e Sumidouro a cartografia temática aliou recursos de computação com Semiologia Gráfica. Nestas comunidades a falta de informações é uma realidade e a expansão do turismo e de atividades mineradoras exige uma metodologia ágil e eficaz, que realize o diagnóstico correto da área, fornecendo bases para elaboração de propostas de intervenção conjuntas entre poder público, privado e a comunidade. AO288 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Mudanças no Sistema de Paisagens [1840] EXPLORAÇÃO DAS AREIAS FLUVIAIS VERSUS PRODUÇÃO DE AREIAS DE BRITAGEM. ELIZA BELÉM TRATZ. UFSC, FLORIANOPOLIS, SC, BRASIL. Resumo: A exploração de areias fluviais traz conseqüências sérias ao meio ambiente, como a erosão das margens do canal, intensa movimentação de solo em virtude da lavra, emissão de ruídos pelas dragas, além do que, rejeitos são lançados à margem do canal, o que faz com que a vegetação natural das margens seja soterrada desestabilizando assim, a flora e a fauna e, favorecimento o aparecimento de processos erosivos (ARAÚJO E MACIEL, 1999).Por esse motivo, autoridades como o Instituto brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), e Instituto Ambiental do Paraná (IAP) vem coibindo cada vez mais, e de maneira mais severa a atividade em todo o Estado do Paraná, em vista, dos problemas ambientais que a atividade gera e risco de esgotamento do recurso. Neste panorama de conflitos, entre mineradores de areia fluvial e órgãos de proteção ambiental surgem as areias de britagem, conhecidas também, como areias artificiais, devido ao processo do beneficiamento da rocha quais, são produzidas em pedreiras, em muitos casos, confeccionadas a partir de rejeitos sólidos como alguns tipos de brita que não possuem valor comercial, o que faz com que haja a redução de certos impactos ambientais no local de produção. Entretanto, as areias provenientes do processo de britagem diferem-se das areias naturais, tanto nos aspectos granulométricos quanto morfoscópicos. Tais diferenças devem-se ao fato das areias fluviais serem resultantes da destruição erosiva de qualquer tipo de rocha (LEINZ e AMARAL, 2001 p.55). Enquanto que, as areias de britagem, têm sua origem no processo de trituração do basalto em um britador que, por meio da abrasão reduz as partículas de rocha até 3,8mm o que pela Associação Brasileira de Normas Técnicas já é considerado areia de britagem (TRATZ, 2006). Pautado nessa discussão, o presente trabalho consiste no estudo comparativo das propriedades físicas das areias de britagem e fluviais comercializadas no município de Guarapuava-PR, bem como na análise dos impactos ambientais e econômicos provocados pela atividade. Deste modo, o trabalho objetivou: 1)caracterizar o processo de britagem a partir dos litotipos encontrados na região; 2) efetuar levantamento de custo e destinação das areias de britagem no município de Guarapuava-PR; 3) Reconhecer as propriedades morfoscópicas e granulométricas das areias fluviais e de britagem comercializadas no município; 4) Avaliar sobre esses aspectos e outros referentes aos impactos ambientais a viabilidade da produção dessas areias em Guarapuava-PR. Para tanto, adotaram-se os seguintes procedimentos metodológicos: METODOLOGIA. Consistiu em levantamento bibliográfico, seguido de trabalhos de campo no local de produção das areias de britagem e, estabelecimentos comerciais de Guarapuava. Após a coleta de dados, foram efetuadas as análises granulométricas e morfoscópicas Sendo que, para as análises morfoscópicas adotou-se a metodologia de Krumbein (1941 apud SUGUIO, 1973) e, para as análises granulométricas a metodologia proposta pela EMBRAPA (1979). Granulometria: foram realizads 11 análises, sendo seis de areias fluviais e cinco de areias de britagem. Seguindo o seguinte procedimento: Secagem: as amostras foram levadas à estufa por 24 hora para secagem a 65º C. Após a secagem do material, foi realizada a moagem em gral de porcelana, com a ajuda de um pistilo. Peneiramento: Depois de secas as amostras foram pesadas e dispostas sobre peneiras com a seguinte escala granulométrica, de <0,175 a >4mm. A separação da areia muito fina das demais classes granulométrica foi obtida através de via úmida, obedecendo a Lei de Stocks. Pipetagem: a amostra resultante foi acondicionada em uma proveta de 1000ml, para a coleta da fração silte e argila. O material contido na pipeta foi agitado por cerca de um minuto e depois coletado em tempos prédeterminados e com controle de temperatura a 21º C. O material coletado com a pipetagem foi colocado em um Beckers de 50ml, e levados para a estufa, onde permaneceu sob uma temperatura de 20ºC até que se completasse a secagem. Morfoscopia: consistiu, na comparação visual dos constituintes granulométricos, com base na tabela de arredondamento de esfericidade de grãos em Microscópio petrográfico. RESULTADOS As análises granulométricas e morfológicas dos materiais revelaram que existe uma diferenciação entre as areias fluviais e de britagem. As areias de britagem caracterizam-se por serem mais angulosas que as areias fluviais, distribuídos estes nos graus 4 e 5 de arredondamento da tabela visual de Krumbein apud SUGUIO (1973), enquanto que as areias fluviais têm seu grau de arredondamento nos graus 5, 6 e, 7 não sendo raros grãos nos graus 8 e 9, o que não ocorre com as areias de britagem. Em relação a granulometria, as areias de britagem diferem-se das areias fluviais da seguinte forma: os grãos são menos selecionados que as areias fluviais e não contém seixos, enquanto que, as areias de britagem são constituídas predominantemente por grânulos, areias muito grossas e areias grossas, sendo estas melhores selecionadas e constituídas predominantemente por areias médias. Sob a perspectiva ambiental, as areias de britagem quando comparadas às areias fluviais geram menos impactos ao meio físico, em vista, destas serem subprodutos das britas e produzidas em uma empresa que apresenta Licenciamento Ambiental, diferente da maioria das empresas de extração de areia fluvial que atuam no Paraná e praticam a exploração predatória. Mas, em contrapartida, durante o processo de produção, as areias saem do britador contendo uma quantidade de 20% de filler, bem a mais os limites impostos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que é de 7% em média. Por isso, as areias precisam passar por um processo de decantação para a separação do material fino da areia de britagem. A sobra desse material quando molhado torna-se rejeito. AO289 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Mudanças no Sistema de Paisagens [1899] CARTOGRAFIA DA DESERTIFICAÇÃO NO CARIRI PARAIBANO. BARTOLOMEU ISRAEL SOUZA; EDUARDO RODRIGUES VIANA LIMA. UFPB, RIO TINTO, PB, BRASIL. Resumo: Este trabalho teve como objetivo efetuar o mapeamento da desertificação no Cariri paraibano. Conforme a CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESERTIFICAÇÃO (1995), esse tipo de degradação da terra nas zonas secas resulta de fatores diversos que vão das variações climáticas às atividades humanas, atingindo os solos, os recursos hídricos, a biodiversidade e a qualidade de vida da população. Quanto ao Cariri paraibano, essa região encontra-se localizada no centro-sul do Estado da Paraíba, a uma distância que varia de 180 a pouco mais de 300km de João Pessoa (capital), perfazendo um vasto território composto por 29 municípios distribuídos numa área de 11.689km² (20% do Estado em questão). Os elementos comuns de sua paisagem são os baixos índices pluviométricos, a caatinga hiperxerófila, as limitações edáficas (solos rasos e, em muitos casos, com altos teores de salinidade), cidades pequenas e baixa densidade demográfica. Em relação a existência da desertificação nessa região, esta é condicionada pelo clima semi-árido que, em determinados setores, conforme observações de Ab’Sáber (1974), poderia mesmo ser classificado como árido moderado, dada a severidade com que este se manifesta. Se esse processo tem o clima como agente condicionador, séculos de intervenções antrópicas que, em geral, não levaram em conta as especificidades naturais do Cariri, foram os responsáveis pelo estabelecimento da desertificação em seu território. Os procedimentos metodológicos realizados para efetuar o mapeamento das áreas desertificadas no Cariri foram fundamentados na identificação dos tipos de caatingas encontrados na região e os níveis de antropismo existentes, tomando por base a análise de imagens de satélite. Para isso, foram utilizadas técnicas de Contraste (Logaritmo e Raiz Quadrada), com o objetivo de melhorar a qualidade visual e separar melhor os alvos observados nas imagens, e o método de classificação Não Supervisionado, onde cada pixel encontrado é automaticamente organizado em grupos previamente definidos, adotando o algoritmo de processamento de imagens K-médias (Venturieri & Santos, 1998). As imagens de satélite (em número de quatro) analisadas foram as do CBERS, do período de 13/08/2005 e 20/07/2006. As bandas utilizadas foram as de número 2, 3 e 4, enquanto o tratamento do conjunto de informações espaciais foi realizado através do software Spring 4.2. Paralela a essa fase, foram efetuados diversos trabalhos de campo que nos auxiliaram na identificação das informações obtidas em laboratório e também na definição de cinco classes temáticas: Água, Áreas Não Desertificadas, Áreas com Baixo Nível de Desertificação, Áreas com Médio Nível de Desertificação e Áreas com Alto Nível de Desertificação. Das áreas consideradas Não Desertificadas para aquelas classificadas com Alto Nível de Desertificação, ocorre uma diminuição progressiva da cobertura do solo, dos estratos em que a vegetação se apresenta (arbóreo, arbustivo e herbáceo) e da variedade de espécies da caatinga. Ao mesmo tempo, a pecuária, o desmatamento, as manchas de solo exposto e os processos erosivos caracterizaram-se pelo constante aumento. Em termos quantitativos, os resultados obtidos podem ser vistos na tabela abaixo: Tabela 01- Área ocupada pelos corpos d\'água e pelos níveis de desertificação no Cariri. CLASSES TEMÁTICAS ÁREA OCUPADA (km/%) Água 105,31/0,9 Área Não 2.450,43/21,9 Desertificada Área com Baixo Nível 3.126,43/27,9 de Desertificação Área com Médio Nível 2.767,94/24,7 de Desertificação Área com 2.741,90/24,5 Alto Nível de Desertificação Pelos números expostos, observa-se que em somente 21,9 da região estudada a desertificação estaria ausente. Essas áreas ocupam algumas serras de mais difícil acesso, manchas esparsas nos vales de rios e trechos de solos mais profundos pouco afetados por atividades econômicas, onde a vegetação está melhor preservada. Fazendo parte dessa classificação, também incluímos as áreas onde se pratica a agricultura de vazante, dominada por culturas de subsistência onde, apesar do seu uso secular, os solos ainda permanecem produtivos. Em relação as áreas desertificadas, estas representam 77,1% do Cariri, sendo que destes, 24,5% referem-se ao nível mais alto desse tipo de degradação. Quanto a localização dessas áreas percebe-se que, como regra, as mesmas se concentram no entorno dos maiores rios da região (Paraíba e Taperoá) e dos seus afluentes mais importantes onde, desde o início da colonização, houve um processo de ocupação mais intenso, o que acarretou um consumo maior da vegetação nativa. Estabelecendo-se uma diferenciação de padrões de uso da vegetação nessas áreas e a sua conseqüente degradação, levando-se em conta a maior e menor proximidade das habitações, temos, no primeiro caso, o seu consumo direta e indiretamente intensificado pela população através da coleta de lenha, produção de carvão vegetal e limpeza dos terrenos para evitar a presença de animais peçonhentos. No segundo caso, particularmente nas propriedades rurais, apesar de ocorrerem as mesmas situações anteriores, a degradação da vegetação está mais relacionada ao seu extrativismo para a construção de cercas (renovadas, em média, de 6 a 8 anos) e principalmente à pecuária extensiva, onde ocorreu ou ocorre superpastejo, em áreas anteriormente desmatadas e ocupadas por lavouras de algodão, e naquelas em que a estrutura geo-ecológica é naturalmente mais frágil (Ab’Sáber, 1977). Questões relacionadas a estrutura fundiária dominante também tem contribuído fortemente para o surgimento de novas áreas degradadas, além da manutenção e intensificação daquelas que existem a mais tempo, uma vez que o grande número de pequenas propriedades, associadas ao baixo nível de informação, capital e tecnologia utilizada nas atividades produtivas da região, tornam difícil a adoção de medidas que evitem a ocorrência e a expansão da desertificação. AO290 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Mudanças no Sistema de Paisagens [1457] PAI SAGEM E I D EN TI D AD E URBAN A: CON STRUÇÃO E D ESCON STRUÇÃO. UM A POSSÍ VEL RECONSTRUÇÃO? VANESSA MOURA DE LACERDA TEIXEIRA. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: O primeiro objetivo deste trabalho será traçar um panorama geral dos resultados da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense. O projeto realizado na dissertação de mestrado teve como tema central a lagoa Araruama e a memória e a identidade urbana da cidade de Araruama, situada na Região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro. Essa crise ambiental provocada pelos incentivos econômicos no que tange à implementação de infra-estruturas urbanas, desencadeou na poluição da lagoa e, em conseqüência disto, houve uma ruptura com a história da cidade de Araruama e a desconstrução identitária deste passado. O segundo objetivo será escolher uma representação espacial mais expressiva, dentre aquelas trabalhadas, por sua condição intrínseca na construção e desconstrução da paisagem, para se propor linhas de planejamento urbano e ambiental para a região. A representação escolhida são as salinas de Praia Seca, 3° Distrito do município de Araruama. Ela se apresenta como contraponto do desenvolvimento urbano na medida em que é polarizadora e desagregadora dos aspectos sociais, ambientais, culturais e econômicos da região. Partícipe da paisagem urbana, hoje bastante alterada em função das novas práticas espaciais, as salinas vêm alcançando um grau de degradação que põe em evidência o futuro que está sendo construído. Por este motivo, esta representação foi dentre as demais já estudadas, escolhida para compor este trabalho, numa lógica que compreende não só ela própria, como também aquela a qual está vinculada, a lagoa. O referencial teórico e conceitual estabelecido segue as linhas de Lefebvre (1994) em seu livro “A Produção do Espaço”, onde ele considera a história das práticas espaciais um artifício para a concepção das transformações sociais no espaço e no tempo. O autor aborda três dimensões: as práticas espaciais, as representações de espaço e os espaços de representação. É em torno da dialética entre elas que se tem uma apreensão mais apurada das mudanças que se refletem no espaço ao longo da história. Aqui essas três dimensões serão estruturadas a fim de se estabelecerem as relações entre elas e a cidade ao longo do tempo, no que tange às áreas salineiras de Araruama. Todo esse aparato teórico e conceitual em torno de um objeto empírico auxiliou na visão acerca dos problemas existentes na cidade, principalmente nas mudanças desencadeadas no decorrer de três períodos importantes do processo de produção urbana. E assim, deste processo, urge a necessidade de construção de uma nova racionalidade em cima de um elemento de vital importância na cidade: a lagoa. Neste contexto, será tratada a questão ambiental dentro desse quadro urbano o qual a cidade de Araruama esteve condicionada, de maneira que sejam analisadas algumas idéias de Enrique Leff (2004) e Antonio Carlos Robert Moraes (2005). São autores que trabalham com a temática ambiental e revelam sobremaneira a visão interdisciplinar do meio ambiente. A metodologia utilizada se estruturará em cima de fotos, mapas de três períodos característicos da história da cidade e entrevistas com os moradores e visitantes de diferentes faixas etárias para se visualizar as mudanças então ocorridas. Estarão presentes os resultados do trabalho de campo com a descrição dos pontos observados durante as entrevistas e a interpretação dos questionários. Neste trabalho a idéia será apresentar os principais eixos norteadores da metodologia utilizada na dissertação e propor uma metodologia acerca das áreas de salinas na região a fim de se sugerir uma linha de planejamento urbano e ambiental. A lagoa Araruama permeou o desenvolvimento da cidade em vários momentos de seu crescimento, tendo estado, portanto, vinculada à dinâmica urbana e sua relação com a identidade e às representações espaciais por ela construídas e desconstruídas. E, por isto, a escolha das áreas de salinas para a elaboração de um planejamento urbano e ambiental da região, pois essas áreas foram o tempo todo partícipes das transformações então processadas. Assim, será realizado um pequeno mapeamento das áreas salineiras a fim de serem identificadas as zonas mais propensas à expansão da cidade. Este mapeamento subsidiará uma futura possibilidade de planejamento urbano e ambiental a fim de se preservar as salinas que ainda se encontram em funcionamento e recuperar aquelas desativadas. As principais questões colocadas se imbuem de um caráter extremamente estruturador desse trabalho: haveria uma possibilidade de reconstrução da paisagem e da identidade urbana nesse intenso processo de construção e desconstrução? Essa questão nos remete à exigência de se criar novas condutas de planejamento em cima desse elemento dito natural e que influencia na constituição de toda a paisagem e outros elementos os quais ele vincula. A lagoa é influenciada também pelos intensos processos de ocupação da região e, da mesma forma em que altera a paisagem, também é alterada por ela. Dentro dessa racionalidade ambiental em que os antigos hábitos da região se desmaterializam no espaço para dar lugar a construções sociais imediatas, sem a proposta de um plano racional idealizado com base nas relações culturais entre os homens e o meio ambiente, entre o meio ambiente e a cidade, há que se repensar as práticas de planejamento e manejo da paisagem em ambientes urbanos. Neste contexto, se inserem as possibilidades de reconstrução da paisagem a partir de um elemento natural, visto aqui como o grande impulsionador das potencialidades da região. A lagoa gerou outras representações a ela vinculadas, as quais se alteraram ao longo do tempo, no espaço e na paisagem. Deste modo, as salinas da região serão tratadas não como objeto principal do trabalho e, sim, como um resultado das discussões levantadas no projeto de dissertação. Além de estarem diretamente associadas à lagoa Araruama, se revestem de um caráter social, ambiental, cultural e econômico na região extremamente importante para o seu desenvolvimento. Os resultados adquiridos neste projeto de pesquisa concluem que a paisagem e a identidade urbana estão intrinsecamente relacionadas e, no caso do objeto de estudo em pauta, tem-se a presença de um elemento natural que delineia o processo de construção e desconstrução dessa identidade. Visto que a cidade não é estática e está em constante mudança, é dinâmica e, portanto, instável, há o tempo todo que se pensar na dialética entre construção, desconstrução e principalmente, reconstrução. Reconstrução sim, para que a memória da cidade se restabeleça, seja materializada no espaço, seja materializada nos livros, documentos, etc. Reconstrução para fortalecer os elos com o passado, presente e futuro, num respeito à identidade, à paisagem, à memória e ao meio ambiente. AO303 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1173] EXPAN SÃO URBAN A EM CI D AD ES M ÉD I AS: UM A REFLEXÃO A PARTI R D O N ÚCLEO E D A ÁREA CENTRAL DE MONTES CLAROS NO NORTE DE MINAS GERAIS. IARA SOARES DE FRANÇA1; BEATRIZ RIBEIRO SOARES2. 1.UNIMONTES, MONTES CLAROS, MG, BRASIL; 2.UFU, UBERLÂNDIA, MG, BRASIL. Resumo: O presente trabalho busca compreender a importância econômica desses espaços no interior da cidade e sua relação com a expansão urbana. Para isso, discute-se a posição de Montes Claros enquanto cidade média dialogando com as definições de núcleo central, área central e suas inter-relações. Analisou-se a expansão urbana dessa cidade mediante os processos de centralização e descentralização econômica, bem como, a funcionalidade do núcleo central. A expansão urbana de Montes Claros teve como palco seu núcleo central. Esse espaço desempenha uma forte função comercial aqui demonstrada por meio de levantamentos de atividades econômicas e confecção de mapas de uso e ocupação de solo, tabelas e gráficos. O material fotográfico produzido ilustrou o núcleo e área central de Montes Claros, a partir de sua função comercial, notadamente. Realizou-se, também, revisão e análise da literatura existente referente às temáticas: cidades médias, núcleo central, áreas centrais, expansão urbana e descentralização econômica com o objetivo de delinear caminhos ou aportes teóricos para elucidações e diálogos no processo de construção do trabalho. No âmbito do núcleo central realizou-se uma breve análise de um dos projetos da prefeitura municipal; intitulado Vivo Centro; que visa sua revitalização, bem como as Leis do Plano Diretor e Uso e Ocupação do Solo de Montes Claros. Do ponto de vista do nível hierárquico das cidades, uma cidade média é aquela que se localiza entre a grande cidade e as pequenas cidades, tendo dessa forma, uma posição intermediária. Amorim (2001) alerta que a posição que as cidades médias ocupam no interior de um país não é fechada ou está pronta e inacabada, visto que uma cidade média não é média, ela está média em uma determinada situação de um contexto específico. Há que se considerar, também, a localização espacial da cidade média, pois, se ela está isolada em uma determinada região, esse fato pode indicar dificuldade de autonomia e de manutenção de sua posição de cidade média. Além disso, esta cidade também pode estar sob a influência direta ou indireta de uma metrópole nacional, metrópole regional, de uma capital estadual ou se posicionar próxima a uma importante cidade, o que, provavelmente, confere-lhe maiores possibilidades de desenvolvimento e crescimento. Todos esses fatores tornam cada cidade média singular no espaço e no tempo em que se localizam. (SOARES, 2001). Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE –, a cidade média é aquela que possui população entre 100.000 e 500.000 habitantes. Quando se considera como critério de classificação o tamanho demográfico, ou seja, cidade com população entre 100.000 e 500.00 habitantes, Montes Claros é uma cidade média, haja vista o fato de possuir 342.586 mil habitantes (IBGE, 2000). Isso já havia sido mostrado por Andrade e Lodder em seus estudos na década de 1970. Nessa mesma década, a cidade foi incluída no Programa Cidades de Porte Médio, parte integrante da política pública definida pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Ao estudar as cidades mineiras com mais de 100 mil habitantes, Amorim Filho, Bueno e Abreu (1982) consideraram Montes Claros como uma cidade média de nível superior, uma verdadeira “capital regional”. O estudo do IPEA/IBGE/UNICAMP (1999) classificou a cidade de Montes Claros como um centro regional 2. Estudos mais recentes, como o de Pereira e Lemos (2004), também identificam essa cidade como média, tendo por base a sua capacidade de polarização intra-regional. Montes Claros/MG constitui uma realidade singular no tocante a essa discussão, sobretudo, em função de como se deu seu processo de desenvolvimento e expansão urbana, de modo que passou a assumir uma posição de centralidade intra e inter-urbana, consolidando-se como o núcleo urbano mais expressivo da região em que se insere, o norte de Minas Gerais. Sendo assim, analisar sua função de centralidade intra-urbana frente ao período técnico científico informacional e sua potencialidade econômica torna-se fundamental. Em relação à economia o setor terciário é o que mais gera emprego no município. Dentre as atividades que movimentam esse setor, destacam-se o comércio, a educação, as telecomunicações, a informática e o transporte. Esse setor apresenta-se bastante complexo, dinâmico e diversificado correspondendo a aproximadamente 53% do PIB total de Montes Claros. (Fundação João Pinheiro, 2006). A área central é um importante espaço das cidades que concentra atividades econômicas, serviços e fluxo diversos – pedestres, veículos, consumidores, além de ser uma área de grande acessibilidade e infraestrutura urbana. Spósito (2001, p.235) utiliza a expressão “área central” para designar os diferentes setores urbanos nos quais se observa a concentração de atividades comerciais e de serviços, tais como o núcleo principal, os eixos de desdobramento das atividades nele desenvolvidas, os subcentros de comércio, os shoppings centers, as vias especializadas, entre outras. As cidades médias crescem e se expandem obedecendo a uma dinâmica intensa de trocas e fluxos de mercadorias, capitais, usos. Nesse sentido, transformam-se espaços, deslocam ou expandem atividades e acarretam novas centralidades. Em Montes Claros, o crescimento da cidade, resultante do aumento demográfico e da expansão do tecido urbano, tem ocasionado seu alargamento com a abertura de novos bairros e loteamentos para áreas periféricas. Nessas circunstâncias, a área central da cidade vai perdendo seu caráter residencial e passa a assumir demasiadamente diversos tipos funções relacionadas à prestação de serviços e comércio. Todavia, a emergência de novas formas comerciais ou centralidades urbanas como os subcentros de comércio e serviços, shopping-centers e vias especializadas, paralelamente à pujança e à representatividade comercial do núcleo e área central têm marcado a dimensão econômica de Montes Claros no Norte de Minas Gerais. AO304 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1181] O PROCESSO D E REPROD UÇÃO D O ESPAÇO URBAN O D A ZON A SUL D E N ATAL/ RN A PARTI S DA INFLUÊNCIA DOS SHOPPING- CENTERS. GERSON GOMES NASCIMENTO. UFRN, NATAL, RN, BRASIL. Resumo: Eixo Temático Apresentação III oral – Brasil: em espaço, identidades grupos de e projetos trabalhos de nação (Gts) RESUMO Título: O processo de reprodução do espaço urbano na Zona Sul de Natal/RN a partir da influência dos shopping-centers Este trabalho objetivou analisar o processo de reprodução do espaço urbano na Zona Sul de Natal-RN a partir da influência dos shopping-centers. Nesse contexto, a importância desse estudo se deve pela primazia estudada no que se refere à dinâmica socioespacial e comercial que esses empreendimentos deram e dão à cidade, notadamente na Zona Sul a partir dos anos de 1990, período em que surgem com mais intensidade, ainda que outros de menor porte já se fizessem presentes na sua paisagem urbana desde os anos 80. Com os problemas atuais constatados nas áreas de comércio mais tradicional da cidade (os bairros da Ribeira e Cidade Alta) tais como: deseconomias de aglomeração, insegurança, desconforto, trânsito caótico entre outros, esses empreendimentos representam um elemento importante na reprodução urbana, principalmente na área em questão, bem como na concentração de atividades comerciais e de serviços num único local, na qual as possibilidades de compras, lazer e entretenimento se dão de forma “aparentemente” tranqüilas, seguras e cômodas quando comparada a outros comércios, pois foram minuciosamente planejados para esse fim. Contudo, longe de promoverem uma sociabilidade na sociedade, tais empreendimentos são sinônimos de segregação socioespacial, pois, à medida que provocaram uma valorização nas áreas próximas onde se instalaram, a maneira como se inseriram no espaço urbano natalense não ultrapassou a contradição do modo de produção capitalista, ao contrário, reforçou-as na medida em que produziram novas formas de espaços que nem todos na sociedade pode freqüentar, representando de forma clara um espaço de segregação socioespacial. Na consolidação dessa pesquisa, aprofundamos nosso conhecimento sobre os conceitos teóricos de produção e reprodução do espaço baseado em diversos autores referentes à temática abordada, bem como análises de leituras e fichamentos de trabalhos teóricos sobre shopping-centers. No que se refere à metodologia que deu suporte a pesquisa teórica, utilizamos dados secundários em órgãos públicos e privados como: Semurb, Caern, Cosern, Urbana, IBGE entre outros, representantes da sociedade civil como forma de levantamento de dados e informações importantes na nossa análise, foram utilizados, ainda, dados primários com entrevistas formais e estruturadas gravadas com membros de diversos seguimentos da sociedade como: profissionais vinculados a órgãos públicos e privados, agentes sociais produtores e consumidores de espaço, profissionais autônomos e a própria sociedade civil. Complementando a pesquisa, realizamos entrevistas formais que constavam de um questionário semi-aberto, dividido em duas partes e composta com questões abertas e fechadas. Como resultado, observamos que está ocorrendo um processo de descentralização comercial e de serviços para áreas mais atrativas da cidade, notadamente para a Zona Sul, principalmente após a implementação dos shoppings; as áreas circunvizinhas a esses empreendimentos sofreram uma valorização imediata no que se refere à valorização do solo urbano; esses espaços já fazem parte da rotina do natalense e se consolidaram como centros de entretenimento para as pessoas de melhor poder aquisitivo se constituindo numa opção a mais; houve uma mudança de hábitos e costumes no que se refere às compras e lazer na cidade; esses empreendimentos não são os únicos elementos responsáveis pela crescente valorização e reprodução urbana nessa área, mas constituem um dos principais influenciadores desse processo; o número de estabelecimentos comerciais e de serviços próximos a estes estabelecimentos cresceu velozmente; estes, constituem elementos de segregação socioespacial na medida em que nem todos podem freqüentá-los. Palavras-chaves: Reprodução do Espaço – Shopping- centers - Descentralização Comercial - Zona Sul – Segregação Socioespacial AO305 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1203] SHOPPING CENTER: ENTRE O LUGAR E O NÃO- LUGAR. FLAVIO SAMPAIO BARTOLY. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: A tentativa de padronizar determinados setores da vida em sociedade nas mais diferentes áreas do planeta advém da necessidade de otimizar a circulação dos fluxos de capital, os quais são facilitados quando há uma rede conectada e “formatada” por determinados parâmetros gerais. Assim, a cultura, os gostos, a relação com o outro e a representatividade de estar em certos espaços são moldados a partir de uma mesma lógica, a qual deve ser “injetada” de modo eficiente em diversos países. Mais especificamente, a própria arrumação do espaço passa a ser modificada dramaticamente a fim de atender às necessidades e imposições globais. Verifica-se assim, que a organização do capitalismo em uma rede global, tem a cidade como um de seus principais nós que amplia e ordena a relação entre a produção e o consumo. Um bom exemplo dessa atuação de planificação da cidade em prol de eficiência para a rotação do capital pode ser ilustrado pelo comércio que movimenta a cidade. Dentre as diversas maneiras de se apresentar e vender mercadorias, pode-se afirmar que a maior expressão em termos de adequação aos “parâmetros” é o shopping center. Este equipamento urbano tornou-se uma solução para vários “problemas”, sendo aclamado pela grande maioria dos personagens do varejo, inclusive pelos consumidores. Seja para atender aos moradores motorizados e abastados dos subúrbios americanos, em sua origem em fins da década de 1940, ou para satisfazer aos anseios da elite paulistana na década de 1960, ou até para servir de refúgio à violência urbana do Rio ou ao frio de Edmonton, o shopping reúne diversos tipos de mercadorias que estavam dispersas pela cidade, com o “conforto” do descolamento, ainda que parcial com a distância do centro (“original”), com os efeitos do clima ou com a própria realidade social. Na década de 40, nos EUA e nos anos 60, no Brasil, a afirmativa de que os shoppings eram pouco representativos para o cotidiano e que a relação que o público mantinha com esses espaços era muito distante, provavelmente, não seria contestada. Havia muito pouco para se fazer em um shopping, até porque as administrações ainda não compreendiam o potencial do shopping em ser mais do que um centro de compras e com isso atrair mais (as) pessoas. A ida ao shopping era esporádica, rápida e motivada unicamente pela compra. Esta primeira inserção do shopping na cidade, caracterizando-se como um local de passagem para compras, homogêneo e pouco comunicativo, credenciou este equipamento urbano como um possível exemplo daquilo que alguns autores chamam de “não-lugar”; uma paisagem estandardizada, projetada sem levar em conta fatores particulares que pudessem promover uma identificação com as pessoas que ali se encontram. Um espaço desprovido de peculiaridades, uma paisagem amorfa, interesseira, “sem alma”, que reduz a comunicação a placas. De acordo com nossas principais referências à cerca do não-lugar, Marc Auge e Edward Relph, assim se estabelece um local que por sua própria inautenticidade não pode ser caracterizado como um lugar. No bojo destas questões está a revolução da mobilidade e das comunicações, a qual promoveria, por exemplo, o fim das distâncias e das especificidades locais, culminando com o fim dos lugares, ou com a proliferação de lugares desprovidos de identidade, está o conceito de não-lugar. Talvez possamos afirmar que no centro desta discussão encontra-se a própria geografia, ciência na qual o lugar possui o status de conceito-chave, e para a qual esses “novos tempos” trazem o desafio do encontro com a fluidez e a efemeridade levadas ao extremo pelo processo de globalização. Experimentamos e observamos novos arranjos espaciais, os quais são ao mesmo tempo causa e conseqüência das novas relações sociais que se estabelecem. Ainda que conservem a forma “homogeneizada” e o objetivo primordial do comércio, diversos fatores concorreram para que, há vários anos, a inserção dos shoppings na cidade tenha se modificado expressivamente. O shopping tornou-se, também, um espaço de sociabilidade, em que as pessoas cotidianamente se encontram, se divertem e passeiam. Na ampla discussão sobre o conceito de sociabilidade, tomamos como principais referências, Norbert Elias e Georg Simmel. As administrações dos shoppings perceberam que a incorporação de outras atividades e a criação (e/ou expansão) de espaços de sociabilidade seria vital para a ampliação dos lucros. Assim, se agregam aos shoppings partes importantes do cotidiano de milhões de freqüentadores, o que evidentemente traz implicações práticas e simbólicas para a vida no espaço urbano. Neste sentido, o objetivo principal deste trabalho é contribuir para o entendimento do shopping center na cidade contemporânea. Especificamente, objetivamos chegar este propósito nos lançando ao desafio de discutir a validade de rotularmos os shoppings de hoje como não-lugares, especialmente diante do aprofundamento da relação do shopping com os freqüentadores e com a própria cidade. Através de sua organização espacial, a busca por uma dimensão “lugarizada” do shopping pode lançar contribuições importantes para a compreensão de aspectos da realidade urbana contemporânea. Na tentativa de alcançar os objetivos propostos, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre os shoppings e sobre os conceitos de lugar e de não-lugar. Como campo mais próximo de estudo, no Barra Shopping pudemos observar como a inserção da sociabilidade no empreendimento ganhou enorme importância nos últimos 10 anos. Por outro lado, o Iguatemi, construído 15 anos depois do “Barra”, já nasceu com a idéia de que a sociabilidade seria fundamental para o sucesso. Realizamos observações participativas, entrevistas com freqüentadores e com as administrações dos dois shoppings. Esses procedimentos geraram novos questionamentos e lançaram luz sobre como os shoppings são vividos e analisados sob diversos pontos de vista. Com isso, entendemos que mais do que determinar a condição de “inautenticidade” de um local apenas por sua forma, o não-lugar pode nos ajudar a compreender aspectos importantes de determinados espaços, que por apresentarem uma clara padronização de sua forma, acabam limitando ao mínimo a diversidade de experiências. Todavia, o não-lugar não abrange todas as perspectivas que esses espaços pretensamente padronizados apresentam para a experiência. É imprescindível lembrar que dependendo do “papel” que exercemos nesses espaços, podemos reconhecer distinções naquilo que a princípio seria indiferenciado, e manter afetividade com um shopping específico. Assim, há que se ter cuidado na aplicação do conceito de não-lugar, para que possamos ampliar a análise de ambientes planejados (que proliferam em ritmo acelerado), e não aprisionar a reflexão em um rótulo que promove uma análise superficial. Concluímos que a possibilidade de se pensar o shopping como um lugar traduz em grande medida processos e vivências cada vez mais comuns em diversas sociedades urbanas mundo afora. AO306 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1442] EN TRE O PASSAD O E O PRESEN TE: O D ESARRAN JO ESPACI AL N O CEN TRO D A CI D AD E D E RIO CLARO- SP (PESQUISA FINANCIADA PELA FAPESP). PRISCILA MARIA NATIVIO; SILVIA APARECIDA GUARNIERI ORTIGOZA. UNESP/IGCE, RIO CLARO, SP, BRASIL. Resumo: A partir dos anos 1970, a Geografia passa por transformações, deixando de considerar somente a observação e a descrição, voltando-se para transformações que ocorrem na realidade social. Desse modo, o espaço é visto como base da vida social e sua organização, um reflexo da atividade econômica. De acordo com inúmeros estudiosos do pensamento geográfico, somente os grandes detentores do poder possuem uma visão integrada desse espaço, e em contrapartida, alienam socialmente o cidadão comum, que possui uma visão fracionada do espaço, isto é, só tem noção do lugar onde vive sem ter uma visão abrangente do todo e seus problemas. Esta pesquisa é um trabalho da área de geografia urbana, que nos últimos anos vem apresentando diversificação teórica e metodológica para o entendimento da realidade urbana. Abarca amplas investigações, fundamentalmente pesquisas voltadas ao consumo do e no espaço, onde o urbano é entendido como um processo dinâmico que articula as relações sociais de produção e a reprodução do espaço. A urbanização capitalista guarda em si um processo de concentração de homens, de produtos e de coisas nas cidades, articulando sistemas hierarquizados, em uma verdadeira luta por territórios. É a cidade, como lugar das transformações do cotidiano e dos dramas, que nos permite entender as relações espaço-tempo nos dias atuais. Assim, essa pesquisa procura avaliar a produção do espaço urbano através da valorização capitalista, ou seja, formas distintas de consumo e valorização do espaço. Para isso, tomamos como universo de análise o município de Rio Claro-SP, por este apresentar peculiaridades quanto ao tema em questão: com o consumo do espaço, o espaço deixa de ser o espaço do vivido, transformando-se em mercadoria, que privatiza cada vez mais os lugares. Focalizamos como estudo os estacionamentos (são cinco, no total) localizados no entorno do Jardim Público, no centro da cidade de Rio Claro-SP, que é uma área de grande circulação diária de pessoas, mercadorias e, principalmente, fluxo intenso de automóveis. Anteriormente esses estacionamentos davam lugar a amplos casarões e palacetes, pertencentes a famílias renomadas. Um desses exemplos é o caso de uma famosa casa noturna e restaurante, “A Toca”, relembrada até os dias de hoje por muitos moradores da cidade, onde atualmente se encontra o estacionamento do Banco Bradesco. Ao abordar estudos que envolvam a produção do espaço urbano, faz-se necessário valorizar o papel dos agentes construtores desse espaço, como o poder público (que atua como agente de regulação do uso do solo, implementando serviços e elaborando leis e normas de uso para o espaço urbano, o que foi analisado por CÔRREA, 1989; SOUZA, 1994; LEITE, 1989), os grandes detentores de capital (com destaque para o setor imobiliário, que colocam no mercado um produto com formas específicas de produção e consumo, onde a localização torna-se estratégica, como muito bem argumentado por CÔRREA, 1989; CARVALHO, 1993) e a sociedade civil (que tem o sentido do lugar, que é criado por relações e referências entre habitante-lugar). Com isso, o que se evidencia é que em Rio Claro-SP não tem havido, ao longo de sua evolução urbana, um respeito ao patrimônio histórico e cultural, o que pode ser observado pelo desmantelamento de suas formas espaciais, como a substituição de cinco casarões por estacionamentos, ao redor do Jardim Público, no centro da cidade. Nesse sentido, Carlos (1992) argumenta que a paisagem urbana guarda dois elementos fundamentais: o espaço construído, imobilizado nas construções, e o movimento da vida, em um choque dos contrastes e das diferenças, visíveis nos usos do solo urbano, onde este é determinado pelo valor, que define a dinâmica do acesso ao solo urbano. E essa dinâmica leva a uma redistribuição do uso de áreas já ocupadas ou a incorporação de novas, dando novas formas de valorização para esse espaço. Dentro desse contexto, essa pesquisa objetivou analisar a produção do espaço urbano sob a ótica da valorização capitalista, isto é, formas diferenciadas de consumo e valorização do espaço. Para tanto, fizemos uso do método lefebvriano através de procedimentos metodológicos que buscam identificar e recuperar temporalidades desencontradas e coexistentes, o que nos permitiu uma análise crítica do tema, que possui três momentos de investigação: o primeiro momento é o descritivo, que consistiu na observação do objeto de estudo, no nosso caso os estacionamentos no entorno do Jardim Público de Rio Claro-SP, através de técnicas de observação sistemáticas e entrevistas – busca, a partir do que vê reconstituir a diversidade das relações sociais. O segundo momento é o analítico-regressivo, onde se procurou datar as relações sociais, remanescentes de época específica, ou seja, é a análise da realidade descrita, ponderando-se as contradições e as possibilidades. E o terceiro e último momento é o histórico-genético, que foi a busca da gênese do processo, indicando um marco de transformação sem abandonar-se a noção de conjunto – é reconhecer o antigo, o novo e o diferente. Procuramos, em nosso objeto de estudo, dar destaque a memória dos moradores, o que nos permitiu entender a história do centro da cidade e também, da cidade como um todo. A memória atua enquanto conservação do passado na lembrança, isto é, é na lembrança que o passado pode sobreviver, através da resistência de imagens e fatos, enquanto interpretação do silêncio, o que foi salientado por autores como Bosi (1994); Claval (2001); Adams (2002); Moreira (2004); Hummel (2005) e Halbwachs (2006). Em nossa pesquisa, a aplicação de entrevistas aos antigos proprietários dos casarões, e de questionários à população, possibilitou uma reconstrução da história do centro da cidade que não é a oficial, mas sim, aquela vivida por seus moradores, através de uma desmistificação histórica, trazendo à tona os silêncios da memória, buscando compreender o não-dito, salientando que não se busca uma verdade histórica absoluta, mas, sim, uma versão dos fatos. Na história de Rio Claro-SP, transformar antigos casarões em estacionamentos significa estar em dia com a modernidade. As ruas têm suas formas, funções e estruturas suprimidas, tornando-se espaço de fluxo dos automóveis, os grandes líderes do espaço urbano. Lideres que locam o espaço enquanto simples mercadoria: os estacionamentos trazem a imagem de segurança frente à violência que persiste em assolar os tempos modernos. Realizar esse resgate histórico não foi tarefa das mais simples, mas o que nos impulsionou foi saber que descobrimos uma história sobre o entorno do Jardim Público de Rio Claro-SP por um novo viés, diferente do pronunciado pela história dita oficial: aquele dos moradores, que sentem e vivenciam o lugar. AO307 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1466] A OCUPAÇÃO E OS VAZIOS URBANOS NA CIDADE DE PALMAS. ELISEU PEREIRA DE BRITO; LISANDRA PEREIRA LAMOSO. UFGD, PALMAS, TO, BRASIL. Resumo: Os vazios urbanos vêm se projetando de forma cada vez mais acentuada e complexa no processo de urbanização brasileira. O sistema capitalista transformou o lote urbano em mercadoria, isto é, em bem econômico de especulação, fato que motivou a atuação articulada de diferentes agentes sociais em relação ao lucro produzido pelo mercado de terras na cidade, resultando em áreas não ocupadas. Para Milton Santos (1990), o fenômeno é antigo, embora sem as expressões atuais, marcadas, sobretudo, por intensas disputas pelo poder de posse das terras e interesses distintos de obtenção de lucro sobre o solo produzido. Segundo Lúcio Kowarick (1999), os vazios urbanos são, em sua maioria, resultado do baixo preço do solo nas zonas periféricas devido à carência de infra-estrutura, acarretando a formação de grandes aglomerados humanos que, por sua vez, necessitam do prolongamento dos serviços públicos até aquelas áreas. À luz deste contexto, observamos a valorização dos solos retidos para fins especulativos em porções do espaço urbano que se encontram estrategicamente sem ocupação, beneficiando-se, assim, da construção das redes de infra-estrutura. Conforme Elizeu Ribeiro Lira (1995), o processo de vazios urbanos na cidade foi gerado pelo não cumprimento dos princípios do Plano Diretor da cidade, o qual corromperam, desvirtuaram e até mesmo desconheceram o que se havia planejado para a ocupação do solo da capital. Para Eliseu Pereira de Brito (2005), este processo teve origem no primeiro ano de ocupação da cidade, quando o Estado, por meio da Companhia de Desenvolvimento do Tocantins (CODETINS), desprezou o princípio quinto do planejamento urbanístico da cidade que buscava, acima de tudo, a flexibilização na transformação do solo, garantindo a expansão ordenada do solo urbano da capital. Considerando os vazios urbanos na cidade de Palmas, Tocantins, Eliseu Pereira de Brito (2005) evidencia a responsabilidade da formação destes ao poder público estadual, detentor das terras da capital. Esta reserva de espaços segregados para os ricos e pobres na cidade criou áreas vazias e uma alta especulação imobiliária sobre as terras da capital, que não foi loteada de forma progressiva, mas sim, de forma “ilhada”, gerando focos de população isolada, que beneficiaria as áreas vizinhas. A localização dos centros administrativo, financeiro e comercial, próximo das quadras das elites, fez com que parte da população usufruísse a infraestrutura e, em contrapartida, a 16 quilômetros de distância, ficou a população pobre, desprovida dos principais serviços de infra-estrutura. No que tange à interpretação da problemática dos vazios urbanos, as contribuições de autores como Milton Santos, em seu livro Metrópole Corporativa Fragmentada (1990), focaliza os vazios urbanos da cidade de São Paulo; a importante obra de Lúcio Kowarick (Escritos Urbanos, 1999) na qual o autor explora, dentre as muitas questões sobre a cidade, a problemática da especulação imobiliária sobre o solo urbano, provocando o que define como os vazios urbanos planejados; e a discussão de Andrea Borde (2003), que faz uma leitura dos vazios urbanos em suas múltiplas faces no seu artigo intitulado: Percorrendo os vazios urbanos. Como forma de interpretar a problemática na cidade de Palmas, buscamos subsídios nas pesquisas realizadas por Elizeu R. Lira (1995), em sua dissertação de mestrado (A Gênese de Palmas, 1995), que analisa o processo de criação, planejamento e condução da ocupação nos primeiros anos da construção da capital, e também a pesquisa realizada por Eliseu P. Brito (2005), na obra intitulada: (Produção e Reprodução do Espaço Urbano de Palmas, 2005), na qual o autor buscou interpretar as principais questões referentes à ocupação e planejamento do uso do solo urbano na capital do Estado do Tocantins. Os objetivos principais desta pesquisa foram: Analisar a dinâmica da ocupação do solo na cidade de Palmas – TO, no período de 1990-2006 e analisar a peculiaridade destes vazios urbanos de Palmas – TO. Os procedimentos adotados foram: em um primeiro momento, um recorte temporal das etapas do complexo processo de ocupação do espaço urbano de Palmas. O segundo procedimento foi o recorte espacial. Este recorte possibilitou uma análise da dinâmica de ocupação do solo, como também uma identificação mais precisa dos diversos processos de exclusão, segregação e espoliação urbanas que o Estado, em atuação conjunta com as incorporadoras imobiliárias, utilizou para alimentar a especulação imobiliária na cidade, resultando assim, nos vazios urbanos e em uma fragmentação da cidade de Palmas. Nesta ótica, podemos dizer que esta pesquisa partiu de uma metodologia qualitativa e procurou analisar o processo dos vazios urbanos da cidade de Palmas, visando o aprofundamento teórico conceitual da temática em questão. Na cidade de Palmas, fundada em 1990, esta problemática adquire contornos singulares, pois se trata de um espaço urbano planejado, segundo as concepções do urbanismo modernista, tendo como um dos principais agentes fundiários o Estado. A capital tocantinense apresenta hoje um dos maiores índices de vazios urbanos dentre as capitais brasileiras, sobretudo em sua área central. De um lado, observamos uma capacidade efetiva para a cidade abrigar mais de um milhão de habitantes, e em contrapartida, segundo projeção do IBGE (2005), Palmas possui 200 mil residentes. Buscar soluções que envolvam questões sociais e econômicas neste momento de ocupação do solo urbano de Palmas, a fim de trazer uma resposta à altura dos princípios do Estatuto da Cidade, pode ser uma das alternativas, visando minimizar os efeitos negativos da significativa presença de vazios urbanos em Palmas e neste norte é que direcionamos nossa pesquisa. AO308 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1985] RELAÇÕES EN TRE TEORI A E PRÁTI CA N A AN ÁLI SE URBAN A E SUAS CON TRI BUI ÇÕES PARA O AVANÇO DO CONHECIMENTO. GERALDO MAGELA COSTA. PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - UFMG, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: Pelo menos desde os anos 1970 a análise de práticas urbanas, como parte dos processos socioespaciais, tem sido uma questão relevante na produção do conhecimento sobre o urbano. A partir daquele momento as contradições urbanas tornaram-se mais explícitas, agravadas pelas prioridades dadas à produção e reprodução ampliada do capital industrial em detrimento das necessidades de reprodução social. A partir das últimas duas décadas do século XX foi se tornando comum falar-se em processos de exclusão socioespacial. Tais processos têm sido analisados de diferentes formas, de acordo com o momento histórico e as diferentes abordagens teóricas usadas para a interpretação do desenvolvimento capitalista e a chamada questão urbana no Brasil em particular e na América Latina em geral. Assim, nos anos 1970, uma boa parte de tal interpretação se dava com base na análise que se fazia do caráter do modo de produção capitalista na América Latina pela abordagem da teoria da dependência e, no contexto urbano, da teoria da marginalidade. Tratava-se essencialmente da marginalidade ocupacional, teorizada tanto pela vertente dualista quanto pela não dualista de interpretação das características do modo de produção na América Latina, especialmente no Brasil (Oliveira, 1981). Na sua dimensão urbana e metropolitana, a “marginalidade” ocupacional se traduzia na superexploração da força de trabalho, agravada pelo o que Kowarick (1979) denominou ‘espoliação urbana’. Praxis, na forma de movimentos sociais e de ações da chamada “sociedade civil organizada”, visava essencialmente reformas, especialmente por meio de mudanças do Estado identificado como o principal responsável por políticas urbanas excludentes. Durante os anos 1980, a extensão territorial da urbanização se acentua, tornando-se generalizada, especialmente a partir das grandes metrópoles, aumentando a preocupação com a inexistência e/ou precariedade dos meios de consumo coletivo e as formas socialmente perversas de ocupação e apropriação da terra urbana por parte do segmento imobiliário do capital. Com isto, ganha força as análises de inspiração marxista, a chamada economia política urbana, que apesar de ter trazido avanços importantes para o entendimento da lógica da acumulação e sua relação com o espaço urbano, pouco ou quase nada avançou em termos da análise histórica, política, das práticas e do poder em geral. O fim do regime militar, no entanto, possibilitou o resurgimento de movimentos sociais, reacendendo as discussões sobre as possibilidades de políticas realmente públicas e de reformas, a exemplo das iniciativas voltadas para a busca da função social da terra urbana e da cidade. Pode-se dizer que foi especialmente a partir dos anos 1990 que o termo exclusão ou exclusão socioespacial (urbana) tenha se tornado de uso mais corrente na análise urbana. A reestruturação da atividade produtiva e o processo de globalização da economia estariam introduzindo maior complexidade no espaço urbano, ao mesmo tempo em que são observadas novas formas de gestão urbana a partir da Constituição de 1988, supostamente progressistas, mas que introduziram mudanças nas possibilidades da práxis socioespacial. Isto porque, boa parte dos atores de movimentos sociais que lutavam por mudanças nos anos 1980, passam a parceiros do Estado na formulação e implementação de políticas urbanas, o que vem merecendo análises sobre suas reais possibilidades de autonomia política (Souza, 2003). Meu objetivo neste artigo é, após uma revisão das análises urbanas desde os anos 1970, dar ênfase ao momento atual por meio de uma reflexão sobre algumas propostas teóricas que considero ter potencial explicativo para as formas de urbanização e as possibilidades da práxis socioespacial transformadora. Metodologicamente, portanto, a análise se pauta tanto pela interpretação de textos que em diferentes momentos trataram do tema proposto, quanto pela tentativa de reflexão crítica que transcenda tais interpretações. Não se trata de um artigo baseado em uma única pesquisa, mas sim em um conjunto de análises já realizadas pelo autor, baseadas na teoria e na pesquisa. Se, por um lado, as contribuições de autores como Henri Lefebvre, Doreen Massey, Edward Soja, Milton Santos, Amélia Damiani, Roberto Luís de Melo Monte-Mór, entre outros, têm contribuído de forma significativa para o avanço do conhecimento teórico sobre a urbanização, por outro lado, minha hipótese é que as reflexões sobre as possibilidades das práxis transformadora ficam muitas vezes no nível da crença ou do discurso sobre a necessidade da justiça social e/ou da necessidade de buscar formas de unir as forças de movimentos sociais ainda fragmentados em seus objetivos. A reflexão proposta procura transcender estas abordagens. Neste sentido, serão explorados especialmente as reflexões de Henri Lefebvre (1993, entre outros), sobre as possibilidades da práxis socioespacial, de Milton Santos (1996, entre outros) em sua discussão sobre o território usado e o potencial da luta transformadora dos imigrantes urbanos diante de uma nova realidade socioespacial perversa e de Doreen Massey (1994), em sua abordagem inovadora sobre os lugares e as relações sociais. Como resultado, sugere-se que a reflexão proposta contribui para o diálogo com outros pesquisadores sobre o mesmo tema e, com isto, avança no processo de produção do conhecimento sobre o espaço socialmente produzido nos países do capitalismo periférico. KOWARICK, L. 1979. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra. LEFEBVRE, H. 1993. The production of space. Oxford: Blackwell. MASSEY, D. 1994. Space, place and gender. Minneapolis: University of Minneapolis Press. OLIVEIRA, F. 1981. A economia brasileira: crítica à razão dualista. 4.ed. São Paulo: CEBRAP. SANTOS, M. 1996. A natureza do espaço — técnica e tempo — razão e emoção. São Paulo: HUCITEC. SOUZA, M.L. 2003. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. AO022 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Epistemologia da Geografia [1179] A REINVENÇÃO DA CORPOREIDADE: POR UMA TEORIA DO SUJEITO EM GEOGRAFIA. ELIAS LOPES LIMA. UFF, NITEROI, RJ, BRASIL. Resumo: Quando nos estendemos sobre o espaço, seja por movimento de um gesto, seja para localizar um objeto e mesmo para nos enveredarmos em toda sorte de relações que ele nos suscita, o fazemos com a nítida impressão de que este espaço passa a nos pertencer, que este espaço se torna tão familiar quanto nosso próprio corpo, passando a perfilar seus horizontes como registro de nossas experiências. Essa pesquisa objetiva precisar como a noção de corpo contribui para uma concepção de espaço, explicitando a intrínseca relação entre essas duas categorias do entendimento humano, de modo que contribuamos para a reflexão do anacronismo que tomou conta do pensamento moderno. Destacam-se assim como objetivos de um estudo geográfico a propósito do corpo: 1) refletir sobre as antinomias da tradição cartesiana e suas implicações para uma concepção de espaço, reavaliando sua dupla legalidade segundo uma corporeidade física e uma corporeidade humana, para enfim apontar para uma presumível multi-corporeidade; 2) destacar o papel do sujeito no discurso geográfico, posto a notoriedade com que o objeto vem sendo tratado por essa ciência, sem que incorramos para tanto numa inconciliável bipolarização; 3) tratar um meio relacional marcado por uma pluralidade de perspectivas, dotando a diferença de uma relevância fundamental na produção do espaço, de onde se deduz que a experiência corporal indígena compõe um formidável referencial de análise. 4) e, por fim, evidenciados os fundamentos do corpo e sua realidade espacial, o retomaremos em meio a um conjunto de determinações histórico-geográficas, representações simbólicas e relações de poder, sem que, todavia, percamos de vista o seu caráter emancipatório. Em muitos trabalhos geográficos o espaço assume equivocadamente o papel de agente, restringindo as pessoas a meros espectadores, como se vivessem enclausuradas e estáticas nos lugares e territórios, inertes na paisagem tal como em uma fotografia – tais recortes espaciais assumindo a protagonização das ações. Dizemos que o espaço se reproduz, assim como os anos passam, quando são mais propriamente os seres humanos que agem no espaço e no tempo dando-lhes significados que se revertem àqueles como relações. No afã de nos desvincularmos de um espaço inerte e inanimado dotamos de vida própria os objetos perdendo assim de vista o sujeito, como se o espaço prescindisse de sua intervenção. Reproduzimos assim o preceito cartesiano de um sujeito isolado do extenso e o princípio kantiano de um espaço a priori independente da sensibilidade e do entendimento. Curioso como mesmo o corpo parece destacado do sujeito ou mesmo daquilo que designamos por homem (o ser humano em geral). Há que se destacar o papel do sujeito nas análises geográficas, e não deixá-lo subentendido entre objetos e ações; porquanto que se tome o devido cuidado de não restringir corpo e espaço como puras representações de nossas relações, ou, por outro lado, limitar o espaço a um palco onde se desenrola a atividade do homem, sem refletir que o mesmo palco tem vida, como recorrentemente fazem muitos sociólogos, historiadores, antropólogos, filósofos... À necessidade em se ater ao objeto da ciência geográfica deve aliar-se à necessidade de integrar de modo interdependente o sujeito no mesmo processo constitutivo, sem que reiteremos, pois, uma inconciliável bipolarização. Esse imbróglio nos impulsiona a lançar mão de uma noção que nem tanto se encerra por um horizonte empírico e sensível de mundo e tampouco subjaz a uma dimensão reflexiva e contemplativa, assim como também não os anulam ao (con)fundi-los como advogam os postulados pós-modernos: a corporeidade dos corpos consiste num espaço que compreende corpos os mais variados se inter-relacionando numa promiscuidade que impossibilita a síntese de recortamentos espaciais compartimentados e precisos, mas que, todavia, permite-nos contemplar imbricações entre o orgânico e o inorgânico, a idéia e a coisa, o significado e o sentido, abrindo-se assim para socialidades mais horizontalizadas e solidárias. A alteridade, nesse sentido, é um dado patente do espaço, é o alimento sem o qual não poderia se sustentar. Tais premissas vão subsidiar o redimensionamento de relações que recaem sobre os corpos, incapacitando-os e atenuando suas propriedades instrumentais, temporais, espaciais de maneira a arrefecer o poder (e, portanto, a resistência) que lhe é patente no ato de sua constituição perceptiva. Situamos o pensamento de Foucault em sua notável alusão à constituição das subjetividades à luz das relações de poder no âmbito de uma racionalidade tipicamente moderna, tendo Merleau-Ponty como ponto de partida e principal referência teórica por anteceder-se ao sistema de representações sociais e, portanto, às próprias relações de poder, para confrontá-los, posteriormente, com os saberes indígenas, conhecimentos que sempre foram considerados como residuais pelo cientificismo moderno mas que sempre lhe foi constitutivo, e por fim evidenciar o que Walter Mignolo chamou de pensamento liminar, Enrique Leff de diálogo de saberes e Boaventura de Souza Santos de hermenêutica diatópica, o que preferimos designar, para melhor situar dentro de nossa proposta, de transcorporeidade. Esse trabalho consiste num exercício de constante confrontação. Cotejamos métodos os mais diversificados entre si, comparamos o corpo segundo áreas de conhecimento igualmente diferenciadas e confrontamos racionalidades e sobretudo concepções de corpo distintas e conflitantes. Não para anulá-las perante o reconhecimento da outra, mas principalmente para enriquecê-las mediante um reconhecimento mútuo e, mais importante, considerá-las como possibilidades de resignificação de nossa relação com o outro, eis aqui, por fim, nosso objetivo primeiro. Nesse sentido, a metodologia adotada consiste em interrogar as diferenças, compará-las não para extrair-lhes sínteses reducionistas, mas para alçá-las a campos de possibilidades que se abrem ao mundo e que só o devenir histórico poderá confirmá-las. Assim temas tão diferenciados como epistemologia, ontologia, poder, técnica, linguagem, música, dentre outros, convergem para o entendimento do corpo como um ser simultaneamente espacial e temporal. Daí podermos contrastá-los a fim de extrair uma síntese sempre provisória para reafirmar o corpo como ponto de inflexão do estado de adestramento e letargia promovido pelos circuitos de poder hegemônico. É através de uma investigação geográfica acerca do corpo que, redundâncias à parte, é propriamente uma investigação geográfica espacial (ênfase necessária a fim de marcar essa inerência mútua), pode-se, se não definir e deliberar, ao menos introduzir elementos necessários para o que se poderia chamar de uma teoria do sujeito em geografia. É nesse sentido que falamos numa reinvenção da corporeidade. AO023 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Epistemologia da Geografia [1259] A D I FUSÃO D O POSI TI VI SM O LÓGI CO N A GEOGRAFI A: N OTAS D E UM ESTUD O A RESPEI TO DA GEOGRAFIA DO CONHECIMENTO E DO PAPEL DA CULTURA NA PRODUÇÃO DA CIÊNCIA. MARIANA ARAUJO LAMEGO. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: \"Rubricas abrangentes como \"Ciência Natural\", \"Ciência Biológica\", \"Ciência Social\" e \"As Humanidades\" têm lá sua utilidade para organizar currículos, ou para separar doutos em grupos exclusivos ou comunidades profissionais, e para distinguir amplas tradições de estilo intelectual. (...) Quando essas rubricas, no entanto, passam a ser consideradas mapas da vida intelectual moderna, com limites e territórios, ou, pior ainda, algo assim como um catálogo Linnaean, no qual são classificadas as espécies escolásticas, acabam escondendo o que realmente acontece lá fora, onde homens e mulheres têm suas idéias e escreveram o que pensaram.\" Clifford Geertz (O Saber Local. Novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 15) \"Science is not above culture; it is part of culture. Science is not a disembodied entity; it is incarnated in humam beings (...). Science is not some eternal essence slowly taking form in history; rather, it is a social practice grounded in concrete historical and geographical cirscunstances\" David Livingstone (Put t ing Science in I t s Place: geographies of scientific knowledge. Chicago: The University of Chicago Press, 2003. p.180) As citações acima não introduzem o presente trabalho por acaso. Precedem meu texto porque são norteadoras de minha argumentação. Este trabalho é desenvolvido em acordo às seguintes idéias: não se produz conhecimento no vácuo do tempo e do espaço e, principalmente, por seres extraterrestres. O conhecimento é socialmente e historicamente produzido, estimulado por e em contingências sócio-espaciais. O conhecimento é, portanto, historicamente específico e, o que mais nos interessa, é geograficamente específico. Homens e mulheres que vivem (ou viveram) em algum tempo e principalmente em algum lugar produzem (ou produziram) suas reflexões, criam (ou criaram) teorias, que respondem, ou ao menos tentaram responder, a demandas e anseios que enraizam este conhecimento ao seu local de produção, explicitando, neste processo, o indispensável papel – ainda que muitas vezes obscurecido em diversos estudos sobre a produção do conhecimento geográfico – que o local desempenha. Qualquer tentativa de classificar o conhecimento produzido é, portanto, meramente utilitária, certamente a posteriori e não encobre uma constatação: o conhecimento científico é constitutivo da cultura. Esta argumentação é empregada na análise da difusão do positivismo lógico na geografia quantitativa – que foi o tema de minha dissertação de mestrado, defendida em fevereiro de 2006. É neste sentido que me refiro a este trabalho como um exercício, um esforço em compreender o modo pelo qual idéias elaboradas num determinado local, num determinado tempo, por um determinado grupo social – Áustria; anos 20 do século XX; filósofos, físico e matemáticos – se difundem por e através de fronteiras disciplinares e geográficas encontrando ampla aceitação e instaurando novos modos de se fazer ciência em outro local, outro tempo e outro grupo social – Estados Unidos e Inglaterra; anos 50 do século XX; geógrafos. Quais traços carregam estas teorias que as conectam ao seu local de produção? Quais são aqueles que se perdem no caminho? Quais novos traços ganham estas idéias em seu novo habitat? A proposta é mesmo a de explorar os caminhos percorridos em um processo migratório peculiar, no qual estão envolvidos não apenas homens e mulheres, mas suas idéias, seus planos e suas visões de mundo. AO024 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Epistemologia da Geografia [1359] NATUREZA E CULTURA NA GEOGRAFIA DO BRASIL DE JOSUÉ DE CASTRO. INÊS AGUIAR DE FREITAS. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: Na história do pensamento ocidental, uma grande importância sempre foi concedida à dinâmica existente entre o homem e seu ambiente natural. Da mesma maneira, um dos temas fundadores da geografia é aquele que trata as relações entre natureza e cultura (GLACKEN, 1990). A história da relação natureza x cultura é muito rica e interessante e nos informa mesmo sobre a nossa condição humana, nossa consciência, nossos atos políticos, nossas decisões econômicas, enfim, nossa atitude como agentes geográficos. Tais preocupações têm origem na Antigüidade, passando por todos os momentos da história do Ocidente desde então. Devemos lembrar que alguns autores brasileiros do passado contribuíram, de maneira especial, para a discussão de tais temas. Este é, sem dúvida, o caso de Josué de Castro (1908-1973). Assim, nosso objetivo geral será engendrar uma releitura de suas obras, contextualizando-as dentro do pensamento geográfico e identificando como tratou a relação natureza x cultura. Realizaremos uma nova leitura da obra “geográfica” de Josué de Castro - Geografia Humana (1939), Geografia da Fome (1946), Geopolítica da Fome (1951), Ensaios de Geografia Humana (1957), - lançando sobre elas um novo olhar e novas interpretações. Pensamos poder contribuir com novos elementos para a análise de suas obras e para o reconhecimento de sua contribuição para a geografia, partindo da tese de que Josué de Castro é, na verdade, resultado de uma mistura de diversas influências da geografia clássica (especialmente a de origem francesa) e que teve uma visão das relações entre natureza e cultura na geografia que realizou, a partir da influência, principalmente, de autores como Vidal de la Blache e Elisée Réclus, e outros geógrafos clássicos mais recentes, como Eric Dardel. E isto transparece na escolha de seus temas, em suas preocupações metodológicas e mesmo na forma como apresentou e analisou as relações do homem com o meio no território brasileiro - criando não só uma regionalização que lhe permitiu organizar espacialmente toda a informação sobre a fome no Brasil, mas também um projeto de erradicação da mesma, apontando suas causas naturais e sociais. Josué Apolônio de Castro nasceu no dia 05 de setembro de 1908, em Recife, Pernambuco. Do seu nascimento, em meio a uma família de classe média de origem sertaneja, à sua morte no exílio em Paris, França, em 1973, como um grande estadista, Josué de Castro influenciou várias gerações e ditou, há mais de 50 anos, o que seria uma das discussões centrais da atualidade - a fome no mundo. Se a Geografia da Fome causou impacto, sobretudo para os grupos conservadores que procuravam esconder os problemas da fome e da miséria no país, maior impacto seria provocado em 1951, com o lançamento dos dois volumes da obra Geopolítica da Fome, no qual o autor mudou sua escala de trabalho, passando a analisar o problema no mundo inteiro. Se a mudança de escala do regional para o nacional foi observada na Geografia da Fome, no qual desceu à escala regional brasileira, analisando as características alimentares e as carências delas decorrentes em cada uma das cinco regiões em que dividiu o país, na ampliação de sua análise para a escala do mundo, procurou dividir a superfície da terra em áreas ricas e pobres, evidenciando, já, o contraste Norte/Sul. Em seu Ensaios de Geografia Humana (1957) são claras suas preocupações com os métodos da geografia, com o estabelecimento de conceitos, exatamente as mesmas preocupações presentes em Vidal de La Blache. Podemos reconhecer aqui fortes traços da Escola Francesa de Geografia, pois, valendo-se de sua rica (e eclética) formação acadêmica e atividade profissional, Josué acabou por valorizar a história e a cultura como elementos essenciais da relação que os homens estabelecem com o meio. Assim como os geógrafos da Escola Francesa, ao fazer geografia, Josué de Castro preocupou-se em definir o objeto da Geografia, em criar conceitos, em estabelecer uma metodologia de pesquisa. De onde se pode concluir que suas preocupações em dar continuidade ao pensamento geográfico incluíam fazer da Geografia uma ciência positiva. Josué, ao tratar da “distribuição do efetivo humano” sobre a superfície da Terra, pergunta: “Que causas influem na distribuição desigual do contingente humano pela superfície da Terra?” (CASTRO, 1957, p. 33) E a resposta a tal questão não poderia ser mais influenciada pelo possibilismo de origem lablachiana, como veremos. Queremos investigar e tornar clara a geografia clássica / tradicional que tornou possível seu trabalho e que mostra a riqueza de seu embasamento teórico-metodológico. Gostaríamos de estudar o Josué de Castro preocupado em fazer uma... “Geografia da paisagem cultural, da paisagem humanizada, pela presença dos traços de cultura, das marcas que o elemento humano vem incrustando através do tempo na superfície da terra”. (CASTRO, 1957, p.7) Recuperando a influência de uma geografia cultural vidalina, Josué de Castro não deixa de relacionar as condições dadas pelo meio com os “aspectos positivos da condição humana” (a capacidade transformadora) do homem nordestino / brasileiro. Por todos os motivos colocados acima é que este estudo deseja recuperar sua importante contribuição para a discussão de idéias que, ainda hoje, permeiam não só o imaginário brasileiro, mas que influenciam mesmo nossas ações no que tange os problemas envolvendo cultura, sociedade, regionalismo, meio ambiente, pobreza, fome... Nesse sentido, poderíamos mesmo considerar Josué de Castro como um dos pioneiros na discussão de tais temas, no âmbito da geografia brasileira. Nosso trabalho, dados seus objetivos e características - um trabalho conceitual, que se fundamenta numa grande discussão teórico-metodológica - apoia-se em uma grande análise bibliográfica, tornando-se, essencialmente, um trabalho de gabinete. AO025 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Epistemologia da Geografia [1389] INFLUÊNCIAS DA ESTÉTICA KANTIANA NA GÊNESE DA GEOGRAFIA FÍSICA. ANTONIO CARLOS VITTE. UNICAMP, CAMPINAS, SP, BRASIL. Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar uma discussão sobre o papel e a importância da estética kantiana e o seu desdobramento na naturphilosophie para a gênese da geografia moderna e, em particular, para o surgimento da geografia física. Sabe-se que Kant refundou a estética ocidental a partir da Crítica do Juízo (Kant, 1985) de 1791, onde a noção de forma foi a intrumentalizadora para a representação da natureza. Nascida sob forte impacto da biologia e das duras críticas sobre a não consideração da naturez na Crítica da Razão Pura (Kant, 1981), a Crítica do Juízo ao romper não apenas com as duras regras da Crítica da Razão Pura, avançou na medida em que Kant explicitou o papel da imaginação, do belo e do sublime na constituição da modernidade do mundo. O resultado imediato foi um forte impacto no conceito de natureza e na sua representação. É neste momento, com os trabalhos de Goethe, Schelling e Alexander von Humdoldt que ser organiza a geografia física moderna a partir de uma requalificação da noção de espaço e que dentro do contexto da metafísica da natureza pemitirá o surgimento da morfologia goethiana, com forte impacto na organização da geomorfologia e, no surgimento dos conceitos de geoesfera e paisagem, estruturadores da moderna geografia física, com fortes impactos nos estudos territoriais e ambientais. AO026 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Epistemologia da Geografia [1822] OS CAM I N H OS QUE SE BI FURCAM : AUGUSTI N BERQUE E M ARTI N H EI D EGGER N A CONFIGURAÇÃO DE UMA ESPACIALIDADE. LENICE DA SILVA LIRA. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: Os camimhos que se bifurcam: Augustin Berque e Martin Heidegger na configuração de uma nova espacialidade Partindo dos textos de Augustin Berque – geógrafo francês cujos estudos são dedicados à médiance (o sentido da relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza) – , e dos escritos do filósofo alemão, Martin Heidegger, pretende-se refletir sobre a influencia deste filósofo no pensamento de Augustin Berque, e, conseqüentemente, na configuração de uma abordagem ontológica do espaço. Destarte, coloca-se as seguintes indagações: a) De que modo a filosofia de Heidegger contribuiu para as formulações de Berque sobre o espaço? b) Que construções conceituais e abordagem geográficas surgiram a partir da transposição do esquema conceitual heideggeriano? Nesse sentido, foi delimitado dois percursos. Aquele feito por Heidegger e aquele traçado por Berque, que se bifurcam em um terceiro: o da relação / “trajeção”, que permanecendo nela implica na simultaneidade de pares “opostos”, e não na exclusão de um ou de outro. Tanto Heidegger quanto Berque partem da crítica ao paradigma moderno, que condena a realidade a um único ponto de visto – ou do sujeito ou do objeto – , e que, segundo Heidegger, teria afastado o Ser de sua origem. E, de acordo com Berque, teria empobrecido a experiência do mundo. A questão latente na obra de Heidegger aproximava-se daquela tratada por Berque, a saber, a superação da relação sujeito/objeto, de uma relação instrumental do mundo, do ser humano. Quando nos colocamos diante do mundo, quando olhamos o mundo com todos os seus objetos e sujeitos, não atentamos para o fato de que as coisas, que o sentido do mundo, se constituem numa dada relação, que é o resultado da cultura de uma época e de um lugar. A obra de Augustin Berque abre novas possibilidades de abordagem dos temas tratados em geografia. Daí a sua relevância na constituição das espacialidades contemporâneas. A metodologia do trabalho baseia-se na análise das obras desses dois autores, especificamente, Ser e tempo e A origem da obra de arte, de Martin Heidegger, e Médiance. De milieux em paysage e Écouméne. Intoduction à l’étude dês milieux humains, de Augustin Berque. O trabalho insere-se no eixo temático “Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos”, vinculado ao grupo de trabalho (GT) “ Epistemologia da geografia” (apresentação oral). Palavras-chave: Referências Augustin Berque, Martin Heidegger, espaço, “trajeção”. bibliográficas: BERQUE, Augustin. Médiance. De milieux en paysage. Paris: Reclus, 1990. ________________. Écoumène. Introduction à l’étude des milieux humains. Paris: Belin, 2000. CARVALHO, Bernardo. Mongólia. São Paulo: Cia das Letras, 2004. DARDEL, Éric. L’homme et la terre. Nature de la réalité géographique. Paris: CTHS, 1990 (1925, 1ª edição). DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998. ERBER, Pedro Rabelo. Política e verdade no pensamento de Martin Heidegger. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003. HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 1977. ____________. Ser e tempo.7. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. 2 v. SADZIK, Joseph. Esthétique de Martin Heidegger. Paris: Éditions Universitaires, 1963. AO222 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia do Trabalho [1198] TERRI TÓRI O E TRABALH O: O PAPEL E A AÇÃO D O ESTAD O N O ESTABELECI M EN TO D E POLÍTICAS PÚBLICAS DE GERAÇÃO DE RENDA. TATIANE MARINA PINTO DE GODOY. UNESP, RIO CLARO, SP, BRASIL. Resumo: O acesso ao trabalho em condições dignas não tem sido tarefa fácil no atual momento. O Estado que antes era apenas responsável pela regulamentação e fiscalização das questões trabalhistas adquire também o papel de facilitador na geração de trabalho e renda ao exercer a função de intermediador de mão-de-obra, de qualificação e requalificação profissional, orientação trabalhista e atendimento ao trabalhador pelo Sistema Público de Emprego. Tais políticas não têm se mostrado suficientes para a inserção no mercado de trabalho de todo o contingente de desempregados. Novas respostas são buscadas e dentre elas emerge o apoio ao empreendedorismo através de práticas autogestionárias no âmbito da Economia Solidária. Esta forma de organização do trabalho tem sido objeto de políticas públicas, especialmente no Brasil, e apoiada por organizações governamentais e não governamentais. Assim, temos como objetivo discutir a natureza do trabalho na sociedade contemporânea e o papel do Estado na geração de trabalho e renda, tendo como categoria de análise o território como expressão geográfica da regulação política. Nossa orientação teórica é de uma geografia crítica que vai além das análises locacionais. Nosso esforço vai em direção à uma análise que dê conta do desvendamento das relações sociais produtoras do espaço geográfico e de suas implicações na reprodução da humanidade. Afirmamos que é através do trabalho que se produz o espaço geográfico, ou seja, o espaço das relações sociais. Mas, à medida que as relações sociais de produção estejam em crise o que observamos é uma crise generalizada que se materializa na desigualdade sócio-espacial. Contamos com o aporte teórico de Boaventura de Sousa Santos na avaliação do potencial emancipatório da Economia Solidária, juntamente com as contribuições de Ricardo Antunes e Paul Singer para o desvendamento do sentido do trabalho no atual momento e, de Henri Lefèbvre para o debate da autogestão e da emancipação humana. Para essa pesquisa nós nos utilizamos da análise de dados do Atlas da Economia Solidária no Brasil (SENAES/MTE), do Anuário dos Trabalhadores (DIEESE 2006), bem como da análise de dados obtidos em trabalho de campo e de revisão bibliográfica. A forma de análise dos resultados está embasada no método Progressivo-Regressivo, proposto por Lefèbvre (1978). As principais questões levantadas por esta pesquisa foram: a crise que vivemos hoje é de trabalho ou de emprego? Qual a sua relação direta com a crise da cidade? A autogestão é uma possibilidade de emancipação para os trabalhadores? Para tanto foi necessário o estudo histórico do trabalho com o objetivo entender qual a sua importância hoje na sociedade bem como no que consiste a crise do trabalho debatida por alguns autores. O trabalho tem hoje o seu maior nível histórico de produtividade, de uso das faculdades da inteligência e de desafios no plano da complexidade tecnológica e organizativa. Por outro lado, o seu acesso na forma contratual nunca esteve tão segmentado. Surge a necessidade de reflexão sobre o real problema que afeta a sociedade atualmente. A crise que vivemos é do trabalho ou do emprego? Para Singer (1999) melhor que desemprego, o que de fato descreve o que está ocorrendo é o entendimento do termo precarização do trabalho. Os novos postos de trabalho, surgidos em função das transformações das tecnologias e da divisão internacional do trabalho, não oferecem, em sua maioria, ao ocupante as compensações usuais que as leis e contratos coletivos garantiam anteriormente. A falta de meios de reprodução da vida está visivelmente manifestada no espaço urbano, onde pode-se verificar as mais diversas atividades informais e até mesmo ilícitas praticadas pela população posta às margens das formas contratuais de trabalho. O trabalho possibilita ao homem a ascensão à qualidade de cidadão. Sem trabalho o homem tem restringidas as suas possibilidades de desenvolvimento humano e social, ampliando as suas vulnerabilidades. Dentre as possibilidades de inserção no mercado de trabalho daqueles que estão alijados dos meios de reprodução da vida emerge a Economia Solidária, compreendendo um conjunto de empreendimentos de produção e serviços geridos de forma autogestionária. Iniciada nas administrações municipais, as políticas públicas para desenvolvimento deste setor ganharam importância federal. Desde 2003 o Brasil possui uma Secretária Nacional de Economia Solidária implantada dentro do Ministério do Trabalho e Emprego. Os empreendimentos autogeridos representam atualmente um campo potencial de geração de trabalho e renda, pois, além de proporcionar trabalho aos seus associados também empregam pessoas em melhores condições. Há uma dialética que envolve os empreendimentos econômicos solidários. Eles ao mesmo tempo em que apresentam um caminho para a inclusão social também são subordinados ao mercado que prima pela acumulação. Outra questão que deve ser considerada é o do aporte do poder público, sem o qual não há condições de fundação e manutenção dos empreendimentos autogeridos no tempo e no espaço. Santos (2003) nos mostra que a história do capitalismo também é a história das lutas de resistência e da crítica contra valores e práticas. A viabilidade das alternativas, pelo menos a curto e médio prazo, depende da sua capacidade de sobreviver no contexto do domínio do capitalismo. Tal viabilidade, entretanto, não significa a aceitação do que existe porque a realidade, segundo o pensamento crítico, não se reduz ao que existe. O fato de iniciativas alternativas não representarem novos modos de produção não lhes retira sua relevância nem seu potencial emancipador. Contata-se que, ao Estado cabe incentivar a formação e promover a sustentabilidade de empreendimentos solidários. São necessárias políticas públicas com continuidade no tempo e no espaço político. AO223 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia do Trabalho [1319] FAZENDO GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO FEMININO DE FORTALEZA. ALINE PARENTE OLIVEIRA1; IVAINE MARIA TONINI2. 1.UNI VERSI DADE FEDERAL DO CEARÁ, FORTALEZA, CE, BRASI L; 2.UNI VERSI DADE FEDERAL DO RI O GRANDE DO SUL,FACULDADE DE EDUCAÇÃO, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL. Resumo: Este estudo refere-se a uma investigação sobre as relações entre mercado de trabalho e gênero em Fortaleza/CE focalizando, especificamente, os setores ocupacionais com a finalidade de compreender as maneiras que estão posicionadas nele. Sua pertinência está pautada na contribuição de mostrar que os lugares de posicionamento e circulação endereçadas as mulheres ainda estão muito pautados pela perspectiva da divisão sexual. Tem como campo teórico a Geografia Cultural por auxiliar a compreender que essas relações são construídas nas práticas culturais para posicionar mulheres e homens em diferentes setores ocupacionais. Esta pesquisa insere-se no campo da Geografia Cultural, mais especificamente, em uma vertente que tem discutido problematizado e se valido da fecundidade de uma articulação teórica com as perspectivas pósestruturalistas. Nesse sentido, a Geografia Cultural tem contribuído para os encaminhamentos teóricos desta pesquisa, por contemplar uma virada nas formas tradicionais de se entender os conhecimentos e saberes sedimentados no enquadramento Iluminista, corporificado na crença no progresso constante, e no alcance irrestrito da razão e da ciência. Dessa forma a perspectiva da Geografia Cultural tem como questionamento os sujeitos posicionados em múltiplas identidades, transitórias e até mesmo contraditórias, de acordo com os diferentes grupos em que se desdobram. Através deste entendimento, as identidades não são fixas nem permanentes, mas são transformadas continuamente pelas práticas culturais. Assim, o sujeito assume identidades diversas em diferentes momentos. Neste sentido, esta perspectiva contribui para examinar as formas tradicionais da construção de significados para o gênero. Ancorada nesta perspectiva teórica, pretendo compreender a identificação e a localização dos cânones que sustentam e consagram a sexualização dos setores ocupacionais do mercado de trabalho de Fortaleza/CE, possibilitando questioná-lo. As relações de gênero podem ser entendidas como aquelas que põem em jogo representações e símbolos de masculino e feminino, e dependem das práticas sociais para se manterem vivas no conjunto de valores da sociedade. A reflexão sobre gênero mostra que a realidade é atravessada por múltiplas linhas e, portanto, toda e qualquer informação sobre as mulheres implica, necessariamente, pensar a, multiplicidade do/a(s), o/a(s) e Outro/a(s). As representações de masculino e as de feminino, por exemplo, não são as únicas. Logo, a utilidade do gênero está em desconstruir, deslocar significados que foram culturalmente construídos e mostrar que, quando construídos em torno da diferença sexual, podem e devem ser tencionados, questionados, problematizados. O uso do gênero como um foco central é pertinente para as análises ao auxiliar a entender as construções culturais que dizem respeito o posicionamento de homens e mulheres por diferentes setores ocupacionais do mercado de trabalho. Fortaleza tem vivenciado nas últimas décadas um crescimento de novos postos de trabalho, resultante tanto do processo de globalização do mercado, na modernização das atividades econômicas como do aumento populacional. Diante disso, associam-se numa nova reestruturação organizacional dos postos de trabalhos, alguns são eliminados, outros são inovados. Tal fato vem proporcionar um desequilíbrio entre as necessidades de absorção da força de trabalho e as possibilidades de oferta de emprego em relação ao gênero. Essas políticas têm produzido injunções que incidem desigualmente sobre as identidades de gênero, possibilitando uma cartografia territorial elaborada a partir de subordinações, discriminações e privilégios entre eles. As desigualdades entre gênero no mercado de trabalho vão além da diferença marcada pelo sexo, à idade e à cor, variáveis preponderantes na ocupação setorial do mercado de trabalho, elas acentuam o diferencial de opções de inserção ocupacional entre os grupos, constituindo uma segregação no mercado de trabalho, que faz com que eles se concentrem em tipos diferentes e desiguais de ocupações. Tais posicionamentos produzem conseqüências perversas entre homens e mulheres, pois separá-los e atribuirlhes diferentes funções possibilitam tratá-los desigualmente nas oportunidades. Isso provoca menores remunerações e menos condições sociais para as mulheres. Para entender estas questões foram buscadas os dados para a pesquisa nos Censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Anuário Estatístico do Sistema Nacional de Empregos (SINE/CE) e o Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) no período de 2001 e 2005, por apresentarem maiores acessibilidades e atualizações. A partir de sua coleta foram observados os comportamentos de algumas variáveis que permitem compreender a problemática estudada: setor ocupacional, faixa etária, grau de instrução e salário da população ocupada de Fortaleza. A primeira possibilitará examinar a divisão do mercado de trabalho por setores (primário, secundário e terciário), com a finalidade de verificar a existência de uma concentração específica do trabalho feminino. Através da faixa-etária permite observar a composição e distribuição da população pelo mercado de trabalho, para investigar a constatação de alterações/diminuições dos percentuais nas faixas de idade mais propensas ao trabalho. Por meio do nível de escolaridade é possível verificar a qualificação da mão-de-obra entre homens e mulheres e por fim se fará uma análise da distribuição de renda entre o gênero. O que tem gerado a discriminação, pois mesmo com a crescente participação feminina no mercado de trabalho, contudo não foi acompanhada de uma elevação linear na sua remuneração quando comparada com a do homem. As análises iniciais dos dados apontam que as mulheres fortalezenses, no período em estudo, representam o maior contingente populacional da mão-de-obra ativa. No entanto, não dominam o quadro da população ocupada, onde suas atividades principais estão no ramo do setor terciário. Neste setor desempenham as atividades de professoras, enfermeiras e recepcionistas. No tocante a faixa etária as mulheres tem sua melhor distribuição de ocupação na fase adulta entre os 20-49 anos, fato este interligado também com o nível educacional, que mostra as mulheres mais preparadas devido seu grau de instrução mais elevado que os homens, favorecendo assim para enfrentar as exigências do mercado de trabalho. No entanto, esta qualificação não aparece em condições de melhores rendimentos, pois suas rendas estão concentradas entre meio salário até dois salários míninos. Após as análises isoladas das variáveis serão efetuados seus cruzamentos, os quais permitirão construir os eixos temáticos da pesquisas. Isto é permitirão estabelecer reflexões mais pontuais para atender os objetivos propostos do estudo. AO224 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia do Trabalho [1751] O D ESAFI O D A UN I CI D AD E ORGÂN I CA D O TRABALH O: OS POVOS CERRAD EI ROS N A LUTA POR UM TERRITÓRIO LIVRE. MARCELO RODRIGUES MENDONÇA1; ANTONIO THOMAZ JÚNIOR2. 1.UFG - CAMPUS CATALAO, CATALAO, GO, BRASIL; 2.UNESP, PRESIDENTE PRUDENTE, SP, BRASIL. Resumo: A conformação espacial do campesinato brasileiro, historicamente, se verificou junto às áreas de produção capitalista. O campesinato nasceu e recriou-se a partir da histórica expropriação, da mobilidade espacial e das migrações. A desterritorialização vivenciada pelos camponeses e trabalhadores da terra se intensificou com a crescente tecnificação da agricultura moderna, na medida em que o sentido do trabalho rural se modificou. Assim, ainda hoje, aparece como algo crescente o fenômeno das migrações, ou seja, daqueles trabalhadores que não conseguem se reterritorializar e buscam nos movimentos sociais que lutam pela terra e pela reforma agrária a alternativa para a sobrevivência. À medida em que as terras são incorporadas ao circuito produtivo para a produção de mercadorias, parcela desses expropriados são forçados a migrar para áreas mais distantes, que se consubstanciam na recente fronteira agrícola das áreas de Cerrado e das bordas da Amazônia, constituindo uma agricultura da abundância. Desterritorializados e reterritorializados nas áreas de fronteira, constituem identidades na terra, sem vínculos diretos com o mercado, tendo como principal objetivo a reprodução social da família. No território brasileiro, desde a organização espacial na colônia, os camponeses e trabalhadores livres viviam nos arredores da economia açucareira produzindo alimentos, inclusive para os engenhos. Aos poucos, se configuraram em territorialidades imbricadas, constituindo a agricultura camponesa e a agricultura capitalista, na gênese do processo de constituição da sociedade brasileira. Ao pensar a classe trabalhadora na contemporaneidade e, concretamente, esmiuçada a partir da territorialização das empresas rurais nas áreas de Cerrado, algumas indagações são pertinentes: primeiro é necessário compreender os camponeses como classe trabalhadora, mesmo porque na área pesquisada – Goiás – são protagonistas da mais expressiva e importante ação política contra o capital. Todavia, sabe-se que essa ação está eivada de paradoxos, uma vez que lutam pela permanência da propriedade individual da terra, mas, ameaçados pelo agronegócio e pelas barragens, se mobilizam na defesa de seus interesses e acabam por expressar possibilidades emancipatórias. Não apenas por isso, mas também pelo conteúdo das relações estabelecidas, diante do surgimento de diversas categorias de trabalhadores que desejam a terra e, assim, iniciam um gradativo movimento de diálogo em torno de reivindicações comuns – a terra. Diversos elementos são (re)construídos e (re)inventados como forma de assegurar a permanência da produção camponesa. Atualmente, é possível perceber a tentativa de uniformizar as formas de uso e exploração da terra, hegemonizadas pelas empresas rurais. Contudo, a ação política construída pelos trabalhadores da terra e camponeses na defesa da terra de trabalho implica no fortalecimento da reforma agrária, demonstrando a re-Existência desses sujeitos sociais que buscam nas áreas urbanas o apoio necessário para publicizar e manter a ação política na luta pela terra e na defesa da reforma agrária. Tudo isso nos estimula a pensar que há um tensionamento favorável ao rompimento das fronteiras (intelectual e politicamente) que nos mantêm distantes da compreensão das mutações que atingem frontalmente a classe trabalhadora, particularmente, no Brasil. Pensar o novo conteúdo na relação cidade-campo parece algo estranho, uma vez que as idéias estão consolidadas e expressam uma correlação de forças entre os diversos segmentos acadêmicos. Muitos dos quais se enclausuram nos gabinetes e formatam realidades sem considerar que elas estão em constante processo de transformação, agarrando-se às tábuas de salvação, “alumiando” o caminho para os menos afortunados cientificamente. O debate sobre a relação cidade-campo é uma das mais importantes formas de adquirirmos consciência das vivências e das experiências, e das ações, decorrentes da crise da sociedade contemporânea. Para tanto, a cautela é uma necessidade, na medida em que não se pode discutir as transformações espaciais sem considerar os processos intrínsecos à pesquisa, pois se corre o risco de tentar compreender as permanências, mas sem considerar o movimento da história. A possibilidade de superação está na capacidade de determinação do futuro e na tentativa de dar novo sentido às ações/decisões políticas. Para tanto, há que se apropriar de uma nova consciência, na medida em que o presente não é alvissareiro, mas apresenta as potencialidades criadoras, enquanto condições objetivas e subjetivas para animar uma ação política transformadora, agregando diferentes atores políticos, mas, com o cuidado de que a diferença não seja apenas mais um discurso para manter a “normalidade” do metabolismo social do capital. Esse é o desafio proposto: fazer essa reflexão no seio da Ciência Geográfica, considerando as discussões postas pela Geografia do Trabalho. AO225 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia do Trabalho [1805] UM A CON TRI BUI ÇÃO AO EN TEN D I M EN TO D O CON FLI TO CAPI TAL X TRABALH O N O BRASI L FREN TE AO AVAN ÇO D O CAPI TAL AGROI N D USTRI AL CAN AVI EI RO: ESTRATÉGI AS, TEN D ÊN CI AS E NOVAS TERRITORIALIDADES. ANA MARIA SOARES DE OLIVEIRA; ANTONIO THOMAZ JÚNIOR. FCT/UNESP, PRESIDENTE PRUDENTE, SP, BRASIL. Resumo: Esta pesquisa pauta-se na investigação, apreensão e discussão dos rearranjos e redefinições técnicoprodutivas e organizacionais desencadeadas no âmbito do agronegócio canavieiro no Brasil, tendo como eixo principal da reflexão a relação capital x trabalho. Nossa pretensão tem sido, portanto, apreender as novas territorialidades e estratégias apresentadas pelo capital agroindustrial canavieiro frente ao processo de expansão, e os mecanismos de exploração e controle do trabalho nesse contexto. AO226 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia do Trabalho [1889] CON FLI TOS E CON TRAD I ÇÕES EN TRE CAPI TAL VERSUS TRABALH O N OS LARAN JAI S BAIANOS E SERGIPANOS. JÂNIO ROBERTO DINIZ DOS SANTOS. USP, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: As transformações no mundo do trabalho frente o processo de reestruturação produtiva do capital, enquanto resposta a crise do capital, pode ser compreendida também como a crise do trabalho e seus diversos processos de territorialização, conforme acontece nos laranjais baianos e sergipanos, escolhidos como objeto de nossa pesquisa. Assim, busca-se entender as transformações no mundo do trabalho, frente às demandas do modo de produção capitalista, o processo de territorialização do capital, as diversas alianças estabelecidas entre grupos capitalistas e latifundiários, a luta pela garantia do trabalho, por parte da classe trabalhadora (cada vez mais explorada), mas também outras experiências desenvolvidas por estes como os sindicatos, as associações, as cooperativas ou mesmo a luta pela terra via organização em Movimentos Sociais. Por outro lado, é preciso que se considere a forma contraditória por meio da qual o capital penetra no campo brasileiro e, neste caso, nos laranjais baianos e sergipanos, a partir tanto da expansão das relações de trabalho tipicamente capitalistas como também reproduzindo e se apropriando (muitas vezes) sob formas das relações não-capitalistas, garantida pelos processos de subsunção do trabalho e sujeição da renda da terra ao capital, fundamentais a sua reprodução social. No entanto, é preciso que se considere que, ao mesmo tempo em que o capital se apropria da produção camponesa, pode-se pensar que esta possa vir a ser uma possibilidade de uma outra relação, que não seja necessariamente a da relação capital-trabalho que está sendo gestada no campo brasileiro, e que precisa ser melhor compreendida, inclusive na região em estudo. Desta forma, pretende-se analisar o movimento contraditório do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a partir da hipótese de como as contradições entre capital versus trabalho na região citrícola baiana e sergipana vêem promovendo profundas modificações territoriais frente às novas formas de gestão e controle do trabalho e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de estratégias por parte dos trabalhadores e camponeses para continuar participando do processo produtivo; com repercussões nas condições de vida destes últimos que buscam participar, ainda que parcialmente, da construção neste território citrícola. Marx (1983, p. 149) pressupõe que o processo de trabalho deve ser considerado de início independentemente de qualquer forma social determinada. Enquanto o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Mészáros (2002) em sua obra Para Além do Capital esboça a contradição entre forças produtivas e relações de produção. Segundo este autor a formação social capitalista é marcada por uma contradição imanente, ao mesmo tempo em que aumenta sua capacidade produtiva, dispensa a força de trabalho, proporcionando um descompasso entre a capacidade produtiva e a possibilidade de consumo, que está imbricado na relação no aumento do desemprego. Antunes (2002) discute várias dimensões que são centrais ao pensar o mundo do trabalho hoje em suas formas contemporâneas. Dimensões da vigência da centralidade do trabalho ou nos seus múltiplos sentidos que o trabalho adquire. Discorda de Gorz (2003) e até mesmo de Kurz (S.D), que advogam o fim do trabalho embora admita a complexidade das relações laborativas. Complexidade de relações que envolvem as relações entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, trabalho material e imaterial, trabalho manual e intelectual, e o teletrabalho. Segundo Antunes (2002, p.104) essas relações que foram apresentadas como nova conformação da classe-que-vive-do-trabalho, ao invés de negar a centralidade do trabalho é uma base concreta para reafirmar a centralidade do trabalho no capitalismo contemporâneo. Assim, sustenta a tese de que houve uma heterogeneização, complexificação e fragmentação da classe-que-vive-do-trabalho. Apresenta esta como tendência influenciada pela redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, especializado, herdeiro da indústria verticalizada (modelo Taylorista/Fordista) e expansão ocidental do Toyotismo. Enquanto para Kurz (em sua obra A Honra perdida pelo trabalho) a crise do sistema mundial produtor tem de ser buscada para além da sociedade industrial, do mercado e do Estado, ou seja, na dissolução da sociedade do trabalho. Kurz também recorre à dimensão marxiana entre o trabalho concreto e trabalho abstrato, esclarece a importância da distinção, que é imprescindível, pois permite qualificar a dimensão do trabalho no qual ele está se referindo. Na sua obra Kurz destaca que o que está em crise é o trabalho abstrato, aquele que produz valor de troca. A sociedade em que o ócio involuntário (desemprego) se opõe ao tempo livre, enquanto representação moral socialmente reconhecida e válida. O destaque aqui dessa interpretação é que corre-se o risco de virar uma finalidade natural as contradições que são sociais e historicamente estabelecidas. Acreditamos que a defesa da sociedade de tempo livre, na qual o trabalho concreto é subsumido pelo capital é ambíguo, pelo menos para todos os membros, pois, com isso se mantendo as bases de produção e reprodução social, já que, esta se apresenta de forma diferente a partir da possibilidade de distinção e condição da classe social no capitalismo. Somente a partir da superação do sistema de produção para o socialismo e o comunismo, coisa que o autor não acredita ou demonstra muito ceticismo ou pessimismo em conseguir e relata as experiências e fracassos do socialismo real que foi analisado pelo mesmo como socialismo dos produtores como impossibilidade lógica. Kurz (S.D.) ainda em sua obra A Honra perdida pelo trabalho enfatiza a categoria real do trabalho que há de ser concebida como trabalho abstrato no sentido de uma indiferença destrutiva no que se refere ao conteúdo material dos agentes opostos em movimento. Indiferença que segundo este autor se manifesta não apenas no plano subjetivo e psicológico da “insatisfação com o trabalho”, mas com a crescente “objetividade da catástrofe” como processo objetivo do mundo. Conclui-se que o território, enquanto dimensão política encontra-se representado enquanto campo de forças de interesses divergentes, por meio do qual é possível a análise geográfica dos conflitos no território e das contradições existentes na relação capital versus trabalho. Neste contexto, destaca-se a importância da luta de parcelas menos favorecidas da sociedade, na busca de participar, ainda que parcialmente, da produção do território, imprimindo, também, a sua territorialidade. AO227 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia do Trabalho [1969] ESPACI ALI D AD ES E EXPAN SÃO D A ED UCAÇÃO SUPERI OR PRI VAD A N O ESPAÇO METROPOLITANO E A IDEOLOGIA DA QUALIFICAÇÃO DO TRABALHO. LEONARDO CHAGAS DE BRITO. PPFH/LPP/UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: O objetivo geral desse trabalho é estabelecer relações entre a expansão da educação superior no espaço metropolitano e o componente ideológico capitalista da qualificação do trabalho. No que se refere às questões teórico-conceituais, o espaço é formado e transformado historicamente a partir do trabalho que permite o advento das técnicas (sistema de objetos) incorporada de novos saberes (sistema de ações) que ao mesmo tempo se transforma em técnica (racionalidade das ações) (Santos, 1994), além das múltiplas especificidades produtivas, econômicas, políticas e administrativas na/da construção espacial capitalista. A relação trabalho-saber-técnica constitui a própria essência na/da construção espacial. O espaço metropolitano seria o grande palco desse processo como o local que sofre constantes transformações em decorrência da concentração dos principais sistemas produtivos e de serviços ocasionando maiores fluxos de mercadorias, capitais, pessoas e informações, sendo ainda a materialização, reflexo do sistema capitalista e a condição da existência do mesmo. A ideologia que gira em torno da técnica, saber, educação superior e trabalho, no atual período técnicocientífico-informacional são gerados pelos principais agentes do trabalho no sistema capitalista e adquiridos quase que instantaneamente pela sociedade sem que se perceba ou questione as relações inseridas na questão como tentativa de superação ou de construção de outras possibilidades. A educação tem um papel fundamental aos interesses do capital na formação de trabalhadores para os setores produtivos. A “idéia de capital humano” perdura ao longo do século XX e o atual, mas a subordinação das práticas educativas aos interesses do capital fazem parte da sua construção histórica (Frigotto,2003). Para o capital COM requintes ideológicos, torna-se necessário um trabalhador mais “qualificado” para estar de acordo com as necessidades produtivas e comerciais, para melhor gerenciá-los, tirando maior aproveitamento possível para que a acumulação se torne cada vez mais rápida e maior. Este item é fundamental para que possamos dar maior dimensão de uma das conseqüências materiais da relação trabalho-saber-técnica e educação superior inseridos na ideologia da qualificação num dos espaços onde o capitalismo mais se reproduz: O espaço metropolitano E é a partir desses componentes ideológicos que em geral a sociedade vê a importância da educação superior na medida em que ela possa oferecer melhores condições para uma possível inserção no “competitivo mercado de trabalho”. No caso, se inserir no mercado formal de trabalho com maior estabilidade e rentabilidade, coisas que se encontram nas empresas de grande porte como multinacionais e empresas estatais que, de certa forma, ainda oferecem certas garantias e melhores salários, considerando que a precarização das relações e dos contratos de trabalho e o desemprego foram avassaladores na última década neoliberal. Apesar do espaço metropolitano concentrar grande diversidade de atividades de trabalho, não significa que haja emprego para todos, e na versão do empresariado, isto é explicado em vários momentos, pelo baixo nível de qualificação. O espaço metropolitano por ser um constante local de disputa existe busca incessante do trabalhador por cursos variados e educação superior, visando melhor formação profissional e maior possibilidade de emprego. Assim, desencadeia-se uma busca constante por lucros do “mercado da educação superior” pouco explorado, aumentando o número de instituições de educação superior privadas e suas espacialidades na metrópole. Em números absolutos, o setor privado passou de 392.041 ingressos em 1997, para 995.873 ingressos em 2003. O ensino superior, como um todo (público + privado), passou de 573 mil para 1,26 milhão de ingressos no mesmo período. (Braga & Monteiro, 2005) Já que o Estado não cria vagas suficientes no ensino superior público, a possibilidade de se aumentar o número de vagas é muito pequena, com isso há uma falta do atendimento da demanda promovendo assim o crescimento de instituições de ensino superior privadas. Ou seja, “quanto menos crescer o atendimento da demanda do ensino superior público, tanto mais poderá crescer o mercado atendido pelo setor privado” (Menezes, 2002). Consideramos que a partir de fatores relacionados como leis e autorizações do Estado, a ideologia do capital humano e qualificação profissional, a falta de atendimento da demanda pelo setor educacional público, os baixos preços das mensalidades (na grande maioria das instituições e em determinados cursos) e a sedução publicitária ocasionam no aumento quantitativo das instituições privadas de educação superior. Tais condições são fundamentais para a compreensão da expansão de tais instituições, mas o fator ideológico é, ao nosso ver, significativo para mercantilização e instrumentalização do saber e do trabalho ampliando as espacialidades dos interesses privados educacionais que se reproduzem no espaço metropolitano. AO228 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia do Trabalho [2018] D A TEORI A À PRÁXI S: OS COLETI VOS ESPAN H ÓI S E A PROD UÇÃO COLETI VA N A ÓTI CA ANARQUISTA. VALERIA DE MARCOS. DEPTO. DE GEOGRAFIA FFLCH USP, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: É de longa data que uma parte da humanidade tem se empenhado na busca de formas de organização da produção capazes de possibilitar uma vida em bases mais equas e no respeito do ambiente. O mesmo momento histórico que gera uma forma de capitalismo aparentemente hegemônico gera, contraditoriamente, os germes da sua superação através de grupos sociais e de intelectuais que buscam alternativas e buscam, o quanto possível, colocá-las em prática. É neste quadro que se inserem as discussões realizadas há mais de um século no interior do movimento anarquista, sobre a organização da sociedade em bases coletivistas e comunistas/comunitárias. O que animou a discussão no interior do movimento anarquista foi a necessidade de apresentar propostas concretas a serem colocadas em prática imediatamente após a realização da revolução social. As raízes destas propostas podem ser encontradas na Revolução Francesa e nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade por ela apresentados e divulgados pelo mundo todo. A consciência da força da classe trabalhadora, assim como de sua capacidade de organização nos sindicatos, serviu de estímulo ao debate sobre as formas de organização possíveis da sociedade futura. A sede privilegiada desses debates foi a Associação Internacional dos Trabalhadores, sobretudo a Primeira Internacional, onde os socialistas discípulos de MARX e os anarquistas discípulos de BAKUNIN apresentaram e defenderam as suas propostas para a sociedade revolucionária. De acordo com os anarquistas – nos centraremos nas suas propostas para a produção coletiva e comunitária – a primeira tarefa da revolução deveria ser a realização da expropriação, de forma radical e integral, de todos os bens que pudessem permitir a quem quer que fosse de explorar o trabalho de outrem. Tal expropriação – que deveria realizar-se em todos os setores da economia para não permitir retrocessos – teria garantido a todos o livre acesso a todos os meios necessários a desenvolver as suas faculdades de acordo com as suas possibilidades. Superada esta fase, a sociedade seria organizada em comunas auto-geridas que teriam buscado, dentro dos limites impostos, alcançar a auto-suficiência através da diversificação da produção e de uma prática agrícola no respeito do ambiente, privilegiando as técnicas e os métodos de cultivo resultantes mais eficazes no decorrer do tempo, recuperando assim os saberes locais e considerando a terra como um patrimônio comum, do qual dispôr em benefício de cada um e de todos. KROPOTKIN aconselhava também a integração entre as atividades agrícola e industrial, e o estabelecimento do primado do mercado interno sobre o externo. A estes princípios podem ser reconduzidas as propostas atuais de fechamento dos ciclos ecológicos e das fileiras econômicas apresentadas pelas teorias de desenvolvimento local auto-sustentável. Todas estas propostas eram compartilhadas pelas duas correntes da escola socialista, a coletivista e a comunista. A polêmica existente referia-se à forma de acesso ao fruto do trabalho desenvolvido coletivamente, e é aqui que reside a diferença entre a produção coletiva e a produção comunitária, comumente utilizadas como sinônimos. Ponto de partida de ambas as correntes era a necessidade de se alcançar o verdadeiro objetivo da revolução social na ótica anarquista: o estabelecimento da completa liberdade e igualdade entre os homens, ou seja, igualdade não apenas política, mas também econômica e social. O caminho a ser trilhado para alcançar tal objetivo é que irá caracterizar estas duas formas de produção na agricultura. De acordo com BAKUNIN, cujas idéias deram origem à escola coletivista, o objetivo da revolução na ótica anarquista seria alcançado “por meio da organização espontânea do trabalho e da propriedade coletiva das associações produtoras livremente organizadas e federadas nas comunas e por meio da federação, esta também espontânea, destas comunas” (BAKUNIN, 1977a:75). O outro pilar das idéias anarquistas, base de sustentação da sociedade do devir e de todas as propostas de sua organização econômica e social, era a justiça, não aquela dos códigos, mas aquela baseada na consciência dos homens. A sociedade organizada sobre estas bases deveria fazer com que todos os homens pudessem ter “os meios materiais e morais para desenvolver plenamente a sua própria humanidade; tal princípio se traduziria (…) da seguinte forma: organizar a sociedade em tal modo que qualquer indivíduo, homem ou mulher, vindo à luz, encontre oportunidades iguais para o desenvolvimento das próprias faculdades e para a utilização das mesmas com o próprio trabalho; organizar uma sociedade que, tornando impossível a quem quer que seja a exploração do trabalho de outrem, permita a cada um participar do resultado das riquezas sociais (na realidade produzidas somente através do trabalho), somente na proporção em que terá contribuído a produzí-las com o próprio trabalho” (BAKUNIN, 1922:55/56). Estas eram as bases da organização coletiva da produção, que mais tarde se traduziram no moto «de cada um, de acordo com as suas possibilidades e a cada um, de acordo com o seu trabalho». É neste quadro que iremos analisar a experiência dos coletivos durante a Guerra Civil Espanhola onde, uma vez realizada a expropriação, foi estabelecida a propriedade comum das terras e dos instrumentos de produção e foram criados os coletivos com base na estrutura das comunas autogeridas propostas por BAKUNIN e KROPOTKIN. O presente trabalho apresenta parte dos resultados alcançados em nossa tese de doutorado já concluída, tendo sido realizado a partir da leitura de autores como PRESTON, PEIRATS, BRENAN, BROUÉ e TÉRMINE, DELLACASA, RANZATO, RICHARDS, LEVAL, entre outros, além das obras dos anarquistas BAKUNIN e KROPOTKIN. Nele trataremos dos passos dados para a organização dos coletivos, sua forma de organização e funcionamento, dos resultados alcançados, dos espaços e territórios que dele se originaram. AO309 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1222] A AUTO - SEGREGAÇÃO SÓCI O- ESPACI AL EM PALHOÇA- SC: O CASO D O LOTEAM EN TO PEDRA BRANCA. FERNANDO PINTO RIBEIRO. UFSC, FLORIANÓPOLIS, SC, BRASIL. Resumo: Neste trabalho propõe-se analisar um processo de estruturação urbana que resulta em formas urbanas distintas e díspares, um fenômeno denominado Segregação Sócio-Espacial, a manifestação das classes sociais no espaço. Baseando-se na dinâmica e no arranjo espacial da região Metropolitana de Florianópolis, fora enfocado o loteamento Pedra Branca em Palhoça, um vasto empreendimento imobiliário voltado para populações de maior renda. Palhoça, assim como outros municípios do litoral central do Estado, apresenta um traço marcante da colonização açoriana, com atividades econômicas voltadas para o turismo, pesca e indústria de pequeno e médio porte. O forte crescimento populacional ocorrente a partir dos anos 70 e, ainda mais em 80 e 90, aliado a políticas públicas incapazes de ordenar a nova configuração territorial municipal, evidenciou graves problemas ligados a infra-estrutura e a pobreza, sérios obstáculos enfrentados pelos habitantes do município. Neste ínterim, a atração de grandes grupos do setor imobiliário, tendo como principal os empreendedores do loteamento Pedra Branca, viabiliza bons subsídios para se analisar a segregação. Com isto, buscou-se estudar os agentes e processos formadores deste espaço, caracterizando o processo de segregação sócio-espacial ocorrentes na área do loteamento e prevendo os impactos e transformações espaciais nos próximos anos. Isto acarretou numa pesquisa sobre os processos espaciais que levaram o Pedra Branca a se constituir, bem como sobre a evolução da urbanização e das desigualdades do município. A fim de se levantar dados, foram pesquisados outros estudos relevantes ao tema tratado, realizados campos a área de estudo e produzido trabalhos gráficos, com o intuito de gerar hipóteses e resultados que pudessem situar a produção e reprodução espacial na Região Metropolitana de Florianópolis. Muito se produziu sobre o tema segregação sócio-espacial, seja no Brasil ou no Exterior. Dentre alguns estudos de relevante interesse, é válido ressaltar alguns autores da Escola de Chicago, tais como Mackenzie e Park, e outros da escola de Sociologia Urbana Francesa, com destaque para Manuel Castells. O embate teórico das duas escolas se baseia, a priori, no entendimento da formação de espaços segregados, no qual o viés marxista da segunda corrente procura desmistificar a naturalização da formação da segregação, proposto pela primeira. No Brasil, Flavio Villaça, Maria Encarnação Beltrão Sposito, Roberto Lobato Correa, dentre outros, desenvolvem uma reflexão para o entendimento da Segregação e da Auto-Segregação em âmbito Latino-Americano. Villaça, por exemplo, baseia-se em estudos de caso de algumas das principais metrópoles brasileiras, expondo que o padrão mais conhecido de segregação nestes casos é a oposição centro-periferia. Em Palhoça, valemos dos estudos de Vilson Farias e Claudir Silveira, contribuições interessantes para clarificar os parâmetros sócio-econômicos do município. Assim, verificaram-se que os problemas sociais e urbanos de Palhoça, unem-se a formação de um lugar de usos mistos, com arborização e com completo acesso aos serviços públicos, dotado de zonas industriais, comerciais e residenciais, ao qual vêm atraindo moradores de diversas localidades externas. Seu surgimento fomentou uma forte disparidade com relação aos níveis de renda e a acessibilidade aos serviços urbanos, alterando os valores da terra. A segregação sócio-espacial aflora com esta valorização, podendo ser aprofundada com as determinantes do novo modelo urbanístico adotado, o Novo Urbanismo. Com o referencial teórico e o estudo empírico, notou-se que a existência do loteamento, enquanto produto oferecido e procurado pelo mercado imobiliário, manifesta um processo de isolamento voluntário de determinados grupos, que, como foi analisado através de questionário realizados no empreendimento, provém, em sua maioria, de Florianópolis e fora de Santa Catarina. Esse típico processo de dinâmica sócio-espacial ilustra fortemente uma cidade (neste caso a RMF) em constante transformação. Vemos que o domínio e monopolização espacial evidenciados na ação de grandes empresas privadas demonstram o verdadeiro conflito que emerge na reprodução espacial. A colaboração do Estado (prefeitura de Palhoça), na incorporação e da implantação do loteamento reforça ainda mais o papel dos grandes modificadores do espaço. Com relação às conseqüências aos bairros de entorno e a Palhoça como um todo, podemos levantar a hipótese que, a crescente valorização da terra, ocasionada pelas melhorias trazidas com o empreendimento, induz a conseqüências de ordem dinamizadora e de mobilidade. Ou seja, é tendencioso avaliar que vêm ocorrendo um típico caso de reprodução espacial, onde os bairros de entorno passam a se valorizar e adquirir maior importância no conjunto da cidade. Conforme já citado, o mercado imobiliário tende a focar nestes locais como novas áreas para investimentos, o que pode engendrar a mobilidade das populações que ali residem para outros um pouco mais afastados. Os habitantes com renda média a baixa tendem a ser substituídos por outros com um poder aquisitivo um pouco maior, caracterizando uma dinâmica segregacional gerada por novos bairros habitados por grupos sociais de alto status. Por fim, a promoção de integração social pode e tende a ser viabilizada através de espaços culturais, comerciais e de lazer, ao mesmo tempo em que se investe gradativamente numa urbanização condizente e consciente com o bem-estar do cidadão. São políticas que podem trazer uma realidade melhor, por mais paliativo que seja. Além disso, nos vemos diante de novas práticas atreladas ao planejamento e a gestão da cidade, responsáveis por influir nos parâmetros de segregação sócio-espacial, como o orçamento participativo. AO310 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1475] A UTILIZAÇÃO DOS INDICADORES SOCIAIS PELA GEOGRAFIA : UMA ANÁLISE CRÍTICA. JOSÉ CARLOS MILLÉO. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, SAO GONCALO, RJ, BRASIL. Resumo: O presente resumo pretende sintetizar os principais aspectos da tese de doutoramento defendida pelo autor ao final do ano de 2005 na Universidade Federal Fluminense no Programa de Pós-Graduação em Geografia desta instituição. O objetivo deste trabalho é elaborar uma crítica ao processo de adoção e utilização dos indicadores sociais pela Geografia. Esta proposta baseou-se no argumento de que este encontro, Geografia/indicadores, não tem sido devidamente explorado em função de uma atmosfera povoada de deficiências e lacunas teóricas. Para que a superação desta atmosfera se dê defendemos que alguns caminhos deverão ser trilhados inapelavelmente. Neste sentido, cada capítulo deste trabalho representa uma tentativa de colaborar para a criação desta atmosfera, buscando desvelar não só a forma como a Geografia passou a se utilizar dos indicadores sociais, mas também, e mais recentemente, como estão se dando algumas tentativas de analisar os indicadores sociais a partir também de uma perspectiva que, ao menos, pretende ser menos “descolada” do componente espacial. Em primeiro lugar, julgamos necessário que as idéias que regeram a criação do conceito de indicador social sejam examinadas mais detidamente e, desta vez, tentando esquadrinhá-las como circunstâncias que reverberam fortemente no encontro da Geografia com este instrumental. Em função disto, é que foram alinhadas aquelas que, ao nosso entendimento, são as duas principais fontes teóricas que justificaram a possibilidade de existência dos indicadores sociais e que lhes forneceram suas funções dentro do planejamento estatal e privado. De um lado, abordamos a corrente utilitarista dentro da Economia, tanto em sua versão (que Amartya Sen denomina de) Ética quanto a “corrente da Engenharia”, dentro da qual figuram alguns economistas neoclássicos de grande expressão. Do outro lado, procuramos demonstrar como algumas idéias advindas da chamada Escola de Chicago também desempenharam um papel decisivo na constituição das primeiras idéias que indelevelmente marcaram os indicadores sociais, tendo em vista, principalmente, o interesse desta escola por formas de compreensão da mudança social e dos impactos que inovações tecnológicas poderiam provocar na sociedade. Tendo em vista o destaque dado a estas duas fontes de influência, são apontadas possibilidades e deficiências dos indicadores sociais. Caracteriza-se o encontro da Geografia com os indicadores sociais como tendo sido marcado pela desconsideração das circunstâncias anteriormente citadas. Isto se reflete em um olhar negligente para com o indicador social e seu papel como objeto técnico auxiliar na produção de um espaço racional. Deste modo, o trabalho lembra que os conceitos próprios da Geografia podem ser redirecionados à construção dos indicadores sociais. Foi apontada também uma reduzida reflexão sobre a reconstrução e representação estatística, o que colabora para que se mistifique sua utilização e prejudique a análise dos processos que compõem a substituição de um conceito social por dados estatísticos. Este trabalho infere que, de forma crescente, incursões em torno da relação entre o espaço e os indicadores sociais deverão se dar, como uma repercussão mais imediata das novas demandas de informação, tanto para o controle quanto para a exploração de novas frentes ao processo de acumulação. Para isto, demonstrou-se como os estudos interessados na mudança social fomentaram as primeiras discussões em torno da idéia de se criarem indicadores sociais que mais recentemente vêm sofrendo questionamentos através da reconsideração de alguns de seus pilares como a modernização, o progresso ou mesmo o desenvolvimento. Este processo de procura por novas bases de informações, assim como os questionamentos dos formatos tradicionais de obtê-las, vem provocando a reemergência de debates mais afeitos ao campo da Ética e da Filosofia Política que, de maneira geral, haviam se afastado das discussões sobre os indicadores sociais. Estes debates são aqui explorados não só como uma recomposição de aspectos anteriormente relevados, mas também como um chamamento à reconsideração do componente espacial que transpassa o tema indicadores sociais. Foram examinadas, em especial, propostas liberais como as do filósofo político John Rawls e do economista Amartya Sen, tentando levantar as possibilidades destes dois autores funcionarem como alvo de ponderações provindas da Geografia. Por fim, são feitas algumas reflexões com base em pesquisas mais recentes. Os apontamentos feitos a tais trabalhos já procuram evidenciar novas tendências que podem ser assumidas na “métrica” do social. Também se analisam as perspectivas que exploram o conceito de pobreza, demarcando-o de maneira mais rígida e tradicional, com base ao acesso sobre bens e rendas e que, com esta linha, procuram mapear a pobreza, até pesquisas que procuram utilizar o conceito de território para abordar a exclusão social. Palavras-chave: indicadores sociais, Geografia, objeto técnico, racionalização, mudança social. AO311 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1691] AN ALI SAR A SEGREGAÇÃO URBAN A: PAD RÕES ESPACI AI S D E ESTRUTURAÇÃO D O ESPAÇO URBANO. LILIAN HAHN MARIANO DA ROCHA. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA, SANTA MARIA, RS, BRASIL. Resumo: ANALISAR A SEGREGAÇÃO URBANA: PADRÕES ESPACIAIS DE ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO URBANO Embora se reconheça que nos últimos anos (especialmente a partir da década de 70, na França e Estados Unidos, e na de 80, no Brasil) tem-se produzido razoável acervo de informações espaciais intra-urbanas, os estudos sobre processos espaciais e sua atuação na organização da estrutura espacial urbana – dentre eles o de segregação residencial – não apresentam larga tradição nas pesquisas. È somente no inicio do século XX que os pesquisadores passam a trabalhar mais ou menos sistematicamente estes processos; os quais tiveram enorme influência da Escola de Sociologia Urbana (Escola de Chicago), especialmente através do padrão de círculos concêntricos de localização da população dispostos ao redor de uma área central, conforme descrito por Burgess, com base nos estudos realizados na década de 20, na cidade de Chicago, onde a população de alto status residia na periferia. Outro exemplo é o modelo setorial de distribuição dos estratos sociais elaborado por Hoyt, em 1939, a partir de um estudo incluindo 25 cidades americanas, onde a população de alto status ocupava um setor da cidade diametralmente oposto a localização da população de baixo status econômico. A partir destes estudos, as discussões sobre onde se localizam os diversos estratos sociais na cidade ganha força, e inúmeros estudos são realizados. Estes dois padrões são identificados para sociedades industrializadas, que se caracterizam por apresentar um elevado grau de desenvolvimento tecnológico e populacional, bem como de diversidade econômica, traços característicos das metrópoles e grandes cidades industrializadas. Entretanto o padrão mais antigo e mais abrangente tanto espacial quanto temporalmente, e ainda largamente encontrado até hoje, é aquele estudado por Kohl, em 1841, para distribuição dos grupos sociais da Europa Continental, em uma época em que os efeitos do capitalismo ainda não se faziam sentir completamente – sociedade pré-industrializada, tendo a população de alto status residindo no centro e a de baixo status na periferia. Este padrão revela-se contrário ao modelo de Burgess, embora mantenha o mesmo modo de distribuição na forma de anéis concêntricos (Corrêa,1995). Em 1960, Guideon Sjoberg publicou o livro The Preindustrial city, em que estuda os padrões espaciais das cidades européias da idade média comparando-os aos das cidades atuais. Concluiu, assim como Kohl, que nas cidades atuais a elite reside no centro; entretanto, a partir do momento que se industrializam, esta organização adquire nova configuração: as elites passam a ocupar círculos ou setores de círculos da periferia urbana. Para Sjoberg, as sociedades evoluem de um estagio pré-industrial para um industrial, passando por uma fase intermediária em que apresenta tanto características da sociedade industrial como da pré-industrial. A cidade pré-industrial, com a elite no centro e os pobres na periferia, ao se industrializar, modernizar, muda sua configuração espacial, havendo o abandono, em maior ou menor grau, do centro e ocupação da periferia, ou de setores da periferia pela população de alta renda. Sjoberg aponta em seus estudos sobre organização espacial das cidades, para a tese da mudança técnica, econômica e espacial. Leo Schnore (1975), revisando as pesquisas de outros estudiosos sobre cidades latino americanas, confirma para estas cidades a mesma tendência observada por Sjoberg (1960): a mudança da população de alto status em função da industrialização e do crescimento urbano. Essas mesmas mudanças foram observadas por Yujnovsky (1971), Mértins/Bähr (1983), para metrópoles latino-americanas. No Brasil, Villaça (1978;1998), por meio de seus estudos para seis metrópoles brasileiras, também evidencia esta mudança para todas as capitais por ele analisadas. Pode-se, assim, observar que, na literatura, tem-se discutido o processo de mudança do padrão espacial da cidade sob o ponto de vista da mudança técnica/econômica, qual seja, as cidades mudam sua organização interna, a partir de sua industrialização e conseqüente crescimento econômico e populacional. Partindo dessas observações sobre evolução da estrutura espacial interna das cidades de um estágio préindustrial para um industrial, muitas questões ainda persistem, dentre elas: que padrão apresentam as cidades atuais que modernizaram suas estruturas, apresentam novos atores sociais atuando em seu espaço, porém não passaram por um processo de industrialização? Até que ponto as cidades não industrializadas apresentam um padrão locacional de cidades préindustrializadas? Teriam elas a população de alto status residindo em áreas distantes do centro? O padrão espacial dessas cidades sempre foi o mesmo? Se mudou, desde quando? Como era no passado e por que mudou? Que agentes sociais foram responsáveis pela organização atual? Quais os impactos espaciais e as transformações sociais nesse tipo de espaço? Qual a origem dos grupos sociais existentes no espaço urbano da cidades? Qual o arranjo das áreas e suas mudanças? E as outras atividades: comércio, serviços, que local ocupam no espaço urbano dessas cidades? Que relação apresentam os sistemas viários – local e regional, com as localizações entre os diversos elementos da estrutura urbana? Neste sentido, este trabalho, busca contribuir para retomada de um tema de estudo decisivo para a compreensão da problemática urbana atual, qual seja: os estudos que envolvem a temática da análise de padrões espaciais de distribuição da população urbana. Além disso, também vem a contribuir para a retomada do tema, a existência de posições divergentes baseadas em teorias lançadas por diferentes autores, bem como o entendimento de que esses modelos, de forma isolada, parecem não mais responder à realidade atual, especialmente por observar-se que todos apresentam certa eficácia quando dentro de uma limitada área de abrangência. Na realidade, tais modelos não são exatamente divergentes, mas podemos dizer que se complementam, uma vez que uma cidade pode apresentar todos estes modelos em diferentes momentos de sua história, ou, também, resquícios de todos eles juntos num dado momento de evolução espacial. Sendo assim, o objetivo dessa pesquisa é abordar a evolução do estudo de padrões locacionais, no que tange a estruturação do espaço urbano, apresentando os padrões espaciais existentes e o padrão latino-americano de organização espacial. Conclui-se que o processo de segregação residencial está presente no espaço urbano de diferentes tipos de cidade, desde o seu nascedouro. Através da segregação residencial, ou mais precisamente através de uma de suas frações – a elite - , que os outros grupos e atividades passam a se localizar no espaço, traduzindo-se em padrões de organização espaciais. Tais padrões ou modelos espaciais representam possibilidades teóricas e não modelos universais únicos, caracterizados cada um deles pela exclusividade descritiva da realidade urbana local. Assim, os discursos sobre a temática da organização da estrutura social suscitam divergências, dentre elas a discussão sobre até que ponto é possível formular leis de urbanização que subsistam em mais de uma cultura. Cada cidade reveste-se de características próprias, seja no que se refere à dinâmica de sua inserção na divisão territorial do trabalho, seja em relação ao conteúdo, à funcionalidade e às implicações sociais e espaciais da racionalidade técnica presente no território, como também no que diz respeito ao processo de (re)produção do espaço urbano. Há, entretanto, um certo consenso no que tange a mudança, a evolução dos padrões locacionais da estrutura social, que encontram-se vinculadas às mudanças tecnológicas, ou seja, ao nível tecnológico e econômico que as cidades atingem. Neste sentido, a literatura tem apontado que as cidades mudam suas configurações espaciais ao se industrializarem, modernizarem, passando de um padrão pré-industrial, em que a elite reside no indo os ricos residir na periferia. Há, portanto, o abandono pelas elites, em maior ou menor grau, do centro e ocupação da periferia ou de setores da periferia. Os estudos de Gideon Sjoberg (1960; 1975) Leo Schnore (1975) apontam para essa tese de mudança técnica, econômica e espacial que ocorrem centro e os pobres na periferia, para um padrão industrial, onde há uma inversão do padrão anterior, e nas grandes cidades e metrópoles ao se industrializarem. Contudo, tanto os estudos de Sjoberg e Schnore, assim como os de outros estudiosos sobre os padrões locacionais da estrutura social, que evidenciam esta “evolução” de um padrão pré-industrial para um industrial, não apresentam propostas para cidades que modernizaram mas não desenvolveram em seu espaço um parque industrial significativo a ponto de “transformar” seu espaço social. AO312 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1782] TERRITÓRIO DAS FAVELAS: LIMITES REAIS E IMAGINÁRIOS. HELENA MIDORI KASHIWAGI1; ANA HELENA C. FREITAS GIL2. 1.UFPR A- CAMPUS LITORAL, CURITIBA, PR, BRASIL; 2.UFPR - ESCOLA TÉCNICA, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: Este trabalho busca apresentar algumas conclusões acerca da pesquisa realizada em comunidades marginais urbanas, na qual tivemos como estudo de caso a Favela do Parolin em Curitba - PR. Trata-se de uma favela extremamente emblemática para o poder público, pois as intervenções urbanas realizadas nos últimos 50 anos demonstraram que a problemática extende-se além dos aspectos físicos, territoriais e ambientais. O cenário de pobreza assola a população dessa favela que aponta aproximadamente 4.779 habitantes, segundo o último censo do IBGE em 2000. Sua proximidade com o centro de Curitiba, cerca de 4 km, tem sido uma das principais preocupações dos planejadores urbanos, desafiando as políticas públicas de planejamento urbano. Foram diversas as intervenções mal sucedidas nesta favela, constatando-se que a visão racional e tecnicista sobre áreas irregulares não atende as necessidades reais destas populações marginais. Neste sentido, o objetivo geral deste trabalho foi investigar de que forma os valores sociais, culturais e afetivos dos moradores sobre o lugar, sobre o espaço vivido por eles, torna-se relevante para subsidiar as ações dos planejadores urbanos e à implementação dos instrumentos de intervenção urbana. Diante do exposto, recorremos aos aportes teóricos e metodológicos da Geografia Humanística em sua vertente fenomenológica para se compreender o processo de percepção e apropriação dos espaços pelos moradores da favela. Assim, buscou-se a interface da Geografia com o Planejamento Urbano, adentrando-se numa visão mais humanizada do planejamento, e, dessa forma, contribuindo na interpretação da linguagem particular dessses moradores sobre a definição e delimitação do território através de suas representações sígnicas sobre o meio vivido. Para fundamentar essa discussão contextualizamos a fenomenologia percorrendo as suas origens e observando a sua contribuição no diálogo com o Urbanismo e as Teorias Sígnicas. Neste sentido, para a releitura do espaço enquanto espaço vivido e constituído a partir de experiências e vivências, recorremos a diversos autores representantes da corrente fenomenológica, tais como os geógrafos Yi-Fu Tuan, Edward Relph e Leonar Guelke, cujas obras sobre a importância dos lugares, do mundo vivido, dos significados e das representações possibilitam uma nova leitura sobre o urbano. Incorporando a esse diálogo abordou-se o olhar fenomenológico sobre as imagens sígnicas, fundamentando-se na Semiótica de Charles Pierce, por meio do modelo sígnico triádico para interpretar o objeto, o interpretante e o signo. Os estudos sobre mapas mentais utilizados pelo arquiteto Kevin Lynch para investigar a cidade nos embasaram na questão do entendimento destas representações gráficas da Geografia. Para auxiliar tal compreensão, a pesquisa de doutoramento de Salete Kozel tornou-se referencial, principalmente, por meio da metodologia por ela desenvolvida para interpretação de mapas mentais. Recorremos a diversos autores brasileiros para contribuir nesta reflexão, dentre os principais, destacamos Oswaldo Amorim Filho, Lívia de Oliveira e Elaine Kohlsdorf. A discussão fenomenológica de Merleau-Ponty contribuiu para o aprofundamento das questões do mundo vivido, enquanto lugar encarnado de experiências e aspirações de seus ocupantes, no qual o homem, enquanto corpo coloca-se em relação direta e harmônica com o mundo. A metodologia utilizada para a investigação foi o levantamento de dados a partir da pesquisa empírica que consistiu de entrevistas e aplicação de mapas mentais. Esse trabalho de campo durou 2 meses, nos quais enfrentamos diversos desafios para a concretização da pesquisa, principalmente, por causa dos tiroteios entre a polícia e os bandidos da favela. O universo de amostragem entrevistado foi definido em três grupos: moradores da favela, moradores do entorno da favela e planejadores urbanos. Nos mapas mentais solicitamos que representassem por meio de desenho por meio de desenho como eles percebiam a favela. Nesta atividade percebemos que a representação mental dos moradores e não moradores se distinguiam de seus relatos. Tais contradiçoes nos levaram a alguns questionamentos: Os mapas mentais poderiam revelar a afetividade sobre o lugar? Por que esses moradores omitiam a violência na linguagem oral, mas na linguagem desenhada ela era representada? E mais: Os dados subjetivos e imaginários poderiam ter relevância na condução das políticas públicas de intervençào urbana? Estas questões tornaram-se no cerne desta pesquisa, na qual tentamos compreender as imagens sígnicas dos moradores, as quais desvendaram um mundo paralelo ao mundo de violência constituído de valores e afetividade, o qual não é percebido pelos olhos dos planejadores urbanos. A interpretaçào das construções sígnicas correlacionadas com elementos urbanos, numa relação triádica, cujos moradores e não moradores da favela assumem papel de interpretante e o objeto no ambiente experienciado, composto por elementos espaciais como a rua, a casa, o rio, por exemplo, permitiram que esses elementos adquirissem significados topofílicos ou de topofobia, importantes para a construção dos limites territoriais reais e imaginários. Neste sentido, os resultados desta pesquisa foram muito instigantes, pois revelaram que por meio das representações cognitivas do mundo real é possível se compreender, por meio de técnicas de interpretação, as percepçoes imaginárias do mundo vivido de cada indivíduo, permitindo atravessar as barreiras do real ao imaginário. Assim, conclui-se que a fenomenologia nos possibilita restabelecer o contato entre o mundo e as significações, onde o conceito de lugar é valorizado, permitindo redefinir o território das favelas, onde os limites reais e imaginários, próprios de cada indivíduo, constituem uma linguagem sígnica particularizada, cujos signos precisam ser levados em consideração nos processos de ordenamento e gestão territorial. AO313 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1838] A PRODUÇÃO DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E OS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS. REGINA CÉLIA BEGA DOS SANTOS. UNICAMP, CAMPINAS, SP, BRASIL. Resumo: 1. Objetivos: A segregação sócioespacial relaciona-se à escassez social da terra urbanizada. Há possibilidade, nos limites do capitalismo, para a elaboração e implementação de uma política urbana eficiente em relação a objetivos sociais? Como alterar os mecanismos da dinâmica especulativa responsável por essa escasses? O poder público pode dispor de vários instrumentos com a reforma urbana, pode disciplinar o regime de propriedade, pode intervir para que o exercício desse direito esteja voltado para beneficiar a coletividade, com base no princípio da função social da propriedade. Com o Estatuto da Cidade as possibilidades estão apontadas e aprovadas! No papel, entretanto, como avançar para que o mesmo se efetive? Para a construção de condições dignas de vida, garantindo os direitos fundamentais do morador da cidade? A reforma urbana pode contribuir para a efetivação da cidadania? Como viabilizar uma política urbana comprometida em assegurar a todo o cidadão condições de vida digna e justiça social? 2. Referencial teórico e conceitual Através da produção elitizada, o capital imobiliário produz e vende a escassez. A segregação socioespacial é, assim, gerada pela disputa por espaços da cidade. A política da escassez social da terra produzida pela lógica fundiária e relacionada à venda da diferenciação material e simbólica do espaço urbano, aprofunda a desigualdade social, pois leva ao encarecimento da terra e da moradia. A manutenção destas desigualdades assinala para possibilidades de algumas frentes de luta relacionadas ao direito ao espaço geográfico ou à cidade, tendo em vista que as intervenções do poder público acabam sempre beneficiando os grupos hegemônicos. O poder público tende a reproduzir um modelo de gestão centralizador e tecnocrático, que privilegia o atendimento a setores detentores de poder econômico, especialmente o capital imobiliário. (SAULE JR, 1993) O espaço urbano produzido por este modelo concentrador, guarda as marcas da desigualdade econômica (socioespacial), e da não fixação de uma efetiva política social. . 3. Metodologia Utilizada Para a realização deste estudo foi feito um levantamento bibliográfico relacionado a artigos e livros publicados à respeito dos Movimentos Sociais Urbanos desde a década de 1970. Foi realizado ainda um levantamento na imprensa alternativa existente neste período de Ditadura Militar na busca de matérias a respeito dos movimentos sociais organizados e espontâneos (os chamados quebra-quebras), que eclodiram no período. Os artigos de jornais e a literatura acadêmica específica foram relacionados a textos (livros e artigos) que tratam da ordem mundial contemporânea. O objetivo foi o de inserir as especificidades de nossa Formação sócioespacial no processo mais geral de desenvolvimento do capitalismo nesta contemporaneidade. 4. Principais questões / pontos desenvolvidos Uma das tendências marcantes desta fase contemporânea é a redução progressiva da parcela da economia controlada de dentro do país. O comando externo é cada vez maior em virtude da ampliação do campo de ação das transnacionais, e o Estado precisaria desenvolver pesados esforços para contrariar essa influência desagregadora.(SANTOS, M., 1996) O que está em questão, portanto, é se e como o Estado pode reverter estas tendências; se o poder público quer ou não, é outra questão. Sem dúvida, vontade política é importante, mas não é o suficiente. É necessário o envolvimento da sociedade civil em um projeto de modificação radical da realidade social. .Será que podemos ainda falar nos dias de hoje em reforma urbana ou é mais um anacronismo? Como dizem ser a reforma agrária. A reforma urbana não é um projeto recente em nosso país. Fez parte do programa de reformas de base da década de 50. Nesta época, já se discutia que a solução para o problema da moradia vinculava-se à necessidade de se colocar em prática um planejamento territorial. Entretanto, é na década de 80, com a entrada em cena dos movimentos sociais, que se avança na tomada de consciência de que a responsabilidade pelas políticas públicas não é apenas competência do Estado. Além disso, com a democratização do país, abriu-se a possibilidade de controle da ação estatal por parte da sociedade civil. O processo é de rompimento com a visão instrumental do Estado, a partir de seu entendimento enquanto articulação de relações de forças sociais e territoriais. 5. Resultados alcançados e conclusões A intensificação das ocupações e posses de terras vazias e ociosas sem nenhuma utilização social, quer sejam públicas ou privadas, pela população de baixa renda tem contestado a ordem natural não legítima sobre o direito de propriedade. A articulação entre Estado e sociedade civil – isto é, o Estado ampliado, \"locus\" privilegiado da luta entre diferentes concepções de mundo e interesses sociais - abre novos desafios para os movimentos sociais, que passaram a atuar e influir para a formulação de políticas globais. Em nosso entendimento a execução desta política urbana dependerá de como evoluirão as relações entre poder público e sociedade-civil. Bibliografia LEFEBVRE, Henri O Direito à Cidade. Editora Documentos, 1969, São Paulo SAULE JR..Direito e Reforma Urbana. In: Anais do Terceiro Simpósio Nacional de Geografia Urbana, RJ, 1993. SANTOS, Milton., Do espaço sem nação ao espaço transnacionalizado. In: Brasil 1990: caminhos alternativos do desenvolvimento. RATTNER, H. (org.), São Paulo: Brasiliense. 1979 SANTOS, Milton - A Natureza do Espaço - técnica e tempo razão e emoção, São Paulo, Hucitec, 1996 . SANTOS, Regina Célia Bega – Rochdale e Alphaville: formas diferenciadas de apropriação e produção da terra na metrópole paulistana. Tese de doutoramento. São Paulo. FFLCH-USP, 1994. palavras chaves: segregação sócioespacial, participação política, sociedade civil AO314 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [2061] D A CASA Á RUA: AS TERRI TORI ALI D AD ES D E CRI AN ÇAS E AD OLESCEN TES N O RI O D E JANEIRO. MARIA DA PENHA C. FIGUEIREDO GILL. UFF, NITEROI, RJ, BRASIL. Resumo: A partir de meados do século XX, a questão da infância e da adolescência tornou-se tema relevante para o mundo acadêmico, despertando o interesse de pesquisadores e cientistas sociais das mais diversas áreas do conhecimento. No limiar desse novo milênio, continua a ser colocada como um dos desafios a ser enfrentados pelos Estados e Organizações Governamentais e Não Governamentais, principalmente, quando os problemas que envolvem crianças e adolescentes tem aumentado de grau e número (trabalho infantil, prostituição infantil, pedofilia, abuso sexual, violência, reclusão, droga, tráfico, prisão, exclusão) e em escalas diversas (casa, rua, cidade, Estado, país, global). O presente texto tem como objetivo central analisar a casa e a rua como territórios de crianças e adolescentes; nesse sentido, buscou-se entender o espaço da casa como um território abandonado e o espaço da rua como um território adotado. Iniciamos essa discussão a partir do conceito de infância e adolescência em Ariès, (1978 [1960]); Leite (1997); Postman (1999); Rizzini, 2002; Figueiredo (2004); Del Priore (2004). No entendimento do conceito de casa e rua, dialogamos com os não geógrafos que têm um debate nesse campo conceitual, sobretudo, com antropólogos e sociólogos (Freyre, 1999, Da Matta, 1991; Graham, 1992). Quanto ao conceito de território, territorialidade e territorialização, o debate deu-se no campo específico da Geografia, tomando como base Sack (1986); Raffestin (1993); Soja (1993); Santos (1999, 2002); Haesbaert (1997, 2004); Souza, (1995); Machado, (1992); Ribeiro e Mattos (2002); Silva, (2002). O nosso trabalho ocorreu em três momentos distintos: em um primeiro momento, observamos a rua enquanto territórios das crianças e dos adolescentes no período compreendido aos meses fevereiro, março e abril de 2005; no segundo momento, saímos da condição de mera observadora, partimos para uma ação mais concreta (abordagem) e através da observação participante penetramos na cotidianidade das crianças e dos adolescentes no território/rua, mais precisamente nos meses de maio, julho e agosto. Já entre os meses de setembro, outubro e novembro, nos empenhamos em ouvir as falas e as histórias de vida das crianças e dos adolescentes, utilizamos a técnica da entrevista aberta e semiestruturada. No terceiro momento, nos dedicamos à sistematização da tese, extraímos algumas conclusões, tais como: a maioria dos estudos que se debruçaram sobre a infância e a adolescência das ruas tem ignorado a análise da casa, elegendo quase sempre uma abordagem da família, normalmente, analisando a partir de uma ótica de “família desorganizada e desestruturada”. Até que ponto, pode-se entender a casa e a rua em contraste e oposição? Considerando que a casa e a rua são “irmãs gêmeas” vemos que uma está intrinsecamente ligada à outra. Nesse sentido, compreendemos que não é possível entender a situação das crianças e dos adolescentes na rua sem, no entanto, iniciar essa discussão pela casa. O binômio casa – rua ainda permanece, de certa forma, entre alguns cientistas sociais como uma questão a ser resolvida: a casa é tida como um local de “controle e autoritarismo”; a rua como o “descontrole e a massificação”. (Da Matta, 1983; Graham, 1992). Ao longo desse trabalho, tentamos desfazer dois mitos: o primeiro é que justifica toda e qualquer violência pela pobreza; o segundo, é que a casa é um ambiente harmônico e tranqüilo enquanto a rua representa um espaço perigoso e violento. Defendemos que a casa longe de ser um lugar permeado por relações harmoniosas, demarcadas por gestos de carinhos, amizade, respeito e consideração, ao contrário, o que tem sido cada vez mais evidenciado, não apenas na casa do pobre como também na casa do rico, são relações marcadas por rivalidades e conflitos. Na nossa pesquisa, constatamos que a maioria das crianças e dos adolescentes que já romperam os laços com suas famílias vinham de relações conflituosas em casa. Defendemos, portanto, que tanto a casa quanto à rua são palcos privilegiados de disputas e conflitos, podemos dizer que são arenas de lutas sociais. Assim, ao analisarmos geograficamente e historicamente os espaços da casa, no contexto da história de vida das crianças e dos adolescentes, não podemos atribuir apenas a pobreza como sendo a única responsável pelo abandono da casa pelas crianças e pelos adolescentes, não podemos menosprezar os aspectos culturais e sociais (maus-tratos e violência) a que, historicamente, as crianças foram sempre submetidas. AO315 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ordenamento Urbano e Gestão Territorial [1863] EFEI TOS SÓCI O- ESPACI AI S D A ESTI GM ATI ZAÇÃO D AS FAVELAS N O RI O D E JAN EI RO: ALGUMAS REFLEXÕES PRELIMINARES. FERNANDO LANNES FERNANDES. UFRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: O trabalho proposto visa apresentar reflexões preliminares da pesquisa de doutoramento em Geografia intitulada “Violência e Estigma: efeitos sócio-espaciais da ‘atualização’ do ‘mito da marginalidade’ no Rio de Janeiro”. Esta pesquisa tem como objetivo analisar os efeitos do discurso sobre a violência para o agravamento da segregação na cidade do Rio de Janeiro. O trabalho tem por hipótese que o aumento da violência urbana no Rio de Janeiro vem contribuindo para o agravamento das disparidades sociais e da segregação e estigmatização sócio-espacial dos moradores de favelas. Tais efeitos se expressam não apenas em termos materiais, como habitação, local de moradia, acesso à infra-estrutura, como também, e especialmente, em termos simbólico-práticos, atingindo diretamente o modo de vida do morador de favela, impedindo a ampliação de seu espaço-tempo social e, com isso, impossibilitando-lhe a aquisição de condições necessárias à sua emancipação enquanto sujeito ativo na sociedade. Em outros termos, a criminalização da pobreza, bem como a formação de “espaços criminalizados” (CAMPOS, 2005), vem funcionando como um mecanismo perverso de reprodução e perpetuação da pobreza, em todos os seus níveis (material, cultural, intelectual etc.). O pressuposto fundamental é que o discurso sobre a violência tem desdobramentos práticos quanto à segregação sócio-espacial na cidade, tornando-a fragmentada e possuidora de grupos sociais com oportunidades, condições ao exercício da cidadania e experiências de espaço-tempo totalmente distintas. Ao nosso entender, a estigmatização é um componente central na análise do agravamento da segregação sócioespacial. Em linhas gerais, esse cenário caracteriza o que SOUZA (2006; 2000; 1994a; 1994b) denominou “atualização” do “mito da marginalidade”, expressão essa por nós aproveitada, que tem seu fundamento nos discursos criminalizantes que vêm incidindo, nos últimos anos, sobre as favelas, (re)orientando as intervenções do Poder Público e o comportamento dos setores dominantes na cidade. De acordo com PERLMAN (2002), o “mito da marginalidade” constitui uma ideologia, apoiada em um conjunto de estereótipos construídos em torno das favelas que têm por função justificar e legitimar ações dos setores dominantes. As considerações de Perlman, apesar de estarem distantes quase 30 anos, evidenciam um cenário que pouco mudou do ponto de vista da visão construída sobre as favelas e seus moradores, cujas bases interpretativas se mantém. A permanência de determinados traços, tais como a idéia de desordem e bandidagem, vêm ganhando força atualmente, podendo-se dizer, portanto, que essa visão se renovou, agora com novas variáveis, das quais a que possui maior peso é a presença do tráfico de drogas nas favelas e seus desdobramentos na cidade como um todo. A territorialização do tráfico de drogas no varejo nas favelas, que se intensifica nos anos 80 e 90, vem pautando a representação social das favelas e, ao memso tempo, sustentando a ação do Estado e da maior parte das iniciativas da sociedade civil organizada. Mas a violência do tráfico e seus efeitos não se restringem apenas às favelas. Ela vem se manifestando a cada dia com maior intensidade na cidade como um todo, passando a influenciar o ordenamento urbano e colocando as favelas como alvos principais no combate aos problemas da violência urbana. Com base nisso, acompanhando SOUZA (2006; 2000; 1994a; 1994b), defendemos o argumento de que a violência urbana tem provocado efeitos negativos no que se refere à visão da população carioca, em particular as classes média e alta, sobre os moradores de favelas, havendo, com isso, uma intensificação dos mecanismos de segregação e estigmatização sócio-espacial destes no cenário urbano. Some-se a isso, um contexto socioeconômico marcado pela emergência da “nova pobreza urbana” (MINGIONE, 1993), ou ainda o “novo lumpemproletariado” (SOUZA, 2000), observa-se que a relativa diminuição do papel do Estado do bem-estar social vem sendo gradativamente substituída por um estado repressor, um “estado penitência” (WACQUANT, 2001), que faz uso da polícia como principal instrumento de contenção dos efeitos da “reconfiguração da pobreza” (RIBEIRO, 2005). No bojo dessas mudanças, destacase a dinâmica espacial da marginalização, marcada pela concentração e estigmatização. O principal desdobramento dessas intervenções calcadas na criminalização da pobreza é o agravamento da condição de vida do morador de favela, que se vê impedido de realizar-se como cidadão. Essa sua potencial capacidade de realização é obstaculizada, tornando o morador de favela um “cidadão partido” – visto que cidadão pela via constitucional, mas sem condições de exercício dessa cidadania pela via prática, estreitamse, cada vez mais, as possibilidades de exercício da cidadania. Nas favelas, onde, por um lado, a dimensão física do espaço público é marcada pela irregularidade das formas de ocupação e uso e, por outro, a dimensão simbólica do espaço público é marcada pelo medo decorrente da territorialização do tráfico de drogas, observa-se que as condições ao exercício da cidadania são ainda mais restritas que no restante da cidade e constituem um obstáculo ainda maior ao desenvolvimento sócio-espacial dessas áreas. Dois aspectos vêm sendo analisados no momento atual da pesquisa. O primeiro deles diz respeito ao aprofundamento da “presentificação” e “particularização” da vivência dos moradores de favelas (SILVA, 2002) e a conseqüente dificuldade de exercício da cidadania, que inclui, dentre outros aspectos, a apropriação dos espaços da cidade e a aquisição capital cultural, educacional, social e financeiro. O outro aspecto diz respeito à fragmentação do tecido sociopolítico-espacial (SOUZA, 2000), que tem por base a territorialização das favelas pelo tráfico de drogas, o processo de auto-segregação dos setores dominantes, a gradativa conformação de um espaço urbano marcado pela diminuição dos espaços de convívio e participação e pela segmentação social cada vez maior. Nossa abordagem empírica vem buscando identificar os efeitos práticos da “atualização” do “mito da marginalidade” a partir das práticas sócio-espaciais de jovens negros, do sexo masculino, moradores das favelas da Maré e Rocinha. Eles foram escolhidos por representarem o grupo social mais estigmatizado e que sofre de maneira mais severa os efeitos da violência física, especialmente a letal, e simbólica. O levantamento em curso vem demonstrando que os efeitos mais evidentes são a restrição da mobilidade espacial mediante mecanismos de constrangimento, e a invisibilidade social, decorrente da radicalização da estigmatização das favelas e de seus moradores. A análise aponta para uma correlação entre esses efeitos e o processo de reconfiguração do espaço público na cidade. AO193 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Política [1236] A ZONA FRONTEIRIÇA E A INTEGRAÇÃO DOS TERRITÓRIOS DOS ESTADOS- NAÇÃO. BEATRIZ MARIA SOARES PONTES. UFRN, NATAL, RN, BRASIL. Resumo: A área do projeto Calha Norte, alvo do nosso estudo, abrange, atualmente, 194 municípios, dos quais 95 localizam-se ao longo dos 10.938km da fronteira do nosso país com as Guianas, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia. A nossa pesquisa envolve os municípios fronteiriços que integram a zona de fronteira estabelecida pelo Brasil. Os aludidos municípios fazem parte dos seguintes estados: Amapá, Pará, Roraima, Amazonas, Acre e Rondônia. O nosso objetivo principal, portanto, repousa sobre a discussão da chamada zona fronteiriça, sob a ótica territorial. Assim sendo, se, em virtude da delimitação, o território dos estados termina obrigatoriamente na linha de fronteira, o mesmo já não ocorre com a vida econômica no espaço contíguo denominado zona fronteiriça. Mesmo que existam obstáculos naturais, as regiões limítrofes de um lado e de outro de uma fronteira formam, frequentemente, uma única unidade socioeconômica. Esta unidade não pode ser artificialmente negada pelos recortes territoriais. Portanto, são inevitáveis os contatos entre os habitantes das fronteiras. A contigüidade dos territórios estatais impõe o respeito por alguns princípios de boa vizinhança, favorecendo processos de cooperação mais densos do que nas relações interestatais habituais. No que concerne aos municípios integrantes da zona de fronteira abrangida pelo projeto Calha Norte observamos, por parte do estado brasileiro, algumas iniciativas de cooperação relativas à integração terrestre ou fluvial, projetos energéticos e de telecomunicações, bem como intercâmbios econômicos com as nações vizinhas. Todavia, atestamos, através da pesquisa, que o projeto Calha Norte tem se preocupado relevantemente com iniciativas, de natureza variada, nos territórios dos municípios brasileiros que integram a zona de fronteira, de forma muito mais acentuada do que providências que possam representar um intercâmbio mais dinâmico com os territórios extra-nacionais. Atestamos que o Ministério da Defesa tem dado ênfase à visão de zona fronteiriça sob a ótica preconizada pela jurisprudência brasileira, a qual inclui a chamada faixa interna de 150km de largura, paralela à linha divisória do território nacional, cabendo à União a demarcação da mesma. Nos municípios integrantes desta faixa interna, abrangida pela zona fronteiriça, a União deverá aplicar anualmente recursos. De sua arrecadação nos municípios situados na faixa precedentemente referida, o governo federal deverá aplicar nos mesmos, anualmente, no mínimo 60% da referida, especialmente em viação e obras públicas, ensino, educação e saúde, e no desenvolvimento da lavoura e pecuária. Para a construção de obras públicas da competência dos municípios abrangidos pela zona de fronteira, a União concorrerá com 50% do custo. A União também deverá priorizar, em tais municípios, construções de prédios para escolas, hospitais e maternidades, redes de água e esgotos, usinas elétricas e rodovias. À União também compete a criação de colônias e núcleos rurais de recuperação do elemento humano nacional, bem como colônias militares, com o mesmo objetivo. Nesse sentido, o projeto Calha Norte tem contemplado tais municípios com diversas obras, a saber: construção de estradas vicinais, infra-estrutura urbana física e social (malha viária interna, pavimentação asfáltica, saneamento básico, construção de escolas, postos de saúde, praças de esporte e lazer, habitação, centros comunitários, quadras poliesportivas, obras de drenagem, iluminação pública e construção de terminais rodoviários), apicultura em áreas indígenas, pavimentação de rodovias estaduais, construção de centro de zoonose (Acre), urbanização de pistas de pouso, construção de pontes fluviais, implantação de unidades de corpo de bombeiros, implantação de unidades da Polícia Militar, projetos para a defesa do meio ambiente e povos indígenas, aquisição de equipamentos agrícolas, integração de sistema troncal de transportes (Acre-Rio Branco), obras de infra-estrutura turística da orla (em vários municípios do Amazonas), construção de marcenaria comunitária e de centro de artesanato (Rondônia). No que concerne às obras militares, as referidas remetem-se à construção de quartéis, postos avançados de fronteira, aquisição de equipamentos necessários ao adequado desempenho das forças armadas em áreas fronteiriças, manutenção de aeródromos, aeronaves e embarcações, manutenção de estradas e apoio às comunidades. Pelo exposto, fica claro que as intervenções levadas a termo, nos municípios integrantes da zona fronteiriça do projeto Calha Norte, resultam, preferencialmente, em realizações que sugerem melhorias no território interno dos aludidos municípios, principalmente em suas áreas urbanas. Quanto às obras militares, estas, também, são localizadas nas cidades-sede dos municípios em apreço ou nas áreas das fronteiras setentrionais próximas às nações vizinhas. Pelo visto, estamos diante de dois problemas fundamentais, se atentarmos para o objetivo maior da integração latino-americana, porquanto o estado brasileiro, bem como as outras forças vivas sociais da Amazônia, deverá, ainda, intensificar os processos e projetos internos de articulação do território nacional, naquelas paragens, e destas com os territórios das nações vizinhas, de acordo com a visão moderna de fronteira, que defende a integração dos territórios. AO194 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Geografia Política [1250] TERRI TORI ALI D AD ES TRAN SFRON TEI RI ÇAS NA ZON A DA INTERNACIONAL BRASIL- ARGENTINA. LEILA CHRISTINA DIAS; MARISTELA FERRARI. UFSC, FLORIANÓPOLIS, SC, BRASIL. Resumo: FRON TEI RA SECA As zonas de fronteira internacional podem ser definidas como espaços geográficos próximos à linha-limite internacional que apresentam interações sociais, culturais e econômicas. No documento “Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira”, a zona de fronteira é caracterizada “[...] por interações que, embora internacionais, criam um meio geográfico próprio de fronteira, só perceptível na escala local/regional das interações transfronteiriças” (BRASIL, 2005, p.152). O documento considera que, nesta escala, o meio geográfico formado por cidades gêmeas – adensamentos populacionais cortados pela linha-limite internacional seca ou fluvial – é o que melhor caracteriza a zona de fronteira, reconhece que ao longo dos 15.719 quilômetros de fronteira do Brasil com países vizinhos localizam-se apenas 35 cidades gêmeas, e aponta a heterogeneidade dessa vasta zona de fronteira. Chama a atenção para a presença de lógicas espaciais diferenciadas, e variadas formas de organização territorial transfronteiriças. A zona de fronteira seca brasileira argentina, constituída pelas cidades de Dionísio Cerqueira (SC), Barracão (PR) e Bernardo de Irigoyen (Misiones-Argentina), configura uma dessas cidades gêmeas. O povoamento deste segmento fronteiriço começou a consolidar-se no final do século XIX e mais efetivamente a partir do início do século XX, com o desenvolvimento do ciclo econômico da erva-mate nativa do Brasil. Antes de 1903 nenhum marco delimitava o limite internacional nos 22 quilômetros de fronteira seca, e a população que lá ia se estabelecendo interagia sem conceber o limite político que já era visualizado nos mapas desde 1895. A chegada de organismos de controle dos Estados Nacionais, em meados de 1940, impõe mudanças às práticas sociais que até então regulavam o uso daquele espaço territorial. Este trabalho objetiva compreender o processo de construção dessas territorialidades transfronteiriças, neste segmento da fronteira Brasil-Argentina, entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. A territorialidade humana é aqui entendida como “[...] a tentativa de um indivíduo ou grupo para afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, delimitando e assegurando controle sobre uma área geográfica” (SACK, 1986, p. 19). Mas como analisar a territorialidade? C. Raffestin (1993) introduz uma idéia que auxilia a construção do instrumental metodológico: “[...] a análise da territorialidade só é possível pela apreensão das relações reais recolocadas no seu contexto sócio-histórico e espaço-temporal” (p. 34). Ele chama atenção, portanto, para a necessidade de apreender a territorialidade considerando “aquilo que a construiu” em suas partes constitutivas – interna e externa. Os principais procedimentos operacionais desta pesquisa consistiram em revisão bibliográfica e entrevistas com antigos moradores em universo social diversificado. O contexto histórico de construção das primeiras redes de interação neste segmento da fronteira é marcado pelas disputas territoriais entre Argentina e Brasil, e entre os estados de Paraná e Santa Catarina. Por esse espaço fronteiriço circulava, no início do século XX, não somente a erva-mate do Brasil para a Argentina, mas também mercadorias e mão-de-obra, criando inter-relações independentemente dos limites políticos territoriais dos países e estados. As companhias organizadas em torno da atividade econômica da compra e da distribuição do mate atraíram fluxos de migrantes trabalhadores brasileiros, paraguaios e argentinos e estimularam o aparecimento de pequenos armazéns de secos e molhados gerando constantes fluxos de ambos os lados do limite. Outro fator era o isolamento físico e econômico daqueles pequenos e incipientes aglomerados populacionais ali estabelecidos. Após a demarcação dos limites territoriais nenhuma ação que representasse oferta de serviços e equipamentos à população local foi empreendida pelos seus respectivos Estados Nacionais, e, em situação de isolamento, as relações transfronteiriças tornaram-se mais fortes. Na visão dos poucos moradores que ali permanecem desde aquela época, esta zona de fronteira era um subespaço esquecido, verdadeiro hiato, não apenas para o Brasil, mas também para a Argentina. A territorialidade transfronteiriça se constitui neste período pelo conjunto dos elementos de suas vidas cotidianas: relações de trabalho, de parentesco e outras relações que se projetavam num espaço comum no qual o limite internacional não representava qualquer obstáculo à circulação de pessoas, mercadorias e matérias primas. A ausência dos Estados Nacionais como reguladores das interações que ali se desenvolviam contribuiu para que as populações das três cidades construíssem um senso territorial comum. A chegada progressiva de organismos de controle dos Estados nacionais, a partir de meados da década de 1940, altera este quadro: ao desenvolvimento das redes de interações sociais, culturais e econômicas que se estendiam além das fronteiras nacionais –a partir das quais a população imprimiu ao espaço que ocupava uma lógica territorial particular – acrescem restrições à circulação, na lógica dos Estados territoriais. A população fronteiriça reorganiza-se nas formas de interagir, na prática do contrabando descaminho, desafiando o conceito de lei territorial dos Estados nacionais. A territorialidade transfronteiriça se redefine nos termos de Raffestin, em sua parte constitutiva externa, aquela imposta pelos atores não fronteiriços. Referências bibliográficas: BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Secretaria de Programas Regionais. Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2005. RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993. SACK, R. D. Human Territoriality: its theory and history. Cambridge University Press, 1986. AO195 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Política [1301] A CRI SE BRASI L- BOLÍ VI A E AS CON TRAD I ÇÕES D O N ACI ON ALI SM O LATI NO- AMERICANO NUMA ERA DE CRISE DAS ESQUERDAS. LUIS LOPES DINIZ FILHO. UFPR, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: OBJETIVOS 1. Analisar os discursos sobre a identidade latino-americana para demonstrar o modo como tais discursos reproduzem paradigmas de pensamento afins às ideologias nacionalistas e populistas, em suas vertentes hegeliana e romântica. 2. Demonstrar, por meio de um breve histórico da atual crise diplomática entre Brasil e Bolívia, que os conteúdos dessas ideologias e seus paradigmas de pensamento conduzem a uma contradição entre os discursos nacionalistas de esquerda e as propostas de integração continental, expressa na forma como o governo boliviano caracteriza o Brasil como uma potência subimperialista. METODOLOGIA A análise dos discursos que versam sobre as identidades coletivas, nacionais e latino-americanas, segue a proposta elaborada por Antonio Carlos Robert de Moraes em seu livro “Ideologias geográficas: espaço, cultura e política no Brasil”, a qual foi desenvolvida nos últimos anos pelos pesquisadores ligados à revista Terra Brasilis. Em tal proposta, parte-se de uma leitura da obra marxiana que passa pelas formulações de autores como Georg Lukács e Antonio Gramsci, leitura essa que valoriza a historicidade dos processos sociais e a autonomia relativa da política e da cultura na análise dos discursos ideológicos. Trabalha-se portanto com o conceito de “ideologia geográfica”, vinculado à concepção gramsciana de ideologia como “visão de mundo”, QUESTÕES ABORDADAS Com base no referencial teórico-metodológico mencionado, rastreiam-se as origens dos discursos nacionalistas e latinoamericanistas e os parâmetros de pensamento sob os quais procuram estabelecer a existência, como realidade presente e/ou como projeto de futuro, das identidades coletivas às quais se referem. No final, a análise da crise diplomática envolvendo os governos brasileiro e boliviano, bem como dos discursos usados por esses governos para justificar suas decisões, é inserida no contexto histórico da crise intelectual e política das esquerdas, iniciada por volta de 1970. CONCLUSÕES 1. Os discursos que procuram provar a existência de uma identidade latino-americana e que discutem políticas de integração continental com base nesse pressuposto cometem os mesmos equívocos históricos e lógicos das ideologias que tentam estabelecer a existência atual ou futura de identidades nacionais fundadas em laços pré-políticos (territoriais, históricos e étnico-culturais). 2. São justamente esses equívocos que colocam as ideologias nacionalistas e esquerdistas latino-americanas em rota de colisão com as propostas de integração continental originadas do pensamento político e econômico de esquerda, propostas que datam das primeiras formulações da CEPAL sobre a questão do subdesenvolvimento. 3. As ambigüidades e contradições que marcam o conflito entre os governos Morales e Lula em relação aos direitos de exploração de gás em solo boliviano são reflexos claros da crise intelectual e política das esquerdas, pois ambos precisam satisfazer a expectativas de reformas políticas e econômicas inexeqüíveis que foram alimentadas por eles mesmos em suas respectivas campanhas eleitorais. AO196 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Geografia Política [1304] OS N OVOS TERRI TÓRI OS FI N AN CEI ROS RESULTAN TES D A BANCÁRIA DOS ANOS 90 NO BRASIL. IVAN JAIRO JUNCKES. FACULDADE UNIÃO, PONTA GROSSA, PR, BRASIL. Resumo: D ESN ACI ON ALI ZAÇÃO Este artigo analisa o processo de redefinição das territorialidades do capital bancário durante a reestruturação financeira ocorrida nos anos noventa no Brasil e sua relativa estabilização no início da primeira década do Século XXI. As alterações ocorridas no sistema financeiro brasileiro neste período evidenciam um intenso rearranjo de forças entre os estratos capitalistas que tencionaram a inserção subordinada do país ao recente ciclo de liberalização mercantil, ampliando especialmente aqueles segmentos subsumidos no capital financeiro transnacionalizado. A crescente influência dos bancos no conjunto social instaura um novo regime de gestão cujas normas e instrumentos se estabelecem sobre os conflitos sociais e sobre a ordem pública, reduzindo ou neutralizando as resistências históricas dos seus setores assalariados. Desta forma, os conglomerados financeiros passaram a coordenar territorialidades específicas que suplantaram os referenciais nacionais e consagraram a ordem fluida dos fluxos financeiros mundializados, gerando-se novos parâmetros para a pesquisa e análise geográfica de suas relações. Os financistas têm assumido a centralidade global das relações de produção e subordinado governos e mercados à dinâmica da riqueza fictícia e à corrupção generalizada dos contratos sociais tal qual detalhado nas pesquisas de Chesnais (1996 e 1998). A análise da trajetória dessa fração de classe está detalhada na produção de Harvey (1990) sobre as funções do crédito e as transformações do seu papel no capitalismo contemporâneo, em que se destaca a instável centralidade dos financistas no sistema produtivo e político. A abordagem da organização de classe dos banqueiros no Brasil está realizada nas pesquisas de Minella (1988, 1995, 1998 e 2005) que trata da intensa articulação político-ideológica das organizações de interesses dos financistas e suas ações para promover as bases do pensamento neoliberal e influenciar na composição e nas políticas das agências estatais. Especialmente importante para compreender as discussões sobre a dinâmica do sistema financeiro são os conceitos de fluxos, espaços de fluxos e, o seu complementar, os espaços de lugares baseados em Harvey (1993), Santos (1994 e 2001a) e Castells (1999). Utiliza-se a definição de fluxo como sendo “seqüências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômica, política e simbólica da sociedade” (Castells, 1999, p.436). Os espaços de fluxos são descritos por Castells (1999) em três camadas articuladas entre os circuitos de impulsos eletrônicos, os centros ou nós das redes de comunicação e as redes pessoais e funcionais que organizam as elites dominantes conferindo-lhes capacidade de ação e realização de seus objetivos estratégicos. Conforme Santos (2001), os espaços de fluxos comprimem, reorganizam e tendencialmente absorvem o tempo real e os lugares vividos, como uma função dos deslocamentos instantâneos, ordenando e subordinando os demais espaços da vida na sociedade, exatamente o que pode ser observado no contexto do trabalho no sistema financeiro. A metamorfose nas relações de poder suportadas pelos financistas é, então, analisada pelo conceito de territorialidade e suas escalas utilizadas para abranger a complexidade da apropriação desigual de recursos utilizados para alcançar determinados objetivos estratégicos em determinados limites espaço-temporais. O conceito de territorialidade é assumido como corresponde ao espaço territorializado, ou seja, da apropriação, concreta ou simbólica, do espaço por um agente que lhe projeta um trabalho, na forma de energia e informação, marcado por relações de poder, conforme Sack: \"territórios são formas socialmente construídas de relações espaciais e seus efeitos dependem das relações de controle e seus propósitos\" (Sack, 1986, p. 216). A territorialidade foi considerada, assim, como a composição das relações mantidas em um meio e sujeitas a variações em diferentes escalas de tempo para diferentes agentes, tal qual definido por Raffestin (1993). Através desses referenciais, identifica-se como os agentes da reestruturação do sistema financeiro ocorrida nos anos noventa no Brasil desenvolveram novas territorialidades resultantes de cálculos intencionais usados para influenciar, afetar ou controlar o comportamento de grupos envolvidos na disputa de recursos. No desenvolvimento das investigações pesquisou-se a implantação dos programas estatais de estímulo a reestruturação financeira e seus principais impactos sobre os bancos envolvidos e sobre as finanças públicas, elaborou-se um quadro histórico da participação das instituições estrangeiras no ranking bancário no Brasil, construiu-se mapas da espacialidade das redes de agências dos principais bancos participantes do processo em estudo, realizou-se diversos comparativos físico-financeiros entre estes bancos antes e após a desnacionalização, assim como quadros históricos da participação qualitativa dos principais bancos ativos no mercado brasileiro, investigou-se também o comportamento da elite bancária nacional ante o mercado financeiro global, através de suas organizações de classe e principais instituições financeiras envolvidas, e conclui-se os estudos detalhando os novos parâmetros da organização territorial do capital bancário no Brasil. Verifica-se desta forma que as combinações das políticas liberalizantes para produzir taxas e cifras de lucro financeiro têm desregulamentado mercados, intensificado exponencialmente a especulação e instaurado urgências políticas que mobilizam recursos em escala global para preservar as condições de acumulação de um reduzido grupo de gestores financistas. A partir da desnacionalização conservadora ocorrida nos anos noventa no Brasil os financistas promoveram a realocação de referenciais territoriais para o âmbito corporativo globalizado e sua sujeição aos ditames verticalizados da mundialização financeira. Configurou-se desta forma uma nova territorialidade bancária para o início do século XXI sustentada por complexos mecanismos de hegemonia incorporados à esfera produtiva, por permissivas coalizões de interesses instauradas junto ao poder político e, ainda, por múltiplas redes de comércio ilegais pulverizadas pelo planeta. Assim o dinheiro e as finanças desconstituem os referenciais territoriais e as materialidades aos quais serviam de representação, tornam-se globais e cibernéticos e resignificam o poder da corrupção constante das regras, tornando-se a própria regra da efemeridade dos contratos e do dilaceramento das forças dispostas nas lutas sociais. Palavras-chave: 1. território; 2. capital bancário; 3. bancos; 4. elite financeira; 5. poder. AO197 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Geografia Política [1748] TRAN SFORM AÇÕES N A FRON TEI RA BRASI L- ARGEN TI N A: O PAPEL D ESEM PEN H AD O PELAS PON TES I N TERN ACI ON AI S EN TRE AS CI D AD ES- GÊM EAS D E URUGUAI AN A- PASO D E LOS LI BRES E SÃO BORJA- SÃO TOMÉ. CIRCE INÊS DIETZ; ALDOMAR ARNALDO RÜCKERT. UFRGS, UFRGS, RS, BRASIL. Resumo: Objetivos (a) Identificar a importância assumida pelas pontes internacionais no processo de alteração da função de fronteira, isto é, passagem da fronteira-separação para fronteira-comutadora; (b) Analisar os diferentes cenários em que foram construídas as duas pontes internacionais existentes no Rio Grande do Sul que ligam este estado à República Argentina (Uruguaiana-Paso de Los Libres e São Borja-São Tomé); (c) Identificar os diferentes atores que estiveram envolvidos no processo de construção dessas infra-estruturas estratégicas. Referencial Teórico Rückert (2004) ao tratar das mudanças nas noções de fronteira destaca um abandono do entendimento de fronteiras de contenção e fronteiras-separação da geopolítica, para áreas de transição, interface e/ ou de trocas entre os países. Segundo o autor “perdem-se os antigos significados nacionalistas e militaristas de fronteira, verificando-se um tipo de atualização das velhas idéias ratzelianas de fronteiras móveis ou flutuantes, ainda que num marco no qual as áreas de fronteiras deixam de ser zonas de tensão para se converterem em zonas de contato e articulação” (Rückert, 2004, p. 12). Os exemplos mais sensíveis dessa mudança funcional da fronteira estão no continente europeu, em virtude do percurso histórico trilhado na consolidação da União Européia. Também Valenciano aponta para o fato de que a integração na América Latina produz uma revalorização das fronteiras. Assim, “o cambio de la función de la frontera discriminante a la permeable y articulante entre economías vecinas permite hablar de una distinta función de la frontera en los procesos de integración” (Valenciano, 1996, p. 187). Esta mudança do papel das regiões fronteiriças acaba por ter repercussões em todo o território pelo fato de que obras públicas de infra-estrutura são construídas e atividades produtivas sofrem uma relocalização. Assim, a fim de atender um novo modelo de acumulação, há uma tendência de modificação da conformação dos territórios em seu uso, ocupação e apropriação, variando em termos temporais a sua concretização. (Rückert, 2004). Schäfer (2000, p. 60) aponta que no processo de mudança das funções de fronteira as questões “(...) relativas à circulação rodoviária [encontram] condições absolutamente diferentes daquelas que compunham a antiga funcionalidade fronteiriça”. Enquanto que no período geopolítico centrado na contenção das fronteiras a preocupação com infra-estruturas que ligassem os países era praticamente nula, tal situação se inverte e passa a se tornar central no cenário contemporâneo que tende a integração regional. Principais questões Integração e desenvolvimento de infra-estrutura técnicas estratégicas são questões profundamente interrelacionadas. As dificuldades de acesso de um país para o outro interferem tanto em termos de intercâmbios de idéias quanto de mercadorias e traduzem-se em dificuldades em termos de cooperação. A transformação do sentido de fronteira passa, por exemplo, na mudança de orientação da estrutura dos transportes. Ao invés do sistema de transportes voltar-se ao território nacional, para os principais mercados consumidores ou então aos nós das redes por onde escoa a produção (portos marítimos), a infra-estrutura busca conectar o Brasil com os países vizinhos. É fundamental destacar que a implantação de infra-estruturas estratégicas reflete um conjunto de interesses de diferentes atores. Se não há interesses não há mobilização em torno da realização do empreendimento. Em outras palavras, os interesses e as ações dos atores materializam-se na construção das infra-estruturas, no caso em estudo, as pontes internacionais. Metodologia A metodologia que será utilizada nessa pesquisa baseia-se no procedimento das escalas geográficas de poder e gestão. A opção por esta metodologia deve-se ao fato de que esta permite compreender como os diferentes atores atuam em prol do atendimento de seus interesses, nesse caso, a integração dos territórios dos dois lados da fronteira. Rückert (2001) aponta que em cada escala de investigação acontecem fenômenos distintos. Desta forma, compete a identificação dos atores – Estado, mercado e sociedade civil – em cada escala, bem como a análise de como se dá a interação entre eles. Entre os procedimentos metodológicos utilizados estão a consulta a fontes de dados secundários, assim como também o trabalho de campo nas cidades em que estão localizadas as ponte internacionais. Resultados alcançados e conclusões Atualmente existem duas pontes internacionais ligando o Rio grande do Sul (Brasil) e Argentina. A ponte internacional entre as cidades de Uruguaiana e Passo de los Libres constitui-se na primeira ponte internacional unindo Brasil e Argentina e teve sua inauguração em 1947. A ponte internacional unindo São Borja - São Tomé, inaugurada em dezembro de 1997, logo após a assinatura do Tratado de Assunción, e tem um significado muito importante no contexto da discussão e implementação do bloco econômico. Assim, pode-se afirmar que os cenários em que foram construídas essas pontes são expressivamente distintos. Enquanto que a primeira foi construída na década de 40, em momento ainda de maior preocupação com a defesa militar da fronteira, a segunda foi edificada no início do processo de integração promovido pela instalação do Mercosul, na década de 90. As diferentes infra-estruturas estratégicas têm importante papel na aproximação dos países. Estas se constituem em elementos que contribuem na conformação das novas funções desempenhadas pelas fronteiras, tornando-as mais porosas e permitindo uma maior agilidade no fluxo de pessoas e mercadorias. Contudo, estes empreendimentos não garantem que a região da fronteira Brasil (Rio Grande do Sul) e Argentina (Corrientes) seja considerada desenvolvida. AO198 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Política [2010] OS AGEN TES D O I M PERI ALI SM O N A AM AZÔN I A OCI D EN TAL: UM ESTUD O D A I N TERVEN ÇÃO DAS ONGS NO ESTADO DO ACRE. NAZIRA CORREIA CAMELY. UFF, NITEROI, RJ, BRASIL. Resumo: a) Objetivos específicos - Identificar se as ações e estratégias desenvolvidas para desmobilizar os movimentos de trabalhadores radicalizados do final dos anos 70 e 80, no Acre, são efetuadas por intermédio das ONGs . - Identificar, analisar e sistematizar quais as estratégias para apropriação e mercantilização do patrimônio sócio-ambiental da Amazônia, pelas propostas de cooperações internacionais. - Avaliar criticamente como se constrói as redes de relações (nacionais e internacionais) para o fortalecimento técnico e financeiro, tendo em vista as políticas para o desenvolvimento socioambiental da Amazônia. b) Referencial teórico e conceitual: Trabalhamos com a economia política marxista, o conceito de Lênin sobre imperialismo, por nos contrapormos fortemente ao conceito de ‘Império’ e outros atualmente desenvolvidos. No campo das ONgs tem vasta bibliografia sobre sua atuação no mundo. No trabalho utilizaremos como referência importante o conceito de ‘onguismo’ desenvolvido pelo sociólogo espanhol Andrés Piqueras. Também procuraremos desenvolver este conceito para averiguar se o ‘onguismo’ configura-se como uma nova geopolítica para Amazônia, utilizando conceitos da geopolítica e da geoestratégia, trabalhando com RAFESTTIN e outros autores. Como a delimitação de áreas protegidas na Amazônia é o campo principal de atuação das Ongs ambientalistas, buscaremos em Milton Santos subsídios para compreender e desvendar a economia política do espaço das áreas protegidas na Amazônia. c) Metodologia utilizada: Revisão bibliográfica,Fontes Oficiais, Fontes Não-Governamentais, entrevistas e Observação Direta . d) Principais questões / pontos desenvolvidos Nossa principal questão é averiguar o processo de hegemonia das ONgs e de que forma ocorre (se for o caso) a intervenção imperialista na Amazônia, via a ação das ONgs. e) Resultados alcançados e conclusões O Estado do Acre viveu um vigoroso processo de luta dos trabalhadores pela posse da terra e pela preservação dos recursos naturais necessários à reprodução da população residente na floresta. Esse processo teve eco nos movimentos ambientalistas, principalmente internacionais. Surge no Acre uma gama de organizações, associações e cooperativas, que, a princípio, pareciam romper com a secular cadeia de exploração a que estavam submetidos os trabalhadores, principalmente os seringueiros. Dentre essas organizações, têm atuação destacada as Organizações não Governamentais (ONGS), especialmente aquelas ligadas à preservação do meio ambiente. No desenvolvimento do projeto de pesquisa já podemos averiguar a estreita relação das ONGs com os poderes executivo e legislativo do Estado do Acre, a partir de 1999, como também nas instâncias do poder federal. Averiguamos a vinculação dessas organizações, via operações de financiamento e outras, de agências internacionais, reconhecidamente vinculadas aos interesses do imperialismo estadunidense, como Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, TNC, Fundação Moore. A atuação das ONGS, também ocasionou um processo de cooptação de importantes movimentos sociais, anteriormente vigorosos, especialmente via capitulação de suas lideranças. Ocorrem também uma gama de atuação das ONGs junto às populações rurais, ribeirinhos, colonos e seringueiros, alcançando as comunidades mais distantes e ofertando recursos e até bens sociais (como saúde e educação), onde também desenvolvem projetos nas áreas da produção, educação e pesquisas. Projetos estes financiados, especialmente com recursos externos. Esses objetivos estão vinculados às verdadeiras ações dessas organizações que demonstram o caráter de corporativização das ONGs, que vão assumindo cada vez mais funções e responsabilidades do Estado, como vimos especificados em seus próprios objetivos que se confundem com objetivos e ações de responsabilidade do Estado. Junto às questões colocadas acima, pensamos que ao contrário dos que muitos alardeiam colocando as ONgs como uma nova vanguarda, verificamos em pesquisa realizada na primeira e mais importante cooperativa dos trabalhadores rurais do Acre, a CAEX, formas de atuação das ONgs que concebem e financiam estratégias de flexibilização e precarização de relações de trabalho, que representaram para as mulheres trabalhadoras locais, as quebradoras de castanha, o restabelecimento de relações da antiga cadeia de aviamento, que pagava em produtos ao trabalho realizado pelas mulheres. A intervenção imperialista na Amazônia, e especialmente no Estado do Acre, parece ser desenvolvida principalmente via atuação das ONGS na região, por serem essas organizações que passam a gerir recursos e executar ações que, a nosso ver, estão estreitamente vinculadas aos interesses imperialistas de preservação da Amazônia, para suprir os recursos estratégicos de matérias primas da fase atual da indústria capitalista baseada na biotecnologia Dentro do quadro acima exposto apresentamos abaixo algumas organizações não governamentais, que atuam no Acre e na Amazônia, e que no nosso entendimento parecem desenvolver atividades estreitamente vinculadas aos interesses imperialistas na região amazônica: -PESACRE: Criada a partir de um projeto de cooperação da Universidade da Flórida com a Universidade Federal do Acre, atua com índios, seringueiros e colonos (agricultores) buscando formas mais racionais de aumentar a produção e a produtividade, de ampliar a comercialização de produtos florestais não-madeireiros (açaí, cupuaçu etc.) e, muitos dos pesquisadores visitantes, oriundos dos EUA, atuam em outros países dominados pelo imperialismo. Um dos seus principais financiadores é a USAID (órgão do governo norteamericano). - Centro de Trabalhadores da Amazônia – CTA: Nasceu do “Projeto Seringueiro” sendo hoje a principal ONG do Estado do Acre no trabalho com as comunidades da floresta para o controverso manejo madeireiro. Dessa instituição saíram vários dos que hoje estão no poder executivo e legislativo local, e também no legislativo nacional. - SOS Amazônia - Entregou boa parte das terras do Acre, na fronteira com o Peru, para a TNC, The Nature Conservancy, bastante conhecida por tentar comprar terras no Brasil e na Bolívia em troca de dívida externa. Essa organização tem tentado, nessa região do Acre, expulsar antigos moradores, (cerca de 500 famílias) do Parque Nacional da Serra do Divisor, na fronteira do Acre com o Peru, comprovadamente a região de maior biodiversidade do planeta. Essa região é “administrada” pela SOS Amazônia, cuja área é de responsabilidade do IBAMA. - WHRC- Woods Hole Research Center : ONG norte-americana que tem presença na região amazônica através de pesquisadores em várias áreas; parte de sua atuação dá-se através de universidades e de outras ONGs, algumas das quais essa mesma entidade é fundadora ou participante. Sua importância está no papel que tem cumprido seus pesquisadores no projeto – Large Biosphere Atmosphere - LBA . - WWF – World Wildlife Fund – Fundo Mundial da Vida Silvestre: Trata-se de uma das maiores ONGs atuando na região e tem presença em quase todos os Estados amazônicos financiando projetos na área ambiental. Atualmente, a sede da WWF na Amazônia é na cidade de Rio Branco. - Fundação Ford - FF: Vem atuando há bastante tempo, financiando universidades, ONGs e pessoas. Ela tem cumprido um importante papel na formação de recursos humanos que atuam na região ou fora dela; muitos de seus quadros fizeram ou fazem parte de universidade e institutos de pesquisa na Amazônia, além de trabalharem também no Banco Mundial e outras organizações desse tipo. - The Nature Conservancy – TNC: Entidade envolvida na compra de áreas na Amazônia em troca da dívida externa e tentativa de comprar terras no pantanal no Brasil e na Bolívia. Vem atuando no Acre através de uma ONG, SOS Amazônia, financiando um imenso parque (Parque Nacional da Serra do Divisor) na fronteira do Acre com o Peru, onde foram realizados vários estudos de fauna e flora e de onde se pretende retirar a população de quinhentas famílias que moram naquele parque. Palavras-chave: Amazônia, Imperialismo, ONG’S, Geopolítica, Biodiversidade AO199 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia Política [2107] M UROS, FRON TEI RAS E CAM POS: BARREI RAS À M OBI LI D AD E, POLÍ TI CA M I GRATÓRI A E NOVAS TERRITORIALIDADES. HELION PÓVOA NETO. IPPUR- UFRJ, NIEM, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: a) Objetivos do Trabalho: Analisa-se o atual contexto internacional de imposição de barreiras à mobilidade espacial de migrantes, solicitantes de asilo e refugiados, com o erguimento de muros e cercas, a permanência e reforço de fronteiras militarizadas, e a instituicao de campos e centros de acolhida para esses sujeitos. A análise diagnostica um marco político de discursos e práticas de culpabilização de migrantes e refugiados por diversos males sociais. O objetivo é apresentar e analisar modalidades de atuação estatal contra os migrantes baseadas em restrições forçadas à sua mobilidade espacial. b) Referencial Teórico e Conceitual: Políticas migratórias são entendidas como formas de intervenção sobre os territórios nacionais, e sobre suas escalas infra e supra nacionais, associadas à reelaboração de novos recortes espaciais e territorialidades voltadas ao exercício do controle da mobilidade espacial das populações. Assim, a literatura sobre processos de reformulação territorial e de emergência de novos recortes, utilizados quando da intervenção sobre movimentos populacionais, é referencial básico para este trabalho. Também as análises de novas tendências internacionais de regionalização são relevantes, já que os processos analisados sugerem a reformulação de noções tradicionais de países de emigração, de imigração e de passagem. Processos de transição entre tais “posições”, bem como diversificações, inversões e multiplicações de fluxos migratórios são verificados. As barreiras à mobilidade espacial são analisadas como medidas concretas de cerceamento ao movimento, mas também como discursos eloqüentes sobre populações tidas como “indesejáveis” ou “perniciosas” para as sociedades de destino. c) Metodologia Utilizada: A metodologia é em primeiro lugar histórica, enfocando a constituição de barreiras à mobilidade e as políticas de incentivo e cerceamento à imigração durante a Guerra Fria. Analisam-se iniciativas de promoção e seleção de imigrantes regiões carentes de mão-de-obra, ao longo de um período no qual caminha-se no sentido de maior seletividade e restrição na política imigratória. O período histórico mais recente, balizado em princípio pela queda ou reformulação dos regimes socialistas do Leste Europeu e da Ásia e, em seguida, pelo 11 de setembro de 2001, utiliza-se metodologia comparativa no acompanhamento e cotejo das políticas de controle da mobilidade adotadas, perseguidas e sugeridas. d) Principais Questões: É intenso o debate internacional sobre políticas migratórias. As sociedades desenvolvidas mostram-se crescentemente hostis à imigração tanto voltada para o mercado de trabalho quanto composta por refugiados e solicitantes de asilo em deslocamentos ligados à violência da guerra e das perseguições. O imigrante é diagnosticado como excedente inassimilável pela economia e socialmente oneroso, radicalizando-se a partir daí a sua percepção na qualidade de ameaçador para a manutenção da ordem e para a restrição de gastos sociais, rejeição que se estende também ao refugiado e ao solicitante de asilo. e) Resultados Alcançados e Conclusões. Políticas de estado para migrantes e refugiados, na forma de barreiras físicas e campos para reunião e confinamento, superaram formas tradicionais de intervenção. Meios de comunicação de massa e forças políticas reforçam a hostilidade quanto imigrantes, com imagens ameaçadoras sobre a imigração, tida como invasiva e descontrolada. Sendo as migrações fortemente condicionadas por fluxos de informação em redes sociais internacionalizadas, as barreiras visam também a desestimular migrantes em potencial. Barreiras e campos são dispositivos práticos de política migratória e também discursos de sinalização para candidatos à migração ilegal. São também erguidas fora dos limites territoriais das sociedades de imigração, vendo-se como exemplos os muros erguidos nos enclaves espanhóis do Marrocos e as propostas de campos para migrantes em pontos de passagem rumo à Europa, assim como as pressões dos EUA por maior controle da fronteira México-Guatemala. Dispositivos anti-mobilidade podem ser mapeados, com uma tipologia que busca de similaridades e objetivos comuns. Sinteticamente, é possível identificar, em primeiro lugar, o erguimento de barreiras em fronteiras terrestres ou marítimas entre sociedades com desníveis de desenvolvimento e bem-estar social, como nos casos conhecidos do México e de Ceuta e Melilla. Mas também entre países periféricos com disparidade de condições econômicas, dispositivos semelhantes são erguidos, do que é exemplo a cerca eletrificada erguida pelo governo de Botswana na tentativa de frear a migração proveniente do Zimbabwe. Em todos esses casos, a sinalização anti-imigração coexiste com fortes demandas por mão-de-obra pelos mercados de trabalho das áreas de ingresso de imigrantes. Isto sugere que as barreiras à migração, ao bloquearem a passagem de muitos, atuam também no sentido da possibilidade de uma maior exploração do trabalho daqueles que têm sucesso em atravessar. Em seguida, reconhecem-se barreiras que visam dificultam ou impedem a mobilidade e o ingresso de grupos étnicos ou nacionais tidos como indesejáveis ou ameaçadores. A barreira israelense frente aos territórios palestinos é um exemplo evidente, bem como as faixas militarizadas entre as duas Coréias e entre as áreas grega e turca de Chipre. O muro, a cerca, o campo de refugiados, a fronteira fortificada contra migrantes, são todos dispositivos de controle sobre a mobilidade dos homens associada à imposição de medidas quanto aos fluxos migratórios. Migrantes e refugiados são objeto de políticas que parecem estar em expansão, impondo limites à liberdade de movimento e produzindo novas formas de fechamento dos territórios. AO361 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Regionalização e Globalização [2074] A M OBI LI D AD E D E JOGAD ORES: OS EFEI TOS D A GLOBALI ZAÇÃO E D O CAPI TALI SM O N O FUTEBOL. PAULO MIRANDA FAVERO. USP, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: O objetivo deste artigo é pensar a entrada da globalização e do capital no futebol através da mobilidade de jogadores. A partir da Geografia, pretende-se analisar o futebol em seus aspectos políticos e econômicos, em diversas escalas. O foco central está na tentativa de entender a saída de jogadores dos países da periferia do mundo para as áreas centrais do globo, utilizando principalmente os casos da América Latina, incluindo o Brasil. Além desta migração em massa, que também pode ser considerada uma “exportação” de jogadores, outros aspectos chamam a atenção, como as medidas políticas adotadas para que essa transferência de atletas ocorra com mais facilidade e o papel da globalização diante desse processo. No futebol ocorre uma espécie de “Divisão Internacional do Trabalho”, onde cada associação ou região desempenha um papel diferente e que pode ser comparada com a disputa de blocos econômicos. O Mercado Comum Europeu está para o Mercosul da mesma forma que a Uefa está para a Conmebol. A intenção deste artigo é apresentar os fluxos do futebol no território e expor o futebol como fenômeno mundial e elemento do poder mundial. O esporte se espacializa, só que o poder é volátil e tenta abarcar o mundo, sem definir as fronteiras de sua atuação. No caso brasileiro, é o Clube dos 13 que faz o papel de protagonista (junto com a CBF), representando os interesses do capital estrangeiro – neste caso, formado pelos clubes pertencentes ao G-14. Outro ponto a se destacar dentro desse artigo é o futebol enquanto negócio. As ações políticas são voltadas para transformá-lo em capital e, dessa forma, a globalização interfere em muitos aspectos: ela aniquila as escolas nacionais, por causa da grande circulação de atletas de diferentes nacionalidades, esvazia as periferias de jogadores e os concentra em clubes transnacionais. A exportação de jogadores faz o futebol crescer como negócio na Europa, porém esvazia o futebol como sociabilidade no Brasil – em grande parte pelo aumento da quantidade de transmissões de jogos por canais de televisão. É só ver o número cada vez menor de torcedores nos estádios de futebol, fato que preocupa as entidades que regem o esporte no País. A lógica do capital agrada aos dirigentes brasileiros, que buscam mais dinheiro a qualquer preço. O Clube dos 13 aceita a missão de colaborar para fornecer jogador para a Europa. É desse negócio que vem o dinheiro para investir nas categorias de base, formar mais jogadores e mandar para o exterior. Nesta lógica, o Brasil não passa de um exportador de jogadores. Fato que é festejado todos os anos pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), sempre que o número de atletas que saem do país supera os números do ano anterior. E a entidade comemora mesmo que só consiga vender o produto futebol através da Seleção e nunca através dos campeonatos brasileiros, sejam eles nacionais, regionais ou locais. O grande número de atletas exportados, neste caso não apenas do Brasil, mas de todos os países periféricos do mundo da bola, aliado ao fato de o atleta ser uma mercadoria global, faz com que os jogadores também exerçam um papel de commodities. As commodities possuem grande importância internacional, principalmente no sistema financeiro, e são negociadas em profusão. Assim, os jogadores de futebol também seriam uma espécie de commodity, mas ao contrário de serem negociados nas bolsas de valores (por enquanto), são comprados e vendidos pelos clubes com o consentimento das Confederações nacionais e da Fifa. A Seleção Brasileira também funciona como uma bolsa de commodity dos jogadores brasileiros. A cada convocação para a equipe nacional, os atletas ficam mais valorizados. É muito comum, logo após um jogador ser chamado duas ou três vezes para a Seleção, que algum clube da Europa compre seu passe. Isso ocorreu com muitos jogadores e, curiosamente, a Inglaterra só permite que seus clubes contratem jogadores estrangeiros que já vestiram algumas vezes a camisa da seleção. Assim, atuar com a camisa amarela do Brasil é um bom trampolim para um ótimo contrato no exterior. O artigo faz parte de uma pesquisa iniciada há alguns anos, que busca na Geografia Econômica e Política elementos para se discutir o esporte mais popular do mundo. As raras e excelentes discussões sobre o futebol dentro da Geografia serviram de base para o trabalho, e a bibliografia consultada partiu desde textos jornalísticos até pesquisas de campo, passando por livros de História, Antropologia, Literatura, Educação Física etc. Um outro tipo de bibliografia, mais ligada às teorias marxistas, também foi fundamental para elaboração do artigo, principalmente para tentar entender a dinâmica do capital e a influência disso no próprio futebol. A teoria de Guy Debord, sobre o espetáculo, também traz elementos importantes para esta discussão. Muitos documentos também foram consultados para ajudar a esclarecer as lacunas da pesquisa. Palavras-chave: Globalização, futebol, migração de jogadores, Geografia. AO362 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Regionalização e Globalização [1736] “A I N TERN ACI ON ALI ZAÇÃO ATUAL D O EN SI N O SUPERI OR: M OBI LI D AD E D OS ESTUD AN TES E GEOPOLÍTICA DO CONHECIMENTO”. FABIO BETIOLI CONTEL. ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING (ESPM), SAO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: Objetivos do Trabalho O texto procura analisar o atual processo de internacionalização da educação superior, focando a atenção sobre a mobilidade internacional dos estudantes de terceiro grau, assim como para as novas formas de prestação de serviços educacionais “à distância”, permitidas pelas novas técnicas da informação. Referencial Teórico Para a análise dos fluxos mundiais de estudantes, os trabalhos pioneiros de Pierre George (1957; 1977) e Jacqueline Beaujeu-Garnier (1980) foram sobremaneira importantes. De Pierre George (1957:249 e ss.) foi fundamental para o estudo sua diferenciação entre a emigração dada nos “países industrializados” e aquela que ocorre a partir do que chamara de “países coloniais”. De Beaujeu-Garnier (1980: 193 e ss.) foi bastante profícua a distinção de “migrações permanentes” e “emigrações temporárias”, já que esta distinção está na base da geografia atual da mobilidade internacional de estudantes. Em relação à questão das novas tecnologias da informação, aplicadas à prestação de serviços educacionais, foi essencial a utilização da teorização proposta pelo geógrafo Milton Santos (1994; 1996), para quem as técnicas da informação interferem de duas principais maneiras no uso do espaço geográfico: a) elas permitem a chamada “tele-ação”, isto é, que uma nova divisão territorial do trabalho se instale, sem que os atores “decididores” estejam fisicamente presentes nas regiões produtivas; b) estas técnicas permitem também, destarte, uma maior centralização do comando das decisões, implicando numa maior hierarquização da atual divisão internacional do trabalho. O uso das técnicas do ensino a distância, portanto, podem tanto servir para uma democratização da difusão do saber universitário, quanto para um aumento da centralização de sua produção, principalmente nas Universidades de renome internacional dos países do centro do sistema-mundo. Metodologia A pesquisa se valeu de dois principais recursos metodológicos: a) revisão bibliográfica: o recurso à revisão bibliográfica permitiu que fosse traçado um panorama da evolução das migrações internacionais, sendo elas de três principais tipos: migração de estudantes, migração de mão-de-obra não-qualificada e migração de mão-de-obra qualificada (AZEVEDO, 1967; PEIXOTO, 2001; ÖZDEN, 2005). Permitiu ainda que pudéssemos interpretar os dados estatísticos da mobilidade internacional de estudantes, identificando quais as principais conseqüências desta mobilidade para a organização dos territórios e de seus sistemas de ensino superior; b) análise e interpretação de dados estatísticos: foram três as principais fontes de estatísticas para a consecução da pesquisa: dados da UNESCO (2006), do Institute for International Education (IIE) e da Organization for Economic Co-Operation and Development (OECD). Principais questões O contexto atual da liberalização das trocas comerciais entre os países começa a afetar de forma mais direta também os chamados “serviços educacionais”. Alguns países têm pressionado a Organização Mundial do Comércio (OMC) para que haja uma maior liberalização do fluxo de investimentos diretos, assim como para a liberalização das formas de prestação de serviços educacionais “transfronteiriços” (“cross-border educational goods and services”) (LIMA, 2006; 2007). Este movimento de liberalização é pleiteado principalmente pelos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Japão, que têm interesses em aumentar sua influência na polarização dos fluxos de estudantes internacionais, assim como em incrementar a exportação de “produtos educacionais”, como forma de melhorar a posição de suas respectivas balanças comerciais na economia-mundo. O grande problema diz respeito ao caráter eminentemente comercial que este movimento adquire. As estratégias dos países que querem esta maior liberalização se chocam frontalmente com as vicissitudes dos países em desenvolvimento. Para estes últimos, a atual “sociedade do conhecimento” (DRUCKER, 1970; GORZ, 2004) indica a necessidade de criação de uma infra-estrutura de ensino de terceiro grau voltada a finalidades republicanas, para a difusão do ensino, pesquisa e extensão universitária para toda a população de seus territórios. Este caráter público e estratégico das vicissitudes dos países em desenvolvimento tem encontrado dificuldades ainda maiores para se consolidar, dada esta pressão de caráter mercadológico, competitivo, que o comércio internacional dos bens educacionais adquire na atualidade. Considerações finais A análise estatística e bibliográfica permitiu que chegássemos a alguns resultados provisórios sobre o problema: a) os países interessados na maior liberalização dos fluxos de estudantes, investimentos e prestação de serviços ligados a educação superior são os que mais recebem estudantes internacionais em seus territórios; b) a bibliografia analisada (CARNOY, 2002; CZINKOTA, 2005; KRITZ, 2006; KNIGHT, 2001; 2005; ADLUNG, 2005) não dá a relevância necessária aos impactos regionais dos gastos dos alunos estrangeiros nos territórios hospedeiros. Somente nos Estados Unidos, em 2006, os 565.039 alunos forâneos naquele país instalados despenderam nada menos que US$ 19.953.958.276,00, para suas despesas com taxas universitárias e “gastos correntes” (alimentação, habitação, lazer etc.); c) a importância estratégica que adquirem esta mobilidade internacional dos fluxos de estudantes, os investimentos externos e a prestação de serviços educacionais (assim como o esforço de certos Estadosnação para aumentar sua influência sobre eles), nos permite falar na formação de uma “geopolítica do conhecimento” no atual período histórico. AO363 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Regionalização e Globalização [1706] REDES: APONTAMENTOS PARA PENSAR SOBRE O CONCEITO. ANA EMÍLIA DE QUADROS FERRAZ. UESB/UFS, VITORIA DA CONQUISTA, BA, BRASIL. Resumo: Objetivos do trabalho: As análises das articulações entre espaços urbanos e regionais se estabelecem nos temas geográficos de diferentes maneiras, dentre as quais, figuram trabalhos realizados tendo como base o estudo das redes. Esses esforços analíticos, suscitam debates e argumentações por vezes antagônicos e outras complementares, o que torna o uso do conceito de redes complexo e instigante. Várias questões afloram com a inserção do conceito de rede ao arcabouço teórico da geografia. Então buscamos compreender: O que são redes? Que características elas apresentam na contemporaneidade? Como a discussão a respeito de redes aparece na geografia? Como considerar as redes num contexto contemporâneo na ciência geográfica? Como a sua manifestação contribui no estabelecimento da cidade e da região? Pelo exposto, tratamos neste trabalho, de algumas contribuições teóricas que auxiliam a discussão do conceito de rede e sua relação com a cidade e a região. Referencial teórico conceitual: Além da variedade dos significados e sinônimos o termo rede tem uma história que o torna ainda mais complexo. “O termo rede não é recente, tampouco a preocupação em compreender seus efeitos sobre a organização do território (DIAS, 1995, p.143).” Na geografia, o termo rede passa a ser utilizado com o intuito de compreender a organização dos territórios, levando em consideração a sua origem, que designa um conjunto de fios entrelaçados, linhas e nós. De acordo com Parrochia (1993, p. 5) “Por analogia com a imagem de origem, chamamos «nós» de rede toda intersecção dessas linhas.” Já a partir da segunda metade do século XVIII, o conceito ganha novas dimensões de entendimento com sua a utilização por engenheiros cartógrafos que usam representações geométricas do território e passam a empregar “[...] o termo no sentido moderno de rede de comunicação e representam o território como um plano de linhas imaginárias ordenadas em rede, para matematizá-lo e construir o mapa”. (DIAS, 2005, p. 15). Nos últimos anos, novos significados e possibilidades de aplicação teórica surgem para o uso do conceito e vários autores têm se dedicado à sua análise e contribuído para o seu aprofundamento teórico. Para empreender o propósito de analisar o conceito de rede além da ambigüidade, uma pista nos é oferecida por Moreira (2006), quando afirma que um estudo pautado nas redes possibilita à geografia, o olhar sobre o espaço móvel e integrado. Este intento também está presente nos escritos de Santos (2004), os quais reforçam a importância do conceito de rede para o estudo contemporâneo da geografia. Este autor, ressalta que existe uma matriz que considera apenas o aspecto material das redes e se fundamenta nas análises das redes técnicas, e uma outra que também leva em conta o dado social, as chamadas redes sociais. Apesar de compreender a importância dos estudos que privilegiam o estudo de redes técnicas compartilhamos com a preocupação esboçada por Dias (2005), quando questiona como é possível avançar na construção de um conceito de rede, contextualizado no campo do conhecimento geográfico, que não esteja associado ao determinismo tecnológico? O estudo das redes, na relação entre os aspectos técnicos e os aspectos sociais, não devem ser considerados separadamente, mas de modo conjunto, consubstanciado, assim possibilitando o entendimento da complexidade do espaço móvel e integrado. O técnico é um aspecto do social. Reforçando esta tese, Dias (2005, p. 23) conclui que, “A rede, como qualquer outra invenção humana, é uma construção social”. Além desses aspectos, também outros merecem destaque para que a idéia de ambigüidade do conceito de rede possa ser dissipada. Como concebe Santos (2004): as redes são ao mesmo tempo virtuais e reais, estáveis e dinâmicas, globais e locais, unas e múltiplas, concentradoras e dispersoras, condutoras de forças centrípetas e de forças centrífugas. As redes são isso tudo ao mesmo tempo. Essas características consubstanciadas, dão conteúdo às redes. O estudo da rede se compõe de um processo dialético, visto que, como observa Lefèbvre (1995, p. 240), “[...] leis dialéticas constituem, pura e simplesmente, uma análise do movimento. O movimento real, implica essas diversas determinações: continuidade e descontinuidade; aparecimento e choque de contradições; saltos qualitativos; superação.” Como aponta Lefèbvre (1995, p. 170) “[...], o real se apresenta como: móvel, múltiplo, diverso, contraditório.” Assim, é possível afirmar que as ambigüidades das redes se revelam falácias e se dissipam pois fazem parte de um mesmo processo. Metodologia Com o desenvolvimento dos trabalhos pretendemos elaborar reflexões que contribuam para o debate geográfico sobre as relações que se estabelecem entre a cidade, a região, com base no estudo de redes. Quando propomos analisar essas relações os vários elementos das redes estão presentes. Para viabilizar essas análises pautamos a pesquisa nas redes que estabelecem com base na política pública de saúde, nos serviços de educação de nível superior e na atividade comercial de atacado em Vitória da Conquista, pois entendemos que essas abordagens permitirão o exame multifário das redes e possibilitarão abordar os seus vários elementos. Entendemos que esta estratégia metodológica assegura uma investigação dialética das redes, visto que estas dimensões de análise permitem diferentes exercícios com a utilização da idéia de rede. Inicialmente, privilegiamos a revisão bibliográfica objetivando um aprofundamento teórico, como forma de definir conceitos referenciais básicos. Às formulações teóricas serão acrescidas informações dos trabalhos de campo, com o objetivo de confrontar teoria e prática e se avançar com as análises referentes a redes. Principais questões desenvolvidas Quando o termo rede é empregado em análises geográficas ele está imbricado de propriedades que, consubstanciadas, dão suporte ao próprio conceito. De propriedade multifária, perpassam o conceito de redes termos como: conexidade, fixos, fluxos, fluidez, horizontalidade, verticalidade, dentre outros. A complexidade do estudo das redes nos impõe desafios: Como analisar os elementos da rede? É possível elaborar esse estudo tendo como base empírica de estudo a política de saúde, o serviço de educação e a atividade comercial de Vitória da Conquista? Objetivando responder estes questionamentos, cabe, aproximar o conceito de redes às escalas geográficas, sobretudo, a região e a cidade. Torna-se imperativo observar, por um lado, como o conceito de rede se manifesta ou se comporta nestes planos escalares e por outro, como convivem e interagem cidades, regiões e redes. Resultados alcançados e conclusões Como destacado não se pode fazer uma separação absoluta entre os vários aspectos das redes, visto que estão imbuídos de uma relação de interdependência e, portanto, não se pode considerá-los como se fossem isolados. Palavras-chave: Redes, geografia, cidade, região. AO358 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Regionalização e Globalização [1777] O REGIONALISMO TRANSNACIONAL NA ÁSIA. ELOI MARTINS SENHORAS1; PATRICIA NASSER CARVALHO2. 1.UNICAMP, CAMPINAS, SP, BRASIL; 2.UFF, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: O presente artigo busca fazer uma breve leitura sobre o regionalismo transnacional da Ásia por meio de uma discussão teórica de uma nova categoria analítica na geografia que é reflexiva à espacialidade geoeconômica do sistema internacional. Com essa discussão pretende-se fornecer os subsídios adequados para a garantia de pluralidade e o aprofundamento do debate sobre os processos de integração regional no mundo e, em especial, destacar o caso da cooperação e interdependência dos países asiáticos por meio do paradigma dos gansos voadores, que deu origem à formação de um complexo espaço internacional denominado spaghetti noodle asiático que é multicortado por múltiplos esquemas de um regionalismo transnacional. Estruturação do Artigo O regionalismo transnacional têm sido um dos maiores movimentos nas relações internacionais, pois praticamente todos os países do globo são membros de um bloco e muitos pertencem a mais de um, de forma que quase dois terços do comércio mundial se dá por meio desses “mercados comuns” (Hilaire e Yang, 2003). A proposta de estudo do artigo está dividida em duas seções que se complementam ao amalgamarem a teoria do regionalismo transnacional a um caso prático de exemplificação dessa categoria espacial geoeconômica. Na primeira seção, o texto irá fazer uma releitura do conceito de região, que é extremamente importante na geografia, por meio de uma ótica internacional ou propriamente transnacional, conforme sugerido por Senhoras e Vitte (2007). Na segunda seção será introduzida uma discussão sobre o paradigma dos gansos voadores na Ásia, e como ele estimula a formação de uma espacialidade de comercio intra-asiatico denominado pelos especialistas de “Spaghetti Noodle Asiático”, que é multirecortado por uma série de acordos regionais que serão identificados caso a caso. Procedimento Metodológico O estudo será realizado por uma pesquisa de revisão bibliográfica sobre a temática do regionalismo transnacional e do paradigma dos gansos voadores na Ásia e por um levantamento e um conseqüente tabulamento dos esquemas transregionais de comércio na Ásia em fontes primárias e secundárias de informação, a fim de plotar em um mapa a configuração do spaghetti noodle dos esquemas transregionais. Regionalismo Trasnacional: Introdução a uma Discussão Escalar As escalas geográficas per se não são boas ou ruins ou únicas, são apenas instâncias transversais e simultâneas onde acontece a dialética da acumulação. Portanto, nenhum recorte espacial é natural ou dada à priori, pois as escalas são construções históricas, econômicas, culturais, políticas e sociais cujas forças capitalistas têm inerente capacidade de manejar bem simultaneamente e muitas vezes de forma articulada (Brandão, 2001). As escalas são produzidas e não dadas ontologicamente à priori, pois são conteúdos e relações fluidas, contestadas e perpetuamente transgredidas, como observa Swyngedouw (1997) ao analisar vários eventos que ocorrem em uma escala e têm implicações e conseqüências em outras, uma vez que muitas vezes, independentemente de qual é o sítio em que ocorre um evento, seus efeitos são sentidos em diferentes níveis escalares. Apesar de fluidas e interpostas entre si, toda escala é central e decisiva, material e politicamente, para estruturar os processos dialéticos da acumulação, por isso o artigo pretende mostrar a importância de uma escala relevante, mas com insuficientes estudos, que é o regionalismo transnacional. Com o crescente processo de globalização, os tradicionais estudos regionais baseados, nas particularidades, têm cedido espaço para outras “regiões”, articuladas a escalas mais abrangentes de caráter internacional. Dentro desse contexto e devido aos controversos significados e instrumentalizações do conceito região na geografia, o presente artigo pretende fazer uma releitura teórica do termo região por meio do referencial da geografia das relações internacionais, através dos conceitos de regionalismo, regionalização aberta ou integração regional transnacional, que são processos multifacetados de formação de blocos de países que compartilham os mesmos valores ou objetivos, a partir de ações engendradas pela lógica econômica do mercado e/ou dos Estados-Nações soberanos, ao estabelecerem voluntariamente instituições para governança.coletiva. Regionalismo Trasnacional Asiático e o Paradigma dos Gansos Voadores As profundas transformações nas temporalidades e espacialidades do sistema capitalista apresentam uma série de desafios para a análise da expressão geográfica das densas e rápidas mudanças em curso, que impõem uma ampla e complexa agenda de análise trans-escalar a respeito das metamorfoses do movimento da acumulação de capital em sua dimensão espacial. Dentro desse quadro, a teoria conhecida como paradigma dos gansos voadores é uma explicação para um padrão transregional de espacialidade industrial e comercial que envolve uma divisão regional do trabalho baseada numa hierarquia industrial e locacional na Ásia. A relação do paradigma dos gansos voadores com a formação de um espaço complexo e multicortado por vários esquemas transnacionais de regionalismo é direta, uma vez que pela analogia, os gansos ao voarem juntos em “V”, mostram uma forte cooperação regional que é hierarquizada. Ela fornece uma descrição da realocação de indústrias de um país para outro através do comércio e do IDE (Investimento Direto Estrangeiro), em resposta a mudanças nas condicões de competitividade. Mais do que isso, analisa as ligações entre os diferentes países numa hierarquia regional, identificando os mecanismos de transmissão do desenvolvimento e da cooperação interestatal. O artigo pretende demonstrar como principais conclusões que a peculiaridade do crescimento dos esquemas regionais transnacionais na Ásia está assentada na dinâmica de cooperação e hierarquia dos fluxos de comércio e IDE do paradigma dos gansos voadores, que ao se estruturar por meio de Redes Regionais de Produção de firmas que estão além das fronteiras nacionais por meio de mecanismos de coordenação e colaboração de longo prazo, acabam por delinear o multicortado espaço internacional de acordos regionais transnacionais denominado spaghetti noodle asiático (Peng, 2000). Bibliografia BRANDÃO, C. A. “A Espacialidade da Riqueza: notas teóricas sobre as principais determinações da dimensão espacial do processo de desenvolvimento”. Cadernos IPPUR, ano 15, nº 1. Rio de Janeiro: IPPUR, 2001. HILAIRE, A. & YANG, Y. The United States and the New Regionalism/Bilateralism. Washington: MMF, 2003. PENG, D., “The Changing Nature of East Asia”, Pacific Affairs, Summer, 2000. SENHORAS, E. M.; VITTE, C. C. S. . “A Escala do Regionalismo Transnacional sob Construção”. Anales del XI Encuentro de Geógrafos de América Latina. Bogotá: UNAL, 2007. SWYNGEDOUW, E. “Neither global nor local: ‘globalization’ and the politics of scale. In: COX, K. Spaces of globalization. New York: Guilford Press, 1997. AO359 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Regionalização e Globalização [2020] INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOGRAFIA DO COMÉRCIO VAREJISTA DA CHINA. JOSÉ MESSIAS BASTOS. UFSC, FLORIANÓPOLIS, SC, BRASIL. Resumo: O presente trabalho tem como objetivo central analisar as transformações recentes na estrutura econômicoterritorial do comércio varejista da China. Utilizando-se da categoria marxista de formação sócio-espacial investiga-se como se implementou os agentes responsáveis pelas rápidas mudanças que estão em andamento no varejo chinês. Do ponto de vista metodológico utilizou-se relatórios publicados pela redes de lojas que operam na China e pelo Ministério do Comércio e por inúmeros artigos e livros editados recentemente. Assim, a partir da análise do material recolhido foi possível construir um panorama global das razões mais relevantes que explicam as modernizações recentes que estão ocorrendo na sociedade chinesa e no comércio varejista, em particular. O comércio varejista na China encontra-se fortemente fragmentado, pois as 100 maiores empresas do setor detém apenas 10,5% do seu faturamento, que alcançou, em 2005, o montante de 755 bilhões de dólares. A partir do acordo firmado em 2001, para admissão na Organização Mundial Comércio (OMC), o mercado consumidor chinês foi sendo cobiçado mais e mais pelas maiores redes comerciais do mundo. A principal rede varejista da China o Grupo Estatal Shanghai Bailian formou-se da fusão das redes estatais Shanghai Yibai, Co. Hulian, Shanghai Friendship Group e da Materiais Shanghai Co., em 2003, essa rede apresentou faturamento de 72,1 bilhões de Remembi (RMB) (8,9 bilhões de dólares) em 2006. Operando, atualmente, com uma rede de mais de 6.000 lojas, distribuídas pelo território nacional chinês, o Grupo Bailian atua com os seguintes formatos de lojas: Supermercados, hipermercados, conveniência, lojas de departamento e de material de construção. Tal contexto marca o novo momento vivido pela estrutura comercial da China, pois as redes locais são forçadas a se confrontarem com as grandes e modernas cadeias mundiais, como a francesa Carrefour, a americana Wal-Mart e outras iniciativas varejistas dos países vizinhos do Sudeste asiático. Um exemplo, que demonstra também a magnitude dos dados apresentados anteriormente, é o caso da Lianhua supermercados Holdinhg Co., Ltda que tem participação direta do poder público e de empresas estatais e privadas nacionais e estrangeiras, como japonesa Mitshubishi. A rede de lojas Lianhua multiplicou por 3,8 vezes o número de lojas entre 2000 e 2005 (de 943 para 3609). Embora não operasse no segmento de hipermercado no início desta década, em junho de 2006 já controlava 101 dessas filiais. Quanto ao faturamento o resultado foi mais significativo, pois, entre os anos 2000 e 2005, suas vendas brutas saltaram de cerca de RMB 1.784,5 milhões para RMB 14.313,0 milhões. Isto significou que nesse período suas vendas cresceram em mais 800%, conforme os Relatórios Anuais da Holding Lianhua. Com relação aos investimentos privados no setor varejista cabe ressaltar que apesar da agressividade das redes estrangeiras no mercado chinês são as redes domésticas que apresentam maior agressividade. Segundo Don Lee jornalista do Los Angeles Time em sua reportagem “os discretos bilionários da China”, publicada no jornal O Estado de São Paulo p. 20 de 07/06/2006, a Gome Electrical Appliance nasceu da iniciativa de um camponês pobre nascido nas proximidades da cidade de Shantou que se localiza na Província de Guangdong. Dez anos depois, Guangyu, havia construído uma rede com 120 lojas de eletro-eletrônico e tornou-se o empresário mais rico da China, administrando uma rede com mais de 550 lojas que ocupam área de 2,52 milhões de m², distribuídas por 178 cidades e empregando mais de 100 mil trabalhadores até o primeiro semestre de 2006. A rede de lojas varejista Suguo é outro caso de dinamismo de cadeias de lojas na China, pois no período de 9 anos saltou de 13 lojas de supermercados e conveniência, em 1997, para 1583 lojas em 2005. Desde sua origem, em 1996, uma de suas grandes estratégias foi a de estabelecer filial no meio rural, aproveitando a gigantesca população de mais 900 milhões de habitantes que vivem no campo e a ampliação da renda per capita dos proprietários e trabalhadores do meio rural, que aliás cresceu muito nas últimas décadas. Este exemplo, despertou o interesse do Ministério da Agricultura da China que realizou um esforço para, através de um Projeto de Lei, criar um sistema moderno de distribuição na área rural. Beneficiando cerca de 100 milhões de pessoas, o projeto já conta com 1150 lojas em 770 condados e municipalidades que empregam cerca de 350 mil pessoas, investindo o montante de RMB 7 bilhões até maio de 2006. Nas lojas localizadas em pequenas cidades o Estado chinês oferece um subsídio de 3.000 Yuan e para as vilas 4.000 Yuan, mas aquelas que estão localizadas nas regiões centrais ou ocidentais podem ter mais um acréscimo de 1.000 Yuan. Todo esse esforço empreendido pelo poder público visa: 1) satisfazer com segurança a crescente demanda do meio rural, 2) empurrar para frente a industrialização da agricultura, 3) capacitar os pretendentes ao negócio e 4) monitorar, inspecionar e revisar as iniciativas eleitas e o projeto como um todo. Assim, a partir destes resultados empíricos das cadeias de lojas e da economia chinesa em geral, evidenciase o caráter modernizador de extremo dinamismo das redes de lojas chinesas. Tal dinamismo é importante ressaltar foi coordenado, incentivado e, em grande parte, subsidiado financeiramente e gerencialmente pelas políticas públicas implementadas pelas diversas esferas do governo chinês. Contudo, cabe assinalar que tais apoios governamentais não obscurecem a capacidade empresarial dos novos empreendedores do comércio varejista da China. Pelo contrário, o que o governo chinês esta interessado explorar ao máximo é a capacidade empreendedora do novo empresário chinês oferecendo a possibilidade de enfrentar as grandes redes mundiais no mercado doméstico e ao mesmo tempo preparando-as para no futuro concorrer em outros mercados. AO360 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Regionalização e Globalização [1856] JAPÃO: REVOLUÇÃO PASSIVA E RIVALIDADE IMPERIALISTA. MARCOS AURELIO DA SILVA. UFSC, FLORIANOPOLIS, SC, BRASIL. Resumo: Antes que a Ásia Oriental se tornasse a região do planeta com as maiores taxas de crescimento econômico, o Japão já despontava no cenário mundial com prodigioso dinamismo. No início do século passado, Lenin o associava aos “países capitalistas jovens, que progrediram com enorme rapidez” (1977:636), dinamismo que se manteve por todo o século, como o demonstram as estatísticas da ONU, apontando-o como o país que apresentou a mais elevada taxa de crescimento da produção industrial do capitalismo desenvolvido entre 1938-1988, com 6,1% ao ano perdendo apenas para o Brasil, com 6,7% ao ano, se incluirmos os capitalismos do Terceiro Mundo, e ficando no terceiro posto se se abarca o mundo socialista, com os 7,5% ao ano da ex URSS (RANGEL, 1990). Não deve haver dúvida que, envolvendo uma atualização tecnológica, pelo uso do mais avançado progresso técnico existente na economia mundial, estamos diante de um aspecto do desenvolvimento desigual a escala internacional, portador de enormes ganhos para diversas industrializações tardias, inclusive periféricas (LENIN, 1977, ROWTHORN, 1979, MAMIGONIAN, 1982). E, se a portentosa re-divisão geográfica do trabalho de diversos ramos da produção industrial planetária é sua expressão mais acabada, não seria demais dizer que o Japão figura, aqui, como um dos principais beneficiários. Com efeito, se na “altura de 1960, os EUA ainda detinham mais de um quatro da produção mundial de aço, mais da metade da montagem de automóveis e (alguns anos depois) quase 90% da produção de televisores a cores”, em 1980, contudo “a parte do Japão... saltara de 6,5% (1960) para 15,5% no aço; de 5% para 30% nos automóveis; e de virtualmente zero para mais de 50% nas televisões a cores”(OLIVEIRA, 2006:13-14). Aliás, vale notar que o fenômeno não se restringe às tecnologias já maduras. Ele alcança também, e de forma extremamente veloz, os produtos saídos da revolução da microeletrônica. Assim, se nos “anos 80, firmas americanas atendiam, no país e em implantações no exterior, 98% da produção mundial” de semicondutores, logo em seguida “o Japão inverteria a situação...”, alcançando em “fins de 1986... 90% das 256K D-RAM vendidas no mundo”(OLIVEIRA, 2006:16). Todavia, na década de 1990, o quadro que acima traçamos perde algo da sua nitidez. O outrora dinâmico crescimento econômico japonês, abalado pela reação norte-americana, que logrou impor uma determinada macroeconomia planetária a partir de meados dos anos 1980, conhece uma persistente estagnação. E, a economia dos Estados Unidos, após sofrer seguidamente com os desdobramentos da crise de longa duração aberta nos anos no início da década de 1970, conhece mesmo, na década dos 1990, uma importante retomada. Posto o novo quadro, é possível dizer que o processo da re-divisão internacional do trabalho que o desenvolvimento desigual em curso na economia mundial do século XX forjava, perdeu, pois, o ímpeto e a orientação e geográfica que o marcara? Outrossim, que as categorias que permitiam a compreensão deste processo deixaram de ter sentido? Para Teixeira (2000), se o contexto anterior poderia ser interpretado a partir da noção de rivalidade imperialista esposada por Lenin (1977), ou quiçá da categoria gramsciana de hegemonia (1987), hoje qualquer dos dois aportes teria perdido sua força explicativa. Os Estados Unidos se nos apresentaria, pois, como o único império, “capaz de adotar as estratégias que bem entender”, dada a “centralidade dólar no sistema monetário internacional e a autoridade do Federal Reserve sobre os investimentos de capital”, fatores que permitiriam à economia americana escapar das “restrições de balanço de pagamentos... importar livremente e,... reestruturar seu parque industrial...” (TEIXEIRA: 2000:9). Não obstante a efetiva reação norte-americana caberia indagar: esta leitura não esta se prendendo exageradamente nos fatores sistêmicos que marcam o capitalismo atual? Não seria este viés impeditivo de uma análise que, ao lado das formas gerais assumidas pelo modo de produção dominante, atentasse para as formações sociais que o compõe? Não decorre do mesmo viés a incapacidade de perceber, mutatis mutandis, o que há de válido nas categorias marxistas acima assinaladas? O artigo que aqui se segue irá, pois, articular estas duas escalas de análise para tentar entender a posição japonesa no cenário econômico mundial atual, a saber, a do modo de produção em seus aspectos dominantes e a da formação social japonesa. Ele está dividido, além da introdução e das conclusões, em três seções. Na primeira seção, irá tratar da construção da formação social capitalista nipônica, das características específicas que lhe marcaram em razão da via de transição ao capitalismo que ali se processou, bem como das relações internacionais que esta via forjou, de enormes repercussões geopolíticas na Ásia da primeira metade do século XX. Na segunda seção, o foco será as transformações que, no pós II Grande Guerra Mundial, lhe permitiram crescente capacidade de emulação. Na terceira seção, o artigo se volta para as características da reação norte-americana, notadamente pautada pela tentativa de imposição de uma macroeconomia calcada na valorização cambial e na liberalização financeira, bem como para os efeitos econômicos e geográficos que ela causou no tipo de rivalidade imperialista que caracterizava a emulação japonesa. AO364 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Regionalização e Globalização [1224] BRASI LI A OU W ASH I N GTON ? D ESAFI OS POLÍ TI COS E OS RUM OS D A I N TEGRAÇÃO SUL AMERICANA. RONALDO DA SILVA1; VÂNIA RUBIA FARIAS VLACH2. 1.UNI VERSI DADE FEDERAL DE UBERLÂNDI A UFU, UBERLÂNDI A, MG, BRASI L; 2.UNI VERSI DADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA - UFU, UBERLÂNDIA, MG, BRASIL. Resumo: A área de Livre Comércio das Américas - ALCA, lançada pelos Estados Unidos da América – EUA para unir em uma única Zona Comercial, países entre o Alasca e a Terra do Fogo, fracassou, ou está congelada por tempo indeterminado. As políticas neoliberais resultaram em aumento do endividamento, maior concentração de renda, alienação do patrimônio nacional, ataque a direitos sociais, dolarização de algumas economias e abertura indiscriminada de mercados com pesados déficits nas balanças comercial e de pagamentos. Isso levou a Argentina à bancarrota e o Brasil ao FMI. O resultado foi a eleição de vários governos identificados com a esquerda e uma postura crítica aos EUA na Venezuela (Hugo Chaves), no Brasil (Lula), na Argentina (Kirchener), na Bolívia (Evo Morales) e no Equador (Rafael Correia). Estes governos se opuseram ao México, Canadá e Chile, que desejavam, com os EUA, a formação da zona de integração das Américas. O Brasil jogou papel especial nesse processo: Buenos Aires, Brasília e Caracas, por exemplo, consideram fundamental consolidar e ampliar o MERCOSUL - Mercado Comum do Cone Sul, rumo a uma integração mais ampla da América do Sul como um todo. Os EUA também contribuíram para o fracasso das negociações. O governo americano não procurou defender no Congresso o fim ou redução de barreiras tarifárias, não-tarifárias para as commodities agrícolas dos países Sul-Americanos. Os subsídios do governo americano ao seus agricultores também provocam enorme distorção comercial na relação com o Brasil. Após o fracasso da ALCA e o avanço das negociações para a ampliação do Mercosul, os EUA buscam fechar acordos bilaterais de comércio, conhecidos como TLC- tratados de livre comércio (México, Chile e Peru). A Colômbia está próxima de obter o mesmo, enquanto Paraguai e Uruguai têm sido insistentemente abordados com igual fim. É claro que os acordos bilaterais podem solapar o Mercosul, e impedir a consolidação da integração Sul Americana. Os tratados de livre comércio entre países Sul-Americanos e os EUA põem Brasília em uma rota de divergência com Washington. Pode o Brasil continuar a se desenvolver e convencer seus vizinhos das reais vantagens econômicas e políticas da integração Sul-Americana, além da retórica da solidariedade? Objetivos: O objetivo do trabalho é problematizar os caminhos da integração Sul Americana e os conflitos, reais e potenciais, em geral, cifrados e camuflados pela linguagem diplomática, entre a política externa de Brasília e Washington. Referencial Teórico e Conceitual: O tema da Integração geoeconômica e política da América do Sul é relativamente recente. A produção na Geografia Brasileira é escassa. Esse estudo tem recorrido à literatura da economia, sociologia do desenvolvimento e ciência política. Relações Internacionais comparadas, fluxo de comércio, Produto Interno Bruto (PIB), infra-estrutura e macro-indicadores econômicos são fundamentais para a análise e a construção de cenários geopolíticos. As ações políticas contemporâneas dos governos de países Sul Americanos, em especial do Brasil, além dos EUA, bem como declarações oficiais, acordos, tratados e declarações sobre a integração física, energética e comercial têm sido usados como recursos. Metodologia: A diplomacia elabora uma linguagem cifrada, muito polida com vocação para esconder os conflitos de fundo entre os Estados. É necessário analisar os acordos entre os países e confrontá-los com dados objetivos e ações concretas. As declarações de chancelaria e dos chefes de Estados precisam ser escrutinadas. A comparação da força econômica dos países e a capacidade das lideranças de proporem e liderarem projetos como a integração deve ser sondada. Principais questões ou problemas: a) Quais as ações empreendidas por Washington que dificultam ou impedem a criação e consolidação de uma zona de integração econômica Sul-Americana? b) Como a política externa Brasileira (2002-2007) têm se articulado e quais as principais iniciativas e propostas rumo à integração Sul-Americana? c) Como Brasília reage às medidas de Washington que ameaçam a integração Sul-Americana no futuro próximo e, no plano imediato, a constituição do Mercosul? d) Como os demais países Sul-Americanos agem diante das ofertas e projetos de Brasília e Washington? Resultados Alcançados e Conclusões A pesquisa ainda não foi concluída. Diplomatas, empresários, políticos, representantes da indústria e do comércio precisam ser entrevistados no Brasil e nos EUA. Centros de pesquisa, dados econômicos, acordos e tratados precisam ser analisados. Projeções e especulações devem ser alinhavadas. Há várias tendências, forças e ações em movimento entre Brasília e Washington, bem como, em especial, Buenos Aires, Caracas, La Paz e Bogotá. Washington e Brasília têm emitido sinais de realização de forte parceria em torno do álcool no futuro próximo para criar um mercado mundial de energia e combustível alternativo. Ao mesmo tempo, Washington busca fechar acordos com o Paraguai e Uruguai em desfavor do Brasil e da Argentina. Em contrapartida, o Presidente Lula lhes acena com mais vantagens para contrabalancear a proposta estadunidense. Caracas tem atacado as projeções de parceria entre Brasil/EUA em torno do álcool e auxiliado Bogotá em sua luta para a retomada do controle de refinarias da Petrobrás. Bogotá está ansiosa por um especial acordo de comércio com Washington. Dentre as iniciativas que favorecem e acenam para a integração Sul-Americana, destaca-se o Banco do Sul, uma espécie de agência de financiamento multilateral para financiar grandes obras de integração e desenvolvimento. Por outro lado, o FMI perdeu importância na região nos últimos anos e enfrenta uma crise de credibilidade dado o fracasso de suas recomendações, especialmente na Argentina. A Organização dos Estados Americanos – OEA, sempre liderada pelos EUA, perdeu voz e força na América do Sul. Todas essas novidades dos anos 2000 - rejeição da ALCA, integração física, e energética, novas prioridades e agências de investimento na América do Sul - apontam uma reunião de esforços que fazem avançar a integração continental. No entanto, essas condições não são suficientes para uma área de livre comércio solidária, cujo paradigma é a União Européia. Essas tendências contraditórias colocam Brasília e Washington em posições divergentes, mesmo que a retórica diplomática seja sempre cortês e procure negá-la. Ao Brasil é vital buscar desenvolvimento e estabilidade econômica e política na América do Sul sob a sua liderança. Washington se interessa por manter sua hegemonia econômica e sua influência política intactas na América do Sul. O fracasso do ajuste neoliberal nos anos 1990 levou à derrota nas urnas e à deposição de governos mais entusiasmados com tal influência. Os governos Chaves e Kirchener expressam reservas a Washington com certa estridência. Este cenário é desafiador para a pesquisa que estamos empreendendo AO365 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Regionalização e Globalização [1695] ZONA D A FRON TEI RA I N TERN ACI ON AL BRASI L- BOLÍ VI A E SUAS I M PLI CAÇÕES PROCESSO DE INTEGRAÇÃO REGIONAL. MARIA APARECIDA NUNES. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS, ARACAJU, SE, BRASIL. Resumo: NO Na contemporaneidade, os espaços fronteiriços, passa a exigir maior atenção, em virtude das mudanças de paradigmas dos Estados nacionais. Os limites que na antiguidade configuravam-se, em elementos físicos e culturais, atualmente, no processo global da economia mundial, as redes, tecnológicas, econômicas ou sociais é que, determinam onde e quando terminam os territórios. Assim, no Estado moderno, os variados atores, através dos fluxos, é que dinamizam os espaços. A fronteira Brasil - Bolívia é um espaço que apresenta situações particulares, propiciado pela influência dos respectivos países, com sua prática social, cultural e econômica, totalmente regulada, conforme a intenção de cada território nacional, o que se constitui em dinâmica própria nas áreas de fronteira. Essa dinamicidade dicotomiza com seus limites físicos diante da presença da porosidade ali estabelecida. Assim, este trabalho busca analisar através de dados socioeconômicos levantados de parte dos municípios da zona de fronteira internacional Brasil - Bolívia, o papel dos agentes sociais ou institucionais nessa área, bem como, relacionar a atuação dos diferentes atores no mesmo espaço, a zona de fronteira, com temporalidades diferenciadas. A partir dos dados identificar os elementos que reduz e dificulta a possibilidade de integração entre os países estudados, bem como, identificar os elementos que condicionam e solidificam a integração territórios. Para fins de análise dos municípios da faixa de fronteira, do Brasil e Bolívia, apresentados na área de trabalho foi metodologicamente, determinada uma área que envolve 150 quilômetros, a partir da linha demarcatória nos respectivos territórios nacionais, compreendendo em um polígono de 300 quilômetros. Ressalta-se, que, juridicamente, o tamanho da faixa de fronteira é variável dentro do território sulamericano. Os municípios envolvidos na pesquisa são: Cáceres, Porto Esperidião, Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade, na parte brasileira e, San Matias, San Ignácio de Velasco, San Rafael e San Miguel no Departamento de Santa Cruz na Bolívia. Assim, o estudo foi desenvolvido a partir de informações bibliográficas diversas, referentes ao tema proposto, dando ênfase às obras e dados oficiais dos países pesquisados, IBGE no Brasil e INE na Bolívia e em publicações diversas, além do apoio de observações de campo, na coleta de dados primários e na confirmação dos dados secundários. Ressalta-se, que, o embasamento teórico acompanhou todas as etapas do trabalho. Na atualidade os limites são determinados pelos fluxos realizados entre as instancias supranacionais que, definem e alteram as relações no campo econômico, político, social e cultural. Machado (1998), coloca que, o conceito de limite, como está asseverado na atualidade, foi reforçado pelo moderno conceito de Estado. Assim, os questionamentos são postos para estabelecer e caracterizar quais os tipos de intercâmbio são mediados pelos limites internacionais. Nesse sentido, o cientista político Friedrich Kratochwil (1986), propõem uma abordagem sistêmica da questão, partindo da premissa que os Estados modernos constituem um sistema, assim, como a outros sistemas, o de organização social, caracterizando-se por pertencer a uma ordem de tipo territorial. No espaço de fronteira, a zona de fronteira se compõe de atores, que, ao mesmo tempo são, produtos e processos das interações econômicas, culturais e políticas, tanto, espontâneas como promovidas. Machado (1988 p. 46), coloca que, \"[...] é o espaço-teste de políticas públicas de integração e cooperação, espaçoexemplo das diferenças de expectativas e transações do local e do internacional, e espaço-limite do desejo de homogeneizar a geografia dos Estados nacionais\". Nesse sentido, [...] a área de fronteira apresenta algumas condições associada à ambientes complexos. (MACHADO, 1988 p. 46). A complexidade do espaço fronteiriço é particularmente, aferido as identidades presentes nesse espaço, como Moura (1997, p. 99), em sua análise a respeito de fronteiras, envolve outras variáveis como parâmetros de análise, assim, a autora enfoca que as territorialidades são propostas a partir da transitoriedade dos territórios e, concomitante a esses movimentos, as indicações do local, são atribuídas pela identidade, que, ressalta os limites territoriais. A extensa fronteira seca, cerca 750 quilômetros, que mais une que separa o Brasil da Bolívia, pela falta de uma barreira física é, também, sustentada pela dinâmica socioeconômica local. A fronteira de Mato Grosso, no Brasil, com o departamento de Santa Cruz, na porção oriental boliviana, apesar de ser cortada por poucas estradas, oficialmente, reconhecidas, é permeada por inúmeros caminhos, que interligam fazendas e pequenas comunidades e, mantêm entre si, uma substancial conexão de sociabilidade. É por esses caminhos, onde são realizadas diversas atividades, como a realização das festas e do estabelecimento de uma base econômica local. O estabelecimento das relações de sociabilidade entre os caminhos, denominados de “cabriteiras” presentes nessa área, atendem, também, a proliferação de um poder paralelo as instituições de segurança. A prática do contrabando, tanto de drogas oriundo da Bolívia, quanto, em sentido contrário a passagem de produtos roubados brasileiros, são comumentemente realizados por esses caminhos. Essa situação justifica o aparato de segurança nesse espaço dispondo de dados de inteligência, que se conforma em unidade de trabalho fronteiriço, entre as unidades policiais envolvidas no acordo, nessa perspectiva o marco institucional deixa de existir e passa a conformar-se em uma região de atuação. Esses aspectos e, outras situações presentes e, inerentes da faixa de fronteira mato-grossense e boliviana, atribui a esse espaço a composição de territorialidades diferenciadas, considerado nesse contexto, as relações heterogêneas que são estabelecidas nos respectivos territórios nacionais. AO366 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Regionalização e Globalização [1344] TERRI TÓRI O E COM ÉRCI O N A FRON TEI RA: AS RELAÇÕES EN TRE M ATO GROSSO D O SUL E MERCOSUL. LISANDRA PEREIRA LAMOSO1; ELIANA LAMBERTI2. 1.UNIVERSI DADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS, DOURADOS, MS, BRASI L; 2.UNI VERSI DADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL, DOURADOS, MS, BRASIL. Resumo: Mato Grosso do Sul está dividido político-administrativamente em 78 municípios, com 44 deles na faixa de fronteira internacional. Desses, três são áreas urbanas que fazem contato fronteiriço contíguo, como conurbações internacionais. Neste contexto, o presente trabalho tem o objetivo de compreender a dinâmica das relações comerciais entre Mato Grosso do Sul e os países vizinhos; analisar os fatores que determinam a baixa integração comercial na faixa de fronteira e os determinantes das principais empresas exportadoras do estado. A atividade comercial é tema pouco recorrente na literatura geográfica recente. As contribuições partem, predominantemente, do campo da Economia, através de uma análise geométrica do espaço, como um sistema de distâncias e localizações. Para compreender a baixa integração comercial entre Mato Grosso do Sul e os países fronteiriços é necessário analisar as multidimensões do espaço geográfico como constituição histórica e como resultado de relações entre atores sociais, “a maneira pelas quais as estratégias dos agentes marcam o espaço em termos de produção e distribuição de riquezas, dando assim origem à formas e especificidades que caracterizam os territórios” (PECQUEUR e ZIMMERMANN, 2005, p. 78). As condições históricas definiram a divisão territorial do trabalho e a inserção do Centro-Oeste no capitalismo industrial, principalmente a partir dos anos setenta, com o avanço da cultura da soja para o abastecimento do mercado consumidor do Sudeste e para atender às necessidades da geração de divisas com as exportações. Tal análise, quando adotada para a compreensão das economias de aglomeração no interior de uma mesma nação é passível de comprovação empírica. No caso do comércio exterior, além do tamanho do mercado e dos custos de transporte, razões históricas determinaram as relações de comércio, entre eles os efeitos da política macroeconômica, notadamente os incentivos às exportações e a variação cambial. A integração entre os territórios, na economia globalizada, é cada vez mais dependente da modernização das infra-estruturas e essa modernização reflete, também, a capacidade dos atores regionais mobilizarem recursos e competências disponíveis nos territórios (MONIÉ, 2001). Condições satisfatórias de infra-estrutura provocam fluidez e o aumento da produtividade da cadeia logística e segundo Monié (2001), estão em estreita dependência das relações entre o segmento transporte e os serviços de apoio ao comércio e à produção, que agregam valor ao fluxo. Para a realização dessa pesquisa adotou-se o método deductivo, partindo da teoria para a observação da realidade. De acordo com Popper (apud MENDEZ, p. 20) “las teorias son redes que lanzamos para expresar aquello que llamamos el mundo: para racionalizarlo, explicarlo y domilarlo. Y tratamos de que la malla sea cada vez más fina”. Além da pesquisa de dados com base nos relatórios disponibilizados pelos órgãos oficiais, como Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Os referenciais teóricos são complementados pelas informações recolhidas sobre os principais produtos que fazem parte da pauta de exportação e importação tanto especificamente do Mato Grosso do Sul como dos demais integrantes do Mercosul; a análise da participação do comércio intra-regional na perspectiva do comércio mundial e o detalhamento das características das principais empresas exportadoras. A baixa integração comercial de Mato Grosso do Sul com os países fronteiriços a partir da consideração do espaço não como um fator físico, restrito à proximidade geográfica e sim como um elemento constituído historicamente, destacam-se as simetrias para explicar o baixo intercâmbio. Bolívia, Paraguai e Mato Grosso do Sul tem uma matriz produtiva semelhante, como exportadores de produtos primários e importadores de manufaturados, o que dificulta a integração de suas balanças comerciais. A condição de “estar na fronteira” representa pouco para as relações comerciais internacionais do estado, na medida em que esta “localização” é reduzida à proximidade física, reduzida à noção de distância entre o Mato Grosso do Sul e os países fronteiriços. Os principais parceiros comerciais do estado são países europeus e asiáticos. As importações, que pelo volume poderiam representar uma aproximação com a vizinha Bolívia, estão pautadas exclusivamente na importação do gás natural. Portanto, o comércio exterior do Estado de Mato Grosso do Sul é predominantemente voltado para os países europeus e asiáticos, mesmo com sua condição geográfica de localização afastada dos principais portos do Oceano Atlântico e próximo a países latino-americanos com Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Em 2005, Mato Grosso do Sul exportou cerca de 1% do total das exportações brasileiras com predomínio dos produtos básicos. Quanto às importações, a proporção inverte-se em favor dos produtos industrializados. Nesse intercâmbio, predomina a exportação de soja e carne bovina e a importação de gás natural. A soja é tradicional produto voltado à exportação, para complementação protéica do rebanho europeu e a carne bovina é bem aceita tanto nos mercados asiático quanto europeu em função do predomínio das pastagens naturais na nutrição animal (“boi verde”) e as condições naturais no estado favorecem as vantagens comparativas para essa produção. Tanto a soja quanto a carne bovina também são produzidos nos países vizinhos, o que gera pouca margem de comercialização no mercado platino, onde Uruguai e Argentina inclusive são tradicionais exportadores desses produtos. As principais empresas exportadoras do Mato Grosso do Sul – os frigoríficos e as empresas que comercializam grãos – têm suas unidades organizadas para atender a um mercado maior que o mercado local ou regional e priorizam os ganhos de escala possíveis nos mercados mais tradicionais, como América do Norte, União Européia e mais recentemente os países asiáticos. Até mesmo a produção de aves e suínos, que tem crescido no Estado desde a década de oitenta, está organizada em função dos mercados europeus e asiáticos, não havendo relações de comércio dessa produção com os países fronteiriços do Mercosul. A matriz produtiva do estado não está construída para integrar-se com as cidades estrangeiras vizinhas ou mesmo com a demanda importadora dos países do Mercosul, pois o território constituiu-se enquanto rede, em função da demanda européia e asiática pela sua escala de consumo. As simetrias produtivas tendem a incompatibilizar as trocas entre Mato Grosso do Sul e países fronteiriços, ambos elaborados e determinados pela ação dos grandes grupos da cadeia produtiva de grãos e carnes. AO367 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Regionalização e Globalização [1474] EN TRE O VI RTUAL E O REAL: O QUE EFETI VAM EN TE SE CON CRETI ZOU EM 1 0 AN OS D E APROXIMAÇÃO BRASIL / FRANÇA COM INCIDÊNCIA PARA A FRONTEIRA (1996- 2006)? GUTEMBERG DE VILHENA SILVA. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL. Resumo: Objetivo do trabalho Verificar como ficou a dimensão pensada e a efetivamente concretizada de cooperação transfronteiriça nos 10 anos (1996-2006) em que se projetaram políticas territoriais para a fronteira franco-brasileira. Referencial teórico A questão debatida sobre fronteiras políticas na atualidade tem ganhado força. Reconhece-se, conforme Rückert (2005, p. 02), a necessidade de se analisar diferenciações territoriais emergentes, novos significados que adquirem os usos políticos do território, e as novas formas e conteúdos territoriais que configuram-se plenos de rupturas de paradigmas. Para as fronteiras, Valenciano (1996, p. 187) coloca que somente num passado recente alguns Estadosnacionais “seletivamente” formaram cooperações transfronteiriças. A metamorfose da fronteira, de discriminante à permeável e articulante, entre economias vizinhas, permite constituir-se sua redefinição de sentido/função em processos de integração, apontado também por Courlet (1996) e que vai ao encontro do que foi colocado anteriormente a partir de Ruckert. Brasil e França por quase todo o século XX mantiveram uma fronteira-opaca, discriminante, em que políticas territoriais para aquele lócus não foram criadas. Alguns trabalhos recentes têm mostrado um quadro analítico de metamorfoses para aquela fronteira. Num desses, Silva & Ruckert (2006) buscaram entender como está se organizando o Brasil, através do estado do Amapá, no que diz respeito a algumas formas espaciais de ligação com o Caribe e Europa, via rodovia transguianense, a qual engloba todos os territórios pertencentes ao platô das Guianas, e que tem na Rodovia Federal brasileira BR 156 e na construção de uma ponte binacional Brasil / França, ligando o Estado do Amapá à Guiana Francesa, alguns pontos conectores. Mais recentemente, este autores (2007), fizeram um ensaio em que tratam da organização de um mundo em redes geográficas formadoras de territórios em redes, as quais fornecem elementos bastante interessantes para temas de pesquisas, tais como essa relação transfronteiriça Brasil / França, utilizando escalas geográficas como método de procedimento. Importa destacar que projetos como esses transfronteiriços são essencialmente questões políticas em suas concepções, pois dependem não somente da decisão interna, mas também de uma vontade concordante do (s) país(es) vizinho(s). O que se verifica, no avanço ou não da cooperação transfronteiriça,é que está relacionada em diversos casos, como o aqui tratado, com competência de diversas jurisdições; às assimetrias entre as unidades participantes; à incompatibilidade de procedimentos sobre um mesmo assunto; e a dificuldade de diálogo entre instâncias envolvidas. Principais questões Em 1996 é promulgado, Acordo-Quadro reconhecendo a especificidade da fronteira comum entre o Brasil e a França. O acordo, como instrumento jurídico, tornou-se o mecanismo que forneceu uma moldura institucional ampla, estreitando os vínculos entre aquelas nações e mercados regionais. Nos 10 anos aqui contemplados, vários foram os eixos pensados para a cooperação transfronteiriça, os quais são elencados a seguir sumariamente: .Educação principalmente na capacitação de professores; Agricultura: objetivando a erradicação, ou pelo menos, o controle e/ou monitoramento da mosca da carambola (Bactrocera carambolae); Segurança: buscando o fortalecimento de intercâmbios entre os dois serviços aduaneiros, bem como criar condições especiais que permitam o tráfego Macapá-Cayenne. Meio Ambiente; A proposta em geral é de proteção; projetos de cartografia temática de ecossistemas tropicais; desenvolvimento de intercâmbios técnicos para tratamento de água e lixo nas maiores áreas urbanas; Saúde: girando em torno de medicina de emergência, telemedicina e nas ações em torno de doenças tropicais comuns na fronteira (Dengue e Malária); Energética: com projeto de construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) no rio Oiapoque, assim como intercâmbios de técnicos na área de energia renovável, solar e Biomassa; Turismo: A ligação aérea permanente com a Guiana Francesa incluindo o Amapá nas rotas de turistas provenientes da Europa que visitem a Guiana Francesa; Transportes, cuja cooperação caminha mais rapidamente, já que envolve multiplos interesse diretamante. A pavimentação total da BR 156, ligando Macapá (Capital) ao Oiapoque (extremo Norte), é um fator de integração do Brasil com os países do Platô das Guianas( França / Guiana Francesa, Suriname, República da Guiana e Venezuela) após a construção de ponte binacional entre Amapá e Guiana Francesa. Metodologia Fez-se uma pesquisa bibliográfica sobre exemplos de enlaces internacionais relacionados a Estados lindeiros; buscou-se em órgãos oficiais, principalmente na Agência de Desenvolvimento do Amapá, sessão de Relações internacionais, e no Ministério das Relações Exteriores, todos os documentos relacionados à cooperação transfronteiriça Brasil e França; e, por fim, foram visitadas as cidades-gêmeas de Saint Georges / Guiana Francesa e Oiapoque / Amapá para se verificar in loco um pouco da dimensão de cooperação. A partir da relação dos elementos acima mencionados, foi montada a análise do que se pensou desde o início da cooperação (1996) até o ano de 2006 quando se completou uma década de proposta de integração transfronteiriça. Conclusão Muitas das propostas de cooperação entre Brasil e França nas diversas áreas mencionadas para a fronteira não saíram do papel. A complexidade das relações ali construídas, envolvendo diversas esferas nacionais e internacionais; a falta de diálogo entre jurisdições envolvidas, pelo menos do lado brasileiro; incompatibilidade de procedimentos sobre um mesmo assunto; uma forte burocracia política, e também a falta ou o descaso de interesses de algumas autoridades, caracterizou, e ainda tem se caracterizado, como uns dos principais entraves para efetuar um enlace mais eficaz das ações transfronteiriças. AO368 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Regionalização e Globalização [1192] GEOECONOMIA E INSTITUIÇÕES: O CASO DA PETROBRAS E DA PDVSA. MARGARIDA MARIA CARNEIRO LEÃO MATTOS. UFRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: GEOECONOMIA E INSTITUIÇÕES: O CASO DA PETROBRAS E DA PDVSA Pelo que determinaram em matéria de grandes transformações e pelos conflitos e problemas a que estiveram relacionados, sem dúvida o século XX e o petróleo são indissociáveis. Foi na última centúria que progresso técnico nas formas de utilização do petróleo alcançou todos os aspectos da vida dos povos, passando a desempenhar papel determinante na economia e nas relações entre países, provocando guerras e consolidando alianças. Assim, a prospecção, produção, refino e distribuição do petróleo passaram a ser atividades importantes para os países e, em conseqüência, a sua regulamentação uma questão estratégica. Na América do Sul, ainda no século XIX, empresas inglesas e norte-americanas exploravam as jazidas mediante concessões e a nacionalização das reservas coincidiu com o desenvolvimento da economia do petróleo, a partir da constatação da sua importância para o desenvolvimento dos países. A criação de empresas estatais para gerir o recurso em todas as suas etapas de produção, foi a forma encontrada pelos Estados para manter sob seu comando a atividade petrolífera. Na verdade, a condição estratégica do petróleo o fez situar-se no núcleo das transformações que, ao longo do século XX, determinaram a reestruturação produtiva, a abertura dos mercados, a mudança da função do Estado e de sua capacidade regulatória. O objetivo do trabalho é analisar, sob o ponto de vista institucional, a relação entre o Estado e a empresa estatal petrolífera mediante o cotejo das trajetórias da Petróleo Brasileiro S. A. – PETROBRAS e da Petróleos de Venezuela S. A. – PDVSA, bem como comentar as dinâmicas territoriais decorrentes daquela relação. Levantam-se ainda, algumas considerações sobre as conseqüências da atuação daquelas empresas para a integração energética do continente sul-americano. O contexto teórico no qual se pretende desenvolver a análise remete à geoeconomia, aqui entendida como a análise das relações entre espaço e poder, o qual se manifesta por meio de estratégias de ordem econômica conduzidas pelos Estados, para proteger e promover sua economia nacional (LOROT, 1999). Essa abordagem se afigura adequada para dar conta das dinâmicas territoriais conformadas a partir, principalmente, da II Guerra Mundial e das mudanças das relações entre países e nos seus modos de produção. Data dessa época a abertura dos mercados, o intenso progresso tecnológico e das comunicações com a conseqüente deslocalização da produção e a constituição de empresas transnacionais, com capacidade de alavancagem e circulação de capitais. Até então, somente os Estados-Nação detinham o poder de decidir sobre a economia de seus países, mas a influência crescente das empresas mundiais as credenciou para alinharem-se entre os principais atores do contexto mundial. Nesse ponto, a perspectiva das fronteiras e limites do Estado como espaços de sua produção sofre uma transformação importante modificando o conceito de mercado nacional (EGLER, 2001), e fazendo com que os interesses das nações penetrem os territórios de outros países onde quer que suas empresas desenvolvam atividades. Nesse cenário, a empresa petrolífera, multinacional e/ou estatal, ganha uma condição ao mesmo tempo estratégica e complexa para o seu Estado de origem. A rigor, os territórios de atuação da empresa fora do seu país são mercados domésticos (EGLER, op. cit.) e, consequentemente, dividem o interesse e o poder entre as nações envolvidas. Neste ponto, fica clara a necessidade de se aportar à análise as referências da escola neo-institucionalista, para melhor compreender a importância e o papel das instituições no desempenho das economias, e do Estado como detentor da capacidade de regulação (NORTH, 1991). Normas e regulamentos configuram instituições que, ao longo do tempo e em diferentes espaços determinam o desempenho mais ou menos eficiente da economia. Assim, organizações são criadas para aproveitar oportunidades surgidas a partir de instituições, formais e informais, desenvolvidas no seio da sociedade. Sob essas referências teóricas analisase o desenvolvimento da Petrobras e da PDVSA, os pontos comuns e divergentes nas suas trajetórias e as condições atuais de atuação conjunta. A Petrobras nasceu em 1953, embora as preocupações com a regulamentação da atividade petrolífera já estivessem presentes desde 1939, com a promulgação da chamada “lei do petróleo” e a criação do Conselho Nacional do Petróleo. A consciência da importância da disponibilidade de petróleo para sustentar a indústria nascente, juntava-se à percepção da limitação das reservas onshore de petróleo e gás, acessíveis à tecnologia dominada pela empresa (ALVEAL, 1999). Tais limitações ficaram ainda mais evidentes por ocasião do choque do petróleo no início dos anos 1970, reforçando, no âmbito do Estado, a preocupação de dotar a empresa de investimentos e normas adequadas para o maior desenvolvimento dos recursos humanos e das pesquisas de prospecção offshore. Quando em 1988, a nova Constituição foi promulgada, foram abertos os caminhos para a mudança no marco regulatório que conduziu à quebra do monopólio da exploração em 1997. Detendo a maior parte do capital da empresa o Estado ainda tem influência nas decisões mais críticas, embora a gerência e a estratégia aproximem-se mais das de uma empresa privada. A par das referências mais antigas e mesmo algumas lendas, a exploração do petróleo na Venezuela já se fazia desde 1914 e em quantidade tal que, em 1930, cerca de 100 empresas estrangeiras se registraram para exploração dos abundantes recursos petrolíferos. A exploração sob concessão prosseguiu, tendo a intervenção do Estado limitada quase que exclusivamente à taxação de 50% dos lucros das empresas exploradoras. A Venezuela foi uma das signatárias originais da criação da Organização dos Países Produtores de Petróleo – OPEP, em 1960, mas, somente em 1976, constituiu a PDVSA. Consolidada na década de 1980, a empresa participa de empreendimentos de refino na Europa, nos Estados Unidos e no Caribe. Mercê da extrema dependência do país ao petróleo, a PDVSA tem sua regulação e estratégias muito ligadas às necessidades do país. Assim é que, particularmente a partir de 2002, a empresa vem sendo cada vez mais vinculada às ações e estratégias políticas e de desenvolvimento do governo, uma simbiose sintetizada no fato de o presidente da empresa ser também o Ministro das Minas e Energia. Nos últimos anos e mais recentemente com a entrada da Venezuela no Mercosul, abrem-se possibilidades de trabalhos conjuntos entre as duas empresas, no território venezuelano e também no Brasil. As questões de regulação envolvidas em tais projetos refletem exatamente a relação que cada uma das empresas mantém com seu Estado e, por vezes, a inconformidade entre os objetivos dos governos e as necessárias estratégias de longo prazo das empresas. Referências ALVEAL, C. Estatais Petrolíferas Latinoamericanas no Século XX: um complexo heterogêneo de trajetórias de um capitalismo de intervenção estatal frágil, 1999. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/abp/he1999/029.html Acessado em 13 maio de 2007. EGLER, C. A. Integração Econômica e redes logísticas no Cone Sul, 2001. Disponível em: http://www.laget.igeo.ufrj.br/egler/pdf/Conesul.pdf. Acessado em 10 de maio de 2007. LOROT, P. La nouvelle grammaire des rivalités internationales. In : LOROT, P. (org.) Introduction à la Géoéconomie. Paris : Economica, 1999, p. 11-20. NORTH, Douglass C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge; Cambridge University Press, 1990, 15° ed., 2002, 152 p. AO369 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Regionalização e Globalização [1403] ENERGIA E CONFLITOS TERRITORIAIS NA AMÉRICA DO SUL: UMA VISÃO GEOECONÔMICA. CLAUDIO ANTONIO EGLER. UFRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: Apresentação A Declaração de Margarita, firmada pelos chefes de estado sul-americanos em abril de 2007, embora aponte para a busca da integração energética continental, não esconde os conflitos de interesses econômicos e diversidade de orientações políticas sobre os rumos que tomará esse processo nos próximos anos. Esse trabalho procura mostrar que os conflitos e ajustes em torno dos recursos energéticos revelam um novo estágio das relações sul-americanas e que devem ser analisados considerando os seus aspectos geoeconômicos, já que novos agentes sociais estão presentes, cuja atuação é pautada principalmente por vínculos econômicos estabelecidos pelas novas redes continentais construídas no final do século XX. Contextualização O processo de integração energética na América do Sul pode ser, grosso modo, dividido em três períodos distintos: o primeiro deles se estende desde os primórdios do século XX até a Segunda Grande Guerra, e se manifesta através de acordos isolados, com efeitos geográficos pontuais, como aquele firmado entre a Argentina e o Paraguai (1926), visando o aproveitamento energético e a garantia de navegação da Bacia do Alto Paraná, com especial atenção à ilha de Apipé, cujo potencial hidroelétrico era reconhecido. Inclui-se também nesta fase o Acordo de Roboré (1938) entre Brasil e Bolívia, no qual o governo brasileiro se comprometia a construir a ferrovia Corumbá - Santa Cruz de la Sierra, em troca de concessões nos campos petrolíferos na faixa sub-andina boliviana e de pagamentos em petróleo cru. Embora os resultados efetivos destes acordos tenha sido praticamente nulo, do ponto de vista da integração energética, os conflitos por recursos foram marcantes, como foi o caso da Guerra do Chaco (1932 a 1935), ente a Bolívia e o Paraguai para disputar uma área que seria rica em petróleo. A Guerra do Chaco provocou quase 100 mil mortos entre bolivianos e paraguaios, e fez o país perder 200 000 quilômetros quadrados para o Paraguai. Na Bolívia, é conhecida como \"Guerra do Petróleo\". O segundo período estende-se desde o imediato pós Segunda Guerra Mundial até o final da década de 1970 e é marcado pelos chamados \"trinta anos gloriosos\" da economia mundial e pelo processo de industrialização nacional substitutiva de importações nas duas principais economias da América do Sul: Brasil e Argentina. Neste período, a crescente demanda de energia resultante da industrialização pesada e da acelerada urbanização coloca na ordem do dia a busca de fontes de energia para além dos limites nacionais. Neste contexto, em 1958 a Argentina e o Paraguai iniciam os entendimentos para o aproveitamento energético das quedas de Yacyretá e Apipé, no trecho do Rio Paraná entre os dois países, da mesma maneira que em 1966, o Brasil e o Paraguai iniciam as conversações para o aproveitamento dos recursos hidráulicos compartilhados, firmando a Ata de Iguaçu, uma declaração conjunta que manifestava a disposição para estudar o aproveitamento dos recursos hidráulicos \"desde e inclusive o Salto de Sete Quedas até a foz do Rio Iguaçu\". A disputa entre Brasil e Argentina em torno da utilização do potencial hidráulico da Bacia do Prata (Yahn Filho, A. G., 2006) vai conferir ao Paraguai papel decisivo no abastecimento de energia elétrica para o Cone Sul e perdura até o final da década de 1970, quando foi assinado o Acordo Tripartite entre Brasil, Paraguai e Argentina (1979), para aproveitamento dos recursos hidráulicos no trecho do Rio Paraná desde as Sete Quedas até a foz do Rio da Prata, seguido do Acordo para Uso Pacífico da Energia Nuclear Brasil-Argentina em 1980, que conferiu ao Rio Paraná papel decisivo na integração energética regional, através da construção de grandes barragens binacionais, como a de Itaipu e de Yacyretá e, como resultado dos ajustes alcançados no setor nuclear, conferiu o status de zona militarmente desnuclearizada à América e ao Atlântico ao sul do Equador. De 1980 até os dias atuais, período marcado pela crise e reestruturação da economia mundial e pela emergência dos países asiáticos como China, Coréia do Sul e Índia no cenário global, a integração energética sul-americana apresentou movimentos contraditórios. Do ponto de vista da América do Sul, este período pode ser divido em duas fases distintas: a primeira, que se estende até os primórdios do século XXI é caracterizada pelo ajuste passivo à globalização, com a liberalização dos mercados nacionais, a desregulamentação estatal e a privatização das empresas estatais. Nesta fase, apesar dos problemas resultantes do ajuste passivo, a dinâmica das grandes empresas do setor energético, privatizadas ou não, acompanharam as iniciativas de integração regional e estendem suas redes para alem das fronteiras nacionais, em especial as duas principais economias do Cone Sul, Brasil e Argentina, que passam a buscar novas fontes de energia – principalmente gás natural, incorporando a Bolívia como uma peça chave no contexto energético regional. Nesse contexto, pode-se compreender da formação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) através do Tratado de Assunção, descrito por Moniz Bandeira (2003: 484) como um \"esforço de construção do espaço econômico comum da Bacia do Prata\". A segunda fase, que de certa maneira representa uma conseqüência dos resultados desastrosos das décadas de liberalização, corresponde a emergência de governos nacionais de cunho popular, que buscam enfrentar o passivo social através das receitas obtidas pela produção e comercialização de recursos energéticos. É o caso da Venezuela, da Bolívia, e, mais recentemente, do Equador. O Paraguai, embora governado por conservadores, também poderia ser incluído entre os países que buscam aumentar suas receitas através da renegociação dos valores obtidos pela comercialização de energia. Neste contexto, observa-se um movimento contraditório, pois de um lado a integração energética sulamericana é decisiva – inclusive para manter e ampliar as receitas de economias como a Bolívia e o Paraguai, de outro a ausência de um marco regulatório continental está criando zonas de tensão que se propagam pelo interior dos próprios territórios nacionais, como é o caso paradigmático da Bolívia, onde os conflitos territoriais estão se agudizando entre os departamentos do Altiplano e os das zonas baixas do Chaco e da Amazônia. Referencial teórico Geopolítica e geoeconomia não são campos excludentes. Se de um lado, a geopolítica se fundamenta no controle estratégico dos lugares, a geoeconomia atua preferencialmente sobre a logística das redes. É essa articulação que define as relações espaciais de poder entre domínios e fronteiras, que redesenham constantemente os contornos do mapa do mundo atual. Neste cenário, a principal noção que serviu de base à geografia econômica, isto é, o mercado nacional, tem hoje reduzido poder de explicação sobre o comportamento dinâmico da produção e distribuição de bens, em grande parte devido às condições de integração multilocacional das cadeias produtivas. Da mesma maneira, a noção de limites, como uma linha divisória entre os territórios e mercados nacionais, devido a fluidez dos circuitos internacionais de bens e capitais, perdeu boa parte de seu poder explicativo, na medida em que os instrumentos clássicos de atuação do Estado-nação perdem seu poder de estabelecer fronteiras, em função do poder que dispõem as firmas transnacionais para delimitar, através de mecanismos econômicos, suas respectivas áreas de influência. A busca por recursos energéticos revela um novo estágio dos conflitos globais (Klare, M. T., 2002) e a configuração atual das estruturas produtivas ampliaram o papel da logística como instrumento de manutenção do domínio sobre os mercados domésticos e de abertura de novas fronteiras através da extensão de novas redes, cujo controle é compartilhado com empresas, cujas sedes – na maioria das vezes, estão situadas fora dos territórios nacionais. Neste contexto, a integração sul-americana está marcada por conflitos que se originam, tanto no passado remoto, como também na aplicação do receituário do “consenso de Washington” para enfrentar os desafios da globalização (Silveira, M. L., 2005) Desde meados da década de 1990, é possível observar um crescimento da abordagem institucionalista nos trabalhos de Geografia Econômica (Scott, 1995; Storper,1997; Jessop, 1995; Peck, 2000; Cumbers, A, Mackinnon, D e Mcmaster, R, 2003) que analisam a mudança do papel do Estado como agente econômico para o fortalecimento das funções de regulação, que em uma perspectiva dinâmica que não priorizam uma escala específica, mas ao contrário, consideram as regiões produzidas e reproduzidas pela ação de organizações e instituições. A aplicação desta concepção ao setor energético sul-americano já resultaram em diversos trabalhos, dos quais se destacam Egler, C. A. G. (1995 e 2006) e Egler, C. A. G. e Pires do Rio, G. A. (2003), onde procurou-se mostrar a relevância dos marcos regulatórios, em um contexto institucional e geoeconômico. Considerações finais O trabalho aponta para a importância da aplicação da geoeconomia, apoiando-se firmemente em sua leitura do papel das instituições e organizações na configuração do espaço econômico, para desvendar a origem dos conflitos e ajustes que se manifestam no processo de integração energética sul-americano, discutindo suas possibilidades futuras, que cada vez mais dependem do estabelecimento de um marco regulatório continental, capaz de ajustar a operação das empresas energéticas nacionais, como a PDVSA ou a Petrobrás, aos objetivos maiores de desenvolvimento regional. Referências bibliográficas EGLER, Claudio A. G. (1995). Integração Econômica e Redes Logísticas no Cone Sul. In Santos, T.C. (ed.). Tendências e Desafios da Integração do Brasil Contemporâneo. Brasília: MMA. pp. 312-326. Egler; (2006). Mercosul: um território em construção? Ciência e Cultura (58) 1, 24-28. EGLER, C A G e PIRES DO RIO (2003): “O novo mapa institucional: o papel das agências reguladoras na gestão do território”. Anais do V Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação de Pesquisa em Geografia. Florianópolis, 3 a 5 de setembro. CUMBERS, A, MACKINNON, D e MCMASTER, R (2003): “Institutions, Power and Space: Assessing the limits to institutionalism in Economic Geography” European Urban and Regional Studies 10(4):325-342. JESSOP, B. (1995): “The regulation approach, governance and post-fordism: alternative perspectives on economic and political change?” Economy and Society 24, 307-333 KLARE, Michael T. (2002). Resource Wars. The New Landscape of Global Conflict. New York: Henry Holt, 289 p. MONIZ BANDEIRA, Luiz A. (2003). Brasil, Argentina e Estados Unidos - Conflito e integração na América do Sul (Da Tríplice Aliança ao Mercosul 1870-2003). Rio de Janeiro: Revan, 688 p. PECK, J. (2000): “Doing Regulation”. In CLARK, G. L, MARYANN, P. F. e GERTLER, M.(eds.) The Oxford Handbook of Economic Geography. Oxford: Oxford University Press. SCOTT, R W (1995):Institutions and organizations. Londres: Sage. SILVEIRA, Maria L. (ed.) (2005). Continente em chamas. Globalização e território na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 287 p. STORPER, M (1997): The Regional World: territorial development in global economy. New York: Guilford. YAHN FILHO, Armando Gallo (2006), Aproveitamento Hídrico na Bacia do Prata: entre o conflito e a cooperação. III Encontro da ANPPAS, Brasília, DF , mimeo. AO215 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia da Saúde [1265] GRI PE EM CURI TI BA/ PR: A I N FLUÊN CI A D E ALGUN S FATORES SÓCI OAM BI EN TAI S N A INCIDÊNCIA DE 2004 E 2005. LEANDRO RAFAEL PINTO. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: A cada dia os estudos das relações entre ambiente e sociedade possibilitam novas descobertas. Atualmente sabe-se que para estudar todo o complexo que envolve uma doença que afeta a um grupo social, faz-se necessário um aprofundamento em toda a cadeia que envolve esta relação, ou seja, no âmbito dos fatores ambientais, biológicos, sociais, econômicos, dentre outros, da enfermidade envolvida. A gripe tem sempre sido de destaque na história da humanidade, principalmente nos últimos anos pela possível ameaça de uma pandemia mundial após os casos de gripe aviária ocorridos na Ásia e Europa. Em Curitiba, tem-se por premissa que as condições climáticas típicas de subtropicalidade favorecem no aparecimento contínuo de novos casos de gripe na população, esquecendo assim dos outros fatores que podem vir a influenciar na doença como os ligados as questões das relações sociais. O presente estudo, desenvolvido no campo da Geografia da Saúde, traz algumas contribuições no entendimento da influência das variáveis geográficas na distribuição temporal (sazonal) e na distribuição espacial dos casos de gripe em Curitiba nos anos de 2004 e 2005. Com este período de apenas dois anos não é possível chegar a nenhum padrão da incidência apenas uma análise típica, porém mesmo assim objetiva-se: mostrar quais os períodos de maior ou menor incidência da doença nos anos analisados, de que forma as variáveis metereológicas influenciam nesta sazonalidade e como a distribuição das variáveis sociais nos bairros de Curitiba interfere na própria distribuição da doença. Na abordagem utilizada no presente trabalho optou-se por desenvolver a concepção de multicausalidade (abordagem sistêmica), em que preconiza que a doença não é conseqüência exclusiva da ação de um único agente, mas que fatores interagem para que ela se manifeste. Qualquer ruptura do sistema composto pelo agente (o vírus influenza), o homem (e suas relações sócio-econômicas) e o ambiente (neste caso optou-se pelo clima) ou sua desestabilização, geraria um estado de doença. Para tanto, optou-se por desenvolver este estudo num referencial teórico da Geografia da Saúde que tem como base os estudos referentes à influência dos fatores geográficos nas doenças atuais (novas ou reincidentes), ou na administração dos recursos de saúde, ou seja, a Geografia da Saúde ocupa uma posição nodal, é um espaço onde convergem ou se cruzam fenômenos naturais e sociais. Para este estudo, os dados dos casos de gripe foram coletados junto ao Boletim Eletrônico de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba por semana epidemiológica. Os dados sociais utilizados foram fornecidos pelo IPPUC. Os dados metereológicos (temperatura do ar, umidade relativa e precipitação) foram coletados pela estação de Curitiba do INMET. Os dados supramencionados foram tratados estatisticamente e depois organizados em um banco de dados único e seqüencialmente foram espacializados bairro a bairro para uma melhor visualização da distribuição espacial, além da confecção de gráficos e tabelas para a visualização da distribuição têmporo-sazonal. Depois de feita as devida correlações e análises os principais resultados encontrados foram: A) Os dois anos apresentaram-se de maneiras diferentes na distribuição mensal dos casos de gripe, juntos totalizaram mais de 688000 casos na cidade, sendo que para o ano de 2004 a manifestação maior foi nos meses de abril, maio e junho, ou seja, meses com características de outono, tendo um declínio nos meses de inverno, um leve aumento nos meses de setembro, outubro e novembro (típicos de primavera) e um forte declínio no final do ano em dezembro e mantendo-se nos meses de janeiro e fevereiro do ano seguinte, ou seja, meses com características de verão, para o ano de 2005 observa-se também uma manifestação maior nos meses de outono, com destaque para os meses de maio e junho, e o inverno, ao contrário de 2004, manteve os índices altos sendo que o mês de agosto foi o mais expressivo do ano totalizando mais de 44000 casos, no restante dos meses os índices diminuíram. B) A ocorrência de forma cíclica dos casos pode estar relacionada com a grande variação dos tipos de tempo encontrados em Curitiba para os dois anos, pois as variações de temperatura aliadas a precipitação influenciam na ocorrência dos casos e ambas as variáveis não se apresentaram iguais em sua distribuição para os anos de 2004 e 2005. C) Em geral, a síndrome gripal mostrou uma distribuição nãouniforme pelo território curitibano, concentrando-se com maior destaque no bairro do CIC (aproximadamente 54000 por ano), e com concentrações significativas na porção do semi-anel ao sul da área central curitibana. Os bairros periféricos ao centro de Curitiba, excluso o mesmo, apresentaram os menores números de casos para os anos analisados. D) Pode-se também demonstrar a relação direta existente entre as variáveis sociais e o número absoluto de casos da doença por bairro. Nos bairros mais populosos, de maior quantidade de habitantes por domicílio, aliado ao fato da baixa renda e condição de pobreza crítica, houve um favorecimento para o elevado número total de casos. A região central de Curitiba, caracterizada por ser uma região onde se tem as melhores condições de vida e renda, apresentou os menores números absolutos de casos, exceto o bairro do Centro, que por suas características de alta circulação populacional diária, grande número de estabelecimentos comerciais, financeiros e administrativos (que remete a noção de “confinamento”) fazem com que o número total de casos seja mais elevado. Entender as mais diversas relações existentes entre doença – ambiente – sociedade é de suma importância para todos e a Geografia da Saúde vêm por trazer sua contribuição, ampliando seus conhecimentos, suas áreas de trabalho e seu caráter transdisciplinar para se tornar uma ciência de cunho prático e útil. AO216 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia da Saúde [1469] “N OVAS TERRI TORI ALI D AD ES”, “N OVOS LUGARES” E A SAÚD E AM BI EN TAL EM PORTO ALEGRE. ROSA MARIS ROSADO1; MARLA FERNANDA KUHN2. 1.CGVS- PMPA, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL; 2.CVGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL. Resumo: Na década de 80 no Brasil foram promovidas iniciativas para se instituir, no âmbito do setor saúde ações de Vigilância do Meio Ambiente, de acordo com a constituição de 1988 e a Lei orgânica de Saúde de 1990. Mas é a partir do ano 2000 que o Ministério da Saúde formula a denominada Vigilância Ambiental, hoje Vigilância em Saúde Ambiental que no caso da cidade de Porto Alegre é gerenciada pela Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre na Coordenadoria Geral de Vigilância em Saúde CGVS. A Vigilância em Saúde Ambiental pode ser entendida como um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de recomendar e adotar medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos e das doenças ou agravos relacionados à variáveis ambientais. Propor e recomendar políticas públicas de Saúde sem um conhecimento da cidade é desastroso, por isso acreditamos ser o olhar geográfico para a forma urbana uma significativa contribuição para o conhecimento dessa dinâmica . Nos parece importante delimitar dentro do campo da Saúde Ambiental que a questão local, seus territórios dinâmicos configuram-se na escala a ser pensada nas reflexões relacionadas a este campo. Para alguns autores, a questão local não é de permanência num mundo que muda, uma das dificuldades está nas formulações de pesquisadores que preferem se ater na estabilidade, ao passo que as realidades de que eles falam são apreendidas muito melhor a partir da mudança. Em Porto Alegre, o reconhecimento do papel do território para a gestão da saúde ambiental, é um passo básico para a caracterização da população e seus problemas de saúde.Além disso, permite o desenvolvimento de um maior vínculo entre os serviços de saúde e a população. É necessário compreender a racionalidade do espaço, entendida historicamente e fruto das redes, expressa por meio do conteúdo geográfico do cotidiano, conceito que ajuda a desvendar a (re) produção da forma urbana. Partimos do entendimento, sugerido por Milton Santos, de perceber que a característica mais importante do lugar é de sua própria existência, a escala é a do cotidiano e seus parâmetros são a co-presença, a vizinhança, a intimidade, a emoção, a cooperação, e a socialização com base na contigüidade, reunindo na mesma lógica interna todos os seus elementos: pessoas, empresas, instituições, formas sociais e jurídicas e geográficas. Identificamos nos lugares, contextos de usos dos territórios diferenciados compreendidos como vulneráveis para a saúde humana. Na maioria das vezes o planejamento da política pública de saúde, no caso de Vigilância em Saúde Ambiental, não teoriza sobre as bases de um urbanismo que tem dificuldade de pensar como apresentam alguns autores o “fluxo como modo de morar”, sua apresentação da “cidade território” e da “cidade natureza” não apreende a extensão territorial das cidades como um mal. Nas considerações teóricas à cerca da descentralização populacional nas cidades, cada vez mais extensiva das novas áreas industriais, verificamos um espaço urbano fragmentado e disperso, em que se podem distinguir os diferentes usos com diferentes conteúdos sociais, desde zonas de pobreza absoluta aos mais excludentes conjuntos residenciais . Podemos identificar Porto Alegre como uma cidade difusa, contendo um número elevado de condomínios indo para áreas de periferia, produzindo novas centralidades. Esse fenômeno produz um efeito no campo da Saúde Coletiva e Vigilância em Saúde Ambiental constituindo-se objeto constante de busca de conhecimento. Mas, quais os efeitos a Saúde humana decorrente do impacto ambiental dessas novas centralidades? Devemos inicialmente considerar que o modelo de desenvolvimento no Brasil, com característica desordenada e sem planejamento, favoreceu a ocorrência de níveis crescentes degradação ambiental. A contaminação do solo por substâncias químicas representa riscos à saúde pública e a mobilidade ou transporte dessas substâncias pode influenciar na qualidade da água, do ar e do solo, portanto, interferindo na saúde ambiental. O conhecimento desses novos lugares e novas territorialidades nas cidades é fundamental para a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, podendo com isso atingir sua finalidade de recomendar e adotar medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos e das doenças ou agravos relacionados à variável ambiental. Podemos pensar a Gestão em Saúde Ambiental na cidade levando em conta dois planos de territorialidade, o primeiro opera sobre as normas e regramento do uso de recursos disponíveis,e o segundo, diz respeito à ciência e técnica das políticas territoriais, processos interativos e políticas em rede, atuando sobre as interações. Podemos verificar que a construção de um sistema de vigilância em saúde ambiental requer que o contexto seja devidamente valorizado. A dimensão territorial passa a ser uma estratégia interessante para a saúde ambiental, parte de um sistema complexo, portanto vai necessita do estabelecimento de um diálogo entre saberes, envolvendo as diferentes areas do conheceimento e os saberes populares sobre a cidade. A exclusão urbanística, representada pela gigantesca ocupação do solo urbano, é ignorada na representação da “cidade oficial”. Ela não cabe nas categorias do planejamento modernista/funcionalista, pois mostra semelhança com as formas urbanas pré-modernas. A importação dos padrões do primeiro mundo, aplicados a uma parte da cidade, contribuiu para que fosse marcada pela modernização incompleta ou excludente. Assim, buscamos a compreensão de que a intervenção em Saúde Ambiental exige uma articulação intersetorial, pois o arcabouço institucional responsável pelas políticas públicas e privadas está organizado por setores mais ou menos especializados, que têm objetivos distintos, mas complementares entre si. Consideramos que efetivamente um trabalho local pode conduzir a uma gestão territorial integrada ao ambiente se as ações forem ao encontro das necessidades da população. Os processos históricos podem não ser percebidos nos lugares, e é justamente por isso que, ao se trabalhar com as relações espaciais devemos articular local/global. É muito importante analisar o lugar para além de sua concepção locacional, com enfoques interligados com o mundo vivido dos indivíduos e das comunidades. Os fatores que contribuíram para a crise nas cidades são múltiplos e complexos, mas os principais são a falta de gerenciamento ambiental coordenado e a falta de redes comunitárias e intersetoriais, que se aplicam até mesmo aos países desenvolvidos com habitação adequada e serviços a ela relacionados. A Gestão da Saúde Ambiental necessita urgente da introdução de um olhar geográfico para os fenômenos de saúde/doença na cidade de Porto Alegre, pois é na cidade, dinâmica, dispersa, periurbana, industrial, que tudo acontece! AO217 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia da Saúde [1511] INTERAÇÕES ESPACIAIS E CENTRALIDADES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COM BASE EM DADOS DA SAÚDE. RENATO GUEDES VIEITES; MARTA FOEPPEL RIBEIRO. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: O mapeamento da infra-estrutura médico-hospitalar é de fundamental importância na área de saúde pública, podendo contribuir para o desenvolvimento de ações de prevenção e controle de epidemias e para uma alocação mais racional dos fixos hospitalares, bem como fornecer subsídios à tomada de decisão quanto à alocação de recursos/investimentos nos equipamentos e serviços. Neste sentido, nos últimos dez anos vem sendo observado um aumento expressivo dos estudos na área da Geografia Médica, que buscam realizar descrição e análise da distribuição regional das doenças, utilizando amplamente recursos cartográficos e sistemas de informação geográfica (SIGs). A relevância da abordagem geográfica dos temas relacionados à saúde possui como objetivo tornar mais precisa a análise dos fatores que norteiam e condicionam a definição das políticas públicas na área de saúde. O objetivo do estudo buscou, por meio do geoprocessamento, observar as prováveis interações espaciais entre os municípios do Estado do Rio de Janeiro, considerando-se as seguintes variáveis relacionadas à saúde pública: número de hospitais credenciados, leitos contratados em hospitais credenciados, unidades ambulatoriais e internações em hospitais credenciados. Com base nos valores dessas variáveis e nos resultados das interações espaciais, procurou-se definir as áreas de influência dos municípios fluminenses e, a partir disso, reconhecer as suas centralidades. Este estudo justificou-se, em parte, pela carência ainda existente de estudos sobre os dados referentes à infra-estrutura hospitalar observada no Estado do Rio de Janeiro e procurou demonstrar, por meio de procedimentos de análises espaciais utilizando o Geoprocessamento, as desigualdades na infra-estrutura em relação à saúde no espaço fluminense. A incorporação de Geotecnologias em análises espaciais relacionadas à Saúde ressalta que os Sistemas de Informação Geográfica constituem-se em um poderoso instrumento para o planejamento, monitoramento e avaliação das ações em determinada área. Os procedimentos metodológicos adotados neste estudo foram: a) levantamentos bibliográficos sobre: as relações entre Geografia e Saúde; aplicações do Geoprocessamento em análises espaciais da infra-estrutura em saúde pública; Teoria das Localidades Centrais; b) visitas a bibliotecas setoriais da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e do Instituto de Medicina Social da UERJ; c) atividades realizadas por meio do parque tecnológico do Laboratório de Geoprocessamento (LAGEPRO), tais como: levantamento e tabulação dos dados referentes as variáveis supracitadas; pesquisas na internet; utilização de arquivos executáveis aplicados às análises espaciais - PI.exe (calcula o Potencial de Interação) e PV.exe (calcula o Polígono de Voronoi). Após a definição dos potenciais de interação (PIs), com base nas distâncias e nos valores dos parâmetros relacionados à infra-estrutura médico hospitalar dos municípios, foram: destacados aqueles com os maiores e com os menores valores de potencial de interação com base nos dados no Anuário Estatístico 2004, da Fundação CIDE, DATASUS e da SES/RJ; delimitados os polígonos de voronoi (áreas de influência) dos municípios a partir dos PIs; elaborados mapeamentos temáticos que evidenciam espacialmente a forte influência/relação de dependência exercida pela metrópole fluminense sobre os demais municípios da estado, como também as centralidades sub-regionais. O PI.exe refere-se ao cálculo da distância relativa e da “massa” dos pontos marcados no mapa no formato digital raster (matricial). Já o PV.exe permite representar, no espaço geográfico, possíveis tendências relacionadas à sua organização, a partir da ocorrência de centros de influência. A Teoria das Localidades Centrais aplicada à Saúde no Estado do Rio de Janeiro realiza um apanhado histórico acerca da criação desta teoria que foi desenvolvida em 1933 por Walter Christaller. Esta teoria foi repensada por vários autores (incluindo Roberto Lobato Corrêa) à luz da Geografia Crítica que representou um importante alicerce para um planejamento mais racional da distribuição das infra-estruturas médicohospitalares. Finalmente, este estudo ressalta em seus resultados a importância de se reiterar a necessidade da espacialização dos dados referentes à infra-estrutura da saúde no Estado do Rio de Janeiro e à necessidade de uma aproximação maior entre a Geografia e as temáticas relativas à saúde, para que assim ocorra um planejamento eficiente, com uma distribuição de recursos mais equilibrada. AO218 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia da Saúde [1545] LEI SH M AN I OSE VI SCERAL EM ÁREAS D E LAZER N A REPRESA D A UH E D E M I RAN D A, EM UBERLÂNDIA (MG). MÁRCIA BEATRIZ CARDOSO DE PAULA; SAMUEL CARMO LIMA. UFU, UBERLÂNDIA, MG, BRASIL. Resumo: Os objetivos deste trabalho foram investigar a fauna flebotomínica existente em localidades situadas às margens da Represa da UHE de Miranda, localizada no Rio Araguari, em Uberlândia, uma das maiores atrações turísticas do município, em áreas onde espécimes de L. longipalpis já foram capturadas, em investigações entomológicas preliminares para avaliar o potencial de risco de transmissão de leishmaniose visceral no município. Atualmente existem áreas loteadas no entorno do lago de Miranda, que abrigam instalações voltadas para o turismo e o lazer. Nos últimos dois anos, a Represa de Miranda recebeu cerca de três mil visitantes, com o objetivo de lazer e estudos. Nesta área existem ambientes propícios a presença de vetores transmissores de leishmanioses. A leishmaniose visceral (LV), devido a sua alta incidência e alta letalidade, principalmente em indivíduos não tratados e crianças desnutridas, tornou-se uma das doenças mais importantes da atualidade. É também conhecida como Calazar, Esplenomegalia Tropical, Febre Dundun. No Brasil, a transmissão de Leishmania chagasi, principal agente etiológico da LV, se dá pela picada de fêmeas de insetos dípteros pertencentes à família Psychodidae, tendo como principal vetor o Lutzomyia longipalpis (BRASIL 2006).. A transmissão da doença vem sendo descrita em vários municípios, de todas as regiões do Brasil, exceto na região Sul. Desde a década de 70, devido às transformações ambientais, a urbanização crescente e ao êxodo rural a LV, que inicialmente era descrita como característica de ambientes rurais, vem passando por um processo de urbanização e provocando o aparecimento de novos focos da doença. As estratégias de controle da LV até então utilizadas, estavam dirigidas verticalmente para o controle do reservatório canino - inquérito sorológico canino e eutanásia em cães sororeagentes - bem como para a aplicação de inseticidas, diagnóstico e tratamento adequado de casos registrados. Entretanto, estas medidas, muitas vezes realizadas de forma isolada, não apresentaram efetividade para a redução da incidência da doença, determinando a necessidade de reavaliação das ações propostas pelo Programa de Controle da Leishmaniose Visceral (PCLV). Metodologia Para a realização das capturas dos flebotomíneos foram utilizadas armadilhas luminosas do tipo CDC. As capturas foram realizadas no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006, em localidades situadas ao redor da Represa de Miranda, durante 2-3 dias consecutivos. As armadilhas foram expostas no peridomicílio de residências que apresentassem condições propícias ao desenvolvimento de flebotomíneos como: abrigo de animais domésticos, principalmente aves e suínos, presença de pomar, matéria orgânica em decomposição, mata e sombra. Foram colocadas 1-2 armadilhas por domicílio, expostas às 18:00 horas e recolhidas até as 9:00 horas do dia seguinte. A montagem dos flebotomíneos foi realizada pelo método de Berlese e a identificação dos exemplares foi feita de acordo com a classificação proposta por Young & Duncan (1994). Para o diagnóstico da leishmaniose visceral canina (LVC) foi realizado um inquérito canino censitário, onde foram analisadas amostras de sangue de todos os cães residentes em áreas onde foram capturados espécimes de L. longipalpis. Após a colheita do material descrito, o mesmo foi embalado em saco plástico e armazenado a 4°C até o momento em que foi submetido à Reação de Imunofluorescência Indireta. A técnica utilizada para o diagnóstico da LVC foi a Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI). Os testes de RIFI foram realizados de acordo com protocolo fornecido pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil, entidade fornecedora do antígeno utilizado nas reações para a detecção de anticorpos anti-Leishmania em soro de cães. Foram considerados reagentes todos os soros que apresentaram reatividade a partir da diluição 1:40. Resultados No período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006 foram realizadas 337 capturas na área estudada, 75 capturas realizadas em 2005 e 262 capturas realizadas em 2006. Este acréscimo no número de capturas ocorrido em 2006 foi devido a que uma equipe de agentes de controle de zoonoses foi exclusivamente montada para realizar capturas nas localidades onde foram capturados os L. longipalpis. A partir de 2006 as capturas passaram a ser sistemáticas, sendo realizadas mensalmente. No período estudado foram capturados 444 flebotomíneos, 85 (19,1%) em 2006 (tabela 1) e 359 (80,9%) em 2006. Dos capturados, 50 espécimes foram de L. longipalpis (11,3%), sendo que dois espécimes foram capturados em 2005 (4%) e 48 espécimes (96%) foram capturados em 2006. Foram testadas 302 amostras de sangue de cães residentes na área estudada sendo 150 (49,7%) em 2005 (tabela 3) e 152 (50,3%) em 2006 (tabela 4). Do total de amostras testadas 300 (99,3%) foram não reagentes, duas amostras (0,7%) foram indeterminadas e nenhuma amostra apresentou resultado reagente. Conclusões O Brasil enfrenta atualmente a expansão e urbanização da LV em casos humanos. O ciclo de transmissão que anteriormente ocorria no ambiente silvestre e rural, hoje também se desenvolve em centros urbanos. Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, ilustra claramente o processo de urbanização da LV nas cidades brasileiras. Por outro lado, pelo fato da urbanização ser um fenômeno relativamente novo, pouco se conhece sobre a epidemiologia da LV nos focos urbanos. Em Uberlândia, existem alguns ambientes característicos e propícios à ocorrência da LV na zona rural. Neste estudo verificou-se que, alem da presença de outros flebotomíneos, existe uma densidade crescente do vetor incriminado como transmissor da LV na área estudada, que é um dado de bastante relevância epidemiológica. Na maior parte dos estudos sobre epidemias urbanas foi possível observar que a LV canina precedeu o aparecimento da doença humana. Neste estudo, verificou-se, por meio de exames sorológicos, que ainda não se tem a presença de cães doentes na região e, portanto, não está havendo, ainda a transmissão ativa da doença. Levando-se em consideração que um importante aspecto de doenças ligadas a vetores é a existência de uma população de hospedeiros efetivamente responsáveis pela manutenção e dispersão da doença, os resultados obtidos ressaltam a necessidade da continuação das medidas de controle da LV adotadas para esta região, que irão permitia a detecção precoce dos animais infectados uma vez que estes constituem na principal fonte de infecção para os flebotomíneos. Palavras Chaves: Leishmaniose Visceral, Flebotomíneos, L.longipalpis. AO219 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia da Saúde [1627] CARTOGRAFI A E REPRESEN TAÇÕES CON CRETAS D O URBAN O: A PERCEPÇÃO ESPACI AL D OS AGENTES DE SAÚDE DE OURO PRETO - MG. ELIVELTON SILVA FONSECA; DEBORA VERIDIANA BRIER. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: A coleta de dados está presente nos trabalhos acadêmicos de cunho quantitativo por meio de equipes organizadas. No caso da Geografia da saúde, este material pode ser coletado pelos agentes de saúde ou pelos agentes de endemias onde eles se dividem de acordo com suas unidades de trabalho, como PAC’s e PSF’s , para atingir a todo município, caso o mesmo tenha cobertura total e o estudo privilegie o universo. O município de Ouro Preto possui seis PAC’s e cobertura total das famílias pelo SUS, e conta com 55 agentes de saúde. Segundo o IBGE (2000) possui uma população urbana de 55.953 e 14.302 domicílios particulares permanentes na área urbana, com densidade demográfica de 52,6 por km². A hipótese do trabalho é que os agentes de saúde teriam dificuldade de apresentar algum material cartográfico em representação vertical ou em perspectiva da superfície em croquis de cadastro, a serem elaborados pelos mesmos para corrigir dados cadastrais da base cartográfica . Consideramos os objetivos: verificar os diversos tipos de percepção que os agentes possuem da sua realidade em representações feitas para a correção dos dados cadastrais de infra-estrutura de Ouro Preto; além de observar qual foi à ordem hierárquica de elementos espaciais estabelecida na percepção dos agentes. Trata-se do universo dos domicílios da área urbana do município e a cobertura total nos privilegiou neste momento. Foram agrupados os agentes da seguinte maneira: definiram-se os grupos pelo tamanho da área de abrangência dos PAC’s e deu-se uma simples representação cartográfica da área a ser coletada pelo grupo, fruto de ampliação da escala da base maior que é a área urbana do município. Tendo em mãos esta representação e a informação para coletar os números cívicos de todas as ruas, os agentes elaboraram sua representação. Ao estudarmos a espacialização dos pontos da base de dados em aproximação com a base cartográfica do município observamos que os domicílios onde os pontos de GPS foram coletados não estavam em congruência com as suas representações na base. O momento da espacialização da base de dados na base cartográfica nos mostrou uma precisão insuficiente para a coleta de dados em domicílio (erro médio de 16 metros, o que desloca os pontos de uma casa para a do seu lado). Não foi recomendado nenhum tipo de representação quanto à forma, tendo em vista que o intuito da coleta era saber apenas sobre a localização dos números cívicos das casas de Ouro Preto na ordem em que se apresentavam nas ruas da cidade, em um cadastro o mais atual possível. Recomendou-se a importância da ordenação da coleta (partindo da esquerda para a direita), para correção e complementação, que são de suma importância para facilitar os trabalhos tanto da secretaria de saúde, como de qualquer unidade que necessite de material cadastral. Enfocando os estudos de Kevin Lynch (1997), deu-se destaque a percepção da cidade, que nos remete aos sentidos do ser humano e seu senso de orientação. Perceber o ambiente em que vive torna-se primordial para a sobrevivência e para o conhecimento da cidade onde habitamos. Neste contexto, a imagem mental construída pelo indivíduo busca informações e associações com objetos ou outras informações já contidas na memória. Caso as informações não existam o objeto não é imediatamente identificado e nenhuma relação é criada, até a associação ser possível pela atribuição de significação. A partir desta percepção iniciou-se o trabalho, considerando os referenciais objetivos (físicos) de percepção do meio realizado pelos agentes de saúde de Ouro Preto. Correia (2003) acrescenta que temos diferentes maneiras de perceber o espaço urbano, de modo que o contexto em que vivemos, bem como nossa história de vida, influenciam em nossa percepção espacial. Simultaneamente a organização social estabelece padrões espaciais enquanto a percepção os (des) constrói de acordo com nossos referenciais. Os agentes de saúde ao representarem as suas unidades de análises estabeleceram a relação direta entre sua vivência e sua percepção, de modo que mesmo elementos como propriedades privadas tiveram destaque. Almeida e Passini consideram que a iniciação ao entendimento e confecção de material cartográfico passa pelo processo vivido-concebido-percebido, de modo que quanto maior a vivência do indivíduo com o cotidiano, melhor seria sua representação e entendimento das relações espaciais que ditam todo o desenvolvimento de estruturas cognitivas espaciais. Assim, ao longo do processo de cognição, a noção de distâncias, localização relativa e absoluta, referências, seria construída, no aprendizado escolar. Estas construções são chamadas por HALL (1978), de internalizações, que cada indivíduo é submetido desde a infância. Nota-se que o trabalho de alguns agentes demonstrou a dificuldade do tratamento dos dados com escala adequada, mas basearam-se no formato que percebiam ao longo de seu caminho, e não em copiar o material que foi dado, havendo algumas confusões com relação às escalas, ao traçado das vias, à continuidade das mesmas. Em contraponto, alguns trabalhos seguiram à risca a estrutura das vias, não representando as residências, mas colocando apenas seu número. Outros ainda não demonstraram habilidade ou capacidade de representar sua percepção, colocando apenas uma representação textual (tabela) dos dados da rua com o respectivo lado das casas. Cabe ressaltar que para o objetivo do cadastro todas as representações foram muito bem sucedidas. As construções dos agentes nos mostraram a diversidade de informações que podem ser construídas do ponto de vista da percepção e a queixa da dificuldade do trabalho levantou a problemática da percepção espacial urbana, da estruturação sinuosa, fruto de um conjunto de relevo acidentado, da cidade de Ouro Preto, ambiente nem sempre agradável aos que experimentam seu contexto urbano citadinamente. Cabe-nos questionar: Porque um mesmo objetivo inicial de correção nos cadastros nos trouxe percepções diferentes e valores representativos diferentes? A abordagem dos temas acima relacionados foram desenvolvidas e serão apresentadas no trabalho completo. AO220 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia da Saúde [1912] REFLEXOS D AS CON D I ÇÕES SAN I TÁRI AS E AM BI EN TAI S N A SAÚD E D AS CRI AN ÇAS E PERSPECTIVAS DE AÇÃO: DIAGNÓSTICO DO BAIRRO PETROVALE- BETIM/MG. PAULA GONÇALVES VILELA; VILMA LÚCIA MACAGNAN CARVALHO. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: Objetivo O objetivo desse trabalho é avaliar a situação da saúde das crianças de até 5 anos de idade que se encontram em situação de risco em uma área extremamente vulnerável ambientalmente: bairro Petrovale localizado em Betim/MG principalmente, por sua precária cobertura no que refere ao saneamento ambiental. A partir desses dados pretende-se fornecer informações e estabelecer prioridades de intervenção para melhoria da saúde das crianças que habitam essa área e que venham a servir de subsídios para ações preventivas e reparadoras por parte do poder público e ou demais partes interessadas. Referencial Teórico e Conceitual Esse trabalho partiu dos estudos realizados por Heller (1995), em sua tese de Doutorado, que sugeriu uma série de ações a serem implantadas no município de Betim-MG com o intuito de diminuir os índices de diarréia infantil em crianças menores de 5 anos. O trabalho de Heller alertou para a fragilidade dos estudos estatísticos que tendem a uma padronização de resultados. Assim essa pesquisa adotou como um dos referenciais teóricos a Geografia Humanística, debatida por Amorim (1999), que valoriza a incorporação das percepções e dos valores do homem nos estudos ligados ao meio ambiente e na explicação dos fenômenos espaciais. Leão (2005) destaca a importância de se considerar a realidade espacial e social sobre a ótica do indivíduo para se estabelecer as relações entre o meio ambiente e o perfil de saúde das crianças. Segundo Najar (1998) a associação entre medicina e Geografia não é um fato recente. Há mais de um século epidemiologistas e outros cientistas da área médica exploram o potencial das informações de cunho geográfico na busca do entendimento do dinamismo espacial das doenças. Metodologia Utilizada A metodologia adotada teve como instrumentos de abordagem a pesquisa quantitativa e qualitativa não se atendo apenas aos fatos por si só mas, também aos fenômenos procurando mais confiança no uso do relato da experiência dos participantes e menor preocupação com os valores de abrangência da pesquisa conforme destacado por Martins & Bicudo (1994). As técnicas adotadas valeram-se de: - Teste estatístico. Análise de regressão simples e coeficiente de Karl Pearson entre as variáveis: mortalidade infantil e oferta de esgotamento sanitário, nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. - Entrevistas com os responsáveis pelos setores de saúde e meio ambiente do município de Betim para selecionar a área mais vulnerável. - Entrevistas junto a UBS – Unidade Básica de Saúde do bairro Petrovale envolvendo a equipe de saúde e representantes da comunidade. - Diagnóstico socioambiental do bairro Petrovale junto aos líderes comunitários. Trabalho de campo nas 7 áreas mais críticas selecionadas por eles com o auxílio de imagem de satélite e planta cadastral do bairro em escala 1 : 2 000. - Pesquisa documental envolvendo o setor de bioestatística do município, fichas mensais do PACS – Programa de Agentes Comunitárias de Saúde e as fichas diárias de consulta dos pediatras da UBS do bairro Petrovale. - Pesquisa qualitativa envolvendo o uso de questionários semi-estruturados e relatos espontâneos em 30 domicílios, com pelo menos 1 criança menor de 5 anos, selecionados de forma aleatória em Vila Esperança. Pontos desenvolvidos O teste estatístico realizado demonstrou não haver correlação expressiva entre as duas variáveis analisadas. Mas, em virtude desse tema incorporar inúmeros aspectos (sociais, econômicos, políticos) optou-se por prosseguir a pesquisa incorporando técnicas qualitativas. A princípio foi feito um diagnóstico do bairro Petrovale, o mais crítico do município, onde foram apontadas 7 áreas vulneráveis do ponto de vista socioambiental. As doenças diarréicas e as doenças respiratórias apareceram como as principais causas de adoecimento das crianças em função da precariedade do saneamento básico e da presença da REGAP – Refinaria Gabriel Passos, respectivamente. O 2º passo foi examinar os dados fornecidos pela secretaria municipal de saúde de Betim onde se percebeu uma grande incompatibilidade entre os números fornecidos e a realidade local. Assim, fez-se necessário analisar as fichas mensais do PACS dos anos de 2003 e 2004 (288 fichas) e as fichas de consulta da pediatria da UBS no ano de 2004 (504 fichas). No 1º caso observou-se um expressivo número de casos de diarréia nas microáreas mais críticas, somados à incidência de IRA em todas as microáreas no período avaliado. Em relação às consultas pediátricas houve uma grande incidência de doenças infecto-parasitárias em crianças menores de 4 anos, cerca de 13% do atendimento, além do previsto. Os atendimentos por IRA, cerca de 20%, permaneceram dentro do previsto na literatura médica. Cabe destacar que os documentos analisados apresentaram fragilidades, ora pela falta de cobertura em algumas áreas do PACS, ora pelo preenchimento inadequado por parte da pediatria. A Vila Esperança, uma área de ocupação irregular, foi apontada como a mais crítica do bairro em todas as etapas acima. Resultados alcançados e conclusões No bairro Petrovale foi detectado o quanto a precariedade em saneamento básico reflete na saúde das crianças. Apesar da instalação de uma ETE (embargada judicialmente) e de redes coletoras de esgoto a comunidade sofre com questões de aspectos estruturais: muitos domicílios não estão ligados na rede; entupimento da rede em várias ruas; fossas negras perfuradas a menos de 1 metro e que transbordam. Por isso, é importante a avaliação e adequação do sistema de esgotamento sanitário implantado. É necessário, também, um trabalho educativo para alertar a população sobre o perigo do contato direto das crianças com o esgoto in natura. Na pesquisa qualitativa em Vila Esperança os moradores elegeram como principais problemas: presença de esgoto in natura nas ruas; o cheiro e particulados lançados na atmosfera pela REGAP e o grande número de ratos. Esses últimos estão diretamente relacionados ao lixo e dejetos humanos que são lançados em valas e lotes abandonados. Em Vila Esperança as crianças são afetadas substancialmente por questões ligadas ao saneamento. Apesar do grande número de crianças infectadas por parasitoses intestinais e com vários episódios de diarréia os entrevistados, em sua maioria, consideraram isso “coisa de criança” e só procuram assistência médica quando o quadro se agrava. O esgoto incomoda pelo fator estético, imaginam que se tivessem redes de esgoto teriam asfalto, como aconteceu na parte baixa do bairro. A maioria considerou como causa do adoecimento das crianças a poluição do ar provocada pela REGAP. Não foi possível, nesse trabalho, relacionar a ocorrência de doenças respiratórias com a presença da refinaria. Em relação ao saneamento básico é preciso tornar a área “habitável”. De modo geral devem ser promovidas ações educativas e de resgate da cidadania para que os moradores desenvolvam sua auto-estima de forma positiva, passando a adotar hábitos de cuidado e higiene com suas famílias e com os espaço em que habitam. De forma a promover a topo-reabilitação da área. AO221 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia da Saúde [2000] AS D OEN ÇAS RESPI RATÓRI AS E A COLETA D E D AD OS EM SAÚD E: ABORD AGEM QUALITATIVA NA CIDADE DE SANTA GERTRUDES/SP. NÁDIA HELENA BUENO; SANDRA ELISA PITTON. UNESP, RIO CLARO, SP, BRASIL. Resumo: A poluição vem ganhando atenção cada vez maior da sociedade civil, sendo considerada atualmente como uma questão de saúde pública, devido ao efeito deletério que pode ocasionar na qualidade de vida da população. Diante disso, a presente pesquisa teve como objetivo mapear os casos de doenças respiratórias na cidade de Santa Gertrudes – SP, pela razão desta concentrar um grande número de indústrias cerâmicas em seu espaço intra e peri-urbano, fonte de material particulado e gases tóxicos que poluem o ar, sendo estes os agentes de doenças respiratórias. A poluição atmosférica, em particular, se apresenta como uma das mais graves fontes de problemas de saúde na cidade, sobretudo para o agravamento de tais doenças, pois como afirma Lopes (1998), os efeitos do ar poluído influenciam principalmente no sistema respiratório, devido à deposição de partículas no interior do organismo. A poluição do ar associada à atividade cerâmica é provocada, segundo Domingos (2004) e Franchini (2004) por material particulado lançado no ar em todas as etapas da produção dos pisos, desde a extração até o produto final. Como principal poluente atmosférico, o material particulado age diretamente como indutor de problemas respiratórios, pois, como afirma Branco (2002, p.33): “o material particulado, isto é, o conjunto de partículas sólidas e líquidas em suspensão no ar, na forma de poeiras e aerossóis, também pode exercer efeito irritante sobre as mucosas que revestem as vias respiratórias”. Particularmente em Santa Gertrudes, Bonacin (2001) atesta a existência do material particulado: “Análises em água da chuva indicaram que há expressiva atuação de material particulado, provavelmente associado às emissões de chaminés das indústrias [...]” (p. 183). Além da evidente poluição atmosférica que assola a cidade, a falta de planejamento urbano para a saúde é evidenciado desde o reduzido número de centros de saúde bem equipados, à ausência de um hospital local até a falta de estrutura nos órgãos de saúde em fornecer dados que auxiliem pesquisadores nas mais diversas áreas do conhecimento, fazendo com que a pesquisa por queixa seja utilizada para suprir essa ausência de material documentado. Partindo-se dessa problemática o mapeamento das doenças foi realizado tendo como base os relatos e queixas da população obtidos com a aplicação de questionários, através do método de amostragem estratificada proporcional, consideraram-se como estratos os setores censitários da cidade de Santa Gertrudes, e como os elementos os questionários aplicados. Assim, o número de questionários aplicados é proporcional ao número de domicílios de cada setor censitário. Pelo questionário foi possível descrever o perfil sócio-econômico e caracterização da saúde respiratória dos moradores e no âmbito da abordagem qualitativa, analisou-se os padrões de multicausalidade das doenças, levando-se em consideração os fatores ambientais e características sócio-econômicas de cada área da cidade que se destacou, como o relevo, proximidade às fontes poluidoras, funções urbanas, renda, idade dos moradores, etc. No caso da presente pesquisa, os questionários foram aplicados proporcionalmente nos 19 setores censitários de Santa Gertrudes, conforme a divisão censitária determinada pelo IBGE. Segundo dados do Censo 2000 do IBGE, a cidade contém 4376 domicílios particulares, que repercutiu na aplicação de 235 questionários. Após a aplicação dos questionários os dados obtidos foram tabulados com o auxílio do software Excel, através do qual notou-se que o universo pesquisado foi de 949 indivíduos, resultando em uma média de quatro pessoas por domicílio. Levando-se em consideração que a população de Santa Gertrudes era de 18.687, segundo dados do IBGE (2004), a presente pesquisa atingiu 5% dos moradores. Depois de terem sido aplicados todos os questionários e feita a tabulação dos dados, analisou-se os resultados obtidos por questão, traçando assim uma caracterização geral da cidade através da especialização dos dados, permitindo a comparação entre os 19 setores, ressaltando aqueles que mais se destacam no que diz respeito a maior incidência de doença respiratória. Nestas análises foram caracterizados os setores da cidade como um todo através dos dados pessoais dos moradores como: idade, sexo, escolaridade, profissão e renda; e também a partir da caracterização da saúde dos moradores observando a porcentagem de doenças respiratórias, o nome destas e sua freqüência, salientando a necessidade de passagem por hospitais ou centros de saúde e se há um período do ano específico que tais doenças, atreladas ao sistema respiratório, se apresentem com maior incidência. Chegou-se à conclusão que a cidade como um todo apresentou um alto índice de pessoas portadoras de problemas respiratórios, correspondendo a 36% do universo analisado, verificando-se que houve relação entre os setores de maior incidência de doentes e certas particularidades físicas do meio atreladas às condições sociais dos moradores, evidenciando assim que a abordagem qualitativa é fundamental para a coleta de dados em saúde. Os resultados desta pesquisa poderão subsidiar o planejamento de ações na área da saúde que viabilizem novas propostas para a melhoria do bem estar e saúde da população da cidade de Santa Gertrudes, ajudando a aprimorar a efetividade e equidade de ações na área da saúde, cuja metodologia pode espelhar novas análises em outras localidades. Palavras-chave: Ambientais. Poluição Atmosférica; Abordagem Qualitativa; Amostragem Estratificada; Fatores AO051 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1161] O QUARTEI RÃO D O SOUL: A BLACK M USI C CRI A UM ESPAÇO D E SOCI ABI LI D AD E E CIDADANIA EM BELO HORIZONTE. RITA APARECIDA DA CONCEIÇÃO RIBEIRO. UFMG, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: Objetivos A cidade se revela ao observador em suas múltiplas facetas. Sua unidade se fragmenta em milhares de aspectos que fazem dela um corpo social vivo, com características próprias. Tomando o espaço geográfico como uma relação social, ele sofre a influência de fatores sócio-históricos específicos. Assim como Carlos (2005) entendemos que o espaço deve ser percebido em sua totalidade, enquanto “condição, meio e produto da reprodução da sociedade”. Esse processo tem o homem como principal agente, portanto “pensar o urbano significa pensar a dimensão do humano”. Tal dimensão revela-se pelas construções simbólicas que são por ele estabelecidas. Desde a definição aos sentidos e usos do espaço, passando pelas regras e convenções sociais, todas as relações que se estabelecem na cidade são produtos de relação sociais contraditórias e mutáveis, que influenciam na constituição da identidade da cidade. Nosso trabalho tem como objetivo analisar um movimento cultural que acontece na região central de Belo Horizonte - o Quarteirão do Soul. Tal movimento, ligado a um produto midiático, a black music, congrega nas tardes de sábado homens e mulheres na faixa dos 40/50 anos, vindos dos mais diversos pontos da cidade e que se reúnem no meio da rua, em volta de um toca-discos de vinil, vestidos com trajes que remetem às vestimentas de seu ídolo James Brown, para dançar e conversar. Antes um espaço praticamente sem circulação de pessoas aos sábados, a presença dos integrantes do Quarteirão do Soul constituiu um ponto de encontro e até atração turística. Nosso objetivo, portanto é investigar como as formas simbólicas produzidas pela mídia podem fomentar movimentos culturais, a apropriação e transformação do espaço urbano, a partir do gosto comum de seus fãs. Em seguida pretendemos entender como, pela influência do ideário da soul music, este pode se transformar em um movimento que cria identidades de resistência, levando a novas formas de mobilização social. Referencial Teórico O estudo das cidades tendo como ponto de partida suas manifestações culturais deve considerar não apenas as manifestações em si, mas o contexto sócio-histórico de sua produção, as regras e convenções sociais, os modos de disseminação de seus produtos e a forma como são produzidos e recebidos. Milton Santos (2002) nos lembra que “o enfoque do espaço geográfico, como resultado da conjugação entre sistemas de objetos e sistemas de ações, permite transitar do passado ao futuro, mediante a consideração do presente”. (SANTOS, 2002, p.100). Autores como ELIAS (1990), GOMES (2001) e THOMPSON (2002), entre outros discutem o conceito de cultura. Tal conceito, desde seu surgimento atrela-se à idéia de desenvolvimento, confundindose, por vezes, com aquele de civilização. Portanto, ao analisar uma determinada cultura estamos descrevendo e talvez reescrevendo ações que já são significativas para outros indivíduos, que as produzem, recebem e interpretam tais ações no seu cotidiano. Como afirma Milton Santos (2002) “se o espaço é como pretendemos, um resultado da inseparabilidade entres sistemas de objetos e sistemas de ações, devemos causticar (...) o equívoco epistemológico, herdado da modernidade de pretender trabalhar a partir de conceitos puros.” (SANTOS, 2002, p.101). A análise de um fenômeno cultural, portanto, pressupõe uma investigação que se debruce para além do objeto pura e simplesmente. Metodologia Procuramos estabelecer um referencial metodológico que possibilite a compreensão de um fenômeno cultural que tem suas raízes na chamada Indústria Cultural, produzido, interpretado e reinterpretado por um grupo de pessoas localizado espaço-temporalmente. As relações de interpretação, de recepção, as disputas de poder e pelo espaço urbano estão inseridas em nossas indagações. Para a realização de tal processo investigativo, optamos por trabalhar com uma metodologia de pesquisa denominada por Thompson (2002) Hermenêutica de Profundidade. O seu referencial metodológico orienta-se pela interpretação, ou reinterpretação, dos fenômenos significativos levando em consideração as características estruturais das formas simbólicas, assim como as condições sócio-históricas de ação e interação, visto que estas acontecem em contextos estruturados espaço-temporalmente. Analisar a cidade tendo como objeto empírico um fenômeno social como o Quarteirão do Soul em Belo Horizonte leva em consideração o que Santos (2002) denomina “forma-conteúdo”, para quem essa idéia “une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa idéia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações. “(SANTOS, 2002, p.103). Questões desenvolvidas Assim dentro da premissa da análise sócio-histórica, num primeiro momento, analisaremos o processo de mudanças no cotidiano urbano a partir das transformações do meio técnico informacional. Na seqüência discutimos a influência dos produtos midiáticos na constituição das identidades na cidade e como estas disputam o espaço urbano. Num segundo momento investigamos a trajetória do movimento soul, desde suas raízes nos Estados Unidos, sua disseminação como produto da comunicação de massa, e a incorporação do movimento no Brasil e mais especificamente em Belo Horizonte, até o surgimento do Quarteirão do Soul, em 2004. Na análise formal ou discursiva, abordamos a estrutura de significados subjacentes à forma simbólica, como no caso do Movimento Soul, o vestuário, as expressões típicas, a ordem da dança, o papel do homem e da mulher, o mito James Brown, considerando também, além do aspecto simbólico, formal, uma análise discursiva que considera as falas dos produtores e freqüentadores do movimento. Conclusões O processo de interpretação/reinterpretação possibilita ao pesquisador ir além do aspecto histórico, geográfico e formal, permitindo que se analisem as formas simbólicas à luz de uma nova perspectiva que considere os diversos aspectos. Dessa forma buscamos traçar em nosso trabalho possíveis explicações para um fenômeno cultural que teve suas bases lançadas nos Estados Unidos nos anos 60 do século passado, transformou-se em produto de consumo de determinado segmento social e hoje toma forma na cidade de Belo Horizonte pela ocupação de um espaço na cidade, o quarteirão da Rua Goitacazes entre São Paulo e Padre Belchior. Buscamos entender as relações que se estabelecem entre um peculiar grupo de freqüentadores e um local no centro da cidade, que teve sua função primária como via de acesso e estacionamento transformada aos sábados em espaço de encontro e sociabilidade. Visamos compreender como as ações de apropriação e uso desse espaço aos sábados sem consulta a nenhuma instância de poder pode ser considerada como uma manifestação de resistência de uma determinada parcela da população, levando a novas formas de identidade e mobilização social. AO052 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1254] TRAD I ÇÃO E PATROCÍ N I O N O M UN D O D O SAM BA: “VEM VER D E PERTO UM A CI D AD E A CANTAR”. CARLOS EDUARDO SANTOS MAIA. UFG, GOIÂNIA, GO, BRASIL. Resumo: O enfoque das relações políticas no contexto da atual, onde os lugares e as tradições interagem com o mundo globalizado, realiza-se, neste trabalho, interpretando-se a dinâmica impressa no mundo do samba pelo caráter espetacular consagrado nos desfiles das Super Escolas de Samba S.A. do Rio de Janeiro, em que os cobres dos patrocinadores são imputados como condição sine qua non para um bom desfile. Entretanto, ao lado de uma moderníssima estrutura empresarial que conta com o patrocínio de bicheiros, empresas multinacionais, prefeituras, governos de estado, ONGs, etc., amiúde ressalta-se a tradição da festa e das agremiações. Estes pilares que firmam as Escolas no passado e no presente com vistas ao futuro materializam-se em formas espaciais construídas e “reformadas”, entre as quais destacaremos as quadras, o sambódromo e a cidade do samba, palcos daquelas relações igualmente impregnadas de práticas tradicionais. Metodologicamente, no trabalho analisam-se fontes bibliográficas e documentais que versam sobre o assunto, como livros, revistas, jornais, sites, etc. Para o cumprimento desta empreitada resgata-se, inicialmente, a historicidade das escolas de samba, ressaltando-se o contexto urbano em que surgiram no final da década de 20, as contradições culturais deste mesmo período e a seu firmamento nas periferias. A seguir, discutem-se os incentivos aos desfiles pelo Estado e os primórdios dos patrocínios de contraventores zoológicos. Posteriormente, enfocam-se a inserção dos carnavalescos e da classe média nos desfiles, a consolidação dos bicheiros como patronos e as implicações disto na dinâmica espacial do mundo do samba. Finalizando esta primeira parte, apresentam-se algumas reflexões sobre a atual estrutura empresarial das agremiações. Na segunda parte do trabalho, analisa-se a influência dos bicheiros na manutenção de certa tradição e, simultaneamente, na promoção de rupturas no mundo do samba, o que se traduziu na incorporação de formas espaciais, relações políticas e assistencialismo, entre outros aspectos. A terceira parte do trabalho aprofunda as relações de patronagem entre os bicheiros e os clientes (agremiações) e seu poder de influência na organização dos desfiles. Destarte, a “moderna engenharia empresarial” do mundo do samba, que une a LIESA e a Cidade do Samba, os patrocinadores de enredo e as comunidades, os bicheiros e o poder público será tratada nesta etapa. Evidentemente, as recentes denúncias envolvendo as atividades ilícitas dos bicheiros, sua prisão por formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção e os possíveis impactos disto no mundo do samba também serão questionados. AO053 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1269] ESPAÇO E CULTURA N O ESTAD O D O RI O D E JAN EI RO. A QUESTÃO RELI GI OSA: EXPAN SÃO DE IGREJAS E SEITAS (NEO)PENTECOSTAIS. HELIO ARAUJO EVANGELISTA; MARCUS VINICIUS CASTRO FARIA. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: - Objetivos: Analisar a atual expansão do fenômeno neopentecostal no Rio de Janeiro.Verificar a difusão e área de abrangência – nicho de atuação-, a importância de como e quando se deu a difusão espacial desta religião, quais foram os agentes desta difusão e que barreiras impedem uma maior difusão. - Fundamentação Teórica: Diante da avalanche evangélica que vem varrendo o país nos últimos anos, buscamos analisar, baseando-se no tripé Fé-Espaço-Tempo, a situação do Rio de Janeiro, que representa a capital político-cultural nacional, historicamente reconhecida por seus intelectuais, suas universidades, enfim como uma população altamente politizada e esclarecida . Ainda assim vem sendo inundada e extremamente influenciada pelo pensamento das igrejas evangélicas de linhagem neopentecostal. Reflexo deste quadro são os políticos eleitos, os piores do Brasil, grande parte evangélicos que juntam política e religião, e o Rio já tem um evangélico como governador do Estado a dois mandatos consecutivos, reflexo do brutal aumento da “clientela” evangélica no Rio de Janeiro.”Os sucessivos arranjos ocorreram por diferentes motivos, como eventos sociais e econômicos, situações demográficas e fatos históricos relevantes”(ROSENDHAL,1999 ).Quais seriam as implicações territoriais deste crescimento, dada as novas apropriações de determinados segmentos do espaço? O que essa expansão significa para o futuro do Rio de Janeiro diante desta alienação da população? Para examinar a religião no contexto geográfico a apropriação de determinados segmentos do espaço. “Os espaços apropriados efetiva ou afetivamente são denominados territórios. Territorialidade por sua vez, significa o conjunto de praticas desenvolvidas por instituições, no sentido de controlar um dado território”.(ROSENDAHL, 1996). É nesta poderosa estratégia geográfica de controle de pessoas e coisas, ampliando muitas vezes o controle sobre espaços, que a religião se estrutura enquanto instituição, criando territórios seus. Nos apropriaremos do conceito de território “culturalista”, onde se prioriza a dimensão “simbólico-cultural, mais subjetiva na qual o território e visto sobretudo como o produto da apropriação/ valorização simbólica de um grupo sobre seu espaço”(HAESBAERT,2001). - Metodologia: Consiste em efetuar um levantamento bibliográfico junto à bibliotecas, acervos, etc, visando uma coleta de informações a respeito do tema. Tarefa que será concluída em três meses.Num segundo momento pretendemos dedicar dois a três meses à leitura do material recolhido (livros, documentos, artigos) para depois prosseguir com as posteriores etapas do projeto. Nos dois meses seguintes, pretendemos realizar trabalhos de campo, com visitas às atividades desenvolvidas nos templos, acompanhadas de relatórios, análises socioeconômicas dos fiéis, questionários e entrevistas. Para efeitos comparativos, traçar paralelos com as práticas historicamente desenvolvidas pela igreja católica. - Principais questões/pontos desenvolvidos: A falência do modernismo, a crise econômica, o desconforto social, provocam uma espécie de desencantamento do mundo e favorecem um fascínio pelo irracional que vem sendo capitalizado pelas religiões neopentecostais do tipo “teologia da prosperidade” e/ou “fé de resultados”, que prometem um paraíso mundano, rompendo com a idéia do ascetismo protestante centrado no trabalho, ressaltada por Weber. O que interessa é o aqui e o agora. Atribui-se a culpa de todos os males ao Diabo e os homens não são responsáveis pelos atos de maldade que cometem, pois o Diabo os levam a pecar. Torna-se escancarada a ambição materialista e imediata na relação com Deus.”Somente o dinheiro traz felicidade e enriquecer tornou-se o único objetivo digno de uma vida” (RAMONET). - Resultados alcançados e conclusões: Nestes últimos anos temos assistido a uma verdadeira avalanche evangélica pentecostal que vem inundando o país. Esta tendência tem a visibilidade aumentada pela natureza do proselitismo religioso dos pentecostais e pelo tipo de publicidade feita por essas igrejas. O numero de pessoas que declaram pertencer a uma das religiões do grupo pentecostal encontra-se em constante aumento no Brasil: 3,9 milhões em 1980, 8,8 milhões em 1991 e 18 milhões em 2000. Como se vê, a população pentecostal mais do que dobra a cada década. A taxa de variação media anual dos pentecostais observada em 1991 a 2000 cresce 8,3%, enquanto a população total aumenta apenas 2%, durante este mesmo período. O perfil demográfico e socioeconômico dos pentecostais apresenta grandes desvios em relação à media brasileira. Do ponto de vista demográfico, os pentecostais habitam mais as zonas urbanas do que as rurais congregam mais mulheres do que homens, mais crianças e adolescentes do que adultos, e mais negros, pardos e indígenas do que brancos; de acordo com o Censo de 2000. Em relação aos aspectos sociais, em matéria de educação, se caracterizam por um nível muito elementar, uma vez que os seus fieis possuem, sobretudo, cursos de alfabetização de adultos, antigo primário e primeiro grau. No que diz respeito ás atividades econômicas, os pentecostais apresentam um nível de remuneração muito baixo, uma vez que eles recebem basicamente ate três salários mínimos. Todos esses desvios do perfil demográfico e socioeconômico, em relação a media brasileira, revelam que o pentecostalismo se mostra particularmente bem implantado nas camadas mais populares que vivem nas cidades. A exemplo da região metropolitana do Rio de Janeiro, os pentecostais permeiam o município por todos os lados. Assim, eles representam mais de 21% da população em municípios como Belford Roxo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Itaboraí. Observa-se ainda a presença de pentecostais na própria cidade do Rio de Janeiro, nos distritos da Zona Oeste, sobretudo em Santa Cruz, Campo Grande e Bangu. - Três palavras-chave: Geografia, Cultura fluminense, Religião. AO054 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1569] O CI RCUI TO H I P H OP N A REGI ÃO M ETROPOLI TAN A D E COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO. CRISTIANO NUNES ALVES. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, CAMPINAS, SP, BRASIL. Resumo: CAM PI N AS: TERRI TÓRI O, Essencialmente contestador, o movimento hip hop se mostra como um destacado meio de expressão da população urbana de diversos cantos do mundo que utilizam a cultura em sua forma política para questionar a exclusão a que são submetidos. No Brasil, na última década, a cultura hip hop, formada pelos elementos break, grafite e rap, se tornou componente integrante do espaço geográfico (M. Santos. A natureza do espaço. SP: Hucitec, 1996): conforma e se apropria de um sistema de objetos para desenvolver suas atividades, tais como casas de shows, rádios comunitárias, equipamento de suporte artístico, lojas especializadas, entre outros, além de utilizar fixos e lugares públicos, tais como ruas, escolas, parques e praças. Suas ações configuram igualmente um sistema, indissociado do sistema material, movido por seus agentes e manifesto, entre outros elementos, pelo fluxo de comunicações e informações do circuito hip-hop: a rede em torno das apresentações de seus elementos político-artísticos, envolvimento com projetos comunitários, ligações com poderes municipais, circuitos de radiodifusão (livre e de mercado), estúdios sonoros ou visuais; entre outros. Malgrado as ações de esvaziamento e cooptação, o hip hop continua como uma importante “voz das periferias” urbanas. Nos anos 1990 a Região de Campinas, normatizada como região metropolitana (RMC) se torna um dos destaques do circuito hip hop nacional. No intuito de contribuir para o entendimento do uso do território no período atual, buscamos analisar a espessura do circuito hip hop que se constituiu na Região, bem como a relação deste circuito com a desigualdade sócio-territorial em curso na metrópole campineira. Nas cidades inventariadas destacamos a ação de aproximadamente 200 breakers, (militantes que dançam o break) e 150 grafiteiros (militantes que praticam a arte visual do hip hop). Destacamos ainda a ligação do movimento com cerca de 30 rádios comunitárias e a presença de 280 grupos de rap, o que significa dizer que são cerca de mil pessoas cantando o gênero musical do hip hop. A produção fonográfica do rap na Região ocorre de modo caseiro e conta com quatro estúdios especializados. Nessa pesquisa foi possível constatar que o hip hop resiste à cooptação pelos poderes hegemônicos, entre outros fatores devido à sua intensa ligação com o lugar, condição essencial para viver a cultura hip hop e que possibilita uma constante e conflituosa adaptação do movimento frente às imposições da indústria cultural. Não por acaso a tática utilizada pelos militantes do movimento é a de concentrar suas manifestações em espaços públicos desde o centro até as periferias da cidade, acessíveis à maioria excluída; trata-se de um circuito baseado em critérios de acessibilidade e que compreende uma mídia alternativa. Contra a cooptação, cresce entre militantes do hip hop a preocupação com os que tomam o primeiro contato com o movimento. A preocupação em muito se explica pela superexposição do hip hop na grande mídia, sob uma roupagem que esvazia o seu conteúdo político, vertendo-o num simples produto para as massas. É no contato pessoal e na dinâmica da própria periferia que as distorções causadas pela tentativa de cooptação se esvaecem. Os hip hoppers afirmam a importância da proximidade, do contato na rua, no bar, na escola, na praça para se difundir os valores da cultura hip hop, num processo pautado na própria trajetória do indivíduo durante o seu dia e sob o discurso do hip hop, que se mostra em consonância com a dinâmica do entorno, dizendo respeito à vida do indivíduo da periferia e substantivando a densidade comunicacional. Aqui reside um dos pontos fortes no embate com a indústria cultural. Para o arranjo do hip hop metropolitano há a formação de um micro circuito espacial de horizontalidades, amarrado por círculos espaciais de cooperação da resistência (círculos ascendentes de informação), envolvendo o intercâmbio entre as organizações do movimento e destas com outros agentes da sociedade, algo que ocorre da escala local até a escala regional com o calendário tático de eventos. A cidade de Campinas aparece, juntamente com as cidades de Hortolândia e Sumaré, como lugar de grande influência para o hip hop da RMC. Acreditamos que as relações de contigüidade, assim como o grau de articulação dado pelos órgãos hip hop podem ajudar ainda no entendimento dessas cidades, que em têm comum, o fato de abrigarem grandes periferias, constituídas por bairros operários cuja configuração territorial facilita a aglomeração. Chamou-nos atenção o fato de que essa espécie de mancha hip hop corresponde ao chamado eixo da pobreza da RMC. Outro dado importante é que essa espécie de mancha hip hop se sobrepõe aos maiores corredores de trânsito intermunicipal de passageiros do estado de São Paulo, que envolve, entre outras, as linhas que ligam Campinas à Hortolândia e Sumaré. Aventamos que a aglomeração pode favorecer a revolta e o questionamento. Consideramos ainda a hipótese de que a força do movimento nessas cidades pode estar ligada à proximidade entre os homens que habitam seus espaços opacos sob um cotidiano potencialmente criador de consciência crítica. AO055 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1904] ESPAÇO, I GREJA E PRÁTI CAS RELI GI OSAS: UM A AN ÁLI SE A PARTI R D AS ROM ARI AS N O RECÔNCAVO SUL DA BAHIA. WEDMO TEIXEIRA ROSA. UFBA, SALVADOR, BA, BRASIL. Resumo: A Igreja católica e a religiosidade popular tiveram papel fundamental na origem e expansão de grande parte das cidades brasileiras, sendo que muitas dessas cidades surgiram e/ou cresceram em função da atuação desta instituição e, em alguns casos, de práticas e valores da religiosidade local. Esse fato é, especialmente, percebido na Região Econômica do Recôncavo Sul da Bahia, onde se encontra um complexo urbano secular que tem uma diversidade natural, econômica e cultural muito grande. Porém, quando se discute o espaço urbano e/ou a história das cidades no Brasil, destaca-se muito mais o papel do Estado, da política, da economia na formação e produção dos espaços urbanos e dos municípios brasileiros, diminuindo ou ausentando a importância da Igreja, da religião, dos valores e crenças da população na construção da paisagem urbana ou formação política e territorial dos municípios em nosso país. A Igreja norteava o desenho urbano e os estágios hierárquicos das aglomerações que surgiam ao longo do tempo até o momento da criação oficial do município, como escreve Murillo Marx (1991, p. 12): “Uma concentração de moradas e uma capela, depois capela-curada ou visitada por um padre, quem sabe uma paróquia mais tarde. Um povoado de determinado porte aspiraria constituir uma paróquia ou, denominação que prevaleceu entre nós, uma freguesia. Depois tal freguesia vai almejar a autonomia municipal [...]”. Essa seqüência foi bastante comum até o final do século XIX – momento da separação oficial do Estado e da Igreja, quando advém à República e se acentua a secularização. No entanto, esta separação não fez com que os estabelecimentos eclesiásticos perdessem de vez sua influência sobre a configuração territorial dos municípios brasileiros e até, pelo menos, meados do século XX, se fazia o caminho descrito acima para um pequeno arraial ou vila conseguir alcançar o status de município. Na Bahia, em especial no Recôncavo Sul, a seqüência citada acima aconteceu com muita freqüência no decorrer do século XIX em muitos municípios, com destaque para Cachoeira, Nazaré, Santa Terezinha, Santo Antonio de Jesus, São Felipe, etc., e ainda no século XX com os municípios de Laje, Milagres, Varzedo, entre outros. A separação do Estado e da Igreja aconteceu há mais de um século, mas, sem dúvida, essa relação ainda confunde estudiosos, políticos, bispos e a população em geral, ainda mais quando a religiosidade popular se manifesta com tanta força em cidades como Milagres, que tem função religiosa e atrai milhares de devotos e romeiros, pessoas em sua grande maioria humildes e que estão distantes de centros econômicos e culturais, onde as práticas religiosas como festas religiosas e as romarias/peregrinações têm uma dimensão cultural forte e está diretamente relacionada ao surgimento e expansão do núcleo urbano. Na Bahia, muitas cidades têm relação com as festas religiosas e populares, especialmente na Região do Recôncavo Sul, onde se pode citar como exemplo a festa de Santo Antônio, em Santo Antonio de Jesus, a festa de São Roque em Nazaré, a festa da Irmandade da Boa Morte em Cachoeira, inúmeras festas dedicadas aos Santos padroeiros como o de Santo Amaro, Laje, Jiquiriçá, São Felipe, São Miguel das Matas, entre tantas outras cidades, sem falar nas festas dos santos juninos, que em alguns lugares como Amargosa e Cruz das Almas são grandes espetáculos festivos. Algumas dessas práticas e festas religiosas atraem muita gente de outras cidades e de diferentes regiões da Bahia e até do Brasil, tornando o lugar um centro convergente de crentes, principalmente quando esse lugar tem histórias de milagres e aparições de Santos ou da Virgem Maria. Esse é o caso de Milagres, situado no extremo oeste da Região do Recôncavo Sul e na Região Natural do Semi-Árido baiano, entre as cidades de Feira de Santana e Jequié, às margens da BR-116. Assim, Milagres é considerado um centro de convergência de romeiros, com dimensão local e regional no Estado da Bahia, com um fluxo periódico de devotos que buscam lugares sagrados para manifestarem sua fé. Este ensaio tem como objetivo principal analisar as manifestações espaciais das práticas religiosas a partir das romarias na cidade de Milagres – BA, discutindo a influência dessa prática devocional na dinâmica urbana e regional e na organização espacial da cidade em questão e a importância da Igreja nesse contexto, enquanto instituição. Este trabalho é parte de uma pesquisa realizada no Mestrado em Geografia e os procedimentos metodológicos utilizados aqui foram o levantamento bibliográfico e documental, trabalho direto no campo, a fim de vivenciar e conhecer melhor o fenômeno estudado, entrevistas e análise dos dados coletados. As festas e práticas religiosas como as romarias são manifestações culturais que ocorrem na área urbana e/ou rural num tempo sagrado, num tempo que para o homem religioso é qualitativamente diferente do tempo cotidiano, que tem valor significativo e consegue aproximar o homem comum de um campo de força divino, extraordinário, principalmente quando esse tempo ocorre num espaço sagrado, imprimindo ao lugar das festas uma dinâmica diferente da dos dias comuns, tornando-o simbolicamente importante para os visitantes. “Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo: o espaço apresenta roturas, quebras; há porções de espaço qualitativamente diferentes das outras” (ELIADE, 1992, p. 25). Dessa forma, há um espaço de valor significativo, que se diferencia qualitativamente de outros espaços, sendo, portanto, o espaço sagrado. “Tal como o espaço, o tempo também não é para o homem religioso, nem homogêneo nem contínuo. Há, por um lado, os intervalos de Tempo sagrado, o tempo das festas (na sua grande maioria, festas periódicas); por outro lado, há o Tempo profano...” (ELIADE, 1992, p. 63). O espaço sagrado é considerado pelos fiéis católicos o lugar onde Deus, Jesus Cristo ou os Santos manifestam seu poder, onde acontecem milagres ou aparições, sendo que nesses locais, são constituídos símbolos do sagrado como uma pedra, uma fonte, uma gruta, ganhando esse lugar, principalmente no Tempo sagrado, um campo de forças divinas que tem o poder de transportar o homem religioso acima de si mesmo, possibilitando seu encontro com uma divindade. A discussão do sagrado envolve consequentemente o profano e mesmo que estas duas dimensões pareçam opostas, estão fortemente correlacionados pois “[...] a idéia do profano só tem sentido numa perspectiva religiosa, ou seja, no domínio fenomenológico em que se opõe à noção do sagrado. Essa oposição liga as duas referidas categorias de forma necessária, numa estreita correlação” (SERRA, 2000, p. 53). Como explica Rosendahl (1996, pp. 27-32), o espaço sagrado é qualitativamente diferente do espaço profano para o fiel, porém existe uma relação entre ambos. Nesse sentido a prática religiosa da peregrinação/romaria envolve uma organização do espaço sagrado e, conseqüentemente, do espaço profano: no espaço sagrado se realiza o contato com Deus, ou com os Santos, sendo que esse espaço é definido simbolicamente em Milagres pela Igreja, a gruta ou a fonte; no entorno desse espaço, principalmente ao redor da igreja – que é onde se concentra o maior número de fiéis – é possível reconhecer atividades e serviços destinados a atender às necessidades do romeiro, como alojamento, áreas de comércio, de estacionamento, de show, que definem o espaço profano. O sagrado e o profano coexistem no mesmo espaço, sendo que no tempo sagrado, no tempo das festas, não dá para definir com clareza onde termina um e começa outro, não dá para definir as fronteiras de um e de outro, porém quanto mais se afasta dos símbolos considerados sagrados, como a igreja, o profano se materializa cada vez mais no espaço. O espaço profano é montado ao redor do espaço sagrado, havendo assim, uma inter-relação entre eles. A visita de um devoto ao lugar sagrado, em um tempo sagrado, e a realização de suas práticas devocionais o aproxima de Deus. Elas se constituem como uma visita afetiva, como um ato de amor e de demonstração de fé no seu santo protetor. Esta ida do romeiro a uma cidade-santuário, num tempo de festas, para cumprimento do seu ato devocional, que envolve sentimentos e paixões, alteram o cotidiano daquele local, imprime no espaço uma configuração diferente da habitual, (re)modelando-o de acordo com suas crenças, atitudes e valores. É totalmente evidente que no período de romarias, Milagres se transforma, expandindo as possibilidades de emprego e renda para a sua população, mesmo que de maneira informal, criando um movimento de pessoas, serviços e capital, diversificando a economia local. No segundo semestre do ano a cidade “pára”, sendo que grande parte da população espera ansiosa pelas festas religiosas, pois muitos só sobrevivem daquilo que conseguem arrecadar no período festivo. A dinâmica urbana de Milagres é marcada por dois momentos distintos: Um período de romarias, com intenso fluxo de romeiros e visitantes, que se estende durante todo o primeiro semestre de cada ano, e tem grande força nas festas religiosas, onde se (re)organiza o espaço e se altera o cotidiano urbano, (re)criando formas e (re)funcionalizando-as para atender o visitante. Outro período, sem romarias, notadamente no segundo semestre do ano, o cotidiano da cidade é muito parecido com de outros pequenos núcleos urbanos da Bahia, voltando-se então para o tempo comum. As festas religiosas e as peregrinações/romarias indicam experiências humanas repletas de significados, (re)organizam o espaço e modificam a paisagem e a dinâmica urbana. O estudo da espacialidade do sagrado, das festas religiosas, da vivência e práticas religiosas dos romeiros, trata do estudo de práticas sociais, da importância dos lugares e símbolos sagrados e da experiência das pessoas com o espaço. AO056 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [2050] CAM I N H O D OS D EUSES, CAM I N H O D OS H OM EN S: A CON TRUÇÃO D O ESPAÇO SAGRAD O N A IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL DO BRASIL. ALEXANDRE LEITE SOUZA FARIAS. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: CAMINHO DOS DEUSES, CAMINHO DOS HOMENS: A CONTRUÇÃO DO ESPAÇO SAGRADO NA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL DO BRASIL Objetivo Este trabalho tem como objetivo a análise do modo como se processa a construção do espaço sagrado no seio de novas formas de expressão religiosa derivadas do xintoísmo. Nossa pesquisa ficou circunscrita ao universo religioso da Sekai Kyussei Kyo, denominada em nosso país de Igreja Messiânica Mundial (IMMB), mais especificamente ao escopo da cidade-santuário dessa instituição religiosa em terras brasileiras, o chamado Solo Sagrado do Brasil, localizado na cidade de São Paulo, às margens da represa de Guarapiranga. A Igreja Messiânica Mundial, entidade que pertence ao rol das religiões que recebem a designação de novas religiões japonesas, e será analisada aqui no que tange ao papel do sagrado na transformação do espaço geográfico, o qual adquire significado particular para os que compartilham dessa crença no sagrado. Esse centro de peregrinação religiosa inscreve no espaço a carga de significados que o sagrado possui na vida dos fiéis desta religião, influenciando na visão de mundo que decorre de tal influência. Sua paisagem é marcada pela relação de simbiose entre natureza e cultura, característica que constitui o sistema de pensamento religioso xintoísta e suas variantes contemporâneas. Nesta pesquisa procuraremos conhecer as funções religiosas desse espaço sagrado, sua estrutura espacial e organização, a natureza simbólica do seu espaço geográfico e o significado que ela fornece para os fiéis na apreensão dos valores religiosos da religião messiânica, profundamente influenciados por esta relação entre o homem e a natureza. Referencial teórico e conceitual Entre as inúmeras possibilidades analíticas disponíveis para uma abordagem do fenômeno religioso, procuramos analisá-lo pela perspectiva da geografia cultural, considerando a religião como um fenômeno cultural e a geografia como campo do conhecimento capaz de analisar tais fenômenos em sua materialização na dimensão espacial. Trabalhamos nessa pesquisa com o conceito de espaço sagrado e de espaço profano, proposto por Mircea Eliade, bem como com a sua noção de hierópolis, ou de cidades-santuários, aprofundado no campo da geografia da religião por Zeny Rosendahl. Tais conceitos possibilitam a abordagem dos aspectos simbólicos da cultura. Para a análise específica do campo religioso, utilizamos o referencial conceitual desenvolvido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, em especial a sua noção de campo simbólico. Como o nosso estudo trata de um sistema de pensamento religioso diferente dos elaborados no ocidente, procuramos trazer as contribuições conceituais propagadas por Colin Campbell, em sua perspectiva sobre a presença de crenças religiosas orientais em sociedades ocidentais. Metodologia Utilizamos a metodologia de Pesquisa de campo em dois níveis: i) levantamento de dados e informações sobre a atuação da IMMB e a concepção e construção do Solo Sagrado de Guarapiranga (SSG) – projeto, planta, números em geral (fontes secundárias); ii) entrevistas com responsáveis, líderes religiosos, fiéis e outros sobre o processo de construção, funcionamento, organização e manutenção do SSG (fontes primárias). Fizemos uso também do método da observação participante, com o intuito de desenvolvermos a nossa pesquisa sobre o papel que essa cidade-santuário desempenha na vida religiosa dos devotos dessa religião, bem como na construção de sua identidade como grupo religioso. Essa observação participante foi realizada em uma dessas peregrinações rumo ao solo sagrado, em especial a que ocorreu no dia dois de novembro, data que marca o calendário religioso de tal grupo para a comemoração do sufrágio as almas dos ancestrais e antepassados. Procuramos interagir com um grupo de pessoas oriundas da cidade do Rio de Janeiro, desde a sua partida para a cidade-santuário, seu momento de chegada e permanência no local, bem como a volta para a sua cidade de origem. Principais questões Estudamos a cidade-santuário denominada pela religião Messiânica de Solo Sagrado, procurando identificar e levantar os aspectos que corroboram as características dessa cidade como centro de peregrinação e confluência religiosa para os devotos e simpatizantes dessa religião de diferentes partes do Brasil, a importância do espaço sagrado para o sistema de crenças messiânico, bem como a relevância que essa cidade e a peregrinação realizada até ela possuem para os seus adeptos. Além disso, procuramos aprofundar a relação existente entre natureza e cultura para a construção de uma identidade ecológica e profundamente relacionada com os aspectos ambientais e de preservação da natureza, procuramos identificar também como se processou a absorção dessa visão de mundo gestada em um ambiente cultural distinto das tradições culturais e religiosas da maioria dos membros desse grupo. Resultados alcançados e conclusões Devido ao intenso fluxo de peregrinos que se deslocam em direção ao Solo Sagrado de Guarapiranga, bem como o sentido simbólico que estas peregrinações possuem nos dias de comemoração religiosa para seus membros, bem como por toda a carga sagrada atribuída ao espaço, esse local pode ser considerado como uma hierópolis. Foi possível identificar a relevância das peregrinações para a construção de um sentido de proximidade com o sagrado, de busca pelo transcendente que se encontra materializado no espaço, o qual acaba por fornecer sentido para as atribulações do mundo contemporâneo. O espaço adquire contornos e modificações segundo as bases conceituais dessa religião, carregando de sentido os vários locais, atribuindo sacralidade a distintos espaços e em diferentes gradações. Além disso, foi possível notar a importância dos aspectos ecológicos para este grupo, embora os aspectos conceituais relacionados a interação entre natureza e cultura simbólica presente no discurso dos líderes religiosos e membros dessa instituição sofram uma adaptação aos aspectos interpretativos de nossa cultura. Palavras-chave: Espaço sagrado; Igreja Messiânica Mundial do Brasil, geografia da religião; novas religiões japonesas; hierópolis; AO057 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [2055] N O RI TM O D AS I N TERVEN ÇÕES URBAN Í STI CAS N A CI D AD E M ARAVI LH OSA D E SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO. JOÃO BAPTISTA MELLO. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: NO DE RITMO DAS SÃO INTERVENÇÕES SEBASTIÃO URBANÍSTICAS DO NA RIO CIDADE DE MARAVILHOSA JANEIRO No ritmo das intervenções urbanísticas e nos versos e compassos dos compositores da música popular brasileira, a comunicação aborda as reformas urbanas, planos diretores e políticas públicas que reconfiguraram a antiga capital da Colônia e do Império em uma majestosa cidade seguindo as intenções da ordem e do progresso republicanas nas formas espaciais no ex centro político do país. Eis, em meio a britadeiras, tratores, monta-e-desmonta, poeira, lama, instrumentos, vozes e a expulsão da população do seu universo vivido, a apreciação de um segmento social que capta, com sensibilidade, o sentimento, a rejeição, o entendimento e a aderência dos indivíduos e grupos sociais a todo um conjunto de metamorfoses ocorridas na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A urbe carioca, privilegiada pela natureza exuberante e dadivosa, plena de baías, oceano e domínios florestais, foi edificada sobre aterros colossais e, mais tarde, o homem teve que construir túneis perfurando montanhas que contribuíram para o seu espraiamento. As cirurgias urbanas, no entanto, ocorreram somente no século vinte e não apenas transformaram a cidade fétida, plena de doenças, de becos, travessas e ruas estreitas, que não condiziam com os preceitos da República, como no bojo da organização do espaço contribuíram para alçar a antiga capital brasileira em uma cidade admiravelmente bela. Harmonias e dissonâncias no cruzamento dos temposlugares de um fabuloso Rio musical ressonaram canções de porte anunciando a Cidade Maravilhosa e as flechas venenosas indicando momentos torturantes que, de acordo com o discurso oficial, mereciam ser vencidos para que a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro exibisse esplendor, graça e glamour como outras capitais mundiais. Tais acordes, mapeados pelos compositores da música popular brasileira, ganharam permanência e expressão ao longo do século vinte. Neste embalo, de um lado pulsa uma urbe com seus encantos, sinuosidade das montanhas, natureza dadivosa e sua gente entendida, no início deste terceiro milênio, como o povo mais cordial e amigável do mundo em pesquisas científica e turística. Mas, as dissonâncias pulularam nas margens do Rio, para que assomassem as delícias envoltas e tão propagadas em cartões postais e símbolos exuberantes, bem como em lugares paradisíacos, afora fantasias escapistas e inebriantes. No âmbito de tais posturas, a pesquisa afinada com os princípios da geografia humanítica, focaliza um elenco de canções evidenciando os martírios impostos pelas reformas urbanas, lamentos de toda ordem, por parte dos desalojados de seus mundos vividos e a euforia das autoridades em oferecer a esperança sempre renovada de melhores dias para serem vividos em uma cidade de “... cheia de encantos mil ...”, em meio a geografias sedutoras como afirma um dos versos da marchinha-hino da Cidade Maravilhosa. No eco dos clarins e de vozes uníssonas, convém lembrar, há um repertório extraordinário. Trata-se, na realidade, de um documento valioso a ser apreciado. As canções, em sua grande maioria, permanecem como verdadeiros emblemas e referências, introjetadas no âmago das pessoas e eternizadas na boca do povo e na memória. Comungando com uma cidade dadivosa no convívio social, ostentatória em suas formas naturais, imponente nas edificações humanas e plena de funções e/ou simbologias, compositores, intérpretes, maestros e instrumentistas uniram seus talentos e apuro musical e destacaram momentos significativos e os meandros do Rio, cujo traço comum aglutina beleza, hospitalidade, acolhida, bem estar, conflitos, ações e a lida do dia-a-dia. Na confluência de idéias, apego, fôlego e sonhos, o Rio de Janeiro, estuário de manifestações artísticas e culturais, detém uma brilhante constelação de músicas dedicadas à sua geografia. Um pequeno elenco desse cancioneiro figura a seguir sendo o repertório interpretado à luz dos versos das canções alinhadas em ordem cronológica e analisadas na íntegra, quando necessário, ou apenas, parcialmente. Diante do exposto, convém ressaltar, música popular, compositor, lugar e Rio de Janeiro comparecem como palavras-chave seguindo os preceitos da geografia humanistica, uma perspectiva interessada em entender a alma dos lugares a partir das experiências vividas pelos indivíduos e grupos sociais. Apoiada nos princípios da fenomenologia e da hermenêutica, esta perspectiva entende ser o lugar parte integrante do ser e, por conseguinte, cada indivíduo um geógrafo informal capacitado para discorrer sobre a alma dos lugares, por ser o homem quem produz, aprende, vive e transmite geografia, como no caso dos compositores da música popular brasileira. O lugar (ou lar), nas mais diversas escalas, integra um mundo filosófico e vivido, existencial e coletivo, de enraizamentos, fé e congraçamento tecido por meio da permanência, o estoque de conhecimento, a herança cultural e envolvimentos que conduzem à posse e a afeição denotando pertencimento, aconchego e intimidade, mas também lutas e glórias, enfim, uma \"morada familiar\" ou lar, por excelência, seja ao nível individual, seja público, compartilhado e forjado por intermédio de edificantes significados. Nestas condições, o lugar ou lar -- íntimo, fechado, humanizado -- no conjunto da criação, trocas e identidade, pode assumir igualmente a condição de intermundo (ou intersubjetividade) referente ao universo comum a um grupo social, por ser cenário, campo de forças e das interações dos seres humanos. Isto posto, a cidade do Rio de Janeiro apresenta-se tal qual um livro aberto à interpretação através da assinatura dos compositores da música popular brasileira e o esforço em se atingir tal meta tem como apoio as filosofias fenomenológica e hermenêutica. Como pôde ser evidenciado o discurso dos compositores esteve muito focado nas reformas urbanas quando estas ocorreram. Cessadas as tiranias das intervenções no espaço urbano, alguns autores ainda voltaram seus sentimentos e genialidade para o passado (colaborando) ou mesmo eternizando os lugares devastados do passado e de grande expressão para determinados indivíduos ou grupos sociais. Isto posto, convém lembrar, a música popular constitui um elemento relevante para a compreensão da cidade e sua análise. Trata-se de um instrumento a ser considerado, em sala de aula, como material didático de envolvente e fácil compreensão. No mesmo compasso, não pode ser negligenciado pela academia sob pena de ser perder a busca de íntimas, coletivas, pretéritas, hodiernas, sofridas, pulsantes, vitoriosas mas, sobretudo, sedutoras, vívidas e arrebatadoras geografias. Palavras-chave: música popular, compositor, lugar, Rio de Janeiro, reformas urbanas, geografia humanística AO124 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Agrária [1187] A REFORM A AGRÁRI A N A CAM PAN H A GAÚCH A: O PROCESSO D E D ESCON CEN TRAÇÃO FUNDIÁRIA E TERRITORIALIZAÇÃO CAMPONESA. FLAMARION DUTRA ALVES1; VICENTE CELESTINO PIRES SILVEIRA2. 1.UNESP, RIO CLARO, SP, BRASIL; 2.UFSM, SANTA MARIA, SP, BRASIL. Resumo: INTRODUÇÃO A análise do processo de reforma agrária ocorrido na Campanha Gaúcha vem contribuir para o debate do desenvolvimento regional no Rio Grande do Sul. O estudo do processo de ocupação e colonização da Campanha Gaúcha revela a estrutura fundiária dessa região, marcada pelas grandes propriedades, vazios demográficos e atividades econômicas pouco dinâmicas. No fim da década de 1980, começa-se a implantação de assentamentos rurais nos municípios da Campanha havendo uma territorialização camponesa e redistribuição fundiária, em 2006 há 85 assentamentos rurais territorializado em 79.177 hectares, em 9 municípios. OBJETIVOS O trabalho tem como objetivo verificar as alterações na estrutura fundiária dos municípios da Campanha Gaúcha que apresentam assentamentos rurais, além de analisar os impactos da territorialização camponesa no território da pecuária e das grandes propriedades rurais, no âmbito socioeconômico e territorial. METODOLOGIA O emprego de uma metodologia que resgatasse as raízes da ocupação territorial, juntamente com os diversos aspectos das alterações dos assentamentos rurais no âmbito regional, foi conseguido através da metodologia sistêmica fundamentada em Morin (1977) que ressalta a importância das relações entre os elementos que conjugam o todo, e a análise dos antagonismos é fundamental nesse tipo método, considerando a complexidade dos elementos na busca da totalidade. Procedimentos metodológicos Primeiramente, fez-se uma revisão bibliográfica sobre os diversos temas estudados, em seguida, a coleta de dados secundários em órgãos públicos (IBGE, EMATER, INCRA, etc) para posteriormente realizar saídas de campo, a fim de coletar informações junto aos assentamentos rurais, e setores dos municípios de Candiota e Hulha Negra, com o intuito de analisar as alterações socioeconômicas da reforma agrária. Foram empregadas entrevistas semi-estruturadas, de ordem qualitativa, promovendo uma riqueza de informações e detalhes. Obtendo respostas diversas, que muitas vezes um questionário fechado, estruturado não proporciona ao pesquisador. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A base teórica-conceitual da pesquisa está dividida em partes de acordo com as temáticas estudas. Resgate histórico da região da Campanha Gaúcha Primeiramente, um estudo da colonização e ocupação territorial da região da Campanha Gaúcha, para delinear a formação socioeconômica desses municípios, através das obras de Brum (1987), Pesavento (1997) e Costa (1988) constatou-se a formação do latifúndio pastoril e de uma sociedade desigual. Conforme esses autores, a Campanha Gaúcha se caracteriza pela grande propriedade rural, baixa densidade demográfica e baixo dinamismo econômico pela carência de atividades. A concentração fundiária iniciada no século XVIII dura até hoje, porém, com o processo de reforma agrária esse cenário começa a se alterar de forma lenta, mas dinamizando o espaço agrário dos municípios que apresentam assentamentos rurais em seus territórios. Transformações capitalistas e a questão agrária: organização do espaço agrário e campesinato Ao estudar a questão agrária fez-se uma leitura dos clássicos rurais de Kautsky (1972), Lênin (1985) e Chayanov (1974), para em seguida discutir a questão agrária brasileira em Oliveira (1999) e Graziano da Silva (1999) e, principalmente as conseqüências da modernização da agricultura no espaço agrário gaúcho. As obras de Tambara (1985) e Brum (1987) mostram os resultados sociais, econômicos e territoriais desse processo modernizante na agricultura gaúcha, o forte êxodo rural, concentração das terras na metade norte do Rio Grande do Sul, expansão das lavouras de soja e trigo, ou seja, esse processo de territorialização do capital na agricultura gaúcha contrastou com a falência de milhares de camponeses, concentração da renda e poder e o surgimento de movimentos sociais do campo, entre eles o MST. Territorialização dos camponeses na Campanha Gaúcha Baseado no conceito de território de Raffestin (1993) e Haesbaert (2004) no qual esse é uma fração do espaço conquistada por um grupo ou indivíduo, sendo um trunfo conquistado. Em Fernandes (1999) o conceito de territorialização está vinculado ao processo que o MST transforma no espaço, a conquista da terra através da luta. Essa territorialização está presente na Campanha Gaúcha, através dos 85 assentamentos rurais em 9 municípios ocupando 79.177 hectares. RESULTADOS E CONCLUSÕES Observou-se uma pequena redução na concentração fundiária na Campanha Gaúcha, dos 20 municípios da Campanha, 9 apresentam assentamentos rurais, e nesses os assentamentos ocupam 2,66% do total da área. Porém, em Candiota 16,3% da área é territorializada pelos camponeses, em Hulha Negra 26,7% da área está conquistada pelos camponeses. Nos estudos realizados nesses municípios constatou-se a ampliação da participação camponesa na economia local, a força gerada pelos camponeses trouxe para o espaço rural a melhoria de infra-estrutura (escolas, postos de saúde, estradas, eletrificação, crédito rural, assistência técnica, etc) e criação de uma cooperativa para assentados e não-assentados para fortalecer as relações familiares no espaço rural. A presença das grandes propriedades e das relações capitalistas não fez com que o camponês desaparecesse conforme os estudos marxistas de Kautsky (1972) e Lênin (1985), havendo sim, uma ampliação das atividades camponesas, onde o cooperativismo é a alternativa mais viável para o desenvolvimento local nessa região. Palavras-chaves: Reforma Agrária, Territorialização, Campanha Gaúcha, Estrutura Fundiária, Assentamentos Rurais. AO125 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Agrária [1210] D ESI GUALD AD E E POBREZA N O BRASI L CON TEM PORÂN EO: D ESAFI OS H I STÓRI COS E ATUAIS. PATRÍCIO AURELIANO CARNEIRO. UFMG, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: Este trabalho discute alguns dos fatores responsáveis pela construção e pela sustentação de uma nova geografia das desigualdades no Brasil. O estudo fundamental aqui empreendido versa sobre a desigualdade moral ou política que, segundo Rousseau, é estabelecida por um consentimento dos homens, numa espécie de convenção. No referencial teórico foram adotadas publicações no âmbito da geografia agrária e da população, da economia e da história. Como evidências concretas, a fim de demonstrar, por meio da confecção de mapas temáticos das 558 microrregiões do país, a dimensão espacial e material da situação das desigualdades, coletaram-se dados demográficos e agropecuários de diversas instituições de pesquisa. O fenômeno das desigualdades e a pobreza, sua representação material e espacial, se aprofundaram nas últimas décadas. Dentre os principais fatores responsáveis pelo citado processo no Brasil, quatro merecem destaque pela forma que alimentam a reprodução paralela da abundância e da escassez. O primeiro fator se refere à modernização seletiva da agricultura que atingiu, excepcionalmente, regiões com possibilidades de expansão em escala empresarial. Os créditos agrícolas e os subsídios fiscais foram direcionados apenas para a expansão de culturas de exportação, contemplando, tão somente, os poucos e grandes latifundiários. A transformação na base técnica da agricultura possibilitou uma revolução na produção e na produtividade agrícola, mas acentuou a dependência do território brasileiro aos interesses das grandes corporações multinacionais: produtoras de sementes, insumos, agrotóxicos e máquinas. O resultado foi o comprometimento da produção de gêneros alimentícios básicos da sociedade brasileira em detrimento das culturas que interessam ao mercado internacional, revelando um uso alienado do território no que tange às necessidades de sua população e que produz desigualdades extremas no âmbito da geração e da apropriação da renda agrícola. O segundo fator, histórico e também decorrente da modernização seletiva da agricultura, é a concentração da terra, notável na rigidez das velhas estruturas das oligarquias tradicionais. O modelo político que privilegia os grandes latifúndios com a monocultura exclusivista e a pecuária extensiva tem corroborado para que os agricultores familiares, vinculados à exploração extensiva da terra, busquem outras estratégias de sobrevivência, seja como posseiros, parceiros, arrendatários, assalariados nas grandes fazendas ou, ainda, como migrantes nos centros urbanos. O que torna urgente a discussão acerca da necessária revisão do sistema fundiário brasileiro, que deve se basear numa releitura das relações políticas no campo e na compreensão da terra como instrumento de trabalho daqueles que dependem, exclusivamente, dela para retirar o seu sustento. O terceiro fator, decorrente dos dois primeiros e do processo de urbanização e industrialização, consiste no êxodo rural que teve como decorrência principal a ampliação da pobreza no entorno das áreas metropolitanas, em função, principalmente, da especulação imobiliária. Se nas décadas passadas a pobreza e a fome estavam concentradas, em sua maior parte, no campo e nas pequenas cidades, como conseqüência do crescimento urbano descontínuo, grandes bolsões de mendicância se configuraram nas metrópoles, trazendo à tona uma nova geografia da centralidade e da marginalidade. O enfraquecimento do papel do Estado, devido ao receituário neoliberal, o contexto de flexibilidade dos salários e do desemprego e a necessidade, cada vez maior, de mão de obra especializada contribuem para a intensificação do caráter marginal e periférico da população pobre metropolitana, seja na vida social ou na morfologia espacial da dimensão urbana. O quarto fator consiste no privilégio das políticas governamentais à agricultura de exportação, incentivando, a pretexto da necessidade de uma balança comercial superavitária, o crescimento da produção e da produtividade de um setor agropecuário que supre a nutrição animal em mercados externos. Dados divulgados pela FGV, em 2001, apontaram que o mapa da fome abarcava, aproximadamente, 1/3 da população, ou seja, enquanto os portos brasileiros exportam milhões de toneladas de grãos, aproximadamente 60 milhões de pessoas carecem das condições mais elementares para a sua reprodução social. É inadmissível que num país, dotado de uma das maiores áreas agricultáveis do mundo, se encontrem elevadas taxas de população faminta. A extensão do problema exige provisão imediata das necessidades básicas e uma avaliação séria e crítica acerca das políticas de incentivo à agricultura familiar. Esses quatro fatores relatados contribuem para que se mantenha elevada a concentração da renda. O Censo Demográfico de 2000 apontou que enquanto a parcela dos 50% mais pobres detinha 14% da renda total, esta mesma fatia era apropriada por somente 1% dos mais ricos. Tal monopolização da renda determina que não somente lugares tradicionalmente antigos, mas também novos ou modernos sejam atingidos pela pobreza, como apontou, no mesmo ano, o At las do Desenvolvim ent o Hum ano do Brasil, ao relatar 55.609.228 pessoas ou 33% da população total com renda mensal per capit a abaixo de R$ 75,50. A origem da pobreza brasileira não está, portanto, na escassez, absoluta ou relativa, de recursos, mas na magnitude e na permanência da desigualdade de renda, forjada, entre outros, pelos fatores anteriormente elencados. E, apesar do papel central e primordial das políticas redistributivas, a experiência brasileira no combate à pobreza, infelizmente, até pouco tempo, reforçou unicamente a alternativa do crescimento econômico. O que nos permite compreender o por quê de na primeira década do século XXI, o Brasil não ser um país pobre, mas de muitos pobres. AO126 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia Agrária [1302] A APROPRIAÇÃO DA CATEGORIA TERRITÓRIO NAS ATUAIS POLÍTICAS DE ACESSO A TERRA DO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – MDA. PAULO VALDENOR SILVA DE QUEIROZ1; FLÁVIO RODRIGUES NASCIMENTO2. 1.UNI VERSI DADE ESTADUAL DO CEARá, FORTALEZA, CE, BRASI L; 2.UNI VERSI DADE ESTADUAL DO CEARÁ, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: A pretensão inicial desta pesquisa é a de analisar as políticas de acesso à terra desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário –MDA- (utilizado o caso do território dos Sertões de Canindé - Ceará), partindo das categorias território e desenvolvimento sustentável, destacando as implicações de tais políticas no ambiente sociocultural dos indivíduos envolvidos. Buscamos analisar, a partir das condições sócio-históricas atuais do acesso a terra, o processo de formação territorial brasileira e como a apropriação das categorias Território e Desenvolvimento Sustentável, realizada pelo MDA, têm implicado em um novo conjunto de políticas públicas no âmbito nacional, com reflexos no território retromencionado. Ao se pensar numa analise conceitual da categoria território, faz-se necessário a compreensão, segundo Raffestin (1993), de que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, e é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático, que se apropria de um espaço, concreto ou abstratamente, tornando-o um território. O território, nessa perspectiva, seria o espaço no qual se projetou um trabalho, e que, por conseqüência, revela uma complexa teia de relações sociais marcadas por conflituosas relações de poder. Dessa forma, o espaço seria a (...) “prisão original, o território é a prisão que os homens constroem para si”.(...). “Evidentemente, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço”(RAFFESTIN, 1993:144). Para Santos (1992), as várias formas espaciais são sempre, de certo modo, uma expressão dos vários momentos históricos e de sua dialética relacional. É a partir dessa concepção que podemos diz que, o espaço nada mais é do que um processo de acumulação de tempos desiguais, sugerindo que o espaço seja considerado como um fator de evolução social, não apenas como uma condição. “O espaço deve ser considerado como uma totalidade, a exemplo da própria sociedade que lhe dá vida” (SANTOS, 1992: 05). Assim, nota-se que não é possível estudar o território sem compreender o espaço e seu processo de fragmentação, criadores de territórios. Desse modo, é possível afirmar que essa dimensão espacial nos coloca diante da articulação sociedade – espaço, na medida em que a produção da vida, no cotidiano do indivíduo, não representa apenas a produção de bens para a satisfação das necessidades materiais, mas também a produção da humanidade do homem, colocando-nos diante da produção social do mundo (CARLOS, 1997:306). Ademais, acredita-se que hoje virou “moda” utilizar o conceito de território para explicar tudo, o que indica se tratar da já antiga confusão que resulta principalmente da não explicitação do conceito de território que se está utilizando, considerando-se muitas vezes o território como sinônimo de espaço ou de espacialidade. Ou numa visão ainda mais problemática, como a simples e genérica dimensão material da realidade social. Como já apontado, um debate central sobre o território envolve seu caráter absoluto ou relacional. O território construído a partir de uma perspectiva relacional do espaço é visto completamente inserido dentro de relações social-históricas, ou, para muitos autores (FERNANDES, 1999; RAFFESTIN, 1993; SOUZA, 2005), de relações de poder. Em se tratando do discurso do desenvolvimento sustentabilidade, podemos dizer que este vem sendo cada vez mais difundido e ampliado. Segundo Leff (2001: 16) hoje esse discurso da sustentabilidade “chegou a afirmar o propósito e a possibilidade de conseguir um crescimento econômico sustentável através dos mecanismos de mercado”. É possível, ainda, concordar com o mesmo autor para afirmar que o princípio de sustentabilidade (território e desenvolvimento) “surgem no contexto da globalização como a marca de um limite e o sinal que reorienta o processo civilizatório da humanidade” (LEFF, 2001: 15). Um segundo momento da pesquisa, consiste na investigação dos documentos produzidos pelo MDA e SDT, verificando o modo como as categorias têm sido utilizadas e quais as possíveis matrizes teóricas teriam sido utilizadas para sua elaboração. Feitas a revisão bibliográfica e a análise conceitual dos documentos oficiais do MDA, busca-se apreender como a partir dessa nova leitura do espaço geográfico, têm sido: as implementações de políticas relacionadas a distribuição de terras; o apoio à pequena produção familiar; a sustentabilidade ambiental e acessória técnica, tendo como caso a ser analisado os Sertões de Canindé. Dentro dessa problemática, uma questão que urge como central para toda essa nossa discussão se daria por intermédio das seguintes hipóteses: por que o Ministério do Desenvolvimento Agrário utiliza a categoria território, relacionando-a com a lógica do Desenvolvimento Sustentável, em seus documentos e não outras categorias? Porque a opção pela categoria território para a elaboração de tais políticas? Que objetivos sociais e políticos circundam tais políticas? Outros pontos, como os critérios (políticos, sociais, econômicos e ambientais) que foram utilizados para criação destes territórios sustentáveis, também nos parecem de fundamental importância para compreensão e análise da implementação de tal política. Assim, o grande interesse da pesquisa consiste, também, em responder algumas outras inquietações como: Que elementos foram utilizados para formar estes territórios? Que tipos de estudos teriam sido feitos nas diversas localidades? Que finalidade tem tal política? O anseio em realizar a pesquisa, explicou-se facilmente pelo fato de que todas estas indagações encontramse até sem uma resposta lógica e satisfatória. É importante ainda ressaltar que se almeja aqui tratar da importância e amplitude do conceito território na atual conjuntural política mundial, que tem ampliado e muito o campo de debate do referido conceito, chegando inclusive a falar-se em processos de des-reterritorialização (HAESBAERT, 2004). AO127 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia Agrária [1352] PREVI D ÊN CI A RURAL N O BRASI L E ÊXOD O D OS AGRI CULTORES I D OSOS: ESTUD O D E CASO EM SÃO JOSÉ DO NORTE - RS. JEFFERSON RODRIGUES DOS SANTOS. UFSC, SAO JOSE DO NORTE, RS, BRASIL. Resumo: Este trabalho resulta de uma dissertação de mestrado e analisa a relação entre a previdência rural brasileira e os processos migratórios da população idosa do meio rural, tomando como estudo de caso o município de São José do Norte, no estado do Rio Grande do Sul. O trabalho parte de uma revisão dos estudos realizados sobre previdência nas regiões Nordeste e Sul do Brasil, dos quais tem-se a estatística de que 27% dos beneficiários da previdência em ambas regiões realizaram pelo menos uma migração desde a aposentadoria. Tais migrações ocorrem geralmente no sentido rural-urbano, especialmente em direção a municípios de tamanho igual ou menor do que aquele de origem. Partindo desta constatação levantamos a seguinte pergunta: porque este percentual significativo de aposentados migra justamente após acessar um mecanismo de segurança de renda? Na busca de respostas à questão estabelecida foi adotado um referencial teórico-metodológico que possibilitasse a reconstituição dos fatores que interagem com a renda previdenciária no caso em estudo, especialmente a discussão sobre totalidade e situação geográfica presentes nas obras de Milton Santos e Pierre George. Também foi considerada a literatura pertinente à agricultura camponesa, no intuito de constituir uma base para o entendimento dos processos decisórios que mesclam caracteres econômicos, sociais e culturais. Foram abordados os determinantes tanto históricos quanto atuais, sociais, espaciais e econômicos em suas distintas escalas, com o propósito de reconstituir, buscando a totalidade, a realidade local na qual incide a previdência rural. Partiu-se do pressuposto de que condições pré-existentes gerarão resultados diferentes apesar da política de caráter universal. Considerando este quadro pré-existente, concluiu-se que do ponto de vista espacial, ocorreram dois períodos diferenciados de impactos. No primeiro, antes da instalação das infra-estruturas (pavimentação e eletrificação rural), parte dos beneficiários migrou para a cidade em busca de melhores condições de conforto e proximidade dos serviços de saúde. No segundo período que se estende até o presente, em função da existência destas, a população tende a permanecer no campo, considerando a melhoria das condições de conforto através da eletrificação rural e melhor acesso à área urbana proporcionado pela rodovia pavimentada. Ainda assim, as condições rarefeitas no acesso aos serviços de saúde no meio rural, a desvinculação entre trabalho e vida no meio rural ocorridas em contexto de especialização produtiva e profissionalização, bem como a desagregação das famílias por motivos econômicos permanecem como elementos influentes na decisão de migrar dos idosos. AO128 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Agrária [1764] “ERA SÓLI D O E SE RECOM PÔS N O AR”: O LUGAR H I STÓRI CO D O CAM PON ÊS N O M UN D O MODERNO. BRUNO PEREIRA BEDIM. IGC- UFMG, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: O artigo problematiza as distintas concepções teóricas sobre o campesinato no mundo moderno e os diferentes pressupostos político-ideológicos que permeiam as perspectivas de sua análise, tendo em vista os traços distintivos da modernidade, que vão desde as intervenções na esfera da produção, passando por mudanças políticas estruturais, e ainda, por revoluções culturais e sociais. Uma vez sujeito no processo histórico moderno, o camponês se insere entre os inúmeros fenômenos sociais engendrados pela modernidade e suas tendências econômicas, políticas e culturais a transformar o mundo. Traz consigo uma temporalidade imersa na desigualdade do desenvolvimento funcional à reprodução do capitalismo; a projeção e a contestação, no âmbito acadêmico, do indivíduo em movimento. Preocupação teórica e empírica entre as ciências humanas e sociais, a desmistificação da definição de camponês enquanto ‘entidade conceitual’ suscita o debate em torno de teorias que concebem a organização da economia camponesa como contraponto à empresa capitalista convencional. Em certo sentido, os modos de resistência camponesa podem ser entendidos como metáfora dessa ‘entidade conceitual’ em se adaptar às transformações assistidas nos ‘tempos modernos’. Shanin (1980), por exemplo, ressalta que as tarefas não-agrícolas praticadas pelo camponês num período anterior à modernidade foram assumidas pela produção industrial em massa – muito embora os camponeses tenham suas especificidades no modo de reagir às mudanças estruturais das esferas mais amplas da sociedade, nelas se refletindo e se diferenciando – seja pela ‘recamponesação’ de determinados territórios, seja pela sua tenacidade em resistir aos tempos e ainda possuir um lugar histórico na contemporaneidade. O artigo retrata ainda a submissão do campesinato às estruturas tradicionais de dominação e exploração, incluindo a venda sazonal e barata da sua força de trabalho e as trocas desiguais no mercado – a compra de produtos complementares e a venda de sua produção, geralmente desfavoráveis aos camponeses. No que concerne à transformação capitalista da agricultura camponesa, tem-se as contribuições clássicas de Lênin (1982) e Karl Kautsky (1980) – este último enfocando os processos de diferenciação na maneira pela qual o capital penetra na agricultura. Aos olhos de um observador desatento, o desenvolvimento do capitalismo no campo – atrelado à tecnificação cada vez mais presente na vida desses atores rurais – remeteria à extinção dos camponeses enquanto classe e sujeitos. No contexto das intensas transformações estruturais vislumbradas na modernidade, muitos autores fadaram essa ‘entidade social’ (campesinato) ao desaparecimento, sendo que, para eles, o século XIX seria o veredito de seu desfacelamento e o século XX o limiar de seu próprio fim face a expansão capitalista no campo. Por conseguinte, não faltaram ‘profecias’ que condenassem o camponês à ‘extinção’. Conforme lembra Umbelino de Oliveira (2004), muitos teóricos acreditaram que, uma vez que o campo se desenvolvia do ponto de vista do capital, seria necessário, pois, remover do caminho do ‘progresso’ capitalista esse ‘resíduo social’ chamado camponês. E não faltaram arautos acadêmicos que anunciassem a proletarização camponesa, os quais anteviram o endividamento, a falência, a perda de terras e, finalmente, a sepultura do campesinato de suas épocas. Contudo, teóricos como Martins (1990), Oliveira (1989; 2004) e Shanin (1980) contrapõe que há uma distorção teórica entre os autores que insistem em reproduzir a idéia de que a expropriação, a tecnificação e o subseqüente “desenraizamento” do campesinato seriam os pressupostos fundamentais para o desenvolvimento capitalista no campo. Para Martins e Oliveira, é possível que o campesinato seja entendido como classe social inserida no modo capitalista de produção, se reproduzindo dentro do capitalismo como expoente de suas próprias contradições. A ausência do regime de trabalho assalariado na organização do trabalho camponês, por sua vez, insurge não apenas como contradição histórica do processo de valorização e expansão do capital no campo, mas também, contraditoriamente, cria condições para a subordinação de sua pequena produção agrícola excedente e a subseqüente subordinação do trabalho camponês como processo funcional à reprodução do próprio capital. Ou seja: tem-se a exploração da unidade familiar de produção camponesa como uma necessidade de expansão capitalista, verificando-se, nesse tipo de exploração do trabalho familiar, o máximo de sobre-trabalho. O que se verifica, sazonalmente, no âmbito estrutural das unidades camponesas, é a compra esporádica e parcial de sua força de trabalho, o que não necessariamente constitui trabalho assalariado. Se o salário é o elemento que constitui os custos da reprodução do trabalhador no sistema capitalista, a ausência de trabalho assalariado na unidade de produção familiar camponesa pode ser entendida ainda como um artifício do capitalismo mundial – criado a partir da relação desigual entre campo e cidade? – o qual se apropria das desigualdades do desenvolvimento para se reproduzir. Ao final do artigo, é apontada a necessidade de se pensar o camponês como um ator social integrado às formas de produção capitalista e aos processos sociais que permeiam a vida moderna. Ademais, deve-se ter em mente que o aparente “atraso” da agricultura camponesa pode ser entendido como algo interessante ao capitalismo, pois resguarda territórios para onde ele poderá se expandir no futuro e se valorizar. O não-desaparecimento camponês e seus enigmas têm suscitado inúmeros debates e controvérsias no âmbito acadêmico. Sua aparente ‘marginalização’, contudo, pode significar sua funcionalidade ao sistema de reprodução do capital, (re)atualizando-se numa espécie de “acumulação primitiva permanente”(SHANIN, p.58), realimentando o sistema com mercadorias, gêneros alimentícios e mão-de-obra baratos. Ao invés de se “desmanchar no ar”, o campesinato, contraditoriamente, se recompõe em novos termos. Em cada sociedade, assim, o camponês terá uma forma elementar de inserção no sistema de produção capitalista; uma classe social a se reproduzir inserida num processo contraditório de reprodução do capital; uma forma específica de reprodução da riqueza capitalista; um sujeito histórico a desafiar a própria história. AO129 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia Agrária [1982] MUDANÇAS NO MERCADO DE TRABALHO RURAL:UMA ABORDAGEM TEÓRICA. ANA VIRGINIA MENEZES; CORÁLIA MARIA SANTOS. UFS, ARACAJU, SE, BRASIL. Resumo: Mudanças no Mercado de Trabalho Rural: Uma Abordagem Teórica O capitalismo em seu desenvolvimento integrou o capital industrial à agricultura, subordinando ou extinguindo os camponeses de acordo com os seus interesses.A espacialização do capital reduziu as oportunidades de trabalho agrícola e proporcionou a criação de novas funções no campo.Diante dessa realidade, interessa-nos fazer uma revisão bibliográfica mostrando a visão de teóricos clássicos sobre a intensificação das relações capitalistas durante o século XIX na Europa e as transformações já apresentadas no mercado de trabalho rural. A partir da Divisão Internacional do Trabalho com base nas fases do taylorismo, fordismo e toyotismo , busca-se compreender a desigualdade de desenvolvimento econômico entre os países e a atual morfologia do trabalho. Em Kautsky , encontramos uma análise minuciosa sobre o desenvolvimento do capitalismo na europa e a relação entre a agricultura e a indústria no processo de proletarizaçâo do camponês. A indústria capitalista e o avanço dos meios de comunicação seriam responsáveis pela destruição da indústria caseira de subsistência e a conseqüente perda de auto-suficiência do camponês . A produção para o mercado incentivou a concorrência e a divisão do trabalho, levando ao aperfeiçoamento do trabalhador e dos equipamentos e técnicas de trabalho. O camponês tornou-se dependente do comércio intermediário porque já não produzia tudo que necessitava. Ele precisava agora adquirir ferramentas e alguns alimentos para consumir porque se especializou em determinado tipo de cultivo comercial - a mercadoria, e passou a comprar os alimentos básicos, a exemplo dos cereais e da farinha, para o consumo familiar. Para kautsky, o camponês ao substituir a produção simples de mercadoria pelo modo de produção capitalista , fragilizou-se diante do proprietário do grande estabelecimento agrícola por não possuir infra-estrutura para transportar seus produtos até o mercado e daí ficar na dependência do intermediário para o intercâmbio comercial;além de não dispor de conhecimentos sobre transações comercias passando desse modo a contrair empréstimos com capitalistas, dos quais dificilmente consegueria se livrar, portanto, Kautsky , não acreditava na racionalidade econômica do pequeno estabelecimento.Para ele, o latifundiário seria privilegiado em relação ao camponês por existir em menor número, ter melhores relações comerciais e financeiras, sobretudo para obtenção de empréstimos bancários. Enquanto isso, refere-se ao despreparo dos camponeses para organização em cooperativas pela falta de visão política e de tempo para se dedicarem a autogestão.Afirmava ainda que no sistema capitalista, o grande estabelecimento agrícola teria a tendência de progredir, mas não superaria o pequeno. \"Onde se faz regredir demais o pequeno estabelecimento , tornase cada vez menor o rendimento do grande estabelecimento e este começa a regredir também\"(kAUSTSKY,1986, p.145) As famílias camponesas com prole numerosa e ociosa seriam fundamentais ao funcionamento do capitalismo: \"O modo de produção capitalista não nos promete nenhum fim do grande estabelecimento agrícola, nem nos promete o fim do pequeno\"(IBIDEM, p.145). Ele , muito embora já evidenciasse os avanços tecnológicos, ainda apostava na importância fundamental da força de trabalho no processo produtivo. Contudo, as rupturas nas formas tradicionais de produção e no padrão de concorrência capitalista fundamentada no modelo técnico-científico trouxeram uma nova realidade para o mercado de trabalho. A integração do capital industrial e financeiro à agricultura com a aplicação dos avanços científicos diminuiu os postos de trabalho essencialmente agrícolas. Em Lenin, encontramos uma análise sobre o campesinato da Rússia, mostrando que o desenvolvimento do capitalismo levaria à decomposição dos pequenos produtores em patrões e operários agrícolas.Os camponeses ricos com acesso a lotes comunitários possuíam ainda terras compradas e arrendadas, tornando-se pequenos proprietários e fazendeiros através do mecanismo em que a terra torna-se mercadoria, \"máquina de fazer dinheiro\" (LENIN, 1982, p.38). Apesar da política populista da Rússia, interessada em negar o processo de capitalização da agricultura, os camponeses ricos, segundo Lênin, desenvolviam a agricultura mercantil juntamente com a pecuária comercial, bem como concentravam os equipamentos e técnicas agrícolas mais eficazes. Enquanto isso, o grupo inferior do campesinato era formado por camponeses que pouco ou nada cultivavam , vendiam a força de trabalho porque não possuíam equipamentos para trabalhar a terra e por isso arrendavam seus lotes comunitários e tornavam-se , normalmente , diaristas agrícolas, formando o proletariado rural.O grupo médio, também apresentava uma situação instável e para explorar a terra precisava se associar a outros. Os dados revelavam que o grupo de camponeses médios fornecia mais operários do que empregava. Portanto, \"é instável e transitória a sua situação , intermediária entre a burguesia e o proletariado agrícola\". (IBIDEM, p.42). Desse modo , a desintegração do campesinato russo ocorria através da sua subordinação à economia mercantil no que se refere ao seu próprio consumo ou não desempenho de suas atividades. As relações estabelecidas apresentavam todas as contradições do sistema capitalista. Referências: ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho.São Paulo, Boitempo,1999. HARVEY,D. Condição pós-moderna.São Paulo:Loyola,1992. KAUTSKY, Karl. A questão agrária.São Paulo: Nova Cultural,1986. LENIN, Vladimir. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia . São Paulo: Abril Cultural 1982. p.5-212. AO130 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Agrária [1383] EN TRE A CON QUI STA E A PERM AN ÊN CI A N A TERRA: FORM AS D E LUTA D O ASSEN TAM EN TO MOSQUITO NO MUNICÍPIO DE GOIÁS- GO, 1986/2006. JOSÉ BRAGA COELHO; CELENE CUNHA MONTEIRO ANTUNES BARREIRA. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, GOIANIA, GO, BRASIL. Resumo: OBJETIVOS O objetivo principal desse trabalho de pesquisa foi conhecer as diferentes etapas do processo de luta pela conquista e permanência na terra no Assentamento Mosquito, identificando fatores históricos que influenciaram na ocupação coletiva da terra, caracterizando os problemas sócio-culturais e econômicos dos assentados, bem como investigando a participação de entidades religiosas e classistas na constituição do assentamento. REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL As referências conceituais utilizadas nesse trabalho foram aquelas que dedicaram a discussão sobre “fronteira” enquanto movimento dinâmico na ocupação territorial, que provocou grandes transformações no espaço geográfico, sendo de caráter econômico, demográfico ou cultural. Os principais autores referenciados no conceito de fronteira foram: BARREIRA (1997 e 2002), BECKER (1988), BORGES (1990 e 2000), FERREIRA (1988), LENHARO (1986), MARTINS (1995 e 1997) e WEGNER (2000). Já os referenciais teóricos foram pautados nos autores que discutem e apresentam resultados de pesquisa sobre a modernização no campo brasileiro e sobre as lutas camponesas no Brasil. Nesse sentido, os principais autores referenciados foram: DUARTE (1998), FERNANDES (1998), GONÇALVES NETO (1997), GRAZIANO DA SILVA (1982), GRAZIANO NETO (1985), GRZYBOWSK (1991), KAGEYAMA (1990), LINHARES & TEIXEIRA DA SILVA (1999), MORISSAUA (2001), MÜLLER (1989), OLIVEIRA (1989, 2005 e 2006), SORJ (1980) e VELHO (1979). METODOLOGIA A tarefa de pesquisar sobre as diferentes formas de lutas existentes no assentamento Mosquito, que decorre de contatos com uma diversidade de fontes de informações, resulta numa metodologia plural. Ao mesmo tempo em que se pesquisavam as contradições sociais e históricas que envolveram os personagens do objeto pesquisado, havia também a necessidade de analisar a história de vida, para facilitar o entendimento do comportamento e de decisões tomadas pelo grupo. Todavia, as estratégias utilizadas para a realização desse trabalho, se pautaram em: pesquisas de fontes bibliográficas e documentais; entrevistas estruturadas com formulários; dados colhidos através de conversas informais; e o registro sistemático de informações e observações, como se fosse um diário de campo. Foi realizada pesquisa utilizando entrevistas semiestruturadas com 30 assentados, também entrevista com Dom Tomaz Balduíno (ex-bispo da Diocese de Goiás), com o presidente do STR dos municípios de Goiás e Faina e conversas informais com assentados que participaram diretamente da ocupação da fazenda que originou o Assentamento Mosquito. Foi realizada pesquisa também através de várias visitas, como ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) de Goiás, às sedes da CPT nacional e regional, à Procuradoria Geral do Estado de Goiás, ao Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Goiás-GO, ao Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), ao Escritório da Agência Rural em Goiás-GO, ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Goiás-GO e Faina, da mesma forma em que aconteceram diversos contatos diretos no Assentamento Mosquito, realizando pesquisa com os assentados, seja através de questões em formulário, de entrevista aberta, de observação, ou mesmo de conversa informal. PRINCIPAIS QUESTÕES As principais questões pesquisadas basearam-se na apresentação e forma de ocupação da posse da terra no Brasil, buscando assim o entendimento sobre a origem das grandes propriedades. Foram apresentadas diversas formas de luta que aconteceram no Brasil, em decorrência da forma de ocupação capitalista do território brasileiro e da resistência dos posseiros diante do processo de sua expulsão do campo, quando foram implantadas políticas públicas de ocupação do sertão, principalmente aquelas direcionadas para o cerrado brasileiro. Foi dada ênfase para o movimento de fronteira agrícola iniciado após a década de 1960, denominada também de “Modernização da Agricultura”, dando destaque para a conseqüente migração rural urbana, resultante da mecanização no campo, aumentando a concentração de terra e o desaparecimento de pequenas propriedades; tudo isso influenciou na decisão dos camponeses de se organizarem na prática de ocupação coletiva de latifúndios, como forma de forçar a realização da reforma agrária, para isso contando com apoio de mediadores, como Sindicatos de Trabalhadores Rurais e a igreja católica. Também foi pesquisada e apresentada a ocupação econômica do município de Goiás, bem como a sua estrutura fundiária responsável pela ocorrência de lutas camponesas no município. O estudo de caso do Assentamento Mosquito expõe o aspecto histórico, porém, com enfoque principal para a realidade atual do assentamento, com o intuito de apresentar as diversas formas de lutas ali enfrentadas em seus 20 anos de existência. A constituição do Assentamento Mosquito, no ano de 1986, marcou o início de uma série de 22 assentamentos rurais no município de Goiás, que o credencia como o município de maior número de assentamento rurais do Estado de Goiás e do Brasil. No entanto, passado 20 anos e a euforia da conquista iniciou a constante luta pela sobrevivência e permanência na terra, alguns assentados desistiram, outros pensam em desistir, mas, existem ainda aqueles que sonham com projetos de participação coletiva para garantirem a propriedade. CONCLUSÃO Conclui-se, também, que a formação de grandes propriedades no Brasil aconteceu historicamente mediante políticas públicas de ocupação de terras devolutas. Assim, os diversos tipos de fronteiras, em tempo e espaços diferenciados, provocaram o surgimento de situações sociais e ambientalmente conflitivas. No Assentamento Mosquito percebe-se que a luta principal é com relação à reprodução social, devido a falta de condições para os filhos dos assentados permanecerem no campo, onde a grande maioria dos filhos que saíram para estudar e trabalhar abandonaram os estudos dedicando apenas ao trabalho nos grandes centros urbanos. Por ser o primeiro assentamento do município de Goiás é também o recordista em comercialização de parcelas, o que dificulta também no trabalho cooperativo, uma vez que quem adquire não possui a consciência de luta coletiva. Destaca-se no assentamento a valorização dada a manifestação da religiosidade popular, através da folia de reis reúnem-se anualmente, mesmo aqueles que por diversos motivos deixaram ali suas famílias. Assim, com toda dificuldades enfrentadas pelas famílias que ali residem, ainda consideram que a reforma agrária vale a pena e tem esperança de melhorias para a vida do homem do campo. No entanto, mediante a situação vivida por aquelas famílias, que consideram suas aposentadorias como fonte de renda para sobrevierem, fica clara a necessidade de repensar o modelo de reforma agrária praticado no Brasil, uma vez que seus problemas não são de exclusividade apenas daquele assentamento. PALAVRAS-CHAVE: Fronteira – Latifúndio – Assentamento Rural – Reforma Agrária. AO131 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Geografia Agrária [1503] O AVANÇO DO CAPITALISMO NO CAMPO E A APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO: ABORDAGENS SOBRE O NOROESTE PARANAENSE. JOSIANE FERNANDES DE CARVALHO. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGA, MARINGA, PR, BRASIL. Resumo: Este trabalho, que compreende uma pesquisa maior que está sendo desenvolvida para a dissertação de mestrado em Geografia, tem por finalidade apresentar a reordenação territorial no campo a partir da modernização da agricultura na região Noroeste do Paraná. Dessa forma, objetiva-se realizar um resgate histórico do processo de ocupação da região abordada, destacando as peculiaridades relacionadas ao espaço rural, e contrapor com os novos arranjos territoriais acirrados com a mundialização do capital e a apropriação capitalista do território. Para tanto, acredita-se que uma abordagem conceitual das categorias geográficas seja de fundamental importância para análise dos dados empíricos levantados. Embora saiba que a diversidade de linhas de pensamento traga diferentes conclusões a respeito de tais conceitos, preocupa-se, nesse artigo, pontuar como se entende os conceitos de território, espaço e região, dentro da linha teórica da pesquisa. Entendendo, desse modo, que essa leitura é apenas uma das possibilidades para o entendimento da organização do espaço agrário. Compreende o espaço como palco das relações do homem e da natureza. Nesta perspectiva, a ocupação do espaço social se materializa por meio das relações sociais. Segundo Moraes (1981) o espaço produzido resulta da ação humana sobre a superfície terrestre, portanto, se faz necessário compreender o espaço a partir da dialética entre matéria e idéia, ou seja, numa lógica onde o espaço é causa e fim das relações do homem. Por sua vez, o conceito de região está vinculado a um subespaço dentro da totalidade espacial, como uma das estruturas da sociedade. Seu sentido remete a uma unidade administrativa, mas que também carrega configurações especiais. Nesse sentido, a região é tomada como um recorte espacial de reprodução da totalidade, não estando dissociada do todo e do processo global. Podese dizer que o conceito de território, historicamente, foi pensado, definido e delimitado a partir de relações de poder. No entanto, outra noção é essencial para o entendimento do território, a idéia de apropriação, o que permite que em uma sociedade desigual, a luta organizada da classe explorada também aproprie e construa novos territórios. Contudo, é impossível desprezar a desmedida apropriação capitalista do território, Haesbaert (2004), chamou atenção para o fato de que a partir da interpretação de Marx pode-se visualizar que o modo de produção capitalista “desterritorializa” os modos de produção preexistente para reterritorializar segundo sua própria dinâmica. Associa-se assim, o processo de internacionalização e as novas formas de territorialidades que vão passar a ser regida, em grande parte, pelo movimento das grandes empresas multinacionais. Como procedimento metodológico utiliza-se, a priori, de pesquisa bibliográfica sobre a produção do espaço e especificamente a ocupação do Norte do Paraná, e também da análise de dados sobre o meio rural que demonstram a concentração do uso da terra e mudanças na estrutura agrária pós-modernização da agricultura. O processo de ocupação da grande região Norte do Paraná se configura historicamente como o espaço de colonização planejada. As terras que eram de propriedade de uma empresa (Companhia Melhoramentos Norte do Paraná), foram vendidas numa perspectiva de obtenção de altos lucros. As regiões Norte Novo, e Norte Novíssimo, hoje Norte Central e Noroeste, respectivamente, foram áreas em que o planejamento antecedeu a colonização, a maioria dos lotes que foram vendidos estavam divididos em pequenas e médias propriedades e como os pagamentos podiam ser parcelados, antigos colonos e lavradores tiveram a possibilidade de se transformarem proprietários das terras (CANCIAN, 1981). Dessa forma, é possível observar uma mudança estrutural, não só na ocupação do espaço, mas também no modo de exploração da terra. O método de comercialização de terras praticada pela companhia estrangeira, fracionando-as em pequenos lotes, e a facilidade no pagamento permitiram a maximização dos lucros para a empresa, mas possibilitou que milhares de pessoas migrassem para região no sonho da terra própria e de melhores condições de vida. No entanto, com o desenvolvimento do capitalismo no campo a estrutura do espaço agrário foi alterada, não só pela concentração do uso da terra, mas também pelas relações sociais. A tecnificação, a proletarização do homem do campo, a concentração da renda da terra, e até mesmo a integração da unidade de produção familiar à produção industrial foram conseqüências de um processo intenso e gradativo. Sem dúvida, esse movimento do capital não é único de uma região, nem mesmo homogêneo no cenário brasileiro, mas, em certa medida, o recorte realizado para o trabalho, o noroeste paranaense, expressa, em grande parte, as mudanças que se desenrolaram principalmente a partir da década de 1980 no meio rural. Diante disso, pode-se analisar a partir de dados do IBGE sobre a região e a observação empírica somada a revisão bibliográfica que a medida que o capitalismo avança sobre o campo não traz apenas mudanças para as relações que permeavam a estrutura agrária, mas o processo de industrialização e concentração do uso da terra redefine a ótica do território, uma vez que apropriado pelo capital passa a determinar a organização do campo. A padronização da mercadoria e do consumo estabelece novas relações sociais, até mesmo nos lugares mais longínquos. Esse novo modelo de organização social faz com que os lugares sejam mesclados de experiências locais e mundiais, e é a partir disso que novas territorialidades podem ser construídas, como síntese das novas experiências. REFERÊNCIAS CANCIAN, Nadir Aparecida. Cafeicultura paranaense: 1900-1970. Curitiba: Grafipar, 1981. HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand, 2004. MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia; pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 1981. AO132 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Agrária [1602] A PROD UÇÃO AGROPECUÁRI A EM ASSEN TAM EN TOS N A ÁREA D E I N FLUÊN CI A D E GRAN D ES MINERADORAS. SHEILA DO SOCORRO TEIXEIRA GEMAQUE; MAURÍLIO DE ABREU MONTEIRO. UFPA, BELÉM, PA, BRASIL. Resumo: O artigo analisou a produção agrícola e a pecuária em quatro assentamentos do município de Parauapebas, no Estado do Pará, que se localizam próximas à minas da CVRD. Buscou-se inferir em que medida a presença da empresa mineradora contribuiu na estabilidade da produção camponesa analisada. A estabilidade camponesa é determinada pela junção de fatores que propiciam a permanência, bem como a estruturação dos assentados na área. A discussão teórica acerca da existência de tendências da produção camponesa, podem ser, a grosso modo, agrupadas em três vertentes teóricas. Há os que defendem a existência de uma tendência a instabilidade da produção camponesa, no caso da Amazônia teria papel relevante as culturas anuais baseadas no sistema de derruba e queima, além de que fatores de ordem jurídica e social contribuiriam para ampliar o grau de instabilidade, assim se tornaria altamente insustentável tanto do nível econômico como no ecológico. Outros advogam a existência de tendência a estabilidade, que ocorreria em níveis sócio-econômicos, quando limitassem o sistema de pousio, e a ele viabilizasse integração sucessiva de culturas perenes e de gado, propiciando o processo de estabilização relativa da agricultura familiar. Outra vertente argumenta que não se pode apresentar uma generalização em torno da estabilidade ou instabilidade da produção camponesa na Amazônia e, que para explicá-las as políticas agrárias deveriam ter por base condicionantes agroecológicos, sócio-econômicos, sócio-culturais, idade de colonização e, fundamentalmente o fator político-institucional. Para se inferir os impactos em relação a estabilidade de assentamentos rurais, foi realizada pesquisa de campo nos PA’s Palmares I e II, Onalício Barros e Carlos Fonseca. Intervalo e Nível de confiança formam as definições que nortearam a dimensão da amostra da pesquisa realizada nos assentamentos. O nível de confiança adotado foi de 99%, incorrendo de 1% de chance de se errar nos dados a serem obtidos. Em função do universo de famílias que há nos quatro assentamentos, e levando-se em consideração o período da pesquisa, optou-se por um intervalo de confiança de 10%. Estabelecido o plano amostral e elaborado o questionário, foram aplicados 296 questionários, estruturados em 71 questões. No PA Carlos Fonseca, que atualmente conta com 110 famílias, foram aplicados 45 questionários. No PA Palmares I com o universo total de 210 famílias foram aplicados 83 questionários, no Palmares II que possui 517 famílias foram aplicados 126 questionários e, no Onalício Barros que possui 68 famílias, foram aplicados 42 questionários. As informações obtidas em campo foram armazenadas em forma de um Banco de dados. No questionário foram abordados temas, tais como os dados gerais da família, da associação e forma de organização interna de cada PA. Obtive relevância dados relativos à produção e comercialização, bem como a própria relação camponesa e mineral. Foi realizado tratamento dos dados no sentido de se estabelecer relações entre a instalação de empreendimento mineral e as dinâmicas presentes nestes PA’s. Foi verificado a relação da prática das atividades econômicas nos PA’s. Na Palmares I 78,35% praticam a pecuária, 83,13% a temporária e 85,54% a permanente. Na Palmares II 66,66% a pecuária, 81,74% a temporária e 77,77% a permanente. No Carlos Fonseca 84,44% a pecuária, 73,33% a temporária e 91,11% a permanente e, no Onalício Barros 69,04% a pecuária, 50% a temporária e 26,19% a permanente. Tais PA’s possuem a média de lotes de 5,37%. Sendo que 46,62% dos assentados contratam mão-de-obra, em especial na época da colheita. Quanto ao local de venda da produção agrícola, respectivamente na Feira do Produtor e no Comércio Local, a Palmares I obteve 48,19% e 20,48%, na Palmares II 36,5% e 15,07%, no Carlos Fonseca 35,55% e 37,77% e, no Onalício Barros 40,47% e 16,66%. E a principal espécie bovina comercializada é a vaca com 73,64% em todos os PA’s, seguido do bezerro com 39,18% e, por último o boi com 6,08%. Entre as principais fontes de renda destacados pelos assentados, respectivamente foram agricultura e pecuária, a Palmares I obteve 61,44% e 8,44%, a Palmares II 67,46% e 13,5%, o Carlos Fonseca 51,11% e 11,12% e, o Onalício Barros 47,61% e 11,92%. Acrescenta-se o extrativismo onde a castanha obteve 21,95%, a madeira com 13,17% e por último a lenha com 10,13%. A pesquisa constatou que a estruturação das unidades camponesas na região de Carajás, possui não mais de 200 ha de terra e tem a reprodução da unidade produtiva baseada no trabalho familiar. Constatou-se também que, para aproximadamente 2/3 dos assentados, a agricultura é a fonte principal da renda, havendo presença tanto de culturas permanentes quanto de temporárias e, que a atividade pecuária representa aproximadamente 1/3 dos rendimentos camponeses. Evidenciando-se assim a existência de dinâmicas que expressam um indicador de estabilidade da estrutura produtiva. Neste caso é provável que a presença da grande mineração e, juntamente com ela, o crescimento demográfico ampliou a diversidade da demanda por produtos agrícolas. Procura que pode estar sendo suprida pelos assentados e contribuindo para complexificação das unidades camponesas. Evidenciou-se, fundamentalmente, que há influência da mineração nas trajetórias camponesas no sudeste paraense, trata-se de uma influência dicotômica e contraditória, uma vez que muito provavelmente amplia o volume e a diversidade da demanda de produtos de origem camponesa, favorecendo a complexificação da sua estrutura produtiva. Entrementes, os maiores impactos da mineração nas trajetórias camponesas reforçam sua instabilidade, pois colaboram na atração da força de trabalho para outras atividades alterando a disponibilidade na unidade familiar para realização de trabalho no lote, o que, sabidamente, é um dos pilares da reprodução e estabilidade da produção camponesa. AO133 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Agrária [1631] AS AÇÕES COLON I ZAD ORAS E A OCUPAÇÃO D A TERRA N A REGI ÃO D AS M I SSÕES – RS – BRASIL. FABIANA FUNK. UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL, SANTA CRUZ DO SUL, RS, BRASIL. Resumo: OBJETIVOS Este trabalho tem como principal objetivo analisar a ocupação da terra na região das Missões, região está localizada na parte noroeste do Rio Grande do Sul. Para isso, parte-se da regionalização proposta pelos COREDEs (Conselhos Regionais de Desenvolvimento), perpassando anteriormente pela discussão acerca dos conceitos de região e regionalização. Com um embasamento teórico formado a respeito do tema, segue-se para a caracterização da região das Missões, no que diz respeito a conhecer a apropriação histórica de seu território, os interesses implícitos e explícitos nas ações colonizadoras – por parte do governo e das colonizadoras particulares (migração interna) -, procurando relacionar esta história às atuais configurações de uso e ocupação da terra, retratados por meio de dois sistemas agrários: o sistema agrário do planalto e o das colônias novas. METODOLOGIA Este estudo foi desenvolvido baseado em pesquisas bibliográficas, assim como em dados coletados no Senso Agropecuário feito pelo Instituto de Geografia e Estatística no ano de 2000 (IBGE), e em informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário referentes ao ano de 2005 (MDA). As conclusões, foram demonstradas em mapas ilustrativos. Região e regionalização A ocupação/apropriação do território sempre esteve, direta ou indiretamente, ligada ao estabelecimento de áreas homogêneas. Porém, este estabelecimento de áreas, e a forma pelo qual é feito, implicam em alguns conceitos como região e regionalização, para os quais ainda não há um consenso absoluto. No artigo, tenta-se chegar a um conceito de região e regionalização, onde ele é debatido nas diferentes escolas geográficas, sob o enfoque de autores como Corrêa (1987), Moraes (1981), Santos (1997), Bezzi (2002), Duarte (1980), Lacoste (1929) e Benko (1999). Atualmente, poderão existir tantas regiões quantos forem os critérios adotados para as suas classificações. Assim, toma-se região como sendo um lugar no espaço, composto por características semelhantes relativas aos mais diversos aspectos – ambientais, econômicos, sociais, culturais, entre outros -, que a distingue das outras regiões adjacentes e a integram ao mundo globalizado através de suas peculiaridades. Região das Missões e os Sistemas Agrários Para efeitos de estudo da região das Missões, optou-se pela regionalização proposta pelos Coredes. Os Coredes foram criados em 1994, pelo governo estadual, e tem como objetivo principal promover o desenvolvimento regional harmônico e sustentável. (PEREIRA, 2000). Esta região, localiza-se na parte noroeste do planalto sul-riograndense, é formada por vinte e cinco municípios. Para relembrar a história da constituição da Região, o artigo retrata a saga dos Índios Guaranis e dos padres Jesuítas que nesta parte do território gaúcho construíram uma grande comunidade, tanto cultural e econômica, quanto bélicamente. Porém, o mesma fonte que provinha o seu sustento dos Sete Povos das Missões, também foi parte de sua ruína. As grandes criações de gado constituíram o principio necessário para a recaída do olhar da Coroa Portuguesa por aquelas paragens. (PESAVENTO, 1997; BERNARDES, 1997). De todo o esplendor desenvolvido pelos índios Guaranis nos Sete Povos, o que restou são as ruínas de algumas reduções e o sítio histórico de São Miguel Arcanjo, o mais importante acervo da obra missioneira no Brasil, e declarado pela UNESCO, em 1993, Patrimônio Histórico Mundial. A colonização da província do Rio Grande do Sul para o oeste do Estado se deu devido ao medo de que o Estado perdesse o seu território para os países vizinhos. Desta forma, foram fundadas diversas colônias ao longo da encosta, com o objetivo de expandir o povoamento e também ligar o oeste do Estado com o Planalto e a Depressão Central. Em 2005, Neto e Basso caracterizaram os nove sistemas agrários existentes no Rio Grande do Sul, sendo que dois deles compõem a região das Missões: o sistema agrário do planalto e o sistema agrário das colônias novas. Da mesma forma, esta região teve tipos distintos de povoamento. Ao sul, da região das Missões, que faz parte do sistema agrário de campos, a ocupação foi feita, basicamente, por estancieiros. Já na parte norte, ocorreu à colonização, que inciou-se no Estado por volta de 1748, mas que na região das Missões somente começou a acontecer em 1849. (BERNARDES, 1997) Para isso, houve duas frentes colonizadoras: as oficiais e as particulares. O Objetivo da colonização promovida de forma oficial era vender os lotes indistintamente a quem procurasse a região, imigrantes ou agricultores que se deslocavam das áreas coloniais mais antigas do Rio Grande do Sul, estabelecendo na região das Missões povoamento de etnias mistas. Já a missão da colonização promovida pelas colonizadoras particulares foi originar áreas homogêneas, de uma só, ou que predominasse uma etnia. CONCLUSÃO As formas de colonização influenciaram diretamente a organização e configuração territorial da região das Missões. Onde a colonização foi feita de forma particular, desenvolveu-se a agricultura familiar, caracterizando o sistema agrário das colônias novas. Já onde a colonização foi feita de forma oficial, desenvolveu-se o latifúndio, com a monocultura da soja e o criatório extensivo de animais, caracterizando o sistema agrário do planalto. AO134 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Agrária [1873] OS CONFLITOS DOS SUJEITOS SOCIAIS NA ESTRUTURA AGRÁRIA GOIANA. SANDRA APARECIDA ALVES. USP, SÃO PAULO, GO, BRASIL. Resumo: As desigualdades sociais no Brasil são profundas, uma das maiores do planeta. Esse quadro foi construído principalmente a partir da chamada Revolução Verde, que principalmente a partir dos anos 60, a agricultura brasileira inicia o processo de modernização. Emergem nessa década, com o processo de modernização da agricultura, novos objetivos e formas de exploração agrícola originando transformações tanto na pecuária, quanto na agricultura. Como conseqüências do processo são apontadas, além da acirrada concorrência no que dizem respeito à produção, os efeitos sociais e econômicos sofridos pela população envolvida com atividades rurais. A forma de organização desde os movimentos messiânicos até os grupos de cangaceiros demarcavam os espaços políticos da revolta camponesa. Eram conseqüências do cerco a terra e à vida. Embora fossem lutas localizadas, aconteciam em quase todo o território brasileiro e representaram uma importante força política que desafiava e contestava incessantemente a ordem instituída. São partes da marcha camponesa que percorre a estrutura do espaço agrário brasileiro. Mas a luta pela terra, contra a expropriação, contra a grilagem não teve fim, continua muito forte até os dias atuais e só chegará ao fim quando houver uma profunda transformação social. Em outros termos, a luta pela reforma agrária, embora se constitua, hoje, em produto indireto das experiências construídas a partir de mobilizações do passado - sobretudo as ocorridas nos anos 1950-60, vinculadas à atuação das Ligas Camponesas - apresenta nuanças peculiares, resultantes de uma conjuntura específica, marcada por novos modelos de exploração agrícola, por sua vez responsáveis por padrões de acumulação diferenciados daqueles prevalecentes em décadas anteriores. O que não é possível na visão de Martins (1990) é discutir a reforma agrária do ponto de vista da racionalidade de uma empresa capitalista. Mas esse não é o raciocínio camponês. Ele valoriza outras coisas como um lugar seguro para ficar e manter sua família junta. “Ele não quer ver o mundo desagregando. E não há nenhum motivo para que o mundo dele se desagregue”, diz Martins. Sua crítica é radical em relação às teorias de transição para a cidade, que começam a ganhar força em estudos antropológicos dos anos 40. Segundo Martins, uma ficção que acabou não se concretizando em lugar nenhum do mundo, a não ser em algumas áreas dos Estados Unidos. Não há nenhum motivo, na sua visão, para se acelerar a transição para a cidade já que ela não vai levar as pessoas do campo a lugar nenhum. Mas a intenção não é apenas a análise estrutural, mas essa simultaneidade entre os diversos sujeitos sociais e a estrutura agrária, ou seja, ao mesmo tempo como alguns desses sujeitos procuram dominar e outros experimentam a dominação e se organizam para resistir. Muitas vezes quando lançamos nosso olhar a esse campo nos é apresentada uma hegemonia da burguesia agrária, mas isso podemos melhor analisar durante a apresentação das entidades, movimentos e organizações. As mudanças ocorridas nas últimas décadas na área econômico-produtiva não vieram acompanhadas das necessárias mudanças na estrutura fundiária. No aparato legal foram introduzidos novidades importantes como a exigência do cumprimento da função social da propriedade e o instituto da desapropriação para fins de reforma agrária. Porém, os poderes públicos não aplicaram estes preceitos. O poder do latifúndio e do atraso sempre se impôs pelas alianças políticas ou pela violência. Por outro lado, as contradições e conflitos do modelo de desenvolvimento adotado pela elite nacional fizeram surgir, no decorrer da história brasileira, inúmeras lutas de resistência e de direitos, lutas pelos meios de trabalho e produção. Das lutas dos índios contra a expropriação até a luta dos negros pela terra livre dos quilombos, da luta de Canudos e do Contestado até as Ligas Camponesas, a resistência indígena, negra e camponesa sempre aconteceu e assumiu diversas formas. Nas últimas décadas, emergiram novos sujeitos e formas de organização e de luta. As lutas dos seringueiros, ribeirinhos, índios, atingidos por barragens, dos remanescentes quilombolas, dos sem terra e dos camponeses ganharam dimensão nacional com novos atores sociais em movimento. Eles se constituem principalmente a partir dos anos 80. Nesse sentido, há uma simultaneidade da ação dos sujeitos sociais na estrutura agrária, o que define a configuração territorial do estado de Goiás, bem como define as relações entre os diferentes sujeitos presentes nesse espaço. Esses diferentes sujeitos sociais presentes no campo goiano, como os movimentos sociais, sindicatos, entidades patronais, estabelecem relações sociais dominantes que são de luta, às vezes uma luta pacífica ou regulada, outras vezes uma luta descontrolada e que tende a um enfrentamento direto. Nesse sentido, percebe-se muitas vezes a inorganicidade dos atores, pois há uma grande quantidade de grupos e organizações que desejam controlar a situação impondo suas particularidades e visões, o resultado é uma crise permanente, pois não haverá consenso, o que poderá haver é uma hegemonia de algum grupo/organização sobre outra, ou não. Nesse sentido se estabelece uma forte disputa no campo, ou seja, os camponeses, latifundiários, e todas as demais categorias são disputados pelos diferentes movimentos, entidades e organizações no sentido de garantir a hegemonia, aí entram os atores sociais do campo: movimentos sociais (Movimento Sem Terra – MST, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA, entre outros), sindicatos (Sindicatos Rurais, Sindicato dos Trabalhadores Rurais – STR...), entidades (União Democrática Ruralista). Quando voltamos nosso olhar para dentro da estrutura agrária goiana, percebemos uma grande estratificação dos sujeitos sociais presentes. AO001 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ensino da Geografia [1206] A CRI SE D A ACUM ULAÇÃO CAPI TALI STA E AS POLÍ TI CAS N EOLI BERAI S: REFLEXOS N O ENSINO DE GEOGRAFIA E NA FORMAÇÃO DE DOCENTES. ALOYSIO MARTHINS DE ARAÚJO JUNIOR. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, PALHOCA, SC, BRASIL. Resumo: No Brasil, a partir do início da década de 1990, o discurso e a prática de governos, instituições internacionais e de Organizações Não-Governamentais em relação às Universidades foi o de transferir sua função de produtoras de conhecimento científico, para se voltarem ao mercado de trabalho. Nos campos social e educacional, isto torna o Ensino uma mercadoria, reprodutora das necessidades de grandes grupos empresariais. O discurso neoliberal da escolarização inclusiva condiciona a resolução dos problemas sociais a partir da lógica do mercado. Isto tem induzido o docente a ser um reprodutor de conhecimentos originados fora do seu contexto educacional e além do ambiente de sua comunidade. Atualmente discute-se que um dos grandes entraves ao crescimento e desenvolvimento econômico e social brasileiro é sua deficiente capacitação de mão-de-obra. Algumas correntes teóricas utilizam o argumento de que os países que mais investiram na qualificação do trabalhador, apresentaram maiores taxas de crescimento e renda per capita. Entretanto, não se considera a distribuição da renda gerada pelo aumento da produtividade do trabalho. No contexto nacional, a maior produtividade da força de trabalho está muito ligada aos interesses de empresas multinacionais, que têm técnicas mais avançadas e necessitam colocar tais tecnologias em uso no país. Sem a conseqüente qualificação da mão-de-obra isto se torna desinteressante para tais empresas. De longa data o sistema de ensino no Brasil tem passado por transformações estruturais devido às necessidades de diferentes demandas, de acordo com cada período histórico e de sua etapa de desenvolvimento econômico e social. Isto tem levado a um questionamento inquietante: como o ensino de geografia e de que forma esta ciência se (inter)relaciona com os processos políticos, sociais, econômicos e tecnológicos no processo de conhecer, explicar e analisar seu objeto? Nesse sentido, o objetivo geral desta pesquisa foi investigar a crise da acumulação capitalista, as políticas neoliberais implementadas a partir dos anos 90 no Brasil e os reflexos no ensino de geografia, bem como na formação de docentes desta disciplina. Esta periodização se faz necessária, pois, é a partir de então, que o Brasil e especificamente seu sistema de ensino e demandas profissionais, passam a ser chamados a ter novas inserções dentro de uma política denominada neoliberal no sentido de oferecer às empresas um profissional capacitado a enfrentar os desafios cotidianos das organizações. Para alcançá-lo, discutiu-se e analisou-se como a geografia e o ensino desta disciplina se inserem num ambiente de transformações econômicas, tecnológicas e sociais, notadamente nas duas últimas décadas. A relevância desta pesquisa reside no fato de que o Brasil, ao praticar uma política neoliberal, perdeu a capacidade de gerenciar as melhores estratégias para o seu processo de desenvolvimento econômico e social. As exigências que o capital nacional e internacional têm feito ao Brasil, em particular, principalmente desde a última década, têm transformado o ensino superior em um simples reprodutor das necessidades de empresas multinacionais, que, para a redução de custos de produção, inserem no setor produtivo novíssimas tecnologias. Entretanto, a Universidade não pode submeter-se aos ditames do mercado, pois este é instável e dinâmico, do ponto de vista empresarial. Tais considerações levam a reflexões que se inserem no ensino de geografia, enquanto ciência próxima à sociedade e suas demandas pelo reconhecimento e conhecimento da realidade na qual está inserida. A metodologia de um trabalho de pesquisa inclui as diferentes interpretações teóricas acerca de um determinado problema, sendo o conjunto de técnicas seus instrumentos de compreensão da realidade. Esta pesquisa teve um caráter documental, exploratória e indutiva, com abordagem interpretativa dialética da realidade. Este conceito foi desenvolvido por Marx e Engels, a partir das concepções de Hegel. Entendiam o movimento como tensão entre opostos, e com isto, anteviam possibilidades de transformações sociais. Para a dialética marxista, a atividade humana é um processo de totalização, ainda que nunca se chegue a uma etapa final. Há totalidades mais ou menos gerais e o nível de totalização necessário depende das questões que se pretende analisar. Para Marx o ser humano é a expressão de toda sua vida material e social, ou seja, produtor e produto das relações sociais. A análise sobre a realidade, na ótica marxista, pressupõe iniciar-se do mais complexo, mesmo sendo abstrato, para o mais simples e concreto, voltando ao complexo, que pode ser apreendido de maneira concreta. Assim, tem-se uma situação que avalia o todo e as partes, mas que não é possível pensar o primeiro (o todo) sem as últimas (as partes) e vice-versa. Deve-se, então, verificar tanto o que une as partes entre si com o todo, bem como as contradições entre esses. A realidade deve ser pensada descobrindo, construindo e reconstruindo as realidades, por meio de sínteses e análises. Outro instrumental de análise, bastante utilizado por diferentes ciências, além da própria geografia, é denominado Materialismo Histórico. Marx buscou estudar a sociedade capitalista dentro de uma abordagem histórica. Para focar sua atenção sobre as relações que determinam os rumos da história, simplificou as complexas relações de causa e efeito que interligavam as várias faces dos sistemas sociais, ou seja, as idéias, religião, costumes, moral, instituições econômicas e sociais existentes em todos os sistemas sociais. A marcha dos acontecimentos, nesta perspectiva, se daria em diferentes estágios de desenvolvimento das forças produtivas materiais de uma determinada sociedade. Assim, o trabalho emerge como principal veículo de transformações, onde o homem domina a natureza, humanizando-a e transformando a si próprio. Dessa forma, o trabalho resulta da divisão social na apropriação dos meios de produção por parte de uma classe social, decorrente da diferenciação social de uma sociedade, principalmente sob o capitalismo. Com este trabalho, espera-se lançar luzes numa reflexão e compreensão mais aprofundada e crítica do papel da educação escolarizada no contexto social e, especificamente na área de geografia. Visou ainda aprofundar os debates em torno das concepções teóricometodológicas da linha de pesquisa \"Geografia em Processos Educativos\", ligada ao Programa de PósGraduação em Geografia do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina. AO002 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ensino da Geografia [1385] ED UCAÇÃO SUPERI OR A D I STÂN CI A: A LÓGI CA D A POLÍ TI CA PÚBLI CA PARA A FORM AÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL. MARCIO COSTA BERBAT. UERJ, NITEROI, RJ, BRASIL. Resumo: O presente estudo teve por objetivo investigar a formação de professores a partir do incentivo de políticas públicas oficiais implantadas e/ou fomentadas no Brasil com apoio do Ministério da Educação (2002 – 2006), através da educação superior a distância, especificamente, na área de conhecimento da Geografia, ou seja, com os cursos de licenciatura de Geografia na modalidade de educação a distância. A política educacional brasileira desde a década de 90 do século XX, vem passando por profundas mudanças às quais se inserem em um cenário dominado por novas configurações políticas, econômicas e culturais, norteadas por orientações de valores de ideário neoliberal, dentro do processo de reestruturação produtiva do capitalismo global, que impõe uma nova realidade para o século XXI, no qual tem o conhecimento como base elementar da produção e de um cenário capitalista de competição globalizada. A educação a distância vem-se configurando, no início deste novo século, como uma das principais políticas dos organismos internacionais, especialmente Banco Mundial (BM), Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e, mais recentemente, Organização Mundial do Comércio (OMC), sob a aparência do acesso à educação nos países periféricos. Na área educacional brasileira, várias mudanças vão se efetivando no que concerne ao papel social das instâncias educativas de ensino superior, como seu financiamento, abrangência de atuação, abertura de novas vagas, contratação de funcionários e professores, entre outros. Para tanto, buscou-se em dois momentos: 1) analisar o processo de discussão e criação de programas que incluem ou são especificamente para a formação de professores através da educação superior a distância (UAB e Pró-Licenciatura); 2) analisar a legislação educacional brasileira para regulamentação definitiva da educação a distância, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - nº 9.394/96), o Decreto nº 5.622, de 19/12/2005(oficializando a educação a distância no país até a pós-graduação), que regulamentou o art. 80 e 87 da Lei nº 9.394, de 20/12/1996 e o Decreto nº 5.800, de oito de junho de 2006, que dispõe sobre a criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Como fundamentos teóricos do estudo estão idéias de Fernandes (1975), Lima (2006), Catani (2003) e Leher (2005), no que se refere aos aspectos de reforma da educação superior conduzida no país, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, se mantendo no governo Lula da Silva, aonde sob a aparência de expansão do acesso e democratização desse nível de ensino, vêm se realizando a privatização interna das universidades públicas, o empresariamento da educação superior que se configura pela ampliação do numero de cursos privados e pela imposição de uma lógica empresarial à formação profissional. Apresenta-se como principal contribuição deste trabalho a investigação sobre como está acontecendo à reforma educacional no ensino superior brasileiro, que vem cada vez mais forte, através do próprio Governo Federal, ampliando a participação das instituições de ensino superior privadas, com a evidente manobra de recursos públicos que estão sendo direcionados para os empresários da educação brasileira, entregues dentro de programas de atuação mista entre o setor público e o privado, como o Pró-Licenciatura. Tanto o Pró-Licenciatura como a UAB, que segundo o Governo Federal através da Educação Superior a Distância devem resolver o problema de falta de professores no Brasil, são programas recheados de abusos aos direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo de décadas, como o de ter um contrato de trabalho, respeitando a legislação trabalhista, pois a maioria não tem vínculo empregatício, trabalham através de bolsas ou mesmo recebendo como cooperativado, ligado as fundações existentes em muitas instituições públicas no Brasil. Os Cursos de Licenciatura em Geografia estão dentro desse universo empobrecido de política pública, que segundo as perspectivas devem ter seus primeiros cursos iniciados ainda em 2007. Através de Pólos Municipais, o número de alunos matriculados pode variar de acordo com a estrutura existente tanto por parte da Universidade envolvida como a que será necessária nos Pólos Presenciais. Priorizando a formação de professores através da educação superior a distância, o governo não faz apenas uma opção de modalidade, mostra principalmente sua submissão as diretrizes dos organismos internacionais. Em oposição a esse caminho, existe um conjunto de movimentos sociais, sindicais e estudantis que lutam diariamente pela defesa da educação pública e gratuita como direito de todos e dever do Estado e que reafirmam o princípio defendido arduamente por Florestan Fernandes ao longo de sua vida: verba pública exclusivamente para a educação pública. A educação a distância pode ser usada na construção de um projeto de educação ampla para a sociedade, com qualidade, gratuita e com a participação democrática de todos os brasileiros. Dentro desses princípios, a educação a distância pode ajudar a corrigir injustiças seculares na educação brasileira, para isso, precisamos acreditar na possibilidade de integração das tecnologias com a educação, não deixando que os envolvidos sejam apenas conduzidos no processo de formação, mas façam parte da construção do futuro que todos desejamos. AO003 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ensino da Geografia [1404] O CURSO D E LI CEN CI ATURA EM GEOGRAFI A A D I STÂN CI A N O ÂM BI TO LICENCIATURA E A MUDANÇA DE PARADIGMA NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES. ANA BEATRIZ GOMES CARVALHO. UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA, CABEDELO, PB, BRASIL. Resumo: DO PRÓ- Introduç Este trabalho é resultado de uma pesquisa mais ampla, desenvolvida na Universidade Estadual da Paraíba no período de agosto de 2006 a fevereiro de 2007, com o objetivo de analisar o impacto das políticas públicas em Educação a Distância na formação de professores da rede pública do Estado, especificamente em municípios distantes dos principais eixos econômicos com maior acessibilidade ao Ensino Superior. A criação e implementação de um curso de Licenciatura em Geografia, na modalidade a distância, provocam mudanças na estrutura da formação do professor que vivencia em seu processo de formação o impacto de conceitos como globalização, flexibilidade tempo/espaço, construção de rede de informações, entre outros processos. A alternativa que nos parece válida para o nosso objeto de estudo é uma perspectiva sócio-histórica para a prática de nossa pesquisa que foi desenvolvida em dois eixos: a análise do material documental que precedeu e fundamentou a concepção político pedagógica dos programas de formação de professores na modalidade a distância, observando a contextualização da conjuntura local/global, e a análise da construção e implementação do projeto político-pedagógico do Curso de Geografia na modalidade a distância desenvolvido pela Universidade Estadual da Paraíba e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte no âmbito do Pró-Licenciatura. O outro eixo está centrado na prática do professor, entendido agora como sujeito e principal agente com a possibilidade de uma reflexão que parte do que o professor faz, para uma reconstrução do que pode ser feito, confrontando-o com o seu contexto social e político. Polítcas Públicas em Educação a Distância As inovações tecnológicas provocaram um impacto sem precedentes em nossa sociedade na segunda metade do século XX. Chamamos a sociedade em que vivemos hoje de sociedade de informação, conceito que define bem a existência de fluxos tão complexos de idéias, produtos, dinheiro, pessoas, que estabeleceu uma nova forma de organização social. O fato é que verificamos claramente as transformações na organização do trabalho, na produção, nos mecanismos de relacionamento social, no acesso à informação. O Brasil assumiu o compromisso com outros nove países em 1990 para garantir a melhoria e universalização da educação básica, e para tanto, uma série de medidas foram tomadas neste período. Dentro desta perspectiva, o Governo Federal implementou uma ação que pretendia articular vários setores da esfera federal, os diferentes níveis de esfera pública (Estados e Municípios), e as universidades públicas na criação e implementação de um programa de formação de docentes na modalidade a distância. O programa PróLicenciatura tem como objetivo a criação de cursos de Graduação (Licenciaturas) na modalidade a distância para formação e qualificação do professor que atua em sala de aula na rede pública, sem nível superior (ou quando apresenta nível superior em uma área diversa da que efetivamente atua). Esta distorção existente nos quadros da Educação Básica pública ocorre principalmente em localidades distantes dos grandes centros. Segundo documento do MEC, “trata-se de um Programa de formação inicial voltado para professores que atuam nos sistemas públicos de ensino, nos anos/séries finais do Ensino Fundamental e/ou no Ensino Médio e não têm habilitação legal para o exercício da função (licenciatura). O Pró-Licenciatura - Programa de Formação Inicial para Professores dos Ensinos Fundamental e Médio se insere no esforço pela melhoria da qualidade do ensino na Educação Básica realizado pelo Governo Federal por meio do Ministério da Educação (MEC), com a coordenação das Secretarias de Educação Básica (SEB) e de Educação a Distância (SEED) e com o apoio e participação das Secretarias de Educação Especial (SEESP) e Educação Superior (SESu)”. A busca pela melhoria da educação básica é, sem dúvida, o princípio norteador das ações de qualificação dos professores. A avaliação realizada pelo Sistema de Avaliação Básica apontou a deficiência de qualidade da escolarização, servindo de base para uma série de ações do Governo Federal. A implementação de programas de formação de professores na modalidade a distância é uma delas e caracteriza-se por uma ação que reuniu elementos diversos em sua concepção, formando uma verdadeira rede de colaboração entre diversas instituições, dos mais diferentes níveis, enriquecendo a construção de um programa de formação de professores da rede pública. Os indicadores educacionais relativos à formação de professores, que se encontram nas salas de aula das escolas públicas no Brasil, sinalizam para as disparidades de formação em nível regional dos professores em exercício na rede pública nas séries finais do Ensino Fundamental e Médio; como também para a necessidade de se desenvolver projetos de formação acadêmica para esse educador, de modo que haja mudanças na qualidade da educação básica ofertada na rede pública de ensino. Conclusão A formação do professor em uma modalidade com inserção tecnológica embutida na própria metodologia do curso será capaz de fazer uma diferença significativa em sua atuação na Educação Básica. Ao fazer o curso de Licenciatura na disciplina em que efetivamente atua, o professor que já exerce essa atividade, acumulará não apenas o conteúdo específico que leciona, mas também inúmeras possibilidades pedagógicas que permitam uma atuação mais efetiva, inserida realmente em uma sociedade de informação e conhecimento.. O que se discute aqui é ainda mais profundo, a escola não precisa modificar-se para acompanhar o novo modo de produção, mas sim porque as formas de aprendizagem se modificaram, e todos os paradigmas anteriores não funcionam mais e quando aplicados dificultam a ação fim da escola: possibilitar a aprendizagem. AO004 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ensino da Geografia [1803] O CURRICULO ESCOLAR NO ENSINO DE GEOGRAFIA: ALGUMAS REFLEXÕES. KALINA SALAIB SPRINGER; MERCEDES SOLÁ PÉREZ. UFPR, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: Ensinar Geografia requer a formulação de questões como: para que ensinar Geografia? Por que ensinar Geografia? Por que aprender Geografia? Assim, é importante ter uma definição clara a cerca do papel da disciplina no ensino e sua materialização pedagógica adequada às diferentes faixas etárias. A identidade da disciplina não está no conteúdo e sim no seu papel na formação do aluno. Desta maneira, tem-se com objetivo principal estimular a reflexão e o debate a respeito da adequabilidade dos conteúdos propostos para ensino básico, tendo como referência a prática docente realizada no 5º ano do ensino básico na escola Estadual Tiradentes em Curitiba / Paraná. Depresbiteris (2000) coloca que no dia-a-dia a escola se fixa nos conteúdos, esquecendo-se das capacidades e das atitudes que se deseja desenvolver. Nesta perceptiva errônea torna-se difícil a definição e construção dessas capacidades (cognitivas, intelectuais, afetivas, motoras), que permeiam todo o ensino, sem estarem vinculadas aos conteúdos. Segundo Castro & Spazziani (2000) a escola deve capacitar o indivíduo à formação de processos que promovam e desenvolvam a conscientização, através de uma postura crítica, dialética e com conteúdos que se relacionam diretamente à sua realidade. Carneiro (1993) descreve que a importância da educação geográfica decorre fundamentalmente da concepção de cidadão que uma sociedade se propõe como referencial de orientação ao seu processo educativo e que a geografia escolar não se reduz a uma programação curricular meramente informativa, mas deve ter uma afetividade formativa dentro da escola sobre o desenvolvimento intelectual e atitudinal do aluno. Dentro deste contexto a prática docente promoveu algumas reflexões: Qual a real importância destes conteúdos para estas crianças de 11 / 12 anos de idade? Qual o real aprendizado deste aluno? Ou ainda que tipo de aprendizado esta sendo efetuado? Não serão estes conteúdos muitos extensos e desconexos da vida do aluno? Estas inquietações permearam nossas discussões a respeito de qual o papel da disciplina de Geografia no ensino básico. E se, a maneira como está sendo conduzido este ensino fará realmente diferença na vida do aluno. Assim, no decorrer da pesquisa identificaram-se as seguintes problemáticas: 1) incompatibilidade entre a quantidade de conteúdos, os objetivos por estes propostos e a carga horária destinada à disciplina de Geografia. 2) Dentro deste problema incluiu-se um segundo: a extensão destes conteúdos. Este fato pode também ser claramente evidenciado dentro das escolas, quando lançamos a expressão: ‘tenho que vencer o conteúdo’. Quando a gama de conteúdos é muita como aconteceu neste estágio, vários problemas são identificados. 3) A dificuldade dos alunos para com o desenvolvimento dos conteúdos, pois estes ainda (em sua maioria) não possuem o nível de abstração exigido para as tarefas a eles designadas. Isto pode claramente ser evidenciado durante as aulas, quando os alunos tinham que através de um conceito, tentar imaginar algo. Por exemplo, ao ser trabalhado o relevo, os alunos não conseguiam abstrair as formas, e ao solicitado para diferenciar planície, montanha e planalto, não conseguiam fazê-lo senão pela cópia do contorno que estas estruturas apresentavam nos mapas. 4) A difícil aproximação dos conteúdos trabalhados em aula, com a vida cotidiana do aluno. Um exemplo claro, deste problema evidenciou-se quando se trabalhou com o conceito de vegetação, mais especificamente vegetação litorânea. Aqueles alunos que, recentemente estiveram no litoral paranaense facilmente associaram a vegetação vista naqueles locais com as fotos do livro didático. Para estes alunos o aprendizado e a associação das imagens por eles conhecidas com os conceitos trabalhados em aula ocorreu tranqüilamente. Entretanto, aqueles alunos que não possuíam esta experiência de vida além de não conseguirem fazer as devidas relações, sentiram-se pormenorizados por não terem a mesma vivência e conseqüentemente mesma facilidade de aprendizado. Estas situações por vezes geraram momentos de desconforto dentro da sala de aula. 5)Outro aspecto, evidenciado foi a utilização dos conteúdos como instrumento disciplinar para seus alunos, evidenciando assim, a falta de autonomia do professor dentro da sala de aula. Não é raro escutar a expressão ‘se vocês não ficarem quietos vou passar mais conteúdos’. Isto nada mais é que uma apropriação indevida da utilização deste termo, e faz com que o aluno, associe conteúdos e alguma forma de castigo ou repreensão por algo errado que eles fizeram. Bem como maior tempo para o professor, mas também para o aluno desenvolver as atividades de maneira mais satisfatória o possível. Considerando-se todos estes aspectos não podemos simplificar a Geografia escolar a conteúdos curriculares. Muitos destes conteúdos podem aparecer também em outras disciplinas. Assim, quando a Geografia ocorre do conteúdo pelo conteúdo, tem-se nas aulas ao invés de construção de conhecimento, um repasse de informações. Informações estas que, muitas vezes em excesso, podem tornar-se repetitivas dentro da própria Geografia. Com esta atitude, a formação de cidadãos, um dos objetivos também da disciplina de Geografia, é por vezes esquecido. Partindo-se do pressuposto que a cidadania é um processo de conscientização e aprendizado de valores e atitudes, torna-se importante um repensar sobre como a disciplina de Geografia esta contribuindo para a formação destes cidadãos. Estes cidadãos conscientes de seus valores e seu modo de vida traduzidos em atitudes para com o próximo e/ou para com o lugar onde vive é que definirá a organização do lugar. Isto é bem definido nas palavras de Carneiro (1993) onde a Geografia escolar deve ser um pretexto para se fazer a educação geográfica, sobretudo na perspectiva da finalidade de formar cidadãos conscientemente responsáveis e participantes. Ou seja, antes de ensinar conteúdos soltos e desconexos é necessário conscientizar o aluno de que ele é organizador / desorganizador dentro de um espaço em constante transformação. É necessário conscientizá-lo de que ele, junto aos colegas, amigos e familiares é responsável por aquele espaço. Isso é, inserir-se no espaço e através desse ‘inserir-se no espaço’ cuidar do mesmo. Com base em afirmativas como a de Callai (1998), de que a realidade, ou o lugar em que se vive é o ponto de partida para se chegar à explicação dos fenômenos e que, a Geografia não deve ser memorativa, descritiva ou enciclopédica, e sim deve trabalhar a realidade do aluno, ou seja, todas as dimensões que compõem a forma de viver e o espaço que o cerca, a Geografia assume papel primordial na educação. Contudo não essa Geografia, como se encontra hoje, mas sim uma Geografia cidadã, que ensine o respeito para com o próximo e para com o lugar, o cooperativismo ao invés da competição, a harmonia entre os seres humanos e entre estes e a natureza. Uma Geografia que ensine que é através de nossas atitudes e ações que poderemos melhorar o espaço em que vivemos. AO005 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ensino da Geografia [1807] LIÇÕES DE GÊNERO NA INTERNET: OS BLOGS. GUSTAVO SIQUEIRA DA SILVA. UFSM, SANTA MARIA, RS, BRASIL. Resumo: Introdução Com a ajuda do referencial teórico consegui direcionar um foco analítico, escolhendo a Internet como local de produção do conhecimento sobre gênero inscritos nos blogs. Apesar de em uma primeira impressão de que Internet, geografia e educação parecem temáticas desconexas, sem vinculações, percebi com este estudo que elas poderiam se articular. Após visualizar esta articulação, várias questões colocaram-se entre minhas antigas convicções. A utilização da Internet como corpus empírico não me parecia viável. Agora, além de buscar examiná-la com outros olhos, ela na prática moldaria definitivamente minhas concepções. Objetivos Esta pesquisa pretende contribuir para estudos de Geografia de gênero tentando responder as seguintes indagações: como a escola utiliza a Internet em sua prática pedagógica? como ocorre o processo de construção identitária pelos blogs? quais são os referentes identitários em deslocamento? Referencial Teórico Para entender a óptica com que pretendo focalizar a temática, se faz necessária a apreensão de conceptos chaves, na análise do papel atribuído ao gênero nos diversos setores da sociedade, no caso discurso e identidade. Antes de deter-me nestes conceptos, gostaria de argumentar que esses estão articulados na perspectiva teórica pós-estruturalista, por esta abalar as estruturas solidificadas na razão, na ciência e na busca do progresso constante do pensamento iluminista. Calcada na verdade científica da razão a modernidade iluminista estabeleceu relações binárias de poder – homem/mulher, branco/não branco, razão/sentimento, bem/mal – onde os pólos estabelecem disputas, e o elemento primeiro aparece como dominante, através da legitimação de um discurso considerado verdadeiro ou mais válido do que outro. Passei a entender identidade a partir das leituras de Stuart Hall. Este autor afirma que foi o projeto da modernidade que produziu um sujeito unificado, localizado solidamente como indivíduo social. Busco identificar a ruptura proporcionada pelo feminismo no sujeito moderno, na Internet, que durante algum tempo foi considerada uma temática alienígena. Meu trabalho está situado dentro da corrente geográfica que ganhou maior destaque a partir dos anos 80. Conforme McDowell apud MAIA (2001, p.90), existem duas principais linhas teóricas dentro da Geografia Cultural que emerge na década de 80: “[...] uma desenvolvida no Reino Unido e outra nos Estados Unidos: a primeira tornou como foco principal as relações sociais e o significado simbólico, reveladas em ações sociais em um determinado lugar ou localidade, enquanto a segunda enfocava mais especificamente sobre paisagens em si”. Minha pesquisa está inscrita na primeira linha teórica que tem como referência as teorias de Raymond Williams e Stuart Hall. “Nessa perspectiva, a principal preocupação é a análise das maneiras como os artefatos materiais são apropriados, e os seus significados transformados através dos hábitos sociais oposicionistas” (idem). Por fim, concordo com a leitura realizada por MAIA (2001) de Linda McDowell que aponta como “a principal característica da nova Geografia Cultural é o reconhecimento de significados contestáveis e divergentes, bem como do caráter temporal e contestável do conhecimento” (idem). Metodologia Para localizar os blogs no ciberespaço utilizei os sites de busca da Internet, dentre os mais conhecidos o Altavista, levou-me até o site BLOGS.COM.BR, intitulado O Portal de Encontro de Blogueiros do Brasil. Este site oferece várias formas de busca de blogs, por tema, por idade, por estado e cidade, e também aleatoriamente. Foi a última que adotei para localizar os blogs, aleatoriamente fui analisando-os e selecionando os que enquadravam na faixa etária que estabeleci para investigação que foi de 12 a 20 anos, por esta representar a possibilidade dos/as jovens estarem em escolas do ensino básico. Dos 24 blogs utilizados para a investigação, 20 eram assinados por meninas e 4 por meninos. Os dados e informações sobre a tecnologia e o processo de informatização nas escolas estaduais de ensino básico, foram buscados na Internet também. Enfim, a grande teia dos computadores, precisa ser analisada, ser problematizada, ser encarada não como a única, mas como mais uma possibilidade de investigação, que interage e condiciona a vida digital e social na pós-modernidade. Pontos Desenvolvidos O trabalho aborda a inserção das tecnologias digitais e da Internet na paisagem pós-moderna, sua função no processo evolutivo do pensamento e do conhecimento, com a passagem da escrita linear para a utilização da hipertextualidade. Comento sobre o caráter desterritorializado da vida digital e de suas relações comunitárias, tentando localizar geograficamente os blogs no ciberespaço, através de sua caracterização. Articula-se a expansão dos microcomputadores e da Internet com o aprendizado e com as políticas públicas brasileiras. Procuro caracterizar a categoria gênero buscando situar em recortes temporais a postura feminina em relação a sua situação de subjugada, de entendida como o outro do homem. Tento direcionar esta concepção em torno da identidade de gênero para a educação, para poder ancorar a análise das identidades de gênero dos/as adolescentes nos blogs. O foco analítico da pesquisa é enfatizado através dos discursos textuais e gráficos inscritos nos blogs, procuro caracterizar as identidades de gênero produzidas e/ou reproduzidas pelos adolescentes. Resultados A articulação proposta por mim, entre as temáticas da Internet, educação e gênero, apresentou-se como uma tarefa bastante árdua para corporificar-se neste estudo. Mas, o que pude perceber é que as identidades de gêneros produzidas pela escola são fortes, pois são legitimadas sem discussão por uma sociedade patriarcal. Essas identidades de gênero encontram-se nos blogs, mas já não mais tão inflexíveis, pois as meninas começam a avançar as fronteiras que demarcavam o espaço a elas atribuído pela modernidade. Internet e escola se contradizem, e como percebi pelas leitura realizadas, se a escola tem cumprido uma função conservadora, que não tem contribuído no avanço da formação de meninos/as livres de valores que desprezam as diferenças culturais, a web tem se apresentado como um espaço alternativo para que os/as adolescentes possam expressar, construir, negociar e fixar suas identidades de gênero. Seja através de listas de discussão de e-mails, chats, ou mesmo nos blogs, não há mais como ocultar a necessidade de compreendermos a Geografia do ciberespaço, e como ele e a as relações humanas nele estabelecidas estão constituindo o sujeito e a sociedade pós-modernos. AO006 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Ensino da Geografia [1917] I N CLUSÃO D I GI TAL E I N CLUSÃO SOCI AL: A EXPERI ÊN CI A D OS ROTEI ROS D I D ÁTI COS DIGITAIS. REJANE CRISTINA DE ARAUJO RODRIGUES1; CLAUDIA ANDRÉA LAFAYETTE PINTO2. 1.UNI VERSI DADE DO ESTADO DO RI O DE JANEI RO, RI O DE JANEI RO, RJ, BRASI L; 2.SECRETARI A MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: Neste artigo analisamos uma importante experiência metodológica desenvolvida para a Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro, a elaboração dos Roteiros Didáticos Digitais. Inseridos em uma proposta mais abrangente de ampliação das possibilidades de aprendizagem dos alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, este novo recurso didático pode representar do ponto de vista do ensino da Geografia uma importante alternativa metodológica voltada a inserção consciente do cidadão brasileiro nas transformações das relaidades espaciais e sociais. A informática aparece aqui como um improtante recurso para a inclusão digital e cidadã daqueles segmentos que têm ficado ao longo das últimas décadas privados de novas possibilidades de um ensino de qualidade. O uso do computador, como recurso de aprendizagem aparece como instrumento de inclusão social, ampliando ainda as possibilidades de aprendizagem. Os Roteiros Didáticos Digitais se constituem em uma proposta que objetiva a complementação dos conteúdos trabalhados em sala de aula, incluindo a orientação de atividades que tenham no uso da computação e de suas técnicas a ampliação das possibilidades de aprendizagem. A metodologia proposta considera: a apropriação de conceitos e teorias na análise dos processos geográficos; a identificação dos resultados das diferentes ações humanas sobre o meio natural; o desenvolvimento de habilidades ligadas à compreensão de textos literários, jornalísticos, análise de gráficos e tabelas, interpretação de imagens etc; e o desenvolvimento de habilidades para pesquisa e seleção de conteúdos disponíveis na Internet. Foi proposta a uma equipe formada por professores com elevada qualificação e larga experiência no ensino fundamental e médio o desenvolvimento de 480 roteiros didáticos digitais construídos como atividades multimídia mediadas por computador, com o objetivo de desenvolver competências e melhorar a aprendizagem do aluno nas áreas de Português, História, Geografia, e Línguas Estrangeiras (Inglês e Espanhol). Os roteiros deverão ser implantados nos laboratórios de Informática das escolas públicas, aplicados na 5ª à 8ª séries do Ensino Fundamental e na 1ª à 3ª séries do Ensino Médio. Na base do projeto está uma proposta mais geral de Reorientação Curricular proposta pela SEE/RJ. De acordo com o projeto os alunos continuarão participando das aulas convencionais de suas escolas. As atividades realizadas no laboratório de Informática terão como base os roteiros didáticos digitais, sendo o aluno assistido por um monitor local, um orientador tecnológico ou por um professor. Os roteiros didáticos digitais se constituem como uma atividade com o objetivo principal de desenvolver uma competência específica. Estes roteiros têm como característica a possibilidade de estudo autônomo pelo aluno, tendo sido construídos com orientações claras e objetivas embora apresenta, além da indicação de uma ferramenta simples, outra avançada. Cada roteiro não ultrapassa um tempo de atividade de 30 minutos, apresentando animações, ilustrações, clips de videos, sites etc, que podem estabelecer a interface com outras disciplinas. Os roteiros são ainda estruturados para ter continuidade em outro roteiro (conjunto de 2 ou 3, conforme o pré-roteiro). Desta forma, os roteiros são estruturados nas seguintes seções: pré-produção (orientação para que o professor na sala convencional possa preparar os alunos para consumo do roteiro no laboratório e/ou prérequisitos); produção (atividade no laboratório dos alunos); e pós-produção (orientação para que o professor na sala convencional possa contextualizar a tarefa realizada com a realidade do aluno e /ou avaliar a produção do aluno). Chamamos a atenção nesta analise para o fato de que a experiência de elaboração de material didático oportuniza a ampliação do debate sobre a necessária distinção entre método e técnica. A técnica, no processo de ensino-aprendizagem, só tem sentido, quando associado ao uso de conceitos e teorias e a escolha de um método base do processo de ensino. Assim, considerados método e técnica, podemos destacar a importância e as possibilidades desta experiência didática para o ensino da Geografia escolar. Assim, destacamos que o objetivo do trabalho é apresentar a experiência de construção de roteiros didáticos digitais e analisar a importância desta metodologia para o ensino da Geografia no ensino fundamental. Serão apresentados alguns roteiros elaborados para como complemento às aulas desta disciplina, apresentadas as estratégias propostas para sua elaboração e analisadas possibilidades criadas por esta proposta metodológica. AO007 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Ensino da Geografia [2121] DESAFIOS DO ENSINO DE GEOGRAFIA NO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA. MARIA DE FÁTIMA ALMEIDA MARTINS. UFMG, BELO ORIENTE, MG, BRASIL. Resumo: Diretrizes e Bases - LDB - e ganha sentido na medida em que fortalece os sujeitos nos lugares em que realizam a sua prática. Nesse sentido, o texto será pautado pelas discussões das quais temos participado em torno da construção do currículo, organizado por áreas de conhecimento, que para este curso foram assim denominadas: Área de Ciências da Vida e da Natureza; Área de Ciências Sociais e Humanidades; Línguas, Artes e Literatura e Matemática. Assim constituído, com o formato e estruturação curricular acima indicado, o curso nos instiga a pensar em uma prática pedagógica que vá para muito além dos campos disciplinares, bem como nos coloca novos e desafiantes elementos para o trabalho por área que, no nosso modo de pensar, não se resume tão somente à questão da interdisciplinaridade. Com esta proposta curricular, o curso tem nos mobilizado e requerido um envolvimento para além das práticas parcelizadas, comuns nas práticas cotidianas na universidade, porque o movimento que o sedimenta e o fortalece é o do trabalho coletivo. Com esse sentido, o encaminhamento que vem sendo dado na consolidação da área no curso é o de aglutinar esforços para encontrar uma proposição que possa explorar as possibilidades do diálogo entre os campos disciplinares que, no caso da área de Ciências Sociais e Humanidades (que tem como base estruturadora a Geografia, a História, a Sociologia e a Filosofia) possam articular questões que dialogem para além das fronteiras de seus campos disciplinares. Entendemos que, como ação propositiva, esse diálogo seria um dos primeiros desafios que o curso nos coloca como educadoras. É preciso destacar que, na sua particularidade, enquanto lugar de formação do professor do campo, o curso ganha centralidade na reflexão sobre a educação para além das fronteiras hegemônicas do saber instituído, porque (re)significa e qualifica a ação dos sujeitos que estão envolvidos na ação educadora do e para o campo. Esse movimento em direção à reflexão sobre a formação do professor, necessariamente nos remete aos conteúdos e aos recortes da ciência geográfica e, mais especificamente, ao seu ensino, bem como à sua construção na estrutura curricular. Articular esse conjunto de questões referidas à prática escolar significa pensar como e sob que condições são organizadas. Neste sentido é que cabe aqui uma pequena referência às discussões sobre currículo empreendidas por Gimeno Sacristán e A. I. Pérez Gómez. Para estes autores, existe uma relação extremamente importante e próxima entre o ensino e o movimento que culmina na organização e na elaboração de atividades do currículo. Ou seja, “... é preciso ver o ensino não na perspectiva de ser atividade instrumento para fins e conteúdos préespecificados antes de empreender a ação, mas como prática, na qual esses componentes do currículo são transformados e o seu significado real torna-se concreto para o aluno/a.” (SACRISTÁN, PÉREZ GOMÉZ; 2000:123). Ao refletir sobre a construção deste curso nos diferentes contextos de sua elaboração, outras questões também ganham sentido, como as relativas à sociedade, bem como os sentidos da educação, ou seja, sobre como esta deve alcançar o desejável, ir além e chegar às diferentes espacialidades, como objetivo e sentido, de forma emancipatória. Assim, ao realizar este movimento de reflexão sobre os sentidos do curso e sua relação com e na formação social, o que passa a ser “essencial é pensar a sociedade e a educação em seu devir” (MAAR, 2003:12). Esta perspectiva de análise apresenta elementos que consideramos importantes para a prática e a formação do professor do campo, na medida em que esta reconhece ser essencial a educação como processo e, mais, na medida em que a vida e a experiência passam a ser fundamentais como elementos formadores dos sujeitos na educação. Em outras palavras, “só assim seria possível fixar alternativas históricas tendo como base a emancipação de todos no sentido de se tornarem sujeitos refletidos da história, aptos a interromper a barbárie e realizar o conteúdo positívo, emancipatório, do movimento de ilustração da razão.” (MAAR, 2003:12) Enfim, o desafio dado neste curso é o de desenvolver uma proposta de ensino e aprendizagem da Geografia na área de Ciências Socias e Humanidades que possa convergir numa experiência formativa, nos termos formulados por Adorno, de que “é preciso romper com a educação enquanto mera apropriação de instrumental técnico e receituário para a eficiência, insistindo no aprendizado aberto à elaboração da história e ao contato com o outro não-idêntico, o diferenciado.” (MAAR, 2003:27) Algumas perguntas povoam o tempo todo a prática, o sentido e o significado da Geografia neste curso. Como efetivamente pode-se construir alternativas que venham propiciar a aprendizagem significativa não reiterativa da prática formal? Ou ainda, como avançar na reflexão sobre a formação do professor do campo a partir da formação por áreas, sem perder a especificidade dos conhecimentos disciplinares que compõem a área? Para fazer a reflexão sobre esta prática, no movimento em que ela se realiza as reflexões de autores como: NÓVOA (1997), GÓMEZ (1997), ADORNO (2003) e LEFEBVRE (1983) são fundamentais. Do mesmo modo, para a discussão mais específica do ensino da Geografia, autores como Douglas SANTOS (1995), Lana CAVALCANTE (2002), Rui MOREIRA (2006), Ariovaldo Ubelino de OLIVEIRA (2003) e Odette SEABRA(1999), também estão sendo importantes para a análise sobre o ensino da geografia. A experiência que estamos vivenciando, na elaboração da estrutura curricular do curso, é do diálogo com os diferentes campos do conhecimento – Geografia, História, Filosofia e Sociologia – que compõem a Área de Ciências Sociais e Humanidades, com o sentido de definir e circunscrever o eixo norteador das questões a serem postas pela área, vem ocorrendo a partir do olhar ou dos olhares dos conhecimentos de cada disciplina, mas numa perspectiva interdisciplinar. AO161 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Costeira e Marinha [1261] ASPECTOS FI SI OGRÁFI COS COSTEI ROS D AS PRAI AS AREN OSAS D A FAI XA OCEÂN I CA DAS I LH AS D E SAN TA CATARI N A E SÃO FRAN CI SCO D O SUL, LI TORAL D O ESTAD O D E SAN TA CATARINA, BRASIL. NORBERTO OLMIRO HORN FILHO. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, FLORIANÓPOLIS, SC, BRASIL. Resumo: O presente trabalho tem por objetivo caracterizar do ponto de vista fisiográfico costeiro as praias arenosas da faixa oceânica das duas maiores ilhas do litoral do Estado de Santa Catarina (ilha de Santa Catarina - ISC e ilha de São Francisco do Sul - ISFS), de modo a correlacionar os aspectos geológicos, geomorfológicos, texturais e ambientais. A ilha de Santa Catarina localiza-se no litoral Central do Estado nas coordenadas geográficas de 27°22\'45\" e 27°50\'10\"S e 48°21\'37\" e 48°34\'49\"W, na microrregião geográfica de Florianópolis, município de Florianópolis. A ilha apresenta forma alongada na direção NE-SW sob regime de micro maré e uma hidrodinâmica imposta pelo oceano Atlântico e baía de Florianópolis (baías Norte e Sul). A área é de 399 km²; perímetro de 174,3 km; comprimento máximo de 52,5 km; larguras mínima, média e máxima de 1,3 km, 7,6 km e 18,8 km, respectivamente e altitude máxima de 532 m. A ilha de São Francisco do Sul localiza-se no litoral Setentrional do Estado nas coordenadas geográficas de 26°09\'42\" e 26°27\'05\"S e 48°29\'38\" e 48°42\'59\"W, na microrregião geográfica de Joinville, município de São Francisco do Sul. A ilha apresenta forma triangular na direção NE-SW sob regime de micro maré e uma hidrodinâmica imposta pelo oceano Atlântico, baía da Babitonga e canal do Linguado. A área é de 540 km²; perímetro de 94 km; comprimento máximo de 35 km; larguras mínima, média e máxima de 2,2 km, 9,2 km e 16 km, respectivamente e altitude máxima de 318 m. O referencial teórico e conceitual do trabalho toma como base as definições geomorfológicas de ilha costeira e praias arenosas. Do ponto de vista geológico, uma ilha costeira apresenta os tipos litológicos de seu substrato muito similares àqueles encontrados na região continental, com os quais se mantiveram unidos durante o tempo em que o nível médio do mar esteve em posição abaixo do atual (SUGUIO, 1992). Dentre as diversas feições geomorfológicas de ilhas continentais se destacam as praias arenosas, constituídas de depósitos inconsolidados dominados pela hidrodinâmica imposta pelas ondas, correntes, marés e ventos associados atuantes sobre as condições geológicas e geomorfológicas antecedentes (SHORT, 1999). A metodologia utilizada neste trabalho compreendeu uma revisão bibliográfica a par dos aspectos fisiográficos das praias das ilhas mencionadas, baseado principalmente nos resultados apresentados por Horn Filho (1997) para a ilha de São Francisco do Sul e Horn Filho (2006) e Horn Filho et al. (2007) para a ilha de Santa Catarina. As principais questões e pontos a serem abordados no trabalho têm como pergunta essencial “As praias arenosas da faixa oceânica das ilhas de Santa Catarina e São Francisco do Sul apresentam características distintivas do ponto de vista fisiográfico costeiro”? No que concerne a geologia do embasamento, na ilha de São Francisco do Sul predominam gnaisses, migmatitos e granitos do Complexo Granulítico de Santa Catarina, enquanto que na ilha de Santa Catarina predominam granitos, riolitos e diabásios. Em linhas gerais, as ilhas de São Francisco do Sul e Santa Catarina apresentam histórias evolutivas semelhantes por estarem condicionadas aos mesmos eventos transgressivos e regressivos do Atlântico sul durante o Quaternário (HORN FILHO et al., 1994). Na planície costeira de ambas as ilhas predominam sedimentos dos sistemas deposicionais continental e litorâneo, compreendendo os depósitos coluvial, lagunar, marinho praial, eólico, estuarino e paludial, de idades do Quaternário indiferenciado, Pleistoceno superior e Holoceno. A costa Leste das ilhas apresenta um total de 19 praias arenosas, sendo 13 praias na ilha de Santa Catarina (Santinho, Moçambique, Barra da Lagoa, Prainha da Barra da Lagoa, Galheta, Mole, Gravatá, Joaquina, Campeche, Morro das Pedras, Armação, Matadeiro e Lagoinha do Leste) e 6 praias na ilha de São Francisco do Sul (Itaguaçu, Ubatuba, Enseada, Cais, Prainha, Grande). As praias apresentam formas em planta diferenciadas, se destacando as praias alongadas (ex. praia Grande, ISFS); hiperbólicas (ex. praia da Armação, ISC); artificial (praia do Cais, ISFS) e de bolso (ex. praia do Santinho, ISC). Do ponto de vista textural, ocorrem entre os sedimentos praiais, areias grossas, médias e finas. Exemplo de praias com sedimentos grossos são as praias do Morro das Pedras e Armação (ISC). Nas praias da ilha de Santa Catarina (Gravatá, Joaquina, Campeche e Lagoinha do Leste) e nas praias Grande, Itaguaçu, Ubatuba e Enseada (ISFS) predominam sedimentos médios e nas praias do Santinho, Galheta, Matadeiro (ISC) e Prainha ou praia da Saudade (ISFS) predominam sedimentos finos, típicos de praias de bolso ou enseada. Quanto ao desenvolvimento costeiro das praias da costa Leste das duas ilhas, observa-se que a faixa praial da ilha de Santa Catarina tem sido mais ocupada quando comparada com a ilha de São Francisco do Sul. Os balneários do Santinho, Barra da Lagoa, Mole, Joaquina, Campeche, Morro das Pedras e Armação são muito procurados por turistas e residentes da ilha de Santa Catarina, o que torna a ocupação mais homogênea de norte a sul. Na ilha de São Francisco do Sul, a ocupação se restringe ao extremo norte da faixa praial, onde se destaca o crescimento urbano nas praias da Enseada, Ubatuba, Itaguaçu e Prainha. A praia Grande, apesar de ser a mais extensa de todas as praias consideradas (22.250 m) foi identificada a menor ocupação urbana, típica ainda de um estágio inicial de desenvolvimento costeiro. Conclui-se então que de um modo geral, as praias das ilhas de Santa Catarina e São Francisco do Sul apresentam características geológicas, geomorfológicas e texturais similares, principalmente quando se considera as praias do extremo norte da ilha de São Francisco do Sul e as praias da ilha de Santa Catarina. Do ponto de vista oceanográfico-ambiental, a alta declividade do setor de ante praia da praia Grande (ISFS) e dos setores central e norte das praias do Moçambique e Armação (ISC), provavelmente acarreta no baixo percentual de ocupação urbana quando comparado com as demais praias das duas ilhas. Alia-se também o fato de que o setor centro-sul da ilha de São Francisco do Sul não apresenta promontórios rochosos, o que torna a praia mais monótona e sujeita a uma maior instabilidade ambiental. BIBLIOGRAFIA HORN FILHO, N.O. O Quaternário costeiro da ilha de São Francisco do Sul e arredores, nordeste do Estado de Santa Catarina - aspectos geológicos, evolutivos e ambientais. 1997. 312p. Tese (Doutorado em Geociências) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997. HORN FILHO, N.O. Granulometria das praias arenosas da ilha de Santa Catarina. Gravel, Porto Alegre, n.4, p.1-21, 2006. HORN FILHO, N.O.; LEAL, P.C.; OLIVEIRA, J.S. de. Atlas fisiográfico e sedimentológico das praias arenosas da ilha de Santa Catarina, SC. (inédito). 2007. HORN FILHO, N.O.; GRÉ J.C.R; ABREU DE CASTILHOS, J.; DIEHL, F.L. Estudo geológico correlativo entre o Quaternário costeiro das ilhas de São Francisco do Sul e Santa Catarina, Santa Catarina, Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 38., Balneário Camboriú, 1994. Boletim de Resumos Expandidos...Balneário Camboriú, SBG, v.2, p.405-407. 1994. MARTIN, L.; SUGUIO, K.; FLEXOR, J.M. & AZEVEDO, A.E.G. de. Mapa geológico do Quaternário costeiro dos estados do Paraná e Santa Catarina. Série Geologia. Seção Geologia Básica. DNPM: Brasília, 28:1-40p. 2 mapas. 1988. SHORT, A. D. Beaches. In: SHORT, A. D. (Org.) Handbook of beach and shore face morphodynamics. Chichester, 1999, 379p. SUGUIO, K. (Ed.). Dicionário de Geologia marinha: com termos correspondentes em inglês, francês e espanhol. São Paulo: Biblioteca de Ciências Naturais/USP, 1992. AO162 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Costeira e Marinha [1330] ALTERAÇÕES N O PERFI L N ATURAL D A ZON A COSTEI RA D A CI D AD E D E FORTALEZA, CEARÁ, AO LONGO DO SÉCULO XX. JOSÉ ALEGNOBERTO LEITE FECHINE. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar os processos morfodinâmicos, relacionados com as mudanças do perfil natural da área costeira de Fortaleza, Nordeste do Brasil a partir do século XX. O estudo está individualizado em duas faixas: SE/NO e L/O e possui uma extensão de aproximadamente 23 quilômetros, banhada pelo oceano Atlântico a SE/NO e L/O. Situa-se entre as bacias hidrográficas dos rios Cocó e Ceará. O litoral de Fortaleza é segmentado em dois setores pela presença da ponta natural, rochosa, do Mucuripe, de forma tal que a área pode ser dividida em duas faixas: faixa SE/NO (Rio Cocó à Ponta do Mucuripe), com uma extensão de aproximadamente 8km e faixa L/O (Ponta do Mucuripe até a foz do Rio Ceará), com uma extensão aproximada de 15km de costa. Ecossistemas naturais e estruturas artificiais encontram-se distribuídos ao longo das duas faixas. Na faixa SE/NO situa-se a foz do rio Cocó com manguezal e cordões de beach-rocks, além de praias, das dunas da Praia do Futuro, o espigão do Titãzinho e o porto do Mucuripe; já na faixa L/O, ocorrem praias com cordões de beach-rocks, a foz do riacho Maceió, as dunas do Mucuripe, o calçadão da Beira-Mar, o calçadão da Praia de Iracema e respectivo aterro, a ponte Metálica, o Hotel Marina Park, a Estação de tratamento de esgotos da CAGECE, a Avenida Leste Oeste, o pólo de lazer da barra e a foz do rio Ceará, tomados por obras costeiras, ou seja, espigões e muralhas de proteção. A orla marítima foi compartimentada levando em conta a extensão e a complexidade das paisagens, repletas de ambientes em diferentes estados de degradação ambiental e envolvendo atividades sócio-econômicas e culturais das mais variadas. Seguimos o princípio metodológico indicado pela análise geoambiental, que têm como diretriz principal à análise integrada da paisagem, de forma a permitir uma concepção globalizante e funcional do espaço, através do estudo das inter-relações entre os diversos elementos que a compõem – na pesquisa em particular, ocupação da faixa litorânea, assoreamento, erosão e degradação dos atributos naturais do espaço são os principais elementos abordados. A compartimentação da área de estudo em duas faixas geoambientais foi realizada com base os elementos naturais, tomando-se como referência as desembocaduras dos rios Cocó e Ceará, respectivamente situados à leste e a oeste da área de estudo. Tendo o afloramento, na área central, a ponta rochosa do Mucuripe. Havendo Sistemas ambientais como campos de dunas, foz dos rios com seus manguezais e faixa de praia, impactados por usos e ocupações diversas, foram detalhados. Setores relacionados a obras de engenharia costeira e projetos de uso e ocupação da orla marítima também foram analisados. As faixas analisadas são feições dinâmicas que vem sofrendo com o avanço e recuo da linha de costa. Sua posição no espaço muda constantemente em várias escalas temporais (diárias, sazonais, decadais, seculares e milenares). Desta forma, a faixa de praia de Fortaleza é afetada por um número muito grande de fatores, alguns de origens naturais e intrinsecamente relacionadas à dinâmica costeira (erosão costeira, variação relativa do nível do mar, dispersão de sedimentos), outros relacionados com as intervenções humanas na zona costeira (obras de engenharia, drenagens, aterramento de praias, construção de espigões, muros de contenção etc.). O impacto ambiental e as mudanças, naturais e antrópicas, nestas áreas, são bastante consideráveis. Um exemplo prático é o intenso avanço da linha de costa na faixa sudeste – noroeste (Praia do Futuro, Caça e Pesca e Serviluz.), com engorda do perfil praial. Na faixa leste – oeste, ocorre um intenso recuo da linha de costa em direção ao continente (Praia do Meireles, Praia de Iracema, Pirambu, Leste-Oeste e Barra do Ceará) vem ocorrendo. Estes processos se deram anteriormente e posteriormente à construção da grande obra o Porto do Mucuripe, que veio alterar drasticamente toda a dinâmica costeira da cidade de Fortaleza. Em toda a extensão dos 23km de zona costeira e litorânea analisadas, foram encontradas os mais diversos tipos de construções e equipamentos, desde zona portuárias, espigões, muros de contenção, hotéis, restaurantes, calçadões, barracas de praia, edifícios para habitação da alta e média classe, emissário submarino e favelas. Diante de tal contexto, verifica-se claramente o fato de não haver em Fortaleza faixa litorânea natural. Em seu lugar, ocorre um ambiente marítimo extremamente antropogenizado. Os principais problemas ambientais detectados ao longo do front marítimo da cidade são resultantes da ocupação da faixa praial, da construção sobre o campo de dunas e da realização de obras costeiras que determinaram alterações na dinâmica local com conseqüências ambientais desastrosas. Com efeito, em Fortaleza toda a zona de berma e o campo de dunas adjacente foram ocupados pela população. Foram realizadas mais de 20 obras importantes nos 23 km de litoral ao longo do século XX. Estas obras contribuem para modificar o perfil praial e equilíbrio dinâmico existente, além de expulsar a população mais pobre para outros ambientes, com áreas extremamente urbanizada e exposta a alterações drásticas no traçado e na dinâmica natural. Do ponto de vista natural, é inevitável pensar no agravamento das condições ambientais para o futuro próximo, em função da pressão sobre os recursos naturais ainda existentes, e da descaracterização dos atributos naturais litorâneos, sempre em crescente processo. Do ponto de vista social e econômico, parece haver tendência nas próximas décadas para que todo da orla marítima se transforme em área de elevado valor imobiliário, ocupada por hotéis e edifícios de luxo, a fim de atender a demanda turística e habitacional de alta renda. Elitização e degradação ambiental parecem ser esses os retratos básicos das alterações históricas na orla marítima de Fortaleza ao longo do último século. AO163 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Costeira e Marinha [1513] EVOLUÇÃO GEOM ORFOLÓGI CA E TI POLOGI A D O CAM PO D E D UN AS M ÓVEI S EN TRE AS PRAIAS DE MORRO BRANCO E BARRA NOVA, BEBERIBE, CE. MÔNICA VIRNA DE AGUIAR PINHEIRO; VANDA CLAUDINO-SALES. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: Esse trabalho tem como objetivo discutir a gênese e a evolução geomorfológica de campos de dunas, com ênfase na tipologia, entre as praias de Morro Branco e Barra Nova, no Município de Beberibe, litoral leste do Estado do Ceará. As dunas são definidas como depósitos de areia quartzosa acumulados a partir do trabalho da dinâmica eólica de erosão, transporte e deposição de grãos de areias. As dunas costeiras têm sua evolução associada diretamente à dinâmica litorânea e têm como fonte predominante de sedimentos a faixa de praia (Silva e Cavalcante, 2004). Uma grande parte dos campos de dunas atuais encontram-se livres de vegetação, ou seja, são móveis e se deslocam livremente na zona costeira. Contudo, ao encontrarem algum tipo de obstáculo poderão ter seu deslocamento interrompido e serem fixadas pela vegetação e então, passarem para formas estabilizadas ou fixas. Todas as dunas costeiras estabilizadas atualmente indicam terem tido alguma mobilidade no passado, provavelmente sob regime climático diferente do atual (Tsoar, 2003). A metodologia utilizada para se alcançar os objetivos propostos apóia-se na perspectiva do Princípio do Atualismo, que apóia-se na interpretação dinâmica dos processos atuais e na consideração de que estes, submetidos às mesmas leis físicas, atuaram de maneira semelhante, todavia com intensidades variadas, ao longo da história natural da Terra (Claudino-Sales, 2004). Associadas a esse princípio norteador, foram utilizadas técnicas diversas, tais como: bibliográfica detalhada e específica do tema e do setor de estudos, nos âmbitos da literatura científica nacional e internacional, análises de fotografias aéreas, imagens de satélites, mapas temáticos em escalas variadas, associados a trabalhos de campo, com auxilio de equipamento técnico. As dunas podem ser classificadas quanto a sua tipologia como móveis, semi-fixas, fixas, formas de deflação e cimentadas (Claudino-Sales, 2002). Assim, identificamos e classificamos a morfologia das dunas presentes na área em tela em: dunas móveis, semi-fixas, fixas e formas de deflação. As formas móveis foram caracterizadas como longitudinais e lençóis de Areia ou Sandsheets. As dunas semifixas presentes são as dunas frontais e as nebkas. Também fazem parte do campo em tela, as dunas fixas que nos aparece sem uma forma definida e as formas de deflação apresentando sua morfologia típica como os blowouts e os rebdous. As dunas longitudinais são formas móveis presentes na área de estudo em setores da planície de deflação, localizadas na vanguarda dos lençóis de areia. Esse tipo de duna tem sua gênese associada a rastros de migração, isto é, ao se deslocarem encontram obstáculos como, por exemplo, lagoas interdunares e vão modificando suas formas deixando pra trás as marcas de sua pretérita passagem. Nesse caso, os tipos mais comuns a deixarem rastros de migração são as dunas parabólicas ou barcanas através de suas pontas alongadas. Os lençóis de areia ou sandsheets, perfazem a maior parte da área e caracterizam-se por uma grande quantidade de sedimentos, definidos na literatura científica como sem forma definida. Numa escala maior, os lençóis de areia, são reconhecidos pela indefinição tipológica de suas dunas. Na área de estudo isso se deve à quantidade de sedimentos acumulados em uma área restrita, cerca de 7 Km, pois, para a configuração de uma tipologia de dunas uniforme, é necessária uma área extensa, o que não ocorre no setor estudado, devido ao barramento efetuado pelo leito do rio Choró, situado no extremo oeste do campo de dunas. As dunas semi-fixas caracterizam-se por apresentar-se parcialmente cobertas pela vegetação, possuindo ainda uma certa mobilidade, daí sua denominação. As dunas frontais, localizadas próximas a foz do rio Choró, apresentam-se como um alinhamento de dunas parcialmente vegetalizado paralelo à faixa de praia e sua origem está associada a um acúmulo de sedimentos após a área de berma. Ocorre a colonização pela vegetação, condicionada em razão da maior umidade nessa área próximo ao mar. A morfologia das dunas nebkas que pontilham quase todo campo de dunas sobre diferentes tamanhos, representam montículos de areia cobertos pela vegetação de porte arbustivo. Seu tamanho pode variar, aumentando tanto ao agregar mais grãos de areia a essa cobertura como pela contínua colonização da vegetação. As dunas fixas aparecem à retaguarda do campo móvel total ou parcialmente vegetalizadas, mas sem nenhum tipo de mobilidade. As espécies de plantas pioneiras que as recobrem, são capazes de resistir à aridez, altas temperaturas da superfície, ventos com considerável teor de salinidade, rajadas de areia e baixa disponibilidade de nutrientes. As formas de deflação são identificadas através dos blowouts. Eles correspondem a superfícies de dunas erodidas pelo vento, com formas topográficas depressivo-côncava, em forma de concha, formada pela erosão de uma duna ou substrato de areia pré-existente. Os blowouts são encontrados em ambiente de dunas frontais, mas também, como apresentam-se na área de estudo, em ambientes de alta energia do vento como as planícies de deflação. De acordo com sua dinâmica, podem evoluir para dunas do tipo parabólicas. Os rebdous assim como os blowouts têm sua origem associada ao trabalho de deflação. Os morros de areia semi-vegetalizados são esculpidos pelo trabalho contínuo dos ventos na zona costeira. No setor estudado encontramos esse tipo de duna próximo a planície de deflação, onde os ventos atuam de forma mais eficiente. A partir dos procedimentos utilizados, pode-se, portanto, identificar e classificar os diferentes tipos de dunas presentes no campo de dunas em estudo. A sequência da pesquisa indicará o contexto evolutivogeomorfológico da área, visando assim determinar a provável gênese desses principais tipos de dunas do setor estudado. AO164 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Costeira e Marinha [1535] BALAN ÇO H Í D RI CO: UM PARÂM ETRO CLI M ÁTI CO PARA O ESTUD O D A M OBI LI D AD E D E DUNAS COSTEIRAS NO CEARÁ. MÔNICA VIRNA DE AGUIAR PINHEIRO; MARTA CELINA LINHARES SALES. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: As dunas, como elemento geomorfológico de intensa dinâmica na zona costeira e litorânea do Estado do Ceará, apresentam uma relação estreita com as condições climatológicas presentes. O objetivo desse trabalho é através da determinação do balanço hídrico subsidiar o estudo da dinâmica costeira associado ao calculo do Índice de Aridez (IA) e relacioná-lo à mobilidade dos campos de dunas do Ceará. Para o desenvolvimento da pesquisa, foram utilizadas técnicas básicas, que possibilitaram a compreensão do balanço hídrico associado à dinâmica costeira na área de estudos. Foi realizada uma ampla revisão bibliográfica visando agregar os dados produzidos sobre a dinâmica litorânea e costeira do setor de estudos, além de análises de imagens de satélite, catalogação, análise e homogeneização dos dados meteorológicos adquiridos. O preenchimento de falhas dos dados de precipitação fornecidos pela Sudene (1990), foi efetuado através do método elaborado por Tucci (1993). O balanço hídrico e a evapotranspiração potencial e real foram calculados de acordo com o método de Thornthwaite e Mather (1955), através do software livre VAREJÃO (1990). As temperaturas médias mensais para os 24 postos localizados ao longo da costa cearense foram estimadas com base em equações de regressões múltiplas, nas quais são consideradas as latitudes, altitudes e distância para o mar. A partir desse método do balanço hídrico foi elaborado um perfil climatológico do litoral cearense, levando em consideração principalmente a precipitação, temperatura, evapotranspiração real e potencial. E conjuntamente, a partir desses dados inferimos e analisamos o índice de aridez (IA) para o litoral do Ceará. Durante o ano, a precipitação mantém um comportamento padrão que se inicia timidamente no mês de dezembro, chovendo pouco mais de 50 mm. Essa chuva aumenta gradativamente até o efetivo inicio da quadra chuvosa, mais precisamente em fevereiro e se estendendo até abril, onde pudemos perceber uma visível queda dos níveis de precipitação. A partir desse período, no mês de junho começa o período de estiagem tendo como características os baixos índices pluviométricos e um déficit hídrico considerável, observado através da expressiva diferença entre a evapotranspiração potencial (EP) e a evapotranspiração real (ER). O déficit hídrico pode estar relacionado à mobilidade das dunas e sua escassa colonização pela vegetação, pois o período com baixas precipitações se estende por vários meses, mais precisamente cerca de 6 meses, e as altas temperaturas também vão influenciar essa baixa umidade na área, colaborando assim, para a permanência de areias mais secas durante parte do ano nos campos de dunas. O Índice de Aridez para o litoral cearense nos apresentou características de climas úmidos, pois esse índice, calculado através de P/PET (quociente da média anual de precipitação (P) sobre o potencial anual de evapotranspiração - PET), que representa o fator de umidade do solo disponível para a vegetação, < 0.65 define terras secas, definido pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP) (Tsoar, 2003). O Índice de Aridez para o litoral cearense indicou características de climas úmidos, ou seja, > 0.65. Somente 9 (nove) dos 24 postos apresentaram índice inferior a 0.65, dos quais somente 2 (dois) se encontram efetivamente na zona litorânea. São eles os municípios de Guriú, localizado no extremo oeste do litoral cearense, e Aracati mais a leste. Esses dados mostram que a umidade presente no litoral cearense, comprovada através desse índice, não irá influenciar na composição da dinâmica sedimentar da área, pois mesmo com uma alta taxa de umidade, ao nosso ver uma das principais causas dessa expressiva mobilização atual de dunas, está relacionada ao curto período de chuvas e a um longo período de estiagem, associado à atuação dos ventos alísios de SE mais intensos e efetivos durante todo o período mais seco do ano. Podemos concluir então que, de acordo com o Balanço Hídrico e o Índice de Aridez inferidos para o litoral do Ceará, é possível observar em primeiro lugar que, com o balanço hídrico pode-se analisar a relação entre a precipitação e a evapotranspiração e assim identificar um expressivo déficit hídrico durante o período de estiagem colaborando desta forma com a mobilidade de dunas durante esse período. Em segundo lugar, a partir do Índice de Aridez obter informações a respeito da umidade do litoral cearense associando a mobilidade de dunas, ou seja, esse parâmetro por si só, não é suficiente pra compreensão da dinâmica costeira, devendo ser portanto, associado à distribuição sazonal das precipitações. AO165 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Costeira e Marinha [1640] CARACTERIZAÇÃO D OS ASPECTOS FÍ SI COS E D A D I N ÂM I CA COSTEI RA D O TRECH O PRAI AL ENTRE AS PRAIAS DO SEIXAS E CABO BRANCO, JOÃO PESSOA/PB. SEVERINO DOS RAMOS ALVES DA SILVA; MARCELO DOS SANTOS CHAVES. UFPB, JOÃO PESSOA, PB, BRASIL. Resumo: A zona costeira brasileira tem como aspectos distintivos a sua extensão, com mais de 7400 km, não observando as enseadas, baías, cabos, ilhas ou outras formações praiais, mais a sua grande variedade de espécies e de ecossistemas, que podem ser encontrados ao longo de sua costa. Neste contexto a linha de costa é uma das feições mais dinâmicas do planeta, podendo variar a sua forma de acordo com a interferência humana e também sua própria dinâmica natural extremamente ativa, a sua geologia mais a variação do nível relativo do mar que determinam o desenho da linha de costa dependendo ainda, da disponibilidade local do material sedimentar do ambiente praial. O Estado da Paraíba localizado na região Nordeste do Brasil possui um litoral com aproximadamente 150 km de extensão. João Pessoa, sua capital, ocupa a parte centro-sul deste litoral, com uma extensão que se aproxima de 25 km, com a divisa do seu litoral, norte e sul, entre as praias de Bessa (norte) e Barra de Gramame (sul). Nestes litorais são perceptíveis as diferenças físicas, sendo o norte uma extensa faixa de planície litorânea holocênica entre o rio Paraíba e o oceano Atlântico, e o sul com extensas áreas de falésias vivas e mortas, com diferenças na morfologia, ora apresentando áreas de deposição, ora apresentando áreas de erosão na linha de costa em ambos os sentidos geográficos. Assim, este trabalho é o resultado de uma análise inicial, cujo interesse partiu da necessidade de estudar um ambiente praial, para contemplar uma área onde foi desenvolvido um projeto de pesquisa que foi apresentado, à Comissão Julgadora da Coordenação do Mestrado em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, e aprovado. Teve como objetivo, verificar no litoral do município de João Pessoa – PB, a dinâmica costeira, enfocando o uso e ocupação do ambiente praial, no trecho compreendido entre a praias do Seixas, na latitude 07° 09’ 19’’S e longitude 34° 47’ 35’’W, e a praia de Cabo Branco, latitude 07° 08’ 696’’S e longitude 34° 48’ 742’’W, perfazendo aproximadamente 2,0 km, analisando os aspectos físicos, os processos de uso e ocupação e as relações sócio-culturais e sócio-econômicas nela desenvolvidas, conferindo a vulnerabilidade e degradação já existentes, uma vez que é sabido que João Pessoa teve uma dinâmica de ocupação que a difere das demais capitais litorâneas do Nordeste, pois a mesma foi fundada no interior, as margens do rio Sanhauá, em 1585, e cresceu lentamente para o litoral, e a partir da segunda metade do século XX teve o processo de ocupação em seu litoral intensificado. Para tanto foi verificado nas praias do Seixas e Cabo Branco a relação homem-ambiente e a interação com a Geomorfologia, utilizando autores da Geografia e de áreas afins. Nesta perspectiva, utilizamos (ALMEIDA, 1989); (CHAVES, 2005); (MABESOONE & CASTRO, 1975); (MABESSONE & SILVA, 1991); (MENESES et al; 2006); (MUEHER in CUNHA & GUERRA, 2002; GUERRA & CUNHA, 2003; CUNHA & GUERRA, 2003); (PALMIERE & LARACH in GUERRA & CUNHA, 2004); (TRAVASSOS, 1980). A metodologia utilizada consistiu além de um levantamento bibliográfico, cartográfico e documental, utilizando autores da Geografia e de áreas afins, consultas a sítios oficiais na internete, na busca de interpretar as informações que foram obtidas com as coletas de dados básicos nos trabalhos de campo, como também procedimentos para a determinação de parâmetros de ondas (monitoramento hidrodinâmico), criados por Muehe in Cunha & Guerra (2003). A área escolhida tem como principal característica a forte presença humana ocupando a linha de costa, sendo que ao norte da falésia onde o processo de ocupação é mais antigo, possui construções de alvenaria e menos terrenos desocupados, e ao sul há uma forte presença de pequenos comerciantes (barraqueiros) que se encontram em dificuldades com a progressiva erosão da linha de costa, onde é sentida a força das ondas nas marés altas, quando estas atingem os barracos que servem, além de ponto comercial, moradia para alguns comerciantes. A hidrologia é marcada por uma forte presença de pequenas bacias, fazendo com que o tabuleiro da ponta do Cabo Branco funcione como interflúvio, e tendo as suas vertentes a oeste uma suavemente inclinação, sendo assim, o percurso natural das águas fluviais que abastecem esses rios. O clima que predomina na área como em todo o litoral da Paraíba é o tropical úmido. A geologia é caracterizada como bacia sedimentar marginal, e apresenta depósitos sedimentares das formações: Beberibe (sobre o embasamento cristalino), Gramame e Maria Farinha (calcário), e se sobrepondo a estas, encontramos a formação Barreiras. As feições geomorfológicas encontradas são modeladas nas rochas sedimentares da Formação Barreiras e são: as falésias vivas e mortas, uma estreita planície costeira predominantemente quartzosa, e um largo terraço de abrasão, mais beach rocks que aparecem nas marés baixas, como formas visíveis predominantes. Com base no cruzamento das informações, pôde-se constatar no decorrer deste estudo que: a área estudada passa por um processo de reajuste morfológico, onde aparentemente o mar está buscando de maneira progressiva, construir um novo perfil, redesenhando a linha de costa, que sem a intervenção antrópica, retroagirá em relação ao nível de base. A situação atual dos moradores das construções regulares sobre a pós-praia é de tentativa de contenção do “avanço do mar” e os barraqueiros na maioria vindos do interior não possuem outro local para fixação, caso o poder público não se manifeste no sentido de buscar uma ré-colocação. Assim, o resultado significativo que podemos apresentar com este trabalho, é o de contribuir com informações a partir desta análise inicial dos processos naturais, que atuam neste ambiente praial onde está inserida a falésia da Ponta do Cabo Branco, e através do monitoramento sistemático que será realizado, dando seguimento a esta pesquisa. AO166 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Costeira e Marinha [2004] AN ÁLI SE D AS I N FLUÊN CI AS AN TRÓPI CAS E N ATURAI S N A QUALI D AD E AM BI EN TAL D O ESTUÁRIO DO RIO PIRAGI- CE, BRASIL. DAVIS PEREIRA DE PAULA; LIDRIANA SOUZA PINHEIRO. UECE, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: As zonas litorâneas com presença de estuários são ambientes nos quais os impactos antrópicos tem causado uma grande multiplicidade de alterações. Eles são considerados como locais ideais para o desenvolvimento industrial, portuário e agrário devido à quantidade abundante de água que dispõem por serem regiões que sofrem influências marinhas e fluviais. O estuário do Rio Pirangi, área em apreço nesse estudo, localiza-se na Região Nordeste do Brasil, vem nos últimos anos, sendo bastante procurado para implantação de empreendimentos de carcinicultura e barramentos ao longo do canal estuarino. O objetivo precípuo deste trabalho foi avaliar a qualidade ambiental e uso potencial do estuário através da integração de dados obtidos in situ de hidrodinâmica, morfodinâmica, sedimentológia, uso e ocupação e parâmetros físicos do estuário, constribuindo com o desenvolvimento de uma metodologia de gerenciamento e manejo sustentável aplicado ao desenvolvimentode regiões estuarinas. Estuários são corpos de água costeira, semifechados e que apresentam uma conexão livre com o oceano e no qual a água do mar ou a salinidade é diluída pela água doce oriunda da drenagem do continental (PRITCHARD, 1955, CAMERON & PRITCHARD, 1963 apud MIRANDA et. al., 2002). Neste caso, o balanço de água é resultante da soma das cargas que chegam ao estuário através das precipitações (P) e descargas fluviais (Qf) e subtraídas do volume de água que é transferido para atmosfera por evaporação (E). Estuários são ambientes costeiros de vida efêmera no tempo geológico, presentes durante épocas de elevação relativa do nível do mar, quando atuam como depósitos efetivos dos sedimentos fluviais, não permitindo que estes sedimentos cheguem à região da plataforma continental (MILLIMAN E EMERY, 1958). Portanto, os estuários atuam como verdadeiros filtros retendo os sedimentos em sua área de deposição. Além dos sedimentos continentais trazidos pelos rios, estuários também recebem sedimentos da região da plataforma interna e de áreas costeiras adjacentes, trazidos pela deriva litorânea e caracterizam-se por apresentarem no interior dos sistemas zonas de mistura (PATCHINEELAM, 2000). Os estuários podem ser classificados em quatro grupos principais de acordo com sua geomorfologia: estuários de planícies costeiras, estuários constituídos por barra, Fiordes e estuários causados tectonicamente (PRITCHARD 1925b; DYER 1973). Considerando que o comportamento climático é praticamente homogêneo e com variação temporal bem marcada no Estado do Ceará, optou-se por trabalhar com as condições extremas do ponto de vista da hidrodinâmica, salinidade, amplitude de marés, ondas, temperatura, ventos e contribuição fluvial permitindo avaliar com mais precisão o grau de permanência sazonal do sistema estuarino. As medições foram efetuadas em 6 estações de monitoramento de modo a torná-las representativas. Essas estações foram definidas de acordo com os padrões de circulação estuarina, o uso e ocupação e a geometria do estuário. Nas medições de velocidade e direção das correntes utilizou-se um correntômetro MOD.SD-30 Sensor Data. Para caracterizar as marés foi instalado um marégrafo mecânico no interior do estuário. Os dados referentes à salinidade, temperatura, condutividade e oxigênio dissolvido foram obtidos por um perfilador CTD (Sensor Data). As coletas foram realizadas desde a superfície até o fundo com intervalo de 5 cm de profundidade. Os estuários localizados no Estado do Ceará apresentam como grande peculiaridade a presença de barramentos ao longo dos canais fluviais e estuarinos que controlam o desperdício de água doce para o interior do sistema, porém as construções dessas barragens sem a devida consonância com o grau de suporte destes ambientes provocam uma série de alterações físicas, químicas e biológicas que resultam em inúmeros impactos a jusante dessas construções. Outra questão crucial que atinge os estuários cearense é o desenvolvimento da carciniculta de forma não sustentável que ocasiona diversos impactos, tais como: desmatamento do manguezal, da mata ciliar e do carnaubal, extinção dos trechos de apicum, soterramento de gamboas e canais de maré, e contaminação da água por efluentes dos viveiros. A morfologia do sistema estuarino do Rio Pirangi é bastante complexa, principalmente na região da desembocadura, onde existem extensos bancos de sedimentação e canais de navegação com baixas profundidades. Na região da foz o canal estuarino apresentou uma largura média de 219,6 m e profundidade média de -1,6 m. O Estuário do Rio Pirangi apresenta as características sedimentológicas clássicas de um sistema estuarino tropical. No período chuvoso observou-se que a foz estuarina encontrava-se recoberta por sedimentos arenosos, ocupando uma faixa que se estendia, a partir do mar, por cerca de 5,0 km de extensão. A estrutura halina do estuário do Rio Pirangi obedece à sazonalidade climática inerente a região, onde no período no período de estiagem a salinidade média no estuário foi de 21,3 e no período de chuva 6,4 ocorrendo uma redução na intrusão salina de 69,9%. Essa redução é conseqüência do maior aporte de água doce circulando no interior do sistema e promovendo a diluição da maré salina pela drenagem continental. A partir dos dados descritos acima foi constatado que durante o período de estiagem o estuário do Rio Pirangi foi classificado como verticalmente bem misturado ou homogêneo. Outra característica peculiar e relevante deste estuário é sua morfologia formada por canais estreitos e uma descarga fluvial pequena. A partir das geoinformações discorridas podemos afirma que as barragens presentes no estuário do Rio Pirangi estão afetando diretamente os padrões de circulação e sedimentação ao longo do canal estuarino. Além dessas, as formas de uso e ocupação como a carcinicultura presentes ao longo das margens vêm contribuindo significativamente para diminuição do grau de suporte a erosão. AO167 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Costeira e Marinha [2103] ASPECTOS TERMOPLUVIOMÉTRICOS DO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ. FELIPE VANHONI JORGE. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: O estudo do tempo atmosférico e do clima é há muitos anos objeto de curiosidade e de pesquisas em diferentes regiões do planeta, pois exercem grande influência nas atividades humanas, desde o modo de vida até o ar que respiramos. O Brasil devido a sua grande extensão territorial possui diferentes regimes climáticos e apresenta condições bastante diversificadas e influenciadas pela sua configuração geográfica, sua significativa extensão costeira, seu relevo e pela dinâmica das massas de ar que atuam sobre seu território. A área costeira brasileira compreende uma faixa de cerca de 8,5 mil km de extensão e largura variável. O Litoral do Estado do Paraná está localizado na Região Sul do Brasil entre as latitudes 24º30`S e 26º00`S e longitudes 48º00`W e 49º00`W, correspondendo a Planície litorânea e parte da Serra do Mar. O clima da planície litorânea paranaense, segundo a classificação de Koeppen, é do tipo Cfa, subtropical úmido mesotérmico com verão quente. O mesmo tipo climático ocorre na Serra do Mar até 700 m de altitude, a partir da qual passa para tipo Cfb, subtropical úmido mesotérmico com verão fresco. Este trabalho tem como objetivos analisar as características climáticas do Litoral levando em consideração a influência dos fatores estáticos e dinâmicos a partir das seguintes etapas. A primeira caracterizou-se pela fundamentação teórica do objeto do estudo. A segunda etapa caracterizou-se pela coleta dos dados, sendo que as variáveis utilizadas foram a temperatura do ar (mínima, média e máxima) e pluviosidade. Os dados foram tratados estatisticamente e depois organizados em um banco de dados, sendo que os mesmos correspondem em sua maioria a um período de 30 (trinta anos) numa escala temporal estabelecida entre 1975-2004. Foram coletados dados mensais e diários de temperatura e pluviosidade junto ao INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) e IAPAR (Instituto Agronômico do Paraná), e dados mensais e diários de pluviosidade junto à SUDERHSA (Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental), totalizando 21 (vinte e uma estações). Do total das estações, 04 (quatro) apresentam dados de temperatura e todas as 21 (vinte e um) apresentam dados pluviométricos. A espacialização dos dados representou a terceira etapa da pesquisa. A última baseou-se na análise dos resultados chegando a partir dos objetivos na caracterização climática do Litoral do Paraná. Em relação aos resultados pode-se considerar que as médias da temperatura média anual ficam entre 19º e 21ºC na planície litorânea diminuindo nas regiões mais altas. Nas Serras e Morros, a média anual fica entre 15º e 17ºC, chegando a menos nas altitudes elevadas. O período mais quente é representado pelos meses de dezembro, janeiro e fevereiro sendo que este último se destaca como o mais quente entre os três. O período de menores temperaturas é representado pelos meses de junho, julho e agosto sendo que o mês de julho é o que apresenta a menor média de temperatura. No inverno é que se identificam as menores médias, devido aos fatores climáticos dinâmicos que afetam a região neste período como a Frente Polar Atlântica (FPa). Nota-se a grande influência do relevo na determinação das médias (anual e sazonal) das temperaturas para o litoral, além de outros fatores como a diferença de pressão e a maritimidade. A média pluviométrica anual no litoral do Paraná é de 2435,8mm, sendo que o máximo é registrado na estação Véu de Noiva (2548002) na Serra do mar com média de 3465,4mm, e o menor valor é registrado na estação de Morretes (2548038) com média de 1958,7mm. Os dados excepcionalmente altos do Véu de Noiva, situada a 680 m de altitude, são explicados pela sua localização num vale profundo, com orientação favorável para a penetração das massas de ar provenientes do oceano. Na faixa litorânea se verifica um máximo acentuado de pluviosidade no verão, recebendo nesta época do ano a atuação predominante da Massa Tropical Atlântica, o aquecimento basal e acentuação de instabilidade da massa de ar fomentada pelo efeito orográfico do sistema atlântico. Em relação às médias pluviométricas sazonalmente estabelecidas, nota-se que a maior média concentra-se no verão, sendo que a média no litoral fica em torno de 1000 mm nas áreas mais altas e parte da Planície de Guaraqueçaba, e cerca de 800 mm nas demais áreas. No outono a média varia entre 500 e 800 mm/ano, sendo que na Serra do Mar é que se nota uma média maior entre 700 e 800 mm. O inverno representa o período das menores médias para a região, sendo que varia de 300 a 400 mm/ano. Na primavera a chuva se distribui com maior homogeneidade sendo que a média fica entre 500 e 600 mm, variando nas áreas mais altas chegando a 1031,5 na estação Véu de Noiva. O período com maior intensidade pluviométrica está compreendido nos meses de verão principalmente nos meses de janeiro e fevereiro, tendo como média aproximadamente 350mm/ano somente no mês de janeiro. O período com menor média pluviométrica é o inverno, principalmente no mês de agosto onde a média fica em torno de 80 a 150 mm. O mês com maior número médio de dias com chuva no mês é janeiro com uma média de 20 (vinte) dias com chuva, sendo este mês também o mais chuvoso. Além de janeiro, os meses de dezembro, fevereiro e março também apresentam médias superiores a 18 (dezoito) dias com chuva. O mês com menor número de dias de chuva é o de Junho com média de 11 (onze) dias de chuva. Outros meses como julho e agosto também apresentam baixos índices de dias com chuva. A maior quantidade de chuvas no trimestre mais quente (dezembro, janeiro e fevereiro), é atribuída à conjugação de dois fatores dinâmicos: maior freqüência de frente polar motivada pela maior freqüência de semiestacionamentos sobre o Paraná, nesta época, e pelas ocorrências de chuvas de convergência trazidas pelas correntes perturbadas de oeste. O litoral não apresenta um período seco e em relação às variáveis que possam de um modo geral interferir no comportamento pluviométrico, reconhece-se que estas são o resultado da circulação atmosférica, em conjunto com outros elementos dinâmicos e estáticos, como a influência do oceano e da Serra do Mar. Com referencia às relações causais dos atributos climáticos, observou-se a estreita e importante relação entre: a altitude e a temperatura, a influência oceânica no controle climático imprimindo na região uma pequena amplitude térmica, a influência dos fluxos e das frentes polares na ocorrência de chuvas. . Pode-se dizer que o principal elemento regionalizador do clima do litoral e da Serra do Mar no Paraná é a temperatura. Palavras-chave: clima, litoral, dinâmica AO099 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Espaço e Movimentos Sociais [1628] RED ES REGI ON AI S D E I N TERVEN ÇÃO SOCI OAM BI EN TAL N O BRASI L: ARTI CULAÇÕES TRANSTERRITORIAIS. SONIA AGUIAR LOPES1; CIDOVAL MORAIS DE SOUSA2. 1.UFF, NITERÓI, RJ, BRASIL; 2.UEPB, CAMPINA GRANDE, PB, BRASIL. Resumo: 1. Objetivo Discutir uma proposta de agenda de pesquisa interdisciplinar e interinstitucional para um campo empírico ainda pouco investigado pelas ciências humanas e sociais no Brasil: as redes sociais de ONGs e movimentos sociais que promovem intervenção socioambiental em âmbito regional, indicando os aspectos em comum que possam nortear os estudos a serem desenvolvidos. 2. Referencial teórico e conceitual A proposta parte da análise de recentes revisões de literatura sobre “a questão regional” e de abordagens sobre as noções de “territorialidade”, “supraterritorialidade” e “transterritorialidade” para discutir a atuação de redes sociais brasileiras com foco socioambiental em espaços geográficos e/ou geopolíticos estrategicamente delimitados. A atuação dessas redes é observada como experiências de “reapropriação social da natureza” (Leff) e de intervenção socioambiental, que pressupõem um padrão específico de produção compartilhada de conhecimento e saberes, e de ação comunicativa (Habermas). Levam-se em conta, também, atributos de interação e de construção de vínculos da análise de redes sociais. Pelo seu escopo, uma agenda de pesquisa nesse campo passa, necessariamente, pela articulação de conceitos e teorias que vêm sendo produzidos no âmbito de diferentes disciplinas (Geografia, Economia, Ciência Política, Sociologia do Conhecimento, Ciência da Informação, Comunicação) e por debates científicos transdisciplinares, como os da “epistemologia ambiental” e da “racionalidade ambiental” propostos por Enrique Leff, e o da complexidade, nas concepções de Edgar Morin, Alberto Melucci e Tomas Villasante. 3. Metodologia utilizada Além da análise teórico-conceitual, o trabalho utiliza documentos institucionais para fazer uma abordagem exploratória de quatro redes sociais brasileiras, selecionadas a partir dos seguintes critérios: a) serem articuladas e “operadas” pela participação colaborativa entre organizações sem fins lucrativos e movimentos sociais com inserção local e/ou regional; b) delimitarem a sua atuação em territórios claramente explicitados; c) terem propósito de intervir nas condições socioambientais dos territórios em que atuam; d) apoiarem suas ações em conhecimento gerado por seus participantes e/ou colaboradores; e) utilizarem meios de comunicação próprios e/ou de parceiros para divulgar suas ações e intervir no discurso público sobre temas socioambientais pertinentes à sua territorialidade. GTA – Grupo de Trabalho Amazônico: articulação iniciada em 1992 e atualmente organizada em 18 coletivos regionais distribuídos pelos nove estados da Amazônia Legal. Reúne cerca de 600 ONGs e movimentos sociais de agricultores, seringueiros, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores, ribeirinhos, além de entidades ambientalistas, de assessoria técnica, de comunicação comunitária e de direitos humanos. A localização dos coletivos não obedece a um critério territorial homogêneo mas a “percepções” socioespaciais estratégicas para a rede. Rede Pantanal de Ongs e Movimentos Sociais: nasceu em 1994, a partir da mobilização de cerca de 100 entidades contra o mega projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai (cancelado em 1998), que colocaria em risco várias áreas úmidas, inclusive o Pantanal. Hoje se apresenta como uma coalizão de mais de 300 organizações, entre comunidades indígenas, populações tradicionais, ONGs, sindicatos e pesquisadores. Sua coordenação geral é formada por 13 entidades da Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Holanda e Estados Unidos, que identificam prioridades, definem atividades, negociam estratégias comuns e compartilham informações. ASA – Articulação no Semi-Árido Brasileiro: atua desde 1999 na região que se estende dos estados do Nordeste ao norte de Minas Gerais e do Espírito Santo, e congrega cerca de 750 entidades, entre ONGs de desenvolvimento e ambientalistas, associações de trabalhadores rurais e urbanos, associações comunitárias, sindicatos e federações de trabalhadores rurais, movimentos sociais e organismos de cooperação internacional. Sua meta de construir um milhão de cisternas na região funciona como um “mote” para o debate e busca de alternativas sobre recursos hídricos, desertificação e produção do biodiesel através do cultivo de oleaginosas. Fórum Permanente de Defesa do Rio São Francisco: criado em 2000, como parte do processo de mobilização para implantação do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, congrega cerca de 60 entidades. O Fórum constrói propostas coletivas para revitalização e preservação das condições socioambientais da Bacia (que corta Bahia, Minas Gerais, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Goiás). Para isso conta com a assessoria de engenheiros e advogados de instituições públicas, que analisam os aspectos técnicos e jurídicos dos projetos governamentais relacionados à revitalização e transposição da Bacia. 5. Principais questões / pontos desenvolvidos O trabalho identifica os aspectos em comum dessas redes, em termos das relações socioespaciais construídas, dos atores e disputas envolvidos, e dos saberes socioambientais que orientam e dão suporte às suas ações. Procura problematizar, ainda, as relações com o poder público nos processos de monitoramento dos conflitos ambientais, e de participação e/ou intervenção nas instâncias decisórias sobre meio ambiente. 6. Resultados alcançados e conclusões O trabalho constata uma lacuna de investigação científica no Brasil que articule conceitos e noções importantes da Geografia (como região, regional, território e socioespacialidade) com uma visão crítica da Sociologia do Conhecimento sobre a produção de saberes e sua aplicação nas práticas de ação coletiva de redes de ONGs e movimentos sociais. Em função disso, procura evidenciar o potencial de estudos interdisciplinares que envolvam pesquisadores e estudantes de instituições acadêmicas inseridas na mesma territorialidade dessas redes. AO100 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Espaço e Movimentos Sociais [1726] REFLEXÕES SOBRE OS CON FLI TOS TERRI TORI AI S N A SOBREPOSI ÇÃO D E UN I D AD ES D E CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS. LELIO POLESSA MAÇAIRA; LUIZ JARDIM WANDERLEY. UFRJ, RIODE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: De acordo com a legislação brasileira, o Estado tem o dever de desapropriar os moradores existentes nas Unidades de Conservação de Proteção Integral (UPI), como os Parques Nacionais e Reservas Biológicas, procurando recriar nestes espaços uma primeira natureza, a natureza intocada (DIEGUES, 2000). A primeira natureza não está presente em parte alguma da superfície terrestre, o que existe atualmente é uma segunda natureza, resultado das ações humanas no espaço geográfico (SANTOS, 1996). As áreas naturais protegidas de uso restrito refletem uma forma emblemática de relação entre seres humanos e a natureza, na qual o Estado impõe sobre o território das populações tradicionais, outra lógica espacial tida como sustentável, moderna e pública. A institucionalização de UPIs envolve uma série de conflitos de interesses entorno dos direitos das populações tradicionais, ao conceber uma natureza separada da sociedade, ou seja, a ação humana é entendida como algo negativo ao ecossistema a ser preservado. Sendo assim, torna se de fundamental importância discutir os conflitos provocados pela sobreposição entre Unidades de Proteção Integral e territórios de populações tradicionais e o conseqüente rompimento da interação destes grupos com a natureza. Devido à enorme gama de populações tradicionais e seus direitos reconhecidos, nos ateremos à problematica específica das populações remanescente de quilombos em UPIs. As populações tradicionais, em geral, utilizam a terra e os recursos naturais coletivamente por gerações, com técnica de baixa agressão ao ambiente e voltada para subsistência. No entanto, com a sobreposição de UPIs a territórios tradicionais, as populações que permanecem em suas terras acabam criminalizadas ao explorar os recursos naturais dos quais dependem para promoveram seu “modo de vida”. Assim, os territórios sobre os quais detinham domínio passam a ser geridos e controlados por outros atores, representados pelos órgãos estatais ambientais, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Este processo nos permite promover um paralelo com o cercamento dos campos na Europa entre os séculos XVI e XIX, os chamados enclosures, quando por meio da apropriação privada dos feudos e das terras comuns o capitalismo se originou, proletarizando o camponês, privando-os de produzirem seu próprio meio de subsistência e destruindo sua economia natural (SILVA, 1996). Do mesmo modo, a sobreposição entre Unidades de Conservação e territórios quilombolas, quebra os laços construídos nesta economia natural, alterando drásticamente a relação entre as comunidades negras e o uso comum da terra. Para discutirmos esta sobreposição propusemos resgatar o artigo de Marx (1842) sobre a Lei do Roubo de Madeira na Prússia, que provocou a criminalização dos camponeses que dependiam da coleta da madeira caída no chão para sua sobrevivência. Segundo Foster (2005) - sociólogo que discutiu a existência de uma raiz ecológica na concepção marxiana - Marx foi buscar munição para tratar a questão da criminalização do roubo de madeira na economia política, que se apresenta como um referencial pertinente para abordamos também a sobreposição entre as UPIs e os territórios quilombolas. Na Europa, os camponeses tinham, tradicionalmente, o direito de recolher a madeira para uso cotidiano e foram impedidos em função da instituição do sistema de propriedade privada e o desenvolvimento do capitalismo. De forma semelhante, no Brasil a reprodução quilombola se vê impossibilitada na medida em que lhe são amputadas suas terras comuns. Este trabalho está organizado em três seções. Na primeira, desenvolvemos em termos conceituais e teóricos a problemática da sobreposição de UPIs a territórios tradicionais. Na segunda, aplicamos a abordagem proposta na análise da sobreposição das UPI aos territórios quilombolas, utilizando como fonte principal a pesquisa bibliográfica sobre o tema e a análise documental dos diferentes instrumentos políticos e legais instituídos no Brasil, tanto sobre legislação de áreas protegidas, quanto sobre direitos territoriais quilombolas. Finalmente, na terceira seção, à guisa de conclusão, apresentamos uma reflexão geral sobre as conseqüências dessa sobreposição na relação das populações quilombolas com a natureza. O impasse entre UPIs e territórios quilombolas não é só no uso, mas sobre o que se deve preservar: o patrimônio cultural e um pretenso patrimônio natural. Apontando para o fato de que ao mesmo tempo em que a legislação ambiental não permite a existência de nenhum tipo de ocupação no interior das UPIs, os quilombolas por lei detém o direito a permanência e titulação das áreas que ocupam. Esta é um peculiaridade da discussão entorno da sobreposição entre UPI e comunidades quilombolas. Os quilombolas são grupos que tem uma característica jurídica própria dentro da classificação populações tradicionais (SANTILLI, 2004). Desde a constituição brasileira de 1988, por meio do artigo 68, é reconhecido o direito de titulação aos remanescentes de comunidades de quilombos. Não é raro que as terras e até mesmo os quilombolas sejam vistos como remanescentes sócio-territoriais, que remetem ao passado do Brasil e de um grupo que fora oprimido e tivera uma organização social própria como resistência ao sistema colonial escravista. Por isso, com a lei que dá direito a terra aos quilombolas, esse grupo esteve vinculado a Instituição Palmares do Ministério da Cultura e não ao órgão regularizador fundiário. A conseqüência da sobreposição é a criminalização do uso do território e a exclusão social pela ausência de políticas públicas, de direitos e necessidades básicas, que finalmente leva ao abandono do seu espaço vivido, deste modo, tem-se como resultado sua inexorável desterritorialização. Os negros não perdem somente seus territórios vitais, no melhor sentindo ratzeriano (que lhe permite a sobrevivência), mas perdem também seus espaços de significado, de história e de identidade. AO101 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Movimentos Sociais [1862] CURSI N H OS ALTERN ATI VOS E POPULARES: M OVI M EN TOS TERRI TORI AI S D E LUTA PELO ACESSO AO ENSINO PÚBLICO SUPERIOR NO BRASIL. CLOVES ALEXANDRE CASTRO. UNICAMP, CAMPINAS, SP, BRASIL. Resumo: Os Cursinhos alternativos e populares por meio dos processos que os constituíram, contados por seus atores é o enfoque desse trabalho. Educadores populares, estudantes, agentes de pastorais, movimento negro e um terreno bastante fértil oriundo dos movimentos populares das décadas passadas contribuíram para dar expressão aos Cursinhos pré-vestibulares alternativos e populares disseminados, hoje, em todo país. Apresentam-se assim como alternativa econômica aos “fast food” da educação e como alternativa política a projetos educacionais que têm como centralidade a reprodução de valores da sociedade competitiva do capital e suas avaliações pautadas em análises “meritocráticas”, as quais não revelam com fidelidade as potencialidades dos candidatos em quaisquer exames de concursos. As duas frentes nas qual nosso objeto se projeta como alternativa, têm suas raízes na forma que tem assumido o aparelho de Estado na sociedade brasileira. Desde os seus primórdios, a sociedade brasileira se organizou, com relação as suas instituições, a exemplo dos colonizadores portugueses, de uma forma confusa envolvendo a coisa pública e privada e seus respectivos interesses. Ao fazermos o resgate do processo de constituição do aparelho de Estado português, expressão daquela sociedade nos tempos em que foi analisado, foi possível compreender a sociedade brasileira e o aparelho de Estado que ela gerou, pois o Estado é a expressão da hegemonia política e cultural da sociedade em uma determinada época. No Brasil, essa hegemonia transformou, por meio do comando da máquina pública, uma rede de serviços essenciais em grandes negócios particulares com investimentos públicos. Esse quadro traçado anteriormente, explica a hegemonia dos agentes do ensino pago na disputa com os movimentos sociais por uma outra agenda para a educação, e é nesse cenário que nós construímos uma compreensão de escala geográfica ligada às acumulações de poderes que podem projetar atores locais para espaços de decisões e disputas globais. Os milhares de Cursinhos pré-vestibulares alternativos e populares territorializados no Brasil, caracterizam-se, para nós, como movimentos territoriais, por conta de suas lutas pelo acesso dos mais pauperizados ao ensino público superior. Tais lutas se realizam por meio de ações políticas, que contribuem para a ultrapassagem da “cerca” do exame vestibular, e de ações políticas por meio de protestos e conseqüentes projeção de seus atores sociais no espaço de poder, ou seja, no território da disputa e decisão política: o aparelho de Estado. Assim, o trabalho de dissertação de mestrado ora apresentado significa um período na trajetória do autor. Este período tem seu início em datas que antecedem sua aprovação no vestibular para o curso de graduação em Geografia no ano de 1998. Remonta ao início dos anos de 1990, quando, militante no setor de juventude do Partido dos Trabalhadores, atuava no movimento secundarista na cidade de São Paulo e pôde participar de dezenas de eventos político-sociais, vivenciando diversas “lutas” da sociedade brasileira. Entre elas, inserem-se o “Fora Collor”, os “Anões do Orçamento”, o movimento contra as privatizações. Em junho de 1995, em meio às articulações para o Congresso da União Nacional dos Estudantes, durante uma reunião no Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UNICAMP, ocorreu o primeiro contato com um projeto de curso Pré-Vestibular não comercial, voltado a alunos oriundos das classes mais pauperizadas e vindos obrigatoriamente da escola pública. Tratava-se do Cursinho do DCE-UNICAMP fundado na gestão “IDENTIDADE” no ano de 1995. Após o Congresso da UNE, na capital federal, o grupo político que se organizou em torno da chapa “Ousar Lutar Ousar Vencer” partiu para reflexões que contribuíssem para repensar o papel da mais importante entidade de representação dos estudantes. Constituiu-se, então, um fórum de discussões que agrupou atores da Bahia, Distrito Federal, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Em meio a vários debates, concluiu-se que era preciso mudar a forma de atuação dos militantes do movimento estudantil e, ao mesmo tempo, levar um outro ator para universidade: aqueles que têm o acesso à universidade pública obstruído por suas condições sociais e formação precária. A inserção desses novos personagens permitiria não só modificar o perfil do movimento estudantil e do meio universitário como também disputar espaço nestes ambientes e na própria sociedade. Para isso era necessário o fortalecimento da prática de se criar PréVestibulares semelhantes ao do DCE-UNICAMP nos campi universitários espalhados pelo país. Em 1998, quando calouro do curso de Geografia, houve uma assembléia geral de estudantes, na qual o então vicediretor da unidade, professor Néri Alves, foi questionado sobre qual deveria ser o papel da única universidade pública do extremo oeste paulista frente à realidade da região divulgada pelo o IBGE naquela semana de agosto de 1998. Os indicadores divulgados por aquele órgão mostravam que, segundo dados colhidos no ano de 1997, a região de Presidente Prudente havia superado a do Vale do Ribeira no quesito pobreza. Depois de algumas discussões, foi proposta a criação de um Curso Pré-Vestibular voltado para estudantes de baixa renda, originários da escola pública, e foi constituído um grupo de trabalho para viabilizar a idéia. Esse grupo foi composto por três estudantes e o vice-diretor, que propôs transformar a idéia em um projeto de extensão universitária. No final do mesmo ano, foram selecionados alunos dos cursos de graduação da FCT-UNESP para ministrarem aulas no projeto social de extensão “Cursinho Ideal”. Aprovado para ministrar o curso de História do Brasil, foi possível aprender bastante sobre a realidade brasileira e suas causas, durante os quatro anos de prática pedagógica no cursinho. Por conta desse aprendizado, a experiência no Cursinho Ideal foi transformada num registro, materializado na Monografia de Bacharelado, sob orientação do professor Everaldo Melazzo, intitulada “Cursinho Ideal da Unesp: por uma política pública de combate à exclusão social”. Já era possível notar, porém, em práticas de cursinhos vistas em algumas unidades da federação ou no Encontro Nacional de Cursinhos Populares, ocorrido no ano de 2000, em Florianópolis, um perfil ou postura de movimento social popular. Esse incômodo levou ao desafio desta pesquisa de mestrado, que pretende apresentar um breve histórico dos Cursinhos Alternativos e Populares por meio do olhar de um geógrafo e analisar as origens do aparelho de Estado brasileiro e das suas políticas para a educação, as quais, certamente, influíram no surgimento do movimento social que é objeto deste trabalho. Por último, tentamos trazer para o campo da Geografia o debate sobre movimentos sociais, compartilhando com alguns geógrafos a necessidade de se criar categorias geográficas para a análise dos movimentos sociais, o que nos levou a fazer uma reflexão sobre o de conceito de movimentos territoriais. Palavras-chave: Cursinhos alternativos e populares; Estado; hegemonia; escala geográfica; movimento territorial. Referencias Bibliográficas BACCHETTO, João Galvão. Cursinhos pré-vestibulares alternativos no município de São Paulo (1991-2001): A luta pela igualdade no acesso ao ensino superior. 2003. 159f. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação da USP. CASTRO, Clóves Alexandre de. Cursinho Ideal da UNESP: por uma política pública de combate à exclusão social. 2002. 60f. Monografia de Bacharelado em Geografia Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Presidente Prudente. CASTRO, Iná GOMES. O problema da escala. In: Castro, Iná Gomes; Costa, Paulo Cesar da; CORRÊA, Roberto Lobato (orgs.) Geografia: Conceitos e temas. – 5º edição Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2001. CUSTÓDIO, Sérgio José. Cursinhos populares: Democratização do acesso à universidade e Inclusão Social. 123f. Monografia de Bacharelado em Economia. Universidade Estadual de Campinas. FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento social como categoria geográfica. In: Revista Terra Livre nº.15. São Paulo: Associação dos Geógrafos brasileiros, 2000, p. 59-69. MARTIN, Jean-Ives. A geograficidade dos movimentos socioespaciais. In: Caderno Prudentino de Geografia, nº. 19/20. Presidente Prudente: Associação dos Geógrafos Brasileiros/ seção-Presidente Prudente, 1997, p.26-40. ______.A Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexões a partir do caso do MST. In: Revista Terra Livre nº. 19, São Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros, 2002, p.11-35. SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80.- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. AO102 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Espaço e Movimentos Sociais [2035] MOVIMENTOS SOCIAIS: IDENTIDADE E TERRITÓRIO NA BOLÍVIA. MARCELO ARGENTA CÂMARA. UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL. Resumo: Este trabalho tem como objetivo central analisar a importância das identidades, e especificamente aquelas baseadas em aspectos relacionados ao território, enquanto bases para a formação, o discurso e a ação dos movimentos sociais na Bolívia. Partindo de uma abordagem multidisciplinar, que procura compreender os aspectos relacionados à formação de identidades e as teorias sobre os movimentos sociais, relacionamo-los tomando como fio de articulação o território e os aspectos a ele relacionados. Essa articulação mostra-se essencial para a compreensão do crescente protagonismo exercido pelos movimentos sociais bolivianos nos últimos anos. Estes movimentos, a partir de um discurso calcado naquilo que denominamos identidades sócio-territoriais, puderam romper com as estruturas excludentes herdadas de anos de exploração colonial, o que, até certo ponto, não havia sido possível até então, pese a importância de todas as formas anteriores de mobilização social havidas anteriormente no país. O trabalho perpassa a interpretação dos conceitos chave para a construção de nosso marco interpretativo, que são as Identidades Sócio-Territoriais. Para isso, percorremos uma trajetória que se inicia no resgate dos conceitos de território e territorialidade, onde se buscou uma compreensão do território em uma concepção ampla, que pudesse abranger suas dimensões material e simbólica. A aproximação aos aspectos simbólicos se fez a partir do conceito de territorialidade, buscando aí inserir a dimensão relacional como fundamental para a construção da relação de apropriação que é faz a “transformação” do espaço em território. E, dentro dessa interpretação que privilegia os aspectos relacionais, consideramos os caminhos pelos quais esta relação com o território se faz identidade e, assim, se faz discurso e ação. A metodologia utilizada buscou atuar em duas frentes: a pesquisa de campo e a pesquisa bibliográfica. A pesquisa de campo, baseada em abordagem qualitativa e entrevistas não-diretivas, buscou compreender as formas pelas quais o território é compreendido e vivido pelos membros dos movimentos sociais bolivianos. A partir de entrevistas realizadas num universo selecionado entre aqueles movimentos nos quais a dimensão étnico-cultural projeta-se como a mais proeminente, buscou-se uma aproximação ao universo vivido daqueles personagens. Houve aí uma intenção clara de resgate da dimensão humanista da Geografia, numa abordagem metodológica influenciada pelas perspectivas crítica e fenomenológica, que ressaltam a importância da vivência do cotidiano na construção das diferentes geografias. O segundo momento do trabalho consistiu na análise do discurso à luz das referências bibliográficas, buscando compreender a vinculação do contexto analisado às estruturas de seu contexto histórico-político. A questão que se destaca dentro do trabalho é a do conflito de territorialidades vivido em países como a Bolívia, herança nítida de seu passado colonial (ainda vigente nas estruturas estatais e da elite do país). As formas distintas com que setores da população boliviana vivem sua territorialidade, tanto no sentido material quanto na compreensão que fazem do território em si, é a base dos antagonismos que se explicitam na exclusão social. Assim, é exatamente por propor uma nova visão de organização sócio-territorial, uma outra visão e vivência do território, através de um discurso que se ancora em formas de vivência originárias das populações andinas, e que ainda são vigentes entre as populações excluídas, que se possibilita a construção de uma inédita coesão social entre setores dispersos, unidos na construção de uma identidade comum. A importância da introdução de um ferramental próprio da Geografia na análise das mobilizações sociais na América Latina do século XXI é importante por propor uma alternativa frente ao esgotamento de certas ferramentas de interpretação para a mobilização social no continente. As ferramentas de análise baseadas exclusivamente em conceitos economicistas se esgotam diante da complexidade dos contextos enfrentados no continente latino americano após a (des)estruturação do Estado baseada nos preceitos do Consenso de Washington. Neste trabalho vemos que movimentos que baseiam seus discursos em aspectos da identidade, da etnicidade, da multiculturalidade, são propositores de uma nova configuração social. O território e a territorialidade, vistos aqui como agentes formadores de identidades, podem ser chaves importantes não só para a compreensão da ação de movimentos sociais de comprovada força e êxito de ação, como os analisados neste trabalho, mas também para a possibilidade de construção de alternativas de contrahegemonia frente às estruturas de exclusão vividas nas diferentes sociedades. AO103 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Espaço e Movimentos Sociais [2101] A OCUPAÇÃO QUI LOM BO D AS GUERREI RAS: FORM AS E SEN TI D OS D A RESI STÊN CI A N A ÁREA CENTRAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. LEONARDO BRASIL BUENO. IPPUR, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: A formação da Ocupação Quilombo das Guerreiras, situada na área central da cidade do Rio de Janeiro, se insere nas últimas três décadas de crise urbana(sua versão periférica) e surgimento de novos atores e movimentos sociais nas metrópoles latino-americanas. Partindo das margens espaciais decorrentes da crise do modelo fordista de desenvolvimento e resistindo a lógica indiscriminada de disseminação das políticas neoliberais, esses novos atores e movimentos já produzem sentidos e formas de apropriação do espaço urbano que precisam ser entendidos nas suas particularidades e semelhanças(Ribeiro,2000; Gonçalves,2001; Zibechi,2003). Formado por cem famílias que anteriormente moravam em condições sub-humanas, em locais onde estavam na iminência do despejo ou em condições de morador de rua, o movimento que culminou na Ocupação Quilombo das Guerreiras apresenta uma forma de organização descentralizada, pautada por discussões e decisões coletivas, assim como acontece em muitos movimentos por moradia espalhados pelas periferias das grandes cidades da América Latina. Ainda que não tenha a amplitude e organização dos movimentos de bairro situados em Buenos Aires e Caracas, por exemplo, o movimento em questão também apresenta característica similar quando analisamos a sua territorialização, via recuperação de espaços físicos degradados e coletivização do trabalho. O objetivo deste trabalho reside na identificação e análise das formas e dos sentidos presentes nas ações coletivas de um movimento urbano situado na área central da cidade do Rio de Janeiro. Para tanto, achamos necessário uma análise que contextualize este movimento em um cenário de conflitos sociais e resistência protagonizado por movimentos sociais a partir de seus processos de territorialização , entendidos na luta pela apropriação e resignificação do tempo/espaço dominante. Aos processos globais e regionais de produção do espaço urbano cabe uma necessária diferenciação social das práticas estabelecidas no lugar, entendido como resistência. Advertimos, porém, que o uso do “lugar” como categoria não nos remeterá a uma dimensão fechada, como sinônimo de “comunidade”, nem estritamente a uma condição de simples confirmação de uma lógica externa mais ampla, como normalmente indica a noção de “local”.Partindo de reflexões formuladas por geógrafos formados na teoria crítica do espaço, entendemos que o lugar compreende, dialeticamente, o global e o local, contemplando a historicidade do processo. A trajetória do movimento estudado, marcada por tentativas de ocupação de prédios situados em diferentes locais da cidade, acaba desembocando em sua afirmação na área central da cidade. Mais precisamente em prédio localizado na Rua Francisco Bicalho, próximo a Rodoviária Novo Rio e a Zona Portuária da cidade. O prédio, abandonado há mais de 15 anos, pertence juridicamente a Companhia Docas do Rio de Janeiro que aceitou um acordo, mediado pelo ITERJ, de manutenção temporária dessas famílias, durante o período de 12 meses no prédio. A empresa, que optou por uma drástica redução de sua força de trabalho nos últimos anos e é possuidora de uma série de dívidas com a prefeitura, afirma que ao término do prazo pretenderá exigir, judicialmente, a ordem de despejo. A posição do movimento também é bastante clara e pautada da posição irredutível de permanência no prédio, pois entendem serem fundamentais os benefícios trazidos pela localização. Além da disputa judicial com a empresa Docas, também analisamos outras dimensões do conflito territorial, presentes na trajetória do movimento. Aqui, mostrou-se necessária para nossa pesquisa uma análise que enfocasse as relações sociais de poder inscritas no espaço da cidade do Rio de Janeiro. Durante a trajetória, identificamos no movimento uma posição consensual clara de distanciamento e reprovação às ações da polícia, do tráfico de drogas e das “milícias”. Entretanto, a identificação destes atores como inimigos políticos, reiterada em reuniões do movimento e entrevistas individuais, não impede que o movimento também visualize e combata (de maneira pacífica e é importante que ressaltemos) outras formas assumidas pelo poder, como órgãos de decisão jurídica, empresas e meios de comunicação. Estes últimos, responsáveis por uma representação ideológica e pejorativa em relação à Ocupação Quilombo das Guerreiras. Nossas análises nos permitiram interpretar que o movimento que culminou na Ocupação Quilombo das Guerreiras não deve ser entendido somente como uma luta por moradia, mas sim de um reivindicação pelo direito à cidade e à vida urbana, ao acesso e uso, material e simbólico, dos espaços centrais da cidade. Trata-se, desta maneira, de um movimento que reivindica seu direito à moradia, à proximidade aos locais de trabalho, mas também “aos locais de encontro, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momento e locais” (Lefebvre,2001, p. 143) Bibliografia - Gonçalves, Carlos Walter Porto(2001). Geo- Grafia. Movimientos sociales y nuevas territorialidades y sustentabilidad. México: Siglo XXI. - Lefebvre, Henri (20010. Direito à cidade. São Paulo, Centauro;2000. - Ribeiro, Ana Clara Torres(2000). Repensando a experiência urbana na América Latina: Questões , conceitos e valores. Buenos Aires , Clacso, 2000 . - Zibechi, Raúl(2003). Poder y Representación: ese Estado que llevamos dentro.Benemérita Universidad Autônoma d e Puebla. AO104 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Movimentos Sociais [2076] A LUTA PELA TERRA N O PAÍ S D O LATI FÚN D I O: QUAN D O UM CON FLI TO POR TERRA SE TORNA UM MASSACRE CONTRA TRABALHADORES. HELENA ANGÉLICA DE MESQUITA. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, CATALÃO, GO, BRASIL. Resumo: Este trabalho é parte da tese de doutorado intitulada “Corumbiara: o massacre dos camponeses. Rondônia, 1995”, que aborda a questão da luta pela terra no Brasil com foco sobre o conflito por terra que aconteceu na fazenda Santa Elina, município de Corumbiara. Ao eleger como objeto de estudo o massacre de CORUMBIARA não se pretendeu estudar o conflito por ele mesmo e nem como algo restrito a um lugar ou a um momento histórico mas buscar entender o processo da luta pela terra no Brasil, considerando o modelo de desenvolvimento adotado que é concentrador e excludente. No Brasil, em todos os tempos, a ocupação capitalista da terra tem sido violenta, principalmente contra os posseiros, quilombolas, indígenas e sem terra. A expropriação e a marginalização são expressões de violência. Rondônia é a expressão clara de como se dá a correlação de forças nesse processo de apropriação do território. Cada conjuntura que o Brasil atravessa tem servido para reforçar a estrutura fundiária cada vez mais concentrada e que a cada vez, exclui maiores parcelas de trabalhadores do acesso à terra. A história tem mostrado que os desterrados e desterritorializados têm se organizado e têm enfrentado esta estrutura secular de dominação e espoliação, isso tem gerado muitos conflitos que se tornam massacres quando o Estado/latifundiarista interfere. Assim foi Canudos, Contestado, Guerrilha do Araguaia, Trombas e Formoso, Luta do Arrendo, Corumbiara, Eldorado do Carajás. O conflito da fazenda Santa Elina tem a mesma gênese histórica de muitos outros que ocorreram em períodos diferentes e lugares diferentes, sob conjunturas diversas. No dia 14 de julho cerca de 600 famílias ocupam um latifúndio de 20000 h e aí começa um conflito que acabou em um dos maiores massacres de camponeses ocorridos na Brasil. No dia 09 de agosto, 194 policiais inclusive o Comando de Operações Especiais, COE e outros tantos de jagunços e guachebas fortemente armados cercaram o acampamento por todos os lados e atacaram com bombas de gás que a todos sufocava. Quando o dia amanheceu o massacre já era evidente. Onze pessoas foram mortas, inclusive a pequena Vanessa de apenas 6 anos. Centenas de trabalhadores foram torturados por mais de 24 horas seguidas, viúvas e órfãos ficaram desamparados, tem gente desaparecida até hoje. Dezenas de trabalhadores estão impossibilitados de trabalhar por causa das lesões sofridas e não receberam nenhum tratamento adequado. Foi uma ação criminosa praticada pelo Estado com a conivência, ou no mínimo a omissão de todas as instâncias do poder. No entanto ninguém foi responsabilizado e os camponeses foram condenados pelo Júri Popular no qual as testemunhas foram os próprios policiais. Corumbiara continuou fazendo vítimas, muitas pessoas morreram depois, inclusive o vereador Manoel Ribeiro, o Nelinho, que apoiou os camponeses da Santa Elina e foi assassinado em dezembro do mesmo ano emboscado por jagunços de latifundiários. A metodologia básica foi consulta á fontes primárias e entrevistas que permitiram criar e recriar a história dos homens, dos lugares onde vivem os homens, mais ainda, das relações dos homens com a natureza e dos homens entre si. Dentre as fontes oficiais de consulta está o processo judicial intitulado Caso Corumbiara. Outros dois processos judiciais também foram consultados, o que trata da morte do vereador Manoel Ribeiro, e outro que trata de outro conflito ocorrido em 1982, na fazenda Cibixi, onde morreram 3 pessoas Os processos foram importantes fontes de consulta, pois ali estão as versões oficiais dos episódios. Muito importante também foi buscar compreender o papel do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento Camponês Corumbiara (MCC) sendo esse último criado logo após os acontecimentos da Fazenda Santa Elina. O mais importante instrumento foi a pesquisa memorial. Foram entrevistadas duzentos e doze pessoas entre advogados, juizes, sindicalistas, assentados, professores, soldados, oficiais e até o comandante da operação. O mais importante foi entrevistar mais de cem camponeses que estiveram na Santa Elina. Eles relataram suas experiências e assim pude reconstruir os acontecimentos daqueles dias. Com este trabalho fez-se a análise de uma situação a partir dela mesma. O primeiro passo foi localizar e delimitar tal situação no tempo e no espaço, procurando compreender o massacre como uma totalidade em si mesmo que se insere em algo mais complexo, evidenciando ou não, as suas correlações, interações, especificidades e contradições no contexto do modo de produção vigente. É uma tentativa de compreender uma realidade infinitamente rica, complexa e contraditória cuja universalidade é concreta e não foi diluída ao optar pelo estudo de caso. Pelo contrário, o estudo de caso possibilitou o aprofundamento na compreensão de muitas questões, dentre elas se pôde ver as contradições e divergências entre o que está registrado oficialmente nos processos e inquéritos judiciais e os testemunhos dos sobreviventes do massacre. O objetivo do massacre para os latifundiários era atingir a todos os que se levantam, se organizam e lutam contra o latifúndio. A investigação oficial no IPM e IPL e depois no júri provou que o objetivo foi alcançado, mas dialeticamente provocou também reações contra o próprio latifúndio ou pelo menos contra a violência no campo e as suas conseqüências. Melhor seria se se cuidasse também das causas dessa violência e se identificassem e punissem os responsáveis. Esta é a proposta deste texto. AO105 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Movimentos Sociais [1246] TI PI FI CAÇÃO SOCI AL E TRAN SI TORI ED AD E TERRI TORI AL N A LUTA PELA TERRA: O CASO DOS CAMPONESES/PESCADORES DE TAMBAÚZINHO, MUNICÍPIO DE SANTA RITA – PB*. MARCO ANTONIO MITIDIERO JUNIOR. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: Objetivo do Trabalho Partindo da idéia de que a lógica dos conflitos agrários entre grandes proprietários de terra versus camponeses (pequenos proprietários, parceiros, arrendatários, posseiros, sem terra, etc.) no Brasil segue a regra da expulsão e expropriação desses últimos sujeitos sociais, o presente trabalho tem como objetivo narrar a trajetória de um grupo de camponeses/pescadores paraibanos que ao resistirem a expulsão permeiam uma variedade de tipificações sociais da comunidade em luta e exemplificam uma perversa instabilidade territorial que envolve a luta pela terra. Com isso, esse estudo pretende aprofundar reflexões já realizadas no relatório de qualificação para a tese de doutorado intitulada “Ação territorial de uma Igreja radical: teologia da libertação, luta pela terra e a atuação da Comissão Pastoral da Terra paraibana”. Referencial Teórico e Conceitual Como a luta de resistência dessa comunidade camponesa é acompanhada integralmente pela Comissão Pastoral da Terra paraibana (CPT), toda a organização da resistência esta baseada num discurso políticoreligioso, portanto fez-se necessário à discussão de alguns referencias teóricos e teológicos advindos da Teologia da Libertação, como por exemplo: a noção de “opção preferencial pelos pobres” e a idéia de que os oprimidos são “portadores da sua própria história”. No campo da Geografia optou-se por usar o referencial teórico da Geografia da Ação proposta pelo geógrafo alemão Benno Werlen. Nessa reflexão, a ação social ganha ênfase frente aos conceitos meramente espaciais, reforçando as concepções de que é a sociedade que constrói o território. Para o atual estudo, propus a noção teórica de ação territorial da Igreja, isto é, os religiosos próximos aos movimentos sociais e imbuídos pelos ensinamentos da Teologia da Libertação ajudam a produzir manifestações sociais que vão para além do discurso teológico e espiritualista da Igreja Tradicional. Ocorre uma espécie de materialização do discurso religioso. Nesse bojo, procurei trabalhar com os conceitos de territorialização da luta pela terra e de territorialidade camponesa, bem como com a definição de tipificações sociais próprias do campo brasileiro: moradores de condição, posseiros, acampados, sem terra e assentados. Metodologia Utilizada Para a proposição de tipificação social e a constatação de uma transitoriedade territorial durante a luta pela terra, foi necessário fazer uma etnografia do conflito, lançando mão do resgate de histórias de vida por meio de entrevistas diretas e do acompanhamento do conflito na própria área e por meio das ações judiciais decorrentes. Principais questões e pontos desenvolvidos Os principais pontos desenvolvidos foram: - a tipificação social dos camponeses/pescadores envolvidos na luta pela terra. A trajetória histórica desse grupo remonta a terceira década do século XX , portanto estão há aproximadamente 80 anos vivendo nessas terras. Num primeiro momento eram tidos como moradores de condição; num segundo momento, quando na década de 1990 se instaura o conflito, são vistos como invasores pelo proprietário da terra e passam a se autodenominarem de posseiros que lutam pela posse da sua terra; num terceiro momento do conflito passam a ser vistos pela sociedade local e pelo judiciário como sem terra-invasores, e depois do despejo efetuado pela Polícia Militar, com a destruição das casas, passam a ser acampados ao retornarem a área; e logo mais adiante passam a ser assentados após a desapropriação da área. - a transitoriedade territorial dos camponeses/pescadores da fazenda Tambaúzinho. Nos mesmos moldes que a variedade de tipificações sociais que assumiram no decorrer da luta, a qualificação da terra em disputa também assume um caráter transitório e instável. Da terra do “patrão” que permitia os camponeses morarem e a ele pagarem um dia de trabalho gratuito por ter-lhes cedido terra para plantar, para a propriedade privada inabalável do novo proprietário da terra. Nesse processo, os camponeses assumem aquela terra como de direito deles, com isso ela passa a ser pensada como área de posse. Por outro lado, o judiciário passa a reconhecer aquela área como propriedade privada vitima de turbação e esbulho. Após a desapropriação (que ainda esta em curso), aquela terra começa a ser denominada de assentamento rural. Resultados Alcançados No que diz respeito a um aspecto geral do estudo, etnografar esse conflito possibilitou explicitar os tortuosos e trágicos caminhos percorridos pelos camponeses brasileiros que se organizam e lutam contra a expulsão e possível migração para as áreas urbanas. No âmbito mais específico, foi possível entender claramente a opção tomada pelo judiciário paraibano em defesa do proprietário de terra, mesmo se tratando de uma área onde os camponeses residem a aproximadamente 80 anos. A posição do proprietário privado da terra e do judiciário paraibano convergiram para a identificação de que as 29 famílias que ali residiam são invasores, essa posição fez com que a comunidade junto a CPT se organizassem e resistissem ao processo de expulsão. Com isso, os 12 anos de conflito (1995 a 2007) mostram uma constante mutação nas identidades sociais desses camponeses e uma tortuosa transitoriedade da relação desses com a sua área de posse, com o seu território. Palavras Chave: Tipificação Social, Transitoriedade Territorial, morador de condição, posseiro, sem terra * Trabalho proposto para apresentação oral em Grupo de Trabalho (Espaço e Movimentos Sociais), no eixo temático “Brasil: espaço, identidades e projeto de nação”. AO106 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Movimentos Sociais [1262] M OVI M EN TOS SOCI OTERRI TORI AI S: TERRI TORI ALI D AD E E POLI TI ZAÇÃO D O ESPAÇO N O BRASIL. NELSON RODRIGO PEDON. FCT/UNESP, PRES. PRUDENTE, SP, BRASIL. Resumo: O proncipal objetivo desse trabalho de doutorado, é buscar compreender o conjunto de questões que emerge da complexa relação entre a participação política da classe trabalhadora com o território. Para tanto realizamos um exame da forma pela qual a Geografia Brasileira passou a incorporar os Movimentos Sociais em seu temário de investigações ao longo dos últimos 25 anos, assim como esses estudos se fundamentaram ao longo desse período. Nossa finalidade é a de propor o conceito de Movimentos Socioterritorial como uma modalidade no conjunto dos Movimentos Sociais. Nossa pesquisa se fundamenta na leitura de trabalhos em geografia a respeito da participação política e dos Movimentos Sociais, em trabalhos dessa temática na Sociologia e em estudos de casos. Apoiamos nossas hipóteses num farto material estatístico que têm como fonte o DATALUTA (banco de dados de luta pela terra do NERA- Nucleo de Estudos,Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária da UNESP de Pres. Prudente/SP), a Comissão Pastroral da Terra, o Observatório Social da América Latina _OSAL, e o Conselho Latino Americano de Ciências Sociais - CLACSO. O emprego da denominação Movimentos Socioterritoriais se justifica na medida em que ela valoriza, enquanto conceito analítico, uma especificidade importante para os estudos desse fenomeno na Geografia, a politização do espaço e a territorialidade contida nestas expressões de luta política. Numa primeira fase, por meio de pesquisas, leituras, sistematização e interpretação das pesquisas em Geografia sobre Movimentos Sociais em teses, dissertações livros e artigos de revistas, constatamos que na história do Pensamento Geográfico no Brasil muito já foi dito a respeito do território e de sua problematização realizada pelos Movimentos Sociais, assim como de sua natureza e as implicações de seu uso na sociedade moderna. Nosso referencial teórico é consituído pelos autores clássicos do Pensamento Geográfico brasileiro e internacional, e pelos trabalhos especificos da temática dos Movimentos Sociais realizados pela Sociologia e pela Geografia, sobretudo a brasileira. Essa duscussão revela o quão é importante para os geógrafos entender a complexa problemática que envolve as diferentes formas coma as quais a sociedade modela, organiza e se identifica com o espaço no qual se reproduz. Nessa pesquisa o território é considerado com a mediação entre dois grupos sociais. É uma relação triangular, pois a relação entre sujeitos é mediada pelo espaço que, nesse processa toma status de território. Nestes termos o território tem uma dimensão política intrínsecam pois tem a dimensão do poder no centro de sua constituição. Seja no campo ou na cidade, acreditamos que o fator que dá unidade aos Movimentos Sociais aqui denominados de Movimentos Socioterritoriais, não está associado aos recursos ou às caracterísitcas peculiares da população rural ou urbana, daí não concordarmos com a formulação que vê o território como recurso, ou como trunfo a ser conquistado. O que dá identidade a estes movimentos é o fato de na sua constituição o espaço apresenta-se como mediador da ação. Nem todos os Movimentos Sociais podem ser denominados socioterritoriais. Independente da abordagem, se geográfica ou se sociológica, acreditamos que nem todo Movimento Social tem o espaço como mediação da ação mobilizadora, e, portanto, política. Por fim, nossa tese busca mostrar que lutas especificas como a lut a pela t erra ou pela moradia só existe porque o espaço não representa somente a base material onde se fixam objetos, ou uma área a ser delimitada, ficando a partir de então sobre a tutela de um grupo. A mobilização política dos Movimentos Socioterritoriais, seja dos Movimentos Sem terra, seja dos Movimentos por Moradia, só existe porque há uma identidade do grupo com o espaço,isto é, uma territorialidade que permite ao grupo sobreviver e atuar em espaço alheio, quando este ainda não se consttui como território de outrem. AO107 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Movimentos Sociais [1320] N OVO M OVI M EN TO SOCI AL? UM A AN ÁLI SE D AS ESTRATÉGI AS TERRI TORI AI S ASSOCIAÇÕES DE MORADORES DO BAIRRO DE COPACABANA. JULIA BEREZOVOYA ASSIS. UFF, NITEROI, RJ, BRASIL. Resumo: D AS A cidade é um recorte especial para a análise dos processos sociais e suas relação com a materialidade. É condição, meio e produto das relações sociais como também espaço de disputas, conflitos políticos e resistências e é assim que a cidade se realiza enquanto potencialidade de um espaço coletivo. Há uma crise nas cidades como decorrência do atual modo de produção e acumulação assim como há uma crise no modo de pensar a cidade. É sob o prisma da corporatização (SANTOS, 2003) das cidades que se torna fundamental compreender as relações políticas locais e suas estratégias territoriais, numa tentativa de analisar como os lugares reagem frente às novas questões colocadas pelas mudanças globais de produção, consumo e distribuição. Nosso objetivo é verificar as práticas territoriais dos diferentes grupos sociais, tendo como pano de fundo as mobilizações da sociedade civil e suas relações com o Estado. Tal objetivo nos conduz a compreensão do surgimento de novas territorialidades e suas diversas lutas. Este trabalho pretende oferecer dados para a análise do papel do Estado frente às transformações políticas, econômicas e culturais do momento assim como para o entendimento das associações de moradores como parte de um movimento social urbano que compõem a sociedade civil em busca de um Estado mais democrático. Buscamos também avaliar a perspectiva da formação de uma rede política, vinculada às estratégias das diferentes associações de moradores do bairro. Neste trabalho busca-se a construção de uma forma de análise sobre movimentos associativos de bairro a partir de conceitos-chave da geografia tais como território além de outros como sociedade civil, Estado, movimentos sociais urbanos e redes políticas. Buscaremos utilizar um conceito de território que tenha força para nos auxiliar na análise da questão aqui posta. Para isso, as noções de limite, controle e autonomia devem estar presentes já que temos como objeto de estudo associações de moradores em um bairro heterogêneo e complexo como o de Copacabana, onde a constatação das diferentes associações já nos traz uma idéia de delimitações territoriais. Ao delimitar um espaço estamos lidando com noções de controle e poder. A noção de autonomia também é fundamental para nossa conceituação, uma vez que é um elemento necessário ao se tratar de um sistema político que se quer democrático. A relação entre espaço e poder será analisada nas diferentes associações de moradores e suas estratégias para garantir o poder/controle de um determinado território. As formas de organização da sociedade civil como os movimentos sociais urbanos e a potencial formação de redes políticas serão destacados para permitir uma análise mais acurada das associações políticas locais. É grande o número de estudos sobre a problemática dos movimentos sociais, porém as interpretações sobre o que é um movimento social urbano são inúmeras e dependem do paradigma teórico-metodológico adotado por cada autor (GOHN, 2004). Ao considerar as associações de moradores enquanto espaços públicos que possibilitam a elaboração de alternativas pela melhoria nas condições de vida de um coletivo que agem na correlação de forças, qualificaremos as associações de moradores enquanto movimentos sociais urbanos. O bairro por ser referencial territorial das lutas locais aglutina diferentes sujeitos e classes sociais em nome de causas comuns, e cria espaços públicos de participação local, que podem contribuir para uma democratização da gestão da cidade e para o fortalecimento da sociedade civil. O que não significa que não haja conflito entre os moradores que são heterogêneos e apresentam demandas, estratégias e lutas diferenciadas. Nessa pesquisa tem-se como área de estudo o bairro de Copacabana. Partimos do princípio que o bairro, ao invés de um recorte submisso, é uma instituição constituída de um potencial capaz de gerar decisões e ações que resultem em transformações significativas para a sociedade local. Inicialmente partimos de uma revisão bibliográfica sobre os conceitos selecionados para embasar a questão proposta. Seguimos então para a etapa das entrevistas com atores chave no processo de construção das mobilizações políticas locais. As entrevistas estão sendo aplicadas a cinco associações de moradores, três delas sendo das áreas de classe média, e duas das favelas existentes. O terceiro momento será dedicado a análise do material recolhido nas saídas de campo. O tema deste trabalho articula a relação sociedade civil organizada, Estado e espaço. A delimitação temática aqui proposta focaliza o associacionismo de bairro, tendo em vista os seguintes aspectos: suas estratégias territoriais tanto materiais quanto as simbólicas. Visa relacionar as formas de organização territorial dos moradores frente às transformações que vem ocorrendo no bairro e no Estado de uma maneira geral identificando as questões abordadas pelas diferentes organizações de bairro e como essas estratégias influenciam na formação de novas territorialidades. Em síntese, tais limites evidenciam o papel das associações de moradores e sua relação com o espaço numa perspectiva que nos permita pensar em novas formas de resistência no que diz respeito as formas de gestão da cidade. Ou seja, pensar a sociedade através da geografia na perspectiva de inserir o espaço na teoria social crítica tal como nos propõe SOJA (1993, pp. 18 a 21) e compreendendo a profunda relação entre espaço, tempo e ser social. Refletindo sobre em que medida a formação de redes políticas poderia levar a uma maior democratização da gestão da cidade, e consequentemente a uma maior participação da sociedade civil na política local, postulamos a seguinte questão para esta pesquisa: como se configura a tensão entre a possibilidade de formação de redes políticas locais e o processo de fragmentação socioespacial do bairro de Copacabana, a partir da atuação de suas associações de moradores. A questão é se essas associações estão em um processo de formação de redes políticas ou se a atual forma de movimentos de bairro na área em estudo está levando a uma fragmentação socioespacial. Podemos vislumbrar algumas considerações em relação à formação de redes políticas e ao papel das associações de moradores na atualidade a partir de resultados obtidos com entrevistas realizadas com alguns dos atores selecionados. A perspectiva da rede política encontra-se enquanto um projeto de algumas associações, mas que atualmente as ações caminham de forma individualizada. Resultado este que pode ser revertido com novas entrevistas que estão em andamento. O papel e a presença das associações de moradores continua marcante pela quantidade de associações, porém o alcance de suas medidas parece delimitado a questões locais desconsiderando o cenário mais geral. AO108 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Espaço e Movimentos Sociais [1499] A TERRITORIALIDADE ÉTNICA DOS POTIGUARA. AMANDA CHRISTINNE NASCIMENTO MARQUES; MARIA DE FÁTIMA FERREIRA RODRIGUES. UFPB, JOÃO PESSOA, PB, BRASIL. Resumo: Pesquisas realizadas no âmbito das Ciências Humanas e Sociais indicam que os índios territorializados no Nordeste brasileiro assimilaram valores da sociedade envolvente a partir do contato com os europeus e foram ao longo da formação sócio-territorial do Brasil perdendo traços de sua identidade étnica e cultural em conseqüência da violência de ordem material e simbólica de que foram vítimas através dos genocídios, dizimação ocorrida em situações de enfrentamentos seja através dos etnocídios imposição de outra língua, religião e forma de organização social. Em decorrência desses enfrentamentos frequentemente foram caracterizados pelo estado e pela sociedade como homens pobres livres tanto no Brasil colônia quanto na República Velha. A partir da década de 1970, sobretudo após a Constituição de 1988, esses povos atingiram um patamar de organização política, principalmente em relação à reorganização e retomada de seus territórios e de afirmação de sua cultura. Esta postura dos índios, especialmente os do Nordeste brasileiro, somou-se ao conjunto dos movimentos sociais e suscitou acaloradas discussões entre os estudiosos, ocupando lugar na mídia e em diversas instâncias da sociedade passando a organização desses povos a ser denominada de emergência étnica, por diversos autores das ciências sociais. Partindo desses pressupostos, buscamos analisar o processo de construção do território e da territorialidade étnica dos índios Potiguara da Aldeia Três Rios, localizada no município de Marcação, Paraíba. Esta pesquisa vem sendo desenvolvida desde 2004, e é parte integrante da linha de pesquisa movimentos sociais no campo, do grupo de pesquisa do CNPq, Território, Trabalho e Cidadania (GESTAR). É considerando a emergência étnica, movimento que se configura na busca de reafirmação da identidade e memória coletiva do grupo social em pauta, que sentimos a necessidade de estudar a Aldeia Três Rios, visto que esse território foi retomado recentemente, em 04 de agosto de 2003. Nesse ensejo, consideramos que somente uma investigação dirigida especificamente à problemática em pauta, seja no que diz respeito ao processo de resistência, seja no que diz respeito à ação do Estado, possibilitará ampliação dos conhecimentos geográficos, principalmente porque os temas abordados vêem enfocar conceitos e temas de relevância social capazes de contribuir para a reelaboração de políticas públicas que apontem para a melhoria da qualidade de vida desses grupos sociais. Em busca do significado da terra para esse grupo social verificamos que o Território Potiguara está presente na memória coletiva como catalisador das demandas sócio-culturais, sendo essas reatualizadas no processo de reprodução material e simbólica, ao mesmo tempo em que congrega os parentes em sua pauta de lutas; ampliando seus limites e possibilidades de fortalecimento interno. A pesquisa foi construída a partir de levantamento bibliográfico utilizando instrumentos de sistematização por nós elaborados, em Bibliotecas de Instituições de Ensino Superior (IES) dentre outras. a) recorremos a buscas em cd´s de eventos técnico-científicos e nos portais especializados em divulgação científica, a exemplo do Scielo e portal da Capes, com a finalidade de localizar artigos relacionados às questões dos territórios indígenas no Brasil. Com relação aos documentos, priorizamos o levantamento de informações no Jornal Correio da Paraíba, nos períodos de janeiro de 1980 a dezembro de 1989, que se encontram no Arquivo Histórico do Estado da Paraíba, da Fundação Espaço Cultural – FUNESC; b) pesquisa via web e em órgãos públicos, como a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Instituto Sócio-Ambiental (ISA) e no Museu Nacional em busca de dados referentes às aldeias indígenas do Nordeste brasileiro e especificamente dos Potiguara; c) trabalhos de Campo ocasião em que construímos uma etnografia sobre os processos de resistência e construção da territorialidade Potiguara na aldeia Três Rios, através do acompanhamento de reuniões e protestos dos índios na cidade de João Pessoa, concomitantemente à sistematização das informações. Do ponto de vista teórico - metodológico, sentimos a necessidade de abrir um diálogo interdisciplinar entre a geografia e a antropologia visto que este diálogo, na abordagem do tema proposto, é importante para o entendimento do território como uma porção do espaço que se revela etnicamente diferenciado. Nesse sentido, fazer uma relação entre a Geografia e a Antropologia significa buscar interfaces, e conhecimentos consolidados no diálogo interdisciplinar que conforme assinalam Morin (1999) e Santos (2001), criam a possibilidade de abrir um leque de discussões, conexões, encontros e interpretações em direções convergentes e complementares. Propomos-nos a fazer uma reflexão teórica, aludindo às análises de autores da Geografia, no que se refere ao entendimento sobre o Território e a Territorialidade. Para tanto, nos fundamentamos em autores como Raffestin (1993), Souza (2003), Santos (1994) e Haesbaert (2004). Além desses autores incorporamos em nossa pesquisa o conceito de emergência étnica, de Arruti (1993) e Oliveira (1993), a partir da antropologia, com vistas a uma melhor compreensão dos processos organizativos relativos a esse grupo. Nessa pesquisa, utilizamos o conceito de território visando dar realce a um aspecto significativo dessa luta como representação de uma territorialidade étnica. Consideramos, por conseguinte, dimensões simbólicas que compõem o universo da cultura e se revelam através das relações interpessoais e nos conflitos interétnicos. Consideramos que o território não é apenas o espaço concreto ou absoluto criado a partir de componentes naturais e sociais; ele é, sobretudo, gerador de raízes e identidade que se expressam na conjugação de forças políticas e manifestações que denotam pertencimento ao grupo e que permeiam as relações de parentesco, de vizinhança, de gênero presentes nos diversos momentos da vida social. Considerando as pesquisas realizadas até o presente momento, entendemos que compreender a questão indígena em sua complexidade e diversidade implica percorrer caminhos extensos. Corroborando com os autores anteriormente mencionados, ao se reportarem aos seus estudos específicos e, considerando a confluência dos temas reafirmamos o que em outros momentos já escrevemos, que o processo organizativo, a luta pela conquista do território e as práticas de resistência em Três Rios, Marcação-PB configuram traços relevantes da reafirmação da identidade étnica Potiguara, verdadeiro vetor para a conquista do território. AO109 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Movimentos Sociais [1555] N OVAS VOZES N O ARAGUAI A: N OTÍ CI AS D O PLAN EJAM EN TO TERI TORI AL PARTI CI PATI VO E DA NEO- COLONIZAÇÃO DEMOCRÁTICA. WILSON MADEIRA FILHO. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, NITEROI, RJ, BRASIL. Resumo: a) os objetivos do trabalho – Instauração dos trabalhos preparatórios para a elaboração do Plano Diretor Participativo do município de São Domingos do Araguaia PA, a partir de uma visão crítica do Projeto Rondon. b) o referencial teórico e conceitual - Cerca de 145 anos após a expedição pioneira de Couto de Magalhães (cfe. MAGALHÃES, José Vieira Couto de. Viagem ao Araguaia. São Paulo: Editora Três, 1974), cerca de 35 anos após os gritos do Araguaia e a perseguição e morte dos guerrilheiros ligados ao PC do B (cfe. MORAIS, Taís; SILVA, Eumano. Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha. 2ª edição. São Paulo: geração Editorial, 2005), 10 anos após o massacre de Eldorado dos Carajás e um ano após a morte da missionária Dorothy Mae Stang, a Amazônia Ocidental permanece como a região com maior índice de conflitos agrários no Brasil e, consequentemente, como uma das regiões de maior tensão democrática no mundo. Problemas relativos à regularização fundiária, à disputas de terras, ao soterramento de culturas e valores tradicionais, ao trabalho escravo (cfe. FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004) e a danos ambientais em larga escala, são algumas das tristes marcas que caracterizam essa região, em especial o entorno do Bico do Papagaio. c) a metodología utilizada - A retomada do Projeto Rondon teve como um dos seus focos centrais de atuação em 2006 uma inserção de caráter político-social em várias regiões no Brasil, em especial a Amazônia, com trabalhos realizados em 87 municípios. O conjunto de ações foi subdividido em dois blocos, um a propor iniciativas nos campos da Saúde e da Cidadania e outro a trabalhar com os temas da formação de Cooperativas de Trabalhadores Rurais e a elaboração de debates preparatórios para um Plano Diretor Participativo. De forma bastante distinta a um perfil mais propriamente assistencialista, que caracterizou o Projeto Rondon no passado, a nova configuração indicava, na maioria dos seus itens, uma atuação indutora por parte das equipes universitárias a auto-organização local. d) as principais questões / pontos desenvolvidos - O presente trabalho relata a experiência do grupo da Universidade Federal Fluminense na região do Araguaia, em fevereiro de 2006, em especial no município de São Domingos do Araguaia, e o desafio de propor uma tecnologia democrática complexa em uma região marcada pela oligarquia rural e pelo mandonismo local. O foco da análise concentra-se nos debates preparatórios para o Plano Diretor Participativo, a partir da proposta de inserção dos demais subtemas do Projeto Rondon em seu conjunto (Saúde, Cidadania e formação de Cooperativas) e ainda em desdobramentos intrínsecos à metodologia do Rondon enquanto Projeto governamental gerido pelas Forças Armadas. De um lado, apostou-se em um contexto de reforma urbana que engloba o planejamento rural e o toma o Desenvolvimento Humano como um critério chave. De outro lado, a convivência das equipes com os militares, em especial nos assentamentos rurais e comunidades indígenas e tradicionais, numa região ainda com fortes traços simbólicos de combate a ideologias revolucionárias, não raro apontou para novas dicotomias que passaram a polarizar a atuação extensionista da universidade ao binômio obediência-hierarquia do Exército Brasileiro, trazendo críticas de parte a parte. Foram eixos centrais da atuação da UFF, portanto, os temas do Desenvolvimento local sustentável e da Gestão Pública. Quanto ao primeiro eixo, centrado no fortalecimento de cooperativas rurais, foram realizadas reuniões no Sindicato dos Trabalhadores rurais de São Domingos do Araguaia trabalhando os seguintes temas: Diagnósticos dos conflitos no campo; Legislação agrária, histórico e financiamento; Direito ambiental e desenvolvimento sustentável; Tecnologias sociais. Tivemos, como resultado, cerca de 50 lideranças rurais presentes, “capacitadas” quanto à criação e fortalecimento de cooperativas e sindicatos rurais. Em diagnósticos prévios que realizáramos, conhecíamos a forte organização local, todavia permeada pelas disputas intestinas para a presidência do Sindicato, o qual por sua vez, era visto como trampolim para a candidatura política. Entre as dificuldades encontradas, sobressaia a distância de alguns assentamentos, atuando como fator impeditivo para um público maior. Na segunda semana, concentramo-nos na ampliação desse contato, realizando visitas às vilas, comunidades tradicionais e assentamentos, chegando aos seguintes locais: Vila São José, comunidade de quebradeiras de coco; Reserva Indígena Suruí Sororó; Vila Nazaré; Projeto de Assentamento Veneza; Comunidade São Benedito; Projeto de Assentamento Almescão 1. Como resultados dessa fase, foram realizadas palestras e debates com as comunidades, apresentando os principais aspectos trabalhados nas oficinas na semana anterior com as lideranças, chamando atenção à conscientização quanto à importância de participarem também do processo de discussão do Plano Diretor Participativo, em vista de a maior parte da população de São Domingos do Araguaia residir no meio rural. Quanto ao segundo eixo, do desenvolvimento local sustentável, realizamos, na primeira semana, o Curso Plano Diretor Participativo, com a seguinte estrutura: Plano Diretor Participativo: o que é?; Plano Diretor Participativo: principais diretrizes; Legislação; Projetos, como fazer; Cidades sustentáveis. Como resultado, tivemos cerca de 70 inscritos, em especial servidores municipais e lideranças da sociedade civil organizada. Entre as dificuldades encontradas, avultava a ausência dos gestores públicos, destacadamente os secretários municipais e o prefeito. Na segunda semana, realizamos a Conferência preparatória do Plano Diretor Participativo de São Domingos do Araguaia, com o seguinte cronograma: 13/02/2006 – Financiamento e Geração de emprego e renda; 14/02/2006 – Desenvolvimento urbano e rural; 15/02/2006 – Gestão democrática; 16/02/2006 – Aprovação dos textos, do regimento interno, do regulamento e do calendário e) resultados alcançados e conclusões - Se os resultados aferidos podem permitir que se leia uma ampliação quantitativa dos participantes no processo de deliberação sobre o planejamento territorial e mesmo uma melhora qualitativa no arsenal crítico dos cidadãos locais, sobretudo daqueles que já vinham se empenhando em práticas reivindicatórias, também é possível se observar, na guinada no modelo assistencialista do Projeto Rondon, instrumentos de projetos governamentais de neo-colonização democrática, em especial na Amazônia. A parte final deste trabalho traz para o debate alguns momentos do estado da arte do Plano Diretor Participativo no município de São Domingos do Araguaia, relatando como foi realizado e que propostas foram ou não efetivadas, assim como alguns dos resultados do Fórum dos Pró-reitores de Extensão em relação ao Projeto Rondon. AO110 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Espaço e Movimentos Sociais [1570] M OVI M EN TOS SOCI AI S, ( RE) CON FI GURAÇÕES I D EN TI TÁRI AS E RECONHECIMENTO DE DIREITOS TERRITORIAIS NA AMAZÔNIA. VALTER DO CARMO CRUZ. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE- UFF, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: LUTAS POR O modelo que orientou o processo de ocupação e apropriação da Amazônia nas últimas décadas esteve pautado num projeto de modernização conservadora materializado nos planos e planejamentos do Estado autoritário e na implantação de “grandes projetos”. A premissa organizadora desse modelo era a crença no papel da modernização como a única força capaz de destruir as superstições e relações arcaicas, não importando o seu custo social, cultural e político. A industrialização e a urbanização eram vistas como inevitáveis, e, necessariamente, progressivos caminhos em direção à modernização (Escobar, 1998). Esse projeto de modernização conservadora produziu um novo ordenamento territorial onde não havia espaço para as “comunidades tradicionais” (índios, ribeirinhos, pequenos agricultores, seringueiros, varzeiros, castanheiros, populações quilombolas, mulheres quebradeiras de coco, etc.), suas formas coletiva e familiar de apropriação da terra e dos recursos naturais baseados na pequena agricultura e no extrativismo e seus modos de vidas eram vistos como um obstáculo ao “desenvolvimento” e ao “progresso”. Assim, o avanço da fronteira econômica e demográfica na Amazônia significou uma radical mudança nos padrões fundiários e na forma de apropriação da terra e dos recursos naturais na região, visto que a terra deixa de ter somente um valor de uso e passa a ter um valor de troca, transforma-se em mercadoria, institui-se o mercado de terras, assim como a legitimidade da posse que, até então, estava fundada nos direitos consuetudinários ou “direitos costumeiros” é substituída pela legitimidade assentada no ordenamento jurídico estatal, fundado no direito liberal-individual, expresso nos títulos de propriedade da terra. Essas mudanças implicaram em profundos processos de des-territorialização e subalternização das “comunidades tradicionais” na Amazônia, mas essa história de violência e subalternização que a modernização/colonial trouxe para a região, sobretudo pelo avanço da fronteira demográfica e econômica, passa a ser questionada a partir do final dos anos de 1980. A partir desse período ocorre um crescimento e fortalecimento da sociedade civil, em especial, a emergência de um conjunto de movimentos sociais que canalizam as forças políticas das chamadas “comunidades tradicionais” que, no movimento de r-existência aos processos de exploração econômica, dominação política e estigmatização cultural, começam a se organizar constituindo-se como novos protagonistas que ganham visibilidade a partir dos inúmeros antagonismos sociais e das lutas por seus direitos sociais e culturais. Nesse contexto, vem ocorrendo à constituição de novos sujeitos políticos e a emergência de “novas” identidades territoriais construídas pelas “comunidades tradicionais” nas lutas sociais pela a afirmação material e simbólica dos seus modos de vida. Para Gonçalves (2001), esse novo contexto aponta para a construção de “novas” identidades coletivas surgidas de velhas condições sociais e étnicas, como é o caso das populações indígenas e negras, ou remetendo-se a uma determinada relação com a natureza (seringueiro, castanheiro, pescador, mulher quebradeira de coco) ou, ainda, expressando uma condição derivada da própria ação dos chamados “grande projetos” implantados na região, como estradas, hidrelétricas, projetos de mineração, entre outros (“atingido”, ”assentado”, “deslocado”). Trata-se de um processo de re-significação político e cultural que esses grupos sociais vêm fazendo da sua experiência cultural e da sua forma de organização política. Esses movimentos se diferenciam dos movimentos antecedentes por suas estratégias discursivas e identitárias, ao designar os sujeitos da ação; não aparecem atrelados à conotação política que, conforme Almeida (2004), em décadas passadas estava associada principalmente ao termo camponês e trabalhador rural.. No momento histórico atual, esses atores políticos apresentam-se através de múltiplas denominações e apontam para a construção de novas e múltiplas identidades. A emergência das “novas” denominações que designam desses “novos” movimentos sociais espelha um conjunto de práticas organizativas que traduzem transformações políticas mais profundas na capacidade de mobilização desses grupos, em face do poder do Estado e em defesa de seus territórios (Almeida, 2004). Mas essas emergências identitárias não são gratuitas, são novas estratégias na luta por direitos. Dentro dessas novas estratégias discursivas e das novas táticas políticas os “velhos” agentes vêm se constituindo em “novos” sujeitos políticos ou novas posições-de-sujeito (Hall, 2004) como forma de garantias a direitos sociais e também a direitos culturais, notadamente, do chamado “direito étnico a terra”, e os direitos que asseguram a posse coletiva ou familiar das terras e dos recursos naturais. Essas (re) configurações identitárias, a constituição de novos sujeitos políticos, novos sujeitos de direito significam uma redefinição das táticas e estratégias pela luta da terra na Amazônia, sobretudo pelo impacto da emergência da “questão ambiental” e da “questão étnica” na Região. Esses dois processos se materializam na atual realidade da Amazônia, pois há uma crescente visibilidade das questões ambientais por conta do “desenvolvimento sustentável” e da biodiversidade; ao mesmo tempo há uma crescente organização e mobilização das chamadas “comunidades tradicionais” na luta pelo reconhecimento dos seus “direitos étnicos”, como vem ocorrendo com as populações indígenas, quilombolas e as populações extrativistas como a dos seringueiros, entre outras. Isso implica numa espécie de “ambientalização” e “etnização” das lutas sociais, complexificando a questão agrária, foco irradiador dos principais conflitos na região. Nessa busca de afirmação de suas identidades coletivas e de suas territorialidades que esses movimentos vêm reivindicando ou mesmo inventando novos direitos . Os movimentos sociais lutam pelo reconhecimento por parte do Estado de uma outra ordem jurídica, uma matriz de normatividade alternativa, que possa garantir as diversas modalidades de territorialização que não se enquadram inteiramente dentro do modelo da propriedade capitalista e do direito liberal individual. Neste sentido, busca-se o reconhecimento de um quadro normativo capaz de reconhecer direitos pautados no uso, na tradição, nos chamados direitos consuetudinários ou “direitos costumeiros”, direitos esses ignorados ou invisibilizados no estatuto jurídico estabelecido. O objetivo desse trabalho é analisar a relação entre esses processos de (re) configurações identitárias, e as lutas pela afirmação das territorialidades e pelo reconhecimento dos chamados direitos territoriais das chamadas “comunidades tradicionais”, em especial, as comunidades quilombolas, bem como a criação de reservas extrativistas na Amazônia. AO393 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Urbanização da Sociedade [2066] PLAN O D I RETORES E PARTI CI PAÇÃO POPULAR: UM A ESTRATÉGI A D E GESTÃO DEMOCRÁTICA. SARAH LÚCIA FRANÇA. UNIFACS, SALVADOR, BA, BRASIL. Resumo: Este estudo tem como principal objetivo apresentar algumas considerações acerca da importância da participação popular na gestão urbana e, em especial, na elaboração de planos diretores, a fim de propor um desenvolvimento ordenado das cidades brasileiras. Assim, para elaboração deste trabalho foi feita uma intensa revisão bibliográfica através de livros, revistas, jornais e documentos legais. Além disso, a participação em equipes técnicas para a elaboração de Planos Diretores permitiu vivenciar o processo, facilitando o entendimento das dificuldades enfrentadas pelos diversos segmentos envolvidos. A complexidade dos centros urbanos passa a exigir novas estratégias de gestão, que obriga planejadores e urbanistas a refletir sobre as questões e a busca de novas alternativas e leis de controle urbanístico, a fim de proporcionar melhor qualidade de vida da população. O Planejamento urbano é uma dessas estratégias que, a partir da dinâmica da sociedade também ganha novas roupagens, cada dia mais fortalecido pelas conquistas democráticas. A partir dessas necessidades, ocorreu uma intensa mobilização dos grupos socais desfavorecidos, na luta pelos seus direitos, surgindo assim, os movimentos sociais. Dessa forma, a população auxilia na tomada de decisões a cerca dos problemas urbanos, contribuindo para a descentralização do poder do Estado sobre o rumo da cidade e lutando, por uma distribuição mais igualitária de oportunidades. A participação popular nas ações de planejamento urbano tem apresentado avanços em função da diversidade de momentos políticos que o país tem atravessado, como a conquista pela democracia com a Constituição de 1988, e logo após, o Impeachment do Presidente Fernando Collor. É preciso reconhecer, que a sociedade civil e suas formas de organização e manifestação vieram se modificando ao longo do tempo. Uma das grandes conquistas da população, em outubro de 2001, foi a aprovação do Estatuto da Cidade, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal. A lei define alguns instrumentos para auxiliar no desenvolvimento urbano, e o Plano Diretor Participativo é um deles. Assim, nesses últimos cinco anos, a democracia adquire outra dimensão. A sociedade passa a participar da elaboração, do acompanhamento e da execução não só dos planos diretores, mas, também, dos programas a que se referem às políticas públicas. Inicia-se então, um novo ciclo, a democracia urbana, com a valorização da participação dos movimentos sociais na definição das políticas públicas, mudanças no modelo de gestão das cidades, a partir da aliança entre governo e sociedade civil. Tudo isso possibilitou legitimidade no processo, além de facilitar as condições de governabilidade. Inúmeros foram os problemas decorrentes deste novo ciclo, pois não tem uma metodologia ou fórmula pronta, para inclusão dos cidadãos nas decisões urbanas. O que existem são instrumentos capazes de dar legitimidade a esse processo. Para haver a efetiva participação cidadã é necessário que ocorra a articulação de instâncias, de atores, de interesses (particulares e coletivos) e entre a participação da população e representação política. Nesse sentido, a tarefa de promover tais articulações, cabe a todos os atores sociais e requer algumas condições básicas, das quais se destacam a qualidade da informação, a existência de recursos econômicos e a motivação destes atores. Mesmo cidades como Recife, Porto Alegre e Santos que buscaram a implementação de uma gestão democrática e serviram como “modelos de planejamento urbano” às demais capitais, ainda estão distantes dos ideais da democracia e da justiça social, sendo que os seus esforços não foram suficientes para a construção de um plano diretor com a efetiva participação da população. De fato, as formas de participação popular são bem amplas e indicam as possibilidades de descentralização e de gestão democrática. De acordo com a questão a ser discutida, várias estratégias poderão ser utilizadas simultaneamente. O poder público deve conduzir o processo de forma plenamente transparente, e seus propósitos e ações devem ser explícitos. A clareza de objetivos torna as decisões mais viáveis. Um dos graves empecilhos da participação popular é a estrutura pública que não permite certa sociabilidade e a repartição dos poderes. Ainda é muito forte a centralização, sendo que muitos políticos não conseguem repartir o poder com outros segmentos sociais. É preciso reverter esse quadro, no sentido de ampliar a participação social nas intervenções públicas e isso requer uma ação transparente, descentralizada e participativa. Esse é o tripé da luta pela gestão democrática. A nova concepção de planejamento participativo deve ser praticada, cuja cidade, produzida por vários agentes, deve ser planejada através de uma ação coordenada, em torno de um pacto social que reflita os anseios da sociedade e corresponda aos interesses públicos. Na medida em que se tornam públicas, as diretrizes e prioridades de desenvolvimento e expansão urbana, a sociedade pode intervir e participar da gestão pública. Contudo, a democratização do plano diretor é fundamental para romper esse vício de projetos e planos prontos em escritórios e compartilhar o processo com todos os cidadãos, assumido por todos os atores. A participação popular nas decisões urbanas não é um convite, e sim, um dever de todos os cidadãos. Com isso, o planejamento deixa de ser uma solução apenas técnica e passa a ser transformado em resultado de articulação política entre os diversos atores sociais que pactuam a vida da cidade. Assim, hoje o panorama se transforma. A participação da população no processo de planejamento da cidade é de fundamental importância, mas ainda falta percorrer um caminho muito longo de conquistas, para que tenhamos no futuro, a cidade ideal, desejada por todos, sem desigualdades e problemas urbanos. AO394 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Urbanização da Sociedade [1334] O D I LEM A D A ESCOLH A: RAÇA, FAVELAS, I D EN TI D AD ES E TEORI A D AS REPRESEN TAÇÕES SOCI AI S EM I N TERFACE COM A GEOGRAFI A URBAN A — A CON STI TUI ÇÃO D OS TERRI TÓRI OS FAVELADOS NA METRÓPOLE DO RIO DE JANEIRO E PRÁTICAS CORRELATAS. BRENO DO NASCIMENTO GONÇALVES MENDES. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: O presente texto estuda fenômenos sociais e espaciais associados às favelas na cidade do Rio de Janeiro. Resulta de pesquisa da Geografia Urbana que buscou a possível contribuição metodológica da Teoria das Representações Sociais (TRS) — desenvolvida por Serge Moscovici — à investigação da compreensão do modo pelo qual se deu a construção, ao nível do imaginário, das favelas e dos negros. Partimos da hipótese de que na cidade ocorre a formulação de redes simbólicas de representações sociais discriminatórias e de caráter racial acerca de indivíduos negros e residentes de favelas, o que contribuiria com a segregação espacial e social existentes, alterando as identidades existentes. Há a hipótese de que algumas representações justificam e reificam as diferentes possibilidades de apropriação do espaço urbano, de acordo com a raça dos indivíduos ou sua residência em favelas, e tendem a cristalizar as diferenças entre brancos e negros, dos habitantes da “cidade asfáltica” e da “cidade favela”. Estabelecemos assim dois objetivos primordiais, que nos balizaram: 1- investigar relações entre a construção social da raça negra na cidade, o universo simbólico e as práticas sócio-espaciais desenvolvidas pelo Estado desde o período colonial, com os espaços quilombolas; 2- buscar na TRS contribuições à compreensão da constituição das diferentes representações de negros e favelados e suas implicações espaciais na urbanização da metrópole, associando a TRS ao conceito de identidade (em M. Castells), assim como ao estudo dos processos históricos, simbólicos e de constituição do espaço criminalizado, associados à análise do discurso hegemônico. O presente estudo se torna interdisciplinar, graças à combinação da análise da urbanização da metrópole à teoria da Psicologia Social. Na Geografia, analisamos os conceitos de território, lugar, espaço favelado e analisamos a transmutação de quilombos periurbanos em favelas e esgarçamento do tecido sócio-espacial (nos termos de Andrelino Campos e Marcelo Lopes). Na Sociologia, buscamos os estudos acerca da identidade, desenvolvidos por Castells, e poder. Na TRS, o conceito de representações sociais e os processos que permitem compreender a emergência das significações e a análise do sentido. Para desenvolver as pesquisas, associamos bibliografias da Geografia Urbana, Ciências Sociais, Psicologia Social, e Lingüística. Inicialmente analisamos a validade do conceito de “raça” no contexto brasileiro. Tais considerações são enriquecidas com dados do Censo 2000. Iniciamos então o debate quanto às identidades (auto representações) negras na cidade, dialogando com a TRS. Analisamos a constituição de representações sociais, hetero representações simbólicas construídas nos diferentes processos sociais desenvolvidos no espaço e no tempo. Iniciamos a análise dos discursos hegemônicos, e culminamos com a Geografia e seus estudos urbanos que estabelecem relações entre antigos quilombos periurbanos e as favelas cariocas contemporâneas. Articulam-se aos objetivos, a pesquisa do papel da construção das identidades negras e suas representações sociais para a constituição das diferentes noções de favelas. Para além, cabe investigar as tentativas de associação de negros e favelados, empreendidas via discurso hegemônico, e os fatores que contribuem para a inculcação de representações diferenciadoras das pessoas em um viés racial e locacional. Propomos alternativas contra-hegemônicas para uma pedagogia cotidiana que permitam modificações das representações de grupos sociais e de espaços, não mais construídas via dominação pelo discurso e uso de pedagogias conservadoras e antidemocráticas, com a denúncia de seu caráter discriminatório e segregacionista, idealizadas hegemonicamente desde tempos coloniais (hoje utilizando a mídia de massa para propagar seus ideários), e contribuir para re-fundar a escola como espaço privilegiado do conhecimento, onde a possibilidade de questionamento se torne realidade, construindo representações pautadas no conhecimento dos processos históricos, culturais, espaciais e simbólicos de construção da cidade do Rio de Janeiro. Concluímos que as noções de raça e identidade afetam em muito a vida dos residentes ou não em favelas. As bibliografias nos indicam serem os indivíduos negros e favelados aqueles que sofrem influências mais nefastas em seu modo de vida e no modo de identificar-se perante os demais grupos societários. Tais considerações emergem a partir de nossa proposta metodológica do par conceitual “identidade – representação social” como o que permite maior aproximação teórica com os fenômenos sociais e espaciais ocorrentes cotidianamente na metrópole carioca. As noções de identidade e representação social contribuem para fundamentar as práticas sócio-espaciais, e estas são intimamente relacionadas ao universo simbólico e de signos — assim como o sistema de objetos e de ações — existente e constituinte do espaço, a todo o histórico de lutas e resistências ético-políticas existente no território, e a significação, sentimento e a experiência adquirida no processo singular da vivência apreendida no lugar. A construção das identidades negras passa por questões pretéritas de ação do Estado. Práticas policiais e preventivas aplicadas aos quilombos periurbanos são constantemente reproduzidas com as atuais favelas, além de formas de representações sociais que, assim como no período colonial e imperial, associam o negro ao espaço das favelas (ocupando papel simbólico semelhante ao dos quilombos para a ordem do Estado); o espaço favelado e seus habitantes estariam associados aos negros. As representações sociais se formam a partir do sujeito coletivo; neste sentido, a subjetividade do indivíduo foi construída em profunda relação com a sociedade, da qual aprendeu códigos lingüísticos, simbólicos e respectivas normas. Neste processo, estará continuamente construindo e alterando suas identidades, graças aos imponderáveis da vida, permanentemente mutável. AO395 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Urbanização da Sociedade [1336] ABORDAGENS BRASILEIRAS ACERCA DAS PERIFERIAS. ROSELAINE OLIVEIRA DOS SANTOS. UFRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: Neste trabalho objetiva-se discutir a trajetória do conceito de periferia na formação social brasileira. Busca-se compreender, desde os caminhos teóricos que consolidaram, a partir da década de 1970, certo paradigma interpretativo responsável por uma visão “majoritária” da periferia, até as abordagens mais recentes, as quais lançam diferentes olhares para as transformações em curso nestes espaços, formulando diferenciadas interpretações. Em linhas gerais, é feito um esforço de síntese cujo resultado expõe cinco grandes correntes interpretativas das periferias urbanas no Brasil, as quais mostram-se ora complementares, ora excludentes, refletindo diferentes momentos da organização desses espaços e/ou de um contexto teórico filosófico mais amplo. De forma geral, na primeira e mais antiga corrente interpretativa, a periferia é entendida como espaço de extensão ou continuidade do crescimento urbano, sendo uma área de transição entre o urbano e o rural, na qual o uso urbano vai progressivamente tomando espaço e se sobrepondo ao rural, podendo haver a predominância de um ou outro uso. Nessa visão, a periferia não está atrelada a nenhum conteúdo de classe e a distância em relação ao centro urbano é conseqüência da capacidade de dinamismo e crescimento espacial do mesmo. Em uma segunda visão, consolidada na década de 1970, sob influência do debate acerca das teorias do desenvolvimento, a periferia no Brasil passou a ser entendida como um resultado espacial da segregação imposta por um capitalismo dependente; espaço, ao mesmo tempo, física e socioeconomicamente distante de um centro urbano, locus da reprodução social da classe trabalhadora pauperizada. Assim, seria funcional ao sistema por permitir o desadensamento do núcleo e a diminuição das pressões populares sobre o Estado e os empregadores, sendo atrelada a um conteúdo social específico (de baixo status), ao loteamento popular baseado na autoconstrução e às mais elementares carências urbanas (tanto maiores quanto maior a distância em relação ao centro urbano). Para uma terceira corrente, engendrada no mesmo contexto teórico que a segunda, independentemente da localização próxima ou distante ao centro urbano, o que marca a periferia é a condição de pobreza de seus habitantes e a baixa renda diferencial, sendo representada por espaços tão diversos como favelas, cortiços ou loteamentos populares, por exemplo. Marcando uma quarta corrente interpretativa que veio complementar a segunda (ressaltando o dinamismo populacional e econômico da periferia), está a idéia de que esses espaços tendem a um processo de heterogeneização sócio-espacial, deslanchado a partir do incremento das atividades de comércio e serviços (por vezes também industriais) a reboque do crescimento populacional que gera demanda crescente aos comerciantes e prestadores de serviços locais, com diferentes níveis de capitalização. A idéia de uma periferia homogeneamente pobre e carente das infra-estruturas mais básicas é descartada em prol de uma visão mais complexa que destaca espaços residenciais e de consumo cada vez mais sofisticados a compor um cenário sócio-espacial crescentemente heterogêneo. Finalmente, em uma quinta visão, bem recente, a periferia passa a ser entendida não só como locus da segregação imposta às classes pobres, como também da auto-segregação de classes abastadas oriundas do núcleo metropolitano. De acordo com essa última visão, as periferias brasileiras estariam cada vez menos vinculadas a um conteúdo específico de classe, existindo uma “periferia pobre” e, cada vez mais, uma nova “periferia rica”, constituída por condomínios fechados, que estaria transformando e dualizando a periferia tradicional. Ao considerar uma “periferia rica”, esta visão trata a periferia, sobretudo, em termos da distância física em relação ao centro metropolitano, deixando de lado uma unidade conceitual atrelada aos processos de segregação e exploração em relação a um centro. Dentre as cinco interpretações acima, as duas últimas tratam de transformações recentes nas periferias, e à primeira vista estariam tratando de uma mesma coisa: a complexificação dos conteúdos sociais na periferia. Entretanto, defende-se que a heterogeneização sócio-espacial da periferia e a formação de espaços autosegregados em meio à periferia para usufruto de uma elite oriunda do centro metropolitano constituem processos completamente distintos que elaboram formas, paisagens, lugares e funções igualmente diversos na estrutura metropolitana e apresentam diferentes inter-relações com a periferia e com o processo de periferização. Assim, enquanto a heterogeneização sócio-espacial da periferia é entendida enquanto um desdobramento do processo de periferização (ou seja, como decorrente, em última instância, do crescimento de uma população pobre e segregada em relação ao núcleo metropolitano, que passa a constituir-se em demanda capaz de gerar oportunidades de negócios para agentes locais minimamente capitalizados, contribuindo à geração de empregos e de uma classe média na periferia), a formação de espaços autosegregados em meio à periferia para usufruto de uma elite oriunda do núcleo metropolitano seria decorrente de um processo outro, o de “suburbanização” dessas elites (no sentido norte-americano de suburbs), que passam a fugir dos fatores de deseconomias de aglomeração do núcleo e a buscar espaços vazios (que podem ou não ser em meio à periferia) onde seja possível a constituição de “edge-cities”. AO396 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Urbanização da Sociedade [1566] O CIRCUITO DE RÁDIO FM E A PRODUÇÃO FONOGRÁFICA EM CAMPINAS- SP. CRISTIANO NUNES ALVES. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, CAMPINAS, SP, BRASIL. Resumo: A pesquisa propõe analisar as dinâmicas sócioterritoriais na metrópole de Campinas. Queremos especialmente contribuir para o entendimento da conformação e da espessura do circuito de rádio FM na cidade, produto e condição do circuito de produção fonográfica, inserido no contexto da industria cultural como meio de divulgação de massa. Em torno das variáveis “radiodifusão” e “produção musical”, temos a situação de “experiência sonora no lugar” que tomamos como componente do espaço geográfico contemporâneo. O circuito de rádio FM faz uso de um sistema de objetos para desenvolver suas atividades, tais como estações de rádios comerciais e comunitárias, torres de transmissão, carros de propaganda, estúdios de produção musical, lojas de discos, entre outros. Suas ações configuram igualmente um sistema, indissociado do sistema material, movido por seus agentes e manifesto, entre outros elementos, pelo fluxo de informação de programação das rádios (notícias e entretenimento), produção fonográfica em si, eventos musicais, entre outros. Trata-se de objetos e ações que dão forma ao que Milton Santos denomina meio-técnico-informacional (Técnica, espaço e tempo. SP: Hucitec, 1994). Surgido no final do século XIX na Inglaterra, o rádio rapidamente se difunde para vários lugares do mundo e chega ao Brasil em 1923, instalando-se como um meio de informação de elite. Em 1937 se iniciam os trabalhos da Rádio Cultura, primeira em Campinas, já na época uma cidade de significância na rede urbana do Estado de São Paulo. As rádios se tornaram elemento vital para a introdução da indústria cultural no país. A partir de década de 1940 entram na era da publicidade e os dados desse período, chamado de “época de ouro do rádio”, já indicavam estratégias verticais de uso do território ligadas ao veículo. O rádio passa a ser utilizado para difundir ideologias em favor da integração territorial sob o comando de uma racionalidade capitalista homogeneizante. No pós-guerra, em face de concorrência com a TV, o rádio se transformou em um meio de informação de “segunda classe” para as elites, e passa a ser direcionado sobretudo às camadas populares urbanas. Na década de 1960 no contexto de um vigoroso momento de industrialização e urbanização, surge o instrumento que regula a radiodifusão no país: o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), amparado pela Lei 4.117 de 27 de agosto de 1962, que demonstra a importância assumida pela radiodifusão no processo de modernização do território nacional. Na década seguinte o Ministério das Comunicações lança o plano de distribuição de canais FM (Freqüência Modulada). Trata-se de uma freqüência que, em relação à AM (Amplitude Modulada) - predominante até então - tem menor alcance e maior fidelidade sonora. Adequada para a radiodifusão musical, a FM se torna o meio preponderante na divulgação do circuito de produção fonográfica de massa no país. Impulsionadas por ações estratégicas do governo militar as concessões se tornam ao mesmo tempo moeda de troca de grupos políticos e um meio de interiorização para a radiodifusão, estendida a um maior número de lugares. O período de expansão da FM coincide com uma época de urbanização crescente em que se delineia o meio-técnico-científico-informacional no Brasil. Na medida em que crescem as aglomerações urbanas e ganha complexidade a mediação técnica que dá conteúdo ao fenômeno urbano, torna-se urgente todo um sistema instrumental para a difusão da cultura de massas. No território brasileiro, o rádio envolve um complexo conteúdo de objetos e ações: Trata-se do veículo de massa que abrange o maior número de lugares. De acordo com o Ministério das Comunicações em 2004, dos 4.974 municípios da federação, 1573 abrigam emissoras de rádio e quase a totalidade do território é envolvido pela radiodifusão. Mas, na contramão e em constante atrito - confluência com as estratégias verticais de uso do território pelo circuito FM, eclodem nos lugares circuitos ascendentes associando rádios livres, movimentos culturais e a produção musical independente, entre outros. Tal conflito entre ordens verticais (descendentes) e a dimensão horizontalizada (ascendente) da vida dos lugares pode ser reconhecido, entre outros, no circuito de produção de rap, música que compõe a cultura hip hop. Malgrado o monopólio da informação difundido pelo circuito FM - que em geral corresponde a um conteúdo informacional alheio ao lugar – se organiza, portanto, um circuito de produção musical pautado na proximidade, possível por meio de uma comunicação ascendente. Esse circuito envolve uma mídia denominada alternativa, apontando para formas de fazer igualmente alternativas, que incluem a apropriação das novas tecnologias de informação. Nesse sentido podemos pensar nos caminhos que conferem à arte uma expressão política. Para problematizar esta questão, tomamos como situação a cidade Campinas, no período que se inicia em 1969 a partir da chegada da FM, com a fundação da Rádio Andorinha, primeira a operar no município, até os dias atuais. A região de Campinas a partir da década de 1970 experimenta o processo de metropolização. Desde o início da expansão da FM, a Região dispõe de um conteúdo técnico e informacional adequado para a difusão do novo circuito. Nos interessa entender a força de agregação que contém o saber e a comunicação entre os homens no lugar. Da comunicação entre os indivíduos acreditamos emergir formas de pensar e agir no território a partir de uma racionalidade alternativa à racionalidade hegemônica. Trata-se do estudo de Campinas enquanto um lugar, a partir das densidades técnica, informacional e comunicacional. Buscamos, pois, compreender as condições geográficas de vida nesta metrópole por meio do refinamento do conceito de densidade comunicacional, colaborando assim para o debate sobre os usos possíveis e correntes do território atual. AO397 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Urbanização da Sociedade [1704] A INTEGRAÇÃO PRECÁRIA DOS GUARANI- MBYA AO \ "UNIVERSO URBANO\ ". CAMILA SALLES DE FARIA. USP, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: Uma leitura geográfica da metrópole de São Paulo revela um processo que envolve relações de espaços e tempos diferenciadas. Podemos destacar relações espaços/tempos integrados ao sistema mundial, nos quais aparecem espaços homogeneizados — produzidos pelo Estado, através do planejamento —, fragmentados e hierarquizados — pelo capital através da propriedade privada, no que se refere aos tempos, não há muita diferença, visto que estes também são ditados pelo modo capitalista de produção. Assim, a paisagem da metrópole revelaria uma produção constante de novos espaços, assim como predomínio das vias de circulação, para maior fluxo e movimentação das mercadorias e um menor tempo para se realizar o processo de reprodução do capital. Mas a metrópole não é só isso. Ela apresenta também espaços de apropriação/uso e tempos que não são ditados pelo “relógio do capital”. Com este intuito esta pesquisa busca desvendar, o que hipoteticamente, acredita-se como um espaço de resistência na metrópole paulistana: a Terra Indígena Jaraguá. Porém, tornase necessário pensa-la através de um processo de mudanças lidas através da contradição integração/desintegração deste povo no que se pode chamar de “universo urbano”. Evidentemente trata-se de um processo contraditório que não se realiza de forma linear e integral no tempo e nem homogeneamente no espaço. A Terra Indígena Jaraguá — localizada na zona oeste da cidade de São Paulo — é ocupada pela população Guarani Mbya e formada por duas glebas que compõem o Tekoa Ytu (Aldeia na frente da Pedra), dividida pela Estrada Turística do Jaraguá, área demarcada e homologada desde 1987 , pelo então Presidente da República José Sarney, e outra gleba, Tekoa Pyau (Aldeia Nova, que renasce). Esta última área não está demarcada por isso se encontra em conflito e foi reocupada a partir de 1995. Este processo de mudança lido como um momento de incorporação do índio ao “universo urbano” revela a passagem da relação de imediaticidade entre a comunidade indígena Guarani Mbya e a natureza para uma relação de mediaticidade, através inicialmente da introdução do dinheiro nas relações sociais da aldeia como meio de troca, e que vai produzir uma alteração profunda no processo de trabalho, tanto no que se refere às relações de trabalho quanto ao hábito de consumo dos produtos. Esta transformação resulta na expansão da metrópole sob a lógica capitalista, por meio do processo de periferização, e com isso consequentemente da proximidade com a cidade onde as relações passam a ser mediadas pela mercadoria e pelo mercado. Em um primeiro momento a relação com a natureza para os Guarani bastava para garantir parte das necessidades vitais como a alimentação e a produção de sua cultura material. Isto porque os Guarani além de caçadores, coletores são também agricultores de pequenos roçados. Hoje, porém, este processo de imediticidade com a natureza se transformou radicalmente. Isto porque esta relação direta com a natureza como sustento da vida e da cultura, não garante mais a sobrevivência da comunidade que passa a depender das relações com o universo urbano, e desta forma há uma inserção do índio ao modo urbano que pode ser percebido nas aldeias. Deste modo invertem-se as relações, agora a existência dos índios é garantida pela troca na cidade em busca de produtos para complementar sua alimentação. Essa nova relação é patrocinada pelo Estado, através de políticas indigenistas integracionistas, como a criação de uma série de “cargos” para os membros da comunidade dentro das aldeias e como a garantia suas “aposentadorias”. A análise que desvenda esse processo se apóia na articulação possível de três momentos produzindo espaços diferenciados englobando: transformação, deterioração, e resistência. Uma transformação aparece como decorrência do processo apontado como produto da demarcação das Terras Indígenas, resultando em um “cercamento” da aldeia. Uma deterioração é percebida no modo de vida da comunidade através da mudança nas relações com a natureza juntamente com o processo de “cercamento” das terras indígenas, o que revela uma constante diminuição da fronteira, tornando-se apenas um limite com o urbano. Tal momento é ressaltado ainda pelo fato de que a comunidade indígena está proibida de coletar e caçar dentro do Parque Estadual do Jaraguá, localizado nesta zona fronteiriça. Mostrando que se trata de uma outra lógica tanto do entorno, como também do Parque, que não é similar à lógica da população Guarani. Para os Mbya a natureza faz parte de seu mundo, de seu cosmos e por isso o homem a ela pertence. Diferentemente dos não-índios que a vêem como algo exterior, para dominá-la ou até mesmo negá-la. Acrescida da lógica do capitalismo deixa de ser natureza e passa a ser recursos naturais, e nesta dimensão, passíveis de serem comercializados. Uma resistência é notada através da cultura Guarani ao processo de integração ao “mundo urbano”, seja através dos rituais e mitos, ou seja na sua relação com a terra, a tradição e a língua, e tem um sentido outro aquele da propriedade privada que se estabelece em seu limite. Aqui se potencializa a possibilidade da realização do modo de vida indígena. AO398 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Urbanização da Sociedade [1783] VIOLÊNCIA CRIMINAL NO ESPAÇO URBANO DE SANTA MARIA- RS. ELIANE MELARA; VANDA UEDA. UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL. Resumo: OBJETIVO Esta pesquisa tem como objetivo demonstrar a importância da temática da violência bem como a espacialização dos crimes no espaço urbano de Santa Maria-RS, através da identificação de áreas onde a criminalidade está mais acentuada, analisando geograficamente este processo. REFERENCIAL TEÓRICO A violência é ao mesmo tempo geral e específica, sua análise é uma questão de escala. Problemas como a pobreza e o desemprego, falência ou corrupção das/nas instituições de repressão e punição (polícias, instituições prisionais, sistema judiciário), a alegada crise de valores do mundo contemporâneo e a sempre lembrada crise das instituições sociais como a família, têm uma abrangência nacional e internacional. Tais fatores emergem e operam em escala supralocal, e tem a ver com decisões ou processos que vão desde a dinâmica do sistema mundial capitalista até políticas macroeconômicas nacionais e especificidades sócioespaciais na cidade. Souza (2005). A violência já é companheira constante da maior parte da população urbana, onde o medo e a ansiedade, incorporados ao seu cotidiano, não somente tem modificado os seus hábitos como tem produzido políticos oportunistas com plataformas eleitorais que incluem promessas mirabolantes de contenção da criminalidade (Félix, 1996). De acordo com a autora, a Geografia só recentemente vem dando maior atenção ao tema, especialmente a partir da conscientização da necessidade de se dar maior relevância aos processos sociais, com novas abordagens das desigualdades e de como estas constroem e geram espaços diferenciados. De acordo com Caldeira (2000) a violência e o medo combinam-se a processos de mudança social-espacial nas cidades contemporâneas, gerando novas formas de segregação social no espaço urbano. No entanto, sua investigação é especialmente importante porque fomenta o desenvolvimento de dois novos modos de descriminalização: a privatização da segurança e a reclusão de alguns grupos em enclaves fortificados. Segundo a autora os enclaves fortificados – prédios de apartamentos, condomínios fechados, conjunto de escritórios ou shopping centers – constituem o cerne de uma nova maneira de organizar a segregação e a reestruturação econômica. METODOLOGIA Utilizou-se como procedimentos metodológicos para a realização da pesquisa: a efetuação de coleta de dados criminais na Brigada Militar, relacionados às ocorrências criminais; construção de gráficos e mapas, a fim de quantificar, cruzar e espacializar as informações obtidas e realização da análise das questões abordadas, correlacionando a bibliografia pesquisa com as informações obtidas, a fim de construir algumas considerações sobre a temática estudada. Inicialmente a proposta vinculava-se numa espacialização da violência criminal nos bairros de Santa Maria. Entretanto, no ano de 2006, com a implantação do Novo Plano Diretor, de acordo com a Lei Complementar nº 042, de 29 de dezembro de 2006 o espaço urbano da cidade foi dividido em 8 Regiões Administrativas e 41 bairros (antes eram 24). Dessa forma, optou-se por efetuar este estudo considerando as Regiões Administrativas da cidade - Centro Urbano, Norte, Nordeste, Oeste, Centro Oeste, Centro Leste, Sul e Leste. Foram analisados dados referentes às ocorrências criminais, fornecidos pela Brigada Militar, comparando as informações entre os anos de 1998 e 2003. De acordo como o Código Penal, delimitou-se para o trabalho os crimes Contra Pessoa (homicídios e lesões corporais), Contra o Patrimônio (roubos e furtos), assim como Tráfico e Consumo de Entorpecentes. PRINCIPAIS QUESTÕES A violência é um fenômeno que afeta a sociedade numa escala global. As grandes metrópoles do Brasil sofrem enormemente com essa problemática, entretanto, as cidades médias também vêm apresentando significativos níveis de criminalidade. Considera-se, desse modo, que a dinâmica criminal pode ser um dos fatores de transformação do espaço e reorganização espacial (o crime transforma o espaço e seus significados). Nesse sentido, estudar a violência a partir da Geografia torna-se um grande desafio, já que a esta é vista como uma prática sócio-espacial, como um elemento do espaço geográfico e como parte do espaço urbano. RESULTADOS E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Pode-se diagnosticar um expressivo aumento da taxa de criminalidade no ano de 2003 em relação ao ano de 1998 no espaço urbano de Santa Maria. Conforme a espacialização das informações obtidas, em quase todas as modalidades criminais selecionadas para este trabalho, as regiões administrativas Centro Urbano, Oeste, Norte e Nordeste se destacaram com os maiores números de incidência criminal. As regiões Leste, Centro Leste, Sul e Centro Oeste apresentaram um número reduzido de crimes se comparado as outras regiões. Uma das causas da incidência de crimes estar focalizada na região central e noroeste da cidade vincula-se a maior concentração populacional nestas áreas. Sabe-se que existem outras causas que explicam a espacialização criminal na cidade de Santa Maria, já que a violência é um assunto complexo e envolve uma multiplicidade de questões. Embora este estudo esteja assentado num modelo estatístico de comportamento, considera-se necessária a análise conjunta com fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, a fim de se chegar a possíveis explicações sobre as causas da violência, e as repercussões deste fenômeno no espaço urbano. AO399 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Urbanização da Sociedade [1592] A FOM E E A M I SÉRI A N A ALI M EN TAÇÃO: UM A ABORD AGEM CRÍ TI CA A PARTI R D A METRÓPOLE DE SÃO PAULO. JOSÉ RAIMUNDO SOUSA RIBEIRO JUNIOR. DG / FFLCH / USP, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: A Ge ogr a fia da Fom e Pode-se dizer que Josué de Castro foi o primeiro intelectual brasileiro a chamar a atenção para o drama da fome. Através de uma vasta obra, escrita entre as décadas de 30 e 60, esse médico e geógrafo recifense, rompeu com o que ele mesmo denominava o “tabu da fome” – tabu que, apoiado em preconceitos morais e interesses políticos, tornava a fome um tema proibido. Sua primeira grande contribuição foi a conceituação da fome. Para ele a fome se manifestaria de diversas maneiras: coletiva ou individual; endêmica (constante) ou epidêmica (surtos); parcial/oculta ou total (inanição). Definições importantes que trazem profundidade ao conceito sem restringi-lo a casos esporádicos e extremos. Através de seus dois livros mais conhecidos, Geografia e Geopolítica da Fome, Josué de Castro descreveu os horrores da fome no Brasil e no mundo e delimitou o que seriam as áreas de fome endêmica e epidêmica. Nesse caminho combateu as teses que explicavam a fome através de um determinismo climático, chamando atenção para a importância do “passado histórico” para o entendimento da realidade. Porém, se a obra de Josué de Castro permanece importante para o entendimento da fome, ela não é suficiente. Apesar de ter escolhido a fome como temática (uma escolha ousada para a época) ele não rompeu com a análise regional tradicional de forte caráter descritivo e empirista. Além disso, o fato de ter vivido a transição do Brasil de um país predominantemente rural para um país predominantemente urbano, fez com que ele se debruçasse principalmente sobre a população do campo. A Ur ba n iza çã o Cr ít ica A realidade que vivemos hoje nos coloca a necessidade de uma nova interpretação da fome. O século XX foi marcado por um imenso movimento migratório do campo para as cidades. No Brasil a população urbana já representa cerca de 80% da população total. Essa enorme mobilização da população respondeu às necessidades de reprodução do capital, que precisava de uma vasta mão-de-obra nas cidades para realizar o processo de industrialização. Assim nasceram as metrópoles brasileiras, que sintetizam, de algum modo, o desenvolvimento contraditório da economia capitalista. O processo de industrialização, que em um primeiro momento mobilizou a população para as cidades, agora caminha no sentido de expelir cada vez mais os trabalhadores do processo produtivo através do desenvolvimento das forças produtivas. As enormes cidades, que cresceram atendendo às necessidades do capital, chegam ao limite da crise, pois o desemprego generalizado leva à miséria aqueles que têm como única forma de sobreviver a venda de sua força de trabalho. Simultaneamente, a cidade torna-se ela mesma um negócio. A propriedade privada da terra sustenta um amplo campo de negócios urbanos que tornam a vida cotidiana dos trabalhadores ainda mais miserável. Uma enorme massa de trabalhadores e desempregados (ou subempregados) enfrentam cotidianamente a radicalidade da situação: não há moradia nem emprego para a maioria. Além dos conflitos e das diferenças sociais podem ser identificadas as diferenças espaciais de acesso à urbanização. A metrópole – enquanto negação da cidade, cidade fragmentada – revela o império da economia sobre a vida cotidiana e sintetiza o momento crítico que vivemos. Trata-se da urbanização crítica (DAMIANI), que é a impossibilidade do urbano para todos. É o urbano revelando as contradições que vivemos através de uma população gigantesca que apenas sobrevive. A fom e e a m isé r ia na a lim e n t a çã o: o ca so da m e t r ópole de Sã o Pa u lo A miséria da vida cotidiana, fruto de sua intensa fragmentação e programação, revela-se nos mais diversos âmbitos: na alimentação, na habitação, no transporte, no trabalho, no lazer, na educação etc. Considero que a alimentação seja um âmbito privilegiado que possibilita um estudo mais particular e vertical. Ela ocupa um papel central na vida cotidiana sendo simultaneamente uma necessidade biológica e social. Sua deterioração, tanto nos aspectos nutricionais, como nas relações sociais que cercam esse ato, revela a profundidade da miséria da vida cotidiana. Essa deterioração da alimentação, diferente do que se possa imaginar, atinge uma enorme parcela da população brasileira. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2004 pelo IBGE, indica que no Brasil haveriam 72.163.896 de pessoas em situação de insegurança alimentar, o que representa aproximadamente 40% de toda população brasileira. Segundo essa mesma pesquisa, aproximadamente 79% da população em situação de insegurança alimentar (cerca de 56.736.950) vive nas cidades. Deve-se ressaltar que essa deterioração da alimentação não é uniforme, não se manifesta da mesma forma em toda a população. De maneira geral ela atinge com mais intensidade as camadas mais pobres da população, sendo uma expressão das diferenças sociais que são simultaneamente diferenças espaciais. Portanto, é impossível entender essa deterioração da alimentação sem considerar o processo de urbanização crítica, sem considerá-la inserida em um processo mais amplo e que portanto a inclui. É necessário considerar também, que uma pesquisa que tenha como objetivo entender critica e profundamente a fome, não pode ficar restrita à consulta da bibliografia existente e dos dados estatísticos. Neste sentido colocamos acento na realização de trabalhos de campo, em determinados recortes espaciais, que podem de alguma maneira revelar através de suas particularidades a universalidade do processo. Por fim, gostaria de ressaltar que o sentido desse trabalho não é a busca por uma saída possível através do planejamento, nem a tentativa explicar a miséria como uma face do capitalismo dependente. Seu sentido é o de explicitar que a possibilidade do urbano para todos passa necessariamente por uma transformação radical das bases da produção e reprodução sociais. AO400 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Urbanização da Sociedade [1664] PEQUEN AS CI D AD ES D A M I CRORREGI ÃO GEOGRÁFI CA D E CATALÃO ( GO) : PERSPECTI VAS DE ENVELHECIMENTO POPULACIONAL. NÁGELA APARECIDA DE MELO1; BEATRIZ RIBEIRO SOARES2. 1.UNI VERSI DADE FEDERAL DE UBERLÂNDI A/ FACULDADE DE CI ÊNCI AS I NTEGRADAS DO PONTAL, I TUI UTABA, MG, BRASI L; 2.UNI VERSI DADE FEDERAL DE UBERLÂNDI A/ I NSTI TUTO DE GEOGRAFI A, UBERLÂNDIA, MG, BRASIL. Resumo: Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, sobre a temática pequena cidade. O presente artigo tem como objetivo analisar alguns elementos da dinâmica populacional das pequenas cidades da microrregião geográfica de Catalão (GO), especificamente, a ocorrência de perspectivas de envelhecimento da população local. O recorte espacial da pesquisa é formado pelos municípios e cidades de pequeno porte da microrregião geográfica de Catalão que, apresentaram, no censo demográfico do IBGE, ano de 2000, até 20 mil habitantes urbanos. Essa microrregião faz parte da mesorregião Sul Goiano e é formada por onze municípios, tendo Catalão como sede; esta é a única cidade entre os municípios que excede o total de 20 mil habitantes. Para o desenvolvimento do presente estudo foram realizados revisão bibliográfica sobre a temática pequena cidade, a formação sócio-econômica e espacial de Goiás e da porção sudeste deste estado; levantamento e análise de dados demográficos sobre a evolução do número de residentes e estrutura etária; entrevistas com 441 pessoas residentes na área em estudo e com representantes das administrações municipais; e, observação empírica, nas dez pequenas cidades, com roteiro pré-estabelecido. A temática central da pesquisa é a questão da pequena cidade. Esse assunto se relaciona diretamente com o conceito de cidade e urbano e com o limite inferior do sistema de cidades. Nesse sentido, por um lado, faz interface com as definições político-administrativas adotadas pelos países e, por outro, com a construção conceitual dos estudos acadêmicos, envolvendo várias áreas do saber científico e, especificamente a Geografia, enquanto ciência que estudo questões de conteúdo espacial. Os estudos sobre pequena cidade ainda apresentam incipiente desenvolvimento. Sendo essa afirmação válida, no caso brasileiro, tanto em relação a elaboração conceitual, como no que diz respeito a compreensão das múltiplas realidades existentes. Santos (1979, 1993 e 2004) desenvolveu o conceito de “cidade local” como uma tentativa de tratar a questão da pequena cidade, pelo ponto de vista funcional. Segundo este estudioso, cidade local é efetivamente: o nível urbano mais baixo, o limiar que permite a uma aglomeração satisfazer as demandas gerais mínimas de uma população; tem influências estritamente locais e níveis urbanos elementares, mas, fundamentais para o seu entorno imediato; deve apresentar um limite inferior de complexidade das atividades urbanas capazes de garantir um crescimento auto-sustentado e um domínio territorial; surge ou passa a funcionar com intermediária entre o campo modernizado e outros núcleos maiores e complexos; e, tem possibilidades limitadas de criar atividades modernas por causa do tamanho reduzido de seu mercado e do caráter monopolístico de algumas atividades regionais (SANTOS, 1979, 1993 e 2004). Nazareth (2004), tendo, também, em vista a apreensão das pequenas cidades pela perspectiva de suas funcionalidades urbanas, sugeriu duas categorias de análise para o desenvolvimento de estudos. Um delas é a trama social e espacial que tem cinco dimensões: 1) o exercício das funções propriamente ditas; 2) a intensidade do processo de urbanização; 3) a presença do mundo rural, 4) o modo de vida cotidiano; 5) a dinâmica da sociabilidade local. A outra categoria indicada foram as trajetórias de desenvolvimento. Em geral, os estudos desenvolvidos, até então, constituem-se trabalhos analíticos sobre realidades espaciais de pequenas cidades, sem, contudo centrar-se na proposição conceitual. Esses têm, também, apresentado importantes contribuições pela ampliação os conhecimentos sobre as pequenas cidades brasileiras e suas particularidades e ainda por proporem reflexões que podem servir ao avanço conceitual do tema. Um dos processos notados nas pequenas cidades é a ocorrência de baixo crescimento populacional, mesmo em situações de esvaziamento de seus entornos rurais, o que afeta consideravelmente, os seus dinamismos e papéis (FERREIRA, 1987; ENDLICH, 2006; MELO e SOARES, 2006). A área em estudo, nesse trabalho, composta por Anhanguera, Campo Alegre de Goiás, Corumbaíba, Cumari, Davinópolis, Goiandira, Ipameri, Nova Aurora, Ouvidor e Três Ranchos apresentou, na segunda metade do século XX, um processo de expressiva de perda populacional; os decréscimos populacionais foram mais intensos no período entre 1970 e 1980; a diminuição do contingente populacional teve maior expressividade no meio rural. Nas cidades, a dinâmica demográfica apresentou-se mais diversificada, ocorrendo tanto diminuição do contingente urbano, como também aumento, entretanto, em baixos percentuais. Identificou-se, ainda, na dinâmica populacional dessa área, perspectivas de envelhecimento. Analisando a composição da estrutura demográfica, segundo grupos de idade, verifica-se a tendência de ampliação da participação dos grupos etários com idade mais elevada (60 anos e mais) e diminuição da participação do número de crianças e jovens. Os dados demonstram que, nesses municípios, a participação das pessoas com idade de 60 anos ou mais, no conjunto total da população, no ano de 2000, foi, conforme dados do IBGE (2006), superior a média do país (7,3 %), da região Centro-Oeste (5,2 %) e do estado de Goiás (5,7 %). Com exceção de Campo Alegre de Goiás e Três Ranchos, os demais apresentaram percentual de população idosa, superior a 10 %, no conjunto da população total. Entre os anos de 1996 e 2000, ocorreu ampliação da participação de pessoas com faixa etária mais elevada, o que, acompanhado de queda na taxa de fecundidade, diminuição percentual de crianças e jovens no total de residentes e melhoria nos indicadores de longevidade, sugere a ocorrência de envelhecimento da população local (IBGE, 2003). O processo de envelhecimento, no caso em estudo, deve ser visto, por um lado, como integrante das mudanças que vem ocorrendo na própria estrutura demográfica do país; resultante, principalmente, da ampliação da esperança de vida ao nascer, da diminuição do número de filhos por mulher e da queda da mortalidade (BERQUÓ, 2001). Por outro, nas pequenas cidades e municípios, onde o crescimento populacional tem sido incipiente, este se demonstra mais acelerado, como no caso das localizadas na microrregião de Catalão (GO), e, portanto, se refere a fatos específicos desses lugares. O campo do entorno dessas cidades, por sua vez, não consegue fixar a população pela sua baixa absorção de mão-de-obra, sobretudo, onde há o predomínio da atividade pecuarista e/ou da agricultura moderna, as quais ocupam pouca força de trabalho e impõem a sazonalidade do emprego, especificamente no caso da segunda. Ao mesmo tempo, ocorre, comumente que, as pequenas cidades também não conseguem reter a população expulsa do campo, assim como os próprios moradores urbanos, devido a ausência de um setor econômico dinâmico que gere empregos, bem como de serviços educacionais que possibilitem formação técnica e superior. Além de outros aspectos como a falta de estruturas para lazer, diversão e acesso as diversas culturas e práticas esportivas. Ressalta-se que questões como essas, foram apontadas por Ferreira (1987) e, nessa pesquisa, são re-afirmados. Visto por esse ângulo, verificou-se nessa pesquisa, que o envelhecimento, nas pequenas cidades se relaciona também, com um outro aspecto comum nesses lugares, que, especificamente, na área em estudo, é identificado pela migração de população, sobretudo de jovens, para centros maiores, e, também, conforme alguns casos, pela ocorrência de um “movimento de retorno” de pessoas idosas, em geral, aposentadas e naturais das pequenas cidades que, migraram para centros maiores em momentos anteriores. AO401 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Urbanização da Sociedade [1839] OS LI M I TES D A VI D A N AS M ARGEN S D A CI D AD E: O “PORTO D O SAL”, ESPAÇO D E (SOBRE)VIVÊNCIA NA ORLA FLUVIAL DE BELÉM - PA. BRUNO CEZAR MALHEIRO. NAEA- UFPA, BELEM, PA, BRASIL. Resumo: A cidade de Belém sintetiza em sua orla fluvial tempos-espaços diferenciados e contraditoriamente articulados, dentre os quais estão uma temporalidade metropolitana reproduzida em uma lógica da mercadoria e tempos ribeirinhos, que ainda subsistem em feiras, portos e trapiches nas margens da cidade. Parece, então, que a orla fluvial de Belém se transfigura em um território da reunião, expressão espacial do encontro de experiências, da convergência de temporalidades distintas: nela a metrópole se estende em direção ao rio e o rio se estende em direção à metrópole. Na união dessas correntezas está posta sua dinâmica. Essa faixa da cidade é, assim, uma das principais expressões geográficas da relação entre vida urbana e a vida ribeirinha no contexto amazônico. O espaço ao qual direcionamos nossa análise neste trabalho, o Porto do Sal, localizado na orla central de Belém, também se produz no encontro dessas lógicas distintas, mostrando-se como lugar historicamente produzido a partir de uma inserção precária em uma economia metropolitana, como espaço que registra práticas de (sobre)vivência diretamente ligadas a uma relação com o rio, práticas estas colocadas à margem a partir da proliferação de um tempo metropolitano na orla de Belém, tempo este que se liga ao processo de metropolização do espaço de Belém que, nesse contexto, compreende perdas em relação ao próprio urbano. Diante desta problemática o presente trabalho procura analisar as práticas cotidianas de (sobre)vivência do Porto do Sal, buscando mostrar o processo de produção de uma cidade à margem expressa em um espaço à margem. Nesse sentido, analisamos a geografia histórica deste espaço, as temporalidades que se expressam nas espacialidades e nas práticas cotidianas do Porto, bem como os elementos de uma condição social degradada presentes nas experiências dos agentes produtores deste lugar. A metodologia utilizada para a concretização destes objetivos foi dividida em cinco momentos, sendo que em um primeiro momento foram realizados levantamento e análise bibliográfica; um segundo momento foi reservado para o levantamento e análise de documentos em arquivo público; em um terceiro momento iniciaram as observações diretas, situando e relacionando fatos cotidianos, construindo cadeias de significação; em um quarto momento realizou-se entrevistas gravadas semi-estruturadas com os agentes produtores do espaço; e em um quinto momento registrou-se depoimentos que mostrem as histórias de vida de alguns sujeitos, no sentido de se aproximar da condição social destes e da realidade espacial configurada. No tocante ao referencial teórico podemos situar este trabalho, primeiramente, no campo da Geografia a partir da utilização da teoria da produção social do espaço (LEFEBVRE, 1974; SANTOS, 2004a). Tendo como campo privilegiado de análise a cidade, nossas reflexões também se alimentam das teorizações sobre cidade, urbano e vida urbana de Lefebvre (1971, 2001, 2002) para situarmos o espaço que analisamos a partir da coexistência e simultaneidade de modos de viver o urbano. Para uma maior compreensão da dinâmica econômica e social processada neste espaço foi importante a utilização da teorização de Martins (2002) sobre o processo de inclusão precária, bem como a teorização de Milton Santos (1979) acerca da dinâmica dos dois circuitos da economia urbana. Outra contribuição fundamental é a teorização de Haesbaert (2004) acerca da dinâmica de territorialização precária relacionada a uma grande instabilidade e insegurança sócio-espacial. Articulando este referencial teórico com a dinâmica empírica observada no Porto do Sal a partir dos procedimentos metodológicos indicados anteriormente, chegamos a algumas conclusões. Remontando, de maneira breve, contextos locais/regionais, percebemos que o Porto do Sal, no período da cabanagem assumiu a função de ponto de defesa e ordenamento territorial, servindo, ainda, para articular o movimento cabano a partir do rio. O Porto também viveu períodos de grande comércio, nos quais esse espaço, além de ponto de troca era lugar do encontro entre sujeitos vindo do “além rio” e sujeitos da cidade, sendo um ponto importante para o abastecimento e para o desenvolvimento do comercio e até mesmo para o lazer.Nesse sentido, parece que o Porto possuía uma dinâmica interessante, pois ao passo que aos seus arredores proliferavam-se atividades do circuito superior, como escritórios e empresas, ou até mesmo fábricas; no trapiche o movimento era comandado por sujeitos que acessavam aquele espaço em busca de sobrevivência, através de barcos de pequeno e médio porte que ali aportavam sem pagar taxas, enfim, por trocas mais amplas que pressupunham o encontro, o reconhecimento mútuo, inter-relações entre tempos sociais distintos, mas que ali se apresentavam complementares. Quando chegamos à realidade atual, o que se observa é uma total decadência econômica, quando a estrada passa a ser o meio de transporte de muitos dos que acessavam o porto, quando a concorrência com outros portos privados dificulta a sobrevivência dos sujeitos e quando o porto desmorona, o que torna impossível qualquer movimentação de embarcações. Essas considerações nos guiaram a reconhecer esse lugar como aglomerado de exclusão, onde os sujeitos se territorializam precariamente em um cotidiano ligado à desigualdade social. Aproximamo-nos, dessa forma, de um espaço cuja dinâmica econômica é processada para atender a uma demanda pouco capitalizada da população (espaço de sobrevivência) e onde se desenvolvem sociabilidades próximas preenchidas por um cotidiano degradado (espaço de vivências). Visualizamos, assim, um espaço de (sobre)vivência cujos sujeitos produtores incluem-se precariamente na economia política da cidade, a partir de práticas econômicas ligadas ao circuito inferior da economia urbana, as quais refletem uma coexistência de tempos sociais contraditórios ajustados de forma degradada. O porto vira “favela”, um aglomerado de casas dispostas em um terreno inconsolidado, ou mesmo sobre o rio, isso sem nenhuma condição digna de vida. Percebemos, dessa forma, que, por os sujeitos desse aglomerado de exclusão possuírem origens distintas e perspectivas também diferenciadas acaba ocorrendo um ajustamento social precarizado no espaço em que os sujeitos se relacionam quase sempre por falta de opções, sendo que, apesar disso, ainda observamos práticas de comunicação e sociabilidades demonstrando que as relações processadas neste lugar ultrapassam a determinação de trocas de mercadorias chegando a uma dimensão do vivido. Nos limites do humano, os sujeitos enfrentam as necessidades inscritas no plano do presente. Nesse sentido, submergindo ao abismo social deste espaço a partir de histórias de vida expressivas, percebemos a reinvenção da vida a cada dia, o enfrentamento do presente desenhando devires, uma nova cidade que emerge nas experiências liminares, na convivência com a escassez, como uma forma de invenção, de criação, de indeterminação, de insurgência. AO402 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Urbanização da Sociedade [1858] O MIGRANTE NA METRÓPOLE: UMA MOBILIDADE PERMANENTE ENTRE TERRITÓRIOS. ANA MARIA MATOS ARAUJO1; JOSÉ BORZACCHIELLO DA SILVA2. 1.UNI VERSI DADE FEDERAL DE SERGI PE, FORTALEZA, CE, BRASI L; 2.UNI VERSI DADE FEDERAL DO CEARÁ, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: Objetivo Analisar a inserção do migrante na periferia metropolitana, observando as condições do habitar e da mobilidade do trabalho entre municípios, bairros e favelas. Re fe r e n cia l t e ór ico Utiliza-se o conceito de mobilidade do trabalho desenvolvido por Gaudemar (1977, p.192), como “uma característica do trabalhador submetido ao capital e por essa razão ao modo de produção capitalista”. Além de a mobilidade ocorrer espacialmente, ela aumenta na razão direta do desenvolvimento de um país, de uma região e lugar. Na acumulação primitiva foram deslocados trabalhadores de outros modos de produção para o capitalismo, dos espaços rurais para urbanos. A mobilidade do trabalho continuou sendo instrumento da ampliação capitalista, sendo incrementada nas reestruturações, nas revoluções tecnológicas, em condições específicas de trabalho (de organização e controle). Há mobilidade quando se mudam jornadas, turnos, ramos industriais, setores (agricultura, indústria e serviços), ou quando desaparecem e surgem novas atividades, atingindo diferentes lugares, tudo pela e para a valorização. A migração é uma das formas de ampliar a acumulação mediante a mudança do lugar de residência dos trabalhadores, para uso da força de trabalho ou para ampliar exército de reserva, mesmo que, boa parte desses trabalhadores jamais seja empregada. Afinal, essa reserva vai ser utilizada menos como oferta e mais como controle da resistência dos trabalhadores e de exploração capitalista, pelo rebaixamento de salários (MENELEU NETO, 1996). Em Luxemburgo (1988), Harvey (2004) e Robira (2005), observa-se a relação entre a mobilidade do trabalho com a expropriação de terras, durante a acumulação primitiva, mas, sobretudo, presente na acumulação ampliada. Tal expropriação faz subsumir as relações e os espaços não-capitalistas, que estariam como reserva para ampliar essa acumulação, reestruturando a produção e o mercado, valorizando o espaço. Metodologia Concebe-se o território não como reflexo ou apenas como palco das relações sociais, mas sendo portador de uma materialidade dessas relações sociais, que permite a reprodução da sociedade. Tal espacialidade dando qualidade aos processos sociais e naturais permitindo se materializarem sobre a superfície terrestre, tal como fundamentado em Lipietz (1987) e em Moraes e Costa (1999) A distribuição de pessoas e objetos no espaço não é resultado exclusivo do modo de produção capitalista. Há uma relativa autonomia das relações não-capitalistas, cujas espacialidades resistem às mudanças e abrem novas possibilidades, mesmo articuladas a produção capitalista (MARTINS, 2000, p. 122). Igualmente, Massey e Keynes (2004) defendem a tese de que o espaço está em processo e, portanto é inacabado e abrese para o inesperado e o imprevisível. Realizou-se estudo de caso na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), sobre a mobilidade do trabalho, mediante pesquisa direta com 801 famílias, entre residentes em Fortaleza (317) e em seis municípios metropolitanos periféricos de um total de 12 (pesquisando 484 familias), abordando aspectos quantitativos e qualitativos, do trabalho, da habitação e da ocupação dos territórios. Questões Como explicar que a imigração continue mesmo com a metrópole se mostrando contraditória, ou um misto de opulência e miséria, com inúmeros problemas urbanos e com enormes dificuldades de inserção nesse contexto de desemprego, precariedade e violência? Pon t os de se n volvidos A mobilidade do trabalho é vista pelo Desemprego e precarização das relações de produção; na Migração urbana e urbano-metropolitana, e, na Ocupação (invasão) e habitação do espaço periférico do imigrante e dos trabalhadores metropolitanos residentes em favelas. Resultados É alto o índice dos desempregados: 18,0%, em Fortaleza e 14,3% nos municípios periféricos. O trabalho por conta-própria é mais freqüente na metrópole (54,8%) que diversifica oportunidades para o trabalhador. Tal relação mantém a renda em torno do mínimo: com mais de meio a um salário mínimo são 36,3% em Fortaleza; na faixa de um a dois salários são pouco mais de 10%. É comum para os residentes na periferia saírem em busca de trabalho em Fortaleza, sobretudo saindo de Caucaia (34,0% dos chefes de famílias ocupados), além de Eusébio (22,2%). Mais da metade da população pesquisada residente em favelas nasceu fora de Fortaleza (55,8%), embora boa parte deles resida na Capital há mais de dez anos (85,5%). São praticamente estabelecidas, pelo tempo de residência, muitas famílias vivem constantes deslocamentos, uma mobilidade habitual entre áreas não-capitalistas (bairros, municípios e favelas). Na favela Riacho Maceió, por exemplo, 40% dos entrevistados invadiram outras áreas e temem serem forçados a repetir tal “opção”. Com características de “território-reserva”, essa favela está em transição e a um passo de tornar-se espaço capitalista, por força da pressão imobiliária e da valorização do espaço. A omissão dos governos, em urbanizar, sanear, colocar infra-estrutura na Favela, de certo modo, ajuda nessa expropriação urbana. Conclusões Confirma-se na RMF, o que Martins (2003) verificou sobre os nordestinos que habitam as periferias das periferias metropolitanas nacionais. São lugares sem infra-estrutura, sem condições de habitação, mas viáveis a sobrevivência, como uma alternativa ao aluguel, uma solução popular para o déficit habitacional. Uma “expansão das fronteiras urbanas” em conflito e em confronto pela habitação, dada a carência ampliada e insatisfeita pelos constantes fluxos migratórios (SILVA, 2005, p.103). Os lugares mais inapropriados para o habitar: as encostas de morros, de dunas e margens de rios e lagoas, dentre outros. Mas os trabalhadores não utilizam a moradia apenas como peça do habitar (pelo valor de uso), transformam-na em mercadoria popular, encaminhada para o mercado imobiliário capitalista, pelo seu valor de troca. AO403 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Urbanização da Sociedade [1865] APROPRI AÇÃO, SEGREGAÇÃO E CON FLI TO N O PROCESSO D E REVALORI ZAÇÃO D O CEN TRO HISTÓRICO DA CIDADE DE SÃO PAULO. GLÓRIA DA ANUNCIAÇÃO ALVES. FFLCH- USP, SAO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: Seguindo uma tendência mundial, a cidade de São Paulo e nela, mais especificamente, seu centro histórico tradicional passa, com maior ênfase desde a década de 90 do século XX, por um processo de revalorização da área o que vem implicando em mudanças sócio-espaciais que revalorizam a área em questão. Essa área foi uma centralidade única até os anos 50 do século XX; era a referência simbólica da cidade, o que fazia com que centro e cidade fossem, no imaginário popular, sinônimos. Na reprodução do capital fez-se necessária a expansão da centralidade e com ela novos centros, alguns especializados, surgem na cidade que passa a ser marcada pela policentralidade. Esse desdobramento da centralidade implicou em um deslocamento de sede de empresas, instituições bancárias e investimentos para outras centralidades e com isso houve um certo abandono da preservação do patrimônio imobiliário existente o que produziu na paisagem ares de decadência física e, segundo alguns, decadência moral. A partir do estudo do processo de revalorização desse centro, que visa recuperar sua capacidade de atração de investimentos bem como o papel de gerenciamento e comando de atividades, verifica-se que vem ocorrendo um embezamento da paisagem e, junto a ele, um processo de higienização social. Mas o processo é contraditório, gerando resistências e luta pela apropriação, pelo uso desse espaço, como procuraremos demonstrar. A paisagem do centro tradicional da cidade de São Paulo vem passando por uma série de transformações que trazem mais modernização a esse espaço (é o caso das obras na avenida Ipiranga para a ampliação da linha de metrô) e ao mesmo tempo procura, em uma estratégia pública-privada, conservar parte do patrimônio aí edificado. As transformações desse espaço, em geral, se justificam a partir da conjugação do binômio – modernização/conservação -, que em outras épocas eram colocados como antagônicas. Em nome da modernidade, desde o início do século XX boa parte das antigas edificações da área central deu lugar aos edifícios com muitos andares. Essa era outra característica do centro: a verticalidade. Ainda que após os anos 50 a verticalização dos edifícios não fosse exclusividade do centro, este continuava a concentrar a maior parte dos grandes edifícios. Na paisagem, segundo MÜLLER (1958), São Paulo cada vez mais se parecia com uma cidade americana, sendo seu centro e a concentração da verticalidade nessa área sua maior expressão. A partir da década de 70 (séc. XX), temos novas áreas da cidade que passam a receber investimentos públicos e privados, o que possibilita o surgimento de novas centralidades, mais especializadas e seletivas. Esse processo de expansão da centralidade é resultado do crescimento da então centralidade única e da sua impossibilidade, ao menos momentânea, de responder espacialmente e em tempo real às novas necessidades apresentadas. Essa é a grande contradição existente da dimensão tempo-espaço: ao mesmo tempo em que o espaço tem que ser equipado para responder satisfatoriamente a um determinado processo produtivo, isso lhe confere uma determinada rigidez das formas que dão conta das necessidades postas em determinado momento temporal, mas pode tornar-se um empecilho ao desenvolvimento do novo processo produtivo onde a velocidade tem papel diferencial. Espacialmente, as transformações dão respostas parciais aos problemas postos, mas rapidamente deixam de responder de forma adequada às questões postas. O próprio Plano de avenidas é um exemplo disso. Sua construção implicou na fixação no espaço do traçado das avenidas e ruas. Ao seu redor novas construções foram executadas e na época se considerava o que há de mais moderno. Hoje, esse traçado é considerado obsoleto, não permitindo a velocidade necessária à rápida fluidez das mercadorias. O mesmo pode ser dito dos prédios: muitos deles não possibilitam a instalação dos cabos de fibras óticas fundamentais à velocidade da informação tão necessária hoje ao processo produtivo. Resolver o problema técnico-espacial (o da rigidez) aliado ao processo de especulação imobiliária posto em curso pelos agentes imobiliários, implicou na aplicação de recursos em outras áreas da cidade pelo poder público o que permite ao surgimento de novas centralidades. Ainda que os centros se pareçam, concentrando atividades, pessoas e serviços, ou seja, atributos da centralidade, eles não são iguais. Existe uma hierarquia: há os que possuem a concentração de atividades mais especializadas e seletivas, reunindo mais recursos e capital e há os que são mais multifuncionais e menos especializados. Essa hierarquia não é só econômica e funcional: ela incorpora atributos simbólicos também. Desta forma, o centro tradicional tem, do ponto de vista espacial, a saída de parte de sedes de empresas privadas e públicas, o que promove um certo “esvaziamento” e a conseqüente não conservação física de parte de seus imóveis. Parte delas se desloca para as novas centralidades que por estratégias de valorização acabam por ganhar status de os novos lugares a serem freqüentados por parcelas da população de melhor poder aquisitivo, em detrimento da antiga centralidade. Se o centro é visto como “perigoso” e pretende-se, no desenvolvimento das estratégias de valorização dos espaços, revalorizar essa área central, é fundamental criar uma imagem positiva do centro, afastar o “ar” de degradação passa a fazer parte da estratégia de revalorização desses espaços. Deste modo, mudar a imagem dos centros é importante para o processo de desenvolvimento das cidades, em especial, das aspirantes ou que já fazem parte da seleta rede de cidades globais, ou seja, aquelas que podem ser peças chave no desenvolvimento do sistema de reprodução capitalista, com funções de decisão e de comando das ações financeiras, de produção e de consumo, inclusive dos espaços. Mas como fica a população de menor poder aquisitivo que na área central vive (com ou sem renda), trabalha e/ou consome? Para esses, de acordo com as propostas estudadas, não há espaço. Eles são vistos como “problemas” e , invariavelmente, as saídas passam pela higienização social desse lugar, com uma série de ações em que se destacam as de associação público-privado, que ocorrem e geram conflitos espaciais. Como parte de um espaço de reprodução capitalista, a cidade de São Paulo, que se projeta na rede de cidades mundiais, possui contradições e movimentos internos que articulam diferentes escalas geográficas e que se manifestam com intensidade nesse espaço que um dia foi uma centralidade única, confundido centro e cidade, e que hoje, ainda que tenha perdido essa especificidade, continua sendo uma centralidade fundamental nesse projeto de manutenção de São Paulo enquanto uma cidade mundial. Palavras chave: revalorização, conflitos espaciais, globalização. AO404 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Urbanização da Sociedade [1876] O ESPAÇO D O CAPI TAL: PROVI SÃO H ABI TACI ON AL E SEGREGAÇÃO SÓCI O- ESPACI AL N O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. ADRIANO BOTELHO. MIN. RELAÇÕES EXTERIORES, BRASÍLIA, DF, BRASIL. Resumo: a. Objetivos do trabalho: O trabalho tem como objetivo analisar como as diferentes formas de acesso ao financiamento imobiliário para a provisão habitacional se relacionam com a produção do espaço urbano, contribuindo, através dos processos de fragmentação, homogeneização e hierarquização espaciais (tríade proposta por Henri Lefebvre), para uma crescente segregação sócio-espacial. b. Referencial teórico e conceitual: O espaço, ao longo da história do modo de produção capitalista, passou a fazer parte dos circuitos de valorização do capital, seja pela mercantilização da terra, seja pelo seu parcelamento (pelo loteamento ou pela verticalização), ou, como vem ocorrendo mais recentemente, pela sua crescente inclusão nos circuitos de circulação do capital financeiro. A produção do espaço passa a ser um elemento estratégico para a acumulação do capital. Para Henri Lefebvre (A revolução urbana, 1999), ocorreria uma crescente dependência por parte do capitalismo da produção e consumo do espaço nas últimas décadas. A relação entre o espaço (sua produção, vivência, percepção, concepção e conceituação) e o modo capitalista de produção deve ser vista, porém, como uma via de mão-dupla, como fazendo parte de uma relação dialética e complexa. De forma mais abrangente, a produção e o consumo do espaço, assim como a urbanização, estão inseridos no amplo processo de reprodução das relações de produção capitalistas, na medida em que são guiados pelos ditames da propriedade privada e são regulados pelas necessidades do capital de gerar valor excedente. Partindo da idéia lefebvriana de que as contradições do espaço são contradições da sociedade (Lefebvre, H., La production de l’espace, 2000), a cidade capitalista se estruturaria através dos mecanismos de mercado, e se caracterizaria por uma crescente fragmentação, homogeneização e hierarquização de seus espaços. Um instrumento que garantiria essa hierarquização é a renda fundiária urbana, categoria pré-capitalista, mas que é incorporada aos mecanismos de reprodução do capital. Para Lefebvre, por homogeneização entende-se a repetição monótona de elementos no espaço e que conformam tal espaço: aeroportos, vias expressas, rodovias, cidades verticais de concreto, cidades horizontais de casas unifamiliares etc., criando um consumo repetitivo de coisas no espaço e do espaço que engendra um tédio indelével. Esse espaço homogeneizado seria o lócus de ligação das relações capitalistas mundializadas, com seus pontos fortes (os centros) e as bases mais frágeis e dominadas (as periferias). Segundo o mesmo autor, a fragmentação relaciona-se com o espaço partido em espaços separados, ocupados pelas funções que se exercem nesses espaços distintos: trabalho, moradia, lazeres, transportes, produção, consumo. Rigidamente quantificado, medido em metros quadrados, como em dinheiro, esse espaço “fatiado” é entregue ao mercado em parcelas, quase sempre mínimas. E por fim, os espaços dissociados no homogêneo se hierarquizam: espaços nobres e vulgares, espaços residenciais, espaços funcionais, guetos diversos, conjuntos de alto padrão, áreas para os migrantes e para os autóctones, espaços das classes médias. Em resumo, ocorre a segregação. A hierarquização toma formas gerais e específicas: a distinção entre os “pontos fortes” do espaço e os centros (de poder, de riqueza, de trocas materiais ou espirituais, de lazeres, de informação) e as periferias (elas também hierarquizadas, mais ou menos afastadas de um centro principal ou secundário, até tomar a forma de um lugar deserto, abandonado). Dessa forma, a análise das relações entre os mecanismos de geração e distribuição da renda fundiária entre distintos setores da economia pode revelar como se estrutura a cidade capitalista através da tríade lefebvriana acima exposta. c. Metodologia utilizada. O artigo é resultado da pesquisa realizada para Tese de Doutorado, defendida no âmbito do Programa de Geografia Humana da Universidade de São Paulo em 2005. Foram realizadas extensa consulta bibliográfica e a fontes primárias (Companhias Habitacionais, Comissão de Valores Imobiliários, EMBRAESP, Associação de Consórcios e Cooperativas), bem como entrevistas com agentes imobiliários urbanos, representantes de movimentos por moradia, agentes financeiros, estudiosos da dinâmica urbana, funcionários de Companhias Habitacionais atuantes no Município de São Paulo, e moradores dos empreendimentos estudados. Como forma de analisar as informações obtidas, foram feitos mapas sobre a localização dos empreendimentos e cruzamento com os valores do solo urbano. Ou seja, foi realizada tanto uma análise qualitativa, por meio da literatura, fontes primárias e entrevistas, quanto quantitativa. d. Principais pontos desenvolvidos O artigo discute três casos de produção imobiliária residencial no município de São Paulo, cujo financiamento é bastante distinto entre si, com reflexos em sua localização no espaço urbano. Um dos casos refere-se aos novos instrumentos de captação de recursos financeiros por parte do setor imobiliário, os chamados Fundos de Investimento Imobiliários (FII’s) e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI’s). Trata-se de um nível superior de integração do capital financeiro com o setor imobiliário, surgido no Brasil em meados da década de 1990. O segundo caso é ligado às chamadas cooperativas habitacionais, uma forma de autofinanciamento da produção da moradia utilizada, sobretudo pela classe média urbana a partir da relativa estabilização do regime de preços proporcionada pelo Plano Real nos anos 90. O terceiro caso refere-se ao financiamento estatal à moradia para a população mais pobre através de novas formas de captação de recursos, principalmente após o colapso do Banco Nacional da Habitação (BNH) em meados da década de 1980 e da paralisação do Sistema de Financiamento Habitacional (SFH). Foi feito um mapeamento dos três tipos de empreendimento e foi realizado um cruzamento das localizações dos empreendimentos com os valores do solo urbano. A partir da análise desses casos, foi possível chegar a importantes considerações sobre a produção do espaço urbano que é crescentemente dominada pelas estratégias de reprodução do capital. e. Resultados alcançados e conclusões Através do estudo realizado, pode-se afirmar que ocorre, através da maior inserção da produção do espaço nas estratégias de reprodução do capital, o fortalecimento dos mecanismos de segregação sócio-espacial, baseados na tríade fragmentação, homogeneização e hierarquização do espaço. Esse processo apontaria para o surgimento da não-cidade, na medida em que são crescentemente criados obstáculos para o encontro e a reunião de pessoas, objetos de consumo coletivo, idéias etc. Ou seja, na medida em que o valor de uso subordina-se ao valor de troca e a mercadoria generaliza-se no urbano, a cidade e a realidade urbana tendem a ser destruídas, pois esta deixa de ser vivida em sua totalidade, e sim fragmentariamente e através de crescentes constrangimentos aos seus habitantes. AO405 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Urbanização da Sociedade [1952] AUTO- SEGREGAÇÃO E FRAGM EN TAÇÃO SÓCI O- ESPACI AL: OS CAM I N H OS D E UM PROCESSO DE EXPANSÃO URBANA. PATRICIA CHAME DIAS. SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA, LAURO DE FREITAS, BA, BRASIL. Resumo: Auto-segregação e fragmentação sócio-espacial: os caminhos de um processo de expansão urbana Objetivos e Referencial Teórico A auto-segregação das elites é algo evidente nas cidades brasileiras. Condomínios fechados voltados aos segmentos mais abastados proliferam, com a promessa de proporcionar aos seus moradores maior “qualidade de vida” (PRÉTECEILLE, 2004; SOUZA, 2000, 2003), o que se associa à possibilidade de afastamento dos problemas urbanos, de criação de um estilo de vida mais harmônico e homogêneo — que só inclui os iguais (CALDEIRA, 2003; MARCUSE, 2004; GOMES, 2002; RIBEIRO, 2004). Essas “ilhas da felicidade”, dada a densidade e o custo da terra dos grandes centros, só podem ser instaladas em locais mais afastados, desde que relativamente próximos e sempre acessíveis àqueles. Destacam-se, com essas condições, os municípios periféricos das metrópoles (VILLAÇA, 2001). Com isso, locais onde antes prevaleciam funções rurais vão sendo adaptados a seus novos moradores, e, com isso, urbanizados. Neste texto analisam-se os processos que fizeram com que o município de Lauro de Freitas, integrante da Região Metropolitana de Salvador (RMS), se convertesse de área periférica, local de moradia de pequenos agricultores e sitiantes, em área privilegiada para a implantação de condomínios fechados, amplamente urbanizada. Discutem-se, sobretudo, as conseqüências desse processo na divisão sócio-espacial do município. Metodologia Procedeu-se a um levantamento bibliográfico, com ênfase nos conceitos de segregação e auto-segregação, nas análises das implicações de tais processos e nas tendências recentes de desconcentração espacial da população das regiões metropolitanas. Realizou-se pesquisa documental e cartográfica, levantando-se as modificações sócio-espaciais ocorridas entre 1960 e 2005, e informações referentes à implantação de loteamentos e condomínios em Lauro de Freitas (número de empreendimentos, ano de implantação, área ocupada e localização). Para compreender os processos em curso na atualidade, realizaram-se observações estruturadas e 120 entrevistas domiciliares. Principais pontos desenvolvidos Discutiu-se os principais aspectos que fizeram com que Lauro de Freitas fosse privilegiado, na RMS, pelos agentes do mercado imobiliário para a implantação de loteamentos e condomínios voltados aos grupos sociais de renda média e alta, o que atraiu em particular pessoas de Salvador e parcela dos migrantes mais escolarizados que chegaram a essa região na década dos 90. Para tanto, tratou-se da importância das intervenções públicas (de âmbito estadual e municipal) que viabilizaram tal processo. Estudaram-se os processos que contribuíram para as alterações da estrutura e da função do município, o que resultou na ampliação da sua área urbana e na conurbação com a capital. Desenvolveu-se uma análise sobre a relação entre a implantação dos inúmeros empreendimentos residenciais e a fragmentação social e espacial de Lauro de Freitas, e de como os antigos moradores e os mais pobres se “adaptaram” à nova estrutura. Conclusões A ampliação da população, da urbanização e a alteração do perfil socioeconômico dos moradores de Lauro de Freitas foi favorecida pela tendência de periferização da população da RMS. Uma parte dos moradores da capital com maior poder aquisitivo passou a residir nas localidades situadas na sua orla norte, que faz limite com Lauro de Freitas. Desse modo, esse município foi incorporado ao processo de expansão imobiliária que ocorria em Salvador, sobretudo por apresentar, até os 80, as terras mais baratas da metrópole e ter uma estrutura fundiária eminentemente rural. Os empreendimentos residenciais voltados aos segmentos sociais mais abastados ampliaram-se aceleradamente a partir da década dos 90, em especial na porção litorânea do município — de ocupação antiga, onde ainda residiam pessoas que há muito lá chegaram. Chamada de Atlântico Norte, nos 60, em tal área havia fazendas, sítios e porções de terras abandonadas e desvalorizadas, que gradativamente foram sendo compradas ou invadidas por pessoas de baixa renda. Atualmente, com os inúmeros condomínios fechados, restam relativamente poucos desses moradores ou seus descendentes; os que “resistem” relatam a alteração nos modos de vida, a perda da terra e a falta de efetivo contato com os novos moradores. Ademais, o poder público vem privilegiando, na instalação de infra-estrutura e prestação de serviços, os locais onde estão os habitantes mais novos, ou seja, os de maior renda. Para os outros moradores, os mais pobres, a urbanização é mais lenta... A auto-segregação das elites metropolitanas contribuiu para que Lauro de Freitas se constituísse como uma cidade fragmentada, onde pessoas de diferentes níveis de renda são vizinhas, mas não se relacionam, sequer se encontram. A articulação entre esses dois mundos, contíguos e, simultaneamente, tão distantes, se dá por um estar sempre (como mão-de-obra) à disposição do outro. Referências CALDEIRA, Tereza. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. 2. ed. São Paulo: Ed. 34; EDUSP, 2003. GOMES, Paulo César Costa. A condição urbana: ensaios sobre a geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. MARCUSE, Peter. Enclaves, sim; guetos, não: a segregação e o Estado. Espaço & Debates, São Paulo, v. 24, n. 45, p. 24-33, jan./jul. 2004. PRÉTECEILLE, Edmond. A construção social da segregação urbana: convergências e divergências. Espaço & Debates, São Paulo, v. 24, n. 45, p. 11-23, jan./jul. 2004. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. A metrópole: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. In: ______ (Org.). Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo; Rio de Janeiro: FASE, 2004. p. 17-40. SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. ______. O desafio metropolitano: um estudo sobre a problemática sócio-espacial nas metrópoles brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. VILLAÇA, Flávio José Magalhães. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Nobel, 2001. Palavras chaves: segregação, urbanização, desigualdade sócio-espacial AO174 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Geografia Histórica [1158] CON FI GURAÇÃO URBAN A D O RECÔN CAVO BAI AN O COLON I AL: UM A CON TRI BUI ÇÃO PARA A PESQUISA NA GEOGRAFIA HISTÓRICA. ADRIANO BITTENCOURT ANDRADE. UFBA / CMS, SALVADOR, BA, BRASIL. Resumo: A história urbana acontece de forma não linear, como um conjunto de temporalidades múltiplas e assimétricas que coexistem e se sobrepõe. Temporalidades que tem a sua existência real no acontecimento de eventos que ganham expressão concreta a partir da sua realização no espaço geográfico/social (SANTOS, 1997 e 2005). Desta forma, rompe-se então com a pretensão de conhecer a cidade a partir de uma lógica cronológica progressiva que toma como verdade vivida apenas uma temporalidade técnica que se apresenta como evento principal do discurso dominante. Aceitando este pressuposto, esse trabalho objetiva revisitar a história do Brasil colonial, especialmente na consolidação (século XVIII) da sua rede urbana no entorno da Capital da Colônia. Pretende-se especificamente compreender a dinâmica espacial de pequenas formações urbanas do Recôncavo baiano, formações essas que tiveram papel fundamental na centralidade de Salvador e que estabeleceram laços comerciais em escala global como produtoras de fumo e cana-de-açúcar e compradoras de negros escravizados. Além de tratar da dinâmica regional da rede urbana que se implantava, pretende-se observar a espacialização dos processos na escala local, analisando as principais ocupações urbanas do período de maior representatividade econômica do Recôncavo baiano. Especialmente no XVIII, Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré se constituíram por motivos similares, nas mais importantes nucleações administrativa/portuárias junto a áreas produtoras, onde o conjunto liderado pelo uso da força de escravos africanos nas lavouras canavieira e fumageira se consolidou concretamente no espaço. Estas formações urbanas possuíam importância, preponderantemente, como articuladoras de uma rede urbana que era presidida pela capital colonial na outra margem da baía. Não se tem explícito, entretanto quais os agentes que produziam aquele espaço (rural-urbano) e qual o resultado decorrente. É uma história não dita, não escrita e, talvez, não pesquisada, formando uma lacuna para o entendimento das cidades e do urbano brasileiros. Objetiva-se enfim, de forma mais ampla considerando o encaminhamento dos estudos de doutoramento, apresentar uma contribuição à construção de uma história do urbano e das cidades, mas especialmente, entender as formações urbanas brasileiras a partir da análise de eventos e espaços que são oprimidos ou “esquecidos” no conjunto de um pretenso saber histórico geral. O texto aqui apresentado resulta da análise de um trabalho de recuperação histórica e digitalização dos córdices, especialmente para o caso brasileiro, do meado do século XVII até o final do período colonial quando o controle da documentação esteve sob a égide do Conselho Ultramarino, isso possibilita na nossa contemporaneidade amplo acesso ao Arquivo Histórico Ultramarino Português. É um material recentemente disponibilizado ao público no Brasil através da concentração das informações nos Arquivos Públicos dos Estados da União e, nesse sentido, ainda carece de ser transformado de documentação em análise e texto histórico. A consulta deste Arquivo se constituiu na primeira análise de fonte primária e já revelou uma imensa gama de possibilidades de pesquisa sobre as ocupações urbanas do Brasil Colonial. Há nos referidos arquivos, notadamente para o caso da Bahia (3.310 páginas com cerca de 20.000 resumos de documentos) uma grande concentração das informações no século XVIII, possivelmente por conta do maior alcance do fenômeno urbano em rede interna e externa, do maior número de vilas, pela densificação da ocupação humana nas áreas exploradas e, fundamentalmente, pela ampliação riqueza produzida pela Colônia neste século. O material consultado apresenta resumos de requerimentos, cartas, pedidos, representações, consultas, despachos, ofícios, cartas patentes, decretos, alvarás, provisões, cartas régias, mapas, etc. Contatos formais entre os variados níveis hierárquicos da Colônia (do escravo e morador ao Governo-Geral e Juiz de Fora) e entre a Colônia e a Coroa, o Tombo e o Conselho Ultramarino. São resumos que apresentam a data, o local e o pleito ou ordem; eles indicam preciosas pistas sobre o “funcionamento” do Brasil Colonial, entretanto não há aprofundamento das informações, para isso sendo necessário recorrer ao documento na sua íntegra. Essa possibilidade por si só já alimenta uma imensa perspectiva de pesquisa histórica. Os documentos do Arquivo Histórico Ultramarino apresentam uma riqueza de dados que revelam o cotidiano da Colônia, confirmando algumas “verdades” historicamente concebidas e questionando outras, ou ao menos, apresentando indícios a serem pesquisados. De forma abrangente a leitura dos resumos e, num próximo passo, a íntegra dos documentos selecionados, revelam a dinâmica do Recôncavo colonial na sua dimensão espacial, tanto física (mapeamentos, registros de posse, pedidos de sesmarias, solicitação de construção de engenhos, sobrados e capelas) quanto social (litígios passionais, por posse de bens e herança, por facilitação na produção, ocupação e migração de cargos, formação de irmandades). AO175 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Geografia Histórica [1278] SESM ARI AS N O AN TI GO SI STEM A COLON I AL: CON CESSÕES, PRI VI LÉGI OS, CORRUPÇÕES E LITÍGIOS NA CAPITANIA DE MINAS GERAIS (1709- 1822). PATRÍCIO AURELIANO CARNEIRO. UFMG, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: Este trabalho apresenta uma revisão acerca do processo de concessão de sesmarias no Brasil colônia, enfocando o funcionamento de tal instituto e enfatizando os instrumentos normativos, a forma das doações, os fatores estimuladores dos litígios e as corrupções. A metodologia utilizada consistiu da consulta de obras da história e da geografia e do levantamento de fontes primárias, entre as quais destaco: alguns documentos históricos da Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro, relatórios de Presidente de Província e relatos de viajantes. O objeto de análise foi a economia colonial mineira, entre os anos de 1709 e 1822: a primeira data marca a criação da Capitania de São Paulo e das Minas do Ouro e a segunda a extinção das concessões de terras pela Coroa. O Instituto de Sesmarias remonta à idade média ibérica e surgiu como instrumento para garantir a consolidação territorial de Portugal, conter o abandono dos campos, inclusive os já lavrados, assegurar a produtividade da agricultura decadente e regular a mão-de-obra rural. O Estado possuía domínio eminente sobre todo o território, com poderes, inclusive, de expropriação do sesmeiro, caso este não cumprisse a obrigatoriedade do cultivo no tempo predeterminado. Na transposição do sistema sesmarial para o Brasil, a metrópole se deparou com diferenças marcantes do espaço geográfico da colônia, como a sua vasta dimensão territorial e a aparente rarefação demográfica, adotando modificações na forma de concessão. Ignoraram-se as possibilidades da grande margem de ilegalidades e corrupções. O caráter vitalício das sesmarias portuguesas foi aqui substituído pelo perpétuo. Lá, procurou-se combater a incultura, aqui, havia a necessidade de viabilizar a formação de mão-de-obra necessária para garantir a lucratividade do empreendimento colonial, uma concepção que mais tarde tomou forma teórica na doutrina de Wakefield. A ausência de restrições quanto ao tamanho das glebas nas doações passou a ser regra, pelos menos anteriormente aos instrumentos normativos das Cartas Régias: tudo para atender aos objetivos do sistema de produção colonial monocultor e escravista. Daí resultou que se distribuíram faixas de terras em dimensões muito superiores àquelas em que uma pessoa poderia razoavelmente torná-la produtiva. No vale do Paraíba mineiro, Mar de Espanha, Francisco Leite Ribeiro recebeu dezessete sesmarias entre 1817 e 1818, pedidas em nome de seus filhos. Em Leopoldina, o comendador Manuel José Monteiro de Barros obteve a concessão de quatorze sesmarias no princípio do século XIX. Requereu-as para todos os seus filhos que existiam e até mesmo para uma filha que não estava nascida. Um atributo essencial na doação de cartas de sesmarias se manteve no Brasil: a concessão de t ít ulos de posse, não de propriedade. Ao sesmeiro era cedido o direito de usufruto da terra, podendo a Coroa, da mesma forma que em Portugal, se apropriar da gleba caso não se implantasse o cultivo. Para tanto, regimentos norteadores, visando combater a improdutividade, foram instituídos. Estes procuraram combater os abusos criados pelos senhores mais poderosos que causavam prejuízo da marcha da colonização e à arrecadação da Fazenda Real, fixando prazos máximos para cultivo, povoação e demarcação das terras. A despeito da formação de latifúndios, o essencial era o povoamento e a disseminação de culturas, principais finalidades para as quais as sesmarias foram criadas. A legislação agrária colonial, não obstante os regimentos impostos, foi um estímulo à formação de grandes extensões, pois além da flexibilidade nas medições, raramente efetuada pelos sesmeiros, não vedava a incorporação de outras terras. Ademais, estas eram concedidas tão somente a “homens bons”, de “qualidades” ou, preferencialmente, de “posses”, e a quem o Rei imaginasse dever favores. O relatório do Presidente de Província Francisco Pereira de Vasconcellos, de 1855, apontou o quanto eram desiguais as concessões, pois chegou-se a distribuir sesmarias desde a dimensão de 50 braças até 48 léguas quadradas, sem contar aquelas cujo registro não mencionou o tamanho. A utilização de marcos referenciais muito gerais e, às vezes, sem perenidade, agravou os problemas de conflitos de terras. Instrumentos legais foram criados para combater os litígios. Mas, a garantia da estabilidade da posse residia na violência e artimanhas dos grandes sesmeiros ou na falta de proibição de outrem. Os conflitos de posse foram agravados pela abundância de terras devolutas, pela sua importância em áreas de fronteira, pela grilagem, pela mercantilização precoce do espaço rural mineiro e pela posse lançada anteriormente à concessão, o que não foi raro na região mineradora. O sistema de sesmarias vigorou até 1822 quando a Coroa reconheceu uma situação insuportável, cujo desdobramento, qual seja, a ocupação, em escala cada vez maior, das terras não cultivadas ou devolutas por grandes contingentes da população rural, posseiros ou “intrusos”, como eram denominados, começou a ameaçar a propriedade latifundiária. A partir de então, a posse passou a predominar livremente no país, até a promulgação da Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras). Esta revalidou as sesmarias antigas e as posses encampadas no período acima, além de ter instaurado a aquisição da terra por meio da compra, ou seja, transformando-a em uma mercadoria. A inevitável emancipação dos escravos e a abundância de terras devolutas no Brasil colocavam como necessária para a reprodução da classe senhorial a formação de um mercado livre de força de trabalho. Com o instrumento jurídico de 1850, não somente se efetivou este desejo como também se concretizou a propriedade capitalista da terra. O Estado e a referida classe, portanto, ao negarem o meio de produção básico aos homens pobres livres e aos futuros emancipados, fundaram um dos principais fatores da questão agrária brasileira. AO176 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia Histórica [1279] A FORM AÇÃO SÓCI O- ESPACI AL D ERI VAD A D A REGI ÃO CACAUEI RA D A BAH I A: D A ORI GEM A CONSOLIDAÇÃO, DA DECADÊNCIA ÀS POSSIBILIDADES DE PLANEJAMENTO TERRITORIAL. PAULO FERNANDO MELIANI. UFPE, RECIFE, PE, BRASIL. Resumo: Este estudo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa que, partindo dos conceitos de formação sócioespacial e de espaço derivado, procura compreender o espaço da atual microrregião de Ilhéus-Itabuna, mais conhecida como região “cacaueira” da Bahia. A atual organização do espaço de Ilhéus-Itabuna é produto histórico de sua formação regional, que enraizou formas geográficas oriundas da função espacial dominante, a produção de cacau. Decadente há décadas, a lavoura regional não possui mais a importância regional de outrora, mas sua cultura domina o imaginário das pessoas do lugar, muitas ainda na expectativa de uma redenção da economia cacaueira. O conceito de espaço derivado, apresentado por Milton Santos, sustenta a idéia de uma formação sócioespacial derivada (estranha, estrangeira), já que a organização do espaço se deu em função de necessidades longínquas, sendo criado ou transformado por demandas externas. Segundo o autor, é a Maximilien Sorre que se deve a denominação “paisagens derivadas”, desde que a adotou para mostrar a relação histórica entre países industriais e subdesenvolvidos. A decadente região cacaueira do sul da Bahia é um exemplo de espaço derivado, já que sua formação sócio-espacial se deu fundamentalmente em função da demanda estrangeira por amêndoas de cacau ao longo dos séculos 19 e 20. Nessa perspectiva, este estudo busca reconhecer o processo de formação sócio-espacial da região, bem como apresentar possibilidades de planejamento territorial, considerando formulações geográficas de natureza regional e urbana que subsidiem políticas de desenvolvimento. O referencial conceitual, metodológico e teórico está organizado em três eixos de fundamentação: (1) o dos conceitos de formação sócio-espacial e de espaço derivado, definidos por Milton Santos; (2) o dos dados quantitativos e informações qualitativas de natureza histórica, econômica, demográfica e geográfica referentes ao processo de formação regional, notadamente presentes nos trabalhos de Eduardo Bueno sobre a colonização brasileira, de Milton Santos sobre a zona do cacau, de Silva Bandeira de Mello e outros sobre o subsistema urbano de Ilhéus-Itabuna, de Angelina Garcez e Antonio Freitas, bem como o de José Carlos Vinháes sobre a história regional, entre outros; (3) o das considerações a respeito das possibilidades de planejamento e desenvolvimento regional, fundamentalmente as propostas de Edgard Porto sobre desenvolvimento e território na Bahia. Na formação sócio-espacial buscou-se a identificação da origem e o reconhecimento da evolução regional por meio de uma periodização que considera as funções do espaço ao longo do tempo como critérios balizadores de períodos. Assim, foi possível levantar algumas questões principais e desenvolver alguns pontos relativos a estas questões: (1) qual a função espacial antecedente a formação regional, considerando que essa só se deu com a implantação e consolidação da economia cacaueira nos séculos 18 e 19; (2) que fatos e fenômenos sócio-econômicos e geográficos estão relacionados á formação regional cacaueira; (3) que fatores instabilizaram e instabilizam a economia cacaueira e que trazem consigo a decadência regional; (4) que possibilidades têm os geógrafos de analisar e propor políticas de planejamento territorial que permitam o desenvolvimento da região. A periodização proposta para a compreensão da formação sócio-espacial da região compreende três períodos: (1) os antecedentes da formação regional, quando o espaço tinha uma função de “fronteira de recursos”; (2) o período pleno da formação regional, quando o espaço assume sua função cacaueira e (3) o período de decadência regional que perdura até os dias atuais. Além da periodização, que trás consigo a identificação e o reconhecimento dos fatos e fenômenos fundamentais de cada período, este estudo apresenta considerações sobre as possibilidades de análise regional e planejamento territorial. No primeiro período, o dos antecedentes da formação regional, refere-se fundamentalmente ao período de colonização portuguesa, quando o espaço tinha uma função de fronteiras de recursos. A cidade de Ilhéus, fundada em 1534, permaneceu isolada do povoamento europeu durante o período de Capitania por diversos fatores: má administração, presença de uma floresta inóspita, oocorrência de doenças desconhecidas dos europeus, resistência de povos indígenas, estratégias da Coroa Portuguesa de centralização política e econômica na Capitania da Bahia (Salvador), entre outros. Com a introdução do cacau no século 18, é que o povoamento se intensifica decisivamente, dando origem a região. Os antigos núcleos litorâneos, como os das atuais cidades de Ilhéus, Belmonte, Canavieiras e Itacaré concentravam a população regional e comandaram a conquista de suas hinterlândias ao exercerem a função de portos cacaueiros. Com a exportação regular de amêndoas de cacau, a partir de 1834, a produção se ruraliza e o povoamento se intensifica no interior da região. Os volumes de exportação crescem significativamente ao longo do século 19 do mesmo modo que os contingentes de migrantes que chegam à região, notadamente do Estado de Sergipe. Apesar da consolidação da economia cacaueira, a atividade monoprodutora regional desde sempre mostrou seu caráter de instabilidade, sujeitando a região a recorrentes períodos de estagnação econômica. Incertezas climáticas, incidência de pragas e doenças, variações de preços, flutuações de câmbio, concorrência de produtores africanos, entre outros fatores, sempre foram (e ainda são) agentes de risco na economia cacaueira. A economia cacaueira atravessa uma séria crise desde os anos 1980, desencadeada pela tendência declinante dos preços no mercado internacional e pela ocorrência de doenças nos cacaueiros causadas pelos fungos “vassoura-de-bruxa” e “podridão-parda”, entre outros fatores. O conhecimento da formação sócio-espacial, responsável pelas formas e organização espacial da região, permite um melhor embasamento na busca de possibilidades de análise e planejamento territorial que permitam o desenvolvimento regional. Cabe destacar as possibilidades de proposição de políticas públicas de integração produtiva regional e de serviços, de competitividade internacional, de emprego e formação profissional, de infra-estrutura e equipamentos, bem como de uma articulação espacial para a região. Palavras-chave região cacaueira da Bahia; formação sócio-espacial; espaço derivado; análise regional; planejamento territorial AO177 - América Latina: temporalidades e territorialidades - Geografia Histórica [1379] A TERRI TORI ALI D AD E FRAN CI SCAN A: ELEM EN TOS FUN D AN TES E AM BI GÜI D AD ES N A AMÉRICA PORTUGUESA. MOYSÉS VINICIUS ALVES DA SILVA. FERLAGOS, CABO FRIO, RJ, BRASIL. Resumo: O presente trabalho teve por objetivo principal delinear a inserção espacial na América colonial portuguesa da Ordem franciscana, os seus pressupostos históricos, sociais e religiosos, bem como a sua individualização no cenário eclesial enquanto suposta portadora de um carisma particular, sob a hipótese de que existiria um modelo próprio de uso do território, o que configuraria assim uma territorialidade genuinamente franciscana dentro do quadro colonial luso-brasileiro. Para tanto, o conceito-chave adotado foi o de territorialidade, dentro de uma perspectiva de estratégia de uso do espaço com a finalidade de atingir pessoas e objetos, tornando o próprio espaço, através de uma apropriação efetiva e simbólica, um meio para tal fim. Além dele, um segundo conceito adotado acessoriamente para o desenvolvimento do trabalho foi o conceito sociológico de capital simbólico de Pierre Bourdieu, o qual poderia ser resumido como o modo que se forma uma identidade social, a sua apropriação e reprodução simbólica por gerações vindouras, sob novas condições de tempo e de espaço, podendo assim, em nossa análise, ser auferido pela forma como um determinado grupo utiliza estrategicamente do território, a ele tornado espaço de reprodução vivencial e ideal. A metodologia de análise historiográfica tomou por base os textos produzidos sobre o franciscanismo ou sobre a Igreja Católica de modo mais amplo, sob três vertentes, a saber: a história contada pelos membros da própria Ordem; aquela analisada criticamente dentro do próprio ambiente eclesial, principalmente no que se refere às missões católicas na América colonial portuguesa; e, finalmente, aquela história imprescindível da formação do Brasil contada pelos clássicos da Geografia, História, Sociologia, Filosofia e Antropologia de nossa literatura. Assim procedendo, investigamos pontos de vista diferenciados, mas não antagônicos de um mesmo assunto complexo em sua gênese e em sua análise. Um dos pontos principais desenvolvidos pela pesquisa teve por meta inventariar aqueles que foram um dos principais marcos espaciais da presença franciscana na América portuguesa: os conventos construídos entre os séculos XVI e início do século XVIII entre os atuais estados da Paraíba e São Paulo, onde, ao menos de modo informal, uma visita foi realizada, perfazendo um número total de treze conventos conhecidos de um total de vinte e seis construídos no período acima, dentro das atuais Províncias de Santo Antonio e Imaculada Conceição, lembrando que a denominação província equivale dentro do objeto estudado a uma divisão regional e hierárquica existente dentro da própria Ordem Franciscana. Assim, como conclusão, vimos que a funcionalidade e localização privilegiada dentro das antigas vilas e cidade coloniais dos conventos franciscanos construídos no período português da América são a expressão de um jogo de territorialidades em que uma tensão estrutural se fez presente dentro deste grupo social marcado pelo paradoxo existencial de ser ele mesmo ou de ser uma resposta às exigências estruturais de um momento específico que vivia a Igreja Católica no qual ele está inserido, ou seja, o padroado ibérico e um modelo de missão atrelado a um modus operandi essencialmente militar e comercial, sob a justificativa e a legitimidade da religião. Através da análise historiográfica, observamos que o franciscanismo como movimento, cresceu à sombra de uma igreja profundamente tradicional e o seu dilema-mor nesta condição parece ter sido o de estar dentro ou fora deste domínio eclesial, ser movimento ou se transformar em ordem religiosa. Esta tensão identitária se fez presente na maneira como Francisco de Assis e os seus seguidores se inseriram nas sociedades em que viveram. Mesmo sem um discurso legitimador filosófico ou mesmo doutrinário, as práticas religiosas refletidas no uso de espaço medieval demonstraram uma práxis territorial nova, itinerante, revitalizando espaços leigos e praças públicas, corrompendo um modelo de cristandade baseado na fixidez segura dos espaços sagrados de igrejas e mosteiros, a estabilitas loci. Foi o que denominamos de territorialidade flutuante. Uma estratégia territorial que nunca foi assumida enquanto tal. Ela foi simplesmente vivida, uma práxis existencialista sem a ideologia do discurso que dela se fez posteriormente. Se a territorialidade flutuante franciscana foi foco de uma tensão estrutural interna, isto foi possível primeiramente pela própria contradição existencial em se fazer ordem. Somado a uma distância temporal de três séculos, a questão colonial impunha a necessidade de se expandir dentro da esfera de possibilidades do estado monárquico português, associando a isto a questão paradoxal de se tornar um poder constituído pelas bênçãos da empresa mercantil, representada pelo modelo de apropriação colonial do Novo Mundo. Assim, a construção, mudanças de status de funções religiosas para atividades militares ou mesmo as posteriores ampliações de alguns conventos franciscanos conforme observado pela pesquisa de campo, fizeram deles um marco espacial do modelo de inserção territorial baseada em pressupostos antagônicos para o carisma da Ordem. Eles são a materialização de um modelo de igreja pactuada com o poder do Estado, se tornando a evidência concreta de uma espacialização que difere de uma estratégia de ser/estarno-mundo de forma itinerante em um caminho, de extensão ou raio a partir de pólos de uma grande e única rede, regionalizada em forma de Províncias e Custódias. Aqui, os conventos estabelecidos denotam uma Ordem localizada em forma de pólo de dispersão, onde núcleos privilegiados de ação são eleitos para a prática da “desobrigação” típica da assistência religiosa aos colonos europeus, servindo ainda como ponto de partida para o caminho de ida e volta das missões, o que denota a deferência dos núcleos centrais sob a forma de cidades e vilas, em detrimento de outras áreas, expressando em uma diferenciação de lugares, a típica dicotomia colonial lusa litoral-sertão. AO178 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia Histórica [1668] A IMPORTÂNCIA DOS TERRENOS DE MARINHA NO BRASIL COLONIAL E IMPERIAL. MARCO TÚLIO MENDONÇA DINIZ; FÁBIO PERDIGÃO VASCONCELOS. UECE, FORTALEZA, CE, BRASIL. Resumo: INTRODUÇÃO/JUSTIFICATIVA Os terrenos de marinha são uma estreita faixa de terra 33 metros que avança para o continente a partir do preamar médio de 1831 (daí o interesse nesse período histórico), tem esse nome por estarem próximos ao mar e não por pertencerem à Marinha do Brasil. O objetivo deste trabalho foi o de trazer ao conhecimento de uma maior quantidade de geógrafos, qual as origens e o regime dos terrenos de marinha em nosso país, abortando especificamente os períodos colonial e imperial (este último dividido em Primeiro Império, Regência e Segundo Império). REFERENCIAL TEÓRICO É demasiado carente o interesse de cientistas sobre tais terrenos, mais ainda em reconstituir a história de sua instituição. Consideráveis contribuições foram dadas por juristas como Menezes (2007) e Nieburh (2004), Lima & Pereira de Lima (2007), também entre na discussão porém todos de forma muito introdutória no período em destaque. Não foi encontrado geógrafo tratando da matéria por isso aumentou nosso desafio em pesquisar o tema. MÉTODO O método utilizado na pesquisa foi um só: descrição e analise de textos científicos e da legislação do Brasil Imperial e Colonial. Esses últimos encontrados após demorada pesquisa nos arquivos da Câmara dos Deputados, disponibilizados na internet. A descrição das leis foi quantitativa e qualitativa, assim como dos trabalhos acadêmicos à que tivemos acesso. PRINCIPAIS QUESTÕES Uma Ordem-Régia de 21 de outubro de 1710 vedava que as terras dadas em sesmarias compreendessem as marinhas “as quais deveriam estar desimpedidas para qualquer serviço da coroa e de defesa da terra” (MENEZES, op. cit.). Era área nobre de domínio público, sendo a Coroa sua proprietária e não permitindo seu uso para fins privados. Niebuhr (2004) faz referência à mesma Ordem Régia e afirma ter tido acesso à uma outra de 04 de dezembro de 1678 onde os terrenos de marinha são , também, considerados bens de domínio público. Sendo essas as primeiras referências históricas ao tema, havendo ainda no período regencial a primeira demarcação com lei de 1811, citada por Lima & Pereira de Lima (2007, on-line). No período Imperial temos: Brasil (1826) no primeiro Império; Brasil (1831a & 1831b) na Regência, as últimas com a primeira demarcação das marinhas no governo brasileiro. Iniciasse no período regencial o regime de aforamentos das marinhas e em 1868 (BRASIL, 1868) Dom Pedro Segundo normatiza definitivamente o que são e como deve proceder quanto ao uso e demarcação dos terrenos de marinha. Nesse texto o Imperador constam as principais diretrizes do aforamento dos terrenos de marinha, em sua maioria utilizadas até os dias atuais. Pedro Segundo é o principal representante desta idéia de aforar o vender terras públicas em benefício do Tesouro e ajuste das contas públicas. CONCLUSÕES Em nossa pesquisa pudemos perceber que a zona costeira, desde os primórdios de nossa nação foram áreas prioritárias de interesse por parte de particulares e do estado, note-se que apenas um aspecto que são os terrenos de marinha foi motivo de grande atenção da coroa. As marinhas inicialmente foram tratadas como terrenos estratégicos para a construção de portos de diversos tamanhos e usos, e de fortalezas para a proteção dos territórios contra ataques estrangeiros. Posteriormente se percebeu que também eram áreas passiveis de ocupação e utilização econômica diversa, gerando recursos para a o Tesouro e sendo áreas comerciais e residenciais interessantes para o povo brasileiro. O regime de demarcação do ponto onde está localizada no espaço a linha imaginária que prevê a legislação do país é trabalho complicado mesmo para geógrafos bem treinados na Geografia Aplicada. Esses além das técnicas apuradas têm de conhecer assuntos como o aqui tratado para entender o contexto de sua pesquisa. É demasiado complicado falar sobre essas áreas que são motivo de interesses diversos, porém pensamos ter contribuído com este ensaio que pretende ser um subsídio para a contextualização histórica dos problemas e dilemas que estão no entorno dos litorais, e de forma mais particular nos terrenos de marinha em nosso país. REFERÊNCIAS BRASIL. Decisão Imperial nº. 29 – Justiça – Provisão do Desembargo do Paço de 21 de fevereiro de 1826. Dá providências sobre os destroços feitos na povoação de Itabapuanna a requerimento do proprietário da fazenda Moribeca. Coleção das leis do Império do Brasil – Portal da Câmara dos Deputados, [on-line]. [S. l.] Disponível em: AO179 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Histórica [1806] A TOPONÍMIA COMO ELEMENTO DA APROPRIAÇÃO SIMBÓLICA. RAFAEL LUIZ LEITE LESSA CHAVES. PPGG - UFRJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: Nomear lugares é muito mais do que uma simples atribuição de nomes; é “materializar” o sentimento que um lugar é uma entidade que possui uma individualidade que a distingue de outros lugares, e isso ocorre baseado na sensação de que um lugar é útil e vale a pena ser nomeado. Ao se nomear uma área, esta deixa de ser um simples ponto no mapa ou apenas um pedaço da superfície terrestre; transforma-se em um espaço com significado. Um topônimo também é a expressão da intencionalidade de um grupo, em demonstrar a territorialização de determinada área. Podemos dizer que os topônimos têm função semelhante à dos pelourinhos, de símbolo demarcador da propriedade territorial. No período inicial de consolidação do território colonial português na América, era necessário que se fizesse o registro das novas terras. Uma das formas utilizadas foi a produção mapas, que além de representarem graficamente as características espaciais dos novos domínios, eram um importante veículo de comunicação. Num período de intensa disputa entre coroas européias pelo domínio das terras americanas, o ato de grafar, em idioma português, os nomes das áreas conquistadas nos mapas, era uma clara comunicação da propriedade do território. Entre 1500 e 1530, os portugueses, batizaram a costa do que é hoje o território brasileiro seguindo o calendário hagiológico, ou seja, baseando-se exclusivamente nas suas referências culturais. A partir de 1530, com o início da colonização, que necessariamente implicava em maior convivência – hostil ou não – com os indígenas, os portugueses começaram, então, a utilizar bastante a toponímia autóctone. Ao longo do processo de apropriação de fato do território costeiro, decorrido principalmente nos dois primeiros séculos do período colonial, entretanto, essas toponímias foram, em parte, desaparecendo, dando lugar a toponímias européias ou híbridas. Esta artigo pretende compreender o processo, historicamente variante, de nomeação das novas áreas conquistadas, uma das feições espaço-político-culturais presentes na conquista e apropriação colonial brasileira. Este processo ocorreu, por vezes atribuindo-se um topônimo europeu, outras vezes utilizando-se um topônimo indígena, houve casos em que fundiu-se um topônimo europeu com um indígena. A identificação destas três formas de nominação de lugares é esclarecedora para a explicação da apreensão, em diferentes períodos, da colônia pelo colonizador. Analisaremos a imposição de topônimos na capitania do Rio de Janeiro no período de 1565 até 1600, observando a matriz cultural utilizada para a denominação, para assim demonstrar que a troca de matrizes ocorre em decorrência da história dos lugares, ou seja, com o estabelecimento efetivo dos lusitanos na terra; ou a importância estratégica de determinados lugares. Para a operacionalização deste projeto, serão observados, para o período estudado, os nomes utilizados nas cartas de sesmaria. A justificativa desta pesquisa é procurar oferecer uma contribuição para o preenchimento de uma lacuna na história da formação territorial do Brasil, tratando da apropriação simbólica do território colonial português na América. Pretende-se também demonstrar que o processo de imposição da toponímia ao território colonizado foi bastante complexo, e revela importantes relações de poder e interações culturais entre dominadores e dominados. Analisaremos essas relações e interações através do processo de apropriação simbólica da capitania do Rio de Janeiro pelos portugueses nos século XVI. Ambicionamos explicitar que a evolução do nome dos lugares acompanha de perto a história dos lugares, pois como já demonstrado em trabalho anterior, especificamente para o caso da Capitania do Rio de Janeiro no século XVI (CHAVES, 2003), as áreas estrategicamente posicionadas são batizadas pelos descobridores ou pelos ocupantes de altos postos da burocracia portuguesa, ou seja, aqueles que não têm (ou têm muito pouco) contato com o meio local. Como exemplo, podemos citar os acidentes geográficos, que recebiam os nomes atribuídos pelos capitães das naus e as vilas fundadas (e batizadas) pelos governadores gerais; ao passo que as áreas posteriormente ocupadas, possuem em grande parte os topônimos indígenas, pois em muitos casos, é destes a logística utilizada para tal conquista, como é o caso dos arraiais fundados por bandeirantes (WEHLING, 1994). Procura-se então observar, até que ponto prevaleceu a cultura européia, e até que ponto, a cultura indígena sobreviveu; e de que forma a cultura indígena foi utilizada pelo colonizador. Se segundo Zelinsky, “The study of names is a many-sided enterprise with great and exciting intellectual potentialities” (ZELINSKY, 1997), como podemos fazer uma abordagem geográfica da toponímia sem cair no campo da etimologia ou da antropologia? Propomos que para esta tarefa, nenhuma outra área do conhecimento geográfico faria de forma mais eficaz do que a Geografia Histórica, pois não se trata aqui de fazer uma análise do significado dos topônimos, e menos ainda de uma simples observação de sua distribuição espacial. Pretendemos através do recorte sincrônico, utilizar as categorias de análise geográfica, que são atemporais, para compreender um objeto não material que compõe o espaço geográfico de um “presente de então” (ABREU, 2000), e as ações relacionadas à sua produção. Visamos com este trabalho observar a imposição da toponímia portuguesa em um primeiro momento, sobre amplas áreas costeiras, nas quais não há trocas culturais entre colonizador e colonizado, e em um segundo momento o surgimento da toponímia européia na Capitania do Rio de Janeiro, percebendo assim, a progressiva apropriação simbólica em escala local, ou seja, imposição de seu poder, pela supressão de um elemento cultural, porém absorvendo parte da cultura autóctone pelo início do contato direto dos diferentes povos. AO180 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia Histórica [2047] A DIFERENCIÇÃO SOCIAL NA FORMAÇÃO SÓCIO- ESPACIAL EM CRICIÚMA - SC. KEITY KRISTINY VIEIRA ISOPPO. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, SAO JOSE, SC, BRASIL. Resumo: Existem três abordagens teóricas para explicar a industrialização em Santa Catarina: o desenvolvimentista conservador, o schumpteriano e o de formação socioespacial. Os dois primeiros, “baseiam-se na tese da gênese industrial como obra da consolidação do capital comercial (import-export) ou na capacidade empreendedora do capitalista de origem européia, o que teria gerado um ‘modelo econômico catarinense’ de desenvolvimento industrial” (SILVA apud BELTRÃO, 2001). O terceiro, dentre estes referenciais teóricos que explicam o surgimento das indústrias em Santa Catarina, é o de formação socioespacial, elaborado por Milton Santos, o qual é utilizado neste trabalho. Pensando nas especificidades de cada formação, Armem Mamigonian reforça a perspectiva de formação socioespacial elaborada por Milton Santos, acrescentando a importância da pequena produção mercantil, atrelada a um determinado tipo de imigração que agrega um processo de acumulação diferenciado de outros tipos de ocupação existente em outras regiões brasileiras e até mesmo catarinenses. O êxito industrial da pequena produção mercantil transplantada da Europa através do processo de colonização em Santa Catarina pode ser confirmado através da obra “Estudos Geográficos das indústrias de Blumenau” de Armem Mamigonian (1965). Este estudo afirma que as iniciativas locais e a origem modesta caracterizam a existência da pequena produção mercantil, “capitalistas sem capital” que exemplifica a origem das indústrias de Blumenau. Assim, pode-se diferenciar dois tipos de gênese industrial, uma de acordo com a profissão anterior de seu proprietário (artesão, mestre de ofício e engenheiro) e outra de acordo com a origem do capital. Esta abordagem “considera a industrialização de algumas regiões catarinenses como decorrentes da acumulação gerada pela pequena produção mercantil, aliada a uma representativa divisão social do trabalho entre agricultores independentes, artesãos, operários e pequenos comerciantes” (BELTRÃO, 2001). É o que se pretende verificar neste trabalho, isto é, analisar-se-á a diferenciação social na formação socioespacial de Criciúma a partir da idéia de ruína dos pequenos produtores de Lênin utilizando como base o primeiro capitulo do seu livro “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia”. Os pensamentos deste autor nos dão subsídios para entender como ocorreu o processo de diferenciação dos pequenos produtores, considerando o aumento do mercado interno local. A partir do século XIX Santa Catarina foi colonizada por imigrantes, “pequenos agricultores alemães, italianos e poloneses (séculos XIX e XX), que coexistem com povoamentos luso-brasileiros, de origem mais antiga (XVII e XVIII) e consagrados à criação, no planalto, e à pequena lavoura, no litoral” (MAMIGONIAN, 1966). O processo de imigração apoiado pelo governo imperial, assim como em toda região sul, possuía o objetivo de povoar as terras que ainda fossem desabitadas com elementos provenientes da Europa. Em Santa Catarina, assim como no Rio Grande do Sul, foram os alemães e italianos os principais colonos. Visando as terras de matas, encontraram pelas condições de relevo e drenagem uma faixa bastante larga entre o litoral e o planalto. (SANTA CATARINA, 1986) A região Sul Catarinense foi povoada em grande parte por imigrantes provenientes do norte da Itália. “Muitos foram favorecidos por leis que lhes davam o direito de comprar as chamadas Terras Devolutas, podendo ser pagas em espécie, dinheiro ou serviços prestados ao governo, como abertura de estradas, construções de pontes ou prédios públicos” (GOULARTI FILHO, 1995).Criciúma foi fundada em 05 de janeiro de 1880, povoada em grande parte por italianos e pouco tempo depois (1891), por poloneses e em 1912 por alemães (SANTOS, 1997). Goularti Filho (1995) explica que a colonização de Criciúma se assemelha com a do Vale do Rio Itajaí, onde pequenos proprietários produziam além da subsistência, comercializando seus excedentes manufaturados, como farinha de mandioca, açúcar, pó de café, vinagre e vinho, farinha de milho, arroz descascado, salame, banha, toucinho, torresmo, leite, nata, charque e outros. Muitos destes pequenos proprietários tiveram destinos diferentes, uns tiveram suas produções falidas, outros viveram entre altos e baixos durante os períodos de crise, possibilitando uma base bastante pulverizada, garantindo que outros proprietários tivessem facilidade de acumulação, longe de latifúndios (GOULARTI FILHO, 1995). “A divisão social do trabalho constitui a base da economia mercantil” (LENIN, 1982), permitindo o nascimento de uma nova população rural, “a burguesia rural e o proletariado rural - classe dos produtores de mercadorias na agricultura e classe dos operários agrícolas assalariados”. (LENIN, 1982) Sendo assim, a maioria dos produtores acabam sendo expropriados dos meios de produção, tornando-se mercadoria nas mãos de outros, tendo que vender a única coisa que lhes sobrou, sua força de trabalho. “A transformação do pequeno produtor em operário assalariado pressupõe a perda dos seus meios de produção (terra, instrumentos de trabalho, oficina etc.) – ou seja, pressupõe o ‘empobrecimento’, a sua ‘ruína’” (LENIN, 1982). ‘Lênin contraria a idéia de que o empobrecimento dos pequenos produtores reduz o mercado interno, para ele os novos proprietários desses meios de produção “produzirão sob a forma de mercadorias os produtos que, anteriormente, eram consumidos pelo próprio produtor – vale dizer: ampliam o mercado interno” (LENIN, 1982). Antes da divisão social do trabalho o pequeno produtor produzia para sua subsistência, não tendo a necessidade de comprar mercadorias de outro produtor, o mercado interno então era pequeno ou inexistente. Após a divisão social do trabalho, houve uma especialização da produção, permitindo o aparecimento de unidades econômicas heterogêneas diminuindo a quantidade de produtores com o mesmo produto. Dada esta economia pulverizada, tem-se a necessidade de comercialização dos produtos já que os produtores não produzem mais para sua subsistência, ou seja, há um aumento do mercado interno. “É, portanto, a divisão social do trabalho a base de todo o processo de desenvolvimentos da economia mercantil e do capitalismo”. (LENIN, 1982) Goularti (1995) menciona que na Região Sul de Santa Catarina existiram alguns pequenos agricultores que ascenderam e acabaram tornando-se comerciantes e industriais, é o caso segundo ele de: Mário Burigo, Elói Burigo e Otávio Burigo que em 1950 tornaram-se comerciantes de produtos da mineração; Mecril, Elmar donos de uma metalúrgica; Maximiliano Gaidzinski, que em 1936 adquiriu um lavador de moinha, associando-se posteriormente a um comércio e a uma cerâmica. Pode-se pensar então que “o desenvolvimento da economia mercantil provoca um crescimento do número de ramos industriais distintos e independentes” (LENIN, 1982). O processo de imigração juntamente com o surgimento da pequena produção mercantil foram fatores que contribuíram para a acumulação. AO058 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1167] CARTOGRAFIA FILATÉLICA BRASILEIRA. JOSÉ FLÁVIO MORAIS CASTRO; ALEXANDRE ALVES DINIZ. PUC MINAS - PPGG- TIE, BELO HORIZONTE, MG, BRASIL. Resumo: INTRODUÇÃO A Filatelia é o “estudo dos selos do correio usados nas diferentes nações, metodicamente colecionados” (BUENO, 1976). Os selos postais de uma nação podem trazer na estampa distintos aspectos sociais, ambientais, culturais, históricos e geopolíticos, constituindo-se importante meio de comunicação dos valores de uma sociedade. A filatelia brasileira notabiliza-se pelo uso de diversos recursos técnicos de representação dos valores de nossa sociedade. Dentre esses recursos, merece destaque a Cartografia. As interseções entre Filatelia e Cartografia no Brasil geraram mais de 350 selos ao longo da história (CORREIOS, 2002), constituindo-se no primeiro lançamento o selo em comemoração ao 3º Congresso Panamericano em 1907. Desde então, a Cartografia tem municiado a Filatelia com mapas s e temáticos, subsidiando, assim, a comunicação de diversas idéias, valores e conceitos. OBJETIVOS Este trabalho tem por objetivo analisar a cartografia filatélica brasileira e as interseções geográficas que ocorrem na representação gráfica adotada nos selos postais brasileiros, interseções estas intimamente relacionadas à Geografia Cultural. REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL As interseções geográficas, do ponto de vista da representação simbólica nos selos postais, podem estar intimamente associadas à cultura e suas relações com o espaço, sendo, portanto, passíveis de serem investigadas no âmbito da Geografia Cultural. Vale lembrar que os seres humanos vivenciam e transformam o mundo natural em humano. Nesse processo de transformação ganha destaque a cultura. A produção e reprodução da vida material, resultante da intercessão entre cultura e natureza, é subordinada aos sistemas de comunicação, uma vez que sem eles a construção e transmissão de comportamentos, saberes, técnicas, conhecimentos e valores não seria possível. A semiótica ou semiologia é uma disciplina recente nas ciências humanas, criada no início do Séc. XX. Etimologicamente, ambos os epítetos são derivações de semeion, vocábulo grego que designa “signo”. No entanto, a semiótica é de origem americana, significando termo canônico que designa a semiótica como filosofia das linguagens. Por outro lado, a semiologia é um termo de origem européia compreendido como o estudo de linguagens particulares (imagens, gestos, teatro, etc.). Essa intrigante ciência dos signos tem como grandes precursores o lingüista suíço Ferdinand de Saussure, e o cientista norte-americano Charles Sanders Peirce (JOLY, 2002; SANTAELLA e NOTH, 2001). METODOLOGIA Os selos postais representam uma mídia que vem ganhando força nas últimas décadas no Brasil, e que, até o presente momento, tem sido pouco explorada em análises geográficas. A prática filatélica no Brasil vem sendo cada vez mais valorizada, fato corroborado pelo expressivo número de emissões de selos postais , contabilizando mais de 4.000 estampas desde 1843, quando se emitiu o primeiro selo (CORREIOS, 2002). Desses, aproximadamente 10% trazem reproduções, documentos ou referências cartográficas que serão objeto da análise. Considerando que a abrangência e a quantidade dos temas abordados são amplas, procedeu-se a seleção e agrupamento do conjunto de selos postais que apresentam elementos cartográficos nos seguintes eixos temáticos: cartografia/mapas antigos; expedições; meio ambiente; redes de transportes e de telecomunicações; e, migrações e etnia. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O eixo temático cartografia/mapas antigos é representado pelos selos postais contendo mapas dos séculos XVII e XVIII, em estilo portulano e que documentaram as grandes navegações. O eixo temático expedições, caracteriza mapas temáticos com representações de rotas ligadas ao Descobrimento do Brasil e as expedições científicas dos séculos XIX e XX. Os selos postais do eixo temático meio ambiente representam o Brasil por meio de mapas temáticos ligados à cobertura vegetal e à geologia, e, um mapa de localização e distribuição espacial ligado à caatinga no nordeste brasileiro. Os selos postais do eixo temático redes de transportes e de telecomunicações utilizam o mapa como elemento de localização, com escalas variadas de representação de rotas e fluxos de informações, pessoas, mercadorias e capitalção. Da mesma forma, os selos postais do eixo temático migrações e etnia também têm no mapa um elemento de localização, abordando a ocupação do espaço brasileiro por meio de mapas que representam a formação da etnia brasileira e as correntes migratórias. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho consistiu numa tentativa de contribuir com um campo relativamente inexplorado da literatura geográfica: as interseções entre cartografia e os selos postais. A partir das estampilhas brasileiras, buscou-se resgatar uma importante função da cartografia, que é a comunicação de informações espaciais, empregada na codificação de signos carregados de significados culturais. A partir do exame dos eixos temáticos ficou claro que os mapas e projeções são evocados nos diversos selos com objetivos distintos. Em muitos casos, os mapas ganham a dimensão de ícones, na conotação pearsoniana, comunicando relações topológicas, de distância e indicando a localização de feições e elementos, além de representar trajetórias diversas. Assim como a cultura é elemento central, mediador das relações entre sociedade e natureza, os processos de comunicação são fundamentais à produção e reprodução cultural. Dentre as diversas mídias disponíveis, os selos postais representam, indubitavelmente, um poderoso veículo de comunicação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUENO, Francisco da Silveira. D icion á r io Escola r da Lín gu a Por t u gue sa . 11ª. ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1976. CORREIOS. Informe Publicitário: Filatelia. São Paulo: Contadino. 2002. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papirus, 2002. SANTAELLA, Lucia e NOTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2001. AO059 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1328] POR UM A CARTOGRAFI A D O LI XO SECO D E PORTO ALEGRE: TERRI TÓRI O E AM BI EN TE N O COTIDIANO DAS CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS. ROSA MARIS ROSADO; ÁLVARO LUIZ HEIDRICH. UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL. Resumo: Como a comunidade da reciclagem do lixo de Porto Alegre (isto é, das catadoras de materiais recicláveis) estabelece seu território e quais as redes de relações com os agentes externos (assessores(as) da prefeitura, representantes de entidades religiosas, pesquisadores(as), educadores(as) e com cidadãs e cidadãos)? Que representações sociais de ambiente se expressam neste cotidiano? Que significados fornecem a seu espaço cotidiano de trabalho com o lixo? Estas entre outras questões surgiram na elaboração do projeto de pesquisa de doutorado desenvolvido no PPGEO/UFRGS e nos impulsionaram na direção do objetivo principal de estudar as características que configuram o espaço cotidiano das comunidades da reciclagem enquanto território, analisando as complexas redes de relações presentes em um galpão (forma como a comunidade refere-se ao seu espaço de trabalho), bem como, as representações e os significados acerca do ambiente que nele se expressam. Os objetivos específicos deste trabalho são: 1) analisar os papéis e as relações e interrelações que a comunidade da reciclagem, estabelece no seu espaço cotidiano e externamente a ele, na legitimação e fortalecimento deste território, bem como, das suas fronteiras; 2) procurar desvelar as estruturas de poder e controle deste território, observando a dimensão subjetiva e cultural na apropriação deste espaço, como criadores de uma referência simbólica que reforça o território; 3)buscar identificar as representações sociais de ambiente que a comunidade apresenta, captando como elas são expressas no seu cotidiano de trabalho com o lixo e 4)observar se o espaço cotidiano do trabalho com o lixo (elemento estigmatizador) reforça a identidade de catadora ou motiva a busca de outras alternativas de trabalho e geração de renda (ser ou estar catadora?) e a relação com as representações sociais de ambiente nele identificadas. Entre as associações de catadores de Porto Alegre, que gerenciam as 13 Unidades de Triagem de Resíduos Sólidos (os galpões) situadas nas diversas regiões da cidade, temos a Associação dos Recicladores do Loteamento Cavalhada que se constituiu em agosto de 1996, foco desta pesquisa. A escolha da Associação da Cavalhada levou em conta à acessibilidade da pesquisadora, visto já ter atuado nesta comunidade enquanto assessora da prefeitura, bem como, as singularidades que este grupo apresenta: (1) trata-se de uma unidade vinculada ao Movimento Nacional de Catadores; (2) localizada em um reassentamento urbano com diversas intervenções do poder público municipal; (3) onde se desenvolveu um Projeto de Educação de Adultos (Projeto Galpão) durante cerca de 1 ano. As informações obtidas das observações no galpão e nas conversas informais (cotidianas) com as catadoras no seu espaço cotidiano foram consideradas como base para a elaboração de narrativas. Por meio das narrativas elaboradas, refletiremos sobre as práticas cotidianas desta comunidade, procurando atentar para fato de que a análise deste espaço cotidiano, devido à complexidade, não pode se resumir a uma técnica linear, fruto de interferências múltiplas (divisão do trabalho, do tempo, do saber, do poder...), mas, sim, ter como ponto de partida o sujeito enquanto ser humano, condicionado, concreto e suas relações simbólicas, próximas, fixas e mutáveis. O espaço do galpão se define pela adequação à atividade da catação de lixo e pela diferença dada a ele na prática cotidiana das catadoras que dele se apropriaram, humanizando-o. Assim, devem ser considerados também os aspectos relativos à identidade e, ainda, as relações de poder que emanam deste território, sendo necessário procurar compreender as concepções de mundo das catadoras e como são expressas deste espaço. Se as representações sociais são construídas a partir das práticas sociais no espaço vivido pelos sujeitos, o espaço vem a ser objeto desta representação. Desvelando a teia de significados que sustenta o cotidiano no galpão enquanto território, buscamos as representações sociais de ambiente se expressam nas “práticas discursivas” das catadoras. Afinal, há uma experiência particular destas trizes sociais em relação ao ambiente, pois este é um elemento presente no discurso sobre a reciclagem que as envolve cotidianamente. Percebemos que a abordagem pertinente para a leitura deste território vai ao encontro de uma das propostas apontadas por Haesbaert (2004), que inclui uma concepção multidimensional e não exclusivista de território (territórios múltiplos e multiterritorialidades). Propomos, assim, uma leitura mais ampla deste território, isto é, para além da geração de renda (dimensão econômica), das relações de poder internas e externas a ele (dimensão política), da identidade e dos laços afetivos entre os catadores (dimensão cultural/simbólica). Neste território expressam suas representações sociais de ambiente, de lixo, do galpão, de gênero entre outras, na sua cartografia cotidiana de relações. O principal desafio está relacionado, portanto, às profundas mudanças mundiais e seus reflexos no espaço político, econômico e social local, no qual começam a desenhar novos imaginários, novas cartografias simbólicas que nos trazem para uma historia não oficial não linear e, portanto, para uma nova geografia (Reigota, 2002) cartografada por “sujeitos anônimos” no “contrafogo” para impedir ou na adoção de táticas para resistir a “precariedade” que nos afeta cotidianamente. Nesta análise preliminar já é possível perceber a necessidade de re-adequação das ações sociais na esfera pública e governamental, atentando aos critérios da comunidade e aos seus territórios, redefinidos cotidianamente, levando em conta a complexidade ambiental presente neste contexto. Enquanto isto, no espaço do galpão, as catadoras buscam reinventar no cotidiano suas formas de ser e estar no mundo, traçando a sua própria cartografia do lixo, em uma geografia alternativa que precisa ser reconhecida e considerada. AO060 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1619] O LUGAR DA FEIRA LIVRE NA CIDADE DO SALVADOR. SIMONE MARIA COSTA. UFBA, SALVADOR, BA, BRASIL. Resumo: Este projeto consiste em analisar o processo de composição do tecido urbano, econômico e sócio-cultural da cidade de Salvador, a partir do surgimento das feiras-livres na borda da Bahia de Todos os Santos, evidenciando a construção do lugar da feira-livre de São Joaquim, através de uma superposição de extratos físicos e simbólicos e sua influência no cotidiano do povo baiano. A feira livre, produzida e reproduzida constantemente pelo povo, é um meio de sociabilização, onde são tecidas complexas relações políticas, econômicas, sociais e culturais, onde melhor pode se conhecer a cidade, o povo, seus costumes, sua cultura. A feira de São Joaquim, tatuada na malha urbana da cidade, assim como as outras que a antecederam, imprime na cidade e no imaginário coletivo, sua existência enquanto lugar: lugar de compra, venda, troca, sabores, saberes, vida, cor, som, de povo, de identidade baiana, portador de um riquíssimo patrimônio, guardado em suas vias, histórias escritas pelas criações coletivas e que retratam a sua essência. Entender essas marcas e percepções do lugar das feiras-livres na cidade nos permite compreender os processos e transformações dos espaços urbanos, numa decodificação de signos e símbolos, revelando as tradições e características que ficaram marcados em seus aspectos sócio-culturais, econômicos e políticos. Assim, objetiva-se especificamente, analisar como a (re)construção destes espaços influenciaram na permanência da feira, mesmo com o rápido crescimento urbano da cidade, identificar qual o lugar da feiralivre na sociedade e na cidade e avaliar como a Feira de São Joaquim, configurando-se oficialmente como um destino turístico, após seu reconhecimento enquanto patrimônio imaterial cultural brasileiro, se comportará frente a essa nova perspectiva. Para tanto, o estudo ancora-se, dentre outros, em Calvino (1990, p. 14), para quem, as cidades, construídas por diferentes grupos, com valores e signos distintos, não comportam apenas o seu passado, elas “... contém o passado como as linhas da mão, que é escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos edifícios [...] em cada segmento riscado, por arranhões, serraduras, entalhes,...”. Seguindo esta análise, não podemos desconsiderar que o homem é um ser temporal e que as diversas sociedades apresentam diferentes maneiras de produzir e preservar a cultura, e assim, variadas formas de construir e se relacionar com a cidade, aqui entendida, como a materialização dessa cultura em determinado espaço e tempo. Segundo Santos (2006, p. 61), o espaço “é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá.” Deste modo, deve ser visto como um fator da evolução social, portanto, produzido e reproduzido constantemente” (CASTROGIOVANNI, 2000, p. 23), podendo ser transformado em lugar à medida que adquire personalidade, torna-se vivido, o lugar, mais do que o espaço, relaciona-se com a existência real e a experiência vivida, pois “o lugar transcende sua realidade objetiva e é interpretado como um conjunto de significados”. (LENCIONI, 1999, p. 154). Santos (2006, p. 61), nos coloca que “os elementos fixos e fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar.” Segundo o autor, p 270, “O lugar é [...] onde fragmentos de uma rede ganham uma dimensão única e socialmente concreta, graças à ocorrência, na contigüidade, de fenômenos sociais agregados, baseados num acontecer solidário, que é fruto da diversidade e num acontecer repetitivo, que não exclui a surpresa.” Tuan (1979), refere-se ao lugar como possuidor de ““um espírito”, “uma personalidade”, havendo um “sentido de lugar” que se manifesta pela apreciação visual ou estética e pelos sentidos a partir de uma longa vivência.” Nesse sentido, a cidade , conjunto de significados, “(...) deve ser vista como uma escritura, uma fala a ser interpretada [...]. Trata-se de um enigma a ser desvendado pela exploração. (...) É uma obra de arte viva, e seus atores são os seus habitantes. Há cores e odores. Hábitos e costumes.” (WAINBERG, 2000, p. 13) Como diz Antonio Castrogiovanni (2000, p. 24), “As cidades são representantes fiéis dos macromovimentos sociais e devem ser vistas como uma representação da condição humana, sendo que essa representação se manifesta por meio da arquitetura em si e da ordenação dos seus elementos. A cidade é um mundo de representações, ela pulsa, vive, seduz, agride, transforma-se e transforma aqueles que nela interagem.” Sob essa ótica, pode-se afirmar que a cidade é sempre reflexo da história do próprio homem e suas características atuais refletem na sua imagem e no modo de vida das pessoas, que precisam reconhecer-se naquilo que vêem. Assim, há de se entender a cidade como o meio em que se vive, a integração das esferas natural, social, cultural, política e econômica, onde a cultura se processa. Santos (2006, p. 106), nos revela que “os movimentos da sociedade, atribuindo novas funções às formas geográficas, transformam a organização do espaço, criam novas situações de equilíbrio e ao mesmo tempo novos pontos de partida para um novo movimento.”. Podemos tomar como exemplo as feiras livres, que desde a Idade Média, se constituem como grandes formadoras e transformadoras do espaço, atribuindo novas situações e movimentos a cidade. Etimologicamente, segundo Aurélio, (1988) feira é um “lugar público, muitas vezes descoberto, onde se expõem e vendem mercadorias”. Entretanto, a feira, em sua plenitude, tem um conceito muito mais amplo, que não uma percepção meramente comercial. Segundo Fittipaldi apud Guglielmo, (2005, p. 11), na feira “toda transação vem carregada de significados. São trocados bens simbólicos, já que são estimados por valores determinados no âmago de suas culturas produtoras. São portanto portadoras de identidades e subjetividades”. Percebe-se então, que, estudar o lugar da Feira na cidade de Salvador, além de um entendimento do processo de evolução e transformação do espaço urbano é também um reconhecimento e valorização de um patrimônio, que entre suas funções, tem o papel de promover “a continuidade cultural”, ser o elo entre o passado e o presente. Faz-se então indispensável (re)apreendermos a olhar para a feira como um bem que representa identidade e que exterioriza o valor de uma cultura, de algo que pode ser a expressão de uma conjuntura histórica, a leitura de uma concepção social ou a manifestação de uma tradição. Como metodologia para o referido trabalho, adota-se pesquisas qualitativas, de caráter exploratório, utilizando-se do Estudo de Caso e o método dialético, pautando-se na 1ª Lei da Dialética. Como métodos de procedimentos, o histórico, cartográfico, estatístico, funcionalista e de análise. As técnicas complementares utilizadas são pesquisas de campo, documental e bibliográfica, adotando a amostragem não-probabilistica intencional (amostragem por cotas), onde os participantes são considerados os agentes sociais. As principais questões são: Como se deu composição do tecido urbano, econômico e sócio-cultural da cidade do Salvador, com os surgimentos das feiras-livres na borda da Baía de Todos os Santos?; Com rápido crescimento urbano da cidade de Salvador, como a (re)construção destes espaços influenciaram na permanência destas feiras?; Qual o lugar da feira-livre na sociedade e na cidade do Salvador?; A feira de São Joaquim se configurando como um destino turístico, após seu reconhecimento enquanto patrimônio cultural, como se comportará frente a essa nova perspectiva? AO061 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1855] IDENTIDADES TERRITORIAIS QUILOMBOLAS FRENTE AO ESTADO- NAÇÃO BRASILEIRO. ISABEL ARAUJO ISOLDI. IGE/UNICAMP, CAMPINAS, SP, BRASIL. Resumo: A partir da Constituição Federal de 1988, cem anos após a abolição da escravatura, as territorialidades próprias das terras de quilombo começaram a ser discutidas pelo Estado brasileiro a partir da promulgação do artigo 68 que garante a posse da terra aos remanescentes de quilombo que comprovarem a veracidade de sua ancestralidade. O processo escravagista no Brasil relegou um grande contingente populacional à situação de marginalidade sócio-espacial, pois ainda que libertos da escravidão em 1888, os negros ex-escravos não adentraram a condição de cidadania proposta pela República. De fora do sistema econômico vigente, estiveram também condenados à exclusão do acesso legal a terra, fato que não impediu as ocupações informais, que deram origem às milhares de comunidades negras rurais existentes hoje em território brasileiro. A abordagem geográfica é de extrema relevância uma vez que a temática remete a uma herança ligada à própria formação da nação e ao acesso ao território como recurso e como abrigo; em situação de exclusão, os negros ocuparam terras ‘distantes’, formando territorialidades próprias, de forma que se desenvolveram identidades ligadas diretamente ao uso e ocupação do território. O objetivo do trabalho consiste da análise das identidades territoriais das comunidades de quilombo frente à implementação do artigo 68 pelo Estadonação, como uma tentativa de inclusão sócio-espacial dos remanescentes do processo escravagista. O uso e ocupação de determinados lugares são fundamentais na formação de identidades culturais e territoriais. Além da importância do processo histórico, é importante considerar também as práticas que consolidam o cotidiano, pois “o território identitário não é apenas ritual e simbólico; é também o local de práticas ativas e atuais, por intermédio das quais se afirmam e vivem as identidades”.(BOSSÉ, 2004, p.169). Sendo as práticas sociais partes integrantes de uma territorialidade simbólica, pelas quais os grupos afirmam e reivindicam sua identidade cultural e política em relação ao seu lugar. A metodologia de análise compreende o espaço como sistema indissociável de objetos e ações; uma totalidade dinâmica que abriga diversas relações espaciais. (SANTOS, 1997). O valor do espaço é determinado a partir do uso que dele é feito. Através da apropriação demarcam-se territórios que, enquanto porções do espaço são socialmente construídas e ocupadas, através da energia e do trabalho. O espaço, enquanto algo abstrato, é formalizado nos territórios, politicamente demarcados de modo que seria espaço a ‘prisão original’ enquanto que o território seria ‘a prisão que os homens constroem para si’. (RAFFESTIN, 1993, p.144). O uso e ocupação do território permite a territorialização do poder. É assim que o espaço, amplo e abstrato, se torna real, pois é no lugar que ordens externas se materializam, já que o lugar é a categoria do espaço geográfico onde o mundo se concretiza por meio de sistemas de objetos e ações, deixando de ser uma abstração. Dessa forma, o lugar não é somente uma parte do mundo, mas o próprio mundo localizado. (LUCHIARI, 1999). Assim, cada lugar é por si só individual. O lugar contém o mundo em si, mas ao materializar a abstração, o faz de maneira única, de modo que cada lugar é um, diferente dos demais. As singularidades dos lugares podem ser expressas pelas diferentes territorialidades que denotam formas de apropriação do espaço exclusivas a cada localidade. Trata-se de “um fenômeno de comportamento associado à organização do espaço em esferas de influências ou em territórios nitidamente diferenciados, considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou pelos que os definem”. (SOJA, apud RAFFESTIN, 1993, p. 159). É importante considerar que o Estado nacional busca ser unificado ainda que a nação estatal não se identifique com uma realidade objetiva e as populações não compartilhem de um livre consentimento com relação ao seu destino nacional. As comunidades minoritárias, em situação de vulnerabilidade, dependem do papel das instâncias institucionais para a construção ou negação do pertencimento nacional já que apenas como cidadão, o indivíduo terá garantido pelo Estado seus direitos e liberdades. Desse modo se propõe um projeto assimilacionista, como uma alternativa a possíveis processos de ruptura do território nacional. O modelo político e jurídico do Estado-nação aspira à unidade, sendo todos cidadãos iguais perante a lei. O que se dá então é a constituição de um Estado pautado no princípio da igualdade, mas que se impõe soberano sobre as diferenças culturais. As terras de quilombo se formaram a princípio, à parte do Estado brasileiro, em uma condição de resistência à opressão ditada pela escravidão e após, pela exclusão social imposta aos negros quando da implementação da República. A condição de Estado-nação impõe a necessidade de uma identidade cultural para a criação de uma unidade nacional que garanta a coesão do país, tarefa difícil diante da diversidade de formas de uso do território por grupos sociais distintos. Neste contexto, é possível dizer que o artigo 68 acaba por normatizar a identidade quilombola, uma vez que para a obtenção da titulação da terra é necessário que a comunidade requerente prove a veracidade de sua identidade e se enquadre no conceito de quilombo adotado pela legislação. Ainda que a maioria das reivindicações por titulações de terras de quilombos seja precedido de conflitos fundiários e não de inquietações em relação à identidade, as comunidades muitas vezes retomam símbolos e valores já esquecidos, que confirmem seu passado e seu pertencimento àquela terra. A identidade quilombola é assumida, em primeira instância, enquanto uma possibilidade de inserção na sociedade. Palavras-chave: identidade territorial; comunidades quilombolas; Estado-nação, uso e ocupação do território; territorialidades. AO062 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1933] A ESTRADA DE FERRO E O COTIDIANO SOCIAL DA CIDADE DE TRÊS LAGOAS – MS. ARLINDA MONTALVÃO OLIVEIRA; EDIMA ARANHA SILVA. UFMS, TRÊS LAGOAS, MS, BRASIL. Resumo: Percebe-se que é no espaço geográfico que se dão às circulações de mercadorias, de pessoas, de serviços e informações que geram as modificações sócio-espaciais cada vez mais complexas e em escalas locais e globais. As contribuições da Geografia inserem e evidenciam os processos sociais ocorridos no contexto da dinâmica sócio-espacial. O estudo de fatos da realidade torna possível o entendimento dos pressupostos dessa ciência. Em que o fazer geográfico faz mais sentido, pois nos permite compreender em que circunstâncias e onde as transformações sociais ocorrem. Nessa perspectiva considera-se que não basta explicar o mundo, é preciso compreender as transformações do espaço geográfico vivido ao longo do tempo. Essas transformações do meio geográfico envolvem a inter-relação entre o homem e o meio. Neste contexto pretende-se refletir, por meio do objeto desse estudo, o cotidiano social dos moradores do Município de Três Lagoas – MS, no período do seu povoamento e construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Ressalta-se ainda a necessidade de abordar as relações entre homem, tempo e território, associado às atividades econômicas, às condições habitacionais dos moradores e toda a infra-estrutura local, vislumbrando a dinâmica sócio-espacial ocorrida ao longo do tempo. A expansão urbana vem provocando mudanças radicais no cotidiano das pessoas e nas dinâmicas econômica, social e cultural dos diferentes municípios sul-mato-grossenses. De modo geral essas mudanças proporcionaram o êxodo rural e a urbanização. O surgimento de novos núcleos urbanos acelerou o crescimento populacional e aumentou os problemas sócio-ambientais. Na busca do entendimento desse novo saber geográfico, onde o cotidiano social da população três-lagoense contribuiu na construção e organização do território da cidade propôs-se estudar os diferentes momentos históricos do povoamento e desenvolvimento das atividades produtivas analisou-se ainda as mudanças ocorridas nas relações políticas, econômicas e sociais. Além de identificar e compreender as características do cotidiano rural conferida ao cotidiano urbano, decorrente da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Sabe-se que a Estrada de Ferro transformou substancialmente o cotidiano das pessoas, tanto no campo quanto na cidade, mudando-se também as relações produtivas, econômicas, políticas e sociais. Dentre essas mudanças destacam-se as contribuições dos trabalhos realizados pelos primeiros engenheiros da Rede Ferroviária. Assim, a paisagem foi sendo rapidamente remodelada, novas moradias, novas ruas e estradas foram traçadas no antigo rural, constituindo o novo urbano; estabeleceu uma nova ordem produtiva, comercial e social. Criaram-se novas possibilidades de alimento, de vestuário, de meios de locomoção de pessoas e mercadorias. Nesse sentido a linha férrea foi também responsável pela produção e segregação territorial de duas classes sociais da época: os fazendeiros, os comerciantes, os burocratas e senhores de posses instalaram-se na parte norte da cidade. A frente da Estação Ferroviária e a rua principal da cidade foram construídas ligando dois centros de poder: a Estação e a Igreja. Foram construídos ainda deste lado: a praça central, igrejas, hotéis, cinemas, armazéns, padarias, bares, botequins e clubes; mais distantes do centro foram construídos os bordéis. Na porção sul de seu território instalaram-se a classe operária, a massa de trabalhadores e assalariados, ao fundo da Estação foram construídas as edificações de moradias dos operários, o pernoite para atender aos maquinistas, os barracões e oficinas que garantiam o suporte, o funcionamento e locomoção do trem de carga ou de passageiros, de início circulava precariamente. Surgem deste lado, as primeiras vilas e bairros destinados aos pobres e assalariados, separados pela linha férrea e ligados pelo túnel, há muitos anos servindo de acesso ao território da classe dominante. Tomando como referência o que Moraes (1987, p.123) argumenta sobre o pensamento de Santos: “É necessário discutir o espaço social e ver a produção do espaço como o objeto. Este espaço social ou humano é histórico, obra do trabalho, morada do homem. É assim uma realidade e uma categoria de compreensão da realidade”. Este artigo foi produzido junto ao programa de Pós-graduação nível mestrado em Geografia da UFMS. As discussões até aqui apresentadas apóiam-se em embasamentos teóricos metodológicos já discutidos anteriormente por Lefebvre (1991-2001) e Santos (1988-1998); também utilizou-se das pesquisas realizadas por pesquisadoras locais: Mercante (1986), Mendonça (1991), Cattanio (1976) e Aranha Silva (1992); além dos referenciais sobre a ferrovia e cotidiano, escritos por Azevedo (1953) e Oliveira Neto (2005). CONSIDERAÇÕES FINAIS As mudanças sócio-econômicas impostas pelo sistema capitalista ao longo dos séculos estão nitidamente presentes na área de estudo, ou seja, no território que compreende a Estação, as oficinas e os núcleos residenciais ferroviários em Três Lagoas-MS. Evidencia-se bem o controle do Estado e da classe dominante sobre os demais grupos. Sabe-se também, da participação e contribuição da ferrovia nas transformações desse território, nas relações produtivas e de trabalho. Assim, a partir da percepção do resgate do cotidiano dessas pessoas foi possível identificar os principais fatos e notoriedades daquela época do início do século XX (1909-1915). Destaca-se nitidamente que o transporte ferroviário foi considerado o meio de transporte mais utilizado pelas massas populares, a estação ferroviária da cidade de Três lagoas era o ponto de encontro e atrações, principalmente nos finais de semanas fazia parte do cotidiano das pessoas. Por muito tempo, foi o apito do trem foi o som que despertava as pessoas e anunciava que era hora do trabalho. A população mais carente saía de seu refúgio, atravessava o túnel e usufruía dos encontros, da estação e do social burguês. Percepções como estas, permitem refletir sobre a importância desse estudo pela análise dos fatos históricos e do espaço vivido pelos moradores do território três-lagoense. Por fim, apoiou-se na concepção de Oliveira Neto (2005, p. 33) que apresenta a cotidianidade como formas e desejos da realização pessoal para aprender essa realidade delineada e materializada nas formas, nos objetos, nos fluxos e fixos, enfim, na vida, seja ela sofrida ou prazerosa revelada na cotidianidade dos indivíduos, nos seus desejos, na sua história e no seu tempo; materializado por um ideário de progresso e produção capitalista, até alcançar o seu fim, ou quem sabe um novo recomeço. AO063 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [2097] GEOGRAFI A E TERRAS I N D Í GEN AS: I D EN TI FI CAÇÃO D E TERRI TÓRI OS AN CESTRAI S N AS FRONTEIRAS DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU – MT. EMERSON FERREIRA GUERRA. CENTRO DE EDUCAÇÃO INTEGRADA DO VALE DO SÃO FRANCISCO, JANUÁRIA, MG, BRASIL. Resumo: O Parque Indígena do Xingu foi criado na região dos formadores deste rio, no Estado do Mato Grosso na Amazônia brasileira, onde já habitavam vários povos indígenas ligados por um complexo sócio-cultural estabelecido há séculos. Locais extremamente importantes para sua identidade e cultura ficaram fora do traçado do Parque e hoje são ocupados por extensas fazendas de criação de gado e cultivo de soja. Embora tenha sido criado oficialmente em 1961, o Parque Indígena do Xingu (PIX) tem como marco inicial a Expedição Roncador – Xingu que se iniciou em 1946 na cidade de Leopoldina – GO. O objetivo desta expedição consistia em uma estratégia geopolítica do governo federal em estabelecer uma via de comunicação com o norte do país desbravando a região oeste instalando pistas de pouso no percurso para garantir a segurança dos vôos. Mas o que estava realmente incutido nestas ações era uma necessidade emergente de ocupar os vazios demográficos no interior do território nacional e levar a presença do estado nesses locais mais isolados e ainda desconhecidos. Vale lembrar o contexto da segunda guerra mundial onde a disputa de territórios e a hegemonia das nações sobre eles gerava uma condição tensa no cenário mundial. Começava então a marcha para o oeste que deu origem à Fundação Brasil Central. Nas frentes expedicionárias se destacou as figuras dos irmãos Cláudio, Leonardo e Orlando Villas-Bôas. Estes demonstraram grande habilidade em contatar os povos indígenas que encontravam nos locais recém chegados e conseguiam converter algo que poderia vir a ser hostilidade por parte dos indígenas em cooperação para as metas que deveriam cumprir. Os Villas-bôas percebem então, que a ocupação da sociedade envolvente e o progresso vindouro colocavam em risco a sobrevivência de uma grande diversidade de povos com culturas e hábitos distintos. Por esse motivo, foram movidos por um ideal paralelo de tentar proteger esses povos. Tem-se início uma longa jornada para a criação do PIX. Por mais que fossem nobres os objetivos dos irmãos Villas-bôas, havia outros interesses envolvidos na questão. Para o estado era estratégico assegurar a delimitação do que chamavam centro geográfico do Brasil e que acreditavam ficar na região do rio Xingu e, assim, resguardar uma estratégica porção territorial. Sob essa ótica os índios e os ambientes associados não chegavam configurar uma prioridade como era para os Villas-Bôas. Entretanto, havia forte oposição do poder local na criação de uma área extensa de reserva o que acabava por significar um atravancamento do progresso dessas áreas como era o lema da marcha para o Oeste. Apesar de interesses divergentes e muita disputa houve a criação do parque a partir dos rios formadores do Xingu onde já habitavam vários povos indígenas ligados por um complexo sócio-cultural estabelecido há séculos naquele lugar. Não obstante a esse fato, a jornada dos Villas-Bôas prosseguiu no intuído de proteger outros povos ameaçados e transferi-los também para o parque. Isso representou uma considerável reconfiguração espacial dos territórios desses povos indígenas. Afinal, os que já estavam lá tiveram suas terras reduzidas e delimitadas pela ocupação não indígena e os que foram transferidos deixaram suas terras originais para habitarem um local completamente alheio, além de serem forçados a coabitarem o parque com outros povos, muitas vezes inimigos. Um dos reflexos observados hoje, após 40 anos da criação do PIX, e sob a ótica dos indígenas é o fato de que locais extremamente importantes para sua identidade e cultura ficaram fora do traçado do PIX. Por esse motivo são movidos, atualmente, a reconquistarem essas áreas não contempladas pelo parque ou até mesmo seus territórios originais. Para isso recorrem a vários órgãos governamentais e não governamentais com os quais mantém ligação para concretizarem seus objetivos. Dessa forma, vários atores estão hoje envolvidos na identificação e apoio à demarcação dessas áreas como FUNAI, IPHAN, IBAMA, associações indígenas e ONG’S. O objetivo deste trabalho consistiu na identificação de territórios de uso ancestral de povos indígenas xinguanos. Realizamos três expedições para a identificação das áreas. Cada expedição contou com uma equipe composta por um técnico de campo, um consultor e o grupo de indígenas, contemplado a presença de pessoas mais idosas das comunidades e conhecedores dos locais e histórias associados, bem como, alguns jovens. O método consistiu, basicamente, em coletar e registrar dados e informações de relevância para a identificação das áreas. Em campo buscávamos sempre, orientados pelos indígenas, indícios, evidências, e testemunhos do assunto tratado que confirmassem o fato da ocupação ancestral dos lugares em identificação. O fio condutor do trabalho foi a busca da conexão entre as narrativas indígenas e o espaço geográfico. Após a identificação e georeferênciamento dos territórios foram produzidos mapas dos mesmos. Foram, portanto, identificados o abrigo rochoso Kamukuaká do povo Waurá, O antigo pequizal denominado Naruvutu pelos Kalapalo e a lagoa sagrada Tarik Yegun do povo Ikpeng. Os resultados destas atividades visam colaborar com o processo de ordenamento territorial das terras indígenas no Brasil que vem se caracterizando nos últimos anos por iniciativas de expansão de suas fronteiras pela retomada de áreas ancestralmente ocupadas. AO279 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - História do Pensamento Geográfico [1681] SOM BRA D O POD ER, TRAM AS D O SABER: N OTAS SOBRE O I X CON GRESSO BRASI LEI RO D E GEOGRAFIA (1940). SERGIO NUNES PEREIRA. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: Os Congressos Brasileiros de Geografia, realizados em onze ocasiões entre 1909 e 1954, despertaram uma atenção discreta da historiografia do pensamento geográfico. Por se aproximarem dos modelos de organização acadêmica e profissional da geografia-disciplina, estabelecida no Brasil na década de 1930, costumam ser apontados como a iniciativa mais importante levada a cabo pela entidade que os organizava, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ), fundada no final do século XIX. Na concepção original, tais eventos foram imaginados de modo a ocorrerem anualmente, coincidindo com a semana de comemoração da Independência do Brasil. Em 1908 a SGRJ iniciou a preparação do I Congresso Brasileiro de Geografia, realizado no ano seguinte com apoio substantivo do Governo Federal. Entre 1909 e 1926 foram realizados oito Congressos Brasileiros de Geografia, nem sempre com o mesmo sucesso alcançado na edição inaugural. Esta, pelo fato de ter se realizado na capital do país e contado com a participação de figuras proeminentes da República, constituiu realmente um acontecimento político de importância nacional. Os certames seguintes, com exceção talvez do V Congresso, realizado em Salvador no ano de 1916, tiveram menor repercussão. É plausível supor que tais eventos, por não terem se beneficiado de apoio decisivo do governo central, apresentaram maiores dificuldades em sua realização, o que teria resultado no número reduzido de adesões e na precária publicação de seus resultados, na forma de anais. Em geral, os congressos sediados fora da Capital da República foram realizados sob os auspícios dos governos e dos institutos histórico-geográficos estaduais, com reduzida participação da SGRJ. Há indicações de que problemas de entrosamento entre os organizadores locais e a agremiação sediada na Capital teriam se verificado em alguns casos, provocando dificuldades adicionais para a realização dos eventos. O IX Congresso Brasileiro de Geografia, no entanto, inscreveu-se num contexto bastante diferente. Este se realizaria em 1940, na cidade de Florianópolis, no momento em que se consolidavam novos espaços institucionais para o conhecimento geográfico no país – de um lado, cursos universitários em São Paulo e no Rio de Janeiro, de outro, órgãos técnico-administrativos ligados diretamente ao poder central. Vale destacar que nesta época, em pleno Estado Novo, a geografia ganhava ares de saber oficial, muitas vezes considerado de ‘utilidade pública’. Disso beneficiou-se o IX Congresso, realizado com substancial apoio da máquina estatal. Prova irrefutável de tal condição seriam os anais do evento, publicados em cinco volumes entre 1941 e 1944. Ao todo são mais de 3.500 páginas, contendo no primeiro volume a parte preparatória (documentação oficial, regulamento, teses recomendadas, discursos e programação) e nos demais os trabalhos apresentados nas oito seções temáticas, seguidos dos respectivos pareceres. Tais seções, denominadas ‘comissões técnicas’, eram constituídas por nomes da recém-formada comunidade científica dos geógrafos e os que a ela haviam concorrido. Cada qual contava com um presidente, dois secretários e dois ou três relatores. A título de exemplo, vale mencionar alguns de seus participantes: Pierre Monbeig Raimundo Lopes, Alberto Lamego, Luiz de Castro Faria, Alice Canabrava, Fernando de Azevedo, Delgado de Carvalho, Jorge Zarur, Renato Teixeira Mendes, Orlando Valverde, José Setzer e Odilon Nogueira Matos, entre outros. Sem que tivessem assumido cargos de coordenação ou secretariado nas comissões, até por sua elevada posição, participaram também das discussões personalidades como Rondon, Gilberto Freire e Roger Bastide. Afora a participação individual de profissionais já consagrados e outros que fariam seu nome na geografia e outras áreas do conhecimento, o IX Congresso deixou sua marca também pela colaboração científica de algumas instituições, seja na forma de apresentação conjunta de trabalhos ou no envio de contribuições. Neste sentido, podem ser mencionadas as participações do Ministério das Relações Exteriores e do Serviço de Proteção aos Índios (comissões de cartografia e geografia humana, respectivamente); os estudos sobre portos, viação e fontes de energia apresentados pelo Clube de Engenharia do Rio de Janeiro (comissão de geografia econômica); e, finalmente, um conjunto de comunicações reunidas sob o título Contribuição para o estudo dos centros urbanos brasileiros, apresentadas à comissão de geografia humana pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Embora a SGRJ figure, ao lado do IBGE, como uma das instituições promotoras do IX Congresso Brasileiro de Geografia, em termos estatutários e organizacionais, parece evidente que o tom do evento foi ditado pelos portadores do novo conhecimento geográfico propagado na Academia, cujo carro-chefe era a geografia humana. Nada sugere, no entanto, a existência de uma tensão entre tal orientação e os interesses cultivados na SGRJ, empenhada sobretudo na difusão da geografia e em seu exercício como saber de ‘utilidade pública’. Daí que o IX Congresso representasse um fator de convergência entre a velha entidade e o novo aparato institucional criado oficialmente para o desenvolvimento da pesquisa geográfica no Brasil, encarnado no IBGE. As duas instituições estavam irmanadas no nacionalismo que permeava o evento, perfeitamente afinado com o regime centralizador e autoritário enraizado então no Estado brasileiro. No contexto apresentado, a sombra do poder unificava propostas de organização do conhecimento geográfico aparentemente desencontradas. Valendo-se da pesquisa e de reflexões suscitadas por uma tese de doutoramento já defendida, o presente trabalho pretende lançar alguma luz sobre o papel do IX Congresso Brasileiro de Geografia na conformação da disciplina no Brasil, logo após o momento de sua institucionalização. Há motivos plausíveis para se enxergar o espaço institucional em vias de organização na geografia brasileira como um campo de interação entre grupos distintos que, ao menos a princípio, compartilharam os mesmos fóruns de discussão. De um lado, a “Veneranda” SGRJ; de outro, a nova comunidade profissional, por sinal consideravelmente híbrida. A chamada “institucionalização” transcorreu em caminhos mais tortuosos e complexos que o geralmente admitido pela história oficial da geografia. E os congressos científicos apresentam-se como fontes privilegiadas para se investigar as tramas urdidas em nome da disciplina, pois era neles que “todos se encontravam”. Busca-se aqui uma imersão no tema, com base na leitura dos anais do IX Congresso, no levantamento de notícias sobre o evento e na reconstituição das filiações institucionais e rede de relações dos principais personagens envolvidos. AO280 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - História do Pensamento Geográfico [1877] GEOGRAFI A, PLAN EJAM EN TO E A SUPERAÇÃO D O SUBD ESEN VOLVI M EN TO: O SEM I N ÁRI O DE BORDEAUX. PAULO ROBERTO DE ALBUQUERQUE BOMFIM. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: A comunicação em questão pretende apontar as discussões geradas durante o seminário dedicado ao estudo dos fatores de regionalização do espaço brasileiro, do papel das cidades na regionalização país e dos tipos de região brasileiras. A regionalização do espaço no Brasil, foi debatida, em novembro de 1968, pelo Centro de Estudos de Geografia Tropical, do Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Bordeaux, reunindo geógrafos e cientistas sociais brasileiros e franceses (principalmente), como Pierre Monbeig, Pierre Deffontaines, Etienne Juilliard, Pierre George, Pierre Gourou, Bernard Kayser, Michel Rochefort, Michel Foucher e Horacio Capel. A partir dos debates em tela, discutiram-se os pontos de vista sobre métodos de regionalização no Brasil. De imediato, o Seminário atacou os conceitos (muito caros à Economia Espacial) de região homogênea, região heterogênea e região-programa, a partir dos quais seriam discutidos os limites acima referidos, quais sejam, as problemáticas metodológicas das definições e delimitações regionais (noutras palavras, a questão da regionalização) para o aménagement du territoire. Dentre várias comunicações objetivando precisar certos conceitos da geografia, especificamente o de região, muitas vezes entendida – num recorte bastante descritivo – enquanto área de extensão de uma paisagem (Jean Labasse e A. Demangeot, apud CNRS, 1971, p.17/37) ou zona de ação de serviços (Etienne Juilliard, apud CNRS, 1971, p.19-20), as observações de Bernard Kayser, enfatizando a necessidade de os trabalhos geográficos ligados ao planejamento abandonarem o caráter descritivo e se fixarem “na ação”, questionariam o “valor operacional” das micro-regiões traçadas pelo IBGE, sendo problemática a valorização da hierarquia urbana pelo critério de equipamentos terciários, haja vista a grande concentração – quando não exclusividade – desses serviços tão-somente nas metrópoles nacionais brasileiras (KAYSER, 1971, p.77-78). Em trabalho anterior, Kayser (Les divisions de l’espace géographique dans les pays sous-développés [1966]) constatara a falta de capacidade de polarização inerente à grande parte dos países subdesenvolvidos. Tomando por base sua tipologia (espaços indiferenciados, regiões de especulação, regiões de intervenção, bacias urbanas e regiões organizadas), B. Kayser advogaria a tese de um caráter superficial dos fluxos no Brasil, país onde a “estrutura econômica dualista” – com regiões voltadas para fora convivendo com outras de mera subsistência – só daria margem a uma fraca integração, resultando num “espaço atomizado”, e mais, provocando na verdade, dadas essas relações espaciais frouxas, num pretenso processo de indução de pólos, o enfraquecimento econômico regional em favor da (re) concentração dos fluxos econômicos na metrópole nacional (KAYSER, 1971, p.81-82); o que o autor consideraria como uma ambigüidade das zonas de influência no Brasil. Mas a questão mais complexa a ser resolvida na regionalização do espaço no Brasil seria quanto à definição de seus limites, circunscrita, como se disse, às superfícies jurídicas, conforme os três níveis existentes na federação brasileira (algo “mal adaptado à planificação moderna”, segundo Kayser [1971, p.83]). Em contraposição, para Lysia Bernardes (CNRS, 1971, p.85), esses contornos seriam justificáveis, tendo em vista a não prejudicar, numa regionalização em favor do planejamento, os interesses dos estados da federação, “mesmo em um plano de governo federal” Para a geógrafa do IBGE (Lysia Bernardes, apud CNRS, 1971, p.85), A subdivisão [regional] dos estados [da federação], mesmo dos menores, se justifica inclusive por uma necessidade de se criar unidades do território, maiores que os municípios e menores que os estados, para uso de estatísticas, tendo por base unidades homogêneas. Outra justificativa acerca do trabalho do IBGE (CNG, 1967) dizia respeito ao método usado, a respeito do qual o próprio Michel Rochefort considerava como uma “necessidade” tentar projetar sobre o espaço brasileiro “o esquema de ordenamento usado nos países desenvolvidos” visando a pesquisar, no Brasil, a eventual existência de “regiões orgânicas”, ou seja, de “espaços compreendidos nos limites do poder de polarização de um grande centro, cada qual organizado por toda uma rede de centros urbanos, formando o entorno da influência do grande centro” (ROCHEFORT, 1971, p.127). Entretanto, se o método aplicado sistematicamente pelo CNG não era voltado para a definição de um “poder real de polarização”, mas sim, a potencialidades, não deixaria de ter também para seu propositor sua fraqueza – ao menos como utilizado no Brasil –, ao não demonstrar de fato os fluxos realmente provocados pelas atividades econômicas, por não apontar, também, a real movimentação de pessoas, de mercadorias, de finanças, não fornecendo, pois (e nisso estava sua grande vicissitude), indicações quantificáveis (ROCHEFORT, 1971, p.128-129). Como explicitado em seu trabalho realizado no EPEA em 1967, a aplicação do método (Rochefort/Hautreux) no Brasil não levou em consideração que a simples presença de equipamentos terciários não significa polarização, só possível quando as atividades econômicas “tenham atingido um certo nível de desenvolvimento” e as populações locais também “tenham atingido um certo poder aquisitivo” (ROCHEFORT, 1967, p.11). Com sua falta de mensuração quantificável, o trabalho do Conselho Nacional de Geografia daria “somente uma indicação sobre os limites aproximados das regiões polarizadas pelos centros principais, sem nenhuma precisão sobre a importância e o conteúdo dos fenômenos de polarização no interior da região limitada” (ROCHEFORT, 1967, p.12). Estavam demarcados no final da década de 1960, seja no Seminário do CNRS, seja na produção do IBGE os entraves metodológicos que os estudos sobre regionalização teriam de enfrentar caso sua finalidade fosse (e era) a de suprir, fornecendo dados quantificáveis, os escopos do planejamento estatal: à guisa de conclusão do Seminário do Centro de Estudos de Geografia Tropical, Olivier Dolfus (apud, CNRS, 1971, p.188) sintetizaria os debates ocorridos, reafirmando o conceito de regionalização enquanto “ato político visando a melhorar o desenvolvimento econômico [e acompanhado] necessariamente da criação de limites [e] de fronteiras [em seu] interior”. Em suma, evidenciava-se um encontro entre a geografia regional francesa e os desígnios de um Estado autoritário, no Brasil, em que tanto transparece a o enfraquecimento da questão política em favor da “temática regional”; a persistência da questão metodológica, ligada à geografia ativa, sobretudo, testemunhando o quanto sua recepção, no Brasil, como “geografia marxista” não impediu seu uso pelo IBGE, IPEA e outros órgãos governamentais, em plena ditadura. O que não não deixa de assinalar a fragilidade teórica dessa corrente (ESCOLAR; MORAES, 1989). BIBLIOGRAFIA: CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). La régionalisation de l’espace au Brésil. Bordeaux: Centre d’Études de Géographie Tropicale du CNRS, 1971, 192 p. ESCOLAR, M; MORAES, A. C. R. Pierre George: compromiso político, fragilidad teórica y temática regional. In Anales del II Encuentro de Geógrafos Latinoamericanos. Montevideo: 1989, p.173-184. IBGE. Esbôço preliminar de divisão do Brasil em espaços homogêneos e espaços polarizados. Rio de Janeiro: IBGE, Conselho Nacional de Geografia, Divisão de Geografia, 1967, sem numeração. IBGE. Isaac Kerstenetzky: legado e perfil. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações, 2006, 214 p. KAYSER, B. Les divisions de l’espace géographique dans les pays sous-développés. In Annales de Géographie. Paris: Librairie Armand Colin, 1966, LXXV, nº 412, p.686-697. KAYSER, B. Les types de région au Brésil. In CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). La régionalisation de l’espace au Brésil. Bordeaux: Centre d’Études de Géographie Tropicale du CNRS, 1971, p.75-86. LACOSTE, Y. Perspectivas da geografia ativa em país subdesenvolvido. In GEORGE, P, et al. A geografia ativa. 5ª ed. São Paulo; Rio de Janeiro: DIFEL, 1980, p.41-153. ROCHEFORT, M. O problema da regionalização no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 1967, 24 p. ROCHEFORT, M. Villes et organisation de l’espace au Brésil. In CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). La régionalisation de l’espace au Brésil. Bordeaux: Centre d’Études de Géographie Tropicale du CNRS, 1971, p.127-135. AO281 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - História do Pensamento Geográfico [2041] GEOGRAFIA FÍSICA: BALANÇO DA SUA PRODUÇÃO EM EVENTOS CIENTÍFICOS NO BRASIL. MARCOS BARROS DE SOUZA. FFLCH/USP, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: Objetivos: Esta pesquisa teve os seguintes objetivos: efetuar balanço de como vem sendo abordada a Geografia Física, em eventos científicos, utilizando-se como fonte de informações os Anais e/ou Cadernos de Resumos e Contribuições Científicas de eventos científicos realizados ao longo do período de 1954 a 2004; refletir sobre os direcionamentos da pesquisa em Geografia Física, contribuindo com uma visão crítica dos trabalhos analisados; identificar as tendências teórico-metodológicas e temáticas dos trabalhos publicados nos Anais e/ou Caderno de Resumos e Contribuições Científicas de eventos científicos; discutir e levantar hipóteses dos motivos por que muitos geógrafos físicos participam de eventos ligados à outras áreas de conhecimento fora do âmbito da Geografia; discutir possíveis motivos para que alguns eventos ligados à área de Geografia Física pararam de ocorrer; refletir e analisar o atual momento da Geografia Física.Referencial teórico e conceitual: A decisão de pesquisar este tema ocorreu pela ausência de trabalhos de pesquisa que evidenciem como a Geografia Física vem sendo trabalhada no Brasil, seus caminhos, seus desafios teóricos e sua contribuição ao país, expressos em eventos de divulgação científica. A delimitação do período desta análise de 1954 a 2004 ocorreu pelo fato de 1954 ter sido o ano em que se iniciaram os Congressos Nacionais de Geógrafos. O recorte foi definido em 2004 por ter sido o ano da realização do 6º Congresso, englobando, ainda, eventos específicos da Geografia Física. Neste período as idéias, conceitos e concepções teórico-metodológicas se transformaram significativamente no âmbito da Geografia. As transformações se deram tanto no volume de trabalhos e participações como também nos enfoques e temáticas abrangidas pela Geografia Física. O tema desta pesquisa tem importância significativa na Geografia e, principalmente, no âmbito da Geografia Física por realizar um balanço dos trabalhos produzidos, ligados a esta subdivisão do estudo da natureza na Geografia e publicados nos Anais e/ou Cadernos de Resumos e Contribuições Científicas dos seguintes eventos científicos, ocorridos no período de 1954 a 2004: Congresso Brasileiro de Geógrafos, Encontro Nacional de Geógrafos, Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, Encontro Nacional de Estudos Sobre o Meio Ambiente, Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica e Simpósio Nacional de Geomorfologia. A importância desta análise remete a necessidade de socializar o significado histórico das abordagens e direcionamentos da pesquisa em Geografia Física no Brasil. A escolha dos referidos eventos ocorreu pelo fato de serem em nível nacional, abrangendo, então, os pesquisadores que divulgaram suas pesquisas, no período delimitado. Além disto, os registros em Anais e/ou Cadernos de Resumos e Contribuições Científicas dos eventos refletem, com relativa fidelidade, os avanços deste campo específico da Geografia e os rumos da Geografia brasileira como um todo. Essa relativa fidelidade afirmada se deve, sobretudo, pelo predomínio das pesquisas em Geografia Humana e da dicotomia em relação à Geografia Física. Pode-se, também, constatar um “recolhimento”, voluntário ou não, de pesquisadores ligados à corrente considerada, talvez por muitos geógrafos, como “fora de moda”, durante um certo período.Metodologia utilizada: Para a realização da presente pesquisa foram utilizados os seguintes materiais: Referências bibliográficas relacionadas à evolução do pensamento geográfico, bem como a História da Geografia, com a finalidade de traçar o percurso histórico da Geografia no mundo e no Brasil, destacando a Geografia Física; Anais e/ou Cadernos de Resumos e Contribuições Científicas dos seguintes eventos científicos: Congresso Brasileiro de Geógrafos; Encontro Nacional de Geógrafos; Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada; Encontro Nacional de Estudos Sobre o Meio Ambiente; Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica; Simpósio Nacional de Geomorfologia; Entrevistas com pesquisadores, através de roteiros e questionários, com membros de Comissões Organizadoras de eventos científicos ligados à área de Geografia Física. Foram, também, incluídos geógrafos considerados expoentes da pesquisa e da atuação técnica que trabalham com temas voltados para o campo da Geografia Física. Conclusões: Através das leituras de trabalhos produzidos sobre o pensamento geográfico e, alguns, sobre a Geografia Física, relatados nesta pesquisa, além da análise dos Anais e/ou Cadernos de Resumos e Contribuições Científicas, pode-se constatar que: - houve uma grande influência francesa na Geografia brasileira nas décadas de trinta, quarenta, cinqüenta e sessenta do século XX, sendo que nas décadas de trinta e quarenta predominou os trabalhos de geógrafos franceses e nas décadas de cinqüenta e sessenta, além dos geógrafos franceses, encontram-se trabalhos produzidos por geógrafos brasileiros com notável influência francesa, tendo em vista que os cursos de Geografia, no Brasil, eram ministrados, inicialmente, por docentes franceses. A Geografia produzida até a década de sessenta do século XX poderia ser chamada de descritivo-explicativa, pelo fato que os trabalhos eram produzidos com uma preocupação muito local, mediante análises de pequenas áreas e descrição de paisagens, quase sempre sem uma preocupação de generalidades, de correlação de causa e efeito, situando os problemas nacionais em um plano internacional, dando à Geografia um valor meramente cultural, conforme relata Andrade (1977). - a década de setenta do século XX foi marcada pela realização de trabalhos concentrados nas áreas de Geomorfologia e de Climatologia, demonstrando predomínio da Análise Geossistêmica neste período, com forte influência das Geografias Russa, Francesa e Alemã. - A Geografia, nas décadas de oitenta e noventa do século XX poderia ser chamada de “Ambientalista”, tendo em vista a crescente conscientização da população com a preservação do meio ambiente e a preocupação dos pesquisadores em produzir trabalhos voltados para a problemática ambiental. A década de oitenta do século XX foi marcada, também, pelo início de eventos dedicados à Geografia Física, como os Simpósios Brasileiros de Geografia Física Aplicada e os Encontros Nacionais de Estudos Sobre o Meio Ambiente, dentre outros, que criaram oportunidade para que a comunidade de pesquisadores brasileiros dedicada aos estudos da Geografia Física pudesse se reunir e debater os assuntos específicos da área. Cada evento reflete a Geografia brasileira como esta ocorreu no momento da realização do mesmo e que fica registrado nos Anais e/ou Cadernos de Resumos e Contribuições Científicas, que são publicados e distribuídos aos participantes. É de fundamental importância que sejam registrados os relatos e depoimentos dos geógrafos e pesquisadores que contribuíram e ainda contribuem para a evolução da Geografia no Brasil, pois as memórias constituem elementos para a análise e compreensão futura da produção geográfica. Baseado nos depoimentos dos geógrafos físicos é possível notar que os eventos científicos são fundamentais para que os profissionais e demais interessados possam se reunir formalmente e discutir os trabalhos produzidos, além de ser um espaço para a troca de informações. O desenvolvimento de novas técnicas e a interdisciplinaridade parece ter influenciado para que os geógrafos físicos participem de eventos ligados à outras áreas, deixando de participar dos eventos organizados pela Associação dos Geógrafos Brasileiros. Além destes fatos muitos geógrafos físicos se sentiram excluídos dos eventos promovidos pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, principalmente no final da década de setenta e início da década de oitenta do século XX, devido ao surgimento da Geografia Crítica, conforme discutido neste trabalho, o que influenciou, também, o aparecimento de eventos científicos destinados aos geógrafos físicos. AO064 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1322] ASPECTOS GEOGRÁFICOS EM SÍMBOLOS ESTADUAIS BRASILEIROS. TIAGO JOSÉ BERG. UNESP RIO CLARO, CORDEIROPOLIS, SP, BRASIL. Resumo: Com o advento da Constituição Republicana de 1891, as províncias brasileiras se tornaram automaticamente Estados federados e poderiam ter armas, brasões e hinos próprios desde que não omitissem os símbolos nacionais. Os símbolos portam-se como claras declarações de identidade nacional (estadual ou regional). Em essência, eles servem como “totens modernos” (no sentido Durkheimiano) – são signos que trazem uma relação especial para as nações que representam, distinguindo-as de outras e reafirmando suas fronteiras de identidade. Projetam uma mensagem que é propositalmente e meticulosamente construída quando foram adotados ou escolhidos para se tornarem símbolos oficiais, remetendo esses significados como um traço distintivo de um grupo ou comunidade sob a forma de unidade política e criando uma identidade associativa em que se pode experimentar a consonância e \"a realização física repercutida da comunidade imaginada\" através do processo ritual (ANDERSON, 2005, p.197).* Para criar essas identidades de associação, os símbolos agregam e sintetizam as referências culturais (sociais) e naturais vinculadas com o território em diferentes graus e, ao se tornarem signos sensoriais, projetam neste contexto os valores ideológicos que referenciam e circunscrevem um espaço (político ou simbólico) determinado num plano de sobreposição temporal e limitada. Ao cantar o hino, hastear a bandeira e ostentar o brasão, renovam-se os compromissos morais que os patriotas possuem com sua terra, com os elementos culturais, regionais, históricos, com a própria natureza e a identidade (elementos de referência e percepção do espaço geográfico), gerando um forte sentido de copertencimento, de comunhão, no processo ritual inculcado tacitamente pelos símbolos. Quando se examinam os símbolos estaduais presentes, encontra-se uma grande variedade de significações que envolvem a história, a cultura, a natureza, o pensamento, o território e o regionalismo como referências simbólicas particulares de cada unidade federativa, servindo potencialmente como testemunhos em diferentes escalas do espaço-tempo do processo de ocupação e formação do território nacional. Essas etapas de formação da federação brasileira a constituição de nossas unidades federativas revelam tendências políticas favoráveis ao “federalismo” e em outros períodos do tempo histórico seu poder de ação e participação fora reduzido pelas tendências ao “centralismo” (caso da Constituição de 1937). Como reflexo desse contexto territorial e político, a utilização e adoção dos símbolos estaduais ocorreram em períodos de “florescência” do federalismo (principalmente com o advento da República [1889] e a Constituição de 1988), evidenciando características distintivas no que tange à descrição do espaço geográfico, dos discursos regionalistas em prol da autonomia federativa e das superposições de temporalidades ao longo do passado histórico. Argumenta-se que as referências espaciais que envolvem cultura e a natureza estão presentes em símbolos estaduais localizados no interior brasileiro, cuja história enquanto entidade administrativa é recente, como nos casos de Rondônia e Roraima, enquanto os Estados mais próximos do litoral e das vertentes dinâmicas do processo colonial, como São Paulo e Mato Grosso, apresentam exaltações histórico-descritivas em face de sua ocupação mais antiga. Os Estados situados nas zonas de fronteira, como no caso do Acre e Rio Grande do Sul, refletem em seus símbolos a condição “belicista” e “regionalista” que envolveram a disputa por seus territórios no passado. Assim, os hinos, bandeiras e brasões de armas dos Estados brasileiros (enquanto tema de pesquisa) demonstram possibilidades de interpretação e análise dentro do campo científico, demandando maiores estudos para que se possa estreitar as relações entre “a geografia e as representações simbólicas” como uma nova perspectiva da análise e decodificação das formas culturais de representação espacial. *ANDERSON, B. Comunidades imaginadas. Porto: Edições 70, LDA, 2005. AO065 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1339] AUSÊN CI AS E PRESEN ÇAS D AS CRI AN ÇAS N A PAI SAGEM BRASI LEI RA:ESTUD OS GEOGRAFIA DA INFÂNCIA. JADER JANER MOREIRA LOPES. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: DE No meio acadêmico a materialidade das crianças têm tido diferentes representações, essas têm sido “objetos”, “sujeitos” de estudo de diversas ciências (Sociologia, Pedagogia, Psicologia, são só alguns exemplos) que as têm percebido ora como portadoras do discurso do outro, ora como portadoras de seu próprio discurso, ora como objetos mudos. Um traço que tem acompanhado as crianças é a compreensão de suas infâncias na perspectiva da negatividade, inscrita desde a palavra latina, é o in-fans, o que não fala e perpetuando-se em outros momentos históricos: é a idade da não razão, é a idade do não trabalho e mais recentemente, frente às mudanças contemporâneas, que tem alardeado para alguns o desaparecimento da infância é a idade nãoinfância. Poderíamos agregar, ainda, às reflexões mais uma negatividade: a do espaço e do tempo, a noção de uma infância percebida como sujeitos “a-topos”, ou seja, de lugar nenhum, como sujeitos a-temporais, de tempo nenhum. Essa perspectiva de ver a criança e de conceber a infância, nega seu papel de sujeito social, nega a existência de suas historicidades e geograficidades, nega suas possibilidades de construção, de ação e de diálogo na produção dos espaços e tempos em que se inserem e as colocam na condição de sujeitos passivos, e portanto passíveis de receberem ações que vem dos “outros” que compõem seus cotidianos. A infância, portanto, tem sido percebida muito mais pela sua ausência, pela sua incompletude, do que pela sua presença, concepção que se espraia em várias dimensões sociais e materializam ações em diversos campos da sociedade e do conhecimento. Essa leitura está presente também nas suas relações espaciais que, em nome de um suposto caminho que todas as crianças deveriam percorrer na sistematização da construção de sua inserção espacial, de forma universal, as mantiveram deslocadas de seus contextos culturais e de pares, e também afastadas dos momentos de organização e produção dos espaços em que vivem e historicamente, negligenciaram suas linguagens espaciais. Essa pesquisa parte desse pressuposto e tem sua origem nessas inquietações, buscou-se compreender a presença das crianças no espaço brasileiro, na sua produção e organização. Como a primeira etapa desse projeto objetivou localizar as crianças em diferentes paisagens urbanas, optamos por ter como referência central a observação direta dos pesquisadores em campos previamente escolhidos, ou seja, o contato estreito entre os pesquisadores e o campo onde ocorreriam os trabalhos, sem a presença de intermediários; nessa perspectiva assumimos um postura etnográfica. Não ocorreu a preocupação de diferenciar as suas idades. Foram consideradas crianças sozinhas ou acompanhadas de adultos. Foram feitas uma série de descrições, acompanhadas de desenhos e mapas, que pudessem marcar a presença da criança no espaço, diálogos também foram registrados, desvelando os movimentos rotineiros que marcam seus cotidianos e configuram suas infâncias. Essa perspectiva de observação teve como principal objetivo reconhecer a presença e os processos de apropriação espacial por crianças a partir das relações entre elas e com o mundo edificado pelos adultos e nos chamados artefatos de infância. Reconhecemos, assim, que as culturas da infância se estabelecem no interstício entre as crianças, seus pares, o mundo adulto e todas os diferentes agentes que fazem parte desse processo, que temos nomeado de territórios de infância. Para isso, foram definidas previamente três cidades, utilizou-se como critério de escolha as seguintes características: duas cidades de porte médio, sendo uma localizada do interior outra em uma zona metropolitana e uma cidade considerada pequena. Dessa forma foram escolhidas as cidades de Juiz de Fora, Minas Gerais; Niterói e Santo Antônio de Pádua, Rio de Janeiro. Em duas cidades optou-se por fazer a observação sem a interferência do pesquisador nos movimentos das crianças, mas a preocupação maior era registrar seus movimentos, atuações e presenças no espaço. Em uma das cidades, escolheu-se travar uma observação mais próxima com as crianças e tentar compreender suas vivências espaciais, inclusive tentando vivenciar suas rotinas no espaço. O trabalho de campo revelou que na produção de seu espaço as sociedades constroem formas (configurações materiais), cujas funções seriam destinadas para suas crianças. Há, portanto, na configuração das paisagens, na estrutura ou organização espacial, não só locais destinados para as crianças, mas como também artefatos (objetos) gestados por diferentes agentes produtores do espaço e que só podem ser compreendidos a partir das representações de infâncias que pré-existem nessas sociedades. Apesar das diferenças espaciais entre as três cidades, suas singulares histórico-geográficas, podemos perceber é que é muito similar a configuração não só nos objetos, que se repetem em todas, mas também das formas, o que denotam uma perspectiva homogeneizada de infância. Algumas dessas formas estão presentes nos documentos oficiais, como os planos diretores das cidades, pois ao fazermos uma análise desses documentos, podemos perceber que eles pouco ou nada trazem de propostas na organização das cidades relativo à presença da criança, salvo em seu aspecto de uma educação institucionalizada, ou no trato à crianças consideradas “problemas”. Constatamos, assim, numa primeira observação a ausência da criança não só nos documentos oficiais, mas na materialidade de formas e objetos que configuram a paisagem, negando e negligenciando registros de suas passagens, de suas existências no espaço e no tempo, desvelando uma concepção de infância que vê a criança como alguém incapaz de escrever sua história e geografia, incapaz de produzir artefatos sociais, de produzir espaços, e, portanto, cultura. Mas essa ausência não nega suas presenças nas paisagens das cidades, basta um olhar com maior acuidade veremos suas ações e atuações em diversos locais. Foi, assim, que pode se perceber determinadas parcelas do espaço urbano existente nas cidades pesquisadas, tornarem-se lugares de crianças, locais cujas funções originais não foram gestadas para elas, mas que sofreram apropriações e tornarem espaços de suas presentificações. Percebeu-se a constante capacidade de transformação da lógica espacial, bem como o estabelecimento de lugares e territórios. Os liames entre essas duas categorias geográficas foram muito estreitos, o que nos obriga a utilizá-las a partir da sua fusão, ou seja, para as crianças a prática espacial é uma prática de lugarterritório, já que apreendem o espaço em suas escalas vivenciais, a partir de seus pares, do mundo adulto, da sociedade em que se inserem. Pode-se observar, portanto, que há momentos em que as crianças subvertem, há momentos em que interpretam, reproduzem o espaço e seus objetos, e há momentos de criação, de invenção, transformandoos, reorganizando os princípios da forma, função, localização, organização, representação e outros, a partir de suas ações. AO066 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Espaço e Cultura [1791] LUGARES D A SAUD AD E E D O RESSEN TI M EN TO: A M I GRAÇÃO GAÚCH A PARA M ATO GROSSO A PARTIR DOS OLHARES DE QUEM MIGROU E DE QUEM FICOU. JONES DARI GOETTERT. UFGD, DOURADOS, MS, BRASIL. Resumo: Introdução A migração geralmente é apreendida a partir das mulheres e homens que migram, detendo-se nelas e neles as representações sobre os lugares – de saída e de chegada –, as condicionantes na origem e as relações no destino. Este trabalho procurou abarcar, além dos olhares de gaúchas e gaúchos para o Mato Grosso, também os olhares sobre a migração de familiares que permaneceram no Rio Grande do Sul. Nesta mesma direção, também objetivou apreender como a migração, as representações e as relações, de quem migrou como quem ficou, atravessam – ou são atravessadas por – relações estruturais (em seu sentido econômico), conjunturais (políticas e sociais, sobretudo) e subjetivas (pessoais e familiares, em especial). Aspectos metodológicos A produção da fonte oral com trabalhos de campo realizados em Rondonópolis (Mato Grosso) e no noroeste gaúcho, balizou o instrumental metodológico do trabalho. Da fala de gaúchas e gaúchos que migraram e de familiares que ficaram, foram sendo apreendidas as representações, saudades e ressentimentos entre sujeitos que, mesmo com o passar do tempo e distantes espacialmente, ainda manifestaram relações do passado que participam das relações do presente, e também do devir. Das falas, entrelaçaram-se tempos e também lugares, em uma dialética que foi envolvendo alegrias, mas também tensões, de mudanças – a migração – que nem sempre apagam marcas de relações nos lugares saídos e nos lugares chegados. O diálogo constante sobre a produção da fonte oral deu-se, especialmente, com Alessandro Portelli e Pierre Bourdieu. O primeiro, ao salientar que toda fala é também expressão de uma leitura do mundo, sua interpretação e filosofia; o segundo, por salientar que os sujeitos envolvidos na pesquisa – referia-se à pesquisa sociológica – não podem ser apreendidos a partir de uma relação “entomológica”, mas sim no encontro entre a objetividade necessária e a subjetividade possível, para nem transformar os sujeitos em “objetos” e nem fazer de deles o conteúdo sem crítica. Aspectos teóricos A análise da migração gaúcha para o Mato Grosso a partir dos olhares de quem migrou e de quem ficou, percorreu um conjunto de referenciais teóricos sobre o tema, desde análises da migração com viés mais economicista ao mais fenomenológico. Com isso, não se pretendeu uma “mistura” gratuita das várias concepções, mas a possibilidade de, a partir de entrecruzamentos, construir uma leitura dos sujeitos envolvidos na migração, que atentasse para os elementos estruturais que condicionam as migrações no capitalismo, para os aspectos conjunturais e, sobretudo, subjetivos. Com isso, procurou-se a construção de um “equilíbrio” teórico na análise, mas que não perdesse de vista o papel preponderante que os sujeitos desenvolvem tanto na decisão de migrar – ou ficar – como no ato efetivo da migração – ou no ato efetivo da permanência. Efetivamente, dentro outros, percorreu-se as análises propostas por Jean Paul de Gaudemar que, em uma perspectiva marxista, salientou as determinações dadas pelo Capital na “mobilidade do trabalho” (em especial, porque no estudo buscou-se a compreensão da migração de trabalhadoras e trabalhadores gaúchos, moradores em bairros periféricos de Rondonópolis). Na mesma direção, estabeleceu-se um diálogo fecundo com Paul Singer, em especial sobre os “fatores de expulsão” e “atração de população”, e como ambos tiveram papel diferenciado sobre sujeitos em condições de classe muito semelhantes, fazendo com que parte da família migrasse e outra não. Mas, em especial, o principal diálogo teórico, sobre migração e lugares, foi estabelecido com Ana Fani Alessandri Carlos e Abdelmaleck Sayad. Com a primeira, a contribuição se pautou sobre a produção do lugar como relação parte da tríade “lugar-indivíduo-identidade”, que, para o trabalho, se desdobrou nas relações entre migrante e lugar deixado e lugar chegado, em especial nas relações que foram se processando no segundo e se constituindo, também, como suporte para as relações com o primeiro. Em relação a Abdelmaleck Sayad, o diálogo se concentrou, especialmente, na situação do migrante como sujeito em trânsito, constituindo-se a migração como um “ato social completo”. Também a partir do autor, construímos a noção de “transitoriedade migratória”: o tempo que se inicia no ato da decisão de migrar à compreensão por quem migra de que não mais pertence ao lugar de origem (porque suas relações são outras), e sim ao lugar de destino. Esta “transitoriedade” não é definida por componentes estruturais ou conjunturais, mas, sobretudo, a partir da percepção da mulher ou homem migrante, de seu novo lugar no conjunto das relações no lugar de origem, ou seja, o seu não mais pertencimento; da mesma forma, a percepção de que participa das relações no lugar chegado, como parte inseparável delas. Algumas conclusões Em síntese, pode-se apontar que: (1) a migração gaúcha de trabalhadoras e trabalhadores para Rondonópolis, no Mato Grosso, condicionada estrutural e conjunturalmente por questões econômicas e políticas, também teve a participação de elementos subjetivos, importantes para que muitas e muitos migrassem e outras e outros ficassem; (2) nas falas, tanto de quem migrou como de quem ficou, foram sendo reconstruídas relações de antes, durante e depois da migração, envolvendo os lugares deixados e os lugares chegados; relações que repuseram, além de sentimentos de saudade, também ressentimentos advindos de questões tanto postas no sul, no passado, como repostas nas relações que continuaram se estabelecendo depois da migração; e (3), que a migração estudada, a partir do cruzamento de condicionantes estruturais, conjunturais e subjetivos, relativiza a proeminência de um fator sobre outro, sendo imprescindível, especialmente, ouvir quem migra e quem fica como possibilidade de se ler o movimento em sua complexidade. AO067 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [1882] SI GN I FI CAD OS ESPACI AI S E D I SCURSO POLÍ TI CO: UM A PROPOSTA D E D I ÁLOGO EN TRE A GEOGRAFIA CULTURAL E A GEOGRAFIA POLÍTICA. THIAGO ROCHA FERREIRA DA SILVA. UERJ - PROF. SUBSTITUTO, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: O objetivo deste trabalho é promover uma reflexão sobre o papel da paisagem para a construção do discurso em manifestações políticas. Mais especificamente, o que buscamos aqui é tentar compreender as relações entre o discurso da manifestação política e os significados socialmente compartilhados a respeito do lugar onde se realiza esta manifestação. Para tanto, partimos da construção de uma perspectiva metafórica da paisagem vista como um cenário. A idéia da paisagem como cenário se apóia na possibilidade de concebermos o cenário como um sistema espacial de significação, construído a partir da apropriação, pelo encenador, dos significados das formas eleitas para constituir esse cenário. Esse conjunto de formas simbólicas se conjugaria com os outros sistemas de significação do espetáculo, tais como o texto, a fala, o figurino ou a iluminação, por exemplo, dando corpo ao discurso deste espetáculo. A paisagem por sua vez, também pode ser compreendida como um conjunto de formas simbólicas, um sistema espacial de significação, como vem sendo feito por diversos trabalhos no campo da Geografia Cultural renovada. O que se pretende ao pensar a paisagem como um cenário é incorporar a possibilidade da apropriação de alguns significados desta paisagem para a construção de discursos. No caso deste nosso trabalho, os discursos políticos. Propomos com esta dissertação promover à luz da perspectiva da paisagem como cenário a interpretação de duas manifestações políticas ocorridas em Março de 1964, um momento crucial da história do nosso país. A primeira delas foi o Comício da Central, ocorrido em 13 de Março, na cidade do Rio de Janeiro, enquanto a segunda foi a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, ocorrida seis dias depois, em 19 de Março, na cidade de São Paulo em resposta ao Comício. Além da possibilidade de diálogo entre essas duas manifestações, pretendemos enfatizar o papel fundamental da paisagem na construção de seus discursos, buscando uma abordagem original para os eventos pela ótica da Geografia. Este trabalho, assim, pretende oferecer uma contribuição teórica no sentido de valorização da abordagem geográfica na análise de discursos políticos. As novas perspectivas, ligadas a aspectos de simbolismo e significação, que a Geografia Cultural vêm trazendo à luz podem representar uma ampliação do escopo de análise das relações entre espaço e poder, às quais a Geografia Política sempre se debruçou com reconhecida competência na esfera institucional e em escalas geográficas amplas, mas que, contudo, parecem pouco visitadas em outras escalas e esferas da vida pública. É com esse propósito que dedicamos nossa atenção às manifestações políticas, mais especificamente à relação que pode ser estabelecida entre o discurso que estas manifestações levam aos espaços públicos e o local onde elas se realizam. Por esta perspectiva, pensar as paisagens urbanas como cenários para estas manifestações consiste em um esforço de rompimento com a visão do senso comum que concebe o cenário como um fundo passivo diante do qual se desenrola o espetáculo. Ao contrário, o que desejamos propor é o papel ativo do cenário, indissociável deste discurso. Da mesma maneira, não podemos perceber a paisagem como um simples receptáculo da manifestação política. A paisagem, ao ser objeto de apropriação simbólica, se torna parte do próprio discurso. O embate discursivo que opôs em Março de 1964 a evocação do discurso do trabalhismo getulista, por parte do então presidente João Goulart, ao discurso anticomunista de seus adversários não pode ser descolado, assim, de seus cenários, a Central do Brasil, no Rio de Janeiro, e o percurso entre a Praça de República e a Praça da Sé em São Paulo. Não pretendemos restringir este trabalho a uma interpretação pontual de dois eventos políticos ocorridos há mais de quarenta anos. Em primeiro lugar porque a apropriação de significados atribuídos às paisagens permanece como uma prática recorrente na construção de discursos políticos. Um caso eloqüente ao qual podemos nos referir é a campanha presidencial de 2002, quando, na tentativa de construir um novo discurso, o então candidato Luis Inácio Lula da Silva abandona, em seu último comício na cidade do Rio de Janeiro, o tradicional cenário da Candelária, local de diversos eventos políticos históricos, preferindo encerrar sua campanha na Praia de Botafogo, zona sul da cidade. Em segundo lugar, porque pretendemos ainda com esse trabalho valorizar o papel da dimensão simbólica da paisagem urbana para a construção do discurso político. Se conseguirmos atingir este objetivo, constitui-se então, nosso trabalho em um esforço de valorização também da abordagem cultural da Geografia, oferecendo uma possibilidade de diálogo com a Geografia Política no campo das relações entre significações espaciais e poder. AO068 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [2120] PAISAGEM VERNACULAR: ALDEAMENTOS SALINEIROS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. WERTHER HOLZER; JOÃO PAULO DA SILVA BASTOS. UFF, NITERÓI, RJ, BRASIL. Resumo: Este texto pretende fazer uma breve reflexão sobre assentamentos tradicionais e a sua relação com a paisagem onde se inserem. Para encaminhar esta questão elegemos um recorte do território do Estado do Rio de Janeiro onde fazemos nosso estudo de caso. Entre as muitas paisagens, e arquiteturas, vernaculares deste território uma nos chamou a atenção: a paisagem das salinas que se implantam ao redor da Lagoa de Araruama. Estas salinas e seus respectivos aldeamentos salineiros são, portanto, nosso tema. Trata-se de um universo de pesquisa bastante abrangente, são muitas as salinas, boa parte delas com aldeamentos implantados, muitas ainda produzindo sal, outras tantas abandonadas, sendo aos poucos reconvertidas para loteamentos e condomínios de veraneio. Escolhemos alguns exemplos que foram submetidos a dois parâmetros iniciais de análise. O primeiro baseado na proposta de Peirce Lewis para o que chamou de “axioma histórico”; O segundo o da utilização do método fenomenológico, quando ele se refere à espacialidade ou, se preferirmos, geograficidade humana (como proposta por Eric Dardel, 1990). Segundo Lewis “ ...nós fazemos o que fazemos, e produzimos o que produzimos, porque nossos fazeres e produtos são heranças de nosso passado..., uma grande parte da paisagem comum foi construída por pessoas no passado, cujos gostos, hábitos, tecnologias, opulência e ambições foram diferentes das nossas hoje. ... Para compreender estes objetos é necessário entender as pessoas que os construíram — nossos ancestrais culturais — no seu contexto cultural, não no nosso.” (1979, 23). Esta Paisagem — vernacular — certamente não é aquela voltada para as grandes estruturas temporais ou cronológicas, para os fatos tratados, digamos, no atacado; mas também, e principalmente, de ocorrências menores, do cotidiano, dos fatos guardados na memória, das versões, dos vestígios, que vão permitir uma aproximação com a paisagem onde palpita o mundo vivido dos que lá estão, e dos que lá estiveram. Ele fala de um movimento de renovação da Geografia Cultural, a chamada Geografia Cultural-Humanista, que ansiava por um aprofundamento conceitual nas questões relativas ao espaço e ao tempo, a partir do “lugar” e da “paisagem”, remetendo-se à memória e ao “mundo vivido”, a partir principalmente do que as humanidades — literatura e artes plásticas — podem nos informar sobre esses temas. A Fenomenologia também busca as facticidades que envolvem a memória dos fatos que se diluem no tempo, que por sua vez nos remetem à História que tenha um fundamento fenomenológico. Uma História que pode estar voltada para o estudo do tempo e da memória na construção de novas epistemologias e ontologias. O passado, então, é determinante para a constituição de nossa visão de mundo. “O conhecimento pessoal, assim como o geográfico, é uma forma de ocupação seqüencial. Assim como uma paisagem ou um ser vivo, cada mundo pessoal teve um curso no tempo, uma história própria.” (Lowenthal, 1961, 258). Segundo Lowenthal apesar das relações humanas com o passado variarem de cultura para cultura e, até de pessoa para pessoa, existem algumas vias que o tornam apreensível pela consciência. Estas rotas, que serão seguidas neste trabalho, são as da memória, da história e das relíquias. Retomamos, portanto, a proposta de Lowenthal de que a Geografia estuda sempre um país estrangeiro. De que a Geografia Cultural-Humanista, a História, as Humanidades e as Artes caminham juntas nos estudo deste país. Um país estrangeiro que tem muito a nos ensinar. Observar os artefatos humanos como Arte, ou seja como modos de expressão da capacidade humana de sonhar e de construir novos mundos, pode nos ajudar a compreender esse país estrangeiro. O entorno da Lagoa de Araruama será nosso “pais estrangeiro”. Ele foi ocupado comprovadamente há pelo menos 4.500 anos antes do presente, como indicam os artefatos pré-cerâmicos dos indígenas que extraiam seu sustento do rico habitat proporcionado pela interação entre a Mata Atlântica e a Restinga, e principalmente, pela presença do sal. Testemunhos desta ocupação ainda podem ser encontrados em toda a região, assim como de outras atividades econômicas subsequentes, que garantiram o sustento e a ocupação do território pelo ocupante europeu. Das áreas mais produtivas da Mata Atlântica extraiu-se o pau-brasil, plantou-se a cana-de-açúcar, depois o café e, já no século XX, a laranja. Na restinga, menos produtiva, vivia-se da pesca e da criação de gado. Em ambos os casos estas atividades tradicionais deram lugar depois à terra nua, reservada às atividades de especulação imobiliária voltada para o turismo e ao veraneio. Na Lagoa de Araruama, desde o início da ocupação humana se extraiu o sal. Os índios extraíam o sal utilizando-se da abertura de cacimbas junto à linha d’água. Durante o período colonial português sua extração foi proibida, pois o sal era monopólio da Coroa. O processo de produção só foi modificado em 1822 quando as salinas foram construídas segundo as técnicas mais avançadas, que deram ao entorno da Lagoa de Araruama as feições paisagísticas que hoje podemos observar. Nos anos 1940 mudam as técnicas de exploração com a instalação da Companhia Nacional de Álcalis introduzindo-se na região os padrões urbanos dos centros industriais brasileiros. Também as salinas foram atingidas pela voragem da especulação imobiliária, grandes extensões da restinga foram parceladas e vendidas em lotes para a construção de residências de final de semana. Este é o principal motivo que enseja este texto: procurar manter viva uma paisagem, e uma arquitetura, vernacular que consideramos como uma forma de expressão artística. Tanto a paisagem quanto as edificações, consideradas aqui como os prédios e as próprias salinas, são relíquias que expressam mais do que o modo de vida dos que ali habitavam. AO069 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Espaço e Cultura [2122] O LUGAR NO SHOPPING CENTER. ANDRÉ LUIZ SOARES PEREIRA. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, SAO GONCALO, RJ, BRASIL. Resumo: Observamos atualmente uma intensa série de transformações no espaço urbano, transformações essas de cunho estrutural, político e cultural. Na atualidade, essas transformações têm no \"shopping center\" um de seus principais representantes, já que essa modalidade do capitalismo tem modificado intensamente as cidades. Porém estas modificações não se referem apenas nas questões de centralidade, de fluxos de mercadorias e serviços, mas também – e principalmente – nos comportamentos e costumes dos habitantes da cidade capitalista. As práticas cotidianas dos habitantes podem ser compreendidas através dos sentimentos de afetividade e identidade que ambos têm a partir de suas experiências locais, e essas experiências muitas vezes denotam práticas que são características em determinados lugares. Assim, observamos que a discussão sobre o lugar se remete ao bairro como espaço imediato da vida das relações cotidianas mais finas, o que nos suscita a desenvolver neste artigo um estudo mais detalhado sobre esses aspectos da realidade dos lugares. É importante ressaltarmos e relembrarmos que o \"shopping center\", além de permitir o surgimento e manutenção de uma centralidade, também se insere numa perspectiva social, ditando regras e comportamentos nos seus usuários e freqüentadores. O \"shopping center\" sendo fenômeno de cunho essencialmente capitalista, não é projetado, construído, inaugurado e oferecido às classes desprovidas economicamente, mas é um objeto de uso e consumo preferencialmente para os setores mais privilegiados da sociedade, aqueles que detêm estratos de renda média a alta. Esse verdadeiro “templo da mercadoria”, segundo ilustra Silvana Maria Pintaudi em trabalho de mesmo título, é preferencialmente utilizado pelos setores mais favorecidos. O comportamento dos menos favorecidos também é instituído, e nos \"shopping centers\" fica nítida essa situação, pois evitam freqüentar estes lugares ao saberem que terão de confrontar com uma realidade que para eles, além de ser um sonho, é quase que impossível, caracterizando uma situação de exclusão. Uma questão a ser levantada neste momento e que nos auxiliará a trilhar o caminho para elaborarmos este projeto é a situação de constrangimento que os menos favorecidos experimentam. É importante destacar que esses não são proibidos de usarem os serviços oferecidos pelo “shopping center”, mas permanece junto a eles um sentimento, uma questão de identidade com aquele lugar, na qual simplesmente percebem que para usufruírem deste espaço, é primordial possuírem condições financeiras adequadas para tal evento e, que todo aquele glamour que é apresentado através das vitrines e decoração não é oferecido para eles, mas sim para atraírem mais consumidores que estejam dispostos a “adorar o consumo” neste templo. Essas situações comportamentais que os habitantes da cidade capitalista exercem é oriundo da segregação espacial que inicialmente é imposta, para depois com essas condições possa se executar uma segregação sócioespacial, oriunda da seletividade moderna que o capital exerce sobre algumas localidades. E quando um \"shopping center\" é instalado numa localidade considerada carente? Uma localidade que anteriormente era negada pelo poder público municipal e estava desprovida dos bens necessários para o atendimento de necessidades básicas, como sistemas de esgoto e saneamento básico? Qual será o significado desse empreendimento para essa população local, ou seja, será que irão aceitar uma novidade urbana como, por exemplo, uma família de classe média aceitaria, sabendo que podem usufruir deste espaço? Ou então o \"shopping center\" terá um novo significado para estes moradores locais? Muitos são os questionamentos a serem levantados neste momento, porém pretendemos focalizar no seguinte, que passará a ser o leme que conduzirá este trabalho: qual o significado do SC no lugar na qual fora implementado, para os moradores locais? Este questionamento encontra coro graças a uma série de trabalhos levantados e na qual estes mesmo trarão o sustento e o subsídio necessários à elaboração deste artigo. Nossa intenção é investigar tais modificações ocorridas no espaço urbano de São Gonçalo, com ênfase nas mudanças sócioespaciais principalmente no que tange às situações comportamentais variadas que são expressas pela população, sendo o recorte temporal que pretendemos aplicar neste trabalho o primeiro semestre de 2007, avaliando os comportamentos dos moradores ao redor do São Gonçalo Shopping Rio, ou seja, uma perspectiva local. A primeira etapa deste documento pretende elucidar o conceito de lugar na vertente de alguns autores, na intenção de compreendermos como que o lugar como sendo primordialmente o local onde atribuímos os mais respectivos sentimentos de afetividade e identidade, e como que estas relações são construídas e preservadas. No segundo momento, pretendemos apresentar de forma empírica como que estas questões são explanadas por esses moradores locais, de forma a compreender a construção de um espaço urbano completamente desigual e segregador, mas também a formação do que podemos chamar de espaços de resistência. AO242 - Alterações nas relações entre natureza e sociedade no mundo e no Brasil - Geografia do Turismo [1174] A I M PORTÂN CI A D O FEN ÔM EN O D A SEGUN D A H ABI TAÇÃO E SUAS I M PLI CAÇÕES COM A ATIVIDADE DO LAZER- VERANEIO: O EXEMPLO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. MIGUEL ANGELO RIBEIRO. UERJ, RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL. Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo contribuir para compreensão da importância do fenômeno da segunda habitação e suas implicações com a atividade do lazer-veraneio, na expansão urbana da metrópole do Rio de Janeiro. A dimensão espacial do processo da segunda habitação nos levou a optar pela escala de análise macro, nos permitindo observar os seus traços gerais no contexto do território fluminense. Para dar conta da temática em tela, alguns ângulos de análise foram selecionados, possibilitando uma visão integrada deste fenômeno, a saber: as relações da metrópole com a sua área de influência imediata; a segunda habitação como estratégia de expansão da demanda para o setor imobiliário e as transformações que a partir da metrópole do Rio de Janeiro criaram as precondições para expansão do fenômeno do lazerveraneio. Para atingir o objetivo proposto, a metodologia de pesquisa utilizada teve como referência as informações do Censo Demográfico do IBGE para o ano 2000, estabelecendo uma relação entre o número total de domicílios particulares não ocupados sobre os domicílios particulares total. Isto posto, o processo de metropolização envolvendo a produção de espaços residenciais e com outras funções, verifica-se tanto no próprio município do Rio de Janeiro como em municípios integrantes da sua região metropolitana, gerando um padrão de uso da terra em que cada uso apresenta continuidade espacial. Este processo extravasa o âmbito da Região Metropolitana, abarcando áreas que, apesar de não apresentarem contigüidade física com o Rio de Janeiro, estão sob sua influência direta no que concerne a diversos aspectos sócio-econômicos. Cabe ressaltar que a posição hegemônica do Rio de Janeiro é proveniente sobretudo, da sua condição de capital, mais tarde perdida quando da transferência da sede do governo federal para Brasília, mas não influenciando internamente no contexto do território fluminense, no qual percebe-se um processo de concentração de população, bens e recursos, nos limites metropolitanos, principalmente, em seu núcleo – o município do Rio de Janeiro, e que a partir do final dos anos 1970 começa a exercer influência sobre áreas do interior. Uma dessas influências, partindo do núcleo metropolitano, diz respeito ao processo de ocupação temporária das habitações, na qual atualmente vem apresentando um papel bastante significativo por um número considerável de residentes da metrópole do Rio de Janeiro, atendendo aos objetivos de lazer e veraneio, fenômeno este conhecido da segunda habitação. Este fenômeno, iniciado, com certa intensidade, na primeira metade do século XX em território fluminense, abrange áreas serranas e litorâneas, na qual esta intensidade estava cada vez mais relacionada em função da menor distância e/ou maior acessibilidade à metrópole, representada pela construção da ponte Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói), inaugurada em 1974, ao asfaltamento e duplicação de estradas de rodagem, como a BR-101, e da Rio-Teresópolis. Tal fato conduziu a intensa movimentação de recursos e a especulação em torno deste fenômeno, constatados nas proximidades das vias de acesso que articulam a metrópole a estes municípios, representados por cartazes com anúncios de vendas de terrenos, sítios, chácaras, lançamentos de condomínios, a cargo de um grande e diversificado número de agentes e empresas imobiliárias, além de influenciar nas atividades de comércio e serviços, provocando um processo de urbanização turística fantástico, ainda em estágio de consolidação, em pleno início do século XXI. Neste contexto, podemos afirmar que o processo da segunda habitação decorreu da acelerada urbanização associado à emergência de uma sociedade urbano-industrial. O novo modelo de desenvolvimento do País passa a vincular-se historicamente à expansão de grandes aglomerações metropolitanas que refletem no espaço a concentração de população e recursos. A modernização capitalista nesses espaços está associada as transformações significativas que permitiram a expansão do processo de segunda habitação, e no qual, a metrópole do Rio de Janeiro constituiu-se em exemplo significativo. O surgimento das novas formas de morar dirigidas pelo capital imobiliário às classes de maior poder aquisitivo, pela sua amplitude no meio urbano, tem contribuído para a reestruturação espacial e expansão das metrópoles. Como exemplos materializados espacialmente podemos citar os condomínios abertos, fechados, horizontais, verticais; os apart-hotéis, e os conjuntos habitacionais. Esta outra forma de utilização da habitação tem sua maior relevância em cinco áreas localizadas além dos limites de construção continua da Área Metropolitana do Rio de Janeiro, destacando-se: o eixo que se dirige ao norte do estado, cortado pelas rodovias BR-101 e RJ-106, estendendo-se do município de Maricá até o de Rio das Ostras, correspondendo aqueles localizados na Região de Governo denominada Baixadas Litorâneas; o eixo que se dirige ao sul do estado, cortado pela BR-101, partindo de Mangaratiba até Parati, envolvendo municípios da Região de Governo denominada Costa Verde, antiga Baía da Ilha Grande; a área situada ao norte da metrópole, na região serrana, com municípios integrantes da Região de Governo Centro-Sul Fluminense, tais como Vassouras, Paty do Alferes, Miguel Pereira e Engenheiro Paulo Frontin; o eixo ocupado por Guapimirim, município localizado nos limites da periferia metropolitana do Rio de Janeiro, e Teresópolis, na Região Serrana, e os municípios de São João da Barra e São Francisco de Itabapoana, localizados na Região Norte Fluminense, que atendem os veranistas procedentes de Campos dos Goytacazes e imediações, e do estado Capixaba. Tais resultados ratificam o processo de ocupação temporária de residências, com grande freqüência, por um número considerável de habitantes provenientes, sobretudo, da metrópole do Rio de Janeiro, com objetivos de lazer e veraneio. AO243 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia do Turismo [1208] TURISMO. IDENTIFICAÇÃO DE ESPACIALIDADES COM BASE NA ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO DA REDE HOTELEIRA E TRANSPORTE AÉREO NO ESPAÇO BRASILEIRO. MARCOS AURÉLIO TARLOMBANI DA SILVEIRA. UFPR, CURITIBA, PR, BRASIL. Resumo: Nas últimas décadas, o fenômeno turístico concebido, tanto como uma atividade econômica quanto uma prática social, tem levado muitos lugares a se transformarem em verdadeiros “territórios turísticos”, isto é, territórios estruturados a partir e para o turismo. É uma transformação que pode ser interpretada como uma tradução espacial da civilização do lazer muito bem explorada pelos agentes econômicos do chamado “negócio do ócio”. O aumento dos fluxos turísticos internacionais, impulsionado pelas lógicas da globalização econômica e mundialização da cultura, vem sendo acompanhado da difusão dos modelos de espacialização do turismo, com enormes impactos territoriais - econômicos, sociais, culturais e ambientais nos lugares de destino. Fundamentado em pressupostos teóricos-conceituais, este trabalho aborda as espacialidades do turismo no Brasil a partir da análise da distribuição da rede hoteleira e do transporte aéreo no território brasileiro. Discute-se o processo de produção/consumo do território pelo turismo, destacando-se alguns impactos territoriais decorrentes de sua expansão no país. O trabalho está estruturado em três partes. Na primeira parte, expõe-se os fundamentos teóricos-conceituais discutindo-se a produção/apropriação do território pelo turismo. A segunda parte é o exercício de identificação da distribuição geográfica da rede hoteleira e do transporte aéreo no território brasileiro utilizando-se dados estatísticos publicados em revistas de circulação nacional e em dados georreferenciados construídos pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na obra intitulada Atlas Nacional, editado em formato digital. E, na terceira parte, apresentamse as considerações finais com a análise e discussão dos resultados e conclusões do trabalho. Entendido como prática social, pode-se afirmar que o turismo ocorre em um dado contexto territorial a qual, constitui em si mesma, uma forma de territorialidade. Definido o território como um campo de forças coletivas, resultante de uma teia ou rede de relações sociais que nele se estabelecem, o mesmo deve ser visto na sua natureza dual – dimensão ontológica – e como produto – das relações sociais. O território turístico resulta da prática turística, ao mesmo tempo em que a concretiza é transformado por ela através de um processo dialético de desterritorialização e reterritorialização, abrigando, de forma inquestionável, novas territorialidades. A construção territorial se concretiza como um campo de forças resultante de um processo de apropriação. É essa apropriação que qualifica o território turístico, que se expressa por meio da (re)criação e ou (re)definição de espaços, cuja finalidade é atrair/recepcionar turistas, ofertando a estes infra-estruturas, equipamentos e serviços diversos, caracterizando uma forma de venda e consumo do espaço. No atual contexto da economia globalizada tem se atribuído ao turismo um papel relevante na busca do desenvolvimento territorial. Governos nacionais, regionais e locais, administradores e gestores públicos, enfim, todos aqueles que formulam as chamadas políticas de desenvolvimento econômico, tanto nos países desenvolvidos, quanto nos países em desenvolvimento, como no caso do Brasil, o turismo é visto como uma poderosa ferramenta para alavancar o desenvolvimento regional e local. Nesse sentido é que pode identificar no espaço brasileiro novas territorialidades produzidas pelos atores econômicos hegemônicos que dominam a atividade turística, notadamente aqueles ligados a dois setores chaves como os representados pela hotelaria e pelo transporte aéreo. Esses atores impõem lógicas que desenham novas funcionalidades no uso do território, desestruturando a organização socioespacial local existente e remodelando paisagens, imprimindo, assim, novas configurações territoriais e inserindo novos valores socioculturais e ambientais. Esses novos arranjos espaciais compõem as novas territorialidades turísticas. No que se refere ao setor governamental, este tem tido seu papel e sua função na configuração territorial do turismo no país. Inicialmente a partir de 1996, com a proposição da denominada “Política Nacional de Turismo”, cuja meta era fomentar a expansão da atividade por meio de programas como o PRODETUR – Programa de Desenvolvimento Turístico em escala regional e, com o PNMT – Programa de Municipalização do Turismo em escala local. Depois a partir de 2002, com o lançamento e implantação do chamado “Plano Nacional de Turismo”. O referido plano demonstra uma forte confiança do governo federal no turismo enquanto atividade econômica que possa contribuir para o progresso econômico e social do país. O incentivo ao crescimento, tanto do turismo internacional como doméstico, é um dos pilares do Plano. Um dos objetivos é atrair um número crescente de turistas estrangeiros, outro é aumentar o fluxo doméstico de turistas. No que concerne ao setor privado, particularmente no setor hoteleiro, são vários os investimentos turísticos feitos no Brasil nos últimos 10 anos. Em todas as regiões, com destaque para a zona costeira do nordeste, com potencial ainda pouco explorado para o turismo de sol e praia, pipoca por todos os cantos a construção de novos meios de hospedagem como hotéis, resorts e pousadas. Mas não é somente no nordeste, por todo o país, além de diversos empreendimentos voltados ao lazer urbano - shoppings-centers, centros de convenções e eventos-, multiplicam-se as atividades relacionadas ao turismo no espaço rural e em áreas de proteção ambiental, como parques e reservas ecológicas. Essa nova dinâmica territorial pode ser a vida ou a morte de territórios em escala regional e/ou local, pois o turismo pode provocar impactos positivos ou negativos nos espaços dos quais se apropria, ficando uma ou outra situação na dependência da adoção de estratégias de planejamento territorial adequadas e do modelo de desenvolvimento escolhido. AO244 - Brasil: espaço, identidades e projetos de nação - Geografia do Turismo [1283] TURISMO EM ESPAÇO RURAL: EMBATE ENTRE RESIDENTES E TURISTAS. TELMA MARA BITTENCOURT BASSETTI SANTOS. USP, CAMPO MOURAO, PR, BRASIL. Resumo: Este trabalho tem como objetivo principal relacionar a atividade turística nos espaços rurais de alguns municípios turísticos do Espírito Santo com as condições de vida oferecidas pelos municípios aos seus residentes. O turismo é caracterizado como um fenômeno econômico, político, social e cultural, dos mais expressivos das sociedades ditas pós-industriais. Movimenta, em nível mundial, um volume enorme de pessoas e de capital, e, cada vez mais significativamente, cria e recria espaços diversificados. Para Remy Knafou (1999), o turismo é uma atividade cada vez mais difícil de ser avaliada, oscilando entre uma sub e supervalorização que varia conforme a origem da avaliação e o interesse dos avaliadores. Milton Santos (1985) propõe entender o espaço como um conjunto imbricado de objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto é dado pela natureza e às funções atribuídas a esses objetos pela sociedade. Para Santos, a essência do espaço é social. Assim, segundo o olhar de Santos, “temos paralelamente, de um lado, um conjunto de objetos geográficos distribuídos sobre um território, sua configuração geográfica ou sua configuração espacial e a maneira como esses objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a paisagem; de outro lado, o que dá vida a esses objetos (...) são todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um dado momento” (1985, p. 2). É preciso considerar que o turismo praticado no espaço seja ele rural ou urbano, obedece a critérios especificamente capitalistas tendo em vista que a atividade está submetida ao universo do consumo do e no espaço. Nesta direção o turismo em sua enorme complexidade exerce incidências territoriais específicas nos espaços em que, direta ou indiretamente, estão relacionados a essa atividade. Arlete Moysés Rodrigues (1999) considera que o turismo produz espaços delimitados e espacialmente destinados a consumos específicos através do conjunto de serviços que passam a fluir neste mesmo espaço, agora mundializado e globalizado. Em função da globalização e dos desdobramentos da construção da nova ordem mundial, as cidades passam por uma redefinição de seus papéis. Segundo David Harvey (1996), em todo o mundo capitalista avançado as cidades passaram a ser vistas como grandes empresas e como tal, a competição entre elas deveria refletir a competição das empresas, que, na busca por incrementos de produtividade, procurariam se situar nas localidades que mais oferecessem condições materiais, sociais e institucionais para seu desenvolvimento. Para Harvey, trata-se de um novo empresariamento que tem como característica central a parceria público-privado e esta parceria é empresarial porque, tanto o planejamento quanto a execução desta parceria tem cunhos especulativos e, portanto, sujeitas aos riscos inerentes aos empreendimentos imobiliários sem planejamento. Neste caso, é como se o público assumisse os riscos e o privado os benefícios. Compans afirma que “invariavelmente, a imagem que se tenta construir é a de uma cidade empreendedora, socialmente integrada, que oferece qualidade de vida e um ‘clima’ favorável aos negócios” (1999, p. 109). Entretanto, na tentativa de tornar-se competitiva, a cidade que seria por direito para todos os cidadãos volta-se para o consumo de poucos e poucos se beneficiam dela. As melhorias nas cidades, quando acontecem, também são localizadas e comumente norteiam os símbolos destinados ao consumo da elite, seja ela local ou turística. A efemeridade dos signos e a necessidade de construir outros são justificadas pela própria característica do consumo que é insaciável e fugaz. É o efeito da maquiagem que esconde o que não é para ser visto; voltado para o olhar do turista, para o que o agrada. Daí as fachadas, os canteiros, as pinturas, enfim, melhorias aparentes que não geram benefícios iguais para todos, mas que produzem recortes da cidade e tentam representá-la como um todo. Segundo John Urry (1996), essas imagens construídas são intencionalmente direcionadas para o olhar do turismo e para aspectos da paisagem que separam o turista de suas experiências cotidianas. O direcionamento da paisagem, de alguns espaços, para o olhar do turista, leva-nos a pensar sobre o que pode ou não ser visto na cidade turística. O que nos é permitido ver e o que nos é proibido observar. Afastar do olhar turístico os problemas da cidade e escondê-los pode, de imediato, favorecer o desenvolvimento da atividade turística. Entretanto, concomitantemente, esta segregação do espaço pode comprometer seriamente a vida dos residentes, uma vez que os investimentos locais priorizam a construção de signos em detrimento das melhorias de infra-estruturas e acessos a serviços públicos. As melhorias, quando acontecem, também são localizadas e comumente norteiam os símbolos destinados ao consumo da elite, seja ela local ou turística. Essa é uma visão equivocada, pois quando as infra-estruturas e a sociedade como um todo (empregos, segurança, saúde etc) estão resolvidos, isso também se torna um fator de atratividade turística. Para realizar esta pesquisa utilizamos os dados sobre a oferta de alguns serviços públicos (abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta e destino do lixo), sobre o crescimento populacional, o fluxo turístico e alguns índices que nos serviram de parâmetro para hierarquizar os municípios (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M e Índice de Desenvolvimento dos Municípios do Estado do Espírito Santo – IDMES) e comparar a evolução da melhora das condições de vida da população nestes aspectos entre os anos de 1991 e 2000. Concluímos que o aumento do fluxo turístico implica em maior quantidade de pessoas utilizando-se dos serviços e da infra-estrutura dos municípios, o que pode acarretar uma disputa entre turista e residente pela manutenção de suas condições de vida. AO245 - Espacialidades no mundo contemporâneo: desafios teóricos e empíricos - Geografia do Turismo [1388] UM A ABERTURA AO D EBATE SOBRE A ( RE) PROD UÇÃO D O ESPAÇO D A CI D AD E D E SÃO PAULO E O TURISMO. FABIO CEZAR BRAZ. USP, SÃO PAULO, SP, BRASIL. Resumo: A idéia de turismo sempre esteve associada a lazer ou descanso; uma prática social na qual o indivíduo busca experiênciar lugares diferentes, relacionar-se com outras pessoas, enfim, deixar a repetição do seu dia-a-dia. Mas ao tomar o turismo de eventos e negócios, também denominado corporativo, faz-se a ressalva que mesmo o objetivo deste viajante ser assunto de trabalho, todos são potencialmente turistas, visto que segundo os organismos oficiais de turismo, hoje, todo mundo que viaja, independente da motivação do deslocamento, é um turista. E o conceito se torna mais complexo ao se discutir uma cidade como São Paulo, nacionalmente conhecida como a “capital do trabalho”, onde os fluxos emissivos e receptivos são muito expressivos, em especial a atratividade da metrópole para o mundo dos negócios, do qual se abstrai, por conseguinte, um de seus mais importantes segmentos turísticos. Perante a trama de relações que se fazem presentes na produção do espaço urbano da metrópole de São Paulo “tomamos o turismo de eventos/feiras de negócios” como objeto de estudo nesta pesquisa. A preocupação intelectual por nós levantada parte de reflexões acerca da geografia na sua relação com o turismo, objetivando analisar criticamente essa relação, desfazendo discursos, contestando verdades insólitas e abstraindo lógicas que se impõem sobre o espaço da metrópole. Ao debruçarmo-nos sobre a produção/reprodução do espaço de São Paulo partimos da premissa de que mediante o mundo da mercadoria o pensamento economicista circunscreve a tudo e a todos, legitimando ações dos agentes de mercado e do Estado, discussão esta que permeará todo o nosso trabalho. As metamorfoses do espaço seguem a lógica do capital, e pelos investimentos serem seletivos o espaço vai se estruturando em pedaços hierarquizados, formando áreas de centralidade econômica. Observar e analisar a criação de novas áreas de centralidade e o reforço das centralidades pré-existentes pelo turismo de eventos/feiras de negócios na metrópole paulista é o aspecto principal no qual reside nosso estudo. Comumente, trabalhos com abordagem sobre o turismo centram-se nos aspectos econômicos. Este caráter está expresso na conceituação apresentada por Shattenhofen (na década de 1910), citada por Barreto (2000, p.9): “Turismo é o conceito que compreende todos os processos, especialmente os econômicos, que se manifestam na chegada, na permanência e na saída do turista de um determinado município, país ou estado”. Não se buscará aqui demonstrar por meio de dados estatísticos ou experiências anteriores quanto o turismo é benéfico/maléfico para uma cidade, ou a região na qual ela está inserida ou integrada/articulada por “redes” diversas. O turismo não pode ser tido apenas como a solução para os municípios sedentos por aumentar divisas e/ou fluxo de capitais. Não se pretende, também, desbancar os que pensam desta forma, muito menos, condenar tal prática, todavia, a ciência tem dois caminhos, um é servir à ordem estabelecida, prestando-se de base teórica, técnica/instrumental ou, como crítica, visando questionar os modismos, as ideologias, as conjunturas políticas etc. Neste sentido, pareceu pertinente iniciar a reflexão proposta com uma frase de Lozato-Giotart (1993), que transmite a mensagem que permeará o texto. Segundo o autor