Projecto Individual 3 – Sinestesia
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Projecto Individual 3 – Sinestesia
Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo - ESMAE Produção e Tecnologias da Música - PTM Projecto Individual III Professor Mário Azevedo 29 de Janeiro de 2016 - Sinestesia - João Miguel Rodrigues Moreira !1 Índice Sinestesia - página 3 Sinestesia e Música - página 6 Distorção ou Complemento da Percepção? - página 9 Referências - página 11 !2 Sinestesia "Most people experience the sensory world as a place of orderly segregation. Sight, sound, smell, taste and touch are distinct and separate: A Beethoven symphony is not pink and azure; the name Angela does not taste like creamed spinach. Yet there are those for whom these basic rules of the senses do not seem to apply. They have a rare condition called Synesthesia, in which the customary boundaries between the senses appear to break down, sight mingling with sound, or taste with touch.”, Erica Goode (New York Times, 1999) "Synaesthesia is a love story between the senses" —Dr. Hugo Heyrman Partilhando as raízes etimológicas da palavra anestesia (sem sensação), a sinestesia (do grego syn - junto/unido; e aesthesis - sensação) pode definir-se amplamente como sensações conjuntas, ou misturadas. Genericamente, para um sinestésico, quando um certo sentido ou parte dum sentido é activado, um outro sentido não relacionado, ou parte dele, é activado simultaneamente, por acréscimo. Por exemplo, quando alguém ouve um som, imediatamente vê uma cor ou forma dentro da sua mente ou, efectivamente, no seu campo de visão. A sinestesia é, cumulativamente, involuntária mas provocada, e inevitável. Por outras palavras, um sinestésico não tem que accionar a segunda reacção sensorial conscientemente, esta acontece espontânea e inevitavelmente como resposta a um estímulo recebido por outro sentido. O que isto significa é que o sinestésico não consegue controlar quando a sinestesia se manifesta ou que estímulos sensoriais vão originar uma resposta sinestésica. A maneira como a sinestesia se manifesta parece também ser extremamente consistente ao longo do crescimento duma pessoa. Na sinestesia gramático-visual, por exemplo, associações entre letras e cores formam-se desde uma idade muito jovem e permanecem inalteradas desde então. Qual é, então, a diferença entre ter sinestesia, e entre cheirarmos um bolo a ser cozinhado noutra divisão da casa e imediatamente criarmos uma imagem mental dum bolo, por exemplo? A diferença é que quando percepcionamos o seu cheiro e criamos uma imagem mental na nossa mente, estamos a usar a nossa memória para aceder a uma imagem pré-concebida do bolo. No entanto, a imagem nunca será a mesma de cada vez que cheirarmos, e nem sempre a criaremos assim que experienciarmos o cheiro, ou se não estivermos conscientes do cheiro desde logo. Por outro lado, alguém com sinestesia entre imagem-cheiro terá sempre a mesma experiência de todas as vezes que cheirar bolo, e não será algo tão complexo como uma imagem dum bolo em si, mas sim texturas e cores não relacionadas. Se cheirarmos algo completamente novo, não teríamos uma imagem à qual associar o cheiro. No entanto, alguém com sinestesia automaticamente criará um novo padrão de texturas e cores associados a esta nova experiência, para além de a criar estando ou não atento ao cheiro. Na teoria, existem tantos tipos de sinestesia como de combinações possíveis entre as várias categorias de sentidos, como por exemplo sabor-audição (ouvir um som produz um sabor) e som-toque (sentir um objectivo produz um som). Alguns tipos são, no entanto, mais comuns do que os outros. Os mais comuns são cor-grafismo, em que percepcionar letras/palavras/números produz cores ou padrões simples, e cor-som, em que determinados inputs musicais incluindo vozes, música, e/ou barulho aleatório produz cores, texturas e formas. Dentro de cada uma destas categorias há muitas variações, como por exemplo algumas pessoas que dentro do tipo corgrafismo apenas experienciam cor com números ou palavras inteiras. As reações sinestésicas são tão variadas como os próprios sinestésicos. Alguns apenas vêm cores simples, quando outros poderão ver padrões complexos de várias dimensões, e outros !3 conseguem saborear objectos extremamente particulares, quer sejam comida ou não. Estas reações podem manifestar-se apenas mentalmente (dentro do “olho da mente”) ou no próprio campo de visão dos indivíduos. É também perfeitamente possível que um indivíduo possua vários tipos de sinestesia. Não se consegue, ainda hoje, quantificar ao certo o número de pessoas com sinestesia a nível mundial, mas pensa-se que uma percentagem relevante da população a nível mundial poderá ser sinestésica, embora sem uma noção consciente da condição. É difícil ter uma noção mais sólida pela própria natureza da sinestesia e a sua teorização relativamente recente, mas o número de casos parece estar a aumentar, ou simplesmente temos mais acesso aos mesmos pela grande facilidade de comunicação, disseminação de informação e consciencialização trazida pelos avanços tecnológicos do passado século, como os scans fMRI1 . Nos dias de hoje, os cientistas acreditam que os sinestésicos possam constituir cerca de 4% da população mundial. Todos os sinestésicos têm sinestesia desde muito cedo nas suas vidas (ou até mesmo desde o seu início), com as suas memórias mais antigas do fenómeno remontando aos dois ou três anos de idade. Acredita-se que desenvolvem padrões sinestésicos desde cedo, com algumas experiências enquanto crianças acabando por definir as suas associações sinestésicas para toda a vida. Alguns estudos chegam a ir longe ao ponto de assumir que todas as pessoas nascem sinestésicas mas vão perdendo os seus efeitos mais ou menos a partir dos 8 meses de idade. Mais mulheres têm sinestesia, numa relação de quase 2 mulheres para 1 homem, dependendo dos países. Os sinestésicos tendem a partilhar a sinestesia com outros membros da família (embora a condição possa saltar gerações), sugerindo um possível componente genético responsável, tendo-se já descoberto que uma região no cromossoma 16 está ligada à sinestesia cor-grafismo. Tendem também a ser mais artísticos, ou mais facilmente atraídos por profissões ou hobbies mais artísticos e/ou criativos. De forma geral, tendem a ter uma performance mais alta do que o normal em testes cognitivos e de memória, mais mais baixa quando toca a testes de percepção espacial. Investigadores acreditam que o fenómeno é causado por uma espécie de cross-wiring no 1 Functional Magnetic Resonance Imaging: A New Research Tool - https://www.apa.org/research/tools/fmri-adult.pdf !4 cérebro e que os cérebros dos sinestésicos terão mais conectores neurais do que um cérebro duma pessoa sem sinestesia. Uma grande parte da razão pela qual se sabe tão pouco sobre sinestesia e a qualidade/ quantidade de população que a tem, é porque grande parte dos sinestésicos sempre assumiu a sua realidade como a realidade de todo o mundo que os rodeia e não se acham únicos de forma alguma. Quando chegam à conclusão de que possuem capacidades estranhas à grande maioria da população, a maior parte dos sinestésicos geralmente fecha-se sobre si mesmo e não menciona o assunto, por medo de julgamento e incompreensão alheia, ou mesmo de ser diagnosticado com uma qualquer doença do foro psicológico. É comum que um sinestésico permaneça silencioso durante décadas ou mesmo toda a sua vida perante a sua condição até que porventura algum jornal ou programa de rádio o faça perceber que não está sozinho ou louco. Por todas estas razões, estatísticas fiáveis sobre sinestesia são uma realidade ainda escassa, sendo que apenas se começou a estudar o fenómeno à cerca de duas ou três décadas atrás. A sinestesia não é considerada uma doença, sendo completamente inofensiva e até desejada pela esmagadora maioria dos sinestésicos, alegando alguns que já não se imaginam a viver sem ela - sempre fez parte da sua realidade e complementa-a de maneiras extraordinárias. Em todos os testes conduzidos para aferir doenças mentais, os sinestésicos testaram negativo em escalas aptas a medir esquizofrenia, psicose e outros distúrbios mentais. Há também que diferenciar a dor fantasma proveniente da perda dum membro, que faz um remapeamento do córtex cerebral. Neste caso, mais correctamente chamado de parestesia, as reações não estão presentes desde o nascimento e podem ocorrer sem necessidade dum primeiro estímulo sensorial, ao contrário da sinestesia. A sinestesia não resulta do uso abusivo de drogas. Apesar do uso abusivo de álcool ou drogas psicotrópicas como LSD ou MDMA poder despoletar experiências parecidas com as dum sinestésico, estas extinguem-se quando o efeito da droga desaparece e não persistem em momentos de sobriedade. Como já referido, a maior parte dos sinestésicos aprecia e valoriza os efeitos produzidos pela sinestesia e não os considera como uma barreira ao aproveitamento de cada dia. Na verdade, muitos alegam ter uma pena genuína dos não-sinestésicos por terem uma realidade sensorial tão uni-dimensional. Naturalmente, todos os sinestésicos passaram por processos de adaptação ao longo do crescimento e estão, desde relativamente cedo, já perfeitamente habituados aos estímulos que recebem, vivendo a sua vida em conformidade. O único contexto em que um sinestésico pode ser incomodado pela sua sinestesia é quando um estímulo provoca uma experiência sinestésica adversa. Algumas palavras podem saber a fumo de cigarro ou leite estragado para um sinestésico. Algumas pessoas podem não gostar de certas letras, palavras ou nomes por terem uma cor horrível. Outras podem achar incongruente uma pessoa ter um nome com uma cor que não corresponde à cor da sua personalidade. Por exemplo alguém extremamente aborrecido cujo nome provoca uma tonalidade brilhante e exuberante. Para os psicólogos, a sinestesia tem sido um tópico de crescente interesse, pois desafia a assunção tácita de que todos nós percepcionamos o mundo que nos rodeia da mesma maneira. Mesmo os filósofos perdem horas de sono pensando se a sua experiência do que é a cor verde será igual às experiências de qualquer outra pessoa do que á a cor verde. A maior parte das pessoas não o faz, pois graças à linguagem, temos uma moeda comum para concordar com a percepção global das várias experiências sensoriais. No entanto, quando alguém alega que a letra “A” é vermelha, tudo muda e se questiona. !5 Sinestesia e Música Quando falamos da relação da sinestesia com os sons musicais percepcionados pelo ouvido (também chamada de chromesthesia), os casos mais comuns e documentados prendem-se com a associação da audição à visão e com a maneira como o ouvir de determinados sons despoleta uma reacção visual no nosso sistema sensorial. Cada instrumento ou até cada nota musical terá uma cor específica associada a eles - um piano, por exemplo, poderá produzir uma nuvem de azul-céu e um saxofone produzirá uma imagem de luzes néon púrpura, dependendo da pessoa. Este tipo de sinestesia, como qualquer outra, é aditiva, no sentido em que o segundo sentido percepcionado será uma adição ao primeiro e os dois se vão experienciar simultaneamente, sendo que se ouve e vê um som ao mesmo tempo - nenhum substitui o outro. Normalmente a sinestesia é unidirecional e funciona apenas dum sentido para o outro, havendo casos mais raros onde pode funcionar bi-direcionalmente (por exemplo, ouvir um som despoleta visões e certas visões podem despoletar a audição de sons). As correspondências não serão, no entanto, as mesmas nas duas direções. Desde os tempos dos grandes pais da matemática, filosofia e astronomia que relações entre matérias aparentemente distintas eram estudadas e teorizadas. Pitágoras ofereceu equações matemáticas para as escalas musicais; Platão associou os planetas à escala diatónica através de ratios - “the music of the spheres”; Aristoteles acreditava que a harmonia das cores se assemelhava à harmonia dos sons, o que mais tarde levou a comparações entre frequências específicas de luz e som nas sociedades Europeias; Franchino Gaffurio reintroduziu um sistema de música modal colorida, em que cada modo musical (do sistema modal da altura) possuía uma cor distinta; Athanasius Kircher desenvolveu um sistema de correspondência entre intervalos musicais e as diferentes cores; e também Newton elaborou estudos matemáticos (embora mais tarde tenha abandonado a noção duma verdadeira relação entre cores e notas da escala) sobre as linhas paralelas entre as cores do espectro e as notas da escala musical como se pode ver na tabela à direita. !6 Alguns instrumentos musicais chegaram a ser construídos com diferentes cores associados às notas da escala, tal era a crença da relação entre as duas, como o caso do órgão-colorido de Bainbridge Bishop e Alexander Wallace Rimington. Noutros casos, projecções de cores foram integradas em performances musicais, onde por cima dos músicos, um ecrã mudava de cor ao sabor da harmonia musical produzida - Father Louis Bertrand Castel construiu um Cravo Ocular no ano de 1730, que consistia num grande quadro sobre o cravo normal. O quadro era constituído por 60 pequenas janelas, cada uma com vidros coloridos de forma diferente, e uma cortina ligada a cada uma das cordas do cravo. De cada vez que uma tecla era premida, a cortina levantava brevemente, mostrando um “flash” da respectiva cor. A sociedade ocidental ficou fascinada com a construção e muitos músicos/compositores viajaram de propósito a França só para a presenciar ao vivo. Tal como esta, muitas outras invenções foram criadas no mesmo sentido, nomeadamente em séculos posteriores, com o advento da electricidade e as suas possibilidades visuais para espetáculos. Entre os muitos casos de sinestesia que remontam já desde esses tempos, não parece haver uma correlação entre as cores que cada sinestésico associa a determinados sons ou instrumentos, sendo que cada pessoa tem uma experiência sinestésica distinta e individual. Apesar disso, os estudos efectuados até aos dias de hoje mostram que, regra geral, frequências agudas tendem a criar cores mais claras/brilhantes e frequências graves tendem a criar cores mais baças/escuras, deixando aberta uma possibilidade dum padrão que poderá ser mais tarde cientificamente estabelecido. Em alguns casos, a sinestesia é apenas despoletada por sons de fala (sendo que apenas a altura e pronúncia afectam a cor, o volume e velocidade de fala não). Noutros casos, é despoletada por qualquer estímulo auditivo, sejam instrumentos/notas musicais em específico ou mesmo peças musicais como um todo. Kandinsky, que não era sequer um sinestésico mas ganhou fama pelos seus trabalhos artísticos sinestésicos entre cores e timbres de instrumentos específicos, alegava que embora não houvesse uma base científica para os seus trabalhos, conseguia associar cor e som através dos seus sentimentos, tendências culturais prevalecentes e um certo grau de misticismo. Para ele, as relações entre timbres de instrumentos e tons de cores era a seguinte: !7 Sir Arthur Bliss, embora também não sinestésico, era muito influenciado pela relação entre som e cor, escrevendo a sua “Colour Symphony” em 1922, em que cada movimento tinha o nome duma cor: púrpura, vermelho, azul e verde. Olivier Messiaen, por sua vez, era tido como um sinestésico, como as suas próprias escrituras e entrevistas davam a entender. Muitas das suas composições como “Couleurs de la cité céleste”, “L’ascencion” ou “Des canyons aux étoiles” baseiam-se numa tentativa de produzir imagens via som, escrevendo notas específicas para produzir sequências e padrões coloridos específicos. Tal como todos os nomes já referidos, muitos outros como Miles Davis, Michael Torke, Manu Katché e Jennifer Paull tiveram uma relação estreita ou esporádica com a sinestesia directamente ou algum tipo de fascínio por ela. Esta última, mundialmente reconhecida solista de oboé de amor, escreveu uma passagem interessante sobre a sua percepção nitidamente sinestésica do som: "I am a musician and publisher. I have been motivated my entire life by a rainbow of colours which do not belong to the limited, conventional rainbow - but are totally real for me. I cannot put them into words. There are rainbows of textures, rainbows of moods and feelings too. The first moment I heard the timbre of the oboe d'amore, I knew that I had to play it and I have spent my life doing so... I found out that I saw things differently when I was 11. My best friend was totally bored by my saying letters and numbers represented colours. She noted everything I said and tried to trip me up. Of course, she couldn't. «[Regarding the sound of the oboe d’amore], I cannot put into words. I can feel it, see it, but I can't put it into words. This sound -- this colour -- took me over. I had no choice.» Apesar de vários relatos documentados por toda a história, ainda nos dias de hoje é difícil reconhecer ou localizar artistas verdadeiramente sinestésicos, muito por ser uma condição rara e também por não haver um diagnóstico comum específico, indirectamente levando a que muitos sinestésicos não falem sequer sobre as suas percepções fora do normal. !8 Distorção ou Complemento da Percepção? "Synesthesia taps into a lot of other domains that are more familiar to many psychologists," says Larry Marks (Yale University psychologist, PhD). "It tells us something about the nature of perception and what makes things perceptually similar to one another. Synesthesia may help us to understand how the concept of similarity is embedded within the nervous system." Através da evolução do cérebro humano ao longo dos seus milénios de existência, os nossos sentidos associaram-se a um córtex específico, em áreas distintas do cérebro. Cada vez que ouvimos um sinal sonoro, recebemos e interpretamos a informação que nos chega do ouvido interno, numa área específica do cérebro. Outra é responsável por descodificar a sensação de tacto quando tocamos num objecto. Outra por descodificar os sabores. Outra aquilo que vemos. Outra o que cheiramos. Apesar de alguns destes córtices estarem efectivamente bastante próximos e se supor algum tipo de ligação entre eles, a sua separação física é efectiva e notória, não havendo uma zona responsável por interpretar a pluralidade dos sentidos. Mas porquê? Talvez, de uma maneira ou de outra, tenha sido sempre assim, desde o cérebro mais primitivo. Ou talvez todas essas zonas estivessem outrora aglomeradas numa só, pelo próprio tamanho mais reduzido do cérebro e pela grande importância das percepções sensoriais na sobrevivência em contextos primitivamente mais selvagens. No entanto, quem sabe se por esta mesma razão os sentidos se tenham alocado em córtices cerebrais distintos para melhor se discernir uma sensação da outra, podendo imediatamente interpretar-se o som dum ramo a partir-se na vegetação anunciando a chegada dum predador, ou sentir-se à distância a frescura dum riacho para matar a sede que se acumulava desde há horas atrás. Mas porque é que assumimos que se distanciarmos fisicamente as zonas interpretativas dos sentidos no nosso cérebro, necessariamente os vamos discernir melhor ou com mais qualidade? Talvez porque não consigamos discernir correctamente duas imagens sobrepostas ou porque apreciemos a sensação do stereo ao abrir as panorâmicas e separar os instrumentos no palco sonoro. Talvez porque, para nós, informação concentrada é informação confusa, e o nosso sistema de organização mental tenha evoluído no sentido duma interpretação desconexa e individualmente considerada. O que me parece é que, tendo o nosso cérebro evoluído em tão grande escala e sendo o ser humano hoje capaz de abstrações, associações e teorizações inacreditáveis que levaram a ciência a campos nunca outrora imaginados, é redutor pensar que os sentidos tenham de ser individualmente descodificados em zonas distintas do cérebro para melhor serem entendidos. Será que não estamos a enganar a nossa própria percepção da realidade? Será que que estamos a entender o mundo de forma incompleta? Não será enriquecedor pensar que todos os sentidos estão na verdade ligados e aquilo que entra em contacto connosco deverá ser interpretado de múltiplas formas, pois na verdade possui inúmeras dimensões? Muitas delas, suponho até, não serão nunca descobertas ou percepcionadas (pelo menos não em séculos, se a tal chegar a humanidade como a conhecemos), pois sou crente na teoria de que apenas utilizamos o nosso cérebro numa percentagem ínfima face à sua eventual capacidade. Talvez a sinestesia seja precisamente um portal para uma utilização cerebral mais aguçada e expansiva. Mais criativa e real. Mais avançada. Mais adequada ao que o mundo nos oferece, numa bandeja de todas as cores, sons, feitios, cheiros e sabores. !9 Felizmente ou infelizmente, dependendo da perspectiva, a sinestesia não se pode adquirir. Ou se nasce com ela, ou não. Ou todos nós nascemos com ela mas a maior parte das pessoas a perde. Ou talvez a tenhamos sempre mas muito subtilmente se esconda em subterfúgios profundos do nosso cérebro, vindo à superfície espontaneamente sem bater à porta ou fechá-la num estrondo depois de sair - sem dar sinal de vida. Há quem ache e teorize que a própria linguagem nasceu de relações sinestésicas. Se pensarmos bem, de que outra forma poderá ter sido criada? Porque razão associaríamos sons completamente aleatórios a objectos e coisas do nosso quotidiano? Porque é que, aleatoriamente, “buba” nos soa a uma forma algo redonda e “kiki” nos soa a uma forma algo bicuda? Como é que visões, cheiros, sabores e objectos se ligaram através dum sistema organizado de fonemas, que progressivamente e cada vez mais eloquentemente (ou não) evolui para linguagens cada vez mais elaboradas? De onde surge a metáfora? Porque é que um quadro é barulhento, um sabor é aguçado e um som é brilhante? Soa-me a uma visão muito formal assumir que se cheiraram por acaso as metáforas pela primeira vez, como um cão à procura de novos sabores para sair da rotina da ração. Parece-me mais fácil acreditar que elas provêm exactamente das ligações sinestésicas que todos nós poderemos ter sem saber, fruto também (claro) da evolução cultural e linguística dum povo. Shakespeare, outro famoso sinestésico, certamente terá também ajudado: “No, my heart is turned to stone”; “This music crept by me upon the waters”. É curioso pensar que a esmagadora maioria dos sinestésicos alegam não se imaginarem a viver sem este fantástico fenómeno. É até encantador perceber a surpresa de muitos, quando pela primeira vez se deparam com o facto da maior parte da população não ser como eles - "I nodded meekly but inside, I was reeling," wrote one synesthete when he first discovered others did not perceive the world as he did. "No colours? Everyone lived in a white word where numbers and letters were simply black? And music didn’t fill the air with sparkles and waves of coloured light? Did that mean they didn’t see auras around people either? Their worlds were colourless?” De facto posso apenas imaginar o quão fantástico será percepcionar o mundo de uma forma tão rica e que faz tão mais sentido, pelo menos como o entendo na zona lógica (ou emocional?) do meu próprio cérebro. Confesso que tentarei activamente desenterrar a minha própria sinestesia escondida, sabendo que não terei grande margem de sucesso. Quanto mais não seja, certamente exercitarei a minha imaginação, dando-lhe o crédito que merece, face à bandeja que o mundo nos oferece. !10 Referências Escritas - Mother Nature Network - What is synesthesia and what’s it like to have it? http://www.mnn.com/health/fitness-well-being/ stories/what-is-synesthesia-and-whats-it-like-tohave-it - Nautilus - test your inner synesthesia http://nautil.us/issue/26/color/what-color-is-thissong - Art and Synesthesia http://www.doctorhugo.org/synaesthesia/ - Medical Daily http://www.medicaldaily.com/what-its-experiencesynesthesia-taste-music-and-colorslanguage-270741 - The Synesthesia Battery - for synesthetes and researchers http://www.synesthete.org/index.php - The Synesthesia Project - FAQ http://www.bu.edu/synesthesia/faq/#q5 - Artist Experiencing sound as colours http://www.mtv.com/news/2146358/melissamccracken-synesthesia-art/ - How synesthesia inspires artists http://www.bbc.com/culture/story/20140904-i-seesongs-in-colour - American Synesthesia Association, Inc. http://synesthesia.info/aboutus.html - A Brief History of Synesthesia and Music http://www.thereminvox.com/article/articleview/ 33/1/5/ - The Dream of Color Music, And Machines That Made it Possible http://www.awn.com/mag/issue2.1/articles/ moritz2.1.html - New Musical Express http://www.nme.com/blogs/nme-blogs/do-youhave-synaesthesia-a-look-at-the-condition-thatmeans-lorde-sees-sound-in-colour? utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_ campaign=lorde - American Psychological Association http://www.apa.org/monitor/mar01/ synesthesia.aspx - Pitchfork http://pitchfork.com/thepitch/229-what-the-hell-issynesthesia-and-why-does-every-musician-seemto-have-it/ Referências Vídeo - SciShow - Hearing Colours, Seeing Sounds: Synesthesia https://www.youtube.com/watch?v=vEqmNX8uKlA - Ted-ed - What colour is Tuesday? Exploring Synesthesia https://www.youtube.com/watch?v=rkRbebvoYqI - BrainStuff - What is synesthesia? https://www.youtube.com/watch?v=4upZHjZnM-0 - Synesthesia: The Colour of Music https://www.youtube.com/watch?v=57DudlqPChQ - DNews - What’s it like to hear colours? - A VR 360º Synesthesia Experience https://www.youtube.com/watch?v=obrBAysVef0 - When Senses Collide: Synesthesia - Documentary https://www.youtube.com/watch?v=KGYrBaK-JYI - Synesthesia - A documentary on Perception, Sound, Colour, and Movement https://www.youtube.com/watch?v=-0wtfYwRCEw !11