Projecto Individual 3 – Sinestesia

Transcrição

Projecto Individual 3 – Sinestesia
Escola Superior de Música e Artes do
Espetáculo - ESMAE
Produção e Tecnologias da Música - PTM
Projecto Individual III
Professor Mário Azevedo
29 de Janeiro de 2016
- Sinestesia -
João Miguel Rodrigues Moreira
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Índice
Sinestesia - página 3
Sinestesia e Música - página 6
Distorção ou Complemento da Percepção? - página 9
Referências - página 11
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Sinestesia
"Most people experience the sensory world as a place of orderly segregation. Sight, sound, smell,
taste and touch are distinct and separate: A Beethoven symphony is not pink and azure; the name
Angela does not taste like creamed spinach. Yet there are those for whom these basic rules of the
senses do not seem to apply. They have a rare condition called Synesthesia, in which the
customary boundaries between the senses appear to break down, sight mingling with sound, or
taste with touch.”, Erica Goode (New York Times, 1999)
"Synaesthesia is a love story between the senses" —Dr. Hugo Heyrman
Partilhando as raízes etimológicas da palavra anestesia (sem sensação), a sinestesia (do grego syn
- junto/unido; e aesthesis - sensação) pode definir-se amplamente como sensações conjuntas, ou
misturadas. Genericamente, para um sinestésico, quando um certo sentido ou parte dum sentido
é activado, um outro sentido não relacionado, ou parte dele, é activado simultaneamente, por
acréscimo. Por exemplo, quando alguém ouve um som, imediatamente vê uma cor ou forma
dentro da sua mente ou, efectivamente, no seu campo de visão.
A sinestesia é, cumulativamente, involuntária mas provocada, e inevitável. Por outras palavras,
um sinestésico não tem que accionar a segunda reacção sensorial conscientemente, esta
acontece espontânea e inevitavelmente como resposta a um estímulo recebido por outro sentido.
O que isto significa é que o sinestésico não consegue controlar quando a sinestesia se manifesta
ou que estímulos sensoriais vão originar uma resposta sinestésica. A maneira como a sinestesia se
manifesta parece também ser extremamente consistente ao longo do crescimento duma
pessoa. Na sinestesia gramático-visual, por exemplo, associações entre letras e cores formam-se
desde uma idade muito jovem e permanecem inalteradas desde então.
Qual é, então, a diferença entre ter sinestesia, e entre cheirarmos um bolo a ser cozinhado noutra
divisão da casa e imediatamente criarmos uma imagem mental dum bolo, por exemplo? A
diferença é que quando percepcionamos o seu cheiro e criamos uma imagem mental na nossa
mente, estamos a usar a nossa memória para aceder a uma imagem pré-concebida do bolo. No
entanto, a imagem nunca será a mesma de cada vez que cheirarmos, e nem sempre a criaremos
assim que experienciarmos o cheiro, ou se não estivermos conscientes do cheiro desde logo. Por
outro lado, alguém com sinestesia entre imagem-cheiro terá sempre a mesma experiência de
todas as vezes que cheirar bolo, e não será algo tão complexo como uma imagem dum bolo em
si, mas sim texturas e cores não relacionadas. Se cheirarmos algo completamente novo, não
teríamos uma imagem à qual associar o cheiro. No entanto, alguém com sinestesia
automaticamente criará um novo padrão de texturas e cores associados a esta nova experiência,
para além de a criar estando ou não atento ao cheiro.
Na teoria, existem tantos tipos de sinestesia como de combinações possíveis entre as várias
categorias de sentidos, como por exemplo sabor-audição (ouvir um som produz um sabor) e
som-toque (sentir um objectivo produz um som). Alguns tipos são, no entanto, mais comuns do
que os outros. Os mais comuns são cor-grafismo, em que percepcionar letras/palavras/números
produz cores ou padrões simples, e cor-som, em que determinados inputs musicais incluindo
vozes, música, e/ou barulho aleatório produz cores, texturas e formas. Dentro de cada uma destas
categorias há muitas variações, como por exemplo algumas pessoas que dentro do tipo corgrafismo apenas experienciam cor com números ou palavras inteiras.
As reações sinestésicas são tão variadas como os próprios sinestésicos. Alguns apenas vêm cores
simples, quando outros poderão ver padrões complexos de várias dimensões, e outros
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conseguem saborear objectos extremamente particulares, quer sejam comida ou não. Estas
reações podem manifestar-se apenas mentalmente (dentro do “olho da mente”) ou no próprio
campo de visão dos indivíduos. É também perfeitamente possível que um indivíduo possua
vários tipos de sinestesia.
Não se consegue, ainda hoje, quantificar ao certo o número de pessoas com sinestesia a nível
mundial, mas pensa-se que uma percentagem relevante da população a nível mundial poderá ser
sinestésica, embora sem uma noção consciente da condição. É difícil ter uma noção mais sólida
pela própria natureza da sinestesia e a sua teorização relativamente recente, mas o número de
casos parece estar a aumentar, ou simplesmente temos mais acesso aos mesmos pela grande
facilidade de comunicação, disseminação de informação e consciencialização trazida pelos
avanços tecnológicos do passado século, como os scans fMRI1 . Nos dias de hoje, os cientistas
acreditam que os sinestésicos possam constituir cerca de 4% da população mundial.
Todos os sinestésicos têm sinestesia desde muito cedo nas suas vidas (ou até mesmo desde o seu
início), com as suas memórias mais antigas do fenómeno remontando aos dois ou três anos de
idade. Acredita-se que desenvolvem padrões sinestésicos desde cedo, com algumas experiências
enquanto crianças acabando por definir as suas associações sinestésicas para toda a vida. Alguns
estudos chegam a ir longe ao ponto de assumir que todas as pessoas nascem sinestésicas mas
vão perdendo os seus efeitos mais ou menos a partir dos 8 meses de idade. Mais mulheres têm
sinestesia, numa relação de quase 2 mulheres para 1 homem, dependendo dos países. Os
sinestésicos tendem a partilhar a sinestesia com outros membros da família (embora a condição
possa saltar gerações), sugerindo um possível componente genético responsável, tendo-se já
descoberto que uma região no cromossoma 16 está ligada à sinestesia cor-grafismo. Tendem
também a ser mais artísticos, ou mais facilmente atraídos por profissões ou hobbies mais artísticos
e/ou criativos. De forma geral, tendem a ter uma performance mais alta do que o normal em
testes cognitivos e de memória, mais mais baixa quando toca a testes de percepção espacial.
Investigadores acreditam que o fenómeno é causado por uma espécie de cross-wiring no
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Functional Magnetic Resonance Imaging: A New Research Tool - https://www.apa.org/research/tools/fmri-adult.pdf
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cérebro e que os cérebros dos sinestésicos terão mais conectores neurais do que um cérebro
duma pessoa sem sinestesia.
Uma grande parte da razão pela qual se sabe tão pouco sobre sinestesia e a qualidade/
quantidade de população que a tem, é porque grande parte dos sinestésicos sempre assumiu a
sua realidade como a realidade de todo o mundo que os rodeia e não se acham únicos de
forma alguma. Quando chegam à conclusão de que possuem capacidades estranhas à grande
maioria da população, a maior parte dos sinestésicos geralmente fecha-se sobre si mesmo e não
menciona o assunto, por medo de julgamento e incompreensão alheia, ou mesmo de ser
diagnosticado com uma qualquer doença do foro psicológico. É comum que um sinestésico
permaneça silencioso durante décadas ou mesmo toda a sua vida perante a sua condição até que
porventura algum jornal ou programa de rádio o faça perceber que não está sozinho ou louco.
Por todas estas razões, estatísticas fiáveis sobre sinestesia são uma realidade ainda escassa, sendo
que apenas se começou a estudar o fenómeno à cerca de duas ou três décadas atrás.
A sinestesia não é considerada uma doença, sendo completamente inofensiva e até desejada
pela esmagadora maioria dos sinestésicos, alegando alguns que já não se imaginam a viver sem
ela - sempre fez parte da sua realidade e complementa-a de maneiras extraordinárias. Em todos
os testes conduzidos para aferir doenças mentais, os sinestésicos testaram negativo em escalas
aptas a medir esquizofrenia, psicose e outros distúrbios mentais.
Há também que diferenciar a dor fantasma proveniente da perda dum membro, que faz um remapeamento do córtex cerebral. Neste caso, mais correctamente chamado de parestesia, as
reações não estão presentes desde o nascimento e podem ocorrer sem necessidade dum
primeiro estímulo sensorial, ao contrário da sinestesia.
A sinestesia não resulta do uso abusivo de drogas. Apesar do uso abusivo de álcool ou drogas
psicotrópicas como LSD ou MDMA poder despoletar experiências parecidas com as dum
sinestésico, estas extinguem-se quando o efeito da droga desaparece e não persistem em
momentos de sobriedade.
Como já referido, a maior parte dos sinestésicos aprecia e valoriza os efeitos produzidos pela
sinestesia e não os considera como uma barreira ao aproveitamento de cada dia. Na verdade,
muitos alegam ter uma pena genuína dos não-sinestésicos por terem uma realidade sensorial
tão uni-dimensional. Naturalmente, todos os sinestésicos passaram por processos de adaptação
ao longo do crescimento e estão, desde relativamente cedo, já perfeitamente habituados aos
estímulos que recebem, vivendo a sua vida em conformidade.
O único contexto em que um sinestésico pode ser incomodado pela sua sinestesia é quando um
estímulo provoca uma experiência sinestésica adversa. Algumas palavras podem saber a fumo
de cigarro ou leite estragado para um sinestésico. Algumas pessoas podem não gostar de certas
letras, palavras ou nomes por terem uma cor horrível. Outras podem achar incongruente uma
pessoa ter um nome com uma cor que não corresponde à cor da sua personalidade. Por exemplo
alguém extremamente aborrecido cujo nome provoca uma tonalidade brilhante e exuberante.
Para os psicólogos, a sinestesia tem sido um tópico de crescente interesse, pois desafia a
assunção tácita de que todos nós percepcionamos o mundo que nos rodeia da mesma
maneira. Mesmo os filósofos perdem horas de sono pensando se a sua experiência do que é a
cor verde será igual às experiências de qualquer outra pessoa do que á a cor verde. A maior parte
das pessoas não o faz, pois graças à linguagem, temos uma moeda comum para concordar com a
percepção global das várias experiências sensoriais. No entanto, quando alguém alega que a
letra “A” é vermelha, tudo muda e se questiona.
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Sinestesia e Música
Quando falamos da relação da sinestesia com os sons musicais percepcionados pelo ouvido
(também chamada de chromesthesia), os casos mais comuns e documentados prendem-se com a
associação da audição à visão e com a maneira como o ouvir de determinados sons despoleta
uma reacção visual no nosso sistema sensorial. Cada instrumento ou até cada nota musical terá
uma cor específica associada a eles - um piano, por exemplo, poderá produzir uma nuvem de
azul-céu e um saxofone produzirá uma imagem de luzes néon púrpura, dependendo da pessoa.
Este tipo de sinestesia, como qualquer outra, é aditiva, no sentido em que o segundo sentido
percepcionado será uma adição ao primeiro e os dois se vão experienciar simultaneamente,
sendo que se ouve e vê um som ao mesmo tempo - nenhum substitui o outro. Normalmente a
sinestesia é unidirecional e funciona apenas dum sentido para o outro, havendo casos mais raros
onde pode funcionar bi-direcionalmente (por exemplo, ouvir um som despoleta visões e certas
visões podem despoletar a audição de sons). As correspondências não serão, no entanto, as
mesmas nas duas direções.
Desde os tempos dos grandes pais da matemática, filosofia e astronomia que relações entre
matérias aparentemente distintas eram estudadas e teorizadas. Pitágoras ofereceu equações
matemáticas para as escalas musicais; Platão associou os planetas à escala diatónica através de
ratios - “the music of the spheres”; Aristoteles acreditava que a harmonia das cores se
assemelhava à harmonia dos sons, o que mais tarde levou a comparações entre frequências
específicas de luz e som nas sociedades Europeias;
Franchino Gaffurio reintroduziu um sistema de música
modal colorida, em que cada modo musical (do sistema
modal da altura) possuía uma cor distinta; Athanasius
Kircher desenvolveu um sistema de correspondência
entre intervalos musicais e as diferentes cores; e
também Newton elaborou estudos matemáticos
(embora mais tarde tenha abandonado a noção duma
verdadeira relação entre cores e notas da escala) sobre
as linhas paralelas entre as cores do espectro e as notas
da escala musical como se pode ver na tabela à direita.
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Alguns instrumentos musicais chegaram a ser construídos com diferentes cores associados às
notas da escala, tal era a crença da relação entre as duas, como o caso do órgão-colorido de
Bainbridge Bishop e Alexander Wallace Rimington. Noutros casos, projecções de cores foram
integradas em performances musicais, onde por cima dos músicos, um ecrã mudava de cor ao
sabor da harmonia musical produzida - Father Louis Bertrand Castel construiu um Cravo Ocular
no ano de 1730, que consistia num grande quadro sobre o cravo normal. O quadro era
constituído por 60 pequenas janelas, cada uma com vidros coloridos de forma diferente, e uma
cortina ligada a cada uma das cordas do cravo. De cada vez que uma tecla era premida, a cortina
levantava brevemente, mostrando um “flash” da respectiva cor. A sociedade ocidental ficou
fascinada com a construção e muitos músicos/compositores viajaram de propósito a França só
para a presenciar ao vivo. Tal como esta, muitas outras invenções foram criadas no mesmo
sentido, nomeadamente em séculos posteriores, com o advento da electricidade e as suas
possibilidades visuais para espetáculos.
Entre os muitos casos de sinestesia que remontam já desde esses tempos, não parece haver uma
correlação entre as cores que cada sinestésico associa a determinados sons ou instrumentos,
sendo que cada pessoa tem uma experiência sinestésica distinta e individual. Apesar disso, os
estudos efectuados até aos dias de hoje mostram que, regra geral, frequências agudas tendem a
criar cores mais claras/brilhantes e frequências graves tendem a criar cores mais baças/escuras,
deixando aberta uma possibilidade dum padrão que poderá ser mais tarde cientificamente
estabelecido. Em alguns casos, a sinestesia é apenas despoletada por sons de fala (sendo que
apenas a altura e pronúncia afectam a cor, o volume e velocidade de fala não). Noutros casos, é
despoletada por qualquer estímulo auditivo, sejam instrumentos/notas musicais em específico ou
mesmo peças musicais como um todo.
Kandinsky, que não era sequer um sinestésico mas ganhou fama pelos seus trabalhos artísticos
sinestésicos entre cores e timbres de instrumentos específicos, alegava que embora não houvesse
uma base científica para os seus trabalhos, conseguia associar cor e som através dos seus
sentimentos, tendências culturais prevalecentes e um certo grau de misticismo. Para ele, as
relações entre timbres de instrumentos e tons de cores era a seguinte:
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Sir Arthur Bliss, embora também não sinestésico, era muito influenciado pela relação entre som e
cor, escrevendo a sua “Colour Symphony” em 1922, em que cada movimento tinha o nome duma
cor: púrpura, vermelho, azul e verde. Olivier Messiaen, por sua vez, era tido como um sinestésico,
como as suas próprias escrituras e entrevistas davam a entender. Muitas das suas composições
como “Couleurs de la cité céleste”, “L’ascencion” ou “Des canyons aux étoiles” baseiam-se numa
tentativa de produzir imagens via som, escrevendo notas específicas para produzir sequências e
padrões coloridos específicos.
Tal como todos os nomes já referidos, muitos outros como Miles Davis, Michael Torke, Manu
Katché e Jennifer Paull tiveram uma relação estreita ou esporádica com a sinestesia directamente
ou algum tipo de fascínio por ela. Esta última, mundialmente reconhecida solista de oboé de
amor, escreveu uma passagem interessante sobre a sua percepção nitidamente sinestésica do
som: "I am a musician and publisher. I have been motivated my entire life by a rainbow of colours
which do not belong to the limited, conventional rainbow - but are totally real for me. I cannot put
them into words. There are rainbows of textures, rainbows of moods and feelings too. The first
moment I heard the timbre of the oboe d'amore, I knew that I had to play it and I have spent my
life doing so... I found out that I saw things differently when I was 11. My best friend was totally
bored by my saying letters and numbers represented colours. She noted everything I said and
tried to trip me up. Of course, she couldn't. «[Regarding the sound of the oboe d’amore], I cannot
put into words. I can feel it, see it, but I can't put it into words. This sound -- this colour -- took me
over. I had no choice.»
Apesar de vários relatos documentados por toda a história, ainda nos dias de hoje é difícil
reconhecer ou localizar artistas verdadeiramente sinestésicos, muito por ser uma condição rara e
também por não haver um diagnóstico comum específico, indirectamente levando a que muitos
sinestésicos não falem sequer sobre as suas percepções fora do normal.
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Distorção ou Complemento da Percepção?
"Synesthesia taps into a lot of other domains that are more familiar to many psychologists," says
Larry Marks (Yale University psychologist, PhD). "It tells us something about the nature of
perception and what makes things perceptually similar to one another. Synesthesia may help us to
understand how the concept of similarity is embedded within the nervous system."
Através da evolução do cérebro humano ao longo dos seus milénios de existência, os nossos
sentidos associaram-se a um córtex específico, em áreas distintas do cérebro. Cada vez que
ouvimos um sinal sonoro, recebemos e interpretamos a informação que nos chega do ouvido
interno, numa área específica do cérebro. Outra é responsável por descodificar a sensação de
tacto quando tocamos num objecto. Outra por descodificar os sabores. Outra aquilo que vemos.
Outra o que cheiramos. Apesar de alguns destes córtices estarem efectivamente bastante
próximos e se supor algum tipo de ligação entre eles, a sua separação física é efectiva e notória,
não havendo uma zona responsável por interpretar a pluralidade dos sentidos. Mas porquê?
Talvez, de uma maneira ou de outra, tenha sido sempre assim, desde o cérebro mais primitivo.
Ou talvez todas essas zonas estivessem outrora aglomeradas numa só, pelo próprio tamanho
mais reduzido do cérebro e pela grande importância das percepções sensoriais na sobrevivência
em contextos primitivamente mais selvagens. No entanto, quem sabe se por esta mesma razão os
sentidos se tenham alocado em córtices cerebrais distintos para melhor se discernir uma sensação
da outra, podendo imediatamente interpretar-se o som dum ramo a partir-se na vegetação
anunciando a chegada dum predador, ou sentir-se à distância a frescura dum riacho para matar a
sede que se acumulava desde há horas atrás.
Mas porque é que assumimos que se distanciarmos fisicamente as zonas interpretativas dos
sentidos no nosso cérebro, necessariamente os vamos discernir melhor ou com mais
qualidade? Talvez porque não consigamos discernir correctamente duas imagens sobrepostas ou
porque apreciemos a sensação do stereo ao abrir as panorâmicas e separar os instrumentos no
palco sonoro. Talvez porque, para nós, informação concentrada é informação confusa, e o nosso
sistema de organização mental tenha evoluído no sentido duma interpretação desconexa e
individualmente considerada. O que me parece é que, tendo o nosso cérebro evoluído em tão
grande escala e sendo o ser humano hoje capaz de abstrações, associações e teorizações
inacreditáveis que levaram a ciência a campos nunca outrora imaginados, é redutor pensar que
os sentidos tenham de ser individualmente descodificados em zonas distintas do cérebro para
melhor serem entendidos. Será que não estamos a enganar a nossa própria percepção da
realidade? Será que que estamos a entender o mundo de forma incompleta?
Não será enriquecedor pensar que todos os sentidos estão na verdade ligados e aquilo que entra
em contacto connosco deverá ser interpretado de múltiplas formas, pois na verdade possui
inúmeras dimensões? Muitas delas, suponho até, não serão nunca descobertas ou
percepcionadas (pelo menos não em séculos, se a tal chegar a humanidade como a
conhecemos), pois sou crente na teoria de que apenas utilizamos o nosso cérebro numa
percentagem ínfima face à sua eventual capacidade. Talvez a sinestesia seja precisamente um
portal para uma utilização cerebral mais aguçada e expansiva. Mais criativa e real. Mais
avançada. Mais adequada ao que o mundo nos oferece, numa bandeja de todas as cores, sons,
feitios, cheiros e sabores.
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Felizmente ou infelizmente, dependendo da perspectiva, a sinestesia não se pode adquirir. Ou se
nasce com ela, ou não. Ou todos nós nascemos com ela mas a maior parte das pessoas a perde.
Ou talvez a tenhamos sempre mas muito subtilmente se esconda em subterfúgios profundos do
nosso cérebro, vindo à superfície espontaneamente sem bater à porta ou fechá-la num estrondo
depois de sair - sem dar sinal de vida.
Há quem ache e teorize que a própria linguagem nasceu de relações sinestésicas. Se pensarmos
bem, de que outra forma poderá ter sido criada? Porque razão associaríamos sons
completamente aleatórios a objectos e coisas do nosso quotidiano? Porque é que,
aleatoriamente, “buba” nos soa a uma forma algo redonda e “kiki” nos soa a uma forma algo
bicuda? Como é que visões, cheiros, sabores e objectos se ligaram através dum sistema
organizado de fonemas, que progressivamente e cada vez mais eloquentemente (ou não) evolui
para linguagens cada vez mais elaboradas? De onde surge a metáfora? Porque é que um quadro
é barulhento, um sabor é aguçado e um som é brilhante? Soa-me a uma visão muito formal
assumir que se cheiraram por acaso as metáforas pela primeira vez, como um cão à procura de
novos sabores para sair da rotina da ração. Parece-me mais fácil acreditar que elas provêm
exactamente das ligações sinestésicas que todos nós poderemos ter sem saber, fruto também
(claro) da evolução cultural e linguística dum povo. Shakespeare, outro famoso sinestésico,
certamente terá também ajudado: “No, my heart is turned to stone”; “This music crept by me
upon the waters”.
É curioso pensar que a esmagadora maioria dos sinestésicos alegam não se imaginarem a viver
sem este fantástico fenómeno. É até encantador perceber a surpresa de muitos, quando pela
primeira vez se deparam com o facto da maior parte da população não ser como eles - "I nodded
meekly but inside, I was reeling," wrote one synesthete when he first discovered others did not
perceive the world as he did. "No colours? Everyone lived in a white word where numbers and
letters were simply black? And music didn’t fill the air with sparkles and waves of coloured light?
Did that mean they didn’t see auras around people either? Their worlds were colourless?”
De facto posso apenas imaginar o quão fantástico será percepcionar o mundo de uma forma tão
rica e que faz tão mais sentido, pelo menos como o entendo na zona lógica (ou emocional?) do
meu próprio cérebro. Confesso que tentarei activamente desenterrar a minha própria sinestesia
escondida, sabendo que não terei grande margem de sucesso. Quanto mais não seja, certamente
exercitarei a minha imaginação, dando-lhe o crédito que merece, face à bandeja que o mundo
nos oferece.
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Referências Escritas
- Mother Nature Network - What is synesthesia and
what’s it like to have it?
http://www.mnn.com/health/fitness-well-being/
stories/what-is-synesthesia-and-whats-it-like-tohave-it
- Nautilus - test your inner synesthesia
http://nautil.us/issue/26/color/what-color-is-thissong
- Art and Synesthesia
http://www.doctorhugo.org/synaesthesia/
- Medical Daily
http://www.medicaldaily.com/what-its-experiencesynesthesia-taste-music-and-colorslanguage-270741
- The Synesthesia Battery - for synesthetes and
researchers
http://www.synesthete.org/index.php
- The Synesthesia Project - FAQ
http://www.bu.edu/synesthesia/faq/#q5
- Artist Experiencing sound as colours
http://www.mtv.com/news/2146358/melissamccracken-synesthesia-art/
- How synesthesia inspires artists
http://www.bbc.com/culture/story/20140904-i-seesongs-in-colour
- American Synesthesia Association, Inc.
http://synesthesia.info/aboutus.html
- A Brief History of Synesthesia and Music
http://www.thereminvox.com/article/articleview/
33/1/5/
- The Dream of Color Music, And Machines That
Made it Possible
http://www.awn.com/mag/issue2.1/articles/
moritz2.1.html
- New Musical Express
http://www.nme.com/blogs/nme-blogs/do-youhave-synaesthesia-a-look-at-the-condition-thatmeans-lorde-sees-sound-in-colour?
utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_
campaign=lorde
- American Psychological Association
http://www.apa.org/monitor/mar01/
synesthesia.aspx
- Pitchfork
http://pitchfork.com/thepitch/229-what-the-hell-issynesthesia-and-why-does-every-musician-seemto-have-it/
Referências Vídeo
- SciShow - Hearing Colours, Seeing Sounds:
Synesthesia
https://www.youtube.com/watch?v=vEqmNX8uKlA
- Ted-ed - What colour is Tuesday? Exploring
Synesthesia
https://www.youtube.com/watch?v=rkRbebvoYqI
- BrainStuff - What is synesthesia?
https://www.youtube.com/watch?v=4upZHjZnM-0
- Synesthesia: The Colour of Music
https://www.youtube.com/watch?v=57DudlqPChQ
- DNews - What’s it like to hear colours? - A VR
360º Synesthesia Experience
https://www.youtube.com/watch?v=obrBAysVef0
- When Senses Collide: Synesthesia - Documentary
https://www.youtube.com/watch?v=KGYrBaK-JYI
- Synesthesia - A documentary on Perception,
Sound, Colour, and Movement
https://www.youtube.com/watch?v=-0wtfYwRCEw
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