mito, saber popular e memoria coletiva
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mito, saber popular e memoria coletiva
MARZO 2013 CRISIS Y CRÍTICA MITO, SABER POPULAR E MEMORIA COLETIVA FUNDAMENTOS DA OBRA DE LINA BO BARDI Olivia de Oliveira Objetos coleção de Lina Bo Bardi, Casa de Vidro (Foto Nelson Kon, 2002) Durante anos ignorada e totalmente ausente dos manuais de história oficial da arquitetura, a obra de Lina Bo Bardi permaneceu desconhecida fora do Brasil até 1992, quando uma exposição itinerante, organizada logo após sua morte, despertou crescente interesse nos diversos países onde foi apresentada. Sobretudo nos últimos dez anos, a obra de Lina vem sendo estudada e citada em diversos meios artísticos, profissionais e acadêmicos. EL FONDO DE LA VIRTUD O reconhecimento de sua obra é evidente ; personagens vindos do mundo inteiro querem ver de perto seus edifícios, e se possível instalar com eles alguma relação “amistosa”, através de exposições, instalações ou qualquer outro tipo de cenário que lhe permita criar uma ponte fraternal com a obra desta arquiteta, como afirma, por exemplo, o curador ultra-mediático HansUlrich Obrist, quem organiza a série de exposições que ocupam atualmente a Casa de Vidro : “Converso com artistas todos os dias e muitos me falam de Lina. Existe uma real obsessão em torno dela, o que é interessante. Ela tem tudo a ver com os projetos que venho desenvolvendo” . 1 Se tal interesse confirma a força expressiva e atualidade dessa obra multifacética que dissolve os limites disciplinares entre arquitetura, arte e paisagem, tal mediatização mais ou menos inesperada, parece encobrir o que há de essencial na obra de Lina Bo Bardi : sua dimensão messiânica ou civilizatória, humanista, ética, simbólica e crítica. Não somente a obra de Lina, mas toda a arquitetura moderna e contemporânea produzida no Brasil tem sido alvo de atenção de uma multitude de publicações e exposições internacionais, o que leva à perguntar-se o porquê. Fig.2 Lina Bo Bardi, Casa de Vidro, São Paulo. (Foto Nelson Kon, 2002) Claro que a promoção da arquitetura produzida no Brasil aparece como algo gratificante para uma geração de arquitetos que se viu isolada e EL FONDO DE LA VIRTUD sem acesso ao ambiente internacional arquitetônico – crítico, profissional e acadêmico – durante anos. O fato desta arquitetura finalmente vir à ser convidada à alta-roda do star-systems surge como algo lisongeante e extremamente sedutor, sendo difícil resistir à tentação de participar ao baile. Mas a arquitetura, recorda Lina não é um «projeto de status» . Uma certa euforia parece ofuscar um olhar tipicamente colonizado e provinciano mesmo de indivíduos bem intencionados. Como evitar que essas obras venham à tornar-se meros fetiches trivializados intelectualmente? Como evitar que essas obras sirvam apenas como portas de acesso para uma dominação cultural globalizada através de uma arquitetura mediatizada, pronta à colonizar novos territórios? 2 Difícil separar este súbito interesse pela arquitetura brasileira do crescimento econômico experimentado pelo Brasil nestes últimos anos, um crescimento que contrasta com a atual crise vivida na Europa e nos EUA, e que situa naturalmente o Brasil como um mercado extremamente suculento. Além disto, a perspectiva da Copa do mundo de futebol em 2014 e dos jogos olímpicos em 2016 aguçam o apetite de todos os fãs de espetáculos, sejam eles esportivos ou arquitetônicos. O mesmo aconteceu com a Espanha pré-olímpica no início dos anos noventa e o resultado, sabemos, terrivelmente espetacular. Nunca, desde os anos 40 e 50 a arquitetura brasileira havia ocupado tantas salas de exposições internacionais nem tantas páginas de revistas estrangeiras. Coincidência ou não, justamente na outra ocasião em que o Brasil se dispunha à sediar a Copa do mundo de futebol. Lembremos que a Copa não havia sido disputada desde 1938, sendo as de 1942 e 1946 canceladas. O certo é que após a guerra, o cenário mundial não favorecia uma celebração esportiva e com a maioria dos países da Europa em ruínas, a FIFA teve dificuldade em encontrar um país que se interessasse em sediar a Copa, até que o Brasil apresentasse uma proposta em 1946 se oferecendo a sediar o evento em 1950. Vale à pena recordar que a ascenção da arquitetura moderna no Brasil e na América Latina coincidiu simétricamente com a decadência de uma Europa em guerra. A intensa produção cultural que vinha ocorrendo no Brasil desde 1922, com o advento da Semana de Arte Moderna, alcançava sua maturidade nesse período. Produzia-se uma literatura vigorosa e uma nova arquitetura que atraía a atenção da crítica internacional, o que culminaria com EL FONDO DE LA VIRTUD a exposição organizada pelo MoMa em 1942, seguida do livro Brazil Builds de Philip Godwin publicado no ano seguinte, com fotografias de Kidder-Smith. Mas já à partir da década de 30 florecia em toda a América Latina uma arquitetura baseada na releitura crítica da modernidade européia, traduzida em um projeto original de modernidade, redesenhado à partir da memória e das tradições culturais populares. No Brasil, as obras de Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Afonso Reidy, João Vilanova Artigas, Burle Marx e Lina Bo Bardi encontram-se entre os melhores exemplos. Oscar Niemeyer, Pampulha (Foto Celso Brandão, 2012) Um projeto comum à uma geração de arquitetos, primeiro exaltada pela crítica internacional e em seguida condenada ao esquecimento, já que o flirt com o vitalismo da arquitetura brasileira duraria pouco tempo. Diversas críticas, proferidas desde Europa à partir do início dos anos 50, contribuiram para erradicar estes arquitetos dos círculos “civilizados” por pelo menos três décadas. Tais críticas, entretanto, revelavam um desconhecimento total da cultura e da geografia do país bem como a consequente dificuldade em entender uma arquitetura de excelência, produzida desde uma outra ótica . Declarações que, feitas desde uma visão unilateral e unidimensional, escondem o b-a-bá da atitude colonialista, que primeiro julga, condena e aniquila para enseguida submeter, convertir e obter a obediência e a submissão do dominado . 3 4 EL FONDO DE LA VIRTUD Hoje o contexto é outro, mas não menos perverso. Diante de um modelo de sociedade do espetáculo, neoliberal e global que vivemos, o interesse pelas coisas apenas duram o tempo de um investimento lucrativo, um tempo aliás, idêntico ao dos fogos de artifício. E quero recuperar aqui uma “entrevista” que Hans-Ulrich Obrist obteve recentemente, por ocasião da inauguração das exposições promovidas na Casa de Vidro, com o dramaturgo e diretor do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa (Zé Celso) . Nela Zé Celso realiza um verdadeiro happening, tomando a cena do teatro e discorrendo livremente pelos temas de seu interesse, onde conta que em certa ocasião, quando ele e Lina buscavam recursos para o Teatro Oficina, receberam a proposta de uma burocrata que queria incluir o teatro no que ele chamou muito sabiamente de “feitiço do mercado”. Lina teria virado uma “fera”, uma “leoa” soltou os cabelos e transformou-se em “Medusa” – em palavras de Zé Celso – botando a tal mulher para fora do teatro. E Zé Celso acrescenta : “infelizmente o teatro dominante é todo da cultura do espetáculo, com artistas da Globo do tipo comédia de costumes ou de maus costumes. Tudo é mercadoria !” Zé Celso parece querer lembrar que as mesmas considerações feitas para o teatro valem aqui para a arquitetura, neste caso a de Lina, exposta hoje à um tal traçoeiro feitiço. Pois o teatro, lembra José Celso [assim como a obra de Lina], tem um potencial “incomensurável”. Sintomaticamente, no final deste happening Zé Celso anuncia o título da peça atualmente em preparação no Teatro Oficina, lançando literalmente um grito de alerta ao público alí presente, em grande parte formado por arquitetos e admiradores da obra de Lina : – ACORDE! 5 Sabemos quanto o Teatro Oficina, obra de Lina, sofreu desta pressão mercantil quando um centro comercial fora projetado para o terreno vizinho, inviabilizando a extensão do teatro. A mesma pressão aliás que conseguiu transformar sorrateiramente o Masp – este impressionante Museu de Arte de São Paulo concebido por Lina Bo Bardi como um museu desenclausurado, didático e vivo – em um museu neutro, higiênico e normatizado para acolher de modo rentável macroexposições. Naquela mesma ocasião Zé Celso cita Osvald de Andrade, quem lhe teria “descolonizado” e Glauber Rocha, quem lhe teria apresentado Lina Bo Bardi. Estes dois personagens representam precisamente duas gerações EL FONDO DE LA VIRTUD que articularam os dois principais movimentos de vanguarda de resistência e liberação às dominações culturais na América Latina : primeiramente o movimento Antropofágico de Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Mario de Andrade, surgido em 1922 que se desenvolve nas artes, literatura e arquitetura até as décadas de 40-50 e em seguida a Tropicália de Glauber Rocha, Caetano Velozo, Zé Celso, surgida nos anos 60-70 e que dará perfeita unidade ao projeto modernista. Lina Bo Bardi estará intimamente relacionada à ambos. PRIMEIRO TEMPO O Ambiente Modernista de São Paulo Lina Bo Bardi chega ao Brasil à finais de 1946, com 32 anos de idade. Ela e Pietro Maria Bardi, um importante e polêmico personagem do Movimento Racionalista italiano, decidem deixar Itália e partir para América Latina. Brasil era somente a primeira escala de uma longa viagem, entretanto o encanto da chegada ao Rio de Janeiro bem como a imediata possibilidade de trabalho para Bardi, com a criação e direção de um representativo museu de arte em São Paulo, conduzem a decisão do casal à permanecer no país. Para Lina este deslocamento não significava apenas uma ruptura geográfica com o velho mundo e as sequelas da guerra, mas sobretudo uma procura fora dos limites civilizados ocidentais, em perfeita correspondência com experiências das primeiras vanguardas européias e também latinoamericanas. Brasil é visto por Lina como «um país inimaginável, onde tudo era possível», um lugar para experimentar e amadurecer as reflexões abordadas desde a Itália e impossíveis de levar adiante na Europa. Para quem chegava do mar, o Ministério da Educação e Saúde avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. […] no imediato pós-guerra foi como um farol de luz a resplandecer num campo de morte… era uma coisa maravilhosa. […] Deslumbramento por um país inimaginável que não tinha classe média, mas somente duas grandes aristocracias: a da Terras, do Café, da Cana e… o Povo . 6 Pode-se imaginar aqui o que isto significaria para alguém como Lina que buscará através de sua obra a superação de fronteiras estabelecidas em EL FONDO DE LA VIRTUD um mundo elitista e opressor que privilegia a propriedade, os “vencedores”, os “fortes” em detrimento dos “fracos”. Obra enquanto tradução de um projeto civilizatório e humanista liberador. Sua trajetória mostra o quanto ela desde muito cêdo é sensível ao risco da subjulgação humana, no sentido mais amplo. Desde sua chegada ao Brasil Lina Bo Bardi identifica-se intelectualmente ao projeto formulado pela vanguarda artistica e literária de 22, que buscava o diálogo entre os mundos culturais antigos e modernos. Lina reencontra neste projeto ecos das preocupações fundamentais desenvolvidas desde a Itália junto ao grupo AA próximo à Ernesto Rogers, onde a continuidade dos ideais modernos era proposta desde sua atualização e contextualização, implicando repensar a relação com o passado, a tradição popular, bem como com as preexistências ambientais, naturais ou construídas. Esse enlace com passado não representava absolutamente um ato de nostalgia ou formalismo estilístico mas a busca de um método visando estabelecer a ponte e o equilíbrio entre a tradição e a modernidade, onde o papel do intelectual coincidia com o proposto por Antonio Gramsci em sua crítica a uma intelligentzia cosmopolita, sem relações com a maioria analfabeta da população e as necessidades de reconstrução em bases nacionais. Este é um dos fundamentos do trabalho que Lina Bo Bardi desenvolverá ao longo de toda a sua vida. 7 Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti. Poltrona de très pés, Studio d’Arte Palma (Photo Nelson Kon, 2002) Recém-estabelecida em São Paulo, funda com seu compatriota, EL FONDO DE LA VIRTUD o arquiteto Giancarlo Palanti, o Studio d’Arte Palma, um atelier dedicado principalmente à manufatura de móveis contemporâneos e ergonômicos que valorizem o saber fazer e a mão de obra local bem como os materiais autóctones disponíveis. Em 1950 naturaliza-se brasileira e funda com Pietro Maria Bardi a revista Habitat ; uma revista de arte, arquitetura e cultura, de cujas páginas Lina rende homenagem à arquitetura vernacular e ao saber popular, lançando um olhar crítico à arquitetura produzida no Brasil, mas também à uma sociedade pequeno burguesa paulista que valoriza estilos e modas importadas. Esta atitude guiará toda ação de Lina, desde aqui ela inicia uma verdadeira proposta civilizatória para o Brasil, em total contraposição aos rumos que vinha tomando o país então, sob o elan do desenvolvimentismo. Quando Lina deixa a direção de Habitat em 1954, a revista já alcançava um renome internacional, e quem asssume seu lugar como responsável da seção de arquitetura é o escritor e crítico de arte Geraldo Ferraz , personagem bastante implicado no movimento modernista; enquanto secretário da Revista de Antropofagia em 1929, próximo à Oswald de Andrade, Raul Bopp, Mário Pedrosa, Gregory Warchavchik e casado com a escritora e poeta Patricia Galvão (Pagu) . 8 9 E é Oswald de Andrade quem nos sugere o ambiente modernista que Lina frequentava em São Paulo, segundo ele formado de sucessivas gerações de 22 à 50 mas destacando como “particularmente eficientes” as gerações de 45 e 48, assim como o papel central assumido pelos novos museus : “É São Paulo não mais das vaias da Semana [de 22], mas dos museus de Cicilio e Assis Chateaubriand, este que conosco sentava nos tapetes do salão de dona Olívia Penteado” . 10 Oswald refere-se aqui ao recém-criado MASP - Museu de Arte de São Paulo, dirigido por Pietro Maria Bardi e à proximidade que tinha com o fundador do museu, Assis Chateaubriand, amigo íntimo do casal Bardi. O certo é que os anos 40 e 50 são anos dourados para as artes e para a arquitetura brasileira, que beneficia de uma nova identidade nacional, elaborada desde os anos 30 por Lucio Costa e em perfeita sintonia com os postulados estabelecidos pela vanguarda literária representada por Oswald de Andrade e Mario de Andrade. Sendo o Modernismo uma revolução contra o postiço, contra o inautêntico, ele ia abrir sem dúvida as portas a uma larga e possante contribuição do interior, onde o povo com os seus problemas agravados EL FONDO DE LA VIRTUD e o seu sentimento de fidelidade à terra é mais povo do que nas cidades, porque aí o contato com o brilho superficial da civilização desmoraliza, desvitaliza e destrói o próprio sentido da existência. 11 É o que Mario de Andrade chamou de “nacionalismo consciente”, que recorre às necesidades vitais e busca nas fontes populares as essências perdidas . O movimento Modernista Antropofágico criou um horizonte civilizador à partir do “popular”, palavra que na América Latina, como bem lembra Eduardo Subirats, “compreende os povos e as memórias sobreviventes do genocídio colonial e postcolonial” . Um projeto comum à toda uma geração latinoamericana: Lina Bo Bardi, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Roberto Burle Marx, Vilanova Artigas, Diego Rivera, Juan O’Gorman, Luis Barragán, para citar alguns nomes. Lina dizia que o Brasil não fazia parte do Ocidente, era um país único possuindo uma diversidade de culturas índias, amerindias e africanas própias e por isto mesmo deveria encontrar um caminho que lhe fosse específico. 12 13 A capacidade de improvisação, simplificação e inventividade da cultura popular impregna toda arquitetura de Lina Bo Bardi. Em qualquer uma de suas obras, seja ela de qualquer natureza —móveis, escritos, exposições, projetos, edifícios, objetos, jóias ou arquiteturas cênicas— encontraremos uma só voz, uma impressionante coerência entre discurso e prática, a mesma mensagem de resistência à dominação cultural buscando retomar contato com o que havia de «vital, primário e anti-cristalizado no homem» . Lembremos os escritos polêmicos de Reyner Banham e Joseph Rykwert, e as idéias veiculadas pelos arquitetos do Team 10 no segundo pós-guerra, também reclamando a tomada de consciência de fatores psicológicos, emocionais e antropológicos na arquitetura, para uma reconciliação do homem com o seu ambiente, e promovendo uma verdadeira “revolução emocional” da arquitetura. 14 15 Tanto na Europa como na América Latina, diversos artistas estarão, desde meados da década de 40, questionando a idéia de razão e chamando atenção para as necessidades emocionais e espirituais do homem, tratando de derrubar a fronteira entre o racional e o empírico, entre o real e o imaginário. São exemplos Maya Deren, Frederick Kiesler, Wilfredo Lam seguidos de Yves Klein, Joseph Beuys, Constant e o grupo ao redor da Internacional Situacionista. No Brasil, podemos citar as obras de Rubem Valentim, Mario Cravo, Cândido EL FONDO DE LA VIRTUD Portinari, bem como as criações de Lygia Clark e Hélio Oiticica, os filmes de Glauber Rocha e mais tarde as montagens teatrais de José Celso e Flávio Império, em algumas das quais Lina participa. Uma profunda preocupação ética guia a atuação destes arquitetos. Na América Latina esta dimensão ética é inseparável de uma dimensão poética estreitamente relacionada à herança espiritual e às memórias culturais e religiosas dos diferentes povos e nações originárias destes países. Lina é consciente disto e escreve : A significação ética da profissão do arquiteto transcende o valor que, nas artes plásticas, foi denominado “selfexpression”, ou seja a expressão de sí proprio (e “expressão” aqui vai no sentido de espírito sem modéstia, ou de egoísmo artístico, já que a expressão de um artista está sempre implícita na sua obra) entrando, antes no âmbito da responsabilidade moral perante a sociedade. “Verificamos agora – observa Gropius – que o componente social tem maior valor que os componentes técnicos, econômicos e estéticos”. O arquiteto deve ter, com efeito, plena consciência da própria responsabilidade de “realizador” de uma obra real, que permanece, que está à vista de todos, e que persitirá, no complexo da herança espiritual que toda geração transmite. O conceito de “ética” da profissão de arquiteto significa, para nós, um conjunto de princípios que começa com a modéstia artística, eliminando das próprias ambições a pretenção de querer brilhar a todo custo causando espanto e surpresa com a novidade ou a estranheza das soluções adotadas, procurando antes a correção estrutural, a rigorosa observância do princípio econômico lato sensu. 16 EL FONDO DE LA VIRTUD A CASA DE VIDRO Por uma casa mais humana Lina Bo Bardi, Salão da Casa de Vidro, São Paulo. (Foto Nelson Kon, 2002) A Casa de Vidro é um exemplo claro deste diálogo entre tradição e modernidade, entre passado-presente. Apesar de ser a primeira obra construída de Lina Bo Bardi, é uma obra de extrema madurez. Lina projeta sua casa aos 36 anos de idade, após 10 anos de formada. Ela declarou sua intenção de criar com esta casa um documento de como conceber um abrigo. Aqui vai sintetizar e colocar em prática diversos anos de experiência teórica e crítica vividos na Itália durante a guerra, quando dedicava-se à escrever e ilustrar artigos para revistas especializadas. A qualidade do debate teórico praticado então à Milão irá influenciar toda uma geração de jovens arquitetos, para os quais o trabalho permanecerá indissociável de um engajamento social e político. Lina será co-editora da revista Domus, la casa del uomo, que trata obsessivamente do tema da casa enquanto lugar propício para a recuperação de valores da reconstrução civil e moral da Itália ; casa-célula como uma resposta ética às degradações dos períodos precedentes. Recém-chegada ao Brasil publica um artigo sob o título emblemático : “Na Europa a casa do homem ruiu”, onde afirma que a guerra havia demolido EL FONDO DE LA VIRTUD as vaidades de uma sociedade preocupada apenas com as aparências. A casa deveria ser agora mais humana, simplesmente servir à vida e não uma mise en scène. A casa do homem ruiu na Itália, ao longo da Aurelia e da Emilia, na Sicília e na Lombardia, na Provença e na Bretanha; a casa do Homem ruiu na Europa. Não pensávamos que ela fosse desaparecer assim; era muito segura, era como um “baluarte”, havia alguma coisa mais firme do que a “casa”? […] Nunca imaginei que acabasse assim, e naquela manhã, quando a nossa casa já não existia mais, achei um pedaço de gesso branco raiado, e vi que era uma lasquinha de lâmpada rósea. Mas que estranho, que estranho que nada se visse da nossa casa tão bela, que nada tivesse ficado capaz de distingui-la das outras! Era tudo cinzento, era tudo pó, tudo igual aos outros montes cinzentos que também haviam sido casas, mas certamente muito menos bonitas que a nossa. Foi então, quando as bombas demoliam sem piedade a obra do homem, que compreendemos que a casa deve ser para a vida do homem, deve servir, deve consolar; e não mostrar, numa exibição teatral, as vaidades inúteis do espírito humano; então compreendemos porque as casas ruiam, e ruiam os estuques, a “mise en scène”, os cetins, os veludos, as franjas, os brasões. Na Itália as casas ruíram, ao longo das estradas da Itália, nas cidades, as casas ruíram; na França as casas ruíram, na Inglaterra e na Rússia; na Europa as casas ruíram. 17 E aqui há uma questão fundamental. Por mais bela que fosse, Lina nunca pensou em refazer sua «casa», sua atitude foi a de quem, após ficar desabrigado, sem teto, preferiu permanecer ao relento ao invés de reconstruir “baluartes”. Daí a fragilidade com que constrói a sua própria residência em São Paulo. A Casa de Vidro está feita de duas partes ; dois pólos aparentemente opostos mas complementares. Um bloco frontal cristalino, aéreo, com claras referências aos cânones da arquitetura moderna e outro bloco traseiro, murado, construído com materiais e tipologia próprios às construções tradicionais vernaculares. Em corte esta divisão é muito clara, com uma parte da casa suspensa sobre pilotis e outra apoiada no terreno. Casa a meio caminho, palafita suspensa em meio à mata, «frasqueira de viagem» pronta à partir . Frente ao modelo de casa mise en scène, isto é, de um lugar de representação da vida, propõe a casa aliada ao homem, casa ágil e serviçal, 18 EL FONDO DE LA VIRTUD uma casa móvel, que acompanha o homem como partícipe da vida e abriga-o enquanto segunda pele: a casa para quem não teme viver a própria vida. “Mais do que tudo, a casa deve ser uma entidade espiritual e moral, sem oferecer aparência cenográfica, teatral” . 19 Lina Bo Bardi, Casa de Vidro, São Paulo. (Foto Nelson Kon, 2002) Lina dirá que sua casa representa uma comunhão com a natureza e se está parcialmente suspensa do solo, evitando tocar a natureza não é porque a considere hostil mas para deixá-la em seu estado mais selvagem. A busca da ordem não se dá através da superação do caos ou do distanciamento de um entorno caótico, a ordem é buscada lá mesmo onde se supunha existir o caos. Uma atitude ética do agir sem impor, sempre à escuta do existente para poder exaltá-lo. Em verdade a Casa de Vidro vem pensada para desaparecer, para mimetizar-se com o entorno e camuflar-se literalmente em meio à EL FONDO DE LA VIRTUD natureza, tal como “um organismo vivo” dirà Lina, tomando como exemplo a arquitetura de Wright: “non limitata a priori, una architettura ‘aperta’ che accetta la natura, si adagia, cerca di mimetizarsi con lei, come un organismo vivo, una architettura che arriva ad assumere a volte forme di quasi mimetismo, come una lucertola sulle rocce al sole” . Muitos dispositivos utilizados por Lina manifestam este desejo de acolher a natureza em sua ordem cósmica. Elementos habitualmente considerados secundários, à exemplo das calhas aqui, recebem um tratamento especial : pintadas de vermelho elas projetam a água da chuva desde uma altura de 9 metros diretamente sobre o espelho d‘água situado ao pé da entrada da casa, onde se cultivam plantas aquáticas e peixes. Tais dispositivos contribuem para acentuar o sentido integral da obra de Lina, uma arquitetura pensada como um verdadeiro microcosmos. 20 Fig.8 Lina Bo Bardi, Muros da Casa de Vidro, São Paulo. (Foto: Olivia de Oliveira, 2004) O mundo mágico vegetal impregna particularmente a arquitetura de Lina. Desde seus primeiros croquis o elemento verde vem desenhado. O jardim sempre faz parte de sua arquitetura, árvores atravessam literalmente seus edifìcios, musgos e flores crescem dos muros, estruturas mimetizam-se assumindo inclusive formas vegetais, como as escadas-flores que brotaram EL FONDO DE LA VIRTUD em alguns de seus projetos, que encontram ecos no expressionismo mágico e maravilhoso de Bruno Taut e Hans Scharoum ou no universo de Antonio Gaudi. Esta aproximação entre arquitetura e natureza chega ao auge no projeto do edifício da nova prefeitura de São Paulo, onde um esplendoroso jardim vertical extende-se sobre uma parede de 200m de longitude. A sensualidade desses jardins bem como a superação da tradicional antítesis entre cultura e natureza, entre natureza desenhada e natureza selvagem reclamadas por estas arquiteturas não deixam de referendar à obra de Roberto Burle Marx. A Casa de Vidro, cujos primeiros estudos datam de finais de 1949, encontra ecos em outras residências de arquitetos contruídas contemporaneamente na América Latina, à exemplo da Casa das Canoas de Oscar Niemeyer no Rio de Janeiro (1951-1953), a segunda casa que Vilanova Artigas constrói para sí em São Paulo (1949), a casa de Juan O’Gorman na av. San Jerónimo, no bairro do Pedregal Mexico (1949-51) ou a de Luis Barragan em Tucubaya, México DF (1947-48). Todas elas liberam-se dos postulados modernos e formam juntas uma resistência ao reino secularizado da razão. Nos mesmos anos em que projeta sua casa Lina escreve um artigo dedicado às casas de Artigas. Este será o primeiro artigo que aparece sobre as páginas do primeiro número da revista Habitat, de onde se desprende um sentido de anúncio ou de manifesto, dado não só pelo tamanho do artigo (15 páginas), mas por seu próprio conteúdo : Cada casa de Artigas quebra todos os espelhos do salão burguês. […] A casa de Artigas que um observador superficial pode definir como absurda é a mensagem paciente e corajosa de quem vê os primeiros clarões de uma nova época: a época da solidariedade humana. 21 Trata-se claro, de uma outra forma de conceber a arquitetura, que não é mera opção formal, mas a tradução de uma filosofia humanista do desenho, que alia preocupações éticas, culturais, tecnológicas, poéticas, ecológicas e igualitárias. Mais do que isso, Lina integra em sua obra uma dimensão simbólica, espiritual, e mitológica, raramente relevada, e entretanto fundamental, enquanto forma de resistência, arma de conhecimento direto, perceptivo e participante. Esta dimensão simbólica e mítica se expressará claramente na EL FONDO DE LA VIRTUD obra de Lina à partir de finais da década de 50, quando sua experiência em Salvador da Bahia irá colocá-la em contacto direto com os principais atores de uma revolução cultural em curso, da qual ela mesma será protagonista, enquanto diretora do Teatro Castro Alves e fundadora do Museu de Arte da Bahia. SEGUNDO TEMPO Salvador de Bahia, a guerra contra a província Lina Bo Bardi, Exposição Civilização do Nordeste no Museu de Arte Popular do Unhão, 1963 (Foto: Armin Guthmann). A Bahia destes anos vivia uma efervescência cultural jamais repetida, um período que ficou conhecido como um “período das luzes” ou do “renascimento baiano”, tendo como pivô deste renascimento cultural o então reitor da Universidade da Bahia. Edgar Santos promoveu uma excepcional abertura do meio acadêmico, convidando para os quadros universitários, diversos personagens, muitos estrangeiros, ligados às artes e à cultura, que iriam provocar um verdadeiro “incêndio” na cultura baiana de então . Entre eles o diretor e cenógrafo Eros Martim Gonçalves chega do Recife, convidado a fundar e dirigir a primeira Escola de Teatro Brasileira de nível universitário; o maestro Hans Joaquim Koellreutter, jovem discípulo de Arnold Schöenberg, 22 EL FONDO DE LA VIRTUD perseguido pela tirania nazista, quem transforma o Seminário de Música em centro de experimentação e pesquisa ; a bailarina polonesa Yanka Rudzka, trazida ao Brasil por Pietro Maria Bardi para ensinar no Museu de Arte de São Paulo, uma das pioneiras da dança moderna no Brasil, quem assume a liderança daquela que será a primeira escola de Dança de nível superior no país em 1956; e o pensador português Agostinho da Silva, que vem para a Bahia em 1944, fugido da ditadura salazarista, com o objetivo de criar um Centro de Estudos Africanos, e com o apoio do reitor cria o CEAO —Centro de Estudos Afro-orientais, numa época em que ninguém na Universidade acreditava que fosse possível qualquer relação entre Brasil e África. Estes personagens tinham em comum uma atitude política de rebeldia contra os falsos valores sociais e culturais de uma burguesia decadente. A negação do Ocidente, bem como a busca do «outro» também estavam presentes na vinda deles à Bahia. O melhor exemplo é o de Pierre Verger, fotógrafo e etnógrafo que rompe radicalmente com seu passado burguês familiar francês, saindo em viagem por diversos países do Oriente e das Américas, até chegar em Salvador, onde permance convertendo-se, mais tarde, junto ao candomblé afro-baiano, em Babalaô (adivinho, pai do segredo, sacerdote de Ifá). O Brasil, e mais particularmente a Bahia surge então, frente a esses emigrados, céticos com a situação de seus países de origem, como “um país das possibilidades”. Todos eles foram mestres formadores de uma geração, encarnando uma “pedagogia da inquietude” . 23 Lina encontra então na Bahia o ambiente propício para fazer sua “plantação ideológica”. Lembremos que Lina formara-se dentro do ambiente teórico-filosófico do Partido Comunista Italiano, daí sua aproximação ao pensamento Gramsciano, e ao de outros intelectuais italianos ligados ao PCI, a exemplo dos escritores e amigos Elio Vittorini, Raffaele Carrieri, dos cineastas Pier Paolo Pasolini, Vittorio De Sica, ou Cezare Zavatinni, que em outubro de 1946, acompanha pessoalmente o casal Bardi ao embarque do navio Almirante Jaceguay em Gênova rumo ao Brasil . 24 Desde 1954 ocorre uma forte ascensão das forças populares em toda região Nordeste. O período conforma a luta intensa entre as forças populares contra as forças do capitalismo monopolista. A política populista de coligação entre proletariado e burguesia, que representava o governo de EL FONDO DE LA VIRTUD Juscelino Kubitschek e era modelo no Centro-Sul do país, não se reproduzia no Nordeste, onde a oposição entre proletariado e burguesia sempre esteve muito clara. Durante todo o período chamado da experiência democrática no Brasil (1945-1964), a burguesia industrial do Nordeste não conseguiu formular essa aliança . Estes dois pólos que estão convivendo no governo refletem a heterogenidade e as contradições do país. Enquanto o centro-sul desenvolvese, o norte-nordeste assume uma posição de revelia contra este processo, a que teria sido excluído. 25 As forças populares do Nordeste caminhavam no sentido do controle político, e estavam impondo sua hegemonia cultural e ideológica . O Nordeste será precursor em “descobrir” e “assumir” a importância do popular, criando organismos específicos para esta finalidade. Vale a pena recordar que é no Nordeste onde surgiram os chamados “movimentos de educação de base”, é aí que a Igreja Católica começa a tomar posição aberta pela reforma agrária, questionando o direito a uma propriedade socialmente inútil. É no Nordeste, também, que vai emergir o revolucionário processo de educação orientado por Paulo Freire, cuja raíz residia na “conscientização”, invertendo o processo tradicional do aprendizado. É no Nordeste que o MCP (Movimento de Cultura Popular) do governo de Miguel Arraes na prefeitura do Recife, não apenas põe em prática o método de Paulo Freire, mas todo um projeto multidisciplinar, que abrange os setores das artes plásticas, artesanato, música, canto, dança, teatro, educação e começa a valorizar os elementos da cultura popular para, a partir deles, desmistificar os processos de dominação e exploração com o apoio de um grupo de católicos de esquerda . Este projeto sóciopolítico não ocorreu somente em Pernambuco, mas incluía todo o Nordeste, Salvador, Ceará, “polígono da seca” e “triângulo mineiro”. É no Nordeste, especificamente no Maranhão, que se produz o movimento educacional “de pé no chão também se aprende a ler”, que não se reduz a uma questão de economia de investimentos, mas propunha uma educação para o poder. É no Nordeste, finalmente, que o movimento das Ligas Camponesas utiliza o Código Civil para combater a propriedade e o sobre-trabalho. 26 27 Lina rapidamente torna-se ela mesma uma figura “continente” —como afirmou o poeta Fernando da Rocha Peres , transformando-se numa espécie de líder do movimento cultural que acontecia então na Bahia. Um movimento em diálogo com a cultura popular baiana e com suas raízes indígenas-negro28 EL FONDO DE LA VIRTUD africanas, de onde iria brotar a música, o cinema e a poesia da vanguarda Tropicalista. Glauber Rocha, criador do Cinema Novo, tinha em Lina Bo Bardi uma mestre e aliada, e exemplificou seu trabalho frente ao Museu de Arte da Bahia e a montagem do cenário da peça de Brecht realizada junto com Martim Gonçalves, como uma verdadeira “guerra contra a província”29. Lina Bo Bardi, Museu de Arte Popular da Bahia, Solar do Unhão, Salvador (Foto A. Guthmann, 1963) Toda a região Nordeste, por sua forte tradição popular, assume, em finais dos anos cinqüenta e princípios dos anos sessenta, a importância do saber leigo, criando organismos específicos com esta finalidade. Nestes anos, o teatro, o cinema e a música produzidos desde este saber popular gozaram de absoluto destaque como expressão, vitalidade e capacidade de renovação, amoldando-se às novas tarefas que surgiam para aqueles “artistas comprometidos”. “Cultura popular”, “arte popular” emergem como denúncia dos conceitos culturais vigentes, que buscam ocultar seu caráter de classe. Ocorre uma dramática tomada de consciência por parte dos intelectuais, bem como do caráter histórico e contingente de sua atividade, com uma conseqüente ruptura do isolamento entre os problemas culturais e os problemas gerais que vivia o país. No texto de abertura da exposição “Brennand Cerâmica”, realizada em abril de 1961 no MAMB – Museu de Arte Moderna da Bahia, Lina registra: EL FONDO DE LA VIRTUD O Brasil está conduzindo hoje a batalha da cultura. Nos próximos dez, talvez cinco anos, o país terá traçado os seus esquemas culturais, estará fixado numa linha definitiva: ser um país de cultura autônoma, construída sôbre raízes próprias, ou ser um país inautêntico, com uma pseudo-cultura de esquemas importados ineficientes. Um ersatz da cultura de outros países. Um país apto a tomar parte ativa no concerto universal das culturas, ou um país saudoso de outros meios, mundos e climas. O Brasil, hoje, está dividido em dois: o dos que querem estar ao par, dos que olham constantemente para fora, procurando captar as últimas novidades para jogá-las, revestidas de uma apressada camada nacional, no mercado da cultura, e o dos que olham para dentro de si e em volta procurando fatigadamente, nas poucas heranças duma terra nova e apaixonadamente amada, as raízes duma cultura ainda informe, para construí-la com uma seriedade que não admite sorrisos. Procura fatigada, no emaranhado de heranças esnobisticamente desprezadas por uma crítica improvisada, que as define drasticamente regionalismo e folklore. 30 Deve ficar claro que Lina não propunha um ensimesmamento cultural nem um fechamento às culturas vindas de outros países, mas sim à maneira como estas eram e continuam sendo absorvidas, sem qualquer reflexão crítica, apenas como ersatz, cópias formais e vazias de sentido. Seu pensamento encontra perfeita sintonia tanto com a proposta “Antropofágica” Oswaldiana como com as declarações que Pier Paolo Pasolini faria poucos anos depois, desde a Itália, denunciando o “genocídio” devido à aculturação imposta pela classe dominante . Ambos lutam contra a substituição de valores e modelos trazidos na onda de um desenvolvimento fictício. 31 O Nordeste, segundo Lina, era uma única força coletiva: “Éramos muitos a procurar um caminho pobre, um caminho pobre que não fosse o da consolação dos Gadgets, […] que não tinha protagonistas individuais” . “Esperanças coletivas que não serão canceladas”, dirá Lina em outro texto, citando nomes: Walter da Silveira, Glauber Rocha, Martim Gonçalves, Noêmio Spinola, Geraldo Sarno, Rômulo de Almeida, Augusto Silvani, Calasans Neto, Heron de Alencar, Vivaldo da Costa Lima, Newton Sobral, Livio Xavier, Francisco Brennand. E ainda, “para além do nihilismo, nós todos, entre as ruínas, preparamos uma renascença”. 32 33 34 EL FONDO DE LA VIRTUD Lina beberá da cultura negro-africana, e não só ela, pois na Bahia dos anos 50-60 o candomblé será fonte de inspiração e referência para artistas de todas as áreas. Ela aproximou-se deste mundo paralelo e o descobriu junto ao meio intelectual e artístico: seja no teatro, com Eros Martin Gonçalves; na música, com o maestro Koellreutter; no cinema, com Glauber Rocha e Walter da Silveira; na literatura, com Jorge Amado; nas artes plásticas, com Mário Cravo, Rubem Valentim, Calazans Neto e Sante Scaldaferri; na fotografia e etnografia, com Pierre Verger e Vivaldo da Costa Lima; na antropologia, com Agostinho da Silva, Roger Bastide e o jovem Roberto Pinho. Estas pessoas, além de tantos outros artistas e intelectuais que estiveram ao seu lado na Bahia, e que guardavam uma profunda ligação com a cultura negra e popular, foram fundamentais para Lina, muito mais do que os colegas arquitetos, cujo meio era bem mais retraído, inexistindo nele um olhar atento para o conhecimento antropológico e o engajamento político-cultural, tão visível nas demais artes. Para Lina, “arquitetos” eram apenas aqueles que compreenderam o profundo alcance social da arquitetura moderna. Sante Scaldaferri, sem título, coleção particular, Salvador A arquitetura de Lina guardará uma íntima relação com as obras de alguns artistas baianos, que trabalham nessa fronteira entre o erudito EL FONDO DE LA VIRTUD e o popular, entre o racional e o instintivo. Entre outras, a obra de Sante Scaldaferri, seu assistente no Museu de Arte Popular, um grito de denúncia que tem nos ex-votos seu fio condutor “o interesse maior de minha pintura é o homem e este homem, muitas vezes, está representado pelo ex-voto” ; Rubem Valentim, amigo pessoal de Lina, cuja obra explora o misticismo e simbolismo religiosos ligados principalmente à tradição afro-brasileira, em busca de um design chamado por ele “riscadura brasileira”, isto é, “uma linguagem plurisensorial” brasileira ; Yanka Rudzka que deixa o universo rítmico e estético do candomblé ingressar em suas criações, aproximando orixás e música dodecafônica em sua coreografia intitulada “Candomblé”; ou a obra mítica de Calazans Neto, apoiada em elementos fundamentais como a água, o céu, o sol e a terra, e plena de símbolos oníricos e surreais, inspirados nas fontes populares do Nordeste. Sobre este “mundo fantástico” e surreal que é o Nordeste, a própria Lina o comentará, relacionando-o à obra do escritor Ariano Suassuna, pertencente ao grupo de Francisco Brennand, em Pernambuco: “Mas existe um outro Nordeste, simbolista e literário, baseado num mundo fantástico, com estranhas e misteriosas ligações, com estranhas heranças, por exemplo, com a Renascença italiana. É o mundo de Ariano Suassuna.” 35 36 EL FONDO DE LA VIRTUD A APROXIMAÇÃO AO MUNDO MÍTICO-POÉTICO Vista geral Exposição Bahia no Ibirapuera, 1959. (Foto Miroslav Javurek) E a aproximação de Lina à Bahia teve um papel fundamental neste movimento em direção ao mundo mito-poético relacionado à cultura popular afro-baiana. Ao organizar a exposição Bahia no Ibirapuera apresentada na V Bienal de São Paulo, em 1959, Lina mergulha num excepcional material recolhido em colaboração com os principais artistas e personagens ligados às artes, religião e cultura popular africana da Bahia e concebe o espaço como um “Terreiro”, o lugar onde se pratica o Candomblé, culto religioso aportado pelos escravos da Africa Negra. Não por acaso a Casa do Chame-Chame projetada nestes mesmos anos, traz em si uma carga simbólica diretamente relacionada aos mitos e ritos do Candomblé africano da Bahia. Ela está fortemente ancorada ao lugar, no sentido histórico, cultural, geográfico e também político. Se a Casa de Vidro apóia-se sobre o terreno, projetando-se em direção à natureza, apresentandose como um palco para o espetáculo dos fenômenos naturais, a Casa do ChameChame nasce das profundezas da terra junto com a jaqueira, árvore originária do lugar. Sua forma assume inclusive o sentido de crescimento orgânico e a arquitetura passa a ser ela mesma, natureza. “Casa-serpente” que envolve a árvore. O sentido de mimetismo, camuflagem presentes na Casa de Vidro são aqui exaltados ao extremo e a arquitetura vem fazer parte do mundo animal e vegetal. Não é casual que um dos apelidos da casa seja: “Casa da Jaqueira”. EL FONDO DE LA VIRTUD A jaqueira à qual enlaça-se já possuía uma forte simbologia mítico-religiosa antes da existência da casa, já que o terreno estava situado em meio a uma vasta mata verde, tida como sagrada pela comunidade de diversos terreiros de candomblé existentes no bairro do Chame-Chame. Sabemos que em torno desta árvore se realizavam ritos e sacrifícios ligados ao Candomblé. Casa do Chame-Chame (Foto: Ruben Nogueira Júnior) Por outro lado, os muros externos da casa são inteiramente recobertos de vegetação e seixos rolados, além de diversos objetos recolhidos por Lina e encrustados à parede, tais como pernas, braços e cabeças de bonecas, restos de brinquedos, mechas de cabelo e olhos de bonecas, cacos cerâmicos, asas de xícaras, pedaço de pires, fundo de garrafas, conchas do mar, objetos normalmente relegados como “inúteis”. Tais objetos flutuam na massa do cimento como objetos perdidos no fundo do mar ou esquecidos há muito na profundidade de nossa memória. Há um deliberado esforço em juntar ali estes elementos “achados” e “perdidos”, esquecidos há muito, por assim dizer, no “fundo do mar” para fazer deles aflorar as recordações, a memória e, em uma palavra, o passado. Como em um relato, Lina Bo Bardi evoca a vida e o passado deste lugar. Desde Freud sabemos que as recordações esquecidas não estão perdidas. Esta operação de resgate do passado é análoga à técnica utilizada na cura psicanalítica, que consiste exatamente em trazer à consciência do doente as lembranças do inconsciente, estabelecendo liames entre cenas EL FONDO DE LA VIRTUD patogênicas olvidadas e seus resíduos —os sintomas— de modo a conseguir anular as forças repressivas que o mantém alienado. Não somente o passado vive na obra de Lina mas também tudo aquilo que não figura em nossas sociedades porque sistematicamente foi considerado como pano de fundo —a natureza, o silêncio e o vazio— ou foi descartado como inútil — os objetos perdidos, quebrados ou abandonados, o lixo. Lina Bo trabalha com o que tem as mãos, sem menosprezar nada do que encontra pelo caminho, vai reciclando técnicas, materiais e abrindo-lhes novas possibilidades de uso. Estas obras-narrativas aguçam os sentidos, assinalando estratégias de sobrevivência. A consciência deste respeituoso trabalho demonstra uma atitude tanto ética quanto ecológica. Esta arquitetura tira proveito dos imprevistos, dos azares, da precariedade e da falta de meios: é um procedimento muito próximo do fazer popular, da arte Kitsch, que trabalha na escassez de meios para obter uma máxima expressividade. De sua arquitetura surge uma potente crítica à sociedade deteriorada pelo consumo, esta mesma que agora dispõe da obra de Lina Bo Bardi ao seu bem entender. Sua atitude engajada estará em total acordo com a “poética da economia” defendida, anos mais tarde, por Flávio Império, Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, ao questionarem as promessas de uma modernização associada ao consumo. EL FONDO DE LA VIRTUD Lina Bo Bardi sentada em sua Cadeira à beira da estrada (Foto: Arquivo Lina Bo e P.M. Bardi) Mas aqueles objetos antropomorfos incrustrados no muro da Casa do Chame-Chame também podem ser relacionados à ex-votos, isto é elementos materiais que se oferece e expõe nas capelas, igrejas e salas de milagres em regozijo de um voto alcançado, da cura de uma enfermidade. Seu interesse por essa prática popular específica —comum no meio rural e também em algumas capitais, como Salvador— já podia ser percebido pelos vários artigos publicados na revista Habitat a respeito do tema durante o período em que Lina dirigia a revista. O ex-voto normalmente é ofertado para restabelecimento da saúde e por isso mesmo, têm cunho protetor. As promessas não visam apenas à proteção do homem, mas dos animais e até das plantas. Nos deparamos mais uma vez aqui com a preocupação de Lina em restabelecer “saúde” associada a uma reconciliação da arquitetura com a natureza. Nesta casa, isto ocorre por aderência: a natureza cola-se literalmente a ela. Mas, à diferença de uma “sala de milagres”, os objetos da “Casa do Chame-Chame” não estão situados no interior de um recinto, e sim colocados do lado de fora da casa, EL FONDO DE LA VIRTUD conformando um cinturão em volta dela. Evidentemente estes objetos não são ex-votos mas metáforas que assinalam um estado de coisas, que Lina considera enfermo e que deve ser tratado, revertido. E a metáfora não é outra coisa do que uma prática de desvio; manipulação da língua relativa a ocasiões e destinada a seduzir, captar ou inverter a posição lingüística do destinatário. O mito, bem como as artes figurativas e religiosas, ditas primitivas, interessam a Lina por suas possibilidades de autocrítica coletiva.Vê nelas uma força capaz de “curar” uma situação, aos seus olhos, enferma: frente ao Ocidente “canceroso” da civilização e do progresso é preciso resistir e, sobretudo, desafiar. O seu é um trabalho “tático”, no sentido definido por Michel de Certeau, isto é, que age dentro do “campo inimigo”, “clandestinamente”, procurando miná-lo e subvertê-lo em sua própria ordem. A casa do Chame-Chame rende uma homenagem à cultura popular, ao mesmo tempo em que faz um manifesto contra a arquitetura heróica e universal. A singularidade desta casa descarrilha-a da linha de montagem e põe em manifesto a industrialização massificante vivida no Brasil de finais dos anos cinqüenta. Um trabalho que se realiza na escassez, desde uma low technology, um trabalho subversivo enquanto que subverte nosso modo habitual de ver as coisas. Um trabalho que golpeia a ordem do dia, indo em contra a idéia de desenvolvimento associada ao progresso. Juan O’Gorman na sala de sua casa em San Jeronimo no bairro do Pedregal, México. Dioses y simbolos del Mexico antiguo, 1950. (Fonte: Catálogo EL FONDO DE LA VIRTUD da exposição Juan O’Gorman 100 anos. Temples, dibujos y estudios preparatorios. Conacultura INBA, Mexico 2005) A força expressiva desta casa pode ser relacionada à Casa do arquiteto e pintor Juan O’Gorman em San Jeronimo no bairro do Pedregal, construída em torno a uma formação vulcânica, à imagem de uma gruta ou de certas arquiteturas e jardins “grotescos” da Renascença italiana, mas inteiramente recoberta de um mosaico, com imagens e elementos da mitologia préhispânica mexicana. A utilização da imageria mítica pré-colombiana já aperecia claramente no projeto realizado com Diego Rivera para seu estúdio, museu, templo Anahuacali (1944), e na Biblioteca Central da Cidade Universitária do México (1949-52), onde o edifício e sua fachada-mural assinalam em direção à uma arquitetura didática e simbólica, um manifesto estético que utiliza imagens mitos e ritos do passado pré-colombiano afim de recuperar uma consciência esquecida. Juan O’Gorman, Casa San Jeronimo no bairro do Pedregal, Fachada vista desde o jardim. (Fonte: Ida Rodríguez Prampolini. Juan O’Gorman. Arquiteto y pintor. UNAM, México 1982) EL FONDO DE LA VIRTUD Lina Bo Bardi, Diego Rivera e O’Gorman exprimiram-se claramente contra uma sucessão de modas e estilos internacionais, definindo um conceito de forma à partir de uma profunda reflexão sobre as memórias das tradições locais — sejam elas de raízes populares, pré-colombianas, indígenas ou africanas — enquanto única fonte de saúde e esperança para lutar contra os processos aculturativos. O’Gorman se posicionou claramente por uma arquitetura que sirva às necessidades espirituais e emocionais humanas, por “uma arquitetura que sirva ao homem” em contraposição a uma “arquitetura que sirva ao dinheiro” . Nos mesmos anos em que O’Gorman concebe sua residência, ele afirmava que a verdadeira identidade mexicana residia na recuperção de um passado pré-colombiano perdido. 37 Juan O’Gorman, Biblioteca Central da Cidade Universitária do México, 1949-52 (Foto Olivia de Oliveira, 2009) Destes mesmos anos data um projeto de Lina Bo Bardi praticamente desconhecido para o Mausoléu da família Odebrecht em Salvador, um pequeno cubo recoberto de vegetação, que não deixa de recordar a Casa do Chame-Chame. Lina tinha intenção de incrustar nos muros deste monumento os utensílios de trabalho utilizados pelos operários durante a obra, mas infelizmente isso não foi realizado, com a súbita saída de Lina de Salvador à principios de 1964 devido ao advento do golpe militar. Entretanto podemos imaginar todos estes utensílios : prumos, espátulas, colheres, metros, níveis, esquadros, serrotes, desempenadeiras, machados, marretas e tantas outras ferramentas de pedreiro incrustrados no mausoléu. Utensílios que dariam a marca do vivo a este monumento dedicado aos mortos. A imagen é idêntica ao muro da casa do Chame-Chame, muro-relato, muro-templo. EL FONDO DE LA VIRTUD Uma homenagem que Lina queria render ao trabalhador, à mão do homem, e que tomaria um significado particular neste monumento que, vale recordar, era destinado à família do proprietário de uma das maiores construtoras nacionais. Lina realizaria aqui uma inversão simbólica de valores, não apenas situando vida e morte lado à lado, mas tambén dissolvendo a hierarquia social entre patrões e empregados. A riqueza e originalidade destas duas obras encontram paralelo em primeiro lugar junto ao já citado museu Anahuacalli de Diego Rivera e Juan O’Gorman, um paradigma da arquitectura latino-americana construído durante os anos quarenta, que assume o idêntico caráter de manifesto da Casa do Chame-Chame. Segundo Lopez Rangel, Anahuacali representa, “un temerario grito de protesta contra el funcionalismo mercantil, desnacionalizante y deshumanizado” . Rivera havia concebido este museu como sua própria residência e também como sua própria tumba. Casamausoléu, casa-santuário onde sua obra, sua vida e sua morte se encontrariam. Também a Casa do Chame-Chame assume o caráter de casa-templo. 38 Em segundo lugar, na ampliação da casa-estúdio de Frida Kahlo, onde “el clásico americano se funde con el arte popular mexicano, una de fuentes vitales del arte de Rivera” e em cujos muros do terraço encontramse inclusive caracóis e conchas marinhas encrustrados, exatamente como Lina o fez na Casa do Chame-Chame. Frida e Diego colecionavam ex-votos e estátuas pré-colombianas, que ainda hoje ocupam a casa azul, do atual museu Frida Kahlo. Encontramos aqui as mesmas preocupações esboçadas por Lina desde a Casa de Vidro : uma habitação mais humana, mais íntima e próxima à vida simples, uma arquitetura sensitiva que busca produzir aquilo que O’Gorman chamou de emoção estética. 39 E esteticamente estas obras desconcertam, são de uma riqueza e originalidade únicas, são propostas que se enfrentavam às correntes estabelecidas da arquitetura dominante, e exatamente por isto, foram marginalizadas pela crítica internacional. Nelas se resgata a memória coletiva esquecida. São monumentos dedicados ao homem ordinário, anônimo, ao herói comum, disseminado, dominado, que, como lembrou Michel de Certeau, não é sinônimo nem de obediente nem de passivo, mas daquele que está golpeando silenciosamente uma ordem dominante. Sintomáticamente tanto EL FONDO DE LA VIRTUD a Casa do Chame-Chame como a Casa de O’Gorman foram destruídas, vítimas precisamente desta ordem mercantil dominante. Fig.19 Casa Azul Museo Frida Kahlo, Coyoacán Mexico (Foto: Olivia de Oliveira, 2009) Estas propostas, assinala Eduardo Subirats, não podem ser simplesmente reduzidas à categoria do “local”, como continuamente tem feito a crítica internacional, porque o conjunto de problemas que abordam : “la colonización de los lenguajes históricos, la destrucción de los tejidos urbanos y la devastación ecológica de las ciudades es precisamente el más global de los problemas que amenazan a la humanidad del siglo 21. Ellas representan una alternativa al mismo tiempo formal, técnica y civilizatoria.” 40 Basta ler Lina para convencer-se não só de que ela tinha consciência das ameaças de um tal progresso, mas como esta preocupação havia norteado sua obra a partir de finais dos anos cinqüenta: O que o Ocidente tem feito, rigorosamente, até hoje, é rigorosamente separar o Progresso da Civilização, o que não acontece no Oriente. O Japão guarda ferozmente sua civilização profundamente ligada à observação respeitosa da Natureza, paralelamente ao “progresso”. […] Quem atravessa as Américas rumo ao Extremo Oriente sente nos grandes horizontes, na calma da Natureza (aparente: é terra de terremotos), EL FONDO DE LA VIRTUD que a opção do Progresso do Ocidente não é necessariamente a única, outras opções poderiam ter sido feitas com os mesmos resultados. A opção escolhida pelo Ocidente deu resultados potentes, mas o custo é enorme. […] Eram estas as idéias que nos guiaram em fins dos anos ‘50 e nos anos ‘60. Nesse sentido, foi nosso esforço, nosso caminho. 41 Lina estava lutando contra aquilo que Pasolini definiu como um “novo fascismo”, a sociedade de consumo, uma forma desumana de atrofia e perda de capacidade critica cujo fim não é outro do que “uma homologação totalitária do mundo” . Assim o que poderia parecer caprichoso ou exótico na Casa do Chame-Chame assume aqui um recurso contra-aculturativo, inversão extrema da ordem, revolta contra o consumismo entediador da vida. Uma opção pelo resgate da memória, através de elementos do cotidiano, da prática e da arte produzida pelo saber-fazer pessoal, conscientização de um mundo real, concreto, relegado a segundo plano, e ameaçado de simplesmente desaparecer. É um chamado à ética, ao prazer e à invenção. A experiência de Lina na Bahia será durante toda sua vida relembrada e muitas vezes citada ou retomada em sua obra posterior. 42 No período de 58 a 60 e pouco, a Bahia viveu o esplendor de um conjunto de iniciativas, que representou uma esperança muito grande para o país todo, se estendendo do extremo norte até, pelo menos, o Rio de Janeiro (São Paulo ficou de fora infelizmente). As escolas de Teatro, Dança, a Escola Superior de Música e o Museu de Arte Moderna tiveram um papel importante. 43 Ela chegou a considerar o “projeto para o polígono das secas”, como o mais importante de sua carreira: “Queríamos cinco anos de tempo para concretizar o projeto e torná-lo irreversível, mas infelizmente não deu.” Mas, apesar do tom melancólico, Lina não é nostálgica, e quando perguntada porque não retomar o projeto, ela responde: “Retomar não é possível, é como comida requentada, não presta. Melhor seria outro caminho. […] Muito diferente, para grande tristeza. Marx já dizia: é pelo pior caminho que a história avança” . 44 45 EL FONDO DE LA VIRTUD Diego Rivera e Juan O’Gorman, Museu Anahuacalli Mexico, 1944 (Foto: Olivia de Oliveira, 2009) O ESPIRITUAL, O SIMBÓLICO E O LÚDICO Vários projetos de Lina, posteriores a sua passagem pela Bahia, trazem referências a termos específicos próprios ao vocabulário utilizado no culto religioso do candomblé, e não poucas vezes ela denominou suas arquiteturas de “Terreiros”. Segundo Fábio Lima o “terreiro é o espaço físico impregnado de signos que revelam a consciência ancestral na ação coletiva, não sendo apenas um pedaço de terra delimitado”, é a construção simbólica, “um ente vivo norteado pelas ações coletivas que viabilizam a reprodução do grupo, operando na normalidade cotidiana através do trabalho cooperativo, de lazer coletivo e das festas que repõem ao nível do sagrado e do profano os vínculos entre os atores sociais” , re-editando a tradição ancestral. 46 Tal como os terreiros, as arquiteturas de Lina são capazes de “re-editar” o passado e as tradições, no entanto, para que um terreiro possa preencher suas funções, deve receber axé, isto é, vida. Sem presença a arquitetura não existe. Claríssima é a definição EL FONDO DE LA VIRTUD de Lina: arquitetura é um “organismo apto à vida” . Lina falou de “substâncias”, isto é, daquilo que é necessário à permanência material; o que tem propriedades de força, vigor, resistência; o que é necessário à vida, o que alimenta; o que constitui o fundamento. Ao invés de materiais, a arquitetura deveria ser contruída com “substâncias mais sutis” . Compreende-se daí a importância de certos elementos na obra de Lina, a exemplo das pedras, folhas, da vegetação e sobretudo da água, seja ela contida em formas de lagos que serpenteiam o espaço interior, ou corrente, como as quedas d’águas e gárgulas existentes na maioria de seus projetos. No candomblé, alguns lugares, objetos e partes do corpo humano, como o coração, o fígado, os pulmões, os órgãos genitais, as raízes, as folhas, o leito dos rios, as pedras, são considerados impregnados de axé. 47 48 49 Os edifícios de Lina estão marcados por fortes eixos verticais que dominam o espaço circundante – sejam eles árvores, mastros ou escadas – e é certo que a alegria de viver que emana de toda a sua arquitetura coincide com o caráter festivo presente nos mastros no candomblé, nos paus-de-sebo ou paus-de-fita dos folguedos populares. Não poucas vezes Lina enrolou fitas e panos coloridos em volta destes elementos. Além das escadas e das árvores outras imagens do pilar sagrado podem ser lidas na obra de Lina, como as “colunas cósmicas” reconhecidas tanto na torre cilíndrica da caixa d’água da Prefeitura de São Paulo, como no Farol projetado para o Centro Cultural de Belém, que por sua vez está envolto por uma rampa em espiral, alegoria da imagem mítica da serpente enrolada ao tronco — igual à certas escadas de Lina ou ao que dizíamos para a Casa do Chame-Chame. A imagem do axismundi une-se ainda à da montanha sagrada, abordada por Lina nos primeiros croquis do Masp . Tais imagens guardam uma profunda relação com o sentido espiritual e simbólico encontrado na obra dos melhores mestres da vanguarda expressionista que Lina tanto admirava : Bruno Taut e Hans Scharoum. 50 EL FONDO DE LA VIRTUD Lina Bo Bardi, Croquis Centro Cultural de Belém, Lisboa 1988 (Arquivo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi) Os relatos de milagres religiosos praticados no Brasil, especificamente em Salvador, Rio de Janeiro e Recife, foram relacionados por Michel de Certeau a “cantos anarquistas”, “relativos não a sublevações mas à constatação de sua permanente repressão.” Ele constatou que este uso popular da religião modifica-lhe o funcionamento, transformando-lhe em canto de resistência. De fato, crenças e mitos servem de metáforas ou símbolos para contestar e desfazer a fatalidade da ordem estabelecida, Lina reemprega o sistema religioso como arte de desvio, da mesma forma que o faz desde o trabalho com sucata, alterando as regras e subvertendo mecanismos do espaço opressor a partir de dentro. A aproximação de Lina ao mito será, antes de tudo, uma forma de resistência, enquanto “arma de conhecimento direto”, perceptivo e participante. O mito têm um papel análogo ao dos contos, das lendas e das artes de dizer. “Eles se desdobram, como no jogo, num espaço excetuado e isolado das competições cotidianas, o do maravilhoso, do passado, das origens. Ali podem então expor-se, vestido como deuses ou heróis, os modelos dos gestos bons ou maus utilizáveis a cada dia. Aí se narram lances, golpes, não verdades”52. Constantemente estas artes invertem relações de força, colocando o fraco em posição privilegiada. Estas artes foram reconhecidas por Michel de Certeau como ações relativas a situações conflituais, como 51 EL FONDO DE LA VIRTUD discursos estratégicos do povo, terrenos onde se pode rastrear modalidades específicas de práticas enunciativas e manipulações de uma ordem imposta. Lina Bo Bardi, Bloco esportivo do Sesc Fábrica da Pompéia, São Paulo (Foto Serge Butikofer, 2003) A reconciliação entre elementos antitéticos é exaltada na arquitetura de Lina Bo Bardi através de vazios pronunciados, de percursos dilatados e de expressivos elementos de reunião, circulação e passagem. Eles ajudam a compreender a necessidade de uma cohabitação solidária entre duas partes EL FONDO DE LA VIRTUD aparentemente opostas. Tais lugares de transição assumem um sentido ambíguo, que são ao mesmo tempo uma coisa e outra, em cima e embaixo, grande e pequeno, passado e presente, natural e artificial. Estabelece-se uma igualdade, uma reciprocidade, uma reconciliação e intercâmbio entre polaridades em conflito, exatamente como no principio da gemelliparité observado por Aldo Van Eyck junto ao povo Dogon, onde a realidade sempre se produz em dois planos complementares que se equilibram . Esse princípio é o que vêm constantemente evocado por Lina ao dramatizar estes lugares de transição e passagem. Eles são utilizados como mecanismos para aumentar a sensação do passo de um lugar a outro ; o umbral já não é apenas um marco, uma linha, mas um intervalo, um lugar onde ocorrem coisas. Este é o papel das múltiplas passarelas que atam os dois edifícios do Bloco Esportivo no Sesc Pompéia, das inúmeras escadas que povoam suas arquiteturas ou do impressionante vão do Masp. 53 Motivo nuclear da obra de Bo Bardi, o vazio, enquanto elemento intermediário, é o lugar da não repressão a nenhum impulso, dentro do melhor espírito surrealista. Lina Bo Bardi gostava de citar John Cage, que ao depararse com o vão do Masp, exclamaria: “— é a arquitetura da liberdade!» De fato, o vão do Masp é um exato intervalo silencioso da música de John Cage; um lugar de escuta ao outro, aberto ao indeterminado. Não é casual que o silêncio seja um motivo nuclear também em Fourier. O silêncio configura um nível subterrâneo da realidade; daquilo que está oprimido, mas não suprimido. Ele subsiste ao lado do desejo aprisionado. Exatamente como a música, o silêncio é o reverso, a alteridade, o que está apenas encoberto. O Sesc Pompéia talvez seja o melhor exemplo da obra de Lina Bo Bardi para falar deste apelo fourieriano ao corpo total, fragmentado pela civilização ocidental. Chamada para conceber um centro comunitario de lazer cultural e esportivo para os trabalhadores do comércio numa antiga zona industrial, a arquiteta depara-se com um terreno onde existia uma fábrica fadada a ser demolida, como todas as demais que existiram neste bairro. Sua decisão de preservar o edifício existente assim como todos os materiais e elementos que ajudariam a recordar a memória e a existencia de uma fábrica neste lugar, não implica em qualquer nostalgia. Preserva a imagem da fábrica apenas para subvertê-la. Aqui o trabalho transformase em aliado do prazer e não mais o seu oposto. Retira do trabalho aquele EL FONDO DE LA VIRTUD caráter desagradável, repressivo, violento e penoso, para relacioná-lo à sensibilidade, à liberdade, à imaginação e à libido. E esta é sua própria forma de trabalhar. A coincidência não é só com o pensamento situacionista mas também com o ambiente evocado pelos falanstérios, “campos imanentes em que se desenvolve o desejo”, “moléculas organizativas da Harmonía” . O jogo adquire aqui uma dimensão produtiva e o desejo é concebido como uma força capaz de transtrocar a ordem moral do trabalho e da civilização, não só transgredindo sua lei, mas desarticulando-a e subvertendo-a. O logotipo desenhado por Lina Bo para o novo conjunto, com a chaminé soltando flores, ao invés de fumaça, é a prerfeita tradução desta idéia. 54 PRORROGAÇÃO Um gol marcado contra a rede adversaria e uma série de penalidades Os ataques à obra de Lina Bo Bardi Lina Bo Bardi, croquis para a Exposição Futebol - Futebol, para a inauguração do Bloco Esportivo do Sesc Pompéia, 1985. (Arquivo Lina Bo e P.M. Bardi) EL FONDO DE LA VIRTUD Segundo Lina, não existe arquitetura desligada de uma realidade, política e arquitetura são, de certa forma, uma coisa só. Lina chamou o conjunto do Sesc de “cidadela cultural”. Para ela a palavra “cidadela” tem um duplo sentido e significa tanto fortaleza para defesa de uma cidade como lugar de ataque, “goal” , um ponto marcado contra a rede adversária, assumindo o exato sentido situacionista, enquanto crítica e subversão dos ideais burgueses de prazer. De fato, a referência ao futebol, o esporte nacional, está presente desde os primeiros croquis para o Sesc, ao qual penso que a arquiteta rende homenagem com este projeto. Mas o futebol evocado por Lina Bo é aquele alegre e saudável que exprime a liberdade do corpo de um “baile” jogado com entusiasmo e não o futebol mecânico, apenas especializado em não perder. Um futebol mágico, tal como aquele jogado por Garrincha, que fazia do campo, picadeiro de circo, da bola, um bicho amestrado e da partida, um convite à festa. O futebol de Garrincha é também uma metáfora de uma arte de combate dentro do campo opressor, a arte do drible e das mil maneiras de jogar e desfazer o jogo do outro, desembraraçando-se, com astúcia, de uma rede de forças e de representações estabelecidas. Esta é uma parábola do inteiro Sesc, que é uma homenagem a gente comum, aos esquecidos, aos perdedores, aos “feios” e uma potente crítica a um mundo que castiga o fracasso. 55 56 Mas o Brasil de Garrincha, campeão consecutivo das copas do mundo de 1958 (Suécia) e 1962 (Chile), não é o mesmo do de hoje. Se a atual opulência econômica do país ainda poderia guardar algum parentesco com o desenvolvimentismo econômico conhecido nos anos 50, a miséria do cenário cultural altual é desoladora e pouco digna da herança do seu passado artístico cultural das vanguardas radicais latino-americanas. Hoje deparamo-nos à um mundo virtual que anuncia no “portal da copa” os “negócios da bola” e num outro site-web, promove oficialmente o “turismo da copa», onde o MASP de Lina Bo Bardi e o Palácio do Planalto de Oscar Niemeyer são vergonhosamente reduzidos à cartões portais para “atrair o turista ” ou como “maravilhas para explorar” . 57 Constata-se que inversamente proporcional ao interesse crescente que estas obras excepcionais tem registrado e despertado nos últimos anos fora do país, muitos destes edifícios não tem cessado de ser maltratados e EL FONDO DE LA VIRTUD impunemente desnaturados. E o fato de diversos deles estarem tombados por órgãos de proteção do patrimônio histórico não tem impedido uma sistemática destruição, sobretudo por conta de um desenfreado impulso avassalador pronto a substituir o existente em nome da última novidade e do interesse mercantil. Tal é o caso dos museus concebidos por Lina Bo Bardi, que passaram por reformas devastadoras para “adaptar-se ao ar dos tempos” à exemplo do majestoso MASP Museu de Arte de São Paulo, do MAM Museu de Arte Moderna —situado sob a magnífica marquise do Parque Ibirapuera, projetada no inicio dos anos cinqüenta pela equipe formada por Oscar Niemeyer, Zenon Lotufo, Hélio Uchôa, Eduardo Kneese de Mello, Gauss Estelita e Carlos Lemos— assim como do MAMB Museu de Arte Moderna da Bahia, fundado pela própria Lina Bo Bardi em 1960 e instalado desde 1963 no Solar do Unhão. Muitos outros edifícios construídos por Lina encontram-se profundamente alterados como o Centro de Convivência LBA em Cananéia, a Casa do Olodum e a Casa do Benin no Centro histórico de Salvador, ou da antiga Casa Valéria Cirell, recentemente leiloada. Sem falar das obras que já não existem mais como o Belvedere da Sé em Salvador, destruído para dar lugar à uma praça grandiloquente e tediosa ou ainda a Casa do ChameChame, literalmente engolida já em 1984 pela voraz especulação imobiliária, que há muito já lhe vinha montando cerco. Estas ações não apenas destróem fisicamente as obras como opõemse conceitualmente à atitude de Lina Bo Bardi ao projetar. Lina trabalha com o pré-existente, observando-o cuidadosamente, deixando-se embeber pelo entorno para recriá-lo e traduzí-lo em sua obra. Suas arquiteturas possuem a rara capacidade ermenêutica de traduzir e anunciar a memória do lugar. Muitas vezes incompreendidas, elas foram qualificadas de «nostálgicas»— palavra que jamais teve lugar no vocabulário de Lina Bo Bardi. Lina vive no presente, no mundo real das coisas reais e não daquelas idealizadas em um passado nostálgico, ou em um futuro inexistente. O passado é para Lina sinônimo de memória, seja ela individual ou coletiva e a memória é o sentimento humano por excelência. É justamente este respeito ao ser humano, à natureza, à vida o que guia sua arquitetura. Ao projetar, Lina realiza um movimento em direção ao passado para recompô-lo e, ao mesmo tempo, verso o presente que, por sua vez, vai tomando “uma nova, inesperada e nunca vista forma”. O passado EL FONDO DE LA VIRTUD é para Lina Bo algo que ainda está vivo e acontecendo no presente. Seu projeto de restauração para o Centro Histórico de Salvador, inconcluso, não apenas densificava o pré-existente como valorizava-o através de suas características sociais, culturais e religiosas, coisas que finalmente eram as que mais incomodavam aos que detinham o poder de decisão. Não é difícil compreender isto observando as ações posteriormente feitas neste lugar: o projeto que sucedeu ao de Lina transformou o Pelourinho em um centro de consumo destinado basicamente ao comércio e ao turismo, conferindo-lhe uma característica não distante do modelo dos shoppings centers que continuam à multiplicar-se, higienizando e homogeneizando a cidade. Um projeto fadado ao fracaso, como já anunciava Lina nos anos 80. Hoje o Pelourinho encontra-se desvitalizado e com ele todos os edifícios que Lina projetou para o Centro Histórico de Salvador. Mas os ataques mais brutais feitos à obra de Lina Bo Bardi atingem seus museus, justamente ali onde melhor se potencia sua ruptura com a idéia hegemônica de progresso, com o modelo ocidental de tempo histórico linear homogêneo e irreversível, sempre dirigido verso o futuro. A potência destes espaços incomodam profundamente o establishment. O MASP é o exemplo mais conhecido, onde uma série de transformações guiadas exclusivamente por interesses mercantis, atentaram definitivamente contra esta extra-ordinária obra. Um musée hors de limite , não apenas por suas impressionantes dimensões mas sobretudo por seu conceito amplo, democrático e símbólico de um espaço universal, construído para o espírito e para o corpo, onde o homem se relaciona com o todo, com a natureza e o cosmos. 58 Setenta metros de luz livre no sentido longitudinal por vinte e nove metros de profundidade, com cinco metros de balanço a cada lado das vigas longitudinais, distanciadas de dezenove metros. Tudo isto, à oito metros de altura, repousa sobre quatro pilares estremos, ligados por duas traves em concreto protendido na cobertura . 59 Assim descreve Lina o Masp, mas também lembra em outro artigo que os quatro gigantescos pilares “surgen de dos fuentes donde se recoge EL FONDO DE LA VIRTUD el agua de lluvias”60, numa imagem que remete às construções populares em palafitas. Modernidade e tradição estão presentes no Masp. O edificio é claramente dividido em duas partes, dois volumes “antônimos” e, ao mesmo tempo “gêmeos”. Um aéreo, suspenso, cristalino, com materiais lisos e industriais, outro semi-enterrado, rude, opaco, com materiais texturados e naturais; relações espectrais que dialogam entre si enquanto buscam a complementaridade. E o intervalo, o vazio, o vácuo do belvedere estabelece uma tensão contínua entre ambos, da mesma forma que as passarelas do bloco esportivo do Sesc ou dos expressivos elementos de articulação que povoam a obra de Lina. Todos eles, lugares para uma “ocasão”, lugares sincrônicos, onde o tempo se colapsa. Desde os primeiros croquis para o Masp, Lina concebe diversas formas para o edifício mas todas elas enquanto edifício-jardim ; primeiro sob a forma de uma pirâmide de vidro florida, o que ela chamou de “serra fissa tropicale”, logo como zigurat con giardini pensili, como jardin suspenso nos próprios muros do edifício, ou mesmo atravessado por uma gigantesca “escada-flor“. No Masp, estamos diante de um templo-montanha entendido enquanto “Casa-do-Povo”, lugar lúdico e coletivo exatamente como a proposta de Taut em A Coroa da Cidade (1919). Uma catedral laica, religiosidade sem Deus tão afim ao primeiro Nietzsche, onde se celebraria a tomada de uma consciência espiritual carente de programa, objetivos ou sacerdotes, na qual se reverteria a capacidade produtiva de uma sociedade que havia necessitado todo o progresso tecnológico do séc. XIX para alcançar esta nova condição espiritual. O centro da cidade não se reservará nem ao comércio nem às instituições políticas, que carecem de valor em uma concepção social influenciada pelo anarquismo, mas às atividades coletivas culturais e espirituais61. Lembremos apenas que em sua forma construída todo o prédio estava circundado de um espelho d’água, e Lina imaginava um jardim aquático na base do museu. Os bacinos e jardineiras foram realizados mas viraram depósito de lixo ou estão cheios de uma água viscosa escura. Ainda poucos meses antes de seu falecimento, Lina declarou sua intenção de recuperá-los, colocar pedras, “ninfeiras amarelas” — uma planta selvagem brasileira—, e povoá-los com peixinhos vermelhos62. EL FONDO DE LA VIRTUD Lina Bo Bardi, Escada flor do Centro de Convivência Vera Cruz, 1993 (escala desenho original 1/200) Este edifício foi aos poucos sorrateiramente destituído de suas principais características, sobretudo com o majestoso espaço da pinacoteca subdividido em células que agora classificam as obras expostas segundo um tempo linear, obedecendo um modelo dominante praticado em “todo museu do mundo” , tal como bem explica o arquiteto ex-presidente do museu Sr. Julio Neves, desde uma ótica restrita e provinciana. Isto é, exatamente o contrário do que propunha Lina : um museu aberto e vivo, em que cada visitante tinha total liberdade para interagir com os quadros criando associações livres entre eles. Mais do que isto, a noção de tempo proposta por Lina para os museus, um tempo sem início nem fim, apenas medido pelo homem que se encontra imerso neste ambiente total, neste interior onde o tempo se comprime num instante de duração infinita é completamente destruída, e com ela sua potente atitude crítica e liberatória no sentido mais amplo: liberdade do corpo, do espírito e sobretudo de resistência à submissão do homem. O Masp foi transformado em aquilo que Lina chamaria de “um túmulo para múmias ilustres”, pois para ela a obra de arte não assume o sentido de peças prestigiosas e valiosas à serem contempladas, mas de todas as coisas que estão reclamando nossa atenção, objetos com os quais nos comunicamos diretamente. Somente nós somos capazes de encontrar interesse e sentido nas coisas — em qualquer coisa, dos utensílios domésticos e cotidianos aos 63 EL FONDO DE LA VIRTUD objetos recolhidos no caminho, nos sonhos, nas ruínas, no passado —, porque o interesse e o valor não procede da obra nem a obra o concentra. 64 Sim, a obra de Lina Bo Bardi subverte as normas e por isto mesmo está sempre em perigo, como alertou o arquiteto Aldo Van Eyck, a propósito do Masp: “[…] o que é anormal —neste caso à revelia, devido a seu caráter único— também é vulnerável no sentido de que corre o risco de ser mudado ou desmantelado completamente.” 65 MUSEUS ESCOLAS Fig.27 Lina Bo Bardi, Pinacoteca do MASP, (Foto arquivo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi) Lina concebe o museu não como lugar para guardar relíquias de arte, mas como lugar de convivência e aprendizagem, museu-vivo, museu-escola, lugar lúdico e coletivo. Este é o sentido social e didático fundamental dos museus de Lina que se “destina especificamente à massa não informada, nãointelectual, não-preparada” , criando um ambiente físico e psíquico para a compreensão da arte, através da convivência e familiarização. 66 O fim do Museu é o de formar uma atmosfera, uma conduta apta a criar EL FONDO DE LA VIRTUD no visitante a forma mental adaptada à compreensão da obra de arte, e neste sentido não se faz distinção entre uma obra de arte antiga e uma obra de arte moderna. No mesmo objetivo, a obra de arte não é localizada segundo um critério cronológico, mas apresentada quase propositadamente no sentido de produzir um choque que desperte reações de curiosidade e investigação. 67 Lina Bo não concebe o ensino como instrução de uma massa teleguiada, mas como cultivo da livre descoberta do indivíduo. E nisto coincide com o revolucionário processo de educação proposto por Paulo Freire, cuja raíz residia na «conscientização», invertendo o processo tradicional do aprendizado. Como em um baile, o visitante é livre para escolher com que quadro vai iniciar a dançar. Há uma impressionante sintonia com os objetos suprasensíveis de Hélio Oiticica e Lygia Clarck, dois artistas que no Brasil estarão, na mesma época, propondo novas formas de sensibilizar o espectador, solicitando sua participação na obra e criando objetos de arte que incitam ao tato e ao jogo. A obra de arte não se oferece ao espectador como representação mas como presença. E esta noção de presença tem pouco que ver com a de espetáculo, que vincula o espectador a contemplar obediente, automática e passivamente o que lhe é exposto diante dos olhos. O presente vivo contrapõese a este modelo de presente agora convertido em uma pausa inconsistente e desvitalizada. Os museus de Lina nada tem a ver com as arquiteturas espetaculares dos museus de Gehry, Zaha Hadid etc., concebidos como sistemas auto-suficientes que funcionam por si mesmo sem a necessidade do homem, estabelecendo-se ali como uma colonização sem apoiar o lugar ou o existente. No Masp, ao contrário dos museus e exposições tradicionais, os quadros não eram colocados contra a parede, mas ocupavam toda a sala e se apresentavam sobre grandes vidros transparentes fixados em uma base cúbica de concreto, de modo que a dimensão final do conjunto —quadro, vidro e base de concreto— resultava proporcional ao tamanho de um homem, ficando o quadro à altura dos olhos do observador. Este sistema permitia que o quadro se destacasse do plano bidimensional da parede para vir fazer parte do espaço tridimensional cotidiano. O quadro se apresentava então como um objeto autônomo que participava objetivamente da experiência EL FONDO DE LA VIRTUD cotidiana, lado à lado com o visitante, que estaria convivendo literalmente com a obra de arte. Não existiam percursos pré-determinados, as obras não estavam dispostas sob qualquer tipo de classificação de estilo ou período a que poderiam pertenecer. Simplesmente são arte e eram apresentadas todas ao mesmo tempo como se imagináramos 500 anos de história da arte européia —o que corresponde aproximadamente ao acervo do Masp— comprimidos neste único momento, situado dentro desta caixa mágica de luz. E é justamente a presença humana que dava vida a este espaço, que animava e colocava em movimento a «caixa». Era o visitante quem, por direito, elegia suas preferências a partir deste contato físico e íntimo com a arte, sem qualquer tipo de leitura filtrada por terceiros. […] as obras modernas, em uma estandartização, foram situadas de tal maneira que não colocam em relevo a elas, antes que o observador lhes ponha a vista. Não dizem, portanto, “deves admirar, é Rembrandt”, mas deixam ao espectador a observação pura e desprevenida, guiada apenas pela legenda, descritiva de um ponto de vista que elimina a exaltação para ser criticamente rigorosa. Também as molduras foram eliminadas (quando não eram autênticas da época) e substituídas por um filete neutro. Desta maneira, as obras de arte antigas acabaram por se localizar numa nova vida, ao lado das modernas, no sentido de virem a fazer parte na vida de hoje, o quanto possível. 68 Neste texto Lina se refere ao antigo Masp, então instalado na rua 7 de abril, mas o conceito da nova pinacoteca já está aí presente, e nesta última será ainda mais radical: as legendas dos quadros desaparecem e toda informação teórica é colocada detrás deles, tornando-os ainda mais autônomos. No Masp a arte dá literalmente as costas para a academia, elas tomam direções opostas. O espectador transforma-se em ator, chamado a um estado consciente e crítico frente ao que vê e analisa. É uma atitude idêntica àquela buscada pelo teatro brechtiano: o espectador não é mais somente um consumidor, mas ele deve também produzir, pois, sem a sua participação ativa, a representação — no nosso caso, a arquitetura — é incompleta. No teatro de Brecht, assim como nos museus de Lina, tudo concorre para uma transformação qualitativa de um coletivo, garantindo-lhe uma formação e uma informação especialmente pensada para lhe permitir freqüentar o teatro ou o museu. Os espectadores são incitados a adotar uma atitude que não seja EL FONDO DE LA VIRTUD dócil, mas de lucidez, uma atitude que sobrepasse os interesses particulares e que lhes permita compreender o que consomem . E é precisamente esta atitude crítica a que necessita se adotar hoje e de forma urgente a nova geração de arquitetos no Brasil. 69 Pois não só a obra de Lina Bo Bardi vem sendo devastada, muitas outras excepcionais arquiteturas modernas sofrem deste descaso geral. Um dos exemplos mais chocantes é o caso do conjunto da Pampulha de Oscar Niemeyer, simplesmente abandonado. Outro é o MuBE – Museu Brasileiro de Escultura de Paulo Mendes da Rocha, com o salão de atos desmantelado e o conjunto ocupado com instalações de mau gosto. Todas elas vítimas de corrupção, mediocridade e hipocrisia, acatadas com apatia por aqueles profissionais arquitetos e acadêmicos deste Brasil emergente deslumbrados pelo “feitiço do mercado”. A obra de Lina é um alerta contra uma sociedade de consumo massificada que cada vez mais despreza sua produção local, bem como seu valor criativo e transformador. Lina opera no sentido de impedir que a tradição perca sua eficácia subversiva, ao ser remanejada pelos que detém o poder, ou desapareça condenando o homem à amnésia e inibindo a redenção do passado. Neste sentido, sua postura coincide com a que Benjamin propôs para o historiador: Em cada época é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Pois o Messias não vem apenas como salvador; ele vem também como o vencedor do Anticristo. O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.70 Esse caráter messiânico da obra de Lina é o que interessa ressaltar, abordando sua preocupação frente à cultura, à tradição e o passado. É preciso se libertar das “amarras”, não jogar fora simplesmente o passado e toda a sua história; o que é preciso é considerar o passado EL FONDO DE LA VIRTUD como presente histórico. O passado, visto como presente histórico, é ainda vivo, é um presente que ajuda a evitar as várias arapucas… Frente ao presente histórico, nossa tarefa é forjar um outro presente, «verdadeiro», e para isso é necessário não um conhecimento profundo de especialista, mas uma capacidade de entender historicamente o passado, saber distingüir o que irá servir para as novas situações de hoje que se apresentem a vocês, e tudo isto não se aprende somente nos livros. 71 Algo que ecoa diretamente nos escritos de um outro “messias” : A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isto, nossa posição ficará mais próxima na luta contra o fascismo. 72 Originar um verdadeiro estado de exceção, ou “forjar um outro presente”, em palavras de Lina, é a tarefa de que se incumbe desde sua arquitetura, impulsando-nos a ver para além das polaridades opressivas do pensamento que herdamos, para dar forma àquela «razão sonhante» proposta por Breton no primeiro manifesto do Surrealismo, ou simplesmente a uma arquitetura entendida em palavras de Lina como um “organismo apto à vida”, não submetida à medida, ao juizo e à valores estabelecidos. Fim de partida nos Tristes trópicos ! Olivia de Oliveira Outubro-Dezembro 2012 *Olivia de Oliveira, arquiteta. Vive e trabalha em Lausanne. Autora entre outros do livro Sutis Substâncias da arquitetura de Lina Bo Bardi (também traduzido ao inglês). Romano Guerra/ Gustavo Gili ed., São Paulo/ Barcelona, 2006 e da monografia Lina Bo Bardi, obra construida in: 2G n°23/24, Gustavo Gili, Barcelona, janeiro 2003. 1 Apud. Cypriano, Fabio. “Vidro arte” in: A Folha de São Paulo, 24 de agosto de 2011. Documento digital <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2408201109.htm> consulta 16.09.2012. 2 “Projeto de status”, quer dizer, de projeção social. Lina usou esta expressão contrapondo-se ao arquiteto Kneese EL FONDO DE LA VIRTUD de Mello no seu texto: “Arquitetura e Tecnologia”. In: Alberto Xavier. Arquitetura Moderna Brasileira. Depoimento de uma geração. 1ª ed. São Paulo, Hunter Douglas, 1987c. pp. 258-260. 3 Cf. Tinem, Nelci. O Alvo do olhar estrangeiro. O Brasil na historiografia da arquitetura moderna. Ed. Manufatura, 2002. João Pessoa. 4 Liernur, Jorge Francisco. “Un nuovo mondo per lo spirito nuovo: le scoperte dell’America Latina da parte della cultura architettonica del XX secolo”. In: Zodiac. nº 8, 1992. pp. 84-121. 5 A entrevista de Hans-Ulrich Obrist à Zé Celso aconteceu no Teatro Oficina, dia 06.09.2012. Documento digital < http://new.livestream.com/uzyna/hansulrich/images/3561139> visualizado em 16.09.2012. 6 “Lina Bo Bardi. Curriculum Literário.” In: Ferraz. Marcelo Carvalho (ed.). Lina Bo Bardi. São Paulo. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1993, p.12. 7 Além de Lina Bo, faziam parte do grupo A.A Architetti Associati, Carlo Pagani, Giancarlo De Carlo, Marco Zanuso, Luciano Canella, Radici, Gandolfi, Righini e outros. 8 Sobre este período da revista Habitat e o papel de Geraldo Ferraz ver: Cappello, Maria Beatriz Camargo e Merli, Giovanna Augusto. “Geraldo Ferraz na revista Habitat: a discussão político-social” in: Horizonte Científico. Universidade Federal de Uberlândia, Vol. 5, n°2, 2011. Documento digital <http://www.seer.ufu.br/index.php/ horizontecientifico/article/view/13615>. 9 Com Pagu, Ferraz teve um filho, o segundo de Pagu, que era divorciada de Oswald de Andrade. Sobre Geraldo Ferraz, ver : NEVES, Juliana Cunha Lima. Geraldo Ferraz e Patrícia Galvão: a experiência do Suplemento Literário do “Diário de S. Paulo” nos anos 40. Ed. Annablume, São Paulo, 2005. 214 pp. 10 Andrade, Oswald de. “Sex-Appeal-Genário”. Discurso de agradecimento pela homenagem feita em comemoração aos 50 anos do poeta, publicado originalmente no Jornal de S. Paulo em 26 de março de 1950. In: Boaventura, Maria Eugênia (org.) Estética e Política. São Paulo, ed. Globo, 1991. p.133. 11 Andrade, Oswald de. “O sentido do interior”. Palestra proferida em Baurú, em 31 de julho de 1948. In: Boaventura, Maria Eugênia (org.) Estética e Política. São Paulo, ed. Globo, 1991. p.199. 12 Andrade, Mario de. “Regionalismo”. Diário Nacional, São Paulo, 19/02/1928, reproduzido in: Arte y Arquitectura del Modernismo Brasileño (1917-1930). Amaral, Aracy. Ayacucho, Caracas,1978. pp.163-164. 13 Subirats, Eduardo. La existencia Sitiada. Mexico, ed. Fineo, 2006, p.249. 14 Bo Bardi, Lina. “1ª Lezione”. (Manuscrito para 1ª Aula de Teoria e Filosofia da Arquitetura). Escola de Belas Artes da Bahia. 11/08/ 1958. 15 Van Eyck, Aldo. “Team 10 primer “ Otterlo Meeting. In: Smithson, Alison (ed). Team 10 primer. Studio Vista, London 1968. p.22. Originalmente publicado in: Architectural Design, Dezembro, 1962. 16 Bo Bardi, Lina. Contribuição propêdeutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. Habitat. São Paulo, 1957 p.67 A cita de Gropius é de uma conferência proferida em São Paulo, publicada na revista Habitat, n°14. p.25 17 Bo Bardi, Lina. “Na Europa a casa do Homem ruiu”. In Rio nº 92, Rio de Janeiro, fevereiro. 1947. 18 Sobre este conceito ver Oliveira, Olivia de. Sutis Substâncias da arquitetura de Lina Bo Bardi. Gustavo Gili/ Romano Guerra ed. São Paulo/ Barcelone, 2006. pp. 41-80. 19 Bo Bardi, Lina. “Casa de Mário Cravo”. In: Diário de São Paulo , 22/08/1958. Cit. In: Ferraz, op. cit., p.126. 20 Bo Bardi, Lina. “Arquitetura e Natureza ou Natureza e Arquitetura”. (Manuscrito da Conferência pronunciada na Casa da França). Salvador, 27/09/1958. p.2. Arquivo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi. 21 Bo Bardi, Lina. “Casas de Vilanova Artigas”. In: Habitat. nº 1, out./dez. São Paulo 1950. pp. 2-16. 22 Risério, Antônio. “Uma aventura pragmática” in: Avant-garde na Bahia. 1ª ed. São Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1995. pp.31-67. 23 Risério, Antônio. Avant-garde na Bahia. op. cit. 24 Tentori, Francesco. P.M Bardi con le cronache artistiche de «L’Ambrosiano» 1930-1933. Milano, Mazzotta, 1990. p.179. 25 Com exceção de um breve período, que vai de 1958 a 1961, onde o proletariado juntar-se-á à burguesia industrial EL FONDO DE LA VIRTUD nordestina, esta sob o comando de Cid Sampaio em Pernambuco, mas numa coligação em que a subordinação do proletariado era mais formal que real; aí, realmente, é já uma forma de potência igual à da burguesia industrial. Cf. Oliveira, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gião. Sudene, Nordeste. Planejamento e Conflito de classes. 6ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981 (1977). pp. 106-115. 26 Oliveira, Francisco de. Elegia… Op. cit., p.112. 27 Este grupo era integrado pelo educador Paulo Freire, Germano Coelho, Paulo Rosas, Mª Antonia MacDowell e Anita Paes Barreto. Cf. Amaral, Aracy (ed). Arte para quê?. A preocupação social na arte brasileira. São Paulo, 1984. 435p. 28 Depoimento de Fernando Rocha Peres concedido-me em 29/05/96, Salvador, Bahia. 29 “[…] a guerra que as novas gerações devem abrir contra a província deve ser imediata: a ação cultural da Universidade e do Museu de Arte Moderna são dois tanques de choque […], os clarins da batalha foram tocados pelas grandes exposições do Museu de Arte Moderna e pela montagem da Ópera dos Três Tostões de Brecht, que provocaram grande excitação no pensamento pequeno-burguês. A dinamização da imprensa, que deve perder os mais tolos preconceitos de linguagem, seria o terceiro tempo a vencer […]. Contra o doutorismo, a oratória, a mitologia de praça pública, contra a gravata e o bigode. […] está sendo derrotada na província a própria provincia: derrotada na sua linguagem convencional, no seu tabu contra a liberdade de amar, na sua conveniência do traje, nas suas leis contra a revolução […]. Gostaria que todos vocês que lideram nosso verdadeiro pensamento se empenhassem para levar a Bahia um passo a frente”. Gerber, Raquel. “Glauber Rocha e a Experiência inacabada do Cinema Novo” in: Glauber Rocha. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977, p.23. 30 Bo Bardi, Lina. Apresentação da exposição Brennand. (Folheto impresso). Museu de Arte Moderna da Bahia. 1961. 31 Sobre o tema ver Pasolini, Pier Paolo. Scritti Corsari. Trad. 6ª ed. Milano, Garzanti, 1995 (1975). 248 p. 32 “Porque o Nordeste?” in: Bo Bardi, Lina. Tempos de Grossura: O Design no impasse. 1ª ed. São Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994. pp. 20-24. 33 Bo Bardi, Lina. “Cinco Anos entre os “Brancos”. O Museu de Arte Moderna da Bahia”. In: Mirante das Artes. nº 6, nov-dez 1967. 34 Bo Bardi, Lina. “A denúncia solitária, sem consequência, é burguêsa”. (mimeo inédito). Arquivo Museu de Arte Moderna da Bahia. 35 Valentim, Rubem. “Manifesto ainda que tardio”. In: Revista Arte e Cultura. nº4(3), 1993 (1976). pp. 131-136. 36 Bo Bardi, Lina. Tempos de Grossura: … opus cit., p.74. 37 O’Gorman, Juan. Conferencia en la Sociedade de Arquitectos Mexicanos. Outubro, 1933. In: pp. 69-77 38 Lopez Rangel, Rafael. Diego Rivera y la arquitectura mexicana. Secretaría de Educación Pública, México D.F. 1986. 39 Idem. 40 Subirats, Eduardo. “La escritura de la ciudad (writing and cities)”. Documento eletrônico : <http://www.vitruvius. com.br/arquitextos/arq047/arq047_01_e.asp>, abril 2004. 41 Anotações pessoais para o projeto Camurupim, publicadas sob o título “Progresso e Civilização” in: Ferraz, Marcelo Carvalho (ed). Lina Bo Bardi. 1ª ed. São Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p.209. 42 Pasolini, Pier Paolo. Scritti Corsari. 6ª ed. Milano, Garzanti, 1995 (1975). p.50. 43 Bo Bardi, Lina. Entrevista para Arte na Bahia. Teatro na Universidade. São Paulo. Nov. 1990. Ed. Corrupio. Salvador, 1991. p.12. 44 Sabbag, Haifa Y. “A Metáfora Continua” (entrevista a Lina Bo Bardi). In: AU. nº 7, agosto 1986. pp. 50-52. 45 Ibidem. 46 Lima, Fábio. “A Cidade como Território Sagrado”. (mimeo) Salvador, FAUFBa, Seminário Diáspora Negra, 1997. 47 Bo Bardi, Lina. Contribuição propêdeutica ao ensino da Teoria da Arquitetura. São Paulo, Habitat, 1957. p.13. 48 Bo, Lina e Pagani, Carlo (ed.). “Sensibilità dei materiali”. In: Domus. nº 201, set 1944i. pp. 314-319. 49 Santos, Juana Elbein dos. Os Nàgô e a morte. Pàde, Äsësë e o culto Égun na Bahia. Universidade Federal dsa EL FONDO DE LA VIRTUD Bahia. 5ª ed. Petrópolis, Vozes,1988. p.42. 50 Os croquis foram publicados in : Oliveira, Olivia de. Sutis Substâncias… Op.cit. pp. 266-275, 299 e seguintes. 51 Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano. Op. cit. pp. 76-79. 52 Idem pp.84-86 53 Van Eyck, Aldo. “Otterlo Meeting”, 1959. In: Smithson, Alison (ed). Team 10 primer. Op. cit. p.43 54 Subirats, Eduardo. “Fourier o el mundo como voluptuosidad”. In: Utopía y subversión. Barcelona, Anagrama, 1975. pp. 11-46. 55 Bo Bardi, Lina. «Na Pompéia. O Bloco Esportivo». In: Casa Vogue. nov/dez. 1986. p.134. 56 Galeano, Eduardo. El Futbol a sol y sombra. Madrid, Siglo XXI de España, 1995. p.118. 57 http://www.copa2014.turismo.gov.br/copa/home.html 58 Bardi, Pietro Maria. “Museés hors des limites”. In: Habitat. nº 4, 1951. pp. 50. 59 Bo Bardi, Lina. “O Novo Trianon, 1957-67” in: Mirantes das Artes n°5, set/out. 1967. p.20. 60 Bo Bardi, Lina. “Museu de Arte di San Paolo del Brasile”. In: L’architettura Cronache e Storia. vol. 210, nº 12, aprile 1973. pp. 776-797. O texto acima citado não está apresentado em italiano, mas como uma “apresentação da autora” introduzindo o artigo e figura em quatro idiomas: inglês, francês, alemão e espanhol. 61 Abalos, Iñaki (ed). Bruno Taut. Escritos 1919-1920. Madrid, El Croquis, 1997. 299p. 62 Faerman, Marcos. “Criadora do Masp sonha com dias melhores para o museu”. In: Jornal da Tarde.18-11, 1991. 63 Repetidamente em diferentes ocasiões. Ver por exemplo: Viana, André. “Monumento em guerra” in: Gazeta Mercantil [Caderno Fim de Semana ] São Paulo, 04/05/2001; Fioravante, Celso «MASP fecha após semestre capenga». in: Folha de São Paulo, 22 de Julho de 1999; Ribeiro, Marili. “Masp mostra polêmica sobre como exibir arte” in: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro 27 de Novembro de 1998. 64 Quetglas, Josep. “Miscelánea de prejuicios propios y opiniones ajenas, acerca del Mundo, el Demonio y la Arquitetura”. In: El Croquis, n°92, Madrid 1998. 65 Van Eyck, Aldo. “A superlative gift (Um dom superlativo)”. In: Museu de Arte de São Paulo. Blau e Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, Lisboa, 1997. pp. s/n. 66 Bo Bardi, Lina. “O Museu de Arte de São Paulo. Função social dos Museus”. In: Habitat. nº 1, out/dez 1950 c. p. 17. 67 Ibidem. 68 Ibidem. 69 Brecht, Bertold. «La marche vers le théâtre contemporain». In: Ecrits sur le théâtre. Trad. Jean Tailleur e Guy Delfel. 2ª ed. Paris, L’Arche, 1967 (1927-31). pp. 125-222. 70 Sobre o conceito de história. In: Benjamin, Walter. Magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo, Brasiliense, 1986 (1939-40). pp. 222-232. 71 Bo Bardi, Lina. “Uma aula de Arquitetura”. In: Projeto. nº 133, 1990. pp. 1O3-1O8. 72 “Sobre o conceito de história” In: Benjamin, Walter. Op. cit., pp. 222-232.
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