Expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
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Expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Universidade Federal de Minas Gerais Pró-Reitoria de Extensão Projeto Enfrentamento à Violência Sexual InfantoJuvenil nos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Região Metropolitana de Belo Horizonte - PAIR Minas Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República - BRASIL Diagnóstico situacional do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e da rede de proteção à criança e ao adolescente na área de expansão do PAIR-MINAS na Região Metropolitana de Minas Gerais Belo Horizonte 2009 Ficha Técnica Pró-Reitoria de Extensão - UFMG Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben – Pró-Reitora de Extensão Paula Cambraia de Mendonça Vianna – Pró-Reitora Adjunta de Extensão Coordenação Geral do PAIR Minas Edite da Penha Cunha, MSc. – Pró-Reitoria de Extensão Coordenação da formulação do Sistema de Monitoramento e Avaliação do PAIR Minas Profa. Dra. Magna Inácio – Departamento de Ciência Política/UFMG Profa. Dra. Marlise Matos – Departamento de Ciência Política/UFMG Pesquisadores MSc. Daniela Rezende – Pesquisadora Estagiários Matheus Soares Cherem – Assistente de pesquisa Priscila Jacomini – Assistente de pesquisa Colaboração MSc. Marta Mendes da Rocha Agradecimentos A elaboração desse diagnóstico foi possível devido à colaboração de diversas instituições, mediante a gentil cessão de dados e informações sobre o fenômeno da violência sexual, sobre a rede de atendimento e de enfrentamento presentes nas regiões dos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio Doce e da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Agradecemos, em especial, à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Minas Gerais; à Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; ao Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais; à Fundação Dom Cabral, executora da Pesquisa realizada pela Telemig Celular, ao Centro Integrado de Informações da Defesa Social-CINDS, da Secretaria de Estado da Defesa Social-SEDS. 3 Índice de ilustrações Figura 1: Resumo das Dimensões interativas/relacionais na situação de Abuso Sexual .... 21 Figura 2: Resumo das Dimensões de Interação da Rede Secundária que atua na situação de Abuso Sexual ....................................................................................................................... 22 Figura 3: Resumo das Dimensões de Interação da Rede de Exploração Sexual ................. 45 Figura 4: Detalhamento dos Elementos/Agentes e Interesses principais envolvidos na situação da Exploração Sexual ............................................................................................ 47 Tabela 1: Área total de Minas Gerais e das mesorregiões geográficas dos municípios beneficiados pelo projeto de expansão do PAIR Minas, 2000. ........................................... 55 Tabela 2: Municípios e população beneficiada pela expansão do PAIR Minas, UFMG/SEDESE/AMAS, 2008/2009. ................................................................................. 55 Tabela 3: Municípios da área de expansão do PAIR Minas segundo a mesorregião e porte populacional, 2007. ............................................................................................................. 56 Mapa 1: Municípios da área de expansão do PAIR na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Minas Gerais, 2008. ........................................................................................... 62 Tabela 4: Distribuição dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o porte populacional, 2007. ................. 63 Mapa 2: Malha rodoviária da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. ............................................................................................................... 65 Tabela 5: População total, densidade demográfica e percentual de domicílios urbanos dos municípios segundo o porte populacional nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000, 2004, 2007. ................... 68 Tabela 6: Distribuição da população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o grupo etário e sexo, 2000. .................................................................................................................................... 69 Tabela 7: Percentual de analfabetos na população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o grupo etário e porte populacional, 2000. ....................................................................................... 71 Tabela 8: Evasão, defasagem escolar e população com menos de quatro anos de estudo nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. .................................................................................................................. 73 Tabela 9: Freqüência escolar da população infanto-juvenil com idade entre 7 e 17 anos nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. .................................................................................................................. 75 4 Tabela 10: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. .................................................................................................................................... 76 Tabela 11: Composição Setorial, valor total e per capita do PIB dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006. .................. 77 Tabela 12: Níveis de renda, desenvolvimento e desigualdade nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. .......... 80 Tabela 13: Razão de Dependência nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. ................................................. 81 Tabela 14: Situação Feminina nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. ............................................................ 83 Tabela 15: Percentual de internações de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006. .................. 83 Gráfico 1: Taxa de crimes violentos por 100 mil habitantes na RMBH ............................. 85 Mapa 3: Taxa média de crimes violentos por 100 mil habitantes, Minas Gerais, abr-jun 2008. .................................................................................................................................... 86 Mapa 4:Taxa média de crimes violentos contra a pessoa por 100 mil habitantes, Minas Gerais, abr-jun 2008. ........................................................................................................... 87 Tabela 16: Indicadores de criminalidade e gastos públicos na área de segurança pública nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2004. .................................................................................................................. 88 Tabela 17: Casos e Atendimentos registrados pelo Serviço de Proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias oferecido pelo CREAS em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .......................................................................................................... 89 Tabela 18: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional segundo o tipo e forma de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .................. 90 Tabela 19: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo os grupos etários, 2007. ....................................................................................................................... 92 Tabela 20: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo a cor, 2007. ............................................................................................................................................. 93 Tabela 21: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo sexo, 2007. ............................................................................................................................................. 93 5 Tabela 22: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo escolaridade, 2007. .............................................................................................................. 94 Tabela 23: Renda familiar das Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. . 95 Tabela 24: Caracterização das famílias das Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .................................................................................................................. 96 Tabela 25: Distribuição dos agressores por tipo de vínculo com Crianças e Adolescentes vitimizados pela violência sexual segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ....................................... 97 Tabela 26: Distribuição percentual dos agressores por sexo e raça/cor segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .................................................................................................................. 98 Tabela 27: Perfil ocupacional do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ...... 98 Tabela 28: Escolaridade do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .................. 99 Tabela 29: Responsabilização dos violadores segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .................. 99 Tabela 30: Existência de contato entre agressores e crianças e adolescentes vitimizados segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ................................................................................................... 100 Tabela 31: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo acompanhante em atendimento no CREAS, 2007............................................................. 100 Tabela 32: Número de atendimentos prestados às Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo o tipo de atendimento, 2007...................................................... 101 Tabela 33: Número de encaminhamentos realizados pela equipe do CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo tipo de encaminhamento, 2007. ..................................................................................................... 102 Tabela 34: Tipo e forma de violência infanto-juvenil segundo o município de atendimento de vítimas na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ................................................................................................................ 103 Tabela 35: Tipo e forma de violência sexual infanto-juvenil segundo o município de origem de vítimas atendidas por serviços especializados na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ............................................... 104 6 Tabela 36: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2003 a 2005. .................... 105 Tabela 37: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006 a 11/09/2008. .......... 106 Tabela 38: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008. ......................................................................................................................... 108 Tabela 39: Perfil etário das crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008. ................................. 108 Tabela 40: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional e tipo de violência, 2006-2008. ............................................................................................ 109 Mapa 5: Nível de gestão do SUAS dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ............................................................... 115 Tabela 41: Configuração da Assistência Social nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ..................................... 115 Mapa 6: Número de CRAS existentes nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008. .......................................................... 116 Tabela 42: Oferta de programas e serviços de Proteção Social Básica nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo capacidade de atendimento MDS, 2007. ........................................................................... 117 Tabela 43: Oferta de programas e serviços de Proteção Social Especial nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo capacidade de atendimento MDS, 2007. ........................................................................... 118 Tabela 44: Existência e caracterização do Serviço de Proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual, nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo nível de gestão no SUAS, 2007. ...................................................................................................... 119 Mapa 7: Existência do Serviço de Enfrentamentos a ESCCA nos municípios da área de expansão do PAIR Minas nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ........................................................................... 120 Mapa 8: Caracterização do acesso aos serviços do CREAS nos municípios da área de expansão do PAIR Minas nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007 ............................................................................ 120 7 Tabela 45: Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, dezembro de 2008. ............................................................................................................................. 122 Tabela 46: Volume de recursos repassados pelo MDS aos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ................................ 123 Tabela 47: Número de escolas existentes nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte por nível de ensino, 2007................. 125 Tabela 48: Número de estabelecimentos de saúde e número de famílias atendidas pelo PSF por município e porte populacional nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008. ............................................................... 125 Mapa 9: Existência de Conselhos Tutelares nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. ......................................................... 127 Tabela 49: Vítimas de violência sexual infanto-juvenil (abuso e exploração sexual) atendidas segundo a instituição responsável pelo encaminhamento aos serviços especializados nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ........................................................................... 134 8 Índice de abreviaturas e siglas BPC – Benefício de Prestação Continuada CEI/FJP – Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro CEDCA – Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente CMDCA – Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública CT – Conselho Tutelar DATASUS – Banco de dados do Sistema Único de Saúde- SUS DER – Departamento de Estradas de Rodagem ECA – Estatuto da Criança e Adolescente ESCCA – Exploração Sexual e Comercial de Crianças e Adolescentes FJP – Fundação João Pinheiro IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IES – Índice de Exclusão Social IML – Instituto Médico Legal IMRS – Índice Mineiro de Responsabilidade Social INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEAdata – Banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MDS – Ministério do Desenvolvimento Social PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PAIR Minas – Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto–juvenil em Minas Gerais PIB – Produto Interno Bruto PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Pólos – Programa Pólos de Cidadania RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SAGI – Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SEDESE / MG – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Minas Gerais SEDH/PR – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática SUAS – Sistema Único da Assistência Social TLM – Taxa Líquida de Migração UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro Sumário Índice de ilustrações .......................................................................................................... 4 Índice de abreviaturas e siglas ........................................................................................... 9 Introdução ............................................................................................................................ 12 O fenômeno da violência sexual.......................................................................................... 14 O abuso sexual ................................................................................................................. 16 Por um diagnóstico da violência sexual infanto-juvenil: subsidiando a rede de ações de enfrentamento à violência sexual em Minas Gerais ........................................................ 49 Metodologia ......................................................................................................................... 54 Expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte ............................ 61 Base territorial do PAIR .................................................................................................. 61 Caracterização sócio-demográfica da população ............................................................ 67 Infra-estrutura, economia e segurança de renda .............................................................. 76 Grupo familiar e vulnerabilidades ................................................................................... 80 A violência sexual infanto-juvenil na RMBH ................................................................. 84 Infra-estrutura e rede de serviços................................................................................... 111 Considerações Finais ......................................................................................................... 137 Bibliografia ........................................................................................................................ 142 Introdução A elaboração do presente diagnóstico constitui uma das metas do projeto “Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio Doce e Região Metropolitana de Belo Horizonte”, desenvolvido em parceria pela Universidade Federal de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) e Associação Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte (AMAS). Tendo por objetivo expandir a área de abrangência do Programa de Ações Integradas e Referenciais ao Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR), o projeto prevê a sua implantação em 40 (quarenta) municípios do estado de Minas Gerais, além dos 74 (setenta e quatro) municípios onde o programa foi implantado nos anos de 2006 e 2007. “O Projeto de Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte se apresenta como uma estratégia de articulação entre a UFMG, Prefeituras municipais, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri e instituições diversas nos municípios da área de abrangência das regionais da SEDESE de Belo Horizonte, de Teófilo Otoni e de Araçuaí, com vistas a promover o fortalecimento da rede de proteção integral à criança e ao adolescente para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, no ano de 2008 e 2009 em Minas Gerais” (UFMG, 2008). A área de expansão do PAIR Minas foi definida de acordo com estudos e diagnósticos prévios que evidenciaram a concentração de ocorrências de exploração sexual infantojuvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte. Nessas áreas, a proximidade das BRs 116 e 418 foi identificada com um fator de risco à exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes e foi um dos critérios de definição da base territorial para a expansão do programa no estado1. O diagnóstico fornece uma base informacional sobre o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e sobre a rede de proteção à criança e ao adolescente nas regiões de expansão do PAIR Minas. O estudo realizado busca contribuir para a construção de uma 1 UFMG - Projeto O Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008. 12 agenda comum de trabalho entre os agentes implicados no projeto e para a definição de estratégias de implementação da metodologia do PAIR nos municípios beneficiados. 13 O fenômeno da violência sexual Alguns autores, como Guerra (1998), Faleiros (2000) e Libório (2003), explicam que a história social da infância em várias épocas e países revela como as crianças sempre foram vitimizadas por diversas formas de violência. Estas violências estão associadas tanto às concepções autoritárias e repressoras de uma sociedade paternalista - que pautaram, durante muito tempo, as posturas educativas em castigos corporais – quanto à ausência de políticas públicas de proteção e de atendimento de qualidade às crianças e adolescentes em situação de exclusão social, o que fica claro na realidade brasileira. A violência intrafamiliar e sexual (entre outros tipos de violência) pode ser pensada como expressão extrema de uma distribuição completamente desigual e assimétrica de poder entre homens e mulheres, bem como entre pais e filhos, atravessada complexamente pela distribuição desigual de renda, pela discriminação racial e étnica, delas desigualdades entre os gêneros etc. Em relação à violência, observa-se que, no âmbito do senso comum, esta comumente é vista somente num plano individual (onde frequentemente as/os vitimizadas/as acabam sendo culpabilizados/as). No entanto, há inúmeras análises, a exemplo das de Vethencourt (1990) e Vásquez (1990), que ressaltam a sua dimensão social. Os diferentes níveis da violência são sistematizados e analisados por Minayo (1990) de forma bem clara. O primeiro nível – a violência estrutural – caracteriza-se pela existência de um sistema social desigual, tendo como consequência a fome, o desemprego e os demais problemas sociais enfrentados pela classe trabalhadora. Já o segundo nível – a violência revolucionária – relaciona-se à resistência, que se expressa na luta de grupos oprimidos e discriminados contra a dominação legitimada. Por último, o terceiro nível – a delinquência – diz respeito às chamadas transgressões sociais, que não podem ser entendidas, de forma simplista, como um fenômeno natural, uma conduta individual patológica ou um atributo de grupos marginalizados como pobres e negros. A autora citada observa que qualquer forma de violência não pode ser compreendida isoladamente, e sim vista em rede. 14 Na violência intrafamiliar e sexual somam-se, de forma perversa, todos estes níveis, de modo a se cristalizar em um fenômeno que perpassa todas as classes sociais, os diferentes gêneros e as diferenças etárias. Por exemplo, citando Brandão (l997) e Saffioti (2004), que efetuaram trabalhos sistemáticos sobre o tema, nas famílias de classes trabalhadoras urbanas, a violência física seria predominantemente masculina e o enfrentamento dessa questão pelas mulheres e crianças, isto é, a tentativa de resolução do conflito presente no âmbito familiar, quando é possível se dar, é por intermédio de notificação aos órgãos policiais. Entretanto, somente numa pequena minoria dos casos, mesmo que a intensidade e a freqüência dos atos violentos sejam gravíssimas, há manifesta concordância com a possibilidade de punição/prisão do violentador. As formas de maus tratos contra crianças e adolescentes são variadas: abusos físico, sexual, psicológico, negligência etc. A violência tem inúmeras repercussões na vida de crianças e adolescentes: no rendimento escolar, na adaptação social, podendo ocorrer alterações da saúde física e mental e o desenvolvimento de distúrbios sóciocomportamentais. Abusos contra crianças e adolescentes tornaram-se objeto de estudo e pesquisa somente cerca de 50 anos atrás, apesar de serem perpetrados desde a Antiguidade (Krugman e Leventhal, 2005; Leventhal, 2003; Roche et al., 2005; Labbé, 2005) e atingirem todas as classes socioeconômicas. Vários transtornos psiquiátricos têm sido relacionados a eventos traumáticos sofridos na infância, com níveis de gravidade que variam com o tipo de abuso, sua duração e o grau de relacionamento com o agressor. Alguns estudos apontam os traumas de infância como responsáveis por cerca de 50% das psicopatologias diagnosticadas em adultos (Craine et al., 1988, apud Zavaschi et al., 2002). O comprometimento da saúde mental e a futura adaptação social das vítimas variarão de indivíduo para indivíduo, de acordo com o ambiente imediato, com o tipo de violência sofrida e com a capacidade de reação diante de fatos geradores de estresse. 15 Autores têm considerado fundamental a influência da família e sua (des)estruturação como preditores de fenômenos relacionados à criminalidade (Gover e MacKenzie, 2003; Craissati et al., 2002), ao abuso de substâncias e às perturbações da saúde mental. Afirmam também que crianças expostas a um acúmulo perverso de riscos estruturais e sociais têm maior probabilidade de manifestar problemas mentais (Arboleda-Flórez e Wade, 2001), tais como depressão crônica na adolescência (Meyerson et al., 2002). Um aspecto importante a ser destacado é que a continuidade dos abusos físico e sexual tem sido relacionada à prática de delitos. Jovens delinquentes mantidos em instituições penais frequentemente provêm de cenários familiares caracterizados por abuso, negligência e outras experiências traumatizantes (Gover e MacKenzie, 2003). O abuso sexual na infância é considerado um fator de risco independente para um comportamento delinquente (Swanston et al. 2003), com maior prevalência entre os abusadores sexuais reincidentes (Hanson e Harris, 1998, apud Aylwin et al., 2003). O abuso sexual Segundo o Glossário OIT/IPEC - Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes na Tríplice Fronteira Argentina/Brasil/Paraguai2, o abuso sexual refere-se a: “contatos ou interações sexuais entre menino ou menina e pessoa com mais idade, com mais experiência – adulto ou até outra criança mais velha - pode ser um desconhecido, mas geralmente são pessoas em quem confiam – irmãos/ãs maiores, pessoas em posição de autoridade como pais, mães, padrastos, outros parentes, cuidadores, amigos da família, vizinhos, professores, médicos, padres etc. A criança é utilizada como objeto de prazer para outra pessoa satisfazer suas necessidades sexuais. Esses contactos ou interações podem ocorrer mediante força, promessas, coação, ameaças, manipulação emocional, enganos ou pressão” (OIT/IPEC, 2009). Várias abordagens deste fenômeno são possíveis e, mais do que isso, necessárias, conforme finalidades específicas: sociais, médicas, psicológicas, jurídicas, antropológicas, etc. Assim, um aspecto relevante a ser considerado na definição de abuso sexual refere-se à 2 Glossário de Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (Português), OIT/IPEC, disponível em http://white.oit.org.pe/ipec/pagina.php?pagina=284. Última consulta em 15/03/2009. 16 questão da sua evidente relatividade cultural. Embora alguns tipos de contatos físicos mais íntimos possam ser aceitáveis em grupos com diferentes culturas e concepções acerca da sexualidade, para outros grupos, no entanto, o mesmo comportamento pode ser percebido como algo inadequado. Para um avaliador proveniente de diferente contexto social ou grupo étnico daquela das pessoas envolvidas no caso avaliado, pode ser particularmente difícil identificar e compreender as interações abusivas (Fontes, 1993)3, pois a percepção do que seja um comportamento abusivo é algo definido pela sociedade, e varia tanto no espaço geográfico quanto na dimensão temporal (Friedman, 1990)4. Abuso é um termo usado para definir uma forma de maus-tratos de crianças e adolescentes, com violência física e psicológica associada, geralmente repetitivo e intencional e, por isso, praticado, mais freqüentemente, por familiares ou responsáveis pelo(a) jovem (Chistoffel e cols., 1992; Council on Ethical and Juridical Affairs - AMA, 1992)5. A origem deste conceito remonta a meados do século passado, com a descoberta da violência contra crianças e adolescentes nas grandes cidades. Gordon; 1988 e Chistoffel e cols. 1992, em uma orientação técnica do National Institute of Child Health & Human Development (USA) para pesquisas de injúrias infantis, incluem o abuso sexual dentro do item violência, subcategoria de maus-tratos físicos. Dentre 17 meios de injúrias definidos (incluindo desde lesões causadas por veículos automotivos à síndrome de Munchausen infantil), encontra-se a agressão sexual. O abuso sexual pode ser definido, de maneira bastante generalista, como o envolvimento de crianças e adolescentes — logo, em processo de desenvolvimento — em atividades sexuais que não compreendem em sua totalidade, para as quais não estão aptos a concordarem e que violam as regras sociais e familiares de nossa cultura (Glaser, 1991)6. Esta caracterização inclui basicamente três conjuntos de situações: 3 Ver FONTES, L. A Considering culture and oppression: Steps toward an ecology of sexual child abuse. Journal of Feminist Family Therapy, 5, 25-54, 1993. 4 Ver FRIEDMANN, S.R. What is child sexual abuse? Journal of Clinical Psychology, 46, 373-375, 1990. 5 Ver CHRISTOFFELL, K.K.; SCHELDT, P.; AGRAN, P.H.; KRAUS, J.F.; McLOUGHLIN, E. & PAULSON, J. Standart definition for childhood injury research. Washington, NICHD, 1992. 6 Ver GLASER, D. Treatment issues in child sexual abuse. British Journal of Psychiatry, 159:769782, 1991. 17 a) história de agressão sexual com violência física na qual o/a jovem é a vítima; b) interação ou contato sexual (como toques, relações sexuais, exibicionismo, voyeurismo, etc.) entre uma criança e outra pessoa de qualquer idade em que a participação tenha sido obtida por meios desonestos, como ameaças, coerção moral, mentiras, deturpações de padres morais e táticas similares; c) contato ou interação sexual entre criança ou adolescente e adulto, mesmo com a cooperação voluntária, em situações definidas por lei ou costumes como crime, devido à presunção de imaturidade do/a jovem e de responsabilidade do adulto. (Simrel et al.,1979)7. Neste grupo estão incluídos os casos de exploração sexual. Segundo Flores (1998)8 seria possível acrescentar uma quarta situação, um pouco mais complexa e menos frequente: d) falsas denúncias, pois no Brasil, como nos EUA, por exemplo, as consequências de uma investigação de abuso sexual, especialmente aqueles ocorridos no lar, são, para a família, devastadoras, com perda de emprego, divulgação pública, processos criminais e conseqüente abandono por parte de amigos e familiares (Tyler e Brassard, 1984)9. Este fenômeno foi denominado de "trauma secundário induzido pelo sistema". Ainda segundo o médico geneticista Renato Z. Flores, da UFRGS, “na medida em que o conhecimento científico sobre maus-tratos na infância aumentou nas duas últimas décadas, tornou-se claro que tratava-se de mais de um fenômeno sob o mesmo rótulo (Jones & McCurdy, 1992)10. Progressivamente foram sendo construídas árvores cladísticas cada vez mais complexas subdividindo os tipos de ocorrências” (p. 27). Cabe-nos, contudo, mais que definir o que seria abuso sexual, compreender qual é a sua processualidade, a sua dinâmica. Neste sentido é fundamental a discussão sobre redes, pois o fenômeno em tela obedece a características distintas dependendo da configuração no qual está inserido. Segundo a literatura, fatores intervenientes tais como: experiências de violência intensa na família, alcoolismo, desemprego ou estresse econômico-financeiro, entre outros, podem 7 Ver SIMREL, K.; BERG, R.; THOMAS, J. Crisis management of sexually abused children. Pediatric Annals, 85:317-325, 1979. 8 Ver FLORES, Renato Zamorra (1998) Definir e Medir o que são os Abusos Sexuais. IN: .IN: Oficina de Indicadores de Violência Intrafamiliar e Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes. CESE, MJ, CECRIA, Fundo Cristão para a Criança, ps. 24 a 33. 9 Ver TYLER, A.H. & BRASSARD, M.R. Abuse in the investigation and treatment of intrafamilial child sexual abuse. Child Abuse & Neglect, 8:47-53, l984. 10 Ver JONES, E.D. & MCCURDY, K. The links between types of maltreatment and demographic characteristics of children. Child Abuse & Neglect, 16:201-215, 1992. 18 predispor as redes familiares à ocorrência da violência sexual contra crianças e adolescentes. As redes familiares são redes primárias onde são fabricados os processos básicos e iniciais de identificação dos seres humanos. É neste âmbito de socialização primária em que somos nomeados por alguém, em que ganhamos um sobrenome que nos vincula às relações de família e à própria cultura, inserindo-nos, queiramos ou não, em projetos e cursos de vida marcados, de antemão, às condições de classes sociais determinadas, de status social e simbólico que nos vinculam à ausência ou presença de determinadas oportunidades sociais, políticas e econômicas. Nesse último caso, evidentemente, situamse a educação, a formação, o conhecimento, a capacidade, o capital cultural da família no qual estaremos definitivamente inseridos e do qual nos nutriremos para posteriormente seguir um caminho próprio. Os dados existentes nos revelam que em processos e dinâmicas de violência intrafamiliar, o abuso sexual é também predominantemente intrafamiliar, se produz, portanto, nas relações mais próximas da criança ou adolescente. Na grande maioria das situações é perpetrado pela figura do pai ou por outra substituta a ele (padrasto, namorado, amante etc. ou ainda, por algum tio, avô ou irmão mais velho). Ele se realiza, predominantemente, contra crianças na faixa etária de 8 a 13 anos, que são predominantemente do sexo feminino. Pode acontecer também contra crianças do sexo masculino, mas a frequência é menor. É extremamente comum os abusadores combinarem, através dessa relação autoritária e profundamente assimétrica e desigual de poder, sedução com a ameaça/medo. Ambas características vão gerar um único resultado: impor uma camada de segredo e de silêncio aos vitimizados e, com alguma frequência também, às outras “testemunhas” que de alguma forma tenham se envolvido no escopo dessa relação consangüínea e nisto que culturalmente definimos como relação de proteção dinâmica da “honra” e da subsistência da família. A família, nesse caso, funciona como um núcleo central, isto é, ela costuma ser fechada, mas articulada. 19 As pessoas vitimizadas11, por sua vez, são traumatizadas pelo medo, pela dor, pela vergonha, pelo terror. Elas reprimem as ocorrências e é muito comum que não desejem sequer falar do assunto, mas os “sintomas” são fenômenos que passam a fazer parte de seus cotidianos de vida: é frequente que venham a sofrer de depressão (em seus vários níveis, desde um mero desinteresse pelo mundo até situações mais agravantes de desvinculamento), descontrole e grande labilidade emocional, anorexia, dificuldades nos estudos, problemas de concentração, digestivos, fobias, sensação de estar sujo, excesso de episódios de masturbação. Em alguns casos as crianças vitimizadas podem vir a chegar a tentativas de suicídio ligadas, de certa forma, ao que foi vivido e posteriormente negado. Segundo a literatura, em casos de abuso de crianças vitimizadas do sexo masculino, pode até chegar a acontecer a proibição, pelo abusador, de que o vitimizado use o sobrenome da família, em função do estigma de homossexual que este passa a carregar após ter sido este abusado pelo pai e pelo tio. A pessoa vitimizada é frequentemente punida e revitimizada. Esse processo de revitimização é, muitas vezes, repetido, no próprio processo de atendimento. Nessa rede de relações, quando é possível romper a barreira inicial do silêncio extrafamiliar e a criança/adolescente vitimizada (ou algum parente próximo seu) consegue chegar a denunciar o ocorrido, vai prevalecer a impunidade do abusador, que é, frequentemente, “perdoado” pela família e até pela sociedade, por razões culturais e enraizadas numa cultura de relações de gênero e sexuais profundamente autoritárias. A Figura 1 abaixo ilustra, de forma sucinta, aquelas dimensões mais fundamentais desta trama em que estaria implicada na “rede familiar autoritária abusadora”: 11 Os autores têm preferido utilizar a expressão “vitimizado” ao invés de vítima por reconhecerem nestes sujeitos a existência da capacidade de compreensão, reação e superação do processo de violência, seja de uma ou de outra forma. Assim, estes seriam mais apropriadamente “sujeitos vitimizados/as” e não simples ou meros “objetos-vítimas”. Concordamos com esta abordagem e iremos reproduzi-la aqui. 20 Figura 1: Resumo das Dimensões interativas/relacionais na situação de Abuso Sexual cumplicidade/ contrato de sobrevivência Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.03. *Vitimizados/as: Frequentemente passam a viver bastante isolados/as de outras redes, pelo poder autoritário do abusador. Como observamos, tais relações são extremamente complexas e às vezes totalmente ambíguas: se abrem a interpretações e várias perspectivas analíticas, bem como a diferentes ênfases de intervenção, a saber: no âmbito da própria dinâmica familiar, no âmbito da relação autoritária, na própria dinâmica de revelação do problema ocorrido/vivenciado. Faleiros (1998) faz questão de destacar que a “revelação” do abuso seria um “tema crucial que contribui para desestruturar esse arranjo autoritário e perverso, mas também é das ações mais difíceis pelo segredo em que está envolvida” (p.3). De uma forma bastante resumida, até aqui, teríamos que o ABUSO SEXUAL seria: • Via de regra uma ação realizada no âmbito da rede familiar primária, podendo vir a ser considerada isolada ou privada por envolver geralmente apenas as pessoas de um núcleo familiar (um adulto e uma criança ou adolescente e os outros membros da família que, ou são cúmplices, ou desconhecem o evento); • Corresponde, nesta rede familiar primária, a um ato/exercício de poder autoritário, desigual e assimétrico entre diferentes atores do quadro familiar e geracional; • É um fenômeno que, devido ao peso moral de reprovação, costuma ser mantido sob o máximo sigilo por todos os envolvidos. Mesmo o/a vitimizado/a, na maioria das vezes, nega ou esconde, pelo menos inicialmente, o ocorrido; 21 • É um fenômeno de difícil previsão a respeito de quando ou onde irá ocorrer, pois a única causa comum seria as relações de gênero autoritárias dentro do âmbito familiar; • Envolve, com freqüência relações afetivamente marcadas pela ambigüidade: amor/ódio, prazer/dor, sedução/terror, desejo/aversão, conivência/aceitação/repúdio. Vamos agora nos ater ao formato da rede secundária que em geral, no formato de políticas públicas, costuma se ocupar desta temática. Esta também pode ser passível de ser mapeada, de acordo com os enfoques/relações que os atores centrais do processo de intervenção mantêm com a problemática. Cabe destacar inicialmente que esta rede secundária está frequentemente atuando de forma fragmentada, e alguns atores chegando mesmo a agir de forma totalmente isolada. Cada ator/organismo age por seu lado, visando (na melhor das hipóteses) cumprir o seu respectivo papel. Por exemplo: o delegado e o juiz, dentro do aparato judiciário e repressivo, alcançam o abusador (dispositivo repressor); a assistência social recebe as denúncias e providencia, caso necessário o abrigamento (dispositivo protetor), os conselhos tutelares evidentemente aconselham e procuram executar encaminhamentos ao restante da rede (dispositivo receptor, aconselhador e deliberador). As ações da saúde, da educação e da assistência, integradas, devem promover o atendimento/tratamento (dispositivo reparador). É possível uma melhor visualização destas distintas dimensões no quadro seguinte: Figura 2: Resumo das Dimensões de Interação da Rede Secundária que atua na situação de Abuso Sexual Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.04. 22 Nesta outra figura, o autor preferiu destacar a fragilidade e a fragmentação das atuações através do desenho de linhas pontilhadas, já que estes novos e diferentes atores costumam intervir “sem definir as áreas em que vai dar ênfase, de forma articulada, com divisão político-operacional das ações de prevenção, defesa, responsabilização, atendimento emergencial, acompanhamento da questão como um todo na dinâmica familiar” (p.3). Concordamos com Faleiros (1998) quando ele afirma que “É preciso um paradigma de redes para romper com os curtos-circuitos, a fragmentação, construídos de forma conceitual, estratégica e operacional”. Também estamos de acordo quando o mesmo afirma que toda esta complexa rede precisaria assumir como seu paradigma fundamental a defesa dos direitos humanos: (a) numa atitude franca e aberta de valorização da figura da mulher na cultura e no âmbito familiar, de se sua autonomia e identidade; (b) de mudança cultural relativa ao machismo e ao autoritarismo no âmbito familiar, no sentido da crítica, desconstrução e reinterpretação do papel masculino neste e em outros âmbitos; (c) de reinserção e “cura”/atendimento do vitimizado para que ele/a possa retomar seu curso de vida e estabelecer escolhas futuras que estimulem seu protagonismo e por esse sejam definidas; (d) de articulação e atuação conjunta, de fato, com outros atores fundamentais neste processo como as áreas da saúde e da educação/escola. Ainda segundo Faleiros: “Hoje, como o demonstra a Declaração de Jovens Sexualmente Explorados, em Victoria, Canadá, é fundamental o protagonismo dos jovens, inclusive dos que tiveram experiência de exploração ou abuso, através da escuta de sua fala, de sua participação na discussão do problema, na cura e reintegração dos(as) vitimizadas(os), na prevenção”(idem). Desta forma, sabemos também que o abuso sexual na infância é visto como fator de risco para a vitimização sexual na idade adulta, independentemente da atuação familiar (Messman-Moore e Brown, 2004), e para o desenvolvimento de psicopatologias futuras (Molnar et al., 2001). Estudos recentes têm relacionado diversas parafilias ao abuso sexual continuado na infância; quanto mais frequente e persistente, piores os problemas psíquicos, comportamentais e de relacionamento. As sequelas levariam as vítimas de abuso a comportamentos criminosos de transgressão dos costumes (Sharma, 2003). 23 A repetição dos maus-tratos em crianças pode servir de indicador de disfunção familiar. Serviços que prestam atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual devem considerar o conjunto dos fatores de risco associados à sua continuidade, a fim de prevenir ocorrências futuras (Swanston et al., 2002). Os núcleos familiares de mulheres vítimas de abuso continuado na infância mostraram-se semelhantes, independentemente da existência ou não de vínculo familiar com o agressor (Gold et al., 2004). O interesse social e político sobre os direitos da criança e do adolescente, embora crescente, pode ser considerado paradoxal nos países democráticos ocidentais. Esses direitos foram estabelecidos internacionalmente a partir de 1924, pela Convenção de Genebra sobre os direitos da criança, estendida pela Convenção Internacional das Nações Unidas de 1959 e ratificada em 1990 pelos países signatários (Morales e Schramm, 2002). A despeito desses avanços, o abuso sexual permanece cercado por uma barreira de silêncio e se mantém perpetuado pela ignorância (Sharma e Gupta, 2004). Embora seja mais comum a violência sexual contra o sexo feminino (Queiroz, 2003; Vaz, 2003; Ramírez, 2001), não se deve descartar que essa conclusão é influenciada pela subnotificação das ocorrências envolvendo o sexo masculino (Biheler, 2002). Esse tipo de abuso altera a vivência da sexualidade humana, sobretudo quanto atinge crianças e adolescentes, pois essa vivência é resultado da “integração das dimensões somáticas, emocionais, intelectuais e sociais do ser humano” (Morales e Schramm, 2002). O fenômeno é universal, com variações decorrentes dos diferentes padrões culturais (Korbin, 2002), com igual potencial de dano, independentemente de qual forma (Chen et al., 2004) ou justificativa o abuso sexual assuma. A violência, por vezes mal percebida pelas partes envolvidas, pode ser desencadeada por diversos fatores, manifestando-se de formas diferentes, daí decorrendo o seu grande potencial de dano. Os tipos de abuso contra crianças mais comuns e de mais fácil detecção são a violência física e a sexual. 24 O abuso sexual na infância é considerado também como fator de risco para a vitimização na idade adulta (Messman-Moore e Brown, 2004; Surrat et al., 2004; Polanczyk et al., 2003). As consequências psíquicas do abuso sexual vão além daquelas causadas pelo fato em si. Elas também decorrem, direta ou indiretamente, dos efeitos do processo legal e de seus desdobramentos (Ghetti et al., 2002). Cabe ressaltar, entretanto, que apesar do sofrimento causado pelos maus-tratos, algumas crianças passam por essa experiência sem apresentar o quadro de sequelas descrito pela literatura especializada, conseguindo encontrar “caminhos de (re)construção de suas próprias vidas” (Junqueira e Deslandes, 2003). Diante da gravidade do fenômeno em tela, a produção de estimativas de prevalência e incidência da violência sexual contra crianças e adolescentes e a relação destes fatores com o seu cotidiano são fundamentais para o desenvolvimento de políticas de prevenção e abordagem do problema. A produção de estatísticas regulares e confiáveis persiste, no entanto, como um dos principais entraves ao desenho adequado de políticas públicas de prevenção às violências contra crianças e adolescentes e à avaliação dos resultados daquelas em execução. Os dados disponíveis sobre o abuso sexual no País não enfocam o testemunho ou a convivência com as vítimas. São fundamentados quase exclusivamente em relatos de entidades governamentais que não alcançam a real dimensão do problema. Gomes (1998) destacou a dificuldade encontrada para acompanhar casos selecionados a partir de um recorte nos dados gerais de pesquisa realizada pelo Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, de 1994, em visitas às delegacias policiais, a fim de verificar, após cinco anos, o encaminhamento dado aos registros das denúncias. Entre os problemas relatados, destacaram-se o arquivamento das fichas em local de difícil acesso e o fato de algumas delegacias não facilitarem a tarefa. Somente 106 casos de violência doméstica na faixa de zero a 05 anos foram localizados: 80% de casos relacionados à morbidade e 20% de casos fatais. Desse total, apenas 24 foram transformados em inquérito; desses, somente 01, por se tratar de homicídio, tornou-se processo, sendo o pretenso agressor absolvido. Desse total, apenas 31% das vítimas foram encaminhadas para a realização de exame pericial para fundamentação das denúncias. 25 Fatores, como a não-notificação das ocorrências às autoridades policiais por medo de represálias ou do estigma social, dificultam o conhecimento do desfecho desses casos (Polanczyk et al., 2003). O tempo entre o fato e a comunicação às autoridades pode variar, sendo mais curto nos casos em que o agressor é desconhecido ou não tem relação de parentesco com a vítima. Nos casos em que o agressor é o próprio pai, ou familiar, a denúncia pode demorar a ser feita (Sharma e Gupta, 2004), provavelmente até que a criança perceba que tais práticas são incorretas ou injustas, ou que possa se defender. Em amostra pesquisada na cidade de Santa Cruz de Tenerife (Ilhas Canárias), 67% das denúncias foram feitas pela própria ofendida, e 88% dos perpetradores eram conhecidos (Suarez Sola e Gonzalez Delgado, 2003b). Podem ainda ser considerados motivos para a manutenção desse quadro: a multidimensionalidade dos fatores conducentes a tais violências, a falta de preparo dos profissionais para a identificação dos casos de maus-tratos, desconhecimento das leis, descrédito nas possíveis ações do Estado para resolver o problema, banalização dos efeitos sobre as vítimas pela violência sofrida, além do descrédito no relato da vítima (Paiva, 2000). Adolescentes abusados sexualmente têm dificuldade de relatar as violências aos membros da família por receio de não serem levados a sério, vergonha ou medo dos problemas que tal revelação possa provocar no meio familiar (Koshima, 1999). O desconhecimento da existência e o funcionamento de serviços de assistência social, a vontade de manter o problema em segredo, a não percepção do abuso e a desconfiança inspirada por adultos e/ou profissionais dificulta a procura por atendimento especializado. Outro fator que pode ser considerado é a limitação do amparo que eles podem oferecer às crianças e adolescentes vitimizados (Crisma et al., 2004). Profissionais de saúde (física ou mental) têm, por sua vez, dificuldade em identificar os casos suspeitos de abuso sexual quando solicitados a auxiliar nas decisões judiciais. Eles se valem para isso de dados obtidos em exames médico-legais, testes psicológicos, revisões e sumários de pesquisas relevantes na área das ciências sociais. Análise sobre o assunto concluiu que pelo menos 24% dessas decisões tanto podem resultar em avaliações falsopositivas como falso-negativas (Herman, 2005). 26 Além do baixo número de notificações – estima-se que somente 10% dos casos sejam notificados (Barros, 2004; Santos, 1998) – o que preocupa é o altíssimo número de casos de maus-tratos que são diagnosticados e/ou qualificados como outro tipo de crime. O depoimento de um atendente de uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, no estado do Rio de Janeiro, ilustra a dificuldade para conhecer a realidade dos maus-tratos em geral: o funcionário acha que o exame de corpo de delito, no caso, para comprovação de violência sexual, “não vai conseguir provar nada que auxilie no andamento das investigações”, e ainda acrescentou: “É bobeira mandar a vítima pro [sic] IML à toa, é melhor registrar o crime como tentativa ou ameaça” (Paiva, 2000). As falhas nos registros podem ser atribuídas também a fatores médicos: dificuldades do profissional em associar o quadro clínico a uma situação de violência, “razões éticas; contato estreito com a comunidade; medo de revanchismo contra bens, família ou contra si; medo de aparecer na imprensa; temor de transtornos legais e acusação de falsa denúncia; temor de comparecimento ao tribunal com perda de tempo profissional” (Santos, 1998). É importante destacar que adolescentes vítimas e testemunhas de atos de violência sexual encontram-se sujeitos à violência comunitária em geral com mais frequência do aqueles que não foram expostos à violência sexual. A exposição a outros tipos de violência seria uma consequência do comportamento desorganizado possivelmente associado ao evento traumático (Polanczyk et al., 2003). Experimentar ou testemunhar atos violentos no ambiente familiar, durante a infância tem sido associado à delinquência e à violência juvenis, tanto quanto às várias formas de agressões contra mulheres (White e Smith, 2001). A escola, por sua vez, tem compromisso ético e legal de notificar às autoridades competentes os casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos, que inclui a violência sexual. Assim, diante da gravidade que encerra a violência sexual para a criança e para o adolescente e, considerando que a escola deve ter como objetivo garantir a qualidade de vida de sua clientela, bem como promover a cidadania, é relevante para a definição de qualquer estratégia de prevenção e de atendimento por parte das redes de enfrentamento da violência infanto-juvenil conhecer as concepções dos (as) professores (as), diretores (as) e 27 coordenadores (as) pedagógicos (as) sobre o fenômeno, bem como suas atitudes frente a uma suspeita ou confirmação de casos de violência sexual envolvendo alunos (as). No contexto histórico-social da violência contra crianças e adolescentes, no qual se insere a violência sexual, prevalece uma cultura de dominação e de discriminação social, econômica, de gênero e de raça. O paradigma de sociedade de direitos rompe com padrões antigos, mas exige a construção de uma nova cultura de proteção e respeito aos direitos humanos da criança e do adolescente. Isto “implica em tecer relações de trocas afetivas e de aprendizagem, coibir abusos, enfrentar ameaças, proteger os vulneráveis e as testemunhas e responsabilizar os agressores” (Guia Escolar, 2004, p 11). Com relação ao papel da escola e do professor na prevenção e enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, Brino e Williams (2003) enfatizam que a escola é o lugar ideal para prevenção, intervenção e enfrentamento deste fenômeno, pois deve ter como objetivo a garantia da qualidade de vida de seus alunos e a promoção da cidadania. Nesse contexto, a centralidade das escolas é respaldada pelo Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil (2000) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8069/90) que definem diretrizes para a implementação de um conjunto de ações articuladas que permitam a intervenção técnica, política e financeira para o enfrentamento da violência sexual cometida contra crianças e adolescentes. Segundo Brino e Willians (2003), em uma pesquisa realizada por estudiosos do assunto, 44% dos casos de abuso sexual são relatados inicialmente para o professor, o que demonstra sua importância para a denúncia e notificação de ocorrências de abuso sexual, atuando como um agente facilitador da ruptura do círculo de silêncio que caracteriza essas situações. A exploração sexual e a prostituição infanto-juvenil O Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial Infantil – Declaração e Agenda de Ação de Estocolmo (1996) produziu a seguinte definição: “A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes é uma violação fundamental dos direitos. Abrange o abuso sexual por parte do adulto, e remuneração em dinheiro ou em espécie para criança e/ ou adolescente ou para um terceiro ou várias pessoas. A criança ou adolescente é tratada 28 como objeto sexual ou mercadoria. A exploração sexual comercial constitui uma forma de coerção e violência contra a infância e adolescência, equivale a trabalho forçado e constitui uma forma contemporânea de escravidão”. A expressão exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (ESCCA) compreende as seguintes modalidades: prostituição infantil, pornografia infantil e tráfico para comércio sexual e turismo sexual infantil12. Nos instrumentos internacionais é comum se utilizar a expressão prostituição infantil. No Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, à prostituição e à pornografia infantil, há uma definição mais simplificada: “utilização de crianças em atividades sexuais em troca de remuneração ou de qualquer retribuição”. Grande parte das organizações que atuam no enfrentamento do problema prefere utilizar a expressão exploração sexual comercial infantil, por compreender que: a) o termo abrange todas as modalidades de exploração sexual comercial cometidas contra meninas/os e adolescentes (à semelhança da prostituição adulta, pornografia, turismo sexual, tráfico para comércio sexual); b) a utilização do termo prostituição infantil aumenta a discriminação das vítimas sem enfatizar o papel dos adultos responsáveis pelo delito. Isso provoca o olhar (de pena ou censura) da sociedade só para as crianças e adolescentes, como se, por trás delas, não houvesse uma cadeia de exploradores. Desta forma, pode-se resumir a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes como um “processo de tirar proveito sexual de pessoas com menos de 18 anos” (...) mediante “a utilização da criança/adolescente como objeto sexual” (...), onde ocorre uma “relação de exploração de trabalho (formalizado ou não)” (Kassar, Mônica et alli, 2005:36)13. A violência que está presente na exploração sexual contra crianças e adolescentes é, infelizmente, um problema de escala mundial. “Por ser ilegal, clandestina e em grande parte doméstica, é uma questão ainda pouco visível e difícil de ser qualificada. O mais frequente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes é aquele denominado estrutural, em função da precária situação socioeconômica das famílias das quais grande parte das crianças e adolescentes se originam” (Relatório de Viabilidade – 12 Ver Fonte: Glossário OIT/IPEC - Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes na Tríplice Fronteira Argentina/Brasil/Paraguai. Disponível em http://white.oit.org.pe/ipec/pagina.php?pagina=284. Última consulta em 16/03/2009. 13 Ver KASSAR, Mônica et alli, Aspectos Subjetivos da Percepção da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes em Corumbá, 2005. 29 MDS, p.5/6). E esta é apenas uma face nem sempre visível das múltiplas faces da violência que acometem as unidades familiares no Brasil. A prostituição, de uma forma geral e tradicionalmente, já se constitui objeto das ações do Estado e em especial da Saúde Pública, principalmente inserida dentro de uma ótica higienista. Quando se fala de prostituição infanto-juvenil, aponta-se para uma realidade distinta da prostituição em geral, configurando-se este em outro conjunto de determinações. Por outro lado, a nossa abordagem desse fenômeno aqui não se reduz à concepção higienista. Vamos acompanhar aqui a excelente apresentação já realizada por Gomes (1994) no artigo “Prostituição Infantil: Uma Questão de Saúde Pública”, em que o autor se incumbe de resumir de forma densa, mas muito didática, os principais elementos que se articulam nesta temática. As linhas que seguem estão quase todas praticamente retiradas do artigo mencionado. Partimos do pressuposto de que a discussão a respeito da prostituição adulta é controversa e gera polêmicas que ainda não estão resolvidas, nem na vida prática e muito menos nas abordagens teóricas. Para Scambler et al. (1990)14, por exemplo, esta denominação é empregada como um trabalho igual a outro qualquer, definindo a prostituição como uma forma de trabalho sexual, enquanto uma transação de negócios: tem de haver um comprador e um vendedor, comodidade oferecida e preço fixado. Nesta transação, troca-se gratificação sexual por uma taxa/preço estabelecida/o, não havendo nenhuma pretensão à afeição. Essa concepção difere radicalmente do posicionamento de Barry (1991)15, que concebe a violência sexual e a prostituição como violações da dignidade humana, crimes contra a mulher e formas de discriminação sexual. No Terceiro Mundo, segundo a autora, a prostituição, associada à vulnerabilidade econômica, pode assumir configurações brutais, presentificadas nas ações do tráfico de seres humanos, por exemplo. O argumento de que a prostituição é uma forma de trabalho é atacado frontalmente por Barry (1991). Comparando o trabalho de jogadores de beisebol com a prostituição, a autora verifica que 14 Ver SCAMBLER, G.; PESWANI, R.; RENTON, A. & SCAMBLER, A., 1990. Women prostitutes in the AIDS era. Sociology of Health & Illness, 12: 260-273. 15 Ver BARRY, K., 1991. Prostitución y victimización. La mujer ausente: derechos humanos en el mundo Ediciones de las Mujeres, 15: 63-78. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 58-66, jan/mar, 1994 65 Prostituição Infantil. 30 o jogador, embora contratado para usar o seu corpo, nunca entrega seu corpo, nem seus atributos para quem o contrata. Na prostituição, ao contrário, obtêm-se o direito unilateral ao uso sexual direto do corpo por parte do comprador. Encarar a prostituição como questão de uma cultura específica também seria, segundo a mesma autora, uma atitude a ser combatida. Segundo o seu ponto de vista, o ato da prostituição seria essencialmente o mesmo em diferentes culturas, com variações produzidas por demandas específicas, idiossincráticas e racistas dos clientes. Por último, Barry observa que quando se situa a prostituição como uma violação dos direitos humanos e como um crime contra a mulher, podem surgir objeções de que isso afetaria as mulheres que optam por ser prostitutas, mesmo tendo outras alternativas e a contrapartida de criminalizar seus clientes seria “injusta”. Rebatendo o argumento, a autora afirma: “na África do Sul há negros que participam do apartheid, contribuem e ganham com o apartheid. Mas isso não justifica o apartheid”. A ida (ou como alguns preferem: a “opção”) de mulheres para a prostituição é fortemente influenciada pela ideologia machista, patriarcalista e capitalista reinante. Para Saffioti (1989)16, a moça – quando vítima de violência sexual, que vai da sedução ao estupro – pode se ver como “indigna” de viver em sociedade, onde só há lugar para as “virgens” e “casadas”. Não se enquadrando em nenhuma essas situações, ela encontraria a zona de prostituição como solução. Por outro lado, para que na sociedade haja “gente de família”, a prostituição passa a ser o perfeito mal necessário, uma vez que se concilia o incentivado treinamento sexual masculino prématrimonial com o fato de a moça chegar virgem ao casamento. Ao se abordar a prostituição, independente do tipo de enfoque, não se pode deixar de lado a idéia de que esta temática insere-se na categoria do que se define comumente por “estigma”. Em Goffman (1988)17 pode-se encontrar base para uma melhor compreensão desta categoria. Segundo o autor, as atitudes das pessoas tidas como “normais” em relação às pessoas com um estigma possuem características peculiares. Em geral, essas atitudes são perpassadas por vários tipos de discriminação. Elas fundamentam-se, comumente, numa 16 Ver SAFFIOTI, H., 1989. Exploração sexual de crianças In: Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno Poder (M. A. Azevedo & V. N. A. Guerra, orgs.), pp. 49-95, São Paulo: Iglu. 17 Ver GOFFMAN, E., 1988. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro:Guanabara. 31 teoria de estigma e numa ideologia que serve para racionalizar, entre outros, dois aspectos centrais: a inferioridade de quem é estigmatizado e o “perigo” que essa pessoa representa. Alguns aspectos podem nos ajudar na compreensão de como tradicionalmente constituiu-se o saber sobre a prostituição. Entre os estudos que contribuem para esta compreensão destacam-se os de Machado et al. (1978)18, Engel (1986, 1989)19 e Soares (1986)20. Esses trabalhos, no que diz respeito ao saber médico sobre a prostituição, são baseados em documentos, em geral teses de medicina, do século XIX, produzidos na cidade do Rio de janeiro. As análises que realizam possuem aspectos comuns e pontos distintos sobre o assunto. Machado et al. (1978) apontam para o fato de o saber médico da época revelar a prostituição como um “perigo físico e moral”. Por outro lado, este objeto do saber médico também era visto, ao mesmo tempo, como um fato natural e social. Enquanto “perigo físico”, segundo esses autores, a prostituição era identificada como causa de doença; no caso, havia principal destaque para a sífilis. Do leito da prostituta para o leito da esposa, o homem poderia passar “o mal que deforma e mata”, que se estende para os seus descendentes. Além da sífilis, inúmeras e variadas doenças são apontadas pelos médicos da época como conseqüências da “cópula desenfreada e desregrada”. Insônia, ansiedade, ardor de entranhas, decadência progressiva de forças, poluções noturnas e sintomas nervosos são exemplos que figuram na lista dessas doenças. A dimensão física presente no discurso médico da época, segundo análises de Engel (1986), inseria a prostituição no espaço da “sexualidade pervertida”, em contraposição ao casamento, visto como espaço da “sexualidade sadia”. As imagens do cancro e da úlcera são exemplos dos diagnósticos presentes neste discurso, apontando para a idéia de ser a prostituição uma enfermidade ameaçadora da saúde e da vida. Este enfoque denota certa preocupação com o corpo enquanto aspecto físico. Assim, o corpo da prostituta em si é visto como “uma doença do corpo que corrói o próprio corpo 18 Ver MACHADO, R.; LOURENO, A. L. R. & MURICY, K., 1978. Danação da Norma. Medicina Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal. 19 Ver ENGEL, M. G., 1986. O médico, a prostituta e os significados do corpo In: História e Sexualidade no Brasil (R. Vainfas, org.), pp. 169-190, Rio de Janeiro: Graal e ENGEL, M. G.,1989. Meretrizes e Doutores: Saber Médico e Prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo: Brasiliense. 20 Ver SOARES, L. C., 1986. Da necessidade do bordel higienizado: tentativas de controle da prostituição carioca no século XIX. In: História e Sexualidade no Brasil (R. Vainfas, org.), pp. 143-168, Rio de Janeiro: Graal. 32 (...) E que ameaça outros corpos” (Engel, 1986). Junto às doenças físicas, os médicos advertiam sobre as consequências morais advindas da prostituição. Essa prática poderia ser um exemplo pernicioso para as moças: desestimular o trabalho e estimular o vício, entre outros problemas morais. “A prostituição desenfreada e ‘livre’ é colocada como obstáculo à transformação da família em um local de produção de indivíduos saudáveis” (Machado et al., 1978). Como observa Engel (1986), o papel da prostituta – visto como oposto ao da esposa – relacionava-se ao exercício da paixão – oposto ao exercício do amor. Este papel, para os médicos da época, vinculava-se ao adultério e à degradação dos costumes, representando o espaço da sexualidade moralmente doente, e, assim como a doença física, essa sexualidade doente também possui um caráter contagioso que ameaça os costumes. Por outro prisma de análise, para Machado et al. (1978), os médicos viam a prática da prostituição como, simultaneamente, um fato natural e social. Esta prática, presente em todos os países e nas eras mais primitivas, segundo o saber médico da época, estava ligada ao organismo humano, permitindo que o instinto sexual se realizasse e promovendo uma entrega ao “desejo arrebatador”. Neste sentido, para este saber, era na própria natureza humana que se deveria estudar a patogenia da prostituição. Por outro lado, a dimensão social da prostituição também é ressaltada nos documentos médicos do século passado. Entre as causas desta prática enquanto fato social, são destacáveis o excesso de riqueza e a miséria, que se explicam pela organização da sociedade. Neste quadro, uns a procuram e outros a ela se entregam como forma de sobrevivência, onde são articulados diferentes gradientes da miséria do povo e das paixões dos ricos, conforme assinalam Machado et al. (1978). Vinculada à ociosidade – em oposição ao trabalho – a prostituição situava-se no campo das atividades remuneradas ilegítimas. Junto a essa idéia, na visão de Engel (1986), o discurso médico da época revela preconceitos sobre o trabalho feminino, quando concebe costureiras, floristas e enfermeiras, entre outras trabalhadoras femininas, como prostitutas enrustidas. Sob o ponto de vista deste saber médico, a prostituição – produto da indolência, da ambição e da miséria – é fruto da doença social em dois sentidos: “seja enquanto espaço de reprodução da miséria, seja enquanto lugar de produção do luxo ilícito” (Engel, 1986). Essa doença social ameaçaria a própria riqueza da nação, por ser foco de desagregação do 33 trabalho e da propriedade. Engel, em outro texto (1989), destaca que o saber médico da época (1845-1890) oscilava entre o caráter normativo e a extinção da prostituição. A primeira vertente deste saber voltava - se mais para o controle médico, enquanto a segunda era pontuada pela repressão policial. Seja sob a ótica da higiene, seja pela visão moralista dos abolicionistas, a prostituição foi incorporada à reflexão médica como uma doença que ameaçava a população e que, como tal, deveria ser controlada ou combatida. “Para conhecer a prostituição foi preciso deixar de vê-la apenas como pecado, para convertê-la, antes de tudo, em doenças” (Engel, 1989). O discurso médico fixou os limites entre a moralidade e a doença no campo da sexualidade, trazendo implícito um projeto de criar normas higiênicas do corpo, que era concebido não apenas num sentido físico, mas também num sentido moral e social. A partir desta perspectiva, o médico construía as categorias básicas de classificação: a perversão (a doença física), a depravação (a doença moral) e o comércio do corpo (a doença social). Como não podiam acabar com a prostituição, conforme analisa Soares (1986), já que era considerada um “grande mal”, mas um “mal necessário”, para a estabilidade da família e de toda a sociedade, médicos e autoridades policiais lançaram-se à sua regulamentação. No entanto, para esses mesmos médicos e autoridades, se a prostituição pública tinha de ser tolerada, a prostituição clandestina, ao contrário, deveria ser combatida, uma vez que esta escapava à vigilância. Neste cenário do século passado surge a proposta da criação do bordel higienizado, com vantagens para a sociedade. Esta proposta, no entanto, praticamente não foi concretizada, uma vez que a mesma necessitava de uma política – para regulamentar e normatizar o meretrício – que não chegou a ser implantada. Soares (1986), com base em Machado et al. (1978), assinala que a comunidade médica, ao propor o controle da prostituição, não estava na verdade negando ou reprimindo o sexo, mas, sobretudo, desejava conhecer todas as suas dimensões. Este saber do século XIX, para Nunes (1988)21, inseria-se na “tematização da saúde no espaço urbano”. Neste sentido, segundo o referido autor, a análise dos espaços que representavam perigo de doença e de desordem, como o bordel, completava o conhecimento sobre a cidade e o 21 Ver NUNES, E. D., 1988. A medida social no Brasil: um estudo de sua trajetória. Revista de Saúde Coletiva, 5: 97-111. 34 esquadrinhamento urbano. No final do século XIX, ainda no entendimento de Nunes (1988), emerge o movimento sanitarista, juntamente com a posição que situa a saúde como uma questão social. Essa realidade vai permanecer até as primeiras décadas do século XX. No âmbito do saber médico que atravessou o fim do século XIX até o início do presente século, a prostituição associou-se às doenças venéreas, a ponto de, segundo Carrara (s/d)22, não se poder fazer uma história dessas doenças sem se falar da prostituição. Nesta associação perpassa a difícil questão de se atuar frente ao estigma. Para este autor, assim como atualmente vincula-se a AIDS aos homossexuais masculinos, no passado, a sífilis era vinculada à figura da prostituição. Junto à idéia de que a prostituição é uma doença, atualmente percebem-se outros enfoques sobre o assunto. Vislumbra-se, por exemplo, um enfoque que se desloca da idéia de “grupos de risco” para a de “práticas de risco”. Este posicionamento que surge na era da AIDS, dentro de uma perspectiva de saúde coletiva, orienta-se para uma nova concentração de doença. Nesta concepção, o foco de atenção não está sobre alguns indivíduos, segregando-os, mas na sociedade como um todo. “Mesmo que haja indivíduos ou grupos mais expostos, é toda a sociedade que está imediatamente implicada no processo” (Carrara, s/d). As estimativas que se tem sobre a prostituição infanto-juvenil no Brasil revelam um quadro bastante sério e preocupante. Saffioti (1989) cita a estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que levanta a possibilidade de 20% das meninas brasileiras entre 10 e 15 anos exerceram a prática da prostituição. Em Dimenstein (1992)23 há outra estimativa, do Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA), que aponta para a existência de 500 mil meninas brasileiras que vivem na prostituição. Um levantamento local, mencionado por Vasconcelos (1991)24, aponta para o fato de, num espaço de 40 dias, ter havido mais de 1.000 meninas e adolescentes do sexo feminino que buscavam sobrevivência nas ruas e nos bordéis do Recife. 22 Ver CARRARA, S., (s/d). A AIDS e a história das doenças venéreas no Brasil (de finais do século XIX até os anos vinte). Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Mimeo). 23 Ver DIMENSTEIN, G., 1992. Meninas da Noite: A Prostituição de Meninas Escravas no Brasil. São Paulo: Ática. 24 Ver VASCONCELOS, A., 1991. A prostituição de meninas e adolescentes no Recife. Tempo e Presença, 258: 22-23. 35 A prostituição infanto-juvenil, em qualquer cenário em que se configura, desponta como um fato cruel com muitos e diferentes matizes. Há momentos em que ela se integra ao tráfico de drogas; há situações em que ela se confunde com a miséria; e há casos em que seu início ocorre dentro do próprio lar. Em qualquer uma dessas situações, as crianças que a ela sobrevivem têm uma história comum a contar: a história da violência. As marcas desta violência são visíveis nos corpos e nas mentes, mesmo para aqueles que fazem força para não ver. Segundo Luppi (1987)25, a prostituição infantil é um dos problemas mais cruéis e comuns a que está exposta a infância pobre do Brasil. Para o autor, paradoxalmente, esta temática é uma das menos pesquisadas dentro do conjunto de estudos sobre a chamada “questão do menor” (conforme já mencionamos). A precariedade de dados sobre este assunto também é apontada por Saffioti (1989) e Lamarão et al. (1990)26. No levantamento preliminar acerca da problemática em questão, em termos de estudos brasileiros que envolvem trabalho de campo, ressaltam-se apenas quatro investigações. O primeiro estudo, citado por Vasconcelos (1991), aborda a realidade de meninas que vivem nas ruas do Recife (Pernambuco), e dentro desta análise há uma reflexão sobre a venda do corpo como forma de sobrevivência, por parte das meninas. No segundo, de Santos et al. (1990)27, além de considerações teóricas sobre a temática em questão, há uma breve análise comparativa sobre a prostituição infantil, a partir de dados presentes em entrevistas com educadores que trabalham diretamente com meninas de Fortaleza (Ceará). No terceiro, realizado por Lamarão et al., são examinadas causas e formas de exploração sexual de meninas de Belém (Pará), a qual se encontra relacionada à pobreza. Por último, o quarto estudo é um trabalho de jornalismo-pesquisa, de autoria de Dimenstein, que revela, com todos os seus impactos, a perversidade do tráfico de meninas escravas na Amazônia legal. Para Saffioti, praticamente há uma sobreposição da prostituição e da pornografia infantis. No cenário internacional, o uso de crianças na grande indústria pornográfica já é um fato 25 Ver LUPPI, C. A., 1987. Malditos Frutos do Nosso Ventre. São Paulo: Ícone. Ver LAMARÃO, M. L. N.; OLIVEIRA, M. B. S. & MARIN, R. E. A., 1990. Cotidiano de Miséria e Formas de Exploração Sexual de meninas em Belém. Belém: Movimento República do Pequeno Vendedor – Centro de Defesa do Menor. (Mimeo). 27 Ver SANTOS, C. M. A.; RODRIGUES, J. V.; QUEIROZ, M. O. & PINHEIRO, A. A. A., 1990. Prostituição infantil: considerações teóricas e observações sobre a realidade da cidade de Fortaleza. Revista de Psicologia, 7/8: 97-113. 26 36 alarmante. Em Lorenzi (1987)28 há um dado que registra, nos Estados Unidos, para o ano de 1987, a existência de 250 publicações especializadas nessa área, envolvendo crianças de 3 a 5 anos. No Brasil, como observa Saffioti não se dispõe de cifras sobre a pornografia infantil. O uso da droga e a prostituição infantil são associados por alguns autores. Este uso é mencionado por Vasconcelos como uma das formas de as meninas “agüentarem a vida de rua”. Já Dimenstein (1992) observa que a rede de prostituição se cruza e se confunde com a rede do tráfico de drogas. Quando se fala em prostituição infantil, pensa-se na prostituição infantil feminina. Entretanto, há também a masculina, mas sobre esta praticamente nada se sabe. As obras levantadas sobre a temática praticamente não apresentam dados sobre esta realidade. Alguns autores apenas a constatam e observam a ausência de dados sobre a prostituição infantil masculina. Especialmente sobre a prostituição infantil feminina, Saffioti, em termos conceituais, observa que há duas abordagens sobre exploração sexual: uma se confunde com o conceito de exploração econômica, enquanto outra se refere à obtenção de prazer, com prejuízos da saúde mental de quem está sendo explorado. Nas duas abordagens está implícita a idéia de dominação, perpassada pelas categorias de sexo/gênero e idade. Isso é mais bem explicado a partir do fato de a sociedade ocidental ser “androcêntrica” e “adultocêntrica”, nela se tornando visíveis o poder do homem e o poder do adulto. Esta dupla opressão da qual a menina-prostituta é vítima também se encontra assinalada em outros autores, como Santos (1991)29. Saffioti estabelece duas considerações básicas. A primeira refere-se ao fato de a educação promovida pelo adulto ser fortemente comprometida por uma visão machista. Na segunda consideração está presente a idéia de que, no âmbito social, o poder associa-se à violência. Na medida em que o homem detém maior poder, lhe é permitido desenvolver a violência. Em geral, segundo a autora em questão, a violência sexual desenvolve-se a partir da dominação do macho. Como sabemos a violência contra crianças em geral deixa marcas profundas nas suas vítimas. Vasconcelos (1991) relata que, na Casa da Passagem, no Recife, no período de 1987 a 1989, 3.700 questionários registram violências praticadas contra meninas e mulheres-adolescentes, destacando-se estupros, incestos, espancamentos e abusos sexuais. 28 29 Ver LORENZI, M., 1987. Prostituição Infantil no Brasil e Outras Infâmias. Porto Alegre: Tché. Ver SANTOS, H.O., 1991. Crianças Violadas. Brasília: CBIA/CRAMI. 37 As consequências da violência sexual são analisadas por Santos (1991) e Vittielo (1989)30. Especialmente em relação à menina que se prostitui para sobreviver, observa-se que o seu corpo, cobiçado e violentado, se converte em “objeto privilegiado das agressões por parte dos outros; seja comprando-o, seja maltratando-o” (CEAP, 1993). Num primeiro plano, comumente pode-se ver a violência sexual como protagonista principal. No entanto, ao se descortinar este plano, logo é percebido na quase totalidade dos casos de prostituição infantil, fortes indícios de violência estrutural. Este nível de violência é forjado por um sistema social desigual, em que um enorme número de pessoas é explorado para garantir privilégios de um pequeno número de outras. A violência que permeia a prostituição infantil feminina por si só já constitui uma questão de cunho evidentemente social e também de saúde coletiva. Esta afirmação se insere numa constatação mais ampla, objeto de análise de Goldenberg et al. (1989)31, que ressalta a violência contra a mulher na sociedade brasileira. Esta violência estrutura-se a partir da organização hierárquica das relações de gênero, potencializada por atos violentos, revelando o papel subalterno das mulheres presente no imaginário social. Segundo Goldenberg et al., a saúde coletiva deve enfrentar esta questão, que, além das marcas psíquicas produzidas, ameaça a integridade física da mulher. A saúde da mulher, como observam Xavier et al. (1989)32, não se restringe à condição corporal, mas estende-se para outros campos. Entre esses campos podem ser destacadas a sexualidade e a violência. Além dos autores citados, há outros, como Agudelo (1989)33 e Minayo (1992)34, que vêm discutindo a violência como uma demanda em saúde. Quase todos os autores tecem considerações sobre a miséria presente por detrás da prostituição infantil, sem reduzir a 30 Ver VITIELO, N., 1989. Vitimização sexual: Conseqüências orgânicas. In: Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno Poder (M. A. Azevedo & V. N. A. Guerra, orgs.), pp. 123-141, São Paulo: Iglu. 31 Ver GOLDENBERG, P.; MEDRADO, M. A. & PASTERNOSTRO, M. A. N., 1989. A violência contra a mulher: Uma questão de saúde. In: Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil (M. E. Labra, org.), pp. 185-200, Petrópolis: Vozes. 32 Ver XAVIER, D.; ÁVILA, M. B. & CORREA, S., 1989. Questões feministas para a ordem médica: O feminismo e o conceito de saúde integral. In: Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil (M. E. Labra, org.), pp. 203-222, Petrópolis: Vozes. 33 Ver AGUDELO, S. F., 1989. Violência y/o salud: elementos preliminares para pensarlas y actuar. I Encontro sobre Violência e Saúde, Rio de Janeiro: Claves/Ensp/Fiocruz. (Mimeo.) 34 MINAYO, M.C.S. 1992. Violência e saúde. In: Pesquisa Social em Saúde (A. W. P. Spínola, E. N. C. Sá,M. F. Wsetphal, R. C. F. Adorno & F. Zioni, coords.), pp. 257-267, São Paulo: Cortez. 38 segunda à primeira. Azevedo (1986)35, por exemplo, além das condições socioeconômicas, analisa outros fatores, como o desenvolvimento do turismo e a “ideologização” da infância e das sexualidades feminina e masculina. Segundo a autora, esta ideologização faz com que, entre outras coisas, haja uma divinização da ninfeta. Sem dúvida, a miséria tem uma pontuação maior entre os inúmeros fatores mencionados pelos autores. Sobre isso, Santos et al. observam que, em geral, a trajetória da menina de rua inicia-se na mendicância, passa pelas pequenas vendas nos sinais e tem como fim a prostituição. Para Saffioti, as profundas desigualdades socioeconômicas do país propiciam a exploração de pessoas por pessoas. Neste contexto, a criança facilmente se torna uma mercadoria. Segundo a autora citada, esta problemática deve ser entendida nos níveis nacional e internacional. Em Dimenstein (1992) também fica patente a presença da miséria no cenário da prostituição de meninas escravas no Brasil. Entre suas conclusões sobre esta perversa realidade, o autor ressalta o fato de a miséria fazer com que as meninas vendam o único bem que possuem: o corpo. Outra conclusão do autor sobre o tráfico de meninas escravas, ligado ao tráfico de drogas, diz respeito à idade de ingresso na prostituição, que diminui à medida que aumenta o número de crianças que vivem na rua. Uma das conseqüências deste quadro nacional de pobreza é, sem dúvida, o chamado fenômeno de “meninos e meninas de rua”. Minayo et al. (1992) consideram que esta problemática refere-se a um fenômeno urbano gerado pelo modelo econômico social que privilegiou a cidade sobre o campo e que, em relação à cidade, descuidou-se da criação de equipamentos de políticas sociais e de geração de renda. Com base em Vásquez (1990)36 e Minayo (1990)37, entre outros autores, percebese que a pobreza e a miséria podem ser situadas como consequências de uma violência produzida por um sistema social desigual. Neste sentido, o ambiente de pobreza passa a ser um cenário de violência, onde seus componentes atuam ora como vítimas, ora como autores dos processos conflitivos. 35 Ver AZEVEDO, M. A., 1986. Prostituição infantil: Uma incursão indignada pelo lado nãorespeitável da sociedade. In: Quando a Criança Não Tem Vez: Violência e Desamor (M.H.F. Steiner, org.), pp. 109-113, São Paulo: Pioneira. (Série Cadernos de Educação). 36 Ver VAZQUEZ, A. S., 1990. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 37 Ver MINAYO, M. C. S., 1990. A violência na adolescência: um problema de saúde pública. Cadernos de Saúde Pública, 1: 278-291. 39 Especificamente sobre o processo saúde-doença, no artigo de Santos et al. (1990) há dados que revelam as doenças mais comuns nas meninas envolvidas com a prostituição infantil em Fortaleza. Entre essas se ressaltam as de pele; as sexualmente transmissíveis, principalmente a gonorréia e a sífilis; e, comumente entre as que dormem na rua, as infecções respiratórias, a exemplo da pneumonia e da bronquite. O artigo ressalta também que “nem todas as meninas têm condições de manter uma relação sexual completa, inclusive por falta de maturidade genital”. Ainda sobre este processo, em Dimenstein podem ser encontrados exemplos do cotidiano de meninas-prostitutas da Amazônia legal. Entre as 53 entrevistadas, 15% usavam método contraceptivo, 5% utilizavam regularmente preservativo e 40% haviam feito aborto empregando métodos bem rudimentares, como chutes na barriga, drogas impróprias, a exemplo da quina (destinada à malária), e agulha de crochê. A maioria não possuía nenhum conhecimento sobre o funcionamento de seu corpo nem sobre os perigos da gravidez, e algumas meninas confundiam AIDS com cólera. Tais atitudes presentes na sociedade devem ser levadas em conta para se compreender aspectos interiores da prostituição e suas relações com a vida social em geral. Não considerar isso significa, no mínimo, reforçar o preconceito que impede um melhor entendimento da temática em questão. A partir da articulação entre a intervenção no campo da infância e da adolescência, da saúde pública, enquanto campo de conhecimento e de práticas multidisciplinares, e a prostituição infanto-juvenil, pensada sobretudo enquanto violação dos direitos humanos, é que se afigura a importância das discussões que finalizamos aqui. Entram em cena na dinâmica destes tipos de violência os efeitos perversos de um sistema capitalista de produção que disponibiliza corpos - em especial aqueles “cobiçados” de crianças e adolescentes, independentemente de sexo, classe social, raça e etnia - como se estes fossem meras mercadorias a serem “consumidas” e, desta forma, exploradas. Segundo o mesmo Relatório de Viabilidade, a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes seria: “Um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento, inserido num contexto histórico-social de violência endêmica e com profundas raízes culturais. Foi apenas na década de 90, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que esses passaram no Brasil a ser 40 juridicamente considerados sujeitos de direitos, e não mais menores incapazes, objetos de tutela, de obediência e de submissão. Essa ruptura com antigos padrões societários representa um importante avanço civilizatório – o dos direitos humanos. A construção de novas relações adultos-jovens, baseada em relações afetivas, de proteção e de socialização, implica em denúncia e responsabilização dos violadores desses direitos (...).A realidade tem demonstrado que uma das situações mais graves e freqüentes de exclusão, vulnerabilidade e risco social, em que estão envolvidas crianças e adolescentes, é a de abuso e exploração sexual comercial.(...) Por conta dos fatores sócio-econômicos, étnicos, intergeracionais e culturais, o abuso e a exploração sexual comercial não são de fácil percepção e quantificação” (p.7). O desmonte dessa violência e a tentativa de reconstrução de uma cultura de respeito e amor às crianças e, sobretudo, que garanta os seus direitos na sociedade implica em denunciar permanentemente a quebra do respeito e da proteção social, também implica coibir os abusos, enfrentar as ameaças e revelar os segredos, protegendo neste difícil caminho as vítimas e as testemunhas. É necessário que seja fortalecida uma cultura extra e intrafamiliar em que a relação social e a relação sexual não sejam vividas no silêncio mais ou menos consentido e hipócrita da dominação, da discriminação e da exploração. As políticas sociais de intervenção neste campo “delicado”, como se percebe, não deveriam se restringir exclusivamente ao binômio denúncia - repressão. Sabemos que é fundamental que direitos e prioridades, no sentido dos recursos públicos, estejam garantidos em lei e em serviços do Estado para proteger as pessoas vitimizadas, punir os agressores, prevenir os abusos, bem como salientamos também a importância de se discutir seriamente e de forma mais aberta a sexualidade, assegurando à criança seu direito à autonomia, à aprendizagem, a desenvolver saudavelmente a apropriação do seu próprio corpo, numa sociedade e num Estado de direitos consolidados. Isto, obviamente, implica também num maior acesso das famílias brasileiras a todas as políticas sociais básicas como educação, saúde, habitação, lazer e renda mínima, inserindo-as na grande rede de proteção social que se configura no paradigma mais atual de ação nesse campo, como veremos mais adiante. Criança é cidadão. O Estado deve ainda, assegurar facilidades para a denúncia e a punição dos agressores. O Estado também deve estar em condições de poder melhor identificar, numa lógica em que recursos alocativos sejam escassos, aquelas populações de 41 crianças e adolescentes no Brasil que se encontrem mais e especialmente vulneráveis a sofrerem o dano da exploração sexual e comercial. “Num processo contraditório, a luta pela implementação do direito, da proteção às crianças e adolescentes e do incentivo a sua autonomia e aprendizagem é uma luta ideológica, cultural, simbólica contra esses valores citados e uma luta pela mudança das condições de vida. Essa luta implica também a construção da “cultura do castigo e da punição” aos agressores e o fim da impunidade dos abusadores. A figura de parente, pai, chefe de família não deve ser motivo para escusas e tolerâncias com o abuso ou a exploração sexual de crianças e adolescentes. A lei deve criminalizar as agressões, os assédios, os abusos, a exploração e criar mecanismos para que sejam responsabilizados os pais, padrastos e agentes do Estado, no exercício ou não de suas funções que venham a praticar essas violações. O poder de pai não anula o outro como poder ser e ser de poder. Ao contrário, só se legitima ao construí-lo nos limites dos padrões civilizatórios dos direitos humanos, incluindo a sexualidade responsável.” (Faleiros, 1997, 7) Desmontar a violência intrafamiliar acarreta, não apenas, em denunciar e contar o número de vítimas e encaminhar vitimizados, numa circulação “pingue-pongue” de um lugar para outro, de um profissional para outro. É preciso que estejamos mais preparados e qualificados para enfrentar um tipo de violência que hoje extrapola inclusive os limites dos estados nacionais, conformando-se rápida e instantaneamente em uma estrutura de rede muito bem articulada e administrada, onde o lucro capitalista é o grande motor. Se as redes são o formato das organizações violentas e criminosas nas sociedades contemporâneas, devem ser também aquela forma estrutural que poderá, de forma mais eficiente e eficaz, tentar articular os esforços e as possibilidades de enfrentamento do problema da ESCCA no Brasil. Também em termos da definição desta outra faceta da violência sexual vamos nos deparar com farta polissemia. Há muitas dúvidas de como são estabelecidas aquelas que poderíamos determinar como sendo “relações no mercado do sexo”. O que significa o fato de separar o sexo do amor para poder comercializá-lo? Existe prazer no sexo sem afeição? Como não se sentir violentado no mercado do sexo? Sexo sem afeto, sem amor, sem carinho. Relação na qual um não considera o outro como sujeito, mas somente como objeto? Qual é o prazer que os clientes e as pessoas que trabalham neste mercado de sexo 42 encontram ali? Estas são algumas das muitas dúvidas que nos acorrem quando necessitamos de uma definição mais estrita do que seja a exploração sexual comercial. Não resta dúvida de que a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime previsto na Constituição Brasileira, artigo 27, parágrafo 4º, assim como o trabalho infanto-juvenil que tem suas normas definidas pelo artigo 68 do ECA. Neste sentido, entendemos que crianças não devem trabalhar em lugar nenhum, pois o trabalho precoce pode vir a prejudicar o seu desenvolvimento psicossocial e físico. No caso de adolescentes, estes só devem trabalhar em locais que propiciem a sua efetiva profissionalização, durante o dia, sem correr quaisquer perigos. Sabemos, entretanto, que adolescentes podem, segundo uma leitura mais “liberal”, até viver a sua sexualidade no “mercado do sexo”, mas é fundamental dizer que algumas das principais características deste “mercado” propiciam grande possibilidade que essas sejam exploradas. Sabemos que a adolescência é vivida no nosso país como um período de grandes turbulências, onde, frequentemente, ocorrem: desorientações temporais, manifestações da evolução sexual, atitudes anti-sociais, acompanhadas (ou não) da vontade de separação progressiva dos pais, além de muitas outras mudanças oriundas das tentativas do/a jovem buscar a construção de uma nova identidade para si mesmo/a. Nesta fase, o “mercado do sexo” pode se afigurar um lugar de possibilidade do exercício da aventura, da liberdade, da autonomia, da sedução e da conquista. Mas, o que significa viver a adolescência no “mercado do sexo” numa fase de mudança do corpo, sem conhecimento sobre o mesmo, cheio de mitos e fantasias? Viver este momento como um simples objeto, num espaço que, muitas vezes, não se encontra afeição? Como valorizar este novo corpo na prostituição que, na verdade, o desvaloriza? Ou será que recebe uma importância que fora dela não encontra? Será que o corpo é o único “instrumento” da mulher pobre que é visto pelo mercado moderno? É bastante comum encontrarmos casos em que a figura do adulto, ao invés de funcionar como um referencial/apoio, trabalhar como um aproveitador deste momento de fragilidade e de busca do/a adolescente. Sabemos que muitos são os riscos deste “mercado”: a gravidez precoce, abortos, doenças 43 sexualmente transmissíveis, assim como a dupla exclusão social, quando não atendem mais as exigências do mesmo. Numa cultura de gênero ainda profundamente tradicional, patriarcal e machista como em geral é a brasileira, na qual a primeira relação sexual é tão valorizada, a perda da virgindade desvaloriza a menina. A saída encontrada pode ser se casar com o autor ou ser vista como perdida (para o casamento). O casamento precoce e a separação em seguida ou a nova identidade de perdida são alguns dos fatores que influenciam, certamente, na “entrada” no mercado do sexo. Falta de lazer e opções de sobrevivência, vivência de abuso sexual na família e repressão sexual também são alguns outros elementos importantes desta dinâmica. A exploração sexual, mesmo a de crianças e adolescentes, refere-se ao comércio das relações sexuais. Aqui entram no palco as figuras do explorador, do rufião, da dona de boate, do aliciador. Crianças em situação de exploração sexual são duplamente vitimizadas: violentadas sexualmente pelos “clientes” e exploradas por quem tira proveito dessas relações, como o dono de boate ou, às vezes, os próprios pais. Vamos nos ater agora à rede autoritária de exploração sexual de crianças e adolescentes. Esta outra trama está, como o próprio nome evidencia, centrada no lucro comercial que se possa obter com o trabalho sobre o corpo da criança ou adolescente, ou seja, ela atua fundamentalmente condição de transformação e submissão do corpo infantojuvenil em mercadoria humana para benefício sexual do cliente e benefício comercial dos proprietários do comércio e aliciadores. Vale dar fundamental destaque ao fato da exploração sexual de crianças e adolescentes se distinguir da prostituição adulta, principalmente daquela que seria “opcional” (isto se este tipo efetivamente existir). A exploração sexual de crianças e adolescentes vai violar o direito humano fundamental ao desenvolvimento autônomo do ser e do corpo da criança, à dignidade de seu corpo, a sua 44 própria humanidade. Estamos tratando aqui do fato da criança ser mantida à força nessa situação: seja pela imposição da força física mesmo, seja pela força do amedrontamento, ou ainda da própria ignorância ou desconhecimento de alternativas de vida. Algumas poucas pesquisas já realizadas em bordéis ou prostíbulos mostram que são, justamente, as crianças e adolescentes que não têm, sequer, a liberdade de ir e vir, conformando-se esta em uma situação de evidente violação de seus direitos civis, políticos, sociais e àqueles inerentes à sua condição de pessoa em desenvolvimento, previstos em vários tratados nacionais e internacionais e sobretudo delineados no nosso Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo Faleiros (1998), a rede de exploração pode ser mapeada da seguinte forma: Figura 3: Resumo das Dimensões de Interação da Rede de Exploração Sexual Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.05. *Vitimizada(o): Vivendo completamente isolada/o de outras redes pelo poder do explorador Como podemos evidenciar, por sua vez, a rede da exploração sexual se articula de acordo com os termos da economia predominante num determinado território/espaço, e ela também se articula, pronta e rapidamente, com outras redes tais como as: do turismo sexual, dos garimpos, da farta e transitória circulação de caminhoneiros, do trânsito livre e desimpedido entre fronteiras nacionais, da construção e, às vezes, do próprio crescimento desordenado de novas cidades, ou ainda, de obras que produzam impactos nestas cidades onde haja a necessidade de ampla contratação de mão de obra masculina temporária; da livre circulação de pessoas por áreas ribeirinhas empobrecidas e pouco vigiadas; da presença de populações vulneráveis e de caráter “exótico” tais como as populações indígenas e as mulheres “mulatas”/negras; entre outras. Estes elementos acabaram por se configurar nas diretrizes que orientaram a criação dos Centros de Referência do Serviço de 45 Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e adolescentes (já que o abuso sexual não possui características territoriais - espaciais e geográficas – que o demarquem). Esta rede também se diversifica de acordo com o mercado de usuários/clientes, podendo vir a se conformar em redes de alto luxo para cargos de alto escalão de políticos, executivos e empresários e redes focadas mais para as camadas de média ou baixa renda (ou ainda para um tipo específico de consumo corporal, a exemplo dos travestis e transgêneros). Nesse caso estão situados os bares noturnos com quartos anexos onde as crianças trabalham servindo mesas ou vendendo flores e outras bugigangas e são também exploradas sexualmente. Como já salientado, as redes de intervenção pública estão fragmentadas, e neste caso da exploração sexual ainda mais inoperantes no sentido do enfrentamento e combate dessa realidade. Destacam-se no âmbito do combate às redes de exploração, as ações de cunho quase exclusivamente repressivo e de grande impacto e visibilidade na opinião pública e na mídia tais como as blitzes, com a consequente prisão de alguns agentes e exploradores. A mesma rede visualizada na figura acima precisaria ser muitíssimo melhor articulada para enfrentamento da questão da exploração sexual de crianças e adolescentes. Contudo, é totalmente incomum que os/as vitimizados/as da exploração sexual venham buscar o apoio público-estatal (já que a dinâmica envolve lucros imensos – nem sempre da criança explorada, ameaças etc.). Seria a rede de intervenção pública que deveria ter uma atitude pró-ativa de busca destes casos, o que como veremos, não é o que acontece ainda hoje no Brasil. Nesta perspectiva preventiva e de atendimento seria preciso valorizar, sensibilizar, defender a identidade, a dignidade, a autonomia e a igualdade destas crianças e adolescentes, sobretudo desconstruir os papéis de gênero, ainda profundamente tradicionalizados dentro do âmbito familiar e cultural, revendo o lugar ocupado hoje pelas mulheres e homens nas famílias, no trabalho e na sociedade. 46 Em alguns casos também seria necessário o trabalho de combate a todas as formas de discriminação étnico-racial presentes na sociedade brasileira, pois estas têm influenciado e permeado, em função do exotismo de outras representações sociais construídas neste âmbito relacional, as redes de abuso e exploração sexual. Nesta sociedade profundamente desigual em que vivemos não é possível mais reforçar a argumentação de que seria a pobreza a maior ou a única justificativa para qualquer forma de abuso ou mesmo exploração comercial de crianças e adolescentes, principalmente no trabalho. O direito igual a uma saudável convivência familiar e a patamares de excelência na educação são, como todos nós sabemos, basilares para a proteção integral à criança e ao adolescente. Na figura abaixo é possível identificar um detalhamento dos atores e respectivos interesses envolvidos no processo de exploração sexual. Figura 4: Detalhamento dos Elementos/Agentes e Interesses principais envolvidos na situação da Exploração Sexual Fonte: Elaboração Própria, Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. 47 As pessoas vitimizadas pela exploração sexual, ainda que possam obter em troca algum dinheiro, acabam por perder sua autonomia, o direito sobre si, a decisão sobre seu próprio corpo e seu destino, com consequências sérias sobre seu equilíbrio psicossocial, saúde e educação. Um dos mecanismos é o constante aumento de sua dívida para com o explorador, o que (re)coloca os/as vitimizados/as um posição e clara opressão e subalternidade. De forma sucinta, a exploração sexual de crianças e adolescentes: • Não é uma ação isolada; ela geralmente envolve mais do que duas pessoas, senão um intenso processo de interação (redes de exploração), pelo menos no sentido de mais de um adulto fará uso do explorado, seja uso físico ou dos recursos advindos do processo; • É um fenômeno via de regra mais visível, já que deve ser dado a conhecer àqueles que farão uso, de alguma forma, dos serviços do/a vitimizado/a; • No caso da exploração, a questão econômica pode ser considerada como um determinante bastante importante, mas não o único; • Tem aumentado, não somente no Brasil, mas também no mundo como um todo, constituindo-se numa preocupação para vários países. Uma das razões desse aumento é a associação dessa exploração com o crime organizado, não ficando restrito aos limites das fronteiras de cada país. Devido a estas especificidades e outras, destes fenômenos sociais, não podemos tratá-los da mesma forma e nem ter a pretensão de que os instrumentos que se prestam ao seu enfrentamento ou combate servirão indistintamente e de forma eficaz, para ambos. Abuso sexual e exploração sexual comercial são fenômenos que podem vir associados, mas pertencem a dinâmicas sociais de naturezas diferentes. Conforme já assinalado acima, a real extensão desse tipo de violência é de difícil dimensionamento em decorrência dos diversos fatores que conferem invisibilidade ao fenômeno, tais como a subnotificação dos casos de abuso sexual (Biheler, 2002; Lalor, 2004 a; Polanczyk et al., 2003; Suarez-Sola e Gonzalez Delgado, 2003b; Barros, 2004; Koshima, 1999; Santos, 1998), as diferenças culturais (Korbin, 2002; Lalor, 2004a; Islam e Islam, 2003) e de legislação, bem como a conduta dos profissionais (peritos-legistas, 48 médicos, assistentes sociais, autoridades policiais e judiciárias) envolvidos, que não raro resulta em diagnósticos e análises equivocados (Paiva, 2000; Herman, 2005; Santos, 1998). A escassez e a irregularidade dos serviços de assistência social, o amparo jurídico-legal limitado oferecido às vítimas (Crisma et al., 2004) e a dificuldade de acompanhamento dos casos registrados (Gomes, 1998; Polanczyk et al., 2003) concorrem para que o assunto permaneça pouco conhecido. Chama à atenção a carência de informações existentes sobre as ocorrências e os atendimentos – aspecto analisado, a seguir, no contexto das regiões de expansão do PAIR Minas -, especialmente os registros especializados previstos em casos de violências sexuais infanto-juvenil, tais como os contidos nos laudos de exame médicolegal, nos boletins de ocorrência e relatórios médicos. Outros agravantes dizem respeito à ausência de uniformidade dos termos empregados para designar o fenômeno e a expressiva ausência de dados sobre o agressor. O fato alerta para a necessidade de um atendimento contextualizado, no qual a atenção profissional individualizada deveria ceder espaço à implantação de uma rede que acolhe, trata, age e pensa de forma integrada. Por um diagnóstico da violência sexual infanto-juvenil: subsidiando a rede de ações de enfrentamento à violência sexual em Minas Gerais Uma caracterização da violência sexual infanto-juvenil exige grande esforço dos pesquisadores que a ela se dedicam, uma vez que: a) há escassez de diagnósticos disponíveis (e mesmo de dados confiáveis) sobre o tema, e b) a já citada ocorrência, em patamares expressivos, de subnotificação dos registros relacionados a esse tipo específico de violência. Segundo Moutinho e Sampaio (2005): “Os principais fatores que costumam ser apontados como aqueles que contribuem para o sub-registro são: tipo de crime; visão da vítima sobre a polícia e a sua capacidade de resolver conflitos; experiência anterior da vítima com a polícia; seleção de tipos e tratamentos que os variados crimes recebem dos sistemas policial e judiciário; grau e tipo de relacionamento da vítima com o agressor.” (Moutinho e Sampaio, 2005:15). 49 A violência sexual contra crianças e adolescentes se caracteriza pela proximidade entre vítima e agressor (especialmente nos casos de abuso sexual)38 e dizem respeito a crimes que causam constrangimento às vítimas (Aded et al., 2006). Ademais, além da subnotificação dos registros, as pesquisas relacionadas a esse tema têm de enfrentar a inexistência de bases de dados informatizadas e a falta de sistematização das informações disponíveis no âmbito nacional (Moutinho e Sampaio, 2005:23). Pode-se entender essa forma de violência como um processo de violação de direitos que engloba tanto as situações de abuso sexual intra e extrafamiliar que se caracterizam como não possuindo um caráter comercial, como as situações de exploração sexual, nas quais a dimensão mercantil está nitidamente presente. Apesar de a sociedade ressaltar a importância da família, historicamente sua organização não se fez sob os princípios fundamentais de respeito à pessoa humana, configurando-se como um espaço da hierarquia e da subordinação caracterizado pelo domínio dos homens sobre as mulheres e de adultos sobre as crianças. A violência interpessoal de caráter sexual contra crianças e adolescentes, nesse sentido, é uma violação de direitos humanos, sexuais e dos direitos particulares de pessoa em desenvolvimento. A violência sexual intrafamiliar constitui uma violação ao direito de uma convivência familiar protetora e uma ultrapassagem dos limites estabelecidos pelas regras sociais, culturais e familiares. A violência, que no cotidiano familiar é apresentada como abuso sexual, psicológico ou mesmo a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, configura-se a partir das complexidades e sutilezas envolvidas no exercício do poder no contexto intrafamiliar. Segundo Faleiros (1997), “Esta violência, manifesta, concretamente, uma relação de poder que se exerce pelo adulto ou mesmo não adulto, porém mais forte, sobre a criança e o adolescente num processo de apropriação e dominação não só do destino, do discernimento e da decisão livre destes, mas de sua pessoa enquanto outro. Esse uso (chamado abuso) do poder da força é, de fato, uma profunda desestruturação de uma relação de poder legitimado pelo direito e pelo diálogo, pela autoridade da maiêutica na dinâmica de 38 Nas seções que se seguem serão apresentados dados fornecidos pelo CREAS a respeito da caracterização das vítimas e dos agressores, a partir dos atendimentos realizados nesse equipamento em municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas. 50 ensino/ aprendizagem mútua vivida no questionamento comum do mundo e na construção da autoridade legítima” (Faleiros,1997, 6). Este tipo de violência, em especial, está enredado por uma trama social onde o que predomina é uma perversa cultura do silêncio. Algumas das pesquisas39 (Faleiros, 1995, 1997), neste campo ainda pouco investigado, tendem a destacar determinados aspectos que estão associados ao fenômeno do abuso intrafamiliar. Entre eles: A) O segredo familiar. O problema da violência intrafamiliar está envolto em relações complexas da e na família, pois os agressores são quase sempre parentes ou pessoas muito próximas das vítimas, vinculando sua ação, ao mesmo tempo, à sedução e à ameaça. A violência se manifesta pelo envolvimento dos atores na relação consangüínea, frequentemente para proteção da “honra” do abusador, para preservação do provedor e tem contado, muitas vezes, com a complacência de outros membros da família, que nesse caso; B) As crianças e adolescentes vitimizadas são traumatizadas pelo medo, pela vergonha e até mesmo pelo terror. É recorrente que as mesmas tendam a reprimir ou evitar falar do assunto, mas sofrem com freqüência sintomas de depressão, descontrole emocional, anorexia, dificuldades nos estudos, problemas de concentração, digestivos, fobias e da sensação de estar sujo. Há, em casos mais graves, tentativas de suicídio ligadas ao trauma; C) A reincidência. Os abusadores são quase sempre reincidentes; não se limitam a episódios únicos ou isolados de violação, seja da família ou fora dela. Exemplo disso são os pedófilos; D) A repetição da violência. As pessoas vitimizadas podem desenvolver a tendência a repetir a violência, desta vez com outras pessoas, da mesma forma como foram vitimizadas; E) A presença da violência em todos os segmentos sociais. Pesquisas revelam inexistir um perfil específico para as crianças que sofrem este tipo de violência, sendo mais freqüente a existência de um número maior de denúncias de famílias pobres. Mas a pobreza não pode ser considerada causa de abuso, e sim uma situação de vulnerabilidade e de risco maiores ao propiciar a possibilidade da 39 Pryor traz o resumo de 10 estudos recentes sobre o abuso sexual. In PRYOR, Douglas. Unspeakable acts. Why men sexually abuse children. New York, New York University Press, 1996. 51 experiência da falta de alojamento adequado, de frustrações em relação à miséria, do desemprego, do analfabetismo, do alcoolismo, da falta de uma cultura do diálogo com as crianças; F) As crianças e adolescentes podem ser vitimizados em qualquer idade, mas as reações e os traumas são diferenciados de acordo com a idade em que o abuso foi iniciado. É igualmente diferenciada a capacidade da criança ou adolescente de reagir, contar, resistir e do apoio que venha a receber. Não se pode definir um padrão único de abuso40; G) A impunidade do abusador. O abusador é, muitas vezes, “perdoado” pela família e, em determinados caso, até pela sociedade por razões culturais, patriarcais e autoritárias; H) “Fuga da casa”. É freqüente, em depoimentos de meninos e meninas de rua, a constatação de que a fuga da casa foi motivada por agressões e abusos físicos e/ou sexuais; I) A necessidade, em alguns casos, de atendimento terapêutico e quase de acompanhamento em formato multiprofissional ou interdisciplinar, tendo em vista a complexidade do problema. A violência que está presente na exploração sexual e comercial contra crianças e adolescentes, por sua vez é, infelizmente, um problema de escala mundial. “Por ser ilegal, clandestina e em grande parte doméstica, é uma questão ainda pouco visível e difícil de ser qualificada. O mais freqüente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes é aquele denominado estrutural, em função da precária situação socioeconômica das famílias das quais grande parte das crianças e adolescentes se originam” (Relatório de Viabilidade – MDS, 5-6). Mas esta é apenas uma face nem sempre visível das múltiplas faces da violência que acometem as unidades familiares no Brasil. Os esforços e as possibilidades de enfrentamento do problema da ESCCA no Brasil requerem, portanto, novas modalidades de ação pública, destacando-se a configuração de redes de proteção e enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, como proposto por programas como o PAIR. 40 Ver, por exemplo, HAESEVOETS, Yves-Hiram. “Symptomatologie particulière des enfants victimes d’inceste” in Les Politiques Sociales 55(1&2):51-57, Mons, 1996. 52 Nesse contexto, o presente trabalho caracteriza os municípios da área de expansão do PAIR Minas no que tange ao quadro de violência e de criminalidade observada, e em seguida, aborda o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil. Além disso, esse trabalho apresenta um esforço de caracterização da rede de vigilância socioassistencial e dos órgãos do sistema de garantia de direitos, de modo a fomentar a articulação entre esses, garantindo, assim, estratégias mais eficazes de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. 53 Metodologia A elaboração do diagnóstico consistiu no levantamento, sistematização e análise de informações secundárias sobre as características socioeconômicas e demográficas das populações residentes, sobre a configuração do fenômeno da violência sexual infantojuvenil e da rede de proteção à criança e ao adolescente na área de expansão do PAIR Minas. A estrutura do diagnóstico obedece a um recorte regional, adotando-se como marco referencial as mesorregiões geográficas e o porte populacional dos municípios. Esse marco possibilita a identificação de especificidades relacionadas à matriz de riscos e vulnerabilidades sociais, ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e à rede de proteção potencial no âmbito municipal, ao mesmo tempo em que permite o estabelecimento de vínculos com as estruturas de desigualdades socioterritoriais presentes no espaço regional. Essa escolha metodológica justifica-se por duas razões principais. Em primeiro lugar, a regionalização dos riscos e das ocorrências de violência sexual infanto-juvenil foi um dos aspectos considerados na definição da área de expansão do PAIR Minas, sendo foco da atenção os riscos e vulnerabilidades sociais configuradas territorialmente. Em segundo, a regionalização das políticas sociais é hoje uma das estratégias centrais para ampliar a efetividade das ações e serviços governamentais, incluindo aqueles voltados para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Esse aspecto é de especial importância no contexto do PAIR na medida em as políticas voltadas para a proteção às crianças e adolescentes vêm adotando modalidades regionalizadas de oferta de serviços, como é o caso da Assistência Social, da saúde e do Sistema de Garantia de Direitos. O atual projeto de expansão do PAIR abrange 04 (quatro) mesorregiões e 07 (sete) microrregiões do estado de Minas Gerais. As variações entre as regiões, relativamente ao número de municípios e população atingida pela expansão do PAIR, reiteram a importância de um diagnóstico baseado em um recorte regional, ainda que desagregado no nível municipal. Tabela 1: Área total de Minas Gerais e das mesorregiões geográficas dos municípios beneficiados pelo projeto de expansão do PAIR Minas, 2000. MESORREGIÃO GEOGRÁFICA ÁREA DA MESORREGIÃO GEOGRÁFICA (Km²) Jequitinhonha 50.598,9 Vale do Mucuri 19.728,5 Vale do Rio Doce 41.809,1 Metropolitana de Belo Horizonte 39.508,9 526.528,293 Minas Gerais Fonte: IBGE – SIDRA, Dados de 2000. A área de expansão do PAIR inclui 40 (municípios) e está territorialmente concentrada, principalmente, em duas mesorregiões, o Vale do Mucuri e o Vale do Jequitinhonha. Na primeira, o projeto atingirá 14 municípios, o que representa 60,9% do total e 81,9% da sua população residente. No Vale do Jequitinhonha, está prevista a expansão do programa para 15 municípios (29,4%) que abrangem 42,6% da população. A mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte será beneficiada com a inclusão de apenas 7,6% de seus municípios, mas a expansão atingirá 32% da população residente, pois serão incluídos municípios de grande porte41. Na mesorregião Vale do Rio Doce serão beneficiados 03 (três) municípios, que representam 2% da população residente. Tabela 2: Municípios e população beneficiada pela expansão do PAIR Minas, UFMG/SEDESE/AMAS, 2008/2009. UNIDADES TERRITORIAIS MESORREGIAO Vale do Mucuri MICRORREGIAO Teófilo Otoni Nanuque Vale do Rio Doce Governador Valadares Jequitinhonha Araçuaí Pedra Azul Almenara Metropolitana de Belo Horizonte ÁREA DE ABRANGÊNCIA DA EXPANSÃO PAIR-MINAS MUNICÍPIOS POPULAÇÃO Beneficiados Total Beneficiada Total (N) (%) (N) (%) 14 60,9 308.443 81,9 10 76,9 220.461 85,4 04 40,0 87.982 74,2 03 02.9 30.283 1,9 03 12,0 30.283 07,3 15 29,4 296.147 42,6 06 75,0 131.627 85,0 05 100,0 84.313 100,0 04 25,0 80.207 45,6 08 07,6 2.011.070 08 33,3 2.011.070 MINAS GERAIS 40 4,7 2.645.943 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE – Contagem da População 2007. Belo Horizonte 32,1 41,6 13,7 Nas regiões do Vale do Mucuri e Vale do Jequitinhonha o número expressivo de municípios incluídos nessa fase de expansão do PAIR Minas pode atuar como elemento 41 Cabe destacar que o PAIR já está implantado no município de Belo Horizonte, que abrange 50% da população desta mesorregião. 55 importante para a capilarização do Programa no espaço regional. Cabe destacar, no entanto, que é importante considerar que o efeito potencial dessa capilaridade para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil depende da capacidade de organização e oferta de ações e serviços relativos aos seis eixos estratégicos definidos no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil42 no âmbito desses territórios. Nessa direção, um parâmetro importante é o porte dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas. A diferenciação dos municípios com base nesse critério é hoje adotada pela política de Assistência Social como elemento norteador na caracterização do perfil e volume de demandas por ações socioassistenciais, bem como da capacidade de oferta desses serviços por parte dos municípios. No contexto da política nacional de Assistência Social, o porte populacional dos municípios é uma variável crítica tanto para o mapeamento de matrizes de riscos e vulnerabilidades sociais quanto para a definição de estratégias de organização e hierarquização dos serviços socioassistenciais43. Tabela 3: Municípios da área de expansão do PAIR Minas segundo a mesorregião e porte populacional, 2007. PORTE POPULACIONAL DO MUNICÍPIO MESORREGIÃO Pequeno I Pequeno II Médio Grande Metrópole Vale do Mucuri Vale do Jequitinhonha Vale do Rio Doce Metropolitana de Belo Horizonte 11 07 02 20 01 08 01 10 01 01 02 01 07 08 - Total 14 15 03 08 40 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE – Contagem da População 2007. 42 Esses eixos são: análise da situação, mobilização e articulação, defesa e responsabilização, atendimento, prevenção e protagonismo infanto-juvenil. SEDH,MJ, 2000. 43 A metodologia utilizada pela Política Nacional de Assistência Social distingue o porte populacional dos municípios em cinco categorias: Municípios pequenos I: população até 20.000 habitantes; municípios pequenos II: população entre 20.001 a 50.000 habitantes; municípios médios: população entre 50.001 a 100.000 habitantes; municípios grandes: população entre 100.001 a 900.000 habitantes; metrópoles: população superior a 900.000 habitantes. Segundo a PNAS “a referida classificação tem o propósito de instituir o Sistema Único de Assistência Social, identificando as ações de proteção básica de atendimento que devem ser prestadas na totalidade dos municípios brasileiros e as ações de proteção social especial, de média e alta complexidade, que devem ser estruturadas pelos municípios de médio, grande porte e metrópoles, bem como pela esfera estadual, por prestação direta como referência regional ou pelo assessoramento técnico e financeiro na constituição de consórcios intermunicipais. Levar-se-á em conta, para tanto, a realidade local, regional, o porte, a capacidade gerencial e de arrecadação dos municípios, e o aprimoramento dos instrumentos de gestão” (PNAS, 2004, 40) 56 Conforme apresentado na tabela anterior, os municípios beneficiados com a expansão do PAIR Minas são, predominantemente, de pequeno porte, sendo que 50% deles têm uma população de até 20.000 habitantes (Pequeno I) e 25% com até 50.000 habitantes (Pequeno II). Estes municípios estão distribuídos nas mesorregiões Vale do Mucuri, do Jequitinhonha e do Rio Doce. Do total de 10 municípios de médio porte e grande, 08 estão localizados na região Metropolitana de Belo Horizonte. O número expressivo de municípios de pequeno porte (I e II) e a concentração dos mesmos em determinadas regiões reforçaram a importância de caracterização do espaço regional em relação ao perfil de demandas e ao potencial de oferta de serviços socioassistenciais. Esses serviços são estratégicos para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, particularmente para prover atenções especializadas, incluindo o atendimento psicoassistencial e jurídico às vítimas e suas famílias em casos de risco ou de violação de direitos. Atualmente, a provisão dessas atenções é assegurada mediante um modelo de proteção social hierarquizado (básica e especial), operacionalizado a partir de estratégias de regionalização de serviços44, notadamente aqueles de média e alta complexidade, incluindo aqueles destinados às vítimas de violência sexual infanto-juvenil. A operacionalização dessa escolha metodológica – o recorte regional com foco na matriz de riscos e vulnerabilidades e na rede de proteção existente – resultou na organização do diagnóstico em quatro eixos: (1) a base territorial da área de expansão do PAIR Minas; (2) caracterização sócio-demográfica; (3) violência sexual infantojuvenil e (4) a rede de proteção social e de enfrentamento à violência sexual infantojuvenil. O primeiro eixo do diagnóstico caracteriza os territórios beneficiados pela expansão do PAIR Minas, relativamente às especificidades desses espaços no âmbito municipal e estadual. A caracterização e a territorizalização da matriz de riscos e vulnerabilidades à exploração sexual infanto-juvenil foi uma das principais estratégias das primeiras iniciativas de enfrentamento à exploração sexual infanto-juvenil no país. O primeiro 44 A “hierarquização da rede pela complexidade dos serviços e abrangência territorial de sua capacidade em face da demanda” é um dos parâmetros de organização da rede socioassistencial previstos pelo Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS, 2005:23). 57 programa de combate à ESCCA implantado em escala nacional, o programa Sentinela, utilizou como critérios de focalização de suas ações a presença de um conjunto de riscos e vulnerabilidades vinculados às condições socioterritoriais do município45. Segundo essa estratégia, as seguintes características dos municípios foram identificadas como fatores de risco à ESCCA: proximidade às rodovias, presença de garimpos, presença de aldeias indígenas, localização em regiões ribeirinhas ou portuárias, a realização de obras de grande impacto, extensão da atividade de turismo, localização em região de fronteira. Dentre os fatores de risco, alguns assumem maior centralidade para a definição de estratégias de enfrentamento da violência infanto-juvenil por não serem temporários ou transitórios, sendo, ao contrário, aspectos estruturadores dos territórios e da extensão e complexidade da matriz de riscos ali presente. A caracterização dos territórios foi realizada de forma a identificar a presença desses fatores de riscos e associar a sua presença à ocorrência de eventos de violência sexual infanto-juvenil nas mesorregiões consideradas. O segundo eixo caracteriza os territórios em relação aos aspectos sociodemográficos, com foco na presença de população mais vulnerável à violência sexual contra crianças e adolescentes. Ainda que não pretenda estabelecer relações de causalidade entre os fenômenos tradados, o diagnóstico fornece um painel relativamente amplo de informações sobre a infra-estrutura econômica dos municípios, a (in)segurança de renda dos diferentes segmentos populacionais e as vulnerabilidades sociais passíveis de serem associadas aos perfis dos grupos familiares. O eixo seguinte, sobre a violência sexual infanto-juvenil organiza as informações disponíveis sobre o fenômeno no contexto das ocorrências de criminalidade e das violências acometidas contra crianças e adolescentes, configuradas em cada território. Cabe ressaltar, o caráter aproximado do quadro que emerge dos indicadores analisados, em especial, por se tratar de uma área ainda afetada pela subnotificação dos eventos e, em conseqüência, um dimensionamento do fenômeno subestimado. O uso, nesse caso, de estatísticas oficiais e de estudos especiais certamente limita o dimensionamento do 45 Programa iniciado em 2001, atualmente foi reorganizado, no âmbito da rede socioassistencial, como serviço prestado pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, como serviço de média complexidade denominado Proteção Social às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias. 58 fenômeno apresentado pela restrição dos dados e inexistência de séries temporais de dados sobre essa temática. Essa restrição é reflexo da saliência ainda recente do tema na agenda pública e as condições limitadas de responsabilização dos violadores de direitos, associadas à incipiência e fragilidade institucional do sistema de garantia de direitos na maioria dos municípios. No último eixo, são abordadas as configurações das redes de proteção social46 e de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil existentes nos municípios. A caracterização da primeira dimensiona a infra-estrutura instalada, em relação a programas e serviços estratégicos para o enfrentamento dessa violência, de forma a fornecer à Comissão Operativa Local um quadro dos recursos e insumos disponíveis no nível municipal e regional, bem como dos agentes cujas ações são relevantes para a materialização do PAIR Minas. A configuração da rede de enfrentamento é focalizada a partir da identificação de agentes governamentais e da sociedade civil, atuantes em diferentes ambientes institucionais e áreas de políticas. As informações foram coletadas junto a diversas fontes de informação, incluindo órgãos oficiais de estatísticas, órgãos gestores de políticas públicas, centros de pesquisa e universidades (conferir Anexos). Um aspecto importante é que a estrutura do diagnóstico é compatível e complementar àquela adotada no Sistema de monitoramento e avaliação do Projeto PAIR Minas. Dados os limites de elaboração do diagnóstico com base em informações secundárias sobre uma temática cujas estatísticas são ainda recentes e limitadas, as conclusões apresentadas devem ser complementadas e atualizadas pelas informações produzidas pela primeira coleta de dados do Sistema, que será a linha de base para avaliação do programa47. Os indicadores do presente diagnóstico e aqueles incluídos no Sistema de Monitoramento e avaliação do PAIR Minas são similares e complementares, permitindo 46 “A proteção social de Assistência Social consiste no conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo SUAS para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e relacional. A proteção social de Assistência Social, ao ter por direção o desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania, tem por princípios: a matricialidade sociofamiliar; territorialização; a proteção pró-ativa; integração à seguridade social; integração às políticas sociais e econômicas.” (MDS, 2005:19). 47 A linha de base consiste no levantamento e caracterização da área de problema em questão antes da intervenção do Programa, no caso, o PAIR. Segundo o cronograma do projeto, a construção dessa linha de base ocorrerá a partir da adesão dos municípios ao PAIR, prevista para abril de 2009. 59 à Comissão local definir estratégias de ação adequadas ao cenário diagnosticado e acompanhar os impactos das mesmas ao longo do ciclo de implantação do projeto. 60 Expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte Base territorial do PAIR O objetivo dessa seção é caracterizar as estruturas socioterritoriais dos municípios beneficiados com a expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte em relação aos fatores de risco e vulnerabilidade à violência sexual infantojuvenil. A caracterização desses espaços territoriais constitui-se em etapa importante para se dimensionar o fenômeno e compreender a sua configuração e dinâmica no espaço regional e local. Um primeiro aspecto a ser considerado na caracterização socioterritorial da matriz de riscos e vulnerabilidades de crianças e adolescentes à violência sexual é o porte populacional dos municípios. A expansão do PAIR Minas na RMBH atingirá 08 (oito) municípios, o que representa 07,6% do total de municípios nessa mesorregião. Quanto ao porte populacional, os municípios são, predominantemente, de grande porte, sendo 07 (sete) desse tipo e 01 (um) caracterizado como de médio porte, conforme tabela 4 apresentada abaixo. Com exceção de Vespasiano que passou de município de médio para de grande porte entre 2000 e 2004, não houve mudança na classificação dos municípios entre 2000 e 2007. Do ponto de vista da dispersão territorial, esses municípios estão espacialmente concentrados na microrregião de Belo Horizonte. Ou seja, são localizados no entorno da capital do estado, Belo Horizonte, configurando um espaço territorialmente contíguo para a operação do programa. Essa configuração é de especial importância, pois resulta do processo de conurbação/metropolização48 que marcou a expansão dessa área nas últimas décadas. Os municípios localizados em tal área se caracterizam pela integração ao pólo da RMBH considerada alta (Betim, Sabará e Nova Lima) ou muito alta (Contagem, Ibirité, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano). Essa integração é medida de acordo 48 Coalescência de várias cidades e sua fusão numa área metropolitana. 61 com a evolução demográfica, fluxos de deslocamentos, densidade e características ocupacionais dos municípios. A dinâmica de integração desses municípios a Belo Horizonte, o pólo, foi marcada nas últimas décadas pela inversão espacial do crescimento demográfico a partir de uma mudança no comportamento das migrações intrametropolitanas, ou seja, redução do crescimento demográfico da capital e aumento nos municípios da RMBH e do colar metropolitano (Soares, Sousa e Brito, 2006). A participação da capital no total da população da região metropolitana, que concentrava 75% dos habitantes nos anos 60, declina para 51% em 2000. Mapa 1: Municípios da área de expansão do PAIR na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Minas Gerais, 2008. Fonte: Elaboração própria. Mais importante, no entanto, é que essa redistribuição populacional está associada a um processo de metropolização da pobreza, ou seja, uma reconfiguração sócio-espacial da concentração de diferentes segmentos socioeconômicos decorrentes de movimentos migratórios intrametropolitanos. Como salientam Soares, Sousa e Brito (2006), verificou-se uma expansão dos municípios localizados nos eixo norte e oeste de Belo 62 Horizonte49, em decorrência da mobilidade dos pobres, e dos municípios do eixo sul, que ao contrário, atraiu segmentos de alta renda econômica. Tabela 4: Distribuição dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o porte populacional, 2007. REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE PORTE MUNICÍPIOS Grande Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Médio Nova Lima Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE, 2007. O enfrentamento de violências sexuais tem conferido atenção especial às áreas metropolitanas e às especificidades assumidas pelo fenômeno nesses contextos50. Essas áreas apresentam, normalmente, uma matriz de riscos mais complexa na medida em que se observa uma combinação de diferentes fatores de risco e vulnerabilidades sociais à violência infanto-juvenil e também pelos efeitos de transbordamento desses problemas para os municípios conurbados. Ademais, a dinâmica centro-periferia verificada nas metrópoles brasileiras, com a concentração das populações pobres nos municípios localizados no colar das regiões metropolitanas é um dado central para a identificação dos territórios mais vulneráveis. Dentre os fatores de risco, alguns assumem maior centralidade para a definição de estratégias de ação voltadas para o combate a esse tipo de violência devido ao fato de não serem temporários, constituindo em elementos estruturadores dos territórios e da extensão e complexidade da matriz de riscos ali presente. A localização dos municípios nas proximidades de rodovias, a presença de garimpos e de aldeias indígenas, o fato de situar-se em áreas litorâneas, ribeirinhas ou em regiões de fronteira são alguns desses fatores. 49 Dentre os municípios beneficiados pela expansão do PAIR na RMBH localizam-se nos eixos oeste e norte os seguintes: Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Vespasiano, Betim, Contagem e Ibirité. No eixo Sul encontra-se o município de Nova Lima. 50 Matriz intersetorial de enfrentamento da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, 2004. 63 Em avaliação recente do “Programa Sentinela”, Matos et. al. (2007) argumentaram, no entanto, que esses fatores são preditores importantes da exploração sexual, mas não dos eventos de abuso sexual de crianças e adolescentes. Em atenção a esse aspecto, a discussão que se segue abordará, inicialmente, a presença daqueles fatores de risco e, na seqüência, tratará de aspectos relacionados à vulnerabilidade social de certos segmentos sociais e grupos familiares. Nesse sentido, destaca-se que a metodologia de expansão do PAIR Minas adotou a proximidade de rodovias como critério de seleção dos municípios a serem beneficiados. Diagnósticos sobre a violência sexual infanto-juvenil mostram que nos municípios próximos a rodovias e a entroncamentos rodoviários há uma concentração de pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes. O Guia para Localização de Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual Infanto-Juvenil ao longo das Rodovias Federais Brasileiras, publicado em 2007, identifica esses pontos com base na presença de “estacionamentos de caminhões, balneários, lojas, paradas de ônibus, lanchonetes, hotéis, borracharias, clubes, postos de caixa eletrônico, povoados, vilarejos, trevos e rotatórias nas estradas, festas freqüentes, praças, casas particulares, viadutos ou pontos espalhados ao longo das estradas” (OIT, 2007,14). Estudos demonstram que a existência de uma infra-estrutura destinada aos viajantes acaba também servindo à ocorrência do fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil já que é, geralmente, nesses pontos de parada, que esse tipo de violência ocorre. 51 Minas Gerais ocupa posição destacada dentro da malha rodoviária nacional uma vez que a maioria das rodovias federais corta o território estadual, totalizando 14.158,9 quilômetros de rodovias. Além disso, a “malha rodoviária conta ainda com 13.218,6 km de rodovias estaduais, 3.427,2 km de rodovias estaduais transitórias e 239.249,4 km de rodovias municipais, perfazendo um total de 270.053,8 km de rodovia” (OIT, 2007). Essa extensão da malha rodoviária do estado merece destaque na medida em que Minas Gerais ocupou o primeiro lugar em número de pontos vulneráveis à exploração sexual infanto-juvenil no país segundo estudo da Polícia Federal em 2007 (idem, 2007). 51 Diagnósticos realizados pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG), pelo Programa Pólos de Cidadania (Pólos/UFMG) e pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). 64 Em se tratando dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 04 (quatro) rodovias federais se destacam enquanto fator de risco à exploração sexual infanto-juvenil: BRs 040, 262, 381 e 356. Esta última, entretanto, não exerce influência direta sobre nenhum dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas. Entre as outras rodovias, a BR-040 é a que exerce influência sobre o maior número de municípios beneficiados. Além de atravessar o município de Contagem, a rodovia se situa próximo aos municípios de Sabará, Betim, Ribeirão das Neves, Nova Lima, Ibirité e Vespasiano. A BR-262 localiza-se próximo do município de Sabará e, próximo ao município de Santa Luzia localiza-se a BR-381. Mapa 2: Malha rodoviária da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Fonte: Elaboração própria A BR-040 é uma rodovia federal radial, assim denominada por ter uma de suas extremidades localizada na capital de um estado ou país. 52 Seu ponto inicial fica na 52 Essa nomenclatura é adotada pelo Sistema Viário Nacional na classificação das rodovias federais e também por alguns estados. Radial é a denominação dada a rodovias que têm uma de suas extremidades localizada na capital de um estado ou país. O nome é adotado pelo Sistema Viário Nacional na classificação das rodovias federais e também por alguns estados. Rodovia longitudinal é a denominação recebida pelas rodovias federais brasileiras que cruzam o país no sentido Norte-Sul. A quilometragem é medida nesse sentido. Rodovia Transversal é a denominação recebida pelas rodovias 65 cidade de Brasília (DF) e o final, no Rio de Janeiro (RJ). A BR passa pelo Distrito Federal e pelos Estados de Goiás, Minas Gerais, e Rio de Janeiro. Sua extensão é de 1178,7 quilômetros. A BR-262 localiza-se próximo do município de Sabará. Trata-se de uma rodovia transversal (denominação recebida pelas rodovias federais que cruzam o país no sentido Leste-Oeste) que interliga os estados do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Começa em Vitória no estado do Espírito Santo, passa por importantes municípios mineiros como Belo Horizonte, Uberaba e Campo Grande e termina junto à fronteira com a Bolívia, em Corumbá no estado de Mato Grosso do Sul. A BR-262 percorre 999,8 km no estado de Minas Gerais e possui um fluxo diário de 20 mil veículos entre Betim e Juatuba, 9 mil veículos/dia entre Juatuba e Pará de Minas e 6 mil entre Pará de Minas e Nova Serrana. Finalmente, próximo ao município de Santa Luzia localiza-se a BR-381, também denominada de Fernão Dias no trecho entre a Grande São Paulo, Grande Belo Horizonte e a Grande Vitória. Trata-se de uma rodovia diagonal que serve de ligação entre os estados brasileiros do Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. A rodovia atravessa importantes municípios da Região Sudeste. Ao todo, a BR-381 possui 1.181 quilômetros, dos quais 950 são em Minas Gerais. Os órgãos responsáveis pela gestão das estradas e do transporte rodoviário não disponibilizam informações sobre o número de pontos de parada, como hotéis, restaurantes, postos de gasolina, etc. nas rodovias. Mas, dada a importância das três BRs, seja para o transporte de passageiros com destino a cidades turísticas, seja para o escoamento de mercadorias, e o grande fluxo de veículos, é de se esperar que todas elas representem grande movimento de pessoas e veículos o que, conseqüentemente, amplia os riscos de ocorrência do fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil nos municípios próximos. federais que cruzam o país no sentido Leste-Oeste. A quilometragem dessas rodovias é sempre medida nesse sentido. Rodovia Diagonal é a denominação recebida pelas rodovias federais que cruzam o país em dois modos de orientação: Noroeste-Sudeste ou Nordeste-Sudoeste. Rodovia de ligação é a denominação recebida pelas rodovias federais brasileiras que unem duas rodovias federais entre si, ou uma rodovia a alguma localidade próxima, ou à nossas fronteiras internacionais, ou, ainda, que não possam ser classificadas em nenhum dos outros tipos. 66 A atividade de mineração realizada nessa região e com concentração principalmente em Nova Lima é do tipo empresarial, que se caracteriza por forte regulação estatal e fiscalização por órgãos governamentais, atuação de pessoas jurídicas e relações típicas da economia formal. Esse arranjo econômico distancia-se, portanto, daqueles mais comumente associados às violências sexuais cometidas contra crianças e adolescentes, como as frentes de garimpo. No tocante ao turismo, 03 (três) dos 08 (oito) municípios que compõem a base territorial do PAIR na RMBH, se destacam. Betim e Contagem se caracterizam pelo turismo de festas típicas e de negócios. Sabará destaca-se pelo turismo do tipo religioso e relacionado ao patrimônio histórico local. Antes de qualquer avaliação de possíveis impactos desses fatores sobre a configuração de um contexto favorável à exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes é necessário analisar a composição e dinâmica populacional desses territórios e possíveis interações entre esses aspectos. Caracterização sócio-demográfica da população Em conjunto, os 08 (oito) municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na RMBH possuíam, no ano de 2007, uma população de 2.011.070 habitantes, o que representava 32,1% do total da população da região. Esse número que era de cerca de 1,7 milhões de pessoas em 2000 (1.665,837), passou para 1,9 milhões em 2004 (1.919,694) e, finalmente, ultrapassou a marca de 2 milhões em 2007. Destacam-se os municípios de Contagem e Betim, cuja população representa, respectivamente, 30,3 e 20,6% do total da população beneficiada pela expansão do PAIR Minas na região. Os municípios mais populosos são Contagem, Betim, Ribeirão das Neves e Santa Luzia, nessa ordem. Esses quatro municípios, juntos, são responsáveis por 25,2% da população da mesorregião e 8% da população do estado. São seguidos por Sabará e Ibirité em número de habitantes. Houve uma tendência de crescimento populacional em todos os municípios pesquisados no período de 2000-2007 com exceção das cidades de Sabará e de Ibirité que tiveram 67 redução da população entre 2004 e 2007. Como dito anteriormente, esse processo expressa, em boa medida, uma redistribuição espacial da população no espaço intrametropolitano. Nessa área de expansão do PAIR Minas observaram-se diferenças importantes quanto à densidade demográfica dos municípios, que diz respeito à razão entre o número total de habitantes e a área territorial de cada uma dessas unidades. Os municípios mais densamente povoados da RMBH eram Contagem, Ibirité e Ribeirão das Neves e os menos densamente povoados Santa Luzia, Sabará e Nova Lima. Entretanto, mesmo nos municípios menos densamente povoados, a relação de habitantes por quilômetro quadrado é expressivamente superior àquela observada no estado de Minas Gerais (30,5 hab./ km2) e no país (22 hab./ km2), no ano de 2005. Embora sejam municípios de pequena extensão territorial, esse resultado está associado à dinâmica de ocupação desses territórios nas últimas décadas. Em Contagem, Betim e Vespasiano, o crescimento da densidade demográfica decorreu das iniciativas deliberadas de deslocamento e expansão das atividades industriais nessas áreas e dos fluxos migratórios em direção a essa região resultantes desse processo. Atualmente, o município de Nova Lima experimenta um processo de expansão populacional, acentuado pelos investimentos imobiliários na região, sendo o perfil da população emigrada bastante distinto, uma vez que esse município tem atraído o segmento de renda econômica mais elevada. Tabela 5: População total, densidade demográfica e percentual de domicílios urbanos dos municípios segundo o porte populacional nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000, 2004, 2007. População total¹ PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Nova Lima ano 2000 306674 538208 133044 246846 115352 184903 76423 64387 ano 2004 376318 583386 161208 299687 128492 209057 91009 70537 Densidade demográfica² Domicílios urbanos³ ano 2007 415098 608650 148535 329112 120770 222507 94191 72207 ano 2007 ano 2007 1199,71 3121,28 2034,73 2137,09 397,27 950,88 1345,59 168,71 Mesorregião Região Metropolitana 5.587.808 .. 6.259.573 Estadual Minas Gerais 17.891.494 19.039.000 19.765.000 Nacional Brasil 169.799.170 182.060.000 189.820.000 Fonte: ¹ Elaboração própria a partir de dados do Sidra – IBGE, anos de referência 2000, 2004 e 2007. ² Formulação própria a partir de dados do IBGE cidades@. 2007 .. .. .. .. .. 99,63 .. 96,87 .. 95,74 97,78 .. .. .. 68 Essa área se caracteriza por patamares elevados de urbanização de seus territórios, sendo que os municípios de Ibirité, Sabará, Vespasiano e Nova Lima possuíam, no ano de 2007, mais de 95% dos domicílios em área urbana, valor bem superior ao nacional, 84%. A vinculação entre as características populacionais e a configuração da vulnerabilidade à violência sexual infanto-juvenil requer a análise da população dos municípios de acordo com a sua composição por gênero e faixa etária na medida o fenômeno apresenta índices mais altos de incidência em relação à parcela da população relativa a crianças e adolescentes do sexo feminino. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, as crianças e adolescentes de 0 a 17 anos representavam, no ano 2000, 29,8% da população dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas, sendo maior em Betim e Contagem. As crianças de 0 a 6 anos representavam 11,8% do total da população dos municípios beneficiados; a população de 7 a 14 anos representava 13% e os adolescentes de 15 a 17 anos somavam 5% do total da população beneficiada. Em todas essas faixas etárias e municípios beneficiados na RMBH, observa-se uma divisão equilibrada entre a população de homens e mulheres. As mulheres representavam 49,3% da população de crianças e adolescentes com idade entre 0 e 17 anos e os homens 50,7%. Tabela 6: Distribuição da população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o grupo etário e sexo, 2000. 0 - 6 anos PORTE MUNICÍPIO Homens Mulheres 7 - 14 anos Total Homens Mulheres 15 - 17 anos Total Homens Mulheres Total Total Grande 0 - 17 anos Betim 23961 22587 46548 25567 25108 50675 9636 9906 19542 116765 Contagem 34723 33760 68483 39620 38899 78519 16293 15636 31929 178931 Ibirité 10752 10871 21623 11255 10873 22128 4296 4074 8370 52121 Ribeirão das Neves 19757 18532 38289 20323 20384 40707 8031 7809 15840 94836 Sabará 8035 7975 16010 9080 8934 18014 3664 3530 7194 41218 Santa Luzia 13844 13235 27079 14926 14510 29436 5724 5658 11382 67897 Vespasiano 6068 5670 11738 6017 6187 12204 2389 2349 4738 28680 Médio Nova Lima 3788 3870 7658 4663 4384 9047 1820 1844 3664 20369 Região Mesorregião Metropolitana .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. Estadual Minas Gerais* .. .. 2.119.942 .. .. 2.840.931 .. .. 1.105.930 6.066.803 Nacional Brasil* .. .. 21.715.233 .. .. 27.629.064 .. .. 10.742.044 60.086.341 Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006 *Sidra IBGE, 2000. 69 A definição de estratégias voltadas para o enfrentamento da violência sexual infantojuvenil requer igualmente a produção de informações transversais sobre esse segmento de forma a identificar e dimensionar a matriz multidimensional de riscos e vulnerabilidade a que esse público está sujeito em diferentes ciclos da infância e adolescência e sob diferentes estruturas de sociabilidade. A atenção integral às crianças e adolescentes em situação de ameaça ou de violação de direitos demanda o conhecimento das bases e da dinâmica dessa matriz em diferentes espaços e redes de interação social. São nesses espaços e sob a influência dessas redes que se definem, para esse segmento etário, as distintas estruturas de oportunidades e se configuram capacidades diferenciais de proteção contra os riscos de violência infanto-juvenil, incluindo a sexual. Parte importante da configuração dessas capacidades diferenciais de proteção está relacionada à presença e efetividade das ações desenvolvidas pelas instituições voltadas para a população infanto-juvenil. Para além da caracterização da demanda, o dimensionamento da capacidade de oferta de ações e políticas efetivas deve ser suportado pela análise da capilaridade e da inclusividade das ações executadas por instituições e organizações, públicas e/ou privadas, voltadas para esse segmento etário. Um aspecto importante para o desenvolvimento da proteção social integral é a identificação e coordenação das interdependências das ações executadas por diferentes setores de políticas. Passo importante para isso é, pois, avaliar como a demanda e a oferta de políticas e programas configuram-se para esse segmento específico. Nessa direção, um campo de políticas central é o educacional, seja pelos efeitos esperados sob a estrutura de oportunidades individuais que a trajetória educacional promove, seja pela centralidade dessas instituições para a proteção social integral de crianças e adolescentes. A inclusividade e efetividade da política educacional em relação ao segmento populacional em foco, crianças e adolescentes, são entendidas, nesse contexto, como dimensões críticas para a avaliação de capacidades diferenciais de proteção em relação aos riscos e vulnerabilidades à violência infanto-juvenil. A persistência do analfabetismo entre a população em idade escolar é um indicador claro do grau de inclusividade da política educacional. A taxa de analfabetismo verificada para a população com idade de 07 a 14 anos foi de 12,4% e 6,6% 70 respectivamente para o Brasil e Minas Gerais em 2000 e de 5,40% para a RMBH. Com exceção de Nova Lima, em todos os municípios beneficiados na região o percentual de analfabetos situava-se próximo ao da RMBH como um todo. Entretanto, 05 (cinco) municípios – Contagem, Sabará, Santa Luzia, Vespasiano e Nova Lima – possuíam valores expressivamente mais baixos dos que o do estado e o do país. Para pessoas com idade acima dos 15 anos, o percentual de analfabetos variava de 5,27% em Nova Lima a 9,57% em Vespasiano. Apenas nos municípios de Contagem e Nova Lima observou-se um percentual de analfabetos menor do que o da mesorregião, de 7,20%. Acima dos 25 anos o percentual de analfabetos era maior, oscilando entre 6,04% em Nova Lima a 12,22% em Ribeirão das Neves. Mais uma vez, apenas nos municípios de Contagem e Nova Lima o percentual de analfabetos com idade acima dos 25 anos é menor do que o da mesorregião, de 8,80%. Tabela 7: Percentual de analfabetos na população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o grupo etário e porte populacional, 2000. Analfabetos % PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Nova Lima Mesorregião Região Metropolitana Estadual Minas Gerais Nacional Brasil 53 Fonte: IPEAdata, 2000. Ver definição dos indicadores. 7 - 14 anos acima 15 anos acima 25 anos 6,58 4,32 6,12 6,66 5,82 5,41 4,72 3,63 8,55 5,62 9,26 9,37 8,00 7,80 9,57 5,27 11,20 7,03 12,02 12,22 9,59 9,46 11,85 6,04 5,40 6,60 12,40 7,20 .. .. 8,80 14,80 16,00 O papel do sistema educacional como agente de proteção das crianças e adolescentes e como agente da rede de enfrentamento depende diretamente da sua capacidade de retenção dos estudantes. De acordo com dados do Censo de 2000, o percentual da população de 10 a 14 anos em situação de evasão escolar - alunos matriculados que abandonam a escola - não apresentou variação expressiva entre os municípios analisados. Os menores percentuais de alunos em situação de evasão nessa faixa etária 53 Analfabetos: Percentual de pessoas que não sabem ler nem escrever um bilhete simples (IPEAdata). 71 foram encontrados nos municípios de Nova Lima e Vespasiano e os maiores nos municípios de Ibirité e Santa Luzia. Contagem, Ibirité, Ribeirão das Neves e Santa Luzia apresentavam percentual de evasão superior ao da RMBH, de 3,02%, na faixa de 10 a 14 anos. Nenhum dos municípios apresentava percentual de evasão nessa faixa etária superior ao do estado, 4,77%, ou do país, 5,35%. Na faixa etária de 15 a 17 anos, fase de mudança entre níveis de ensino, do fundamental para o médio, o percentual de evasão escolar era bem superior, ficando entre 13% e 22%. Mais uma vez, os menores percentuais foram observados nos municípios de Nova Lima e Vespasiano e um quadro mais grave de evasão escolar nos municípios de Ibirité e Ribeirão das Neves. Estes dois e o município de Contagem eram os que apresentam percentual de evasão na faixa de 15 a 17 anos inferior ao da RMBH. No entanto, nenhum dos municípios apresentava percentual de evasão nessa faixa etária superior ao do estado de Minas Gerais, de 23,96%, ou do país, de 22,29%. A permanência de crianças e adolescentes no sistema de ensino formal é compreendida como fator protetivo contra o problema da violência sexual e da vitimização de modo geral. Quando fora da escola, aqueles se encontram mais expostos à violação de seus direitos e a vários tipos de violência e exploração, entre elas o trabalho infantil e a exploração sexual, evidenciando um quadro de vulnerabilidades sociais cumulativas. Não superava os 4% nos municípios beneficiados na região o percentual de crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14 que se encontravam, simultaneamente, em situação de evasão escolar e de trabalho. Nesse sentido os municípios se encontravam em melhor situação do que o estado e o país, onde esse percentual ficava em torno dos 6%. O quadro apresenta maior gravidade quando se considera a defasagem escolar, medida relativa à proporção de crianças e adolescentes no total de estudantes freqüentando séries anteriores àquelas recomendadas para sua idade54. Observou-se importante 54 Esta era a forma utilizada para calcular a defasagem idade-série apresentada até a Síntese de Indicadores Sociais 2004. Assim, era considerada defasada a criança que freqüentava as séries não correspondentes e anteriores à sua idade cronológica. Considerando que este indicador apresentava algumas diferenças conceituais em relação às recomendações internacionais e ao próprio MEC, resultando em algumas distorções e que tanto as taxas internacionais quanto a do MEC adotam como critério de defasagem a criança ter idade superior em no mínimo dois anos à recomendada para cada série, o IBGE optou por adotar essa nova leitura de defasagem escolar na publicação da Síntese de Indicadores 72 variação no percentual dos alunos em situação de defasagem na faixa de 07 a 14 anos, que oscilava de 12,8 a 20,8%, no ano 2000. Uma maior proporção de estudantes em situação de defasagem idade-série foi encontrada nos municípios de Ibirité, Vespasiano e Nova Lima (superiores aos percentuais da RMBH, de 18,2%, e do estado, de 17,9%) e menor em Betim, Contagem e Santa Luzia. Chama a atenção o município de Nova Lima que se encontrava entre aqueles com níveis mais altos de estudantes com defasagem escolar, diferentemente do que se observou em relação à alfabetização e à evasão escolar. A proporção de crianças com idade entre 10 e 14 anos com menos de 4 anos de estudo oscilava, nos municípios considerados, entre 33,4% e 40,2%. O menor percentual foi encontrado em Betim e o maior em Nova Lima. Na faixa etária de 15 a 17 anos, esse percentual oscilava entre 4,5% e 14,2%, sendo os menores percentuais encontrados em Nova Lima e Betim e o maior em Contagem. Tabela 8: Evasão, defasagem escolar e população com menos de quatro anos de estudo nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. Evasão escolar¹ trabalhando PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Nova Lima Defasagem escolar¹ fora da escola Pessoas com menos de quatro anos de estudo² 10 - 14 anos 10 - 14 anos 15 - 17 anos 7 - 14 anos 10 - 14 anos 15 - 17 anos % % % % % % 2,82 2,42 1,90 3,01 1,35 2,95 2,29 2,08 2,73 3,25 4,11 3,70 2,55 4,54 1,94 1,48 17,18 16,34 21,38 22,12 17,17 18,01 13,93 13,08 12,872 14,131 19,354 16,466 16,754 14,085 20,832 18,884 33,37 38,23 36,85 34,22 35,86 35,46 39,68 40,25 Mesorregião Região Metropolitana 3,28 3,02 17,03 18,2 Estadual Minas Gerais 6,54 4,77 23,96 17,9 Nacional Brasil 6,00 5,35 22,29 25,3 Fonte: ¹IPEAdata, 2000. ²Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. definição dos indicadores. 55 5,72 14,19 8,85 7,19 8,45 7,07 6,58 4,47 .. .. .. .. .. .. Programa 2006. Ver Sociais no ano de 2008. (Fonte: IBGE - Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2008) 55 Evasão escolar trabalhando: percentual de pessoas de 10 a 14 anos de idade que trabalharam na última semana de julho (2000). Considera-se o trabalho remunerado ou não (ajuda a membros da família, aprendiz, estagiário) e também o trabalho na produção para consumo próprio. Evasão escolar fora da escola: percentual de pessoas de x a y anos de idade que não freqüentam a escola (IPEAdata). Defasagem escolar: O atraso escolar é obtido pela comparação entre a idade e a série escolar da criança, através da equação: atraso escolar = [(idade - 7) - número da série completada]. Espera-se, portanto, que uma criança de oito anos já tenha completado um ano de estudo (IPEAdata). Pessoas com 73 Em consonância com o quadro educacional brasileiro, os municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na RMBH também apresentaram percentuais mais elevados de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos freqüentando o Ensino Fundamental (84,1% a 95,4%.) do que de adolescentes freqüentando o Ensino Médio (29% e 45,7%). Em apenas 01 (um) município – Betim – o percentual de crianças cursando o Ensino Fundamental supera os 95%, aproximando-se do valor para o estado. Já quanto aos adolescentes no Ensino Médio, esse percentual não supera os 50% em nenhum dos municípios pesquisados, estando muito abaixo do percentual estadual de 79%. No ano 2000, o patamar mais baixo de universalização do Ensino Fundamental foi observado em Contagem, 84%. Os percentuais mais expressivos de cobertura educacional nesse nível de ensino, sem considerar a adequação idade-série, foram atingidos por Betim, Nova Lima, Ribeirão da Neves, Sabará e Santa Luzia, superando os 90% e aproximando-se do valor para o estado de 95,9%. O percentual de adolescentes com idade entre 15 a 17 anos cursando o Ensino Médio no ano 2000 variava significativamente, oscilando entre 29% e 45,7%, bem abaixo do percentual do estado que era de 79%. Os menores percentuais foram encontrados em Contagem e os maiores em Vespasiano, Nova Lima, Santa Luzia e Sabará, em torno de 40%. Em comparação com os indicadores estaduais, a maioria dos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte beneficiados pela expansão do PAIR Minas aparecem em situação de maior vulnerabilidade no tocante à educação. De modo geral, os melhores indicadores são encontrados em Nova Lima e Vespasiano e os piores em Ribeirão das Neves e Ibirité. Esse quadro educacional pode ser mais bem avaliado a partir do Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, que busca mensurar a qualidade educacional mediante a combinação de informações sobre o desempenho dos estudantes nas etapas finais de ensino (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio) em exames padronizados (prova Brasil ou SAEB) com informações sobre o menos de quatro anos de estudo: Percentual de pessoas que não completaram a quarta série do fundamental, ou seja, que podem ser classificados como “analfabetos funcionais” (IPEAdata). 74 rendimento escolar, ou seja, aprovação (INEP, s/d). Esse indicador abarca, portanto, dois resultados centrais do sistema educacional, a aprendizagem (desempenho nos exames) e fluxo (aprovação) e a “combinação de ambos tem também o mérito de equilibrar as duas dimensões: se um sistema de ensino retiver seus alunos para obter resultados de melhor qualidade no SAEB ou Prova Brasil, o fator fluxo será alterado, indicando a necessidade de melhoria do sistema. Se, ao contrário, o sistema apressar a aprovação do aluno sem qualidade, o resultado das avaliações indicará igualmente a necessidade de melhoria do sistema” (INEP, s/d). O índice varia de um a dez, sendo que a meta do Brasil é atingir em 2022 a média 6,0, correspondente a um sistema educacional de qualidade comparável aos dos países desenvolvidos. Tabela 9: Freqüência escolar da população infanto-juvenil com idade entre 7 e 17 anos nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. Freqüência escolar 7 - 14 anos¹ PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Nova Lima 15 - 17 anos² % 97,22 96,99 95,40 96,41 97,03 95,87 98,12 98,23 38,61 29,08 34,45 37,36 41,18 40,02 43,43 45,69 Mesorregião Região Metropolitana 97,20 .. Estadual Minas Gerais 95,90 .. Nacional Brasil 94,50 .. Fonte: ¹ IPEAdata, 2000. ² Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. Ver 56 definição dos indicadores. Ver definição dos indicadores. Tanto em 2005 quanto em 2007, Nova Lima e Contagem foram os municípios que apresentaram os maiores IDEBs. Em 2005, os menores IDEBs foram verificados em Santa Luzia e Vespasiano e em 2007, em Ribeirão das Neves e Vespasiano. No mesmo ano, 05 (cinco) municípios atingiram ou superaram as metas estabelecidas: Vespasiano, Santa Luzia, Betim, Contagem e Ribeirão das Neves. 56 Freqüência escolar: Percentual de pessoas de 7 a 14 anos de idade que estão freqüentando a escola, independentemente do grau e série (IPEAdata). 75 Tabela 10: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. PORTE Grande MUNICÍPIO Betim Anos Iniciais Finais Contagem Iniciais Finais Ibirité Iniciais Finais Ribeirão das Neves Iniciais Finais Sabará Iniciais Finais Santa Luzia Iniciais Finais Vespasiano Iniciais Finais Médio Nova Lima Iniciais Finais Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IDEB. IDEB Observado 2005 2007 4,5 4,5 3,9 4,3 4,7 4,4 3,7 4,3 4,1 3,9 3,8 3,7 4,3 3,8 3,5 3,6 4,3 4,2 3,9 3,9 4,4 4,2 3,8 3,8 4,3 4 3,3 3,7 5,1 4,7 - 2007 4,6 4 4,7 3,7 4,2 3,8 4,3 3,5 4,4 4 4,5 3,8 4,4 3,4 5,2 - 2009 4,9 4,1 5,1 3,9 4,5 3,9 4,7 3,7 4,7 4,1 4,8 4 4,7 3,5 5,5 - 2011 5,3 4,4 5,5 4,1 4,9 4,2 5,1 4 5,1 4,4 5,2 4,3 5,1 3,8 5,9 - Metas Projetadas 2013 2015 2017 5,6 5,8 6,1 4,8 5,1 5,4 5,7 6 6,2 4,5 4,9 5,2 5,2 5,5 5,7 4,6 5 5,2 5,3 5,6 5,9 4,4 4,7 5 5,4 5,7 5,9 4,8 5,2 5,4 5,5 5,7 6 4,7 5 5,3 5,4 5,6 5,9 4,2 4,6 4,8 6,1 6,4 6,6 - 2019 6,3 5,6 6,5 5,4 6 5,5 6,1 5,2 6,2 5,7 6,2 5,5 6,2 5,1 6,8 - O quadro apresentado até o momento destacou a presença de fatores de risco consideráveis no espaço regional e de um segmento de crianças e adolescentes expressivo no conjunto dos municípios expostos, ainda que com variações importantes entre os municípios no tocante às vulnerabilidades sociais, como a educacional. O quadro, no entanto, é menos grave do que aqueles observados nas demais mesorregiões beneficiadas pela expansão do PAIR no estado. Os patamares de riqueza e a disponibilidade de equipamentos e serviços públicos nessa mesorregião são, certamente, fatores decisivos para isso. A seguir, um quadro mais completo dessa matriz de vulnerabilidades é apresentado com foco nas condições locais que impactam o bemestar e a segurança de renda dessa população. Infra-estrutura, economia e segurança de renda Essa seção aborda a infra-estrutura e dinamismo econômico dos municípios inseridos nas áreas de expansão do PAIR Minas e suas conexões potenciais com a (in)segurança de renda e bem-estar de suas populações. Um primeiro aspecto a ser destacado é a posição da mesorregião em foco em relação a um dos principais indicadores de dinamismo econômico, o Produto Interno Bruto-PIB. Os municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de 76 2021 6,6 5,9 6,7 5,7 6,3 5,7 6,4 5,5 6,4 5,9 6,5 5,8 6,4 5,4 7 - Belo Horizonte possuíam, em conjunto, no ano de 2006, um PIB correspondente a 20,22% do PIB de toda a região e a 8,32% do PIB do estado de Minas Gerais. A RMBH ocupa a primeira posição no ranking de participação no PIB mineiro e se destaca pelo dinamismo econômico vis-à-vis as demais mesorregiões beneficiadas pela expansão do PAIR. Em conjunto, os 08 (oito) municípios em tela possuíam, no ano de 2006, um PIB correspondente a R$ 15.616.200,99. Os municípios com maior PIB eram Betim e Contagem e com o menor, Ibirité. Observa-se, entretanto, que, independentemente do volume de riquezas produzidas por cada município, o setor de serviços era responsável por mais de 50% do PIB em 05 (cinco) dos 08 (oito) municípios da região – as exceções eram Betim, Vespasiano e Nova Lima – acompanhando a composição setorial do PIB mineiro, onde esse setor representava, em 2006, 59,8% do PIB e apresenta um dinamismo importante no estado nos últimos anos (CEI/FJP, 200857). Com exceção de Betim, Nova Lima e Vespasiano, o PIB do setor de serviços superava o do setor industrial nos demais municípios da região. Em nenhum dos municípios o setor primário desempenhava um papel importante no total do PIB. Tabela 11: Composição Setorial, valor total e per capita do PIB dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006. PORTE Indústria Serviços % % % Valor Adicionado Total PIB per capta R$mil 6.735.772,94 5.396.660,19 335.983,13 551.962,55 442.963,28 677.454,12 492.939,43 982.465,36 R$mil 26.320,76 11.827,66 2.556,20 2.121,55 3.985,29 3.881,83 7.348,32 15.439,41 Mesorregião Região Metropolitana 0,96 37,26 61,78 77.220.115,00 Estadual Minas Gerais 8,37 31,85 59,78 187.647.319,00 Nacional Brasil .. .. .. .. 58 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Informativo CEI – PIB MG 2006. Ver definição dos indicadores. 11.889,25 11.027,75 .. Grande Médio MUNICÍPIO Agropecuária Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Nova Lima 0,11 0,01 2,00 0,21 0,47 0,35 0,11 0,02 56,17 33,87 26,13 16,85 44,15 39,94 55,17 56,10 43,72 66,12 72,02 82,94 55,38 59,71 44,72 43,88 57 Disponível em http://www.datagerais.mg.gov.br/datagerais/consulta. Participação de cada setor da economia no Produto Interno Bruto a preços correntes de mercado (PIB-pm); PIB-pm total; PIB-pm por habitante (Informativo CEI. Disponível em: www.fjp.gov.br/produtos/cei/PIB2006_Preliminar.pdf). 58 77 O PIB per capita apresentava importante variação entre os municípios no ano de 2006. Os maiores valores foram encontrados nos municípios de Betim, Nova Lima e Contagem (municípios nos quais o PIB per capita ultrapassava os R$ 10 mil). Em Ibirité, Ribeirão das Neves, Sabará e Santa Luzia o PIB per capita não ultrapassava os R$ 4 mil, sendo que os dois primeiros contavam com os menores valores naquele ano. No que tange à relação entre esse quadro de infra-estrutura econômica e as condições de segurança de renda e bem-estar dessas populações, é importante incorporar à análise indicadores sobre a estrutura de desigualdades operando nesses territórios. Os dados abaixo abordam o grau de desigualdade social, medido através do índice de GINI e o grau de desenvolvimento, medido através do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. O Índice de GINI é uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade máxima). O índice é o coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por 100). A tabela a seguir mostra os índices relativos à distribuição de renda. A desigualdade de renda era menor nos municípios de Sabará, Ribeirão das Neves e Santa Luzia que possuíam, no ano 2000, um índice inferior aos do estado e do país, respectivamente 0,615 e 0,645. Em face do desempenho econômico e dos patamares de pobreza observados nesses municípios pelos indicadores econômicos, esse resultado deve ser interpretado como uma distribuição menos discrepante da renda, mas de uma renda que se situa em patamares consideravelmente baixos. Betim, Contagem, Vespasiano e Nova Lima possuíam índices de desigualdade superiores aos dos demais municípios e aos índices estadual e nacional. Um indicador importante para avaliar as condições de desenvolvimento humano, para além do critério renda, é o Índice de Desenvolvimento Humano. Esse índice é uma ferramenta valiosa na mensuração das condições de bem-estar e proteção em relação diferentes dimensões da vida humana. Ele varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1 (desenvolvimento humano total), sendo os países classificados como desenvolvimento baixo quando o IDH está entre 0 e 0,499; médio quando está entre 0,500 e 0,799; e alto quando está entre 0,800 e 1. Para fins desse estudo, utilizou-se o 78 IDH-municipal, apurado para avaliação das oportunidades de desenvolvimento humano em cada município do país, calculado a partir de informações do ano de 2000. Entre os municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, os patamares mais elevados de IDH-M foram observados em Betim, Vespasiano e Sabará e os menores em Contagem, Ribeirão das Neves e Ibirité. Todos os 08 (oito) municípios beneficiados na região possuem um nível médio de desenvolvimento segundo os critérios do IDH com índices inferiores aos estadual e nacional que são, respectivamente, 0,773 e 0,776. A pobreza é uma das variáveis críticas na avaliação das condições de segurança de renda presentes nesses territórios e do volume e perfil das demandas pelas proteções afiançadas pelo Poder Público. Para maior focalização do público-alvo do PAIR Minas, considera-se a capacidade econômica de famílias com membros de até 17 anos, de forma a dimensionar a vulnerabilidade social desse segmento etário, ou seja, as crianças e adolescentes vivendo com famílias em situação de insegurança de rendimento. No ano 2000, o percentual de crianças e adolescentes com idade entre de 0 e 14 anos vivendo em famílias pobres apresentava importante variação nos municípios beneficiados na RMBH. Em Nova Lima e Contagem esse percentual era inferior aos 30%; nos demais municípios variava de 37,2% em Santa Luzia a 43,7% em Ibirité, aproximando-se dos percentuais observados na RMBH, 43,04%, no estado, 43,36% e no país, 45,99%. Os dados revelam que, no ano 2000, a indigência também era uma realidade nos municípios da região, atingindo 9,2% da população de Nova Lima e 19,4% da população de Ibirité. Em Betim, Ibirité e Vespasiano, o percentual de indigentes também era superior ao da região como um todo, de 16,47%. Em nenhum dos municípios, esse percentual superava o do estado, de 20,5%, e o do país, de 25,2%. Nova Lima era o município mais discrepante, com apenas 9% da sua população nessa condição. 79 Tabela 12: Níveis de renda, desenvolvimento e desigualdade nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Nova Lima Índice de Gini¹ 0,67 0,65 .. 0,59 0,56 0,57 0,65 0,64 IDH-M² 0,78 0,60 0,62 0,64 0,75 0,66 0,75 0,65 Pessoas pobres 0 a 14 anos¹ Pessoas indigentes 0 a 14 anos¹ % % 39,85 28,48 43,74 41,37 39,03 37,27 41,78 24,00 17,01 11,25 19,39 15,90 15,89 14,94 17,13 9,21 Mesorregião Região Metropolitana .. .. 43,04 16,47 Estadual Minas Gerais 0,615 0,773 43,36 20,49 Nacional Brasil 0,645 0,766 45,99 25,18 ¹ Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. ² IPEAdata. Ver definição dos indicadores59. É importante chamar a atenção para possíveis mudanças nesse quadro na última década, dado que em face do dinamismo econômico e da ampliação da cobertura de programas de transferência de renda verificou-se uma queda da desigualdade social no país. Grupo familiar e vulnerabilidades As políticas públicas no Brasil têm incorporado a matricialidade sociofamiliar como um dos principais componentes das estratégias de proteção social e de garantia de direitos. A atenção, portanto, à composição, dinâmica e natureza das dependências que estruturam o grupo familiar é fundamental para se compreender as condições de sociabilidade, as estratégias de sobrevivência adotadas e o grau de risco e vulnerabilidade de crianças e adolescentes à violência sexual no ambiente intra e extrafamiliar. 59 Percentual de pessoas com idade entre 0 e 14 anos que tem renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza de R$ 75,50. (IPEAdata). A indigência é medida através do percentual de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$37,75, equivalentes a 1/4 do salário mínimo vigente em agosto de 2000. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes. (IPEAdata). 80 A Razão de Dependência possibilita verificar o peso da população considerada inativa (0 a 14 anos e 65 anos e mais de idade) sobre a população potencialmente ativa (15 a 64 anos de idade), em um determinado espaço geográfico, no ano considerado. A Razão de Dependência pode ser calculada, separadamente, para as duas faixas etárias identificadas como população dependente. Para se calcular a razão de dependência das crianças divide-se a população com idade entre 0 a 14 anos pela população com idade entre 15 e 64 anos e multiplica-se por 100. O cálculo para os idosos consiste em dividir a população com idade de 65 anos ou mais pela população com idade entre 15 e 64 anos e multiplica-se por 100. Os valores elevados indicam que a população em idade produtiva deve sustentar uma grande proporção de dependentes, o que significa consideráveis encargos assistenciais para a sociedade (IBGE, ano????). Considerando um único valor para as duas faixas etárias, a Razão de Dependência, no ano 2000, era menor nos municípios de Nova Lima e Contagem e maior em Ibirité. Dos 08 (oito) municípios, apenas em 03 (três) – Nova Lima, Sabará e Contagem – a Razão de Dependência era menor do que a da RMBH, que era de 39,62 e que a do estado, de 39,19. Tabela 13: Razão de Dependência nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Razão de dependência Betim 39,812 Contagem 34,204 Ibirité 41,223 Ribeirão das Neves 40,354 Sabará 38,629 Santa Luzia 39,186 Vespasiano 40,508 Nova Lima 31,403 Mesorregião Região Metropolitana 39,62 Estadual 39,19 Minas Gerais Nacional Brasil Fonte: IPEAdata, 2000. 41,07 Um indicador importante da dinâmica do grupo familiar é a presença de mulheres responsáveis pela família, principalmente em unidades monoparentais. Tendo em vista as condições de participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil, a maior dependência econômica dos membros em relação ao chefe de família pode se associar a 81 estratégias de sobrevivência que incluam a realização de atividades laborais pelas crianças e adolescentes. O percentual médio de mulheres responsáveis pela família, sem cônjuges, e com filhos menores de 15 anos era, no ano 2000, de 14,27% considerando-se os 08 (oito) municípios beneficiados pelo PAIR na RMBH. O menor percentual era encontrado em Ribeirão das Neves (7,76%) e os maiores em Nova Lima (17,78%) e Vespasiano (18,57%). Em todos os municípios o percentual era superior ao do estado e do país, respectivamente 5,86 e 5,83%. Esse quadro é agravado quando se considera a escolaridade das mulheres nessa condição. Para além do impacto dessa variável sobre as oportunidades no mercado de trabalho, é conhecida a influência da educação das mães sobre as decisões relativas à permanência dos filhos na escola. As mulheres chefes de domicílio com 0 a 4 anos de estudo representavam, em média, 6,65% da população, considerando-se apenas os 08 (oito) municípios beneficiados na RMBH. Verificou-se uma pequena variação entre os municípios, sendo o menor percentual encontrado em Ribeirão das Neves (5,23%) e o maior em Contagem (8,38%). Embora com os dados utilizados não seja possível estabelecer uma relação de causalidade, é importante explorar possíveis conexões entre a vivência precoce da sexualidade, gravidez na adolescência e os riscos e vulnerabilidades à exploração e abuso sexual da população infanto-juvenil feminina nessa mesorregião. Nesse contexto, serão apenas abordados alguns indicadores dos processos acima que devem ser objetos de levantamentos mais atuais e exaustivos em cada município. Um primeiro indicador é o percentual de meninas com idade entre 10 e 14 anos com filhos, que oscilava de 0,02% em Betim e 0,04% em Nova Lima a 0,74% em Contagem e 0,98% em Santa Luzia. Em 04 (quatro) municípios – Contagem, Ribeirão das Neves, Sabará e Santa Luzia – o percentual de mulheres com idade entre 10 e 14 anos com filhos era superior ao da RMBH e ao do estado, respectivamente, 0,27 e 0,28%. Apenas em Contagem e Santa Luzia esse percentual era superior ao do país, de 0,43%. 82 Na faixa etária de 15 a 17 anos, o percentual de adolescentes com filhos era expressivamente superior, variando de 3,4% em Betim e 3,83% em Ibirité a 9,68% em Contagem. 05 (cinco) municípios apresentavam percentuais superiores ao do estado, de 6,12%, e 01 – Contagem – possuía percentual superior ao do país, que era de 8,45%. Esse quadro sugere a necessidade de atenção especial da rede de enfrentamento local no sentido de avaliar a existência ou não de relação entre a maternidade precoce e violências sexuais. Tabela 14: Situação Feminina nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. PORTE MUNICÍPIO Grande Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Nova Lima Médio Mulheres chefes de família sem cônjuge e filhos menores de 15 anos² % 16,95 16,89 16,14 7,76 10,02 10,06 18,57 17,78 Mulheres chefes de domicílio com 0 a 4 anos de estudo¹ % Mulheres de 10 a Mulheres de 15 a 14 anos com 17 anos com filhos² filhos² % % 6,18 8,38 7,71 5,23 6,63 6,17 7,15 5,75 0,02 0,74 0,02 0,33 0,38 0,98 0,17 0,04 3,4 9,68 3,83 6,18 6,34 6,47 4,53 6,61 Mesorregião Região Metropolitana .. .. 0,27 .. Estadual Minas Gerais 5,86 .. 0,28 6,12 Nacional Brasil 5,83 .. 0,43 8,45 Fonte. ¹ Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006 ² IPEAdata. Tabela 15: Percentual de internações de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006. Internações por motivos relacionados à gravidez, parto e puerpério (1) PORTE Grande MUNICÍPIO 10 a 14 anos 15 a 19 anos (%) (%) Betim 5,5 Contagem 4,8 Ibirité 7,6 Ribeirão das Neves 4,9 Sabará 6,1 Santa Luzia 6,2 Vespasiano 9,8 Médio Nova Lima 3,6 60 Fonte: DATASUS: Indicadores e Dados Básicos – Brasil. Ver definição dos indicadores Total (%) 70,5 60,7 67,2 29,1 23,5 28,1 68,8 61,2 65,8 59,6 71,3 26,8 18,2 26,3 25,1 27,5 60 Distribuição percentual das internações hospitalares pagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por grupo de causas selecionadas na população residente nos municípios, no ano de 2006 (DATASUS). 83 Um indicador importante é que os motivos pelos quais essa população utiliza os equipamentos de saúde especializados estão fortemente relacionados à gravidez precoces e fatores relacionados. No ano de 2006, o percentual de internações hospitalares de crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14 anos no sistema público de saúde por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério, oscilava de 3,6% em Nova Lima a 9,8% em Vespasiano. Na faixa etária de 15 a 19 anos, os maiores percentuais de internação por esses motivos foram encontrados em Betim e Nova Lima e o menor em Vespasiano. A análise dos dados relativos aos aspectos territoriais, demográficos e socioeconômicos dos municípios da área de expansão do PAIR na RMBH chamou a atenção para uma matriz complexa de riscos e vulnerabilidades sociais no espaço regional, sendo mais acentuada em alguns deles. É importante, destacar, no entanto, que a presença de riscos e vulnerabilidades não implica, necessariamente, em sua conversão em eventos de violências sexuais. O dimensionamento e tipificação dessas violências, bem com a apreensão da microdinâmica do fenômeno em cada município é um passo necessário na avaliação do potencial de conversão de riscos e vulnerabilidades em eventos. A violência sexual infanto-juvenil na RMBH Neste percurso, portanto, é importante caracterizar, inicialmente, o perfil da violência e da criminalidade observada nos municípios da área de expansão do PAIR Minas localizados na RMBH. Assim, um indicador relevante aqui diz respeito à taxa de crimes violentos, categoria que agrega crimes como homicídios, tentativas de homicídio, estupros, roubo e roubo à mão armada61. Dados oficiais indicam que há um movimento de redução da 61 FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Boletim de informações criminais. Abril a junho de 2008. 32p. Disponível em http://www.seds.mg.gov.br/docs/BIC9_Abril-Jun_2008.pdf. Consulta realizada em 23/11/2008. 84 criminalidade violenta na RMBH, tendência evidenciada desde 2006, com breve oscilação no primeiro semestre de 2007, como é possível verificar no gráfico abaixo. Gráfico 1: Taxa de crimes violentos por 100 mil habitantes na RMBH Extraído de: FJP Boletim de informações criminais 2008. Entretanto, quando se compara os dados sobre criminalidade violenta por município, verifica-se que a RMBH destaca-se pelas altas taxas de criminalidade violenta em comparação com outras regiões do estado. Cabe considerar que essas taxas variam de acordo com o porte populacional do município e que a criminalidade associa-se à concentração de “... riqueza e desenvolvimento, isto é, atingindo com maior intensidade os maiores municípios de Minas Gerais e seu entorno” (FJP, 2008, 5). Os municípios da RMBH considerados na expansão do PAIR Minas são, com exceção de Nova Lima, de grande porte e nesses são encontradas altas taxas de criminalidade, como pode ser visto no mapa 3 abaixo. 85 Mapa 3: Taxa média de crimes violentos por 100 mil habitantes, Minas Gerais, abr-jun 2008. Extraído de: FJP, Boletim de informações criminais 2008. Entre os municípios incluídos na expansão do PAIR Minas na RMBH, verifica-se que o município de Contagem é o que se destaca pelos mais altos índices de criminalidade violenta, com uma taxa de 1.749,31 crimes violentos por 100 mil habitantes para o ano de 2004. Este percentual é bastante superior à média regional de 834,10 crimes violentos por 100 mil habitantes. Já o município de Nova Lima apresenta índice bastante inferior, sendo 450,48 crimes violentos por 100 mil habitantes em 2004. Com relação à taxa de crimes violentos contra a pessoa - incluindo-se, portanto, as ocorrências de homicídios, as tentativas de homicídio e os estupros - no ano de 2004, destacam-se os municípios de Vespasiano (176,52 crimes por 100 mil habitantes) e Ribeirão das Neves (176,15 crimes por 100 mil habitantes). As taxas mais baixas para esse tipo específico de crime são registradas novamente no município de Nova Lima 86 com o índice de 64,15 crimes violentos contra a pessoa para o ano de 2004, valor bastante inferior à média dos demais municípios. A análise dos dados relativos aos crimes violentos contra a pessoa – que exclui as ocorrências de roubos e roubos à mão armada - mostra que os municípios da RMBH ainda se destacam pelos altos índices de criminalidade violenta dessa categoria, quando comparada às demais regiões do estado, conforme mostra o mapa a seguir. Mapa 4:Taxa média de crimes violentos contra a pessoa por 100 mil habitantes, Minas Gerais, abr-jun 2008. Extraído de: FJP, Boletim de informações criminais, 2008. Tais aspectos parecem62 se relacionar com o investimento em políticas de Segurança Pública, pois o município com as menores taxas de criminalidade, Nova Lima, é aquele que também destina o maior volume de recursos para essa área, em comparação com os 62 Tal relação é apenas aparente, uma vez que sua comprovação depende de análise mais apurada, que considere outras dimensões não abordadas no escopo desse relatório. 87 demais municípios incluídos na expansão do PAIR Minas nessa região. Tais informações encontram-se na tabela abaixo: Tabela 16: Indicadores de criminalidade e gastos públicos na área de segurança pública nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2004. PORTE MUNICÍPIO Taxa de crimes Taxa de crimes violentos Esforço orçamentário Gasto orçamentário per violentos por 100 mil contra a pessoa por 100 com Segurança Pública capita com Segurança hab. mil hab. (%) Grande Betim 780,02 154,07 8,87 0,71 Contagem 1749,31 151,42 0,00 0,00 Ibirité 614,60 Ribeirão das Neves 880,73 94,07 1,43 0,32 176,15 1,05 0,39 Sabará 650,16 89,30 0,30 0,07 Santa Luzia 825,91 146,49 4,87 1,06 Vespasiano 721,61 176,52 0,00 0,00 Nova Lima 450,48 64,15 31,29 2,02 Médio Média* 834,10 131,52 5,98 ,57 Fonte: Índice Mineiro de Responsabilidade Social. Dados referentes ao ano de 2004. * A média apresentada se refere aos municípios considerados na expansão do PAIR Minas. Tais informações fornecem um quadro geral sobre a criminalidade e violência nos municípios considerados. A relação entre esses patamares expressivos de criminalidade e a ocorrência de violência sexual nos municípios requer atenção especial pelo fato de que essas últimas são, sistematicamente, subnotificadas dificultando o dimensionamento real do fenômeno. É preciso reconhecer que a violência sexual contra crianças e adolescentes possui, como já relatado, uma dinâmica complexa própria relacionada a múltiplos fatores, dentre eles os de risco, tais como existência de áreas de garimpo, turismo, terras indígenas, como apresentadas na primeira parte desse relatório, e também aspectos relacionados à vulnerabilidade , que foram abordados quando da caracterização sociodemográfica e econômica dos municípios e questão e que serão oportunamente retomados. Ademais, estabelecer qualquer relação entre o quadro da criminalidade e a ocorrência de violência sexual nos municípios não é tarefa simples dado que essas últimas são, sistematicamente, subnotificadas, o que dificulta o dimensionamento real do fenômeno. Uma primeira aproximação do quadro de violência contra crianças e adolescentes observado nesses municípios pode ser realizada a partir dos registros relativos à entrada 88 e ao fluxo de atendimento das vítimas pelo sistema de proteção social, elementos relevantes para o dimensionamento do fenômeno, particularmente em relação a um tema sensível, enquanto problema público, como é a violência sexual infanto-juvenil. As informações a seguir se referem aos casos e atendimentos relativos à violência em geral contra crianças e adolescentes registrados pelos CREAS de Minas Gerais e encaminhados à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente, da Superintendência de Políticas para a Criança e o Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE/MG)63. Como se vê, há grande variação no número de atendimentos registrados para os municípios da RMBH incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas e uma variação menos expressiva no que se refere ao número de casos. Tabela 17: Casos e Atendimentos registrados pelo Serviço de Proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias oferecido pelo CREAS em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE Grande Médio Casos Atendimentos Betim MUNICÍPIO 78 1.270 Contagem 117 884 Ibirité S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I Sabará 90 1.028 Santa Luzia 91 270 Vespasiano 53 185 Nova Lima S/I S/I 429 3.637 Total Fonte: SEDESE, 2008 Tal variação deve estar associada não apenas à dimensão do fenômeno da violência contra crianças e adolescentes, mas também ao nível de gestão do município do Sistema Único de Assistência Social, uma vez que os recursos relacionados à vigilância socioassistencial disponíveis para atendimento das vítimas de violência sexual infantojuvenil são disponibilizados de acordo com tal classificação e se relacionam, portanto, à capacidade de atendimento de cada município. 63 As informações disponibilizadas se referem aos atendimentos realizados pelos CREAS no ano de 2007. Os dados foram coletados pelas equipes do CREAS e encaminhados à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente que as cedeu gentilmente para a elaboração desse relatório. 89 Entretanto, pode-se afirmar que os dados administrativos de atendimento permitem uma melhor caracterização da violência contra e crianças e adolescentes nos municípios em questão64 na medida em que identificam aspectos importantes do perfil vitimadas crianças e adolescentes vitimizados, de suas famílias e dos agressores. As divergências entre os dados apresentados acima e aqueles que serão discutidos a seguir deve-se, sobremaneira, à existência de informações perdidas ou mesmo indisponíveis nos registros aqui consultados65. Tabela 18: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional segundo o tipo e forma de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 200766. Tipo de violência PORTE Forma da violência MUNICÍPIO Abuso sexual Exploração sexual Negligência Psicológica Total Intrafamiliar Extrafamiliar Total Grande Médio Betim Contagem 75 121 2 5 0 0 0 1 77 127 47 71 30 56 77 127 Ibirité S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I 14 Sabará S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I 5 72 1 92 78 14 14 Santa Luzia 15 0 24 21 60 69 22 91 Vespasiano 42 6 3 0 51 31 20 51 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I 267 18 99 23 438 296 142 438 Total Fonte: SEDESE, 2008. 67 Com relação aos tipos de violência atendidos pelo CREAS , pode-se verificar que o maior número de registros diz respeito a casos de abuso sexual e de violência 64 Embora os registros de atendimentos a vítimas de violência sexual infanto-juvenil pelos serviços atenção especializada sejam importantes para um dimensionamento do fenômeno, é importante ressaltar que as variações observadas acima entre os municípios podem estar relacionadas ainda à capacidade de oferta de desses serviços pelos municípios habilitados em diferentes níveis de gestão do SUAS. Esse aspecto será discutido adiante. 65 As informações apresentadas a seguir foram disponibilizadas pela SEDESE/MG e resultam de levantamento realizado no ano de 2007. Os dados foram referem-se aos atendimentos realizados pelos CREAS de Betim, Contagem, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano e às vítimas atendidas desses municípios, incluindo uma vítima de Ouro Verde atendida no CREAS de Betim e nove vítimas de Confins atendidas no CREAS de Vespasiano. Para os demais municípios da RMBH considerados na expansão do PAIRMINAS (Ibirité, Ribeirão das Neves e Nova Lima) não há dados disponíveis, uma vez que os mesmos não possuem CREAS instalados. 66 Não havia informações disponíveis para os municípios de Ibirité, Ribeirão das Neves e Nova Lima referentes ao ano de 2007. 67 Deve-se considerar que esses casos e atendimentos envolvem não apenas ocorrências relacionadas à violência sexual, mas todos os casos encaminhados ao CREAS, incluindo-se aí aqueles referidos a violência física e psicológica, por exemplo. 90 intrafamiliar. Os municípios de Contagem e Betim se destacam pelo número de casos registrados, 127 para o primeiro e 77 para o segundo. O fato de a maioria dos casos de violência sexual atendidos pelos CREAS localizados nos municípios citados68 referir-se a abusos sexuais e a violência intrafamiliar é relevante para as estratégias de prevenção desse tipo de violência. Para maior efetividade do Programa, é importante que ações relativas ao enfrentamento dessas violências priorizem a atenção aos grupos familiares e orientem as iniciativas de vigilância socioassistencial para esse público-alvo. A identificação de agentes públicos atuando junto aos grupos familiares e a articulação das ações do PAIR com aquelas desenvolvidas por esses agentes são movimento relevantes dado nesse contexto. A identificação do perfil aproximado das vítimas de violência sexual infanto-juvenil nos municípios considerados é um recurso fundamental para imprimir maior direcionalidade às ações do PAIR Minas no nível local, ou seja, priorizar o segmento mais vulnerável à violência sexual. Para isso, será analisado, a seguir, o perfil das vítimas atendidas pelos CREAS (SEDESE/MG, 2007) por grupo etário, cor, sexo e escolaridade. Com relação ao perfil etário das vítimas, verificou-se que a maioria das crianças e adolescentes vitimizados encontrava-se na faixa compreendida entre 7 e 14 anos, com exceção do município de Sabará, onde foi observada uma concentração de casos no grupo etário de 15 a 17 anos. Esses dados indicam maior vulnerabilidade, na mesorregião considerada, das crianças e adolescentes que possuem idade entre 7 e 14 anos, informação esta que deve orientar a expansão do PAIR Minas, bem como as ações dos demais órgãos e entidades envolvidos no combate à violência sexual infantojuvenil. Chama a atenção o percentual de vítimas com idade entre 0 e 6 anos que, em Vespasiano e Santa Luzia, superou aquele observado entre os adolescentes. Vitimização em faixa etária tão reduzida requer uma atenção pública ainda maior já que tanto o tempo de vitimização quanto a exposição precoce ao trauma sexual podem ter conseqüências devastadoras para o futuro da criança. 68 A maioria dos casos citados diz respeito a crianças e adolescentes residentes nos municípios em que o CREAS está instalado. Em Betim, há um caso do município de Ouro Verde e em Vespasiano percebe-se um padrão de atendimento regionalizado, uma vez que em 17% dos casos atendidos a vítima era do município de Confins. Tal informação é convergente com a organização da proteção social especial nesses municípios: apenas o CREAS de Vespasiano é regionalizado; os demais municípios ofertam serviço de atendimento local. 91 Apesar das informações apresentadas, é preciso igualmente destacar que, como essas dizem respeito aos registros efetuados pelas instituições do sistema de proteção social, esse volume expressivo de crianças menores também pode indicar a maior capacidade de focalização e atendimento desse público por parte desses centros de atendimento especializado. Tabela 19: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo os grupos etários, 2007. Idade 0-6 anos PORTE Grande Médio MUNICÍPIO N % N Total % N % Betim - - - - - Contagem 23 19,49 73 61,86 22 18,64 118 100 Ibirité S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Sabará 1 1,54 31 47,69 33 50,77 65 100 Santa Luzia 12 13,19 68 74,73 11 12,09 91 100 Vespasiano 7 13,21 40 75,47 6 11,32 53 100 Total Fonte: SEDESE, 2008 % 15-17 anos - Nova Lima N 7-14 anos S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I 43 13,15 212 64,83 72 22,02 327 100 No que tange à distribuição das vítimas por grupo de cor, pode-se afirmar que há predomínio de crianças e adolescentes vitimizados identificadas como de cor “parda” em Betim, Sabará e Vespasiano, enquanto em Contagem e Santa Luzia observou-se um maior número entre aquelas de cor “branca”. Em Vespasiano, há predomínio de vitimização infanto-juvenil em crianças e adolescentes da cor negra (45% do total de registros nesse município). Esse dado pode reforçar a relação recorrentemente encontrada em outros estudos entre cor e vulnerabilidade à violência sexual, uma vez que a maior parte das vitimizações, considerando-se os municípios analisados, é de crianças e adolescentes da cor “parda” (44,19%). 92 Tabela 20: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo a cor, 2007. Raça/cor PORTE MUNICÍPIO Grande Médio N Negra % N Parda % N Branca % Total N % Betim 11 14,29 60 77,92 6 7,79 77 100 Contagem 32 25,20 46 36,22 49 38,58 127 100 Ibirité S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Sabará 19 21,11 38 42,22 33 36,67 90 100 Santa Luzia 26 31,71 25 30,49 31 37,80 82 100 Vespasiano 9 45 6 30 5 25 20 100 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I 97 24,49 175 44,19 124 31,31 396 100 Total Fonte: SEDESE, 2008 No conjunto das vítimas, verificou-se que 57,08% das crianças e adolescentes vitimizados são do sexo feminino, dado que explicita uma tendência a existir relação positiva entre sexo/vulnerabilidade à violência para estes municípios analisados, demonstrando a existência de um viés de gênero. A despeito disso, essa distribuição por sexo varia entre os municípios considerados: há prevalência de crianças e adolescentes vitimizados do sexo feminino em Betim, Contagem e Vespasiano, diferentemente de Santa Luzia e Sabará onde o número de vitimizados do sexo masculino é maior. Tabela 21: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo sexo, 2007. Sexo PORTE Grande MUNICÍPIO Masculino N % Total N % Betim 67 87,01 10 12,99 77 100 Contagem 93 S/I 73,23 S/I 34 S/I 26,77 S/I 127 100 S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Sabará 24 26,67 66 73,33 90 100 Santa Luzia 37 40,66 54 59,34 91 100 Vespasiano 29 S/I 54,72 S/I 24 S/I 45,28 S/I 53 100 S/I S/I 250 57,08 188 42,92 438 100 Ibirité Ribeirão das Neves Médio Feminino N % Nova Lima Total Fonte: SEDESE, 2008. A distribuição das vítimas de violência sexual infanto-juvenil por nível de escolaridade mostrou que os casos atendidos pelos CREAS são, em sua maioria, de crianças e 93 adolescentes que estavam cursando ou que concluíram o ensino fundamental. Analisando o total de ocorrências, verificou-se que prevalece o percentual de atendidos nesse nível de ensino ou daqueles que já o concluíram (91,82%). Considerando o perfil etário predominante das crianças e adolescentes vitimizados – na faixa da idade esperada para esse nível de ensino -, os dados sugerem que as vítimas estavam inseridas no sistema escolar, o que amplia a importância das escolas no enfrentamento desse tipo de violência69. Tabela 22: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo escolaridade, 2007. PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Analfabeta % Escolaridade Fundamental (completo/incompleto) % Médio (completo/incompleto) % Betim 0 0,00 72 94,73 4 5,26 Contagem 6 4,72 110 86,61 11 8,66 Ibirité S/I S/I S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I S/I S/I Sabará 1 5,00 14 70,00 5 25,00 Santa Luzia 0 0,00 70 100 0 0,00 Vespasiano 0 0,00 37 100 0 0,00 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I S/I 7 2,12 303 91,82 20 6,06 Total Fonte: SEDESE, 2008 Nos dias de hoje, as oportunidades de bem estar variam de acordo com os tipos e estruturas familiares. As peculiaridades de cada família, tais como sua composição, condições de vida e a idade de seus componentes indicam vulnerabilidades potenciais. A instituição familiar sofre impactos de mudanças sociais, culturais e econômicas que redefinem sua organização. Por despender recursos econômicos com seus membros, as famílias tendem a possuir menor número de pessoas, de forma a serem capazes de manter suas necessidades sociais e humanas básicas. A conexão entre vulnerabilidades sociais dos grupos familiares e violência sexual infanto-juvenil é um importante aspecto a ser avaliado em cada um dos municípios, conforme destacado na parte inicial desse diagnóstico. Nesse sentido, serão apresentadas algumas informações sobre o grupo familiar das crianças e adolescentes vitimizados pela violência sexual atendidas pelos CREAS em municípios localizados na 69 Uma análise mais detida desse ponto requer informações desagregadas no nível individual, diferentemente da estrutura dos dados em análise, agregados por municípios. 94 Região Metropolitana de Belo Horizonte, aqueles considerados no projeto de expansão do PAIR Minas. Uma das principais dimensões para caracterizar a vulnerabilidade social é a renda, principalmente aquela apurada levando-se em conta a composição familiar e as dependências internas ao grupo familiar. Como pode ser verificado na tabela 23, a maioria das crianças e adolescentes vitimizados pertence a grupos familiares cuja renda varia entre um e três salários mínimos. Entretanto, tal informação não permite aferir se os membros de tal grupo estão em situação de pobreza ou indigência, uma vez que esse dado não leva em consideração o número efetivo de pessoas que depende dessa renda para sobreviver. Destaca-se ainda o número reduzido de crianças e adolescentes vitimizados cujas famílias apresentam renda nula. Provavelmente estas famílias têm dificuldades ainda bem maiores para ter acesso aos serviços da rede socioassistencial, a exemplo dos CREAS. Tabela 23: Renda familiar das Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE MUNICÍPIO Grande Betim Contagem Médio Sem renda Menos de 1 SM 1 a 3 SM Mais de 3 SM 2 8 51 0 2 16 39 17 Ibirité S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I 5 Sabará 5 8 65 Santa Luzia 0 10 27 4 Vespasiano 0 0 23 0 Nova Lima S/I S/I S/I S/I 9 42 205 26 Total Fonte: SEDESE, 2008 Um elemento importante para a compreensão do fenômeno da violência sexual infantojuvenil, bem como para a definição de estratégias de enfrentamento, é identificar a extensão em que as vulnerabilidades são (ou não) cumulativas, ou seja, se são vulnerabilidades que remetem a diferentes dimensões da vida social dessas famílias e, especialmente, se elas se reforçam mutuamente. Aspectos relacionados à vulnerabilidade familiar, tais como a presença anterior de trajetória de rua, histórico de violência e desemprego serão discutidos a seguir. 95 A caracterização do grupo familiar e a trajetória da violência no interior do mesmo fornecem elementos importantes para a avaliação das múltiplas vulnerabilidades a que podem estar sujeitas as vítimas de violência sexual infanto-juvenil. O levantamento dos atendimentos dos CREASs (SEDESE/MG, 2008) diferenciou a família das vítimas em cinco categorias: famílias com trajetória de rua, com histórico de violências, sem histórico de violência relevante, família afetiva ou desempregada. De acordo com esse levantamento, em Sabará observou-se um predomínio de atendimentos de crianças e adolescentes vitimizados que possuem histórico prévio de violência na família, sendo que um número expressivo deles residia com família afetiva. Em Contagem e Betim verificou-se uma concentração de vítimas membros de famílias sem histórico de violência relevante, e apenas nesses dois municípios houve registro de vítimas com trajetória de rua70. De forma importante, os dados revelaram que entre as vítimas que foram atendidas pelos serviços de assistência social predominam as crianças e adolescentes inseridas em seus grupos familiares. Tabela 24: Caracterização das famílias das Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE Grande MUNICÍPIO Família sem histórico de violência relevante Família afetiva Família desempregada Betim 4 18 28 0 4 Contagem 6 32 82 7 6 S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I - 25 6 57 3 Ibirité Ribeirão Neves Sabará Médio Famílias com histórico de violências Família com trajetória de rua das Santa Luzia 0 0 0 0 0 Vespasiano 0 0 0 0 12 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I 10 75 116 64 25 Total Fonte: SEDESE, 2008 70 O que não significa que não tenha havido violência anterior, uma vez que, como dito no início dessa seção, há uma grande subnotificação no registro de eventos de violência, em especial quando essa é de natureza sexual, contra crianças e adolescentes e praticada por membros da família. Entretanto, tais características não permitem uma análise mais aprofundada da configuração familiar das vítimas, uma vez que as informações se encontram agregadas ou com uma definição pouco clara. 96 Outra dimensão central para a definição de ações efetivas de prevenção e enfrentamento da violência infanto-juvenil diz respeito ao perfil dos agressores e à natureza de seu vínculo com a criança/adolescente vitimizado. Em Betim e Contagem as ocorrências de violências estão fortemente associadas ao grupo familiar predominando aquelas cometidas por pai/padrasto. No caso de Contagem, observou-se ainda que a vulnerabilidade a esse tipo de violência está relacionada ao espaço da moradia, com um número expressivo de agressores que eram vizinhos da vítima. Ainda de acordo com os registros da SEDESE/MG (2008), em Sabará e Vespasiano observou-se um padrão que discrepa em relação ao perfil de agressor geralmente encontrado nos casos de violência sexual71. Por exemplo, o maior número de casos de violência sexual foi cometido por membro de uma família extensa, que não é o pai ou padrasto, tratando-se de um membro tal como um tio ou primo, como indicado na tabela seguinte. Importante salientar que, especialmente com relação aos dados de perfil do agressor, há muita ausência ou não preenchimento de informações, o que impossibilita o desenho de um perfil mais próximo à realidade. Tabela 25: Distribuição dos agressores por tipo de vínculo com Crianças e Adolescentes vitimizados pela violência sexual segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE Médio Pair Padrasto Membro de família extensa Betim 13 13 17 4 Contagem 21 20 19 31 MUNICÍPIO Vizinho Ibirité S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I Sabará 2 - 6 8 Santa Luzia 1 0 0 1 Vespasiano 5 3 8 6 S/I 42 S/I 36 S/I 50 S/I 50 Nova Lima Total Fonte: SEDESE, 2008 Com relação ao sexo do agressor, verificou-se que em 85,71% dos casos esse é do sexo masculino, sendo que apenas em Sabará observou-se um número expressivo de agressores do sexo feminino, ou seja, no total de 92 vítimas, 22 sofreram violências 71 “Coincidindo com o que se observa na literatura internacional, os perpetradores são, na maioria dos casos, familiares, amigos ou vizinhos, pessoas que fazem parte do universo da criança (Lalor, 2004a; Grossin et al., 2003; Morales e Schramm, 2002)” (Aded et al., 2006:207). 97 cometidas por mulheres. Com relação à cor do agressor, destaca-se o maior número de registros referentes à cor parda, que representam 40,40% dos casos. Tabela 26: Distribuição percentual dos agressores por sexo e raça/cor segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. Sexo PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Raça/Cor Feminino % Masculino % Negra % Parda % Branca % Betim 0 0,0 1 100,0 0 0,00 0 0,0 0 0,0 Contagem 4 3,4 113 96,6 7 46,7 8 53,3 0 0,0 Ibirité S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Sabará 22 23,9 70 76,1 23 31,1 28 37,8 23 31,1 Santa Luzia 1 50,0 1 50,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 Vespasiano 1 5,0 19 95,0 4 40,0 4 40,0 2 20,0 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Total 28 12,1 204 87,9 34 34,3 40 40,4 25 25,3 Fonte: SEDESE, 2008. Segundo a tabela 27, entre os agressores para os quais há informações disponíveis, a maioria não trabalhava, o que representa o percentual de 61,70% considerando-se o total de registros. Interessante observar que nos municípios de Santa Luzia e Vespasiano a totalidade dos agressores exerciam atividades de trabalho, enquanto em Sabará 84,8% dos violadores não possuía vínculo com trabalho. Tabela 27: Perfil ocupacional do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE Grande Situação ocupacional do violador Trabalha Não trabalha N % N % MUNICÍPIO Betim - 0 - 0 Contagem 16 53,3 14 46,7 Ibirité S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I Sabará 12 15,2 67 Santa Luzia 19 100,0 - 0 Vespasiano 4 100,0 - 0 Nova Lima S/I S/I S/I S/I Total Fonte: SEDESE, 2008 51 38,6 81 Médio 84,8 61,7 98 Com relação à escolaridade, observou-se predomínio dos agressores que cursaram até o Ensino Fundamental (76,58%), sendo que apenas em Contagem houve registro de agressores que cursaram Ensino Superior, mas esses representam apenas 1,80% dos casos considerados. Tabela 28: Escolaridade do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE MUNICÍPIO Grande Betim Analfabeto % Escolaridade Fundamental % Médio 0 % 0,00 Contagem 2 6,67 23 76,66 3 10,00 2 6,67 Ibirité S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I S/I Sabará 10,29 54 80,89 6 0,00 S/I S/I S/I 8,82 0 0,00 0,00 Santa Luzia 0 0,00 3 100 0 0,00 Vespasiano 0 0,00 4 50,00 4 50,00 0 0,00 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I S/I Total Fonte: SEDESE, 2008 11 9,91 85 76,58 13 Médio 0 0,00 Superior 100,00 0 7 0 % 2 S/I S/I 11,71 2 1,80 Tabela 29: Responsabilização dos violadores segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. Situação do violador Abertura de Inquérito ou Processo em Tem contato com a andamento criança/adolescente PORTE MUNICÍPIO Responsabilizado Não responsabilizado Grande Betim - - - - - Contagem 1 58 46 33 90 Ibirité S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Sabará 1 27 43 6 25 Santa Luzia - - - - - Vespasiano 1 9 1 7 5 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I 3 94 90 46 120 Médio Total Fonte: SEDESE, 2008 Não tem contato com a criança/adolescente A tabela acima apresenta um quadro grave a respeito da responsabilização dos autores de crimes contra crianças e adolescentes: há registro de apenas três agressores responsabilizados, sendo que apenas em Contagem e Sabará foram registrados casos de abertura de inquérito ou processo em andamento. Por fim, a tabela 29 mostra que apenas 33 agressores (ou cerca de um terço do total) possuem contato com as vítimas. 99 Para a definição das ações do PAIR Minas no nível local e identificação dos agentes estratégicos da rede de enfrentamento é importante mapear o fluxo da vítima no interior do sistema de garantia de direitos e do sistema de proteção social, particularmente no que se refere à “entrada” da vítima nessas instituições. Com relação à procura do CREAS, os dados reforçam que a maioria das vítimas buscou atendimento na companhia da mãe, exceto no município de Betim, em que houve predomínio do acompanhamento das crianças e adolescentes pela figura do responsável. Esse aspecto ressalta a centralidade do papel da figura materna nas políticas da proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente daquelas com direitos violados e deve se levado em consideração quando do planejamento das ações do PAIR Minas. Com relação a esse aspecto, ressalte-se a existência de elevado percentual de crianças e adolescentes vitimizados que procuraram o CREAS sozinhos no município de Sabará. Tabela 30: Existência de contato entre agressores e crianças e adolescentes vitimizados segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE Grande MUNICÍPIO Existência de contato agressores e crianças e adolescentes vitimizados Sim Não Betim - - Contagem 33 90 Ibirité S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I Sabará 6 25 Santa Luzia - - Vespasiano 7 5 Nova Lima S/I S/I Total Fonte: SEDESE, 2008 46 120 Médio Tabela 31: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo acompanhante em atendimento no CREAS, 2007. Acompanhante PORTE MUNICÍPIO Grande Médio Veio sozinha % Mãe % Pai % Responsável % Vizinho % Total Betim 0 0,00 19 25,33 2 2,67 54 72,00 0 0,00 75 Contagem 3 4,05 36 48,65 9 12,16 26 35,14 0 0,00 74 Ibirité S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I S/I Sabará 33 37,08 36 Santa Luzia 1 1,14 Vespasiano 0 0,00 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I 40,45 12 13,48 6 6,74 2 2,25 89 47 53,41 15 17,05 24 27,27 1 1,14 88 35 87,50 1 2,50 4 10,00 0 0,00 40 S/I S/I S/I S/I S/I S/I 100 Total 37 10,11 173 47,27 39 10,66 114 31,15 3 0,82 366 Fonte: SEDESE, 2008 Com relação ao fluxo de atendimento das vítimas pelos CREAS, na maioria dos casos atendidos foi oferecido o atendimento psicológico combinado ao Serviço Social. Os atendimentos jurídicos e psicológicos se mostraram menos freqüentes. Interessante observar que em Contagem a maioria das vítimas foi atendida por todos os tipos de serviços disponíveis, o que pode indicar uma específica e maior capacidade da equipe em absorver a demanda, uma específica e maior presença de recursos humanos disponíveis para tal, apesar desse município ser também o que apresenta o maior número de casos registrados. Entretanto, não há informações sobre a composição das equipes de atendimento do CREAS, não permitindo a verificação final dessa hipótese. Tabela O fluxo de encaminhamentos das vítimas realizados pela equipe do CREAS é um elemento relevante para a identificação de agentes públicos e instituições a serem articuladas pela rede de enfrentamento local da violência sexual infanto-juvenil. Entre os municípios com informações disponíveis no levantamento realizado pela SEDESE/MG (2008), observou-se no período em tela um número reduzido de encaminhamentos especificamente para a rede de saúde, ação existente apenas em dois dos municípios analisados, a saber: Contagem e Sabará. Quanto aos encaminhamentos à rede municipal de Assistência Social, esses se apresentaram com maior freqüência e o mesmo apenas não ocorreu, como indica a tabela abaixo, no município de Santa Luzia. Por fim, apenas em Contagem houve encaminhamento das vítimas para ONGs. Essas informações devem ser relacionadas à real configuração e estruturação da rede de serviços, aspecto que será abordado na próxima seção. Tabela 32: Número de atendimentos prestados às Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo o tipo de atendimento, 2007. PORTE MUNICÍPIO Tipo de atendimento Todos os Psicol / Serv Social / Psicológico Jurídico serviços Educacional serviços social Grande 0 Betim 1 0 26 e Serviço Social 24 Psicológico Total 23 74 Contagem 123 0 0 24 68 0 215 Ibirité Ribeirão Neves S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I das 101 Sabará Médio 11 0 0 35 23 0 69 Santa Luzia 0 0 3 34 19 12 68 Vespasiano 17 0 0 13 4 2 36 Nova Lima S/I S/I S/I S/I S/I S/I S/I 151 1 3 132 138 37 462 Total Fonte: SEDESE, 2008 Tabela 33: Número de encaminhamentos realizados pela equipe do CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo tipo de encaminhamento, 2007. PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Rede de saúde Rede assistencial ONG Total Betim 0 49 0 49 Contagem 3 12 6 21 Ibirité S/I S/I S/I S/I Ribeirão das Neves S/I S/I S/I S/I Sabará 1 5 0 6 Santa Luzia 0 0 0 0 Vespasiano 0 3 0 3 Nova Lima S/I S/I S/I S/I Total 4 69 6 79 Fonte: SEDESE, 2008 Entretanto, como indicado no início dessa seção, a violência sexual infanto-juvenil possui especificidades que a diferenciam tanto do quadro de criminalidade violenta, apresentado na tabela 16, quanto da violência física e psicológica contra crianças e adolescentes72. Tais especificidades, apontadas na ampla discussão teórica presente na Introdução desse relatório, indicam que à violência sexual contra crianças e adolescentes deve ser dada especial atenção. Dessa forma, serão apresentados a seguir dados relativos a esse tipo de violência oriundos de diversas fontes, constituindo uma tentativa de dimensionar de forma adequada o fenômeno em questão, contribuindo assim, para um desenho eficaz da política de enfrentamento. Uma primeira análise nesse sentido diz respeito ao cruzamento entre o tipo de violência e à sua forma (se extra ou intrafamiliar). Como dito anteriormente, em todos os municípios há predomínio de crianças e adolescentes atendidos no CREAS vitimizados pela violência sexual. 72 Lembrando que essas formas de violência se encontram associadas à violência sexual infanto- juvenil. 102 Tabela 34: Tipo e forma de violência infanto-juvenil segundo o município de atendimento de vítimas na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. Forma de violência Extrafamiliar Intrafamiliar MUNICIPIO DE ATENDIMENTO Tipo de violência N % N % Betim Abuso Sexual 27 36,0 48 64,0 Exploração Sexual Total Contagem Abuso Sexual Exploração Sexual Outras Violências Total Sabará Abuso Sexual Exploração Sexual Outras Violências 3 100,0 0 0,0 3 30 38,5 48 61,5 78 52 46,8 59 53,2 111 4 80,0 1 20,0 5 0 0,0 1 100,0 1 56 47,9 61 52,1 117 10 62,5 6 37,5 16 5 100,0 0 0,0 5 0 0,0 71 100,0 71 16,3 77 83,7 92 4 26,7 11 73,3 15 18 23,7 58 76,3 76 22 24,2 69 75,8 91 18 41,9 25 58,1 43 Exploração Sexual 6 100,0 0 0,0 6 Outras Violências 0 0,0 3 60,0 5 24 44,4 29 53,7 54 Abuso Sexual Outras Violências Total Vespasiano 75 15 Total Santa Luzia Total Abuso Sexual Total Fonte: SEDESE, 2008. Tais informações implicam na necessidade de adequação das estratégias de enfrentamento à violência sexual às características específicas que essas assumem nesses municípios, em uma abordagem que mobilize e informe a população e em especial as famílias das crianças e adolescentes vitimizados e que combine políticas públicas nesse enfrentamento, uma vez que, por exemplo, há casos de exploração sexual intrafamiliar em Contagem e isso pode se relacionar ao recurso à violência como meio de se obter renda para o sustento da família, o que requer, portanto, que se pense em programas de geração de renda, qualificação profissional e em políticas de transferência de renda e combate ao trabalho infantil73. Há ainda registros de abuso sexual extrafamiliar, o que requer um foco mais amplo de atenção do PAIR Minas, voltado à informação e mobilização de grupos mais vulneráveis e a investimentos em ações de 73 Na seção seguinte será caracterizada a rede e infra-estrutura de serviços disponíveis nesses municípios, como forma de orientar e fomentar a interlocução entre diversos órgãos e políticas que podem e devem ser combinadas para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. 103 protagonismo juvenil, por exemplo, como estratégia de empoderamento de crianças e adolescentes. A inclusão da informação sobre os municípios de origem das crianças e adolescentes vitimizados permite também dimensionar de forma mais adequada a violência sexual contra crianças e adolescentes na região, uma vez que permite refinar as informações sobre os casos atendidos, possibilitando trabalhar de forma mais específica em cada município. Tabela 35: Tipo e forma de violência sexual infanto-juvenil segundo o município de origem de vítimas atendidas por serviços especializados na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. Forma de violência Extrafamiliar Intrafamiliar MUNICIPIO DE ORIGEM DA VÍTIMA Tipo de violência N % N Betim Abuso Sexual 27 36,5 47 63,5 74 3 100,0 0 0,0 3 Abuso Sexual 4 50,0 4 50,0 8 Outras Violências 0 0,0 1 100,0 1 52 46,8 59 53,2 111 4 80,0 1 20,0 5 0,0 1 100,0 1 0,0 1 100,0 1 Exploração Sexual Confins Contagem Abuso Sexual Exploração Sexual Ouro Verde Sabará Santa Luzia Abuso Sexual % Total Abuso Sexual 9 64,3 5 35,7 14 Exploração Sexual 5 100,0 0 0,0 5 Abuso Sexual 4 26,7 11 73,3 15 18 23,7 58 76,3 76 0,0 1 100,0 1 0,0 1 Outras Violências São João Del Rei Abuso Sexual São Paulo Abuso Sexual 1 100,0 Vespasiano Abuso Sexual 14 40,0 21 60,0 35 6 100,0 0 0,0 6 Exploração Sexual Fonte: SEDESE, 2008. 104 Uma consideração importante se refere à presença de vítimas oriundas de municípios não incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas na RMBH, mas que buscam atendimento nos municípios da RMBH incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas, como é o caso de Ouro Verde, São João Del Rei e São Paulo. Resta saber se a ausência de serviços nos municípios de origem ocasionou a busca de atendimento em outros municípios ou se há problemas na coleta de dados, e o registro se refere à naturalidade da criança/adolescente vitimizados e não a seu local de residência. Outra abordagem interessante diz respeito à comparação entre dados de diversas fontes, buscando-se construir um quadro mais próximo à realidade dos municípios em questão. Assim, outra fonte de dados a respeito da violência sexual contra crianças e adolescentes é o Disque-Denúncia Nacional que mantido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. No período considerado - 2003, 2005 e 2006 a 200874 - verificou-se que o município de Contagem destacou-se, também, pelo maior número de registros em todas as categorias de violência consideradas, enquanto em Nova Lima foi observado o menor número de denúncias nas mesmas categorias. Tabela 36: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2003 a 2005. PORTE Grande Médio MUNICÍPIO Exploração Sexual Abuso Comercial Sexual Total Betim 5 1 6 Contagem 6 9 15 Ibirité 0 1 1 Ribeirão das Neves 0 2 2 Sabará 0 0 0 Santa Luzia 4 1 5 Vespasiano 0 0 0 Nova Lima 0 0 0 Total 15 14 29 Fonte: Disque-Denúncia, SEDH. Dados referentes ao período 2003-2005. 74 Até 11/09/2008. 105 Como se vê, para o período 2006-200875 houve um aumento nos registros de casos de violência sexual encaminhados ao disque-denúncia76, o que pode indicar incremento na efetividade desse serviço, em comparação com o período 2003-2005. Chama atenção também o crescimento, no mesmo período, do número de registros de abuso sexual, relativamente à exploração sexual. Ademais, verifica-se que também entre os anos de 2006 e 2008, os municípios de Contagem, Betim e Santa Luzia se destacaram com os de maior número de registros enquanto Sabará e Nova Lima apresentaram o menor número de registros. Tabela 37: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006 a 11/09/2008. PORTE Grande Médio Exploração Sexual Comercial com intermediário MUNICÍPIO Exploração Sexual Comercial sem intermediário Abuso Sexual Tráfico de Crianças Pornografia e/ou adolescentes Total Betim 12 8 35 1 1 57 Contagem 28 13 55 0 1 97 Ibirité Ribeirão das Neves 3 3 13 0 0 19 4 5 27 0 0 36 Sabará 2 0 9 0 0 11 Santa Luzia 8 4 24 1 0 37 Vespasiano 1 5 13 0 0 19 Nova Lima 3 1 6 1 0 11 3 2 287 Total 61 39 182 Fonte: Disque-Denúncia, SEDH. Dados referentes ao período 2006-11/09/2008. Cabe considerar que o número de registros é um indicador potencial de ocorrências do fenômeno, mas é importante frisar que essas manifestações também repercutem a saliência do tema para o público, a centralidade do tema na agenda local, dentre outros fatores, como afirma Faleiros (2005): “Muitas pessoas têm utilizado com mais freqüência o número telefônico oferecido pelo Estado destinado às denúncias, porque a ligação permite – lhes o anonimato. É um canal aberto, mas precisa estar articulado a uma rede. A denúncia pode trazer mais visibilidade ao que é contado, contabilizado, mas é ponta 75 Até 11/09/2008. Lembrando que certamente há subnotificação desses registros. Entretanto, como as fontes de informação sobre esses eventos são escassos, todo e qualquer dado deve ser considerado como parâmetro para ação. Acredita-se que com a expansão do PAIR em Minas Gerais e com a implantação do sistema de monitoramento e avaliação, essa lacuna será suprida. 76 106 de um iceberg e segue as variações das campanhas, aumentando no momento forte dos apelos e diminuindo em seguida.” (Faleiros, 2005, 9). De acordo com os registros de encaminhamentos de vítimas ao Serviço de Proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, oferecido pelo CREAS (antigo programa Sentinela) em 2007 e apresentados anteriormente, verificou-se que os municípios de Betim, Contagem, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano registraram um número de casos bastante superior àqueles verificados no Disque-Denúncia Nacional entre 2006 e 2008. Essa discrepância sinaliza para o fato de há um baixo volume de denúncias realizadas via Disque-Denúncia, explicitando, portanto, a necessidade de divulgação do número e dos procedimentos a serem observados em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Os dados referentes aos casos de violência sexual encaminhados ao CREAS e aos atendimentos realizados permitem constatar a subnotificação dos registros de violência sexual apresentados pelo Disque-Denúncia. Tal divergência explicita a necessidade de interlocução entre serviços, projetos e programas relacionados ao combate à violência sexual contra crianças e adolescentes no país e em Minas Gerais, o que permitiria a construção de diagnósticos mais fiéis à realidade e, por conseguinte, o desenho de estratégias mais efetivas e eficazes. Um quadro mais amplo pode ser observado se no diagnóstico forem incluídos dados originados das instituições de defesa e responsabilização, que compõem o chamado Sistema de Justiça, uma vez que essas são responsáveis pela notificação dos casos de violência, bem como pela investigação e responsabilização dos agressores. Nesse escopo estão incluídas as Polícias Civil e Militar, o Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Institutos de Medicina Legal. É de extrema importância que os registros desses órgãos sejam considerados como orientação para as políticas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes porque, apesar da subnotificação citada anteriormente, tais instituições possuem grande capilaridade e sua atuação é relevante no que se refere à responsabilização dos agressores que só irá ocorrer se o fluxo for ali iniciado. 107 Assim, um quadro mais completo a respeito da violência contra crianças e adolescentes pode ser traçado a partir dos registros da Polícia Civil77 relacionados à violência contra crianças e adolescentes no período de 2006-2008. A tabela abaixo mostra que há registros de violência contra crianças e adolescentes em todos os municípios da RMBH incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas. Tabela 38: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008. 2006 PORTE MUNICÍPIO Betim Grande Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Fem Masc 41% 58% 61% 38% 58% 32% 58% 42% 47% 53% 71% 28% 39% 53% Nova Lima 60% 40% Médio Fonte: CINDS, 2009. *SI: sem informação 2007 SI Tot Fem Masc 1 164 40% 59% % 1 193 66% 34% % 9 53 46% 48% % 0 84 55% 45% % 0 81 61% 39% % 2 65 63% 37% % 8 66 45% 55% % 0 47 45% 55% % 2008 SI 1 % 0 % 6 % 0 % 0 % 0 % 0 % 0 % Tot Fem Masc 151 51% 49% 234 61% 39% 48 51% 49% 315 59% 41% 99 56% 44% 68 58% 42% 101 55% 45% 80 60% 40% 2006-08 SI 0 % 0 % 0 % 0 % 0 % 0 % 0 % 0 % Tot Fem Masc 320 46% 54% 410 62% 38% 94 52% 44% 288 57% 43% 86 55% 45% 182 62% 38% 103 47% 51% 87 54% 46% SI 1 % 0 % 4 % 0 % 0 % 0 % 2 % 0 % Tot 635 837 195 687 266 315 270 214 Outra informação que pode ser extraída dos dados cedidos pela Polícia Civil dizem respeito ao perfil etário das crianças e adolescentes vitimizados, que pode ser visualizado na tabela abaixo. Tabela 39: Perfil etário das crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008. 2006 2007 0 a 12 13 a 17 0 a 12 13 a 17 PORTE MUNICÍPIO anos anos Total anos anos Total Grande Betim 14% 86% 164 19% 81% 151 Contagem 9% 91% 193 20% 80% 234 Ibirité 26% 74% 53 13% 88% 48 Ribeirão das Neves 27% 73% 84 27% 73% 315 Sabará 17% 83% 81 26% 74% 99 Santa Luzia 62% 38% 65 29% 71% 68 Vespasiano 18% 82% 66 28% 72% 101 Médio Nova Lima 30% 70% 47 16% 84% 80 Fonte: CINDS, 2009. *SI: sem informação 2008 0 a 12 anos 26% 18% 21% 23% 15% 21% 22% 3% 13 a 17 0 a 12 anos Total anos 74% 320 21% 82% 410 16% 79% 94 21% 77% 288 25% 85% 86 20% 79% 182 31% 78% 103 23% 97% 87 14% 2006-08 13 a 17 anos Total 79% 635 84% 837 79% 195 75% 687 80% 266 69% 315 77% 270 86% 214 77 As informações relativas aos registros da polícia Civil de Minas Gerais foram gentilmente cedidas pelo Centro de Informações de Defesa Social. Tal ação demonstra o compromisso dessas instituições com o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. 108 A tabela permite verificar que a maioria das crianças e adolescentes vitimizados se encontrava na faixa etária de 13 a 17 anos, em todos os anos considerados. Tal informação não pode ser comparada aos registros do CREAS, uma vez que as faixas etárias não são as mesmas consideradas pela Polícia Civil. Considerando então os tipos de violência perpetrados contra crianças e adolescentes pode-se verificar que para todos os municípios em todos os anos considerados há predominância de ocorrências relativas à violência em geral. Tabela 40: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional e tipo de violência, 2006-2008. MUNICÍPI O Betim Contagem Ibirité Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia Vespasiano Nova Lima Violênci a em geral 97% 84% 75% 2006 Atentad o violento ao Estupr pudor o 0% 3% 8% 8% 11% 13% Tota l 164 193 53 Violênci a em geral 137 195 45 2007 Atentad o violento ao Estupr pudor o 10 4 21 18 1 2 Tota l 151 234 48 Violênci a em geral 88% 89% 93% 2008 Atentad o violento ao Estupr pudor o 6% 6% 8% 4% 3% 4% Tota l 320 410 94 Violênci a em geral 91% 86% 88% 2006-08 Atentad o violento ao Estupr pudor o 5% 4% 8% 6% 5% 7% Tota l 635 837 195 89% 7% 4% 84 266 32 17 315 79% 11% 10% 288 83% 10% 7% 687 95% 38% 97% 89% 1% 6% 2% 4% 4% 55% 2% 6% 81 65 66 47 91 61 94 75 4 3 5 2 4 4 2 3 99 68 101 80 88% 87% 90% 98% 9% 8% 5% 2% 2% 4% 5% 0% 86 182 103 87 92% 78% 93% 94% 5% 7% 4% 3% 3% 15% 3% 3% 266 315 270 214 Fonte: CINDS, 2009. Chama atenção o pequeno volume de registros de violência sexual em todo o período considerado. Se se considera apenas o ano de 2007, período de referência dos dados coletados pelos CREAS, verifica-se que há grande divergência entre as informações referidas a registros de atendimentos a crianças e adolescentes vitimizados e as informações da Polícia Civil de Minas Gerais. No município de Contagem, por exemplo, foram registrados no CREAS 116 casos de violência sexual em 2007, enquanto nos registros da Polícia Civil constam apenas 30 casos (equivalente a 16% do total de 193 ocorrências registradas). A análise das tabelas 38, 39 e 40 permite verificar que o número de casos de violência sexual atendidos nos CREAS dessa mesorregião é bastante superior, indicando a necessidade de maior articulação dos órgãos no rastreamento e acompanhamento do fluxo das vítimas no interior do sistema de garantia de direitos, que envolve tanto o CREAS (relacionado aos eixos atendimento e mobilização) quanto a Polícia Civil 109 (voltado à responsabilização). Tal informação se relaciona, certamente, ao pequeno número de agressores responsabilizados, informação apresentada anteriormente (tabela 29) e indica a necessidade de articulação e mobilização não apenas das famílias e grupos mais vulneráveis, mas dos atores institucionais responsáveis pelo enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, de forma a evitar a já citada subnotificação e a aproximar crianças e adolescentes vitimizados dos órgãos responsáveis pela garantia e proteção de seus direitos78. Comparando os dados do CREAS, da Polícia Civil e do Disque-Denúncia, que tratam especificamente da violência sexual, com as informações apresentadas no início dessa seção, verifica-se que o município de Contagem, se destaca pelo alto índice de crimes contra o patrimônio também se destaca com relação à violência sexual contra crianças e adolescentes. Como destacado anteriormente, não há informações para os municípios de Ribeirão das Neves e Ibirité no levantamento realizado pela SEDESE/MG. Estes municípios apresentam alto índice de crimes violentos contra a pessoa, entre os quais está incluído o crime de estupro, mas a comparação entre essas informações foi prejudicada. Mas é razoável pressupor que se os dados tivessem sido coletados teríamos igualmente uma situação de gravidade. Ressalta-se que tais municípios são também aqueles que se destacam com relação aos indicadores de vulnerabilidade e desigualdade, conforme apresentados na seção anterior. Nesse sentido, a ausência de informações sobre os atendimentos, mais uma vez, impossibilita que se verifique, ainda que de forma superficial, a relação entre vulnerabilidade , desigualdade econômica e violência sexual contra crianças e adolescentes. Apesar dessas lacunas, a iniciativa por parte dos órgãos considerados de coletar e de sistematizar tais dados é extremamente relevante e bem vinda, especialmente porque se sabe que a indisponibilidade de dados sobre o tema é a regra, assim como há ciência do contexto de transição do Serviço de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Nesse sentido, uma importante etapa desse projeto de expansão diz respeito à realização de um diagnóstico local que servirá de linha de base para o 78 Questões relacionadas à rede de serviços e políticas serão abordadas detidamente na próxima seção. Entretanto, é preciso ressaltar que um diagnóstico confiável sobre a violência contra crianças e adolescente, em especial, sobre a violência sexual, requer um olhar atento de todos os atores envolvidos: família, instituições de atendimento, Conselhos Tutelares, escolas e órgãos do sistema de justiça, como polícias e Judiciário. 110 monitoramento das ações desenvolvidas a partir da implantação do PAIR Minas, o que permitirá análises mais exaustivas sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes. Desse modo, as informações disponíveis permitem reconstruir um cenário aproximado do quadro real da situação de violência sexual infanto-juvenil nos municípios em tela79. Nesse sentido, uma importante etapa desse projeto de expansão diz respeito à realização de um diagnóstico local que servirá de linha de base para o monitoramento das ações desenvolvidas a partir da implantação do PAIR Minas, o que permitirá análises mais ricas sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes. Ademais, o esforço de construção de um sistema de monitoramento e avaliação das ações do PAIR Minas, concomitantemente à expansão do Programa nos municípios selecionados, permitirá um acompanhamento mais sistemático da política de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Infra-estrutura e rede de serviços Aspecto importante a ser considerado em diagnóstico que tem como objetivo subsidiar a expansão do PAIR Minas diz respeito à organização da rede de serviços e equipamentos públicos disponíveis, passíveis de serem mobilizados e integrados à rede de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Na seqüência, será realizado o dimensionamento da infra-estrutura relativa à assistência social, ou seja, dos serviços e programas de proteção que compõem a rede de vigilância socioassistencial, além de outros componentes, relacionados ao sistema de garantia de direitos, como Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos, em funcionamento nos municípios. Antes da análise da rede de proteção social é importante abordar a configuração da política de assistência social a partir da criação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), que se organiza a partir da diferenciação dos municípios segundo porte 79 Os dados coletados pelas equipes de atendimento dos CREAS se limitam a apenas cinco municípios dos oito incluídos na expansão do PAIR e que muitas das informações não estão disponíveis nem mesmo para esses cinco municípios. 111 populacional, vulnerabilidade80 e exclusão81 social e prevê a oferta de serviços e programas em dois níveis, a saber, a proteção social básica, que tem como foco de atenção a “família referenciada”, ou seja, a família que se apresenta em situação de vulnerabilidade, mas sem experimentar ainda a violação de direitos, e a proteção social especial, que tem como referência situações de risco ou violação de direitos já instalada, tais como aquelas detalhadas acima (MDS, 2005, 23-4): “A proteção social de Assistência Social é hierarquizada em básica e especial e, ainda, tem níveis de complexidade do processo de proteção, por decorrência do impacto desses riscos no indivíduo e em sua família. A rede socioassistencial, com base no território, constitui um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa política, o que supõe constituir ou redirecionar essa rede, na perspectiva de sua diversidade, complexidade, cobertura, financiamento e do número potencial de usuários que dela possam necessitar. A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. (...) A proteção social especial tem por objetivos prover atenções socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras” (MDS, 2005, 20. Grifo nosso). A oferta das ações socioassistenciais se dá por meio da implantação, a partir da criação do SUAS, de dois equipamentos específicos, a saber: o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS - e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o CRAS “... é uma unidade pública da política de assistência social, de base municipal, integrante do SUAS, localizado em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinado à prestação de serviços e programas socioassistenciais de proteção social básica às famílias e indivíduos, e à articulação destes serviços no seu território de abrangência, e uma atuação 80 Segundo o Plano Nacional de Assistência Social (2004:51), as políticas de assistência social, especialmente, àquelas caracterizadas como “proteção básica” se voltam às populações “em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros)”. 81 “Entende-se por exclusão social o processo que impossibilita parte da população de partilhar dos bens e recursos oferecidos pela sociedade, conduzindo à privação, ao abandono e à expulsão dessa população dos espaços sociais” (PNAS, 2004:53). 112 intersetorial na perspectiva de potencializar a proteção social” (MDS, 2008). O CREAS oferece serviços especializados de forma contínua, voltadas ao apoio, orientação e acompanhamento a indivíduos e famílias em situação de risco ou violação de direitos. Seus principais objetivos dizem respeito ao fortalecimento de redes sociais que possam apoiar as famílias em situação de ameaça ou de violação de direitos, garantindo atendimento por equipe multidisciplinar a pessoas sujeitas a violências. Esses serviços buscam prevenir o abandono e a permanência em situação de vulnerabilidade de pessoas - crianças e adolescentes, em situação de risco social e/ou pessoal, e idosos. A articulação com outros serviços e políticas públicas e com o sistema de garantia de direitos é uma das principais diretrizes de ação do atual sistema82 (MDS, 2008). São considerados como critérios para implantação do CREAS o nível de gestão no SUAS para o qual o município está habilitado e o seu porte populacional. Além da diferenciação entre níveis de proteção social, há ainda uma hierarquização dos municípios com relação ao nível de gestão no SUAS que pode ser caracterizada como: inicial, básica e plena. A gestão inicial ocorre quando os municípios não se habilitam para a gestão básica ou plena. Nesse caso, a transferência de recursos ocorre por intermédio do Fundo Nacional de Assistência Social e o município deve desenvolver programas de Erradicação do Trabalho Infantil e Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A gestão básica permite ao município gerir as ações de proteção social básica, conforme os seguintes critérios territoriais: municípios classificados como Pequeno Porte I – mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referenciadas; municípios classificados como Pequeno Porte II – mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias referenciadas; municípios classificados como Médio Porte – mínimo de 2 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas; municípios classificados como Grande Porte – mínimo de 82 O Sistema de Garantia de Direitos é composto por atores que visam à garantia dos direitos de crianças e adolescentes, composto por famílias, organizações da sociedade civil, Conselhos de Direitos da Criança e Adolescentes, Conselhos Tutelares e diferentes instâncias do poder público (Ministério Público, Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública). Suas ações se organizam em três eixos, a saber, a promoção dos direitos, a través da formulação de políticas públicas, a defesa dos mesmos, garantindo que os atores acima citados se responsabilizem por eventuais violações e o controle social, que envolve ações de fiscalização e acompanhamento. Extraído de www.ceca.ba.gov.br/eca_sistemadireitos.html em 30/11/2008. 113 4 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas; Metrópoles – mínimo de 8 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas (MDS, 2005: 27). Os municípios classificados no nível de gestão plena, segundo o SUAS, devem organizar serviços e equipamentos públicos que visem a “prevenir situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, além de proteger as situações de violação de direitos” (MDS, 2005). Ou seja, além da proteção social básica, esses municípios devem oferecer ainda ações relacionadas à proteção social especial. Com relação a esses serviços, há a possibilidade de que em municípios de pequeno porte I e II e municípios de médio porte esses serviços sejam oferecidos de forma regionalizada, havendo para tanto co-financiamento dos mesmos (MDS, 2005: 30). A configuração organizacional da gestão da política de assistência social no nível municipal e regional tem conseqüências diretas sobre a dinâmica e desempenho do PAIR. Cabe destacar que o programa não contempla ações de atendimento e de acolhida às vítimas de violência sexual infanto-juvenil e requer - para maior efetividade de suas ações em relação aos casos de direitos violados - a mobilização e articulação das instituições do setor público e organizações não-governamentais responsáveis ou que executem tais ações. A existência de infra-estrutura adequada e a capacidade de gestão da política de assistência social no plano municipal são, portanto, aspectos críticos para a implementação do PAIR. Como se vê no mapa abaixo, 06 dos 08 dos municípios contemplados pela expansão do PAIR Minas na RMBH apresentam configuração da rede de Assistência Social concentrada na Proteção Social Especial, o que decorre como dito anteriormente, de critérios territoriais e de caracterização da população. Apenas Santa Luzia e Vespasiano se encontram habilitados no nível de gestão básica. 114 Mapa 5: Nível de gestão do SUAS dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. Fonte: Elaboração própria. Dadas as competências e responsabilidades de gestão da política de assistência social assumidas pelos municípios habilitados no nível de gestão plena, os municípios dessa área de expansão do PAIR Minas apresentam condições diferenciadas de atendimento das vítimas de violência sexual infanto-juvenil. Tabela 41: Configuração da Assistência Social nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE MUNICÍPIO Capacidade de Número de Nível gestão SUAS Nº de CRAS atendimento ano famílias (nº de famílias) referenciadas Grande Betim Gestão Plena 3 3.000 15.000 Contagem Gestão Plena 6 6.000 30.000 Ibirité Gestão Plena 3 3.000 15.000 Ribeirão das Neves Gestão Plena 7 7.000 35.000 Sabará Gestão Plena 1 1.000 5.000 Santa Luzia Gestão Básica 4 4.000 20.000 Vespasiano Gestão Básica 1 1.000 5.000 115 Médio Nova Lima Gestão Plena 0 Fonte: SUASWEB/Departamento de Proteção Social Básica, 2009. S/I S/I Mapa 6: Número de CRAS existentes nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008. Fonte: Elaboração própria a partir de dados do SUASWEB/Departamento de Proteção Social Básica, 2009. No atual quadro de reorganização da política de Assistência Social, os programas sociais cumprem importante papel na atenção integral de famílias e de indivíduos em situação de risco e vulnerabilidade. Na medida em que esses programas produzem informações relativas aos grupos familiares, às matrizes de riscos e vulnerabilidades relevantes em cada contexto, à inserção e fluxo desses grupos no sistema de proteção social, eles são fontes estratégicas de informações laterais para a definição e execução das ações do PAIR. Com relação aos programas da proteção social básica e à capacidade de atendimento dos mesmos - relativamente às metas de atendimentos por programas co-financiados recursos do Governo Federal - verificou-se que o PAIF, programa de apoio às famílias em situação de vulnerabilidade, e os programas de transferência de renda, como Benefício de Prestação Continuada – BPC correspondem às iniciativas com maior 116 número de beneficiários. A tabela abaixo apresenta de forma mais detalhada a oferta de serviços de proteção social básica nos municípios analisados para o ano de 2007. Tabela 42: Oferta de programas e serviços de Proteção Social Básica nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo capacidade de atendimento MDS, 2007. PORTE MUNICÍPIO Grande Betim PBF PAIF83 PBV PAC – Ação sócio educacional com jovens PBT - PAC e API Idosos, crianças, famílias BPC Idoso84 BPC Deficiente85 450 15000 450 2850 2014 1485 650 30000 650 1431 2791 2757 75 15000 75 515 491 778 325 35000 325 1751 697 724 Sabará 200 5000 200 220 461 691 Santa Luzia 75 20000 75 585 983 866 Vespasiano 75 5000 75 140 589 608 0 0 0 405 198 327 Contagem Ibirité Ribeirão Neves Médio PSB Jovem 15 a 17 anos – Bolsa Agente Jovem das Nova Lima Fonte: GEOSUAS, 2008. O município de Betim apresenta maior capacidade de atendimento relativa aos programas Bolsa Agente Jovem (PSB Jovem), Ação Socioeducacional com Jovens (PBV PAC), programas de atendimento a idosos, crianças, adolescentes e famílias em grupos e centros de convivência e unidades de atendimento (PBT – PAC e API) e Benefício de Prestação Continuada para idosos e deficientes. Com relação ao PAIF, serviço continuado de atenção às famílias, a maior capacidade de atendimento está registrada para o município de Sabará. 83 “O Programa de Atenção Integral à Família (PAIF) expressa um conjunto de ações relativas à acolhida, informação e orientação, inserção em serviços da assistência social, tais como socioeducativos e de convivência, encaminhamentos a outras políticas, promoção de acesso à renda e, especialmente, acompanhamento sociofamiliar. Esse programa é desenvolvido no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).” Extraído de: http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-socialbasica/paif/programa-de-atencao-integral-a-familia-paif/ . Acesso em 15/02/2009, às 14:50. 84 “É um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 e consiste no pagamento de 01 (um) salário mínimo mensal a pessoas com 65 anos de idade ou mais e a pessoas com deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho. Em ambos os casos a renda per capita familiar seja inferior a ¼ do salário mínimo. O BPC também encontra amparo legal na Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, que institui o Estatuto do Idoso. O benefício é gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a quem compete sua gestão, acompanhamento e avaliação. Ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), compete a sua operacionalização. Os recursos para custeio do BPC provêm do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS).” Extraído de: http://www.mds.gov.br/programas/redesuas/protecao-social-basica/beneficio-de-prestacao-continuada-bpc. Acesso em 15/02/2009, às 14:53. 85 Idem nota 16. 117 Especificamente com relação aos programas da Proteção Social Básica destinados a adolescentes, a saber: o Bolsa Agente Jovem e Ação Socioeducacional com Jovens, ressalte-se que os municípios de Betim e Contagem apresentam maior número de “potenciais beneficiários” (capacidade de atendimento de 450 e 650 adolescentes em cada um dos programas, respectivamente) e o município de Nova Lima não prevê “potenciais beneficiários” para tais programas. Importante lembrar que o Serviço de proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias é uma das ações desenvolvidas pelo CREAS, sendo, portanto, uma ação vinculada à Proteção Social Especial, que envolve, ainda, importantes programas que têm como público-alvo crianças e adolescentes, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI. Nesse sentido, a tabela 43 apresenta informações relativas a tais serviços, importantes no que diz respeito à capacidade de atendimento ao público potencial das ações do PAIR. Tabela 43: Oferta de programas e serviços de Proteção Social Especial nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo capacidade de atendimento MDS, 2007. PORTE MUNICÍPIO Grande Betim Médio PETI Bolsa Rural86 PETI Bolsa Urbana87 PETI Bolsa Urbana 188 PETI Jornada Rural89 PETI Jornada Urbana 190 PETI Jornada Urbana91 “Sentinela” PAC I92 50 600 0 50 0 600 660 0 Contagem 0 1323 0 0 0 1323 80 10 Ibirité Ribeirão Neves 0 53 0 0 0 53 0 668 das 0 430 0 0 0 430 0 30 Sabará 90 0 310 90 310 0 180 53 Santa Luzia 0 233 0 0 0 233 50 30 Vespasiano 0 500 0 0 0 500 0 65 0 0 0 0 0 0 40 Nova Lima 0 Fonte: GEOSUAS, 2008. Como pode ser observado, os municípios de Betim, Contagem e Vespasiano destacamse quanto à capacidade de atendimento dos serviços relacionados à Proteção Social Especial, especialmente no que se refere ao PETI. Com relação ao Serviço de Proteção 86 Concessão de bolsas a crianças e adolescentes em situação de trabalho no meio rural. Concessão de bolsas a crianças e adolescentes em situação de trabalho no meio urbano. 88 Idem nota 10. 89 Ações socioeducativas para crianças e adolescentes em situação de trabalho no meio rural. 90 Ações socioeducativas para crianças e adolescentes em situação de trabalho no meio urbano. 91 Idem nota 12. 92 Serviços de Proteção Social Especial à Família, que envolve acolhimento em abrigos, casas-lar, repúblicas e famílias acolhedoras. 87 118 social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, antigo “Sentinela”, os municípios de Betim e Sabará apresentam maior capacidade de atendimento (capacidade para atender 660 crianças e adolescentes no primeiro e 180 no segundo). Destaca-se que o município de Contagem apresenta a menor capacidade de atendimento, apesar de apresentar os piores índices no que diz respeito à violência sexual infanto-juvenil, conforme apresentado na seção anterior. É preciso explicitar que os municípios que não possuem metas de atendimento na tabela acima recebem financiamento “fundo a fundo” (do Fundo Nacional de Assistência Social para os Fundos Municipais de Assistência Social) e não via Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Especificamente com relação ao Serviço de proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, pode-se observar na tabela abaixo que todos os municípios da RMBH incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas possuem tal serviço, oferecido por CREAS que oferecem atendimento regionalizado93 ou de forma local. A configuração da rede de atendimento nos municípios beneficiados nessa mesorregião é diferenciada, dada a predominância de serviços locais de proteção social especializado, sendo que apenas em Vespasiano funciona uma sede de CREAS regionalizado. Essa configuração deve orientar uma atuação diferenciada da rede de enfrentamento, voltada para uma atuação mais local, pelo menos no que se refere à articulação dos agentes da rede de atendimento. Tabela 44: Existência e caracterização do Serviço de Proteção social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual, nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo nível de gestão no SUAS, 2007. Existência do Serviço de Enfrentamento à violência, abuso e exploração sexual PORTE Grande MUNICÍPIO Nível de Gestão SUAS contra crianças e adolescentes e suas famílias Caracterização do Serviço Betim Gestão Plena Sim local Contagem Gestão Plena Sim local Ibirité Gestão Plena Sim local Ribeirão das Neves Gestão Plena Sim local Sabará Gestão Plena Sim local 93 Caso apenas de Vespasiano, que atende ao municipio de Confins, não incluído no projeto de expansão do PAIR Minas. 119 Médio Santa Luzia Gestão Básica Sim local Vespasiano Gestão Básica Sim CREAS regional - sede Nova Lima Gestão Plena Sim local Fonte: SEDESE, 2008. Mapa 7: Existência do Serviço de Enfrentamentos a ESCCA nos municípios da área de expansão do PAIR Minas nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. Fonte: Elaboração própria. Mapa 8: Caracterização do acesso aos serviços do CREAS nos municípios da área de expansão do PAIR Minas nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007 120 Fonte: Elaboração própria. Importante salientar que a existência de programas de transferência de renda destinados a famílias em situação de vulnerabilidade e com foco em crianças e adolescentes, sejam esses vinculados à Proteção Social Básica ou Especial, desempenham função relevante no combate à violência sexual infanto-juvenil, uma vez que possibilitam acesso não só a uma renda mínima, mas também a equipamentos e serviços públicos, que podem prestar atendimento assistencial, escolar, médico, entre outros. Assim, outro dado relevante diz respeito ao número de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família94 nos municípios em questão (tabela 45). Esse programa, além de garantir o acesso a uma renda mínima possui condicionalidades relacionadas à educação (como a garantia de freqüência à escola de crianças em idade escolar) e à saúde (como vacinação e acompanhamento pré e pós-natal) que devem ser cumpridas pelos beneficiários. Nesse sentido, esse programa constitui um aporte ao qual se pode 94 “O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004.”. Extraído de: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/o-que-e/ . Acesso em 15/02/2009, às 17:08. 121 recorrer no tocante os encaminhamentos a serem realizados com relação às vítimas de violência sexual e suas famílias. Tabela 45: Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, dezembro de 2008. PORTE MUNICÍPIO Grande Betim Número de Famílias atendidas pelo PBF 14.785 Contagem 18.470 Ibirité 7.115 Ribeirão das Neves 11.815 Médio Sabará 3.865 Santa Luzia 8.084 Vespasiano 4.034 Nova Lima 1.625 Fonte: SIBEC, 2009. Essa informação permite dimensionar o número de famílias em situação de vulnerabilidade nos municípios em questão. Além disso, é preciso conjugar, como dito anteriormente, políticas de transferência de renda com políticas de enfrentamento à violência sexual, de forma a amenizar a condição de vulnerabilidade das famílias e evitar que a violência sexual (em especial a exploração sexual) seja encarada como fonte renda. Outra dimensão importante é que o programa Bolsa Família já prevê a articulação com áreas importantes para a atenção a crianças e adolescentes vitimizados, como Saúde e Educação. Um indicador crítico na avaliação da infra-estrutura e capacidade de gestão da política de Assistência Social refere-se aos recursos repassados a cada nível de gestão, cujo volume está condicionado à configuração dos programas vinculados à proteção social básica e à proteção social especial, conforme apresentado nas tabelas anteriores. Nesse sentido, a hierarquização dos níveis de gestão no SUAS prevê consequentemente, a diferenciação no volume de recursos repassados conforme a oferta de ações descritas acima, variação que pode ser visualizada na tabela 46 abaixo: 122 Tabela 46: Volume de recursos repassados pelo MDS aos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. PORTE Grande MUNICÍPIO Nível de Gestão¹ Repasse PSB² Repasse PSE² Repasse BPC² Betim Gestão Plena 1.092.878,24 241.225,00 8.758.580,65 Contagem Gestão Plena 1.234.278,00 680.193,60 13.858.042,74 Ibirité Gestão Plena 470.750,88 197.217,60 3.235.740,31 Ribeirão das Neves Gestão Plena 1.098.098,60 152.090,00 3.373.404,10 Sabará Gestão Plena 294.822,48 253.402,00 2.867.442,45 Santa Luzia Básica 610.100,28 131.507,84 4.559.699,47 Vespasiano Básica 173.131,48 83.440,00 2.994.965,01 58.399,20 163.512,00 1.326.418,55 Médio Nova Lima Gestão Plena Fonte: * SEDESE, 2008; ** GEOSUAS, 2008. Com relação aos serviços estaduais, pode-se verificar que diversas ações voltadas às crianças e adolescentes são desenvolvidas no âmbito da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social. Especificamente com relação aos municípios da RMBH incluídos na expansão do PAIR Minas podem ser citados os seguintes programas: Travessia, voltado à melhoria da qualidade de vida, redução da pobreza e inclusão produtiva da população em situação de vulnerabilidade social, oferecido no município de Ribeirão das Neves; o Programa Poupança Jovem, que tem como público-alvo estudantes do ensino médio e oferece, além de atividades culturais e profissionalizantes, contrapartida financeira aos estudantes que concluírem o ensino médio, nos municípios de Ibirité e Ribeirão das Neves; a campanha de mobilização e divulgação do DisqueDenúncia intitulada “Proteja Nossas Crianças”, realizada em parceria com o CEDCA e o Servas e o Programa Curumim, que oferece atividades socioeducativas a crianças e adolescentes em complementação ao turno escolar, nos municípios de Ribeirão das Neves, Ibirité, Contagem e Vespasiano. A distribuição desses programas obedece a critérios relacionados à vulnerabilidade social, considerando-se indicadores como o IDH, o que faz com que a maioria deles se apresente nos municípios de Ibirité e Ribeirão das Neves, caracterizados como já vimos como efetivamente muito vulneráveis. Uma perspectiva de rede adotada pela metodologia do PAIR requer a integração das ações executadas nas diferentes áreas de políticas públicas, incorporando uma 123 abordagem ampla e transversal de proteção social. Essa abordagem implica no alinhamento de diferentes políticas setoriais, como saúde, educação, renda e trabalho, com vistas à atenção integrada de seus beneficiários. Nessa direção, cabe identificar no espaço do município as bases potenciais de articulação dos agentes públicos e organizações governamentais e não-governamentais implicados nas diferentes áreas de políticas. Em primeiro lugar, considera-se que a rede escolar (estadual e municipal) possui - ou pode vir a assumir - um papel central como executora de ações transversais de enfrentamento, particularmente, no campo da prevenção e do desenvolvimento do protagonismo infanto-juvenil. e como agente facilitador da identificação e notificação de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Nesse sentido, o dimensionamento da rede escolar desses municípios será realizado com o objetivo de identificar bases potenciais de mobilização dos educadores e de suas instituições para atuação como integrante da rede local de enfrentamento. Como se vê na tabela 47, os municípios considerados na expansão do PAIR Minas na RMBH caracterizam-se pela presença de uma extensa rede escolar, com especial destaque para as escolas de ensino fundamental. Tal dado, somado ao fato de que a maioria das crianças e adolescentes vitimizados nesses municípios possui escolaridade relativa ao Ensino Fundamental (concluído ou em curso), aponta para a centralidade das ações envolvendo essas instituições. Para uma avaliação mais acurada desse potencial são necessárias informações complementares acerca da presença dessas escolas nas áreas mais vulneráveis e da acessibilidade das mesmas relativamente às populações em situação de risco e vulnerabilidade. No que tange ao desenvolvimento de iniciativas transversais relacionadas à temática do PAIR, pode-se destacar a execução do Programa de Educação Afetivo Sexual nas escolas públicas do estado (PEAS Juventude). Esse programa teve como foco inicial a temática da sexualidade, mas atualmente privilegia o fomento do protagonismo juvenil95, o que o torna grande parceiro no que se refere ao combate à violência sexual 95 “O PEAS Juventude está presente em 213 municípios mineiros, com atendimento a 400 mil estudantes do Ensino Médio e 150 mil do Ensino Fundamental. Em 2008, a Secretaria de Estado de Educação investiu R$2,52 milhões nas 423 escolas estaduais participantes. O programa é considerado um 124 contra crianças e adolescentes. Esse programa está presente nos municípios de Betim, Contagem, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano. Tabela 47: Número de escolas existentes nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte por nível de ensino, 2007. PORTE Grande Médio Escolas Ensino PréEscolar* Escolas Ensino Fundamental* Contagem 84 137 110 172 32 60 0 1 Ibirité 24 40 10 1 Ribeirão das Neves 43 96 26 0 Sabará 44 49 11 1 Santa Luzia 16 53 19 Não Informado Vespasiano 17 32 6 1 Nova Lima 26 32 9 2 Total 391 584 173 6 MUNICÍPIO Betim Escolas Ensino Médio* Escolas Ensino Superior** Fonte: IBGE Cidades * dados referentes a 2007; ** dados referentes a 2005. A área de saúde assume papel estratégico por serem, potencialmente, instituições receptoras de vítimas de violência sexual infanto-juvenil em decorrência de agravos ao quadro de saúde associados a esse tipo de violação. Essa condição torna os órgãos de atendimento da área de saúde de especial importância para o desenvolvimento do PAIR, particularmente no que tange à identificação de casos de violação, notificação às autoridades competentes e encaminhamento às instâncias de atendimento especializado. A partir da tabela 48 pode-se visualizar a abrangência do Programa Saúde da Família e o número de estabelecimentos de saúde existentes em cada um dos municípios incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas na RMBH: Tabela 48: Número de estabelecimentos de saúde e número de famílias atendidas pelo PSF por município e porte populacional nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008. PORTE MUNICÍPIO Número de Número de famílias estabelecimentos acompanhadas pelo PSF** de saúde* instrumento de formação dos jovens por estar estruturado a partir de uma visão afirmativa da juventude. O foco é o jovem como fonte de soluções, de iniciativas, de compromisso e soluções para a sua comunidade. O objetivo central é a promoção do desenvolvimento pessoal e social do adolescente através de ações de caráter educativo e participativo. Inicialmente voltado para a temática da sexualidade, hoje o seu foco é o protagonismo juvenil e é dividido em três importantes áreas temáticas: sexualidade e afetividade; adolescência e cidadania; mundo do trabalho e perspectiva de vida”. Informações extraídas de: http://www.educacao.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=360&Itemid=256. Consulta realizada em 15/02/2008. 125 Grande Betim 209 580 26.925 63.588 Ibirité 79 36.724 Ribeirão das Neves 190 19.378 Sabará 58 5.374 Santa Luzia 115 37.487 Vespasiano 97 7.847 Nova Lima 120 9.447 Contagem Médio Fonte: DATASUS, 2009. * dados referentes a dezembro de 2008; ** dados referentes a outubro de 2008. As informações acima permitem dimensionar a abrangência do Programa Saúde da Família, importante parceiro das ações de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, uma vez que atua direta e intensamente com a população. Nesse sentido, o PAIR Minas deve dar especial atenção à mobilização e capacitação de tais equipes. Entretanto, a mobilização e a articulação desses agentes não devem estar limitadas aos estabelecimentos de saúde, mas deve abranger as equipes de Programas como Saúde da Família, pautados na inserção das equipes nas comunidades e no estabelecimento de vínculos com as famílias. Essa capilaridade dos programas da saúde no espaço local é de especial importância para o mapeamento das áreas e identificação das famílias em situação de vulnerabilidade à violência sexual. A orientação dos profissionais dessa área a respeito das especificidades da situação de violência sexual, dos encaminhamentos e providências necessários, além de questões relacionadas à prevenção e conscientização das famílias é fundamental para o sucesso das ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. Outro aspecto relevante com relação aos parceiros potenciais do PAIR Minas diz respeito à mobilização dos componentes do Sistema de Garantias de Direitos. Essas instituições estão diretamente implicadas na execução das ações previstas nos eixos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes e responsabilização dos diversos envolvidos, de forma a garantir e fiscalizar o cumprimento desses direitos: o Conselho Tutelar, o Conselho de Direitos, o Ministério Público, a Defensoria e o Poder Judiciário. Nesse sentido, importante ressaltar que todos os municípios da RMBH incluídos na expansão do PAIR Minas possuem Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos. 126 Mapa 9: Existência de Conselhos Tutelares nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Fonte: Elaboração própria. Levantamento realizado pelo Instituto Telemig Celular em 200196 identificou algumas características relacionadas ao perfil dos conselheiros ligados aos CMDCAs do estado de Minas Gerais: 96 Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. Pesquisa realizada com 178 CMDCAs e 188 CTs no estado de Minas Gerais. Dentre esse total, foram incluídos na amostra 38 CMDCAs e 46 CTs localizados na RMBH. Foram consideradas na análise as variáveis porte dos municípios, medido pela população municipal de 0 a 17 anos (critério diferente, portanto, do porte utilizado na análise desenvolvida no presente relatório), mesorregião e índice de desenvolvimento infantil, calculado pelo UNICEF e baseado em informações sobre crianças de 0 a 6 anos, tais como vacinação e acesso a pré-escolas. Segundo o relatório da pesquisa, “... são apresentados apenas alguns cruzamentos efetuados, priorizando-se os casos em que foi encontrada uma associação digna de nota entre as questões pesquisadas e as variáveis acima descritas” (Instituto Telemig Celular, 2001:11). Dessa forma, far-se-á menção a algumas informações agregadas por indisponibilidade de dados desagregados (por mesorregião e/ou porte) para determinados temas. 127 1. Há, em geral, predominância da presença de mulheres: elas representam 68% do total de conselheiros na RMBH; 2. Com relação à idade, a maioria dos conselheiros (42%) dentre o total de conselheiros pesquisados em Minas Gerais, apresenta-se na faixa dos 36 a 45 anos; no que se refere à escolaridade, há concentração em dois subgrupos: Ensino Médio completo e Ensino Superior completo, havendo ainda predomínio dos profissionais da Educação e de servidores públicos entre os Conselheiros; 3. Há ainda uma tendência, em todo o estado, a que municípios maiores apresentem Conselhos compostos por maior número de membros, bem como há maior probabilidade de que esses sejam presididos por conselheiro representante da sociedade civil. Ademais, os dados coletados indicaram que “quanto menor o município, menor o percentual de conselheiros que trabalham em entidades ligadas à área da criança e do adolescente” (Instituto Telemig Celular, 2001:20). Tais aspectos indicam a densidade da rede associativa local – que pode estar associada ao porte populacional do município - é um fator relevante no que se refere à organização dos CMDCAs e, portanto, aspecto relevante a ser considerado na organização das atividades de formação e mobilização previstas na metodologia do PAIR Minas97; 4. Com relação às instituições da sociedade civil representadas nos CMDCAs, há, em geral, predomínio das entidades de atendimento, de defesa de direitos e mobilização, voltadas à criança e ao adolescente; 5. A seleção dos conselheiros se dá, na maioria dos conselhos pesquisados em Minas Gerais, por meio de eleições e o principal critério para a seleção dos membros é a atuação prévia em entidades voltadas à criança e ao adolescente. Com relação à infra-estrutura, foi verificado que a maioria dos conselhos possui uma “sede” para atuar, local que é predominantemente mantido pelo poder público municipal e que grande parte dos conselheiros considera satisfatório. Entretanto, a pesquisa indica que apenas 41% do total de CMDCAs pesquisados em Minas Gerais possui telefone fixo. Com relação à equipe de apoio, o levantamento realizado apontou que mais da metade dos Conselhos no estado dispõe de apoio administrativo, geralmente cedido pelo 97 Em geral, a pesquisa identificou que quanto maior o porte do município, melhores as condições de funcionamento dos CMDCAs, o que significa que, dentre os municípios considerados no projeto de expansão do PAIR-MINAS, aqueles localizados na RMBH apresentam melhor situação no tocante a tais órgãos. 128 poder público. Interessante ressaltar que a infra-estrutura dos CMDCAs é tanto melhor quanto maiores os municípios, o que traz ao debate, novamente, a questão do porte populacional. Com relação ao planejamento e avaliação das ações desenvolvidas, a pesquisa constatou que “(...) a maior parte das CMDCAs não dispõe ainda de ferramentas básicas para a organização e o direcionamento de suas atividades. (…) apenas 21% deles dispõem de diagnóstico local sobre a situação das crianças e adolescentes, formalmente elaborado e fundamentado em indicadores sociais. Da mesma forma, 21% não dispõem de comissões de estudo e atuação em áreas temáticas prioritárias. Somente 17% possuem um plano de trabalho documentado, com metas e estratégias de ação claramente definidas. Como decorrência natural desta ausência de planejamento, é menor ainda o número de CMDCAs (13%) que possuem procedimentos estruturados para o acompanhamento e avaliação dos resultados de suas ações” (Instituto Telemig Celular, 2001, 24) A expansão do PAIR Minas pode contribuir para a reversão desse quadro, ainda que especificamente no que se refere ao tema da violência sexual contra crianças e adolescentes, pois esse Programa prevê em sua metodologia o permanente monitoramento das ações planejadas com base no cenário inicial diagnosticado. Apesar indisponibilidade de estudos sistemáticos e desagregados por município, a pesquisa realizada pelo Instituto Telemig Celular em 200198 apresenta informações sobre a percepção dos conselheiros acerca dos principais problemas que atingem crianças e adolescentes, a saber: pobreza e desestruturação familiar, gravidez na adolescência, falta de oportunidade qualificação profissional e condições precárias de moradia. A exploração ou abuso sexual aparece em 13º lugar no ranking dos principais problemas e as percepções acerca da sua gravidade variam também de acordo com o porte municipal, sendo considerado mais grave pelos entrevistados nos municípios com mais de 40 mil habitantes e menos grave nos municípios com menos de 10 mil habitantes. Em um índice que varia de 0 (não atinge) e 1 (atinge em alto grau), os dados 98 Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. 129 dos CMDCAs da RMBH indicam que a questão da violência sexual contra crianças e adolescentes não é tão grave, apresentando valor de 0,55. Ainda na avaliação dos conselheiros pesquisados em todo o estado, a capacidade das entidades de atendimento para lidar com os problemas é mediana, sendo a avaliação positiva no que se refere ao enfrentamento de questões relativas à desnutrição e à insuficiência de alimentos e negativa quanto ao atendimento dos casos relacionados à exploração e abuso sexual, informação especialmente relevante no escopo da proposta de ampliação do PAIR Minas. Com relação às articulações e parcerias dos CMDCAs, aspecto de grande relevância para a expansão do PAIR Minas, a pesquisa verificou que há, aparentemente, um bom relacionamento desses órgãos com instituições que atuam na área da criança e do adolescente, principalmente com os CTs e atores ligados à área jurídica e ao judiciário. Com relação às parcerias, essas são mais freqüentes nos municípios maiores e ocorrem geralmente com “... órgãos de caráter público que, por imperativos legais ou organizacionais, deveriam naturalmente estabelecer interfaces com a ação dos conselhos: Executivo Municipal, CT, entidades de atendimento, Ministério Público, Poder Judiciário” (Instituto Telemig Celular, 2001:27). Tais informações podem orientar a ação do PAIR Minas no sentido de reforçar ou fomentar tais parcerias, especificamente no que se refere à questão do enfrentamento à violência sexual infantojuvenil. Quanto à relação do CMDCAs com as mídias, a pesquisa aponta que há possibilidades de ampliação e qualificação da relação com os meios de comunicação, o que pode se traduzir em ações de mobilização e sensibilização mais eficazes: “(...) parece haver um potencial comunicativo nos conselhos que poderia ser desenvolvido para uma interação mais ampla com os meios de comunicação, ou mesmo para oferecer aos órgãos de imprensa locais subsídios para uma disseminação mais qualificada e eficaz de informações” (Instituto Telemig Celular, 2001, 30) Interessante observar que na avaliação dos conselheiros, segundo a pesquisa em tela, as ações bem-sucedidas são aquelas destinadas à divulgação de problemas que afetam 130 crianças e adolescentes em eventos que, por sua vez, são de caráter contingencial e nãosistemático. Outro aspecto importante diz respeito às entidades de atendimento cadastradas nos CMDCAs. O que se nota, em todos os conselhos pesquisados em Minas Gerais, é uma concentração daquelas entidades voltadas a crianças de 0 a 6 anos, como creches e ao atendimento a famílias de baixa renda ou em situação de risco. As informações disponíveis indicam que os conselheiros identificam como problemas na atuação dessas entidades a falta de metodologia de atendimento sistematizada e problemas relacionados à gestão. Por fim, entre as prioridades de ação para fortalecimento dos conselhos, foi apontada a necessidade de capacitação para o planejamento de políticas de atendimento à criança e ao adolescente. Também com relação a tal aspecto, há a possibilidade que a implantação do PAIR Minas atue no sentido de promover uma ampliação do conhecimento e prática em planejamento, em decorrência da metodologia utilizada no Programa. Assim, ainda que esse seja focado em questões relativas à violência sexual infanto-juvenil, a experiência de sua implementação pode se converter em aprendizagem organizacional com desdobramento na atuação qualificada dos conselheiros para outras áreas relacionadas à criança e ao adolescente. Passando à análise dos dados informados pelos CTs, o padrão identificado para os CMDCAs com relação ao perfil dos conselheiros se repete, havendo predominância de mulheres conselheiras e concentração nas faixas etárias intermediárias. Entretanto, com relação à escolaridade, predominam em Minas Gerais conselheiros que possuem Ensino Médio completo, havendo predominância de profissionais da área de educação, ainda que com presença significativa também de servidores públicos. Segundo as percepções dos entrevistados, a seleção dos conselheiros se dá principalmente pelos critérios de “tempo, interesse e disponibilidade para atuar na área”, pertencimento a entidades que atuam na área da criança e do adolescente e aprovação 131 em processo de seleção composto por prova (Instituto Telemig Celular, 2001:5699). A eleição dos conselheiros é, em 62% do total de casos considerados no estado de Minas Gerais, aberta a todos os eleitores do município, diferentemente do CMDCAs, em que a escolha é limitada a instituições ligadas ao atendimento de crianças e adolescentes. Com relação à infra-estrutura dos CTS, a presença de equipamentos como telefone fixo, computador e veículo próprio é relatada como insatisfatória, situação que se apresenta mais adequada nos municípios de maior porte, em todas as mesorregiões do estado. Tal situação também é inadequada no que se refere à presença de equipe de apoio, fator que varia, também, com o porte populacional: “(...) uma parcela minoritária dos CTs conta com pessoal de assessoria para o exercício de suas atividades de defesa de direitos de crianças e adolescentes. A assessoria é mais comum nas áreas de assistência social (43%), jurídica (39%), psicológica (39%) e administrativa (32%). A análise dos dados por porte de município mostrou que, tal como no caso dos CMDCAs, nos maiores municípios é maior o número de CTs com pessoal de apoio administrativo (60%). Porém, no caso das outras assessorias, a situação se inverte: apenas 16% dos maiores municípios contam com assessoria jurídica, contra 36% dos médios e 50% dos pequenos. Da mesma forma, 19% dos maiores municípios contam com assessoria na área de assistência social, contra 42% dos médios e 51% dos pequenos. Tendência semelhante se verifica quanto a assessoria pedagógica e psiquiátrica” (Instituto Telemig Celular, 2001, 58). A maioria (94%) dos conselheiros tutelares em Minas Gerais entrevistados recebe remuneração; entretanto, em 82% dos municípios essa remuneração não ultrapassava, à época da pesquisa, o valor de R$500,00, havendo variações deste valor de acordo com o porte populacional dos municípios. Quanto ao seu funcionamento, em geral, nos CTs prevalecem as decisões tomadas por colegiados e em 86% deles há a presença de um regimento interno. Em 46% dos casos a 99 Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. 132 jornada de trabalho é de 40 horas semanais, havendo aumento da carga horária nos municípios de maior porte. No tocante ao relacionamento com atores que também atuam na área da criança e do adolescente, predominam nos CTs pesquisados as articulações com o Ministério Público e o Poder Judiciário e com conselhos gestores de outras áreas, sendo que a relação com o CMDCAs, Executivo Municipal e órgãos de segurança é caracterizada como razoável. Especificamente com relação ao Comissariado de Menores, a avaliação desse órgão é tanto melhor quanto menor é o porte do município. As dificuldades colocadas à atuação dos CTs também foram avaliadas e destacam-se as percepções relacionadas à insuficiência de entidades para as quais possa haver uma rotina de encaminhamentos de crianças e adolescentes, a falta de conhecimento da sociedade sobre o papel do Conselho e a falta de reconhecimento da autoridade desse órgão. Por outro lado, são citadas como ações bem-sucedidas: a realização de eventos de formação e o estímulo a parcerias às entidades locais, o que coloca tal órgão em posição de destaque no que se refere à mobilização de atores e recursos, fator importante no que se refere à metodologia do PAIR Minas. Os conselheiros, no que tange às entidades de atendimento, avaliaram que os maiores problemas nesse aspecto seriam a baixa qualificação das equipes e “a incapacidade em atender a demanda” (Instituto Telemig Celular, 2001:64100). Quanto aos principais problemas que afetam as crianças e os adolescentes, os conselheiros indicaram que esses se referem à pobreza e à desestruturação familiar e à gravidez na adolescência, ficando a violência sexual infanto-juvenil, mais uma vez, em 13º lugar, assim como nos CMDCAs. As ações para se combater tais problemas estão focadas na orientação e no acompanhamento temporário e encaminhamento aos pais e responsáveis, havendo pouco recurso à inserção das famílias em “programas de auxílio” (transferência de renda, desintoxicação devido ao uso de drogas etc.). 100 Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. 133 Finalmente, entre as prioridades de ação para fortalecimento dos CTs, destacam-se a criação de políticas ou programas voltados à criança e ao adolescente, possibilitando uma atuação menos pontual dos CTS, a necessidade de melhorar o relacionamento com outros órgãos e a capacitação dos conselheiros, além da melhoria da infra-estrutura desses órgãos. Pode-se afirmar que CMDCAs e CTs são órgãos centrais no que se refere à garantia de direitos de crianças e adolescentes e que as informações apresentadas podem subsidiar estratégias de ação do PAIR Minas no que se refere à mobilização, realização do diagnóstico situacional e no planejamento de ações. Importante observar, ademais, as variações apresentadas pelos Conselhos Tutelares e Municipais de Direitos quando se considera o porte populacional dos municípios, variável relevante no que se refere ao desenho de ações previstas na expansão do programa. Outra informação importante que se relaciona ao papel dos Conselhos Tutelares como “porta de entrada” das crianças e adolescentes vitimizados no Sistema de Garantia de Direitos se refere aos encaminhamentos recebidos pelos CREAS em 2007, segundo dados disponibilizados pela SEDESE/MG. Tabela 49: Vítimas de violência sexual infanto-juvenil (abuso e exploração sexual) atendidas segundo a instituição responsável pelo encaminhamento aos serviços especializados nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. MUNICIPIO DE ATENDIMENTO Instituição Betim Contagem Conselho Tutelar 30 38,5 Delegacia Regional 26 33,4 Demanda Espontânea 1 1,3 Juizado 1 1,3 Outros 20 25,6 Total 78 100 Conselho Tutelar 90 77,9 Juizado 16 13,8 Outros 10 8,6 Total 116 100 Conselho Tutelar Sabará Vítimas encaminhadas N % 12 57,1 Demanda Espontânea 1 4,8 Juizado 1 4,8 Outros 7 33,4 134 Total Santa Luzia 21 100 Conselho Tutelar 8 53,4 Demanda Espontânea 1 6,7 Outros 6 40 Total 15 100 Conselho Tutelar 30 61,2 3 6,1 Delegacia Regional Demanda Espontânea 1 2,0 14 28,6 1 2 Vespasiano Total 49 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da SEDESE 100 Outros SI Como pode ser observado, na maioria dos municípios considerados houve predominância do CT como responsável pelo encaminhamento ao CREAS, fato que indica que o CT atuou de fato como “porta de entrada” das crianças e adolescentes vitimizados no sistema de garantia de direitos. Interessante observar que em alguns municípios houve encaminhamentos ao CREAS realizados pela Delegacia Regional e mesmo pelo poder Judiciário. Especialmente quanto a esses órgãos do Sistema de Garantia de Direitos componentes do Sistema de Justiça, ou seja: Ministério Público, Defensoria e Juizado relativos à infância e juventude, a situação é menos precária na RMBH que em outras regiões do estado de Minas Gerais. Segundo levantamento realizado pela Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude (2008)101, em Minas Gerais, apenas cinco municípios possuem Vara Especializada, entre eles Contagem e Belo Horizonte. Com relação à existência de Delegacia Especializada, a situação se mantém, visto que apenas em Belo Horizonte e Contagem há esse órgão. Segundo Faleiros (2005), é de extrema importância a participação dos órgãos do Sistema de Justiça no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes: 101 O sistema de justiça da infância e da juventude nos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: desafios na especialização para garantia de direitos de crianças e adolescentes. Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude - ABMP: Brasília, 2008. Disponível em: http://www.abmp.org.br/ABMP_Levantamento_Julho.pdf. Consulta realizada em 04/12/2008. 135 “O combate à violência intrafamiliar e da exploração sexual de crianças e adolescentes implica responsabilização legal dos envolvidos, a denúncia, a declaração formal, a instauração do devido processo e o julgamento. Os aparelhos policial e judiciário precisam atuar, pois, na construção de uma cultura cívica da punição legal em oposição à cultura da impunidade, da chacota e desmoralização das denunciantes, do descrédito dos depoimentos de crianças e adolescentes e das pessoas pobres. A cultura da cidadania precisa se inculcar no aparato policial e judiciário, segundo a fórmula: lei igual para todos.” (Faleiros, 2005, 13). Dessa forma, a precariedade apontada, ainda que reduzida, se comparada a outras regiões de Minas Gerais, introduz a necessidade de estratégias consistentes de mobilização de seus agentes por parte dos responsáveis pelo PAIR Minas, uma vez que os órgãos envolvidos não trabalham especificamente com crianças e adolescentes, e também explicita e reforça a necessidade de processos de formação e capacitação continuados para os atores responsáveis por esses órgãos, visando à construção de um entendimento adequado acerca da violência sexual infanto-juvenil, suas causas e estratégias de combate, prevenção e responsabilização. 136 Considerações Finais A atual etapa de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte envolve a inclusão de 08 (oito) municípios, o que representa 33% do total de municípios e 41% da população dessa mesorregião. A configuração dessa área de expansão é diferenciada pela predominância de munícipios de grande porte. O porte populacional é um preditor importante da infraestrutura de equipamentos e serviços públicos, em particular, de serviços especializados. Os municípios são densamente povoados, particularmente em função da pequena extensão territorial dessas unidades e o processo acentuado de metropolitização dessa área. O fato de que os serviços assistenciais são ofertados localmente assegura aos implementadores do PAIR condições bastante diferenciadas de atuação. Deve-se atentar, no entanto, que o perfil da região, com os municípios afetados por acentuada conurbação, requer atenção desses implementadores com vista ao desenvolvimento de ações integradas de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil no espaço regional. Os municípios beneficiados localizam-se em áreas de influência de importante parte da malha rodoviária presente no estado de Minas Gerais, incluindo rodovias federais de grande fluxo e com presença de pontos vulneráveis à ESCCA. A análise das condições sociodemográficas indicou a presença de um segmento populacional significativo no grupo etário de referência do PAIR, ou seja, de crianças e adolescentes. Essa composição etária da população sinaliza para necessidade de ampliação e de melhoria da capacidade de vigilância e prevenção em relação às ameaças e riscos de violências sexuais que possam afetar esse segmento. Dentre às vulnerabilidades relacionadas pobreza intraurbana presentes nesses municípios, destacaram-se as vulnerabilidades educacionais que atingem o grupo etário de referência do Pair. Apesar das variações no desempenho do sistema local, observou137 se resultados inferiores aos observados no estado e no país em relação a várias dimensões. Cabe registrar em relação às vulnerabilidades educacionais, as dificuldades de retenção pelo sistema educacional da população em fase de transição entre níveis de ensino (Fundamental para o Médio). No tocante à educação, variações intraregionais foram detectadas e, certamente, estão relacionadas à dinâmica de metropolitização da pobreza no interior da RMBH. O quadro de insegurança de rendimento observado nos municípios da região em relação a vários indicadores é relativamente expressivo quando se considera o volume de crianças e adolescentes vivendo com famílias pobres. A proporção da população infanto-juvenil nessa condição é significativa, embora a RMBH ocupe a primeira posição na geração do PIB mineiro. Além disso, verificou-se uma participação considerável de mulheres como responsáveis pela sobrevivência de grupos familiares monoparentais. Ainda que próximo dos patamares estaduais e nacionais, esse quadro ganha gravidade quando se considera a escolaridade precária das mulheres nessa condição em alguns dos municípios analisados. As vulnerabilidades associadas à condição feminina apresentam distinto nessa mesorregião. O volume observado de internações hospitalares no sistema público de saúde de crianças e adolescentes com idade 15 a 19 anos por motivos relacionados à gravidez e puerpério encontra-se abaixo do observado em outras regiões beneficiadas pela expansão do PAIR. A presença de indicadores de riscos e vulnerabilidades sociais no espaço regional deve ser objeto de permanente monitoramento por parte da comissão local, principalmente através do Sistema de monitoramento e avaliação do Pair. É importante, destacar, no entanto, que isso não implica, necessariamente, na ocorrência de eventos de violências sexuais. O dimensionamento e a tipificação dessas violências, bem com a apreensão da microdinâmica do fenômeno em cada município, devem ser assumidos com uma missão contínua da rede de enfrentamento constituída. O confronto de informações sobre eventos de violência sexual infanto-juvenil de diversas fontes revelou discrepâncias importantes no registro desses eventos por parte 138 das instituições implicadas no enfrentamento desse problema. Os dados de atendimentos efetuados pelos CREAS apontam que o quadro da violência infanto-juvenil distancia-se daqueles identificado com base no Disque-Denúncia Nacional entre 2003 e 2008. Entre os municípios analisados, há uma maior variação entre o número de atendimentos realizados e uma oscilação menor no número de casos registrados. Os dados sobre atendimento das vítimas de violência infanto-juvenil por serviços especializados indicaram a prevalência do abuso sexual em comparação com os outros tipos de violência. A natureza intrafamiliar da relação entre vítima e agressor é predominante. O perfil das vítimas de violências em geral indicou uma predominância de casos envolvendo crianças e adolescentes com idade entre 07 e 14 anos, com exceção de Sabará onde verificou-se um número considerável de vítimas com idade entre 15 e 17 anos e de Vespasiano e Santa Luzia, com vítimas em idade de 0 a 06 anos. Predominantemente, as vítimas são mulheres, apenas em Sabará e Santa Luzia detectouse um número maior de vítimas do sexo masculino entre aqueles atendidos pelos CREASs. Dentre os casos atendidos, a responsabilização dos agressores ocorreu em patamares baixíssimos, sendo destacável o número de vítimas que ainda mantinha contato com o agressor. A análise da origem das vítimas atendidas pelos CREAS revelou um aspecto importante da dinamica regional que a comissão local do PAIR deve atentar: presença de vítimas oriundas de municípios não incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas. Há que se definir, portanto, uma estratégia que possibilite a interlocução não apenas com os municípios incluídos na expansão, mas que reforce também a interlocução com os municípios que recorrem aos CREASs, de modo que a expansão não ocorra em detrimento de ações já existentes. No que tange à da rede de atendimnto, a configuração da Assistência Social está focada na Proteção Social Especial, com exceção de Santa Luzia e Vespasiano. A configuração da rede de atendimento nosmunicípios beneficiados nessa mesorregião é diferenciada, 139 dada a predominância deserviços locais de proteção social especializado, sendo que apenas em Vespasiano funciona uma sede de CREAS regionalizado. Essa configuração deve orientar uma atuação diferenciada da rede de enfrentamento, voltada para uma atuação mais local, pelo menos no que se refere à articulação dos agentes da rede de atendimento. Embora as características da rede de serviços aponte para uma maior capilaridade dos serviços e programas assistenciais, é importante que a rede de proteção oriente-se pela articulação de suas ações, de forma a assegurar a garantia efetiva de direitos no espaço regional. No que tange à articulação das demais instituições implicadas na atenção integral ao grupo etário de referência do PAIR, a rede escolar (estadual e municipal) apresenta um potencial importante para o desenvolvimento das ações do programa. Essa rede, seja pela extensão e capilaridade, seja pela natureza do vínculo com os estudantes e suas famílias, é central para a proteção das crianças e adolescentes e para a mitigação dos efeitos de violações de direitos. Os municípios contam com redes escolares expressivas, que deve ser alvo preferencial das ações de articulação da rede local do PAIR. As instituições da área de saúde assumem papel estratégico por serem, potencialmente, receptoras de vítimas de violência sexual infanto-juvenil em decorrência de agravos ao quadro de saúde associados a esse tipo de violação. A extensão do Programa Saúde da Família na região é um componente importante, dadas as interfaces de suas ações com aquelas desenvolvidas pela rede de proteção junto às comunidades. A configuração da rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil existente nos municípios é um aspecto decisivo para a definição das estratégias da comissão local do Pair. Especialmente quanto a esses órgãos do Sistema de Garantia de Direitos componentes do Sistema de Justiça, ou seja: Ministério Público, Defensoria e Juizado relativos à infância e juventude, a situação é menos precária na RMBH que em outras regiões do estado de Minas Gerais. Nessa mesorregião, todos os municípios incluídos na expansão do PAIR Minas possuem Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos. Com base em pesquisas sobre as 140 percepções de conselheiros acerca das prioridades de ação para fortalecimento dos conselhos, foi apontada a necessidade de capacitação para o planejamento de políticas de atendimento à criança e ao adolescente. entre as prioridades de ação para fortalecimento dos CTs, destacam-se a criação de políticas ou programas voltados à criança e ao adolescente, possibilitando uma atuação menos pontual dos CTS, a necessidade de melhorar o relacionamento com outros órgãos e a capacitação dos conselheiros, além da melhoria da infra-estrutura desses órgãos. Os dados relativos ao encaminhamento de vítimas de violências sexuais para os serviços de atendimento especializada (CREAS) efetuado por CTs, mostram que essa instituição atuou como principal “porta de entrada” aos serviços de proteção especial. Delegacias especializadas e Juizado também se destacaram em alguns dos municípios como agentes no encaminhamento das vítimas para os serviços de atendimento especializado. O quadro que emerge do presente diagnóstico sinaliza para a importância das seguintes iniciativas: (a) ações preventivas – em face da participação expressiva do segmento infanto-juvenil no total da população e parte dele em situação de vulnerabilidade social; (b) ações para potencializar a rede de atendimento, seja pela articulação de serviços regionalizados, seja pela melhoria do fluxo de atendimento às vítimas no interior de uma rede de proteção ampliada, particularmente com o adensamento das relações com as instituições do sistema de garantia de direitos e (c) ações de articulação dos atores locais e regionais com vistas à execução de iniciativas voltadas para as especificidades locais e para as demandas que singularizam a região no âmbito do estado de Minas Gerais. A implementação adequada de estratégias orientadas por essas preocupações dependerá, no entanto, do aperfeiçoamento desse diagnóstico a partir das ferramentas de monitoramento desenvolvidas pelo PAIR. Essa aproximação possibilitou a identificação dos componentes principais do fenômeno da violência sexual na mesorregião em tela e de sua dinâmica no espaço regional. Passo importante, agora, é apropriar da microdinâmica assumida por esses componentes em cada município e construir metas de ação e estratégias de trabalho adequadas ao desafio que se impõe. 141 Bibliografia ADED, N.L.O. - Síndrome da Criança Espancada, In: Hércules, H. (ed.) Medicina Legal Texto e Atlas. Atheneu, Rio de Janeiro, pp. 641-652, 2005. ADED, N.L.O.; OLIVEIRA, S.F. - Síndrome da Criança Espancada, In: Hércules, H. (atual.) Medicina Legal Hélio Gomes. Ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, pp. 725-742, 1997. ADED, N. L.de O., DALCIN, B. L. G. da S., MORAES, T. M. & CAVALCANTI, M. T. C. 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