nota técnica sobre manejo de abelhas africanizadas
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nota técnica sobre manejo de abelhas africanizadas
NOTA TÉCNICA SOBRE MANEJO DE ABELHAS AFRICANIZADAS Instruções para a criação de regulamentação visando o Controle e Manejo Ambiental como atividade de rotina no combate aos acidentes com abelhas africanizadas nos centros urbanos do Estado da Bahia. I - INTRODUÇÃO Um estudo realizado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em setembro de 2014, denunciou que no Brasil ocorrem cerca de dez mil acidentes envolvendo abelhas africanizadas por ano com 150 mortes. Consciente da importância de apoiar iniciativas para evitar estes eventos, o Ministério Público do Estado da Bahia, em função das inúmeras denúncias encaminhadas pela população sobre acidentes provocados por abelhas africanizadas na área urbana, vem participando ativamente do processo de discussão sobre a assunção de responsabilidade do setor público não somente quanto ao atendimento à população, mas, sobretudo, quanto ao estabelecimento de estratégias para o manejo adequado dessa espécie de abelha, prevenindo, portanto, acidentes e agravos á saúde pública. Para tanto, a presente Nota Técnica busca indicar medidas para a criação de mecanismos legais, que possibilitem a regulamentação do atendimento aos acidentes envolvendo abelhas africanizadas nos centros urbanos, vez que têm representado risco iminente ao meio ambiente e a saúde pública na cidade do Salvador e no Estado da Bahia. II- DESCRIÇÃO DO PROBLEMA II.1 As Abelhas Abelhas são insetos alados da ordem Hymenoptera. Estima-se a existência de mais de 20.000 espécies, solitárias e sociais, entre elas estão as abelhas africanizadas, que são polihíbridos resultantes do cruzamento de abelhas africanas Apis mellifera scutellata Lepeletier, introduzidas no Brasil, em 1956, com raças européias que existiam no Brasil, tais como as alemãs, Apis mellifera mellifera Linnaeus, introduzidas em 1839 e as abelhas italianas Apis mellifera lingustica Spinola, introduzidas em 1870. Muitas espécies de abelhas possuem um aparato no abdômen, composto por um ferrão e um saco de veneno. Especificamente, nos indivíduos da espécie Apis mellifera, o aparato se separa do corpo da abelha (autotomia), após a picada, levando a abelha à morte logo em seguida, enquanto o ferrão por possuir musculatura e gânglios próprios, continua injetando veneno. Sendo eusocial, as abelhas da espécie Apis mellifera apresentam organização social bem desenvolvida, com castas definidas, composta de indivíduos com funções distintas: rainha, zangões e operárias. Possuem um senso territorial aguçado, e reagem a movimentos externos à colônia. Atribui-se às abelhas a função principal de produção de mel, no entanto, apenas as abelhas sociais produzem mel, e dessas a Apis mellifera o faz em grande escala. No entanto, o principal papel biológico das abelhas é em verdade a prestação do serviço ecossistêmico da polinização, com o processo de transferência dos grãos de pólen, e com o desenvolvimento de frutos e sementes. Por essa razão, as abelhas são muito utilizadas na produção agrícola, seja para aumentar a produtividade ou melhorar a qualidade dos frutos. II.2 Histórico das Abelhas Africanizadas no Brasil. A criação das abelhas africanizadas no Brasil objetivava um programa de seleção genética para obter um híbrido com mansidão, e fácil manejo, das abelhas européias e com a produção de mel das abelhas africanas. Porém, durante a pesquisa, um acidente causado pela retirada das telas excluidoras da entrada das colmeias por um apicultor visitante, permitiu a saída das rainhas que conseqüentemente passaram a enxamear. Depois disso, as abelhas africanizadas passaram a dominar toda a América do Sul, América Central e parte da América do Norte. A rápida e extensa colonização deve-se à alta capacidade dessas abelhas de enxamear, característica herdada das abelhas africanas que é muito superior à capacidade de enxamear das abelhas europeias2. Tal comportamento pode ser de natureza reprodutiva, quando uma rainha parte levando consigo uma porção da colônia, fundando outro ninho; ou de natureza de fuga, quando os recursos tornam-se escassos e insuficientes para a manutenção da colônia. Além desta característica, as abelhas africanizadas têm comportamento defensivo, estratégias de forrageio, resistência a pragas e doenças, elevada fecundidade da rainha, e um ciclo de vida reduzido. Essas propriedades constituem fatores determinantes para o sucesso da colonização das abelhas africanizadas no Brasil, aliado a fatores como a ausência de controle biológico natural semelhante ao que atuava nas populações nativas na África, seus inimigos e as queimadas naturais das savanas nas estações secas. Diante das suas características e de um cenário favorável, as populações dessa espécie se multiplicaram e se expandiram atingindo os centros urbanos brasileiros, proporcionando o aumento de acidentes com humanos. A expansão de áreas agriculturáveis, sem a manutenção da Reserva Legal, e a supressão de vegetação nativa foram outros fatores imperativos para o quadro atual de infestação de colméias e a incidência de acidentes nas áreas urbanas, uma vez que as cidades têm capacidade de oferecer alimentos e locais para nidificação da espécie. Desse modo, para combater as abelhas surgiram iniciativas de erradicação com a aplicação de inseticidas que por sua vez compromete a biodiversidade da fauna e da flora e a saúde humana. II.3- Abelhas africanizadas: espécie exótica invasora e fauna sinantrópica nociva As invasões biológicas com espécies exóticas e nocivas estão entre as principais causas de perda de biodiversidade e dos impactos para a saúde humana. Em virtude disso, o MMA vem produzindo listas nas diferentes esferas de governo por inúmeros instrumentos legais, de maneira a retratar o cenário de invasões e assim provocar um alerta para a necessidade do estabelecimento de ações de manejo das espécies. Dentre essas listas, destaca-se a de EEI – “Espécies Exóticas Invasoras” e a de “Fauna Sinantrópica Nociva no Brasil”. Em 2011, foi publicada uma lista de EEI para o Nordeste Brasileiro, na qual a abelha africanizada está classificada como espécie exótica invasora, conforme a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras aprovadas pela Resolução CONABIO n.o 5 de 21 de outubro de 2009. A Instrução Normativa 141 de 19 de novembro de 2006, do IBAMA, que Regulamenta o controle e o manejo ambiental da fauna sinantrópica nociva, incluem nesse grupo de modo geral, as abelhas. Segundo o Art 1º, §1º e §2º, dessa Instrução Normativa, a nocividade das abelhas africanizadas deve ser declarada por parte dos Ministérios da Saúde, da Agricultura ou do Meio Ambiente, e até mesmo pelos órgãos federais ou estaduais do meio ambiente ou, ainda, pelos órgãos da Saúde e Agricultura, quando assim acordado com o órgão do meio ambiente competente. Diante do exposto, entende-se que as abelhas africanizadas podem ser consideradas como fauna sinantrópica nociva, uma vez que a espécie interage nos centros urbanos de forma negativa com a população humana, causando-lhe transtornos significativos que representam riscos à saúde pública. Destarte, é necessária para seu manejo com possível erradicação, uma declaração da nocividade dessas abelhas, exarada por um órgão público competente nos moldes das normas antes mencionadas de modo que além de classificá-las como EEI também seja declarada como fauna sinantrópica nociva. II.4 Consequências da introdução de abelhas africanizadas nos centros urbanos A preocupação de especialistas e do Ministério Público com os acidentes está associada à frequência de enxameagens, que ocorrem de três a quatro vezes ao ano, e à variedade de abrigos potenciais para as abelhas em áreas urbanas. De acordo com os apicultores, a chegada da primavera incentiva as rainhas a começarem um novo ciclo de reprodução. Motivo pelo qual, esta é a época mais comum para o aparecimento de enxames nas cidades. O acidente que envolve as abelhas africanizadas e os humanos configura-se pela inoculação do veneno introduzido através do ferrão presente no abdômen da abelha. As manifestações clínicas podem ser alérgicas (mesmo com uma única picada) e/ou tóxicas (múltiplas picadas). As reações tóxicas locais estão associadas ao local da picada, ao número de ferroadas, as características e o passado alérgico do indivíduo atingido. Em casos de múltiplas picadas, podem ocorrer de pequenos inchaços localizados, a casos de hipersensibilidade, hemorragias, inflamação de vias aéreas e provável choque anafilático, podendo levar o indivíduo a óbito. Quando as picadas ocorrem de forma massiva pode ainda provocar a obstrução das estruturas renais e causar danos como necrose tubular aguda, insuficiência renal e crise hemolítica, com a destruição dos glóbulos vermelhos, causando dessa forma uma anemia aguda que por sua vez sobrecarrega os rins, podendo ser fatal. Desde 1993, as abelhas de modo geral foram incluídas como “animal agressor” na ficha de investigação de acidentes por animal peçonhento no Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo7. A partir de então, o registro de notificações de casos de acidentes com abelhas tem sido feito pelo Ministério da Saúde por meio da Vigilância Epidemiológica. Na Bahia, de acordo com o Ministério da Saúde (Sinan/SVS/MS atualizado em 21/05/2014), de 2000 a 2013 foram registrados cerca de 3.500 casos de acidentes, desses 20 foram a óbito. O Centro de Informações Antiveneno (CIAVE), órgão da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), só no primeiro semestre de 2014, notificou 260 casos de acidentes causados por abelhas africanizadas. Mesmo diante do quadro, até o presente momento não há qualquer recomendação oficial de controle das abelhas africanizadas. II.5 - O atendimento a acidentes que envolvem acidentes com abelhas africanizadas e humanos Quanto ao atendimento às manifestações clínicas causadas pelos acidentes com abelhas africanizadas, desde 2010, são considerados um agravo de notificação compulsória, ou seja, todo acidente atendido em unidade de saúde do SUS tem que ser notificado ao Ministério da Saúde. Esta atribuição está claramente ilustrada na Portaria nº 1.138/GM/MS, de 23 de maio de 2014, que define as ações e os serviços de saúde voltados para a vigilância, prevenção e controle de zoonoses e de acidentes por animais peçonhentos e venenosos, de relevância para a saúde pública. O serviço de vigilância em Saúde, através de suas Regionais de Saúde tem a responsabilidade do registro e atendimento dos casos em que se verifica acidentes envolvendo a população. No entanto, quanto aos aspectos preventivos não se tem clareza sobre o órgão responsável por tais medidas. Nesse sentido, o Art. 7° e 8° da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 141 , DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006 do IBAMA norteiam quais órgãos públicos podem assumir o manejo e o controle da fauna sinantrópica nociva, sempre que estas representarem risco iminente para a população humana. A saber podem atuar: os Ministérios da Saúde e Agricultura, órgãos de segurança pública, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil. Antes dessa regulamentação, esse controle (retirada das colméias) era de responsabilidade do Corpo de Bombeiro em todo País, não sendo diferente aqui no Estado da Bahia. Com a crescente demanda de acidentes provocados por enxames de abelhas africanizadas à população, os Centros de Controle de Zoonoses (vinculado à Secretaria Municipal de Saúde - SMS), e a Companhia de Polícia de Proteção Ambiental também estão sendo acionados, porém, são constantes as alegações de falta de infraestrutura, falta de capacitação, e até falta de competência legal para esse atendimento. Por outro lado, a inexistência de um instrumento regulatório e a definição de qual seria o órgão público especializado no manejo e controle das abelhas africanizadas gera uma insegurança quanto a possibilidade de extermínio das colméias e da atividade de manejo de modo geral ser considerada ilegal, diante da Lei de Crime Ambiental. III .CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar do papel ecológico das abelhas em geral como polinizadoras, a espécie em destaque, abelha africanizada, considerada como espécie exótica e invasora, representa um problema de saúde pública, uma vez que se proliferam nos centros urbanos e promovem acidentes com a população humana residente, podendo inclusive levar os indivíduos picados a óbito, sendo assim também classificadas como nocivas. Nesse ponto, reforça-se a necessidade de um documento que ateste publicamente dois aspectos: a nocividade da espécie e a necessidade de manejo e controle, permitindo eventualmente a erradicação quando couber. A nocividade reconhecida associada ao já estabelecido status de espécie exótica e invasora garantirá que as ações de manejo, controle e erradicação não infringirão a legislação ambiental em vigor. Esse cenário justifica a intervenção do Ministério Público no sentido de propor uma regulamentação e a definição das competências do poder público estadual ou municipal para atuarem em conjunto, ou não, nesse âmbito, em áreas urbanas na cidade de Salvador e do Estado da Bahia. Naturalmente, o controle e manuseio, deverão envolver o máximo de atividades de apoio visando a eliminação sistemática de condições favoráveis de enxameagens, a exemplo de redução de abrigo para as abelhas africanizadas, influenciando assim, positivamente na redução de outros agravos da saúde pública. Sugere-se o estabelecimento de parcerias, entendidas como acordo entre órgãos públicos, para a criação de um grupo ou núcleo executivo operacional, que deverá contar com o envolvimento da vigilância epidemiológica, dos órgãos de meio ambiente, da polícia militar e do Corpo de bombeiros. Suas ações devem também enfatizar o recolhimento e a destinação correta das colmeias, visando seu aproveitamento para a produção de mel e preservação da sua função biológica como espécie polinizadora em conformidade com o Decreto 4.339/2002 da Política Nacional da Biodiversidade. Propõe-se que as atividades operacionais do órgão a ser criado objetivem: Estabelecer rotinas para ações de contenção, controle e monitoramento das abelhas africanizadas em áreas urbanas; Utilizar campanhas educativas visando sensibilizar a população para o não extermínio da espécie inadvertidamente, bem como socializar informações sobre medidas preventivas para evitar os acidentes envolvendo as abelhas africanizadas; Atender à população em caso de necessidade de remoção de colméias estabelecidas, assim como de enxameagens (telefone/whatsapp/e-mail/site) Cadastrar apicultores para recebimento de colônias removidas de áreas urbanas Treinar técnicos para a remoção e transporte das colônias; Remover e decidir o destino das colônias; Erradicar a colméia in loco quando possível ou necessário. Sugere-se, por fim, que o grupo ou núcleo especializado que seja criado, venha integrar a estrutura municipal, fortalecendo, portanto o papel do gestor público municipal no campo da saúde e do meio ambiente urbano, quanto às ações de manejo, controle e erradicação de colméias de abelhas africanizadas. Referências: 1- LEÃO, T. C. C.; Almeida, W. R.; Dechoum, M.; ZILLER , S. R. Espécies Exóticas Invasoras no Nordeste do Brasil: Contextualização, Manejo e Políticas Públicas .Recife: EPAN 2011. 2- MELLO. Maria Helena et all. Abelhas africanizadas em área metropolitana do Brasil: abrigos e influências climáticas. Revista Saúde Pública, São Paulo,V37(2), p.237-241, 2003. 3- NASCIMENTO, Francisco ET all. Avaliação da agressividade de abelhas africanizadas (Apis mellifera) associada à hora do dia e a temperatura no município de Mossoró – RN. Revista de Biologia e Ciencias da terra, V 5, nº 2, 2º semestre de 2005. 4- REIS, Vanderlei D. A. .Fundamentos para o Desenvolvimento Seguro da Apicultura com Abelhas Africanizadas. Corumbá : Embrapa,Pantanal, 2011.p. 31 p. 5- SILVEIRA Daniel C. Avaliação da agressividade de Abelhas Apis melilífera L. Africanizadas no Sertão da Paraíba. 2012. P.67.– Dissertação (de Mestrado em Sistemas Agroindustrais)- Universidade Federal de Campina Grande. Pg 17 a 31 – capitulo 2, Revisão de literatura. 6- SOARES, Ademilson. E. E. Abelhas africanizadas no Brasil: do impacto inical às grandes transformações. Anais da 64ª Reunião Anual da SBPC – São Luís, MA – Julho/2012: SAMPAIO, Alexandre Bonesso ; SCHMIDT, Isabel Belloni. Espécies Exóticas Invasoras em Unidades de Conservação Federais do Brasil. Revista Biodiversidade Brasileira, Brasília, v.3(2): p. 32-49, 2013. 7- Stort, A .C.;Gonçalves, L.S. Africanização das abelhas Apis mellifera nas Américas .In: BARRAVIERA B. (Ed.). Venenos animais: Uma visão integrada. Rio de Janeiro: EPUC, 1994. Cap.3, p. 33-47. ASSINAM: Lívia F.Castello Branco Pereira Bióloga CRB 19.039/08-D Camila Magalhães Pigozzo Bióloga CRB : 36.206/08-D