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AVALIAÇÃO DO ACÚMULO DE ÁCIDOS VOLÁTEIS EM UM REATOR ANAERÓBIO COMPARTIMENTADO TRATANDO VINHAÇA DE CANA-DEAÇÚCAR 4 Vuitik, G.A.*¹; Conceição, V.M. da²; Fuess, L.T.³; Del Nery, V. ; Pires, E.C. 5 Pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo (EESC/USP), Departamento de Hidráulica e Saneamento. [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected] Abstract: Anaerobic digestion is a viable option for the treatment of sugarcane stillage, since it reduces the pollution load without affecting the fertilizer potential of this wastewater, besides producing biogas, a gaseous fuel characterized by a high energy content. Regarding reactor models applied to stillage, the literature still lacks studies on the use of the anaerobic baffled reactor (ABR), which theoretically may partially separate acidogenesis and methanogenesis. The aim of this study was to evaluate the behavior and function of the different baffleds of an ABR treating sugarcane stillage. For this purpose, an ABR with four compartments was fed with sugarcane stillage, under increasing organic loading rates (OLR). The results show that the reactor is able to self-regulate, even in adverse conditions. At the end of the 20th week of operation, the concentration of volatile fatty acids in the reactor effluent was 228 mg.L-1 and the overall efficiency of COD removal was 91.8%. The reactor showed imbalance in the production of organic acids with a maximum OLR about 2.0 kg DQO.m-3.d-1. These results make the ABR promising to be employed in the treatment of sugarcane stillage, however further studies are required. Keywords: anaerobic baffled reactor, sugarcane stillage, volatile fatty acids . INTRODUÇÃO Vinhaças resultantes do processamento de cana-de-açúcar podem apresentar valores de demanda química de oxigênio (DQO) variando na faixa de 20 a 84,9 g.L -1, dependendo do tipo de matéria-prima usada (i.e. caldo ou melaço) (Wilkie et al., 2000). A quantidade de matéria orgânica presente na vinhaça a caracteriza como uma água residuária de elevado potencial poluente, verificando-se a necessidade de aplicação de algum tipo de tratamento previamente ao seu descarte. A taxa de geração de vinhaça corresponde, em média, a 13 L para cada litro de etanol produzido (BNDES; CGEE, 2008) e a principal forma de reaproveitamento ocorre por meio da fertirrigação das lavouras.Contudo, a disposição inadequada da vinhaça nas lavouras, devido à aplicação de superdosagens e à falta de critérios técnicos no dimensionamento dos sistemas de reuso, tende a comprometer a capacidade produtiva dos solos, a produtividade da lavoura e até mesmo a qualidade dos corpos d’água do entorno. A digestão anaeróbia é uma opção viável para redução da carga orgânica e para o aproveitamento do potencial energético da vinhaça, pois reduz sua carga poluidora sem perda do potencial de fertilização, bem como gera biogás, combustível gasoso com elevado conteúdo energético. Diversos modelos de reatores anaeróbios têm sido avaliados no tratamento de vinhaça, tais como: (Braun; Huss, 1982; Polanco et al., 2001; Brown et al., 2011).Um modelo ainda pouco estudado é o reator anaeróbio compartimentado (RAC), composto por um sistema de tanques em série e de fluxo ascendente, projetado para que o fluído seja alimentado no primeiro compartimento, percorrendo-o de forma ascendente, e deixando-o por meio de um tubo que é introduzido no fundo do próximo compartimento. A vantagem mais significativa deste reator é a sua capacidade de separar parcialmente a acidogênese e a metanogênese no sentido longitudinal do reator, permitindo que o mesmo se comporte como um sistema de duas fases (Weiland; Rozzi, 1991). Reatores compartimentados são comprovadamente eficientes no tratamento de água residuárias de baixa a média cargas, desde que a matéria orgânica esteja presente predominantemente na forma solúvel (Bachmann et al., 1985; Barber; Stuckey, 1999).A hidrólise de sólidos em suspensão é um processo lento em qualquer modelo de reator mesofílico, portanto não se trata de uma desvantagem exclusiva do reator compartimentado. Águas residuárias concentradas requerem elevados tempos de detenção hidráulica, devido principalmente à elevada produção de gás, que resulta em expansão do leito de lodo, modificando por sua vez toda a dinâmica de transferência de massa (Barber; Stuckey, 1999). Como as vazões de operação devem ser baixas, o tratamento de efluentes concentrados em reatores compartimentados muitas vezes pode se tornar inviável. O objetivo deste trabalho foi avaliar o comportamento e função das diferentes câmaras de um reator anaeróbio compartimento tratando vinhaça de cana-deaçúcar, um efluente que apresenta duas características pouco recomendadas para este tipo de reator: elevadas concentrações de matéria orgânica e de sólidos suspensos. METODOLOGIA Um reator anaeróbio compartimentado construído em PVC, com quatro compartimentos (C1, C2, C3 e C4), com 650 mm de altura e 100 mm de diâmetro, e volume reacional de 5 L em cada câmara, foi operado durante 20 semanas e alimentado com vinhaça de cana-de-açúcar (aproximadamente 18 g DQO.L-1 e 1,5 g SS.L-1). A carga orgânica volumétrica aplicada (COV) foi aumentada gradativamente, através de incrementos de vazão de alimentação aplicados semanalmente. O aumento da vazão foi condicionado à verificação da concentração de ácidos voláteis, que no máximo poderia ser 20% superior em cada câmara em relação à câmara anterior. Alcançada essa condição, a carga foi reduzida em aproximadamente 50% e o incremento semanal de vazão foi iniciado até que a condição limite fosse observada. Foram monitorados os parâmetros de cada câmara, de modo a avaliar seu papel na conversão da vinhaça, através de ensaios de pH, alcalinidade, ácidos voláteis e DQO. Os ensaios foram realizados de acordo com o Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA/AWWA/WEF, 2005). RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Figura 1 são apresentados os valores de COV para o volume total do reator, bem como o COV das câmaras individuais, ao longo das 20 semanas de operação. Durante todo o período avaliado, mesmo quando houve acúmulo de ácidos voláteis, o pH nas câmaras não foi inferior a 6,5, pH limite para a garantia da atividade metanogênica (Speece, 1981). Na 10ª semana (COVTOTAL = 1,88 kg DQO.m-3.d-1), a relação entre alcalinidade intermediária e alcalinidade parcial (AI/AP) era de 0,6; 0,3; 0,2 e 0,1, em C1, C2, C3 e C4, respectivamente. Na 11ª semana de operação (COVTOTAL = 2,07 kg DQO.m-3.d-1), a concentração de ácidos voláteis em C1 era de 4080 mg.L-1, que ultrapassou 20% a concentração de ácidos na vinhaça afluente (1778 mg.L-1), com concomitante acúmulo de ácidos em C2 (2624 mg.L-1), C3 (1570 mg.L-1) e C4 (1046 mg.L-1).A relação entre alcalinidade intermediária e alcalinidade parcial (AI/AP) era de 1,2; 0,8; 0,6 e 0,4, em C1, C2, C3 e C4, respectivamente, indicando desequilíbrio na produção de ácidos no processo anaeróbio (Ripley et al, 1986). Na 12ª semana de operação a vazão de alimentação foi reduzida pela metade (COVTOTAL = 0,87 kg DQO.m-3.d-1). Na 13ª semana (COVTOTAL= 0,94 kg DQO.m-3.d-1), o reator novamente passou a apresentar uma operação estável, com a concentração de ácidos voláteis de 3366 mg.L-1, 894 mg.L-1, 285 mg.L-1 e 233 mg.L-1, respectivamente em C1, C2 ,C3 e C4.. Na 20ª semana de operação (COVTOTAL= 1,92 kg DQO.m-3.d-1), mais uma vez foi observado que a concentração de ácidos voláteis em C1 (3643 .L-1) ultrapassou a concentração de ácidos na vinhaça afluente (2263 mg.L-1) em mais de 20% e novamente ocorreu acúmulo de ácidos em C2 (2404 mg.L-1), C3 (496 mg.L-1) e C4 (228 mg.L-1). A relação AI/AP foi de 1,3; 0,6; 0,3 e 0,3 em C1, C2, C3 e C4, respectivamente. A operação estável do reator compartimentado, mesmo em condições de AI/AP >> 0,3 nas suas primeiras câmaras, revela que ele é capaz de se autorregularem condições adversas, como a aplicação de elevada COV nas primeiras câmaras. Contudo é necessário utilizar essa habilidade do reator com cautela, pois em condições de AI/AP>1, o reator opera próximo da eminência do colapso e as câmaras finais podem ser incapazes de remover os ácidos acumulados, conforme foi verificado nas duas fases de operação. Na Figura 2 são apresentados os valores de DQO da vinhaça afluente ao reator e efluente de cada câmara. É possível observar que a eficiência total de remoção de DQO do reator foi superior a 80% durante todo o período de operação. A eficiência de remoção não dependeu apenas do tempo de detenção hidráulico, pois após a 12ª semana de operação (COVTOTAL= 0,87 kg DQO.m-3.d-1) o reator passou a operar em vazões semelhantes às da primeira fase. Dentre outros fatores esta eficiência inferior de remoção de DQO se deve à concentração de ácidos voláteis nas câmaras, que era maior na fase 2, devido ao residual gerado na fase 1. Embora as últimas câmaras apresentem eficiência de remoção de DQO da ordem de 50% em relação à câmara anterior, a experiência acumulada na primeira fase de operação mostrou que essa situação pode ser alterada repentinamente, com pequenos incrementos de vazão. Ao término da 20ª semana de operação (COVTOTAL = 1,92 kg DQO.m-3.d-1), a concentração de ácidos voláteis no efluente do reator era de 228 mg.L-1 e a eficiência global de remoção de DQO era de 91,8%. CONCLUSÃO O reator apresentou desequilíbrio na produção de ácidos orgânicos com a carga máxima em torno de 2,0 kg DQO.m-3.d-1. A capacidade de operar em condições de AI/AP > 0,3, bem como reverter essa situação, tornam o RAC um modelo promissor a ser empregado no tratamento de vinhaça de cana-de-açúcar.Estudos sobre estratégias de partida e operação serão desenvolvidos, como o emprego de recirculação do efluente tratado, de modo a garantir resultados mais estáveis em cargas orgânicas mais elevadas. REFERÊNCIAS APHA – American Public Health Association; AWWA – American Water Works Association; WEF – Water Environment Federation. Standard methods for the examination of water and wastewater. 21st. Edition. Washington D.C., 2005. 1600 p. Bachmann, A.; Beard, V. L.; McCarty, P. L. (1985) Performance characteristics of the anaerobic baffled reactor.Water Resource, 19, 99-106. Barber, W.P.; Stuckey, D.C. (1999) The use of the anaerobic baffled reactor (ABR) for wastewater treatment: a review. Water Resource, n.33, 1559-1578. BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (2008) Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento sustentável. 1 ed. Rio de Janeiro, 316 p. Braun, R.; Huss, S. (1982). Anaerobic filter treatment of molasses distillery slops. Water Research, 16: 1167-1171. Brown, A.I.T.; Rocha, V.C.; Pires, E.C.; Damianovic, M.H.R.; Del Nery,V. (2011). Influência do carregamento orgânico, hidráulico e recirculação sobre o desempenho de reator UASB empregado no tratamento de vinhaça. In: X LATIN American Workshop and Symposium on Anaerobic Digestion, Ouro Preto, MG, Brasil. Polanco, F.F., Polanco, M.F, Fernadez, N., Urueña, M.A., Garcia, A.G., Villaverde, S. (2001). New process for simultaneous removal of nitrogen and sulphur under anaerobic conditions. Water Research, 35 (4), 1111 -1114. Ripley, L.E.; Boyle, W.C.; Converse, J.C. (1986) Improved alkalimetric monitoring for anaerobic digestion of high-strength wastes. Journal (Water Pollution Control Federation), 58(5), 406-411. Speece, R.E. (1981) - Review – Environmental requirements for anaerobic digestion of biomass. Environmental Studies Institute, Drexel University, Philadelphia Weiland, P; Rozzi, A. (1991) The start-up, operation and monitoring of high-rate anaerobic treatment systems: discussers report. Water Science and Technology, 24, 257-277. COV (kg DQO. m-3.d-1) 10 8 6 4 2 0 1 3 5 7 9 11 13 15 Tempo de operação (Semana) 17 19 Figura 1 - Variação da carga orgânica volumétrica ao longo do experimento (C1: -□-, C2: -∆-, C3: -○-, C4: -◊-, Total: -■-). DQO (mg.L-1) 25000 20000 15000 10000 5000 0 1 3 5 7 9 11 13 15 Tempo de operação (Semana) 17 19 Figura 2- Variação da DQO ao longo do experimento (C1: -□-, C2: -∆-, C3: -○-, C4: -◊-, Bruta: -■-).