Cap. 2 - LMC
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Cap. 2 - LMC
História, Análise e Projeto das Estruturas Retesadas Ruy Marcelo de Oliveira Pauletti 2 HISTÓRIA Estruturas retesadas, sejam coberturas ou pontes, acompanham o homem desde os primórdios da civilização. De acordo com SHAEFFER [1994], depois das cavernas, a tenda é a mais antiga forma de moradia, existindo evidências de abrigos feitos com peles e ossos de mamute, com mais de 40.000 anos, na Ucrânia. Por sua vez, SALVADORI [1990] abre seu livro Why Buildings Stand Up observando que “comparada com outras atividades humanas, a arquitetura é uma arte jovem, que teve seu início apenas há 10.000 anos, quando os homens, tendo descoberto a agricultura e a vida doméstica, puderam deixar de vagar pela terra em busca de comida. Até então, os homens estiveram sempre expostos às intempéries, precariamente protegidos por tendas de peles de animais. Perpetuamente em mudança, cozinhavam em fogueiras e reuniam-se em pequenas tribos. Tudo mudou quando os homens se tornaram sedentários. As tendas foram suplantadas por moradias mais consistentes, e uma lareira permanente tornou-se o centro da casa (o lar). Povoados cresceram. De povoado a povoado uma rede de caminhos nasceu. Às vezes, estes caminhos deviam cruzar rios ou ravinas, requerendo a construção de pontes feitas de troncos ou suspensas por cordas ou fibras vegetais”. Paradoxalmente, embora as estruturas retesadas sejam talvez o mais antigo e espontâneo sistema estrutural, a sua forma atual é um fenômeno recente. As manifestações relevantes requerem materiais, técnicas de construção e teorias sofisticadas, disponíveis desde há apenas um século –ou mesmo desde há poucas décadas, no caso dos materiais sintéticos, dos cabos de aço de alta resistência e das simulações computacionais necessárias ao projeto. Neste capítulo, dispõe-se a resenhar a história da evolução das estruturas retesadas, sem a pretensão de exaustão do tema ou da bibliografia disponível1. Procura-se –tão somente– oferecer ao leitor um feixe de notas, ora descritivas (seguindo a linha do texto clássico de DREW [1979] ou daquele mais recente de SGUERRI [1995]), ora mais conceituais e sintéticas (como se dá no trabalho de FORSTER [1994] ou no livro de IRVINE [1981]). Ocorre com freqüência que o estudo da história da engenharia em geral, e das estruturas retesadas em particular, se dê na forma de compilações das conquistas técnicas, como a primeira ou a maior estrutura da um certo tipo ou com um certo material. Segundo ADDIS [1994], porquanto seja relevante 1 Há uma série de obras de referência, no que diz respeito à história das estruturas retesadas. Este trabalho baseou-se em uma seleção algo restrita, dentro da qual destacam-se os livros de Philip Drew, “Tensile Architecture” [DREW, 79], Max IRVINE, “Cable Structures” [IRVINE, 1981], Daniel L. Shodek, “Structures” [SHODEK, 1992], e Lorena SGUERRI, “Storia e Tecnica delle Tensostrutture: Dai Ponti Sospesi alle Architetture in Legno Lamellare” [SGUERRI, 1995], além dos trabalhos de David P. Billington [BILLINGTON, 1977, 1990], [BUONAPARTE, 1992], William C. Knudson [KNUDSON, 1991], Brian Forster [FORSTER, 1994], William ADDIS [ADDIS, 1994] e R.E. Shaeffer [SHAEFFER, 1994]. 7 esta abordagem, ela escamoteia o que é de fato importante, isto é, a crítica dos conceitos e procedimentos de projeto. Apesar de se reconhecer a superioridade de uma abordagem conceitual, confessa-se a relutância em descartar a profusão de eventos, dados e opiniões interessantes que surgem durante um estudo – breve que seja– de um campo tão instigante. Opta-se aqui por algo intermediário, parte conceitual, parte descritivo. Em muitos casos, procura-se enviar informações adicionais para notas de rodapé. Procura-se, no entanto, conferir suficiente fechamento ao texto principal para que estas notas possam ser omitidas, em uma primeira leitura. 2.1 TENDAS Praticamente todos os povos nômades das regiões áridas e estépicas do mundo fizeram –e fazem– uso de tendas como moradias. Dentre as tendas nômades, destaca-se a tenda negra do Oriente Médio, a qual, por ter sua rigidez garantida pela protensão do tecido de cobertura, é o tipo que mais se aproxima, em termos de forma e de funcionamento estrutural, das tendas protendidas do século XX. Originária da região entre o Irã e o Tibete, a tenda negra disseminou-se pelo Oriente Médio e norte da África durante as invasões árabes do século VII, até alcançar, no século XVI, sua região de influência atual, do noroeste da África até o leste do Tibete. Sua transformação, de uma forma armada inicial para uma forma protendida, foi uma adaptação aos fortes ventos que assolam essas regiões. A mudança foi possível pela substituição da cobertura de peles por tecidos de pêlo de cabra ou dromedário, suficientemente resistentes para permitir o tracionamento. O sistema de protensão do tecido, que emprega dois mastros cruzados apoiando um assento curto (sobre o qual passa ainda, nas tendas maiores, um cabo de cumeeira) determina a morfologia da tenda negra, caracterizada por uma corcova central. Nas culturas urbanas, por outro lado, as tendas sempre foram empregadas em atividades transitórias ou móveis, como as campanhas militares, os circos, as festas campestres. É de se supor que todas as culturas urbanas tenham feito uso de tendas. Os primeiros registros são fragmentos iconográficos dos assírios (circa 3000 a.C.) e egípcios. Também os exércitos persas que guerrearam contra os gregos usavam tendas luxuosas2. Por intermédio dos gregos, o uso das tendas transmitiu-se para os romanos. As primeiras tendas romanas eram cilindro-cônicas, suspensas por um único mastro central. Posteriormente, surgiu o papilio (borboleta), tenda militar de planta retangular, cuja nome 2 Os gregos comemoraram a captura da tenda de Xerxes em 479 A.C., na batalha de Plataea. Alexandre celebrou a queda de σχηνη , originou-se por volta de 480 AC, reforçando a noção de que a tenda foi apropriada pelos gregos a partir das invasões persas. Inicialmente, σχηνη pode ter Susa, em 331 A.C., na tenda do rei persa derrotado. A palavra grega para tenda tido uma conotação exótica, soando como uma palavra persa, mas com o tempo passou a ser aplicada aos cenários do teatro Odeon e finamente passou a denominar teatro (skene) [DREW , 1979]. 8 decorre da particular forma de dobragem3. Os romanos notabilizaram-se ainda pela construção de coberturas de linho, chamadas de velaria, para espaços e eventos públicos. A aplicação mais notável era a das coberturas retráteis dos anfiteatros, onde as velariae eram suspensas por cordas radiais, fixadas a mastros de madeira na borda externa e a um anel interno, também de corda4. O sistema de fixação dos mastros, por meio de olhais entalhados em pedra, é ainda hoje visível nas ruínas dos muitos anfiteatros romanos. Figura 2-1. Tenda negra do Oriente Médio [DREW, 1979]. O uso da tenda na Europa teve um interregno, após a queda do império romano, voltando a disseminar-se a partir do século XII, mas mostrando pouca evolução em relação aos tempos romanos [FORSTER, 1994]. Os pavilhões da idade média assemelhavam-se aos papilii retratados nas colunas de Trajano e Marco, embora não haja certeza se ocorreu uma simples retomada da tradição romana ou se as Cruzadas aportaram uma nova influência do Oriente Médio. Registros iconográficos indicam 3 A cobertura, feita pela costura de peças retangulares recortadas de couro de bezerro, era dobrada em um cilindro em forma de larva, desenrolado e espalhando-se para os lados a partir de uma cumeeira. 4 O Coliseu de Roma, com capacidade para 50.000 espectadores, era protegido no verão por uma tenda de lona com vão de 156 metros [SALVADORI, 1990]. 9 que no século XIII o uso dos pavilhões já havia se disseminado por toda a Europa5. Deste então as tendas tiveram uso ininterrupto, principalmente nas sucessivas campanhas militares que marcaram a história européia, além das festas e eventos públicos6. A última inovação aportada ao pavilhão tradicional foram os mastros múltiplos dos circos itinerantes, que apareceram na Europa e nos Estados Unidos no século XIX, já no início da Revolução Industrial. Figura 2-2. Esquema de uma velaria cobrindo anfiteatro romano [DREW, 1979]. Figura 2-3. Tenda militar romana (papilio) [DREW, 1979]. 5 Curiosamente, os primeiros registros iconográficos dos persas, responsáveis pela introdução da tenda na cultura ocidental, aparecem apenas a partir do século XIV, com representações de tendas e pavilhões ricamente decorados, à maneira de palácios [DREW , 1979]. 6 A tenda européia tradicional teve seu apogeu testemunhado pelos festejos que marcaram o encontro entre os reis da França, Francisco I, e da Inglaterra Henrique VIII em junho de 1520. Segundo [DREW , 1979], tão suntuosos eram as centenas de pavilhões e as vestimentas de ambas as cortes, que o local do encontro, entre Guines e Ardes, foi chamado, a partir de então de “Field of the Cloth of Gold”. 10 Figura 2-4. Field of the cloth of gold. Pintura atribuída a Hans Roest [DREW, 1979]. 2.1.1 A TENDA DE CIRCO E O SURGIMENTO DAS MODERNAS COBERTURAS RETESADAS Segundo ADDIS [1994], o emprego das tendas tradicionais sempre foi limitado por uma série de fatores, como a falta de materiais adequados –cabos e membranas, suficientemente resistentes, imunes ao intemperismo e à relaxação. O fator mais óbvio, porém, é que de fato não havia grande necessidade destas estruturas, antes do surgimento das grandes aglomerações urbanas da era moderna. DREW [1979] popularizou a idéia de que, enquanto as pontes teriam sofrido uma evolução contínua, as tendas teriam ficado praticamente estagnadas, com uso restrito a culturas nômades ou a construções temporárias nas culturas urbanas, e que os modernos sistemas tracionados de cobertura apareceram como uma derivação das pontes, e não como evolução da tenda tradicional. De fato, é inegável a inspiração e a influência tecnológica das pontes suspensas sobre as primeiras coberturas suspensas, surgidas no início do século XIX, como no caso das obras de Bederich Schnirch (que entre 1824 e 1826, na Tchecoslováquia, substituiu por sistemas suspensos as coberturas de teatros e outros edifícios públicos destruídos por um incêndio) e do vão central do Arsenal Naval de Lorient, na França, 1840 (também neste caso, a proposta, do engenheiro francês Laurent, consistia da transposição do sistema estrutural da ponte suspensa, para vencer um vão de 42m). No entanto, FORSTER [1994] aponta para o fato de que já no final do século XIX, os trabalhos do arquiteto russo V.G. Shookov (cujas idéias sobre forma e construção de estruturas retesadas não encontraram paralelo até os anos 50 de nosso século) tomavam o pavilhão de circo, e não a ponte suspensa, como paradigma formal. A consciência da individualidade histórica das tendas é reforçada pelo fato de que, segundo o próprio Drew, a primeira obra histórica sobre as tendas, Tents and Tent 11 Life, from the Erliest Ages to the Present Time, foi escrita em 1858 pelo militar britânico Godfrey Rhodes, não muito tempo após, portanto, que a clássica Memoire de Navier sobre as pontes. Os circos modernos surgiram no início do século XIX, nos Estados Unidos, como forma de entretenimento das populações urbanas. Inicialmente eram eventos sedentários, com as apresentações se dando em grandes salas permanentes. Com a expansão das ferrovias, as companhias de circo americanas começaram a viajar (a partir de 1860), e tornou-se conveniente o uso de pavilhões de lona, que podiam ser facilmente montados e desmontados a cada parada. Uma visita do “First American Railway Circus” a Paris, em 1867, completo com sua tenda e seu aparato técnico, despertou grande interesse do público e levou à formação de grupos móveis na Europa [FORSTER, 1994]. Figura 2-5 - Tenda de circo (“Chapiteu”) [FORSTER, 1994]. As tendas de circo, como o clássico Chapiteu (Figura 2-5), tinham cerca de 50m de diâmetro e eram feitas de lonas de linho ou cânhamo, assemelhando-se aos pavilhões tradicionais. A principal evolução em relação a estes foi a introdução de 4 mastros principais, verticais (King Poles), situados ao redor do picadeiro. A lona era suspensa por estes mastros, apoiando-se no perímetro por uma série de mastros de menor altura. Entre os mastros principais e os perimetrais existia ainda um grupo de mastros intermediários (Queen Poles), inclinados a cerca de 60 graus em relação ao solo, que eram usados para retesar a membrana. Mesmo sendo geometricamente simples, desenvolveu-se toda uma técnica em termos de padrões de corte, juntas e montagens, passada adiante por sucessivas gerações de artesões. A empresa Stromeyer, por exemplo, foi estabelecida em 1872, na Alemanha, e mantém-se atuante até hoje na fabricação de grandes tendas. Foi com Peter Stromeyer que Frei Otto –o criador das modernas coberturas retesadas– iniciou-se no projeto das tendas [SCHAEFFER, 1994]. Inspirado nos grandes circos itinerantes, Shookov apresentou 4 tendas de aço na exibição PanRussa de Nijny-Novgorod, em 1896. Estas tendas eram constituídas de redes flexíveis, feitas com 12 fitas metálicas, sobre as quais eram montadas outras finas chapas metálicas, formando superfícies anticlásticas, não retesadas (Figura 2-6). Alguns autores, como SHODEK [1992] e FORSTER [1994] consideram os pavilhões de Shookhov como o início das aplicações modernas das coberturas suspensas. Sob este prisma, deixa de existir a descontinuidade na evolução das coberturas retesadas, à qual alude DREW [1979]. Figura 2-6 – Tendas de aço da Exposição Pan-russa de 1896 [DREW, 1979]. 2.1.2 A ARENA DE RALEIGH Se os pavilhões de Shookov são reconhecidos como legítimos precursores, é quase consensual apontar a Arena de Raleigh (Figura 2-7), de 1952, na Carolina do Norte, como a pedra fundamental da modernidade das estruturas retesadas. Segundo DREW [1979], nesta obra introduziu-se o princípio de retesamento de superfícies anticlásticas, numa época em que a maior parte dos projetistas pensava em coberturas simplesmente suspensas. A cobertura da Arena de Raleigh, com vão de 95m, 13 consiste de dois conjuntos de cabos de aço, praticamente ortogonais entre si, formando uma superfície parabolóide hiperbólica. Figura 2-7 – Arena de Raleigh [DREW, 1979]. A adoção de uma superfície em sela decorreu provavelmente de uma intenção puramente formal. O arquiteto Matthew Nowicki não só não teria pensado no retesamento da estrutura, como nem ao menos imaginado recorrer a uma rede. SGUERRI [1995] afirma que Nowicki imaginou uma cobertura com cabos catenários paralelos, com flechas variando de modo a aproximar um parabolóide. Nos desenhos de Nowicki, aparecem traços normais ao sistema de cabo previsto, mas sua intenção seria a de reforçar a dupla curvatura da superfície gerada [OTTO, 1958]. Nowicki morreu em 1950 em um acidente aéreo. Os projetistas que lhe sucederam, Fred Severud e W.H. Deitrick, modificaram o projeto inicial, suportando os arcos parabólicos com linhas de pilares esbeltos e –mais importante– recorrendo a uma rede de cabos. Ainda desta vez, porém, o retesamento não teria sido premeditado: a construção iniciou com o sistema de cabos simplesmente suspensos, sendo os cabos transversais acrescentados para facilitar a fixação do revestimento. Foi só então que teria ocorrido aos projetistas que estes cabos transversais seriam capazes de contraventarem os cabos principais. Finalmente, a engenharia formal dava-se conta da grande estabilidade das superfícies anticlásticas retesadas, princípio que as tendas tradicionais já empregavam há muitos séculos. A Arena de Raleigh apresentou problemas estruturais ligados ao fato de ser a cobertura exageradamente plana e leve (30kg/m2), ficando sujeita a drapejamento durante a ocorrência de ventos moderados. A falha foi corrigida com a inserção de molas de amortecimento nas conexões dos 14 cabos, e a adição de estais internos e de material de isolamento acústico na face interna da cobertura. Também foram adicionadas colunas suplementares para suportar os arcos parabólicos [DREW, 1979]. Conforme SGUERRI [1995], o primeiro projeto em que o sistema estrutural da Arena de Raleigh foi usado deliberadamente foi um pavilhão da Suíça para uma feira em Berlim, ainda em 1952. Os projetistas, Hans Stettbacher e Hans Morant haviam lido um artigo de 1951 sobre a Arena de Raleigh, então em construção, em que se discutia o efeito de enrijecimento obtido com o retesamento dos cabos. É importante, neste ponto, ressaltar que alguns dos sucessores imediatos da Arena de Raleigh foram obras brasileiras, como o Pavilhão de Exposições do Rio Grande do Sul, projetado por Borges e Alliana, em São Paulo, 1954 [DREW, 1979], [FORSTER, 1994], ou o Pavilhão de São Cristóvão, projetado por Bernardes e Fragoso, no Rio de Janeiro, em 1960 [MARTINELLI, 1960]. Possivelmente, o primeiro exemplo bem-sucedido de uma rede de cabos anticlástica de borda livre, na forma posteriormente popularizada por Frei Otto7, tenha sido a concha acústica de Melbourne (Figura 2-8), Austrália (1958). As obras mais notáveis do período, no entanto, foram o Estádio de Hokey da Universidade Yale (1958, Severud e Saarinen, Figura 2-9), que introduziu um arco central comprimido, e os estádios de Kenzo Tange (1964, Figura 2-10) para as Olimpíadas de Tóquio de 1966, cujas coberturas foram dotadas de cabos mestres catenários [SALVADORI, 1990], [SHAEFFER, 1994]. 7 Conforme SGUERRI [1995], uma das primeiras aparições de bordas flexíveis data de 1952, em uma cobertura de um pátio de escola em Berlim. No entanto, a cobertura foi em seguida descaracterizada pela aplicação de uma camada de concreto de 3cm de espessura, para estabilização aerodinâmica. 15 Figura 2-8 – Concha acústica Sidney Myer, Melbourne, Austrália (1958) [DREW, 1979]. Figura 2-9 – Estádio de Hokey de Yale, EUA (1958) [SIEGUEL,1966], [DREW, 1979]. 16 Figura 2-10– Estádios das Olimpíadas de Tóquio de 1966 [TANGE, 1978]. 2.1.3 FREI OTTO A constatação, a partir da Arena de Raleigh, de que as superfícies anticlásticas retesadas eram dotadas de grande estabilidade frente aos carregamentos aerodinâmicos influenciou os projetistas do mundo todo, durante as décadas seguintes [ADDIS, 1994]. No entanto, a imaginação arquitetônica encontrava-se severamente limitada pela estreiteza do espectro de formas geométricas que os engenheiros eram capazes de expressar matematicamente, de modo que –à exceção de casos isolados, como a concha acústica de Melbourne– as primeiras estruturas retesadas confinaram-se às formas catenárias, ou aos parabolóides hiperbólicos. O arquiteto Frei Otto visitou, quando estudante, o escritório de Fred Severud em Nova York [SHAEFFER, 1994], onde tomou contato com o projeto da Arena de Raleigh. De volta à Alemanha, e impressionado com o efeito estético da Arena, começou a explorar modelos e gerar empiricamente uma série de superfícies, inicialmente a partir de correntes e cabos tracionados e, após, membranas elásticas, malhas de filó e filmes de sabão. Para frustração de Otto, estas superfícies não encontravam expressão analítica e eram intratáveis por parte dos engenheiros de estruturas8. 8 Otto foi o primeiro a publicar um livro sobre as estruturas retesadas: Das Hängende Dach [OTTO, 1958], onde se ilustravam os resultados obtidos nos anos anteriores [SGUERRI, 1995]. Logo em seguida, em 1962, foi realizado o primeiro congresso específico sobre o tema (“Hanging roofs, metallic shell roofs and superficial latice roofs” IASS (International Association for Shell and Spatial Structures), Paris, 1962 [BUCHHOLDT, 1970]. Uma relação dos congressos realizados sobre o tema, até 1991, é dada por KNUDSON [1991]. 17 Figura 2-11– Frei Otto. Pavilhão de música em Kassel , 1955 [VANDENGERG, 1996]. As obras seminais de Otto, durante os anos 50, consistiram de pavilhões transitórios, de lona, para exposições em feiras européias (Figura 2-11). As dimensões e as formas pontiagudas das tendas da Feira de Lausanne (1964) impediam uma confecção exclusivamente de tecido, levando Otto a optar por um novo sistema estrutural, combinando tecidos e cabos. O comportamento do novo sistema não foi de todo satisfatório, pois a membrana apresentou rugas, mas o efeito estético revelado serviu de estímulo para a proposta da cobertura do Pavilhão Alemão da EXPO67 de Montreal (Figura 2-12), primeiro trabalho de grande escala e caráter permanente de Otto9. Foi esta obra que, no entender de DREW [1979], marcou a consolidação da moderna “tensoarquitetura”, na forma das superfícies anticlásticas retesadas. Foi ainda durante o projeto do pavilhão de Montreal que, segundo ADDIS [1994], Otto optou por um procedimento de projeto radicalmente novo, baseada no desenvolvimento de modelos protótipos a partir dos quais a geometria e os padrões de corte eram determinados. O problema de como escalar as tensões e deformações foi também tratado empiricamente, iniciando com a construção de estruturas de pequenos vãos, e crescendo paulatinamente em audácia. Uma vez criadas as estruturas de Otto, os engenheiros ficaram desafiados a calculá-las. 9 Conforme SGUERRI [1995], o Pavilhão Alemão de Montreal, depois da exposição, foi cedido pelo governo alemão ao Canadá e tornou-se um parque de jogos para crianças, até 1972. Quando já havia sido decidida sua demolição, houve um problema de acúmulo de neve e a ruptura de um cabo, fazendo cair um pilar e parte da cobertura. O restante da estrutura, no entanto, acomodou-se a uma nova configuração estável, ligeiramente diferente da original. 18 Figura 2-12 – Pavilhão Alemão da EXPO67, Montreal [FORSTER, 1994]. DREW afirma ainda que a cobertura do Estádio Olímpico de Munique (1972, Figura 2-13) –a maior e mais permanente das estruturas projetadas por Otto– pouco acrescentou a Montreal, em termos de significância arquitetônica. Como quer que seja, foi esta obra que, via transmissões televisivas, marcou indelevelmente as feições das estruturas retesadas no imaginário de nossos tempos. Foi ainda com esta obra que se iniciou a modernidade da engenharia das estruturas retesadas. Com efeito, pela primeira vez uma cobertura de cabos retesados foi projetada baseando-se em modelos matemáticos, em lugar da técnica anterior de modelagem física, por demais morosa [LEONHARDT, 1972]10. Em um certo sentido, no entanto, o procedimento de Otto não foi modificado, ocorrendo uma substituição de protótipos físicos por protótipos virtuais. Em essência, trata-se ainda assim de um tipo de estrutura em que, ao contrário das demais, a forma não é um dado para o cálculo, mas uma incógnita a determinar. 10 O projeto da cobertura do Estádio Olímpico de Munique foi realizada em colaboração pela firma Behnish & Partner, o Instituto para Estruturas Leves (liderado por Frei Otto) e os consultores Leonhardt & Andra, todos de Stuttgart. Inicialmente pequenos modelos construídos com uma malha de poliéster, arames para os cabos e barras para os mastros foram usados para a determinação básica das formas. As imprecisões dos modelos físicos, em termos da determinação do estado de retesamento dos cabos, levaram a se adotar, pela primeira vez na história das estruturas retesadas, um modelo de elementos finitos, desenvolvido por J.H. Argyris, D.W. Scharpf e Th. Angelopoulos [ARGYRIS, 1974]. Uma descrição dos detalhes estruturais da cobertura, que empregou aproximadamente 210 km de cabos, é dada em [LEONHARDT, 1972]. 19 Figura 2-13 – Estádio Olímpico de Munique. (a) vista interna; (b) detalhe de coluna de sustentação [FORSTER, 1994]; (c) vista panorâmica [NEWHOUSE, 1992]. 2.1.4 APÓS OTTO: ATUALIDADE Com a pronta divulgação dos trabalhos de Otto e a realização de diversos congressos internacionais, muitas estruturas retesadas notáveis sucederam-se então para a cobertura de espaços amplos como pavilhões de exposições, igrejas e estádios desportivos. Dentro dos objetivos deste trabalho, uma resenha abrangente seria impraticável. À guisa de exemplificação, citam-se, dentre as coberturas em redes de cabos, o Palácio dos Esportes de Milão (1974), o Estádio de Hockey de Calgary (1983) e o Palácio dos Esportes de Atenas (1985). Relações detalhadas são dadas por KNUDSON [1991], FORSTER [1994], MAJOWIECKI [1994], SGUERRI [1995] e SHAEFFER [1994]. O arquiteto italiano Massimo Majowiecki é o responsável pela engenharia de algumas obras significativas, destacando-se a membrana de poliéster para a Grande Feira de Milão de 1986, que serviu de cobertura para a 20 Piazzale Roma (Figura 2-14). Um vão livre de 120m foi obtido por meio de uma estrutura de cabos suspensos que sustentavam cabos de cumeeira da membrana, recordando o sistema estrutural das pontes suspensas. Outras obras notáveis de Majowiecki são as coberturas dos estádios de Turim (Figura 2-15) e Roma, construídas em 1990 para a Copa do Mundo da Itália. Em ambos os estádios, usaram-se variações de treliças de cabos, tracionados no perímetro interno da cobertura por cabos de borda. No caso do estádio de Turim, as treliças de cabo eram ancoradas externamente a cavaletes estaiados e o revestimento era feito com chapas metálicas corrugadas. A estrutura apresentava ainda duas redes de cabos, cobertas por membranas de Teflon com 60% de translucidez. No caso do Estádio Olímpico de Roma, as treliças de cabos eram vinculadas externamente a uma treliça espacial anular, constituída por módulos piramidais, por sua vez compostos por membros tubulares. A cobertura era composta por módulos de membranas de Teflon reforçado com fibra de vidro. Figura 2-14 − Cobertura da Piazzale Roma, Milão (1986) ) [MAJOWIECKI, 1994]. Figura 2-15– Estádio dos Alpes de Turim (1990) [MAJOWIECKI, 1994]. 21 Um sistema inovador de conexões11, permitindo a distorção dos ângulos entre os cabos durante a ereção, foi empregado nas as paredes onduladas do Pavilhão Alemão para a EXPO'92 (Figura 2-16), em Sevilha, cuja cobertura era constituída por uma lente pneumática anular, de planta elíptica, sustentada por estais fixados a um único mastro central (Figura 2-62). A EXPO'92 ficou fortemente marcada pelo emprego de estruturas retesadas. Mereceram ainda destaque as cobertura dos portões de entrada: a “Diadema” e a “Oleada” (Figura 2-17). A Diadema empregava uma membrana porosa, para minimizar as cargas de vento sobre a estrutura, a qual atingia uma altura de 55m, com um vão de 77m. A membrana era reforçada por uma rede de cabos de espaçamento constante em uma direção e variável na outra, de modo a manter a tração constante. A membrana foi levemente retesada, funcionando simplesmente como revestimento. Já a Oleada empregava uma membrana mais intensamente retesada, reforçada por cabos que, no entanto, tinham como principal função, a sustentação dos arcos tubulares centrais da estrutura [BARNES, 1994]. A maior cobertura em membranas até o presente é o Terminal de Passageiros de Jeddah (Figura 2-18), na Arábia Saudita, projetado pela firma Skidmore-Owings-Merril, tendo Horst Berger como consultor. A estrutura, completada em 1981, consiste de 210 módulos de membranas quase cônicas, com base quadrada, de lado 45m, cobrindo aproximadamente 470.000m2. Berger, antigo parceiro de David Geiger e Walter Bird, trabalhou como consultor de um grande número de outras obras notáveis, algumas das quais são relacionadas por BERGER [1994A, 94B] e por SHAEFFER [1994]. Dentre estas, vale a pena mencionar o estádio do Rei Fahd, também na Arábia Saudita (Figura 2-19), com diâmetro de 288m, e consistindo de 24 módulos, cada um sustentado em seu centro por um pilar com 60m de altura e 2m de diâmetro. Mais recentemente, junto com a firma Severud Associates, Berger foi o responsável pela criação da cobertura de membrana do Aeroporto de Denver (Figura 2-20) [BERGER, 1994B, 1996], [BROWN, 1994]. A estrutura, completada em 1993, é composta de duas camadas de fibra de vidro recoberta com Teflon, espaçadas de 60cm, para efeito de isolamento térmico e acústico, cobre uma área de 140.000m2. Segundo SHAEFFER [1994], muitos viram o Aeroporto de Denver como uma prova de fogo para as grandes coberturas em membrana retesada, uma vez que a obra responde a condições muito aversas, tanto de serviço como climáticas. Também a flexibilidade intrínseca aos sistemas retesados é um fator que limita suas possíveis aplicações. Conforme observa BRADSHAW [2002], “este atributo, experimentado por qualquer um que já tenha caminhado sobre um trampolim, é a razão pela qual os sistemas de membranas retesadas são quase que exclusivamente empregados como fechamentos de edificações, particularmente coberturas, e não plataformas ou pisos”. Neste sentido, merece destaque a membrana de fechamento do átrio do Hotel Burj Al Arab, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (Figura 2-21), que oferece um magnífico exemplo das possibilidades da extensão do uso das membranas, das coberturas para as 11 Empregado originalmente no anfiteatro Radolfzell Concert Sail [BARNES, 1994]. 22 paredes. Projetado pela companhia inglesa WS Atkins, com uma altura total de 321m, era, à inauguração (dezembro de 1999), o 15o edifício mais alto do mundo, e o recordista em altura entre as instalações hoteleiras. A parede retesada, com um máxima dimensão horizontal de 58m e altura de 180m, é constituída por duas membranas de fibra de vidro recoberta por Teflon, distanciadas de meio metro. O retesamento é proporcionado por arcos metálicos treliçados, dispostos em planos horizontais, com vãos de até 50m, e flechas de até 13m. Além da dramaticidade visual, a escolha foi decorrente da necessidade de moderar a umidade, a salinidade e o calor local (até 45 oC no verão) , além de oferecer ao átrio do hotel uma luz difusa de alta qualidade arquitetônica [WAKEFIELD, 1999] [BSJ, 2000, 2001/A]. Também é interessante o edifício de 40m de altura que serve de invólucro para os foguetes expostos no National Space Center, localizado em Leicester, Inglaterra. O prédio, inaugurado em junho de 2000, é constituído por uma estrutura metálica tubular à qual são fixadas lentes pneumáticas produzidas com filmes de ETFE (Figura 2-22). O projeto arquitetônico é de autoria da firma Grimshaw & Partners, e a engenharia ficou a cargo da empresa Over Arup & Partners [GADOLA, 2002], [BSJ, 2001/C]. Ainda outra estrutura notável, construída para as festividades da passagem dos anos 1999 e 2000 é o Domo do Milênio, localizado em Grenwich, Londres (Figura 2-23). A estrutura consiste de uma rede de cabos retesados, suportados por uma série de estais que irradiam desde 12 mastros metálicos de 100 metros de altura. A membrana de cobertura, de dupla camada, é feita com Teflon reforçado com fibra de vidro. O Domo tem 320m de diâmetro e 50m de altura no centro. A arquitetura é de Richard Rogers e a engenharia de Buro Happold. (a) Vista externa (b) Vista interna Figura 2-16 – Pavilhão Alemão na EXPO 92 [BARNES, 1994]. 23 Figura 2-17− “Diadema” e “Oleada”. Portões de acesso à EXPO92 em Sevilha [FORSTER, 1994]. Figura 2-18 − Terminal de Passageiros de Jeddah Arábia Saudita, 1981 [FORSTER, 1994]. Figura 2-19 − Estádio Rei Fahd, Riad, Arábia Saudita [FORSTER, 1994]. 24 Figura 2-20 − Aeroporto de Denver (1993) [BERGER, 1996]. Figura 2-21 –Chicago Beach Tower, em Dubai (Emirados Árabes Unidos [BSJ, 2000, 2001A]. 25 Figura 2-22 - Edifício do National Space Center, Leicester [GADOLA, 2002] Figura 2-23 − Domo do Milênio, Londres (1999). Cobertura completa e sistema de cabos. Fotos de divulgação. 26 2.1.5 COBERTURAS DE CABOS E MEMBRANAS NO BRASIL No Brasil, a ocorrência das estruturas retesadas sempre foi relativamente pequena. Não obstante, alguns dos sucessores imediatos da Arena de Raleigh foram obras brasileiras, como o Pavilhão de Exposições do Rio Grande do Sul em São Paulo, projetado por A. Borges e R.C. Alliana em 1954 [DREW, 1979]. Construído por ocasião dos festejos do Quarto Centenário da cidade de São Paulo, tinha uma cobertura parabolóide hiperbólica de curvatura pronunciada, composta por dois conjuntos de cabos retesados, transversais entre si, cobrindo uma área de planta retangular (102m x 60m) e um pé direito máximo de 20 m [ACRÓPOLE, 1954], [FORSTER, 1994]. Outra obra notável foi o pavilhão principal da Exposição Internacional de Indústria e Comércio de 1960, situado no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro (Figura 2-25). Projetada por Sérgio Bernardes e Paulo Fragoso, a obra foi executada por Severo & Vilares S.A. A cobertura era constituída por uma rede de cabos de aço de ½‘’ e 1’’, recoberta com placas de alumínio.O trabalho de retesamento da rede de cabos foi coordenado pelo Prof. Dante A.O. Martinelli, do Departamento de Estruturas da Escola de Engenharia de São Carlos (USP). Com uma planta elíptica, com eixos medindo 250m e 165m, o pavilhão ostentou, à época, o recorde mundial de área coberta livre (32.000 m2)12 [MARTINELLI, 1960]. Nas últimas duas décadas, ocorreu o advento de uma série de empresas nacionais com condições de oferecer ao mercado estruturas de membranas retesadas para vão pequenos e médios. Muitas obras formalmente interessantes tem sido então propostas. As características do mercado brasileiro são tais contudo, que as obras existentes são propostas usualmente com materiais mais baratos, e de menor desempenho, que aqueles empregados nos países mais avançados neste campo. De todo modo, observa-se um interesse crescente por parte do público e da comunidade técnica nacional. O “I Simpósio Nacional sobre Tensoestruturas”, realizado em São Paulo em maio de 2002, organizado pela Escola Politécnica e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo [ISNT, 2002], reuniu cerca de quinhentos participantes, entre pesquisadores, projetistas, estudantes e fornecedores de materiais ligados à área das estruturas retesadas13. Além de uma radiografia do que vem sendo feito neste campo, em nível nacional, tanto na acadêmica como mercado, o evento possibilitou, pela primeira vez, o encontro do grande público com alguns dos projetistas de maior relevo internacional, como Frei Otto, Massimo Majowiecki, Todd Dalland, Vinzenz Sedlak e Balthazar Novák. 12 Após a Exposição de 1960, o pavilhão de São Cristóvão abrigou, durante muitos anos, feiras diversas, tendo passado finalmente a servir de depósito para artigos do carnaval carioca. Dois grandes incêndios, alimentados pelo material destes artigos, levaram à ruína da cobertura. Atualmente (2002), o pavilhão sofre reformas para a construção de diversos quiosques, mas ainda não existem definições sobre a reconstrução da cobertura. 13 Uma minuta do relatório técnico-científico do ISNT é apresentada ao final deste trabalho. 27 Figura 2-24 - Pavilhão do Rio Grande do Sul- IV Centenário de São Paulo (1954) [ACRÓPOLE, 1954]. Figura 2-25 - Pavilhão da Exposição Internacional de Indústria e Comércio. Campo de São Cristóvão, RJ, 1960 [MARTINELLI, 1960]. 28 2.2 PONTES Assim como as tendas, também as pontes pênseis flexíveis encontram-se entre as estruturas mais antigas desenvolvidas pelo homem, com registros na China, Índia e América do Sul. Embora a maioria dessas pontes fosse de cordas, feitas de cânhamo ou bambu, há registros de pontes usando correntes de ferro feitas na China desde dois séculos antes da era cristã [FORSTER, 1994]. Um belíssimo exemplo das pontes catenárias chinesas de corrente metálica é a ponte Chi-Hung, sobre o rio Mekong, com um vão de 74m, construída por volta de 1470. É possível que as pontes pênseis européias tenham sido inspiradas pelas pontes de ferro chinesas, conforme cogita DREW [1979]. Entretanto, SGUERRI [1995] observa que as primeiras descrições das pontes chinesas chegaram à Europa por volta da segunda metade do século XVII, posteriormente, portanto, aos dois esquemas publicados em 1617 por Faustus Verantius, em seu Machinae Novae. Os esquemas de Verantius, constituíam provavelmente aperfeiçoamentos das pontes de corda usadas pelos militares franceses (das quais se tem registro desde 1515) e surpreendentemente antecipavam a forma das modernas pontes pênseis e estaiadas, consolidadas apenas nos séculos XIX e XX. Apesar dos desenhos visionários de Verrantius (e também do esquema de Immanuel Loscher, de 1784, para uma ponte estaiada de madeira) as primeiras pontes suspensas ocidentais, assim como suas predecessoras chinesas, foram passarelas catenárias suspensas por correntes de ferro. Segundo estes autores, a primeira foi construída sobre o rio Oder, pela Armada Saxã, em 1734, seguida pela Winch Bridge, sobre o rio Tees, na Inglaterra, de 1741. Figura 2-26. Ponte sobre o rio Mekong . Vão de 74m, construção circa 1470 [DREW, 1979]. 29 Figura 2-27. Esquemas de Faustus Verantius para pontes suspensas e estaiadas [DREW, 1979] [SGUERRI, 1995]. Figura 2-28. Esquema de Immanuel Loscher, para uma ponte estaiada de madeira (1784) [SGUERRI, 1995]. Figura 2-29. Winch Bridge, sobre o rio Tees (1741) [SGUERRI, 1995]. 30 A história das modernas estruturas retesadas inicia com a Revolução Industrial. Com efeito, a acelerada urbanização, o acúmulo de capitais, o surgimento das indústrias e os avanços tecnológicos dos séculos XVIII e XIX tanto geraram demanda por pontes e grandes espaços cobertos como possibilitaram o desenvolvimento de teorias, métodos de fabricação e de construção, e materiais estruturais de tal sorte superiores ao estado tecnológico precedente que também as estruturas retesadas passaram por verdadeira revolução. 2.2.1 PONTES PÊNSEIS No início do século XIX, os construtores de pontes, como James Finley, nos Estados Unidos, e mais tarde Thomas Telford e Kindon Isombard Brunel, na Inglaterra, passaram a explorar a grande resistência e a trabalhabilidade do ferro forjado, fabricando correntes metálicas de grande eficiência estrutural [FORSTER, 1994]. O sistema estrutural das primeiras pontes pênseis apresentava vantagens de custo, facilidade de construção e capacidade de vencer vãos, em relação aos demais tipos de pontes da época. No entanto, o tabuleiro catenário era inadequado à passagem de veículos pesados, tanto pela curvatura como pela flexibilidade frente aos carregamentos concentrados. O problema foi resolvido por Finley, que em 1796 construiu a primeira ponte suspensa de tabuleiro rígido plano, capaz de suportar o tráfego veicular sobre um riacho da Pensilvânia (Jacob's Creek). O novo sistema estrutural logo se difundiu para a Inglaterra e daí para toda a Europa. Telford construiu a ponte sobre o estreito de Menai em 1826, a qual, com um vão recorde de 177m, cristalizou a forma da moderna ponte suspensa14 (Figura 2-30). À época da construção da ponte de Menai, Claude Louis Marie Henri Navier foi enviado pelo governo francês à Inglaterra, para estudar as pontes inglesas. O resultado de suas pesquisas, publicado em 1823, investigava tanto a história como a teoria das pontes suspensas15. O trabalho de Navier perdurou por mais de 50 anos como a obra máxima sobre pontes suspensas, 14 A primeira ponte moderna na Inglaterra foi, provavelmente, a ponte Union's Bridge, construída por Samuel Brown e completada em 1820. A ponte de Menai foi projetada nos anos 1817-18 mas completada somente em 1826. Segundo [SGUERRI, 1995], para o projeto da Ponte de Menai, Telford baseou-se em uma série de experimentos, conduzidos em colaboração com Brown, que usou estes e outros estudos posteriores para construir a Union's Bridge. A maioria dos autores, BUONAPARTE [1993] e SGUERRI [1995], reporta a ruína da Union's Bridge seis meses após a inauguração, sob a ação de um forte temporal. Esta informação é, porém, contestada por [PURI, 1993], segundo o qual a Union's Bridge sobrevive até hoje, sendo provavelmente a ponte suspensa mais antiga ainda em uso no Ocidente. Conforme este autor, o erro histórico foi introduzido por Navier. Também a ponte de Menai, embora também tenha sido freqüentemente danificada pelo vento [DREW , 1979], continua operacional até hoje, tendo sido por muitos anos a única ligação entre Wales e a ilha de Anglesey, até a abertura da vizinha Britannia Bridge. A ponte de Menai foi reformada recentemente (1993), voltando a ser capaz de suportar tráfego pesado [NICHOLSON, 1996]. 15 “Rapport à Monsier Becquey, conseiller d'état, directeur général des ponts et chausées et des mines; et memoire sur les ponts suspendus”, 1823 [BILLINGTON, 1990]. 31 segundo SGUERRI [1995]16. As pontes inglesas e a Memoire de Navier estimularam a construção de novas pontes pênseis, por toda a Europa, numa rápida sucessão de recordes de vão. Das pontes do final do século XIX, destacaram-se as pontes americanas de John Roebling: a ponte sobre o Niagara (1855) e a ponte do Brooklyn (1883 - Figura 2-31), com as quais consolidaram-se os novos métodos construtivos, desenvolvidos originalmente na França, empregando cabos de fios metálicos trançados, ao invés de correntes17. Novos recordes significativos de vão somente viriam a ocorrer décadas após, com as pontes George Washington (1931 - Figura 2-32) e Golden Gate (1936 - Figura 2-33). Depois disso, o colapso da ponte de Tacoma inibiu o crescimento dos vãos, o que só veio a ocorrer novamente duas décadas após, com a ponte sobre o Estreito de Verrazano (1964). Figura 2-30. Ponte sobre o estreito de Menai (1826, vão livre 177m) [BILLINGTON, 1983]. 16 Ironicamente, sua experiência como construtor foi bem mais fugaz: a única ponte suspensa construída por Navier teve um fim melancólico. Em geral, os historiadores (por exemplo, Drew [1979] e SGUERRI [1995]) limitam-se a comentar que a Ponte dos Inválidos, sobre o rio Sena, em Paris, desmoronou durante a construção. No entanto, mais detalhes são dados por ROMARO [1993]: no outono de 1826, pouco antes do seu término, verificaram-se danos de pequena monta próximos às ancoragens das correntes de suspensão. Embora os defeitos pudessem ser facilmente reparados, o empreiteiro da obra faleceu, os reparos não vieram e um grupo de opositores a Navier conseguiu assim um pretexto para a demolição completa da ponte. Romaro vincula o desgosto decorrente desse fato à morte prematura de Navier, em 1836, com 50 anos de idade. 17 Marc Sequin construiu a primeira ponte suspensa com cabo de fios metálicos, no período 1824–26, e Louis Vicat inventou o método de enrolar os cabos in situ, em 1829. A introdução dos métodos franceses de construção nos Estados Unidos se deve a Charles Ellet, americano que visitou a França em 1830-32. Ellet construiu a primeira ponte suspensa americana de cabos trefilados, a ponte Fairmount, em 1849. Ainda em 1849, Ellet completou a ponte Wheeling, sobre o Rio Ohio, com um vão recorde de 331m. Esta ponte foi destruída por uma tempestade em 1854, chamando a atenção, entre outros, de Roebling, que então construía a ponte sobre o Niagara [DREW , 1979], [BILLINGTON, 1990], [SGUERRI, 1995]. 32 Figura 2-31. A Ponte do Brooklyn (Nova Iorque, 1883, vão livre 486m) (foto de divulgação, feita em período inferível). Figura 2-32. Ponte George Washington (Nova Iorque, 1931, .vão livre 1067m) (foto de divulgação). Figura 2-33. Ponte Golden Gate (São Francisco, 1936, vão livre 1281m) (foto de divulgação). 33 2.2.2 DA PONTE GEORGE WASHINGTON À PONTE DE TACOMA Uma característica marcante das pontes pênseis ao longo de toda a sua história foi sua suscetibilidade ao vento. As vibrações induzidas pelo vento já haviam sido noticiadas no início do século XIX, e o efeito passou a ser combatido principalmente por meio do enrijecimento do tabuleiro18. Com a redução dos efeitos dinâmicos, os projetos passaram a guiar-se basicamente pelo comportamento estático. Assim, paralelamente à construção das grandes pontes pênseis do século XIX, desenvolveram-se teorias acerca de seu comportamento estático, todas derivadas da Memoire de Navier. A teoria de Rankine, de meados do século XIX, considerava que o tabuleiro não se deformasse, simplesmente transferindo os carregamentos adicionais uniformemente para todo o cabo, suposto parabólico e inextensível. A teoria elástica, que admitia que o tabuleiro equilibrasse por flexão parte dos carregamentos adicionais, foi obra principalmente de Josef Melan (1888) e David B. Steinman (1913, 1929). A mais sofisticada teoria da deflexão, também elaborada por J. Melan em 1888, levava em conta, além da rigidez à flexão do tabuleiro, também o efeito –desconsiderado pelas teorias de Rankine e elástica– de os cabos ajustarem-se à funicular dos carregamentos. Sob estas hipóteses, verificava-se que deformações devidas a carregamentos adicionais eram inversamente proporcionais ao carregamento permanente. Este fato levou os principais projetistas americanos – Ammann, Steinman e Moisseiff– a projetarem as pontes subseqüentes praticamente sem enrijecedores do tabuleiro, uma vez que os cabos tornavam-se, com o crescer dos vãos –e conseqüentemente dos carregamentos permanentes– relativamente mais rígidos aos carregamentos adicionais [GRAVINA, 1951], [BILLINGTON, 1977], [BUONAPARTE, 1993]. Passou-se então a considerar que, a partir de um dado vão, as pontes seriam intrinsecamente estáveis, prescindindo de qualquer forma de enrijecimento. Mas esta nova tendência de projeto teve um desfecho dramático, com o colapso da ponte de Tacoma, próximo a Seattle, no dia 7 de novembro de 1940 (Figura 2-34). No entender de ADDIS [1992], o acidente representou a “quebra de um paradigma” e a conseqüente “revolução de projeto” das pontes pênseis e, por extensão, de todas as estruturas retesadas19. PETROSKI [1994] especula sobre a existência de um ciclo de “progresso– audácia–desastre–reflexão–progresso”, com um período de 30 anos, suficiente para que uma geração de engenheiros deixe de transmitir à seguinte a experiência de projeto duramente adquirida pela geração anterior. 18 M.I. Brunel teria sido, segundo SGUERRI [1995], o primeiro a se interessar pelos problemas de enrigecimento do tabuleiro, como medida contra as ações dos ventos, construindo em 1823 uma ponte pênsil com cabos de contraventamento, em uma colônia francesa no Oceano índico. 19 ADDIS [1992] toma por empréstimo as idéias de paradigma e “revolução científica” da filosofia da ciência de Thomas Kuhn [KUHN, 1970]). 34 ADDIS [1992] dá um relato bastante detalhado dos eventos ligados ao colapso da ponte de Tacoma. Os problemas com a ponte ficaram evidentes já à época da construção. Uma vez em uso, a ponte logo ganhou o apelido de “Galloping Gertie”, por parte dos moradores de Tacoma20. Figura 2-34. Ponte de Tacoma instantes antes do colapso [PETROSKI, 1995]. Três meses após a inauguração, acrescentaram-se estais para enrijecer os vão laterais, na esperança de diminuir as vibrações do vão principal. A medida foi infrutífera, e a ponte colapsou espetacularmente21, após experimentar oscilações torcionais do tabuleiro (à freqüência de 0,095Hz), provocadas por um vento de intensidade constante e moderada (velocidade de cerca de 70km/h). Toda a comunidade de engenharia foi então jogada em um estado de crise: uma metodologia consagrada para o projeto de pontes havia falhado por uma razão “desconhecida” (na verdade, preocupações com a estabilidade aerodinâmica já eram expressadas, mas em geral desconsideradas no projeto) apresentando um modo de falha não considerado pelos projetistas. Como se sabe, a ponte de Tacoma atingiu uma situação aerodinâmica crítica, da qual distavam as pontes anteriores – em parte por acaso, em parte por medidas deliberadas, tomadas pelos projetistas com base na intuição fornecida por observações empíricas [PETROSKI, 1994]. Segundo ADDIS, durante a construção da ponte de Tacoma, já circulava entre a comunidade de engenharia a informação de que outras pontes recentemente construídas sofriam oscilações devidas ao vento. A partir daí, constatou-se que o fenômeno atingia também outras pontes mais antigas, 20 Um editorial do Tacoma Times, logo após a inauguração da ponte comentava jocosamente o pedágio cobrado [FULLER, 1996]: “There is no truth to the rumor that part of the Narrows Bridge toll is for the scenic railway effects. The charge is for crossing only and the bounce is free”. 21 As famosas filmagens do colapso da Ponte de Tacoma foram feitas por um cinegrafista de Tacoma, Barney Elliott [ROYLANCE, 1996]. 35 sendo via de regra negligenciado. Também já havia consciência de que um vento estacionário era capaz de provocar oscilações, mas as causas do fenômeno não eram compreendidas pelos projetistas. O estudo do comportamento dinâmico de Tacoma, durante a fase de projeto, contemplou apenas as vibrações planas. A natureza das oscilações experimentadas, porém, deixou claro, ainda antes do colapso, que a compreensão do comportamento aerodinâmico das pontes pênseis era insuficiente22. 2.2.3 PONTES PÊNSEIS MODERNAS A perplexidade da opinião pública com o colapso de Tacoma refreou o surgimento de novas pontes pênseis em todo o mundo. Por outro lado, o evento propiciou um desenvolvimento intenso das teorias de instabilidade aerodinâmica das estruturas e da análise dinâmica não-linear em geral, o que possibilitou que novas pontes surgissem, duas décadas após, como as pontes do Estreito de Verrazano (1964 - Figura 2-35(a)) e a ponte sobre o Severn (1966 -Figura 2-35(b)), agora fundamentadas em um conhecimento muito mais aprofundado acerca de seu comportamento estrutural. A ponte sobre o Severn foi a primeira a substituir o tabuleiro treliçado, de perfil retangular, por um tabuleiro de seção tubular, de perfil aerodinâmico. A ponte foi recentemente reformada (1992), para fazer frente ao incremento de tráfico por ela sustentado [FLINT, 1992]. Também relevantes são as duas pontes suspensas sobre o estreito do Bósforo, na Turquia, a primeira construída em 1973 (1074m, seis pistas de tráfego de veículos) e a segunda em 1987 (1090m, oito pistas de tráfego). Projetadas e construídas pelo mesmo grupo que a ponte Severn, as pontes são totalmente metálicas, tendo sido fabricadas na Itália e montadas no local. Cada um dos quatro pilares foi montado em apenas duas seções [BROWN, 1993]. Os vãos muito grandes, acima dos 1000m, continuam como reino exclusivo das pontes pênseis23. Atualmente, a maior ponte suspensa do mundo é a ponte Akashi Kaikyo com uma de extensão total 22 Os conceitos para se considerar as oscilações auto-excitáveis já eram de domínio dos engenheiros de outros campos, tanto que bastaram duas semanas para que Theodore von Kárman explicasse o colapso de Tacoma, em termos de efeitos aerodinâmicos [ADDIS, 1994] (até hoje, entretanto, há controvérsia sobre qual particular combinação de efeitos tenha sido de fato verificada [FULLER, 1996]). [ADDIS, 1994] relata ainda que já em 26 de outubro de 1940 um jovem engenheiro mecânico chamado Blake Mills escreveu para a Universidade de Washington apontando a semelhança entre as oscilações então ocorrendo na ponte e aquelas estudadas por Den Hartog, no contexto dos cabos de transmissão elétrica. A Universidade agradeceu a Mills em carta assinada pelo Prof. Farquharson, que coordenava as pesquisas acerca do enrijecimento da ponte. A carta deixava claro, porém, que Farquharson não estava a par dos trabalhos de Den Hartog. 23 Em 1968, Fritz Leonhardt propôs a travessia do estreito de Messina, conectando a Itália continental com a Sicília, por meio de uma ponte estaiada de dois pilares assentados no leito marinho, e um vão livre central de 1300m. No entanto, razões como a grande profundidade do canal (90m), as correntes do estreito (10 nós) e a sismicidade do local (um terremoto de grau 7 na escala Richter atingiu Messina em 1908), levaram, em 1988, à decisão de se posicionar as torres de suspensão em terra firme, 36 3.911m, e 1990m de vão livre (Figura 2-36). Custou US$ 9,7 bilhões, e foi aberta ao público em 5 de abril de 1998, devendo facilitar o acesso de carros e caminhões às ilhas japonesas de Awaji e Shikoku. A tabela 1.1 resume a evolução dos vão livres das pontes pênseis com o tempo. Para os vãos intermediários, as pontes pênseis tem sido preteridas com freqüência pelas pontes estaiadas, desde que F. Dischinger mostrou sua viabilidade econômica, na década de 50 [LEONHARDT, 1974], [AGRAWAL, 1997]. No entanto, variações muito interessantes do esquema pênsil ainda aparecem esporadicamente, como no caso da Konohana Bridge, no Japão (300m de vão livre, 1990), que apresenta uma variante de ponte pênsil com cabo único, pendurais inclinados e pilares em Y invertido [KAMEI, 1992], ou a passarela sobre o lago Vranov (na fronteira entre a Áustria e a República Tcheca (vão livre de 252m, 1993 - Figura 2-37), que apresenta sistema estrutural e método construtivo inovadores, combinando o emprego de concreto pré-moldado com o estado da arte das tecnologias de cabos de estais e pós-protensão24 [STRASKY, 1995]. Após uma extensa comparação de casos de vãos equivalentes, BILLINGTON [1977] concluiu mesmo que a opção entre as soluções pênsil ou estaiada, para os vãos de média grandeza, é ditada sobretudo por uma tendência estética, antes que por condicionantes econômicos ou tecnológicos. PONTE LOCAL DATA VÃO CONSTRUTOR REFERÊNCIA Drybourgh Escócia 1817 80m J. Smith [FULLER, 1996] Union's Bridge Inglaterra 1820 112m S. Brown [SGUERRI, 1995] Ponte dos Inválidos Estreito de Menai Ponte de Fribourg Wheeling Bridge Niagara Bridge Brooklyn Bridge George Washington Golden Gate Tacoma Narrows Verrazano Narrows Severn Crossing Bósforo Humber Great Belt Akashi-Kaikjio Estreito de Messina (Projeto) Paris 1824 150m L.C. Navier Inglaterra 1826 177m T. Telford Escócia 1834 273m J. Chaley Virgínia 1849 331m C. Ellet EUA 1855 250m J. Roembling Nova Iorque 1883 486m J. & W. Roembling Nova Iorque 1931 1067m O.H. Amman São Francisco 1937 1281m J.B. Strauss Washington 1940 853m L.S. Mosseif Nova Iorque 1964 1300m −− Inglaterra 1966 988m Freeman,Fox & Partner Turquia 1973 1074m Freeman,Fox & Partner Inglaterra 1981 1410m Freeman,Fox & Partner Dinamarca 1996 1624m −− Japão 1998 1990m −− Itália 2004 3300m −− Tabela 1. Evolução dos vãos das pontes pensêis. [SGUERRI, 1995] [SGUERRI, 1995] [SGUERRI, 1995] [DREW , 1979] [SGUERRI, 1995] [SGUERRI, 1995] [SGUERRI, 1995] [SGUERRI, 1995] [BILLINGTON, 1977] [FULLER, 1996] [FLINT, 1992] [BROWN, 1993] [LETO, 1994] [LETO, 1994] [LETO, 1994] [LETO, 1994] requerendo assim um vão sem precedentes de 3300m, 66 maior que a ponte Akashi-Kaikjio. Uma data estimada para a conclusão da ponte de Messina é 2004 [LETO, 1994]. Também os dinamarqueses projetaram uma solução estaiada com um vão central de 1200m para a East Bridge de Storebaelt. Requistos de navegação exigiam, porém, um vão central de 1624m, maior que o maior vão suspenso no mundo daquela época, e a solução estaiada foi abandonada. 24 A passarela tem tabuleiro com perfil aerodinâmico, pilares em V invertido, dois cabos de suspensão com distanciamento horizontal variável, máximo no meio do vão e cabos inferiores para protensão do tabuleiro. O tabuleiro detém o recorde de esbeltez, com uma relação vão/altura de 630 [STRASKY, 1995]. 37 Figura 2-35. (a) Ponte Verrazano Narrows (1964, vão livre 1300m). [NARUSE, 1967] (b) First Severn Crossing (1966, vão livre 988m) [FLINT, 1992]. Figura 2-36 - Ponte Akashi Kaikyo (Japão, 1998, vão livre 1990 m) [JSCE,1998]. 38 Figura 2-37. Passarela sobre o lago Vranov, República Checa. [STRASKY, 1995]. 2.2.4 PONTES ESTAIADAS Além de provocar o aprofundamento dos estudos sobre o comportamento das pontes pênseis, o colapso da ponte de Tacoma abriu espaço para as pontes estaiadas, de comportamento mais favorável face aos efeitos aerodinâmicos. Como já se mencionou, já na fase inicial das pontes suspensas alguns estudiosos consideraram que as pontes estaiadas fossem intrinsecamente mais estáveis que as pontes suspensas. Algumas pontes estaiadas haviam de fato sido construídas em precedência, com resultados desencorajadores: ruína da ponte sobre o rio Tweed (Inglaterra, 79m, 1817) e desabamento da ponte sobe o rio Saale (Alemanha, 78m, 1824), provocando a morte de 500 pessoas. Também a Memoire de Navier coibiu o desenvolvimento dos sistemas estaiados. Com efeito, em seu trabalho Navier reportou a ocorrência de sistemas estaiados e mistos na Inglaterra, além dos trabalhos de seu conterrâneo Poyet. Navier então descreveu o colapso de algumas pontes estaiadas, posicionando-se francamente a favor das pontes pênseis e declarando que os sistemas estaiados seriam inadequados para grandes vãos [BILLINGTON, 1992], [SGUERRI, 1995]. Alguns engenheiros ingleses continuaram, no entanto, com construções estaiadas. James Dredge construiu em 1836 uma ponte sobre o rio Avon, com 55,7m de vão, obra ainda existente, embora interditada ao tráfego de veículos. O esquema estrutural de então era o esquema radial, enfatizado em 1820 em um esquema de Poyet. Em 1840, por outro lado, o inglês Hatley sugeriu o esquema com os cabos dispostos em paralelo, no esquema “em harpa”. 39 As pontes estaiadas tiveram seu desenvolvimento estagnado durante o século XIX, em primeiro lugar, pelo próprio sucesso obtido pelas pontes pênseis e ainda porque, para um funcionamento adequado, os cabos das pontes estaiadas devem trabalhar com um nível de tracionamento muito maior que nas pontes pênseis, nível para o qual as correntes de ferro forjado mostravam-se inadequadas. Além disso, não havia um sistema de eficiente para o retesamento dos estais. Como o ferro disponível era pouco resistente, requerendo grandes seções transversais, estes acabavam assumindo uma inoportuna forma catenária. Assim, acrescentava-se uma cadeia catenária para a suspensão dos estais, como mostra até hoje a Albert Bridge, sobre o Tâmisa (1873, vão 122m - Figura 2-38 [SGUERRI, 1995]). Preteridas em prol das pontes pênseis no século XIX e início do século XX, as pontes estaiadas somente voltaram a ser repropostas na década de 40 pelo engenheiro alemão F. Dischinger, como uma resposta à flexibilidade excessiva das pontes pênseis para uso ferroviário. Dischinger notou que as deflexões da ponte poderiam ser notavelmente reduzidas por meio de estais, se fossem empregados cabos de aço de alta resistência, capazes de suportar alto nível de tracionamento (reduzindo assim a perda de rigidez devida à flecha dos estais, sob ação do peso próprio). Seus estudos foram publicados em 1949 e levaram à proposição, durante os anos 50, de várias pontes estaiadas para a reconstrução da Alemanha no pós-guerra. As estimativas de custo provavam que as pontes estaiadas eram mais baratas que as pontes pênseis, para vãos entre 250m e 350m, requeridos para a navegação no rio Reno [LEONHARDT, 1974]. Figura 2-38. Albert Bridge, sobre o Tâmisa (1873, vão livre 122m) [ DREW, 1979]. 40 Durante os anos 70 e 80, passou-se a considerar a marca de 500m como o limite de viabilidade das pontes estaiadas. Quase todos os projetos desta época foram concebidos com este limite. Consequentemente, o recorde de vão cresceu lentamente: 404m e 1975 (Saint-Nazaire, França), 430m em 1983 (Barrios de Luna, Espanha) 465m em 1986 (John Frazer Bridge, Anacis Island, Canadá) e 490m em 1991 (Ikuchi Bridge, Japão) [VIRLOGEAUX, 1994]. Mas os engenheiros já tinham alguma indicação de que as pontes estaiadas estavam ainda longe de seus limites tecnológicos: três pontes com vãos acima dos 300m foram construídas na Alemanha com um pilão apenas25, provando que pontes de até 700m poderiam ser construídas sem maiores problemas, com o uso de dois pilões. Figura 2-39. Second Severn Crossing (1996, vão livre 456m). Ao fundo, vê-se também a First Severn Crossing [KITCHENER, 1997] 25 Köln-Severin (302m, 1959); Düsseldorf-Kniebrücke (320m, 1969); e Düsseldorf-Flehe (368m, 1979) [VIRLOGEAUX, 1994]. 41 Em 1987, foi apresentado, na primeira conferência devotada exclusivamente às pontes estaiadas, em Bangkok, um projeto preliminar para a ponte da Normandia, na França, que estimulou outros empreendimentos a adotarem soluções estaiadas (Figura 2-41). Surgiram então a Helgeland Bridge [SVENSSON, 1996] (425m, 1991) e a Skarnsund Bridge (530m, 1991), ambas na Noruega, a Second Hooghly Bridge, em Calcutá (457m, 1992) [FREEMAN, 1994] e a Yangpu Bridge em Shangai (602m, 1993). A ponte da Normandia entrou em serviço em 1995 e deteve o recorde de vão livre das pontes estaiadas (856m) até a inauguração da Tatara Bridge, no Japão, em 1999, com um vão central de 890m (Figura 2-40). A ponte também propiciou o desenvolvimento de novas tecnologias de cabos estaiados, tanto nos métodos de fabricação como nos materiais empregados, na proteção contra a corrosão e nas técnicas de montagem [FUZLER, 1995]. Estas inovações disseminaram-se posteriormente para pontes como a Second Severn Crossing, Inglaterra, (vão livre de 456m, 1996 Figura 2-39) [CONCRETE, 1996]. Figura 2-40. Tatara Bridge (1999, vão livre 890m) (foto de divulgação). 42 Figura 2-41. Ponte da Normandia (1995, vão livre 856m) [BOUTONNET, 1995]. Figura 2-42. Ponte Alamillo, em Sevilha (foto de divulgação). Figura 2-43. Hamanako Sun Marine Bridge (Shizuoka, Japão) [MORIMOTO, 1997]. 43 Figura 2-44. Ponte Erasmus, em Roterdã [MENDES, 1998]. A ponte Alamillo (Figura 2-42), projetada por Santiago Calatrava para a Expo'92 em Sevilha, criou notoriedade mundial por sua arrojada assimetria, com uma torre de concreto e aço inclinada, com estais apenas em um lado [POLANO, 1996]. A ponte já foi considerada uma extravagância estética, tendo custado 5 vezes mais que outras pontes –de vão semelhantes mas sistemas estruturais distintos– também construídas para a Expo'92 [CRUVELIER, 1994]. Além disso, a ponte Alamillo apresenta problemas de eficiência estrutural, ligados à grande sensibilidade dos momentos fletores do pilar, em função da variação dos carregamentos e dos níveis de retesamento dos cabos [APARICIO, 1997]. No entanto, o projeto parece ter inspirado o surgimento de outras pontes arquitetonicamente arrojadas como, por exemplo, a Hamanako Sun Marine Bridge, em Shizuoga (Figura 2-43) Japão [MORIMOTO, 1997] ou a ponte Erasmus, em Roterdã (Figura 2-44) [MENDES, 1998]. 44 2.2.5 PONTES SUSPENSAS NO BRASIL No Brasil, duas pontes pênseis de grande relevo histórico devem ser mencionadas: a ponte de São Vicente (Figura 2-45) e a ponte Hercílio Luz (Figura 2-46 e Figura 2-47). A execução da primeira data de 1914, tendo sido importada da Alemanha [VASCONCELOS, 1993]. O projeto é de August Kloenne, da firma Brückenbauanstalt, de Dortmund. A ponte de um só tramo, com 180m entre eixos das torres, foi construída com a finalidade principal de transportar dois tubos metálicos de 40cm do emissário de esgotos de Santos, presos às vigas de rigidez pelo lado externo. Novas tubulações de 65cm de diâmetro foram instaladas em 1947. A ponte, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sofreu diversas reformas e continua operando com limitação de velocidade dos veículos e carga máxima de 10tf. Figura 2-45. Ponte de São Vicente (1914). Vão livre 180m [VASCONCELOS, 1993]. Por sua vez, a ponte Hercílio Luz, também tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi projetada por Robinson e Steinmann, tendo projeto semelhante à Silver Bridge (que caiu em 1967) e a Saint Mary Bridge (desativada em 1969), ambas sobre o rio Ohio, nos EUA [VASCONCELOS, 1993]. Inaugurada em 1926, a ponte Hercílio Luz constituiu a primeira ligação rodoviária entre a Ilha de Santa Catarina e o continente. O nome foi dado em homenagem ao governador que iniciou sua construção e morreu antes de vê-la inaugurada. Tendo sido fechada uma primeira vez em 1982, por sugestão do IPT, cujos técnicos constataram avançado estado de corrosão nos olhais das correntes de sustentação, a ponte foi reaberta em 1988 para tráfego leve, e foi interditada definitivamente em 1991, por conta de fissuras nos olhais das correntes, desviando-se o tráfego para a ponte Colombo Salles, de concreto armado, inaugurada em 1975. A primeira ponte estaiada concluída no Brasil foi a ponte sobre o Rio Pinheiros (Figura 2-48, em fase de construção, em 1999), com uma extensão de 233m e vão central de 122m. O projeto é de Jean Müller, e a construção está a cargo da Construtora OAS Ltda [ENGENHARIA, 1999]. 45 Figura 2-46. Ponte Hercílio Luz – Esquemas original e executado [VASCONCELOS, 1993]. Figura 2-47. Ponte Hercílio Luz (Florianópolis, 1926). Vão livre 339 m. (Foto de divulgação). A ponte estaiada sobre o Rio Guamá, em Belém do Pará (Figura 2-49), inaugurada em setembro de 2002, tem dois quilômetros de extensão, e vão central de 582m, recorde nacional de vão livre. Os dois pilões, cada um composto por duas torres vertical, tem 100m de altura. A ponte foi construída por balanços sucessivos, cada aduela pesando 140 toneladas cada [CIMENTO, 2002]. Antes dela, esperava-se que a ponte sobre o Rio Paranaíba, na divisa entre os estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, com extensão de 662m e vão central de 350m, detivesse por algum tempo o recorde sul-americano de vão, neste tipo de estrutura [MENDES, 1998]26. 26 Ponte federal delegada ao Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais, a obra, que começou a ser construída em 1995, foi paralisada durante algum tempo e retomada no início de 1997. O projeto e a supervisão ficaram a cargo da 46 Figura 2-48 –Ponte sobre o Rio Pinheiros, São Paulo [ENGENHARIA,1999]. Figura 2-49 - Ponte sobre o Rio Guamá. Belém do Pará (2002). Extensão 2km, vão central de 582m. Recorde nacional [CIMENTO, 2002]. De qualquer maneira, observa-se um número crescente de manifestações deste tipo de sistema, como por exemplo, o viaduto estaiado da nova pista da rodovia Imigrantes (Figura 2-50), entre São Paulo e Santos, com 390,5 metros de comprimento total, 27,8m de largura e 170 metros de vão suspenso27, e a ponte JK (Figura 2-51), sobre o Lago Paranoá28, em Brasília, cujo tabuleiro é sustentado por estais ancorados a três arcos metálicos, compondo três vãos de 240m [TÉCHNE, 2003]. O sucessos destes empreendimentos permite ainda antecipar que novas pontes estaiadas virão a ser construídas no Brasil, nos próximos anos. Finalmente, com relação aos países vizinhos –sem ter-se empreendido qualquer pesquisa sistemática– merece destaque a ponte Posadas-Encarnacion, sobre o rio Paraná, na divisa entre a Noronha Engenharia e a construção, a cargo da Construtora Queiroz Galvão [MENDES, 1998]. (Com a inauguração retardada até 2002, não disponho presentemente da confirmação desta expectativa. N.A.) 27 a a O viaduto foi projetado por OUTEC Eng . de Projetos e construído por EBEC Eng . Brasileira de Cosntruções e Protende Seviços de Construção civil. Informações fornecidas pelo Prof. Hideki Hishitani. Outras informações diusponíveis em http://ecovias.terra.com.br/. 28 A construção da ponte JK ficou a cargo das empresas via Dragados e Usiminas Mecânica, tendo arquitetura de Alexandre Chan [TÉCHNE, 2003]. 47 Argentina e o Paraguai, com uma extensão total de 2690m e vão principal, estaiado, de 330m (Figura 2-52) [COLAZINGARI, 1995]. Figura 2-50 - Viaduto estaiado da Rodovia dos Imigrantes, em Santos (Revista VejaSP, 18/12/2002). Figura 2-51 - Ponte JK, sobre o Lago Paranoá, em Brasília [TÉCHNE, 2003]. Figura 2-52. Ponte Posadas-Encarnacion [COLAZINGARI, 1995]. 48 2.3 ESTRUTURAS PNEUMÁTICAS Existe um terceiro campo de aplicação das estruturas retesadas que, ao contrário das pontes e tendas, é eminentemente moderno. Tratam-se das estruturas pneumáticas, as estruturas retesadas por excelência, pois que são as únicas em que é possível ter todos os elementos trabalhando em tração. O arquétipo natural para este tipo de estrutura –as bolhas– deve ter despertado a curiosidade dos homens desde a pré-história. Logo passou-se a tirar proveito de pneumáticos como as bolsas d'água ou as bóias feitas de bexigas e peles de animais. Ao longo do tempo, o uso cotidiano incorporou uma miríade de estruturas enrijecidas por pressão interna: bolas de futebol, pneus de automóveis29, colchões de ar, barcos, piscinas para crianças. No entanto, somente no início do século XX, durante a Primeira Guerra Mundial, é que se considerou realisticamente o uso das estruturas pneumáticas como formas de cobertura. A idéia surgiu como transposição natural dos desenvolvimentos das tecnologias de fabricação e corte de membranas, no campo do balonismo [HERZOG, 1977]. A primeira ascensão de um balão de ar quente ocorreu em Lisboa, em 1709, obra do padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão [GUINNESS, 1995]. O desenvolvimento dos grandes balões de ar quente só veio a ocorrer, no entanto, no século final do XVIII, na França. Em uma célebre experiência, em 1783, os irmãos Montgolfier insuflaram um balão de 11m de diâmetro feito de linho e papel. No mesmo ano, Jacques Alexandre César Charles concebeu o balão inflado de hidrogênio, cujo apogeu foram os zeppellins, grandes dirigíveis rígidos do final do século XIX e início do século XX [FORSTER, 1994]30. O brasileiro Alberto Santos-Dumont, antes de executar, em 1906, o primeiro vôo efetivamente controlado em um veículo mais pesado que o ar –feito por vezes atribuído ao francês Ader (1890) ou aos americanos Wright (1903)–, foi pioneiro na construção de balões dirigíveis. Em 1901, Santos-Dumont conquistou o prêmio Deutsch, oferecido pelo Aeroclube de Paris a quem primeiro circundasse a Torre Eiffel, sem tocar o solo, partindo e retornando à Aeroestação de Saint-Cloud, em um tempo máximo de meia hora. Em SANTOS-DUMONT [1904] encontra-se um elegante relato, em primeira pessoa, dos feitos e das importantes contribuições deste notável brasileiro à tecnologia dos dirigíveis. 29 Conforme LEITE [1979] a invenção dos pneumáticos para utilização em rodas de veículos, na forma como são empregados atualmente deve-se ao veterinário e inventor escocês John Boyd Dunlop. Em 1888, Willian Harvey Du Cross comprou de Dunlop a patente da invenção, para fundar uma manufatura de pneumáticos. 30 O corpo dos Zeppellins não era pneumático. Eles dispunham de uma armação metálica, revestida com tecidos. O gás que produzia o empuxo era preso em câmaras internas [HERZOG, 1977]. A tragédia do dirigível Hindenburg, que explodiu em Nova Jérsey em 1937 [GUINNESS, 1995], interrompeu bruscamente a história desses gigantes. Dirigíveis inflados com hélio são usados atualmente, em geral associados a grandes espetáculos e feiras, além de esporadicamente repropor-se seu uso para o transporte de cargas. 49 Figura 2-53 – (a) Balão de ar quente dos irmãos Montgolfier (1783) [HERZOG, 1977]; (b) Balão de hidrogênio de Jacques Charles (1783) [HERZOG, 1977]; (c) Dirigível No 1 de Santos Dumont (1898) [SANTOS-DUMONT, 1904]. Desta época remonta também a idéia do uso arquitetônico dos balões. Em 1895 H.G. Wells publicou “When the Sleeper Wakes”, ficção em que o herói, após um longo sono, acorda para descobrir um futuro em que as cidades são cobertas por balões transparentes, reforçados por cabos de aço. Duas décadas após, em 1917, o engenheiro inglês F.W. Lanchester patenteou um sistema para a construção de hospitais de campanha na forma de semi-cilindros ou esferas31 (Figura 2-54). Estas foram as primeiras propostas práticas de uso de um balão como estrutura de uma edificação de grande porte, não tendo sido porém implementadas por falta de materiais adequados e, possivelmente, por não terem despertado suficiente interesse. Não obstante estas restrições de material, já em 1929, no Japão, Kaneshiga Nomura desenvolvia algumas tendas suportadas por tubos pneumáticos [HAPPOLD, 1994]. Já nos anos 40, apareceram tecidos sintéticos como o nylon, logo usados nas operações militares da Segunda Guerra para a fabricação de abrigos inflados e estruturas de despistamento (como falsos tanques de óleo). Na mesma época, Wallace Neff usou balões de nylon para conformar domos de concreto armado [HERZOG, 1977], [FORSTER, 1994]. Ao final da segunda guerra, o exército americano financiou o desenvolvimento dos radomes, estruturas insufladas para a proteção dos grandes radares de antenas parabólicas, evitando sua deformação pela ação do vento. Em 1948 uma equipe do Cornel Aeronautical Lab, liderada por Walter Bird, completou os testes de um radome de 15 metros de diâmetro. A maior dessas estruturas, medindo 65 metros de diâmetro e projetada para resistir a ventos de 45m/s, foi construída no Maine 31 Lanchester foi também um dos pioneiros da aviação na Inglaterra, de acordo com HAPPOLD [1994]. 50 em 1961 (Figura 2-55). A construção foi feita por empresa constituída por Bird em 1956, a Birdair Structures. Embora projetos similares tenham aparecido na Europa e no Japão, é a esta empresa que se atribui o início das aplicações comerciais das estruturas pneumáticas, nos anos 60, primeiro em armazéns e posteriormente em coberturas de piscinas e quadras esportivas . Uma estrutura marcante deste período inicial foi a cobertura lenticular inflada, feita de nylon, com um diâmetro de 44m, para o Teatro das Artes de Boston (1959) [DENT, 1970] (Figura 2-56). Figura 2-54 - Detalhes da patente de F.W. Lanchester para tendas insufláveis (1918) [HERZOG, 1977]. Figura 2-55 - Radome no Maine, EUA (1961) [FORSTER, 1994]. 51 Figura 2-56 - Teatro das Artes de Boston (1959) [DENT, 1970]. 2.3.1 OSAKA Segundo HERZOG [1979], a publicação, em 1962, do livro Tensile Architecture, de Frei Otto, e o 1st International Colloquium on Pneumatic Structures, acontecido em Stuttgart, em 1967, lançaram as estruturas pneumáticas no “cenário pop”. Muito importante também foi o Pavilhão átomos para a Paz (projeto de Victor Lundy, 1960), que serviu de exibição itinerante para a comissão de Energia Atômica dos EUA, excursionando pelas Américas Central e do Sul (Figura 2-57). Seu refinamento arquitetônico e tecnológico era tal que não foi superado até 1970 quando na Expo'70, em Osaka, as estruturas pneumáticas foram tomadas como temática32. Entre diversos experimentos, a feira de Osaka testemunhou dois exemplos paradigmáticos: o Pavilhão da Fuji e o Pavilhão Americano33. O primeiro (Figura 2-58), causou admiração do público por sua forma inusitada, composta por 16 arcos inflados, de seção circular de 4m de diâmetro, ancorados em um anel circular de concreto, com 50m de diâmetro e atingindo uma altura de cerca de 25m. Tratando-se de um edifício transitório, o material empregado foi um plástico de razoável resistência mas baixa durabilidade (acetato polivinílico), recoberto com uma pintura de Hypalon no lado externo e com uma outra camada de vinil (ou PVC, de polyvinil chloride) no lado interno. Por sua vez, o pavilhão americano (Figura 2-59), projetado por Davis Brody, David Geiger e Walter Bird, apresentava como novidade um domo de baixo perfil e planta ovalada, funicular para os carregamentos nos cabos34, composto por uma membrana de vinil reforçado com fibra de vidro e cabos de aço dispostos numa malha losangular. Ambas as estruturas foram projetadas para resistir a furacões (ventos de projeto de 250km/h) [SALVADORI, 1990]. 32 De acordo com SHAEFFER [1994], a opção explícita por estruturas leves foi ditada pela baixa qualidade do solo e grande sismicidade da região. 33 HERZOG [1977] oferece dados e fotografias de ambos os Pavilhões. No caso de Pavilhão Americano, é interessante observar como a forma final foi condicionada fortemente por fatores econômicos. 5 34 Uma super-elipse 5 140 x 2 + 80 y 2 = 1 , conforme LIDDEL [1994]. 52 Figura 2-57 - Pavilhão Atomos para a Paz, no Rio de Janeiro [DENT, 1970]. Figura 2-58 - Pavilhão da Fuji para a Expo'70. Osaka, Japão [HERZOG, 1979]. 53 Figura 2-59 - Pavilhão Americano para a Expo'70. Osaka, Japão [FORSTER, 1994]. 2.3.2 APÓS OSAKA O pavilhão americano inspirou a construção de diversos estádios esportivos nos Estados Unidos e no Canadá, entre 1974 e 1984, todos projetados por David Geiger. Os maiores são o estádio Pontiac Silverdome no Michigan (1975), o Anfiteatro de Vancouver (1983) e o Metrodome de Minneapolis (1982), todos com mais de 40.000m2 e com capacidades acima de 60.000 pessoas [FORSTER, 1994]. A cobertura do Pontiac Silverdome foi projetada a posteriori, como medida de redução de custos do estádio. A membrana foi construída pela colagem de painéis de fibra vidro recobertas com Teflon35. Os cabos de reforço foram lançados por sobre a membrana com o auxílio de um helicóptero. A pressão interna é de apenas 2.10–4MPa e, embora o sistema de insuflamento possa compensar eventuais vazamentos, equivalentes a um furo de 65m2, a cobertura pode ainda trabalhar suspensa [SALVADORI, 1990]. FORSTER [1994] aponta que estas coberturas reduziram dramaticamente os “custos por assento”, em comparação com os estádios convencionais, e que a maior parte destes estádios continuava operando satisfatoriamente em 1994, sendo que alguns apresentaram problemas ligados à baixa pressão do sistema de insuflamento, exigindo, em certos casos extremos, a remoção manual da neve acumulada sobre a cobertura. 35 PTFE – politetrafluoretileno, material originalmente desenvolvido pela NASA para a confecção de trajes espaciais. De acordo com SHAEFFER [1994], o emprego civil de membranas de fibra de vidro recobertas com Teflon iniciou com a proposição de um grupo de especialistas da Dupont, Owners Crowning e Chemical Fabrics que, junto com David Geiger, responderam à solicitação de Harold Gors da Fundação Ford, de se encontrar um material ao mesmo resistente às solicitações mecânicas, ao fogo e à radiação ultravioleta. O material foi empregado pela primeira vez em uma cobertura de 65m de diâmetro em uma Universidade do Tennessee, em 1972. 54 Não se pode deixar de relatar, no entanto, os problemas de projeto e execução da cobertura do Minnesota Metrodome, que levaram à ocorrência de três casos de deflações (em 1981, 1982 e 1983) da cobertura devido a problemas operacionais com o acúmulo de neve, bem como drapejamento da cobertura devido a ventanias, em abril de 1986. Como este último incidente se deu durante um jogo de beisebol, houve início de pânico entre os espectadores. Estes fatos todos levaram a uma disputa judicial, envolvendo o cliente e a empresa seguradora, de um lado, e os projetistas David Geiger e Walter Bird e a empresa construtora, de outro [LIDDEL, 1994]. Já no estádio “Bigg-Egg” Dome, de Tóquio (Figura 2-60), construído em 1988, estes problemas foram evitados por meio de uma sobrepressão interna maior, menor vão entre cabos e perfil mais alto que seus congêneres americanos [FORSTER, 1994]. Seguindo a linha das estruturas infladas, a partir de 1988 o anfiteatro romano de Nîmes (Figura 2-61), na França, começou a operar com uma cobertura lenticular removível, colocada durante o inverno para proteger a parte central da arena. A área coberta é de cerca de 5.000 m2, com capacidade para 6.000 pessoas. Após o içamento, a membrana é vinculada a um anel metálico elíptico, que por sua vez se apóia sobre 30 colunas, também metálicas, fixadas na estrutura de pedra da arena. A arena de Nîmes é um exemplo eloqüente da aplicabilidade das estruturas pneumáticas. uma vez que, por ser a arena um monumento histórico, qualquer modificação da estrutura existente é proibida, e apenas uma estrutura removível foi considerada aceitável pela comunidade local [SCHLAICH,1994]. Figura 2-60 - Tokio Big-Egg Dome (1988) [FORSTER, 1994] Outros projetos recentes de estruturas pneumáticas são o Akita Sky Metrodome, projetado e construído pela Kajima Corporation, em 1990 (a cobertura consiste de uma membrana de Teflon reforçado por fibra de vidro, insuflada, reforçada por arcos metálicos rígidos, com uma área coberta 2 de 11.500m ) e a cobertura lenticular inflada do pavilhão alemão da Expo'92 em Sevilha (Figura 2-62), projetada por Harald Mühlberger [FORSTER, 1994]. 55 Figura 2-61 - Anfiteatro romano de Nîmes (1988) [SCHLAICH, 1994]. Figura 2-62 - Cobertura inflada do pavilhão alemão da Expo'92 em Sevilha [FORSTER, 1994]. 2.3.3 FUTURO DOS PNEUMÁTICOS Há controvérsias sobre o futuro das grandes coberturas insufladas. De acordo com SHAEFFER [1994], “com o advento dos domos de cabos, é improvável que sejam construídas novas estruturas deste tipo, devido aos seus altos custos de manutenção. Assim, à medida que as membranas dos gigantes pneumáticos forem atingindo sua vida útil (25-30 anos?), muitas das coberturas serão substituídas por algum tipo de domo de cabos. Contudo, vale a pena observar que, embora estas estruturas 56 pneumáticas gigantes sejam fonte de dores de cabeça para os responsáveis, o público as adora, e elas se tornaram símbolo de orgulho para a maioria das cidades onde foram construídas”. Também HAPPOLD [1994] reconhece que “enquanto o número de projetos de estruturas pneumáticas têm declinado, os domos de cabos e as tendas prolificam”. No entanto, este autor observa que o desempenho das estruturas pneumáticas tem sido na realidade extremamente bom, com os radomes, por exemplo, sendo expostos a condições adversas e variadas condições climáticas, das geleiras polares aos desertos – requerendo-se deles uma confiabilidade extrema, uma vez que deles depende o controle do tráfego aéreo mundial. Por outro lado, HAPPOLD reconhece que cerca de 70% das estruturas pequenas apresentam problemas de desempenho. A razão para tal é que os pequenos pneumáticos são vendidos como edifícios de baixo custo, o que torna difícil impor normas de projeto e controle de qualidade, para uma miríade de pequenos construtores. Além disso, os fabricantes oferecem tecidos já cortados, bastando que o construtor monte os equipamentos de isuflamento e ponha a estrutura em funcionamento. Tal prática desestimula o projeto e a verificação da estrutura. A existência desse segmento barato de mercado não é de fato um problema de engenharia, mas um problema de mercado, no entender de HAPPOLD. Também HAMILTON [1994] reconhece que o entusiasmo inicial despertado pelas estruturas pneumáticas a partir do Pavilhão Americano de Osaka acabou por ser arrefecido, face aos custos operacionais, aos problemas de pressurização ligados à movimentação de multidões – e principalmente ao acúmulo de neve. Em casos extremos, a neve pode provocar a ruptura da membrana e a conseqüente deflação da cobertura. No entanto, também HAMILTON acredita que muitos dos problemas encontrados pelo primeiro ciclo de grandes coberturas infladas tenham sido superados, seja pelos projetos mais recentes, como o Tokio “Big Egg” Dome, seja pelos domos pioneiros. O autor aponta para o fato de que das cinco deflações acidentais originadas por problemas de acúmulo de neve, a última ocorreu no Pontiac Silverdome em 1985, nenhum outro caso tendo sido registrado desde então (até 1994). Ainda segundo HAMILTON, o resultado pode ser creditado a dois progressos: a introdução dos padrões de corte definidos por computador e outros refinamentos de projeto, e o acúmulo de conhecimento operacional por parte dos responsáveis pelos estádios. A este propósito, vale reforçar a observação de HAPPOLD, segundo o qual “as estruturas pneumáticas são máquinas, e devem ser projetadas como tal”. Dessa maneira, parece haver ainda espaço para o surgimento de novas grandes estruturas pneumáticas, principalmente nos casos em que forem almejados custos iniciais de capital reduzido, mesmo que às expensas de um maior custo operacional [HAMILTON, 1994]. Um paradoxo interessante surge ao se considerar a influência da neve para as estruturas pneumáticas: embora a neve seja a grande inimiga das grandes coberturas pneumáticas, é justamente nos países frios do hemisfério norte que a ocorrência deste tipo de estrutura faz sentido, uma vez que é neles que existe a necessidade de grandes espaços públicos climatizados, para 57 minimizar os rigores do inverno. O paradoxo é inverso no Brasil: se por um lado nosso clima é tal que não representaria maiores problemas para uma grande estrutura pneumática, por outro lado também não impõe nenhuma necessidade premente de climatização. Deste modo, é improvável que uma grande estrutura insuflada venha a ser um dia produzida no Brasil, para uso desportivo. O panorama parece algo mais promissor para as estruturas infladas, em comparação com as insufladas. Uma manifestação recente deste tipo de estrutura é oferecida pelo Guthrie Pavilion, sede de um clube de golfe em Sengalor, Malásia, que mostra como se pode tirar partido destas estruturas em países de clima tropical. Uma combinação de membranas retesadas e infladas reduz a insolação sobre os edifícios construído com estruturas metálicas e vidros, mitigando assim a demanda por condicionamento ambiental (Figura 2-63) [BUILDING, 1998]. Também se recordam as paredes infladas do edifício-invólucro dos foguetes expostos no National Space Center, anteriormente mencionadas (Figura 2-22). Finalmente, é interessante observar que os balões dirigíveis, os quais serviram no final do século XIX como os primeiros protótipos para as estruturas pneumáticas, vêm sendo empregados com freqüência sempre crescente. Ao se substituir o gás de inflamento de hidrogênio por hélio, eliminou-se o perigo de explosão, que havia condenado os primeiros dirigíveis. Por outro lado, por ser o hélio um gás mais pesado que o hidrogênio, o volume dos modernos dirigíveis é maior que aquele de seus precursores de hidrogênio, para um mesmo empuxo líquido. Um projeto ambicioso é aquele do dirigível alemão Cargolifter, com capacidade para 500 toneladas de carga, comprimento de cerca de 250m, diâmetro máximo de 60m, e volume de 550.000 m3, inflado com hélio [KRÖPLIN, 2000]. Figura 2-63–Guthrie Pavilion, Malásia (1998) [BUILDING, 1998]. 58 2.4 OUTROS SISTEMAS RETESADOS OU MISTOS Além das redes de cabos e das membranas, existe uma série de outros sistemas retesados ou mistos, empregados para a cobertura de grandes vãos, que merecem referência. Dentre estes sistemas, destacam-se as coberturas pênseis e estaiadas, as treliças de cabos, as “rodas de bicicleta”, os sistemas tensegrity e os domos de cabos. A máxima correlação entre a ponte suspensa e uma cobertura provavelmente ocorra no pavilhão de uma fábrica de papel em Mântua (Pierluigi Nervi, 1963, vão livre de 148m) que transpõe diretamente o esquema estrutural de uma ponte pênsil (Figura 2-64) [MAJOWIECKI, 1994]. Anterior a esta obra, merece também destaque a cobertura suspensa (e posteriormente enrijecida por uma casca de concreto) do Aeroporto Dules (Eero Saarinen e Fred Severud, 1958) (Figura 2-65). No entanto, os sistemas pênseis são incomuns em coberturas, preferência sendo dada aos sistemas estaiados. Figura 2-64 - Fábrica de papel em Mântua (*) (1963) [MAJOWIECKI, 1994] (*) exceto figura do canto superior esquerdo. 59 O uso estrutural de cabos radiais em coberturas remonta às velárias dos anfiteatros romanos. O uso moderno das estruturas estaiadas, porém, iniciou-se entre os anos 20 e 30, com os trabalhos de Shookov, Buckminster Fuller, Hans Mayer e Le Corbusier [DREW, 1979]. A proposta de Le Corbuiser para o Palácio do Sovietes (Moscou, 1932) considerava um gigantesco arco parabólico que suspendia uma série de vigas por meio de cabos, e a partir destas vigas pendia toda a estrutura. Le Corbusier projetou ainda um pavilhão com uma cobertura em membrana suspensa, apoiada em pilares estaiados, para a Exposição Internacional de Paris de 1937. O motivo do Palácio do Sovietes foi retomado em 1945 por Oscar Nyemeyer, numa proposta para um Estádio Nacional do Rio de Janeiro [SGUERRI, 1995]. Figura 2-65 - Aeroporto Dules, Washington (1958) [FORSTER, 1994]. Os anos 40 presenciaram o aparecimento de uma série de obras estaiadas de pequena envergadura (casas, postos de serviços, pequenos hangares), principalmente nos Estados Unidos. O principal emprego das estruturas estaiadas, no entanto, foram os grandes hangares e terminais aeroportuários, como o caso dos hangares da TWA na Filadélfia (1956), o terminal da Pan-Am no Aeroporto Internacional J.F.Kennedy, em Nova Iorque (1959), os pavilhões da Alitália no Aeroporto de Fiumicino, Roma (1957-67). Os estais encontram emprego também na coberturas de estádios esportivos e nas fixações de torres altas e plataformas marítimas. Um belo exemplo da atualidade é oferecido pela estrutura de cobertura da estação de trens de Saint Denis, construída por ocasião da Copa do Mundo da França em 1998 (Figura 2-66). 60 Figura 2-66 - Estação de trens de Saint Denis, Paris (1998). Foto de divulgação. Outro tipo de sistema plano é dado pelas treliças de cabos, a principal variante sendo aquela patenteada em 1959 pelo engenheiro suíço David Jawerth, constituída pela repetição de sistemas planos de cabos-treliça com cabos de amarração inclinados. Desta época em diante, os sistemas planos têm se manifestado corriqueiramente em pavilhões industriais. Um exemplo recente do emprego de cabos treliça é visto na cobertura do espaço entre os blocos de uma instituição financeira em Lodi, Itália (Figura 2-67). Além da interconexão entre os edifícios do banco, o espaço serve de conexão entre a estação ferroviária e o centro histórico da cidade, sendo recoberto com vidro temperado, buscando obter máxima transparência [CORVAJA, 1999] Figura 2-67 – Cobertura de vidro em Lodi (1999) [CORVAJA, 1999]. 61 Outra estrutura estaiada atual de relevo é a Torre de Collserola (1992), destinada a agrupar as antenas de comunicação e assim descongestionar a paisagem de Barcelona. A torre (Figura 2-68), projetada pelo arquiteto inglês Norman Foster, teve engenharia da firma Ove Arup & Partners. Tem 288m de altura total, sendo estaiada por um grupo de três tirantes metálicos ancorados ao solo. O edifício central é suspenso por tirantes vinculados à extremidade superior da torre tubular de concreto. Estes tirantes são de kevlar, para não interferir com as transmissões de rádio. Sobre a torre de concreto existe outra torre metálica tubular e finalmente uma torre treliçada. O edifício principal, de estrutura metálica, tem uma planta anular, triangular, com lados curvos, e envolve a torre de concreto. Foi construído apoiado ao solo e posteriormente içado até a posição final. Uma descrição detalhada do processo construtivo desta torre notável é dada por CALZON [1992]. Figura 2-68 – Torre de Collserola [CALZON, 1992] Figura 2-69 - City-Center Kirchber [STAHLBAU, 1998] Elementos estruturais retesados, constituídos por cabos ou barras de aço esbeltas, são empregados ainda por sistemas e detalhes estruturais muito diversificados. Um exemplo interessante é dado pelas estruturas tipo “roda de bicicleta”. A roda raiada para as bicicletas foi inventada em 1803 por George 62 Cayleys, [FORSTER, 1994], constituindo “talvez o mais belo exemplo já concebido de sistema protendido”, no entender de FRANCIS [1989]. A transposição deste esquema estrutural para as coberturas levou mais de um século: segundo SGUERRI [1995], uma das primeiras obras realizadas com o princípio da roda de bicicleta (dois anéis concêntricos, interligados por cabos ou treliças de cabos, o anel interno trabalhando tracionado e o externo comprimido) foi o pavilhão americano para a exposição de Bruxelas de 1958. Em 1959, o Auditório de Utica, obra de Lev Zetlin, também usou treliças de cabos radiais. Também notável é o Palácio dos Esportes de Gênova, de 1963, com um diâmetro de 68m (Figura 2-70). Figura 2-70 - Palácio dos Esportes de Gênova, Itália (1963). (a) Detalhe da parte central da cobertura; (b) Elevação. [SGUERRI, 95]. 63 2.4.1 TENSEGRITIES, DOMOS DE CABOS E OUTROS SISTEMAS MISTOS MODERNOS A preocupação com a estabilidade das estruturas reticuladas por muito tempo limitou as investigações de estruturas reticuladas classificadas como formas hipostáticas ou críticas, segundo a regra de Maxwell para a determinação do grau de estaticidade das estruturas reticuladas36. Durante as décadas de 1950 e 1960, no entanto, livres das responsabilidades técnicas, alguns artistas plásticos construíram esculturas usando cabos e barras, com formas que não obedeciam à regra de Maxwell, sem contudo desenvolverem mecanismos. Dentre estas estruturas, pode-se citar o “Monumento à Forma Fútil” (Figura 2-71a), construída próximo a Rambouillet, na França [EMMERICH, 1966], e a “Needle Tower” (Figura 2-71b/c), construída em Nova Iorque, por Kenneth Snelson, em 1948. Para refererir-se ao princípio subjacente ao equilíbrio destas estruturas, Richard Buckminster Fuller cunhou o termo “tensegrity”, uma contração da expressão “tensional integrity”. Segundo Fuller “um sistema tensegrity é estabelecido quando um conjunto descontínuo de elementos comprimidos interage com um conjunto contínuo de elementos tracionados para definir um volume estável no espaço” [FULLER, 1975, 1979], [PUGH, 1976],37. Figura 2-71 –(a) Monument à la Forme Futile [EMMERICH, 1966]; (b/c) Needle Tower. Fotos de divulgação. 36 J.C. Maxwell, “On the Calculation of the Equilibrium and Stiffness of Frames”. Phil. Mag. 27 (294) (1864). Citado por PELLEGRINO [1978], entre outros. Há versões eletrônicas dos livros de Fuller, disponíveis na internet, por exemplo em http://www.servtech.com/~rwgray/synergetics/synergetics.html. 37 64 Inicialmente restringiu-se a definição às redes de cabos retesadas auto-equilibradas, extendendo-se posteriormente o conceito para incluir também estruturas que transferissem as cargas de retesamento para os apoios, desde que contemplassem o princípio “tensegrity” em si – isto é, que fossem formadas por um sistema tracionado contínuo e um conjunto descontínuo de elementos comprimidos. Conforme DEIFELD [2001], “é difícil afirmar quando as estruturas tensegrity surgiram e quem teria sido o precursor deste sistema estrutural. Pode-se citar alguns fatos e/ou pessoas que contribuíram grandemente para o desenvolvimento inicial e divulgação destas estruturas, mas nenhuma delas pode ser apontada, de forma convicta, como o marco inicial”. Os trabalhos de Fuller e de seu aluno Keneth Snelson devem por força ser apontados38, mas também devem ser creditadas as contribuições, para o desenvolvimento deste tipo de sistema, das pesquisas morfológicas de Robert Le Ricolais [MIMRAM, 1983] e de D. Emmerich [EMMERICH, 66]. Em seguida aos estudos morfológicos iniciais, outros autores, como Oren Vilnay, Ariel Hanaor, René Motro, David Geiger e Stefano Pellegrino deram contribuições importantes para o entendimento teórico e a expansão das aplicações dos sistemas tensegrity39. As primeiras estruturas tensegrity ressentiam-se do congestionamento do espaço por barras e cabos, reduzindo o espaço útil proporcionado pela estrutura. A combinação de módulos básicos mitigava este problema, mas não oferecia vantagens em relação, por exemplo, ao uso de treliças espaciais. Isto levou Snelson a afirmar que os sistema tensegrity não teriam aplicação prática, e algumas das primeiras obras tensegrity foram explicitamente relacionadas à futilidade. Contudo, os desenvolvimentos subsequentes atestaram o interesse em duas derivações dos sistemas tensegrity originais: os domos geodésicos e os domos de cabos. Estes últimos constituem atualmente, de acordo com SHAEFFER [1994], a principal opção para os grandes vãos, apresentando vantagens, por exemplo, em relação às estruturas pneumáticas, principalmente no que diz respeito às necessidades de manutenção. Embora se possam reconhecer precursores na “Rede de Dupla Curvatura” de Le Ricolais, proposta em 1956, ou na cobertura do já referido Auditório de Utica, de 1959 (cujos sistemas estruturais consistiam de treliças de cabo contendo espaçadores comprimidos e isolados entre si, como é típico dos sistemas tensegrity), é usual atribuir-se o esquema básico dos domos de cabos, a Buckminster Fuller. O domo de Fuller, proposto em 1983, tinha planta circular e usava linhas de cabos radiais, com espaçadores verticais trabalhando à compressão, equilibrados nas extremidades inferiores por anéis circunferenciais de cabos. Contudo, o sistema proposto por Fuller era instável frente a carregamentos assimétricos [SHAEFFER, 1994], e tal característica precluiu qualquer uso prático, até que o problema 38 Assim como a disputa entre Snelson e Fuller quanto a autoria da “invenção” dos tensegrities. Ver por exemplo [SNELSON, 1990]. A literatura disponível sobre os sistemas tensegrity é relativamente extensa, e a seguinte lista é oferecida sem pretensão de exaustão: [CALLADINE, 1978/B], [CAMPBELL, 1994], [FOWLER, 2000], [HANAOR, 1988, 1987, 1991A/B], [KANGWAY, 1999, 2000], [KEBICHE, 1999], [KWAN, 1998], MOTRO [1994, 2001], [MURAKAMI, 2001], [NISHIMURA, 2001] [PELLEGRINO, 1986,1990, 1993], [PUGH, 1976], [VILNAY, 1982, 1987, 1990, 1997]. [VOLOKH,1997A/B, 1999, 2000]. 39 65 fosse superado por modificações de projeto introduzidas por David Geiger, nos primeiros domos de cabos de sucesso, construídos na Coréia, para os Jogos Asiáticos de 1986 e as Olimpíadas de 1988 [CAMPBEL, 1994], [LEVY, 1994]. O primeiro domo de cabos dos Estados Unidos, também projeto de Geiger, foi a Arena Redbird, no Campus da Universidade do Illinois. Tem planta elíptica, de raios 90m x 70m, e foi completado em 1989. Já em 1990 foi completado o Suncoast Dome, na Flórida, com planta circular, de 210m de diâmetro. O Georgia Dome, completado em 1992, em Atlanta, provavelmente seja o mais notável domo de cabos da atualidade. Projetado por Matthys Levy e Weidlinger Associates, tem planta oval, 235m x 186m [LEVY, 1994]. Uma rede tensegrity provê pontos de fixação que conferem um padrão multifacetado de parabolóides hiperbólicos, constituídos por membranas retesadas(Figura 2-72). Quanto aos domos geodésicos, uma aplicação recente, de grande eloqüência, no que diz respeito à sua capacidade de cobrir grandes vãos, é dada pela cobertura do Projeto Éden, a maior estufa já construída, localizada em Cornwall, Inglaterra (Figura 2-73). A construção iniciou ao final de 1998 e o complexo foi aberto ao público em março de 2001. Os módulos hexagonais dos diversos segmentos geodésicos interconectados (o maior domo tem uma altura máxima de 55m, e vão máximo de 240m, 2 cobrindo uma área de 15.590m ), são fechados por lentes pneumáticas infladas, fabricadas com ETFE, que garantem, grande leveza (1% do peso do vidro) e suficiente rigidez e translucidez (95% de transmissibilidade). O projeto arquitetônico é da firma Nicholas Grimshaw e a engenharia da empresa Anthony Hunt Associates [BSJ 2001/B]. Figura 2-72 – Georgia Dome, Atlanta (1992) [FORSTER, 1994]. [TERRY, 1994]. 66 Além dos domos de cabos tensegrity e geodésicos, outros tipos de sistemas estruturais mistos, em que elementos funcionando à tração são combinados com outros funcionando à compressão, têm sido propostos. É o caso dos sistemas de sustentação de paredes e coberturas de vidro, como ocorre nas paredes da Pirâmide do Museu do Louvre [CHARLESON, 1997], do City-Center Kirchber, em Luxemburgo [STAHLBAU, 1998] (Figura 2-69), ou na cobertura da Biblioteca Central de Phoenix [ISHLER, 1994]. Ainda outro exemplo notável é oferecido pela cobertura do viveiro dos hipopótamos do zoológico de Berlim [SCHLAICH, 97]. Trata-se de uma cobertura composta por dois domos reticulados (compostos por perfis de chapa dobrada (40mm x 40mm), e protendidos por cabos diagonais de aço inoxidável, de 14mm de diâmetro) recobertos por placas retangulares de vidro, em duas camadas. Além da excepcional esbeltez conseguida, o ponto relevante é que a geometria definida para os domos permitiu que o reticulado fosse recoberto por placas retangulares planas40, de mesmo tamanho, mesmo que a superfície resultante fosse globalmente sinclástica (Figura 2-74). Figura 2-73 - Eden Project, Cornwall, Inglaterra [BSJ, 2001/B]. Outra aplicação interessante em voga na Europa, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, são as estruturas retesadas em madeira laminada. A madeira foi, até um século atrás, o material estrutural mais difuso, tanto no campo das construções como também nas estruturas dos primeiros carros e aviões. A indústria aeronáutica teve um papel fundamental no desenvolvimento da tecnologia da madeira. De fato, algumas madeiras apresentam a melhor relação (tensão normal de tração)÷(peso específico) dentre todos os materiais de engenharia, tornando-as convenientes para usos em que a minimização do peso seja mandatória [FRANCIS, 1989]. Aviões com estrutura de madeira foram usados ainda durante a Segunda Guerra, pelas forças aéreas inglesa e alemã. Esta última, para melhorar o desempenho de seus aviões, desenvolveu a madeira laminada (chapas 40 À exceção, é claro, da região de transição entre os domos, onde as placas retangulares foram levemente fletidas durante a instalação [SCHLAICH, 1997]. 67 compostas de lâminas de madeira coladas com resina), material consideravelmente homogêneo, leve, moldável e resistente à tração. Figura 2-74 – Viveiro dos hipopótamos do zoológico de Berlim [SCHLAICH, 1997]. Figura 2-75 – Piscina “Solemar”, em Bad Duerrheim, Alemanha (1985). Adaptada de [SGUERRI, 1995] 68 A associação da madeira às estruturas retesadas remonta ao projeto da ponte estaiada de Lorsher. As primeiras tentativas de usar a madeira laminada em substituição às membranas ou aos cabos são, porém, bem mais recentes, datando dos meados dos anos 60. Uma obra pioneira foi o pavilhão construído por ocasião da Feira Nacional Suíça, em Lausanne, 1964. A superfície anticlástica da cobertura era realizada por lâminas de compensado com 13mm de espessura, protendidas por cabos metálicos na direção transversal. Em seguida, construiu-se, na França, um majestoso pavilhão com um vão de 107m (vão livre máximo 45m). SGUERRI [1995] discute as recentes realizações de coberturas tracionadas em madeira laminada, usadas principalmente em instalações desportivas, como por exemplo a Piscina Recreativa de Rebsock, Frankfurt (1977), o Palácio dos Esportes de Cesena (1983) e a Piscina “Solemar”, em Bad Duerrheim (1985) (Figura 2-75). 2.5 EVOLUÇÃO DA TEORIA41 As primeiras considerações teóricas sobre o comportamento estático e dinâmico de cabos e cordas remontam provavelmente aos gregos. Há cerca de 2500 anos, Pitágoras descobriu que o tom de um som depende do comprimento da corda que o produz e que duas cordas semelhantes, tracionadas com a mesma força, produzem tons distantes de uma oitava, quando uma das cordas tiver exatamente duas vezes o comprimento da outra. A exatidão das relações da harmonia musical foi tão reveladora que Pitágoras sonhou encontrar nelas as leis que governavam o movimento das estrelas [RIGDEN, 1985]. Após o período helênico, novos avanços teóricos no campo das estruturas retesadas –e em geral em toda a Mecânica–, somente viriam a ocorrer durante a Renascença. Segundo COWAN [1977], uma importante razão para tanto foi a disposição do cientista renascentista à experimentação. Assim, Mersenne determinou experimentalmente as leis básicas do movimento de uma corda esticada em 1636. O assunto também despertou o interesse de Galileu, na mesma época. A idéia de que uma dada corda tivesse muitos modos de vibração, por sua vez, foi estabelecida por Noble e Pigott em 1676 [19IRVINE, 1981]. Antes disso, Leonardo da Vinci (1452--1519) dedicou sua atenção –entre tantos outros problemas da Mecânica por ele estudados– ao problema da catenária e do equilíbrio das cordas. COWAN [1977] observa que, enquanto Leonardo é descrito como um gênio científico por muitos historiadores, sua contribuição para o desenvolvimento da Mecânica é qualificada por outros (como TRUESDELL) como negligenciável. Com efeito, os trabalhos de Leonardo somente foram publicados postumamente e, embora suas anotações fossem conhecidas já de há muito tempo, boa parte de seus escritos não foram transcritos senão no nosso século. De qualquer forma, é nos desenhos de Leonardo que aparece pela primeira vez a idéia do paralelograma de forças, redescoberta pelo belga Stevin de Bruges em 1586. ANTMAN [1995], recorda ainda que se deve a Leonardo a primeira formulação – 41 Estas notas históricas foram extraídas principalmente de COWAN [1977], IRVINE [1981] e ANTMAN [1995]. Todos estes autores remetem-se a TRUESDELL [1960], que porém não foi diretamente consultado para a redação deste texto. 69 porquanto equivocada– do problema da forma catenária. Também Galileu, em seu Discurso sobre Duas Novas Ciências (1638), especulou sobre a forma de uma corrente suspensa e concluiu erroneamente que esta fosse parabólica –em analogia com a trajetória de um projétil. Que a parábola fosse a forma de corda inextensível sob carregamento vertical uniformemente distribuído era um resultado já encontrado por Beeckman em 1615 e –após o equívoco de Galilei– reencontrado por Huygen em 1646 e por Pardies em 167342. Em 1675, na mesma ata da Royal Society onde publicou sua famosa lei de proporcionalidade, Hooke enunciou (na forma de um anagrama) que um arco incompressível, livre de momento, suportando seu próprio peso, poderia ser obtido invertendo-se a catenária, qualquer que fosse sua forma. De acordo com COWAN [1977], o anagrama de Hooke somente foi decifrado por Richard Waller, em 1705, e dizia: “As hangs the flexible line, so but inverted will stand the rigid arch”. Antes disso, a idéia de se empregar a catenária para definir a forma de um arco de alvenaria também já fora considerada em 1695 por Philippe de La Hire, no seu Traité de Méchanique, e por Gregory, em 1697, no trabalho On the properties of the Catenaria [COWAN, 1977]. Em 1690 Jakob Bernoulli 43 desafiou o mundo científico, propondo um concurso para encontrar a forma da catenária. Ao cabo de um ano, Johann Bernoulli, Leibniz e Huygens haviam resolvido o problema. Segundo IRVINE, havia grande rivalidade entre os participantes do concurso, ficando difícil definir a quem pertenceu a primazia da descoberta. A solução de Huygens baseou-se em princípios geométricos, enquanto Leibniz e Johann Bernoulli usaram o cálculo, naquela época uma invenção recente. A maior generalidade do cálculo permitiu aos irmãos Bernoulli formular também a equação diferencial de um elemento de corrente sob vários carregamentos, incorporando ainda o efeito do alongamento da corrente, conforme a lei de Hooke. Além disso, Johann Bernoulli ajudou a lançar as bases para o cálculo das variações, mostrando que ao se manter o centro de gravidade da corrente o mais baixo o possível, decorriam as mesmas equações. As primeiras investigações acerca do princípio dos trabalhos virtuais são também devidas a ele. A partir desses trabalhos pioneiros, floresceram as teorias estruturais das pontes suspensas. Em 1823, Navier estendeu a teoria do equilíbrio estático do cabo parabólico de modo a incluir o efeito dos carregamentos ocasionais [BUONAPARTE, 1992]. O trabalho de Navier perdurou, por mais de 50 anos como a obra máxima sobre pontes suspensas [SGUERRI, 1995]. Derivadas da Memoire de Navier, surgiram durante o século XIX teorias mais sofisticadas acerca do comportamento estático das pontes 42 Tanto Huygen como Pardies também notaram que a forma da corrente suspensa não poderia ser uma parábola. Porém Huygens incorretamente afirmou que a velária fosse parabólica, reconhecendo seu erro em 1668. Em 1691 Jacques Bernoulli corretamente afirmou que a velária era uma circunferência [Antman, 95] (segundo Irvine, cerca de dois séculos se passaram antes que o conhecimento desse fato se disseminasse: a solução foi redescoberta em 1794 pelo engenheiro russo Nicholas Fuss, genro de Euler, encarregando de projetar uma ponte sobre o rio Neva en São Petersburgo). 43 Jakob Bernoulli (1654---1705). Matemático suíço, professor em Basiléia, tornou-se conhecido por suas contribuições à teoria da da elasticidade à mecânica dos fluidos e às probabilidades. Entre os estudantes de Jakob Bernoulli incluem-se seu sobrinho Niklaus Bernoulli (1687---1759), que contribuiu para a teoria das probabilidades e das séries infinitas, e seu irmão mais novo Johann Bernoulli (1667-1748). Este último influenciou profundamente o desenvolvimento do cálculo, tornando-se sucessor de Jakob em Basiléia e tendo Leonhard Euler e Gabriel Cramer entre seus estudantes. Seu filho Daniel Bernoulli é conhecido por seus trabalhos na mecânica dos fluidos e na teoria cinética dos gases (nota extraída de KREYSIG [1993]). 70 suspensas, as teorias de Rankine (meados do século XIX), a teoria elástica (Josef Melan, 1888 e David B. Steinman, 1913--1929) e a teoria da deflexão (J. Melan em 1888). 2.5.1 EFEITOS DINÂMICOS Embora os gregos já se indagassem sobre os fenômenos ligados às vibrações das cordas, foi somente com Galileu e Mersenne, no século XVII, que o assunto foi tratado de forma metódica, levando ao estabelecimento da teoria matemática da corda vibrando, na primeira metade do século XVIII. Quanto à importância do tópico para o desenvolvimento da Mecânica, não se pode fazer melhor que (repetindo IRVINE [1981]) citar Lord Rayleigh, que escreveu: “Para o matemático as cordas devem sempre possuir um interesse especial, tendo sido o campo de batalha onde se travaram as controvérsias de D'Alembert, Euler [Daniel] Bernoulli e Lagrange, ligadas à natureza da solução das equações diferenciais parciais'' . As indagações teóricas iniciaram-se com Taylor em 1713. Em 1738 Daniel Bernoulli (filho de Johann) publicou uma solução para o problema das freqüências naturais de uma corrente suspensa por uma extremidade (a solução foi dada na forma de uma série infinita, hoje conhecida como uma função de Bessel de ordem zero). Por sua vez, D'Alembert foi o primeiro a enunciar, em 1750, a equação diferencial da corda vibrando. Em 1755, Daniel Bernoulli demonstrou que a vibração de uma corda poderia ser decomposta em formas modais independentes. Em 1760, Lagrange usou um modelo discreto de corda como ilustração da aplicação de sua equação de movimento. Este trabalho, entre os primeiros a resolver os problemas de vibração por diferenças finitas foi incluído em seu celebrado livro Mécanique Analytique de 1788. Em 1764, Euler obteve a equação do movimento de uma membrana retesada em termos de coordenadas polares, e então procedeu a uma solução por meio de separação de variáveis, parte desta solução sendo uma série infinita (a qual representou a primeira aparição de uma função de Bessel de primeira ordem). Em seguida, em 1766 Euler expressou as equações do movimento em termos de coordenadas cartesianas. Em 1820, Poisson estendeu a equação de D'Alembert para o movimento de uma corda sujeita a ação de um sistema genérico de forças. Em 1829, o mesmo Poisson resolveu o problema da membrana retangular, sendo esta uma das primeiras aplicações da série de Fourier para problemas outros que não a transferência de calor [IRVINE, 81], [ANTMAN, 95]. A influência do peso próprio sobre as oscilações, ou em outras palavras, as vibrações do cabo suspenso, foi considerada pela primeira vez por J.H. Rohrs, em 1851, em um trabalho em que alguns dos resultados cruciais parecem ter sido derivados por Stokes. O trabalho de Rohrs foi completado por E.J. Routh, que em 1868 derivou a solução exata para a vibração vertical, simétrica, de um cabo heterogêneo e inextensível. A partir daí ouve um período de letargia na pesquisas, quebrado apenas em 1940, com o colapso da Ponte de Tacoma. Bastaram então duas semanas para que Theodore 71 von Kárman explicasse o colapso de Tacoma, em termos de efeitos aerodinâmicos, aplicando os conceitos para se considerar as oscilações autoexcitáveis, já do domínio dos engenheiros de outros campos [ADDIS, 1994]. Assim, se por um lado o acidente de Tacoma refreou por algum tempo a proposição de novas pontes suspensas, por outro lado estimulou o aprofundamento da compreensão teórica do comportamento dessas estruturas, além de abrir novamente o caminho para as pontes estaiadas. Em 1941, W. Rannie e T. von Kármán independentemente derivaram resultados para modos planos simétricos e anti-simétricos de um cabo inextensível entre 4 apoios. Em 1945, G.S. Vincent ampliou estas análises para o caso de cabos extensíveis, mesmo ano em que G.F. Carrier incorporou a extensibilidade para o estudo das cordas, obtendo pela primeira vez um modelo de corda não-linear [IRVINE, 1981]. O problema das oscilações auto-excitáveis da corda do violino, que configura um tipo de não-linearidade associado não à descrição da corda, mas sim ao mecanismo de excitação, foi pela primeira vez estudado em RAYLEIGH [1895]. A partir daí, modelos de complexidade crescente têm sido propostos para este problema, sendo que um resumo da teoria subjacente pode ser encontrado em SCHUMACHER [1995]. 72