ANÁLISE ECONÔMICA DOS ACIDENTES DE TRABALHO1
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ANÁLISE ECONÔMICA DOS ACIDENTES DE TRABALHO1
ANÁLISE ECONÔMICA DOS ACIDENTES DE TRABALHO1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................ 2 1 ANÁLISE JURÍDICA DO ACIDENTE DE TRABALHO....................................... 1.1 BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ACIDENTÁRIO............................................. 1.2 AÇÕES INDENIZATÓRIAS CONTRA O EMPREGADOR................................ 4 4 5 2 ANÁLISE ECONÔMICA DO ACIDENTE DE TRABALHO................................. 12 2.1 INCENTIVOS ECONÔMICOS DO TRABALHADOR........................................ 13 2.2 INCENTIVOS ECONÔMICOS DO EMPREGADOR......................................... 15 CONCLUSÃO......................................................................................................... 20 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 22 1 Artigo originalmente apresentado, como requisito parcial para aprovação na cadeira de Análise Econômica do Direito, cursada no âmbito do Mestrado em Direito na UFRGS, a cargo do professor Doutor César Viterbo Matos Santolim, a quem se agradece as críticas e sugestões. 2 INTRODUÇÃO O presente artigo ocupa-se da análise econômica da responsabilidade civil por acidente de trabalho. Pretendemos, através dele, na primeira parte, apresentar, sumariamente, os efeitos previdenciários e cíveis do acidente de trabalho, para, na segunda parte, analisar economicamente este quadro jurídico, sobretudo no que diz respeito à existência de incentivos aos agentes econômicos. Um fato do mundo pode entrar no mundo jurídico como suporte fático de uma série de normas jurídicas, dando nascimento a determinadas consequências jurídicas. Essa circunstância é bastante usual no Direito. Pensemos no fato da vida morte, que entra no mundo jurídico como suporte fático da relação sucessória (o fato jurídico morte abre a sucessão), ao mesmo tempo em que entra no mundo jurídico como parte do suporte fático da relação previdenciária (a viúva receberá pensão do INSS), da relação matrimonial (com o falecimento do cônjuge, extingue-se o matrimônio), etc. Pode-se falar, dessa forma, que um fato jurídico pode incidir numa série de normas jurídicas, dando nascimento a uma série de relações jurídicas. Analisando-se o conteúdo dessas relações jurídicas, percebe-se que elas contêm relações econômicas subjacentes, que são, igualmente, realizadas através de um mesmo fato da vida. Voltando ao nosso exemplo, temos que o fato morte dará fim ao matrimônio, com a devida partilha dos bens, respeitado o regime adotado; abrindo a sucessão, a herança do falecido será igualmente partilhada por seus herdeiros; e os beneficiários do falecido terão direito à indenização securitária e à pensão do INSS, etc. Todas as relações jurídicas são marcadas por relações econômicas próprias, que serão subjacentes. Com o acidente de trabalho ocorre o mesmo fenômeno: o acidente de trabalho, que sofre o trabalhador, no exercício de suas atividades laborais, por culpa do empregador, e como consequência do acidente invalida-se, será suporte fático de duas normas: a primeira, referente ao Seguro Público, pela qual o acidentado fará jus a um benefício previdenciário; a segunda, referente à responsabilidade civil, pela qual o acidentado fará jus a uma indenização de natureza cível. 3 O objetivo deste artigo é desvelar, servindo-se de alguns conceitos desenvolvidos pela análise econômica do Direito, e.g., o de incentivos, o de risco moral, os incentivos que as partes desta relação jurídica detêm, para prevenir ou precipitar um acidente de trabalho. 4 1 ANÁLISE JURÍDICA DO ACIDENTE DE TRABALHO A hipótese de trabalho desenvolvida neste artigo constitui-se em um exemplo ordinário, comum em nossos pretórios, que pode ser desta forma, sinteticamente, sumariado: um trabalhador, no exercício de suas atividades laborais, sofre um acidente de trabalho, por culpa do empregador, que não lhe fornecera EPIs (equipamentos de proteção individual), e, como consequência do acidente, invalidase. O acidente de trabalho será parte do suporte fático, fundamentalmente, de três normas: a primeira, referente ao Seguro Público, pela qual o acidentado fará jus a um benefício acidentário; a segunda, referente à responsabilidade civil, pela qual o acidentado fará jus a uma indenização de natureza cível; a terceira, igualmente de responsabilidade civil, pela qual o INSS fará jus ao ressarcimento dos valores despendidos a título de benefício acidentário, quando o acidente de trabalho tiver sido causado por incúria do empregador. 1.1 BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ACIDENTÁRIO Em relação ao primeiro suporte fático, temos que, com base na decretação da incapacidade laborativa ou morte decorrente de acidente de trabalho2, o segurado terá direito a perceber do INSS um benefício previdenciário, que poderá ser de aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doenca, auxílio-acidente e auxíliosuplementar, previstos na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. A responsabilidade da Previdência, nessa espécie, é objetiva, não se perquirindo acerca da culpa do trabalhador, para que goze ou não do benefício previdenciário. 2 O conceito de acidente de trabalho encontra-se estampado no art. 19, da Lei nº 8213, de 24 de julho de 1991, sendo aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 da referida lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. No entanto, o art. 20 da referida lei equipara a acidente de trabalho, doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, assim como a doença do trabalho, entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. 5 Salienta-se que a fonte de custeio dos benefícios acidentários é diferente da fonte de custeio dos benefícios previdenciários comuns, correndo o custeio dos benefícios acidentários exclusivamente à conta do empregador, através do pagamento do SAT – Seguro de Acidente de Trabalho, enquanto que o custeio dos benefícios previdenciários corre por conta dos empregadores e dos empregados. Nesse sentido a lição de Antonio Lopes Monteiro e Roberto Fleury de Souza Bertagni3: Para os benefícios de natureza acidentária é diferente. É que, como se sabe, o custeio do SAT, por força do mandamento constitucional previsto no art. 7, XXVIII, é de ônus exclusivo das empresas, que contribuem para o financiamento dos benefícios previstos nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8113, de 24 de julho de 1991, e são concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho em percentuais de 1% a 3%, conforme o art. 22, II, da Lei nº 8212/91, mas sem qualquer teto. O dispositivo citado fala em “total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados e trabalhadores avulsos”. Em razão da natureza do risco previsto, aleatório, não há prazo de carência para o gozo dos benefícios acidentários. 1.2 AÇÕES INDENIZATÓRIAS CONTRA O EMPREGADOR Realizado esse suporte fático, o empregador poderá ser réu em duas ações indenizatórias, uma movida pelo empregado que se acidentou, outra movida pelo INSS, como se passará a analisar. Ao lado do direito de natureza previdenciária, o trabalhador terá direito a uma indenização contra o empregador, desde que tenha este atuado com dolo ou culpa, direito insculpido no texto constitucional, artigo 7, inciso XXVIII, da Constituição Federal. Antes da Constituição da República dirimir essa questão, rica foi a discussão acerca da cumulação ou não do benefício acidentário com a indenização cível. Entendia-se que a lei acidentária esgotava as consequências de um acidente de trabalho, não se havendo que falar sobre indenização de natureza cível, salvo a ocorrência de dolo do empregador, o que obedecia à dicção do artigo 31 do Decreto3 MONTEIRO, Antônio Lopes; BERTAGNI, Roberta Fleury de Souza. Acidentes do trabalho e doenças ocupacionais: conceito, processos de conhecimento e de execução e suas questões polêmicas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 187. 6 Lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944, que dispunha: o pagamento da indenização estabelecida pela presente lei exonera o empregador de qualquer outra indenização de direito comum, relativa ao mesmo acidente, a menos que este resulte de dolo seu ou de seus prepostos. Essa norma acabou sendo redefinida pelo Supremo Tribunal Federal, que amainou a necessidade de dolo, considerando a culpa grave sua equivalente. Este entendimento restou sumulado na sessão plenária de 13 de novembro de 1963, Súmula nº 229, em que se lê: “A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a cumulação de benefício acidentário e indenização cível foi pacificada, tendo-se ainda mais flexibilizado o nexo de imputação, de culpa grave (ditada pela Súmula nº 229) para a mera culpa, esta admitida mesmo na modalidade levíssima. Marco Fridolin Sommer Santos4 sumariza o entendimento, elencando e explicando as duas teorias que fundamentariam a cumulação do benefício previdenciário com a indenização cível: A opção pelo cúmulo das prestações previdenciárias e de responsabilidade civil por acidente de trabalho é uma unanimidade na doutrina e jurisprudência pátrias. A sua aceitação se deve basicamente a duas distintas teorias jurídicas: a) a teoria segundo a qual o seguro social é um seguro de dano da vítima; b) a teoria da diversa natureza das prestações previdenciária e indenizatória. Após explicar ambas as teorias, aponta o autor5 suas contradições, referindo: Em síntese, ambas as teorias que fundamentam o cúmulo das prestações acidentária e de responsabilidade civil são contraditórias. A primeira porque o custeio do seguro de acidentes de trabalho é bancado pelo empregador, o que exclui a tese de seguro de danos da vítima; a segunda teoria porque a natureza civil é a mesma: reestabelecer o status quo do trabalhador atingido pelo dano sofrido por ocasião do trabalho. No entanto, salvo melhor juízo, as contradições apontadas por Marco Fridolin Sommer Santos não têm força para derrubar a tese do cúmulo do benefício previdenciário com a indenização cível. A cumulação decorre do fato de que existem 4 SANTOS, Marco Fridolin Sommer. Acidente do trabalho entre a seguridade social e a responsabilidade civil: elementos para uma teoria do bem-estar e da justiça social. São Paulo: LTr, 2005. p. 74. 5 Ibidem, p. 77. 7 duas relações jurídicas diversas, uma de natureza público-securitária, outra de natureza civil, que são realizadas por um mesmo fato da vida. Fica clara esta assertiva quando se projeta hipótese em que o fato gerador do benefício e da indenização cível é outro que não um acidente de trabalho. Cogite-se, e.g., que um acidente de trânsito – não se pense na hipótese de um acidente in itinere, mas de um acidente comum – ocorreu, por negligência de uma das partes, acarretando a perda da capacidade laborativa do acidentado. O ofendido, um segurado da Previdência Social, terá direito ao percebimento de benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez, ao mesmo passo em que terá direito a uma indenização cível. Percebe-se que o acidentado (de trânsito) participa de duas relações jurídicas, que são desencadeadas por um mesmo fato, uma relação de natureza previdenciária, outra cível. O fato de o seguro público ser basicamente bancado pelo empregador, argumento levantado pelo doutrinador para apontar a impropriedade da teoria de cumulação do benefício previdenciário e da indenização civil, não o torna em segurado. Com efeito, o patrão não está contratando um seguro contra os riscos econômico-financeiros que ele possa sofrer, acaso um trabalhador seu acidente-se. Ainda que os encargos econômico-financeiros fiquem à conta do empregador, o segurado é o trabalhador, e o objeto o risco deste sofrer um acidente de trabalho e danificar sua saúde. A finalidade do seguro público de acidentes de trabalho, em suma, é proteger a saúde do empregado, e não a saúde econômico-financeira do empregador. Marco Fridolin Sommer Santos também não atenta para o fato de que a função da responsabilidade civil não se limita exclusivamente à reparatória, tendo igualmente função preventiva e/ou punitiva. Para Calabresi6, qualquer sistema de responsabilidade civil terá dois objetivos principais, quais sejam, ele terá que ser justo e equitativo, o que podemos considerar como função reparatória da responsabilidade civil (justiça comutativa aristotélica), e deve reduzir os custos dos acidentes, o que pode ser considerada a função preventiva da responsabilidade civil. 6 CALABRESI apud BATTESINI, Eugênio. Direito e Economia: novos horizontes no estudo da responsabilidade civil no Brasil. 2010. Tese (Doutorado em Direito) – UFRGS, Porto Alegre, 2010. p. 53. 8 Dessa forma, essa responsabilidade do empregador, cumulável com o benefício acidentário, hoje regida pelo artigo 186 do Código Civil7, que adota a culta aquiliana e imputa dever de indenizar por ação ou omissão, imprudente, negligente ou imperita, pode cumprir uma finalidade não meramente reparatória, de reconduzir o acidentado ao status quo, mas igualmente preventiva ou mesmo punitiva, o que obra por justificar, ainda mais, o cúmulo dos benefícios. Cumpre-se ainda referir que o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, adotando a responsabilidade independente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem, tende a ter uma interpretação extensiva pela jurisprudência, a qual tem alargado o conceito de risco previsto no artigo 927 do Código Civil, que passa a comportar o risco de empresa – independente da atividade realizada pelo empregado. Sobre a aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, e da teoria do risco da empresa à responsabilidade civil por acidente de trabalho, apesar do texto constitucional referir que o nexo de responsabilização do patrão será configurado, quando obrar com dolo ou culpa, cumpre-se referir a interpretação que o pretório trabalhista tem dado ao tema. Verifica-se que o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, corretamente, tem entendido que o artigo 7 da Constituição cuida de direitos mínimos garantidos ao trabalhador, de forma que, se alguma lei proteger os trabalhadores de forma mais efetiva que a Constituição, esta norma não será inconstitucional e deverá ser aplicada à relação de trabalho. Nesse sentido, leia-se decisão do desembargador do trabalho André Reverbel Fernandes8: 7 Dessa forma, o acidentado, na ação de responsabilidade civil, terá o ônus de provar o dano, o nexo de causalidade entre o dano (patologia ocupacional ou sequela invalidante de acidente de trabalho) e a atividade exercida, além de ter o ônus de provar a culpa do empregador. 8 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 4. Região. Recurso Ordinário número 006030062.2009.5.04.0102. Recorrente: Luft Logística, Armazenamento e Transporte Ltda. Recorrido: MARCELO ANDRÉ MACHADO PIEPER. Relator: Desembargador do Trabalho André Reverbel Fernandes. Porto Alegre, 26 de maio de 2010. Disponível em: <http://gsa3.trt4.jus.br/search?q=cache:i5rk1C6hYwJ:iframe.trt4.jus.br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirAcordaoRTF%3FpCodAndamento%3D346 42004+inmeta%3ADATA_DOCUMENTO%3A2010-01-31..2011-0131+%22responsabilidade+civil%22+e+%22acidente+do+trabalho%22+e+teoria+e+risco++&client=ju risp&site=jurisp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF8&lr=lang_pt&access=p&oe=UTF-8>. Acesso em: 26 jan. 2011. 9 Saliente-se que não há qualquer óbice para a aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil em ações indenizatórias decorrentes de relação de emprego. Ainda mais porque o caput do art. 7º da Carta Magna é preciso ao referir que os direitos elencados em seus incisos se somam a outros que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores, bem como o parágrafo único do art. 8º da CLT prevê a aplicação subsidiária do direito comum, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais do direito do trabalho. Alvino Lima, na década de quarenta, já indicava esse norte como o a ser tomado pela responsabilidade civil, no seu festejado livro Culpa e Risco9. Saliente-se ainda a precisa lição de Luciano Benetti Timm10, que, analisando as diferenças entre esses nexos de imputação, reconhece na responsabilidade subjetiva uma identificação com o estado liberal, e na responsabilidade objetiva uma identificação com o estado social/welfarista. Esse dado vem ao encontro do que Anderson Schreiber11 qualifica como a erosão dos filtros da responsabilidade civil – o decaimento dos critérios responsáveis pela verificação da responsabilidade civil, a culpa, o nexo de imputação antigamente único, que hoje convive com o risco e com a ideia de garantia/qualidade, e o nexo de causalidade. Para este autor, o pouco apreço dado, pelas decisões judiciais, à culpa como nexo de imputação e às teorias sobre nexo de causalidade, faz do dano o grande protagonista da responsabilidade civil moderna. Não é, pois, à toa que Jorge Mosset Iturraspe12 afirma que o dano é o pressuposto central da responsabilidade civil, e que, por isto, no direito argentino, ao se referir à responsabilidade civil, pode-se falar em um direito de danos ou responsabilidade por danos. Em relação aos danos cobrados nessa ação de responsabilidade civil, de ser dito que se desdobram, em patrimonial, ex vi do artigo 950 do Código Civil, na forma de uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação, que ele sofre, alem das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, e em extrapatrimonial, pela dor, angústia e sofrimento que padece, em valor a ser arbitrado pelo juízo. 9 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. rev. e atual pelo Prof. Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 334. 10 TIMM, Luciano Benetti. Os grandes modelos de responsabilidade civil no Direito Privado: da culpa ao risco. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 55, p. 149-167, jul./set. 2005. 11 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. passim. 12 ITURRASPE, Jorge Mosset. Responsabilidad por daños. Parte general. Buenos Aires: Ediar, 1982. Tomo I. p. 139. 10 De outro lado, ocorrendo o acidente de trabalho por culpa do empregador, o INSS terá direito a buscar o reembolso das quantias despendidas a título de benefício acidentário, a teor do artigo 120, no qual se dispõe que: [...] nos casos de negligência quanto às normas de padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis. A responsabilidade civil do empregador, nesta lide regressiva, será de espécie subjetiva, dependendo, dessa forma, para restar caracterizada, de prova, pelo INSS, de culpa ou dolo do empregador. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região conta com dezenas de ações regressivas propostas pelo INSS, que têm por finalidade ressarcir os cofres da autarquia federal, quando o infortúnio, pelo qual faleceu ou se aposentou o segurado, foi causado pela incúria da empregadora. Segundo Júlio César de Oliveira, a ação regressiva: “pode existir mesmo que o trabalhador tenha ajuizado ação de indenização contra o empregador causador do acidente de trabalho, porque as verbas possuem natureza distinta podendo, ser cumuláveis13”. Nesse sentido, leia-se decisão da desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler: PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SENTENÇA ULTRA PETITA. CERCEAMENTO DE DEFESA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS ADVINDOS DE ACIDENTE DO TRABALHO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A inicial preenche todos os requisitos exigidos pelo artigo 282 do CPC, não se verificando qualquer causa de inépcia, bem como ausência de condição da ação, pretendendo a ré discutir, em preliminar, o mérito da causa. 2. A impossibilidade jurídica do pedido ocorre tão somente quando houver uma vedação expressa no ordenamento jurídico acerca do postulado. Existindo previsão legal de ação regressiva a ser proposta pelo INSS contra o empregador no caso de acidente de trabalho – artigo 120 da Lei nº 8.213/91, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido. 3. O INSS estipulou em seu pedido uma condenação mínima de R$ 70.000,00, postulando, ao final, também as parcelas vencidas e vincendas, razão pela qual afasto a alegação de julgamento ultra petita. 4. Não há falar em cerceamento de defesa por ter o INSS deixado de apresentar elementos para o cálculo com a petição inicial, pois o valor da condenação sequer foi determinado, podendo as partes, no momento do cumprimento/liquidação da sentença apresentarem as suas inconformidades quanto aos valores apurados. 5. Demonstrada a 13 OLIVEIRA, Júlio Cesar de. Ação regressiva proposta pelo Instituto Nacional de Seguro Social face às empresas. São Paulo: Conceito, 2011. p. 83. 11 responsabilidade da empresa na qual o empregado realizava suas atividades, uma vez que faltou com os meios de segurança requeridos para evitar o acidente de trabalho, há que confirmar a procedência do pleito regressivo. 6. Não tendo sido a empresa condenada a prestar alimentos aos dependentes do de cujus, e sim ao ressarcimento do INSS, não cabe a constituição de capital por aplicação da norma contida no art. 475-Q do CPC, que constitui garantia de subsistência do alimentando, para que o 14 pensionamento não sofra solução de continuidade . Percebe-se, então, que, ao mesmo tempo em que a incapacitação do empregado dará ensejo ao recebimento de uma dupla indenização – uma subsidiada pela Previdência Social, de responsabilidade objetiva, e outra, subsidiada pelo ex-empregador, de responsabilidade subjetiva, em razão de negligência, mas que tende a se objetivar, ela dará ensejo ao pagamento, por parte do empregador, de uma dupla indenização – uma destinada a reparar os danos causados ao empregado, e outra, destinada a reparar os danos causados ao INSS. 14 BRASIL. Tribunal Regional Federal. 4 Região. Apelação Cível 2004.71.01.003954-3, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 17/09/2010. Disponível em: <http://gedpro.trf4.gov.br/visualizarDocumentosInternet.asp?codigoDocumento=3457912&termosPe squisados=acao|regressiva|inss>. Acesso em: 30 jan. 2011. 12 2 ANÁLISE ECONÔMICA DO ACIDENTE DE TRABALHO A disciplina da análise econômica do Direito surgiu no princípio da década de 60 do século passado, com os pioneiros trabalhos de Coase, chamado The problem of social costs, e de Calabresi, a saber, The cost of accidents15, sendo considerada por muitos como o movimento jurídico de maior impacto na literatura jurídica do século passado16. A análise econômica do Direito afirma-se prescrevendo um estudo interdisciplinar entre Direito e Economia, e é definida por Bruno Salama como: “um corpo teórico fundado na aplicação da economia às normas e instituições jurídicas17”. A análise econômica do Direito está dividida em dois ramos, a saber: a análise econômica positiva e a análise econômica normativa. Enquanto que a primeira se ocupa em descrever a fenomenologia jurídica, expondo os interesses jurídicos subjacentes, a segunda se ocupa não somente com a descrição, mas com a pretensão de modificar a conduta humana, a partir da antecipação18. Para Fernando Araújo19, a análise econômica da responsabilidade civil será feita sob a perspectiva dos incentivos dados aos agentes. De fato, como assevera Bárbara Bedin20: 15 Rachel Sztajn assim sumariza o nascimento da teoria: “Cabe observar, ainda, que esse diálogo é antigo. No século XVIII, Adam Smith e Jeremy Bentham, o primeiro ao estudar os efeitos econômicos decorrentes da formulação das normas jurídicas, o outro ao associar legislação e utilitarismo, demonstraram a importância de análise interdisciplinar ou multidisciplinar de fatos sociais. Embora haja estudos anteriores, é a partir dos anos 60 do século passado que se inicia o desenvolvimento da denominada área de Law and Economics,que vem ser fortalecendo na pesquisa acadêmica. O movimento começa a ganhar corpo com a publicação de The problem of Social Cost, de Ronald H. Coase, professor da Universidade de Chicago, passa por Richard Posner, com Economic Analysis of Law, ambos professores da Universidade de Chicago, por The Cost of Accidents, de Guido Calabresi, de Yale. Além deles, Henry Manne, George Stigler, Armen Alchian, Steven Medema, Oliver Williamson, entre outros, aprofundam o diálogo”. SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel (Org.). Direito & Economia. Análise econômica do Direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 74. 16 SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é “Direito e Economia”? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & Economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.50. 17 Ibidem, p.51. 18 Para se compreender a distinção entre análise econômica positiva e normativa, leia-se SALAMA, Bruno Meyerhof. Op. cit., p. 52-60. 19 ARAÚJO, Fernando. Teoria econômica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007. p. 832. 20 BEDIN, Bárbara. Prevenção de acidentes de trabalho no Brasil sob a ótica dos incentivos econômicos. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) – UCS, Caxias do Sul, 2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 27 out. 2010. p. 80. 13 A AED considera a lei, os códigos de conduta elaborados voluntariamente e as decisões judiciais como formas de incentivos na tomada de decisões de um indivíduo. Podemos exemplificar com as regras estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro que aplica sanções como pagamento de multa, apreensão de veículo, perda da permissão ou habilitação para dirigir por um determinado período como forma de coagir os motoristas a adotarem, ou não, determinadas posturas no trânsito, para que esse flua melhor e se evitem acidentes. Nesse caso, o indivíduo avaliará se o benefício de exceder a velocidade e chegar mais rápido a um determinado compromisso compensa o risco que pode correr de ser autuado cometendo uma infração de trânsito, ter que pagar multa e ter pontos registrados em sua Carteira Nacional de Habilitação. O objetivo desse capítulo é focar, justamente, os incentivos postos aos agentes econômicos desta relação jurídica, a saber, o empregado e o empregador. 2.1 INCENTIVOS ECONÔMICOS DO TRABALHADOR Analisando economicamente a posição do trabalhador, enquanto agente econômico, tem-se que, com o fazimento de um acidente de trabalho, o trabalhador passará a perceber uma dupla indenização, composta de benefício acidentário e de indenização cível. E.g., um empregado, que trabalha 8 horas por dia e recebe R$ 2.000,00, sofrendo um acidente de trabalho, pelo qual se invalide, passará a perceber R$ 2.000,00 da Previdência, e mais R$ 2.000,00 de indenização cível (pensão por perda da capacidade laborativa – artigo 950 do Código Civil), para não trabalhar. A existência dessa dupla indenização traz a desvantagem de que as vítimas do dano podem não ter incentivos para tomar precauções. O incentivo, além de financeiro – pois ele ganhará mais inválido do que trabalhando –, decorre também do nexo de imputação adotado pelo sistema jurídico para verificar a higidez da sua pretensão, pois, em relação ao benefício acidentário, a imputação é objetiva (seguro), e em relação à indenização cível a imputação, embora subjetiva, tem tendência a se objetivar, em vista da aplicação extensiva dada ao parágrafo único do artigo 927 do Código Civil. Essa situação traz à tona a possibilidade de ocorrência de risco moral, ou seja, de o trabalhador comportar-se de forma incauta, não adotando medidas de prevenção. 14 Sobre a idéia de risco moral, necessária a referência a Cooter e Ulen21: O risco moral surge quando o comportamento do segurado muda após a aquisição do seguro, de modo que a probabilidade de perda ou sinistro ou o tamanho da perda aumenta. Um exemplo extremo é o incentivo do segurado para pôr fogo em sua casa quando a companhia de seguros permite que ele a segure por um valor maior do que seu valor de mercado. Um exemplo mais realista é a perda ou o prejuízo em decorrência de roubo. Suponha que você tenha acabado de adquirir um novo sistema de som para seu carro, mas não tem seguro para cobrir seu prejuízo em caso de roubo. Sob estas circunstâncias, é provável que você tranque o carro sempre que sair dele, estacione-o em lugares bem iluminados à noite, frequente estacionamentos bem vigiados, e assim por diante. Dessa forma, se o homem fosse guiado por uma racionalidade exclusivamente financeira (não econômica), o trabalhador deveria escolher o caminho que levasse a um acidente no qual se invalidasse, pois, desta forma, duplicaria seus proventos e eliminaria o trabalho. No entanto, o ser humano comparte de uma racionalidade econômica, social, ética e jurídica. Sopesando o custo decorrente de um acidente de trabalho – precoce afastamento do mercado de trabalho, o dano à saúde física e psíquica ou mesmo, quiçá, a possibilidade de morte – em comparação como benefício que ele colheria – dupla indenização –, e improvável que um trabalhador imponha-se, intencionalmente, um acidente, em vista dos graves riscos que podem ser realizados. No entanto, haverá a possibilidade de o trabalhador não adotar, culposamente, todas as medidas de segurança necessárias, em razão de risco moral, havendo ainda a possibilidade de simulação da gravidade da patologia, quando houver oportunismo do agente, o que pode ser estimulado por falhas do sistema para se fiscalizar a ocorrência de fraude. Com vistas a impedir essa prática, a Lei nº 8.213, de 1991, obriga o Instituto a convocar os segurados a passarem por perícia médica de dois em dois anos, para verificar se ainda perdura a incapacidade laboral que fundamentou o pedido de benefício previdenciário. 21 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 69. 15 2.2 INCENTIVOS ECONÔMICOS DO EMPREGADOR Richard Posner22 principia o capítulo sobre Tort Law, na sua já clássica obra Economic Analysis of Law, referindo que: “Todas as pessoas tomam precauções contra acidentes: a questão interessante é quão extensas são as precauções tomadas”. Essa assertiva tem validade para o caso dos acidentes de trabalho, pois, com efeito, todas as empresas, em maior ou menor grau, tomam algumas medidas de segurança contra acidentes de trabalho, sendo, no entanto, de se perquirir o quão eficientes estas medidas preventivas, de fato, são. No entanto, o que Richard Posner23 tem em mira, ao fazer essa assertiva, é a fórmula da negligência, ideada pelo juiz estadunidense Learned Hand, para resolver uma lide, processo chamado United States v. Carrol Towing Co. Cooter e Ulen assim sintetizam o famoso caso: O processo dizia respeito à perda de uma barcaça e sua carga no porto de Nova York. Várias barcaças foram amarradas com uma única corda de ancoragem a diversos píeres. O rebocador do réu foi contratado para levar uma das barcaças para fora do porto. Para soltar a barcaça, a tripulação do rebocador do réu, não encontrando ninguém a bordo das barcaças, reajustou as cordas de ancoragem. O ajuste não foi feito adequadamente, tendo como resultado que mais tarde uma das barcaças se soltou, colidiu com outra embarcação e afundou junto com a carga. O proprietário da barcaça naufragada processou o proprietário do rebocador, alegando que os funcionários do proprietário do rebocador foram negligentes ao reajustarem as cordas da ancoragem. O proprietário do rebocador retrucou que o proprietário da barcaça também foi negligente porque seu agente, chamado de “barqueiro”, não estava na barcaça quando a tripulação tentou ajustar as cordas de ancoragem. O barqueiro poderia ter garantido que as 24 cordas de ancoragem fossem ajustadas corretamente . O juiz Learned Hand25, então, decidindo o caso, formulou sua famosa fórmula da responsabilidade, desta forma: Já que há ocasiões em que toda embarcação se soltará de suas amarras e já que, se isso acontecer, ela se tornará uma ameaça às que estão ao seu redor, o dever do proprietário, como em outras situações semelhantes, é uma função de três variáveis: 1) a probabilidade de que ela vá se soltar; 2) a 22 POSNER, Richard A. Economic analysis of Law. 7. ed. New York: Aspen, 2007. p. 167. No original, leia-se: “Everybody takes precautions against accidents; the interesting question is how extensive the precautions are”. 23 Ibidem, p. 168. 24 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Op. cit., p. 345. 25 HAND apud COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Op. cit., p. 345. 16 gravidade do dano resultante, se ela fizer isso; 3) o ônus de precauções adequadas. Possivelmente formular essa noção em termos algébricos sirva para realçá-la: se a probabilidade for chamada de P, o dano de R e o ônus de O, a responsabilidade civil depende de O ser do que R multiplicado por P, isto é, O<PR. Frise-se que, para a Escola de Chicago, da qual faz parte o autor que inaugura o capítulo, a saber, Richard Posner, a ação reguladora do Estado limita-se à correção de falhas de mercado, tais como a assimetria informacional e as externalidades26. Segue Battesini27, em sua análise sobre a Escola de Chicago: A correção de externalidades negativas via sistema de responsabilidade civil deve ser realizada tendo em vista o objetivo de promoção da eficiência, com a seleção de regras que minimizem os custos sociais dos acidentes, tarefa na qual se destaca o teste de negligência encapsulado na regra de Hand, exemplo paradigmático de regra eficiente amplamente utilizado pela escola de Chicago. Tendo em vista a necessidade de se minimizar os custos sociais dos acidentes, cinco podem ser considerados os incentivos econômicos que o empregador possui para investir em prevenção dos acidentes de trabalho. Estes incentivos compõem o quadro jurídico e econômico através da qual a empresa irá atuar, decidindo se investirá na efetiva prevenção ou se arcará com os ônus decorrentes do acontecimento acidente de trabalho. O primeiro é dado pelos próprios mecanismos normativos da Previdência Social, através da fórmula do cálculo da contribuição do SAT (Seguro de Acidente de Trabalho), que deverá levar em conta, desde 2009, o FAT (Fator Acidentário de Prevenção). O SAT, que vai custear os benefícios acidentários, é uma contribuição social, que será paga no percentual de 1%, 2% ou 3% sobre a folha de pagamento, dependendo do grau de risco da atividade econômica explorada. Já o FAP (Fator Acidentário de Prevenção), que é um multiplicador que varia de 0.5 a 2 pontos a ser aplicado às alíquotas de 1%, 2% ou 3% da tarifação coletiva por subsetor, de acordo com o risco da atividade, poderá baixar ou aumentar a alíquota do SAT, dependendo do número (estatístico) de acidentes da empresa em relação ao grupo que explora a atividade econômica dela. 26 27 BATTESINI, Eugênio. Op. cit., p. 84. Ibidem. 17 O estimulo dado às empresas é evidente e se caracteriza como uma forma de premiação: quanto menor o número de acidentes, menor será a alíquota para a título de contribuição ao SAT. Por esta razão, Bárbara Bedin28 qualifica esta discriminação do valor do SAT, através do FAP, como um sistema de incentivo através de recompensa. Esta autora, verificando a causa final desta legislação, afirma que: O objetivo da legislação, ao não estabelecer a alíquota única do Giildrat, é justamente incentivar que as empresas façam investimentos na melhoria das condições existentes no meio do ambiente de trabalho e prefiram a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais do que sua (possível) indenização. Tal situação, além de acarretar a diminuição do ônus à Previdência Social, aumenta o bem-estar da sociedade. O segundo incentivo também é encontrado no arcabouço normativo da Previdência Social e constitui-se no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), um dos critérios para a concessão de benefício previdenciário, instituído pela Lei nº 11.430, de 26 de dezembro de 2006, que acrescentou o artigo 21-A e parágrafos à Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Segundo esse dispositivo, a perícia do INSS poderá, desprezando a ausência de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), estabelecer o nexo epidemiológico entre a patologia que acomete o segurado e suas atividades laborais, concedendo ao segurado todos os proveitos decorrentes de um benefício acidentário, a saber, a estabilidade de um ano, quando do retorno ao trabalho. Bárbara Bedin29 qualifica essa discriminação do valor do SAT, através do FAP, como um sistema de incentivo através de recompensa. Bárbara Bedin, examinando o telos desta legislação, refere que: O NTEP poderá servir de incentivo para que haja prevenção quanto a acidentes e doenças do trabalho porque a não emissão da CAT não impedirá o reconhecimento do infortúnio laboral. O terceiro incentivo vem a ser o de não incorrer nos custos decorrentes de uma indenização cível ajuizada pelo empregado ou pelos familiares, em caso de morte, demandando pensão alimentar e danos extrapatrimoniais. Como refere Fernando Araújo30: 28 BEDIN, Bárbara. Op. cit., p. 92. Ibidem, p. 89. 30 ARAÚJO, Fernando. Op. cit., p. 834. 29 18 A indenização é via por excelência para a internalização das externalidades negativas, até porque a externalização negativa começa por afectar um titular de um direito, causando um dão a suscitar uma reacção jurídica que não se limita a restituições, já que naturalisticamente muito do que é dano, é-o por causa da irreversibilidade dos seus efeitos. Na mesma linha, Cooter e Ulen31: “O direito da responsabilidade civil usa as indenizações para internalizar as externalidades criadas por custos de transação elevados”. Considerando a responsabilidade da empresa pelo acidente de trabalho que ocasionou a invalidez ou morte do empregado, a empresa, além de substituir o empregado, incorrendo nos custos de um novo contrato de trabalho, deverá pagar o equivalente ao acidentado, dobrando seu custo original. O custo da indenização cível para a empresa não se limita à prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima, a teor do artigo 948 do Código Civil, em caso de falecimento, ou de uma pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu, a teor do artigo 950 do Código Civil, mas também deverá abarcar os danos extrapatrimoniais que sofreu o empregado/acidentado. Nessa seara, da indenização pelos danos extrapatrimoniais, inexistem critérios objetivos de quantificação de danos, de forma que é impossível antecipar o valor indenizatório, em vista de que cabe o arbitramento dessa reparação ao magistrado da causa. O quarto incentivo vem a ser o fato de o INSS ter direito de promover uma ação regressiva contra o empregador, caso a empregador tenha sido negligente quanto à adoção e fiscalização de medidas de segurança do trabalhador, ação prevista no artigo 120 da Lei nº 8.213, de 27 de julho de 1991. Júlio César de Oliveira32 apreende com precisão a finalidade da ação regressiva, referindo que: Em suma, a ação regressiva é um instrumento que pode trazer de volta aos cofres públicos as verbas que foram despendidas por culpa das empresas, as quais não cumpriram as normas afetas ao bom e seguro ambiente de trabalho, bem como inculcar-lhes os riscos do descuido consciente acerca 31 32 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Op. cit., p. 358. OLIVEIRA, Júlio Cesar de. Ação regressiva proposta pelo Instituto Nacional de Seguro Social face às empresas. São Paulo: Conceito, 2011. p. 112. 19 da segurança no trabalho. Em épocas em que o chamado “rombo da Previdência Social” está tão em voga, a utilização da ação regressiva se faz mais do que necessária. Tal instrumento, que foi tão pouco usado desde a sua criação, precisa sair da letra seca da lei e cumprir seu papel. Voltando ao nosso exemplo anterior, a empresa que pagava R$ 2.000,00 para um empregado, antes de se acidentar, terá que, além de substituir o empregado e pagar ao substituto os mesmos R$ 2.000,00, indenizar o acidentado em R$ 2.000,00 e ainda ressarcir o INSS em R$ 2.000,00. Ou seja, se ela gastava R$ 2.000,00 para um empregado trabalhar, passará a despender R$ 6.000,00 para dispor da mesma força de trabalho, triplicando seus custos. O quinto e último incentivo encontrado para as empresas investirem em prevenção é aquele decorrente do retorno, que é dado pelo empregado, com o cuidado que lhe é prestado, o que tende a maximizar o bem-estar do empregado no serviço, aumentando a probabilidade de a empresa garantir uma melhor resposta funcional, com maior dedicação dos funcionários no exercício de suas funções. O empregado que se sente cuidado pela empresa tenderá a valorizar essa atenção, trabalhando com maior responsabilidade, retornando à empresa o zelo que lhe é dado. 20 CONCLUSÃO O acidente de trabalho é uma falha do mercado. Ele onera todos os agentes econômicos envolvidos, tanto o trabalhador – acidentado, a empresa – empregadora, a previdência pública, o Estado e, consequentemente, toda a sociedade. Dessa forma, justifica-se a intervenção do Estado ao estabelecer as normas que cuidem das condições de segurança e de saúde do trabalhador, com a finalidade de prevenir a ocorrência do dano – o que aproxima nosso sistema jurídico, nesta seara, ao ideal da Escola de New Haven33, que vislumbra uma ampla margem de atuação do Estado, com vistas à correção de falhas de mercado. Considerando que Fernando Araújo afirma que a dissuasão ótima é alcançada com uma ameaça de internalização perfeita34, conclui-se que a legislação brasileira parece cumprir esta pretensão, pois imputa à empresa faltosa, que descura da saúde e segurança de seus empregados, a internalizarão das externalidades negativas, tanto as geradas ao empregado, quanto as geradas à Previdência Social. De todo o exposto, saltam à vista algumas questões que, antes de serem conclusões, constituem-se em pontos de partida para o aprofundamento da análise econômica do acidente de trabalho: A primeira questão seria se há ou não excesso de estímulos ao trabalhador, que, ao sofrer um acidente de trabalho e se invalidar, receberia esta dupla indenização, que seria a cumulação do benefício acidentária com o pensionamento cível. A existência de duas formas de indenizar o acidentado (previdenciária e cível) tem a desvantagem de que as vítimas do dano não podem não ter incentivo para tomar precauções. O trabalhador, que trabalha 8 horas por dia e recebe R$ 2.000,00, sofrendo um acidente de trabalho, pelo qual se invalide, passará a perceber R$ 2.000,00 da Previdência, e mais R$ 2.000,00 de indenização cível (pensão por perda da capacidade laborativa – artigo 950 do Código Civil), não trabalhando. 33 Dentre as inúmeras escolas que compõem o movimento da análise econômica do Direito, a escola de New Haven vislumbra a existência de uma mais ampla margem de atuação do Estado, com vistas à correção de falhas de mercado. Ver BATTESINI, Eugênio. Op. cit., p. 85. 34 ARAÚJO, Fernando. Op. cit., p. 834. 21 Essa situação traz à tona a possibilidade de ocorrência de risco moral, ou seja, de o trabalhador comportar-se de forma incauta, prevendo e desejando a realização do risco, em vista da possibilidade de perceber mais ao se invalidar. A existência dessa dupla indenização, decorrente de um mesmo fato (invalidez da vítima), revela que, talvez, a natureza jurídica da indenização prevista no artigo 950 do Código Civil não seja material, em vista de que os alimentos estão sendo subsidiados pelo benefício acidentário. Talvez, nesta norma esteja previsto autêntico dano existencial, ou seja, dano à existência do ser humano35. De outro lado, o empregador depara-se com uma dupla responsabilidade, devendo responder, pelo risco criado, em relação ao empregado que sofrer acidente de trabalho, e também responder frente ao INSS, quando o acidente tiver ocorrido por sua não efetiva prevenção. O conjunto desses incentivos dados às empresas, com a finalidade de prevenir os acidentes de trabalhos, é um dado econômico relevante, que, se sopesado, será determinante para a empresa investir no cumprimento das normas regulamentadores de segurança e higiene do trabalho. 35 Para aprofundamento do tema dano existencial, leia-se SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009; e SESSAREGO, Carlos Fernandes. El daño al proyecto de vida. Disponível em: <http://www.pucp.edu.pe/dike/bibliotecadeautor_carlos_fernandez_cesareo/articulos/ba_fs_7.PDF>. Acesso em: 15 jan. 2011. 22 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Fernando. Teoria econômica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007. ________. Análise econômica do direito. Programa e guia de estudo. Coimbra: Almedina, 2008. BATTESINI, Eugênio. Direito e Economia: novos horizontes no estudo da responsabilidade civil no Brasil. 2010. Tese (Doutorado em Direito) – UFRGS, Porto Alegre, 2010. 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