Belém-PA 2013 FACULDADES INTEGRADAS IPIRANGA CURSO
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Belém-PA 2013 FACULDADES INTEGRADAS IPIRANGA CURSO
FACULDADES INTEGRADAS IPIRANGA CURSO DE LICENCIATURA EM LÍNGUA PORTUGUESA FRANCESCA DANIELLY DA SILVA CARDOSO MARIA DE FATIMA DE SOUSA MONTEIRO O USO DA LENDA “A MOÇA DO TAXI”, DE WALCYR MONTEIRO, COMO ESTRATÉGIA DE VALORIZAÇÃO DA LITERATURA AMAZÔNICA Belém-PA 2013 FACULDADES INTEGRADAS IPIRANGA CURSO DE LICENCIATURA EM LÍNGUA PORTUGUESA FRANCESCA DANIELLY DA SILVA CARDOSO MARIA DE FATIMA DE SOUSA MONTEIRO O USO DA LENDA “A MOÇA DO TAXI”, DE WALCYR MONTEIRO, COMO ESTRATÉGIA DE VALORIZAÇÃO DA LITERATURA AMAZÔNICA Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado ao curso de Licenciatura em Língua Portuguesa das Faculdades Integradas Ipiranga como requisito obrigatório para obtenção do título de Licenciados em Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. Ma. Élen Mariana Maia Lisbôa. Belém-PA 2013 FRANCESCA DANIELLY DA SILVA CARDOSO MARIA DE FATIMA DE SOUSA MONTEIRO O USO DA LENDA “A MOÇA DO TAXI”, DE WALCYR MONTEIRO, COMO ESTRATÉGIA DE VALORIZAÇÃO DA LITERATURA AMAZÔNICA Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado ao curso de Licenciatura em Língua Portuguesa das Faculdades Integradas Ipiranga como requisito obrigatório para obtenção do título de Licenciados em Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. Ma. Élen Mariana Maia Lisbôa. Data: _____________________ Resultado: _________________ BANCA EXAMINADORA Prof. Ma. Danielle de Fátima Lourinho Pacheco Nome da Universidade / IES Assinatura _________________________________ Prof. Ma. Maria do Carmo Acácio de Sousa Assinatura _________________________________ Nome da Universidade / IES DEDICATÓRIA Dedico este trabalho de conclusão de curso aos meus queridos pais, Nora e Eduardo! Francesca Danielly da Silva Cardoso Dedico este trabalho à minha família, pelo apoio recebido nos momentos mais difíceis. Maria de Fatima de Sousa Monteiro AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, pois se não fosse Ele, eu não teria forças para concluir este trabalho. À minha querida e gentil orientadora, sempre tão solícita, Élen Lisbôa. À minha amiga e parceira neste trabalho, Maria de Fatima Monteiro. A todo corpo docente, administrativo e de apoio das Faculdades Integradas Ipiranga. Mas em especial, aos Professores Paulo Maués, Sheila Maués, Ayvania Pinto e Maria do Carmo Acácio, que contribuíram imensamente para meu aprendizado. Ao carismático escritor paraense, Walcyr Monteiro, por disponibilizar um pouco de seu tempo para nossa entrevista. Agradeço também, a todos os meus Amigos que me deram força para continuar. Principalmente meus queridos amigos Suellem Caldas e Wilysmar Siqueira, que foram um dos principais responsáveis por meu ingresso nesta graduação. À diretora da Escola em que trabalho, Lígia Cristina Figueiredo, por sua compreensão em relação ao meu horário. E não menos importante, à minha família, que sempre se fez presente nos momentos bons e ruins da minha vida. Que sempre acreditou em mim, quando nem eu mais acreditava... Meus amados pais Nora e Eduardo, meus irmãos Mickaelle, Estephania, Grazielly e Eduardo, minha sobrinha Bruna, meu namorado Caio, muito obrigada por tudo! Amo vocês!!! Francesca Danielly da Silva Cardoso A Deus, pela força para seguir adiante, apesar das dificuldades. À José Roberto, por todo apoio e incentivo ao longo deste percurso, aos professores desta Instituiçao, pela paciencia e respeito no processo didático, à professora Élen Mariana Maia Lisbôa, por sua dedicação e, `a Francesca Danielly Cardoso, pelo companheirismo nesta caminhada. Maria de Fatima de Sousa Monteiro “Filha da imaginação, a lenda é tanto mais bela quanto mais soberbo e grandioso é o cenário em que se anima a ficção criadora.” (JOSÉ COUTINHO DE OLIVEIRA, 2007). RESUMO A literatura amazônica ainda se encontra muito ausente das escolas. A maioria dos alunos da Educação Básica desconhece autores paraenses e suas obras. Com isso, o presente artigo tem como objetivo propor discussões teóricas que corroborem quanto ao uso de gêneros literários instigantes para despertar o interesse pela literatura amazônica em sala de aula. A lenda “A Moça do Táxi”, recolhida pelo escritor paraense Walcyr Monteiro, indicada como estratégia didática, foi analisada a partir de suas características fantasiosas e ilusórias que levam a transitar entre o real e o imaginário. A pesquisa foi fundamentada a partir de uma revisão bibliográfica acerca do assunto, entrevista com o escritor e com base nas discussões teóricas de Irene Machado, Tzvetan Todorov e Jacqueline Held, dentre outros autores. As considerações finais, sem a intenção de esgotar este estudo, preliminarmente demonstram a importância do uso de gêneros literários instigantes, haja vista que estes, se constituem como fortes instrumentos para despertar o interesse e o gosto pela leitura. Palavras chave: lenda; imaginário; literatura amazônica. ABSTRACT The Amazonian literature is still far away from schools. Most elementary students are unaware of Pará authors and their works. Thus, this paper aims to propose corroborating theoretical discussions regarding the use of provocative literary genres to generate interest in Amazonian literature in the classroom. The legend "The girl in the taxi," narrated by writer Para Walcyr Monteiro, indicated as a teaching strategy was analyzed from their fanciful and illusory characteristics that lead to transit between the real and the imaginary. The research was based from a literature review on the subject, interview with narrator of the tale and based on theoretical discussions of Irene Machado, Tzvetan Todorov and Jacqueline Held, among other authors. The final consideration, without intent to deplete this study preliminarily demonstrate the importance of using provocative literary genres, given that they constitute as strong instruments to awaken the interest and taste for reading. Keywords : legend; imagination; literature Amazon. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 5 1.1 PROBLEMATIZAÇÃO .................................................................................................. 8 1.2 OBJETIVOS .................................................................................................................... 8 1.2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................... 9 1.2.2 Objetivos Específicos .................................................................................................... 9 1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ...................................................................................... 9 1.4 HIPÓTESES .................................................................................................................... 9 1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ............................................................................... 10 2 MÉTODO .......................................................................................................................... 11 2.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA ............................................................................... 11 2.1.1 Quanto à Natureza ......................................................................................................... 11 2.1.2 Quanto à Abordagem do problema ................................................................................ 11 2.1.3 Quanto aos Objetivos ..................................................................................................... 12 2.1.4 Quanto aos Procedimentos Técnicos ............................................................................. 12 3 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................. 14 3.1 A ORIGEM DA LENDA .................................................................................................. 14 3.1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS LENDAS ............................................................................... 16 3.2 PANORAMA DA PRODUÇÃO LITERÁRIA DO ESCRITOR PARAENSE WALCYR MONTEIRO ............................................................................................................................ 24 3.2.1 O IMAGINÁRIO E SUAS ATRATIVAS CARACTERÍSTICAS INSTIGANTES .... 28 3.3 ANÁLISE A PARTIR DA LENDA “A MOÇA DO TAXI” ........................................... 34 3.3.1 A AUSÊNCIA DA LITERATURA AMAZÔNICA NO AMBIENTE ESCOLAR .................................................................................................................................................. 39 4 RESULTADOS ................................................................................................................... 44 5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ........................................................................ 50 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 52 ANEXOS 5 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa abordou a lenda “A Moça do Taxi”, recolhida pelo escritor paraense Walcyr Monteiro, como estratégia de valorização da literatura amazônica, a fim de contribuir para a busca dos valores culturais e morais, contribuir para a formação de leitores proficientes e críticos, bem como despertar o interesse pelos escritores paraenses, pois com o avanço tecnológico, a falta de tempo dos pais, que em sua maioria não são instruídos – são analfabetos ou semianalfabetos – o costume de contar causos1, lendas, mitos, foi-se perdendo. Percebe-se a supervalorização da cultura exterior em relação à cultura amazônica. E tal supervalorização é evidente no que se dizem respeito à literatura, costumes, moda, artesanato, e dialetos, que são muitas vezes “copiados” das ditas tendências da moda. De acordo com Aranha (2003), ao longo de sua história, o homem produz cultura, que são as práticas, teorias, instituições, valores espirituais e materiais, que não se esgotam devido à infinita possibilidade humana de criação. Todo povo tem sua história e sua cultura. Conhecer a cultura do outro, tem sua devida importância, mas no sentido de respeitar e valorizar. Adotá-la para si, requer cautela, pois à medida que se introduz outros costumes e dialetos no cotidiano, consciente ou inconscientemente, nega-se a própria origem, a própria história. O que se tem percebido com isso, é que a todo o momento as pessoas são levadas a adquirir novos hábitos e costumes. Da mesma forma na literatura. O direcionamento é a outras leituras, o que faz com que se deixe de conhecer o que é peculiar desta região ou de cunho interior do estado em que se vive. Considerando o valor moral da literatura que se constitui em uma finalidade pedagógica e educativa, permitindo ao homem tomar noção de sua realidade, a literatura local leva à consciência crítica dos problemas sociais e ao mesmo tempo a conhecer as características culturais de sua região. Consideramos a literatura como uma forma específica de conhecimento da vida proporcionado pelo arranjo estético do material linguístico utilizado. Essa definição abrange a característica essencial da obra literária (arte da palavra) e sua função fundamental (visão peculiar do mundo). (SALVATORE, 2006, p. 23). 1 De acordo com o Dicionário de Gêneros Textuais (2009), é Geralmente falado(a), relativamente curto(a), que trata de um acontecimento, fato ou conjunto de fatos, reais ou fictícios, como casos do dia a dia ocorridos com pessoas, animais, etc., ou de histórias da imaginação das pessoas, como “causos” ou contos populares (v.) da Mula Sem Cabeça, Lobisomem, etc., conhecidos como contos (v.) de assombração. Esses contos por exemplo, diferenciam-se dos contos populares (v.) de fada ou outros, por não começarem por “era uma vez...”, mas por “certa noite”, “em um lugar tenebroso”, “era meia-noite...”. 6 Não se vê, por exemplo, alguém usando roupas de carimbó ou siriá nas regiões sul e sudeste ou no exterior. Entretanto, mesmo com o clima quente da região amazônica, muitos usam botas e tecidos em couro. É pouco provável ver pessoas de qualquer lugar do mundo usando camisas com dizeres “I Love Pará”. Mas neste estado, pode-se ver pessoas usando camisas com dizeres “I Love Rio” ou “I Love New York”. Assim como as expressões “égua”, “pai d’egua”, “pitiú” ou qualquer uma pertencente ao léxico paraense, não são alvos de modismo em nenhum lugar que não seja neste estado. Diferente das expressões “mó”, “já é”, “bolado” pertencente ao léxico carioca e que muito paraense utiliza como seu dialeto. Em entrevista ao escritor paraense Walcyr Monteiro, realizada às dez horas e trinta minutos do dia vinte de setembro de dois mil e treze, o autor disse que a cultura, os costumes do Estado do Pará estão sendo esquecidos pelo próprio povo, justamente devido a tecnologia, a influência e aceitação da cultura exterior, como por exemplo, a influência sulista no vocabulário paraense. O pronome de tratamento senhor, que é usado de forma respeitosa e o pronome pessoal tu, empregado normalmente para se dirigir a alguém mais íntimo, estão caindo em desuso. Está cada vez mais comum o uso do pronome você, mas empregado de forma inadequada em relação à norma culta, como: “Você não sabe o quanto eu te amo!”. (Exemplo do próprio escritor.). O referido escritor relata que em 1987, em uma de suas viagens ao baixo Amazonas, mais precisamente a São Félix do Xingú, encontrou uma casa muito simples no meio da selva. Em frente a ela, uma roda de crianças cantando a música “ilariê”, da cantora e apresentadora Xuxa, e logo acima da casa havia uma bacia de alumínio, que ligada a um arame conectado a televisão e a um motor de luz, funcionava como antena parabólica. Diante de tal fato, o autor sentiu uma enorme decepção, porque mesmo num lugar tão afastado da capital, dos recursos tecnológicos, a cultura paraense foi corrompida. E da mesma forma que as cantigas de roda perderam espaço para as músicas da Xuxa, muitas palavras pertencentes ao léxico paraense estão sendo substituídas por palavras de outros estados e países, como por exemplo, peteca por “bola de gude”, papagaio por “pipa”, bicicleta por “bike”, dentre muitas outras. No Diárioonline do dia trinta e um de outubro de dois mil e treze, o jornalista Kleberson Santos publicou uma nota referente à Semana Municipal da Matinta Perera. Esta, diz respeito à lei ordinária nº 8.330, de 16 de junho de 2004, que institui a Semana Municipal “MATINTA PERERA” e tem início no dia 31 de outubro. Esta lei foi sancionada com o intuito de contrapor o halloween, festa muito popular em países de língua anglo-saxônica, 7 principalmente nos Estados Unidos. Esta festa de origem americana, também é um exemplo de aceitação da cultura exterior, e que há muito tempo, integra a cultura brasileira. É muito importante conservar a tradição oral das lendas, pois elas fazem parte da cultura paraense. E como elas instigam a imaginação das pessoas, há uma probabilidade maior de interesse da parte delas, em ler livros relacionados a este ou a outros gêneros narrativos, a pesquisar mais sobre quem as escreve e consequentemente, a transmiti-las. O que faria com que o ato de contar lendas, voltasse a ser costume nas horas de lazer em família, nas rodas de amigos e vizinhos. E por mais esquecidas que elas estejam, as lendas amazônicas tratam-se de histórias curiosas, que sempre deixam dúvidas do que pode ou não, ser real. E quando contadas, os interlocutores querem sempre ouvi-las novamente e até outras mais. É importante também que a valorização das lendas seja de iniciativa do professor em sala de aula, pois este, é o principal mediador na vida do educando. Sua devida intervenção se faz necessária durante a vida escolar do aluno, e acarreta forte influência depois de sua vida escolar. Uma vez incentivado, o aluno jamais perderá o gosto pela leitura de lendas amazônicas e nem o hábito de contá-las. Pois a lenda atravessa gerações e possui características atrativas, que prendem a atenção de quem as ouve, desperta a curiosidade e o interesse dos leitores e ouvintes. O contato com as lendas é de fundamental importância para formação de futuros leitores, pois a criança que ouve histórias, certamente terá maior interesse pela leitura de um modo geral. Acredita-se que a formação para cidadania passa também pelo conhecimento e valorização da própria cultura. Paulo Freire (2003) diz que “leitura boa é leitura que nos empurra para vida, que nos leva para dentro do mundo que nos interessa viver”. E ao longo do tempo, o costume de contar histórias foi-se perdendo, dando espaço a tecnologias como os jogos eletrônicos e internet, e hoje, a maioria das crianças e adolescentes sequer conhece ou ouviu falar em lendas paraenses. E ao ouvir alguma pela primeira vez, o interesse é imediato. E para tanto, é necessário que tal interesse seja aproveitado desde o princípio. Diante do exposto, a escola apresenta-se como opção na divulgação deste acervo literário. E sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é despertar o interesse pela literatura amazônica em sala de aula, estabelecendo maneiras mais atrativas que possam estimular os alunos a criarem o gosto pela leitura. 8 Para tanto, se elencou os seguintes objetivos específicos: instigar o imaginário através de lendas, incentivar o hábito pela leitura de livros da literatura amazônica e resgatar a cultura paraense e o imaginário através da leitura de lendas. Para viabilização deste processo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, dentro de uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório, em livros, artigos, revistas e entrevista com o escritor paraense Walcyr Monteiro. 1.1 PROBLEMATIZAÇÃO A Literatura Paraense é caracterizada por histórias, contos, lendas, mitos e “causos sobrenaturais” ricos em encantamentos que durante décadas, foram contados principalmente pelos mais velhos. Eram histórias fantásticas que enchiam de medo e curiosidade a quem ouvia. Porém, devido ao avanço tecnológico, a ausência de muitos pais em relação à cobrança dos estudos de seus filhos e até mesmo ao pouco uso das lendas em sala de aula pelos professores, este costume foi-se perdendo. Acredita-se que a escola, em parceria com os professores, possa resgatar o interesse dos educandos pela Cultura Paraense, mostrando-lhes lendas como ”A Moça do Taxi”, levando-os a perceber o quão interessante é a Literatura Paraense. Não somente pelo medo que elas provocam em quem as ouve, mas pela sua originalidade, pelos minuciosos detalhes de quem as contam, e por ser de suma importância para a boa formação de leitores críticos, proficiente e consequentemente, futuros bons escritores, pois todo bom escritor conhece e domina a sua própria cultura. Diante desta situação, investigou-se a seguinte problemática: Como utilizar as lendas para incentivar a Literatura Paraense? 1.2 OBJETIVOS 9 1.2.1 Objetivo Geral Despertar o interesse pela literatura amazônica em sala de aula. 1.2.2 Objetivos Específicos • Instigar o imaginário através de lendas; • Incentivar o hábito pela leitura de livros da literatura amazônica; • Resgatar a cultura paraense e o imaginário através da leitura de lendas. 1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO O presente estudo, apesar de se tratar da literatura amazônica que engloba outros estados brasileiros, limita-se somente ao estado do Pará, na cidade de Belém, local de origem da lenda “A Moça do Taxi” e do escritor Walcyr Monteiro. A região norte é muito rica em lendas, contos e mitos amazônicos que descrevem e exaltam a exuberância da floresta amazônica. Possui muitas histórias que mexem com o imaginário de quem as ouve, como a história do boto, da matinta pereira, da cobra grande, etc. Estas histórias de assombrações, “almas penadas”, pessoas e animais lendários, são muito interessantes. Dentre o rico acervo de opções, a lenda escolhida para figurar este trabalho foi “A Moça do Taxi”, recolhida pelo escritor paraense Walcyr Monteiro, com a pretensão de instigar a imaginação do aluno. E para tanto, a presente pesquisa abordou o uso da referida lenda como uma estratégia de valorização da literatura amazônica. 1.4 HIPÓTESES • A leitura de lendas estimula o imaginário e a criatividade humana, possibilitando uma nova leitura de mundo; 10 • A literatura amazônica por retratar a história e a cultura do povo, é um instrumento que viabiliza a disseminação dos valores regionais; • O escritor paraense Walcyr Monteiro, recolhe fatos do imaginário popular, a fim de resgatar a cultura amazônica. Mais especificamente, a cultura paraense. 1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO O presente estudo desenvolve-se em três capítulos: Primeiramente trata da origem e da classificação das lendas, tendo como base de estudos os conceitos utilizados por Sérgio Roberto Costa, Irene A. Machado, Salvatore D’onofrio, Luís da Câmara Cascudo e José Coutinho de Oliveira. Posteriormente, o segundo capítulo descreve a produção literária do escritor paraense Walcyr Monteiro, segundo Acyr Castro e Apolonildo Senna Britto, e aborda as características do imaginário, de acordo com as definições de François Laplantine e Liana Trindade, Jacqueline Held, Ivan Teixeira, Tzvetan Todorov e Márcia Romero Marçal. E por fim, no terceiro capítulo, faz-se uma análise da lenda A Moça do taxi, demonstrando suas características literárias a partir de conceitos de Márcia Romero Marçal, Tzvetan Todorov, Sandra Maria Soares, e Walcyr Monteiro, Apolonildo Senna Britto e Sonia Khéde e descrevese o difícil acesso à literatura amazônica. 11 2 MÉTODO O caráter científico da pesquisa se forma a partir da aplicação de técnicas e métodos apoiados em fundamentos epistemológicos. Esses elementos pressupõem toda e qualquer pesquisa e estão presentes durante todo o processo do conhecimento. Contudo, em Ciências Humanas sobrevêm diferenças quanto à prática investigativa, devido à diversidade de aspectos epistemológicos que envolvem a pesquisa, possibilitando diferentes enfoques ao objeto estudado. (SEVERINO, 2007). O estudo da lenda “A Moça do Táxi” como estratégia de valorização da literatura amazônica, seguiu uma metodologia voltada à proposição da pesquisa, que visa mudanças de valores e comportamentos de contexto local. Para este fim, foram adotadas metodologias classificadas conforme a natureza da pesquisa. 2.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA 2.1.1 Quanto à Natureza O referido estudo se consolida como uma pesquisa aplicada, por voltar-se a um problema de interesse local, que visa a prática de mudança de comportamento através da aplicação prática de métodos didáticos dentro de sala de aula. De acordo com o objetivo, o estudo não só ocasionou contribuições teóricas para a valorização da literatura amazônica, como também demonstrou meios para a ação de intervenção e para a solução de um problema local a partir de uma ação didática escolar proposta pela pesquisa. 2.1.2 Quanto à Abordagem do problema Por tratar de um estudo de valorização em que os atributos requerem interpretação de fenômenos e atribuição de significados culturais, o problema teve uma abordagem qualitativa. 12 Esta abordagem considera a subjetividade dos sujeitos envolvidos com o objeto de pesquisa e busca interpretar o comportamento humano e o meio que o envolve. A abordagem qualitativa segundo Severino (2007, p. 119), “São várias metodologias de pesquisa que podem adotar uma abordagem qualitativa, modo de dizer que faz referência mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades metodológicas”. O estudo foi baseado nos aspectos qualitativos, uma vez que busca a mudança do comportamento humano, trata de valores culturais e regionais e da compreensão dos fatos. Neste sentido a abordagem qualitativa se sobrepõe à quantitativa, uma vez que essa não possui elementos suficientes que possam subsidiar a pesquisa. De acordo com Minayo-Menga (1986, apud MARKONI, LAKATOS, 2009, p. 271), o estudo qualitativo “é o que se desenvolve em uma situação natural; é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. 2.1.3 Quanto aos Objetivos A ausência da literatura amazônica em sala de aula tem proporcionado sua desvalorização, e consequentemente, a desvalorização da cultura paraense. Com isso, o presente estudo visou despertar o interesse dos alunos pela literatura amazônica. Para isso, buscou levantar informações acerca de gêneros narrativos curiosos e estimulantes que pudessem despertar o interesse dos alunos pela literatura amazônica. Nesta perspectiva, o estudo se constituiu em uma pesquisa exploratória, que segundo Severino (2007, p. 123), “busca apenas levantar informações sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condições de manifestação desse objeto. Na verdade, ela é uma preparação para a pesquisa explicativa”. 2.1.4 Quanto aos Procedimentos Técnicos 13 A pesquisa foi de cunho bibliográfico e se compôs a partir de um levantamento sobre o tema que envolveu lendas, imaginário e gêneros narrativos maravilhoso e fantástico, cujas fontes foram artigos científicos, livros e sites que contribuíram para o estudo em questão. Ainda segundo Severino (2007, p. 122), a pesquisa bibliográfica “é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. [...] Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados”. A partir da coleta do material bibliográfico, este foi submetido a uma triagem para selecionar aquilo que é mais interessante para a pesquisa, pois o resultado da triagem é que dará um direcionamento à leitura do pesquisador. Lakatos (1991), ratifica que todo material da pesquisa deve ser submetido à triagem para que se possa criar um plano de leitura. 14 3 REFERENCIAL TEÓRICO 3.1 A ORIGEM DA LENDA: DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO A busca pela explicação de alguns fenômenos do mundo ou de certas coisas que muitas vezes não têm justificativa, faz da lenda, uma possível explicação para tais fatos. Não que estas sejam verdades definitivas, mas alguns fenômenos naturais, cidades, animais, vegetais e heróis nacionais, por exemplo, têm a explicação em forma de lenda. No início do cristianismo entendia-se por lenda, os documentos a serem solenemente lidos na festa de um determinado santo ou mártir, a fim de enaltecê-los e contar a história da vida deles, tornandoos exemplos a seus ouvintes. A palavra lenda surgiu durante a Idade Média, em meados do século XIII, pelo bispo italiano Jacobus de Varazzo. Ela conserva quatro características do conto popular: a antiguidade, pois até hoje se ouve falar em lenda, independente do espaço geográfico; a persistência, devido ao fato de quem a conta, acreditar nem que seja parcialmente, no enredo da lenda; o anonimato, uma vez que, o autor de toda e qualquer lenda é desconhecido. Normalmente se ouve falar de “alguém que viu algo”, ou “ouviu alguém dizer isso ou aquilo”, mas nunca, com precisão, quem de fato, presenciou o “causo”. Mas há também aqueles que afirmam já ter presenciado um fato sobrenatural; e a oralidade, que é o principal foco de uma história, pois antes mesmo de ser escrita, ela é oralizada por alguém. O Dicionário de Gêneros Textuais (2009, p. 139) define lenda como: Narrativa ou crendice acerca de seres maravilhosos e encantatórios, de origem humana ou não, existentes no imaginário popular. Trata-se de história (v.), também chamada legenda (v.), cheia de mistério e fantasia, de origem no conto popular (v), que nasceu com o objetivo de explicar acontecimentos que teriam causas desconhecidas. Na busca do maravilhoso, o ser humano sempre procurou dar sentido à movimentação dos astros, à migração de animais, aos fenômenos naturais, etc. essa narrativa de caráter maravilhoso pode também se referir a um fato histórico que, centralizado em torno de algum herói popular (revolucionário, santo, guerreiro), se amplifica e se transforma sob o efeito da evocação poética ou da imaginação popular. Por muitas vezes, lenda, mito e conto popular são confundidos. Ambos pertencem à tradição oral e não possuem autor, entretanto, o conto popular é de caráter universal, o que segundo Irene A. Machado (1994), é uma criação do imaginário coletivo que possui traços que se repetem nos mais variados locais e época, documentando os costumes esquecidos no 15 tempo, mas que não mudam com o passar dos tempos. Neste tipo de narrativa, há uma forte tendência para a magia, para o sonho ou para a fantasia, pois antes mesmo de se aprender a ler e escrever, se ouve primeiro, histórias fantásticas, maravilhosas, envolvendo fadas, príncipes e princesas, castelos, bruxas, fantasmas, dentre outros. Ainda para Machado (1994), o conto popular “Nasceu no dia em que o homem descobriu que podia colocar sua voz a serviço de sua imaginação, criando situações, pessoas, lugares, sonhos, em histórias que pudessem correr o mundo, sem nunca envelhecer”. O Dicionário de Gêneros Textuais define o conto popular como “herança de crenças e mitos primitivos que se adaptaram a novos contextos culturais.” (p. 75). Caracteriza-se por ser breve; por ter ação concentrada; por ter um número reduzido de personagens – personagens normalmente anônimas e prototípicas – e por normalmente ser iniciado com a frase “Era uma vez...”. Já o mito, embora também seja uma possível explicação para o surgimento de certos fenômenos, ele está muito ligado à mitologia, na tentativa de compreender o universo e a finalidade deste, e do homem. Salvatore D’Onofrio (2006, p. 106) explana: Mas, na sua acepção mais comum, mito é uma história ficcional sobre divindades, inventada pelos homens para explicar a origem das coisas ou justificar padrões de comportamento. O que há em comum nos dois usos da palavra mito é que se trata sempre de uma história fantástica, inventada ou por um poeta (no caso do mito trágico de que fala Aristóteles) ou pelo povo (no caso da mitologia). É o conjunto de lendas e narrações na história da civilização que se referem a fatos e personagens anteriores aos fatos históricos, que justamente por não serem de fato, comprovados, se entrelaçam aos episódios fantásticos e maravilhosos. Luís da Câmara Cascudo (2011, p. 516), diz que “na confusão das sombras mentais se fundam as criações mitológicas que se transmitem diversicoloridas de geração em geração através das idades.”. Ainda para Cascudo (2011, p. 511), a lenda é: Episódio heroico ou sentimental com o elemento maravilhoso ou sobre-humano, transmitido e conservado na tradição oral popular, localizável no espaço e no tempo. De origem letrada, lenda, legenda, “legere”, possui características de fixação geográfica e pequena deformação. Liga-se a um local, como processo etiológico de informação, ou à vida de um herói, sendo parte e não todo biográfico ou temático. D’Onofrio (2006), faz uma breve diferenciação entre mito e lenda. Para ele, o mito é ligado mais especificamente a entes sobrenaturais e tem a crença como atitude mental. Já a lenda se apropria de seres humanos como heróis, fazendo de seus valores cívico e/ou 16 espiritual, estimule a imaginação. Ela se origina a partir de um determinado acontecimento histórico, mesmo que com o passar do tempo, seja modificada pela imaginação popular. Atualmente, a palavra mito tem sido frequentemente usada como sinônimo de mentira. É uma forma de dizer que determinada afirmação ou especulação, não são verdadeiras. Um exemplo disso é o programa “Câmera Record” da emissora Rede Record. Em algumas reportagens o apresentador revela “mitos e verdades” acerca de um determinado assunto. O termo mito é usado para apontar certas afirmativas como falsas, justamente por não terem nenhuma explicação lógica. E o termo verdade só é usado para as afirmações, quando há realmente comprovação científica para explicá-las. No programa exibido no dia 25/10/2013, cujo tema era Mitos e verdades sobre a nossa audição, o apresentador faz uma série de afirmações, tais como: “Tampar o ouvido de bebês no banho evita infecção”, “Infecção no ouvido pode desencadear meningite” e “Não se deve cortar pelos da orelha”. Logo em seguida, diz se é verdade ou mito e explica o motivo. Um dos verbetes do dicionário de Língua Portuguesa Aurélio, trata o mito como uma narrativa vista como verdadeira por um determinado grupo, e que é transmitida há gerações. Entretanto, outro verbete o classifica como uma ideia falsa: 1. Relato sobre seres e acontecimentos imaginários, que fala dos primeiros tempos ou de épocas heróicas 2. Narrativa de significação simbólica, transmitida de geração em geração dentro de determinado grupo e considerada verdadeira por ele. 3. Idéia falsa, que distorce a realidade ou não corresponde a ela. 4. Pessoa, fato ou coisa real valorizados pela imaginação popular, pela tradição, etc. 5. Fig. Coisa ou pessoa fictícia, irreal; fábula. (FERREIRA, 2000, p. 466). Por tentar explicar certos fenômenos naturais, astronômicos, meteorológicos, ou o surgimento de certas cidades e heróis nacionais que contribuíram para a civilização de épocas passadas, e até mesmo por tentar reproduzir verdades não tão paradoxais a história, a lenda por sua vez, apresenta subdivisões. Cada uma dessas subdivisões apresenta uma característica peculiar, que serão definidas e exemplificadas a seguir. 3.1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS LENDAS A lenda histórica, segundo Machado (1994, p. 101), “apresenta a origem lendária de países e civilizações, que acabaram valendo como uma explicação histórica”. Pode-se citar como exemplo, a lenda “Rômulo e Remo”, que é uma possível explicação para o surgimento 17 da cidade de Roma. Nesta lenda, os irmãos Rômulo e Remo são filhos de Rea Sílvia, que por sua vez, é sobrinha de Amulio, irmão de Numitor. A ganância pelo futuro reinado de seus descendentes, fez com que Amulio matasse Lauso, também filho de Numitor e obrigasse Rea Sílvia a fazer voto de castidade. Entretanto, Rea Sílvia concebeu os gêmeos Rômulo e Remo, que por ordens de Amulio, foram colocados em uma cesta e lançados no rio Tibre. Inicialmente, os gêmeos foram amamentados por uma loba que acabara de perder seus filhotes e posteriormente, foram cuidados por Faustolo e sua esposa. Rômulo e Remo cresceram entre os pastores, desbravando bosques e montanhas, lutando com ladrões de gados, mas certo dia, Remo foi preso, acusado de devastar os rebanhos de Numitor, que hesitou em matá-lo, por achá-lo muito semelhante a sua filha Rea Sílvia. Sabendo do ocorrido, Faustolo contou a Rômulo sua origem e este, dirigiu-se a Alba, libertou o irmão, matou o rei Amulio e devolveu o trono a seu avô Numitor. Posteriormente, Rômulo e Remo fundaram uma cidade no local em que haviam sido descobertos por seu pai de criação, delimitaram as terras e Rômulo impôs que ninguém ousasse ultrapassá-las. Mas seu irmão Remo, zombando de suas regras, o desobedeceu. Muito furioso e por possuir projetos para seu povoado, Rômulo o matou sem hesitar, para que servisse de exemplo para os outros. Mesmo com o ocorrido, seus planos continuaram, e Rômulo anunciou uma festa com a intenção de tomar as mulheres dos sabinos. Estas, após muitas lutas, resolveram viver em paz com os romanos e Tácio, rei dos sabinos, dividiu o trono com Rômulo. Não que a lenda “Rômulo e Remo” seja uma verdade absoluta, mas ela tem muito a ver com a formação da Língua Portuguesa, uma vez que com o rapto das sabinas, que povoavam as montanhas na atual Itália, com o tempo, foram absorvidos pelas populações do Lácio, onde ocorreram as primeiras manifestações da Língua Portuguesa. Já a lenda naturalista, ainda segundo Machado (1994, p. 102), explica “os fenômenos naturais, como os astros, o tempo e muitos aspectos geográficos como vegetação, montanha, vulcão, bem como o surgimento da Terra.”. Este tipo de lenda surgiu plenamente pela cultura popular, em que as pessoas usam a imaginação para explicar a origem dos seres, dos astros, das coisas em geral. Em determinadas lendas, a Terra aparece como obra divina e o Mar como obra diabólica, o Sol e a Lua aparecem como homem e mulher, e em outra, como irmãos. José Coutinho de Oliveira (2007, p. 37), define este tipo de lenda como cosmogônica. Tipo este, que busca “explicar fenômenos de natureza astronômica ou meteorológica.”. 18 Ambas as definições têm o mesmo propósito. O de explicar os fenômenos naturais com uma vertente diferente da religião e da ciência. Pode-se citar como exemplo, a lenda “Como se fez a noite”, extraída do livro Imaginário Amazônico, Oliveira (2007, p. 41). Segundo esta lenda, a filha da Cobra Grande se casou com um homem muito bom e bonito, dono de três escravos bravos e fiéis. Ao sentir sono, o homem não pôde dormir, pois naquela época não havia noite. Somente o dia. Então, sua esposa sugeriu que ele mandasse buscar a noite com sua mãe, a Cobra Grande, pois somente ela poderia buscá-la no fundo do rio. E o homem, seguindo a sugestão da esposa, ordenou que seus escravos fossem até a Boiaçu. Esta, dormia enrolada num grosso tronco de miriti à beira rio, pois havia acabado de comer uma anta e beber caxiri, uma típica bebida indígena. Quando enfim conseguiram acordar a Cobra Grande, os escravos informaram o motivo da visita, e imediatamente a Boiaçu foi ao fundo do rio e, de lá, trouxe um grande caroço de tucumã. Ela recomendou que eles não abrissem o caroço e que o entregassem somente à sua filha, pois esta sabia o que fazer. Os escravos partiram, e no meio do caminho começaram a escutar um barulho que parecia vir do caroço de tucumã. O barulho foi aumentando e a curiosidade deles mais ainda. Então, resolveram abrir o caroço e, de repente, tudo escureceu. Os bichos de hábito noturno começaram a emitir seus respectivos sons, que ecoavam na mata e assustavam mais ainda os inconvenientes escravos. A filha da Cobra Grande percebeu que a noite havia sido solta e logo falou ao marido, que por sua vez, sentiu medo. Ela propôs que esperassem a madrugada para então, separar o dia da noite. Ao chegarem, os escravos foram chamados à atenção. Não sendo suficiente para a filha da Cobra Grande, ela os transformou em macacos por terem desrespeitado a ordem de sua mãe. Quando a estrela d’alva brilhou, a filha da Cobra Grande separou a noite do dia, e os pássaros de hábito noturno se calaram para os pássaros de hábito diurno. Existem muitas outras histórias que contam o surgimento da noite. Esta talvez não seja a real justificativa para o surgimento dela. Mas o que de fato não se pode, é descartar quaisquer hipóteses, já que não existe uma verdade absoluta para tal fenômeno. Para que se entenda a lenda sobrenatural, é necessário primeiramente, que se entenda por sobrenatural, algo que esteja ligado ao extraordinário, mas não necessariamente ao maravilhoso, como é o caso do conto de fadas. “Nessa modalidade, encontram-se as lendas sobre homens excepcionais, que realizaram atos de extrema bravura para promover o bemestar do grupo social em que viveram e, por isso se transformaram em heróis nacionais.” 19 (MACHADO, p. 99). Neste tipo de lenda, o herói age de acordo com os interesses da sociedade, e não apenas com os seus interesses pessoais. Para Joseph Campbell (1990, apud MACHADO, Irene A. 1994, p. 99), “um herói lendário é geralmente o fundador de algo. Ele é o ponto inicial de uma nova era, uma nova religião, uma nova cidade, uma nova modalidade de vida”. “Beowulf e o Dragão”, é um exemplo de lenda sobrenatural. Nela, um sábio e valente rei dinamarquês, que junto ao seu povo, viveu tempos de horror por conta de Grandel, um terrível dragão que morava no fundo do lago com sua mãe, uma horrorosa feiticeira. Todas as noites, Grandel invadia o castelo para beber o sangue dos homens e arrastar os corpos para o lago. Ao saber de tal situação, Beowulf, um jovem e corajoso guerreiro, capaz de vencer trinta homens ao mesmo tempo, sensibilizou-se com situação dos súditos do rei e convocou catorze combatentes e partiu para a Dinamarca. Ao apresentar-se ao rei, este encheu-se de esperança e logo celebrou uma festa. Durante a comemoração, o dragão apareceu. E antes mesmo que ele conseguisse devorar mais um homem, Beowulf se adiantou e apertou sua garganta com uma força equivalente a de trinta homens, impossibilitando que o dragão se soltasse. Ele então, foi arrastado para o lago e morreu. O rei ficou muito agradecido ao herói, e a vida no castelo voltou ao normal. Entretanto, a mãe de Grandel ficou furiosa e decidiu se vingar a morte do filho. Matou o conselheiro do rei. O rei pediu novamente a ajuda de Beowulf, que mergulhou no lago e encontrou uma bruxa sentada sobre ossadas humanas. Era a mãe de Grandel. Esta, tentou atacar o jovem guerreiro, que mais uma vez, foi mais rápido e cortou a garganta dela. Mas ainda assim, a bruxa continuou a atacá-lo, e Beowulf avistou uma gigantesca espada e arrancou a cabeça dela. Foi quando então, se deparou com o corpo de Grandel. O guerreiro arrancou-lhe a cabeça também e as levou à superfície, para comprovar que o povo dinamarquês estava livre deles. Beowulf sentiu saudades de seu próprio país e pra lá voltou e foi coroado rei, pois era o único herdeiro de seu tio, que acabara de morrer. Ele governou seu país com muita justiça e sabedoria por cinquenta anos, até que recebeu notícias de que um dragão incendiava novamente a Dinamarca. O dragão o esperava. De sua garganta, saiam chamas envenenadas e uma fumaça verde. Ao se apavorarem, os cavaleiros de Beowulf, com exceção do mais jovem, Wiglaf, o abandonaram. Beowulf partiu para cima do dragão e o atacou com muita força. Como se nem tivesse envelhecido. O sangue escorreu do ferimento da garganta de Grandel, mas ao tentar atingi-lo com sua espada, Beowulf percebeu que a mesma havia se partido ao meio. Foi 20 quando então, Wiglaf atacou mortalmente o dragão, que ao cair, atingiu o rei com suas envenenadas garras. E antes mesmo que o veneno tomasse sua vida, Beowulf nomeou Wiglaf como seu sucessor, por tamanha braveza e fidelidade, pois sabia que seu povo teria um rei justo e digno. Esta lenda mostra as qualidades que fazem com que um homem se torne um herói nacional. Pois este não age de acordo com seus interesses pessoais, mas sim a partir de interesses coletivos que beneficiam a sociedade como um todo. É o ponto que diferencia a lenda – mais especificamente a lenda sobrenatural – dos contos de fadas, pois neste gênero, o príncipe/herói, age de acordo com seus interesses pessoais: casar com a princesa e viver feliz para sempre. Oliveira (2007, p. 93), define por lenda etiológica, a possível explicação para a origem de certas coisas causadas por algum fenômeno, como por exemplo, “a viagem do jabuti ao céu, que explica os remendos de seu casco.” e o motivo de a fruta do guaraná se parecer tanto com os olhos humanos. Outro exemplo de lenda etiológica é a lenda “A Mandioca”. Nesta, a partir de um diálogo entre três homens – Doutor Figueiredo, Rozendo e Cordeiro – é contada a origem desta raiz tuberosa. Doutor Figueiredo era um homem que admirava muito a cultura indígena e gostava de “tupinizar” todas as palavras que ele achava ser de cunho indígena, pois para ele a “língua geral”, ou seja, a língua materna era o Tupi, haja vista que antes mesmo da colonização, o Brasil falava Tupi de um extremo a outro. Em uma viagem a Caratateua (atual Outeiro), Cordeiro, que havia estudado muito a tal língua geral, idolatrada por Doutor Figueiredo, foi indagado por Rozendo a contar a lenda da Mandioca para o Doutor. Segundo a história que Cordeiro contou, a filha do tuxaua da tribo deu à luz uma criança tão branca quanto o leite, chamada Mani. Desconfiado, o chefe da tribo quis matar a criança, mas em um sonho, um homem branco apareceu para impedi-lo, dizendo que a moça não era culpada pelo nascimento do bebê. Entretanto, a criança era diferente das demais não somente pela cor, mas por logo após seu nascimento, andar e falar precocemente. E antes mesmo de completar um ano de vida, ela faleceu sem ter sequer adoecido, o que causou mais espanto a tribo. A mando do tuxaua, Mani foi enterrada na maloca da mãe, e como de costume da tribo, esta regava a sepultura da filha todos os dias, até que certa vez, nasceu uma planta estranha do qual eles nunca tinham visto. Os pássaros que dela comiam as flores e os frutos, ficavam embriagados. 21 Depois de um tempo, as raízes da misteriosa planta saíram da terra e os índios a colheram. Foi quando perceberam que a raiz era tão branca como o corpo de Mani. Então, passaram a denominar a tal raiz como “manioca”, que significa “casa de Mani” ou “corpo de Mani” e a planta como “maniva”. Há também as lendas de encantamento, que segundo Oliveira (2007, p. 107) são expressões corriqueiras que o povo usa para designar determinados fatos, aparentemente, inexplicáveis. Embora a lenda não seja de caráter universal e sim localizável no espaço e tempo, este tipo de lenda tenta reproduzir as “lendas universais”, isto é, as histórias contadas em outros lugares do mundo, mas que se assemelham por circunstâncias ambientes. “Encantamento é o conceito mais adequado aos fenômenos que estas lendas corporificam. [...] são reprodução de lendas universais ou, admitindo uma lei folclórica, citada por Van Gennep, nascidas sob a influência das mesmas circunstâncias ambientes, que deram origem a tantas lendas semelhantes. Pode-se dizer que nenhuma delas tem cor local predominante.”. (OLIVEIRA, 2007, p. 107, 108). As lendas de encantamento se assemelham a histórias contadas em outros lugares do mundo. A lenda “O Mané-Torquato”, por exemplo, conta a história de um velho e solitário pescador que residia em uma das lindas praias de Salinas, numa humilde barraca mal coberta e pensa, devido à violenta ação da ventania marítima. Este chamava-se Manuel Torquato, mais conhecido pelo povoado como Mané-Torquato. Ninguém sabia nada a seu respeito, se já tinha sido algum dia casado, se tinha filhos ou qualquer parente que fosse, pois raramente conversava. Certa vez, Mané-Torquato saiu para pescar e nunca mais voltou. O povoado começou a desconfiar que ele tivesse naufragado, ou sido vítima do ataque impiedoso dos tubarões, do encanto de alguma Iara da fonte ou até mesmo da mula-sem-cabeça. Escutava-se um ruído que parecia mesmo vir da casa dele. No lugar onde o pobre pescador costuma ficar, estava a sua tina, e era nela que o povo acreditava que a alma de Mané-Torquato estava morando e ninguém ousava tocá-la. Muitos garantiam ter visto um vulto branco arrastando uma enorme corrente, vagando a noite pela praia, mais precisamente, perto da casa do desaparecido, mas ninguém se aventurava a esclarecer tal mistério, e a lenda se formou. Todos acreditavam que era a alma de Mané-Torquato, o pescador desaparecido. Assim como conta-se a história da existência de um “Mané-Torquato” em Salinas, este pode existir também em Xangai, assim como a “Princesa do Lago” pode ser encontrada em qualquer lugar do mundo. Mas cada uma destas lendas com suas peculiaridades regionais. A lenda “A Princesa do Lago”, é uma história muito interessante, pois as características 22 atribuídas à princesa a qual a lenda se refere, é de uma linda jovem de feições europeias e porte senhoril, intitulada “Miss Europa”. Trajada de branco e exalando tanta beleza, respeito e admiração, passeia todas as noites nas margens do Lago de Maiandeua, no município de Maracanã. Diferente das sedutoras Iaras que encantam até os homens mais valentes, levando-os para o fundo das águas, a Princesa do Lago surge à meia noite apenas para caminhar vagarosamente pela praia e exalar seu gracejo. Depois some. Ao caboclo que a admira, nada acontece. Oliveira (2007, p. 113) diz que a história desta Princesa do Lago deve ter mais concretude nos “Contos de Grimm”. E as lendas ornitológicas, por sua vez, são relativas às características atribuídas aos pássaros genuínos da região Amazônica, como por exemplo, o tenebroso canto do acauã, que simboliza um presságio de morte. O canto do japiim, que em cumprimento a seu fadário, não tem um canto próprio e parece sempre estar imitando o canto de outros pássaros, entretanto, ele não imita o tanguru-pará, pois este vive em lugares da selva onde o japiim poucas vezes se atreve a entrar, justamente devido a uma briga entre estes dois pássaros. Desta briga, resultou o bico vermelho do tanguru-pará, que sendo arremedado pelo japiim, o atacou e o feriu no coração com seu bico. Tupã, que assistiu toda a luta, determinou que a partir daquele dia, todos os descendentes do tanguru-pará teriam a marca daquela vitória em seu bico. Segundo a lenda “O Japiim”, um homem conhecido por Branco, gostava de matar passarinhos. Certo dia, Antônia percebeu que seu sobrinho iria matar um japiim e o impediu dizendo que aquele pássaro era “alma penada” e que poderia atrair desgraça. Sem entender a ordem da tia, Branco a indagou a respeito, mas esta relutou para não contar o motivo. Num tom de ameaça, Branco disse que mataria o tal pássaro misterioso se ela não contasse a história que ouvira de sua avó, quando criança. Dona Antônia começou então, o relato. Segundo sua avó, Tupã morava numa cabana tecida por nuvens, no alto de uma árvore. Nesta árvore havia flores que jamais murchavam. É o que chamamos de estrelas. Seus frutos eram o sol e a lua, que serviam de alimento para Tupã e para quem com ele morava. Ele era tão generoso que quando a terra estava seca, sacudia sua árvore para que a chuva caísse, pois as folhas de sua morada estavam sempre cobertas por orvalho. Quando Tupã ficava triste, logo vinha seu animal de criação: o japiim. Ele cantava ao seu ouvido até que Tupã adormecesse. Depois, acordava alegre e logo o céu se iluminava. 23 Mas houve uma época em que todos os homens na terra estavam tristes e imploravam para morar com Tupã. Ele, compadecido diante de tal situação, pediu ao japiim que descesse a terra e levasse alegria aos homens também. Assim o japiim o fez. Todos os dias ele cantava para os homens, as demais aves se emudeciam, a onça não mais caçava, o jacaré não entrava mais na água, a cobra não produzia mais veneno, o curupira não enganava mais os caçadores, a mãe d’água saiu da sua gruta encantada e até a cobra grande saiu do fundo do rio. Todos ficavam encantados com o lindo canto! Os homens chegaram a pedir a Tupã que desse o majestoso pássaro a eles, para que vivessem em paz eternamente. Certa noite, a lua também resolveu deslumbrar sua beleza e o sabiá foi o primeiro a exaltar com seu canto, Tupã. Logo em seguida a patativa cantou, depois o tem-tem e todas as outras aves da terra também se puseram a exaltar Tupã. Ao ouvir a sinfonia dos pássaros, o japiim se encheu de soberba, desdenhou o canto dos pássaros e começou a imitar todos eles, deixando-os constrangidos. Aborrecido por tanta soberba, Tupã disse as seguintes palavras ao japiim: “Como escarneceste das avezinhas que me saudavam, e trocaste o belo canto que te dei, por um feio arremedo, não voltarás mais à árvore que dá flores de estrelas, nem lembrarás mais a música que te ensinei, enquanto eu não tiver devorado todas as luas, e não der por findo o teu castigo.” (p. 133). Desde então, o japiim tenta lembrar a música que lhe fora ensinada e que tanto alegrou Tupã e os homens. Sem que perceba, ao tentar lembrar o canto, arremeda o canto dos demais pássaros e acaba sendo perseguido por eles. Por isso não se deve matar o japiim, pois ele precisa cumprir a pena determinada por Tupã. A lenda “O Uirapuru” também é explicada pela linha de raciocínio das lendas ornitológicas. Oliveira (2007) as define da seguinte forma: “Enfeixamos nesta secção as lendas relativas aos nossos pássaros, dando-lhes a denominação específica de lendas ornitológicas, porque, realmente, elas se diferem profundamente das que respeitam a outras espécies animais, como as do Boto, da Boiaçu, da Mula-sem cabeça, do lobisomem, etc. Enquanto estas se incorpora um duende ou um mito, nas lendas concernentes aos pássaros o que se nota é que eles se não revestem de formas mitológicas, mas simplesmente exercem certas e determinadas influencias, algumas atribuídas à sua natureza de alma penada, outras devidas a certas qualidades especiais, como o uirapuru e o uacauã, outras, ainda, que desafiam qualquer conjectura como o uirapaçu e o urubu-rei.” (OLIVEIRA, 2007, p. 129). Embora o uirapuru possua uma melodia de apenas oito notas, seu canto é inigualável, e sua sonoridade argentina é extraordinária. É um pássaro muito respeitado pelas demais aves, pois quando ele canta, todos os outros pássaros se calam para admirar seu canto. Ele é 24 também de extrema cobiça entre os homens. Suas penas e a cinza de seu corpo servem como amuleto para pretensões amorosas. A lenda do uirapuru é uma das mais conhecidas na Amazônia. Segundo Oliveira (2007), talvez de repercussão nacional e até mesmo mundial. Com referência as lendas amazônicas utilizadas neste capítulo, mais especificamente as lendas naturais e etiológicas, existem algumas literaturas que as caracterizam como “mito”. As lendas “Como se fez a noite” e “A mandioca”, por exemplo, são intituladas como mito do cenário amazônico por alguns teóricos. Diante desta contraversão teórica, se faz necessário esclarecer mais ainda as diferenças entre lenda e mito, justificando os termos e conceitos adotados nesta pesquisa e um levantamento panorâmico da produção literária do escritor paraense Walcyr Monteiro. 3.2 PANORAMA DA PRODUÇÃO LITERÁRIA DO ESCRITOR PARAENSE WALCYR MONTEIRO Walcyr Monteiro, natural de Belém no estado do Pará, nasceu no ano de 1940, é licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará e tornou-se bacharel em Economia pelas Faculdades Integradas do Colégio Moderno (atual UNAMA), é jornalista profissional, colabora com diversos jornais e revistas, entre os quais: A Folha do Norte, A Província do Pará, Jornal do Dia, Nosso Jornal, Uruá-Tapera, PQP, Morena, Ver-o-Pará e Nosso Pará. Entre 1965 e 1976, foi professor de História no ensino médio no colégio Americano do Sul. No ensino superior lecionou Antropologia Cultural (1968-1972), na Escola de Enfermagem Magalhães Barata. Economia Brasileira e Ciência Política (1981-1982), nas Faculdades Integradas do Colégio Moderno. Exerceu diversas funções nos mais variados órgãos, como no Instituto do Desenvolvimento Econômico-Social do Pará - IDESP, no Centro de Assistência Gerencial à Pequena e Média Empresa do Estado do Pará - CEAG - Pará (atual SEBRAE), na Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Estado do Pará - SECDET e no Instituto de Terras do Pará - ITERPA, no qual ocupou a presidência de 1987 a 1990. Entre seus vários trabalhos publicados, destacam-se: o livro didático “História Econômica e Administrativa do Brasil”, a série de revistas “Visagens, Assombrações e Encantamentos da Amazônia”, atualmente no número 13, “As incríveis histórias do caboclo do Pará”, ”Miscelânea ou Vida em Turbilhão” e “Cosmopoemas”, duas incursões no universo 25 da poesia. Alguns poemas foram musicados por Alcyr Guimarães e resultaram o CD “Na Rede dos Sonhos” em 2003. Em co-autoria com o escritor português Fernando Vale, publicou em Portugal pelo Instituto Piaget, “Histórias Portuguesas e Brasileiras para as Crianças”, cuja edição brasileira ficou a cargo da Editora Paka-Tatu em 2005, sob o título de “Histórias Brasileiras e Portuguesas para Crianças”. Seus trabalhos têm sido utilizados em diversas montagens teatrais, tanto de amadores como de profissionais, assim como servido de inspiração para a elaboração de diversos roteiros cinematográficos, entre os quais “Lendas Amazônicas” e as curtas metragens “A Lenda de Josefina”, “Táxi 00 Hora” e “Visagem”. Este último dirigido por Roger Elarrat, sendo o primeiro filme de Stop Motion do Pará. A série Catalendas da TV Cultura do Pará, também baseou-se em algumas histórias de sua autoria. Viajou por várias cidades da Região Amazônica para pesquisar e recolher os “causos” através do folclore popular, tornando-se ouvinte de histórias sobrenaturais contadas por antigos moradores. A coletânea destas histórias resultou na série “Visagens, Assombrações e Encantamentos da Amazônia”. Atualmente, Walcyr Monteiro profere palestras e conferências sobre História e Folclore tanto em Belém, como no interior do Estado e também no exterior, como ocorreu em maio de 2001, quando proferiu palestras em diversas regiões de Portugal. Sociólogo que transforma sua escrita em literatura, Walcyr Monteiro modifica o conto, o invento ficcional em arte do reconto, fazendo dos “causos” que coleta pelas esquinas e igarapés do Pará, autênticos casos literários que de forma prazerosa narra e registra. O autor transforma as histórias que antes eram transmitidas oralmente, em registros escritos, atribuindo formalidade aos fatos, mas sem que percam a essência cultural. O escritor paraense critica a forma como a cultura paraense está sendo tratada, os valores culturais da região estão sendo abandonados, passando a dar lugar a hábitos e costumes que não dizem respeito à realidade amazônica. A cultura paraense está perdendo espaço para uma “cultura discutível”. Com isso, até a linguagem muda, como por exemplo, o uso do Sr e do Tu que está sendo substituído pelo Você. Em entrevista concedida no dia 20/09/2013, Walcyr Monteiro afirmou: Nós aqui tínhamos a nossa maneira de falar, ou o Sr respeitoso ou o tu íntimo. Não tinha essa história de você. Estamos adquirindo a maneira errada de falar do sulista. Estamos sendo invadidos por uma ‘cultura discutível’ [...] Mas o que se vê é uma cultura da violência [...] Estamos perdendo o nosso linguajar. 26 Desta forma, por sentir-se incomodado com essas questões culturais, surgiu a ideia de registrar e publicar as histórias. Com isso, em 1972 iniciou a publicação de histórias de visagens e assombrações de Belém no jornal “A Província do Pará”. Preocupado com a identidade local que o Estado do Pará estava perdendo, e com ela, muitas histórias que antes eram contadas oralmente em rodas de conversas e por seu imenso amor à Amazônia, que o escritor Walcyr Monteiro passou a fazer um registro das histórias da região. Por amor à cidade, ao Pará, à região [...] e justamente por estar se perdendo essas histórias, eu comecei a fazer um registro disso. E são mais de 40 anos que comecei a publicar e fazer um registro. [...] Muitas histórias já se perderam. [...] estamos perdendo a identidade, porque estamos aqui sendo violados, violentados, estuprados, físico e culturalmente. Onde a TV chega, ela chega com imagem de progresso. Os mais velhos resistem, mas os mais novos não. A mesma coisa com as histórias. Antes da TV, as pessoas ficavam nas portas contando histórias. Com a TV, o enredo das novelas tomou conta das conversas (WALCYR MONTEIRO, 20/09/2013). Com a publicação de seu livro “Visagens e Assombrações de Belém2”, de fato, formalizaram-se as crenças, as lendas e mitos do povo paraense. O livro reúne todas as histórias que eram publicadas sempre aos domingos no jornal, que devido a grande aceitação do público, levaram o escritor a criar esta coletânea. Walcyr Monteiro (2012, p. 14), afirma que “era o que pretendia fazer: reunir as histórias em única publicação, permitindo aos mais novos conhecerem e aos mais velhos recordarem o que se contava e transmitia oralmente”. Em entrevista, o escritor relatou que publica há 41 anos e que naquela época, apenas relatava as histórias que já conhecia. Hoje, após várias publicações sobre os mitos e lendas amazônicas, resultado de pesquisas, é muito convidado por escolas tanto na capital, como no interior e, até fora do país, a proferir palestras. Seu trabalho está voltado a gerar um movimento cultural de resgate da “contação de histórias”. Tem procurado fazer um trabalho de “confirmação da cultura” através das escolas, onde os professores têm estimulados seus alunos a pesquisar sobre outras histórias curiosas de âmbito local. Estou há 41 anos publicando. Não é pesquisando, é publicando. [...] diferente de todas as universidades e centenas de colégios de Belém e no interior do estado, até fora daqui, então alguns professores tem dado um efeito multiplicador a isso [...] E com isso tem se tentado retomar a contação de histórias, e isso tem gerado um movimento de continuação, porque o que tem acontecido em muitos municípios, em muitos lugares, aqui em Belém, os professores têm procurado fazer isso. Professor passa trabalho de pesquisas de novas histórias. Tem gerado trabalho de visagens e 2 MONTEIRO, Walcyr. Visagens e Assombrações de Belém. 6 ed. Belém: Cromos. 2012. 27 assombrações de bairro tal, cidade tal, que tem efeito multiplicador (WALCYR MONTEIRO, 20/09/2013). As histórias narradas pelo escritor paraense Walcyr Monteiro, em geral são permeadas pelo fenômeno sobrenatural, pois transitam entre o real e o imaginário. É um pesquisador do fenômeno folclórico, cujos temas envolvem o lendário e o mitológico. O cenário das histórias contadas no âmbito rural ou caboclo envolve quase sempre florestas e rios, apontados como elementos importantes de sua narrativa mítica. No âmbito urbano, os elementos apresentados são quase sempre os cemitérios, bairros e ruas que revelam o imaginário sobre almas e está voltada a formação religiosa da população. O imaginário amazônico é muito bem representado nas histórias relatadas pelo escritor. As lendas e os mitos, segundo ele, tiveram sua origem principalmente dos índios que tinham histórias para explicar os fenômenos da natureza. Britto (2007), em seu livro “Lendário Amazônico”, faz referência aos temas utilizados por Walcyr Monteiro em suas obras. O escritor Walcyr Monteiro membro da Comissão Paraense de Folclore, autor de inúmeras obras sobre lendas e mitos da Amazônia, aborda mais os temas do mundo material afirmando que os indígenas tinham uma história para explicar a origem de cada animal, cada peixe, cada planta, cada acidente, cada acidente geográfico, cada corpo celeste, cada fenômeno da natureza, enfim cada coisa que viam... Diz que, graças a isto herdamos um lendário tão rico e interessante quanto a mitologia grega (BRITTO, 2007, p. 13). O imaginário dos povos primitivos somados as características vivazes da floresta amazônica, contribuíram na criação de lendas que foram absorvidos pelo povo amazônico. Foi através deste legado que se adquiriram conhecimento e respeito pela natureza, como quanto ao uso de determinadas plantas e ao tratamento de animais de origem lendária (BRITTO, 2007). Segundo Machado (1994), a lenda possui um estreito laço com o real, com a própria História. E por esse motivo, é adotada com grande credibilidade pela população. O cunho religioso da lenda que se opõe a razão cientifica, permeia a cultura do povo, mas não se distancia do real e possui poucos traços imaginários. A lenda reproduz uma verdade quase que na mesma proporção da História, chegando a disputar espaços no pensamento e na imaginação das pessoas, passando a combinar religião, História, sociedade e maravilhoso. Apesar de estar muito próximo ao real, o aspecto imaginário é muito presente na narrativa lendária, uma vez que é esta, a característica que a opõe a ciência. Por considerar este aspecto imaginário, a lenda é vista como uma “narrativa fantasiosa da realidade”, que não somente expressa, mas que desperta a criatividade de quem a lê ou de quem a ouve. Portanto, 28 para que se entendam os motivos que fazem da lenda um gênero tão instigante, é importante adentrar no âmbito do imaginário e conhecer suas características. 3.2.1 O IMAGINÁRIO E SUAS ATRATIVAS CARACTERÍSTICAS INSTIGANTES A imaginação é a possibilidade humana que leva a conhecer a realidade e a olhar essa realidade de outra forma, possibilita ao homem adentrar no universo do “vir a ser”. Apesar do avanço tecnológico que facilitou o uso de imagens através de televisores, computadores, tablets e celulares, estes recursos não conseguiram atender a infinita capacidade imaginária do homem. As imagens padronizadas traduzidas pelas novas tecnologias não conseguiram desconstruir o universo simbólico que fez parte durante séculos do imaginário social com as narrativas orais e outras práticas culturais antigas. As imagens padronizadas não conseguiram construir, através de seus recursos simbólicos, qualquer universo do imaginário social que pudesse superar as antigas narrativas orais, o teatro das ruas e os rituais sagrados e profanos que fizeram parte durante séculos da composição do imaginário social. Porém, o imaginário não foi derrotado no confronto com a racionalidade das imagens massificadas, produzidas para o consumo fácil, encontrando-se presente cada vez mais nas fantasias, e projetos, nas idealizações dos indivíduos e em outras expressões simbólicas, religiosas ou leigas, que traduzem constroem as suas emoções em um novo contexto imaginativo (LAPLANTINE E TRINDADE, 2003). No âmbito social e econômico, segundo Karl Marx (apud LAPLANTINE E TRINDADE, 2003), o conceito de imaginário se constitui como um produto de alienação que mascara a verdadeira lógica do capitalismo, onde mitifica as condições reais da classe proletariada diante da exploração do mercado. O imaginário é o meio utilizado pela economia capitalista para se manter. Através dele é propagado um pensamento conformista e alienado que contradiz a realidade. No campo da psicologia, o imaginário não possui essa característica de pseudoimaginário que lhe foi atribuído, com função de distração, alienação e desvio dos problemas reais. Ao contrário, o imaginário é uma forma de representação da realidade, pois, conforme Held (1980, p. 22): “[...] o imaginário de que nos ocuparemos não é esse pseudo-imaginário com função de esquecimento, de exorcismo e de diversão, que desvia a criança dos verdadeiros problemas, do mundo de hoje e de amanhã”. 29 De acordo com Laplantine e Trindade (2003), o imaginário representa algo que não foi atribuído à percepção diretamente, mas que se forma com base na percepção, que se modifica e se torna irreal. A imagem criada através do imaginário representa afetividade e emoções, se constitui na tradução de uma realidade externa percebida. Para a construção do imaginário, o sujeito apropria-se primeiramente de imagens reais e com sua capacidade criadora, reconstrói e transforma o real. Com isso, o imaginário não nega totalmente o real, mas se utiliza deste para transfigurá-lo. Para Teixeira (2003), o sentido etimológico de imaginário se constitui como conjunto ou coleção de imagens, uma vez que é formado pelo termo “imagem” que deriva do latim “imagine”, que significa representação, imitação, retrato, e é formado também pelo sufixo “ário”, que na língua portuguesa atribui a ideia de coleção, conjunto ou lugar onde se guardam as coisas. Então, o termo imaginário ganha sentido de “coleção ou conjunto de imagens”, haja vista que tem sua origem em imagem e não em imaginação. Convém lembrar que o verbo imaginar, pela mesma via latina, designa o ato de produzir imagens ou de representá-las. Por outro lado, imaginação, ainda no século XVI, limitava-se à ideia de imagem ou de visão. Hoje, como se sabe, o termo é definido, sobretudo, como a faculdade psíquica de produzir imagens novas por meio de combinações revistas a partir de imagens conhecidas (TEIXEIRA, 2003, p. 44). O imaginário possui características “instigantes” que são trabalhadas na literatura de diferentes formas. De acordo com o Dicionário Aurélio (2000), instigar significa incitar, estimular, açular, provocar, isso atribui ao imaginário na literatura a função de proporcionar esses sentimentos no leitor. O imaginário tende a fugir da lógica racionalista, na literatura é estimulado pela presença do sobrenatural. O “sobrenatural” se encontra em diversos gêneros literários, mas para interesse desta pesquisa, os estudos limitaram-se aos gêneros literários “maravilhoso” e “fantástico”, porque são os que mais se aproximam das características atribuídas a lenda “A Moça do Táxi”. Desta forma, faz-se importante conhecer as propriedades constitutivas de cada gênero, fazendo a distinção entre elas para que se possa então, classificar a lenda proposta pela pesquisa. Para cada gênero literário o sobrenatural aparece de formas diferentes, e de acordo com sua presença no texto literário é que se pode definir um gênero. O sobrenatural possui uma função social e uma função literária. São muitos os temas que podem provocar a entrada de elementos sobrenaturais na narrativa. São temas que transgridem as leis sociais, que rompem tabus como sexualidade, psicose, drogas, etc. Ou seja, são temas que podem aparecer 30 causando polêmicas, porque estão para além do natural, do que é socialmente aceito. Por isso, a função social do sobrenatural se resume em transgredir a ação de uma lei. A função literária do sobrenatural consiste em provocar desequilíbrios na narrativa, onde através da entrada dos seus elementos que transgridem as leis fixas, provoca uma mudança brusca na história. A introdução do sobrenatural pode transformar uma situação estável, a presença de um fato externo que leva a história de um estado a outro. Neste sentido, a função social e a função literária do sobrenatural se tornam uma só, “a transgressão de uma lei”, estas funções estão muito bem representadas no elemento maravilhoso, onde forças sobrenaturais intervenham causando uma mudança rápida. Uma lei fixa, uma regra estabelecida: eis o que imobiliza a narrativa. Mas para que a transgressão da lei provoque uma modificação rápida, é preciso que forças sobrenaturais intervenham [...] O elemento maravilhoso é a matéria que melhor preenche essa função: trazer uma modificação da situação precedente, romper o equilíbrio (ou desequilíbrio). Ao mesmo tempo, é preciso dizer que essa modificação pode produzir-se por outros meios, se bem que esses sejam menos eficazes (TODOROV, 1970, p. 163-164). O gênero maravilhoso representa a face noturna da expressão imaginária, porque envolve o universo dos sonhos e das fantasias, carregados de transformações e metamorfoses. O gênero maravilhoso apresenta uma narrativa que não causa dúvida, nem espanto quanto aos fatos, expressa a certeza dos acontecimentos que deixa o leitor “literalmente maravilhado”. O imaginário do maravilhoso se situa no campo do sobrenatural, porque cria um mundo encantado que envolve e fascina. Para a crítica, o discurso narrativo do Maravilhoso não problematiza a dicotomia entre o real e o imaginário, posto que a verossimilhança não está no centro das preocupações deste discurso. O conto maravilhoso relata acontecimentos impossíveis de se realizar dentro de uma perspectiva empírica da realidade, sem aos menos referir-se ao absurdo que todo este relato possa parecer ao leitor. A narrativa do Maravilhoso instala seu universo irreal sem causar qualquer questionamento, estranhamento ou espanto no leitor porque, ao não estabelecer nenhuma via de conexão entre o universo convencionalmente conhecido como real e sua contradição absoluta, o irreal, reforça os parâmetros que o orientam no seu conhecimento empírico do que seja a realidade. (MARÇAL, s.d.). A presença do sobrenatural no gênero maravilhoso não causa qualquer reação de espanto, nem de estranheza, nem de dúvida ao leitor e ao personagem. Neste gênero, o que caracteriza é a própria natureza dos acontecimentos, a naturalidade atribuída aos fatos, como nos contos de fadas, ou na ficção científica. Diferentemente, no gênero “Fantástico”, o sobrenatural causa dúvida e hesitação tanto ao personagem quanto ao leitor. A incerteza entre o real e o imaginário perpassa por toda a narrativa, a ambiguidade é uma característica forte da literatura fantástica, que envolve o leitor. (TODOROV, 1970). 31 O sentido de fantástico utilizado na literatura, não se refere ao significado comumente encontrado nos dicionários, como extraordinário, extravagante, incrível, ou inimaginável, sendo que este último não condiz com a natureza fantástica, pois a característica inimaginável se opõe a qualquer obra de arte. Na literatura, o aspecto principal é a imaginação do autor. Na literatura fantástica, assim como qualquer obra de arte, revela o imaginável, algo criado pela fantasia, é a expressão criadora do autor. [...] o inimaginável... Tratando-se do fantástico na literatura, na pintura, na música... enfim, na obra de arte, tal definição é, na realidade, contraditória, pois um caráter incontestável da obra fantástica é precisamente ter sido criada, imaginada pelo espírito do autor. A obra fantástica – bem com qualquer outra – é, ao contrário, a obra imaginável (HELD, 1980, p. 23). Todorov (1970), aponta três condições para que se considere uma literatura fantástica. A primeira requer que a narrativa leve o leitor a acreditar na existência dos personagens e a duvidar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos da história. A segunda condição é que o mesmo sentimento de dúvida deve ser vivido por um personagem, como se houvesse uma transferência de papéis do leitor para o personagem. A terceira condição refere-se à adoção de uma atitude do leitor, em que ele recusará as interpretações de outros gêneros. A narrativa fantástica faz o leitor caminhar entre o “real e o ilusório” e o “real e o imaginário”. Essas variedades do fantástico têm como base a hesitação, que leva o leitor a transitar entre em acreditar naquilo que ele percebe ou naquilo que ele imagina. Na hesitação entre o “real e o ilusório”, não há dúvida com relação aos acontecimentos, mas o que pode acontecer seria um erro de percepção, enquanto que no “real e o imaginário”, os acontecimentos são origem da imaginação. No primeiro caso, duvidava-se não de que os acontecimentos tivessem sucedido, mas que nossa percepção tenha sido exata. No segundo, perguntávamos se o que acreditávamos ver não era de fato um fruto da imaginação. “Discirno com dificuldade o que vejo com os olhos da realidade e o que vejo com minha imaginação [...] (TODOROV, 1970, p. 152). A ambiguidade é uma característica determinante do gênero fantástico, que expressa através de dois processos verbais presentes no texto, o uso da modalização e do imperfeito. A modalização consiste no uso de certas locuções que não alteram o sentido da frase, mas servem para expressar o estado de incerteza em que se encontra o personagem. O uso do imperfeito provoca também um estado de incerteza, pois o verbo no passado não define com precisão a ação do personagem. 32 Se estas locuções estivessem ausentes, estaríamos mergulhando no mundo do maravilhoso, sem nenhuma referência a realidade cotidiana, habitual; graças a elas, somos mantidos ao mesmo tempo nos dois mundos. O imperfeito, além disso, introduz uma distância entre a personagem e o narrador, de modo que não conhecemos a posição deste último (TODOROV, 1970, p. 154). O elemento fantástico na narrativa permanece enquanto existir a hesitação. Esta deve envolver a personagem e o leitor. Ao final da história, o leitor ou a personagem devem escolher uma solução, ou seja, sair do estado de incerteza e decidir quanto a sua percepção, se está ligada a realidade ou não. No entanto, a saída desta incerteza requer uma escolha ou para o maravilhoso ou para a lógica da ciência (gênero estranho). Se ele decide que as leis da realidade permanecem intatas e permitem explicar o fenômeno descrito, dizemos que a obra pertence ao gênero estranho. Se, ao contrário, ele decide que se deve admitir novas leis da natureza, pelas quais o fenômeno pode ser explicado, entramos no gênero do maravilhoso (TODOROV, 1970, p. 156). Desta forma, o fantástico transita entre o estranho e o maravilhoso criando os subgêneros “fantástico-estranho” e o “fantástico-maravilhoso”, estes ficam sujeitos a escolha do leitor ou do personagem, que após algum tempo de hesitação decidem ou pelo estranho ou pelo maravilhoso. No fantástico-estranho, por exemplo, os acontecimentos sobrenaturais, ou que têm aparências de sobrenatural, se manifestam o tempo todo na história, até que ao final, uma explicação racional justifica esses fatos. Vale ressaltar que essa lógica racionalista que explica a presença do sobrenatural no gênero estranho, frequentemente é criticada pelo uso do “sobrenatural explicado”. No fantástico-maravilhoso, ao contrário do estranho, a história termina com a confirmação dos fatos sobrenaturais. Neste caso, torna-se difícil delimitar a fronteira entre o fantástico e o maravilhoso, uma vez que ambos apresentam traços do sobrenatural, porém uma análise mais detalhada da história possibilitará reconhecer o limite de cada gênero. Essa narrativa é a que mais se aproxima do “fantástico puro”, porque seus traços característicos estão mais presentes, mas sua representação exata se encontra no limite entre os dois subgêneros. Estamos no fantástico-maravilhoso, por outras palavras, na classe de narrativas que se apresentam como fantásticas e que terminam no sobrenatural. São essas as narrativas mais próximas do fantástico puro, pois este, pelo próprio fato de não ter sido explicado, racionalizado, nos sugere a existência do sobrenatural. O limite entre o dois será portanto incerto; entretanto, a presença ou a ausência de certos pormenores nos permitirá sempre decidir (TODOROV, 1970, p. 159). Esses subgêneros envolvem muitas histórias que se prolongam pelo fantástico, mas que se concluem no maravilhoso. As histórias lendárias, por exemplo, narram fatos do 33 cotidiano que pertenceram a uma época, tem sua constituição em um fato sobrenatural, uma ação que torna o personagem um herói lendário. Os elementos sobrenaturais geralmente são representados pela crença religiosa que se contrapõe a razão científica e representam a cultura de um povo. Para Machado (1994, p. 98), “A lenda é, então, um misto de religião, História, sociedade e maravilhoso”, porque demonstra uma verdade muito próxima do real. O aspecto histórico que a lenda representa possibilita que ela ocupe o pensamento e a imaginação do povo. A lenda “A Moça do Táxi”, por exemplo, sofreu uma análise que demonstra esses aspectos e a sua importância na valorização da cultura paraense. A fé, o milagre, a crença nas almas, o culto aos mortos são elementos que permeiam toda a história fazendo dela uma lenda viva. 34 3.3 ANÁLISE A PARTIR DA LENDA “A MOÇA DO TÁXI” A lenda “A Moça do Táxi”, recolhida por Walcyr Monteiro, faz um relato de um acontecimento impossível de se realizar dentro da perspectiva realista. Um fato que foge a lógica racional e se coloca no campo do sobrenatural, mas que surge em meio a uma rotina. A lenda inicia com um fato do cotidiano, narrando a história de um taxista que é surpreendido ao cobrar uma corrida. Os aspectos presentes na história indicam a natureza fantástica que a envolve, como a ambiguidade e sua origem no cotidiano. O sobrenatural é tratado de uma forma muito diferente pelo discurso narrativo construído pelo gênero Fantástico. O evento sobrenatural surge em meio a um cenário familiar, cotidiano e verossímil. Tudo parece reproduzir a vida cotidiana, a normalidade das experiências conhecidas, quando algo inexplicável e extraordinário rompe a estabilidade deste mundo natural e defronta as personagens com o impasse da razão (MARÇAL, s.d., p. 4). A história ocorreu em meio a um cenário urbano, onde um taxista, ou melhor, alguns taxistas, após rodarem por longo tempo pela cidade com uma passageira, ao cobrarem a corrida na casa dos pais dela, ficam surpresos ao saber que ela está morta. A ambiguidade demonstrada pelo estado de incerteza que envolve tanto os pais da moça como o taxista durante a conversa, causa uma instabilidade na história que faz as personagens transitarem entre a realidade e a ilusão, caracterizando a lenda como uma narrativa do gênero fantástico. No Fantástico, as personagens sob o ponto de vista do narrador estão sempre oscilando entre uma explicação racional e lógica para os acontecimentos extranaturais - inserindo-os, desta forma, na ordem convencional da natureza - e a admissão da existência de fenômenos que escapam aos pressupostos científicos, racionais e empíricos que organizam o conhecimento burguês da realidade (MARÇAL, s.d., p. 4). Esta narrativa fantástica aparentemente tenta reproduzir um fato do cotidiano, até que um acontecimento sobrenatural surge em meio a um cenário comum, algo surpreendente acontece para quebrar a naturalidade dos fatos e coloca as personagens em confronto com a razão. Sobre esse aspecto, Todorov (apud MARÇAL, s.d.), acrescenta ainda, que como condição do gênero fantástico, o estado de incerteza do personagem alcance também o leitor. Todorov aponta essa hesitação, experimentada normalmente pelo narradorpersonagem, entre a crença na sobrenaturalidade dos fenômenos e a convicção numa explicação que os inscreva num rol de justificativas conformes às leis naturais como o elemento definidor Fantástico. O autor ainda coloca como condição do gênero que esta hesitação latente alcance o leitor e lhe provoque uma identificação incontestável com o narrador-personagem hesitante. (MARÇAL, s.d., p. 4). A presença do sobrenatural na lenda “A Moça do Táxi”, surge com a confirmação da morte da moça pelos pais, que comprovam o fato levando o motorista até seu túmulo no 35 cemitério de Santa Izabel. Após esta comprovação, a história toma outro rumo que depende da postura da personagem ou do leitor em acreditar estar diante de um sobrenatural explicado racionalmente – gênero estranho – ou de um sobrenatural que subverte as leis da natureza e se justifica na crença em almas que vagam, caracterizando a narrativa do gênero maravilhoso. O fantástico, como vimos, dura apenas o tempo de uma hesitação: hesitação comum ao leitor e à personagem, que devem decidir se aquilo que percebem se deve ou não à “realidade”, tal qual ela existe para a opinião comum. No fim da história, o leitor, senão a personagem, toma entretanto uma decisão, opta por uma ou outra solução, e assim fazendo sai do fantástico (TODOROV, 1970, p. 156). De acordo com a narrativa do escritor Walcyr Monteiro, o desfecho da história se apresenta com a reação dos taxistas que acreditaram realmente ter transportado uma pessoa que já havia morrido e pela reação dos pais, que pediram orações pela alma da filha. Esse final explicado pelo sobrenatural, da crença nas almas, transita a história para o gênero maravilhoso. Neste sentido, a lenda “A Moça do Taxi” torna-se uma “narrativa do gênero fantástico-maravilhoso”, porque se inicia no fantástico e termina no maravilhoso, com a sustentação dos fatos na lógica sobrenatural. A moça do táxi é considerada uma “alma penada” pela maioria da população. Essa crença demonstra a presença muito forte da formação religiosa e da diversidade de cultos originados da formação étnica do povo brasileiro. Pois de acordo com o autor Walcyr Monteiro a miscigenação de índios, negros e brancos portugueses contribuíram para disseminar a crença na sobrevivência das almas e na influência delas na vida dos vivos (SOARES, 2005). Se voltarmos nossas vistas ao passado, encontraremos nos três elementos componentes de nossa etnia a crença na alma e em suas manifestações. Os católicos, com a crença em céu, purgatório e inferno, acreditam também em alma penada. Muitos dos mitos e lendas foram transformados pelos missionários e catequistas em manifestações demoníacas [...] (WALCYR MONTEIRO, 2012, p. 211). A formação étnica do povo amazônico é composta em sua maioria, por índios que foram influenciados étnica e culturalmente pelos portugueses. Com o processo de colonização, os índios sofreram violências físicas e culturais que prejudicaram sua identidade. A missão religiosa de padres missionários e catequistas, contribuiu para a imposição de valores e crenças europeias, que aos poucos foram suprimindo a cultura indígena. Esse 36 processo de aculturação3 é uma constante na sociedade contemporânea. Frequentemente a cultura amazônica é ameaçada pela cultura exterior (WALCYR MONTEIRO, 2012). O escritor da lenda demonstrou uma preocupação em resgatar e manter a cultura amazônica através do estudo de visagens e assombrações de Belém, considerando a formação religiosa do povo. Walcyr Monteiro (2012, p. 210), ressalta: “No momento, numa sociedade complexa como a de Belém, onde, além de seus valores tradicionais, novos valores são trazidos a cada dia pelo ritmo de desenvolvimento que atravessa [...]”. Histórias sobre almas sempre foram temas instigantes. O mais importante é que revelam muito da cultura e da história da época, e envolvem religiosidade e crendice popular. Quando iniciamos o trabalho, pensávamos apenas em coletar as histórias de visagens e assombrações que se contam em Belém e estudar suas origens. A continuação da pesquisa, entretanto, mostrou-nos uma verdadeira teia, donde visagens e assombrações eram apenas um fio e os demais, as próprias religiões ou seitas, as lendas e mitos amazônicos ou de origem europeia, as crenças negras, e isto tudo de maneira bastante complexa, ligado direta e/ou indiretamente, ao Culto das Almas. (WALCYR MONTEIRO, 2012, p. 210-211). A lenda “A Moça do Táxi” ficou conhecida através do artigo escrito por Walcyr Monteiro no jornal “A Província do Pará”, em 1972. Na época, a história causou grande espanto à população. E conforme os testemunhos de outros taxistas, ela foi sendo acreditada pela maioria da população de Belém. Atualmente, seu túmulo localizado no cemitério de Santa Izabel, na metrópole de Belém do Pará, é muito visitado e ornamentado com placas de agradecimento pelos que acreditam ter alcançado alguma graça através dela. Este fato representa que o culto às almas ainda é uma crença do povo amazônico. Hoje você encontra motoristas que dizem que transportaram a moça do táxi. Encontra motoristas que dizem que foram salvos de assalto pela moça do táxi [...]. A moça do táxi hoje é uma espécie de segunda padroeira dos motoristas. Primeiro é São Cristovão. [...] Antigamente ia muito ao cemitério [...] Eu vi placas lindíssimas “Agradeço pela graça alcançada”, tanto em mármore quanto em madeira em alto relevo. (WALCYR MONTEIRO, 20/09/2013). De acordo com o escritor, a lenda “A Moça do Táxi” é considerada a mais interessante. Uma pesquisa a apontou como a mais lida de todas as histórias, principalmente pelos adolescentes. Diferentemente a esta opinião, o escritor afirma que existem outras histórias mais interessantes como “O estranho cliente do Dr. X” e “Noivado Sobrenatural”. 3 Modificações culturais resultantes de contatos de pessoas de diferentes sociedades. Esses contatos podem ser de interações diretas provocadas por conquistas militares, colonização, emigração, atividades missionárias e até turismo. Mas também podem ser indiretas através de meios de comunicação social como a televisão, internet, jornais, etc. 37 Procurando entender esse interesse dos jovens estudantes pela lenda, ele acredita que estes se identificam mais com esta história, pelo fato da personagem ser uma jovem bonita, mas que morreu aos 16 anos. As lendas possuem essas características de identificação, refletem sonhos e aspirações de um povo em uma dada época e instigam o imaginário de quem as conhecem. Sua característica de natureza fantástica possibilita várias interpretações, um acesso a um universo criador e imaginário. As lendas, aliás se caracterizam pela sua natureza fantástica, surpreendente, impressionante. No seu universo tudo é possível, não existem limites para a imaginação. Referem-se a acontecimentos de um passado distante e fabuloso, como uma “história falsa” que narra feitos de heróis e vilões populares, explicando particularidades do mundo e refletindo entidades que personificam as qualidades ou as aspirações do povo que as criou [...] (BRITTO, 2007, p. 13). A preferência pela “Moça do Táxi”, talvez seja explicada pelo fato das personagens terem existido e por ter sido testemunhado por várias pessoas. A lenda narra um fato do passado, de um contexto histórico local, sob o qual os leitores se identificam e, que causa espantos até hoje. Segundo Khéde (1990, p. 34), “Já a lenda pertence ao nosso tempo, ao nosso mundo e a nossa história [...] A lenda é histórica, testemunhal e marginal, porque tem em suas origens o milagre ou o crime ocorrido em torno do herói”. A popularidade da “Moça do Táxi” surpreende até o escritor Walcyr Monteiro, que considera o sucesso dessa história, um fato fora do comum. Segundo ele, esta lenda é muito conhecida como uma das mais famosas “Lendas Urbanas”, dentro não só do Pará, mas da Amazônia, e talvez até do Brasil. Pelos lugares que passa, é readaptada ao contexto local. Como exemplo tem-se “A Lenda da Josefina”, “A Moça da Motocicleta” e “A Moça da Bicicleta”. A característica da lenda é ser oral, daí a razão porque há tantas controvérsias em uma mesma história contada em regiões diferentes. Às vezes os símbolos são os mesmos, mas variam nas interpretações e os nomes com que são conhecidos. No Brasil, do Norte a Sul, há uma fertilidade de lendas, cada qual com sua tônica regional (ANDRADE, 2003, p. 07). A narrativa da “Moça do Táxi” exprime uma situação que foge os padrões da realidade, cujo fato nunca foi comprovado cientificamente, mas que foi testemunhado por vários taxistas. A ausência de uma explicação racional atribui aos fatos, uma legitimidade própria. Considerada hoje uma lenda, pela importância e credibilidade que foi adquirindo com o tempo, até hoje aguça o imaginário de quem a ouve. 38 A literatura em estudo é acreditada pela maioria da população de Belém, em 2012 a Moça do Taxi completou 80 anos. Sua história está bem viva no imaginário da população. Vale ressaltar que esse tipo de literatura não é passível de credibilidade se for contada fora do seu local de origem, contudo reforça o fenômeno folclórico da região, se propagada no âmbito de suas raízes. Assim ganham forças as lendas e mitos que se transmitem através de histórias fantásticas. As histórias fantásticas possuem elementos que estão enraizados no cotidiano, nos costumes e tradições de um povo, seja ele, de âmbito regional, social ou familiar. Por estes motivos, se constituem como instrumentos de ensino e formação da cultura e da identidade de um povo. Conforme Held (1980, p. 30), “Uma história fantástica de maneira alguma nos interessaria se não nos ensinasse algo sobre a vida dos povos e dos seres, reunindo, assim nossas preocupações e nossos problemas [...]. E isso pode ser plenamente verdadeiro para a narração fantástica por mais desordenada e bizarra que seja”. O uso dessas narrativas como instrumento didático em sala de aula torna o ensino mais interessante, porque além de instigar o imaginário, levando o aluno a criar novas possibilidades, também viabiliza conhecer a cultura de uma dada época e fazer uma relação com a cultura atual. Leva à reflexão dos valores locais, como o reconhecimento da importância da literatura amazônica para a formação da identidade cultural da população. Porém, o que se observou é que este tipo de leitura se encontra ainda muito ausente das escolas, o que compromete o ensino e a valorização da cultura. Entende-se que a escola é o espaço de socialização do saber, e o professor, o mediador do conhecimento. Contudo, se suas práticas forem negligentes causando uma lacuna no ensino, isto acarreta prejuízos sociais e culturais. Por estes motivos torna-se importante analisar a ausência da literatura amazônica na escola. 3.3.1 A AUSÊNCIA DA LITERATURA AMAZÔNICA NO AMBIENTE ESCOLAR A cultura amazônica está sendo suprimida pela cultura exterior e a falta de uso da literatura de expressão regional em sala de aula, tem contribuído para esta supressão. A literatura amazônica ainda é pouco utilizada pelos professores do ensino básico, prejudicando 39 o ensino e o incentivo a valorização da cultura local através das produções literárias de autores paraenses. Considerando que a literatura é a expressão da história e da cultura de um povo, se torna um instrumento de construção de valores socioculturais. De acordo com D’Onofrio (2006), para além da função estética como arte que a traduz em um “artefato”, a literatura possui uma função moral, que a torna útil. Nesta perspectiva, a literatura adquire uma intenção pedagógica e educativa, porque visa a construção de significados, possibilitando ao homem uma nova leitura de mundo e a formação de uma consciência crítica. Para a teoria moral, ao contrário, a literatura possui uma finalidade pedagógica e educativa. Mais do que forma, a literatura é substância cognitiva que encerra uma cosmovisão. Sua valoração está diretamente relacionada com o modo específico pelo qual ela se articula com as outras atividades do espírito, no afã de contribuir para a tomada de consciência do homem perante seus problemas, quer individuais, quer coletivos. Daí a importância que a concepção utilitarista da arte confere a análise dos significados míticos, simbólicos e ideológicos que a obra encerra (D’ONOFRIO, 2006, p. 22). A literatura tem uma natureza artística que não pode ser negada. No entanto, levar em conta somente sua expressão estética, é negar o seu conteúdo. O significante e o significado precisam estar no mesmo plano para o equilíbrio valorativo desta arte, que possui um papel muito importante na sociedade. Admitindo sua “plurifuncionalidade” que está para além da função estética, a literatura possui ao mesmo tempo uma função lúdica, cognitiva, catártica e pragmática (D’ONOFRIO, 2006). No campo cognitivo, a literatura favorece o conhecimento da realidade, seja esta no aspecto objetivo ou psicológico. Na escola, a literatura de âmbito local se constitui como instrumento de assunção da identidade cultural, que deveria ser propiciado pelo professor. No entanto, o que se observou é que esta prática ainda está muito distante das escolas. O educador Paulo Freire, em seu livro “Pedagogia da Autonomia”, discute a prática docente voltada ao reconhecimento e a assunção da identidade cultural. A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos cujo respeito é a absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos. É isto que o puro treinamento do professor não faz, perdendo-se e perdendo-o na estreita e pragmática visão do processo (FREIRE, 1996, p. 41-42). O papel formador do professor é proporcionar condições ao aluno para que ele adote uma postura como ser social e histórico, que ele se assuma na relação com o outro sem prejuízo da sua identidade. Assumir a própria identidade não quer dizer desprezar o outro. 40 Significa dizer que é a partir do outro, que o sujeito se afirma como ser que possui características próprias formadas a partir do seu contexto histórico-social. Conforme Freire (1996, p. 41), “É a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu”. O uso da literatura amazônica em sala de aula, além de contribuir para a afirmação da identidade cultural, colabora para a formação de novos leitores incentivando o hábito da leitura. Mas para isto, é preciso a mediação do professor que tem o papel de criar condições de ensino e aprendizagem. O incentivo partindo do professor se torna um referencial para o aluno, pois a prática docente é norteada de valores que tendem a ser copiados pelos alunos e muitas vezes essas práticas podem levar ao desestímulo, se não forem coerentes. Um simples gesto ou uma opinião expressa de forma adequada, podem fazer a diferença na formação do aluno. Bezerra (s.d.) argumenta que como professor e formador de leitores, se deve orientar e conscientizar que a literatura não é a salvação para todos os problemas sociais e que uma pessoa não se torna melhor ou pior a partir da apropriação de textos literários. Contudo, Compagnon (apud BEZERRA, 2009) defende que o ambiente literário é o espaço mais apropriado para a aprendizagem e reconhecimento de si e do outro. Não se deve pensar, hoje, que a literatura é a salvação da sociedade, ou que os letrados são seres melhores ou superiores, pois se vê que as pessoas vivem sem a literatura. Destaca-se que a questão seja outra: enquanto professor de literatura e, portanto, formador de leitores e fomentador de leituras, devemos dizer à sociedade que a literatura não é uma válvula de escape ou que todos os problemas humanos serão resolvidos com ela, ou ainda, que as pessoas serão melhores se elas lerem textos literários, os clássicos, mas mostrar que a literatura, ou melhor, como diz Compagnon “o exercício jamais fechado da leitura continua o lugar por excelência do aprendizado de si e do outro, descoberta não de uma personalidade fixa, mas de uma identidade obstinadamente em devenir.” (BEZERRA, s.d.). Bezerra (s.d.) defende ainda, a tradição histórica da arte literária, onde o artista produz sua arte sem se desligar de seu âmbito sociocultural e defende as práticas artísticas da Amazônia. Observa que para manter a tradição histórica da literatura amazônica, entre outros aspectos, se faz necessário estender o acesso dessa literatura com intuito de criar um público leitor. Para isto, é preciso que a literatura alcance todas as camadas da sociedade, principalmente o ambiente escolar e o artístico-cultural através de políticas que propiciem o fortalecimento da tradição histórica da literatura. 41 Voltado ao campo de valorização da literatura amazônica, o grupo de pesquisa, ensino e extensão Culturas e Memórias Amazônicas (CUMA), do Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará, possui uma linha de pesquisa “Poética” que desde 2006, através de projetos de iniciação científica, atua nas escolas de ensino básico com a divulgação de produções de autores amazônicos (BEZERRA, s.d.). O referido programa de leitura das obras poéticas de expressão amazônica surge com o fim de intervir na situação de “desleitura”, estudar mecanismos para restabelecer o valor da literatura e traçar um perfil sobre como estudantes de Ensino Básico recebem as obras literárias amazônicas, tendo como base de análise teórica a Estética da Recepção, e as teorias do discurso. (FARES, 2011apud BEZERRA, s.d.). Nesta mesma linha, na busca da valorização da literatura amazônica, a presente pesquisa apresentou como proposta didática, o uso da lenda “A Moça do Táxi”, recolhida pelo escritor Walcyr Monteiro, como estratégia para este fim. A proposta buscou despertar o interesse pela literatura amazônica em sala de aula, com o uso de temas instigantes que envolvem o enredo das histórias do gênero narrativo fantástico. A proposta se estabeleceu a partir da apresentação da lenda “A Moça do Táxi” em sala de aula. A opção por esta lenda se justifica pela sua popularidade, pois é a mais conhecida, a mais comentada entre os antigos moradores da cidade de Belém e até pelos jovens. Segundo os motivos explicados pelo escritor, a crença talvez se deva ao fato da existência real de um túmulo e de um endereço dos pais da personagem. Por se tratar de uma lenda urbana, está mais próxima do cotidiano das pessoas e ganhou força com os testemunhos dos taxistas que acreditam na proteção oferecida pela “Moça do Táxi”, que se tornou uma padroeira para eles. Esses aspectos citados pelo autor fazem da lenda, uma narrativa do gênero fantástico. São características que contribuem para despertar o interesse por temas instigantes, pois os elementos sobrenaturais estão ligados ao cotidiano da população e provocam dúvidas e incertezas. A ambiguidade provocada pela lenda “A Moça do Táxi”, leva o leitor a pensar e tomar uma atitude com relação aos fatos, determinando um final para a história. Com isso, após a leitura da lenda, se faz importante a intervenção do professor em mediar os comentários e questionamentos envolvendo os seguintes aspectos: os costumes da época, como o passeio de táxi, a visita aos pontos turísticos, a credibilidade na palavra, a crença nas almas, o respeito pelos mortos, a visitação aos cemitérios, dentre outros. Esses aspectos trazem em si, valores que foram se transformando ao longo do tempo, que precisam ser explorados com a leitura e interpretação da história devidamente orientada pelo professor, 42 pois a lenda “A Moça do Táxi” retrata a história e a cultura do povo paraense em uma determinada época. Com essa prática pedagógica, o professor está se desprendendo de apenas transferir conhecimento. Está criando possibilidades para que o próprio aluno produza e construa seus conhecimentos. A importância do papel do professor não se limita em apenas ensinar conteúdos, mas ensinar o aluno a “pensar certo”. Por isso, a formação do professor deve ser baseada na leitura crítica e não apenas em uma leitura mecânica, memorizadora e repetidora de ideias (FREIRE, 1996). Repete o lido com precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. E como se os livros todos a cuja leitura dedica tempo farto nada devessem ter com a realidade de seu mundo. A realidade com que eles têm que ver é a realidade idealizada de uma escola que vai virando cada vez mais um dado aí, desconectado do concreto (FREIRE, 1996, p. 27). A leitura orientada apresenta propostas coerentes com o objetivo do ensino. Desta forma, para além de instigar a imaginação, o uso da lenda “A Moça do Táxi” apresenta instrumentos ricos em valores culturais, éticos e sociais. Esses valores podem ser trabalhados em sala de aula de diferentes formas, cuja metodologia fica a critério do professor. O importante é criar possibilidades que levem o aluno a refletir sobre o “ontem” e o “hoje”, abrir espaços para a criatividade e imaginação, assim como proporcionar uma nova visão de mundo. Sobre esta perspectiva, a leitura literária para D’Onofrio (2006, p. 23), significa: “Arrancar a linguagem da ancilose, dar nova vida às palavras, criar o efeito de estranhamento, é o meio de que o poeta se serve para obrigar o destinatário da obra literária a pensar na essência da condição humana, a refletir nos problemas da verdade, da justiça, do amor, do tempo, da morte, etc.”. A literatura considerada socialmente como a “arte da palavra”, que tem como função fundamental proporcionar uma “visão peculiar do mundo”, revela os desejos e aspirações do poeta que pensa e sente por nós. Neste sentido, considera-se que toda obra literária revela sentimento, pensamento e ideologia do autor. É a visão de mundo do autor que se manifesta através de suas obras. Assim, quanto mais amplo for o acesso ao conhecimento de outras leituras, de diferentes autores, mais amplo se torna a leitura de mundo do aluno. 43 Desta forma, com base na proposta desta pesquisa, é importante que o professor não se limite a um só escritor e apresente aos alunos outros autores da literatura paraense, sempre iniciando por temas instigantes para chamar a atenção do aluno, pois a lenda e o escritor paraense Walcyr Monteiro, estão sendo indicados para dar início aos estudos e a valorização da literatura amazônica. Com isso, possibilita-se também a ampliação dos estudos da literatura amazônica, que se limita a certas fases da vida do estudante, como no ensino médio e no ensino superior. Não há uma preocupação em formar leitores literários desde o ensino básico, talvez isso explique a grande dificuldade de aprendizagem da literatura quando introduzida no currículo do ensino médio. 44 4 RESULTADOS EIXO 1: A LENDA COMO ESTÍMULO DO IMAGINÁRIO Para D’ onofrio (2006), a palavra lenda provém do latim legenda, que é a forma gerúndia do verbo legere (ler). Etimologicamente, significa “o que se deve ler”. Legenda passou a ser então, um substantivo usado para denominar o relato de vida dos mártires e santos da igreja católica, durante a Idade Média. Este sentido etimológico sugere a disposição mental da “imitação”, ou seja, as pessoas deveriam “imitar” os atos virtuosos dos “heróis religiosos”. O que faz da lenda uma narrativa instigante, rica em sentidos e valores culturais, é o fato dela reproduzir verdades não tão distintas à história, apresentando relações diretas com o dado momento histórico do povo que a criou. Assim como D’ onofrio (2006), Machado (1994) diz que a lenda nasceu da tradição oral, e na idade média era usada para contar a vida dos santos durante as festividades. Com o passar do tempo, ela serviu como justificativa para alguns fatos e fenômenos que não tinham explicações. A lenda proporciona ainda, um caminho para a cultura da civilização a que faz referência. Embora lenda, conto popular e mito possuam características semelhantes, como o fato de pertencerem à tradição oral popular, não possuírem autor e instigarem o imaginário, existe diferenças entre elas, e este trabalho, limitou-se a lenda. Cascudo (2011) a define como uma tradição oral popular transmitida de geração a geração, de fixação geográfica, o que a caracteriza como localizável no tempo e espaço. Caracteriza-a ainda, como episódio sentimental ou heroico, de pequena deformação, cujo elemento principal é sobre-humano ou maravilhoso. Machado (1994) aponta diferenças entre conto popular e lenda. A primeira é de caráter universal, o que não a permite ser localizável no tempo, ou seja, sua origem é indeterminada, no que se diz respeito a espaço e tempo. Possui traços que se repetem nos mais variados locais e época, sem que os costumes esquecidos no tempo mudem. Enquanto que a segunda, como dito anteriormente, é localizável no tempo, o personagem é sobre-humano ou maravilhoso, fruto de um acontecimento histórico, que pode sofrer leve modificação com o tempo. Já Salvatore (2006) diz que embora o mito seja uma tentativa de definição, assim como a lenda, para certos fenômenos, ele é mais voltado à mitologia, a fim de melhor 45 entender o universo, os homens e tentar explicar o comportamento relativo a eles. E assim como o conto popular, também é de caráter universal. Atualmente, o termo “mito” tem sido empregado com bastante frequência como sinônimo de mentira. É o caso de alguns programas televisivos que visam “desvendar” as dúvidas das pessoas em relação a um determinado assunto, como por exemplo, o programa Câmera Record, da emissora Rede Record. O apresentador aborda um determinado tema e aponta no decorrer do programa, o que é verdade e o que é mentira/mito, acerca desse tema. Um dos verbetes do dicionário Aurélio define mito como uma ideia falsa, que distorce o real ou não corresponde a este. Há outro verbete, que o compara à fábula e caracteriza-o como pessoa ou coisa irreal, fictícia, por isso a insistência popular em associar pejorativamente o mito à mentira. Através da lenda, é possível estimular o imaginário. E para que tal estímulo seja eficaz, a entonação e a postura ao contar a lenda, se fazem necessárias, assim como a escolha adequada. Machado (1994) e Oliveira (2007) classificam a lenda em histórica, naturalista e sobrenatural. A histórica busca explicar a origem de países e civilizações, como por exemplo, a lenda “Rômulo e Remo”, que seria uma possível explicação para o surgimento da cidade de Roma. A naturalista ou cosmogônica, visa explicar os fenômenos naturais. A exemplo deste tipo de lenda, pode-se citar “Como se fez a noite”, que é também uma possível explicação para o surgimento da noite, o que contrapõe as vertentes científica e religiosa. A sobrenatural é a que está ligada ao extraordinário, a histórias de bravos guerreiros que agem de acordo com os interesses da sociedade e que normalmente, são fundadores de algo inovador, de uma nova era, o que faz dele um herói nacional, como é o caso de “Beowulf e o Dragão”. O que se percebeu durante a pesquisa para fundamentação deste trabalho e as experiências em sala de aula, é que as lendas pouco são usadas. A preferência por outras narrativas, por literatura de outras culturas, tem ganhado espaço cada vez mais nas escolas, e o que se propunha neste trabalho, não é a exclusividade à literatura amazônica, mas sim a devida valorização que esta merece. Com a experiência em sala de aula, notou-se que durante a leitura de lendas amazônicas, principalmente da obra Visagens e Assombrações de Belém, do escritor paraense Walcyr Monteiro, os alunos realmente prestavam atenção, interagiam, pediam para ouvir outras lendas e desenvolviam a atividade proposta com bastante êxito. Inclusive os aluno mais tímidos e intitulados “dispersos” pelos professores, se empenhavam. O interesse por histórias 46 macabras, sobrenaturais, visagens, assombrações sempre aguçam o imaginário das pessoas, independente da idade. Entretanto, falta mais estímulo da parte dos docentes em incentivar a leitura de lendas. Contar uma lenda com a devida entonação e postura, prende a atenção do aluno e o induz a agir da mesma forma ao ler ou contar uma. Deixar que o aluno interaja na sala de aula contando as lendas que conhece e incentivá-lo a transmitir as que ouviu do professor e colegas na sala de aula, é uma forma de não deixar essa tradição ser esquecida. Pedir que ele reconte a lenda que acabou de ouvir, que descreva o cenário e os personagens a seu modo, é estimular seu imaginário. Isso irá melhorar sua oratória e escrita e o ajudará no sentido de expressar-se melhor, no que se diz respeito à timidez. Durante as práticas em sala de aula, a lenda serviu como instrumento de incentivo a leitura. Com o intuito de fazer com que os alunos literalmente se sentissem parte do enredo da lenda, era solicitado que os sentassem em círculo e que se mantivessem com os olhos fechados durante a leitura. Após a contação da lenda, era feita uma socialização em que os alunos opinavam e destacavam os aspectos mais relevantes do texto, faziam paralelo com a atual realidade, comparações a outras lendas já ouvidas em sala de aula, a histórias contadas por outras pessoas e a filmes que eles já tinham visto. Resolviam as atividades propostas com muito êxito e pesquisavam outras histórias, a fim de interagirem nas outras aulas. A dramatização das lendas também serviu como forte estímulo do imaginário. A partir da leitura de algumas lendas, os alunos criaram o enredo e figurino adequados à história e encenaram durante a feira da cultura da escola em que foi feito o estágio e atividade em campo. EIXO 2: O HÁBITO DA LEITURA ATRAVÉS DE LIVROS DA LITERATURA PARAENSE Como dito anteriormente, a leitura de lendas em sala de aula se faz necessária e requer devida entonação e postura para que o resultado do estímulo seja eficaz. Mas é de suma importância também que se tenha um rico acervo de livros da literatura amazônica, e que estes, além de serem utilizados em sala de aula com frequência, estejam disponíveis para empréstimos aos alunos tanto dentro da escola quanto fora, pois uma vez estimulados e realmente incentivados a ler, eles terão interesse e zelo pelo livro. Esta é uma forma de 47 sustentar o interesse do aluno pela literatura amazônica. Mas percebeu-se que a maioria das bibliotecas das escolas onde foram realizados os estágios para a complementação deste trabalho, pouco têm livros de literatura amazônica, e algumas, estão até defasadas. Não possuem estrutura adequada para comportar os alunos. A literatura amazônica é instigante e interessante. E mostrar isso aos alunos, é muito importante. Apresentar vida e obra dos escritores não é o fator primordial para que o aluno tenha o hábito pela leitura, mas contribui para a bagagem cultural que este pode adquirir. Citou-se antes da leitura das lendas em sala de aula, do livro Visagens e Assombrações de Belém, do escritor paraense Walcyr Monteiro, um breve comentário acerca da vida e obra do autor, a fim de mostrar aos alunos, o quão prestigiada uma pessoa intelectual pode ser, pois além de escritor, Walcyr Monteiro é também sociólogo, economista, jornalista, antropólogo e já viajou por inúmeros estados para pesquisar e recolher fatos que contribuíram muito para o enriquecimento de seu trabalho quanto escritor. Além disso, publica há 41 anos e já viajou para fora do país. Publicou em coautoria ao escritor português Fernando Vale, recebeu premiações dentro e fora do país, tem muitas obras publicadas e dentre elas, Visagens e Assombrações de Belém, destaca-se por ser a mais editada. Visagens e Assombrações de Belém, já foi tema de escolas de samba em Belém, de filme, peça teatral, coreografia de dança e atualmente, ela está na segunda tiragem da sexta edição e é o livro mais furtado, segundo o escritor, dos Sistemas Municipal e Estadual de Biblioteca do Estado do Pará. Isso prova o quanto o trabalho do escritor é interessante. Então, por que não incentivar o hábito pela leitura de livros da literatura amazônica? Por que não valorizar a cultura paraense? Ultimamente, o próprio escritor tem incentivado professores de algumas escolas de Belém, a estimular os alunos a assim como ele, pesquisar novas histórias do imaginário popular por todo o Estado Paraense. É uma maneira de não deixar a tradição oral ser esquecida. E é também uma maneira de resgatar a cultura paraense, que há muito tempo vem sendo invadida por outras culturas. Esta é, na verdade, uma forma de continuar o trabalho do escritor, pois o que o motivou a recolher fatos nos mais diversos lugares da região norte e publicá-los, foi segundo ele, o amor que sente pela Amazônia, pelo Pará, por Belém. E como os costumes de contar as histórias da tradição oral, das danças, das crenças foram se perdendo aos poucos, ele resolveu registrar essa cultura em suas obras. 48 O incentivo para a leitura de lendas pode ser feito também através de vídeos relacionados a estas narrativas, peças teatrais, filmes, apresentação de danças. Basta desenvolver atividades que envolvam estas categorias. Apoderar-se das várias adaptações ou versões das lendas amazônicas contadas por escritores de outros estados e até mesmo de outros países, a fim de comparar e apontar as diferenças sociais e culturais destes lugares, fazer com que o aluno compreenda e respeite a cultura exterior, é uma estratégia para enriquecer o conhecimento de mundo do mesmo. EIXO 3: O RESGATE DA CULTURA E DO IMAGINÁRIO COM A LEITURA DE LENDAS Resgatar os costumes de uma cultura tão rica e interessante, que há tempos está sendo invadida por outras culturas e costumes, como é o caso da cultura paraense, é muito importante. Resgatar o ato de contar as lendas, de dar liberdade ao imaginário popular, é fundamental. Essa tradição perdeu o espaço para a era tecnológica dos vídeos games e dos eletrônicos de uma maneira em geral. A exemplo destas afirmativas, tem-se os relatos de Walcyr Monteiro, que em uma de suas viagens ao Baixo Amazonas, encontrou uma casa simples, no meio da floresta e em frente a ela, uma roda de crianças cantando músicas da apresentadora Xuxa. Sem entender o porquê dessas crianças, aparentemente isoladas da “sociedade”, estarem corrompidas culturalmente. Foi então que ele se deparou com uma antena parabólica improvisada. Devido a esse esquecimento do próprio povo, para com a sua própria cultura, Walcyr Monteiro achou necessário registrar a cultura paraense, coletando as histórias do imaginário popular. Dentre tantas histórias interessantes do livro Visagens e Assombrações de Belém, a escolhida para configurar este trabalho, foi a Moça do Taxi. Esta, por ser uma das histórias de maior repercussão no estado do Pará e ter muitas versões em estados de outras regiões, instiga o imaginário dos ouvintes, justamente por ter fatos que comprovem a existência do túmulo de Josephina Conte, no cemitério de Santa Izabel, apontada pelo povo como a Moça do Taxi. A lenda A Moça do Taxi, aparentemente trata-se de um relato do cotidiano de taxistas da cidade de Belém, entretanto, um acontecimento sobrenatural, desvia totalmente este foco, colocando os personagens em confronto com a realidade e a sobrenaturalidade. Esta lenda possui elementos do gênero fantástico, pois durante a história, o leitor se deixa envolver com 49 a hesitação dos personagens, o que os fazem transitar entre o real e o ilusório. De acordo com Marçal (s.d.) os personagens oscilam entre a explicação lógica e racional para tais acontecimentos extranaturais e a admissão de fenômenos sobrenaturais, que contrapõem as explicações científicas. A primeira publicação da lenda da Moça do Taxi, foi por Walcyr Monteiro no jornal “A Província do Pará”, em 1972. Em 2012, a lenda completou 80 anos, mas continua causando muito espanto a quem ouve. Embora considerada a mais interessante e a mais lida dentre as obras do autor, este tem uma opinião contrária. Não que a referida lenda não seja interessante para ela, mas “O estranho cliente do Dr. X” e “Noivado Sobrenatural”, são mais interessantes na concepção de Walcyr Monteiro. Por estar sendo suprimida por culturas alheias e por ser pouco utilizada em sala de aula, a literatura amazônica requer uma atenção maior. O uso de lendas em sala de aula é muito importante para resgatar o imaginário e por consequência, a cultura paraense. Por se tratar de histórias sobrenaturais, fantásticas, instigantes, estimulará mais ainda o aluno a querer ler outras. Podendo ser também, um fator de estímulo para as leituras de um modo em geral. Como diz Paulo Freire (1996), é papel do professor proporcionar condições aos alunos, para que estes, assumam posturas condizentes ao âmbito social. 50 5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES O homem é o único ser capaz de produzir cultura. Pela sua formação histórica e social ele se forma e transforma. Nessa perspectiva, ele absorve valores e costumes que lhe são apresentados ao longo do tempo. Esses valores compõem sua identidade, sua origem, sua história. A importância de se manter uma identidade cultural consiste em valorizar características socialmente construídas. A cultura expressa através da arte literária, retrata os costumes e valores de certa época e justifica a sua adoção nos tempos atuais. A leitura possibilita conhecer esses hábitos e costumes e incentiva a valorização da literatura de expressão regional. Os aspectos culturais são bem representados através de gêneros narrativos como as lendas que expressam a história e o imaginário de um povo. As lendas que narram histórias de almas, por exemplo, descrevem fatos históricos que revelam as crenças religiosas e valores éticos e sociais de uma época que podem ser utilizados para resgatar o sentimento de respeito e cidadania nos tempos atuais. O resgate e a conservação desses valores fortalece a cultura local e dificulta a entrada de uma cultura externa que não condiz com a realidade regional. A literatura amazônica, mais especificamente de autores paraenses, tem perdido espaço para outras literaturas, o que contribui para a entrada de outras culturas que não dizem respeito à identidade local. Constantemente a cultura paraense tem sido invadida por novos hábitos e costumes que comprometem a história, principalmente através da mídia e dos avanços tecnológicos, que têm criado grandes possibilidades de apropriação cultural. Com esse estudo procurou-se fazer uma análise da lenda “A Moça do Táxi”, com o propósito de demonstrar as suas características instigantes, os aspectos históricos, sociais e religiosos que aparecem na história, com o intuito de justificar o uso desse gênero narrativo em sala de aula para despertar o interesse pela literatura amazônica, visando a sua valorização. Consideramos que gêneros literários instigantes são mais interessantes e despertam o imaginário dos alunos. Ficou constatado em entrevista com o escritor Walcyr Monteiro, que a lenda “A Moça do Táxi”, é muito utilizada por alguns professores em sala de aula pelo fato de ser muito instigante. O escritor declarou ainda, que é muito solicitado para proferir palestras 51 em escolas para abordar esses temas. Essa declaração confirma a proposta apresentada nesta pesquisa: a importância do uso de gêneros que estimulem o imaginário para despertar a leitura e interesse pela literatura amazônica. No entanto, nos questionamos: Por que muitos autores paraenses ainda são desconhecidos pelos alunos? Acreditamos que esse interesse dos alunos pelo gênero não é aproveitado para apresentar outros escritores da literatura amazônica, que também produzem histórias fantásticas e imaginárias do contexto amazônico. Com esse estudo, procurou-se fazer uma análise da lenda “A Moça do Táxi”, com o propósito de demonstrar as suas características instigantes e apontar o uso deste estimulante gênero narrativo em sala de aula, visando a valorização da literatura amazônica. Os gêneros literários instigantes são utilizados por poucos professores em sala de aula, pois segundo o escritor Walcyr Monteiro, que relatou em entrevista ser muito solicitado para proferir palestras em escolas, diz que está em parceria a esses professores, incentivando os alunos a pesquisar novas histórias por todo o estado, e assim como ele, registrá-los. Esse indicativo ratifica a importância de gêneros que estimulem o imaginário. Mas por que muitos autores paraenses ainda são desconhecidos pelos alunos? Acredita-se que esse interesse pelo gênero não é aproveitado para introduzir outros escritores da literatura amazônica que também produzem histórias fantásticas e imaginárias do contexto amazônico. E para tanto, recomenda-se: • Adaptar as bibliotecas das escolas para melhor atender os alunos; • Aumentar o acervo de livros de literatura paraense nas bibliotecas das escolas; • Disponibilizar o acervo literário para empréstimos dos alunos; • Fazer da literatura amazônica, uso contínuo em sala de aula; • Promover oficinas e jirau literário com a participação de escritores e poetas da literatura paraense; • Estabelecer uma semana do calendário escolar que caracterize a semana da cultura paraense, assim como a feira da cultura/de ciências. 52 REFERÊNCIAS ANDRADE, Paulo de Tarso. Amazônia e suas lendas e outras lendas do Brasil. Belém: 2003. ARANHA, Maria Lucia. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2003. BEZERRA, José Denis. Literatura amazônica: para quê? Disponível em: Acesso em: http://portalclic.files.wordpress.com/2012/03/literatura-amazonica-para-que-jose-denis-deoliveira-bezerra.pdf. Acesso em: 24/11/2013. BRITTO, Apolonildo Senna. Lendário Amazônico. 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Comente o que você achou dela. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 2) Você notou alguma palavra ou expressão diferente? Quais? Que palavras você conhece, que quase não são utilizadas hoje em dia? Quem as fala? Qual o sentido delas? _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ 3) Como você pôde ver, muitas Ruas e Avenidas mudaram de nome. A que você atribui essa mudança? Você conhece outros lugares que já mudaram de nome também? Quais? _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ _______________________________________________________ 4) Agora, crie você, sua própria lenda! Use sua imaginação como quiser!!!!!!! __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ “quanto mais se pesquisa, quanto mais se recolhe histórias, mais se acrescentam fatos novos e curiosos, tornando os temas abordados como que infindáveis.” (Walcyr Monteiro) Obrigada por sua colaboração!!! Esperamos que você tenha gostado!!!