o setor elétrico pós-privatização
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o setor elétrico pós-privatização
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO RENATO DOMINGUES FIALHO MARTINS O SETOR ELÉTRICO PÓS-PRIVATIZAÇÃO: novas configurações institucionais e espaciais Rio de Janeiro 2009 RENATO DOMINGUES FIALHO MARTINS O SETOR ELÉTRICO PÓS-PRIVATIZAÇÃO: novas configurações institucionais e espaciais Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional Orientador: Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer Rio de Janeiro 2009 M386s Martins, Renato Domingues Fialho. O setor elétrico pós-privatização : novas configurações institucionais e espaciais / Renato Domingues Fialho Martins. – 2009. 142 f. : il. color. ; 30 cm. Orientador: Carlos Bernardo Vainer. Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2009. Bibliografia: f. 132-136. 1. Serviços de eletricidade - Brasil. 2. Privatização. I. Vainer, Carlos Bernardo. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 333.7932 RENATO DOMINGUES FIALHO MARTINS O SETOR ELÉTRICO PÓS-PRIVATIZAÇÃO: novas configurações institucionais e espaciais Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional Aprovado em 23/09/2009 BANCA EXAMINADORA _______________________________ Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ _______________________________ Prof. Dr. Helion Póvoa Neto Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ _______________________________ Prof Dr. Paulo Cesar Peiter Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – FIOCRUZ Este trabalho é dedicado aos meus pais, à minha companheira e a todos que acreditam que ainda podem transformar o mundo AGRADECIMENTOS Ao CNPq, por me financiar durante dois anos. Aos funcionários das bibliotecas da Memória da Eletricidade, da Eletrobrás e da ONS; que ajudaram bastante nesta pesquisa. Aos funcionários do IPPUR; não deve existir lugar onde os servidores públicos são tão prestativos. Aos Professores do IPPUR, em especial, Ana Clara, Fred, Helion, Jorge Natal, Luciana, Orlando Jr, Henri, Hermes, Fânia; por compartilhar um pouco do que sabem. Ao meu orientador, Prof. Carlos Vainer; não tenho dúvidas que esta dissertação seria muito diferente sem a sua orientação. Aos ETTERNianos, do presente e do passado, André Dumans, Alexandra, Breno, Daniele, Eduardo, Flávia, Gabriel, Geórgia, Gisele, Isabel, Javier, João Paulo, Jorge Luís, Juliana, Márcio, Rachel, Raquel, Régis, Renato Castro, Soninho, Tássia, colegas de pesquisa; sem os mesmos a academia saberia menos sobre setor elétrico, atingidos por barragens, justiça ambiental, cartografia social, conflitos urbanos e planejamento. Também à Aline Schindler, emprestada do laboratório vizinho, que fez alguns dos mapas. Aos colegas da turma de mestrado de 2007; Adriana, André, Ângela, Carla, Carolina, Clarice, Eduardo, Erick, Ernesto, Gabriel, Iaci, Jéssica, Mariana, Pedro, Priscila, Rafael, Vanessa Jorge e Vanessa Martin; tardará para aparecer uma turma de mestrado tão boa quanto esta. Guardem bem estes nomes, são estes os futuros planejadores da América Latina. Aos amigos e amigas de longa data; sem os quais este mundo seria ainda mais sem graça. Aos valorosos companheiros de luta, a despeito da tragédia em que se transformou este planeta, com uma utopia nas mãos, ainda sonham, ainda tentam, ainda estudam, ainda trabalham, ainda transformam, ainda lutam. Aos meus pais e familiares; a quem devo boa parte do que sou. À minha companheira, Ana Carolina, que justifica toda a beleza existente na Terra. Não temos nada a perder! Temos um mundo a ganhar! K. Marx & F. Engels RESUMO A presente dissertação possui como objetivo central entender as mudanças institucionais e espaciais na geografia do setor elétrico brasileiro (SEB) a partir dos processos de privatização que afetaram o setor em meados da década de 1990 e, além disso, compará-la com períodos históricos anteriores. Nesta pesquisa, a história do setor elétrico foi dividida em quatro períodos (1930-45, 1946-62, 1963-1989 e 1990 em diante). Em cada um dos períodos, o trabalho apresenta o contexto em que se insere o SEB, assim como a distribuição geográfica das unidades geradoras, o crescimento da capacidade instalada, as principais empresas no campo da distribuição e geração e as lógicas que se encontram por trás deste arranjo espacial. Na segunda parte, discute as mudanças institucionais que chegaram ao SEB na década de 1990 e assinala o contexto em que tais mudanças ocorreram, a crescente influência do pensamento liberal (neoclássico) na economia do país e algumas das conseqüências para o país. Em seguida, apresenta a trajetória do setor a partir do crescimento da presença do capital privado e do avanço do projeto neoliberal. Destaca a distribuição espacial dos principais investimentos em geração de eletricidade e analisa o novo arranjo espacial da expansão elétrica do país. E ainda, indaga o que há de novo e o que há de permanência na geografia do setor elétrico brasileiro, no que diz respeito aos segmentos de geração e distribuição. Na conclusão, propõe que o setor elétrico brasileiro se constituiu em um novo modelo e que possui algumas características centrais: a emergência das parcerias público e privadas como modelo de expansão do setor; a decisiva participação do BNDES como principal agente financeiro do setor elétrico; as transformações no segmento de distribuição e geração, com alteração do perfil dos agentes do setor, da participação estatal, da área de concessão e as estratégias espaciais das empresas privadas. Palavras-chave: Setor Elétrico. Privatização. Geografia. ABSTRACT This work has as main objective to understand the institutional and spatial changes in the geography of the Brazilian Electric Sector (BES), since the privatization processes that affected the sector in the mid-1990s, and also compare it with earlier historical periods. In this research, the history of the electricity sector was divided into four periods (1930-45, 1946-62, 1963-1989 and 1990 onwards). In each period, the paper presents the context that includes the BES and the geographical distribution of electric generation units, the growth of generation capacity, the main agents of electricity distribution and generation and the logic that lie behind this spatial arrangement. The second part discusses the institutional changes that have come to BES in the 1990s and notes the context in which such changes occurred, the growing influence of liberal thought (neoclassical) in Brazilian economy and some of the consequences for the country. It then displays the trajectory of the eletric sector since the growing presence of private capital and the advancement of the neoliberal project. It highlights the spatial distribution of major investments in electricity generation and examines the new spatial arrangement of the Brazilian electric expansion. And it asks what's new and what's remaining in the geography of the BES, within the segments of generation and distribution. In conclusion, it suggests that the BES has built a new model and has some core characteristics: the emergence of public and private partnership as a model for electric sector expansion, the decisive participation of the BNDES (Social and Economic Development Bank) as the main financial agent of the electric sector, the changes in the segment of distribution and generation, by changing the profile of the agents in the sector, the share of government, the concession area and the spatial strategies of private companies. Keywords: Electric Sector. Privatization. Geography. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS Pág. 1.1. Localização dos investimentos em geração do grupo Light no Brasil. 1930-1945. - 35 1.2. Localização dos investimentos em geração por iniciativa estatal. 1930-1945. ------ 36 1.3. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já existentes), no Brasil. 1930-1945. ------------------------------------------------ 37 1.4. Mapa do Plano Nacional de Eletrificação, 1954. ---------------------------------------- 44 1.5. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já existentes). 1945-1962. ------------------------------------------------------------- 52 1.6. Concessionárias estaduais de energia elétrica. 1989. ------------------------------------ 55 1.7. Interligação dos sistemas elétricos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. -- 58 1.8. Distribuição das empresas subsidiárias regionais. 1973 e 1989. ----------------------- 64 1.9. Distribuição espacial dos principais investimentos em geração de energia. 1962- 66 1989. ------------------------------------------------------------------------------------------------2.1. Lucro das principais distribuidoras e da geradora Tractebel --------------------------- 93 3.1. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já existentes). 1990-2006. ------------------------------------------------------------- 105 3.2. Área de concessão aproximada das distribuidoras de eletricidade, por grupo empresarial controlador. 2006. ------------------------------------------------------------------ 110 3.3. Evolução da concentração das usinas hidrelétricas. 1950 e 2000. --------------------- 116 3.4. Distribuição espacial das usinas (potência maior que 30 MW) das empresas geradoras de eletricidade de maior capacidade instalada. ----------------------------------- 121 4.1. Localização das PCHs e das UHEs. ------------------------------------------------------- 125 4.2. Sistema interligado. 2007. ------------------------------------------------------------------- 126 4.3. Sistemas isolados, outubro 2003. ---------------------------------------------------------- 126 GRÁFICOS 3.1. Evolução da capacidade instalada (MW) brasileira. 1930-2006. ---------------------- 100 3.2. Crescimento percentual (por quadriênio) da capacidade instalada. 1930-2006. ----- 100 LISTA DE TABELAS Pág. 1.1. Evolução da capacidade instalada do Grupo Light e a sua participação percentual. 1910 - 1960. --------------------------------------------------------------------------------------- 30 1.2. Crescimento cumulativo da capacidade instalada. 1900-1945. ------------------------ 32 1.3. Evolução da capacidade instalada. 1930-1945. ------------------------------------------ 33 1.4. Evolução da capacidade instalada e do consumo de energia elétrica. 1930-1939. - 34 1.5. Composição percentual da capacidade geradora instalada por categoria de propriedade. 1953-1964. ------------------------------------------------------------------------- 39 1.6. Empresas estaduais de energia elétrica e ano de criação respectivo. ----------------- 43 1.7. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1945-1962. ------------------------------ 47 1.8. Evolução da capacidade instalada por agente gerador. 1952-1962. ------------------ 48 1.9. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1963-1989. ------------------------------ 60 2.1. Concessionárias de energia elétrica privatizadas. 1995-2000. ------------------------- 85 2.2. Investimentos no setor elétrico (% do PIB), no Brasil. 1970-1997. ------------------ 89 2.3. Evolução dos investimentos do setor elétrico, em R$ milhões. 2001-2005. --------- 91 2.4. Lucro líquido (R$ milhares) das principais empresas do setor elétrico. 2007-2008.- 93 3.1. Capacidade instalada das maiores empresas geradoras, em 1990. -------------------- 98 3.2. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1990-2006. ------------------------------ 99 3.3. Capacidade instalada das maiores empresas geradoras, em 2000. -------------------- 105 3.4. Operações aprovadas pelo BNDES, entre 2003 e junho de 2008. -------------------- 107 3.5. Distribuição de energia elétrica por concessionária e por grupo controlador, 2006. - 113 3.6. Principais empresas distribuidoras de energia, segundo área de concessão, população e distribuição de eletricidade. ------------------------------------------------------ 114 4.1. Parcerias público-privadas em empreendimentos hidrelétricos. 1998-2006. -------- 128 4.2. Projetos hidrelétricos financiados pelo BNDES. 2003-2008. ------------------------- 129 4.3. Prazo de concessão de usinas por empresa. ---------------------------------------------- 131 LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES ABRADEE ABRACE ABRAGE ACEE AMFORP ANACE ANEEL BELSA BNDE BNDES CBA CCEE CCON CEA CEAL CEAM CEEE CELB CELESC CELF CELG CELPA CELPE CELTINS CELUSA CEMAR CEMAT CEMIG CEPISA CER CERJ CERON CESP CFLCL CFLP CGTEE CHERP CHESF CHEVAP CMM CNAEE CNI COELBA COELCE COHEBE COMEPA CONESP Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais Associação Brasileira das Geradoras de Energia Elétrica Associação das Construtoras de Centrais Energéticas American Foreign Power Company Associação Nacional dos Consumidores de Energia Agência Nacional de Energia Elétrica Bandeirantes de Eletricidade (SP) Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social Companhia Brasileira de Alumínio (Votorantim) Câmara de Comercialização de Energia Elétrica Comitê Coordenador de Operações do Norte-Nordeste Centrais Elétricas do Amapá Centrais Elétricas de Alagoas Centrais Elétricas do Amazonas Comissão Nacional de Energia Elétrica (RS) Centrais Elétricas da Borborema (PB) Companhia de Eletricidade de Santa Catarina Centrais Elétricas Fluminense Centrais Elétricas de Goiás Centrais Elétricas do Pará Centrais Elétricas de Pernambuco Centrais Elétricas do Tocantins Centrais Elétricas de Urubupungá (SP) Centrais Elétricas do Maranhão Centrais Elétricas de Mato Grosso Centrais Elétricas de Minas Gerais Centrais Elétricas do Piauí Centrais Elétricas de Roraima Centrais Elétricas do Rio de Janeiro Centrais Elétricas de Rondônia Centrais Elétricas de São Paulo Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina Companhia de Força e Luz Paranaense Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (RS) Companhia Hidrelétrica do Rio Pardo (SP) Companhia Hidrelétrica do São Francisco Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba (SP) Companhia Mineira de Metais (Votorantim) Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica Confederação Nacional da Indústria Companhia de Eletricidade da Bahia Companhia de Eletricidade do Ceará Companhia Hidrelétrica de Boa Esperança Companhia Melhoramentos de Paraibuna (SP) Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviço Público COPEL COSERN CPFL CSN CVRD DNAEE DNPM EDF EEVP EFE ELETROBRÁS ELETRONORTE ELETRONUCLEAR ELETROSUL ENERGIPE ENERSUL EPE ESCELSA FFE FMI GCOI GERASUL GPI IGP-M IPCA IUEE JK LIGHT MAE MME MP MW NUCLEBRÁS OCDE ONS PCH PEPE PIB PIE PND PNE PPE RE-SEB RME SAELPA SEB SIESE SIGEL SIN Companhia Paranaense de Eletricidade Companhia Energética do Rio Grande do Norte Companhia Paulista de Força e Luz Companhia Siderúrgica Nacional Companhia Vale do Rio Doce Departamento de Águas e Energia Elétrica Departamento Nacional de Produção Mineral Eletricitè de France Empresa de Eletricidade do Vale do Paranapanema Empresa Fluminense de Energia Centrais Elétricas Brasileiras Centrais Elétricas do Norte do Brasil Centrais Elétricas Nucleares Centrais Elétricas do Sul do Brasil Empresa Energética de Sergipe Empresa Enérgica de Mato Grosso do Sul Empresa de Pesquisa Energética Espírito Santo Centrais Elétricas Fundo Federal de Eletrificação Fundo Monetário Internacional Grupo Coordenador para a Operação Interligada Centrais Geradoras do Sul do País Grandes Projetos de Investimentos Índice Geral de Preços do Mercado Índice de Preços ao Consumidor Amplo Imposto Único sobre Energia Elétrica Juscelino Kubitschek Brazilian Traction, Light and Power Company Mercado Atacadista de Energia Ministério de Minas e Energia Medida Provisória Mega Watt Empresas Nucleares Brasileiras Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Operador Nacional do Sistema Elétrico Pequena Central Hidrelétrica Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais Produto Interno Bruto Produtores Independentes de Energia Plano Nacional de Desestatização Plano Nacional de Eletrificação Programa Prioritário de Energia Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro Rio Minas Energia Sociedade Anônima de Eletrificação da Paraíba Setor Elétrico Brasileiro Sistema de Informações Estatísticas do Setor Elétrico Sistema de Informações Geo-Referenciadas do Setor Elétrico Sistema Interligado Nacional SINTREL SOTELCA TERMOCHAR UHE USELPA UTE Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica Sociedade Termelétrica do Capivari Termelétrica de Charqueadas Usina Hidrelétrica Usinas Elétricas do Paranapanema Usina Termelétrica SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Pág. 15 INTRODUÇÃO 16 CAPÍTULO 1. DO OLIGOPÓLIO À ESTATIZAÇÃO (1930-1989) --------------1.1. A HEGEMONIA DO OLIGOPÓLIO PRIVADO ESTRANGEIRO (1930-1945) 1.1.1. Distribuição espacial dos investimentos em geração ---------------------------1.2. O SETOR ELÉTRICO ANTES DA ELETROBRÁS E O AVANÇO DA ESTATIZAÇÃO (1945-1962) ----------------------------------------------------------------1.2.1. Distribuição espacial dos investimentos em geração ---------------------------1.3. A AFIRMAÇÃO DO MODELO ESTATAL NO SETOR ELÉTRICO (19621989) ---------------------------------------------------------------------------------------------1.3.1. A interligação do sistema ------------------------------------------------------------1.3.2. A expansão do setor elétrico no modelo estatal de grandes barragens -----1.3.3. Distribuição espacial dos investimentos em geração ---------------------------- 26 27 34 CAPÍTULO 2. A PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO ---------------------2.1. O ESTADO NEOLIBERAL NA TEORIA: O NEOLIBERALISMO COMO DISCURSO -------------------------------------------------------------------------------------2.2. O NEOLIBERALISMO NA PRÁTICA -----------------------------------------------2.3. O NEOLIBERALISMO NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO -----------------2.4. LUCRATIVIDADE DAS EMPRESAS DO SETOR ELÉTRICO -----------------CAPÍTULO 3. O ARRANJO ESPACIAL DO SETOR ELÉTRICO PÓSPRIVATIZAÇÃO -----------------------------------------------------------------------------3.1. A EXPANSÃO DO SETOR ELÉTRICO ENTRE 1990 E 2006: A TRANSIÇÃO PARA UM MODELO DE MERCADO ----------------------------------------------------3.2. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS INVESTIMENTOS EM GERAÇÃO -------3.3. O PAPEL DO BNDES -------------------------------------------------------------------3.4. O NOVO ARRANJO ESPACIAL DAS CONCESSIONÁRIAS DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA NO CONTEXTO DA PRIVATIZAÇÃO ----------3.5. O MAPA DAS EMPRESAS DE GERAÇÃO DE ELETRICIDADE NO PÓSPRIVATIZAÇÃO ------------------------------------------------------------------------------- 38 49 53 56 60 61 69 70 74 77 92 96 97 102 106 109 115 CAPÍTULO 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS -------------------------------------------- 123 REFERÊNCIAS -------------------------------------------------------------------------------- 132 ANEXOS ----------------------------------------------------------------------------------------- 137 15 APRESENTAÇÃO A dissertação a ser apresentada faz parte do projeto de pesquisa Setor Elétrico, Território, Meio Ambiente e Conflito Social (SETMACS), vinculado ao laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN), coordenado pelos Profs. Carlos Vainer e Henri Acselrad, sediado no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ). O autor deste trabalho participa do grupo de pesquisa desde meados de 2004 quando ingressou na condição de graduando em geografia e bolsista de iniciação científica do CNPq. O resultado foi uma monografia de conclusão de curso, finalizada em 2005, que trata da relação entre o território e a população ameaçada pelo projeto de construção da barragem de Itaocara (RJ). A investigação iniciada na graduação prosseguiu no curso de especialização "Planejamento e uso do solo urbano", no IPPUR/ UFRJ, que culminou no artigo sobre a luta das populações quilombolas e ribeirinhas contra as barragens no vale do Ribeira do Iguape (SP/PR), defendida no final de 2006. Assim, ao longo do curso de mestrado em Planejamento Urbano e Regional, novamente bolsista do CNPq, pesquisou o "outro lado", os "adversários" dos atingidos pelas barragens, o lado de quem opera, planeja, constrói, investe na indústria da eletricidade e, portanto, comanda o setor elétrico brasileiro; são elas: as instituições estatais de planejamento, pesquisa e gerenciamento, empresas geradoras, transmissoras e distribuidoras, privadas e estatais, os agentes financeiros, as empreiteiras, dentre outras. Apesar de ser um trabalho individual, cuja responsabilidade por quaisquer equívocos, lacunas e imprecisões é inteiramente do autor, o mesmo recebeu o aporte de conclusões, discussões e reflexões coletivas, através do contato cotidiano com diversos pesquisadores do ETTERN das mais diversas formações acadêmicas e políticas. 16 INTRODUÇÃO 1. Aproximação ao tema Em Vainer e Araújo (1992, p. 10), se define o Setor Elétrico Brasileiro (SEB) como sendo o conjunto das empresas responsáveis pela produção, transmissão e distribuição de energia elétrica em todo território nacional. No momento em que estes autores escreviam, a predominância das empresas estatais era marcante. Os tempos mudaram desde então, muitos agentes do SEB surgiram no cenário nacional, outros desapareceram. As empresas que permaneceram, algumas tiveram suas funções mudadas, sobretudo a Eletrobrás. Desta maneira, já que o contexto em que se insere o SEB não é o mesmo, é possível atualizar a definição de Setor Elétrico e incorporar novos agentes ao conjunto que o compõem. Durante todo o século anterior e no início deste, assumem cada vez mais importância os agentes financiadores dos empreendimentos do SEB, em particular o BNDES nos últimos anos, mas também os fundos de investimentos nacionais e internacionais. Também é justa a incorporação ao SEB, as empresas recentemente criadas a partir do desmembramento de departamentos até então internos à Eletrobrás ou ao Ministério de Minas e Energia (MME), no período da implementação do modelo privado, como por exemplo: o ONS, a EPE, a CCEE, a ANEEL, etc; órgãos governamentais que agem no sentido de fiscalizar, regulamentar, planejar e operar o setor. Com o Setor Elétrico cada vez internacionalizado e inserido em um mercado mundial de energia, é possível acrescentar a participação de empresas de atuação em escala global, sediadas nos países centrais, tais como o grupo francobelga Suez, as norte-americanas AES, Duke e Enron, a espanhola Iberdrola e a portuguesa EDP, que investem, financiam, geram, vendem, compram e distribuem energia no território brasileiro. Em outra passagem, Vainer e Araújo defendem que uma das características basilares do desenvolvimento capitalista é o seu caráter concentrador e excludente. Sustentam que, "ao mesmo tempo em que está permanentemente incorporando novos setores e esferas da vida econômica, o capital, em sua incessante acumulação, concentra e centraliza os meios de produção e de controle da vida social". A partir desta característica intrínseca ao modo de produção capitalista, é possível perceber que esta tendência também possui um rebatimento no espaço, isto é, há uma expressão espacial que se manifesta de maneira igualmente concentradora (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 13). 17 O caso específico do capitalismo à brasileira, com suas particularidades, não se apresenta de modo diferente. Basta visualizar a maneira espacialmente concentradora de como se deu a urbanização e a industrialização do país. Os investimentos em infraestrutura (rodovias, ferrovias, portos, fornecimento e geração de energia elétrica, redes de telecomunicação), ao longo de todo século XX, estiveram concentrados no Sul e Sudeste do país, e em menor medida, em parte do Centro-Oeste e Nordeste. Para dar razão a estes argumentos, poderiam ser apresentados os dados estatísticos oficiais de concentração demográfica, industrial, agropecuária e também de consumo de eletricidade que, no entanto, serão dispensados para não alongar esta introdução demasiadamente1. Na ótica de Vainer, os Grandes Projetos de Investimentos (GPI); nos setores mínerometalúrgicos, petroquímicos, energéticos e viários; reconfiguraram o território nacional desde a metade do século XX, principalmente no último quarto. Para o autor, "o território ia se configurando conforme decisões tomadas em grandes agências setoriais", assim, "redesenhavam o território regional, trazendo à vida novas regiões e novas regionalizações" (VAINER, 2007, p. 11). De acordo com Vainer e Araújo (1992), a idéia de GPI, apesar de sua imprecisão, busca "caracterizar os projetos que mobilizam em grande intensidade elementos como capital, força de trabalho, recursos naturais, energia e território" (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 29). Os GPIs "representam um formato particular de apropriação e controle do território que se impõe e consolida com a integração do mercado nacional sob a égide do capital industrial-financeiro do sudeste", pois expressam, ao mesmo tempo em que reforçam, a concentração espacial da riqueza e a concentração do poder de decisão em alguns poucos centros nacionais (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 70). As grandes usinas hidrelétricas brasileiras, base de todo o sistema elétrico, são bons exemplos de GPIs2, já que grandes extensões do território, bacias hidrográficas inteiras e vastas regiões são compreendidas como "jazidas energéticas", e além do mais, são grandes os volumes de capital empregado. As grandes barragens são empreendimentos que se apropriam de recursos naturais e humanos em determinados pontos do território, sob a lógica de mercado e dos ganhos em rentabilidade, que atendem a decisões tomadas em espaços externos aonde se dá o empreendimento, constituindo-se em enclaves territoriais. 1 A hegemonia assim se manifesta se consolida nos marcos de um mercado nacional integrado e de uma divisão inter-regional do trabalho sobre-determinados pelo setor industrial-financeiro, cuja sede, por excelência, é a cidade de São Paulo (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 15). 2 "As grandes hidrelétricas constituem - por sua dimensão, natureza, modo de implantação, objetivos - um caso típico de GPI. Sua multiplicação, a partir dos anos 60 e 70, consolida uma política nacional de exploração energética de recursos hídricos marcada por duas características principais: absoluto predomínio do Estado como agente empreendedor e afirmação das unidades de grande porte como sustentáculo essencial do planejamento e expansão do sistema de geração de eletricidade" (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 51). 18 Mesmo quando os GPIs se localizam distantes dos grandes centros industriais, isso não remonta a uma preocupação de combater desigualdades regionais. Interessante a formulação de Vainer e Araújo (1992, p. 48) a esse respeito, a localização dos megaempreendimentos em espaços periféricos "expressa (...) a tendência à apropriação e mobilização produtiva de recursos naturais em benefício de circuitos de acumulação que (...) têm a sua lógica, dinâmica e comando determinados nos centros nacionais e internacionais", portanto, exógenos às dinâmicas locais ou regionais. Assim, os GPIs se constituem uma forma muito particular de integração nacional, enclaves territoriais, um importante fator de fragmentação territorial. Ao final, Vainer conclui que: os GPIs são uma forma de organização territorial que a tudo se sobrepõe, fragmentando o território e instaurando circunscrições e distritos que, no limite, configuram verdadeiros enclaves. Por esta razão é possível afirmar que estes constituem, quase sempre, importantes vetores do processo de fragmentação do território. Ademais, hoje seu potencial estruturador reafirma a privatização de nossos recursos territoriais e reforça tendências ao enclave e à fragmentação (VAINER, 2007, p. 12). No que tange especificamente à história do SEB, nas últimas duas décadas, o conjunto de medidas institucionais, que se traduziu na sua reestruturação e na privatização de importante parcela da indústria da eletricidade, promoveu uma reconfiguração territorial dos agentes responsáveis pela geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Inicialmente concebida como uma empresa pública de escala nacional, cuja tarefa central seria a responsabilidade pelo planejamento setorial, além da realização de pesquisas e projetos, a coordenação da implementação e operação de usinas geradoras e linhas de transmissão de energia elétrica, acompanhamento do sistema interligado, a Eletrobrás, principal agente do setor elétrico, viu o seu papel e sua atuação se transformar nos diversos contextos econômicos e políticos por qual passou o Brasil. As transformações pelas quais passaram o setor elétrico foram resultados de embates e disputas políticas em torno da concepção de Estado-nacional e da amplitude de sua atuação no setor. Essas transformações podem ser muito bem observadas quando se estuda a história do setor elétrico desde o seu princípio até os dias de hoje. O período posterior à revolução de 30 presenciou a consolidação de uma estrutura de oligopólio fundada em duas empresas estrangeiras, as quais respondiam por mais da metade da geração e distribuição de energia elétrica no país. Do ponto de vista de sua distribuição territorial, o SEB esteve constituído por sistemas isolados, sem quaisquer interligações expressivas, concentrados no eixo Rio-São Paulo e em algumas capitais brasileiras. O panorama começa a se inverter a partir de meados 19 da década de 40, com o fim da II Guerra Mundial e do fim do Estado Novo no Brasil. Este cenário revela um período de transição para um setor elétrico na qual o Estado irá se constituir no seu personagem central. A Eletrobrás foi fundada no início dos anos 60, no entanto, seu aparecimento foi apenas a coroação de uma tendência que podia ser verificada nos anos imediatamente anteriores. Essa tendência seria a emergência do Estado como regulador e, até mesmo, como produtor de energia. Contribuíram para isso a fragilidade que se encontravam as empresas privadas estrangeiras e seu pouco empenho na ampliação da capacidade instalada do país, além da crescente hegemonia do pensamento nacional-desenvolvimentista. Nas décadas de 60/ 70, a presença do Estado nacional no setor elétrico se fortaleceu ainda mais em razão do acelerado período de crescimento econômico, chamado de 'milagre brasileiro', só interrompido com a estagnação da economia ao longo dos anos 80. Neste quadro, a distribuição espacial das unidades de geração de energia e das linhas de transmissão havia se transformado. No decorrer do processo de estatização do setor elétrico, observou-se uma expansão da fronteira elétrica em direção ao Centro-Oeste e ao Nordeste, e a conformação de uma organização territorial baseada em dois grandes sistemas elétricos integrados: o CentroSul e o Nordeste/ Norte, com alguns pontos isolados no Norte do país. Essa organização do setor elétrico brasileiro perdurou até o início dos anos 90, quando se inicia o seu processo de reestruturação e de privatização de algumas empresas, tanto federais quanto estaduais, principalmente no campo da distribuição, que acaba por se traduzir num novo padrão espacial dos agentes do setor elétrico. O contexto econômico e político, que marcou a década de 1990, se caracterizaram por um avanço da concepção neoliberal de Estado, bem distinta da concepção nacional-desenvolvimentista que marcaram as décadas anteriores. O jogo político e econômico e as disputas por modelos de desenvolvimento nacional se refletiram nas marcantes transformações na economia brasileira ao longo dos anos 90, dentre estas mudanças destaca-se as reformas que promoveram a desregulamentação do Estado, a abertura comercial, a liberalização do fluxo de capitais e a redução da presença do Estado na economia. A opção pelas reformas liberais, que está vinculada não só a mudanças e disputas intra-nacionais, mas também a um panorama internacional que culminou na orientação de diversos países, inclusive sul-americanos - e talvez o melhor exemplo seja o caso chileno - a enveredarem pelas trilhas neoliberais, representou uma ruptura em relação às políticas nacional-desenvolvimentistas que fomentaram o processo de industrialização do país durante quase meio século, mediante grandes investimentos de base e na infra-estrutura. 20 A conjuntura nacional e internacional e a opção dos governos pós-militares, no período chamado de 'redemocratização', conduziram a uma consolidação do pensamento neoliberal também na organização do sistema elétrico brasileiro, de tal modo que no governo Fernando Collor foi organizado o Plano Nacional de Desestatização - PND. O PND foi um dos mais importantes mecanismos de ajuste econômico orientado pelas agências multilaterais e implementado pelo Brasil na década de 1990. A opção pela trajetória orientada pelo "Consenso de Washington" permanece durante os dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso, justamente no período de 1995 até 2002 se deram os principais passos em direção a um modelo concorrencial sob hegemonia do capital privado. O governo que o sucedeu, sob o mandato de Luís Inácio Lula da Silva, eleito com o apoio das forças de oposição ao governo anterior, não só manteve o modelo de mercado apoiado nas chamadas “parcerias público-privadas”, mas o aperfeiçoou de maneira a superar as crises energéticas do início da década. 2. Algumas posturas analíticas Ao estudar o setor elétrico brasileiro, percebe-se que o mesmo se encontra em permanente movimento, pois em cada período histórico assume características particulares, marcas que traduzem a correlação de forças que atuam sobre ele, na qual o embate entre os múltiplos agentes envolvidos conduzem o setor. Para Henri Lefebvre, no pensamento vivo, nenhuma afirmação é indiscutível e inteiramente verdadeira, tampouco inteiramente falsa. O autor, ao parafrasear Hegel, afirma que "tudo é apenas vir-a-ser, só o vir-a-ser é real. Tudo é contraditório; todo pensamento avança graças às contradições que contém, examina e supera" (LELEBVRE, 1995, p. 173). É possível observar o objeto da dissertação da mesma forma. O setor elétrico é também um “vir-a-ser”, guarda características daquilo que já foi anteriormente, porém antecipa algumas do que será no futuro. Na teoria do conhecimento de Lefebvre, "o sujeito (o pensamento, o homem que conhece) e o objeto (as coisas a serem conhecidas) agem e reagem continuamente um sobre o outro". Portanto, o sujeito age sobre as coisas, as explora, as experimenta; elas resistem ou cedem à ação do sujeito, revelam-se; em perpétua interação. O autor entende que "essa interação será expressa por nós com uma palavra que designa a relação entre os dois elementos opostos e, não obstante, partes de um todo, como numa discussão ou num diálogo; diremos, por definição, que se trata de uma interação dialética" (LEFEVBRE, 1995, p. 49). 21 Ao longo desta dissertação, buscar-se-á sempre analisar os elementos do setor elétrico vinculados ao contexto em que estão inseridos. Neste sentido, Lefebvre corrobora esta posição ao afirmar que "nada é isolado. Isolar um fato, um fenômeno, e depois conservá-lo pelo entendimento nesse isolamento, é privá-lo de sentido, de explicação, de conteúdo. É imobilizá-lo artificialmente, matá-lo" (LEFEBVRE, 1995, p. p. 238). Assim, de alguma maneira, os recortes temporais tratados nesta pesquisa sempre serão precedidos de uma aproximação ao ambiente político e sócio-econômico. Se esta dissertação se propõe a uma tarefa bem abrangente, isto é, compreender a "geografia do setor elétrico brasileiro" pós-privatização e, ainda, compará-la com "geografias" em períodos históricos anteriores, cabe, portanto, mostrar o que se entende por uma "geografia” de um fenômeno qualquer. O que se quer dizer quando se examina, por exemplo, a "geografia da indústria", "da migração", "da urbanização", etc. Mesmo dentre os pesquisadores da epistemologia da geografia não se encontra muito consenso sobre o seria uma geografia propriamente dita, tampouco uma definição única. Gomes percebe que os estudiosos da história da geografia, deparam-se com "questões relativas à natureza do conhecimento geográfico, sobre seu objeto, seus métodos, os limites, o alcance e a importância deste conhecimento", cujo debate tem despertado um incômodo dentre os geógrafos, já que "pairam reiteradas dúvidas que afetam seu reconhecimento, sua legitimidade e sua importância" (GOMES, 1997, p. 13). Há muitas correntes de pensamento no interior desta ciência, algumas vezes complementares, em outras, antagônicas. Esta ciência passou por diversos períodos históricos, cada um deles conduziu a geografia por caminhos com características distintas e naturezas diversas. Não poderia ser diferente, nem é uma particularidade exclusiva da geografia, todas as ciências se transformaram ao longo dos séculos e continuam a se transformar. Esse "olhar para dentro" pode ser visto como algo de positivo, os sucessivos debates a respeito de sua epistemologia, teoria e metodologia não engessou a geografia, pelo contrário, permanentemente tem contribuído com a sua reflexão sobre a sociedade. Em outra passagem, Gomes chama a atenção que o saber geográfico, "visto como esta descrição da ordem do mundo, que se tem uma identidade historicamente fundamentada, não se resume ao inventário das coisas sobre o espaço", portanto, a simples distribuição espacial dos objetos e dos fenômenos não se constitui, por si só, o conhecimento geográfico. Segundo Gomes, "a questão geográfica por excelência" é a "ordem espacial das coisas", em outras palavras, a geografia busca entender a coerência, "a lógica do arranjo espacial" dos fenômenos (GOMES, 1997, p. 35-36). Longe de apenas descrever ou localizar, procura-se 22 examinar o porquê das disposições dos objetos no espaço. Há uma razão para as coisas estarem distribuídos da maneira que se encontram, desvendar esta razão, "o princípio de coerência dentro da ordem espacial" seria, segundo Gomes, o cerne da geografia. A partir destas ponderações, ainda que de maneira simplificada, é possível afirmar que esta dissertação pretende compreender a nova geografia do setor elétrico, encontrar as explicações que estão por trás do arranjo espacial das usinas, das empresas, das distribuidoras, das instituições governamentais. Entender o que mudou e o que permaneceu nesta geografia a partir dos processos de privatização. Certamente, a pesquisa não dará conta de tudo, cada segmento do setor elétrico já merecia um exame particular sobre a sua geografia. Ao final da dissertação, talvez fique a sensação que muita coisa ficou de fora. O que ficou do lado de dentro, entretanto, espera-se que traga algumas contribuições para o entendimento sobre a privatização e o novo padrão do setor elétrico brasileiro. 3. O objeto e os objetivos Ao fim das curtas passagens acima que tiveram por objetivo apenas aproximar-se ao tema e situar o objeto de estudo numa problemática mais ampla, assim, passa-se a algumas questões acerca da pesquisa. A relevância desta dissertação se deve à contribuição na compreensão dos processos espaciais decorrentes das transformações que atingiram o SEB nas últimas duas décadas. O objeto de estudo da mesma é a nova geografia do setor elétrico brasileiro. Em outras palavras, há no Brasil uma rede razoavelmente integrada de usinas geradoras, linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica. A territorialização do setor elétrico pela qual passou desde o seu princípio expressa a pensamento econômico e político de sua época, portanto há uma geografia do setor, que se transformou e vem se transformando ao longo de toda a história da energia no Brasil. Compreender esta geografia que vem se constituindo posterior às transformações da década de 1990 e compará-las com contextos anteriores é a questão central do trabalho. Bem no princípio da estruturação do setor elétrico, as principais unidades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica estavam concentradas no Centro-Sul do Brasil, em primeiro lugar, em razão desta região proporcionar boas condições para aproveitamentos hidrelétricos. Uma outra razão para esta concentração, todavia, pode ser atribuída às maiores taxas de urbanização e industrialização e volumes mais significativos de consumo de energia. Isso representa um processo de territorialização do setor, uma geografia que começava a se estabelecer. Com a expansão da geração e do consumo da energia elétrica, a territorialização 23 do setor também se transforma e acompanha as mudanças de conjuntura e os interesses dos maiores consumidores. Essa territorialização do setor dos anos 60 até os anos 90 revelava o modelo nacionaldesenvolvimentista dominante, com forte presença do Estado e que pode ser verificado pela atuação das empresas estatais. As concessionárias subsidiárias da Eletrobrás eram marcadas pela atuação estritas no seu recorte espacial, assim como as empresas sob controle dos governos estaduais. Após a reestruturação do setor elétrico há uma nova lógica de arranjo espacial dos seus agentes, o que se deseja estudar aqui é: qual é a nova geografia do setor elétrico brasileiro? O que ela expressa em termos de apropriação, controle e uso de recursos? Assim, o objeto de estudo desta pesquisa é a reconfiguração territorial do setor elétrico brasileiro. Antes dos processos de privatização das empresas do setor elétrico, havia uma coerência de espacialização dos agentes que foi transformada em cada contexto histórico; busca-se, portanto, compreender esse novo padrão espacial. Em outras palavras, mapear os agentes e investigar se há uma tendência de concentração por parte destas em determinadas porções do território brasileiro, se há uma tendência de empresas de determinados ramos da economia em investirem na geração de energia em determinadas regiões. 4. Metodologia O trabalho foi apoiado em diversas fontes bibliográficas. Em cada período histórico, de maneira a servir como uma aproximação ao contexto social, político e econômico, foi realizada uma revisão de algumas referências bibliográficas disponíveis acerca do recorte temporal pesquisado. Assim, as conjunturas da revolução de 30, do Estado Novo, do nacional-desenvolvimentismo e das reformas neoliberais foram baseadas em estudos de alguns autores. O mesmo foi realizado para compreender a história do setor elétrico. Também foram pesquisados documentos governamentais: livros, artigos, projetos e planos, leis, relatórios, e, principalmente, a obra publicada pelo Centro da Memória da Eletricidade, que reúne diversos documentos, dados estatísticos e informações oficiais sobre a história da eletricidade no país. O campo de investigação sobre o setor elétrico brasileiro tem despertado, há várias décadas, o interesse de diversos profissionais, pesquisadores, acadêmicos e estudantes. Por esta razão, há um sem-número de materiais de pesquisa, dissertações, teses, relatórios, artigos publicados em periódicos sobre a temática, sua história, sua evolução recente. Assim, algumas destas publicações acadêmicas também foram utilizadas. 24 Uma parcela significativa desta dissertação se apoiou em informações cartográficas, portanto, algumas das análises sobre o SEB considerou os mapas elaborados especificamente para esta investigação. O trabalho também se serviu de pesquisas na internet e nos sítios eletrônicos respectivos de cada uma das empresas investigadas, estatais e privadas, assim como das instituições governamentais, na qual foram recolhidas informações financeiras, econômicas, operacionais e estatísticas. 5. Estrutura narrativa Para dar conta da tarefa de elaboração desta dissertação, a história do setor elétrico foi dividida em quatro períodos: de 1930 até 1945, de 1946 até 1962, de 1963 até 1989, de 1989 até meados dos anos 2000. Em cada um dos períodos, se apresentará o contexto em que se insere o SEB. Em seguida, será exposta a distribuição geográfica do setor elétrico, as unidades geradoras construídas no período, o crescimento da capacidade instalada, as principais empresas e também as lógicas que se encontram por trás deste arranjo espacial. Para tal, será respondido em cada um dos capítulos a algumas perguntas. Quem são os agentes principais do setor? Onde estão localizadas as suas atividades? Há algum padrão espacial de distribuição das unidades de geração de energia (concentração, desconcentração e reconcentração)? De que maneira se distribui as redes de transmissão de energia? Quais interligações foram realizadas? O que essas informações dizem a respeito da apropriação dos recursos hídricos? Qual é a proporção da participação das empresas privadas e das empresas estatais? O que há de permanências e o que há de mudanças na geografia do setor em cada um dos períodos estudados? Especificamente sobre o período pós-privatização, indagar-se-á quais são as principais empresas nos segmentos de geração e distribuição, e se há alguma tendência de "especialização" de certas empresas em determinadas bacias hidrográficas? O primeiro capítulo desta dissertação conta a história do SEB, entre os anos de 1930 e 1989, a partir de sua dimensão espacial. Este capítulo trata do momento de transição entre uma conjuntura de hegemonia das empresas privadas para outro momento de maior presença do Estado. O capítulo se encontra sub-dividido em três partes: (a) no período 1930-45, se coloca o contexto de hegemonia do oligopólio estrangeiro, em que boa parte dos investimentos em energia elétrica esteve concentrada entre as duas maiores capitais do país e no interior de São Paulo. (b) Entre 1945 e 1962, os crescentes problemas com o abastecimento de energia, o avanço do pensamento nacionalista e a incapacidade (ou desinteresse) das 25 empresas privadas estrangeiras em sustentarem a expansão do parque gerador, as interligações dos sistemas contribuem para o crescimento da participação estatal no setor, que culminou na criação da Eletrobrás. Neste momento, se assistiu os primeiros passos do que iria se constituir um modelo estatal para o setor. (c) Já o período 1962-89, o SEB presenciou a consolidação da hegemonia estatal, neste contexto histórico, são realizadas as primeiras grandes interligações no país, de tal maneira que na década de 70, já havia se configurado dois grandes sistemas elétricos. Do ponto de vista da geração, foi o período de maior expansão da capacidade instalada do país e houve um deslocamento da fronteira elétrica em direção ao Nordeste, Norte e Centro-Oeste, na qual os novos investimentos estiveram localizados em bacias cujos potenciais hidrelétricos não haviam sido explorados até então. No segundo capítulo, serão discutidas as mudanças institucionais que chegaram ao SEB na década de 1990. Cada mudança institucional será apresentada na sequência dos governos que se sucederam: Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando H. Cardoso e Lula da Silva. Assim sendo, o capítulo também apresentará o contexto em que tais mudanças ocorreram, a crescente influência do pensamento liberal na economia do país e algumas das consequências práticas para o país. Com o intuito de auxiliar na compreensão do significado do neoliberalismo, do seu projeto de país e de suas características no setor elétrico, foram introduzidas as contribuições teóricas de alguns autores que pesquisaram o tema. Finalmente, no terceiro capítulo será apresentada a trajetória do setor a partir do crescimento da presença do capital privado e do avanço do projeto neoliberal. Em primeiro lugar, será destacada a distribuição espacial dos principais investimentos em geração de eletricidade. Em seguida, se analisará o novo arranjo espacial da expansão elétrica do país. Discutir-se-á o que há de novo e o que há de permanência na geografia da geração de eletricidade. Também será destacado o novo papel assumido pelo BNDES como principal agente financeiro do setor elétrico no processo de expansão. Na sequência, o segmento de distribuição também será objeto de exame. Nas considerações finais da dissertação, será realizada uma síntese de tudo o que foi exposto e apresentada algumas conclusões. 26 CAPÍTULO 1 DO OLIGOPÓLIO À ESTATIZAÇÃO: uma breve contextualização do setor elétrico brasileiro (1930-1989) Introdução O objetivo central deste capítulo é descrever o curso das transformações no mapa do setor elétrico brasileiro quando foram dados os primeiros passos da participação estatal no setor. Para cumprir esta tarefa é necessário apresentar um quadro da conjuntura que caracterizava o SEB naquele momento. Também se busca entender a ampliação da participação estatal na indústria elétrica, bem como as implicações espaciais deste processo. O capítulo encontra-se dividido em três períodos históricos, a saber: 1930-1945, 19451962 e 1962-1989. Em cada um dos intervalos selecionados serão apresentados o contexto econômico, social e político do período, assim como, as permanências e as transformações institucionais. Também será realizado um esforço de mapear o setor elétrico brasileiro de modo a buscar captar a lógica da distribuição espacial dos novos investimentos em geração, das distribuidoras de energia e a atuação espacial das empresas. Antes de mais nada, cabe explicar as razões que conduziram aos recortes temporais propostos. Em primeiro lugar, já existe uma significativa produção bibliográfica que utiliza essa periodização, por exemplo, a publicação da Memória da Eletricidade3, o que facilita a consulta e o uso dessas fontes, assim como a utilização de gráficos e informações estatísticas. Em segundo lugar, o ano de 1930 é marcado na historiografia brasileira pela ascensão do projeto industrializante de Getúlio Vargas e o declínio da hegemonia do complexo cafeeiro. Em decorrência do processo de industrialização e urbanização, o crescimento da demanda por energia impactou o desenvolvimento energético do país. Da mesma forma, tanto 1945 quanto 1962, foram anos importantes no que diz respeito a marcos históricos fundamentais para o setor elétrico. O ano de 1945 foi marcado pelo fim da II Guerra Mundial, que representou uma perspectiva de retomada do crescimento para a economia mundial, e na escala nacional, a queda do Estado Novo, que se traduziu numa nova marcha na política econômica brasileira, com implicações para a indústria do setor. Por seu lado, 1962 foi o ano de fundação da estatal Eletrobrás, talvez o principal marco simbólico do movimento de nacionalização do SEB, 3 Órgão ligado a Eletrobrás. CACHAPUZ (2006). 27 cujos desdobramentos têm impactos no setor até hoje. Além do mais, o intervalo 1945-1962 foi uma etapa de passagem de um modelo oligopolista, centrado em duas empresas estrangeiras, para um modelo que teria o Estado nacional como protagonista. Por fim, o ano de 1989, marcou o início das reformas neoliberais no Brasil e de reorientação do projeto de desenvolvimento brasileiro. 1.1. A hegemonia do oligopólio privado estrangeiro (1930-1945) As mudanças que ocorreram no setor elétrico na década de 1930 e no início da década de 1940, em certa medida, foram decorrentes das transformações que a própria sociedade brasileira estava vivendo naquele período. Os movimentos políticos desembocaram na revolução de 30 e na chegada de Getúlio Vargas à presidência. A revolução de 30 foi resultado e, simultaneamente, fator de aceleração da crise do regime político e da economia hegemonizados pelo complexo cafeeiro. A depressão de 1929 e a nova situação internacional acabariam abrindo os caminhos também do processo de industrialização e urbanização. O período 1930-45 é, portanto, visto pela historiografia como marcado pela aceleração do processo de industrialização e urbanização, com relevantes e amplas consequências para o setor de energia elétrica nos anos seguintes. É a passagem rápida de um modelo de desenvolvimento pautado pela economia agroexportadora, quase que exclusivamente monocultora (café), em direção a outro modelo hegemonizado pela urbanização e industrialização. Particularmente, sobre a revolução de 30, é interessante mostrar a gradual substituição do complexo cafeeiro para uma economia industrial. O Estado brasileiro pré-1930 foi definido por Octavio Ianni (1977) como sendo um Estado oligárquico, condicionado pela economia primária exportadora, cuja dependência à monocultura do café havia evidenciado uma série de problemas estruturais e conjunturais. O que chama a atenção do autor no episódio em tela foram as condições criadas para o progressivo desenvolvimento do Estado burguês e na consequente derrota, ainda que parcial, do Estado oligárquico. No entendimento de Ianni, o momento histórico contribuiu para instalar um processo de ruptura política, econômica e cultural com o Estado oligárquico, além de solapar o arcabouço institucional jurídico-político que o sustentava. O autor acrescenta ainda que durante toda década de 1930, a produção industrial manteve um crescimento substancial, 60% superior no fim dos anos 30, tal condição econômica permitiu a conversão do Estado oligárquico para o Estado burguês. 28 Celso Furtado (1959, p. 209) destaca que o germe da crise do café já poderia ser observado no final do século anterior, já que o preço da saca caía ano após ano. A crise das bolsas em 1929 somente veio confirmar a situação de vulnerabilidade em que se encontrava o complexo cafeeiro nas primeiras décadas do século XX, e a economia brasileira, totalmente tributária do desempenho econômico deste complexo. Segundo este entendimento, o declínio da cultura do café estava condenado a existir independente da crise econômica, tendo tal acontecimento, no entanto, acentuado o processo. Apesar do crescimento da produção entre 1925 e 1929, que dobrou no período, tal resultado não pode ser visto senão como decorrente dos estímulos artificiais oferecidos pelo Estado, através da política de valorização do café. Isso, não obstante, era expressiva a queda da lucratividade nos anos seguintes. Na ótica de Lima (1984, p. 29), a crise da economia do café propiciou um conflito pela hegemonia no plano político nacional. Após o golpe de 1930, iniciou-se uma etapa de transição, na qual nenhuma fração de classe conseguiu se tornar hegemônica, sucedendo a oligarquia cafeeira. Sônia Draibe enxerga o período de 1930-61 como o momento final do processo de constituição do capitalismo no Brasil, uma etapa do desenvolvimento industrial caracterizado pela transição, na medida em que "a crise de 29 culminou com a plena formação das bases técnicas indispensáveis à autodeterminação da acumulação capitalista" (DRAIBE, 1985, p. 12). Na compreensão de Draibe, a partir da natureza social do Estado que emergiu após os episódios da década de 1930, alguns pesquisadores cunham a noção de "Estado de compromisso", caracterizada "pela ausência de hegemonia de qualquer um dos grupos dominantes" e pelo exercício do "papel de árbitro entre estes interesses, respondendo por uma solução de compromisso e equilíbrio" (DRAIBE, 1985, p. 21-27). O "Estado de compromisso" teria fundado uma peculiar autonomia4, porém limitada, frente os interesses dominantes, incapazes de assumir a direção política do processo de transformações sociais, dadas as condições econômicas e a crise do Estado oligárquico e o campo instável de relações, marcado por um caráter fragmentado5". Na avaliação de Draibe (1985, p. 34), antes da crise do café já havia uma articulação entre o complexo cafeeiro e o capital industrial, e mais do que isso, a economia cafeeira carecia da expansão paralela de um setor industrial de bens de consumo, especialmente para sustentar a reprodução da força de trabalho. Draibe conclui que a crise do café representou a 4 "A heterogeneidade e a incapacidade hegemônica das classes sociais fundaram a autonomia do Estado, as correlações instáveis de forças definidas no campo da luta política demarcavam não apenas os limites em que exerceria esta ação autônoma como o sentido que ela haveria de ter" (DRAIBE, 1985.p. 43). 5 "A política do Estado não feriu nem se afastou totalmente dos múltiplos interesses oligárquicos e agroexportadores; contemplou interesses imediatos dos setores médios e urbanos e da burguesia industrial e, excluindo o campesinato, incorporou progressivamente os setores populares urbanos" (DRAIBE, 1985. p. 23). 29 possibilidade de se romper com a dependência aos humores dos mercados estrangeiros e às exportações de produtos primários para os países centrais, e salienta que o domínio do capital industrial, como novo eixo da acumulação capitalista, não aconteceu como um desenrolar natural dos fatos, deduzido a partir das condições estruturais existentes (DRAIBE, 1985, p. 32). Para os vitoriosos de 30, urgia a transformação da natureza do Estado descentralizado, enraizado e comprometido com as oligarquias regionais. Seu programa apontava para um Estado que estivesse acima dos interesses locais, em que as questões de Estado assumissem um caráter claramente nacional. O setor elétrico, por sua vez, não ficou imune às transformações em curso no país, pois o crescimento industrial e os sucessivos incrementos nas taxas de urbanização influenciaram na sua trajetória institucional nos anos ulteriores. O fato é que, de maneira cada vez mais clara, o ritmo de crescimento da produção de energia elétrica vai ficar aquém do crescimento da demanda. Em meados da década de 1940, já se vislumbrava um cenário de escassez de energia. O decreto do Código de Águas, de 1934, o instrumento jurídico que por mais de três décadas estabelecerá o padrão de regulação estatal do setor elétrico, "consagrou o regime das concessões e autorizações de aproveitamento de quedas d'águas para fins de hidreletricidade" (CACHAPUZ, 2006, p. 109). Além de tornar patrimônio da União o potencial hidrelétrico, entre outras medidas, o Código destinava o controle sobre as concessionárias de energia elétrica ao poder central, por intermédio de fiscalização técnica e financeira. O Código também excluía as empresas estrangeiras do processo de concessão, com exceção dos grupos já em atividade no país (CACHAPUZ, 2006, p. 108). Lima (1984, p. 38) aponta que o perfil centralizador do Código foi um reflexo da transição pela qual passava o Estado. Peiter acrescenta ainda que o Código superpôs os 'interesses locais' com os 'interesses nacionais' e, desta maneira, "os sistemas elétricos foram perdendo gradativamente o seu caráter predominantemente local, para ganharem os espaços regionais" (PEITER, 1994, p. 18). No período em foco, duas concessionárias estrangeiras, a Brazilian Traction, Light and Power Company (Grupo Light), de procedência canadense, e o American Foreign Power (Grupo Amforp), detinham o controle de quase todo o setor de produção e distribuição de energia 30 elétrica no Brasil. Foi justamente destes grupos que vieram os ataques mais duros contra o Código de Águas6. Os grupos estrangeiros, no início da história do setor elétrico brasileiro, tiveram um papel de destaque na expansão da geração e distribuição de eletricidade. Esta tendência não foi exclusiva ao Brasil, já que em boa parte da América Latina7, observaram-se tendências parecidas. Como consequência direta, até a década de 1950, a evolução da capacidade instalada caminhava segundo as decisões de investimento do capital estrangeiro (CASTRO, 1985, p. 34). O Grupo Light atuava nas duas regiões mais urbanizadas e mais industrializadas do país: São Paulo e Rio de Janeiro. Por esta razão, estava confrontado a pressões para uma constante e intensa ampliação da capacidade produtiva. Do ponto de vista de sua distribuição espacial, a Light consolidou dois complexos elétricos isolados, baseados em dois sistemas de geração: Cubatão (SP) e Ribeirão das Lages (RJ). A expansão da capacidade instalada durante algumas décadas foi baseada na ampliação das unidades geradoras já existentes, mantendo-se próximas aos centros consumidores, o que dispensava a necessidade de buscar novos potenciais hidrelétricos mais distantes. Em fins da década de 40, porém, os potenciais explorados já se encontravam praticamente esgotados (CASTRO, 1985, p. 38). Tabela 1.1. Evolução da capacidade instalada do Grupo Light e a sua participação percentual. 1910 - 1960. Ano 1910 1920 1930 1940 1950 1960 Grupo Light MW Particip. % 48 30,0 134 37,5 330 44,1 595 53,7 980 52,1 2.140 50,4 Fonte: CASTRO (1985, p. 37) A Amforp iniciou suas atividades no Brasil na década de 1920, ao comprar pequenas concessionárias no interior do estado de São Paulo e atendia, principalmente, ao complexo 6 Em LIMA (1984, p. 57), é possível ler trechos do depoimento do General Juarez Távora que denunciou as manobras dos grupos estrangeiros e de sua bancada no Congresso Nacional que se opuseram ao Código de Águas. 7 Os Grupos Light e Amforp detinham participações expressivas em quase todos os países latino-americanos, desde a Patagônia até o Rio Bravo: Argentina, Bolívia, Chile, Cuba, México, Nicarágua, Uruguai, etc. Nações Unidas: La energia elétrica en la América Latina, Nueva York, 1956, apêndice 12 apud CASTRO (1985, p. 41 e 66) . 31 cafeeiro do oeste paulista. Na década de 1940, a Amforp passa a investir fora de São Paulo, em estados como Bahia, Sergipe, Espírito Santo, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, etc. Em 1950, a Amforp já detinha 20,1% do mercado nacional de geração de energia elétrica. Tanto o Grupo Light quanto o Grupo Amforp apresentaram o seu auge de participação no mercado durante a década de 40, a partir daí a tendência foi uma suave queda até os anos 60. A constituição decretada após o golpe de 1937, que instaurou o Estado Novo, reforçou as tendências nacionalistas e a centralização do poder, já presentes na constituição de 34. No que concerne ao SEB, a constituição estabelecia que os novos aproveitamentos hidrelétricos somente poderiam ser concedidos a brasileiros ou empresas brasileiras, tornando constitucional o que já se encontrava no Código de Águas. Essa medida trouxe algumas dificuldades no sentido de ampliar o parque gerador do país, pois os grupos estrangeiros já instalados no país só poderiam expandir o volume de energia produzido mediante o aumento do número de unidades geradoras dentro de um mesmo aproveitamento. Diante do agravamento da escassez, a restrição foi revista em 1942, "permitindo que o governo, por medida de conveniência pública, autorizasse o aproveitamento de novas quedas d'águas por empresas estrangeiras que já exerciam essa atividade no país ou que se organizasse como sociedades nacionais8". Segundo Peiter (1994, p. 20), foi durante o Estado Novo que surgiu a primeira tentativa de realizar um planejamento nacional para o setor elétrico, ao ser criado um novo órgão governamental, o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), em 1939, diretamente subordinado à Presidência da República. O CNAEE tinha por objetivos regulamentar o Código de Águas, analisar e organizar a execução das interligações entre sistemas isolados e manter o governo informado sobre as questões do setor. Apesar do esforço do governo federal de intervir no setor elétrico, as primeiras tentativas do poder público no sentido de geração de energia partiram de iniciativas de governo estaduais, como por exemplo, a criação, em 1943, da Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE), no Rio Grande do Sul, e, em 1945, da Empresa Fluminense de Energia (EFE). A centralização, por intermédio do Estado nacional, do controle do setor elétrico pode ter sido o lançamento das bases para o processo de estatização do setor no período histórico seguinte. Entretanto, sugere Lima que a correlação de forças políticas imbricadas no interior do Estado Novo demonstrava que a estatização não constava nos seus planos (LIMA, 1984, p. 46). 8 Lei Constitucional Nº 6, de 12 de maio de 1942 (CACHAPUZ, 2006, p. 119). 32 Na tabela 1.2, abaixo, podemos verificar que o período 1930-45, e notadamente os cinco primeiros anos da década de 40, marcam uma queda em relação ao ritmo de crescimento da capacidade instalada em relação ao período anterior (1910-30), que por sua vez manteve um acréscimo cumulativo da capacidade instalada próximo a 8%. Convém destacar, como bem lembra a Cachapuz, que os dados podem ser enganadores já que na República Velha a base da qual se parte o crescimento relativo é mais estreita (CACHAPUZ, 2006, p. 130). Contudo, os dados apontam para a evolução de um quadro que iria se traduzir, mais tarde, em uma conjuntura de crise energética. Neste intervalo, observa-se um crescimento insuficiente para dar conta da demanda por energia elétrica, pois na década de 1930 o crescimento acumulado não ultrapassa 5%, e os cinco primeiros anos da década de 1940 assiste, influenciado pelos acontecimentos da guerra na Europa, um acréscimo anual muito lento. O período compreendido entre 1930-45 apresenta um ritmo de crescimento da capacidade instalada de energia elétrica inferior às décadas anteriores, conforme aponta a tabela 1.2. Tabela 1.2. Crescimento cumulativo da capacidade instalada. 1900-1945. Períodos 1900-1910 1910-1920 1920-1930 1930-1940 1940-1945 Acréscimos Cumulativos (%) 29,5 8,4 7,8 4,9 1,1 Fonte: Cachapuz (2006, p. 131) Com exceção do ano de 19389 (tabela 1.3), o crescimento da produção de energia elétrica entre os anos 1930 e 45, somando todas as fontes - hídrica e térmica -, não apresenta um crescimento expressivo. Neste mesmo período, a taxa de crescimento médio anual foi de apenas 3,7%. Outros dados que indicam o descompasso entre o consumo e a produção de energia elétrica se referem à taxa de utilização da capacidade instalada, pois se entre 1930 e 1945 a capacidade instalada cresceu por volta de 72%, no mesmo período o crescimento da produção de energia elétrica quase dobrou, alcançando 95%. Quando se cruzam estes dados com o consumo de energia elétrica das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, as maiores consumidoras de energia do país, o crescimento no mesmo decênio ultrapassa a cifra dos 9 Esse crescimento significativo no ano de 1938, e destoante também, foi consequência, em grande parte, do início de entrada em operação de duas unidades de geração da Usina de Cubatão, cada uma com capacidade de 65 MW, de propriedade do Grupo Light. 33 219%, patamar muito alto para o ritmo da produção de eletricidade (CACHAPUZ, 2006, p. 132). Tabela 1.3. Evolução da capacidade instalada. 1930-1945. Anos 1930 1934 1938 1942 1945 Capacidade Instalada Potência Crescimento (MW) Anual (%) 778,802 828,656 1,56 1.161,660 8,81 1.307,668 3,00 1.341,633 0,86 Fonte: Cachapuz (2006, p. 132) Lima indica também que, entre 1930 e 1939, o consumo cresceu 44% acima do crescimento da capacidade instalada, no mesmo período (tabela 1.4) (LIMA, 1984, p. 42). Portanto, enquanto a capacidade instalada cresceu neste período a uma taxa de crescimento anual média de 4,69%, o consumo de energia no Brasil alcançou um acréscimo médio de 8,99% ao ano, com evidente desequilíbrio entre o crescimento da produção e distribuição, de um lado, e o da capacidade de geração. Ora, este desequilíbrio mostra que estavam a explorar ao máximo a potencialidade geradora das unidades já existentes, mas na ausência de investimento na ampliação do parque gerador. Estas circunstâncias podem indicar que a Light e a Amforp aumentavam a geração a partir de um melhor aproveitamento dos empreendimentos já instalados, contudo resistiam a realizar investimentos pesados, uma nova hidrelétrica, por exemplo, muito em função das características destes investimentos, prazos de retorno longos e riscos altos. Esta situação apenas postergava e agravava a crise que se aproximava. 34 Tabela 1.4. Evolução da capacidade instalada e do consumo de energia elétrica. 1930-1939 Anos 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 Crescimento Capacidade Crescimento % Instalada % 1930 = 100 1930 = 100 100 100 104 4,0 103 3,0 108 3,8 103 0,0 121 12,0 105 1,9 137 13,2 106 0,9 158 15,3 109 2,8 180 13,9 119 9,1 198 10,0 122 2,5 205 3,5 149 22,1 217 5,8 151 1,3 Consumo Fonte: Lima (1984, p. 42) Uma das características que marcam o SEB no período 1930-45, na avaliação de Lima, são as profundas transformações institucionais, marcadas pela crescente intervenção estatal no setor, inclusive a atuação no campo da geração hidrelétrica (LIMA, 1984, p. 84). Peiter (1994, p. 31-34) destaca que a passagem dos sistemas elétricos isolados aos primeiros sistemas regionais teve início com o processo de oligopolização do setor. Essa concentração foi acompanhada dos primeiros movimentos mais significativos de regulamentação do setor, principalmente por intermédio do Código de Águas. Peiter ressalta ainda alguns desdobramentos das transformações que passava o SEB: transferência do poder de concessão da esfera estadual para federal; crescente preocupação com a interligação dos sistemas elétricos isolados, emergência do Estado enquanto um agente central, entre outras. É possível acrescentar também a concentração espacial dos investimentos em geração de eletricidade como característica do período, fato que será apresentado de maneira mais detalhada na seção subsequente. 1.1.1. Distribuição espacial dos investimentos em geração, entre 1930-1945 Segundo os dados da Tabela 1.3, em 1930, a capacidade instalada do Brasil alcançava a cifra de 779 MW e em 1945, atingiu a marca de 1.342 MW. Deste acréscimo nacional, o grupo Light (SP Light e Rio Light) foi responsável por 309 MW, que representa 54,8% do total. Do ponto de vista de sua distribuição espacial no território brasileiro, todos os investimentos do grupo Light na geração de eletricidade estiveram concentrados nas proximidades dos dois principais núcleos urbanos do país. O principal incremento foi a 35 ampliação da UHE de Cubatão (atual Henry Borden), que adicionou 184 MW, chegando em 260 MW, em 1938. Assim como a SP Light, a Rio Light também não construiu nenhuma nova usina neste período, entretanto, ampliou a capacidade de duas já existentes: Ilha dos Pombos e de Fontes Novas. Entre 1930 e 1945, o grupo Light acresceu à capacidade em 114 MW, totalizando 269 MW. Ao fim da II Guerra Mundial, as duas companhias do grupo Light, comandavam 47,2% da capacidade instalada nacional, e produziram 60,9% do total de energia no país. Todos os investimentos em geração da corporação estavam concentrados em uma área contínua inferior a 90 mil km², pouco mais de 1% do território brasileiro. Figura 1.1. Localização dos investimentos em geração do grupo Light no Brasil, 1930-1945. Elaborada pelo próprio autor, baseada em Cachapuz (2006). Por sua vez, a Amforp possuía 12,6% da capacidade instalada em 1945. Contudo, em oposição a Light, que se encontrava concentrada no eixo Rio-São Paulo, a Amforp possuía instalações em vários estados, assim distribuídas: no interior paulista (31,6% do total), Rio Grande do Sul (13,4%), Pernambuco (13,2%), Rio de Janeiro (10,7%), Bahia (10,5%), Minas Gerais (9,3%), Paraná (4,9%), Espírito Santo (3,5%), Alagoas (1,9%) e Rio Grande do Norte (1,2%) (CACHAPUZ, 2006, p. 140). No estado de São Paulo, onde estavam localizadas suas principais unidades geradoras, não houve significativas ampliações concluídas na capacidade geradora entre 1930 e 1945, a exceção foi Jaguari. Nos demais estados do país, destaca-se a UHE de Chaminé (PR), e ampliações das termoelétricas em Maceió, Natal, Recife e Pelotas (RS). Outras concessionárias estrangeiras de reduzido porte também investiram em geração de energia elétrica, destaca-se a Empresa Sul Brasileira de Eletricidade (Empresul), de capital 36 alemão. Havia ainda empresas estrangeiras de menor monta que também atuavam nas capitais, e cidades circunvizinhas, do Ceará, do Pará, do Maranhão e do Amazonas10. Dentre as empresas privadas de capital nacional, ressalta-se a Centrais Elétricas de Rio Claro, que entre 1937 e 1944, inaugurou 3 novas usinas, todas no estado de São Paulo, e a Companhia de Força e Luz Santa Cruz que inaugurou uma hidrelétrica, no mesmo estado. Figura 1.2. Localização dos investimentos em geração por iniciativa estatal. 1930-1945. Elaborada pelo próprio autor, baseada em Cachapuz (2006). Quanto às iniciativas estatais, ressaltamos a atuação do governo de Minas Gerais que promoveu a implementação de três usinas hidrelétricas: Pai Joaquim, no Triângulo Mineiro, Santa Marta, no norte de Minas, e o principal empreendimento, a usina de Gafanhoto, em Divinópolis, que possibilitou o fornecimento de energia ao distrito industrial de Contagem, localizada na região metropolitana de Belo Horizonte. No rio São Francisco, no ano de 1942, antes mesmo da criação da Chesf, foi instalada uma pequena usina para atender a cidade pernambucana de Petrolândia (figura 1.2). Numa visão geral, pode-se perceber que os investimentos do setor elétrico brasileiro estiveram limitados espacialmente às proximidades das duas principais cidades brasileiras, assim como ao interior paulista. Dentre estes investimentos, o capital estrangeiro esteve bem à frente da iniciativa privada nacional e do Estado. As ações estatais ainda se mostraram bastante tímidas: apenas quatro investimentos em geração, localizados em apenas dois estados (MG e PE). Esse quadro, gradativamente, vai se modificar no período histórico posterior (1945-62), principalmente no que se refere à distribuição espacial dos grandes investimentos, 10 Respectivamente a Ceará Tramway, Light and Power, a Pará Eletric Railways and Lighting Company, a Ulen Management e a Manaus Tramways and Light. 37 que ultrapassaram os limites dos territórios paulista e fluminense e também quanto à presença do Estado, que passa a tomar uma postura mais interventora, notadamente no campo da transmissão e geração. Figura 1.3. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já existentes), no Brasil. 1930-1945. Elaborada por Aline Schindler com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006). Para elaborar o recurso cartográfico acima somente foram inseridas as usinas concluídas ou que tiveram a sua capacidade instalada ampliada entre 1930 e 1945; assim, usinas inauguradas antes de 1930, cuja potência não foi alterada no mesmo período, não foram consideradas. Justamente por conta deste fator, várias capitais não aparecem associadas a nenhum investimento em geração, o que pode provocar algum estranhamento. Esses critérios foram utilizados também na elaboração dos mapas de períodos posteriores e, assim, facilitar a comparação entre períodos distintos. As informações utilizadas para compor o mapa foram baseadas em fontes diversas, principalmente na publicação da Memória da Eletricidade (Panorama do setor de energia elétrica no Brasil). O mapa não possui a totalidade dos investimentos em geração realizados, contudo foi plotada a grande maioria destes em termos de capacidade instalada, conforme listado nos anexos ao final desta dissertação. 38 1.2. O setor elétrico antes da Eletrobrás e o avanço da estatização (1945-1962) O contexto econômico e político da segunda metade da década de 1940 foi marcado, no panorama internacional, pelo fim da II Guerra Mundial e, na esfera nacional, pelo fim do Estado Novo. O término da guerra orientou a economia mundial para um período de crescimento econômico e de retomada dos investimentos. No Brasil, o fim da ditadura varguista apontava para reformas estruturais importantes no Estado. Uma discussão central travada no cenário brasileiro era o papel que deveria ser atribuído ao capital privado, tanto nacional quanto estrangeiro, no processo de mudanças econômicas que se avizinhava à frente. Neste sentido, atrelado a este debate, encontrava-se as discussões sobre os limites da regulamentação estatal para o setor elétrico. O período do pós-guerra, de maneira geral, pode ser caracterizado como de transição no setor elétrico, pois neste intervalo se observa a passagem de um perfil produtivo concentrado no capital privado estrangeiro para a propriedade estatal. A Tabela 1.5 mostra esta tendência: se no início da década de 1950 o capital privado estrangeiro detinha uma presença setorial bem superior, na década seguinte depois o panorama se invertera, e o Estado passou a deter a maior parcela dos investimentos. No que se refere à dimensão espacial, o SEB iniciou uma expansão territorial, pois se a iniciativa privada não julgava viável carregar o pesado fardo dos investimentos longe dos principais centros urbanos, o Estado começou a deslocar a "fronteira elétrica", ao ampliar não só o volume de energia gerada, mas também o alcance espacial do setor elétrico. Na compreensão de Castro (1985, p. 28), no princípio da história da eletricidade do país, as empresas de eletricidade instalaram as suas usinas geradoras próximas às principais cidades, e assim, procuravam diminuir os custos com linhas de transmissão e aumentar o uso do potencial hidráulico das bacias. No momento em que o aproveitamento dos recursos hidrelétricos aumentava, as novas unidades geradoras a serem implementadas tendiam a se localizar cada vez mais afastadas dos centros consumidores. Castro chama este fenômeno de avanço da "fronteira elétrica". 39 Tabela 1.5. Composição percentual da capacidade geradora instalada por categoria de propriedade. 1953-1964. Anos 1953 1957 1961 1964 Capital estrangeiro 61,0 55,6 51,0 38,7 Capital nacional Capital nacional Autoprodutores e estatal outras empresas * privado 7,2 8,2 23,6 6,3 16,5 21,6 5,6 23,4 20,0 3,8 39,7 17,8 Fonte: Castro (1985, p. 35) * inclui entidades e autarquias estaduais e estimativas para concessionárias que responderam aos questionários do IBGE Castro indica que esta mudança deveu-se, em primeiro lugar, ao fato de os grupos oligopolistas estrangeiros se mostrarem incapazes, ou não interessados, em incrementar a oferta de eletricidade no ritmo necessário para acompanhar a expansão da demanda. A solução encontrada para resolver a crise do déficit de energia foi a ampliação da intervenção estatal no setor elétrico, por meio da construção de usinas geradoras, instalação de linhas de transmissão e criação de empresas públicas. Ao explicar o ingresso do Estado no SEB, o autor afirma que havia uma "necessidade de ampliar e modernizar a capacidade geradora do Estado" e, ainda, uma "maior lucratividade do capital privado era obstaculizada por certas características da indústria elétrica, (...), que apresentava uma baixa rentabilidade vis-à-vis com outros setores produtivos" (CASTRO, 1985, p. 2). De maneira geral, havia duas correntes participando ativamente da disputa política no campo do setor elétrico. A primeira, claramente nacionalista, era marcada por um pensamento amplamente favorável a intervenção do Estado na economia, notadamente nos setores de infra-estrutura, como no caso da produção, distribuição e comercialização de energia; este grupo creditava ao Estado à responsabilidade por ser o agente central na impulsão do desenvolvimento industrial. Além disso, os discursos que engrossavam as fileiras nacionalistas culpavam as empresas estrangeiras e a situação de monopólio pelo recuo dos investimentos na expansão da oferta de energia no país. A outra corrente política-econômica, orientada pelos princípios do liberalismo econômico e do livre mercado, defendia uma postura simpática à primazia, quando não exclusividade, da participação do capital privado em todos os setores da economia. Em consequência, defendia a manutenção do controle do setor elétrico por parte dos grupos estrangeiros (notadamente os grupos Light e Amforp). Este segundo grupo possuía, inclusive, "representação parlamentar", já que não é incomum 40 encontrar nas pesquisas sobre o período as referências à "bancada da Light" e ao "polvo canadense11". Até meados da década de 1940, o Brasil apresentava uma relação entre a oferta e a demanda por energia elétrica que, de alguma maneira, se poderia considerar relativamente confortável. Esse conforto começa a ser substituído por uma sensação de insegurança energética quando mudanças estruturais no modelo de desenvolvimento econômico e industrial não foram acompanhadas, no mesmo ritmo, pela expansão do trinômio geração/ transmissão/ distribuição de energia elétrica. A II Guerra (1939-45) acentuou esse processo e praticamente interrompeu a construção de novas unidades geradoras, devido à impossibilidade de importação de equipamentos necessários a essa atividade. Cabe destacar que o crescimento da produção de energia elétrica não foi suspenso, mas insuficiente para dar conta da demanda, visto que no período beligerante a incremento da capacidade instalada no Brasil foi de apenas 14%. Pelo lado da demanda, o crescimento da participação percentual das indústrias de bens de consumo duráveis e de bens de capital, frente às indústrias de menor desenvolvimento tecnológico, porém menos intensivas em energia elétrica, propiciou um incremento expressivo do consumo de energia. Por sua vez, o consumo de eletrodomésticos ampliou a demanda por energia residencial e isso, associado ao acelerado processo de urbanização brasileira, significou um volume ainda maior de eletricidade. Esse duplo movimento, a tímida expansão da capacidade instalada de geração de energia elétrica por parte dos grupos estrangeiros, de um lado, e o rápido crescimento do consumo, do outro lado, se traduziu em um balanço energético deficitário e uma crise de abastecimento que acarretou diversos empecilhos para a economia nacional, notadamente, para as indústrias no sudeste do país. Esta situação veio impor a adoção de políticas de racionamento e cortes de energia. Com o intuito de garantir a geração de energia em níveis satisfatórios, o Estado, em princípio através de alguns governos estaduais e, em seguida, por intermédio do governo federal, caminhou na direção de expandir sua participação no setor elétrico. Este processo culminou, ver-se-á mais à frente, na estatização do setor e na criação da Eletrobrás, invertendo a hegemonia, que antes pertencia à iniciativa privada, sobretudo dos grupos estrangeiros. Quanto às iniciativas estaduais, cabe ressaltar o exemplo do estado do Rio Grande do Sul, que, face ao momento de indefinições políticas, criou a CEEE, cujo 11 A população e a imprensa carioca costumava se referir a Light como "polvo canadense" em função dos múltiplos negócios de prestação de serviço público sob ação da empresa, desde eletricidade até transporte urbano. 41 objetivo central seria executar as soluções de emergência para a crise de fornecimento de energia para os parques industriais do estado (São Leopoldo e Caxias). A convite do governo brasileiro, chega ao Brasil, em 1942, uma comissão chefiada por norte-americanos, chamada de Missão Cooke, com o objetivo de realizar um diagnóstico global da economia brasileira e propor soluções para esta. Ao final dos trabalhos, o relatório Cooke destaca que o déficit de energia seria o principal gargalo para o desenvolvimento industrial e apontava a interligação dos sistemas como metal principal e os investimentos na hidreletricidade como caminhos para superar as deficiências energéticas. Com a fim da ditadura de Getúlio Vargas, a chegada ao poder de Dutra marcou um novo período para o setor elétrico. O principal projeto de governo da administração Dutra foi o Plano Salte12, que por sua vez, destinou 16% do orçamento total para o setor de energia. Uma fração expressiva dos recursos destinados ao setor elétrico concentrou-se na construção das usinas Paulo Afonso, decorrente da constituição da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), em 1948. No que tange ao setor elétrico Lima (1984, p. 62) confere à administração Dutra uma postura conservadora, pois não teria dado prioridade ao avanço da industrialização, nem à reestruturação do modelo agro-exportador. Em 1952, o plano Salte fora abandonado. Se as empresas estatais não possuíam um papel de destaque no setor elétrico, até o início dos anos 50, esse quadro começa a mudar a partir da constituição da Chesf, em 1945, uma intervenção pioneira do governo federal na produção de energia elétrica. Com o objetivo de minorar o atraso energético no nordeste, a Chesf: "foi um marco da intervenção estatal pois definiu as características das grandes obras federais: elevada potência instalada, com longas linhas de transmissão, supridoras de mercados regionais, atuando como agentes catalisadores à interligação de outras usinas, possibilitando o surgimento de complexos sistemas elétricos" (CASTRO, 1985, p. 78). O retorno de Vargas à presidência, em 1951, retomou a orientação nacionalista que conferia ao Estado um papel de destaque na economia. O governo de Vargas buscava acelerar a industrialização brasileira por intermédio do aumento da produção de bens de consumo e maior intervenção do Estado nos setores de infra-estrutura. Neste sentido, a Mensagem ao Congresso Nacional encaminhada pelo presidente em 1951, destacava a necessidade de 12 "O SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia) retrata de maneira exemplar as forças sociais e a articulação política dominante no período. Tal como aquelas, o Plano não será anti-industrializante, não elegerá a agricultura como o caminho privilegiado que conduzirá ao futuro. Mas, também como aquelas, não terá a industrialização como meta central e requerimento urgente da nação. A lentidão do seu desenvolvimento seria seu resultado" (DRAIBE, 1980). 42 intervenção do Estado na questão da hidreletricidade e a defesa do Código de Águas. Para Cachapuz, "um ponto fundamental presente na Mensagem era o que defendia a maciça participação do Estado na produção de energia elétrica. Essa posição se baseava em considerações do desempenho das grandes concessionárias estrangeiras que, embora obtendo lucros em suas atividades, não vinham respondendo a contento ao aumento da demanda, e das empresas privadas de menor porte, de capital nacional, que dispondo de bases financeiras reduzidas, não eram capazes de mobilizar recursos suficientes para realizar investimentos reconhecidamente elevados e de lenta maturação" (CACHAPUZ, 2006, p. 164). Durante o segundo governo Vargas foi formada a Comissão Mista Brasil-EUA que, em linhas gerais, produziu um relatório que não se diferenciava de maneira significativa do relatório Cooke. O documento recomendava a permanência do Estado enquanto um ente regulador do setor elétrico e acrescentava que intervenções diretas poderiam acontecer de maneira complementar à iniciativa privada (PEITER, 1994, p. 28). As bases legais que permitiriam a viabilização de uma maior participação do Estado no setor de energia foram elaboradas pelo Poder Executivo e encaminhados ao Congresso em 1953. Em primeiro lugar, a proposta do Fundo Federal de Eletrificação (FFE), cujos recursos proviriam essencialmente do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE) e que serviria como fonte de financiamento da ação estatal no setor. Ambas as propostas contrariaram os interesses das duas maiores empresas do setor, a Light e a Amforp. Nas manifestações de seus porta-vozes, nos partidos políticos e na imprensa, que dominaram o debate, as iniciativas governamentais eram apontadas como ameaça de estatização da economia. O IUEE representou um importante impacto nas políticas de governo nos anos seguintes, pois assegurou, em escala nacional, pela primeira vez uma fonte de receita voltada exclusivamente para o setor elétrico, o que permitiu, decisivamente a escalada de sua nacionalização nos anos seguintes. Por sua vez, o FFE determinava que os recursos destinados aos estados e municípios deveriam ser aplicados por uma empresa pública criada exclusivamente para esse fim, fato este que incentivou a criação das empresas estaduais do setor elétrico, conforme mostra a Tabela 1.6. Segundo Lima, a presença dos governos estaduais na expansão do SEB cumpriu um papel estratégico, pois à medida que as iniciativas do governo federal eram obstruídas no Congresso, eram aqueles os responsáveis por dar continuidade ao incremento da geração, transmissão e distribuição de energia elétrica (LIMA, 1984, p. 106). 43 Tabela 1.6. Empresas estaduais de energia elétrica e ano de criação respectivo Estado Rio Grande do Sul Minas Gerais São Paulo Paraná Santa Catarina Goiás Mato Grosso Bahia Rio de Janeiro Maranhão Alagoas Rio G. do Norte Sergipe Piauí Empresa Estadual CEEE (1) CEMIG USELPA CHERP CELUSA BELSA COPEL CELESC CELG CEMAT COELBA EFE (depois CELF) (2) CEMAR CEAL COSERN ENERGIPE CEPISA Ano de Criação 1943 1952 1953 1955 1961 1962 1953 1955 1955 1958 1960 1945 1959 1960 1961 1961 1962 Fonte: Lima (1984, p. 104 e 105) (1) A CEEE/ RS foi transformada em autarquia, em 1952, e em sociedade de economia mista, em 1963. (2) A Empresa Fluminense de Energia (EFE) atuava desde de 1945 e acabou sendo encampada pelas Centrais Elétricas Fluminense em 1963. Outro marco legal que apontou a política nacional para o caminho da estatização do setor elétrico foi o Projeto de Lei referente ao Plano Nacional de Eletrificação (PNE), encaminhados ao Congresso em abril de 1954. Na ótica do PNE, a necessária opção brasileira pelo aproveitamento das potencialidades da hidreletricidade exigiria um grande volume de recursos, que a iniciativa privada não podia, no caso do capital nacional, ou não queria, no caso do capital estrangeiro, investir. Ainda segundo o PNE, a alegação por parte das duas grandes subsidiárias estrangeiras, que criticavam a política tarifária do governo ao restringir a margem de lucro das empresas, era insuficiente para justificar a tímida expansão da capacidade instalada de geração de energia elétrica que freava o crescimento industrial. Para o PNE, estava claro que caberia ao Estado o papel central a ampliação do setor. Contudo, o PNE ressaltava que o campo da distribuição de energia elétrica era o mais apropriado para o setor privado por demandar um menor volume de capital fixo e permitir um retorno mais rápido dos investimentos efetuados. O PNE trabalhou com um horizonte de dez anos, na qual se esperava que o déficit de energia, crescente desde o decênio anterior, fosse coberto. O Plano previa que, o parque de geração de eletricidade estivesse em 1964 numa situação confortável e pudesse contar com alguma margem de segurança, e esperava poder interligar os sistemas elétricos e uniformizar 44 as frequências de transmissão e distribuição. O PNE também apostava, segundo Cachapuz (2006, p. 171), na concentração das unidades geradoras nas mãos da União e dos estados. Como um primeiro esforço de mapeamento do setor elétrico, o PNE dividiu o país em três sistemas elétricos. Os sistemas já em funcionamento no Sul e no Sudeste (de Minas Gerais e Espírito Santo até Santa Catarina) constituíam o primeiro grupo. A bacia hidrográfica do rio São Francisco, área de concessão da Chesf, que já existia desde a década de 1940, constituía o segundo grupo (da Paraíba e sul do Ceará até o sul da Bahia). Por último, o estado do Rio Grande do Sul formava o terceiro grupo. O PNE previa a expansão da capacidade instalada de maneira que alcançasse por volta de 8.000 MW para esses três grupos, estando as ampliações mais destacadas programadas para o Sudeste, onde a distorção entre a oferta e a demanda era mais visível e mais pressionada pela rápida expansão urbano-industrial (figura 1.4). Figura 1.4. Mapa do Plano Nacional de Eletrificação, 1954. Peiter destaca que o PNE deu grande ênfase à escala regional do planejamento, e que a centralidade do plano residia na coordenação da produção de energia elétrica de maneira a interligar os sistemas regionais. Destaca o autor as quatro as principais propostas do PNE: (a) constituição de sistemas interligados regionais; (b) construção de longas linhas de transmissão; (c) divisão do país em regiões energéticas auto-suficientes; e (d) centralização do planejamento em um único órgão federal (PEITER, 1994, p. 21). A criação do Ministério de Minas e Energia, em julho de 1960, que incorporou e submeteu a uma única direção o CNAEE, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e a Chesf, corroborou a tendência de delegar ao Estado uma atribuição maior no setor de infra-estrutura. Mas o passo "estatizante" decisivo somente viria acontecer na década de 1960, com o Projeto de Lei nº 4.280 que determinava a constituição das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás). A Eletrobrás foi edificada com base nos debates e 45 desdobramentos políticos dos anos 50, cujo apelo nacionalista culminou, também, e com anterioridade, na criação de outra importante empresa estatal, a Petrobrás. Se a Petrobrás constitui antes uma aposta num futuro incerto, pois eram poucas e incertas as informações acerca das reservas petrolíferas, o menos não se poderia dizer da Eletrobrás, uma vez, embora imperfeitamente inventariado, era notório o grande potencial hidrelétrico, que se contava mobilizar para levar a cabo a execução do PNE. O projeto nacionalista da Eletrobrás não ficou livre de ataques políticos e foi alvo de forte oposição da corrente privatista, ligada às subsidiarias estrangeiras. O Projeto de Lei levou sete anos em tramitação no Congresso Nacional, somente sendo transformado em lei em 1961, na administração de Jânio Quadros. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), na sua III Reunião Plenária, de 1957, na capital pernambucana, assumiu uma posição contrária à criação da Eletrobrás respaldada, por quase todos os porta-vozes do capital privado. Se por um lado, a corrente privatista denunciava o projeto da Eletrobrás, do outro, uma ampla gama de manifestações favoráveis à estatal encontraram eco nas vozes dos estudantes, sindicatos, militares, jornalistas, o que lembrava, numa escala menor, o movimento "o petróleo é nosso". A chegada de Juscelino Kubitschek à Presidência da República resultou na utilização sistemática de recursos externos para acelerar a industrialização do Brasil, que cresceu a passos largos durante o seu governo. Destaca-se o Plano de Metas, cujo foco era "acelerar o processo de acumulação, aumentando a produtividade dos investimentos existentes e aplicando novos investimentos em atividades produtivas" (CACHAPUZ, 2006, p. 184). Buscava-se também desobstruir os gargalos da economia brasileira por intermédio dos investimentos estatais em infra-estrutura, desprezados pelo capital privado em razão dos vultuosos recursos necessários e o retorno de longo prazo. Por outro lado, também caberia ao Estado promover um ambiente favorável ao desenvolvimento da iniciativa privada. Muitos dos economistas que participaram do plano de JK, haviam estado também na Comissão Mista Brasil-EUA, e utilizaram os seus diagnósticos. De maneira geral, os governos Vargas e JK se distanciam no que diz respeito à centralidade do capital estrangeiro na economia do país. JK promoveu a entrada significativa de capital estrangeiro nas áreas novas, sob os auspícios do nacional-desenvolvimentismo, promovendo a internacionalização da economia. A empresa pública, em linhas gerais, passou a se limitar a uma atuação no setor de infra-estrutura, alguns ramos da indústria de base e à operação de agências de financiamento de longo prazo, por exemplo o BNDE (LIMA, 1984, 46 p. 94). É sabido também que, neste mesmo governo, a busca por financiamento externo provocou um crescimento significativo da dívida externa brasileira. Vista a importância que o setor elétrico representava para a economia brasileira, o setor foi contemplado com uma parcela expressiva dos recursos inicialmente previstos no Plano de Metas - cerca de 43%. O diagnóstico apontava a urgência de se alcançar, em 1965, em termos de capacidade instalada 8.255 MW, o que representava um crescimento de médio anual de 10% (CACHAPUZ, 2006, p. 186). O FFE e as taxas estaduais de eletrificação correspondiam a 65% dos recursos garantidos pela União para a execução dos empreendimentos. Por volta de 22% seria a participação de recursos privados oriundos das subsidiárias estrangeiras e de autoprodutores. Ao avaliar o setor elétrico no Plano de Metas, Lima, conclui que a incorporação do capital estrangeiro ao desenvolvimento do setor elétrico "não significa que a empresa estrangeira fosse colocada na vanguarda do crescimento setorial, (...) ao, contrário projetava-se a emergência do Estado como grande produtor de energia, seja na esfera estadual, seja na esfera federal". (LIMA, 1984, p. 99). Cachapuz (2006) destaca que, no campo da energia, os resultados obtidos foram considerados satisfatórios, já que a marca de 7.411 MW de potência instalada foi atingida, correspondendo a quase 90% das metas traçadas no Plano. Outro dado importante, conforme a Tabela 1.7 abaixo, foi a evolução da capacidade instalada de energia elétrica no período 194565, que alcançou uma média de 8,9% por ano, bem superior ao crescimento registrado nos quinze anos anteriores, cuja taxa foi de 3,7%. Ao longo de todo governo JK, o Estado trilhou o caminho da estatização da geração de energia elétrica, se tornando, em poucos anos, responsável pela maior parte da produção. Neste sentido, as empresas públicas, tanto federais quanto estaduais, tornaram-se os principais agentes da expansão da capacidade geradora. A tabela 1.7 também mostra que a aceleração do crescimento iniciou-se a partir de 1954 com a operação da UHE de Paulo Afonso I, no rio São Francisco, e continuou com a entrada Paulo Afonso II, em 1961, e Furnas, no ano seguinte. Além destes investimentos do governo federal, começavam a ser visíveis os êxitos iniciais provenientes dos esforços realizados por alguns governos estaduais, tais como Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. No caso da Cemig, destaca-se o início da operação da usina de Três Maria, em 1962. 47 Tabela 1.7. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1945-1962. Ano 1945 1949 1953 1957 1962 Capacidade Instalada (MW) 1.341 1.735 2.104 3.767 5.728 Taxa de Crescimento Anual % 6,65 4,93 15,67 8,74 Fonte: Cachapuz (2006), p. 344. O período que vai de 1945 até 1962 pode ser caracterizado como de destacada expansão, notadamente no que toca à parte de geração. Ainda pode-se subdividir o período em duas partes: a) um primeiro sub período, que vai até meados dos anos 50, em que o elemento dominante é o sub investimento e a incapacidade do setor elétrico, dominado por empresas privadas, sobretudo estrangeiras, de assegurar a expansão da capacidade instalada a taxas compatíveis com o crescimento urbano-industrial; b) um segundo sub período, a partir da metade dos anos 50, em que se intensifica a presença estatal, cujos primeiros passos havia sido dados com a criação da CHESF, o IUEE e o PNE, e expressiva expansão da oferta de energia elétrica de fonte hídrica por empresas públicas. Esta expansão da capacidade geradora foi impulsionada pela mudança do papel do Estado, que passou a intervir gradativamente enquanto um agente central, como pôde ser percebido nos parágrafos anteriores. Destaca Cachapuz que "a crescente participação das empresas federais e estaduais na geração de energia elétrica constitui um elemento fundamental no processo de expansão do setor" (CACHAPUZ, 2006, p. 197). Assim, não resta dúvida de que a rápida expansão foi decorrente da intervenção do Estado, num momento em que a oferta de energia mostrava-se insuficiente para atender a demanda cada vez maior. O resultado foi a radical alteração no perfil do setor. Castro atesta que ao analisar a evolução do setor, é possível perceber a ocorrência de uma concentração de capital, isto é, aumento do tamanho (em kW) das unidades produtivas (CASTRO, 1985, p. 85). Para o pesquisador, as causas podem ser explicadas, por um lado, no crescimento da demanda que exige usinas maiores, e do outro lado, os ganhos de escala associados ao aumento das plantas produtivas. O autor explica que, na indústria de energia elétrica, quanto maior é a capacidade geradora instalada de uma usina hidrelétrica, menor será o custo por kW (CASTRO, 1985, p. 23). A Tabela 1.8, seguinte, traduz o avanço da participação estatal em termos de capacidade instalada. Entre 1952 e 1962, 58% do incremento na capacidade instalada se deve 48 a investimentos executados pelas empresas públicas, de tal maneira que em 1965, o Estado já havia se tornado responsável pela maior parte do parque gerador, em potência instalada. Enquanto as empresas privadas passaram de 1.635 MW de capacidade instalada para 2.486 MW, um aumento de apenas 52%, as empresas públicas, tanto estaduais quanto federais, multiplicaram sua capacidade instalada por 29 vezes, neste 13 anos, passando de 136 a 4.048 MW. Tabela 1.8. Evolução da capacidade instalada por agente gerador. 1952-1962. Ano 1952 1955 1958 1960 1963 1965 Estatal Privado Autoprodutor Potência Particip. Potência Particip. Potência Particip. MW % MW % MW % 136 6,8 1.635 82,4 214 10,8 538 17,1 2.248 71,4 362 11,5 824 20,6 2.743 68,7 426 10,7 1.099 22,9 3.182 66,3 519 10,8 2.305 36,3 3.164 49,8 886 13,9 4.048 54,6 2.486 33,6 877 11,8 Fonte: Lima (1984, p. 109) A administração Kubitschek assentou uma divisão de trabalho em áreas de atuação entre as empresas públicas e privadas. Castro (1985) denominou esta divisão de pacto de clivagem. De um lado, as empresas estatais direcionaram os seus principais investimentos para o campo da geração de eletricidade, enquanto que, por sua vez, as empresas privadas, estrangeiras ou não, permaneceram no campo da distribuição. Como o início da ampliação da presença do Estado no setor se deu em um contexto de crise energética, esta foi tolerada, porém, compreende Castro, a intervenção estatal carecia de uma justificativa prática, visto que este fato violava os pressupostos do liberalismo e contrariava as opiniões das companhias privadas e as sugestões das comissões de cooperação técnica internacionais (CASTRO, 1985, p. 142). No entendimento dos grupos estrangeiros, a razão da crise energética estava centrada no "excesso de Estado", e da crítica ao Estado-regulador, surgiu como solução, contraditoriamente, o Estado-produtor. Entretanto, com a ressalva de que a ação estatal deveria ser complementar e dependente aos interesses privados. Castro (1985) expõe a razão de adoção do "pacto de clivagem" em duas partes. A primeira, reflete a própria característica econômica da indústria de energia elétrica. A geração requer um capital fixo muito alto e um tempo de rotação do capital relativamente mais lento em relação aos outros setores da economia, enquanto a distribuição opera com capitais fixo 49 menos expressivo e oferece retorno quase imediato. A segunda parte diz respeito a garantir ao capital estrangeiro um espaço rentável e, assim, minar as resistências ao avanço do Estado. Ao mesmo tempo em que a participação do Estado avançava, tramitava no Congresso o projeto de criação da Eletrobrás, que acabaria por consolidar o modelo estatal no setor. O projeto da Eletrobrás, originalmente concebido ainda no governo Vargas, passou por muitas mudanças ao longo dos quase oito anos em que esteve a tramitar no Poder Legislativo, o que levou algumas figuras públicas nacionalistas a chamar de "farrapo da Eletrobrás". A Centrais Elétricas Brasileiras incorporou todas as aplicações realizadas pelo BNDE e se tornou responsável pela definição dos planos de expansão do sistema elétrico brasileiro. 1.2.1. Distribuição espacial dos investimentos em geração, entre 1945-1962 Em oposição aos quinze anos anteriores, no período 1945-62, houve uma expansão, que pode ser considerada satisfatória para o setor. Diferentemente dos anos anteriores, quem liderou o processo de expansão da oferta de energia foi o Estado. Com a criação da Chesf em 1948, foi dada a partida nos grandes investimentos do governo federal em projetos de geração elétrica. Posteriormente, a Chesf viria a se tornar, junto com a Cemig, um modelo de empresa estatal do SEB. A primeira usina construída pela estatal foi Piloto. Contudo, os grandes investimentos seriam as usinas no rio São Francisco. Em seguida, a Chesf estendeu as suas linhas de transmissão a Recife, Salvador, Maceió, Aracaju e João Pessoa. Neste mesmo contexto histórico surge a estatal federal Central Elétrica de Furnas, cuja criação objetivava suprir a demanda do Sudeste e do Centro-Oeste. A emergência de Furnas, sob a ótica do setor, era imperativa em virtude da ameaça de escassez de energia que assolava as regiões mais urbanizadas e industrializadas do país, entretanto a sua primeira unidade geradora só veio a entrar em operação em 1965. A Sociedade Termoelétrica do Capivari (Sotelca), constituída pelo governo Federal em 1957, cujo objetivo central seria a exploração da UTE Tubarão, em Santa Catarina, só viria a ficar pronta em 1965. Assim como a Sotelca, a Termelétrica de Charqueadas (Termochar), fundada poucos anos mais tarde, seriam incorporadas algumas décadas depois ao capital da Eletrosul. No mesmo período surgiu a Cia. Hidrelétrica do Vale do Paraíba (Chevap), anos mais tarde incorporada a Furnas, que iniciou os estudos sobre a UHE de Funil e a UTE de Santa Cruz. 50 Quanto às empresas estaduais, destaca-se a presença do estado de Minas Gerais, com a constituição da Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), cuja composição se deu através da incorporação de quatro empresas estaduais já existentes13. Além da agregação de algumas usinas existentes, como Gafanhoto, a Cemig concluiu sete usinas hidrelétricas no período aqui analisado. Esta empresa terminou por torna-se um modelo para outras empresas estaduais e se firmou como a empresa de âmbito estadual mais bem sucedida aos olhos do setor, tanto que muito dos seus principais quadros passaram por altos cargos da administração pública federal, BNDE, Eletrobrás, ministérios, etc. Em São Paulo, onde a carência de energia era mais visível e os ritmos de urbanização industrialização mais acelerados, o território era disputado por dois grupos norte-americanos: a CPFL (Amforp) e a SP Light. O desequilíbrio entre a evolução da geração e do consumo de eletricidade decerto influenciou a decisão do governo paulista de intervir no setor, constituindo inicialmente uma comissão para estudar os possíveis aproveitamentos hidrelétricos no estado e a criação de um plano estadual de eletrificação. Esta intervenção passou pela constituição de uma comissão que visava estudar os possíveis aproveitamentos hidrelétricos no estado e a criação de um plano estadual de eletrificação. A partir dos estudos, o governo de São Paulo instituiu duas empresas, a Usinas Elétricas do Paranapanema (Uselpa), em 1953, e a Cia. Hidrelétrica do Rio Pardo (Cherp), em 1955. Cada uma inaugurou duas novas usinas no período. Também foi constituída a empresa estadual Centrais Elétricas de Urubupungá (Celusa), destinada a atuar na divisa dos estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, além das duas pequenas concessionárias distribuidoras no interior paulista, onde eram maiores os problemas de fornecimento, a Bandeirantes de Eletricidade (Belsa) e a Cia. Melhoramentos do Paraibuna (Comepa). A gaúcha Comissão Estadual de Energia Elétrica, pioneira no âmbito dos governos estaduais, concluiu a sua primeira usina ainda em 1945. Também foram construídas duas termelétricas e duas hidrelétricas14. No Paraná, destaca-se a criação da Cia. Paranaense de Energia Elétrica (Copel), em 1954, que tratou do plano de eletrificação no estado. Sua primeira usina só seria concluída após 1962. Em Santa Catarina, foi implementada uma Comissão de Energia Elétrica, que se tornaria, mais tarde, a Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc). No estado do Rio de Janeiro, fora finalizada, no município de Trajano de Moraes, a Usina de Macabu, em 1951, doze anos após o início das suas obras. A Empresa 13 C. E. do Alto Rio Doce, C. E. do Médio Rio Doce, C. E. do Alto Rio Grande e C. E. de Piau. Uma questão que chama a atenção na história gaúcha do setor elétrico é o fato de a empresa subsidiária da Amforp, a Ceerg, depois de sucessivos problemas de abastecimento, ter sido estatizada pelo governo de Leonel Brizola, em maio de 1959, sem receber qualquer indenização por isso. 14 51 Fluminense de Energia (EFE) só viria a ser constituída em 1954, com o objetivo de atender o norte do estado, onde inaugurou a usina Franca Amaral e ampliou outra já existente. A Espírito Santo Centrais Elétricas (Escelsa) foi fundada em 1956 e concluiu as obras da UHE Rio Bonito. No Centro-Oeste, a construção da UHE Rochedo e Cachoeira Dourada coube à Centrais Elétricas de Goiás (Celg). Da mesma maneira, em 1958, a organização da Centrais Elétricas Mato-Grossense (Cemat), possibilitou a ampliação da UHE Casca I e a construção de Casca II. Outras empresas em diversos estados também foram constituídas. A despeito da tendência à redução de sua participação relativa, os grupos estrangeiros ainda comandavam grande parcela do setor elétrico, notadamente, nas regiões de maiores índices de consumo de eletricidade per capita15. A incapacidade dos grupos estrangeiros em acompanhar a demanda resultou, contudo, em inúmeros cortes de fornecimento e racionamento de energia elétrica. Isso não significa que a capacidade geradora destas empresas tenha estado estagnada, mas sim que crescia em um ritmo aquém do necessário à manutenção de margens adequadas de segurança. A companhia SP Light, por exemplo, ampliou a usina de Cubatão e concluiu a construção das usinas Cubatão II e a termelétrica Piratininga. A SP Light, no início da década de 1960, atuava em 33 municípios paulistas16, uma área superior a 20.000 km² e atendia a 6 milhões de pessoas (CACHAPUZ, 2006, p. 236). O sistema SP Light era interligado com dois outros sistemas: a leste, com a Rio Light, a oeste, com as usinas da Uselpa. No Rio de Janeiro, o grupo Light ampliou as usinas Fontes Novas e Ilha dos Pombos. Na primeira metade dos anos 50, foram concluídas as obras das UHE Santa Cecília, Vigário e Nilo Peçanha. A UHE Ponte Coberta, inaugurada em 1962, completou o ciclo de expansão da Rio Light no período pré-Eletrobrás. O sistema elétrico da Light Rio possuía as suas centrais geradoras concentradas na Região Noroeste (Carmo) e Sul Fluminense (Barra do Piraí), sendo que as suas linhas de transmissão convergiam para o então Distrito Federal. No início da década de 1960, a Rio Light atendia a 21 municípios fluminenses17 e ao Distrito Federal, 5,4 milhões de pessoas e uma área próxima a 10.000 km². 15 Segundo Cachapuz (2006, p. 231), enquanto o consumo de eletricidade per capita no Brasil era de 365 kWh, em 1962, na região metropolitana de São Paulo e Rio de Janeiro, era de 1.314 e 783 kWh, respectivamente. 16 Dentre eles, Sorocaba, Salto, Itu, Jundiaí, Indaiatuba, Vinhedo, Porto Feliz, Boituva, Caçapava, Pindamonhangaba, Salesópolis, Santa Branca, Jacaré, Guararema, Taubaté, Tremembé, Guaratinguetá, Aparecida, Cachoeira Paulista e Cruzeiro (CASTRO, 1985). 17 Dentre eles, os municípios de Entre Rios, Paraíba do Sul, Valença, Barra do Piraí, Mendes, Vassouras, Barra Mansa, Quatis, Itatiaia, Resende e Volta Redonda (CASTRO, 1985). 52 Assim como as duas empresas do grupo Light, as empresas da Amforp também enfrentaram dificuldades para acompanhar a evolução das taxas de crescimento do consumo de eletricidade. A falta de investimentos na ampliação da geração culminou na necessidade das subsidiárias da Amforp de comprarem energia das usinas estatais. Em São Paulo, a Cia. Paulista de Força e Luz (CPFL), maior subsidiária do grupo, atuava no interior paulista e atendia a um terço do estado, 155 municípios18 e 3 milhões de pessoas. Neste período, a CPFL implantou três hidrelétricas e uma térmica. A Amforp também concluiu e/ou ampliou algumas unidades de geração em outros estados: Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os investimentos das subsidiárias nordestinas do grupo Amforp (Maceió, Natal, Recife, Salvador) se deram no sentido de se adaptarem ao recebimento de energia das usinas de Paulo Afonso. Todas elas diminuíram a sua capacidade instalada, pois se tornou mais interessante comprar energia da Chesf do que gerar por meio de suas próprias termelétricas. Entre os anos de 1950 e 1964, a capacidade instalada das subsidiárias de Maceió/ Natal decresceu 43%, de Recife 9% e Salvador 52% (CASTRO, 1985, p. 69). Figura 1.5. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já existentes). 1945-1962. Elaborada por Aline Schindler com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006). 18 Dentre eles, Campinas, Araraquara, Ribeirão Preto, Bauru, Piracicaba, Jaú e São José do Rio Preto (CASTRO, 1985, p. 65). 53 O mapa acima, que segue a mesma orientação do mapa referente ao período anterior (1930-1945), apresenta a localização espacial dos principais investimentos em geração de eletricidade no país (conclusões ou ampliações de unidades já existentes), entre 1945-1962. Ao comparar com o mapa anterior (figura 1.3), é notável o aumento significativo tanto no que diz respeito ao número de novas instalações quanto no tamanho das unidades. O período também reforçou as tendências de concentração dos investimentos no sudeste e sul do país, em boa parte, em função da proximidade aos centros mais urbanizados e industrializados. A despeito desta concentração, nota-se a presença de dois investimentos de grande vulto (Paulo Afonso I e II), localizados no nordeste, os primeiros de uma tendência, que se tornará mais visível nas décadas posteriores. Isso não significa dizer que os investimentos deixaram de concentrar-se no sudeste, todavia é possível sugerir uma nova concentração (ou reconcentração) dos mesmos a partir de 1962. 1.3. A afirmação do modelo estatal no setor elétrico (1962-1989) A constituição da Eletrobrás coincidiu com um período conturbado da vida política brasileira. A renúncia de Jânio Quadros em meados de 1961 e a consequente posse do seu sucessor João Goulart, visto como um esquerdista pelos setores mais conservadores e como excessivamente moderado pelos grupos mais à esquerda, se traduziu numa crise política, institucional e econômica. A crise política se deveu às instabilidades na sucessão presidencial, um governo confuso como o de Quadros19, que não teve sucesso nem habilidade política para dar encaminhamento aos seus projetos, como a lei anti-truste e o combate à inflação com medidas pouco populares (compressão de salários e contenção de créditos); foi seguido por outro governo instável, Goulart, que por conta de suas declarações e propostas - as chamadas reformas de base20 -, muito progressistas para o conservador comando militar, acabou deposto. A crise institucional é referente à forma de governo: Goulart assumiu a presidência mediante um compromisso de aceitar o parlamentarismo, de maneira a reduzir o seu poder enquanto presidente, sob pena dos militares não permitirem a sua posse. Contudo a 19 O governo Jânio Quadros foi um dos mais excêntricos, com posturas ora populistas, ora demagógicas. Eleito presidente pelo conservador partido UDN e apesar de ser um declarado anticomunista, condecorou o então Ministro de Cuba Ernesto Che Guevara com uma medalha e condenou a invasão norte-americana à Baía dos Porcos (Cuba), proibiu o biquíni na televisão e as rinhas de galo. 20 As reformas de base projetavam transformações estruturais consideradas necessárias ao Brasil, e incluía as reformas urbanas, agrárias, universitária, política e maior controle das remessas de lucro para o exterior. 54 experiência do parlamentarismo republicano no país não alcançou o 15º mês de existência. A crise econômica de 1962, que ao lado da "ameaça comunista" também serviu de justificativa para o golpe militar, foi marcada pela queda do crescimento do PIB e da produção industrial, pelo déficit cambial e pela alta taxa de inflação. O plano trienal, elaborado pelo economista e Ministro Celso Furtado, não atingiu os objetivos traçados e acabou sendo abandonado já no ano seguinte. Sobre a transição presidencial Quadros/ Goulart e a conjuntura sócio-políticoeconômica, Bandeira (2001) e Ferreira (2006) trazem algumas contribuições para seu entendimento. Mesmo diante deste cenário conflituoso, a emergência da Eletrobrás, ao assumir o papel de administradora do Fundo Federal de Eletrificação e de holding das quatro subsidiárias federais então existentes: a Chesf, Furnas, a Chevap e a Termochar, além de articular as dez concessionárias estaduais, foi um marco fundamental no movimento do Estado brasileiro rumo à afirmação de sua centralidade nas decisões e na operação do setor elétrico. No ano de 1962, ainda no governo Goulart, foi criada a Conesp - Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviço Público - órgão vinculado ao governo federal que tinha por objetivo estatizar as concessionárias consideradas estratégicas para continuarem nas mãos do capital privado. No setor elétrico, visava a aquisição das subsidiárias da Amforp e, mais tarde, as da Light. A Eletrobrás integrou a Conesp tão logo esta foi criada e iniciou as conversas no sentido de propor uma solução menos conflituosa para a subsidiária gaúcha da Amforp. As negociações com a Amforp foram iniciadas e interrompidas no governo de Goulart, e retomadas somente no ano seguinte, já no governo militar, quando este se comprometeu em pagar por todas as subsidiárias, inclusive a gaúcha, em condições aceitas pela empresa norte-americana. Nos anos posteriores, as empresas ligadas a Amforp seriam gradativamente incorporadas às subsidiárias da Eletrobrás. Com a derrubada do governo Goulart por meio de um golpe militar e a emergência de duas décadas de uma sucessão de governos militares, se iniciou uma longa temporada de um Estado centralizador e autoritário. No plano da política econômica, os militares se concentraram nas reformas monetárias e financeiras, cujo objetivo central foi frear a inflação e inverter a curva da estagnação econômica. Neste sentido, foram criados o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional e uma série de medidas que ampliavam a presença do Estado na economia. Outra medida do governo militar que poderia ser chamada de estatizante, e seguia a lógica de aumentar a presença do Estado em setores estratégicos, foi a reformulação institucional que culminou na constituição de um novo órgão, com funções normativas e de 55 regulação, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). Cachapuz destaca que a partir deste momento estava criada a estrutura básica do setor que se estenderia pelos próximos decênios, até a chegada dos processos de privatização na década de 1990 (CACHAPUZ, 2006, p. 276). Nos estados, também se observava uma centralização e ampliação da presença estatal nos serviços de energia elétrica. Em São Paulo, o governo estadual reuniu 11 empresas sob a CESP (Centrais Elétricas de São Paulo). Este movimento também foi perceptível em outros estados (figura 1.6, abaixo), foram várias as concessionárias locais, privadas ou não, que foram absorvidas por companhias estaduais. Os serviços de distribuição de energia, de maneira geral, foram transferidos da União aos poderes estaduais. A única exceção foi o Espírito Santo, em razão do desinteresse do governo capixaba em assumir a antiga subsidiária da Amforp, foi criada uma concessionária federal subordinada a Eletrobrás, Escelsa. A figura abaixo, mostra as áreas de atuação das concessionárias estaduais em 1989, ao cabo deste processo de "estadualização" das companhias distribuidoras de energia elétrica. Figura 1.6. Concessionárias estaduais de energia elétrica. 1989. Elaborada por ALMEIDA (1991, p. 196). Para Peiter (1994), o que chama a atenção é a passagem de um modelo de planejamento do setor elétrico de escala regional para um planejamento setorial cada vez mais 56 integrado, que buscava dotar o território com equipamentos de infra-estrutura, de modo a permitir a ampliação da industrialização. "A passagem da escala regional para a escala nacional, (...) pode ser observada no setor elétrico num processo que se iniciou em 1959 com os primeiros estudos energéticos abrangentes coordenados por Furnas e só se completou em 1979 com o 'Plano 95' da Eletrobrás levando, portanto, vinte anos para se efetuar. A consolidação de empresas regionais como Furnas e a Chesf e a maturidade alcançada pela Cemig estão na origem desse processo" (PEITER, 1994, p. 54). A criação de duas novas subsidiárias de âmbito regional, a Eletrosul e a Eletronorte, criadas respectivamente nos anos de 1968 e 73, aos moldes das já existentes Furnas e Chesf, completou o mosaico das subsidiárias de escala regional. O período de sucessivos governos militares tornou a distribuição da atuação das estatais bem 'encaixadas': cada empresa detinha uma exclusividade sob uma certa porção do território. Não havia "espaço vazio", todos os cantos do território estavam ocupados por alguma subsidiária federal. As empresas federais de atuação local foram integradas aos respectivos quadros das empresas regionais, tais como a Termochar e a Sotelca. Destaca-se também o projeto em conjunto com o Paraguai, facilitado pelas relações fraternas entre governos militares conservadores e autoritários em ambas as nações, que teve por objetivo a construção de uma grande hidrelétrica na fronteira e a constituição da subsidiária Itaipu Binacional, em 1974. 1.3.1. A interligação do sistema A preocupação com a interligação com o sistema elétrico só passou a ser central para os agentes do setor em meados da década de 40, e a partir daí despertou cada vez mais as suas atenções. Pode-se sugerir que o pouco investimento na interligação nacional na primeira metade do século decorria de diversos aspectos, entre eles: as expressivas dimensões nacionais que demandaria longas linhas de transmissão, a necessidade de grandes investimentos financeiros, o conhecimento técnico ainda incipiente. As principais razões, todavia, eram decorrentes da distribuição espacial da demanda por eletricidade, muito concentrada nas principais aglomerações urbanas do sudeste do país e, por isso, não havia despertado o interesse do capital privado. Na lógica dos investimentos do capital privado não era seguro se dedicar a tal tarefa, haja vista o retorno lento e o baixo potencial de consumo nos pontos mais afastados das concentrações urbanas/ industriais. Foi preciso uma participação mais ativa do Estado para que se inicia-se um processo de interligação mais efetivo no país. 57 A despeito da constituição de aparelhos institucionais centralizadores como a Eletrobrás (1962) e o Ministério de Minas e Energia (1960), e de uma organização administrativa hierarquizada, durante a década de 1960, as empresas do SEB atuavam de maneira pouco articulada. O planejamento, explica Cachapuz, era "definido pelas empresas em função de seus requisitos e projetos específicos, voltados para o atendimento de sistemas isolados ou, quando muito, com fraco nível de intercâmbio" (CACHAPUZ, 2006). Segundo o pensamento hegemônico no setor, tornava-se cada vez mais imperativa a exigência de ampliar o conhecimento acerca das bacias hidrográficas, articular as decisões a respeito dos projetos de geração e transmissão e possibilitar a transmissão de eletricidade entre diferentes bacias em função dos períodos de seca e úmidos em distintas regiões. O avanço da industrialização e os incrementos nas taxas de urbanização demandavam um volume maior de geração de energia. Os sistemas isolados distribuídos pelo território brasileiro e a ausência de sistemas interligados impossibilitavam um planejamento em escala nacional. Aos olhos dos órgãos de governo, a expansão do Estado no setor elétrico precisava se dar em outras frentes, neste sentido foram constituídos organismos sob a coordenação da Eletrobrás, tais como o GCOI21 (Grupo Coordenador para a Operação Interligada), criado em 1973 para coordenar e planejar as ações nos sistemas interligados, o CCON (Comitê Coordenador de Operações do Norte-Nordeste), constituído no ano seguinte para servir como um fórum de debates e troca de informações acerca do planejamento elétrico das regiões norte e nordeste, e o SIESE (Sistema de Informações Estatísticas do Setor Elétrico), em 1976, cujo foco foi subsidiar as ações da Eletrobrás e de todo aparato institucional-governamental com monitoramento do comportamento das bacias hidrográficas, dados, informações estatísticas e cartográficas. Desde a década de 195022, os sistemas elétricos do Rio de Janeiro e de São Paulo já se encontravam interligados. Peiter, no entanto, julga que a primeira grande interligação do país se deu em 1963, "com a integração dos maiores sistemas elétricos do país, os de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro" (PEITER, 1994, p. 70), graças à inauguração da UHE de Furnas, situada na divisa entre os dois primeiros. A proximidade do fim das obras da usina de Itaipu produziu um grande impacto sobre a urgência de se concluírem algumas linhas de transmissão, pois o vasto volume de energia a ser gerada necessitava ser distribuído para os principais centros consumidores do país. Esta urgência apenas ratificou a exigência de uma 21 Antes do GCOI, em 1969, foi formado o CCOI - Comitê Coordenador da Operação Interligada -, uma espécie de germe do futuro órgão responsável pela coordenação do sistema interligado. 22 Segundo Cachapuz (2003, p. 13), a primeira interligação no país ocorreu em 1925, decorrente da escassez de energia, na qual a prefeitura de São Paulo promoveu a ligação com uma empresa de Campinas. 58 maior centralização da estrutura administrativa do setor. Assim sendo, o GCOI incorporou os objetivos de "coordenar, decidir ou encaminhar as providências necessárias ao uso racional das instalações geradoras e de transmissão, existentes e futuras, nos sistemas elétricos interligados das regiões sudeste e sul" (PEITER, 1994, p. 71-72). O nordeste apenas fora incorporado ao sistema GCOI apenas em 1977. Outra questão destacada pelo autor se refere ao "choque do petróleo de 73", episódio que elevou a cotação internacional do barril em 300%. Por conseguinte, o GCOI passou a se preocupar em buscar medidas de maneira a promover a economia de combustíveis utilizados em termelétricas. A constituição do GCOI, aliada com o embalo do chamado "milagre econômico" (1967-73), coincidiu com um dos períodos de maior expansão da capacidade instalada do país, já que entre 1969 e 1981 houve um crescimento de 340%. A figura 1.7., elaborada por Peiter, destaca uma das primeiras interligações de maior importância, realizada na década de 1960, a integração dos sistemas fluminenses, paulistas e mineiros. Figura 1.7. Interligação dos sistemas elétricos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Elaborado por PEITER (1994, p. 128). Os sistemas integrados de geração e transmissão viabilizaram a formação de dois grandes sub-sistemas interligados no país: o de maior porte, alcançando as regiões sul, sudeste e centro-oeste, e o outro, abarcando a região nordeste e parte do estado do Pará, na região norte. Algumas características do setor elétrico neste período saltam aos olhos quando 59 comparados às décadas anteriores. A primeira delas diz respeito à tendência de construção de hidrelétricas cada vez mais distantes dos maiores centros urbanos e, consequentemente, a ampliação das redes de transmissão interconectando localidades separadas por centenas de quilômetros. A segunda característica foi o papel de protagonista desempenhado pelo Estado, "único agente do notável processo de ampliação dos sistemas elétricos do país" (CACHAPUZ, 2006, p. 343), que culminou com a quase completa estatização do SEB, na virada das décadas de 70/ 80. Uma terceira característica foi o crescimento percentual da participação da hidreletricidade sobre as demais fontes de energia. Em 1963, a hidreletricidade respondia 78,04% da capacidade instalada brasileira, alcançou 87,76% quinze anos depois, e no final da década de 1980, chegou em 89,96%. Na compreensão de Castro, o distanciamento gradativo das unidades geradoras dos centros consumidores, isto é, o deslocamento da "fronteira elétrica", também foi um elemento que contribuiu para a especialização da indústria de energia elétrica em geração e distribuição (CASTRO, 1985, 27-29). Sobre a especialização das empresas do setor elétrico, Castro acrescenta que: Com o aumento da escala de produção na indústria de energia elétrica tem ocorrido uma divisão no seu processo produtivo: empresas concessionárias que geram e transmitem e as que só distribuem eletricidade. Estas duas atividades apresentam diferentes estruturas de custo: os gastos com capital fixo - grandes obras de engenharia, equipamentos pesados, linhas de transmissão, etc - têm maior participação nos custos totais de produção; enquanto são menores na distribuição. Entretanto esta situação inverte-se quando consideramos os gastos com capital variável, pois para o funcionamento, manutenção e expansão da distribuição da eletricidade este componente de custo é relativamente maior do que na área de produção. (...) Desta forma, podemos concluir que, em termos de custos, a área de distribuição - por demandar menor volume de capital e menor imobilização em capital fixo - apresenta melhores condições para remuneração do capital investido vis-à-vis a área de produção de energia elétrica (CASTRO, 1985, p. 27). Peiter avalia que "em meados da década de 1980, já se havia construído um poderoso sistema de geração e transmissão de energia elétrica para o suprimento dos maiores centros urbanos e industriais nas regiões sul e sudeste" (PEITER, 1994, 111). Contribuíram para tal fato, a ligação do sul paulista até o estado gaúcho por intermédio da linha Jorge LacerdaFarroupilha, no final da década de 60, e em seguida, as linhas de transmissão a partir de Itaipu. A região nordeste, assim como o centro-sul do país também caminhava em direção a uma conformação de um sub-sistema integrado. Com o foco situado em Paulo Afonso, linhas foram levadas às principais capitais nordestinas nos anos 50 e 60. A entrada em operação da UHE Boa Esperança possibilitou a extensão da rede de transmissão até as capitais do 60 Maranhão e do Piauí, além de Imperatriz (MA), que por sua vez, uniu os sistemas de Paulo Afonso e Boa Esperança. A conclusão de Tucuruí em 1984 permitiu que as linhas de transmissão chegassem ao Pará, efetuando a ligação entre o nordeste e o norte do país. De maneira geral, ao longo das décadas de 70/ 80, o sistema elétrico brasileiro assumiu uma configuração territorial, no que diz respeito à sua rede de transmissão, baseado em dois grandes sistemas interligados - Centro-Sul e Nordeste/ Norte - e por alguns sistemas isolados, notadamente localizados na região amazônica. 1.3.2. A expansão do setor elétrico no modelo estatal de grandes barragens A taxa de crescimento da capacidade instalada do setor elétrico brasileiro entre 1962 e 1989, de maneira geral, foi alta, apresentando um incremento médio anual de 8,2%. Essa taxa de crescimento se aproxima àquela observado no intervalo anterior (1945-62), e é significativamente maior do que aquela encontrada entre 1930 e 45. Ao longo destes 27 anos, a capacidade instalada do SEB cresceu 736% (Tabela 1.9., abaixo). Outra questão que chama a atenção na tabela é a queda na expansão da capacidade instalada a partir de 1982, reflexo da crise econômica que se abateu sobre a economia brasileira nos anos 80, a chamada "década perdida". Se considerarmos apenas o período entre 1969 e 81, auge da expansão elétrica do país, a taxa de crescimento médio anual foi da ordem de 11,3%. Tabela 1.9. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1963-1989. Ano Capacidade Instalada (MW) 1963 1965 1969 1973 1977 1981 1985 1989 5.525 6.436 9.444 14.487 21.741 34.248 39.897 47.894 Taxa de Crescimento Anual (%) 7,92 10,06 11,28 10,68 12,03 3,89 4,67 Fonte: Cachapuz, 2006. p. 344 Algumas questões merecem ser examinadas. Em primeiro lugar, a forte ampliação da capacidade instalada foi alcançada graças à emergência da presença do Estado nas décadas de 1940 e 1950 e à consolidação desta participação nas décadas seguintes, de 1960 e 1970. O caráter assumido por este Estado, em larga medida centralizador e autoritário, contribuiu, 61 contudo, decisivamente para que a expansão do setor elétrico brasileiro assumisse uma forma particular: grandes barragens, que pouco consideravam questões sociais ligadas às comunidades rurais e aos impactos ambientais associados. Em segundo lugar, como será visto mais à frente, as grandes usinas hidrelétricas foram construídas, cada vez mais, em pontos afastados dos principais centros consumidores, já que os potenciais hidrelétricos do sudeste brasileiro se encontravam, em alguma medida, bastante explorados, o que demandou o aumento da interligação do sistema ao chegar a pontos antes isolados. Com o recuo das empresas estrangeiras no cenário nacional, que no passado haviam sido os agentes centrais na expansão da eletricidade, as empresas estatais, centralizadas na figura da Eletrobrás, tornaram-se responsáveis pelo avanço setorial, tanto no que se refere ao volume de eletricidade gerada, quanto à expansão territorial dos sistemas elétricos e a interligação dos mesmos. A aquisição pelo sistema Eletrobrás das concessionárias estrangeiras ligadas à Amforp e à Light, em 1964 e 1979 respectivamente, somente veio consagrar um modelo estatal que já estava a se consolidar. 1.3.3. Distribuição espacial dos investimentos em geração No novo contexto do modelo estatal do setor elétrico brasileiro, se configurou uma expansão territorial na medida em que os novos investimentos em geração e transmissão se situavam cada vez mais distantes dos principais centros urbanos. Nesta seção, a intenção é tentar compreender a dimensão espacial desses novos empreendimentos e uma nova tendência territorial do setor a partir deste novo modelo estatal. A Chesf, no início da década de 1960, já controlava duas importantes UHEs: Paulo Afonso I e II. Ainda dentro da lógica estatista em vigor, o governo militar instituiu um raio de 700 km, com centro em Paulo Afonso, cuja área formada estaria sob responsabilidade da estatal. Se sob a hegemonia das empresas privadas, a lógica da apropriação de territórios e, consequentemente, mercado, girava em torno das possibilidades de maximização do lucro, sob o monopólio estatal, os territórios foram fatiados e distribuídos entre as concessionárias estatais. Entre 1962 e 89, a Chesf, instalou as últimas unidades de Paulo Afonso II e inaugurou cinco usinas de grande porte: Paulo Afonso III e IV, Moxotó, Sobradinho, Itaparica. Além dessas construções, a Chesf também incorporou algumas hidrelétricas já existentes, até então pertencentes a outras concessionárias de atuação local ou estadual. A empresa também concluiu três termelétricas. Entre os anos 1962 e 89, a capacidade instalada 62 da Chesf saltou de 330 MW para 7.439 MW, uma multiplicação por mais de 22 vezes. Por meio da sua rede de transmissão, a concessionária atendia a quase todos os estados nordestinos23, e fornecia energia elétrica para as distribuidoras estaduais nordestinas. Uma outra importante subsidiária, de atuação no Sudeste e Centro-Oeste, foi Furnas que concluiu a usina homônima, em 1965. A empresa também empreendeu e concluiu quatro usinas de grande porte. Por outro lado, Furnas herdou duas obras inacabadas da Chevap, a termelétrica Santa Cruz e a hidrelétrica de Funil. Ao final de todo esse processo de construção e aquisição de usinas, Furnas chegou em 1989 com uma capacidade de geração de 8.123 MW, a maior do Brasil, e movimentava cerca de 1/3 da energia elétrica do país, se contarmos com a transferência de Itaipu. Coube a esta subsidiária a implementação inicial das usinas nucleares de Angra I e II, que passaria, porém, em 1981, à responsabilidade de uma empresa específica para esse fim, Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebrás). Sob a mesma ótica do 'fracionamento regional', a Eletrosul, fundada em 1968 como subsidiária da Eletrobrás, ficou responsável pela atuação nos estados da região Sul. A primeira tarefa da Eletrosul na área da geração foi a conclusão da instalação da UHE de Passo Fundo. Com a supervisão da Eletrosul, a Copel deu início a geração de energia da UHE Salto Osório. A UHE Salto Santiago, a montante da usina anterior, foi concluída em 1980. A termoeletricidade foi um foco de ação importante da Eletrosul, com um destaque maior do que as demais subsidiárias regionais. Neste sentido, a Eletrosul fez parte das obras de ampliação do Complexo Termelétrico de Jorge Lacerda, em 1971. A estatal também incorporou ao seu capital algumas termelétricas já existentes ou em fase de construção, tais como: Charqueadas, Alegrete e Capivari de Baixo. A potência instalada de 3.222 MW, em 1989, fez da Eletrosul um dos principais agentes geradores do país e o maior do sul do Brasil. A última subsidiária da Eletrobrás de âmbito regional a ser constituída, a peça que faltava para cobrir todo o território brasileiro, a Eletronorte, fundada em 1973, passou a se ocupar da maior fração territorial do país, que abrangia os estados do Acre, Amazonas, Pará, Mato Grosso (parte) e Goiás (parte), além dos territórios de Rondônia, Roraima e Amapá. A área sob responsabilidade da empresa ocupava mais da metade do Brasil e era, em função das suas características, de difícil integração e interligação. A primeira unidade de geração implementada pela companhia, UHE Coaracy Nunes, que visava abastecer Macapá e cidades vizinhas, entrou em operação em 1975. Neste mesmo ano foram iniciadas as obras da maior hidrelétrica exclusivamente em território brasileiro: a UHE Tucuruí. A usina foi, também, 23 A exceção era o Maranhão, suprido pela Eletronorte. 63 uma das mais controversas, em razão das críticas sofridas em relação ao impacto ambiental, o custo do empreendimento, problemas com o deslocamento compulsório e reassentamento dos atingidos pela barragem, o interesse das indústrias de alumínio no projeto, dentre outros. Ainda em 1989, a Eletronorte inaugurou duas outras hidrelétricas: a UHE Balbina e a Samuel. Na década de 1980, a estatal também assumiu a incorporação de algumas companhias de atuação estadual, que detinham algumas termoelétricas e atuavam no sentido de atender às suas capitais e localidades próximas24. As instalações da Chesf no estado do Maranhão foram repassadas ao controle da Eletronorte na ocasião em que se realizou a passagem do estado à região geo-elétrica do norte. A Eletronorte não logrou interligar toda a região norte do país, não obstante, viabilizou a interligação Norte-Nordeste que, por sua vez, possibilitou o recebimento de energia da Chesf para abastecimento da capital paraense. Em 1989, a capacidade instalada da Eletronorte atingiu 4.572 MW tornando-se uma das grandes subsidiárias regionais do sistema Eletrobrás. Lemos (2007) faz uma contextualização detalhada e apresenta algumas informações significativas no momento em que se constituiu a Eletronorte. A figura 1.8, mostra o 'encaixamento' das subsidiárias de escala regional, já mencionado anteriormente. Há poucas diferenças entre os anos de 1973 e 1989, apenas a transferência do Maranhão do território da Chesf para a Eletronorte e o estado do Mato Grosso do Sul25, que se deslocou do controle de Furnas para a Eletrosul. No estado do Mato Grosso, cabia à Eletronorte a atuação ao norte do paralelo 18º sul. Após a constituição do estado do Mato Grosso do Sul, em 1979, a Eletronorte se ocupou da totalidade do Mato Grosso. No estado de Goiás, a concessão da Eletronorte se referia ao norte do paralelo 15º sul. Com a divisão de Goiás e a criação do estado de Tocantins, em 1989, este último passou à esfera da Eletronorte. Diferentemente do que acontece nos dias de hoje, as subsidiárias Chesf, Furnas, Eletrosul e Eletronorte, durante o período militar, foram organizadas com os seus limites territoriais de atuação bem definidos. As estatais teriam a incumbência de executar os respectivos planos regionais articulados com o planejamento da Eletrobrás. 24 Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM), Centrais Elétricas do Pará (Celpa), Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron), Eletricidade do Acre (Eletroacre) e a Centrais Elétricas de Roraima (CER). 25 O estado do Mato Grosso do Sul foi constituído a partir do desmembramento do estado do Mato Grosso em 1979. 64 Figura 1.8. Distribuição das empresas subsidiárias regionais no território brasileiro. 1973 e 1989. Elaboração própria. Dentre as chamadas medidas 'estatizantes' do governo militar, a aquisição da Light pelo Estado brasileiro foi uma das mais importantes. Conforme vimos no capítulo anterior, nos dois decênios anteriores o grupo estrangeiro não realizava significativos investimentos no campo da geração de energia, fato esse foi utilizado como argumento para justificar o crescimento da participação do Estado no setor elétrico. Em meados dos anos 70, o governo brasileiro fora comunicado do interesse do grupo canadense em se desfazer tanto da SP Light quanto da Light Rio, o que veio a acontecer somente em 1979. Em 1981, a estatal paulista Eletropaulo adquiriu a SP Light. Do lado fluminense, a Light manteve o nome tornando-se uma subsidiária federal da Eletrobrás. Naquela época a estatização da Light foi alvo de inúmeras críticas em razão do alto preço da negociação, além da proximidade do fim do contrato de concessão, que abriria a perspectiva da reversão de todo o patrimônio da empresa para a União, sem qualquer ônus financeiro (FIALHO, 1979). O único investimento em geração de energia da Light em todo o período de 1962 e 89, e também o último que teve alguma relevância, foi a implementação da UHE Pereira Passos, concluída em 1963. Uma vez estatizada, a Light se consagrou essencialmente à distribuição, sendo que cerca de 80% da energia distribuída vinha do sistema Furnas. No ano de 1989, a capacidade instalada da Light era de apenas 770 MW. A Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa) foi a segunda subsidiária federal, porém de atuação estadual, da Eletrobrás, e surgiu a partir da composição da antiga empresa estadual com uma empresa do grupo Amforp. A empresa pouco avançou em termos de capacidade instalada, pois em 1989 atingira o montante de 160 MW, a exemplo da Light, 65 tornando-se dependente da energia transferida de Furnas. Apenas duas unidades geradoras foram inauguradas neste período: UHEs Suíça e Mascarenhas. No que diz respeito aos governos estaduais, estes, na sua maioria, também expandiram suas ações nas áreas de geração, transmissão e distribuição, por intermédio das concessionárias estaduais. Cabe destacar que, após a constituição da Eletrobrás, além da distribuição de territórios regionais às quatro grandes empresas subsidiárias da Eletrobrás, todas as unidades federativas dispunham de concessionárias estaduais, com exceção do Espírito Santo, cuja concessionária era federal. É possível notar, além do mosaico da estrutura regional, na qual as áreas de concessão das estatais federais se encaixavam, as empresas estaduais se restringiam aos seus territórios, diferentemente do que acontecia no período préestatal, quando as concessionárias, muitas vezes, ultrapassavam os limites entre estados. A maior das empresas constituída por um governo estadual era a Centrais Energéticas de São Paulo (Cesp), que atuava nas áreas de geração, transmissão e distribuição em quase todo estado de São Paulo. Em 1967, a partir da fusão de uma série de empresas privadas e estaduais26, foi constituída a Cesp, como sociedade de capital misto, tendo como principal acionista o estado de São Paulo. No período de 1962-89 foram construídas 15 usinas no estado de São Paulo, sendo três anteriores à formação da Cesp e as demais todas inauguradas pela empresa. No final da década de 1980, a Cesp se tornara a maior empresa brasileira em termos de geração de energia elétrica, já que sua potência instalada havia alcançado 8.648 MW, distribuídas em 23 usinas. 26 As empresas que formaram a Cesp foram as estaduais de atuação local: Uselpa, Cherp, Celusa, Belsa e Comepa, assim como as privadas de atuação local: Cia. Luz e Força de Tatuí, Cia. Luz e Força do Tietê, C.E. de Rio Claro, Cia. Luz e Força de Jacutinga e Cia. Luz e Força de Mogi-Mirim. 66 Figura 1.9. Distribuição espacial dos principais investimentos em geração de energia. 1962-1989. Elaborada por Aline Schindler com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006). Além da Cesp, atuava no território paulista, a CPFL, até 1964 pertencente ao grupo Amforp. Somente em 1975, a CPFL passou ao controle da Cesp, e dedicou-se principalmente à distribuição e transmissão. Neste período, a CPFL não logrou grandes avanços na sua capacidade instalada, tendo apenas ampliado uma usina já existente. A Eletropaulo, outra subsidiária do sistema Eletrobrás que atuava no estado paulista, era responsável por distribuir energia para os municípios da Grande São Paulo, da Baixada Santista e do Vale do Paraíba, área mais industrializada e urbanizada do país. A Cemig ampliou bastante o parque gerador nas décadas de 60 a 80. A usina de Três Marias foi ampliada e outras quatro usinas foram construídas. A usina Igarapé, construída na região metropolitana de Belo Horizonte, em 1978, foi o único empreendimento termelétrico da Cemig neste período. Ao longo desses anos, a empresa anexou algumas empresas menores27, o que contribuiu para que a mesma se mantivesse entre as principais geradoras de energia elétrica do país, já que alcançou, em 1989, uma capacidade instalada total de 4.464 MW. 27 A Cia. Sul Mineira de Eletricidade, a Cia. Força e Luz de MG, Cia. Prada de Eletricidade, Cia. Mineira de Eletricidade. 67 A Copel foi outra concessionária estadual que incrementou expressivamente a capacidade instalada. Neste período foram inauguradas quatro usinas. Assim como a Cemig, a empresa paranaense também investiu em uma única termelétrica, Figueira, inaugurada em 1963. A longo deste período, a Copel incorporou à sua estrutura algumas concessionárias menores do Paraná28, o que colaborou para a ampliação do seu parque gerador, que passou dos 10 MW no ano de 1962 para 2.078 MW, em 1989. A concessionária gaúcha CEEE, dentro da mesma lógica de expansão das demais empresas estaduais, promoveu o empreendimento de duas hidrelétricas e duas térmicas. A CEEE ampliou de 194 para 1.390 MW, entre 1962 e 89, um desempenho aquém das necessidades do estado, tanto que atendia apenas 42% do consumo gaúcho de energia elétrica, sendo o restante complementado pela Eletrosul e Itaipu. Em Santa Catarina, a Celesc, concessionária de pouca expressão, concluiu quatro pequenas usinas. Na região Centro-Oeste, o principal empreendimento foi a ampliação da UHE Cachoeira Dourada levada a cabo pela concessionária goiana, Celg, na divisa dos estados de Goiás e Minas Gerais. Em 1982, a Celg iniciou a operação da UHE Isamu Ikeda, no atual município de Ponte Alta do Tocantins (TO). Na época de sua instalação, a usina estava localizada no norte de Goiás, onde é hoje o estado de Tocantins, assim a usina e outras menores foram transferida para a nova concessionária estadual, Celtins. No estado de Mato Grosso, a concessionária Cemat promoveu a instalação de apenas uma hidrelétrica. Logo após a transferência do Distrito Federal para o Centro-Oeste, em 1960, o aumento da demanda por energia na recém inaugurada capital federal promoveu a construção da UHE Paranoá e a UTE de Brasília. Além disso, Brasília e as demais cidades do DF também recebiam energia gerada por Furnas e pela Celg. O estado de Mato Grosso do Sul, desmembrado em 1979, viu a recém constituída Enersul assumir os ativos da Cemat existentes na nova unidade da federação. Nas concessionárias estaduais dos estados nordestinos, foram pouco expressivos os empreendimentos de expansão do parque gerador. A Cia. Hidrelétrica de Boa Esperança (Cohebe) inaugurou a usina de mesmo nome em 1970, localizada no município de Guadalupe (PI). Alguns anos depois, a Chesf incorporou a empresa e, consequentemente, a usina. A Chesf também incorporou uma série de pequenas usinas no nordeste. As únicas concessionárias estaduais nordestinas que dispunham de capacidade de geração própria eram a Coelba (BA) e a Cemar (MA), as demais concessionárias estaduais de energia se detinham à 28 A Central Elétrica Capivari-Cachoeira, em 1970, a Cia. Força e Luz do Paraná (Amforp), em 1973, e a Usina Termelétrica de Figueira, em 1969. 68 distribuição e transmissão de energia, dependentes de maneira exclusiva da energia gerada pela Chesf. No norte do Brasil não foram significativos os investimentos em geração. Nesta região, destacamos a construção da UHE Curuá-Una e as térmicas Tapanã I e II e Miramar, desativadas depois de efetuadas as interligações norte-nordeste. No estado do Amazonas, o parque gerador era composto por pequenas unidades térmicas espalhadas nas principais cidades do estado. Os principais investimentos em hidreletricidade foram a PCH de São Gabriel da Cachoeira e Balbina. Em Rondônia, destaca-se a conclusão da UHE Samuel e a UTE Guajará-Mirim. A concessionária estadual do Amapá inaugurou a UHE Coaracy Nunes, em Macapá, e algumas térmicas espalhadas pelo interior. Dentre as empresas privadas, destacamos a Cia. Força e Luz Cataguazes-Leopoldina (CFLCL), que construiu algumas usinas neste período: Nova Maurício, em Leopoldina (MG); e a UHE Glória, em Muriaé (MG). E em São Paulo, a Cia. Força e Luz de Santa Cruz, que por sua vez, ampliou a UHE Paranapanema, no município paulista de Piraju (SP). 69 CAPÍTULO 2 A PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO Introdução Até a década de 1980, o setor elétrico brasileiro havia atravessado por vários estágios, da hegemonia do capital privado estrangeiro ao predomínio do capital estatal. A última década do século XX trouxe um fato novo: a retomada da expansão das empresas privadas que, por sua vez, veio acompanhada de importantes reformas institucionais. Sob a égide do pensamento neoliberal, que compreendia o Estado brasileiro como um "gigante" ineficiente, cujos numerosos "tentáculos" se constituíam em um obstáculo ao desenvolvimento nacional, uma série de mudanças foram impostas ao SEB: algumas empresas estatais foram alienadas, foram criados novos órgãos reguladores e um novo arcabouço institucional foi constituído para atender ao setor. Assim, neste segundo capítulo serão apresentadas as reformas que atingiram o SEB. Para lograr alcançar tal tarefa, também mostrar-se-á o contexto em que tais transformações se deram, assim como as suas justificativas políticas e ideológicas e as suas consequências. De maneira a ajudar na reflexão, foram incorporadas algumas discussões sobre o significado do Estado neoliberal e as retóricas e os discursos que o legitimam. Neste sentido, a primeira parte deste capítulo tem-se uma revisão das teses dos principais teóricos neoliberais, isto é, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Também será feita uma revisão acerca das contribuições de autores críticos, tais como, David Harvey, Pierre Bourdieu e José Luiz Fiori. Em seguida, discutir-se-á a distância que separa o neoliberalismo teórico puro do neoliberalismo na prática, isto é, das experiências e políticas que tentam enraizar a teoria no terreno concreto. Finalmente, o capítulo discorrerá sobre as reformas institucionais no setor elétrico brasileiro, que a partir da década de 1990, sofre transformações de um cunho neoliberal, ainda que, em vários pontos, as reformas não tenham ido tão longe quanto prescreve o receituário neoclássico29. 29 Cita-se, como por exemplo, a insistência de empresas como a Eletrobrás, Chesf, Furnas, Eletronorte, Copel, Cemig que permanecem públicas, e a significativa presença do Estado como agente produtor, para os padrões liberais. 70 2.1. O Estado neoliberal na teoria: o neoliberalismo como discurso As primeiras discussões que serão tratadas aqui são as formulações teóricas a respeito do pensamento neoliberal e de sua respectiva proposta de Estado que se deseja conceber. Não será uma sessão tão extensa, para não desviar o foco da investigação, mas será importante para entender os rumos tomados pelo Estado brasileiro, a partir da década de 1990, no que toca às suas reformas estruturais. David Harvey aponta a definição do neoliberalismo a partir dos teóricos engajados na sua construção como sendo: "uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio" (HARVEY, 2008, p.12). O autor descreve que o papel do Estado no neoliberalismo seria "criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas", assim como assegurar as "funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedade individuais", e também "o funcionamento apropriado dos mercados", pela força, se inevitável for (HARVEY, 2008, p. 12). Todavia, Harvey salienta que na compreensão neoliberal, o Estado não deve ir além dessas atribuições, suas intervenções devem ser as menores possíveis, já que o Estado não possui informações suficientes para entender devidamente os sinais do mercado. Importante ressaltar o que Harvey define como Estado neoliberal: "um tipo particular de aparelho de Estado cuja missão fundamental foi criar condições favoráveis à acumulação lucrativa de capital pelos capitalistas domésticos e estrangeiros", além disso, essas condições favoráveis somente seriam atingidas mediante a consecução das liberdades de mercado e comércio que, por sua vez, garantiriam as liberdades individuais. Contudo, defende Harvey, "as liberdades que ele [o Estado] encarna refletem os interesses dos detentores de propriedade privada, dos negócios, das corporações multinacionais e do capital financeiro" (HARVEY, 2008, p. 17). Segundo este autor, um importante impulso para a construção dos princípios do neoliberalismo se deu através da publicação dos ideais de fundação da Mont Pelerin Society, organização de acadêmicos, liderados por Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, entre outros, que defendia como valores centrais da civilização a liberdade, a propriedade 71 privada, o mercado competitivo e a adesão aos princípios dos economistas neoclássicos da segunda metade do século XIX30 (HARVEY, 2008, p. 29). Uma das principais referências recentes na defesa do laissez-faire, Milton Friedman nos traz algumas pistas sobre como deve se dar a relação entre o Estado e a economia sob o liberalismo. Segundo o autor, a redução do Estado não significa a sua dissolução. A existência de um mercado livre não elimina a necessidade de um governo, "o árbitro que interpreta e põe em vigor as regras". O que cabe ao mercado é diminuir o número de questões que devem ser decididas por meios políticos (FRIEDMAN, 1984). Consequentemente, talvez seja possível concluir através desta assertiva que Friedman sustenta, por um lado, que as questões centrais seriam deliberadas pela "mão invisível" do mercado, em razão do seu caráter privilegiado nas sociedades e, do outro, se permitiria aos demais segmentos sociais externos ao mercado a possibilidade de discorrer sobre as questões secundárias. Fiori acrescenta que, mesmo hoje, uma das propostas básicas do neoliberalismo é "o menos de Estado e de política possível", assim a palavra de ordem é "despolitizar a economia e reduzir ao mínimo a intervenção do Estado na vida social" (FIORI, 2001, p. 77). Particularmente, a defesa da competição sempre ocupou um importante espaço dentre os intelectuais liberais. Assim, as virtudes da concorrência aparecem no trabalho mais conhecido de Hayek, "O caminho da servidão", [O liberalismo econômico] considera a concorrência um método superior, não somente por constituir, na maioria das circunstâncias, o melhor método que se conhece, mas, sobretudo por ser o único método pelo qual nossas atividades podem ajustar-se umas às outras sem a intervenção coercitiva ou arbitrária da autoridade. Com efeito, uma das principais justificativas da concorrência é que ela dispensa a necessidade de um "controle social consciente" e oferece aos indivíduos a oportunidade de decidir se as perspectivas de determinada ocupação são suficientes para compensar as desvantagens e riscos que a acompanham. (HAYEK, 1990, p. 63). A partir da crença que um Estado forte ceifa a liberdade dos indivíduos, em outra passagem Hayek sustenta que o individualismo "tem como características essenciais o respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e opiniões na esfera individual, (...) e a convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes e inclinações pessoais" (HAYEK, 1990, p. 42). A obra-síntese de Hayek, mais do que elaborar uma crítica ao socialismo soviético, busca enfrentar toda e 30 A Sociedade de Mont Pelerin permaneceu à margem do debate político até a década de 1970 quando Hayek e Friedman ganham os prêmios Nobel de Economia, em 1974 e 1976, respectivamente. A eleição de Thatcher na Grã-Bretanha, no fim da década, traz ao centro a Sociedade e amplia a importância da teoria neoliberal, quando seu governo promoveu o abandono do keynesianismo e a adoção das políticas liberais. 72 qualquer forma de "intervencionismo" estatal, inclusive no seio do modo de produção capitalista. Em particular, a crítica é direcionada ao "New Deal" norte-americano e ao trabalhismo britânico, movimentos políticos e econômicos de significativo prestígio no momento em que o livro foi publicado, influenciado pelo pensamento econômico keynesiano. Ao discutir as origens intelectuais do pensamento neoliberal, Fiori entende que o sucesso neoliberal não foi uma "conquista científica", já que seus principais avanços e consequências aconteceram fora da academia. Fiori lembra que das origens nos Alpes suíços até os anos setenta, o pensamento neoliberal permaneceu sob certa obscuridade, já que "foi a crise econômica mundial da década de 1970 que lhes deu uma súbita credibilidade em face ao aparente fracasso do keynesianismo, começando ali sua ascensão vitoriosa ao poder" (FIORI, 2001, p. 58-59). Segundo Fiori (2001, p. 59), foi na década de 1970 que emergiu o fundamentalismo neoclássico, inclusive superando o pensamento de Friedman e Hayek no que tange a sua vertente mais extremista. A defesa da liberalização das economias foi tão significativa que mesmo os keynesianos recuaram em suas posições, afastando-se quase que absolutamente das posições teóricas de Keynes. Assim, "a ortodoxia neoclássica se tornou monoliticamente hegemônica na academia americana nos anos 90, transformando-se em foco de irradiação de professores e policy makers". É comum nos meios de comunicação e em algumas pesquisas no campo das ciências sociais se referir ao Estado neoliberal enquanto um "Estado mínimo", Bourdieu (1998) parece discordar desta ideia quando afirma que o Estado teria uma "mão esquerda" e uma "mão direita". A mão esquerda, personalizada pelos ministérios "gastadores" e responsável pelos investimentos sociais em educação, saúde, assistência social, previdência tende a ser reduzida diante do avanço da hegemonia neoliberal. Já a mão direita, representada pelas instituições fiscalizadoras, que controla o aparelho policial-repressor, essa não recua; pelo contrário, a repressão aos movimentos populares, sindicais e de base cresceria no Estado neoliberal. O movimento que caracterizaria o Estado neoliberal, pois, segundo Bourdieu, nada teria com uma minimização do Estado, mas com um recuo da mão esquerda - que se retira progressivamente de vários setores da vida social que costumavam ser sua incumbência, como habitação pública, escola, hospital, e um avanço da mão direita. Com essa tese concorda Harvey, ao destacar que, se de um lado, o Estado "reduz os recursos dedicados ao bem-estar social e reduz o seu papel em áreas como assistência à saúde, o ensino público e a assistência social", além de deixar "segmentos sempre crescentes da população expostos ao empobrecimento", de outro lado, produz estruturas jurídicas que 73 privilegiam as corporações e "recorre a legislações coercivas e táticas de policiamento para dispersar ou reprimir formas coletivas de oposição ao poder corporativo". E, além disso, "o braço coercitivo do Estado é fortalecido para proteger interesses corporativos e, se necessário, reprimir dissensão" (HARVEY, 2008, p. 86-87). E de modo algum, acrescenta, torna irrelevante o Estado ou instituições particulares, como tribunais e funções de polícia. O Brasil chegou tarde ao neoliberalismo, pelo menos uns quinze anos, pois, segundo Harvey (2008, p. 11), os marcos fundamentais de eclosão do pensamento e das práticas neoliberais se deram no período 1978-80, (a) com as reformas liberais chinesas promovidas por Deng Xiaoping, que abriu o país ao capitalismo mundial, (b) as mudanças na economia e no Banco Central dos EUA lideradas por Paul Vocker31 e Ronald Reagan32, (c) e os rumos tomados pela economia inglesa a partir de Margaret Thatcher. Esses epicentros, cada um a sua maneira, impulsionaram o pensamento neoliberal em várias partes do planeta, como por exemplo, nos ex-Estados soviéticos, na África do Sul pós-apartheide, na China do 'socialismo de mercado' e na América Latina33. A partir da década de 1980, vários países se permitiram experiências comuns às práticas políticas e econômicas do neoliberalismo, como a desregulação econômica, a privatização e a retirada do Estado de certas esferas sociais. Harvey aponta as tensões e contradições presentes no interior do pensamento neoliberal, quando ressalta a distância entre a teoria do neoliberalismo e a prática completa da liberalização, já que: "O rigor científico de sua economia neoclássica não é facilmente compatível com seu compromisso político com ideais de liberdade individual, nem sua suposta desconfiança com respeito a todo poder estatal o é com a necessidade de um Estado forte, e se necessário, coercitivo, que defenda os direitos à propriedade privada, às liberdades individuais e às liberdades de empreendimento". (HARVEY, 2008, p. 30). Harvey salienta que há uma significativa distância entre a prática neoliberal e a sua teoria a respeito do Estado e sustenta que "a prática da neoliberalização evoluiu de tal modo que se afastou ponderavelmente do modelo que a teoria oferece" (HARVEY, 2008, p. 75). Pelo menos em tese, o pensamento neoliberal sustenta que o papel do Estado deve ser (a) favorecer fortes direitos individuais à propriedade privada, (b) garantir as instituições de 31 Presidente do Banco Central dos EUA (Federal Reserve - FED), entre agosto de 1979 e agosto de 1987. Presidente dos EUA, entre 1981 e 1989. 33 Exceção é o Chile, que antes do período que Harvey entende como de eclosão do neoliberalismo (1978-80), já havia incorporado as práticas neoliberais em 1973, com o golpe militar de Augusto Pinochet sobre Salvador Allende, de tendência socialista. O Chile se constituiu uma espécie de laboratório neoliberal, já que houve uma ativa participação da inteligência militar dos EUA, com a conivência e leniência dos conservadores chilenos, além da assessoria econômica de um grupo de economistas chilenos formados nos EUA e influenciados por Milton Friedman, os chamados "Chicago Boys". 32 74 mercado livre, (c) passar à iniciativa privada todos os setores explorados pelo Estado, (d) preservar a livre competição entre pessoas, empresas, corporações, cidades, regiões, etc. O Estado e todo seu arcabouço jurídico-institucional-legal deve proteger esses princípios. O atendimento a esses preceitos seria uma garantia de eliminação de entraves burocráticos, aumento da eficiência e produtividade, melhora da qualidade e redução de custos. Segundo o autor, valores como dignidade e liberdade individual foram colocados pelo pensamento neoliberal como centrais para a civilização, contudo, "as liberdades que ele [o Estado] encarna refletem os interesses dos detentores de propriedade privada, dos negócios, das corporações multinacionais e do capital financeiro" (HARVEY, 2008, p. 17). 2.2. O neoliberalismo na prática A partir da década de 1990, o ideário neoliberal atingiu o país. Se no passado o caminho necessário para o crescimento econômico havia sido o nacional- desenvolvimentismo, sob o qual a centralidade do Estado havia sido imperiosa. O governo brasileiro enxergou na mudança do papel do Estado na economia e na sociedade o caminho natural para superar a estagnação característica da "década perdida". No entendimento de Fiori (2001, p. 74), o neoliberalismo combinou determinismo econômico com defesa do mercado livre e do individualismo, aceitação da desigualdade social, e mais um pacote que incluía: menos Estado, moeda forte, privatizações, equilíbrio fiscal e competitividade global. Ao discorrer sobre o avanço do neoliberalismo, Fiori destaca a rapidez com que o pensamento se tornou hegemônico: "Religiões e ideologias, modismos culturais e acadêmicos já ocuparam posições parecidas no passado. Mas é provável que nenhuma ideia secular tenha alcançado, até hoje, uma hegemonia tão intensa e aplastante, sobretudo depois da queda do Muro de Berlim e da derrota do mundo socialista. (...) O novo liberalismo ou 'pensamento único', apesar de conter forte conteúdo econômico, e indiscutíveis pretensões científicas e acadêmicas, foi muito além de tudo isto, não apenas do ponto de vista territorial e sociológico, mas sobretudo porque conseguiu se transformar num mix de projeto político e econômico de curto prazo. E, o que é mais surpreendente, uma utopia ou crença quase religiosa, difundida igualmente nos países ricos e pobres" (FIORI, 2001, p. 75). De maneira distinta a alguns autores, multiplicadores da consigna de Thatcher "there is no alternative", que de tão veiculado virou sigla (TINA), Fiori rejeita a ideia da inevitabilidade do caminho tomado pelo Estado brasileiro. E lembra que os objetivos "foram definidos por um contrato internacional válido por três anos e assinado entre o governo brasileiro, o Fundo Monetário Internacional e o Banco de Compensações Internacionais", que 75 "comprometeu o país com o cumprimento de metas ficais e monetárias (...) em troca de um empréstimo de 40 milhões de dólares". Foi uma opção consciente, que trocou a liderança do Estado na busca pelo desenvolvimento "por uma estratégia de abertura econômica com vistas a uma transnacionalização radical dos centros de decisão e das estruturas econômicas brasileiras" (FIORI, 2001, p. 11). A importação dos preceitos liberais, já praticados nos países centrais, para os países periféricos se deu através de um pacote econômico, chamado "consenso de Washington". A expressão foi cunhada por John Williamson34, publicada por institutos de economia da capital norte-americana, e versava sobre "o mínimo denominador comum de recomendações de políticas econômicas que estavam sendo direcionadas pelas instituições financeiras de Washington aos países da América Latina, a partir de 198935". Essas recomendações aos países latinos eram: disciplina fiscal, reorientação das despesas públicas para áreas que oferecem alto retorno econômico, reformas fiscais, liberalização das taxas de juros, taxas de câmbio competitivas, liberalização dos investimentos estrangeiros diretos, privatização, desregulamentação (abolição das barreiras de entrada e saída) e garantias a propriedade privada36. Os próprios formuladores de tais políticas reconhecem que haviam perdido o controle sobre as recomendações do "consenso", já que muitas da ideias atribuídas ao "consenso" não pertenciam às recomendações originais. O "consenso de Washington" propunha, destaca Fiori, que para reduzir as desigualdades sociais, bastava se desfazer do estatismo e permitir o livre curso do comércio e dos preços e, assim ocorreria, inevitavelmente, a retomada dos investimentos e do crescimento econômico. Como teria se dado a emergência do neoliberalismo no Brasil? Harvey descreve que no caso da América do Sul, em particular no Chile e em seguida na Argentina, foi necessária a implementação de um golpe militar apoiado pelas elites mais conservadoras e pelo governo estadunidense. No caso brasileiro foi diferente: a chegada do neoliberalismo se deu justamente a partir das eleições presidenciais de 1991, alguns anos após o fim dos sucessivos governos ditatoriais. No início da década de 1990, muitas das políticas econômicas latinoamericanas já haviam tomado o rumo orientado pelas instituições sediadas em Washington, cuja adesão foi acompanhada por um pacote de estabilização monetária, reformas estruturais e 34 Williamson defendeu em outro artigo que "a viabilidade do sistema democrático latino-americano dependia da possibilidade de eliminar o debate político-econômico das disputas eleitorais" (FIORI, 2001, p. 215). 35 Tradução livre de: the lowest common denominator of policy advice being addressed by the Washington-based institutions to Latin American countries as of 1989 (Disponível em: <http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html>, acessado em maio de 2009). 36 <http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html>. 76 institucionais, destinadas a "ajustar as economias e sociedades do continente à nova realidade mundial", acrescenta Fiori (2001, p. 199). Assim, o objetivo estratégico do ajuste foi a substituição do modelo desenvolvimentista pelo modelo calcado na abertura dos mercados e da privatização das empresas e serviços públicos. Sob a justificativa de combater o déficit público, a política econômica buscou como soluções a redução das despesas, o aumento das receitas tributárias, a alienação das empresas estatais e as concessões de serviços públicos ao setor privado. Matos Filho e Oliveira, ao enumerar as razões que justificam a política e as privatizações, usavam-se os seguintes argumentos: (a) a crescente demanda da sociedade por programas de bem-estar, (b) exagerada importância dada ao Estado, (c) a estrutura extremamente sobrecarregada do setor público brasileiro, (d) escassez de recursos públicos, (e) má administração das empresas públicas, com técnicas gerenciais ultrapassadas e administração de cunho política, (f) gestão pouco eficiente e de baixo nível de produtividade (MATOS FILHO; OLIVEIRA, 1996, p. 10). Assim, concluem os autores, a justificativa para seguir o caminho da liberalização seria ajustar a economia brasileira ao novo contexto global, marcado pela fluidez do capital, aumento da concorrência internacional e integração maior dos mercados na globalização. Se a abertura do país ao capital estrangeiro diminuiu as barreiras tarifárias e desguarneceu os artifícios de proteção à indústria nacional, teria contribuído, porém, para a modernização da mesma frente à concorrência com as corporações estrangeiras. O balanço realizado por Fiori destaca que, na esfera da economia, a década de 1990 assistiu a um baixo crescimento econômico médio anual, uma alta taxa de desemprego, em especial nas regiões metropolitanas, queda na participação dos salários na renda nacional e aumento da concentração da renda e da riqueza37. Além disso, "ocorreu um processo gigantesco de expansão e transferência de riqueza privada, sobretudo patrimonial, mas que conseguiu premiar quase todas as frações da burguesia brasileira e de suas oligarquias regionais de poder" (FIORI, 2001, p. 12-13). Como resultado, Fiori (2001, p. 201) avalia o desempenho sócio-econômico dos países latinos assim: "baixo crescimento econômico e aprofundamento das desigualdades, dentro de cada país, e entre a América Latina, como um todo, e o mundo desenvolvido". 37 Houve um recuo no crescimento das economias nacionais. O continente ao longo da década de 90 cresceu em média menos de 3% ao ano, inferior aos "trinta anos de desenvolvimentismo", quando havia crescido por volta de 5,5% de média/ ano. O contraste é ainda maior no caso brasileiro, já que o crescimento entre os anos de 1945 e 1980 ficou acima de 7%, enquanto na década neoliberal foi de 3%, inferior à "década perdida" de 80 (FIORI, 2001, p. 200-201). 77 2.3. O neoliberalismo no setor elétrico brasileiro As reformas econômicas seguiram o caminho da abertura comercial e da redução da participação do Estado na economia. O reflexo no setor elétrico foi a queda da presença do Estado enquanto um agente gerador, transmissor e distribuidor de energia elétrica. Como foi possível perceber no capítulo anterior, o pensamento marcado pelo nacional- desenvolvimentismo, dominante entre as décadas de 50 e 70, fomentou a industrialização, a urbanização, assim como, o significativo crescimento da capacidade instalada do Brasil e os investimentos em infra-estrutura e na indústria de base, apoiado, quase que de maneira exclusiva, no capital estatal. No âmbito do setor elétrico, os primeiros debates sobre as mudanças institucionais começaram ainda em 1987, no interior do Programa de Revisão Institucional do Setor Elétrico - Revise. Apesar de ter sido concluído dois anos mais tarde sem resultados práticos, estavam dados os primeiros passos em direção ao processo de desregulamentação do SEB. Na avaliação de Paixão38, um dos mais ativos profissionais participantes da elaboração do projeto de reestruturação do setor, para ter sucesso, faltou ao Revise uma consultoria externa que, por sua vez, traria a necessária orientação técnica e também o equilíbrio na convergência das ideias (PAIXÃO, 2000, p. 48). Governo Collor de Mello (março de 1990 - dezembro de 1992) A abertura comercial, aliada às medidas de liberalização financeira, restringiu as barreiras tarifárias e algumas das políticas protecionistas, sob o argumento de intensificar a competitividade da economia brasileira diante do cenário internacional. O governo de Fernando Collor de Mello foi o pioneiro nas reformas liberalizantes, por intermédio do seu plano de governo que, propunha uma ampla privatização e uma saída rápida do Estado da economia. Os objetivos do plano Collor I eram a redução da hiperinflação, o fortalecimento da moeda nacional e a estabilização da economia. Também determinou, dentre outras medidas, o congelamento de preços e salários, a introdução de uma política cambial flutuante, bloqueio de parte da poupança privada, demissão de funcionários e a queda das alíquotas de importação com o objetivo de conduzir o país a uma abertura comercial. De maneira geral, o 38 Lindolfo E. Paixão é um dos principais porta-vozes das grandes empresas consumidores de energia, além de ser presidente da ANACE (Associação Nacional de Consumidores de Energia), que detém entre seus quadros de associados as grandes companhias: Sadia (alimentícia), Brasil Telecom (telefonia), Aracruz (celulose), Souza Cruz (fumo), Banco Real, etc., e possui como princípio central, a defesa de um 'ambiente favorável à competição'. 78 que o governo Collor propunha era implementar quase todas as intervenções defendidas pelos economistas de orientação neoliberal, conforme visto no item anterior. Logo no início do seu governo, Collor instituiu o Plano Nacional de Desestatização39 (PND). O PND foi um dos mais importantes mecanismos de ajuste econômico orientada pelas agências multilaterais. Matos Filho e Oliveira (1996, p. 10), ao defender a criação do PND, aponta que Plano possuía dentre seus objetivos a descentralização, flexibilização e desburocratização do Estado e reorientação das atividades do setor público. A partir de agosto do mesmo ano, o BNDES foi designado gestor do Plano. Logo no primeiro artigo, a lei já torna claro o seu objetivo: "Art. 1° É instituído o Programa Nacional de Desestatização, com os seguintes objetivos fundamentais: I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público; III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV - contribuir para modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia; V - permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa" (Grifos nossos). O plano Collor I agravou a crise na economia brasileira ao provocar uma recessão econômica que fez despencar o PIB em 4,4% no ano de 1990, além de aumentar dos índices de desemprego e reduzir a produção industrial. A redução da inflação foi alcançada apenas de maneira temporária pelo Plano, pois meses depois a inflação voltou a subir. O insucesso econômico do plano conduziu a uma outra tentativa. O segundo plano Collor foi decretado em janeiro de 1991 com o objetivo de resolver os problemas econômicos não resolvidos pelo primeiro, como a hiperinflação e a estagnação da economia, adotando novamente congelamento de preços e salários e programas de redução de gastos públicos. A privatização pioneira do PND foi a da Usina Siderúrgica de Minas Gerais (Usiminas), localizada no município de Ipatinga, vendida no último trimestre de 199140. Foram 18 empresas federais vendidas durante o governo Collor, quase todas ligadas aos 39 O Plano Nacional de Desestatização foi estruturado na Lei n° 8.031 de 12 de abril de 1990. As outras empresas federais privatizadas durante o governo Collor foram Usimec (Usiminas Mecânica), Celma (Cia. Eletromecânica), Mafersa, Cosinor (Cia. Siderúrgica do Nordeste), SNBP (Serviço de Navegação da Bacia do Prata), AFP (Aços Finos Piratini), Petroflex, Copesul (Cia. Petroquímica do Sul), Alcanorte (Álcalis do Rio Grande do Norte), CNA (Cia. Nacional de Álcalis), CST (Cia. Siderúrgica de Tubarão, Fosfértil (Fertilizantes Fosfatados), entre outras. 40 79 setores de infra-estrutura, por quatro bilhões de dólares. Foi pequena a participação das empresas estrangeiras, com baixos preços (ágios) pagos pelas companhias compradoras. (CACHAPUZ, 2009, p. 458). Os problemas gerais da economia brasileira afetaram o setor elétrico, tanto que o governo Collor enfrentou muitas dificuldades com relação à inadimplência das concessionárias estaduais para pagar a energia suprida pelas subsidiárias federais. Foram determinadas várias medidas para reverter o processo de inadimplência, como a cobrança dos débitos em foros judiciais, contudo, sem qualquer sucesso. A escassez de investimentos nos setores de infra-estrutura adiou, seguidas vezes, os prazos de conclusão da usina de Xingó, principal obra de geração elétrica deste governo. A única medida prática e relevante efetuada por Collor para o setor elétrico foi a inclusão das empresas federais distribuidoras, a Escelsa e a Light, no PND, que, no entanto, somente seriam vendidas alguns anos mais tarde, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, e a redução do quadro de funcionário das empresas do grupo Eletrobrás. O governo Collor não teve muito tempo para prosseguir com as políticas de desestatização, já que, no final de 1992, o Presidente da República renunciou em virtude da abertura de processo de 'impedimento' decorrente de denúncias de corrupção que atingiram a sua administração, sendo sucedido pelo Vice-Presidente, Itamar Franco. Governo Itamar Franco (dezembro de 1992 - janeiro de 1995) Face à inadimplência das concessionárias estaduais, no montante de US$ 5 bilhões, algumas medidas legislativas foram encaminhadas com o objetivo de abolir o regime de equalização tarifária41, e de resolver o problema da inadimplência intra-setorial. Cachapuz aponta que o objetivo do novo modelo tarifário era que os reajustes das tarifas de energia estivessem atrelados ao custo das concessionárias (CACHAPUZ, 2006, p. 483). Este modelo de reajuste dos preços de energia permitiu a queda da inadimplência por parte das concessionárias estaduais nos meses seguintes e o restabelecimento dos fluxos de pagamento intra-setoriais e de compromissos financeiros que não vinham sendo respeitados desde a década anterior. As demais mudanças jurídicas foram as legislações referentes à regulamentação da licitação para concessões42, que na prática acabou com a territorialização das empresas do setor em áreas cativas. 41 42 Lei n° 8.631/ 95, chamada Lei Eliseu, em referência ao então Presidente da Eletrobrás, Eliseu Resende. Lei nº 8987/ 95. 80 Itamar Franco governou até o final de 1994 e seu governo continuou as reformas de orientação neoliberal, contudo sem o mesmo vigor do seu antecessor. Dentre os principais leilões efetuados, destaca-se a privatização da Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) e da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer)43. Em meados de 1993, o governo promoveu uma mudança na equipe econômica ao nomear Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda. Meses depois veio a surgir o Plano Real, um pacote de ajustes econômicos que buscou promover uma maior eficiência e redução dos gastos públicos. O objetivo dos ajustes econômicos promovidos por esta equipe foi a estabilização dos preços de modo duradouro, através da eliminação do déficit orçamentário, diminuição das transferências de tributos aos estados e municípios e indexação da economia através da Unidade Real de Valor (URV), além de uma política monetária restritiva, como o aumento da taxa básica de juros, e valorização artificial da taxa de câmbio. Os logros na estabilização da inflação pavimentaram a vitória eleitoral de Fernando Henrique Cardoso nas eleições presidenciais de 1994. O governo de Franco ainda promoveu algumas providências que tornariam mais favoráveis a participação do capital privado no SEB. No final de 1993, com a pretensão de retomar as obras paralisadas por carência de recursos das empresas estatais, um decreto presidencial passou a permitir a formação de consórcios entre concessionárias públicas e autoprodutores para o aproveitamento de potenciais hidrelétricos. A usina hidrelétrica pioneira que se aproveitou do decreto foi Igarapava, em Minas Gerais. A criação do Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica (Sintrel) também foi conveniente ao capital privado, já que vinha permitir o livre acesso à rede de transmissão de energia e estimular a participação privada na área de geração. Assim, os produtores independentes de energia (PIE) poderiam revendê-la em qualquer ponto do país. Governo Fernando Henrique Cardoso I (janeiro de 1995 - dezembro de 1998) A eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República manteve a tendência privatizante dos últimos governos, através de medidas tais como, quebra do monopólio do estado sobre o petróleo e gás natural e sobre as telecomunicações. Ao dar prosseguimento à desestatização de uma série de empresas, foram postas à venda a Cia. Vale do Rio Doce e a Telebrás. No setor elétrico, além de importantes distribuidoras de energia como a Light, Eletropaulo e a CPFL; foi privatizada uma importante subsidiária da Eletrobrás, a Eletrosul. 43 Além dessas duas empresas, Cachapuz (2006, p. 462) destaca as privatizações da Cosipa, Petroquímica União, Açominas. 81 No setor elétrico, Cardoso continuou, em um ritmo ainda mais acelerado, a privatização e as reformas institucionais, com o objetivo de estabelecer um modelo de mercado e a passagem ao setor privado a responsabilidade pelo crescimento setorial, através da introdução de um mercado competitivo nas áreas de geração e comercialização. A remodelação do PND promovida por Cardoso visou dar mais agilidade aos processos de privatização, de maneira a reduzir a interferência do Senado Federal e facilitar a alienação das empresas federais. As mudanças institucionais associadas à implantação do novo modelo do setor elétrico brasileiro foram inspiradas na propostas elaboradas pelo Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (RE-SEB), elaborado por um consórcio liderado pela Coopers & Lybrand44, empresa britânica com experiência internacional na área de reformas institucionais no setor elétrico. Ao escrever o livro de memórias do processo de edificação do RE-SEB45, o gerente-geral do projeto, Paixão destaca as questões centrais que permearam as discussões no interior do RE-SEB: (a) assegurar a oferta de energia, (b) estimular o investimento, (c) reduzir os riscos dos investidores, (d) maximizar a competição, (e) incentivar a eficiência, (f) fortalecer o órgão regulador, (g) definir as novas funções da Eletrobrás, (h) adequar a qualidade do fornecimento à necessidade do mercado, entre outras (PAIXÃO, 2000, p. 55). Não é difícil perceber a convergência entre os preceitos do pensamento neoliberal e as orientações centrais do RE-SEB, como por exemplo, a reiteração da relevância do discurso da competição, o elogia da eficiência do capital privado e na necessidade de restringir a ação do Estado a funções estritamente reguladoras e a busca da redução dos riscos para os investidores. Em meados de 1997, foi apresentado o relatório elaborado pelo consórcio que propunha: a instituição de um mercado de livre concorrência de energia e a fragmentação do setor elétrico em geração, transmissão, distribuição e comercialização. Dentre as orientações básicas propostas pelo consórcio estrangeiro foi a recomendação de reestruturação das subsidiárias federais de atuação regional (Furnas, Chesf, Eletrosul e Eletronorte), na qual estas teriam os seus ativos de geração e transmissão desmembrados, com o objetivo de criação de empresas que atuariam em apenas um segmento exclusivamente. Os consultores do Projeto RE-SEB acreditavam que, assim, se atrairia um maior interesse por parte do capital privado em adquirir as estatais. Estas orientações traçaram as ações do governo visando à privatização 44 O consórcio contou ainda com a participação de empresas brasileiras, Ulhôa Canto Advogados, Engevix e Main Engenharia, e também a norte-americana Latham & Watkins e a ingless Rust Kennedy & Donkin. 45 PAIXÃO, L. E. Memórias do Projeto RE-SEB: a história da concepção da nova ordem institucional do setor elétrico brasileiro. São Paulo: Massao Ohno, 2000. 82 das subsidiárias federais. O terreno para a privatização de Furnas foi preparado com o desmembramento da geração Eletronuclear, por conta de um dispositivo constitucional que garantia o monopólio estatal na área nuclear. Assim, a criação da Eletronuclear em 1997, teve por foco o horizonte próximo de possível alienação da estatal Furnas. O processo de consolidou de fato no final de 1997, quando os ativos de geração e transmissão da Eletrosul foram fragmentados, portanto, formando-se duas empresas distintas: a Centrais Geradoras do Sul do País (Gerasul) e a Eletrosul, a partir daí, de atuação exclusiva na área de geração e transmissão, respectivamente. No ano seguinte, a Gerasul foi primeira empresa federal geradora de grande porte a ser privatizada. Alguns meses depois, também houve a cisão da Eletronorte em cinco empresas, de onde surgiram duas empresas voltadas para a geração (sendo uma exclusiva para Tucuruí), uma para transmissão e duas para distribuição, a Manaus Energia e Boa Vista Energia. As privatizações no governo de Cardoso priorizaram as empresas de distribuição, já que estas seriam mais atrativas ao capital privado. O capital privado se mostrou bem interessado na compra desse segmento do setor, tanto que, após quatro anos de privatização, mais da metade da energia distribuída no país encontrava-se sob o domínio privado. Ainda no primeiro ano de governo, foram incluídas no PND as subsidiárias da Eletrobrás: Chesf, Eletrosul, Eletronorte e Furnas, assim como as distribuidoras federais Escelsa e Light, que estavam incluídas no PND desde o governo Collor. O início das vendas de empresas federais do SEB se deu com o leilão da Escelsa, em meados de 1995, e da Light, um ano mais tarde. O avanço da desestatização também aconteceu dentre as concessionárias estaduais e os estados pioneiros foram São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ainda no ano de 1996. A União teve uma participação decisiva na alienação das empresas estaduais, já que foram celebrados convênios com o BNDES, através do Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais (Pepe), que por sua vez garantiu recursos financeiros mediante o compromisso de desestatização (CACHAPUZ, 2006, p. 466). No caso de São Paulo, o governo de Mário Covas apresentou um projeto de reestruturação que incluía a venda da Cesp, CPFL e Eletropaulo. O governo gaúcho aprovou a privatização parcial da CEEE no final do mesmo ano. Já o estado do Rio de Janeiro contou com o apoio técnico e financeiro do BNDES para leiloar a Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro (Cerj), a primeira concessionária estadual do SEB a ser privatizada. As privatizações das empresas estaduais continuaram em 1997, com a venda de distribuidoras em Goiás, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, 83 além da paulista CPFL. O ano de 1998 assistiu ao prosseguimento da desestatização, com a venda de concessionárias do Ceará, Pará e São Paulo (Eletropaulo). Em continuidade ao processo de reforma institucional, no ano de 1996, foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)46, um importante marco no interior dos processos de reformas institucionais. Responsável pela regulação e fiscalização da geração, distribuição e comercialização de energia, a ANEEL passou a assumir as funções anteriormente atribuídas ao DNAEE. A institucionalização da nova agência representou um passo relevante na consolidação deste novo modelo do setor elétrico, pois havia recebido da União a responsabilidade de conduzir os processos de licitação e outorga de concessões para aproveitamentos hidrelétricos e implementação de termelétricas. A ANEEL, dentro da lógica da economia de mercado, se tornou responsável por incentivar e zelar pela concorrência entre as empresas e, nas suas próprias palavras, "proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade47", utilizando-se de um léxico comum ao pensamento neoliberal. Neste mesmo contexto, dois anos mais tarde, foi instituído o Mercado Atacadista de Energia (MAE), uma espécie de "feira livre" de eletricidade, um espaço de livre negociação de energia, através de contratos bilaterais de longo e de curto prazo, tendo como limites os sistemas interligados do centro-sul e do norte/ nordeste. Outro importante órgão criado também em 1998, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entidade de direito privado sem fins lucrativos, vinha assumir a função de gestão, coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN). O ONS veio substituir o GCOI, criado em 1973, e, progressivamente, passou a assumir suas atribuições. O Plano Real teve de efetuar alguns ajustes em função das crises do México (1995), da Ásia (1997) e da Rússia (1998), mas nenhum desses ajustes foi tão importante quanto os de 1999. Neste ano houve uma forte pressão para que o governo abandonasse a política o regime de âncora cambial e adotasse o câmbio flutuante, que teve como consequência a desvalorização do Real em mais de 50%. Na avaliação de Cachapuz a desvalorização cambial, as medidas de ajuste fiscal e as elevadas taxas de juros tiveram consequências negativas na 46 A Aneel somente entrou em funcionamento de fato no final de 1997, após a regulamentação da lei que a criava, o Decreto n° 2.335 de 1997. 47 www.aneel.gov.br 84 atividade econômica, que só seriam revertidas no ano 2000, com a retomada do crescimento do PIB (CACHAPUZ, 2006, p. 471). Governo Fernando Henrique Cardoso II (janeiro de 1999 - dezembro de 2002) No segundo mandato de Cardoso, com o intuito de superar a crise econômica, o governo federal buscou ajuda financeira internacional e obteve empréstimo junto ao FMI. Somente no ano de 2000, o Brasil alcançou algum crescimento econômico, uma vez que o PIB cresceu 4,5%. A política econômica de Cardoso no segundo mandato manteve-se apoiada no câmbio flutuante, na austeridade fiscal e num vigilante controle da inflação. O ano de 2001 foi bem marcante para o SEB, já que a crise energética, expôs algumas de suas debilidades. Cachapuz (2006, p. 473), aponta algumas das razões para o surgimento da crise: condições hidrológicas desfavoráveis nas regiões sudeste e nordeste conjugada com um volume de investimento insuficiente para manter o crescimento da capacidade instalada em um ritmo que acompanhasse a demanda. Decerto, as crises econômicas que se sucederam no final dos anos 90 e o baixo crescimento da economia brasileira influenciaram na trajetória do setor elétrico nos anos ulteriores. Face à crise de energia, o governo promoveu políticas de racionamento de energia em todo país, que por sua vez, suscitaram alguns debates que opuseram privatistas e anti-privatistas. As privatizações Como é possível ser observado na tabela 2.1, os leilões de venda das concessionárias de energia elétrica passaram às mãos da iniciativa privada mais de 20 empresas em apenas cinco anos, além da transferência de um terço do controle acionário da Cemig. Se antes do processo de desestatização, quase todo estado possuía a sua concessionária estadual, a reestruturação do SEB implicou no surgimento de novas empresas. Entre 1995 e 2000, o número de concessionárias de energia elétrica passou de 64 para 79, isto é, houve uma ampliação dos agentes que atuavam no setor, inclusive com algumas mudanças na distribuição espacial da atuação destes agentes (CACHAPUZ, 2006, p. 515). Nestes cinco anos de desestatização também houve uma mudança significativa no controle da distribuição e da geração de energia elétrica. O capital privado ampliou a sua participação na capacidade instalada de 2,7% para 22% entre os anos de 1995 e 2000. No mesmo período, as concessionárias privadas estenderam a sua parcela no segmento de distribuição de 2,4% para 63% (CACHAPUZ, 2006, p. 516). 85 Tabela 2.1. Concessionárias de energia elétrica privatizadas. 1995-2000. Empresa Federal Federal Estadual Estadual Estadual Ano de Venda 1995 1996 1996 1997 1997 Receita * (R$ milhões) 357 2.216 605 173 779 Arrecadado ** (R$ milhões) 434,5 2.507,9 651,9 1.761,9 793,7 Ágio % 11,7 0,0 30,3 77,3 43,5 Comprador Iven, GTD EDF, AES, Houston Chilectra, EDP, Endesa Iberdrola, Previ Endesa Estadual 1997 1.635 1.486 82,6 VBC, CEA Estadual 1997 1.510 1.372,4 93,5 AES Estadual Estadual Estadual Estadual Estadual Estadual 1997 1997 1997 1997 1997 1997 3.014 625 391 577 676 1.130 2.730,6 625,5 391,5 577,1 676,4 70,1 83,8 21 96 73,6 0,0 Coelce Estadual 1998 987 Eletropaulo Estadual 1998 2.026 Celpa Estadual 1998 450 Elektro Estadual 1998 1.479 Gerasul Federal 1998 945 Bandeirante Estadual 1998 1.015 Cesp Estadual 1999 1,239 Paranapanema Cesp Tietê Estadual 1999 938 Celb Estadual 1999 87 Celpe Estadual 2000 1.780 Cemar Estadual 2000 522 Saelpa Estadual 2000 362 Fonte: Cachapuz (2006) e Rosa et al (1998, p. 159) * Cachapuz ** Rosa et al (1998). Câmbio de dezembro de 1997 968,7 1.988,4 27,2 0,0 0,0 98,9 0,0 0,0 90,2 VBC, Bonaire Iven, GTD Rede, Inepar Cataguazes, CMS Iberdrola, Previ AES, Southern, Opportunity Cerj, Enersis, Endesa EDF, AES, Houston Rede, Inepar Enron Tractebel VBC, Bonaire, EDP Duke Energy 29,9 0,0 0,0 0,0 0,0 AES Cataguazes Iberdrola, Previ PPL Cataguazes, Alliant Escelsa Light Cerj Coelba Cachoeira Dourada CEEE (Norte/ Nordeste) CEEE (CentroOeste) CPFL Enersul Cemat Energipe Cosern 1/3 da Cemig Origem A tabela também mostra os efeitos das crises econômicas internacionais na década de 1990 (México, Sudeste Asiático e Rússia) no projeto de reestruturação setorial. A maior parte dos leilões aconteceu entre 1997 e 1998. O cenário pouco promissor para os próximos anos desacelerou o processo de desestatização a partir de 1998, e o interrompeu em 2000. Talvez seja possível interpretar que houve uma queda do interesse do capital privado após 1997, já que o ágio dos leilões teve notável queda a partir de 1998 (média de ágio de 52,6% nos anos 1995-1997 e 20,5% nos anos 1998-2000), assim como o número de participantes nos mesmos. Interessante notar que no cronograma de execução das privatizações, constava a previsão dos leilões das empresas federais no primeiro semestre de 1999. Não obstante, contrariando os 86 planos iniciais do governo, importantes estatais geradoras, federais e estaduais, tais como, Furnas, Chesf, Eletronorte, Cemig48 e Copel, permaneceram sob o controle do Estado. Outro destaque cabe ao papel dos governos estaduais. Após o leilão das empresas federais, Light e Ecselsa, há um total domínio das empresas estaduais na tabela, que praticamente comandaram o processo de privatização. É possível traçar um paralelo com período de avanço da participação estatal (1945-62), quando os governos estaduais foram os principais responsáveis por liderarem a estatização do setor elétrico brasileiro, assim como também lideraram o processo de desestatização. Ao final, a Eletrobrás passou a contar com sete subsidiárias: Chesf, Furnas, Eletronorte (geração e transmissão), Eletronuclear, CGTEE (geração), Eletrosul (transmissão) e Lightpar (participações). Também merecem destaque os novos grandes agentes do SEB do período pós-privatização: o consórcio brasileiro VBC Energia (formado pelos grupos Votorantim, Bradesco e Camargo Correa), a brasileira Cataguazes-Leopoldina, a estatal francesa EDF, as norte-americanas AES, Duke Energy e Enron, as espanholas Endesa e Iberdrola, a portuguesa EDP e a belga Tractebel. No capítulo seguinte, estas serão tratadas com maior detalhe. Importante destacar que foi no pólo central do capitalismo brasileiro, onde se deu o avanço mais acelerado do capital privado sobre as empresas de distribuição de eletricidade. No Estado de São Paulo, a privatização da distribuição alcançou quase a totalidade em apenas um ano (1998), com a venda de três empresas: a Elektro (resultante da cisão da Cesp), a Eletropaulo e a Bandeirantes (resultante da cisão da própria Eletropaulo). Algumas considerações Os novos marcos regulatórios que viriam conformar nova sustentabilidade institucional e serviriam de base para a desregulamentação do setor elétrico começaram a ser instituídos nos primeiros meses da administração Cardoso. A lei Geral das Concessões dos Serviços Públicos49, que instituía a necessidade de licitação para a prestação de serviços públicos sob regime de concessão ou permissão, foi elaborada e tornada lei sob forte lobby de empreiteiras, segundo atesta o trabalho "Construindo leis: os construtores e as concessões de serviços", de Wagner Mancuso. O artigo mostra como a lei foi "construída" distante do Congresso e no interior das sedes das grandes empreiteiras brasileiras. Mancuso (2003) avalia 48 Apesar do estado de Minas Gerais permanecer com o controle societário majoritário da Cemig, um terço do seu capital foi leiloado (maio de 1997) a um consórcio, formado pelas empresas norte-americanas Southern Electric e AES, além do banco brasileiro Opportunity. 49 Lei N° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. 87 que a lei "inaugurou a extensa série de iniciativas tomadas (...) para reduzir a atuação direta do poder público como produtor de bens e prestador de serviços" e além disso, as suas pesquisas apontaram que "a maior parte do trabalho [de articulação dos interesses da indústria] foi realizada pela Associação das Construtoras de Centrais Energéticas (ACCE), uma organização que reunia algumas das maiores empresas construtoras do país". A ACCE existiu por um período de oito anos, entre fevereiro de 1990 e fevereiro de 1998, e possuía apenas doze empresas filiadas, todas elas empresas construtoras de grande porte50. Segundo o estudo, a associação foi o canal responsável pela "participação dos grandes construtores no processo de elaboração da legislação brasileira sobre concessões de serviços públicos. Sua atuação ocorreu em diversos estágios do processo de produção legislativa". Mais do que isso, a ACCE realizou um extenso trabalho de pressão em maio de 1992, enquanto o projeto de lei das concessões estava sendo analisado na Câmara dos Deputados. A entidade apresentou várias sugestões ao relator do projeto de lei, enquanto ele preparava um projeto substitutivo ao projeto original apresentado pelo [então] senador Fernando Henrique Cardoso. (MANCUSO, 2003). A pesquisa aponta outras evidências de que a associação exerceu pressão no Congresso Nacional pela aprovação da lei nas suas condições de preferência, tal qual em dezembro de 2004, na véspera de sua votação, e em fevereiro do seguinte ano, na ocasião da edição da Medida Provisória prometida pelo Poder Executivo. De maneira geral, Mancuso (2003) conclui que a ACCE, uma associação que atendia aos interesses dos maiores construtores brasileiros, teve uma atuação militante extremamente ativa durante as várias etapas que compuseram o processo de construção da legislação que atualmente rege as concessões de serviços públicos no Brasil. Cachapuz completa ao destacar que o arcabouço jurídico-legal pós-1994 criou "um ambiente institucional mínimo necessário para a participação do capital privado em atividade até então monopolizadas ou virtualmente dominadas por empresas estatais" (CACHAPUZ, 2006, p. 493). A reforma no setor elétrico foi experimentada por diversos países, como pode ser observado na pesquisa realizada por Rosa, Tolmasquim e Pires51. Uma das características que chama a atenção no caso brasileiro e que o diferencia em relação aos demais países estudados, no entanto, é o contexto de crise e "elevado risco de déficit de energia" (ROSA et al, 1998). O 50 Segundo Mancuso (2003), as empresas filiadas a ACCE eram Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, CBPO, CONSTRAN, CONVAP, COWAN, C. R. Almeida, Mendes Júnior, Norberto Odebrecht, Queiroz Galvão, Serveng-Civilsan e TRATEX, todas figuravam nas listas das 25 maiores construtoras do país no período em questão. 51 O trabalho em questão tratou da reforma do setor elétrico na Grã-Bretanha, Noruega, França, Estados Unidos, Chile, Argentina e Brasil. ROSA; TOLMASQUIM; PIRES (1998). 88 novo cenário do setor elétrico caracterizado por Rosa et al (1998, p. 17) passa pela internacionalização e diversificação das atividades dos agentes setoriais anteriores à reestruturação institucional e a entrada de novos agentes em todos os segmentos do setor elétrico. Até a década de 1960, quando a interligação do sistema elétrico brasileiro experimentava seus primeiros passos, as mudanças de percurso do setor não resultavam em impactos tão encadeados quanto nos anos mais recentes. Rosa e Tolmasquim apontam que, em razão deste sistema elétrico se encontrar quase todo interligado já na década de 90, "qualquer modificação no modelo institucional alterará substancialmente as condições contratuais entre os agentes setoriais, principalmente no caso de novos atores privados" (ROSA; TOLMASQUIM, 2001, p. 81). Rosa et al (1998, p. 144) e Rosa e Tolmasquim52 (2001, p. 81) salientam que o eixo central no processo de reforma do setor elétrico brasileiro foi a rápida privatização das empresas, sem antes tornar claras as regras e obrigações dos novos agentes setoriais. O trabalho de Rosa et al (1998, p. 172) aponta as propostas basilares do novo modelo de regulamentação. O novo modelo divide o mercado em dois segmentos distintos: o livre, para os segmentos de geração e comercialização; e o cativo para os segmentos de transmissão e distribuição. Há diferenças entre os subsistemas interligados Centro-Sul e Norte/ Nordeste, pois o subsistema Centro-Sul apresenta melhores condições para desenvolver um mercado competitivo no atacado, pois possui uma quantidade maior de unidades de geração e de distribuidoras, além de uma rede de transmissão mais diversificada. Por outro lado, por suas características, o subsistema Norte/ Nordeste apresentaria um perfil mais concentrado no que diz respeito à geração. A avaliação de Rosa e Tolmasquim53 aponta que o governo brasileiro contratou os serviços de consultoria de maneira a "viabilizar uma modelagem setorial compatível com a privatização", além de "estabelecer o livre acesso à rede de transmissão por parte de qualquer agente do sistema elétrico brasileiro bem como de grandes consumidores industriais"; e "ensejar novas formas de comercialização de energia para as concessionárias" (ROSA; TOLMASQUIM, 2001, p. 133). 52 ROSA, L. P. e TOLMASQUIM, M. O processo de privatização. Relatório do Grupo de Estudo da Reforma Institucional do Setor Elétrico. In: ROSA, L. P. (org.) Um país em leilão: das privatizações à crise de energia, v2. Rio de Janeiro: UFRJ/ COPPE, 2001. 53 ROSA, L. P. e TOMALSQUIM, M. Sobre as geradoras: relatório para o Grupo de Trabalho sobre a "Privatização de Furnas", organizado pelo Clube de Engenharia, novembro de 1997. In: ROSA, L. P. (org.) Um país em leilão: das privatizações à crise de energia, v2, Rio de Janeiro: UFRJ, Coppe, 2001. 89 A pesquisa de Ricardo Bielschowsky (1997) sobre a primeira etapa do período de transição (1993-97) a uma nova configuração organizacional do setor traz algumas contribuições para caracterizar as mudanças em curso. Como o relato foi elaborado em fins de 1997, captou apenas a primeira etapa da remodelagem setorial. A pesquisa relata as condições em que se deram as transformações neste primeiro momento. Destaca: (a) os investimentos estiveram deprimidos e foram insuficientes para atender a demanda pós-plano Real; (b) contexto de transição, na qual apenas os primeiros passos foram dados em direção a um sistema regulado por regras de mercado; (c) crise financeira do setor elétrico que se arrastava desde a década anterior; (d) a transição foi problemática em função das incertezas sobre a evolução da oferta e a demanda. O estudo também ressalta que o modelo estatal foi "eficaz no que se refere ao cumprimento das exigências de expansão da oferta", cujo auge ocorreu em fins das décadas de 70. Entretanto, o final da década de 80 assistiu aos problemas de financiamento da expansão do setor não serem contornados de maneira apropriada. Na ótica de Bielschowsky, "o período 1993-97 foi a etapa de transição em que a velha lógica esteve fragilizada e a nova ainda não teve condições de operar a contento" (BIELSCHOWSKY, 1997, p. 6). Os dados apresentados pela pesquisa (tabela 2.2) corroboram esta interpretação, pois traz a informação de que os investimentos no setor elétrico, em relação ao PIB brasileiro, declinavam desde a década de 1970. O autor sublinha que as mudanças institucionais pós1990 se configuraram como os primeiros movimentos "de uma sequência de radicais transformações na organização industrial e nas regras institucionais do setor". Assim, conclui, tão logo seja superada a etapa de transição e o novo modelo seja plenamente implementado, "os investimentos serão regidos por cálculos de rentabilidade e risco privados representativos de uma lógica totalmente distinta da que prevaleceu no passado [no período estatal]" (BIELSCHOWSKY, 1997, p. 5). Tabela 2.2. Investimentos no setor elétrico (% do PIB), no Brasil. 1970-1997. 1971-80 2,1% 1981-90 1,5% 1991-93 0,9% 1994-96 0,6% 1997 0,6% Fonte: Bielschowsky (1997, p. 5), a partir de dados da Eletrobrás. * Preços constantes de 1996. Em linhas gerais, Bielschowsky conclui que a busca por um modelo de mercado se deu num contexto na qual não havia mercado, "inexistindo, portanto, as condições para viabilizar uma pretendida participação massiva de capitais privados nos investimentos fixos 90 do setor". Assim, "deixou-se demasiado peso para uma inviável participação massiva do setor privado nos investimentos em geração e transmissão a curto e médio prazos" (BIELSCHOWSKY, 1997, p. 37). Nas suas conclusões, Bielschowsky (1997, p. 40) destaca duas falhas do processo de transição. Em primeiro lugar, não houve a devida atenção ao comportamento dos investimentos, pois os mesmos não acompanharam a demanda pós-plano Real. Em segundo lugar, se decidiu por acelerar o processo de privatização sem esperar o estabelecimento do novo marco regulatório, e antes de uma implantação segura de um sistema de regulação. O autor também aponta as diferentes lógicas que opõem as decisões de investimento do setor elétrico nos período pré e pós década de 90. Nas décadas anteriores, o Estado determinava seus investimentos com pouca preocupação com os riscos e incertezas, ou baixa exigência de rentabilidade. "Projetava a expansão de acordo com taxas de crescimento do PIB elevadas, e com margens de segurança com relação à eventual escassez de chuvas. Dessa forma, absorvia todo o "custo" da sobre-oferta, por ser este muito inferior ao custo potencial do déficit". Já a lógica pós-desregulamentação é distinta, pois esta opera a partir da busca da maximização da lucratividade. Não é objeto de sua preocupação "o problema de eventual insuficiência de energia elétrica devido à falta de chuvas ou ao excessivo crescimento de demanda" (BIELSCHOWSKY, 1997, p. 42-43). A partir destas considerações do autor, pode-se compreender que as mudanças nas lógicas de decisões de investimentos possuem imbricações que interferem na geografia do setor elétrico. Governo Luís Inácio Lula da Silva I (janeiro de 2003 - dezembro de 2006) No ano de 2003, Luis Inácio Lula da Silva iniciou o seu primeiro mandato como Presidente do país. Depois de três derrotas consecutivas nos pleitos presidenciais de 1989, 1994 e 1998, as duas últimas para Cardoso, Lula foi eleito com um discurso de oposição ao governo anterior. Sustentado pelo apoio da maior central sindical, dos principais sindicatos de trabalhadores, dos mais importantes movimentos populares e partidos de esquerda. Ao tomar posse, Lula assumiu sob uma conjuntura econômica bastante desfavorável, marcada pela elevação da pressão inflacionária, taxa de desemprego acima de 12% e pelo pessimismo e desconfiança do capital estrangeiro em relação ao país. A economia ficou praticamente estagnada no primeiro ano de mandato e somente cresceu a partir do ano seguinte. As primeiras medidas tomadas foram no sentido de aumentar o superávit primário das contas públicas e a manter das diretrizes macroeconômicas do governo Cardoso. 91 O primeiro pacote de investimento do governo se deu com a divulgação do Plano Plurianual (2004-7), com valores estimados destinados ao setor de energia de R$ 32 bilhões (advindos do setor estatal e privado). Apesar do Plano, os dados da Eletrobrás indicam que os investimentos no setor caíram nos primeiros anos de governo, mesmo os do grupo Eletrobrás, em razão, segundo Cachapuz (2006), da preocupação com as metas de superávit primário. Tabela 2.3. Evolução dos investimentos do setor elétrico, em R$ milhões. 2001-2005. Ano 2001 2002 2003 2004 2005 Grupo Eletrobrás Demais empresas 3.613 9.159 4.447 7.980 3.302 6.075 3.069 6.377 2.909 8.159 Total 12.772 12.457 9.377 9.446 11.158 Fonte: Cachapuz (2006, p. 659), a partir de dados da Eletrobrás. As discussões a respeito do modelo institucional do setor elétrico brasileiro no interior do governo Lula se deram em um contexto de agravamento dos problemas financeiros de algumas distribuidoras e excesso de oferta energia no mercado. Contribuíram para a formação de um excedente de eletricidade o baixo crescimento econômico nos anos anteriores, em consequência, o baixo crescimento do consumo, novas unidades de geração e a migração de alguns grandes consumidores industriais para a autoprodução. (CACHAPUZ, 2006, p. 660). O resultado destas discussões se traduziu no documento publicado pelo Ministério de Minas e Energia intitulado "Modelo Institucional do Setor Elétrico", elaborado por um grupo de trabalho, coordenado por Maurício Tolmasquim, professor da Coppe/ UFRJ. Segundo o documento, os objetivos centrais no modelo eram (a) garantir a segurança de suprimento de energia elétrica; (b) promover a modicidade tarifária, por meio da contratação eficiente de energia para os consumidores regulados; (c) e promover a inserção social no Setor Elétrico, em particular pelos programas de universalização de atendimento. O documento também propôs a criação de novos agentes: (a) Empresa de Pesquisa Energética (EPE), instituição técnica com o objetivo principal de desenvolver os estudos necessários ao exercício da função de efetuar o planejamento energético; (b) Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que passa a substituir o MAE. No final de 2003, as Medidas Provisórias (MP) que estabeleciam as bases legais para implementação de um novo modelo foram assinadas54. A proposta centralizava as decisões de planejamento no MME, mas mantinha a livre 54 10 de dezembro de 2003. 92 concorrência nos mercados de geração e comercialização e de regulação nos segmentos de transmissão e distribuição (CACHAPUZ, 2006, p. 664). A MP nº 144 definiu os elementos centrais do novo modelo, assim como, também criou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) em substituição ao MAE, instituição criada no governo Cardoso. Por sua vez, a MP nº 115 instituiu a Empresa de Pesquisa Energética, com a finalidade de "prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, fontes energéticas renováveis e eficiência energética55". As duas MPs foram alvo de críticas por parte dos partidos de oposição e das entidades patronais56, pois atribuíam às mudanças um caráter excessivamente regulador e as viam como ameaça à participação da iniciativa privada no setor. Ambas MPs viraram lei em 2004. 2.4. Lucratividade das Empresas do Setor Elétrico As mudanças institucionais do governo Cardoso foram acompanhadas por uma instabilidade nas taxas de rentabilidade das maiores empresas. As indefinições decorrentes da transição para um modelo concorrencial, as incertezas dos novos agentes privados, os problemas financeiros das empresas sob controle estatal e o baixo crescimento da economia brasileira conduziram as empresas a momentos de oscilações e, notadamente nos anos de 1999 e 2002, de prejuízos financeiros. Esse cenário mudou em seguida. Uma questão que tem marcado o setor elétrico brasileiro nos últimos anos, particularmente desde a sucessão presidencial de 2003, se refere aos expressivos lucros líquidos atingidos pelas companhias. Os ajustes promovidos pelo governo Lula permitiram às empresas alcançar crescentes taxas de lucratividade a partir de 2003. Dentre essas empresas, destaca-se a Cemig, a Tractebel e a CPFL, conforme pode ser verificada na figura 3.1. 55 Tal qual proposta no relatório coordenado por Tolmasquim, cuja presidência veio a ser assumida pelo próprio em seguida. 56 CNI (Confederação Nacional da Indústria), FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), ABDIB (Associação Brasileira da Infra-Estrutura e da Indústria de Base), etc. 93 Figura 2.1. Lucro das principais distribuidoras e da geradora Tractebel (R$ bilhões) Elaborado por Santos et al (2007, p. 19). Interessante trazer as críticas formuladas por economistas do BNDES. Os pesquisadores defendem uma maior participação do Estado sem, no entanto, "questionar a importância do papel capital privado" sobre o modelo setorial. Santos et al (2007) defendem que o modelo está falido, pois não resolveu os problemas estruturais, que se tornaram mais evidentes no apagão de 2001. Criou-se um falso quadro de concorrência entre os agentes privados, pois a base técnica do sistema brasileiro é inevitavelmente um monopólio natural. Questionam a privatização tocada no governo de Cardoso e a ausência da participação do "interesse público" nas mudanças de Lula. Segundo os autores, o modelo de mercado constituído no final dos anos 90 piorou a confiabilidade do sistema. Sustentam que o modelo estatal constituído sob a liderança da Eletrobrás garantia a flexibilidade eficiência e confiabilidade do sistema57. A tabela a seguir apresenta as taxas de lucro líquido mais recentes apresentados pelas corporações nos seus relatórios anuais. 57 Ao longo dos artigos publicados por Santos et al, é possível encontrar algumas passagens ufanistas, prontamente, descartadas pelo autor desta dissertação, como por exemplo em, "a Eletrobrás realizou-o e criou em poucos anos o melhor sistema elétrico de grande porte do mundo, cuja interligação garantia segurança e eficiência", ou ainda "o Brasil se tornou a Arábia Saudita da energia elétrica". 94 Tabela. 2.4. Lucro líquido (R$ milhares) das principais empresas do setor elétrico. 2007-2008. Concessionária Cemig (inclui participação na Light) Neoenergia Chesf CPFL Tractebel (Brasil) Copel AES (Eletropaulo e Sul) distribuição Furnas Endesa Brasil Elektro EDP Equatorial AES (Tietê e Uruguaiana) geração Rede Duke Energy (Brasil) Energisa Cesp Eletronorte 2007 1.743.000 1.340.049 652.600 1.640.727 1.046.000 1.106.610 747.320 676.524 470.676 466.857 450.400 338.200 - 49.300 28.670 72.783 327.800 178.639 - 542.315 2008 1.887.000 1.474.274 1.437.300 1.275.692 1.115.000 1.078.744 1.071.896 454.518 445.925 391.787 388.800 300.100 258.800 205.338 148.332 105.000 - 2.351.591 - 2.424.558 Fonte: Sítios eletrônicos das corporações (relatórios anuais de 2008). O pior deste modelo, para os autores, foi a elevação das tarifas de eletricidade, que explicam as altas taxas de lucratividade das empresas. O artigo aponta que a tarifa de eletricidade quintuplicou entre 1995-2006, muito superior aos índices de inflação (IPCA e IGP-M) no mesmo período, assim como, "os dividendos das companhias elétricas" (SANTOS et al, 2008, p. 447). Entre 1994 e 2006, enquanto o IPCA e o IGP-M cresceram 164% e 236%, respectivamente, o preço da energia elétrica alcançou 398%. Sustentam também que o constante crescimento das tarifas não pode ser explicado, nem pelos custos de operação, em função da matriz hidrelétrica do país, nem pela incidência de tributos58. Os dados apresentados pelos autores demonstram que a variação das tarifas neste período no Brasil foi uma das maiores, quando comparadas com outros países. Santos et al (2007) também questionam o modelo de mercado no que se refere à criação, nos últimos anos, de instituições pesadas que são mantidas com encargos sobre as tarifas. Antes, as tarefas dessas entidades eram executadas por pequenas equipes da Eletrobrás: ANEEL, ONS, MAE, CCEE, EPE, etc. Segundo os autores, as novas instituições ligadas ao setor "eram completamente desnecessárias quando todas as usinas eram estatais e, portanto, gerenciadas pela própria Eletrobrás – que fazia o papel de coordenar não apenas o 58 "(...) os aumentos dos encargos setoriais não podem explicar a superinflação das tarifas energéticas". Santos et alli (2007). 95 funcionamento individual das usinas, mas o gerenciamento do sistema e de sua expansão em longo prazo". Desta maneira, os autores sintetizam que "podemos classificar o crescimento dos encargos setoriais como uma espécie de 'custo planejado da privatização'" (SANTOS et al, 2007). 96 CAPÍTULO 3 O ARRANJO ESPACIAL DO SETOR ELÉTRICO PÓS-PRIVATIZAÇÃO Introdução No capítulo anterior foi apresentada a conjuntura que envolveu o processo de privatização do setor elétrico brasileiro, uma caracterização geral do pensamento hegemônico que orientou esse processo e também as respectivas mudanças institucionais que conduziram ao novo modelo do setor elétrico brasileiro. Neste terceiro capítulo, será apresentado o desenvolvimento do setor a partir do crescimento da presença do capital privado e do avanço do projeto neoliberal. Num primeiro momento, será ressaltada a distribuição espacial dos principais investimentos em geração de eletricidade, de maneira a permitir a construção do mapa das novas unidades geradoras que, por sua vez, permitirá uma análise do novo arranjo espacial da expansão elétrica do país. Em seguida, neste novo contexto, cabe uma discussão sobre o papel assumido pelo BNDES como principal agente financeiro do setor elétrico no processo de expansão. As principais transfigurações provocadas pelo modelo de mercado se deram no segmento da distribuição de eletricidade; assim, ao longo do capítulo serão discutidas as mudanças fundamentais neste segmento: os novos agentes que surgiram a partir das mudanças dos anos 90, o perfil desses novos agentes, a participação remanescente do Estado e do capital privado, as transformações na atuação espacial das empresas distribuidoras, a análise do mapa da distribuição pós-privatização. Será elaborada uma comparação com as empresas distribuidoras no período de hegemonia estatal e também serão discutidas as mudanças no segmento da geração, que não aconteceram com a mesma intensidade como no segmento da distribuição. Discutir-se-á o que há de novo e o que há de permanência nas empresas geradoras, a consolidação de um novo modelo para a expansão do setor, o deslocamento da fronteira elétrica, e os primeiros movimentos do rompimento com a lógica territorial do modelo estatal, na qual cada empresa geradora possuía a restrição de limitar a sua atuação em um território. A partir das considerações, discussões e indagações deste capítulo, será realizado um esforço para mostrar que as transformações institucionais, econômicas e espaciais do setor elétrico a partir da década de 1990, conduzem para a consolidação de uma nova geografia do 97 setor elétrico, isto é, há um novo arranjo espacial do setor provocado pelo modelo de mercado instituído, ou ainda um a emergência de um ordenamento territorial de novo tipo. 3.1. A expansão do setor elétrico entre 1990 e 2006: a transição para um modelo de mercado Em 1990, capacidade instalada do Brasil era de aproximadamente 52 mil MW59, dos quais quase 90% tinham origem na hidreletricidade. As usinas térmicas possuíam um caráter complementar, pois eram utilizadas basicamente para o abastecimento de localidades isoladas e para complementação dos sistemas interligados nos períodos hidrológicos desfavoráveis. Desde a fundação da Eletrobrás, a capacidade instalada do país ampliou-se em torno de 44.500 MW, em grande parte sob o comando das ações dos governos federal e estaduais. Neste mesmo ano, o sistema interligado brasileiro estava fundamentado em dois grandes sub-sistemas elétricos: (a) Centro-Sul e (b) Norte-Nordeste, que atendiam a 97% do consumo de eletricidade no país; (c) além de vários pontos isolados situados principalmente na região norte. O primeiro sub-sistema possuía uma capacidade instalada de 35.700 MW, 73% do total nacional, e detinha um parque gerador bem diversificado. Já o segundo subsistema contava com 11.000 MW (21,5%) de capacidade instalada, contudo as suas principais usinas eram apenas Tucuruí e as localizadas na bacia do São Francisco. Os sistemas isolados somavam 830 MW e atendiam basicamente às capitais e aos principais núcleos urbanos dos estados da região Norte, com exceção de Belém (CACHAPUZ, 2006, p. 562). Até o início da década de 1990, as quatro maiores subsidiárias federais da Eletrobrás eram responsáveis por quase 45% da capacidade instalada do país, e todo o grupo Eletrobrás detinha 50,7%. Por sua vez, as concessionárias estaduais respondiam por um terço desta capacidade, como mostra a Tabela 3.1. Assim, somente as oito maiores empresas geradoras do país possuíam 80,2% da potência total de energia elétrica. Não resta dúvida de que, no momento em que se davam os primeiros passos do avanço do capital privado, o Estado (tanto na esfera federal quanto na estadual), através de suas companhias públicas, comandava o parque de geração de energia elétrica do país. A partir da década de 1990, houve um acelerado processo de mudança. No ano de 1995, o controle de pouco mais de 1% dos ativos de geração, transmissão e distribuição era de empresas privadas, já em 2001 esse patamar alcançava 41,7%, concentrado principalmente no 59 Incluindo a parcela brasileira de Itaipu e alguns auto-produtores (Cachapuz, 2006, p. 560). 98 segmento de distribuição. Como já foi visto, o avanço da privatização aconteceu sobretudo neste segmento. Tabela 3.1. Capacidade instalada das maiores empresas geradoras, em 1990. Federais Furnas Chesf Eletronorte Eletrosul Total Capacidade (MW) 8.124 7.439 4.573 3.222 23.358 Participação Nacional (%) 16,3 14,9 9,2 6,5 46,9 Estaduais Cesp Cemig Copel CEEE Total Capacidade (MW) 8.647 4.465 2.068 1.373 16.553 Participação Nacional (%) 17,4 9,0 4,2 2,8 33,3 Fonte: Eletrobrás/ Siese. In: Cachapuz (2006, p. 563) No período pré-Plano Real (1990-1994), o crescimento médio anual da capacidade instalada foi de 2,11%, inferior ao recomendado pelos planos decenais elaborados pela Eletrobrás, e também abaixo do crescimento médio anual do consumo de eletricidade no mesmo período, 3,2%. As consequências do descompasso geração/ consumo só não foram maiores em razão do reduzido incremento anual nas taxas de consumo de eletricidade, menor do que as taxas observadas em anos anteriores. Já no período posterior ao Plano Real (19951998), o crescimento da capacidade instalada alcançou 3,7%, também aquém do crescimento do consumo de 5,1% no mesmo período. Na tabela 3.2. abaixo é possível perceber que o ano de 2000 apresenta um crescimento destoante, decorrente em parte da inauguração da usina termonuclear de Angra II. Com exceção deste único ano, na última década do século, a expansão da capacidade de geração brasileira foi insuficiente para atender ao crescimento da demanda por energia elétrica no país, mesmo numa conjuntura econômica nacional que alternava baixo crescimento com estagnação, já que o período foi caracterizado pelo desequilíbrio entre o crescimento da capacidade instalada (3,4% de média anual) e a demanda (3,9%), que contribuiu no quadro de alto risco de escassez de energia elétrica, que se consumou nos episódios do "apagão" de 1999 e 2001. 99 Tabela 3.2. Evolução da capacidade instalada no Brasil. 1990-2006. Ano 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Capacidade instalada (MW) 49.761 50.852 51.760 52.751 54.105 55.534 57.194 59.150 61.982 64.473 71.046 74.877 80.315 83.807 90.678 92.865 96.294 Taxa de crescimento (%) 2,2 1,8 1,9 2,5 2,6 3,0 3,4 4,8 4,0 10,1 5,4 7,3 4,3 8,2 2,4 3,7 Fonte: Cachapuz (2006, p.564) A preocupação com o déficit de energia apareceu em vários momentos ao longo do processo de reestruturação do setor. O Plano Decenal (1996-2005) da Eletrobrás sugeriu um risco de déficit superior a 5% no subsistema interligado Centro-Sul. No final de 1999, foi anunciado pelo governo um plano de medidas emergenciais para aumentar a oferta de eletricidade em um curto prazo. Neste sentido, foi criado o Programa Prioritário de Energia (PPE) que se prestava a abrir condições especiais de financiamento para projetos de geração e transmissão. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em seus estudos, também previu risco de déficits de energia superior a 5% em todos os subsistemas regionais até 2004. O relatório produzido pela IVIG/ Coppe/ UFRJ60, em 2000, analisou que o risco de déficit de energia havia alcançado 15% em maio do mesmo ano. O elevado risco foi resultado, segundo o relatório, "da falta de investimento em geração, contrariando a expectativa de um fluxo de investimentos estrangeiros para expansão do setor com a privatização em curso". As circunstancias de escassez de energia pressionou o retorno à cena do Estado que propôs um plano de instalação de 49 termelétricas (ROSA, 2000, p. 179)61. 60 O IVIG (Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais) é um centro de pesquisa, coordenado por L. Pinguelli Rosa, que possui dentre as suas linhas de pesquisa, "mudanças institucionais no setor de energia". 61 ROSA, L. P. Respostas de curto prazo para a crise de energia elétrica. Relatório do IVIG/ Coppe/ UFRJ, 2000. In: ROSA, L. P. (org.) Um país em leilão: das privatizações à crise de energia, v2. Rio de Janeiro: UFRJ/ COPPE, 2001. 100 O país chega em 2000 com um parque gerador de 71.046 MW, com um incremento médio anual de 3,6% na década. Nos seis anos posteriores, a capacidade do país se aproxima da marca de 100 mil MW e o acréscimo médio anual passa para 5,2%, ainda inferior ao período observado sob o modelo estatal. 100000 90000 80000 70000 60000 50000 40000 30000 20000 10000 2006 2002 1998 1994 1990 1986 1982 1978 1974 1970 1966 1962 1958 1954 1950 1946 1942 1938 1934 1930 0 Gráfico 3.1. Evolução da capacidade instalada (MW) brasileira 1930-2006 60,00 50,00 40,00 30,00 20,00 10,00 Gráfico 3.2. Crescimento percentual (por quadriênio) da capacidade instalada. 1930-2006 Fonte: Cachapuz (2006, p. 132, 198, 344 e 564) 2002-06 1998-02 1994-98 1990-94 1986-90 1982-86 1978-82 1974-78 1970-74 1966-70 1962-66 1958-62 1954-58 1950-54 1946-50 1942-46 1938-42 1934-38 1930-34 0,00 101 O primeiro gráfico destaca a curva da evolução da capacidade instalada do Brasil entre 1930 e 2006. É possível perceber que na década de 1960, quando se constituiu a Eletrobrás, acelerou-se a expansão do parque gerador. Foram necessários 17 anos para se dobrar a capacidade instalada depois de 1930. Após 1970, quando o crescimento esteve em seu auge, bastaram sete anos. Não obstante, a partir de 1980, a capacidade de geração levou 19 anos para dobrar, o que demonstra a perda de dinamismo do setor elétrico nesta década. Já o segundo gráfico destaca o incremento percentual a cada quatro anos. Interessante notar que os quadriênios de menor crescimento percentual acontecem nos momentos que antecedem as mudanças estruturais: 1942-46, fim do Estado Novo e início do avanço da participação estatal; 1962-66, constituição da Eletrobrás e consolidação do modelo estatal; 1982-94, "década perdida", crescimento da influência do pensamento neoliberal que antecedeu o modelo de mercado. Já o período de maior vigor foi correspondente à circunstância de consolidação do modelo estatal, de caráter "desenvolvimentista" e autoritário, quando entre 1966 e 81, a taxa de crescimento anual da capacidade instalada foi de 11,6%62. Sinteticamente, a expansão da geração elétrica brasileira no período 1990-2000 parece ter ficado na expectativa da definição do novo modelo de mercado. Por um lado, as empresas que se mantiveram estatais investiram menos na expansão da geração, não foram estimuladas pelos governos a isso e, além disso, tiveram acesso a um volume menor de crédito por parte das instituições financeiras, notadamente, o BNDES, como será visto adiante. Do outro lado, as empresas privadas pareceram ter algum receio de investir em um cenário de incertezas e não conseguiram manter um ritmo acelerado de expansão. Assim, a passagem para o modelo concorrencial de mercado foi mais complicada do que a expectativa dos seus idealizadores, o que gerou uma série de questionamentos acerca da implementação do programa de desestatização. Já a partir de 2000, a superação da fase transição, as parcerias entre as empresas estatais e privadas e a retomada da linha de financiamento pelo BNDES permitiram uma etapa de maior expansão. 62 De alguma maneira, esse forte crescimento se deve em função das crises internacionais da década de 70 que gerou um excesso de liquidez nos mercados globais. Os agentes do setor não encontraram dificuldades para captar recursos juntos aos maiores bancos de financiamento. 102 3.2. Distribuição espacial dos investimentos em geração, entre 1990 e 2006 Da mesma forma como foi realizado no primeiro capítulo, nesta seção será destacada a distribuição espacial dos principais investimentos em geração de eletricidade no país a partir de 1990. De uma maneira geral, é possível perceber que as maiores subsidiárias federais não realizaram os investimentos vultuosos de outrora, talvez a esperar o modelo energético que viria a vigorar nos anos posteriores. E, além do mais, alguns dos investimentos efetuados pelas empresas controladas pela Eletrobrás se deram em parcerias com o capital privado, como será visto a seguir. A escassez de investimento em geração levou a Furnas a ficar de 1981 até 1997 sem inaugurar nenhuma usina nova. Assim, até o ano 2000, a empresa inaugurou apenas três hidrelétricas: Corumbá I e Serra da Mesa, em Goiás, e Manso, em Mato Grosso. As duas últimas foram construídas em associação com a iniciativa privada, o que anuncia a emergência de um novo modelo que se consolidaria ao longo dos primeiros anos dos anos 2000. Ao final de 2000, Furnas detinha 9.133 MW de capacidade instalada. A usina Serra da Mesa63 foi a pioneira dentre as parcerias público-privadas, inaugurou uma longa lista, a ponto de quase se poder afirmar que o novo padrão, sobretudo para os empreendimentos de maior porte, é a associação em que a empresa estatal assume até 49% do capital, de modo a não deter o controle mas comparecer com metade do capital. A maior empresa geradora ao final de 2000 era a Chesf, a primeira concessionária a ultrapassar a barreira dos 10 mil MW de potência total. A empresa, ao longo da década de 1990, inaugurou apenas uma hidrelétrica, Xingó, no São Francisco, de 3.000 MW. Além deste investimento, foram ampliadas as usinas Luiz Gonzaga e Boa Esperança. As reformulações na Eletronorte, como no caso da constituição de duas companhias distribuidoras subsidiárias Manaus Energia e Boa Vista Energia, tinham por objetivo a viabilização de sua posterior privatização, fato que terminou por não acontecer. A concessionária era responsável pela atuação tanto no sistema interligado norte/ nordeste, quanto nos sistemas isolados existentes na região Norte e parte do Centro-Oeste. No período posterior a década de 1990, a Eletronorte ampliou as usinas de Tucuruí, de Balbina, Samuel e Coaracy Nunes, entre outras. A ampliação de Tucuruí, que acrescentou mais de 4.000 MW ao sistema, foi viabilizada através de recursos próprios da Eletronorte e financiada em parte pela 63 O consórcio para construir a usina de Serra da Mesa foi formado por Furnas e o Banco Nacional. A falência do banco fez com que sua participação no consórcio tenha sido transferida para o grupo VBC. 103 Eletrobrás e pelo BNDES. A maior parte do acréscimo da energia produzida por Tucuruí foi contratada pelas indústrias do ramo do alumínio, Alumar e Albrás. Dentre as demais iniciativas de empresas federais destaca-se Itaipu Binacional e Eletronuclear. Ao prosseguir com os trabalhos de ampliação da usina, Itaipu elevou a sua potência em 1.100 MW. Por sua vez, a Eletronuclear, constituída em 1997 como parte do projeto de privatização de Furnas, que também não ocorreu, assumiu a manutenção de Angra I e a finalização de Angra II. Após um longo atraso no seu cronograma, somente em 2000, Angra II gerou os seus primeiros watts, com uma potência de 1.350 MW. A Eletrosul, umas das principais subsidiárias do sistema Eletrobrás, foi a única a ter levado a cabo a sua privatização, a despeito dos planos do governo federal de entregar ao controle privado as demais empresas federais. Antes de sua cisão em duas empresas e posterior privatização, o principal investimento em geração da Eletrosul foi a elevação da potência do complexo termelétrico de Jorge Lacerda. No ano de 1997, os ativos de geração e transmissão foram divididos, a Eletrosul (transmissão) permaneceu sob controle da Eletrobrás, enquanto a Gerasul (geração) foi alienada a empresas privadas. A recém-criada empresa, atual Tractebel Energia, herdou as unidades geradoras existentes e deu continuidade aos projetos em andamento (Itá e Machadinho). A empresa também se interessou em investir na construção de uma usina em Mato Grosso do Sul (William Arjona) e outra em Goiás (Cana Brava), esta última fora dos limites imposto pelo mosaico das subsidiárias regionais vigente no modelo estatal. Interessante notar que o BNDES e a Eletrobrás, organizações estatais, "contribuíram decisivamente para a viabilização financeira" da UHE de Itá (CACHAPUZ, 2006, p. 599), quando um dos argumentos mais retumbantes em favor do modelo privado no campo da geração era, justamente, a escassez de recursos por parte do Estado para dar prosseguimento ao desenvolvimento do parque gerador do país. Esse aporte não constituiu, de maneira alguma, um caso isolado; pelo contrário, foram várias as iniciativas desta natureza, como por exemplo as UHEs de Dona Francisca, Serra da Mesa, Machadinho, Cana Brava, Lajeado, dentre outras64. Ao final do processo, a Tractebel já controlava 4.599 MW de potência, em 2000. A Cesp, ainda sob controle do estado de São Paulo, concluiu quatro hidrelétricas no rio Paranapanema, Rosana, Taquaruçu, Canoas I e II; as duas últimas com participação da 64 Dona Francisca foi construída com participação das estatais CEEE, Copel e Celesc, enquanto Serra da Mesa, Machadinho e Cana Brava, com financiamento do BNDES. Lajeado obteve apoio financeiro da Eletrobrás, que integralizou todas as ações preferenciais. 104 iniciativa privada (CBA); uma no rio Tietê, Três Irmãos, e outra no rio Paraná, Porto Primavera. No final da década de 90, a Cesp foi dividida em algumas empresas de maneira viabilizar a sua privatização. Assim, foram formadas a Cesp Paranapanema (atual Duke Energy) e a Cesp Tietê (atual AES Tietê). O que sobrou da estatal se transformou em uma empresa exclusivamente geradora e ainda manteve o controle de seis UHE, que totalizavam 6.800 MW em 2000. Desde então, a concessionária estadual não implementou nenhuma nova usina, assim como a Duke Energy e a AES Tietê. A partir de 1990, a Cemig concluiu as obras de oito hidrelétricas, dentre elas: Nova Ponte, Miranda; ambas no rio Araguari. A Cemig foi uma das empresas que mais constituiu parcerias público-privadas, por exemplo, para construir as usinas Igarapava, Capim Branco I e II, Aimorés, Funil e Porto Estrela, todas elas com participação da CVRD. A empresa também investiu em duas PCHs e comprou quatro UHE e uma UTE. A Copel logrou um avanço significativo ao longo dos anos 90, já que inaugurou duas usinas de grande capacidade geradora, Segredo e Salto Caxias, ambas no rio Iguaçu. Assim como outras companhias, a Copel também se associou a empresas privadas, em uma usina eólica, uma térmica e três hidrelétricas, a saber: Dona Francisca, Machadinho e Campos Novos. Já o governo de Goiás dividiu a Celg em duas e transferiu o controle de sua principal usina, Cachoeira Dourada, para a multinacional espanhola Endesa. Dentre os investimentos do capital privado destaca-se a participação da multinacional norte-americana AES, que investiu na construção da termelétrica de Uruguaiana, no estado gaúcho, assim como a Enron, também norte-americana, construtora de outra termelétrica, em Cuiabá. A Light, após a sua privatização, concluiu a UHE Santa Banca, na parte paulista do rio Paraíba do Sul. O consórcio Investico formado pelo grupo Rede, EDP (portuguesa), CEB e CMS Energy (estadunidense) construiu a UHE Lajeado (Luis Eduardo Guimarães), no rio Tocantins, com apoio financeiro da Eletrobrás. A Tabela 3.3. apresenta algumas mudanças em relação ao decênio anterior. A primeira é a queda na participação no somatório da capacidade das empresas controladas pelo Estado, sendo a Chesf a exceção. Consequentemente, a segunda é a emergência das empresas privadas dentre as principais geradoras do país, em particular a Tractebel, a AES e a Duke Energy. Ambas tendências terão prosseguimento nos anos seguintes, como será mostrado mais adiante. 105 Tabela 3.3. Capacidade instalada das maiores empresas geradoras, em 2000 Empresa Chesf Furnas Cesp Eletronorte Itaipu * Capacidade (MW) 10.704 9.133 6.722 6.363 6.300 Participação Nacional (%) 15,1 12,9 9,5 9,0 8,9 Empresa Cemig Tractebel Copel AES Duke Energy Capacidade (MW) 5.632 4.599 4.548 2.651 2.300 Participação Nacional (%) 7,9 6,5 6,4 3,7 3,2 Fonte: Eletrobrás/ Siese. In: Cachapuz (2006, p. 607) * somente a metade brasileira A distribuição dos investimentos em novos empreendimentos para geração no período 1990-2006 ainda esteve concentrada, como nos períodos anteriores, nas regiões Sul e Sudeste do país, como mostra a figura 3.1. É possível notar, todavia, que as novas unidades geradoras se encontram mais distribuídas, com importantes investimentos nos estados do Centro-Oeste e Norte. Esta nova geografia dos investimentos em geração decorre do deslocamento da fronteira elétrica em direção à Amazônia, que ainda se encontra em marcha, cujo foco atual são as bacias do Tocantins, Madeira, Xingu; e também ao Sul, na bacia do Alto Uruguai. Figura 3.1. Principais investimentos em geração de eletricidade (conclusão ou ampliação de unidades já existentes). 1990-2006. Elaborada por Aline Schindler Gomes da Costa com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006). 106 3.3. O papel do BNDES O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE65) foi fundado no início dos anos 50 no bojo de um projeto desenvolvimentista, que apostava na superação do subdesenvolvimento através da industrialização. Assim, a tarefa do banco seria a de financiar a infra-estrutura e a indústria de base e viabilizar a consolidação do projeto industrializante do Brasil. Entre os anos 1956 e 1961, a capacidade instalada brasileira se ampliou em 2.067 MW, em grande parte financiada pelo BNDE66, que proveu 46,3% dos recursos necessários para viabilização das usinas, num total de 141 operações de crédito para projetos do setor. Contudo, a reorientação do banco nas décadas de 80 e 90, o conduziu ao papel de protagonista no processo de privatização. O BNDES foi designado gestor do FND (Fundo Nacional de Desestatização), no qual foram depositadas as ações das empresas a serem privatizadas. Assim, o banco passou a gerenciar, acompanhar e realizar a venda das empresas incluídas no PND (GOMES et al, 2003). Como é possível verificar, o BNDES tem assumido um papel de destaque no que se refere ao financiamento de projetos no campo da energia elétrica. Desde as mudanças regulatórias no setor no final da década passada, tem se tornado bastante comum a participação do banco na expansão da capacidade instalada do país. Nem sempre foi assim, pois as restrições impostas pelo Banco Central ao crédito destinados às estatais, no período 1990-1994, restringiu a participação do banco (BNDES, 2001). A partir de 1995, a instituição retomou o apoio financeiro ao setor e, dentre os fatores que possibilitaram isso, destaca-se: (a) o fato das empresas deixarem de ser estatais, pois cessou o impedimento legal do financiamento do banco; (b) adoção da modalidade de financiamento project finance67, cujos consórcios formados a partir da combinação de capitais privados e públicos capta recurso para desenvolver o projeto; (c) emissão de debêntures68 no mercado de capitais de maneira a compor os recursos dos projetos (BNDES, 2001). 65 Em 1982, o BNDE muda de nome: BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimento econômico e Social. A ação financiadora do Banco no setor teve início com o apoio ao governo do Espírito Santo (janeiro de 1954) para o projeto da hidrelétrica de Rio Bonito, em Santa Leopoldina. O acordo entre o BNDES e o governo estadual estabelecia as bases para criar uma sociedade por ações que se destinaria a gerar e distribuir energia elétrica; essa empresa veio a surgir em setembro de 1956, com a constituição da Escelsa (GOMES et al, 2003). 67 O project finance é um mecanismo de estruturação das fontes de financiamento de um projeto em que os riscos de sua implantação e operação são diluídos entre todos os agentes envolvidos (stakeholders), em vez de serem concentrados nos investidores. É um mecanismo de estruturação de financiamento a um projeto legalmente independente dos investidores, na qual os financiadores assumem que o fluxo de caixa a ser gerado e os ativos do projeto são as fontes primárias de pagamento e garantia do financiamento. 68 São títulos de dívida de médio e longo prazo emitidos por empresas, que conferem ao detentor do título, o debenturista, um direito de crédito contra a emissora. Assim, o comprador de uma debênture é um credor da 66 107 Entre 1995 e 2000, o BNDES financiou a construção de hidrelétricas que expandiram a capacidade instalada do país em 6.027 MW, dentre os projetos financiados ressalta-se: Serra da Mesa, Itá, Machadinho e Lajeado. Esses projetos obtiveram uma participação do banco da ordem de R$ 1,90 bilhão (BNDES, 2001). Durante o contexto de crise energética em 1999, o governo elaborou o PPE (Programa de Apoio Financeiro a Investimentos Prioritários no Setor Elétrico), que estabeleceu uma lista de projetos prioritários, com linhas de créditos do BNDES diferenciadas e facilitadas, na sua maioria projetos de termelétricas (BNDES, 2001). O BNDES (2001) previa, até 2003, "a expansão dos sistemas interligados brasileiros, através de 21 projetos de hidroelétricas, em cerca de 7.803 MW, dos quais 53,3% estão sendo financiados pelo Banco, representando investimentos da ordem de R$ 10,7 bilhões". Um outro documento institucional atesta que o banco tem sido "o principal agente provedor de recursos de longo prazo para o equacionamento das fontes de recursos dos projetos". E destaca que no campo exclusivo da geração, a instituição "aprovou no período [2003-junho de 2008] 142 projetos, com um montante de financiamento no valor de R$ 21,3 bilhões (...), agregando ao sistema elétrico brasileiro 15.214 MW de potência instalada" (SIFFERT FILHO et al, 2008, p. 29). Dentre os projetos financiados no segmento da geração, destaca-se a preponderância assumida pelas hidrelétricas, mais de R$ 13 bilhões, conforme tabela abaixo. Também chama atenção o volume de recursos destinados aos investimentos de transmissão, quase R$ 6 bilhões, somando 9.800 km de linhas de transmissão, 10% da malha total existente no país. Tabela 3.4. Operações aprovadas pelo BNDES, entre 2003 e junho de 2008. Segmento Hidrelétricas Termelétricas PCH, Eólicas, Biomassa Geração Total Transmissão Distribuição Capacidade Financiamento Instalada ou Projetos BNDES Distância (R$ milhões) 11.130 MW 1.549 MW 2.535 MW 15.214 MW 9.846 km - 37 4 101 142 34 31 13.676 1.137 6.512 21.325 5.904 4.932 Financiamento BNDES/ investimento total 57,8% 35,2% 70,1% 58,9% 58,0% 58,0% Fonte: BNDES Setorial, n. 29, p. 3-36, mar. 2009 apud Siffert Filho et al (2008, p. 27). O documento destaca que a crescente participação do banco no setor elétrico foi possibilitada através da modalidade de financiamento project finance. No setor, a utilização empresa. 108 desta modelagem de financiamento teve impulso somente no final dos anos 1990, após as reformas institucionais do setor, as quais promoveram abertura à iniciativa privada. Inicialmente, o project finance foi utilizado para estruturar projetos do segmento de transmissão e, posteriormente, de geração. A Plataforma BNDES, um grupo de discussão sobre as ações do banco, que reúne movimentos sociais e ONGs, critica o project finance. Este grupo, em documento publicado em seu sítio eletrônico69, ao analisar o caso das usinas do rio Madeira, sustenta que nesta modelagem, não há garantias sobre a capacidade de pagamento do consórcio. Pois "o retorno do Banco passa a depender de uma receita que não se sabe ao certo se virá, o que termina por, na prática, blindar o cronograma do empreendimento, que passa a ser central na viabilização das garantias oferecidas". (...) Neste sentido, "mais do que uma espécie de 'sócio' majoritário dos projetos", o banco tem "se transformando em refém dessa modelagem de financiamento70". A atuação do BNDES no setor elétrico não se limita ao financiamento de projetos e concessão de crédito aos agentes. O banco também participa do capital acionário de diversas corporações por intermédio do BNDES Participações S.A. (BNDESPAR), subsidiária integral do banco, que segundo informa o sítio eletrônico71, atua através de "participações societárias de caráter minoritário e transitório, buscando oferecer apoio financeiro às empresas brasileiras sob a forma de capital de risco e, simultaneamente, estimular o fortalecimento e a modernização do mercado de valores mobiliários". A distribuição setorial da carteira de investimentos do BNDESPAR assinala que o segmento de energia elétrica representa 21,6% das ações, atrás somente do segmento de petróleo e gás. A subsidiária detém participações societárias em diversas companhias do setor: Brasiliana (AES) 53,8%, Copel 24%, Cesp 5,7%, CPFL 6,2%, Eletrobrás 11,8%, Light 33,6% e Rede 25,3%. As informações prestadas pelo banco dão conta que o mesmo registrou lucro líquido de R$ 5,3 bilhões em 2008, e a sua subsidiária, BNDESPAR, R$ 3,36 bilhões no mesmo ano. Documento publicado pela ANEEL 69 http://www.plataformabndes.org.br/index.php/pt/biblioteca/cat_view/53-biblioteca, acessado em julho de 2009. 70 Especificamente sobre as licitações do Madeira: "Isso é particularmente grave quando se observa que os titulares das concessões venceram as licitações ofertando surpreendentes preços baixos para as tarifas, evidenciando que a rentabilidade do projeto depende da antecipação da entrada em operação das usinas e da colocação de grandes blocos de energia no mercado livre, antes da contratação no mercado regulado. Assim, a antecipação da operação das usinas se tornou uma perigosa condição e pré-requisito para a definição da tarifa oferecida no mercado regulado. Perigosa, leia-se, para o estrito atendimento a todas as exigências legais que envolvem projetos dessa monta". 71 www.bndes.gov.br, acessado em junho de 2009. 109 (Participação dos agentes no mercado de geração de energia elétrica, 1º trimestre 2008)72 destaca que o BNDESPAR possui 8,7% de todo o mercado de geração no sistema nacional. 3.4. O novo arranjo espacial das concessionárias de distribuição de energia no contexto da privatização No que diz respeito à atuação das concessionárias distribuidoras, houve algumas transformações a partir do processo de privatização. A primeira grande mudança se deu no controle das empresas distribuidoras, já que a maior parte da distribuição de energia passou ao controle privado. Na figura 3.2 abaixo é possível perceber, em termo espaciais, que o Estado ainda detém uma atuação em expressiva parcela territorial, através do governo federal, por intermédio da Eletrobrás, e alguns governos estaduais. Contudo, quanto ao volume de eletricidade distribuída representa uma fração reduzida frente ao consumo total nacional, já que a maior parte destas empresas se localiza longe dos maiores mercados consumidores de energia. É o caso das concessionárias federais Ceam, Manaus Energia, Eletroacre, Ceron, Cepisa e Boa Vista Energia; e as estaduais CEA e CER. As distribuidoras que atuam na Amazônia atendem a muitos municípios isolados, não conectados ao sistema interligado nacional. Portanto, até então despertaram pouco ou nenhum interesse por parte dos agentes privados. Desta forma, a privatização das empresas do campo da distribuição se concentrou no centro-sul e no nordeste. Mesmo assim, alguns governos estaduais, mesmo os mais próximos dos principais centros, não embarcaram na ofensiva privatista das políticas liberais e mantiveram as suas distribuidoras sob o controle estadual, ainda que a maioria delas tenha aberto parte do seu capital para investidores privados. A pesquisa de Soares (2008), ao buscar compreender as singularidades dos sistemas isolados da Amazônia, defende que os mesmos acabam 'isolados' não só tecnicamente, mas também das políticas governamentais voltadas para o setor. Acrescenta ainda que as políticas energéticas do Estado não têm priorizado a eletrificação das residências, mas os grandes projetos de construção de grandes hidrelétricas. (Soares, 2008, p. 13). Em função desse duplo isolamento, se configuraram na Amazônia três sub-divisões: (1) os sistemas das capitais dos estados, abastecidos por geração hídrica e térmica; (2) as sedes dos municípios (não-capitais), providas por PCHs e pequenas termelétricas a diesel; e (3) os povoados atendidos por 72 http://www.aneel.gov.br/arquivos/PDF/ParticipacaoDistribuicao1trim2008-.pdf, acessado em maio de 2009. 110 soluções estritamente locais, como pequenos geradores a diesel e bateria de automóvel. (Soares, 2008, p. 19). A segunda mudança acerca das empresas distribuidoras no período pós-privatização se refere à área de concessão de cada uma das empresas distribuidoras. No período de hegemonia estatal, as empresas distribuidoras gozavam de um monopólio sobre os limites estaduais, na qual cada uma delas atuavam estritamente no interior de cada estado73. A partir do período de privatização, algumas empresas passam a dividir a concessão sobre a distribuição de alguns estados. Isso decorreu, principalmente, do modelo de privatização. No processo de licitação, alguns estados fragmentaram o seu território, de maneira a não entregar toda concessão do estado a um único grupo corporativo, por exemplo, Rio Grande do Sul e São Paulo. Também é possível perceber que algumas concessionárias ultrapassam os limites estaduais, passando a atuar em mais de um estado. Figura 3.2. Área de concessão aproximada das distribuidoras de eletricidade, por grupo empresarial controlador. 2006. Elaborada por Aline Schindler Gomes da Costa com colaboração do autor, baseada em Cachapuz (2006). 73 Exceções são os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, cujos consumidores eram atendidos por duas e três concessionárias, respectivamente, ao longo das décadas de 60/70/80. 111 A terceira mudança, e também a mais significativa no campo da distribuição, diz respeito à entrada de novos agentes após o processo de desestatização. Se no período de hegemonia estatal, os governos estaduais controlavam quase a totalidade das concessões de distribuição, o avanço da desestatização trouxe personagens novos para o setor elétrico. Chama a atenção na figura 3.2 a extensa área de concessão do grupo Rede, que atua em áreas de menor interesse de mercado (Pará, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Vale do Paranapanema (SP), nas proximidades de Caiuá (SP), Catanduva (SP), Bragança Paulista (SP/ MG) e parte de Guarapuava (PR)). As informações prestadas no sítio eletrônico do grupo74 dão conta que esta corporação atende a 34% do território nacional, 574 municípios (cerca de 10,3% do total), 16 milhões de habitantes (8,7% do país) e comercializam 15.995 GWh/ano (cerca de 4% do consumo brasileiro). Por estes dados, é possível notar que parece ser uma estratégia da corporação se especializar em localidades de baixo consumo per capita. O capital aberto da holding Rede Energia é controlada pela EEVP (Empresa de Eletricidade do Vale do Paranapanema) 55% e pelo BNDESPAR 25,3%. Até a década de 80, a empresa não era expressiva no mercado nacional, de atuação local no interior paulista. Foram os leilões da privatização que possibilitaram o avanço da corporação quando esta arrematou as concessões do Tocantins (ainda em 1989), Mato Grosso (1997) e Pará (1998). Em seguida, trocou a UHE de Lajeado pela totalidade das ações da concessionária sul-matogrossense, antes sob controle da portuguesa EDP. Um segundo importante grupo é o Neoenergia, constituído em 1997 pela Iberdrola75 (39%), pelo fundo de pensão brasileiro Previ e o banco BB Investimento, que juntos detêm as demais ações. A corporação concentra seus investimentos em distribuição no Nordeste, através das concessões na Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco. A história da Neoenergia é bem recente, começa em 1997 com a aquisição da Coelba (maior distribuidora do nordeste) e da Cosern; e em 2000, adquire a Celpe. Assim, a corporação se tornou a maior empresa de distribuição do nordeste, tendo distribuído mais de 21 mil GWh em 2006, o que corresponde cerca de 8,6% do total nacional. Há ainda alguns grupos que não possuem grandes domínios territoriais no campo da distribuição, mas no que se refere ao volume de eletricidade distribuído, são as principais concessionárias, a AES e a CPFL. A AES Corporation é uma multinacional da área de 74 <http://www.gruporede.com.br/>, acesso em junho de 2009. A Iberdrola é uma das maiores multinacionais atuantes no campo do gás natural e eletricidade, possui investimentos em países latino-americanos (México, Guatemala, Bolívia, Chile, etc), mas como os próprios ressaltam não são os investimentos "mais especiais", pois a corporação "ya está presente en más de 40 países y, en especial, en aquellos más desarrollados y cuyos mercados están más liberalizados, como España, Reino Unido o Estados Unidos". Disponível em: http://www.iberdrola.es, acessado em maio de 2009. 75 112 geração e distribuição de energia, de origem estadunidense, e atuação em quatro continentes e mais de 30 países76. No Brasil, os investimentos em distribuição se resumem em apenas duas áreas: região metropolitana de São Paulo (AES Eletropaulo) e centro/ oeste gaúcho (AES Sul). Todavia, somente a concessionária da metrópole paulista atende a 12,6% do mercado nacional. Se somado à concessão gaúcha, a AES dispõe no Brasil de 15,3% (dados de 2006). A multinacional entra no mercado brasileiro em 1998 através dos leilões de privatização. Em razão do acúmulo de dívidas com o BNDES, foi constituída uma nova empresa, Brasiliana Energia, que passou a ter o seu capital acionário compartilhado entre a AES Corporation (50,01%) e o banco (49,99%). A CPFL é umas maiores empresas de distribuição de energia elétrica (13,3% de market share, para utilizar o léxico do mundo corporativo) e, também, umas das mais antigas. Entre 1927 e 1964, esteve sob o controle da empresa Amforp, quando passou ao controle da Eletrobrás. No auge do processo de estatização foi incorporada ao governo estadual através da Cesp. Na década de 90, foi vendida ao consórcio formado pela Votorantim, Camargo Correa e Bradesco (VBC). Recentemente, a Camargo Correa passou a controlar integralmente a VBC e, hoje, compartilha com o fundo de pensão Previ, Bonaire (conglomerado de fundos de pensão, dentre eles da Cesp, da Sabesp e da Petros) e o BNDESPAR, o controle acionário da CPFL. Assim, como a AES, a CPFL também concentra as suas atenções no campo da distribuição nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. É possível notar através da tabela 3.5. abaixo que apesar do rápido processo de desestatização da década de 1990, os governos estaduais ainda possuem o controle de fração expressiva do domínio territorial e também do volume de eletricidade consumida no país. A tabela, elaborada com os dados da Abradee (Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica), permite perceber que as concessionárias estaduais77 distribuíram 68 mil GWh no ano de 2006, cerca de 27,3% do total nacional. Se acrescenta-se as subsidiárias federais a proporção chega a 30,8%. Esse dado sugere que ainda há um terreno significativo para o avanço da privatização, ainda que parte deste terreno não seja tão atrativa ao capital privado. No entanto, ao observar mais de perto, nota-se que os governos estaduais não controlam a totalidade de suas companhias, já que alienaram ao capital privado parte de suas 76 A exceção entre os continentes é a Oceania. A AES possui negócios em: EUA, México, Bulgária, República Tcheca, França, Hungria, Países Baixos, Espanha, Turquia, Ucrânia, Reino Unido, Cazaquistão, Camarões, Nigéria, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, República Dominicana, El Salvador, Panamá, China, Índia, Filipinas, Sri Lanka, Jordânia, Omã, Paquistão e Qatar. Disponível em: www.aes.com, acessado em maio de 2009. 77 Não estão contabilizados as informações referentes às concessionárias estaduais do Amapá (CEA) e de Roraima (CER), já que as mesmas não são associadas à Abradee. 113 ações. É o caso do governo de Minas Gerais que detém 51% das ações ordinárias e 23% das ações totais da Cemig, do governo do Paraná (58,6% das ações ordinárias e 31,1% das ações totais da Copel), do governo de Santa Catarina (50,18% das ordinárias e 20,2% das totais da Celesc), do governo de São Paulo (94% das ordinárias e 36% das totais da Cesp). Tabela 3.5. Distribuição de energia elétrica por concessionária e por grupo controlador, 2006. Grupo Concessionária Consumo Controlador GWh AES Eletropaulo 31.677 AES - Sul 6.905 CPFL 18.294 CPFL Piratininga 7.743 RGE 6.319 CPEE 274 Coelba 10.614 Neoenergia Celpe 7.850 Cosern 3.216 Estado MG Cemig 20.134 RME Light 18.381 Estado PR Copel 17.479 Celpa 4.739 Cemat 3.982 Enersul 2.723 Celtins 964 Rede Caiuá 891 Paranapanema 642 Bragantina 569 Nacional 424 CFLO 222 Endesa Ampla 7.051 Coelce 6.206 Estado SC Celesc 12.745 EDP Bandeirante 7.865 Escelsa 4.287 Grupo Concessionária Consumo Controlador GWh Manaus 3.421 Ceal 2.049 Cepisa 1.607 Eletrobrás 32.630 Ceron 1.532 Ceam 498 Eletroacre 493 Boa Vista 339 21.680 Enron Elektro 9.563 Estado GO Celg 7.173 20.134 Estado RS CEEE 6.287 18.381 Energisa PB 2.275 17.479 Energipe 1.640 Energisa Borborema 509 Energisa MG 948 CENF 275 Dist. Federal CEB 3.991 15.156 Equatorial Cemar 2.916 Municipal P. Caldas 342 Santa Maria 301 Sulgipe 213 Iguaçu 166 13.257 Chesp 72 Panambi 68 12.745 Estado RR CER 12.152 Estado AP CEA Outras 3.108 Total Brasil 251.983 Fonte: Abradee (http://www.abradee.org.br/dados_mercado.asp) Total GWh 38.582 Total GWh 9.939 9.563 7.173 6.287 5.647 3.991 2.916 342 301 213 166 72 68 Curioso é o caso da distribuidora da capital fluminense. A Light entra no Brasil no princípio do século XX como uma empresa canadense. Dentre as idas e vindas, muda de mão algumas vezes ao longo desses cem anos (privado-estatal-privado). No arroubo da privatização foi comprada por uma estatal francesa (EDF - Eletricitè de France). Dez anos depois a EDF a revende para o consórcio RME (Rio Minas Energia), detentora de 52,2% das ações da Light, composto pelas empresas Pactual Energia, Luce (fundo de investimentos), Andrade Gutierrez e a estatal Cemig (um quarto cada). Além disso, a empresa BNDESPAR, 114 controlada por um banco estatal, detém 33,7% da Light. Portanto, a Light seria uma empresa estatal ou privada? Quando se compara o perfil das empresas é possível perceber a diferença de atuação corporativa (tabela 3.6., abaixo). Os dados colhidos demonstram dois padrões de atuação distintos: (1) o primeiro padrão é marcado por atender em áreas muito amplas e também a um número de municípios maior. Entretanto, apresentam um volume de distribuição baixo, se comparados com o segundo padrão. Consequentemente, as empresas deste padrão atuam em regiões de menor densidade demográfica, com índices de consumo de eletricidade per capita mais baixo. Além disso, também possuem índices de distribuição por cliente (unidade industrial, comercial, residencial, etc) mais reduzidos. (2) Por outro lado, no segundo padrão, as empresas concentram as suas ações em regiões de consumo mais intensivo de energia (sudeste e sul). A despeito da reduzida área de concessão, se comparadas com o padrão anterior, controlam a distribuição em áreas que apresentam índices de GWh por habitante, por cliente e por área mais favoráveis. O quadro a seguir destaca as características de cada um dos padrões. Padrão 1 Padrão 2 Distribuição/ área Consumo/ capita (GWh/ km²) x 100 (GWh/ milhões habitantes) inferior a 10 inferior a 1200 superior a 15 superior a 1800 Consumo/ cliente (GWh/ milhões clientes) inferior a 4000 superior a 4500 Tabela 3.6. Principais empresas distribuidoras de energia, segundo área de concessão, população e distribuição de eletricidade. (1) Área (km²) (2) Municípios (3) Habitantes (milhões) (4) Clientes (milhões) (5) Distribuição (GWh) (5) / (1) x100 (5) / (3) (5) / (4) Padrão 1 Padrão 2 Rede Neoenergia Cemig Endesa Copel AES CPFL Light 2.895.058 718.801 567.478 180.609 194.854 104.038 199.792 10.970 574 767 774 250 393 142 568 31 16 25 18,5 15,4 10 20,5 18 10 4,2 8,4 6 4,7 3,5 6,9 6,3 3,8 15.995 21.680 20.134 13.257 17.479 38.582 32.630 18.381 0,6 999 3.808 3 833 2.581 3,5 1.088 3.356 7 861 2.821 9 1.748 4.994 37 1.882 5.567 16 1.812 5.179 168 1.838 4.837 Fonte: Abradee e sítios eletrônicos das empresas. * Os dados da Cemig não contabilizam a sua participação na Light. As corporações Rede, Neoenergia e Cemig possuem um padrão de atuação que as coloca dentro do que foi chamado de padrão 1. Todas as três atendem a áreas extensas, porém 115 de baixa densidade demográfica e, portanto pouco intensivas no consumo por área, por habitantes e por clientes. O caso da Endesa é particular, pois a corporação possui duas concessões em áreas bem distintas, parte do Rio de Janeiro (Ampla) e no Ceará (Coelce), no entanto, no cômputo geral, a empresa se aproxima do padrão 1. Já as empresas AES, CPFL e Light, possuem um perfil característico do padrão 2, com área de concessão de alta densidade demográfica, e índices mais favoráveis quanto ao consumo por área, por habitantes e clientes. A Copel possui um caráter intermediário entre os dois padrões. Essas informações implicam na estratégia espacial das empresas, pois influenciam na sua rentabilidade e lucratividade. O arranjo espacial das empresas de distribuição obedece a lógica dessas estratégias empresariais. Os dados sugerem que as empresas tendem a se especializar em regiões mais ou menos densas do ponto de vista do consumo de eletricidade. O grupo Rede, por exemplo, ao trocar a sua participação na usina de Lajeado pela concessão no Mato Grosso do Sul, buscou se consolidar enquanto uma corporação que atua no CentroOeste e no Norte do país. Por outro lado, empresas como a AES e a CPFL procuram atuar próximo aos grandes centros urbanos. 3.5. O mapa das empresas de geração de eletricidade no pós-privatização As transformações no mapa dos agentes de geração de eletricidade não foram tão significativas quanto no segmento da distribuição, muito em função das características da indústria de energia elétrica, já que o retorno dos investimentos realizados em geração é mais lento do que na distribuição, que por esta razão despertou um interesse menor do capital privado. E também pela trajetória escolhida pelo setor elétrico brasileiro, na ocasião do processo de privatização, quando foi priorizada a venda das concessionárias de distribuição. No primeiro capítulo foi apresentado o conceito de "fronteira elétrica", cunhado por Castro (1985). O autor, ao pesquisar a transição do modelo oligopolista, em vigência no início do século passado, para o modelo estatal, a partir da década de 50, percebeu que os novos investimentos tendiam a se localizar em pontos cada vez mais distantes dos principais centros urbanos. Analisar a fronteira elétrica para os dias de hoje significa, como nos mostra a figura abaixo elaborada pela Aneel, que o foco de concentração de concentração das usinas deslocou do sudeste brasileiro, na década de 1950, para o Brasil central. A implementação da interligação do sistema elétrico para quase todos os pontos do país desobrigou a necessidade de localização das novas usinas no sudeste, já em boa parte com potenciais aproveitados, e permitiu que o avanço da fronteira elétrica se mantivesse durante todo o século. 116 Figura 3.3. Evolução da concentração das usinas hidrelétricas. 1950 e 2000 Fonte: ANEEL. Atlas de energia elétrica do Brasil, 2005, p. 58 Atualmente, a fronteira elétrica do país é a região amazônica, palco de maior parte das atenções do setor. Segundo os dados apresentados pelo Atlas da Aneel (2005, p. 45, 52 e 56), dentre as oito grandes bacias hidrográficas brasileiras78, a bacia do Amazonas possui 78,8% do potencial hidrelétrico estimado do país, nove vezes maior do que o estimado para a bacia do Paraná. Entretanto, a maior parte da capacidade instalada brasileira está concentrada nas bacias do Sul/ Sudeste e do São Francisco, que somadas alcançam mais de 75%. Os dados do Atlas reafirmam que a fronteira elétrica avança para o norte, pois a bacia do Amazonas conta com apenas 1,6% de índice de aproveitamento sobre o potencial inventariado, enquanto as bacias do Paraná e do São Francisco atingem 73% e 42%, respectivamente. Recentemente, os empreendimentos que mais despertam a atenção do setor são aqueles localizados nas bacias do Tocantins, do Madeira e do Xingu. No que diz respeito à área de atuação das concessionárias geradoras, parece que as transformações recentes no setor e o contínuo avanço do capital privado (ainda) não foram o suficiente para romper com a inércia de várias companhias. Algumas delas ainda restringem a atuação delas às áreas de concessão definidas do período de hegemonia estatal. Isso se deve à própria característica da indústria de geração de eletricidade no Brasil - a necessidade de grandes investimentos e a dependência de potenciais hidráulicos - que tornam mais lentas as mudanças. Apesar do processo de privatização, cinco das dez maiores geradoras continuam sendo as concessionárias controladas pelo governo federal e três por governos estaduais. No entanto, é possível perceber que essa participação no mercado de geração é declinante. As três 78 As oito bacias são: Amazonas, Tocantins, Atlântico Norte/ Nordeste, São Francisco, Atlântico Leste, Paraná, Uruguai e Atlântico Sudeste. Os dados são de março de 2003. 117 maiores subsidiárias federais, controlavam 40% capacidade de geração elétrica em 1990, passaram a 37% em 2000, e atualmente chegam a 28%. O mesmo acontece com as três maiores concessionárias controladas por governos estaduais, a capacidade foi de 30% em 1990, 24% em 2000 e hoje é de 18%. A maior empresa geradora de eletricidade continua sendo uma empresa controlada pelo governo federal, a Chesf. A concessionária foi a primeira empresa e única empresa a ultrapassar a marca dos 10 mil MW. Dados atuais da ANEEL indicam que a concessionária possui 10,2% da capacidade do país. As mudanças regulamentares dos últimos anos acabaram com a exclusividade territorial por parte das concessionárias setoriais que marcou o modelo estatal, no entanto, parece que essas mudanças ainda não afetaram a atuação da companhia, já que todos os seus 15 empreendimentos em operação estão localizados no nordeste, notadamente na bacia do São Francisco. A empresa ensaiou uma iniciativa frustrada de ultrapassar as fronteiras nordestinas, pois participou do processo de licitação da UHE Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, vencida pelo consórcio constituído por Furnas, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Cemig. Já no segundo leilão do Madeira, para a exploração da UHE Jirau, a Chesf saiu vitoriosa ao integrar o consórcio composto por Suez, Camargo Correa e Eletrosul. Assim como na Chesf, quase todas usinas em operação de Furnas também estão restritas à área delimitada nas décadas anteriores, divididas sobretudo entre os estados de Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. No entanto, ao observar os projetos de geração em andamento da empresa, é possível notar que alguns deles escapam da "área tradicional", como por exemplo, as UHEs: Foz do Chapecó, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina; Santo Antônio, na Amazônia; e Peixe Angical (detém apenas 40%, parceria com a EDP), no Tocantins. Atualmente, a Aneel aponta que 9,2% da potência instalada pertence a Furnas. O que diferencia a Eletronorte das concessionárias anteriores é que esta não possui nenhum projeto em andamento, talvez em razão dos problemas financeiros que atingem a companhia nos últimos anos79. No entanto, assim como as concessionárias anteriores, a empresa também possui o seu parque gerador (8,9% do total nacional) concentrado no seu "território de origem", a maior parte da região Norte. A Petrobrás é a empresa que possui o perfil mais diversificado em termos de localização das suas unidades geradoras, são algumas PCHs, eólicas e termelétricas, nenhuma 79 Os últimos anos registraram significativos prejuízos. Por causa destes problemas financeiros, a Eletronorte se retirou do leilão da usina de Santo Antônio. 118 hidrelétrica, localizadas em todas as regiões do país. O seu parque gerador termelétrico é composto por 17 usinas, segundo o Relatório Anual de 200880, com capacidade de 5.443 MW, cerca de 5% de participação no mercado brasileiro. Entretanto, quando considera-se apenas a capacidade termelétrica nacional, a Petrobrás obtém uma participação que ultrapassa os 20%. A quinta maior companhia geradora é um caso particular, a Binacional Itaipu, possui apenas uma usina com capacidade instalada de 14 mil MW. No entanto, apenas é contabilizada a metade brasileira. A companhia controlada pelo governo do Estado de São Paulo, a Cesp já possuiu, no final do modelo estatal, o maior parque gerador nacional, superior a 17% da capacidade nacional. Hoje, sua capacidade corresponde a 7,1% do país. Como já foi tratado anteriormente, a empresa foi dividida em três, e duas delas foram privatizadas. O que permaneceu sob controle estadual, no dias de hoje, opera seis hidrelétricas, sendo três na divisa dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul (rio Paraná), duas no rio Paraíba do Sul e outra no rio Tietê. Isto é, a empresa ainda não opera usinas fora de sua concessão territorial no período do modelo estatal. A composição acionária atual da empresa é: estado de São Paulo 36%, Banco Credit Suisse 5,5%, BNDESPAR 5,7%, Deutsche Bank 5%, Santander 4,4%. A Cemig ainda detém expressiva parcela da capacidade geradora, porém, desde 1990 vê a sua participação declinar. A capacidade da concessionária se situa por volta de 6.800 MW, cerca de 6,3% de participação nacional, inferior aos 9,0% da década de 1990. As ações da Cemig são controladas pelo estado de Minas Gerais (23% ações totais, 51% ações ordinárias) e por investidores privados. Como herança do modelo estatal, as mais de 50 usinas do parque gerador da Cemig estão concentradas no seu estado de origem e nas divisas com demais unidades da federação. Todavia, segundo a própria, "a empresa vai continuar a expandir seus negócios em geração dentro e fora do território mineiro81", pois a concessionária investe em PCHs em Santa Catarina e no Espírito Santo, além de ter adquirido parte da Light (Rio de Janeiro). A Cemig também participa do consórcio (apenas 10%) que venceu o leilão no rio Madeira, em Rondônia. Todo parque gerador da Copel está localizado no Paraná e as suas 18 usinas possuem potência de 4.545 MW, o que corresponde a 4,4% da capacidade de geração do país. Assim como as demais companhias controladas por governos estaduais, a participação da empresa no 80 http://www2.petrobras.com.br/ri/port/ConhecaPetrobras/RelatorioAnual/pdf/RelatorioAnual_2008.pdf. Acesso em: maio de 2009 81 http://www.cemig.com.br/. Acesso em: junho de 2009. 119 mercado nacional é declinante. Ao contrário das demais estaduais, a Copel não parece interessada em expandir a sua área de atuação para além dos limites estaduais. A companhia é uma empresa de economia mista, na qual 31% das ações são controladas pelo governo paranaense, 24% pelo BNDESPAR, e as demais distribuídas entre diversos acionistas. A Tractebel, maior empresa não controlada pelo Estado, a pertence à multinacional franco-belga GDF Suez. A Tractebel teve origem em 1986 com a fusão de duas empresas belgas. Dois anos depois a francesa Suez adquire parte do controle da corporação belga, e em 2003, obtém o controle majoritário. Recentemente, a corporação do segmento de gás GDF (controlada pelo governo francês) se funde com o grupo Suez-Tractebel, constituindo grupo corporativo GDF Suez, com mais de um terço das ações controlado pelo governo francês. O conglomerado formado se tornou uma das maiores corporações mundiais nos ramos de eletricidade, gás natural e água82. No Brasil, a corporação entra no mercado de eletricidade ao comprar a Gerasul (ex-estatal subsidiária da Eletrobrás) e herda as suas hidrelétricas e termelétricas (em 1998 com 3.719 MW). Após a aquisição, a corporação passa a investir em localidades diversas: as UHEs Cana Brava (GO), São Salvador (TO), Estreito83 (TO/ MA), as três no rio Tocantins; Machadinho (RS/ SC), Itá (RS/ SC), ambas na bacia do Uruguai; Ponte de Pedra (MS/ MT), UTE William Arjona (MS); duas pequenas usinas eólicas (CE e PI); duas PCHs (MT). Em linhas gerais, as hidrelétricas novas se encontram localizadas na área de concessão da antiga Eletrosul (região Sul mais Mato Grosso do Sul), assim como os investimentos em termelétricas. Contudo, chama a atenção a estratégia espacial da corporação em investimento concentrados na bacia do rio Tocantins, três usinas que totalizam 1.780 MW, estabelecendo uma disputa com Furnas pelo controle dos recursos hidráulicos do Tocantins84. Segundo as informações da própria companhia, as usinas da Tractebel somam 6.432 MW de capacidade, ou 6,2% do total brasileiro. A multinacional GDF/ Suez controla 69% das ações da companhia, mas também há participações do BNDESPAR (2%) e da União Federal (2%). A segunda maior empresa privada no campo da geração, a multinacional estadunidense AES, controla quatro empresas: AES Tietê, AES Uruguaiana, AES Rio PCH e AES Rio Minas. As duas últimas atuam exclusivamente com PCHs, no Rio de Janeiro e em 82 Segundo o sítio eletrônico da companhia (http://www.gdfsuez.com), a multinacional é a quinta maior geradora de eletricidade na Europa, possui capacidade instalada mundial de 68 GW e as suas receitas contabilizaram 83 bilhões de Euro em 2008. 83 A UHE Estreito está em construção em parceria com a CVRD, Camargo Correa e Alcoa (alumínio). A Tractebel é a principal acionista e detém 40% das ações. 84 Furnas dispõe de duas UHEs (Peixe Angical e Serra Mesa) no mesmo rio, que somam 1.727 MW de potência. Há ainda estudos de viabilidade para outras três UHEs: Ipueiras, Serra Quebrada e Tupiratins. Porém, não há previsão de abertura de processo de concessão. 120 Minas Gerais, contam com 9 usinas e 57 MW de potência total. A AES Uruguaiana possui apenas uma térmica a gás natural, localizada na fronteira com a Argentina. A AES Tietê, principal empresa do grupo, possui 10 hidrelétricas, todas localizadas no estado de São Paulo, nas bacias do rio Tietê, rio Grande e rio Pardo. A empresa possui a maior parte da capacidade instalada do rio Tietê. As quatro empresas do grupo totalizam 3.290 MW, ou seja, uma participação no mercado de geração de 3,2%. A multinacional não possui o controle total das subsidiárias do Tietê e Uruguaiana, já que compartilha com o BNDESPAR as ações da companhia. Este foi o resultado de acordo em razão de dívidas da AES contraídas com o BNDES. A multinacional norte-americana Duke Energy entrou no mercado brasileiro ao adquirir a Cesp Paranapanema e se tornou o terceiro maior grupo privado no segmento de geração. A corporação, segundo o seu próprio sítio eletrônico85, atua em cinco estados dos EUA, além do Peru, Equador, El Salvador, Argentina e Guatemala. Sua capacidade instalada no Brasil é de 2.299 MW (2,2% do país) e todas as suas oito hidrelétricas estão situadas no rio Paranapanema, o que faz da corporação detentora de cerca de 90% dos recursos hidrelétricos instalados do rio Paranapanema86. Também chama a atenção a participação das empresas do grupo Votorantim, segundo o relatório anual da empresa de 2007, a multinacional de origem brasileira alcançou uma capacidade instalada de 2.020 MW (quase 2% do total nacional), com participações em 31 UHE e 4 UTE. A Votorantim, por intermédio de seu braço no ramo da indústria do alumínio, a CBA, possui participações expressivas em usinas de grande porte, por exemplo, 50% da UHE Machadinho, 25% UHE Campos Novos e 15% de Barra Grande. Outra empresa de significante participação na geração de eletricidade é a Camargo Correa, principal acionista da CPFL (25%). A CPFL chegou no final de 2008, segundo o relatório anual da Camargo Correa87, com uma potência instalada de 1.704 MW, por conta de 33 PCHs em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e participações em 8 UHEs em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e Tocantins. Por sua vez, as empresas do grupo Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD e Valesul) possuem cerca de 800 MW de capacidade. Outras importantes empresas geradoras são: a Eletronuclear, pertencente ao grupo Eletrobrás, que opera duas usinas nucleares com capacidade total de 2.007 MW; a CEEE, 85 http://www.duke-energy.com/investors/default.asp. Acesso: em junho de 2009. A multinacional obteve, em 2008, receita anual superior a 10 bilhões de dólares. 86 As empresas do grupo Votorantim possuem os demais 10%. 87 http://www.camargocorrea.com.br/rao2008/. Acesso em: junho de 2009. 121 dirigida pelo governo gaúcho, detém 15 usinas e possui participações em outras três, todas no Rio Grande do Sul, e apresenta potência de aproximadamente 1.000 MW. A figura abaixo localiza as usinas (com potência maior que 30 MW) das maiores empresas geradoras (juntas dispõem de 62% da capacidade instalada nacional). Desta maneira, é possível observar que, apesar de não existir mais as regulamentações que atribuíam uma exclusividade territorial às concessionárias, as principais geradoras ainda se encontram concentradas no seu "território de origem". Assim, a Chesf possui seus investimentos em geração no nordeste; a Eletronorte, na Amazônia; as estaduais Cemig, Copel, CEEE, nos seus estados de origem, etc. A Tractebel, compradora dos ativos de geração da Eletrosul, ainda possui a maior parte das suas usinas no sul, porém construiu duas usinas no rio Tocantins e em breve concluirá a terceira, o que pode indicar uma estratégia espacial da corporação de concentração dos investimentos em bacias. Figura 3.4. Distribuição espacial das usinas (potência maior que 30 MW) das empresas geradoras de eletricidade de maior capacidade instalada. Fonte: Aneel. Elaboração do autor. Quando se observam os projetos dos próximos anos das empresas, parece que há uma tendência de superar a lógica espacial vigente no modelo estatal. Já foi citado o caso dos 122 leilões do rio Madeira, em Rondônia. Dentre as diversas empresas que compõem o consórcio, encontram-se a Cemig e Furnas, concessionárias que segundo a lógica do modelo estatal, não poderiam construir usinas no Tocantins. O mesmo acontece com o projeto de Jirau, consórcio formado pelas empresas Tractebel, Eletrosul e Chesf. A Eletrosul é um caso particular. Constituída no bojo do processo de estatização do setor elétrico, acabou por ser privatizada quando o avanço da privatização atingiu as empresas geradoras. A Eletrosul viu os seus ativos serem divididos em geração e transmissão, na qual a fração que permaneceu subsidiária da Eletrobrás se tornou apenas uma concessionária de transmissão. Recentemente, a empresa passou a investir em geração, em breve concluirá três unidades, além da já citada participação em Jirau. 123 CAPÍTULO 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Cabe a esta última parte do trabalho, uma reflexão sobre as recentes transformações no SEB, em particular, na sua dimensão espacial e uma indagação se as mesmas implicaram na constituição de um novo padrão para o setor. No decorrer da pesquisa, escolhas foram feitas e, portanto, também compete às considerações finais uma apresentação acerca dos elementos que ficaram de fora desta dissertação, alguns tão importantes quanto os que entraram para se pensar sobre a geografia do setor elétrico. Antes, entretanto, a apresentação de uma síntese geral do que foi estudado servirá para introduzir este segmento final. Síntese conclusiva As mudanças recentes apontam para um novo modelo de estruturação e expansão do setor elétrico brasileiro. Como foi visto no primeiro capítulo, até meados da década de 1940, a responsabilidade pela expansão do setor recaía sobre as duas maiores companhias estrangeiras em operação no país. O oligopólio controlava quase a totalidade dos investimentos em geração e distribuição. Como os investimentos estiveram orientados pela a lógica do retorno rápido, grande parte da implementação de novas unidades de geração esteve localizada nas bacias hidrográficas próximas às regiões mais urbanizadas e industrializadas. As localidades distantes dos principais centros urbanos se caracterizavam por soluções locais, prefeituras de municípios pouco populosos enfrentavam a questão da energia através de geradores próprios. Algumas vezes, o fornecimento de eletricidade dessas localidades era suprido por pequenas empresas locais, algumas delas municipais. As capitais dos estados eram atendidas, normalmente, por empresas de pequeno a médio porte, como por exemplo, as subsidiárias locais da Amforp que atendiam às capitais nordestinas. Neste período, foram poucas as interligações entre sistemas relativamente distantes efetuadas. A participação do Estado, ainda enraizado nas oligarquias regionais, foi bem incipiente e se resumiu a implementação do Código de Águas e a criação de alguns organismos governamentais. A partir daí, há um período de transição, entre a década de 1950 e 60, na qual o peso das companhias estrangeiras passa a ser substituído pelas concessionárias públicas. Os primeiros movimentos neste sentido são realizados pelas empresas estaduais, principalmente em Minas Gerais, São Paulo e Paraná, e também pela Chesf, de atuação em escala regional. O 124 sucesso empresarial e o crescimento expressivo da Cemig e da Chesf as tornaram modelos para as demais. Um exemplo deste processo de estatização foi a elaboração do Plano Nacional de Eletrificação, o primeiro em escala suprarregional para o setor. Assim, a partir da segunda metade da década de 60, se consolida o modelo estatal, sob a liderança da Eletrobrás e de suas subsidiárias. A concepção estatizante fez com que as subsidiárias regionais passassem a atuar em áreas de concessão exclusivas nos segmentos de geração e transmissão. Às concessionárias estaduais coube, sobretudo, o segmento de distribuição. Assim, configurou-se um mosaico de empresas estaduais, em um primeiro nível, e de empresas regionais, em um segundo, "encaixadas" e limitadas às divisões estaduais. Foi justamente neste período que se apresentaram os maiores crescimentos percentuais da capacidade instalada e as também as interligações do sistema elétrico mais significativas, todas elas pesquisadas, planejadas, financiadas e operadas pelos órgãos governamentais. Do ponto de vista de sua distribuição espacial, os projetos hidrelétricos foram construídos em pontos do território cada vez mais distante dos grandes centros urbanos, promovendo uma reconcentração do parque gerador do país. Este modelo estatal persistiu até os primeiros anos da década de 90. A crise no setor elétrico durante a década de 80, assim como em toda a economia de maneira geral, e o avanço do projeto neoliberal induzem a uma série de transformações no país. No setor elétrico, se inicia o período de privatizações, especialmente das concessionárias estaduais, e algumas mudanças no arcabouço jurídico-institucional que conduzem o setor para a transição voltada para a construção de um modelo de mercado, baseada na concorrência entre os agentes, na busca de taxas de lucratividade crescentes, e na satisfação financeira dos investidores privados e de seus acionistas. Além da inclusão das empresas do SEB no PND, essas mudanças incluíram a criação: de uma agência reguladora (ANEEL), de um mercado para negociação de energia elétrica (MAE, depois CCEE) e um administrador do sistema interligado (ONS). As mudanças instituídas durante o governo Cardoso não surtiram os efeitos desejados, a expansão do setor acaba por se tornar insuficiente para dar conta da demanda, as corporações acumulam baixa lucratividade ou mesmo prejuízo, e começam a se esboçar os primeiros sinais de déficit de eletricidade, cujo ápice foi o episódio do "apagão" em 2001. Os ajustes promovidos no governo Lula não romperam com a lógica do modelo de mercado. Pelo contrário, as mudanças apontam para o seu aperfeiçoamento, já que na sua administração tornou-se mais comum a implementação de projetos de geração baseada na "parceria públicoprivada". 125 O que ficou de fora desta pesquisa Em primeiro lugar, mereceria mais destaque a participação no SEB das PCH (pequenas centrais hidrelétricas) e CGH (central geradora hidrelétrica)88. Segundo dados da ANEEL89, as PCHs e CGHs somam 30,7% do número de empreendimentos em operação no país, no entanto, as mesmas representam menos de 3,0% da capacidade instalada. A tendência é de crescimento desta participação nos próximos anos, já que as PCHs e CGHs outorgadas ou em construção respondem por 49,2% do número de empreendimentos, que por sua vez, correspondem a 17,8% do somatório da potência. Quando se observa o mapa de distribuição das PCHs no território, é possível perceber que obedecem a uma lógica que, em alguma medida, se aproxima da distribuição espacial das UHEs, porém uma análise mais pormenorizada seria necessária para compreender as questões singulares das PCHs. Por exemplo, uma pesquisa sobre o perfil das empresas que investem nesta modalidade de geração de eletricidade. Por ser um investimento que requer uso menor de recursos, força-detrabalho e capitais, e também uma legislação ambiental mais flexível, talvez se possa arriscar um palpite de que as empresas que investem nesta modalidade de geração de eletricidade estejam mais pulverizadas do que no caso das UHEs, isto é, deve haver uma variedade maior de concessionárias operadoras de PCHs. Figura 4.1. Localização das PCHs e das UHEs. Fonte: SIGEL/ ANEEL - <http://sigel.aneel.gov.br/brasil/viewer.htm>, acesso em julho de 2009. * Inclui as usinas construídas, em construção e outorgadas. 88 PCH são usinas hidrelétricas de potência entre 1 e 30 MW, além de um reservatório inferior a 3 km². Por sua vez, as CGH possuem potência menor do que 1 MW. 89 http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/capacidadebrasil.asp, acesso em agosto de 2009. 126 Em segundo lugar, seria apropriada uma atenção mais cautelosa com as interligações efetuadas no sistema elétrico nos últimos anos. O capítulo 3 se dedicou mais aos segmentos de distribuição e geração, o que pode parecer que deixou um “vazio” entre as duas pontas da indústria de eletricidade. No primeiro capítulo, foi dedicada uma seção, baseada na pesquisa de Peiter, sobre a ligação das primeiras linhas de transmissão de significativa importância, por exemplo, a integração dos sistemas de MG, SP e RJ. As interligações sucessivas implementadas posteriormente, ainda no período de hegemonia estatal, configuraram um sistema elétrico composto por dois sub-sistemas (Norte-Nordeste e Centro-Sul). Caberia entender como se comporta o atual processo de interligação dos sistemas elétricos a partir da transição para o modelo de mercado. Quais são as principais empresas neste segmento? Qual é a proporção da participação das empresas privadas e públicas? Onde se realizam os principais investimentos? Onde estão localizados os sistemas isolados? Quais são as tendências para os próximos anos? Figura 4.2. Sistema interligado. 2007 Fonte: ONS - www.ons.org.br Figura 4.3. Sistemas isolados, outubro 2003. Fonte: Atlas da ANEEL (2005, p. 8). Em terceiro lugar, teria igualmente uma contribuição central para o entendimento desta nova geografia do setor elétrico brasileiro, um estudo em diferentes escalas. Alguns trabalhos de Vainer discutem “o problema da escala” (VAINER, 2006 e VAINER, 2001). Nestes trabalhos, fica claro que a construção da escala é um processo social, assim, “as escalas não estão dadas, mas são elas mesmas, objeto de confronto”. Ou ainda, “escolher uma escala é também, quase sempre, escolher um determinado sujeito, tanto quanto um determinado modo e campo de confrontação” (VAINER, 2001, p. 25). Esta dissertação se 127 ocupou em uma pesquisa em escala nacional, no entanto, uma investigação mais profunda careceria de uma pesquisa em escalas regionais e algumas vezes locais. Neste sentido, poderse-ia encontrar resultados distintos, pois como afirma Lacoste, a mudança de escala "transforma e, às vezes, de forma radical, a problemática que se pode estabelecer e os raciocínios que se possa formar. A mudança de escala corresponde a uma mudança do nível da conceituação" (LACOSTE, 1988, p. 77). O autor acrescenta ainda que "é preciso estar consciente que são fenômenos diferentes porque eles são apreendidos em diferentes níveis de análise espacial" (LACOSTE, 1988, p. 82). Há outras questões que também poderiam ser discutidas para tornar mais completa esta pesquisa, como por exemplo, a necessidade de se entender a geografia do consumo de eletricidade no período pós-privatização. Um novo modelo para o setor elétrico brasileiro? A partir das discussões travadas ao longo desta dissertação é possível destacar algumas das características desse modelo, que vem se consolidando nos últimos anos. Os principais investimentos em geração têm sido marcado pela parceria entre as empresas privadas e as controladas pelos governos federal e estaduais. Com exceção das usinas de Manso e Dona Francisca, todos os consórcios entre empresas público-privadas possuem uma participação percentual maior do capital privado. Vale lembrar, a obra pioneira neste sentido foi Serra da Mesa, em 1998, construída por Furnas e um consórcio de empresas. A partir desta se seguiram vários exemplos, o quadro abaixo aponta alguns deles: 128 Tabela 4.1. Parcerias público-privadas em empreendimentos hidrelétricos. 1998-2006. Usina Serra da Mesa MW 1.275 Ano 1998 Canoas I e II Igarapava 155 * 210 1999 1999 210 2000 Empresas (construção) Furnas e Banco Nacional (depois VBC) Cesp e CBA (grupo Votorantim) Cemig, CMM (grupo Votorantim) e CVRD Furnas e Odebrecht 1.450 2000 Eletrosul (depois Tractebel) e CSN Dona Francisca 125 2001 Lajeado 902 2001 CEEE, Copel, Celesc, Inepar, Engevix e Gerdau Rede, EDP, CEB e CPFL Porto Estrela 112 2001 Cemig, CVRD e Coteminas Machadinho 1.140 2002 Tractebel, CBA, Alcoa, Celesc e CEEE Funil Monte Claro 180 130 2003 2004 Cemig e CVRD CEEE, CPFL, Engevix 330 450 * 2005 2006 Cemig e CVRD Cemig, CVRD e Votorantim Manso Itá Aimorés Capim Branco I e II Composição atual do capital % CPFL (51,5) e Furnas (48,5) CBA (50,3) e Duke Energy (49,7) CVRD (38,2), Votorantim (23,9), CSN (17,9), Cemig (14,5) e outras. Furnas (70) e Odebrecht e Servix (30) Tractebel (69), CSN (29,5) e Itambé (1,5) CEEE (5), Gerdau (Dona Francisca Energética) (95) Rede (45), EDP (27), CEB (20) e outras Cemig (33,3), CVRD (33,3) e Coteminas (33,3) CBA (33), Alcoa (31), Valesul (10), Votorantim (7), Camargo Correa (6), CEEE (6,5) e Tractebel (19) CVRD (51) e Cemig (49) CERAN - CPFL (65), CEEE (30), Desenvix (5) CVRD (51) e Cemig (49) CVRD (48,4), Votorantim (12,6), Cemig (21) e outras. EDP (60) e Furnas (40) CPFL (49), CBA (25), CEEE (6,5) Peixe Angical 452 2006 Furnas e EDP Campos Novos 880 2006 CPFL, CBA, CEEE * Somadas as potências das duas usinas. Fonte: CACHAPUZ (2006, p. 580 et seq) e ANEEL <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/capacidadebrasil/capacidadebrasil.asp>, acesso em agosto de 2009. Esta característica deste modelo é objeto de vários questionamentos, pois é uma forma encontrada pelas empresas privadas de reduzir o capital investido sem, no entanto, perder o controle sobre o empreendimento. Como regra geral, o Estado entra com quase 50% do capital, enquanto a iniciativa privada com mais da metade. O caso das usinas que estão sendo construídas no rio Madeira, em Rondônia, é bastante elucidativo. O consórcio Santo Antônio Energia é composto por Furnas (39%), Cemig (10%), Odebrecht (18,6%), Andrade Gutierrez (12,4%) e o Fundo de Investimento - FIP (20%). O consórcio Energia Sustentável (usina de Jirau) é composto por Eletrosul (20%), Chesf (20%), Tractebel (50,1%) e Camargo Correa (9,9%). Torna-se uma parceria muito vantajosa para as empresas privadas, pois do capital que cabe a estas, boa parte é financiada pelo BNDES em condições favoráveis ao empreendedor. Na modalidade project finance, tratada no capítulo anterior, o empréstimo é pago com os lucros do empreendimento, caso não tenha sucesso, não há garantias do pagamento do débito. Outra característica deste modelo é a participação do BNDES como principal agente financeiro do setor elétrico. O banco, que conta com uma carteira superior ao Banco Mundial, tem se destacado nos projetos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. 129 Contraditoriamente, foi discutido no capítulo anterior que um dos principais argumentos dos porta-vozes do pensamento neoliberal para implantar um modelo de mercado no setor era a incapacidade de financiamento e de gestão de recursos financeiros por parte dos agentes estatais. Quase todos os investimentos em geração contam com o apoio do banco. Essa questão remete a uma terceira característica deste modelo, já vista no capítulo anterior: as altas taxas de lucratividade das empresas do setor alcançadas nos últimos cinco anos. São justamente os recursos do Estado, por intermédio do BNDES, que têm permitido tão expressivos lucros líquidos dos maiores agentes do mercado, além da satisfação dos acionistas e demais investidores. A tabela abaixo lista os projetos de geração hidrelétrica que contaram com a colaboração do BNDES, entre os anos de 2003 e 2008. A potência total dos empreendimentos totaliza mais de 22 mil MW, quase a totalidade da expansão da capacidade instalada brasileira no mesmo período. Somente para os dois projetos do rio Madeira foram aprovados empréstimos da ordem de R$ 13,4 bilhões. Tabela 4.2. Projetos hidrelétricos financiados pelo BNDES. 2003-2008. UHE (já concluídas) Potência (MW) Tucuruí (expansão) 8.370 Peixe Angical 452 Campos Novos 880 Barra Grande 690 Corumbá IV 127 Capim Branco I 240 Capim Branco II 210 Monte Claro 130 Castro Alves 130 Pedra do Cavalo 160 14 de julho 100 Ponte de Pedra 176 Itiquira 156 Picada 50 Dona Francisca 125 Espora 32 Salto do Pilão 182 São Salvador 243 UHE (não concluídas) Potência Estado (MW) PA Estreito 1.087 TO/ MA TO Foz do Chapecó 855 RS/ SC SC Simplício 334 RJ/ MG SC/ RS Retiro Baixo 82 MG GO Passo São João 77 RS MG Baguari 140 MG MG Monjolinho 67 RS RS Corumbá III 94 GO RS Foz do Rio Claro 68 GO BA São José 51 RS RS Caçu 65 GO MS/ MT Barra dos Coqueiros 90 GO MT Salto Rio Verdinho 93 GO MG Salto 108 GO RS Dardanelos 261 MT GO Santo Antônio 3.150 RO SC Jirau 3.300 RO TO 22.375 TOTAL Estado Fonte: <www.bndes.gov.br>, acesso em junho de 2009. O deslocamento da fronteira elétrica para Amazônia é outra questão que marca os últimos anos da indústria da eletricidade. Os empreendimentos que têm sido objeto de interesse das principais agentes do setor se localizam nos rios das bacias Amazônicas e 130 Tocantins. A tese de doutorado de Lemos traz alguns elementos que ajudam a entender como se operou a transição da concepção da região como uma fonte de recursos energéticos. A autora aponta como uma de suas hipóteses de trabalho que "houve uma transformação nas concepções do papel da Amazônia no cenário do desenvolvimento nacional e da exploração dos seus recursos energéticos, de modo que a região passou a ser vista, (...) como região exportadora de energia, jazida energética" (LEMOS, 2007, p. 23). O deslocamento em si não é um fato novo destes últimos anos do SEB, porém chama atenção a presença cada vez mais significativa dos investimentos hidrelétricos no Norte do país. Outra questão central e que tende a mudar o panorama da geração da eletricidade nos próximos anos se refere ao vencimento dos prazos de concessão de várias hidrelétricas nos próximos anos. Essa questão pode contribuir para alteração do mapa do setor, pois caso as empresas públicas não permaneçam na operação de suas principais usinas, haverá uma ampliação da participação privada no segmento de geração, assim como já ocorreu no segmento da distribuição. Notícias veiculadas na imprensa destacam a preocupação das maiores concessionárias. “Dados da ANEEL, apontam que a situação é particularmente difícil para as empresas que compõem o grupo Eletrobrás, que tem 15 usinas hidrelétricas e uma termelétrica cujas concessões vencem em 2015” (AGÊNCIA ESTADO, 28 de março de 2008). A reportagem também aponta a posição da ABRAGE (Associação Brasileira de Empresas Geradoras de Eletricidade) que defende a prorrogação das concessões sem necessidade de licitação. Segundo o Valor Econômico (30/09/2008), “no segmento de geração hidrelétrica, caminha-se para uma renovação ‘onerosa’ das concessões”, isto é, “como o empreendedor usa um bem público, o governo considera justa a adoção de uma contrapartida pelo concessionário”. 131 Tabela 4.3. Prazo de concessão de usinas por empresa. Empresa Chesf Chesf Chesf Furnas Furnas Cesp Cesp CEEE Copel Copel Copel Cemig Cemig Cemig Cemig Usina Boa Esperança Itaparica Moxotó Furnas Funil Ilha Solteira Três Irmãos Passo Real Chopim I Rio dos Patos Salto Caxias Camargos Salto Grande São Simão Volta Grande Concessão 2015 2015 2015 2015 2015 2015 2011 2015 2015 2014 2010 2015 2015 2015 2017 Empresa Chesf Chesf Furnas Furnas Furnas Cesp CEEE CEEE Copel Copel Cemig Cemig Cemig Cemig Cemig Usina Paulo Afonso (todas) Xingó Estreito Corumbá Marimbondo Jupiá Jacuí Canastra Mourão Cavernoso Itutinga Jaguará Miranda Três Marias Gafanhoto Concessão 2015 2015 2015 2014 2017 2015 2015 2015 2015 2011 2015 2013 2016 2015 2015 Fonte: ANEEL - <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/contrato/contrato.cfm?idramo=1>, acesso em julho de 2009. Por último, cabe ressaltar o segmento de distribuição de eletricidade, cuja expansão das empresas privadas promoveu mudanças ainda mais significativas do que na geração. Em primeiro lugar, a rápida passagem de maior parte do mercado para o controle das empresas privadas. Os problemas de vencimento dos prazos de concessão também atingem as distribuidoras, muitos vencem em 2015/16 (Copel, CEEE, Cemig, Celesc, CEB, etc). Este fato também pode alterar o quadro dos agentes do SEB, ampliar ou reduzir a concentração do mercado e modificar a participação das empresas públicas. 132 REFERÊNCIAS ABRANCHES, Sérgio Henrique. A empresa pública como agentes de políticas de Estado: fundamentos teóricos do seu papel em face de nossas relações como o exterior. In: Abranches S. H. et al. A empresa pública no Brasil: uma abordagem multidisciplinar, Brasília: IPEA, 1980. ALMEIDA, Sérgio Barbosa de. O potencial hidrelétrico brasileiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 53, n. 3, jul/ set, 1991. ANEEL. Atlas de energia elétrica do Brasil. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica, 2005. BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. 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Principais investimentos em geração de eletricidade, inauguração ou ampliação de unidades já existentes, no Brasil. 1930 - 1945. Usina UHE Pai Joaquim UHE Santa Marta UHE Gafanhoto UHE Cachoeira de Itaparica UHE Cubatão (atual Henry Borden) UHE Ilha dos Pombos UHE Fontes Nova UHE Jaguari UHE Marimbondo UHE Chaminé UHE Bracinho UHE do Lobo UHE Emas Novas UHE Jacare UHE Piraju UHE Caeté Capacidade (MW) 3 1 14 260 117 119 8 8 8 5 3 4 2 - Município Sacramento (MG) Grão Mogol (MG) Divinópolis (MG) Petrolândia (PE) Cubatão (SP) Resende (RJ) Piraí (RJ) Jacareí e São José dos Campos (SP) Icém (SP) São José dos Pinhais (PR) Schroeder (SC) Itirapina (SP) Pirassununga (SP) Brotas (SP) Piraju (SP) Caeté (MG) UHE Rio Piracicaba UHE Nova Lima UHE Casca I UTE Recife UTE Maceió UTE Pelotas UTE Natal Rio Piracicaba (MG) - Nova Lima (MG) Chapadas dos Guimarães (MT) Recife (PE) Maceió (AL) Pelotas (RS) Natal (RN) Agente Estado de MG Estado de MG Estado de MG sem informação SP Light RJ Light RJ Light CPFL CPFL CFLP Empresul C. E. Rio Claro C. E. Rio Claro C. E. Rio Claro CFL Santa Cruz Cia. Siderúrgica BelgoMineira Cia. Siderúrgica BelgoMineira Saint John Mining Company Cemat sem informação sem informação sem informação sem informação ANEXO B. Principais investimentos em geração de eletricidade, inauguração ou ampliação de unidades já existentes, no Brasil. 1946 - 1962. Usina UHE Piloto UHE Paulo Afonso I UHE Paulo Afonso II UTE Cotegipe UTE Charqueadas UHE Itutinga UHE Camargos UHE Piau UHE Tronqueiras UHE Salto Grande UHE Cajuru UHE Três Marias UHE Salto Grande UHE Jurumirim UHE Limoeiro UHE Euclides da Cunha Capacidade (MW) 2 180 150 20 54 50 46 18 9 102 7 129 70 98 16 27 Município Paulo Afonso (BA) Paulo Afonso (BA) Paulo Afonso (BA) Cotegipe (BA) Charqueadas (RS) Itutinga (MG) Itutinga (MG) Santos Dumont (MG) Coroaci (MG) Braúnas (MG) Sacramento (MG) Três Marias (MG) Cambará (PR) e Rio Grande (SP) Piraju (SP) São José do Rio Pardo (SP) São José do Rio Pardo (SP) Agente Chesf Chesf Chesf Chesf Termochar Cemig Cemig Cemig Cemig Cemig Cemig Cemig Uselpa Uselpa Cherp Cherp 138 UHE Passo do Inferno UTE São Jerônimo UHE Canastra UTE Candiota UHE Salto de Jacuí UHE Franca Amaral UHE Macabu UHE Rio Bonito UHE Rochedo UHE Cachoeira Dourada UHE Casca I UHE Casca II UHE Cubatão UHE Cubatão II UTE Piratininga UHE Fontes Novas UHE do Vigário UHE Ponte Coberta (atual Pereira Passos) UHE Ilha dos Pombos UHE Santa Cecília UHE Nilo Peçanha UHE Avanhandava UHE Americana UHE Jaguari UTE Candioba UHE Peixoto UHE Peti UHE Chaminé UHE Guaricana UHE Areal UTE São Gonçalo UTE Pelotas UTE Natal UHE Eloy Chaves 2 20 42 20 25 5 21 17 4 São Francisco de Paula (RS) São Jerônimo (RS) Taquara (RS) Bagé (RS) Salto de Jacuí (RS) Bom Jesus do Itabapoana (RJ) Trajano de Morais (RJ) Santa Maria de Jetibá (ES) Piracanjuba (GO) Itumbiara (GO) e Cachoeira Dourada (MG) CEEE CEEE CEEE CEEE CEEE EFE EFE Escelsa Celg 34 474 390 450 154 91 Chapadas dos Guimarães (MT) Chapadas dos Guimarães (MT) Cubatão (SP) Cubatão (SP) São Paulo (SP) Piraí (RJ) Piraí (RJ) Celg Cemat Cemat SP Light SP Light SP Light Rio Light Rio Light 90 168 35 330 30 30 12 30 192 9 16 23 21 22 10 10 - Piraí (RJ) Resende (RJ) Barra do Piraí (RJ) Barra do Piraí (RJ) Avanhandava (SP) Americana (SP) Pedreira (SP) Americana (SP) Ibiraci (SP) São Gonçalo do Rio Abaixo (MG) São José dos Pinhais (PR) Guaratuba (PR) Três Rios (RJ) São Gonçalo (RJ) Pelotas (RS) Natal (RN) Espírito Santo do Pinhal (SP) Rio Light Rio Light Rio Light Rio Light CPFL CPFL CPFL CPFL CPFL Amforp MG CFLP CFLP Amforp RJ Amforp RJ Amforp RS Amforp RN CE Rio Claro ANEXO C. Principais investimentos em geração de eletricidade, inauguração ou ampliação de unidades já existentes, no Brasil. 1963 - 1989. Usina UHE Paulo Afonso II UHE Paulo Afonso III UHE Paulo Afonso IV UHE Moxotó UHE Sobradinho UHE Luiz Gonzaga UTE Camaçari UTE Porto de Aratu UTE Bongi UHE Furnas Capacidade (MW) 480 864 2.460 440 1.050 1.500 290 120 142 1.216 Município Paulo Afonso (BA) Paulo Afonso (BA) Paulo Afonso (BA) Paulo Afonso (BA) Juazeiro (BA) Petrolândia (PE) Camaçari (BA) Salvador (BA) Recife (PE) Alpinópolis (MG) Agente Chesf Chesf Chesf Chesf Chesf Chesf Chesf Chesf Chesf Furnas 139 UHE Estreito UHE Porto Colômbia UHE Marimbondo UHE Itumbiara UTE Santa Cruz UHE Funil UTE Angra I UHE Passo Fundo UHE Salto Osório UHE Salto Santiago UTE Jorge Lacerda (4 unid.) UTE Alegrete UTE Charqueadas UHE Coaracy Nunes UHE Tucuruí UHE Balbina UHE Samuel UTE São Luis II UHE Itaipu (parte brasileira) UHE Pereira Passos UHE Suíça UHE Mascarenhas UHE Barra Bonita UHE Caconde UHE Limoeiro UHE Euclides da Cunha UHE Bariri UHE Jupiá UHE Ilha Solteira UHE Chavantes UHE Ibitinga UHE Jaguari UHE Promissão UHE Capivara UHE Água Vermelha UHE Paraibuna UHE Nova Avanhadava UHE Rosana UHE Peixoto UHE Três Marias UHE Jaguara UHE Volta Grande UHE São Simão UHE Emborcação UTE Igarapé UHE Foz do Chopim UHE Capivari-Cachoeira UHE Foz do Areia UTE Figueira UHE Passo Real UHE Jacuí UHE Itaúba 700 320 1.440 2.082 600 216 657 220 700 1.332 482 66 72 39 4.000 250 216 110 5.250 93 30 104 122 80 28 108 141 1.411 3230 414 141 28 264 619 1.380 86 302 80 476 396 424 380 1.608 1.192 125 44 252 1.676 20 150 180 500 Sacramento (MG) e Rifaina (SP) Guaíra (SP) e Planura (MG) Icém (SP) e Fronteira (MG) Itumbiara (GO) Rio de Janeiro Itatiaia (RJ) Angra dos Reis (RJ) Entre Rios do Sul (RS) Quedas de Iguaçu (PR) Laranjeiras do Sul (PR) Capivari de Baixo (SC) Alegrete (RS) Charqueadas (RS) Macapá (AP) Tucuruí (PA) Presidente Figueiredo (AM) Porto Velho (RO) São Luiz (MA) Foz do Iguaçu (PR) Piraí (RJ) Santa Leopoldina (ES) Baixo Guandu (ES) e Aimorés (MG) Barra Bonita (SP) Caconde (SP) São José do Rio Pardo (SP) São José do Rio Pardo (SP) Boracéia (SP) Castilho (SP) e Três Lagoas (MS) Ilha Solteira (SP) e Selvíria (MS) Chavantes (SP) e Ribeirão Claro (PR) Ibitinga (SP) Jacaraeí (SP) Ubarana (SP) Taciba (SP) e Porecatu (PR) Indiaporã (SP) Paraibuna (SP) Buritama (SP) Rosana (SP) Ibiraci (MG) Três Marias (MG) Rifaina (SP) e Sacramento (MG) Conceição das Alagoas (MG) São Simão (GO) e Santa Vitória (MG) Araguari (MG) e Catalão (GO) Belo Horizonte (MG) Dois Vizinhos (PR) Antonina (PR) Pinhão (PR) Curiúva (PR) Salto do Jacuí (RS) Salto do Jacuí (RS) Pinhal Grande (RS) Furnas Furnas Furnas Furnas Furnas Furnas Furnas (Nuclebrás) Eletrosul Eletrosul Eletrosul Eletrosul Eletrosul Eletrosul Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Itaipu Binacional Rio Light Escelsa Escelsa Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp Cesp CPFL Cemig Cemig Cemig Cemig Cemig Cemig Copel Copel Copel Copel CEEE CEEE CEEE 140 UTE Candiota II UTE Porto Alegre UHE Garcia UHE Celso Ramos UHE Palmeiras UHE Bracinho UHE Cachoeira Dourada UHE Isamu Ikeda UHE Casca III UTE Sinop UHE Paranoá UTE Brasília UHE Salto Mimoso UHE Boa Esperança UHE Funil UHE Pedra UHE Araras UHE Coremas UHE João Goulart UTE Barreiras UTE Itapecuruzinho UHE Curuá-Una UTE Guajará-Mirim UTE Cruzeiro do Sul UTE Rio Branco I UTE Boa Vista II UTE Tapanã I e II e Miramar UTE Aparecida UTE Mauá UTE Electron UTE Porto Velho I e II UTE Caracaraí 446 24 9 9 17 16 448 17 12 12 17 10 30 110 30 23 4 4 8 5 5 30 16 12 27 18 251 22 137 120 3 Bagé (RS) Porto Alegre (RS) Angelina (SC) Faxinal do Guedes (SC) Rio dos Cedros (SC) Schroeder (SC) Cachoeira Dourada (MG) e Itumbiara (GO) Ponte Alta do Tocantins (TO) Chapada dos Guimarães (MT) Sinop (MT) Brasília (DF) Brasília (DF) Ribas do Rio Pardo (MS) Guadalupe (PI) Ubatã (BA) Jequié (BA) Varjota (CE) Coremas (PB) Correntina (BA) Barreiras (BA) Carolina (MA) Santarém (PA) Guajará-Mirim (RO) Cruzeiro do Sul (AC) Rio Branco (AC) Boa Vista (RR) Belém (PA) Manaus (AM) Manaus (AM) Manaus (AM) Porto Velho (RO) Boa Vista (RR) UHE Nova Maurício 32 Leopoldina (MG) UHE Glória UHE Paranapanema 14 13 Muriaé (MG) Piraju (SP) CEEE CEEE Celesc Celesc Celesc Celesc Celg Celg Cemat Cemat Ceb Ceb Cemat Cohebe (depois Chesf) Cerc (depois Chesf) Coelba (depois Chesf) Dnocs (depois Chesf) Dnocs (depois Chesf) Coelba Coelba Cemar Celpa Ceron Eletroacre Eletroacre Cer Celpa Cem Cem Cem Ceron Cer CFL CataguazesLeopoldina CFL CataguazesLeopoldina CFL Santa Cruz ANEXO D. Principais investimentos em geração de eletricidade, inauguração ou ampliação de unidades já existentes, no Brasil. 1990 - 2006. Usina UHE Itaipu UHE Corumbá I UHE Serra da Mesa UHE Manso UTE Santa Cruz UHE Cana Brava UTE Angra 2 UHE Rosana UHE Taquaruçu UHE Três Irmãos Capacidade (MW) 7.000 375 1.275 210 766 450 1.350 368 526 808 Município Foz do Iguaçu (PR) Caldas Novas e Corumbaíba (GO) Minaçu (GO) Chapada dos Guimarães (MT) Rio de Janeiro (RJ) Minaçu e Cavalcante (GO) Angra dos Reis (RJ) Rosana (SP) Sandovalina (SP) Itaguajé (PR) Andradina e Pereira Barreto (SP) Agente Itaipu Binacional Furnas Furnas Furnas Furnas Tractebel Eletronuclear Cesp (depois Duke Energy) Cesp (depois Duke Energy) Cesp 141 Porto Primavera (Eng. Sérgio Mota) UHE Canoas I UHE Canoas II UHE Nova Ponte UHE Miranda UHE Igarapava UHE Queimado UHE Capim Branco I UHE Capim Branco II UHE Irapé UHE Porto Estrela UHE Aimorés UHE Funil (Eng. José Mendes) UHE Cachoeira Dourada (ampliação) UHE Segredo UHE Salto Caxias 1.540 83 72 510 408 210 105 240 210 360 112 330 180 Teodoro Sampaio (SP) e Anaurilândia (MS) Cândido Mota (SP) e Itambaracá (PR) Palmital (SP) e Andirá (PR) Nova Ponte (MG) Indianópolis (MG) Igarapava (SP) e Conquista (MG) Unaí (MG) e Cristalina (GO) Araguari e Uberlândia (MG) Araguari e Uberlândia (MG) Berilo e Grão-Mogol (MG) Joanésia e Açucena (MG) Aimorés (MG) e Baixo Guandu (ES) Lavras e Perdões (MG) 658 Cachoeira Dourada e Itumbiara (GO) 1.260 1.240 UHE Palmas (eólica) UTE Jorge Lacerda IV UHE Itá UHE Machadinho 2,5 350 1.450 1.140 Cesp Cesp (depois Duke Energy) Cesp (depois Duke Energy) Cemig Cemig Cemig Cemig e CEB Cemig e CVRD Cemig e CVRD Cemig Cemig e CVRD Cemig e CVRD Cemig e CVRD UHE Xingó 3.000 UHE Luiz Gonzaga UHE Boa Esperança UTE Camaçari UHE Alto-Fêmeas I UHE Tucuruí UHE Balbina UHE Samuel UHE Coaracy Nunes UTE Aparecida UTE Mauá UTE Electron UTE Rio Madeira (Fausto Guimarães) UTE Rio Acre UTE Floresta UTE Santana UHE Lajeado (Luis Eduardo Magalhães) UTE Uruguaiana UTE Cuiabá UHE Santa Branca UHE Rosal UTE William Arjona UTE CTE II UHE Guilman Amorim 1.500 237 346 11 8.370 250 216 72 126 137 121 35 Mangueirinha e Pinhão (PR) Capitão Leônidas Marques e Nova Prata do Iguaçu (PR) Palmas (PR) Tubarão (SC) Aratiba (RS) e Itá (SC) Piratuba (SC) e Maximiliano de Almeida (RS) Canindé de São Francisco (SE) e Piranhas (AL) Petrolândia (PE) Guadalupe (PI) Dias D'Ávila (BA) São Desidério (BA) Tucuruí (PA) Presidente Figueiredo (AM) Porto Velho (RO) Macapá (AP) Manaus (AM) Manaus (AM) Manaus (AM) Porto Velho (RO) 19 70 126 902 Rio Branco (AC) Boa Vista (RR) Macapá (AP) Iracema e Lajeado (TO) 640 480 57 55 190 238 140 Uruguaiana (RS) Cuiabá (MT) Jacareí e Santa Branca (SP) Bom Jesus do Itabapoana (RJ) Campo Grande (MS) Volta Redonda (RJ) Nova Era e Antônio Dias (MG) Celg (depois Endesa) Copel Copel Copel e Enercon Gerasul (depois Tractebel) Gerasul (depois Tractebel) Gerasul (depois Tractebel) Chesf Chesf Chesf Chesf Coelba Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte Eletronorte AES Enron e Shell Light Grupo Rede Enersul (depois Tractebel) CSN Samarco e Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira 142 UHE Sobragi UHE Muniz Freire UHE Prainha UTE El Paso Amazonas UTE El Paso Rio Negro UTE Macaé (Mario Lago) Termonorte UTE Araucária UHE Cachoeira UHE Alto Jatapu (Eng. Dario Gomes) UHE Dona Francisca UHE Santa Clara UHE Jauru UHE Quebra Queixo 60 25 10 120 166 928 140 480 11 5 Simão Pereira e Belmiro Braga (MG) Muniz Freire (ES) Aquiraz (CE) Manaus (AM) Manaus (AM) Macaé (RJ) Porto Velho (RO) Curitiba (PR) Vilhena (RO) Caroebe (RR) Cia. Paraibuna de Metais Samarco 125 60 120 120 Agudo e Nova Palma (RS) Serra Aimorés (MG) e Mucuri (BA) Jauru (MT) Ipuaçu e São Domingos (SC) UHE Santa Clara UHE Fundão UHE Itiquira UHE Piraju UTE Eletrobolt (Barbosa Lima Sobrinho) Termoceará (Sen Carlos Jeressati) Ibiritermo UTE Juiz de Fora Termocanoas UTE Fafen UTE Nova Piratininga UTE Norte Fluminense TermoRio (Gov. Leonel Brizola) UTE Três Lagoas (Luiz Carlos Prestes) TermoBahia UHE Itapebi UHE Barra Grande 120 120 156 60 379 Candói e Pinhão (PR) Pinhão e Fox do Jordão (PR) Itiquira (MT) Piraju (SP) Seropédica (RJ) Gerdau, CEEE Queiroz Galvão Queiroz Galvão Queiroz Galvão, Barbosa Mello Elejor (Copel) Elejor (Copel) Consórcio Itisa 220 Caucaia (CE) 226 82 160 138 386 868 596 Ibirité (MG) Juiz de Fora (MG) Canoas (RS) Camaçari (BA) São Paulo (SP) Macaé (RJ) Duque de Caxias (RJ) 306 Três Lagoas (MS) UHE Ponte de Pedra UHE Pedra do Cavalo 176 160 UHE Candonga (Risoleta Neves) UHE Guaporé UHE Monte Claro UHE Ourinhos Termopernambuco UTE Fortaleza UHE Peixe Angical UHE Picada UHE Corumbá IV 140 El Paso El Paso El Paso El Paso (depois Copel) Petrobrás MPX (depois Petrobrás) Edison e Petrobras Energisa (depois Petrobrás) Petrobrás Petrobrás Petrobrás EDF e Petrobrás Petrobrás 185 698 124 130 44 532 356 452 50 127 Petrobrás São Francisco do Conde (BA) Petrobrás e ABB Equity Itapebi (BA) Coelba Anita Garibaldi (SC) e Pinhal da Serra Alcoa, Camargo Correa, (RS) CBA, CPFL Sonora (MS) e Itiquira (MT) Tractebel Governador Manguabeira e Cachoeira (BA) Votorantim Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce (MG) CVRD e Alcan Pontes e Lacerda (MT) Grupo Rede Veranópolis (RS) CEEE, CPFL, Engevix Ourinhos (SP) e Jacarezinho (PR) CBA Ipojuca (PE) Neoenergia e Iberdrola Caucaia (CE) Endesa Peixe e S. Salvador do Tocantins (TO) EDP e Furnas Juiz de Fora (MG) Votorantim Luziânia (GO) Serveng, CEB, Banco de Brasília